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PRÁTICO DE
OBSTETRÍCIA
E PEDIATRIA
FELINA
ALEXANDRE G. T. DANIEL
CRISTINA F. LUCIO
DANIELA RAMOS
FERNANDA V. AMORIM DA COSTA
LIEGE C. GARCIA SILVA
MANUELA MARQUES FISCHER
GUIA
PRÁTICO DE
OBSTETRÍCIA
E PEDIATRIA
FELINA
ALEXANDRE G. T. DANIEL
CRISTINA F. LUCIO
DANIELA RAMOS
FERNANDA V. AMORIM DA COSTA
LIEGE C. GARCIA SILVA
MANUELA MARQUES FISCHER
AVISO LEGAL
As opiniões manifestadas nesta obra são de
responsabilidade exclusiva dos respectivos autores.
Autores:
Alexandre G. T. Daniel
Cristina F. Lucio
Daniela Ramos
Fernanda Amorim
Liege C. Garcia Silva
Manuela Marques Fischer
Coordenação:
Alexandre G. T. Daniel
Cíntia Viegas Fuscaldi
Priscila Ângela Rizelo
Revisão:
Priscila Ângela Rizelo
Leticia Tortola
Imagens:
Arquivo pessoal dos autores e banco de imagens da ROYAL CANIN®
No entanto, é um campo imprescindível na clínica de pequenos animais, visto que, além dos
tópicos relacionados a doenças nos filhotes serem muito frequentes e rotineiros, há uma
grande importância da medicina preventiva na melhoria da qualidade de vida e da sobrevida
dos pacientes desde o início da vida.
Diversas áreas diferentes compõem os pilares principais da pediatria felina, dentre elas
destacam-se:
• A obstetrícia, visto a fundamental importância no conhecimento de tópicos de reprodução
em felinos, bem como desenvolvimento fetal, a ocorrência e manejo do parto.
• A neonatologia, imprescindível na avaliação e monitoração do filhote desde o nascimento,
trazendo importantes índices de vitalidade e manejo do neonato enfermo.
• A nutrição, com seu papel no cerne do desenvolvimento da fêmea gestante e dos filhotes
saudáveis, com uma dieta bem calculada/fomentada.
• A etologia, com estratégias de vital importância no ensino dos tutores (e Médicos-Veterinários)
em como lidarem com comportamentos naturais dos felinos, estimulando os comportamentos
desejados e orientando sobre como lidar com os indesejados.
• A medicina interna, cobrindo importantes pontos de doenças infecciosas e parasitárias,
vacinologia, enfermidades de cunho genético/hereditário e manejo geral do filhote.
Tive a felicidade de, sob a coordenação da equipe da ROYAL CANIN® Brasil, trabalhar com um
grupo de exímios Médicos-Veterinários, para trazer tópicos de grande importância na pediatria
veterinária, em específico da espécie felina, culminando na produção deste Guia.
O GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA tem como principal objetivo trazer
informação e atualização baseado em evidências científicas e na experiência dos autores,
sobre os tópicos mais rotineiros na clínica de pequenos animais. Também deixamos uma lista
de referências de leitura sugerida, aos que queiram se aprofundar mais em determinados
assuntos.
A correta avaliação e manejo da fêmea gestante, bem como do filhote, são os primeiros e mais
importantes pontos envolvidos na saúde e bem estar desses pacientes durante toda a vida.
CRISTINA F. LUCIO
MV, MSc, PhD
É Médica-Veterinária formada pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo.
Mestre e doutora na área de reprodução animal pela FMVZ/USP. Desenvolveu e concluiu projeto de pós-doutorado
na área de reprodução animal, também pela FMVZ-USP. Atualmente atua como docente na Faculdade de Medicina
Veterinária da Universidade Metropolitana de Santos (UNIMES), onde é orientadora no programa de mestrado stricto
sensu em “Medicina Veterinária no meio ambiente litorâneo”. Também é docente no curso de graduação em medicina
veterinária no Centro Universitário das Américas - FAM e na Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS). É
professora em cursos de pós-graduação lato senso e ministra palestras em congressos e cursos na área de reprodução
de cães e gatos.
DANIELA RAMOS
MV, MSc, PhD, DipCLEVE
É Médica-Veterinária formada pela FMVZ-USP. Possui mestrado em Comportamento Animal Aplicado pela Universidade
de Lincoln (Inglaterra), além de doutorado e pós-doutorado em Clínica Médica (Comportamento) pela FMVZ-USP.
Também possui certificação em Bem-Estar Animal pelo Cambridge e-learning/Bioethicus e em Comportamento Felino
Avançado pela ISFM. É diplomada “de facto” pelo Colégio Latinoamericano de Etologia Clínica Veterinária (CLEVE) e
sócia-fundadora da ABMEVEC (Associação Brasileira de Medicina Veterinária Comportamental). Fundou a primeira
clínica veterinária brasileira de comportamento canino e felino, a PSICOVET, e atualmente é consultora, palestrante e
pesquisadora na área do comportamento animal.
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FERNANDA V. AMORIM DA COSTA
MV, MSc, PhD
Possui graduação e mestrado em medicina veterinária pela Universidade Federal Fluminense (UFF), além de
doutorado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em Ciências Veterinárias. Fez estágio (internship)
no Alamo Feline Health Center no Texas, EUA, em 2006 e 2018. É membro fundador e atual Presidente da Academia
Brasileira de Clínicos de Felinos (ABFel). Autora do livro Oncologia Felina em 2017. Autora de diversos capítulos em
livros nacionais e internacionais sobre Medicina Felina. Ministra Palestras sobre Medicina Felina em Congressos
no Brasil há mais de 20 anos e já publicou mais de 70 artigos em periódicos científicos da área de medicina felina.
Foi Professora Associada de Clínica Médica de Felinos Domésticos, Coordenadora do Serviço de Medicina Felina do
Hospital de Clínicas Veterinárias e tutora dos Residentes de Clínica Médica de Pequenos Animais, Coordenadora e
Docente do Curso de Especialização em Clínica Médica de Felinos Domésticos no Departamento de Medicina Animal,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul de 2011 a 2022. Desde então realiza exercício provisório como Professora
Associada de Clínica Médica de Felinos Domésticos do Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinárias da Universidade
Federal de Minas Gerais, aonde também realiza tutoria dos Residentes de Clínica Médica de Pequenos Animais.
Também é Pesquisadora, membro permanente e orientadora nos cursos de mestrado e doutorado do Programa de
Pós-graduação em Ciências Veterinárias da UFRGS e de mestrado em Ciência Animal da UFMG. É membro da Academy
of Feline Practitioners e International Society of Feline Medicine.
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106 Cuidados de saúde com a gata gestante e lactante
Cuidados especiais com o neonato 107 Cuidados de saúde com o filhote
40 Introdução 114 Acompanhamento do crescimento dos gatos filhotes
40 Mortalidade neonatal 120 Manejo amigável e a importância das experiências positivas nas
40 Transição fetal-neonatal primeiras fases da vida
41 Assistência neonatal imediata ao parto 121 Cuidados essenciais com o ambiente do filhote
48 Fisiologia do filhote no primeiro mês de vida 123 Cuidados sobre saúde oral, unhas e pelagem
50 Principais doenças do período neonatal 124 Beneféicios da esterilização, idades recomendadas e modificações
62 Cuidados com neonatos órfãos metabólicas associadas
63 Conclusão 126 Orientações sobre sinais de doenças
64 Anexos 128 Principais doenças infecciosas e parasitárias
67 Referências 139 Diretrizes gerais sobre vacinação de gatos filhotes
145 Principais doenças congênitas e de padrão racial
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151 Reeferências
Cuidados da gestante ao infante: Nutrição
70 A nutrição da gata gestante
73 A nutrição da gata lactante
75 A nutrição do neonato
78 Desenvolvimento dos filhotes
85 Referências
ABREVIATURAS
ABREVIATURA SIGNIFICADO ABREVIATURA SIGNIFICADO
ALT Alanina Aminotransferase IV Via Intravenosa
BID Duas vezes ao dia LH Hormômio Luteinizante
bpm Batimentos por minuto mpm Movimentos por minuto
CMH Cardiomiopatia hipertrófica NEC Necessidade Energética de Crescimento
DP Doença policística NEM Necessidade Energética de Manutenção
ER Escore de Reflexos NER Necessidade Energética em Repouso
FA Fosfatase Alcalina NRC National Research Council
FC Frequência Cardíaca (Conselho Nacional de Pesquisa)
FCoV Coronavírus Felino PC Peso Corporal
FCV Calicivírus Felino PCR Reação em Cadeia da Polimerase
FEDIAF European Pet Food Industry Federation PEEP Pressão Expiratória Final Positiva
(Federação Europeia da Indústria de Alimentos PIF Peritonite Infecciosa Felina
para Animais de Estimação) PIP Pico de Pressão Inspiratória
FeLV Vírus da Leucemia Felina PTH Paratormônio
FHV e FHV-1 Herpesvírus Felino RED Requerimento Energético Diário
FiO2 Fração Inspirada de Oxigênio SC Via Subcutânea
FIV Vírus da Imunodeficiência Felina SDR Síndrome do Desconforto Respiratório
FPV Vírus da Panleucopenia Felina SID Uma vez ao dia
FR Frequência Respiratória SIRS Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica
FSH Hormônio Folículo Estimulante SL Via Sublingual
GGT Gama-Glutamiltransferase SN Sistema Nervoso
GH Hormônio do Crescimento SpO2 Saturação Periférica de Oxigênio
GnRH Hormônio Liberador de Gonadotrofina TC Temperatura Corporal
HT Hematócrito TID Três vezes ao dia
IgA Imunoglobulina A TN Tríade Neonatal
IgG Imunoglobulia G UI Unidade Internacional
IM Intramuscular UR Umidade Relativa do Ar (%)
IN Isoeritrólise Neonatal VO Via Oral
IO Via Intraóssea VPP Ventilação com Pressão Positiva
CUIDADOS OBSTÉTRICOS:
DA GESTAÇÃO AO PARTO
CRISTINA F. LUCIO
FISIOLOGIA DA GESTAÇÃO DA GATA
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• Gatas que apresentam ovulação, seja • O parto acontece com concentração de
ela induzida pela cópula ou espontânea, progesterona inferior a 2 ng/mL, mas a
apresentam aumento da concentração de concentração basal só é alcançada após o
progesterona sérica. término do parto.
• A progesterona é produzida tanto pelo corpo • Gatas gestantes apresentam concentração
lúteo, que é a fonte primária, quanto pela de estradiol baixa ao longo da gestação, com
placenta na gata gestante. ligeiro aumento em torno de uma semana
• A concentração plasmática da progesterona antes do parto.
na gata gestante aumenta até a terceira
semana, quando alcança um platô. Na quinta
semana é iniciada a diminuição da sua
concentração sérica.
Fertilização
Dia 32
Formação das pálpebras
Período embrionário
Dia 33
O feto mede cerca de 3 cm
Dia 45
Os pelos começam a crescer
Período fetal
até o final da gestação
Dia 50
O corpo é bem proporcionado
e o feto mede cerca de 10,7 cm
Dia 57 Nascimento
Ossificação do sacro dia 63
Diagnóstico da gestação
Algumas mudanças corpóreas são cm de diâmetro. Após esta idade gestacional
características nas gatas gestantes: ocorre aumento da quantidade de líquido de
• Aumento do peso a partir da segunda semana útero, inviabilizando a técnica.
de gestação.
• Aumento das glândulas mamárias a partir do A ultrassonografia é a ferramenta mais
21º dia de gestação. utilizada para diagnóstico de gestação, pois
• O s t e t o s a d q u i r e m u m a c o l o r a ç ã o possibilita a identificação do embrião ou feto
avermelhada e os pelos ao seu redor ficam no útero. Pode ser realizado com 14 dias para
rarefeitos (Figura 1). diagnóstico de gestação. É possível a avaliação
da idade gestacional baseada nas estruturas
A palpação abdominal é uma técnica que e dimensões fetais e avaliação da viabilidade
permite identificar a presença de vesículas fetal ao final da gestação (Tabela 1). No entanto,
embrionárias no útero. Contudo, é melhor é importante ressaltar que estes valores são
se realizada entre 21 e 25 dias após o indicadores da idade gestacional, e dependem
acasalamento. Neste período as vesículas da sensibilidade e qualidade de imagem
embrionárias medem aproximadamente 2,5 produzida pelo aparelho utilizado na avaliação.
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A
Figura 1: (A) Perda de pelos ao redor do teto. (B) Coloração avermelhada do lado do teto. [Imagens cortesia de Gatil Miadore]
20
• É importante que a caixa tenha altura que
impeça a saída dos filhotes, mas permita
a saída da mãe.
• A caixa maternidade deve ser recoberta
com superfície absorvente, podendo
ser tapete higiênico ou toalha. Evitar
jornal, devido a questões higiênicas, e
superfícies felpudas, onde a gata pode
ter as unhas enroscadas.
EUTOCIA NA GATA
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ACOMPANHANDO O
PARTO DA GATA
Terceiro estágio
Neste estágio ocorre a expulsão dos envoltórios O parto da gata deve ser monitorado, com
fetais. interferência apenas quando necessário.
• A placenta é expulsa após o nascimento do • Anotar os horários dos nascimentos, auxilia
filhote, por este motivo, o terceiro estágio é no diagnóstico de prolongamento do tempo
alternado com o segundo estágio durante o das contrações expulsivas ou, no aumento do
parto. intervalo entre o nascimento dos filhotes.
• A g a t a p o d e e x p u l s a r a p l a c e n t a • A gata deve fazer a ruptura da membrana
imediatamente após cada filhote ou alguns amniótica dos recém-nascidos, porém, caso
minutos após a expulsão fetal. ela não faça, o Médico-Veterinário deve liberar
• Quando ocorre expulsão de dois filhotes sem as vias aéreas do filhote e ligar o cordão
placenta, pode ser observada a eliminação umbilical (Figura 2).
das duas placentas na sequência. • Evitar acesso de outros animais e outras
• Algumas gatas ingerem a placenta, no pessoas no momento do parto da gata.
entanto, quando ingeridas em grande • Avaliar a gata quando as contrações
quantidade, é comum o desenvolvimento de expulsivas durarem mais de 30 minutos sem
diarreia. nenhum nascimento, ou quando passar de 2
horas sem o nascimento de nenhum filhote e
ausência de contrações abdominais.
As distocias são os partos que não evoluem de Veterinário, nestas situações, deve dar
forma fisiológica e necessitam da assistência seguimento ao exame clínico de forma objetiva,
especializada para que, tanto a parturiente, pois a depender do momento e do tipo de
quanto a ninhada sobrevivam. Em gatas, é distocia, tanto os filhotes que ainda não foram
relatada uma incidência entre 3,3 e 5,8% de expulsos quanto a própria gata, podem ter
partos distócicos, porém as raças apresentam comprometimento do quadro clínico e risco de
variações, como o Sagrado da Birmânia, em que morte.
15% dos partos evoluem para distocia.4,5 • O exame deve obter informações de gestações
anteriores, data do acasalamento, data
As causas da distocia podem ser relacionadas e horário do início do parto e horário do
a fatores maternos, como falhas na contração nascimento do último filhote.
uterina ou alterações que impedem a adequada • Além do exame físico geral, é importante
expulsão do filhote, ou fatores fetais, como fetos uma avaliação reprodutiva, com palpação
gigantes ou alterações na estática fetal. abdominal, inspeção de vulva e toque vaginal.
• Exames laboratoriais podem ser necessários
Identificando a distocia na gata na decisão da conduta terapêutica; porém, é
São indícios de que o parto da gata não está importante que o resultado seja obtido o mais
evoluindo normalmente: rápido possível.
• Gestação com duração superior a 71 dias • Dentre os exames laboratoriais que podem
do primeiro acasalamento ou quando a auxiliar no diagnóstico da distocia, destacam-
progesterona atinge valor inferior a 2 ng/mL, se o hemograma, a dosagem do cálcio sérico
sem indício de proximidade do parto. e a dosagem da glicemia.
• Intervalo superior a 4 horas entre ruptura da • Exames ultrassonográficos fornecem
membrana corioalantoideana e expulsão do informações como idade gestacional e
primeiro feto. viabilidade dos fetos, por meio da contagem
• Duração superior a 2 horas no intervalo da frequência cardíaca fetal. A frequência
entre expulsões fetais, contudo, considerar a cardíaca fetal média é de 228,2 ± 35,5 bpm.
possibilidade de parto interrompido. Valores iguais ou inferiores a 180 bpm indicam
• Contrações abdominais intensas sem sofrimento fetal. É recomendado atendimento
expulsão fetal durante 30 minutos. emergencial para valores inferiores a 160
• Expulsão parcial do filhote pela vulva sem bpm.
evolução, mesmo com contrações abdominais • O exame radiográfico possibilita a contagem
intensas. do número de fetos e a avaliação da passagem
• Corrimento vaginal sanguinolento intenso pelo canal pélvico, principalmente.
antes da expulsão do primeiro filhote ou no • O tutor deve ser sempre informado sobre a
intervalo entre expulsões. conduta clínica, o diagnóstico e prognóstico
referente à sobrevivência da gata e dos
Avaliação clínica da parturiente filhotes. Além disso, os custos envolvidos na
A gata gestante deve ser examinada quando avaliação e procedimentos clínicos devem
é identificado o prolongamento da duração ser informados, inclusive gastos futuros
da gestação ou quando o trabalho de parto que envolvam internação e manutenção da
não evoluir de forma fisiológica. O Médico- ninhada, caso precisem ser internados.
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PRINCIPAIS DISTOCIAS NA GATA
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FLUXOGRAMA DAS DISTOCIAS DA GATA
RUPTURA DA MEMBRANA
CORIOALANTOIDEANA
AVALIAÇÃO MATERNA
E FETAL
Eclâmpsia
Eclâmpsia, também chamada de hipocalcemia entanto, caso haja uma recorrência do quadro
ou tetania puerperal, é a perda excessiva de clínico, os filhotes devem ser desmamados da
cálcio que pode acometer a fêmea no final da mãe e alimentados via mamadeira com um
gestação, devido à mineralização óssea do feto, sucedâneo do leite adequado para filhotes de
ou durante a lactação. Dietas inadequadas gato.
ou suplementação excessiva de cálcio podem • F ê m e a s g e s t a n t e s q u e d e s e n v o lv e m
contribuir para o desenvolvimento da afecção. hipocalcemia podem ser tratadas com
gluconato de cálcio administrado por via
Além disso, ninhada numerosa e fêmeas com intravenosa e, posteriormente, continuar
baixa condição corporal, podem ser mais recebendo suplementação oral de cálcio (100
suscetíveis ao desenvolvimento de eclâmpsia. mg/kg, VO, BID) até um mês após o parto.
• Quando se trata de gestantes, é possível que Essa estratégia permite manter a lactação
as fêmeas desenvolvam o quadro clínico entre da fêmea, mesmo após o tratamento da
3 e 17 dias antes do parto. hipocalcemia
• Lactantes podem desenvolver o quadro clínico
entre 2 e 4 semanas pós-parto. Produção insuficiente de leite
• O quadro clínico é caracterizado por A produção insuficiente de leite pode se
letargia, tremores e fasciculação muscular, manifestar em gatas que passaram por
marcha rígida, desidratação, mucosas situações estressantes ou por uma cesariana
hipocoradas, hipotermia, dispneia, taquipneia prematura. A baixa ingestão de calorias e
e bradicardia. As gatas podem apresentar gorduras durante o período puerperal pode
hiperexcitabilidade, hipersensibilidade ou levar à diminuição ou até bloqueio da lactação.
paralisia flácida, diferente do observado em • A produção insuficiente de leite em gatas
cães. Além disso, podem desenvolver quadro pode ser identificada pelo choro constante e
gastrointestinal, como vômito e diarreia. ininterrupto da ninhada, que demonstra uma
• O diagnóstico é baseado nos achados clínicos fome intensa e não consegue ser saciada
associado à dosagem de cálcio ionizado durante a amamentação.
e total, os quais estão abaixo do limite • As fêmeas com baixa produção de leite
fisiológico na fêmea com eclâmpsia. devem receber dieta com maior quantidade
• Em fêmeas lactantes, o tratamento é baseado de calorias no período pós-parto para auxiliar
na administração intravenosa lenta de solução no aumento da produção de leite.
contendo gluconato de cálcio a 10%, no • O tratamento medicamentoso pode envolver
volume de 2 a 5 ml, durante 5 minutos. Caso a administração de ocitocina injetável ou
não tenha remissão dos sinais clínicos, deve- intranasal. Essa substância é capaz de induzir
se repetir a administração. A suplementação a descida do leite, mas não tem efeito na
oral pode ser realizada na dose diária de 250 produção de leite em si.
a 500 mg de gluconato de cálcio. • A metoclopramida, uma droga que estimula
• Embora seja recomendado realizar o a liberação de prolactina endógena da
desmame, em alguns casos nos quais os gata, pode ser administrada por via oral ou
filhotes ainda são muito jovens, é possível injetável, a cada 8 horas. Neste caso, além
tentar manter a lactação associada à da descida do leite, a prolactina estimulará a
suplementação e adequação da dieta. No produção em algumas gatas.
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Mastite
A mastite é uma complicação pós-parto que • Mastite com presença de flutuação à
resulta da inflamação da glândula mamária, palpação, consequência de abscesso, deve
causada por infecção bacteriana. Essa condição ser drenada e tratada como ferida aberta. Os
pode ser observada em fêmeas em lactação ou filhotes devem ser removidos do aleitamento
que apresentaram pseudociese (Figura 4). materno e tratados com aleitamento artificial
• A porta de entrada mais comum das bactérias ou ama de leite.
é o teto da glândula mamária, decorrente do
processo de amamentação, mas também Metrite
pode ocorrer devido a traumas ou má higiene A metrite é uma infecção uterina causada por
do ambiente. bactérias vaginais, vindas por via ascendente.
• Os agentes mais comumente encontrados Essa infecção é frequentemente observada
em quadros de mastite são: Escherichia coli no período pós-parto e é favorecida por
e bactérias dos gêneros Streptococcus sp. e fatores como prolongamento do parto, trauma
Staphylococcus sp. decorrente da distocia, retenção de placenta ou
• Clinicamente as fêmeas apresentam uma ou do feto.
mais glândulas com aumento de temperatura, • Clinicamente, a metrite leva à depressão,
edemaciadas e sensíveis ao toque, que levam anorexia, febre, falta de cuidado e até rejeição
à relutância em amamentar os filhotes. Em da ninhada pela gata, corrimento vaginal
casos graves, pode ocorrer quadro sistêmico, fétido que pode ter aspecto sanguinolento e/
com febre, anorexia e letargia. Alguns animais ou purulento.
podem desenvolver abscesso e necrose na • O diagnóstico é baseado em avaliação clínica,
glândula afetada. exame ultrassonográfico identificando
• O tratamento envolve o uso de antibiótico aumento de volume uterino com presença
de amplo espectro e, de preferência, de conteúdo, e hemograma para identificar
escolhido com base no resultado da cultura presença de leucocitose com desvio à
e antibiograma da secreção da glândula esquerda ou leucopenia e trombocitopenia.
afetada. • Através do exame da secreção vaginal é
• O uso de amoxicilina com clavulanato ou possível identificar a presença de neutrófilos
cefalexina são opções seguras para os filhotes degenerados e macrófagos com bactérias
na amamentação. intracelulares, bem como realizar o exame de
• O uso de compressas mornas e a retirada cultura. Entre as bactérias mais comumente
frequente do leite são medidas que auxiliam identificadas em casos de metrite estão
na recuperação da glândula. Escherichia coli, Salmonella sp., Campylobacter
• O s f i l h o t e s p o d e m c o n t i n u a r s e n d o sp., Chlamydia sp., Staphylococcus sp. e
amamentados caso a mastite aguda seja Streptococcus sp.
identificada e tratada no início da infecção, • A metrite não deve ser confundida com
com o benefício da drenagem frequente da p i o m e t ra , u m a ve z q u e n a m e t r i te a
glândula. No entanto, é importante considerar concentração de progesterona está baixa, não
o desconforto da sucção pelos filhotes. Nestes sendo este um fator que intensifica o quadro
casos, uma alternativa é manter a ordenha clínico apresentado.
manual da glândula e evitar o acesso dos • O t r a t a m e n t o d e v e s e r i n i c i a d o co m
filhotes até que ocorra a plena recuperação. a separação dos filhotes da mãe e
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GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 31
O ciclo estral da gata é didaticamente dividido • A ovulação ocorre aproximadamente 24
em proestro, estro, interestro, diestro e anestro. a 30 horas após a liberação de LH, e é
caracterizada pela ruptura do folículo ovariano
• O proestro é a fase em que ocorre o início e liberação o oócito para a tuba uterina, local
do desenvolvimento dos folículos ovarianos, onde ocorre a fecundação.
sob ação do hormônio folículo estimulante • Gatas que não são acasaladas e que não
(FSH). Nesta fase, também ocorre o início apresentam ovulação espontânea apresentam
da produção de estradiol pelos folículos regressão do folículo ovariano e degeneração
em desenvolvimento. O proestro passa do oócito no seu interior.
despercebido na maioria das vezes, devido • Após o estro, a gata pode evoluir, do ponto de
à sua curta duração, podendo durar entre vista reprodutivo, para uma das 3 situações
24 horas e 2 dias. Nesta fase as mudanças seguintes (Figura 5):
comportamentais são discretas, como roçar 1. Não ser acasalada e não apresentar
o pescoço contra objetos, porém, sem a ovulação espontânea, ou ser acasalada,
aceitação da monta pelo reprodutor. mas sem ocorrer ovulação: Nesta
• O crescimento contínuo dos folículos ovarianos situação, a gata apresenta um ciclo
culminam no aumento da concentração de anovulatório e iniciará uma fase de
estradiol circulante na gata, o qual alcança repouso sexual chamada interestro. Esta
um pico plasmático. Neste momento, ocorrem fase tem duração variável entre as raças,
mudanças comportamentais, referentes à durando entre 9 e 10 dias, podendo chegar
receptividade sexual, caracterizando o estro. a 21 dias. Após este período, a gata pode
O comportamento nesta fase é identificado entrar novamente em proestro/estro ou,
por vocalização frequente, roçar o corpo se a fêmea apresentar estacionalidade
contra objetos, rolamento no chão e atração reprodutiva, entrar em anestro até a
do reprodutor. O toque na região lombar, ou próxima estação reprodutiva.
mesmo na região perineal, induz na gata uma 2. Ser acasalada, ovular e não emprenhar:
postura de lordose, com elevação da cauda e Neste caso, ocorrerá a formação de
exposição da genitália. um corpo lúteo no ovário, o qual produz
• O proestro tem duração de 1 a 2 dias, quando progesterona, caracterizando uma
identificado, enquanto o estro pode durar até fase reprodutiva chamada de diestro,
7 dias. pseudociese ou pseudogestação. Esta
• A ovulação da gata é induzida pela cópula, fase pode durar entre 30 e 40 dias, que é o
contudo, algumas fêmeas podem apresentar tempo de duração do corpo lúteo no ovário
ovulação espontânea. da fêmea não gestante.
• A indução da ovulação ocorre pelo estímulo 3. Ser acasalada, ovular e emprenhar: A
tátil das espículas penianas na mucosa vaginal. gata gestante está em uma fase chamada
Este estímulo promove um estímulo nervoso diestro gestacional, caracterizado pela
que resulta na liberação reflexa do hormônio presença de um corpo lúteo ovariano,
luteinizante (LH) pela hipófise. Quanto maior produtor de progesterona. Neste caso,
o número de cópulas, maior o estímulo e, o corpo lúteo tem a mesma duração da
portanto, maior a concentração circulante de gestação.
LH. Estima-se que 50% das gatas evoluam
para a ovulação com apenas uma cópula.
32
• O anestro é uma fase de repouso reprodutivo. deste bloqueio, os ovários não terão
Em gatas, o anestro estacional é observado desenvolvimento de folículos e a gata não
nos dias curtos, ou seja, quando há menor apresentará comportamento de aceitação de
luminosidade e, consequentemente, elevada monta.
concentração de melatonina circulante. A • Aproximadamente 2 meses após o solstício
melatonina é um hormônio produzido pela de inverno, período que ocorre aumento
glândula pineal, na ausência do estímulo gradual das horas de luz ao longo do dia, a
luminoso. Em felinos, a melatonina tem gata retorna à ciclicidade e volta a apresentar
efeito bloqueador no centro regulador da estro.
reprodução, o hipotálamo. Como resultado
ESTRO
O controle populacional dos felinos é uma • Os gatos que são castrados antes da
preocupação constante, devido à sua elevada puberdade apresentam genitália externa com
eficiência reprodutiva. As opções para promover aspecto infantil quando em comparação com
a contracepção dos felinos envolve desde a animais gonadectomizados após a puberdade
castração até o uso de fármacos para bloquear ou com gatos não castrados.
o ciclo reprodutivo das fêmeas. • Gatos machos castrados até dois meses
de vida podem não conseguir exteriorizar o
Castração cirúrgica pênis, o que não acontece quando a castração
A gonadectomia é a técnica comumente ocorre após os sete meses.
realizada para controle definitivo da reprodução. • A relação entre a castração de gatos jovens
• Normalmente, os gatos são castrados após e a doença do trato urinário inferior ainda
os 6 meses, quando atingem a puberdade, é questionada. Alguns estudos relatam
porém, existe a possibilidade de realizar não haver correlação entre a castração e a
o mesmo procedimento em animais pré- maior incidência de obstruções urinárias,
púberes, ou seja, antes dos seis meses. A enquanto um estudo evidencia esta relação,
castração de animais pré-púberes, tem como contudo, associando também ao sobrepeso
objetivo intensificar o controle populacional, ou obesidade de gatos machos e fêmeas..9,10
impedindo que animais inteiros sejam doados • A castração pediátrica foi associada com
ou vendidos para tutores. menor incidência de asma felina, tanto em
• A castração antes dos animais alcançarem machos quanto em fêmeas.
a puberdade é chamada de castração • Apesar de não ser uma consequência
pediátrica. mandatória, a castração pode ter relação
• Não há diferença na dificuldade para com aumento de peso corpóreo, ao redor
a execução das diferentes técnicas de de 20% em relação ao peso inicial. Este
gonadectomia, tanto em machos quanto em aumento de peso acaba sendo desencadeado
fêmeas, quando comparados animais que por mudanças no metabolismo da glicose e
alcançaram a puberdade e pré-púberes. 8 diminuição da taxa metabólica.
Entretanto, deve ser considerada a menor • A l é m d i ss o , g a to s e g a ta s ca st ra d a s
dimensão das estruturas e dos riscos da apresentam maior risco no desenvolvimento
perda sanguínea, mesmo em pequena de diabetes mellitus, em comparação a
quantidade, pelo filhote com menos de 6 animais inteiros.
meses de idade.
• A re m o ç ã o d a s fo n te s d e h o r m ô n i o s Quando realizar a castração cirúrgica?
re p ro d u t i vo s , i m p e d e q u e a s f ê m e a s De fato, não há uma regra para a escolha da
apresentem ciclicidade e, portanto, o idade ideal para a castração de felinos. Este
comportamento de receptividade sexual questionamento deve levar em consideração
estará suprimido de forma permanente. diversos aspectos antes de ser respondido:
• A ausência dos hormônios reprodutivos reduz • Animais que vivem em abrigos devem ser
o comportamento de marcação territorial por castrados antes de serem disponibilizados
meio da pulverização da urina no ambiente. para adoção, independentemente da idade,
Além disso, é observada diminuição da pensando no controle populacional e no
agressividade pela ausência da testosterona consequente benefício social.
em machos. • Gatos machos castrados antes da puberdade
34
apresentam redução do comportamento g o n a d o t ro f i n a ( G n R H ) , s e c re ta d o p e lo
agressivo e da marcação territorial. hipotálamo, impedindo o desenvolvimento e
• Gatos domiciliados devem ser avaliados maturação dos folículos ovarianos.
individualmente e a indicação da castração é • Os fármacos são à base de acetato de
feita caso os animais tenham acesso à rua de medroxiprogesterona e acetato de megestrol.
forma periódica. • O uso deve ser feito durante o anestro ou
• Em resumo, é importante uma conversa com interestro, ou seja, quando não há atividade
o tutor, avaliando os riscos e benefícios da ovariana e repouso reprodutivo da fêmea.
castração para aquele indivíduo, para que • Os efeitos colaterais do uso de progestágeno
juntos seja tomada a decisão mais vantajosa são relacionados à inibição da glândula
para o animal. adrenal, desenvolvimento de poliúria e
polidipsia e aumento da incidência de diabetes
Fármacos com ação contraceptiva mellitus.
A l é m d o p ro ce d i m e n to c i r ú rg i co d e • Na glândula mamária, tem relação com o
gonadectomia, existe a busca por métodos desenvolvimento de hiperplasia mamária
contraceptivos que sejam temporários e de fácil fibroepitelial e tumores de mama.
administração.
Progestágenos
Os progestágenos são fármacos que atuam
de forma semelhante à progesterona. Seu
mecanismo de ação se dá pela redução
da liberação do hormônio liberador de
40
• O estímulo de lambedura pela mãe na região
do tórax, face e cordão umbilical dos filhotes. ASSISTÊNCIA NEONATAL IMEDIATA
• A sensação térmica de frio com o resfriamento AO PARTO
imediato após o nascimento.
• A moderada privação de oxigênio pelo
mecanismo do parto. Ao nascimento, a gata deve prestar assistência
ao filhote imediatamente após expulsá-
Assim que o filhote nasce, suas primeiras lo, rompendo com sua boca a membrana
inspirações devem ser profundas, pois é através amniótica (se íntegra) e lambendo o filhote na
delas que ocorre a expansão dos pulmões região do tórax, abdômen e face. O filhote deve,
pelo ar. O líquido amniótico que preenche os então, começar a chorar e respirar, e se após
alvéolos e sáculos do feto é gradativamente 5 a 10 segundos do nascimento, a mãe não
absorvido pela circulação sanguínea e linfática tiver prestado assistência, ou o neonato não
dos pulmões, ao longo de 4 a 6 horas pós- apresentar respiração espontânea, vocalização
natais, porém, o filhote não deve apresentar e tônus muscular, o Médico-Veterinário deve
dispnéia e cianose. Esse processo pode ser intervir imediatamente.
mais demorado nas cesarianas, implicando em
possíveis retardos na adaptação respiratória Os neonatos devem ter as narinas e boca
nestes pacientes. Com a expansão pulmonar e limpas e desobstruídas com auxílio de um
a absorção do líquido alveolar, há a diminuição pano limpo e seco. Pode-se fazer a aspiração
da resistência vascular local. Em consequência, do conteúdo amniótico presente nos condutos
o fluxo sanguíneo que chega aos pulmões nasais, por meio de bomba de sucção nasal
aumenta, garantindo a hematose e a elevação neonatal humana, ou sondas uretrais acopladas
da oxigenação sanguínea. a seringas. Então, deve-se massagear
intensamente o filhote na região do tórax, com
Quando não há a correta transição fetal- toalha limpa, seca e aquecida.
neonatal, os filhotes apresentam hipóxia
prolongada e podem evoluir para a Síndrome do Após estes primeiros cuidados, deve-se
Desconforto Respiratório (SDR). Os principais realizar o exame clínico do neonato, por
sinais clínicos relacionados aos quadros de meio do escore de vitalidade neonatal Apgar
hipóxia e SDR neonatal são: adaptado (Tabela 1) em até 30 segundos. Filhotes
• Alterações respiratórias, como: taquipneia, nascidos de cesariana apresentam, ao longo
ruído respiratório patológico, seguidos de da primeira hora de vida, redução de escore
progressiva dispnéia, padrão respiratório Apgar, saturação de oxigênio (SpO2), frequência
superficial com arfadas e apneia. respiratória (FR) e reflexos, além de aumento
• Letargia. da glicemia em relação aos neonatos de parto
• Tônus muscular flácido. vaginal. 6 Filhotes nascidos de parto vaginal
• Baixo escore Apgar ao nascimento. devem apresentar escore Apgar maior que 8 ao
• Anorexia e perda do reflexo de sucção. nascimento, e próximo a 10, em até uma hora
• Vômitos. de vida. Filhotes nascidos de cesariana devem
• Alteração de coloração de mucosas, como apresentar escore Apgar maior ou igual a 7 ao
cianose e palidez. nascimento e maior ou igual a 9, em até uma
hora de vida.
O co rd ã o u m b i l i ca l d eve s e r o c l u í d o a
aproximadamente 0,5 cm de distância do
abdômen e seccionado somente 3 minutos
após o nascimento, para que o fluxo sanguíneo
residual placentário drene em direção ao
filhote. O cordão umbilical é uma importante
porta de entrada para bactérias, predispondo
às infecções e desenvolvimento da sepse
neonatal. Deste modo, deve-se fazer uma
ligadura de nó duplo, com fio inabsorvível no
cordão umbilical, a uma distância de 0,5 a 1
cm da parede abdominal, cortar e descartar
o restante do cordão e placenta. Em seguida,
deve-se aplicar solução de clorexidina, ou álcool
70%, ou iodopovidona a cada 12 horas até a
queda do coto umbilical, que ocorre em até 3
dias do nascimento.
42
VARIÁVEL NOTA 0 NOTA 1 NOTA 2
FC (bpm) <100 bpm 100 a 199 bpm 200 a 260 bpm
FR: 10 a 39 mpm
Dispneia, bradipneia ou FR: 40 a 160 mpm
FR: 0 a 10 mpm taquipneia, respiração Eupneia, murmúrio
Padrão respiratório
Apneia superficial, arfadas. vesicular à ausculta,
Sibillos, crepitacões e respiração rítmica
estertores à esculta
Parcial
Bom
Flácido Leve contração
Contração muscular de
Ausência de contração muscular de membros,
Tônus muscular membros e sustentação
muscular e sustentação sem sustentação da
de cabeça em decúbito
da cabeça cabeça em decúbito
dorsal
dorsal
Presente, porém
Presente e normal,
discreta, ao proceder
Irritabilidade reflexa Ausente ao proceder estímulo
estímulo doloroso em
doloroso em dígito
dígito
Coloração de mucosas Pálidas ou cianóticas Cianóticas a róseas Todas róseas
Tabela 1: Escore Apgar adaptado aos neonatos felinos. 6
44
agentes nos neonatos felinos. Nas situações de recomenda-se o uso de adrenalina [dose inicial
bradicardia, recomenda-se massagem torácica de 0,01 mg/kg e doses subsequentes após 1 a
na frequência de 1 a 2 movimentos por segundo, 5 minutos de 0,1 a 0,3 mg/kg, IV ou IO (Figura 5)].
associada à ventilação e, se necessário,
Figura 2: Oxigenoterapia em paciente com má Figura 3: Intubação orotraqueal e ventilação com pressão
adaptação respiratória ao nascimento, apresentando positiva (Ambu) em neonato felino.
dispneia e cianose de mucosas.
Figura 4: Ponto de acupuntura VG26 em filhote Figura 5: Administração de adrenalina em veia jugular de
imediatamente ao nascimento. neonato felino durante assistência neonatal imediata ao
parto. Paciente intubado e ventilado com Ambu.
[Imagens cortesia de Dra. Liege C. Garcia Silva] GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 45
FLUXOGRAMA DE ASSISTÊNCIA NEONATAL
SUCÇÃO ORO-NASAL
NASCIMENTO FRICÇÃO / SECAGEM
AVALIAÇÃO CLÍNICA
30 SEG
30 A 40 SEG
ESTÍMULO RESPIRATÓRIO CONTROLE DE TEMPERATURA
AQUECIMENTO / FRICÇÃO TORÁCICA
PONTO VG26 • TC > 35 GRAUS
• VPP PEEP +5CM H2O FiO2 40% EM MÁSCARA FACIAL / VPP • INCUBADORA: 33 GRAUS / 60% UR
• FR 15 MRM, FiO2 40% COM AMBU CUIDADOS COM UMBIGO
FC >200 BPM? SpO2 > 90%? FR ESPONTÂNEA? SpO2 > 90%? ALEITAMENTO IMEDIATO
30 A 40 SEG 30 A 40 SEG
30 A 40 SEG 30 A 40 SEG
• 2 A 5 mL/kg SOL.
COLÓIDE IV BOLUS RESPIRAÇÃO ESPONTÂNEA?
FR > 10 SpO2 > 90%
FC AUMENTOU?
30 A 40 SEG
LEGENDA
• ADRENALINA IV 0,1 mg/kg ÓBITO INDICA RESPOSTA POSITIVA
• VPP PEEP + 5 CM H2O, FR 15 MPM FC = 0 POR 3 MIN
• COMPRESSÃO TORÁCICA: 1 A 2 MOV/S INDICA RESPOSTA NEGATIVA
46
A Tabela 4 mostra outros parâmetros de avaliação que estão presentes em neonatos felinos ao
longo do primeiro mês de vida.
PARÂMETROS FISIOLÓGICOS INTERVALO DE NORMALIDADE (MÉDIA)
Peso ao nascimento 100 g (75 a 120 g)
Temperatura corporal 34,4 a 37,5ºC
Frequência cardíaca 220 a 260 bpm
Frequência respiratória 10 a 18 mpm
Coloração de mucosas Rosa intenso
Reflexo de sucção Presente desde o nascimento
Reflexo de deglutição Presente desde o nascimento
Reflexo de posicionamento Presente desde o nascimento
Reflexo de entocamento Presente desde o nascimento
Reflexo de busca do calor Presente desde o nascimento
Autonomia para urinar/defecar 3 a 5 semanas do nascimento
Produção urinária diária 2,5 mL / 100 g peso/dia
Capacidade de ronronar A partir do 2º dia do nascimento
Abertura dos olhos e orelhas 8º ao 13º dia do nascimento
Resposta a sons A partir do 5º dia do nascimento
Resposta condicionada a sons A partir do 10º dia do nascimento
Orientação sonora A partir da 2ª semana do nascimento
Higiene oral 2 a 3 semanas do nascimento
Orientação visual A partir da 3ª semana do nascimento
Desenvolvimento olfatório A partir da 3ª semana do nascimento
Tabela 4: Parâmetros fisiológicos adicionais em neonatos felinos.
Figura 6: Neonato felino de 9 dias de vida abrindo os olhos e orelhas. [Imagem cortesia de Dra. Liege C. Garcia Silva]
Filhotes de gatos são fisiologicamente imaturos débito cardíaco, volume plasmático e pressão
e muitos dos sistemas orgânicos alcançam venosa central.
maturidade completa somente após semanas • A capacidade de contração do miocárdio não
ou meses do nascimento. O conhecimento está completamente desenvolvida, resultando
das particularidades fisiológicas do neonato é em limitada habilidade compensatória a
fundamental para garantir a assertiva avaliação hemorragias, hipertermias e desequilíbrio
clínica e conduta terapêutica neste período ácido-básico. Quadros de arritmia sinusal não
(Tabela 4). são frequentes em neonatos. Os murmúrios
cardíacos graus I a III/IV geralmente são
Termorregulação funcionais e sem significado clínico, e
São particularidades relacionadas à capacidade ocorrem devido ao elevado fluxo sanguíneo
de regular a temperatura: na aorta e artéria pulmonar e ao fechamento
• Neonatos apresentam comportamento das comunicações fetais.
pecilotérmico, ou seja, são incapazes • Por fim, a imaturidade da inervação cardíaca
de manter a temperatura corporal sem dificulta o uso de medicações cronotrópicas
receberem calor através de uma fonte e inotrópicas positivas, nas situações de
ex t e r n a . I ss o p o rq u e , o c o n t ro le d e bradicardia. Em neonatos, a bradicardia é
termorregulação imediata é pouco funcional primariamente reflexa à hipóxia e a quadros
devido a imaturidade do sistema nervoso. de desidratação.
• Ademais, neonatos perdem mais calor, em
comparação aos adultos, pois têm: superfície Função Respiratória
corporal extensa e pele mais permeável, São particularidades respiratórias dos filhotes
menor volume de tecido adiposo subcutâneo; no primeiro mês de vida:
elevado volume urinário (e com a micção, • A FR é mais alta devido ao metabolismo
também perdem calor pela urina); além de elevado. A manipulação do filhote,
não realizarem termogênese por tremores especialmente na região genital, também
musculares e terem baixa capacidade pode elevar a FR.
de vasoconstrição periférica quando em • Possuem padrão respiratório abdominal e
hipotermia. não conseguem expandir profundamente o
• Até o sexto dia de vida, os filhotes produzem tórax, devido à anatomia torácica e fragilidade
calor através da liberação de catecolaminas muscular.
e lipólise de tecido adiposo marrom, e, em • Na primeira hora de vida, a saturação
neonatos de baixo peso, a capacidade de periférica de oxigênio (SpO2) deve se manter
termorregulação é ainda mais deficitária. acima de 85%; e após 12 horas de vida, deve
se manter acima de 90%.
Função Cardiovascular • A ausculta de estertores finos com crepitação
Dentre as particularidades do sistema, citam-se: é esperada e fisiológica nas primeiras 4 a 6
• Em comparação aos gatos adultos, os horas após o nascimento, pois a absorção do
recém-nascidos felinos possuem menor líquido pulmonar é lenta e gradual.
pressão arterial sistêmica, volume corrente e
resistência periférica dos vasos. Sendo assim, Função Gastrointestinal
para manter a adequada perfusão sanguínea Diversas são as particularidades digestivas dos
devem apresentar maior frequência cardíaca, neonatos, dentre elas:
48
• A produção gástrica de ácido clorídrico é • Neonatos não possuem o reflexo vesico-
baixa, acarretando menor acidez estomacal. vesical medular e em consequência, não
Em consequência, há menos hidrólise ácida conseguem urinar espontaneamente. A
de proteínas e combate a agentes infecciosos, micção é estimulada a partir do reflexo
permitindo que bactérias sobrevivam s o m a to - ve s i ca l m e d u l a r , a p a r t i r d a
e proliferem, predispondo à infecções lambedura da mãe na região genital do
gastrointestinais. filhote. A completa capacidade de urinar
• A motilidade intestinal parece ser mais espontaneamente se dá entre a terceira e
responsiva à distensão e ao poder osmótico do quinta semana de vida.
alimento que está na luz intestinal, ao invés
da atividade neuronal. Privação alimentar Função Hepática
prolongada e hipotermia estão associadas à Diversas funções metabólicas hepáticas estão
hipomotilidade gastrointestinal. diminuídas ao nascimento, dentre elas:
• O epitélio gastrointestinal é permeável a • Neonatos possuem imaturidade hepática,
grandes moléculas, como as imunoglobulinas, com estoque de glicogênio limitado e baixa
principalmente durante o primeiro dia taxa de gliconeogênese e glicogenólise.
de vida. Esta permeabilidade começa a Como consequência, são extremamente
declinar 8 horas após o nascimento e cessa dependentes do carboidrato presente na dieta.
completamente após 48 a 72 horas. Por • A metabolização de ácidos biliares e demais
isso, é fundamental que neonatos mamem o vias de biotransformação (como a atividade
colostro em volume e quantidade adequados das enzimas citocromo P450) e de excreção
nas primeiras horas de vida. estão reduzidas, predispondo os filhotes a
intoxicações por medicamentos.
Função Renal • A atividade das enzimas fosfatase alcalina
São particularidades do aparelho urinário: (FA), alanina aminotransferase (ALT),
• No neonato, os rins são estrutural e aspartato aminotransferase (AST), creatina
funcionalmente imaturos, com taxa de quinase (CK) e lactato desidrogenase (LDH)
filtração glomerular e fluxo plasmático renal aumenta significativamente durante o
menores. O amadurecimento completo ocorre primeiro dia de vida, em reflexo do trabalho
até as 8 semanas do nascimento. de parto e absorção do colostro.
• O desenvolvimento correto dos rins pode ser • A produção de proteínas plasmáticas, como
permanentemente afetado pela deficiência a albumina, está reduzida, interferindo na
de taurina, que resulta em diminuição do biodisponibilidade de diversos fármacos.
tamanho do órgão, dilatação ureteral, dentre • O amadurecimento hepático completo ocorre
outras alterações estruturais. após 4 a 5 meses de vida.
• A imaturidade dos glomérulos e a menor
taxa de reabsorção tubular resultam em
proteinúria e glicosúria fisiológicas até a
terceira semana de vida. Ainda, a densidade
urinária varia entre 1,006 e 1,017. Gatos
filhotes entre 2 a 4 semanas de vida
apresentam valores de creatinina em torno
de 0,5 mg/dL.
50
A causa não infecciosa mais comum desta O Fluxograma 2 mostra como ocorre a identificação
síndrome é a Isoeritrólise Neonatal (IN) e dentre das causas de óbito em neonatos felinos.12
as infecciosas, a sepse bacteriana é a principal.
}
• HIPOTERMIA
• HIPOGLICEMIA TN
• DESIDRATAÇÃO
• HIPERTERMIA
MAIOR SUSCEPTIBILIDADE
A INFECÇÕES
• BACTERIANAS
• VIRAIS
TRATAMENTO TRATAMENTO
INADEQUADO EMERGÊNCIA INADEQUADO
OU AUSENTE NEONATO CRÍTICO OU AUSENTE
TRANSLOCAÇÃO BACTERIANA
• INTESTINAL
• UMBILICAL
BACTEREMIA
DISFUNÇÃO
SIRS MÚLTIPLA DOS
ÓRGÃOS
SEPSE
ÓBITO
52
eficientes. O requerimento hídrico é superior de hiperlactatemia, sendo substituído pela
ao adulto, variando entre 60 e 180 mL/kg/ solução de ringer simples ou fisiológica. Em
dia, a depender do grau de desidratação. Nas pacientes com hipovolemia refratária, deve-se
desidratações severas e choque hipovolêmico, administrar solução coloidal in bolus, na dose
deve-se administrar, in bolus, 20 a 30 mL/kg de de 20 mL/kg/hora, com o objetivo de manter a
solução cristalóide aquecida à 37ºC.7 A solução pressão oncótica entre 16 e 25 mmHg. Pacientes
de ringer com lactato é indicada nas situações normo-hidratados, devem ser mantidos em taxa
de hipoglicemia, pois o lactato é o principal de infusão constante de 120 a 180 mL/kg/dia, ou
combustível para o cérebro, na depleção da 3 a 4 mL/kg/hora.
glicose, todavia, deve ser evitado nas situações
Figura 7: Acesso venoso em veia jugular de paciente neonato para fluidoterapia e reposição glicêmica [Imagem cortesia de
Dra. Liege C. Garcia Silva]
54
A temperatura neonatal deve ser mantida com menor incidência em Exótico pelo curto
acima de 35,0°C no primeiro dia de vida, e ir (27%), Scottish Fold (19%), Sagrado da Birmânia
gradativamente se elevando, sendo fisiológico e Somali (18%), dentre outras. Raças como
o intervalo entre 35,0 e 37,0°C. Neonatos Siamês e Burmês possuem apenas animais
hipotérmicos apresentam: com tipo sanguíneo A, logo, a incidência de IN
• Temperatura retal inferior a 35ºC. é nula. Em gatos sem raça definida, estima-se
• Bradicardia. que a incidência de animais com sangue tipo B
• Depressão clínica. seja entre 18 e 23%.
• Diminuição do tônus muscular.
• Perda de reflexos neurológicos, como o de Os gatos possuem um único grupo
sucção. sanguíneo, chamado AB, com os tipos A, B,
e mais raramente, AB. A hereditariedade
A d e m a i s , a h i p o te r m i a g ra ve a ca r re ta do tipo sanguíneo responde ao padrão de
bradicardia, falência cardiovascular, injúria herança simples, com dominância de genes
cerebral, parada gastrointestinal, diminuição caracterizada por A > aab > b, sendo assim:
da atividade linfocítica, além de maior • Gatos do tipo A possuem genótipo AA / Ab /
predisposição à desidratação, hipoglicemia e Aaab.
infecções, logo, os cuidados de aquecimento da • Gatos do tipo B possuem genótipo bb.
ninhada são fundamentais para o bem-estar e • Gatos do tipo AB possuem genótipo aab aab /
sobrevivência. Deve-se prover calor ao neonato aab b.
por diferentes fontes, como luz infravermelha,
bolsas e colchões térmicos e incubadoras, além Os gatos possuem aloanticorpos naturais contra
de estimular o contato da mãe com os filhotes. os demais tipos sanguíneos, por exemplo, um
A temperatura ambiente ideal para neonatos animal tipo B terá aloanticorpos anti-A. Gatos
é de 30 a 33ºC, na primeira semana de vida e não desenvolvem aloanticorpos anti-AB. A
entre 27 e 29ºC, na segunda semana pós-natal, IN surge quando fêmeas do tipo sanguíneo B
com umidade relativa do ar mantida entre 55 acasalam com machos do tipo sanguíneo A,
e 60%. pois a concentração de aloanticorpos anti-A é
A Tabela 5 resume as principais particularidades intensamente elevada. Contrariamente, fêmeas
fisiológicas neonatais que predispõem à Tríade com sangue tipo A têm uma baixa concentração
Neonatal. de anticorpos anti-B, não sendo observada IN
nas ninhadas dessas matrizes. Como a placenta
Isoeritrólise Neonatal Felina (IN) das gatas, do tipo endoteliocorial, permite uma
A isoeritrólise neonatal (IN) é a principal doença irrisória passagem de anticorpos maternos
hemolítica que acomete neonatos felinos, no durante a gestação (apenas de 5 a 10%), a
período pós-parto imediato, após a mamada do maior parte da absorção dos anticorpos será
colostro. A prevalência da IN é desconhecida, pós-natal, pela via intestinal, por meio do
mas é maior quanto mais elevada for a colostro materno. Sendo assim, o colostro
incidência de gatas gestantes com sangue do da gata com sangue tipo B possui grande
tipo B. Há variação entre países e raças. As com quantidade de anticorpos anti-A, e caso um
maior incidência do sangue tipo B são: Van turco neonato com sangue tipo A ou tipo AB mame
(60%), Angorá turco (46%), Devon rex (41%), esse colostro, desenvolverá a IN. Os anticorpos
British Shorthair (36%), Cornish rex (33%), e anti-A reconhecem antígenos específicos na
Figura 8: Paciente neonato em emergência, apresentando, hipoxia (SpO2 de 83%), cianose e bradicardia (FC < 200 bpm)
detectadas pela oximetria de pulso. [Imagem cortesia de Dra. Liege C. Garcia Silva]
56
O diagnóstico é baseado no histórico e anormalidades circulatórias presentes. A sepse
sinais clínicos, e confirmado com a tipagem figura como uma das principais causas de óbito
sanguínea da mãe e filhotes afetados. Orienta- em neonatos, com mortalidade extremamente
se a realização de hemograma dos afetados elevada e evolução aguda do quadro.
para monitoramento da anemia. Idealmente,
toda fêmea destinada à reprodução deve São fatores predisponentes para a sepse
ser previamente testada. Testes de DNA que neonatal:
identificam o alelo recessivo b estão disponíveis • As distocias e falha de assistência imediata
e podem ser realizados desde o nascimento, a ao nascimento.
partir de amostras de swab bucal. • O baixo peso ao nascimento e falhas no ganho
O tratamento deve ser agressivo, imediato e de peso diário.
deve incluir os seguintes passos: • Prematuridade.
• Suspensão imediata do aleitamento na • Tríade neonatal.
mãe, por 16 a 24 horas pós-nascimento, • Anomalias congênitas.
pois esse é o período em que há absorção • Baixa qualidade alimentar.
de imunoglobulinas pela permeabilidade • Falha na transferência passiva de anticorpos
intestinal. colostrais.
• Substituição da fonte de proteção imunológica • Condições ambientais insalubres.
passiva: ama de colostro seguramente do tipo
B, e/ou tratamento com soro de animal adulto, A mãe é, usualmente, a principal fonte de
saudável, vacinado, tipo B (2,2 mL/100g, SC, infecção da ninhada, através de microrganismos
TID). que colonizam sua pele e as cavidades oral,
• Aleitamento artificial ou com ama de leite do gênito-urinária e intestinal. Todavia, a sepse
tipo A, por 24 horas. pode ser secundária a processos infecciosos
• Em anemias severas: transfusão sanguínea adquiridos, como a ascensão bacteriana via
com 2 a 3 mL de sangue tipo A, por 3 dias cordão umbilical e a translocação bacteriana
consecutivos. intestinal. As bactérias mais frequentes
• Em hipóxia: manutenção em incubadora em quadros de sepse são Escherichia coli,
com fração inspirada de oxigênio (FiO2) 40%, seguida de Staphylococcus pseudointermedius,
temperatura entre 30 e 34oC, umidade relativa Streptococcus sp. e Staphylococcus canis,
do ar de 55 a 60%. embora outras enterobactérias, como Klebsiella
• Suporte hídrico, glicêmico e nutricional. spp., Proteus spp., Salmonella spp. sejam
comuns.
Sepse Neonatal
A sepse neonatal é uma disfunção orgânica Os sinais clínicos da sepse neonatal são
co n s e q u e n te à i n e f i c i e n te re s p o sta d o inespecíficos (Figuras 9 e 10) e variam de acordo
hospedeiro frente uma infecção. Como com o foco inicial de infecção, a cepa bacteriana
consequência, há o desencadeamento de e o tempo decorrido. Infelizmente, é comum
uma síndrome de resposta inflamatória o neonato sofrer morte súbita decorrente da
sistêmica (SIRS) em resposta à infecção inicial, sepse não diagnosticada. As manifestações
acarretando injúrias teciduais e disfunção clínicas mais frequentes são:
dos sistemas. Com o agravamento do quadro, • Diarreia.
instala-se o choque séptico, devido às • Letargia e choro constante.
Figura 9: Neonato felino apresentando lesões ulcerativas em pele consequente ao quadro de sepse bacteriana.
Figura 10: Neonato felino apresentando conjuntivite consequente ao quadro de sepse bacteriana. Nota-se o abaulamento
palpebral bilateral pelo acúmulo de secreção purulenta. [Imagens cortesia de Dra. Liege C. Garcia Silva]
58
É imprescindível a realização do hemograma na de ação e sua eficiência já foi comprovada nas
suspeita de sepse, e para tal, é possível coletar infecções neonatais. Amoxicilina com ácido
o volume de 0,7 mL de sangue/100g de peso. clavulânico, na dosagem de 15 a 25 mg/kg, BID;
Na interpretação do hemograma, pode haver ou ceftriaxona, na dosagem de 30 mg/kg, BID,
leucopenia ou leucocitose, porém somente a preferencialmente pela via IV, são sugestões de
leucopenia tem alta especificidade para sepse. uso.
Idealmente, deve-se buscar o isolamento
bacteriano através da hemocultura, pois esse Para a correção hídrica e manutenção da
é considerado padrão ouro para o diagnóstico vasotensão, deve-se instituir fluidoterapia
da sepse. Todavia, são limitações do exame: cristalóide e/ou colóide, como descrito na Tabela 6.
o elevado volume de amostra necessário
(aproximadamente 0,5 a 1,5 mL) e a demora Nos quadros respiratórios, orienta-se fazer
no isolamento bacteriano. Em neonatos, tanto uso da oxigenoterapia, com FiO2 de 0,4 (40%),
a hipoglicemia, como a hiperglicemia podem de modo a garantir uma SpO2 acima de 90%;
estar presentes na sepse e estão relacionadas inalação com 5 mL de solução fisiológica
a maior risco de óbito. O controle da glicemia acrescida de 10 mg N-acetilcisteína a cada 8
deve ser feito, no mínimo, a cada 6 a 12 horas. a 12 horas; aplicação de fluticasona aerossol,
na dosagem de 50 µg/animal, SID ou BID, com
O lactato sérico é um excelente indicador espaçador.
de hipoperfusão, condição comum na SIRS
decorrente da sepse. Infelizmente, não há Ainda, devem ser incluídos no protocolo de
padronização dos valores de lactato sérico para tratamento da sepse:
neonatos felinos. Sabemos que os neonatos • Probióticos.
tendem a apresentar valores de lactato sérico • Alimentação via sonda orogástrica, quando o
superiores aos adultos (0,37-2,81 mmol/L) paciente não possui reflexo de sucção.
no primeiro mês de vida. Logo, sugere-se a • Medicações procinéticas (por exemplo
monitorização do lactato a cada 12 a 24 horas. domperidona, na dosagem de 0,05 a 0,1 mg/
Pacientes sépticos devem ser mantidos em kg, VO, SID) em casos de estase gástrica.
ambiente hospitalar, com acesso venoso • Simeticona (1 gota, VO, TID), em casos de
instituído em veia jugular. O tratamento da timpanismo gástrico.
sepse deve objetivar:
• Combater a infecção. A terapia com soro de um animal adulto
• Manter a estabilidade hemodinâmica do vacinado é benéfica em fornecer anticorpos
paciente. passivos ao paciente. O soro deve ser fornecido
• Manter a perfusão sanguínea e oxigenação aquecido, no volume de 2,2 mL/100g de
tecidual. peso, SC, em 3 aplicações a cada 8 horas. É
• Manter a normoglicemia, normotermia e imprescindível que o animal adulto doador
hidratação do paciente. apresente compatibilidade sanguínea com o
neonato.
Os antibióticos beta-lactâmicos e as
cefalosporinas de terceira geração são opções O Fluxograma 3 resume as principais condutas
de escolha para início da terapia, pois são diagnósticas e de tratamento de neonatos
seguros para os neonatos, têm amplo espectro felinos críticos.
60
FLUXOGRAMA DE DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DO NEONATO CRÍTICO
EMERGÊNCIA NEONATO CRÍTICO
TRATAMENTO IMEDIATO
A orfandade significa a ausência de fatores que • O sucedâneo deve ser fornecido ao filhote
deveriam ser fornecidos à ninhada pela mãe. co m te m p e ra t u ra p róx i m a à 3 8 ° C . O
A solução ideal da orfandade é a obtenção de reaquecimento durante o aleitamento de toda
uma “mãe adotiva” para o filhote ou ninhada, a ninhada pode ser necessário.
pois esta supriria da maneira mais fiel e • Cálculo correto do volume de alimentação,
abrangente todas as necessidades fisiológicas baseado no peso do filhote e capacidade
do órfão. Porém, na maioria das vezes, tal estomacal. Considerar média de 3 a 4 mL/100
solução é inexequível e, então, a intervenção gramas de peso. Nunca forçar alimentação
fundamental deve levar em consideração três caso o filhote não tenha reflexo de sucção,
pilares de atuação: a alimentação, o ambiente e pelo alto risco de broncoaspiração.
a educação/socialização da ninhada, discutidos • Cálculo correto do intervalo entre mamadas.
a seguir. Considerar intervalo de 2 horas nos primeiros
7 dias de vida; então, intervalo de 3 a 4 horas
Cuidados essenciais com o ambiente para até o 14o dia de vida; intervalo de 4 a 5 horas
neonatos órfãos: até a quarta semana de vida.
• Manter a temperatura ambiente controlada, • Programar a correta transição da dieta líquida
entre 30 e 34°C na primeira semana de vida, (sucedâneo) para a pastosa a partir da terceira
e gradualmente decrescendo até 24 a 27°C a quarta semanas de vida.
na terceira semana de vida. Sugere-se o uso
de fontes externas de calor, como incubadora, Cuidados essenciais com o manejo de neonatos
lâmpadas, aquecedores, mantas aquecidas, órfãos:
etc. • Sempre calçar luvas descartáveis para
• Manter a umidade relativa do ar entre 55 e manipular a ninhada órfã.
60%. • Pesar os filhotes duas vezes ao dia e calcular
• Manter o ambiente higienizado e ventilado. a taxa de ganho de peso. Idealmente, os
• Providenciar caixa para filhotes forrada com filhotes devem ganhar de 7 a 10% de peso/dia
panos aquecidos e limpos e coberta com durante o período neonatal. Filhotes órfãos
tapetes higiênicos. em aleitamento artificial apresentam menor
• Uso de instrumentos apropriados para o velocidade de ganho de peso, mas devem
aleitamento: mamadeiras, bicos de diferentes ganhar peso diariamente.
tamanhos e espessura. • Estimular, até 3 a 4 semanas de vida, a região
• Cuidados com higienização e esterilização dos anogenital com algodão umedecido em água
materiais após cada uso. morna imediatamente após cada mamada e
anotar o padrão (cor, aspecto, volume, odor)
Cuidados essenciais com a alimentação de das excretas. Neonatos devem urinar após
neonatos órfãos: cada estímulo e defecar, ao menos, 2 a 3
• Uso de sucedâneo específico para felinos. vezes/dia.
Atenção à preparação conforme prescrição e • Nos primeiros 3 dias de vida, higienizar o coto
uso de água potável. umbilical com solução de clorexidina alcoólica
• Cuidados com a administração do sucedâneo: ou solução de iodopovidona, duas vezes ao
posicionamento do filhote em decúbito ventral dia, até sua queda.
e pescoço estendido (Figura 11). Sempre testar o • Prover manipulação e estimulação social
reflexo de sucção previamente à administração. e sensorial dos filhotes, de acordo com o
desenvolvimento etário.
62
• Em quadros de puliciose, o uso de spray de • Em quadros de endoparasitismo, é seguro o
fipronil é seguro a partir do segundo dia de tratamento com pamoato de pirantel, na dose
vida. Idealmente, deve-se aplicar a medicação de 5 mg/kg, VO, SID, a partir da 2a semana de
em algodão e então, passar no animal, vida.
evitando-se as áreas do rosto e genitália.
CONCLUSÃO
• O primeiro mês de vida é extremamente entendida como emergencial e quanto mais
desafiador para o neonato felino, com índices precoce for o diagnóstico e tratamento, maior
de mortalidade ainda extremamente altos. é a chance de sobrevivência.
• O a c o m p a n h a m e n t o d a s a ú d e e d o • Medidas simples de manejo, como a pesagem
desenvolvimento da ninhada deve ser diária e uso de luvas de procedimento na
realizado frequentemente pelo Médico- manipulação da ninhada são muito eficientes
Veterinário. na proteção dos filhotes e na detecção
• Qualquer alteração do neonato deve ser precoce de problemas, como a sepse.
64
0 A 2 SEMANAS 2 A 4 SEMANAS
Hemácias (x106/µL) 5,29 ± 0,24 4,67 ± 0,10
Hemoglobina (g/dL) 12,1 ± 0,6 8,7 ± 0,2
Hematócrito (%) 35,3 ± 1,7 26,5 ± 0,8
VCM (fl) 67,4 ± 1,9 53,9 ± 1,2
HCM (pg) 23,0 ± 0,6 18,8 ± 0,8
CHCM (%) 34,5 ± 0,8 33,0 ± 0,5
Leucócitos totais (x10 /µL) 3
9,7 ± 0,57 15,31 ± 1,21
Neutrófilos segmentados
5,96 ± 0,68 6,92 ± 0,77
(x103/µL)
Neutrófilos bastonetes (x103/µL) 0,06 ± 0,02 0,11 ± 0,04
Linfócitos (x10 /µL)
3
3,73 ± 0,52 6,56 ± 0,59
Monócitos (x10 /µL)
3
0,01 ± 0,01 0,02 ± 0,02
Eosinófilos (x10 /µL) 3
0,96 ± 0,43 1,40 ± 0,16
Basófilos (x10 /µL)
3
0,02 ± 0,01 0
Plaquetas (x103/µL) > 200 > 200
Valores de referência para as principais variáveis hematológicas em filhotes felinos durante o primeiro mês de vida. Adap-
tado de Vannucchi et al., 2020; Peterson, Kutzler, 2011; Levy, Crawford, Werner, 2006.
Gatas em início de gestação devem estar em portanto, uma fonte dietética é necessária.
condição corporal ideal de acordo com o Escore Gatas gestantes com dieta deficiente em taurina
de Condição Corporal 5 em uma escala de fazem reabsorção ou aborto de fetos, têm maior
9 pontos (Tabela 1)1 para terem um bom parto incidência de morte fetal próxima ao parto e
com filhotes de peso adequado e mínima filhotes com baixo peso ao nascer.3
mortalidade. O sucesso da gestação e da
lactação em animais de companhia é resultado D i fe re n te m e n te d a s ca d e l a s , a s g a ta s
de fatores como manejo, manutenção de um ganham peso de forma linear ao longo da
ambiente saudável e fornecimento de uma gestação, independente do número de fetos4
dieta consistente e adequada a longo prazo. e, normalmente, ganham até 38% do seu
A carência de nutrientes ou a baixa ingestão peso corporal pré-gestacional até o final da
de energia durante a prenhez pode resultar gestação.5,6 A gata deve ser capaz de armazenar
em diminuição do peso ao nascer e aumento essa energia extra necessária para manter a
da mortalidade neonatal. Já o sobrepeso da lactação posteriormente.7
gata gestante pode levar ao desenvolvimento
de fetos grandes e distocias2, portanto, não é As necessidades energéticas na gata aumentam
recomendável acasalar gatas com sobrepeso logo no início da gestação e esse aumento
ou obesas. pode ser estimado em torno de 10% por
semana, com tendência a desacelerar durante
É recomendada a troca da dieta algumas a última semana. Até o final da gestação, a
semanas antes da reprodução, para permitir gata deve receber de 25 a 50% mais energia
que a gata se ajuste ao novo alimento, evitando do que suas necessidades de manutenção.7 As
assim mudar abruptamente de dieta durante recomendações energéticas dadas pelo NRC8 e
a gestação ou lactação. A dieta utilizada pela FEDIAF9 para gestação são baseadas na
deve ser altamente digestível, com alto teor seguinte fórmula:
proteico e alta densidade energética para
140 kcal x (peso em kg)0,67
suprir a demanda calórica que aumenta com
o avançar das semanas e, principalmente, Várias refeições diárias são geralmente
na lactação. Um alimento de alta qualidade recomendadas devido à distensão abdominal
formulado para o crescimento ou reprodução, causada pelo útero gravídico. Entretanto,
com energia metabolizável acima de 4.200 como a maioria das gatas se adapta bem
kcal/kg é o ideal e dispensa o uso de qualquer à alimentação sob livre demanda, esta é,
tipo de suplementação. A suplementação geralmente, a melhor maneira de fornecer uma
somente será necessária e obrigatória em nutrição adequada às gatas gestantes. Nesse
caso de fornecimento de alimentação caseira caso, deve-se monitorar o peso para evitar
ou em situações específicas de correção de um ganho de peso excessivo durante esse período.10
determinado nutriente. O peso corporal é um indicador importante e
fácil de monitorar e, caso a gata esteja com
As principais causas nutricionais de baixo peso abaixo ou acima do esperado para o
desempenho reprodutivo na gata incluem a período gestacional, deve-se tentar corrigir com
desnutrição grave e a deficiência de taurina. a revisão da quantidade de alimento fornecido.
Gatos, ao contrário dos cães, têm uma
capacidade limitada de sintetizar a taurina, As gatas que não ganharam peso suficiente e
70
ESCORE DE CONDIÇÃO CORPORAL DOS GATOS
ABAIXO DO PESO
1 2 3 4
• Costelas, coluna vertebral e ossos pélvicos • Costelas facilmente visíveis em • Costelas visíveis em gatos de pelo • Costelas não visíveis, mas facilmente
facilmente visíveis em gatos de pelo curto. gatos de pelo curto. curto. palpáveis.
• Cintura muito estreita. • Cintura muito estreita. • Cintura evidente. • Cintura evidente.
• Pequena quantidade de músculo. • Perda de massa muscular. • Quantidade muito pequena de • Quantidade mínima de gordura
• Ausência de gordura palpável no gradil • Ausência de gordura palpável no gordura abdominal. abdominal.
costal. gradil costal. • Prega abdominal acentuada.
• Prega (dobra) abdominal pronunciada. • Prega abdominal muito pronunciada.
• Costelas, coluna vertebral e ossos pélvicos
facilmente visíveis em gatos de pelo curto.
• Cintura muito estreita.
• Pequena quantidade de músculo.
• Ausência de gordura palpável no gradil
costal.
• Prega (dobra) abdominal pronunciada.
5 6 7
• Bem proporcional. • Costelas não visíveis, porém palpáveis. • Costelas de difícil palpação sob a gordura.
• Costelas não visíveis, mas facilmente • Cintura não claramente definida quando • Cintura quase imperceptível.
palpáveis. vista de cima. • Ausência de prega abdominal.
• Cintura evidente. • Prega abdominal muito tênue. • Arredondamento do abdômen com acúmulo
• Pequena quantidade de gordura abdominal. • Um Escore de Consição Corporal 6/9 pode adiposo abdominal moderado.
• Leve prega abdominal. ser aceitável para alguns gatos,
especialmente para os idosos.
OBESO
8 9
• Costelas não palpáveis sob a gordura. • Costelas não palpáveis sob uma camada espessa de gordura.
• Cintura não visível. • Cintura ausente.
• Leve distensão abdominal. • Distensão abdominal evidente.
• Depósitos abdominais extensos de gordura.
Minerais DHA
Ca Cu P Se
Ovulação
Ciclo sexual Fertilização Desenvolvimento Desenvolvimento
da visão cerebral
Fêmea lactante
A necessidade energética da gata aumenta significativamente durante a lactação.
A dieta da fêmea fornece a energia essencial para a produção de leite de boa qualidade.
Além disso, dietas contendo DHA ajudam a fornecer suporte para o desenvolvimento
Suporte cerebral dos filhotes.
72
A NUTRIÇÃO DA GATA LACTANTE
Aumento do consumo
de alimento
+100 a 300%
+30 a 70%
Reconstituindo
Linha de base Gestação Pré-desmame reservas
-2 -1 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 Tempo em semanas
74
pode ser calculada conforme descrito na Tabela 2. Após a quarta semana, a quantidade de leite
consumida pelos filhotes diminui, à medida
NÚMERO DE CÁLCULO DA NEM NA que aumentam a ingestão de alimentos
FILHOTES LACTAÇÃO
sólidos. Com isso, a necessidade energética
< 3 filhotes 100 kcal x (PC em kg)0,67 + de manutenção da mãe diminui, reduzindo
18 kcal x PC em kg x L lentamente o consumo diário.
3 a 4 filhotes 100 kcal x (PC em kg)0,67 +
60 kcal x PC em kg x L
> 4 filhotes 100 kcal x (PC em kg)0,67 +
A NUTRIÇÃO DO NEONATO
70 kcal x PC em kg x L
Colostro
VALORES DE L O colostro é a primeira secreção das glândulas
1ª e 2ª semanas de 0,9 mamárias durante as primeiras 24 horas após o
lactação parto, com pico de concentração de anticorpos
3ª e 4ª semanas de 1,2 oito horas após o parto.7 O colostro é amarelado,
lactação mais espesso e mais viscoso que o leite. Seus
principais nutrientes são lipídios e carboidratos,
5ª semana de lactação 1,1
ambos fundamentais no fornecimento de
6ª semana de lactação 1 energia e, portanto, tem papel importante na
7ª semana de lactação 0,8
prevenção da hipoglicemia e da hipotermia,
comuns no recém-nascido. Outros nutrientes
Tabela 2: Cálculo do NEM de gatas em lactação de acordo
com o número de filhotes e semana de lactação. como água, fatores de crescimento e enzimas
digestivas também fazem parte do colostro. A
Como exemplo, podemos tomar uma gata com fração proteica é constituída principalmente
3,5 kg de peso corporal, 4 filhotes, na terceira por caseína e imunoglobulinas, cujo papel é
semana de lactação. fundamental para a transferência de imunidade
passiva.13 Sem essa transferência, os neonatos
NEM: 100 kcal x (PC em kg)0,67 + 60 kcal x PC podem não ser capazes de combater uma
em kg x L. infecção, já que durante as primeiras semanas
de vida, eles ainda não têm a capacidade de
NEM: 100 x (3,5)0,67 + (60 x 3,5 x 1,2) = 231 + 252 produzir anticorpos em quantidades suficientes.
= 483 kcal/dia.
Em gatos, a transferência de imunidade deve
O b t i d a a n e ce ss i d a d e e n e rg é t i ca d e ser concluída dentro de 12 horas após o parto
manutenção, podemos calcular a quantidade para que se obtenha uma taxa máxima de
de alimento a ser consumida. A energia imunoglobulina sérica. A absorção praticamente
metabolizável do alimento escolhido (ROYAL não ocorre entre 16 e 36 horas de vida.14
CANIN® Mother & Baby Cat) é de 4.441 kcal/kg,
sendo assim, a quantidade de alimento a ser Filhotes recém-nascidos devem ter livre acesso
pesado é de: à mãe para que possam mamar e se manter
aquecidos. A amamentação sem restrições é
NEM (kcal/dia) 483 kcal/dia
EM (kcal/g)
=
4,4 kcal/g
= 110g ao dia o método ideal de alimentação, uma vez que
dependem por completo do leite materno.
76
por refeição.10 No caso de alimentação assistida,
a posição correta é sempre em decúbito ventral
(Figuras 1 e 2) , que permite o filhote controlar
o volume ingerido e evita a falsa via do leite.
Energia
(Kcal/100g)
146 120 67 70 Os filhotes nunca devem ser alimentados
em decúbito dorsal, como é feito com bebês
Proteína (%) 7,5 7,5 3,3 2,9 humanos.
Gordura (%) 9,5 8,5 3,3 3,8
Lactose (%) 3,3 4 4,7 4,4 Se o reflexo de sucção for insuficiente ou estiver
ausente, o sucedâneo deverá ser administrado
Como os recém-nascidos são mais suscetíveis a diretamente no estômago através de uma sonda
doenças e infecções, a higiene com o sucedâneo orogástrica.
do leite e com a mamadeira são tão importantes
quanto à escolha de um sucedâneo apropriado
para a espécie. A pessoa responsável por
preparar e fornecer o sucedâneo aos filhotes
deve higienizar bem as mãos e as mamadeiras,
que idealmente devem ser lavadas com água
quente. Quando a apresentação do sucedâneo
for em pó, deve-se utilizar água mineral
para diluição, a fim de se reduzir risco de
contaminação por protozoários, como a giárdia,
por exemplo. Além disso, o sucedâneo deve
ser preparado imediatamente antes do uso e
oferecido a uma temperatura em torno de 35°C.
A sobra deve ser descartada. Figura 1: Posição adequada para alimentar um filhote. Uso
de um bico artificial acoplado em uma seringa. [Imagem
Durante as primeiras 3 semanas de vida, os cortesia de Gatil Miadore]
filhotes precisam receber entre 13-15 kcal
para cada 100 gramas de peso corporal por
dia. Após 4 semanas, as necessidades calóricas
aumentam para 20–25 kcal para cada 100
gramas de peso corporal por dia8,10 (Tabela 3).
Quando utilizada a alimentação na mamadeira,
geralmente são necessárias 8 a 12 refeições
por dia (a cada 2 ou 3 horas) durante a primeira
semana de vida. Durante a segunda semana, o
número de refeições pode ser reduzido para 5 a
6 (a cada 4 horas). Na terceira semana de vida,
os filhotes devem receber de 4 a 5 refeições ao
dia (a cada 6 horas). Se for feita alimentação por
Figura 2: Posição adequada para alimentar um filhote.
sonda, recomenda-se administrar de 1 a 5 mL Mais uma alternativa de bico artificial. [Imagem cortesia de
de leite para cada 100 gramas de peso corporal ReproPET]
Em média, os gatos nascem com 100 gramas e a principal fonte de alimento da ninhada
de peso corporal (75 g-120 g). As taxas de continuará sendo o leite da mãe. No entanto, por
mortalidade são altas em neonatos que volta das 5 semanas de idade, os filhotes já irão
nascem com baixo peso, cerca de 75 gramas consumir um volume considerável de alimento.
de peso corporal. O ganho de peso médio é de O desmame nutricional geralmente é concluído
100 gramas por semana durante os primeiros às 6 semanas de idade, embora algumas gatas
5-6 meses de vida, sendo que o ganho mínimo possam permitir que seus filhotes mamem por
esperado é de 7 gramas ao dia.11,16 8 semanas de idade ou mais.
IDADE EM PESO RED POR 100G Como os dentes decíduos nascem entre 21 e 35
SEMANAS ESPERADO DE PC
dias após o nascimento, os filhotes são capazes
0 100 g 13 - 15 kcal de mastigar e consumir alimentos secos por
1ª a 3ª semana 200 g a 400 g 13 - 15 kcal volta de 5 a 6 semanas de idade.
4ª a 8ª semana 500 g a 900 g 20 - 25 kcal
O desmame é uma fase importante e, muitas
Tabela 3: Ganho de peso e requerimento energético diário
(RED) de gatos do nascimento até 8 semanas de vida vezes, determinante na história alimentar dos
gatos. O momento em que um filhote come
seu primeiro alimento sólido é, provavelmente,
Desmame o mais crucial em termos de influência,
O desmame inicia entre a quarta e quinta principalmente se acontecer na presença da
semanas de vida, com a rejeição gradual pela mãe. Filhotes de gatos escolhem o que suas
mãe, mas em filhotes órfãos, pode ser iniciado mães comem e não o alimento mais palatável.
às 3 semanas de idade. Isso significa que as preferências alimentares
não são inatas, elas são adquiridas através
Após 4 semanas, o leite da mãe por si só de influências sociais após o nascimento,
não fornece mais a energia e os nutrientes período de desmame e socialização.17 Por esse
suficientes para sustentar o crescimento dos motivo deve-se oferecer variados alimentos,
filhotes e, portanto, a transição para alimentos principalmente em termos de textura, aos gatos
sólidos deve começar. desde o desmame, a fim de evitar a neofobia
alimentar, muito comum na espécie.
Conforme afirmado anteriormente, durante
esse período, as necessidades calóricas dos
gatos filhotes são de cerca de 20–25 kcal para
cada 100 gramas de peso corporal.
78
O ALIMENTO PARA O DESMAME
O desmame é um período crucial de transição entre o leite materno e o alimento sólido. Alimentos com tecnologia de
reidratação, como a Mother & Babycat da ROYAL CANIN® podem ser transformados em textura de mingau para uma transição
mais fácil. Além disso, os alimentos formulados para o momento do desmame atendem as necessidades nutricionais dos
filhotes e também das mães. Como os gatinhos naturalmente imitam os comportamentos alimentares de suas mães, fornecer
o mesmo alimento para ambos nesta fase torna o desmame mais simples e suave.
80
Cálculo da quantidade de alimento diário
A quantidade de alimento a ser fornecida irá Neste exemplo, esse filhote deve consumir
depender das calorias presentes no alimento 54 gramas de alimento seco + 91 gramas de
escolhido. Alimentos comerciais secos para alimento úmido por dia. Esse mix-feeding, além
gatos filhotes geralmente contêm entre 3.800 de permitir um consumo de alimentos com
e 4.200 kcal/kg. Um filhote de 7 meses cujo texturas diferentes, muito importante nessa
peso é de 3 kg tem uma NEC aproximada de fase, promove maior ingestão de água desde a
300 kcal/dia. Para saber quantos gramas de um infância.
alimento ele precisa consumir, basta dividir a
sua necessidade energética diária pela energia Transição para o alimento adulto
metabolizável do alimento. No exemplo abaixo, A maioria dos gatos pode iniciar a troca para a
está sendo considerada uma dieta com energia alimentação de adultos a partir dos 12 meses,
metabolizável de 3.900 kcal/kg: pois nesta idade grande parte dos filhotes
já atingiu o peso adulto. Gatos saudáveis
Quantidade de NEC (kcal/dia) 300 kcal/dia
alimento seco = =77g ao dia normalmente até podem fazer a transição
EM (kcal/g) 3,9 kcal/g
diário abrupta para o alimento de adultos sem
EM: Energia Metabolizável (do alimento) maiores problemas, mas a introdução gradual
NEC: Necessidade Energética de Crescimento é sempre recomendada e não há motivo para
A energia metabolizável dos alimentos pode não fazê-la:
ser verificada no rótulo dos alimentos ou
diretamente com a empresa, visto que essa 1-3 dias: 75% alimento filhote + 25% alimento
declaração não é obrigatória. Caso o alimento adulto.
utilizado seja úmido, a variação da energia 4-6 dias: 50% de cada.
metabolizável costuma ser entre 800 kcal e 7-9 dias: 25% alimento filhote + 75% alimento
1.100 kcal/kg de alimento. No exemplo abaixo, adulto.
está sendo considerada uma dieta úmida com A partir do 10o dia: 100% alimento adulto.
energia metabolizável de 990 kcal/kg. O cálculo
é o mesmo, apenas devemos considerar a
energia do alimento em questão:
25% 50%
Quantidade de NEC (kcal/dia) 300 kcal/dia
alimento úmido = = 303g ao dia
EM (kcal/g) 0,99 kcal/g
diário
82
O alimento escolhido deve ter algumas importante oferecer alimentos palatáveis para
características importantes: ser de alta estímulo de consumo voluntário. No caso de
qualidade e digestibilidade; formulado para sondas fixas como a nasoesofágica e esofágica,
espécie e categoria em questão (gatos filhotes) a remoção só deve ser feita se o consumo de
e conter alta densidade calórica para que o alimento voluntário for, pelo menos, equivalente
volume a ser administrado seja o mínimo à NEM.
possível.
Para obter a recomendação nutricional
Diariamente esse filhote deverá ser pesado personalizada com cálculo de alimento diário
e os cálculos refeitos a fim de manter o peso de acordo com o peso específico do paciente,
do filhote ou até mesmo de permitir ganho de acesse a calculadora para prescrições da
peso. Mesmo com alimentação na sonda, é ROYAL CANIN® disponível em https://portalvet.
royalcanin.com.br/calculadora-de-prescricao/
Tutores almejam boa saúde para os seus gatos do nascimento (enquanto no útero da gestante),
e, com igual intensidade, desejam que eles passando pela infância e a adolescência, até
tenham excelentes comportamentos. Bons chegar na idade adulta (por volta dos 2 anos
comportamentos dependem de inúmeros de idade ou mais) quando a construção das
fatores, sendo eles externos (ex: ambiente e bases termina, mas devemos seguir com a sua
relações intraespecíficas e interespecíficas, devida manutenção. Se queremos gatos adultos
vivências infantis, traumas) e internos (ex: comportados, saudáveis emocionalmente,
hormônios, neurotransmissores, doenças). sociáveis e amigáveis, além de uma boa
Parte dos fatores externos que favorecem seleção do filhote sempre que possível, temos
bons comportamentos pelos gatos estão que agir corretamente desde cedo. Para isso,
sob nosso controle, sendo alguns deles orientações comportamentais adequadas
previsíveis e manejáveis (ex: as lições que os devem ser transmitidas aos que cuidam da
ensinamos e os males dos quais os prevenimos gestante, dos filhotes e aos futuros tutores;
enquanto filhotes). Dessa forma, tais fatores, essas devem ser muito claras, práticas e,
transformados em ações e atitudes praticadas principalmente, baseadas em evidências.
por todos que convivem com gatos, devem ser Assim como vacinas são essenciais para a
ressaltados e prontamente apresentados a prevenção de diversas doenças de ordem física,
todos os tutores de gatos. sempre fazendo parte da “cartilha do filhote”,
orientações comportamentais são a imunização
Os comportamentos naturais dos gatos contra problemas de cunho emocional, sendo
e as emoções que os norteiam são parte peça-chave para a saúde emocional do gato e a
relevante do bem-estar felino, sendo também permanência dos mesmos com suas famílias,
determinantes nos relacionamentos que devendo, assim, também ser incluídas na
se estabelecem entre pessoas e gatos. Por cartilha.
exemplo, o estresse felino comumente induz
comportamentos considerados inapropriados Nesta sessão falaremos sobre o
(ex: micção em local inadequado, agressão comportamento natural dos filhotes assim como
contra pessoas e entre gatos, vocalização apresentaremos orientações comportamentais
excessiva) e esses constituem queixas específicas tendo como foco o bem-estar
comportamentais frequentes dos tutores. do filhote e o desenvolvimento de adultos
Consequência disso é a demanda crescente equilibrados emocionalmente, exibidores de
por atendimento comportamental de gatos tanto comportamentos desejáveis. Partiremos da
entre Médicos-Veterinários quanto por outros fêmea gestante, passando pelo filhote em suas
profissionais como adestradores e consultores várias fases de vida e até a sua maturidade
comportamentais. Além disso, é impossível sexual e social. Complementaremos com
não mencionar o triste fato de que problemas algumas recomendações gerais, em sua
comportamentais são causa primordial de maioria aplicáveis a gatos de todas as idades,
abandono e eutanásia1, bem como de devolução mas que devem ser postas em prática desde
de gatos recém-adotados.2 a infância. Tais orientações compõem o que
considero ser os dois principais pilares da
A saúde emocional e o temperamento dos saúde emocional felina: ótimas interações e
gatos se constroem desde cedo, mesmo antes excelentes territórios.
88
A GATA GESTANTE
Cuidados com a gestante, tanto no tocante apreciar o toque, o tutor poderá fazer, porém
à sua saúde física quanto emocional, devem deve evitar tocar na região abdominal, área
ser intensificados durante toda a gestação. O que estará bastante sensível e onde carinho
objetivo é salvaguardar o bem-estar da gata, normalmente já não é muito apreciado
mas também dos fetos. Pesquisas com várias pelos gatos. Caso ela não aprecie nenhum
espécies destacam os efeitos do estresse toque, mesmo que anteriormente à gestação
vivenciado pela gestante no desenvolvimento tenha sido uma gata amigável e tolerante,
cerebral do feto, particularmente do eixo respeite-a, não force.
hipotálamo-hipófise-adrenal, comprometendo • Permita que a gata escolha o local para
diretamente o desenvolvimento do futuro fazer o “ninho”, mantendo a área acessível
indivíduo e, inclusive, predispondo-o à e tranquila. Posicione neste local uma caixa
problemas emocionais como maior reatividade, de papelão ou caminha e providencie uma
déficits cognitivos e motores. Em gatos, cama ou pano para que a superfície esteja
pesquisas também demonstram efeitos seca e macia. Se ela escolher um cômodo
deletérios de uma dieta deficiente para a que não seja apropriado, atraia-a para um
gestante no comportamento dos filhotes. 3,4 local melhor posicionando os itens descritos
Assim, estresse e dieta deficiente, devem ser acima e outros recursos interessantes tais
ostensivamente prevenidos. A palavra de ordem como alimentos e esconderijos no chão. Tudo
é “conforto”, devendo ser consideradas as isso deve ser feito antes do parto para que,
características comportamentais e preferências posteriormente, ninguém precise transferir
de cada gestante. os filhotes de local, mas se isso se mostrar
necessário, alguém muito próximo a gata
Principais Aspectos Comportamentais deverá fazê-lo gentilmente.
O início da gestação é caracterizado por poucas • No cômodo onde estará o “ninho” devem
alterações comportamentais pela fêmea. ser disponibilizados água e comida, porém
Maior atenção deve ser dada ao seu terço final, afastados do mesmo. Caso o banheiro
quando ocorrem as maiores mudanças, por esteja muito distante na casa, coloque um
vezes caracterizadas por maior proximidade e banheiro adicional no cômodo, mas afastado
docilidade, mas frequentemente apresentada do “ninho”. Com o nascimento dos filhotes
na forma de reclusão e até agressividade. a gata passará a maior parte de seu tempo
Nesse período há redução significativa da no local.
atividade e da agilidade, sendo que na semana • Respeite o ritmo da gata. Siga uma rotina
que antecede o parto a gata procura um local fixa de oferecimento de água e comida, bem
tranquilo, geralmente escuro e seco, onde como de higienização de banheiro e potes, e
permanece até o parto. O comportamento de permita que ela decida o que deseja fazer e
higienização por lambedura, especialmente onde prefere estar;
da região mamária, é muito comum nesses • Caso a gestante conviva com outros gatos
dias. Agitação, inclusive com movimentos de (Figura 1) é necessário um monitoramento
cavar o chão do “ninho” e vocalizações são próximo das relações sociais entre eles,
característicos na iminência do parto. já que tanto a gestante pode se mostrar
agressiva quanto outros gatos podem
Recomendações Comportamentais direcionar agressividade contra ela. Se isso
• Se a gata se demonstrar dócil e permitir e ocorrer, separação permanente deve ser
A
O GATO FILHOTE
Os cuidados com o filhote voltados para a sua
saúde emocional e seus comportamentos
futuros devem ser planejados antecipadamente
e postos em prática desde o nascimento. Ao
nascerem, ainda que totalmente dependentes
(i.e. gatos são seres altriciais, incapazes de
sobreviver sozinhos ao nascimento), com
capacidades sensoriais e motoras pouco
desenvolvidas, os filhotes já começam a
“experimentar” o mundo externo; dependendo
de como os estímulos lhes são apresentados,
m e l h o re s o u p i o re s p o d e r ã o s e r s e u s B
comportamentos. Quanto mais jovem é o filhote,
mais aberto ao mundo ele estará, mais curioso Figura 1 A e B: Gata gestante (coloração preta) em contato
muito próximo com o outro gato habitante da casa,
e tolerante, sendo que isso diminui à medida resultado de terapia comportamental implementada
que crescem. Portanto, é preciso aproveitar durante a gestação. Por se tratar de um gato jovem
muito bem esse início de vida, com foco em com temperamento brincalhão, foi preciso terapia
comportamental para que a agressão defensiva pela gata
prevenir experiências ruins e apresentá-lo contra ele diminuísse, assim como a motivação do gato
aquilo que é realmente importante, ou seja, fosse direcionada para outros alvos, assim resultando em
que fará parte de sua vida futura como adulto, menos investidas lúdicas dele contra ela. Como resultado,
não apenas a agressividade entre eles cessou como a gata
sempre de forma positiva e gradual, seguindo o se mostrou amigável com o gato até o final da gestação e
ritmo de cada filhote. posteriormente com os filhotes. [Imagens cortesia de Karin
Botteon]
90
PERÍODO NEONATAL
O período neonatal vai do nascimento até a
segunda semana de vida do filhote.
94
Recomendações Comportamentais
• Não separe os filhotes da mãe antes das oito filhote também deve ser feita, salvo
semanas de vida, mesmo que ela pareça exceções, na residência onde reside o
um pouco nervosa ou em processo de filhote. Pessoas com divesos atributos
distanciamento deles. físicos e comportamentais (ex: altas
• Não separe os irmãos de ninhada antes e baixas, idosos e crianças), devem
das oito semanas de vida, mesmo que as participar, uma por vez, em sessões
interações entre eles pareçam um pouco também curtas e frequentes. O gato decide
brutas. quando e como interagir, nunca sendo
• Em relação à apresentação dos diferentes forçado a nada. Distrações e recompensas
estímulos, animados e inanimados, tais como as pessoas se mostrando
idealmente na presença da mãe e dos irmãos disponíveis para brincar ou ofertando
de ninhada, lembre-se: petiscos ao filhote são recomendadas.
− A s o c i a l i z a ç ã o d o f i l h o t e c o m − A apresentação de itens inanimados,
outros animais nunca deve ser uma dentro do previsto para um ambiente
obrigatoriedade ou prioridade. Gatos são doméstico, também deve ser praticada.
seres semissociais e não tem, portanto, a Todos os cômodos assim como elementos
necessidade de contato social, adaptando- p ro e m i n e n t e s t a i s c o m o s o n s d e
se muito bem a vida sem a companhia costume devem ser apresentados ao
de outros animais. Ainda assim, haja filhote em contexto tranquilo e positivo
vista a composição atual das residências (ex: aspirador de pó, vassoura, som de
(“multigatos” e/ou “multiespécie”), sempre celular, liquidificador e campainha, etc.).
que possível, é importante socializar Interações úteis tais como escová-lo,
os filhotes com outros indivíduos que manuseá-lo, cortar suas unhas e até
potencialmente conviverão com ele na vida examinar partes do seu corpo devem ser
adulta (ex: cachorro, gato). praticados gentilmente pelo tutor em casa,
− A apresentação de outros animais ao associando tais manobras ao recebimento
filhote deve ocorrer, salvo exceções, em de estímulos prazerosos como brinquedos
casa, ou seja, sem tirá-lo de seu território. e alimento.
Pode-se trazer para perto outros animais − Caso o tutor desejar e a residência
da casa ou animais visitantes (amigáveis, oferecer um local externo calmo e seguro,
vacinados e em bom estado de saúde). é possível iniciar a apresentação do gato ao
Mantenha-os sob o controle e supervisão passeio. Como neste momento o programa
de uma pessoa instruída. Deixe que o gato de vacinação ainda está incompleto, o
dite o ritmo e o estilo da aproximação, gato deve ser levado para fora no colo,
assim como abandone a interação caso bolsinha ou caixa de transporte, jamais
queira. As sessões de aproximação devem sendo colocado no chão ou para interagir
ser curtas e frequentes, podendo inclusive com outros animais. Este é o momento
conter objetos interessantes tais como de acostumá-lo com os sons, cheiros e
brinquedos, esconderijos e alimentos imagens externas, bem como com seu
especiais, tanto para o filhote quanto para equipamento de passeio (i.e. coleira
o outro animal. peitoral, guia e bolsinha para esconder-
− A apresentação de outras pessoas ao se). Vale lembrar que, caso o tutor opte
96
• O m a i s i m p o r ta n te é q u e o s t u to re s e a socialidade felina para que ajustem suas
aproveitem muito o período juvenil dos seus expectativas à realidade social e necessidades
gatos, já que terminado este período haverá do gato. Só assim manterão uma convivência
bastante independência e dispersão por harmoniosa e benéfica para ambos e o gato
parte do gato. Tais características, típicas da será visto como uma excelente companhia.
espécie, muitas vezes não vão ao encontro
das expectativas humanas, ainda que sejam
admiradas por muitos. PILARES DA SAÚDE
EMOCIONAL FELINA
São pilares essenciais para a saúde emocional
de gatos de qualquer idade. Assim, devem
ser colocados em prática desde a infância e
mantidos e monitorados por toda a vida do gato.
2
Identifique quando o gato deseja aproximação: As pessoas devem
aprender a interpretar quando o gato deseja manter-se perto. Nestes
casos, ele é geralmente amigável e não se afasta nem demonstra
agressividade, eventualmente aceita ou oferece carinho (ex: esfrega-
se ou sobe no colo da pessoa), podendo até ronronar ou miar
delicadamente. Mas vale sempre lembrar que estar feliz por perto não
significa necessariamente desejar ou apreciar carinho.
3
Identifique quando o gato deseja afastamento: As pessoas devem
aprender a interpretar quando o gato deseja se afastar. Nestes casos, ele
literalmente se afasta ou permanece, porém vira a cara caso a pessoa
se aproxime, podendo até miar de forma agressiva, rosnar ou até sibilar.
Se a pessoa insiste na interação, a agressividade pode se intensificar,
porém a ausência de agressividade não significa que o gato deseja estar
perto. Desvios de olhar, afastamento com a pata, orelhas para trás ou
rebatidas lateralmente e corpo muito encolhido são sinais de que ele
não está confortável com a proximidade; a pessoa deve, portanto, se
afastar.
98
INTERAÇÕES ENTRE GATOS E PESSOAS
Recompense os bons comportamentos do gato: A pessoa deve elogiar e
6 recompensar com carinho, brincadeiras e petiscos, ou seja, da forma que o
gato gosta, quando ele se comporta bem. É preferível reforçar o comportamento
certo do que punir o errado, portanto, a pessoa deve estar de olhos bem abertos
para não só identificar os acertos, mas também auxiliar para que o gato acerte.
100
Setorização
Criação de áreas específicas para alimentação, pode vir junto de monotonia e tédio, haja vista
eliminação, brincadeira, etc. e não as misturar. que gatos, qualquer que sejam suas idades,
Isso cria setor(es) de alimentação, setor(es) são extremamente ágeis, ativos e inteligentes.
de eliminação, setor(es) de brincadeira, etc. Assim, estímulos físicos e sensoriais apreciados
mais ou menos como os gatos de vida livre pelo gato devem ser constantemente oferecidos,
naturalmente ocupam seus territórios. preferencialmente inseridos em uma rotina.
• Utilizar feromônios sintéticos, pois estes Brincadeiras com o sem o tutor, atividades
costumam aumentar o senso de familiaridade de exploração com ou sem alimento e outros
do gato com o ambiente. Um profissional do desafios físicos e cognitivos devem ser
comportamento deve ser consultado para que ofertados. Se engana quem pensa que só
se escolha o feromônio ideal em cada caso. filhotes precisam ser estimulados; todos os
gatos precisam, então comece na infância e
Controle, previsibilidade e pouquíssimos siga por toda a vida do gato, fazendo ajustes
agentes estressores são elementos essenciais constantes de acordo com a capacidade e
de um excelente território. Porém, isso não disposição física e mental de cada gato.
LEITURA SUGERIDA
RAMOS, D. Comportamento Felino: Conceitos e Prática. Disponível em: www.psicovet.com.br/ebooks
RAMOS, D. Transformando residências “multi-cat” em territórios felinos. Disponível em: www.
psicovet.com.br/ebooks
RAMOS, D. Recepcionando o novo membro da família: introdução felina passo-a-passo. Disponível
em: www.psicovet.com.br/ebooks
Imunização Vermifugação
Informações limitadas são relatadas na As gatas prenhes devem receber vermífugos
literatura sobre a administração de vacinas seguros sete dias antes do parto para prevenir
durante a prenhez. Mesmo que a maioria a transmissão transmamária de larvas de
das vacinas inativadas não seja diretamente Toxocara cati para os filhotes. Toxocara cati é
prejudicial aos embriões e fetos, a reação pós- o helminto gastrointestinal mais comum do
vacinação (como uma hipertermia transitória) gato em todo o mundo e agente de doença
pode aumentar o risco de perda fetal. A vacina zoonótica bem documentada e importante, a
contra o vírus da panleucopenia felina (FPV) larva migrans visceral, neural, ocular e oculta.
geralmente é composta por um vírus vivo O s g a t o s s e i n fe c t a m a o i n g e r i r o v o s
modificado que pode induzir o mesmo efeito e m b r i o n a d o s n o a l i m e n to o u á g u a , o u
adverso em fetos que o próprio vírus. De fato, hospedeiros paratênicos, como roedores e
a vacinação de gatas prenhes pode induzir uma pássaros, que abrigam as larvas em seus
hipoplasia cerebelar em fetos. A vacinação tecidos. Animais invertebrados como minhocas
com este tipo de vacina é estritamente proibida e caracóis também podem abrigar larvas e
durante a prenhez em gatas. serem ingeridos pelos gatos. Após os ovos
serem ingeridos contendo larvas de terceiro
Portanto, a melhor recomendação é vacinar as estágio infectantes, estas eclodem e migram
gatas algumas semanas antes da reprodução. através da parede do intestino delgado, passam
Se as vacinas forem planejadas dessa forma, pelo fígado e se dirigem aos pulmões, sendo
a gata prenhe poderá passar altos níveis de tossidas e engolidas quando presentes nas vias
anticorpos maternos para os filhotes em aéreas. Durante a migração a larva amadurece
seu colostro e proteger os neonatos durante e, quando estiverem novamente no intestino
suas primeiras semanas de vida, antes que delgado, os vermes adultos eliminarão os
sua própria imunidade possa se desenvolver ovos nas fezes. O período pré-patente é de
adequadamente. É essencial que a gata aproximadamente 8 semanas. Algumas larvas
reprodutora seja totalmente vacinada antes do migratórias ficam encistadas na musculatura
acasalamento sem a necessidade de qualquer dos gatos e a infecção transmamária pode
administração de vacina durante a gestação. ocorrer se a gata prenhe adquirir uma infecção
aguda no final da prenhez ou durante a lactação.
Porém, os benefícios podem superar os riscos Em relação aos fármacos antiparasitários, o
quando se trata de situações endêmicas, como fenbendazol (50 mg/kg durante 3 a 5 dias) é
ocorre em gatis ou abrigos superpopulosos, frequentemente escolhido para desparasitação
onde a infecção pelo parvovírus felino pode durante a prenhez. Outros considerados
resultar na morte da matriz, bem como de seguros incluem selamectina, praziquantel,
toda sua ninhada. Portanto, uma indicação pirantel e emodepsida.
importante do uso de vacinas inativadas
em felinos é para as gestantes no início da É importante também escolher um
gestação, quando o risco de exposição ao medicamento aprovado para gatas prenhes para
parvovírus felino é elevado. tratar ectoparasitas, pois alguns medicamentos
podem ser teratogênicos e causar distocia.
O uso de fipronil parece seguro durante a
gestação e lactação.
106
CUIDADOS DE SAÚDE COM O FILHOTE
A avaliação pediátrica
Embora possa ser útil considerar o • Os filhotes não possuem o reflexo de tremor
desenvolvimento do filhote como um progresso (Tabela 1) até que estejam com cerca de uma
por estágios, a linha do tempo não é rigidamente semana de idade, por isso, é extremamente
baseada na idade cronológica. Fatores importante manter uma temperatura
ambientais (por exemplo, manejo precoce, ambiente diretamente ao redor dos filhotes
oportunidades de observar a mãe, interações de 30 a 33°C nas primeiras 24 horas (Tabela
com os companheiros de ninhada) afetam o 2). Para se atingir a temperatura ambiental
desenvolvimento físico e comportamental. adequada, pode-se utilizar bolsas e almofadas
Gatinhos que não são manejados rotineiramente aquecidas ou lâmpadas protegidas.
até as 7 semanas de idade podem permanecer • Em 0 e 1 dia, o cordão umbilical se encontra
hesitantes e menos interativos com humanos. bem preso e úmido. Em 3 a 4 dias, o
cordão umbilical seca e o filhote o perde
Fase Neonatal (0-2 semanas) naturalmente. Nunca se deve tentar removê-
Durante os primeiros dias após o nascimento, lo manualmente; e sim permitir que ele caia
os neonatos experimentam o mundo sozinho.
principalmente através do olfato e do toque. • O peso típico do filhote ao nascer é de 100
São muito frágeis e vulneráveis, requerendo gramas, em média (variação de 75 a 120 g),
cuidados frequentes e manipulação gentil.
A interação social é mínima, começam a Tremor 1 semana
engatinhar com 7-14 dias e os olhos abrem Retirada 1 semana
com 7-10 dias. A eliminação de fezes e urina
2-4º dia torácicos
é estimulada pela lambedura da mãe após a Posicionamento tátil
5-9º dia pélvicos
amamentação.
Apoio membros torácicos 8º ao 10º dia
• Os gatinhos recém-nascidos possuem os
olhos fechados, as orelhas dobradas e o Apoio membros pélvicos 12º ao 15º dia
cordão umbilical ligado. Seu focinho e patas Estimulação do focinho até 15 dias
podem ter coloração rosada. Nessa idade, Sucção até 21 - 23 dias
eles não podem ouvir nem ver; eles só podem
navegar pelo mundo ao seu redor através do Anogenital até 21 dias
cheiro e da busca de calor e conforto. Tabela 1: Período de aparecimento dos reflexos presentes
• Um neonato possui uma temperatura baixa nos neonatos e filhotes.
de 35,5-36°C, que se eleva para 37 graus Temperatura ambiental
ao longo da primeira semana. Gatinhos
recém-nascidos são muito suscetíveis ao 30ºC - 33ºC => 0 a 24h
resfriamento devido à sua alta relação entre 28ºC - 30ºC => 1ª semana
a área de superfície e o peso corporal, ao Apoio mem27ºC - 29ºC => 2ª e 3ª semanas cicos
metabolismo imaturo, reflexo de tremor
24ºC - 27ºC => a partir da 4ª semana
inexistente ao nascer e baixa capacidade
vasoconstritora. Durante esse período, é Umidade ambiental: 55 - 60%
fundamental fornecer uma fonte de calor Tabela 2: Manejo ambiental ideal para os neonatos e
suave para manter o filhote aquecido e filhotes.
estável.
GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 107
embora haja uma variação considerável de • Com uma semana de idade, os olhos estão
acordo com a raça e com o sexo (os machos fechados, mas não possuem mais o cordão
geralmente pesam mais que as fêmeas).O umbilical. Por volta de 8 dias os canais
baixo peso ao nascer é uma causa comum de auditivos, e com 8 a 13 dias os olhos começam
mortalidade, com gatinhos com peso inferior a se abrir lentamente, respectivamente.
a 75 gramas ao nascer em maior risco. Uma Todos os filhotes nascem com olhos azuis,
ligeira perda de peso (menos de 10%) pode que mudam para a cor dos olhos do adulto à
ocorrer nas primeiras 24 horas de vida, mas o medida que envelhecem. Nesse momento, o
filhote deve ganhar peso diariamente. Gatinhos filhote deve ter dobrado seu peso ao nascer.
saudáveis ganham de 50 a 100 gramas por O seu peso médio deve ser entre 150-250
semana (10 a 15 g/dia) e devem dobrar seu gramas.
peso de nascimento até 2 semanas de idade.
Criadores e outros cuidadores de gatinhos Período infantil (2-6 semanas)
recém-nascidos devem ser instruídos a pesá- Dentro de 2 semanas, os olhos estão abertos
los duas vezes ao dia durante as primeiras e o reconhecimento visual torna-se disponível,
2 semanas de vida e depois diariamente, por isso, as interações sociais aumentam
pelo menos nas próximas 2 a 4 semanas. em complexidade. As habilidades motoras
Muitas vezes, o primeiro sinal de doença é a coordenadas começam a se desenvolver nesse
incapacidade de ganhar peso em um período momento; os filhotes começam a usar as
de 24 horas. patas para interagir com objetos. Nessa fase
• A lambedura do filhote é fundamental para o começam as brincadeiras sociais, brincam
desenvolvimento do vínculo gata-filhote e a com objetos, correm, iniciam o aprendizado
estimulação anogenital também é necessária complexo, a escalada, a arranhadura e
para induzir a micção e a defecação. A gata a predação. Nessa fase, há erupção dos
traz os gatinhos em direção ao seu corpo para dentes decíduos, diminuem a ingestão de
oferecer calor e nutrição completa nas primeiras leite e começam a ingerir alimento sólido.
4 semanas de vida. Em média, os filhotes Desenvolvem o controle da micção e defecação
mamam por 6 a 8 horas em um período de 24 (3 a 5 semanas) e começam a usar a caixa
horas na primeira semana. A fenda palatina, sanitária. Também mudam a cor dos olhos (4 a
uma anormalidade de desenvolvimento comum, 6 semanas), controlam a própria temperatura e
pode tornar-se evidente em recém-nascidos realizam auto lambedura. Esse é o período que
de um dia, pois estes demonstram falha em começam a declinar os anticorpos maternos e
produzir o vácuo necessário para succionar o os filhotes devem receber sua primeira vacina
leite, que escorre de suas narinas, não ganhando com 6 semanas de idade.
peso e chorando muito por causa disso. Outras • Com duas semanas de idade, os olhos dos
causas de má ingestão nutricional incluem filhotes estão totalmente abertos e azuis,
outros defeitos congênitos ou fatores maternos, porém sua visão ainda está se desenvolvendo.
como mastite, doença sistêmica ou má Os canais auditivos estarão abertos e as
condição corporal. Gatinhos menores ou mais orelhas são pequenas e arredondadas,
fracos podem ser excluídos da amamentação como um filhote de urso. Gatinhos com
por companheiros de ninhada mais fortes, ou duas semanas de idade se mostram ainda
serem machucados pela mãe nos casos de desequilibrados e incoordenados ao tentarem
inexperiência materna. se movimentar. Ainda não conseguem
108
regular a temperatura corporal. Durante Período juvenil (6-12 semanas)
esse período, é fundamental fornecer uma Neste momento estão mais maduros e podem
fonte de calor suave para manter o filhote surgir conflitos pelo status e brincadeiras
aquecido e estável. O ambiente deve estar sociais. Já ingerem alimento sólido e dominam
em torno de 26 a 27°C neste momento. O o uso da caixa sanitária. Inicia-se a exploração
peso médio do filhote com duas semanas intensa do ambiente.
deve ser de 250-350 gramas. A partir desta • Com sete a oito semanas, os filhotes
idade, o filhote já pode ser vermifugado com apresentam todos os dentes decíduos. Nessa
pamoato de pirantel, na dose de 5 a 10 mg/kg idade, a cor dos olhos adultos começa a
VO, se necessário. Em casos de presença de aparecer. Os olhos dos gatinhos mudam
ectoparasitas, o uso de fipronil spray também de azul para a cor dos olhos que eles terão
pode ser utilizado. Ele deve ser aplicado permanentemente. Filhotes com olhos cinzas,
indiretamente, borrifando-o em uma bola verdes ou amarelos provavelmente têm 7
de algodão, que é então esfregada no corpo semanas ou mais. O peso médio do gatinho
do gatinho, evitando os olhos, boca, nariz e de sete a oito semanas é de 750-950 gramas.
região anogenital. Com oito semanas de idade, a maioria dos
• Com duas a quatro semanas de idade, os gatinhos come de forma independente.
dentes incisivos e caninos começam a surgir. Animais com 8 semanas e 2 kg de peso
Gatinhos de três semanas já possuem orelhas corporal podem ser esterilizados/castrados
que apontam para cima, como um gato em e adotados.
miniatura. Nessa idade, os gatinhos já estarão
andando, brincando socialmente, explorando Examinando o filhote
os arredores e até começando a visitar a caixa Deve-se examinar os neonatos e filhotes em
sanitária, apresentando mais coordenação uma superfície morna e em um ambiente
motora. Apesar de ainda precisarem de uma quente (28–30° C), usando toalhas limpas em
fonte de calor, são mais ativos e podem se uma mesa ou no colo, e uma lâmpada de calor
afastar dela quando não estiverem dormindo. para aquecer o ar imediatamente ao redor. É
O ambiente do gatinho deve estar em torno de importante lavar bem as mãos e utilizar luvas
24-26°C graus neste momento. O peso médio ao examiná-los. Avaliações importantes a fazer
do gatinho de três a quatro semanas é de 350- incluem a determinação do peso, idade e o sexo.
450 gramas. • O sexo pode ser surpreendentemente difícil
• Com cinco a seis semanas de idade, os pré- de determinar em gatinhos muito jovens,
molares começarão a surgir, indicando que especialmente sem outro do sexo oposto
o gatinho está pronto para ser introduzido ao para comparar, porque os testículos não são
início do desmame com alimento úmido. No facilmente visíveis até mais de 6 semanas de
ambiente natural, este é o momento em que idade. Em machos, a distância entre o ânus
a mãe pode começar a trazer presas para e os órgãos genitais é maior (cerca de 1,25
ensinar os filhotes a caçar. O peso médio do cm) do que nas fêmeas. Os órgãos genitais
gatinho de cinco a seis semanas de idade é de aparecem em forma de fenda na fêmea e
550-750 gramas. Com seis semanas, o filhote arredondados no macho. A cor da pelagem
já deve receber sua primeira vacina contra também pode ser uma pista; quase todos
rinotraqueíte, calicivirose e panleucopenia os gatinhos tricolores ou com pelagem de
felina. tartaruga são fêmeas, e 80% dos gatinhos
112
2 dias 1 semana 2 semanas 4 semanas 8 semanas
Albumina (g/dL) 1,6 - 2,6 2 - 2,5 2,1 - 2,6 2,4 - 2,9 2,4 - 3
FA (U/L) 275 - 2021 126 - 363 116 - 306 97 - 274 60 - 161
ALT (U/L) 12 - 84 11 - 76 10 - 21 14 - 55 12 - 56
Bilirubina 0 - 0,7 0 - 0,6 0 - 0,2 0 - 0,3 0 - 0,1
Cálcio (mg/dL) 8,6 - 12,7 10 - 13,7 9,9 - 13 10 - 12,2 9,8 - 11,7
Colesterol (mg/dL) 80 - 175 119 - 213 137 - 223 173 - 253 124 - 221
Creatinina (mg/dL) 0,5 - 1,1 0,3 - 0,7 0,4 - 0,6 0,4 - 0,7 0,6 - 1,2
GGT (U/L) 0-5 0-5 0-4 0-1 0-2
Glicose (mg/dL) 75 - 154 105 - 145 107 - 158 117 - 152 94 - 143
Fósforo (mg/dL) 4,1 - 10,5 6,7 - 11 7,2 - 11,1 6,7 - 9 7,6 - 11,7
Proteína total (g/dL) 3,9 - 5,8 3,5 - 4,8 3,7 - 5 4,5 - 5,6 4,8 - 6,5
Ureia (mg/dL) 24 - 71 16 - 36 11 - 30 10 - 22 16 - 33
Tabela 6: Valores bioquímicos de referência para gatinhos desde o nascimento até 8 semanas de idade.
0-3
IDADE 1 MÊS 1,5 MÊS 2 MESES 2,5 MESES 3 MESES
SEMANAS
Peso (kg) <0,45 0,45 0,68 0,91 1,17 1,36
IDADE 3,5 MESES 4 MESES 4,5 MESES 5 MESES 5,5 MESES 6 MESES
Peso (kg) 1,59 1,82 2,04 2,27 2,5 2,73
Tabela 8: Ganho de peso corporal aproximado em gatos saudáveis de 0 a 6 meses de idade.
114
se um gato está no percentil 75, significa há um maior risco de que o animal, quando
que 75% dos gatos desse grupo populacional adulto, tenha sobrepeso ou obesidade, uma vez
pesarão menos (e 25% pesarão mais). Ou seja, que a evolução do peso e a avaliação do escore
as linhas indicam uma estimativa do percentual de condição corporal (ECC) do filhote de gato
de animais do mesmo porte que apresentam devem ser atentamente acompanhadas.
um crescimento similar. Embora os pesos
registrados entre os percentis 0,4 e 99,6 sejam Ao interpretar tais alterações, deve-se
considerados “normais”, é importante perceber considerar também:
que o crescimento de cada gato depende de • O p e s o e E C C d o s p ro g e n i t o re s ( s e
uma série de variáveis e que os padrões de conhecidos).
crescimento podem ser bastante diferentes. • As taxas de crescimento dos irmãos (se
conhecidos).
Nos dados avaliados após a castração nos • Avaliação da ingestão nutricional sempre que
estudos realizados foi observado apenas um possível.
pequeno impacto da castração no crescimento • D a d a a c o n h e c i d a a ss o c i a ç ã o e n t re
de filhotes saudáveis, onde a castração precoce esterilização e obesidade em gatos, é
resultou em um aumento modesto na taxa possível que os padrões de crescimento
de crescimento, enquanto a castração em sejam afetados, especialmente se os filhotes
um estágio posterior foi associada com uma forem superalimentados, com o padrão mais
diminuição modesta na taxa de crescimento. provável sendo o cruzamento ascendente
No entanto, os desvios foram mínimos e das linhas percentis. Nesses casos, pode
permaneceram dentro de uma única unidade ser necessário um ajuste no plano de
percentil, sugerindo que não são necessárias alimentação.
curvas específicas para gatos castrados.
No entanto, se a curva cruzar duas linhas em
Uma vez feitas as medições necessárias para direção descendente, ou apresentar uma linha
estabelecer a linha de percentil que o filhote de crescimento plana. Isso pode ser um sinal
de gato está seguindo (são recomendadas de:
pelo menos três medições sequenciais), é • Nutrição inadequada.
possível, então, utilizá-las para prever o peso • Doença associada a atraso de crescimento
esperado quando o gato alcançar a maturidade, (por exemplo, hipoparatiroidismo nutricional,
assumindo que o animal continue crescendo em shunt portossistêmico, peritonite infecciosa
um ritmo saudável. dos felinos, parasitismo intenso ou nanismo
hipofisário).
Comuns ocorrências com as curvas de
crescimento Deve-se levar em conta que caso o animal tenha sido
Curva individual cruzando mais de duas linhas recentemente acometido por alguma doença aguda,
do percentil ou linha de crescimento plana. como a gastroenterite, é possível que este tenha
Ambos os padrões podem ser sinais de uma interrupção temporária em seu crescimento
transtornos de crescimento e indicam a (embora o crescimento deva se recuperar e voltar ao
necessidade de considerar alguma forma de seu percentil original em apenas algumas semanas).
investigação e intervenção. Se a trajetória de Considere, também, o peso dos pais, as taxas
crescimento individual do filhote de gato cruzar de crescimento dos irmãos e a ingestão
linhas de percentil em uma direção ascendente: nutricional, sempre que possível. Caso não
116
GUIA PRÁTICO DE OBSTETRÍCIA E PEDIATRIA FELINA 117
7
Curva de crescimento do filhote de gato - FÊMEA
6
Percentil 99,6
Percentil 98,0
5
Percentil 90,0
Percentil 75,0
4
Peso em kg
Percentil 50,0
Percentil 25,0
3
Percentil 10,0
Percentil 2,0
Percentil 0,4
2
0
0-5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75
2 meses 3 meses 4 meses 5 meses 6 meses 9 meses 1 ano Idade em semanas
118
7
Percentil 99,6
Percentil 98,0
Curva de crescimento do filhote de gato - MACHO
6
Percentil 90,0
Percentil 75,0
5
Percentil 50,0
Percentil 25,0
4
Peso em kg
Percentil 10,0
3
Percentil 2,0
Percentil 0,4
0
0-5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75
2 meses 3 meses 4 meses 5 meses 6 meses 9 meses 1 ano Idade em semanas
Em contraste, se o filhote aprende a associar a Desde as primeiras fases da vida, os tutores devem
caixa de transporte, viagem de carro e avaliação ser orientados sobre como manusear seu gato de
veterinária com petiscos e outras experiências maneira respeitosa e amigável, especialmente
positivas, aprende a aproveitar tudo associado durante a fase de socialização. Interações
à visita ao Médico-Veterinário. previsíveis e amigáveis, o melhor uso da caixa de
transporte e estratégias que minimizem o estresse
de transporte e manipulação veterinária devem ser
discutidas e ensinadas.
120
CUIDADOS ESSENCIAIS COM O
AMBIENTE DO FILHOTE
Visto que a ansiedade pode inibir o aprendizado, F i l h o te s s ã o c u r i o s o s p o r n a t u re z a , e
o uso de fármacos que minimizem a ansiedade especialmente quando crescem sem a presença
é bastante recomendado. Os mais indicados na de animais mais velhos (para aprender por
atualidade são a gabapentina (50 – 200 mg/gato) observação), se expõem a uma diversidade de
e a trazodona (25-50 mg/gato), administrados situações novas, que trarão aprendizado além
duas horas antes de sair de casa. Já para de regerem comportamentos e atitudes.
minimizar a náusea e mal-estar relacionados
à cinetose, o uso de maropitant (1-2 mg/kg) é O ambiente doméstico de criação do filhote
recomendado. O uso de fenotiazídicos como a deve ser discutido com os tutores nas primeiras
acepromazina NÃO são recomendados pois, avaliações, com o objetivo de minimizar riscos
embora gerem relaxamento muscular evidente, ambientais e exposição a situações de perigo.
não contribuem na redução da ansiedade, O acesso ao meio externo deve ser controlado,
podendo gerar agressão por desinibição, e sabendo-se dos maiores riscos de trauma/
contribuir para a piora do comportamento do maus tratos e brigas, além de exposição a
gato em consultas futuras. agentes infecciosos.
122
CUIDADOS SOBRE SAÚDE ORAL, UNHAS E PELAGEM
Dentre as espécies domésticas, o gato é a e para que esse procedimento seja tranquilo
mais higiênica de todas. Pontos como esse, e usual na rotina do felino, a manipulação
aliados ao fato de que o ato do banho seja um das unhas deve ter sido realizada desde
fenômeno extremamente estressante para as primeiras semanas de vida, na fase de
o gato, desaconselham a recomendação de socialização. Deve-se somente aparar a ponta
banhos para a espécie. Logicamente existem das unhas tendo cautela com o leito ungueal
exceções, como em problemas dermatológicos (que contém vasos sanguíneos, nervos e outros
generalizados onde sabidamente a terapêutica tecidos que dão suporte à unha do gato).
tópica tenha eficácia comprovada. No entanto,
via de regra, banhos não são recomendados Os cuidados orais também se estendem
para a espécie felina. além das avaliações periódicas. O ensino da
importância da escovação desde as fases mais
A arranhadura faz parte dos meios de marcação jovens da vida deve ser feito a todo tutor, em
territorial e comunicação social do gato, além especial nas primeiras avaliações pediátricas.
de servir para remoção de camadas mortas de
unhas, sendo considerado um comportamento Quanto mais tarde o tutor for orientado da
normal na espécie. Enquanto a oniquectomia importância do cuidado oral, mais estoico o
ainda é usada em alguns países do mundo procedimento se torna, dificultando em muito
como “solução” para esse comportamento, que sua realização seja contínua, e gerando
(felizmente) no Brasil é um procedimento frustração e desistência dos responsáveis.
cirúrgico proibido pelo Conselho Federal de Além disso, a prevenção é muito mais válida no
Medicina Veterinária (CFMV). contexto da escovação – pois não se consegue
prevenir o que já está ocorrendo, como no caso
Para que os gatos possam expressar este de animais já com doença periodontal presente.
comportamento natural de arranhadura, Existem diversos produtos veterinários no
deve-se fornecer superfícies de arranhadura mercado, indicados para a escovação e higiene
adequadas aos felinos, verticais e horizontais. oral. Mesmo com tutores bem orientados
O arranhador deve ser grande, com uma e intencionados, realizando corretamente
superfície maior que o comprimento do corpo a escovação, a avaliação semestral a anual
do felino, para facilitar a arranhadura e permitir por um odontologista veterinário é indicada,
firmeza/confiabilidade. visto que a escovação não previne lesões
reabsortivas, traumas dentais, neoplasias e
Os arranhadores devem ser colocados próximos doenças endodontais.
a áreas de importância social do felino (e não
do tutor!), como próximo aos locais onde
o animal dorme ou de áreas de comum e
frequente passagem no ambiente. Além disso,
colocar essas superfícies próximas de locais Linha de corte ideal
A esterilização pediátrica é definida como Não existe uma idade mais recomendada para
o procedimento cirúrgico de esterilização a realização da esterilização pediátrica na faixa
ocorrente no filhote entre 6 e 20 semanas de etária relatada, fato que levou a AAFP (American
idade. Diversas entidades mundiais reconhecem Association of Feline Practitioners) a organizar
a esterilização pediátrica nessa faixa etária uma força tarefa no intuito de padronizar, com
sendo importante na redução de animais base em evidências científicas, qual seria o
errantes e abandonados em todo o mundo. período mais indicado para o procedimento
cirúrgico de esterilização pediátrica, em animais
Dependendo das habilidades do cirurgião e de rotina clínica. Essa força tarefa recomendou
condições disponíveis, as esterilizações podem que a esterilização de filhotes seja realizada ao
ser realizadas de maneira segura em filhotes redor do quinto mês de vida, após o término do
a partir de 6 semanas de vida. No entanto, ciclo vacinal.
essa situação é mais frequente em abrigos de
grande rotatividade, visando encorajar a adoção. A esterilização é a solução mais impactante
Nesse capítulo, iremos focar as informações e p a r a re d u z i r a p o p u l a ç ã o d e a n i m a i s
indicações em animais de rotina clínica, e não abandonados e errantes, mas a compreensão
propriamente na medicina e manejo de animais dos efeitos metabólicos e comportamentais
de abrigo. desse procedimento também tem fundamental
importância. Um dos maiores impactos da
Atualmente sabe-se que existem diversos esterilização é o aumento à predisposição ao
benefícios da esterilização pediátrica em gatos, sobrepeso e obesidade. Na espécie felina, a
sendo os mais importantes descritos abaixo: esterilização pode triplicar o risco de obesidade.
• Controle populacional mais efetivo, prevenindo Os requerimentos energéticos dos felinos
gestações indesejadas. após a esterilização diminuem ao redor de
• Redução importante na incidência de 25-30%, exigindo uma adaptação dietética à
neoplasias mamárias em gatas castradas essa redução de demanda. Além da redução
antes do primeiro ciclo estral. na necessidade calórica, a castração está
• Elimina emergências obstétricas como associada a um aumento de até 25% no
piometra e distocia. apetite. Visto que os hormônios sexuais tem
• Cirurgias relativamente mais fáceis e efeito moderador no apetite, a perda desses
com melhor acesso cirúrgico/campo de (especialmente o estrógeno) gera esse aumento
visualização. no apetite, que pode ser observado a partir do
• Menores taxas de complicação pós-operatória. terceiro dia após o procedimento.
124
É i m p re s c i n d í v e l q u e o s
Médicos-Veterinários não
somente conheçam as
alterações metabólicas
existentes após a esterilização,
mas que também definam
p ro g ra m a s d e p reve n ç ã o
ao ganho de peso. Isso é
iniciado antes da castração,
discutindo com os tutores
s o b re a i m p o r t â n c i a d o
procedimento, além de suas
alterações metabólicas
acarretadas, iniciando assim
o planejamento nutricional
adequado. O treinamento de
toda a equipe de maneira
proativa, bem como a
criação de um programa de
nutricional para prevenção
da obesidade são os pontos
mais importantes no sucesso
da implementação de tais
medidas na clínica.
Gatos são conhecidos pela sua exímia maioria das situações, o vômito é manifestação
capacidade em ocultar sintomas e de doenças de base (gastrointestinal ou extra-
manifestações relacionadas a enfermidades. gastrointestinal), e sempre deve ser investigado.
Esses fatos têm relação com a característica As causas mais comuns de vômito incluem
evolutiva e comportamental do felino na doenças infecciosas e parasitárias,
natureza, sendo um caçador solitário, mas intoxicações e indiscrições dietéticas (no caso
fazendo parte de cadeias alimentares maiores de vômito agudo), além de intolerâncias/
– e com isso, não podendo demonstrar sinais alergias alimentares e doenças inflamatórias
de acometimento aos seus predadores, nem às gastrointestinais (no caso de vômito crônico).
suas presas.
Enquanto ainda não existe consenso do limite
Visto essas características evolutivas e a entre o “aceitável” e o “patológico” nessa
incomparável diferença com a contrapartida temática, considera-se “tolerável” episódios de
canina, é de fundamental importância a vômito que ocorram com um intervalo maior
orientação de tutores de gatos sobre comuns que 15 a 20 dias (ou seja, dois episódios por
sinais que podem estar ligados a doenças, mês, no máximo). Se o vômito ocorrer com
especialmente para tutores do primeiro gato uma frequência acima desta, uma avaliação
como animal de estimação. diagnóstica completa torna-se necessária.
126
Alterações no volume de ingestão hídrica
Evolutivamente, os gatos desenvolveram- É fundamental a orientação dos tutores de gatos
se e evoluíram em um ambiente árido e com sobre esses fatos, já que afetam sensivelmente
escassez de água. A característica ambiental a ingestão de água do felino. Além disso,
somada ao regime nutricional (carnivorismo gatos que começam a beber mais água
estrito) trazem uma exímia habilidade na progressivamente, sem modificação dietética ou
concentração urinária, com o gato sendo a ambiental que justifique, devem ser avaliados
espécie que mais consegue concentrar sua quanto à possibilidade de perda na capacidade
urina entre todos os animais domésticos. Fatos de concentração urinária e poliúria/polidipsia
como esses fazem o gato ser uma espécie de associada.
baixa ingestão hídrica de fontes exógenas, visto
que boa parte da água é ingerida através do Opacidades ou modificação
alimento na natureza. na coloração dos olhos
Manifestações oculares podem ser comumente
Visto isso, outro fato fisiológico que altera a associadas a enfermidades sistêmicas e/ou
ingestão hídrica relaciona-se ao tipo de alimento infecciosas em gatos. Em muitos casos, podem
ingerido pelos gatos em suas casas. Gatos ser as primeiras a surgir.
que ingerem predominantemente alimento Alterações como secreção ocular,
seco tendem a ingerir mais água (da vasilha) b le fa ro e s p a s m o , o p a c i d a d e co r n e a n a ,
que aqueles que ingerem alimento úmido. No modificação na coloração da íris ou assimetria
entanto, aqueles alimentados exclusivamente pupilar devem ser imediatamente avaliados.
com alimento úmido raramente procuram a
vasilha para ingestão de água.
128
PROBLEMA CLÍNICO PATÓGENOS COMUNS Leucemia Viral Felina
Herpesvírus Felino O vírus da leucemia felina (FeLV) é um
Calicivírus Felino retrovírus do gênero Gammaretrovirus.
Doença do trato Te m d i st r i b u i ç ã o m u n d i a l e p rovo ca o
Bordetella
respiratório cranial
e caudal
bronchiseptica desenvolvimento de anemia, imunodepressão,
Mycoplasma spp linfomas, leucemias, desordens reprodutivas e
Chlamydia spp
(Figura 2)
doenças imunomediadas em gatos domésticos
Panleucopenia (parvovírus) infectados.
Coliformes
Tritrichomonas foetus A infecção é transmitida por gatos virêmicos.
Trato gastrointestinal Giardia spp A transmissão ocorre através da saliva,
Isospora spp
secreções nasais, fezes e leite. Os fatores de
Ancylostoma spp
Toxocara spp risco para transmissão incluem alta densidade
FeLV populacional, idade jovem e falta de higiene.
FIV
Peritonite infecciosa As gatas prenhes que são infectadas podem
felina
Toxoplasma gondii sofrer aborto, desenvolver natimortos ou fetos
Doenças sistêmicas Bactéria gram-positiva gravemente doentes que morrem logo após
(i.e., Streptococcus spp., o nascimento. A infecção perinatal também
Staphylococcus spp.) pode levar a doença grave aos neonatos,
Bactéria gram-negativa que apresentam dificuldade de mamar,
(i.e., Escherichia coli,
Salmonella spp.) hipotermia, prostração e choros contínuos.
Tabela 9: Principais patógenos dos filhotes de gatos
Raramente, gatinhos infectados no útero ou
durante o período perinatal sobrevivem além
do desmame. Esses filhotes podem sofrer
uma síndrome semelhante à panleucopenia
ou podem morrer de septicemia ou outras
infecções secundárias à imunossupressão
induzida por FeLV (Figura 3). Os sobreviventes
de longo prazo podem desenvolver qualquer
uma das síndromes clínicas típicas do FeLV. A
infecção que ocorre no período pré ou perinatal
pode afetar a maior parte ou a totalidade da
ninhada; no entanto, é inadequado testar irmãos
de ninhada para estimar o status de infecção de
gatos afetados.
132
sucesso em gatos. Embora apenas produtos
ilegais estejam disponíveis, no final de 2020
e 2021, formulações legais ‘especiais’ de
antivirais ficaram disponíveis para compra em
alguns países, como Austrália e Reino Unido,
embora o tratamento com antivirais seja muito
caro.
134
Panleucopenia Viral Felina
O vírus da panleucopenia felina (FPV) causa
uma importante infecção parvoviral sistêmica
de gatos associada à replicação e efeitos
citopáticos em células que se dividem
rapidamente, como medula óssea, células
linfoides e epitélios intestinais. Além disso, pode
atingir o feto no útero no final da gestação e no
período neonatal, quando pode causar defeitos
congênitos. Este agente é extremamente
resistente no ambiente e pode persistir por até
2 anos. Após a exposição oronasal, o vírus se
espalha sistemicamente pelo sistema linfático e Figura 7: Gato de 2 meses de idade em estado comatoso
pelo sangue. Com o advento de vacinas eficazes devido a panleucopenia felina superaguda. [Imagem cortesia
contra FPV, as perdas reprodutivas resultantes de Prof. Dra. Fernanda Amorim]
da doença foram reduzidas. No entanto, as
infecções continuam a ocorrer entre gatos de viral através de PCR do sangue. A microscopia
abrigos e gatis. eletrônica também pode ser feita em amostras
fecais. Para detecção em tecidos post-mortem, é
A infecção da gata prenhe pode levar ao aborto, necessário o isolamento do vírus ou a detecção
natimortos, síndrome do definhamento do filhote de ácidos nucleicos por PCR. A panleucopenia
ou defeitos congênitos, dependendo do estágio laboratorial associada aos sinais clínicos típicos
da gestação, sendo este último resultante de também é considerada diagnóstica.
infecção no útero no final da gestação. Esses
defeitos congênitos podem incluir hipoplasia Para doenças resultantes de infecções
cerebelar, exibida por tremores intencionais e congênitas, não existe tratamento específico.
ataxia; hidranencefalia, com comportamento Para a hipoplasia cerebelar, a condição não é
anormal; ou cardiomiopatia. A infecção no progressiva e, enquanto os gatinhos puderem
período neonatal precoce pode levar a defeitos comer e beber água, sua saúde geral não será
semelhantes. afetada. O envolvimento neurológico mais
grave é geralmente incompatível com uma boa
A infecção pós-natal pode levar à necrose do qualidade de vida. A lesão cardíaca também não
epitélio intestinal e das células progenitoras é especificamente tratável, e a cardiomiopatia
hematopoiéticas, a clássica síndrome da resultante pode ser fatal.
panleucopenia, com vômitos, diarreia, depressão
grave e anorexia (Figura 7) . Endotoxemia ou O t ra ta m e n to d a i n fe c ç ã o p ó s - n a ta l é
sepse, levando a mortes agudas, podem ocorrer sintomático e de suporte, pois não existem
secundariamente. t e r a p i a s a n t i v i r a i s e s p e c í f i ca s p a r a o
parvovírus. A reposição da perda de fluidos e
O diagnóstico do FPV envolve a detecção eletrólitos é crítica. A transfusão de sangue
viral. O antígeno viral pode ser detectado nas pode ser necessária com anemia grave ou
fezes de gatinhos com diarreia usando testes hipoproteinemia. O tratamento da sepse com
rápidos comercialmente disponíveis ou o DNA antibióticos parenterais de amplo espectro
136
Figura 8: Radiografia de tórax em posição laterolateral de um gato filhote de 8 meses de idade, evidenciando padrão
broncointersticial difuso, devido a hemorragia e inflamação causada pela migração enteropulmonar massiva de larvas de
Toxocara cati. [Imagem cortesia de Prof. Dra. Fernanda Amorim]
138
em casas com um ou alguns gatos onde a A vacinação dos filhotes com menos de 4
desinfecção é impraticável. No entanto, em gatis semanas de idade com vacina viva modificada,
ou abrigos, a desinfecção é muito importante, bem como de gatas gestantes não deve ser
devendo ser realizada pelo menos duas vezes realizada, devido ao risco do desenvolvimento de
por semana. A maioria dos desinfetantes hipoplasia cerebelar nos filhotes com o antígeno
rotulados como “antifúngicos” são fungicidas FPV. Em gestantes, pode-se considerar o uso
contra formas miceliais do dermatófito ou de vacina inativada se for necessário, apesar
macroconídios, mas não contra artrósporos. desta prática não ser atualmente recomendada.
Quando possível, os animais afetados devem ser
isolados e o ambiente do paciente limpo com Para os filhotes que possuem mais de 16
água sanitária a 0,5%. Os cuidadores devem semanas de idade no início do protocolo vacinal,
ser informados sobre o potencial zoonótico da o recomendado é que sejam vacinados com duas
dermatofitose. O tratamento é continuado até doses de vacinas vivas modificadas contra FCV
que haja resolução clínica e cura microbiológica, e FHV com intervalo de 2 a 4 semanas e uma
conforme determinado pela cultura fúngica de dose de vacina viva atenuada contra FPV. Como
acompanhamento. A partir das 16 semanas de no Brasil estão disponíveis apenas vacinas
idade, a terapia sistêmica pode ser considerada, polivalentes, os filhotes com mais de 16 semanas
seguindo as recomendações para gatos adultos, de idade devem receber duas doses de vacina
incluindo o uso de itraconazol oral (5 a 10 mg/ viva modificada contendo FCV, FHV e FPV.
kg/dia) ou terbinafina (30 a 40 mg/kg/dia).
No Brasil, a vacina antirrábica é considerada uma
vacina essencial, visto que é uma exigência legal
DIRETRIZES GERAIS SOBRE nos estados e municípios, portanto, é uma vacina
VACINAÇÃO DE GATOS FILHOTES obrigatória para os gatos filhotes e adultos. A
recomendação da AAFP (American Association of
A vacinação primária atual proposta para filhotes Feline Practitioners) é que o Médico-Veterinário
de gatos inclui iniciar as vacinas essenciais com siga as instruções das bulas das vacinas e
FCV, FHV e FPV entre 6 e 8 semanas de idade, as leis locais para a vacinação de gatos. De
com intervalos de 2 a 4 semanas, até que estejam acordo com a diretriz da WSAVA (World Small
com 16 semanas de idade ou mais. Em vista Animal Veterinary Association), é recomendado
disso, o número de vacinas essenciais que um vacinar o gato filhote com uma dose única às 12
filhote de gato receberá dependerá da sua idade semanas de idade e revacinar um ano depois. As
no início do protocolo de vacinação e, também, do revacinações devem ser anuais, levando-se em
intervalo de tempo escolhido entre as doses de consideração a legislação local.
vacinas. Uma outra dose de vacina com 26 a 52
semanas de idade garantirá o desenvolvimento A vacina contra FeLV foi reclassificada como
de uma resposta imune protetora para aqueles uma vacina essencial para todos os gatos com
gatos que não responderam de forma adequada menos de um ano de idade, independente
à série de vacinações primária por influência dos da região em que se encontram, pois os
anticorpos maternos, portanto, essa última dose gatos nesta faixa etária são considerados
da chamada primo vacinação (idealmente com 26 especialmente suscetíveis à infecção. Portanto,
semanas) é atualmente indicada como parte do todos os gatos com menos de um ano de idade
protocolo vacinal de filhotes. devem receber duas doses de vacina contra
140
DURAÇÃO DOS
seja administrada idealmente aos 6 meses de
AGENTE INFECCIOSO ANTICORPOS DE idade contra FPV, FHV e FCV com o objetivo de
ORIGEM MATERNA aumentar a chance de uma imunização bem-
Herpesvírus Felino sucedida sem interferência dos anticorpos de
9 semanas origem materna.
(FHV)
Calicivírus Felino (FCV) 10 a 17 semanas
Os filhotes são mais susceptíveis às infecções do
Vírus da Panleucopenia que os adultos, por isso, devem ser o principal
6 a 12 semanas
Felina (FPV)
alvo de uma correta vacinação. Interromper o
Vírus da Leucemia protocolo vacinal nesses pacientes muito cedo,
8 a 12 semanas
Felina (FeLV) antes que os níveis de anticorpos de origem
Vírus da Raiva 12 semanas materna declinem, é considerado o maior
Clamidiose Felina 4 a 8 semanas motivo de falha vacinal em gatos menores que
Tabela 12: Duração dos anticorpos de origem materna em
um ano de idade.
gatos segundo estudos sorológicos estrangeiros.
Tipos de vacinas
para os gatos no Brasil, já que não existem As vacinas essenciais são conceituadas como
estudos sorológicos que investigaram esses aquelas que todos os gatos, independentemente
dados nos filhotes, e as gatas prenhes daqui das circunstâncias ou situação geográfica, devem
provavelmente não possuem a mesma carga receber. Essas vacinas protegem os felinos de
vacinal que nos países em que esses estudos doenças com alta morbidade e mortalidade que
foram realizados, porém, são bem mais têm distribuição global, como panleucopenia
desafiadas pelas doenças naturais. felina (FPV), calicivirose (FCV) e rinotraqueíte
(FHV). Em áreas do mundo onde a infecção
Em relação ao vírus da panleucopenia felina, pelo vírus da raiva é endêmica, a vacinação é
existe variação considerável entre indivíduos, altamente recomendada, mesmo se não houver
com alguns filhotes apresentando níveis de nenhuma exigência legal para a vacinação de
anticorpos de origem materna baixos ou rotina. De acordo com a recomendação atual da
ausentes com 6 semanas e outros que não AAFP (American Association of Feline Medicine)
respondem à vacinação final com até 16 juntamente com a AAHA (American Animal Hospital
semanas, e que podem ter interferência dos Association), as vacinas consideradas essenciais
anticorpos de origem materna em 20 semanas. são as contra FHV, FCV, FPV, FeLV (esta última
Quanto ao FeLV, acredita-se que, caso o filhote para gatos com menos de um ano de idade) e
não adquira a doença por via transplacentária, raiva em áreas onde a doença é endêmica.
ele esteja protegido da infecção através dos
anticorpos de origem materna durante 2 As vacinas consideradas não essenciais ou
a 3 meses de vida. Como os anticorpos de opcionais são aquelas recomendadas apenas
origem materna para calicivírus duraram para os felinos cuja localização geográfica,
até 17 semanas em 69% dos gatos em um ambiente ou estilo de vida os colocam em
estudo, atualmente se preconiza que uma risco de contrair infecções específicas. De
série de vacinações seja administrada aos acordo com o consenso atual da AAFP/AAHA,
filhotes a cada 2 a 4 semanas até 16 semanas as vacinas consideradas não essenciais são
de idade ou mais, e que uma dose de reforço as contra a leucemia viral felina (para os gatos
142
Os adjuvantes têm sido adicionados aos apenas uma aplicação de uma vacina atenuada.
produtos biológicos não infecciosos para Uma proteção completa somente é alcançada
aumentar o grau de imunoestimulação e duas a três semanas depois da segunda dose de
estender a duração da imunidade de vacinas vacina inativada. Porém, se mais de 6 semanas
inativadas a um nível comparável ao das decorrem entre as duas doses, é recomendado
vacinas atenuadas. Eles podem prolongar o que a série de vacinações seja repetida. Apesar
tempo de exposição do antígeno, aumentar destas limitações, a vacina inativada produz
a apresentação do antígeno ao sistema imunidade suficiente para proteger contra
imunológico e aumentar a resposta de doença clínica e para ser utilizada na rotina da
citocinas. Vacinas recombinantes também são clínica de pequenos animais.
imunogenicamente pobres sem a inclusão
de um adjuvante. O hidróxido de alumínio é o A vacinação de gestantes deve ser evitada
adjuvante mais comumente encontrado nas sempre que possível. Apesar das vacinas
vacinas inativadas. Esses produtos foram inativadas serem mais seguras do que as
implicados em causar reações granulomatosas atenuadas para as gestantes, as possíveis
no local de aplicação da vacina e, no passado, reações adversas decorrentes da vacinação
em aumentar o risco do desenvolvimento de podem ser prejudiciais à gestação. Deve-se,
sarcomas de locais de aplicação em gatos. preferencialmente, vacinar as fêmeas antes
Entretanto, um estudo posterior avaliou 2.560 do cruzamento. Entretanto, uma indicação
casos de eventos adversos pós vacinais em importante do uso de vacinas inativadas em
496.189 gatos vacinados e não conseguiu felinos é para gatas gestantes no início da
relacionar nenhum tipo de vacina ou o uso de gestação, quando o risco de exposição ao
adjuvante com uma maior chance de ocorrência parvovírus felino é elevado.
de reações pós vacinais, incluindo a formação
de nódulos locais ou desenvolvimento de Outra indicação para uso da vacina inativada
sarcomas. Acredita-se que a associação incluía a vacinação de gatos portadores de
entre o alumínio e o sarcoma tenha servido retroviroses (FIV e FeLV), pois não se conhecia
principalmente para se descobrir que havia uma as consequências potenciais da exposição
relação entre a aplicação de produtos injetáveis desses gatos imunodeprimidos a vacinas de
e o desenvolvimento tumoral. Febre, anorexia, vírus vivos. No entanto, um estudo recente
edema facial, vômito e letargia são algumas das indicou que gatos positivos para retroviroses
outras complicações potenciais com o uso de felinas e assintomáticos responderam à
adjuvantes. vacinação contra FPV com vírus vivo modificado
de forma satisfatória. A vacinação com vírus
As vacinas inativadas não produzem imunidade vivo modificado neste estudo foi considerada
de mucosa nem mediada por células, gerando segura em gatos infectados com retrovírus
imunidade mais curta e com menor espectro em curto prazo. Porém, mais estudos com um
do que as vacinas atenuadas. Por estas número elevado de gatos e diferentes graus
razões, com exceção da vacina antirrábica, o de imunossupressão são necessários para se
protocolo de vacinação primário consiste em esclarecer os riscos e benefícios a longo prazo.
pelo menos duas aplicações com intervalo Algumas vacinas inativadas podem ter
de 3 a 4 semanas para gerar uma resposta re s u l ta d o s m a i s d e s e j á ve i s d o q u e a s
anamnéstica, o que poderia ser alcançado com atenuadas. A vacina inativada contra
144
PRINCIPAIS DOENÇAS CONGÊNITAS E DE PADRÃO RACIAL
146
Cardiomiopatia hipertrófica familiar
A cardiomiopatia hipertrófica é a cardiopatia Nos Maine Coons e Ragdolls a mutação
mais prevalente em gatos. É caracterizada genética foi identificada no gene da proteína C
principalmente por hipertrofia do septo miosina ligante. Embora no mesmo gene, os
interventricular e/ou da parede posterior códons que contém a mutação são distintos,
d o v e n t r í c u l o e s q u e rd o , p o d e n d o s e r com cada raça tendo uma mutação distinta
acompanhadas também de hipertrofia dos descrita.
músculos papilares e obstrução dinâmica da
via de saída do ventrículo esquerdo associada Os gatos da raça Sphynx parecem ter uma forma
ao movimento anterior sistólico da valva de cardiomiopatia hipertrófica semelhante à
mitral (Figura 10). A doença tem apresentações descrita em outras raças, sendo que a mutação
clínicas diversas e diferentes velocidades de do gene ALMS1 foi relacionada à cardiomiopatia
progressão entre cada indivíduo, fazendo dela hipertrófica nesta raça.
uma alteração diversa na espécie felina.
Nem todos os gatos com a variante genética
n e ce ss a r i a m e n te v ã o d e s e n vo lve r a
cardiomiopatia hipertrófica. Além disso, outras
mutações possivelmente existem, ainda não
estudadas e reportadas. Portanto, a mutação
genética deve ser considerada como um fator
de risco para CMH, sendo que graus diferentes
da doença podem ocorrer em seus portadores.
Testes genéticos para identificação dos animais
portadores estão disponíveis para gatos.
Figura 11: Exame radiográfico de um Bengal, evidenciando importante alteração de parede torácica (pectus excavatum).
[Imagem cortesia de Alexandre G. T. Daniel]
Catarata
Catarata congênita foi relatada nas raças Persa,
Himalaios, Bengal e British Shorthair, sendo
de herança autossômica recessiva (Figura 12).
Outras possíveis causas de catarata em gatos
incluem uveíte, neoplasia ocular e traumas
subsequentes, bem como distúrbios sistêmicos
e metabólicos, como diabetes. Porém, cataratas
metabólicas diabéticas são bastante incomuns
em gatos.
Figuras 12: Filhote com catarata de origem congênita.
[Imagem cortesia de Alexandre G. T. Daniel]
148
Hérnia diafragmática peritônio-pericárdica
A hérnia peritônio-pericárdica é um defeito da manifestações clínicas em gatos serem
linha média que resulta na comunicação entre diferenciadas (Figura 13). A incidência varia de
o saco pericárdico e a cavidade peritoneal, 6-30% em gatos, com animais de raça sendo
descrito principalmente em animais da raça mais cometidos. Entre as raças mais descritas,
Persa, Himalaios e Maine Coon. Em cerca de o Maine Coon é predominante, representando
metade dos casos, é um achado incidental 20% dos animais de raça acometidos, seguido
em gatos adulto. Nos Persas já houve relatos pelo Persa e Himalaio.
familiares, provendo evidências de uma provável
base hereditária. Ela é reconhecida como uma doença hereditária
em diversas espécies de mamíferos, com
Displasia coxofemoral provável herança genética poligênica em gatos.
A displasia coxofemoral é uma condição
ortopédica comum em gatos, mas pouco Amiloidose
reconhecida, principalmente pelo fato das A amiloidose caracteriza-se por depósito
extracelular de material proteináceo/amiloide
nos rins e fígado. Nos gatos, a substância
amiloide é depositada principalmente na
medula renal, porém envolvimento glomerular
também já foi descrito. Gatos com amiloidose
hepática podem apresentar manifestações
clínicas inespecíficas e intermitentes,
insuficiência hepática fulminante e até
mesmo morte súbita. O acúmulo de grande
quantidade de substancia amiloide corrompe
a arquitetura hepática, tornando o órgão mais
frágil e propenso a rupturas. Normalmente,
a deposição de proteína sérica de fase aguda
(amiloide A) nos tecidos ocorre em resposta
à presença de doenças inflamatórias ou
neoplasias crônicas, porém na raça Abissínio e
Siamês, a alta incidência sugere uma doença de
caráter genético. O modo específico de herança
genética e patogênese da amiloidose em gatos
ainda não é completamente compreendido.
Osteocondrodisplasia
Gatos da raça Scottish Fold advém de uma
mutação naturalmente ocorrida em um
British Shorthair, na Escócia, na década de
1960. Cruzamentos entre animais dessa raça
Figuras 13: Imagem radiográfica de um Maine Coon jovem,
com importante grau de displasia coxofemoral. geravam filhotes com alterações cartilagíneas
[Imagem cortesia de Alexandre G. T. Daniel] generalizadas (incluindo as cartilagens
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