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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Monique Ayupe Bueno Lordello

ENTRE DESAFIOS E APOIOS: CAMINHOS DE PRIVADOS DE LIBERDADE DO


ENSINO SUPERIOR

Niterói
2017

1
MONIQUE AYUPE BUENO LORDELLO

Entre Desafios e Apoios: Caminhos de Privados de Liberdade do Ensino

Dissertação apresentada ao Mestrado em Educação do


Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal Fluminense.
Linha de Pesquisa: Diversidade, Desigualdades Sociais e
Educação
Orientador: Profº Drº Paulo César Rodrigues Carrano

Niterói
2017

2
MONIQUE AYUPE BUENO LORDELLO

Entre Desafios e Apoios: Caminhos de Privados de Liberdade do Ensino Superior

Dissertação apresentada ao Mestrado em Educação do


Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal Fluminense.
Linha de Pesquisa: Diversidade, Desigualdades Sociais e
Educação
Orientador: Profº Drº Paulo César Rodrigues Carrano

Aprovada em: 14 /02 /2017

BANCA EXAMINADOR

___________________________________________________________________________
Profº Drº Paulo César Rodrigues Carrano (Orientador- UFF)

___________________________________________________________________________
Profa. Dra. Ana Karina Brenner (UERJ)

___________________________________________________________________________
Prof. Dr. Osmar Fávero (UFF)

3
Ficha catalográfica automática - SDC/BCG

L866e Lordêllo, Monique ayupe bueno lordêllo


Entre Desafios e Apoios: Caminhos de Privados de Liberdade
do Ensino Superior / Monique ayupe bueno lordêllo Lordêllo;
Paulo César Rodrigues Carrano, orientador. Niterói, 2017.
86 f.

Dissertação (mestrado)-Universidade Federal Fluminense,


Niterói, 2017.

1. Privação de Liberdade. 2. Ensino Superior. 3.


Produção intelectual. I. Título II. Carrano,Paulo César
Rodrigues, orientador. III. Universidade Federal Fluminense.
Faculdade de Educação.

CDD -

Bibliotecária responsável: Angela Albuquerque de Insfrán - CRB7/2318

4
AGRADECIMENTOS

O primeiro agradecimento eu dedico a Deus, o todo poderoso, pois foi através dele e de sua
misericórdia eterna que pude prosseguir o meu caminho ao longo desses dois anos anos de
mestrado. O Senhor esteve comigo em todos os momentos em que pensei em desistir.
A Universidade Federal Fluminense, instituição importantíssima na minha formação. Desde a
graduação em Ciências Sociais até o mestrado em Educação.
Ao meu orientador, o professor doutor Paulo César Rodrigues Carrano, que iniciou a minha
orientação já no meio do caminho, assumindo todos os riscos, acreditando somente na promessa
de que eu conseguiria prosseguir. Com seu profundo conhecimento sobre os estudos que
utilizam narrativas de vida, obtive a melhor orientação possível para executar o trabalho. As
discussões propostas nos encontros coletivos com os meus pares, aproximaram-me da temática
proposta, tornando as reflexões mais fluídas e claras, facilitando a produção final do trabalho.
Aos professores doutores Ana Karina Brenner e Osmar Fávero, que se disponibilizaram a
participar da minha banca. Os seus ensinamentos e orientações no exame de projeto foram
essenciais para a continuidade da pesquisa. Sem falar na honra em tê-los analisando meu
trabalho. Professor Osmar, Emérito da Universidade Federal Fluminense- UFF, e Ana Karina,
professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro- UERJ, ambos engajados na luta pela
educação.
No âmbito pessoal, agradeço em primeiro lugar ao o meu esposo Thiago Lordêllo Souza, amigo,
fiel, companheiro. Esse é só mais um dos projetos que ele me apoiou ao longo desses doze anos
de união. Ao longo desses dois anos, era ele que me ouvia nas minhas frustrações e angústias.
Ele foi o principal suporte para que eu conseguisse seguir minha trajetória acadêmica.
Aos meus filhos, Rian Ayupe e Mariana Ayupe. Rian com apenas oito anos, sempre com seu
carinho e inocência, fortaleceu-me nos momentos mais complicados. Mariana concebida ao
longo do mestrado e ainda dentro da barriga, foi minha companheira nesses últimos momentos
da pesquisa. Pedi a ela muita paciência e me atendeu. Nasceu somente depois da conclusão do
trabalho.
Ao meu irmão Rodrigo Ayupe, um também acadêmico. Nesse último ano estivemos separados
fisicamente por causa de sua pesquisa de doutorado realizada no Líbano, mas ver sua força e

5
determinação foi o motor necessário para que eu seguisse em frente. Sempre me ajudou muito
com a pesquisa, dando-me instrução de como prosseguir e discutindo teorias sociológicas muito
importantes para o embasamento do meu trabalho.
Aos meus pais, que desde sempre me apoiam e me ajudam com tudo, inclusive me ajudando a
cuidar do meu filho para que conseguisse estudar.
Aos meus amigos do mestrado, Amanda Gonçalves, Fernanda Chaves, Isabel Leite, Joyce
Pessanha, Mariana Domingues, Mariane Brito e Renan Saldanha, que estiveram comigo todo
esse período, ajudando e trocando experiências.
Aos três entrevistados que participaram voluntariamente da pesquisa, pois foi através da
disponibilidade em contar suas histórias que pude realizar a fase empírica.

6
RESUMO

LORDELLO, Monique A. B. Entre Desafios e Apoios: Caminhos de Privados de Liberdade


do Ensino Superior. Orientador: Paulo César Rodrigues Carrano. Niterói, Rio de Janeiro,
Universidade Federal Fluminense, 2017. Dissertação de Mestrado, 86 páginas. Linha de
pesquisa: Diversidade, Desigualdades Sociais e Educação. Eixo temático: Práticas Sociais e
Educativas de Jovens e Adultos.

Esta dissertação busca refletir as narrativas de vida de três estudantes privados de liberdade no
ensino superior. O objeto de pesquisa centra a análise na compreensão dos instrumentos
disponíveis necessários para obter êxito ou fracassar ao longo dessa trajetória. Acredita-se que
através de relatos de vida é possível apreender de forma mais aprofundada os vários dispositivos
que envolvem as experiências cotidianas e os processos sociais nos quais estão envolvidos estes
universitários. A compreensão sobre as trajetórias individuais implica o diferencial entre os
indivíduos que dispõe dos mesmos recursos, e cujas posições sociais aparentam ser muito
similares, mas apresentam diferenças importantes no momento do enfrentamento. Portanto, o
embasamento teórico para a reflexão volta-se para as discussões sobre a temática da Sociologia
do Indivíduo e os processos de singularização e individuação, pautada principalmente pela
teoria do Sociólogo peruano Danilo Martucelli. A partir da noção de provas e suportes,
defendida em seus escritos, foi possível compreender os principais mecanismos que
influenciaram o caminho dessas pessoas. A entrevista compreensiva utilizada como método foi
responsável pelo aprofundamento no contato com o entrevistado. O roteiro de entrevista semi-
estruturado foi o principal instrumento de coleta dos dados. A partir destas três histórias
individuais pode-se perceber as estruturas sociais inerentes à este campo tão singular. A
violação de direitos e dificuldades em prosseguir os estudos na universidade, estiveram
presentes em ambas as histórias. O suportes, tanto materiais quanto simbólicos, foram
essenciais para que conseguissem dar continuidade aos estudos na universidade.

Palavras-chave: privação de liberdade; ensino superior; narrativas de vida

7
ABSTRACT

This dissertation analyzes the life narratives of three students considered as deprived of liberty
in the Higher Education. The object of this research is focusing on the comprehension of
available tools that is necessary to succeed of fail along this trajectory. The argument that will
be defended here is that through the life narratives is possible to seize deeply a range of devices
related to both daily experiences and social processes in which these university students are
involved. Analyzing the individuals trajectories allows to understand the diferences among
individuals who possesses the same resources and who its social positions seem to be similars.
Thus, the theoretical basis of this object leans upon the Sociology of Individual and the
Singularization or Individuation processes, based especially on the sociologist Danilo
Martucelli’s theory. From the notion of evidences and supports, elaborated in his theoretical
model, it is possible to understand the main elements which influenced the trajectories of these
people. Using the comprehensive interview as research method enabled me to improve and
going deeper in the contact with the interviewees. The semi-structured interview script was the
main instrument for collecting data. From these three individuals stories it can be seen the
social structures related to this such singular field. The violation of rights and the difficulties in
continuing the academical studyings, was highlighted in both narratives. The supports, either
materials or symbolics, were essencial to keep these studyings rightly.

Keywords: Deprivation of liberty; Higher Education; Life narratives.

8
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO----------------------------------------------------------------------------------9

1. O PROCESSO SOCIAL DA VULNERABILIDADE E SUAS CONSEQUÊNCIAS


PARA O ENCARCERAMENTO EM MASSA--------------------------------------------25

1.1. As transformações nas relações de trabalho e o desemprego -----------------------25


1.2. O “tudo penal”: Estado de bem-estar social versus Estado-mercado---------------26
1.3. A vulnerabilidade e a incerteza----------------------------------------------------------29

2. A REALIDADE PRISIONAL BRASILEIRA----------------------------------------------37


2.1. A escolarização dos privados de liberdade e o direito à educação------------------40
2.2. Projetos e programas----------------------------------------------------------------------45

3. A EXPANSÃO DO ACESSO AO ENSINO SUPERIOR NO BRASIL----------------48


3.1.O Exame Nacional do Ensino Médio
3.1.1. Enem PPL ------------------------------------------------------------------------48
3.2. As políticas de democratização do acesso e as políticas de permanência----------49
3.2.1. Programa de Apoio aos Planos de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais----------------------------------------------------------- 50
3.2.2. Programa Universidade para Todos---------------------------------------------51
3.2.3. Plano Nacional de Assistência Estudantil--------------------------------------52
3.3. A Educação Superior no Plano Nacional de Educação-------------------------------53

4. NARRATIVAS DE VIDA
4.1.Vidas contadas/ histórias vividas. Quem são os sujeitos da pesquisa? -------------56
4.2. A mais difícil prova: autorização judicial----------------------------------------------56
4.3. Os suportes: Família/ Amigos/ Professores-------------------------------------------- 59

9
4.3.1. Família------------------------------------------------------------------------------61
4.3.2. Amigos------------------------------------------------------------------------------62
4.3.3. Professores------------------------------------------------------------------------- 64
4.4. O não-suporte: unidade prisional--------------------------------------------------------65
4.5. Da prisão à Universidade-----------------------------------------------------------------68
4.5.1. A preparação----------------------------------------------------------------------- 68
4.5.2. A escolha do curso superior------------------------------------------------------68
4.5.3. O preconceito-----------------------------------------------------------------------70
4.5.4. O exemplo--------------------------------------------------------------------------71
4.6. Da universidade à prisão------------------------------------------------------------------72
4.7. O futuro-------------------------------------------------------------------------------------74

CONSIDERAÇÕES FINAIS------------------------------------------------------------------75

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS-------------------------------------------------------78

ANEXO------------------------------------------------------------------------------------------82

APÊNDICE--------------------------------------------------------------------------------------84

10
INTRODUÇÃO

O período de experiência como professora do Programa Brasil Alfabetizado 1, em duas


unidades prisionais no estado do Rio de Janeiro, impulsionaram este objeto de estudo. Ao longo
de um período de dois anos em que estive em contato com alunos em situação de privação e
restrição de liberdade2 pude identificar algumas das dificuldades enfrentadas pelo estudante
nesta condição. O desejo pela continuidade dos estudos, baseado na garantia do direito à
educação, suscitaram questões acerca das possibilidades dos indivíduos com formação escolar
básica 3 em acessar o ensino superior. Portanto, esta pesquisa busca investigar os percursos
biográficos dos jovens internos do sistema penitenciário, entre o período que antecede a
prestação do exame de acesso ao ensino superior e sua aprovação e permanência.
A abordagem biográfica, matriz metodológica de cunho qualitativo utilizada nesta
pesquisa, busca compreender como os jovens privados de liberdade enfrentam os desafios e
vivenciam as múltiplas experiências nesta trajetória. Acredita-se que através dos relatos de vida
é possível analisar de forma profunda os vários mecanismos que envolvem as experiências
cotidianas e os processos sociais nos quais estão envolvidos estes universitários.

1
A Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (SEAP) em parceria com a Secretaria de Estado de
Educação (SEEDUC) e com recursos provenientes do Ministério da Educação SECAD/MEC, implantaram o
Programa Brasil Alfabetizado em âmbito nacional pela primeira vez no ano de 2004, e desde o seu surgimento há
o Programa no Sistema Penitenciário com o objetivo de contribuir para universalização do Ensino Fundamental,
promovendo apoio a ações de alfabetização de jovens, adultos e idosos no Sistema Penitenciário.
2
A pena privativa de liberdade denota delimitação total do direito de ir, vir, estar e permanecer, não havendo,
inclusive, outra sanção aplicável, pois é a liberdade plena que é atingida. Aqui existe o do cidadão em um
estabelecimento penal, que pode ser a penitenciária, a colônia agrícola ou industrial, a casa do albergado ou, no
caso dos inimputáveis, em hospital psiquiátrico ou de custódia. Além disso, o sujeito à pena privativa de liberdade
submete-se aos regimes penais (fechado, semiaberto ou aberto), na progressão de regime.
A pena restritiva de liberdade, que não prevê o confinamento em estabelecimentos, porque a ideia, aqui, é substituir
a pena privativa de liberdade (menor locomoção) pela restritiva de direitos (maior locomoção e liberdade). O
cidadão ou a cidadã preservam seu direito de ir, vir, estar e permanecer, continuam suas vidas - trabalhando,
interagindo etc. - mas têm horários cerceados para que, dentro deles, dediquem-se às atividades que
foram impostas a título de pena.
3
A educação básica é o primeiro nível do ensino escolar no Brasil. Compreende três etapas: a educação infantil
(para crianças com até cinco anos), o ensino fundamental (para alunos de seis a 14 anos) e o ensino médio (para
alunos de 15 a 17 anos).

11
Considerando que o sistema prisional brasileiro atualmente, é composto em grande
medida por jovens, negros, com pouca escolarização e baixa renda, o público universitário
nessas condições pode indicar uma exceção a regra apresentada. A classificação da composição
do público prisional pode demonstrar uma pequena minoria que atinge o nível de escolarização
superior.
O cenário prisional brasileiro na atualidade é caracterizado por uma superpopulação
incompatível com o número de vagas disponíveis. No segundo semestre de 2014, referente ao
último levantamento desse quantitativo (INFOPEN, 2014), o Brasil possuía mais de 600 mil
presos para somente 377 mil vagas, o que demonstra um déficit de mais de 231 mil vagas. Esses
dados são alarmantes, pois demonstram um sistema falido, que devido ao quantitativo de presos,
impossibilita a realização de políticas efetivas de ressocialização.4
O quantitativo de jovens é predominante na população prisional, 56% estão na faixa
etária entre 18 a 29 anos, isso equivale a mais da metade do número de presos. Se alagarmos
essa faixa para os 34 anos de idade, essa porcentagem chega a 75%. Quanto a raça, a
predominância é de negros, com 67 % da composição. Conclui-se que as prisões brasileiras
atualmente são compostas predominantemente por jovens e negros, na maioria dos casos,
oriundos de classes populares (INFOPEN, 2014).
A maioria dos internos do sistema prisional em algum momento tiveram sua trajetória
escolar interrompida. Os dados do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (Infopen,
2014) do Ministério da Justiça, mostram que a quantidade de estudantes que cumprem pena é
baixo em todas as etapas de escolarização. Em junho de 2014, quando o último balanço foi
feito, apenas 7.952 eram alfabetizados, 23.773 possuíam o Ensino Fundamental, 7.226
completaram o Ensino Médio e 287 possuíam o Ensino Superior. Apesar de o quantitativo de
internos que possuem o Ensino Superior ser ainda pequeno, a cada ano cresce o número de
indivíduos privados de liberdade que prestam o Exame Nacional do Ensino Médio- Enem.5
Segundo o INEP, o Enem para pessoas privadas de liberdades (Enem PPL) recebeu um total de

4
“Partindo do pressuposto que ressocializar tenha o sentido de socializar novamente, percebemos que lidamos
com um conceito utilizado basicamente no interior do sistema penitenciário, que implica a ideia de que o interno
volte a sociedade disposto a aceitar e seguir as normas e as regras sociais.” (JULIÃO, 2012, p. 57)
5
Criado em 1998, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) tem o objetivo de avaliar o desempenho do
estudante ao fim da escolaridade básica. Podem participar do exame alunos que estão concluindo ou que já
concluíram o ensino médio em anos anteriores.
O Enem é utilizado como critério de seleção para os estudantes que pretendem concorrer a uma bolsa no Programa
Universidade para Todos (ProUni). Além disso, cerca de 500 universidades já usam o resultado do exame como
critério de seleção para o ingresso no ensino superior, seja complementando ou substituindo o vestibular.
12
45,5 mil inscritos no ano de 2015, entre os privados de liberdade e os que cumprem medida
sócio-educativa, registando uma aumento de 19% em relação ao ano anterior, que obteve 38,1
mil inscritos.
Para que os presos tenham direito à participar do Enem é necessário que as unidades
firmem termo de compromisso com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
(Inep). As inscrições são feitas exclusivamente pela internet, por um coordenador pedagógico.
O edital para as pessoas privadas de liberdade é diferente do aplicado às pessoas livres. As
provas também acontecem em dias diferentes e são aplicadas nos próprios presídios.
A nota do Enem pode ser usada para o acesso a cursos de educação superior por meio
do Sistema de Seleção Unificada (Sisu)6 e para obter bolsas no Programa Universidade para
Todos (ProUni).7 O exame pode ser usado também para obter o comprovante de conclusão do
Ensino Médio. A certificação pode ser solicitada pelos inscritos que tenham completado dezoito
anos e alcançado quatrocentos e cinquenta (450) pontos em cada uma das quatro áreas de
conhecimento avaliadas, além de quinhentos (500) pontos na redação. Aqueles que optarem por
usar o Enem para certificação do Ensino Médio devem fazer o pedido no ato da inscrição
(BRASIL, 2015).
A possibilidade de acesso desse indivíduo aos bancos universitários foi possibilitada
principalmente pelo avanço das leis que regem o sistema penitenciário e regulamentam o acesso
à educação, dentre elas a Constituição Federal de 1988, a Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210
de 11 de julho de 1994) e a Lei de Diretrizes e Bases da EducaçãoNacional- LDB (Lei nº 9.394).
A Constituição Federal de 1998 em seu artigo 205 garante a educação como um direito de todos
e dever do Estado e da família. Ao determinar a universalização do acesso à educação como
"direito fundamental, universal e inalienável deve ser garantida para todos (as), nos diferentes
espaços sociais e geopolíticos, em todos os níveis etapas e modalidades da educação"
(FNE,2013, p.34). A Lei de Execução Penal- 7210, de 11 de julho de 1994, na seção V,
estabelece que o preso deverá receber instrução escolar e educacional, como medida de
assistência educacional.

6
O Sistema de Seleção Unificada (Sisu) foi desenvolvido pelo Ministério da Educação para selecionar os
candidatos às vagas das instituições públicas de ensino superior que utilizarão a nota do Exame Nacional do Ensino
Médio (Enem) como única fase de seu processo seletivo. A seleção é feita pelo Sistema com base na nota obtida
pelo candidato no Enem.
7
O Programa Universidade para Todos (Prouni) é um programa do Ministério da Educação, criado pelo Governo
Federal em 2004, que concede bolsas de estudo integrais e parciais (50%) em instituições privadas de ensino
superior, em cursos de graduação e sequenciais de formação específica, a estudantes brasileiros, sem diploma de
nível superior.
13
Apesar de todo o respaldo legal, o acesso e a permanência no Ensino Superior esbarra
em questões relacionadas ao sistema de justiça brasileiro, que tem se tornado um empecilho
para essas pessoas. Alguns casos divulgados na imprensa mostram as dificuldades enfrentadas
pelos universitários privados de liberdade em cursar o Ensino Superior. Adriano Almeida de 23
anos, obteve aprovação no ENEM no ano de 2014 e foi classificado na terceira chamada do
Sisu no curso de Agronomia para a Universidade Federal do Acre. Sem escolta, a Justiça
informou que não teria como liberar o preso, porém o juiz da Vara Criminal, Hugo Torquato,
voltou atrás na decisão e liberou-o para ir às aulas. Apesar de, neste caso, a Justiça ter voltado
atrás na decisão, na maioria dos casos não é assim que acontece. A chance de cursar uma
universidade esbarra em questões além de obter êxito na realização do exame.8 O Ministério
Público afirma que o preso do regime fechado, não pode ter acesso a esse tipo de benefício,
pois deveria ser mobilizada uma escolta particular. No caso de Adriano, o parecer favorável
dependeu de questões interpretativas da própria Justiça, que após analisar o caso, permitiu que
ele frequentasse as aulas apenas com a tornozeleira eletrônica. 9
A coordenadora do projeto “Do cárcere à universidade”10 da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro- UERJ, a professora-doutora Maria do Socorro Calhau, traz alguns aspectos
importantes sobre a trajetória dos universitários privados de liberdade na UERJ. Ela destaca
que como a educação oferecida nas prisões é encarada como prêmio ou benefício: “os apenados
universitários naõ têm logrado sucesso na sua empreitada de redesenharem suas vidas, pela
vergonha de um estigma que limita sua atuaçaõ , dificultando sua inserçaõ nas redes de
sociabilidade e acadêmicas existentes” (CALHAU, 2013, p.1). Sendo assim, o projeto “objetiva
criar uma Polit́ ica Pública de Inclusaõ e está construindo um caminho que possa ser capaz de
transformar essa dura realidade.”(Idem, ibidem). Segundo Calhau, os alunos do sistema
carcerário vivenciam um constante constrangimento que limita sua participação nas atividades
acadêmicas. Enfrentam vários tipos de dificuldades, como a autorização para frequentar as

8
http://g1.globo.com/ac/acre/noticia/2015/10/preso-que-passou-no-enem-chora-ao-saber-que-podera-cursar-
agronomia.html acesso em 18/02/2016
9
A tornozeleira eletrônica é uma forma de pena de substituição à prisão ou para ser utilizado durante o processo
de instrução do processo. O princípio consiste em agregar ao prisioneiro uma marca eletrônica inviolável. Diversas
tecnologias podem ser utilizadas para obter esse resultado. A mais conhecida é a que originou o nome, sendo um
tipo de tornozeleira que contém uma identificação eletrônica que pode ser monitorada à distância pelas autoridades
policiais ou penitenciárias.
10
O Projeto Do cárcere à universidade vai fazer um mapeamento dos universitários da UERJ, que são oriundos do
sistema prisional e encontram-se em regimes aberto ou semi-aberto. O conhecimento de que alguns dos estudantes
da UERJ são apenados(as), que conseguiram concluir a Educação Básica dentro do sistema carcerário, demonstra
que é possível reverter a máxima que diz que para essas pessoas apenas o retorno ao crime ou o trabalho, braçal
pesado e mal remunerado.
14
aulas, não conseguem cumprir os estágios probatórios, dentre outras atividades curriculares
complementares. Como não conseguem cumprir os deveres acadêmicos, muitos evadem e
retornam ao cárcere.
A possibilidade de presos acessarem o Ensino Superior resulta do processo de ampliação
do número de vagas em universidades no Brasil pelas políticas de democratização do acesso. O
indivíduo preso faz parte da parcela populacional que há muito tempo esteve excluída dos
bancos universitários, principalmente por causa de um sistema restrito que permitia uma parcela
reduzida da população acessar o Ensino Superior.
Nos últimos anos, o Brasil vem passando por um processo de democratização do acesso
ao ensino superior que resultou em mudanças significativas na oferta educacional. Algumas
iniciativas visando a alteraçaõ dessa realidade foram formuladas pelo Governo Federal, entre
elas destaca-se o Programa Universidade para Todos (Prouni), o Fundo de Financiamento
Estudantil (Fies) 11 , o Programa de Apoio aos Planos de Reestruturaçaõ e Expansaõ das
Universidades Federais (Reuni)12, a Lei de Cotas13 e a expansaõ da rede federal de educaçaõ
profissional e tecnológica.
A implementação dessas políticas não garante a permanência e a conclusão do curso
superior dos jovens das camadas populares na universidade, dentre eles, os jovens privados de
liberdade, pois na maioria das vezes, o impedimento da continuidade é impossibilitada pela
falta de recursos materiais. No caso dos indivíduos privados de liberdade, questões simbólicas
também entram no escopo dos obstáculos enfrentados, que podem resultar no abandono do
curso superior.

11
O Fundo de Financiamento Estudantil(Fies) é um programa do Ministério da Educação destinado a financiar a
graduação na educação superior de estudantes matriculados em cursos superiores não gratuitas na forma da Lei
10.260/2001. Podem recorrer ao financiamento os estudantes matriculados em cursos superiores que tenham
avaliação positiva nos processos conduzidos pelo Ministério da Educação.
12
A expansão da educação superior conta com o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais (Reuni), que tem como principal objetivo ampliar o acesso e a permanência na educação
superior. Com o Reuni, o governo federal adotou uma série de medidas para retomar o crescimento do ensino
superior público, criando condições para que as universidades federais promovam a expansão física, acadêmica e
pedagógica da rede federal de educação superior. As ações do programa contemplam o aumento de vagas nos
cursos de graduação, aampliação da oferta de cursos noturnos, a promoção de inovações pedagógicas e o combate
à evasão, entre outras metas que têm o propósito de diminuir as desigualdades sociais no país. O Reuni foi
instituído pelo Decreto nº 6.096, de 24 de abril de 2007, e é uma das ações que integram o Plano de
Desenvolvimento da Educação (PDE).
13
Lei nº 12.711/2012, sancionada em agosto deste ano, garante a reserva de 50% das matrículas por curso e turno
nas 59 universidades federais e 38 institutos federais de educação, ciência e tecnologia a alunos oriundos
integralmente do ensino médio público, em cursos regulares ou da educação de jovens e adultos. Os demais 50%
das vagas permanecem para ampla concorrência.

15
Esta pesquisa se insere no campo da Sociologia do Indivíduo focando nos mecanismos
de orientaçaõ da individuaçaõ , o que requer uma aproximação com atores e os processos
envolvidos. A tese que o indivíduo é uma via relevante para entender as sociedades
contemporâneas tem adquirido uma crescente importância nas ciências sociais.
(MARTUCELLI, SINGLY, 2009 apud ARAÚJO, MARTUCELLI 2010, p. 78) . Neste
contexto, o principal desafio da sociologia é tentar dar conta das principais mudanças sociais
que tenham como horizonte o indivíduo e suas experiências.

Para dar conta do novo rol analítico que lhe concerne o indivíduo no período atual, as
teorias da socialização e da subjetivação apresentam, como veremos, um conjunto
importante de suficiências que convidam a privilegiar uma outra estratégia que,
partindo do processo de individuação, seja de descrever o trabalho do indivíduo para
fabricar-se como sujeito. (ARAÚJO, MARTUCCELLI, 2010, p. 79)

A partir de uma perspectiva socio-histórica a individuação refere-se ao tipo de indivíduo


fabricado estruturalmente na sociedade a individuação se interessa, desde uma perspectiva
socio-histórica ao tipo de indivíduo que é estruturalmente fabricado. A defesa pela Sociologia
do indivíduo já era defendida por Max Weber que é
frequentemente apontado como o mais antigo defensor das perspectivas da
ação social. Ainda que reconhecesse a existência de estruturas sociais- como
classes, partidos, grupos de status e outros-, ele sustentava que essas estruturas
foram criadas através de ações sociais de indivíduos. ( GIDDENS, 2008, p.
35)

A importância da centralidade do indivíduo permite constituir uma nova maneira de


fazer a sociedade. A individuação é, portanto, uma perspectiva analítica particular de estudo,
que está buscando o tipo de individuo que é fabricado pela sociedade em determinado período
histórico. A partir da individuação podemos entender a noção de prova, desenvolvida pelo
autor. “Articulando como proporemos um dispositivo particular de estudo da individuação,
através da noção de prova, com uma versão específica do trabalho pelo qual o indivíduo se
fabrica como sujeito.” (ARAÚJO; MARTUCCELLI, 2010, p. 83)
As provas são desafios históricos produzidos socialmente, apresentados culturalmente
e distribuídos de forma desigual as quais os indivíduos estão obrigados a enfrentar em um
processo estrutural de individuação. (MARTUCCELLI, 2006)

Para Martuccelli (2007a) os indivíduos, ao serem obrigados a se defrontar com


obstáculos diversos (provas), socialmente produzidos e diferencialmente distribuídos,
podem ter “êxito” ou “fracassar” (“chumbar”, diz-se em Portugal), tal como ocorre
em toda a prova no sentido mais escolar do termo. As provas não são independentes
das posições e dos contextos sociais realmente vividos, mas são heterogêneas no
16
interior de uma mesma posição social e dos contextos de vida semelhantes. As provas,
sendo múltiplas, explicariam os sentimentos plurais que experimentam os atores uma
vez que o que “ganham” em determinado momento, podem perder em outro momento.
(CARRANO, 2009, p. 11 e 12)

Para grande parte da sociedade, o jovem preso está condenado a um tipo de vida
subalterna que o subjuga ao crime cometido, pois em muitos casos este indivíduo reincide no
crime. Por outro lado, àqueles que não voltam a prática delituosa enfrentam ao longo da sua
vida uma série de violações simbólicas que dificultam a retomada de uma vida social
desvinculada do desvio. Entretanto, acessar o ensino superior pode significar uma trajetória
alternativa a este tipo de condenação simbólica.
Portanto, a pesquisa baseada em estudos biográficos possibilita compreender como as
histórias plurais podem representar aspectos sociais, demonstrando que a sociedade está em
constante transformação. Essas transformações poderão ser observadas através dos relatos
individuais. A partir da dinâmica social aqui exposta, proponho alguns questionamentos que
direcionam esta investigação: Como estes jovens universitários privados de liberdade
enfrentam as provas que estão dispostas ao longo do percurso escolar no curso superior? Que
tipo de suporte tornou-se essencial para conseguir enfrentar esse tipo de prova? Quais aspectos
materiais e simbólicos foram condicionantes para a continuidade dos estudos? Como os jovens
privados de liberdade se colocaram diante das provas? O que foi determinante para alcançar
êxito em sua trajetória? O que representou sucesso ou fracasso em sua trajetória? Quais critérios
determinam como o sujeito consegue se perceber enquanto indivíduo neste processo?
Os estudantes do ensino superior no Brasil, principalmente os oriundos das classes
populares, enfrentam uma série de dificuldades para concluir seus estudos. Quando se fala em
estudantes que estão em cumprimento de pena de prisão, as dificuldades podem ser ainda
maiores ou mais complexas, dependendo de diversos fatores, como o próprio local onde se está
cumprindo a pena, o juiz que é responsável pela autorização para se ausentar da prisão para
frequentar as aulas, ausência de mecanismos de segurança, etc. Portanto, é interessante
demonstrar que tipo de dificuldades são enfrentadas por estes indivíduos para refletirmos sobre
a real democratização do acesso.
De modo geral, os estudos sobre o cárcere ou educação em prisões tratam desses sujeitos
de forma homogênea, ignorando suas individualidades. Apesar das trajetórias individuais
representarem aspectos microssociológicos, em algum momento apresenta o aspecto
macrossocial, tão debatido nas inúmeras pesquisas sobre o cárcere. Outro aspecto interessante
é o fato de tais estudos interrelacionarem a Educação para privados de liberdade como
17
“redentora”, ou “ressocializadora”, como o fim, negligenciando os processos que a constroem.
Portanto, esta pesquisa pode representar um impacto social relevante, à medida que lança um
olhar singularizante sobre os presos, contribuindo para decompor as recorrentes representações
negativas sobre a população prisional.

Percursos teóricos e metodológicos

O método de produção de dados se deu através da entrevista compreensiva que consiste


em "uma técnica de coleta de dados qualitativa que articula formas tradicionais de entrevista
semidiretiva com técnicas de entrevista de natureza mais etnográfica" (FERREIRA, 2014, p.
979). O procedimento utilizado na investigação foi realizado através de entrevistas com a
participação de três jovens universitários em situação de restrição e privação de liberdade que
aceitaram participar da pesquisa.
A pesquisa qualitativa permite uma maior compreensão sobre os processos construídos
pelos sujeitos e possibilita entender quais sentidos e significados atribuem às suas práticas e
vivências. Portanto, permite ao pesquisador uma maior imersão no objeto pesquisado. (ZAGO,
2013).
A pesquisa volta-se, portanto, para a defesa do autor Jean Claude Kauffman a respeito
da produção científica, ressaltando a figura do "artesão intelectual"(KAUFFMAN, 2014, p.33),
representado pelo pesquisador que não se contenta somente em acumulação e descrição de
informações. Quando falamos em "artesão intelectual", remetemo-nos a Wright Mills, pois
acredita ser as funções do pesquisador indissociáveis e concomitantes, ou seja, ele é ao mesmo
tempo teórico, metodólogo e empírico. (MILLS, 1982)
Kauffman advoga que o pesquisador precisa compreender e participar da realidade dos
seus entrevistados. Para ele, as pessoas são "depositárias de um saber importante que deve ser
assumido do interior, através do sistema de valores dos indivíduos." (KAUFFMAN, 2014,
p.47). Portanto,

a entrevista compreensiva proporciona não a afirmação do entrevistador onde


ele, além de comandar aquele momento, estabelece uma barreira hierárquica
com o informante, mas sim um momento de compartilhamento, bem mais
próximo a uma 'conversa'entre duas pessoas dispostas a dividir um
conhecimento, uma ideia. ( FERREIRA, 2014, p. 172)

18
A especificidade da perspectiva compreensiva, é sobretudo, o seu direcionamento para
a identificação das práticas cotidianas e a emergência dos novos fenômenos sociais (GUERRA,
2006). Devemos ressaltar que o objetivo não é destacar o indivíduo isolado através de um
individualismo metodológico, mas demonstrar que os atores agem segundo parâmetros
estabelecidos nas relações sociais.

A entrevista em profundidade (compreensiva) permite abordar, de um modo


privilegiado, o universo subjectivo do actor, ou seja, as representações e os
significados que atribui ao mundo que o rodeia e aos acontecimentos que
relata como fazendo parte da sua história. Essa subjectividade é, para o
sociólogo, não um mero reflexo da individualidade desse actor, mas de um
processo de socializaçaõ e de partilha de valores e práticas com outros, ou
seja, resulta de uma intersubjectividade. (LALANDA, 1998, p. 875)

O contato entre o entrevistador e o entrevistado mediado pela entrevista compreensiva


resultou nas narrativas de vida dos jovens universitários em situação de restrição e privação de
liberdade participantes da pesquisa, que contribuiram para o aprofundamento da realidade
estudada. Sendo assim, o estudo biográfico no formato relatos de vida, possibilitou aprofundar
a reflexão em torno dos sentidos e significados de uma narrativa, baseada principalmente na
perspectiva etnossociológica de Daniel Bertaux (2005), tipo de investigação empírica baseada
no trabalho de campo que constrói seus objetivos direcionada para determinadas problemáticas
sociológicas.

O sociólogo que escolhe a entrevista compreensiva como meio de


investigação da dimensão social que o preocupa, encontra através da narrativa
de vida, o sentido, o pormenor, a particularidade, que torna um actor social
um informador privilegiado e nos permite olhar a realidade social por dentro.
(LALANDA, 1998, p.882)

O pesquisar precisa

passar do geral para o particular, descobrindo dentro do campo observado


formas sociais- relações sociais, mecanismos sociais, lógicas de atuação,
lógicas sociais, processos recorrentes- que se podem apresentar igualmente
em múltiplos contextos similares."(BERTAUX, 2005, p. 15 e 16, tradução
nossa).

O papel do cientista social, como nos indica Bourdieu (1989), precisa ser o de
desconstruir as pré-noções e o senso comum, elaborando novas formas de compreensão das
suas relações, seus modos de vida e suas instituições. Bernard Lahire (2006) ao tratar da
19
"cultura dos indivíduos"faz o seguinte questionamento: "O que se vê do mundo social quando
se olha para ele do ponto de vista dos indivíduos que o compõem e, mais particularmente, da
variação intraindividual de comportamentos? (P. 593). Essa reflexão representa o tipo de
abordagem a nível individual que nos propusemos a realizar. Lahire destaca que a realidade
individual é essencialmente social. Assim, o social nos é apresentado de maneira mais
complexa, e portanto, deve ser analisado de forma particular. Esse tipo de análise de escala
individual possibilita apreender a complexidade social.
Deste modo, a proposta teórico-metodológica de Danilo Martuccelli, busca através dos
aspectos microssociológicos baseados na individuação compreender os mecanismos sociais.
Segundo o autor, o indivíduo é a fonte liminar de nossa percepção social. “Progressivamente se
impõe a necessidade de reconhecer a singularização crescente das trajetórias pessoais, o feito
que os atores tenham acesso a experiências diversas que tendem a singularizar-los e ele ainda
ocupa posições sociais similares.” (ARAÚJO; MARTUCCELLI, 2010, p. 82, tradução nossa).
A nível individual, o conjunto de provas pessoais é fruto de uma trajetória extremamente
singular: “etapas em que se combinam os erros e os êxitos, o destino e a fortuna, as
oportunidades e as dominações, os acidentes e os condicionamentos” (ARAÚJO;
MARTUCCELLI, 2010, p.8, tradução nossa). Assim, a partir da escala do indivíduo que se
define o processo de individuação. A compreensão sobre as trajetórias individuais implica o
diferencial entre os indivíduos que dispõe dos mesmos recursos, e cujas posições sociais
aparentam muito similares, mas apresentam diferenças importantes na hora do enfrentamento.

As experiências sociais entregam insumos básicos para orientação no mundo


porque aportam ao trabalho interpretativo das situações, mas ainda porque
contribuem a estabelecer o contexto de possibilidades e impossibilidades
desde as quais o indivíduo pode enfrentar as distintas provas. (ARAÚJO;
MARTUCCELLI, 2010, p. 88, tradução nossa)

Como nos explica Carrano (2009), Danilo Martuccelli adota uma postura teórico-
metodológica que “combina reconhecimento dos posicionamentos sociais e capacidade de
agência”, (p.10) mostrando que o que é mais importante na sociologia do indivíduo é de
compreender como este indivíduo é capaz de sustentar-se no mundo. A partir desta perspectiva
que o autor levanta a discussão sobre os suportes existenciais.

Os suportes podem ser definidos como a relaçaõ entre recursos subjetivos que
os individ́ uos conseguem articular para que se sustentem a si mesmos e o
entorno social existente na forma de redes e apoios materiais e simbólicos.
20
Um suporte naõ se define, entaõ , apenas como um apoio material, pois ele
pode ser mesmo uma relaçaõ afetiva ou uma representaçaõ que contribua para
apoiar o individ́ uo na tarefa de sustentar-se no mundo. O indivíduo é
sustentado por um conjunto de suportes (materiais e simbólicos). E para um
sujeito descentrar-se de si e ao mesmo tempo distanciar-se do mundo social,
individuar-se, exige-se, em contrapartida, sua inserção prática em redes
sociais. Para a análise sociológica não importam quantos sejam os suportes,
nao
̃ se trata de reconhecer se determinados suportes são bons ou maus, mas
sim o papel que esses desempenham nas experiências dos individ́ uos.
(CARRANO, 2009, p.10)

O caminho da pesquisa

A pesquisa com indivíduos que estão em cumprimento de pena de prisão reserva


algumas particularidades que precisam ser consideradas no momento da sua realização. A
própria busca por essas pessoas é algo complicado do ponto de vista social. A primeiras
perguntas que eu me fiz foram: Onde encontrar essas pessoas? Como conseguir que as pessoas
decidissem expor suas histórias em uma pesquisa?
Desde a graduação em Ciências Sociais mantenho estreitos laços com o tema. A minha
monografia com o título: "Sistema Punitivo Oculto: A violência no interior do cárcere" , foi
realizada no período em que eu exercia um trabalho voluntário em duas prisões do estado do
Rio de Janeiro. Trabalhava como professora-alfabetizadora do Programa Brasil-Alfabetizado
no Sistema Prisional. Nesta época, o acesso às dependências do presídio eram irrestritas, o que
possibilitava o contato com agentes, com outros professores e com os próprios alunos. Pude
acompanhar as dificuldades dos presos em continuar os estudos dentro do cárcere.
No mesmo período comecei a amadurecer a ideia de cursar um mestrado em educação
que tratasse das dificuldades desses presos em continuar os estudos pós-cárcere. Inicialmente,
projetei a pesquisa para as prisões privadas e a forma como a educação era organizada nesses
espaços, mas ao longo do processo percebi que o objeto que eu queria explorar eram as histórias
individuais. Histórias que de alguma forma pudessem evidenciar a estrutura prisional e
pudessem trazer o olhar desse indivíduo sobre a sua realidade. A escolha por uma pesquisa
direcionada para as experiências individuais baseia-se no fato de que o indivíduo tornou-se um
caminho importante para entender as sociedades contemporâneas, e vem adquirindo uma
centralidade nas ciências sociais. (MARTUCELLI, 2010).

A centralidade atual do indivíduo na Sociologia procede da crise da ideia de


sociedade e testemunha de uma transformação profunda da nossa
sensibilidade- a saber, é isso que o indivíduo é, o horizonte liminar da nossa

21
percepção social." ( MARTUCCELLI, 2010, p.79, TRADUÇÃO
NOSSA).

Além disso, vem ocorrendo mudanças na forma de fazer pesquisa, priorizando métodos de
pesquisa qualitativa. (MELUCCI, 2005)

Uma outra dimensão crucial da sociedade contemporânea é a importância da


vida cotidiana como espaço no qual os sujeitos constroem o sentido do seu
agir e no qual experimentam as oportunidades e os limites para a ação. Esta
atenção para a vida cotidiana estende o foco sobre a particularidade dos
detalhes e a unidade dos acontecimentos que dificilmente servem para ser
observados, contidos e organizados dentro dos modelos de análise unicamente
quantitativos. Na vida cotidiana, os indivíduos constroem ativamente o
sentido da própria ação, que não é mais somente indicado pelas estruturas
sociais e submetidos aos vínculos da ordem constituída. O sentido é sempre
mais produzido através de relações e esta dimensão construtiva e relacional
acresce na ação o componente de significado da pesquisa. Isto muda a atenção
para as dimensões culturais da ação humana e acentua o interesse e a
importância da pesquisa de tipo qualitativo. (MELUCCI, 2005, p.29)

Na época em que decidi mudar o foco da pesquisa da instituição para o indivíduo,


conheci um rapaz em um encontro internacional sobre Educação em prisões, que estava
cursando uma Universidade Pública e ao mesmo tempo estava em período de cumprimento de
pena no regime semi-aberto. Conversamos bastante ao final da programação e ele me contou
um pouco da sua trajetória. O fato de haver a possibilidade de um preso cursar o Ensino Superior
era nova para mim e fez-me pensar em abordar isso na minha pesquisa. Imediatamente comecei
a pesquisar sobre o tema e fiz um levantamento de dados estatísticos sobre a realidade prisional
brasileira e a escolarização dos presos. Esta etapa foi importante para equacionar em que
realidade inseria-se o meu universo de pesquisa. Com o projeto já elaborado e direcionado para
o tema da Educação Superior para os sujeitos privados de liberdade, fui em busca dos indivíduos
que quisessem participar voluntariamente da pesquisa. Através do Rafael, o rapaz que conheci
no evento internacional, conheci mais três presos nesta mesma condição que concordaram em
participar da pesquisa. Ele mesmo preferiu não participar, não insisti, afinal ele já tinha
colaborado com as indicações. A única forma de encontrar esses sujeitos era através de
indicações dos próprios voluntários ou de pessoas ligadas ao tema. Conhecia também uma
professora que era voluntária na mesma época em que eu dava aula no Programa Brasil-
Alfabetizado, conversamos e descobri que ela conhecia duas pessoas que estavam cumprindo
pena no regime aberto e cursando o nível superior. Mantive contato com essas seis pessoas
indicadas, através de redes sociais- Whattsapp e Facebook, ambos tinham acesso a internet,

22
pois já não estavam mais no regime fechado. Todos eles se mostraram dispostos a participar da
pesquisa, mas só consegui realizar a entrevista com três, pelo fato de os horários serem restritos,
teve a ocorrência de greves, ocupações em universidades públicas14 e a pesquisa só podia ser
realizada em momentos que estivessem extramuro.
Concomitantemente, comecei a ter contato com a teoria do sociólogo peruano
Danilo Martuccelli no grupo de pesquisa "Observatório Jovem" na Universidade Federal
Fluminense, coordenado pelo meu orientador, o professor-doutor Paulo Carrano. Ao tratar das
provas e suportes que os indíviduos passam ao longo da sua trajetória, ele pode fracassar ou
obter sucesso. Portanto, a sua teoria veio de encontro ao meu objeto de estudo e possibilitou
enxergar nas histórias individuais um caminho para entender a estrutura social.
Martuccelli (2010) discute que no período da modernidade a centralidade estava nas
instituições. Quanto mais a sociedade vai se modernizando, vai se voltando para a
singularização. Existe uma demanda maior por projetos de vida, escolhas projetivas que
demonstra como cada vivência individual enfrenta as provas. As provas nada mais são do que
as experiências dos indivíduos. Portanto, a defesa por um tipo de pesquisa que aponte para
esses desafios enfrentados pelos indivíduos torna-se essencial para a Sociologia, pois as pessoas
não estão mais vinculadas as instituições.
Zygmunt Bauman (2001) defende que os campos de poder afetam as "condições"e as
narrativas de vida, ou seja, existe um conjunto de poderes responsável por distribuir as possíveis
escolhas dentro de determinada realidade. Portanto, as histórias de vida restringem-se ao campo
de opções disponíveis.
As vidas vividas e as vidas contadas são, por essa razão, estreitamente
interconectadas e interdependentes. Podemos dizer que é paradoxal, que as
histórias de vida contadas interferem nas vidas vividas antes que as vidas
tenham sido vividas para serem contadas." (BAUMAN, 2001, p. 15)

Bauman (2001) destaca que o campo de possibilidades disponíveis está de acordo com
a realidade social em que o indivíduo está inserido. Neste contexto, o indivíduo privado de
liberdade, estando dentro ou fora da prisão, através das suas histórias contadas, encontra-se
mecanismos de poder já consolidados, tanto simbólicos quanto materiais, que determinam
possíveis histórias que poderão ser contadas, sendo elas, já vividas ou não.

14
O movimento das ocupações das universidades públicas, em 2016, reproduziu as ocupações ocorridas nas
escolas estaduais. Mais de mil escolas foram ocupadas. Os atos das ocupações foram executados pela União
Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), a maior entidade de representação estudantil para o ensino médio.
Mais de mil escolas foram ocupadas por secundaristas, segundo o Movimento Ocupa Paraná, da Ubes. A
mobilização girou em torno de uma educação pública de qualidade para todos.
23
Após o levantamento dos dados estatísticos, já na primeira entrevista que fiz, contrariou
um pouco aquilo que eu tinha imaginado encontrar após a pesquisa com os dados.
Primeiramente, tinha projetado a pesquisa para jovens, principalmente por causa do
levantamento inicial porém somente um deles tinha menos de 30 anos, os outros dois, um tinha
35 e o outro 50 anos. Encontrar sujeitos privados de liberdade que cursam o Ensino Superior é
muito difícil, não tinha como simplesmente eu achar que eu podia realizar minha pesquisa
somente com jovens. Aos poucos fui percebendo que esse detalhe tinha muito a me dizer. O
meu universo de pesquisa não estava enquadrado na grande maioria de presos no Brasil,
representava exatamente a minoria. Este 1% de presos que cursava a Universidade cumprindo
pena não se enquadrava na grande massa de presos do Sistema Penitenciário Brasileiro, com
baixa escolarização e de baixa renda. Segundo Martuccelli (2004) fica cada vez mais difícil
analisar e descrever a realidade dentro de determinadas categorias universais. Torna-se
insuficiente enquadrar a realidade em uma exclusiva estrutura de posições, e sobretudo, limitar-
se a circunscrições gerais. Embora possamos identificar uma estrutura social implícita nas
experiências individuais, não podemos categorizar os indivíduos de forma homogênea em
determinada realidade social.
Com isso, o primeiro contato com os entrevistados pode esclarecer algumas questões
que a priori faziam parte do meu imaginário enquanto pesquisadora da área prisional. O modo
de vida do entrevistado, seu conhecimento e intelectualidade não condizia com o que imaginei,
pensei de encontrar alguém com uma história de superação, dessas em que o rapaz muito pobre
com baixa escolarização conseguisse escolarizar-se na prisão e chegar a Universidade. Mas não
foi o que encontrei, ambos vinham de uma realidade diferente da maioria, antes do cárcere já
tinham tido algum contato com a universidade, que foi interrompida mediante a prática do
crime.
A metodologia de pesquisa utilizada foi pensada de modo a tentar a apreender a
realidade dentro do seu campo de possibilidades. Logo, a entrevista compreensiva como método
possibilitou compreender as particularidades do campo, pois

o entrevistador não se limita a recolher informações e/ou discursos sobre


experiências, vivências e opiniões do entrevistado, e as respostas deste não
representam meras descrições dessas vivências, experiências ou opiniões com
um certo nível de detalhe e densidade. Correspondem a construções
intersubjetivas, ou seja, descrições e posições discursivas que são construídas
a partir de uma situação de interação estruturada a partir de pares pergunta-
resposta, modelo em que a narração do entrevistado não é automática, e a
intervenção do entrevistador não é neutra. (FERREIRA, 2014, p. 984)
24
Elaborei um roteiro semi-estruturado, que pudesse fluir de forma mais livre durante a
sua realização. A ideia era que a entrevista transcorresse com bastante liberdade e flexibilidade,
para que eu conseguisse apreender o máximo de informações da história de vida daquele sujeito.
Portanto, ao longo da conversa, eu fazia intervenções curtas quando necessário ou incorporava
alguma pergunta que eu julgasse pertinente naquele momento. Todavia, o entrevistado tinha
total liberdade para se expressar e relatar a sua história, combinando com a possibilidade de
observação das suas expressões.
No momento da análise dos dados, busquei informar de forma resumida quem eram os
sujeitos que participaram da pesquisa a fim de apresentá-los e trazer um grau de familiaridade
a etapa posterior. Após esse primeiro contato optei por analisar as categorias que estavam
presentes nas três histórias com a finalidade de promover um grau de aprofundamento, que
pudessem evidenciar o tipo de estrutura social implícita. A ideia era elucidar o que havia de
comum nas três narrativas e também demonstrar a particularidade de cada uma delas. O objetivo
era mostrar que,
os modos pelos quais se "traduz " em texto o que se viu ou se pensou não
podem ser considerados simples automatismos, atos transparentes e
mecânicos, porque comportam uma intervenção ativa de interpretação e
seleção. O tema da reflexividade evidenciou que os conteúdos de uma
narração não são independentes dos modos da sua produção. As escolhas
retóricas que se cumprem- de modo mais ou menos consciente- para dar vida
a um texto têm implicações sobre a narração que se está em condições de
produzir, constroem uma história particular e uma visão específica da
realidade. (MELUCCI, 2010, p. 265-266)

Portanto, ao decorrer deste texto serão apresentadas as principais discussões que


aprofundam a análise, organizadas da seguinte forma:
No Capítulo 1 – O processo social de vulnerabilidade e suas consequências para o
encarceramento em massa- é apresentado um panorama sobre o processo social que
vulnerabiliza os sujeitos e consequentemente os coloca na prática criminal. Esta dinâmica social
tem como consequência a grande massa de pessoas aprisionadas.
No Capítulo 2- A realidade prisional brasileira, demonstra-se o que representa o sistema
prisional brasileiro hoje, o quantitativo de presos e a escolaridade da sua população. Esse
capítulo é importante para compreender em que contexto insere-se os sujeitos da pesquisa.

25
No Capítulo 3- A expansão do ensino superior no Brasil, discorre-se sobre as políticas de
acesso e permanência no ensino superior brasileiro, e as possibilidades de acesso à partir da
democratização do acesso para os presos.
No Capítulo 4- trago as narrativas individuais colhidas através da entrevista compreensiva.
Trata-se da apresentação dos dados da entrevista realizada com os privados de liberdade
universitários voluntários da pesquisa.
Nas considerações finais reflito a relação dos dados empíricos coletados na pesquisa e
o sistema de Justiça , demonstrando como as histórias individuais refletem a realidade prisional
brasileira na atualidade.

26
1. O PROCESSO SOCIAL DA VULNERABILIDADE E SUAS CONSEQUÊNCIAS
PARA O ENCARCERAMENTO EM MASSA

Este primeiro capítulo apresenta o Sistema Prisional Brasileiro em sua égide,


identificando os processos sociais que culminaram no crescente encarceramento em massa. As
características predominantes desta população, composta principalmente, por jovens, negros,
com baixa escolaridade e oriundos de classes populares, identificam as diversas exclusões
vivenciadas por essas pessoas.
O conceito de exclusão desenvolvido aqui apresenta diferentes significados,
caracterizado pela visão de vários autores, buscando historicizar quais mecanismos foram
determinantes para compor o quadro da população prisional resultante deste processo.
As transformações ocorridas nas relações de trabalho e o consequente desemprego são
determinantes para compreender o crescimento do número de presos. O cárcere passa a ser uma
espécie de depósito dos excluídos. Wacquant (2013) diz que “o encarceramento serve bem antes
à regulação da miséria, quiçá a sua perpetuação, e ao armazenamento dos refugos do Mercado”
(p. 33).
A questão da superpopulação prisional deve ser analisada de forma profunda, pois o
controle realizado pelo Estado através da sua força punitiva sobre os pobres é um projeto de
governo que caracteriza o seu fracasso em desenvolver políticas efetivas de prevenção a crimes.
Portanto, compreender como se desenvolveu este processo ao longo da história é essencial para
identificarmos o lugar dos participantes da pesquisa neste contexto.

1.1 As transformações nas relações de trabalho e o desemprego

As diversas transformações ocorridas nas relações de trabalho, a partir da década de


1970, trouxeram mudanças significativas para as sociedades modernas. Segundo Robert Castel
(1988), tais mudanças tornaram-se o cerne do debate no conceito de desfiliação. Tal conceito
foi desenvolvido pelo autor para caracterizar o processo de exclusão social tão debatida nas
pesquisas científicas, principalmente na área de Ciências Humanas e Sociais.
A partir da década de 70, houve uma grave crise do emprego em vários países do mundo.
Castel em “As metamorfoses da questão social” (1988) desenvolve uma amplo resgaste de

27
como aconteceu historicamente este processo. Embora o autor utilize dados empíricos
referentes a sociedade francesa, podemos compará-los com a realidade brasileira, pois a nossa
sociedade apresentou as mesmas mudanças referentes às relações trabalhistas.
Castel nos alerta que essas novas formas de contratação ditas "atípicas" passam a ser a
maioria dos acordos firmados, o que provoca diversidade e descontinuidade, o desemprego não
é o mais importante neste percurso. Segundo ele, a precariedade do trabalho nos permite
compreender os mecanismos que alimentam as vulnerabilidades sociais, e finalmente, produzir
desemprego e desfiliação.
A desfiliação é produzida por essa precarização e escassez do trabalho. Destaca-se, além
da vulnerabilidade, a instabilidade e a sensação de insegurança que esse fenômeno provoca. Os
desfiliados são os desempregados, os inimpregáveis, os jovens, as mulheres, ou seja, são
aqueles que vivem a relações de trabalho de forma instável e insegura. Castel se afasta da
categoria exclusão, pois pode caracterizar somente indivíduos que estão a margem, que estão
fora das relações sociais. Para ele, a metamorfose da questão social traz muitas especificidades,
que tratá-las somente como exclusão não contemplaria o problema.

1.2 O “tudo penal”: Estado de bem-estar social versus Estado-mercado

Neste contexto, em que o aumento do desemprego em massa é iminente, surge um outro


fenômeno distinto, porém complementar: o deslocamento do papel do Estado de provedor para
repressor. Louic Wacquant em " Punir os pobres" (2013), demonstra as políticas repressivas
aplicadas em Nova York baseada na "Teoria das Janelas Quebradas". Segundo esta “teoria”,
um único vidro quebrado deve ser punido com rigor para evitar crimes mais graves. Entretanto,
o público atingido por essa medida, era composto por pobres, negros, e moradores de guetos.
Constata-se que através dessa medida, muitos jovens foram privados de liberdade nessa política
do "tudo penal", o que determinou um encarceramento em massa.

Como conter o fluxo crescente das famílias deserdadas, dos marginais das
ruas, dos jovens desocupados e alienados e a desesperança e a violência que
se intensificam e se acumulam nos bairros? Ao aumento dos deslocamentos
sociais pelos quais -paradoxo- elas mesmas são amplamente responsáveis, as
autoridades americanas decidiram responder desenvolvendo suas funções
repressivas até a hipertrofia. Na medida em que se desfaz a rede de segurança
(safety net) do Estado caritativo, vai se tecendo a malha do Estado disciplinar

28
(dragnet) chamado a substituí-lo nas regiões inferiores do espaço social
americano. (WACQUANT, 2013, p. 27)
Há, portanto, uma erupção do Estado Penal, resultante das reformas realizadas pelo
neoliberalismo e que se iniciou nos Estados Unidos para se espalhar pela Europa e pela América
Latina (WACQUANT, 2013). Nesse Estado Penal, há uma prioridade maciça às funções de
polícia e de justiça direcionadas à criminalidade de rua e, consequentemente, às pessoas mais
pobres. Ocorre, dessa forma, uma reformatação do Estado devido a um projeto político fruto
do neoliberalismo, colocado em curso na “era da ideologia hegemônica do mercado”
(WACQUANT, 2013, p.18). Em sua análise de tal cenário, Wacquant pretende fornecer

(...) uma contribuição à antropologia histórica do Estado e das transformações


transnacionais do campo do poder, na era do neoliberalismo em ascensão,
propondo ligar as modificações das políticas sociais às das políticas penais, de
modo a decifrar a dupla regulação à qual o proletariado urbano encontra-se
doravante submetido, por meio da ação conjunta dos setores assistencial e
penitenciário do Estado. Isso porque a polícia, os tribunais e a prisão são, se
examinados mais de perto, a face sombria e severa que o Leviatã exibe, por
toda a parte, para as categorias deserdadas e desonradas, capturadas nas
cavidades das regiões inferiores do espaço social e urbano, pela
desregulamentação econômica e pelo recuo dos esquemas de proteção social.
(WACQUANT, 2013, p. 17/18)

A economia deixa de ser uma área política, pois o Estado se torna deliberadamente um
impotente econômico no que diz respeito ao controle dos fluxos do capital, que encontra
políticas favoráveis ao sistema financeiro, ainda que com consequências sociais desfavoráveis
à grande parcela da população. Nos remetemos a Bauman (1999):

A única tarefa econômica permitida ao Estado e que se espera que ele assuma
é a de garantir um ‘orçamento equilibrado’, policiando e controlando as
pressões locais por intervenções estatais mais vigorosas na direção dos
negócios e em defesa da população face às conseqüências mais sinistras da
anarquia de mercado (p.65)

Fica claro que é interessante ao capital o enfraquecimento do Estado Providência ou,


quando já inexistente ou fraco, a redução ainda maior de sua atuação no campo social, com
modificação de suas funções no campo econômico. A extraterritorialidade do capital necessita
dessa mudança política, capaz de gerar um Estado que tem como uma de suas principais funções
a política penal repressiva. Assim, a questão da lei e da ordem torna-se essencial para o Estado,
que deve criar condições favoráveis aos investimentos financeiros, por meios, em especial, da
redução do sistema de proteção social e da flexibilização das leis trabalhistas, o que gera
subemprego, desemprego e aumento da pobreza.
29
Há, portanto, uma clara escolha política de cortes e de investimentos dos recursos
públicos. Esse novo Estado retira recursos financeiros da área social e os aplica, de maneira
cada vez mais crescente, na área de segurança pública, em especial na construção e manutenção
de prisões, ou seja, na área repressiva. A área preventiva fica relegada a segundo plano,
recebendo poucos recursos e, consequentemente, podendo fazer pouco para mudar os índices
de criminalidade de maneira eficaz.
Em sua obra, Wacquant (2013) demonstra que o crescimento do Estado Penal nos
Estados Unidos é concomitante à redução de despesas públicas na área social e ambas as
práticas relacionam-se à necessidade de imposição do trabalho assalariado precário como única
forma de cidadania possível para as camadas mais baixas da população.
Para prender mais e manter essas pessoas presas, saõ necessários maiores gastos por
parte do Estado. É evidente que o crescimento da populaçaõ prisional no ritmo acelerado em
que esse se deu resultou em precarizaçaõ das condições de encarceramento. Nos EUA, as
penitenciárias eram violentas, insalubres e superlotadas, o que deu origem a ações judiciais e,
consequentemente, intervençaõ judicial no sistema penitenciário que, entretanto, foram
incapazes de reverter o quadro de superlotaçaõ e condições precárias e violentas de
encarceramento. Para tentar melhorar tais condições de encarceramento, o Estado optou por
investir na capacidade do sistema, aumentando o número de vagas prisionais disponiv́ eis,
construindo mais e mais prisões. (WACQUANT, 2013).
Em nenhum momento do processo, a prisaõ como mecanismo de controle social é
colocada em debate. Apesar de existirem crit́ icas sobre o alto iń dice de reincidência criminal, o
que leva à constataçaõ de que a prisaõ naõ funciona para reabilitar o condenado, ela ainda é
mantida como a melhor resposta para o crime, sem qualquer discussaõ acerca da prisaõ como
instituiçaõ ou das questões sociológicas, políticas e econômicas que a circundam
historicamente.
No discurso dominante, o que predomina é uma reduçaõ economicista da crise do
sistema penitenciário. Há um diagnóstico peculiar comum da crise das prisões em quase todos
os paiś es ocidentais: superpopulaçaõ e custos crescentes, que juntos geram precarizaçaõ das
condições do encarceramento.
É nesse cenário que o discurso favorável à privatizaçaõ dos presídios ganha força. A
sociedade, de modo geral, o aceita bem, tendo em vista desejarem mais segurança, mas não
enxergam com bons olhos gastos públicos com prisões. Para Laurindo Minhoto (2002), a prisão
é um “grande negócio”.

30
Em tempo de capitalismo turbinado, altos indíces de produtividade,
desemprego estrutural e insegurança generalizada, o a cárcere constitui um
dos mais prósperos vetores a impulsionar a formação de uma florescente
indústria de combate a criminalidade. Na dinâmica instaurada pela “nova
economia”, a prisão se converte em meio de controle altamente lucrativo das
ilegalidades dos perdedores globais. (MINHOTO, 2002, p. 136)

As empresas, obviamente, têm interesse no negócio das prisões, tendo em vista que o
lucro é certo, uma vez que naõ falta a matéria-prima essencial, qual seja, os presos, além de ser
um mercado em crescimento, tendo em vista que o número de presos aumenta
exponencialmente nos últimos anos na maioria dos países ocidentais, a exemplo do Brasil, que
tem a quarta população carcerária do mundo.
A privatizaçaõ aparece, entaõ , como a resposta ideal, pois supostamente diminui os
gastos públicos com as prisões e ainda conta com a também hipotética maior eficiência do setor
privado no gerenciamento dessa instituiçaõ .

1. 3 A vulnerabilidade e a incerteza

Todas as medidas em busca da redução da insegurança parece que promoveram o efeito


contrário.
Com toda certeza, o mundo hoje parece muito menos seguro do que parecia
dez ou vinte anos atrás. Parece que o principal efeito das medidas
extraordinárias de segurança profusas e caríssimas implementadas na última
década foi um aprofundamento da sensação de perigo, de risco e insegurança.
Não há muito na atual tendência que prometa um rápido retorno aos confortos
de segurança. Lançar as sementes do temor produz safras abundantes em
matéria de política e comércio; e o fascínio de uma colheita opulenta inspira
os que buscam ganhos políticos e comerciais a abrir sempre novas terras para
plantações que geram medo." (BAUMAN, 1999, p.77)

Zygmunt Bauman também trata da transformação do papel do Estado gerada pela


vulnerabilidade e a incerteza. Para ele, ambas "são alicerces de todo poder político", Segundo
o autor, a incerteza e a vulnerabilidade são uma dupla de efeitos secundários da condição
humana, que apesar de serem constantes, causam uma profunda indignação. (BAUMAN, 1999,
p.70)

Numa sociedade moderna "normal", a vulnerabilidade e a insegurança


existencial, além da necessidade de viver e agir sob condições de profunda e
inescapável incerteza, são garantidas pelos interesses da vida a forças de
mercado sabidamente caprichosas e endemicamente imprevisíveis. Os

31
caprichos do mercado são suficientes para minar os alicerces da segurança
existencial e manter pairando sobre a maioria dos membros da sociedade os
espectro de degradação, humilhação e exclusão sociais.(BAUMAN, 2011,
p. 70).

Aos poucos as instituições do Estado previdenciário vão sendo substituídas pelas


instituições do Estado mercado, pois o jogo da livre concorrência empresarial vai sendo imposta
sem qualquer restrição. Sendo assim, "as funções protetoras do Estado são afuniladas e
‘concentradas’, abarcando uma reduzida minoria dos não-empregáveis e dos inválidos, embora
a minoria tenda a ser reclassificada, de objeto de preocupações sociais em questão de lei e
ordem." (BAUMAN, 2011, p.71).
A superpopulação prisional é resultado desta constituição do Estado de proteger a
sociedade da vulnerabilidade e incerteza. O que Bauman destaca é que a proteção do Estado
contra a vulnerabilidade e a incerteza se encontra setorizada : "O Estado lava as mãos em
relação à vulnerabilidade e a incerteza que surgem da lógica dos mercados livres." (Idem,
ibidem)
As classes sociais mais baixas passam a representar “a encarnação viva e ameaçadora
da insegurança social generalizada” (WACQUANT, 2013, p.29), insegurança que atinge
muitos, inclusive a classe média, temerosa de perder o lugar social conquistado. Assim, prender
essas pessoas, retirando-as do lugar decadente e visível em que se encontram passa a ser uma
política pública recomendada e aplaudida, pela maior parte da sociedade que compartilha um
medo comum, representado por tais pessoas.
"A perniciosa fragilidade da condição social é agora redefinida como assunto privado,
tema a ser tratado por indivíduos que utilizam recursos de sua propriedade pessoal".
(BAUMAN, 2011, p. 73). Para a construção do Estado penal, o neoliberalismo, ao pregar o
livre mercado, sedimenta também a ideologia da responsabilidade individual, o que facilita a
visão da pessoa que comete um crime como o único responsável por essa atitude, dividindo a
sociedade entre os cidadãos de bem (vítimas) e bandidos (incivilizados). Esse novo Estado
coloca a competição como saudável e essencial à sociedade, que deve ser regida pela mão
invisível do livre mercado.
A responsabilidade individual é essencial à nova política instaurada, por facilitar o foco
nas ações individuais e vangloriar a meritocracia, escamoteando o fato da falta de investimento
em políticas sociais (saúde, educação, habitação, assistência social etc.). Assim, o pobre é pobre

32
por sua responsabilidade individual, por sua “preguiça” ou costume adquirido de não trabalhar
para viver à custa do Estado, e o criminoso o é também por sua conduta cuja responsabilidade
(ou culpabilidade) individual é determinante.
Bauman mostra que na contemporaneidade houve uma ressignificação por parte do
Estado sobre a vulnerabilidade e a incerteza. O que antes se tratava de seu papel estabelecer
meios de proteger os súditos, agora essa proteção passa para a esfera individual, ou seja, cada
indivíduo se torna responsável por sua autoproteção. O papel do Estado está direcionado para
a proteção daqueles que estão envolvidos no livre mercado.
Essa insegurança gera alvos que podem trazer algum risco; a ideia é a prevenção. Fontes
potenciais de perigo são exterminadas preventivamente de forma unilateral. Prender quem de
alguma forma causa ameaça, é o primeiro passo para alcançar a segurança. Os alvos dessa ação
preventiva, de certo, são os excluídos, grupo de pessoas que tem negada a sua subjetividade
humana. "A negação da subjetividade desqualifica os alvos selecionados como parceiros
potenciais do diálogo; qualquer coisa que possam dizer, assim como o que teriam dito se lhe
dessem voz, é a priori declarado imaterial, se é que se chega a ouvi-los." (BAUMAM, 1999,
p.78)
Isso é o que acontece nos últimos anos com a narrativa da sociedade do medo. A
violência tornou-se o centro de todos os discursos. O medo do outro, o enxergar o outro como
inimigo, como ameaça, o não-uso do espaço público, das ruas, os pedidos incessantes por mais
punição e prisões, o discurso da impunidade como o maior mal dos últimos tempos etc. fazem
parte do processo de subjetivação em vigor. De tanto o poder assim dizer, elas se convenceram,
se tornaram crentes em relação a essa idéia e passaram a aceitar toda e qualquer política
existente, desde que seu objetivo declarado seja diminuir a violência. A dominação torna-se
mais fácil, pois o controle se dá de maneira mais tranqüila. O encarceramento em massa, e as
condições degradantes que advêm de tal cenário, é uma dessas políticas, que encontrou, por
essa lógica do poder, pouca oposição e grande festejo. Constrói-se uma underclass15 que deve
ser combatida e eliminada.
Bauman destaca ainda que toda essa sensação de incerteza e insegurança promove um
outro fenômeno chamado mixofobia. O medo do desconhecido, do imprevisível, do incerto,
promove a criação de mecanismos de proteção do espaço urbano.

15
Underclass é um termo utilizado para definir a camada social mais baixa em um país ou comunidade,
composta por pobres ou desempregados.
33
A incerteza quanto ao futuro, a fragilidade da posição social e a insegurança
existencial, esses ubíquos complementos da vida no mundo "líquido-
moderno", podem ter raízes e estar reunindo forças em lugares remotos, mas
as ansiedades e paixões que elas geram tendem a se concentrar nos alvos mais
próximos e a se canalizar em preocupações com a proteção pessoal, o tipo de
interesse que, por sua vez, se condensa em impulsos segregacionistas e
exclusivistas, levando a inevitáveis guerras pelo domínio do espaço urbano.
(BAUMAN, 1999, p. 83)

Esse isolamento do outro, considerado diferente e perigoso, reforça o estereótipo, pois


aquele que está afastado de nós perde a sua singularidade. Se reduzimos a nossa visão desse
outro, fica mais fácil encaixá-lo em categorias penais e enxergá-lo como monstro, inimigo,
perigoso ou mesmo estranho, e por isso ameaçador.
Busca-se sedimentar na sociedade a dicotomia “cidadão de bem x inimigo/bandido”,
permitindo que as garantias e direitos previstos no ordenamento não sejam aplicados a
determinadas pessoas, com as quais tudo, inclusive a morte e o sofrimento, pode acontecer: são
os homo sacer de hoje.
O Homo sacer é uma figura do direito romano arcaico utilizada por Agamben (2014)
como paradigma para entendermos o espaço político do Ocidente, no qual a exceção torna-se a
regra. Protagonista deste livro é a vida nua, isto é, a vida matável e insacrificável do homo sacer,
cuja função essencial na política moderna pretendemos reivindicar. Uma obscura figura do
direito romano arcaico, na qual a vida humana é incluída no ordenamento unicamente sob a
forma de sua exclusão.

A "vida indigna de ser vivida" não é como toda evidência, um conceito ético,
que concerne às expectativas e legítimos desejos do indivíduo: é sobretudo,
um conceito político, no qual está em questão a extrema metamorfose da vida
matável e insacrificável do homo sacer, sobre a qual se baseia o poder
soberano. (AGAMBEN, 2014, p. 137)

O homo sacer podia ser morto por qualquer pessoa, sem que essa morte fosse
considerada um homicídio. Assim, ele é uma exceção ao direito (humano). Entretanto, era
proibido o seu sacrifício, ou seja, ele não podia ser morto através de um ritual de consagração
aos deuses. Assim, ele é uma exceção ao divino. O seu lugar é um não-lugar, pois não se
encontra sob a jurisdição humana nem sob a jurisdição divina. Ele pertence ao ordenamento
jurídico exatamente por estar à margem dele, sendo incluído por sua exclusão.
Além disso, entre o homo sacer e o poder soberano, há uma verdadeira conexão, uma
vez que a decisão sobre a sacralidade da vida é do soberano, que pode determiná-la e estabelecer
a exceção.
34
A construção da imagem do inimigo vale-se da imagem daqueles que já se encontram à
margem da sociedade, privados de seus direitos, aqueles que estamos acostumados a enxergar
como “não-cidadãos” e, muitas vezes, como “não- humanos”. Em relação a essas pessoas,
aceitamos que o ordenamento jurídico que protege os direitos fundamentais possa ser violado,
ou seja, pode haver uma exceção.
Confunde-se, dessa maneira, direito e violência. O Estado se mostra selvagem. A
imagem do Estado como antítese da natureza cai por terra, como já alertava Agamben (2014),
ao afirmar que um dos maiores equívocos da teoria política moderna é colocar o contrato social
como ato originário. A soberania, da mesma maneira que mescla fato e direito, mescla também
natureza e Estado. O estado de natureza sobrevive no Estado através do soberano e do seu
direito de punir.
É impossível distinguir direito de punir e força, violência natural. E é impossível exigir
de qualquer homem que não resista à ameaça de sua vida, tendo em vista que na essência de
todo ser vivente, há o instinto de autopreservação. Assim, o homem responde com violência à
violência estatal. Dessa maneira, a natureza eclode também no súdito. Impossível, portanto, sob
o paradigma analítico de Agamben, discutir a passagem do estado de natureza para o contrato
social, uma vez que isso nunca aconteceu. Para o autor, há a animalidade do poder soberano e
a animalidade dos homens (súditos).
Os inimigos, que são os homo sacer no discurso do recrudescimento penal, podem ser
mortos. Aliás, é uma escolha racional e eficaz o uso da palavra inimigo para se referir às pessoas
que cometem crimes e que devem ser punidas e/ou eliminadas. Momento ápice da exceção no
ordenamento jurídico, em que muitos ou quase todos tornam-se homo sacer. O assustador é que
essas construções racionais transformam cada vez mais pessoas em reais homo sacer, mesmo
em momentos de normalidade, uma vez que a exceção tem-se tornado regra na prática das
instituições judiciais, policiais e políticas.
A constituição do Homo sacer provoca uma segregação no espaço urbano, a "vida que
não merece ser vivida" deve permanecer distante dos "cidadãos de bem". As pessoas tendem a
se relacionar com seus pares, causando uma grave questão social que invisibiliza "o outro". O
modo como estão segregadas permite que "desaprendam" a arte de negociar formas e
significados de convivência.
A mixofobia é bem retratada pela sociedade brasileira por meio das prisões, segregando
o "inimigo", separando-o da sociedade civil. A questão da segurança da territorialidade faz com

35
que a prisão se torne a máxima da segregação de fato, trazendo uma sensação de segurança.
Pensar que o diferente está preso é o ápice da efetivação da mixofobia.
Essa segregação do espaço urbano provoca também a invisibilidade social. Guilherme
Le Blanc ao escrever sobre "as vidas ordinárias", destaca a sua naturalização por todas as partes.
Ele diz que o desejo em naturalizar a precariedade é tão natural como o ar que respiramos.
Argumenta que os precários são aqueles que não tem voz. Ele questiona se de fato conhecemos
o que é a precariedade, defendendo que ela começa com uma descompensação da própria
normalidade. O precário não se encontra fora da sociedade, mas seu modo de vida, cada vez
mais fantasmástico, o inclui das relações de poder e o priva, potencial e efetivamente, de todas
as bases que necessita uma vida desenvolver-se. (LE BLANC, 2007)
"Os precários, os desempregados, os supranumerários, os inúteis formam assim um
exército fantasma que as nações modernas tratam de ocultar recorrendo a diferentes mitos e a
uma antologia de medidas surpreendentes." (LE BLANC, 2007, p.10). O que Le Blanc mostra
é que os precários não estão excluídos, por isso ele não usa o termo exclusão, mas sim,
invisíveis, diante da naturalização da sua condição. A imersão na precariedade é uma grande
exclusão, significa uma carreira negativa que é o avesso da normalidade social.
Le Blanc diz que a precariedade e desemprego isolam todos os dias um pouco mais os
precários contribuindo para sua inexistência social. Muitos precários, os sem voz, não são vistos
pela situação marginal em que se encontram. No entanto, são vistos, quando por necessidade
sentem-se obrigados a cometerem delitos para tentar sanar as dificuldades da subsistência. A
superpopulação prisional, nada mais é que um amontoados de precários que precisam ainda
menos serem vistos.
Entretanto, ainda que os precários não sejam ouvidos, Le Blanc acredita que é possível
buscar elementos capazes de lutar, a fim de serem ouvidos. A vida política constrói-se a partir
de mecanismos que retire os precários da invisibilidade, do isolamento, da inexistência.
"Se a precariedade tende a desqualificar as vidas comuns, abismando irremediavelmente
suas capacidades criadoras, não é possível buscar na análise do contraemprego a voz dos
precários elementos que permitam rearmar essas capacidades?” (LE BLANC, 2007, p.12)
O autor está direcionando a sua discussão sobre a possibilidade de luta dentro da própria
situação do comum, o que traz uma reflexão sobre sujeitos em cumprimento de pena privativa
de liberdade, saem do lugar comum em situações de resistência, podemos exemplificar a
Educação, pois ainda que seja vista como um benéfico, representa um tipo de luta. Este
empoderamento é caracterizado como uma luta política no lugar comum do precário. Partem

36
do máximo da vulnerabilidade , para buscar em igualdade de condições o seu lugar, buscam o
caminho entre o comum, ou "sem voz", para que futuramente possam ser ouvidos. Esse é um
caminho um tanto interessante para tentar colocar-se em uma posição nunca pertencida, pois a
maioria da população carcerária vem de algum processo vulnerável, ou seja, os precários, o que
De Blanc chama de vidas ordinárias. As palavras dele que mais se encaixam nesse contexto é
"Reiventar a política no terreno do comum".
No entanto, essa luta política segundo Spivak precisa de um agenciamento para que seus
anseios sejam politizados. O seu livro pode o "Pode o subalterno falar?" traz a discussão sobre
o agenciamento dos subalternos e descontrói a ideia defendida por Deleuze e Foucault do poder
de autoagenciamento dos sujeitos. Spivak não compartilha da ideia de que o subalterno conhece
os meios de luta para sair da opressão. Para ela, "os intelectuais devem tentar revelar e conhecer
o discurso do Outro na sociedade" (SPIVAK, 2014,p.22), destacando a importância do cientista
para revelar a voz dos "sem voz."
Essas teorias primam por destacar o sujeito que atua nas margens, em situações de
vulnerabilidades que o coloca em situações de invisibilidade. Desfiliados, precários,
subalternos, "a vida que não merece ser vivida", todos esses conceitos caracterizam a população
prisional hoje, qualificada pelo processo de vulnerabilidade que subjuga a maioria dos
indivíduos presos. A invisibilidade torna-se ainda mais real quando pensamos que este "Outro"
está literalmente segregado no espaço urbano, além de todas as outras segregações simbólicas
que vivenciava antes de estar nesta condição de privação de liberdade. Segundo Bauman (1999,
p. 102/103),
A separação espacial que produz um confinamento forçado tem sido ao longo dos
séculos uma forma quase visceral e instintiva de reagir a toda diferença e
particularmente à diferença que naõ podia ser acomodada nem se desejava acomodar
na rede habitual de relações sociais.
(...)
O isolamento é a função essencial da separação espacial. O isolamento reduz, diminui
e comprime a visão do outro: as qualidades e circunstâncias individuais que tendem a
se tornar bem visíveis graças à experiência acumulada do relacionamento diário
raramente são vistas quando o intercâmbio definha ou é proibido
(...)
Como assinalou Nils Christie, quando a intimidade pessoal prevalece na vida diária,
a preocupaçaõ em compensar o dano causado supera o clamor de retribuiçao ̃ e puniçao
̃
do acusado.
(...)
Agora, no entanto, vivemos entre pessoas que não conhecemos e a maioria das quais
provavelmente jamais conheceremos.
(...)
O outro – lançado numa condição de forçada estranheza, guardada e cultivada pelas
fronteiras espaciais estritamente vigiadas, mantido à distância e impedido de ter um
acesso comunicativo regular ou esporádico – é além disso mantido na categoria de
estranho, efetivamente despojado da singularidade individual, pessoal, a única coisa

37
que poderia impedir a estereotipagem e assim contrabalançar ou mitigar o impacto
subjugador da lei – também da lei criminal.

Ao propor o aprofundamento nas experiências humanas, Bearteaux entende o ser humano


como um “mar” de saberes não explorados. Para ele, a experiência humana possui um saber
sociológico, o que possibilita refletir o mundo social. (BERTAUX, 2005). Portanto, o cenário
apresentado é o pano de fundo para compreender as histórias individuais. O processo de
invisibilidade social vivenciado pelo jovem aprisionado é um dos mecanismos que pode ser
determinante em sua trajetória individual. A abordagem biográfica permite dar voz a esses
sujeitos e permite compreender o contexto social em que estão inseridos. Além disso, o
enfrentamento das provas e os suportes disponíveis para superá-las, pode representar um meio
de burlar esses mecanismos de invisibilidade.

38
2. A REALIDADE PRISIONAL BRASILEIRA

As prisões brasileiras na atualidade representam um referencial para saber quem é o


indivíduo que vai para a cadeia. Observamos um perfil bem delineado explicitado em
levantamentos periódicos sobre os habitantes da prisão. A cada ano ou até mesmo décadas essa
população multiplica-se com o mesmo perfil. Os dados mais recentes divulgados pelo Sistema
de Informações Penitenciárias do Ministério da Justiça do ano de 2014 (INFOPEN, 2014),
último levantamento feito pelo órgão sobre as prisões brasileiras, mostra a forma assustadora
como a população cresce em números, mas mantém as mesmas características físicas, materiais,
faixa etária, etc.

Tabela 1. Pessoas privadas de liberdade no Brasil em junho de 2014

POPULAÇÃO PRISIONAL 607.731

VAGAS 376.669

DÉFICIT DE VAGAS 231,062

TAXA DE OCUPAÇÃO 161%

TAXA DE APRISIOAMENTO 299,7

Fonte: Infopen, jun/2014; Senasp, dez/2013; IBGE, 2014

Esses dados referem-se a população prisional a dois anos atrás no Brasil, o que significa
que este número possivelmente está ainda maior, caso tenha progredido como nos últimos anos.
Na tabela 2, mostramos como se deu a evolução da população prisional nos últimos anos

39
Tabela 2. Evolução das pessoas privadas de liberdade (em mil)

700,

525,

350,

175,

0,
1990 1993 1995 1999 2001 2003 2005 2007 2009 2011 2013

Série 1

Fonte: Ministério da Justiça – a partir de 2005, dados do Infopen/MJ

De acordo com os últimos dados, a populaçaõ prisional brasileira chegou a 607.731


pessoas. O número de pessoas privadas de liberdade em 2014 é 6,7 vezes maior do que em
1990. Desde 2000, a populaçaõ prisional cresceu, em média, 7% ao ano, totalizando um
crescimento de 161%, valor dez vezes maior que o crescimento do total da populaçaõ brasileira,
que apresentou aumento de apenas 16% no perió do, em uma média de 1,1% ao ano. (INFOPEN,
2014).
O crescimento da população prisional é consequência das políticas de repressão
implementadas nos últimos anos, a fim de deter a violência urbana como explicitado
anteriormente. O principal alvo deste tipo de política é em grande medida, jovens, negros, de
baixa escolaridade e com poucos recursos financeiros. Em muitos casos, este sujeito envolve-
se em pequenos delitos para satisfazer os desejos de consumo tão amplamente divulgado pela
sociedade capitalista. O desejo de ter e ser uma sociedade desigual tem como consequência
pequenas práticas delituosas que são veemente reprimidas pelo Estado.

40
Figura 3- Faixa etária das pessoas privadas de liberdade

18 a 24 anos 25 a 29 anos 30 a 34 anos


35 a 45 anos 46 a 60 anos 61 a 70 anos

Fonte: Infopen, junho/2014

A figura 3 mostra a distribuiçaõ da populaçaõ prisional brasileira por faixa etária. Nota-
se que a maior parte populaçaõ prisional é formada em sua maioria por jovens. Os jovens de
18 a 24 anos somam 31%. Entre a faixa etária dos 25 a 29 anos essa taxa é de 25 %. Entre 30 a
34 anos 19%. O restante soma juntos 25% do total de encarcerados. Podemos constatar que o
sistema prisional brasileiro é composto basicamente de uma população jovem.

41
2.1. A escolarização dos privados de liberdade e o direito à educação

Quando falamos da escolaridade desses sujeitos, remetemo-nos a dados alarmantes de


escolaridade, pois é extremamente baixo. Como evidencia a figura 4.

Figura 4: Escolaridade da população prisional

Analfabeto Alfabetizados sem cursos regulares


Ensino Fundamental Incompleto Ensino Fundamental Completo
Ensino médio incompleto Ensino Médio Completp
Ensino Superior incompleto Ensino Superior completo

Os analfabetos somam 6% do seu público. Os que possuem o Ensino Fundamental


incompleto 53% e completo 12%. Dentre os que possuem o Ensino Médio, apenas 7 % o
completaram, e 11 % não completaram. No Ensino Superior, 1% tem este nível incompleto e
menos de 1% tem formação superior.
O perfil do preso brasileiro vem se mantendo há muito tempo, entre jovens e de baixa
escolaridade. Essa situação vem permanecendo devido à ausência de políticas públicas efetivas
42
da inserção do jovem na sociedade, pelo contrário, constrói-se muitos presídios em lugar de
instituições educacionais. A falta de uma política de base ampla de participação ativa do jovem
na vida social, tem possibilitado a sua entrada na criminalidade, pois torna-se a única saída
possível em meio à exclusão.
A educação é um direito à todos os seres humanos, estendendo-se às pessoas privadas
de sua liberdade. A previsão do direito está regulamentada em diversas normas, tanto nacionais
quanto internacionais. Dentre elas, uma das mais importantes é a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, pois impulsionou que os países unificassem suas leis em prol da garantia do
direito.
No que tange a educação, direito humano previsto no o artigo 26, a Declaração afirma
que todas as pessoas têm direito à educação. Além disso, "a educaçaõ deve visar à plena
expansaõ da personalidade humana e ao reforço dos direitos do Homem e das liberdades
fundamentais." Portanto, em consonância com a legislação internacional, a educação
prisional é produto deste processo de conquistas oriundo do movimento histórico da
Constituição dos Direitos Humanos no Brasil.
A Lei de Execução Penal- lei n º 7.210, de 11 de julho de 1984- é uma das primeiras a
garantir o direito à educação no sistema penal brasileiro. Explicita em seu artigo 11 todo o tipo
de assistência que faz jus o indivíduo preso, dentre elas a assistência educacional. A referida
lei, trata especificamente da Educação na Seção V " Assistência Educacional":

Art. 17. A assistência educacional compreenderá a instruçaõ escolar e a


formaçaõ profissional do preso e do internado.
Art. 18. O ensino de 1° grau será obrigatório, integrando-se no sistema escolar
da Unidade Federativa.
Art. 19. O ensino profissional será ministrado em nível de iniciação ou
aperfeiçoamento técnico.

A Educação prisional no Brasil se insere no contexto da educação de jovens e adultos.


Portanto, além da lei de Execução Penal, a educação do indivíduo preso é abordada na
Constituição Federal (BRASIL, 1988). A Magna Carta em seu artigo 208, assegurou aos jovens
e adultos o Direito Público Subjetivo ao ensino fundamental público e gratuito:

I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete)


anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela
não tiveram acesso na idade própria;
II - progressiva universalizaçaõ do ensino médio gratuito;
[...]
43
[...]
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;

A Lei de Diretrizes e Bases da Educaçaõ de 1996, em diálogo com a Constituição, no


Título III, que trata do direito à educaçaõ e do dever de educar nos artigos 4 e na Seçaõ V, que
trata da educaçaõ de jovens e adultos destaca a integraçaõ da EJA à educaçaõ básica. Além
disso, a LDB garante que a oferta educacional escolar atenderá as suas especificidades, descrita
no artigo 37, parágrafo 1º : "Os sistemas de ensino asseguraraõ gratuitamente aos jovens e aos
adultos, que naõ puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais
apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de
trabalho, mediante cursos e exames."
A promulgação da LDB, a partir do ano de 1996 trouxe uma série de parâmetros para a
organização da Educação de Jovens e Adultos que se desdobrou em pareceres e resoluções tanto
na EJA regular, quanto na EJA prisional. O Parecer 11/20001 e a Resoluçaõ 01/2002, ambos
do Conselho Nacional de Educaçaõ , saõ instrumentos que apresentam o novo paradigma da
EJA. Sugerem algumas reformulações na concepção da EJA, como atribuir a " função
reparadora, equalizadora e qualificadora" (CARVALHO; GUIMARÃES, 2013) e buscar
promover a formaçaõ dos docentes e contextualizar currić ulos e metodologias, obedecendo aos
princiṕ ios da diversidade. O diálogo com várias iniciativas entidades educacionais e
associações científicas e profissionais da sociedade e ONGs contribuiu para elaboraçaõ dessas
normativas.
Em relação às políticas de educação escolar nas prisões, ressalta-se o caráter complexo
de organização e funcionamento, pois se realizam a partir da articulação do sistema de educação
com o sistema penitenciário (Ministério da Educação, Ministério da Justiça, Secretarias
Estaduais de Educação e Secretarias de Defesa Social ou Administração Prisional, além de
órgãos integrantes desses sistemas, como os presídios e as penitenciárias), que, por sua vez,
articulou-se com o sistema de justiça penal e com a sociedade. (OLIVEIRA, 2013, p.957)
No ano de 2005, após longo período de debates em torno da importância da educaçaõ
nos estabelecimentos penais, foi firmado protocolo de intenções entre os Ministérios da
Educaçaõ e da Justiça, e no ano 2006 foi elaborada proposta de Diretrizes para Educaçaõ
Prisional, com o objetivo de conjugar os esforços para a implementaçaõ de uma polit́ ica
nacional de educaçaõ para jovens e adultos em privaçaõ de liberdade.

44
Dentre os frutos desses esforços nasceram: as Resoluções do Programa Brasil
Alfabetizado, que incluiŕ am a populaçaõ prisional dentre o público de
atendimento diferenciado das ações de alfabetizaçaõ ; a parceria com a
UNESCO e o Governo do Japão para a realização de cinco seminários
regionais e do primeiro Seminário Nacional sobre Educaçaõ nas Prisões, que
culminaram na elaboraçaõ de uma proposta de Diretrizes Nacionais para a
oferta de educaçaõ no sistema penitenciário; a inclusaõ da educaçaõ como
uma das metas do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania;
a inclusão da educação nas prisões no Plano de Desenvolvimento da Educaçaõ
(PDE) e das matrículas nos estabelecimentos penais no censo escolar e os
recursos advindos do Fundo de Manutençaõ e Desenvolvimento da Educação
Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) para os
alunos matriculados. (UNESCO, 2006, p.4)

A proposta das diretrizes nacionais para a oferta de educaçaõ para jovens e adultos em
situaçaõ de privaçaõ de liberdade nos estabelecimentos penais traz em seu bojo avanços e
desafios a implantaçaõ da educaçaõ em todas as unidades prisionais do paiś . Dentre os
movimentos que impulsionaram a elaboraçaõ das diretrizes destacamos: Os Seminários
Nacionais de Educaçaõ nas Prisões; Conferências Internacionais de Educaçaõ de Adultos (V e
VI CONFINTEA); e as manifestações e contribuições provenientes da participaçaõ de
representantes de organizações governamentais e de entidades da sociedade civil em reuniões
de trabalho e audiências públicas promovidas pelo Conselho Nacional de Educaçaõ .
Em março de 2009 o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, através da
resolução nº3, lança as Diretrizes Nacionais para a Oferta de Educação nos Estabelecimentos
Penais, estabelecendo dentre outras coisas que a gestão da educação no contexto prisional
brasileiro deve permitir parcerias com outras áreas de governo, universidades e organizações
da sociedade civil, com vistas à formulação, execução, monitoramento e avaliação de políticas
públicas de estímulo à educação nas prisões e que as autoridades responsáveis pelos
estabelecimentos penais devem propiciar espaços físicos adequados às atividades educacionais.
Nessa trajetória, em 2010 foram aprovadas as diretrizes nacionais para a oferta de
educaçaõ para jovens e adultos em situaçaõ de privaçaõ de liberdade nos estabelecimentos
penais, que trazem em seu cerne orientaçaõ para implantaçaõ da Educaçaõ Prisional nas
unidades prisionais como uma política pública nacional em todas as unidades da Federaçaõ .
Já no mês de maio de 2010 o Conselho Nacional de Educação, mediante a resolução nº.
2, fixou as Diretrizes Nacionais para Oferta de Educação para Jovens e Adultos Privados de
Liberdade, estabelecendo que a educação nas prisões do Brasil deverá estar associada às ações
complementares de cultura, esporte, inclusão digital, educação profissional, fomento à leitura e
a programas de implantação, recuperação e manutenção de bibliotecas destinadas ao

45
atendimento à população privada de liberdade, inclusive as ações de valorização dos
profissionais que trabalham nesses estabelecimentos. Em junho do mesmo ano, o Ministério da
Justiça e o Ministério da Educação, em parceria com a Organização dos Estados Ibero-
Americanos (OEI), promovem o seminário internacional Educação em Prisões, que viria a
reunir autoridades e especialistas nacionais e internacionais em torno do fortalecimento do
direito à educação na prisão.
O relatório acerca da situaçaõ da educaçaõ nas prisões brasileiras e da América Latina
Educaç ão nas Prisões Brasileiras (2009), estudo realizado pela Plataforma Brasileira de
Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Plataforma DhESCA Brasil),
que visitou unidades prisionais nos estados do Pará, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Saõ Paulo
e Distrito Federal, nos apresentam alguns dados sobre a educaçaõ nas prisões brasileiras.

A educaçao ̃ para pessoas encarceradas ainda é vista como um “privilégio”


pelo sistema prisional;
• a educação ainda é algo estranho ao sistema prisional. Muitos professores e
professoras afirmam sentir a unidade prisional como uma ambiente hostil ao
trabalho educacional;
• a educaçaõ se constitui, muitas vezes, em “moeda de troca” entre, de um
lado, gestores e agentes prisionais e, do outro, encarcerados, visando a
manutençao ̃ da ordem disciplinar;
• há um conflito cotidiano entre a garantia do direito à educação e o modelo
vigente de prisão, marcado pela superlotação, por violações múltiplas e
cotidianas de direitos e pelo superdimensionamento da segurança e de
medidas disciplinares. (Educaçao ̃ nas Prisões Brasileiras, 2009 -
Plataforma DhESCA Brasil)

Esses dados demonstram que a Educação em Prisões ainda não é apresentada como uma
garantia de direito em sua plenitude. O fato de existir leis que regulamentem a sua
implementação, não significa que ela está acontecendo na prática.
Assim, a educaçaõ prisional é um espaço de construçaõ , de luta e da construçaõ da sua
própria identidade. E, devido aos fatores expostos acima, existe um campo para construçaõ de
políticas educacionais pautado em programas de educaçaõ naõ –formal, devido à possibilidade
de flexibilidade que esta oferece, como: cursos de diversas durações, cursos de formaçaõ
profissional inicial e continuada, atividades de leitura, de cultura, de teatro e cinema, expressões
artiś ticas, na tentativa de construir uma educaçaõ emancipatória e democrática.

46
2.2. Projetos e programas

Com a consolidação das leis que disciplinam a educação em prisões, projetos


educacionais são direcionados para os indivíduos em privação de liberdade, pautados na política
inclusiva. Desde o Seminário Nacional pela Educação nas Prisões, realizado em 2006, os
Ministérios da Educação, Ministério da Justiça e a representação da UNESCO no Brasil tem se
articulado no sentido de criar condições e possibilidades para o enfrentamento dos graves
problemas que perpassam a inclusão social de apenados e egressos do sistema penitenciário.
A partir de então tem se pensado em projetos direcionados para os indivíduos presos.
Um dos mais importantes é o projeto "Educando para a Liberdade", que deu origem a uma
série de atividades e conquistas no campo da Educação nas Prisões. Oficinas técnicas,
seminários regionais, Proposições para a alteração da Lei de Execução Penal, financiamento de
projetos junto aos sistemas estaduais e o próprio fortalecimento das relações entre os órgãos de
Governo responsáveis pela questão no âmbito federal são alguns dos resultados. O projeto
Educando para a Liberdade

ousa transpor os muros das prisões brasileiras desde uma perspectiva de


afirmaçaõ dos direitos fundamentais de todos os cidadaõ s e de inclusaõ das
pessoas privadas de liberdade na realizaçaõ cotidiana daquele ideal de
democracia. Nesse sentido, o Educando para a Liberdade constitui-se como
referência fundamental na construção de uma política pública integrada e
cooperativa, marco para um novo paradigma de açaõ , tanto no âmbito da
Educação de Jovens e Adultos, quanto no âmbito da Administração
Penitenciária.
Continuamente outros programas estão sendo estendidos aos indivíduos
presos. O Programa Brasil Alfabetizado com recursos provenientes do
Ministério da Educação, implantado a primeira vez em âmbito nacional no
ano de 2004, tem o objetivo de contribuir para universalização do Ensino
Fundamental, promovendo apoio a ações de alfabetização de jovens, adultos
e idosos no Sistema Penitenciário. (UNESCO, 2006, p. 30)

Seguindo a orientação de inserir a população carcerária nos programas já executados fora


da prisão, a educação profissional está sendo contemplada. A ideia foi impulsionada pela
criação do Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania). Como
exemplo, podemos citar o Programa de Educação de Jovens e Adultos (Proeja) e o Projovem,
ambos buscam promover a Educação profissional para alunos jovens e adultos.
Além da existência dos programas, a partir do ano de 2011, entrou em vigor a lei nº
12.433/11, trazendo alterações na Lei de Execução Penal, no que concerne à remição da pena

47
em razão do trabalho ou do estudo. A remição de pena, até o advento desta Lei,
consubstanciava-se em instituto benéfico ao apenado que poderia remir dias de sua pena com o
trabalho. No que diz respeito ao estudo não tínhamos lei sobre o tema. Agora é possível por lei
a remição de pena pelo estudo, não importando se o o preso é provisório ou definitivo (art. 126,
§ 7º).
De acordo com o novo artigo 126 da LEP, o condenado que cumpre a pena em
regime fechado ou semiaberto poderá remir um dia da pena para cada doze horas de frequência
escolar. Essas doze horas devem ser dividas, no mínimo, em três dias. É preciso combinar três
dias (no mínimo) com 12 horas (para se ganhar um dia de pena). A nova lei ainda acrescenta
mais cinco parágrafos ao artigo 126 da LEP, especificando a matéria (que tipo de estudo será
aceito, como deverão ser compatibilizados estudo e trabalho, ampliação do benefício no caso
de conclusão de ensino e etc.) bem como inovando em algumas disposições. O novo parágrafo
sexto, por exemplo, traz inovação importantíssima, dispondo que: § 6º O condenado que
cumpre pena em regime aberto ou semiaberto e o que usufrui liberdade condicional poderão
remir, pela frequência a curso de ensino regular ou de educação profissional, parte do tempo de
execução da pena ou do período de prova.
No antigo regramento da remição da pena não havia disposição sobre a possibilidade de
o condenado a cumprimento de pena em regime aberto ser beneficiado ou mesmo aquele que
estivesse em livramento condicional. Embora não faltem referências no plano nacional e
internacional, segundo as quais se devam colocar em ação amplos programas de ensino, com a
participação dos detentos, a fim de responder às suas necessidades e aspirações em matéria de
educação, ainda são muito tímidos os resultados alcançados. Segundo Julião (2013, p. 38-39),

Embora tenha aumentado consideravelmente os investimentos na


implementação de uma proposta política de educação para o cárcere,
principalmente ampliando o número de escolas em unidades, bem como de
recursos financeiros, humanos e materiais que viabilizaram a ampliação do
atendimento, incluindo-se, além do ensino fundamental, o ensino médio na
maioria dos espaços escolares intramuros, não se investiu em uma proposta
pedagógica que atenda a realidade dos jovens e adultos em situação de
restrição e privação de liberdade. Simplesmente implantaram escolas dentro
do cárcere, muitas sob a gestão de profissionais desatualizados quanto à
realidade da política educacional brasileira, principalmente sem compreender
o papel da escola para jovens e adultos, principalmente para privados de
liberdade.

Assim é que, como demonstram dados do Ministério da Justiça, de 607.731 presos


pessoas presas em em junho de 2014, apenas 38831 encontravam-se envolvidas em atividades
48
educacionais, o que equivale a aproximadamente 6% do total. Isso muito embora a maioria
dessa população seja composta por jovens e adultos com baixa escolaridade: 70% não possuem
o ensino fundamental completo e 10,5% são analfabetos.
Em termos históricos, esse cenário tem sido confrontado a partir de práticas pouco
sistematizadas, que em geral dependem da iniciativa e das incongruências de cada direção de
estabelecimento prisional. Ainda constitui um grande impasse na efetivação das políticas a
distância entre a pauta educacional e a administração penitenciária, de modo que se possa
viabilizar uma oferta integrada com bases conceituais mais sólidas.

49
3. A EXPANSÃO DO ENSINO SUPERIOR NO BRASIL

A expansão do Ensino Superior no Brasil a partir dos anos 2000 possibilitou o acesso à
educação neste nível de ensino de camadas que antes estavam excluídas dos bancos
universitários, pela da instituição do Exame Nacional do Ensino Médio-ENEM e das políticas
de democratização do acesso como o Programa Universidade para Todos- PROUNI e o
Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais-
REUNI.
Essa democratização, baseada no direito universal à educação, alcançou também os
sujeitos privados de liberdade, que passaram a ter o direito de cursar uma universidade. O
instrumento de ingresso específico para esse público é o Exame Nacional do Ensino Médio para
Pessoas Privadas de Liberdade, o ENEM PPL, que segue as mesmas regras do ENEM comum,
mas reserva algumas especificidades, como o local e o período de aplicação.
O Programa Universidade para Todos, somado ao Fies, ao Sistema de Seleção
Unificada (Sisu), ao Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais (Reuni), a Universidade Aberta do Brasil (UAB) e a expansão da rede
federal de educação profissional e tecnológica ampliam significativamente o número de vagas
na educação superior, contribuindo para um maior acesso dos jovens à educação superior.

3.1 O Exame Nacional do Ensino Médio

O ENEM, criado pelo Ministério da Educação no ano de 1998, é uma prova de âmbito
nacional utilizada como avaliação para acesso ao ensino superior no Brasil. Utilizado para o
acesso as universidades públicas brasileiras, através do Sistema de Seleção Unificada-Sisu e
também para o ingresso em instituições privadas de ensino superior através do Programa
Universidade para Todos- Prouni.
O Enem tornou-se, ao longo dos últimos anos, não apenas um instrumento de
exame nacional de seleção para diversas universidades, mas também um
marco que acompanhou as recentes mudanças educacionais advindas da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e influenciou a
sistematização das estruturas curriculares em todas as etapas e modalidades
de ensino. (CARMO;CHAGAS;FIGUEIREDO; FILHO; ROCHA,
2014, p.307)

50
A partir do ano de 2009, o exame serve também como a possibilidade de obtenção do
diploma do Ensino Médio em cursos de Educação de Jovens e Adultos (EJA), em substituição
ao Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja).
Ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, o Enem era utilizado para avaliar o
aprendizado dos alunos no ensino médio do país, para auxiliar o Ministério da Educação na
elaboração de políticas de melhoria do ensino brasileiro através das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Básica 16 . O Enem surge como primeira possibilidade de uma
avaliação nacional de ensino no país. O primeiro modelo consistia em sessenta e três questões
aplicadas em um dia de prova. Tal modelo teve uma vigência de dez anos, entre o ano de 1998
ao ano de 2008.
A partir do ano de 2009 foi inserido um novo modelo de prova, no governo do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva e na gestão do então ministro da educação Fernando Haddad, com a
nova proposta de unificação dos vestibulares das universidades federais brasileiras. Esse novo
modelo passou a ser realizado em dois dias de prova com um aumento no número de questões,
totalizando cento e oitenta e mais uma redação.

3.1.1. ENEM PPL

O Exame Nacional do Ensino Médio para pessoas privadas de Liberdade-ENEM PPL


diferencia-se um pouco do Enem para pessoas livres somente em relação as datas de aplicação
e período de inscrições. Geralmente, as inscrições ocorrem em período posterior ao Enem
comum e as provas também acontecem em datas diferentes. O ENEM PPL destina-se a presos
que estão em cumprimento de pena de prisão e aos adolescentes que estão em cumprimento de
medida sócio-educativa.
Para que o sujeito privado de liberdade consiga realizar o exame, é necessário que a
unidade prisional ou sócio-educativa a que estão vinculados realize a inscrição através do portal
do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira- INEP na internet
no prazo determinado. É necessária também a adesão da unidade junto ao Inep firmando
compromisso da participação dos detentos na seleção.

16
A formulação de Diretrizes Curriculares Nacionais constitui, portanto, atribuição federal, que é exercida pelo
Conselho Nacional de Educação (CNE), nos termos da LDB e da lei nº 9.131/95, que o isntitui. Esta lei define,
entre as atribuições de sua Câmara de Educação Básica (CEB), deliberar sobre as Diretrizes Curriculares propostas
pelo Ministério da Educação.

51
As regras para avaliação e aplicação dos exames ocorre com as mesmas regras do
ENEM para pessoas livres, com a realização das provas em dois dias, no caso, um sábado e
domingo. No primeiro dia são aplicadas as provas de ciências humanas e suas tecnologias
(história, geografia, filosofia e sociologia) com duração de 4 horas e 30 minutos. No segundo
dia, as provas são de matemática, linguagens e suas tecnologias (língua portuguesa, literatura,
língua estrangeira, artes, educação física e tecnologias da informação e comunicação), além da
redação. Esta segunda etapa tem duração de 5 horas e 30 minutos, incluindo a redação.
Os critérios avaliativos são os mesmos para o ENEM destinado as pessoas livres, com
inscrição no Sistema de Seleção Unificada (Sisu) 17 para a escolha do curso e universidade
pretende estudar de acordo com a pontuação obtida no exame.

3.2 As políticas de democratização do acesso e as políticas de permanência

Dentre as políticas de democratização do acesso à educação superior, implementadas no


governo de Luiz Inácio Lula da Silva, terão destaque neste item o Programa de Apoio a Planos
de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), o Programa Universidade
para Todos (Prouni) e as políticas de assistência estudantil.

3.2.1. Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais

O principal objetivo do Reuni é ampliar o acesso e a permanência no Ensino Superior.


Com sua instituição o governo federal adotou medidas em prol do crescimento do ensino
superior público federal, com a finalidade de criar condições para que as universidades
promovessem a expansão física e acadêmica da rede federal de ensino superior. Segundo o
Ministério da Educação, as metas da ampliação do acesso tem o objetivo de diminuir as
desigualdades sociais no país.
O Decreto nº 6096, de 24 de abril de 2007, que institui o Reuni, define em seu artigo 2,
que o programa terá as seguintes diretrizes:
I - redução das taxas de evasão, ocupação de vagas ociosas e aumento de vagas
de ingresso, especialmente no período noturno;
II - ampliação da mobilidade estudantil, com a implantação de regimes
curriculares e sistemas de títulos que possibilitem a construção de itinerários

17
O Sisu é um sistema informatizado, gerenciado pelo Ministério da Educação, por meio do qual as Universidades
Públicas participantes selecionam novos estudantes exclusivamente pela nota obtida no Exame Nacional do Ensino
Médio(ENEM).
52
formativos, mediante o aproveitamento de créditos e a circulação de
estudantes entre instituições, cursos e programas de educação superior;
III - revisão da estrutura acadêmica, com reorganização dos cursos de
graduação e atualização de metodologias de ensino-aprendizagem, buscando
a constante elevação da qualidade;
IV - diversificação das modalidades de graduação, preferencialmente não
voltadas à profissionalização precoce e especializada;
V - ampliação de políticas de inclusão e assistência estudantil; e
VI - articulação da graduação com a pós-graduação e da educação superior
com a educação básica.

As universidades elaboram e apresentam o plano de restruturação, para que o Ministério


da Educação libere os recursos financeiros com prioridade para:

I - construção e readequação de infra-estrutura e equipamentos necessárias à


realização dos objetivos do Programa;
II - compra de bens e serviços necessários ao funcionamento dos novos
regimes acadêmicos; e
III - despesas de custeio e pessoal associadas à expansão das atividades
decorrentes do plano de reestruturação.

3.2. 2. Programa Universidade para Todos

A finalidade do Programa Universidade para Todos-Prouni é conceder bolsas de estudo


parciais e integrais em cursos de graduação e sequenciais de formação específica, em
instituições privadas de educação superior. O programa foi criado em 2004 pelo Governo
Federal e instituído pela Lei nº 11.096 de 13 de janeiro de 2005. Às instituições que aderem ao
Programa é oferecida isenção de tributos.
O Prouni está direcionado para estudantes egressos de escolas públicas e os bolsistas
integrais de escolas privadas, que possuem renda familiar per capita máxima de três salários
mínimos. A seleção para o Programa é realizada através do ENEM, a partir da pontuação obtida.
Existem ações conjuntas ligadas ao Prouni com o objetivo de incentivar a permanência18 e o

18
O ProUni instituiu, em 2006, a Bolsa-Permanência, destinada a ajudar no custeio das despesas educacionais
dos estudantes. É um benefício, de até R$ 300,00 mensais, concedido a estudantes com bolsa integral em
utilização, matriculados em cursos presenciais com no mínimo seis semestres de duração e cuja carga horária
média seja superior ou igual a seis horas diárias de aula, de acordo com os dados cadastrados pelas instituições
de ensino no Sistema Integrado de Informações da Educação Superior (Siedsup), mantido pelo Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

53
Fundo de Financiamento Estudantil- Fies 19 , que possibilita o financiamento de parte da
mensalidade para aqueles estudantes que não conquistaram bolsa integral.
De acordo com a lei nº 11.096/05, o bolsista Prouni deve ter um aproveitamento de no
mínimo 75% das disciplinas cursadas em cada período, para conseguir manter a concessão da
bolsa.

3.2.3 Plano Nacional de Assistência Estudantil

O Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes), instituído pela


da portaria nº 39 de dezembro de 2007, apoia a permanência de estudantes de baixa renda que
estejam cursando a graduação presencial nas instituições federais de ensino superior tendo
como principal objetivo possibilitar a igualdade de oportunidades entre os alunos. Essa política
é importante para que os estudantes permaneçam no curso superior. "O PNAES se efetiva por
meio de ações de assistência estudantil vinculadas ao desenvolvimento de atividades de ensino,
pesquisa e extensão, e destina-se aos estudantes. matriculados em cursos de graduação
presencial das Instituições Federais de Ensino Superior. " (art 2)
O Pnaes entende assistência estudantil como: moradia estudantil, alimentação,
transporte, saúde, inclusão digital, cultura, esporte, creche e apoio pedagógico. Nos últimos
anos, houve um crescimento significativo aponta para um crescimento significativo do volume
de auxílios financeiros concedidos aos estudantes de graduação nas universidades brasileiras.

Essas políticas tem como foco principal as ações necessárias para viabilizar a
frequênecia às aulas e às outras atividades acadêmicas. As ações de
assistência estudantil devem considerar a necessidade de viabilizar a
igualdadede oportunidades, contribuir para a melhoria do desempenho
acadêmico e agir, preventivamente, nas situações de répéténcia e evasão
decorrentes da insuficiência de condições financeiras. (Art. 3o, § 1o)

As universidades possuem autonomia administrativa e financeira, sendo assim, utilizam


critérios específicos para selecionar os alunos. Na maioria das Universidades, a renda é
determinante para seleção dos alunos, fator que pode garantir a permanência do estudante.
Entretanto, as políticas de assistência estudantil ainda não atendem aos sujeitos privados de

19
Um Programa do Governo criado em 1999 para substituir o Programa de Crédito Educativo – PCE/CREDUC.
Destina-se a financiar a graduação no Ensino Superior de estudantes que não possuem condições de arcar com os
custos de sua formação. A partir de 2010, o programa passa a funcionar em um novo formato. Agora, o Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) é o novo Agente Operador do Programa e os juros caíram
para 3,4% ao ano. Além disso, o financiamento poderá ser solicitado em qualquer período do ano.
54
liberdade, dificultando a continuidade do curso superior. Com isso, é possível perceber que
ainda há muito a ser repensado nas políticas educacionais, principalmente na disponibilidade
dos recursos para a manutenção das políticas de assistência, sobretudo em relação à educação
como bem público, na qual a qualidade e equidade são elementos imprescindíveis. Isso requer
uma expansão qualificada, ou seja, acompanhada por garantia de infraestrutura, de recursos, de
docentes qualificados e de investimentos reais, além de pensar políticas que atendam a esse
público específico.

3.3. A Educação Superior no Plano Nacional de Educação

A elaboração do último Plano Nacional de Educação (PNE), lei nº 13.005 de 25 de junho


de 2014, com um período de vigência de 10 anos, entre os anos de 2014 e 2024, determina as
diretrizes, metas e estratégias para a Educação Superior nesse período. O objetivo é a garantia
do acesso e à ampliação das oportunidades educacionais. De acordo com a meta 12: "elevar a
taxa bruta de matrícula na educaç ão superior para cinquenta por cento e a taxa líquida para
trinta e três por cento da população de dezoito a vinte e quatro anos, assegurada a qualidade
da oferta e expansão para, pelo menos, quarenta por cento das novas matrículas, no segmento
público."
Para o alcance da meta, traça algumas estratégias:

12.1. otimizar a capacidade instalada da estrutura física e de recursos humanos


das instituições públicas de educação superior, mediante ações planejadas e
coordenadas, de forma a ampliar e interiorizar o acesso à graduação;
12.2. ampliar a oferta de vagas, por meio da expansaõ e interiorizaçaõ da rede
federal de educaçaõ superior, da Rede Federal de Educaçaõ Profissional,
Científica e Tecnológica e do sistema Universidade Aberta do Brasil,
considerando a densidade populacional, a oferta de vagas públicas em relação
à populaçaõ na idade de referência e observadas as características regionais
das micro e mesorregiões definidas pela Fundação Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), uniformizando a expansaõ no território
nacional;
12.3. elevar gradualmente a taxa de conclusaõ média dos cursos de graduação
presenciais nas universidades públicas para noventa por cento, ofertar, no
mínimo, um terço das vagas em cursos noturnos e elevar a relação de
estudantes por professor(a) para dezoito, mediante estratégias de
aproveitamento de créditos e inovações acudêmicas que valorizem a aquisiçaõ
de competências de niv́ el superior;
12.4. Fomentar a oferta de educa̧ão superior pública e gratuita prioritariamente
para a formação de professores e professoras para a educação básica,
sobretudo nas áreas de ciências e matemática, bem como para atender ao
défice de profissionais em áreas especif́ ichas;
55
12.5. ampliar as polit́ icas de inclusaõ e de assistência estudantil dirigidas
aos(às) estudantes de instituições públicas, bolsistas de instituições privadas
de educação superior e beneficiários do Fundo de Financiamento Estudantil
(Fies), de que trata a Lei no 10.260, de 12 de julho de 2001, na educação
superior, de modo a reduzir as desigualdades étnico-raciais e ampliar as taxas
de acesso e permanência na educação superior de estudantes egressos da
escola pública, afrodescendentes e indiǵ enas e de estudantes com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotaçaõ ,
de forma a apoiar seu sucesso acadêmico;
12.6. expandir o financiamento estudantil por meio do Fundo de
Financiamento Estudantil (Fies), de que trata a Lei no 10.260, de 12 de julho
de 2001, com a constituiçaõ de fundo garantidor do financiamento, de forma
a dispensar progressivamente a exigência de fiador;
12.7. assegurar, no miń imo, dez por cento do total de créditos curriculares
exigidos para a graduaçaõ em programas e projetos de extensão universitária,
orientando sua ação, prioritariamente, para áreas de grande pertinênecia
social;
12.8. Ampliar a oferta de estágio como parte da formação na educação
superior;
12.9. ampliar a participaçaõ proporcional de grupos historicamente
desfavorecidos na educação superior, inclusive mediante a adoção de polit́ icas
afirmativas, na forma da lei;
12.10. assegurar condições de acessibilidade nas instituições de educa̧aõ
superior, na forma da legislação;
12.11. fomentar estudos e pesquisas que analisem a necessidade de articulação
entre forma̧aõ , currić ulo, pesquisa e mundo do trabalho, considerando as
necessidades econômicas, sociais e culturais do paiś ;
12.12. consolidar e ampliar programas e ações de incentivo à mobilidade
estudantil e docente em cursos de graduaçaõ e pós-graduação, em âmbito
nacional e internacional, tendo em vista o enriquecimento da formação de
niv́ el superior;
12.13. expandir atendimento especif́ ico a populações do campo e
comunidades indiǵ enas e quilombolas, em relaçaõ a acesso, permanênecia,
conclusaõ e formação de profissionais para atuação nessas populações;
12.14. mapear a demanda e fomentar a oferta de formação de pessoal de niv́ er
superior, destacadamente a que se refiere à forma̧ão nas áreas de ciências e
matemática, considerando as necessidades do desenvolvimento do paiś , a
inovação tecnológica e a melhoria da qualidade da educaçaõ básica;
12.15. Institucionalizar programa de composicióņaõ de acervo digital de
referências bibliogr.́ficas e audiovisuais para os cursos de graduação,
assegurada a acessibilidade às pessoas com deficiênecia;
12.16. consolidar processos seletivos nacionais e regionais para acesso à
educa̧aõ superior como forma de superar exames vestibulares isolados;
12.17. estimular mecanismos para ocupar as vagas ociosas em cada perió do
letivo na educaçaõ superior pública;
12.18. estimular a expansão e reestruturaçaõ das instituições de educa̧ão
superior estaduais e municipais cujo ensino seja gratuito, por meio de apoio
técnico e financeiro do governo federal, mediante termo de adesão a pro-
grama de reestruturação, na forma de regulamento, que considere a sua
contribuiçaõ para a ampliaçaõ de vagas, a capacidade fiscal e as necessidades
dos sistemas de ensino dos entes mantenedores na oferta e qualidade da
educação básica;
12.19. reestruturar com ênfase na melhoria de prazos e qualidade da decisão,
no prazo de dois anos, os procedimentos adotados na área de avaliação,
56
regulação e supervisaõ , em relaçaõ aos processos de autorizaçaõ de cursos e
instituições, de reconhecimento ou renovaçaõ de reconhecimento de cursos
superiores e de credenciamento ou recredenciamento de instituições, no
âmbito do sistema federal de ensino;
12.20. ampliar, no âmbito do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino
Superior (Fies), de que trata a Lei no 10.260, de 12 de julho de 2001, e do
Programa Universidade para Todos (Prouni), de que trata a Lei no 11.096, de
13 de janeiro de 2005, os benefić ios destinados à concessaõ de financiamento
a estudantes regularmente matriculados em cursos superiores presenciais ou a
distância, com avaliação positiva, de acordo com regula- mentaçaõ própria,
nos processos conduzidos pelo Ministério da Educação;
12.21. fortalecer as redes fiś acas de laboradórios multifuncionais das IES e
ICTs nas áreas estratégicas definidas pela polit́ ica e estratégias nacionais de
ciência, tecnologia e inovaçaõ .

O estabelecimento dessas 21 estratégias não prevê em nenhuma delas ampliação com


políticas para egressos do sistema prisional e até mesmo os que ainda estão em cumprimento
pena. Ainda não existem políticas públicas específicas para os privados de liberdade que
estimulem o acesso e a permanência no ensino superior. As metas e estratégias do PNE para
privados de liberdade limitam-se somente a educação dentro do espaço prisional, mas ainda não
vincula o acesso ao Ensino Superior como uma extensão da educação dentro do espaço
prisional. A educação em prisões precisa ser pensada como uma educação para os presos, pois
ampliaria as alternativas de oferta, considerando o estudo extramuro.

57
4. NARRATIVAS DE VIDA

4.1 Vidas contadas/ histórias vividas20: Quem são os participantes da pesquisa?

Os três participantes que integram essa pesquisa são indivíduos que ainda estão em
cumprimento de pena, dois no regime semi-aberto e um no regime aberto. A identidade dos
participantes foi preservada e os nomes utilizados na descrição dos sujeitos são meramente
fictícios.
Daniel é um ex-policial militar de 35 anos de idade, acusado de envolvimento com
tráfico ilícito de entorpecentes e foi condenado a uma pena de mais de vinte anos. Antes de ser
condenado cursava Direito em uma faculdade privada na cidade do Rio de Janeiro, no quinto
período. Cumpriu sete anos da pena no regime fechado21, e ao progredir do regime22, fez o
vestibular para voltar à universidade. Quando voltou, teve que iniciar o curso em dois períodos
antes, ou seja, no terceiro período. Na época da prisão já era casado e pai de um filho de quatro
anos, sua esposa estava grávida da sua segunda filha.
Vitor, 29 anos era policial civil, foi acusado pelo assassinato de quatro jovens que
tentaram roubar o seu carro. Condenado a uma pena de trinta e três anos de prisão, cumpriu
nove anos no regime fechado. Antes de ser condenado era casado e pai de uma filha de três
anos. Após três anos do cumprimento da pena, sua esposa pediu o divórcio, pois segundo ele,
não aguentou a sua situação, reafirmando não aguentar todo aquele tempo. Quando progrediu
do regime fechado para o semi-aberto23 decidiu voltar para a universidade, pois já tinha cursado
até o sexto período de Direito, mas teve de recomeçar. Tentou um ano ENEM e fez uma boa
pontuação, iniciou o curso de Letras numa universidade pública federal do Rio de Janeiro, mas
como o horário era integral, preferiu sair e tentar novamente o ENEM no ano seguinte. Obteve
novamente uma boa pontuação e conseguiu uma bolsa integral pelo PROUNI para cursar
Direito numa universidade particular.

20
Título retirado do livro "Sociedade individualizada- Vidas contadas, histórias vividas", do autor Zygmunt
Bauman, no qual ele traz uma orientação sobre o que significa utilizar histórias individuais em pesquisa.
21
No regime fechado, a execução da pena deve ser em estabelecimento de segurança máxima ou média
22
a progressão do regime fechado para o semi-aberto ocorre quando o apenado já cumpriu pelo menos 1/6 da pena.
23
No regime semi-aberto, o cumprimento da pena deve ocorrer em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento
similar. Aqui, o condenado poderá ser alojado em locais coletivos e sua pena estará atrelada ao seu trabalho. Um
exemplo comum nesse tipo de prisão é reduzir um dia de pena a cada três dias trabalhados.

58
Rubem, 50 anos, Equatoriano veio morar no Brasil com 17 anos. Formou-se médico
aqui, e exerceu a profissão durante alguns anos. Entretanto, foi acusado de atentado violento ao
pudor por uma paciente. Antes que o processo chegasse ao final, ele fugiu para o Equador com
a família. O processo transcorreu normalmente somente com a presença do seu advogado, que
segundo ele, não conhecia argumentos referentes a área médica para defendê-lo. O julgamento
correu a revelia24, ele foi condenado a vinte e um anos de prisão. Rubem defende a pouca idade
dos filhos para justificar a fuga, não queria que fossem criados longe dele. Quando os seus três
filhos já haviam atingido a maioridade, decidiram cursar universidade no Brasil. O mais velho
passou no vestibular para Medicina, o segundo para Engenharia e o mais novo também passou
para Medicina. Ele diz que um filho foi influenciando o outro. Depois que os filhos já estavam
residindo no Brasil, ele decidiu voltar para se entregar.
Ao chegar, entregou-se em uma cadeia no Sul do país. Ele pesquisou muito antes de vir
e identificou que aquela era o "melhor" lugar para ele se entregar porque não tinha muitos
ocorrências de problemas com violação de Direitos Humanos. Depois de um tempo foi
transferido para o Rio de Janeiro, onde tinha ocorrido o crime e condenação. Ficou durante um
tempo no regime fechado e foi incentivado por um amigo a procurar a escola dentro da prisão,
porque havia perdido o direito de exercer a Medicina. Matriculou-se no sexto ano do ensino
fundamental nesta escola e logo depois progrediu para o regime semi-aberto. Já no presídio do
semi-aberto, a escola era mais bem organizada, tinha escolarização até o Ensino Médio, então
ele se inscreveu no segundo ano, pois queria rever matérias que estavam esquecidas, para que
pudesse prestar o ENEM. Nesse primeiro ano prestou o exame, mas não obteve uma boa
pontuação, nem a Direito, nem a Psicologia, os cursos escolhidos. No ano seguinte, tentou
novamente e conseguiu aprovação em Direito em uma universidade pública do Rio de Janeiro.
Após essa breve aproximação com os participantes da pesquisa, proponho o
aprofundamento das histórias de vida através da análise de aspectos importantes que se
mostraram comum nas três histórias. A partir da experiência desses indivíduos, baseada na
teoria do Sociólogo peruano Danilo Martuccelli apresentarei os tipos de provas e os suportes
disponíveis para enfrentar essas provas, que representam o sucesso ou fracasso nessas
trajetórias.

24
Revelia é um termo jurídico que expressa o estado ou qualidade de revel, ou seja, é alguém que não comparece
em julgamento, ou comparece e não apresenta defesa, após citação. Em sentido figurado, revelia também pode
ser um sinônimo de rebeldia.
59
Martucelli articula as experiências individuais com os fenômenos sociais, indicando a
interligação entre a sociedade e a biografia dos indivíduos. As provas nada mais são que um
conjunto de desafios estruturalmente disponíveis e que, portanto, são comuns aos indivíduos de
um mesmo grupo. Entretanto, o autor destaca que cada indivíduo responde a esses desafios de
maneiras distintas. Martuccelli defende que a vida social é composta por uma série de desafios,
e as provas que estão ligadas ao processo de socialização.

El actual proceso de singularización exige, sin perder de vista la relación entre


la historia de la sociedad y la biografía del actor, que la sociología singularice
sus análisis. Para ello, creemos, es preciso dar cuenta del proceso de
individuación desde un conjunto de pruebas estructurales comunes a todos los
miembros de un colectivo, pero desde posiciones diversas y a través de
experiencias disímiles. Las pruebas son desafíos históricos, socialmente
producidos, culturalmente representados, desigualmente distribuidos, que los
individuos están obligados a enfrentar en el seno de un proceso estructural de
individuación. La noción de prueba propone, pues, una articulación entre los
procesos societales y las experiencias personales, pero ahí donde la teoría de
la socialización busca establecer vínculos necesarios (y a veces incluso inferir
conclusiones microsociológicas desde consideraciones macrosociológicas), el
estudio de la individuación por las pruebas deja siempre abierta, y por ende
problemática, esta relación. ( ARAÚJO; MARTUCCELLI, 2010, p.21)

Ao tratar das trajetórias individuais desses indivíduos privados de liberdade que cursam
o Ensino Superior, busco compreender como cada um deles responde aos desafios propostos
nos processos de socialização. Martuccelli levanta a questão: "Como o indivíduo é capaz de
sustentar-se no mundo?" (MARTUCELLI, 2007 b). Após esse questionamento ele traz o
conceito de suportes.

Os suportes podem ser materiais, simbólicos, conscientes ou inconscientes,


ativamente estruturados ou naõ , mas sempre têm o efeito de apoiar, sustentar
e fomentar as experiências dos individ́ uos. Entretanto, esses suportes só fazem
sentido dentro de uma lógica social, naõ é possiv́ el elegê-los previamente. Em
torno de cada um de nós há um tecido elástico composto de relações
familiares, profissionais, afetivas, ou seja, “nosso verdadeiro mundo”. Há
necessidade de apreender as diversas geometrias pelas quais se desenham
nossa relaçaõ com o mundo e com os outros e que nos sustentam. Alguns
suportes dao ̃ mais possibilidades de êxito no processo de individuaçaõ , por
isso é preciso compreender como diferentes suportes possibilitam a
construção de sujeitos autônomos, visto que nem todos garantem o sucesso da
individuaçaõ . Há um vínculo profundo entre nossa individuaçaõ e nossos
suportes, a consistência dos ambientes que nos envolvem. (DAYRELL;
REIS, 2015, p. 7)

60
A partir dessas experiências individuais é possível compreender como os diferentes
suportes, família, amigos, professores etc. possibilitaram o sucesso ao passar pelas provas. Tais
categorias de análise tem relação com a estrutura social do grupo estudado.

4.2 A mais difícil prova: autorização judicial

Na autorização judicial o tempo é uma das nossas maiores dificuldades, algo


que temos que vencer é o tempo. (RUBEM)

Apesar de estudar ser um direito do preso, especificado em lei, existe uma questão
burocrática de fiscalização na Vara de Execuções Penais-VEP 25 , que impede agilidade no
processo de autorização para frequentar a Universidade. É um processo administrativo longo
que nos três casos prejudicou o acesso dos estudantes aos bancos universitários no período
regular. Os três relataram um grande atraso na autorização e consequências graves, como
chegada na sala de aula no meio do período e até mesmo reprovação. Não houve negativa de
autorização por parte da VEP, somente uma demora muito grande para concessão do direito.
Vitor conta que fez o ENEM PPL, o processo foi totalmente executado pela própria
Secretaria de Administração Penitenciária do estado. Depois da inscrição, realização da prova
e sua aprovação, a sua mãe efetivou a matrícula na universidade. Ele disse que de acordo com
a sua nota de corte tinha várias opções entre públicas e privadas, mas descartou a pública por
ser em horário integral, o que lhe prejudicaria no trabalho. Além do mais, ainda que tivesse
tirado uma boa nota, ainda era insuficiente para aprovação no curso de Direito em uma
universidade pública. Sendo assim, inscreveu-se para uma particular e conseguiu bolsa integral
no prouni. Depois que ele já estava matriculado deu entrada no Judiciário para pedir
autorização. A questão é que existia uma instabilidade sobre o momento em que conseguiria a
autorização e todo o semestre ele tinha que fazer todo o processo novamente. Conta que foi
muito prejudicado, pois já chegava na sala de aula com dois meses de atraso, já no período das
provas.

25
Vara de Execução Penal, de inspecionar, mensalmente, presídios e penitenciárias para verificar as condições
em que os condenados estão cumprindo pena (higiene, integridade física dos presos, saúde, acesso à assistência
jurídica, oportunidades de reinserção social, estrutura das unidades prisionais, entre outros fatores).As varas de
Execução Penal também são encarregadas de autorizar a progressão do regime de cumprimento de pena dos
condenados. Ou seja, autorizar que eles passem para um regime menos gravoso, para que possam, gradativamente,
reinserir-se na sociedade. O juiz da execução autoriza a progressão com base em prazos definidos para cada crime
pela Lei de Execução Penal e também quando atesta o bom comportamento prisional, informado pela direção do
estabelecimento penal.
61
Rubem foi aprovado no curso de Direito da universidade pública,e, como já estava no
regime semi-aberto e trabalhava, encontrou uma maneira de ir até a faculdade para ter acesso
às matérias que estavam sendo ministradas antes de conseguir a autorização. Conversou com
os professores sobre a sua condição. Tentava passar na faculdade antes e depois do trabalho,
bem cronometrado para não perder o horário do retorno à unidade prisional para o pernoite.
Levava o material para a cela a fim de estudar durante a noite. Nesse primeiro período, Rubem
foi reprovado porque não conseguiu a autorização antes do término do semestre. No segundo
período, uma das professoras da escola prisional ajudou-o entrando em contato com o juiz e
conseguiu agilizar o processo de autorização.
Quando eles falam que vão dar universidade para os presos, o caminho é
muito difícil, porque primeiro tem que passar pelo ENEM e depois depende
da autorização judicial. Eu tenho um amigo que está no semi-aberto. Ele já
perdeu um ano e meio, já perdeu uma faculdade e agora está em outra, só
agora que está cursando. Depois de três tentativas que conseguiu que o juiz
autorizasse. Eu senti pena do cara porque 'a cadeia é enorme', estudou todo o
curso dentro da cadeia, o cara sabe muita Filosofia, sabe muito Teatro, conheci
ele fazendo Teatro, dentro de uma unidade, ele muda de unidade, acaba não
tendo muito apoio com livros, com roupas. Ele não tinha muitas roupas pra
vestir, meus filhos traziam coisas pra ele. Eu sinto pena quando ele teve que
voltar pro fechado porque não saiu a autorização. Ele se virou pra ficar
trabalhando, trabalhou na (...) – empresa pública –, quando tirou férias,
retornou pro fechado, eu disse: - Caraca, esse cara vai...o cara tá fazendo de
tudo aqui, pensei q ele fosse fugir. A ressocialização, cadê? Eu estudei, agora
tô voltando pro fechado. Tem que ter muita paciência. Tenta de novo, volta de
novo, agora que ele conseguiu. (RUBEM)

O entendimento é que existe uma grande demanda de presos e um número restrito de juízes
para julgar todas essas causas, o que dificulta a celeridade do processo. A ausência de
programas voltados para casos específicos dificulta o acesso e a permanência desse preso no
ensino superior. Segundo Vitor,
Hoje a quantidade de presos que fazem universidade é mínima, pode contar
que é menos de 1% do efetivo carcerário que faz. E privilegiar aquele que
faz..principalmente o cara que vai pra dentro da universidade é o cara que vai
praticar crime, não é o cara que vai fugir, é aquela pessoa que está disposta a
querer alguma coisa. Porque se o cara quiser fugir, a primeira saída que tiver
ele vai embora. Pro cara se predispor a fazer uma faculdade é porque ele tá
querendo algo diferente, e não tem uma política de acompanhamento e nem
de utilizar isso como uma ferramenta de você estimular outras pessoas a
fazerem. (VITOR)

O que o Vitor está querendo dizer é que a burocracia para autorização opera no sentido
de tentar evitar as fugas, mas que não faz sentido com aquele que está pedindo autorização para

62
estudar em uma universidade, pois quem procura estudar, está de fato querendo mudar de vida,
sair da prática criminal.
Daniel sinaliza que é preciso mostrar qual o horário que você vai sair e qual horário que
você vai entrar na faculdade. Na faculdade dele a grade de horários só ficava pronta vinte dias
antes da aulas começarem. Portanto, não existe a menor possibilidade de conseguir autorização
nesse período. O tempo entre a petição e a autorização é muito grande, pode ser que dure até
quatro meses. Daniel relata que já chegava na sala de aula praticamente reprovado por falta,
que já havia perdido quase todo o conteúdo. Quando acabou a faculdade tentou continuar os
estudos através de uma pós-graduação, mas diz que pagou oito meses, mas não conseguiu nem
chegar na sala de aula. Quando autorizaram que ele frequentasse as aulas, já tinha passado duas
avaliações, não tinha a menor chance de continuar.

O que Daniel deixou bem claro é que a burocracia para conseguir autorização para
frequentar as aulas em uma universidade, não é o mesma para conseguir um contrato de
emprego privado. As empresas públicas têm mais facilidade nos contratos. Nas três histórias
podemos identificar muita dificuldade em conseguir autorização para frequentar as aulas, o que
evidencia a falha estrutural prisional reproduzida nessas histórias de vida.

4.3 Os suportes: Família /Amigos/ Professores

4.3.1 Família

As histórias demonstram como a família esteve presente em todo o processo desde a


chegada na prisão até a aprovação na universidade. Rubem conta que quando decidiu voltar a
estudar, o seu filho mais novo o incentivou a prestar o ENEM PPL e acompanhou seu
desempenho, dando-lhe a notícia de que havia sido aprovado. No momento da matrícula na
universidade pública, o seu filho também o acompanhou.
"O meu filho estava prestando o ENEM e ele disse: - Pai, faz. A gente faz a prova. O ENEM
para ti não vai ser difícil, vai ser uma coisa bem simples. "(RUBEM)
Vitor diz não ter recebido apoio apenas de sua primeira esposa, que pediu o divórcio
três anos após a sua condenação. Ele diz que esse tipo de atitude é corriqueira e a maioria das
esposas na aguenta. Entretanto, casou-se novamente com uma colega de turma na universidade,
que tem lhe apoiado em todos os momentos. Quanto a sua mãe, irmãos e sua filha, diz ter apoio

63
incondicional, principalmente sobre a volta à universidade, atribui esse apoio ao fato de já ter
cursado ensino superior antes de começar a cumprir pena. Antes do cárcere iniciou a faculdade
de Letras, mas depois que passou no concurso para a polícia, decidiu migrar para o Direito. Ele
diz que apoio financeiro nunca recebeu, apesar de ter todo suporte emocional e afetivo.
"As pessoas apoiam, mas é aquele apoio de longe, né? Investir não. Apoiam, legal, vai lá..mas
investimento não." (Vitor)
Daniel relatou que sempre teve o apoio incondicional da sua esposa. Na época de sua
condenação ela estava grávida de sua filha, e já tinha um filho de 4 anos. Hoje em dia cumprindo
o regime semi-aberto, seu filho mais velho está com 12 anos. O apoio familiar é fundamental,
pois em muitos casos, para realizar os trâmites de matrícula na universidade, inscrição nas
provas, o preso não tinha como se deslocar por causa do horário restrito.
"Eu precisava de toda a documentação, aí você precisa da família, não tem jeito." ( DANIEL)

4.3.2 Os amigos

Os três indivíduos trabalham durante o dia e estudam à noite. A política de Estado hoje
para o egresso é o emprego com poucas condições de mobilidade. O tipo de trabalho oferecido
geralmente é para a área de serviços gerais, com baixa remuneração, o chamado subemprego.
Existem empresas responsáveis por empregar estes presos, como o Instituto Santa Cabrini26 e
a CEDAE27. No entanto, os três trabalham em bons empregos, com uma boa remuneração. Eles
atribuem o fato de cursarem a universidade a principal razão. Todavia, ambos conseguiram
emprego por meio de pessoas conhecidas antes do começar a cumprir pena.

É um abismo muito grande, esse negócio da minha renda. Eu tenho amigos da


mesma época, do mesmo tempo que eu, que continua preso. E trabalha no
subemprego, reclama pra caramba, aí eu falo, cara, só quem pode mudar essa

26
A Fundação Santa Cabrini foi criada em setembro de 1977 para gerir e promover o trabalho remunerado para
os apenados intra e extramuros do Sistema Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro. Vinculada à Secretaria
Estadual de Administração Penitenciária, a Fundação Santa Cabrini tem também como objetivo organizar
atividades culturais, educacionais e artísticas, incentivando a ocupação criativa de detentos, seus familiares, dos
presos em regime de livramento condicional e de egressos do sistema penitenciário. Atendendo ao disposto na Lei
de Execuções Penais - LEP -, os detentos que trabalham têm direito a uma remuneração e à remição - a cada três
dias trabalhados, sua pena é reduzida em um dia. Cabe à Fundação Santa Cabrini gerenciar o pagamento dessas
remunerações e garantir o direito de remição através de um rígido controle de freqüência.
27
constituída oficialmente em 1 de agosto de 1975, a Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro
(CEDAE) é o produto da fusão da Empresa de Águas do Estado da Guanabara (CEDAG), da Empresa de
Saneamento da Guanabara (ESAG) e da Companhia de Saneamento do Estado do Rio de Janeiro (SANERJ),
resultante da fusão entre os antigos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, ocorrida em 1975. A CEDAE opera
e mantém a captação, tratamento, adução, distribuição das redes de águas, além da coleta, transporte, tratamento e
destino final dos esgotos gerados dos municípios conveniados do Estado do Rio de Janeiro.
64
história é você. Porque se você ficar esperando alguém pra te impulsionar, não
vai acontecer. Se você individualizar o problema, você tem chance de resolver,
porque eles colocam todo mundo no mesmo pacote. São pouquíssimos os que
conseguem um emprego legal. (VITOR)

O Daniel trabalha em um escritório de advocacia, ainda está no regime semi-aberto, mas já


advoga. Trabalha na área criminal, defendendo inclusive colegas que conheceu na prisão.
Quem deu essa oportunidade a ele foi um amigo, conhecido antes da prisão.

Eu acho que eu dei uma sorte muito grande, é um trabalho muito bom de
trabalhar. Eu sempre tive sorte, sempre fiz concurso, sempre passei, eu nunca
fiquei desempregado na minha vida. Eu sou uma exceção à regra. (DANIEL)

O Vitor trabalha num órgão judiciário, conseguiu esse emprego por causa das amizades
que fez na polícia. Atribui o fato de ter conseguido esse bom emprego ao conhecimento da sua
índole por parte dos colegas.
Eu consegui esse emprego por causa da polícia, de amizade. Antes de ser
preso quando eu tava na ativa eu trabalhava na (...) – órgão do judiciário – ,
então eu já conhecia algumas pessoas que trabalhavam em cartório, então
resolveram me ajudar, me abraçar. Me oferecer uma oportunidade. Porque
conhece mesmo, porque eu trabalhei na corregedoria antes e eles sabem da
minha índole. Os meus crimes foram em 2003, quando aconteceu, eu
trabalhava em cartório. Na condição de policial fazendo segurança de cartório.
Eles acompanharam o processo todo, eles acompanharam toda a história, toda
a dinâmica. Acompanharam tudo que aconteceu, graças a Deus, porque é
difícil. (VITOR)

O Rubem teve ajuda desde que começou o cumprimento da pena, um amigo seu
Equatoriano lhe dava suporte financeiro e emocional. Enviava recursos financeiros e ligava
duas vezes no mês para conversar, dar conselhos. Esse mesmo amigo, indicou-o para trabalhar
em um hospital na área de radiologia, quando progrediu para o regime semi-aberto. Quando
começou a frequentar a aula na escola prisional, encontrou suporte por parte de um amigo que
já estava na Universidade e o incentivou a prestar a prova do ENEM e a montar um grupo de
estudos.

Quando fui pro galpão, o Rafael já tinha uma visão de que a gente podia ir pra
uma universidade. Rafael já tinha passado mais tempo na prisão, então ele deu
uma ideia de que a gente poderia reunir um grupo para tentar uma professora
pra nos orientar para nos dar uma base para o vestibular. Nisso Rafael foi para
o semi-aberto, saiu de lá, o Silvio ficou...mas aí eu já peguei material com os
professores do último ano. Depois eu passei a trabalhar na escola. De qualquer
maneira eu tive mais acesso a biblioteca, livros velhos que já estavam sendo
jogados fora. (RUBEM)

65
Na universidade, eles encontraram apoio nos colegas para aos trabalhos realizados em
grupo, diante da impossibilidade de realizá-los, o Vitor diz que a possibilidade de realizar os
trabalhos fora do horário das aulas, só era possível se negociasse com o empregador uma
dispensa no horário do expediente laboral.

Trabalho em grupo zero chance, as pessoas que colocavam meu nome,


senão...eu tinha um suporte dos colegas. Se você desde o começo você expor
o que tá acontecendo a galera te dá uma ajuda. Tem gente que tem vergonha.
Eu sempre joguei limpo, as pessoas sempre souberam e sempre me ajudaram.
(DANIEL)

4.3.3 Os professores

O suporte dos professores é contextual e muito importante na trajetória desses


indivíduos. Na unidade prisional o apoio é de ordem diferente daquele encontrado na
universidade. Entretanto, em ambos os lugares, esse suporte é essencial para incentivar a
continuidade dos estudos.
Frequentar a escola prisional inicialmente surge como apenas uma "fuga" do
encarceramento, depois a convivência com amigos e professores pode representar um estímulo
para avançar rumo a outro patamar de escolarização. O ir à escola para esses sujeitos, ainda que
houvesse distorção de série, além de representar a "fuga" do encarceramento, significava a
possibilidade de conversar outros assuntos.

Ir para a escola era uma fuga pra eu não ficar preso na cela. Havia um corredor
grande pro banho de sol, mas o diálogo com as pessoas era complicado,
raramente você encontra pessoas com quem você possa conversar, discutir.
As conversas são sempre sobre bandidos, essas coisas. Aí eu fui pra escola e
gostei porque os professores eram bem qualificados. Eu tinha muita
dificuldade com estatística desde a minha graduação em Medicina, e o
professor de Matemática me ensinou estatística. Discutia sobre algumas
coisas, então eu aprendi, o professor trazia livros. (RUBEM)

O discurso do Rubem, quanto a falta de assunto com os outros presos, demonstra o seu
capital cultural diferenciado em relação aquele universo. A sua trajetória social antes da prisão,
diferenciava-no do restante do grupo. O seu nível de intelectualidade e conhecimento eram os
mecanismos necessários para buscar as alternativas para alcançar sucesso nesse caminho. A

66
própria trajetória fora da prisão representa suporte importante para a trajetória dentro da prisão
e a chegada à universidade. Os três entrevistados dominavam os códigos necessários para o
alcance dos objetivos futuros.

Os três classificam os professores da escola prisional como bem qualificados e


caracterizam um suporte importante na preparação para as provas, pois proviam material de
estudo e sanavam as principais dúvidas dos alunos. Entretanto, o incentivo para o estudo
extramuro não era identificado pelos professores, ainda que se propusessem a ajudar caso fosse
necessário.

A parte humana (os professores), supera 100 % aqueles que eu tive no


Equador, o ensino assim, a metodologia. Eu me dedicava por inteiro, eu ia lá
pra aprender. Nem os professores... não incentivavam o vestibular. O objetivo
deles era com a alfabetização, com a educação. A gente participava das aulas
pra tirar dúvidas. Havia esse interesse somente da nossa parte, a gente levava
a dúvida para os professores nos explicarem. Eles vinham com a maior boa
vontade, mas incentivo mesmo pra tentar o vestibular não existia, esse
estímulo não tinha. ( RUBEM)
Já na universidade o suporte por parte dos professores aparece de outra forma. Eles sabem
de todos os problemas com os trâmites legais para que o presos conseguisse cursar o ensino
superior e atuam abonando faltas, passando trabalhos extras etc.
Eu já chegava para os professores, com a posse do mandado e explicava. Eles
eram muito compreensivos, a gente passa um trabalho pra te ajudar...alguns
professores são meus clientes. Estou com todas as minhas atividades
acadêmicas atrasadas, agora que eu tô com alguma liberdade eu vou correr
atrás disso. (DANIEL)

Portanto, nos três relatos, a figura do docente aparece como alguém que incentivou a
escolarização, ajudando em vários aspectos o alcance dos objetivos daquele indivíduo.

4.4 O não-suporte: unidade prisional

De acordo com os relatos pude perceber que cada unidade tem sua singularidade quanto
a organização relacionada a educação. Entretanto, os três descrevem falta de incentivo e apoio
para os estudos. Daniel conta que o tempo em que esteve cumprindo pena na Unidade Henrique
Costa, percebeu uma seletividade no acesso à escola, não eram todos os presos que podiam
matricular-se para estudar, principalmente aqueles que já possuíam o ensino médio completo.
Além disso, destaca que existia um perfil de quem podia ou não estudar.

67
Cumpri uma etapa da pena lá na Henrique da Costa28, meses só. Eu vi uma
coisa absurda, quem já tem segundo grau, não pode ir à escola, porque a escola
é até segundo grau. Mas tem espaço educacional, tem remição por leitura, mas
eles simplesmente proibiram o acesso. Não pode ir até a escola que é dentro
da cadeia. Não é perto da rua não. É muito mais seguro na escola, do que no
pátio de visitas. Eles fecharam a escola pra polícias, bombeiros e liberaram
para alguns milicianos. E depois pra quem fazia parte de alguma facção
criminosa, que era gerente do tráfico, eles foram vetando porque não tinha
perfil de estudar. Isso em ... também vi. Eu não sei qual é a natureza da
ressocialização mais, porque vai traçar um perfil do criminoso e permitir que
de acordo com esse perfil, A ou B tenha acesso a esse estudo. (DANIEL)

O apoio que o preso precisa para acessar o ensino superior e até mesmo permanecer,
não é encontrado na unidade prisional em que o indivíduo está cumprindo pena. As narrativas
chamam a atenção para a falta de suporte por parte da unidade e o empenho em alocar esse
preso em um emprego com poucas perspectivas. O ensino superior não é visto como algo que
traga reais possibilidades de ressocialização.29
Não há estímulo interno nenhum pro cara chegar na universidade, o cara que
tá num subemprego, ele não tem perspectiva nenhuma de melhora. Os locais
que o Estado aloca o preso pra trabalhar, é tudo subemprego, então o cara que
trabalha em serviços gerais não tem perspectiva. Uma pessoa que tá numa
Universidade ela tem uma perspectiva de futuro, até porque o leque é muito
grande. E se o cara não tiver perspectiva ele vai voltar a roubar. Quando eu
quis voltar pra Universidade eu pensei, eu tenho que de alguma forma, mudar
a minha história. Quando a gente já foi funcionário público a gente só pensa
na estabilidade, isso que me deu força. No serviço público você não precisa
fazer nada, uma hora ou outra você vai subir. Eu sempre gostei muito de
estudar, eu gosto muito de ler, eu não me permiti ficar na minha condição.
Mas é o que eu já falei, depende de mim. (VITOR)

Segundo Araújo (2007, p.87),


As unidades prisionais devem ser espaços destinados à formação de
indivíduos que, em busca da reconquista de sua dignidade necessitam prestar
serviços à sociedade,já que cometeram crimes e foram condenados. Não
adianta apenas aprisionar as pessoas, mantendo-as no ócio. É preciso libertar
os indivíduos por meio do trabalho e da educação, porque os homens que estão
presos hoje serão livres amanhã e, caso não tenham cumprido sua pena em
busca da recuperação de suas vidas, provavelmente voltarão a delinqüir.

28
Nome fictício da unidade prisional citada pelo entrevistado

29
Recuperação, ressocialização, readaptação, reinserção, reeducação social, reabilitação de modo geral são
sinônimos que dizem respeito ao conjunto de atributos que permitem ao indivíduo tornar-se útil a si mesmo, à sua
família e a sociedade.
68
Apesar dessa autora enxergar o estudo e o trabalho como forma de ressocializar este
indivíduo, por essas narrativas podemos constatar que o tipo de trabalho precário que é
oferecido na prisão ainda não tem efetividade sobre a ressocialização. As histórias demonstram
que a perspectiva de futuro que a educação promove é bem mais plausível do que o trabalho.
Ainda assim, as políticas para educação dos presos não são valorizadas dentro da prisão, a
dificuldade em utilizar material de estudo dentro da cela é uma das principais reivindicações.

Não existe a menor possibilidade de levar para a cela os trabalhos da


faculdade, prisão é proibido excesso de bagagem, se eu quisesse ter uma
prateleira com alguns livros não era permitido, só o permitido o colchão o
travesseiro e o mínimo de suprimento ali. Então você vai sair e ir por trabalho
todo dia, não pode ir em casa, não pode ter roupa extra, não pode ter livro, não
pode ter bolsa no chão, vai ter que ter o mínimo, do mínimo, do mínimo.
Perfume não pode, desodorante spray, dá até regressão de regime. Telefone é
uma vergonha. O cara fica de 6 da manhã à meia noite na rua, numa faculdade,
vem correndo, quando chega na porta da cadeia, ele tem que arrumar um lugar
pra guardar o telefone, porque não pode entrar. Qual a natureza da norma?
Impedir que o preso tenha acesso ao mundo exterior por telefone. Mas ele
ficou na rua de 6 da manhã à meia noite, onde existiria a natureza dessa norma
no regime semi-aberto? Eu não vejo. A gente tá dificultando muitas vezes um
caso concreto de estudo. Que não possa telefone, mas que possa um notebook,
um leitor. (DANIEL).

Rubem relata que as inscrições para cursos e programas dentro da prisão acontece um pouco
na clandestinidade, senão os prazos são perdidos. Não existe um empenho por parte da unidade
em comunicar aos detentos sobre as alternativas de estudo, inscrições para cursos, vestibulares
etc.

Tem que ficar muito atento, porque do mesmo jeito que as coisas aparecem,
elas desaparecem. Não é algo muito transparente, ninguém fala: - Olha, a
inscrição tá aqui e vai ficar disponível por toda essa semana. Parece que eles
não querem que a gente faça a prova. A gente tem a sensação que parece que
eles pensam que vai tirar a vaga de quem tá aqui fora. Cadê a inscrição? Ih, já
sumiu? Aí a gente vai na direção da escola, alguma coisa pra xerocar. No semi-
aberto a diretora fala assim, eu não tenho nada a ver com o ENEM, não. Eu
penso que ela tinha que entregar para a administração penitenciária. A diretora
disse que nada tinha a ver com essa parte administrativa de entregar as folhas.
Muitos cursos de informática que eram ofertados quando a gente ia procurar,
eles diziam que não tinha mais vaga, mas sequer foi divulgado. Mas aquilo já
eram vagas marcadas.(RUBEM)

69
A partir desse relatos, podemos perceber que a unidade prisional, pautada nas regras que
regem o sistema penitenciário, segue determinações que dificultam os estudos extraclasse e,
além disso, dificultam o acesso dos presos à escolarização.

4.5. Da prisão à universidade

4.5.1 A preparação

A preparação para o exame de ingresso na universidade é realizada de forma autônoma.


O material em alguns casos é fornecido pela família e pelos professores da escola prisional.
Vitor conta que muito material conseguiu com sua mãe que é professora de Português da
Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro. O processo dele foi longo por causa da
gravidade do crime, segundo ele, o fato de ser ex-policial e ter cometido homicídio pesou no
momento da liberação para regressão do regime.

Eu já tinha vontade de terminar (a faculdade), eu fiz o ENEM pra pessoas


privadas de liberdade e consegui bolsa de 100 % do Prouni. E fiz o processo
todo na faculdade, minha mãe foi lá fez as inscrições pra mim, minha
matrícula. Ainda demorei quase 1 ano pra conseguir sair pela VEP.

Rubem acredita que o exame em si não trás muitas dificuldades em relação às pessoas
livres, o que dificulta é a preparação. Entretanto, o fato de já ter sido formando facilitou a sua
preparação, apesar de ter ficado muitos anos sem contato com as disciplinas. Em alguns casos,
os professores da escola prisional proviam o material necessário para a preparação.

A dificuldade é a mesma tanto lá dentro quanto aqui fora, o problema é que temos
dificuldade em conseguir material de estudo. A gente tem que buscar ajuda pra
conseguir livros. (RUBEM).

4.5.2 A escolha do curso superior

Eu quis Direito, porque eu já tava fazendo antes. Eu fazia Direito, sempre


gostei. A intenção do começo era uma. Quando eu era policial da ativa eu
pensava em fazer pra ser policial federal, delegado. Hoje já é diferente, eu
70
trabalho em cartório, dentro da minha área eu preciso. Porque eu trabalho com
a parte de bens públicos, parte de sucessão, praticamente pra me aprimorar,
ou pra advogar mais tarde quem sabe. Por enquanto eu não penso em advogar.
(VITOR)

A escolha do curso superior é um detalhe marcante nas três histórias. Todos escolheram
Direito. As razões para a escolha são distintas. O que há de comum é que a escolha foi
influenciada pela trajetória dentro da prisão, ainda que neguem esse fato.

Eu já fazia Direito, mas logo que eu pensei em voltar para a faculdade, eu


queria ir para a parte criminal. Depois que eu comecei a trabalhar em cartório,
eu mudei de ideia. Ainda mais que a parte sucessória, tem menos
concorrência, menos pessoas trabalhando nesta área. Acaba sobrando mais
espaço. (VITOR)

O Direito tinha mais a ver comigo por causa do direito na área médica, é uma
especialidade que ninguém conhece. Nem o cara do Direito sabe sobre a área
médica, é uma especialidade que ninguém conhece. Nem o cara da área
médica sabe sobre o Direito. (RUBEM)

Daniel também atribui a escolha pelo Direito por causa da sua trajetória anterior a prisão,
por já ter iniciado a faculdade. Entretanto, ele diz que a definição em trabalhar na área criminal
só aconteceu depois que foi preso.

A escolha pela faculdade de Direito pelos três participantes retoma o que Bourdieu
defende sobre a escolha dentro do campo de possibilidades argumentando que determinadas
escolhas estão dotadas de sentido. A motivação apesar de parecer diferente em cada um dos
casos, traz implicitamente a trajetória individual dentro da prisão, definindo o campo
vivenciado.

O humanista ingênuo que existe em todos os homens sente profundamente


como uma reduçaõ “sociologista” ou “materialista”qualquer tentativa para
estabelecer que o sentido das ações mais pessoais e mais “transparentes” não
pertence ao sujeito que as realiza, mas ao sistema completo das relações nas
quais e pelas quais elas se realizam. As falsas profundezas prometidas pelo
vocabulário das “motivações” (ostensivamente distinguidas dos simples
“motivos”) têm, talvez, como função salvaguardar a filosofia da escolha,
ornamentando-a com prestiǵ ios científicos que estaõ associados à busca das
escolhas inconscientes. A prospecção superficial das funções psicológicas,
tais como elas saõ vividas - “razões” ou “satisfações” —, impede, quase
sempre, a busca das funções sociais que as “razões” dissimulam e cuja plena
71
realizaçaõ proporciona, por acréscimo, as satisfações experimentadas
diretamente. (BOURDIEU, p.28)

4.5.3 O preconceito

O preconceito tem uma relação direita com o estigma, que Goffman classifica como "a
situação do indivíduo que está inabilitado para a aceitação social plena." ( GOFFMAN, 2004,
p.4) .

A maioria dos presos na universidade fica isolado, a entrada de qualquer preso


na faculdade, ela é isolada. Dificilmente você vai conseguir falar que tá preso.
São poucos que vão falar que estão preso e estão cumprindo pena. A grande
massa é vergonha. Segundo passo, será que vão descobrir? Terceiro, você
chega muito tarde na sala de aula. (DANIEL)

Quando se trata de preconceito vivenciado dentro da universidade pela condição de


apenado, cada um deles se posiciona de uma maneira, dizem por mais que exista não
vivenciaram. Daniel, apesar de dizer que a maioria fica com vergonha, sempre deixou bem clara
a sua condição, não nega o fato de o preconceito existir, ainda que não de forma explícita.

Na faculdade a gente não tem como dizer que não vai enfrentar esse
preconceito, esse obstáculo, essa barreira. Hoje o mercado ele é uma grande
disputa, seja no direito na engenharia, na filosofia, na sociologia. E cada um
que tá disputando num certo momento é parceiro, só que quando começar
qualquer tipo de disputa, seja lá qual for. No meu caso, a inscrição da OAB,
não tem disputa, é você contra você mesmo, não tem eliminação, tem um X
de questões pra acertar, acertou, você vai entrar. No meio pra trabalhar há uma
disputa e na faculdade não é diferente. (DANIEL)

Vitor já acredita não ter sofrido preconceito, ele, assim como Daniel, também defende que
talvez o segredo para não sofrer preconceito seja não esconder a sua condição. Ele diz que
incialmente os colegas não sabiam, mas aos poucos foram tendo conhecimento, principalmente
os amigos mais chegados.

Se sim, não demonstrou, ou eu não senti. Até porque eu acho que existe um
preconceito dentro do próprio crime, o crime sim. Se fosse um crime de
estupro, uma agressão contra mulher, uma coisa mais, que a própria sociedade
discrimina, dentro do universo do crime, até dentro dos próprios presos, existe
um preconceito dentro do próprio crime. O meu, eu era policial , e fui acusado
de matar quatro moleques que roubaram meu carro. Se você colocar meu
nome no Google vai aparecer isso, não tem outra história. Eu sempre deixei

72
muito claro, por isso, eu acho que o preconceito se tivesse algum era bem
velado. (VITOR)

Eu sempre deixei muito claro pra todo mundo, eu não escondo. Todos os meus
amigos do meu metiê da faculdade sabem. Não sabem logo de cara, porque
não tem como, mas aos poucos quando ia tendo intimidade, eu ia contando. E
além do mais, quando tinha algum evento, a gente tem horário de retornar pro
batalhão. Pra poder pernoitar. Eu sempre deixei bem claro, estou preso por
causa disso, disso e daquilo. (VITOR)

Rubem agiu de forma diferente com os companheiros na universidade, preferiu ficar no


anonimato, mas segundo ele, ainda que ele não tenha falado, as pessoas sabem, pois não é algo
que não dá pra esconder por muito tempo. No momento da entrevista, transpareceu que o
melhor era que as pessoas não soubessem, ainda que no discurso ele tenha declarado não haver
problema as pessoas saberem.

Eu acredito que os meus colegas sabem da minha condição porque eu me


manifesto quando tenho que dar opinião em relação a questões criminais, a
criminologia, eu entro com uma opinião, eu digo que conheço mais desse
assunto, que conheço de perto, faço a discussão sobre encarceramento de
maneira ampla. Nunca ninguém chegou pra perguntar, eu nunca expus, mas
acho que eles já imaginam. (RUBEM)

4.5.4 O exemplo

O acesso à universidade pelos indivíduos privados de liberdade, paradoxalmente,


incentiva e desestimula os outros presos. O incentivo ocorre justamente pela possibilidade de
mudança de vida, de idealizar um novo caminho pós-cárcere, distante da prática criminal. Por
outro lado, as dificuldades enfrentadas na trajetória desses universitários, principalmente
relacionadas aos trâmites da autorização, provoca uma falta de estímulo por parte dos outros
presos em seguir o mesmo caminho. Com todos os obstáculos para se manter na universidade,
os três acreditam na possibilidade de mudança e tentam influenciar os companheiros para que
tentem ingressar em um curso superior.

Eu vejo pessoas pedindo pra trancar, pedindo pra sair, clientes, amigos que
ficaram presos comigo durante um tempo. Eu estimulei, falei não cara, tu tá
no semi-aberto, faz uma faculdade, não tem porque tu voltar pra cadeia 8 horas
da noite, faz um sacrifício, faz a faculdade, volta pra cadeia 11 horas da noite.
Durante essa pena tu vai fazendo tua faculdade, porque depois vai ficar muito
difícil, a vida vai sendo muito mais corrida. Ali vai ser uma obrigação interna,

73
você com você mesmo, e uma obrigação externa do juiz da VEP, e vai te dar
um regramento maior pra frequentar as aulas. (DANIEL)

A chegada ao ensino superior do Vitor serviu de exemplo para que outros presos
tentassem. Na sua unidade prisional ele foi o primeiro e logo depois outros conseguiram. Ele
não atribui o seu acesso à Universidade como um incentivo para outros presos: “Dentro do
meu presídio, eu fui o primeiro a conseguir a universidade. Depois de mim, outros conseguiram,
agora não sei se foi por influência minha. Eu sei de que qualquer maneira eu abri o caminho.
Eu acabo sendo uma exceção muito grande a regra.”

4.6 Da universidade a prisão

Voltar à noite para dormir na prisão, eu acho que era a parte mais difícil
porque não existe uma política de acompanhamento pra ver o que acontece
na prática. Você faz as coisas muito de longe, tu não sabe se o cara realmente
tá saindo, como é a convivência familiar dele, como é ele no trabalho. Muito
complicado, a gente tem perspectiva, mas o Estado te acompanha muito de
longe. Se o sujeito depender do Estado ele não vai se ressocializar, ele precisa
querer se ressocializar. É uma questão mais individual. Não existe estímulo
externo. (VITOR)

A volta da universidade para a prisão é o que aparece nas histórias como parte mais
difícil do processo, mas ao mesmo tempo o estímulo pela possibilidade do término da pena. A
falta de uma política efetiva de acompanhamento por parte do Estado foi pontuado pelos três
como possível razão das fugas no regime semi-aberto. O Estado como fiscalizador e não como
acompanhador das práticas externas ao cárcere pode promover a fuga e a reincidência. Não há
um tipo de política por parte do Poder Público que forneça um suporte ao apenado no regime
aberto e semi-aberto. A ideia ressocializadora acontece em alguns casos de forma individual,
pois não existe um estímulo externo. As políticas existem, mas não há por parte do Estado
empenho em torná-las efetiva.
O horário para pernoitar na prisão para os apenados do regime semi-aberto tem que ser
burocraticamente cronometrado, sob pena de configurar fuga, ainda que o atraso seja de poucos
minutos. Não existe o menor diálogo quanto a isso, que implica uma série de sanções, inclusive
regressão de regime, que no caso dos universitários, resultaria na evasão e perda de vaga.

Se você chegar 10 minutos atrasado, o cara não quer saber o que aconteceu,
você vai receber processo e pode ser até que você perca o benefício. É um
74
negócio absurdo, os caras não querem, eles só querem saber de ser muito
rígido naquela concessão. Por exemplo, se você vai visitar sua família, o
horário do seu retorno é 10 da noite, se você chega 5 minutos atrasado, você
perde o direito de visitar a família. Aí o cara vai para um processo de
justificação, é algo muito pesado pra uma família inteira. Se o cara quisesse
realmente fazer uma merda, ele não voltaria, ele não iria chegar alguns
minutinhos atrasado. Essa vontade de não voltar a gente tem todo dia, é
massante. Você se prende porque você sempre acredita que vai melhorar.
Tanto que todas as casas que tem casos de fuga, evasão no caso, e quando o
cara tá preso em mais de um processo, aí ele sabe que vai ficar preso em outro
e ele não volta. Porque ele tem que ter a esperança de que vai melhorar, ele
tem que ter a progressão realmente. (VITOR)

Essa rigidez do retorno e a falta de diálogo quanto as possíveis causas impeditivas no


retorno a unidade no fim do dia, ficam bem claro nesses relatos. Rubem conta que sofre de
problemas de saúde como diabete e hipertensão, e um dia teve um problema de arritmia cardíaca
e foi socorrido no local onde trabalhava. Precisou de uma internação em uma Unidade de
Tratamento Intensivo - UTI de um hospital. Sua família foi até a unidade prisional para
comunicar o que de fato havia acontecido. Entretanto, a direção do presídio informou a sua
esposa que se ele não se apresentasse até as 8 h da manhã do dia seguinte, ele seria processado
como fugitivo. Com medo de regressão de regime, Rubem pediu ao seu amigo médico que lhe
desse alta, e que ele se responsabilizaria pelo seu estado de saúde. Ele deixou a UTI e voltou
para a prisão com o acesso para a medicação intravenosa ainda no braço para que ele mesmo
aplicasse os remédios. Ele explicou ao diretor o que havia acontecido e somente com um laudo
médico conseguiu liberação para retornar ao hospital. A fiscalização rígida e burocrática torna-
se muito mais importante do que acompanhar o dia-a-dia desse apenado que se encontra no
regime semi-aberto.
Bauman (2003) ao fazer uma análise sobre as sanções coercitivas defende que o
indivíduo não é capaz de fazer "boas escolhas" segundo esse entendimento. Compreende-se
como uma impossibilidade dos indivíduos cumprirem as regras, principalmente nesta situação
de privação de liberdade. Essas "boas escolhas" referem-se as ações que são aceitas
socialmente, tanto para ele enquanto indivíduo, quanto para a sociedade como um todo. A má
escolha neste caso, seria a fuga, o perigo de ameaça para a sociedade.

Todas as instituições sociais apoiadas por sanções coercitivas foram e são


fundadas na admissão de que não se pode confiar que o indivíduo faça boas
escolhas, quer se interprete "boas" como "boa para o indivíduo" ou "boas
para a comunidade", ou ambas ao mesmo tempo). Todavia, é precisamente o
fato da saturaçaõ da vida comum com instituições coercitivas, dotadas só com
a única autoridade de estabelecer os padrões de boa conduta, que

75
principalmente torna o indivíduo enquanto indivíduo inconfiável.
(BAUMAN, 2003, p.37)

4.7 O futuro

Daniel terminou o curso de Direito e já trabalha em um escritório de advocacia. No


momento continua dando prosseguimento aos estudos em uma pós-graduação. Pretende
continuar advogando, na área de criminologia.

Vitor ainda está terminando o curso de Direito na universidade particular. Trabalha em


cartório e pretende se especializar na área sucessória, na qual atua no momento.

Rubem ainda está no segundo período da faculdade de Direito na universidade pública,


mas pretende se especializar na área médica. Ainda pretende reaver o seu direito de exercer a
Medicina, recorrendo à Justiça.

Apesar de todas as provas que esses três indivíduos precisaram ultrapassar, ambos
conseguiram obter sucesso na trajetória. Esse êxito como explicitado, só foi possível devido aos
inúmeros suportes encontrados ao longo do caminho.

76
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da história desses três indivíduos privados de liberdade que cursam o ensino
superior, podemos observar questões estruturais importantíssimas no Sistema Prisional
Brasileiro e também da nossa estrutura social que dificultam a vida fora do crime para esses
futuros egressos do sistema penal. Nessas três histórias podemos notar que vários tipos de
suporte foram necessários para obter êxito diante das provas.

Apesar de todo o respaldo que a lei dá em relação à educação, com destaque para a
Constituição, a lei maior, a educação disponível para os privados de liberdade, ainda é vista
como um privilégio e não um direito. Como vimos nas três narrativas, as instituições prisionais
utilizam-na como ferramenta de barganha entre os presos. Oferecem poucas vagas e criam
critérios próprios para selecionar quem merece ou não estudar. Além disso, as unidades
prisionais não dão incentivo necessário para que os presos possam obter êxito nos estudos, não
disponibilizam material necessário para a preparação para as provas de vestibular e não
permitem levar material escolar para a cela. Este aspecto demonstra a falta de interesse do
Estado, representado pela administração penitenciária, na real reinserção do preso na sociedade.

A ressocialização através do trabalho é ínfima diante do tipo de emprego que é ofertado.


O suporte do Estado para que os presos não voltem a prática do crime é a política do
subemprego. A partir da experiência dos voluntários participantes da pesquisa, observamos que
o estímulo mobilidade e à esperança de mudança da situação atual são o motor que garante o
afastamento da prática delituosa. Portanto, esse tipo de política está fadada ao fracasso. O
Estado não oferece suporte necessário para que os privados de liberdade de fato tenham
estímulo e acreditem na possibilidade de mudança futura. Os três participantes vem a
possibilidade de mudança porque por meio de suas relações pessoais tiveram a possibilidade de
emprego fora dessa política de subemprego.

O acesso ao ensino superior de fato demonstra por essas histórias, a possibilidade de


mudança, de melhoria de vida, o que culmina em um empenho individual para o seu alcance.
Entretanto, somente indivíduos que já tiveram algum contato com essa realidade fora do
ambiente prisional tem os mecanismos de alcance dos objetivos. Aqueles que não possuem uma
trajetória social similar anterior ao cárcere, tem muito mais chance de reincidir no crime.

77
Apesar de todas as provas enfrentadas por esses indivíduos para chegar à universidade,
encontraram os suportes necessários para obter êxito nessa trajetória. O fato de já terem iniciado
uma formação antes do cárcere, caracterizando um conhecimento prévio sobre os mecanismos
de poder nas dificuldades de acesso, possibilitou encontrar mecanismos para burlar essas
dificuldades.

Embora a chegada do preso à universidade já seja uma realidade, a formação ainda é


deficiente, situação provocada pela dificuldade na autorização judicial. Os professores tentando
compreender essa distorção, na maioria dos casos abonam as faltas, com as faltas abonadas o
currículo desse aluno-preso aparece como se ele tivesse frequentado todas as aulas. Apesar de
todo o suporte dado pelos professores, diante dos outros alunos, ele não está recebendo o mesmo
nível de aprendizagem. A planilha de abono das faltas ao ser apresentada na Vara de Execuções
Penais representa uma ilusão de que esse preso frequentou todas as aulas, pois ele precisa de
uma remição de pena por estudo integral, mas, na verdade, a própria VEP sabe quando deu a
autorização, e que, aquele preso não estudou todo aquele período. Na realidade o que é
importante no contexto prisional brasileiro é o que está no papel, ainda que os fatos não tenham
ocorrido na realidade.

A expansão do ensino superior ainda não contemplou políticas públicas voltadas para os
indivíduos privados de liberdade. Esse tipo de política possibilitaria que um quantitativo maior
de presos pudesse ter acesso ao ensino superior, principalmente aqueles menos favorecidos e
com baixa escolarização, pois pelas três narrativas podemos perceber que a ressocialização pelo
estudo é uma realidade. A sociedade que se pauta na defesa do punitivismo, pressiona para que
políticas públicas não sejam criadas para os indivíduos em situação de restrição e privação de
liberdade. O investimento de dinheiro público em tais políticas é vista como um desperdício. O
debate do punitivismo demonstra que apesar de existirem mecanismos para amenizar os efeitos
do aprisionamento sobre o indivíduo, a sociedade brasileira anseia por maior enrijecimento das
penas, caminhando para o lado oposto à verdadeira democratização. Segundo Costa e França
(2015, p. 433), " o caminho que segue não é o da transição democrática, mas do recrudescimento
e fortalecimento de uma mentalidade punitiva herdada desde os tempos Brasil Colônia".

Ainda que os três indivíduos tenham conseguido vencer os obstáculos e obter sucesso por
causa dos suportes encontrados na trajetória, eles acreditam que o esforço individual foi o motor
principal para alcançar êxito. O discurso desses sujeitos é influenciado pela meritocracia, que

78
valoriza o esforço individual acima de qualquer coisa, desprezando todo o suporte recebido no
caminho.

A prática criminal nos três casos foi fato isolado e não representava dependência
financeira do crime, não se tratava de uma questão de sobrevivência. A trajetória social desses
sujeitos demonstra que não eram oriundos de classes populares, e tinham um grau de instrução
acima da perspectiva de mais de 80% dos presos brasileiros. A política do subemprego não foi
aplicada em nenhum desses casos, exatamente porque as suas relações interpessoais prévias
pertenciam a outra realidade social. A trajetória do sujeito antes do cárcere interfere diretamente
na sua trajetória dentro e pós-cárcere, e principalmente na sua trajetória na universidade.

Esta dissertação, ao abordar as histórias individuais, investe numa dimensão pouco usual
no campo das pesquisas sobre prisão. A metodologia que privilegiou as narrativas dos
indivíduos possibilitou uma maior aprofundamento para a compreensão das estruturas de poder
existentes na área prisional. A utilização deste tipo de abordagem complementa os esforços de
produção de conhecimento ancorado exclusivamente em dados estatísticos. A proposta é que
mais pesquisas na área prisional sejam pensadas para dar voz ao indivíduo, que tem muito a nos
dizer sobre essa realidade.

79
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309. 2003

83
ANEXO

ROTEIRO DE ENTREVISTA

Questões abordadas na entrevista:

1ª parte - Percurso escolar dentro da prisão, anterior ao acesso à Universidade

 Quando iniciou a sua pena de prisão, que grau de escolaridade você possuía?
 Você deu continuidade aos estudos dentro do cárcere ou já possuía o Ensino Médio
completo?
 O que o impulsionou cursar uma Universidade no período de cumprimento de pena? O
que te motivou? Foi incentivado por alguém?
 Como foi a sua preparação para a Universidade? ( Rotinas de estudo, acesso a material
didático, aulas preparatórias)
 Como a instituição em que você cumpriu a pena se posiciona em relação continuidades
dos estudos externos aos cárcere dos seus internos?
 Dentro da instituição existe apoio educacional? (Escola, biblioteca, professores, cursos
preparatórios, etc.)?
 Como a escola em que você cursou o Ensino Médio lhe ajudou a se preparar para o
vestibular?
 Como você se organizava para estudar na cela? Essa possibilidade existia?
 Fale sobre sua rotina diária dentro da prisão, além de estudar para o vestibular, você
estava envolvido com outras atividades? (trabalho, cursos, etc.)
 Como a sua família lhe ajudou neste processo de preparação para o vestibular? A sua
família esteve neste processo?
 Que situações levaram você escolher este curso superior?
 Na época de preparação para o vestibular você considerava difícil conseguir ingressar
no curso superior escolhido?
 No período de inscrição para o vestibular você concorreu por algum tipo de cota, como
por exemplo, aluno de escola pública, baixa renda ou negro?
 Você precisou de alguma autorização judicial para realizar o exame? Como funciona
este processo? O exame é realizado no interior da prisão ou externamente?
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2ª Parte – Trajetória na universidade

 Depois da aprovação, como foi o processo de autorização? Teve dificuldades em relação


a isso?
 Como foi entrar na universidade?
 Como está sendo essa experiência na universidade? (dificuldade em alguma disciplina,
sobre seu desempenho, relação com os colegas e professores)
 Os seus colegas e professores sabem da sua condição de privado de liberdade?
 Existe algum fator que facilita ou dificulta o seu percurso na universidade?
 Onde você encontra apoio/suporte para continuar o seu percurso na universidade?
 Como faz para manter os custos com a universidade?
 Como é o dia a dia do ir e voltar para a universidade?

3 ª Parte –Sobre inserção no Mercado de trabalho

 E como foi para cumprir os estágios supervisionados e atividades complementares?


 Você já teve ou está tendo experiência de estágio ou trabalho na área escolhida?
 É possível conciliar Universidade com trabalho ou estágio na sua condição de privado
de liberdade ?
 Conte-me as experiências que vivenciou em relação a isso?

4ª Parte - Perspectivas futuras

 E depois de terminar a universidade, como vai ser?


 O que pretende fazer no fim do curso? Você já terá cumprido a pena?
 Você sente que a Universidade está lhe preparando para os desafios futuros?

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Apêndice

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE


FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO - MESTRADO
GRUPO DE PESQUISA OBSERVATÓRIO JOVEM DO RIO DE JANEIRO

Termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE)

Eu, _______________________________________________, estudante do curso de


____________________________, concordo em participar voluntariamente na condição de
entrevistado da pesquisa de mestrado intitulada “Ascensão ao Ensino Superior: trajetórias de
jovens privados de liberdade no acesso e na permanência” que tem como pesquisadora
Monique Ayupe Bueno Lordello, estudante do Curso de Mestrado em Educação da
Universidade Federal Fluminense UFF, orientada por Prof. Dr. Paulo Carrano. O objetivo
deste estudo é analisar os percursos dos jovens internos do sistema penitenciário na sua vida
estudantil, entre o período que antecede aprestação do exame de acesso ao Ensino Superior, à
sua aprovação e a permanência.
Minha participação consiste em fornecer informações sobre minha trajetória de vida,
aspectos relativos principalmente as trajetórias escolares no período de cumprimento da pena
de prisão, bem como sobre minha formação acadêmica e projetos de vida. Fui devidamente
informado sobre a metodologia e os riscos relacionados com pesquisas na área das Ciências
Humanas e Sociais. E que a pesquisadora assegurou a manutenção do sigilo sobre as
informações a ela confiadas. Fui informado, ainda, que posso me retirar da pesquisa a qualquer
momento e sem qualquer tipo de prejuízo para mim. Compreendo que os dados obtidos nesta
entrevista serão divulgados seguindo as diretrizes éticas da pesquisa, com a preservação do
anonimato dos participantes, e que o trabalho final de dissertação visa contribuir para o
aperfeiçoamento do processo de formação de estudantes universitários em situação de restrição
e privação de liberdade.

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___________________________________
Assinatura do voluntário/a

____________________________________
Assinatura da pesquisadora

Rio de Janeiro, ___ de ________________ de 2016.

Contatos:
Mestranda: Monique Ayupe Bueno Lordello. Telefone: 99690-8526 – e-
mail:moniqueayupe@hotmail.com
Prof. Dr. Paulo Carrano. e-mail: pc.carrano@gmail.com

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