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Antes das três da tarde Antoninho se permitiu sentar-se no meio fio da casa

paroquial, no centro de Santa Cruz do Capibaribe , agreste de Pernambuco . Com as


costas balançando, os joelhos juntos, a mente via-se que não estava ali e nas mãos, nas
duas, uma figura de São Miguel Arcanjo.
São Miguel Arcanjo, defenda nós dessa peleja
Seja nosso escudo contra os bichos ruim e as arapucas do satanás

Adaptava a oração do anjo para seu entendimento linguístico. Rezava baixinho e


virava a figura para ver a imagem do santo. Se prendia as asas cinzas, aos cabelos
loirinhos diferentes dos seus, o peitoral cinza cor de asas, as sandálias amarradas nas
pernas e a espada. Parou de rezar e fixou na espada.
Era a espada que iria ferir mortalmente o inimigo. Que teimava em levar o pai
de Santa Cruz. Sentiu um arrepio.
Antonino fechou os olhos com força e com a mesma força apertou a figura do
santo e retornou à oração:

“ Mande Deus, eu peço de novo e de novo e de novo


Tu que é o príncipe da virtude divina
Danai uma pedra em riba desse demônio e nos seus capangas
Protegei nosso pai, São Miguel!
Mode que ele num pagou a promessa de ver eu grandin e taludin, passando nos estudos,
ajudando os zôto como ele ajuda.

Amém”

A oração não era mais a original, mas ele rezou como soube, com suas palavras.
Abriu os olhos e viu a cidade parada, um silêncio que ele não entendia e que o agoniava.
Lhe tremia os joelhos. Lhe acelerava o coração. Alguns fungados se aproximavam da
casa paroquial, viu em cima de uma gameleira uma bandeira do Ypiranga, viu passos
apressado se tornarem lentos e sem destino. Viu dedos apontados para o lado de
Caruaru.
Levantou-se, olhou para a matriz, olhou para as mulheres que ia chegando, viu os
terços respirando fora das bolsas e bolsos, viu o céu com nuvens estraçalhadas, e disse
em sua inocência:
—Seje home, Deus. Num fuja dos acordos que fizemo indagorinha, não!

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