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IJUÍ/RS
2022
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IJUÍ/RS
2022
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Campus Ijuí.
Elaborada por
_________________________
Dra. Vânia Lisa Fischer Cossetin
Orientadora (Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul)
___________________________
Dra. Eva Teresinha de Oliveira Boff (Unijuí)
_________________________
Dr.Sidinei Pithan da Silva (Unijuí)
__________________________
Dr. Claudionei Vicente Cassol (URI)
___________________________
Dr. Domingos Benedetti Rodrigues (Unicruz)
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AGRADECIMENTOS
RESUMO
ABSTRACT
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................ 10
1 A FORMAÇÃO UNIVERSITÁRIA DO(A) PROFISSIONAL DE
ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS À LUZ DE PETER DRUCKER .............. 23
1.1 A ORIGEM DA ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS E SUAS
CONTRIBUIÇÕES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE .................................... 24
1.2 PRECEITOS DE PETER DRUCKER PARA A FORMAÇÃO DO(A)
PROFISSIONAL EM ADMINISTRAÇÃO ......................................................... 28
1.3 A MISSÃO E O PROPÓSITO DAS EMPRESAS SEGUNDO PRINCÍPIOS
DE PETER DRUCKER ....................................................................................35
1.4 AS PRINCIPAIS ÁREAS DA ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS
CONFORME PETER DRUCKER ....................................................................37
2 A FORMAÇÃO HUMANA DO(A) PROFISSIONAL DE ADMINISTRAÇÃO
DE EMPRESAS À LUZ DE ZYGMUNT BAUMAN ......................................... 50
2.1 MODERNIDADE SÓLIDA/LÍQUIDA: A EDUCAÇÃO EM PERSPECTIVA ......50
2.2 A CONVIVÊNCIA PROFESSOR(A) E ESTUDANTE NO PERÍODO
LÍQUIDO-MODERNO ...................................................................................... 55
2.3 AS DESIGUALDADES SOCIAIS E SUAS CONSEQUÊNCIAS NA
EDUCAÇÃO .................................................................................................... 57
2.4 A SOCIEDADE LÍQUIDO-MODERNA ............................................................. 61
2.5 A FORMAÇÃO PROFISSIONAL DO(A) ADMINISTRADOR(A) VOLTADO
AO MERCADO CONSUMIDOR ...................................................................... 64
2.6 OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO EM TEMPOS LÍQUIDO-MODERNOS ......... 66
2.7 A EDUCAÇÃO E A ASCENSÃO DO MOVIMENTO INDUSTRIAL NA
SOCIEDADE ...... .............................................................................................. .......69
2.8 FORMAÇÃO PROFISSIONAL AMPLIADA MEDIANTE OS SABERES
E VALORES HUMANOS ................................................................................. 76
2.9 O PAPEL DA UNIVERSIDADE NA FORMAÇÃO DO(A) PROFISSIONAL
DE ADMINISTRAÇÃO ..................................................................................... 82
3 A FORMAÇÃO UNIVERSITÁRIA DO(A) PROFISSIONAL DE
ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS A PARTIR DO PENSAMENTO DE
EDGAR MORIN .............................................................................................. 87
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INTRODUÇÃO
1 Maneira de governar organizações ou parte delas. Processo de planejar, organizar, dirigir e controlar
o uso de recursos organizacionais para alcançar determinados objetivos de maneira eficiente e eficaz
(CHIAVENATO, 2014, p. 23).
2 Local escolhido pela abundância de água, concentrando os primeiros colonizadores dessa região,
4 O ramo da ciência militar que lida com a obtenção, manutenção e transporte de material, pessoal e
instalações. Essa definição situa a logística num contexto militar; posteriormente, uma outra definição
aplicada à logística empresarial conceitua a logística como sendo o processo de planejamento,
implantação e controle do fluxo eficiente e eficaz de mercadorias, serviços e das informações relativas,
desde o ponto de origem até o ponto de consumo, com o propósito de atender às exigências dos
clientes (BALLOU, 2010, p. 27).
5 "A administração de produção trata do planejamento da organização, da direção e do controle de
todas as atividades diferenciadas pela divisão de trabalho que ocorram dentro da organização"
(CHIAVENATO, 1991, p. 16).
27
A empresa existe mais para prover bens e serviços aos consumidores do que
para fornecer emprego a trabalhadores e administradores, ou mesmo
dividendos aos acionistas. O hospital não existe em função dos médicos e
enfermeiras, mas em função dos pacientes, cujo único desejo é sair do
hospital curado e não voltar nunca mais. As instituições devem fazer parte da
comunidade psicológica, geográfica, cultural e socialmente.
Para desempenhar sua tarefa, para produzir bens e serviços econômicos, a
empresa comercial tem de causar impactos sobre o público, comunidades e
sociedade.
A inovação pode ser definida como a tarefa que dota os recursos humanos e
materiais de novas e maiores capacidades para produzir riquezas.
Os administradores precisam converter as necessidades da sociedade em
oportunidades para negócios lucrativos. Essa é também uma definição de
inovação. E ela precisa ser ressaltada hoje em dia, quando estamos tão
conscientes das necessidades da sociedade, das escolas, dos serviços de
saúde, das cidades e do ambiente.
Marketing
Inovação
Organização do pessoal
Recursos financeiros
Recursos materiais
Produtividade
Responsabilidade Social
Nível de lucro
(DRUCKER, 2002, p. 43).
O que se precisa não é mais encontrar os clientes certos para seu produto,
mas sim os produtos certos para seus clientes. A orientação de marketing
afirma que a chave para atingir os objetivos organizacionais consiste em a
empresa ser mais eficaz que os concorrentes na criação, na entrega e na
40
Com relação ao terceiro método apresentado por Drucker, que trata da mão
de obra como despesa e ameaça na organização, os(as) administradores(as)
43
e, de todo modo, é pouco provável que o faça), andar é melhor que ficar
sentado, correr é melhor que andar, e surfar é ainda melhor que correr.
importante desafio: educar e transformar o mundo dos estudantes por meio de uma
formação mais humana, mais compreensiva, indicando mais sensibilidade, e
ampliando a capacidade de interferência da educação para a diminuição da
centralidade do consumo, como uma tábua salvadora das demandas individuais
reprimidas e sufocadas.
O professor, ao ensinar e formar seus estudantes, ainda concorre com a vida
dos jovens em contínua emergência de ações e relações virtuais, que levam
vantagens sobre as relações diretas e pessoais, distanciando cada vez mais a relação
professor/estudante, pensamento/reflexão, conhecimento/vivência. O mundo off-line
convida os jovens a estarem em constante movimento, pois o palco das relações
virtuais é equipado com facilidades de interromper a convivência mediante as opções
deletar, excluir e bloquear.
No mundo dos jovens, a principal atração virtual e on-line está na ausência de
contradições e objetivos contrastantes e contraditórios que invadem a vida off-line; no
mundo on-line, ao contrário, torna-se possível pensar na infinita multiplicação de
contatos como algo plausível e factível. Contrastando com a realidade dos hábitos das
novas gerações, e considerando os desafios dos professores na formação ampliada
dos estudantes para a vida, com um olhar mais humano ante os embates do
capitalismo e do consumismo a qualquer preço e do convívio social, Bauman (2010a,
p. 71) faz um alerta acerca dos perigos que as novas gerações poderão enfrentar:
Mas é bom lembrar também que grande parte da presente geração de jovens
jamais experimentou grandes privações, como uma depressão econômica
prolongada, desprovida de perspectivas e com desemprego em massa. Eles
nasceram e cresceram num mundo em que podiam se abrigar sob guarda-
chuvas socialmente produzidos e administrados, à prova de ventos e
tempestades, que pareciam estar ali desde sempre para protegê-los do mau
tempo, da chuva fria e dos ventos gelados. Um mundo em que cada manhã
prometia um dia mais ensolarado que o anterior e mais rico de aventuras
agradáveis.
A mensagem não poderia ser mais clara: o caminho para a felicidade passa
pelas compras. A soma total das atividades de compra da nação é a medida
fundamental e menos falível da ventura da sociedade, e o tamanho da parcela
que cabe a um indivíduo nessa soma total é a medida fundamental e menos
falível da felicidade pessoal.
Nas lojas, remédios confiáveis podem ser encontrados para tudo o que for
aborrecido ou inconveniente, para todos os grandes e pequenos transtornos
no caminho para um modo de ser aconchegante, confortável e sempre
gratificante. O que quer que anunciem, exponham ou vendam de diferente,
as lojas são farmácias para toda e qualquer aflição genuína ou imaginada da
vida, as já sofridas e as que tememos encontrar adiante.
Segundo Bauman (2015, p. 66), do berço ao túmulo, desde a sala de aula até
nossa fase adulta, nos bancos universitários, somos educados e treinados a tratar as
lojas como farmácias repletas de remédios que podem curar ou, pelo menos, mitigar
todas as doenças, os problemas da nossa vida particular e de nossas vidas em comum
e, ainda, nas lojas, assim como nas farmácias, encontrarmos os produtos que
satisfazem nossos necessidades e desejos.
Já os supermercados, segundo George Ritzer (apud BAUMAN, 2015), são os
nossos templos, e as listas de compras são a certeza do prazer e do consumo, porém,
há ainda mais: é nos shoppings centers que a alegria em consumir se completa. Eles
se tornam o destino, por vezes até diários, dos ávidos consumidores e das novas
gerações também educadas para o consumo, para a concorrência, para o status, a
moda.
Nesse mundo do consumo, o mundo líquido da sociedade em que vivemos,
que nos compele a comprar, a qualquer preço, por impulso, atraídos pelas ofertas e
promoções e a nos livrarmos de bens que já não são atraentes e nem observados
pelo grupo de relações, para substituir por outro produto novo e exposto nas vitrines,
a grande sensação é justamente a do prazer da aquisição, do sentimento de poder e
do consumo.
Por este ponto de vista, Bauman (2015, p. 67) assevera que
existe uma tensão entre a retórica e o sentido de missão intelectual, o que deixa a
academia em geral e os pensadores humanistas vulneráveis aos defensores da
formação estritamente instrumental e voltada ao mercado.
Por essas razões, a difusão de padrões de consumo, tão amplos que chegam
a abarcar todos os aspectos e atividades da vida, pode ser um efeito colateral
inesperado na marketização dos processos da vida. Desta forma, o marketing adentra
as áreas da existência que até recentemente estavam fora do reino das trocas
monetárias e que não eram registradas nas estatísticas do Produto Interno Bruto
(PIB), atingindo espaços desconhecidos e afastando os outros motivos e critérios de
escolha que sejam alheios ao espírito do mercado de commodities. Assim, o mercado
65
Por essa razão, Bauman (2011a, p. 152) manifesta sua indignação com as
potentes questões, ao pronunciar que
A vida organizada em torno do consumo [...] deve se bastar sem normas: ela
é orientada pela sedução, por desejos sempre crescentes e quereres voláteis
– não mais por regulação normativa. Nenhum vizinho em particular oferece
um ponto de referência para uma vida de sucesso; uma sociedade de
consumidores se baseia na comparação universal – e o céu é o único limite.
A ideia de “luxo” não faz muito sentido, pois a ideia é fazer dos luxos de hoje
as necessidades de amanhã, e reduzir a distância entre o “hoje” e o “amanhã”
ao mínimo – tirar a espera da vontade. Como não há normas para transformar
certos desejos em necessidades e para deslegitimar outros desejos como
“falsas necessidades”, não há teste para que se possa medir o padrão de
“conformidade”. O principal cuidado diz respeito, então, à adequação – a
estar “sempre pronto”; a ter capacidade de aproveitar a oportunidade quando
ela se apresentar; a desenvolver novos desejos feitos sob medida para as
novas, nunca vistas e inesperadas seduções; e a não permitir que as
necessidades estabelecidas tornem as novas sensações dispensáveis ou
restrinjam nossa capacidade de absorvê-las e experimentá-las.
Neste particular, Bauman (2001) afirma que nessa sociedade as pessoas que
se movem apenas pelo que acreditam precisar e que são motivados pelo desejo de
satisfazer suas necessidades, são consumidores falhos e, por isso, também excluídos
socialmente.
Em vista disso, no cenário líquido moderno, a educação e a formação
profissional, para atingir os objetivos necessários de conscientização para uma vida
mais plena, humana e sensível aos valores humanos, devem ser contínuas e
vitalícias. Desta forma, a razão única pela qual o aprender deve ser contínuo e vitalício
é a natureza da tarefa que enfrentamos na estrada comum do empoderamento, uma
missão que mostra o que a educação e a formação profissional deveriam ser: para
sempre enfrentar, jamais estar completa, vitalícia.
Em relação à formação crítica e humanista, não apenas as habilidades
técnicas precisam ser continuamente atualizadas e a educação estar centrada no
emprego, mas devem também ser vitalícias, no sentido de atualizações constantes.
O mesmo é exigido, e com maior urgência, da educação para a cidadania.
Nesta perspectiva, Bauman (2011a, p. 195) evidencia que
A maioria das pessoas concordaria hoje, sem maiores insistências, que elas
precisam atualizar seu conhecimento profissional e digerir novas informações
técnicas se desejam evitar “serem deixadas para trás” ou serem lançadas ao
mar pelo aceleradíssimo progresso tecnológico. Como Henry Giroux
documentou em detalhes, numa longa série de esclarecedores estudos,
semelhante sentimento de urgência parece estar perdido quando se trata de
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Henry Ford ficou famoso por declarar que “a história é uma trapaça” e que
“nós não queremos tradição”. “Queremos viver no presente, e a única história
que vale a pena é a história que fazemos hoje”, O mesmo Henry Ford um dia
duplicou os salários de seus trabalhadores, explicando que desejava que eles
comprassem seus carros. Essa foi, é claro, uma explicação com ar de
deboche: os carros comprados pelos operários de Ford eram uma fração
mínima do total de vendas e dobrar o salário aumentou bastante os custos
produtivos de Ford. A verdadeira razão para essa medida pouco ortodoxa foi
o desejo de eliminar a irritantemente alta mobilidade da força de trabalho. Ele
queria atar seus empregados às empresas Ford de uma vez por todas e fazer
render o dinheiro investido no treinamento – e fazê-lo render outra vez, com
a duração da vida de trabalho de seus trabalhadores. E para atingir tal efeito,
Ford precisava imobilizar sua equipe. Precisava fazê-los tão dependentes do
emprego em sua fábrica como ele mesmo dependia, para sua riqueza e
poder, de empregá-los.
entre outras coisas, que típicos processos modernos ocorram por toda a parte e,
assim, em todo lugar o refugo humano é produzido e gerado em quantidades sempre
crescentes.
Neste cenário, o ensinar exige respeito aos saberes dos educandos. Por isso,
pensar mais amplamente estabelece à universidade o dever de considerar os saberes
com que os educandos, principalmente aqueles das classes populares, constroem na
prática comunitária.
Por outro lado, a globalização, o acesso às novas tecnologias, às redes
sociais e à vida on-line disputam a atenção dos estudantes, em uma guerra injusta e
desigual. Logo, a sociedade do consumo sente-se atraída pelo capitalismo e pelos
objetivos do lucro e do mercado, desviando os interesses humanos e transgredindo a
ética universal do ser humano.
Deste modo, Freire (2014, p. 127-128), ao que parece uma concordância ou
aproximação com o pensamento baumaniano, indica que
Não é possível respeito aos educandos, à sua dignidade, a seu ser formando-
se, à sua identidade fazendo-se, se não se levam em consideração as
condições em que eles vêm existindo, se não se reconhece a importância dos
“conhecimentos de experiências feitos” com que chegam à escola O respeito
devido à dignidade do educando não me permite subestimar, pior ainda,
zombar do saber que ele traz consigo para a escola. Quanto mais me torno
rigoroso na minha prática de conhecer tanto mais, porque crítico, respeito
devo guardar pelo saber ingênuo a ser superado pelo saber produzido
através do exercício da curiosidade epistemológica. Ao pensar sobre o dever
que tenho, como professor, de respeitar a dignidade do educando, sua
autonomia, sua identidade em processo, devo pensar também, como já
salientei, em como ter uma prática educativa em que aquele respeito, que
devo ter ao educando, se realize em lugar de ser negado. Isso exige de mim
uma reflexão crítica permanente sobre minha prática através da qual vou
fazendo a avaliação do meu próprio fazer com os educandos.
A universidade, neste milênio, terá que abrir sua mente e suas portas para
outros saberes não oficiais ou formais, para a multifacetada experiência humana,
contribuindo para novas sínteses oriundas dos saberes e da transdisciplinaridade.
Com este horizonte, os educadores poderão tornar-se elos para a construção
da racionalidade crítica e humanista nas universidades, na formação superior dos
profissionais e na sociedade. Ações de cooperação entre estudantes e da
universidade com a comunidade devem estar centradas nas atividades dos
81
[...] que nenhum de nós teria muitos problemas em concordar que a missão
da educação, desde que foi articulada pelos antigos sob o nome de paidea,
era, é e provavelmente continuará a ser, nesse ínterim, a preparação de
84
Este ou aquele curso ou projeto é bom se tem uma boa abertura para o
mercado, se vende bem – e a capacidade de vender (“encontrar-se com a
demanda”, “satisfazer as necessidades do potencial humano”, “oferecer os
serviços que a indústria demanda”) deve ser o critério supremos dos
currículos, cursos e títulos adequados. A liderança espiritual é uma miragem,
a tarefa dos intelectuais é seguir o mundo lá fora, e não legislar pelos padrões
de propriedade, verdade e bom gosto (p. 173).
Não são apenas nossas vidas pessoais que são deterioradas pelas
incompreensões, é o planeta inteiro que sofre por causa delas. O planeta
necessita das compreensões mútuas em todos os sentidos. A incompreensão
é fonte de conflitos sangrentos que, em si mesmos, são fontes de
incompreensões. A incompreensão traz em si os germes da morte.
Obra educativa essencial, a educação para a compreensão encontra-se
ausente de nossos programas de ensino. Dada a importância da educação
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forma plena e ampla, com experiência e compreensão do mundo, para que estes
saibam entender-se a si mesmos e aos outros.
Desse modo, ao defender mais espaço nas universidades para a disciplina de
filosofia e o estudo das ciências humanas na formação dos estudantes, Morin (2015a,
p. 39) destaca que
Por essa razão, as crises estão inseridas no bojo das relações, em que a
educação deveria ser um pilar a possibilitar estratégias para o enfrentamento
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Nesta lógica, o caminho vem pelo desafio aos professores de saber ensinar
os estudantes a saberem bem viver. Neste sentido, saber viver implica ter
compreensão em duas direções: a compreensão intelectual, capaz de dar conta da
complexidade das relações entre texto e contexto, global e local; e, a compreensão
humana, como abertura para o outro, empatia, simpatia, saber o que o outro vive.
Neste processo, é primordial a identificação de humano para com humano, de
professor para estudante, uma relação intersubjetiva que se traduz em abertura para
o outro: a empatia. Assim, compreender o outro remete à compreensão que fazem
sobre o meu eu.
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uma crise de sociedade e uma crise de democracia, nas quais se introduziu uma crise
econômica, cujos efeitos agravam as demais crises. Neste particular, a crise da
educação depende das outras crises que, por sua vez, também dependem da crise
da educação. Assim, podemos considerar que todas as crises dependem de uma crise
do conhecimento que, por sua vez, é dependente de todas as outras também.
Desse modo, a palavra crise remete sempre a um sistema e à sua
organização. Em sentido mais amplo, trata-se de um acidente do sistema, de origem
interna ou externa, que perturba sua estabilidade, seu funcionamento e até mesmo
sua existência. Nessa complexidade, uma educação regenerada, por si só, não
poderia mudar a sociedade, mas formar pessoas mais capazes de enfrentar seus
destinos, mais aptos para o conhecimento e o seu próprio viver e a compreender uns
aos outros.
resultados práticos. Já o conhecimento que trata das ciências humanas, que inclui a
filosofia, as artes, a literatura e a sociologia, tem sido tradicionalmente deixado em
segundo plano. Ao longo da história, as consequências desse fenômeno de abandono
das humanidades na formação acadêmica foram basicamente duas: se por um lado
houve progressos, com repercussões positivas para a sociedade, por outro, o avanço
da ciência e da tecnologia se mostrou incapaz de resolver problemas como a violência,
a pobreza e a exclusão social. Acreditamos que essa situação pode ser revertida a
partir do momento em que os profissionais, em sua formação, mudem sua maneira de
pensar, de formar opinião e de agir em relação a várias questões sociais e humanistas
fundamentais.
Mantidas as condições atuais, é muito difícil chegar a um modo
significativamente integrador de pensar. Ainda assim, é possível alcançar um grau de
ampliação da consciência que nos permita atingir níveis expressivos de integração,
os quais, por sua vez, podem nos conduzir a uma vida melhor. Esse é um objetivo que
pode ser atingido, sem perda de postura pragmática, que deve orientar os atos da vida
mecânica, como os negócios, a técnica, as finanças, a economia, a produtividade e o
lucro, e acrescentar-lhes os benefícios da criatividade, da intuição, da solidariedade
e, principalmente, do cuidado com os outros e com o mundo natural. Dada a
insustentabilidade do nosso modo de vida atual, essa tarefa precisa ser assumida pelo
maior número possível de pessoas, de professores e de acadêmicos de diferentes
áreas de formação, nas instituições de ensino básico e nas universidades.
Nesse sentido, a aproximação das áreas tecnocientífica e humanista do
conhecimento pode contribuir para mudar nosso comportamento habitual. A ciência
busca explicar, as humanidades procuram compreender; quando unidas mutuamente,
a explicação e a compreensão ampliam a consciência das pessoas, ao mesmo tempo
em que exigem e contribuem com o desenvolvimento do pensamento complexo. Uma
das maneiras mais eficazes de alcançar o pensamento complexo é promover o
desenvolvimento pessoal, interpessoal e ambiental que incorpora profundidade e
amplitude.
Nesta perspectiva, a vida funcional é ligada à produção material, em larga
escala, visando o lucro, o resultado, a produção e as finanças. Já a vida não
instrumental se relaciona à criatividade, às ideias, ao empreendedorismo e à
inovação. Não se deve esquecer que a economia, assim como a vida, inclui uma área
tangível (a produção material e as finanças) e outra intangível (o bem-estar
100
carrega 35 milhões de seres humanos para abaixo da linha de pobreza, outros 20%
da população mundial, em situação de desempregados, e assim, aumentam a
contabilidade dos excluídos e marginalizados que marcham na esteira da crise
mundial do desenvolvimento e do progresso.
O que o autor denuncia são as repercussões desastrosas da expansão
universal da economia neoliberal e mundializada, da globalização e da expansão do
capitalismo e do domínio do capital financeiro. Neste panorama, Morin revela em sua
obra A Via para o futuro da humanidade (2015e) o aumento da pobreza e o
deslocamento dos pequenos camponeses para os cinturões das grandes cidades,
elevando a desigualdade social e provocando destruições culturais.
Segundo Morin (2015e, p. 127),
Em vista disso, o processo de exclusão social e seus efeitos vão além dos
indivíduos, pois um quarto da população mundial não tem onde morar e nem o que
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comer e, ainda, em sua maior parte, essas pessoas não sabem ler nem escrever.
Deste modo, são levados facilmente ao mundo da criminalização, das drogas, das
doenças e da prisão. Essas desastrosas consequências sociais da nova economia
e do desenvolvimento lançam questionamentos e dúvidas sobre esta nova ordem
do capitalismo global.
Por este ângulo, Capra (2005, p. 155), revela que
Por este ângulo, o(a) autor(a) revelam que o homem produtor está submisso
ao consumidor, este, aos pontos de vendas e aos produtos disponibilizados para
venda, e o mercado, dependente das estratégias e ações para a atração a qualquer
preço dos consumidores. Assim, começa a corrida infrene pela aquisição de novos e
estimulantes produtos.
104
Desta forma, o ensino das humanidades não deve ser sacrificado, mas,
otimizado, mantendo-se a cultura das humanidades na formação superior dos futuros
profissionais: o estudo da filosofia na formação humana contemplaria a reflexão sobre
o conhecimento científico e não científico e sobre o papel da tecnociência, maximizado
em nossas sociedades. O conhecimento dessa cultura é importante não apenas para
a compreensão dos processos multiformes de industrialização e
supercomercialização culturais, mas também sobre o quanto das aspirações e
obsessões próprias é traduzido pela temática da mídia.
Por essa razão, a universidade deve atender às necessidades fundamentais
de formação, mas também e, sobretudo, oferecer um ensino metaprofissional,
metatécnico, isto é, um ensino cultural. Neste papel – na formação dos futuros
profissionais de administração de empresas e dos demais cursos –, esta instituição
de ensino deve adaptar-se à sociedade e adaptar a sociedade a ela, remetendo a um
círculo produtivo e à elevação do pensamento simplificado e superficial ao
pensamento complexo.
Como resultado, a universidade estará cumprindo sua missão na formação
integral, tecnocientífica e humanista de seus formandos, conforme citado por Morin
(2014a, p. 82),
A fórmula do poeta grego Eurípedes, que data de 25 séculos, nunca foi tão
atual: “O esperado não se cumpre, e ao inesperado um deus abre o caminho”.
O abandono das concepções deterministas da história humana, que
acreditavam poder predizer nosso futuro, o estudo de grandes
acontecimentos e desastres de nosso século, todos inesperados, o caráter
doravante desconhecido da aventura humana devem-nos incitar a preparar
as mentes para esperar o inesperado, para enfrenta-lo. É necessário que
todos aqueles que se ocupam da educação constituam a vanguarda ante a
incerteza de nossos tempos.
A ética não poderia ser ensinada por meio de lições de moral. Deve formar-se
nas mentes, com base na consciência de que o humano é, ao mesmo tempo,
indivíduo, parte da sociedade, parte da espécie. Carregamos em nós esta tripla
realidade. Desse modo, todo desenvolvimento verdadeiramente humano deve
compreender o desenvolvimento conjunto das autonomias individuais, das
participações comunitárias e da consciência de pertencer à espécie humana.
Toda a educação é política, como assinalou Paulo Freire; contudo, por mais
paradoxal que pareça, ainda se pensa na educação como dispositivo
supostamente neutro, e ainda se age para fazer da educação um instrumento
de reprodução dos propósitos políticos dos grupos que competem pelo poder,
e de reprodução do sistema social vigente. Neste sentido, a educação é
política por excelência, ainda que se pretenda separada da política.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A vida organizada em torno do consumo [...] deve se bastar sem normas: ela
é orientada pela sedução, por desejos sempre crescentes e quereres voláteis
– não mais por regulação normativa. Nenhum vizinho em particular oferece
um ponto de referência para uma vida de sucesso; uma sociedade de
consumidores se baseia na comparação universal – e o céu é o único limite.
A ideia de “luxo” não faz muito sentido, pois a ideia é fazer dos luxos de hoje
as necessidades de amanhã, e reduzir a distância entre o “hoje” e o “amanhã”
ao mínimo – tirar a espera da vontade. Como não há normas para transformar
certos desejos em necessidades e para deslegitimar outros desejos como
“falsas necessidades”, não há teste para que se possa medir o padrão de
“conformidade”. O principal cuidado diz respeito, então, à adequação – a
estar “sempre pronto”; a ter capacidade de aproveitar a oportunidade quando
ela se apresentar; a desenvolver novos desejos feitos sob medida para as
novas, nunca vistas e inesperadas seduções; e a não permitir que as
necessidades estabelecidas tornem as novas sensações dispensáveis ou
restrinjam nossa capacidade de absorvê-las e experimentá-las.
Este ou aquele curso ou projeto é bom se tem uma boa abertura para o
mercado, se vende bem – e a capacidade de vender (“encontrar-se com a
demanda”, “satisfazer as necessidades do potencial humano”, “oferecer os
serviços que a indústria demanda”) deve ser o critério supremos dos
currículos, cursos e títulos adequados. A liderança espiritual é uma miragem,
a tarefa dos intelectuais é seguir o mundo lá fora, e não legislar pelos padrões
de propriedade, verdade e bom gosto (BAUMAN, 2014, p. 173).
REFERÊNCIAS
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Brasília: MEC, 1973.
CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas. Ciência para uma vida sustentável. Tradução
Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Cultrix, 2005.
CAPRA, Fritjof; LUISI, L. Pier. A visão sistêmica da vida. Uma concepção unificada
e suas implicações filosóficas, políticas, sociais e econômicas. Tradução Mayara
Teruya Eichemberg, Newton Roberval Eichemberg. São Paulo: Cultrix, 2015.
DRUCKER, Peter. Desafios gerenciais para o século XXI. São Paulo: Thomson
Learning, 2007.
GIROUX. A. Henry. Atos Impuros. A prática política dos estudos culturais. São
Paulo: Artmed Editora, 2000.
MORIN, Edgar. O método 2. A vida da Vida. Tradução Marina Lobo; Simone Ceré;
Tânia do Valle Tschiedel. 5. ed. Porto Alegre: Sulina, 2015c.
MORIN, Edgar. O método 6. Ética. Tradução Juremir Machado da Silva. 4. ed. Porto
Alegre: Sulina, 2011b.
MORIN, Edgar. Para sair do séc. XX. Tradução Vera Azambuja Harvey. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
MORIN, Edgar; KERN, B. Anne. Terra – Pátria. Tradução Paulo Neves. 6. ed. Porto
Alegre: Sulina, 2011.