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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO


DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS
TEORIAS PEDAGÓGICAS E DIMENSÕES ÉTICAS E POLÍTICAS DA EDUCAÇÃO

DARLON ALVES DE ALMEIDA

O(A) PROFISSIONAL DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS NA PERSPECTIVA


DE UMA FORMAÇÃO HUMANISTA: UM DIÁLOGO ENTRE PETER DRUCKER,
ZYGMUNT BAUMAN E EDGAR MORIN.

IJUÍ/RS
2022
1

DARLON ALVES DE ALMEIDA

O(A) PROFISSIONAL DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS NA PERSPECTIVA


DE UMA FORMAÇÃO HUMANISTA: UM DIÁLOGO ENTRE PETER DRUCKER,
ZYGMUNT BAUMAN E EDGAR MORIN.

Tese apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Educação nas Ciências,
vinculado ao Departamento de Humanidades e
Educação da Universidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul –
Unijuí –, como requisito parcial para obtenção do
título de Doutor em Educação nas Ciências.

Linha de Pesquisa: Teorias Pedagógicas e


dimensões éticas e políticas da educação.

Orientadora: Prof. Dra. Vânia Lisa Fischer


Cossetin.

IJUÍ/RS
2022
2

ALMEIDA, Darlon A. de.

O(A) PROFISSIONAL DE ADMINISTRAÇÃO DE


EMPRESAS NA PERSPECTIVA DE UMA FORMAÇÃO
HUMANISTA: UM DIÁLOGO ENTRE PETER DRUCKER,
ZYGMUNT BAUMAN E EDGAR MORIN.
152 f.

Tese (Doutorado) Universidade Regional do Noroeste


do Rio Grande do Sul. Educação nas Ciências.

Campus Ijuí.

Orientador: Dra. Vânia Lisa Fischer Cossetin


3

UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO


DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS
TEORIAS PEDAGÓGICAS E DIMENSÕES ÉTICAS E POLÍTICAS DA EDUCAÇÃO

A comissão examinadora, abaixo assinada, aprova a Tese

O(A) PROFISSIONAL DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS NA PERSPECTIVA


DE UMA FORMAÇÃO HUMANISTA: UM DIÁLOGO ENTRE PETER DRUCKER,
ZYGMUNT BAUMAN E EDGAR MORIN

Elaborada por

DARLON ALVES DE ALMEIDA

Como requisito para a obtenção do título de Doutor em Educação nas Ciências

_________________________
Dra. Vânia Lisa Fischer Cossetin
Orientadora (Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul)

___________________________
Dra. Eva Teresinha de Oliveira Boff (Unijuí)

_________________________
Dr.Sidinei Pithan da Silva (Unijuí)

__________________________
Dr. Claudionei Vicente Cassol (URI)

___________________________
Dr. Domingos Benedetti Rodrigues (Unicruz)
4

Aos meus filhos,


Pedro Pereira de Almeida e
Olga Pereira de Almeida
5

AGRADECIMENTOS

Gostaria de expressar minha profunda gratidão às pessoas que contribuíram


durante o período de realização do Doutorado. Seria impossível mencionar a todas,
portanto, estou especialmente grato:

 À Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul – Unijuí;


 Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Educação nas
Ciências – PPGEC/Unijuí;
 A Professora doutora Eva Teresinha de Oliveira Boff;
 Ao Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação nas
Ciências (PPGEC/Unijuí), professor doutor Sidinei Pithan da Silva;
 À minha orientadora, professora doutora Vânia Lisa Fischer Cossetin,
pelos ensinamentos transmitidos no desenvolvimento do Doutorado,
por contribuir sublimemente com a escrita da tese, sempre profissional,
coerente e competente;
 Ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha;
 Aos meus colegas do Doutorado em Educação nas Ciências;
 Aos professores membros da banca avaliadora;
 À minha família;
 Às professoras Marlei Frizzo Nemitz e Cleide Raquel de Almeida;
 A todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização
desta pesquisa.
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RESUMO

A proposta desta pesquisa é tematizar a formação universitária do profissional de


administração de empresas. Busca, para tanto, investigar as distintas tradições
teóricas que se relacionam com o tema. De forma particular, se ocupa da investigação
de autores específicos do campo da administração, como Peter Drucker, Idalberto
Chiavenato e outros, e de autores do campo da teoria crítica da sociedade, como
Zygmunt Bauman e Edgar Morin. O objetivo da pesquisa consiste em averiguar as
condições de possibilidade de uma racionalidade humanista na formação universitária
do(a) profissional de administração de empresas e, ainda, analisar o referencial
teórico de Peter Drucker, tentando encontrar vestígios de uma racionalidade
humanista através das obras de Zygmunt Bauman, Fritjof Capra, Paulo Freire e Edgar
Moran no trato com a formação do administrador(a). Além disso, explicitar o contexto
da modernidade líquida, analisando os desafios sociais e históricos implicados na
formação em administração, e compreender o cenário da complexidade no âmbito
paradigmático contemporâneo, desdobrando uma racionalidade humanista acerca da
formação de nível universitário para os profissionais de administração. A fim de
alcançar os objetivos propostos, iniciamos a investigação a partir da busca por
informações relevantes que pudessem servir de fundação e respaldo ao enfoque
teórico-metodológico. Seu método orienta-se pela perspectiva qualitativa e
interpretativa, sendo uma perspectiva teórica utilizada e amparada na abordagem
hermenêutica e, ainda, trata-se de uma pesquisa exploratória, descritiva, bibliográfica
e documental. A tese está sustentada também pelo estudo das Diretrizes Curriculares
Nacionais do Curso de Graduação em Administração e a análise do Projeto
Pedagógico do Curso de Graduação em Administração de Empresas do Instituto
Federal Farroupilha. O primeiro capítulo aborda a formação universitária do(a)
profissional de administração de empresas à luz de autores específicos do campo das
ciências sociais; no segundo capítulo é tematizada a possibilidade de uma formação
ampliada do profissional de administração de empresas, contemplando a
racionalidade crítica e humanista; e, no terceiro capítulo, é apontada a tematização da
formação universitária do profissional de administração, com ênfase na Teoria da
Complexidade. A partir da problemática de investigação proposta, com base nos
estudos realizados e explicitados no referencial teórico, e ainda, na análise da diretriz
curricular do curso de administração, foi possível realizar a seguinte consideração: na
formação universitária dos(as) profissionais de administração de empresas, utiliza-se
de uma abordagem específica da área da administração, tematizada por Drucker e
outros autores, revelando uma lógica formativa no âmbito da racionalidade
instrumental. Em outros termos, esta formação do(a) profissional de administração de
empresas está canalizada predominantemente para atender a demanda do mercado
e das empresas. Ao contrapor o pensamento druckeriano, Bauman e Morin advogam
no sentido de pensar na formação crítica como algo que vá além da linguagem do
mercado, e, nesta lógica, seus enfoques acrescentam elementos para repensar a
compreensão particular do campo da administração, contemplando uma formação
que poderá ser específica e também geral, no sentido da racionalidade humanista.

Palavras-chave: Educação; administração; modernidade líquida; complexidade.


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ABSTRACT

The purpose of this research is to thematize the university education of business


administration professionals. It seeks, therefore, to investigate the different theoretical
traditions that are related to the theme. In particular, it deals with the investigation of
specific authors in the field of administration, such as Peter Drucker, Idalberto
Chiavenato and others, and authors in the field of critical theory of society, such as
Zygmunt Bauman and Edgar Morin. The objective of the research is to investigate the
conditions of possibility of humanist rationality in the university education of business
administration professionals, and also to study Peter Drucker's theoretical framework,
trying to find traces of a humanist rationality in dealing with the training of
administrators. In addition, to explain the context of liquid modernity, analyzing the
social and historical challenges involved in management training, and understand the
scenario of complexity in the contemporary paradigmatic scope, unfolding a humanist
rationality about university-level training for administration professionals. In order to
reach the proposed objectives, we started the investigation from the search for relevant
information that could serve as a foundation and support for the theoretical-
methodological approach. Its method is guided by the qualitative and interpretive
perspective, being a theoretical perspective used and supported by the hermeneutic
approach and, still, it is an exploratory, descriptive, bibliographic and documentary
research. The thesis is also supported by the study of the National Curriculum
Guidelines for the Undergraduate Course in Administration and the analysis of the
Pedagogical Project of the Undergraduate Course in Business Administration at the
Instituto Federal Farroupilha. The first chapter addresses the university education of
business administration professionals in the light of specific authors in the field of social
sciences; the second chapter discusses the possibility of an expanded training of
business administration professionals, contemplating critical and humanistic
rationality; and, in the third chapter, the thematization of the university education of the
administration professional is pointed out, with emphasis on the Theory of Complexity.
From the proposed research problem, it was possible to make the following
consideration: in the university education of business administration professionals, a
specific approach to the administration area is used, thematized by Drucker and other
authors, revealing a logic formation within the scope of instrumental rationality. In other
words, this training of the business administration professional is channeled mainly to
meet the demand of the market and companies. Opposing Drucker's thinking, Bauman
and Morin advocate thinking of critical training as something that goes beyond the
language of the market, and, in this logic, their approaches add elements to rethink the
particular understanding of the field of administration, contemplating a training that it
can be specific and also general, in the sense of humanist rationality.

Keywords: Education; management; liquid modernity; complexity.


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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................ 10
1 A FORMAÇÃO UNIVERSITÁRIA DO(A) PROFISSIONAL DE
ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS À LUZ DE PETER DRUCKER .............. 23
1.1 A ORIGEM DA ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS E SUAS
CONTRIBUIÇÕES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE .................................... 24
1.2 PRECEITOS DE PETER DRUCKER PARA A FORMAÇÃO DO(A)
PROFISSIONAL EM ADMINISTRAÇÃO ......................................................... 28
1.3 A MISSÃO E O PROPÓSITO DAS EMPRESAS SEGUNDO PRINCÍPIOS
DE PETER DRUCKER ....................................................................................35
1.4 AS PRINCIPAIS ÁREAS DA ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS
CONFORME PETER DRUCKER ....................................................................37
2 A FORMAÇÃO HUMANA DO(A) PROFISSIONAL DE ADMINISTRAÇÃO
DE EMPRESAS À LUZ DE ZYGMUNT BAUMAN ......................................... 50
2.1 MODERNIDADE SÓLIDA/LÍQUIDA: A EDUCAÇÃO EM PERSPECTIVA ......50
2.2 A CONVIVÊNCIA PROFESSOR(A) E ESTUDANTE NO PERÍODO
LÍQUIDO-MODERNO ...................................................................................... 55
2.3 AS DESIGUALDADES SOCIAIS E SUAS CONSEQUÊNCIAS NA
EDUCAÇÃO .................................................................................................... 57
2.4 A SOCIEDADE LÍQUIDO-MODERNA ............................................................. 61
2.5 A FORMAÇÃO PROFISSIONAL DO(A) ADMINISTRADOR(A) VOLTADO
AO MERCADO CONSUMIDOR ...................................................................... 64
2.6 OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO EM TEMPOS LÍQUIDO-MODERNOS ......... 66
2.7 A EDUCAÇÃO E A ASCENSÃO DO MOVIMENTO INDUSTRIAL NA
SOCIEDADE ...... .............................................................................................. .......69
2.8 FORMAÇÃO PROFISSIONAL AMPLIADA MEDIANTE OS SABERES
E VALORES HUMANOS ................................................................................. 76
2.9 O PAPEL DA UNIVERSIDADE NA FORMAÇÃO DO(A) PROFISSIONAL
DE ADMINISTRAÇÃO ..................................................................................... 82
3 A FORMAÇÃO UNIVERSITÁRIA DO(A) PROFISSIONAL DE
ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS A PARTIR DO PENSAMENTO DE
EDGAR MORIN .............................................................................................. 87
9

3.1 EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO UNIVERSITÁRIA NA PERSPECTIVA


HUMANISTA ................................................................................................... 88
3.2 A INCERTEZA SOBRE O FUTURO DA HUMANIDADE E A
CRISE DA EDUCAÇÃO ................................................................................... 94
3.3 RACIONALIDADE CRÍTICA E HUMANISTA NA FORMAÇÃO
PROFISSIONAL DO(A) ADMINISTRADOR(A) ............................................... 98
3.4 ABORDAGEM SOCIOCRÍTICA E HUMANISTA DESENVOLVIDA NA
FORMAÇÃO DO(A) PROFISSIONAL ADMINISTRADOR(A) ....................... 104
3.5 O PAPEL DA UNIVERSIDADE NO SÉCULO 21 E NA
FORMAÇÃO DO(A) PROFISSIONAL ADMINISTRADOR(A) ....................... 111
3.6 A EDUCAÇÃO NA ERA PLANETÁRIA E SEUS EFEITOS COLATERAIS
NO SEIO DA SOCIEDADE ........................................................................... 123
CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 127
REFERÊNCIAS ............................................................................................. 146
10

INTRODUÇÃO

A proposta desta pesquisa é tematizar a formação universitária do(a)


profissional de administração de empresas. Busca, para tanto, analisar distintas
tradições teóricas que se relacionam com o tema. De forma particular, se ocupa da
investigação de autores específicos do campo da administração, tais como Peter
Drucker e Idalberto Chiavenato, e de autores do campo da teoria crítica da sociedade,
como Zygmunt Bauman e Edgar Morin. Esta investigação tem por objetivo averiguar
as condições de possibilidade de uma racionalidade humanista na formação
universitária do(a) profissional de administração de empresas e, ainda, analisar o
referencial teórico de Peter Drucker, tentando encontrar vestígios de uma
racionalidade humanista através das obras de Zygmunt Bauman, Fritjof Capra, Paulo
Freire e Edgar Moran no trato com a formação do administrador(a).
Neste sentido, este estudo pretende estabelecer um diálogo crítico com o
campo específico do referencial que tematiza o conhecimento, o lugar e a identidade
do profissional de administração no cenário social contemporâneo.
Ao considerar o tema central da pesquisa “O(A) profissional de administração
de empresas na perspectiva de uma formação humanista: Um diálogo entre Peter
Drucker, Zygmunt Bauman e Edgar Morin”, argumenta-se em defesa da seguinte tese:
na formação universitária dos(as) profissionais de administração de empresas, utiliza-
se de uma abordagem específica da área da Administração, tematizada por Drucker
e outros autores, revelando a lógica formativa no âmbito da racionalidade
instrumental, ou seja, esta formação do(a) profissional de administração de empresas
está voltada predominantemente para atender a demanda do mercado e das
empresas.
No que tange à formação universitária, ao deslindar sobre a escolha e a
delimitação do tema, a minha trajetória acadêmica e profissional foi decisiva, visto que
possuo Graduação em informática e em administração de empresas, Especialização
em Marketing e Recursos Humanos e Especialização e Mestrado em Engenharia de
Produção.
No exercício profissional, sou docente efetivo da carreira EBTT (Educação
Básica, Técnica e Tecnológica) na rede federal de ensino do Instituto Federal
Farroupilha – Campus Alegrete – e, desde 2005, venho ministrando disciplinas da
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área técnica de gestão e negócios no Curso de Bacharelado em administração de


empresas.
Ao longo da carreira docente, sinto um desconforto nas discussões acerca do
perfil discente e da sua formação universitária no Curso de Bacharelado em
administração de empresas e, neste sentido, questiono a forma como é apresentada
a composição da matriz curricular do curso ofertado pela Instituição, parte integrante
das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em administração e do
Projeto Pedagógico do Curso de Bacharelado em administração de empresas do
Instituto Federal Farroupilha. Na minha concepção, urge de debates pertinentes a
organização didático-pedagógica e a formação universitária dos(as) profissionais em
administração de empresas, que também deve contemplar a formação humanista.
Isto ocorre de tal forma que estes estudos comprovam que a linguagem do
campo da administração, empregada na formação universitária dos profissionais de
administração, compreende, de forma prioritária, sua relação com o mercado, com o
cliente e com a organização.
Neste cenário, a escolha dos autores específicos do campo da administração
que balizaram esta pesquisa, como Peter Drucker e Idalberto Chiavenato, justifica-se
por suas destacadas biografias na área da administração e, da mesma forma, seus
amplos acervos bibliográficos, que atualmente compõem as gôndolas das bibliotecas
das instituições de Ensino Superior que ofertam o Curso de Graduação em
administração de empresas.
Neste particular, no que tange, especificamente, aos componentes
curriculares integrantes do Projeto Pedagógico do Curso de Graduação em
administração de empresas do Instituto Federal Farroupilha, as bibliografias de Peter
Drucker e Idalberto Chiavenato estão contempladas em diversas disciplinas e
respectivas ementas, como nos seguintes componentes curriculares: Teoria Geral da
Administração I e II, Prática Organizacional I e II, Inovação, Administração de
Organizações do Terceiro Setor, Gestão de Pessoas I e II e Marketing I e II, entre
outras.
O nome do pensador Peter Drucker também é referência, sendo citado em
diversas obras dos autores do campo da teoria crítica da sociedade, como Zygmunt
Bauman e Edgar Morin, que contrapõem o discurso e o pensamento druckeriano e
questionam a face mutiladora do saber e do conhecer como forma de identificar o
limite do paradigma simplificador e reducionista. Como isso se produz e se constitui
12

no interior do panorama que forma administradores(as), é uma pergunta inquietante.


Currículos fragmentados, objetivos lineares, adaptação ao mundo, podem ser
escolhas que o modelo funcional e positivista tem legado ao panorama em geral. Sua
remodelação atual tem sido a adequação à sociedade do consumo ou a princípios de
complexidade, que se referem unicamente aos mercados.
Neste particular, tanto Bauman como Morin criticam justamente esta leitura do
mundo contemporâneo a partir da adequação ao mercado. Segundo estes autores,
podemos pensar na formação crítica como algo que vá além da linguagem do mercado
e, neste sentido, seus enfoques acrescentam elementos para repensar o sentido
particular do campo da administração, contemplando uma formação que poderá ser
específica e também geral, no sentido da racionalidade humanista.
A partir deste entendimento, torna-se importante avançar para uma
tematização que não desconsidere a formação técnica do profissional
administrador(a), mas que o recoloque num cenário epistemológico e paradigmático
da complexidade em tempos de modernidade líquida/flexível.
Defende-se, neste intento, construir uma forma de pensar a formação
universitária em Administração no âmbito de uma racionalidade humanista, esforço
este que exige, sobretudo, adentrar os pormenores das teorias da administração que
fundaram os diferentes modelos de atuação do profissional, bem como explicitar o
novo contexto paradigmático e social contemporâneo. Trata-se, no caso, de analisar
os desafios sociais e históricos implicados na formação em administração,
desdobrando preocupações éticas, políticas, culturais, epistemológicas e sociais.
Ao fazermos uma viagem histórica acerca da Teoria Geral da Administração,
percebemos o quanto esta vertente é influente e volátil em vários nichos
organizacionais, políticos e sociais, revelando seu impacto na formação social e
econômica de uma nação.
O conteúdo e o significado da administração, bem como o papel a ser
desempenhado pelo profissional da área, sofreram grandes alterações no decorrer
das décadas. Podemos elucidar, segundo Chiavenato (2004), que esta evolução
transcorre desde o ano de 1903, com a administração científica, que enfatizava as
tarefas e tinha como principal enfoque a racionalização do trabalho no nível
operacional.
Nesta continuidade, Chiavenato (2004, p. 10) descreve que, durante o período
compreendido entre 1916 e 1954, prevaleceu a ênfase na estrutura da empresa. As
13

Teorias Clássicas e Neoclássicas enfatizaram a noção de que a organização era


formal e que a função do administrador deveria tornar-se efetiva dentro dela. Ainda,
nessa mesma vertente, a Teoria da Burocracia e a Teoria Estruturalista, em 1947,
avançaram com a racionalização organizacional, significando um grande avanço para
a época.
Já naquele período, o administrador tinha o papel principal de aumentar a
produtividade da empresa por meio do crescimento da eficiência no nível operacional,
com ênfase na análise e na divisão do trabalho do operário. Predominava a atenção
no método de trabalho, nos movimentos necessários à realização de uma tarefa e no
tempo padrão determinado para sua execução, que constituíam a organização
racional do trabalho.
A partir de 1957, as teorias voltaram seus olhares para as pessoas, com
enfoques mais humanistas, por meio da Teoria do Comportamento Organizacional e
Teoria do Desenvolvimento Organizacional, trazendo à tona temas como motivação,
liderança, comunicações e interação dos objetivos organizacionais e individuais
(DRUCKER, 2014, p. 22).
Enquanto a Teoria Clássica não se preocupa com a liderança e suas
implicações, a abordagem humanística ocorre com ênfase nas pessoas, mostrando
sua influência sobre o comportamento das pessoas, exigindo, para tanto, que o
profissional administrador conheça a natureza humana e saiba conduzir as pessoas,
isto é, liderar. Neste tipo de abordagem, elevou-se a competência dos(as)
administradores(as) por meio do relacionamento interpessoal, uma vez que deviam
superar os problemas de comunicação humana e adquirirem confiança e franqueza
no seu relacionamento humano.
Na década de 70 do século 20 surgiu a Teoria da Contingência, caracterizada
pela importância dada à análise intraorganizacional e ambiental, ou seja, a busca da
adequação das organizações às demandas e situações ocorridas em seu contexto
externo (CHIAVENATO, 2004, p. 394).
Dando seguimento, na Teoria da Contingência, a administração volta-se para
um elemento que impactou na forma de gerir das organizações e contribuiu de forma
significativa para as mudanças comportamentais do mercado – o imperativo
tecnológico –, valorizando, assim, a tecnologia. Em conformidade com a Teoria Geral
da Administração, e pela própria vivência como cidadão, estamos sentindo e
explorando a ênfase na competitividade, que exige do(a) profissional uma educação
14

interdisciplinar, na qual o sujeito possa desenvolver habilidades e atitudes que


transcorram na complexidade de uma formação para o mercado.
Na perspectiva destes campos conceituais da teoria da administração,
emergentes no final do século 20, os(as) administradores(as) deveriam ter uma visão
mais globalizada da sociedade nas quais estariam postulando espaço. Drucker (2014,
p. 327) revela este sentimento ao expor que “reivindica-se agora que as empresas
façam com que os valores e as crenças sociais criem a liberdade pessoal e a boa
sociedade”.
Os esforços realizados em todas as áreas e níveis de uma organização,
contudo, servem, especificamente, para alcançar os objetivos organizacionais da
melhor maneira possível, de modo a garantir a competitividade e a consistência no
atual mundo dos negócios. Para Drucker (2014, p. 421), “Cada membro da empresa
presta a ela uma contribuição diferente, mas todos devem colaborar para o alcance
da meta comum”.
Desta forma, fica evidente, nas palavras de Drucker (2014) e Chiavenato
(2004) que, acerca do ideal de formação do(a) administrador(a), há uma tendência,
uma perspectiva gerencial. Esta visão é importante para uma definição do prenúncio
de intervenção no âmbito das empresas e das organizações, mas pouco tematiza o
sentido ético e político da formação. De outra parte, a visão social desta teoria, que
parece corresponder aos ideais sociais de formação, conforme o espectro da
racionalidade instrumental, expressa uma versão pouco crítica da vida social.
Para tal, os profissionais da área usufruem de várias estratégias para
incentivar o consumo, despertar o desejo de compra e mudar os hábitos das pessoas,
com o intuito de ascender e lucrar.
Nesta perspectiva, Bauman (2001) atenta para as transformações irreparáveis
que o ser humano vive, a partir do consumismo demasiado e da busca incessante do
que chamamos de capitalismo moderno, incentivados pelos desejos de consumo e
pelas estratégias utilizadas pelo campo empresarial, que aguçam a humanidade à
condição de competitividade, buscando manter-se em uma sociedade de mercado.
As características distintivas da administração, como área de atuação
profissional, acabam por impor uma reflexão sobre os paradigmas que suportam as
estruturas, os métodos e as técnicas utilizados no processo de formação do(a)
administrador(a). Com a intenção de discutir esta formação, a pesquisa transcende a
preocupação em explorar os caminhos que estão norteando esta profissão, com o
15

objetivo de analisar as condições de possibilidade de uma racionalidade humanista


no trato com a questão da formação deste profissional.
Em contraponto, ressaltamos a evidência humanista na visão de Bauman
(2001), quando o autor faz alusão à vida contemporânea como se não houvesse
estabilidade e os tempos fossem líquidos.
Esta compreensão de Bauman (2001, p. 7) faz uma analogia à fluidez, que é
a qualidade de líquidos e gases, quando o autor apresenta a seguinte afirmação: “[...]
é que eles ‘não podem suportar uma força tangencial ou deformante quando imóveis’
e assim ‘sofrem uma constante mudança de forma quando submetidos à tal tensão’”.
As considerações de Bauman (2001) nos revelam uma preocupação em
relação à vida consumista na qual vivemos e à influência dessas mudanças no
comportamento das pessoas. Para ele, seria imprudente negar, ou mesmo
subestimar, a profunda mudança que o advento da modernidade fluída produziu na
condição humana.
Em meio a contradições teóricas e práticas, fica evidente a necessidade de
um estudo aprofundado sobre esta abordagem moderna e presente na vida dos
cidadãos contemporâneos, trazendo a responsabilidade social, que tem como papel
fundamental propiciar ações que protejam e melhorem o bem-estar da sociedade,
enquanto procura atingir seus próprios interesses, como ato conflitante entre vertentes
teóricas.
Com base nessas reflexões, apresenta-se o problema que norteou esta
pesquisa: O(A) profissional de administração de empresas, formado(a) no século 20
a partir do referencial das teorias de administração e, particularmente, do modelo
druckeriano, contempla, na sua formação, uma abordagem social humanista que se
coloque para além da tônica do mercado?
Constituiu-se, portanto, objetivo geral da pesquisa averiguar as condições de
possibilidade de uma racionalidade humanista na formação universitária do(a)
profissional de administração de empresas e, ainda, analisar o referencial teórico de
Peter Drucker, tentando encontrar vestígios de uma racionalidade humanista através
das obras de Zygmunt Bauman, Fritjof Capra, Paulo Freire e Edgar Moran no trato
com a formação do administrador(a).
Com o propósito de sustentar a tese apresentada e expor seus resultados, o
procedimento metodológico empregado incluiu a busca por informações relevantes
que servem de fundação e respaldo ao enfoque teórico-metodológico desta
16

investigação. Seu método é orientado pela perspectiva qualitativa, interpretativa,


descritiva, bibliográfica e documental, com uma base teórica utilizada e amparada na
abordagem hermenêutica, que possibilita a compreensão de conceitos e argumentos
e também do horizonte propositivo, não como construção definitiva, mas consciente
da provisoriedade ou transitoriedade, no pensar de que nem tudo se resolve no campo
epistêmico.
Neste sentido, o enfoque deste estudo refere-se a um estudo hermenêutico,
com o objetivo de interpretar três enfoques que se relacionam com a questão dos
fundamentos implicados na formação universitária: o enfoque clássico da
administração, os enfoques críticos das ciências sociais, os enfoques complexos do
conhecimento.
O enfoque hermenêutico no qual esta pesquisa foi organizada tem como meta
proporcionar maior familiaridade com o problema, na intenção de torná-lo mais
explícito. Na pesquisa descritiva, para Furasté (2008, p. 38), “observam-se,
descrevem-se, analisam-se, classificam-se e registram-se fatos determinantes do fato
pesquisado”. Neste caso, a descrição serviu como um facilitador para a interpretação,
e auxiliou na elucidação dos pensamentos críticos, sociais, econômicos e humanistas,
fundamentos desta pesquisa.
Com o intuito de desvendar os objetivos desta pesquisa, foi imprescindível a
realização da pesquisa bibliográfica e documental, realizada a partir dos seguintes
instrumentos para a coleta dos dados: levantamento de referências teóricas centrais
que fundamentam a tese como: Peter Drucker, Zygmunt Bauman, Edgar Morin, Fritjof
Capra, Paulo Freire e outros) além de livros, artigos científicos, teses, dissertações e
páginas de websites.
Assim, podemos compreender Furasté (2008), que define pesquisa
bibliográfica e documental como um apanhado sobre o tema escolhido capaz de
fornecer informações atuais e relevantes e, nesta ótica, permitir ao pesquisador
conhecer o que já se estudou sobre o assunto.
Desta forma, a organização dos capítulos que constituem a pesquisa foi
estruturada mediante os modos de pensar e as análises e reflexões de renomados
autores e autoras, que forneceram as ferramentas conceituais e com as quais foi
possível compor as abordagens de cada capítulo.
No primeiro capítulo, intitulado A formação universitária do(a) profissional de
Administração de empresas à luz de Peter Drucker, objetiva-se:
17

 Averiguar e dimensionar em que medida os referenciais clássicos da


Administração, que fundaram os imaginários sociais e identitários da formação
universitária, contemplam questões tematizadas pelas perspectivas críticas e
humanistas.
 Analisar o referencial teórico de Peter Drucker, na tentativa de encontrar vestígios
de uma racionalidade crítica e humanista no trato com a formação do
administrador(a).
Mediante estes estudos, ficou evidente a lógica formativa que institui o
conhecimento, o lugar e a identidade do(a) profissional de administração no cenário
social contemporâneo, tematizada por Drucker e outros autores do campo da
administração, afirmando, por meio dos resultados expostos nesta tese, que a
formação profissional dos(as) administradores(as) de empresas, ao longo da sua
história, dedica-se predominantemente à questão da racionalidade instrumental,
atendendo, dessa forma, a demanda do mercado, do capitalismo neoliberal e das
empresas.
O segundo capítulo, nomeado A formação humana do(a) profissional de
Administração de empresas à luz de Zygmunt Bauman, tem por finalidade:
 Explicitar o contexto da modernidade líquida, analisando os desafios sociais e
históricos implicados na formação em administração (questões éticas, políticas,
culturais, epistemológicas e sociais).
Para desvelar a afirmação acerca da formação profissional do(a)
administrador(a), que atualmente está voltada para a lógica consumista, primando
pelo império do mercado econômico, pelas prerrogativas neoliberais e ascensão das
empresas, neste momento da modernidade líquida e do capital líquido e de vida
própria e pelo discurso predominante no viés da racionalidade instrumental, busca-se
a compreensão humanista de Zygmunt Bauman na formação universitária profissional
de administração de empresas, que considere as questões humanas, a solidariedade,
o respeito ao outro e ao ambiente, a democracia, os laços sociais, a comunidade e a
rede pós-modernidade.
Com estes estudos, Bauman contribui, também, ao comprovar as
consequências e os efeitos colaterais do capitalismo na sociedade mediante a lógica
do consumismo e do incentivo ao mundo moderno e à vida líquida.
18

O terceiro capítulo, intitulado A formação universitária do(a) profissional de


administração de empresas a partir dos pensamentos de Edgar Morin, tem como
meta:
 Compreender o cenário da complexidade no âmbito paradigmático
contemporâneo, desdobrando uma racionalidade humanista acerca da formação
de nível universitário para os(as) profissionais de administração.
Por essa razão, Morin (2011, 2011c, 2015e) colabora com a afirmação desta
tese, ao tematizar a teoria da complexidade moriniana por meio da proposta de
incorporação de ideias, na busca de soluções para as lacunas associadas ao currículo
e à interligação dos saberes e da crítica ao ensino fragmentado. A proposta de Edgar
Morin, alinhada com o combate ao reducionismo instalado em nossa sociedade,
valoriza o complexo e, nesse sentido, a abordagem perpassa a visão humanista e
filosófica-continental, buscando, especialmente, o estabelecimento de ligação entre
as ciências humanas e demais áreas do conhecimento na formação universitária do
profissional de administração.
Na busca por pesquisas científicas desenvolvidas e relacionadas com a
temática proposta neste estudo, rastreamos a base de dados da biblioteca digital
Mario Osório Marques, na Unijuí, Campus de Ijuí-RS, que é um repositório institucional
que inclui trabalhos acadêmicos como teses, dissertações, monografias, artigos
científicos e e-books. Por meio dos termos “formação universitária em administração
de empresas”, “formação universitária em administração de empresas à luz do
pensamento complexo” e “formação universitária em administração de empresas
através do pensamento de Zygmunt Bauman”, identificamos 26 trabalhos científicos
que se aproximam do tema relacionado a esta pesquisa.
Neste sentido, apresentamos alguns exemplos de pesquisas já realizadas que
reforçam a importância de aprofundarmos os estudos relacionados à formação
universitária dos(as) administradores(as) de empresas na perspectiva de uma
formação humanista.
A dissertação “Perspectivas de Formação do Tecnólogo em Gestão
Comercial”, com autoria de Camila Sousa da Silva e orientação do professor doutor
Celso José Martinazzo, apresentada no ano de 2016 no Programa de Pós-Graduação
em Educação nas Ciências (PPGEC/Unijuí), na linha de pesquisa Teorias
Pedagógicas e Dimensões Éticas e Políticas da Educação, apresenta como objetivo
problematizar a formação superior dos cursos tecnólogos na universidade, buscando
19

fazê-la mais sintonizada com as necessidades da sociedade atual. Segundo a autora,


a pesquisa foi motivada pela forte tendência que tais cursos apresentam de serem
estruturados com base, habitualmente, na racionalidade instrumental. Na conclusão
do trabalho, foi identificada a necessidade de os envolvidos com esta formação
repensarem suas posturas em sala de aula no que diz respeito às questões sociais e
humanas, de modo que cada um procure incluir tais aspectos dentro da sua área do
saber.
Nessa mesma linha de pesquisa, foi apresentada, em dezembro de 2020, a
dissertação “Proposta Pedagógica Integradora no Curso de Bacharelado em
Administração da Faculdade de Balsas/MA à Luz do Pensamento Complexo”, tendo
como autora Carla Weber Carvalho e orientador o professor doutor Celso José
Martinazzo. O estudo tematiza a necessidade de voltar o olhar pedagógico do docente
para uma visão sistêmica do ensino, visto que, com esse mesmo modelo cognitivo, o
aluno percebe-se no processo de aprendizagem, considerando-se como parte,
estando envolvido e sendo regenerado com base no agir complexo. Ao final da
pesquisa, a autora conclui que, por meio da utilização de propostas pedagógicas
integradoras, sob a ótica da teoria da complexidade, seja possível promover uma
educação com ações práticas e noções teóricas que contribuam para a formação
reflexiva do sujeito em construção.
Já a dissertação da Chana Francini Beltramin, orientada pelo professor doutor
Sidinei Pithan da Silva, com o título “Cultura e Educação na Modernidade Líquida:
Desafios para as Potencialidades Formativas”, apresentada em 5 de novembro de
2020, objetivou discutir o lugar e alguns dos desafios da educação na modernidade
líquida, bem como sua relação com a cultura. As problematizações norteadoras da
pesquisa são: Em que medida a problemática da cultura tornou-se relevante para a
educação na Modernidade Líquida, no sentido de ajudar a pensar e compreender o
papel social da escola – educação formal – e das potencialidades formativas? Como
os escritos de Zygmunt Bauman podem nos ajudar a pensar o sentido ambivalente do
conceito de educação no âmbito da cultura? Quais desafios se colocam para
professores e professoras na tarefa constante de educar nos tempos em que
vivemos? Por fim, a autora destaca a necessidade de repensar o lugar da escola e da
ação docente na modernidade líquida e de considerar que Bauman, entre outros
pensadores contemporâneos, indica em seus estudos as potencialidades da criação
de um mundo mais justo e diverso por meio de uma transformação cultural que
20

implique na edificação de uma educação capaz de reconhecer a ambivalência


fundada na construção coletiva, no diálogo, na alteridade e, acima de tudo, na
solidariedade.
Ao finalizar a revisão bibliográfica, listamos algumas teses pesquisadas no
catálogo de teses e dissertações no site da Capes, com a identificação de
aproximadamente 650 pesquisas relacionadas ao tema desse estudo; no entanto,
selecionamos aquelas que possuem uma maior relação com a temática proposta,
quais sejam: Políticas de formação e trabalho do administrador: Pela humanização do
profissional da administração, de Rúbia Carla Santi; A formação do administrador:
desvelando uma aproximação necessária entre formação acadêmica e formação
humana, de Claudemir Inácio dos Santos; A formação em administração:
interdisciplinaridade e institucionalismo, de Cláudio Antônio Tordino; Os profissionais
de administração: entre as competências desenvolvidas nos cursos de graduação e
as competências requeridas pelo mundo do trabalho, de Fabíola Maciel Sarubbi
Marangoni; Processos de ensino, de aprendizagem e de avaliação nos cursos
superiores de administração sob a percepção de professores e estudantes, de Larissa
Medianeira Bolzan; e, Peter Drucker e a legitimação do capitalismo tardio: uma análise
crítica do discurso, de Ilídio Medina Pereira.
Diante de uma leitura rígida das pesquisas selecionadas no catálogo de teses
e dissertações no site da Capes, merecem destaque no campo investigativo da
administração as teses dos seguintes autores: Santi (2019); Santos (2015); Tordino
(2009); Marangoni (2014) e Bolzan (2017), cujos estudos aproximam-se do que
propomos nesta tese, ou seja, investigar a formação universitária dos(as) profissionais
em administração de empresas na perspectiva da racionalidade humanista. Essas
pesquisas, no entanto, limitaram-se a investigar as diretrizes nacionais e os
respectivos projetos pedagógicos dos cursos de Graduação em administração de
empresas. Não obstante, todas se pautam na pesquisa empírica, com o propósito de
ouvir egressos do curso universitário de administração, coordenadores de cursos de
Graduação em administração, docentes e empresários.
Desse conjunto de trabalhos, a nossa pesquisa estende-se para o estudo de
autores do campo da teoria crítica da sociedade, como Zygmunt Bauman e Edgar
Morin, ao passo que aprofunda as investigações no contexto da formação humanista,
da modernidade líquida e da complexidade, analisando os desafios sociais e históricos
implicados na formação em administração.
21

Neste particular, esta tese, se comparada com as pesquisas já realizadas,


segue novos caminhos da crítica da razão instrumental, ao denunciar as tendências
na administração que focam exclusivamente o lucro, o mercado e a gerência na
formação dos(as) administradores(as), e busca, na racionalidade humanista, por meio
dos pensamentos de Bauman e Morin, comprovar que existe um vazio moral, ético,
político, cultural e reflexivo na constituição da formação profissional e técnica desses
profissionais.
Outro ponto que difere e torna a nossa pesquisa inédita e distinta dos demais
estudos já realizados é o fato de transcendermos a investigação do campo empírico
e avançarmos na perspectiva qualitativa e interpretativa, utilizada e amparada na
abordagem hermenêutica, o que nos possibilita apresentar destacadas contribuições
para a sociedade e o universo acadêmico e, ainda, para o contexto empresarial.
Neste sentido, merece destaque a pesquisa realizada por Ilídio Medina
Pereira (2006), visto que, balizado na análise crítica de Peter Drucker na legitimação
de ideias e práticas do capitalismo tardio, o autor denuncia o caráter ideológico dos
discursos de Peter Drucker por este reforçar conhecimentos, crenças e valores que
contribuem para a construção fatalista da globalização neoliberal. Sua pesquisa,
todavia, limita-se à crítica da racionalidade instrumental, na proporção que esta nossa
pesquisa avança para a investigação das condições de possibilidade de uma
racionalidade humanista na formação universitária do(a) profissional de administração
de empresas.
Neste cenário, ao apresentar a proposta de tematizar a formação universitária
dos(as) profissionais de administração de empresas na perspectiva humanista,
destacamos as relevantes pesquisas já realizadas, bem como suas contribuições para
pensarmos as mudanças necessárias nas matrizes curriculares dos projetos
Pedagógicos dos Cursos de Administração de empresas. Ainda assim, urge a
relevância desse estudo, por trazer no seu âmago a tônica da formação destes
profissionais para além da racionalidade instrumental, por meio de um diálogo com
pensadores da modernidade na ótica da formação humanista, como Zygmunt Bauman
e Edgar Morin.
Esta tese, portanto, representa uma investigação original, que partiu de outros
estudos que a antecederam; contudo, não é nossa pretensão apresentar resultados e
proposições acabadas, mas que sirvam de inspiração para novas problematizações e
novas descobertas.
22

Nas palavras de Marques (2011, p. 94),

Estabelecer um tema de pesquisa é, assim, demarcar um campo específico


de desejos e esforços por conhecer, por entender nosso mundo e nele e
sobre ele agir de maneira lúcida e consequente. Mas o tema não será
verdadeiro, não será encarnação determinada e prática do desejo, se não
estiver ancorado na estrutura subjetiva, corporal, do desejante. Não pode o
tema ser imposição alheia. Deve ele tornar-se paixão, desejo trabalhado,
construído pelo próprio pesquisador. Da experiência antecedente, dos
anteriores saberes vistos como insuficientes e limitantes nasce o desejo de
conhecer mais e melhor a partir de um foco concentrado de atenções. Não
podemos tudo querer ao mesmo tempo. Muito menos podemos de fato querer
o que não tem ligação com nossa própria vida, o que nela não se enraíza.

Com base nesses estímulos, apresentamos, a seguir, o primeiro capítulo da


pesquisa, que representa a formação universitária do(a) administrador(a) à luz do
pensamento de Peter Drucker e de outros teóricos da administração.
23

1 A FORMAÇÃO UNIVERSITÁRIA DO(A) PROFISSIONAL DE ADMINISTRAÇÃO


DE EMPRESAS À LUZ DO PENSAMENTO DE PETER DRUCKER

A escolha, nesta pesquisa, do teórico, escritor, professor e consultor Peter


Drucker para representar autores específicos do campo da Administração, emergiu
da sua vasta obra e irretocável biografia. Peter Drucker nasceu em 1909, em Viena;
estudou na Áustria e na Inglaterra, e obteve seu Doutorado em Direito Público e
Internacional em Frankfurt, na Alemanha.
Peter Drucker, ao longo de sua carreira, publicou 31 livros que tratam de
temas ligados à administração de empresas, à economia, sociedade e política. Além
dos seus renomados escritos, Drucker produziu 4 séries de filmes educativos
baseados em suas obras de administração, e foi colunista das principais revistas
científicas de administração dos Estados Unidos.
De 1950 a 1971, Drucker foi professor de administração da Graduate
Business Scholl, da New York University, que, em 1969 concedeu a ele a honraria
máxima da Universidade – a Condecoração Presidencial por Méritos. A partir de 1972,
dedicou-se à carreira docente na Claremont Graduate University (Califórnia/EUA) e
em Harvard University.
Peter Drucker também atuava como consultor especializado em estratégia e
política, trabalhando para as maiores corporações e multinacionais do mundo, além
de universidades, hospitais e para órgãos governamentais – norte-americano, do
Canadá, do Japão e de países europeus e da América Latina. Além disso, recebeu
doutorados honorários de universidades dos Estados Unidos, da Bélgica, da
República Checa, da Inglaterra, do Japão, da Espanha e da Suíça.
Diante desse contexto, neste primeiro capítulo, apresentamos, na primeira
seção, uma visão geral sobre a origem e o surgimento da administração de empresas
na história da humanidade e, na segunda seção, abordamos os preceitos de Peter
Drucker na formação dos(as) profissionais de administração. É importante ressaltar
que suas obras sobre administração e análises da economia e da sociedade são lidas
em boa parte do mundo e, ainda, traduzidas para mais de 20 idiomas, e que seus
livros estão presentes nas universidades e cursos universitários da área de
administração.
Na terceira seção, a partir do pensamento druckeriano, discorremos sobre as
oito áreas fundamentais da administração de empresas segundo Peter Drucker.
24

Deste modo, o primeiro capítulo desta investigação tem como objetivo


averiguar e dimensionar em que medida os referenciais clássicos da administração,
que fundaram os imaginários sociais e identitários da formação universitária,
contemplam questões tematizadas pela perspectiva humanista. Ainda, analisar o
referencial teórico de Peter Drucker, tentando encontrar vestígios de uma
racionalidade humanista no trato com a formação do administrador.
Ao final, os conceitos são articulados, apresentando uma discussão sobre a
influência da racionalidade instrumental e a influência da racionalidade humanista na
formação profissional, bem como na atuação direta dos administradores(as) de
empresas na sociedade moderna.

1.1 A ORIGEM DA ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS E SUAS CONTRIBUIÇÕES


NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE.

Na história da humanidade, a administração1 teve fundamental papel na


construção e organização dos povos, nas suas origens, na execução de suas tarefas
e rotinas, contribuindo diretamente com o desenvolvimento dos povoados. Embora
tratada como uma ciência com pouco mais de cem anos, a administração surgiu a
partir da contribuição de vários pensadores(as) de diferentes áreas, como filósofos,
economistas, matemáticos, físicos, empresários e demais profissionais liberais
pertencentes às ciências matemáticas, ciências humanas, ciências físicas, das
engenharias, das tecnologias e de outras áreas do conhecimento.
A origem da administração na história e no mundo nos remete à época das
primeiras organizações até a Revolução Industrial, sendo praticada desde que
existem os primeiros agrupamentos humanos que surgiram no período da chamada
Revolução Urbana (4.000 anos a.C.), na região hoje identificada como Oriente Médio2,
com os primeiros povoados e os estados, tendo como consequência a demanda por
práticas administrativas3 que se concretizaram e evoluíram nos séculos seguintes.

1 Maneira de governar organizações ou parte delas. Processo de planejar, organizar, dirigir e controlar
o uso de recursos organizacionais para alcançar determinados objetivos de maneira eficiente e eficaz
(CHIAVENATO, 2014, p. 23).
2 Local escolhido pela abundância de água, concentrando os primeiros colonizadores dessa região,

chamada Mesopotâmia, à colaboração para formar uma “sociedade de irrigação”, constituída de


pequenas comunidades autossuficientes interligadas (MAXIMIANO, 2009, p. 17).
3 “A responsabilidade de coordenar esse esforço coube àqueles que exerciam as funções sacerdotais.

Os sacerdotes-reis mandaram construir templos, que se transformaram em centros de administração.


Nesses centros, trabalhavam funcionários que faziam anotações no vasto arquivo de placas de argila
25

No Egito (3.100 anos a.C.), devido à regularidade do ciclo das inundações do


Rio Nilo, a Administração contribuiu para o planejamento de longo prazo nos cultivos
às margens deste rio, visto que os egípcios se orientavam pelas inundações anuais
que aconteciam pouco depois que a estrela Sirius aparecia a leste, logo antes do sol.
Como os intervalos entre os surgimentos da referida estrela eram separados por 365
dias, os egípcios criaram um calendário solar de 12 meses de 30 dias, com mais 5
dias de festa.
Outro exemplo do surgimento da administração no povo egípcio são as
gigantescas pirâmides, obras construídas com alto nível de complexidade e
engenharia. Para a grande pirâmide de Quéops, por exemplo, erguida com 146,5
metros de altura e 230 metros em cada um de seus lados, foram utilizados 2.300.000
blocos de pedra, com peso médio de 2,5 toneladas cada. Na época, mais de 100.000
pessoas trabalharam na sua construção, entre 2589 e 2566 a.C., levando 23 anos
para sua finalização (MAXIMIANO, 2009, p. 18).
Similarmente, é do povo egípcio a origem de ações administrativas no campo
do planejamento por meio das organizações militares. Para a proteção do reino, os
egípcios criaram um exército formado por soldados assalariados, e construíram uma
rede de fortes contendo grandes celeiros, suficientes para suprir centenas de homens
durante um longo período.
Na Babilônia e Assíria, em 1800 a.C., foi escrito o Código do Rei Hamurabi,
que contém 282 regras, sendo um dos primeiros conjuntos de leis da história do
mundo, incluindo princípios de administração, como citado por Maximiano (2009, p.
19):

 Se um mercador entrega a um agente, cereal, lã, azeite ou mercadorias


de qualquer espécie para negociar, o agente registrará o valor e pagará
em dinheiro ao mercador. O agente receberá um recibo selado pelo
dinheiro que entregar ao mercador. Se o agente for descuidado e não
ficar com um recibo pelo dinheiro que entregou ao mercador, o dinheiro
sem recibo não será lançado em sua conta (Práticas de controle).
 Se um doutor operar uma ferida e o paciente morrer, ou o olho de um
nobre que perde a vista em consequência disso, as mãos do doutor serão
cortadas (Princípio da responsabilidade).

que ficou para a posteridade. As placas registram o recebimento, armazenagem e desembolso de


produtos. São livros primitivos de contabilidade, que hoje podem ser vistos nos museus e nas coleções
das universidades. Os sacerdotes-reis usavam sua parte do excedente que a agricultura irrigada
produzia para pagar os servidores do templo e financiar o comércio, que trazia de longe os produtos
escassos como metais e madeira. Junto com a aritmética e a escrita, os sumérios criaram a
administração pública, com seus funcionários e procedimentos burocráticos” (MAXIMIANO, 2009, p.
18).
26

Também é herança do Império Assírio (região onde atualmente se encontra o


Iraque), anterior ao ano 800 a.C., a descoberta de ferramentas de logística 4, utilizadas
nas organizações militares, e que posteriormente serviram de modelo para os
exércitos do mundo todo. Por meio destas, o exército assírio construía suas
embarcações, que desciam pelo Rio Tigre e chegavam até o Golfo Pérsico
transportando soldados, cavalos, materiais bélicos e alimentos, necessários para suas
campanhas e embates contra o exército dos babilônios.
Outros exemplos do surgimento das primeiras tarefas de administração que
apareceram no mundo aconteceram em 605 a.C., por meio dos babilônios. Foram eles
que criaram os primeiros controles de administração de produção5 e, ainda, os
estoques de mercadorias têxteis fabricadas em suas colônias, marcadas com cores
diferentes para períodos diferentes de estoque. Desta forma, com esta técnica,
conseguiam marcar o período que cada lote permanecia no estoque, utilizando-se de
variações de cores, como o azul, o vermelho, o preto e outras. Os cereais também
eram marcados de acordo com o ano da safra, o que os possibilitava controlar o
estoque e o período da produção.
Igualmente, foram os babilônios que registraram os primeiros indícios de
salários, ou sistema de remuneração em moedas. Essa remuneração era destinada
às mulheres, de acordo com seu rendimento e produção nos serviços têxteis, como
fiação e tecelagem.
Na China, em 400 a.C., as escritas e teorias aplicadas por Sun Tzu e
registradas no livro “A arte da Guerra”, serviram de modelo ao Ocidente sobre os
princípios fundamentais de planejamento, liderança e organizações. As teorias
escritas por Sun Tzu resistem ao tempo e são utilizadas na administração de todos os
tipos de organizações, e servem como modelo para tomadas de decisão de grandes
empresários(as) e administradores(as) do mundo todo.

4 O ramo da ciência militar que lida com a obtenção, manutenção e transporte de material, pessoal e
instalações. Essa definição situa a logística num contexto militar; posteriormente, uma outra definição
aplicada à logística empresarial conceitua a logística como sendo o processo de planejamento,
implantação e controle do fluxo eficiente e eficaz de mercadorias, serviços e das informações relativas,
desde o ponto de origem até o ponto de consumo, com o propósito de atender às exigências dos
clientes (BALLOU, 2010, p. 27).
5 "A administração de produção trata do planejamento da organização, da direção e do controle de

todas as atividades diferenciadas pela divisão de trabalho que ocorram dentro da organização"
(CHIAVENATO, 1991, p. 16).
27

Também a Grécia, em 500 a.C., contribuiu imensamente no campo da


administração das organizações por meio de temas como Qualidade total de produtos e
serviços, estratégia, democracia, ética na administração pública e privada.
Ao revisitar a origem da administração e seus impactos na vida das pessoas,
mostra-se evidente o uso da força de trabalho, ao longo do período do surgimento das
nações, elucidando, desta forma, o que Bauman (1999b) denuncia com relação à ideia
de “universalização”, que, assim como os conceitos de “civilização” e “desenvolvimento”,
enraizados no pensamento moderno inicial e clássico, transmitia e continua a transmitir
a imagem de esperança, um verdadeiro engodo de propósitos, a falsa realidade como
pano de fundo, e ainda, coberta por meio de uma cortina de fumaça, sempre foi o escopo
para a produção da ordem numa escala universal, verdadeiramente global.
Neste sentido, à luz da origem da administração e de sua construção na história
da humanidade, Bauman e Morin enfrentam o pensamento druckeriano e sua forma de
desenvolver os princípios administrativos, ao que Bauman chama de “ordem global”.
Destarte, Bauman (1999a, p. 77-78) denuncia:

A coincidência e entrelaçamento da síntese e da dispersão, da integração e da


decomposição são tudo, menos acidentais; e menos ainda passíveis de
retificação.
É por causa dessa coincidência e desse entrelaçamento das duas tendências
aparentemente opostas, ambas desencadeadas pelo impacto divisor da nova
liberdade de movimento, que os chamados processos “globalizantes” redundam
na redistribuição de privilégios e carências, de riqueza e pobreza, de recursos e
impotência, de poder e ausência de poder, de liberdade e restrição.
Testemunhamos hoje um processo de reestratificação mundial, no qual se
constrói uma nova hierarquia sociocultural em escala planetária.

Nesta mesma linha de raciocínio, ao considerar que historicamente nossa


sociedade é uma sociedade de consumo, Bauman (1999a), desvela a sociedade dos
nossos antepassados, a sociedade moderna nas suas camadas pioneiras, na sua fase
industrial, aponta ainda que, tratava-se de uma sociedade de produtores escravizados
pela sociedade elitizada.
Diante desta constatação, Bauman (1999a, p. 88) faz o seguinte alerta:

Aquela velha sociedade moderna engajava seus membros primordialmente


como produtores e soldados; a maneira como moldava seus membros, a
“norma” que colocava diante de seus olhos e os instava a observar, era ditada
pelo dever de desempenhar esses dois papéis. A norma que aquela
sociedade colocava para seus membros era a capacidade e a vontade de
desempenhá-los. Mas no seu atual estágio final moderno (Giddens), segundo
estágio moderno (Beck), supermoderno (Balandier) ou pós moderno (Beck),
a sociedade moderna tem pouca necessidade de mão de obra industrial em
28

massa e de exércitos recrutados; em vez disso, precisa engajar seus


membros pela condição de consumidores.

Por este ângulo, o pensamento baumaniano contrapõe os conceitos da


administração empregados ao longo da história da humanidade, revelando que não
há tanta diferença entre viver na nossa sociedade ou na sociedade que imediatamente
a antecedeu, visto que em ambas a população viveu e continua vivendo para produzir
coisas para consumir. Esses preceitos, portanto, devem ser trabalhados na
universidade de forma síncrona com temas relacionados à racionalidade humanista.
Na seção seguinte, contudo, fica evidente na formação dos(as) profissionais
em administração de empresas o enfoque defendido por Peter Drucker e outros
intelectuais da administração, com conceitos focados em princípios
predominantemente relacionados à racionalidade instrumental, formando
profissionais administradores(as) voltados à competitividade econômica e ao sistema
capitalista.

1.2 PRECEITOS DE PETER DRUCKER PARA A FORMAÇÃO DO(A)


PROFISSIONAL EM ADMINISTRAÇÃO

Na sequência da seção anterior, Peter Drucker e outros autores revelam que


a formação universitária em administração de empresas, historicamente, prepara
os(as) administradores(as) para atuarem em um mercado competitivo, cujo objetivo é
posicionar a empresa na linha de frente, visando o desenvolvimento econômico e a
inserção de forma antagônica no sistema capitalista.
Essa constatação fica evidente ao analisar sistematicamente dois
documentos elementares da formação universitária do curso de graduação em
administração de empresas do Instituto Federal Farroupilha.
Nessa perspectiva, foi examinado o documento que determina as Diretrizes
Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em administração de empresas e,
similarmente, o Projeto Pedagógico do Curso de Graduação em administração de
empresas, ofertado no Instituto Federal Farroupilha, órgão pertencente à rede federal
de ensino e parte integrante do Ministério da Educação (MEC).
Neste contexto, a formação universitária de profissionais em administração
representa, na atualidade, o direcionamento da educação para um percurso perigoso,
29

ao predominar o conteúdo técnico focado em resultados econômicos e voltado ao


sistema capitalista, eliminando ou tratando de forma superficial o debate voltado às
questões sociais e à racionalidade humanista.
Por conseguinte, e como contraponto, discute-se a relevância de uma
formação em administração pensada na construção de uma visão questionadora,
ponderadora, com o pensamento crítico dos indivíduos, mediante o aprofundamento
das discussões de conteúdos relacionados aos estudos no campo das ciências
humanas.
Neste cenário, numerosas atividades administrativas que são
desempenhadas por vários administradores(as) e orientadas para áreas e problemas
específicos, precisam ser realizadas e coordenadas de maneira integrada e coesa em
cada organização ou empresa.
Neste universo, Drucker (2002, p. 29) descreve os princípios essenciais na
formação do(a) administrador(a) de empresas, afirmando que

 A administração trata dos seres humanos, sua tarefa é capacitar as


pessoas a funcionar em conjunto, efetivar suas forças e tornar irrelevantes
suas fraquezas. É disso que trata uma organização, e esta é a razão pela
qual a administração é um fator crítico e determinante. Dependemos da
administração para nossa sobrevivência, e a nossa capacidade de
contribuição à sociedade também depende tanto da administração das
organizações em que trabalhamos quanto de nossos próprios talentos,
dedicação e esforço.

Por essa razão, o(a) profissional de administração de empresas, em sua


formação, em conformidade com o pensamento druckeriano, deve ser preparado(a)
para ir além de um mero executor de tarefas, sendo o responsável pelo trabalho de
todas as pessoas a ele subordinadas; não pode cometer erros, porque assim estará
conduzindo seus subordinados também ao erro.
Para Drucker (2002), o administrador é um profissional cuja formação é ampla
e variada: precisa conhecer disciplinas heterogêneas e saber liderar pessoas e, além
disso, comandar grupos que executam tarefas, planejam, organizam, controlam,
assessoram e pesquisam.
Conforme Peter Drucker, o sucesso das organizações depende, de um lado,
de sua capacidade de ler e interpretar a realidade externa, rastrear mudanças e
transformações e identificar oportunidades ao seu redor para responder pronta e
adequadamente a elas e, de outro, de reconhecer ameaças e dificuldades para
neutralizá-las ou amortecê-las.
30

Assim, na medida em que a conjuntura econômica reduz ou se expande e se


alteram as necessidades dos clientes, que mudam os hábitos de consumo e
tendências do público, as organizações precisam modificar sua linha de produção,
renovar-se, ajustar-se, transformar-se e adaptar-se rapidamente; desta forma,
necessitam permanentemente avaliar sua linha de ação, ou seja, surgirão, cada vez
mais, novos e diferentes problemas, enquanto os antigos passarão por novas
soluções.
Nessas condições, a formação dos profissionais de administração de
empresas, a fim de alcançar os objetivos exigidos aos(as) administradores(as) pelas
organizações, de acordo com o modelo druckeriano, deverá buscar resultados
mediante técnicas estratégicas de gestão e negócios e, ainda, acertar nas tomadas
de decisão e ter foco nas mudanças econômicas, além das fórmulas e receitas
universais de gerência já utilizadas com sucesso.
Neste particular, consiste a essência fundamental da administração nos dias
atuais: a visão estratégica e administrativa de cada ação, decisão, operação ou
atividade, ou a necessidade de visualizar cada tarefa e cada atividade em um contexto
social e ambiental mais amplo e que se modifica a cada momento.
Neste ponto de vista, para atender às necessidades oriundas da sociedade
moderna, conforme Drucker (2002), o(a) administrador(a) deve estar focado(a) no
futuro para poder preparar sua empresa para enfrentar os novos desafios que surgem,
principalmente os econômicos, seja por meio de tecnologias inovadoras, diferentes
condições sociais e mudanças culturais, seja por meio da oferta de novos produtos e
serviços. Além disso, deve pensar globalmente, conhecer o mundo, o sistema
capitalista predominante no atual mundo globalizado, a área de gestão e negócios, as
relações interpessoais, e saber agir internamente, com ênfase na atuação produtiva e
eficiente na empresa.
Com tal característica, e partindo da racionalidade instrumental para conduzir
sua empresa à excelência e ao sucesso econômico, o(a) administrador(a) deve ter
espírito empreendedor, aceitar desafios, assumir riscos e possuir um senso de
inconformismo sistemático, focando suas energias na busca contínua do consumidor
e da competitividade. Desta forma, atento ao mercado econômico e à lucratividade,
pode conduzir sua empresa a uma situação melhor.
Por este ângulo, o pensamento druckeriano aponta que a administração, na
sociedade moderna, tornou-se fundamental e indispensável em uma sociedade de
31

organizações, na qual a complexidade e a interdependência das empresas constituem


o aspecto crucial. A administração evidencia-se como o fator-chave para a melhoria
da qualidade de vida das pessoas e para a solução dos problemas mais complexos
que afligem a população nos dias atuais.
Assim, no entender de Drucker (1999, p. 59),

As mudanças rápidas, baseadas no conhecimento, não se limitam às


empresas, como muitos ainda acreditam. Nos cinquenta anos desde a
Segunda Guerra Mundial, nenhuma organização mudou mais que a dos
militares. Os uniformes permaneceram os mesmos, assim como os títulos dos
postos e graduações. Mas as armas mudaram completamente, como
demonstrado de forma dramática na Guerra do Golfo de 1991; as doutrinas e
conceitos militares mudaram de forma ainda mais dramática, assim como as
estruturas organizacionais e de comando, os relacionamentos e as
responsabilidades das forças armadas.
Analogamente, pode-se prever com segurança que nos próximos cinquenta
anos as escolas e universidades irão mudar de forma muito mais drástica do
que têm mudado desde que assumiram sua presente forma há mais de
trezentos anos, quando se reorganizaram em torno do livro impresso. Essas
mudanças serão forçadas, em parte, por novas tecnologias, como
computadores, vídeos e programas via satélite, em parte pelas exigências de
uma sociedade baseada no conhecimento, na qual o aprendiz organizado
precisa se tornar um processo vitalício para os trabalhadores do
conhecimento, e em parte por novas teorias a respeito de como aprendem os
seres humanos.

Tais mudanças no campo da Administração aconteceram no mesmo período


da Revolução Industrial que, definitivamente, marcou a transição para o sistema
capitalista. Com isso, as empresas são gerenciadas a partir das ferramentas e
estratégias coordenadas pelos(as) seus(as) administradores(as) e, portanto, a
universidade e as escolas superiores de administração moldam o perfil e os atributos
necessários para formar os(as) profissionais administradores(as) de acordo com as
mudanças que ocorrem no cenário comercial, econômico e de consumo.
Por essa razão, grande parte das bibliografias disponíveis nas universidades
e utilizadas nos cursos de administração de empresas, ao acompanhar as Diretrizes
Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em administração e, em especial, o
Projeto Pedagógico do Curso de Graduação em administração de empresas do
Instituto Federal Farroupilha, sinalizam para uma sociedade capitalista, destacando
aos(às) futuros(as) profissionais de administração as novas realidades no governo e
na política, nos sistemas econômicos e nas empresas, na visão do mundo e na
sociedade cada dia mais consumista.
Em vista disso, os desafios gerenciais são colocados à prova, na medida em
que necessitam atingir objetivos de produtividade, metas que visam o lucro e
32

resultados econômicos satisfatórios que contemplem atingir a finalidade e a missão


específica de cada empresa, ou seja, o lucro a qualquer preço, mesmo correndo o
risco, muitas vezes, de causar impactos sociais e de responsabilidades sociais com
danos irreparáveis.
De natureza igual, Drucker (2002, p. 32) assevera que

A administração de empresas, em todas as suas decisões e ações, deve


sempre colocar o desempenho econômico em primeiro lugar. Ela somente
poderá justificar sua existência e autoridade pelos resultados econômicos que
produzir. A administração de uma empresa terá falhado se não for bem-
sucedida na produção de resultados econômicos. Terá falhado se não
produzir os bens e serviços que o consumidor deseja pelo preço que ele está
disposto a pagar. Terá falhado se não aumentar, ou pelo menos não mantiver
a capacidade de produção de riquezas dos recursos confiados a ela. E isso,
seja qual for a estrutura ou ideologia econômica ou política da sociedade,
significa responsabilidade pela lucratividade.

Da mesma maneira, a formação dos profissionais de administração, no olhar


da racionalidade instrumental, também tem por finalidade e missão a gerência de
recursos humanos, com a tarefa de tornar o trabalho e a produtividade sempre em
crescimento, mesmo os(as) administradores(as) sabendo que, na sociedade de hoje,
para os(as) trabalhadores(as) do chão de fábrica, as instituições são a forma de
garantir sua sobrevivência. Assim, motivar o(a) trabalhador(a) a produzir mais torna-
se um desafio e uma tarefa da administração.
Tendo presente o exposto, Drucker (2002, p. 33) afirma que

A empresa existe mais para prover bens e serviços aos consumidores do que
para fornecer emprego a trabalhadores e administradores, ou mesmo
dividendos aos acionistas. O hospital não existe em função dos médicos e
enfermeiras, mas em função dos pacientes, cujo único desejo é sair do
hospital curado e não voltar nunca mais. As instituições devem fazer parte da
comunidade psicológica, geográfica, cultural e socialmente.
Para desempenhar sua tarefa, para produzir bens e serviços econômicos, a
empresa comercial tem de causar impactos sobre o público, comunidades e
sociedade.

Desta forma, a preparação e formação dos(as) administradores(as) perpassa


o ambiente interno das organizações e do cenário hierarquizado pela
departamentalização da empresa, e volta-se para o ambiente externo. Este ciclo
acontece e se faz necessário, porque as empresas são parte integrante de um sistema
aparelhado e controlado pela classe economicamente dominante que controla e
mantém a sociedade refém dos interesses capitalistas.
Por essa razão, na ótica da racionalidade instrumental, a formação do(a)
administrador(a) acontece com a finalidade de prepará-lo(a) para um mercado com
33

potencial econômico, cuja missão na empresa direciona para a busca contínua da


maximização do lucro por meio do consumo fugaz e da valorização e aumento do
patrimônio capitalista.
Assim, a racionalidade instrumental permanece dominante na preparação dos
profissionais de administração e, da mesma forma, com características e objetivos
bem definidos em ações gerenciais, com o interesse de atingir fins específicos
relacionados ao ganho de produtividade, à conquista de espaço no sistema capitalista
e ao lucro em demasia.
Neste contexto, o(a) administrador(a) sente-se forçado(a) e coagido(a) em
trabalhar apoiado(a) na busca de resultados, para garantir o seu reconhecimento
profissional ante um sistema econômico imperante, mediante a consolidação do
capitalismo e da aplicação soberana da racionalidade instrumental.
Por consequência, a sociedade do consumo, no entanto, atribuiu à educação
a missão de formar e orientar os(as) profissionais de administração para a
industrialização, a oferta de produtos atraentes aos consumidores(as), a propagação
em massa de bens e serviços por meio da utilização de tecnologias inovadoras e da
mídia e para a preservação e ampliação do sistema capitalista.
Destarte, as universidades estão desviando-se dos interesses da sociedade,
das abordagens relativas aos impactos ambientais e dos danos à humanidade, em
consequência dos desastres ambientais, muitas vezes em decorrência de tomadas de
decisão realizadas por agentes administrativos(as), administradores(as) e dirigentes
empresariais e, ainda, assumindo a responsabilidade com a instrução técnica, a
competência individual e competitiva e a instrumentalização econômica.
Sob este prisma, Drucker (2002, p. 37) considera que

Os administradores precisam converter as necessidades da sociedade em


oportunidades para negócios lucrativos. Essa é também uma definição de
inovação. E ela precisa ser ressaltada hoje em dia, quando estamos tão
conscientes das necessidades da sociedade, das escolas, dos serviços de
saúde, das cidades e do ambiente.

Podemos descrever, portanto, que a racionalidade instrumental na formação


do(a) administrador(a) prevalece diante da redução ou da falta da racionalidade
humanista, ao desconsiderar os valores morais, éticos, políticos, culturais, sociais e
emocionais ante o avanço e estímulo da concepção econômica ao caráter mercantil,
ao sistema capitalista e o interesse de grupos econômicos pela política do
neoliberalismo.
34

Neste contexto, a administração mostra-se como uma linha de montagem de


profissionais preparados para buscar, a qualquer custo, resultados lucrativos e
crescimento econômico para as organizações onde trabalham e, ainda, em uma
sociedade midiática, cada vez mais consumista e competitiva.
Neste enquadramento, Bauman (1999b) e Morin (2015e) combatem
enfaticamente o desenvolvimento exclusivo da racionalidade instrumental na
formação universitária dos(as) profissionais em administração e em outras áreas do
conhecimento e, diante disso, apontam para o valor da hermenêutica, da psicanálise
e da teoria crítica, revisitados para o novo século que se inicia.
Neste âmbito, Zygmunt Bauman (1999b) destaca o modo como certa razão
instrumental esteve, ao longo da história da humanidade, balizando o projeto
moderno, como uma razão legislativa, que pretendia administrar a sociedade com
vistas a remover os entulhos, as incertezas, as ambivalências, os estranhos, os não
produtivos.
O direcionamento do projeto moderno-sólido para o moderno-líquido foi,
portanto, intensificando-se à medida que se propagaram as práticas de administração.
Atualmente, não mais situadas exclusivamente no interior do estado, mas dispostas
no mercado (em suas forças de produção do vetor principal), em sua volatilidade, a
administração, como forma de “pensamento produtor da ordem”, se desloca do
fordismo para o regime de acumulação flexível. Da ordem do fordismo e da eficiência
do controle do capital sobre o trabalho (racionalização), ou do patrão sobre o
empregado, agora convivemos com a crise do trabalho e seu divórcio com o capital.
Na seção posterior, é realizada a apresentação dos princípios norteadores
das empresas, que visam a maximização do lucro mediante ações de inovação,
planejamento estratégico e estratégias de marketing, com o objetivo de preparar
os(as) profissionais para o mercado competitivo e para a conquista dos(as)
consumidores(as).
35

1.3 A MISSÃO E O PROPÓSITO DAS EMPRESAS SEGUNDO PRINCÍPIOS DE


PETER DRUCKER

Para entendermos quais são os objetivos de uma empresa, qual é a sua


missão e seu propósito, devemos recorrer à sociedade e às pessoas que convivem
nela, posto que a empresa é parte integrante da sociedade.
Desta forma, todas as empresas possuem um propósito e uma missão;
porém, segundo Drucker, a tarefa do(a) administrador(a) é posicioná-la no exterior da
própria empresa, cuja finalidade é a busca pelos consumidores. Por essa razão, atrair
e conquistar os consumidores é o grande desafio dos(as) gestores(as) e das
organizações.
Já a teoria econômica dos negócios aponta para a maximização do lucro como
o propósito primeiro de toda e qualquer empresa.
Nas palavras de Peter Drucker (2002, p. 34),

O lucro e a lucratividade, contudo, são cruciais – muito mais para a sociedade


do que para a empresa individual. No entanto, a lucratividade não é a
finalidade, mas sim o fator limitante da empresa comercial e da atividade
empresarial. Lucrar não é a explanação, causa ou filosofia do comportamento
empresarial e das decisões empresariais, mas é o teste de suas validades.

De natureza igual, o pensamento druckeriano defende a ideia de que a missão


das empresas tem como finalidade criar consumidores(as) e, por consequência,
oferecer bens e serviços que satisfaçam as necessidades e desejos destes(as)
consumidores(as).
Desta forma, Drucker (2002) advoga no sentido da importância do(a)
consumidor(a) para a sobrevivência da empresa e, ainda, afirma que o(a)
consumidor(a) é quem determina o sucesso ou o fracasso dos produtos disponíveis
no mercado, ao considerarmos que o(a) consumidor(a) define a relevância de um
produto ou serviço no seu dia a dia.
Em síntese, como o propósito da empresa é atrair os(as) consumidores(as),
os(as) administradores(as) precisam atentar para duas funções elementares na
administração de empresas: o marketing e a inovação.
Nesse prisma, Drucker (2002, p. 36) descreve:

Apesar da ênfase sobre marketing e da abordagem de marketing, ele ainda


é mais uma retórica do que uma realidade em muitas empresas. O
“consumismo” é prova disso. O que o consumismo requer de uma empresa é
que ela esteja realmente presente no mercado. Exige que ela parta das
36

necessidades, realidades e valores do consumidor. Exige que a empresa


defina, como seu objetivo, a satisfação das necessidades do consumidor.
Exige que a empresa baseie seu ganho em sua contribuição ao consumidor.
O fato de o consumismo só ter se transformado em poderoso movimento
popular após 20 anos de retórica de marketing prova que não houve muita
prática de marketing.

Nesta perspectiva, o pensamento druckeriano aponta para a importância das


ações de marketing com base nas informações obtidas por meio de investigações
sobre as verdadeiras necessidades dos consumidores. O verdadeiro marketing,
portanto, começa a partir do momento em que se conhece o consumidor, sua
realidade, seus dados, suas informações, seus desejos e sonhos, hábitos, cultura e
também seus valores.
Desta forma, o(a) administrador(a) deve partir da seguinte pergunta: O que o
consumidor está procurando? Quais são suas necessidades e desejos?
Logo, o marketing carrega a função de investigar, conhecer e entender os
consumidores, de forma que os bens e serviços satisfaçam os compradores e, ainda,
que o processo de venda e marketing, ao despertar no consumidor o desejo pelo
produto, ocorra de forma natural.
Com relação à inovação, os(as) administradores(as) devem apresentar ao
mercado produtos diferentes, bem como desenvolver melhorias na qualidade dos
bens e serviços e buscar a redução dos custos, sem descuidar da qualidade.
Nas palavras de Drucker (2002, p. 37),

A inovação pode resultar em preços menores – o dado que mais tem


preocupado os economistas, pela simples razão de que é o único que pode
ser manipulado por ferramentas quantitativas. Mas o resultado pode vir a ser
também um produto melhor, uma nova conveniência, ou a definição de um
novo desejo.
A inovação mais produtiva é um produto ou serviço diferente que cria mais
um novo potencial de satisfação do que um melhoramento. Tipicamente, esse
novo e diferente produto custa mais – no entanto, seu efeito geral é tornar a
economia mais produtiva.

Assim, conforme o autor (DRUCKER, 2002), o(a) profissional de


administração deve ter um olhar atento a todas as formas de inovações, sejam elas
no produto ou serviço, nas movimentações do mercado econômico, no
comportamento dos consumidores e nas novas tendências, e também nas possíveis
inovações nas diversas variáveis que o produto contém, como a embalagem, o
conteúdo, o rótulo, o preço, a praça e as promoções.
37

No entender de Drucker (2002, p. 37),

A inovação pode ser definida como a tarefa que dota os recursos humanos e
materiais de novas e maiores capacidades para produzir riquezas.
Os administradores precisam converter as necessidades da sociedade em
oportunidades para negócios lucrativos. Essa é também uma definição de
inovação. E ela precisa ser ressaltada hoje em dia, quando estamos tão
conscientes das necessidades da sociedade, das escolas, dos serviços de
saúde, das cidades e do ambiente.

Nesta perspectiva, o(a) administrador(a) deve ter consciência de que as


inovações sociais e econômicas são tão importantes quanto as inovações
tecnológicas.
Por essa razão, as inovações e o marketing caminham juntos, não sendo
possível ser tratadas de forma isolada, devendo atingir todos os setores da empresa
e todas as funções, assim como alcançar todas as atividades desenvolvidas pelos(as)
colaboradores(as) da empresa.
A missão e o propósito das empresas são, portanto, a conquista dos(as)
consumidores(as) e, neste particular, para atrair a atenção destes(as), os(as)
administradores(as) devem ancorar suas atenções nas funções de marketing e
inovação.
Na seção subsequente, são discorridas as principais áreas da formação
universitária de administração segundo Peter Drucker.

1.4 AS PRINCIPAIS ÁREAS DA ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS CONFORME


PETER DRUCKER

Para conquistar êxito na gestão das organizações, o(a) administrador(a) deve


partir do princípio de que precisa identificar o nicho de mercado no seu segmento de
negócios e, ainda, elaborar a seguinte pergunta: Qual é o nosso negócio?
Tendo presente o exposto, a resposta para a pergunta só poderá ser
identificada na parte externa da organização, ou seja, na manifestação dos
consumidores e do próprio mercado.
Neste sentido, o(a) administrador(a) deve ficar atento ao consumidor e em
suas expectativas, necessidades e desejos e, ainda, nas tendências do mercado.
Cabe destacar aqui que, na maioria dos negócios, cada fabricante (fornecedor) possui
dois consumidores – os comerciantes e os consumidores finais.
38

Desta maneira, os(as) administradores(as) possuem a tarefa de monitorar a


concorrência, bem como as mudanças que ocorrem nos fatores externos à empresa
e, também, sobre a real necessidade e interesse dos consumidores finais pelos
produtos expostos nas gôndolas do comércio e, de igual natureza, a oferta e a
disponibilidade de produtos pelo comerciante, em consonância com a demanda e
interesse dos consumidores finais.
Neste ponto de vista, Drucker (2002, p. 40-41) assevera que

A administração precisa antecipar-se às mudanças na estrutura do mercado


resultantes das alterações na economia, na moda e no gosto e às investidas
da concorrência. E a concorrência deve ser sempre definida de acordo com
o conceito que o consumidor tem sobre que tipo de produto ou serviço vai
comprar; portanto, tem de incluir ambas as concorrências, a direta e a
indireta.

Por este ângulo, o pensamento druckeriano versa para possíveis alterações


que se fizerem necessárias pela administração, consequências das mudanças no
setor econômico, na sociedade e no mercado consumidor.
Por essa razão, os(as) administradores(as) devem observar a necessidade
de inovação nos produtos, nas atitudes, na inovação administrativa e econômica e, da
mesma forma, sobre possíveis substituições e abandono de produtos e serviços que
não mais satisfazem os consumidores.
Segundo o autor (DRUCKER, 2002), conforme apontam renomados
economistas, todas as empresas precisam desempenhar três fatores primordiais de
produção – recursos humanos, recursos de materiais e recursos de capital – e, ainda,
esses recursos de que tratam os economistas devem ser empregados de forma
produtiva e sempre galgando o aumento de produtividade.
Nesta mesma linha de raciocínio, Drucker (2002, p. 42-43) alerta:

A empresa existe dentro da sociedade e da comunidade, portanto, tem de se


desincumbir de responsabilidades sociais, pelo menos até onde for
responsável por impactos sobre o ambiente. Por conseguinte, há
necessidade de objetivos quanto às dimensões sociais da empresa.
Finalmente, há a necessidade do lucro – de outro modo, nenhum dos
objetivos pode ser alcançado. Todos exigem esforço, ou seja, custo. E
somente podem ser financiados pelos lucros da empresa. Todos apresentam
riscos, consequentemente, todos exigem um lucro que cubra o risco de
perdas em potencial. O lucro não é um objetivo, mas sim um requisito que
deve ser determinado objetivamente para cada empresa individual, sua
estratégia, suas necessidades e seus riscos.

Nas palavras do autor, o(a) administrador(a) deve estabelecer objetivos bem


definidos para cada área empresarial, os quais, quando bem pontuados e
39

desenvolvidos, serão convertidos em lucro para a empresa. O lucro, portanto, é o


grande fator perseguido pelas organizações e, consequentemente, é o resultado dos
objetivos bem trabalhados em cada uma das principais áreas da administração.
Ao elucidar as principais áreas da administração, Peter Drucker pontua as oito
áreas fundamentais de um empreendimento empresarial. São elas:

 Marketing
 Inovação
 Organização do pessoal
 Recursos financeiros
 Recursos materiais
 Produtividade
 Responsabilidade Social
 Nível de lucro
(DRUCKER, 2002, p. 43).

No que diz respeito ao marketing, o pensamento druckeriano nos revela que


por meio do marketing e da inovação, produtos e serviços podem ser melhorados e
os consumidores atraídos para a empresa, em busca de satisfazer suas necessidades
e seus desejos, tornando-se, desta forma, algo fundamental para o aumento do
desempenho e das vendas.
Com tal característica, Drucker (2002 destaca a aplicação do marketing para
modificar produtos e serviços existentes no mercado atual, na decisão de substituir
produtos já obsoletos, e de utilizar o marketing para conquistar novos mercados e
novos consumidores e, ainda, melhorar os padrões de serviços e desempenho, assim
como destacar qualidades existentes em novos produtos e serviços.
Por este ângulo, Drucker (2002, p. 47) afirma que

Em ambas as áreas, a de suprimento de pessoas e de capital, são


necessários, por conseguinte, objetivos genuínos de marketing. “Como
devem ser as nossas tarefas para que atraiam e conservem o tipo de pessoa
que queremos e de que precisamos? O que existe disponível de reserva no
mercado de trabalho? E o que precisamos fazer para atraí-los?” E, de modo
semelhante, “Que investimento deverá ser feito para a nossa empresa, sob a
forma de empréstimos bancários, dívidas de longo prazo ou patrimônio para
atrair e conservar o capital de que necessitamos?”.

Desta forma, todas as respostas estão no planejamento das estratégias de


marketing e na aplicação de ações que reflitam no mercado consumidor.
Nas palavras de Kotler (2006, p. 14),

O que se precisa não é mais encontrar os clientes certos para seu produto,
mas sim os produtos certos para seus clientes. A orientação de marketing
afirma que a chave para atingir os objetivos organizacionais consiste em a
empresa ser mais eficaz que os concorrentes na criação, na entrega e na
40

comunicação de um valor superior (na opinião do cliente) a seus mercados-


alvo escolhidos.

Em um mercado cada vez mais competitivo, portanto, o marketing exerce um


papel fundamental na sobrevivência das organizações, bem como na conquista de
novos mercados e novos consumidores; no entanto, por outro lado, estão mais
exigentes nas tomadas de decisão em relação à compra de serviços ou produtos,
além da diversidade na disponibilidade e oferta de produtos ao mercado consumidor.
No que concerne à inovação, o autor observa a importância do olhar atento
do(a) profissional administrador(a), considerando as novas tendências do mercado
consumidor.
Neste sentido, nas palavras de Drucker (2002, p. 46),

O problema para estabelecer objetivos de inovação é a dificuldade de medir


o impacto e a importância relativos das diversas inovações. Como vamos
determinar o que pesa mais: uma centena de pequenos melhoramentos que
podem ser aplicados imediatamente sobre a embalagem ou o produto, ou
uma descoberta fundamental na área química que, após mais dez anos de
árduo trabalho poderá mudar totalmente o caráter da empresa? Uma loja de
departamentos e uma indústria farmacêutica vão dar diferentes respostas a
essa pergunta; mas isso também pode acontecer com duas indústrias
farmacêuticas.

Desta maneira, as inovações podem ocorrer de diversas formas, começando


pela inovação no produto ou serviço, na localização do mercado e na observação do
comportamento dos consumidores e, ainda, pela inovação em diferentes áreas e
departamentos da empresa – as chamadas inovações administrativas –, além
daquelas nas atividades que proporcionam a disponibilidade dos produtos e serviços
no mercado consumidor.
A terceira área da administração que necessita de atenção dos(as)
administradores(as) é a organização do pessoal. Neste sentido, Peter Drucker (2002,
p. 47) destaca que

Toda atividade econômica requer, e isso os economistas já vêm falando há


centenas de anos, três tipos de recursos: terras, isto é, os produtos da
natureza; o trabalho, isto é, os recursos humanos, e o capital, isto é, os meios
para investir no amanhã. Uma empresa deve ter capacidade para atrair os
três e fazer uso produtivo dos mesmos.

Ao se referir à aprendizagem e capacitação de pessoas na organização,


visando o aumento de produtividade dos(as) trabalhadores(as), Drucker (2014, p. 290)
faz a seguinte ponderação:
41

A aprendizagem contínua não precisa ser transmitida em reuniões formais,


mas precisa ser sempre organizada. Há necessidade de um desafio contínuo
ao trabalhador: “Que é que você aprendeu que pode fazer com que seu
trabalho e o de todos nós se mostre mais produtivo, mais funcional e mais
realizador? Que é que você está precisando em matéria de conhecimentos,
ferramentas e informações? E de que forma poderemos nos preparar melhor
para as novas necessidades, os novos métodos e as novas capacidades de
desempenho?

Neste particular, o autor discute condições de disponibilizar recursos e


materiais para os(as) trabalhadores(as), como parte integrante de um planejamento
de ações que visa a inseri-los(as) no processo de aprendizagem, capacitação e
resultados.
Ao citar a necessidade de um desafio contínuo aos(as) trabalhadores(as),
Drucker (2014) destaca três pré-requisitos para os(as) administradores(as) abordarem
na organização de pessoal: o trabalho produtivo, ou seja, com metas de produtividade;
as informações retroalimentadas, levando os(as) trabalhadores(as) a refletirem sobre
o ganho de resultado e aumento de produtividade após novos treinamentos e
capacitações; e, ainda, a continuidade da aprendizagem pelos(as) trabalhadores(as).
De natureza igual, Drucker (2014, p. 290) complementa:

A administração precisa de fato executar seu trabalho e tomar decisões. Em


todas as áreas, porém, os próprios trabalhadores precisam desde o início
integrar-se no processo de planejamento, como sócios responsáveis. Desde
o início eles precisam participar da elaboração das ideias, através do seu
trabalho e do processo, dos instrumentos e das informações.
Seus conhecimentos, experiências e necessidades constituem recursos que
devem ser aproveitados no processo do planejamento. Os trabalhadores
precisam ser participantes desse processo. Tudo deve ser feito para colocar
à sua disposição os conhecimentos de que eles necessitam.

Neste ponto de vista, ao considerar a participação dos(as) trabalhadores(as)


na construção do planejamento da sua própria capacitação, o(a) administrador(a) e a
empresa estão valorizando nos(as) trabalhadores(as) as suas experiências, vivências,
limitações e necessidades, possibilitando, como consequência, que os(as)
mesmos(as) tenham incentivo e interesse no aumento da sua produtividade.
Por essa razão, a tarefa do(a) administrador(a), ao buscar o aumento da
produtividade dos(as) trabalhadores(as) da empresa, percorre o caminho da
organização do pessoal, do planejamento e execução, mas, também, da aplicação de
métodos eficazes ao cumprimento de tarefas e de mudanças que se fizerem
necessárias.
42

Destarte, Drucker (2014, p. 309) sustenta que

Para fomentar a responsabilidade e o senso de realização entre a


comunidade trabalhadora, é necessário fazer muito mais do que reduzir os
obstáculos à produtividade. Por mais que o trabalhador responsável
necessite da segurança quanto ao emprego e de um sistema prático de
proventos, só isso não lhe bastará. Dirigir pessoas para delas conseguir a
mais alta produtividade é algo que exige mudanças drásticas de postura e de
hábitos.
Três são os caminhos tradicionalmente adotados para dirigir pessoas. Há o
método do bem-estar, que vê as pessoas como problemas que precisam de
solução. Há o método da direção do pessoal, que vê atividades a exercer e
tarefas a desempenhar toda vez que certa quantidade de gente necessite
trabalhar juntas. O terceiro método vê a mão-de-obra como despesa e como
ameaça, achando necessário controlar as despesas e combater as “crises”.

Isto posto, ao se referir ao método do bem-estar, Drucker expõe os


significativos problemas que os(as) trabalhadores(as) apresentam ao chegar na
empresa, necessitando de ajuda na área de assistência social. Desta forma, o método
do bem-estar os(as) ampara com habitação, alimentos, assistência médica,
capacitação e reciclagem, empréstimos financeiros e adiantamentos salariais,
vestuário e calçados, entre outros.
O método do bem-estar, contudo, poderá gerar um paternalismo prejudicial à
empresa e seus dirigentes, ao promover expectativas de continuidade e
assistencialismo, e, portanto, deve ser considerado como uma ajuda temporária e não
como a solução para o aumento da produtividade entre os(as) trabalhadores(as).
Já sobre o método da direção do pessoal, o autor apresenta a sua
aplicabilidade pelas empresas após a Primeira Guerra Mundial, desvelando a
organização de pessoas na configuração departamental e sistemática, estabelecendo
dirigentes para ordenar atividades e fiscalizar o cumprimento das tarefas recebidas no
âmbito da empresa.
Ao abordar esse método, Drucker (2014, p. 311) considera que

Da Segunda Guerra Mundial para cá, os departamentos de direção do


pessoal cresceram de maneira astronômica em todos os países e em todos
os setores. Contudo, por toda parte os responsáveis por esses
departamentos reclamam que “não são ouvidos” pelos demais participantes
da direção da empresa, os quais também “não os apoiam”, nem “os aceitam
realmente”. Há certa dose de verdade nessas afirmações. Mas globalmente
elas mostram que no seu próprio entendimento esses encarregados acham
que há algo errado no que estão fazendo, bem como que eles não caminham
para a atividade que lhes é atribuída, ou seja, a direção do pessoal da
empresa.

Com relação ao terceiro método apresentado por Drucker, que trata da mão
de obra como despesa e ameaça na organização, os(as) administradores(as)
43

empregam o procedimento de controle e redução de despesas com mão de obra,


supervisão do nível de produtividade dos(as) trabalhadores(as), intervenção junto aos
sindicatos das classes trabalhadoras, disciplina e rigor no cumprimento da carga
horária a ser realizada pelo(a) trabalhador(a), bem como na supervisão dos demais
deveres dos(as) trabalhadores(as) com a empresa.
Ao concluir esta abordagem, entretanto, o autor sinaliza para outro prisma, ao
destacar a necessidade de resultados eficientes de produtividade, afirmando que
administradores(as) e empresas devem promover incentivos junto aos
trabalhadores(as) por meio da valorização das suas qualidades; destarte, os métodos
apresentados em sua totalidade, até o momento, não fomentam essas qualidades.
A quarta área da administração de empresas, a qual Peter Drucker (2002, p.
43) destaca e entende como fundamental na formação dos profissionais de
administração, diz respeito aos recursos financeiros.
Segundo Drucker (2002, p. 47),
Os objetivos de recursos devem ser estabelecidos por meio de um processo
duplo. Um ponto de partida é a previsão das necessidades da empresa, que
em seguida deve ser projetada para o exterior, isto é, para o mercado de
terras, do trabalho e do capital. Mas os outros pontos de partida são esses
mesmos “mercados”, que deverão ser projetados na estrutura, no
direcionamento, nos planos da empresa.

Nesta acepção, o autor enfatiza a aplicação de políticas contábeis e


orçamentárias adequadas e ajustadas em diferentes ciclos de negócios da empresa,
ou seja, em períodos favoráveis, com índices elevados de lucro, e também em
momentos de dificuldades financeiras ou com baixa produtividade.
Nesta continuidade, segundo Drucker (2002), é prudente e necessário que
o(a) administrador(a) trabalhe com dois controles orçamentários: o primeiro, chamado
orçamento operacional, que visa o controle de custos e gastos necessários para
manter a organização, independentemente da situação financeira e produtiva que se
encontra; e o segundo orçamento, balizado pelo(a) administrador(a), deve levar em
consideração situações a longo prazo, ou seja, o futuro financeiro da empresa,
devendo, neste caso, permanecer estável em todas as situações econômicas
vivenciadas pela mesma.
Deste modo, o(a) administrador(a) manterá o controle dos custos e dos gastos
permanentes da empresa, de maneira que, mesmo a organização passando por
períodos de pleno crescimento na produtividade, nas vendas e no lucro, não reduzirá
proporcionalmente seus gastos.
44

Assim, ao proceder com políticas orçamentárias e recursos financeiros,


Drucker (2007, p. 77) enfatiza que

O orçamento para o futuro deve ser abordado com a pergunta: “Qual é o


máximo que essa atividade pode absorver para produzir resultados ótimos?
Tal valor deve ser mantido em épocas boas ou más, a menos que estas sejam
tão catastróficas que a manutenção dos gastos ameace a sobrevivência da
organização.
Mas o orçamento para o futuro também deve incluir gastos para explorar o
sucesso. A prática mais comum, mas também mais prejudicial, é cortar os
gastos para sucesso, especialmente em épocas más, para manter os gastos
para as operações em andamento e, em particular, os gastos para manter o
passado. O argumento é sempre o mesmo: esse produto, serviço ou
tecnologia é um sucesso de qualquer maneira; ele não precisa que se invista
mais dinheiro nele. Mas o argumento correto é: “Esse é um sucesso, portanto
deve ser apoiado o máximo possível”. E deve ser apoiado especialmente em
épocas más, quando é provável que a concorrência corte seus gastos,
criando provavelmente uma abertura.

Por conseguinte, nas palavras de Drucker, é importante para o(a)


administrador(a) o acompanhamento do desempenho da organização, do
planejamento do orçamento para o futuro, tratando-se de recursos financeiros e
lucros, identificando as áreas e os produtos da empresa que apresentam melhores
resultados e, da mesma forma, produtos em potencial crescimento e produtividade.
Ainda, o(a) profissional deve atentar para a continuidade de investimentos nos
produtos, independentemente do estágio no qual a empresa se encontre.
No tocante à quinta área essencial na administração, Drucker pontua que os
recursos materiais integram o conjunto de variáveis que merecem a atenção dos(as)
administradores(as).
Neste sentido, o autor destaca a relevância da administração de materiais
para a manutenção da lucratividade da empresa, ao considerar que o seu capital está
configurado por meio de seu patrimônio, como máquinas e equipamentos, frota de
veículos e materiais de conservação, manutenção e peças, ou seja, todo o estoque
do patrimônio existente no almoxarifado da empresa e, ainda, toda a matéria-prima
adquirida e utilizada na linha de produção para a fabricação de produtos.
Neste particular, Araújo (1973, p. 38), renomado escritor e professor de
administração de materiais, considera que

Nenhuma empresa vingará, ou poderá melhorar o nível de sua produtividade,


se não tiver perfeitamente organizada a sua “Administração de Materiais”,
que tem como finalidade precípua, cuidar de todos os problemas que tenham
relação com os suprimentos e tudo o mais que possa representar
investimentos do capital de uma organização, fiscalizando, zelando,
controlando, para que os abastecimentos sejam efetuados a “tempo e hora”
45

nas linhas de montagem, concorrendo, desta forma, para que se obtenha,


nos ciclos da produção, maior e melhor produtividade.

Por este ângulo, Drucker (2007), em concordância com Araújo (1973),


destaca a necessidade de o(a) administrador(a) conhecer todos os setores da
empresa e de estar presente, fiscalizando, examinando, verificando na prática o
andamento de todas as atividades relacionadas ao uso de materiais e matérias-
primas, pois, desta forma, conseguirá identificar possíveis irregularidades que possam
ser reparadas, mantendo a produtividade, garantindo a proteção do capital e
buscando melhores resultados e, em consequência, obtendo maior lucratividade para
a empresa.
Sob este prisma, Araújo (1973, p. 52) afirma que

Os diretores, os gerentes, os administradores de materiais, dentro da


moderna administração das empresas têm sob sua responsabilidade e,
portanto, dependem de sua orientação, todos os setores que tenham relação
com o controle dos materiais (quando nos referimos a materiais,
genericamente estamos nos referindo a tudo aquilo que diga respeito à
inversão de capitais nas suas aquisições, quer sejam materiais destinados à
produção, como ao consumo geral e manutenção).

Nesta acepção, Drucker (2007) assinala, em anuência com Araújo (1973), a


importância da correta administração dos materiais. Assevera, ainda, que o aumento
da produtividade da empresa e de seus ganhos estão diretamente relacionados ao
devido cuidado com a organização na administração dos recursos materiais. Por essa
razão, defende a necessidade do acompanhamento de todos os setores e atividades
diretamente relacionados aos materiais e matérias-primas pertencentes à
organização; consequentemente, a atenção com todas as ações que envolvem
investimentos de capital, ou seja, linhas de montagem, produtos, insumos,
abastecimento de materiais no tempo certo, estocagem e armazenamento da matéria-
prima e materiais do almoxarifado.
Os recursos materiais e sua correta administração, portanto, tornam-se
fundamentais para o adequado funcionamento da empresa, bem como de sua
produtividade, do aumento do lucro e da continuidade no mercado.
Em referência à produtividade, Drucker considera uma área da administração
de empresas indispensável para o sucesso da organização. É a partir da mensuração
da produtividade que se define as estratégias e os novos rumos no comando da
empresa. Assim, a produtividade engloba todas as tarefas e setores da corporação,
46

servindo de parâmetro para averiguar o desempenho da equipe diretiva e dos(as)


administradores(as).
Nas palavras de Drucker (2014, p. 114),

A medição da produtividade constitui o melhor padrão para estabelecer


comparações entre a direção de diferentes unidades da empresa ou entre a
direção de duas ou mais empresas. Isso porque a produtividade abrange
todas as atividades com as quais a empresa presta sua contribuição; e exclui
tudo que não se encontre sob seu controle. A produtividade é o primeiro teste
para a competência da direção.

Assim, o autor assevera que os(as) administradores(as) têm a função de


esboçar objetivos bem definidos de produtividade, e que medir a produtividade da
empresa é fundamental para ampliar a qualidade da administração em todos os níveis,
bem como aferir o nível de utilização de recursos e sua lucratividade. Nesta
perspectiva,

O trabalho é apenas um dos fatores de produção. E se a produtividade do


trabalho for conseguida em detrimento da produtividade dos outros recursos,
há, na verdade, uma perda de produtividade.
A produtividade é um conceito difícil, mas é central. Sem os objetivos de
produtividade, uma empresa não terá direcionamento. Sem as medições da
produtividade, ela não terá controle (DRUCKER, 2002, p. 48).

Por este ângulo, observamos que estimar a produtividade é tarefa difícil, no


entanto, é fundamental para planejar o futuro da organização. Por consequência, a
empresa que não dispor de informações e números relativos à sua produtividade
estará fadada ao insucesso.
Torna-se necessário, portanto, medir a produtividade em todas as áreas,
principalmente nos três principais recursos: a mão de obra, o capital e o patrimônio da
empresa, pois somente desta forma os(as) administradores(as) poderão projetar a
melhoria contínua da produtividade.
No que concerne às políticas de responsabilidade social instituídas por
administradores(as) e empresas, Drucker (2002, p. 48) alerta:

A dimensão social é uma dimensão de sobrevivência. A empresa existe


dentro de uma sociedade e de uma economia. Quando estamos dentro de
uma instituição, nossa tendência é supor que ela existe por si só, no vácuo.
E os administradores inevitavelmente olham suas empresas pelo lado de
dentro. Mas a atividade empresarial é um instrumento da sociedade e da
economia. E a sociedade e a economia podem acabar com a existência de
uma empresa da noite para o dia. As empresas existem por tolerância e
existem apenas enquanto a sociedade e a economia acreditarem que ela faz
o seu trabalho e que ele é necessário, útil e produtivo.
47

Por este motivo, os(as) administradores(as) das empresas devem assumir a


tarefa de liderar suas equipes de trabalhadores para o enfrentamento dos principais
problemas sociais.
Nesta lógica, segundo Drucker (2002), a sociedade volta sua atenção para
novas perspectivas de melhorias na qualidade de vida e no seu bem-estar,
direcionando aos(as) administradores(as) a responsabilidade de conter, nas
empresas, as atividades que causam danos irreparáveis ao meio ambiente e ao modo
de vida da sociedade.
Esta reação coletiva da sociedade é resultado, em parte, pela descrença com
os órgãos públicos e com o governo, que não conseguem cumprir com as políticas
públicas para a resolução dos problemas sociais e, desta forma, a atenção e a
cobrança da sociedade inclina-se para as empresas e os(as) administradores(as), na
expectativa de que assumam ações no combate aos problemas sociais,
proporcionando uma melhor qualidade de vida à sociedade.
Nesta perspectiva, Drucker (2014, p. 330) destaca que

A primeira tarefa da administração é, portanto, identificar e prever as


repercussões que as atividades de sua organização provocará – fria e
realisticamente. A pergunta que se deve fazer não é “Está certo o que
fazemos?” A pergunta deve ser, sim, “O que fazemos é aquilo que a
sociedade e nossos clientes estão pagando-nos para que façamos?”, e se
determinada atividade não fizer parte integrante da finalidade e missão da
entidade, deverá ser considerada repercussão social, e como tal indesejável.

Neste contexto, é importante os(as) administradores(as) atentarem-se para


as consequências e os efeitos colaterais resultantes das ações e dos avanços
tecnológicos praticados pelas organizações. Assim, ao identificarem repercussões
negativas provocadas pela empresa para a sociedade e a economia, em detrimento
de ações da organização, sua primeira missão é eliminar a má repercussão,
interrompendo a atividade que a causa.
Por essa razão, segundo Drucker (2002), os(as) administradores(as)
precisam refletir com muita responsabilidade sobre as consequências das ações e
tarefas desempenhadas pela organização, bem como sobre suas respostas e
impactos sociais, pois, desta forma, reunirão condições de explicar para a sociedade
suas decisões, ações e missão institucional.
Por fim, a oitava área da administração, que, segundo Peter Drucker (2002)
são estratégicas e fundamentais para o sucesso da empresa – o nível de lucro e seu
48

planejamento –, importantes para o equilíbrio financeiro da empresa, bem como para


sua própria sobrevivência.
Deste modo, Drucker (2002, p. 48-49) assegura que

Somente após os objetivos para as sete áreas citadas terem sido


considerados e estabelecidos é que a empresa pode atacar a questão: “De
que nível de rentabilidade precisamos?”. Atingir qualquer dos objetivos
implica altos riscos. Exige esforço, e isso significa custo. O lucro é, portanto,
necessário para se poder pagar o custo de se atingir os objetivos da empresa.
O lucro é uma questão de sobrevivência. É o custo do futuro, é o custo de
continuar no negócio.

Por conseguinte, o lucro de uma empresa começa a surgir no momento em


que o custo total da organização é superado pelas receitas conquistadas. Neste
sentido, o ponto de equilíbrio entre custos e receitas define o nível de lucro atingido a
cada mês.
Por essa razão, a importância do planejamento e a projeção da margem de
lucro esperada pela organização; assim, todos os fatores que envolvem os custos na
manutenção da empresa também devem ser mensurados e incluídos no preço final
dos produtos.
Nas palavras de Drucker (2014, p. 119),

O planejamento do lucro é indispensável. Mas que esse seja o planejamento


da lucratividade mínima necessária e não palavras sem sentido como a
“maximização do lucro”. Esse ponto mínimo pode bem situar-se um bocado
acima das metas que muitas empresas propõem para seus lucros, quanto
mais aos lucros que realmente conseguem.

Deste modo, o planejamento da margem de lucro deve ser estimado levando


em consideração os custos da organização, ao buscar o ponto de equilíbrio entre
receitas e despesas, e, ainda, a participação no mercado, os preços dos concorrentes
e os objetivos de curto, médio e longo prazos.
Igualmente, a margem de lucro colocada no preço final de cada produto
dependerá da soma de diferentes fatores, como a variedade, o custo e o volume de
comercialização.
Segundo o autor (DRUCKER, 2014), os(as) administradores(as) devem
observar as oito áreas fundamentais de um empreendimento empresarial, seus
objetivos e metas planejados pela empresa. De modo igual, o nível de lucro dependerá
do resultado positivo de todas as variáveis que envolvem o processo de produção e
comercialização dos produtos, além das tomadas de decisão dos(as) profissionais
49

administradores(as) em relação aos fatores internos e externos pertinentes à


administração, ao cenário econômico e ao mercado de capital.
No capítulo seguinte, Zygmunt Bauman aponta mudanças no mundo do
trabalho, nas concepções de Estado, de ética, de relações sociais, de política e de
cultura, que dialogam diretamente com o universo da administração. Discorre sobre
flexibilidade, colonização da esfera pública e políticas de vida, variáveis que
correspondem aos ideais de uma sociedade que se ancora no potencial da
“administração de empresas”, como ideologia hegemônica que nos permite entender
e enfrentar os dramas sociais.
Neste contexto, Peter Drucker, inúmeras vezes citado por Zygmunt Bauman
em suas obras, representa um dos ícones dos novos administradores da ordem, que
produzem os sentidos para os métodos organizacionais e empresariais da vida em
geral. Segundo Bauman, não há nenhuma restrição ao pensamento Druckeriano, mas
uma crítica ao modo como as pessoas têm vivido, sem horizontes utópicos de
mudança social e transformação da esfera da política. O escopo do que tem
acontecido no interior das teorias da administração não é privilégio único dos(as)
administradores(as) e sua formação, mas de uma visão acerca da forma como temos
que viver no capitalismo.
50

2 A FORMAÇÃO HUMANA DO(A) PROFISSIONAL DE ADMINISTRAÇÃO DE


EMPRESAS À LUZ DE ZYGMUNT BAUMAN

Zygmunt Bauman nasceu em 1925, na Polônia. Posteriormente, mudou-se


com sua família para a antiga União Soviética, com o objetivo de fugir da invasão
nazista, fato que ocorreu em setembro de 1939.
Bauman começou a carreira acadêmica como professor na Universidade de
Varsóvia, a partir de 1968 residiu e trabalhou no Canadá, nos Estados Unidos e na
Austrália. Ao longo da sua vida, Zygmunt Bauman, sociólogo e grande pensador da
modernidade, foi responsável por vasta produção de obra intelectual, com mais de
trinta livros publicados e traduzidos em diversos países e, durante o período de sua
carreira profissional, recebeu diversos prêmios pelo conjunto de suas obras.
Assim, com essa relevante biografia, nos apropriamos do pensamento de
Zygmunt Bauman para discorrer sobre o tema deste capítulo.
A educação, nos tempos líquido-modernos, enfrenta momentos difíceis, os
desafios apontam contra a própria essência da ideia de educação, especialmente
sobre a forma como ela se originou nos primórdios da história da civilização.
Por essa razão, este capítulo tem a finalidade de explicitar o contexto da
modernidade líquida, analisando os desafios sociais e históricos implicados na
formação em administração (questões éticas, políticas, culturais, epistemológicas e
sociais).
O modo de entendimento do gerenciamento das empresas agora se torna,
sob o neoliberalismo, uma nova forma de gerir o Estado. E, mais do que isso, a cultura
do indivíduo livre, que tem iniciativa de empreender sobre si, sendo um empresário de
si mesmo, se torna a cultura científica, que desdobra a teoria da administração para o
interior das políticas de vida.

2.1 MODERNIDADE SÓLIDA/LÍQUIDA: A EDUCAÇÃO EM PERSPECTIVA

Nessa modernidade ambivalente, Bauman (1999b) expressa, pela metáfora


sólido/líquido, a solidez das coisas, assim como a solidez dos vínculos humanos, que
é vista como uma ameaça, porque qualquer compromisso a longo prazo, ou qualquer
ação contra a continuidade do consumo rápido desacelera o objetivo capitalista do
mercado econômico e do lucro. Desta forma, a perspectiva de manter-se com uma
51

única coisa, um único instrumento, um único objeto a vida inteira é repulsivo e


apavorante, assim como manter-se com uma única compreensão, uma única e
precária interpretação, uma única verdade.
Nesta perspectiva, o consumismo de hoje não consiste somente em acumular
objetos, mas no prazer do ser humano com a descartabilidade, com a troca e a
sensação do novo. Essa compreensão permite e exige perguntar: Por que os
conhecimentos adquiridos na universidade deveriam escapar dessa regra universal?
Nesse mundo volátil e flexível (JAMESON, 2007), de mudanças líquidas, se
apresenta muito mais atraente o conhecimento criado para usar e descartar, substituir
e adquirir novamente, isto é, o conhecimento pronto para utilização e eliminação
instantâneas. Esse é o tipo de conhecimento prometido pelos programas em
aparelhos tecnológicos que entram e saem das gôndolas num ritmo cada vez maior,
para satisfazer o imaginário egocêntrico da inclusão aos moldes mercadológicos.
O pensamento de que a educação pode consistir em um comércio de produtos
feitos para serem apropriados e conservados, portanto, é desconcertante e não segue
na dimensão hermenêutica, criadora e dialógica que Bauman (1999b) pensa para a
educação, seja ela institucionalizada – formal/oficial – ou cotidiana – não formal –,
assentadas nas experiências e vivências diárias para além das regulações
institucionais.
No pensamento dos pais e das mães em relação à importância dos estudos
para seus filhos e filhas, o argumento utilizado na modernidade sólida era de que todo
o aprendizado conquistado ao longo da vida ninguém poderia tirar, porém, para os
jovens contemporâneos, essa perspectiva vai contra suas compreensões atuais, que
se pautam por uma vida sem compromissos longínquos, de mudança acelerada de
objetivos, de metas e de atividades.
Ainda no horizonte dos desafios, há também aqueles ligados aos
pressupostos fundamentais da educação, provenientes do caráter imprevisível das
transformações contemporâneas e que reforçam o argumento de que, em todas as
épocas, o conhecimento foi avaliado com base em sua capacidade de representar
fielmente o mundo.
Segundo Bauman (2010a, p. 45),

No mundo volátil da modernidade líquida, no qual é difícil uma forma manter


sua estrutura pelo tempo necessário para garantir a confiança e se coagular
numa credibilidade de longo prazo (não há como saber se e quando o fará,
52

e, de todo modo, é pouco provável que o faça), andar é melhor que ficar
sentado, correr é melhor que andar, e surfar é ainda melhor que correr.

Fica entendido que, para Bauman, na compreensão oriunda da modernidade


líquida, na qual as mudanças acontecem em um curto espaço de tempo e se colocam
contrárias, de algum modo, ao que a aprendizagem e a própria educação
representaram na maior parte de sua história, porque se desenvolveram nas medidas
de um mundo durável, sólido, que planejava uma agenda de permanência e, portanto,
de durabilidade e consistência, a pretensão era colocar-se em condições de
totalidade, de controle da produção e do domínio do conhecimento, mesmo que para
tal planejamento fosse necessário a difusão de verdades duráveis sustentadas com
forças catequéticas ou na lógica fundamentalista.
Nesse mundo volátil, de mudanças instantâneas e equivocadas, entretanto,
os comportamentos, os esquemas cognitivos sólidos e as preferências por valores
duradouros – objetivos últimos da educação ortodoxa –, segundo Bauman (2010a),
transformam-se em desvantagens. Pelo menos, este é o papel que lhes oferece o
mercado do conhecimento que, como qualquer mercado em relação a qualquer
espécie de mercadoria, ainda segue contrário à fidelidade do consumidor e também
aos laços de vínculos e dos compromissos a longo prazo. Vínculos, laços e contratos
são considerados obstáculos que atrapalham o caminho do consumo e que,
necessariamente, precisam ser removidos.
Por este ângulo de análise, Bauman (2010a) denuncia que neste mundo da
liquidez, as universidades buscam soluções privadas para problemas de origem
social, e não soluções geradas no meio social para resolver problemas privados ou
mesmo, na compreensão de que os problemas universais têm fórum de debates,
encaminhamentos e resoluções em espaços também ampliados, cosmopolizados
(BECK, 2018). São instâncias diferentes para campos e situações de ordens diversas.
Na ótica da modernidade sólida, Bauman (2010a, p. 51) exemplifica as
tomadas de decisão nas indústrias no período da revolução industrial, para lembrar
que

As fábricas fordistas massificadas e os exércitos baseados no recrutamento


em massa – os dois principais braços do poder pan-óptico – personificavam
com plenitude e tendência a transformar estímulos e respostas em rotina. O
“domínio” consistia no direito de fixar regras invioláveis, de supervisionar sua
aplicação, de garantir vigilância constante sobre os que eram forçados a
cumpri-las e de disciplinar os desviantes ou expulsá-los, se as tentativas de
reabilitação falhassem.
53

Considerando a relação entre dominados e dominadores no ambiente


empresarial, quem quiser ser bem-sucedido no trabalho que substituiu o cenário de
fábrica, deve demonstrar capacidade de convivência em grupo e de comunicação,
abertura mental e curiosidade; vender sua própria imagem, como valor único e
insubstituível, capaz de enriquecer a qualidade do grupo de trabalho. É quase que
uma espécie de salvador do mundo, um protótipo, um indivíduo com as características
exigidas pelo mercado para ser o elemento aglutinador dos comportamentos e o
orientador das ações e dos modos de ser dos demais indivíduos. Bauman (2010a, p.
54) indica que “Este é o gênero de conhecimento (ou de inspiração, melhor dizendo)
ardentemente desejado por homens e mulheres dos tempos líquido-modernos. Eles
procuram consultores que os ensinem a caminhar, e não professores que os orientem
num percurso único e já superlotado”.
Nos tempos líquidos, o empregado ou aspirante ao emprego tem de se
autodisciplinar para garantir que seu desempenho seja convincente, com boas
chances de aprovação no momento presente e no futuro, no caso de mudanças das
preferências dos observadores. Assim, não compete aos chefes a repressão às
particularidades dos empregados e à homogeneização de seu comportamento e
enquadramento de suas ações na rígida moldura da rotina. A criatividade transita no
horizonte das capacidades particulares, para que configurem novos ou diferentes
modelos não estruturados por padrões de continuidade, mas na adaptação às
circunstâncias que se apresentam como corretas e na habilidade de ensaiar, no
imediato, novos gestos, novas posturas, novos movimentos. Os indivíduos são
conduzidos a adaptações, a subsumir em suas demandas e desejos, de alguma
forma, para se colocarem na abertura às exigências e demandas exteriores. Parece
haver uma poderosa força indicando movimentos necessários para que os indivíduos
possam aparecer e manter a sua existência surgindo, mantendo-se úteis e
necessários às exigências impostas nos tempos líquidos.
É nesta linha de análise que, para Bauman (2010a), o sucesso do profissional
de administração parte dele mesmo e não de ser igual aos outros. Neste sentido, o
que vende melhor é a diferença, não a uniformidade; já não basta ter conhecimento e
habilidades relacionadas ao trabalho também dominadas pelos que já
desempenharam ou que estão interessados em desempenhar o mesmo ofício. É bem
provável que isso seja uma desvantagem.
54

Em relação às exigências dos tempos líquidos, que são os tempos da


existência da sociedade atual, também denominada pós-moderna (JAMESON,
2007), na linha da análise em desenvolvimento, sobre o perfil do profissional de
sucesso, é possível compreender de Bauman (2010a, p. 53), a necessidade de

[...]ter ideias inusitadas, apresentar projetos fora do comum, nunca propostos


antes, e sobretudo ter a vocação dos gatos para seguir seus próprios
caminhos solitários. Dificilmente se adquirem e se aprendem tais virtudes nos
livros-texto (à parte os manuais que desafiam o conhecimento e a sabedoria
herdados e infundem a coragem de viver na solidão). Por definição, tais dotes
são desenvolvidos a partir do “interior”, liberando e desenvolvendo as “forças
interiores” que se esconderiam na própria personalidade, e que só esperam
ser despertadas e acionadas.

Direcionando a ação-análise para a especificidade do profissional de


administração, esta condição líquida, volátil, flexível de educação e de formação sofre
a influência das enormes quantidades de informações que competem no mercado
capitalista e, entre a busca por consumidores, disputam a atenção de homens e
mulheres com diferentes reações, porém, atraídos pelo fascínio da possibilidade do
consumo e das infinitas ofertas de bens, produtos, artigos e, ainda, informação e
conhecimento.
Nesse conjunto, a parcela de conhecimento retirada para uso e consumo
pessoal é avaliada com base na quantidade, dificultando os parâmetros comparativos
em se tratando de qualidade e das necessidades humanas. As informações se
equivalem, e aquelas que invadem espaços televisivos refletem essa nova realidade
do conhecimento humano, ou seja, para cada resposta certa, independentemente do
assunto, o concorrente obtém o mesmo número de pontos.
Atribuir importância às diversas informações e, sobretudo, atribuir maior
importância a umas do que a outras talvez seja a tarefa mais desconcertante e a
decisão mais difícil no mundo líquido moderno. O único critério prático que se pode
adotar é a pertinência momentânea, mas ela também muda de um momento para
outro, e as informações assimiladas perdem significado assim que utilizadas. Como
outros produtos no mercado, elas são destinadas ao uso imediato, único, instantâneo
e, em breve, descartados, na medida em que outras atrações começam a ser
ofertadas.
Em um comparativo histórico, a educação assumia muitas formas e era capaz
de adaptar-se às circunstâncias mutáveis de definir novos objetivos e projetar novas
estratégias, no entanto, no presente, essas mudanças são diferentes: em nenhum dos
55

momentos decisivos da história da humanidade os educadores enfrentaram um


desafio comparável ao que representa este atual limite. Nas palavras de Bauman
(2010a, p. 60), “a arte de viver num mundo hipersaturado de informação ainda não foi
aprendida. E o mesmo vale também para a arte ainda difícil de preparar os homens
para esse tipo de vida”.

2.2 A CONVIVÊNCIA PROFESSOR(A) E ESTUDANTE NO PERÍODO LÍQUIDO-


MODERNO

Ao analisar a importância das convivências e das relações harmoniosas entre


professores e estudantes, pode-se compará-la com a relação familiar entre pai e filho
e ambos com seus avós, no convívio diário entre gerações. A incompreensão
recíproca entre eles e a desconfiança gerada, além de desgastar a relação afetiva,
aponta dificuldades na troca de experiências benéficas ao convívio. Assim, por
analogia, na sociedade se processam situações semelhantes, visto que os conflitos
podem ser encontrados facilmente em outros tempos. As desconfianças e
incompreensões entre gerações, porém, assumiram relevância maior na liquidez,
onde os modos de vida são caracterizados por mudanças permanentes, rápidas e
profundas nas condições e percepções sobre a vida.
Por este ângulo, Bauman (2010a, p. 62) alerta que

A aceleração radical do ritmo das mudanças, característica dos tempos


modernos, permitiu que se percebesse no curso de uma única vida humana
que “as coisas mudam” e “não são mais como antes”: trata-se de uma
constatação que sugere uma associação (ou um nexo causal) entre as
mudanças da condição humana e a sucessão das gerações.

Esses conflitos entre gerações e, ainda, a falta de compreensão e tolerância


recíproca de jovens e idosos levam a um resultado desanimador e imprevisível,
porque a geração mais velha teme que os jovens irão destruir e arruinar tudo o que
foi construído, defendido e conservado; já os jovens, ao contrário, pensam que devem
mudar a forma de agir, adquirir, consumir e administrar a vida, consertando o
desequilíbrio deixado pelas antigas gerações, como tematizado por Bauman em
Legisladores e intérpretes: sobre modernidade, pós-modernidade e intelectuais
(2010b).
Nesses cenários de divergências, intolerâncias e modos diferentes de pensar
e agir, assumidos pelos jovens na sociedade líquida, o professor defronta-se com um
56

importante desafio: educar e transformar o mundo dos estudantes por meio de uma
formação mais humana, mais compreensiva, indicando mais sensibilidade, e
ampliando a capacidade de interferência da educação para a diminuição da
centralidade do consumo, como uma tábua salvadora das demandas individuais
reprimidas e sufocadas.
O professor, ao ensinar e formar seus estudantes, ainda concorre com a vida
dos jovens em contínua emergência de ações e relações virtuais, que levam
vantagens sobre as relações diretas e pessoais, distanciando cada vez mais a relação
professor/estudante, pensamento/reflexão, conhecimento/vivência. O mundo off-line
convida os jovens a estarem em constante movimento, pois o palco das relações
virtuais é equipado com facilidades de interromper a convivência mediante as opções
deletar, excluir e bloquear.
No mundo dos jovens, a principal atração virtual e on-line está na ausência de
contradições e objetivos contrastantes e contraditórios que invadem a vida off-line; no
mundo on-line, ao contrário, torna-se possível pensar na infinita multiplicação de
contatos como algo plausível e factível. Contrastando com a realidade dos hábitos das
novas gerações, e considerando os desafios dos professores na formação ampliada
dos estudantes para a vida, com um olhar mais humano ante os embates do
capitalismo e do consumismo a qualquer preço e do convívio social, Bauman (2010a,
p. 71) faz um alerta acerca dos perigos que as novas gerações poderão enfrentar:

Mas é bom lembrar também que grande parte da presente geração de jovens
jamais experimentou grandes privações, como uma depressão econômica
prolongada, desprovida de perspectivas e com desemprego em massa. Eles
nasceram e cresceram num mundo em que podiam se abrigar sob guarda-
chuvas socialmente produzidos e administrados, à prova de ventos e
tempestades, que pareciam estar ali desde sempre para protegê-los do mau
tempo, da chuva fria e dos ventos gelados. Um mundo em que cada manhã
prometia um dia mais ensolarado que o anterior e mais rico de aventuras
agradáveis.

Essas condições de dificuldades e crises econômicas citadas por Bauman


(2010a), com possíveis consequências irreparáveis na forma de viver das novas
gerações, dificultariam o modo confiante e promissor que os jovens consideram como
o estado natural, mas que talvez, imperceptivelmente, compõem o mundo globalizado.
Por isso, segundo o autor, é cedo para compreender de que modo as visões de mundo
e os comportamentos dos jovens de hoje irão se adequar à sociedade que está em
gestação neste momento.
57

2.3 AS DESIGUALDADES SOCIAIS E SUAS CONSEQUÊNCIAS NA EDUCAÇÃO

A desigualdade social e o crescimento da pobreza no planeta, fundamentados


pela tradicional perspectiva de lucro naquilo que parece ser a essência do crescimento
econômico capitalista, têm sido significativos o bastante para chamar a atenção e
iniciar processos de reflexão acerca das perdas diretas para o conjunto da população,
da sociedade e do planeta, bem como sobre os efeitos colaterais dessa precária
distribuição da riqueza. Esse crescente distanciamento entre as classes sociais, que
separa os pobres e os sem perspectivas, quando comparados com os mais ricos, e
esse abismo, cuja profundidade já excede a capacidade e as possibilidades de vida
de todos, são motivos necessários para nos preocuparmos com os rumos da
sociedade e com a educação como um instrumento capaz de formação e de potencial
instituição de uma cultura do pensar no horizonte da condição humana. Por isso,
parece ser importante nos questionarmos: Como estamos formando os(as)
profissionais para o mundo do trabalho? E, mais especificamente, como os(as)
profissionais da administração, enquanto ciência, conhecimento e atividade, devem
ser preparados para viver no mundo social e histórico do capitalismo líquido-moderno?
Como os(as) profissionais de administração deverão enfrentar as questões e os
desafios éticos, políticos, culturais e sociais nas suas tomadas de decisão?
Nesse cenário que assombra, uma das justificativas para a economia de livre
mercado, e ainda, da busca do lucro individual, a preocupação com o bem comum é
questionada por pensadores, pesquisadores e analistas que estudam o aumento da
desigualdade social no mundo.
Há indícios de que isto se deve ao aumento do consumo de produtos pela
população, principalmente nas gerações mais novas, atraídos por técnicas de ofertas
de produtos eletrônicos, marcas e grifes de famosos, que invadiram os canais de
comunicação e as redes sociais, provocando o aumento da concentração de renda
entre os mais ricos (BAUMAN, 2008, 2009a).
Por este ângulo, os mercados de consumidores alcançaram mais uma
conquista: outras áreas de preocupações, desejos, lutas e interesses humanos.
Produtos comuns oferecidos no mercado informal, como a gastronomia e os serviços,
também viraram atrativos disponibilizados em shoppings centers e são severamente
disputados pela massa de ávidos consumidores.
58

A população é cada vez mais atraída pelas mensagens e anúncios vindos de


telas e dos alto-falantes em imensa profusão, vitalizando o mercado consumista.
Diante deste cenário, dia após dia, a todo instante e a todo o momento, as
vitrines acumulam e expõem seus produtos, ofertas, promessas de venda a crédito,
parcelamentos, promoções, mensagens explícitas e outras, ocultas com inteligência
capitalista, sagacidade e interesse economicista, no entanto, todas voltadas para as
fragilidades psicológicas e faculdades individuais, seja via emoções, necessidades
produzidas, sonhos ou para os desejos subconscientes, que prometem, sugerem e
anunciam realização, prazer, felicidade, alegria, arrebatamento ou êxtase.
Para demonstrar essa realidade que se desenvolve na dinâmica capitalista do
mercado entre empresas, produtos, ofertas e consumidores, Bauman (2015, p. 61)
alerta que

A mensagem não poderia ser mais clara: o caminho para a felicidade passa
pelas compras. A soma total das atividades de compra da nação é a medida
fundamental e menos falível da ventura da sociedade, e o tamanho da parcela
que cabe a um indivíduo nessa soma total é a medida fundamental e menos
falível da felicidade pessoal.
Nas lojas, remédios confiáveis podem ser encontrados para tudo o que for
aborrecido ou inconveniente, para todos os grandes e pequenos transtornos
no caminho para um modo de ser aconchegante, confortável e sempre
gratificante. O que quer que anunciem, exponham ou vendam de diferente,
as lojas são farmácias para toda e qualquer aflição genuína ou imaginada da
vida, as já sofridas e as que tememos encontrar adiante.

A realidade da ampla desigualdade social parece derivar da divisão entre os


ricos e os pobres, não como ocorrência natural, mas produzida, conduzida e articulada
para desenvolver-se desse modo e, assim, servir aos interesses do capitalista
mercado consumista. Em diferentes épocas, no entanto, ter ou não ter os diferentes
ou múltiplos objetos representa, respectivamente, por um lado, o estado mais
desejado e, por outro, o estado ressentido daqueles mais pobres.
No pensamento baumaniano, a nossa atitude impulsiva de comprar e a
tranquilidade com que nos desfazemos dos objetos de consumo para substituí-los por
novos, e pela rapidez com que desejamos a próxima compra, servem de medida
essencial ao nosso status social e ao nosso ego, como resultado para obtermos
sucesso na vida e nos destacarmos perante a nossa classe social e na sociedade
como um todo. Só é alguém quem consome. Consumir é ter visibilidade, aparecer
como alguém que está vivo.
59

Segundo Bauman (2015, p. 66), do berço ao túmulo, desde a sala de aula até
nossa fase adulta, nos bancos universitários, somos educados e treinados a tratar as
lojas como farmácias repletas de remédios que podem curar ou, pelo menos, mitigar
todas as doenças, os problemas da nossa vida particular e de nossas vidas em comum
e, ainda, nas lojas, assim como nas farmácias, encontrarmos os produtos que
satisfazem nossos necessidades e desejos.
Já os supermercados, segundo George Ritzer (apud BAUMAN, 2015), são os
nossos templos, e as listas de compras são a certeza do prazer e do consumo, porém,
há ainda mais: é nos shoppings centers que a alegria em consumir se completa. Eles
se tornam o destino, por vezes até diários, dos ávidos consumidores e das novas
gerações também educadas para o consumo, para a concorrência, para o status, a
moda.
Nesse mundo do consumo, o mundo líquido da sociedade em que vivemos,
que nos compele a comprar, a qualquer preço, por impulso, atraídos pelas ofertas e
promoções e a nos livrarmos de bens que já não são atraentes e nem observados
pelo grupo de relações, para substituir por outro produto novo e exposto nas vitrines,
a grande sensação é justamente a do prazer da aquisição, do sentimento de poder e
do consumo.
Por este ponto de vista, Bauman (2015, p. 67) assevera que

Completude de consumidor significa completude na vida. Eu compro, logo


existo. Comprar ou não comprar já não é mais a questão.
Para consumidores fracassados, meras versões atualizadas dos pobres, não
comprar é o estigma odioso e supurante de uma vida frustrada, uma marca
de inexistência e inutilidade. Não apenas de ausência de prazer, mas de
ausência de sentido na vida. Em última análise, de ausência de humanidade
e de qualquer outra base para o amor próprio e o respeito dos outros.

Com essa realidade social e com a tendência rumo à transferência mal


orientada e ilegítima de modelo, que desafia a lógica e a moralidade, porém muito
difundida em nossa fluída sociedade de consumo moderna e individualizada, Bauman
(2015), por meio de suas reflexões e estudos do comportamento humano e social,
questiona a formação que estamos proporcionando aos estudantes e futuros
profissionais. O que está em construção e faz parte do jogo consumista do capitalismo
neoliberal são os currículos mínimos, fragmentados e tecnicistas que partem de uma
racionalidade instrumental, para apressar a formação, conferindo habilidades e
competências técnicas, ao invés da ampliação na formação dos estudantes,
fomentando discussões e análises de experiências que adentram os estudos da
60

racionalidade crítica e humanista, mostrando aos estudantes e futuros profissionais


alternativas e modos de vida que valorizem a vida no seu sentido mais pleno – das
pessoas e do ambiente – e voltem os currículos para horizontes e relações de
coletividade, de alteridades e solidariedade, demonstrando preocupação com a
condição humana.
A situação que estamos vivendo no momento líquido da sociedade, das
compreensões, dos comportamentos, do desequilíbrio de pensamento, especialmente
em relação ao que valorizar e priorizar na vida, é devida principalmente ao avanço da
cultura consumista, que, nas palavras de Bauman (2015), postula a totalidade do
mundo habitado comparando-o a um imenso contêiner de objetos de consumo
potencial. E esses critérios, considerando a Teoria de Maslow – Teoria da pirâmide
de critérios das necessidades e desejos dos consumidores – estudadas e transmitidas
pelos professores e cursos de administração na formação profissional em
universidades, escolas técnicas e cursos de atualização colocados à disposição on-
line, estabelecem relações inflexivelmente assimétricas entre clientes e mercadorias,
consumidores e bens de consumo, de modo que os primeiros esperam dos segundos
apenas a satisfação de suas necessidades, seus desejos e carências; os segundos
extraem seu único significado e valor do grau, ao qual satisfazem suas expectativas.
Desse modo, consumir é viver, administrar para gerar lucro e fidelizar clientes; é o
grande aprendizado, e a educação é, então, serva do mercado de trabalho e do
mercado consumista.
Desta forma, os consumidores têm a liberdade para separar os objetos
desejáveis dos indesejáveis, os irrelevantes, os supérfluos, aqueles que perderam o
valor de uso, os danificados, e ainda decidir até quando utilizarão e permanecerão
com aqueles objetos úteis, desejáveis e relevantes para que estes satisfaçam suas
expectativas e necessidades.
Esse modelo de interação cliente-mercadoria é transplantado para as
interações indivíduo a indivíduo, potenciais consumidores, numa sociedade formada
desde a infância e instruída para o consumo. Essa formação, segundo Bauman
(2015), é a maior responsável pela debilidade corrente dos vínculos humanos e pela
fluidez das associações e parcerias humanas. A fragilidade e a revogabilidade dos
laços humanos levam ao medo da exclusão, ao abandono e solidão que assombram
a humanidade e que, nos dias atuais, causam ansiedade, infelicidade, doenças e
desigualdade social.
61

2.4 A SOCIEDADE LÍQUIDO-MODERNA

A vida líquida, igualmente, em outro horizonte, nos leva a refletir sobre os


valores que carregamos desde a infância e ao longo de nossas vidas, de nossa
educação e de nossa formação, e do porquê de optarmos por algumas coisas em
detrimento de outras: nosso modo de pensar, de viver a vida, de conviver com outras
pessoas, de valorizar momentos, objetos e bens de consumo.
Deste modo, o pensamento baumaniano sobre a vida líquida evidencia uma
infrequência de ações e rotinas, porque a existência é enfrentada em condições de
grandes e permanentes incertezas.
Por esse ângulo, paira um receio de não se ter todas as coisas, de deixar
passar o tempo sem que se consiga realizar tudo o que se deseja: de acumular objetos
indesejáveis e conviver com a necessidade ou desejo diário da troca, do novo, do
consumo de novos produtos e objetos, renovando a sensação de posse e o prazer
pela conquista da compra e do poder de comprá-las.
Neste sentido, a vida líquida é uma sucessão de reinícios e, mais
precisamente, a busca constante pela sua troca rápida, pois sua falta ou a
impossibilidade de manter-se no movimento do consumo causa incertezas,
inquietudes, dor de cabeça e constantes desafios.
Por essas razões, entre os desafios, a arte de livrar-se das coisas para que
outras possam ser adquiridas é o ciclo da renovação e do recomeço. Na sociedade
líquido-moderna, a indústria de remoção do lixo assume posição de destaque na
economia da vida líquida.
Em relação à sociedade líquido-moderna, Bauman (2009b, p. 9) destaca que

A sobrevivência dessa sociedade e o bem-estar de seus membros dependem


da rapidez com que os produtos são enviados aos depósitos de lixo e da
velocidade e eficiência da remoção dos detritos. Nessa sociedade, nada pode
reivindicar isenção à regra universal do descarte, e nada pode ter permissão
de se tornar indesejável. A constância, a aderência e a viscosidade das
coisas, tanto animadas quanto inanimadas, são os perigos mais sinistros e
terminais, as fontes dos temores mais assustadores e os alvos dos ataques
mais violentos.

Nesse mundo da sociedade líquido-moderna, volátil como o próprio comércio


e a economia globalizada, as pessoas estão vivendo baseadas em valores flexíveis,
sem pensar no amanhã. Desenvolvem sentimentos egoístas e veem as novidades
amplamente divulgadas e oferecidas como inovações, a precariedade como um valor,
62

a instabilidade como imperativo, o hibridismo como riqueza e, dessa maneira, vivem


intensamente e somente a vida líquida, instantânea e descartável.
A vida líquida, debatida por Bauman (2009b), revela uma sociedade voltada
para uma vida de consumo sempre focada nos objetos de consumo, ou seja, objetos
que perdem a utilização, a atração, o poder de sedução e o valor em pouco tempo de
uso; assim, esta sociedade molda-se para julgar e avaliar as pessoas pela capacidade
e potencialidade do consumo e as condições de manter-se nessa dinâmica do
mercado.
Também nesta linha de raciocínio, Bauman (2009b, p. 16) analisa que

O autossacrifício e a autoimolação, insustentavelmente longos e


implacavelmente “autopungentes” e “autodomesticantes”, esperam uma
gratificação interminável e revelam virtudes que parecem exceder a
capacidade de resistência. Todos aqueles custos exorbitantes das antigas
terapias não são mais necessários. Em seu lugar, cairão muito bem as novas
e aperfeiçoadas dietas, os aparelhos de ginástica, as mudanças de papel de
parede, os tacos no lugar de carpetes (ou vice versa), a troca de uma minivan
por um jipe (ou o contrário), de uma camiseta por uma blusa, de vestidos ou
forro de sofá monocromáticos por outros ricamente coloridos, o aumento ou
a redução dos seios, as trocas de tênis e de marcas de bebidas, as rotinas
diárias adaptadas à última moda e a adoção de um vocabulário
surpreendentemente novo para expressar publicamente confissões íntimas...
E, como último recurso, no horizonte extremamente distante, assombram as
maravilhas da modificação genética.

O consumo dos objetos em curto espaço de tempo comprova a expectativa


de vida útil bem limitada; na mente dos consumidores, quando tal limite é
ultrapassado, estes se tornam impróprios para o consumo e por este motivo são
descartados e logo substituídos por um novo produto.
Seguindo nesta ótica, um exemplo claro deste tempo de vida útil são os
aparelhos celulares que, pela diversidade de opções e lançamentos, com a oferta de
novidades em tecnologia e informações, além do design inovador e voltado à última
geração de consumidores, são desejados e adquiridos em um curto espaço de tempo,
sendo que na maioria das vezes os aparelhos substituídos ainda se encontram em
pleno funcionamento e em bom estado de conservação. O que acontece é o seguinte:
outros aparelhos já foram lançados no mercado e os consumidores são provocados
pela mídia, pelo comércio e até mesmo pelos amigos mais próximos, que surgem com
provocações como: “Com vergonha do seu celular? Será que já não está na hora de
trocar de aparelho? Faça um upgrade para um aparelho do qual você possa se
orgulhar! ”.
63

A partir de Bauman (2009b), e interpretando sua teoria, é possível entender


sua proposta em defesa da transformação da formação dos estudantes de maneira
que uma resposta aos comportamentos, costumes e hábitos dos indivíduos,
produtores, na atualidade, de resultados indesejáveis, pode ser realizada pela
educação como um movimento constante, nunca pronto.
Neste particular, fica subentendido que, pela teoria de Bauman (2009b), é
urgente oferecer aos estudantes novas motivações, novas formas de desenvolver
diferentes vocações e superar a condição de treinamento para novas habilidades, com
vistas a ampliar a preparação destes mediante uma formação integral preocupada
com valores mais sólidos, mais críticos e pautados na dignidade humana.
Bauman (2009b) sugere que a finalidade da educação é contestar o impacto
das experiências do dia a dia, enfrentá-las e desafiar as pressões que surgem do
ambiente social e econômico em que os indivíduos se encontram enredados na
liquidez. Dessa forma, nos provoca com as seguintes indagações: Será que a
educação e os educadores estão à altura desta tarefa? Serão eles capazes de resistir
à pressão? E ainda: Conseguirão evitar a arregimentação pelas mesmas pressões
que deveriam confrontar? Essas perguntas já foram realizadas repetidas vezes, e as
respostas retornam de forma negativa, considerando a realidade da vida social.
Essa provocação lançada por Bauman (2009b) de usar a educação como uma
alavanca de força suficiente para controlar as pressões dos fatos sociais, parece
eterna e ao mesmo tempo frágil ante o poder e o interesse das grandes economias.
Para exemplificar, Bauman (2009b, p. 21) recorre a Henry A. Giroux, pensador que
dedicou muitos anos aos estudos sobre a pedagogia crítica numa sociedade
resignada pelo poder do mercado econômico e, então, reafirma que

Em oposição à acomodação, privatização e comercialização de tudo que é


educacional, a educação superior precisa ser definida como um recurso
crucial para a vida cívica e democrática da nação. O desafio, portanto, é
professores, atores culturais, estudantes e sindicalistas se juntarem e se
oporem à transformação da educação superior numa esfera comercial...

Com este olhar, Bauman (2009b) procura combater a formação


especificamente instrumental, chamando a atenção para o importante papel da
educação na transformação acadêmica. O alerta do autor, contudo, ultrapassa a
fronteira do imediato e sugere que à educação superior não cabe apontar o que é
certo ou errado, mas despertar a dúvida, o questionamento, a discussão e estimular
a imaginação para, desse modo, desafiar o consenso prevalecente. Segundo ele,
64

existe uma tensão entre a retórica e o sentido de missão intelectual, o que deixa a
academia em geral e os pensadores humanistas vulneráveis aos defensores da
formação estritamente instrumental e voltada ao mercado.

2.5 A FORMAÇÃO PROFISSIONAL DO(A) ADMINISTRADOR(A) VOLTADO AO


MERCADO CONSUMIDOR

No mundo dos negócios, o administrador de empresas é visto como o


profissional capaz de atender às exigências do mercado, ao mesmo tempo em que
tenta despertar nos consumidores a atenção para satisfazer seus desejos e suas
necessidades. Desta forma, o profissional de administração de empresas ou de
gestão e negócios torna-se imprescindível ao mercado capitalista, financeiro, de
produção e comercialização.
Neste particular, o mercado de commodities é apoiado pelo crescente número
de consumidores no mundo, porque sua sobrevivência e aumento nas transações
comerciais dependem da aceleração do consumo de seus clientes e da fidelização de
novos, juntamente com a corrida atraente dos mesmos aos shoppings centers e,
ainda, à manutenção do status dos indivíduos, de suas realizações infinitas e da busca
pelo prazer a qualquer preço e em um espaço de tempo cada vez menor.
Nesta disputa por novos consumidores, a arte do marketing ganha um papel
significativo, e está focalizada em evitar a limitação das opções e a realização dos
desejos. Bauman (2009b, p. 48), sobre estas questões, denuncia que

O horizonte ideal do marketing é a irrelevância dos desejos em conduzir os


potenciais compradores. Afinal, os desejos precisam de um cultivo cuidadoso
e muitas vezes caro. Quando plenamente desenvolvidos, perdem grande
parte da flexibilidade inicial, ou toda ela, e só servem para usos específicos e
geralmente bem delimitados, não ampliáveis e intransferíveis. Vontades e
caprichos momentâneos, por outro lado, não exigem incubação e tratamento
prolongados, e, portanto, podem passar sem investimento.

Por essas razões, a difusão de padrões de consumo, tão amplos que chegam
a abarcar todos os aspectos e atividades da vida, pode ser um efeito colateral
inesperado na marketização dos processos da vida. Desta forma, o marketing adentra
as áreas da existência que até recentemente estavam fora do reino das trocas
monetárias e que não eram registradas nas estatísticas do Produto Interno Bruto
(PIB), atingindo espaços desconhecidos e afastando os outros motivos e critérios de
escolha que sejam alheios ao espírito do mercado de commodities. Assim, o mercado
65

em busca do crescimento a qualquer preço, redefine como produtos os setores que


anteriormente eram considerados partes das propriedades públicas e que, portanto,
não estavam à venda.
Na perspectiva teórica de Bauman (2009b, p. 115), “o mercado agora atua
como intermediário nas cansativas atividades de estabelecer e cortar relações
interpessoais, aproximar e separar pessoas, conectá-las e desconectá-las, datá-las e
deletá-las do diretório de texto”. Com isso, o mercado modifica as relações humanas
na empresa e no lar, no domínio público e também nos domínios privados.
Reorganiza, induz e programa os destinos e itinerários das pessoas, de forma que
nenhuma possa evitar a passagem pelos shoppings centers. Destaca às pessoas o
seu viver como uma série de problemas que, na maioria das vezes, não condiz com o
drama e são solucionáveis, no entanto, esses problemas precisam ser resolvidos por
meio da venda de produtos disponíveis nas lojas para todos os tipos de objetivos,
desejos e sonhos, facilmente conduzidos pelo uso de habilidades pessoais e da
personalidade, da cooperação amigável e de negociações técnicas resultantes de
treinamentos e formação profissional voltada para o convencimento e o domínio do,
já frágil, consumidor.
Nesta mesma linha de investigação, Bauman (2009b, p. 116) alerta que

O mercado fornece engenhocas e serviços sem os quais, na ausência de


habilidades sociais, da vida em sociedade e da vida em comum, “relacionar-
se” com outras pessoas e desenvolver um modus convivendi duradouro
seriam, para um número crescente de pessoas, tarefas assustadoras, além
do seu alcance, talvez até inalcançáveis.

Neste mundo do consumo desenfreado, produtos são promessas de uso


imediato, garantia de satisfação instantânea e prazer de experimentar o novo, a
substituição do objeto já obsoleto pelo recém lançado, o disputado nas vitrines e
oferecido nas redes sociais midiáticas. Em consequência, outro atributo do objeto do
consumo torna-se rotineiro: o destino final dos objetos descartados, o lixo, é o produto
final de toda ação de consumo e dos restos redundantes, destinados à remoção e ao
esquecimento, inclusive as pessoas que não conseguem consumir, que não estão
integradas ao mercado, denominadas de descartáveis.
Por essas razões, entre outras, a vida dos consumidores é uma infinita
sucessão de tentativas e erros, sendo a sociedade do consumo nada além de uma
sociedade do excesso, da fartura a qualquer preço, da redundância e do lixo farto.
Quanto mais fluído o ambiente de suas vidas, mais os consumidores precisam de
66

objetos potenciais para garantir seus prazeres, confundidos como necessidades e


desejos. O excesso, contudo, nunca é suficientemente estabelecido.

2.6 OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO EM TEMPOS LÍQUIDO-MODERNOS

Na concorrida disputa do mercado por consumidores, a vida de consumo é


uma vida de aprendizado rápido e imediato esquecimento e de trocas e mudanças,
que fazem com que as pessoas não queiram ficar excluídas do seu grupo social por
deixarem de acompanhar as tendências da atualidade, anunciadas em grande escala
nos canais de mídia e, ainda, estrategicamente planejadas para atrair a atenção dos
consumidores à plena renovação, remoção e substituição de objetos que já não são
mais atraentes e atuais.
Por conseguinte, o tipo de informação e instrução que surge nas ações de
publicidade e propaganda desperta nos consumidores o momento da troca e da
substituição. Destarte, anúncios das mudanças de estações do ano avisam que nas
vitrines já se encontram disponíveis novos produtos e, igualmente, as novas
tendências de cores para aquela determinada estação, por exemplo, o lançamento de
cores vivas como o vermelho, amarelo e azul em substituição ao bege, ao cinza e a
seus tons agora tediosos e utilizados até ontem. Da mesma forma, para a maquiagem,
modelos de calçados, acessórios, cortes de cabelos, cores de esmaltes, bolsas e
demais produtos.
Deste modo, o que quer dizer tudo isso? A tendência atual demanda que o
consumidor precisa jogar no lixo tudo aquilo que saiu de moda, para adquirir novos
produtos que já estão disponíveis nas prateleiras das lojas, nas vitrines, gôndolas de
supermercados e shopping centers e que, no entanto, a chamada tendência resistirá
até a troca da próxima estação do ano, quando todo o processo de substituição dos
objetos aconteça novamente.
Percebemos, entretanto, que a estratégia do impulsionamento para as
compras e, consequentemente, o reabastecimento imediato das prateleiras e a
inundação e exposição de cores e modelos nas vitrines, fornecidas com a publicidade
e propaganda em massa, incita os consumidores ao desejo e ao temor da exclusão,
em decorrência da comparação em relação ao poder de compra individual e pela
necessidade de encurtar a vida útil dos produtos que acabam de sair da moda, e com
isso manter a economia fortalecida.
67

Por essa razão, Bauman (2011a, p. 152) manifesta sua indignação com as
potentes questões, ao pronunciar que

O PNB (Produto Nacional Bruto) não é justamente o índice oficial do bem-


estar do país, medido pela quantidade de dinheiro que troca de mãos? O
crescimento econômico não é impelido pela energia e a atividade dos
consumidores? Um “consumidor tradicional”, aquele que faz compras apenas
para satisfazer suas “necessidades” e cessa de consumir quando elas estão
satisfeitas, não é o maior perigo para o mercado de consumo? Não é o
incremento de demanda, e não a satisfação de necessidades, o propósito
primeiro e o parâmetro da prosperidade consumista?
Numa sociedade de consumidores e na era das políticas de vida que
substituem a política com p maiúsculo, o ciclo econômico mais verdadeiro, o
único que mantém de fato a economia de pé, é o ciclo de “compre, use e
jogue fora”.
O fato de que duas respostas tão contraditórias como essas podem estar
certas ao mesmo tempo é o maior feito da sociedade de consumidores e a
chave de sua espantosa capacidade de reproduzir e se ampliar.

Dessa maneira, a vida de consumo não consiste em adquirir e possuir, e


também não é livrar-se de tudo que foi comprado anteriormente e substituído por
novas aquisições, mas diz respeito, antes de qualquer coisa, a estar em movimento.
Nesta lógica, para Bauman (2011a, p. 152-153),

Se Max Weber tinha razão, e o princípio ético da vida produtora era (e é,


sempre que uma vida deseje se tornar produtora) a postergação do prazer,
da recompensa, o princípio ético da vida consumidora (se sua ética pudesse
ser ainda que mínima e francamente articulada) consistiria na falácia da
satisfação. A ameaça principal a uma sociedade que promete a satisfação do
cliente como seu motivo e propósito é o consumidor satisfeito. Mas, para falar
a verdade, “o consumidor satisfeito” seria uma catástrofe tão grave e
horripilante para ele próprio quanto para a economia de consumo. Nada mais
há a desejar? Nada atrás do que correr? Fica-se fadado ao que se tem (e,
assim, ao que se é)? Nada mais compete por um lugar no teatro da atenção
e, assim, nada há que empurre a memória para fora do palco, deixando-o
limpo para “novos começos”. Essa condição - espera-se, de curta duração -
seria chamada de tédio. Os pesadelos que assombram o Homo consumens
são as memórias que se mantêm por mais tempo que sua acolhida e que
atravancam o palco.

Ao desenvolver o raciocínio relacionado à vida de consumo, tendo como base


a satisfação das necessidades, contemplada na Teoria de Maslow (administração) e
aplicada nas universidades na formação dos profissionais de administração, Bauman
(2011a) contesta esse entendimento defendendo que todas as necessidades, em
qualquer sociedade, ganham forma por meio do artifício de padrões e pressões
socioculturais que, segundo o autor, é o processo de depreciação, eliminação,
ironização e diminuição das necessidades de ontem dos objetos substituídos e
descartados, que não apenas estão fora de moda agora, mas transformaram-se em
algo entediante e vergonhoso. E, mais que isso, alega, ainda, o descrédito da ideia de
68

que a vida de consumo deveria ser guiada pela satisfação de necessidades e,


também, que constituiriam a preocupação principal da sociedade de consumidores.
Neste ponto de vista, Bauman (2001, p. 99) compreende que

A vida organizada em torno do consumo [...] deve se bastar sem normas: ela
é orientada pela sedução, por desejos sempre crescentes e quereres voláteis
– não mais por regulação normativa. Nenhum vizinho em particular oferece
um ponto de referência para uma vida de sucesso; uma sociedade de
consumidores se baseia na comparação universal – e o céu é o único limite.
A ideia de “luxo” não faz muito sentido, pois a ideia é fazer dos luxos de hoje
as necessidades de amanhã, e reduzir a distância entre o “hoje” e o “amanhã”
ao mínimo – tirar a espera da vontade. Como não há normas para transformar
certos desejos em necessidades e para deslegitimar outros desejos como
“falsas necessidades”, não há teste para que se possa medir o padrão de
“conformidade”. O principal cuidado diz respeito, então, à adequação – a
estar “sempre pronto”; a ter capacidade de aproveitar a oportunidade quando
ela se apresentar; a desenvolver novos desejos feitos sob medida para as
novas, nunca vistas e inesperadas seduções; e a não permitir que as
necessidades estabelecidas tornem as novas sensações dispensáveis ou
restrinjam nossa capacidade de absorvê-las e experimentá-las.

Neste particular, Bauman (2001) afirma que nessa sociedade as pessoas que
se movem apenas pelo que acreditam precisar e que são motivados pelo desejo de
satisfazer suas necessidades, são consumidores falhos e, por isso, também excluídos
socialmente.
Em vista disso, no cenário líquido moderno, a educação e a formação
profissional, para atingir os objetivos necessários de conscientização para uma vida
mais plena, humana e sensível aos valores humanos, devem ser contínuas e
vitalícias. Desta forma, a razão única pela qual o aprender deve ser contínuo e vitalício
é a natureza da tarefa que enfrentamos na estrada comum do empoderamento, uma
missão que mostra o que a educação e a formação profissional deveriam ser: para
sempre enfrentar, jamais estar completa, vitalícia.
Em relação à formação crítica e humanista, não apenas as habilidades
técnicas precisam ser continuamente atualizadas e a educação estar centrada no
emprego, mas devem também ser vitalícias, no sentido de atualizações constantes.
O mesmo é exigido, e com maior urgência, da educação para a cidadania.
Nesta perspectiva, Bauman (2011a, p. 195) evidencia que

A maioria das pessoas concordaria hoje, sem maiores insistências, que elas
precisam atualizar seu conhecimento profissional e digerir novas informações
técnicas se desejam evitar “serem deixadas para trás” ou serem lançadas ao
mar pelo aceleradíssimo progresso tecnológico. Como Henry Giroux
documentou em detalhes, numa longa série de esclarecedores estudos,
semelhante sentimento de urgência parece estar perdido quando se trata de
69

alcançar o fluxo impetuoso de acontecimentos políticos e as regras variáveis


do jogo da política.

Logo, em concordância com o autor, asseveramos a necessidade de uma


educação vitalícia que nos propicie escolhas, mas, também, salvaguardar as
condições que tornem a escolha disponível e ao alcance de nosso poder.

2.7 A EDUCAÇÃO E A ASCENSÃO DO MOVIMENTO INDUSTRIAL NA SOCIEDADE

A constituição das forças de trabalho industrial na sociedade desenvolve-se


com profusão na Europa e tem na Revolução Industrial o seu grande fomento. De
acordo com o Oxford English Dictionary, o uso do termo trabalho foi registrado em
1776, com o significado de “exercício físico dirigido a suprir as necessidades materiais
da comunidade”; de modo igual, o trabalho também significava o corpo geral de
trabalhadores e operários que participam da produção.
Paralelo ao movimento industrial, configurava-se o aumento acelerado da
desigualdade entre as nações, envolvida pela ideia do trabalho como fonte de riqueza,
poder e superioridade.
Sendo assim, a nova ordem industrial que separou os trabalhadores de seus
meios de sustento, combinada e integrada a outros arranjos, possibilitou que o
exercício corporal fosse manuseado, movido e unido aos interesses do capital. Desse
modo, a era industrial e a rede de conceitos que permitiu que fosse proclamado o
advento de uma sociedade distinta, industrial, originou-se na Inglaterra e deu início à
destruição do campesinato e ao vínculo entre trabalhador, sua principal riqueza, a
terra, e o trabalho humano.
Ao falar deste período, Bauman (2008) contribui denunciando o tratamento
dispensado à classe de trabalhadores, que, além de serem deslocados de sua origem,
permaneciam ociosos por um determinado período e, desta forma, eram percebidos
como recipientes dessa força de trabalho e, por fim, a classe de trabalhadores estava
pronta para ser usada novamente.
Na sociedade formada durante a ascensão do movimento industrial, em meio
ao poder e à ambição, feitos de ferro e concreto, assim como fábricas enormes e
lotadas de maquinarias e inúmeros trabalhadores, capital e trabalho mantinham-se
como mercadorias; logo, os trabalhadores dependiam de empregos para terem seu
70

sustento e, consequentemente, o capital dependia de empregá-los para sua produção,


crescimento e riqueza.
Por esta ótica, Bauman (2008, p. 32) analisa que:

Henry Ford ficou famoso por declarar que “a história é uma trapaça” e que
“nós não queremos tradição”. “Queremos viver no presente, e a única história
que vale a pena é a história que fazemos hoje”, O mesmo Henry Ford um dia
duplicou os salários de seus trabalhadores, explicando que desejava que eles
comprassem seus carros. Essa foi, é claro, uma explicação com ar de
deboche: os carros comprados pelos operários de Ford eram uma fração
mínima do total de vendas e dobrar o salário aumentou bastante os custos
produtivos de Ford. A verdadeira razão para essa medida pouco ortodoxa foi
o desejo de eliminar a irritantemente alta mobilidade da força de trabalho. Ele
queria atar seus empregados às empresas Ford de uma vez por todas e fazer
render o dinheiro investido no treinamento – e fazê-lo render outra vez, com
a duração da vida de trabalho de seus trabalhadores. E para atingir tal efeito,
Ford precisava imobilizar sua equipe. Precisava fazê-los tão dependentes do
emprego em sua fábrica como ele mesmo dependia, para sua riqueza e
poder, de empregá-los.

A partir da narrativa de Bauman (2008), parece evidente o compromisso entre


o capital e a força de trabalho, fortificado pela mutualidade de sua dependência, ou
seja, nenhum poderia deslocar-se, pois a fábrica mantinha a ambos em uma chamada
prisão compartilhada.
Nesta realidade, o capital e os trabalhadores estavam unidos, na riqueza e na
pobreza, até que a morte os separasse. Por consequência, a fábrica era a residência
comum de ambos, capital e trabalhador, e, ainda, o campo de batalha para a guerra
de trincheiras. Por outro lado, o caminho para a esperança, o projeto, a fartura e a
realização dos sonhos.
Por essa razão, Bauman (2009a, p. 33) aponta que

Para que ambos – capital e trabalho – pudessem se manter vivos, cada um


precisava ser mantido como mercadoria: os donos do capital tinham de ser
capazes de continuar comprando trabalho, e os donos deste precisavam
estar alertas, saudáveis, fortes e de certo ponto atraentes para não afastar os
possíveis compradores. Cada lado possuía “capital investido” para manter o
outro na devida condição. Não é de admirar que a “remercantilização” do
capital e do trabalho tenha se tornado a principal função e preocupação dos
políticos e do estado: os desempregados eram de fato um “exército de
reserva de trabalho” que deveria ser mantido sempre em estado de prontidão,
para o caso de ser chamado de volta ao serviço ativo.

Nesta conjuntura entre capital e trabalhador, qualquer empregado que


conseguisse seu primeiro emprego na fábrica da Ford estaria fadado a permanecer
no mesmo lugar até o final da sua carreira. Para os capitalistas, sua riqueza e seu
patrimônio eram pensados para durar além da expectativa de vida de qualquer
membro da família e, ainda, viviam sob atos de repressão e dominação, como as
71

medições de tempo e movimento, lançadas por Frederick Taylor e praticados pelos


gerentes e administradores em prol do crescimento das organizações industriais. Isto
posto, transformavam as fábricas em arena, onde os trabalhadores eram vigiados e
submetidos às regras e às delegações de poder.
Neste ponto de vista, o capital, ao longo dos tempos, continuou sua vocação
para a competitividade, efetividade e rentabilidade a qualquer preço, tendo seus
itinerários guiados pela atração aos consumidores para gerar e alimentar a demanda
da força de trabalho, que continua dependente e entregue às condições de emprego
em oferta e à necessidade do trabalho. São os chamados trabalhadores de rotina,
presos à linha de montagem das fábricas, as partes mais sacrificadas, descartáveis e
intercambiáveis do sistema econômico.
Por este ângulo, ao referir-se no capital como projeto social e defendido por
pensadores como Peter Drucker, Maximiliano, Chiavenato e outros, Bauman (2001,
p. 168) contesta:

As imagens de uma sociedade feliz pintadas em muitas cores e por muitos


pincéis no curso dos dois últimos séculos provaram-se sonhos inatingíveis ou
(naqueles casos em que sua chegada foi anunciada) impossíveis de viver.
Cada forma de projeto social mostrou-se capaz de produzir tanto tristeza
quanto felicidade, senão mais.

Destarte, todos os nichos promotores das mercadorias, dos produtos, seus


agentes de marketing, os bens e seus vendedores, administradores e gerentes e,
ainda, o ciclo da cadeia produtiva, de gestão e negócios, todos habitam o mesmo
espaço social chamado mercado. Desta forma, todos têm como atividade central o
marketing, porque, para atingir o objetivo final de chegar até a casa dos consumidores,
seus produtos precisam obter a atenção, despertar o desejo e atrair demanda e
compradores.
O marketing, para aproximar-se da sociedade de consumo, vende a promessa
de satisfazer os desejos humanos em um nível que nenhuma sociedade do passado
conseguiu atingir ou ainda sonhar. A promessa de satisfação, no entanto, só
permanece sedutora enquanto o desejo continua insatisfeito, e é mais relevante ainda
quando o cliente não está plenamente satisfeito. O mesmo consumidor continuará
atraído pelas estratégias de marketing focadas na permanência deste cliente em
realizar seu desejo ou em sentir novas sensações de prazer, ao adquirir novos
produtos em um menor espaço de tempo possível.
72

Neste sentido, Bauman (2008, p. 63) destaca a verdadeira preocupação do


mercado junto aos consumidores para alavancar a economia, e atesta que

Assim como os trabalhadores tradicionais fáceis de satisfazer – que não


concordariam em trabalhar mais do que o necessário para garantir a
permanência do modo de vida habitual – eram o pesadelo da nascente
"sociedade de produtores”, da mesma forma os “consumidores tradicionais”
– guiados pelas necessidades familiares de ontem, fechando com alegria os
olhos e tapando os ouvidos aos afagos do mercado de bens de consumo para
poderem seguir suas velhas rotinas e manter seus hábitos – significariam o
dobre de finados da sociedade de consumidores, da indústria de consumo e
dos mercados de bens. Um baixo patamar para os sonhos, o fácil acesso a
produtos suficientes para atingir esse patamar e a crença em limites objetivos,
difíceis ou impossíveis de negociar, assim como necessidades “genuínas” e
desejos “realistas”: são esses os mais temidos adversários da economia
orientada para o consumidor e que, portanto, devem ser relegados ao
esquecimento. É exatamente a não-satisfação dos desejos e a convicção
inquebrantável, a toda hora renovada e reforçada, de que cada tentativa
sucessiva de satisfazê-los fracassou no todo ou em parte que constituem os
verdadeiros volantes da economia voltada para o consumidor.

As transformações de nosso mundo, por meio da globalização e suas


consequências, ou, como denomina Bauman (2011b), seus Danos Colaterais, são
marcadas pela exclusão que cresce a cada dia, impondo novas exigências e
qualificações para o mundo do trabalho, com as quais a nossa estrutura educacional
não está preparada para lidar, acarretando, desta forma, um alto índice de
desemprego.
Ao analisar a globalização econômica que sacrifica a classe trabalhadora,
Freire (2014, p. 123), como se em sintonia com Bauman, faz a seguinte contestação:

A capacidade de nos amaciar que tem a ideologia nos faz às vezes


mansamente aceitar que a globalização da economia é uma invenção dela
mesma ou de um destino que não se poderia evitar, uma quase entidade
metafísica e não um momento do desenvolvimento econômico submetido,
como toda produção econômica capitalista, a uma certa orientação política
ditada pelos interesses dos que detêm o poder. Fala-se, porém, em
globalização da economia como um momento necessário da economia
mundial a que, por isso mesmo, não é possível escapar. Universaliza-se um
dado do sistema capitalista e um instante da vida produtiva de certas
economias capitalistas hegemônicas como se o Brasil, o México, a Argentina
devessem participar da globalização da economia da mesma forma que os
Estados Unidos, a Alemanha, o Japão. Pega-se o trem no meio do caminho
e não se discutem as condições anteriores e atuais das diferentes economias.
Nivelam-se os patamares de deveres entre as distintas economias sem se
considerarem as distâncias que separam os “direitos” dos fortes e o seu poder
de usufruí-los e a fraqueza dos débeis para exercer os seus direitos. Se a
globalização implica a superação de fronteiras, a abertura sem restrições ao
livre-comércio, acabe-se, então, quem não puder resistir. Não se indaga, por
exemplo, se, em momentos anteriores da produção capitalista nas
sociedades que lideram a globalização hoje, elas eram tão radicais na
abertura que consideram agora uma condição indispensável ao livre-
comércio. Exigem, no momento, dos outros, o que não fizeram consigo
73

mesmas. Uma das eficácias de sua ideologia fatalista é convencer os


prejudicados das economias submetidas de que a realidade é assim mesmo,
de que não há nada a fazer, mas seguir a ordem natural dos fatos. Pois é
como algo natural ou quase natural que a ideologia neoliberal se esforça por
nos fazer entender a globalização, e não como uma produção histórica.

Dessa maneira, tratando-se da globalização econômica, a modernidade, ao


procurar organizar o mundo sob sua perspectiva, estabeleceu o contrário: seus
produtos se tornaram formas de exclusão, fronteiras e anomalias entre as relações
humanas e suas formas de vida e de lidar com o mundo.
Da mesma forma, as percepções se tornaram conflituosas; formou-se uma
geração constituída por mal-estares, sentimentos de aflição, insegurança, depressão,
ansiedade, deixando de existir uma definição quanto aos fins da ação humana.
Com relação à prática educativa e à formação profissional, ensinar exige o
conhecimento do mundo em que vivemos, a compreensão de descobrir coisas novas,
segurança, competência profissional e generosidade e, além disso, um clima de
respeito, que nasce de relações justas, sérias e humildes, onde a autoridade docente
e a liberdade dos estudantes se assumem eticamente.
Nessa relação, devem ser criados caminhos com possibilidades de escolha,
que podem representar um movimento de transformação, socialização, mudanças,
trocas e criatividade. Assim, os educadores colaboram compreendendo a realidade
do conjunto, do todo, tendo como eixo principal a autonomia da vida diária do
indivíduo, a educação da afetividade, as formas de convivências e a cooperação, a
ajuda e os direitos e deveres mais elementares.
Para isso, o compromisso do educador, além da formação dos estudantes, é
também com a cidadania, implicando na prática de princípios éticos, respeito,
solidariedade, responsabilidade, uso construtivo da liberdade, autonomia e princípios
políticos, que incluem direitos e deveres de uma vida cidadã. Assimilar os fenômenos
que governam a vida na terra, partindo de uma ação consciente, capaz de modificar
contextos próximos, vislumbra a liberação de certa criatividade, na tentativa de
modificar as estruturas sociais estagnadas.
Neste particular, atentamos para a nossa responsabilidade ética no exercício
da formação dos futuros profissionais, não importando se este trabalho é com
crianças, jovens ou adultos. A possibilidade de novas perspectivas na formação
parece viabilizar-se por meio do modo como conduzimos, enquanto escolas,
universidades e docentes, os conteúdos que ensinamos, na forma como discordamos
74

ou concordamos com autores e seus pensamentos e, assim, os transmitimos aos


nossos alunos.
O educador, ao mesmo tempo em que troca experiências e conhecimentos
com seus alunos, deve transmitir seu ponto de vista, de forma que o estudante
perceba o respeito e a lealdade com que o seu professor analisa, interpreta e critica
os argumentos, as expressões e as posturas dos outros.
Quando mencionamos a formação como processo de emancipação humana,
destacamos que educar é, substancialmente, formar o homem e a mulher para a vida.
Os educadores e as educadoras que formam para a vida mudam paradigmas,
transformam o destino de um povo e o ambiente onde vivem, pois preparam seus
cidadãos e cidadãs por meio de um cenário de reflexões e ideias.
Desta forma, a educação contemplada mediante a racionalidade crítica e
humana, possibilita incrementar a capacidade de discernimento dos estudantes e
conscientizá-los da importância das suas escolhas. Deste modo, a educação
consolida os valores e virtudes já existentes nos estudantes, e incentiva a superação
de possíveis erros e incertezas no futuro e nas suas tomadas de decisão.
Nessa realidade, a política de vida que vivemos está atravessada por grandes
transformações sociais e econômicas. Em consequência, o ser humano está se
rendendo ao modernismo do consumo demasiado, estimulado pela mídia, pelo
incentivo de órgãos governamentais e pela busca incessante de ascensão social,
fatores que contribuem para a redundância e a descartabilidade, o que implica o
imediatismo.
Compreendemos que o excesso de consumo da população, com o descarte
de objetos de uso pessoal, é cada vez mais frequente na rotina das pessoas. Os
objetos úteis e indispensáveis de hoje são, com pouquíssimas exceções, o refugo de
amanhã. Queremos melhorar de condição agora, porém, como danos colaterais,
estamos assumindo dívidas, de modo que tê-las parece haver perdido qualquer
implicação moral adversa e, não plenamente satisfeitos, decidimos que comprar a
crédito é a única forma de compromisso a longo prazo que os habitantes do “mundo
líquido moderno” assumem com satisfação.
Neste particular, Bauman (2005, p. 139) alerta que

De modo curioso, surpreendente, desconcertante, comprar a crédito é a única


forma de compromisso a longo prazo que os habitantes do líquido mundo
moderno não apenas toleram e defendem, mas assumem com satisfação.
Eles até estão começando a ver a contração de um débito como um tipo
75

benigno de compromisso que ajuda a enfrentar e vencer suas outras


variedades, estas sim malignas. Uma crença que as empresas de cartão de
crédito endossam de todo o coração, prometendo assumir e “restituir” o que
você deve a outras empresas de cartão de crédito. Não há muita lógica nisso
tudo, mas quem – com exceção de seus bardos, contratados ou voluntários
– disse que a sociedade de consumo floresce sobre a conduta lógica, ou
orientada pela lógica, de seus fregueses?
Por que motivo o crédito e a oportunidade de assumir uma dívida são
considerados tão necessários, são oferecidos com tamanho entusiasmo, de
modo tão alegre, e reconhecidamente aceitos? A resposta simples, imediata,
e também, como vimos acima, mais comum é: para acelerar e aproximar
satisfação de necessidades, desejos ou impulsos.

Equitativamente, a publicidade associa os automóveis à paixão e ao desejo,


e os celulares, à inspiração e à sensualidade. Dessa maneira, a indústria da venda,
que também é indústria da criação da necessidade, da elevação do desejo e da
disponibilização da condição individual de posse enquanto poder de compra e, desta
forma, integrar a ciranda do mercado que faz os indivíduos serem alguém, produz a
sociedade do consumismo com produtos cada vez mais descartáveis, com desejos
rápidos de satisfação e posse, com a compra de supérfluos e a busca incessante de
produtos que não são necessários, mas, no entanto, desejados.
Pode-se inferir daí que o bem-estar, a sensação de poder de compra, o status
e a aparência estão levando os consumidores à condição de confinados, ao maior dos
círculos viciosos – o consumismo. E, nessa perspectiva, entendemos que o estado
social está se tornando aos poucos um “estado-guarnição”. Os problemas sociais são
cada vez mais criminalizados, a ponto de tornarem-se concretas as palavras de Giroux
(2000), ao escrever que a repressão aumenta e substitui a compaixão. Então,
problemas reais como a redução do mercado imobiliário e o desemprego maciço nas
cidades – como causas da questão dos sem-teto, da ociosidade juvenil e da epidemia
das drogas – são desprezados em favor de políticas associadas à disciplina, ao
refreamento e ao controle.
Em meio a esta discriminação, é como se fôssemos impessoais em relação à
exclusão econômica, ficando a indústria responsável pela remoção do lixo humano,
dos corpos supérfluos, emudecidos e apagados pelo sistema.
Seguindo por este ponto de vista, consideramos que a difusão global do modo
de vida moderno, que atingiu os limites mais longínquos do planeta, eliminou a divisão
entre centro e periferia, entre modos de vida modernos e pré-modernos, divisão esta
que acompanhou a maior parte da história moderna, quando a revisão dos modos de
vida herdados foi confinada a um setor do globo relativamente estreito. Isso aponta,
76

entre outras coisas, que típicos processos modernos ocorram por toda a parte e,
assim, em todo lugar o refugo humano é produzido e gerado em quantidades sempre
crescentes.

2.8 FORMAÇÃO PROFISSIONAL AMPLIADA MEDIANTE OS SABERES E


VALORES HUMANOS

Na educação e formação universitária, acredita-se que devam ser criados


caminhos com possibilidades de escolha, que podem representar um movimento de
transformação, de socialização, de trocas e de criatividade. A mudança de postura
dos educadores, entretanto, deve buscar compreender uma realidade do conjunto, do
todo, tendo como eixo principal a autonomia da vida diária do indivíduo, a educação
para a afetividade e a solidariedade, as formas de convivências ocupadas com
princípios de vida e cooperação, a atenção aos direitos e deveres mais elementares
e o resgate da boniteza de ser gente.
Neste particular, ensinar exige conhecer o mundo em que vivemos; exige a
compreensão de descobrir coisas novas, segurança, competência profissional e
generosidade, clima de respeito que nasce de relações justas, sérias, humildes e
generosas, onde a autoridade docente e a liberdade dos estudantes se assumem
eticamente.
Logo, o compromisso do educador, além da formação dos estudantes e
futuros profissionais, é também com a cidadania, implicando na prática de princípios
éticos, respeito, solidariedade, responsabilidade, uso construtivo da liberdade,
autonomia e princípios políticos, que incluem os direitos e os deveres de uma vida
cidadã.
Em consequência, compreender os princípios dos fenômenos que governam
a vida na terra, partindo de uma ação consciente, capaz de modificar contextos
próximos, vislumbra a liberação de certa criatividade, na tentativa de modificar as
estruturas sociais estagnadas.
Por este ângulo, Freire (2014, p. 124), que, em nossa compreensão se
aproxima significativamente do pensamento de Bauman, alerta que

O discurso da globalização que fala em ética esconde, porém, que a sua é a


ética do mercado e não a ética universal do ser humano, pela qual devemos
lutar bravamente se optamos, na verdade, por um mundo de gente. O
discurso da globalização astutamente oculta ou nela busca penumbrar a
77

reedição intensificada ao máximo, mesmo que modificada, da medonha


malvadez com que o capitalismo aparece na história. O discurso ideológico
da globalização procura disfarçar que ela vem robustecendo a riqueza de uns
poucos e verticalizando a pobreza e a miséria de milhões. O sistema
capitalista alcança no neoliberalismo globalizante o máximo de eficácia de
sua malvadez intrínseca.

Nesta lógica, quando da formação dos profissionais em administração de


empresas, é preciso, sobretudo, que o estudante, desde o início da sua experiência,
tenha a consciência de que ensinar e aprender não é transferir conhecimento, mas
possibilitar oportunidades para a sua produção ou a sua construção de vida, com base
na racionalidade instrumental, porém, também formada por meio do pensamento
crítico e humanista.
Por este ângulo, ao apresentar conceitos análogos com Bauman, Freire
(2014) discorre que os valores humanos, na escola, estão presentes na apreciação e
assimilação do conhecimento de todos os conteúdos a serem ensinados, pois eles
integram o conhecimento, a família, a escola, a comunidade e a vida em sociedade.
Desta forma, vinculam o ensinamento ministrado na escola às circunstâncias da vida,
construindo uma consciência da ética e da estética do bem. O papel do educador é
de relevante importância no contexto educacional, quando, por meio da paz, da
prudência, da racionalidade e da crítica no momento de consumir e, diante dos apelos
do mercado, faz de sua tarefa docente não apenas o ensino dos conteúdos, mas
também ensina seus alunos a pensarem certo.
Nessa perspectiva, Freire (2014, p. 28) assevera que

O educador democrático não pode negar-se o dever de, na sua prática


docente, reforçar a capacidade crítica do educando, sua curiosidade, sua
insubmissão. Uma de suas tarefas primordiais é trabalhar com os educandos
a rigorosidade metódica com que devem se “aproximar” dos objetos
cognoscíveis. E esta rigorosidade metódica não tem nada que ver com o
discurso “bancário” meramente transferidor do perfil do objeto ou do
conteúdo. É exatamente neste sentido que ensinar não se esgota no
“tratamento” do objeto ou do conteúdo, superficialmente feito, mas se alonga
à produção das condições em que aprender criticamente é possível. E essas
condições implicam ou exigem a presença de educadores e de educandos
criadores, instigadores, inquietos, rigorosamente curiosos, humildes e
persistentes. Faz parte das condições em que aprender criticamente é
possível a pressuposição por parte dos educandos de que o educador já teve
ou continua tendo experiência da produção de certos saberes e que estes
não podem a eles, os educandos, ser simplesmente transferidos. Pelo
contrário, nas condições de verdadeira aprendizagem os educandos vão se
transformando em reais sujeitos da construção e da reconstrução do saber
ensinado, ao lado do educador, igualmente sujeito do processo. Só assim
podemos falar realmente de saber ensinado, em que o objeto ensinado é
apreendido na sua razão de ser e, portanto, aprendido pelos educandos.
78

Neste cenário, o ensinar exige respeito aos saberes dos educandos. Por isso,
pensar mais amplamente estabelece à universidade o dever de considerar os saberes
com que os educandos, principalmente aqueles das classes populares, constroem na
prática comunitária.
Por outro lado, a globalização, o acesso às novas tecnologias, às redes
sociais e à vida on-line disputam a atenção dos estudantes, em uma guerra injusta e
desigual. Logo, a sociedade do consumo sente-se atraída pelo capitalismo e pelos
objetivos do lucro e do mercado, desviando os interesses humanos e transgredindo a
ética universal do ser humano.
Deste modo, Freire (2014, p. 127-128), ao que parece uma concordância ou
aproximação com o pensamento baumaniano, indica que

O progresso científico e tecnológico que não responde fundamentalmente


aos interesses humanos, às necessidades da nossa existência, perdem, para
mim, sua significação. A todo avanço tecnológico haveria de corresponder o
empenho real de resposta imediata a qualquer desafio que pusesse em risco
a alegria de viver dos homens e mulheres. A um avanço tecnológico que
ameaça milhares de mulheres e de homens de perder seu trabalho deveria
corresponder outro avanço tecnológico que estivesse a serviço do
atendimento das vítimas do progresso anterior. Como se vê, esta é uma
questão ética e política e não tecnológica. O problema me parece muito claro.
Assim como não posso usar minha liberdade de fazer coisas, de indagar, de
caminhar, de agir, de criticar para esmagar a liberdade dos outros, de fazer e
de ser, assim também não poderia ser livre para usar os avanços científicos
e tecnológicos que levem milhares de pessoas à desesperança. Não se trata,
acrescentemos, de inibir a pesquisa e frear os avanços, mas de pô-los a
serviço dos seres humanos. A aplicação de avanços tecnológicos com o
sacrifício de milhares de pessoas é um exemplo a mais de quanto podemos
ser transgressores da ética universal do ser humano e o fazemos em favor
de uma ética pequena, a do mercado, a do lucro.

A educação, nesta análise, não deve preocupar-se em ensinar a manipular


instrumentos tecnológicos sem contextualizá-los a partir dos cenários das vivências e
situações histórico-sociais.
De natureza igual, hoje, muito se fala em inclusão digital, que também
avaliamos importante, com a ressalva de que a mesma não pode ser isolada dos
contextos existenciais, vivenciais e presenciais de condição humana, sob o risco de
os educadores prepararem o profissional para o mundo tecnológico, atendendo
exclusivamente aos interesses de mercado e ao mundo capitalista, e não na
perspectiva de um mundo mais humano, de valorização e respeito ao ambiente e seus
recursos e à continuidade da vida no planeta.
Por esta ótica, Freire (2014, p. 34) adverte:
79

É por isso que transformar a experiência educativa em puro treinamento


técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício
educativo: o seu caráter formador. Se se respeita a natureza do ser humano,
o ensino dos conteúdos não pode dar-se alheio à formação moral do
educando. Educar é substantivamente formar. Divinizar ou diabolizar a
tecnologia ou a ciência é uma forma altamente negativa e perigosa de pensar
errado. De testemunhar aos alunos, às vezes com ares de quem possui a
verdade, um rotundo desacerto. Pensar certo, pelo contrário, demanda
profundidade e não superficialidade na compreensão e na interpretação dos
fatos. Supõe a disponibilidade à revisão dos achados, reconhece não apenas
a possibilidade de mudar de opção, de apreciação, mas o direito de fazê-lo.

Destarte, educar é, substancialmente, formar o profissional para a vida, com


características orientadas por meio de valores humanos que mudem os paradigmas,
transformem as compreensões e os destinos dos povos excluídos e que operem na
direção de instituir um sistema social sem armas.
Nesta perspectiva, a educação, a formação, em nosso entender, deve
preparar acadêmicos e futuros profissionais por meio do florescer de ideias criativas.
Podemos descrever, ainda, que os valores humanos não devem ser
encarados como um código de conduta imposto de fora para dentro. A educação em
valores humanos, na família, na sociedade e na universidade deverá incrementar a
capacidade de discernimento dos estudantes e conscientizá-los da importância das
suas escolhas. Desta forma, a educação consolida os valores e virtudes já existentes
nos estudantes e incentiva a superação de erros e defeitos.
A auto-observação e a análise devem ser uma constante para quem pretende
ver a educação como um processo bilateral, em que o educador educa e ao mesmo
tempo é educado.

O saber da impossibilidade de desunir o ensino dos conteúdos da formação


ética dos educandos. De separar prática de teoria, autoridade de liberdade,
ignorância de saber, respeito ao professor e respeito aos alunos, ensinar de
aprender. Nenhum destes termos pode ser mecanicistamente separado um
do outro. Como professor, tanto lido com minha liberdade quanto com minha
autoridade em exercício, mas também diretamente com a liberdade dos
educandos, que devo respeitar, e com a criação de sua autonomia, bem como
com os ensaios de construção da autoridade dos educandos. Como professor
não me é possível ajudar o educando a superar sua ignorância se não supero
permanentemente a minha. Não posso ensinar o que não sei. Mas, este,
repito, não é saber de que apenas devo falar e falar com palavras que o vento
leva. É saber, pelo contrário, que devo viver concretamente com os
educandos. O melhor discurso sobre ele é o exercício de sua prática. É
concretamente respeitando o direito do aluno de indagar, de duvidar e de
criticar que falo desses direitos. A minha pura fala sobre esses direitos a que
não corresponda a sua concretização não tem sentido.
Quanto mais penso sobre a prática educativa, reconhecendo a
responsabilidade que ela exige de nós, tanto mais me convenço do dever
nosso de lutar no sentido de que ela seja realmente respeitada. O respeito
que devemos como professores aos educandos dificilmente se cumpre, se
80

não somos tratados com dignidade e decência pela administração privada ou


pública da educação (FREIRE, 2014, p. 93-94).

Quem educa a partir da compreensão dos valores humanos deve ter a


humildade daquele que busca, a perseverança dos que têm fé e a alegria sempre
renovada na doação, na solidariedade e na humanidade. Um sistema educacional que
negue ou negligencie o nível intuitivo da personalidade é incompleto e insatisfatório.
Do coração nasce a revelação da verdade. O cultivo do intelecto e dos bons hábitos
de civilidade não basta; a educação deve ter por finalidade a construção do caráter,
despertando a consciência, o intelecto e a intuição para caminharem juntos, pois um
identifica a verdade relativa e o outro, a realidade essencial.
Desse modo, a educação deve possibilitar ao acadêmico e futuro profissional
de administração conhecer o mundo e suas diferentes culturas, e também outros
mundos que se cruzam com os processos transculturais. Anísio Teixeira (2010)
expressava em suas ideias uma constante preocupação com uma educação livre de
privilégios, hoje ainda discutida e buscada. Teixeira era contra a educação como
processo exclusivo de formação de uma elite, mantendo a grande maioria da
população em estado de analfabetismo e ignorância. Freire (2014, p. 62-63) relata,
nessa perspectiva, que

Não é possível respeito aos educandos, à sua dignidade, a seu ser formando-
se, à sua identidade fazendo-se, se não se levam em consideração as
condições em que eles vêm existindo, se não se reconhece a importância dos
“conhecimentos de experiências feitos” com que chegam à escola O respeito
devido à dignidade do educando não me permite subestimar, pior ainda,
zombar do saber que ele traz consigo para a escola. Quanto mais me torno
rigoroso na minha prática de conhecer tanto mais, porque crítico, respeito
devo guardar pelo saber ingênuo a ser superado pelo saber produzido
através do exercício da curiosidade epistemológica. Ao pensar sobre o dever
que tenho, como professor, de respeitar a dignidade do educando, sua
autonomia, sua identidade em processo, devo pensar também, como já
salientei, em como ter uma prática educativa em que aquele respeito, que
devo ter ao educando, se realize em lugar de ser negado. Isso exige de mim
uma reflexão crítica permanente sobre minha prática através da qual vou
fazendo a avaliação do meu próprio fazer com os educandos.

A universidade, neste milênio, terá que abrir sua mente e suas portas para
outros saberes não oficiais ou formais, para a multifacetada experiência humana,
contribuindo para novas sínteses oriundas dos saberes e da transdisciplinaridade.
Com este horizonte, os educadores poderão tornar-se elos para a construção
da racionalidade crítica e humanista nas universidades, na formação superior dos
profissionais e na sociedade. Ações de cooperação entre estudantes e da
universidade com a comunidade devem estar centradas nas atividades dos
81

acadêmicos, contrapondo-se criticamente às imposições do sucesso individual e da


competição que norteiam a vida em sociedade e o imaginário social.
82

2.9 O PAPEL DA UNIVERSIDADE NA FORMAÇÃO DO(A) PROFISSIONAL DE


ADMINISTRAÇÃO

Qual o papel da educação num mundo em que a visão de futuro se embaça?


Que funções devem desempenhar os educadores quando os jovens se defrontam
com profundas incertezas quanto às suas inserções no mundo do trabalho e às
expectativas de uma vida estável? A universidade sobreviverá, no século 21, como
instituição clássica e responsável pela educação, formação e cultura? Então,
enquanto professores e professoras responsáveis pela formação dos novos e das
novas administradoras, o que devemos fazer?
Nesta perspectiva, Bauman (2014, p. 164) destaca que

Em essência, uma universidade, que em teoria deve seguir uma lógica


(fielmente seguida durante séculos) de pensamento deliberado, criatividade
paciente e existência equilibrada, é agora forçada a se tornar uma
organização capaz de reagir depressa às flutuações do mercado, assim como
às mudanças da opinião pública e do ambiente político. Esse é o preço que
pagamos pela educação superior das massas numa democracia e numa
sociedade de massas.

Tendo em vista as desconcertantes características da vida líquido-moderna,


muitos jovens tendem a se isolar no mundo on-line de relacionamentos virtuais, na
depressão, no abuso do álcool ou de drogas. Outros se lançam a formas violentas de
comportamentos, como as gangues de rua e os grupos de protestos difusos – recursos
estes usados pelos excluídos dos templos de consumo, mas ávidos por participar do
mercado. Indiferentes às angústias da juventude, governos, políticos e tomadores de
decisão limitam o financiamento e o investimento em educação, deixando claro que o
problema dos jovens não é mais prepará-los como futura elite política e cultural da
nação, mas apenas adestrá-los para o consumo.
No curso desta realidade, Bauman (2009b, p. 162-163) sugere que

No ambiente líquido-moderno, a educação e a aprendizagem, para terem


alguma utilidade, devem ser permanentes e realmente ocorrer ao longo da
vida. Espero que agora possamos ver que uma das razões, talvez a decisiva,
pela qual elas devem ser permanentes e continuadas é a natureza da tarefa
com que nos confrontamos na estrada compartilhada que leva ao
“capacitamento” – tarefa que é como deve exatamente ser a educação:
contínua, sem fim, ocorrendo ao longo da vida.

Talvez uma das razões para a urgência da revolução cultural e do ensino


refere-se ao uso deliberado dos métodos propiciadores da hegemonia do povo
mediante o acesso à cultura, que são o inverso dos métodos análogos, utilizados com
83

o intuito de tornar as pessoas relutantes para se envolverem com a cultura e o


pensamento crítico.
Outro motivo que revela a crise na educação é o menosprezo desalentador com
que se trata a universidade e, ainda, a despreocupação com a formação dos futuros
profissionais. Há, em Bauman (2014, p. 165), um certo

Receio que durante as próximas décadas as disciplinas humanísticas que não


tenham sido dizimadas, deformadas, restringidas ou esvaziadas continuem a
existir somente nas universidades de elite da Europa e dos Estados Unidos.
Todos os outros criadores e consumidores da junk food acadêmica irão sacrificar
as ciências humanas em favor de projetos (como de administração,
gerenciamento, economia, direito, ciência política, serviço social e enfermagem)
com grande demanda (e valorizados exatamente por terem grande demanda).

Numa sociedade afluente, ou seja, caracterizada pela ampla sofisticação e


consumo em massa, o trabalho do professor e dos técnicos administrativos em educação
muitas vezes é desconsiderado, pois, nos países mais desenvolvidos esse investimento
de longo prazo nos filhos exigiria a participação mais ativa dos pais.
Ao observar essa ótica capitalista das universidades, Bauman (2014, p. 165)
ressalta que

A capitalização das universidades e o modelo literalmente libertário de seu


desenvolvimento, imposto a partir de cima pela burocracia do estado, são algo
tão grotesco que os grandes liberais – acima de tudo os economistas e
pensadores políticos liberais – nunca sonharam com isso. São capitalismo
acadêmico sem liberdade, uma espécie de tirania tecnocrática e burocrática
implementada em nome da liberdade e do progresso. Ao mesmo tempo, é um
simulacro tecnocrático de livre mercado, em que a competição se produz a partir
de critérios escolhidos de modo tão tendencioso que certas instituições
favorecidas têm a garantia de vencer.

Deste modo, do ponto de vista de governos motivados pela regra da neutralidade


de valores dos mercados de capitais, das bolsas de valores e dos agentes financeiros,
há muita semelhança entre universidades e outras empresas. Assim, existe uma
estratégia para as universidades atenderem aos interesses dos mercados em busca do
lucro imediato. Por essa razão, há resistência da universidade em reconhecer qualquer
outro valor universitário na formação dos estudantes que não seja o comercial e o de
vendas.
Ao considerar o posicionamento das universidades em atender os interesses dos
mercados, Bauman (2014, p. 171-172) reitera seu pensamento ao evidenciar

[...] que nenhum de nós teria muitos problemas em concordar que a missão
da educação, desde que foi articulada pelos antigos sob o nome de paidea,
era, é e provavelmente continuará a ser, nesse ínterim, a preparação de
84

recém-chegados à sociedade para a vida social na qual estão se qualificando


a fim de nela ingressar. Se assim for, porém, sua educação (incluindo o
ensino superior) enfrenta agora a crise mais profunda e radical de uma
história rica em crises, um tipo de incerteza que afeta não somente esta ou
aquela parte de suas formas costumeiras, herdadas ou adquiridas, de agir e
reagir, mas sua própria razão de ser.

Ao mesmo tempo em que necessitamos repensar a formação universitária,


priorizando, além da racionalidade instrumental, um ensino que contemple também
a racionalidade crítica e humanista, percebemos o afastamento das universidades
com as ciências humanas. Consequentemente, com a redução da oferta de cursos
e disciplinas na área, nossos futuros profissionais, moldados nas universidades aos
interesses do mercado capitalista, deixam de visualizar as ciências humanas como
principal força-motriz de nossas sensibilidades políticas e morais. Ao contrário,
nossos governantes e administradores distanciam a universidade e o ensino das
ciências humanas para transformá-la em um braço do mundo empresarial.
Diante desta realidade universitária, Bauman (2009b, p. 171) salienta que

As próprias aspirações da universidade e de seus membros a um prestígio


superior e a um tratamento exclusivo têm sido corroídas nas raízes. Uma
das mais resplandecentes plumas no barrete das universidades modernas
costumava ser o vínculo entre a aquisição de conhecimento e o refinamento
moral. A ciência, acreditava-se, era um poderoso fator de humanização,
assim como o discernimento estético e a cultura em geral; a cultura
enobrece a pessoa humana e pacifica as sociedades humanas

Neste ponto de vista, o que está acontecendo nas universidades e, por


conseguinte na formação profissional, é a aceitabilidade das novas regras impostas
pelo mercado capitalista de acento neoliberal, e a submissão da comunidade
acadêmica aos critérios postos pelo mercado e organismos internacionais,
aguardando os resultados dos produtos universitários colocados nas prateleiras das
lojas e supermercados, de sua aceitação, da aferição de sua qualidade, da sua
utilidade social e do consumo pela demanda compensadora. Desta forma, a
universidade, com sua experiência, disponibiliza outras mercadorias que passarão
pelo mesmo processo de teste, qualidade e sucesso comercial. Destarte, a maioria
dos acadêmicos faz da universidade um empreendimento comercial e uma
possibilidade de oportunidades onde antes existiam ameaças.
Neste sentido, Bauman (2014) revela a realidade das universidades na
formação dos profissionais, e destaca a falta de perspectiva dos intelectuais em
relação à competição de mercado e de sua influência na vida universitária. Para o
filósofo social,
85

Este ou aquele curso ou projeto é bom se tem uma boa abertura para o
mercado, se vende bem – e a capacidade de vender (“encontrar-se com a
demanda”, “satisfazer as necessidades do potencial humano”, “oferecer os
serviços que a indústria demanda”) deve ser o critério supremos dos
currículos, cursos e títulos adequados. A liderança espiritual é uma miragem,
a tarefa dos intelectuais é seguir o mundo lá fora, e não legislar pelos padrões
de propriedade, verdade e bom gosto (p. 173).

Desse modo, urge nas universidades e na formação dos profissionais de


administração reconhecer a presença da mudança ambiental que está dominando o
mercado, o poder econômico, o capitalismo e as universidades, além da questão da
redução das ciências humanas na formação universitária. A formação universitária
para os/as profissionais da administração carece de uma revisão dos fins estratégicos,
das regras, das normas e dos conteúdos e, ainda, de perceber os efeitos colaterais
deixados na sociedade por consequência da lacuna na formação acadêmica e
profissional dos(as) administradores(as).
Neste caso, o que nos sugere Bauman em relação ao pensamento
empresarial ter cruzado a fronteira e ter se tornado a forma ou o motor da nossa
crença ética e política, mereceria não somente consciência da identidade e do papel
clássico da sociologia funcional, como também da epistemologia que a produz.
Em sua obra Vida líquida, Bauman (2009b, p. 193), com o pensamento
análogo a Morin, denuncia:

A miséria e os problemas atuais, em todas as suas múltiplas formas e


sabores, têm raízes planetárias e exigem soluções planetárias (se é que
existe alguma solução).
Da mesma forma que nenhuma ilha, mesmo que grande a ponto de
reivindicar o status de continente, pode pleitear autonomia total, as
mensagens de emancipação, para que tenham a chance de produzir um
efeito radical, precisam ser legíveis para os marinheiros que navegam por
todos os mares e oceanos do planeta. Tal como a causa da emancipação
humana não pode ser efetivamente perseguida e defendida num único país
ou grupo de países cegos e indiferentes ao que ocorre do lado de fora de
suas fronteiras vigiadas de maneira estrita (mas ineficaz), não adiantará
enviar a mensagem a um público selecionado e do mesmo modo confinado.

Na esteira da ótica global, Edgar Morin, em sentido semelhante, também


questiona a face mutiladora do saber e do conhecer como forma de identificar o limite
do paradigma simplificador e reducionista. Como isso se produz e se constitui no
interior do panorama que formam administradores(as) é uma pergunta inquietante.
Currículos fragmentados, objetivos lineares e adaptação ao mundo podem ser
escolhas que o modelo funcional e positivista tem legado ao panorama em geral.
86

Ao referir-se às nossas responsabilidades relacionadas aos problemas que


assolam o planeta, em diálogo com o pensamento moriniano, Bauman (2009b, p. 196)
defende:

A lógica da responsabilidade planetária visa, ao menos em princípio, a


confrontar os problemas gerados globalmente de maneira direta – no seu
próprio nível. Parte do pressuposto de que soluções permanentes e
verdadeiramente eficazes para os problemas de âmbito planetário só podem
ser encontradas e funcionar por meio da renegociação e reforma das redes
de interdependências e interações globais.

No tocante à era planetária, considerando o pensamento moriniano, que, em


concordância com Bauman, contestam a forma ardilosa em que se apresenta o
contexto do desenvolvimento e do progresso ao longo da história da humanidade,
tratando a globalização como consequência das conquistas e da expansão econômica
mundial, Morin elucida de forma detalhada as ameaças da expansão tecnoeconômica
para os impactos ambientais. Assim, Morin e Almeida (2013, p. 105), revelam:

Esta era planetária desenvolveu-se do pior modo com a colonização, a


escravidão, a dominação do mundo pelo Ocidente. Marx afirmava que a
história progrediu pelo pior lado. Este fenômeno acentuou-se no século XX
com a grande crise provocada pelas duas guerras mundiais e, na segunda
metade com a multiplicação das comunicações e a expansão do Mercado
mundial sob a égide do neoliberalismo. É preciso compreender que a
mundialização é apenas a etapa tecnoeconômica de um fenômeno que
começou muito antes.

No próximo capítulo, Edgar Morin nos aponta possibilidades para buscar um


novo tipo de ambiente global, em que os itinerários das iniciativas econômicas não
fiquem limitados apenas na adequação à sociedade do consumo ou a princípios de
complexidade, que se referem unicamente aos mercados. Nesse viés, torna-se
importante trazer o mundo novamente para o interior da administração e novamente
zelar pelo pano de fundo de que os(as) administradores(as), além de sujeitos éticos e
responsáveis, também precisam se ocupar com o problema de como “representam” o
mundo.
87

3 A FORMAÇÃO UNIVERSITÁRIA DO(A) PROFISSIONAL DE ADMINISTRAÇÃO


DE EMPRESAS A PARTIR DO PENSAMENTO DE EDGAR MORIN

Para dissertar este capítulo, submetemo-nos ao estudo e ao pensamento de


Edgar Morin, que, formado em História, Geografia e Direito, migrou para a
Antropologia, Filosofia, Sociologia e a Epistemologia.
Edgar Morin nasceu em Paris, em 1921. Atualmente, é considerado um dos
pensadores mais importantes do século 20. Com mais de 30 obras publicadas e
traduzidas em diversos idiomas, expõe a degradação da biosfera, a necessidade de
reformar a educação e, simultaneamente, denuncia conflitos étnicos, religiosos e
políticos, a derrocada das sociedades tradicionais e, ao mesmo tempo, da
modernidade.
Neste cenário, ao elucidar os problemas da educação, enquanto processo
humano, Morin destaca que a educação tem a missão/função de orientar a ser, a
existir e a viver, o que envolve a superação da atual carência no ensino no que se
refere a meditar, refletir, lidar com as incertezas e o inesperado para ter consciência
do risco das próprias escolhas e, também, o transcender da condição imanente,
estática e de assimilação passiva.
Desta compreensão, os questionamentos feitos na universidade sobre a vida,
a humanidade, o mundo, a política, a realidade, a verdade, os fatos, os valores, a
natureza, a cultura, a arte e o humano, não são vivenciados pelos estudantes e futuros
profissionais ou, na tendência atual da formação universitária, atrelada ao ideário
neoliberal (DARDOT; LAVAL, 2016), não concentram as preocupações da formação
integral, que considera elementos mais cosmológicos tanto dos indivíduos e das
sociedades quanto da ecologia ou, como define Boff (2005), da ecobionomia.
Desta forma, percebemos que a cegueira do conhecimento está justamente
em acreditar que a verdade segue na mesma direção ad infinitum, o que faz deixar de
lado todas as possibilidades advindas do contexto social em que vivemos, no que
concerne a novas reflexões, possibilidades e na perspectiva de crescimento contínuo
do ser humano.
Por essas razões, este capítulo objetiva compreender o cenário da
complexidade no âmbito paradigmático contemporâneo, desdobrando uma
racionalidade humanista acerca da formação universitária para os(as) profissionais de
administração.
88

3.1 EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO UNIVERSITÁRIA NA PERSPECTIVA HUMANISTA

O desafio da educação, portanto, caminha na promoção de uma formação


humanizada que suscita o viver, por meio do esforço para libertar a mente e as
pessoas. Liberdade é consciência das implicações que cada movimento provoca,
todavia, enquanto houver falta de doutrina para a vida e para a própria existência
humana, a educação contemporânea produz e é produzida no que chamamos de crise
multidimensional que envolve o capital, o poder econômico, a busca a qualquer preço
pelo lucro, a falta de tolerância e ética, a violência, a luta de classes, a luta pelo poder,
o consumismo, a economia e o uso das mídias e da internet, como referido por
Bauman (1999b, 2009b).
Neste bojo de obstáculos em relação à educação, há mais para ser assimilado
e aprofundado, pois a crise da educação está inserida também num cenário crítico
ainda maior: são as crises da civilização ocidental, da política, da cultura, da
sociedade, da democracia, do poder e do conhecimento.
Neste sentido, as crises integram o âmago das relações humanas, em que a
educação deveria ser uma via a possibilitar estratégias para o enfrentamento
significativo, consciente e reflexivo da realidade.
A esperança e o caminho partem do desafio da universidade e dos(as)
professores(as) em promover a mudança na concepção do saber viver. Nesta ótica,
saber viver implica ter compreensão em duas direções: a intelectual, capaz de dar
conta da complexidade das relações entre texto e contexto, global e local; e a humana,
que busca mais tolerância, mais valor às pessoas, mais atenção, abertura para o
outro, empatia, simpatia, saber compreender e entender o que o outro vive.
Nessa perspectiva, entendemos que a educação pode fazer parte dessa
caminhada de revisão e reflexão perante a crise multidimensional. Sendo assim, a
finalidade de nossa escola, da universidade e dos(as) professores(as) é ensinar a
repensar o pensamento, como indica alhures Morin, que, ao seguir por esse caminho,
a escola concebe a aprendizagem como a conjunção entre o conhecido e o
desconhecido.
Na formação acadêmica dos(as) futuros(as) profissionais de diferentes áreas
do conhecimento, surge uma questão fundamental, um divisor de águas para a vida
desse(a) futuro(a) profissional: Como trabalhar uma abordagem pedagógica próxima
89

às atividades humanas que dê suficiente ênfase aos resultados econômicos, sem


esquecer os atributos humanos e, da mesma forma, os destaques, sem deixar de lado
os resultados econômicos? Este questionamento se justifica porque qualquer iniciativa
de desenvolvimento humano deve considerar os aspectos econômicos e financeiros,
contudo, isso não nos obriga a elevá-los à condição de parâmetros virtualmente
únicos. Não há sociedades sem organização econômica e sem economia, visto que
tomamos aqui o conceito na dimensão integral da vida, pois, segundo Boff (2005), é
o oikós, a casa comum, que nós fazemos para nós mesmos, nomos.
Neste cenário, a dimensão tecnoeconômica do desenvolvimento humano já
foi e continuará a ser estudada em muitos textos, porém, aspectos da racionalidade
instrumental podem ser trabalhados paralelamente com aspectos da racionalidade
crítica e humanista, com a possibilidade de desenvolver no estudante e futuro
profissional uma visão global, orientada para o pensamento com maior preocupação
humanitária e econômica.
Equitativamente, o desenvolvimento humano inclui uma gama de atributos,
experiências, vivências, compreensões mais amplas, habilidades e competências que
abrangem as áreas mecânica e não mecânica da condição humana.
Desta forma, torna-se indispensável equilibrá-las tanto quanto possível. É
evidente, entretanto, que com o modo de pensar hegemônico de nossa cultura
capitalista, individualista e consumista, esse equilíbrio, nos poucos casos em que o
visualizamos, exige tanto esforço que, na maioria das vezes, torna-se impedimento,
empecilho e, se apresenta como desencorajador para os(as) professores(as) e, por
conseguinte, para os(as) estudantes.
Nas palavras de Morin (2014, p. 23),

A filosofia deve contribuir eminentemente para o desenvolvimento do espírito


problematizador. A filosofia é, acima de tudo, uma força de interrogação e de
reflexão, dirigida para os grandes problemas do conhecimento e da condição
humana. A filosofia, hoje retraída em uma disciplina quase fechada em si
mesma, deve retomar a missão que foi a sua – desde Aristóteles a Bergson
e Husserl – sem, contudo, abandonar as investigações que lhe são próprias.
Também o professor de filosofia, na condução de seu ensino, deveria
estender seu poder de reflexão aos conhecimentos científicos, bem como à
literatura e à poesia, alimentando-se ao mesmo tempo de ciência e de
literatura.

Há bastante tempo que as atividades humanas são predominantemente


orientadas pelo conhecimento científico, pois é ele que gera a tecnologia e é por meio
dessa tecnologia que se obtém os resultados práticos. Já o lado humanista do
90

conhecimento, que inclui a filosofia, a sociologia, a história, as artes e a literatura, tem


sido tradicionalmente deixado em segundo plano, ou até mesmo excluído da formação
profissional dos estudantes. Isto pode ser percebido com as constantes reformas nas
matrizes curriculares dos cursos de Graduação.
Na contramão da onda neoliberal que se expande, a aproximação das áreas
tecnocientífica e humanista do conhecimento pode contribuir para mudar nosso
comportamento habitual e nossas compreensões acerca da educação, da formação e
das necessidades humanas.
Ao longo da história, as consequências do modernismo e da transformação
tecnológica foram basicamente duas: se, por um lado, houve progressos, com
repercussões positivas para a sociedade, por outro, o avanço da ciência e da
tecnologia se mostrou incapaz de resolver problemas como a violência, a pobreza e a
exclusão social.
Considerando esta realidade, acreditamos que essa situação pode ser
revertida a partir do momento em que os profissionais, em sua formação, passem a
mudar sua maneira de pensar, formar opinião e agir em relação a várias questões
sociais e humanistas fundamentais e, desse modo, impulsionarem as instituições
formadoras.
Dada a insustentabilidade do nosso modo de vida atual, baseado na
exploração de recursos naturais e seu esgotamento, com a consequente
concentração das rendas, das insuficiências reflexivas e de perspectivas para os
estudantes e futuros profissionais, essa tarefa precisa ser assumida pelo maior
número possível de pessoas – gestores, professores, estudantes e instituições de
Ensino Superior.
Percebemos que há um grande número de profissionais, mesmo docentes,
que chegam ao exagero de acreditar que vivemos apenas para produzir bens e
serviços. É o que se poderia chamar de vida para resultados, onde somente os
lucrativos resultados é que importam. Trata-se de uma visão mecanicista e, portanto,
unilateral da condição humana.
É claro que a produção de bens e serviços se faz necessária em uma
sociedade complexa como a que compartilhamos neste momento. Há, porém, uma
outra dimensão do ser humano, que não produz somente resultados financeiros, sem
deixar de ser relevante: o conhecimento do mundo, da terra, da vida, da humanidade,
das artes, da história e da cultura.
91

Neste cenário, Morin (2013) aponta a escola e as universidades atuais como


o lugar de transmissão de conhecimento e de prática de pesquisa, que reproduz com
reflexividade insuficiente os princípios baseados na relação hierárquica de mestres e
discípulos que, se antes já era equivocada, é hoje um despropósito.
Neste ponto de vista, ao tratar o ensino das disciplinas experimentais, o
pensamento moriniano alerta para uma limitação intelectual na formação dos
estudantes, levando-os tão somente aos resultados, sem contemporizar e refletir suas
consequências e suas percepções do universo como um todo.
Por este ângulo, Morin (2013, p. 531) descreve:

Pode-se dizer hoje que, se há uma grande generalidade de conteúdo a ser


assimilada, também é verdade que há uma incrível diversidade de estratégias
dos alunos para fazê-lo. Ora, os bons alunos, os que têm sucesso no sistema,
são os que foram capazes de valorizar o algoritmo “eu entendo antes, eu
obtenho sucesso depois”, ou seja, eu sou capaz, a partir de um concurso, de
fazer exercícios. Para os outros, existem apenas estratégias para evitar o
fracasso. Nosso sistema pedagógico, essencialmente baseado no consumo
dos saberes, não permite que o sentido desses saberes seja suficientemente
interiorizado e que o indivíduo tenha uma capacidade suficiente de
descentralização. Portanto, ele só dá acesso ao sucesso para alguns e
organiza na inconsciência o fracasso dos outros.

Para Morin (2013), portanto, esse modelo tradicional de ensino e


aprendizagem aplicados atualmente nas escolas e universidades, é percebido como
sendo o reprodutor de um pensamento e de uma organização disciplinar que separam
os objetos do conhecimento, para análise, sem devolvê-los posteriormente às
totalidades de onde foram retirados. Observa, também, que este modelo pode ser
identificado como gerador de uma acomodação intelectual, que se alimenta de
certezas impregnadas de erros e ilusões, que levam à burocratização do
conhecimento, à reprodução de sistemas de avaliação que desqualificam a
diversidade de estudantes e pesquisadores, e que nunca se autoavaliam.
Neste mesmo raciocínio, o pensamento moriniano denuncia também a atitude
de incompreensão existente no mundo dos intelectuais, responsáveis pela formação
dos futuros administradores.
Desta forma, Morin (2015a, p. 75) escreve que

Não são apenas nossas vidas pessoais que são deterioradas pelas
incompreensões, é o planeta inteiro que sofre por causa delas. O planeta
necessita das compreensões mútuas em todos os sentidos. A incompreensão
é fonte de conflitos sangrentos que, em si mesmos, são fontes de
incompreensões. A incompreensão traz em si os germes da morte.
Obra educativa essencial, a educação para a compreensão encontra-se
ausente de nossos programas de ensino. Dada a importância da educação
92

para a compreensão, em todos os níveis educativos e em todas as idades, o


desenvolvimento da compreensão necessita de uma reforma das
mentalidades.

Estas reflexões têm, por princípio, a aplicabilidade em qualquer área do


conhecimento, seja das ciências chamadas duras, seja das humanidades, mas têm
apelo, sobretudo, sobre os estudos de administração, uma área transdisciplinar por
excelência.
Deste modo, o pensamento moriniano confronta aspectos essenciais da base
cartesiana do pensamento científico ao sugerir, por exemplo, o repensar da
supremacia da razão como base do conhecimento, argumentando que emoção,
pulsão e razão caminham juntas, em todo investimento cognitivo.
Dentro desta linha de resgate da subjetividade e da afetividade, Morin (2015a)
afirma que um novo sistema de educação deve reconhecer que toda busca de
conhecimento é impulsionada por um “desejo” de conhecer, e incita os professores a
se deixarem guiar por uma motivação passional, pulsante e engajadora, possuídos
pelo eros pedagógico, e que a pesquisa científica e as práticas de ensino sejam, enfim,
capazes de produzir o que ele chama de conhecimento pertinente, ou seja, um
conhecimento que religa e contextualiza, e que de fato contribui para a solução dos
problemas fundamentais do ser humano, para a autonomia responsável de cada
indivíduo e o bem-estar de todos os membros desta comunidade planetária.
A fragmentação e a redução institucionalizada do conhecimento colocam-nos
suscetíveis ao risco do erro e do engano pelas interpretações e traduções. Desta
forma, necessitamos reconhecer que o conhecimento é sempre tradução do real. São
necessários métodos ligados a um pensamento pertinente, para que a visão de mundo
construída seja a mais razoável possível.
Desta maneira, Morin (2015a, p. 17-18) afirma que

Por toda parte ensinam-se os conhecimentos, em nenhum lugar se ensina o


que é o conhecimento, enquanto um número cada vez maior de investigações
começa a penetrar nessa zona, a mais misteriosa entre todas, a do
cérebro/mente humanos.
Daí decorre a necessidade vital de se introduzir o conhecimento do
conhecimento, desde as primeiras séries escolares até a universidade,
inclusive. Por isso, ensinar a viver não é apenas ensinar a ler, escrever,
calcular, nem apenas ensinar os conhecimentos básicos úteis da História, da
Geografia, das Ciências Sociais, das Ciências Naturais. Ensinar não é se
concentrar nos saberes quantitativos, nem privilegiar as formações
profissionais especializadas, é introduzir uma cultura de base que implica o
conhecimento do conhecimento.
93

Viver o pensamento complexo, portanto, implica estar consciente de qualquer


decisão e das escolhas que se fazem em desafios. Viver é enfrentar as incertezas, os
riscos; é confrontar-se com os outros, quer sejam eles os próprios familiares, na busca
pelo compreender e ser compreendido.
Por este ângulo, o ato de viver, ser, existir e aprender e, ainda, conviver, vai
na contramão do sobreviver. Enquanto viver é sintonizar um bem-estar que envolve
aspectos psicológicos, morais, de solidariedade, de convívio, sobreviver é estar
privado de alegrias. Sobreviver é ser tratado como um objeto de aceleração, se
habituar ao cronômetro, que não permite sentir, fruir o viver. O ser humano exige o
viver, enquanto saber bem viver que ultrapassa o sobreviver. Viver bem envolve a
prosa e a poesia, é uma arte que supera a fragmentação do pensamento e do
conhecimento.
Neste particular, na acepção de Morin (2015a, p. 15-16),

Viver é viver como indivíduo, enfrentando os problemas de sua vida pessoal,


é viver como cidadão de sua nação, é viver também em seu pertencimento
ao gênero humano. Certamente, ler, escrever, calcular são coisas
necessárias ao viver. O ensino da literatura, da história, das matemáticas, das
ciências contribui para a inserção na vida social; o ensino da literatura é ainda
mais útil pelo fato de desenvolver, ao mesmo tempo, a sensibilidade e o
conhecimento; o ensino da Filosofia estimula em cada mente receptiva a
capacidade reflexiva e, seguramente, os ensinos especializados são
necessários à vida profissional. Cada vez mais, porém, falta a possibilidade
de enfrentar os problemas fundamentais e globais do indivíduo, do cidadão,
do ser humano.

De natureza igual, Morin (2015a) também defende que, na formação


profissional dos estudantes, a educação, enquanto processo humano, necessita
ensinar a viver. E ensinar a viver envolve a superação da atual carência no ensino, no
que se refere a meditar, refletir, lidar com as incertezas e o inesperado, para ter
consciência do risco das próprias escolhas.
Nesta atual realidade, seguindo na perspectiva moriniana, sentir tornou-se
condição distante, posto que os questionamentos sobre o mundo, a realidade, a
verdade, a vida e o homem não são refletidos, percebidos e vivenciados. Não há, no
humano, um controle sobre si mesmo, na medida em que não se experiencia o
humano que se é. Vivemos uma vida racional para não assumir riscos. Assim, é
fundamental mais espaço nas universidades para o ensino da filosofia, para que a
formação dos futuros profissionais de diferentes áreas do conhecimento ocorra de
94

forma plena e ampla, com experiência e compreensão do mundo, para que estes
saibam entender-se a si mesmos e aos outros.
Desse modo, ao defender mais espaço nas universidades para a disciplina de
filosofia e o estudo das ciências humanas na formação dos estudantes, Morin (2015a,
p. 39) destaca que

A Filosofia deveria deixar de ser considerada como disciplina para se tornar


motor e guia do ato de ensinar a viver. Ela deve voltar a ser socrática, ou seja,
suscitar incessantemente diálogo e debate. Ela deve voltar a ser aristotélica,
ou seja, colocar em ciclo (enciclopedar) os conhecimentos adquiridos e as
ignorâncias descobertas por nossos tempos. Ela deve voltar a ser platônica,
ou seja, questionar-se sobre as aparências da realidade. Ela deve voltar a ser
pré-socrática e lucreciana, ao interrogar o mundo sob a luz e a obscuridade
da cosmologia moderna.

Por este motivo, a filosofia na universidade e na formação dos estudantes,


independente das áreas de concentração das graduações e bacharelados, deve
questionar o sentido humano da vida e abrir a todos a necessidade existencial de
pensar, sentir, pensar-se, sentir-se, pensar o futuro, sentir o outro – encarar de frente
a certeza sobre a incerteza de viver e o inusitado que, cotidianamente, se apresenta
para cada indivíduo em escala local e global.

3.2 A INCERTEZA SOBRE O FUTURO DA HUMANIDADE E A CRISE DA


EDUCAÇÃO

No começo do século 20 as incertezas foram colocadas no cerne da pesquisa


racionalista. Com a física quântica, o determinismo passou a ser insustentável. A
incerteza se apresenta como lógica e empírica, e rompe com o vício das incertezas.
O que aparenta ser verdade suscita dúvidas em virtude de teorias que já se encontram
obsoletas. A especificidade do saber já não consegue responder à complexidade dos
problemas globais. Nesta encruzilhada, é preciso mudar a maneira de conceber o
conhecimento científico, a fim de que não haja cegueiras com um conhecimento
parcelado. Por isto, o ato pedagógico é incerto, cabendo às incertezas instigarem o
movimento de reconhecer o conhecimento como caminhos para uma vida integral e
evitar estacionar olhares, pensamentos e atitudes.
Com base nesta realidade, a incerteza sobre o futuro da humanidade decorre,
principalmente, do rumo incontrolado dos processos técnicos, científicos, econômicos
e sociais ligados à formação parcial e dissociada da realidade enfrentada pelos
95

estudantes. Parece estar presente também nesta realidade a dificuldade de assumir


a era das comunicações, o estágio avançado das mídias e as tecnologias, que podem
potencializar aproximações entre os humanos e estabelecer canais de diálogo, fóruns
permanentes de interlocuções.
Deste modo, a cegueira do conhecimento está justamente em acreditar que a
verdade caminha em uma única direção, o que faz deixar de lado todas as
possibilidades advindas dos plurais e dos diversos contextos histórico-sociais nos
quais vivemos, de maneira que seja necessário considerar os espaços globais do
próprio conhecimento e não ignorar os pensamentos analíticos, mas acrescentar um
circuito com condições de religar os conhecimentos uns com os outros e ascender as
próprias relações entre os agentes da ciência, os atores e atrizes da vida e os sujeitos
da dinâmica do mundo.
Desse modo, segundo Morin (2015a, p. 54),

Sobretudo para o adolescente, a escola atual não fornece o viático benéfico


para a aventura de vida de cada um. Não fornece as defesas para se
enfrentar as incertezas da existência, não fornece as defesas contra o erro, a
ilusão, a cegueira.

Nesta lógica, o desafio, então, é promover uma educação humanizada que


suscita o viver, uma educação para libertar a mente e iniciar processos de liberdade
do indivíduo, da cultura e do mundo. Liberdade é consciência das implicações que
cada movimento provoca. Enquanto falta o ensinar a viver bem, todavia, a educação
contemporânea produz e é produzida numa crise multidimensional que envolve a
violência, a luta de classes entre os indivíduos, a busca por status e ascensão social,
além da crise econômica, o uso das mídias e da internet. Há mais, porém, para ser
compreendido; há que se aprofundar mais, pois a crise da educação está inserida
num cenário crítico ainda maior: são as crises da civilização ocidental, da cultura, da
sociedade, da democracia e do conhecimento.
Nesta perspectiva, Morin (2015a, p. 65) denuncia que

As crises se inserem em uma espiral nebulosa de crises cujo conjunto forma


a crise da humanidade, que se encontra à mercê dos cursos desenfreados
das ciências, das técnicas, da economia, em um mundo dominado por um
mercado financeiro ávido pelo lucro e por conflitos corrompidos pelos
fanatismos homicidas.

Por essa razão, as crises estão inseridas no bojo das relações, em que a
educação deveria ser um pilar a possibilitar estratégias para o enfrentamento
96

significativo da realidade. A disjunção presente entre os elementos culturais,


científicos e humanos não permite a criação de caminhos que fujam ao distanciamento
do sujeito conhecedor que, por sua vez, não remete sobre a aceleração desenfreada
da ciência. Se não há indagações acerca disto, caminhamos para uma cultura de
massas que impregna toda a sociedade por vias midiáticas, desencadeando uma
absorção sem compreensão.
Neste particular, o pensamento de Martinazzo, Barbosa e Dresch (2016, p.
36) também endossa Morin (2015a), ao entender que

Desde há algum tempo o discurso mais corrente sobre a educação escolar


adverte que ela está mergulhada em uma profunda crise. Não bastasse a
crise histórica causada por fatores externos – que é a mais mencionada,
porém não cabe aqui analisar –, como a falta de recursos físico-financeiros,
as condições precárias e a baixa remuneração e motivação dos professores,
há outra crise mais profunda e esta diz respeito ao caráter intrínseco da ação
pedagógica em si. Essa é, de certa maneira, uma crise de ordem interna que
está no centro do universo escolar e que se traduz nas diferentes formas da
gestão do processo de ensino-aprendizagem. E, com certeza, é uma crise
mais contundente e que tem origem com a própria escola e se prolonga
através dos tempos.

A falta de compreensão acaba por colonizar o interior, o eu é escravizado,


torna-se local de produção da crise multidimensional e, deste modo, nas palavras de
Morin (2015a, p. 68),
.
Uma educação regenerada não poderia por si só mudar a sociedade. Mas
poderia formar adultos mais capazes de enfrentar seus destinos, mais aptos
a expandir seu viver, mais aptos para o conhecimento pertinente, mais aptos
a compreender as complexidades humanas, históricas, sociais, planetárias,
mais aptos a reconhecer os erros e ilusões no conhecimento, na decisão e
na ação, mais aptos a se compreenderem uns aos outros, mais aptos a
enfrentar as incertezas, mais aptos para a aventura da vida.

Nesta lógica, o caminho vem pelo desafio aos professores de saber ensinar
os estudantes a saberem bem viver. Neste sentido, saber viver implica ter
compreensão em duas direções: a compreensão intelectual, capaz de dar conta da
complexidade das relações entre texto e contexto, global e local; e, a compreensão
humana, como abertura para o outro, empatia, simpatia, saber o que o outro vive.
Neste processo, é primordial a identificação de humano para com humano, de
professor para estudante, uma relação intersubjetiva que se traduz em abertura para
o outro: a empatia. Assim, compreender o outro remete à compreensão que fazem
sobre o meu eu.
97

Nas palavras de Morin (2015a, p. 60),

Infelizmente, uma forte pressão se exerce sobre os ensinos médio e superior


a fim de adaptá-los às necessidades tecnoeconômicas da época e restringir
a área das humanidades. A vulgata tecnoeconômica dominante considera
que as humanidades não têm nenhum interesse ou são puro luxo, instiga a
que se reduzam o número dos cursos de história, os de Literatura, que se
elimine a Filosofia, considerada como superfluidade. O imperialismo dos
conhecimentos calculadores e quantitativos avança, em detrimento dos
conhecimentos reflexivos e qualitativos. Não existe somente falta de
comunicação entre cultura científica e cultura das humanidades, não existe
somente desprezo mútuo de uma para com a outra, existe perigo para a
cultura.

Com esta realidade, a universidade corre riscos e sofre a pressão desta


transformação tecnoeconômica, que, segundo os critérios do mundo dos negócios,
exige rentabilidade e, neste sentido, a universidade não deve apenas se adaptar ao
presente, mas também adaptar o presente à sua missão transecular.
Desta forma, o ensino público, em seu conjunto, foi pego de surpresa pelas
mídias e, com frequência, não sabe como reagir, exceto com desprezo diante da
fascinação que os computadores exercem sobre os jovens e, mais amplamente,
diante da cultura de massa, que impregna não apenas nos estudantes, mas na
sociedade como um todo.
Além disso, a internet desencadeia uma gigantesca confusão cultural de
saberes, rumores e crenças de todos os gêneros, atraindo as novas gerações que as
frequentam com o objetivo de se informar.
Por este ângulo, conforme Martinazzo, Barbosa e Dresch (2016, p. 123),

A educação escolar é desafiada, pois, a se constituir em um processo capaz


de gerar um ser humano em sintonia com sua época, atento aos diferentes
saberes que se colocam lado a lado diariamente. Educar para a vivência em
meio a esse contexto complexo implica forte questionamento ao
conhecimento fechado, fossilizado, estanque, padronizado, desconectado do
todo, que impossibilita um diálogo enriquecedor e construtivo nos ambientes
educativos. Todo o cuidado parece pouco quando o que está em jogo é a
educação, pois é pela mediação dela que a vida local e planetária pode ir
sendo construída em um desafio constante à perfectibilidade humana.

Compreendemos, nessa perspectiva, que a educação escolar pode fazer


parte da caminhada de correção e atenção perante a crise multidimensional.
Considerando esta vertente, é necessário introduzir a crise da educação em
um contexto crítico mais vasto, que comporte não apenas a consideração da cultura
e da situação atual, mas o conjunto dos problemas de sociedade e de civilização nos
quais estão imersos os seus problemas. Estamos vivendo uma crise de civilização,
98

uma crise de sociedade e uma crise de democracia, nas quais se introduziu uma crise
econômica, cujos efeitos agravam as demais crises. Neste particular, a crise da
educação depende das outras crises que, por sua vez, também dependem da crise
da educação. Assim, podemos considerar que todas as crises dependem de uma crise
do conhecimento que, por sua vez, é dependente de todas as outras também.
Desse modo, a palavra crise remete sempre a um sistema e à sua
organização. Em sentido mais amplo, trata-se de um acidente do sistema, de origem
interna ou externa, que perturba sua estabilidade, seu funcionamento e até mesmo
sua existência. Nessa complexidade, uma educação regenerada, por si só, não
poderia mudar a sociedade, mas formar pessoas mais capazes de enfrentar seus
destinos, mais aptos para o conhecimento e o seu próprio viver e a compreender uns
aos outros.

3.3 RACIONALIDADE CRÍTICA E HUMANISTA NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL


DO(A) ADMINISTRADOR(A)

No que diz respeito à formação superior dos profissionais de administração,


vale destacar que qualquer iniciativa de instrução, preparação e composição do
pensamento dirigido ao desenvolvimento humano deve considerar os aspectos
econômicos e financeiros, mas isso não nos obriga a elevá-los à condição de
parâmetros virtualmente únicos. A dimensão tecnoeconômica do desenvolvimento
humano já foi e continuará a ser estudada em muitos textos, porém, aspectos da
racionalidade instrumental podem ser trabalhados paralelamente a aspectos da
racionalidade crítica e humanista. Esta é uma forma de desenvolver, entre formandos,
acadêmicos e pesquisadores, uma visão global e contemplada com o pensamento
complexo.
O desenvolvimento humano inclui uma combinação de atributos, habilidades
e competências que abrangem as áreas mecânica e não mecânica da condição
humana. É indispensável equilibrá-las, tanto quanto possível. É evidente, entretanto,
que, com o modo de pensar hegemônico em nossa cultura, esse equilíbrio, nos
poucos casos em que chegamos perto dele, exige tanto esforço que muitas vezes isso
se torna desencorajador.
Há muito tempo que as atividades humanas são predominantemente
orientadas pelo conhecimento científico, que gera a tecnologia e, por meio dela,
99

resultados práticos. Já o conhecimento que trata das ciências humanas, que inclui a
filosofia, as artes, a literatura e a sociologia, tem sido tradicionalmente deixado em
segundo plano. Ao longo da história, as consequências desse fenômeno de abandono
das humanidades na formação acadêmica foram basicamente duas: se por um lado
houve progressos, com repercussões positivas para a sociedade, por outro, o avanço
da ciência e da tecnologia se mostrou incapaz de resolver problemas como a violência,
a pobreza e a exclusão social. Acreditamos que essa situação pode ser revertida a
partir do momento em que os profissionais, em sua formação, mudem sua maneira de
pensar, de formar opinião e de agir em relação a várias questões sociais e humanistas
fundamentais.
Mantidas as condições atuais, é muito difícil chegar a um modo
significativamente integrador de pensar. Ainda assim, é possível alcançar um grau de
ampliação da consciência que nos permita atingir níveis expressivos de integração,
os quais, por sua vez, podem nos conduzir a uma vida melhor. Esse é um objetivo que
pode ser atingido, sem perda de postura pragmática, que deve orientar os atos da vida
mecânica, como os negócios, a técnica, as finanças, a economia, a produtividade e o
lucro, e acrescentar-lhes os benefícios da criatividade, da intuição, da solidariedade
e, principalmente, do cuidado com os outros e com o mundo natural. Dada a
insustentabilidade do nosso modo de vida atual, essa tarefa precisa ser assumida pelo
maior número possível de pessoas, de professores e de acadêmicos de diferentes
áreas de formação, nas instituições de ensino básico e nas universidades.
Nesse sentido, a aproximação das áreas tecnocientífica e humanista do
conhecimento pode contribuir para mudar nosso comportamento habitual. A ciência
busca explicar, as humanidades procuram compreender; quando unidas mutuamente,
a explicação e a compreensão ampliam a consciência das pessoas, ao mesmo tempo
em que exigem e contribuem com o desenvolvimento do pensamento complexo. Uma
das maneiras mais eficazes de alcançar o pensamento complexo é promover o
desenvolvimento pessoal, interpessoal e ambiental que incorpora profundidade e
amplitude.
Nesta perspectiva, a vida funcional é ligada à produção material, em larga
escala, visando o lucro, o resultado, a produção e as finanças. Já a vida não
instrumental se relaciona à criatividade, às ideias, ao empreendedorismo e à
inovação. Não se deve esquecer que a economia, assim como a vida, inclui uma área
tangível (a produção material e as finanças) e outra intangível (o bem-estar
100

psicossocial). Reduzir o processo econômico para o seu lado material/financeiro é


retirar dele a criatividade e a inventividade e, com isso, sua dimensão mais
caracteristicamente humana.
Assim, para a formação convencional dos(as) profissionais
administradores(as), que exprime o senso comum de nossas sociedades, os
resultados que importam são materiais, produtivistas, financeiros e o lucro das
organizações e, nessa linha de raciocínio, muitos chegam ao exagero de acreditar que
vivemos apenas para produzir bens e serviços; por conseguinte, o caminho do
“desenvolvimento” e do “progresso”, segundo os defensores de políticas voltadas ao
sistema econômico capitalista. É o que se poderia chamar de vida para resultados,
onde somente os lucrativos resultados é que importam. Trata-se de uma visão
mecanicista e, portanto, unilateral da condição humana. É claro que a produção de
bens e serviços é essencial, porém, uma outra dimensão do ser humano, que não
produz somente resultados práticos, imediatos e técnicos, é igualmente relevante.
Por essa razão, o pensamento moriniano contrapõe o que chama “o mito do
desenvolvimento”, que, historicamente, foi implantado mediante a crença de que tudo
deveria ser sacrificado em razão do desenvolvimento das nações. Desta forma,
também justificaram-se as estratégias militares, os sistemas ditatoriais (civis e
militares) e os massacres impiedosos; assim, as crueldades das guerras e das
revoluções em busca do domínio e do desenvolvimento agravaram as tragédias
sociais – as chamadas tragédias do subdesenvolvimento.
De modo igual, Morin e Kern (2011) denunciam as consequências negativas
do chamado desenvolvimento, que, segundo ele, possui dois aspectos: o primeiro,
que beneficia parte da população, ao que chama de “mito global”, no qual as
sociedades industrializadas atingem elevado nível de bem-estar, proporcionando a
estes indivíduos episódios de felicidade; o segundo aspecto diz respeito a uma
concepção negativa e equivocada, em que o crescimento econômico e o progresso
são os responsáveis por todos os desenvolvimentos sociais, psíquicos e morais da
sociedade. Essa visão tecnoeconômica despreza os problemas humanos da
identidade, da comunidade, da cultura, da ética, da solidariedade. Com isso, a
percepção de desenvolvimento se apresenta intensamente e de forma preocupante
nas sociedades subdesenvolvidas.
101

Nesta acepção, Morin e Kern (2011, p. 79-80), ao contestar o pensamento


druckeriano e de outros cientistas da administração em relação ao conceito de
desenvolvimento, discorrem com o seguinte argumento:

A ideia desenvolvimentista foi e é cega às riquezas culturais das sociedades


arcaicas ou tradicionais que só foram vistas através das lentes economistas
e quantitativas. Ela reconheceu nessas culturas apenas ideias falsas,
ignorância, superstições, sem imaginar que continham instituições profundas,
saberes milenarmente acumulados, sabedorias de vida e valores éticos
atrofiados entre nós. Fruto de uma racionalização ocidentalo-cêntrica, o
desenvolvimentismo foi igualmente cego ao fato de que as culturas de nossas
sociedades desenvolvidas comportam dentro delas, como todas as culturas,
mas de formas diferentes, ao lado de verdades e virtudes profundas (entre as
quais a da racionalidade autocrítica que permite perceber as carências e
falhas de nossa própria cultura), ideias arbitrárias, mitos sem fundamento
(como o mito providencialista do progresso), enormes ilusões (como a ilusão
de termos chegado ao auge da racionalidade e de sermos os depositários
exclusivos desta), cegueiras terríveis (como as do pensamento fragmentado,
compartimentado, redutor e mecanista).

Seguindo esta lógica do desenvolvimento, Edgar Morin e Anne Kern, em sua


obra Terra Pátria (2011), descrevem como o desenvolvimento da modernidade urbana
e industrial ocasionou a destruição de culturas rurais seculares e também avançou
para a aniquilação de diversas culturas regionais, por meio da “fórmula” do
desenvolvimento, das técnicas industriais, administrativas, econômicas e militares, um
exercício complexo na qual interagem identidade, técnica, nação, religião, cultura e
política, sempre mediante a intervenção do capitalismo.
Sob este prisma, Morin e Kern (2011, p. 82) declaram:

Por toda parte, o que se vê é a tecnicização generalizada, a industrialização


generalizada, a urbanização generalizada com seus efeitos ambivalentes,
sem que ainda se saiba quais irão prevalecer. Tudo isso determina a
destruição a grande velocidade das culturas agrárias, o fim de um mundo
camponês multimilenar: enquanto 3% da população mundial viviam em
cidades em 1800, 80% dos habitantes estão hoje urbanizados no Ocidente
europeu. Megalópodes como a Cidade do México, Shangai, Bombaim,
Djakarta, Tóquio-Osaka não cessam de crescer. Esses monstros urbanos
sofrem (e fazem sofrer seus habitantes) engarrafamentos, ruídos, estresse,
poluições de todo o tipo. A miséria material prolifera nas favelas, a miséria
moral não está apenas concentrada nas zonas de droga e de delinquência:
reina também nos bairros luxuosos protegidos por milícias e “gorilas”.

Nesta significação, Morin e Kern (2011) apontam para as consequências da


busca desenfreada do desenvolvimento, sinalizando para uma marcha acelerada em
direção ao desastre planetário, defrontando-se com os problemas de civilização do
mundo desenvolvido. Neste cenário sombrio, o subdesenvolvimento econômico
102

carrega 35 milhões de seres humanos para abaixo da linha de pobreza, outros 20%
da população mundial, em situação de desempregados, e assim, aumentam a
contabilidade dos excluídos e marginalizados que marcham na esteira da crise
mundial do desenvolvimento e do progresso.
O que o autor denuncia são as repercussões desastrosas da expansão
universal da economia neoliberal e mundializada, da globalização e da expansão do
capitalismo e do domínio do capital financeiro. Neste panorama, Morin revela em sua
obra A Via para o futuro da humanidade (2015e) o aumento da pobreza e o
deslocamento dos pequenos camponeses para os cinturões das grandes cidades,
elevando a desigualdade social e provocando destruições culturais.
Segundo Morin (2015e, p. 127),

O crescimento ininterrupto, produtor e produto do desenvolvimento, ainda é


considerado pela maior parte dos Estados a via da salvação. Desacelerado
nos países considerados desenvolvidos, por vezes paralisado pela crise, ele
prossegue tumultuosamente nos países emergentes da Ásia e da América
Latina.

Essas ações, de acordo com Morin, ocasionam à população endividamentos,


desempregos e diminuição dos rendimentos.
Na mesma linha de pensamento, em sentido semelhante, Fritjof Capra
aponta, em sua obra As conexões ocultas – ciências para uma vida sustentável
(2005), as consequências negativas da ascensão do capitalismo, da globalização
econômica e do desenvolvimento, afirmando que essa nova economia, de um lado,
beneficiou apenas a elite da sociedade, os empresários, os especuladores financeiros
e os profissionais da alta tecnologia, ocorrendo uma acumulação e o crescimento de
riquezas entre os mais ricos; por outro lado, seus efeitos sociais e econômicos têm
sido desastrosos nas classes sociais mais pobres.
Neste ponto de vista, Capra (2005, p. 155) concorda com Morin ao
asseverar:

A fragmentação e a individualização do trabalho e o gradativo


sucateamento das instituições e leis de bem-estar social, que cedem à
pressão da globalização econômica, significam que a ascensão do
capitalismo global tem sido acompanhada por uma desigualdade e uma
polarização social crescente. O abismo entre os ricos e os pobres
aumentou significativamente, tanto em nível internacional quanto dentro
de cada país.

Em vista disso, o processo de exclusão social e seus efeitos vão além dos
indivíduos, pois um quarto da população mundial não tem onde morar e nem o que
103

comer e, ainda, em sua maior parte, essas pessoas não sabem ler nem escrever.
Deste modo, são levados facilmente ao mundo da criminalização, das drogas, das
doenças e da prisão. Essas desastrosas consequências sociais da nova economia
e do desenvolvimento lançam questionamentos e dúvidas sobre esta nova ordem
do capitalismo global.
Por este ângulo, Capra (2005, p. 155), revela que

O capitalismo global fez aumentar a pobreza e a desigualdade social não


só através da transformação das relações entre o capital e o trabalho, mas
também por meio do processo de “exclusão social”, que é uma
consequência direta da estrutura em rede da nova economia. À medida
que os fluxos de capital e informação interligam redes que se espalham
pelo mundo inteiro, eles ao mesmo tempo excluem dessas redes todas as
populações e territórios que não têm valor nem interesse para a busca de
ganhos financeiros. Em decorrência dessa exclusão social, certos
segmentos da sociedade, certos bairros, regiões e até países inteiros
tornam-se irrelevantes do ponto de vista econômico.

O chamado desenvolvimento de nossa civilização, estimulado pela


aceleração do consumo de produtos, cada dia mais diversificados – automóveis,
máquinas industriais e automatizadas, eletrodomésticos, meios de transporte,
produtos pessoais, acessórios de luxo, grifes mundialmente conhecidas –,
proporcionam bem-estar e conforto, mas carregam em seu bojo consequências
como a generalização do trabalho fragmentado sem iniciativa, o desinteresse da
sociedade por questões humanas e sociais, a competitividade que estimula o
egoísmo, o acúmulo de riqueza, a busca obstinada pelo status e a avidez
vertiginosa.
Neste particular, em harmonia com Bauman, Morin e Kern (2011, p. 84)
asseveram que:

O consumo desregrado torna-se superconsumo insaciável que alterna com


curas de privação; obsessão dietética e a obsessão com a forma física
multiplicam os temores narcísicos e os caprichos alimentares, sustentam o
culto dispendioso das vitaminas e dos oligo-elementos. Entre os ricos o
consumo se torna histérico, maníaco pelo prestígio, a autenticidade, a beleza,
a tez pura, a saúde. Eles percorrem as vitrines, os grandes magazines, os
antiquários, os mercados de pulgas.

Por este ângulo, o(a) autor(a) revelam que o homem produtor está submisso
ao consumidor, este, aos pontos de vendas e aos produtos disponibilizados para
venda, e o mercado, dependente das estratégias e ações para a atração a qualquer
preço dos consumidores. Assim, começa a corrida infrene pela aquisição de novos e
estimulantes produtos.
104

Nesta perspectiva, nossa civilização encontra-se ameaçada pela degradação


das relações pessoais, pela solidão, problemas de saúde e pelos males decorrentes
das disfunções econômicas, das degradações ecológicas, do desenvolvimento e do
progresso.
Na seção seguinte, Edgar Morin discorre sobre a importância do debate de
temas relacionados com a abordagem humanista, como: ecologia, ciências,
ecossistema, cosmologia, geografia, sociologia, filosofia, ética, política, artes, cultura,
de forma a proporcionar uma formação integral aos futuros(as) profissionais de
administração.

3.4 ABORDAGEM SOCIOCRÍTICA E HUMANISTA DESENVOLVIDA NA


FORMAÇÃO DO(A) PROFISSIONAL ADMINISTRADOR(A)

Os processos de formação acadêmica em administração de empresas e na


preparação do profissional-cidadão para atuar no mundo dos negócios seriam o
momento ideal para a aprendizagem técnica e científica, de forma simultânea com a
abordagem crítica e humanista. Os programas deveriam ser contemplados com
disciplinas que permitissem aos(as) professores(as) situarem os conteúdos em novos
contextos, como: o estudo do universo, o estudo da terra, o estudo da formação da
vida, o conhecimento da humanidade, das línguas, das civilizações, da literatura, das
artes, da cultura e o estudo da história e dos humanos.
Em defesa da educação focada na conscientização da necessidade de proteção
ao planeta, do resguardo ambiental e das operações sobre o ecossistema mundial, logo,
em discordância com a concepção do capitalismo global, Capra (2005, p. 158) alerta:

A destruição do ambiente natural nos países do terceiro mundo caminha de mãos


dadas com o fim do modo de vida tradicional e autossuficiente das comunidades
rurais, à medida que os programas da televisão norte-americana e as agências
multinacionais de propaganda veiculam imagens glamourosas de modernidade
para bilhões de pessoas em todo o mundo, sem deixar claro que o estilo de vida
do consumo material infinito é totalmente insustentável.

Segundo Capra (2005, p. 159),

Uma vez que o ganhar dinheiro é o valor máximo do capitalismo global, os


representantes deste procuram sempre que possível eliminar as legislações
ambientais com a desculpa do “livre comércio”, para que as mesmas legislações
não prejudiquem os lucros. Assim, a nova economia provoca a destruição
ambiental não só pelo aumento do impacto de suas operações sobre os
ecossistemas do mundo, mas também pela eliminação de leis de proteção ao
105

meio ambiente em países e mais países. Em outras palavras, a destruição


ambiental não é somente um efeito colateral, mas um elemento essencial da
concepção do capitalismo global.

Em um cenário que busca o crescimento econômico, políticas de


desenvolvimento e progresso com a concepção do capitalismo global, portanto, urge a
necessidade de novas iniciativas, com o objetivo de proteger o meio ambiente e evitar os
efeitos devastadores das nossas ações em um ambiente já intensamente destruído.
Em sua obra A visão sistêmica da vida – uma concepção unificada e suas
implicações filosóficas, políticas, sociais e econômicas, Fritjof Capra e Pier Luisi (2015)
descrevem sobre a importância do que chamam “alfabetização ecológica”, ou seja, a
capacidade para compreender os princípios fundamentais e básicos da ecologia, de
sustentabilidade e de preservar e viver em harmonia com o meio ambiente. Segundo os
autores, essa conscientização precisa tornar-se uma habilidade crítica entre os políticos,
empresários, administradores(as) e profissionais de todas as esferas, e, ainda, deveria
constituir a parte mais importante da educação, especialmente no nível universitário,
onde os conhecimentos e a compreensão do mundo são ensinados para os futuros
líderes.
Por essa razão, Capra e Pier Luisi (2015, p. 361) relatam:

A alfabetização ecológica envolve não apenas a compreensão intelectual dos


princípios básicos da ecologia, mas também a profunda percepção ecológica
da interdependência fundamental de todos os fenômenos e de que, como
indivíduos e sociedades, estamos encaixados nos processos cíclicos da
natureza, e dependemos deles. Além disso, uma vez que essa percepção,
em última análise, está arraigada na percepção espiritual, é evidente que a
alfabetização ecológica tem uma importante dimensão espiritual.
No mundo acadêmico de hoje, é muito difícil explorar a dimensão espiritual
da educação. Nossas instituições acadêmicas clássicas produzem
especialistas tecnológicos ou humanistas em uma disciplina particular de
cada vez, e só muito raramente são capazes de se empenhar em manter a
abordagem interdisciplinar do conhecimento que estamos defendendo.

Neste sentido, Capra e Pier Luisi (2015) denunciam as experiências


estimulantes que os universitários e futuros profissionais deixam de vivenciar; assim,
muitos destes acadêmicos são impedidos de conhecer os valores da ética, da arte, da
música, da poesia e da introspecção pessoal. Em consequência disto, os autores
afirmam sobre seu temor em relação ao perigo de estarmos educando líderes nos
diferentes campos do conhecimento que não conhecem uns aos outros, e que não
são perceptíveis aos valores do espírito humano.
Ao observar o atual cenário econômico global, com o crescimento da cadeia
produtiva e a ascensão do capitalismo, estimulados pela motivação da classe
106

empresarial, dos economistas e administradores, Capra compreende, de forma


semelhante com Bauman e Morin, que essas são as causas fundamentais de muitos
dos problemas que atualmente impactam o mundo.
De natureza igual, ao analisar a situação na qual o mundo se encontra nos
dias atuais, com os problemas no meio ambiente, que incluem desastrosos impactos
ambientais, mudanças climáticas, aquecimento global, desmatamento, poluição dos
rios e das águas para o consumo humano, mortalidade e extinção de animais, além
das deficientes segurança alimentar e financeira, considerados problemas sistêmicos,
Capra e Pier Luisi (2015) asseveram que estes estão interconectados e são
interdependentes.
Assim, as consequências deste círculo vicioso da pressão demográfica levam
ao esgotamento dos recursos naturais, à diminuição do volume dos lençóis freáticos,
aos desmatamentos, ao aumento frenético da erosão do solo e a outros impactos na
natureza, que resultam no descontrole dos governos em garantir a segurança
elementar aos seres humanos. Como resultado, boa parte da população volta-se para
o desespero, a criminalidade, os problemas de saúde (físicas e psíquicas), as drogas,
a violência e o terrorismo.
Com esta crítica ao pensamento druckeriano e a outros cientistas da
administração e das ciências econômicas, Capra e Pier Luisi (2015, p. 448) fazem a
seguinte declaração:

Pelo que parece, o dilema fundamental subjacente aos principais problemas


do nosso tempo é a ilusão de que o crescimento ilimitado é possível em um
planeta finito. Essa ilusão, por sua vez, reflete a desarmonia entre o
pensamento linear e os padrões não lineares que ocorrem em nossa biosfera
– as redes e ciclos ecológicos que constituem a teia da vida. Essa rede global
altamente não linear contém incontáveis ciclos de feedback por meio dos
quais o planeta equilibra e regula a si mesmo. Nosso atual sistema
econômico, pelo contrário, é alimentado pelo materialismo e pela ganância,
que, pelo que parece, não reconhecem quaisquer limites.

Na ótica de Capra e Pier Luisi, em concordância com a tese que defendemos


nesta pesquisa, e, ainda, consoante ao pensamento moriniano e às inquirições
realizadas por Zygmunt Bauman em relação à globalização e seus impactos negativos
na sociedade, podemos afirmar que o crescimento populacional e a pobreza são
consequências das decisões e da obsessão de políticos, administradores e
economistas pelo crescimento econômico ilimitado, ocasionando, desta forma, a
multifacetada crise global.
107

O crescimento econômico e o crescimento corporativo são os objetivos que


o capitalismo global, o sistema econômico que domina atualmente, persegue.
No centro da economia global, há uma rede de fluxos financeiros, que foi
planejada sem o respaldo de nenhum monitoramento ético. De fato, a
desigualdade social e a exclusão social são características inerentes à
globalização da economia, ampliando a lacuna entre os ricos e os pobres e
aumentando a pobreza no mundo (CAPRA; LUISI, 2015, p. 449).

Por essas razões, o impacto negativo e os problemas que assolam a


humanidade ocorrem, principalmente, em detrimento do crescimento econômico
irrestrito e indistinto, em particular ao capitalismo global – sistema econômico que
domina atualmente –, que é a principal força motriz do avanço econômico e
empresarial.
Nesta perspectiva, Capra e Pier Luisi (2015, p. 450) desvelam:

Nessa nova economia, o capital opera em tempo real, movendo-se


continuamente através das redes financeiras globais. Esses movimentos são
facilitados pelas regras do “livre comércio”, planejadas para suportar o
contínuo crescimento das empresas. O crescimento econômico e o
crescimento corporativo são objetivos perseguidos implacavelmente porque
promovem o consumo excessivo e uma economia do desperdício que é
intensiva no consumo de energia e de recursos, gerando resíduos e poluição,
e esgotando os recursos naturais da terra.

Desse modo, ao contrapor o pensamento druckeriano, Capra e Pier Luisi


(2015, p. 476) fazem a seguinte afirmação: “um dos princípios do neoliberalismo é
incentivar os países pobres a produção de alguns bens especiais para a exportação”.
Essa busca pelo sucesso por meio do agronegócio e da exportação de commodities,
segundo os autores, está destruindo e esgotando rapidamente os recursos naturais
que ainda restam nesses países, em consequência da exploração dos recursos
naturais oriundos dos avanços da globalização econômica, responsáveis pela
acelerada destruição ambiental.
Em sua obra A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento,
Edgar Morin (2014a), com o pensamento similar ao de Fritjof Capra, revela a
importância do restabelecimento e a inclusão dos saberes e das disciplinas que
incentivam a uma reflexão ampla das questões relacionadas à proteção e revitalização
do meio ambiente, ao estudo e conhecimento da importância do universo e às
contribuições consideradas relevantes das ciências humanas na educação e
conscientização da preservação dos recursos naturais.
108

Nas palavras de Morin (2014a, p. 26),

O desenvolvimento anterior das disciplinas científicas, tendo fragmentado e


compartimentado mais e mais o campo do saber, demoliu as entidades
naturais sobre as quais sempre incidiram as grandes interrogações humanas:
o cosmo, a natureza, a vida e, a rigor, o ser humano. As novas ciências,
Ecologia, Ciências da terra, Cosmologia, são poli ou transdisciplinares: têm
por objeto não um setor ou uma parcela, mas um sistema complexo, que
forma um todo organizador.

Desta forma, o ensino das humanidades não deve ser sacrificado, mas,
otimizado, mantendo-se a cultura das humanidades na formação superior dos futuros
profissionais: o estudo da filosofia na formação humana contemplaria a reflexão sobre
o conhecimento científico e não científico e sobre o papel da tecnociência, maximizado
em nossas sociedades. O conhecimento dessa cultura é importante não apenas para
a compreensão dos processos multiformes de industrialização e
supercomercialização culturais, mas também sobre o quanto das aspirações e
obsessões próprias é traduzido pela temática da mídia.
Por essa razão, a universidade deve atender às necessidades fundamentais
de formação, mas também e, sobretudo, oferecer um ensino metaprofissional,
metatécnico, isto é, um ensino cultural. Neste papel – na formação dos futuros
profissionais de administração de empresas e dos demais cursos –, esta instituição
de ensino deve adaptar-se à sociedade e adaptar a sociedade a ela, remetendo a um
círculo produtivo e à elevação do pensamento simplificado e superficial ao
pensamento complexo.
Como resultado, a universidade estará cumprindo sua missão na formação
integral, tecnocientífica e humanista de seus formandos, conforme citado por Morin
(2014a, p. 82),

A Universidade deve adaptar-se à sociedade ou a sociedade é que deve


adaptar-se à Universidade? Há complementaridade e antagonismo entre as
duas missões: adaptar-se à sociedade e adaptar a sociedade à Universidade;
uma remete à outra em um círculo que deve ser produtivo. Não se trata
apenas de modernizar a cultura: trata-se também de “culturalizar” a
modernidade.

As universidades, ao longo de sua história, sofrem pressões que as


impulsiona a adequar o ensino e a pesquisa às demandas econômicas, técnicas e
administrativas, a conformar-se aos últimos métodos, às últimas estimativas do
mercado, e a incorporar práticas neoliberais, consumistas, forçadas a reduzir o ensino
geral e amplo, e a marginalizar ou extinguir a cultura humanista. Na vida, assim como
109

na história, portanto, as adaptações às condições dadas não foram indícios de


vitalidade, mas o prenúncio de sensibilidade e morte pela perda da substância
inventiva e criadora, inclusive, por vezes, da própria ciência.
Há, também, a dissociação dos saberes entre as disciplinas e a enorme
dificuldade em estabelecer um ponto institucional entre elas. Da mesma forma,
acontece a disjunção entre a cultura humanista e a cultura científica, que implica a
compartimentação entre as ciências, as disciplinas e a vida. Isso acontece, muito, em
razão da falta de comunicação entre as duas dimensões, provocando graves
consequências para uma e outra. Assim, urge uma reforma universitária para
organizar o conhecimento que contemple, na formação dos profissionais de diferentes
áreas, além do conhecimento científico, um conhecimento humanista.
A reforma da universidade exige, portanto, a reforma do pensamento, com a
possibilidade de incluir uma reorganização geral para a inclusão multidisciplinar em
torno do conhecimento.
Neste ponto de vista, Morin (2014a, p. 83) assevera que:

Essa reforma incluiria uma reorganização geral para a instauração de


faculdades, departamentos ou institutos destinados às ciências que já
realizaram uma união multidisciplinar em torno de um núcleo organizador
sistêmico (Ecologia, Ciências da Terra, Cosmologia). A ecologia científica, as
ciências da Terra, a Cosmologia, insistimos, são efetivamente ciências que
têm por objeto não uma área ou um setor, mas um sistema complexo: o
ecossistema e, mais amplamente, a biosfera, para a Ecologia; o sistema
Terra, para as ciências da Terra; e a estranha propensão do Universo a
formar e destruir sistemas galáxicos e solares, para a Cosmologia. Assim,
seria possível conceber uma Faculdade do Cosmo (que compreenda uma
seção filosófica) e uma Faculdade da Terra (Ciências da Terra, Ecologia,
Geografias Física e Humana).

Nesta perspectiva, as universidades devem insistir na formação dos seus


estudantes por diferentes saberes vinculados à transdisciplinaridade, porque,
desta forma, contemplando a racionalidade, a cientificidade, a objetividade, a
interpretação, a argumentação e a relação entre o mundo humano, o mundo vivo e
o mundo físico-químico, conectam a interdependência, as comunicações e as
ciências aos problemas da complexidade nos diferentes tipos de conhecimento
com a cultura das humanidades e a cultura científica e, ainda, à literatura, às
ciências humanas, à ética e à política.
Reveste-se, desse modo, a universidade, da vitalidade interdisciplinar e da
transdisciplinaridade, que permite a conexão entre as ciências antropossociais e
as ciências da natureza, para contribuir efetivamente no debate das possibilidades,
110

das alternativas e do reconhecimento da complexidade do pensamento, do


conhecimento, das compreensões e atitudes, assim como da formação.
Ao compatibilizar seu raciocínio com Morin, Martinazzo (2004, p. 93)
assevera que

O olhar transdisciplinar busca contextualizar os conceitos, observando os


diferentes e múltiplos vieses na apreensão da complexidade dos
fenômenos e dos objetos observados. Basta ver, por exemplo, a maneira
como Morin aborda a complexidade da natureza cósmica e humana. Ele
distingue, sem separar, as diferentes dimensões que a constituem.

Por este ângulo, Morin e Martinazzo revelam que, entre os diferentes


campos do saber, há sempre uma divisão e hierarquização de conhecimentos,
tornando insuficientes tanto a divisão dos saberes em disciplinas quanto a
interdisciplinaridade.
Desta forma, ao contrário do pensamento disciplinar, que é dividido,
fatiado, fragmentado e estanque, o pensamento complexo propõe uma relação
aberta entre as diversas ciências, proporcionando uma prática pedagógica que
possibilita ao estudante e futuro profissional uma compreensão ampla, envolvendo
mais dimensões da vida, da ciência e da cultura.
Em vista disso, ao diferenciar as práticas epistemológicas de
interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, Martinazzo (2004, p. 95) descreve:

A interdisciplinaridade se caracteriza por comunicação e, até mesmo,


colaboração entre as diferentes disciplinas, mantendo-se, porém, cada uma
com e em sua especificidade. Já na transdisciplinaridade realiza-se um
verdadeiro intercâmbio e uma transrelação nos diferentes níveis de
conhecimento. Ela rompe e supera as barreiras e as fronteiras que
delimitaram os conhecimentos em territórios fechados.

Isso posto, a transdisciplinaridade torna mais compreensível aquilo que pode


ser mais harmônico ou antagônico e, por esse caminho, torna-se imprescindível e
decisivo o pensar complexo e a práxis pedagógica complexa na universidade, por
permitir o rompimento dos limites entre as disciplinas tradicionalmente organizadas e
fragmentadas que cortam, dividem e simplificam o conhecimento.
Pelos caminhos transdisciplinares, a universidade proporciona ao estudante
e futuro profissional uma percepção ampla da realidade local e global, e tem condições
de construir uma visão aberta de autonomia e conhecimento do ecossistema, ou do
sistema ecobionômico (BOFF, 2005), contribuindo para a formação do ser humano
como um sujeito mais tolerante, sensível e solidário.
111

3.5 O PAPEL DA UNIVERSIDADE NO SÉCULO 21 E NA FORMAÇÃO DO(A)


PROFISSIONAL ADMINISTRADOR(A)

No que concerne à formação do(a) administrador(a), os programas e cursos


superiores devem ser pensados e contemplados com disciplinas que permitam aos
professores situar os conteúdos em novos contextos – o estudo do universo, da terra,
da formação da vida; o conhecimento da humanidade, das línguas, das civilizações,
da literatura, das artes, da cultura; o estudo da história e dos humanos. Nesse
momento, a formação acadêmica em nível superior e a preparação do profissional-
cidadão se constituem em espaço da aprendizagem técnica e científica,
simultaneamente, com a abordagem crítica e humanista.
Por essa razão, o ensino das humanidades não deve ser sacrificado, mas,
otimizado, mantendo-se a cultura das humanidades na formação universitária dos
futuros profissionais, pois ela detém grande força instituinte.
Neste particular, na concepção de Morin (2014a), as universidades devem
adaptar-se à modernidade científica e integrá-la para atender às necessidades
fundamentais de formação, mas também, e, sobretudo, oferecer um ensino
metaprofissional, metatécnico, isto é, um ensino cultural, no sentido de que institua
novos comportamentos, novas compreensões e provoque novas atitudes humanas de
responsabilidade com a vida, com o mundo, o cosmos.
Nesta lógica, as universidades, ao longo de sua história e criação, justamente
por essa força e protagonismo que detém no conhecimento e na formação, sofrem
pressões externas e dos diversos poderes, que as impele a adequar o ensino e a
pesquisa às demandas econômicas, técnicas e administrativas e a conformar-se aos
últimos métodos e exigências mercadológicas e sistêmicas e, desse modo, às últimas
estimativas do mercado. Parece que é esse o fator que tem contribuído para reduzir
o ensino geral e marginalizar ou extinguir a cultura humanista. Na vida, como na
história, portanto, as adaptações às condições dadas nunca foram um indício de
vitalidade, mas o prenúncio de sensibilidade e morte pela perda da substância
inventiva e criadora. Pode-se acrescer a esse fenômeno a dissociação dos saberes
entre disciplinas e a enorme dificuldade em estabelecer um ponto institucional inter e
transdisciplinar.
112

Ao defender veementemente a reforma da educação, Edgar Morin em sua


obra A Via para o futuro da humanidade (2015e), busca em Jean-Jacques Rousseu a
expressão que o educador diz ao aluno: “Quero ensiná-lo a viver”. Ao utilizar essa
fraseologia como exemplo, Morin desvela que a experiência de viver se aprende com
a ajuda do outro, principalmente dos pais e professores; nesta descoberta, o viver
torna-se propício no enfrentamento dos problemas de sua vida pessoal, é portar-se
como cidadão de sua nação, é sentir-se ao gênero humano.
Nas palavras de Morin (2015e, p. 193),

Um novo sistema de educação fundado na religação e, por isso, radicalmente


diferente do atual, deveria substituí-lo. Esse sistema permitiria favorecer a
capacidade da mente para pensar os problemas individuais e coletivos em
sua complexidade. Ele sensibilizaria para a ambiguidade, as ambivalências,
e ensinaria a associar os termos antagônicos para apreender uma
complexidade.
Ele ensinaria, também, a situar qualquer informação, qualquer dado, em seu
contexto, ou seja, no sistema do qual faz parte.
Ensinaria as diversas formas de racionalidade (teórica, crítica, autocrítica), a
necessidade de uma racionalidade aberta (sobre os dados que a contradizem
e sobre a crítica exterior).

Neste ponto de vista, o novo sistema de educação, defendido por Morin,


ilustraria uma concepção complexa, não apenas de racionalidade, mas também de
cientificidade, de modernidade, de desenvolvimento, igualmente de humanidade. Ao
sustentar em benefício da reforma da educação, Morin (2015e, p. 195) assegura que

A educação atual fornece conhecimentos sem ensinar o que é o


conhecimento. Ela não se preocupa em conhecer o que é conhecer, ou seja,
os dispositivos cognitivos, suas dificuldades, suas instabilidades, suas
propensões ao erro, à ilusão. Isso porque, todo conhecimento implica risco
de erros e ilusões. De fato, hoje sabemos que muitas crenças do passado
são erros e ilusões. Sabemos que as certezas dos comunistas sobre a União
Soviética ou sobre a China de Mao eram ilusões grosseiras. Começamos a
saber que as verdades do neoliberalismo econômico são ilusórias. Quem nos
garante que os conhecimentos que atualmente tomamos por verdades não
estão errados? Como indicava Descartes, é próprio do erro não se
reconhecer como tal.

Segundo o autor, a reforma do pensamento e da educação deve levar a


prática da reflexividade e da autocrítica, uma forma de pensar nas condições
históricas, culturais e sociais da própria existência humana.
Ao defender esse novo método de reformar a educação, idealizado não como
suntuoso e requintado, mas como um avanço necessário à conquista inspiradora e
aprazível da vida de cada um, Morin (2015e, p. 200) advoga:
113

A reforma introduziria uma educação de civilização orientada para a


civilização ocidental, por toda a parte em que ela se propagou: as mídias, a
publicidade, o consumo, a família, as relações entre gerações, a cultura
adolescente, os vícios e as intoxicações de civilização (o consumismo, as
intoxicações automobilísticas etc.) Em todas as regiões do mundo em que
subsiste uma civilização tradicional, ela incluiria uma educação orientada
para os valores, as riquezas, os saberes, os fazeres dessas civilizações, bem
como para suas insuficiências e suas carências; ela estimularia as simbioses
de civilização, reunindo o melhor de cada uma delas.
Poderiam ser formadas novas gerações de professores, que encontrariam
em sua profissão o sentido de uma missão cívica e ética para que cada aluno
ou estudante possa enfrentar os problemas de sua vida profissional, de sua
vida de cidadão, do devir de sua sociedade, de sua civilização, da
humanidade.

Para esta sustentação de ideias, com o propósito de defender a reforma da


educação, Morin (2015e, p. 200) rememora a premissa pedagógica basilar delineada
por Platão: “Para ensinar, precisa-se de eros”. Com essa passagem, o pensamento
moriniano argumenta a necessidade de ter amor pelo conhecimento, mas também é
imprescindível o zelo com os estudantes na orientação, para auxiliá-los na
compreensão da magnitude de seus conhecimentos em relação à vida, à humanidade,
à era planetária.
Nesta mesma vertente do pensamento, Morin (2015e, p. 201) faz a seguinte
referência: “A educação deveria inspirar-se nas experiências de Montessori, Freinet,
nas ideias pedagógicas de um Paulo Freire ou da Green School...”. Com essas
palavras, ele aponta o caminho da reforma da educação, correlacionando-a com a
reforma do pensamento, compreendendo-os mediante múltiplos aspectos.
Assim, segundo as asserções de Morin (2015e, p. 201),

Paradoxalmente, uma pressupõe a outra. Apenas as mentes reformadas


poderiam reformar o sistema educacional, mas apenas um sistema
educacional reformado poderia formar espíritos reformados. A reforma do
pensamento depende da reforma da educação, que, por sua vez, depende
de uma reforma preliminar do pensamento: são duas reformas pedagógicas
em circuito recursivo, uma produtora/produto da reforma da outra. Marx já se
perguntava: “Quem educará os educadores?” Na verdade, será por meio de
uma multiplicação de experiências-piloto que poderá nascer a reforma da
educação, reforma particularmente difícil de introduzir, pois nenhuma lei seria
suficiente para implantá-la. Será ela, no entanto, que conduzirá à criação um
tipo de mente capaz de enfrentar os problemas fundamentais e globais e de
religa-los ao concreto.

Desse modo, o pensamento moriniano destaca a necessidade de mudanças


no ensino e no rumo das universidades. Segundo Morin e Díaz (2016, p. 69),

As reformas do ensino e do pensamento pressupõem uma a outra, e ambas


conformam um ciclo que se retroalimenta. Trata-se de uma reforma
“profunda” que não se limita a métodos, procedimentos, ou a mudanças de
114

políticas, de infraestrutura ou de programas de estudo. É necessário


evidenciar as fontes e as consequências do pensamento disjuntivo e
fragmentador, suas limitações e a impossibilidade de encontrar soluções aos
problemas do presente caso continuemos guiados por esse pensamento
racionalizador.

Da mesma forma, no atual contexto, acontece a disjunção entre a cultura


humanista e a científica, que permite a compartimentação entre as ciências e as
disciplinas. Isso acontece principalmente em razão da falta de comunicação entre as
duas culturas, provocando graves consequências para uma e outra. Abre-se, então, o
espaço necessário da reforma universitária, para organizar o conhecimento,
acentuando a contemplação da formação dos profissionais de diferentes áreas para
além do conhecimento científico e, também, um conhecimento humanista.
A reforma da educação e da universidade exige a reforma do pensamento, e
inclui uma reorganização geral para a união multidisciplinar em torno do
conhecimento. Neste ponto de vista, Morin e Díaz (2016, p. 67) alertam:

[...] Dentro da institucionalidade educativa, a universidade é um dispositivo


fundamental que necessita ser reinventado, ou seja, pensado e feito em
correspondência com a natureza dos problemas cruciais que enfrentamos
como comunidade e como humanidade.
Os caminhos para a reinvenção da educação e da universidade incluem o
contexto; a reforma profunda do ensino e do pensamento; considerar
seriamente o que ocorre na ciência, na tecnologia e no planeta; a reversão
da disjunção entre a ciência, a ética e a política; a reconceitualização da
democracia, do trabalho; assumir o pensamento complexo do Sul.

Por esse viés, as mudanças essenciais na formação dos estudantes devem


englobar todo o sistema educativo. É na universidade, no entanto, que as mudanças
deverão ser mais rigorosas, fortalecidas e enraizadas, visto que é por meio desta
instituição que moldamos a formação profissional dos estudantes.
Destarte, na obra Os sete saberes necessários à educação do futuro, Morin
enuncia as necessidades de novas práticas pedagógicas para uma educação que o
autor nomina de “transformadora”, que se torne direcionada para o desenvolvimento
da compreensão humana, na diversidade cultural, na pluralidade de indivíduos, da
sensibilidade e da ética, e ainda, que incentive a elaboração de um conhecimento de
natureza transdisciplinar. Desta forma, na sequência, pontuamos os sete saberes
propostos por Morin (2011c, p. 15 -18):
 As cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão;
 Os princípios do conhecimento pertinente;
 Ensinar a condição humana;
115

 Ensinar a identidade terrena;


 Enfrentar as incertezas;
 Ensinar a compreensão;
 A ética do gênero humano.
No tocante ao primeiro saber, Morin aponta a importância de examinarmos
com profundidade e clareza o conhecimento humano, suas lacunas, deficiências,
desta forma, incluir e praticar através da educação, o estudo das características
cerebrais, mentais e culturais do próprio conhecimento, tentando decifrar os motivos
que levam o pensamento ao erro ou à ilusão.
Em sua obra Educação e complexidade: os sete saberes e outros ensaios,
Morin e Almeida (2013, p. 89) descrevem:

Há um risco permanente de erros e ilusões. Ensinar àqueles que irão se


defrontar com o mundo onde tudo passa pelo conhecimento, pela informação
veiculada em jornais, livros, manuais escolares, internet é algo de
fundamental importância. É necessário também ensinar que o conhecimento
comporta sempre riscos de erros e ilusões, e tentar mostrar quais são suas
raízes e causas.

No que concerne aos princípios do conhecimento pertinente, nas palavras de


Morin, existe um problema crônico, pouco lembrado, que diz respeito à necessidade
de promover o conhecimento capaz de reter problemas da esfera global para,
posteriormente, discutir os conhecimentos parciais. Da mesma forma, é necessário
um modo de conhecimento capaz de encadear o conhecimento em um contexto
complexo, ensinando os métodos que permitam estabelecer as relações mútuas entre
as partes e o todo.
No que diz respeito ao ensinar a condição humana, Morin (2011c, p. 16),
descreve que “o ser humano é, a um só tempo, físico, biológico, psíquico, cultural,
social e histórico”, e desta forma, está desintegrado na educação entre as disciplinas;
neste sentido, urge aprender que a condição humana deveria ser o objeto
indispensável de todo o ensino. Assim, precisaria ocorrer a integração dos
conhecimentos dispersos nas ciências da natureza, nas ciências humanas, na
literatura e na filosofia, demonstrando o elo entre a diversidade de tudo que é humano.
Em referência ao ensinar a identidade terrena, Morin expõe a gravidade e o
erro elementar da educação em não atentar para as questões relativas à origem e ao
destino planetário do gênero humano. Por essa razão, o conhecimento dos
desenvolvimentos da era planetária necessita transformar-se em pauta para o debate
116

na educação. Com a mesma importância, urge acrescentar o ensino da história da era


planetária, ilustrando como todos os continentes do mundo se tornaram solidários,
porém, omitindo os atos de opressões, autoritarismos e massacres que devastaram a
humanidade e que ainda seguem presentes na vida das pessoas.
No tocante a enfrentar as incertezas, Morin (2011c) esclarece que a educação
deveria incluir nas disciplinas o ensino das incertezas que surgiram nas ciências
físicas, nas ciências da evolução biológica e nas ciências históricas, permitindo,
assim, a compreensão do enfrentamento aos imprevistos, ao inesperado, às
incertezas.
De natureza igual, Morin (2011c, p. 17) apresenta:

A fórmula do poeta grego Eurípedes, que data de 25 séculos, nunca foi tão
atual: “O esperado não se cumpre, e ao inesperado um deus abre o caminho”.
O abandono das concepções deterministas da história humana, que
acreditavam poder predizer nosso futuro, o estudo de grandes
acontecimentos e desastres de nosso século, todos inesperados, o caráter
doravante desconhecido da aventura humana devem-nos incitar a preparar
as mentes para esperar o inesperado, para enfrenta-lo. É necessário que
todos aqueles que se ocupam da educação constituam a vanguarda ante a
incerteza de nossos tempos.

Quanto a ensinar a educação, o planeta demonstra, em todos os sentidos, sinais


da ausência de compreensão mútua. Sobre essa questão, Morin e Almeida (2013, p. 107)
afirmam que:

Há uma imbricação total dos fatores demográficos, econômicos, morais, mas se


não podemos compreender o mundo, tentemos, pelo menos, não ter dele uma
visão mutilada, abstrata, para não compreendê-lo como constituído unicamente
por um instrumental técnico ou econômico, pois o problema reside em nos
confrontarmos com nosso destino planetário.

Desta forma, é necessário o estudo das causas que levam ao pensamento e


que motivam, por exemplo, o racismo, a xenofobia, o desprezo, a exclusão social,
buscando sanar os problemas que se originaram na base da educação, voltando-se para
a educação pela paz e promovendo o desenvolvimento da compreensão e da educação
para o futuro.
No que se refere à ética do gênero humano, segundo Morin (2011c, p.18), “a
ética indivíduo – espécie necessita do controle mútuo da sociedade pelo indivíduo e, da
mesma forma, do indivíduo pela sociedade”. Neste contexto, a democracia e a ética
estabelecem, para o futuro, a cidadania terrestre.
Ao considerar este saber como essencial na educação para o futuro, Morin
(2011c, p. 18) faz a seguinte elucidação:
117

A ética não poderia ser ensinada por meio de lições de moral. Deve formar-se
nas mentes, com base na consciência de que o humano é, ao mesmo tempo,
indivíduo, parte da sociedade, parte da espécie. Carregamos em nós esta tripla
realidade. Desse modo, todo desenvolvimento verdadeiramente humano deve
compreender o desenvolvimento conjunto das autonomias individuais, das
participações comunitárias e da consciência de pertencer à espécie humana.

A educação, portanto, deve auxiliar na tomada de consciência de nossa terra-


pátria, pertencente a todos os cidadãos, concebendo aos indivíduos e à sociedade, pelo
caminho da democracia, a condição de comunidade planetária, e, ainda, permitir que esta
consciência se converta no espírito idealizador de concretizar a cidadania terrena.
Por essa razão, são imprescindíveis as contribuições da universidade à formação
ética e política dos estudantes; a partir dela os indivíduos podem atingir uma formação
profissional e cidadã pertinente, que contemple a responsabilidade e a democracia, a
ética e a política.
Com essa realidade, Morin e Díaz (2016, p. 72) relatam que

Nos dias de hoje, a universidade alcançou níveis exponenciais de


crescimento, no entanto está longe de ser uma entidade democrática. Não o
é devido à sua estrutura interna, pelas relações de poder que sobre ela e nela
se exercem, pelo manejo geral dos conhecimentos, ainda distante da
democracia cognoscitiva e comunicacional. Entre os múltiplos desafios que a
universidade enfrenta – onde se incluem, além das questões inerentes aos
programas de estudo, os vínculos com a investigação e com a vida material
– os de ordem cognoscitiva e cívica são medulares para uma reforma
profunda.

Por esta ótica, as barreiras na formação dos estudantes, fomentadas pelos


tecnicismos e fragmentações da ciência e do conhecimento, têm forte repercussão na
ética do ensino onde os professores, de forma isolada, agem como soberanos de seu
campo disciplinar, e resistem a qualquer tipo de orientação no sentido de reavaliar
conteúdos e métodos na condução das disciplinas. Assim, a perspectiva cognoscitiva
se transforma em ações e atitudes que tendem a fechar a universidade sobre si
mesma, barrando o intercâmbio de conhecimentos e tornando impossível a realização
de suas missões na formação profissional dos estudantes, especialmente abortando
a pesquisa e a compreensão complexa do pensamento.
Dessa forma, a reforma do ensino e das universidades requer o surgimento
de uma nova atitude ante os conhecimentos e a responsabilidade das instituições de
ensino. O desafio cognoscitivo torna-se uma bandeira nacional, um desafio cívico, que
concerne à ética na gestão dos conhecimentos e à democracia científica e
comunicacional, que é um dos problemas fundamentais do presente e que implica o
118

acesso, a igualdade e a equidade, tanto na formação quanto na apropriação do


conhecimento como um direito de todos.
Por conseguinte, Morin e Díaz (2016, p. 75) advertem:

A modificação na ciência nos dota de instrumentos de novo tipo e de poderes


extraordinários. Mas, sabemos utilizá-los com prudência? E tão importante
quanto esta pergunta: o poder do conhecimento poderá continuar
concentrado em algumas poucas pessoas e algumas poucas atividades
geradoras de conhecimentos? Podemos e devemos continuar lidando com a
noção abstrata de conhecimento no singular? Podemos e devemos nos abrir
para a diversidade dos conhecimentos humanos, e de suas fontes?

As perguntas expressas no decorrer do texto nos remetem a uma profunda


reflexão e a considerarmos que a ciência trata de todos os conhecimentos. Valorizar
outras áreas do conhecimento, suas formas culturais mais diversas que as criam e
recriam e, por conseguinte, a vida humana em todas as suas dimensões, parece ser
uma tarefa da ciência e da universidade que assuma compromissos com o ser
humano, com a vida e, consequentemente, com a formação dos indivíduos para a
ética planetária. O nosso maior desafio consiste em realizarmos na universidade um
grande diálogo para, juntos, traçarmos os caminhos que possam alcançar uma
democracia cognoscitiva e comunicacional capaz de realizar as mudanças e reformas
tão necessárias no ensino e na formação dos futuros profissionais, contemplando,
assim, as diferentes dimensões na concepção da vida humana na era planetária.
Os processos produtivos têm sofrido grandes alterações em razão da
mudança nos instrumentos e nos processos de trabalho das pessoas. Esses avanços,
com o crescimento da hipertecnologia ou, ainda, metatecnologia, vêm produzindo uma
avalanche de humanos deslocando-se para a periferia e para a exclusão da vida
social, visto que a tecnologia concentra a grande maioria das atividades da força de
trabalho.
Por este ângulo, urge uma reorganização da sociedade, do ensino e das
universidades; uma reorganização em profundidade, que altere a formação dos
futuros profissionais que retornam à comunidade para atender a sociedade e o
mercado. Um grande pacto intersubjetivo deve ser estabelecido neste sentido, sob
pena de comprometer-se o futuro da humanidade e da própria existência humana ou
da vida no planeta.
No tocante à era planetária, denominada por muitos de “tempos modernos”,
Morin e Almeida (2013, p. 105) alertam:
119

Se começa a tomar cada vez mais consciência dessa expansão


tecnoeconômica que se espalha por todo o planeta, torna-se igualmente
necessário compreender que vivemos numa era planetária constituída por
uma comunidade de destinos sobre a terra. Com a dispersão das armas
nucleares um perigo de morte passou a pairar sobre a humanidade como um
todo. As consequências desastrosas da degradação da biosfera representam
uma segunda ameaça. Isso significa que vivemos numa comunidade de
destino, sem falar nos problemas comuns que não são apenas econômicos,
e que concernem à droga ou às pandemias como a Aids.

Quanto ao futuro da vida no planeta, portanto, Morin e Almeida (2013)


referem-se a dois fenômenos de mundialização ocorridos no passado e que
ameaçaram a humanidade: a dominação e o colonialismo e, ainda, a exploração
econômica. Desta forma, torna-se imperioso pensarmos e compreendermos o mundo
por meio de uma cidadania terrestre, com o objetivo de protegermos o planeta,
mediante a preservação dos fatores demográficos, econômicos e morais, impedindo
uma constituição dominante por um instrumental técnico ou unicamente econômico.
Desse modo, essas transformações da vida cotidiana e dos seres humanos
em suas formas de pensar e agir exigem das universidades e da rede de ensino como
um todo mais atenção e mais preparação na formação dos seus estudantes, mas que
seja uma formação que comprometa, que tenha forças de interferências e signifique
profundamente. Assim, existem sinais evidentes da necessidade de uma mudança
maior, pois a ciência e a tecnologia afetam a democracia e os domínios da política e
da cidadania, visto que se pode constatar uma tendência de deslocamento do cidadão
a mero espectador manipulável, em consequência da política altamente tecnificada e
profissionalizada, que delegou aos especialistas (gestores, administradores,
economistas, empresários e demais interessados no ganho econômico e no lucro a
qualquer preço) um poder sobrenatural.
Nesse cenário, atingimos a situação insustentável de carência de democracia
cognoscitiva e comunicacional, onde o poder dos conhecimentos e das decisões
encontra-se concentrado nos especialistas. Morin e Díaz (2016), ao exemplificarem a
universidade, a educação e a política em aproximação com o pensamento freiriano,
sustentam os seus pensamentos, descrevendo o caminho da ciência, da tecnologia,
dos conhecimentos e das redes e a ampliação das comunicações como fundamentais
para a cidadania, a democracia, a ética e a política.
120

Mediante esse raciocínio, Morin e Díaz (2016, p. 77) defendem que

Toda a educação é política, como assinalou Paulo Freire; contudo, por mais
paradoxal que pareça, ainda se pensa na educação como dispositivo
supostamente neutro, e ainda se age para fazer da educação um instrumento
de reprodução dos propósitos políticos dos grupos que competem pelo poder,
e de reprodução do sistema social vigente. Neste sentido, a educação é
política por excelência, ainda que se pretenda separada da política.

O pensamento moriniano, por meio dessas palavras, denuncia a atual


situação do ensino, revelando que existe uma separação e fragmentação do
conhecimento, ao qual ele chama de pensamento disjuntivo, racionalizador, clássico
e moderno e, portanto, insuficiente para compreender os problemas, para questionar,
discutir, analisar e encontrar soluções.
Dessa forma, segundo Morin (2014a), existem outros caminhos a seguir. O
caminho de um pensamento que una e contextualize; um pensamento complexo que
reconheça e assuma o desafio da complexidade, portanto, o desafio de compreender
o que está impregnado nos interesses maiores, o que se pretende alcançar com os
interesses na fragmentação e na disjunção como ideais e a própria ocultação do
pensamento dos povos, que não conseguem resistir aos centros de poder e a essa
dominação.
Por essa razão, o autor alerta que não basta um pensamento complexo para
sair da crise. Ele é necessário, mas não é suficiente. Precisamos de um pensamento
universalista, aberto à compreensão de todas as culturas; um pensamento
contextualizado que não renuncie ao seu próprio fundamento e, ainda, que
reproblematize nossa relação com a natureza, a razão e a racionalidade; que
compreenda a complexidade ética com responsabilidade e solidariedade. Ainda neste
particular, o pensamento complexo deve rejeitar a unificação abstrata, que reconhece,
nutre-se e se abre à diversidade, à vida em sua plenitude, o viver e o saber viver.
Por outro lado, segundo o pensamento moriniano, a universidade é
conservadora, regeneradora e geradora. Desta forma, ela conserva, memoriza,
integra, ritualiza uma herança cognitiva e atua transmitindo-a, como parte da
institucionalidade educativa, seus conhecimentos aos estudantes. Deste modo, a
universidade tem uma missão e uma função social transecular que relaciona o
passado, o presente e o futuro.
Morin e Díaz (2016, p. 81) interpretam o papel da universidade na formação
dos futuros profissionais, descrevendo-o da seguinte forma:
121

A missão da universidade é realizável unicamente quando uma teia viva de


relações de autonomia/dependência a vinculam ao contexto social que lhe é
próprio, ao mesmo tempo que a liberam para integrá-la a um contexto maior
que a sociedade humana em seu conjunto representa. É na tensão da
autonomia/dependência que a universidade pode realizar sua missão
transecular e transnacional.

Com tal característica, quando referimo-nos à missão transecular da


universidade, entendemos também que deva estender seus valores à sociedade,
introduzindo nela a autonomia da consciência, a ética do conhecimento, a
problematização, a reflexão, o primado da verdade sobre a utilidade. São esses os
valores que constituem o núcleo de formação profissional e que devem ser estendidos
e constituídos também na sociedade.
Assim, com base nesse contexto, segundo Morin (2014a), a universidade
carrega o desafio de adaptar-se à sociedade e adaptar a sociedade a si, como
objetivos que remetem uma a outra, e ainda, que a universidade tem a missão de
formar os estudantes e futuros profissionais para a vida. Nesse cenário, atualmente,
predomina nas universidades a segmentação dos conhecimentos, a fragmentação e
o isolamento das profissões e das atividades humanas, ameaçando a conservação da
vida e seu futuro.
Nesta dimensão, Morin e Díaz (2016, p. 85) colaboram, ao sugerir que

A universidade deve se propor como um horizonte de integração que permite


realizar mais plenamente sua dupla missão: a formação das pessoas para a
vida, o que significa um replanejamento político de si mesma para abrir-se a
uma nova compreensão sobre a cidadania, democracia e política. E posto
que os horizontes culturais movem-se não apenas para a destruição, e sim
também para a criação e para a transformação, a universidade há de abrir-se
ao sul e ao que esta noção ambígua e inquietante traz consigo para inovar e
tornar possível uma mudança cultural planetária.

Muitos são os desafios para as mudanças nas universidades, começando


pela adequação do seu mundo interior, de sua institucionalidade, de seus programas
e projetos, de suas demandas econômicas, administrativas e técnicas, e ainda, de sua
subordinação ao mercado de trabalho e bens.
Nesse sentido, tratando-se do vínculo entre a universidade com a vida
econômica e política, com o mercado e com suas demandas, urge uma
transformação, deixando de existir a subordinação e substituição de finalidades e
propósitos. A onipresença do mercado e a generalização do consumismo como
ideologia e modo de satisfação das necessidades, tão criticada por Bauman, que
consiste na insatisfação constante, geram demandas públicas que reforçam a
122

sobreadaptação, levando à redução drástica do estudo das humanidades e dos


saberes que não incidem diretamente nas competências relacionadas com a formação
e preparação dos profissionais para o mundo e para a vida.
Por esta ótica, nessa visão das universidades de atender ao mercado, reduz-
se a universidade a um espaço de treinamento e instrumentalização dos estudantes
e futuros profissionais, como tentativa de adaptar-se e cumprir com suas funções
formadoras ante as demandas e requisições do mundo do trabalho e do poderio
econômico. Por essa razão, a reforma do ensino e a reforma do pensamento tornam-
se fundamentais nas universidades, mediante a reorganização dos saberes e a
inclusão das ciências que estudam o ser humano e que deixam de tratar a formação
universitária e profissional como rotas exclusivas de economia, do poder e da política,
ignorando as pessoas e seus problemas. É necessário, nesse sentido, organizar os
conhecimentos e retomar a centralidade da problematização que inclua a ciência e a
tecnologia e, além disso, a problematização dos conhecimentos e da própria
universidade.
De natureza igual, Morin e Díaz (2016, p. 99) defendem que

Todas as reformas convergem em uma reforma da vida. Ainda que as


imagens de bem-estar anunciem os gozos da vida plena e da abundância, da
civilização e da razão, vivemos vidas degradadas e ameaçadas pelas
barbáries do egoísmo, da inveja, do ressentimento, do ódio; alimentam-se os
ódios de nações, de indivíduos, gêneros, sexos, classes, povos e regiões. A
civilização é acompanhada pela barbárie; a velocidade e a mudança nos
afastam do desfrute e da plenitude, a disjunção valorativa transforma-se em
hipertrofia dos valores econômicos e do dinheiro, e a angústia existencial se
aplaca com a posse e o consumismo desenfreados.

Por conseguinte, a universidade, para concretizar as transformações e


reformas necessárias, deve tomar consciência das suas dificuldades, das barreiras
institucionais, transcender as próprias resistências internas e promover as mudanças
necessárias à sua reinvenção, assumindo o seu espaço e a sua condição protagonista
na ciência e no conhecimento.
Deste modo, deverá, ainda, estar aberta à identificação e busca de soluções
aos problemas de natureza complexa. Assim, a possibilidade da vida pode enfrentar
a impossibilidade da lógica, ao adotarmos uma postura epistemológica aberta à
complexidade do mundo e à sua diversidade social, cultural e biológica.
123

3.6 A EDUCAÇÃO NA ERA PLANETÁRIA E SEUS EFEITOS COLATERAIS NO SEIO


DA SOCIEDADE

Quando falamos em educação, em sociedade e planeta, muitas vezes não


relacionamos o verdadeiro objetivo da educação e seus desafios na compreensão da
planetarização da humanidade como sociedade-mundo. O objetivo principal da
educação é justamente educar para que possa existir uma sociedade-mundo, onde
as pessoas consigam conviver em sociedade de forma ordeira, pacífica e de certa
forma organizada, respeitando o meio ambiente, os seres vivos, uns aos outros, o
universo, suas riquezas, suas fontes, a natureza, a terra, o planeta e, também, a
pluralidade de ideias e a diversidade de compreensões.
Desta forma, compreende-se que a terra é apenas parte do todo, porém, essa
compreensão é fundamental para concernir a verdadeira contextualização da nossa
situação complexa no mundo como condição humana e como humanidade. Para
abranger a condição humana e do mundo humano, precisamos compreender que as
sociedades históricas nasceram por intermédio das civilizações e se constituíram, ao
longo do tempo, por meio da agricultura, de atividades de guerra e operações
marítimas. Desta forma, surgiram as cidades, o Estado, a divisão do trabalho, as
classes sociais, a guerra, a escravatura, as grandes civilizações, a fé, a religião, o
misticismo e outras divisões sociais, culturais e científicas.
Em meio a esse período, surgiram grandes construções, que transformaram
e aceleraram a globalização, o aumento populacional e o avanço econômico mundial:
a abertura dos canais de Suez e do Panamá, o avanço das linhas férreas no Expresso
do Oriente, a Transamérica e a Transiberiana, unindo todos os continentes de uma
extremidade à outra. Por esse ângulo, Morin, Motta e Ciurana (2003, p. 78-79)
elucidam, fazendo a seguinte descrição:

Insensivelmente, a hélice mundializadora da economia atinge todo o planeta.


Entre 1863 e 1873, o comércio multinacional, cuja capital é Londres, torna-se
um sistema unificado após a adoção do ouro como referência para as moedas
dos principais Estados europeus. A mundialidade do mercado é uma
mundialidade de concorrências e de conflitos. Está ligada ao
desenvolvimento mundial do capitalismo e da técnica, à mundialização dos
conflitos entre os imperialismos, à mundialização da política, à difusão
mundial do modelo do Estado-nação, forjado na Europa, e que se tornará um
instrumento de libertação diante dos dominadores europeus, uma maneira de
salvaguardar as identidades ameaçadas pela modernidade ocidental, bem
como uma forma de se apoderar das armas e dos meios desta modernidade.
Os múltiplos processos de mundialização (demográficos, econômicos,
124

técnicos, ideológicos, etc.) interferem uns com os outros e são tumultuosos e


conflituais.

Por outro lado, análogo a todo o processo de globalização e aceleração


econômica, tecnológica e de mundialização de tudo e de todos, ocorre o avanço nas
sociedades organizadas do pensamento e de ideias relacionadas ao humanismo e à
emancipação, e com isso, abre-se o debate e a consciência emergente para uma
civilização planetária. O desenvolvimento, entretanto, continua sendo a palavra-chave
para fundamentar as ações em busca do progresso e, assim, este é percebido como
o caminho para o bem-estar com acesso a produtos e bens de consumo, sendo
defendido por grande parte de administradores, economistas e empresários. Logo,
esta visão tecnoeconômica não considera os problemas humanos da identidade, da
comunidade, da solidariedade, da cultura e dos seus efeitos colaterais, consequências
muitas vezes de sérios e críticos problemas de saúde de grande parte da população
mundial.
Nesta mesma linha de raciocínio, Morin, Motta e Ciurana (2003, p. 92)
advertem que

A ciência, a técnica e o desenvolvimento econômico, que pareciam ser o


motor de um progresso certo, revelam as suas ambivalências. Enquanto a
noção de progresso se torna incerta, as redes de comunicação em tempo real
permitem revelar e observar os males da nossa civilização onde eram
esperados resultados positivos. É desta maneira que problemas
considerados periféricos se tornaram centrais, que aqueles a que
chamávamos privados ou existenciais se tornaram problemas políticos e que,
para problemas não-econômicos, tivemos de procurar uma solução
econômica.

Os problemas relacionados à indústria do lucro e, consequentemente, aos


seus efeitos colaterais, no entanto, continuam com a tecnologização, invadindo a vida
cotidiana das pessoas por meio da lógica e das máquinas, que inserem uma
organização mecânica, especializada e cronometrada, e diminuem a relação e a
comunicação. No mesmo caminho, surgem efeitos colaterais, provocados pela
necessidade de dispor de quantias cada vez maiores de dinheiro para sobreviver no
meio social discriminatório e excludente, produzindo entre as pessoas uma
concorrência na corrida pelo consumo, pelo pertencimento e pela valorização.
O outro lado do desenvolvimento também deixa sequelas, com a degradação
da qualidade de vida das pessoas, como consequência do aumento no ritmo do dia a
dia, resultado da lógica da competitividade. Ainda, no tocante ao desenvolvimento, o
pensamento moriniano denuncia a formação de enormes estruturas tecnoburocráticas
125

que dominam e espezinham todos os problemas individuais, singulares e concretos e,


por outro lado, provocam a irresponsabilidade e o distanciamento social, induzindo os
indivíduos ao isolamento até mesmo dos familiares.
Com esta séria e profunda constatação, Morin, Motta e Ciurana (2003, p. 94)
alertam:

Anonimização, atomização, mercantilização, degradação moral, mal-estar,


progridem de maneira interdependente. A perda da responsabilidade (no seio
dos aparelhos tecnoburocráticos compartimentados e hiperespecializados) e
a perda da solidariedade (devido à atomização dos indivíduos e à obsessão
com o dinheiro) conduzem à degradação moral e psicossocial, uma vez que
não existe qualquer sentido moral onde não há nem sentido de
responsabilidade, nem sentido de solidariedade.

Por essas razões, ao analisar a educação e as formas de ensinar, as


metodologias dos professores, das escolas e das universidades e, por conseguinte,
da formação universitária, tanto profissional quanto para a vida, exigem mudanças na
política educacional, de comportamentos e nas atitudes de todos os indivíduos e
instituições envolvidas diretamente com a aprendizagem e seus resultados. A reforma
na educação deve partir da escola e da universidade, criando condições que tornem
possíveis ações e conhecimentos voltados para o humanismo, para o sentido da vida
com sinalização para ações entre indivíduos, valorização da coletividade, compaixão
com as pessoas, atenção às suas limitações e o respeito ao diferente, ao outro. É
desta educação que precisamos: que preze pela solidariedade.
Neste mesmo ponto de vista, Martinazzo (2004, p. 98) assevera que

Se, por um lado, o mundo, hoje, caminha por um processo de


homogeneização globalizante destruindo as bases étnico-culturais, por outro
lado, surgem, aqui e acolá, iniciativa de preservação e de incentivo aos
movimentos que promovem a riqueza da diversidade e da pluralidade
humanas. O intercâmbio e a mestiçagem são criadores de novas sínteses
culturais e que, embora resultem numa certa unidade, foram constituídas a
partir de contribuições históricas de povos e de raças diferentes: A vivência
numa autêntica integração cultural pressupõe a compreensão, o amor e a
solidariedade entre os seres humanos.

Isso posto, conforme Martinazzo (2004), a boa civilização é a que permite ao


humano aplicar e divulgar ações de solidariedade, tanto para a compreensão como
para o amor ao próximo. Dessa forma, parece ser possível constituir uma relação de
interlocução entre a comunidade científica, os tecnólogos e os economistas com os
educadores, filósofos e políticos. Podemos afirmar, então, que a planetarização do
126

mal-estar instiga no sentido do caminho para a emergência possível de uma


sociedade-mundo.
Nas palavras de Morin, Motta e Ciurana (2003, p. 95),

Se aqueles que denominamos de movimentos antiglobalização ainda estão


longe de chegarem a uma ação conjunta e à elaboração de uma concepção
alternativa, não deixam, todavia, de constituir o fermento de uma pesquisa
das possíveis respostas para a crise de uma civilização que apenas conheceu
avanços ao nível da dimensão racional, instrumental e tecnológica, ao reduzir
a sua procura do bem-estar a uma modalidade de consumo quase
compulsivo, resultado de um estilo de produção e de consumo dos países
ricos, que originou os efeitos perversos da degradação do ambiente. Os
países em vias de desenvolvimento, que adotaram estes estilos de produção
e de consumo, estão sujeitos, presentemente, aos mesmos males e à
destruição da sua cultura e do seu modo de vida milenares.

Como qualquer missão, o ensino carrega simultaneamente o prazer, o desejo


de realizar e de transmitir e o amor pelo conhecimento e pelos alunos. Segundo Morin
(2014a), onde não há amor, apenas existem problemas de carreira, baixos salários
dos professores, materiais precários, estruturas defasadas e outros problemas
enfrentados na rotina diária do professor.
Deste modo, a demanda planetária da humanização migraria para o
nascimento da humanidade civilizada e focada na sociedade-mundo.
Partindo, portanto, destes conceitos, é imprescindível que tomemos
consciência de que o subdesenvolvimento cresce precisamente com o
desenvolvimento tecnoeconômico, que tem como consequência uma sociedade que
sofre com os efeitos colaterais do subdesenvolvimento moral, psíquico e intelectual.
127

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao concluir esta pesquisa, tendo como princípio do estudo “O(A) profissional


de administração de empresas na perspectiva de uma formação humanista: um
diálogo entre Peter Drucker, Zygmunt Bauman e Edgar Morin”, percorremos um
caminho que transcorreu com tenacidade a compreensão de renomados pensadores
teóricos sobre a formação universitária do(a) administrador(a) de empresas.
Na égide da educação, em uma ótica transformadora, com o objetivo de
vivermos em uma sociedade mais equânime, magnânima, indulgente e ética,
analisamos e revelamos as diferentes possibilidades na condução e abordagem
político-administrativa de temas relevantes nas relações sociais e coletivas entre as
pessoas, buscando interpretar de que forma a racionalidade humanista pode contribuir
na formação universitária e profissional dos(as) administradores(as) de empresas.
Como resultado desse estudo, mediante a sistematização dos três capítulos
anteriores, deslindamos a questão central desta pesquisa: O(A) profissional de
administração de empresas, formado(a) a partir do referencial das teorias de
administração e, particularmente, do modelo druckeriano, contempla, na sua
formação, uma abordagem social humanista que se coloque para além da tônica do
mercado?
Em congruência com as possibilidades desta pesquisa e com a
fundamentação na explicitação metodológica lograda, sustenta-se em defesa da
seguinte tese: na formação universitária dos(as) profissionais de administração de
empresas, utiliza-se de uma abordagem específica da área da administração,
tematizada por Drucker e outros autores, revelando a lógica formativa no âmbito da
racionalidade instrumental. Em outros termos, esta formação do(a) profissional de
administração de empresas está canalizada predominantemente para atender a
demanda do mercado e das empresas.
Ao finalizarmos esse estudo, a afirmação desta tese encontra-se demonstrada
nas observações realizadas, que confirma o sentido histórico da formação
universitária e profissional dos(as) administradores(as), direcionado de forma
prioritária para sua relação com o mercado, com o cliente e com a organização.
No decurso do primeiro capítulo, intitulado “A formação universitária do(a)
profissional de administração de empresas à luz de Peter Drucker”, é plausível
identificar que, ao longo da história da humanidade, nas palavras de Drucker (2014) e
128

Chiavenato (2004) há uma tendência no campo da perspectiva gerencial. Desta forma,


objetivou-se:
 Averiguar e dimensionar em que medida os referenciais clássicos da
administração, que fundaram os imaginários sociais e identitários da formação
universitária, contemplam questões tematizadas pelas perspectivas crítica e
humanista.
 Analisar o referencial teórico de Peter Drucker, na tentativa de encontrar vestígios
de uma racionalidade crítica e humanista no trato com a formação universitária
do(a) administrador(a).
Na nossa acepção, esta visão é importante para uma definição do prenúncio
de intervenção no âmbito das empresas e das organizações, mas pouco tematiza o
sentido ético e político da formação.
De outra parte, a visão social desta tese, que parece corresponder aos ideais
sociais de formação, conforme o espectro da racionalidade instrumental, expressa
uma versão pouco crítica da vida social. Dessa forma, sua remodelação ocorreu para
a adequação à sociedade do consumo, ou a princípios de complexidade, que se
referem unicamente às demandas do mercado, do capitalismo neoliberal e das
empresas.
Na busca por responder o primeiro objetivo, a partir do pensamento
druckeriano, a pesquisa nos revela que os avanços no campo da administração,
desde a sua origem, ao longo do período do surgimento das nações, esteve a todo o
momento ancorado na ideia de desenvolvimento e do progresso, enraizados no
pensamento moderno inicial e clássico, que manifestava e continua a simbolizar a
imagem de esperança, de profusão, exuberância, riqueza e superabundância, numa
perspectiva que sempre foi o propósito para a produção da ordem numa proporção
universal, genuinamente global.
Ratificando a escrita de nossa tese, Drucker (2001, p. 32) descreve:

A administração de empresas, em todas as suas decisões e ações, deve


sempre colocar o desempenho econômico em primeiro lugar. Ela somente
poderá justificar sua existência e autoridade pelos resultados econômicos que
produzir. A administração de uma empresa terá falhado se não for bem-
sucedida na produção de resultados econômicos. Terá falhado se não
produzir os bens e serviços que o consumidor deseja pelo preço que ele está
disposto a pagar. Terá falhado se não aumentar, ou pelo menos não mantiver
a capacidade de produção de riquezas dos recursos confiados a ela. E isso,
seja qual for a estrutura ou ideologia econômica ou política da sociedade,
significa responsabilidade pela lucratividade.
129

Buscando responder o segundo objetivo deste estudo, a saber: Analisar o


referencial teórico de Peter Drucker, na tentativa de encontrar vestígios de uma
racionalidade crítica e humanista no trato com a formação universitária do(a)
administrador(a), podemos afirmar que, como resultado da nossa análise, evidencia-
se o direcionamento das empresas, partindo da racionalidade instrumental, para a
excelência e a busca do sucesso econômico, focando suas energias na busca
contínua do consumidor e da competitividade.
Ao contrapor o pensamento druckeriano, Bauman e Morin advogam no
sentido de pensar na formação crítica como algo que vai além da linguagem do
mercado, e, nesta lógica, seus enfoques acrescentam elementos para repensar a
compreensão particular do campo da administração, contemplando uma formação
que poderá ser específica e também geral, no sentido da racionalidade humanista.
Antagônicos ao ponto de vista e concepções de Drucker, os teóricos Bauman
e Morin, em suas obras, refutam expressamente o desenvolvimento exclusivo da
racionalidade instrumental na formação universitária dos(as) profissionais em
administração e em outras áreas do conhecimento. Em face do exposto, destacam o
valor da hermenêutica, da psicanálise e da teoria crítica, revisitados para o novo
século que se inicia.
Como demonstrado nesse estudo, partindo da mesma lógica, Zygmunt
Bauman destaca o modo como certa razão instrumental esteve, ao longo da história
da humanidade, indicando o projeto moderno, uma razão legislativa que pretendia
administrar a sociedade focada no desenvolvimento e no progresso, todavia, com
vistas a remover os excluídos, os entulhos, as incertezas, as ambivalências, os
estranhos e os não produtivos, que tão somente estabeleciam custos ao erário.
Equitativamente, Bauman confronta-se com o pensamento druckeriano, ao
afirmar que o direcionamento do projeto moderno-sólido para o moderno-líquido foi
intensificando-se à medida que multiplicavam-se as condutas e os procedimentos de
administração. Atualmente, não mais situadas exclusivamente no interior do Estado,
mas dispostas no mercado (em suas forças de produção do vetor principal), e sua
volatilidade, a administração, como forma de “pensamento produtor da ordem”, se
desloca do fordismo para o regime de acumulação flexível.
Da ordem do fordismo e taylorismo, com o qual se pretendia alcançar o
máximo de produção e rendimento com o mínimo de tempo e de esforço, e da
competência e produtividade do domínio e da manipulação do capital sobre o trabalho
130

(racionalização), ou do patrão sobre o empregado, no momento atual, convivemos


com a crise do trabalho e seu antagonismo e a desarmonia com o capital.
Com tal característica, na seção que discorre sobre a missão e o propósito
das empresas segundo princípios de Peter Drucker, este teórico assevera que a tarefa
do(a) administrador(a) é posicioná-la no exterior da própria empresa, cuja finalidade é
a busca pelos consumidores e que, por essa razão, atrair e conquistá-los é o grande
desafio dos(as) gestores(as) e das organizações.
Em suas alegações, Peter Drucker (2002, p. 34) considera que

O lucro e a lucratividade, contudo, são cruciais – muito mais para a sociedade


do que para a empresa individual. No entanto, a lucratividade não é a
finalidade, mas sim o fator limitante da empresa comercial e da atividade
empresarial. Lucrar não é a explanação, causa ou filosofia do comportamento
empresarial e das decisões empresariais, mas é o teste de suas validades.

É exatamente essa conjuntura empresarial que Bauman e Morin divergem de


Drucker e de outros pensadores da administração, responsabilizando-os pela atual
circunstância que estamos vivendo no momento líquido da sociedade. Segundo eles,
as compreensões, os comportamentos e o desequilíbrio de pensamento,
especialmente em relação ao que valorizar e priorizar na vida, devem-se muito ao
avanço da cultura consumista, que, nas palavras de Bauman (2015) postula a
totalidade do mundo habitado comparando-o a um imenso contêiner de objetos de
consumo potencial.
Ao corroborar com Bauman, o ponto de vista moriniano expõe elementos para
refutar as ações defendidas pelos teóricos da administração, alegando que as crises
estão inseridas no âmago das relações em que a educação deveria ser um pilar a
possibilitar estratégias para o enfrentamento significativo da realidade.
Ao contrário, na contemporaneidade, os hábitos e costumes consumistas,
estimulados por administradores(as) e economistas, atraem a sociedade para o
mercado ambicioso pelo lucro.
Seguindo o conceito defendido nesta tese, Morin (2015a, p. 65) contesta da
seguinte forma:

As crises se inserem em uma espiral nebulosa de crises cujo conjunto forma


a crise da humanidade, que se encontra à mercê dos cursos desenfreados
das ciências, das técnicas, da economia, em um mundo dominado por um
mercado financeiro ávido pelo lucro e por conflitos corrompidos pelos
fanatismos homicidas.
131

Em conformidade com as nossas meditações, o que Morin denuncia são as


repercussões lamentáveis do crescimento universal da economia neoliberal e
mundializada, da globalização e do avanço do capitalismo e do domínio do capital
financeiro.
Na mesma linha de pensamento, em sentido semelhante, Fritjof Capra (2005)
aponta as consequências negativas da ascensão do capitalismo, da globalização
econômica e do desenvolvimento, que, segundo ele, é uma nova economia que
beneficiou apenas a elite da sociedade, os empresários, os especuladores financeiros
e os profissionais da alta tecnologia.
Neste ponto de vista, Capra (2005, p. 155) concorda com Morin e Bauman ao
asseverar que

A fragmentação e a individualização do trabalho e o gradativo sucateamento


das instituições e leis de bem-estar social, que cedem à pressão da
globalização econômica, significam que a ascensão do capitalismo global tem
sido acompanhada por uma desigualdade e uma polarização social
crescente. O abismo entre os ricos e os pobres aumentou significativamente,
tanto em nível internacional quanto dentro de cada país.

Em consonância com a sustentação dessa tese, Capra (2005) compreende


que o processo de exclusão social e seus efeitos vão além dos indivíduos, pois um
quarto da população mundial não tem onde morar e nem o que comer, e, ainda, um
número expressivo dessas pessoas não sabe ler nem escrever, sendo levados, deste
modo, facilmente ao mundo da criminalização, das drogas, das doenças e da prisão.
Por essas razões, na concepção de Fritjof Capra (2005), essas calamitosas
consequências sociais do progresso, da nova economia e do desenvolvimento,
lançam questionamentos e dúvidas sobre esta nova ordem do capitalismo global.
Na quarta seção do primeiro capítulo desse estudo, Peter Drucker (2002, p.
43) discorre sobre as principais áreas da formação universitária de administração:
marketing; inovação; organização do pessoal; recursos financeiros; recursos
materiais; produtividade; responsabilidade social; e, nível de lucro.
Segundo o autor, o(a) administrador(a) deve estabelecer objetivos bem
definidos para cada área empresarial, os quais, quando bem pontuados e
desenvolvidos, serão convertidos em lucro para a empresa. O lucro, desta forma, é o
grande fator perseguido pelas organizações e, consequentemente, é o resultado dos
objetivos bem trabalhados em cada uma das principais áreas da administração. O
nível de lucro dependerá do resultado positivo de todas as variáveis que envolvem o
132

processo de produção e comercialização dos produtos, além das tomadas de decisão


dos profissionais administradores(as) em relação aos fatores internos e externos
pertinentes à administração, ao cenário econômico e ao mercado de capital.
Sustentada pela tradicional perspectiva de lucro, naquilo que parece ser a
essência do crescimento econômico capitalista, e, ainda, apresentada nas principais
obras de Peter Drucker e de outros renomados teóricos da administração, a
racionalidade instrumental, evidenciada nas elementares áreas da formação
universitária de administração, encontra a resistência de Bauman e Morin ao relatarem
o fato de que a desigualdade social e o crescimento da pobreza no planeta tem sido
significativo o bastante para chamar a atenção e iniciar processos de reflexão acerca
das perdas diretas para o conjunto da população, da sociedade e do planeta, bem
como sobre os efeitos colaterais dessa precária distribuição da riqueza.
Para sustentar a tese de que na formação universitária dos(as) profissionais
de administração de empresas utiliza-se de uma abordagem específica da área da
administração, tematizada por Drucker e outros autores, revelando a lógica formativa
no âmbito da racionalidade instrumental, ou seja, esta formação do(a) profissional de
administração de empresas está canalizada predominantemente para atender a
demanda do mercado e das empresas, torna-se imperioso a seguinte reflexão: Como
estamos formando os(as) profissionais para o mundo do trabalho? E, mais
especificamente, como os(as) profissionais da administração, enquanto ciência,
conhecimento e atividade, devem ser preparados para viver no mundo social e
histórico do capitalismo líquido-moderno? Como os profissionais de administração
deverão enfrentar as questões e os desafios éticos, políticos, culturais e sociais nas
suas tomadas de decisão?
Para elucidar essas inquirições, explanadas no segundo capítulo, intitulado “A
formação humana do(a) profissional de administração de empresas à luz de Zygmunt
Bauman”, procura-se explicitar o contexto da modernidade líquida, analisando os
desafios sociais e históricos implicados na formação em administração (questões
éticas, políticas, culturais, epistemológicas e sociais).
Ao iniciar a seção que trata da transposição da modernidade sólida para a
líquida, Bauman já manifesta sua discordância com o conceito druckeriano, que
sinaliza para o entendimento de que a formação universitária em administração de
empresas, historicamente, prepara os(as) administradores(as) para atuarem em um
mercado competitivo, cujo objetivo é posicionar a empresa na linha de frente, visando
133

o desenvolvimento econômico e a inserção de forma antagônica no sistema


capitalista.
Segundo Bauman, conduzindo a ação-análise para a singularidade dos
administradores(as), esta situação líquida, volátil, flexível de educação e de geração
recebe a influência das enormes quantidades de informações que competem no
mercado capitalista e entre a busca por consumidores, disputam a atenção de homens
e mulheres com distintas reações e atitudes, porém, atraídos pelo fascínio da
possibilidade do consumo e das imensuráveis ofertas de bens, produtos, artigos e,
ainda, informação e conhecimento.
Ao refutar o pensamento druckeriano, o que Bauman (2001, p. 99) combate e
contesta em relação ao sistema capitalista revela que:

A vida organizada em torno do consumo [...] deve se bastar sem normas: ela
é orientada pela sedução, por desejos sempre crescentes e quereres voláteis
– não mais por regulação normativa. Nenhum vizinho em particular oferece
um ponto de referência para uma vida de sucesso; uma sociedade de
consumidores se baseia na comparação universal – e o céu é o único limite.
A ideia de “luxo” não faz muito sentido, pois a ideia é fazer dos luxos de hoje
as necessidades de amanhã, e reduzir a distância entre o “hoje” e o “amanhã”
ao mínimo – tirar a espera da vontade. Como não há normas para transformar
certos desejos em necessidades e para deslegitimar outros desejos como
“falsas necessidades”, não há teste para que se possa medir o padrão de
“conformidade”. O principal cuidado diz respeito, então, à adequação – a
estar “sempre pronto”; a ter capacidade de aproveitar a oportunidade quando
ela se apresentar; a desenvolver novos desejos feitos sob medida para as
novas, nunca vistas e inesperadas seduções; e a não permitir que as
necessidades estabelecidas tornem as novas sensações dispensáveis ou
restrinjam nossa capacidade de absorvê-las e experimentá-las.

Por este ângulo, contornada de cenários de divergências, intolerâncias e


modos diferentes de pensar e agir, assumidos pelos jovens na sociedade líquida, a
universidade defronta-se com um importante desafio: educar e transformar o mundo
dos estudantes mediante uma formação mais humana e mais compreensiva,
apontando caminhos para o enfrentamento das questões e dos desafios éticos,
políticos, culturais e sociais nas suas tomadas de decisão, ampliando, desta forma, a
capacidade de interferência da educação para a diminuição da centralidade do
consumo, debatendo e refletindo com os estudantes a realidade dos hábitos das
novas gerações, considerando os desafios na formação ampliada para a vida, com
um olhar mais humano ante a provocação do capitalismo e do consumismo a qualquer
preço.
Em relação aos problemas de desigualdade social e crescimento da pobreza
no planeta, fundamentados pela tradicional perspectiva de lucro naquilo que parece
134

ser a essência do crescimento econômico capitalista, Bauman diverge da opinião de


Drucker e de outros pensadores da administração e economistas, apontando os
efeitos colaterais dessa precária distribuição da riqueza, bem como o crescente
distanciamento entre as classes sociais, que separa os pobres e os sem perspectivas,
quando comparados com os mais ricos. Esse abismo, cuja profundidade já excede a
capacidade e as possibilidades de vida de todos, são motivos necessários para nos
preocuparmos com os rumos da sociedade e com a educação como um instrumento
capaz de formação e de potencial instituição de uma cultura do pensar no horizonte
da condição humana.
Com este cenário sombrio e sem perspectivas, Zygmunt Bauman (2015), ao
questionar a formação que estamos proporcionando aos estudantes e futuros
profissionais de administração, reforça e comprova o que estamos defendendo nesta
tese: o que está em construção e faz parte do jogo consumista do capitalismo
neoliberal são os currículos mínimos, fragmentados e tecnicistas, que partem de uma
racionalidade instrumental, com vistas a apressar a formação universitária, conferindo
aos formandos, dessa maneira, habilidades específicas e limitadas na execução de
tarefas e competências estritamente técnicas.
Ao contrapor essa visão capitalista neoliberal, Bauman sustenta a
necessidade da ampliação na formação dos estudantes, fomentando discussões e
análises de experiências que adentram os estudos da racionalidade crítica e
humanista e mostrem aos estudantes e futuros(as) administradores(as)
alternativas e modos de vivência que valorizem a vida no seu sentido mais pleno –
das pessoas e do ambiente – e voltem os currículos para horizontes e relações de
coletividade, de alteridade e solidariedade, demonstrando preocupação com a
condição humana.
Na seção que expõe e debate o papel da universidade na formação do(a)
profissional de administração à luz de Zygmunt Bauman, o autor desenvolve o tema
lançando os seguintes questionamentos: Qual o papel da educação num mundo
em que a visão de futuro se embaça? Que funções devem desempenhar os
educadores quando os jovens se defrontam com profundas incertezas quanto às
suas inserções no mundo do trabalho e às expectativas de uma vida estável? A
universidade vai sobreviver no século 21 como instituição clássica e responsável
pela educação, formação e cultura? Então, enquanto professores e professoras
135

responsáveis pela formação dos novos e das novas administradoras, o que


devemos fazer?
Em minha concepção, no mesmo momento em que demandamos
reconsiderar e revisar a formação universitária dos(as) administradores(as),
elegendo e incluindo, além da racionalidade instrumental, um ensino que
contemple também a racionalidade humanista, percebemos o afastamento das
universidades com as ciências humanas. Como resultado, com a redução da oferta
de cursos e disciplinas na área, nossos(as) futuros(as) profissionais
administradores(as), formados nas universidades para atender a conveniência do
mercado capitalista, deixam de visualizar as ciências humanas como principal
força-motriz de nossas sensibilidades políticas e morais. De maneira oposta,
nossos governantes e administradores(as) afastam a universidade do ensino das
ciências humanas para convertê-la em uma ramificação da potência e controle do
mundo empresarial.
Ao encontro do que defendemos nesta tese, Bauman denuncia a realidade
das universidades na formação dos(as) profissionais em administração, e enfatiza
a falta de perspectiva dos intelectuais em relação à competição de mercado e de
sua influência na vida universitária. Para o filósofo social,

Este ou aquele curso ou projeto é bom se tem uma boa abertura para o
mercado, se vende bem – e a capacidade de vender (“encontrar-se com a
demanda”, “satisfazer as necessidades do potencial humano”, “oferecer os
serviços que a indústria demanda”) deve ser o critério supremos dos
currículos, cursos e títulos adequados. A liderança espiritual é uma miragem,
a tarefa dos intelectuais é seguir o mundo lá fora, e não legislar pelos padrões
de propriedade, verdade e bom gosto (BAUMAN, 2014, p. 173).

Por essas razões, o que pensamos e defendemos nas universidades e na


formação dos(as) profissionais em administração vai na direção de perceber e
reconhecer a presença da mudança ambiental que está dominando o mercado, ou
seja, o poder econômico, o capitalismo e as universidades, além da redução das
ciências humanas na formação universitária. A formação universitária para os(as)
profissionais de administração carece de uma revisão dos fins estratégicos, das
normas e dos conteúdos e, ainda, de perceber os efeitos colaterais deixados na
sociedade por consequência da lacuna na formação acadêmica e profissional dos(as)
administradores(as).
Ao enunciar esses efeitos colaterais em razão das decisões gerenciais,
Bauman fundamenta e consolida a afirmação desta tese na compreensão e crítica à
136

razão instrumental, que, segundo ele, perpassa a própria história da humanidade, ao


pensar a modernidade como um tempo na origem do habitat humano, na ótica da
ordem global do indivíduo.
Em sua obra Modernidade e Ambivalência (1999b), Zygmunt Bauman
denuncia a existência de um projeto que foi pensado, estruturado, planejado e
ordenado para “enquadrar” a existência humana de forma pura, contrariando a
existência não ordenada e inadequada para a vida humana, e, por essa razão, a
imposição do projeto de poder, de dominação, repressão, subordinação, ordem e
remodelação global.
Na argumentação de Bauman (1999b, p. 15), que comprovam os resultados
defendidos nesta tese, o autor alerta:

Podemos dizer que a existência é moderna na medida em que é produzida e


sustentada pelo projeto, manipulação, administração, planejamento. A
existência é moderna na medida em que é administrada por agentes capazes
(isto é, que possuem conhecimento, habilidade e tecnologia) e soberanos. Os
agentes são soberanos na medida em que reivindicam e defendem com
sucesso o direito de gerenciar e administrar a existência: o direito de definir a
ordem e, por conseguinte, pôr de lado o caos como refugo que escapa à
definição.
A prática tipicamente moderna, a substância da política moderna, do intelecto
moderno, da vida moderna, é o esforço para exterminar a ambivalência: um
esforço para definir com precisão – e suprimir ou eliminar tudo que não
poderia ser ou não fosse precisamente definido. A prática moderna não visa
à conquista de terras estrangeiras, mas ao preenchimento das manchas
vazias no completo mappa mundi. É a prática moderna, não a natureza, que
realmente não tolera o vazio.

Com essa percepção, Bauman (1999b) revela a história da modernidade,


cercada de tensões entre a própria existência social e sua cultura, que, desta forma,
pode ser encarada como a história do progresso, por meio da impossível tarefa de
estabelecer a verdade absoluta, de transformar a existência humana mediante a
obsessiva busca da ordem global.
Por essa razão, segundo a crítica de Bauman, a maioria dos problemas hoje
enfrentados pelos(as) administradores(as) das ordens locais é o reflexo da busca de
soluções para problemas que impedem atividades ordenadoras e o progresso.
Assim, ao longo da história da humanidade, buscou-se classificar e ordenar
humanos, em consequência do interesse em separá-los, com o objetivo de construir
um Estado-nação.
Nas palavras de Bauman (1999b, p. 23),
137

Assim, a produção de refugo (e, consequentemente, a preocupação sobre o


que fazer com ele) é tão moderna quanto a classificação e a ordenação. As
ervas daninhas são o refugo da jardinagem, ruas feias o refugo do
planejamento urbano, a dissidência o refugo da unidade ideológica, a heresia
o refugo da ortodoxia, a intrusão o refugo da construção e a arrumação da
grade. São a mistura desautorizada de categorias que não devem se
misturar. Receberam a pena de morte por persistir à separação.

Neste sentido, segundo o autor, a ambivalência é a mais legítima inquietação


da era moderna, em virtude de que, diferente de outros oponentes dominados,
vencidos e escravizados, ela cresce em capacidade e ascendência a cada sucesso
dos poderes modernos. Ao interpretar o Holocausto, Bauman (1999b) anuncia as
diferentes tentativas de marginalizar aquele terrível episódio como único e exclusivo,
deixando de lado a análise dos reais motivos desta violenta operação metodicamente
planejada e executada.
Neste ponto de vista, ainda na era moderna, utilizando-se de metáforas,
Frederico, o “Grande”, revela as ambições das transformações sociais desejadas no
novo Estado. Sua narrativa faz uma comparação dos cuidados com o cultivo de
plantas e frutas perante os poucos, porém, necessários cuidados com o ser humano.
Em 1930, R. W. Darré, líder nazista que futuramente desempenhou o posto de ministro
da agricultura na Alemanha, também se utilizando de metáfora, comparou as plantas
de um jardim que, sem cuidado, logo estará tomado de “ervas daninhas”, realizando
a comparação e a defesa de que questões de cultivo não são diferentes das questões
relacionadas ao pensamento político.
Nesta mesma acepção, em 1934, o famoso e renomado biólogo Erwin Bauer,
diretor do Instituto de Pesquisa da Reprodução, também utilizou de metáfora para
sinalizar o que deveria acontecer, comparando o controle de animais e plantas por
fazendeiros, ao reproduzir semoventes inferiores, afirmando que suas criações iriam
degenerar e, da mesma forma que os humanos, os ruins, inferiores e anormais,
deveriam ser esterilizados.
Sob este prisma, em 1935, outro cientista, doutor Martin Stämmler, também
se manifestou, defendendo a extinção e a seleção em torno dos quais coabita o cultivo
racial. Neste sentido, entendeu ser imperiosa a destruição biológica, por meio da
esterilização, dos inferiores hereditários, dos doentios e indesejáveis, comparando-a
à metáfora do controle e da limpeza das ervas daninhas. Assim, outros cientistas e
doutores também reforçaram a ideia de substituir os mecanismos incontrolados e
138

espontâneos da sociedade por um plano traçado, planejado e administrado para


eliminar os refugos da humanidade.
Nesta sequência, em 1940, um dos mais aclamados e mundialmente
conhecido ganhador do Prêmio Nobel, Lorenz (apud Bauman, 1999b, p. 37) declarou
que

Há uma certa similaridade entre as medidas que precisam ser tomadas


quando traçamos uma ampla analogia biológica entre corpos e tumores
malignos, por um lado, e uma nação e os indivíduos que nela se tornaram
antissociais devido à sua constituição deficiente, por outro lado, qualquer
tentativa de reconstrução usando elementos que perderam sua natureza e
características próprias está fadada ao fracasso. Felizmente, a eliminação de
tais elementos é mais fácil para o médico de saúde pública e menos perigosa
para o organismo supraindividual do que seria tal operação cirúrgica para o
organismo individual.

Nesta continuidade, Bauman (1999b), interpreta e revela a compreensão, a


missão e o plano, com base nas ideias enfaticamente defendidas por cientistas e pela
própria ciência à visão da boa sociedade. Assim, foi traçado e planejado de execução
sistemática, impiedosa, um plano racional para exterminar as “ervas daninhas” que
habitavam o jardim do futuro.
Segundo Bauman (1999b, p. 38),

Os casos mais extremos e bem documentados de “engenharia social” global


na história moderna (aqueles presididos por Hitler e Stalim), não obstante as
atrocidades resultantes, não foram nem explosões de barbarismo ainda não
plenamente extinto pela nova ordem racional da civilização, nem o preço
pago por utopias alheias ao espírito da modernidade. Ao contrário, foram
produto legítimo do espírito moderno, daquela ânsia de auxiliar e apressar o
progresso da humanidade rumo à perfeição que foi por toda parte a mais
eminente marca da era moderna – daquela “visão otimista de que o progresso
científico e industrial removia em princípio todas as restrições sobre a
possível aplicação do planejamento, da educação e da reforma social na vida
cotidiana”, daquela “crença de que os problemas sociais podem ser
finalmente resolvidos”. A visão nazista de uma sociedade harmoniosa,
ordeira, sem desvios extraía sua legitimidade e atração dessas visões e
crenças já firmemente arraigadas na mente do público ao longo de século e
meio de história pós-iluminista, repleta de propaganda cientificista e exibição
visual da assombrosa potência da tecnologia moderna. Nem a visão nazista
nem a comunista destoavam da audaciosa autoconfiança da modernidade;
meramente propunham fazer melhor o que outros poderes modernos
sonharam e talvez tenham mesmo tentado e fracassado em realizar.

Por consequência, a combinação de medidas “científicas” de destruição física


e manipulação reprodutiva, segundo minuciosos cálculos e dados científicos
sustentados por métodos estatísticos impecáveis, orgulhosamente apresentados,
estes gastos diminuiriam custos judiciais, prisionais, custos com medicamentos com
139

incapacitados geneticamente, com alunos atrasados que originavam outras despesas


ao Estado e, ainda, gastos com deficientes mentais, cegos, surdos e demais humanos
improdutivos.
Destarte, o grandioso plano alemão para a eliminação e seleção de
enfermidades hereditárias e o controle científico da estirpe humana passava por
debates entre cientistas, biólogos, médicos, políticos, militares e pessoas famosas de
outras áreas, que utilizavam de metáforas e conceitos como “gado magro e atrofiado”,
“raça degenerada”, “sub-homens” e “biologicamente inaptos”; assim, os debates
chegavam aos acadêmicos de outras nações da Europa.
Neste sentido, Zygmunt Bauman compara a modernidade em geral com uma
sociedade administrada, que se volta para certa noção de progresso, assentada na
ideia de razão, de modo que a negação da ambivalência e a luta contra a desordem
e os defeituosos e marginalizados, fizeram parte do projeto moderno em sua
totalidade.
Deste modo, Bauman (1999b, p. 60) adverte:

A ambiguidade que a mentalidade moderna acha difícil de tolerar e as


instituições modernas se empenharam em aniquilar (ambas tirando dessa
intenção sua espantosa energia criativa) reaparece como a única força capaz
de conter e isolar o potencial destrutivo genocida da modernidade. Daí a
notória dualidade da tendência moderna, oscilando entre a liberdade e
genocídio, constantemente capaz de ir em uma ou outra direção, gerando ao
mesmo tempo os mais terríveis perigos contemporâneos e os meios mais
eficazes de evita-los – o veneno e o antídoto.

O fenômeno do Holocausto, portanto, não é algo isolado e restrito ao projeto


nazista, mas esteve o tempo todo na perspectiva científica e gerencial da era
moderna, que separa fato e valor. Sob a crença de que a ciência era objetiva e neutra,
ignorou-se o problema da moralidade, e se compreendeu a investida da ação humana
como uma forma de racionalidade movida pela ciência, sendo que seus métodos
matemáticos rigorosos e resultados financeiros foram defendidos como obra da razão
e com o significado de progresso.
Por fim, buscamos no terceiro e último capítulo desta pesquisa – “A formação
universitária do(a) profissional de administração de empresas a partir do pensamento
de Edgar Morin” –, compreender o cenário da complexidade no âmbito paradigmático
contemporâneo, desdobrando uma racionalidade humanista acerca da formação de
nível universitário para os(as) profissionais de administração.
140

Como observado neste estudo, Morin, em sintonia com Bauman, defende


mudanças profundas na educação. Em sua compreensão, a educação
contemporânea produz e é produzida no que chamamos de crise multidimensional,
que envolve o capital, o poder econômico, a busca a qualquer preço pelo lucro, a falta
de tolerância e ética, a violência, a luta de classes, a luta pelo poder, o consumismo,
a economia e o uso das mídias e da internet, como também asseverado por Bauman
(1999b, 2009b).
O ponto de vista que defendemos nesta tese, com base em um profundo
estudo das teorias que envolvem a racionalidade instrumental e a racionalidade
humana, também apresentadas nas principais obras de Edgar Morin e Zygmunt
Bauman, apontam que a dimensão tecnoeconômica do desenvolvimento humano já
foi e continuará a ser estudada em outras pesquisas. Ainda assim, sustentamos que
as particularidades e características da racionalidade instrumental podem ser
desenvolvidas e trabalhadas conjuntamente com singularidades e atributos da
racionalidade crítica e humanista, com a possibilidade de desenvolver no(a) estudante
e futuro(a) profissional de administração uma visão global orientada para o
pensamento e a compreensão com mais reflexão e inquietação em relação aos
problemas sociais da humanidade.
Essa visão exclusivamente tecnoeconômica, que repudiamos e contestamos
nesta tese, despreza os problemas humanos da identidade, da comunidade, da
cultura, da ética e da solidariedade. Com isso, a percepção de desenvolvimento se
apresenta intensamente e de forma preocupante nas sociedades subdesenvolvidas.
Como observado nesse trabalho, Morin e Kern (2011, p. 79-80), ao contrapor
o pensamento druckeriano e de outros cientistas da administração, no tocante ao
conceito de desenvolvimento, discorre com o seguinte argumento:

A ideia desenvolvimentista foi e é cega às riquezas culturais das sociedades


arcaicas ou tradicionais que só foram vistas através das lentes economistas
e quantitativas. Ela reconheceu nessas culturas apenas ideias falsas,
ignorância, superstições, sem imaginar que continham instituições profundas,
saberes milenarmente acumulados, sabedorias de vida e valores éticos
atrofiados entre nós. Fruto de uma racionalização ocidentalo-cêntrica, o
desenvolvimentismo foi igualmente cego ao fato de que as culturas de nossas
sociedades desenvolvidas comportam dentro delas, como todas as culturas,
mas de formas diferentes, ao lado de verdades e virtudes profundas (entre as
quais a da racionalidade autocrítica que permite perceber as carências e
falhas de nossa própria cultura), ideias arbitrárias, mitos sem fundamento
(como o mito providencialista do progresso), enormes ilusões (como a ilusão
de termos chegado ao auge da racionalidade e de sermos os depositários
141

exclusivos desta), cegueiras terríveis (como as do pensamento fragmentado,


compartimentado, redutor e mecanista).

Partindo desta lógica do desenvolvimento, Edgar Morin e Anne Kern, em sua


obra Terra Pátria (2011), descrevem como o desenvolvimento da modernidade urbana
e industrial proporcionou e provocou a destruição de culturas rurais seculares e
também avançou para a aniquilação de diversas culturas regionais, por meio dos
instrumentos e mecanismos para o desenvolvimento, das técnicas industriais,
administrativas, econômicas e militares, um exercício complexo na qual interagem
identidade, técnica, nação, religião, cultura e política, sempre mediante a intervenção
do capitalismo.
Como parte dos resultados demonstrados neste trabalho, portanto, Morin
(2015e) também denuncia que “as repercussões desastrosas da expansão universal
da economia neoliberal e mundializada, da globalização e da expansão do capitalismo
e do domínio do capital financeiro”, revelada em sua obra A Via para o futuro da
humanidade, trazem, por consequência, o aumento da pobreza e o deslocamento dos
pequenos camponeses para os cinturões das grandes cidades, elevando a
desigualdade social e provocando destruições culturais.
Na busca por soluções para cessar a expansão do capitalismo sem limites,
que abarca sem fronteiras o mercado consumidor e atinge de forma impiedosa a
sociedade, Morin, em sintonia com a nossa compreensão, defende que os processos
de formação acadêmica em administração de empresas e de preparação do
profissional-cidadão para atuar no mundo dos negócios seriam o ideal para a
aprendizagem técnica e científica se vinculados, de forma simultânea, com a
abordagem crítica e humanista. Os programas deveriam ser contemplados com
disciplinas que permitissem aos(as) professores(as) situar os conteúdos em novos
contextos, como: o estudo do universo, da terra e da formação da vida; o
conhecimento da humanidade, das línguas, das civilizações, da literatura, das artes,
da cultura; o estudo da história e dos humanos.
Por este mesmo ângulo, em consonância com a nossa argumentação, ao
observar o atual cenário econômico global, o crescimento da cadeia produtiva e a
ascensão do capitalismo, estimulados pela motivação da classe empresarial, de
economistas e administradores, Fritjof Capra e Pier Luisi (2015) compreendem, de
forma semelhante com Bauman e Morin, que essas são as causas fundamentais de
muitos dos problemas que atualmente impactam o mundo.
142

De natureza igual, ao analisar a situação na qual o mundo se encontra nos


dias atuais, com os problemas no meio ambiente, que incluem desastrosos impactos
ambientais, mudanças climáticas, aquecimento global, desmatamento, poluição dos
rios e das águas para o consumo humano, mortalidade e extinção de animais, além
das deficientes segurança alimentar e financeira, considerados problemas sistêmicos,
Capra e Pier Luisi (2015) afirmam que estes estão interconectados e são
interdependentes.
Em concordância com a defesa desta tese e, ainda, realizando a crítica ao
pensamento druckeriano e a outros cientistas da administração e das ciências
econômicas, Capra e Pier Luisi (2015, p. 448) fazem a seguinte declaração:

Pelo que parece, o dilema fundamental subjacente aos principais problemas


do nosso tempo é a ilusão de que o crescimento ilimitado é possível em um
planeta finito. Essa ilusão, por sua vez, reflete a desarmonia entre o
pensamento linear e os padrões não lineares que ocorrem em nossa biosfera
– as redes e ciclos ecológicos que constituem a teia da vida. Essa rede global
altamente não linear contém incontáveis ciclos de feedback por meio dos
quais o planeta equilibra e regula a si mesmo. Nosso atual sistema
econômico, pelo contrário, é alimentado pelo materialismo e pela ganância,
que, pelo que parece, não reconhecem quaisquer limites.

Na ótica de Capra, em uniformidade com essa pesquisa, e consoante com o


pensamento moriniano e as inquirições realizadas por Zygmunt Bauman em relação
à globalização e seus impactos negativos na sociedade, o autor afirma que o
crescimento populacional e a pobreza formam um círculo vicioso, com origem nas
decisões e na obsessão de políticos, administradores e economistas pelo crescimento
econômico ilimitado, ocasionando, desta forma, a multifacetada crise global.
Como desfecho, a crise global tem origem e consequências na rede de
ensino, em particular, nas universidades que, ao longo de sua história, sofrem
pressões que as impulsionam a adequarem o ensino e a pesquisa às demandas
econômicas, técnicas e administrativas, a conformar-se aos últimos métodos, às
últimas estimativas do mercado, e a incorporar práticas neoliberais e consumistas,
forçadas a reduzir o ensino geral, amplo e a marginalizar ou extinguir a cultura
humanista.
Como observado nesse estudo, urge uma reforma universitária para organizar
o conhecimento que contemple, na formação dos profissionais de diferentes áreas,
além do conhecimento científico, um conhecimento humanista.
Logo, em consequência disso, Morin propõe em sua obra Os sete saberes
necessários à educação do futuro (2011c) uma educação que o autor nomina de
143

transformadora, direcionada para a reflexão e ampliação da compreensão humana na


diversidade cultural e na pluralidade de indivíduos, da sensibilidade e da ética, e,
ainda, que incentive o planejamento e a idealização de um conhecimento de natureza
transdisciplinar.
Em síntese, destacamos os sete saberes apresentados por Morin (2011c, p.
15-18), que contribuem para o entendimento das sugestões apresentadas neste
estudo: as cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão; os princípios do
conhecimento pertinente; ensinar a condição humana; ensinar a identidade terrena;
enfrentar as incertezas; ensinar a compreensão; e, a ética do gênero humano.
Mediante estes ensinamentos, Morin entende que a reforma do pensamento
e da educação deve levar à prática da reflexividade e da autocrítica, uma forma de
pensar nas condições históricas, culturais e sociais da própria existência humana,
estimulando a mente humana para, através de suas aptidões naturais, situar os
objetos em seus contextos, seus complexos, contrapondo-se à ótica da verdade
parcial.
Neste sentido, devemos ensinar métodos que permitam a compreensão do
conhecimento de forma multidimensional, religando as partes ao todo, sem a defesa
e a concepção de uma visão parcial, mas, ao contrário, um conhecimento
concomitantemente crítico, profundo e preciso.
Em nossa compreensão, a universidade mudou com o passar do tempo,
diversificou-se e assumiu variadas formas nos espaços públicos e privados e, apesar
das distorções e equívocos e, por diversas vezes, decisões erradas na condução dos
cursos e na formação de seus estudantes e seu prestígio social, o número de cursos
e estudantes continua crescendo e expandindo-se em todo o território nacional.
O pensamento moriniano aponta que a organização disciplinar nas
universidades se transformou com a separação das culturas, não existindo a inter-
relação da ciência com a tecnologia. Os saberes disciplinares desenvolvem-se de
forma isolada e os conhecimentos são fragmentados; por conseguinte, afetam a
integração das ciências na universidade. Desde a reforma do século 19, a
universidade investigadora, além de formar seus estudantes para o exercício
profissional, também necessita orientá-los e formá-los para a pesquisa e,
fundamentalmente, para a vida.
De modo consequente, a universidade, para concretizar as transformações e
reformas necessárias, deve tomar consciência das suas dificuldades e das barreiras
144

institucionais; dessa forma, transcender as próprias resistências internas e promover


as mudanças necessárias à sua reinvenção, assumindo o seu espaço e a sua
condição protagonista na ciência e no conhecimento.
Como resultado deste trabalho, partindo para as considerações finais, na
pretensão de compreender o cenário da complexidade no âmbito paradigmático
contemporâneo, desdobrando uma racionalidade humanista acerca da formação de
nível universitário para os(as) profissionais de administração, destacamos a seção
que apresenta a educação na era planetária e seus efeitos colaterais no seio da
sociedade, o verdadeiro objetivo da educação segundo Morin, e seus desafios na
compreensão da planetarização da humanidade, que é justamente educar para que
possa existir uma sociedade-mundo, onde as pessoas consigam conviver em
sociedade de forma ordeira, pacífica e de certa forma organizada, respeitando o meio
ambiente, os seres vivos, uns aos outros, o universo, suas riquezas, suas fontes, a
natureza, a terra, o planeta e, também, a pluralidade de ideias e a diversidade de
compreensões.
Como destacado nesta pesquisa, a era planetária está constituída de forma
paralela ao universo do aumento populacional no mundo, da desigualdade social, dos
regimes políticos, sociais e econômicos, tendo como consequência a fome, as
doenças, a falta de saneamento básico, a violência, a destruição, a escravatura, a
exploração humana e social e a destruição das riquezas naturais e do meio ambiente.
Equivalente a todos os problemas sociais, surge o colonialismo e a ocidentalização
do mundo, também como marcas da era planetária.
Ao finalizar a pesquisa, foi possível observar que: com o propósito do
desenvolvimento e do progresso, o subdesenvolvimento é ignorado na cegueira
irresistível na busca do lucro e do poder. Por consequência desta caminhada, que
sucede a qualquer preço rumo ao progresso, ao longo da história da humanidade
aconteceram muitas barbáries, como guerras, conflitos e regimes de ditaduras sem
piedade. De natureza igual e sob o impulso e a aceleração do desenvolvimento das
tecnologias de comunicação, a economia tornou-se mundial, formando a engrenagem
da ciência, da técnica, da indústria e do mercado do lucro. Esses fenômenos
produziram o aumento das desigualdades, perturbações e reações de todas as
naturezas, constituindo-se um mal-estar global devastador que continua ignorando
suas consequências e seus efeitos colaterais.
145

Logo, tratando-se da era planetária, a educação possui um papel fundamental


na concretização de atitudes e ações que poderão tornar a sociedade-mundo
composta por cidadãos protagonistas, responsáveis por desenvolver uma civilização
planetária com consciência e crítica. Nesta expectativa de futuro, o ensino deve
assumir a missão de transmitir aos estudantes e futuros profissionais de administração
a concepção de estratégias para a vida, para o ser, para o ambiente e para a natureza,
firmando compromissos com o planeta e com a humanidade.
Essa missão, portanto, deve iniciar pela instituição que assumirá o
engajamento nos diferentes níveis de aprendizagem, de estratégias direcionadas para
ações cidadãs que, associadas às suas experiências e aos seus conhecimentos,
vinculem para uma contextualização permanente de revisão, análise, avaliação e
direcionamento de ações. Parece ser possível ou, pelo menos, um caminho, buscar
sanar dificuldades e problemas constantes no ensino que se direcione a favorecer a
vida cotidiana das pessoas.
Por fim, a educação deve rumar para a conscientização e o direcionamento
do conhecimento focado em compreender e apoiar as finalidades terrestres, deixando
para o passado todo e qualquer pensamento e concepção do progresso enquanto
certeza histórica, para fazer dela possibilidades nas incertezas.
146

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