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GUIA

PRÁTICO DE
OBSTETRÍCIA
E PEDIATRIA
FELINA
ALEXANDRE G. T. DANIEL
CRISTINA F. LUCIO
DANIELA RAMOS
FERNANDA V. AMORIM DA COSTA
LIEGE C. GARCIA SILVA
MANUELA MARQUES FISCHER
GUIA
PRÁTICO DE
OBSTETRÍCIA
E PEDIATRIA
FELINA

ALEXANDRE G. T. DANIEL
CRISTINA F. LUCIO
DANIELA RAMOS
FERNANDA V. AMORIM DA COSTA
LIEGE C. GARCIA SILVA
MANUELA MARQUES FISCHER
AVISO LEGAL
As opiniões manifestadas nesta obra são de
responsabilidade exclusiva dos respectivos autores.

Autores:
Alexandre G. T. Daniel
Cristina F. Lucio
Daniela Ramos
Fernanda Amorim
Liege C. Garcia Silva
Manuela Marques Fischer

Coordenação:
Alexandre G. T. Daniel
Cíntia Viegas Fuscaldi
Priscila Ângela Rizelo

Revisão:
Priscila Ângela Rizelo
Leticia Tortola

Diagramação e projeto gráfico:


| agência de comunicação

Imagens:
Arquivo pessoal dos autores e banco de imagens da ROYAL CANIN®

Copyright © 2023 ROYAL CANIN®


Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste
livro pode ser reproduzida ou transmitida de qualquer
forma ou por qualquer meio eletrônico ou mecânico,
incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro sistema
de armazenamento e recuperação de informações, sem
permissão prévia por escrito do proprietário dos direitos
autorais.
PREFÁCIO
A medicina veterinária de pequenos animais é uma área bastante ampla, com diversas
especialidades já notoriamente estabelecidas, e outras no início de sua ascensão.

Uma área em especial vem mostrando um crescimento importante, com necessidade de


atualização constante do Médico-Veterinário que atua com animais de companhia. A pediatria
veterinária é relativamente recente na história da Medicina de Pequenos Animais, quando
comparada a áreas notoriamente estabelecidas, como a cardiologia e a oncologia, por exemplo.

No entanto, é um campo imprescindível na clínica de pequenos animais, visto que, além dos
tópicos relacionados a doenças nos filhotes serem muito frequentes e rotineiros, há uma
grande importância da medicina preventiva na melhoria da qualidade de vida e da sobrevida
dos pacientes desde o início da vida.

Diversas áreas diferentes compõem os pilares principais da pediatria felina, dentre elas
destacam-se:
• A obstetrícia, visto a fundamental importância no conhecimento de tópicos de reprodução
em felinos, bem como desenvolvimento fetal, a ocorrência e manejo do parto.
• A neonatologia, imprescindível na avaliação e monitoração do filhote desde o nascimento,
trazendo importantes índices de vitalidade e manejo do neonato enfermo.
• A nutrição, com seu papel no cerne do desenvolvimento da fêmea gestante e dos filhotes
saudáveis, com uma dieta bem calculada/fomentada.
• A etologia, com estratégias de vital importância no ensino dos tutores (e Médicos-Veterinários)
em como lidarem com comportamentos naturais dos felinos, estimulando os comportamentos
desejados e orientando sobre como lidar com os indesejados.
• A medicina interna, cobrindo importantes pontos de doenças infecciosas e parasitárias,
vacinologia, enfermidades de cunho genético/hereditário e manejo geral do filhote.

Tive a felicidade de, sob a coordenação da equipe da ROYAL CANIN® Brasil, trabalhar com um
grupo de exímios Médicos-Veterinários, para trazer tópicos de grande importância na pediatria
veterinária, em específico da espécie felina, culminando na produção deste Guia.

O GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA tem como principal objetivo trazer
informação e atualização baseado em evidências científicas e na experiência dos autores,
sobre os tópicos mais rotineiros na clínica de pequenos animais. Também deixamos uma lista
de referências de leitura sugerida, aos que queiram se aprofundar mais em determinados
assuntos.

A correta avaliação e manejo da fêmea gestante, bem como do filhote, são os primeiros e mais
importantes pontos envolvidos na saúde e bem estar desses pacientes durante toda a vida.

Boa leitura a todos!

Alexandre G. T. Daniel, MV, Msc., DipABVP (Feline Specialist)


ABVS® - American Board Certified Feline Specialist
Consultoria e atendimento especializado em medicina felina
Proprietário da Gattos Medicina Felina® e da plataforma CatExpert®
Cat Friendly Practice Committee - American Association of Feline Practitioners
Membro da Academy of Feline Practitioners - International Society of Feline Medicine
AUTORES
ALEXANDRE G. T. DANIEL
MV, MSc, DipABVP (Feline Practice)
Possui graduação, residência (Clínica Médica e Cirúrgica de Pequenos Animais) e mestrado (Clínica Veterinária)
pela FMVZ-USP. É membro do conselho diretivo do programa Cat Friendly Practice da AAFP (American Association
of Feline Practitioners, Associação Norte-americana de Clínicos de Felinos) e diplomado pelo ABVP (American Board
of Veterinary Practitioners, Conselho Norte-americano de veterinários especialistas por espécie), com o título de
especialista em medicina felina. Atualmente, é o coordenador responsável pela prova Americana da especialidade.
Também é proprietário da Gattos, uma clínica especializada em medicina felina em São Paulo, além de coordenador
da plataforma de cursos CatExpert.

CRISTINA F. LUCIO
MV, MSc, PhD
É Médica-Veterinária formada pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo.
Mestre e doutora na área de reprodução animal pela FMVZ/USP. Desenvolveu e concluiu projeto de pós-doutorado
na área de reprodução animal, também pela FMVZ-USP. Atualmente atua como docente na Faculdade de Medicina
Veterinária da Universidade Metropolitana de Santos (UNIMES), onde é orientadora no programa de mestrado stricto
sensu em “Medicina Veterinária no meio ambiente litorâneo”. Também é docente no curso de graduação em medicina
veterinária no Centro Universitário das Américas - FAM e na Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS). É
professora em cursos de pós-graduação lato senso e ministra palestras em congressos e cursos na área de reprodução
de cães e gatos.

DANIELA RAMOS
MV, MSc, PhD, DipCLEVE
É Médica-Veterinária formada pela FMVZ-USP. Possui mestrado em Comportamento Animal Aplicado pela Universidade
de Lincoln (Inglaterra), além de doutorado e pós-doutorado em Clínica Médica (Comportamento) pela FMVZ-USP.
Também possui certificação em Bem-Estar Animal pelo Cambridge e-learning/Bioethicus e em Comportamento Felino
Avançado pela ISFM. É diplomada “de facto” pelo Colégio Latinoamericano de Etologia Clínica Veterinária (CLEVE) e
sócia-fundadora da ABMEVEC (Associação Brasileira de Medicina Veterinária Comportamental). Fundou a primeira
clínica veterinária brasileira de comportamento canino e felino, a PSICOVET, e atualmente é consultora, palestrante e
pesquisadora na área do comportamento animal.

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FERNANDA V. AMORIM DA COSTA
MV, MSc, PhD
Possui graduação e mestrado em medicina veterinária pela Universidade Federal Fluminense (UFF), além de
doutorado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em Ciências Veterinárias. Fez estágio (internship)
no Alamo Feline Health Center no Texas, EUA, em 2006 e 2018. É membro fundador e atual Presidente da Academia
Brasileira de Clínicos de Felinos (ABFel). Autora do livro Oncologia Felina em 2017. Autora de diversos capítulos em
livros nacionais e internacionais sobre Medicina Felina. Ministra Palestras sobre Medicina Felina em Congressos
no Brasil há mais de 20 anos e já publicou mais de 70 artigos em periódicos científicos da área de medicina felina.
Foi Professora Associada de Clínica Médica de Felinos Domésticos, Coordenadora do Serviço de Medicina Felina do
Hospital de Clínicas Veterinárias e tutora dos Residentes de Clínica Médica de Pequenos Animais, Coordenadora e
Docente do Curso de Especialização em Clínica Médica de Felinos Domésticos no Departamento de Medicina Animal,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul de 2011 a 2022. Desde então realiza exercício provisório como Professora
Associada de Clínica Médica de Felinos Domésticos do Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinárias da Universidade
Federal de Minas Gerais, aonde também realiza tutoria dos Residentes de Clínica Médica de Pequenos Animais.
Também é Pesquisadora, membro permanente e orientadora nos cursos de mestrado e doutorado do Programa de
Pós-graduação em Ciências Veterinárias da UFRGS e de mestrado em Ciência Animal da UFMG. É membro da Academy
of Feline Practitioners e International Society of Feline Medicine.

LIEGE C. GARCIA SILVA


MV, MSc, PhD
É Médica-Veterinária formada pela FMVZ-USP, além de ter concluído mestrado e doutorado em Reprodução Animal
na mesma instituição. Atua não só como Professora da Universidade Anhembi Morumbi e da Universidade Municipal
de São Caetano do Sul (USCS), mas também como orientadora e palestrante. É proprietária da Assistência Reprodutiva
e Neonatal PuppyScience, com vasta experiência na área de reprodução de pequenos animais.

MANUELA MARQUES FISCHER


MV, MSc, PhD
Possui graduação pela UFRGS, mestrado com foco em nutrição de cães e gatos pela UFRGS com período na UNESP-
Jaboticabal e doutorado na mesma área com período na UCDavis, Califórnia. Ministrou mais de 80 palestras em
eventos de Medicina Veterinária desde 2010. Recebeu Prêmio Internacional de Pesquisa em 2016, ocupando o primeiro
lugar da América Latina na Competição Jovem Cientista da empresa Alltech. Atua como nutróloga clínica, é professora
e mentora do Curso de Pós-graduação em Nutrição de Cães e Gatos da Faculdade Qualittas, responsável técnica de
empresa de alimentação natural no Rio Grande do Sul e embaixadora da MARS Petcare. Em 2023, foi selecionada pelo
programa Doctor of Veterinary Science para cursar residência em nutrição clínica na Universidade de Guelph no Canadá.

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SUMÁRIO

15 Cuidados obstétricos: da gestação ao parto 87 Cuidados da gestante ao infante: Comportamento


16 Fisiologia da gestação da gata 88 Introdução
18 Acompanhamento e cuidados com a gestante 89 A gata gestante
22 Eutocia na gata 90 O gato filhote
23 Acompanhando o parto da gata 97 O gato adulto
24 Distocias 97 Pilares da saúde emocional felina
25 Principais distocias na gata 98 10 mandamentos para ótimas interações entre gatos e pessoas
28 Complicações pós-parto 103 Referências
30 Fases do ciclo reprodutivo 103 Leituras sugeridas
34 Métodos contraceptivos

105 Cuidados da gestante ao infante: Medicina interna


37 Referências

39
106 Cuidados de saúde com a gata gestante e lactante
Cuidados especiais com o neonato 107 Cuidados de saúde com o filhote
40 Introdução 114 Acompanhamento do crescimento dos gatos filhotes
40 Mortalidade neonatal 120 Manejo amigável e a importância das experiências positivas nas
40 Transição fetal-neonatal primeiras fases da vida
41 Assistência neonatal imediata ao parto 121 Cuidados essenciais com o ambiente do filhote
48 Fisiologia do filhote no primeiro mês de vida 123 Cuidados sobre saúde oral, unhas e pelagem
50 Principais doenças do período neonatal 124 Beneféicios da esterilização, idades recomendadas e modificações
62 Cuidados com neonatos órfãos metabólicas associadas
63 Conclusão 126 Orientações sobre sinais de doenças
64 Anexos 128 Principais doenças infecciosas e parasitárias
67 Referências 139 Diretrizes gerais sobre vacinação de gatos filhotes
145 Principais doenças congênitas e de padrão racial

69
151 Reeferências
Cuidados da gestante ao infante: Nutrição
70 A nutrição da gata gestante
73 A nutrição da gata lactante
75 A nutrição do neonato
78 Desenvolvimento dos filhotes
85 Referências
ABREVIATURAS
ABREVIATURA SIGNIFICADO ABREVIATURA SIGNIFICADO
ALT Alanina Aminotransferase IV Via Intravenosa
BID Duas vezes ao dia LH Hormômio Luteinizante
bpm Batimentos por minuto mpm Movimentos por minuto
CMH Cardiomiopatia hipertrófica NEC Necessidade Energética de Crescimento
DP Doença policística NEM Necessidade Energética de Manutenção
ER Escore de Reflexos NER Necessidade Energética em Repouso
FA Fosfatase Alcalina NRC National Research Council
FC Frequência Cardíaca (Conselho Nacional de Pesquisa)
FCoV Coronavírus Felino PC Peso Corporal
FCV Calicivírus Felino PCR Reação em Cadeia da Polimerase
FEDIAF European Pet Food Industry Federation PEEP Pressão Expiratória Final Positiva
(Federação Europeia da Indústria de Alimentos PIF Peritonite Infecciosa Felina
para Animais de Estimação) PIP Pico de Pressão Inspiratória
FeLV Vírus da Leucemia Felina PTH Paratormônio
FHV e FHV-1 Herpesvírus Felino RED Requerimento Energético Diário
FiO2 Fração Inspirada de Oxigênio SC Via Subcutânea
FIV Vírus da Imunodeficiência Felina SDR Síndrome do Desconforto Respiratório
FPV Vírus da Panleucopenia Felina SID Uma vez ao dia
FR Frequência Respiratória SIRS Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica
FSH Hormônio Folículo Estimulante SL Via Sublingual
GGT Gama-Glutamiltransferase SN Sistema Nervoso
GH Hormônio do Crescimento SpO2 Saturação Periférica de Oxigênio
GnRH Hormônio Liberador de Gonadotrofina TC Temperatura Corporal
HT Hematócrito TID Três vezes ao dia
IgA Imunoglobulina A TN Tríade Neonatal
IgG Imunoglobulia G UI Unidade Internacional
IM Intramuscular UR Umidade Relativa do Ar (%)
IN Isoeritrólise Neonatal VO Via Oral
IO Via Intraóssea VPP Ventilação com Pressão Positiva
CUIDADOS OBSTÉTRICOS:
DA GESTAÇÃO AO PARTO
CRISTINA F. LUCIO
FISIOLOGIA DA GESTAÇÃO DA GATA

Duração da gestação Desenvolvimento embrionário e fetal


O período gestacional é iniciado no momento • A fecundação, ou seja, o encontro do oócito
da fecundação do oócito pelo espermatozoide, com o espermatozóide, ocorre no ambiente
no interior da tuba uterina, e é encerrado com da tuba uterina.
a expulsão não só dos filhotes, mas também de • O e m b r i ã o , a p ó s u m p e r í o d o d e
suas respectivas placentas. desenvolvimento inicial na tuba uterina,
A duração da gestação na gata é variável, chega no útero entre os dias 4 e 5 após a
principalmente por apresentarem a ovulação fecundação.
induzida pela cópula. Nas gatas, é esperado • Implantação, ou seja, a fixação do embrião
que a gestação tenha duração entre 52 e 74 no endométrio uterino e início de formação
dias, sendo em média observado duração da placenta, ocorre entre 10 e 12 dias de
de 65 dias quando feito o cálculo contando desenvolvimento embrionário.
o dia do acasalamento com o dia 0. Além da • Transição embrião para feto ocorre com 28
característica reprodutiva, o número de filhotes dias de gestação.
e fatores raciais podem ter influência na
duração da gestação. Endocrinologia da gestação
O fato de apresentarem a ovulação induzida Os hormônios da gestação são importantes
pela cópula, possibilita que a fêmea seja para manter o ambiente uterino adequado
acasalada durante alguns dias e por diferentes para o completo desenvolvimento do concepto,
machos, em situações em que não há controle além de promover as alterações necessárias na
reprodutivo. Por este motivo, é comum nos evolução do trabalho de parto.
felinos a observação da superfecundação,
ou seja, quando a fêmea gestante apresenta • A gestação é uma fase mantida pela elevada
filhotes de diferentes reprodutores. concentração da progesterona.

Ovulação Fertilização Parto

Cobertura tardia: 58 - 60 dias


Ovulação - Parto: duração fixa de 61 - 65 dias
Acasalamento precoce: duração aparentemente mais longa da gestação

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• Gatas que apresentam ovulação, seja • O parto acontece com concentração de
ela induzida pela cópula ou espontânea, progesterona inferior a 2 ng/mL, mas a
apresentam aumento da concentração de concentração basal só é alcançada após o
progesterona sérica. término do parto.
• A progesterona é produzida tanto pelo corpo • Gatas gestantes apresentam concentração
lúteo, que é a fonte primária, quanto pela de estradiol baixa ao longo da gestação, com
placenta na gata gestante. ligeiro aumento em torno de uma semana
• A concentração plasmática da progesterona antes do parto.
na gata gestante aumenta até a terceira
semana, quando alcança um platô. Na quinta
semana é iniciada a diminuição da sua
concentração sérica.

Fertilização
Dia 32
Formação das pálpebras
Período embrionário

Dia 33
O feto mede cerca de 3 cm

Dia 35 Período fetal


Fim do período embrionário
determinação do sexo

Dia 45
Os pelos começam a crescer
Período fetal
até o final da gestação
Dia 50
O corpo é bem proporcionado
e o feto mede cerca de 10,7 cm

Dia 57 Nascimento
Ossificação do sacro dia 63

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ACOMPANHAMENTO E CUIDADOS COM A GESTANTE

Diagnóstico da gestação
Algumas mudanças corpóreas são cm de diâmetro. Após esta idade gestacional
características nas gatas gestantes: ocorre aumento da quantidade de líquido de
• Aumento do peso a partir da segunda semana útero, inviabilizando a técnica.
de gestação.
• Aumento das glândulas mamárias a partir do A ultrassonografia é a ferramenta mais
21º dia de gestação. utilizada para diagnóstico de gestação, pois
• O s t e t o s a d q u i r e m u m a c o l o r a ç ã o possibilita a identificação do embrião ou feto
avermelhada e os pelos ao seu redor ficam no útero. Pode ser realizado com 14 dias para
rarefeitos (Figura 1). diagnóstico de gestação. É possível a avaliação
da idade gestacional baseada nas estruturas
A palpação abdominal é uma técnica que e dimensões fetais e avaliação da viabilidade
permite identificar a presença de vesículas fetal ao final da gestação (Tabela 1). No entanto,
embrionárias no útero. Contudo, é melhor é importante ressaltar que estes valores são
se realizada entre 21 e 25 dias após o indicadores da idade gestacional, e dependem
acasalamento. Neste período as vesículas da sensibilidade e qualidade de imagem
embrionárias medem aproximadamente 2,5 produzida pelo aparelho utilizado na avaliação.

ESTRUTURA VISIBILIZADA NO ULTRASSOM DIAS APÓS O ACASALAMENTO


Vesícula gestacional esférica 10 - 11
Vesícula gestacional ovalada 21 - 22
Vesícula embrionária medindo 7 mm 21 - 22
Vesícula embrionária medindo 12 a 14 mm 24 - 25
Vesícula embrionária medindo 20 mm 26
Vesícula embrionária medindo 22 - 30 mm 28 - 32
Batimento cardíaco 16 - 18
Identificação de câmaras cardíacas 48 - 50
Desenvolvimento inicial dos membros torácicos e pélvicos 22 - 25
Vesícula urinária 29 - 32
Cordão umbilical 30 - 32
Aparelho urogenital 28 - 32
Movimentos fetais de lateralidade 30 - 34
Surgimento dos intestinos 38 - 42
Olhos 35 - 39
Córtex e medula renal visíveis 48 - 50
Diafragma 50 - 56
Tabela 1: Idade gestacional de felinos com base nas estruturas identificadas no exame ultrassonográfico.1,2

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A

Figura 1: (A) Perda de pelos ao redor do teto. (B) Coloração avermelhada do lado do teto. [Imagens cortesia de Gatil Miadore]

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A atividade cardíaca fetal é identificada a a formação do corpo lúteo, levando a um
partir do dia 16-18 da gestação e as câmaras resultado falso-positivo.
cardíacas e contorno do coração a partir de 48-
50 dias de gestação. Preparação para o parto
O ambiente para o parto deve ser o que
O exame radiográfico não é um exame de rotina promove o menor estresse para a fêmea. O
para diagnóstico de gestação. Sua indicação é isolamento da gestante é necessário, tendo
para contagem fetal e mensuração do diâmetro em vista que no momento do parto, a presença
biparietal após a fase de mineralização óssea de outros animais pode ser estressante para a
do feto, que ocorre de forma suficiente após parturiente.
50 dias de gestação na gata, produzindo uma • O isolamento da gata pode ser iniciado por
imagem mais precisa do feto. Além disso, o volta de 2 semanas antes da data prevista
raio-X possibilita a avaliação da compatibilidade para o parto.
entre as dimensões fetais e pélvicas materna • O comportamento da fêmea no momento do
e estimativa da idade fetal com base na parto é variável, portanto, é importante que
mineralização óssea identificada no feto (Tabela 2). ela tenha algumas opções para escolher onde
será sua caixa maternidade.
A dosagem de progesterona não é uma técnica • É possível utilizar a parte inferior de uma
que permite o diagnóstico de gestação. Gatas caixa transportadora ou uma caixa de
acasaladas que tiveram a ovulação induzida papelão. É importante que a caixa de papelão
ou que apresentaram ovulação espontânea e seja forrada com plástico antes da colocação
não ficaram gestantes, também apresentarão da superfície que a gata terá contato, devido à
aumento da concentração plasmática de eliminação de líquido durante o parto.
progesterona, pois nestas condições ocorre

ESTRUTURA MINERALIZADA IDADE GESTACIONAL MÉDIA


Coluna vertebral 42 - 42
Esqueledo 42 - 44
Costela 42 - 44
Úmero 44 - 46
Fêmur 43 - 45
Rádio 45 - 47
Tíbia 45 - 47
Pelve 45 - 47
Fíbula 51 - 53
Metacarpo e metatarso 56 - 58
Falanges 58 - 60
Dentes 62 - 64
Tabela 2: Idade gestacional de felinos com base na mineralização das estruturas fetais.
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• É importante que a caixa tenha altura que
impeça a saída dos filhotes, mas permita
a saída da mãe.
• A caixa maternidade deve ser recoberta
com superfície absorvente, podendo
ser tapete higiênico ou toalha. Evitar
jornal, devido a questões higiênicas, e
superfícies felpudas, onde a gata pode
ter as unhas enroscadas.
EUTOCIA NA GATA

Todas as adaptações fisiológicas ao final da Segundo estágio


gestação, levam à expulsão fetal e de seus É iniciado após a ruptura da membrana
anexos. A queda da progesterona após a corioalantoideana. Nesse estágio a cérvix
luteólise permite que o útero volte a contrair. deve alcançar a dilatação máxima. Além das
Ainda, ocorre relaxamento e abertura da cérvix, contrações uterinas, são observadas contrações
comunicando o interior do útero com o canal abdominais evidentes, que levam à expulsão
vaginal. fetal.
• O feto é insinuado no canal do parto em
A via fetal, também chamada de canal do parto, apresentação anterior (mais comum)
é composta pela pelve e ossos do sacro, cérvix, ou posterior. Ambas são apresentações
vagina e vulva, caminho que os fetos passarão eutócicas.
desde a saída do útero até o nascimento. • As contrações expulsivas são caracterizadas
por serem mais intensas e, quando iniciadas,
As partes moles envolvidas com a expulsão culminam com a eliminação completa do
fetal, ligamentos pélvicos, vagina e vulva, sofrem feto entre 5 e 10 minutos, sendo considerado
a ação da relaxina e ficam relaxados, permitindo normal demorar no máximo 30 minutos.
a distensão da pelve e passagem dos fetos por • O filhote pode nascer envolvido pela
essas estruturas. membrana amniótica, que é rompida pela
mãe junto com o cordão umbilical.
Didaticamente, o parto na gata é dividido em • O intervalo entre as expulsões fetais é variável,
três estágios: em média 30 minutos entre um filhote e outro,
mas pode demorar até 2 horas.
Primeiro estágio • Às vezes o trabalho de parto é interrompido,
É caracterizado pelo início das contrações fornecendo à fêmea um intervalo durante
uterinas e dilatação da cérvix. o qual as contrações cessam. Essa pausa
• No exame físico da parturiente não é possível pode durar uma ou duas horas, chegando
identificar essas alterações, contudo, é um a 36 horas em casos extremos. Neste
estágio em que algumas fêmeas apresentam período a parturiente descansa, cuida dos
inquietação, ronronar mais intenso e aumento filhotes nascidos, se alimenta e depois volta
da frequência respiratória. A gata pode a expulsar os fetos normalmente. É uma
buscar isolamento ou se aproximar mais das condição pouco comum, porém com alguns
pessoas. relatos nesta espécie. Frequentemente, as
• C o n fo r m e a s co n t ra ç õ e s u te r i n a s s e interrupções mais longas estão associadas
intensificam, a gata pode assumir postura de a uma perturbação no ambiente ou
agachamento. intervenções inoportunas.
• Outra postura observada nesta fase é o • Lembre-se de que a fêmea deve sempre ser
decúbito lateral com lambedura da vulva. supervisionada, embora deve-se permitir sua
• A fêmea busca um local para fazer ninho e liberdade de ação ao máximo possível.
algumas podem ficar mais próximas dos • O tempo esperado entre o início da expulsão do
tutores. A duração deste estágio na gata pode primeiro filhote e o término da expulsão do último
ser entre 2 e 12 horas. filhote é variável, sendo comum durar 6 horas.
Algumas fêmeas podem ter a duração de 42 horas
devido à interrupção do parto.

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ACOMPANHANDO O
PARTO DA GATA
Terceiro estágio
Neste estágio ocorre a expulsão dos envoltórios O parto da gata deve ser monitorado, com
fetais. interferência apenas quando necessário.
• A placenta é expulsa após o nascimento do • Anotar os horários dos nascimentos, auxilia
filhote, por este motivo, o terceiro estágio é no diagnóstico de prolongamento do tempo
alternado com o segundo estágio durante o das contrações expulsivas ou, no aumento do
parto. intervalo entre o nascimento dos filhotes.
• A g a t a p o d e e x p u l s a r a p l a c e n t a • A gata deve fazer a ruptura da membrana
imediatamente após cada filhote ou alguns amniótica dos recém-nascidos, porém, caso
minutos após a expulsão fetal. ela não faça, o Médico-Veterinário deve liberar
• Quando ocorre expulsão de dois filhotes sem as vias aéreas do filhote e ligar o cordão
placenta, pode ser observada a eliminação umbilical (Figura 2).
das duas placentas na sequência. • Evitar acesso de outros animais e outras
• Algumas gatas ingerem a placenta, no pessoas no momento do parto da gata.
entanto, quando ingeridas em grande • Avaliar a gata quando as contrações
quantidade, é comum o desenvolvimento de expulsivas durarem mais de 30 minutos sem
diarreia. nenhum nascimento, ou quando passar de 2
horas sem o nascimento de nenhum filhote e
ausência de contrações abdominais.

Figura 2: Cuidado materno-filial. [Imagem cortesia de Gatil Miadore]

GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 23


DISTOCIAS

As distocias são os partos que não evoluem de Veterinário, nestas situações, deve dar
forma fisiológica e necessitam da assistência seguimento ao exame clínico de forma objetiva,
especializada para que, tanto a parturiente, pois a depender do momento e do tipo de
quanto a ninhada sobrevivam. Em gatas, é distocia, tanto os filhotes que ainda não foram
relatada uma incidência entre 3,3 e 5,8% de expulsos quanto a própria gata, podem ter
partos distócicos, porém as raças apresentam comprometimento do quadro clínico e risco de
variações, como o Sagrado da Birmânia, em que morte.
15% dos partos evoluem para distocia.4,5 • O exame deve obter informações de gestações
anteriores, data do acasalamento, data
As causas da distocia podem ser relacionadas e horário do início do parto e horário do
a fatores maternos, como falhas na contração nascimento do último filhote.
uterina ou alterações que impedem a adequada • Além do exame físico geral, é importante
expulsão do filhote, ou fatores fetais, como fetos uma avaliação reprodutiva, com palpação
gigantes ou alterações na estática fetal. abdominal, inspeção de vulva e toque vaginal.
• Exames laboratoriais podem ser necessários
Identificando a distocia na gata na decisão da conduta terapêutica; porém, é
São indícios de que o parto da gata não está importante que o resultado seja obtido o mais
evoluindo normalmente: rápido possível.
• Gestação com duração superior a 71 dias • Dentre os exames laboratoriais que podem
do primeiro acasalamento ou quando a auxiliar no diagnóstico da distocia, destacam-
progesterona atinge valor inferior a 2 ng/mL, se o hemograma, a dosagem do cálcio sérico
sem indício de proximidade do parto. e a dosagem da glicemia.
• Intervalo superior a 4 horas entre ruptura da • Exames ultrassonográficos fornecem
membrana corioalantoideana e expulsão do informações como idade gestacional e
primeiro feto. viabilidade dos fetos, por meio da contagem
• Duração superior a 2 horas no intervalo da frequência cardíaca fetal. A frequência
entre expulsões fetais, contudo, considerar a cardíaca fetal média é de 228,2 ± 35,5 bpm.
possibilidade de parto interrompido. Valores iguais ou inferiores a 180 bpm indicam
• Contrações abdominais intensas sem sofrimento fetal. É recomendado atendimento
expulsão fetal durante 30 minutos. emergencial para valores inferiores a 160
• Expulsão parcial do filhote pela vulva sem bpm.
evolução, mesmo com contrações abdominais • O exame radiográfico possibilita a contagem
intensas. do número de fetos e a avaliação da passagem
• Corrimento vaginal sanguinolento intenso pelo canal pélvico, principalmente.
antes da expulsão do primeiro filhote ou no • O tutor deve ser sempre informado sobre a
intervalo entre expulsões. conduta clínica, o diagnóstico e prognóstico
referente à sobrevivência da gata e dos
Avaliação clínica da parturiente filhotes. Além disso, os custos envolvidos na
A gata gestante deve ser examinada quando avaliação e procedimentos clínicos devem
é identificado o prolongamento da duração ser informados, inclusive gastos futuros
da gestação ou quando o trabalho de parto que envolvam internação e manutenção da
não evoluir de forma fisiológica. O Médico- ninhada, caso precisem ser internados.

24
PRINCIPAIS DISTOCIAS NA GATA

Inércia uterina primária


A inércia uterina primária é a falha da contração • O diagnóstico é baseado no prolongamento,
do útero no início do estágio 2 do trabalho de por mais de 2 horas, no intervalo entre
parto, levando a uma gestação prolongada. expulsões fetais.
É a distocia mais comumente observada em • A dosagem da glicemia e do cálcio sérico
gatas. A inércia uterina primária completa auxilia na tomada de decisão e correção de
é consequência da ausência de contrações possíveis deficiências.
uterinas, enquanto a inércia uterina primária • A instituição de terapia para indução
parcial é caracterizada por contrações uterinas da contração uterina deve ser realizada
fracas, que não são suficientes para promover a apenas após um exame clínico detalhado da
expulsão fetal, ou suficientes para expulsão de parturiente, buscando identificar a existência
apenas um filhote. de comprometimento materno e/ou fetal.
• O diagnóstico é desafiador e depende da Ainda deve ser descartada a possibilidade
data do acasalamento ou da dosagem de de obstrução do canal do parto por presença
progesterona. de feto gigante, com alteração de estática ou
• Gatas em que a duração da gestação é torção uterina.
superior a 71 dias do primeiro acasalamento, • A terapia para indução da contração uterina
ou o valor de progesterona é inferior a 2 ng/ envolve a administração inicial de 0,1 UI/kg de
mL, sem sinais clínicos da proximidade do ocitocina, via intramuscular, sendo recomendado
parto, podem ter o diagnóstico de inércia entre 0,5 e 2 UI por animal, com repetição a cada
uterina primária. 20 ou 30 minutos, enquanto houver expulsão
• É indicada a realização de ultrassonografia fetal.6 É indicado iniciar com a menor dose e
para avaliação fetal, quando há suspeita de aumentar conforme necessário.
prolongamento da gestação. Frequência • A associação com gluconato de cálcio pode
cardíaca inferior a 160 bpm é indicativo de ser realizada, caso a ocitocina não promova
estresse fetal intenso. a expulsão fetal. Contudo, as gatas podem
• O tratamento nestes casos é a cirurgia apresentar contrações uterinas intensas
cesariana. sob efeito do cálcio, por isso, é indicada a
administração de 0,2 mL/kg de gluconato
Inércia uterina secundária de cálcio a 10% por via intravenosa lenta. 7
A inércia uterina secundária, é consequência da É importante o monitoramento cardíaco
fadiga uterina no decorrer do parto. Contudo, constante, devido ao risco de desenvolvimento
as contrações uterinas são observadas no início de arritmia.
do parto, culminando na expulsão de alguns • A instituição da indução da contração uterina
filhotes na maioria das vezes. pode ter como efeito indesejado o maior
• O desenvolvimento da inércia uterina descolamento de placenta, e consequente
secundária pode ser consequência de ninhada aumento do sofrimento fetal. Tendo em
numerosa, que leva à exaustão uterina pelo vista essa possibilidade, a fêmea e os fetos
grande número de filhotes expulsos, ou de devem ser monitorados constantemente.
processos que prolonguem o parto por maior Caso qualquer alteração seja identificada
tempo de contração na expulsão de cada feto, ou em em casos de ausência de resposta ao
causando maior esforço uterino. tratamento, a fêmea deve ser submetida à
cirurgia cesariana.

GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 25


Incompatibilidade dos diâmetros
materno e fetal no parto
A incompatibilidade dos diâmetros materno e direção ao púbis materno impossibilita
fetal corresponde ao diâmetro fetal superior à a progressão fetal. Todos esses fatores
passagem das vias fetais mole e óssea, podendo culminam em obstrução do canal do parto.
ser originada por alterações maternas ou fetais. • As contrações uterinas e abdominais
• Alterações da pelve materna ou da vagina frequentes, na tentativa de expulsar o feto,
que leve ao estreitamento do canal do parto, podem ser observadas por mais de 30
torção uterina, obesidade e outras alterações minutos sem nenhuma ou pouca progressão
que possam impedir a adequada progressão fetal.
do feto ao longo da via fetal, são causas • Realizar um toque vaginal com lubrificação
maternas de incompatibilidade materno-fetal. adequada permite o diagnóstico preciso de
• Fetos que apresentam crescimento superior estática fetal, além de possibilitar correções,
ao esperado para a raça, normalmente em como a extensão de membros flexionados ou
gestações com fetos únicos ou com poucos rotação do feto em casos em que a coluna
fetos, anormalidades anatômicas fetais, como esteja voltada para o púbis materno.
hidrocefalia ou monstruosidades, são causas • O insucesso na correção da estática fetal é
fetais de incompatibilidade materno-fetal. indicativo de cirurgia cesariana.
• A avaliação clínica da parturiente, incluindo o • O esforço excessivo da parturiente para
exame de toque vaginal, associado à ultras- promover a expulsão fetal pode levar à
sonografia ou radiografia são determinantes exaustão e, consequentemente, evoluir para
no diagnóstico da anormalidade causadora da um quadro de inércia uterina secundária.
incompatibilidade.
• Independente da causa, o tratamento indicado
é a cirurgia cesariana.
• O exame pré-natal sequencial pode ser
decisivo na identificação da alteração materna
ou fetal e possibilitar o agendamento da
cesariana antes do início do trabalho de
parto. Isso previne a evolução para distocia e
o desencadeamento do sofrimento fetal.

Estática fetal anômala


A estática fetal refere-se à insinuação do feto
no canal do parto. Em gatas, as apresentações
anterior e posterior são consideradas eutócicas,
ou seja, normais. Os membros devem estar
estendidos no momento do parto, assim como
a coluna vertebral do feto deve estar voltada em
direção à coluna vertebral da mãe.
• Flexão dos membros e flexão cervical são
alterações que levam ao aumento do diâmetro
fetal. A coluna vertebral do feto voltada em

26
FLUXOGRAMA DAS DISTOCIAS DA GATA

RUPTURA DA MEMBRANA
CORIOALANTOIDEANA

SUPERIOR A 4 HORAS: EXPULSÃO FETAL


AVALIAR A GESTANTE EM ATÉ 4 HORAS

• AUSÊNCIA DE • CORRIMENTO VAGINAL INTERVALO ENTRE NASCIMENTOS


CORRIMENTO VAGINAL SANGUINOLENTO, FÊMEA DE ATÉ 2 HORAS
• FREQUÊNCIA CARDÍACA COM COMPROMETIMENTO
FETAL ELEVADA CLÍNICO OU FREQUÊNCIA
• PARTURIENTE EM BOM CARDÍACA FETAL MONITORAR E REALIZAR
ESTADO GERAL INFERIOR A 160 BPM OS CUIDADOS NEONATAIS
QUANDO NECESSÁRIOS

AGUARDAR E AVALIAR A CIRURGIA CESARIANA


GATA COM FREQUÊNCIA

INTERVALO SUPERIOR A 2 CONTRAÇÃO ABDOMINAL


HORAS SEM EXPUSÃO FETAL INTENSA POR MAIS DE 30 MINUTOS

AVALIAÇÃO MATERNA
E FETAL

• CONFIRMAR AUSÊNCIA • OBSTRUÇÃO DA VIA FETO NO CANAL DO


DE OBSTRUÇÃO DA VIA FETAL PARTO COM ALTERAÇÃO
FETAL • CONDIÇÃO CLÍNICA DA DA ESTÁTICA FETAL
• BOA CONDIÇÃO CLÍNICA PARTURIENTE ALTERADA
DA PARTURIENTE • FREQUÊNCIA CARDÍACA
• FREQUÊNCIA CARDÍACA FETAL INFERIOR A 220 TOQUE VAGINAL E
FETAL SUPERIOR A 220 BPM TENTATIVA DE CORREÇÃO
BPM DA ESTÁTICA FETAL E
POSTERIOR EXTRAÇÃO
FORÇADA
INDUÇÃO DA
CONTRAÇÃO UTERINA
INSUCESSO NA INSUCESSO
INDUÇÃO NA MANOBRA
SUCESSO NA INDUÇÃO, SUCESSO NA MANOBRA,
CONTINUAR CONTINUAR
ACOMPANHANDO O ACOMPANHANDO O
PARTO CIRURGIA CESARIANA PARTO

GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 27


COMPLICAÇÕES PÓS-PARTO

Eclâmpsia
Eclâmpsia, também chamada de hipocalcemia entanto, caso haja uma recorrência do quadro
ou tetania puerperal, é a perda excessiva de clínico, os filhotes devem ser desmamados da
cálcio que pode acometer a fêmea no final da mãe e alimentados via mamadeira com um
gestação, devido à mineralização óssea do feto, sucedâneo do leite adequado para filhotes de
ou durante a lactação. Dietas inadequadas gato.
ou suplementação excessiva de cálcio podem • F ê m e a s g e s t a n t e s q u e d e s e n v o lv e m
contribuir para o desenvolvimento da afecção. hipocalcemia podem ser tratadas com
gluconato de cálcio administrado por via
Além disso, ninhada numerosa e fêmeas com intravenosa e, posteriormente, continuar
baixa condição corporal, podem ser mais recebendo suplementação oral de cálcio (100
suscetíveis ao desenvolvimento de eclâmpsia. mg/kg, VO, BID) até um mês após o parto.
• Quando se trata de gestantes, é possível que Essa estratégia permite manter a lactação
as fêmeas desenvolvam o quadro clínico entre da fêmea, mesmo após o tratamento da
3 e 17 dias antes do parto. hipocalcemia
• Lactantes podem desenvolver o quadro clínico
entre 2 e 4 semanas pós-parto. Produção insuficiente de leite
• O quadro clínico é caracterizado por A produção insuficiente de leite pode se
letargia, tremores e fasciculação muscular, manifestar em gatas que passaram por
marcha rígida, desidratação, mucosas situações estressantes ou por uma cesariana
hipocoradas, hipotermia, dispneia, taquipneia prematura. A baixa ingestão de calorias e
e bradicardia. As gatas podem apresentar gorduras durante o período puerperal pode
hiperexcitabilidade, hipersensibilidade ou levar à diminuição ou até bloqueio da lactação.
paralisia flácida, diferente do observado em • A produção insuficiente de leite em gatas
cães. Além disso, podem desenvolver quadro pode ser identificada pelo choro constante e
gastrointestinal, como vômito e diarreia. ininterrupto da ninhada, que demonstra uma
• O diagnóstico é baseado nos achados clínicos fome intensa e não consegue ser saciada
associado à dosagem de cálcio ionizado durante a amamentação.
e total, os quais estão abaixo do limite • As fêmeas com baixa produção de leite
fisiológico na fêmea com eclâmpsia. devem receber dieta com maior quantidade
• Em fêmeas lactantes, o tratamento é baseado de calorias no período pós-parto para auxiliar
na administração intravenosa lenta de solução no aumento da produção de leite.
contendo gluconato de cálcio a 10%, no • O tratamento medicamentoso pode envolver
volume de 2 a 5 ml, durante 5 minutos. Caso a administração de ocitocina injetável ou
não tenha remissão dos sinais clínicos, deve- intranasal. Essa substância é capaz de induzir
se repetir a administração. A suplementação a descida do leite, mas não tem efeito na
oral pode ser realizada na dose diária de 250 produção de leite em si.
a 500 mg de gluconato de cálcio. • A metoclopramida, uma droga que estimula
• Embora seja recomendado realizar o a liberação de prolactina endógena da
desmame, em alguns casos nos quais os gata, pode ser administrada por via oral ou
filhotes ainda são muito jovens, é possível injetável, a cada 8 horas. Neste caso, além
tentar manter a lactação associada à da descida do leite, a prolactina estimulará a
suplementação e adequação da dieta. No produção em algumas gatas.

28
Mastite
A mastite é uma complicação pós-parto que • Mastite com presença de flutuação à
resulta da inflamação da glândula mamária, palpação, consequência de abscesso, deve
causada por infecção bacteriana. Essa condição ser drenada e tratada como ferida aberta. Os
pode ser observada em fêmeas em lactação ou filhotes devem ser removidos do aleitamento
que apresentaram pseudociese (Figura 4). materno e tratados com aleitamento artificial
• A porta de entrada mais comum das bactérias ou ama de leite.
é o teto da glândula mamária, decorrente do
processo de amamentação, mas também Metrite
pode ocorrer devido a traumas ou má higiene A metrite é uma infecção uterina causada por
do ambiente. bactérias vaginais, vindas por via ascendente.
• Os agentes mais comumente encontrados Essa infecção é frequentemente observada
em quadros de mastite são: Escherichia coli no período pós-parto e é favorecida por
e bactérias dos gêneros Streptococcus sp. e fatores como prolongamento do parto, trauma
Staphylococcus sp. decorrente da distocia, retenção de placenta ou
• Clinicamente as fêmeas apresentam uma ou do feto.
mais glândulas com aumento de temperatura, • Clinicamente, a metrite leva à depressão,
edemaciadas e sensíveis ao toque, que levam anorexia, febre, falta de cuidado e até rejeição
à relutância em amamentar os filhotes. Em da ninhada pela gata, corrimento vaginal
casos graves, pode ocorrer quadro sistêmico, fétido que pode ter aspecto sanguinolento e/
com febre, anorexia e letargia. Alguns animais ou purulento.
podem desenvolver abscesso e necrose na • O diagnóstico é baseado em avaliação clínica,
glândula afetada. exame ultrassonográfico identificando
• O tratamento envolve o uso de antibiótico aumento de volume uterino com presença
de amplo espectro e, de preferência, de conteúdo, e hemograma para identificar
escolhido com base no resultado da cultura presença de leucocitose com desvio à
e antibiograma da secreção da glândula esquerda ou leucopenia e trombocitopenia.
afetada. • Através do exame da secreção vaginal é
• O uso de amoxicilina com clavulanato ou possível identificar a presença de neutrófilos
cefalexina são opções seguras para os filhotes degenerados e macrófagos com bactérias
na amamentação. intracelulares, bem como realizar o exame de
• O uso de compressas mornas e a retirada cultura. Entre as bactérias mais comumente
frequente do leite são medidas que auxiliam identificadas em casos de metrite estão
na recuperação da glândula. Escherichia coli, Salmonella sp., Campylobacter
• O s f i l h o t e s p o d e m c o n t i n u a r s e n d o sp., Chlamydia sp., Staphylococcus sp. e
amamentados caso a mastite aguda seja Streptococcus sp.
identificada e tratada no início da infecção, • A metrite não deve ser confundida com
com o benefício da drenagem frequente da p i o m e t ra , u m a ve z q u e n a m e t r i te a
glândula. No entanto, é importante considerar concentração de progesterona está baixa, não
o desconforto da sucção pelos filhotes. Nestes sendo este um fator que intensifica o quadro
casos, uma alternativa é manter a ordenha clínico apresentado.
manual da glândula e evitar o acesso dos • O t r a t a m e n t o d e v e s e r i n i c i a d o co m
filhotes até que ocorra a plena recuperação. a separação dos filhotes da mãe e

GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 29


FASES DO CICLO REPRODUTIVO

administração de antibioticoterapia de amplo Puberdade


espectro para a fêmea. Pode ser necessário A puberdade é definida como o início da
instituir fluidoterapia para estabilização da atividade reprodutiva do indivíduo.
paciente. • Na gata, a puberdade é alcançada no
• O tratamento conservativo visa a manutenção momento que ela apresenta o primeiro estro.
do útero para futuras gestações. Neste caso, • A influência do fotoperíodo pode ser
além da antibioticoterapia durante 4 semanas, observada em algumas raças e em regiões
essa conduta visa o esvaziamento do útero onde a diferença de luminosidade ao longo
com auxílio de 0,25 mg/kg, por via IM, de do ano leva ao anestro, que nos felinos é em
prostaglandina F2-alfa. Este tratamento é períodos de dias curtos.
indicado para fêmeas que apresentam parede • Gatas podem apresentar a puberdade entre 4
uterina espessa, sendo contraindicado nas e 12 meses. Algumas raças podem ser mais
fêmeas com parede uterina fina e friável, tardias, como as Persas que podem alcançar
devido ao risco de ruptura. a puberdade com até 24 meses de idade.
• O uso da da prostaglandina F2-alfa apresenta • O peso corpóreo das gatas também é
como possíveis efeitos colaterais a indução considerado um fator desencadeante da
de êmese, desconforto abdominal e risco de puberdade, sendo entre 2,3 kg e 2,5 kg o peso
ruptura uterina. observado nas fêmeas que apresentam o
• Caso não exista interesse reprodutivo, ou primeiro estro.
a parede uterina se encontre fina e friável, • No gato macho, a puberdade pode ser
é indicada a remoção cirúrgica do útero e marcada pelo início da espermatogênese.
ovários, após a estabilização clínica da gata. Outra forma de identificar a puberdade no
gato é quando, no ejaculado, é identificado
espermatozoides em qualidade e quantidade
suficiente para emprenhar uma gata por
monta natural.
• Os machos também podem sofrer ação do
fotoperíodo, podendo alcançar a puberdade
entre 8 e 10 meses de idade ou quando
atingem o peso corpóreo de 2,5 kg, o que
ocorrer primeiro.

Ciclo estral das gatas


O ciclo reprodutivo da gata é classificado
como poliéstrico estacional de dias longos.
As gatas apresentam fases de aceitação
de monta e período de repouso sexual. No
entanto, a estacionalidade reprodutiva não é
uma ocorrência frequente em países que não
apresentam grande variação entre as horas de
luz e de escuro ao longo do ano.
Figura 4: Mastite em região de glândulas mamárias
inguinais. [Imagem cortesia de Gatil Miadore]

30
GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 31
O ciclo estral da gata é didaticamente dividido • A ovulação ocorre aproximadamente 24
em proestro, estro, interestro, diestro e anestro. a 30 horas após a liberação de LH, e é
caracterizada pela ruptura do folículo ovariano
• O proestro é a fase em que ocorre o início e liberação o oócito para a tuba uterina, local
do desenvolvimento dos folículos ovarianos, onde ocorre a fecundação.
sob ação do hormônio folículo estimulante • Gatas que não são acasaladas e que não
(FSH). Nesta fase, também ocorre o início apresentam ovulação espontânea apresentam
da produção de estradiol pelos folículos regressão do folículo ovariano e degeneração
em desenvolvimento. O proestro passa do oócito no seu interior.
despercebido na maioria das vezes, devido • Após o estro, a gata pode evoluir, do ponto de
à sua curta duração, podendo durar entre vista reprodutivo, para uma das 3 situações
24 horas e 2 dias. Nesta fase as mudanças seguintes (Figura 5):
comportamentais são discretas, como roçar 1. Não ser acasalada e não apresentar
o pescoço contra objetos, porém, sem a ovulação espontânea, ou ser acasalada,
aceitação da monta pelo reprodutor. mas sem ocorrer ovulação: Nesta
• O crescimento contínuo dos folículos ovarianos situação, a gata apresenta um ciclo
culminam no aumento da concentração de anovulatório e iniciará uma fase de
estradiol circulante na gata, o qual alcança repouso sexual chamada interestro. Esta
um pico plasmático. Neste momento, ocorrem fase tem duração variável entre as raças,
mudanças comportamentais, referentes à durando entre 9 e 10 dias, podendo chegar
receptividade sexual, caracterizando o estro. a 21 dias. Após este período, a gata pode
O comportamento nesta fase é identificado entrar novamente em proestro/estro ou,
por vocalização frequente, roçar o corpo se a fêmea apresentar estacionalidade
contra objetos, rolamento no chão e atração reprodutiva, entrar em anestro até a
do reprodutor. O toque na região lombar, ou próxima estação reprodutiva.
mesmo na região perineal, induz na gata uma 2. Ser acasalada, ovular e não emprenhar:
postura de lordose, com elevação da cauda e Neste caso, ocorrerá a formação de
exposição da genitália. um corpo lúteo no ovário, o qual produz
• O proestro tem duração de 1 a 2 dias, quando progesterona, caracterizando uma
identificado, enquanto o estro pode durar até fase reprodutiva chamada de diestro,
7 dias. pseudociese ou pseudogestação. Esta
• A ovulação da gata é induzida pela cópula, fase pode durar entre 30 e 40 dias, que é o
contudo, algumas fêmeas podem apresentar tempo de duração do corpo lúteo no ovário
ovulação espontânea. da fêmea não gestante.
• A indução da ovulação ocorre pelo estímulo 3. Ser acasalada, ovular e emprenhar: A
tátil das espículas penianas na mucosa vaginal. gata gestante está em uma fase chamada
Este estímulo promove um estímulo nervoso diestro gestacional, caracterizado pela
que resulta na liberação reflexa do hormônio presença de um corpo lúteo ovariano,
luteinizante (LH) pela hipófise. Quanto maior produtor de progesterona. Neste caso,
o número de cópulas, maior o estímulo e, o corpo lúteo tem a mesma duração da
portanto, maior a concentração circulante de gestação.
LH. Estima-se que 50% das gatas evoluam
para a ovulação com apenas uma cópula.

32
• O anestro é uma fase de repouso reprodutivo. deste bloqueio, os ovários não terão
Em gatas, o anestro estacional é observado desenvolvimento de folículos e a gata não
nos dias curtos, ou seja, quando há menor apresentará comportamento de aceitação de
luminosidade e, consequentemente, elevada monta.
concentração de melatonina circulante. A • Aproximadamente 2 meses após o solstício
melatonina é um hormônio produzido pela de inverno, período que ocorre aumento
glândula pineal, na ausência do estímulo gradual das horas de luz ao longo do dia, a
luminoso. Em felinos, a melatonina tem gata retorna à ciclicidade e volta a apresentar
efeito bloqueador no centro regulador da estro.
reprodução, o hipotálamo. Como resultado

CICLO ESTRAL DA GATA

ESTRO

ACASALOU NÃO ACASALOU


E OVULOU E NÃO OVULOU

FECUNDOU NÃO FECUNDOU


DIESTRO PSEUDOCIESE OU INTERESTRO
GESTACIONAL PSEUDOGESTAÇÃO

GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 33


MÉTODOS CONTRACEPTIVOS

O controle populacional dos felinos é uma • Os gatos que são castrados antes da
preocupação constante, devido à sua elevada puberdade apresentam genitália externa com
eficiência reprodutiva. As opções para promover aspecto infantil quando em comparação com
a contracepção dos felinos envolve desde a animais gonadectomizados após a puberdade
castração até o uso de fármacos para bloquear ou com gatos não castrados.
o ciclo reprodutivo das fêmeas. • Gatos machos castrados até dois meses
de vida podem não conseguir exteriorizar o
Castração cirúrgica pênis, o que não acontece quando a castração
A gonadectomia é a técnica comumente ocorre após os sete meses.
realizada para controle definitivo da reprodução. • A relação entre a castração de gatos jovens
• Normalmente, os gatos são castrados após e a doença do trato urinário inferior ainda
os 6 meses, quando atingem a puberdade, é questionada. Alguns estudos relatam
porém, existe a possibilidade de realizar não haver correlação entre a castração e a
o mesmo procedimento em animais pré- maior incidência de obstruções urinárias,
púberes, ou seja, antes dos seis meses. A enquanto um estudo evidencia esta relação,
castração de animais pré-púberes, tem como contudo, associando também ao sobrepeso
objetivo intensificar o controle populacional, ou obesidade de gatos machos e fêmeas..9,10
impedindo que animais inteiros sejam doados • A castração pediátrica foi associada com
ou vendidos para tutores. menor incidência de asma felina, tanto em
• A castração antes dos animais alcançarem machos quanto em fêmeas.
a puberdade é chamada de castração • Apesar de não ser uma consequência
pediátrica. mandatória, a castração pode ter relação
• Não há diferença na dificuldade para com aumento de peso corpóreo, ao redor
a execução das diferentes técnicas de de 20% em relação ao peso inicial. Este
gonadectomia, tanto em machos quanto em aumento de peso acaba sendo desencadeado
fêmeas, quando comparados animais que por mudanças no metabolismo da glicose e
alcançaram a puberdade e pré-púberes. 8 diminuição da taxa metabólica.
Entretanto, deve ser considerada a menor • A l é m d i ss o , g a to s e g a ta s ca st ra d a s
dimensão das estruturas e dos riscos da apresentam maior risco no desenvolvimento
perda sanguínea, mesmo em pequena de diabetes mellitus, em comparação a
quantidade, pelo filhote com menos de 6 animais inteiros.
meses de idade.
• A re m o ç ã o d a s fo n te s d e h o r m ô n i o s Quando realizar a castração cirúrgica?
re p ro d u t i vo s , i m p e d e q u e a s f ê m e a s De fato, não há uma regra para a escolha da
apresentem ciclicidade e, portanto, o idade ideal para a castração de felinos. Este
comportamento de receptividade sexual questionamento deve levar em consideração
estará suprimido de forma permanente. diversos aspectos antes de ser respondido:
• A ausência dos hormônios reprodutivos reduz • Animais que vivem em abrigos devem ser
o comportamento de marcação territorial por castrados antes de serem disponibilizados
meio da pulverização da urina no ambiente. para adoção, independentemente da idade,
Além disso, é observada diminuição da pensando no controle populacional e no
agressividade pela ausência da testosterona consequente benefício social.
em machos. • Gatos machos castrados antes da puberdade

34
apresentam redução do comportamento g o n a d o t ro f i n a ( G n R H ) , s e c re ta d o p e lo
agressivo e da marcação territorial. hipotálamo, impedindo o desenvolvimento e
• Gatos domiciliados devem ser avaliados maturação dos folículos ovarianos.
individualmente e a indicação da castração é • Os fármacos são à base de acetato de
feita caso os animais tenham acesso à rua de medroxiprogesterona e acetato de megestrol.
forma periódica. • O uso deve ser feito durante o anestro ou
• Em resumo, é importante uma conversa com interestro, ou seja, quando não há atividade
o tutor, avaliando os riscos e benefícios da ovariana e repouso reprodutivo da fêmea.
castração para aquele indivíduo, para que • Os efeitos colaterais do uso de progestágeno
juntos seja tomada a decisão mais vantajosa são relacionados à inibição da glândula
para o animal. adrenal, desenvolvimento de poliúria e
polidipsia e aumento da incidência de diabetes
Fármacos com ação contraceptiva mellitus.
A l é m d o p ro ce d i m e n to c i r ú rg i co d e • Na glândula mamária, tem relação com o
gonadectomia, existe a busca por métodos desenvolvimento de hiperplasia mamária
contraceptivos que sejam temporários e de fácil fibroepitelial e tumores de mama.
administração.

Progestágenos
Os progestágenos são fármacos que atuam
de forma semelhante à progesterona. Seu
mecanismo de ação se dá pela redução
da liberação do hormônio liberador de

GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 35


REFERÊNCIAS

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GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 37


CUIDADOS ESPECIAIS COM O NEONATO
LIEGE C. GARCIA SILVA
INTRODUÇÃO

C o m o ca r n í vo ro s , o s f i l h o te s d e g a to s • Falha na transferência de anticorpos


domésticos (Felis catus) são altriciais, ou maternos.
seja, completamente dependentes das • Enfermidades infecciosas e/ou parasitárias
mães em diversas funções vitais, como nos neonatos.
nutrição, termorregulação e aprendizagem. O • Isoeritrólise neonatal.
amadurecimento fisiológico do filhote é lento e
progressivo. Cada sistema orgânico desenvolve- Algumas raças, como Persa, Manx e Himalaia,
se individualmente, de modo que o filhote estará apresentam maior predisposição ao óbito
completamente amadurecido em todas as suas neonatal.
funções próximo a idade de um ano.
É um grande erro considerar que as gatas não
Sendo assim, neste Guia de condutas, o precisam de monitoramento no momento do
desenvolvimento do filhote será didaticamente parto e que conseguem cuidar da sua ninhada
abordado em períodos de um mês, a partir do sozinhas, como algo natural da espécie. É
seu nascimento e até um ano de idade. fato que algumas fêmeas têm sucesso mas,
os elevados índices de mortalidade perinatal
em medicina felina, comprovam que a falta
MORTALIDADE NEONATAL de assistência obstétrica e puerperal acarreta
muitas mortes, tanto maternas, como neonatais,
A mortalidade perinatal, aquela que compreende as quais seriam evitadas com acompanhamento
a natimortalidade e as perdas até o período do clínico e boas práticas de manejo.
desmame, é extremamente alta em felinos.
Estudos publicados reportam natimortalidade
entre 5 e 15,6%.1-6 Nos quadros distócicos, a TRANSIÇÃO FETAL-NEONATAL
mortalidade neonatal imediata pode chegar a
34%.4 Durante o período neonatal, a primeira O trabalho de parto é marcado por breves
semana de vida e, em especial, os primeiros 3 períodos de intensas contrações abdominais
dias do nascimento são os mais críticos, com e u te r i n a s , i n te rca l a d o s co m p e r í o d o s
taxa de mortalidade que pode atingir 27% no de repouso. Durante as contrações, há
período.5 compressão das artérias uterinas e do cordão
umbilical, o que causa grande redução da
As principais causas de óbito neonatal são: circulação uteroplacentária e umbilical, e
• Falhas de assistência ao parto, distocias e em consequência, hipóxia fetal. Esta hipóxia,
cesarianas. quando breve e intermitente, gera um estímulo
• Defeitos congênitos ou genéticos. respiratório no filhote, imediatamente ao
• Condições de saúde materna inadequadas. nascimento.
• Idade materna: fêmeas muito jovens (com
menos de 1 ano de idade) ou mais velhas (com Durante o trabalho de parto, são estímulos para
mais de 5 anos). o início da respiração pulmonar neonatal:
• C o n d i ç õ e s s a n i t á r i a s e a m b i e n t a i s • A compressão na região torácica e abdominal
inadequadas. do feto, que ocorre com a passagem do filhote
• Desnutrição e baixo peso ao nascimento pelo estreito canal de parto.
(menos de 65 gramas de peso).

40
• O estímulo de lambedura pela mãe na região
do tórax, face e cordão umbilical dos filhotes. ASSISTÊNCIA NEONATAL IMEDIATA
• A sensação térmica de frio com o resfriamento AO PARTO
imediato após o nascimento.
• A moderada privação de oxigênio pelo
mecanismo do parto. Ao nascimento, a gata deve prestar assistência
ao filhote imediatamente após expulsá-
Assim que o filhote nasce, suas primeiras lo, rompendo com sua boca a membrana
inspirações devem ser profundas, pois é através amniótica (se íntegra) e lambendo o filhote na
delas que ocorre a expansão dos pulmões região do tórax, abdômen e face. O filhote deve,
pelo ar. O líquido amniótico que preenche os então, começar a chorar e respirar, e se após
alvéolos e sáculos do feto é gradativamente 5 a 10 segundos do nascimento, a mãe não
absorvido pela circulação sanguínea e linfática tiver prestado assistência, ou o neonato não
dos pulmões, ao longo de 4 a 6 horas pós- apresentar respiração espontânea, vocalização
natais, porém, o filhote não deve apresentar e tônus muscular, o Médico-Veterinário deve
dispnéia e cianose. Esse processo pode ser intervir imediatamente.
mais demorado nas cesarianas, implicando em
possíveis retardos na adaptação respiratória Os neonatos devem ter as narinas e boca
nestes pacientes. Com a expansão pulmonar e limpas e desobstruídas com auxílio de um
a absorção do líquido alveolar, há a diminuição pano limpo e seco. Pode-se fazer a aspiração
da resistência vascular local. Em consequência, do conteúdo amniótico presente nos condutos
o fluxo sanguíneo que chega aos pulmões nasais, por meio de bomba de sucção nasal
aumenta, garantindo a hematose e a elevação neonatal humana, ou sondas uretrais acopladas
da oxigenação sanguínea. a seringas. Então, deve-se massagear
intensamente o filhote na região do tórax, com
Quando não há a correta transição fetal- toalha limpa, seca e aquecida.
neonatal, os filhotes apresentam hipóxia
prolongada e podem evoluir para a Síndrome do Após estes primeiros cuidados, deve-se
Desconforto Respiratório (SDR). Os principais realizar o exame clínico do neonato, por
sinais clínicos relacionados aos quadros de meio do escore de vitalidade neonatal Apgar
hipóxia e SDR neonatal são: adaptado (Tabela 1) em até 30 segundos. Filhotes
• Alterações respiratórias, como: taquipneia, nascidos de cesariana apresentam, ao longo
ruído respiratório patológico, seguidos de da primeira hora de vida, redução de escore
progressiva dispnéia, padrão respiratório Apgar, saturação de oxigênio (SpO2), frequência
superficial com arfadas e apneia. respiratória (FR) e reflexos, além de aumento
• Letargia. da glicemia em relação aos neonatos de parto
• Tônus muscular flácido. vaginal. 6 Filhotes nascidos de parto vaginal
• Baixo escore Apgar ao nascimento. devem apresentar escore Apgar maior que 8 ao
• Anorexia e perda do reflexo de sucção. nascimento, e próximo a 10, em até uma hora
• Vômitos. de vida. Filhotes nascidos de cesariana devem
• Alteração de coloração de mucosas, como apresentar escore Apgar maior ou igual a 7 ao
cianose e palidez. nascimento e maior ou igual a 9, em até uma
hora de vida.

GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 41


Além da avaliação do escore Apgar adaptado Nas cesarianas, o intervalo de nascimento entre
e do escore de reflexos neonatais (Tabela 2), o os neonatos é menor e, muitas vezes, os filhotes
Médico-Veterinário deve avaliar a integridade nascem mais deprimidos. Logo, é importante
do palato e buscar por possíveis malformações que o ambiente esteja preparado para recebê-
aparentes. É essencial diagnosticar a fenda los e haja profissionais suficientes e bem
palatina imediatamente ao nascimento, pois o treinados para prover a correta assistência. A
filhote acometido por essa alteração não poderá Tabela 3 mostra os principais equipamentos e
mamar na mãe, sob nenhuma circunstância. insumos de uso na assistência neonatal.

O co rd ã o u m b i l i ca l d eve s e r o c l u í d o a
aproximadamente 0,5 cm de distância do
abdômen e seccionado somente 3 minutos
após o nascimento, para que o fluxo sanguíneo
residual placentário drene em direção ao
filhote. O cordão umbilical é uma importante
porta de entrada para bactérias, predispondo
às infecções e desenvolvimento da sepse
neonatal. Deste modo, deve-se fazer uma
ligadura de nó duplo, com fio inabsorvível no
cordão umbilical, a uma distância de 0,5 a 1
cm da parede abdominal, cortar e descartar
o restante do cordão e placenta. Em seguida,
deve-se aplicar solução de clorexidina, ou álcool
70%, ou iodopovidona a cada 12 horas até a
queda do coto umbilical, que ocorre em até 3
dias do nascimento.

Após a avaliação inicial, o filhote saudável


deve ser apresentado à mãe, para que ela o
reconheça e aceite. E então, deve ser colocado
para mamar, em ambiente limpo e controlado
(com temperatura de 32 a 34ºC e umidade
relativa do ar próxima a 55 a 60%) e sob fonte
de calor irradiante.

Durante a assistência neonatal imediata ao


parto, é contraindicado chacoalhar um filhote em
qualquer situação clínica. O ato de chacoalhar
filhotes ao nascimento está associado a quadros
hemorrágicos, injúria cerebral difusa e edema
cerebral em medicina humana e veterinária, além
Figura 1: Filhote com bom tônus muscular e reflexo
de dificultar a adequada expansão pulmonar e de flexão imediatamente ao nascimento. [Imagem cortesia
aumentar o risco de quedas e traumas. de Dra. Liege C. Garcia Silva]

42
VARIÁVEL NOTA 0 NOTA 1 NOTA 2
FC (bpm) <100 bpm 100 a 199 bpm 200 a 260 bpm
FR: 10 a 39 mpm
Dispneia, bradipneia ou FR: 40 a 160 mpm
FR: 0 a 10 mpm taquipneia, respiração Eupneia, murmúrio
Padrão respiratório
Apneia superficial, arfadas. vesicular à ausculta,
Sibillos, crepitacões e respiração rítmica
estertores à esculta
Parcial
Bom
Flácido Leve contração
Contração muscular de
Ausência de contração muscular de membros,
Tônus muscular membros e sustentação
muscular e sustentação sem sustentação da
de cabeça em decúbito
da cabeça cabeça em decúbito
dorsal
dorsal
Presente, porém
Presente e normal,
discreta, ao proceder
Irritabilidade reflexa Ausente ao proceder estímulo
estímulo doloroso em
doloroso em dígito
dígito
Coloração de mucosas Pálidas ou cianóticas Cianóticas a róseas Todas róseas
Tabela 1: Escore Apgar adaptado aos neonatos felinos. 6

REFLEXO NOTA 0 NOTA 1 NOTA 2


Forte, promove vácuo
Sucção Ausente Fraco
com a língua
Procura lenta pela Procuta imediata pela
Entocamento Ausente mão do avaliador, com mão do avaliador, com
focinho e patas focinho e patas
Ausente, permanece em Reposicionamento Reposicionamento
Reposicionamento
decúbito dorsal corporal lento corporal imediato
Tabela 2. Escore de reflexos adaptado aos neonatos felinos.6

MATERIAIS DESCARTÁVEIS MEDICAÇÕES E INSUMOS


− Seringas de 1, 3, 5 mL − Flaconete de 10mL de solução fisiológica NaCl 0,9%
− Agulhas 24G e 26G − Flaconete de 10 mL de glicose 50%
− Sondas uretrais no 4 e 6 − Ampola de adrenalina (1 mg/mL)
− Cateteres intravenosos no 24G, 26G e 16G − Ampola de aminofilina (24 mg/mL)
− Luvas de procedimento − Álcool 70% / clorexidina / iodopovidona
− Tapetes higiênicos − Suplementos vitamínicos hipercalóricos para
− Compressas estéreis neonatos.
− Fitas coloridas para identificação
− Fios de sutura
− Plug adaptador PRN Luer Lock
− Esparadrapo, gaze, algodão
− Fichas individuais de assistência neonatal
− Fitas para medição de glicemia e lactatemia
Tabela 3: Principais equipamentos e insumos utilizados na assistência neonatal felina.

GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 43


MATERIAIS REUTILIZÁVEIS EQUIPAMENTOS
− Soprador de ar quente − Ambu neonatal humano (250 mL)
− Bolsa térmica − Válvula de PEEP para Ambu (5 a 20 cm H2O)
− Conector plástico para Ambu/ventilador − Ressuscitador infantil Babypuff® com misturador de
− Tesoura cirúrgica romba gases (Fanem)
− Aspirador nasal pediátrico humano − Fonte de oxigênio medicinal
− Termômetro retal − Fonte de ar comprimido
− Tricótomo com lâmina − Incubadora neonatal
− Pranchetas e canetas − Lâmpada infravermelha com suporte
− Relógio com cronômetro − Laringoscópio + lâmina zero (reta ou curva)
− Estetoscópio neonatal
− Oxímetro neonatal
− Aparelho glicosímetro
− Aparelho lactímetro
Tabela 3 continuação: Principais equipamentos e insumos utilizados na assistência neonatal felina.
Nas cesarianas, diversos fatores comprometem inspiratória (PIP) seja de, no máximo, 30 cm de
a adaptação respiratória neonatal, dentre eles: H2O. A ventilação com pressão positiva (Figura
• I n f l u ê n c i a d e p re s s o r a d o s a g e n t e s 3) e PEEP (do inglês, “positive end expiratory
anestésicos. pressure”) é a mais eficiente no recrutamento
• Hipóxia prolongada em consequência à dos alvéolos, porém não há padronização
distocias e descolamento de placenta. para neonatos felinos, sendo assim, indica-se
• Não passagem pelo canal do parto. PEEP máxima de +5 cm de H2O. A ventilação
• Falta de assistência materna ao nascimento, em máscara facial é pouco eficiente, pois gera
por meio da lambedura. escape de ar pela lateral da máscara, além
de deslocamento de grande quantidade de ar
Como resultado, os neonatos podem apresentar para o estômago. Logo, em algumas situações,
depressão clínica e metabólica e baixo o neonato deverá ser intubado para garantir
estímulo respiratório, além de tendência à maior eficiência ventilatória. O processo de
hipotermia grave. O uso de secadores de ar intubação neonatal requer prévio treinamento,
quente é indicado até que o paciente esteja além do uso de equipamentos adequados, como
completamente seco. Então, a ninhada deve ser laringoscópio acoplado à lâmina reta ou curva,
colocada sob fonte de calor externo. número zero e cateter 16G para ser usado como
sonda endotraqueal. Dentre as complicações
Após os cuidados iniciais (estimulação, secagem associadas ao ato de intubação, estão a
e limpeza das vias aéreas), se um neonato não hipoxemia, apneia, bradicardia, pneumotórax,
começar a respirar espontaneamente em até 30 perfuração traqueal ou esofágica e maior risco
segundos, medidas assistenciais de reanimação de infecção.
devem ser aplicadas. A maneira mais eficiente
e segura de garantir a sobrevivência de um Conjuntamente, o estímulo à respiração pode
neonato deprimido é fazê-lo respirar o quanto ser feito pelo ponto de acupuntura Jen Chung
antes (Figura 2) . Para tal, deve-se iniciar a (VG26 (Figura 4)), fornecimento de oxigenoterapia
ventilação em máscara facial conectada a um aquecida e umidificada à 40%. O uso de
balão autoinflável tipo Ambu acoplado a um medicações deve ser evitado ao máximo, pelo
manômetro, de modo que o pico de pressão atual desconhecimento da metabolização destes

44
agentes nos neonatos felinos. Nas situações de recomenda-se o uso de adrenalina [dose inicial
bradicardia, recomenda-se massagem torácica de 0,01 mg/kg e doses subsequentes após 1 a
na frequência de 1 a 2 movimentos por segundo, 5 minutos de 0,1 a 0,3 mg/kg, IV ou IO (Figura 5)].
associada à ventilação e, se necessário,

Figura 2: Oxigenoterapia em paciente com má Figura 3: Intubação orotraqueal e ventilação com pressão
adaptação respiratória ao nascimento, apresentando positiva (Ambu) em neonato felino.
dispneia e cianose de mucosas.

Figura 4: Ponto de acupuntura VG26 em filhote Figura 5: Administração de adrenalina em veia jugular de
imediatamente ao nascimento. neonato felino durante assistência neonatal imediata ao
parto. Paciente intubado e ventilado com Ambu.

[Imagens cortesia de Dra. Liege C. Garcia Silva] GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 45
FLUXOGRAMA DE ASSISTÊNCIA NEONATAL

SUCÇÃO ORO-NASAL
NASCIMENTO FRICÇÃO / SECAGEM
AVALIAÇÃO CLÍNICA

30 SEG

FC >200 BPM? / FR >10 MRM / APGAR > 7?


MOVIMENTAÇÃO E CHORO? / ER > 4?
SpO2 > 80% (NASCIMENTO) OU > 90%

• VPP AMBU 21%O2 FR 1O MRM • FRICÇÃO TORÁCIA


• FRICÇÃO TORÁCICA • AQUECIMENTO
• AMINOFILINA SL VOCALIZAÇÕES E
FC, FR E SpO2 NORMAIS? BOM TÔNUS?
30 A 40 SEG

30 A 40 SEG
ESTÍMULO RESPIRATÓRIO CONTROLE DE TEMPERATURA
AQUECIMENTO / FRICÇÃO TORÁCICA
PONTO VG26 • TC > 35 GRAUS
• VPP PEEP +5CM H2O FiO2 40% EM MÁSCARA FACIAL / VPP • INCUBADORA: 33 GRAUS / 60% UR
• FR 15 MRM, FiO2 40% COM AMBU CUIDADOS COM UMBIGO
FC >200 BPM? SpO2 > 90%? FR ESPONTÂNEA? SpO2 > 90%? ALEITAMENTO IMEDIATO

30 A 40 SEG 30 A 40 SEG

• COMPRESSÃO TORÁCICA: 1 A 2MOV/S • AMINOFILINA SL • FRICÇÃO TORÁCICA


• ADRENALINA IV 0,01 mg/kg • SOL DEXTROSE 20% SL • AQUECIMENTO
• 2 A 3 mL/kg SOL DEXTROSE 12,5% IV • 2 A 3mL/kg SOL DEXTROSE 12,5% IV VOCALIZAÇÃO? BOM TÔNUS?
BOLUS LENTO BOLUS LENTO
• MANTER VENTILAÇÃO
VOCALIZAÇÃO? BOM TÔNUS?
FC AUMENTOU?

30 A 40 SEG 30 A 40 SEG

• 2 A 5 mL/kg SOL.
COLÓIDE IV BOLUS RESPIRAÇÃO ESPONTÂNEA?
FR > 10 SpO2 > 90%
FC AUMENTOU?

30 A 40 SEG
LEGENDA
• ADRENALINA IV 0,1 mg/kg ÓBITO INDICA RESPOSTA POSITIVA
• VPP PEEP + 5 CM H2O, FR 15 MPM FC = 0 POR 3 MIN
• COMPRESSÃO TORÁCICA: 1 A 2 MOV/S INDICA RESPOSTA NEGATIVA

46
A Tabela 4 mostra outros parâmetros de avaliação que estão presentes em neonatos felinos ao
longo do primeiro mês de vida.
PARÂMETROS FISIOLÓGICOS INTERVALO DE NORMALIDADE (MÉDIA)
Peso ao nascimento 100 g (75 a 120 g)
Temperatura corporal 34,4 a 37,5ºC
Frequência cardíaca 220 a 260 bpm
Frequência respiratória 10 a 18 mpm
Coloração de mucosas Rosa intenso
Reflexo de sucção Presente desde o nascimento
Reflexo de deglutição Presente desde o nascimento
Reflexo de posicionamento Presente desde o nascimento
Reflexo de entocamento Presente desde o nascimento
Reflexo de busca do calor Presente desde o nascimento
Autonomia para urinar/defecar 3 a 5 semanas do nascimento
Produção urinária diária 2,5 mL / 100 g peso/dia
Capacidade de ronronar A partir do 2º dia do nascimento
Abertura dos olhos e orelhas 8º ao 13º dia do nascimento
Resposta a sons A partir do 5º dia do nascimento
Resposta condicionada a sons A partir do 10º dia do nascimento
Orientação sonora A partir da 2ª semana do nascimento
Higiene oral 2 a 3 semanas do nascimento
Orientação visual A partir da 3ª semana do nascimento
Desenvolvimento olfatório A partir da 3ª semana do nascimento
Tabela 4: Parâmetros fisiológicos adicionais em neonatos felinos.

Figura 6: Neonato felino de 9 dias de vida abrindo os olhos e orelhas. [Imagem cortesia de Dra. Liege C. Garcia Silva]

GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 47


FISIOLOGIA DO FILHOTE NO PRIMEIRO MÊS DE VIDA

Filhotes de gatos são fisiologicamente imaturos débito cardíaco, volume plasmático e pressão
e muitos dos sistemas orgânicos alcançam venosa central.
maturidade completa somente após semanas • A capacidade de contração do miocárdio não
ou meses do nascimento. O conhecimento está completamente desenvolvida, resultando
das particularidades fisiológicas do neonato é em limitada habilidade compensatória a
fundamental para garantir a assertiva avaliação hemorragias, hipertermias e desequilíbrio
clínica e conduta terapêutica neste período ácido-básico. Quadros de arritmia sinusal não
(Tabela 4). são frequentes em neonatos. Os murmúrios
cardíacos graus I a III/IV geralmente são
Termorregulação funcionais e sem significado clínico, e
São particularidades relacionadas à capacidade ocorrem devido ao elevado fluxo sanguíneo
de regular a temperatura: na aorta e artéria pulmonar e ao fechamento
• Neonatos apresentam comportamento das comunicações fetais.
pecilotérmico, ou seja, são incapazes • Por fim, a imaturidade da inervação cardíaca
de manter a temperatura corporal sem dificulta o uso de medicações cronotrópicas
receberem calor através de uma fonte e inotrópicas positivas, nas situações de
ex t e r n a . I ss o p o rq u e , o c o n t ro le d e bradicardia. Em neonatos, a bradicardia é
termorregulação imediata é pouco funcional primariamente reflexa à hipóxia e a quadros
devido a imaturidade do sistema nervoso. de desidratação.
• Ademais, neonatos perdem mais calor, em
comparação aos adultos, pois têm: superfície Função Respiratória
corporal extensa e pele mais permeável, São particularidades respiratórias dos filhotes
menor volume de tecido adiposo subcutâneo; no primeiro mês de vida:
elevado volume urinário (e com a micção, • A FR é mais alta devido ao metabolismo
também perdem calor pela urina); além de elevado. A manipulação do filhote,
não realizarem termogênese por tremores especialmente na região genital, também
musculares e terem baixa capacidade pode elevar a FR.
de vasoconstrição periférica quando em • Possuem padrão respiratório abdominal e
hipotermia. não conseguem expandir profundamente o
• Até o sexto dia de vida, os filhotes produzem tórax, devido à anatomia torácica e fragilidade
calor através da liberação de catecolaminas muscular.
e lipólise de tecido adiposo marrom, e, em • Na primeira hora de vida, a saturação
neonatos de baixo peso, a capacidade de periférica de oxigênio (SpO2) deve se manter
termorregulação é ainda mais deficitária. acima de 85%; e após 12 horas de vida, deve
se manter acima de 90%.
Função Cardiovascular • A ausculta de estertores finos com crepitação
Dentre as particularidades do sistema, citam-se: é esperada e fisiológica nas primeiras 4 a 6
• Em comparação aos gatos adultos, os horas após o nascimento, pois a absorção do
recém-nascidos felinos possuem menor líquido pulmonar é lenta e gradual.
pressão arterial sistêmica, volume corrente e
resistência periférica dos vasos. Sendo assim, Função Gastrointestinal
para manter a adequada perfusão sanguínea Diversas são as particularidades digestivas dos
devem apresentar maior frequência cardíaca, neonatos, dentre elas:

48
• A produção gástrica de ácido clorídrico é • Neonatos não possuem o reflexo vesico-
baixa, acarretando menor acidez estomacal. vesical medular e em consequência, não
Em consequência, há menos hidrólise ácida conseguem urinar espontaneamente. A
de proteínas e combate a agentes infecciosos, micção é estimulada a partir do reflexo
permitindo que bactérias sobrevivam s o m a to - ve s i ca l m e d u l a r , a p a r t i r d a
e proliferem, predispondo à infecções lambedura da mãe na região genital do
gastrointestinais. filhote. A completa capacidade de urinar
• A motilidade intestinal parece ser mais espontaneamente se dá entre a terceira e
responsiva à distensão e ao poder osmótico do quinta semana de vida.
alimento que está na luz intestinal, ao invés
da atividade neuronal. Privação alimentar Função Hepática
prolongada e hipotermia estão associadas à Diversas funções metabólicas hepáticas estão
hipomotilidade gastrointestinal. diminuídas ao nascimento, dentre elas:
• O epitélio gastrointestinal é permeável a • Neonatos possuem imaturidade hepática,
grandes moléculas, como as imunoglobulinas, com estoque de glicogênio limitado e baixa
principalmente durante o primeiro dia taxa de gliconeogênese e glicogenólise.
de vida. Esta permeabilidade começa a Como consequência, são extremamente
declinar 8 horas após o nascimento e cessa dependentes do carboidrato presente na dieta.
completamente após 48 a 72 horas. Por • A metabolização de ácidos biliares e demais
isso, é fundamental que neonatos mamem o vias de biotransformação (como a atividade
colostro em volume e quantidade adequados das enzimas citocromo P450) e de excreção
nas primeiras horas de vida. estão reduzidas, predispondo os filhotes a
intoxicações por medicamentos.
Função Renal • A atividade das enzimas fosfatase alcalina
São particularidades do aparelho urinário: (FA), alanina aminotransferase (ALT),
• No neonato, os rins são estrutural e aspartato aminotransferase (AST), creatina
funcionalmente imaturos, com taxa de quinase (CK) e lactato desidrogenase (LDH)
filtração glomerular e fluxo plasmático renal aumenta significativamente durante o
menores. O amadurecimento completo ocorre primeiro dia de vida, em reflexo do trabalho
até as 8 semanas do nascimento. de parto e absorção do colostro.
• O desenvolvimento correto dos rins pode ser • A produção de proteínas plasmáticas, como
permanentemente afetado pela deficiência a albumina, está reduzida, interferindo na
de taurina, que resulta em diminuição do biodisponibilidade de diversos fármacos.
tamanho do órgão, dilatação ureteral, dentre • O amadurecimento hepático completo ocorre
outras alterações estruturais. após 4 a 5 meses de vida.
• A imaturidade dos glomérulos e a menor
taxa de reabsorção tubular resultam em
proteinúria e glicosúria fisiológicas até a
terceira semana de vida. Ainda, a densidade
urinária varia entre 1,006 e 1,017. Gatos
filhotes entre 2 a 4 semanas de vida
apresentam valores de creatinina em torno
de 0,5 mg/dL.

GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 49


Função Neurológica
O sistema nervoso (SN) é bastante imaturo ao doloroso surge somente 5 a 7 dias depois do
nascimento, tornando o filhote extremamente nascimento..
dependente dos cuidados maternos durante • Reflexo de reposicionamento: todo filhote
o período neonatal. São características do SN deve ser capaz de se recolocar em decúbito
neonatal: ventral, imediatamente após ser colocado em
• Pálpebras e condutos auditivos estão fechados decúbito dorsal.
ao nascimento e assim permanecem (Figura 6)
até o 6o - 14o dias de vida, aproximadamente.
• Tato, olfato e paladar estão presentes desde o PRINCIPAIS DOENÇAS
nascimento e são fundamentais na busca do DO PERÍODO NEONATAL
filhote pelo calor e alimento materno.
• A normotonia muscular é alcançada após As doenças neonatais são potencialmente
algumas semanas de vida. Nos primeiros 4 graves e fatais. Normalmente, cursam com
dias de vida, predomina o tônus de flexão, e evolução aguda e piora progressiva. Além disso,
após esse período, até o 35o dia de vida, há o os sinais clínicos tendem a ser inespecíficos
predomínio do tônus de extensão. e as ferramentas diagnósticas muitas vezes
• Neonatos não fazem tremor muscular quando não são aplicáveis, dado o tamanho diminuto
em hipotermia, logo, tremores musculares do paciente. Portanto, as afecções neonatais
extensos e que sustentam são indicativos sempre devem ser consideradas como
claros de crises convulsivas. emergências, pois quanto mais precoces forem
a avaliação, a pesquisa diagnóstica e a conduta
Os principais reflexos neurológicos presentes no terapêutica para o paciente, maiores serão as
período neonatal são: chances de sobrevivência.
• Reflexo de estimulação do focinho: serve
para que o filhote encontre e estimule o teto Síndrome do definhamento neonatal
materno, pressionando-o. (Fading kitten syndrome)
• Reflexo de termotropismo positivo: faz com É uma condição clínica presente nas primeiras
que os filhotes busquem por fonte de calor, semanas de vida, em que um ou mais neonatos
mantendo-se, normalmente, todos juntos e da ninhada nascem aparentemente saudáveis,
próximos à mãe. porém, gradualmente tornam-se hipotônicos,
• Reflexo de sucção: presente até o 23o dia de inativos e evoluem para o óbito, de maneira
vida do gato, é um reflexo labial que faz com súbita ou após poucos dias. São causas comuns
que o filhote sugue qualquer estrutura com da síndrome do definhamento:
formato semelhante ao teto materno. • Infecções localizadas e sepse.
• Reflexo anogenital: o filhote apresenta o • Toxemia.
ato de urinar e/ou defecar ao ter a região • Traumas e hipóxia relacionados ao parto.
anogenital estimulada com pressão leve e • Tríade neonatal.
movimentos semelhantes à lambedura da • Doenças metabólicas e genéticas.
mãe. • Baixo peso ao nascimento.
• Reflexo de retirada à dor: apesar da sensação • Isoeritrólise neonatal.
de dor estar presente desde o nascimento, • Falha na absorção de imunoglobulinas
a capacidade de se retirar de um estímulo colostrais.

50
A causa não infecciosa mais comum desta O Fluxograma 2 mostra como ocorre a identificação
síndrome é a Isoeritrólise Neonatal (IN) e dentre das causas de óbito em neonatos felinos.12
as infecciosas, a sepse bacteriana é a principal.

FLUXOGRAMA DE TRIAGEM PARA A MORTALIDADE NEONATAL

NEONATO COM ALTRAÇÕES


• HIPÓXIA
NEONATO SAUDÁVEL • BAIXO PESO/PREMATURO
• MÁ ADAPTAÇÃO AO PARTO
• MALFORMAÇÕES
• ISOERITRÓLISE
• BAIXA INGESTÃO COLOSTRAL

}
• HIPOTERMIA
• HIPOGLICEMIA TN
• DESIDRATAÇÃO
• HIPERTERMIA
MAIOR SUSCEPTIBILIDADE
A INFECÇÕES
• BACTERIANAS
• VIRAIS

TRATAMENTO TRATAMENTO
INADEQUADO EMERGÊNCIA INADEQUADO
OU AUSENTE NEONATO CRÍTICO OU AUSENTE

TRANSLOCAÇÃO BACTERIANA
• INTESTINAL
• UMBILICAL

BACTEREMIA

DISFUNÇÃO
SIRS MÚLTIPLA DOS
ÓRGÃOS

SEPSE

ÓBITO

GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 51


Para reduzir o definhamento de filhotes • Letargia ou irritabilidade.
relacionado a fatores perinatais, fique atento à: • Vocalização e choros.
• Raças predispostas à distocia e hipoxemia • Anorexia.
neonatal. • Perda do reflexo de sucção.
• Duração prolongada do trabalho de parto e da • Diminuição do tônus muscular.
fase expulsiva. • Convulsões.
• Fêmeas primíparas ou multíparas idosas
(extremos da idade reprodutiva). Nas situações emergenciais, a suplementação
• Neonatos mal adaptados e em hipóxia. da glicose para manutenção da normoglicemia
• Atraso na ingestão do colostro e baixo volume é fundamental. Tal suplementação é realizada
total ingerido. com solução de dextrose a 5 ou 12,5%,
• Baixa qualidade colostral (relacionada à administrada pelas vias IV ou IO, na dose de 2
vacinação das matrizes). a 4 mL/kg (Figura 7). Soluções de dextrose de 20
• Ninhadas predispostas à IN, devido ao tipo a 50% podem ser instiladas pela via sublingual
sanguíneo materno. em pacientes menos debilitados, porém, essa
diluição não deve ser administrada por demais
Tríade Neonatal (TN) vias pelo risco de causar flebites e descamação
A Tríade Neonatal é a síndrome clínica da pele. Objetiva-se manter a concentração
mais frequente em neonatos e diversas plasmática de glicose entre 75 e 154 mg/dL,
particularidades fisiológicas do recém-nascido para preservar a normoglicemia.
justificam a predisposição à hipoglicemia, à
hipotermia e à desidratação. A TN pode ser N e o n a to s s ã o m u i to p re d i s p o sto s à
consequência de erros de manejo alimentar desidratação. Os principais sinais clínicos
e ambiental, ou ainda acompanhar demais associados ao quadro são:
afecções neonatais. Sendo assim, o diagnóstico • Menor turgor cutâneo e atraso no retorno da
da TN deve, sempre, ser prioridade para o prega de pele.
Médico-Veterinário. • Ressecamento da mucosa oral.
A normoglicemia neonatal felina varia entre • Oligúria.
75 e 154 mg/dL. Além das particularidades • Maior concentração urinária, vista pela
fisiológicas, são fatores predisponentes à coloração amarelo-citrino e densidade
hipoglicemia neonatal: superior a 1,017.
• Erros de manejo com jejum prolongado. • E le v a ç ã o d o h e m a t ó c r i t o e p ro t e í n a
• Infecções, endotoxemia, sepse, hipotermia. plasmática.
• Baixo peso ao nascimento. • Depressão clínica.
• Ninhadas numerosas. • Perda de tônus muscular e reflexos.
• Temperaturas ambientais baixas.
• D o e n ç a s c o n g ê n i t a s m e t a b ó l i c a s , A hipovolemia consequente à desidratação
como deficiências enzimáticas, shunt causa hipotensão, hipoperfusão tecidual e
portossistêmico e deficiências no estoque de acidose lática, além de predispor o neonato
glicogênio hepático. à h e m o r ra g i a i n t ra c ra n i a n a e fa l ê n c i a
cardíaca congestiva. Como um agravante, os
Os sinais clínicos da hipoglicemia tendem a ser mecanismos de compensação, como aumento
inespecíficos e, quando presentes, incluem: da FC e concentração urinária, são pouco

52
eficientes. O requerimento hídrico é superior de hiperlactatemia, sendo substituído pela
ao adulto, variando entre 60 e 180 mL/kg/ solução de ringer simples ou fisiológica. Em
dia, a depender do grau de desidratação. Nas pacientes com hipovolemia refratária, deve-se
desidratações severas e choque hipovolêmico, administrar solução coloidal in bolus, na dose
deve-se administrar, in bolus, 20 a 30 mL/kg de de 20 mL/kg/hora, com o objetivo de manter a
solução cristalóide aquecida à 37ºC.7 A solução pressão oncótica entre 16 e 25 mmHg. Pacientes
de ringer com lactato é indicada nas situações normo-hidratados, devem ser mantidos em taxa
de hipoglicemia, pois o lactato é o principal de infusão constante de 120 a 180 mL/kg/dia, ou
combustível para o cérebro, na depleção da 3 a 4 mL/kg/hora.
glicose, todavia, deve ser evitado nas situações

Figura 7: Acesso venoso em veia jugular de paciente neonato para fluidoterapia e reposição glicêmica [Imagem cortesia de
Dra. Liege C. Garcia Silva]

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PARTICULARIDADE FISIOLÓGICA IMPLICAÇÃO CLÍNICA E METABÓLICA
Maior perda de água por evaporação,
Maior superfície corporal e alta relação especialmente em ambientes com umidade
superfície/massa corporal. relativa do ar inferior a 50%. Maior perda de
calor.
Pele mais permeável, com pouca Maior perda de água por evaporação e calor.
queratinização e menos gordura subcutânea.
Hipotensão, hipotermia, hemorragia
intracraniana, falência cardíaca congestiva,
Baixa capacidade de vasoconstrição periférica baixa oxigenação tecidual e acidose
metabólica.
Alto volume urinário com densidade baixa.
Imaturidade fisiológica renal. Maior risco à desidratação. Proteinúria e
glicosúria fisiológicas.
Baixo estoque de glicogênio hepático Hipoglicemia após curto período de jejum.
Baixa capacidade de realizar gliconeogênese Grande dependência do carboidrato da dieta
hepática. para manutenção da glicemia.
Mecanismos de combate à hipotermia
Imaturidade do centro de termorregulação ineficientes, como ausência de tremor
neuronal. muscular.
Mecanismos hormonais de estímulo à
Imaturidade neuro-endócrina gliconeogênese (via cortisol, GH, glucagon e
epinefrina) são deficitários.
Tabela 5: Particularidades fisiológicas neonatais e suas implicações clínico-metabólicas.

54
A temperatura neonatal deve ser mantida com menor incidência em Exótico pelo curto
acima de 35,0°C no primeiro dia de vida, e ir (27%), Scottish Fold (19%), Sagrado da Birmânia
gradativamente se elevando, sendo fisiológico e Somali (18%), dentre outras. Raças como
o intervalo entre 35,0 e 37,0°C. Neonatos Siamês e Burmês possuem apenas animais
hipotérmicos apresentam: com tipo sanguíneo A, logo, a incidência de IN
• Temperatura retal inferior a 35ºC. é nula. Em gatos sem raça definida, estima-se
• Bradicardia. que a incidência de animais com sangue tipo B
• Depressão clínica. seja entre 18 e 23%.
• Diminuição do tônus muscular.
• Perda de reflexos neurológicos, como o de Os gatos possuem um único grupo
sucção. sanguíneo, chamado AB, com os tipos A, B,
e mais raramente, AB. A hereditariedade
A d e m a i s , a h i p o te r m i a g ra ve a ca r re ta do tipo sanguíneo responde ao padrão de
bradicardia, falência cardiovascular, injúria herança simples, com dominância de genes
cerebral, parada gastrointestinal, diminuição caracterizada por A > aab > b, sendo assim:
da atividade linfocítica, além de maior • Gatos do tipo A possuem genótipo AA / Ab /
predisposição à desidratação, hipoglicemia e Aaab.
infecções, logo, os cuidados de aquecimento da • Gatos do tipo B possuem genótipo bb.
ninhada são fundamentais para o bem-estar e • Gatos do tipo AB possuem genótipo aab aab /
sobrevivência. Deve-se prover calor ao neonato aab b.
por diferentes fontes, como luz infravermelha,
bolsas e colchões térmicos e incubadoras, além Os gatos possuem aloanticorpos naturais contra
de estimular o contato da mãe com os filhotes. os demais tipos sanguíneos, por exemplo, um
A temperatura ambiente ideal para neonatos animal tipo B terá aloanticorpos anti-A. Gatos
é de 30 a 33ºC, na primeira semana de vida e não desenvolvem aloanticorpos anti-AB. A
entre 27 e 29ºC, na segunda semana pós-natal, IN surge quando fêmeas do tipo sanguíneo B
com umidade relativa do ar mantida entre 55 acasalam com machos do tipo sanguíneo A,
e 60%. pois a concentração de aloanticorpos anti-A é
A Tabela 5 resume as principais particularidades intensamente elevada. Contrariamente, fêmeas
fisiológicas neonatais que predispõem à Tríade com sangue tipo A têm uma baixa concentração
Neonatal. de anticorpos anti-B, não sendo observada IN
nas ninhadas dessas matrizes. Como a placenta
Isoeritrólise Neonatal Felina (IN) das gatas, do tipo endoteliocorial, permite uma
A isoeritrólise neonatal (IN) é a principal doença irrisória passagem de anticorpos maternos
hemolítica que acomete neonatos felinos, no durante a gestação (apenas de 5 a 10%), a
período pós-parto imediato, após a mamada do maior parte da absorção dos anticorpos será
colostro. A prevalência da IN é desconhecida, pós-natal, pela via intestinal, por meio do
mas é maior quanto mais elevada for a colostro materno. Sendo assim, o colostro
incidência de gatas gestantes com sangue do da gata com sangue tipo B possui grande
tipo B. Há variação entre países e raças. As com quantidade de anticorpos anti-A, e caso um
maior incidência do sangue tipo B são: Van turco neonato com sangue tipo A ou tipo AB mame
(60%), Angorá turco (46%), Devon rex (41%), esse colostro, desenvolverá a IN. Os anticorpos
British Shorthair (36%), Cornish rex (33%), e anti-A reconhecem antígenos específicos na

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superfície das hemácias, causando hemólise • Tríade neonatal.
intra e extra-vascular (fígado e baço). São • Colúria e hemoglobinúria.
fatores que influenciam a intensidade da • Icterícia neonatal.
hemólise e gravidade do quadro: o volume de • Mucosas hipocoradas e anemia.
colostro ingerido e a titulação de anticorpos • Mucosas arroxeadas e cianose.
anti-A no colostro. • Letargia.
• Taquicardia ou bradicardia.
Os sinais clínicos podem surgir em poucas • Taquipneia.
horas ou dias (Figura 8), e entre eles, citam-se: • Acidose metabólica e SIRS.
• Morte súbita. • Falência renal.
• Perda do reflexo de sucção. • Necrose de extremidades, principalmente,
• Síndrome do definhamento. ponta de cauda.

Figura 8: Paciente neonato em emergência, apresentando, hipoxia (SpO2 de 83%), cianose e bradicardia (FC < 200 bpm)
detectadas pela oximetria de pulso. [Imagem cortesia de Dra. Liege C. Garcia Silva]

56
O diagnóstico é baseado no histórico e anormalidades circulatórias presentes. A sepse
sinais clínicos, e confirmado com a tipagem figura como uma das principais causas de óbito
sanguínea da mãe e filhotes afetados. Orienta- em neonatos, com mortalidade extremamente
se a realização de hemograma dos afetados elevada e evolução aguda do quadro.
para monitoramento da anemia. Idealmente,
toda fêmea destinada à reprodução deve São fatores predisponentes para a sepse
ser previamente testada. Testes de DNA que neonatal:
identificam o alelo recessivo b estão disponíveis • As distocias e falha de assistência imediata
e podem ser realizados desde o nascimento, a ao nascimento.
partir de amostras de swab bucal. • O baixo peso ao nascimento e falhas no ganho
O tratamento deve ser agressivo, imediato e de peso diário.
deve incluir os seguintes passos: • Prematuridade.
• Suspensão imediata do aleitamento na • Tríade neonatal.
mãe, por 16 a 24 horas pós-nascimento, • Anomalias congênitas.
pois esse é o período em que há absorção • Baixa qualidade alimentar.
de imunoglobulinas pela permeabilidade • Falha na transferência passiva de anticorpos
intestinal. colostrais.
• Substituição da fonte de proteção imunológica • Condições ambientais insalubres.
passiva: ama de colostro seguramente do tipo
B, e/ou tratamento com soro de animal adulto, A mãe é, usualmente, a principal fonte de
saudável, vacinado, tipo B (2,2 mL/100g, SC, infecção da ninhada, através de microrganismos
TID). que colonizam sua pele e as cavidades oral,
• Aleitamento artificial ou com ama de leite do gênito-urinária e intestinal. Todavia, a sepse
tipo A, por 24 horas. pode ser secundária a processos infecciosos
• Em anemias severas: transfusão sanguínea adquiridos, como a ascensão bacteriana via
com 2 a 3 mL de sangue tipo A, por 3 dias cordão umbilical e a translocação bacteriana
consecutivos. intestinal. As bactérias mais frequentes
• Em hipóxia: manutenção em incubadora em quadros de sepse são Escherichia coli,
com fração inspirada de oxigênio (FiO2) 40%, seguida de Staphylococcus pseudointermedius,
temperatura entre 30 e 34oC, umidade relativa Streptococcus sp. e Staphylococcus canis,
do ar de 55 a 60%. embora outras enterobactérias, como Klebsiella
• Suporte hídrico, glicêmico e nutricional. spp., Proteus spp., Salmonella spp. sejam
comuns.
Sepse Neonatal
A sepse neonatal é uma disfunção orgânica Os sinais clínicos da sepse neonatal são
co n s e q u e n te à i n e f i c i e n te re s p o sta d o inespecíficos (Figuras 9 e 10) e variam de acordo
hospedeiro frente uma infecção. Como com o foco inicial de infecção, a cepa bacteriana
consequência, há o desencadeamento de e o tempo decorrido. Infelizmente, é comum
uma síndrome de resposta inflamatória o neonato sofrer morte súbita decorrente da
sistêmica (SIRS) em resposta à infecção inicial, sepse não diagnosticada. As manifestações
acarretando injúrias teciduais e disfunção clínicas mais frequentes são:
dos sistemas. Com o agravamento do quadro, • Diarreia.
instala-se o choque séptico, devido às • Letargia e choro constante.

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• Perda do tônus muscular e reflexo de sucção. • Convulsões.
• Perda de peso. • Conjuntivite.
• Alterações relacionadas à tríade neonatal. • Petéquias e hematomas na região abdominal.
• Dispneia e cianose de mucosas. • Dermatites e necrose de extremidades.
• Regurgitação.

Figura 9: Neonato felino apresentando lesões ulcerativas em pele consequente ao quadro de sepse bacteriana.

Figura 10: Neonato felino apresentando conjuntivite consequente ao quadro de sepse bacteriana. Nota-se o abaulamento
palpebral bilateral pelo acúmulo de secreção purulenta. [Imagens cortesia de Dra. Liege C. Garcia Silva]

58
É imprescindível a realização do hemograma na de ação e sua eficiência já foi comprovada nas
suspeita de sepse, e para tal, é possível coletar infecções neonatais. Amoxicilina com ácido
o volume de 0,7 mL de sangue/100g de peso. clavulânico, na dosagem de 15 a 25 mg/kg, BID;
Na interpretação do hemograma, pode haver ou ceftriaxona, na dosagem de 30 mg/kg, BID,
leucopenia ou leucocitose, porém somente a preferencialmente pela via IV, são sugestões de
leucopenia tem alta especificidade para sepse. uso.
Idealmente, deve-se buscar o isolamento
bacteriano através da hemocultura, pois esse Para a correção hídrica e manutenção da
é considerado padrão ouro para o diagnóstico vasotensão, deve-se instituir fluidoterapia
da sepse. Todavia, são limitações do exame: cristalóide e/ou colóide, como descrito na Tabela 6.
o elevado volume de amostra necessário
(aproximadamente 0,5 a 1,5 mL) e a demora Nos quadros respiratórios, orienta-se fazer
no isolamento bacteriano. Em neonatos, tanto uso da oxigenoterapia, com FiO2 de 0,4 (40%),
a hipoglicemia, como a hiperglicemia podem de modo a garantir uma SpO2 acima de 90%;
estar presentes na sepse e estão relacionadas inalação com 5 mL de solução fisiológica
a maior risco de óbito. O controle da glicemia acrescida de 10 mg N-acetilcisteína a cada 8
deve ser feito, no mínimo, a cada 6 a 12 horas. a 12 horas; aplicação de fluticasona aerossol,
na dosagem de 50 µg/animal, SID ou BID, com
O lactato sérico é um excelente indicador espaçador.
de hipoperfusão, condição comum na SIRS
decorrente da sepse. Infelizmente, não há Ainda, devem ser incluídos no protocolo de
padronização dos valores de lactato sérico para tratamento da sepse:
neonatos felinos. Sabemos que os neonatos • Probióticos.
tendem a apresentar valores de lactato sérico • Alimentação via sonda orogástrica, quando o
superiores aos adultos (0,37-2,81 mmol/L) paciente não possui reflexo de sucção.
no primeiro mês de vida. Logo, sugere-se a • Medicações procinéticas (por exemplo
monitorização do lactato a cada 12 a 24 horas. domperidona, na dosagem de 0,05 a 0,1 mg/
Pacientes sépticos devem ser mantidos em kg, VO, SID) em casos de estase gástrica.
ambiente hospitalar, com acesso venoso • Simeticona (1 gota, VO, TID), em casos de
instituído em veia jugular. O tratamento da timpanismo gástrico.
sepse deve objetivar:
• Combater a infecção. A terapia com soro de um animal adulto
• Manter a estabilidade hemodinâmica do vacinado é benéfica em fornecer anticorpos
paciente. passivos ao paciente. O soro deve ser fornecido
• Manter a perfusão sanguínea e oxigenação aquecido, no volume de 2,2 mL/100g de
tecidual. peso, SC, em 3 aplicações a cada 8 horas. É
• Manter a normoglicemia, normotermia e imprescindível que o animal adulto doador
hidratação do paciente. apresente compatibilidade sanguínea com o
neonato.
Os antibióticos beta-lactâmicos e as
cefalosporinas de terceira geração são opções O Fluxograma 3 resume as principais condutas
de escolha para início da terapia, pois são diagnósticas e de tratamento de neonatos
seguros para os neonatos, têm amplo espectro felinos críticos.

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SITUAÇÃO CLÍNICA PROTOCOLO DE FLUIDOTERAPIA

Hipovolemia 2 a 3 mL/100 gramas de peso, in bolus,


solução cristalóide à 37°C.
0,2 a 0,5 mL/100 gramas de peso, in bolus,
Hipovolemia não responsiva à fluidoterapia solução colóide à 37°C.
cristalóide. Manutenção: 0,1 mL/100 gramas/hora, se
necessário.
0,2 a 0,4 mL/100g de peso de solução de
dextrose a 5% a 12,5% in bolus lento.
Hipoglicemia 1 a 2 gotas de solução 20% ou 50% de
dextrose, VO, em mucosa.
0,3 a 0,4 mL/100 gramas/hora, solução
Manutenção da volemia cristalóide à 37°C, IV, SC.
1 a 2 mL/100 gramas de peso, sangue diluído
Anemia em citrato (9:1), IV.
4,5 mL/100 gramas de peso, in bolus, solução
cristalóide à 37°C.
Sepse 2,2 mL/100 gramas de PV, SC, IV, IP, soro de
animal adulto à 37°C. Até 3 repetições com
intervalo de 8 horas.
Tabela 6: Dosagem de fluidoterapia em diferentes situações emergenciais nos neonatos.

60
FLUXOGRAMA DE DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DO NEONATO CRÍTICO
EMERGÊNCIA NEONATO CRÍTICO

DIAGNÓSTICO CLÍNICO DIAGNÓSTICO COMPLEMENTAR

• HIPOTERMIA: TC < 35 GRAUS • HIPOGLICEMIA: < 75 mg/dL


• DESIDRATAÇÃO • HEMOGRAMA: LEUCOPENIA / LEUCOCITOSE
• HIPERTERMIA: TC > 37 GRAUS • HEMOCULTURA
• BRADICARDIA: FC < 200 BPM • CULTURA DE TECIDOS: ORAL, ANAL, URINA E
• ALTERAÇÃO NO PADRÃO RESPIRATÓRIO EXSUDATO
• CIANOSE DE MUCOSAS • SpO2: < 90%
• REFLEXOS E TÔNUS DIMINUÍDOS • HIPERLACTATEMIA: > 3 mmol/L
• LESÕES OU HEMATOMAS PELO CORPO E UMBIGO • EXAMES BIOQUÍMICOS, SE NECESSÁRIO
• VÔMITO / DIARREIA • EXAMES DE IMAGEM, SE NECESSÁRIO
• PERDA OU NÃO GANHO DE PESO • TIPAGEM SANGUÍNEA: SUSPEITA DE IN
• CONVULSÕES

TRATAMENTO IMEDIATO

AQUECIMENTO PROGRESSIVO (1 A 3 HORAS) REPOSIÇÃO GLICÊMICA


• TEMPERATURA AMBIENTAL ENTRE 30 E 34 GRAUS • 0,2/0,4 mL/100g SOL. DEXTROSE 5% A 12,5% IV,
• UR 55 A 60% BOLUS LENTO
• 1 A 2 GOTAS SOL. DEXTROSE 20% A 50%, VO
FLUIDOTERAPIA MANUTENÇÃO DA OXIGENAÇÃO
• 2-3 mL/100g IV SOL. CRISTALÓIDE, BOLUS LENTO • FiO2 40% EM MÁSCARA OU INCUBADORA, SE
• 0,2-0,5 mL/100g IV SOL. COLÓIDE, BOLUS LENTO NECESSÁRIO
• MANUTENÇÃO: 0,3-0,4 mL/100g/h IV OU SC, SOL. • MANTER SpO2 > 90%
CRISTALÓIDE
ANTIBIOTICOTERAPIA
SUPORTE NUTRICIONAL
• CEFTRIAXONA: 30 mg/kg, IV, BID
• 2-3 mL/100g LEITE OU SUCEDÂNEO, VO OU VIA • AMOXICILINA COM CLAVULANATO: 15/25 mg/kg,
SONDA OROGÁSTRICA VO, BID
• ESTASE GÁSTRICA: SUSPENDER ALEITAMENTO +
MEDICAÇÕES PRÓ-CINÉTICAS OUTRAS MEDICAÇÕES (SE NECESSÁRIO)
• PROBIÓTICOS
• RESPIRATÓRIAS, ANALGÉSICAS, ETC.

PLANEJAMENTO DE CONDUTAS CLÍNICAS

• APÓS AVALIAÇÃO CLÍNICA • PESAGEM: 4 A 6 VEZES AO DIA


• AVALIAÇÃO CLÍNICA A CADA 2 HORAS • CONTROLE DA SpO2 A CADA 2 A 6 HORAS
• CONTROLE DE GLICEMIA: A CADA 6 HORAS • REAVALIAÇÃO DA EFICÁCIA DA TERAPÊUTICA
• CONTROLE DE LACTATO: A CADA 12 HORAS

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CUIDADOS COM NEONATOS ÓRFÃOS

A orfandade significa a ausência de fatores que • O sucedâneo deve ser fornecido ao filhote
deveriam ser fornecidos à ninhada pela mãe. co m te m p e ra t u ra p róx i m a à 3 8 ° C . O
A solução ideal da orfandade é a obtenção de reaquecimento durante o aleitamento de toda
uma “mãe adotiva” para o filhote ou ninhada, a ninhada pode ser necessário.
pois esta supriria da maneira mais fiel e • Cálculo correto do volume de alimentação,
abrangente todas as necessidades fisiológicas baseado no peso do filhote e capacidade
do órfão. Porém, na maioria das vezes, tal estomacal. Considerar média de 3 a 4 mL/100
solução é inexequível e, então, a intervenção gramas de peso. Nunca forçar alimentação
fundamental deve levar em consideração três caso o filhote não tenha reflexo de sucção,
pilares de atuação: a alimentação, o ambiente e pelo alto risco de broncoaspiração.
a educação/socialização da ninhada, discutidos • Cálculo correto do intervalo entre mamadas.
a seguir. Considerar intervalo de 2 horas nos primeiros
7 dias de vida; então, intervalo de 3 a 4 horas
Cuidados essenciais com o ambiente para até o 14o dia de vida; intervalo de 4 a 5 horas
neonatos órfãos: até a quarta semana de vida.
• Manter a temperatura ambiente controlada, • Programar a correta transição da dieta líquida
entre 30 e 34°C na primeira semana de vida, (sucedâneo) para a pastosa a partir da terceira
e gradualmente decrescendo até 24 a 27°C a quarta semanas de vida.
na terceira semana de vida. Sugere-se o uso
de fontes externas de calor, como incubadora, Cuidados essenciais com o manejo de neonatos
lâmpadas, aquecedores, mantas aquecidas, órfãos:
etc. • Sempre calçar luvas descartáveis para
• Manter a umidade relativa do ar entre 55 e manipular a ninhada órfã.
60%. • Pesar os filhotes duas vezes ao dia e calcular
• Manter o ambiente higienizado e ventilado. a taxa de ganho de peso. Idealmente, os
• Providenciar caixa para filhotes forrada com filhotes devem ganhar de 7 a 10% de peso/dia
panos aquecidos e limpos e coberta com durante o período neonatal. Filhotes órfãos
tapetes higiênicos. em aleitamento artificial apresentam menor
• Uso de instrumentos apropriados para o velocidade de ganho de peso, mas devem
aleitamento: mamadeiras, bicos de diferentes ganhar peso diariamente.
tamanhos e espessura. • Estimular, até 3 a 4 semanas de vida, a região
• Cuidados com higienização e esterilização dos anogenital com algodão umedecido em água
materiais após cada uso. morna imediatamente após cada mamada e
anotar o padrão (cor, aspecto, volume, odor)
Cuidados essenciais com a alimentação de das excretas. Neonatos devem urinar após
neonatos órfãos: cada estímulo e defecar, ao menos, 2 a 3
• Uso de sucedâneo específico para felinos. vezes/dia.
Atenção à preparação conforme prescrição e • Nos primeiros 3 dias de vida, higienizar o coto
uso de água potável. umbilical com solução de clorexidina alcoólica
• Cuidados com a administração do sucedâneo: ou solução de iodopovidona, duas vezes ao
posicionamento do filhote em decúbito ventral dia, até sua queda.
e pescoço estendido (Figura 11). Sempre testar o • Prover manipulação e estimulação social
reflexo de sucção previamente à administração. e sensorial dos filhotes, de acordo com o
desenvolvimento etário.
62
• Em quadros de puliciose, o uso de spray de • Em quadros de endoparasitismo, é seguro o
fipronil é seguro a partir do segundo dia de tratamento com pamoato de pirantel, na dose
vida. Idealmente, deve-se aplicar a medicação de 5 mg/kg, VO, SID, a partir da 2a semana de
em algodão e então, passar no animal, vida.
evitando-se as áreas do rosto e genitália.

CONCLUSÃO
• O primeiro mês de vida é extremamente entendida como emergencial e quanto mais
desafiador para o neonato felino, com índices precoce for o diagnóstico e tratamento, maior
de mortalidade ainda extremamente altos. é a chance de sobrevivência.
• O a c o m p a n h a m e n t o d a s a ú d e e d o • Medidas simples de manejo, como a pesagem
desenvolvimento da ninhada deve ser diária e uso de luvas de procedimento na
realizado frequentemente pelo Médico- manipulação da ninhada são muito eficientes
Veterinário. na proteção dos filhotes e na detecção
• Qualquer alteração do neonato deve ser precoce de problemas, como a sepse.

Figura 11: Posição do filhote sendo amamentado via mamadeira.


GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 63
ANEXOS

1 A 3 DIAS 1 SEMANA 2 SEMANAS 4 SEMANAS


Bilirrubina total
0,1 - 1,1 0,0 - 0,6 0 - 0,7 0,0 - 0,3
(mg/dL)
ALT (U/L) 29 - 77 11 - 76 10 - 21 14 - 55
AST (U/L) 21 - 126 15 - 45 14 - 23 15 - 31
FA (U/L) 1.348 - 3.715 126 - 363 116 - 306 97 - 274
GGT (U/L) 0-9 0-5 0-4 0-1
Triglicerídeos
30 - 644 129 - 963 43 - 721
(mg/dL)
Albumina (g/dL) 1,9 - 3,1 2,0 - 2,5 2,1 - 2,6 2,4 - 4,9
Proteína total
3,9 - 5,8 3,5 - 4,8 2,7 - 5,2 4,5 - 5,6
(g/dL)
Glicose (mg/dL) 65 - 149 105 - 145 76 - 158 117 - 152
Ureia (mg/dL) 34 - 94 16 - 36 < 30 10 - 22
Creatinina (mg/dL) 0,6 - 1,2 0,3 - 0,7 0,4 - 0,7
Cálcio (mEq/L) 9,6 - 12,2 10,0 - 13,7 9 - 11 10,0 - 12,2
Fósforo (mg/dL) 4,9 - 8,9 6,7 - 11,0 6,7 - 9,0
Sódio (mEq/L) 149 - 153 149 - 153
Potássio (mEq/L) 4-5 4-5
CK (U/L) 519 - 2.654 107 - 445 125 - 592
Valores de referência para as principais variáveis bioquímicas séricas em filhotes felinos durante o primeiro mês de vida.
Adaptado de Vannucchi et al., 2020; Peterson, Kutzler, 2011; Levy, Crawford, Werner, 2006.

64
0 A 2 SEMANAS 2 A 4 SEMANAS
Hemácias (x106/µL) 5,29 ± 0,24 4,67 ± 0,10
Hemoglobina (g/dL) 12,1 ± 0,6 8,7 ± 0,2
Hematócrito (%) 35,3 ± 1,7 26,5 ± 0,8
VCM (fl) 67,4 ± 1,9 53,9 ± 1,2
HCM (pg) 23,0 ± 0,6 18,8 ± 0,8
CHCM (%) 34,5 ± 0,8 33,0 ± 0,5
Leucócitos totais (x10 /µL) 3
9,7 ± 0,57 15,31 ± 1,21
Neutrófilos segmentados
5,96 ± 0,68 6,92 ± 0,77
(x103/µL)
Neutrófilos bastonetes (x103/µL) 0,06 ± 0,02 0,11 ± 0,04
Linfócitos (x10 /µL)
3
3,73 ± 0,52 6,56 ± 0,59
Monócitos (x10 /µL)
3
0,01 ± 0,01 0,02 ± 0,02
Eosinófilos (x10 /µL) 3
0,96 ± 0,43 1,40 ± 0,16
Basófilos (x10 /µL)
3
0,02 ± 0,01 0
Plaquetas (x103/µL) > 200 > 200
Valores de referência para as principais variáveis hematológicas em filhotes felinos durante o primeiro mês de vida. Adap-
tado de Vannucchi et al., 2020; Peterson, Kutzler, 2011; Levy, Crawford, Werner, 2006.

GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 65


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successful management. Journal of Feline Medicine and Surgery, 24, 232-242. 2022.
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GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 67


CUIDADOS DA GESTANTE AO INFANTE
NUTRIÇÃO
MANUELA MARQUES FISCHER
A NUTRIÇÃO DA GATA GESTANTE

Gatas em início de gestação devem estar em portanto, uma fonte dietética é necessária.
condição corporal ideal de acordo com o Escore Gatas gestantes com dieta deficiente em taurina
de Condição Corporal 5 em uma escala de fazem reabsorção ou aborto de fetos, têm maior
9 pontos (Tabela 1)1 para terem um bom parto incidência de morte fetal próxima ao parto e
com filhotes de peso adequado e mínima filhotes com baixo peso ao nascer.3
mortalidade. O sucesso da gestação e da
lactação em animais de companhia é resultado D i fe re n te m e n te d a s ca d e l a s , a s g a ta s
de fatores como manejo, manutenção de um ganham peso de forma linear ao longo da
ambiente saudável e fornecimento de uma gestação, independente do número de fetos4
dieta consistente e adequada a longo prazo. e, normalmente, ganham até 38% do seu
A carência de nutrientes ou a baixa ingestão peso corporal pré-gestacional até o final da
de energia durante a prenhez pode resultar gestação.5,6 A gata deve ser capaz de armazenar
em diminuição do peso ao nascer e aumento essa energia extra necessária para manter a
da mortalidade neonatal. Já o sobrepeso da lactação posteriormente.7
gata gestante pode levar ao desenvolvimento
de fetos grandes e distocias2, portanto, não é As necessidades energéticas na gata aumentam
recomendável acasalar gatas com sobrepeso logo no início da gestação e esse aumento
ou obesas. pode ser estimado em torno de 10% por
semana, com tendência a desacelerar durante
É recomendada a troca da dieta algumas a última semana. Até o final da gestação, a
semanas antes da reprodução, para permitir gata deve receber de 25 a 50% mais energia
que a gata se ajuste ao novo alimento, evitando do que suas necessidades de manutenção.7 As
assim mudar abruptamente de dieta durante recomendações energéticas dadas pelo NRC8 e
a gestação ou lactação. A dieta utilizada pela FEDIAF9 para gestação são baseadas na
deve ser altamente digestível, com alto teor seguinte fórmula:
proteico e alta densidade energética para
140 kcal x (peso em kg)0,67
suprir a demanda calórica que aumenta com
o avançar das semanas e, principalmente, Várias refeições diárias são geralmente
na lactação. Um alimento de alta qualidade recomendadas devido à distensão abdominal
formulado para o crescimento ou reprodução, causada pelo útero gravídico. Entretanto,
com energia metabolizável acima de 4.200 como a maioria das gatas se adapta bem
kcal/kg é o ideal e dispensa o uso de qualquer à alimentação sob livre demanda, esta é,
tipo de suplementação. A suplementação geralmente, a melhor maneira de fornecer uma
somente será necessária e obrigatória em nutrição adequada às gatas gestantes. Nesse
caso de fornecimento de alimentação caseira caso, deve-se monitorar o peso para evitar
ou em situações específicas de correção de um ganho de peso excessivo durante esse período.10
determinado nutriente. O peso corporal é um indicador importante e
fácil de monitorar e, caso a gata esteja com
As principais causas nutricionais de baixo peso abaixo ou acima do esperado para o
desempenho reprodutivo na gata incluem a período gestacional, deve-se tentar corrigir com
desnutrição grave e a deficiência de taurina. a revisão da quantidade de alimento fornecido.
Gatos, ao contrário dos cães, têm uma
capacidade limitada de sintetizar a taurina, As gatas que não ganharam peso suficiente e

70
ESCORE DE CONDIÇÃO CORPORAL DOS GATOS
ABAIXO DO PESO

1 2 3 4
• Costelas, coluna vertebral e ossos pélvicos • Costelas facilmente visíveis em • Costelas visíveis em gatos de pelo • Costelas não visíveis, mas facilmente
facilmente visíveis em gatos de pelo curto. gatos de pelo curto. curto. palpáveis.
• Cintura muito estreita. • Cintura muito estreita. • Cintura evidente. • Cintura evidente.
• Pequena quantidade de músculo. • Perda de massa muscular. • Quantidade muito pequena de • Quantidade mínima de gordura
• Ausência de gordura palpável no gradil • Ausência de gordura palpável no gordura abdominal. abdominal.
costal. gradil costal. • Prega abdominal acentuada.
• Prega (dobra) abdominal pronunciada. • Prega abdominal muito pronunciada.
• Costelas, coluna vertebral e ossos pélvicos
facilmente visíveis em gatos de pelo curto.
• Cintura muito estreita.
• Pequena quantidade de músculo.
• Ausência de gordura palpável no gradil
costal.
• Prega (dobra) abdominal pronunciada.

PESO IDEAL SOBREPESO

5 6 7
• Bem proporcional. • Costelas não visíveis, porém palpáveis. • Costelas de difícil palpação sob a gordura.
• Costelas não visíveis, mas facilmente • Cintura não claramente definida quando • Cintura quase imperceptível.
palpáveis. vista de cima. • Ausência de prega abdominal.
• Cintura evidente. • Prega abdominal muito tênue. • Arredondamento do abdômen com acúmulo
• Pequena quantidade de gordura abdominal. • Um Escore de Consição Corporal 6/9 pode adiposo abdominal moderado.
• Leve prega abdominal. ser aceitável para alguns gatos,
especialmente para os idosos.

OBESO

8 9
• Costelas não palpáveis sob a gordura. • Costelas não palpáveis sob uma camada espessa de gordura.
• Cintura não visível. • Cintura ausente.
• Leve distensão abdominal. • Distensão abdominal evidente.
• Depósitos abdominais extensos de gordura.

GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 71


não acumularam reservas suficientes durante a O acompanhamento do peso e a orientação
gestação, acabam perdendo muito peso na fase nutricional pelo Médico-Veterinário durante a
de lactação e isso pode prejudicar não somente gestação das gatas tem um papel fundamental
a condição corporal mas também a qualidade do no desenvolvimento adequado dos fetos e
leite e a viabilidade dos filhotes. Por outro lado, o posterior viabilidade dos filhotes, bem como
excesso de peso também pode ser um problema, na manutenção da condição corporal da fêmea
levando à distocia. Isso pode ser resultado de uma durante a gestação e lactação.
diminuição na força de suas contrações uterinas
após a infiltração do tecido adiposo miometrial.7

COMO A NUTRIÇÃO OFERECE SUPORTE À REPRODUÇÃO

FÊMEA DURANTE O ESTRO FÊMEA GESTANTE

NUTRIENTES IMPORTANTES NUTRIENTES IMPORTANTES

Beta-caroteno Ácido fólico


(Vitamina B9)

Hormônios sexuais Síntese de DNA Desenvolvimento embionário

Minerais DHA
Ca Cu P Se

Ovulação
Ciclo sexual Fertilização Desenvolvimento Desenvolvimento
da visão cerebral

Fêmea lactante
A necessidade energética da gata aumenta significativamente durante a lactação.
A dieta da fêmea fornece a energia essencial para a produção de leite de boa qualidade.
Além disso, dietas contendo DHA ajudam a fornecer suporte para o desenvolvimento
Suporte cerebral dos filhotes.

72
A NUTRIÇÃO DA GATA LACTANTE

No momento do parto, as gatas costumam por exemplo as formuladas para crescimento


perder somente 40% do peso que ganharam ou reprodução, com mais de 4.200 kcal/kg)
na gestação, o restante será utilizado na e preferencialmente continuar com a dieta
produção de leite. 6 Em média, as gatas utilizada durante a gestação. A alta densidade
lactantes consomem de 1,5 a 2 vezes as suas calórica do alimento é importante, uma vez que
necessidades energéticas de manutenção no pico de lactação, o requerimento energético
durante a primeira e a segunda semanas é muito alto e a quantidade de alimento a ser
de lactação e de 2 a 3 vezes a manutenção consumida pode exceder a capacidade do trato
durante a terceira e a quarta semanas pós- gastrointestinal da gata mãe. Sendo assim,
parto, a depender do número de filhotes.8 Para quanto maior a densidade calórica do alimento,
alcançar esse requerimento nutricional alto, menor será o volume diário a ser consumido
deve-se oferecer alimentação ad libitum com pela gata lactante.
uma dieta altamente digestível e calórica (como

Aumento do consumo
de alimento

+100 a 300%

+30 a 70%

Reconstituindo
Linha de base Gestação Pré-desmame reservas

-2 -1 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 Tempo em semanas

Acasalamento Parto Desmame

GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 73


Se por um lado os alimentos secos têm maior que a necessidade de água da gata aumenta
densidade nutricional, e assim beneficiam as drasticamente durante esse período, uma vez
gatas que perdem peso rapidamente ou que que o leite é composto por quantidade superior
precisam de um grande volume de alimento, a 75% de água.
por outro lado os alimentos úmidos têm níveis
maiores de gordura e fornecem alto teor de Ainda obeserva-se uma prática de suplementação
água, importante para a produção de leite. durante a gestação e a lactação, especialmente
Além disso, o alimento úmido é muito palatável com cálcio. Acredita-se, erroneamente, que a
e estimula o consumo. Por esse motivo, a adição deste mineral assegura a produção de
associação de alimentos secos e úmidos é leite adequada, entretanto, a homeostase do
recomendada. cálcio é fortemente regulada por hormônios
como o paratormônio (PTH) e a calcitonina.
A qualidade da dieta consumida durante a Quando a concentração de cálcio sérico diminui,
lactação afeta a qualidade do leite porém, o PTH promove a liberação de cálcio dos ossos,
quando uma dieta adequada para essa fase aumentando a eficiência de absorção de cálcio
é fornecida para a mãe, a qualidade do leite no intestino delgado. Quando uma gata é
geralmente não é uma preocupação. Já suplementada, a concentração sérica de cálcio
foi demonstrado que gatas lactantes que permanece alta, resultando em diminuição da
consomem alimentos com 30% de proteína atividade do PTH. Isso faz com que o organismo
bruta na matéria seca perdem menos peso que da gata não possa mais responder às altas
aquelas que consomem alimentos com 20 a demandas de mobilização de cálcio que ocorre
25% de proteína bruta em sua composição e, com o início da lactação, aumentando o risco
tanto a ingestão de alimento quanto a velocidade de desenvolver eclâmpsia.7 Isso faz com que a
de crescimento dos filhotes são mais elevadas. suplementação de cálcio seja contraindicada.
Em função das variações na digestibilidade dos
alimentos e da qualidade dos ingredientes, a Outros nutrientes, como o ômega-3, já
literatura sugere que, para uma lactação ótima, demonstram ser importantes durante esta
o alimento deve conter aproximadamente 35% fase. O DHA, um ácido graxo da família
de proteína bruta na matéria seca, utilizando-se ômega-3, é um dos principais componentes do
uma dieta com 4.000 kcal/kg como parâmetro. encéfalo, o órgão com o maior conteúdo lipídico
A gordura nessa fase deve suprir a necessidade em mamíferos, depois do tecido adiposo.
de ácidos graxos essenciais e estar entre 18% Aproximadamente um terço da estrutura
e 35% na matéria seca, fibra bruta abaixo de lipídica do encéfalo é composto de ácidos graxos
5% e carboidratos em quantidade mínima de ômega-3, quase exclusivamente DHA. Por esse
10%.11 Os carboidratos poupam as proteínas motivo, o fornecimento de DHA às fêmeas
necessárias para manter a glicemia e fornecem durante o período de gestação e lactação pode
o substrato para a formação da lactose colaborar para o desenvolvimento neurológico
durante a produção do leite. Mesmo não sendo e comportamental dos filhotes.
nutrientes essenciais, eles parecem reduzir
a perda de peso da gata durante a lactação O pico de lactação ocorre 3 a 4 semanas após
e, associados com dietas ricas em proteínas, o parto. Usualmente, as gatas são alimentadas
também melhoram a produção de leite. 12 ad libitum até o fim da lactação, porém o
Outro ponto a ser levado em consideração é requerimento energético para esta fase também

74
pode ser calculada conforme descrito na Tabela 2. Após a quarta semana, a quantidade de leite
consumida pelos filhotes diminui, à medida
NÚMERO DE CÁLCULO DA NEM NA que aumentam a ingestão de alimentos
FILHOTES LACTAÇÃO
sólidos. Com isso, a necessidade energética
< 3 filhotes 100 kcal x (PC em kg)0,67 + de manutenção da mãe diminui, reduzindo
18 kcal x PC em kg x L lentamente o consumo diário.
3 a 4 filhotes 100 kcal x (PC em kg)0,67 +
60 kcal x PC em kg x L
> 4 filhotes 100 kcal x (PC em kg)0,67 +
A NUTRIÇÃO DO NEONATO
70 kcal x PC em kg x L
Colostro
VALORES DE L O colostro é a primeira secreção das glândulas
1ª e 2ª semanas de 0,9 mamárias durante as primeiras 24 horas após o
lactação parto, com pico de concentração de anticorpos
3ª e 4ª semanas de 1,2 oito horas após o parto.7 O colostro é amarelado,
lactação mais espesso e mais viscoso que o leite. Seus
principais nutrientes são lipídios e carboidratos,
5ª semana de lactação 1,1
ambos fundamentais no fornecimento de
6ª semana de lactação 1 energia e, portanto, tem papel importante na
7ª semana de lactação 0,8
prevenção da hipoglicemia e da hipotermia,
comuns no recém-nascido. Outros nutrientes
Tabela 2: Cálculo do NEM de gatas em lactação de acordo
com o número de filhotes e semana de lactação. como água, fatores de crescimento e enzimas
digestivas também fazem parte do colostro. A
Como exemplo, podemos tomar uma gata com fração proteica é constituída principalmente
3,5 kg de peso corporal, 4 filhotes, na terceira por caseína e imunoglobulinas, cujo papel é
semana de lactação. fundamental para a transferência de imunidade
passiva.13 Sem essa transferência, os neonatos
NEM: 100 kcal x (PC em kg)0,67 + 60 kcal x PC podem não ser capazes de combater uma
em kg x L. infecção, já que durante as primeiras semanas
de vida, eles ainda não têm a capacidade de
NEM: 100 x (3,5)0,67 + (60 x 3,5 x 1,2) = 231 + 252 produzir anticorpos em quantidades suficientes.
= 483 kcal/dia.
Em gatos, a transferência de imunidade deve
O b t i d a a n e ce ss i d a d e e n e rg é t i ca d e ser concluída dentro de 12 horas após o parto
manutenção, podemos calcular a quantidade para que se obtenha uma taxa máxima de
de alimento a ser consumida. A energia imunoglobulina sérica. A absorção praticamente
metabolizável do alimento escolhido (ROYAL não ocorre entre 16 e 36 horas de vida.14
CANIN® Mother & Baby Cat) é de 4.441 kcal/kg,
sendo assim, a quantidade de alimento a ser Filhotes recém-nascidos devem ter livre acesso
pesado é de: à mãe para que possam mamar e se manter
aquecidos. A amamentação sem restrições é
NEM (kcal/dia) 483 kcal/dia
EM (kcal/g)
=
4,4 kcal/g
= 110g ao dia o método ideal de alimentação, uma vez que
dependem por completo do leite materno.

GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 75


Sucedâneo do colostro
São diversas as causas que podem impedir materna e risco de isoeritrólise. Dessa forma,
um neonato de receber o colostro logo após é importante orientar o responsável pela gata
o nascimento, entre elas a morte da mãe, e pelos filhotes a examiná-los periodicamente,
rejeição e agalactia. Nesses casos, um inclusive pesando os filhotes diariamente,
substituto do colostro deve ser administrado. uma vez que a perda ou baixo ganho de peso
A melhor opção é uma mãe adotiva, porém pode indicar a necessidade de complementar a
na ausência dela, deve-se optar por produtos nutrição dos filhotes. Nestes casos de ganho de
comerciais específicos. Em gatis de reprodução peso insuficiente, ou ao se notar uma produção
e comercialização de animais é possível coletar insuficiente do leite materno, recomenda-se que
e armazenar colostro após o parto das fêmeas o sucedâneo seja fornecido à toda a ninhada,
para que possa ser administrado sempre que alternando com a amamentação natural, em vez
necessário. O colostro pode ser armazenado por de alimentar parte dos filhotes exclusivamente
até 6 meses a -20°C.7 com o sucedâneo.

Em gatos é importante considerar o grupo Antes de alimentar um recém-nascido, é


sanguíneo da fêmea utilizada antes de alimentar importante garantir que ele esteja com a
os neonatos devido ao risco de isoeritrólise temperatura corporal ideal de aproximadamente
neonatal. 7 Essa condição, que é uma reação 36°C. Em casos em que a temperatura
imunológica, resulta de uma incompatibilidade corporal dos filhotes se encontra abaixo do
de grupo sanguíneo entre indivíduos, ou seja, ideal, o aquecimento é o primeiro pré-requisito
quando uma gata do tipo sanguíneo B dá a luz a obrigatório7 e deve ser feito lentamente, para
um filhote tipo A ou AB. A isoetritrólise neonatal só depois então alimentá-los. Isso se dá pois,
é abordada neste Guia no capítulo “Cuidados uma temperatura corporal abaixo de 34°C
especiais com o neonato”. compromete o peristaltismo intestinal e,
consequentemente, a digestão adequada do
Leite materno leite. Em uma temperatura corporal abaixo
O leite materno é o alimento ideal para filhotes de 32°C, o reflexo de sucção deixa de existir,
até 3 a 4 semanas de vida. Fornece todos os comprometendo a ingestão do leite.
nutrientes necessários para o desenvolvimento
dos filhotes, bem como os anticorpos para Atualmente existem diversas fórmulas
protegê-los contra doenças comuns. Portanto, comerciais adequadas para alimentar os
o leite materno oferece aos filhotes as filhotes de gatos. O leite de vaca ou de outras
melhores chances em termos de crescimento, espécies, como cabra, associado ou não
desenvolvimento e saúde. Dessa forma, é a outros ingredientes, deve ser evitado. É
recomendável estimular e incentivar a nutrição importante destacar que o leite da gata possui
através do leite materno sempre que possível. aproximadamente o dobro de energia, proteína
e gordura que o leite de vaca e possui menos
Sucedâneo do leite lactose. Portanto, o uso do leite de vaca pode
Além do uso para os filhotes órfãos ou em casos causar retardo de crescimento (devido à menor
de agalactia, os sucedâneos do leite podem quantidade de energia) e diarreia (devido à
ser necessários em situações como ninhadas maior quantidade de lactose).
numerosas, mastite, falhas na habilidade

76
por refeição.10 No caso de alimentação assistida,
a posição correta é sempre em decúbito ventral
(Figuras 1 e 2) , que permite o filhote controlar
o volume ingerido e evita a falsa via do leite.
Energia
(Kcal/100g)
146 120 67 70 Os filhotes nunca devem ser alimentados
em decúbito dorsal, como é feito com bebês
Proteína (%) 7,5 7,5 3,3 2,9 humanos.
Gordura (%) 9,5 8,5 3,3 3,8
Lactose (%) 3,3 4 4,7 4,4 Se o reflexo de sucção for insuficiente ou estiver
ausente, o sucedâneo deverá ser administrado
Como os recém-nascidos são mais suscetíveis a diretamente no estômago através de uma sonda
doenças e infecções, a higiene com o sucedâneo orogástrica.
do leite e com a mamadeira são tão importantes
quanto à escolha de um sucedâneo apropriado
para a espécie. A pessoa responsável por
preparar e fornecer o sucedâneo aos filhotes
deve higienizar bem as mãos e as mamadeiras,
que idealmente devem ser lavadas com água
quente. Quando a apresentação do sucedâneo
for em pó, deve-se utilizar água mineral
para diluição, a fim de se reduzir risco de
contaminação por protozoários, como a giárdia,
por exemplo. Além disso, o sucedâneo deve
ser preparado imediatamente antes do uso e
oferecido a uma temperatura em torno de 35°C.
A sobra deve ser descartada. Figura 1: Posição adequada para alimentar um filhote. Uso
de um bico artificial acoplado em uma seringa. [Imagem
Durante as primeiras 3 semanas de vida, os cortesia de Gatil Miadore]
filhotes precisam receber entre 13-15 kcal
para cada 100 gramas de peso corporal por
dia. Após 4 semanas, as necessidades calóricas
aumentam para 20–25 kcal para cada 100
gramas de peso corporal por dia8,10 (Tabela 3).
Quando utilizada a alimentação na mamadeira,
geralmente são necessárias 8 a 12 refeições
por dia (a cada 2 ou 3 horas) durante a primeira
semana de vida. Durante a segunda semana, o
número de refeições pode ser reduzido para 5 a
6 (a cada 4 horas). Na terceira semana de vida,
os filhotes devem receber de 4 a 5 refeições ao
dia (a cada 6 horas). Se for feita alimentação por
Figura 2: Posição adequada para alimentar um filhote.
sonda, recomenda-se administrar de 1 a 5 mL Mais uma alternativa de bico artificial. [Imagem cortesia de
de leite para cada 100 gramas de peso corporal ReproPET]

GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 77


DESENVOLVIMENTO DOS FILHOTES

Em média, os gatos nascem com 100 gramas e a principal fonte de alimento da ninhada
de peso corporal (75 g-120 g). As taxas de continuará sendo o leite da mãe. No entanto, por
mortalidade são altas em neonatos que volta das 5 semanas de idade, os filhotes já irão
nascem com baixo peso, cerca de 75 gramas consumir um volume considerável de alimento.
de peso corporal. O ganho de peso médio é de O desmame nutricional geralmente é concluído
100 gramas por semana durante os primeiros às 6 semanas de idade, embora algumas gatas
5-6 meses de vida, sendo que o ganho mínimo possam permitir que seus filhotes mamem por
esperado é de 7 gramas ao dia.11,16 8 semanas de idade ou mais.

IDADE EM PESO RED POR 100G Como os dentes decíduos nascem entre 21 e 35
SEMANAS ESPERADO DE PC
dias após o nascimento, os filhotes são capazes
0 100 g 13 - 15 kcal de mastigar e consumir alimentos secos por
1ª a 3ª semana 200 g a 400 g 13 - 15 kcal volta de 5 a 6 semanas de idade.
4ª a 8ª semana 500 g a 900 g 20 - 25 kcal
O desmame é uma fase importante e, muitas
Tabela 3: Ganho de peso e requerimento energético diário
(RED) de gatos do nascimento até 8 semanas de vida vezes, determinante na história alimentar dos
gatos. O momento em que um filhote come
seu primeiro alimento sólido é, provavelmente,
Desmame o mais crucial em termos de influência,
O desmame inicia entre a quarta e quinta principalmente se acontecer na presença da
semanas de vida, com a rejeição gradual pela mãe. Filhotes de gatos escolhem o que suas
mãe, mas em filhotes órfãos, pode ser iniciado mães comem e não o alimento mais palatável.
às 3 semanas de idade. Isso significa que as preferências alimentares
não são inatas, elas são adquiridas através
Após 4 semanas, o leite da mãe por si só de influências sociais após o nascimento,
não fornece mais a energia e os nutrientes período de desmame e socialização.17 Por esse
suficientes para sustentar o crescimento dos motivo deve-se oferecer variados alimentos,
filhotes e, portanto, a transição para alimentos principalmente em termos de textura, aos gatos
sólidos deve começar. desde o desmame, a fim de evitar a neofobia
alimentar, muito comum na espécie.
Conforme afirmado anteriormente, durante
esse período, as necessidades calóricas dos
gatos filhotes são de cerca de 20–25 kcal para
cada 100 gramas de peso corporal.

Papinhas comerciais podem ser utilizadas e


alimentos secos podem ser misturados com
água na proporção de 1:3 (1 de alimento para 3
de água) ou até formar consistência de mingau.
Alimento úmido também pode ser utilizado, mas
pelo alto teor de água a proporção deve ser de
2:1 (2 de alimento para 1 de água). Inicialmente
pouco do alimento sólido será consumido

78
O ALIMENTO PARA O DESMAME
O desmame é um período crucial de transição entre o leite materno e o alimento sólido. Alimentos com tecnologia de
reidratação, como a Mother & Babycat da ROYAL CANIN® podem ser transformados em textura de mingau para uma transição
mais fácil. Além disso, os alimentos formulados para o momento do desmame atendem as necessidades nutricionais dos
filhotes e também das mães. Como os gatinhos naturalmente imitam os comportamentos alimentares de suas mães, fornecer
o mesmo alimento para ambos nesta fase torna o desmame mais simples e suave.

1 Pese a quantidade adequada 2 Meça o dobro de água 10g 20ml


de alimento (croquetes). morna (veja tabela). 20g 40ml
30g 60ml
40g 80ml
20 MIN

3 Adicione a água morna aos 4 Aguarde 20 minutos. 5 Amasse a mistura com um


croquetes. garfo para transformar em
um mingau.

6 Sirva aos gatinhos 7 Descarte qualquer sobra de


imediatamente. alimento não consumido após
uma hora.

COMPORTAMENTO ALIMENTAR DO GATINHO


O período crucial do desmame é a transição do leite materno para o alimento sólido. Nesse período, ocorre uma evolução
natural do comportamento alimentar dos filhotes. Então a textura do alimento que é dado a eles deve acompanhar essa
evolução.
Apenas
croquetes
Croquetes +
Croquetes + água
Alimento água =
úmido em mingau
textura de
Leite materno mousse
ou sucedâneo

MAMANDO LAMBENDO MASTIGANDO

GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 79


Pós-desmame até a fase adulta deve ser controlada, baseada individualmente
Como já mencionado anteriormente, até na necessidade energética de crescimento.
as 20 semanas os filhotes devem ganhar
uma média de 100 gramas por semana. A Para o cálculo da necessidade energética de
velocidade de crescimento diminui na medida crescimento (NEC) após o desmame, os dados
em que se aproximam do tamanho adulto. foram agrupados e uma equação foi derivada
Por volta das 30 semanas os filhotes atingem para estimar as necessidades de energia a
80% do peso do adulto e às 40 semanas (10 partir do peso corporal atual e do peso adulto
meses), atingem o peso adulto e a maturidade esperado. Uma boa forma de acompanhar se
esquelética. O crescimento além dos 10-12 o consumo energético está adequado, ou se
meses é de algumas placas de crescimento e está acima ou abaixo do esperado, é através
desenvolvimento muscular.11 das curvas de crescimento, uma ferramenta
clínica fácil de usar projetada para profissionais
O objetivo geral de uma dieta adequada para veterinários monitorarem o crescimento
gatos filhotes é apoiar seu desenvolvimento dos filhotes. As curvas de crescimento são
para que se tornem adultos saudáveis. Isso abordadas no capítulo de medicina interna
significa fornecer-lhes uma dieta que lhes deste guia prático.
permita ser o mais saudável possível, ou seja,
colaborar na prevenção de doenças. Os gatos A partir de dados encontrados em estudos,
filhotes devem crescer de forma controlada, também é possível calcular a estimativa dos
para que não cresçam muito rápido ou muito requerimentos energéticos médios diários
devagar. Por isso, além de se preocupar com de gatos em crescimento de acordo com os
qualidade do alimento fornecido, a quantidade exemplos demonstrados na Tabela 4.

IDADE KCAL/KG PC PESO ESTIMADO FATOR EXEMPLO


6 - 20 semanas 250 1,4 250 250 x 1,4 = 350 kcal/dia
5 - 6 meses 130 2,3 130 130 x 2,3 = 299 kcal/dia
7 - 8 meses 100 2,7 100 100 x 2,7 = 270 kcal/dia
9 - 11 meses 80 3,2 80 80 x 3,2 = 256 kcal/dia
12 meses 60 3,4 60 60 x 3,4 = 204 kcal/dia
Tabela 4: Requerimento energético diário de gatos em crescimento, do desmame até os 12 meses.

80
Cálculo da quantidade de alimento diário
A quantidade de alimento a ser fornecida irá Neste exemplo, esse filhote deve consumir
depender das calorias presentes no alimento 54 gramas de alimento seco + 91 gramas de
escolhido. Alimentos comerciais secos para alimento úmido por dia. Esse mix-feeding, além
gatos filhotes geralmente contêm entre 3.800 de permitir um consumo de alimentos com
e 4.200 kcal/kg. Um filhote de 7 meses cujo texturas diferentes, muito importante nessa
peso é de 3 kg tem uma NEC aproximada de fase, promove maior ingestão de água desde a
300 kcal/dia. Para saber quantos gramas de um infância.
alimento ele precisa consumir, basta dividir a
sua necessidade energética diária pela energia Transição para o alimento adulto
metabolizável do alimento. No exemplo abaixo, A maioria dos gatos pode iniciar a troca para a
está sendo considerada uma dieta com energia alimentação de adultos a partir dos 12 meses,
metabolizável de 3.900 kcal/kg: pois nesta idade grande parte dos filhotes
já atingiu o peso adulto. Gatos saudáveis
Quantidade de NEC (kcal/dia) 300 kcal/dia
alimento seco = =77g ao dia normalmente até podem fazer a transição
EM (kcal/g) 3,9 kcal/g
diário abrupta para o alimento de adultos sem
EM: Energia Metabolizável (do alimento) maiores problemas, mas a introdução gradual
NEC: Necessidade Energética de Crescimento é sempre recomendada e não há motivo para
A energia metabolizável dos alimentos pode não fazê-la:
ser verificada no rótulo dos alimentos ou
diretamente com a empresa, visto que essa 1-3 dias: 75% alimento filhote + 25% alimento
declaração não é obrigatória. Caso o alimento adulto.
utilizado seja úmido, a variação da energia 4-6 dias: 50% de cada.
metabolizável costuma ser entre 800 kcal e 7-9 dias: 25% alimento filhote + 75% alimento
1.100 kcal/kg de alimento. No exemplo abaixo, adulto.
está sendo considerada uma dieta úmida com A partir do 10o dia: 100% alimento adulto.
energia metabolizável de 990 kcal/kg. O cálculo
é o mesmo, apenas devemos considerar a
energia do alimento em questão:
25% 50%
Quantidade de NEC (kcal/dia) 300 kcal/dia
alimento úmido = = 303g ao dia
EM (kcal/g) 0,99 kcal/g
diário

O mix-feeding é altamente recomendado para


gatos, ou seja, a oferta de alimento úmido e
alimento seco, diariamente. Optando-se por
70% das kcal provenientes do alimento seco 75%
NOVO
ALIMENTO
(210 kcal) e 30% do alimento úmido (90 kcal).
Neste exemplo, o cálculo ficaria assim:
Quantidade de NEC (kcal/dia) 210 kcal/dia
alimento seco = = 54g ao dia
EM (kcal/g) 3,9 kcal/g
diário
Quantidade de NEC (kcal/dia) 90 kcal/dia
alimento úmido = = 91g ao dia ALIMENTO ANTERIOR ALIMENTO NOVO
EM (kcal/g) 0,99 kcal/g
diário

GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 81


Manejo nutricional do filhote hospitalizado
Até o momento não há, em literatura, equações energética de repouso. 18 O cálculo feito
de estimativa da necessidade energética para inicialmente foi o de repouso, com aumento
filhotes hospitalizados. Na prática, inicialmente gradual até estabilização e ganho de peso. A
podemos fazer o cálculo da necessidade nutrição enteral precoce dentro de 24 horas
energética de repouso após a admissão foi iniciada usando uma
sonda esofágica e uma dieta líquida terapêutica
(NER) = 70 × peso corporal (kg)0,75
veterinária. Nas 72 horas seguintes, o animal
e aumentar gradativamente a oferta calórica passou a ingerir alimento voluntariamente junto
até que o filhote estabilize o peso. Também é com alimentação por sonda esofágica. A perda
possível iniciar com o cálculo da necessidade de peso foi contínua apesar do fornecimento de
energética de manutenção (NEM) = 95 × peso suporte nutricional. O aumento frequente das
corporal (kg)0.67, uma vez que as necessidades calorias fornecidas para muito além daquela
dos filhotes são superiores às dos adultos e calculada para o repouso estabilizou o peso do
essa fórmula fornece uma quantidade maior paciente e acelerou o processo de recuperação.
de calorias quando comparada à NER. Mais pesquisas são necessárias para que
possamos compreender as diferenças entre
Independente do cálculo utilizado, é o manejo nutricional de filhotes e adultos
imprescindível o acompanhamento e o registro hospitalizados. O ponto de partida pode ser
do peso, do escore de condição corporal e do o cálculo de repouso ou o de manutenção,
índice de massa magra do filhote, diariamente. mas ajustes devem ser feitos principalmente
Através dessas informações atualizadas é baseados no peso recente do paciente.
possível fazer ajustes no cálculo e evitar a perda
de peso e de massa muscular. Segue um exemplo de ambos os cálculos
de necessidade energética diária para um
Na grande maioria das vezes, gatos filhote internado de 4 meses, 2 kg. A dieta
hospitalizados não fazem consumo voluntário será alimento comercial seco (ROYAL CANIN®
de alimento e, quando o fazem, não é suficiente Mother & BabyCat).
para atingir o balanço calórico positivo, muito
menos em se tratando de filhotes. Dessa forma, Cálculo pela NER = (2)0,75 x 70 = 118 kcal/dia
é importante que seja feita a colocação de uma
sonda de alimentação o mais breve possível Cálculo pela NEM = (2)0,67 x 95 = 151 kcal/dia
para assegurar que as calorias calculadas
serão fornecidas ao paciente. As sondas mais A energia metabolizável do alimento escolhido
comumente utilizadas para filhotes internados é de 4.441 kcal/kg, sendo assim, a quantidade
são a orogástrica e a esofágica, porém, de alimento a ser pesado é de:
dependendo da situação, outras técnicas podem
ser realizadas.
NEC (kcal/dia) 118 kcal/dia
= = 27g ao dia
EM (kcal/g) 4,4 kcal/g
Em um artigo, a ingestão calórica de um felino
de 3 meses internado com extensa queimadura
NEC (kcal/dia) 151 kcal/dia
por água quente, foi gradualmente aumentada EM (kcal/g)
=
4,4 kcal/g
= 34g ao dia
para um total de 438% da necessidade

82
O alimento escolhido deve ter algumas importante oferecer alimentos palatáveis para
características importantes: ser de alta estímulo de consumo voluntário. No caso de
qualidade e digestibilidade; formulado para sondas fixas como a nasoesofágica e esofágica,
espécie e categoria em questão (gatos filhotes) a remoção só deve ser feita se o consumo de
e conter alta densidade calórica para que o alimento voluntário for, pelo menos, equivalente
volume a ser administrado seja o mínimo à NEM.
possível.
Para obter a recomendação nutricional
Diariamente esse filhote deverá ser pesado personalizada com cálculo de alimento diário
e os cálculos refeitos a fim de manter o peso de acordo com o peso específico do paciente,
do filhote ou até mesmo de permitir ganho de acesse a calculadora para prescrições da
peso. Mesmo com alimentação na sonda, é ROYAL CANIN® disponível em https://portalvet.
royalcanin.com.br/calculadora-de-prescricao/

GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 83


REFERÊNCIAS
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tool. Feline Pract 1997;25:13-18.
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gestation and lactation. Journal of Feline Medicine and Surgery, v.11, p.808-815, 2009.
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Heights, MO (USA).
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Clinical Nutrition, 4th edition, edited by M.S. Hand, C.D. Thatcher, R.L. Remillard, and P.
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lactation. Nutr Res. 1995;15:1535–1546
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burns and septicaemia. JFMS Open Rep. 2020 Jun 29;6(1): 1-10.

Acesse: https://portalvet.royalcanin.com.br/ para utilizar a ferramenta de prescrições da ROYAL CANIN®

GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 85


CUIDADOS DA GESTANTE AO INFANTE
COMPORTAMENTO
DANIELA RAMOS
INTRODUÇÃO

Tutores almejam boa saúde para os seus gatos do nascimento (enquanto no útero da gestante),
e, com igual intensidade, desejam que eles passando pela infância e a adolescência, até
tenham excelentes comportamentos. Bons chegar na idade adulta (por volta dos 2 anos
comportamentos dependem de inúmeros de idade ou mais) quando a construção das
fatores, sendo eles externos (ex: ambiente e bases termina, mas devemos seguir com a sua
relações intraespecíficas e interespecíficas, devida manutenção. Se queremos gatos adultos
vivências infantis, traumas) e internos (ex: comportados, saudáveis emocionalmente,
hormônios, neurotransmissores, doenças). sociáveis e amigáveis, além de uma boa
Parte dos fatores externos que favorecem seleção do filhote sempre que possível, temos
bons comportamentos pelos gatos estão que agir corretamente desde cedo. Para isso,
sob nosso controle, sendo alguns deles orientações comportamentais adequadas
previsíveis e manejáveis (ex: as lições que os devem ser transmitidas aos que cuidam da
ensinamos e os males dos quais os prevenimos gestante, dos filhotes e aos futuros tutores;
enquanto filhotes). Dessa forma, tais fatores, essas devem ser muito claras, práticas e,
transformados em ações e atitudes praticadas principalmente, baseadas em evidências.
por todos que convivem com gatos, devem ser Assim como vacinas são essenciais para a
ressaltados e prontamente apresentados a prevenção de diversas doenças de ordem física,
todos os tutores de gatos. sempre fazendo parte da “cartilha do filhote”,
orientações comportamentais são a imunização
Os comportamentos naturais dos gatos contra problemas de cunho emocional, sendo
e as emoções que os norteiam são parte peça-chave para a saúde emocional do gato e a
relevante do bem-estar felino, sendo também permanência dos mesmos com suas famílias,
determinantes nos relacionamentos que devendo, assim, também ser incluídas na
se estabelecem entre pessoas e gatos. Por cartilha.
exemplo, o estresse felino comumente induz
comportamentos considerados inapropriados Nesta sessão falaremos sobre o
(ex: micção em local inadequado, agressão comportamento natural dos filhotes assim como
contra pessoas e entre gatos, vocalização apresentaremos orientações comportamentais
excessiva) e esses constituem queixas específicas tendo como foco o bem-estar
comportamentais frequentes dos tutores. do filhote e o desenvolvimento de adultos
Consequência disso é a demanda crescente equilibrados emocionalmente, exibidores de
por atendimento comportamental de gatos tanto comportamentos desejáveis. Partiremos da
entre Médicos-Veterinários quanto por outros fêmea gestante, passando pelo filhote em suas
profissionais como adestradores e consultores várias fases de vida e até a sua maturidade
comportamentais. Além disso, é impossível sexual e social. Complementaremos com
não mencionar o triste fato de que problemas algumas recomendações gerais, em sua
comportamentais são causa primordial de maioria aplicáveis a gatos de todas as idades,
abandono e eutanásia1, bem como de devolução mas que devem ser postas em prática desde
de gatos recém-adotados.2 a infância. Tais orientações compõem o que
considero ser os dois principais pilares da
A saúde emocional e o temperamento dos saúde emocional felina: ótimas interações e
gatos se constroem desde cedo, mesmo antes excelentes territórios.

88
A GATA GESTANTE

Cuidados com a gestante, tanto no tocante apreciar o toque, o tutor poderá fazer, porém
à sua saúde física quanto emocional, devem deve evitar tocar na região abdominal, área
ser intensificados durante toda a gestação. O que estará bastante sensível e onde carinho
objetivo é salvaguardar o bem-estar da gata, normalmente já não é muito apreciado
mas também dos fetos. Pesquisas com várias pelos gatos. Caso ela não aprecie nenhum
espécies destacam os efeitos do estresse toque, mesmo que anteriormente à gestação
vivenciado pela gestante no desenvolvimento tenha sido uma gata amigável e tolerante,
cerebral do feto, particularmente do eixo respeite-a, não force.
hipotálamo-hipófise-adrenal, comprometendo • Permita que a gata escolha o local para
diretamente o desenvolvimento do futuro fazer o “ninho”, mantendo a área acessível
indivíduo e, inclusive, predispondo-o à e tranquila. Posicione neste local uma caixa
problemas emocionais como maior reatividade, de papelão ou caminha e providencie uma
déficits cognitivos e motores. Em gatos, cama ou pano para que a superfície esteja
pesquisas também demonstram efeitos seca e macia. Se ela escolher um cômodo
deletérios de uma dieta deficiente para a que não seja apropriado, atraia-a para um
gestante no comportamento dos filhotes. 3,4 local melhor posicionando os itens descritos
Assim, estresse e dieta deficiente, devem ser acima e outros recursos interessantes tais
ostensivamente prevenidos. A palavra de ordem como alimentos e esconderijos no chão. Tudo
é “conforto”, devendo ser consideradas as isso deve ser feito antes do parto para que,
características comportamentais e preferências posteriormente, ninguém precise transferir
de cada gestante. os filhotes de local, mas se isso se mostrar
necessário, alguém muito próximo a gata
Principais Aspectos Comportamentais deverá fazê-lo gentilmente.
O início da gestação é caracterizado por poucas • No cômodo onde estará o “ninho” devem
alterações comportamentais pela fêmea. ser disponibilizados água e comida, porém
Maior atenção deve ser dada ao seu terço final, afastados do mesmo. Caso o banheiro
quando ocorrem as maiores mudanças, por esteja muito distante na casa, coloque um
vezes caracterizadas por maior proximidade e banheiro adicional no cômodo, mas afastado
docilidade, mas frequentemente apresentada do “ninho”. Com o nascimento dos filhotes
na forma de reclusão e até agressividade. a gata passará a maior parte de seu tempo
Nesse período há redução significativa da no local.
atividade e da agilidade, sendo que na semana • Respeite o ritmo da gata. Siga uma rotina
que antecede o parto a gata procura um local fixa de oferecimento de água e comida, bem
tranquilo, geralmente escuro e seco, onde como de higienização de banheiro e potes, e
permanece até o parto. O comportamento de permita que ela decida o que deseja fazer e
higienização por lambedura, especialmente onde prefere estar;
da região mamária, é muito comum nesses • Caso a gestante conviva com outros gatos
dias. Agitação, inclusive com movimentos de (Figura 1) é necessário um monitoramento
cavar o chão do “ninho” e vocalizações são próximo das relações sociais entre eles,
característicos na iminência do parto. já que tanto a gestante pode se mostrar
agressiva quanto outros gatos podem
Recomendações Comportamentais direcionar agressividade contra ela. Se isso
• Se a gata se demonstrar dócil e permitir e ocorrer, separação permanente deve ser

GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 89


evitada desde que terapia comportamental
seja implementada. Essa deve envolver
separações momentâneas assim como
sessões frequentes de harmonização
envolvendo alimentos e interações especiais
com o tutor, além da utilização de um
feromônio sintético no ambiente (ex:. Feliway
Friends - CEVA Saúde Animal®). O objetivo
é reduzir os conflitos e, essencialmente, o
estresse da gestante.

A
O GATO FILHOTE
Os cuidados com o filhote voltados para a sua
saúde emocional e seus comportamentos
futuros devem ser planejados antecipadamente
e postos em prática desde o nascimento. Ao
nascerem, ainda que totalmente dependentes
(i.e. gatos são seres altriciais, incapazes de
sobreviver sozinhos ao nascimento), com
capacidades sensoriais e motoras pouco
desenvolvidas, os filhotes já começam a
“experimentar” o mundo externo; dependendo
de como os estímulos lhes são apresentados,
m e l h o re s o u p i o re s p o d e r ã o s e r s e u s B
comportamentos. Quanto mais jovem é o filhote,
mais aberto ao mundo ele estará, mais curioso Figura 1 A e B: Gata gestante (coloração preta) em contato
muito próximo com o outro gato habitante da casa,
e tolerante, sendo que isso diminui à medida resultado de terapia comportamental implementada
que crescem. Portanto, é preciso aproveitar durante a gestação. Por se tratar de um gato jovem
muito bem esse início de vida, com foco em com temperamento brincalhão, foi preciso terapia
comportamental para que a agressão defensiva pela gata
prevenir experiências ruins e apresentá-lo contra ele diminuísse, assim como a motivação do gato
aquilo que é realmente importante, ou seja, fosse direcionada para outros alvos, assim resultando em
que fará parte de sua vida futura como adulto, menos investidas lúdicas dele contra ela. Como resultado,
não apenas a agressividade entre eles cessou como a gata
sempre de forma positiva e gradual, seguindo o se mostrou amigável com o gato até o final da gestação e
ritmo de cada filhote. posteriormente com os filhotes. [Imagens cortesia de Karin
Botteon]

90
PERÍODO NEONATAL
O período neonatal vai do nascimento até a
segunda semana de vida do filhote.

Principais Aspectos Comportamentais


Gatos nascem incapazes de enxergar e
ouvir, mas já com tato e olfato ativos. Com
pouquíssima habilidade para se mover, após
serem limpos pela mãe irão imediatamente
mamar, com alguma dificuldade para alcance
das mamas e dependendo de auxílio da mesma.
Passarão a maior parte do tempo em contato
com a mãe, intercalando mamadas e dormidas A
e sendo expostos ao feromônio maternal por
ela produzido em glândulas cutâneas em sua
região mamária. Esse sinal químico natural (i.e.
o feromônio maternal) lhes trará segurança e
fundamentará o desenvolvimento emocional dos
filhotes.

O período neonatal é, portanto, um momento


majoritariamente mãe-filhote. Ao final do
mesmo, olhos e ouvidos dos filhotes estarão se
abrindo, o olfato se aguçando e neste momento
eles passam a se mostrar um pouco mais ativos
e interessados em seus arredores.
B
Recomendações Comportamentais
• A menos que haja algum problema com Figura 2: Fêmea com seus filhotes – período neonatal.
O grupo se mostra totalmente unido, mesmo nos raros
mãe e/ou filhotes que torne necessária uma momentos de ausência materna. Foto A: gatinhos com
maior proximidade e intervenção humana, 1 dia de vida. Foto B: gatinhos com 3 dias de vida.
a recomendação é mostrar-se presente, [Imagens cortesia de Karin Botteon]
monitorar, porém interferir o mínimo possível
(Figura 2).
• Alimentação, higienização, auxílio na
eliminação e todos os cuidados necessários
em relação ao filhote devem ficar a cargo
exclusivo da mãe. Pessoas podem se
aproximar, mas devem evitar maiores
interações assim como a retirada de filhotes
do ninho. Deixe que os filhotes se acostumem
com os cheiros das pessoas somente, assim
como toques breves e sutis, contanto que a
fêmea não se perturbe.
GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 91
PERÍODO TRANSICIONAL
O período transicional vai do final do período maior propensão a manifestarem medo e
neonatal até o início da socialização, ou seja, da agressividade contra pessoas e outros gatos,
segunda à terceira semana de vida (Figuras 3 e 4). além de maior sensibilidade a estímulos
novos quando adultos.5,6
Principais Aspectos Comportamentais
Ainda que se trate de um período bastante curto, Influência Paterna no
o desenvolvimento físico e comportamental Comportamento dos Filhotes
dos filhotes nesta fase é significativo. Eles se Muito se fala sobre a influência materna no
mostram muito mais sensíveis e responsivos comportamento dos filhotes e na formação de
aos estímulos externos, além de iniciarem seus temperamentos enquanto adultos, porém é
uma locomoção distinta do rolamento e do preciso dizer que também há forte contribuição
rastejamento típicos do período neonatal, paterna. A mãe exerce sua influência sob
mas ainda com dificuldades e desequilíbrios. os filhotes tanto através dos seus genes
Com visão e audição agora presentes, eles se transmitidos quanto pelas vivências enquanto
aventuram fora do ninho e, graças ao olfato gestante e, principalmente, pela forma que
agora melhor apurado e a erupção dentária, cuida da ninhada desde o nascimento, haja vista
passam a se interessar por alimentos sólidos; a que são observadas e copiadas por eles. Já o
ingestão destes, no entanto, tem início somente pai, muito menos envolvido nos cuidados com
no final do período transicional. Em relação ao a prole, tem uma influência majoritariamente
comportamento da mãe, inicia-se nesta fase genética. Em um conhecido estudo realizado por
uma redução discreta da atenção oferecida aos McCune e colaboradores (1995)7, gatos machos
filhotes. de temperamentos distintos (amigáveis e não
amigáveis) geraram filhotes com os quais jamais
Recomendações Comportamentais tiveram contato; os filhotes em suas respectivas
• Alimentação, higienização, auxílio na ninhadas eram mantidos juntos e sob cuidados
eliminação e todos os cuidados seguem a de suas mães até a décima segunda semana
cargo da mãe. Entretanto, considerando o de vida. Manuseio diário por pessoas foi
despertar dos filhotes para os estímulos oferecido apenas à metade deles. A análise de
externos, este é um bom momento para seus comportamentos aos três meses de vida
seguir com pequenas interações como tocar, demonstrou que tanto pais de personalidade
acariciar e segurar brevemente. Maiores amigável (que eles chamaram de “bold” -
interações, assim como a retirada de filhotes mais seguros e amigáveis, menos medrosos),
do ninho, seguem devendo ser evitadas. Deixe quanto manuseio gentil gerou filhotes mais
que os filhotes se acostumem agora com os propensos a se aproximarem de pessoas e
sons e o visual dos humanos, assim como de objetos não familiares. Sociabilidade com
com as aproximações e interações um pouco pessoas parece ser fortemente influenciada
mais frequentes que no período anterior, pela genética paterna, assim como pelas
desde que a fêmea não se perturbe. primeiras vivências com humanos e a presença
• Filhotes não devem ser adotados ou, por da mãe nestes momentos (como veremos mais
qualquer outro motivo, separados de suas adiante), de modo que, não somente mães, mas
mães neste momento. Estudos com gatinhos também pais amigáveis são essenciais quando
órfãos nesta idade demonstram uma se almejam gatos adultos bem equilibrados
emocionalmente.
92
PERÍODO DE SOCIALIZAÇÃO
O período de socialização vai do final do período
transicional até a sétima semana de vida
(alguns autores consideram até a nona semana)

Principais Aspectos Comportamentais


Chegamos ao momento mais importante da
infância felina, o período mais sensível de
socialização. Os filhotes se mostrarão com
máximo interesse em seus arredores, com
curiosidade e coragem para explorar tudo e
todos. Trata-se, portanto, de utilizar muito
bem esse período apresentando-os de forma
gradativa, positiva e segura, aquilo que cada
Figura 3: Fêmea e seus filhotes com 15 dias de vida -
filhote potencialmente encontrará em sua vida período transicional.
como gato adulto (ex: visitas em casa, viagens
de carro, jogos e brincadeiras, escovação e corte
de unhas, idas ao veterinário, manipulação de
partes do seu corpo). Tudo deve ser feito ao
modo e no ritmo do gato, sem forçar, já que
são animais que precisam de controle e, se
não o tiverem ou perdê-lo, seu bem-estar é
comprometido.

Cada contexto e estímulo desencadeará


respostas comportamentais e emoções
específicas, inclusive eventualmente medo
e ansiedade, já que as emoções negativas
estão também surgindo neste período. Com
a supervisão e o auxílio de tutores instruídos, Figura 4: Filhotes com 15 dias de vida despertando o
sessões de interação com cada um dos interesse pelos arredores - período transicional.
estímulos serão repetidas, de modo que as [Imagens cortesia de Karin Botteon]
melhores respostas comportamentais, aquelas
alicerçadas em emoções positivas, serão
induzidas e reforçadas, criando, assim, um viés
para que essas respostas e emoções sejam
naturalmente suscitadas em exposições futuras
ao longo da vida.

Durante o período de socialização o interesse


e a proximidade entre os irmãos de ninhada
também são máximos e as interações entre eles
serão fundamentais para o desenvolvimento

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emocional, portanto, é fundamental que sejam Quem quer que vá praticar a socialização
mantidos juntos. Com um aumento significativo precisará saber não só o que apresentar aos
da atividade motora, eles vão brincar de filhotes, mas como fazê-lo. Ao socializá-los
correr, fugir e esconder, capturar e soltar, ou estamos acostumando o filhote aos estímulos
seja, treinarão entre si repertórios sociais e e contextos (i.e. habituando-os). Porém, se
predatórios (Figura 5). Também brincarão de a forma e o ritmo não forem corretos, os
agarrar e mordiscar, chutar e rolar, ou seja, sensibilizamos, ou seja, os tornamos mais
comportamentos de luta. Assim, em contexto sensíveis e reativos a eles, justamente o que
seguro e controlado, eles aprenderão sobre queremos prevenir com a socialização.
oferecer e receber ameaças, intensificar e
moderar mordidas, se frustrar, enfim, lições A independência do filhote está em foco
essenciais para a vida adulta. neste período. Ao final, os gatinhos já se
locomovem perfeitamente, detém controle
De maneira semelhante, a companhia da mãe total da manutenção de suas temperaturas,
é crucial neste momento da vida, mesmo além de exibirem comportamentos de micção
estando ela diminuindo os cuidados ofertados e defecação típicos de gatos adultos.
a eles, por vezes até se mostrando irritada e
agressiva. Não só a presença da mãe facilita o
processo de socialização do filhote como seu
comportamento de afastamento, natural e
gradual, é fundamental para que os gatinhos
aprendam sobre separações, frustrações e até
sobre como lidar com a irritabilidade do outro.
Vale lembrar, entretanto, que, caso a mãe
seja muito agressiva, é melhor que o filhote
seja exposto aos estímulos com os irmãos de
ninhada ou sozinho, ou seja, separado dela.
Neste período a mãe também os ensina a Figura 5: Filhotes no período de socialização. Gatinhos com
“arte” da predação, trazendo presas para o 5 semanas de vida exibindo brincadeira social.
ninho e fazendo-os demonstrações; quando em
torno de cinco semanas de vida os filhotes já
demonstram predação solitária.

Já que, idealmente, filhotes e mãe devem ser


mantidos juntos durante este período mais
sensível da socialização, caberá normalmente ao
responsável pela ninhada a tarefa de socializá-los.
Ainda que os tutores sigam adiante com o processo
(i.e. socialização tardia) quando os adquirirem
e até se tornarem adultos, é crucial que este se
inicie antes de completadas sete semanas, ou
Figuras 6: Filhotes no período de socialização. Socialização
seja, quando os filhotes provavelmente ainda não com humanos é fundamental entre a segunda e a nona
foram para as suas futuras casas (Figura 6). semana de vida do filhote. [Imagens cortesia de Karin Botteon]

94
Recomendações Comportamentais
• Não separe os filhotes da mãe antes das oito filhote também deve ser feita, salvo
semanas de vida, mesmo que ela pareça exceções, na residência onde reside o
um pouco nervosa ou em processo de filhote. Pessoas com divesos atributos
distanciamento deles. físicos e comportamentais (ex: altas
• Não separe os irmãos de ninhada antes e baixas, idosos e crianças), devem
das oito semanas de vida, mesmo que as participar, uma por vez, em sessões
interações entre eles pareçam um pouco também curtas e frequentes. O gato decide
brutas. quando e como interagir, nunca sendo
• Em relação à apresentação dos diferentes forçado a nada. Distrações e recompensas
estímulos, animados e inanimados, tais como as pessoas se mostrando
idealmente na presença da mãe e dos irmãos disponíveis para brincar ou ofertando
de ninhada, lembre-se: petiscos ao filhote são recomendadas.
− A s o c i a l i z a ç ã o d o f i l h o t e c o m − A apresentação de itens inanimados,
outros animais nunca deve ser uma dentro do previsto para um ambiente
obrigatoriedade ou prioridade. Gatos são doméstico, também deve ser praticada.
seres semissociais e não tem, portanto, a Todos os cômodos assim como elementos
necessidade de contato social, adaptando- p ro e m i n e n t e s t a i s c o m o s o n s d e
se muito bem a vida sem a companhia costume devem ser apresentados ao
de outros animais. Ainda assim, haja filhote em contexto tranquilo e positivo
vista a composição atual das residências (ex: aspirador de pó, vassoura, som de
(“multigatos” e/ou “multiespécie”), sempre celular, liquidificador e campainha, etc.).
que possível, é importante socializar Interações úteis tais como escová-lo,
os filhotes com outros indivíduos que manuseá-lo, cortar suas unhas e até
potencialmente conviverão com ele na vida examinar partes do seu corpo devem ser
adulta (ex: cachorro, gato). praticados gentilmente pelo tutor em casa,
− A apresentação de outros animais ao associando tais manobras ao recebimento
filhote deve ocorrer, salvo exceções, em de estímulos prazerosos como brinquedos
casa, ou seja, sem tirá-lo de seu território. e alimento.
Pode-se trazer para perto outros animais − Caso o tutor desejar e a residência
da casa ou animais visitantes (amigáveis, oferecer um local externo calmo e seguro,
vacinados e em bom estado de saúde). é possível iniciar a apresentação do gato ao
Mantenha-os sob o controle e supervisão passeio. Como neste momento o programa
de uma pessoa instruída. Deixe que o gato de vacinação ainda está incompleto, o
dite o ritmo e o estilo da aproximação, gato deve ser levado para fora no colo,
assim como abandone a interação caso bolsinha ou caixa de transporte, jamais
queira. As sessões de aproximação devem sendo colocado no chão ou para interagir
ser curtas e frequentes, podendo inclusive com outros animais. Este é o momento
conter objetos interessantes tais como de acostumá-lo com os sons, cheiros e
brinquedos, esconderijos e alimentos imagens externas, bem como com seu
especiais, tanto para o filhote quanto para equipamento de passeio (i.e. coleira
o outro animal. peitoral, guia e bolsinha para esconder-
− A apresentação de outras pessoas ao se). Vale lembrar que, caso o tutor opte

GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 95


por levar o gato ao passeio, terá de fazê- nas aulas. De forma controlada e muito bem
lo diariamente e nos mesmos horários, monitorada, os filhotes poderão ser postos para
do contrário o gato se frustrará e exibirá interagir e brincar, já que até a décima quarta
comportamentos de chamar sua atenção semana de vida o interesse dos gatinhos pelas
e iniciativas de passeio (ex: miar, arranhar brincadeiras sociais está em ascensão. Tutores
ou pular na porta, derrubar objetos). de filhotes mais velhos podem participar sem
Assim, pense muito bem se haverá esta os seus gatos.
disponibilidade, do contrário, não passeie,
já que este não é necessário para o gato. PERÍODO JUVENIL
O período juvenil vai do final do período de
Aulas para Filhotes Felinos socialização até a maturidade sexual, sendo que esta
As aulas para filhotes de gatos ocorrem em pode ocorrer entre 4 e 10 meses de idade (Figura 7).
alguns países, mas ainda não se trata de
recomendação unânime entre os especialistas Principais Aspectos Comportamentais
em comportamento felino. Diferentemente das O período juvenil comporta o final da infância
aulas caninas onde um dos principais objetivos (por volta dos 4 meses) e a adolescência
é a socialização entre os filhotes, nas aulas felina até a sua maturidade sexual. Neste
felinas o foco está na instrução de tutores período não há relevante adição de novos
e na socialização dos filhotes com pessoas. comportamentos no repertório felino, mas
Considerando que o período mais sensível ocorre um aprimoramento dos comportamentos
da socialização do filhote termina em torno já existentes e um aumento da dispersão dos
da 7/9 semana de vida, é possível que vários gatinhos. O pico da brincadeira social com a
filhotes já tenham ultrapassado esta fase ou, intensificação do comportamento de luta entre
caso não tenham, é possível que várias aulas os gatos se dá até a décima quarta semana de
sejam organizadas sequencialmente para que vida. Já a brincadeira com objetos simulando
o programa recaia sobre o período sensível. movimentos de predação, na presença de outros
Assim, muito cuidado deve ser tomado em gatos ou sozinho, tem pico em torno da décima
seu planejamento e o profissional responsável oitava semana de vida.
pelas aulas deve ser profundo conhecedor de
comportamento felino e estar habilitado para Recomendações Comportamentais
conduzi-las. • Os tutores devem seguir, sempre que possível,
com os protocolos de socialização descritos
As aulas ocorrem ao longo de três ou quatro no período anterior.
sessões sendo que a primeira é voltada apenas • Muita cautela e dedicação nas interações lúdicas
aos tutores, sem os gatos. Os filhotes, entre 8 com o gato juvenil. Haverá muita motivação
e 13 semanas de vida, devem já ter recebido da parte dele para brincadeiras de luta e de
as vacinais iniciais, os parasiticidas bem como predação contra braços e pernas das pessoas.
precisam estar em bom estado de saúde. Jamais incentive ou corresponda brincando
Conceitos e práticas de manuseio amigável, com ele desta forma. Objetos que eles possam
brincadeiras e interações apropriadas, perseguir e capturar, morder e se engalfinhar
bem como instruções sobre como adequar tais como ursinhos de pelúcia devem ser usados
a residência para que sirva de território nas brincadeiras de luta, enquanto varinhas são
apropriado para os gatos são abordadas as melhores para as brincadeiras de predação.

96
• O m a i s i m p o r ta n te é q u e o s t u to re s e a socialidade felina para que ajustem suas
aproveitem muito o período juvenil dos seus expectativas à realidade social e necessidades
gatos, já que terminado este período haverá do gato. Só assim manterão uma convivência
bastante independência e dispersão por harmoniosa e benéfica para ambos e o gato
parte do gato. Tais características, típicas da será visto como uma excelente companhia.
espécie, muitas vezes não vão ao encontro
das expectativas humanas, ainda que sejam
admiradas por muitos. PILARES DA SAÚDE
EMOCIONAL FELINA
São pilares essenciais para a saúde emocional
de gatos de qualquer idade. Assim, devem
ser colocados em prática desde a infância e
mantidos e monitorados por toda a vida do gato.

PILAR 1: ÓTIMAS INTERAÇÕES E EXCELENTES TERRITÓRIOS


Diferentemente de nós e também dos cães,
gatos são semisociais, ou sociais com
limitações, ou seja, apresentam interações
sociais com outros indivíduos, mas não
n e ce ss i ta m d e l a s . N a d e p e n d ê n c i a d a
disponibilidade de alimentos, do tipo de
ambiente onde vivem e, principalmente, da
familiaridade entre os indivíduos, gatos poderão
Figura 7: Filhotes com 5 meses de vida – período juvenil. Os
viver em quase total isolamento (se unindo a
dois gatos juvenis à direita estão acompanhados do outro outros gatos apenas em período reprodutivo)
gato residente, o mesmo da foto, na companhia da mães ou formando grupos. Por exemplo, em se
dos juvenis. [Imagem cortesia de Karin Botteon]
tratando de indivíduos aparentados ou que se
conhecem desde a infância, na abundância
O GATO ADULTO de alimentos e território adequado é bem
provável que se organizem em um grupo. De
Ainda que a habilidade reprodutiva do gato todo modo, mesmo quando inseridos em um
chegue cedo, a maturidade social ocorre grupo, atividades individuais são muito comuns
bem mais tarde, entre 2-3 anos de idade. e comportamentos amigáveis não ocorrem a
Neste momento a maior parte dos seus todo momento, tendo até alta frequência, porém
comportamentos serão adultos, com diminuição baixa intensidade.
significativa do desejo por contato e brincadeira.
Gatos que convivem em uma mesma casa Tendo isto em mente e buscando boas
podem mudar seus relacionamentos, inclusive relações com nossos gatos e a prevenção de
com aparecimento de tensão e conflitos. comportamentos problemáticos associados à
Neste momento é comum a queixa de más más interações como a agressividade contra
mudanças pelos tutores. É por isso que eles pessoas, é fundamental que, desde filhote,
devem ser orientados sobre o desenvolvimento adequemos nossa maneira de interagir com eles.

GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 97


Para facilitar esta missão, são listados a seguir os

10 MANDAMENTOS PARA ÓTIMAS


Respeite a Personalidade do gato: Diversas são as personalidades
1 felinas, desde o gato tímido e inseguro até aquele muito amigável e
confiante. O estilo de se comportar de cada gato deve ser respeitado,
sem tentativas de mudá-lo.

2
Identifique quando o gato deseja aproximação: As pessoas devem
aprender a interpretar quando o gato deseja manter-se perto. Nestes
casos, ele é geralmente amigável e não se afasta nem demonstra
agressividade, eventualmente aceita ou oferece carinho (ex: esfrega-
se ou sobe no colo da pessoa), podendo até ronronar ou miar
delicadamente. Mas vale sempre lembrar que estar feliz por perto não
significa necessariamente desejar ou apreciar carinho.

3
Identifique quando o gato deseja afastamento: As pessoas devem
aprender a interpretar quando o gato deseja se afastar. Nestes casos, ele
literalmente se afasta ou permanece, porém vira a cara caso a pessoa
se aproxime, podendo até miar de forma agressiva, rosnar ou até sibilar.
Se a pessoa insiste na interação, a agressividade pode se intensificar,
porém a ausência de agressividade não significa que o gato deseja estar
perto. Desvios de olhar, afastamento com a pata, orelhas para trás ou
rebatidas lateralmente e corpo muito encolhido são sinais de que ele
não está confortável com a proximidade; a pessoa deve, portanto, se
afastar.

Prefira interagir quando o gato toma a iniciativa: É melhor corresponder


4 quando o gato se aproxima para interagir do que a pessoa sair à sua
caça. Desta forma, ele tomará a iniciativa de se aproximar mais vezes.

Não puna os maus comportamentos do gato: A pessoa não deve


5 brigar, bater, colocar de castigo nem usar spray d´água contra o gato.
Todas essas são punições que inibem o mau comportamento do gato
no ato, mas a médio e longo prazo causam medo, ansiedade e até
agressividade, podendo prejudicar o vínculo entre o gato e a pessoa.

98
INTERAÇÕES ENTRE GATOS E PESSOAS
Recompense os bons comportamentos do gato: A pessoa deve elogiar e
6 recompensar com carinho, brincadeiras e petiscos, ou seja, da forma que o
gato gosta, quando ele se comporta bem. É preferível reforçar o comportamento
certo do que punir o errado, portanto, a pessoa deve estar de olhos bem abertos
para não só identificar os acertos, mas também auxiliar para que o gato acerte.

Diante de maus comportamentos, ignore-o, redirecione-o para outro


7 comportamento ou o retire da situação: A compreensão e o manejo das causas
do mau comportamento (e não a sua punição) são a chave para a boa resolução
de problemas comportamentais.

Fortaleça o vínculo através de brincadeiras: Gatos adoram brincar e, se


8 estimulados, irão fazê-lo por toda a vida. A brincadeira com pessoas é uma
forma de interação social não restritiva nem intrusiva, ou seja, do jeito que o
gato gosta. Tutores devem usar e abusar desta valiosa ferramenta.

Carinho forçado é contraindicado: Carinho deve ser oferecido somente se


9 o gato quiser, pelo tempo que ele desejar e somente nos locais e da forma
que o gato gostar. Gatos geralmente apreciam carinho gentil e breve na face e
pescoço, eventualmente no dorso, mas quase nunca nas patas, barriga e rabo.

Evite situações socialmente estressantes: Saídas de casa para locais


10 desconhecidos, muitas pessoas não familiares na casa, mudanças na
composição social do grupo inclusive a chegada de novos gatos, alta densidade
populacional de gatos, interações forçadas ou a maneira que o gato não aprecia
devem ser evitadas.

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PILAR 2: EXCELENTES TERRITÓRIOS • Verticalizar o ambiente através da colocação
Gatos tem uma relação muito especial com de prateleiras, plataformas, pontes e
seus territórios, ou seja, com o espaço onde nichos em pontos estratégicos da casa. Os
vivem como nossas casas ou mesmo as ruas. acessos a estes pontos devem ser amplos e
Definitivamente, ao contrário do que diz a lenda, seguros, não escorregadios. Atentar para as
eles não preferem seus territórios a nós, mas preferências de cada gato.
certamente fazem questão de estar neles, se • Ofertar esconderijos tanto no alto quanto no
perturbam ao serem retirados deles, conhecem chão. Caixas de papelão assim como túneis
bem e demarcam cada cantinho, além de e “árvores de gatos” costumam ser muito
patrulhá-los e defendê-los do inimigo. Quanto apreciadas pelos gatos.
mais estável for seu território, sem grandes • Controlar a presença de odores não familiares
mudanças e ameaças, sem restrição espacial no ambiente. Itens perfumados como
alguma, mais controle o gato tem, o que significa velas, incensos e aromatizadores, além de
bem-estar para ele. Isto porque pequenas produtos de limpeza com bastante odor são
mudanças como troca de mobília, fechamento perturbadores para os gatos.
de algum cômodo, ou maiores como presença • Aplicar os princípios da multiplicação,
de estranhos no território ou reformas, lhe setorização e descentralização:
causam muito estresse.
Tendo isto em mente e buscando adequar nossas Multiplicação
residências para prevenir comportamentos Multiplicação: Adicionar todos os recursos
problemáticos associados a ambientes felinos (ex: pote de água e de comida, caminha,
inadequados como eliminação inapropriada arranhador, banheiro, etc.) em multiplicidade,
e arranhadura excessiva, é fundamental que, ou seja, vários de cada, mesmo que você tenha
desde filhote, supramos nossos gatos de suas apenas um gato. A regra é mais recursos
necessidades ambientais. Algumas dicas quanto mais gatos compuserem a residência
para transformar as nossas residências em sempre considerando a multiplicação em
excelentes territórios felinos são: conjunto com os princípios da descentralização
• Realizar o mínimo de reformas e mudanças de e da setorização. Dessa forma, os gatos terão
residência e, quando estas forem necessárias, recursos disponíveis sempre que quiserem, pois
procurar a ajuda de um profissional do serão vários e compatíveis com o número de
comportamento para que ocorram sem gatos na casa.
estressar demais o gato.
• Evitar a introdução de novos animais na casa, Descentralização
especialmente novos gatos e, quando esta for Distribuir os diferentes recursos felinos
inevitável, procurar a ajuda de um profissional espalhados pela casa, em locais que façam
do comportamento para que ocorra sem sentido para o gato, considerando para isso suas
comprometer demais o bem-estar do gato. origens e comportamentos (ex: caixas sanitárias
• Permitir que o gato transite por toda a preferencialmente na periferia do território e longe de
residência, sem restringir espaços ou, potes de água e comida, arranhadores em passagens
no máximo, quando muito necessário, e próximos de portas e janelas, etc), ao invés de
fazer restrições apenas em determinados concentrá-los em um único local. Dessa forma, se
momentos do dia, sempre mantendo horários houver vários gatos na casa, não atrairemos os gatos
rígidos de restrição e liberação. para um local só, mas sim os dispersaremos.

100
Setorização
Criação de áreas específicas para alimentação, pode vir junto de monotonia e tédio, haja vista
eliminação, brincadeira, etc. e não as misturar. que gatos, qualquer que sejam suas idades,
Isso cria setor(es) de alimentação, setor(es) são extremamente ágeis, ativos e inteligentes.
de eliminação, setor(es) de brincadeira, etc. Assim, estímulos físicos e sensoriais apreciados
mais ou menos como os gatos de vida livre pelo gato devem ser constantemente oferecidos,
naturalmente ocupam seus territórios. preferencialmente inseridos em uma rotina.
• Utilizar feromônios sintéticos, pois estes Brincadeiras com o sem o tutor, atividades
costumam aumentar o senso de familiaridade de exploração com ou sem alimento e outros
do gato com o ambiente. Um profissional do desafios físicos e cognitivos devem ser
comportamento deve ser consultado para que ofertados. Se engana quem pensa que só
se escolha o feromônio ideal em cada caso. filhotes precisam ser estimulados; todos os
gatos precisam, então comece na infância e
Controle, previsibilidade e pouquíssimos siga por toda a vida do gato, fazendo ajustes
agentes estressores são elementos essenciais constantes de acordo com a capacidade e
de um excelente território. Porém, isso não disposição física e mental de cada gato.

GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 101


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REFERÊNCIAS
1. SALMAN MD, HUTCHISON J, RUCH-GALLIE R, KOGAN L, NEW JR JC, KASS PH, SCARLETT
JN. Behavioral Reasons for Relinquishment of Dogs and Cats to 12 Shelters. J.Appl.Anim, Welf.
Sci. 2000; 3 (2);
2. CASEY R, VANDENBUSSCHE S, BRADSHAW JWS, ROBERTS MA. Reasons for Relinquishment
and Return of Domestic Cats (Felis Silvestris Catus) to Rescue Shelters in the UK. Anthrozzos.
2009; 22 (4).
3. GALLO PV, WERBOFF J, KNOX K. Protein restriction during gestation and lactation; development
of attachment behavior in cats. Behav. Neural Biol. 1980; 29:216-223;
4. SMITH B, JENSEN G. Brain development in the feline. Nutr. Rep. Int. 1997; 16:487.
5. CHON E. The effects of queen (Felis sylvestris)-rearing versus hand-rearing on feline aggression
and other problematic behaviors. In; Mills D, Levine E (eds) Current Issues and Research in
Veterinary Behavioral Medicine. West Lafayette, Ind. Purdue University Press, 2005;201-202;
6. MELLEN J. Effects of early rearing experience on subsequent adult sexual behavior using
domestic cats (Felis catus) as a model for exotic small felids. Zoo. Biol. 1992;11:17-32;
7. MCCUNE S. The impact of paternity and early socialisation on the development of cats’ behaviour
to people and novel objects. Appl.Anim.Behav.Sci. 1995; 45 (1-2): 109-124;

LEITURA SUGERIDA
RAMOS, D. Comportamento Felino: Conceitos e Prática. Disponível em: www.psicovet.com.br/ebooks
RAMOS, D. Transformando residências “multi-cat” em territórios felinos. Disponível em: www.
psicovet.com.br/ebooks
RAMOS, D. Recepcionando o novo membro da família: introdução felina passo-a-passo. Disponível
em: www.psicovet.com.br/ebooks

GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 103


CUIDADOS DA GESTANTE AO INFANTE
MEDICINA INTERNA
ALEXANDRE G. T. DANIEL E
FERNANDA V. AMORIM DA COSTA
CUIDADOS DE SAÚDE COM A GATA GESTANTE E LACTANTE

Imunização Vermifugação
Informações limitadas são relatadas na As gatas prenhes devem receber vermífugos
literatura sobre a administração de vacinas seguros sete dias antes do parto para prevenir
durante a prenhez. Mesmo que a maioria a transmissão transmamária de larvas de
das vacinas inativadas não seja diretamente Toxocara cati para os filhotes. Toxocara cati é
prejudicial aos embriões e fetos, a reação pós- o helminto gastrointestinal mais comum do
vacinação (como uma hipertermia transitória) gato em todo o mundo e agente de doença
pode aumentar o risco de perda fetal. A vacina zoonótica bem documentada e importante, a
contra o vírus da panleucopenia felina (FPV) larva migrans visceral, neural, ocular e oculta.
geralmente é composta por um vírus vivo O s g a t o s s e i n fe c t a m a o i n g e r i r o v o s
modificado que pode induzir o mesmo efeito e m b r i o n a d o s n o a l i m e n to o u á g u a , o u
adverso em fetos que o próprio vírus. De fato, hospedeiros paratênicos, como roedores e
a vacinação de gatas prenhes pode induzir uma pássaros, que abrigam as larvas em seus
hipoplasia cerebelar em fetos. A vacinação tecidos. Animais invertebrados como minhocas
com este tipo de vacina é estritamente proibida e caracóis também podem abrigar larvas e
durante a prenhez em gatas. serem ingeridos pelos gatos. Após os ovos
serem ingeridos contendo larvas de terceiro
Portanto, a melhor recomendação é vacinar as estágio infectantes, estas eclodem e migram
gatas algumas semanas antes da reprodução. através da parede do intestino delgado, passam
Se as vacinas forem planejadas dessa forma, pelo fígado e se dirigem aos pulmões, sendo
a gata prenhe poderá passar altos níveis de tossidas e engolidas quando presentes nas vias
anticorpos maternos para os filhotes em aéreas. Durante a migração a larva amadurece
seu colostro e proteger os neonatos durante e, quando estiverem novamente no intestino
suas primeiras semanas de vida, antes que delgado, os vermes adultos eliminarão os
sua própria imunidade possa se desenvolver ovos nas fezes. O período pré-patente é de
adequadamente. É essencial que a gata aproximadamente 8 semanas. Algumas larvas
reprodutora seja totalmente vacinada antes do migratórias ficam encistadas na musculatura
acasalamento sem a necessidade de qualquer dos gatos e a infecção transmamária pode
administração de vacina durante a gestação. ocorrer se a gata prenhe adquirir uma infecção
aguda no final da prenhez ou durante a lactação.
Porém, os benefícios podem superar os riscos Em relação aos fármacos antiparasitários, o
quando se trata de situações endêmicas, como fenbendazol (50 mg/kg durante 3 a 5 dias) é
ocorre em gatis ou abrigos superpopulosos, frequentemente escolhido para desparasitação
onde a infecção pelo parvovírus felino pode durante a prenhez. Outros considerados
resultar na morte da matriz, bem como de seguros incluem selamectina, praziquantel,
toda sua ninhada. Portanto, uma indicação pirantel e emodepsida.
importante do uso de vacinas inativadas
em felinos é para as gestantes no início da É importante também escolher um
gestação, quando o risco de exposição ao medicamento aprovado para gatas prenhes para
parvovírus felino é elevado. tratar ectoparasitas, pois alguns medicamentos
podem ser teratogênicos e causar distocia.
O uso de fipronil parece seguro durante a
gestação e lactação.
106
CUIDADOS DE SAÚDE COM O FILHOTE

A avaliação pediátrica
Embora possa ser útil considerar o • Os filhotes não possuem o reflexo de tremor
desenvolvimento do filhote como um progresso (Tabela 1) até que estejam com cerca de uma
por estágios, a linha do tempo não é rigidamente semana de idade, por isso, é extremamente
baseada na idade cronológica. Fatores importante manter uma temperatura
ambientais (por exemplo, manejo precoce, ambiente diretamente ao redor dos filhotes
oportunidades de observar a mãe, interações de 30 a 33°C nas primeiras 24 horas (Tabela
com os companheiros de ninhada) afetam o 2). Para se atingir a temperatura ambiental
desenvolvimento físico e comportamental. adequada, pode-se utilizar bolsas e almofadas
Gatinhos que não são manejados rotineiramente aquecidas ou lâmpadas protegidas.
até as 7 semanas de idade podem permanecer • Em 0 e 1 dia, o cordão umbilical se encontra
hesitantes e menos interativos com humanos. bem preso e úmido. Em 3 a 4 dias, o
cordão umbilical seca e o filhote o perde
Fase Neonatal (0-2 semanas) naturalmente. Nunca se deve tentar removê-
Durante os primeiros dias após o nascimento, lo manualmente; e sim permitir que ele caia
os neonatos experimentam o mundo sozinho.
principalmente através do olfato e do toque. • O peso típico do filhote ao nascer é de 100
São muito frágeis e vulneráveis, requerendo gramas, em média (variação de 75 a 120 g),
cuidados frequentes e manipulação gentil.
A interação social é mínima, começam a Tremor 1 semana
engatinhar com 7-14 dias e os olhos abrem Retirada 1 semana
com 7-10 dias. A eliminação de fezes e urina
2-4º dia torácicos
é estimulada pela lambedura da mãe após a Posicionamento tátil
5-9º dia pélvicos
amamentação.
Apoio membros torácicos 8º ao 10º dia
• Os gatinhos recém-nascidos possuem os
olhos fechados, as orelhas dobradas e o Apoio membros pélvicos 12º ao 15º dia
cordão umbilical ligado. Seu focinho e patas Estimulação do focinho até 15 dias
podem ter coloração rosada. Nessa idade, Sucção até 21 - 23 dias
eles não podem ouvir nem ver; eles só podem
navegar pelo mundo ao seu redor através do Anogenital até 21 dias
cheiro e da busca de calor e conforto. Tabela 1: Período de aparecimento dos reflexos presentes
• Um neonato possui uma temperatura baixa nos neonatos e filhotes.
de 35,5-36°C, que se eleva para 37 graus Temperatura ambiental
ao longo da primeira semana. Gatinhos
recém-nascidos são muito suscetíveis ao 30ºC - 33ºC => 0 a 24h
resfriamento devido à sua alta relação entre 28ºC - 30ºC => 1ª semana
a área de superfície e o peso corporal, ao Apoio mem27ºC - 29ºC => 2ª e 3ª semanas cicos
metabolismo imaturo, reflexo de tremor
24ºC - 27ºC => a partir da 4ª semana
inexistente ao nascer e baixa capacidade
vasoconstritora. Durante esse período, é Umidade ambiental: 55 - 60%
fundamental fornecer uma fonte de calor Tabela 2: Manejo ambiental ideal para os neonatos e
suave para manter o filhote aquecido e filhotes.
estável.
GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 107
embora haja uma variação considerável de • Com uma semana de idade, os olhos estão
acordo com a raça e com o sexo (os machos fechados, mas não possuem mais o cordão
geralmente pesam mais que as fêmeas).O umbilical. Por volta de 8 dias os canais
baixo peso ao nascer é uma causa comum de auditivos, e com 8 a 13 dias os olhos começam
mortalidade, com gatinhos com peso inferior a se abrir lentamente, respectivamente.
a 75 gramas ao nascer em maior risco. Uma Todos os filhotes nascem com olhos azuis,
ligeira perda de peso (menos de 10%) pode que mudam para a cor dos olhos do adulto à
ocorrer nas primeiras 24 horas de vida, mas o medida que envelhecem. Nesse momento, o
filhote deve ganhar peso diariamente. Gatinhos filhote deve ter dobrado seu peso ao nascer.
saudáveis ganham de 50 a 100 gramas por O seu peso médio deve ser entre 150-250
semana (10 a 15 g/dia) e devem dobrar seu gramas.
peso de nascimento até 2 semanas de idade.
Criadores e outros cuidadores de gatinhos Período infantil (2-6 semanas)
recém-nascidos devem ser instruídos a pesá- Dentro de 2 semanas, os olhos estão abertos
los duas vezes ao dia durante as primeiras e o reconhecimento visual torna-se disponível,
2 semanas de vida e depois diariamente, por isso, as interações sociais aumentam
pelo menos nas próximas 2 a 4 semanas. em complexidade. As habilidades motoras
Muitas vezes, o primeiro sinal de doença é a coordenadas começam a se desenvolver nesse
incapacidade de ganhar peso em um período momento; os filhotes começam a usar as
de 24 horas. patas para interagir com objetos. Nessa fase
• A lambedura do filhote é fundamental para o começam as brincadeiras sociais, brincam
desenvolvimento do vínculo gata-filhote e a com objetos, correm, iniciam o aprendizado
estimulação anogenital também é necessária complexo, a escalada, a arranhadura e
para induzir a micção e a defecação. A gata a predação. Nessa fase, há erupção dos
traz os gatinhos em direção ao seu corpo para dentes decíduos, diminuem a ingestão de
oferecer calor e nutrição completa nas primeiras leite e começam a ingerir alimento sólido.
4 semanas de vida. Em média, os filhotes Desenvolvem o controle da micção e defecação
mamam por 6 a 8 horas em um período de 24 (3 a 5 semanas) e começam a usar a caixa
horas na primeira semana. A fenda palatina, sanitária. Também mudam a cor dos olhos (4 a
uma anormalidade de desenvolvimento comum, 6 semanas), controlam a própria temperatura e
pode tornar-se evidente em recém-nascidos realizam auto lambedura. Esse é o período que
de um dia, pois estes demonstram falha em começam a declinar os anticorpos maternos e
produzir o vácuo necessário para succionar o os filhotes devem receber sua primeira vacina
leite, que escorre de suas narinas, não ganhando com 6 semanas de idade.
peso e chorando muito por causa disso. Outras • Com duas semanas de idade, os olhos dos
causas de má ingestão nutricional incluem filhotes estão totalmente abertos e azuis,
outros defeitos congênitos ou fatores maternos, porém sua visão ainda está se desenvolvendo.
como mastite, doença sistêmica ou má Os canais auditivos estarão abertos e as
condição corporal. Gatinhos menores ou mais orelhas são pequenas e arredondadas,
fracos podem ser excluídos da amamentação como um filhote de urso. Gatinhos com
por companheiros de ninhada mais fortes, ou duas semanas de idade se mostram ainda
serem machucados pela mãe nos casos de desequilibrados e incoordenados ao tentarem
inexperiência materna. se movimentar. Ainda não conseguem

108
regular a temperatura corporal. Durante Período juvenil (6-12 semanas)
esse período, é fundamental fornecer uma Neste momento estão mais maduros e podem
fonte de calor suave para manter o filhote surgir conflitos pelo status e brincadeiras
aquecido e estável. O ambiente deve estar sociais. Já ingerem alimento sólido e dominam
em torno de 26 a 27°C neste momento. O o uso da caixa sanitária. Inicia-se a exploração
peso médio do filhote com duas semanas intensa do ambiente.
deve ser de 250-350 gramas. A partir desta • Com sete a oito semanas, os filhotes
idade, o filhote já pode ser vermifugado com apresentam todos os dentes decíduos. Nessa
pamoato de pirantel, na dose de 5 a 10 mg/kg idade, a cor dos olhos adultos começa a
VO, se necessário. Em casos de presença de aparecer. Os olhos dos gatinhos mudam
ectoparasitas, o uso de fipronil spray também de azul para a cor dos olhos que eles terão
pode ser utilizado. Ele deve ser aplicado permanentemente. Filhotes com olhos cinzas,
indiretamente, borrifando-o em uma bola verdes ou amarelos provavelmente têm 7
de algodão, que é então esfregada no corpo semanas ou mais. O peso médio do gatinho
do gatinho, evitando os olhos, boca, nariz e de sete a oito semanas é de 750-950 gramas.
região anogenital. Com oito semanas de idade, a maioria dos
• Com duas a quatro semanas de idade, os gatinhos come de forma independente.
dentes incisivos e caninos começam a surgir. Animais com 8 semanas e 2 kg de peso
Gatinhos de três semanas já possuem orelhas corporal podem ser esterilizados/castrados
que apontam para cima, como um gato em e adotados.
miniatura. Nessa idade, os gatinhos já estarão
andando, brincando socialmente, explorando Examinando o filhote
os arredores e até começando a visitar a caixa Deve-se examinar os neonatos e filhotes em
sanitária, apresentando mais coordenação uma superfície morna e em um ambiente
motora. Apesar de ainda precisarem de uma quente (28–30° C), usando toalhas limpas em
fonte de calor, são mais ativos e podem se uma mesa ou no colo, e uma lâmpada de calor
afastar dela quando não estiverem dormindo. para aquecer o ar imediatamente ao redor. É
O ambiente do gatinho deve estar em torno de importante lavar bem as mãos e utilizar luvas
24-26°C graus neste momento. O peso médio ao examiná-los. Avaliações importantes a fazer
do gatinho de três a quatro semanas é de 350- incluem a determinação do peso, idade e o sexo.
450 gramas. • O sexo pode ser surpreendentemente difícil
• Com cinco a seis semanas de idade, os pré- de determinar em gatinhos muito jovens,
molares começarão a surgir, indicando que especialmente sem outro do sexo oposto
o gatinho está pronto para ser introduzido ao para comparar, porque os testículos não são
início do desmame com alimento úmido. No facilmente visíveis até mais de 6 semanas de
ambiente natural, este é o momento em que idade. Em machos, a distância entre o ânus
a mãe pode começar a trazer presas para e os órgãos genitais é maior (cerca de 1,25
ensinar os filhotes a caçar. O peso médio do cm) do que nas fêmeas. Os órgãos genitais
gatinho de cinco a seis semanas de idade é de aparecem em forma de fenda na fêmea e
550-750 gramas. Com seis semanas, o filhote arredondados no macho. A cor da pelagem
já deve receber sua primeira vacina contra também pode ser uma pista; quase todos
rinotraqueíte, calicivirose e panleucopenia os gatinhos tricolores ou com pelagem de
felina. tartaruga são fêmeas, e 80% dos gatinhos

GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 109


amarelos são machos. Em seguida, deve-se • As fezes normais são amareladas a marrons,
confirmar os marcos do desenvolvimento levemente firmes à consistência de creme
(Tabela 3), além de características descritas a dental. Se estiverem muito firmes ou o filhote
seguir. estiver constipado, ele pode estar desidratado.
• Antes de manejar o filhote, observe sua A diarreia está presente em cerca de 60% dos
condição corporal e resposta ao ambiente, gatinhos neonatos doentes.
incluindo nível de consciência, postura, • A temperatura corporal ao nascer é de 35,5
locomoção e frequência respiratória. a 36°C, aumentando para 38 a 39°C com 4
Recém-nascidos saudáveis terão forte semanas de idade.
reflexo de sucção, estimulação do focinho • Verifique o umbigo quanto a sinais de
e endireitamento. A percepção da dor está eventração, inflamação ou infecção. Ele deve
presente desde o nascimento, mas os reflexos ser desinfetado com iodopovidona 2% ou
de retirada não estão bem desenvolvidos até clorexidina 0,5% ao nascer.
cerca de 1 semana de idade (Tabela 1). • Verifique o formato da cabeça procurando por
• O tônus muscular não deve ser muito flácido hidrocefalia.
ou muito rígido. O tônus dos músculos • Examine a face para verificar evidências de
flexores predomina nos primeiros dias de lábio leporino ou má oclusão, e abra a boca
vida (0-4 dias), de modo que os gatinhos para investigar se há fenda palatina.
recém-nascidos normalmente descansam • As anormalidades da cabeça e da face são
em uma posição curvada. Uma vez que o mais comuns em raças braquicefálicas e
tônus extensor se desenvolve (4-35 dias), os birmanesas. A raça Birmanês também pode
gatinhos descansam de lado ou em decúbito apresentar ciclopia.
ventral com a cabeça estendida. • O estrabismo divergente é normal até cerca
• Deve-se testar o apetite e a eliminação de de 8 semanas de idade. A coloração azul-
fezes e urina. Filhotes com menos de 3 acinzentada da íris muda para a coloração
semanas de idade não podem eliminar urina e do adulto às 4-6 semanas de idade. Uma
fezes voluntariamente. Os reflexos de micção vez que os olhos estão abertos, verifique
e defecação podem ser avaliados usando se há anormalidades, incluindo cílios mal
algodão com água morna para estimular a posicionados, colobomas da íris e membranas
área anogenital. Eles urinam sempre após pupilares persistentes. A catarata e a displasia
mamarem e produzem fezes a cada 1 dia a de retina ocorrem raramente.
1 dia e meio. • Os problemas respiratórios superiores
• A hidratação pode ser avaliada pela umidade frequentemente afetam os filhotes. Podem
da membrana mucosa e pela produção de ser extremamente debilitantes e impedir
urina. A urina neonatal normal é diluída e o gatinho de mamar devido à congestão
de cor pálida. Hematúria ou pigmentúria nasal, ou podem resultar em cegueira se
podem ser sinais de infecção do trato ocorrer uma conjuntivite séptica enquanto
urinário, trauma ou isoeritrólise neonatal. A as pálpebras ainda estiverem fechadas
urina amarela escura é tipicamente um sinal (Ophtalmia neonatorum).
de desidratação em recém-nascidos. No • Os recém-nascidos podem ter pressão
neonato, a elasticidade da pele é um indicador arterial mais baixa do que os adultos, bem
pobre de hidratação. como maior débito cardíaco e uma frequência
cardíaca mais rápida nas primeiras 2
semanas de vida. Sopros funcionais podem
110
estar presentes em neonatos devido a anemia,
Queda do cordão umbilical 3 dias
hipoproteinemia, febre ou sepse. Sopros
inocentes não associados à doença são mais Engatinhar 7 a 14 dias
comuns em cachorros do que em gatinhos; Abertura dos canais
9 dias (6 a 14 dias)
sopros ainda presentes após os 4 meses de auditivos
idade devem ser investigados. A cardiopatia Abertura dos olhos 10 dias (8 - 12 dias)
congênita geralmente produz sopros altos e
acompanhados por um frêmito precordial; Andar 14 a 21 dias
• A frequência cardíaca neonatal normal pode Reflexo pupilar e de
acima de 28 dias
ser superior a 220 batimentos por minuto nas ameaça
primeiras 2 semanas de vida (Tabela 4). Por Visão normal 30 dias
volta das 4 semanas de idade, uma vez que
Micção e defecação
o tônus vagal foi estabelecido, a frequência 3 - 4 semanas
voluntárias
cardíaca diminui para a faixa normal do
Cor adulta da íris 4 a 6 semanas
adulto.
• A palpação abdominal ajudará a avaliar Audição funcional 4 a 6 semanas
a p re s e n ça d e a m b o s o s r i n s , f l u i d o Erupção incisivos e
abdominal e espessamento das alças 3 a 4 semanas
caninos decíduos
intestinais (infiltração/inflamação). O fígado Erupção pré-molares
e o baço normais podem não ser palpáveis. O 5 a 6 semanas
decíduos
estômago pode ser palpável se estiver cheio.
Período de socialização 2 a 7 semanas
• Já que a defecação não é observada (a gata
remove todas as fezes), é aconselhável Tabela 3: Marcos do desenvolvimento até 6 semanas de vida.
verificar se o ânus está presente e se há uma
abertura patente;
• Avalie a conformação do tórax palpando a Peso ao nascimento 100 g (75 - 120)
caixa torácica e o esterno, avaliando sua Temperatura retal (até 4 35,5º a 37ºC depois
forma e a presença de anormalidades. semanas e após) 38º a 39ºC
Frequência cardíaca 230 bpm
Exames de sangue no filhote
Os valores de hematologia e bioquímica 15 (10 a 18 mpm
recém-nascidos e
sanguínea para neonatos diferem daqueles do Frequência respiratória
15 a 35 mpm com 1
adulto; a maioria dos valores alcança os níveis semana)
de adulto com 3 a 4 meses de idade (Tabelas 5
Densidade urinária <1,020
e 6). Para diversos parâmetros, os valores de
referência mudam rapidamente nos primeiros 2,5 mL/100g/dia,
dias e semanas de vida, por isso deve-se Produção de urina densidade urinária
<1,020
consultar aqueles apropriados à idade.
Necessidades hídricas 130 a 220 mL/kg/dia
Pa ra a ve n o p u n ç ã o , o f i l h o te d eve s e r Necessidades energéticas 20 kcal/100g/dia
posicionado em decúbito dorsal, com os
Capacidade estomacal 4 mL/100g
membros torácicos deitados e direcionados
ca u d a l m e n te , e a ca b e ça e o p e s co ço Tabela 4: Parâmetros fisiológicos de gatos neonatos e filhotes.

GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 111


estendidos. O sangue deve ser retirado da ser úteis para diferenciar gatos adultos de
jugular utilizando-se uma seringa de 1 mL, filhotes e para aproximar a idade durante a
com agulha calibre 25G ou 26G. É importante infância. Em geral, todos os dentes decíduos
aspirar lentamente o sangue para evitar o erupcionam em até 6 semanas (momento
colapso do vaso. Um pequeno volume (0,5 mL) de iniciar a vacinação), e todos os dentes
de sangue pode ser usado para os exames mais permanentes em até 6 meses (época de indicar
importantes. Deve-se evitar colher sangue a castração) (Tabela 7 e Figura 1).
frequentemente porque o volume de sangue
circulante é pequeno (aproximadamente 70 a Os primeiros dentes a crescer em um filhote
95 mL/kg), portanto, a amostragem de sangue são os incisivos (2 a 4 semanas) e os caninos (3 a
diária não deverá exceder 10% do volume do 4 semanas), seguidos pelos pré-molares (4 a 6
sangue total estimado do filhote. A urina deve semanas). Um gato com menos de 4 meses ainda
ser coletada estimulando-se o períneo. A não tem dentes molares. Entre 6 meses até 1 ano
cistocentese deve ser evitada nos gatos muito os dentes geralmente são brancos e sem sinais
novos, porque a parede da bexiga pode ser de desgaste. À medida que o gato envelhece, seus
facilmente lacerada. dentes começam a mostrar sinais de amarelamento.

Erupção dentária Peso corporal


Conhecer o momento da erupção dentária e Durante os primeiros 6 meses de vida, o peso
trocas de dentes proporciona um momento corporal pode ser um preditor útil da idade em
único de determinação da idade e inclusive gatinhos saudáveis. Quando comparado com
ajuda a determinar o protocolo vacinal de outras características já descritas, a idade pode
filhotes. Os tempos de erupção dentária podem ser aproximada, conforme descrito na Tabela 8.

2 SEMANAS 4 SEMANAS 6 SEMANAS 8 SEMANAS


Hematócrito (%) 33,6 - 37 25,7 - 27,3 26,2 - 27,9 28,5 x 31,1
Hemácias (x10 /µL) 6
5,05 - 5,53 4,57 - 4,77 5,66 - 6,12 6,31 - 6,83
Leucócitos (x106/µL) 9,10 - 10,24 14,10 - 16,52 16,8 - 18,82 16,13 - 20,1
Neutrófilos 5,28 - 6,64 6,15 - 7,69 7,92 - 11,22 5,72 - 7,78
Linfócitos 3,21 - 4,25 5,97 - 7,15 5,64 - 7,18 82 - 11,16
Monócitos 0-2 0-4 0 0-2
Eosinófilos 0,53 - 1,39 1,24 - 1,56 1,22 - 1,72 0,88 - 1,28
Tabela 5: Valores de hematologia de referência para gatinhos desde o nascimento até 8 semanas de idade.

Figura 1: Filhote com 3,5-4 meses de idade, demonstrando


nascimento do primeiro e segundo par de incisivos
permanentes. [Imagem cortesia de Profa. Dra. Fernanda
Amorim]

112
2 dias 1 semana 2 semanas 4 semanas 8 semanas
Albumina (g/dL) 1,6 - 2,6 2 - 2,5 2,1 - 2,6 2,4 - 2,9 2,4 - 3
FA (U/L) 275 - 2021 126 - 363 116 - 306 97 - 274 60 - 161
ALT (U/L) 12 - 84 11 - 76 10 - 21 14 - 55 12 - 56
Bilirubina 0 - 0,7 0 - 0,6 0 - 0,2 0 - 0,3 0 - 0,1
Cálcio (mg/dL) 8,6 - 12,7 10 - 13,7 9,9 - 13 10 - 12,2 9,8 - 11,7
Colesterol (mg/dL) 80 - 175 119 - 213 137 - 223 173 - 253 124 - 221
Creatinina (mg/dL) 0,5 - 1,1 0,3 - 0,7 0,4 - 0,6 0,4 - 0,7 0,6 - 1,2
GGT (U/L) 0-5 0-5 0-4 0-1 0-2
Glicose (mg/dL) 75 - 154 105 - 145 107 - 158 117 - 152 94 - 143
Fósforo (mg/dL) 4,1 - 10,5 6,7 - 11 7,2 - 11,1 6,7 - 9 7,6 - 11,7
Proteína total (g/dL) 3,9 - 5,8 3,5 - 4,8 3,7 - 5 4,5 - 5,6 4,8 - 6,5
Ureia (mg/dL) 24 - 71 16 - 36 11 - 30 10 - 22 16 - 33
Tabela 6: Valores bioquímicos de referência para gatinhos desde o nascimento até 8 semanas de idade.

DECÍDUOS (SEMANAS) PERMANENTES (MESES)


Primeiro par de incisivos 2-4 3,5 - 4
Segundo par de incisivos 2 3-4 3,5 - 4
Terceiro par de incisivos 3 3-4 4 - 4,5
Caninos 3-4 4-5
Segundo pré-molar 4-5 4,5 - 5
Terceiro pré-molar 4-5 5-6
Quarto pré-molar 4-6 5-6
Molar Não possuem 4-5
Tabela 7: Momentos da erupção dentária em gatos.

0-3
IDADE 1 MÊS 1,5 MÊS 2 MESES 2,5 MESES 3 MESES
SEMANAS
Peso (kg) <0,45 0,45 0,68 0,91 1,17 1,36
IDADE 3,5 MESES 4 MESES 4,5 MESES 5 MESES 5,5 MESES 6 MESES
Peso (kg) 1,59 1,82 2,04 2,27 2,5 2,73
Tabela 8: Ganho de peso corporal aproximado em gatos saudáveis de 0 a 6 meses de idade.

GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 113


ACOMPANHAMENTO DO CRESCIMENTO DOS GATOS FILHOTES
Neonatos felinos são comumente trazidos até a Os registros devem ser feitos mensalmente até
clínica veterinária, seja para cuidado médico ou os 6 meses de idade, e depois disso, a cada 3
por abandono e necessidade de orientações e meses até a idade adulta. Caso o animal tenha
manejo. A generalização sobre peso e tamanho sido castrado, os pontos devem ser marcados
ideal é difícil de se realizar em linhas gerais, com uma caneta de cor diferente, e o controle
sendo fundamental o uso de tabelas e curvas de deve ser, inicialmente, feito com uma frequência
crescimento para um correto acompanhamento mensal e, depois, a cada 3 meses até a idade
do desenvolvimento do filhote. adulta.

Diferentemente dos cães, em que padrões As curvas de crescimento foram desenvolvidas


raciais de tamanho e estrutura corpórea por pesquisadores do WalthamTM Petcare Science
variam em muito os resultados nas curvas de Institute e foram designadas para serem
crescimento, os gatos possuem um padrão de utilizadas pelo profissional veterinário, em
tamanho bastante similar, salvo raras exceções ambiente clínico/hospitalar. Não se recomenda
(como o Maine Coon). Isso torna o uso de a realização da mesma pelo tutor, em uma
curvas e padrões de crescimento muito mais balança não calibrada e destinada para a
homogêneos para a espécie. espécie.

O peso ao nascimento é um dos melhores Um único registro de peso permite que o


í n d i ce s p re d i t i vo s d e s o b rev i d a , e o filhote seja comparado com outros na mesma
acompanhamento deste e do crescimento idade. No entanto, por si só, esse registro
do neonato devem ser feitos de maneira não confirma que o filhote de gato está se
sistemática. desenvolvendo normalmente, tampouco serve
como indicador de que isso acontecerá dali
Filhotes de gatos nascem com um peso médio em diante. O processo de acompanhamento do
de 100g ± 10 g, com uma taxa de crescimento crescimento do animal implica fazer uma série
de aproximadamente 10-15 g/dia, dobrando de de medições ao longo do tempo e registrá-las
peso nos primeiros 8-10 dias de vida. Após isso, no gráfico. Dessa forma, é possível determinar
tendem a crescer ao redor de 90-110 gramas se o animal está se desenvolvendo de forma
por semana até os 5-6 meses. normal, isto é, em um ritmo saudável. A maior
vantagem dessa ferramenta é identificar
A partir das 8 semanas de idade, podem transtornos de crescimento mais precocemente,
ser utilizadas curvas de crescimento, já permitindo que as medidas corretivas sejam
padronizadas para a espécie felina a partir implementadas mais cedo.
da faixa etária descrita. Como o padrão de
crescimento varia entre machos e fêmeas, Sobre as curvas de crescimento
existe uma curva diferente para cada sexo. As linhas de percentil representam a evolução
considerada normal no crescimento de gatos
A cada consulta, o profissional deverá marcar domésticos e de pelo curto desse gênero.
a idade do filhote no eixo horizontal, além do São mostradas nove linhas de percentil, que
peso do animal (obtido em balança digital, representam os percentis 0,4; 2; 10; 25; 50; 75;
preferencialmente na clínica), no eixo vertical. 90; 98 e 99,6. O número da linha de percentil
A intersecção entre as duas linhas deve ser reflete a percentagem da população cujo peso
marcada com um ponto. se encontra abaixo dessa linha; por exemplo,

114
se um gato está no percentil 75, significa há um maior risco de que o animal, quando
que 75% dos gatos desse grupo populacional adulto, tenha sobrepeso ou obesidade, uma vez
pesarão menos (e 25% pesarão mais). Ou seja, que a evolução do peso e a avaliação do escore
as linhas indicam uma estimativa do percentual de condição corporal (ECC) do filhote de gato
de animais do mesmo porte que apresentam devem ser atentamente acompanhadas.
um crescimento similar. Embora os pesos
registrados entre os percentis 0,4 e 99,6 sejam Ao interpretar tais alterações, deve-se
considerados “normais”, é importante perceber considerar também:
que o crescimento de cada gato depende de • O p e s o e E C C d o s p ro g e n i t o re s ( s e
uma série de variáveis e que os padrões de conhecidos).
crescimento podem ser bastante diferentes. • As taxas de crescimento dos irmãos (se
conhecidos).
Nos dados avaliados após a castração nos • Avaliação da ingestão nutricional sempre que
estudos realizados foi observado apenas um possível.
pequeno impacto da castração no crescimento • D a d a a c o n h e c i d a a ss o c i a ç ã o e n t re
de filhotes saudáveis, onde a castração precoce esterilização e obesidade em gatos, é
resultou em um aumento modesto na taxa possível que os padrões de crescimento
de crescimento, enquanto a castração em sejam afetados, especialmente se os filhotes
um estágio posterior foi associada com uma forem superalimentados, com o padrão mais
diminuição modesta na taxa de crescimento. provável sendo o cruzamento ascendente
No entanto, os desvios foram mínimos e das linhas percentis. Nesses casos, pode
permaneceram dentro de uma única unidade ser necessário um ajuste no plano de
percentil, sugerindo que não são necessárias alimentação.
curvas específicas para gatos castrados.
No entanto, se a curva cruzar duas linhas em
Uma vez feitas as medições necessárias para direção descendente, ou apresentar uma linha
estabelecer a linha de percentil que o filhote de crescimento plana. Isso pode ser um sinal
de gato está seguindo (são recomendadas de:
pelo menos três medições sequenciais), é • Nutrição inadequada.
possível, então, utilizá-las para prever o peso • Doença associada a atraso de crescimento
esperado quando o gato alcançar a maturidade, (por exemplo, hipoparatiroidismo nutricional,
assumindo que o animal continue crescendo em shunt portossistêmico, peritonite infecciosa
um ritmo saudável. dos felinos, parasitismo intenso ou nanismo
hipofisário).
Comuns ocorrências com as curvas de
crescimento Deve-se levar em conta que caso o animal tenha sido
Curva individual cruzando mais de duas linhas recentemente acometido por alguma doença aguda,
do percentil ou linha de crescimento plana. como a gastroenterite, é possível que este tenha
Ambos os padrões podem ser sinais de uma interrupção temporária em seu crescimento
transtornos de crescimento e indicam a (embora o crescimento deva se recuperar e voltar ao
necessidade de considerar alguma forma de seu percentil original em apenas algumas semanas).
investigação e intervenção. Se a trajetória de Considere, também, o peso dos pais, as taxas
crescimento individual do filhote de gato cruzar de crescimento dos irmãos e a ingestão
linhas de percentil em uma direção ascendente: nutricional, sempre que possível. Caso não

GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 115


seja encontrada uma causa óbvia, considere Para mais informações sobre as curvas de
investigar mais a fundo o estado geral de saúde crescimento, acesse: https://bit.ly/42QvqgI
do animal, e/ou ajustes na alimentação e em
suas atividades.

116
GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 117
7
Curva de crescimento do filhote de gato - FÊMEA

6
Percentil 99,6

Percentil 98,0

5
Percentil 90,0

Percentil 75,0
4
Peso em kg

Percentil 50,0

Percentil 25,0
3
Percentil 10,0
Percentil 2,0
Percentil 0,4
2

0
0-5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75
2 meses 3 meses 4 meses 5 meses 6 meses 9 meses 1 ano Idade em semanas

118
7
Percentil 99,6

Percentil 98,0
Curva de crescimento do filhote de gato - MACHO

6
Percentil 90,0

Percentil 75,0
5
Percentil 50,0

Percentil 25,0
4
Peso em kg

Percentil 10,0

3
Percentil 2,0

Percentil 0,4

0
0-5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75
2 meses 3 meses 4 meses 5 meses 6 meses 9 meses 1 ano Idade em semanas

GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 119


MANEJO AMIGÁVEL E A IMPORTÂNCIA DAS EXPERIÊNCIAS
POSITIVAS NAS PRIMEIRAS FASES DA VIDA
A importância do manejo amigável ao gato e o Outro ponto importante é salientar que reforço
crescimento desse tipo de iniciativa e programas negativo e punição inibem o aprendizado e
de melhoria à recepção do gato (e seu tutor) na aumentam a ansiedade. Se o gato não entende
clínica mostram o quão sensível esse assunto o que é desejado ou por que está sendo punido,
se tornou. Os tutores de gatos, cada vez mais, pode associar a dor ou medo passados na
têm exigido melhorias nos ambientes e equipes consulta com a situação em si, e eventualmente,
destinadas ao atendimento de seus felinos. isso pode resultar em agressão defensiva. A
punição verbal e/ou física não deve ser utilizada
Além disso, muitos tutores não sabem julgar se em casa ou na clínica.
seu Médico-Veterinário possui conhecimento
adequado em medicina felina, mas sabem I n fe l i z m e n te , a m a i o r i a d o s f i l h o te s é
julgar sua capacidade em manipular e tratar condicionada negativamente com a visita
com respeito, eficiência e confiança seus gatos. veterinária, de maneira não intencional. O
medo e associação com náusea e mal-estar
G a t o s s ã o e x c e le n t e s a p re n d i z e s p o r ocorridos na caixa de transporte e viagem até
observação. Isso tem origem evolutiva, visto a clínica, a ansiedade existente na recepção ao
que os filhotes aprendem como matar suas sentir odores estranhos e latidos de cães; o
presas ao observarem suas mães caçando. desconforto e estresse de contenção exagerada
Usualmente os filhotes aprendem rapidamente e procedimentos dolorosos ocorrem comumente
ao observarem adultos desempenhando tarefas, no dia a dia de muitas clínicas, condicionando
mesmo antes de tentarem realizar as mesmas. negativamente os gatos com a visita veterinária.
Visto isso, se um gato adulto da casa fica
assustado e/ou estressado durante a avaliação Por isso, é fundamental o entendimento do
veterinária, é recomendado que agende uma comportamento e biologia evolutiva da espécie
avaliação separadamente para um filhote que felina, bem como o treinamento de toda equipe
esteja convivendo com este gato em casa. e dos clientes, sobre a importância de um
Os tutores podem em muito influenciar o que manejo amigável e a importância do reforço
os gatos aprendem, bem como alterar suas positivo de comportamentos desejados.
experiências. Se um gato tem uma experiência
dolorosa ou estressante durante sua visita ao Quando o atendimento do gato é realizado
veterinário, ele ficará cada vez mais receoso de maneira amigável desde as primeiras
nas visitas subsequentes. Sabidamente, gatos visitas, é mais provável que este paciente seja
com experiências traumáticas pregressas colaborativo e dócil nos encontros seguintes, o
tornam-se animais de lida e manipulação que facilita com que seu tutor possa aderir aos
progressivamente mais complicadas na clínica. acompanhamentos propostos.

Em contraste, se o filhote aprende a associar a Desde as primeiras fases da vida, os tutores devem
caixa de transporte, viagem de carro e avaliação ser orientados sobre como manusear seu gato de
veterinária com petiscos e outras experiências maneira respeitosa e amigável, especialmente
positivas, aprende a aproveitar tudo associado durante a fase de socialização. Interações
à visita ao Médico-Veterinário. previsíveis e amigáveis, o melhor uso da caixa de
transporte e estratégias que minimizem o estresse
de transporte e manipulação veterinária devem ser
discutidas e ensinadas.
120
CUIDADOS ESSENCIAIS COM O
AMBIENTE DO FILHOTE
Visto que a ansiedade pode inibir o aprendizado, F i l h o te s s ã o c u r i o s o s p o r n a t u re z a , e
o uso de fármacos que minimizem a ansiedade especialmente quando crescem sem a presença
é bastante recomendado. Os mais indicados na de animais mais velhos (para aprender por
atualidade são a gabapentina (50 – 200 mg/gato) observação), se expõem a uma diversidade de
e a trazodona (25-50 mg/gato), administrados situações novas, que trarão aprendizado além
duas horas antes de sair de casa. Já para de regerem comportamentos e atitudes.
minimizar a náusea e mal-estar relacionados
à cinetose, o uso de maropitant (1-2 mg/kg) é O ambiente doméstico de criação do filhote
recomendado. O uso de fenotiazídicos como a deve ser discutido com os tutores nas primeiras
acepromazina NÃO são recomendados pois, avaliações, com o objetivo de minimizar riscos
embora gerem relaxamento muscular evidente, ambientais e exposição a situações de perigo.
não contribuem na redução da ansiedade, O acesso ao meio externo deve ser controlado,
podendo gerar agressão por desinibição, e sabendo-se dos maiores riscos de trauma/
contribuir para a piora do comportamento do maus tratos e brigas, além de exposição a
gato em consultas futuras. agentes infecciosos.

Especialmente para sobrados e prédios, o uso


de telas de proteção é recomendado. Filhotes
tem uma grande capacidade de acessar locais
com pequenas frestas e passagens, fato este
que traz a importância de não contar com a
sorte em deixar pequenas frestas de janelas
abertas. Todas as janelas e acessos ao meio
externo necessitam ser telados, para evitar o
risco de quedas e traumas.

Os brinquedos e outros itens de uso do filhote


devem ser feitos de material firme e bem
fixado, evitando assim a soltura de partes e/ou
fragmentos, e consequentemente a geração de
potenciais corpos estranhos.

Barbantes, linhas de costura e lã devem


ficar longe do alcance do animal. Itens de
característica linear são popularmente famosos
entre os felinos, no entanto, podem gerar
quadros emergenciais em sua ingestão. Fios
elétricos expostos e de fácil acesso também
devem ser protegidos e encapados, trazendo
risco de choques e queimaduras graves se
mordidos.

GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 121


Outro ponto importante é alertar sobre Os tutores também devem ser alertados sobre
potenciais plantas tóxicas na residência do possíveis riscos de intoxicação e dermatite
filhote. Os lírios sem dúvida são os mais de contato com o uso de produtos de limpeza
comumente conhecidos frente sua toxicidade em casa. Desinfetantes, água sanitária e
para gatos. Qualquer parte da planta é bastante outros produtos de limpeza sempre devem ser
tóxica, independente do tipo ou espécie. enxaguados e secos, antes de permitir o acesso
do animal ao ambiente.
No entanto, diversas outras plantas comumente
encontradas nos lares brasileiros, são tóxicas E não menos importante, a orientação sobre
para a espécie felina. Comuns exemplares nunca usar em gatos medicamentos de
incluem tulipas, azaleias, crisântemo, dedaleira uso humano ou destinado aos cães sem a
e a espirradeira. orientação de um Médico-Veterinário, deve ser
reforçada a cada visita.

122
CUIDADOS SOBRE SAÚDE ORAL, UNHAS E PELAGEM

Dentre as espécies domésticas, o gato é a e para que esse procedimento seja tranquilo
mais higiênica de todas. Pontos como esse, e usual na rotina do felino, a manipulação
aliados ao fato de que o ato do banho seja um das unhas deve ter sido realizada desde
fenômeno extremamente estressante para as primeiras semanas de vida, na fase de
o gato, desaconselham a recomendação de socialização. Deve-se somente aparar a ponta
banhos para a espécie. Logicamente existem das unhas tendo cautela com o leito ungueal
exceções, como em problemas dermatológicos (que contém vasos sanguíneos, nervos e outros
generalizados onde sabidamente a terapêutica tecidos que dão suporte à unha do gato).
tópica tenha eficácia comprovada. No entanto,
via de regra, banhos não são recomendados Os cuidados orais também se estendem
para a espécie felina. além das avaliações periódicas. O ensino da
importância da escovação desde as fases mais
A arranhadura faz parte dos meios de marcação jovens da vida deve ser feito a todo tutor, em
territorial e comunicação social do gato, além especial nas primeiras avaliações pediátricas.
de servir para remoção de camadas mortas de
unhas, sendo considerado um comportamento Quanto mais tarde o tutor for orientado da
normal na espécie. Enquanto a oniquectomia importância do cuidado oral, mais estoico o
ainda é usada em alguns países do mundo procedimento se torna, dificultando em muito
como “solução” para esse comportamento, que sua realização seja contínua, e gerando
(felizmente) no Brasil é um procedimento frustração e desistência dos responsáveis.
cirúrgico proibido pelo Conselho Federal de Além disso, a prevenção é muito mais válida no
Medicina Veterinária (CFMV). contexto da escovação – pois não se consegue
prevenir o que já está ocorrendo, como no caso
Para que os gatos possam expressar este de animais já com doença periodontal presente.
comportamento natural de arranhadura, Existem diversos produtos veterinários no
deve-se fornecer superfícies de arranhadura mercado, indicados para a escovação e higiene
adequadas aos felinos, verticais e horizontais. oral. Mesmo com tutores bem orientados
O arranhador deve ser grande, com uma e intencionados, realizando corretamente
superfície maior que o comprimento do corpo a escovação, a avaliação semestral a anual
do felino, para facilitar a arranhadura e permitir por um odontologista veterinário é indicada,
firmeza/confiabilidade. visto que a escovação não previne lesões
reabsortivas, traumas dentais, neoplasias e
Os arranhadores devem ser colocados próximos doenças endodontais.
a áreas de importância social do felino (e não
do tutor!), como próximo aos locais onde
o animal dorme ou de áreas de comum e
frequente passagem no ambiente. Além disso,
colocar essas superfícies próximas de locais Linha de corte ideal

que o gato já está marcando, pode auxiliar no


redirecionamento da arranhadura.

Os cuidados com as unhas vão além do uso


de arranhadores. Aparar as garras é indicado,

GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 123


BENEFÍCIOS DA ESTERILIZAÇÃO, IDADES RECOMENDADAS
E MODIFICAÇÕES METABÓLICAS ASSOCIADAS
A n u a l m e n te , m i l h a re s d e a n i m a i s s ã o A antiga teoria de que a esterilização precoce
abandoados e deixados em abrigos no mundo de machos aumentaria sua predisposição
todo, bem como as populações de animais a problemas urinários, por menor
errantes aumentam de maneira exponencial no desenvolvimento do lúmen uretral e tamanho
planeta. A esterilização é um procedimento que, do pênis, também já foi desmistificada há
se planejado e realizado corretamente, possui muito tempo. Gatos castrados às 7 semanas e
inúmeros benefícios além do de minimizar o aos sete meses tem diâmetro luminal uretral
número de animais sem lar e errantes. similares.

A esterilização pediátrica é definida como Não existe uma idade mais recomendada para
o procedimento cirúrgico de esterilização a realização da esterilização pediátrica na faixa
ocorrente no filhote entre 6 e 20 semanas de etária relatada, fato que levou a AAFP (American
idade. Diversas entidades mundiais reconhecem Association of Feline Practitioners) a organizar
a esterilização pediátrica nessa faixa etária uma força tarefa no intuito de padronizar, com
sendo importante na redução de animais base em evidências científicas, qual seria o
errantes e abandonados em todo o mundo. período mais indicado para o procedimento
cirúrgico de esterilização pediátrica, em animais
Dependendo das habilidades do cirurgião e de rotina clínica. Essa força tarefa recomendou
condições disponíveis, as esterilizações podem que a esterilização de filhotes seja realizada ao
ser realizadas de maneira segura em filhotes redor do quinto mês de vida, após o término do
a partir de 6 semanas de vida. No entanto, ciclo vacinal.
essa situação é mais frequente em abrigos de
grande rotatividade, visando encorajar a adoção. A esterilização é a solução mais impactante
Nesse capítulo, iremos focar as informações e p a r a re d u z i r a p o p u l a ç ã o d e a n i m a i s
indicações em animais de rotina clínica, e não abandonados e errantes, mas a compreensão
propriamente na medicina e manejo de animais dos efeitos metabólicos e comportamentais
de abrigo. desse procedimento também tem fundamental
importância. Um dos maiores impactos da
Atualmente sabe-se que existem diversos esterilização é o aumento à predisposição ao
benefícios da esterilização pediátrica em gatos, sobrepeso e obesidade. Na espécie felina, a
sendo os mais importantes descritos abaixo: esterilização pode triplicar o risco de obesidade.
• Controle populacional mais efetivo, prevenindo Os requerimentos energéticos dos felinos
gestações indesejadas. após a esterilização diminuem ao redor de
• Redução importante na incidência de 25-30%, exigindo uma adaptação dietética à
neoplasias mamárias em gatas castradas essa redução de demanda. Além da redução
antes do primeiro ciclo estral. na necessidade calórica, a castração está
• Elimina emergências obstétricas como associada a um aumento de até 25% no
piometra e distocia. apetite. Visto que os hormônios sexuais tem
• Cirurgias relativamente mais fáceis e efeito moderador no apetite, a perda desses
com melhor acesso cirúrgico/campo de (especialmente o estrógeno) gera esse aumento
visualização. no apetite, que pode ser observado a partir do
• Menores taxas de complicação pós-operatória. terceiro dia após o procedimento.

124
É i m p re s c i n d í v e l q u e o s
Médicos-Veterinários não
somente conheçam as
alterações metabólicas
existentes após a esterilização,
mas que também definam
p ro g ra m a s d e p reve n ç ã o
ao ganho de peso. Isso é
iniciado antes da castração,
discutindo com os tutores
s o b re a i m p o r t â n c i a d o
procedimento, além de suas
alterações metabólicas
acarretadas, iniciando assim
o planejamento nutricional
adequado. O treinamento de
toda a equipe de maneira
proativa, bem como a
criação de um programa de
nutricional para prevenção
da obesidade são os pontos
mais importantes no sucesso
da implementação de tais
medidas na clínica.

GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 125


ORIENTAÇÕES SOBRE SINAIS DE DOENÇAS

Gatos são conhecidos pela sua exímia maioria das situações, o vômito é manifestação
capacidade em ocultar sintomas e de doenças de base (gastrointestinal ou extra-
manifestações relacionadas a enfermidades. gastrointestinal), e sempre deve ser investigado.
Esses fatos têm relação com a característica As causas mais comuns de vômito incluem
evolutiva e comportamental do felino na doenças infecciosas e parasitárias,
natureza, sendo um caçador solitário, mas intoxicações e indiscrições dietéticas (no caso
fazendo parte de cadeias alimentares maiores de vômito agudo), além de intolerâncias/
– e com isso, não podendo demonstrar sinais alergias alimentares e doenças inflamatórias
de acometimento aos seus predadores, nem às gastrointestinais (no caso de vômito crônico).
suas presas.
Enquanto ainda não existe consenso do limite
Visto essas características evolutivas e a entre o “aceitável” e o “patológico” nessa
incomparável diferença com a contrapartida temática, considera-se “tolerável” episódios de
canina, é de fundamental importância a vômito que ocorram com um intervalo maior
orientação de tutores de gatos sobre comuns que 15 a 20 dias (ou seja, dois episódios por
sinais que podem estar ligados a doenças, mês, no máximo). Se o vômito ocorrer com
especialmente para tutores do primeiro gato uma frequência acima desta, uma avaliação
como animal de estimação. diagnóstica completa torna-se necessária.

A seguir estão comentados importantes Alterações no padrão de ingestão alimentar


sinais de doenças em gatos, que devem ser Alterações no padrão de ingestão alimentar são
conversados e ensinados aos tutores de gatos, comuns indicadores de problemas médicos e/ou
em especial nos programas de medicina comportamentais em gatos.
preventiva.
A ingestão de objetos/substâncias não
Perda de peso/baixo ganho de peso alimentares (PICA) é usualmente associada
Em especial no paciente pediátrico, o baixo co m d i s t ú r b i o s g a s t ro i n t e s t i n a i s e / o u
ganho de peso e crescimento deve ser sempre comportamentais, devendo ser investigada
interpretado como possível sinal de doença p ro n t a m e n t e , co m m o d e r a d o r i s co d e
(aguda ou crônica). As avaliações periódicas associação com corpos estranhos.
são de fundamental importância para avaliar
as curvas de crescimento e o desenvolvimento Gatos com diminuição na ingestão alimentar
do filhote, até seu tamanho/peso esperados são comumente atendidos na clínica, sendo
para a fase adulta. Doenças endócrinas, uma manifestação inespecífica, relacionada com
parasitismo, doenças infecciosas diversas, diversas causas médicas e comportamentais.
doenças congênitas e má nutrição estão entre Doenças sistêmicas cardiorrespiratórias,
comuns causas de baixo ganho de peso e déficit metabólicas e gastrointestinais são comuns em
de crescimento em gatos. associação com a diminuição no apetite, bem
como alterações comportamentais secundárias
Vômito ao estresse e medo. Uma anamnese detalhada,
Muitos tutores assumem que o vômito é um ato bem como avaliação laboratorial e de imagem
normal na espécie felina, em virtude de seus extensas usualmente são necessárias.
hábitos de higiene e lambedura. No entanto, na

126
Alterações no volume de ingestão hídrica
Evolutivamente, os gatos desenvolveram- É fundamental a orientação dos tutores de gatos
se e evoluíram em um ambiente árido e com sobre esses fatos, já que afetam sensivelmente
escassez de água. A característica ambiental a ingestão de água do felino. Além disso,
somada ao regime nutricional (carnivorismo gatos que começam a beber mais água
estrito) trazem uma exímia habilidade na progressivamente, sem modificação dietética ou
concentração urinária, com o gato sendo a ambiental que justifique, devem ser avaliados
espécie que mais consegue concentrar sua quanto à possibilidade de perda na capacidade
urina entre todos os animais domésticos. Fatos de concentração urinária e poliúria/polidipsia
como esses fazem o gato ser uma espécie de associada.
baixa ingestão hídrica de fontes exógenas, visto
que boa parte da água é ingerida através do Opacidades ou modificação
alimento na natureza. na coloração dos olhos
Manifestações oculares podem ser comumente
Visto isso, outro fato fisiológico que altera a associadas a enfermidades sistêmicas e/ou
ingestão hídrica relaciona-se ao tipo de alimento infecciosas em gatos. Em muitos casos, podem
ingerido pelos gatos em suas casas. Gatos ser as primeiras a surgir.
que ingerem predominantemente alimento Alterações como secreção ocular,
seco tendem a ingerir mais água (da vasilha) b le fa ro e s p a s m o , o p a c i d a d e co r n e a n a ,
que aqueles que ingerem alimento úmido. No modificação na coloração da íris ou assimetria
entanto, aqueles alimentados exclusivamente pupilar devem ser imediatamente avaliados.
com alimento úmido raramente procuram a
vasilha para ingestão de água.

GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 127


PRINCIPAIS DOENÇAS
INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS
Os agentes infecciosos são responsáveis por A imunização passiva pode ser utilizada com
uma grande proporção de doenças e perdas caráter profilático ou terapêutico, visto que os
de filhotes, com a síndrome do definhamento anticorpos neutralizam os microorganismos
do filhote (Feline Fading Syndrome) geralmente infecciosos específicos, podendo gerar
fazendo parte do quadro clínico. A mortalidade proteção ou redução da carga patogênica. Ela
é maior nas primeiras semanas após o tem sido utilizada, por exemplo, para prevenir
nascimento, e um segundo pico é observado infecções pelo vírus da panleucopenia felina
em torno do momento do desmame. Os (FPV) e herpesvírus felino (FHV) em neonatos
gatinhos podem ser infectados durante o ou órfãos susceptíveis. A administração de soro
parto, imediatamente após o parto e durante de um gato adulto pode ser realizada por via
as primeiras semanas de vida, sendo as fontes intraperitoneal ou subcutânea, na dose de 5,0
de infecção a mãe (leite, corrimento vaginal, mL no momento do nascimento, 12 e 24 horas
fezes ou cavidade oral), outros gatos do gatil ou depois. O soro deve ser colhido idealmente de
o ambiente. Muitos fatores estão envolvidos e gatos vacinados com vacina inativada 3 a 12
predispõem os gatinhos a doenças infecciosas, meses antes da colheita, com tipo sanguíneo
incluindo parto distócico, hipóxia, fatores que conhecido e livre de doenças infecciosas como
afetam a imunidade passiva, hipotermia, baixo os vírus da leucemia e imunodeficiência felinas.
peso ao nascer, parto prematuro, hipoglicemia, A necropsia é subutilizada como ferramenta de
desidratação e anomalias congênitas, bem diagnóstico para ambientes multigatos, como
como contaminação. abrigos ou gatis. Os resultados da necropsia
podem fornecer informações necessárias para
Patógenos comuns incluem aqueles que salvar os irmãos restantes da ninhada ou uma
causam doenças do trato respiratório cranial e futura ninhada. Para melhores resultados,
caudal, diarreia e doenças sistêmicas (Tabela 9). todo o corpo deve ser submetido (refrigerado,
Gatinhos com deficiência na ingestão de não congelado) a um patologista qualificado.
colostro e baixa imunidade passiva podem Se necessário, o congelamento é preferível à
desenvolver infecção viral muito mais cedo, autólise, e algumas informações ainda podem
mesmo durante as primeiras semanas. Tais ser obtidas.
neonatos raramente sobrevivem.

128
PROBLEMA CLÍNICO PATÓGENOS COMUNS Leucemia Viral Felina
Herpesvírus Felino O vírus da leucemia felina (FeLV) é um
Calicivírus Felino retrovírus do gênero Gammaretrovirus.
Doença do trato Te m d i st r i b u i ç ã o m u n d i a l e p rovo ca o
Bordetella
respiratório cranial
e caudal
bronchiseptica desenvolvimento de anemia, imunodepressão,
Mycoplasma spp linfomas, leucemias, desordens reprodutivas e
Chlamydia spp
(Figura 2)
doenças imunomediadas em gatos domésticos
Panleucopenia (parvovírus) infectados.
Coliformes
Tritrichomonas foetus A infecção é transmitida por gatos virêmicos.
Trato gastrointestinal Giardia spp A transmissão ocorre através da saliva,
Isospora spp
secreções nasais, fezes e leite. Os fatores de
Ancylostoma spp
Toxocara spp risco para transmissão incluem alta densidade
FeLV populacional, idade jovem e falta de higiene.
FIV
Peritonite infecciosa As gatas prenhes que são infectadas podem
felina
Toxoplasma gondii sofrer aborto, desenvolver natimortos ou fetos
Doenças sistêmicas Bactéria gram-positiva gravemente doentes que morrem logo após
(i.e., Streptococcus spp., o nascimento. A infecção perinatal também
Staphylococcus spp.) pode levar a doença grave aos neonatos,
Bactéria gram-negativa que apresentam dificuldade de mamar,
(i.e., Escherichia coli,
Salmonella spp.) hipotermia, prostração e choros contínuos.
Tabela 9: Principais patógenos dos filhotes de gatos
Raramente, gatinhos infectados no útero ou
durante o período perinatal sobrevivem além
do desmame. Esses filhotes podem sofrer
uma síndrome semelhante à panleucopenia
ou podem morrer de septicemia ou outras
infecções secundárias à imunossupressão
induzida por FeLV (Figura 3). Os sobreviventes
de longo prazo podem desenvolver qualquer
uma das síndromes clínicas típicas do FeLV. A
infecção que ocorre no período pré ou perinatal
pode afetar a maior parte ou a totalidade da
ninhada; no entanto, é inadequado testar irmãos
de ninhada para estimar o status de infecção de
gatos afetados.

O diagnóstico da infecção por FeLV envolve a


detecção do antígeno viral na gata mãe e em
toda a sua prole. Os testes devem ser individuais.
A triagem inicial é feita mais comumente
Figura 2: Filhote de 2 meses de idade com blefarite, prolapso
de terceira pálpebra e conjuntivite causada por Chlamydia usando testes rápidos point of care disponíveis
felis. [Imagem cortesia de Prof. Dra. Fernanda Amorim] comercialmente. O teste deve ser feito no soro,

GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 129


pois a saliva e as lágrimas podem não conter testes de diagnóstico para prevenir a introdução
vírus detectáveis por semanas ou mais após de animais infectados em populações não
a infecção. Os resultados positivos podem infectadas. Se a infecção for identificada em
ser confirmados por imunofluorescência em uma população, a desinfecção após a remoção
esfregaços de sangue total ou através de PCR. dos animais infectados é fácil e eficaz usando
Gatos com resultados positivos no teste rápido qualquer detergente. O vírus é extremamente
podem evoluir para infecções regressivas, mas lábil e não persiste no ambiente ou em fômites
isso é improvável em filhotes com menos de 16 por mais de minutos a poucas horas, e apenas
semanas. Excepcionalmente, testes de biologia em ambiente úmido.
molecular podem ser necessários em filhotes
nascidos de gatas infectadas, para confirmar Imunodeficiência Viral Felina
seu status de infecção. O vírus da imunodeficiência felina (FIV) também
é membro da família Retroviridae com estrutura
O tratamento do FeLV é principalmente de semelhante ao FeLV, mas é um lentivírus
suporte, incluindo manutenção da hidratação, relacionado ao HIV. É endêmica em gatos
nutrição e antibióticos de amplo espectro. domésticos e causa doença imunodepressora.
Tratamentos que utilizam imunomoduladores As células-alvo primárias do vírus são os
tiveram pouco sucesso em melhorar a saúde linfócitos T auxiliares, mas o vírus também
dos gatos afetados. É improvável que o infecta linfócitos T citotóxicos, linfócitos B
tratamento de filhotes muito jovens seja bem- e algumas linhagens de células epiteliais,
sucedido. fibroblásticas e neurais.

A prevenção envolve a realização de vacinação e É transmitido pela saliva através de feridas de


mordida penetrante. A transmissão aos filhotes
pode ocorrer no útero ou através do leite. Esses
modos de transmissão não são eficientes, a
menos que a gata esteja sofrendo infecção
aguda com alta carga virêmica, tenha níveis de
linfócitos CD4+ em declínio ou esteja em um
estado avançado de doença.

Uma vez que a infecção ocorra, seguida de


soroconversão, a persistência viral é obrigatória.
O gato pode permanecer assintomático por
meses a anos, mas a replicação viral continua em
níveis baixos. Uma disfunção imune progressiva
ocorre com redução dos níveis de linfócitos T
auxiliares, de linfócitos T citotóxicos e diminuição
da produção de citocinas, juntamente com o
Figura 3: Filhote de 4 semanas de vida que chegou aumento da viremia. Os filhotes estão entre os
debilitado, com anorexia e prostração e foram identificadas mais suscetíveis às alterações hematológicas.
leucopenia e anemia graves, devido a infecção pelo vírus
da Leucemia felina (FeLV). [Imagem cortesia de Prof. Dra. A morte ocorre como resultado de múltiplas
Fernanda Amorim] síndromes clínicas, incluindo doenças
degenerativas, infecciosas e neoplásicas.
130
A infecção da gata prenhe pode levar à Uma vacina de vírus morto contendo duas
reabsorção e interrupção do desenvolvimento cepas de FIV está disponível em alguns países,
fetal com a redução do tamanho da ninhada. mas as taxas de eficácia têm sido variáveis. A
Aborto, natimortos e neonatos a termo desinfecção para inativar o FIV é semelhante
doentes também podem ocorrer. O vírus tem ao FeLV – o vírus é muito lábil, não persiste
predileção pelo timo e leva à atrofia tímica no no ambiente e é facilmente inativado por
filhote. Aqueles que sobrevivem até o desmame detergentes.
irão, por fim, progredir para o estado de
imunodeficiência. Coronavírus Felino e Peritonite Infecciosa Felina
Entre os muitos vírus felinos, o agente que
O diagnóstico da infecção por FIV baseia-se causa a PIF (peritonite infecciosa felina - FIPV)
na detecção de anticorpos. A triagem é feita é talvez o mais difícil de diagnosticar e tratar.
usando um teste rápido comercialmente A doença é o resultado de uma interação
disponível e pode ser confirmada com PCR. O complexa entre uma mutação do onipresente
diagnóstico de infecção em filhotes pode ser e relativamente inofensivo coronavírus felino
comprometido pela presença de anticorpos (FCoV), a imunidade do hospedeiro, cargas virais
maternos. As mães podem ter anticorpos e condições ambientais. O FCoV é um patógeno
como resultado de infecção ou vacinação. Esses entérico comum de gatos, e a infecção em
anticorpos interferem nos resultados, muitas alguns leva à peritonite infecciosa felina, uma
vezes muito além da idade do desmame, pois doença fatal.
os anticorpos da infecção no filhote não podem
ser diferenciados dos anticorpos maternos nos A principal via de transmissão do FCoV é fecal-
testes rápidos até os seis meses de idade. A oral, pois é ingerido por via oral e eliminado nas
detecção de vírus ou provirus por PCR pode fezes, com caixas sanitárias representando a
ser usada, mas devido ao alto nível de variação principal fonte de infecção em grupos de gatos.
genética do FIV, frequentemente podem Os gatos filhotes são frequentemente infectados
ocorrer resultados falso-negativos. Portanto, quando jovens e eliminam o vírus nas fezes por
recomenda-se que filhotes positivos tenham semanas ou meses (ou ao longo da vida) e a
esse resultado confirmado com outro teste imunidade é de curta duração, o que significa
rápido após os 6 meses de idade. que os gatos, em face da infecção, podem sofrer
vários ciclos de infecções recorrentes.
A ss i m c o m o n o Fe LV , o t r a t a m e n t o é
amplamente sintomático e de suporte. A maioria das infecções causadas pelo FCoV
tem como alvo o epitélio intestinal, podendo
O controle também é semelhante ao FeLV levar à má absorção e má digestão. Alguns
e envolve a triagem de gatos para evitar a gatos são assintomáticos e outros manifestam
introdução de gatos infectados em uma casa. diarreia autolimitante, dependendo da taxa
A maioria é rastreada usando o teste rápido, de replicação viral nos enterócitos. A infecção
porém a soroconversão demora 8 semanas em segue a exposição oronasal; o vírus é excretado
média. Os filhotes assintomáticos com teste nas fezes, e alguns adultos podem excretar o
positivo para anticorpos devem ser isolados até vírus subclinicamente por longos períodos.
que seu verdadeiro status de infecção possa ser Em populações onde a infecção é endêmica,
definitivamente determinado por PCR ou após a infecção viral pode ser detectada a partir
os 6 meses de idade.
GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 131
das 4 semanas de idade. O FCoV é raramente A d e t e c ç ã o d e v í r u s p o r m i c ro s c o p i a
associado a problemas reprodutivos na gata eletrônica ou PCR de fezes diarreicas ajudará
gestante ou à síndrome do definhamento do no diagnóstico de enterite por FCoV. Já
filhote. A infecção pós-natal de gatinhos pode para concluir um diagnóstico de PIF, uma
se manifestar como enterite com diarreia combinação de dados e testes é necessária
aquosa. Menos comumente, vômitos podem e inclui histórico e sinais clínicos (origem em
ser observados. A diarreia geralmente não é ambientes populosos ou gatis de raça pura,
hemorrágica, e uma panleucopenia associada febre, perda de peso, anorexia), linfopenia,
não é observada, auxiliando na diferenciação da proteína total elevada, hipoalbuminemia,
infecção por FPV. Gatinhos individuais em uma relação albumina/globulina (A:G) diminuída,
ninhada podem ter déficit de crescimento (Figura efusão típica (transudato rico em proteínas)
4) ou desenvolver PIF após o desmame. e após descarte de outras etiologias. Ensaios
específicos para coronavírus estão disponíveis,
mas não conseguem distinguir o vírus entérico
do vírus da peritonite infecciosa felina.
Os ensaios de detecção de vírus incluem
detecção de antígeno (sedimento de efusão,
impressões de tecido) e detecção genética por
PCR. RT-qPCR pode indicar a quantidade de
vírus na amostra. Gatos com PIF geralmente
têm cargas virais mais altas do que gatos
infectados por FCoV saudáveis, o que significa
Figura 4: A deficiência de crescimento em um filhote de uma que um resultado positivo de RT-qPCR com alta
ninhada pode ser causada pela infecção por Coronavírus carga viral move a PIF para cima na lista de
felino. [Imagem cortesia de Prof. Dra. Fernanda Amorim]
diagnósticos diferenciais. Fluidos e tecido fresco
Gatos jovens são infectados por volta das são mais adequados para RT-qPCR, mas o
nove semanas de idade pelo FCoV. Neste tecido fixado é aceitável. Uma RT-PCR pode não
momento, quando os níveis de replicação do ser idêntica a outra (por exemplo, em termos
coronavírus felino (FECV) são altos, a mutação de sequência alvo de FCoV). Antes de enviar
pode ocorrer, embora apenas uma pequena uma amostra, recomenda-se que o Médico-
proporção de gatos expostos à variante do vírus Veterinário entre em contato com o laboratório
mutado desenvolva PIF. A PIF causa vasculite para obter informações sobre o objetivo desse
mediada pelo sistema imunológico, resultando ensaio específico, para ajudar a orientar a
em efusão no abdômen, tórax ou pericárdio na seleção da amostra para envio. A confirmação
forma efusiva, ou o aparecimento de lesões da doença só pode ser realizada por meio de
piogranulomatosas de gravidade variável na histopatologia e imuno-histoquímica.
forma não efusiva. A PIF exsudativa pode se
tornar não exsudativa e vice-versa. Os sinais Atualmente, nenhum medicamento licenciado
clínicos mais comuns são distensão abdominal para gatos para o tratamento da PIF está
com ascite, dispneia por derrame pleural, disponível, mas os antivirais mais recentes
icterícia, hiperbilirrubinemia, rins e linfonodos (principalmente GS-441524) são muito
mesentéricos aumentados ou irregulares, uveíte promissores para o tratamento eficaz da PIF e
e distúrbios neurológicos. estão se tornando cada vez mais usados com

132
sucesso em gatos. Embora apenas produtos
ilegais estejam disponíveis, no final de 2020
e 2021, formulações legais ‘especiais’ de
antivirais ficaram disponíveis para compra em
alguns países, como Austrália e Reino Unido,
embora o tratamento com antivirais seja muito
caro.

Embora uma vacina intranasal para PIF esteja


disponível em alguns países para gatos com 16
semanas ou mais, ela é indicada apenas em
gatos que ainda não se infectaram com FCoV e
sua eficácia é questionável, sendo seu uso não Figura 5: Filhote de 4 meses apresentando blefaroespasmo,
recomendado. secreção ocular mucopurulenta no olho e narina esquerdos,
devido a infecção por Herpesvírus Felino. [Imagem cortesia
de Prof. Dra. Fernanda Amorim]
Doenças do trato respiratório
A doença do trato respiratório pode causar gatos domésticos, o diagnóstico etiológico não
morbidade e mortalidade significativas em é necessário, pois a abordagem de manejo
gatinhos jovens. As infecções por calicivírus será a mesma, a menos que o gato apresente
felino (FCV) e/ou herpesvírus felino (FHV-1) são complicações bacterianas secundárias, como
as principais responsáveis pela maioria das pneumonia. Em casos de aumento da incidência
doenças respiratórias craniais em filhotes de em abrigos ou grupos de gatos, o diagnóstico
gatos. A infecção pode ser leve em gatinhos para identificar o principal patógeno envolvido
saudáveis com imunidade passiva suficiente, pode ser útil para traçar planos de prevenção.
mas, em animais fracos, os sinais clínicos Porém, PCR, culturas bacterianas, isolamento
podem ser graves, com broncopneumonia viral e testes sorológicos podem produzir
ou pneumonia intersticial fatal. A infecção falsos negativos e falsos positivos. Quando
bacteriana secundária é comum, cujos agentes a PCR quantitativa em tempo real é usada, a
mais comuns incluem Mycoplasma felis, quantidade de vírus pode fornecer informações
Bordetella bronchiseptica e Streptococcus canis. adicionais sobre a importância etiológica
do agente: quando altas cargas virais estão
Os sinais clínicos nas infecções agudas do trato presentes na secreção nasal ou lágrima (FHV-1)
respiratório cranial incluem febre, espirros, ou na orofaringe (FCV), sugere replicação ativa e
depressão, anorexia e secreção nasal e ocular envolvimento dos vírus no desenvolvimento dos
bilateral (mucóide, serosa ou purulenta) sinais clínicos. Se forem detectados números
(Figura 5). A doença grave é caracterizada por baixos de cópias, provavelmente trata-se de
desidratação, prostração, anorexia e morte. uma infecção latente (FHV-1) ou de gatos
carreadores assintomáticos (FCV).
Deve-se suspeitar desta síndrome em qualquer
gato com sinais clínicos agudos de doença do O tratamento sintomático e de suporte é
trato respiratório cranial e/ou conjuntivite e recomendado e deve incluir suporte nutricional,
histórico recente de estresse ou contato com flushing nasal, fluidoterapia, antibióticos
outro gato em risco ou doente. No caso de (Tabela 10), mucolíticos, anti-inflamatórios não

GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 133


esteroidais ou dipirona e nebulização, conforme
Indicados
a necessidade.
Ampicillina 20 mg/kg q8h IM, SC
Amoxicillina/ácido clavulânico 20–30
A terapia antiviral, com fanciclovir oral ou
(máximo 50) mg/kg q24h SC
medicações tópicas como cidofovir são opções
Cefalexina 20 mg/kg q24h SC
para tratar casos de rinotraqueíte por FHV-1,
Marbofloxacina 2 mg/kg q24h SC, IV, IO
porém não há estudos de segurança sobre o uso
em filhotes. A administração antiviral em gatas Enrofloxacina 5 mg/kg q12h SC, IM, IV, IO
infectadas pode minimizar a excreção associada Azitromicina 5–10 mg/kg q24h 3–5 dias VO
ao estresse do parto e lactação. Contra-indicados
Trimetoprim-sulfonamidas: reduzir a dose e
A Of talmia neonatorum (Figura 6) é u m a evitar em gatinhos com anemia ou leucopenia
conjuntivite sob as pálpebras fechadas Aminoglicosídeos: evitar devido a danos
renais e ototoxicidade
de gatinhos recém-nascidos. Patógenos
comumente implicados incluem FHV-1 e Tetraciclinas: podem causar lesões dentárias
Chlamydia felis. Outros possíveis patógenos Cloranfenicol: evitar devido à supressão
da medula óssea
incluem Staphylococcus spp., Mycoplasma
felis e Bordetella bronchiseptica. As pálpebras Fluoroquinolonas: podem causar lesões
nas cartilagens
ficam edemaciadas pelo acúmulo de secreção
Macrolídeos (eritromicina, clindamicina,
purulenta. A drenagem pode ser estabelecida lincomicina) e metronidazol: usar com cautela
abrindo as pálpebras com compressas mornas em gatinhos com insuficiência hepática
e tração suave. Se esta abordagem falhar, a
Tabela 10: Antibióticos selecionados e contraindicados para
ponta fechada de uma pequena pinça mosquito uso em gatos neonatos e filhotes.
pode ser inserida no canto medial e aberta
suavemente para separar as pálpebras.
Instrumentos afiados nunca devem ser usados então ser lavados com solução fisiológica e a
para separar as pálpebras. Os olhos devem córnea deve ser corada com fluoresceína para
investigar presença de ulceração. Uma pomada
antibiótica tópica de amplo espectro deve ser
aplicada 2 a 4 vezes ao dia por 1 semana.
Quando há suspeita de FHV-1, a terapia antiviral
tópica pode ser útil. O simbléfaro (aderências
conjuntivais ou palpebrais) pode ser uma
sequela de casos graves ou não tratados.

A prevenção baseia-se principalmente no controle


da infecção (isolamento de pacientes sintomáticos),
mas a vacinação e ventilação adequadas, boa
higiene, nutrição equilibrada e controle parasitário
de rotina também são fatores importantes na
limitação da transmissão desses agentes.
Figura 6: filhote da raça Persa com oftalmia neonatal, logo
após a abertura palpebral, mostrando drenagem de conteúdo
purulento. [Imagem cortesia de Dr. Alexandre G. T. Daniel]

134
Panleucopenia Viral Felina
O vírus da panleucopenia felina (FPV) causa
uma importante infecção parvoviral sistêmica
de gatos associada à replicação e efeitos
citopáticos em células que se dividem
rapidamente, como medula óssea, células
linfoides e epitélios intestinais. Além disso, pode
atingir o feto no útero no final da gestação e no
período neonatal, quando pode causar defeitos
congênitos. Este agente é extremamente
resistente no ambiente e pode persistir por até
2 anos. Após a exposição oronasal, o vírus se
espalha sistemicamente pelo sistema linfático e Figura 7: Gato de 2 meses de idade em estado comatoso
pelo sangue. Com o advento de vacinas eficazes devido a panleucopenia felina superaguda. [Imagem cortesia
contra FPV, as perdas reprodutivas resultantes de Prof. Dra. Fernanda Amorim]
da doença foram reduzidas. No entanto, as
infecções continuam a ocorrer entre gatos de viral através de PCR do sangue. A microscopia
abrigos e gatis. eletrônica também pode ser feita em amostras
fecais. Para detecção em tecidos post-mortem, é
A infecção da gata prenhe pode levar ao aborto, necessário o isolamento do vírus ou a detecção
natimortos, síndrome do definhamento do filhote de ácidos nucleicos por PCR. A panleucopenia
ou defeitos congênitos, dependendo do estágio laboratorial associada aos sinais clínicos típicos
da gestação, sendo este último resultante de também é considerada diagnóstica.
infecção no útero no final da gestação. Esses
defeitos congênitos podem incluir hipoplasia Para doenças resultantes de infecções
cerebelar, exibida por tremores intencionais e congênitas, não existe tratamento específico.
ataxia; hidranencefalia, com comportamento Para a hipoplasia cerebelar, a condição não é
anormal; ou cardiomiopatia. A infecção no progressiva e, enquanto os gatinhos puderem
período neonatal precoce pode levar a defeitos comer e beber água, sua saúde geral não será
semelhantes. afetada. O envolvimento neurológico mais
grave é geralmente incompatível com uma boa
A infecção pós-natal pode levar à necrose do qualidade de vida. A lesão cardíaca também não
epitélio intestinal e das células progenitoras é especificamente tratável, e a cardiomiopatia
hematopoiéticas, a clássica síndrome da resultante pode ser fatal.
panleucopenia, com vômitos, diarreia, depressão
grave e anorexia (Figura 7) . Endotoxemia ou O t ra ta m e n to d a i n fe c ç ã o p ó s - n a ta l é
sepse, levando a mortes agudas, podem ocorrer sintomático e de suporte, pois não existem
secundariamente. t e r a p i a s a n t i v i r a i s e s p e c í f i ca s p a r a o
parvovírus. A reposição da perda de fluidos e
O diagnóstico do FPV envolve a detecção eletrólitos é crítica. A transfusão de sangue
viral. O antígeno viral pode ser detectado nas pode ser necessária com anemia grave ou
fezes de gatinhos com diarreia usando testes hipoproteinemia. O tratamento da sepse com
rápidos comercialmente disponíveis ou o DNA antibióticos parenterais de amplo espectro

GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 135


t a m b é m p o d e r á s e r n e c e ss á r i o . C o m ascarídeos em filhotes de gatos). Esta é a
tratamento agressivo, a sobrevivência é possível. atual recomendação da ESCAAP (European
A prevenção através da vacinação de filhotes é Specialist Counsel Companion Animal Parasites)
eficaz. As gatas com altos níveis de anticorpos para filhotes: iniciar a vermifugação com 3
neutralizantes protegerão os gatinhos no semanas de idade, depois a cada 2 semanas,
útero, assim como no período neonatal, por até o desmame e posteriormente manter
meio de transferência passiva. As vacinas mensalmente até 6 meses. Porém, gatinhos
vivas modificadas não devem ser usadas a partir de 2 semanas de idade podem ser
durante a gestação ou em filhotes com tratados com pamoato de pirantel (5-10
menos de 4 semanas. Se ocorrer um surto, mg/kg por via oral a cada 2 semanas), se
a desinfecção adequada será crítica devido à houver necessidade. Na Tabela 11 estão as
natureza resistente do vírus no ambiente. Os idades seguras para iniciar a vermifugação
desinfetantes devem incorporar um agente com os antiparasitários disponíveis no
oxidante como ingrediente ativo para serem mercado brasileiro. Gatas em lactação devem
eficazes. A desinfecção do solo não é prática, ser tratadas concomitantemente com o
e objetos com superfícies porosas, como primeiro tratamento dos filhotes. O exame
carpetes, devem ser limpos com vapor ou coproparasitológico deve ser realizado de duas
removidos do ambiente. a quatro vezes por ano.

Parasitoses intestinais De uma maneira geral, nos casos de diarreia,


A infecção por parasitas pode se desenvolver uma amostra fecal deve ser examinada para
imediatamente após o nascimento (espécies investigar parasitas intestinais comuns,
de Toxocara) e durante os primeiros dias ou como Giardia, Isospora e vermes, usando
semanas de vida (espécies de Toxocara, Giardia, centrifugação com sulfato de zinco, esfregaço
Cryptosporidia, Coccidia, Tritrichomonas foetus direto com solução salina e teste de antígeno
e ectoparasitas). Os gatinhos infectados podem fecal de Giardia.
desenvolver diarreia, com má condição corporal,
fezes pastosas ou com sangue, falta de apetite, Ectoparasitas
perda de peso e/ou aumento de volume Filhotes são muito suscetíveis à infestação
abdominal e morte. Uma infestação grave de com a pulga do gato, Ctenocephalides felis.
pulgas e ancilostomídeos pode resultar em Devido ao alto potencial reprodutivo da
anemia significativa, levando à necessidade de pulga, infestações podem se desenvolver
transfusão sanguínea. Verminoses intestinais rapidamente. As ninhadas de gatinhos podem
que cursam com ciclo enteropulmonar podem ficar rapidamente infestadas quando a gata
causar pneumonias parasitárias graves em não é mantida no controle preventivo de pulgas.
filhotes (Figura 8). Animais jovens podem desenvolver prurido,
pápulas eritematosas, escamas, alopecia e
A maioria dos criadores implementa um escoriações. A gravidade do prurido é muitas
programa regular de desparasitação após vezes inversamente relacionada com a idade,
o desmame, ou no mínimo após 3 semanas uma vez que a hipersensibilidade às pulgas se
de idade (ao contrário de filhotes de cães, desenvolve ao longo do tempo. As áreas que são
ao contrário de filhotes de cães, não há comumente afetadas são as regiões do pescoço
t ra n s m i ss ã o i n t ra u te r i n a d e l a r va s d e e abdômen ventral dos gatos.

136
Figura 8: Radiografia de tórax em posição laterolateral de um gato filhote de 8 meses de idade, evidenciando padrão
broncointersticial difuso, devido a hemorragia e inflamação causada pela migração enteropulmonar massiva de larvas de
Toxocara cati. [Imagem cortesia de Prof. Dra. Fernanda Amorim]

Infestações maciças podem levar a anemia


Endoparasiticidas
grave e com risco de vida, particularmente em
Pirantel, praziquantel > 2 semanas
pacientes pediátricos com volumes sanguíneos
relativamente baixos. Além disso, os gatinhos Ivermectina > 4 semanas e 0,5 kg
jovens ainda não se limpam de forma apreciável, Febendazol, Selamectina > 6 semanas
um mecanismo que ajuda a reduzir a carga de Milbemicina > 6 semanas
pulgas de gatos adultos. Cuidados intensivos, Emodepsida > 8 semanas ou 0,5 kg
incluindo transfusões de sangue, podem ser Moxidectina > 9 semanas
necessários em animais gravemente anêmicos. Ectoparasiticidas
Produtos para pulgas com excelente atividade Fipronil > 2 dias
adulticida estão agora disponíveis para uso Nitenpiram > 4 semanas > 0,9 kg
em gatos filhotes. Os produtos spot-on são Lufenuron, Selamectina > 6 semanas
geralmente aprovados para filhotes com Fluralaner > 8 semanas
6-8 semanas de idade ou mais (Tabela 11) . Dinotefuran + Piriproxifen > 8 semanas
Nitenpiram, disponível como comprimido
Imidacloprida > 10 semanas
oral, pode ser usado em animais a partir de 4
Spinosad > 14 semanas
semanas de idade e providencia uma eliminação
Tabela 11: Antiparasitários selecionados para uso em gatos
muito rápida das pulgas, apropriada para filhotes, de acordo com a idade.
infestações maciças. Para animais com idade

GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 137


inferior à idade mínima aprovada para estes desenvolvem progressivamente pápulas,
produtos, recomenda-se a remoção manual das escamas e hiperpigmentação. As áreas
pulgas com um pente de dentes finos. frequentemente afetadas incluem a cabeça,
focinho, pavilhão auricular e membros distais.
Otites parasitárias por Otodectes cynotis Em animais jovens e adultos imunossuprimidos,
são caracterizadas por agitação da cabeça, o desfecho pode ser uma doença de pele
prurido e exsudato friável auricular castanho multifocal ou generalizada.
a preto. Escoriações secundárias das orelhas,
cabeça e pescoço são comuns. Os ácaros Aproximadamente 50% das infecções por
são mais facilmente visualizados pelo exame M. canis farão com que os pelos se tornem
microscópico do exsudato aural, coletado em f l u o re s ce n t e s m e d i a n t e ex a m e d e l u z
um swab. Ocasionalmente, os ácaros da orelha ultravioleta (Lâmpada de Wood). O exame
são encontrados em outras regiões da pele. As microscópico de pelos arrancados para
orelhas devem ser cuidadosamente limpas e visualizar esporos de fungos ectotrix também
as opções de tratamento incluem protocolos fornece um método rápido de confirmação do
sistêmicos (selamectina, ivermectina ou diagnóstico. A incubação por 15 a 30 minutos
moxidectina) e tópicos (ivermectina, moxidectina com KOH (hidróxido de potássio) digere a
ou fipronil). Todos os animais de estimação em queratina e pode ajudar na visualização dos
contato devem ser tratados. esporos esféricos. Culturas fúngicas devem
ser realizadas para identificar a espécie de
Dermatofitose dermatófito envolvida e para acompanhar a
A dermatofitose, causada geralmente por eficácia do tratamento.
Microsporum canis, é a infecção fúngica
mais comum em gatos e uma das doenças Em geral, o tratamento de pacientes pediátricos
infecciosas de pele mais importantes nesta deve ser limitado a produtos tópicos até
espécie, sendo uma zoonose importante. aproximadamente 16 semanas de idade.
Animais jovens apresentam risco aumentado de Sugere-se a aplicação tópica de shampoos
desenvolver dermatofitose, refletindo seu estado e/ou rinses antifúngicos, como miconazol e
imunológico imaturo e potencial de exposição clorexidine, duas vezes por semana. Um colar
a portadores. O M. canis produz artrósporos de proteção é aplicado até que o paciente
que podem permanecer infectantes por cerca esteja bem seco para evitar ingestão excessiva
de um ano e são facilmente transmitidos por por meio da auto-lambedura. Deve-se tomar
contato direto ou por fômites para gatos, outras cuidado para garantir que a temperatura
espécies animais e humanos. Muitos gatos são corporal seja mantida após o banho em
infectados subclinicamente ou são carreadores um paciente pediátrico. Lesões pequenas e
fômites dos artrósporos. A dermatofitose localizadas também podem ser tratadas com
pode ser endêmica em grupos de gatos, clotrimazol tópico ou cremes de terbinafina
principalmente em ambiente inadequado, sendo aplicados diariamente.
sua erradicação difícil nesses casos.
A aspiração completa e diária do ambiente,
Ninhadas inteiras podem desenvolver lesões, bem como a limpeza mecânica são essenciais
tipicamente com alopecia multifocal, com para remover o material infeccioso - nenhum
m a n c h a s leve m e n te e r i te m a to s a s q u e pelo visível deve estar presente, especialmente

138
em casas com um ou alguns gatos onde a A vacinação dos filhotes com menos de 4
desinfecção é impraticável. No entanto, em gatis semanas de idade com vacina viva modificada,
ou abrigos, a desinfecção é muito importante, bem como de gatas gestantes não deve ser
devendo ser realizada pelo menos duas vezes realizada, devido ao risco do desenvolvimento de
por semana. A maioria dos desinfetantes hipoplasia cerebelar nos filhotes com o antígeno
rotulados como “antifúngicos” são fungicidas FPV. Em gestantes, pode-se considerar o uso
contra formas miceliais do dermatófito ou de vacina inativada se for necessário, apesar
macroconídios, mas não contra artrósporos. desta prática não ser atualmente recomendada.
Quando possível, os animais afetados devem ser
isolados e o ambiente do paciente limpo com Para os filhotes que possuem mais de 16
água sanitária a 0,5%. Os cuidadores devem semanas de idade no início do protocolo vacinal,
ser informados sobre o potencial zoonótico da o recomendado é que sejam vacinados com duas
dermatofitose. O tratamento é continuado até doses de vacinas vivas modificadas contra FCV
que haja resolução clínica e cura microbiológica, e FHV com intervalo de 2 a 4 semanas e uma
conforme determinado pela cultura fúngica de dose de vacina viva atenuada contra FPV. Como
acompanhamento. A partir das 16 semanas de no Brasil estão disponíveis apenas vacinas
idade, a terapia sistêmica pode ser considerada, polivalentes, os filhotes com mais de 16 semanas
seguindo as recomendações para gatos adultos, de idade devem receber duas doses de vacina
incluindo o uso de itraconazol oral (5 a 10 mg/ viva modificada contendo FCV, FHV e FPV.
kg/dia) ou terbinafina (30 a 40 mg/kg/dia).
No Brasil, a vacina antirrábica é considerada uma
vacina essencial, visto que é uma exigência legal
DIRETRIZES GERAIS SOBRE nos estados e municípios, portanto, é uma vacina
VACINAÇÃO DE GATOS FILHOTES obrigatória para os gatos filhotes e adultos. A
recomendação da AAFP (American Association of
A vacinação primária atual proposta para filhotes Feline Practitioners) é que o Médico-Veterinário
de gatos inclui iniciar as vacinas essenciais com siga as instruções das bulas das vacinas e
FCV, FHV e FPV entre 6 e 8 semanas de idade, as leis locais para a vacinação de gatos. De
com intervalos de 2 a 4 semanas, até que estejam acordo com a diretriz da WSAVA (World Small
com 16 semanas de idade ou mais. Em vista Animal Veterinary Association), é recomendado
disso, o número de vacinas essenciais que um vacinar o gato filhote com uma dose única às 12
filhote de gato receberá dependerá da sua idade semanas de idade e revacinar um ano depois. As
no início do protocolo de vacinação e, também, do revacinações devem ser anuais, levando-se em
intervalo de tempo escolhido entre as doses de consideração a legislação local.
vacinas. Uma outra dose de vacina com 26 a 52
semanas de idade garantirá o desenvolvimento A vacina contra FeLV foi reclassificada como
de uma resposta imune protetora para aqueles uma vacina essencial para todos os gatos com
gatos que não responderam de forma adequada menos de um ano de idade, independente
à série de vacinações primária por influência dos da região em que se encontram, pois os
anticorpos maternos, portanto, essa última dose gatos nesta faixa etária são considerados
da chamada primo vacinação (idealmente com 26 especialmente suscetíveis à infecção. Portanto,
semanas) é atualmente indicada como parte do todos os gatos com menos de um ano de idade
protocolo vacinal de filhotes. devem receber duas doses de vacina contra

GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 139


FeLV, com intervalo de 2 a 4 semanas entre ou passiva protege os neonatos apenas nas
elas, iniciando o protocolo com 8 semanas de primeiras três a quatro semanas de vida pois,
idade e sendo revacinados após 12 meses da com o tempo, os níveis de anticorpos maternos
última dose da série inicial de vacinação. começam a declinar e perder a capacidade de
proteger o filhote contra patógenos.
Os abrigos ou gatis de resgate de animais
são estabelecimentos que comportam muitos Enquanto os níveis de anticorpos de origem
gatos que aguardam adoção, por isso, são materna permanecem mensuráveis no plasma,
considerados ambientes com alta densidade eles inibem a produção de imunoglobulinas
populacional em que muitos animais não têm endógenas e, ao mesmo tempo, com o declínio
histórico de vacinação conhecido, fazendo dos títulos de anticorpos de origem materna na
com que o risco de infecções aumente circulação, o filhote vai se tornando vulnerável a
s u b s t a n c i a l m e n t e . A s re co m e n d a ç õ e s microrganismos patogênicos, sendo necessária
fornecidas aqui tentam abordar algumas a imunização ativa.
questões exclusivas do abrigo, pois elas se
referem à vacinação e controle das doenças. O estímulo para a produção de anticorpos
Nestas condições, filhotes de gatos que no recém-nascido só pode ser feito quando
ingressam ou que vivem em um abrigo podem os níveis circulantes de anticorpos de
ter sua vacinação essencial para FCV, FHV e origem materna estão abaixo de um limite
FPV com vacina viva modificada iniciada com específico. Este limite pode variar, porém, sua
4 semanas de idade e revacinações a cada determinação é feita através da análise da
2 semanas, até completarem 20 semanas quantidade de anticorpos de origem materna
de idade. A vacina contra FeLV é altamente circulante em relação à dose de antígenos
recomendada para gatos que vivem juntos nos patogênicos ou à dose de antígenos vacinais.
abrigos. O protocolo vacinal deve iniciar com 8 Normalmente, os anticorpos de origem
semanas de idade e totalizar duas doses, com materna, quando em elevada titulação, podem
intervalo de 3 a 4 semanas. A vacina antirrábica interferir na capacidade do recém-nascido
permanece obrigatória para todos os gatos em responder à vacinação, visto que eles são
nos locais onde existe a exigência legal para a capazes podem neutralizar o antígeno vacinal,
vacinação, ou em uma região endêmica. impedindo o seu reconhecimento pelo sistema
imune do neonato. Essa é uma das razões da
Anticorpos maternos e janela de vulnerabilidade necessidade da administração de mais de uma
Os cães e gatos têm placentas do tipo dose da vacina nos filhotes, pois o aumento da
endoteliocorial, sendo assim, apenas 2% a dose de antígenos vacinais permite a correta
18% do total de anticorpos de origem materna imunização.
seriam transferidos ao feto. Entretanto, um
estudo mostrou que filhotes de gatos nascidos Desta maneira, o conhecimento da duração
de gatas imunes não possuem anticorpos média dos níveis sorológicos dos anticorpos
adquiridos via transplacentária ao nascerem. de origem materna de cada patógeno pode
Por isso, a imunidade passiva é fornecida contribuir para uma determinação do protocolo
por meio do colostro, com absorção de ideal para otimizar a resposta vacinal e a
imunoglobulinas mais elevada nas primeiras 18 imunização (Tabela 12) . Porém, ainda não se
horas de vida. Entretanto, a imunização materna sabe se esses dados podem ser extrapolados

140
DURAÇÃO DOS
seja administrada idealmente aos 6 meses de
AGENTE INFECCIOSO ANTICORPOS DE idade contra FPV, FHV e FCV com o objetivo de
ORIGEM MATERNA aumentar a chance de uma imunização bem-
Herpesvírus Felino sucedida sem interferência dos anticorpos de
9 semanas origem materna.
(FHV)
Calicivírus Felino (FCV) 10 a 17 semanas
Os filhotes são mais susceptíveis às infecções do
Vírus da Panleucopenia que os adultos, por isso, devem ser o principal
6 a 12 semanas
Felina (FPV)
alvo de uma correta vacinação. Interromper o
Vírus da Leucemia protocolo vacinal nesses pacientes muito cedo,
8 a 12 semanas
Felina (FeLV) antes que os níveis de anticorpos de origem
Vírus da Raiva 12 semanas materna declinem, é considerado o maior
Clamidiose Felina 4 a 8 semanas motivo de falha vacinal em gatos menores que
Tabela 12: Duração dos anticorpos de origem materna em
um ano de idade.
gatos segundo estudos sorológicos estrangeiros.
Tipos de vacinas
para os gatos no Brasil, já que não existem As vacinas essenciais são conceituadas como
estudos sorológicos que investigaram esses aquelas que todos os gatos, independentemente
dados nos filhotes, e as gatas prenhes daqui das circunstâncias ou situação geográfica, devem
provavelmente não possuem a mesma carga receber. Essas vacinas protegem os felinos de
vacinal que nos países em que esses estudos doenças com alta morbidade e mortalidade que
foram realizados, porém, são bem mais têm distribuição global, como panleucopenia
desafiadas pelas doenças naturais. felina (FPV), calicivirose (FCV) e rinotraqueíte
(FHV). Em áreas do mundo onde a infecção
Em relação ao vírus da panleucopenia felina, pelo vírus da raiva é endêmica, a vacinação é
existe variação considerável entre indivíduos, altamente recomendada, mesmo se não houver
com alguns filhotes apresentando níveis de nenhuma exigência legal para a vacinação de
anticorpos de origem materna baixos ou rotina. De acordo com a recomendação atual da
ausentes com 6 semanas e outros que não AAFP (American Association of Feline Medicine)
respondem à vacinação final com até 16 juntamente com a AAHA (American Animal Hospital
semanas, e que podem ter interferência dos Association), as vacinas consideradas essenciais
anticorpos de origem materna em 20 semanas. são as contra FHV, FCV, FPV, FeLV (esta última
Quanto ao FeLV, acredita-se que, caso o filhote para gatos com menos de um ano de idade) e
não adquira a doença por via transplacentária, raiva em áreas onde a doença é endêmica.
ele esteja protegido da infecção através dos
anticorpos de origem materna durante 2 As vacinas consideradas não essenciais ou
a 3 meses de vida. Como os anticorpos de opcionais são aquelas recomendadas apenas
origem materna para calicivírus duraram para os felinos cuja localização geográfica,
até 17 semanas em 69% dos gatos em um ambiente ou estilo de vida os colocam em
estudo, atualmente se preconiza que uma risco de contrair infecções específicas. De
série de vacinações seja administrada aos acordo com o consenso atual da AAFP/AAHA,
filhotes a cada 2 a 4 semanas até 16 semanas as vacinas consideradas não essenciais são
de idade ou mais, e que uma dose de reforço as contra a leucemia viral felina (para os gatos

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com mais de um ano de idade), clamidiose disso, essa vacina é indicada para administração
e bordetelose. De acordo com a diretriz de a partir das 16 semanas de idade, e muitos
vacinação publicada em 2016 pela WSAVA, a gatinhos são infectados com coronavírus bem
vacina contra o vírus da imunodeficiência felina antes dessa idade.
foi reclassificada como não essencial, porém
não está disponível no Brasil. A decisão de administrar uma vacina e
determinar a sua frequência, deve ser avaliada
Devido à alta prevalência de leucemia viral individualmente para cada gato, considerando
felina no Brasil e de legislações específicas os riscos e os benefícios da vacinação, como
para vacinação antirrábica vigentes no país, possibilidade de efeitos adversos e eficácia da
no momento atual, deve-se considerar estas vacina, probabilidade de exposição e infecção de
vacinas como essenciais (Tabela 13). acordo com o ambiente e gravidade da doença.
Os gatos devem estar saudáveis para serem
Vacinas consideradas essenciais vacinados. Entretanto, os gatos com infecções
para gatos no Brasil retrovirais (FIV e/ou FeLV) não devem ser
Herpesvírus Felino (FHV-1) considerados inaptos para a vacinação, porque
Calicivírus Felino (FCV) eles podem desenvolver doenças clínicas graves
Vírus da Panleucopenia Felina (FPV) relacionadas a FPV após a infecção natural.
Vírus da Leucemia Felina (FeLV) Os tipos de vacinas disponíveis comercialmente
todos os filhotes e adultos de alto risco no Brasil para felinos atualmente são apenas
Vírus da Raiva as vacinas inativadas (com vírus morto) e
Vacina considerada não-essencial atenuadas (com vírus vivo modificado). Fora do
para gatos no Brasil país, ainda existem as vacinas recombinantes,
Clamidiose Felina formadas por quimeras virais e de DNA.
Tabela 13: Classificação das vacinas disponíveis no Brasil
quanto a necessidade de vacinação, de acordo com dados Vacinas inativadas
de prevalência.
As vacinas inativadas são assim denominadas
As vacinas classificadas como não por serem desenvolvidas a partir da destruição
recomendadas estão relacionadas a doenças de seletiva da infectividade de um vírus virulento,
baixa importância clínica ou que respondem de porém, mantendo a imunogenicidade de suas
forma satisfatória ao tratamento; vacinas para proteínas. Estas vacinas são as mais seguras
as quais a evidência de eficácia é mínima; ou pois não há risco de reversão da virulência,
vacinas que podem induzir a uma relativa alta entretanto, uma grande massa antigênica é
incidência de efeitos adversos com benefício necessária para iniciar uma resposta humoral,
limitado. A vacina contra a peritonite infecciosa se comparada a uma vacina atenuada, já que
felina (PIF) é considerada não recomendada, o agente vacinal não replica no hospedeiro.
isto porque a vacina contém uma cepa do A inclusão de uma variedade de produtos
sorotipo II do vírus da PIF, entretanto são as químicos inativadores virais (formalina,
cepas do sorotipo I que predominam no campo etilenodiamina e - propiolactona), alta massa
e não tem epítopos neutralizantes de reatividade antigênica e adjuvantes implica em uma maior
cruzada com as cepas do sorotipo II. Por isso chance de desenvolvimento de reações adversas
as evidências de que a vacina induz proteção locais e sistêmicas em gatos.
relevante são consideradas insuficientes. Além

142
Os adjuvantes têm sido adicionados aos apenas uma aplicação de uma vacina atenuada.
produtos biológicos não infecciosos para Uma proteção completa somente é alcançada
aumentar o grau de imunoestimulação e duas a três semanas depois da segunda dose de
estender a duração da imunidade de vacinas vacina inativada. Porém, se mais de 6 semanas
inativadas a um nível comparável ao das decorrem entre as duas doses, é recomendado
vacinas atenuadas. Eles podem prolongar o que a série de vacinações seja repetida. Apesar
tempo de exposição do antígeno, aumentar destas limitações, a vacina inativada produz
a apresentação do antígeno ao sistema imunidade suficiente para proteger contra
imunológico e aumentar a resposta de doença clínica e para ser utilizada na rotina da
citocinas. Vacinas recombinantes também são clínica de pequenos animais.
imunogenicamente pobres sem a inclusão
de um adjuvante. O hidróxido de alumínio é o A vacinação de gestantes deve ser evitada
adjuvante mais comumente encontrado nas sempre que possível. Apesar das vacinas
vacinas inativadas. Esses produtos foram inativadas serem mais seguras do que as
implicados em causar reações granulomatosas atenuadas para as gestantes, as possíveis
no local de aplicação da vacina e, no passado, reações adversas decorrentes da vacinação
em aumentar o risco do desenvolvimento de podem ser prejudiciais à gestação. Deve-se,
sarcomas de locais de aplicação em gatos. preferencialmente, vacinar as fêmeas antes
Entretanto, um estudo posterior avaliou 2.560 do cruzamento. Entretanto, uma indicação
casos de eventos adversos pós vacinais em importante do uso de vacinas inativadas em
496.189 gatos vacinados e não conseguiu felinos é para gatas gestantes no início da
relacionar nenhum tipo de vacina ou o uso de gestação, quando o risco de exposição ao
adjuvante com uma maior chance de ocorrência parvovírus felino é elevado.
de reações pós vacinais, incluindo a formação
de nódulos locais ou desenvolvimento de Outra indicação para uso da vacina inativada
sarcomas. Acredita-se que a associação incluía a vacinação de gatos portadores de
entre o alumínio e o sarcoma tenha servido retroviroses (FIV e FeLV), pois não se conhecia
principalmente para se descobrir que havia uma as consequências potenciais da exposição
relação entre a aplicação de produtos injetáveis desses gatos imunodeprimidos a vacinas de
e o desenvolvimento tumoral. Febre, anorexia, vírus vivos. No entanto, um estudo recente
edema facial, vômito e letargia são algumas das indicou que gatos positivos para retroviroses
outras complicações potenciais com o uso de felinas e assintomáticos responderam à
adjuvantes. vacinação contra FPV com vírus vivo modificado
de forma satisfatória. A vacinação com vírus
As vacinas inativadas não produzem imunidade vivo modificado neste estudo foi considerada
de mucosa nem mediada por células, gerando segura em gatos infectados com retrovírus
imunidade mais curta e com menor espectro em curto prazo. Porém, mais estudos com um
do que as vacinas atenuadas. Por estas número elevado de gatos e diferentes graus
razões, com exceção da vacina antirrábica, o de imunossupressão são necessários para se
protocolo de vacinação primário consiste em esclarecer os riscos e benefícios a longo prazo.
pelo menos duas aplicações com intervalo Algumas vacinas inativadas podem ter
de 3 a 4 semanas para gerar uma resposta re s u l ta d o s m a i s d e s e j á ve i s d o q u e a s
anamnéstica, o que poderia ser alcançado com atenuadas. A vacina inativada contra

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herpesvírus felino pode ser mais eficiente ocorra uma replicação de forma satisfatória
do que a vacina atenuada em aumentar a in vivo, promovendo a imunização. Por vezes,
titulação de anticorpos protetivos em alguns é necessário utilizar uma cepa viral que pode,
gatos, porém, a imunidade celular tem maior ocasionalmente, provocar sinais clínicos leves.
importância na resposta vacinal contra o FHV As vacinas atenuadas disponíveis são contra a
do que a humoral. A vacina bivalente inativada panleucopenia, herpesvirus felino-1, calicivirus
contra o calicivírus felino, que contém a cepa do e Chlamydophila felis. O uso das vacinas
calicivírus virulento sistêmico (VS-FCV) parece atenuadas é indicado, principalmente, para
conferir maior proteção cruzada contra outras todos os filhotes, principalmente aqueles que
cepas deste vírus e reduz a ocorrência de sinais habitam abrigos ou gatis, visto que a vacinação
clínicos da doença. com vírus vivo modificado pode proporcionar
uma melhor e mais rápida proteção e quando
Vacinas atenuadas ainda se tem titulação de anticorpos de origem
Quando comprovadamente seguras, as materna, se comparado às vacinas inativadas.
vacinas contendo vírus atenuados têm sido Da mesma maneira, adultos que vivem em
consideradas as melhores, pois mimetizam ambientes populosos também devem receber
a infecção natural, que normalmente leva à vacinas atenuadas. Além disso, essa vacina
produção de alta concentração de anticorpos pode proteger contra a doença, mesmo quando
neutralizantes de vírus, com sinais clínicos os gatos são colocados em um ambiente
leves ou ausentes. Elas produzem imunidade contaminado logo após a vacinação.
mediada por células, que é particularmente
importante nas infecções persistentes ou A vacina atenuada pode causar hipoplasia
latentes, e imunidade humoral mais sólida do cerebelar dos fetos, se utilizada em uma gata
que a vacina inativada. Os agentes vacinais gestante ou em filhotes menores do que quatro
devem ser modificados (atenuados), desde que semanas de idade. Nestes casos, deve-se
retenham a imunogenicidade e a habilidade optar por vacinas inativadas. É contraindicado,
em replicar no hospedeiro sem produzir sinais também, utilizar vacinas em locais de
clínicos. Os produtos de vacina viva modificada administração não previstos em bulas, como
geralmente são injetados por via subcutânea por exemplo as intranasais por via subcutânea,
ou por via intramuscular, mas alguns são pois podem induzir a uma resposta inflamatória
entregues através de rotas naturais, como as mais exacerbada. Além disso, se houver contato
mucosas, como as vacinas intranasais que são inesperado com a mucosa respiratória de uma
todas vivas modificadas. vacina contendo FHV e FCV atenuados destinada
a uso subcutâneo, pode haver sinais clínicos no
A maioria dessas vacinas tem sido derivada de paciente.
uma série de passagens do vírus em cultura de
células com origem em hospedeiro heterólogo,
com consequente perda de virulência. Os vírus
também podem ser atenuados através de
sua adaptação em hospedeiros não usuais,
sujeitando-os a um armazenamento prolongado
ou por engenharia genética. O vírus vacinal
não deve ser tão atenuado de forma que não

144
PRINCIPAIS DOENÇAS CONGÊNITAS E DE PADRÃO RACIAL

Com o aumento da popularidade do gato • Déficits nutricionais, como deficiência de


como animal de estimação, o número de taurina, gerando alterações neurológicas e
animais de raça e o surgimento de diferentes oftalmológicas
raças crescem proporcionalmente. Esse • A l te ra ç õ e s c ro m o ss ô m i ca s ( p s e u d o -
fato torna fundamental o conhecimento das hermafroditismo)
particularidades genéticas destas raças, bem • Toxinas ambientais/teratógenos
como as doenças mais comuns encontradas na
rotina clínica. Muitas doenças congênitas e hereditárias
possuem maior representatividade em
Primeiramente, é importante definir os determinadas raças, sendo consideradas
seguintes termos: doenças de padrão racial. As doenças de padrão
• Congênito: defeito presente ao nascimento, racial mais comuns serão comentadas a seguir.
nem sempre clinicamente aparente ao exame
físico no momento do nascimento. Pode ou Doença policística (DP)
não ter uma base genética. A doença policística é a doença hereditária mais
• Hereditário: defeito que tem uma base comum da espécie felina, sendo caracterizada
genética, podendo ou não ser evidente ao por uma mutação autossômica dominante, com
nascimento, mas que se desenvolverá com a animais heterozigotos desenvolvendo a doença
idade. (visto que a homozigose dominante é fatal ainda
em vida uterina).
Os defeitos congênitos podem apresentar
gravidades variáveis, desde alterações Tal condição é descrita principalmente em gatos
simplesmente cosméticas a até graves da raça Persa, com prevalência entre 30-50%
problemas incompatíveis com a vida. Os defeitos na raça. Outras raças como o Exótico, British
genéticos mais comuns em gatos incluem: Shorthair, Himalaios e o Scottish Fold também
• Hérnias umbilicais e abdominais têm a mutação descrita de maneira habitual.
• Hiperextensão tarsal Clinicamente, a doença policística é
• Sindactilia ca ra c te r i z a d a p e l a p re s e n ça d e c i sto s
• Defeitos de parede torácica preenchidos por fluido, com os rins sendo o
• Criptorquidismo local de maior prevalência (Figura 1).. Fígado
• Atresia anal e fístula reto-vaginal e pâncreas também podem desenvolver tais
formações císticas.
Conforme mencionado, os defeitos genéticos
p o d e m t e r b a s e h e re d i t á r i a , co m s e u A maioria dos gatos com doença policística
padrão de herdabilidade podendo ou não e cistos renais podem ser identificados
ser conhecido. Visto isso, é recomendado a a partir dos 6 a 12 meses de idade
retirada de reprodução de animais portadores utilizando ultrassonografia abdominal com
das condições acima mencionadas. Alguns transdutores de alta frequência. Alterações
defeitos genéticos de característica não herdada ultrassonográficas comuns incluem
incluem: renomegalia, contornos irregulares, aumento da
• Fármacos (griseofulvina, gerando fenda ecogenicidade da cortical e perda da definição
palatina) corticomedular.

GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 145


Figura 9: Imagem de necropsia de um gato com doença policística. Notar a presença de múltiplas áreas císticas em
parênquima renal. [Imagem cortesia de Alexandre G. T. Daniel]

Devido à alta morbidade/mortalidade da doença, genéticos para identificação dos animais


o diagnóstico precoce dos animais carreadores carreadores da mutação estão disponíveis para
da mutação é essencial para o planejamento gatos de qualquer idade.
de cruzamentos em criadores e gatis. Testes

146
Cardiomiopatia hipertrófica familiar
A cardiomiopatia hipertrófica é a cardiopatia Nos Maine Coons e Ragdolls a mutação
mais prevalente em gatos. É caracterizada genética foi identificada no gene da proteína C
principalmente por hipertrofia do septo miosina ligante. Embora no mesmo gene, os
interventricular e/ou da parede posterior códons que contém a mutação são distintos,
d o v e n t r í c u l o e s q u e rd o , p o d e n d o s e r com cada raça tendo uma mutação distinta
acompanhadas também de hipertrofia dos descrita.
músculos papilares e obstrução dinâmica da
via de saída do ventrículo esquerdo associada Os gatos da raça Sphynx parecem ter uma forma
ao movimento anterior sistólico da valva de cardiomiopatia hipertrófica semelhante à
mitral (Figura 10). A doença tem apresentações descrita em outras raças, sendo que a mutação
clínicas diversas e diferentes velocidades de do gene ALMS1 foi relacionada à cardiomiopatia
progressão entre cada indivíduo, fazendo dela hipertrófica nesta raça.
uma alteração diversa na espécie felina.
Nem todos os gatos com a variante genética
n e ce ss a r i a m e n te v ã o d e s e n vo lve r a
cardiomiopatia hipertrófica. Além disso, outras
mutações possivelmente existem, ainda não
estudadas e reportadas. Portanto, a mutação
genética deve ser considerada como um fator
de risco para CMH, sendo que graus diferentes
da doença podem ocorrer em seus portadores.
Testes genéticos para identificação dos animais
portadores estão disponíveis para gatos.

Figura 10: Avaliação pós-mortem de coração de um


gato com importante hipertrofia miocárdica e marcante
aumento atrial. [Imagem cortesia de Alexandre G. T. Daniel]

A cardiomiopatia hipertrófica é uma doença


de padrão hereditário em gatos da raça Maine
Coon, Ragdoll, Persa, Norueguês da Floresta,
Bengal, Sphynx e British Shorthair. Porém
apenas nas raças Maine Coon, Ragdoll e Sphynx
foram identificadas mutações genéticas causais
específicas, distintas entre si. Nessas raças
a doença é caracterizada por uma herança
autossômica dominante de penetrância
incompleta.

GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 147


Defeitos de parede torácica
As anormalidades de parede torácica são os defeitos descritos, o pectus excavatum é
comumente descritas como doenças congênitas a alteração mais comumente relatada (Figura
com possível base hereditária, visto sua 11). Os defeitos de parede torácica já foram
transmissibilidade com o passar das gerações, descritos em diversas raças, com gatos da
com um modelo de herança complexa e raça Bengal sendo bastante representados em
possivelmente poligênica reportado. Entre estudos de prevalência.

Figura 11: Exame radiográfico de um Bengal, evidenciando importante alteração de parede torácica (pectus excavatum).
[Imagem cortesia de Alexandre G. T. Daniel]

Catarata
Catarata congênita foi relatada nas raças Persa,
Himalaios, Bengal e British Shorthair, sendo
de herança autossômica recessiva (Figura 12).
Outras possíveis causas de catarata em gatos
incluem uveíte, neoplasia ocular e traumas
subsequentes, bem como distúrbios sistêmicos
e metabólicos, como diabetes. Porém, cataratas
metabólicas diabéticas são bastante incomuns
em gatos.
Figuras 12: Filhote com catarata de origem congênita.
[Imagem cortesia de Alexandre G. T. Daniel]

148
Hérnia diafragmática peritônio-pericárdica
A hérnia peritônio-pericárdica é um defeito da manifestações clínicas em gatos serem
linha média que resulta na comunicação entre diferenciadas (Figura 13). A incidência varia de
o saco pericárdico e a cavidade peritoneal, 6-30% em gatos, com animais de raça sendo
descrito principalmente em animais da raça mais cometidos. Entre as raças mais descritas,
Persa, Himalaios e Maine Coon. Em cerca de o Maine Coon é predominante, representando
metade dos casos, é um achado incidental 20% dos animais de raça acometidos, seguido
em gatos adulto. Nos Persas já houve relatos pelo Persa e Himalaio.
familiares, provendo evidências de uma provável
base hereditária. Ela é reconhecida como uma doença hereditária
em diversas espécies de mamíferos, com
Displasia coxofemoral provável herança genética poligênica em gatos.
A displasia coxofemoral é uma condição
ortopédica comum em gatos, mas pouco Amiloidose
reconhecida, principalmente pelo fato das A amiloidose caracteriza-se por depósito
extracelular de material proteináceo/amiloide
nos rins e fígado. Nos gatos, a substância
amiloide é depositada principalmente na
medula renal, porém envolvimento glomerular
também já foi descrito. Gatos com amiloidose
hepática podem apresentar manifestações
clínicas inespecíficas e intermitentes,
insuficiência hepática fulminante e até
mesmo morte súbita. O acúmulo de grande
quantidade de substancia amiloide corrompe
a arquitetura hepática, tornando o órgão mais
frágil e propenso a rupturas. Normalmente,
a deposição de proteína sérica de fase aguda
(amiloide A) nos tecidos ocorre em resposta
à presença de doenças inflamatórias ou
neoplasias crônicas, porém na raça Abissínio e
Siamês, a alta incidência sugere uma doença de
caráter genético. O modo específico de herança
genética e patogênese da amiloidose em gatos
ainda não é completamente compreendido.

Osteocondrodisplasia
Gatos da raça Scottish Fold advém de uma
mutação naturalmente ocorrida em um
British Shorthair, na Escócia, na década de
1960. Cruzamentos entre animais dessa raça
Figuras 13: Imagem radiográfica de um Maine Coon jovem,
com importante grau de displasia coxofemoral. geravam filhotes com alterações cartilagíneas
[Imagem cortesia de Alexandre G. T. Daniel] generalizadas (incluindo as cartilagens

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a u r i c u l a re s , q u e co n fe re m
o característico aspecto das
orelhas da raça), deformidades
em membros, além de alterações
radiográficas em placas de
crescimento.

É uma herança autossômica


dominante, com os homozigotos
d o m i n a n te s d e s e n vo lve n d o
g ra ve s q u a d ro s d e a r t ro s e
e dor em fases iniciais
d o d e s e n vo lv i m e n to . O s
h e te ro z i g o to s ta m b é m s ã o
invariavelmente acometidos por
quadros de osteoartrose, mas
de forma mais lenta e bastante
variável.

150
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