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Ijuí
2018
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Ijuí
2018
Catalogação na Publicação
CDU: 371.13:54
Dedico este trabalho aos meus avós Maria de Jesus (in memoriam) e Antão (in memoriam),
pelos ensinamentos e exemplos de vida deixados neste mundo material.
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus pela vida, aos meus pais pela educação e apoio
incondicional, à minha esposa Ana Paula pelo companheirismo e incentivo constante, à minha
orientadora Professora Marli Dallagnol Frison pelo auxílio amigo, atento, profissional e,
sobretudo, humano ao longo de todo o processo de escrita desta dissertação. Agradeço as
contribuições qualificadas das Professoras Judite Scherer Wenzel e Lenir Basso Zanon, que
permitiram vislumbrar novos horizontes, à UNIJUÍ, ao programa de Pós-Graduação em
Educação nas Ciências, ao Departamento de Humanidades e Educação, ao Comitê de Ética
em Pesquisa na pessoa da Amália, à Universidade Federal da Fronteira Sul – Campus Cerro
Largo, ao curso de Química Licenciatura, aos sujeitos de pesquisa, ao Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico e a todos que de alguma ou outra forma permitam
que esse sonho se concretizasse.
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RESUMO
ABSTRACT
The study aim to understand the role of language in the subject’s constitution process and its
implication in chemistry teacher formation. Based on the historical-cultural perspective,
mainly Vigotski’s (2008) and Leontiev’s (2004) contributions about humane development,
with a special focus in the role of language in this process. It explores different conceptions of
individuals in formation, being: teacher trainers, graduates and undergraduates in chemistry in
a Federal University, in the countryside of Rio Grande do Sul, about the role of the language
in the subject’s constitution process and regarding the role of the chemistry language in
chemistry teacher education. For this purpose, interviews were performance with these last
ones and semi-structured questionnaires were implemented to those ones. To analyze
structured data, Discursive Textual Analysis (ATD) principles were used, proposed by
Moraes and Galiazzi (2016). From the reading and the analysis of the answers granted by the
subjects in the questionnaires, four categories arose, divided in two thematic focus, being:
humane development and chemistry teacher formation. Regarding “humane development”,
there are appropriation and mediation categories. Regarding “chemistry teacher formation”,
the focus is made up by “contextualization” and “intermediation” categories. It is relevant to
highlight that to each analysis category have been drawn up two susceptible defense
approaches and argumentation by theoretical background and by the data produced. The
results indicate the importance of language in the subject process of creation, as well as they
show different worries related to chemistry language signification and its contextualization in
teaching and learning processes.
LISTA DE QUADROS
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 9
APÊNDICES ................................................................................................................. 81
9
INTRODUÇÃO
o estudante ainda não apresenta uma significação generalizada para a mesma, mas o seu uso
crescente e coerente, num processo de ensino mediado, possibilita a ampliação dos sentidos e
dos significados a ela atribuídos.
É preciso que o estudante entenda a linguagem utilizada pelo professor em sala de
aula, caso contrário a comunicação e o aprendizado tornar-se-ão muito difíceis ou até mesmo
impossíveis. Haja vista que os significados atribuídos pelos estudantes para um determinado
assunto/conceito podem ser muito diferentes do entendimento do professor e da
ciência/química (LEMKE, 1997, tradução própria). Como exemplo é possível indicar o
trabalho de Roque e Silva (2008) que advertem para a importância de os estudantes
entenderem as especificidades do discurso da química orgânica ao fazerem uso da
representação de uma fórmula estrutural. Tal defesa está intimamente vinculada ao referencial
teórico aqui abordado, uma vez que a linguagem química exerce um papel decisivo no
aprendizado e na constituição de um pensamento químico, elementos indispensáveis para a
constituição do sujeito professor de química.
As experiências formativas vivenciadas na condição de estudante de licenciatura,
bolsista de iniciação científica e agora como professor de química e ciências corroboram a
aposta, com base no referencial histórico-cultural, de que a aprendizagem se torna mais
significativa à medida que os conceitos são apropriados pelos sujeitos. Isto é, são
internalizados e passam a fazer parte de seu discurso, o que só pode ocorrer em um ambiente
pedagógico qualificado, pautado pelo diálogo intermitente acerca dos conceitos da área do
conhecimento que se almeja ensinar.
Com base na perspectiva histórico-cultural e nas especificidades da linguagem
química, argumento ser fundamental que o estudante faça uso da linguagem específica da
química em diferentes contextos e níveis de ensino para poder se apropriar dos conhecimentos
que circulam na sala de aula e na sociedade. Concomitante a isso, é imprescindível que o
licenciando compreenda a linguagem química como constituinte de sua formação como
sujeito professor de química, pois é a partir dela que ele orientará a aprendizagem de seus
estudantes e construirá um pensamento químico sobre o mundo da vida.
Nesse sentido, a problemática de pesquisa que norteia este estudo pode ser expressa
pelo seguinte questionamento: qual a influência da linguagem na constituição do sujeito e
quais as suas implicações na formação inicial de professores de química? Para respondê-la,
busco aporte no referencial histórico-cultural que discute a relação entre linguagem e
pensamento no processo de constituição do sujeito por meio do desenvolvimento de suas
11
evolutivas paralelas, em um dado estágio do desenvolvimento humano, por volta dos dois
anos de idade, fala e pensamento se unem, dando origem a uma forma nova de
comportamento, nasce, então, o pensamento verbal.
Por outro lado, há um segundo tipo de método de análise, denominado análise em
unidades, cujo caminho metodológico parece mais coerente e adequado ao estudo das
estruturas psicológicas, isto é, do pensamento e da linguagem. Por unidade, Vigotski entende
um produto de análise, o qual diferentemente dos elementos, reproduz todas as propriedades
do todo. O autor (2008) retoma o exemplo da água e afirma que são as suas moléculas e os
seus respectivos comportamentos que devem ser analisados para predizer as propriedades
químicas da água, e não seus elementos constituintes tomados à parte.
Nessa perspectiva, o próprio autor (2008) questiona qual será, então, a unidade do
pensamento verbal que atende essas condições? E imediata e objetivamente assinala para o
significado da palavra como chave para a compreensão da problemática anunciada, visto que
é nesse aspecto inerente da palavra que o pensamento e a fala se atrelam e se transformam em
pensamento verbal.
As contribuições dos estudos de Vigotski e de seus colaboradores sinalizam que as
clássicas vertentes psicológicas, como a Gestalt e a psicologia associacionista, falharam na
tentativa de desvendar a natureza do significado da palavra. De acordo com Vigotski (2008, p.
5-6), “uma palavra não se refere a um objeto isolado, mas sim a um grupo ou classe de
objetos; portanto, cada palavra já é uma generalização”. Apoiado no referencial histórico-
cultural, posso afirmar que, por conseguinte, toda palavra provida de significado é um
conceito e como tal, uma generalização, isto é, um ato verbal do pensamento nas palavras do
autor.
Concomitante a isso e considerando que significado e palavra são elementos
indissociáveis, é possível ponderar que o significado da palavra concerne tanto ao campo da
linguagem quanto ao campo do pensamento. Logo, constitui a unidade do pensamento verbal
anunciada por Vigotski e clarifica o método que deve ser adotado na investigação da natureza
do pensamento verbal, a saber: a análise semântica, que nada mais é do que “o estudo do
desenvolvimento, do funcionamento e da estrutura dessas unidades, em que pensamento e fala
estão inter-relacionados” (VIGOTSKI, 2008, p. 6).
Conforme Vigotski (2008, p. 6), a função primeira da linguagem é a comunicação, o
que o autor chama de “intercâmbio social”. Eis, pois a origem social da linguagem, cujo
processo de aquisição dá-se majoritariamente pelo outro, ambos imbuídos na malha social.
Isso implica na responsabilidade social desse outro sujeito para com o desenvolvimento
16
intelectual da criança, por exemplo, fato que Leontiev (2004) também discute com
propriedade. É válido sublinhar que esta discussão pode e deve ser estendida para o contexto
escolar e, mais precisamente, para a função social do professor na formação dos estudantes.
A linguagem possui distintas funções e dentre elas é possível citar a comunicação
que tanto no seu aspecto externo, isto é, coletivo, quanto interno, interiorizada, constitui uma
“condição específica indispensável do processo de apropriação pelos indivíduos dos
conhecimentos adquiridos no decurso do desenvolvimento histórico da humanidade”
(LEONTIEV, 2004, p. 170). De acordo com Leontiev (2004):
mesmo paralelas, sem se considerar a inter-relação de sua estrutura e desenvolvimento” (p. 6).
Contudo, o significado da palavra constitui uma unidade que pertence tanto a função de
comunicação quanto a função intelectual da fala. Acordo com as ideias de Vigotski quando
este afirma que:
macacos constituem uma forma de transição entre os atos de agarrar e de apontar”. Vigotski
(2008) chama a atenção para essa forma de transição por constituir um marco significativo da
passagem da expressão puramente afetiva, que caracteriza a linguagem animal, para a
linguagem objetiva, tipicamente humana.
Seguindo na busca das raízes do pensamento e da fala a partir da perspectiva
filogenética, Vigotski (2008) também discute os estudos de Yerkes sobre o intelecto dos
orangotangos. Para o psicólogo russo, Yerkes foi ousado e unânime na tentativa de explicar a
ausência de fala nos antropoides. Ultrapassando Koehler, constatou a presença do que ele
próprio chamou de ‘ideação mais elevada’ nos orangotangos, cuja característica pode ser
comparada ao intelecto de uma criança de no máximo 3 anos de idade (VIGOTSKI, 2008).
No entanto, Vigotski (2008) critica as conclusões de Yerkes devido a
superficialidade científica de sua hipótese baseada na analogia entre o comportamento
humano e animal. De acordo com ele, Yerkes “não nos apresenta nenhuma prova objetiva de
que os orangotangos resolvam problemas recorrendo à ideação, isto é, a imagens ou estímulos
residuais” (VIGOSTKI, 2008, p. 44-45). Diferentemente dele, escreve Vigostki, Koehler
demonstrou experimentalmente que o sucesso das ações dos chimpanzés estava relacionado a
contemplação visual e simultânea de “todos os elementos da situação” (2008, p. 45).
Os estudos seguintes de Yerkes confirmaram que os macacos são incapazes de
produzir fala no sentido humano da palavra, mesmo possuindo um aparelho fonador
semelhante ao humano. O pesquisador, destaca Vigotski (2008), atribui essa ausência à
incapacidade de imitar sons. “A sua mímica depende quase que totalmente de estímulos
visuais; copiam ações, mas não sons. São incapazes de fazer o que o papagaio faz com tanto
êxito” (VIGOTSKI, 2008, p. 46).
Nesse ponto, Vigotski abre um parêntese que merece destaque. Segundo ele, o
fracasso dos experimentos até então não permite inferir que é impossível ensinar os
chimpanzés a falar, pois o erro pode ser do próprio pesquisador ou, talvez, do método de
investigação adotado. O que parece óbvio suscita uma significativa reflexão que pode e deve
ser estendida para outros estudos, que não menos científicos serão nesse caso.
Voltando à análise vigotskiana acerca da tese de Yerkes sobre a incapacidade de falar
dos chimpanzés, novamente sua hipótese não se sustenta, uma vez que, segundo Vigotski
(2008, p. 47) “a linguagem não depende necessariamente do som”. Um exemplo clássico é a
linguagem de sinais, que é, de acordo com o autor, “também [uma] interpretação de
movimentos”.
23
nunca se teve qualquer indício de que eles [os chimpanzés] usem signos. A única
coisa que sabemos com certeza objetiva é que não possuem ‘ideação’, mas, sob
certas condições, são capazes de fazer instrumentos muito simples e de recorrer a
‘artifícios’, desde que essas condições incluam uma situação perfeitamente visível e
clara (VIGOTSKI, 2008, p. 48) [grifo meu].
autor chama a atenção para uma importante descoberta a partir desses experimentos, a saber:
o fato de que as reações intelectuais embrionárias não dependem da fala.
A segunda linha teórica caracterizada pelo autor compreende a ocorrência de uma
fase pré-intelectual no desenvolvimento da fala. Figuram exemplos o choro e o balbucio da
criança, os quais, de acordo com Vigotski, “são claramente estágios do desenvolvimento da
fala que não têm nenhuma relação com a evolução do pensamento” (2008, p. 52). Tal fato é
corroborado por pesquisas contemporâneas sobre as primeiras manifestações de
comportamento da criança e das suas primeiras “respostas” à voz humana, as quais revelaram
que a função social da fala já é perceptível durante o primeiro ano de vida. Vigotski (2008, p.
53), ainda salienta que “essas investigações também demonstraram que as risadas, os sons
inarticulados, os movimentos etc., são meios de contato social a partir dos primeiros meses de
vida da criança” [grifo meu].
Entretanto, o que importa para Vigotski é que em dado momento do
desenvolvimento humano, por volta dos dois anos de idade, as linhas evolutivas do
pensamento e da fala, que permaneciam até então separadas geneticamente, se unem, dando
início a uma nova forma de comportamento. A criança descobre, então, que cada “coisa” tem
um nome. Isso é fantástico em termos de desenvolvimento humano, pois desencadeia o
estabelecimento de relações intelectuais que tornam possível o pensamento. Segundo Vigotski
(2008, p. 54), esse momento decisivo “é indicado por dois sintomas objetivos inconfundíveis:
(1) a curiosidade ativa e repentina da criança pelas palavras, suas perguntas sobre cada coisa
nova (‘O que é isto?’); e (2) a consequente ampliação de seu vocabulário, que ocorre de forma
rápida e aos saltos”.
Em conformidade com as ideias de Leontiev (20014), o pensamento, no sentido
pleno da palavra, é possível por meio de mediações, isto é, necessita de algo para que
possamos relacionar as coisas e de tal relação abstrair determinadas propriedades que,
geralmente, não são acessíveis diretamente ao intelecto humano. Esse algo que serve como
ponte entre a realidade e o seu reflexo consciente (pensamento) é a linguagem. Em outras
palavras, nessa nova etapa do desenvolvimento a criança precisa das palavras e ao questionar
sobre algo ou alguém vai se apropriando por meio da aprendizagem dos signos associados aos
objetos ou às pessoas. De acordo com Vigotski (2008, p. 54), “ela parece ter descoberto a
função simbólica das palavras”. A fala ascende para outro nível e passa a relacionar-se com o
intelecto, ou seja, com o pensamento. Apoiado no referencial histórico-cultural, é possível
afirmar que a criança descobriu a função social da fala, o que é possível, por sua vez, por que
já avançou de nível no desenvolvimento do pensamento e fala.
25
[...] no tocante à estrutura, quase não há diferença entre sussurrar e falar alto; quanto
à função, o sussurro difere profundamente da fala interior e nem mesmo manifesta
uma tendência para assumir as características típicas desta última. Além disso, não
se desenvolve espontaneamente até a idade escolar, embora possa ser induzido
muito cedo: sob pressão social, uma criança de três anos pode, por períodos curtos e
com muito esforço, abaixar a voz ou sussurrar (VIGOTSKI, 2008, p. 55-6).
Qual seria, então, essa fase de transição entre a fala exterior e a interior? Vigotski
(2008, p. 56) aposta na fala egocêntrica da criança, a qual foi descrita por Piaget, como sendo
o ‘elo intermediário’ entre essas duas formas distintas de manifestação da fala. Isso por que,
além dela “acompanhar a atividade da criança e de sua função de descarga emocional,
rapidamente assume uma função planejadora, isto é, transforma-se, de maneira fácil e natural,
no pensamento propriamente dito”.
O autor conclui que “a fala é interiorizada psicologicamente antes de ser
interiorizada fisicamente” (VIGOTSKI, 2008, p. 56). Segundo Vigotski (2008), a fala
egocêntrica de Piaget é, em termos funcionais, a fala interior, a fala em seu percurso para a
interiorização, em outras palavras. Ele também a define como elemento íntimo da organização
do comportamento infantil, “já parcialmente incompreensível para outras pessoas, embora
explícita em sua forma e sem apresentar nenhuma tendência para se transformar em sussurro
ou qualquer outra forma de fala a meio tom” (VIGOTSKI, 2008, p. 56).
Nesse contexto, faz-se necessário explicitar por que e como ocorre a interiorização.
O autor é objetivo ao discorrer sobre tal processo, vinculando-o a mudança de função. A fala
ao ascender de nível é passível de interiorização e, por conseguinte, torna-se fala interior.
Consoante ao entendimento vigotskiano, o desenvolvimento da fala humana comportaria três
fases, a saber: fala exterior (do outro), fala egocêntrica e fala interior. Outrossim, os estudos
27
Neste tópico discutirei, com base em Vigotski (2008) e outros autores do referencial
histórico cultural (LEONTIEV, 2004; ANDRADE, 2010; KASSAR, 2010; SMOLKA, 2010),
o significado das palavras como unidade do pensamento verbal e sua implicação nos
processos de ensino e de aprendizagem, conforme a significação e o desenvolvimento do
sujeito. A escolha pela temática em questão se deve ao entendimento, já explicitado, de que
“o significado de uma palavra representa um amálgama tão estreito do pensamento e da
29
linguagem, que fica difícil dizer quando se trata de um fenômeno da fala ou de um fenômeno
do pensamento” (VIGOTSKI, 2008, p. 150).
Segundo o autor, uma palavra desprovida de significado nada mais é do que um som
no vácuo, ou seja, não se propaga, não carrega algo que possa ser transmitido ao outro. O
significado, desse modo, constitui um elemento da palavra, ou nas palavras do próprio
Vigotski “seu componente indispensável” (2008, p. 150-1).
Conforme Leontiev, “a significação é aquilo que num objeto ou fenômeno se
descobre objetivamente num sistema de ligações, de interações e de relações objetivas” (2004,
p. 94). E esse descobrir implica num processo ativo e pessoal por parte do indivíduo. Em
outras palavras, o autor ensina que “a significação é a generalização da realidade que é
cristalizada e fixada num vetor sensível, ordinariamente a palavra ou a locução” (2004, p. 94).
Sensível, pois o significado da palavra evolui em conformidade com a evolução do
conhecimento à medida que surgem novas teorias capazes de explicar mais globalmente as
causas de um fenômeno, por exemplo. Destarte, como conclui o próprio autor “a significação
pertence, portanto, antes de mais, ao mundo dos fenômenos objetivamente históricos”
(LEONTIEV, 2004, p. 94).
Nessa perspectiva, Vigotski (2008) adverte que o significado de uma palavra poderia
ser concebido como uma manifestação da fala, uma vez que se trata de um constituinte crucial
da palavra. Porém, ele atenta que, psicologicamente, “o significado de cada palavra é uma
generalização ou um conceito” (p. 151). Logo, considerando que as generalizações e os
conceitos são por excelência atos de pensamento, é possível ponderar que o significado se
estreita a um sinal do pensamento. Todavia, isso não implica que o significado pertença a
duas esferas distintas do universo psíquico, como alerta Vigotski.
Na sala de aula o professor trabalha com signos, dentre os quais posso citar os
conceitos/as palavras que precisam ser significados/significadas pelos alunos a fim de que
haja de fato aprendizagem por parte destes. Um conceito, nada mais é do que uma palavra
portadora de significado para a qual podem ser atribuídos diferentes sentidos que precisam ser
intermediados pelo professor aos significados pretendidos.
De acordo com Smolka (2010, p. 108), “ensinar e significar implicam formas de
(inter)ação, (oper)ação mental, trabalho com signos”, por conseguinte professor e aluno
precisam estar em movimento interativo com vistas à significação conceitual e ao
desenvolvimento intelectual.
Segundo a mesma autora (2010, p. 110), “é pelo outro e pelo signo que o
conhecimento se constrói”. Por isso, no trabalho educativo é o signo quem faz a mediação
30
sentidos. Ao introduzir, por meio da linguagem, um conceito em aula o professor tem em sua
mente um sentido construído para o mesmo. Porém, para o aluno aquele mesmo conceito
pode assumir outro sentido completamente diferente.
Em síntese, o aluno atribui sentido àquilo que está mais próximo da sua realidade
cognitiva. É papel do professor, portanto, orientar este processo de atribuição de sentidos na
direção do significado historicamente estabelecido para aquela palavra, por exemplo. E como
sinaliza Vigotski, o significado de uma palavra evolui, isto é, não é algo estático, mas sim
dinâmico.
O mesmo autor critica o método associativo criado pelas antigas escolas de
psicologia, o qual relaciona palavra e significado simultaneamente. Vigotski (2008, p. 151)
problematiza que “em nossa mente, uma palavra evoca o seu conteúdo do mesmo modo que o
casaco de um amigo nos faz lembrar desse amigo, ou uma casa, de seus habitantes”, o que
corrobora a afirmação de Smolka (2010) de que ensinar e significar demanda formas de
(oper)ação mental, isto é, aprender implica em uma transformação interna do sujeito. Nessa
mesma linha de pensamento, Andrade (2010, p. 103) afirma que: “no processo de apropriação
dos conhecimentos sistematizados e eleitos socialmente a criança não apenas os assimila, mas
os reelabora, ressignifica e ao relacionar-se com esse conhecimento reorganiza todo o seu
funcionamento psicológico”.
Segundo Vigotski (2008):
a associação entre a palavra e o significado pode tornar-se mais forte ou mais fraca,
enriquecer-se pela ligação com outros objetos de um tipo semelhante, expandir-se
por um campo mais vasto ou tornar-se mais limitada, isto é, pode passar por
alterações quantitativas e externas mas não pode alterar a sua natureza psicológica
(VIGOTSKI, 2008, p. 151).
Vigotski (2008, p. 152) explica que “não é simplesmente o conteúdo de uma palavra
que se altera, mas o modo pelo qual a realidade é generalizada e refletida em uma palavra”, ou
seja, é muito mais que o significado, uma vez que uma palavra denota um significado que
exprime uma realidade genérica e reflete um determinado contexto que é social, histórico e
cultural ao mesmo tempo.
O autor (2008, p. 152) também advoga que a teoria da associação é do mesmo modo
falha “para explicar o desenvolvimento do significado das palavras na infância”. Isso por que
ela se detém às “mudanças puramente externas e quantitativas dos elos que unem a palavra ao
significado” em detrimento das alterações de ordem estrutural e psicológicas fundamentais,
cuja ocorrência é possível e real “no desenvolvimento da linguagem nas crianças” (p. 152).
Vigotski (2008) chama a atenção para outro fato importante e ao mesmo tempo
curioso ao longo do estudo do pensamento e da palavra, objeto de investigação deste
subcapítulo, visto que o abandono momentâneo da teoria associacionista pareceu não ter
afetado a interpretação da palavra e do significado.
Ele argumenta que nem mesmo a escola de Würzburg, “cujo objetivo principal era
provar a impossibilidade de reduzir o pensamento a um mero jogo de associações, e
demonstrar a existência de leis específicas que regem o fluxo do pensamento” (VIGOTSKI,
2008, p. 152-3), reviu tal teoria, tampouco tomou consciência da necessidade de revisá-la. Sua
contribuição “foi libertar o pensamento dos grilhões da sensação e da formação de imagens e
das leis da associação, transformando-o num ato puramente espiritual” (p. 153).
O autor (2008, p. 153) cita a escola de Würzburg para problematizar que mesmo
após seus estudos, “a ligação entre uma palavra e o seu significado continuou sendo
considerada como um simples elo associativo”. E segue alegando que a palavra era concebida
como algo que acontecia ao mesmo tempo, porém externo ao pensamento. Nas suas palavras,
“apenas um adereço, sem qualquer influência sobre a sua vida interior” (p. 153). Vigotski
(2008) conclui que o abandono do associacionismo na esfera do pensamento aumentou a sua
influência no âmbito da fala.
De acordo com Vigotski (2008), outros estudos reforçaram essa tendência. Selz,
apontado por ele, investigou o pensamento sem considerar a sua relação com a fala e concluiu
que o pensamento produtivo do homem era idêntico às operações mentais dos chimpanzés, o
que revela que Selz ignorava totalmente a influência das palavras sobre o pensamento.
Inclusive Ach, como destaca Vigotski (2008), que estudou o significado das palavras e tentou
superar o associacionismo ao propor a teoria dos conceitos, não avançou notoriamente, uma
vez que “não foi além de pressupor a presença de ‘tendências determinantes’ que, em
33
O autor alerta que tal abordagem parece constituir um avanço. Contudo, o avanço é
ilusório, visto que nenhum progresso foi obtido. Isso por que “o princípio da estrutura é
aplicado a todas as relações entre as coisas, da mesma forma radical e não diferenciada que
o princípio da associação era anteriormente aplicado” (VIGOTSKI, 2008, p. 154) [grifo meu].
Vigotski (2008, p. 155), a título de conclusão, considera que permanece “impossível tratar das
relações específicas entre a palavra e o significado, uma vez que, desde sua origem, são
admitidas como idênticas, em princípio, a todas e quaisquer outras relações entre as coisas”.
Conforme o autor, “todos os gatos são pardos tanto na penumbra do gestaltismo
como na névoa primitiva do associacionismo universal” (2008, p. 155), ou seja, não houve
avanços progressistas em termos de teoria do pensamento e da palavra no recorte temporal
discutido, o que atribui à sua teoria um caráter inédito que assenta sobre o pensamento verbal
a base do significado da palavra.
À guisa de conclusão, faz-se pertinente (re)pensar as relações de ensino que se
estabelecem no ambiente escolar, os modos como é conduzido o processo de significação
conceitual que tanto é almejado. E talvez tomar como ponto de partida as não-coincidências
imbricadas nesse processo complexo que é o ensino, nesse jogo de sentidos como desafia
Smolka (2010) ao invés de percorrer as coincidências da prática educativa.
Ao investigar a origem social da linguagem, o entrecruzamento e a relação entre fala
e pensamento, além do significado da palavra na perspectiva histórico-cultural de Vigotski
34
(2008), foi possível denotar muitas proximidades da teoria vigotskiana com a teoria
leontieviana do desenvolvimento humano, o que era de se esperar pelo fato de que ambos,
Vigostki e Leontiev, compartilharem a mesma perspectiva teórica: a histórico-cultural.
É consenso que aprender química, como qualquer outra ciência, requer usar
corretamente sua linguagem, pois como tal possui uma forma de compreensão própria, uma
linguagem esotérica nas palavras de Chassot (2003), que precisa ser decodificada pelo
estudante iniciante nos estudos da química. Isso porque “as palavras, os signos, os métodos de
ação e os equipamentos da química não fazem parte do cotidiano das pessoas”, conforme
aponta Maldaner (2006, p. 163).
Contudo, esta tarefa, na qual o professor tem um papel fundamental como discutirei
mais adiante, requer um movimento ativo e crescente do sujeito aprendente e, principalmente,
que aconteça uma transformação interna nesse sujeito, o desenvolvimento de neoformações
cerebrais segundo Leontiev (2004) ou a formação de estruturas mentais superiores conforme a
teoria vigotskiana. Em resumo, é necessário para aprender e ensinar que algo se modifique na
consciência do estudante, seja da Educação Básica ou do Ensino Superior, cujo processo se
dá, majoritariamente, por um único caminho, a saber: pela linguagem própria da ciência em
questão.
É nesse caminho de representação simbólica que constitui a linguagem química, por
exemplo, a qual deve ser apropriada e significada pelo estudante como condição para seu
aprendizado, que o professor surge como um intermediador fundamental. Indispensável, pois
é a partir da linguagem introduzida por ele que se iniciará o processo de apropriação
conceitual pelo estudante. Daí a responsabilidade social do professor na formação do sujeito.
Ensinar e aprender química só é possível pela sua linguagem. Linguagem essa que
combina fórmulas, símbolos, esquemas, números e letras que vão ganhando sentidos na
consciência dos estudantes à medida que se tornam familiares, cujo processo já denota um
indício de apropriação conceitual. Discutir esse processo em meio à formação inicial de
professores é imprescindível para a constituição do professor de química. Logo, ensinar e,
consequentemente, aprender química requer a problematização de sua linguagem nos espaços
escolares.
35
Mas, o que define essa linguagem específica como tal? Segundo Maldaner (2006) a
linguagem química pode ser definida:
A defesa das autoras denota e reforça a aposta vigotskiana do papel crucial do outro
no desenvolvimento do sujeito. E é aí que recai a responsabilidade do professor formador no
processo de constituição do professor de química, uma vez que para ensinar química o sujeito
precisa se apropriar e significar os principais conceitos que alicerçam o conhecimento
36
Após a leitura dos títulos e resumos selecionei vinte e quatro (24) pesquisas,
considerando a proximidade com a temática, isto é, a relação entre linguagem e constituição
humana, distribuídas entre vinte e três (23) dissertações de mestrado e uma (1) tese de
doutorado, conforme quadro 03. Com o intuito de organizar o conhecimento da produção na
área, os trabalhos foram agrupados em cinco (5) focos temáticos de acordo com os objetos e
objetivos de pesquisa explicitados nos respectivos resumos.
40
do pensamento teórico. Quanto à mediação pedagógica, enfatiza que esta ocorre por
diferentes meios, como por exemplo, pela linguagem e pela interação entre pares, e possibilita
a apropriação da cultura humana historicamente sistematizada. Também, ratifica o potencial
do ensino de Ciências na transformação social e individual, além de fomentar a memória
volitiva, a capacidade de imaginação, a criticidade e a criatividade.
Rosa (2015), por outro lado, pesquisou através de um Estudo de Caso a questão do
desenvolvimento da linguagem em sujeitos com Dismotria Cerebral Ontogenética, condição
conhecida como paralisia cerebral, objetivando (re)conhecer ações de cunho pedagógico com
potencial de auxiliar nesse processo. A autora faz um alerta em sua dissertação da necessidade
do entendimento de como as dificuldades de linguagem são prejudiciais ao desenvolvimento
dos sujeitos com deficiência física neuromotora.
De acordo com Rosa (2015, p. 9), “a linguagem é um instrumento fundamental para
o desenvolvimento intelectual”. Corroboro com a defesa da autora e acrescento que ela é
constitutiva do humano num processo que relaciona indissociavelmente linguagem e
pensamento. Argumento com base em Vigotski (2008) que o desenvolvimento do pensamento
teórico, objetivo maior da educação escolar, só é possível pela linguagem que dinamiza,
aproxima e distancia os processos de ensino e de aprendizagem. A autora (2015) aposta nos
recursos de Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA) como “um caminho eficaz para
minimizar as dificuldades experimentadas por sujeitos com afasia motora”.
Seguindo, no mesmo foco temático, a tese de Santana (2013) traz a atividade,
trabalho produtivo do homem sobre a natureza e desta sobre ele, com base na teoria de
Leontiev, como elemento fundante e fundamental à apropriação da cultura. A autora defende
uma prática docente intencional e problematizadora dos conteúdos escolares que almeje o
desenvolvimento do pensamento teórico e a promoção do nível intelectual nos alunos.
Segundo a autora (2013), tanto a atividade como a problematização promovem o
desenvolvimento das funções mentais superiores, sublinhando dentre essas a formação do
pensamento teórico.
Santana (2013, p. 8) pontua que é necessário superar a visão do professor como mero
reprodutor de conhecimentos e aposta no “trabalho coletivo de estudo e planejamento de
atividades”, com vistas à participação ativa e efetiva do estudante em situações de estudo,
como caminho possível para romper com essa concepção de professor que em nada contribui
para a docência. Ademais, é pré-requisito para isso a reflexão do profissional professor sobre
seu fazer docente e sobre seu papel social na formação dos estudantes.
43
cultural acumulado, trazendo em si vasta informação do coletivo que a produziu e dela fruiu”.
Ademais, a arte não se resume a mais um conteúdo curricular, uma vez que dispõe de
potencial para se tornar um instrumento mediador de grande valia para a constituição dos
sentidos tipicamente humanos.
Seguindo na mesma linha de pensamento, a dissertação de Anjos (2014) também
apresenta como objeto de estudo a educação escolar como contexto de desenvolvimento
humano e investiga a prática pedagógica do professor e sua implicação na formação de
operações mentais, as quais propiciam a evolução intelectual dos sujeitos. A autora (2014, p.
9) conclui que “a ação docente que pode apoiar o desenvolvimento de operações de
pensamento mais complexas, não se encontra circunscrita à ações pontuais, mas na
convergência de princípios que podem abrir possibilidades para o desenvolvimento do aluno
no contexto da escola”. Destarte, destaca a necessidade da criação de espaços de reflexão e
produção docente sobre e a partir do conhecimento a ser ensinado na escola e acerca da
docência como atividade profissional.
Em sua dissertação de mestrado Borella (2016), por outro lado, investiga o processo
de apropriação e desenvolvimento da linguagem infantil no contexto escolar e não-formal por
meio de atividades de leitura literária pedagogicamente mediadas. A autora justifica a escolha
da educação infantil como objeto de estudo por conceber a faixa etária dos dois (2) aos três
(3) anos de idade como decisiva no processo de formação das funções psicológicas
superiores. Conforme Borella (2016, p. 10) “ao evoluir no processo de comunicação
(emocional – social) a criança acumula experiências culturais que lhe permitem avançar no
seu processo de desenvolvimento humano”.
Nesse sentido, a autora enfatiza que é papel da escola promover atividades
educativas com vistas à evolução da linguagem infantil, para a qual o ensino literário pode
contribuir. Ademais, as práticas de ensino envolvendo a linguagem literária colaboram no
processo de constituição da personalidade humana, com destaque para o desenvolvimento da
linguagem infantil, além de assessorar na apropriação da língua materna, cujo processo se dá,
dentre outros fatores, pela imitação e resulta na ampliação do vocabulário e no entendimento
da linguagem como instrumento de comunicação e generalização da realidade (BORELLA,
2016).
Pesquisando o mesmo contexto de ensino, Costa (2014) ao se ater sobre o processo
de apropriação da cultura escrita pelas crianças, realizou um experimento pedagógico com
crianças de cinco (5) anos de idade com o intuito de avaliar a perspicácia de atividades de
ensino mediadas que visam à apropriação da linguagem escrita. A autora conclui que:
46
a) explorar situações da vida real cujos limites não estão claramente definidos; b)
preservar o caráter unitário do objeto estudado; c) descrever a situação do contexto
em que está sendo feita determinada investigação; d) formular hipóteses ou
desenvolver teorias; e e) explicar as variáveis causais de determinado fenômeno em
situações muito complexas que não possibilitam a utilização de levantamentos e
experimentos (GIL, 2008, p. 54).
Quadro 4: Construção das categorias de análise de ATD a partir dos focos temáticos
Foco Temático Categorias Proposições
3.1.1.1. A criação de espaços interativos e dialógicos
que permitem reconhecer os discursos que circulam no
espaço da sala de aula e o uso adequado da linguagem
química e de instrumentos pedagógicos são elementos
3.1.1. Apropriação que favorecem o processo de apropriação dos
significados conceituais da química.
3.1. Desenvolvimento 3.1.1.2. A apropriação da linguagem química se
humano constitui caminho para significação e apreensão do
mundo objetivo.
3.1.2.1. A linguagem química instrumentaliza o
pensamento teórico ao fornecer conceitos da química o
3.1.2. Mediação que permite a apreensão das formas históricas
essencialmente humanas, de produção e organização do
real.
57
3.1.1 Apropriação
Logo, seu discurso corrobora a compreensão sustentada pela vertente teórica que
ancora esta dissertação de que o desenvolvimento do sujeito depende também da qualidade
com que ele é inserido no mundo social, cujo processo tem início já na condição de embrião,
isto é, muito antes do seu nascimento.
Ana, professora formadora, vai ao encontro da perspectiva histórico cultural e do
discurso da professora Maria. Ao discorrer sobre o processo de desenvolvimento da
linguagem, a professora o associa a alguns recursos culturais, como por exemplo, o diálogo, a
escrita e a leitura que são ferramentas potenciais nesse processo. Na perspectiva histórico-
cultural, a linguagem desempenha papel decisivo no desenvolvimento das funções
psicológicas superiores, além de se configurar um dos instrumentos básicos ao longo de todo
o processo percorrido pela humanidade, como meio essencial para a organização do
pensamento.
A professora formadora Helena, por sua vez, salienta um elemento essencial no
processo de desenvolvimento da linguagem no sujeito que pode ser evidenciado no fragmento
a seguir:
Ao afirmar que “é preciso que outros sujeitos auxiliem” e citar o exemplo da sala de
aula Helena faz menção ao papel do professor no processo de ensino o qual atua como um
intermediador deste processo complexo, uma vez que a linguagem é a responsável pela
mediação da significação conceitual. Mukhina (1995) reporta à linguagem como um fator
determinante no processo de desenvolvimento psíquico, o que permite a aprendizagem e
desenvolvimento de outros aspectos, baseados na percepção e no pensamento, aperfeiçoados pela
influência da linguagem.
É preciso salientar que a criação de espaços interativos e dialógicos para a
apropriação da linguagem específica que se quer ensinar está intimamente vinculada à
formação do professor e a clareza do conceito que se almeja construir. Fato este apontado pela
licenciada Aline que atua como professora de química na educação básica, a qual também
reconhece que “a linguagem química desenvolve papel primordial na constituição do sujeito
professor de química” (licenciada Aline, 2017). Segundo ela é necessário que o profissional
professor tenha consciência dessa linguagem específica por meio da qual estabelecerá o
diálogo intermitente acerca dos conceitos, “pois se empregada de maneira errônea desfaz seu
60
(licenciada Beatriz, 2017), assim como aposta no diálogo e na interação como elementos
indissociáveis do processo de construção do conhecimento.
Outro aspecto relevante a ser sublinhado a partir do discurso da professora Helena é
o caráter específico da ação docente, isto é, sua intencionalidade que remete a questão da
importância do planejamento escolar, uma vez que é preciso ter constantemente em mente
qual o objetivo da minha ação como professor. As palavras de Helena remetem às ideias de
Saviani (2005, p. 144), de que, nós professores, ocupamos um papel fundamental no processo
de apropriação dos conhecimentos científicos, pois, assumimos “a condição de viabilizar esta
apreensão por parte dos alunos, realizando a mediação entre o aluno e o conhecimento que se
desenvolveu socialmente”. Apontam para a responsabilidade do professor quanto à
identificação dos elementos da cultura que precisam ser apreendidos pelos indivíduos da
espécie humana para que eles se tornem mais plenamente humanos e, mais do que isso, é
necessária à descoberta das formas mais adequadas de atingir este objetivo (SAVIANI, 2005,
p. 144).
A segunda proposição da categoria apropriação defende a ideia de que a
apropriação da linguagem química se constitui caminho para significação e apreensão do
mundo objetivo. De acordo com o referencial vigotskiano e conforme o posicionamento da
professora formadora Maria, a linguagem “passa de um fator externo e pela
apropriação/significação se torna interno ao sujeito num processo sempre mediado”
(Professora Formadora Maria, 2017).
O desenvolvimento da linguagem implica em uma transformação interna no sujeito.
Primeiro ela é do outro, que pode ser o pai, a mãe, o/a professor/a ou o colega, por exemplo, e
somente depois que foi internalizada passa a ser do sujeito. É esse internalizar que requer, por
excelência, a criação de novas estruturas funcionais responsáveis pelas ligações,
associações/relações entre aquela nova palavra com outra(s) que já fazem parte da linguagem
do sujeito, isto é, da(s) qual(is) já se apropriou e significou.
A compreensão da professora formadora Helena retrata com propriedade a
proposição em questão. Ao explicitar sua compreensão sobre o papel da linguagem no
processo de constituição do sujeito a professora vislumbra “a linguagem como constitutiva do
sujeito porque por meio dela o sujeito atribui significados ao mundo”. De acordo com a
licenciada Aline esse atribuir significados ao mundo se dá, majoritariamente pela linguagem
química, a qual possibilita a construção de um pensamento químico sobre o mundo da vida.
Nessa linha de pensamento, é pertinente discutir o depoimento da licenciada Joana
quando questionada sobre seu entendimento acerca do papel da linguagem química na sua
62
3.1.2. Mediação
compreendo com Vigotski que não há pensamentos sem palavras, nessa direção um
professor de química para ser capaz de formar um pensamento químico precisa se
apropriar e significar a linguagem específica da química, tomar ciência da sua
especificidade e do seu papel como mediador da mesma (Professora Formadora
Maria, 2017).
3.2.1 Contextualização
de sete cabeças”. A compreensão conceitual só é possível à medida que o estudante faz uso
qualificado dos conceitos específicos da química, o que está diretamente relacionado às
estratégias adotadas pelo professor em sala de aula. Daí a importância de o professor
compreender o papel da linguagem química no processo de aprendizagem.
A defesa do licenciando Jeremias (2ª fase), por sua vez, amplia esta concepção que
aposta na contextualização como potencializadora das relações conceituais, indispensáveis na
construção de um pensamento químico. Conforme ele:
quando assimilada de maneira correta pode ser usada para facilitar o entendimento e
a explicação de fenômenos que ocorrem e as observações sobre o mundo pode ser
refletidas com base em conceitos da linguagem química, ampliando sua
compreensão (licenciando Jeremias, 2017).
3.2.2 Intermediação
que o estudante possa dela se apropriar e ao mobilizá-la para entender contextos reais, com o
auxílio do professor, ser capaz de construir um pensamento químico sobre o mundo da vida.
74
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por ocasião deste estudo fortaleceu-se a minha convicção de que ensinar e aprender
química só é possível pelo uso de sua linguagem específica. Isso porque, a química como tal
possui uma forma de compreensão própria que precisa ser compreendida e apropriada pelo
estudante iniciante nos estudos da química. Entendo que discutir esse processo no contexto de
um programa de formação de professores de química é imprescindível para a constituição
deste profissional. Produzir entendimentos sobre a relação entre apropriação da linguagem
química e o desenvolvimento do pensamento químico, é, sem dúvida, outro aspecto que
merece mais atenção por parte de todos os professores, independente do nível de ensino em
que atuam.
Resultados desta pesquisa me permitem reafirmar a tese de que a linguagem atua
como mediadora dos processos psíquicos e, por conseguinte, tem um papel central no ensino e
na aprendizagem, possibilitando aos sujeitos atingirem novos níveis de desenvolvimento à
medida que se apropriam e significam os conhecimentos culturais sistematizados pelo homem
ao longo de sua história. Nesse sentido, este estudo alerta que é necessário reconhecer que o
desenvolvimento humano e, da mesma forma, o desenvolvimento do professor de química se
dá, via processo mediado, por instrumentos e signos, que requer o Outro na relação, como
destacam os autores com os quais dialoguei (VIGOTSKI, 2001; LEONTIEV, 1959/1978;
OLIVEIRA, 2005; SMOLKA, 2010, especialmente).
Penso que a criação de espaços interativos e dialógicos que permitem reconhecer os
discursos que circulam no espaço da sala de aula e o uso adequado da linguagem química e de
instrumentos pedagógicos são elementos que favorecem o processo de apropriação dos
significados conceituais da química. Depoimentos de professores inseridos nesta pesquisa
levam à conclusão de que a apropriação da linguagem específica que se quer ensinar está
intimamente vinculada à formação do professor e a clareza do conceito que se almeja
construir. Alertam, ainda, que é necessário que o profissional professor tenha consciência
dessa linguagem específica (da química) por meio da qual estabelecerá o diálogo intermitente
acerca dos conceitos. Sob este ponto, chamo atenção para a importância do professor se
apropriar dos significados conceituais da química para poder desenvolver o ensino com a
qualidade necessária.
Parece não haver dúvidas entre os participantes desta pesquisa de que o domínio e o
entendimento da linguagem científica estão diretamente relacionados à qualidade da formação
do professor/pesquisador, e de que durante o período de formação fazer uso da linguagem
apropriada, tanto na escrita como na expressão verbal, é de fundamental importância no
processo de formação do futuro professor de química. No entanto, esses apontamentos não
76
podem ser tomados como algo simples, pois a apropriação dos significados conceituais é um
processo complexo, que requer do sujeito a realização de uma atividade mental. Colocar o
sujeito em atividade dessa natureza se constitui em desafio para os professores.
A pesquisa também reafirma a importância do planejamento escolar. Sob esse
aspecto, faço referência à responsabilidade do professor quanto à identificação dos elementos
da cultura que precisam ser aprendidos pelos indivíduos da espécie humana para que eles se
tornem mais plenamente humanos. Mais do que isso, é necessária a descoberta das formas
mais adequadas de atingir este objetivo, como adverte Saviani (2005) e, da mesma forma,
depoimentos de professores.
No decurso deste processo investigativo considero importante destacar que a
linguagem química instrumentaliza o pensamento teórico ao fornecer conceitos da química, o
que permite a apreensão das formas históricas essencialmente humanas, de produção e
organização do real. Nesse sentido, o uso da linguagem química se constitui elemento
determinante do desenvolvimento do pensamento químico e, portanto, elemento indispensável
num processo formativo de professores de química. Nesse contexto, é importante salientar o
papel dos instrumentos e signos, como mediadores no processo de formação e
complexificação das funções mentais superiores.
77
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
PINO, A. O social e o cultural na obra de Vigotski. Educ. Soc., Campinas, n. 71, 2000, p.
45-78.
APÊNDICES
APÊNDICE 1
de libras/português
Implicações pedagógicas da linguagem para o trabalho do RINGEL
78 D
professor do curso de Comunicação Social (2015)
Relação de gênero e sexualidade: narrativas de ALVES
79 professoras e de crianças de uma escola pública de tempo (2014) D
integral, Goiás
O desenvolvimento de capacidades de linguagem para a BORGES
80 formação de leitores em língua inglesa: uma análise dos (2015) D
cadernos do Ensino Médio da rede pública de São Paulo
Os gêneros jornalísticos nos livros didáticos de 5º e 6º SILVA (2014)
81 D
ano do Ensino Fundamental
Mediações docentes em fóruns educacionais do curso de LOBATO
82 T**
letras da Universidade Federal do Pará (2012)
Um estudo sobre alfabetização e aprendizagem da SALA (2013)
83 D
linguagem escrita no contexto da escola pública
A apropriação dos significados de polinômios: um estudo IBRAHIM
84 D
na perspectiva da teoria histórico-cultural (2015)
Atividades ortográficas nos documentos oficiais da CRUZ (2016)
85 Secretaria de Educação do Estado de São Paulo – ler e D
escrever (2007)
A linguagem escrita na Educação Infantil: direito da SOUZA
86 D
criança, desafio do professor (2016)
Currículo na Educação Infantil: implicações da teoria AKURI
87 D
histórico-cultural (2016)
A educação do corpo das crianças na escola em narrativas ASSARITTI
88 D
do cotidiano (2015)
Avaliando as razões que levam ao aprendizado de uma RODRIGUES
89 D
segunda língua: os olhares do aluno e do professor (2014)
Cartas ao educador: parcerias, diálogos e experiências SOLHA
90 T
interdisciplinares com o fazer teatral (2015)
Educação e linguagem: proposta de instrumentalização
docente para a identificação de dificuldades no SENGIK
91
desenvolvimento das habilidades de leitura, no Ensino (2013) D
Fundamental
Desenvolvimento da escrita acadêmica em francês: TONELLI
92 relações entre a produção escrita e o ensino do gênero (2016) D
textual artigo científico
Os recursos sonoros da música contemporânea como AUDRA
93 D
ferramenta criativa no ensino musical (2014)
As concepções das crianças, professora e coordenadora
pedagógica sobre o recreio como atividade da rotina em SANTOS
94
uma escola pública de Educação Infantil na cidade de (2015) D
Fortaleza
A aquisição de linguagem/libras e o aluno surdo: um ALENCAR
95 estudo sobre as formas de comunicação e interação na (2016) D
escola e na família
Desenvolvimento da linguagem infantil à luz da teoria BORELLA
96 histórico-cultural: contribuições de práticas literárias na (2016) D
primeira infância
87
APÊNDICE 2
idosos
A noção de tempo na teoria do desenvolvimento humano SANTOS
59 T
de Henri Wallon (2013)
Características psicossociais e de personalidade de MACEDO
60 adolescentes infratores em cumprimento de medida (2016) D
socioeducativa
A atitude interdisciplinar docente e o desenvolvimento COSTA
61 D
humano: foco no ensino médio de uma escola pública (2014)
Representação social da avaliação da aprendizagem RIOS (2013)
62 virtual de tutores: estudo em um curso de pedagogia, a D
distância no nordeste brasileiro
Jogo sudoku em crianças com 6 - 7 anos: modos de EBNER
63 D
realizar, compreender e intervir (2013)
Conhecimento e arte de educar: lições Lockeanas RODRI-
64 D
GUES (2014)
A formação em educação para o ecodesenvolvimento: um NASCIMEN-
65 estudo de caso junto ao núcleo transdisciplinar de meio TO (2013) D
ambiente e desenvolvimento, período 2010-2013
Jogos de raciocínio lógico-matemático em alunos da QUEIROGA
66 D
escola fundamental II (2013)
Desenvolvimento psicológico e estratégias de intervenção FOLQUIT-
67 em crianças com Transtorno de Déficit de Atenção e TO (2013) T
Hiperatividade (TDAH)
Processo de desenvolvimento da imaginação na pré- BEZERRA
68 escola: implicações de um programa de intervenção ludo- (2015) D
pedagógico a partir do gênero musical samba
Fonte: Dados da pesquisa, 2017.
*Tese (T) ou Dissertação (D).
97
APÊNDICE 3
Ensino Fundamental
Ação de linguagem e mineração de dados: níveis de CORRÊA
39 T
complexidade na análise de textos (2016)
Atribuição de estados mentais e consciência metatextual: RIBEIRO
40 efeitos de uma pesquisa-intervenção com a literatura (2012) D
infantil
Fazer e compreender no jogo sudoku e em suas situações- QUINELATO
41 problema: um estudo com alunos do 9º ano do Ensino (2015) T
Fundamental
Circuitos e práticas religiosas nas trajetórias de vida de GALVANI
42 T
adultos em situação de rua na cidade de São Paulo (2015)
Compreensão infantil da ironia em livros de histórias e PELISSON
43 D
sua importância para o desenvolvimento sociocognitivo (2016)
Compreensão de enunciados na resolução de problemas LIGESKI
44 D
matemáticos no Ensino Fundamental (2013)
O desenvolvimento humano e profissional no ensino MIORIN
técnico do CPDB (Centro Profissional Dom Bosco) em (2016)
45 D
Campinas: contribuições da psicologia social e da
educação sociocomunitária
Impacto de um programa de ensino para o CORREA
desenvolvimento de habilidades fonológicas e (2016)
46 D
morfológicas na aprendizagem inicial da leitura e da
escrita Curitiba 2016
Desempenho ortográfico de escolares do ensino SAMPAIO
47 fundamental: elaboração e aplicação de um instrumento (2012) D**
de intervenção
O uso social das tecnologias de comunicação pelo surdo: CARNEIRO
48 limites e possibilidades para o desenvolvimento da (2016) D
linguagem
Desenvolvimento de habilidades metafonológicas e BARBY
49 aprendizagem da leitura e da escrita em alunos com (2013) T
Síndrome de Down Curitiba 2013
Objetos de aprendizagem para universitários sobre PASQUALIN
50 T**
prevenção de acidentes de trânsito I (2012)
O desenvolvimento da autonomia intelectual do ROSA (2015)
51 deficiente neuromotor: um estudo da mediação D
pedagógica na afasia motora
Um estudo sobre o aprendizado de conteúdos escolares BÓZOLI
52 por meio da escrita de sinais em escola bilíngue para (2015) D
surdos
Gênese e desenvolvimento do conceito vida BERTONI
53 T**
(2012)
A produção de textos de opinião como expressão da PINHEIRO
54 consciência metatextual: uma intervenção no contexto (2012) T**
escolar
Interações na sala de aula: vinculações afetivas e a GASPARIM
55 D**
contribuição da pessoa para Henry Wallon (2012)
Evidências de validade para o Teste Informatizado e TEIXEIRA
56 D
Dinâmico de Escrita – TIDE (2015)
100
de libras/português
Implicações pedagógicas da linguagem para o trabalho do RINGEL
78 D
professor do curso de Comunicação Social (2015)
Relação de gênero e sexualidade: narrativas de ALVES
79 professoras e de crianças de uma escola pública de tempo (2014) D
integral, Goiás
O desenvolvimento de capacidades de linguagem para a BORGES
80 formação de leitores em língua inglesa: uma análise dos (2015) D
cadernos do Ensino Médio da rede pública de São Paulo
Os gêneros jornalísticos nos livros didáticos de 5º e 6º SILVA (2014)
81 D
ano do Ensino Fundamental
Mediações docentes em fóruns educacionais do curso de LOBATO
82 T**
letras da Universidade Federal do Pará (2012)
Um estudo sobre alfabetização e aprendizagem da SALA (2013)
83 D
linguagem escrita no contexto da escola pública
A apropriação dos significados de polinômios: um estudo IBRAHIM
84 D
na perspectiva da teoria histórico-cultural (2015)
Atividades ortográficas nos documentos oficiais da CRUZ (2016)
85 Secretaria de Educação do Estado de São Paulo – ler e D
escrever (2007)
A linguagem escrita na Educação Infantil: direito da SOUZA
86 D
criança, desafio do professor (2016)
Currículo na Educação Infantil: implicações da teoria AKURI
87 D
histórico-cultural (2016)
A educação do corpo das crianças na escola em narrativas ASSARITTI
88 D
do cotidiano (2015)
Avaliando as razões que levam ao aprendizado de uma RODRIGUES
89 D
segunda língua: os olhares do aluno e do professor (2014)
Cartas ao educador: parcerias, diálogos e experiências SOLHA
90 T
interdisciplinares com o fazer teatral (2015)
Educação e linguagem: proposta de instrumentalização
docente para a identificação de dificuldades no SENGIK
91
desenvolvimento das habilidades de leitura, no Ensino (2013) D
Fundamental
Desenvolvimento da escrita acadêmica em francês: TONELLI
92 relações entre a produção escrita e o ensino do gênero (2016) D
textual artigo científico
Os recursos sonoros da música contemporânea como AUDRA
93 D
ferramenta criativa no ensino musical (2014)
As concepções das crianças, professora e coordenadora
pedagógica sobre o recreio como atividade da rotina em SANTOS
94
uma escola pública de Educação Infantil na cidade de (2015) D
Fortaleza
A aquisição de linguagem/libras e o aluno surdo: um ALENCAR
95 estudo sobre as formas de comunicação e interação na (2016) D
escola e na família
Desenvolvimento da linguagem infantil à luz da teoria BORELLA
96 histórico-cultural: contribuições de práticas literárias na (2016) D
primeira infância
102
APÊNDICE 4
Prezado(a) Senhor(a)
________________________________
Assinatura do entrevistado
CPF: 351.391.700.78
CPF: 022.221.710.32
APÊNDICE 5
Nome: _________________________________________________________
Formação acadêmica (graduação e pós-graduação):__________________
_______________________________________________________________
Componente(s) Curricular(es) ministrado(s): _________________________
Prezado(a) professor(a)
As questões de 1 a 4 referem-se às suas compreensões e entendimentos acerca da
influência da linguagem na constituição do sujeito e sobre o papel da linguagem
química na formação do professor de Química. Sinta-se a vontade para respondê-
las e a refletir conosco sobre o ensino de Química e a formação de professores de
Química.
APÊNDICE 6
APÊNDICE 7