Você está na página 1de 132

Uma mulher decidida a apostar no amor!

América do Norte, 1869.

Jenna Duncan já sofrera bastante nas mãos de jogadores. E agora, com receio,
preparava-se para a cartada final: tinha em seus braços o homem que lhe prometera
casamento. Era carinhoso, mostrava-se apaixonado e tinha os inesquecíveis olhos azuis
pelos quais se enamorara muitos anos atrás. Mas o homem que a abraçava não tinha
passado. Perdera a consciência em um acidente e não se lembrava de coisa alguma: nem
dela, nem do amor que lhe jurara, nem de si mesmo. Deveria Jenna apostar em um futuro
de amor ao lado daquele homem? Ou seria mais uma jogada na qual estava fadada a
perder?
CAPÍTULO I
Fazenda Twin Oaks, Território de Oklahoma, 1869

— Está brincando com fogo, doçura — o homem ferido resmungou em um tom


arrastado e grave.
Jenna Duncan afastou a mão do tórax arfante e, pouco a pouco, ele abriu os olhos.
Uma onda de alívio a invadiu de repente, enquanto agradecia a Deus por ele ainda estar
vivo. Há dias vinha cuidando daquele homem, rezando para que se recuperasse e
acreditando ter um mínimo de habilidades médicas para mantê-lo respirando. Encontrara-o
caído na estrada, próximo a Turner's Pond, inconsciente, sangrando e quase morto. Era
forte e encontrava-se imóvel. Arrastá-lo até sua casa não fora tarefa fácil para uma mulher,
porém sabia que não seria capaz de deixá-lo ali para morrer. Durante todo esse tempo ele
apenas gemera bastante e murmurara palavras indecifráveis, mas não havia recobrado a
consciência... Até aquele momento.
Jenna olhou de relance a face contundida. Os olhos de um azul profundo a fitavam.
Céus havia uma exuberância de tons naquele olhar, mesmo em sua condição combalida.
Eram exatamente como ela se recordava. Se ainda restasse alguma dúvida acerca da
identidade daquele homem diante daqueles olhos brilhantes, com nuançes de bronze, prata
e turquesa, tão primorosos quanto incomuns, agora obtivera a certeza de estar cuidando de
Blue Montgomery.
Virando-se, erixaguou o pano com que lhe banhava os ferimentos em um recipiente de
água morna ao lado da cama. Quando se voltou para aplicar a compressa molhada sobre a
testa febril, encontrou-o desacordado outra vez. Foi então que se lembrou da voz dele, o
tom grave e ameaçador. Jenna balançou a cabeça. O homem estava fora de si, pensou,
enquanto prosseguia com seus cuidados.
Movendo as mãos com cautela, continuou a friccionar a pele machucada, limpando os
últimos resquícios de sangue ressecado. O pobre infeliz fora atingido por uma arma de fogo,
e o projétil transpassara-lhe o ombro. Por ora, a ferida estava limpa e fechada. A hemorragia
fora contida, mas ainda demoraria semanas para cicatrizar completamente. Havia
ferimentos e hematomas por todo corpo. Seu coração se contraía só de olhar aquele
homem e constatar o sofrimento pelo qual havia passado.
Ele podia não ter identidade, mas tudo parecia se encaixar. Blue Montgomery estava
para chegar à cidade a qualquer momento. Correspondiam-se desde a idade de doze anos,
quando se encontraram na época mais feliz de suas vidas, antes da guerra e toda a
devastação que a sucedera. Ao longo de todo esse tempo, Blue lhe escrevera. Havia
épocas em que recebia apenas uma carta por ano, mas ultimamente vinha escrevendo com
frequência. E algo maravilhoso acontecera entre a prosa, palavras de consolo e colóquio
sobre assuntos banais, tais como as condições climáticas ou o aumento do nível das águas
do rio. Entre toda a conversa informal que fazia as páginas de uma carta se transformar em
algo quase vivo, que poderia segurar e afagar com as mãos, quando tudo parecia triste, um
sentimento maravilhoso surgiu entre ambos. Apaixonaram-se um pelo outro.
Através das palavras.
Entre duas pessoas solitárias que compartilhavam seus anseios mais íntimos.
Jenna rezara com fervor pela recuperação de Blue. Em Goodwill, Oklahoma, não
havia médicos para atender os chamados. Nem tampouco possuía pastores ou professores.
Não havia benevolência em Goodwill. A cidade estava morrendo. A maioria de seus
habitantes havia partido, com exceção de alguns insistentes e perseverantes moradores,
tais como Jenna de Twin Oaks e outros que se dedicavam com amor ao cultivo da terra.
Para eles a terra era a razão de suas vidas e os frutos dela, seu orgulho.
Finalmente Blue Montgomery viera ao seu encontro, e isso lhe encheu o coração de
alegria. No passado fora um homem de posses, mas aquilo não era relevante agora. O
importante era que estava ali e juntos tinham planejado transformar Twin Oaks no que
outrora havia sido. Uma fazenda próspera e produtiva.
— Durma agora, Blue. Durma... — sussurrou em um tom suave, enquanto acariciava
uma mecha de cabelos escuros que caía sobre a testa dele. — Teremos muito tempo pela
frente.
Jenna sentou no terceiro degrau da escadaria de madeira, o único que não precisava
urgentemente de reparo e abraçou o longo casaco de Blue de encontro ao peito. Conseguira
remover a maioria do sangue que havia se infiltrado e encharcado no tecido de lã escuro.
O pânico tomou-a de assalto quando o encontrou naquela manhã, deitado no chão
poeirento, inconsciente e sem movimentos e rezou aos céus para que não fosse Blue. Horas
depois com a ajuda de Ben conseguira colocá-lo na cama. Ben fora contratado na época
que seus pais ainda eram vivos para ajudar na fazenda e agora se tornara seu sócio e
amigo mais leal. Ele e sua esposa Rosalinda auxiliavam no cultivo da terra, junto com
outros, ajudando-a a livrar a fazenda do fracasso total.
Enquanto manuseava o casaco do desconhecido, Jenna sentiu algo sólido dentro de
um dos bolsos. Enfiou a mão em seu interior e retirou um exemplar da Bíblia Sagrada, com
uma encadernação de couro um tanto quanto puída. Abriu-a e viu o nome de Blue
Montgomery escrito na primeira página.
Foi então que começou a suspeitar que havia salvado o homem que encontrara
apenas uma vez na vida, quando ainda era pouco mais que um menino.
Blue fora baleado e espancado. Estava sem dinheiro quando o encontrou e desprovido
de qualquer pertence de valor. Certamente fora roubado e largado à própria sorte para
morrer.
Jenna sentiu o coração oprimido, mas não havia tempo para lágrimas. Precisava
ajudá-lo e continuaria fazendo isso, até que ficasse bom. Dedicara-se, com o afinco da
melhor das enfermeiras, à tarefa de limpar e aplicar linimentos em suas feridas para evitar
que inflamassem. O fato de haver despertado uma vez, embora por pouco tempo, era um
bom sinal, meditou. Agarrada ao casaco enviou a Deus uma prece.
— Oh, Senhor misericordioso, permita que ele viva. Por favor, salve-o.
— Está dizendo algo, Srta. Jenna? — Ben apareceu na soleira da porta da sala de
estar. As íris cinzentas marcavam a expressão dos olhos circunspectos.
— Estava orando — respondeu.
— Aquele homem vai sobreviver?
— Era isso que eu pedia a Deus — redarguiu, esboçando um sorriso.
Blue precisava resistir. Não suportaria mais essa vicissitude. Não poderia deixá-lo
morrer e com ele todos os seus sonhos de um futuro feliz. Haviam compartilhado tantas
coisas ao longo daqueles anos. Escrito sobre seus desejos e necessidades mais secretas.
Ninguém no mundo a conhecia melhor do que ele, pois jamais tivera coragem de confessar
de viva voz as coisas que punha no papel apenas para os ouvidos dele. Eram almas-
gêmeas, estava convicta disso, e deveriam permanecer juntos nessa vida, antes de se
encontrarem em outro plano.
— Rosalinda e eu também estamos orando por você, Srta. Jenna. Rezávamos para
que esse homem chegasse e devolvesse o sorriso a sua face, como nos velhos tempos.
Jenna curvou levemente os lábios em uma expressão complacente.
— Estou sorrindo agora, não é mesmo? Tenho muita fé em Deus.
— Isso é bom, senhorita. Feliz de quem tem fé.
Naquele instante, ouviu-se um gemido, um lamúrio de dor, e ela se levantou quase de
imediato.
— É melhor eu ir vê-lo agora, Ben. Blue deve estar precisando de mim.
O homem tentou abrir os olhos, preparado para a dor que aquele ato lhe causaria.
Porém, só conseguiu metade de seu intento. Uma de suas pálpebras se abriu com bastante
facilidade, mas a outra estava pesada como chumbo. Ainda assim a ergueu e conseguiu,
pela primeira vez, visualizar o lugar onde se encontrava. Nada parecia familiar. Nem as
cortinas puídas e amareladas que algum dia deveriam ter sido brancas e esplendorosas ou
mesmo a arca de pinho modesto, próxima à parede oposta; nem tampouco o artefato de
marfim que a envolvia. Não reconhecia a cama em que repousava, mas o instinto lhe dizia
que, na sua idade, deveria acordar em muitas camas diferentes. Mesmo assim, não se
lembrava de onde viera nem como chegara até ali.
Piscando várias vezes para impedir que a claridade o cegasse, dirigiu o olhar para a
janela, na tentativa desesperada de fazer um reconhecimento do lugar. Não pôde vislumbrar
muito além de uma vasta extensão de terra plana e, mais adiante, um par de carvalhos gi-
gantescos. Os ramos das frondosas árvores arqueavam-se uns de encontro aos outros, e as
folhas, tremulando ao sabor do vento, tocavam-se como a carícia de um amante.
Nada lhe era familiar.
Fechando os olhos outra vez, sentiu-se melhor.
De repente, um aroma agradável o cercou. Fora a única sensação de deleite que
tivera em dias. Um cheiro suave de algo fresco e vivo.
Magnólia, talvez? O perfume flutuava ao longo do quarto, enchendo o ambiente com
sua doce fragrância.
Oh, se pudesse se perderia naquele aroma.
E então aquela sensação se materializou. Uma mulher apareceu e sentou-se a seu
lado, tocando-o de leve e o odor se intensificou.
— Blue... — sussurrou a voz feminina.
No mesmo instante, reconheceu que aquelas mãos delicadas eram as mesmas que
haviam cuidado dele o tempo todo em que estivera inconsciente. Tinham um toque suave,
tal qual a voz terna e calma que ecoava no ambiente.
— Enfim, despertou. Espero que não se importe que o chame de Blue. Tínhamos
decidido usar nossos primeiros nomes meses atrás... Em nossas cartas.
— Quem é Blue? — perguntou, sentindo dor ao movimentar o maxilar. — A que cartas
está se referindo?
— Ora, você é Blue Montgomery e guardei todas as suas cartas. Todas que me
enviou. Vinte e sete ao todo.
Ora, ora, não se recordava de nenhuma carta, e aquela mulher o chamava de Blue...
Blue Montgomery. Esse nome não lhe sugeria a mínima lembrança.
Encarou-a, na esperança de reavivar alguma informação na memória. Suas roupas
não eram graciosas, pareciam gastas pelo uso, mas isso não era suficiente para lhe arruinar
a aparência e as incontestáveis feições delicadas. Quando sorria, surgiam duas covinhas,
iluminando a face suave, assim como o brilho notável de seus olhos cor de âmbar. A pele
era o mais perfeito tom de marfim. Os cabelos longos de um louro-acobreado, presos na
altura da nuca, emolduravam o rosto adorável. Fosse quem fosse, era obrigado a admitir
que possuía uma beleza infinita. Mesmo assim, não se recordava de tê-la visto antes.
— Sou Blue Montgomery? — perguntou duvidoso. Jenna assentiu com um gesto de
cabeça.
— E quem é você? — ele insistiu.
Jenna colocou uma compressa morna sobre a testa dele e a manteve pressionada.
Incrível, como se sentia reconfortado, apenas pelo toque daquela mão sobre sua pele.
— Sou Jenna Duncan. Não se lembra de mim?
Por Deus, se a houvesse conhecido, dificilmente a esqueceria. Possuía um porte
aristocrático, embora fosse fácil presumir que não se tratava de uma mulher de grandes
posses. Seu toque suave como a brisa de verão e o sorriso tentador eram capazes de
enlouquecer qualquer homem. Conhecia-a havia apenas alguns minutos, contudo já
imaginava todas essas coisas a seu respeito e, nem por um momento, acreditava estar
errado.
— Receio que não.
— Oh... — suspirou decepcionada.
— Mas no momento não me lembro de muita coisa. Nada faz sentido para mim. Onde
estou?
Jenna deslizou o pano molhado e o colocou sobre o pescoço dele. Estava tão
próxima, a distância entre eles era quase nenhuma e a fragrância floral se acentuou.
— Twin Oaks, Oklahoma, não muito longe da fronteira do Texas — informou com um
doce sorriso nos lábios.
Ele tentou se concentrar no que acabara de ouvir, onde estava, quem era, contudo
não conseguia se lembrar de nada do passado. Absolutamente nada.
— Você sofreu um terrível... Acidente — sussurrou ela, como se proferir aquelas
palavras em voz alta lhe causasse uma imensa dor. — Recorda-se de alguma coisa?
— Não. Fui baleado? Parece que sim. — Ele mexeu o ombro. O movimento provocou
uma dor aguda que se espalhou por toda a região do tórax, revelando-lhe tudo que
precisava saber.
— Sim, foi baleado, roubado e espancado — disse em um tom tranquilo, embora
aquilo a machucasse. — Oh, se eu não o houvesse encontrado naquela manhã, não sei o
que poderia ter lhe acontecido.
— Alguém quis me matar? — Ele já sabia a resposta. Nenhum homem que sentia o
que estava sentindo poderia acreditar que sofrera apenas um acidente. Fora intencional.
Alguém tentara matá-lo. Mas quem e por que eram as questões principais. Quem o queria
morto? E o mais importante, por quê? Que tipo de homem era ele, para ter sido espancado
e baleado? Queria respostas imediatas para todas aquelas perguntas, mas não encontrava
nenhuma. Inferno, nem sequer o nome pelo qual ela o chamara parecia se ajustar a ele.
— Não sei. Encontrei-o desacordado próximo a Turner's Pond e o arrastei até aqui.
Isso há seis dias.
Seis dias atrás? Encontrava-se ali na fazenda de Jenna, chamada Twin Oaks, há seis
longos dias? A mulher cuidara dele durante todo esse tempo, mantendo-o vivo. Desejou
saber quem mais vivia naquela fazenda. Ou estaria sozinha? Teria sido sua ama exclusiva?
— Eu não me lembro. Não recordo de nada. Não a conheço... — disse relutante,
percebendo que não era isso que a mulher gostaria de ouvir. Com certeza achava que ele a
conhecia, mas mesmo assim, por mais que se esforçasse, não conseguia lembrar-se de
nada específico. Observou o movimento do tórax dela, acompanhando-lhe a respiração.
— Não posso afirmar com certeza, pois não sou médica, mas suponho que os
ferimentos em sua cabeça causaram esse lapso de memória.
A referência a sua cabeça o fez lembrar-se da dor, o constante latejar que o atingia
como um punhal. E o lapso a que ela se referira, na verdade era uma perda de memória
completa, uma amnésia total. Sabia apenas o que aquela mulher lhe dissera. O que, a bem
da verdade, não significava muita coisa.
— O que estou fazendo aqui?
As faces dela coraram. Um rubor que ele reconheceu como pesar feminino.
— Há bastante tempo para falarmos sobre isso — disse ela, evitando-lhe o olhar. Em
seguida ergueu-se e abriu os lábios em um sorriso.
Com um gesto súbito, ele estendeu o braço e segurou-lhe o pulso antes que ela
pudesse se afastar. Uma dor aguda o atingiu como consequência daquele ato. Estremeceu
e viu a profunda e desenfreada compaixão estampada nos olhos dela. Aquilo era motivo
mais do que suficiente para impedi-la de se retirar.
— Quero saber agora. Diga-me.
— Eu... Esperava que se recordasse por conta própria — ela admitiu em tom suave,
claramente incomodada com aquela pergunta. — Estava esperando que recuperasse sua
consciência.
Ele aguardou e abaixou o braço, libertando-lhe o pulso, contente de ter feito aquele
movimento, mas precisando do alívio para superar a dor causada pelo gesto.
Os olhos de Jenna brilharam iluminados pela luz do sol que penetrava através da
janela do quarto. Mordendo o lábio inferior como se ansiasse por coragem ela murmurou:
— Oh, Blue...
Ainda aguardando, ele a fitou com impaciência.
— Você veio a Twin Oaks... Para se casar comigo.

CAPÍTULO II
Blue sentou-se à mesa da cozinha. O esforço fê-lo despender demasiada energia,
contudo estava determinado a não voltar para a cama. Pelo menos, não tão cedo. Já se
encontrava havia duas semanas sob os cuidados intensivos e incansáveis de Jenna. Odiava
dar trabalho aos outros, sentir-se inútil. Não fora acostumado a ter alguém cuidando dele,
embora não estivesse certo de como sabia disso.
Jenna, contudo, era outra história. Não se incomodava em tê-la por perto. Ao
contrário. Gostava de sua dedicada vigilância, entrando e saindo do quarto várias vezes ao
dia, alimentando-o, cuidando de seus ferimentos, do toque angelical das mãos delicadas em
sua pele. Estava convicto de que gostava de quase tudo em Jenna Duncan. Essa era uma
das razões pelas quais não deveria abusar das boas intenções da bela moça nem mais um
dia. Além disso, já estava mais do que na hora de procurar algo para fazer e ajudá-la.
Levando uma xícara de café à boca, sorveu a bebida pensativo. Lampejos de memória
vinham-lhe à mente com alguma frequência, apesar de raros. Já fazia quatro dias que se
levantava da cama e caminhava pelo quarto na ausência de Jenna. O estiramento nos
músculos das pernas melhorava bastante e a cada dia se sentia mais forte. Todavia, se ela
descobrisse, certamente o obrigaria a voltar para cama, enchendo-o de mimos e zelo, como
se ele merecesse isso. De qualquer forma, estava se recuperando, graças àquela incrível
mulher.
A mulher que lhe salvara a vida.
Ser-lhe-ia eternamente grato por isso.
Entretanto, ainda não conseguira entender aquela história sobre casamento. Jenna lhe
dissera que ele viera ali com o propósito de desposá-la. Não era de espantar que um
homem não se lembrasse de sentimentos tão profundos? Não podia afirmar com certeza,
mas o instinto lhe dizia que não era um homem casado. Porém, aquilo também era apenas
uma hipótese. Não tinha convicção de coisa alguma. Não se recordava de nenhum detalhe
significativo sobre seu passado.
Jenna ofegou quando o viu à mesa. As faces róseas exaltaram-se, e os olhos
piscaram diversas vezes.
— B... Blue, você está de pé!
— Sim, senhorita. — Ele tomou um gole do café e estreitou o olhar.
Ela o encarava com intensidade e logo notaria que suas pernas continuavam bambas.
Mas o olhar de Jenna estava fixo em seu tórax nu. Não fora sua intenção chocá-la, no
entanto, não tivera outra opção a não ser entrar na cozinha daquele jeito. Não dispunha de
nada seu, nem roupas, nem calçados... Nem sequer uma identidade! Com um gesto lento,
ela pousou uma cesta cheia de ovos sobre a mesa. Observara-a quando voltava do
galinheiro minutos atrás.
— Não consegui achar nem sequer uma peça de roupa — informou ele.
Um rubor intenso tingiu as faces delicadas, fazendo-o compará-las a um pêssego
maduro, e algo despertou nele. Não podia impedir seus olhos de examiná-la com real
interesse. Pensou em todas as vezes que estivera sentada à beira da cama, zelando por
ele. Se estivesse um pouco mais consciente teria apreciado aquela proximidade. Naquele
instante sua mente foi povoada por fantasias que lhe despertaram uma onda de calor
interior.
— Eu... Ahn... Eu queimei a camisa e as peças de baixo. Havia muito sangue. Sei que
deveria ter pensado... Ahn... As camisas de Bobby Joe com certeza vão lhe servir. Vou
buscar uma.
— Bobby Joe?
— Meu irmão — respondeu sucinta, antes de deixar o local.
A moça tinha um irmão. Onde estaria ele? E por que fazia o trabalho de três homens
naquela fazenda, se tinha um irmão? Dias atrás percebera seu visível cansaço após um
longo dia de trabalho. As sobrancelhas vincadas, a pele úmida pelo calor do sol, a
expressão de fadiga nos olhos. Entrara no quarto à noite, tentando disfarçar a exaustão
física e mental em que se encontrava, demonstrando alegria e esperança na recuperação
dele. Mas sabia o quanto aquela pobre mulher vinha se sacrificando para mantê-lo
confortável.
— Aqui estão, Blue — disse ela, voltando à cozinha sem a real intenção de olhá-lo nos
olhos. Entregou-lhe a camisa e recuou um passo. — Vou preparar o desjejum em segundos.
Temos ovos, bacon, biscoitos, manteiga e torradas.
Era a mesma comida que vinha lhe oferecendo desde o dia que pudera comer algo
sólido.
— Eu a ajudarei.
Com um giro de calcanhares, ela o fitou suplicante.
— Oh, não há necessidade. Você deve voltar para a cama.
Ele estava de pé, vestindo a camisa.
— Vou ajudar — disse com um tom firme.
Já passara muito tempo sob seus cuidados. Precisava fazer algo com as mãos,
manter-se ocupado. Não era o tipo de homem de aceitar favores dos outros, embora não
tivesse a mínima idéia de como sabia acerca desse traço de sua personalidade.
— Não posso fazer muito, mas vou enlouquecer se ficar mais um dia de braços
cruzados.
Jenna observou-o fechar os botões da camisa que pertencia ao irmão e então o olhou
bem dentro dos olhos.
— Você está vivo, Blue — disse em um tom suave. — E isso é tudo que importa.
Ele lhe causara um transtorno, permanecendo naquela cama durante duas semanas,
e ela não fizera nada para merecer aquilo, exceto salvar-lhe a vida. Jenna acordava tarde da
noite para cuidar dele, para vigiá-lo, às vezes, até quase ao amanhecer, ao invés de dormir
o sono merecido após um dia estafante de trabalho. Sacrificara seu tempo e energia para
dedicar-se a ele. E estava sendo castigada por isso.
Aproximou-se, observando os belos olhos cor de âmbar agitarem-se nervosos, como
uma borboleta pronta a alçar vôo. Lenta e cuidadosamente, pôs a mão na face macia e
deleitou-se em sentir tal suavidade.
— Desculpe-me ainda não ter lhe agradecido por salvar minha vida.
Os lábios bem-feitos tremeram de medo ou de qualquer outra coisa, que não fora
capaz de decifrar.
— Que mais poderia ter feito Blue? — O olhar agora não era mais cauteloso, e
brilhava com intensidade.
Ele retrocedeu, percebendo o impacto que seu toque lhe causara. Aquele olhar
denotava que Jenna nutria reais sentimentos em relação a ele. Sentimentos esses que não
retribuía, nem conseguia se lembrar. E, pior ainda, que não estava certo se seria capaz de
compartilhar. Tudo em sua mente era cinzento e nebuloso como um temporal ameaçador.
Nada era azul-celeste e claro como dia.
— Onde está seu irmão? — perguntou ele, servindo-se de mais uma xícara de café.
Tentando prolongar aquele momento de descontração, agarrou uma faca e ocupou-se em
fatiar o bacon e colocá-lo na chapa de assar.
— Bobby Joe? Já foi. Ele vem em casa de vez em quando. Já faz mais de um ano
desde que o vi pela última vez.
— Por que ele não fica aqui, trabalhando na fazenda? Ajudando-a?
Ele notou que Jenna bateu os ovos mais rapidamente e com mais ímpeto, enquanto
meneava a cabeça.
— Porque não nasceu para trabalhar na terra. Divido minhas colheitas com Ben e sua
esposa. Somos sócios agora. Estamos nos entendendo muito bem.
— Assim mesmo seu irmão deveria ser...
Jenna se virou de frente e disse com uma expressão defensiva.
— Não gosto de falar sobre Bobby Joe, Blue. Você sabe isso.
— Eu sei?
— Sim, bem... Quero dizer, deveria saber pelas cartas.
— Oh? Você está falando sobre as tais cartas das quais não me lembro ter recebido
ou escrito.
Uma expressão de desalento assomou-se ao rosto feminino, e ele censurou-se por
isso. Parecia que Jenna tinha necessidade de que se lembrasse do passado tanto quanto
ele próprio. A verdade era que permaneceriam como estranhos, até que recobrasse a
memória.
— Sinto muito, Blue. Isso não deve ser fácil para você também. Mas, o que nós
compartilhamos foi tão maravilhoso e agora é como se você fosse um, um...
— Estranho? — concluiu a palavra que ela relutara em proferir.
— Sim, um estranho.
— Talvez eu seja mesmo, Jenna. Talvez não seja Blue Montgomery.
Os olhos de Jenna oscilaram, e a face iluminou-se de alegria. A transformação foi
imediata e bastante notável. O que o fez sentir vontade de rir.
— Claro que é Blue. Como acha que conseguiu esse nome? Nunca vi ninguém com
olhos mais azuis do que os seus. Foram eles que mais me atraíram quando o conheci anos
atrás. Ninguém possui olhos dessa cor, Blue. Só você.
— E também há a Bíblia com meu nome gravado, certo? — perguntou, querendo
deveras ser Blue Montgomery para agradar aquela mulher extraordinária.
— Certo.
Conformado com as ínfimas evidências de sua hipotética identidade, sentou-se para
fazer a refeição matutina ao lado da mulher que supostamente deveria amar e a qual, tudo
indicava, viera desposar.
Naquela noite Jenna sentou-se sozinha na varanda. Olhando os campos prontos para
serem cultivados e plantados, sentiu uma pontada de orgulho de sua fazenda. Twin Oaks
era a sua propriedade. Daquela terra tirava o vigor e a força para continuar vivendo, a
despeito de todas as agruras pelas quais passara. Bobby Joe, ao contrário, não despendera
nem um dia de trabalho naquelas terras desde que o pai dela morrera alguns anos atrás. Ele
não tinha nenhum direito sobre Twin Oaks. Nenhum. Com ajuda de Ben e Rosalinda,
trabalhara com afinco até suas costas doerem e as mãos calejarem. E tudo isso para fazer
aquela terra prosperar... Produzir... Possuía um milharal, um campo de feijão de soja,
porcos no chiqueiro, mais de duas dúzias de galinhas, um cavalo da raça Percheron e uma
bela vaca leiteira chamada Larabeth. Logo, a terra estaria pronta para o cultivo da sua
principal colheita de trigo. Não era muita coisa, em se tratando de uma fazenda, mas dava
para viver com dignidade, e, um dia, Twin Oaks prosperaria novamente.
— É minha fazenda, Bobby Joe — murmurou na quietude da noite. — Você não tem
direito algum sobre estas terras.
Por direito a fazenda lhe pertencia. Não pensaria sobre isso outra vez. Céus, há
meses não dedicava um único pensamento ao irmão, felizmente. Fora capaz de consertar o
que ele havia feito no passado, e agora queria olhar para o futuro. Com Blue. Pretendia ter
muitos filhos para correr pelos campos e encher o velho casarão de alegria. Seu maior
desejo era ter uma família. Não almejava nada mais, além de uma colheita saudável, é
claro.
Perdera o pai e a mãe muito cedo, e por mais doloroso que fosse admitir, a verdade é
que Bobby Joe nunca fora um bom irmão. Traíra e a desapontara inúmeras vezes. E, ainda
recentemente, apostara a própria fazenda em um carteado e perdera, causando a Jenna um
imenso transtorno. Quantas vezes rezara por Bobby Joe? Implorara a Deus que ele se
livrasse do vício de jogar. Gostaria de ter um irmão que compartilhasse o mesmo amor que
ela dedicava àquelas terras. Que alívio seria poder contar com ele para ajudar nas decisões,
dividir as preocupações com as intempéries da natureza e com os infortúnios do destino.
Mas aquilo tinha se tornado impossível.
Esperava encontrar aquele consolo em Blue Montgomery. Porém, as coisas não
haviam acontecido da forma como planejara. Claro que ele não tinha culpa de ter sido
atacado, baleado e largado à própria sorte para morrer. De não ser capaz de recordar as
palavras de amor que lhe enviara, das promessas que lhe fizera, do conforto que lhe
passara através de suas cartas e a oferta de ajudá-la a reviver os tempos de glória de Twin
Oaks. Não poderia culpá-lo por não se lembrar dessas coisas. Oh, mas como desejava que
ele recobrasse a memória!
Foi quando um pensamento lhe ocorreu e deu uma risada em voz alta. Como fora tola
de não ter pensado nisso antes!
— Jenna, como você não pensou nisso antes? Só existe um jeito de fazer Blue
Montgomery se lembrar de tudo — murmurou alegremente para si mesma.
Blue precisava apenas de um empurrãozinho, algo familiar para ajudá-lo a resgatar
seu passado. Tudo que precisava era ler as cartas que ele lhe enviara.
Levantou-se da velha cadeira de balanço rapidamente e correu em direção a seus
aposentos. A mente girava imersa em pensamentos cheios de esperança. Ajoelhando-se no
chão, pegou um pequeno baú de madeira, esculpido a mão que pertencera à sua mãe.
Com extremo cuidado, retirou as vinte e sete cartas, embrulhadas com esmero e
organizadas por data, envolvidas por uma fita amarela e as apertou contra o peito.
Recordou-se de todas as vezes que retirava uma carta fortuitamente da pilha, como quem
arranca uma flor de um buquê e relia inúmeras vezes as palavras que a enchiam de alegria.
Era o modo que encontrara de aliviar a labuta do dia, presenteando-se com pensamentos de
que em breve receberia outra carta de Blue. Sorriu satisfeita. Como poderia Blue
Montgomery, depois de ler suas próprias palavras, não se lembrar delas? Ou dos
sentimentos que compartilharam? E claro que daria certo! Tinha certeza disso.
Ao fazer menção de bater à porta do quarto dele, hesitou dominada pela incerteza.
Enquanto ele estava se restabelecendo, sentia-se à vontade para entrar e sair de seus
aposentos. Mas agora que se recuperara deveria conceder-lhe o máximo de privacidade.
Deus do céu, depois de vê-lo aquela manhã, tão forte e viril, com o peito másculo e largo
desnudo, entrar sem pedir licença não seria sábio para uma jovem que estava profunda e
desesperadamente apaixonada.
Não, decididamente não era prudente, pensou, enquanto uma onda de calor a
envolvia por inteiro. Em breve, Blue seria seu marido, e aquele pensamento roubou-lhe a
respiração. Embora o houvesse visto seminu, enquanto tratava de seus ferimentos, aquela
manhã na cozinha fora diferente. Mais íntimo e mais atraente. Blue era um belo homem. Os
traços marcantes exalavam masculinidade, vigor e beleza. Além disso, conhecia seus
nobres sentimentos, atitudes e personalidade através de cartas, mas vê-lo daquele jeito
deixou-a nervosa. Um sentimento, até certo ponto, agradável, meditou. Sentia uma enorme
atração por ele.
Deu asas à imaginação e pensou como seria estar deitada ao lado dele. Com certeza
apreciaria todas as intimidades físicas da vida de casados.
Reunindo toda sua coragem, inspirou fundo e decidiu bater à porta, que se abriu de
imediato. Blue estava de pé, observando-a com um meio-sorriso nos lábios.
— Veio me dar um banho?
Assustada com a pergunta, Jenna recuou. Céus, como aquele homem era
maravilhoso, fitando-a com seus olhos incrivelmente azuis! Havia um brilho perigoso em seu
olhar naquela noite, mas não o tipo de perigo que põe medo no coração de uma mulher. Era
um perigo diferente, excitante e promissor.
— Não, eu, ahn, vim... — Olhou para as cartas que segurava firmemente contra o
peito, desejando saber se ele a acharia tola. — Eu imaginei que se você as lesse se
lembraria... — disse, empurrando o pacote em direção às mãos dele.
— Lembrar? — Ele pegou as cartas e deu apenas uma olhada superficial, antes de
encará-la outra vez. Havia fogo em seus olhos.
— Eu... Nós... As cartas podem clarear sua memória. Ele riu um riso espontâneo que a
fez sorrir também.
— Qual é graça?
— Cartas não têm o poder de fazer um homem se lembrar de uma mulher, doçura.
— Não? — Aturdida Jenna limitou-se a encará-lo. O que Blue queria dizer com isso?
Vivendo em uma fazenda, milhares de milhas longe da cidade, tinha pouca experiência com
os homens em geral e, menos ainda para lidar com a intensidade do olhar que ele lançava
em sua direção. Com o coração batendo em descompasso, constatou que Blue Montgomery
fazia seu sangue correr mais rápido nas veias.
Ele balançou a cabeça.
— Um homem se lembra de uma mulher de modos diferentes.
— Mas só nos encontramos uma vez, quando ainda éramos crianças.
— Não tem importância. — Saindo para o corredor, aproximou-se perigosamente. —
Há outros modos de uma mulher avivar a memória de um homem. Aliás, algo em que venho
pensando muito, nos últimos dias.
Jenna engoliu em seco.
— É mesmo?
— Oh, sim. — Blue ergueu o braço e tocou-lhe a face e, rapidamente, a mesma mão
envolveu-a pela nuca, puxando-a para mais perto. — Não penso em outra coisa.
Seus olhos se encontraram por um momento, antes dos lábios masculinos se
apoderarem dos dela. A boca úmida e suave beijou-a com extrema ternura. Jamais na vida
sentira algo tão encantador e tão perfeito. O gosto de Blue Montgomery deixou-a ofegante e
emocionada, e ela deixou escapar um gemido de prazer que pareceu agradá-lo. Ele tomou-
lhe as mãos e as passou ao redor do próprio pescoço, orientando-a e deixando claro que
desejava sua completa participação.
Jenna retribuiu o beijo com ardor, guiada pelo instinto. Sensações pecaminosas
abundavam-lhe os pensamentos, enquanto Blue desfrutava do que ela lhe oferecia com
avidez, fazendo-a perceber que era um homem e como tal tinha necessidades. Puxando-a
mais para si, beijou-a repetidas vezes até deixá-la ofegante. Instantes depois, afastou os
lábios, balançando a cabeça.
— Isso foi... Tão bom — disse ele com arrependimento na voz.
Trêmula, Jenna rezou para que Blue não notasse. Jamais se sentira tão bem na vida...
Nem tão assustada. Sim, fora magnífico, admitiu em pensamento e desejou saber por que
ele parou de beijá-la.
— Você... — murmurou ela, mordendo o lábio, ainda em brasa, pelos beijos dele —...
Lembrou-se de alguma coisa?
Oh, sim, pensou ele. Lembrara-se de que não era o tipo de homem que sabia lidar
com mulheres doces e inocentes. Que fazia muito tempo desde que tivera uma em seus
braços e que a queria com loucura, do mesmo modo que queria Jenna. Contudo, não se
lembrava dela, nem de sua aparência, nem de seu nome... Nada. E mais do que qualquer
outra coisa, desejava ter se lembrado. E se não estivesse sonhando acordado, pouco antes
dela bater à porta, imaginando como seria tê-la em seus braços, amando-a, ali mesmo,
naquela cama, jamais a teria beijado daquele jeito.
Ele abriu os lábios em um sorriso profundo que pretendia acalmá-la.
— Acho que acatarei sua sugestão, Jenna. Vou ler as cartas.
Dizendo isso fechou a porta, deixando-a do lado de fora.
Jenna equilibrou o arado, firmando as manivelas com ambas as mãos, enquanto o
Percheron desenvolvia uma marcha lenta e eficiente pelo campo de trigo.
— Muito bem, Mac — disse ela ao velho, mas seguro cavalo. Tinha meio acre de terra
para arar naquele dia e estava envolvida na tarefa, quando Blue apareceu a sua frente.
— O que está fazendo? — perguntou ele, utilizando um tom brusco.
O coração de Jenna disparou ante a visão daquele homem. Todas as vezes que
conversavam ou ficavam próximos um do outro, a reação dela era sempre a mesma, e uma
profusão de sentimentos tomava conta do seu corpo. Desde a noite do beijo, sentia
dificuldade de esquecê-lo e perdia horas durante a madrugada relembrando as sensações
que sentira.
Isso acontecera havia exatamente cinco dias, mas permanecia tão vivido e claro em
sua memória quanto o céu de Oklahoma em um dia de primavera.
— Estou arando o campo — disse ofegante.
— Isso não é trabalho para uma mulher — disparou Blue. — Onde estão os homens?
Usando a manga da blusa, Jenna levou o braço à testa para enxugar o suor que lhe
escorria pelas faces. Em condições normais, não era trabalho para uma mulher. Mas aquela
não era a primeira vez que tinha assumido aquela tarefa. Com um campo inteiro de trigo
para arar naquela primavera, que outra opção lhe restava? Os campos não se lavram
sozinhos, e a ajuda de que dispunha era mínima.
— Ben partiu hoje cedo e só retornará amanha à noite. Ele levou Rosalinda a Goose
Creek. Fica a um dia de viagem daqui. Os outros estão trabalhando nos limites do campo.
— O que há de tão especial em Goose Creek?
O coração dela transbordou de alegria. A compra que Ben realizaria naquele dia
tornaria a época do plantio mais fácil por ali. Era a mecanização agrícola. E isso simbolizava
algo muito importante: progresso. Economizara bastante dinheiro, vendendo o excedente da
produção de ovos e manteiga para comprar algo que ajudaria sua amada fazenda a
prosperar.
— Ele foi comprar uma máquina semeadora, Blue. Você sabe o que isso significa?
Não precisaremos mais semear manualmente. O plantio será mais rápido e eficaz.
— Uma máquina de semear? — Ele lançou-lhe um olhar duvidoso.
Blue devia achá-la estranha. Uma mulher excitada com a compra de um equipamento
para a fazenda! A maioria das mulheres ficaria exultante se seus maridos comprassem um
brilhante para presenteá-las.
Ele segurou-a e retirou-lhe as grandes luvas de couro. Em seguida, virou-lhe a palma
das mãos para cima e observou os calos que se haviam formado. Blue torceu os lábios.
— Afaste-se já desse arado e me mostre o que devo fazer.
— Não, Blue. É muito cedo para você. — Compreendia o orgulho masculino, mas ele
ainda estava se recuperando dos ferimentos. E isso não aconteceria se continuasse
insistindo em ajudá-la nos serviços pesados. Nos últimos dias fizera questão de cortar
lenha, limpar o celeiro e reparar as cercas ao redor da fazenda.
— Estou farto de ficar parado, vendo todo mundo trabalhar — disse, ajustando as
mãos dentro das luvas.
— Você tem ajudado bastante — retrucou, partindo em sua defesa.
Não gostava de saber que Blue se julgava um inútil. Fizera tudo que o seu corpo
convalescente lhe permitira até o momento. Era prestativo até demais.
Ele soltou o ar com força.
— Limpar chiqueiro não é um esforço tão grande assim, Jenna. Afinal é a única coisa
que me permitiram fazer. Agora não discuta comigo, afaste-se — ordenou. O corpo viril
esbarrou suavemente no dela, enquanto ele agarrava as manivelas e lançava-lhe um olhar
significativo.
— Mantenha os sulcos retos o máximo que puder Blue, e deixe o resto com Mac. Ele
sabe o que fazer. E revolva a terra o bastante para assentar bem a raiz.
Ele acenou com a cabeça, desviando o olhar para a terra.
— Não me espere para cear.
Jenna colocou uma mão sobre o ombro dele.
— Termine antes do pôr-do-sol. Ninguém consegue arar um campo inteiro em um dia.
Afastou-se alguns metros pisando com cuidado sobre a terra já cultivada. Virou-se e
por um momento deteve-se, observando-o manusear o arado até vê-lo dominar a
ferramenta com certa destreza. Ele arregaçara as mangas da camisa, permitindo que Jenna
acompanhasse fascinada os movimentos ágeis e vigorosos dos músculos bem delineados.
Jamais se cansaria de olhá-lo. Na verdade, podia garantir que nem durante os
próximos cinquenta anos ou mais tal fato aconteceria. Afinal tinha Blue perto dela, em sua
fazenda.
Ele recuperaria a memória, pensou obstinada. Era um fazendeiro do Kansas. Por
certo, se lembraria de como cultivar a terra. Mas outrora fora um homem muito rico e talvez
não estivesse acostumado a executar tal serviço. Ele alistara-se na guerra para combater
pelo Sul, e, ao retornar, encontrara sua fazenda destruída, a casa em cinzas e, logo após,
perdera os pais. Mas permaneceu lá, tentando reconstruir sua vida, até o dia em que decidiu
vir para Twin Oaks, a fim de se casar com ela. E embora Blue continuasse desmemoriado,
estava ali, trabalhando a terra, da mesma maneira que ambos haviam planejado.
Jenna assobiou uma alegre melodia no caminho de volta para casa. Olhando o céu de
um azul perfeito, imaginou os campos dourados cheios de trigo crescendo... E quase pôde
sentir Blue Montgomery parado orgulhosamente a seu lado.
Ele deixou-se cair sobre o colchão, seu corpo era uma massa dolorida. Fora um dia
longo e extenuante. Arar definitivamente não era trabalho para mulher e supôs que também
não fosse para homens. A monotonia entediante de cultivar a terra não enriquecia a mente.
Passou a mão pela cabeça, desejando saber como um homem, que diziam ser fazendeiro,
poderia achar o trabalho no campo enfadonho. Era de se supor que se sentisse feliz por
estar desempenhando a função para a qual nascera e fora criado.
Examinou as mãos e notou vários calos, onde antes não havia nenhum.
— Blue Montgomery ou quem quer que você seja — disse em voz alta —, você não
sabe nada sobre cultivo. Ele não sentia sono. Na realidade, todas as noites lia uma das
cartas que enviara a Jenna, atendo-se apenas ao que considerava mais importante e
dispensando o resto. Achava difícil ler sobre si mesmo e o que tinha feito. E vez ou outra
punha-se a imaginar se aqueles eventos realmente tinham ocorrido com ele.
Espreguiçou-se na cama e gemeu em consequência da dor provocada pelo
movimento. Estava cheio de dores. O corpo parecia se partir na altura das juntas, a pele
ardia queimada pelo sol, e os músculos tensos clamavam por descanso. Com um leve rolar
para o lado, acendeu a lamparina de querosene sobre o criado-mudo e apanhou outra carta.
Prometera a Jenna ler todas e cumpriria a promessa. Dessa vez leria na íntegra. A carta
começava com os seguintes dizeres:
Minha querida Jenna,
Espero que esta carta a encontre bem. Penso frequentemente em você aí em Twin
Oaks. Só mesmo uma mulher de fibra como você para conseguir livrar a fazenda da ruína
após a morte de seus pais. Eu sei o quanto deve ser difícil e muitas vezes gostaria de estar
a seu lado, ajudando-a e confortando-a. Quanto a seu irmão, Bobby Joe, bem, não falarei
mal dele, embora ache que ele deveria se envergonhar de tê-la abandonado para continuar
nessa vida errante. Deveria ter ficado aí e assumido a parte mais pesada do trabalho,
compensando-a de todo o mal que já lhe causou. Ele não é um homem que eu admire
Jenna. Perdoe-me.
E quanto à fazenda Montgomery, tudo que posso dizer é que tento continuar
trabalhando as terras, mas o solo está totalmente desgastado e inadequado para o plantio.
Contudo, plantei feno e trigo-mouro onde a terra parecia mais fértil, mas você sabe minha
doce Jenna, uma fazenda não pode prosperar sem sua colheita principal, e as colheitas de
grãos foram escassas durante os últimos três anos. As ervas daninhas germinam com
abundância e são difíceis de tirar. Não possuo empregados suficientes para impedir que a
colheita seja arruinada mais uma vez. Pelo amor e respeito que dedico a meu sobrenome
continuarei tentando, mas não me resta muita esperança.
Espero outra de suas cartas que são o consolo que me conforta e que preciso para
passar meus dias. Você se tornou um bálsamo para o meu coração, minha doce Jenna.
Eternamente seu,
Blue Montgomery.
Dobrou a carta, recolocou-a no lugar cuidadosamente e amarrou a fita. Jenna
superestimara o efeito que aquelas cartas lhe causariam, porém não haviam lhe despertado
nem uma sensação de familiaridade. Sentia-se flutuando em pensamentos alheios. Embora,
estivesse aprendendo algo sobre si mesmo e o mais importante, sobre Jenna Duncan.
Algo acontecera entre ela e o irmão. Havia referência sobre isso na carta. Ela, porém,
não parecia disposta a querer falar sobre o ocorrido. Os olhos dela haviam se obscurecido
na última vez que discutiram sobre Bobby Joe Duncan e prometera a si mesmo que não a
aborreceria com aquele assunto outra vez. Quando Jenna estivesse pronta para confiar
nele, contar-lhe-ia a verdade e então saberia o que houve.
Não lhe agradava saber que seu irmão lhe causara tanto sofrimento, e um estranho
sentimento de proteção tomou posse de seu coração. Não sabia o que fazer com tais
sentimentos, mas saberia se Bobby Joe Duncan aparecesse por ali.
Jenna salvara-lhe a vida. Não permitiria que ninguém a ferisse outra vez. Esses
pensamentos o inquietavam. Levantou-se da cama devagar e perambulou pelo quarto. Por
um momento pensou ter ouvido um som vindo do exterior e caminhou até à janela. Um feixe
de luz do luar projetava um brilho escuro sobre o curral. Pensou ter visto um movimento nas
sombras. De repente a porta do celeiro se abriu e mais uma vez viu algo se mexer.
Abotoou a camisa às pressas e calçou as botas. Em seguida, a passos largos, saiu do
quarto, descendo os degraus de dois em dois. Quando chegou à porta do celeiro, apurou os
ouvidos.
— Você é uma boa mamãe. Você tem cinco pequenos bebês aqui, Button. Eles são
lindos!
— Jenna?
Precipitou a cabeça para dentro, atraído pelo som da voz feminina e ficou perplexo
ante a inesperada visão que surgiu a sua frente. Usando um roupão de algodão branco, que
ele apenas vira de relance antes, com os longos cabelos loiros e dourados soltos,
emoldurando-lhe a bela face, Jenna virou-se para encará-lo com uma expressão de
surpresa no olhar. O roupão estava aberto, revelando uma camisola de cambraia fina o que
aumentou o desejo que sentia por ela.
— Blue, veja — disse em tom suave —, Button teve uma ninhada. Não são as mais
doces criaturinhas nas quais já pôs os olhos?
Ele olhou para os cinco gatinhos molhados e esqueléticos, que mais se
assemelhavam a camundongos, e acenou com a cabeça em sentido afirmativo. Mas seu
pensamento estava voltado para Jenna. Aquela mulher era a mais doce criatura em quem já
pusera os olhos.
De repente, surpreendeu-se a imaginando a seu lado na cama, usando apenas aquela
peça macia de algodão e nada mais. Não era capaz de apagar a imagem, não quando ela
continuava ali parada, sorrindo com tanto entusiasmo. Oh, como desejaria ser realmente
Blue Montgomery. E por que não acreditar naquilo e aceitar o que Jenna lhe oferecia? Por
que não aceitar o amor que ela lhe dedicava e desposá-la? Por que não passar o resto de
seus dias feliz ao lado de uma mulher corajosa, adorável que lhe mostrara tudo que era,
sem disfarces, sem mentiras e tudo que poderia lhe proporcionar apenas com um beijo
apaixonado?
— A noite está fria — disse ele, virando-se para fechar a porta do celeiro.
— Deixe-a aberta — advertiu enfática, com evidente nervosismo refletido na voz.
— Você deve estar com frio, Jenna.
— Por favor, Blue, não feche a porta. — Seu olhar procurou o dele, como se ele
devesse saber algo que não estava disposta a expressar.
Um último relance à camisola de Jenna o convenceu. Sim, a noite estava fria. Ele
inspirou profundamente e forçou-se a olhar para a ninhada de gatos.
— Parecem ratos, úmidos e magros desse jeito. Jenna ajoelhou-se e afagou Button
que estava ocupada no momento alimentando as crias recém-chegadas.
— Não parecem ratos, Blue Montgomery. São lindos! Não dê ouvidos a isso, Button.
Este senhor não sabe o que está dizendo.
Ele sorriu, ajoelhou-se e acariciou a cabeça da nova mamãe, retificando sua primeira
impressão.
— Está bem, até que são bonitinhos.
Ela riu, e o som encheu o celeiro como uma canção melodiosa.
— Nada como bebês para fazer uma mamãe orgulhosa. Certo Button? Um dia, eu
também experimentarei esse sentimento.
Jenna gelou, e ele viu um rubor tingir-lhe as faces.
— Você deseja ter filhos?
— Eu, ahn... Quero muito — admitiu, mantendo a atenção nos gatinhos. — Eu não
deveria ter dito isso.
— Por que não? Se é verdade...
— Claro que é a verdade. Apenas acho que enquanto não recobrar a memória, é
bobagem falarmos a respeito de tais coisas.
Ele se ergueu e estendeu a mão para Jenna, ajudando-a a se levantar. Estavam
apenas a alguns centímetros um do outro. Fitando-a com intensidade, notou o conflito
estampado nos olhos meigos.
— E se eu nunca mais recuperar a memória? O que acontecerá?
— Eu não sei. Você não deve pensar assim. Mais cedo ou mais tarde suas
lembranças virão.
— Não podemos nos basear nessa possibilidade. Não me recordo de nada que
compartilhamos, nem de um detalhe sequer. — Ele suavizou o tom. — Precisamos enfrentar
o fato de que poderei nunca mais me lembrar de você... De nosso passado.
Jenna fechou os olhos. A dor que sentiu foi quase tangível. Ele percebeu que se
tratava de uma mulher que experimentava cada sentimento com uma forte carga de emoção
e aquele, sem dúvida, causara-lhe imensa dor.
— Nem por um momento duvidei de que você se lembrará de tudo.
— Sim, mas eu já deveria ter tido pelo menos alguns lampejos de lembranças. Já se
passaram semanas. Li as cartas, Jenna, e isso não ajudou em nada. Sinto-me como se
estivesse lendo um romance cujos personagens estão fora de minha realidade. Do modo
como as coisas estão se delineando, deveríamos partir do zero. Poderíamos iniciar algo
novo, como esses pequenos gatinhos. Não tenho passado, mas juntos, poderíamos viver o
presente e construir um futuro. Você gostaria?
Desejava-a desde a primeira vez que abrira os olhos e a vira cuidando de seus
ferimentos. A mulher que exalava uma doce fragrância de magnólia e era bela até mesmo
com a face empoeirada e os cabelos em desalinho.
Gostaria de fazê-la sorrir. Tirar-lhe o fardo de carregar a fazenda sobre seus delicados
ombros. Queria amar a terra tanto quanto ela amava.
E, enfim, queria amá-la... Na cama e fora dela, de todas as maneiras que se poderia
amar uma mulher. Aquele pensamento o atingiu até os ossos, o que significava que não
tinha controle sobre suas emoções. Mas como poderia ter se nem sabia quem era? Porém,
estava ciente de que queria Jenna Duncan. Era a única certeza que possuía dentre o
emaranhado de dúvidas que vinha experimentando nos últimos dias.
— Qual é o seu segundo nome? — ele perguntou.
— O quê?
— Apenas me diga, por favor. Eu preciso saber o seu nome completo.
— Leah.
— Bem, então... — disse ele, dando-lhe um rápido aperto de mão. Deus o ajudasse se
estivesse cometendo o maior erro de sua vida, mas o instinto lhe dizia que Jenna era a
mulher certa para ele. — Jenna Leah Duncan, quer se casar comigo?
— Não.

CAPÍTULO III
— Perdoe-me, não entendi? — indagou Blue, quase engasgando com as próprias
palavras. — Você disse que não?
Jenna fez um gesto de afirmação com a cabeça, lançando-lhe um olhar de pesar.
Bem, não esperava por aquela resposta. Queria Jenna Duncan, e aquele desejo se
tornava mais forte a cada dia. Imaginou que era quase uma obrigação pedi-la em
casamento, afinal aquela mulher lhe salvara a vida.
Convivendo sob o mesmo teto, apenas a alguns passos de seus aposentos, acreditou
ser só uma questão de tempo atraí-la para sua cama. Mas pelo visto, era uma moça
decente que deixara bem claro desde o início que tinha intenções de casar-se. Portanto,
supôs estar agindo corretamente, pedindo-a em casamento. Mas já não tinha certeza sobre
o que se passava na mente dela.
— Importa-se de me dizer por quê?
Jenna afastou-se alguns passos e apertou o roupão ao redor da cintura. Talvez se
houvesse atentado para aquele detalhe desde o início, ele não tivesse tido aquela idéia tola.
— Não posso me casar com você, não ainda.
— Não ainda? O que quer dizer com isso?
— Quero dizer que desejo mais do que qualquer coisa me casar com você. Quero
viver a seu lado até o fim dos meus dias. Quero... — sussurrou, corando com intensidade —
... Ter muitos bebês e construir uma família. Mas estou disposta a esperar. Apenas um
pouco mais.
— Por que, Jenna? Para que esperar? Enquanto a fitava percebeu que ela rangia os
dentes de frio e o desejo de puxá-la para si e envolvê-la com seu calor era quase
insuportável. Porém, decidiu deixá-la explicar-se.
— Gostaria que se lembrasse do que compartilhamos juntos. Ter certeza de que o
sentimento que disse ter por mim reside no fundo de seu coração. Quero o seu amor, Blue.
Você pode dizer que me ama?
Ele respirou fundo e aproximou-se dela. Fitando aqueles olhos cheios de esperanças,
soube que não seria capaz de enganá-la. Mal a conhecia. Não se recordava do amor que
levava um homem a deixar sua própria casa, perambular centenas de milhas para estar ao
lado dela. E poderia nunca mais se lembrar, mas estava disposto a recomeçar, se Jenna
pensasse da mesma forma.
Ela umedeceu os lábios com uma expressão preocupada na face delicada.
— Não posso explicar o porquê disto, mas o esperei por tanto tempo. Uma vida, Blue.
Posso continuar esperando. Você vai recuperar a memória em breve. Tenho rezado muito
por isso. As lembranças virão e então vai se lembrar...
— Lembrar de quê?
— Do que significamos um para o outro. O amor que compartilhamos. Acha que pode
me conceder um pouco mais de tempo?
Tempo era o que não lhe faltava. Poderia lhe fazer essa concessão. Havia uma
expressão tão doce naquela face, que daria qualquer coisa para vê-la sempre assim. Jenna
queria o seu amor, não restava a menor dúvida de que era uma jovem inocente, romântica e
sonhadora. Uma mulher casta que jamais conhecera um homem na intimidade. Queria um
compromisso sério, leal e duradouro antes de se entregar a alguém. Ele esperava
sinceramente recobrar a memória o mais rápido possível. E ansiava do fundo de sua alma
ser Blue Montgomery para não decepcioná-la e para merecer o amor que ela devotava
àquele homem, que fosse lá quem fosse era um sujeito de sorte.
— Quanto tempo?
O sorriso nos lábios femininos bem feitos acelerou as batidas de seu coração.
— Não muito tempo. Apenas até que todos os campos estejam arados e prontos para
o plantio.
— E se eu não recobrar a memória, como vai ser? Fitando-o de soslaio, respondeu
entre tímida e temerosa:
— Então, se pedir minha mão outra vez, eu aceitarei.
Ele acenou com a cabeça.
— Posso ser paciente também. Eu esperarei. Está combinado então. — Segurou-a
pela mão. — Vamos. Precisamos dormir um pouco.
Deixando Button entregue à ninhada, fechou a porta do celeiro e a guiou de volta para
casa. Subiram os degraus, ainda de mãos dadas e caminharam até à porta do quarto dela.
Suspirando fundo, ele lhe desejou uma boa noite de sono.
— Boa noite, Blue. — Erguendo-se na ponta dos pés, ela roçou os lábios de leve nos
dele, antes de girar a maçaneta e entrar.
Com uma expressão indefinida no olhar, ele permaneceu parado durante um longo
tempo ao lado da porta, como se buscasse ali todas as respostas as suas incertezas. Mas
fora em vão, obtivera apenas mais indagações.
Recuperaria a memória? Deveria acreditar nisso? E se a recuperasse, seria o homem
que ela dizia que era? E se fosse esse homem, mereceria o amor daquela mulher tão
maravilhosa? Seria digno dela?
Jenna sentia a intensidade do olhar de Blue naquela manhã. Procurou manter-se
ocupada, fazendo biscoitos e fatiando bacon para colocar na chapa de assar. Mas sabia que
estava sendo observada, qual uma presa sendo espreitada por um lobo. Os olhos azuis
pareciam famintos, lhe acompanhado todos os movimentos. Sentia-se desajeitada em suas
tarefas matutinas.
— Gostaria de um pouco mais de café? — perguntou, virando-se para encará-lo.
— Eu mesmo pego — dizendo isso, ele se levantou e pegou a chaleira sobre o fogão.
Após verter a bebida na caneca, olhou em volta. — Posso ajudar em alguma coisa?
Normalmente a resposta imediata era não, mas ele estava perto, tão perto que Jenna
podia sentir o perfume másculo e excitante. Terra, homem e sabonete perfumado
compunham uma arrebatadora combinação. Deus do céu precisava manter ambos
ocupados!
— Pode pegar os pratos, por favor? Os ovos logo estarão prontos.
Já haviam feito várias refeições juntos. A rotina sempre fora agradável, mas agora
havia algo mais naquele olhar que fazia com que seu coração ficasse aos saltos. Sentia-se
invadida por uma estranha sensação que a deixava ansiosa. Em todas as suas fantasias,
jamais imaginara existir um homem tão atraente. Ele a assustava, excitava e a confortava ao
mesmo tempo. Blue Montgomery era tudo com que sonhara e muito mais. O homem que
encontrara à beira da morte superara de longe suas expectativas. Ao deixar sua mente
vagar, quando lia as cartas que trocavam, nunca poderia supor que seu correspondente era
um homem tão charmoso, sexy e irresistível. O coração lhe dizia que, uma vez casados,
viveriam uma intensa paixão, além de repartirem suas vidas, planos e sonhos. E a chama
desse amor não se apagaria jamais.
— Oooh! — gritou Jenna ao encostar o dedo no metal aquecido da grelha. A dor
abrasadora da queimadura trouxe-lhe lágrimas aos olhos. Desesperada, abanou a mão
repetidas vezes na tentativa de amenizar o sofrimento.
Ele alcançou-a de imediato.
— O que aconteceu? — perguntou, segurando-lhe a mão.
— Eu não estava pensando — respondeu em um tom brusco. Mas na verdade, foram
seus pensamentos que causaram a falta completa de concentração.
— Vamos colocar um pouco de água. Sente-se aqui.
— Não é nada para se alarmar — disse ela, tentando libertar a mão.
Ele não permitiu. Ao invés disso, puxou a cadeira e obrigou-a a se sentar. Em seguida,
sentou-se a seu lado.
— Queimaduras podem deixar cicatrizar muito feias se não forem bem cuidadas.
— Os ovos vão queimar.
— Não se preocupe doçura. Vou cuidar disso em um minuto.
— Não estou acostumada a ser mimada.
Blue acariciou a mão delicada com ternura. Com o dedo polegar traçou círculos
roçando a pele macia, provocando-a em um doce tormento.
— Pois deveria ser Jenna. — O tom era suave. — Você nasceu para ser paparicada.
Naquele instante, seus olhares se encontraram.
— Não sou esse tipo de mulher. Ele sorriu.
— Todas as mulheres são assim.
Negava-se a aceitar aquilo. Fora uma menina simples, criada em uma fazenda. Blue
sempre a compreendera e fora o amor pela terra que os unira em primeiro lugar.
— Sou uma fazendeira, está lembrado? Fico imunda de terra e poeira tanto quanto
você e Ben.
Ele continuou acariciando a mão delicada.
— Gosto de ver esse rostinho manchado de sujeira. Ela levou a outra mão à face.
— Onde?
Jenna nunca dera muita importância a aparência. A quem deveria impressionar?
Larabeth, a vaca leiteira de olhos castanhos? Ou Mac, o subserviente cavalo? Mas a vida
agora era diferente. Blue estava ali. Ele riu novamente.
— No momento não. Seu rosto está limpo... E lindo. Os olhos cor de âmbar se
iluminaram em um sorriso de alívio.
— Acho que meu dedo já está bom. Parou de doer.
— Deixe-me conferir — disse ele com voz sedutora.
Erguendo-lhe a mão, levou-a a boca e lambeu o excesso de umidade, provocando
arrepios que a percorreram da cabeça aos pés. Em seguida, pressionou os lábios sobre a
pele sensível, beijou-a com suavidade e depois soprou. Jenna fechou os olhos, assaltada
por uma espécie de encantamento e quando sentiu a boca máscula sugando-lhe a ponta do
dedo com extrema sensualidade, suspirou de prazer.
Empurrando a cadeira para trás, Blue ergueu-se, trazendo-a consigo. Acariciou-lhe as
costas, puxando-a para si, de modo a promover um contato mais íntimo entre seus corpos.
Deixou escapar um gemido rouco e beijou-a, forçando-lhe os lábios em uma ânsia absurda
de fogo e desejo.
O beijo tornou-se envolvente e apaixonado. Suas línguas se uniram em uma dança
primitiva que Jenna, a princípio, mal sabia como conduzir. Mas Blue era um excelente
professor e ela logo acompanhava o ritmo imposto por seu parceiro, reproduzindo os
movimentos com bastante ousadia. Quase com desespero, ele deslizou as mãos pelos
cabelos sedosos, descendo até a base do pescoço, tocando e explorando-a com paixão, e
ela correspondia com o mesmo desejo.
Enlaçando-a pelos quadris, Blue puxou-a mais contra si, esfregando-se com
movimentos sensuais e ousados. O corpo de Jenna reagiu imediatamente ao contato físico,
e ela gemeu baixinho. Com um sussurro abafado, ele murmurou junto a seu ouvido todas as
coisas que mal podia esperar para fazer e o prazer que gostaria de lhe proporcionar.
Ela ouviu extasiada, e sua respiração estava cada vez mais ofegante. Então Blue a
beijou uma última vez e afastou-se, deixando-a, atordoada e desapontada. Sem se mover
do lugar, observou-o arregaçar as mangas, colocar o chapéu de Bobby Joe e encaminhar-se
para porta.
— Como pôde perceber, não sou um homem muito paciente, doçura. — Dito isso,
virou-lhe as costas e saiu.
Jenna permaneceu imóvel, era como se estivesse paralisada naquela posição. O
corpo trêmulo ressoava uma melodia silenciosa criada pelo calor e paixão que sentia por
aquele homem. Levando o dedo chamuscado aos lábios fechou os olhos, permitindo que a
doce memória de estar nos braços dele, inundasse-lhe a mente, queimando-a mais
profundamente como há momentos atrás.
Ele tinha razão. Blue Montgomery não era um homem paciente.
Ambos haviam aprendido uma valiosa lição naquele dia.
Jenna relanceou o olhar através da janela da cozinha e avistou Ben e Rosalinda que
se aproximavam com a carroça. Deixou o rolo de massa sobre a mesa, decidindo que a
torta de nozes podia esperar. Esfregou as mãos no avental, saiu de casa e correu ao
encontro dos dois, antes que Ben pudesse apear.
— Conseguiu comprar? — perguntou, sabendo perfeitamente que a resposta seria
positiva.
— É claro, aqui está, Jenna. O homem ajudou a mulher a descer e juntos caminharam
para a parte de trás da carroça.
Jenna dirigiu o olhar para semeadora que lhe faria ganhar tempo e permitiria um
número maior de semeaduras. Duas grandes rodas ao lado do assento do motorista com
um reservatório para transportar as sementes na parte traseira, e duas rodas menores para
manter o equilíbrio, assegurando um caminho fixo abaixo do rompedor de solo, compunham
a máquina.
— Não é nova. Compramos de segunda mão, a última que eles tinham. Isso nos
poupou um bocado de dinheiro — disse Ben.
— Não tem importância, desde que funcione.
— Funciona muito bem, eu a testei. Jenna sorriu.
— Obrigada por conseguir comprá-la, Ben. Ele acenou com a cabeça.
— Como foi a viagem, Rosie? Gostou de ir à cidade?
— Sim. É uma cidade grande. Bem maior que Goodwill. — O irmão de Rosalinda era
vaqueiro no Texas, na mesma fazenda de gado onde Ben trabalhava. Ben e Rosalinda se
apaixonaram e se casaram muito jovens. Quando a fazenda entrou em declínio, decidiram
mudar-se para Oklahoma e ganhar a vida cultivando a terra. Estavam com a família de
Jenna havia mais de dezoito anos. Tinham criado dois filhos, e um deles ainda trabalhava
em Twin Oaks. Durante todos aqueles anos foram amigos leais e devotados.
— Comprei dois belos cortes de tecido para fazer vestidos novos. Um para você e um
para mim. São lindos!
— Oh, obrigada, Rosalinda, mas onde usarei algo tão belo?
Seus trajes de uso diário consistiam de vestidos puídos e desbotados. Muitos deles
tinham buracos e manchas irremediáveis, mas fazia questão de mantê-los limpos. Sua mãe
lhe incutira desde cedo as virtudes da limpeza, mas isso não significava que deveria usar
roupas novas e sofisticadas.
— Talvez para o seu novo homem — disse a amiga, piscando um olho.
Uma onda de calor se apossou da face de Jenna, e ela olhou na direção de Ben.
— Vou retirar a máquina da carroça. Vocês podem conversar à vontade. — Ben sorriu,
piscando para a esposa que lhe retribuiu o sorriso.
— Mas deve estar faminto e com sede, Ben. Venha para dentro. Vou servir-lhes algo
para comer.
O homem negou sacudindo a cabeça.
— Não, estou bem por ora. Vi seu homem trabalhando no campo. Acho que devo
olhar o que está fazendo. Logo estarei de volta. Sirva algo para minha mulher que está
sempre faminta!
— Ben! — Rosalinda fingiu estar embaraçada. Os olhos escuros brilharam divertidos.
— Ele gosta de brincar, não é?
— Sim, adora. Venha, estou preparando uma torta, mas tenho queijo, pão e café
fresco.
Ben beijou a face da mulher.
— Eu a vejo mais tarde, Rosie.
Jenna entrou na casa acompanhada de sua velha amiga. A mente girava em círculos.
Costumava pensar em Blue Montgomery como seu homem, mas não imaginava que outras
pessoas pensassem da mesma forma.
— Sente-se, Rosalinda, e me conte tudo sobre a viagem que fizeram.
A mulher tomou assento e meneou a cabeça.
— Isso ficará para depois. Quero saber tudo sobre esse homem que você chama de
Blue.
Jenna reclinou-se na cadeira. Como poderia explicar sobre Blue? Todas as
esperanças de um futuro melhor estavam ligadas a ele, embrulhadas e prensadas nas
cartas que haviam trocado. Não viam um ao outro desde que eram crianças, contudo tinham
se apaixonado por meio de palavras escritas e sonhos divididos. Blue era tudo que esperava
em um homem. E mais, seus corações pareciam bater no mesmo ritmo. Eram de fato almas
gêmeas, e seria verdadeiramente afortunada se ele recuperasse a memória.
— Oh, sim... Ele é...
— Muito bonito...
— Oh, sim, sim. Mas não se recorda de mim nem do amor que compartilhamos em
nossas cartas.
— Mas está aqui. Trabalhando na terra, Jenna. Ajudando-a como havia prometido.
Seus lábios curvaram-se em um leve sorriso. "Sim, ele está aqui". Aquele pensamento
trouxe-lhe um certo conforto. Saber que Blue estava ali, arando os campos a seu lado e que
juntos, em breve, seriam recompensados pela colheita do trigo.
— Ele pediu-me em casamento.
As sobrancelhas escuras de Rosalinda se arquearam.
— E quando serão as bodas?
Para a amiga a vida era simples. As pessoas se amavam, casavam e tinham um
monte de filhos. Mas para ela, era diferente. Não passava de uma estranha para Blue até
que a memória dele retornasse.
Jenna fez uma pausa e cortou grossos pedaços de queijo. Desdobrou o guardanapo
que envolvia o pão que ela própria fizera no dia anterior e partiu algumas fatias que dispôs
sobre a mesa. Verteu um pouco de café em uma xícara que ofereceu para Rosalinda e
então respondeu:
— Eu lhe pedi que esperasse um pouco mais. Não é justo nem com ele... Nem
comigo. Somos dois estranhos.
A explicação não pareceu convencer Rosalinda.
— Você o ama, não é mesmo? Ele é um bom homem. Você é uma boa mulher. Juntos
poderão ter muitos bebês. E eu serei avó.
Jenna sentia-se perturbada, inquieta, com a mente cheia de dúvidas desde que Blue a
pedira em casamento. Teria cometido um erro recusando a proposta dele?
— É tão errado assim querer que ele se lembre de mim?
— Ah, então é isso. Não, querida, não está errado, mas talvez não seja muito sábio.
Não devemos passar o resto de nossas vidas esperando por algo que talvez nunca
aconteça. A vida é o presente.
A amiga tinha razão. Blue poderia nunca mais se lembrar dela, embora tivesse um
forte pressentimento de que ele recobraria a memória muito em breve. Precisava se agarrar
àquela tênue esperança. Amava Blue Montgomery desde o primeiro momento em que o
vira. Durante anos só houve lugar para aquele homem em seu coração. Passara noites
imaginando o dia em que ele entraria pela sua porta e a envolveria no calor de seus braços,
concretizando todo amor que lhe prometera nas cartas. Queria muito ser amada, verdadeira-
mente amada.
— Concordamos em esperar até que o plantio seja feito.
— Então se casará com ele?
— Oh, sim, me casarei.
— E terão muitos bebês?
O sorriso satisfeito de Rosalinda fez brotar lágrimas nos olhos Jenna. Crianças
encheriam a casa de alegria e risadas, e mal podia esperar por isso. Queria ter filhos com
Blue mais do que qualquer outra coisa na vida. Se suas preces fossem atendidas, em breve
teria uma família bem numerosa.
— Sim. Ambos desejamos ter muitos filhos. Blue ama crianças tanto quanto eu.
— Um homem que ama crianças vale muito — comentou Rosalinda, com um aceno de
aprovação. — Você se casará e terá sua própria família, Jenna.
Ela concordou com um gesto de cabeça.
— Sim.
Porque desmemoriado ou não, não estava disposta a perder Blue Montgomery.
Três dias depois, o céu estava carregado de nuvens negras, anunciando uma violenta
tempestade o que encheu o coração de Jenna de medo e apreensão. Lufadas de vento
revolviam grande quantidade de poeira dourada no horizonte, envergavam as árvores e
açoitavam as janelas da casa ruidosamente. Afastando-se do jardim, decidiu que as ervas
que fora colher poderiam esperar. Tempestades significavam problemas, e aquela prometia
ser assustadora. Correu em direção ao celeiro, destrancou o ferrolho e empurrou a porta
para abri-la. Agradeceu aos céus por Ben ou Blue terem colocado Mac na baia. Larabeth, a
vaca leiteira, parecia bastante calma. Certificou-se de que havia alimento suficiente para
ambos, enquanto oferecia a Mac um punhado de aveia. Naquele instante um relâmpago ilu-
minou o céu e um trovão explodiu, fazendo a terra trepidar sob seus pés. Jenna tremeu.
Tempestades significavam problemas. Fechou os olhos, impedindo as recordações.
Precisava por uma rédea nos medos que a atormentavam, mas os sons e o cheiro de terra
molhada sempre os traziam de volta.
A chuva tornou-se intensa. Caminhou rapidamente em direção à porta, mas antes de
alcançar a saída, colidiu com peito de Blue. Com a cabeça baixa, procurou se desviar e
correr para casa, mas com um gesto rápido ele agarrou-a pelo braço.
— Espere... Reduza a velocidade, moça. A chuva está forte.
Ela piscou várias vezes, tentando sair de seu torpor. Blue estava molhado até a alma.
A água corria pela aba do chapéu dele, e as roupas encharcadas aderiam ao corpo
musculoso.
— Quero ir para casa, onde é mais seguro.
— É melhor ficarmos aqui mesmo, doçura. Até que a chuva diminua.
— Não, não! Não aqui, Blue. Não gosto de tempestades. — Ela não queria ficar no
celeiro com aquele temporal e a noite se aproximando. — Leve-me de volta para a casa —
suplicou. — Por favor.
A expressão dele mudou imediatamente, e ela percebeu que podia confiar nele.
— Está bem, está bem. Vamos para casa. Naquele momento, ouviram o ruidoso
estrondo de outro trovão. Ela se aninhou nos braços fortes.
Blue ergueu-lhe o queixo, lançando-lhe um olhar interrogativo, mas decidiu não
perguntar nada. Fechando a porta, seguiram em direção à casa, açoitados pela chuva
torrencial. Correndo na frente, ele tentava protegê-la do impacto dos grossos pingos. Mas
Jenna não prestava atenção à chuva, ao vento ou ao frio. Já estava fora do celeiro e podia
respirar aliviada. Isso era tudo que importava.
Uma vez dentro de casa, Blue a conduziu pela escada e a deixou em seus aposentos.
— Tire essas roupas molhadas. Vou verificar se as janelas estão bem fechadas.
Jenna assentiu com um movimento de cabeça. Ele a encarou com firmeza.
— Quando terminar encontre-me lá embaixo, Jenna. Precisamos conversar.
Outra vez, ela fez um gesto afirmativo com a cabeça. Movendo-se devagar pelo
quarto, livrou-se das roupas. Vestiu uma saia de algodão verde-escuro e uma blusa branca
e fez uma rápida avaliação de si mesma no espelho redondo da penteadeira.
Sentou-se na cama e desembaraçou os cabelos com os dedos. Em seguida, com uma
toalha, enxugou as longas e sedosas mechas uma por uma até que estivessem quase
secas. Bem, agora sua aparência estava um pouco melhor.
Enquanto descia a escada, ouviu sons que vinham da cozinha, mas não imaginou que
fosse Blue. Ao invés de ir até lá, entrou na sala de estar e olhou através do vidro da janela.
Uma vez o corpo estando seguro e aquecido, a chuva poderia proporcionar um grande
espetáculo aos olhos. Além de ser muito benéfica à fazenda. Limpava o ar do pó que se
estendia em camadas sobre o solo, estimulava o crescimento de plantas, punha cor na
terra, ajudava a sustentar todos os seres vivos. Sim, a chuva poderia ser algo belo que
varria toda a feiúra do mundo, permitindo o alvorecer de um novo dia, de um novo começo.
Respirou fundo, um suspiro audível e profundo. Escutando alguns passos, percebeu
que Blue se aproximava. Abraçando-a pelas costas, puxou-a de encontro ao peito. Sabia
que não era um ato de luxúria, e sim um gesto de carinho e amizade. Deixou-se ficar ali,
rendendo-se ao conforto e à segurança que aqueles braços lhe ofereciam.
— O que a deixou tão assustada, querida? Jenna encolheu os ombros.
— Não gosto de tempestades. Quando era criança me cobria com uma colcha até a
chuva passar. Mas depois que meus pais morreram não pude mais fazer isso. Tinha
responsabilidades... Os animais, a casa. Vinha administrando tudo com muita coragem até à
última tempestade...
— O que aconteceu então?
Jenna hesitou. Com exceção de Ben e Rosalinda, não comentara aquilo com mais
ninguém. Blue sabia porque lhe escrevera contando, mas agora não se lembrava de nada.
Ela podia sentir sua compaixão e a necessidade de saber. Não lhe negaria esse direito.
Envolvida pelos braços protetores, apoiou-se relaxada de encontro ao peito forte e
quente. Com um suspiro resignado, começou:
— Há um ano aproximadamente houve uma tormenta igual a esta. A chuva caía
pesada sobre o telhado, e a ventania varria a terra. Fiquei preocupada com os animais e fui
correndo até o celeiro. Precisava trancar as portas antes que o vento as abrisse. Foi quando
percebi que não estava só. Havia um homem lá dentro... Um estranho com olhos pequenos
e um sorriso maquiavélico. Gritei quando o vi, mas ele correu em minha direção e cobriu a
minha boca, dizendo-me para que me calasse.
O corpo de Blue retesou-se, e os músculos dos braços dele apertaram-na com mais
força.
— Ele lhe causou algum mal?
— Não. Mas teria causado. Acredito que realmente teria me ferido. Parecia bravo e me
perguntava se estava na Twin Oaks. Eu lhe disse que sim, esta era Fazenda Twin Oaks.
Jamais tinha visto um homem se aborrecer tão rápido. Seu vocabulário não era adequado
para os ouvidos de uma mulher, nunca ouvi palavras tão sujas em toda a minha vida. Então
ele me mostrou um papel, uma escritura da Twin Oaks. Disse-me que ganhara a fazenda
em uma aposta com Bobby Joe Duncan.
— Seu irmão apostou a fazenda? Jenna endureceu.
— Sim. Não pude acreditar que meu irmão ousaria fazer algo tão cruel. Apostar nossa
fazenda e enviar um homem tão vil cobrar-me a dívida dele!
— Jenna, que tipo de irmão...
— Ele é um jogador, Blue. Bobby Joe nunca teve juízo, mas jamais imaginei que faria
uma coisa tão terrível. Se pelo menos... — Ela parou, mordendo o lábio inferior.
— Se pelo menos o quê?
— Você pudesse lembrar. Suas cartas foram o alento que me ajudou a suportar essa
fase ruim.
— Gostaria muito de poder me lembrar, doçura.
— Eu sei que sim.
— Mas se o homem possuía uma escritura da fazenda, como conseguiu reavê-la?
— A escritura não era verdadeira. Ben e eu somos sócios na Twin Oaks. Nós a
seguramos o mais rápido possível, enquanto meu irmão levava sua vida de jogo. Ele não
tinha nenhum direito sobre nossas terras. Mas mentiu para aquele jogador, contando-lhe
que Twin Oaks era uma fazenda lucrativa. O homem estava esperando cavalos e gado, não
campos de feijão e trigo. Ficou claramente furioso quando lhe falei que a escritura era uma
fraude. Quis torcer o pescoço de Bobby Joe. Concordei com ele. Entretanto seus olhos
adquiriram um brilho perverso e disse-me que sendo assim descontaria sua ira em mim.
Recuei, até onde pude, mas ele me alcançou.
Os olhos de Blue não disfarçaram a apreensão.
— Estava tremendo muito, meus dentes batiam e minhas pernas pareciam não
suportar o peso de meu corpo. De repente o retumbar de um grande trovão distraiu o
jogador. Corri até à parede e peguei a espingarda. Sabia que não estava carregada, mas ele
não. Apontei o cano do rifle diretamente para o coração dele e lhe ordenei que fosse embora
e nunca mais voltasse. Lembro-me de que estava muito assustada, mas empunhei a arma
com segurança e mantive a voz firme. Apenas quando ouvi o som de sua risada, um som
estridente e nada agradável, pude encará-lo. O homem disse-me que não era tão ruim
quanto eu imaginava e não estava interessado em uma fazenda falida. Virou-se para partir,
mas voltou-se ao chegar à porta e ameaçou voltar algum dia. Disse-me que seria prudente
manter as portas fechadas.
— Quem era ele, Jenna?
— Jamais descobri seu nome. Quando me certifiquei de que o homem já estava fora
da minha propriedade, corri para o quarto. Estava com ódio de Bobby Joe, e um misto de
tristeza e desespero me invadiu. Caí em minha cama e chorei. Era tão estranho, sentia
muita raiva dentro de mim, mas só conseguia chorar. Meu pranto era alto e convulsivo.
Chorei até os soluços cessarem e não ter mais uma lágrima para derramar. Meus ossos
pareciam moídos e meu coração sangrava por dentro. Senti-me pequena, desamparada e
muito só. Estou cansada de ser sozinha, Blue.
Ele a apertou com carinho. O calor daquele corpo proporcionava-lhe o conforto de que
precisava naquele momento.
— Jenna, você foi traída por alguém que deveria estar a seu lado. Se eu puser as
mãos em seu irmão... — Achou melhor não concluir o pensamento e fez com que ela se
virasse para fitá-la de frente. — Foi por isso que ficou tão amedrontada está noite no
celeiro?
Ela acenou com a cabeça que sim.
— Aquele homem não voltará. Não há nada para ele aqui. Não há nada a temer. Mas
se estiver errado e esse patife voltar, estarei aqui a seu lado para defendê-la.
— Oh, Blue...
Havia compreensão nos olhos dele. Fitaram-se durante algum tempo até Blue abraçá-
la possessivamente. Ela encostou o rosto no peito dele, fechou os olhos e suspirou. Pela
primeira vez em muito tempo libertou-se de todos os seus temores e inseguranças. Encon-
trara seu porto seguro.
A voz de Blue soou cheia de emoção:
— Quero me casar com você, assim que a tempestade passar. Não quero esperar
nem mais um dia.

CAPÍTULO IV
Passaram-se três dias para a tempestade cessar. Mas Jenna assegurou a Blue que
seria melhor assim, porque disporia de mais tempo para se preparar para a viagem até
Goose Creek, onde se casariam. Ben fora a Goodwill, quando a chuva amenizou, telegrafar
ao pastor para tomar as providências necessárias.
Jenna parecia contente.
Ele, contudo, ainda tinha dúvidas.
Ele não tinha passado, não sabia que tipo de homem era. Seria um bom marido? Seria
fiel, gentil e atencioso? Faria sua mulher feliz ou se cansaria da vida monótona na fazenda?
Seus pensamentos estavam repletos de dúvidas. Mas tinha certeza de que queria Jenna
Duncan e se fosse preciso desposá-la para tê-la em seus braços, não pensaria duas vezes.
Com a charrete cheia de malas, voltou-se, dirigindo o olhar para Jenna que saía
apressada e sorridente de casa.
— Está pronta, querida?
Jenna estava linda. Rosalinda insistira em lhe confeccionar um vestido novo, cor-de-
rosa claro com uma faixa ao redor da cintura. O traje ajustava-se perfeitamente às formas
delicadas. Uma leve maquiagem, delineando a linha dos olhos e um pouco de batom da
mesma cor da roupa, conferia-lhe um ar angelical. Os cabelos soltos caíam como uma
cascata sobre os ombros, como ele gostava. Sedosos, com reflexos dourados, lembravam o
trigo que Jenna tanto apreciava. Seu peito encheu-se de orgulho e de desejo. Logo a
conheceria na intimidade, e a excitação cresceu dentro dele. Como seria a sensação de
despir e possuir aquela mulher? Não conseguia pensar em outra coisa naqueles últimos três
dias, a não ser em sua noite de núpcias.
— Estou pronta — disse, com um sorriso deslumbrante nos lábios.
— Esperem. — Rosalinda surgiu apressada, tomando fôlego. Ben encontrava-se
alguns passos atrás. — Temos um presente para você.
A mulher sorriu calorosamente e entregou-lhe um buquê de flores. O arranjo continha
todas as suas flores favoritas: gerânios, narcisos, crisântemos e decorando o centro uma
vistosa e perfumada magnólia branca. Os olhos de Jenna brilharam de emoção, comovida
com o gesto carinhoso da amiga.
— Oh, são lindas!
— Além de lindas, combinam com a beleza de seus olhos, minha menina. Você será
muito feliz ao lado do homem que ama.
Em seguida, Blue ouviu Rosalinda sussurrar:
— E farão muitos bebês.
O sangue de Jenna afluiu-lhe à face.
Fazer bebês com ela. Mal podia esperar por isso. Quanto mais cedo se pusessem a
caminho, mais cedo alcançariam o cartório de Goose Creek. E então chegaria a hora do tão
esperado evento. Seu corpo fora testado até os limites nos últimos dias. E o simples pensa-
mento de finalmente possuir aquela mulher pôs idéias em sua cabeça nada propícias àquela
hora da manhã. Ben subiu na charrete e tomou assento ao lado dele. Tirou do bolso um
envelope e lhe entregou. Blue o encarou, desejando saber o que o homem tinha em mente.
— Isto é o dinheiro que sobrou da compra da semeadora. Rosalinda e eu pensamos
que oferecer um jantar agradável e pernoitar em um bom hotel na noite de núpcias seria um
bom presente.
Hesitou por alguns instantes, seu orgulho estava ferido. Não possuía dinheiro algum,
nem uma moeda de dez centavos em seu nome. Gostaria de oferecer algo especial para
Jenna. Afinal era o dia do seu casamento. Ela merecia bem mais do que podia lhe dar.
Chegou a planejar a venda de seu pesado casaco de lã em Goose Creek, mas Ben
dissuadiu-lhe da idéia. Os invernos em Goodwill eram muito rigorosos. Incapaz de argu-
mentar contra esse fato, não lhe restara outra alternativa. Ben estava ali, a sua frente, os
olhos cinzentos enchendo-o de coragem.
— Aceite por Jenna. — Ben lançou-lhe um olhar que só outro homem poderia
entender e acrescentou em um tom calmo: — Ela merece ter um casamento decente.
Após alguns instantes de hesitação, estendeu o braço pegou o envelope que lhe era
oferecido. Em seguida, deu um aperto de mão no outro homem em sinal de agradecimento.
Jenna merecia um casamento decente e trataria de fazê-la feliz. Não mediria esforços para
prover o sustento da casa e tiraria as tarefas árduas que uma fazenda exige de cima dos
ombros dela. Assim que aprendesse sobre cultivo, é claro.
Olhou mais uma vez para Ben, jurando que o compensaria por aquela atitude... A
todos eles. Afinal, tinham sido bons amigos.
Em poucos minutos, partiram, deixando Twin Oaks para trás. De posse das rédeas,
acomodou-se melhor na charrete e ouviu a voz entusiasmada de Jenna, que falava sem
parar. Depois que aceitara a proposta de casamento, começara a fazer muitos planos para a
fazenda. Pensava em quanto mais de área medida em acres poderiam plantar de agora em
diante. E com ele trabalhando junto com os outros, o lucro seria maior. Tinha intenções de
aumentar o galinheiro assim que pudessem comprar mais galinhas. Queria criar porcos e
quem sabe algum dia comprar uma ovelha. Milhares de idéias novas fervilhavam-lhe na
mente.
Gostava de ouvi-la... De vê-la feliz. Era uma mulher com quem um homem sempre
poderia contar. Pela primeira vez desde que fora encontrado sangrando próximo àquela
lagoa e largado lá para morrer, pensou que de alguma maneira sua sorte havia mudado.
Era um homem sem passado. Mas agora, graças a Jenna, teria um futuro. E a
admirava ainda mais por isso.
— Está apreciando a refeição, Sra. Montgomery? — perguntou ele, observando Jenna
devorar um prato cheio de comida. Tinham chegado a Goose Creek havia duas horas, foram
ao encontro do reverendo Archer e no intervalo de uma hora estavam casados. Fora uma
cerimônia simples e tranquila, que o agradou bastante.
Agora era um homem casado, sentado em frente a sua esposa, no salão de jantar do
Mel Belle Hotel.
Continuou olhando para o rosto de Jenna. Ela parecia feliz. Não parara de falar nem
um minuto sequer durante a viagem até à cidade, mas agora estava silenciosa, comendo
devagar e com um sorriso tímido nos lábios. Não deveria apressá-la, pensou. Ela merecia o
melhor da vida. E se pudesse, daquele dia em diante lhe proporcionaria apenas momentos
felizes.
Mas por ora, mal podia esperar que o jantar terminasse. Tinham pedido bife com
molho de cogumelos, purê de batata e panaché de legumes. O quarto em que se
hospedaram não ficava a mais de cinquenta passos, no andar superior, e não estava
disposto a esperar muito para possuí-la. Despir Jenna. Fazer amor com ela. Fazê-la sua aos
olhos da lei e de Deus. Desejava-a tanto, que chegava a doer. Praguejou. Precisava se
esforçar para controlar sua impaciência e seus hormônios.
— Precisarei de um tempo até me acostumar — disse ela, levando o garfo à boca.
— Humm?
— Ser chamada de Sra. Montgomery. Claro que é tudo que sempre quis durante todos
esses anos. Mas ainda soa estranho ouvi-lo me chamar assim.
Jenna levou o garfo aos lábios de novo, e ele soltou o ar que estava prendendo.
— Se isso lhe serve de consolo, também estou me acostumando a ser o Sr.
Montgomery. E esse é o meu nome desde que nasci.
— Não se preocupe Blue. Um dia, você se lembrará.
— Não estou considerando essa possibilidade. Já deveria ter me lembrado de algo.
Apostaria o último centavo que tenho no bolso como não vou recuperar a memória tão cedo.
Jenna gelou. Um frêmito percorreu-lhe o corpo, e o rosto ficou branco como neve.
— O que foi? O que eu disse?
— Não, Blue, você não faria isso. Não apostaria seu último dólar. Não apostaria nada,
não é mesmo?
De onde tirara aquilo? Não fazia a menor idéia. Mas deveria ter um pouco mais de
consideração com os sentimentos de Jenna, tendo ciência de sua repulsa por jogadores.
Sabendo por que odiava jogadores. Condenou-se em pensamento por não medir suas
palavras antes de proferi-las. Mas o fato era que sua mente não se ocupava de nada além
da vontade de tomar sua linda esposa nos braços e levá-la para o quarto. Com isso, pousou
a mão dela entre as suas e afagou-as.
— Não. Foi apenas um modo exagerado de me expressar. Só isso. Eu não apostaria
nada e estou arrependido por ter provocado esse semblante triste.
Haviam prometido um ao outro que jamais falariam sobre Bobby Joe e o que ele
fizera. Aquele assunto estava morto e enterrado e recriminou-se mentalmente por ter feito
uma observação tão descabida.
Seu semblante se desanuviou e ela sorriu, voltando a comer com vontade.
— Oh, sinto muito por ter ficado ofendida, Blue. Foi tolice minha. Eu o conheço. Sei
que odeia jogadores tanto quanto eu. Você disse em suas cartas... Eles são homens
inúteis... Que não sabem ganhar a vida com decência.
— Humm — respondeu sem prestar atenção às palavras dela. Achava as fitas que
apertavam seu corpete mais interessantes. Um simples puxão e tudo ficaria exposto.
— Estou satisfeita — anunciou, empurrando o prato para o lado. — Não consigo
comer nem mais uma garfada sequer.
Uma onda de alívio o invadiu. Enfim, poderiam partir para a tão sonhada e esperada
noite de núpcias. Sorriu e chamou o garçom, preparando-se para pagar a conta.
— Senhor, deseja pedir sobremesa? Temos uma grande variedade de folhados, bolo
de cereja, tortas de creme de blueberry e vários sabores de pudim.
— Não — afirmou categórico.
— Sim — disse ela ao mesmo tempo.
O aperto no coração dele se intensificou. Passando a mão na cabeça, tentou conter os
próprios impulsos.
— Gostaria que eu trouxesse o carrinho com as sobremesas, senhora? — o garçom
ofereceu cordialmente.
—- Sim, sim. Seria maravilhoso! — exclamou Jenna. — Querido, não quer
sobremesa?
Desolado, Blue rangeu os dentes e meneou a cabeça. "Ela" era tudo que planejara
para sobremesa.
— Não, meu bem, obrigado. Peça apenas para você. Ela sorriu quando o garçom
voltou com um carrinho repleto de apetitosas iguarias.
— Oh, todas parecem deliciosas! Vai demorar um tempo até me decidir.
Após terminar a sobremesa e o café, Jenna contemplou o marido. Os olhos azuis
pareciam famintos outra vez, amedrontando-a e excitando-a ao mesmo tempo. Sonhava em
conhecê-lo por inteiro e, naquela noite, concretizaria esse sonho. Ele ergueu-se, tomou-a
pela mão e a conduziu até à escada em direção a seus aposentos. Com um simples clique
da maçaneta de latão, Jenna viu-se a sós com o marido em um quarto, como sonhara todos
aqueles anos. Caminhou alguns passos, observando tudo a sua volta. Tudo era perfeito nos
mínimos detalhes. A luz difusa e suave criava um clima romântico e aconchegante. A cortina
de babados verde-limão escondia as janelas, e o papel de parede com suaves motivos
florais forrava as paredes altas. À direita, um biombo resguardava uma grande banheira de
porcelana e, no lado oposto, havia uma pequena mesa retangular de mogno com um vaso
de cristal repleto de alegres margaridas amarelas. O chão era de carvalho polido e
ostentava um enorme tapete oriental. Ao se deparar com o confortável leito no centro do
aposento, coberto com ricos lençóis e travesseiros de linho e renda, circundado por um
enorme véu de tule que descia do teto, prendeu a respiração.
— É adorável! — exclamou, virando-se para fitá-lo.
— O melhor quarto do hotel, Jenna. Você merece o que há de melhor.
— Oh, Blue...
Ele caminhou em sua direção e envolveu-a nos braços, trazendo-a para bem junto de
si. O abraço firme acalmou-a.
— Agora sou seu marido, querida. Você é minha esposa. Não tenha medo. Não vou
machucá-la, prometo.
Jenna contemplou o marido e testemunhou a sinceridade estampada naquele olhar.
Com o coração bem mais calmo, percebeu que podia confiar nele e pôs de lado todos os
medos e incertezas. Jenna Duncan Montgomery finalmente se sentia em paz. Então, o
presenteou com um belo sorriso.
Ele a beijou. Um beijo doce e meigo. Jenna relaxou. Isso era tudo com que havia
sonhado ao longo de sua vida tão sofrida.
— Eu o amo, Blue.
Labaredas pareciam brotar nos olhos dele. O sorriso provocante e devastador a fez
sentir um frio no estômago. Ele voltou a beijá-la, agora de uma forma mais ardorosa e
possessiva. Jenna retribuiu o beijo com igual paixão. Com um gemido abafado, Blue
abraçou-a pela cintura e pressionou os quadris de encontro aos dela. As mãos fortes, em
movimentos aleatórios, deslizavam tocando cada centímetro do corpo feminino. Entregue às
sensações, fechou os olhos e sentiu quando os dedos ágeis afastaram seu vestido,
deixando que este escorregasse pelos ombros delicados. Tomada de desejo, arfou quando
ele tocou-lhe os seios cheios e firmes, primeiro roçando-os com o polegar e depois com a
boca.
Jenna gemeu de prazer e alegria. Não queria negar nada ao marido. Em poucos
minutos, estava quase despida de todas as suas roupas. Blue estreitou-a nos braços, depois
a pegou no colo e a levou para cama e, com um movimento suave, livrou-a da última peça
de roupa.
Os famintos olhos azuis fitavam-na com uma expressão de deleite.
— Minha bela Jenna. — Deslizou uma mão pelos cabelos dourados, libertando-os das
presilhas e espalhando as mechas sobre o travesseiro. — Lembra-se do que lhe disse que
gostaria de fazer com você quando estivéssemos casados?
Jenna assentiu com a cabeça. Como poderia esquecer aquelas palavras eróticas?
Blue falara de coisas que ela jamais havia imaginado. Quantas noites perdera o sono
rememorando tudo, pensando insistentemente em como seria aquele momento. Sim, o
momento só deles e de mais ninguém. E naquela noite viveria essa infinita paixão. Ela se
entregaria de corpo e alma, colocando seu coração e sua vida nas mãos daquele homem.
— Posso?
Ela engoliu em seco. Enfim descobriria o que sempre desejara saber. Blue a tomaria
como sua esposa. Seria sua, e ele seria dela e pertenceriam um ao outro até o resto de
seus dias. O sonho, enfim, se transformava em realidade.
— Sim — sussurrou.
Ele a beijou outra vez e deslizou a mão por seu corpo, movendo-a em círculos pelo
ventre macio até encontrar o centro de sua feminilidade e a acariciou com delicadeza. Jenna
sentia arrepios de prazer percorrendo-a por inteiro.
— Oh! Blue...
O prazer era intenso. O desejo crescia como uma chama, espalhando-se por suas
entranhas e despertando-lhe sensações que jamais imaginara existirem. Blue a acariciava
com grande sutileza, mas ao mesmo tempo de maneira ousada e deliberada, deixando-a
arquejante. Tocava o corpo delicado como quem toca um instrumento, deslizando,
afagando, dedilhando-a na intimidade até arrancar-lhe gemidos e suspiros profundos de
prazer. As mãos másculas moviam-se por todos os lugares, e os olhos azuis a percorriam
com um misto de deleite e paixão. Sussurrando palavras de amor junto aos ouvidos dela,
inflamou o fogo que ele mesmo criara.
Os lábios sedentos roçaram os cabelos, pescoço, olhos e então rumaram para o vale
entre os seios. E quando ele gemeu o som rouco e sufocado a fez estremecer.
Blue livrou-se das roupas. Mantendo o olhar fixo nos olhos dela, inebriou-a com sua
nudez. Tomada por uma ousadia que a surpreendeu, fitou o marido nu, e a visão de sua
masculinidade deixou-a hipnotizada. Tudo aquilo lhe pertencia. A pele bronzeada, os
músculos sólidos e bem definidos. Aquela virilidade toda deveria assustá-la, mas ao
contrário, transformou-se em um poderoso afrodisíaco para o desejo que a consumia.
Jamais testemunhara tamanha beleza. Não conseguia imaginar como um homem podia ser
forte e vigoroso e tão belo e perfeito ao mesmo tempo.
Ele deitou-se, posicionando-se sobre ela ao mesmo tempo em que a pressionava de
encontro ao colchão macio. Deu-lhe um longo beijo e então se moldou entre as coxas que
se abriam para recebê-lo. Os olhos famintos a devoravam. Quando a penetrou lentamente,
Jenna sentiu uma pontada de dor que durou apenas alguns segundos e logo se dissipou,
cedendo lugar à necessidade de tê-lo inteiro dentro de si. Blue foi delicado, persuadindo-a,
acariciando-a, reprimindo os próprios impulsos para deixá-la estimulada para o ato de amor.
E parece que soube o exato momento em que isso aconteceu. Juntos, explodiram em
espasmos maravilhosos, alcançando o ápice da paixão. Jenna ficou chocada com a
intensidade de suas emoções. Ambos gritaram. Duas almas unidas pelo fogo ardente e
selvagem que voltou a crescer uma vez mais antes de se transformar em uma pequena
chama.
Permaneceram abraçados ouvindo o som das batidas dos próprios corações.
Nenhuma palavra era necessária. Nada que pudessem dizer se compararia ao que ambos
experimentaram. Jenna fechou os olhos, feliz, satisfeita e realizada, com Blue Montgomery a
seu lado. Exatamente como sempre sonhara. Enviou a Deus uma prece silenciosa,
agradecendo por tê-la feito a mulher mais feliz do mundo, enquanto uma lágrima rolava por
sua face.
— Você está chorando, querida. Não me diga que já se arrependeu de ter se casado
comigo!
— Não, seu bobo, são lágrimas de felicidade por ter desposado o homem mais
maravilhoso do mundo.
Blue acordou cedo. Deixou-a dormindo e foi ao hall de recepção pedir que
providenciassem água aquecida para o banho de Jenna mais tarde. Mesmo com o pouco
dinheiro de que dispunha, decidiu comprar um presente de casamento para a esposa. Algo
belo, fino e que ela nunca houvesse imaginado comprar para si.
Jenna merecia o melhor.
Por certo ela ainda dormiria mais uma hora ou duas. Depois da noite de amor que
passaram juntos, com certeza gostaria de descansar o dia inteiro. Ele também. Acordar com
Jenna em seus braços fora simplesmente maravilhoso. Foi tomado de surpresa pela beleza
daquela mulher. Arrebatado pela dádiva de seu corpo, pela forma como confiara nele, como
se entregara sem reservas. Havia sido gentil com ela, tão gentil quanto o fogo de sua paixão
lhe permitira. Prometera não machucá-la e cumpriu sua palavra. Era grato por isso.
Controlou o desejo que o consumia até se certificar de que ela estava bem relaxada e
pronta para recebê-lo.
Mas não esperara que a paixão dela fosse tão intensa quanto a sua. Tampouco
imaginara que as reações de Jenna o afetassem daquele jeito. Ela era mais do que havia
esperado e agora estavam ligados para sempre. Teriam dias e noites para desfrutar da
companhia um do outro, e sua mente estava repleta de planos para essas noites. Um
sorriso curvou os lábios másculos, enquanto dava asas a seus devaneios. Com memória ou
não, aquele dia era o homem mais venturoso sobre a face da terra.
O céu estava banhado em raios rosados. A brisa suave acariciava-lhe o rosto,
enquanto caminhava pela rua a passos largos, rumo ao mercado. De repente o som de
vozes vindas de uma ruela entre a barbearia e a agência de correio atraiu sua atenção.
Olhou para a viela estreita. Três homens mantinham um jovem pressionado de encontro à
parede e o estavam espancando.
Relanceou o olhar para cima e para baixo da rua e percebeu que a repartição do xerife
ficava distante algumas quadras dali. O homem estaria morto antes que fosse até lá chamar
a polícia. O instinto o induziu a se aproximar.
— Ei! — gritou, esperando que uma testemunha fosse o suficiente para espantá-los.
Esse foi seu primeiro engano. Os três homens se viraram, lançando-lhe olhares pouco
amigáveis. Pareciam longe de estarem amedrontados.
— Meta-se com a sua vida. E dê o fora daqui! — um deles gritou. Truculento e mal
afeiçoado, parecia ser o líder do bando.
Blue notou a face inchada do jovem, com sangue e contusões. Qualquer que fosse o
argumento que possuíssem três contra um era uma desvantagem inadmissível. Sem pensar
em mais nada, saltou para frente atingindo um dos homens e desferindo um soco em outro.
De repente, viu-se à procura de sua arma no coldre que não estava consigo. Mas não
dispunha de tempo para pensar na questão, nem no que aquilo significava. O rapaz, agora
desencostado da parede, correu em seu auxílio. Dois contra três ainda era desvantagem,
até mesmo porque a jovem vítima estava bastante debilitada.
Naquele instante viu o brutamonte lançando mão de uma arma e gritando em sua
direção. Por puro instinto, com um golpe rápido e certeiro, Blue tomou a arma de outro
agressor. Apontou-a e, percebendo que o seu adversário não estava a ponto de hesitar,
disparou um tiro, atingindo-o no ombro. A arma do outro homem voou para longe.
— Maldição, você me atingiu — gritou o corpulento, levando a mão ao ferimento. O
sangue escorreu-lhe por entre os dedos.
Blue empunhava a arma com firmeza, apontando-a para os três, quando, de súbito,
lampejos de memória surgiram em sua mente. Imagens vinham à tona como ondas, até seu
cérebro girar. A arma, o tiro...
De repente se viu em outra situação, sentado em uma taverna. Também eram três
contra um. E daquela vez ele era quem estava sozinho. Havia atirado em um homem e
sabia que o matara.
— Ei, eu o conheço! — gritou um dos agressores. — Todos nós pensamos que você
estava morto.
— O quê? — ele perguntou.
— Você é...
Não deixou o homem concluir as palavras. Não precisava. Sabia exatamente quem
era agora. As lembranças afluíram velozes como flechas, mas não tinha tempo para pensar
naquilo. Proferiu o próprio nome, sentindo um frio no estômago.
— Cash Callahan.
— Isso mesmo! Nós ouvimos dizer que foi assaltado e baleado. Você e outro homem
foram arrancados para fora daquela carruagem e abandonados para morrer.
Cash recordou-se de alguma coisa sobre o ocorrido. As imagens escureciam e
enfraqueciam, mas continuavam a chegar. E a constatação de sua identidade, bem como
suas implicações o impediam de ordenar os pensamentos.
— Obrigado, Sr. Callahan. — disse o jovem, segurando a mandíbula, que não parecia
quebrada. Em poucos dias estaria bom.
Cash não pôde continuar vendo as imagens que lhe deixaram a mente enevoada, mas
sabia que precisava agir. Aquela situação ainda não estava resolvida. Tinha três homens na
mira de sua arma, e um deles estava sangrando,
— Nunca gostei de desigualdades — disse à vítima. E de repente soube por que
aquilo era tão importante para ele. Em um estalar de dedos que descobriu sua vida inteira
jogara com a sorte. — O que aconteceu aqui? — perguntou, ainda apontando a arma para
os três homens, esperando por respostas. Apercebeu-se da facilidade com que manejava a
arma e de como ela se ajustava à sua mão.
— O Willy trapaceou ontem à noite nas cartas. Viemos cobrar nosso dinheiro.
— Não enganei ninguém — o rapaz negou. — Ganhei aquele dinheiro justa e
honestamente. Vocês todos estavam bêbados para distinguir um rei de paus de um duque.
Os quatro homens começaram a discutir, elevando as vozes e trocando acusações.
— Parem! — gritou Cash. — Vamos deixar que o xerife decida isso. — Dito isso,
empurrou-os rua abaixo, apontando a direção com o cano da pistola.
— Precisamos, mesmo, ir à polícia? — um dos agressores protestou.
— É claro que sim. Não confio em vocês para resolver esta questão por conta própria
e ademais temos um homem sangrando. Ele precisa de um médico.
Duas horas mais tarde, após prestar alguns esclarecimentos ao xerife, Cash se
encontrava sentado na charrete, aguardando Jenna, ainda aturdido por sua recente
descoberta. A lembrança amarga de quem ele realmente era não podia ser ignorada.
Embora, achasse difícil encarar a verdade sobre a vida que levava, sabia que precisava
permitir que as recordações afluíssem. E elas afluíram. Dezenas de imagens surgiam a
cada instante e o faziam lembrar de que não era o homem que Jenna queria. Não era Blue
Montgomery, o pacato fazendeiro. Não era o homem que ela admirara ao longo de todos
aqueles anos. Que trabalhara arduamente em uma fazenda, até que as doces palavras e
páginas cheias de esperança naquelas missivas, encorajaram-no a se aventurar em uma
nova vida ao lado daquela mulher maravilhosa.
Não. Era Cash Callahan, um jogador, cuja reputação não era das melhores. Cada dia
de sua juventude havia sido dedicado à incansável luta pela sobrevivência. Fora
escorraçado tantas vezes que perdera a conta. Sozinho e abandonado à própria sorte desde
os mais tenros anos passara a infância tentando sobreviver com os proventos que Deus lhe
legou. Logo desenvolveu uma destreza para o jogo. Alguns diziam que era um dom. Lutara
para se manter vivo em mundo cruel, frio e calculista. Começara cedo na vida a pelejar para
obter renome e se tornar quem era.
Até então, não se recriminava pela vida que fora forçado a escolher. Tudo que fizera
fora para se sustentar. Mas agora, era diferente. Agora, tinha uma esposa que, na verdade,
não era sua esposa. E mais cedo ou mais tarde precisaria lhe contar a verdade.
Em algum momento, Cash despedaçaria todos os sonhos de Jenna. O coração de
cristal se partiria em dois. A revelação, sem dúvida, a faria sofrer. E se o fato de saber que
seu novo marido era um jogador não a destruísse por completo, descobrir a dura verdade
sobre o que acontecera ao verdadeiro Blue Montgomery com certeza a mataria.
Cash fora responsável pela morte dele.
Jenna aproximou-se da charrete, um tom róseo iluminava a face delicada. Algumas
horas atrás tinha o mesmo olhar satisfeito. Mas agora não teria mais motivos para ficar feliz,
o brilho daqueles olhos em breve seria ofuscado por dor e preocupação.
— Blue, você parece pálido. — O sorriso cálido desapareceu, dando lugar a uma
expressão circunspecta e preocupada.
Ajudou-a a subir na carruagem e acomodou-a junto de si. Queria partir de Goose
Creek o mais rápido possível.
— Algum problema? — ela perguntou, ante a falta de resposta dele.
Ele limitou-se a negar, em silêncio. Tudo que conseguiu fazer foi balançar a cabeça.
Claro que estava com um problema. O maior de toda a sua vida. Tinha que encontrar
um modo de lhe dizer que recuperara a memória e revelar-lhe sua verdadeira identidade.
Mas decidiu que falar naquele momento seria muito cruel para Jenna. A verdade a abalaria
sobremaneira. Ela precisava enfrentar aquela situação em casa, entre amigos que lhe
prestariam o conforto que ele não lhe podia dar. Quando chegassem a Twin Oaks contaria
toda a verdade. Reuniria coragem e lhe explicaria tudo. Ela não entenderia, é claro. Iria
odiá-lo e culpá-lo pelo resto da vida. Naquele momento, Cash sentiu muita raiva de si
mesmo e da vida que levara até então. O destino não fora justo com ele.
Na metade do caminho para casa, Jenna tocou-lhe o braço de leve.
— Blue, você está me assustando. O que há de errado com você? Não disse uma
palavra até agora. Foi alguma coisa que eu tenha feito que o aborreceu?
Oh, não, Jenna dera-lhe uma fatia do céu. Na noite anterior haviam compartilhado algo
mágico, algo que nunca esqueceria. Jenna se entregara completamente, depositando sua fé
e confiança nele. Cash jamais conhecera uma mulher como ela, jamais tocara uma mulher
decente em sua vida. Não merecia sua preocupação. Enfim, não a merecia.
Mas na verdade, Jenna não se entregara a ele realmente, mas sim ao homem que
acreditava que ele fosse, o homem que ela amava. Cash Callahan era um estranho que sem
saber lhe roubara a inocência.
— Não foi nada, doçura. Estou pensativo, é só isso. Resolveu deixar as coisas como
estavam. De vez em quando olhava para a face de Jenna e percebia seu semblante
preocupado. Ela umedecia os lábios, olhava para os lados tentando se distrair, mas Cash
sabia que estava apenas fingindo. Odiava atormentá-la daquele jeito, mas não havia nada
que pudesse fazer. Não poderia fingir ser alguém que não era. Nem mesmo para poupar
Jenna de um sofrimento terrível.
Levantou-se suspirando fundo quando chegaram aos portões de Twin Oaks. Aquela
fora sua casa durante semanas. Jenna o mantivera sob seus cuidados e lhe salvara a vida.
Tinha sido feliz ali ao lado dela e, se acaso sua memória não houvesse retornado, teriam co-
meçado uma vida nova juntos como marido e mulher. Mas isso não foi possível.
Devia-lhe a verdade.
Virando-se para encará-la, tomou-lhe as mãos e beijou-as. O último gesto de carinho
que compartilhariam.
— Jenna, você é uma mulher especial. Acho que estou apaixonado por você, mas
preciso lhe contar a verdade.
— Oh, Blue... — murmurou com um suspiro saudoso. — Você me ama?
O estômago de Cash se contraiu ao ouvir a voz doce e cheia de esperança. Ficou
tentado a não falar, a não acabar com suas esperanças. Jamais na vida enfrentara um
dilema tão difícil. Mas poderia seguir em frente fingindo ser Blue Montgomery? Poderia
tentar agir como um fazendeiro, para manter um sorriso no rosto de Jenna? E se ela
descobrisse a verdade? O resultado dessas mentiras seria devastador. Tinha que contar a
verdade.
— Para ser franco, Jenna, não tenho direito algum sobre você. Não sou Blue
Montgomery. Não sou o seu Blue.

CAPÍTULO V
Jenna sentou-se impaciente no sofá da sala de estar, aguardando Blue ou o homem
que imaginou ser Blue, retornar após desatrelar a charrete, perguntando-se se aquilo estava
mesmo acontecendo. Só podia ser um equívoco. O homem com quem se casara tinha que
ser Blue Montgomery. Não podia haver outra explicação. As palmas de suas mãos ainda
estavam úmidas de suor, o coração batia em descompasso e a mente estava atordoada à
procura de evidências que comprovassem o que acabara de ouvir.
De repente a porta se abriu e Blue entrou. Seus olhares se encontraram. A expressão
naquele olhar penetrante e taciturno deixou-a assustada. Temia ouvir as palavras que fariam
seu mundo desmoronar.
— Muito bem, Jenna... — a voz soou calma. Silenciosa, seguiu-lhe os movimentos
com os olhos.
Os passos largos e resolutos, a postura ereta, características que julgara serem de
Blue Montgomery. Acomodou-se no sofá a seu lado. A proximidade trouxe-lhe um certo
conforto, mas ao perceber a preocupação estampada naquele olhar, a sensação de bem-
estar desapareceu.
— Devo-lhe uma explicação. — Esfregou a nuca repetidas vezes, na tentativa de
aliviar a tensão dos músculos da face.
Ela nunca o havia visto tão trêmulo e perplexo. Dava a impressão de que o chão saíra
de debaixo de seus pés. O coração de Jenna voltou a disparar tomado pela apreensão.
Porém, não teve outra escolha a não ser permanecer sentada, aguardando o que seu
marido tinha a dizer-lhe.
— Lamento, mas não é uma história bonita.
— Você... Recuperou a memória, então?
— Sim, agora sei quem sou. De repente... Lembrei-me de tudo. Exatamente como
você disse que aconteceria. — O sorriso rápido que surgiu em seus lábios logo se dissipou,
dando lugar a uma expressão sombria. — Meu nome é Cash Callahan.
Jenna cerrou os olhos para não cair em prantos. Não permitiria que os sonhos de toda
sua vida se desvanecessem. Não assim. Logo após ter chegado às portas do paraíso.
Ergueu a cabeça altiva e fitou-o, incapaz de acreditar que aquele homem que tivera sob
seus cuidados durante várias semanas, com quem havia se casado e se entregado de corpo
e alma, não passava de um estranho. A constatação desse fato era difícil e dolorosa. Sentia
uma dor aguda no peito como se fosse explodir. Tornou-se difícil o simples ato de respirar,
como se todo o ar lhe fugisse dos pulmões.
Cash Callahan. O nome soava tão desconhecido! Quem seria aquele homem?
— Vá em frente. Continue.
Ele respirou fundo, enquanto tentava organizar os pensamentos.
— Bem, estava a caminho de Twin Oaks, quando a diligência em que viajava foi
atacada. Havia apenas eu e outro homem, os outros passageiros tinham desembarcado na
última cidade.
— Você estava vindo para cá? — Encarou-o com uma expressão confusa. Aquilo
pareceu surpreendê-la. Que um estranho viria fazer em Twin Oaks?
— Sim, Jenna. Estava vindo para cá.
— Por quê?
Cash passou a mão pelo queixo e expeliu o ar que retinha, tentando protelar a
resposta inevitável.
— Vinha tratar de negócios.
Jenna ergueu a cabeça. As lágrimas contidas faziam os olhos cor de âmbar brilharem
como nunca. Não conhecia aquele homem, o que lhe causou um aperto no coração. Afinal
tinha se casado e se entregado a um total estranho... Mas, se ele não era quem supôs que
fosse quem seria afinal?
— Que tipo de negócios?
— Falarei sobre isso mais tarde. Como vê os agressores estavam atrás de mim e pelo
fato do outro cavalheiro possuir uma incrível semelhança comigo, eles não sabiam ao certo
qual dos dois era a pessoa que estavam procurando. Após matarem o cocheiro da dili-
gência, abriram fogo contra nós. Lembro-me que quando subi na carruagem, reparei
naquele homem que quase refletia minha própria imagem. Na altura, na compleição física, a
mesma cor de cabelos, mas o mais intrigante eram os olhos. Um tom profundo de azul como
os meus. — Suspirou fundo, antes de continuar. — Fomos assaltados e abandonados para
morrer. Mas meu companheiro de infortúnio ainda estava respirando. Recordo-me que
rastejou em minha direção e me entregou uma Bíblia, dizendo-me que encontrasse Jenna
Duncan e a entregasse. E pediu-me para lhe dizer que foi a única mulher que amou na vida.
Essas foram suas últimas palavras.
As lágrimas escorreram pelo canto dos olhos de Jenna, molhando suas faces. Não
podia acreditar no que estava ouvindo. Não podia crer que o verdadeiro Blue Montgomery
estava morto. Se o houvesse encontrado, seria a ele quem salvaria. Estivera certa de que o
homem sentando a seu lado naquele sofá era Blue, e seu coração ficou apertado devido a
dor que a apunhalava com uma força avassaladora. Ainda assim, não queria acreditar. Mas
agora, de alguma maneira, as coisas começavam a fazer sentido. De repente, a realidade
caiu sobre ela com a força de um vendaval.
— Esse homem era meu Blue? O verdadeiro Blue Montgomery? — A emoção
embargou-lhe a voz.
Sem pensar, ele estendeu a mão como se fosse tocá-la, mas de algum modo, resistiu
ao impulso. Os olhos azuis se estreitaram cheios de pesar. Jenna sentiu-se grata por Cash
não tê-la tocado. Não apreciava mais seu toque. Não queria lembrar a magia que os havia
envolvido na noite de núpcias, quando acreditava estar nos braços de Blue. Tinha sido tudo
tão bonito e cheio de amor... Um verdadeiro conto de fadas que se tornara realidade. Deus
do céu! Como aquilo pôde acontecer? Que mal fizera para merecer um destino tão cruel?
Não queria ouvir aquela verdade terrível. Desejava apenas poder voltar no tempo, para sua
vidinha simples de sempre, quando imaginava ter um futuro pela frente ao lado do único
homem que amara de verdade.
— Sim, creio que sim.
— Oh, Deus...
Nada a havia preparado para aquilo. Cobriu o rosto com as mãos, e os soluços a
sacudiram por inteiro. Não queria olhar para aquele homem. Era um verdadeiro estranho.
Chorava por Blue Montgomery, não podia imaginar a vida sem seu amado. Juntos haviam
feito tantos planos. A promessa de uma família feliz, com filhos saudáveis, de campos férteis
para seu sustento e de uma vida repleta de amor. Blue fora o seu mundo, a razão de sua
vida até aquele momento. Tinha sido amável e compassivo. Um homem que admirara ao
longo de muitos anos. Suas palavras a reconfortavam quando estava triste, acalmando seu
estado de espírito e devolvendo-lhe a esperança no futuro. Vivia pela certeza de um dia
encontrá-lo para enfim concretizarem seu amor. Foi tomada pela angústia e por uma
dolorosa sensação de perda ante a dura realidade de saber que nunca mais o veria. Nunca
mais trocariam uma única palavra.
— Que Deus se compadeça da alma dele — murmurou, após algum tempo.
Então desabou em um pranto convulsivo. Chorou pelos sonhos destruídos... Pelos
anos de espera... Pela solidão que seria sua companheira daquele dia em diante. Chorou,
chorou até não ter mais lágrimas para derramar.
Exaurida, esfregou o rosto na manga da blusa, completamente alheia ao homem que
permanecia a seu lado. Naquele momento, sua mente fervilhava de perguntas. Respirando
fundo, deixou a emoção de lado por alguns instantes e buscou respostas às suas
indagações.
— Não compreendo. Por que não encontrei Blue a seu lado naquele dia?
— Ele morreu lá mesmo, perto da diligência, juntamente com o cocheiro. Mas não tive
força para enterrá-los. Deixei o local, temendo que os malfeitores pudessem voltar. Rastejei
com minhas mãos e joelhos sangrando e não sabendo se o ar que respirava seria o último a
entrar em meus pulmões. Não me recordo de quanto tempo levei ou que distância percorri,
mas procurei ajuda. Suponho que também teria morrido naquele dia, próximo a Turner's
Pond, se você não houvesse me encontrado.
— Oh... — murmurou, percebendo que aquele pobre infeliz não tivera culpa de nada.
Ele fora vítima de uma horrível provação e quase morrera também. E ela mesma tivera
sua parcela de culpa insistindo na idéia de que se tratava de Blue. Mas algo ainda a deixava
intrigada. Que tipo de negócio aquele estranho teria para tratar em Twin Oaks?
— Fiz o que devia ser feito. Teria socorrido qualquer pessoa que encontrasse
naquelas condições, sem me importar com a sua identidade.
— Eu sei que sim, Jenna. Você é uma mulher especial...
— Não diga isso! — disparou enfática, dispensando as palavras amáveis. Não tinha
condições de ouvi-las naquele momento.
O fato daquele homem ter sobrevivido e Blue ter morrido, causou-lhe um terrível
ressentimento. Não se sentia orgulhosa desse sentimento desenfreado que lhe assolava a
alma, mas não tinha forças para lutar contra isso. Não podia esquecer que tinham passado
uma noite juntos, que entregara seu corpo a um estranho, não queria ouvir mais suas doces
palavras de conforto, palavras não mudariam nada.
— Você salvou minha vida, Jenna. Eu lhe serei grato por isso até o fim dos meus dias.
Blue estava morto, mas tinha conseguido salvar a vida daquele homem. Fosse lá
quem fosse, estava na hora de saber a verdade.
— Você disse que vinha a Twin Oaks tratar de negócios.
— Sim — respondeu, fitando-a com cautela, antes de se levantar do sofá. — Espere
aqui. Voltarei em um instante.
Confusa, permaneceu sentada, desejando saber o que aquele homem, Cash
Callahan, fora fazer. Um minuto mais tarde, ele estava de volta com seu grosso casaco de
lã. Com um pequeno canivete, que retirou do bolso, começou a descosturar a parte de
detrás do forro do agasalho. Atordoada, Jenna apenas observava.
Uma vez a costura desfeita, enfiou a mão na veste e retirou uma folha de papel.
— Eis aqui o meu negócio.
— O que é isso?
Cash desdobrou o documento e o colocou sobre o sofá. Jenna abaixou os olhos e
ofegou.
— É uma escritura de Twin Oaks!
Ele acenou em sentido positivo com a cabeça.
— É uma escritura falsa. Agora eu sei.
Sim, com certeza se tratava de mais uma escritura falsa. Igual a que vira uma vez
quando um estranho invadira sua propriedade, ameaçando-a furiosamente. Mas se aquele
homem tinha em mãos uma escritura de Twin Oaks, como a teria adquirido? Sua mente
considerou as possibilidades, contudo recusava-se a admitir a verdade que a destruiria de
vez.
Cash dobrou o papel e o guardou no bolso da camisa. Passou a mão pelos cabelos,
em uma pausa hesitante. Sua expressão era um misto de constrangimento e pesar. Jenna
permanecia estática, esperando uma explicação, implorando aos céus que estivesse
enganada, que suas suspeitas não se concretizassem.
— Conheci seu irmão, Bobby Joe, em um saloon no norte do Texas, não me lembro
em que cidade. Ele apostou Twin Oaks contra uma grande soma em dinheiro. Claro que fui
ludibriado. Ele me fez acreditar que se tratava de uma próspera fazenda de gado. Estava a
caminho para conferir minha nova aquisição quando os primos Wendell me alcançaram.
Como pode ver, Jenna, sou um jogador. Essa é a única vida que sempre conheci.
— Não! — ela gritou.
Aquilo não podia ser verdade. Bobby Joe não teria feito isso novamente. Seu irmão
não podia ter enviado um homem para reivindicar a sua fazenda. Era impossível! Nada
podia ser mais terrível. Como suportar outra traição do irmão? Dessa vez não fora a única
vítima, Blue estava morto em consequência de um acerto de contas entre jogadores. E
aquele desprezível jogador a quem salvara a vida, com quem se casara e entregara seu
corpo... Esse homem e seu irmão traidor foram os causadores de toda aquela desgraça.
— Sinto muito, Jenna. Não vou mentir para você, essa é a verdade.
Jenna fechou os olhos, incapaz de suportar outro segundo da realidade cruel que se
descortinava a sua frente. Rezou para que tudo passasse. Queria despertar daquele
pesadelo e não encontrar mais a imagem daquele abominável jogador e sim a de Blue,
sorrindo, abraçando-a, sussurrando palavras de amor junto a seu ouvido. Juntos
constituiriam uma família, plantariam campos de trigo e viveriam inebriados de felicidade pe-
lo resto de suas vidas. Oh, Deus, desejava tanto essa vida. Precisava acordar
desesperadamente daquele sonho ruim.
— Jenna...
A voz tão familiar, contudo, agora estranha, arrancou-a dos devaneios. Queria ver
aquele homem longe dali.
— Então, você veio até aqui para se apossar de minha fazenda...
— Não!
— Viajou uma boa distância... Tinha uma escritura...
— Imaginei que a houvesse ganhado honestamente. Jenna fitou-o desafiadora.
— Jamais teria reivindicado essas terras ou me apossaria da fazenda que você tanto
ama. Quando soubesse da verdade, partiria. Nunca faria qualquer coisa com o propósito de
magoá-la ou torná-la infeliz. Não pode duvidar disso. Acredite em mim.
— Você é um jogador. Por que deveria acreditar no que diz?
— Porque... Você me conhece.
Uma risada amarga escapou dos lábios bem-feitos. Conhecera muitos jogadores, e
todos eles só lhe causaram aflição e sofrimento.
— Não, eu não o conheço — Jenna declarou de cabeça erguida.
Com o olhar determinado, ele declarou:
— Vivemos sob o mesmo teto durante semanas. Jenna, você agora é minha esposa.
Indignada ergueu-se do sofá e o encarou.
— Não, não sou. Eu me casei com Blue Montgomery. Você não é essa pessoa, nunca
poderia ser. Portanto, não sou sua esposa. Jamais me casaria com alguém como você.
Nem no pior surto de loucura!
Quando Cash se levantou, avultando-se sobre ela, a proximidade perturbadora fê-la
afastar-se para o lado oposto da pequena sala de estar. Era obrigada a enfrentar o
arrependimento de ter se entregado àquele homem. Fora traída duas vezes. Pelo irmão e
por um estranho.
— Jenna, ouça, por favor. Podemos tentar...
— Não, não podemos tentar nada.
A amargura seria sua parceira constante de agora em diante, impedindo-a de sentir
qualquer alegria no futuro. Sabia que jamais seria feliz novamente. Restariam apenas as
lembranças dos pensamentos tolos e desejos de uma jovem romântica e ingênua que
jamais se tornariam realidade.
— Você me usou, tal como Bobby Joe e como aquele outro homem que esteve aqui
para me tomar a fazenda. Não existe nenhuma chance de tentarmos uma vida juntos.
— Jenna, ouça a voz da razão. Eu estava quase morto quando você me trouxe para
cá. Os homens que queriam se vingar de mim me largaram naquela estação. Não me
recordava de nada do que havia acontecido. Absolutamente nada!
— Eles mataram Blue por sua causa.
Jenna jamais superaria essa verdade. Via Cash Callahan como uma cobra venenosa e
traiçoeira. Cobras atacam e acabam com a vida das pessoas. Jogadores faziam o mesmo.
Não tinha estômago para nenhum dos dois.
— O que você fez? Por que estavam atrás de você?
— Atirei em um homem e o matei.
Jenna ofegou e se afastou mais ainda. Além de jogador, era um assassino! Cash
sentiu um aperto no coração, mas não podia omitir a verdade. O olhar dela e a amargura em
sua expressão o feriram como um punhal cravando-lhe o peito.
— Peguei-o roubando nas cartas, tivemos um desentendimento e ele puxou uma
arma. Estava pronto para atirar. Se não o matasse, ele me mataria. Não tive escolha.
— Sempre há uma escolha — disse com um fio de voz.
— Apenas me defendi. Como você mesma fez no dia que o jogador veio até aqui
reivindicar a sua fazenda.
— Como ousa fazer essa comparação? Ele não passava de um jogador insignificante,
que faz do jogo seu meio de vida... Como você.
— Eu não teria tomado sua fazenda mesmo que a escritura fosse verdadeira. Precisa
acreditar nisso.
Jenna conteve as lágrimas e balançou a cabeça. Ele notou o corpo delicado tremendo
da cabeça aos pés e sentiu um imenso pesar. Daria metade de sua vida para não ter lhe
causado tantos dissabores.
— Não há nada para dizer que possa justificá-lo. Acho deve partir imediatamente.
Cash refletiu alguns segundos e chegou à mesma conclusão. Ela estava certa. Não
era digno para ficar ao lado de Jenna Duncan. Tinha plena consciência de que seria
considerado como o homem que lhe roubara a inocência e que destruíra a chance de ser
feliz no futuro. Fora enganado e traído pelo irmão dela, da mesma forma que ela, mas não
podia lutar contra o ódio que Jenna sentia pelos jogadores. Isso ficara bastante claro entre
eles.
A vida ao lado de uma mulher como ela fora um sonho para um homem sem passado.
Mas agora que recuperara sua memória, sabia que não teria futuro ao lado de Jenna. Não
seria o marido ideal para ela. Sabia que jamais poderia ficar ali naquela fazenda e fazê-la
feliz.
Desde os dez anos de idade, tudo que sabia fazer era jogar. O jogo era o seu meio de
subsistência. Ali, em Twin Oaks tivera uma pequena amostra da vida que poderia ter tido, se
o destino não o guiasse por caminhos diferentes. Mas Cash não era tolo o bastante para
acreditar que poderia mudar. Conhecia apenas um modo de sobreviver. E sabia o que era
melhor para Jenna.
— Partirei amanhã de manhã. Não queria que nada disso houvesse acontecido, mas
aconteceu e sinto por tê-la magoado tanto. Se tivesse esse poder, apagaria os últimos dias
de nossas vidas.
— Quero que saia desta casa agora.
— Dormirei no celeiro e partirei pela manhã com os primeiros raios de sol.
Sairia naquele mesmo instante, se isso mudasse o semblante de Jenna, se aliviasse a
miséria e o sofrimento que via estampados naqueles olhos cor de âmbar. Mas precisava
falar com Ben. Precisava contar toda a verdade àquele bom homem e sua mulher, precisava
se certificar de que eles cuidariam bem dela. O apoio e o conforto dos amigos naquela hora
seria imprescindível.
Cash colocou a mão mais uma vez no casaco e apalpou algo. Uma soma em dinheiro
para emergências que trazia consigo. Não vivera todos aqueles anos sem um suporte.
Sempre soube como sobreviver.
Dobrou as cédulas e as entregou a Jenna.
— Fique com isto para a fazenda. É o suficiente para enfrentar o inverno.
O olhar dela quase o fulminou. Lembranças da infância sofrida, quando os habitantes
da cidade o fitavam com o mesmo ar de desprezo, surgiram aos borbotões, fazendo-o
recordar-se de um tempo quando era considerado sujo e infrator. Um jovem malquisto que
fora expulso da sociedade decente.
— Não quero seu dinheiro imundo. — Com a ponta dos dedos empurrou o maço de
notas para longe. — Quero apenas que vá embora, Sr. Callahan. E que nunca mais apareça
aqui.
Jenna não despertou daquele sonho ruim, como havia implorado a Deus. O pesadelo
era real. Enrolou o corpo em um cobertor, apoiou a cabeça no travesseiro e fitou o teto com
o olhar distante. Já passava da meia-noite e sabia que deveria tentar dormir. Não tinha mais
lágrimas para derramar e nenhum sofrimento era maior do que o que vivenciara naquele dia.
Não sabia que rumo dar a sua vida. Estava cansada, cansada de lutar, cansada de viver. Se
não fosse por Ben e Rosalinda, estaria completamente só no mundo.
Como poderia enfrentar o dia, a luz do sol que avivava as esperanças, quando tudo
que sentia agora era escuridão e desespero? Contudo, não derramaria nem mais uma
lágrima, mesmo que seu peito sangrasse pelos sonhos desmoronados... Pelos filhos que
não teria, pela vida familiar que tanto almejara. Tudo que mais desejava na vida era ter
alguém para amar e ser amada.
Ainda podia contar com a dedicação, carinho e apoio de Ben e Rosalinda e agradecia
aos céus por tê-los por perto. Eram como se fosse sua própria família. Antônio, o filho mais
novo deles, que aos poucos se transformava em um homem diante de seus olhos, era como
um irmão.
Jenna sabia que eles não a julgariam, mas como poderia encará-los? Estivera tão
certa, tão absolutamente certa, de que o homem que salvara era Blue Montgomery. Tinha
se casado e se entregado aquele homem. Oh, Deus!
— Jenna Leah Duncan, você é uma tola — disse a si mesma.
Fechou os olhos. A agitação provocada por seus sentimentos caóticos não a deixava
dormir. Rezou para o sono chegar, precisava de descanso. Os últimos dois dias tinham sido
tumultuados. Descobriu o amor, casou-se e, de repente, tudo se acabou em um curto lapso
de tempo. Sua mente latejava, o coração estava apertado e o corpo exausto. Mas tinha
responsabilidades que não podia ignorar. Twin Oaks era tudo que lhe restara, e por ela
continuaria vivendo e trabalhando.
Virando-se na cama, fechou os olhos. — Durma Jenna. Durma.
Amanhã seria um novo dia e teria um campo inteiro para cultivar.
Uma batida forte na porta a despertou. Jenna sentou-se esperançosa, até que os
acontecimentos do dia anterior voltaram-lhe à memória. Esfregou os olhos, tentando
reorganizar os pensamentos. Entretanto não obteve muito êxito.
— Srta. Jenna. Está acordada?
— Sim. Espere um minuto, Ben. — Jenna inalou lentamente, nem um pouco
preparada para enfrentar o dia.
— Foi só para saber se está tudo bem. E quase meio-dia. Rosalinda e eu estávamos
preocupados com você.
Meio-dia? Céu nunca acordara tão tarde. Com um suspiro, afastou as cobertas,
levantou-se da cama e vestiu o roupão.
— Estarei pronta em instantes, Ben. Dê-me apenas alguns minutos para me vestir.
— Não tenha pressa, Srta. Jenna. Estarei lá em baixo esperando.
Dez minutos depois, ela entrou pela porta da cozinha. Ben estava coando o café, e
Rosalinda preparando um prato de tamales picantes, os favoritos de Jenna. O casal fitou-a
com condolência. O doce gesto de apoio dos amigos pôs um tênue brilho nos olhos
inchados e vermelhos.
— Ah, querida, venha, sente-se aqui. Deixe-me encher essa barriguinha com meus
tamales. Venha, venha. — Rosalinda se aproximou, segurando-a pelo braço com ternura e a
guiou até à mesa. — Sente-se, precisa se alimentar.
Sentia-se enjoada, não tinha apetite, mas não podia ferir os sentimentos de Rosie,
recusando a refeição. A mulher preparara tudo com muito esmero.
— Humm... Parecem deliciosos. — Contemplou o prato diante de si e o estômago
embrulhou.
— Café? — perguntou Ben, vertendo-lhe uma xícara, sem nem mesmo esperar por
resposta.
Jenna notou o olhar de cumplicidade do casal quando ambos se sentaram à mesa.
Ergueu o garfo e o levou à boca. Faminta ou não, ninguém fazia tamales como Rosalinda.
— Foram muito amáveis. Sou grata aos dois, mas isto não era necessário.
— Si, si, querida. Precisamos conversar.
Ben tomou a palavra para si. O tom era preocupado como ela jamais o ouvira falar
antes.
— Já sabemos de toda a história, filha.
Jenna assentiu com a cabeça. Já estava desconfiada. Ben e Rosalinda raramente
vinham visitá-la tão cedo. Aquele era um dos horários mais atarefados da fazenda. Primeiro
arar a terra, depois preparar o plantio. Era fácil deduzir que Cash Callahan tinha conversado
com eles, explicando a razão de estar partindo da propriedade. O que mais poderia trazer
seus queridos amigos a sua casa àquela hora?
— Então já sabem que me casei com um estranho. — Abaixou a cabeça constrangida.
— Não se culpe querida! — Rosalinda encarou-a, e ela testemunhou um fogo
tempestuoso nos olhos da mulher. — Você não sabia.
Ben pôs a mão sobre a dela. A palma áspera e calejada de alguma forma a
reconfortou. A pele endurecida, pouco sensível, de um homem que amava a terra e tra-
balhava duro para sustentar a família.
Isso era tudo que Jenna sempre quisera para si. Um homem que trabalhasse a seu
lado, que plantasse a terra e, tempos depois, se regozijasse com a colheita sadia.
— O Sr. Callahan me procurou esta manhã e contou-me tudo o que aconteceu. Se
isso pode significar alguma coisa para você, acredito que ele está muito pesaroso e que não
pretendia lhe causar tanto sofrimento, Srta. Jenna.
— Ele é um jogador.
Isso era mais do que poderia aguentar. Pensar que se entregara àquele homem,
depositara nele toda sua fé e esperança de um futuro melhor.
— Sim, ele me contou isso, também. Mas senhorita, Cash não se recordava de nada.
Não acredito que tencionava prejudicá-la. Como também não creio que quisesse tomar-lhe a
fazenda.
— Mas ele tomou... Minhas esperanças... Meu futuro.
Ben apertou-lhe a mão. Os olhos cinzentos sustentaram os dela por algum tempo.
Estavam carregados de encorajamento. Querido Ben. Era o único homem que nunca a faria
sofrer.
— Não, Cash não fez nada disso. Você tem a sua terra... As colheitas que virão e... Os
animais.
— E nós, mi corazon — acrescentou Rosalinda —, estaremos sempre a seu lado.
Ben acenou com a cabeça, concordando.
Jenna tentou esboçar um sorriso. Amava aquele casal, mas ousara esperar mais da
vida. Sonhara em se casar, ter uma família e compartilhar uma vida com um homem que
compactuasse dos mesmos desejos.
— Eu sei quão afortunada sou por tê-los ao meu lado. Eu os amo.
A face de Ben enrubesceu.
— Nós também a amamos — disse ele, um pouco constrangido. Ben não era um
homem que normalmente falava de tais coisas. Aquela confissão só a deixou mais
enternecida.
— Ele já partiu? — perguntou Jenna, olhando através da janela da cozinha em direção
ao celeiro. Nem mesmo conseguiu sorrir ao ver Button alongando o corpo macio e lustroso,
dando uma escapada para um pequeno repouso longe dos seus filhotinhos exigentes. Tinha
apenas um pensamento em sua mente, livrar-se daquele jogador.
— Eu o levei até Goodwill esta manhã. O homem queria me pagar uma boa soma em
dinheiro, mas eu recusei. Apenas gostaria que as coisas não houvessem acontecido dessa
maneira. E suponho que pela fisionomia dele estava pensando o mesmo.
— Si. Ele tinha a esposa mais linda do mundo. Não é fácil deixar uma mulher
maravilhosa — disse Rosalinda, balançando a cabeça de leve.
A amiga estava cheia de idéias românticas. Houve um tempo em que também
pensava da mesma forma, mas tinha aprendido uma amarga lição recentemente, da qual
jamais esqueceria. Nunca mais seria tão crédula, tão tola e vulnerável. Aquela Jenna
Duncan estava morta e enterrada junto com todas as suas esperanças. Daquele dia em
diante ninguém mais a enganaria com falsas promessas. Contaria apenas consigo mesma.
— Eu nunca fui mulher dele, Rosie. Jamais poderia ser. Sinto-me aliviada por esse
homem estar fora da minha vida. Agora, preciso arar os campos.
Ergueu-se da cadeira, e a mão pesada de Ben em seu ombro a fez sentar-se outra
vez.
— Hoje não, Srta. Jenna. Hoje, você vai descansar. Coma esta refeição que minha
esposa lhe preparou. Parece cansada. Tire o dia de folga.
— Não seja tolo, Ben. Tenho muita coisa a fazer.
— Isso pode esperar. Fique aqui e siga o conselho de um velho amigo.
— Mais tarde, eu lhe trarei algo especial. Teremos mais tamales então, está bem? —
Rosalinda lançou-lhe um sorriso terno.
Sentiu-se obrigada a concordar, apenas para manter aquele sorriso na face da
bondosa mulher. Odiava deixá-los preocupados.
— Oh, está bem. Agradeço a ambos — Jenna assentiu, um pouco desorientada.
Tudo que sabia fazer era trabalhar suas terras e no passado isso a enchia de paz e
consolo. Mas agora seu coração estava aflito, não tinha ânimo para nada. Nada fazia
sentido. Sentia-se desolada, só e com um enorme vazio no peito, uma vacuidade que jamais
seria preenchida outra vez.
A vida que tanto almejara fora-lhe cruelmente arrebatada, e seu mundo virara do
avesso da noite para o dia. Como conseguiria seguir em frente? A quem se dedicaria? Com
quem dividiria os momentos difíceis da vida e os de felicidade? Não tinha perspectivas para
o futuro e desejou saber por quanto tempo suportaria aquela imensa solidão.

CAPÍTULO VI
Cash chegou à cidade, com as roupas empoeiradas, os cabelos desgrenhados, além
da exaustão física que ameaçava derrubá-lo. Após uma longa viagem, ansiava por fazer a
barba e tomar um banho quente para relaxar a mente e os músculos cansados. Aquela era
a terceira parada nas últimas três semanas. Havia seguido o caminho do Sul em direção a
Fort Worth, deixando Oklahoma para trás. O único momento em que não pensara em Jenna
foi quando estava com uma mão que com certeza o faria ganhar o jogo de pôquer. E mesmo
naquele instante lembranças da imagem dela iam e vinham, fazendo-o perder a
concentração.
A sorte parecia não estar do seu lado nos últimos tempos. Não ganhara um só centavo
desde que deixara Twin Oaks. Deveria se considerar o homem mais afortunado da face da
terra, por uma mulher com um coração bondoso e amável ter lhe salvo a vida. Jenna o
fizera, devolvera-lhe a vida. E isso era algo que jamais esqueceria. A seu lado provara um
maravilhoso sentimento, poderoso e puro. Mas, com a mesma rapidez com que as coisas
aconteceram tudo chegara ao fim. Seu coração encheu-se de angústia. Tinha perdido
Jenna. Essa era a realidade e seria melhor aprender a conviver com ela.
Não podia ser o homem que ela queria. Deus do céu, se aquela mulher soubesse a
metade do que havia passado, da vida que levava, dos métodos aos quais recorrera em
nome da sobrevivência, com certeza não teria se preocupado em salvá-lo naquele dia em
Turner's Pond. E talvez houvesse sido melhor. Assim não conheceria o doce sabor do mel e
não se ressentiria de voltar ao fel de sua existência inócua.
E agora não conseguia ganhar nem sequer uma partida, nem mesmo tendo quatro
ases na mão, em uma mesa de amadores bêbados no dia de pagamento. Mas sua sorte
mudaria, sempre superara momentos difíceis. Se havia uma coisa que sabia, era como
sobreviver.
Após tomar um banho morno e fazer a barba, rumou a passos largos em direção ao
Palace Saloon, acenou para o barman, e dirigiu-se imediatamente ao salão de jogos.
— Ei, Cash — chamou Louella, avultando o corpo roliço sobre ele.
A imagem da ruiva era uma visão bem-vinda para um homem cuja sorte estava em
baixa. E se precisava de algo naquele momento, era da companhia de uma velha e boa
amiga.
— Lou! — exclamou satisfeito.
— Que bom vê-lo de volta! Agora, vá contando tudo. Sou uma mulher impaciente.
Cash parou por alguns instantes e sorriu.
— Você tem jeito com as palavras!
— Sim. Bem... Não me bajule. Quero que me conte tudo. Agora.
Conformado, meneou a cabeça, admirando como a dona do saloon lidava com as
demandas de uma cidade desordeira. Blackwater, no Texas, não era conhecida por seu
coro de igreja. Todavia, a mulher dirigia seu negócio com mãos de ferro e se algum
arruaceiro ousasse lhe desobedecer, ela e seu barman de quase dois metros de altura,
ficavam contentes em escoltá-lo até a porta da rua.
Com um pequeno movimento de dedos, Cash desafivelou o coldre da cintura.
Louella sorriu. Os olhos castanho-claros brilharam ao pegar a arma das mãos dele.
— Fico com a faca que está em sua bota, também.
— Ah, Lou. Tem que deixar um homem com pouco de orgulho.
— Orgulho, como você o chama, levou meu homem de mim, aqui neste mesmo salão,
cinco anos atrás. Já conhece as regras, bonitão. Quero todas as armas sobre o balcão.
Ele fez uma cara feia e se inclinou para arrancar a faca.
— Aqui está. Satisfeita?
— Querido, não me satisfaço há mais de cinco anos — respondeu, dando uma
piscadela. — Posso lhe servir algo?
— O de sempre, Lou. E traga a garrafa.
—A garrafa inteira? Pelo que me lembro não costuma beber muito quando está
jogando. — Fitou-o com olhar firme. — Exceto quando está com algum problema.
— Quer parar de bancar a minha mãe, Lou? Ou terei que procurar outro lugar para
fazer meus negócios?
A mulher soltou uma gargalhada. O som alto e impetuoso ressoou pelo salão.
Levantou-se, apoiou as mãos nos quadris generosos e lançou-lhe um olhar astuto.
— Não existe outro lugar nesta cidade pobre para jogar, Cash. O que está havendo
com você, rapaz? Quer que eu mande uma das meninas lhe fazer companhia? Belinda
sempre foi sua favorita.
Decidido, fez um gesto com a cabeça, negando. Não precisava de uma mulher. Já
tivera dificuldades com mulheres o suficiente pelas próximas cinco gerações. Jenna Duncan
o deixara sem ânimo para aventuras. Nenhuma se compararia a ela.
— Agora não, Lou. No momento tudo que preciso é de uma garrafa e uma boa mesa
de jogo. Tem alguma jogada em andamento?
Louella gesticulou em direção a uma mesa redonda nos fundos do salão. Cash
relanceou o olhar e reconheceu alguns dos homens que a ocupavam. Tivera o privilégio de
esvaziar-lhes os bolsos uma ou duas vezes no passado.
— Não é muito. Apenas alguns moradores locais querendo passar o tempo. As
apostas mais altas só à noite.
— Mas por ora, basta. Vou entrar na rodada. Seguiu em direção à mesa, puxou uma
cadeira de vime e sentou-se.
— Boa tarde.
Os homens retribuíram o cumprimento com um gesto de cabeça. Cash notou de
imediato que se tratava de três patos, embriagados e prontos para serem depenados. Podia
avaliar a expressão de cada um deles, era uma destreza que adquirira na juventude. Não
sabia ao certo como conseguia esse feito, mas o fato era que tinha o poder de derrubar
seus adversários. Bastava se concentrar e não pensar em Jenna Duncan.
Meia hora mais tarde, com um amontoado de fichas a seu lado, elevou a aposta.
— Vinte dólares para ver o jogo.
O trio o fitou com as sobrancelhas erguidas. E, então, um por um dos jogadores
analisou as cartas que seguravam e as jogaram sobre a mesa. Cash conteve a vontade de
rir. Tudo que possuía nas mãos era um par de três.
— O jogo está quase terminando, Bobby Joe, mas pode voltar hoje à noite.
Não foi a voz de Louella que lhe chamou atenção, mas o nome que ela pronunciou.
Virou a cabeça e avistou-a parada junto à entrada do saloon com o irmão de Jenna. Sentiu o
sangue bombear mais rápido em suas veias.
Ao vê-lo, Bobby Joe ficou lívido como uma folha de papel e saiu correndo. No esforço
para escapar, quase derrubou Louella.
Levado por um impulso natural, Cash não perdeu tempo. Deixou o Palace, movendo-
se o mais rápido que suas pernas podiam alcançar, atrás de Bobby Joe. Pensamentos vis
do que faria quando finalmente pusesse as mãos naquele canalha assolavam-lhe a mente,
instigando a ira que sentia.
No instante seguinte, viu-se rolando com Bobby Joe no meio da rua. Lançando mão de
alguns golpes ágeis e precisos, conseguiu dominar o homem, empurrando-lhe o rosto de
encontro ao solo poeirento. Com um gesto automático levou uma mão ao coldre a procura
de sua arma. Droga! Louella ficara com ela.
— Eu devia matá-lo aqui mesmo.
Sua expressão era severa, o rosto estava contraído, tenso. Com um impulso, ergueu-
se trazendo o homem consigo.
Aquela altura, uma multidão havia se formado na calçada. Charretes pararam
impedidas de prosseguir o caminho. Cash blasfemou e arrastou Bobby Joe até o prédio do
antigo mercado. Com as costas de encontro à parede, o patife não tinha chance de escapar.
— Ei, ei, espere! — gritou Bobby Joe. — Você não tem motivos para me matar.
— Não? A meu ver, um homem que trapaceia no jogo merece morrer. Mas fique
tranquilo, não pretendo fazer isso. Porém, vai pagar pelo mal que fez a sua irmã. Não tem a
mínima idéia do sofrimento que lhe causou.
Os olhos cautelosos de Bobby Joe o estudaram.
— Minha irmã sabe muito bem como cuidar de si mesma. Sempre soube.
Cash cerrou os dentes e conteve a ânsia de desferir um soco naquele bastardo sem
escrúpulos. O irmão de Jenna não imaginava o quanto sua traição a havia ferido e ainda a
faria sofrer provavelmente por um bom período de tempo.
— Talvez porque nunca teve escolha. Você nunca lhe deu uma escolha. Jenna lhe
contou o que quase aconteceu há um ano quando você trapaceou um de seus adversários?
Aquele homem foi a Twin Oaks decidido a se desforrar.
— Não aconteceu nada. Ela me contou.
— É mesmo? Aposto que não sabe metade do que se passou. Sua irmã tem um
coração de ouro. Você deveria lavar a boca para pronunciar o nome dela.
— Ela só se preocupa com aquela fazenda ordinária. Cash agarrou-o pelo colarinho
da camisa e o puxou até ficarem cara a cara.
— Aquela fazenda é tudo que ela possui. Se apostar aquela falsa escritura mais uma
vez ou tentar prejudicá-la de alguma forma, eu o matarei. Eu o perseguirei até o fim do
mundo e acabarei com a sua raça. Estamos entendidos?
Dizendo isso, soltou-o com tanta força, que o corpo do homem bateu de encontro à
parede.
— Não sei por que está tão furioso comigo. Pelo visto, você não tem motivos para
querer uma revanche.
— O quê?
— Estive em Twin Oaks na semana passada. Falei com Ben e sei de tudo que houve
entre você e minha irmã.
A fúria de Cash arrefeceu e foi substituída por sentimentos suaves, ao pensar em
Jenna na fazenda que amava de todo coração.
— Então sabe a quantidade de problemas que causou — revidou.
— Só tenho certeza de que você não tem porque me culpar. Parece que no final das
contas, acabou levando a melhor nessa transação. Minha irmã nunca tinha se deitado com
um homem antes. Não o mandei ir para a cama com ela. Garanto que se divertiu um
bocado.
O punho direito de Cash atingiu-o em cheio no rosto. O sangue escorreu pela boca e
nariz quando o homem estatelou-se com toda força no chão. Jenna não merecia o
sofrimento que aquele boçal lhe causara. E não permitiria nenhum comentário grosseiro a
respeito de sua reputação. Irmão ou não, cuidaria para que Bobby Joe se referisse a ela
com o devido respeito.
No momento em que se preparava para lhe dar outro golpe, a voz alta de Louella o fez
estacar.
— Cash!
— Fique fora disto, Lou.
A mulher segurou-o pelo braço e suplicou-lhe que parasse.
— Você vai matá-lo. Posso ver isso em seus olhos. Agora venha. Provavelmente
quebrou o nariz dele e pelo visto de agora em diante ele terá que comer apenas com os
dentes de detrás.
Cash analisou a fisionomia daquele imprestável estendido no chão, com a face
contundida e ensanguentada. Não era o bastante. Nunca poderia ser o bastante. Aquele
patife jamais corrigiria a injustiça que fizera a Jenna, mas não o deixaria feri-la outra vez.
— Eu deveria matá-lo.
Bobby Joe limpou o sangue da boca na manga da camisa.
— Você estará morto antes de poder fazer isso.
— O que disse? — Aproximou-se e fitou o outro homem nos olhos.
— Os Wendell sabem que está vivo. Você não está se escondendo. Eles estão
furiosos por ter matado o homem errado e virão atrás de você. Quanto tempo acha que
levarão para descobrirem que tem uma linda esposa?
A face de Cash ficou lívida. Não tinha pensado nisso. Sua mente não tivera descanso
desde que partira de Twin Oaks, semanas atrás. Passava a maior parte dos dias se
recriminando pelo acontecera, pensando em Jenna e acumulando noites mal-dormidas.
— Se você contar alguma coisa sobre Jenna...
— Eles possuem seus próprios métodos para descobrirem o que querem. De acordo
com os comentários, parece que têm parentes em Goose Creek. E apenas uma questão de
tempo descobrirem que se casou.
O estômago de Cash se contraiu. Se os Wendell soubessem sobre Jenna, iriam atrás
dela, apenas para atingi-lo. Mil pensamentos atravessaram-lhe a mente, mas sempre
chegava a um denominador comum. Ela corria perigo. Os Wendell eram cruéis, ninguém
poderia imaginar o que seriam capazes de fazer.
— Mantenha a boca fechada a respeito de sua irmã. Bobby Joe ergueu o queixo sujo
de sangue e o fitou defensivo.
— Não vou contar nada, se isso é o que está querendo dizer. Afinal, somos irmãos.
Cash estreitou olhar. Não estava certo se podia confiar naquele salafrário. O sujeito
não passava de um grande mentiroso que só sabia blefar. Era difícil de acreditar que aquele
cretino e Jenna tivessem o mesmo sangue nas veias.
— Não se importou de enviar aquele jogador à fazenda.
— Ele não lhe causou mal algum.
— Sorte sua não ter acontecido nada — advertiu com aspereza, sem revelar o que lhe
teria feito se um fio de cabelo de Jenna houvesse sido tocado. De certo o teria matado ali
mesmo com a cidade inteira por testemunha.
— Venha, Cash. Vamos embora daqui. — Louella segurou-o pelo braço e o conduziu
para longe de Bobby Joe.
Concordou com um gesto de cabeça e deixou-se guiar, apreensivo por causa dos
Wendell.
— Vá até seu quarto, lave esse rosto e volte para o Palace. Precisamos conversar.
Cash parou e se virou, lançando um último olhar a Bobby Joe, e sua voz ressoou
determinada e enérgica como um trovão:
— Fique longe de Twin Oaks. Fique longe de Jenna.
— Eu não vou voltar lá de jeito nenhum. Ben me escorraçou da propriedade. E
Jenna... Não me pareceu muito bem. Estava pálida e magra. Acho que não está comendo
como costumava comer.
Cash recusava-se a ouvir aquelas notícias. Não queria se preocupar. Era melhor para
Jenna se nunca mais pusessem os olhos um no outro. Mas o irmão dissera que ela parecia
pálida, e que estava sem apetite. Isso era demais. Precisava saber o que estava
acontecendo.
— O que há de errado com ela?
Com uma expressão presunçosa, Bobby Joe anunciou por entre os dentes manchados
de sangue:
— Se quer minha opinião, eu diria que está grávida.
Cash apoiou os cotovelos pesadamente sobre o tampo da mesa do salão dos fundos
do Palace e lançou aleatoriamente repetidas vezes um par de dados. Mantinha o olhar fixo
nos dados, mas a mente estava distante.
— Você tem que voltar lá — disse Louella com um tom de voz determinado.
— Não posso. — Louella desconhecia a realidade dos fatos. Não sabia que Jenna o
expulsara de sua propriedade e que abominava o modo como ganhava a vida. Ela odiava
jogadores. Não podia voltar a Twin Oaks. Só traria mais dor e sofrimento à mulher que lhe
salvara a vida.
— Pelo que me contou, aquela menina pode estar correndo perigo.
— Talvez eu deva deixar pistas que conduzam os Wendell para longe daqui, alguns
quilômetros para o Sul.
Cash vinha planejando isso desde o momento em que Bobby Joe lhe falara sobre
Jenna. Assim que soube que ela corria o risco de ser molestada pelo fato de ser sua
esposa, começara a formular um plano.
— Vai passar a sua vida inteira brincando de gato e rato?
— Não tenho medo de confrontá-los — Era verdade. Arriscaria a própria vida se isso
significasse manter Jenna a salvo.
Louella segurou-o pelo braço, interrompendo-lhe o jogo de dados. Ele abaixou o olhar.
— Não faça isso! Os Wendell não pensariam duas vezes para atingi-lo pelas costas.
São uns covardes. Todos sabem disso. Provavelmente até prefeririam que fosse desse
modo. Você tombaria e nem saberia quem o acertou.
Cash massageou o ombro pensativo. Era estranho como aquela dor familiar, devido
ao trabalho na fazenda, o reconfortava agora.
— Ela não me quer lá, Lou.
— Isso não importa.
— Jenna é contrária ao tipo de vida que eu levo.
— Isso também não tem importância. Deve isso àqueIa moça. E se o irmão dela não
estiver mentindo? E se for realmente o pai do filho que ela carrega no ventre?
Aturdido, Cash conteve a respiração por um momento. Uma criança? Um filho? Sabia
o que era para uma criança não ter nada ou ninguém para chamar de seu. Tinha sido essa
espécie de criança, alguns anos atrás. E a simples lembrança o fez estremecer. Claro que o
bebê cresceria na companhia da mãe, e Ben e Rosalinda estariam lá para apoiá-la. Mas não
era o bastante. Não abandonaria aquela mulher se estivesse mesmo esperando um filho
seu. E se realmente corresse risco de ser atacada pelos Wendell? Todavia, ainda relutava
com a idéia de voltar. Talvez não fosse a melhor atitude.
Mas por quê? Então a razão flamejou em sua mente como se a imagem estivesse lá
durante semanas, pronta para feri-lo com a verdade.
Ele lembrou-se do olhar de desgosto e desprezo que vira na doce face de Jenna
quando descobriu que ele não era Blue Montgomery. Aos olhos dela, nada era mais
desprezível do que um jogador. Daquele momento em diante, passou a menosprezá-lo.
Cash lutara muito na vida para obter um certo grau de dignidade e, com um simples olhar,
Jenna o despojara de todo o seu orgulho.
— Você precisa proteger essa moça. — A afirmação de Louella o fez erguer a cabeça
para encará-la.
Respirou fundo, antes de responder.
— Eu não quero.
— Nem pense em me contrariar — redarguiu em um tom decidido, gesticulando com a
cabeça. O movimento fez com que um cacho da cabeleira ruiva se desprendesse dos
grampos e escorregasse pelos ombros dela.
Cash fitou-a durante algum tempo. Não podia negar que nutria sentimentos protetores
em relação à Jenna. Entretanto, não permitiria que outro tipo de sentimento crescesse
dentro dele.
— Está bem.
— Pois então vá e faça a coisa certa. Sabe por que está voltando para lá. Tenho
certeza de que não abandonaria essa moça sabendo que ela pode estar precisando de
ajuda. E pelo que compartilharam no passado... Quem sabe se algo de bom pode
acontecer.
Cash sorriu e respirou fundo, tentando disfarçar seu tremor. Pelo menos podia
desabafar com alguém. Louellla era sua amiga e aliada e sempre podia contar com seu
ombro amigo.
— Quem poderia imaginar que você possuía uma alma romântica, Lou? Vou voltar
para Twin Oaks, mas não se surpreenda se eu estiver de volta dentro de poucos dias. Ao
pôr os olhos em mim, Jenna ficará furiosa e me expulsará da fazenda.
— Tenho certeza de que pensará em algo, bonitão. Lembre-se de que deve sua vida a
essa moça. Volte e cuide para que nada de mal lhe aconteça.
Sabia que deveria pensar seriamente em um modo de fazer Jenna aceitá-lo de volta
na fazenda. Precisava protegê-la, até mesmo se isso significasse dormir ao relento, nos
campos de trigo, para se assegurar de que os Wendell não invadiriam a propriedade. Estava
decidido a zelar pela segurança dela, e sabia, por certo, que ela não reagiria bem a sua
presença.
Três dias depois, Cash deu rédeas à égua, pronto para prosseguir caminho, não se
surpreendendo ao ver o cachorro que alimentara em Blackwater seguindo os rastros dele
por quilômetros.
— Ainda não se cansou de me seguir, Scrappy?
O animal magro como uma vagem, era grato a Cash desde que ele lhe oferecera um
jantar, na última cidade em que havia parado. Não tivera coragem de escorraçá-lo, sabendo
que estava faminto e abandonado. Sabia que se o alimentasse, o cachorro o seguiria para o
resto da vida, mas isso não foi o suficiente para impedi-lo de fazer o que seu coração
mandava. Não podia deixá-lo morrer de fome. A ânsia desesperada nos olhos daquele vira-
lata fê-lo lembrar-se de um lugar onde jamais gostaria de voltar.
Bem, agora, tinha um companheiro, pelo menos daria um bom cão de guarda se não
prestasse para mais nada.
— Estamos quase chegando, Scrappy. Não falta muito.
Algum tempo depois, deteve o cavalo no alto de uma colina, apeou do lombo do
animal e, voltando a cabeça em direção ao horizonte, mirou a terra plana e ininterrupta, até
onde a vista alcançava. Diante dele descortinava-se a parte norte de Twin Oaks, onde pôde
observar os trabalhadores ocupados na árdua tarefa de arar os campos. Montou outra vez,
soltou as rédeas e disparou movido pela idéia fixa de que deveria chegar antes que algo de
ruim pudesse acontecer a Jenna.
Durante o percurso, sentiu-se um pouco mais aliviado ao perceber que tudo parecia
dentro da normalidade. O filho de Ben, Antônio, cultivava a terra no limite setentrional da
propriedade. Lá, plantariam aveia. O revezamento da colheita era necessário para manter a
terra fértil, onde o solo se encontrava desgastado. O campo permaneceria baldio e nada
seria plantado ali até ano seguinte.
Conforme esquadrinhava a terra, notou que tinham conseguido realizar um bom
trabalho, mas ainda havia muita coisa a ser feita desde que partira semanas atrás. Logo as
sementes de trigo deveriam ser plantadas.
Bateu de leve com as esporas na égua, e o animal imprimiu velocidade ao galope.
Dali a minutos contemplou uma silhueta que se ocupava de um eixo defeituoso
próximo ao celeiro. Achou que sua sorte estava mudando. Gostaria de poder falar primeiro
com o bom e velho Ben, antes de ir ao encontro de Jenna.
Cash puxou as rédeas e estava pronto para apear quando percebeu o olhar fixo e
cauteloso do outro homem em sua direção.
— O que deseja forasteiro?
— Sou eu, Ben. Cash Callahan.
Ben forçou a vista contra a luz clara do sol e afastou-se do eixo.
— Não o reconheci vestido dessa forma elegante. E essa égua... Puxa, parece tratar-
se de um puro sangue.
Esquecera-se de que o povo de Twin Oaks só o vira com trajes de trabalho. Percebeu
muito tarde que seu, sobretudo, o novíssimo chapéu Stetson e as botas lustrosas fariam
Jenna lembrar-se do modo como ganhava a vida. Era a imagem perfeita de um jogador. E
sua égua era uma das melhores de seu gênero. Sabia reconhecer um bom cavalo quando
punha os olhos em um, e pelo visto, o marido de Rosalinda também.
— Parece que não ficou satisfeito em me ver.
— Pessoalmente, não tenho nada contra você, mas não gostaria de vê-lo por aqui
outra vez. A Srta. Jenna não vai gostar.
Cash desceu da sela. Preferia conversar com um homem no mesmo nível. Scrappy,
sempre fiel, aguardava, abanando a cauda a seu lado.
— Eu sei. Mas voltei aqui por uma boa razão. Ouça primeiro antes de me julgar.
— Está bem — Ben anuiu com uma expressão intrigada.
Sentaram-se na parte de trás da carroça em que Ben havia estado trabalhando.
Depois de alguns minutos, Cash conseguiu aflorar o senso de justiça do homem mais velho,
alertando-o para todos os problemas que os Wendell poderiam causar.
— E então, vai me ajudar? Ben esfregou o queixo pensativo.
— Está dizendo que a Srta. Jenna corre perigo?
— Sim, é verdade. Os Wendell são impiedosos. Não confio neles. Se souberem que
ela é minha esposa, virão procurá-la. Refleti bastante sobre o assunto e cheguei à
conclusão que era melhor voltar para protegê-la.
— Mas estou aqui — disse Ben, parecendo um pouco melindrado.
— Sim, eu sei. E também tenho certeza de que cuidaria dela da melhor maneira
possível. Mas você não dorme aqui. Tem sua própria casa. E isso a deixa vulnerável
durante a noite.
Os olhos de Ben se alargaram, e uma expressão de raiva assomou-lhe ao rosto.
— Espere um minuto. Você também não vai dormir aqui. Nem preciso lhe dizer que a
Srta. Jenna não permitirá que isso aconteça.
— Não se preocupe. Mesmo que ela quisesse, eu não tocaria em um fio de cabelo
dela. Tem minha palavra.
— Acha que é simplória demais para você, não é? Cash cerrou o maxilar. Percebia de
longe quando uma situação não estava ganha. O velho sujeito era de uma teimosia a toda
prova quando se tratava de proteger Jenna, mas admirava aquela lealdade.
— Suponho que eu não esteja à altura dela.
— Devo concordar com isso — disse Ben, mas não havia nenhuma malícia na voz
dele. Era difícil saber o que se passava na mente do velho camponês.
— Ficarei aqui e dormirei no celeiro. Montarei guarda até que o perigo tenha passado.
— A Srta. Jenna não vai gostar disso. Não vai querer sua proteção.
— Não saberá que a estou protegendo. Não quero afligi-la com o perigo que os
Wendell podem representar. Já teve problemas demais nos últimos tempos. Não gostaria de
lhe causar outro sofrimento. Preciso convencê-la a me deixar ficar até que os campos sejam
semeados. Estou em dívida com essa mulher, Ben. É o mínimo que posso fazer para
redimir, pelo menos em parte, o mal que lhe causei. Afinal, devo-lhe a minha vida. E vocês
precisam de mão-de-obra extra na fazenda. Tenho esperanças de fazê-la aceitar essa idéia.
— Duvido muito de que ela concorde — disse Ben, meneando a cabeça.
— É nesse momento que preciso de você. Quero que me ajude a fazê-la entender que
sou necessário por aqui. Pelo menos até que o plantio termine... Aposto que deseja ver
Jenna em segurança, e estou aqui para fazer isso. Juro que a protegerei.
— Bem, eu não sei. — O homem ficou calado durante algum tempo. Por fim, cocou a
cabeça, com ar de dúvida. — Jenna tem suas próprias convicções. Seria melhor que você
mesmo falasse com ela. Eu... — continuou, após um momento de hesitação — ...posso dar
um empurrãozinho, mas não estou fazendo promessa alguma.
— Obrigado, amigo.
— Bem, na verdade, realmente estamos precisando de ajuda na lavoura.
— Também penso assim. Como está Jenna?
Inspirou fundo e reteve o ar, esperando pela resposta. Ben fez uma pausa,
relanceando um olhar em direção a casa. Em seguida baixou os olhos para o eixo
enferrujado que estava reparando.
— Não vou mentir. Ela está melhorando. Como disse, isso é entre vocês dois. E
melhor ir ver com seus próprios olhos. Vá até a casa principal. Agora, tenho muito trabalho a
fazer no telhado do celeiro e quero terminar antes de o sol se pôr.
— Certo. E isso mesmo que vou fazer.
Um calafrio inesperado percorreu-lhe a espinha. Já havia enfrentado muitas situações
difíceis na vida e saíra ileso sem um arranhão, mas de alguma maneira, o fato de encarar
Jenna outra vez, fazia-o tremer até os ossos. Mal podia esperar para revê-la, mas temia
pela reação dela. Não era ingênuo e sabia que ela não o acolheria bem.
Todavia, estava ali para cuidar de seu bem-estar e segurança. Devia-lhe isso.
Precisava encontrar um modo de convencê-la a deixá-lo ficar. Lançaria mão de todo o seu
poder de persuasão para provar que era necessário no trabalho da fazenda.
Após deixar Twin Oaks, sentia-se como se a houvesse abandonado, assim como
também a Ben e Rosalinda. Afinal, sua mão-de-obra fora uma ajuda valiosa durante o tempo
em que ficara na fazenda. Além do mais, pôde perceber a quantidade de trabalho que ainda
havia para ser feito e sabia que sua presença ali faria diferença. Era forte e aprendia
rapidamente os trabalhos agrários.
Na medida em que se aproximava da casa, suas preocupações aumentavam. E se
Jenna estivesse doente por estar esperando um filho seu? O se estivesse de mau humor?
De qualquer forma não a deixaria. Não importava o quanto ela repudiasse a idéia de
tê-lo de volta.
— Fique aqui — recomendou ao cachorro. Scrappy sentou-se, agitou a cauda de um
lado para o outro, como se decidindo se permanecer ali seria uma coisa boa ou não. Cash
não teve tempo para tirar a sela da égua Queen, mas retirou uma parte da carga que ela
carregara graciosamente em seu lombo desde Blackwater. Pegou um pacote e bateu com
suavidade na porta da frente. Não obtendo resposta, caminhou ao redor da casa, dirigindo-
se para os fundos e bateu uma segunda vez.
— Jenna. Nenhuma resposta.
Depois de um instante de hesitação, girou a maçaneta e cruzou a soleira da porta sem
fazer ruído, tentando não pensar na reação de Jenna quando o visse no interior da casa.
Mas afinal, tinha uma boa razão para estar ali.
— Jenna — chamou outra vez.
Caminhou com cuidado sobre o piso de tábuas do corredor, entrou na sala de estar e
estacou ante a visão etérea de Jenna Leah Duncan, adormecida sobre o sofá. Um dos
filhotes de Button, uma bolinha de pêlos brancos, com manchas alaranjadas, que fora
batizado de Pumpkin, dormia aninhado em seu peito.
Deu um passo atrás, decidido a deixar a sala, mas de súbito se viu envolvido por uma
sensação que não quis evitar. Colocou o pacote no chão, acomodou-se em uma velha
cadeira de balanço e resolveu esperar até que despertasse. O olhar enlevado pela visão
mais encantadora que já presenciara. Tinha que recorrer a toda sua força de vontade para
não tomá-la em seus braços e fazê-la esquecer de tudo aquilo que os separava
irremediavelmente. Mas não podia assustá-la. Daquele encontro dependeria sua sorte.
CAPÍTULO VII
Uma leve camada de pêlo macio roçou o nariz de Jenna. Os lábios bem-feitos se
estreitaram, enquanto inalava o doce odor do gatinho aconchegado a seu lado. Com um
suspiro, moveu a cabeça e pouco a pouco voltou a si, apreciando a paz de despertar no
meio da tarde. Sentia-se esgotada emocional e fisicamente naquelas últimas semanas.
Recusava-se a pensar que era melancolia. Porém, a cada dia, quando o sol se escondia por
detrás da distante linha do horizonte, era acometida de uma terrível prostração.
Um movimento sutil na sala chamou sua atenção. Piscando várias vezes contra a
luminosidade da luz do sol, deparou-se com a figura de um homem, sentando na velha
cadeira de balanço. Esfregou os olhos com força, tentando delinear-lhe a silhueta e
sussurrou:
— Blue?
Cash caminhou alguns passos e agachou-se diante dela.
— Não. Não é Blue. Sou eu, Cash Callahan.
Incrédula, Jenna endireitou-se no sofá. Pegou o felino sonolento e, piscando outra vez,
olhou bem fundo naqueles penetrantes olhos azuis.
— Sr. Callahan? O que está fazendo aqui? — inquiriu, apertando Pumpkin de encontro
ao peito.
Cash ergueu-se e retrocedeu, permitindo-lhe o espaço de que ela precisava.
— Precisei voltar Jenna.
A voz dele penetrou em seus ouvidos ainda entorpecidos pelo sono. O coração bateu
descompassado. Jamais imaginou que poria os olhos naquele homem outra vez.
Escorraçara-o de sua propriedade, semanas atrás. Não conseguia compreender o que
estaria fazendo ali. Não o queria em Twin Oaks. Fizera de tudo para tentar esquecê-lo.
— Não vejo motivo algum para isso, Sr. Callahan.
— Por favor, chame-me de Cash. — O tom de voz era suave e gentil.
Jenna endireitou os ombros, ergueu o queixo altiva, lembrando-se de como ele
empregara aquele tom no passado. Entretanto, não pretendia deixar seus pensamentos
vagarem naquela direção. A última coisa que gostaria de recordar eram as palavras de
ternura daquele homem na noite em que fizeram amor.
— Você é um estranho para mim.
— Ora, não podemos fingir que não fomos...
— Não diga isso! — Ergueu a mão, impedindo-o de continuar e tentou repelir as
recordações que insistiam em lhe invadir a memória. — Um verdadeiro cavalheiro não
lembra a uma dama assunto tão impróprio.
— Em primeiro lugar, minha bela dama, não sou um verdadeiro cavalheiro e, quanto a
esse assunto, não pode ser considerado impróprio. Afinal, estávamos casados. Pelo menos,
era o que pensávamos na ocasião.
Jenna enrubesceu. Passara um verdadeiro tormento.
Há semanas vinha desejando se livrar do turbilhão de lembranças que a levavam de
volta ao passado recente e a torturavam, mas algo nela não obedecia às ordens da razão.
Não conseguia impedir que sua mente divagasse. Sonhava com Cash, lembrava o sabor de
seus beijos e as maravilhosas sensações que experimentara na noite em que se tornaram
marido e mulher. Todavia, pela manhã, ao acordar, enumerava todas as razões que tinha
para odiá-lo, culpá-lo por seu infortúnio e repudiar o modo como ele ganhava a vida.
Entretanto, por mais estranho que pudesse parecer, aqueles pensamentos não a
confortavam, como imaginara. Apenas a deixavam mais confusa. Na verdade, nunca fora
uma pessoa rancorosa.
— Por favor, atenha-se ao motivo que o trouxe até aqui.
Cash sentou-se na extremidade oposta do sofá e deslizou a mão pelo rosto devagar.
— Salvou minha vida. Devo-lhe muito, pois ninguém me tratou como você... Jamais
alguém se preocupou comigo.
Não estava interessada na vida que aquele homem levara antes de vir para Twin
Oaks. Nem tampouco queria sua gratidão. A única coisa que almejava era uma imensa
distância entre os dois.
— Pensei que fosse outra pessoa — sussurrou ela.
— Tenho certeza que teria me salvado até mesmo se soubesse quem eu era. Eu a
conheço. Sei que tem um coração maior do que essa fazenda...
Jenna encolheu os ombros, percebendo que ele estava certo. Não deixaria um homem
sangrando, quase morto, à beira da estrada, se tivesse uma chance de salvá-lo. Mas isso
não significava que devia gostar dele. Não significava que tinha o direito de voltar ali.
— Já me agradeceu. E se não estou enganada, recordo-me de ter lhe pedido que
deixasse Twin Oaks para sempre. Então por que está de volta?
Cash levantou-se, caminhou até a janela e contemplou os campos durante algum
tempo, antes de se virar para encará-la.
— Tenho uma dívida com você e suponho que jamais poderei pagar. Mas quero
tentar. Não esqueci os planos que fez para a fazenda, quando pensou que éramos, bem...
— Deixou a frase no ar, sem terminá-la e ficou sério. — De qualquer maneira, podia pensar
na possibilidade de contar com mais um homem na lavoura. Estou pedindo que me deixe
ficar, pelo menos até que os campos estejam semeados. Quero ajudá-la. Suponho que lhe
devo isso.
Jenna ergueu-se do sofá, o coração transbordando de desespero. Aquele homem
imaginava que com isso a compensaria de todo o sofrimento que lhe causara? Por acaso
pensou que seria bem recebido? Que ela apreciaria a idéia de pôr os olhos nele todos os
dias e se recordar de tudo que perdera por sua causa?
— Não! Nem que fosse o último homem no mundo, eu o contrataria para trabalhar
para mim.
Os olhos azuis se escureceram com determinação. Emitindo um som indignado, levou
as mãos aos quadris, como se estivesse pronto para uma batalha.
— Deixe-me pelo menos explicar.
Jenna assumiu a mesma postura determinada, empinando o queixo, em um gesto de
desafio.
— Não! — declarou teimosa. — Não adianta insistir. Não existem argumentos que me
façam mudar de idéia.
— Sei que precisa de ajuda na fazenda e não tem condições de contratar uma pessoa.
— Isso é verdade. Mas ainda assim, minha resposta é não. Eu lhe agradeceria se
partisse Sr. Callahan.
Resoluta dirigiu-se à porta da frente, abriu-a e a segurou aberta, em um convite
explícito para que se retirasse. De repente, um grito estridente vindo do exterior e uma forte
pancada, como se alguém houvesse caído, assustou-a.
— É o Ben — gritou, disparando em uma corrida frenética em direção à porta do
celeiro. Enquanto corria, ouvia os passos firmes de Cash logo atrás.
— Ben! — chamou-o.
O homem estava deitado próximo a um eixo enferrujado. O corpo contorcido e
estático. O sangue jorrava da perna direita, em consequência de um corte profundo que ia
do tornozelo ao joelho.
— Oh, não! — Jenna ofegou preocupada ao testemunhar a face pálida do velho
amigo.
— Deve ter caído do telhado. Parece que despencou exatamente sobre a extremidade
do eixo — concluiu Cash, apontando para o sangue que escorria pelo metal. — Ele está frio.
— Meu Deus, quer dizer que...
Cash fez um movimento de negação com a cabeça.
— Não, não está morto. Está apenas inconsciente, mas ainda respira. Vá buscar um
pedaço de pano e rasgue algumas tiras. Consiga uma vasilha de água fresca também.
Vamos limpá-lo, estancar a hemorragia e então o levaremos para casa.
Jenna assentiu com um gesto de cabeça e correu para providenciar os materiais
necessários, implorando aos céus para que Cash estivesse certo a respeito do acidente de
Ben. Ele tinha que sobreviver. Não podia nem sequer pensar na possibilidade de perder
outro ente querido naquela fazenda. Não podia imaginar Rosalinda sem o marido a seu
lado.
— Aqui está — disse ao retornar esbaforida, entregando-lhe os panos e o recipiente
com água.
Cash prontamente começou a cuidar do homem.
Logo em seguida, Jenna ajoelhou-se a seu lado, improvisou uma compressa e limpou
a ferida na perna de Ben. Mergulhou outro pano limpo na água, pressionou a testa do amigo
e empurrou os cabelos grisalhos para trás com suavidade. Aproximou os lábios do ouvido
dele, murmurando palavras carinhosas, chamando-o pelo nome, implorando-lhe que
despertasse.
— Ben, por favor. Acorde. — A voz estava cheia de desespero.
Cash não tirava os olhos do ferimento, absorvendo todo o sangue que o pano permitia.
Sem desviar a atenção do que estava fazendo, falou em um tom convicto:
— Ele vai ficar bom, doçura. Não se aflija. Assim que eu terminar de fazer um
torniquete na perna dele, o levaremos para casa onde poderá descansar com mais conforto.
— Agora, vá e providencie algumas mantas. Vamos colocá-lo no sofá.
— Mas... — Desejava saber como ele tinha tanta certeza de que Ben não corria risco
de vida. Queria garantias. Uma pontada de preocupação apertou-lhe o coração.
Cash lançou-lhe um olhar rápido e confiante que a deixou mais à vontade.
— Confie em mim, Jenna. Levarei Ben dentro alguns minutos.
Duas horas mais tarde, Jenna esfregava as mãos ansiosa, caminhando de um lado
para o outro. Gastar a sola das botas não ajudaria. Gritar com toda a força de seus pulmões,
também não. Sentia-se impotente face aos acontecimentos. Uma vez mais, por um capricho
do destino, via-se frente a frente com Cash Callahan. Aquele homem estava de volta à
fazenda e não havia nada que pudesse fazer para se proteger contra as emoções que a
presença dele trazia à tona.
Ben voltara a si uma hora atrás, despertando furioso por ter caído e se machucado.
Amaldiçoou-se várias vezes. Mas o coração de Jenna estava apertado, imaginando a dor
que o amigo estaria sentindo. Pouco tempo depois, Rosalinda chegou banhada em prantos.
Ficara aliviada por ele ter recobrado os sentidos e sabia que em breve estaria
recuperado. Mas agora, vendo-o ali, deitado sobre o sofá, a perna sustentada por um
travesseiro, a fim de impedir que o sangue vazasse e Rosalinda rezando em silêncio a seu
lado, foi obrigada a enfrentar a dura realidade dos fatos. A perna de Ben levaria semanas
para ficar curada. Teria de ser levado a Goose Creek para consultar um médico.
E minutos atrás, Cash Callahan oferecera-se para ajudá-los na fazenda. Ben trocou
um olhar com Rosalinda, e a mulher retrucou com um gesto de assentimento. Seus queridos
amigos tinham tomado uma decisão sem a consultar. E agora Cash preparava-se para
transportá-lo até a charrete. O jogador estava de volta em sua vida sem se preocupar com
seus sentimentos. Alegava ter um débito para com ela, mas ela gostaria de vê-lo bem longe
dali. Entretanto, Ben e Rosalinda não encaravam as coisas da mesma forma.
— Não o quero aqui — afirmou Jenna, cruzando os braços sobre o tórax. Aquilo era
loucura! Como podiam pensar que ela o aceitaria de volta?
— É para o nosso bem, querida — Rosalinda replicou suavemente, buscando
confortá-la. — Você verá. — Um brilho surgiu nos olhos da mulher. — Parece um milagre
que o Sr. Callahan tenha vindo para a fazenda justo neste momento, não é? Acredito que
Deus o enviou até aqui. Será uma ajuda valiosa. Já cuidou de Ben e agora está atrelando a
charrete para nos levar de volta. Ele se ofereceu para fazer o trabalho de Ben na fazenda,
Jenna. Nós não pudemos recusar. Precisamos de braços fortes nesse momento.
Talvez fosse verdade, mas não o queria na fazenda. Deus era testemunha de que não
suportaria a presença daquele homem em sua propriedade. Sua mente latejava e o coração
pulsava acelerado. Apesar de arrasada, não podia mandá-lo embora, por mais que
desejasse fazê-lo. Ben já tomara sua decisão de aceitar o oferecimento de ajuda.
Respirando fundo, resolveu deixar de lado sua frustração e pensar sobre a situação
com racionalidade.
Claro que Rosalinda tinha razão. Sem Ben, não conseguiriam terminar o plantio no
tempo certo. Agora, não dispunha de um bom argumento para impedir Cash de trabalhar na
fazenda. Porém não acreditava que a vinda dele ali se tratava de um milagre. Ao contrário,
ao que tudo indicava, sua presença atraía problemas e dificuldades. Porque, se não
houvesse aparecido ali naquele dia, Ben provavelmente não teria sofrido aquela queda. Por
mais irracional que isso pudesse parecer, achava que aquele homem era sinônimo de
infortúnio. Agora, para a paz de Rosie e para o bem-estar geral de Ben, não lhe restava
outra alternativa, senão permitir que permanecesse na fazenda. Mas não lhe daria o direito
de ocupar um quarto da casa.
— Aonde vamos alojá-lo?
O casal respondeu em uníssono.
— Aqui.
Ben fitou-a com um sorriso terno nos lábios.
— Não temos quarto sobrando em nossa casa, e Rosie vai passar um bom tempo
ocupada, cuidando deste velho traste.
Rosalinda sorriu calorosamente para o marido.
— Não me importo de cuidar de você. Mas é verdade. Não dispomos de lugar em
nossa pequena casa para acomodar mais uma pessoa.
Jenna mordeu o lábio inferior e estremeceu só de imaginar-se mais uma vez
convivendo com aquele homem. Via-o como causador de ter perdido tudo que mais
almejava na vida em nome de uma aposta não cumprida.
Cash entrou e olhou para Ben.
— A charrete está pronta. Então, acha que consegue fazer a viagem?
— Minha perna dói muito. Tem uma garrafa de uísque, Srta. Jenna?
— Está na primeira prateleira do armário, próximo à porta dos fundos — respondeu
Cash de pronto.
Uma lembrança brutal de como estava familiarizado com todos os aspectos daquela
casa e com outras coisas também. Intimamente familiarizado. Jenna sentia dificuldade em
esquecer o passado.
— Vou buscar — anunciou decidido, antes de deixar a sala.
Rosalinda olhou na direção do marido. Ele tornou-lhe um breve sorriso, um tanto
ousado para alguém que sofrera uma violenta queda há menos de uma hora.
— Esse homem possui uma veia de bondade dentro de si.
— Porque vai lhe servir uma dose de uísque? — Jenna perguntou com descrença.
Será que os dois tinham esquecido o que Cash Callahan havia feito?
— Não, querida — Rosie interveio. — É por que voltou e está disposto a nos ajudar.
— Eu pessoalmente tenho muito a lhe agradecer — ponderou Ben, concordando com
a esposa. — O rapaz fez um ótimo trabalho em minha perna.
— É apenas um jogador. Não contem com ele por muito tempo.
Ben, no íntimo de sua alma, sabia que Cash Callahan não ficaria muito tempo na
fazenda. Não era um fazendeiro, não pertencia àquele lugar. Não sabia qual era a sensação
de possuir terra e cuidar dela. Em um piscar de olhos, iria embora. Talvez, não devesse se
preocupar tanto com a presença dele ali. Na primeira oportunidade partiria.
— A palavra de um homem deve ter algum valor, senhorita. — A voz profunda soou
cansada. — E acredito na palavra dele.
Jenna duvidava disso, mas graças a Ben e Rosalinda, Cash Callahan permaneceria
ali. Justiça seja feita, mal sabendo o que fazer e como fazer, ajudara a salvar a vida de Ben.
Esse mérito não poderia negar-lhe.
Mas não se surpreenderia nem um pouco, se acordasse uma bela manhã e não o
encontrasse mais por ali.
Cash voltou tarde para casa naquela noite. Ajudara a colocar Ben na cama e antes de
se retirar, certificou-se de que Rosalinda dispunha de tudo que era necessário para cuidar
de um homem doente.
Sentia muito pelo acidente que envolvera o velho fazendeiro, mas graças a essa
desdita, conseguira o seu intuito, que era fazer com que Jenna permitisse que ele
trabalhasse na fazenda por algum tempo. Pensando melhor na situação, tudo não passara
de uma coincidência que acabou por beneficiá-lo. Agora, poderia protegê-la, se os Wendell
viessem procurá-la. Estaria pronto, não descuidaria nem um segundo sequer de sua vigília.
O mais importante era mantê-la em segurança.
Com os acontecimentos daquela tarde, quase se esquecera do embrulho que trouxera
consigo quando chegou a Twin Oaks. Dirigiu-se à sala de estar e se curvou próximo à
cadeira de balanço para alcançar o pacote. Movido por um impulso, havia parado em Goose
Creek antes de chegar à fazenda e comprara um presente para Jenna. Quer ela aceitasse
ou não, sentiu-se compelido a lhe comprar algo. Sabia que ela merecia bem mais do que
podia lhe oferecer. Devia-lhe a própria vida. Aquela mulher o salvara da morte. Por causa
das trapaças de Bobby Joe, muitas vidas haviam sido destruídas. E se aquele regalo lhe
proporcionasse um mínimo de alegria, teria valido a pena.
Jenna apareceu na soleira da porta, os braços cruzados em torno de si, o corpo
exaurido. Pela sua expressão era evidente que os eventos daquele dia tinham sido bastante
desgastantes.
— Deixou Ben em casa? Cash anuiu com um gesto de cabeça.
— Procure não se preocupar. Ele vai ficar bom, apesar da gravidade do ferimento.
Aumentei a pressão do torniquete, esperando controlar a hemorragia. Isso deve resolver o
problema até Antônio levá-lo a Goose Creek amanhã para consultar um médico.
Jenna comprimiu o lábio inferior e falou em um tom suave.
— Obrigada por ter cuidado de Ben.
Pela primeira vez o tom rude havia desaparecido de sua voz desde que chegara à
fazenda naquela tarde. Talvez com o tempo, ela se tornasse mais receptiva. Não queria lhe
causar aborrecimento algum. E precisava fazê-la compreender isso.
— Ouça, sei que você não me quer aqui...
— E verdade — interrompeu-o com convicção. Cash estreitou os lábios. Ela não
estava disposta a facilitar as coisas.
— Mas agora que estou aqui, vou ajudar no que puder. Amanhã mesmo começarei a
fazer o trabalho de Ben. Mas hoje foi um dia extenuante para todos nós. Vou improvisar uma
cama no celeiro e repousar, se não se importar.
— Sim, claro. — Não pareceu muito satisfeita com aquilo, mas Cash sabia que Jenna
não tinha outra escolha. Por causa de Ben, não podia recusar sua ajuda. Talvez, se lhe
entregasse o presente que comprara, uma porta se abrisse para um possível entendimento
entre os dois.
— Trouxe uma surpresa para você.
As sobrancelhas de Jenna se ergueram.
— Para mim? — Parecia atordoada, como se nunca houvesse recebido um presente
antes. Pegou o pacote das mãos dele, lançando-lhe um olhar cauteloso. — Não
compreendo.
— Vamos, abra...
Jenna se sentou no sofá e colocou o pacote sobre o colo. Com movimentos ágeis
desfez a fita de cetim que envolvia o embrulho e o abriu. Descartou-se rapidamente das
várias camadas de papel e descobriu o conteúdo no interior de uma caixa.
— Oh, Deus!
Os dedos dela deslizaram sobre o tecido macio do vestido.
— É muito bonito! — Sua expressão era de puro encantamento.
— Retire — encorajou-a esperançoso de que ela aceitasse o seu presente. Passara
horas com a Srta. Milhe no empório, tentando achar a coisa certa.
Jenna ergueu o vestido, a cor amarelo-cobre, combinava com os reflexos dourados de
seus longos cabelos.
— E o vestido mais lindo que já vi.
Cash se aproximou encantado com brilho de felicidade naquele olhar. De certo jamais
possuíra um vestido que não houvesse sido confeccionado naquela fazenda.
— Acho que vai lhe servir. Quando vi a cor, lembrei-me de você. Dourado, como os
campos de trigo. Baseei-me nas lembranças que tinha de seu corpo para escolher o
tamanho.
Uma parte da mente dela entrou em choque, e sua face pálida tornou-se rosada.
Cash não pudera evitar o comentário. O que poderia dizer? Um homem não
esqueceria o doce gosto de uma mulher como Jenna Duncan. E para ser franco, lembrava-
se de cada polegada daquele corpo feminino.
Em um momento ela parecia não caber em si de tanto contentamento e, no minuto
seguinte, sua expressão se fechou.
— Lamento, mas não posso aceitar.
— Por que não?
— Comprou isto com o dinheiro de jogo, Cash assumiu uma postura paciente.
— Ouça, você salvou minha vida. Um homem tem o direito de agradecer como pode.
E um presente digno de uma dama.
Ela dobrou o vestido e o colocou de volta na caixa.
— Seu argumento não me convence. Usar dinheiro de jogo para adquirir qualquer
coisa, está longe de ser a minha concepção de dignidade.
— Jogar é tudo que eu sempre soube fazer, Jenna. O dinheiro do jogo pôs comida no
meu prato e um teto sobre minha cabeça desde que era pouco mais que um menino. Não
sei fazer outra coisa, assim como você também não sabe fazer outra coisa senão ser
fazendeira. Não tive muita escolha. Agora, por favor, se esse vestido lhe trouxer um pouco
de felicidade, o aceite. Você merece o melhor.
Jenna acenou com a cabeça e abaixou o olhar para caixa. Não argumentou mais.
Porém também se recusava a entender. Ficava cega de raiva quando o assunto era jogo.
Contudo observava o vestido com tanta admiração que era evidente que o desejava.
— E mesmo adorável — disse ela finalmente.
— Então o aceite. Não precisa usá-lo, se não quiser. Mas guarde-o em seu quarto.
Apenas para olhá-lo de vez em quando.
Jenna estudou a peça de vestuário. Seus olhos vagueavam sobre cada detalhe, cada
botão de pérola, cada ponto dourado. O gatinho saltou no vestido disposto a brincar e foi
delicadamente impedido.
— Não estou bem certa... Não sei se devo — declarou hesitante.
Cash procurou manter-se calmo.
— Não vai lhe causar mal algum se o guardar em seu quarto.
Ao encará-lo, a expressão de raiva em seu olhar havia se desvanecido. Parecia estar
muito cansada, pôde perceber pelo suspiro profundo que ela deixou escapar.
— Está bem, Sr. Callahan.
Sr. Callahan? Não podia mais aguentar tanta formalidade. Bem, mas pelo menos ela
aceitara o vestido. Isso já significava uma vitória.
Meia hora mais tarde, Jenna deixou a casa da fazenda carregando uma manta grossa
de lã. Caminhou alguns metros, parou à porta do celeiro, abriu-a e olhou ao redor. Uma
lamparina acesa quebrava a escuridão do recinto.
— Sr. Callahan?
— Estou aqui em cima — respondeu, aparecendo no alto da escada.
— Eu lhe trouxe uma manta e um pouco de comida. Não é muita coisa, porque não
cozinhei hoje. Há um pouco de pão e queijo e uma fatia da torta de nozes de Rosalinda.
A fisionomia de Cash se iluminou.
— Trouxe torta? — O sorriso dele foi quase infantil.
— Deixarei a cesta aqui. Poderá devolvê-la amanhã de manhã — dizendo isso,
colocou a cesta e a manta sobre uma velha cadeira, ansiosa por sair dali. Quanto menos
tempo passasse em companhia daquele homem, melhor.
Estava prestes a abrir a porta, quando o ouviu dizer:
— Espere! Estou descendo.
Estacou indecisa. Não queria permanecer sozinha no celeiro com Cash Callahan,
contudo sair tão abruptamente só a faria parecer tola. Tinha vindo até ali apenas para lhe
oferecer um prato de comida e um agasalho para passar a noite.
Segundos depois, viu-se frente a frente com ele.
— Precisa de mais alguma coisa?
Cash ergueu a cesta e perscrutou o interior. Os olhos azuis se arregalaram como um
menino que acabara de achar um tesouro escondido.
— Não faço uma refeição decente há dias. Tenho me alimentado de pão dormido e
feijão a maioria das vezes. Eu e Scrappy.
— Scrappy?
— Meu cachorro. Vem me seguindo desde a cidade. O pobre infeliz não sai do meu
lado. Não reparou nele hoje?
— Oh, não. Estava muito preocupada com Ben. — Jenna olhou para cima e avistou o
magro cachorro branco e preto agitando a cauda. — Parece que também apreciaria uma
boa gamela de comida.
— Não é necessário. Vai engordar aqui na fazenda. Não tem muita preferência. Come
tudo que pega.
— É mesmo? O que acha que poderá caçar na fazenda? — Jenna pensou nos ratos
que destruíam as sementes. Todavia Button era a caçadora oficial da fazenda. Mas que
mais um cachorro poderia pegar?
Os olhos de Cash se estreitaram.
— Qualquer coisa que eu jogar em sua direção.
Jenna sacudiu a cabeça com ar de divertimento. Apesar de não o querer ali, Cash
Callahan tinha o poder de descontraí-la.
— Dará um bom cão de guarda.
— Certo — respondeu, contendo um sorriso. — Notei o modo como ele me recebeu
quando entrei.
— Sim — concordou, esfregando o queixo pensativo.
— Também notei. — Ergueu a cabeça para o palheiro.
— Vá dormir meu velho. Trabalharemos suas habilidades de cão de guarda amanhã.
Obrigado pela comida, Jenna.
— Não é nada especial. Amanhã lhe prepararei um desjejum mais substancial.
Cash acenou com a cabeça, apontando para o celeiro.
— Devo fazer minhas refeições aqui? Jenna hesitou.
— Oh... Não tinha pensado nisso. — Não podia condenar o homem a comer junto com
os animais no celeiro. Já não era suficiente dormir ao lado deles? — Não acho que seja uma
boa idéia. Pode comer na cozinha. Vou deixar a porta destrancada pela manhã.
— Ah, assim está melhor. — Um sorriso curvou seus lábios. Os olhos azuis escuros
adquiriram um brilho intenso no celeiro vagamente iluminado.
— Bem, então, senhor...
Ele colocou um dedo sobre seus lábios.
— Cash.
Jenna respirou fundo e fechou os olhos. O roçar suave daquele toque, pressionando-a
de leve, trouxe-lhe à mente recordações da noite que passaram juntos, revivendo como os
dedos dele haviam traçado o contorno dos seus lábios, antes de os envolver em um beijo se
quioso. Quando abriu os olhos se deu conta de que ele se afastara e se preparava para
subir os degraus que conduziam ao palheiro, com a manta de lã sobre os ombros e a cesta
em uma das mãos.
— Durma bem — disse, caminhando escada acima. Jenna rezou em silêncio para ter
uma boa noite de sono. O dia seguinte seria longo e estafante e sonhar com Cash Callahan
simplesmente estava fora de questão. As boas e más recordações que tinha daquele ho-
mem assolavam-lhe a mente, perturbando-a e roubando-lhe a tranquilidade. Contudo não
tinha outra saída, senão aceitá-lo de volta, por enquanto. Ficaria ali, não pela vontade dela,
mas por Ben e Rosalinda. Precisaria aprender a conviver com isso e com ele.
— Boa noite... Então.
Cash parou no terceiro degrau, mas não se virou. Apenas proferiu em um tom suave:
— Obrigado pela refeição.
Ela o observou até que a silhueta máscula se curvasse, deitando-se sobre um monte
de feno.
No dia seguinte, Cash despertou antes do alvorecer e ergueu-se ao ouvir o som do
rangido da porta do celeiro sendo aberta. Alcançou sua arma e rastejou até a extremidade
do palheiro, cobrindo o corpo com feno. Ao olhar para baixo, viu cheio de assombro, Jenna
acariciando a velha vaca leiteira, Larabeth, e murmurando palavras agradáveis para coagi-la
a permanecer imóvel. Em seguida, viu-a sentar-se em um tamborete minúsculo e proceder a
ordenha. De onde estava pôde ouvir o som do leite esguichando no balde.
Button espreguiçou-se, lânguida e esfregou o corpo sedoso de encontro à perna de
Jenna.
— Está me bajulando porque quer alguma coisa, certo?
A gata se afastou e sentou-se em uma pose típica dos felinos. Olhou para
movimentação a sua frente, controlando sua antecipação. O olhar afiado não se descuidava
um só instante, em permanente alerta. Jenna riu alto, o som da risada espontânea soou
como música aos seus ouvidos.
— Certo, certo, Srta. Button, soberana do celeiro. E isto que quer?
Jenna apontou a teta da vaca em direção ao focinho da gata e apertou. O leite
esguichou direto no nariz e na boca de Button. O pequeno animal lambeu-o avidamente e
esperou por mais.
— Apenas mais dois jatos. Isso é tudo que tenho para você, doce mamãe. — Jenna
repetiu a operação e não desapontou a gatinha.
A gargalhada de Cash ecoou no celeiro, assustando-a. Ela enrijeceu como se
houvesse lembrado subitamente que havia um homem dormindo lá.
— Sou eu, Jenna. — Ele desceu do palheiro e se postou a seu lado. — Esse é um
ótimo truque.
Jenna relaxou a postura, e Cash cuidou para não assustá-la novamente. Supôs que
levaria algum tempo até que se acostumasse que agora tinha um residente temporário em
sua propriedade.
— Button adora isso. É como se fosse uma brincadeira para ela. Eu o acordei? Quase
esqueci...
— Não, você não me acordou. — Vestido apenas com uma camisa, meias e calça de
brim, balançou a cabeça. — Mas acorda sempre tão cedo, assim?
— Gosto de começar minhas atividades cedo. Cash espreguiçou-se, esticando os
braços para cima.
Jenna evitou olhar para os músculos que se delineavam sob o tecido da camisa e
voltou a se concentrar na ordenha.
— Poderia dormir um pouco mais se me ensinasse a fazer isso.
— Já dormi o suficiente — respondeu sucinta. Postando-se atrás dela, pôde estudá-la
à vontade. A largura dos ombros, a curva dos quadris. Era uma mulher forte. E, uma vez
mais, foi assolado pelo desejo de saber se estaria esperando um filho seu.
— Você parece cansada, Jenna. Um pouco de repouso lhe faria bem. De qualquer
forma, estou aqui no celeiro. Poderia aprender a ordenhar a vaca.
— Pensa que é tão fácil assim?
Cash teve a nítida impressão de que ela não o julgava preparado para o desafio.
— Não me parece tão difícil.
— Larabeth está acostumada comigo. Há uma confiança mútua entre nós duas.
— Sou bom em ganhar a confiança dos animais. Posso apostar que consigo tirar leite
dessa velha vaca e encho esse vasilhame mais rápido do que um coelho rouba uma
cenoura.
Jenna fulminou-o com o olhar.
— Não haverá aposta alguma nesta fazenda. Cash suprimiu o riso, impondo um tom
sombrio à voz.
— Certo, vamos começar outra vez, acredito que não terei nenhuma dificuldade em
ordenhar a velha Larabeth. Gostaria de me ensinar como se faz?
Jenna contemplou o balde quase repleto.
— Estou quase terminando. E melhor tentarmos em outra ocasião. Se quiser
realmente aprender.
Cash anuiu com a cabeça.
— Quero.
— Então, está bem. Encontro-o aqui, à noite, depois da ceia e veremos como se sai —
dizendo isso, ergueu o balde e empurrou o tamborete para um canto. — Dentro de uma hora
terei o desjejum pronto.
— E até lá o que devo fazer?
— Alimente os animais, limpe o celeiro e corte alguma madeira. Depois do café, nós
partiremos para os campos.
— Nós? Jenna acho que não deve...
— Sou uma fazendeira, sr. Callahan. Este é o meu trabalho.
A expressão decidida, o queixo empinado e o tom de desafio na voz de Jenna,
desencorajou-o. Entendia o orgulho e a determinação daquela mulher. Não tivera muitas
pessoas com quem contar ao longo de sua vida. O problema era que não gostava da idéia
de vê-la se matando de trabalhar nos campos. Não enquanto estivesse ali, não diante da
possibilidade de estar grávida.
E pior de tudo, é que se não parasse de chamá-lo de sr. Callahan, não teria outra
escolha a não ser tomar medidas extremas, como fazê-la calar-se com um longo beijo.
Isso colocaria a Srta. Jenna Duncan no lugar dela?
Talvez sim. Mas também poderia significar a sua expulsão antecipada de Twin Oaks.
Não estava certo se valeria a pena correr tamanho risco.

CAPÍTULO VIII
Jenna mal podia crer que Cash Callahan queria aprender a ordenhar a velha Larabeth.
Um homem como ele... Bem, não o julgava talhado para tais coisas.
Beber uísque fino, flertar com belas damas e apostar todo o seu dinheiro no jogo, isso
era o que Callahan sabia fazer. Não pertencia ao campo, não era um fazendeiro, e, logo, as
agruras do dia-a-dia acabariam por enfastiá-lo. Logo partiria. O trabalho na fazenda
demandava perseverança, dedicação, persistência e, acima de tudo, amor à terra e muita fé.
Sem fé, nenhum homem, mulher ou criança se tornaria fazendeiro. Simples forças da
natureza poderiam destruir toda uma colheita. A seca, chuvas pesadas ou criaturas, grandes
e pequenas, eram capazes de causar estragos suficientes para desanimar até mesmo o
mais valente dos homens.
O belo e elegante Cash Callahan, vestido com seu paletó de corte impecável,
montando uma magnífica égua puro-sangue, jamais teria fé para ficar. Ele nunca...
— Jenna?
O tom grave da voz masculina a fez sair do devaneio. Mordeu o lábio inferior, como
costumava fazer quando estava nervosa e virou-se para o fogão. Sua mãe lhe dissera certa
vez que os maus pensamentos sempre encontravam um modo de entrar em nossos
corações. Portanto devia manter o coração fechado, pensou.
— Estou quase terminando de preparar sua refeição. Entre.
Cash entrou carregando consigo a cesta que ela lhe levara na noite anterior. No centro
da cesta havia uma linda flor silvestre, com matizes de cor-de-rosa e branco.
— Estou devolvendo sua cesta.
Jenna olhou para a flor, admirada com sua beleza singela.
— Obrigada. — Afastou-se para a extremidade oposta da cozinha e reteve as lágrimas
que ameaçavam inundar seus olhos.
Cash aproximou-se e colocou a cesta sobre a mesa, lutando consigo mesmo para não
envolvê-la em seus braços.
— O que está acontecendo, doçura?
— Nada. As cebolas fazem arder meus olhos — afirmou, virando o rosto para o lado.
Logo em seguida, ouviu-o inalar profundamente, puxar uma cadeira e sentar-se.
Segundos depois, quando o achaque de melancolia passou, virou-se e serviu-lhe um prato
com fatias de presunto cru, cebolas, torradas e geléia de maçã.
— Hum... Isto está cheirando bem! — exclamou e, em seguida, com movimentos
rápidos, passou a devorar os alimentos como se não comesse havia dias.
Jenna observou-o engolir a refeição com avidez, porém deixando uma porção da
comida intacta. Ao perceber que havia esvaziado a xícara de café, verteu-lhe um pouco
mais da bebida fumegante.
— E o gosto é ainda melhor! — exclamou satisfeito, batendo levemente no estômago
e sorrindo. — Você é uma ótima cozinheira, Jenna.
— Dá para sobreviver, é só. Depois de um longo dia nos campos, até mingau é
gostoso.
— Já tive meus dias de mingau. Mas sei apreciar um bom prato.
— Imaginei que servissem apenas pratos requintados, nessas casas de jogo.
Cash sorriu.
— É verdade. Servem do bom e do melhor. Mas houve um tempo da minha vida,
principalmente na infância e juventude, que eu considerava qualquer coisa que caísse no
meu prato, uma refeição. Claro que foi há muito tempo.
Jenna anuiu com a cabeça, com um súbito brilho de curiosidade no olhar. Mas não
faria perguntas sobre a vida pregressa daquele jogador.
— Por que não está comendo? — perguntou olhando-a de alto a baixo.
Aquele repentino e intenso escrutínio a fez dar meia-volta em direção ao fogão.
— Comi algo mais cedo.
— O quê?
Tomada pela indignação virou-se para encará-lo.
— O que eu comi? — O som irritado que escapou dos lábios dela foi inevitável.
Cash ergueu-se da cadeira. O olhar deliberado a atingiu com um profundo tom de
azul.
— Sim, perguntei o que havia para comer, àquela hora da manhã?
Atordoada, Jenna respondeu:
— O que lhe importa?
— Importa sim. Então, vai me falar? — insistiu, obstinado em obter uma resposta.
— Comi um biscoito e tomei um pouco de leite — respondeu com um tom firme. O que
mais a deixava exasperada era o fato daquele homem sentir-se no direito de questioná-la
daquele jeito? Quem ele pensava que era?
— Apenas isso?
— Sim — redarguiu, elevando o tom de voz.
— Bem, moça. Isso não é o suficiente nem para matar a fome de um passarinho. Por
que não está se alimentando? Lembro que comia quase dois pratos de comida em um
piscar de olhos. O que deu em você? Está perdendo peso e sua fisionomia parece abatida.
— Suponho que isso não seja da sua conta, Sr. Callahan! — Ora, sim senhor! Mas
que absurdo, pensou consigo mesma. Aquele estranho não tinha o direito de se intrometer
dessa maneira em sua vida. E decididamente não gostou nada de ele ter notado sua falta de
apetite e as olheiras escuras de fadiga que sombreavam seu rosto.
— Ora, é natural que eu me interesse. Quero saber se está... Doente.
— Não estou doente!
— Bem, mas parece.
— Ah, muito obrigada pela observação. Estava mesmo precisando de um elogio. —
Ela conteve as lágrimas.
— Ora, pelo amor de Deus! Eu não quis criticar sua aparência, você continua linda
como sempre foi. Apenas gostaria que me contasse o que está acontecendo.
Jenna girou nos calcanhares e apoiou-se na bancada da pia. Não tinha coragem de
encará-lo. Não podia olhá-lo nos olhos, sem contar a verdade. Estava doente, mas a tristeza
que a envolvia não tinha consolo.
Perdera tudo por causa de Cash Callahan. O futuro lhe parecia vago e sombrio. Não
tinha esperanças, nem alegria, nem uma família. Então por que se alimentar e dormir bem?
Por que aquele homem se preocupava? E que bem faria em admitir isso para ele? Tinha
uma fazenda para administrar, colheitas para plantar. Isso era tudo que a sustentava agora.
E duvidava muito que um sujeito como aquele fosse capaz de compreender os sonhos
imprudentes de uma jovem ingênua.
— Vou acabar de limpar a cozinha e tão depressa termine vou encontrá-lo no campo.
Temos mais de dois acres de terra para arar esta semana.
Callahan proferiu algo que ela não entendeu e, em seguida, alcançou a porta em
passos rápidos com o prato na mão. Jenna espiou para fora da janela a tempo de vê-lo
lançar a última porção de sua refeição para Scrappy. O animal faminto não desperdiçou nem
uma migalha sequer. Agitando a cauda, o fiel cachorro seguiu os passos de Cash até Jenna
os perder de vista.
Quando, por fim, ficou sozinha, afastou-se da janela e fitou a cesta ornada com a linda
flor silvestre que ele lhe trouxera. Caminhou alguns passos, estendeu o braço e tocou as
pétalas, desfrutando da textura sedosa e inspirando a delicada fragrância. Era a primeira
vez que ganhava flores de um homem.
Continua linda como sempre foi.
Eu não o entendo, Cash Callahan, falou para si mesma. Desejava de todo o coração
que aquele homem nunca houvesse voltado para Twin Oaks. Queria vê-lo longe dali tão
logo fosse possível.
Imaginava o que lhe diria sua mãe se pudesse vê-la na enrascada em que se metera.
A verdade era que sua mãe não tivera uma filha prudente como gostaria que ela fosse.
Passava pouco das três horas da tarde, e Cash já tinha visto mais minhocas do que
poderia imaginar que existissem. Trabalhava a terra com ímpeto, furioso com Jenna como
jamais havia ficado antes. Um homem tinha o direito de saber se uma mulher carregava um
filho seu no ventre, não é mesmo? Todavia não se sentia encorajado a abordar tal questão.
Ao invés disso, esperaria por evidências. E naquela manhã, a falta de apetite dela fora um
motivo suficiente para confirmar suas suspeitas. Jenna estava se alimentando mal nos
últimos tempos. Não era especialista no assunto, mas, se de fato estivesse grávida, o lógico
não seria ter mais apetite, já que estaria se alimentando por dois? E se a gravidez estivesse
mexendo com a saúde dela?
O pior de tudo isso era a incerteza.
No mesmo instante em que seu estômago roncou de fome, Jenna surgiu atrás dele,
carregando uma colcha fina e uma jarra de vidro.
— Pronto para o almoço? — perguntou, com o rosto corado.
O tom róseo ficava-lhe bem, um distinto contraste com a palidez das últimas horas.
Cash desejou saber se o colorido da face tinha a ver com a raiva que sentia por ele ou
representava um indício de saúde.
— Pretendia trabalhar até a hora da ceia.
— Não pode trabalhar ininterruptamente. Precisa fazer uma pausa. Eu lhe trouxe um
pouco de chá de cidreira. Deve estar sedento.
Cash limpou o suor que lhe escorria da testa na manga da camisa e pegou o jarro das
mãos dela.
— Estou mesmo precisando de uma bebida. Obrigado, Jenna.
— Dê o restante a Mac e venha se sentar nesta colcha. — Desenrolou a colcha e, em
seguida, descobriu um prato de comida.
Ele a ajudou a estender a coberta sobre a terra que há poucos minutos havia arado.
As únicas árvores que forneciam sombra à propriedade situavam-se ao redor da casa da
fazenda.
Cash sentou-se, esticando as longas pernas e a contemplou por alguns segundos.
Jenna trajava roupas de trabalho. Um vestido puído, que um dia poderia ter sido
considerado bonito, botas de couro até os joelhos e um avental. Os cabelos loiros, quase
acobreados, estavam presos em uma trança parcialmente desfeita e, vez ou outra, ela
afastava os fios esvoaçantes do rosto.
— Não vai se sentar comigo?
— Só se prometer que não vai se importar com o meu apetite e nem tampouco insultar
minha aparência.
— Insultar sua aparência? Eu não fiz isso. — Havia lhe dito que estava bonita. E era
verdade. Será que não tinha consciência de sua beleza? Provavelmente não. Mas isso não
faria muita diferença. A julgar pela expressão de seu olhar, era preferível não dar maiores
explicações. Acenou em concordância, sabia quando uma situação não estava ganha. —
Certo.
Jenna atendeu ao pedido e se acomodou na extremidade oposta da colcha,
deslizando os olhos pelas extensões de terra como se ele não estivesse ali.
Cash pegou um pedaço de pão fresco e o levou à boca.
— Quando começaremos a semear? — perguntou, embora já soubesse a resposta.
Contudo deixou-a responder e constatou o amor que aquela mulher dedicava à sua fazenda.
— Podemos começar na semana que vem ou na seguinte, se os campos já estiverem
preparados. Nesse ritmo creio que teremos boa parte das terras arada. Ben e Antônio quase
terminaram a parte deles. Faltam apenas poucos acres e então vamos experimentar a nova
semeadora. Não há nada mais lindo do que um campo repleto de trigo novo. É uma visão
deslumbrante. Acredito que teremos uma boa colheita este ano.
— Por quê?
— A terra deste lado não estava sendo usada, nós a deixamos descansar. Nossa
colheita no ano passado foi pequena, mas boa. Este ano a safra deverá ser bem maior,
nunca aramos tanta terra antes. Acho que os campos estão prontos para o plantio.
Cash anuiu com a cabeça. Jenna sabia tudo sobre o processo de cultivo e,
aparentemente, mostrava-se disposta a dividir isso com ele.
— Bem, vou ver Mac. Parece estar pronto para recomeçar o trabalho. — Jenna
ergueu-se e, em seguida, pegou a enxada.
— Espere um minuto. O que está planejando fazer?
— Vou terminar de lavrar esta área agora à tarde.
Naquele instante uma nesga de sol que saiu por detrás das nuvens que se
acumulavam no céu, ofuscou-lhe a visão. — Oh, esqueci de trazer meu chapéu. Empreste-
me o seu — dizendo isso, ergueu-se na ponta dos pés e pegou o chapéu de palha da
cabeça dele. — Obrigada — agradeceu mordaz.
Apesar do cenho franzido não conseguiu deixar de sorrir. Um sorriso breve que logo
foi substituído pelo semblante sombrio outra vez.
Cash sabia que isso não lhe faria bem. E ela estava muito enganada se pensava que
ficaria ali, sentado naquela colcha, vendo-a trabalhar.
Com alguns passos, alcançou-a rapidamente e puxou-lhe o chapéu da cabeça.
— Ei!
— Jenna, você não pode arar este campo.
— Por quê? Combinei com Antônio de terminar esta parte. Nasci no campo, trabalho
nestas terras desde que era pouco mais que uma menina. E só vou parar de fazê-lo quando
morrer.
— Não, você não entende. Estou me saindo bem. E claro que levarei um pouco mais
de tempo, mas tenho certeza de que sou capaz de terminá-lo. Eu e Mac estamos nos dando
bem — disse, olhando para o grande Percheron. — Não quero parar agora.
— Deixe-me ver se entendi direito. Está querendo dizer que gosta de arar a terra?
Cash esfregou a nuca. Sabia que era uma mentira absurda demais para Jenna
acreditar.
— Bem... Gostar é uma palavra muito forte. Gosto de muitas coisas. Como, por
exemplo, uma cama macia, hum... Um bom livro. — Continuou: — Um banho quente e
agradável. — Esfregou o pescoço novamente. — Uma boa refeição, mas não posso dizer
que gosto de trabalhar na terra.
— Então por que faz tanta questão de continuar?
— Trata-se de mais um desafio para mim. Sempre gostei de desafios. Cultivar é um
desafio, é algo novo e diferente. E quero aprender tudo que puder.
— Por que motivo? Quero dizer, em breve estará partindo. De que lhe valerá saber
cultivar a terra quando voltar aos salões de jogos?
Ele acenou com a cabeça, protelando a resposta por algum tempo. Jenna estava
certa. E então disse a primeira coisa que lhe veio à mente.
— é verdade, mas me sinto bem trabalhando com minhas próprias mãos. E uma
sensação... Bem, não sei explicar. Não consigo me expressar com clareza... Apenas me
parece... Certo.
Jenna concordou com a cabeça, e Cash pôde notar que sua expressão abrandara.
Dissera-lhe aquilo que ela gostaria de ouvir, ou haveria algum fundo de verdade naquilo
tudo? Já não sabia de nada, só de olhar aqueles lindos olhos cor de âmbar sua mente ficava
atordoada, não estava raciocinando direito. Só isso poderia explicar os pensamentos
estranhos que lhe vinham povoando o cérebro.
— Está bem. Eu o deixarei arar os campos. Mas fique com a jarra e a comida aqui,
para depois. Vou levar a colcha de volta. Nos veremos mais tarde na hora da ceia.
— Certo — disse aliviado.
Cash ficou olhando, enquanto ela caminhava para casa, com as saias rotas
esvoaçando ao sabor da brisa vespertina e teve certeza de uma coisa: estivesse grávida ou
não de um filho seu não gostava da idéia de vê-la trabalhar tanto naqueles campos. Ele
próprio sentia os músculos fatigados por àquelas horas de trabalho árduo e era mais forte
do que Jenna. Estava decidido. Trabalharia da alvorada ao crepúsculo se fosse preciso,
mas enquanto estivesse ali, não a deixaria levantar uma palha.
Há muito o sol havia se escondido no poente. Jenna olhou para refeição que preparara
agora completamente fria. Teria que aquecê-la novamente, caso Cash decidisse vir comer.
Meia hora atrás vira-o entrar no celeiro. Supôs que levaria algum tempo para se limpar, mas
ele não apareceu na cozinha como haviam combinado e estava curiosa para saber o que
tinha acontecido.
Em um impulso, abriu a porta dos fundos, decidida a ir até o celeiro para ver o que
estava acontecendo para Cash Callahan demorar tanto, mas no instante que cruzou o
primeiro degrau da escada de madeira, deteve-se admirada. Uma linda flor no centro do
prato que ela havia lhe servido naquela manhã. De pronto, o delicioso perfume floral invadiu-
lhe as narinas. Uma rosa silvestre com pétalas cor de marfim e bordos alaranjados.
Oh, Deus! Jenna ergueu o prato e o levou para dentro. Apanhou a rosa e fitou-a por
longos segundos. Havia algo nela... Uma pureza que a transformava em uma visão quase
irreal. Onde achou isto, Cash? Pensou comovida.
Saiu e observou o pátio, mas a escuridão do céu nublado, sem estrelas, não lhe
permitia enxergar muito além. Estava atrasada para ordenhar Larabeth. E não podia ignorar
aquela tarefa. Acendeu uma lamparina e se dirigiu ao celeiro. Se acontecesse de encontrar
seu hóspede pelo caminho, tanto melhor.
Quando entrou, o celeiro estava às escuras, e tudo parecia calmo.
— Cash, você está aí? — O coração de Jenna batia forte à espera da resposta.
De repente ouviu um ruído que a fez estremecer. O som baixo se elevou e, em
seguida, abaixou novamente. Jenna ergueu a lamparina à altura dos ombros e espiou ao
redor. Tudo parecia em ordem e então o som voltou a ecoar no celeiro.
— Cash!
Ele não respondeu. Mas Scrappy mostrou seu focinho. Os olhos escuros pouco
visíveis em cima do palheiro perscrutavam-na como se perguntassem por que estava
perturbando sua paz.
— Onde está seu dono? — perguntou ela.
Então tudo ficou muito claro. Subiu depressa os degraus e quando alcançou o alto,
confirmou o que havia imaginado. Cash estava adormecido sobre a cama de feno. O
movimento do peito, expandindo-se e retraindo-se pesadamente, fazia-o ronquejar.
Riu ante aquela visão. E uma tênue chama se acendeu em seu coração ao constatar o
cansaço do homem que imaginara poder dominar o cultivo da terra em apenas um dia.
Mal podia esperar pela manhã seguinte. Se Cash Callahan pensava que arar era um
desafio, o que não diria na hora de ordenhar Larabeth.

CAPÍTULO IX
— Ponha as mãos sob o úbere de Larabeth — Jenna instruiu Cash. Logo em seguida,
sentou-se a seu lado sobre um balde emborcado e cedeu-lhe o tamborete para dar início à
ordenha. — Esfregue as mãos.
— Como mágica? — ele perguntou, em completa confusão.
Jenna sorriu.
— Alguns dizem que é a magia de Deus, mas neste caso, é porque Larabeth não
gosta de mãos frias.
Tomou-lhe as mãos, apertando-as de leve para sentir se a temperatura era ideal, mas
de imediato percebeu o erro que estava cometendo. Estavam sentados tão próximos, que
seus corpos quase se tocavam. O cheiro de homem, terra, feno e sabão perfumado invadiu-
lhe as narinas. Não havia esquecido aquela fragrância máscula e o prazer que sentira na
noite que estivera em seus braços. As mãos pareciam aquecidas o suficiente, mas era o
calor incandescente daqueles olhos azuis que a fazia sentir um crepitar no coração. Com
um gesto rápido, soltou-as.
— Não há necessidade de esfregá-las mais — disse com a voz trêmula.
Cash a fitou bem fundo nos olhos e depois de alguns instantes perguntou:
— E agora?
— Agora, segure-a aqui. Tudo bem, Larabeth — murmurou, acariciando a vaca com
extrema suavidade. — Desta vez, vai sentir algo um pouco diferente, mas não se preocupe,
vai dar tudo certo. — Com um gesto de cabeça, acenou para que ele procedesse à ordenha
e conteve um sorriso ao vê-lo hesitar.
— Trata-se apenas de segurar aqui e puxar? — perguntou duvidoso.
— Sim, aí mesmo. Certifique-se de direcionar o jato de leite para o balde.
Cash dirigiu-lhe um olhar maroto, sorriu e seguiu as instruções.
— Aqui vai.
Segurando a teta do animal, apertou-a com força. No mesmo instante, Larabeth
escoiceou. A cauda comprida vibrou no ar dando uma volta completa e chicoteou-o com
força na cabeça. Assustado, Cash jogou o corpo para o lado, atingindo Jenna. O mundo
pareceu balançar. Ambos perderam o equilíbrio e tombaram. No momento seguinte estavam
estatelados no chão, repletos de feno.
Ainda meio desconcertados, entreolharam-se e caíram na gargalhada.
Jamais vira Cash rir com tanta espontaneidade. Um riso tão feliz e sincero que a fez
lembrar uma criança inocente.
Quando finalmente o acesso de riso cessou, Cash fitou-a por um momento. Os olhos
brilhavam sob o impacto do súbito divertimento, mas havia preocupação em sua voz.
— Eu a machuquei, não é mesmo?
— Não — sussurrou ela.
— Não pode dizer o mesmo quanto a Larabeth.
— Você não a machucou. Só a deixou um pouco assustada.
— Via de regra, costumo ser mais amável com as mulheres. — Os olhos azuis ficaram
sérios, e seu tom de voz era baixo e profundo. — Fui carinhoso com você, não fui Jenna?
Por um momento a mente dela girou. Olhou para a figura máscula a seu lado. Não
conhecia quase nada a seu respeito. Sabia que era um jogador; o homem com quem se
casara e que a fizera mulher. Mas ainda assim era um estranho, alguém que partiria em
breve. Assim que a monotonia dos trabalhos agrícolas o atingisse. Ainda assim se sentiu
compelida a responder àquela pergunta. Não podia negar-lhe a verdade. Cerrou as
pálpebras, e seus lábios conseguiram murmurar um quase inaudível:
— Sim, foi.
Os dedos fortes e ágeis tocaram-lhe a trança quase desfeita, retirando algumas hastes
de palha. Jenna contemplou-o receosa. Não era dele que tinha medo, mas das sensações
que seu toque lhe provocava e da reação de seu próprio corpo traiçoeiro. Entretanto, não o
repeliu, nem tampouco se moveu do lugar. Sentia-se magnetizada e deixou-se ficar ao
sabor das emoções.
Cash se curvou, segurou-lhe as mãos com delicadeza e a ajudou a levantar.
— Minha lição definitivamente terminou por hoje.
Pobre Larabeth. Acredito que confundimos a velha menina, mas gostaria de tentar
amanhã outra vez.
— Amanhã está bem — disse e confirmou com um gesto de cabeça, enquanto
começou a remover as sobras de feno do vestido, ciente de estar sendo observada.
— Experimentou o vestido, Jenna?
Por um momento, não compreendeu a pergunta. De repente lembrou-se do adorável
presente. Não gostava do rumo pessoal que a conversa estava tomando e desejou que o
assunto voltasse para Larabeth e a ordenha.
— Não, não o experimentei.
— Gostaria de vê-la usando-o. Pelo menos uma vez. Não era um argumento nem uma
ordem, mas seu pedido enterneceu-lhe o coração.
— Eu... Tenho estado muito ocupada. — Enxotando uma mosca, colocou o tamborete
na posição vertical outra vez. Cash fez o mesmo com o balde.
— Logo que eu estiver dominando as técnicas de ordenha, terá mais tempo. Então
talvez possa vesti-lo para mim.
Para mim. Cash fez aquilo soar muito pessoal e íntimo. Como se ela fosse desfilar
trajando um vestido de gala só para ele. Jenna não soube o que responder. Não entendia os
próprios sentimentos. Cash Callahan tinha o poder de confundi-la. Sempre fora conhecida
como uma mulher decidida, que tinha as respostas na ponta da língua. Porém ao lado
daquele forasteiro, seus pensamentos se embaralhavam, seus sentimentos entravam em
um redemoinho de contradições.
— Tenho que ir preparar a refeição.
Cash inspirou fundo, do modo como fazia quando estava descontente.
— Certo. Vou cuidar de algumas tarefas e a vejo daqui a pouco.
Quando ficou sozinha no celeiro, Jenna ordenhou a vaca, acalmando-a, enquanto
cantarolava uma canção. Mas sua mente estava longe, pensando nas inesperadas rosas
silvestres, no vestido novo e no homem que incitava suas emoções.
As mãos de Cash deslizaram com suavidade pela cabeça de Scrappy.
— Ora, ora, qual o problema, rapaz? Está lambendo essa pata a manhã inteira. Quase
não me deixou dormir com o barulho que fez esta noite.
O cachorro ergueu o focinho e o fitou, parecendo pedir desculpas com os olhos.
— Está ferido? — perguntou, inspecionando a pata do bichinho com cuidado. Não viu
qualquer espinho ou farpa que pudesse justificar aquele incômodo, embora o animal
continuasse lambendo-a. — Seus ossos estão ficando desconjuntados, aposto. Não se
preocupe. Isso acontece com todo mundo.
Afagou o dorso do cachorro mais uma vez e rumou para a casa da fazenda.
Quando entrou pela porta dos fundos, Jenna estava de costas, preparando a refeição
matutina. Aproximou-se, curvou a cabeça por sobre os ombros dela e espiou, inalando o
aroma delicioso.
— Panquecas?
— Com melado e compota de morango. — Lançando mão da espátula, Jenna
desenfornou um bolo com extrema agilidade. — O café está quase pronto.
— Pode deixar que eu cuido disso — informou, erguendo a panela do fogão e
vertendo a bebida em duas canecas.
Aproximou-se da mesa, situada no meio do recinto e, enquanto puxava a cadeira para
sentar-se, notou que Jenna tinha posto um vaso, colado em vários lugares, sobre o tampo
horizontal de madeira. Provavelmente era o único que possuía. Colocara as rosas silvestres,
ainda abertas, cercadas por uma folhagem verde-escura, que com certeza colhera nos
canteiros próximos à porta da frente. O arranjo compunha um visual alegre, e Cash desejou
saber se aquilo seria um indício de que ela estava começando a esquecer o passado. Afinal,
era muito jovem e bonita para perder as esperanças de um futuro feliz.
— Acha que Larabeth vai me perdoar? — perguntou divertido.
— Veremos isso amanhã, não é? — respondeu com um sorriso brincando nos cantos
da boca.
— A danada quase arrancou meu cérebro. Imagina que outros truques deve estar
planejando para amanhã?
— Não sei... Sabe o que costumam dizer sobre o desprezo feminino.
Ela colocou três panquecas no prato dele e serviu-se da mesma quantidade. Parecia
ter recuperado seu apetite. Cash tomou um gole de café e, quando levantou o garfo para
saborear o primeiro pedaço, o olhar inquiridor de Jenna o fez mudar de idéia.
Ela o encarou.
— São lindas — comentou, referindo-se as rosas. Cash engoliu.
— Concordo.
— Por que me ofereceu essas flores?
Ele encolheu os ombros. Não queria falar sobre isso.
— Imaginei que fosse apreciá-las.
— Adorei — apressou-se em responder. — Mas por que as colocou sobre o prato
quando o devolveu ontem à noite? E onde achou flores tão belas?
Cash sabia que não podia mentir para Jenna. Não gostaria de contar detalhes a
respeito de sua vida, mas já estava lhe escondendo o verdadeiro motivo de sua vinda para
Twin Oaks. Além do mais, devia muito àquela mulher. Devia-lhe a verdade.
— A rosa é um segredo meu, e não estou disposto a revelá-lo.
Ele lhe lançou um breve sorriso. Encontrara aquelas rosas em um arbusto próximo a
Turner's Pond, a milhas dali. Tinha ido lá algumas vezes quando estava desmemoriado,
imaginando que a visão do lugar onde Jenna o encontrara talvez lhe estimulasse a memória.
Foi lá que avistou um arbusto repleto de rosas silvestres e jamais o esqueceu. Mas era a
resposta à outra pergunta que realmente gostaria de evitar.
— Bem, o motivo de colocá-las sobre o prato vazio é uma longa história que remonta
há algum tempo.
— E por que não me conta? Gostaria de ouvi-la. Droga, ela gostaria de ouvir.
Apoiando os cotovelos sobre a mesa com os olhos atentos, Jenna aguardou
avidamente que Cash começasse a falar.
Ele tomou um gole de café, encarou as flores e começou:
— Meu pai abandonou a família quando eu ainda era um menino, e minha mãe sentiu
muito a sua partida. Vivíamos em uma velha cabana, não muito maior que esta cozinha.
Não tínhamos quase nada para comer. Minha mãe tentou dar o melhor de si para nos
manter vestidos e alimentados. Com frequência íamos para as ruas, mendigar comida,
esperando que alguém nos acolhesse ou, pelo menos, nos oferecesse uma refeição. Ela
também tinha orgulho. Mas, tinha um filho para alimentar. Eu sei que fez tudo que esteve a
seu alcance para sobreviver. E sempre que alguém nos oferecia um prato de comida, nunca
o devolvia vazio. Dizia que deveríamos demonstrar nossa gratidão de alguma maneira. Eu
tinha uma coleção de pedras, brilhantes e incomuns. Essas que os meninos pensam que
são especiais. Se não pudéssemos achar uma flor para colocarmos no prato, eu deixava
uma de minhas pedras.
— E você nunca deixou de demonstrar sua gratidão, Cash?
Ele meneou a cabeça e sorriu.
— Não. Não posso quebrar o hábito.
Uma onda de pesar invadiu os olhos de Jenna, atingindo-o profundamente.
— Certos hábitos não devem ser quebrados. E o que aconteceu à sua mãe?
— Morreu quando eu tinha apenas dez anos.
— Dez anos? Oh, Deus!
O tom da voz era pesaroso. Não queria enxergar dor ou comiseração no rosto dela,
não precisava da piedade de ninguém. Jenna também não tivera uma vida fácil. Perdera os
pais muito cedo, não podia contar com o imprestável do irmão e estava fadada a acabar
seus dias trabalhando naquela fazenda. Portanto, não tinha o direito de sentir pena dele.
Sim, era verdade, sua vida fora uma grande miséria, mas agora tudo ficara para trás. Lutara
para sobreviver e conseguira se tornar um homem pronto para qualquer desafio.
— E o que aconteceu com você?
Cash ficou irritado com o tom preocupado que havia na voz dela.
— Comecei a jogar.
Jenna engoliu em seco. A expressão antes enternecida se endureceu, e ele olhou em
volta como querendo evitar aquele assunto. Todavia, ela permaneceu sentada, cada vez
mais curiosa.
Desgostoso, inspirou fundo, a mente suplicando para pôr um fim àquelas amargas
recordações.
— No início foram pequenas coisas, como minha melhor pedra em troca de um
almoço. Apostava com qualquer pessoa que estivesse disposta a apostar. Apostava que
poderia correr mais rápido, lançar uma bola mais distante ou roubar um beijo da menina
mais bonita na escola. Apostava qualquer coisa e me tornei bom nisso. Aos quinze anos
tinha dominado a arte de jogar e ganhava com frequência, porque tinha algo que os outros
não tinham... Uma poderosa necessidade de sobreviver. E nunca apostei em nada que não
fosse uma coisa segura. Aprendi cedo que a ganância é um motivador feroz. Sempre
ofereceria algo mais valioso do que o meu adversário.
— Mas não podia arrumar trabalho em uma fazenda ou na cidade? Certamente havia
outros modos de ganhar a vida, além de jogar — afirmou resoluta.
— Tentei uma vez, mas não deu certo. — A recordação de sua estada no rancho Beau
Raley era melhor nem ser mencionada. Era pouco mais que um menino, mas não conseguia
esquecer aquela época aterrorizante. Significava uma lembrança constante de quem e do
que ele era. Embora fosse penoso admitir, nada podia mudar aquele fato. — Não sou bom
em outras coisas, a não ser no jogo, Jenna. E só o que sei fazer.
Jenna ergueu-se da mesa. A expressão de seu rosto era de desaprovação.
— Bem, então, suponho que seja melhor deixar a fazenda assim que o plantio
terminar. Isto é, se conseguir suportar até lá.
— Assim que o plantio terminar você se livrará de minha presença. Tem minha
palavra.
A chuva caía forte sem períodos de interrupção. Jenna estava sentada em seu quarto,
escutando o barulho das águas se infiltrando pelo telhado. Em algumas áreas da casa fora
obrigada a colocar baldes e tigelas para aparar as enormes goteiras que penetravam pelo
forro do teto.
De repente uma rajada mais forte de vento a fez estremecer. Esfregando os braços
com as mãos, para cima e para baixo para afastar o frio, caminhou até a janela e verificou
se estava bem fechada. Retornou, abriu o baú de madeira aos pés da cama e, procurou
uma colcha para se aquecer. Naquele instante avistou o vestido que Cash havia lhe dado.
O elegante traje, ligeiramente amarrotado por estar espremido dentro de um baú
abarrotado, parecia belíssimo como sempre. Jenna esqueceu a colcha e pegou o vestido.
Em um impulso, ergueu-se e apertou-o de encontro ao corpo, ajustando-o apenas para ver o
quanto Cash ainda se lembrara de suas medidas.
— Oh! — exclamou, admirando o efeito que vira no espelho. Virou-se de um lado para
o outro, surpresa pela perfeição do ajuste.
O vestido moldava-se as suas formas como se houvesse sido feito sob medida e, para
completar, a tonalidade do requintado tecido amarelo-cobre acentuava a cor de seus olhos e
cabelos.
— Eu não ousaria vestir uma coisa dessas — meditou em voz alta. — Jamais o
vestirei. — Os lábios se curvaram em um sorriso divertido. — Seria engraçado, Jenna
Duncan, a fazendeira, arando os campos com um vestido feito para uma princesa.
Todavia, não teve coragem de recolocar a delicada peça no baú, onde ficaria mais
amarrotado. Não dispunha de outro lugar para pendurá-lo, a não ser no espelho que era alto
o bastante para acomodar o comprimento do vestido. Dois prendedores no alto bastariam
para impedir que caísse.
Deu um passo atrás, após fazer os próprios ajustes e admirou o resultado final. A
veste cara e sofisticada pendia ao longo do espelho. A imagem refletida daqueles
infindáveis metros de tecido, o fez parecer ainda mais grandioso.
— Nossa! Isso me deixa sem fôlego. — Suspirou fundo e admoestou-se. — Tola você
tem tarefas mais importantes para fazer do que ficar aqui a manhã inteira sonhando
acordada.
Mas enquanto trabalhava pensava em Cash. Na vida que ele levara e nos
acontecimentos que o fizeram cruzar o seu caminho. Às vezes, pensava mais do que na
verdade gostaria. Aos poucos estava começando a aprender mais sobre a realidade de um
menino que fora abandonado à própria sorte e a personalidade do homem em que havia se
transformado. E não tinha certeza se isso era bom.
Como a chuva ainda caía torrencialmente, sem indícios de diminuir de intensidade,
Jenna se ateve à costura, dedicando-se a uma pilha de meias velhas que precisavam de
remendo. Mas de repente ouviu um som diferente que vinha do telhado. Olhou para o teto,
não podia ser a chuva. Aquilo aguçou sua curiosidade. Pousou a costura e subiu. Então
notou que o gotejar constante nos baldes que havia colocado em seu quarto cessara,
embora a chuva ainda continuasse a rugir com violência. Sem hesitar, pegou uma capa,
desceu os degraus apressada e correu para fora.
Assim que a avistou de cima do telhado, Cash gritou:
— Jenna! Volte para casa. Está muito frio aqui fora.
Por um momento, fitou-o perplexa. Onde teria conseguido madeira para reparar o
telhado? Não eram pedaços de lenha comuns. Aquelas pranchas longas e robustas eram
capazes de tampar qualquer vazamento. Muitas vezes havia tentado preencher as brechas
com uma massa de argila e capim, mas a natureza incumbia-se de torná-la porosa e
quebradiça, permitindo que a chuva entrasse.
Cash olhou para baixo outra vez e lhe dirigiu um olhar gelado.
— Está ficando ensopada! — A aspereza do tom chicoteou de encontro ao vento.
Antes dos cabelos grudarem na cabeça em consequência do aguaceiro, Jenna voltou
para casa. Colocou mais algumas toras na lareira e abanou o atiçador até que as chamas
alaranjadas crepitaram vigorosamente, espalhando fumaça pelo ambiente. Gelada,
tremendo até os ossos, as roupas quase encharcadas, aproximou-se do fogo buscando o
calor. Se estava toda molhada, muito mais estaria Cash em cima daquele telhado, pensou.
Naquele momento, a porta da frente se abriu e ele irrompeu porta adentro ensopado
da cabeça aos pés, como se houvesse se jogado em um riacho. Retirou o chapéu e o
pendurou em um gancho na parede.
— Consegui vedar os vazamentos?
Jenna anuiu com a cabeça, sentindo uma onda de alívio invadi-la ao vê-lo em casa e
em segurança.
— Vamos, entre e tire essas roupas — disse enxotando-o da porta e conduzindo-o na
direção da lareira. — Está encharcado! Vai congelar com essas vestes molhadas.
— Não, não posso ficar. Tenho que reparar o telhado do celeiro. Os vazamentos lá
são piores. O sótão está inundado. Há palha molhada por todos os lados.
Jenna balançou a cabeça. Ben tinha caído do telhado do celeiro quando tentava
consertar aqueles buracos em um dia claro. Se Cash subisse lá, com aquela tormenta, não
queria nem imaginar o que lhe poderia acontecer.
— Você não pode consertar o celeiro hoje. Os vazamentos podem esperar até a
tempestade passar.
Cash balançou a cabeça em negativa.
— Não, não podem. Preciso repará-los agora ou não poderei dormir lá. Parece um rio
em cima daquele sótão.
— Não dormirá lá esta noite. Vai dormir aqui próximo à lareira. Vai levar a tarde inteira
até ficar seco. Agora, tire a camisa. Vou buscar uma toalha.
Jenna retornou à sala rapidamente, com uma toalha felpuda. Cash estava parado
junto ao fogo, aquecendo as mãos. O tecido da camisa colava-se ao corpo como se
houvesse sido pintado em sua pele.
Ela lhe entregou a toalha, mas tudo que ele conseguiu fazer foi seguir-lhe os
movimentos com o olhar.
Jenna abaixou os olhos e evitou encará-lo. Estava mais interessada em fazê-lo secar-
se.
— Senhor misericordioso! — exclamou, ajudando-o a abrir o primeiro botão da camisa
— Acho que perdeu sua audição lá naquele telhado.
Decidida, desabotoou o segundo botão, em seguida o terceiro, ciente de estar sendo
observada. E completamente atenta à visão do torso bronzeado que aos poucos ia se
revelando. Por um segundo, sentiu a rigidez dos músculos bem definidos sob a pele da
ponta dos dedos. Reparou nas minúsculas gotas que brilhavam sobre os pêlos escuros que
recobriam o tórax musculoso e não pôde deixar de notar que os mamilos dele estavam
enrijecidos. Cash estava frio, congelado até os ossos. Erguendo os olhos se deparou com
os dele. Respirou fundo e desviou o olhar. Queria se afastar dali, a fim de controlar as
emoções desencontradas.
— Bem, acho que pode fazer o resto. Vou buscar uma xícara de chocolate quente e
então poderá me contar onde conseguiu aquela madeira para consertar o telhado.
Cash concordou, mas antes que ela se afastasse estendeu o braço, segurou-a pelo
pulso e murmurou com a voz um tanto rouca:
— Não sei se poderei dormir aqui... Com você. Jenna agradeceu aos céus por não o
estar fitando diretamente nos olhos. Aquela declaração penetrou-lhe no cérebro e a fez
sentir uma onda de calor, provocando-lhe sensações que há muito julgara esquecidas e en-
terradas para sempre. Engolindo em seco, sacudiu a cabeça com força.
— Não diga essas coisas, Cash.
— É verdade, Jenna. Não esqueci o que aconteceu entre nós. E não creio que tenha
esquecido também. Foi maravilhoso. Eu estaria mentindo se dissesse que não gostaria de
repetir a experiência. Tenho vontade de tomá-la em meus braços e...
— Não! Não ouse fazer isso. Não quero que me faça lembrar. Você partirá em breve
da fazenda. Não há porque ficar falando de coisas que jamais acontecerão.
Cash tirou a camisa molhada e aproximou-se lentamente da lareira.
— Tem razão. Você tem sempre razão — murmurou atingido pelo arrependimento.
Ela lançou um olhar rápido na direção dele. Cash Callahan estava de frente para o
fogo. Não podia nutrir pensamentos românticos a seu respeito. Ele não era um fazendeiro,
estava ali apenas porque tinha uma dívida de gratidão para com ela. E agora, por causa do
acidente de Ben, permaneceria por mais tempo. Não, não alimentaria falsas ilusões a
respeito daquele homem. Não se deixaria iludir pelo seu irresistível charme. Afinal, não
passava de um jogador. Era o homem que havia destruído todos os seus sonhos. Como
poderia esquecer isso?
— Logo estarei de volta com o chocolate. Afastou-se, respirando fundo várias vezes,
tentando controlar as batidas enlouquecidas de seu coração. Quando retornou à sala de
estar, o humor de Cash parecia ter se iluminado. Um largo sorriso surgiu no rosto dele.
Havia se livrado das roupas e estava envolto na toalha que o cobria da cintura até os
joelhos. Jenna engoliu em seco.
— Vou lhe buscar uma das camisas de Bobby Joe — informou em voz baixa,
oferecendo-lhe a xícara com a deliciosa bebida.
Aquecido e mais relaxado, ele levantou a xícara, sorveu um gole e fechou os olhos
como se apreciasse o gosto e o calor.
— Só havia duas camisas. Esta aqui e a que eu lavei esta manhã e deixei secando no
mourão da cerca.
— Oh, então é melhor deixar suas roupas perto do fogo até secarem.
Cash anuiu com a cabeça, levando a xícara aos lábios outra vez.
— Acho que até meus ossos estão secando. — Riu e sorveu um pouco mais do
chocolate. — Aqui está bem agradável.
Enquanto esfregava as mãos, Jenna imaginava se deveria permanecer ali por mais
tempo ou deixá-lo sozinho. A imagem de Cash seminu próximo à lareira criava uma
sensação de familiaridade, além de ser bastante tentadora.
— Não tem motivo para ter medo de mim, Jenna — falou como se pudesse ler seus
pensamentos.
— Não estou com medo de você.
Cash arqueou as sobrancelhas. Havia um brilho escuro e perigoso nos sedutores
olhos azuis.
— Não mesmo?
— Não, não estou. — Era uma mulher orgulhosa. Não lhe daria a satisfação de saber
que estava insegura a respeito de suas próprias emoções.
— Bem, então se sente aqui e converse comigo. Jenna fez um movimento para se
sentar no sofá, mas Cash meneou a cabeça.
— Aí não. Sente-se aqui perto do fogo, perto de mim. Ela hesitou.
— Não está com medo, lembra-se?
As belas feições se transformaram em uma carranca.
— Não estou acostumada a sentar com homens seminus na minha sala de estar.
— Ah, me alegro em saber disso — respondeu, oferecendo-lhe o mais presunçoso dos
sorrisos.
Jenna relaxou um pouco e acomodou-se perto dele, mas não tão próximo como ele
gostaria. Céus, o homem havia deixado claro que gostaria de levá-la para cama outra vez,
minutos atrás. Isso não tinha a menor chance de acontecer. Não permitiria. Enquanto em
sua mente permanecesse a amarga lembrança de quem ele era e de todo o mal que lhe
causara estaria a salvo dessa tentação.
— Bem, diga-me como conseguiu aquela madeira para o telhado?
— Fui até Goodwill com Antônio hoje. Precisávamos comprar alguns materiais.
Comprei madeira para consertar as escadas também.
— Você comprou? Como pagou por isso?
— Do mesmo modo que paguei pelo açúcar. Com dinheiro.
—- Mas eu não tenho dinheiro.
— Eu sei. Eu disse que eu comprei os materiais.
— Com seu próprio dinheiro? Eu não poderei reembolsá-lo. Não tenho muito...
Cash estendeu o braço e segurou-lhe a mão, apertando-a suavemente.
— Tenho um pouco de dinheiro guardado e paguei os materiais. Não foi um
empréstimo e não espero que me reembolse por isso.
— Mas... Você não tem obrigação de comprar nada para mim.
— Jenna, enquanto eu estiver aqui, sou parte integrante desta fazenda. Vou comprar
aquilo que for necessário. O telhado precisava de reparos. Você está precisando de alguns
suprimentos na cozinha, então resolvi comprar o que estava faltando.
Jenna tremeu por dentro, seu orgulho estava ferido. E por mais tolo que aquilo
pudesse parecer, não queria que Cash Callahan ou qualquer outra pessoa sentisse pena
dela e de sua fazenda.
— O que mais comprou?
— Açúcar, algumas conservas e o café Arbuckle. É tão bom! Mal posso esperar que
você o experimente.
— Café de verdade? Costumo preparar minha própria infusão.
Seu café continha na maioria das vezes grãos de cevada secos e moídos ou farelo de
milho. Às vezes acrescentava algumas raízes de dente-de-leão, mas Cash tinha comprado
café puro, um luxo do qual não desfrutava havia muito tempo.
— Eu sei e gosto muito, mas você nunca provou nada igual ao café Arbuckle. Vai
adorar.
Jenna fez um gesto de negação com a cabeça.
— Não posso aceitar isso. Cash soltou-lhe a mão.
— Não comece com isso de novo. Retribuo os favores a meu modo. Você tem me
alimentado e tenho um telhado sobre minha cabeça.
— É apenas um telhado velho e cheio de buracos, Cash. E está trabalhando
arduamente como qualquer um na fazenda. Não me deve nada. Eu sim deveria pagar-lhe
por seu trabalho.
— Está certo. Mas, não estou disposto a discutir esse assunto agora. E se eu decidir
presenteá-la com algumas fitas novas para os seus cabelos apreciaria muito que as
aceitasse — anunciou. Os olhos azuis faiscaram escuros e molhados como as águas de um
riacho à luz do entardecer.
— Comprou fitas novas para mim? — O coração dela disparou de felicidade.
Raramente recebera presentes em sua vida, muito menos presentes de um homem.
— Cor-de-rosa e amarelas.
— Está falando sério? — Ela sorriu. — Faz anos que não recebo um presente.
— Não é de se admirar! — murmurou, tomando outro gole de chocolate quente e
fitando-a atentamente.
— O que foi que disse? — perguntou, dirigindo-lhe um olhar indignado.
— Quis dizer que, quando um homem quer agradar uma mulher, não deveria se afligir
muito com isso.
Jenna abriu a boca se desculpando.
—É que... É que sabe como me sinto a respeito de seu dinheiro. Quero dizer, do modo
como o ganha.
— Se eu quiser injetar todo o meu dinheiro nesta fazenda, é um direito que me assiste.
— Mas eu preferia que não o fizesse.
— Isso é péssimo! — Amuado cruzou os braços sobre o tórax, ficando com a
aparência de um menino contrariado.
Jenna não gostava de discutir com ele. Preferia manter uma relação cordial com seu
hóspede enquanto permanecesse na fazenda. Quanto menos pensasse nele, melhor.
— Eu o ofendi.
— Você é boa nisso.
— Sinto muito, eu não pretendia — declarou em um tom suave. Cash tinha ajudado a
salvar seu querido amigo Ben, consertara o telhado dela e comprara os materiais de que ela
precisava desesperadamente para a fazenda e tudo que conseguiu fazer foi magoá-lo.
— Então aceite o que eu lhe ofereço, Jenna.
Não queria nada que viesse daquele homem. Mas seria uma boba se não aceitasse
suas generosas cortesias.
— Bem... Está certo. — Respirou fundo, e as palavras fluíram. Palavras que fora
condicionada a dizer desde a época em que aprendera a falar. Palavras que gostaria de
dizer de todo o coração. — Obrigada. Você é muito gentil.
Cash meneou a cabeça.
— Jenna Duncan, está me deixando louco, sabia disso? Jenna imaginou que ele
estava fazendo o mesmo com ela, sentado no sofá, seminu, tão próximo e presenteando-a
com belas fitas para os cabelos.

CAPÍTULO X
Na manhã seguinte, Cash levantou-se antes de Jenna despertar. Passara boa parte
da noite, pensando nela, dormindo sozinha naquela cama enorme. Na verdade, embora
desejasse fazer amor com ela novamente, e esse desejo o consumisse cada vez mais,
contentar-se-ia apenas em dormir a seu lado, embalando-a nos braços, mantendo-a aqueci-
da. Oh, sim, gostaria muito de acordar e tê-la a seu lado. Inspirar o aroma floral suave que
seu corpo delicado exalava, acariciar-lhe a pele macia. Mas isso era tolice. Jenna tinha
deixado suas intenções bem claras e procuraria respeitar sua vontade.
Contudo queria surpreendê-la, mostrando-lhe alguns truques com Larabeth. Vestiu-se
depressa, abriu a porta e saiu para o pátio. Enquanto cruzava o curto espaço até o celeiro,
foi recebido pelos primeiros raios de sol do alvorecer que despontavam de um céu azul,
límpido e infinito. A tempestade da noite anterior havia se dissipado por completo.
Larabeth ergueu um pouco a cabeça e dirigiu-lhe um olhar preguiçoso quando ele a
puxou para fora de sua baia.
— Você está brincando comigo, senhora. Mas ainda vamos ser grandes amigos.
Abriu uma pequena gaveta do velho armário de estoque de cereais, encostado à
parede, e pegou um punhado de cubos de açúcar.
— Parece que também não me esqueci de você quando estive em Goodwill. — Em
seguida, posicionou o tamborete próximo a Larabeth, colocou o balde sob o úbere cheio e
caminhou ao redor confrontando os olhos castanhos do bovino. Abriu a mão e, no mesmo
instante, a vaca lambeu todo o açúcar.
— Depois lhe ofereço mais. Agora trate de cooperar — explicou, acariciando com vigor
o pescoço do animal do modo como vira Jenna fazer. — Pronto? Desta vez prometo que
serei gentil — dizendo isso, sentou-se, esfregou as mãos para aquecê-las e segurou o
úbere da vaca. Puxou as tetas para baixo controlando os dedos com a habilidade de um
perito.
A vaca deixou escapar um mugido baixo, mudou de posição e atingiu-o com o flanco,
derrubando-o no chão.
Atordoado, sacudiu a cabeça tentando clarear a visão. Foi quando percebeu que
estava embaixo de Larabeth. Permaneceu inerte por alguns segundos, fitando as quatro
tetas apontadas diretamente para sua face.
— Enfrentar o cano de uma pistola não podia ser mais emocionante, moça.
O som de uma gargalhada vinda da porta do celeiro o fez largar o balde e virar a
cabeça surpreso. Jenna o observava, cobrindo a boca com a mão, lutando para conter o
riso.
— Há quanto tempo está aí? — perguntou, rastejando para longe de Larabeth e
erguendo-se em menos de um segundo.
— Tempo suficiente para vê-lo subornar minha vaca. Novamente, não pôde conter o
riso. Jenna não conseguia parar de rir.
Cash sacudiu a poeira e limpou o feno da calça, com um sorriso desajeitado nos
lábios.
— Sim... Bem, ela ainda vai gostar de mim. Você vai ver. Adoro domar damas que se
fazem de difíceis.
— Oh, sim! Tenho certeza disso — respondeu divertida.
Encantado, tudo que conseguiu fazer foi admirá-la. A beleza de Jenna era inebriante e
parecia resplandecer à luz da radiosa manhã. Havia algo diferente naquele rosto... O olhar
tinha o brilho saudável de uma mulher feliz. Se pudesse encontrar uma fórmula mágica de
mantê-la sempre assim, não hesitaria em usá-la.
— Veio me dar outra lição de ordenha?
Ela concordou a cabeça e caminhou ao redor do animal, com o balde de leite na mão.
— Apenas olhe e aprenda.
Em seguida, afagou os pêlos lustrosos da velha vaca leiteira e cochichou algo
tranquilizador. A vaca sacudiu as orelhas, e Jenna se sentou no tamborete, mas não a
tocou. Então, começou a entoar uma melodia:
Vaca bonita, oh, vaca bonita,
Encha o balde, se for capaz,
Ponha leite doce em nossa mesa,
Para embeber nosso pão e fazer um bolo,
Seu néctar quentinho é nosso consolo.
Vaca bonita, oh, vaca bonita,
Afagarei sua cabeça e acariciarei seu dorso,
Vou lhe contar um segredo, seu leite é um colosso.
Com mãos suaves, eu a ordenharei,
Aveia e sementes, todos os dias lhe ofertarei
Vaca bonita, oh, vaca bonita,
Encha o balde, se for capaz,
Ponha leite doce em nossa mesa...
— Boa menina... Agora acho que estamos prontas. — O tom era suave e gentil. Dito
isso, passou a ordenhar a vaca, enchendo o balde sem parar de cantar a alegre melodia.
Button e Scrappy se aproximaram, sentando-se prontos para adquirir a parte deles.
Jenna não os desapontou e esguichou o leite no focinho de ambos. Cantarolando, continuou
com a tarefa prazerosa que fazia todas as manhãs.
Cash sentiu um aperto doloroso no peito, que o deixou atordoado e, então, percebeu
algo que não queria admitir. Encontrava-se no meio de uma jogada difícil e tinha certeza de
que jamais poderia vencê-la. Talvez aquele fosse o pior desafio de toda sua vida.
Estava apaixonado por Jenna. E, se não houvesse os salões de jogos, até poderia
almejar passar o resto de seus dias na companhia daquela mulher ali naquela fazenda. Mas
isso era um sonho impossível. E Cash não era homem de desperdiçar suas energias com
quimeras que jamais poderiam se tornar realidade.
Durante os três dias seguintes, manteve-se afastado de Jenna. Passava a maior parte
do tempo arando os campos, trabalhando no telhado do celeiro e tentando fazer Larabeth
tornar-se mais receptiva. Mas a vaca não estava interessada em colaborar. Jamais tivera
tantos problemas com o sexo oposto como vinha experimentando desde que chegara
àquela fazenda.
— Venha, Mac — gritou, chamando o cavalo de arado. — Apenas mais uma fileira e
encerraremos o trabalho por hoje, amigão.
A pá escavou o chão, revolvendo o solo úmido. Passada a tempestade, o calor da
primavera aquecia a terra e a temperatura do corpo de Cash quase beirava a ebulição.
Exausto, passou a mão no rosto, limpando o suor que lhe escorria das faces. Mas, apesar
de tudo, não se ressentia daquele cansaço, pois estava construindo algo de útil com suas
próprias mãos.
— Só existe uma coisa mais inconstante do que o tempo: é a mente feminina —
murmurou, pensando em Larabeth e Jenna.
Rumou a passos largos para o celeiro, alcançou um pedaço de pano e uma barra de
sabão e se dirigiu à tina de água, amaldiçoando o calor escaldante. Estava sujo e suado.
Um banho morno e relaxante em uma banheira de porcelana era tudo de que precisava e,
se tivesse pensado nisso antes teria ido até o riacho. Mas devido ao adiantado da hora, teria
que se contentar apenas com um pouco de água fria.
No momento em que despia a camisa e respingava um pouco de água na face,
Antônio surgiu montado em sua velha égua, com um sorriso escancarado nos lábios.
— Cash, você precisa fazer com que a srta. Jenna vá até nossa casa, o mais rápido
que puder.
— Por quê? Algum problema com Ben? — Durante um breve instante, fitou o rapaz,
confuso, como se não entendesse o que acontecia.
Havia uma nota de urgência na voz do jovem, contudo continuava ostentando aquele
sorriso tolo.
— Não, papai está bem. Diga-lhe apenas que a mamãe precisa vê-la o quanto antes.
E depois a leve até lá.
— Eu? — perguntou, apontando o dedo indicador para o próprio peito. — Você
conhece Jenna, ela vai fazer milhões de perguntas.
O sorriso de Antônio se ampliou.
— Eu sei. E por esse motivo que não vou lhe contar mais nada. Diga-lhe apenas que
Rosalinda quer vê-la depressa. E ela virá.
Cash hesitou. Até aquele momento, vinha conseguindo seu intento de se manter
afastado de Jenna. Não se repetiram as noites junto à lareira, os olhos nos olhos, as aulas
de ordenha com Larabeth. Sempre acordava mais cedo do que ela, esforçava-se para
ordenhar a obstinada vaca e então fingia estar dormindo ou saía do celeiro antes que Jenna
entrasse. Fazia o desjejum em silêncio e apressava-se em voltar para os campos. Durante a
hora da ceia, arrumava uma desculpa alegando estar muito cansado e se recolhia cedo.
Seu plano vinha dando certo até então. Com isso ganhara mais tempo para dedicar
seus pensamentos ao primeiro amor da sua vida: o jogo. Sonhava em voltar aos salões e
apostar altas somas em dinheiro, em lançar mão de sua perícia para ler a mente dos adver-
sários. Pensava na emoção de ganhar e no quanto desejava voltar à vida de antes. A vida
de jogo.
Mas não havia como negar o pedido de Antônio. Sentia que algo estava acontecendo
e se Rosalinda precisava de Jenna, ele a levaria até sua casa.
— Certo, eu a levarei. Mas ela ficará irritada comigo durante todo o trajeto.
Antônio riu antes de montar o cavalo e se afastar. Cash passou a mão no rosto e
sacudiu a água da cabeça, tal como Scrappy fazia quando tomava um banho. Em seguida,
dirigiu-se à porta dos fundos da casa da fazenda para transmitir a mensagem de Antônio.
Jenna não podia imaginar por que Rosalinda precisava dela com tanta urgência.
Rezou em silêncio, pedindo a Deus para que não houvesse acontecido nada de errado com
Ben. Levou algum tempo para guardar a comida que estava preparando e saiu para o pátio.
Cash estava ao lado de Queen, à frente da casa, aguardando-a. Jenna se aproximou
e avaliou o animal. Com a cabeça empinada, a pelagem brilhante, a égua era alta e tinha
um porte imponente, como se realmente fosse uma rainha.
— Acho que não vou conseguir montar. — Mesmo assim, segurou as rédeas, pôs o pé
no estribo alto e deu um pequeno salto para alcançar a sela. Naquele momento se
desequilibrou e deslizou pelo flanco do cavalo.
Cash ergueu-a, segurando-a pela cintura, antes que ela caísse no chão.
— Não permite que ninguém faça nada por você, não é mesmo, senhorita? — As
palavras foram ditas com certa brusquidão.
— Faço o que precisa ser feito. Sempre foi assim antes de você aparecer, por que
deveria mudar agora? — bradou na defensiva.
— Uh-hum, parece furiosa...
— Vai ficar me segurando o dia todo ou vai me pôr em cima desse cavalo?
Cash sorriu e um ligeiro brilho passou pelos olhos azuis.
— Bem, poderia levá-la em meus braços o trajeto inteiro até à casa de Rosalinda. Não
pesa mais do que uma pluma, mas chegaremos mais rápido montados no lombo de Queen.
Em seguida, acomodou-a sobre o dorso do animal e sem hesitar montou a égua atrás
dela. O calor daquele contato a fez estremecer de leve. Segurou as rédeas no mesmo
instante em que os braços dele rodearam sua cintura, enlaçando-a com firmeza.
— Eu assumo o comando. Está pronta?
Antes que ela tivesse a chance de responder, cutucou a égua com os tornozelos e
saiu em um galope rápido à luz do ocaso.
Jenna empertigou-se. Jamais ficara tão próxima de Cash... Bem, desde que
descobrira que ele não era Blue Montgomery. Mas naquele momento sentia a presença viril
daquele homem, o peito largo e musculoso pressionado contra suas costas, e sentia
vontade de aconchegar-se à rigidez daquele corpo. Queria permitir que Cash assumisse o
controle de tudo. Todavia, o bom senso não lhe permitia deixar de lado as inúmeras razões
pelas quais não poderia sucumbir aos impulsos de seu coração... E de seu corpo. Seria um
erro deixar-se levar pelo romantismo. Em breve ele partiria para sua vida de jogo. Não devia
alimentar esperanças tolas em relação àquele irresistível forasteiro.
— Eu não me afligiria tanto, Jenna. Antônio não parecia preocupado. Não acho que
tenha acontecido algo de grave.
Podia estar enganada, mas parecia que aquele homem tinha o poder de ler seus
pensamentos. Ao virar-se para encará-lo, surpreendeu-se por seus lábios estarem tão
próximos e, por um instante, pensou que seu coração fosse parar.
— Espero que tenha razão.
— Pode apostar que sim.
— Cash!
Ele resmungou.
— Oh... Não tenha dúvida quanto a isso — disse, meneando a cabeça com o olhar
brilhante.
Jenna suprimiu um sorriso e se aninhou no conforto dos braços protetores que a
envolviam, puxando-a de encontro ao peito rijo e másculo. Durante alguns minutos, apenas
alguns minutos, disse a si mesma que se deixaria levar pela fantasia de que Cash era o ho-
mem dos seus sonhos... Um homem bom que lhe infundia confiança.
— Há muito venho sonhando com isso. Todas as noites.
A voz sussurrada e sensual a fez sentir um arrepio e quase respondeu: "Eu também".
Apoiou-se mais pesadamente de encontro àquele corpo ardente e sentiu-se gratificada
ao ouvi-lo suspirar e gemer. Naquele momento percebeu que estava brincando com fogo,
mas sentia-se atraída demais para resistir ao charme e energia inebriantes que emanavam
de Cash. Tinha a sensação de ser uma mariposa ao redor de uma fogueira.
Quando finalmente se aproximaram da casa de Bem e Rosalinda, Jenna percebeu que
o seu sonho dourado estava prestes a findar. Então, fechou os olhos e esqueceu o mundo
ao redor. Não desperdiçaria aquele belo e estranho momento nos braços do jogador, Cash
Callahan, porque muito em breve ele partiria de sua vida para sempre e se tornaria apenas
uma doce lembrança.

CAPÍTULO XI
— Hoje é o dia do meu aniversário? — Jenna parecia atordoada ao caminhar para o
interior da casa de Ben e Rosalinda.
— Si, querida. Nós não esquecemos. — Rosie segurou-a pelas mãos. — Hoje está
completando vinte e um anos.
Os três se entreolharam por alguns momentos com uma expressão de pura alegria.
Não havia como ignorar o brilho de felicidade que pairava em suas fisionomias.
— Feliz aniversário, Srta. Jenna! — exclamou Antônio, fitando-a com olhos pretos
repletos de ternura. Aproximou-se e beijou-a na face. O jovem, com os dentes brancos
brilhando em contraste com a pele morena, assemelhava-se mais fisicamente à mãe do que
ao pai. — Vamos comemorar. Mamãe lhe preparou um belo banquete!
Jenna passou pelo rapaz e estacou ante a imagem que se apresentava a sua frente. A
visão ficou embaçada com um nevoeiro de lágrimas ao fitar a mesa que exibia inúmeras
travessas com suas iguarias prediletas.
— Oh, isto é tão... Tão maravilhoso...
— Estamos dando uma festa, senhorita. E você, esta noite, é a nossa convidada de
honra — disse Ben, acomodando-se em uma cadeira e apoiando a perna machucada para
cima.
Naquele instante, três colonos entraram no recinto, tiraram os chapéus e sorriram ao
ver a quantidade de quitutes variados feitos pela dona da casa.
— Obrigada a todos. Eu... Eu não sabia. Não me lembrei. — Assim que acabou de
mencionar aquelas palavras, fitou Cash com uma ponta de suspeita no olhar.
Ele arqueou uma sobrancelha e meneou a cabeça em completa confusão.
— Não olhe para mim. Eu não sabia de nada — defendeu-se, dirigindo o olhar para
Rosalinda e Ben. — Parece que os nossos amigos conseguiram esconder tudo de nós dois.
— Bem... Cash. Nós... Ahn... Conhecemos a Srta. Jenna. Se você soubesse do nosso
plano, ela ficaria desconfiada e poderia ter estragado a surpresa.
Jenna abraçou o casal. O carinho daquele gesto a deixou emocionada. Tê-los como
amigos era o único lenitivo de sua vida tão sofrida.
— São tão atenciosos. Nem sei o que dizer...
— Você é como se fosse minha própria filha, mi corazon. E um enorme prazer poder
lhe proporcionar esta festa. Venha, vamos comer — ofereceu Rosalinda, gesticulando com a
mão. — Comeremos lá fora. Está muito calor aqui dentro, não é? Sentaremos à sombra das
árvores.
Meia hora se passou. Após refestelar-se com uma grande variedade de comidas que
iam desde os famosos tamales de Rosalinda ao suflê de batatas favorito de Ben, Cash
ergueu-se, espreguiçou-se e então caminhou alguns metros, a fim de se sentar ao lado do
velho fazendeiro em um banco de madeira. Um dos colonos tinha levado uma rabeca, e o
bailarico havia começado.
Por alguns instantes, centrou sua atenção em Jenna que se movimentava com graça e
agilidade, enquanto girava com Antônio ao som dos acordes alegres do delicado
instrumento. As faces estavam coradas, transbordando de alegria.
Acendeu um charuto e desviou o olhar para os campos abertos. O solo, recentemente
cultivado, aguardava paciente pelas sementes que o nutririam, pela germinação dos grãos
e, por fim, a florada. Não podia olhar nem mais um segundo sequer para Jenna. A mulher
que lhe pertencera, mas apenas por uma terrível ironia do destino. Deveria partir, e o quanto
antes fosse embora da fazenda melhor. Queria apenas ter certeza de que a deixaria em
segurança. Então partiria. E cada um seguiria sua própria vida. Seus destinos jamais de-
veriam ter se cruzado.
Quando a música parou, olhou para Ben.
— Como está sua perna?
— Melhorando. Gostaria de lhe agradecer outra vez por me prestar os primeiros
socorros, aquele dia. O médico em Goose Creek disse que você fez um excelente trabalho.
Ele suturou a ferida e disse que logo estará cicatrizada, mas vou precisar de uma bengala
para me locomover durante algum tempo. O pior de tudo é que me proibiu de trabalhar nos
campos por enquanto.
— Jenna ficou muito preocupada com você. Ben sorriu.
— Eu sei. Ela sempre foi uma pessoa muito especial. Ficamos contentes de vê-la feliz
outra vez.
Cash acenou com um movimento de cabeça, lançando as cinzas do charuto no chão.
Não tinha nada a ver com a felicidade de Jenna. Nada. Mesmo se soubesse como fazê-la
feliz, ela jamais permitiria que isso acontecesse.
— Está se divertindo? — perguntou Ben, distribuindo melhor o peso do corpo sobre a
cadeira.
O movimento pareceu desajeitado, e Cash pôde perceber uma expressão de dor no
rosto do homem.
— E por que não estaria? Boa comida, boa música...
— Ainda não o vi dançar com a aniversariante.
— Não gosto muito de dançar.
— Nem mesmo com a Srta. Jenna?
Especialmente com ela, pensou Cash. Se Ben pudesse imaginar os pensamentos
libidinosos que ocupavam sua mente quando fantasiava o que gostaria de fazer com ela,
não o encorajaria a tomá-la nos braços.
Fora difícil controlar a excitação, tendo-a tão próxima, durante a cavalgada sobre o
dorso de Queen. Mas pelo menos uma coisa boa adveio daquela situação: ao segurá-la ao
redor da cintura pôde notar que não havia nenhuma modificação palpável em seu corpo.
Deveria sentir-se mais aliviado pelo fato de ela não estar grávida, mas o mais estranho de
tudo era que não se sentia assim.
— Nem mesmo com Jenna — respondeu apressado. — Além do mais, Antônio não
sai do lado dela.
Ben arqueou uma sobrancelha.
— Ela é como uma irmã para ele. Recordo-me quando os dois corriam um atrás do
outro nos campos de trigo. Eram tão pequenos que a plantação densa os encobria.
Adoravam se esconder de mim. Achavam muito engraçado.
Cash sorriu, imaginando a cena da pequena Jenna com seus longos cabelos
dourados, brilhantes como ouro, rindo e se escondendo entre os colmos eretos do trigo. Ela
fazia parte daquele lugar. Pertencia àquela fazenda como as árvores que ornavam aqueles
campos. Era a única vida que conhecia. E quem melhor para compartilhar essa vida que um
amigo de infância?
— Acha que um dia Antônio deixará de vê-la como uma irmã mais velha?
Ben sacudiu a cabeça de um lado para o outro.
— Não, não acho. Mas confesso que Rosie e eu rezaríamos para que isso
acontecesse se fosse possível.
— E por que não?
— Antônio tem uma moça. Bem, pelo menos meu menino tem uma moça em mente.
Mareie Bender. Só que o velho Bender não permite que ele a corteje.
— Tem alguma idéia do por quê?
Ben esfregou os bigodes com uma expressão sombria nos olhos.
— Diz que ela é muito jovem para ser cortejada, mas suponho que não queira vê-la
envolvida com um rapaz pobre. Bender é proprietário da fazenda mais próspera desta
região. Tem cinco vezes mais terras do que nós, e todos os trabalhadores de que precisa
para obter um bom lucro.
— E a moça? Também compartilha do mesmo sentimento que Antônio nutre por ela?
Ben concordou com um gesto de cabeça, fitando o filho que tomava um gole de
limonada ao lado de Jenna.
— Ele diz que o pai dela é o único empecilho. Antônio está transtornado, e me dói
saber que Bender está impedindo a felicidade de meu filho.
Cash respirou fundo e expeliu o ar lentamente.
— Não parece justo, não é?
— Não.
Um momento de silêncio seguiu-se àquelas palavras, até que Ben perguntou:
— E você? Tem alguma informação a respeito dos homens que o estão perseguindo?
— Não — respondeu, enquanto movia a cabeça em sentido negativo.
— Acha que a Srta. Jenna ainda está correndo perigo? Cash esfregou a nuca. Não
pensava em outra coisa nos últimos tempos.
— Não posso afirmar isso com certeza. Mas posso entrar em contato com um amigo
para ver se descubro alguma coisa. Amanhã mesmo vou a Goose Creek enviar-lhe um
telegrama, preciso saber se os Wendell partiram. Pode pedir a Antônio que se mantenha
vigilante na minha ausência?
— Pode deixar. Cuidaremos do bem-estar de Jenna e zelaremos para que nada de
mal lhe aconteça. — Ben comprimiu os lábios e dirigiu-lhe um olhar. — Está ansioso para
partir da fazenda, não é?
Cash virou a cabeça e olhou na direção de Jenna. Ela parou de falar e retribuiu o
olhar. A face delicada corou, e os olhos cor de âmbar brilharam mais do que nunca.
— Sim, estou ansioso por partir.
Jenna ajudou Rosie a guardar as sobras da comida quando a festa terminou. Os
colonos haviam se retirado minutos antes, refestelados com a deliciosa comida e exaustos
de tanto dançar ao som da rabeca.
— Foi uma surpresa adorável! Mais uma vez obrigada, querida.
Rosalinda sorriu, enquanto embrulhava um prato de tamales para Jenna levar.
— Alegro-me em vê-la tão contente. Leve esses tamales para comer amanhã. Só
precisará aquecê-los.
— Oh, céus! Não posso nem pensar em comida. Estou igual a um balão. Bem, mas
amanhã é outro dia. E não duvido nada que eu e Cash comamos tudo isso no café da
manhã.
— Ótimo! Acho que está muito magra. E então, querida? Como está sendo a
convivência com ele?
Jenna encolheu os ombros e deixou-se cair em uma cadeira da cozinha.
— Cash? Sem muitos problemas, suponho. Ele partirá em breve, tenho certeza.
— Como sabe?
— Posso ver nos olhos dele, Rosa. Está inquieto, como todos os jogadores. Mal pode
esperar para partir.
— Talvez não seja isso o que vê nos olhos dele.
— Tento não pensar muito nele — respondeu firmemente, mas as palavras soaram
falsas.
Cash tinha conseguido ocupar um enorme espaço em seus pensamentos desde o
momento em que chegara, pedindo para ajudar na fazenda.
— Ele não ficaria e... E... Eu não quero que fique. Rosalinda bateu de leve na mão
dela.
— Estou vendo... Agora venha, tenho algo para você. Jenna ficou sem fala, quando a
amiga lhe entregou um belo manto de crochê.
— Um presente de aniversário!
Ela jogou os cabelos para trás, e os olhos ficaram marejados de lágrimas. Com os
dedos trêmulos pela emoção que a acometeu, examinou o manto preto, tecido com uma
trama rebuscada.
— Oh, Deus!
— Não pretendia fazê-la chorar.
Jenna soltou uma risada, enxugando as lágrimas que lhe escorriam pelas faces.
— São lágrimas de felicidade. Isto é tão lindo. Foi você mesma quem fez?
— Si, tenho trabalhado nele às escondidas.
— Muito obrigada — disse embevecida, passando os braços em torno dos ombros de
Rosalinda.
— Vai usá-lo, não vai? — perguntou Rosie.
— Um dia, espero.
— Talvez possa usá-lo para aquecer um bebê.
As sobrancelhas escuras de Rosalinda arquearam em expectativa.
As mãos de Jenna deslizaram em direção ao ventre. Um dia acreditara que aquilo
fosse possível, mas agora não alimentava mais ilusões quanto ao futuro. Jamais constituiria
a família com que tanto sonhara.
— Não, Rosa. Eu não estou grávida.
— Não? Tem certeza?
— Quase. Vou lhe contar um segredo. Ansiei por isso durante algum tempo. Queria
alguém para amar e o amor de uma criança é uma bênção de Deus. — Fez uma pausa com
uma expressão sombria no olhar. — Eu sempre sonhei em ter uma família, mas não está no
meu destino.
— Jenna, não pode afirmar isso. Um dia, quem sabe...
— Não. Não, acredito.
Rosa suspirou fundo e beijou-a na face.
— Agora está nas mãos de Deus. Tenha fé. Você verá. Tudo vai dar certo.
O trajeto de volta à fazenda transcorreu com tranquilidade. Cash falou pouco, e Jenna
estava disposta a desfrutar a quietude da noite. O calor do dia trouxera um céu limpo e
estrelado, e a lua iluminava os campos. Vez ou outra, ela olhava para cima apreciando o
brilho azulado ao redor das estrelas cintilantes.
Era um bom modo de passar o tempo, desfrutando a sensação de paz que a envolvia
naquela noite. A tensão que sentira ao cavalgar, aquela tarde, tão próxima a Cash
desaparecera. Os braços fortes a envolviam com segurança, porém sem muito contato,
agora. Não houve carícias nem palavra que descontrolassem as batidas de seu coração.
Assim que chegaram a Twin Oaks, Cash desejou-lhe boa-noite formalmente, e ela se
dirigiu para casa, apertando o manto que Rosalinda lhe fizera, de encontro ao peito. Um
instante depois subiu os degraus, girou a maçaneta e entrou em seus aposentos. Em
seguida, acendeu a lamparina sobre o criado-mudo, e o ambiente adquiriu um bruxuleio
suave. Suspirou satisfeita e colocou a adorável mantilha sobre o vestido cor de cobre.
Ambos agora adornavam o espelho.
"Gostaria de vê-la usando-o. Pelo menos uma vez."
Jenna hesitou, dando um passo atrás e refletiu sobre as palavras de Cash que
voltaram a atormentá-la. Será que fora injusta em não satisfazer o desejo dele? Bem,
poderia até cogitar a possibilidade de experimentá-lo e mostrar a ele. Mas de certo modo
não conseguiria convencer a si mesma a tomar tal atitude.
— Não. Eu não ousaria — murmurou baixinho.
Aquele vestido representava tudo que mais desprezava na vida. Talvez não fosse
justo depositar tal fardo em algo tão gracioso, mas o simples pensamento de usar aquela
roupa lhe causava arrepios.
Como sua vida se transformara em algo tão complicado?
Estava prestes a botar uma camisola para dormir, mas devido à excitação do dia,
percebeu que não estava cansada. Pegou a gata que estava deitada sobre a cama e a
aninhou em seus braços.
— Venha, Button. Vamos contar estrelas.
Logo depois, sentou-se em uma cadeira na varanda, acariciando o pêlo sedoso do
felino.
— Está muito mais fresco aqui.
Button ronronou, desfrutando a atenção e a paz. De repente, Scrappy atravessou a
porta do celeiro e correu em direção à varanda, agitando a cauda e implorando a mesma
atenção. Button bufou e saltou para fora dos braços de Jenna.
— Scrappy! — chamou Cash, amaldiçoando-o em silêncio ao avistá-lo perto de Jenna.
Button saltou para cima da grade da varanda de onde os observava em segurança.
— Não me ouviu chamar? Desça já daí — ordenou. Jenna afagou a cabeça do
cachorro.
— Eu não me importo, ele é um bom menino. Quer apenas me dar um beijo de
aniversário, certo, Scrappy?
— E isso que ele está fazendo?
— Sim.
Cash subiu os degraus bem devagar, puxou uma cadeira e sentou-se próximo a ela.
Então, acariciou o pêlo do cachorro e respondeu:
— Bem, então não posso impedi-lo.
Jenna sorriu. Cash possuía um charme que até então não descobrira: era bom com os
animais exceto claro, com Larabeth. A vaca ainda não confiava nele.
— Não consegue dormir?
— Não estava com vontade. Está uma noite muito bonita.
— Aqui fora está mais fresco com certeza. — Jenna concordou.
Cash enfiou a mão no bolso da camisa e tirou algo.
— Eu ia deixar para lhe dar amanhã, mas já que está aqui... — disse, entregando-lhe
meia dúzia de fitas amarelas e cor-de-rosa. — Feliz aniversário!
— Oh, são adoráveis!
— Vai usá-las? — A voz soou na defensiva. Jenna acenou com a cabeça, não podia
desprezar um presente de aniversário de Cash. O insulto o feriria e não tinha intenção
alguma de fazer isso.
— Achei que não fosse me dar essas fitas. Pensei que tivesse mudado de idéia, ou
talvez, quem sabe, tivesse outra pessoa para presentear.
— Não há ninguém, Jenna. Eu as comprei para você. Apenas não estava muito certo
de que as aceitaria.
— Eu o aborreci naquele dia, não é mesmo? Quando me ofertou o vestido?
Ele fitou o céu, fixando o olhar nas estrelas.
— Não sei fazer outra coisa para ganhar a vida, Jenna. Infelizmente.
— Acho que você insiste em acreditar nisso. Como pode estar tão seguro?
— Tentei, quando era mais jovem. As pessoas tiraram vantagem de mim.
— E agora você tira vantagem deles.
— Não! Nunca. Jogo honestamente. Não preciso trapacear ninguém. Aposto somente
quando as chances estão a meu favor. Esta é a característica de um jogador esperto.
Jenna percebeu que Cash tinha necessidade de desabafar. Ele se recostou na cadeira
e fechou os olhos.
— Quem tirou vantagem de você?
— Muitas pessoas, Jenna. Mas posso começar com Beau Raley. O fazendeiro de
quem lhe falei.
— Trabalhou para esse homem? — perguntou em um tom suave, surpresa de querer
ouvi-lo falar sobre aquilo, surpresa por querer ajudá-lo a aliviar seu pesado fardo.
— Não exatamente. Ele me adotou. Como já lhe contei antes, era ainda um menino e
não tinha um lugar para morar, mas sempre tentei frequentar a escola. Conseguia me
alimentar apostando os lanches de meus colegas e, às vezes, também ganhava algum
dinheiro. Mas não levava muito tempo para as autoridades descobrirem meu
comportamento condenável, ou algum pai de aluno reclamar. Escapava, pulando de cidade
em cidade, mas sempre acontecia a mesma coisa. Mentia que tinha uma família e uma casa
para poder me matricular nas escolas. Um dia a sorte me abandonou. Fui pego e, em vez de
me encarcerarem, resolveram arrumar um lugar para eu viver. Fizeram parecer como se eu
estivesse sendo adotado, mas isso estava longe de ser verdade. Permaneci naquela
fazenda o máximo de tempo que pude aguentar. Trabalhei duro, mas nunca era o suficiente.
Beau Raley, o sujeito que me adotou, era o homem mais vil que você pode imaginar.
Espancava-me com frequência. Humilhava-me sempre que tinha uma oportunidade,
lembrando-me de que não passava de um enjeítado.
Jenna ficou perplexa com tamanha crueldade.
— Ele o espancava? Mas você era apenas um menino.
— Ele não se importava com isso. Sempre me imputava a culpa por qualquer
confusão que ocorresse na fazenda.
— Oh, Cash... — lastimou com os lábios trêmulos.
— Na primeira oportunidade fugi e passei por maus bocados depois disso. Perambulei
de cidade em cidade, sempre jogando para sobreviver. Não era uma vida fácil, mas foi o
caminho que me vi obrigado a seguir. Tive até que matar, Jenna.
Ela fechou os olhos.
— Não acredito nisso.
— Pode não acreditar, mas é verdade.
— Deve ter tido um motivo muito forte para isso.
— Sim, mas matar é matar. Dois homens estão mortos por minha causa.
— Como assim? — perguntou, temendo pelo que poderia ouvir, mas por pior que
fosse a realidade assim mesmo queria saber.
— Sempre do mesmo modo, alguém trapaceando nas cartas e apontando uma arma
em minha direção quando eu os desmascarava. Sou um excelente atirador, Jenna, e é isso
que me manteve vivo. Caso contrário, já não faria mais parte deste mundo.
— Mas agiu em legítima defesa, não tinha outra escolha.
— Claro, mas às vezes me deito na cama à noite e fico questionando se isso é
realmente verdade.
Cash estava lhe dando todas as razões do mundo para odiar o jogo e os jogadores,
para confirmar o que professara durante anos, contudo Jenna não podia condená-lo de
todo. E essa constatação não só confundiu-lhe a mente como também a deixou assustada.
— Você quase morreu próximo a Turner's Pond e não estava procurando confusão.
De repente, a lembrança de Blue Montgomery voltou-lhe a memória. Pensou em tudo
que tinha acontecido nas circunstâncias de sua morte e de tudo que perdera por culpa de
Cash Callahan. Deveria odiá-lo e chegara bem perto disso quando descobriu sua verdadeira
identidade, contudo agora percebia que não havia mais ódio em seu coração.
— Atirei em um homem chamado Wendell, e a família dele veio atrás de mim.
— Mas ele sacou a arma primeiro, certo?
— É verdade, Jenna. Ele estava apontando para me matar. Eu juro.
Jenna engoliu em seco.
— Eu acredito. — Surpreendentemente, acreditava nele. Não havia como ignorar que
o homem a seu lado tinha sobrevivido a uma infância terrível, que poderia ter acabado com
qualquer criança menos diligente, ponderou com tristeza.
Naquele instante, os olhos azuis pousaram sobre os dela, em um breve encontro
repleto de ternura. Com o coração cheio de piedade por aquele homem, foi assaltada pela
estranha vontade de abraçá-lo e reconfortá-lo, mas não podia se deixar levar por seus
impulsos. Ainda não estava preparada para perdoar, e não sabia se algum dia seria capaz
de tal ato. Cash pigarreou, quebrando o silêncio.
— Tenho negócios a tratar em Goose Creek amanhã. Ficarei fora o dia todo. Precisa
de alguma coisa da cidade?
Os lábios de Jenna se curvaram. Havia centenas de coisas que precisava para a
fazenda, mas poderia sobreviver sem elas. Jamais pediria a Cash para gastar o dinheiro
dele com a fazenda. Não havia tanta necessidade assim. Todavia, desejava saber que
negócio ele teria para tratar em Goose Creek e se estava relacionado com a sua partida,
mas não tinha nenhum direito de lhe perguntar sobre isso.
— Já tenho fitas novas para os meus cabelos, o que mais eu poderia querer?
Cash fitou-a nos olhos e acenou com a cabeça.
— Partirei antes do despontar da alvorada. Terá que ordenhar Larabeth para mim. —
Ele piscou. Então, antes que Jenna percebesse o que estava acontecendo, segurou-a pelos
ombros, passou uma mão em torno de seu pescoço e deu-lhe um beijo rápido na boca.
O movimento foi tão ágil que ela apenas teve tempo para constatar que o beijo dele
ainda tinha o mesmo sabor, antes de Cash se levantar da cadeira e caminhar em direção ao
celeiro, acompanhado de seu fiel cachorro.
— Feliz aniversário, doce Jenna.
Atordoada, seguiu-o com o olhar até que a porta do celeiro se fechou. Ainda sentia a
maravilhosa sensação do calor dos lábios quentes e másculos sobre os seus.
Sabia que teria dificuldade para dormir. Passaria boa parte da noite repassando os
acontecimentos do dia em sua mente, pensando sobre o que Cash havia lhe confidenciado,
e seu coração, mais uma vez, ficaria apertado pela dor de um menino que ficara sozinho no
mundo e lutara muito para sobreviver.
Será que poderia condená-lo pelo homem que se tornara? Ou culpar o destino cruel
que cedo obrigara uma criança inocente a lutar por sua sobrevivência?
Jenna tocou os lábios com um dedo, o corpo ainda formigando, e ficou chocada ao
notar as reações que o beijo de Cash, mesmo sendo rápido quanto o roçar das asas de uma
borboleta, tinha o poder de lhe provocar.
Contemplou a gata sentada como uma estátua na grade da varanda.
— Bem, o que acha disso, Button?
O felino piscou e dirigiu-lhe um olhar preguiçoso.
Cash jogou-se em sua cama improvisada, suspirando profundamente. O que desejava
fazer na realidade era jogar-se em um rio de águas geladas para, talvez, dissipar o fogo que
o consumia.
Céus, até quando conseguiria resistir ao magnetismo daquela mulher?
Fora quase um ato heróico deixá-la sozinha naquela varanda, com o olhar sonhador,
quando tinha vontade de carregá-la escada acima até o quarto e amá-la de todas as formas
que um homem pode amar uma mulher. Até deixá-la totalmente exausta para que não con-
seguisse raciocinar. Para que não houvesse diferenças entre ambos, para que se fundissem
em um só.

CAPÍTULO XII
Cash puxou as rédeas de Queen e parou debaixo de uma árvore a algumas milhas de
distância de Goose Creek. Apeou com um movimento rápido e colocou Scrappy, que
insistira em acompanhá-lo naquela viagem, no chão. Durante o trajeto, o animal voltou a
lamber a pata repetidas vezes, o que o obrigou a fazer várias paradas até que desistiu e o
colocou sobre lombo da égua pelo resto do percurso.
— Agora terá que andar o restante do caminho, amigo — dizendo isso, voltou-se para
fitar Queen. — Não fique com raiva de mim, minha bela dama, mas serei obrigado a fazer
isto. — Jogou um pouco de água no chão e preparou uma boa poça de lama. Em seguida,
esfregou a mistura de terra e água nos pêlos lustrosos da égua. O animal sacudiu a crina. —
Não posso chegar à cidade com uma montaria tão sofisticada. Tenho que aparentar um sem
eira nem beira em todos os sentidos. O Scrappy é bem talhado para o papel. Mas você, com
esse porte garboso, vai estragar o disfarce. Preciso fazê-la assemelhar-se mais a um
pangaré.
Abriu um dos alforjes, tirou um cobertor indiano e o jogou sobre a sela do animal.
Aqueles arreios sozinhos valiam mais do que qualquer fazenda naquela região.
Feito isso, retirou a arma do coldre e enrolou-a no catre que trazia no lombo de
Queen.
— Também não posso chegar lá usando uma pistola dessa marca e calibre — disse
relutante em abrir mão da arma. — Nas últimas semanas havia se acostumado a tê-la
sempre por perto.
Chegando à cidade, encaminhou-se direto ao posto de telégrafo. Enviou um telegrama
a Louella perguntando-lhe se havia novidades sobre os Wendell e solicitou-lhe que, em caso
afirmativo, informasse-o com urgência.
— Voltarei no fim do dia — disse ao operador do telégrafo. Com sorte, poderia obter
uma resposta antes de deixar a cidade.
Passou uma boa parte do dia entrando em lojas, escutando fragmentos de conversas
e andando pelas ruas. Fez uma refeição na casa de pasto da cidade e passou algum tempo
em um saloon, angariando de maneira discreta, informações sobre os jogadores e aten-
tando para qualquer resenha que se assemelhasse aos Wendell.
A última parada foi o posto de telégrafo. Sua sorte estava voltando. A resposta de
Louella acabara de chegar.
Parou do lado de fora do posto. Recostou-se contra a parede, protegendo-se na
sombra e leu a mensagem. De acordo com a amiga, havia rumores de que os Wendell
estavam pelas redondezas. Tinha ouvido algumas narrativas de seus clientes sobre eles. Na
opinião da dona do The Palace, eles ainda guardavam rancor e aconselhou-o a tomar
cuidado.
Praguejou consigo mesmo. Esperava que já tivessem partido àquela altura e
esquecido a vingança, embora uma pequena parte de sua mente se recusasse a acreditar.
Por mais que soubesse que deveria deixar Twin Oaks e Jenna, não podia suportar a idéia
de partir sem antes deixá-la em segurança. Detestava situações que fugiam ao seu controle.
Sabia que quanto mais tempo ficasse em Twin Oaks, mais difícil seria abandoná-la.
Com Scrappy sempre o seguindo de perto, amarrou as rédeas de Queen em um poste
de madeira em frente ao mercado e dirigiu-se ao estabelecimento. Caminhou pelos
corredores, escolhendo alguns artigos para a fazenda. Uma pá nova, luvas para Jenna
trabalhar no jardim e vários outros itens. Quando se aproximou do balcão, ouviu o vendedor
se despedindo do Sr. Bender e de sua filha Mareie. Os nomes lhe vieram à mente de
imediato. Apressou-se em pagar as compras e aproximou-se deles.
Em um gesto de cavalheirismo, tirou o chapéu da cabeça e dirigiu-se à jovem.
— Desculpe senhorita. Seu nome é Mareie Bender? A menina, parecendo chocada,
voltou o olhar ao pai.
— E quem é o senhor? — inquiriu Bender, antes de permitir que a filha respondesse.
— Sou um amigo de Antônio Markham.
A jovem de cabelos castanhos, de pronto dirigiu-lhe o olhar. Cash sorriu para ela.
— Antônio mandou-lhe lembranças.
Mareie exibiu um sorriso tímido, enquanto os olhos cor de esmeralda brilhavam de
contentamento. Aquela expressão não deixava dúvidas. A menina amava o filho de Ben.
Bender franziu o cenho e apressado guiou a filha porta fora. Cash pegou suas
compras e seguiu-os.
— Espere-me na charrete, Mareie. Irei logo em seguida.
A garota assentiu com um gesto afirmativo de cabeça e afastou-se a passos largos.
— Escute — começou Bender, com o dedo em riste em direção a Cash. — Minha filha
está fora de alcance para o filho de Markham, entendeu?
Cash deu de ombros.
— Eu apenas transmiti um recado.
— Você trabalha na fazenda.
— Sim. Estou em Twin Oaks.
— Sendo assim, deve estar ciente de que aquela fazenda está quase falida. Não
podem competir no mercado. Faria uma oferta a eles se achasse que tinha algum valor. Mas
aquelas terras são improdutivas, nunca mais voltarão a dar lucro.
Cash deu de ombros outra vez e olhou para Scrappy. O cachorro estava deitado na
calçada, lambendo a pata de novo. E naquele instante, Cash percebeu. Fosse por instinto
ou por intuição, entendeu finalmente por que a pata do cachorro voltara a incomodá-lo.
Cash lançou um olhar tendencioso ao seu interlocutor.
— A terra dos Duncan é frutífera, mas com a chuva se aproximando outra vez,
ninguém pode afirmar com certeza se qualquer um de nós conseguirá terminar o plantio.
A face de Bender retorceu-se.
— Do que está falando? Olhe para a cor do céu. O sol está torrando nossos miolos,
filho. Está mais quente do que a caldeira do inferno aqui fora. Não vamos ter chuva tão
cedo.
Cash piscou os olhos ofuscados pela luz do sol da tarde e confiou em seu instinto.
— Aposto a minha égua, Queen, que amanhã irá chover.
O homem gesticulou em direção ao animal.
— Sua égua é esta?
— Sim.
Bender lançou-lhe um olhar desconfiando.
— Hum... Bem, está imunda, mas é um belo espécime. Se há algo do qual tenho
profundo conhecimento, são cavalos. E esta quer me parecer de boa raça. Como conseguiu
este animal? — perguntou, segurando as rédeas debaixo do maxilar de Queen.
Cash deu de ombros, batendo com o chapéu nos joelhos, para sacudir a poeira.
— Foi um golpe de sorte.
O homem removeu o cobertor, deixando a sela a descoberto e soltou um assovio de
admiração.
— Pois muito bem. Estou disposto a apostar minha égua contra meia dúzia de ovelhas
e dois porcos seus como vai chover amanhã.
Bender passou a mão pela testa, analisando a situação. Não havia uma só nuvem no
céu. Voltou a examinar Queen com olhar de cobiça.
— Se está falando sério, aceitarei a aposta. Cash assentiu com firmeza.
— Nunca falei tão sério em minha vida.
Os dois cavalheiros apertaram-se as mãos, selando o acordo.
— Então está apostado — disse Bender. — Irei buscar a sua égua amanhã, pois
decerto teremos um belo dia de sol.
— E eu apanharei as seis ovelhas e os dois porcos, depois que a chuva cessar.
Bender sorriu.
— Vou gostar de montar essa égua. Irei para Twin Oaks depois de amanhã —
anunciou presunçoso, virando-se para partir.
— Oh, há mais uma condição — disse Cash. — Se de fato chover, terá de permitir que
Antônio faça a corte a sua filha.
A voz do homem soou alta.
— Minha filha? Espere um minuto. Ela não tem nada a ver com nossa aposta.
— Então o acordo está desfeito. Mas se está tão certo de que não irá chover, então
não há o que temer certo?
Bender hesitou por algum tempo, e Cash quase podia ler sua mente calculista. O
homem voltou o olhar para o céu desanuviado mais uma vez, como se certificando da
impossibilidade de vir a chover.
— Acrescente a sela à aposta e terá um acordo fechado.
— Por mim tudo bem. A sela e a égua contra os seus animais. De qualquer forma, nos
veremos depois de amanhã.
— Está certo — disse Bender, caminhando com um sorriso triunfante no rosto.
Cash respirou fundo, lançando um olhar a Scrappy que continuava a lamber a pata,
indiferente ao que se passava ao seu redor.
— Estou contando com você, amigo. E melhor estar certo.
Quando Cash chegou a Twin Oaks já era noite avançada. Após desencilhar Queen e
escová-la, caminhou em direção a Larabeth.
— Como vai a minha amiga? — Deu algumas palmadinhas de leve na cabeça do
animal e acariciou-lhe o flanco como vinha fazendo durante os últimos dias.
As orelhas da vaca mexeram-se em antecipação. Cash não a decepcionou. Pegou
alguns cubos de açúcar e permitiu que ela os saboreasse.
— Aqui está. Um tratamento de primeira para uma lady.
Larabeth parecia estar começando a gostar daquele mimo noturno. E tinha de admitir,
ele também.
— Conquistar uma fêmea pode ser uma tarefa muito difícil — disse, dando uma última
pancadinha na fronte do animal. — Mas tenho certeza de que conseguirei. Não seria uma
grande surpresa para a Srta. Jenna?
Naquele momento a porta do celeiro se abriu, e Cash virou-se, encontrando Jenna
parada junto à entrada. Os longos cabelos dourados e brilhantes desciam em cascata por
sobre os ombros. A pele alva parecia tão suave e delicada quanto da primeira vez em que
havia posto os olhos nela. O corpo estava coberto por um penhoar de algodão. O traje
íntimo que lhe conferia um ar angelical e, ao mesmo tempo, provocava-lhe os mais
diabólicos pensamentos.
— Você voltou. — O tom de voz era de incredulidade.
— Tinha alguma dúvida quanto a isso?
— Não... Eu... Eu...
— Pensou que eu partiria sem ao menos me despedir de modo decente?
— Não. É que... Já era tão tarde que fiquei em dúvida. Achei que...
Cash franziu a testa e fez um gesto afirmativo de cabeça, desviando o olhar. Jenna
ainda não confiava nele. Como fora capaz de pensar que seria capaz de abandoná-la com
Ben ainda naquele estado? Que juízo fazia dele? Decerto o que pensava de todos os
jogadores. Que era um irresponsável e não tinha sentimentos.
— Pois estou de volta — disse com um tom firme. — Não partirei antes que o plantio
esteja terminado. Tem a minha palavra.
Jenna recuou alguns passos, talvez assustada pela frieza em seu tom de voz.
— Desculpe-me por entrar sem pedir licença. Virou-se para partir, mas Cash foi mais
rápido e logo conseguiu alcançá-la. Segurou-a pelo braço, forçando-a de modo gentil a
encará-lo.
— Jenna, não vá.
— Não devia ter vindo — argumentou, lançando-lhe um olhar inseguro.
Deus como a desejava! Era como se houvesse esperado por aquela mulher a vida
inteira.
— Fico feliz que o tenha feito.
Sem hesitar, pegou a lamparina da mão delicada e colocou-a no chão. Em seguida,
puxou-a para si e cingiu-a pela cintura.
— Se as coisas fossem diferentes, jamais a deixaria. Jenna parou de sorrir e fitou-o
diretamente nos olhos e em seguida nos lábios. O corpo de Cash tencionou-se, clamando
pelo dela. Segurando-a pelos ombros, inclinou a cabeça e apoderou-se de sua boca em um
beijo impetuoso que fez vibrar o seu âmago. Não era um simples e terno roçar de lábios
como acontecera na noite anterior. Era uma explosão de fogo e desejo que só se permitia
em suas fantasias mais luxuriosas.
Jenna deixou escapar um gemido rouco e passou os braços em volta dos ombros
largos. Cash pressionou o corpo contra o dela, deixando clara a necessidade de possuí-la. A
camada de tecido fino do penhoar de algodão não oferecia resistência à rigidez de seu
corpo.
Com as emoções em ebulição, aprofundou o beijo, inebriando-se com o calor e o doce
sabor daqueles lábios. Jamais esquecera a doçura que tinha o poder de apagar todas as
lembranças amargas de sua vida. Jenna era um bálsamo, um raio de sol em meio às trevas.
Precisava tanto dela, queria estar com ela...
Traçou um rastro de fogo com a ponta da língua pelo pescoço delicado, fazendo-a
estremecer. As mãos firmes moveram-se até a curva dos seios, tocando-os em seguida. Um
choque de alta voltagem percorreu-lhe o corpo quando a sentiu lânguida e entregue.
Sempre a mantendo cativa, empurrou-a até encostá-la à porta do celeiro, novamente
pressionando o corpo sólido e rígido contra o dela, fazendo-a ciente de sua excitação. —
Jenna?
Ela sabia que aquilo significava um pedido de permissão.
Cash podia perceber o desejo, a incerteza e o medo nos olhos cor de âmbar. A
decisão era dela. Não tinha nada a lhe oferecer. Ambos sabiam que um dia ele precisaria
partir. Para Jenna, o risco era grande. E para ele também. Teria de sair dali, e a ferida em
seu coração sangraria para sempre. Só Jenna possuía o poder de curá-lo.
Ela meneou a cabeça em um gesto negativo e, a despeito dos protestos de seu corpo
excitado, Cash compreendeu que aquela era a melhor decisão.
— Não. Não podemos.
Ele não argumentou. Inspirou profundamente e pressionou a testa contra a dela.
— Eu sei.
— Um dia terá de partir — sussurrou Jenna.
— Sei disso também.
— E melhor eu ir embora.
Cash assentiu e soltou-a para apanhar a lamparina.
— Acompanho-a até a casa.
Caminharam devagar até a porta da frente. Cash ansiava por abraçá-la e lhe dizer o
que ela significava em sua vida, mas de nada adiantaria. Jenna jamais poderia ser sua.
Aquela mulher era inatingível para um homem como ele.
Quando alcançaram a porta, ela quebrou o silêncio.
— Vou esquentar seu jantar e deixá-lo na mesa da cozinha.
— Não se incomode. Não estou com fome.
Jenna assentiu, mordendo o lábio quente e úmido que ele há pouco assolara com um
beijo devastador. Podia perceber a boca delicada ainda intumescida.
— Tranque a porta. Vejo-a amanhã. Assentindo, ela entrou e Cash permaneceu um
longo tempo esperando para ouvir o som da fechadura. Podia sentir Jenna atrás da porta.
Imaginou porque ela não a havia trancado. Depois de alguns minutos, ouviu o som da chave
se movendo.
— Boa noite, doçura — murmurou enquanto se afastava. Seu corpo ainda agitado e
sedento pelo desejo que o consumia.
O jantar transcorreu rápido naquela noite. Cash manteve-se silencioso a maior parte
do tempo, olhando de modo constante para a janela. Jenna imaginou se ele não estaria
esperando a chegada de alguém. Encheu uma tina com água e começou a lavar os pratos.
Cash ajudou-a como de costume, limpando a mesa e trazendo-lhe a louça suja.
Depois do modo como a havia beijado na noite anterior e de quase possuí-la, não se
importava que não estivessem conversando. Milhares de pensamentos povoavam-lhe a
mente, voltando em ritmo contínuo mesmo quando pensava já haver se livrado deles. Todos
centrados no homem que a ajudava a arrumar a cozinha e olhava repetidas vezes pela
janela. Fatigada pela falta de sono, só pensava em se jogar na cama e desligar-se do
mundo. Jamais sofrera de insônia antes de Cash entrar em sua vida.
De repente, ele gritou, arrancando-a de seu estado letárgico.
— Está chovendo!
Jenna voltou-se depressa, com os olhos muito abertos.
— O quê?
— Está chovendo, doçura. Venha — disse agarrando-a pela mão e puxando-a junto
consigo pela porta dos fundos.
Pararam no jardim enquanto os pingos grossos começavam a cair com força. Cash
deu uma gargalhada alegre, erguendo-a nos braços e rodopiando em torno de si mesmo.
Jenna ofegou quando ele a colocou no chão.
— Você viu isso? O modo como de repente o céu escureceu? — Levantou o rosto e
estendeu os braços para cima, apanhando os pingos.
— Eu vi — disse Jenna, sentindo o frescor da chuva levando embora os dias de calor
e poeira.
— Nada como uma boa chuva — declarou Cash, enquanto a água caia sem cessar
em seu rosto risonho.
Atônita com o comportamento estranho de Cash e com o riso feliz e sincero descobriu-
se rindo também. Não podia deixar de fazê-lo. Jamais vira aquele homem tão radiante de
felicidade.
— Cash?
— Fique tranquila, doçura. Não estou ficando maluco - ele falou.
Jenna assentiu ainda meio descrente.
— Poderíamos sair da chuva, agora?
Cash fitou-a de alto a baixo. O exame minucioso a fez prender a respiração e então
ela se deu conta de que o tecido fino do vestido molhado havia aderido à pele, revelando os
contornos suaves de seu corpo.
— É a melhor coisa a fazer. Vamos entrar.
Cash segurou-a pela mão outra vez e seguiram em direção a casa, deixando escapar
risadinhas durante todo o trajeto. Ambos estavam ensopados. Não brincava na chuva desde
que era criança. Naquele tempo, uma chuva de verão era tão bem-vinda quanto uma boa
colheita e aproveitava aqueles momentos felizes para fazer travessuras e se refrescar. Mas
não estavam no verão, iam longe seus dias de infância e a chuva poderia atrasar o plantio.
Jenna pegou duas toalhas de linho no armário da cozinha e ofereceu-lhe uma.
— Aqui está, seque-se um pouco.
Cash enxugou o rosto e colocou-a de lado. Pousou as duas mãos no arcabouço da
porta, olhando para fora.
— O que acharia de ter algumas ovelhas e mais porcos na fazenda?
Jenna hesitou, imaginando o motivo da pergunta. De fato, Cash vinha agindo de
maneira estranha aquele dia.
— Adoraria. Mas não posso me dar a esse luxo com tantas prioridades pela frente. E,
infelizmente, não tenho amigos ricos.
— Não precisa. — Virou-se para fitá-la. — Amanhã lhe trarei meia dúzia de ovelhas e
dois dos melhores porcos do Sr. Bender.
— Do Sr. Bender? O que ele tem a ver com isso?
— Simples. Apostei com ele que hoje iria chover.
— Você apostou com ele? — O coração de Jenna quase parou. Sua mente foi varrida
por pensamentos terríveis.
— Não fique chateada, só fiz isso por você e pela fazenda. Lembra-se de quando nos
casamos...
— Cash, por favor! — interrompeu, levantando a mão para detê-lo. Ouvir aquilo era
demais para o seu estômago. Não suportava se lembrar do casamento de mentira e tudo
que o sucedeu.
Ele se aproximou, fitando-a nos olhos.
— Precisa fazer melhorias nesta fazenda. Sempre teve essa intenção. Meia dúzia de
ovelhas e dois porcos serão de grande valia.
— Eu ficaria feliz se os tivesse obtido de modo decente — argumentou com um brilho
indignado no olhar.
— Jogar não é indecente. As pessoas é que são. Existem pessoas boas e más em
todos os lugares.
Jenna fechou os olhos. Chegara a pensar que Cash havia compreendido seus
sentimentos em relação à jogatina.
— O que ofereceu nesta aposta? — indagou de maneira rude.
— Queen. E a sela.
Ela abriu os olhos surpresa.
— Aquele cavalo e a sela valem menos do que os animais de granja.
— Isso mesmo. Mas o Sr. Bender não se importou com isso. Pensou que iria ganhar.
Jenna sentou-se à mesa, esfregando os ombros. Passou os dedos pelas têmporas
para diminuir a tensão e exalou lentamente. Ao lado de Cash Callahan, a vida era tudo
menos insípida. Primeiro, foram seus beijos na noite anterior que quase a fizeram
desfalecer. E agora, aquilo. Com animais ou não, ele tinha de saber que não aprovava sua
mania de jogar.
— E como sabia que iria chover? Acho que não tem esse poder.
Cash sorriu e sentou-se a seu lado.
— Não, mas acho que Scrappy sim. Notei que sempre antes de chover, ele lambe a
pata sem parar. Deve ter alguma fratura no osso ou algo parecido... Parece saber quando o
tempo vai mudar.
Ela espalmou as mãos sobre a mesa e lançou-lhe um olhar irado.
— Você é mesmo um jogador inveterado. Não mudou nada.
— Nunca disse o contrário. Sei que não acreditará quando eu disser, mas você
também é uma jogadora.
Jenna soltou uma gargalhada estridente mediante a afirmação descabida.
— Isso é um absurdo!
— Oh! — Cash levantou-se e caminhou em direção à porta dos fundos, gesticulando
para os campos. — Todas as vezes que ara, planta e trabalha duro até se sentir toda
dolorida, está jogando. Está apostando que o sol aquecerá a terra na medida certa, que a
chuva cairá de maneira moderada para assentar as sementes, que nenhuma praga atacará
a plantação. Enfim, está apostando tudo em uma colheita próspera e sadia.
— É diferente Cash.
— É mesmo? Pense nisso, Jenna. No dia que me encontrou desfalecido em Turner's
Pond, tomou minha vida em suas mãos. Apostou que poderia me salvar. Minha sorte estava
em alta naquele dia, e você conseguiu.
— Está tentando me confundir.
— Não. Estou falando sério. — Voltou a sentar a seu lado, tomando-lhe as mãos entre
as suas. — Não consegue perceber, doçura? A vida toda é um jogo de opções. Escolheu
trabalhar essas terras apesar de saber que todas as probabilidades conspiravam contra
você. Optou por tomar-me a seus cuidados e salvou-me. Neste exato momento está
apostando que não vou partir antes que Ben esteja recuperado.
Jenna contemplou-o por um longo e silencioso momento, tentando abstrair o
significado de suas palavras. Ele não resistira à tentação. Viera para ali trabalhar, mas
voltara a jogar. Como poderia permitir aquilo? Aceitar o que Cash havia ganhado, quando o
simples pensamento do modo como conseguira a fazia sofrer?
— Não posso aceitar esses animais.
— Um homem não pode voltar atrás em uma aposta — disse com serenidade. — Olhe
para mim e veja-me como sou, e não como um desonesto capaz de se aproveitar de uma
mulher inocente. Eu não aceitaria aquela aposta com Bobby Joe se eu a conhecesse. Você
diz que não me conhece, mas sabe que isso não é verdade. Recusa-se a admitir que eu não
seja o tipo de homem que lhe causaria algum mal deliberadamente. Eu jamais faria isto,
tenho apenas tentado ajudá-la. Fiz a aposta por você e pela sua fazenda.
Jenna meneou a cabeça como que negando suas palavras.
— E se eu lhe pedir para não cobrar a aposta? Cash mordeu o lábio.
— Eu respeitaria sua vontade, mas estaríamos arruinando a vida de Antônio.
— Antônio? — repetiu Jenna, com a mente em redemoinho. O que poderia seu amigo
de infância ter a ver com tudo aquilo?
— O Sr. Bender concordou em deixar Antônio fazer a corte à sua filha como parte do
acordo. — Cash sorriu satisfeito. — Acreditava tanto na vitória que...
— Que resolveu barganhar a filha. Que ser desprezível ele é!
Cash passou a mão pelos cabelos.
— Antônio, por certo não pensará desta forma. E duvido que Mareie o faça. Estão
apaixonados.
Jenna lançou-lhe um olhar desconfiado.
— Por que fez isso? E não me diga que é por ser um jogador.
Ele deu de ombros.
— Sempre encontro um modo de conseguir o que quero. Por sobrevivência, suponho.
E naquele momento o que almejava eram os animais granjeiros para a fazenda. Você
merece, faz um belo trabalho aqui. Antes de partir, gostaria de me certificar de que a ajudei
de alguma forma.
A sinceridade daquele homem a sensibilizou. Tinha sido bom para Antônio. Há alguns
dias, o amigo havia lhe confidenciado seu amor por Mareie. Parecia tão desolado,
imaginando quando teriam a chance de voltar a se ver. E Cash havia achado uma maneira
de tornar aquele romance possível.
— E então, posso pegar os animais amanhã? Jenna passou a mão pelos cabelos,
pensativa. Não poderia recusar, mesmo que não concordasse. E depois de ouvir os
argumentos de Cash, não estava tão certa de seu ponto de vista.
Não era fácil mudar algo por tanto tempo arraigado à sua mente, mas, talvez, fosse
hora de rever suas convicções.
— Não temos lugar para colocar as ovelhas.
Com um brilho intenso nos olhos azuis, Cash lhe fez uma oferta.
— Construirei um pequeno curral, assim que eu puder.
Jenna fitou-o temerosa, imaginando se devia confiar naquele homem e aceitar seu
oferecimento, para... Como ele mesmo dissera, incrementar o trabalho na fazenda. Deixou
escapar um suspiro profundo e ergueu os olhos para encará-lo.
— Pode pegar os animais amanhã.

CAPÍTULO XIII
Sozinha em seu quarto naquela noite, Jenna despiu as roupas molhadas, uma a uma,
enquanto seus pensamentos voaram para Cash. Andou alguns passos e aproximou-se da
janela, imaginando se ele estaria fazendo o mesmo. Será que estaria despindo lentamente a
camisa molhada e deixando as gotas de chuva escorrerem pelo corpo? Pensaria nela ou no
modo como haviam se beijado? Todas aquelas perguntas torturavam-na, impedindo-a de
pensar em outra coisa.
Imagens de Cash nu deitado na cama, amando-a, vieram-lhe à mente de modo vÍvido.
Seriam as lembranças da noite que passaram no hotel em seu primeiro dia de casados ou
visões do que gostaria que estivesse acontecendo naquele exato momento? Desejaria fazer
amor com ele mais uma vez? Sentir o abraço forte e protetor, as carícias ousadas e o amor
exigente até que seus corpos se exaurissem?
Fechou os olhos, mas as imagens não se dissiparam. Não conseguia bloqueá-las nem
tampouco negar seus sentimentos em relação a Cash Callahan, o jogador que partiria tão
logo os campos estivessem cultivados. Deus misericordioso, só podia estar ficando louca.
Ansiava pelo amor de um homem que deveria odiar. Um homem que lhe causara tanto
sofrimento.
— Não seja tola, Jenna — murmurou baixinho.
Em meio a tamanho silêncio, o ritmo cadenciado da chuva suave batendo de encontro
ao telhado era tudo que se podia ouvir. Um vento suave e agradável penetrava pela janela e
balançava as cortinas. Graças a Cash não havia mais goteiras na casa.
Cruzou os braços em torno de si e encostou-se à parede, usando apenas uma
camisola fina que não a abrigava do frio. Mas era como se estivesse imune ao desconforto.
Dirigiu o olhar para o espelho e observou o vestido que Cash lhe dera que nunca havia
usado.
A vida é um jogo de opções.
Aquelas palavras ecoaram-lhe na mente. Cash dissera o que achava ser verdade, mas
ainda se sentia confusa e insegura. Teria ele razão? Seria a sua vida um grande jogo assim
como a dele? E mesmo que isso fosse verdade, o que aquilo traria de bom? Entregaria seu
coração a um homem que em breve a abandonaria para voltar a vida de jogo que levava
antes. Não pretendia alimentar esperanças quanto à possibilidade daquele homem mudar.
Milagres não acontecem de uma hora para outra, e o preço da entrega seria muito alto. Não
suportaria novas perdas em sua vida.
Caminhou até o vestido e acariciou o laço, os botões em forma de pérola e a costura
delicada com a ponta dos dedos.
Como Cash podia imaginá-la digna de uma vestimenta tão elegante? Não passava de
uma camponesa rude que voltava para casa todos os dias com as unhas crivadas de terra
após um árduo dia de trabalho na terra. Os braços eram fortes de tanto carregar toras de
madeira e arar a terra. Vestia roupas remendadas e nada sabia sobre moda ou elegância.
Mesmo assim, ele fora capaz de vislumbrá-la naquela roupa. Escolhera-o especialmente
para presenteá-la. E para ser franca, não podia deixar de se sentir lisonjeada por aquele
mimo.
Uma estranha sensação apossou-se de seu ser. Estremeceu de leve, e não conseguia
desviar o olhar do vestido. Era como se o traje houvesse ganhado vida própria e clamasse
por ela, chamando-a de covarde, medrosa e insegura.
"Do que tem tanto medo?", perguntou a si mesma, mordendo o lábio inferior com
força, enquanto contemplava a peça. E de repente tudo ficou claro em sua mente.
Confiança.
Tinha medo de confiar outra vez.
E esperança.
Não suportaria voltar a ter esperança na realização de seus sonhos e vê-los mais uma
vez perderem-se no vazio.
Fora isso que fizera durante a maior parte de sua existência. Inundara a alma e o
coração de sonhos, deixando-os pairar a sua volta como sombras que formavam uma
redoma e a afastavam da cruel realidade. Agora sabia que desapontamento e desilusão
também faziam parte da vida.
Lutou contra o impulso e a tentação à medida que o vestido com sua beleza elegante
a impelia a tocá-lo. Porém, o conflito que se travava em seu interior foi interrompido quando,
de súbito, ouviu alguém bater à porta do quarto.
— Jenna, ainda está acordada? — A voz de Cash era grave e suave.
Ao ouvi-lo chamá-la quase teve uma vertigem. Ele jamais viera a seu quarto.
— Oh, hum... Sim. Estou acordada. — Procurou pelo robe, ajustando-o ao corpo e
certificando-se de que estava coberta do pescoço ao tornozelo.
— Vou visitar Ben. Só queria avisá-la de que me ausentarei por algumas horas.
A curiosidade a venceu. Abriu a porta com um toque de cautela. Ele inclinou o corpo
de encontro à pequena abertura, parando a alguns centímetros dela. A fragrância agradável
de sabonete e água de chuva violou seus sentidos. Cash vestia roupas limpas. Os cabelos
molhados e penteados para trás realçavam o profundo tom azul dos olhos. Não só a cor
excepcional, mas a intensidade daquele olhar penetrou-a até os ossos.
— Por quê? Algum problema?
Cash irrompeu para dentro. De imediato um calor intenso aflorou às faces de Jenna,
quando notou a direção que tomou o olhar masculino. Era evidente que notara o vestido
pendurado no espelho.
Passados alguns segundos, voltou a encará-la.
— Problema nenhum, doçura.
O interesse de Cash era visível. Os olhos percorriam o corpo feminino, devagar e de
modo lascivo, como se tivesse o direito de fazê-lo e não se incomodasse com a óbvia tortura
que aquilo lhe causava. Observou os cabelos longos e o modo como reluziam sob a luz
tênue da lamparina. Deslizou o olhar pelo pescoço e deteve-se por alguns instantes nos
seios perfeitos pressionados contra o decote da camisola.
Jenna puxou o robe e apertou o tecido junto ao corpo.
O movimento pareceu despertá-lo como se houvesse emergido do transe sensual.
Fitou-a nos olhos e sorriu. O coração de Jenna bateu em descompasso.
— Vou levar as boas novas a Antônio. Não terei tempo de ir lá amanhã. Estarei
ocupado buscando as ovelhas e os porcos. E quando voltar espero construir o curral que lhe
prometi. Acho que nada deve impedir que um homem e uma mulher fiquem juntos — disse,
fazendo uma pausa e ponderando com cautela. — Se eles... Se amam...
Jenna ofegou, engoliu em seco e, em seguida, passou a língua pelos lábios na
intenção de umedecê-los. Por um instante Cash observou-a como que hipnotizado. Depois
piscou várias vezes e inclinou-se em sua direção. O movimento a fez sentir um arrepio
quente e sensual. Pensou que iriam se render a mais um beijo. Dessa vez não iria se afastar
ou recusar o contato. Se ele queria beijá-la, não evitaria. Ao contrário, retribuiria de imediato,
fazendo-o ciente de estar sendo bem-vindo.
Mas, para sua surpresa, Cash piscou outra vez e afastou-se, saindo do quarto em
direção ao corredor.
— Acho melhor ir andando, ou chegarei tarde. Não se esqueça de trancar a porta. Não
vou demorar.
Jenna bateu a porta com força e recostou-se no batente. O gosto amargo da decepção
misturado a uma miríade de emoções a assaltou de pronto, devastando-lhe a mente e o
coração. Não contara com uma reação tão reservada da parte dele. Ansiara por seu toque
e, daquela vez, fora Cash o cauteloso. O desejo que ardia nos penetrantes olhos azuis era
evidente, mesmo assim tomara a decisão de se afastar. Não podia negar que aquele
homem tinha um incrível autocontrole.
Também não era de se estranhar, rejeitara-o no celeiro na noite anterior, bem como
em seu coração. Havia deixado bem claros seus sentimentos por ele. E parecia que
finalmente Cash compreendera a mensagem. Não queria se envolver com um jogador que
estava ali apenas de passagem e logo partiria. Agora, entretanto, a situação era bem
diferente e naquele momento não tinha certeza de mais nada.
Na manhã seguinte, bem cedo, Cash vestiu-se apressado e desceu a escada de
madeira no celeiro para ir ao encontro de Larabeth.
— Como está a minha formosa dama esta manhã? A vaca leiteira olhou-o de soslaio.
Cash correu a mão ao longo do flanco robusto do animal e afagou-lhe a cabeça.
— Está esperando alguma coisa? — provocou.
As orelhas de Larabeth abanaram levemente. Começava a conhecer os movimentos
do bovino. Colocou a mão no bolso e retirou alguns cubos de açúcar.
— Aqui estão amiga. Talvez em breve, você venha a gostar de mim.
Na noite anterior, Antônio pensara que ele havia realizado um milagre: o rapaz não
cabia em si de tanta felicidade ao receber a notícia de que Bender permitiria que fizesse
corte à filha dele. Sentiu uma certa satisfação por poder proporcionar àquele jovem a
chance de ser feliz no futuro.
Sempre acreditara em destino. Se algo estava predestinado a acontecer nada
impediria. Claro que, sendo um jogador, sempre tentava dar um empurrãozinho na sorte. Só
não conseguia seu intento quando se tratava de Jenna.
Era tão teimosa quanto Larabeth. Mulheres! Não importava o que um homem fizesse,
não abriam mão de seus preceitos. Sabia que não a merecia, mas gostaria de partir certo de
que Jenna o achava um homem decente. Não conseguira conquistar sua confiança, mas
não a culpava por isso. Havia lhe revelado detalhes sobre o seu passado que nunca contara
a ninguém antes. Achava que Jenna tinha razão em ser cautelosa em relação a um homem
que aparecera em sua vida naquelas circunstâncias e, como um tornado, varrera todas as
suas esperanças de um futuro feliz ao lado do homem a quem amara a vida inteira.
Jenna não o queria ali. Repudiava seu caráter, sua personalidade e o tipo de vida que
ele levava. De muitas formas, o jogo definia toda sua existência e era a única verdade que
possuía.
Na noite anterior, cada átomo de seu instinto masculino lhe dissera que ela o queria.
Quando Jenna abriu a porta e apareceu trajando aquele robe, seu corpo emitiu claros sinais
de que o desejava ardentemente. Tentara demonstrar indiferença, mas havia ousadia e de-
sejo nos olhos cor de âmbar. Ela ansiava por seu beijo, e Deus sabia como gostaria de ter-
lhe satisfeito a vontade, tomando-a nos braços e beijando aqueles lábios quentes e
receptivos com intensidade e paixão.
Mas apenas beijá-la não seria o suficiente, e se o fizesse não responderia por seu
autocontrole. Queria possuí-la e fundir-se a sua alma. Desejava reivindicá-la, dar-lhe prazer,
mimar a criança que existia nela, enquanto fazia o mais puro e doce amor com a mulher.
Mas sabia que Jenna o repeliria como já havia feito antes e não poderia culpá-la. Portanto,
só lhe restava resistir à volúpia que o consumia e deixá-la em paz. Porém, tal conduta
constituía uma missão quase impossível. Ficar a sós com o objeto de seu desejo e afeição
estava se tornando cada vez mais difícil. Não conseguiria viver ali por muito mais tempo sem
possuí-la, embora o simples pensamento de partir lhe dilacerasse a alma.
— Não sou um fazendeiro — disse, dirigindo-se a Mac, enquanto o tirava da baia e o
conduzia para fora do celeiro. Com movimentos ágeis, apertou a cilha do cavalo, montou e
partiu em um trote ligeiro com Scrappy sempre em seu encalço. — Mas por hora vou pôr em
prática aquilo que sei fazer de melhor. O Sr. Bender terá de liquidar a dívida. Em espadas.

CAPÍTULO XIV
O plantio transcorria em um ritmo tranquilo. Jenna se revezava em turnos com Antônio
e Cash, e durante três dias utilizaram a se-meadora que haviam adquirido. A máquina, que
Cash apelidara de "geringonça", funcionava de maneira excepcional, e Jenna nunca se
deleitara tanto com um tempo de plantio como aquele. Passava todos os dias no campo
trabalhando a terra lado a lado com os homens. Muitas vezes se esquecia de comer e beber
de tão absorta que se encontrava em suas tarefas. As fileiras estavam tomando forma e em
breve pequenos brotos emergiriam do solo, absorvendo a luz do sol para crescerem e se
transformarem em grãos de trigo amarelos, estendendo-se pelo solo como um tapete
dourado. Jenna cambaleou, sentindo-se fatigada, mas ainda assim conseguiu recuperar o
equilíbrio antes de cair, enquanto caminhava ao lado da última fileira de sementes recém-
plantadas. Respirou fundo e lançou um olhar para a terra plana até o horizonte. O cenário
era maravilhoso, eram os campos que seus pais outrora haviam arado com tanto amor e
dedicação, a fazenda chamada Twin Oaks. Nela depositava todas as esperanças de um
futuro melhor. O sonho que acalentara durante tantos anos de fazê-la prosperar começava a
tomar vulto. Estava conseguindo atingir seu objetivo a despeito das intempéries da vida e
dos esforços do irmão em destruí-lo. E isso a enchia de orgulho.
— Em breve — murmurou, limpando o suor da testa com as costas das mãos. —
Muito em breve teremos a melhor safra de todos os tempos.
Mas seus membros voltaram a fraquejar quase a fazendo cair outra vez. O sol
escaldante abatia-se sobre ela. Depois da chuva que trouxera novos animais à fazenda,
uma onda de calor causticante recomeçou. Sabia que aquele clima era passageiro. Estavam
apenas no início da estação para uma temperatura tão elevada manter-se por mais tempo.
Mas por ora, a temperatura abrasadora e opressiva castigava a terra.
A fadiga apossou-se dela, sentia-se exausta. A energia abundante que costumava ter
parecia ter se esvaído de seu corpo.
Caminhou lentamente em direção a casa, o mundo parecia estar girando sobre sua
cabeça. Cambaleou mais duas vezes, mas conseguiu manter-se de pé. Uma vez dentro da
cozinha, bebeu dois copos de água. Não tinha forças suficientes para se sentar e sabia que
precisava se deitar a qualquer custo. Imprimiu uma árdua jornada escada acima até chegar
a seus aposentos, onde desabou sobre a cama.
Vencida pelo cansaço, de imediato caiu em um sono profundo.
Não sabia precisar ao certo por quanto tempo dormira nem que horas eram quando
marteladas vindas do andar de baixo interromperam-lhe o sono. Levantou a cabeça do
travesseiro para apurar os ouvidos. O barulho estrondoso continuava em ritmo cadenciado.
O que estaria acontecendo? Pensou intrigada. Ergueu-se devagar para investigar. As
pernas pareciam não ser capazes de suportar o peso do próprio corpo.
Arrastando os pés sobre o assoalho de madeira até o alto da escada, olhou para
baixo. Cash estava concentrado em martelar pregos em um dos degraus.
— C.Cash — gritou, sentindo os membros mais doloridos do que quando entrara em
casa. Apoiou-se sobre a balaustrada para não perder o equilíbrio. A cabeça latejava de
modo incessante. O ambiente parecia rodar a sua volta.
Cash ergueu a cabeça e olhou para cima.
— Jenna, não sabia que estava aí.
— P... poderia fazer... Isso outra... Hora? Cash observou-a com olhar preocupado.
— O que há de errado com você, doçura?
— Estou... Muito... Cansada — esforçou-se para dizer.
Depois disso, tudo se apagou e Jenna desfaleceu como se flutuasse feito uma pluma.
Os sons apagaram-se em sua cabeça. A última coisa que recordava era ter ouvido a voz de
Cash soltando uma imprecação.
Cash precipitou-se escada acima, subindo os degraus de dois em dois.
— Jenna! Jenna! — gritava, blasfemando até alcançar o corpo inerte.
Erguendo-a com cuidado, examinou-lhe as feições. A palidez de seu rosto lembrava
uma boneca de porcelana. Amparou-a com um dos braços e deu palmadinhas leves na face
esmaecida.
— Jenna, querida, olhe para mim. Vamos... Acorde.
Notou que ela fez menção de abrir os olhos, mas foi apenas por uma fração de
segundo, voltando a fechá-los em seguida. Pousou a cabeça pendida no chão e encostou o
ouvido ao peito de Jenna, sentindo-se aliviado ao perceber a débil elevação do tórax
causada pela respiração.
Atordoado, não sabia o que fazer. Ela precisava de socorro imediato. Poderia selar
Queen e correr até a casa de Ben, mas jamais a deixaria sozinha naquelas condições.
Pensou em agasalhá-la e levá-la na charrete, mas ao fitar o rosto descorado e o corpo
inanimado, concluiu que não era o melhor a fazer. Por certo o balouçar do transporte
pioraria seu estado.
Optou por colocá-la na cama e tentar reanimá-la. Inclinou-se de modo a poder pegá-la
no colo e a ergueu com facilidade. Enquanto a carregava e a pousava sobre o leito, um
medo terrível tomou-o de assalto. Nunca havia experimentado aquele tipo de angústia
antes. Perder Jenna seria como perder a própria vida.
Tocou-lhe a fronte. Estava quente, mas não ardendo em febre. Experimentou várias
partes do corpo e todas apresentavam a mesma temperatura. Desesperado, depositou um
beijo na testa cálida.
— Em breve estarei de volta.
Desceu os degraus apressado e dirigiu-se à cozinha. Com movimentos rápidos, abriu
uma gaveta, pegou alguns panos e encheu uma vasilha com água fresca. Em seguida
retornou ao quarto.
Jenna não se movera. Encontrava-se na mesma posição, fraca, exausta e
inconsciente.
— Querida, precisa beber algo.
Ergueu-a, puxando-a de encontro ao peito. Segurou-lhe a nuca com uma das mãos e
aproximou o copo da boca lívida, mas ela não tinha condições de beber. Deitou-a de volta
na cama e molhou a ponta dos dedos na água, umedecendo-lhe os lábios. Percebeu que
estavam secos quase empolados.
— Jenna, acorde. Por favor, doçura.
O coração de Cash parecia explodir dentro do peito. Suas palavras desesperadas não
surtiam efeito algum na mulher desfalecida. Inclinou-se para frente e retirou-lhe as vestes
com extrema gentileza.
Mergulhou um pano limpo na água e passou sobre o corpo desidratado, permitindo
que a frescura do líquido permanecesse na pele macia. Deslizou o tecido molhado sobre o
pescoço, braços, barriga e pernas, deixando intocadas apenas as partes íntimas.
Permaneceu sentado a seu lado durante quatro horas, mantendo-lhe os lábios
entreabertos para gotejar água em sua boca e a pele exposta permanentemente úmida.
O dia transformou-se em noite. Cash não pretendia dormir, ficaria de vigília. Acendeu
uma lamparina e deitou-se ao lado dela de modo que pudesse observar qualquer
movimento que fizesse. Esticou o braço e afagou-lhe os longos cabelos loiros, enquanto
murmurava palavras carinhosas em seus ouvidos e mantinha o corpo ainda quente
hidratado.
"Eu a amo, Jenna Duncan" admitiu intimamente. Mas jamais lhe revelaria tal
sentimento. Estava ali apenas para aprender o quão árduo era o trabalho em uma fazenda.
Além da incerteza de uma safra perfeita havia muitas outras incógnitas. Já havia lhe
causado problemas demais, e a última coisa que aquela mulher necessitava era de mais
conflitos em sua vida. Jenna não o queria ali, em várias ocasiões deixara isso bem claro. Ele
havia sido um fardo desde o início. Para o bem dela, tão logo pudesse, partiria.
Arcaria com a dor daquela decisão a sua maneira. Não era ele que importava naquela
situação, e sim Jenna. Abraçou-a com carinho, mantendo-a bem perto de si e rezando para
que ela se recuperasse... Para que sua vida fosse melhor dali em diante e que a safra tão
esperada fosse farta e sadia.
Jenna despertou nos braços de Cash. Com a cabeça apoiada em seu ombro,
mergulhou naquele casulo aconchegante, adorando o conforto daquele tórax largo e
musculoso. Mudou de posição, movendo-se um pouco para o lado. Uma mão forte pousou
sobre seu ombro, guiando-a com gentileza. Abriu os olhos devagar, com certa dificuldade, e
se deparou com o olhar intenso de Cash Callahan.
— Bom dia — saudou-a com um brilho inebriante nos olhos azuis, mas exibindo um
sorriso que refletia preocupação.
Linhas de fadiga sulcavam o semblante másculo. Os músculos da mandíbula estavam
contraídos, e Jenna notou que a expressão dele estava tensa.
Piscou várias vezes na tentativa de clarear a mente e só então começou a tomar
consciência do que estava acontecendo. Encontrava-se nua na cama ao lado daquele
homem! Tentou encontrar alguma resposta, mas não conseguia recordar como haviam
chegado àquele ponto. A última coisa da qual se lembrava, era de estar se sentindo muito
cansada e subir para o quarto para repousar.
Encontrava-se aninhada nos braços de Cash. Teriam dormido daquela forma a noite
inteira? Teria sido ele aquele refúgio seguro com que sonhara havia pouco?
Quando Cash fez um movimento para afastar uma mecha de cabelo de sua face,
Jenna enrijeceu e percebeu o busto desnudo. Céus! Estaria totalmente nua? Não teve
coragem de conferir. Já bastava o fato de ele estar em sua cama e não conseguir se
lembrar do por quê.
— Jenna, doçura, diga alguma coisa.
— O que aconteceu? Por que está deitado em minha cama?
Um sorriso malicioso, porém deveras atraente, emergiu dos lábios tensos.
— Não pela razão que eu gostaria, querida. Jamais me aproveitaria dessa situação.
Não há nada com que se preocupar.
Jenna fitou-o confusa e alarmada.
— Então por que estou despida?
— Bem, você desmaiou devido à exaustão e ao calor.
— Não compreendo... Eu desmaiei?
— Não se lembra?
— Recordo apenas de estar me sentindo muito cansada e com sede quando estava
na lavoura. Vim para casa beber água, mas não ajudou muito. Então decidi cochilar um
pouco e não me lembro de mais nada.
— Isso mesmo. Eu estava consertando a escada, quando o barulho das marteladas
acordou-a e você veio ver que estava acontecendo. Foi quando desmaiou. Quase me matou
de susto. — Dizendo isso, curvou a cabeça e beijou-lhe a ponta do nariz. — Nunca mais
faça isso.
— Sinto muito — murmurou ainda atordoada.
— Não se lamente. A culpa não foi sua. O calor estava muito forte. Tem trabalhado
arduamente durante todos esses dias sob um sol escaldante, operando a geringonça. A
culpa foi minha, eu deveria tê-la impedido e fazê-la voltar para casa.
— Não sou responsabilidade sua.
Cash resmungou baixinho, não entendendo o significado real daquele comentário.
— Mas ainda não me disse porque dormimos juntos.
— Precisava de hidratação, então decidi ficar a noite toda a seu lado, tentando fazê-la
beber. Porém tudo o que consegui foi instilar algumas gotas de água em sua boca. Então
imaginei que se não era possível fazer com que ingerisse líquido, poderia pelo menos
manter seu corpo umedecido e refrescado.
Um rubor violento aflorou no rosto de Jenna.
— Você me despiu?
— Fui obrigado a fazê-lo. — Pegou uma mecha dos cabelos dourados enrolando-a
nos dedos e, com tom gentil, acrescentou: — Não vi nada que já não houvesse visto antes,
Está linda como sempre, mas minha única preocupação era cuidar de sua saúde e rezar
para que acordasse bem, acredite-me.
Aquele homem havia rezado? O coração de Jenna se enterneceu ao perceber algo tão
prazeroso e surpreendente. Não só acreditava como também confiava nele. Já havia
reconhecido seus sentimentos em relação a Cash, mas nunca imaginara que ele também
pudesse lhe devotar alguma afeição. Mas agora sabia que sim.
A revelação trouxe em seu bojo uma sensação de alegria que a invadiu de maneira
inexorável.
— Obrigada — agradeceu Jenna, não achando palavras para expressar sua gratidão.
— Como está se sentindo? — perguntou Cash.
A preocupação pungente nos olhos azuis comoveram-na ainda mais.
— Estou com fome e com sede — respondeu com sinceridade.
Ele se levantou de um só movimento. Por sorte, havia dormido de calça comprida.
Prestativo, Cash encheu um copo com água e lhe ofereceu.
— Aqui está, beba.
Jenna pegou o recipiente que lhe foi oferecido e bebeu o líquido de um só gole.
— Boa menina. Teria dado o meu braço direito para que fizesse isso ontem à noite. O
que gostaria de comer?
Jenna sentou-se na cama, puxando as cobertas até o pescoço para se certificar de
que estava totalmente coberta, embora uma parte de seus pensamentos lhe dissesse que
aquilo era bobagem. Cash já havia dormido com ela totalmente nua. Vira tudo que havia
para ser visto.
— Não precisa se preocupar...
— Preciso doçura, pois não irá levantar dessa cama hoje. Nem por um instante. E não
aceitarei objeções. O mais importante agora é cuidar do seu bem-estar. Precisa se
recuperar.
Sob outras circunstâncias, protestaria por ficar o dia inteiro na cama, jamais havia se
dado àquele luxo antes. Mas não lhe restava alternativa, seus membros estavam cansados
e enfraquecidos e o corpo todo doía.
Como poderia se levantar e enfrentar a lida diária? Além disso, estava apreciando a
agradável sensação de estar sendo protegida por aquele homem tão atencioso e gentil que
se esmerava em cuidados para provê-la de tudo que necessitava.
— Está certo — concordou, mergulhando a cabeça no travesseiro com satisfação.
— Está certo? — repetiu Cash com um olhar triunfante de felicidade. — Nenhuma
resistência?
— Não desta vez.
— Ótimo. O que gostaria de comer?
— Humm... Deixe-me ver... Faça-me uma surpresa.
— Acredite-me, minha comida vai ser a pior surpresa de toda sua vida.
Jenna soltou uma risada divertida, aninhando-se embaixo dos cobertores. Sua mente
dava voltas, imaginando o que Cash iria cozinhar e deleitando-se com o clima de intimidade
que se formara entre eles. Fechou os olhos e fantasiou que estavam casados de verdade e
que seu marido faria uma refeição para ambos e para os pimpolhos que estavam famintos
como sempre, após uma manhã de intensas brincadeiras. Oh, como seria a mulher mais
feliz do mundo se tais fantasias fossem verdadeiras!
Uma hora depois Cash adentrou o quarto carregando uma bandeja com bacon, ovos
mexidos e batatas fritas em uma das mãos e um copo cheio de água na outra. Achou que a
comida ficara um pouco gordurosa, mas foi tudo que conseguiu fazer.
— Bom apetite, querida. — De imediato notou que Jenna havia vestido uma camisola
e voltara a dormir.
Aliviado por sua recuperação, sorriu. — Está bem. Talvez não estivesse morrendo de
vontade de comer a minha comida — disse em voz baixa. Em seguida, colocou o prato
sobre o criado-mudo ao lado da cama e deteve-se a observá-la dormir.
O sono era tranquilo e a respiração compassada. Ela precisava descansar. Tinha
algumas tarefas a cumprir, portanto a deixaria dormindo e voltaria mais tarde para verificar
como estava.
— Logo estarei de volta, doçura — sussurrou, aproximando os lábios do ouvido dela.
Deixou a casa, atravessou o pátio e entrou no celeiro. Pegou o balde no qual Jenna
costumava coletar o leite da vaca e caminhou em direção a Larabeth.
— Muito bem, moça bonita, chegou a hora — anunciou ao animal que parecia não lhe
dar muita atenção.
Abriu a gaveta em que guardava os cubos de açúcar e não encontrou nenhum. Onde
havia deixado os cubos que sobraram? Não conseguia se recordar. Com um suspiro
resignado, pegou o tamborete, sentou-se, posicionou o balde e dirigiu-se a Larabeth com
palavras gentis.
— Parece que somos só eu e você agora, querida. Jenna precisa de ajuda, portanto
espero que coopere comigo.
A vaca se movimentou, quase o jogando por terra de novo.
— Escute Larabeth, só precisa confiar em mim — disse em um tom suave, batendo de
leve no flanco do animal. Começou a entoar a melodia que Jenna costumava cantar.
Esfregou as mãos para aquecê-las e iniciou a ordenha.
Para sua surpresa, Larabeth cooperou. O leite jorrou forte, batendo sonoro no fundo
do balde. No mesmo instante Button e sua ninhada se aproximaram atraídos pelo som, e
Scrappy veio logo em seguida. Cash riu à socapa.
— Não acredito no que está acontecendo! — exclamou em voz alta. Desejava que
Jenna pudesse ver aquilo, mas um copo duplo de leite ao lado de sua cama seria prova
suficiente do que acabara de suceder entre ele e Larabeth.
Não negligenciou os animais. Cada gatinho recebeu sua cota, bem como Scrappy.
Uma vez satisfeitos, os bichos puseram-se a lamber os bigodes, perdendo o interesse.
Quando o balde estava quase cheio, parou e esticou as pernas com satisfação. Uma
das damas daquela fazenda ele já havia conquistado. Deu duas palmadinhas no flanco de
Larabeth outra vez e afastou-se com um sorriso nos lábios. Aquilo era melhor que uma
trinca de ases, refletiu.
Alguns minutos depois, entrou no quarto de Jenna pé ante pé, sobre o piso de tábuas,
para não fazer ruído. Ela continuava dormindo. Colocou o copo de leite sobre a mesinha-de-
cabeceira e sentou-se na beirada da cama. Pretendia ficar ali, observando-a, desfrutando
daquela magnífica visão até vê-la acordar. Mas a fadiga da noite passada em claro o
abateu. Seu físico exausto lutou até quando pôde, mas parecia que suas resistências o
estavam abandonando e era forçado a admitir que precisava descansar.
— Que mal há nisso — disse em tom baixo, livrando-se das botas e da camisa.
Havia espaço suficiente na cama de Jenna. A imagem formada pela figura feminina
deitada com os cabelos ondulados, espalhados no travesseiro assemelhava-se à pintura de
um anjo, desenhada pelo mais talentoso dos artistas renascentistas. Dormiria ao lado da
mulher que amava, e esse seria o melhor sono que já tivera na vida.
Deitou-se com cautela para não acordá-la e curvou o corpo em direção ao dela. Jenna
deixou escapar um leve suspiro, rolou para o lado como se pressentisse sua presença e
aninhou-se no conforto seguro dos braços fortes.
Envolveu-a, acolhendo-a firmemente contra o peito. Respirou fundo, inspirando a doce
fragrância que exalava da pele alva e macia sob suas mãos e sentiu a cadência tranquila da
respiração de Jenna. Queria gozar plenamente daquele momento que sabia ser efêmero,
mas que por certo lhe acalentaria a alma quando a saudade e a solidão o assolassem no
futuro. Lutou para não fechar os olhos na tentativa de registrar aquele momento e guardá-lo
para sempre em sua memória, mas por fim a lassidão o venceu. Cerrou as pálpebras e
adormeceu.
Algumas horas depois, Cash acordou com o reflexo da luz do sol que se infiltrava
através do vidro da janela. Jenna estava a seu lado, com os olhos demonstrando surpresa.
— Desculpe doçura. Senti-me muito cansando e acabei dormindo também.
Ela assentiu em um gesto de compreensão.
— Ficou acordado a noite inteira velando por mim.
— A frase era mais uma afirmação do que uma pergunta.
— Isso mesmo.
— Bem, então o descanso é merecido.
Cash se levantou, lembrando-se do leite. Pegou o copo que havia deixado na mesa-
de-cabeceira e ofereceu a bebida ainda espumante.
— É melhor beber isto.
Atônita, ela lançou um olhar perplexo para o líquido.
— Você ordenhou Larabeth? Cash soltou uma risada.
— Não precisa ficar tão chocada. Jenna o imitou, rindo também.
— Mas estou. Como conseguiu?
Ele deu de ombros, falando no tom mais blasé possível.
— Da única maneira que se pode ordenhar uma vaca.
— Não foi isso que perguntei. Cash sentou-se na beirada da cama.
— Larabeth e eu chegamos a um acordo. Acho que enfim conquistei a confiança dela.
— Oh?
— Sim, Larabeth aprendeu a me conhecer assim como eu a ela. Talvez tenha sido
essa a razão.
— Confiança é algo muito importante — disse Jenna, desviando o olhar. — Gostaria
de agradecer por ter passado a noite aqui cuidando de mim.
Cash não queria seu agradecimento. Jamais a deixaria naquele estado, sentia-se na
obrigação de tomar conta dela. E além do mais, tudo que fizesse por aquela mulher ainda
seria pouco face ao que fizera por ele.
— Não podia arriscar. Você estava passando muito mal.
— E, então, resolveu praticar um ato cristão? Impaciente, ele passou a mão pelos
cabelos.
— Ora, Jenna, é muito mais do que isso.
— E o que é então?
Cash levantou-se e caminhou, parando diante da janela. Olhou a vista que se
descortinava à sua frente. Os gatinhos de Button brincavam com Scrappy no pátio. Com que
facilidade aquele cão havia se adaptado à vida na fazenda. Os campos, até onde a vista
alcançava, estavam preparados para alimentar o novo cultivo. Porcos e ovelhas ocupavam o
curral.
Lembrou-se da primeira vez que chegara ali. A única coisa que conseguia ver do
ângulo em que se encontrava posicionado na cama eram aqueles dois carvalhos
gigantescos com seus galhos frondosos parecendo trocar carícias ao sabor da brisa, em um
dia bonito e ensolarado. Twin Oaks.
— Você sabe muito bem — afirmou, apoiando os cotovelos no peitoril da janela e
permanecendo de costas para ela. — Não seria sensato definir com palavras.
Após um longo tempo, Jenna quebrou o silêncio.
— Pelo fato de estar indo embora?
— Sim — respondeu, assentindo com um gesto afirmativo de cabeça sem parar de
olhar para fora. — Porque estou indo embora.
É porque não era o homem ideal para ela. Não era um fazendeiro.
Jenna precisava de alguém que amasse a terra tanto quanto ela. Que tivesse um
passado decente e pudesse lhe oferecer uma vida estável e segura. Um homem que
estivesse à altura da grandeza da alma e da generosidade do coração daquela mulher
maravilhosa.
Deus era testemunha de como desejava ser essa pessoa. Mas ninguém podia mudar
o destino.

CAPÍTULO XV
— Não se preocupe, estou me sentindo bem, Rosalinda. Já faz semanas que
melhorei. — Jenna gesticulou para a amiga que durante todo aquele tempo a cobrira de
zelo. — Sente-se com Ben à mesa. O jantar ficará pronto em instantes.
— Não há necessidade de ter todo esse trabalho sozinha. Permita-me ajudá-la.
— Nada disso — informou, enquanto tirava os pratos do armário e os espalhava ao
redor da mesa. É um prazer recebê-los para jantar. Estou muito feliz por Ben já estar se
sentindo melhor.
O velho homem levantou a bengala e sorriu.
— Graças a este pedaço de pau. Sem isto não conseguiria me movimentar. Mas
posso lhe garantir que será por pouco tempo. Dentro em breve estarei de volta aos campos,
cumprindo meu dever.
— Não! Ainda não tem condições de voltar ao trabalho árduo. Não deve abusar —
protestou Rosalinda. — Jenna, Antônio e Cash têm trabalhado duro na lavoura, e o solo
está quase todo plantado. Precisa descansar um pouco mais, meu bem.
Ben resmungou, olhando para Jenna.
— Está vendo como minha esposa me enche de mimos? Não me deixa levantar um
dedo em casa.
— Concordo com ela. Ainda não está recuperado o bastante para enfrentar o trabalho
no campo. Precisa de mais tempo para se fortalecer.
— Sei que estão certas, mas detesto ficar em casa confinado entre quatro paredes
sem ter nada para fazer.
Jenna sorriu com ternura para aquele que havia feito o papel de seu segundo pai
durante todos aqueles anos e disse:
— Foi por isso que os convidei para virem jantar comigo esta noite.
Retirou o avental e o pendurou em um gancho ao lado do fogão a lenha. Havia posto a
mesa com sua melhor toalha e preparado um lauto jantar que lhe exigira metade do dia na
cozinha. Tinha muito que agradecer naquele dia. Desejava desfrutar a paz daquela noite em
companhia de seus amigos queridos e... Cash. Ele havia sido de uma dedicação a toda
prova. Cuidara dela durante o tempo em que estivera doente. Cozinhara, cercara-a de
atenções e não a deixara fazer quase nada na fazenda até vê-la recobrar as forças. Sabia
que a qualquer momento, com Ben se recuperando a cada dia, Cash decidiria partir. O
simples pensamento lhe causou uma dor profunda no peito, mas não deixaria a tristeza
abatê-la naquela noite.
— Hoje rezaremos por uma boa colheita e celebraremos nossa amizade. Onde está
Antônio?
Rosalinda e Ben sorriram trocando um olhar de cumplicidade.
— Com Mareie Bender — declarou o pai. — Tem ido quase todas as noites fazer-lhe a
corte.
— Oh! — exclamou Jenna com um suspiro. — Folgo em saber. E como está se
comportando o Sr. Bender? Está aceitando o namoro dos dois?
— Suponho que ele não tenha ficado muito satisfeito por perder a aposta que fez com
Cash — respondeu Ben, cocando a cabeça. — Mas, segundo Antônio, Bender não tem
criado resistência. Já o receberam duas vezes para jantar.
A porta dos fundos se abriu, e Cash adentrou a cozinha. Todas as cabeças se
voltaram em sua direção. Trazia um enorme buquê de flores silvestres em uma das mãos.
— Boa noite — cumprimentou-os com um radiante sorriso.
Jenna fitou-o, sentindo o coração disparar dentro do peito. Isso estava se repetindo
com frequência nos últimos dias. Só de olhar para aquele homem, todos os músculos de
seu corpo se enrijeciam. Não importava o que ele estivesse fazendo, era sempre a mesma
sensação. Fora assim quando o vira cortando lenha, jogando um galho seco para Scrappy
no pátio ou mesmo escovando a crina de Queen.
Céus! Quando aquilo iria terminar? Certamente não naquele momento, com Cash
parado no meio da cozinha, trajando uma blusa branca que lhe delineava os ombros largos,
exalando um aroma suave de sabão perfumado e segurando um ramalhete de flores que
trouxera para ela.
— Foram as últimas que sobraram. Comporão um belo arranjo para colocar no centro
da mesa.
Jenna pegou o buquê que lhe foi entregue, e os dedos longos de Cash tocaram os
dela. O contato causou-lhe de imediato um frio no estômago.
— Obrigada — agradeceu, fitando as flores enternecida. Engoliu em seco, mas o nó
que se formou em sua garganta permaneceu. Lutou desesperada para não cair em prantos,
e a emoção embargou-lhe a voz quase a impedindo de falar. — S... São lindas!
— Vai colocá-las na mesa?
Quando ergueu os olhos para fitá-lo, deparou com o azul profundo e arrebatador dos
olhos de Cash perscrutando-a. Foi como se tudo a sua volta desaparecesse e estivessem
sozinhos na cozinha. Aliás, era como se os dois fossem as únicas pessoas no mundo. Os
outros foram esquecidos. Encarou-o, retribuindo a intensidade daquele olhar, e
permaneceram se fitando durante um longo tempo, como se nenhum dos dois conseguisse
desviar o olhar.
Ben tossiu, quebrando o clima do momento.
Jenna virou-se a tempo de ver Rosalinda cutucando o braço do marido.
— Vocês já voltaram da lua?
Deus! Onde estava com a cabeça? Desconcertada e com as faces rubras de
vergonha, tentou manter-se ocupada, colocando as flores em um vaso.
Cash reagira com um sorriso malicioso ao comentário de Ben, enquanto tudo que ela
desejava naquele momento era fazer um buraco no meio do chão daquela cozinha e
enterrar-se nele.
Depois daquele episódio, o jantar transcorreu tranquilo. Jenna manteve as emoções
sobre controle e conseguiu relaxar um pouco. Fizeram uma prece, pedindo a Deus que
enviasse bom tempo, saúde para seus entes queridos e uma safra saudável e abundante.
Jenna havia preparado uma sopa creme de milho como entrada, frango assado,
bolinhos de massa de queijo, vagem refogada e arroz de forno. De sobremesa serviu
compota de pêssegos. Todos devoraram a comida, elogiando o seu tempero.
Quando estavam quase terminando a sobremesa, ouviram um cavalo relinchar no
pátio de detrás. De repente, Antônio irrompeu bruscamente pela porta dos fundos, com uma
expressão radiante no rosto.
— Vou me casar! — anunciou eufórico.
Por alguns instantes, todos permaneceram sentados à mesa sem esboçar reação,
como que chocados pela novidade. Em seguida, quando conseguiram entender a
informação recebida, começaram a falar todos ao mesmo tempo.
— Parabéns! — exclamou Cash.
— Quando serão as bodas? — perguntou Jenna.
— Como conseguiu isso, filho? — indagou Ben.
— Dios, Antônio. Quase matou sua mãe de susto.
— Hei! Um de cada vez — acalmou-os, transbordando de alegria.
Cash apertou a mão do rapaz. O pai lhe deu um abraço bem apertado, e os olhos de
Rosalinda encheram-se de lágrimas quando o aninhou em seus braços com toda a ternura.
A última a cumprimentá-lo foi Jenna, dando um beijo na face do amigo.
— Estou muito feliz por você. Sente-se e conte-nos tudo o que aconteceu. Gostaria de
um pouco de compota? Está bem fresquinha, fiz hoje mesmo.
— Não, obrigado. Não conseguiria comer por mais gostoso que possa estar. Estou
muito agitado — dizendo isso, tomou assento à mesa. — Não sei por onde começar. Amo
Mareie há muito tempo. Acho que me apaixonei quando ela me atirou uma pedra na escola.
Perseguia-a por todos os cantos do colégio e desde então nunca mais parei.
— Oh, que lindo! — exclamou Jenna, e quando olhou para Rosalinda, notou que
lágrimas rolavam pelas faces da mulher. Pegou a mão da amiga querida. — Ele está
apaixonado, Rosa.
— Si, si. Eu sei. Uma mãe pode ficar feliz por seu filho?
Sempre pragmático, Ben preferiu uma outra abordagem.
— Como fará para que Bender aprove esse casamento? O velho fazendeiro já está
sabendo da decisão que tomaram?
— Sim, papai. No início não estava muito contente em permitir que eu fizesse a corte a
sua filha. É um pai zeloso. Mas Mareie estava tentando vencê-lo pelo cansaço. O fato é que,
depois da aposta que o Sr. Bender fez com Cash, não pôde voltar atrás em sua palavra. —
Voltou-se para Cash. — Nunca vamos esquecer o que fez por nós. Mareie e eu já decidimos
que daremos o seu nome ao nosso primeiro filho.
— Dios! Uma criança? Está pretendendo ser pai tão cedo? — perguntou a mãe,
chocada com tanta novidade.
— Não, mamãe! Claro que não. Mas pretendemos formar uma família algum dia.
Jenna apertou a mão de Rosalinda.
— Eles são jovens, mas vão conseguir esperar. Não se preocupe, quando chegar a
hora certa, você e Ben serão avós.
Antônio soltou uma risada.
— Primeiro precisamos de um lugar para morar.
— Pretendem viver na fazenda dos Bender? — perguntou o pai, e Jenna percebeu
que ele tentava manter o tom de voz calmo.
O vizinho possuía toda a mão-de-obra de que necessitava, enquanto em Twin Oaks, o
rapaz constituía uma peça fundamental ao trabalho.
— Não! Meu lugar é aqui. Gostaria de construir uma casinha pequena, se vocês
permitirem.
Ben sorriu aliviado.
— Não só dou a minha permissão como o ajudarei a construí-la.
— Conte comigo — acrescentou Cash. — Diga-me apenas quando e onde. Nós três
juntos construiremos essa casa em um piscar de olhos. Para quando marcaram o
casamento?
— Mareie quer se casar o mais breve possível. Tem medo de que o pai tente nos
dissuadir a desistir. O Sr. Bender não se mostrou contra a nossa vontade, mas creio que
gostaria de ter a filha só para si. Acho que não se importaria nem um pouco se ela ficasse
solteira, desde que permanecesse na fazenda a seu lado.
O coração de Jenna perdeu uma batida. Era três anos mais velha do que Mareie. Com
o passar do tempo, imaginou se as pessoas não iriam considerá-la uma solteirona
desprezada. Até a morte de Blue Montgomery jamais havia cogitado essa possibilidade. A
vida seria perfeita como em seus sonhos. Ela e Blue formariam uma linda família, cheia de
filhos que a encheriam de orgulho e um dia lhe dariam netos. Mas seus sonhos feneceram,
levando consigo a esperança de ser feliz no amor.
Cash percebeu a preocupação no olhar dela e, arqueando as sobrancelhas,
questionou o que estava havendo. Jenna desviou o rosto, não conseguia encará-lo e não
permitiria que soubesse a causa da sua aflição. Recusava-se a estragar aquela ocasião feliz
e não pretendia deixar transparecer suas aflições. Pelo bem de Antônio, curvou os lábios em
um belo sorriso e voltou a encarar Cash, mas ele continuou a fitá-la com a mesma
expressão preocupada. Talvez fosse o momento de deixar Twin Oaks. Querendo ou não,
ele era uma lembrança viva de todas as perdas da vida dela, tudo que nunca mais poderia
ter.
E o pior de tudo, ele já provara ter uma capacidade ímpar de ler seus pensamentos.
Jenna despediu-se de seus convidados e, enquanto acenava para eles parada no
pátio, percebeu o olhar de Cash fixo nela a uma pequena distância. Virou-se e caminhou em
direção a casa.
— Jenna, espere.
Ela estacou, com o coração descompassado, e sorriu.
— Que boa notícia Antônio nos deu. Acho que ele será muito feliz.
Com um movimento rápido, Cash aproximou-se, estacando tão perto que suas botas
quase se encostaram. Olhou bem dentro de seus olhos.
— Não fínja, Jenna, não para mim.
— Não estou fingindo. Estou muito feliz por Antônio. Cash estendeu a mão para tocar-
lhe de leve a face.
A carícia gentil a fez desejar muito mais do que aquele simples toque.
— Felicidade é tudo que não consigo ver em seu semblante — ele afirmou.
Jenna sabia que não podia enganá-lo. Cash já havia provado que possuía o dom de
perceber seus sentimentos. No entanto, não estava disposta a discutir aquele assunto.
Deixou escapar um suspiro longo.
— Estou exausta, é só isso.
Uma faísca de raiva perpassou os olhos azuis como um frio brilho metálico, mas ainda
assim suas palavras soaram ternas.
— Algo a afligiu esta noite. Conte-me o que foi. Lágrimas de tristeza ameaçaram
brotar em seus olhos, mas Jenna as conteve. Não queria demonstrar fraqueza diante dele e
chorar não ajudaria em nada. Não era mulher de ceder à autopiedade.
— Não foi nada — respondeu em evasiva.
— Jenna... — O tom da voz masculina denotava impaciência. — Houve alguma coisa.
A irritação cedeu lugar à raiva, um sentimento que raras vezes Jenna experimentara.
— Sim, houve alguma coisa! Está bem? Ficou feliz por saber que fiquei angustiada?
— Não estou feliz por isso. Só queria ajudá-la.
A fúria dela aumentou, incitada por uma situação que fugia ao seu controle. Em uma
atitude desafiadora, colocou as mãos na cintura e ergueu o queixo, elevando o tom de voz.
— Para falar a verdade, você, mais do que qualquer outra pessoa, não pode me
ajudar.
— Porque... Porque eu quero o mesmo que Mareie e Antônio estão vivendo. É por
isso! Desejo alguém com quem possa dividir a minha vida e a fazenda. Em minhas preces
sempre pedi a Deus para ter uma família que pudesse chamar de minha. Será que não
percebe? Vou ficar uma mulher desprezada e sem amor, que não será abençoada com
filhos e nunca conhecerá o júbilo de ser mãe.
Aquilo o desconcertou. Abriu a boca, fazendo menção de falar, mas hesitou, piscando
várias vezes e tornou a fechá-la, sem saber o que dizer. Desviou o olhar para um ponto
distante, tinha os músculos da mandíbula contraídos. Quando se virou para responder,
Jenna marchava a passos largos, subindo os degraus da varanda.
Ela não queria ouvir nada que Cash Callahan tinha para lhe dizer. Era difícil lidar com
os sentimentos dicotômicos que se degladiavam em seu íntimo. Em um momento ansiava
pelos beijos ardentes que trocara com aquele homem, no outro desejava que ele partisse o
mais rápido possível. Sabia que tão logo pudesse, Cash voltaria à vida errante que sempre
levara, pois o jogo era a sua vida. Todavia, não podia esquecer que o jogo havia acabado
com todos os seus sonhos. Como se não bastasse o sofrimento e a tristeza que Bobby Joe
lhe impusera por seguir aquele maldito vício, ainda havia perdido o homem que Deus lhe
reservara, em uma emboscada feita por jogadores.
E Cash, querendo ela ou não, era um jogador. Jamais esqueceria aquela verdade.
Três dias depois, Cash estava deitado em sua cama improvisada na parte de cima do
celeiro. Virava-se de um lado para o outro e fechava os olhos na tentativa frustrada de tentar
adormecer. Quando percebeu que a peleja era infrutífera, soltou uma imprecação, pegou
uma de suas botas e atirou-a longe. O calçado foi parar perto de dois gatinhos dorminhocos,
quase os atingindo. Com expressão assustada, os bichanos saltaram no ar com os pêlos
arrepiados.
— Ah, danação! — murmurou, arrastando-se em direção aos gatos para consolá-los.
Os pequenos animais pularam em seus braços.
— Desculpem-me pelo incidente.
Os felinos se movimentaram com um roçar suave de encontro ao braço de Cash.
Aqueles gatinhos haviam crescido bastante, lembrando-o de quanto tempo já estava ali.
Havia prolongado demais sua estada na fazenda, embora não pudesse partir sem que
Ben estivesse totalmente recuperado. Sabia que o velho homem não seria de grande valia
na construção da casinha de Antônio, mas se tratava de um pai querendo ajudar o filho. Sua
oferta em cooperar com eles havia sido sincera. Sentia-se feliz pelo rapaz e gostaria muito
poder ajudá-lo.
Além disso, o perigo ainda poderia estar rondando Jenna. Se os Wendell ainda
estivessem naquela área, procurando vingança, não tinha alternativa a não ser permanecer
em Twin Oaks. Tinha avaliado suas opções mais uma vez e sabia que seria melhor para
Jenna se ele partisse. Ficaria livre para alcançar aquele futuro ao qual se referira, sem tê-lo
por perto, despertando emoções e deixando-a frustrada e confusa. Poderia encontrar
alguém para amar, e ele não queria estar por perto quando isso acontecesse.
Vê-la enamorada de outro homem seria como lhe cortar as entranhas ao meio.
Cash colocou os gatinhos no chão. Pegou as botas e vestiu a camisa. Decididamente
não conseguiria dormir naquela noite. Descendo a escada, encaminhou-se até a baia de
Queen.
— Gostaria de dar uma cavalgada? — perguntou, acariciando o focinho da égua.
O animal não tinha se exercitado naquele dia, e Cash estava muito angustiado para
dormir. A cavalgada faria bem a ambos.
Depois de selá-la, puxou-a para fora do celeiro. Montou a égua em silêncio, levantou a
cabeça e olhou em direção à janela do quarto de Jenna. As luzes estavam apagadas. Nem
ficaria sabendo que havia saído.
— Vamos dar um passeio rápido — disse a Queen.
Embora tudo indicasse que Jenna estava em segurança, não lhe atraía a idéia de
deixá-la sozinha à noite por muito tempo.
Com pulso firme bateu as rédeas e cutucou os tornozelos nas laterais de sua
montaria, iniciando um galope veloz. O céu estava estrelado, e a lua iluminava os campos.
Parou alguns metros à frente, abaixou-se para abrir a porteira e atravessou a campina,
rumando direto para Turner's Pond. Em um trote ligeiro, contornou a lagoa e voltou. O vento
fresco daquela noite de primavera fustigava-lhe a face, impelindo-o a tirar o chapéu da
cabeça. Curvou-se sobre o pescoço da égua, quase se fundindo ao corpo da magnífica
criatura que estava montando e impulsionou-a para imprimir mais velocidade. Daquela
forma, tinha a impressão de ter tomado as rédeas de sua vida outra vez. Fora assim que
aprendera a subsistir desde que perdera os pais: só, livre e errante. Essa fora a única vida
que conhecera. A que estava vivendo ao lado de Jenna era o oposto extremo, e por vezes o
assustava. Jamais pensara em formar uma família e se estabelecer em um só lugar. Mas a
idéia de passar o resto da vida ao lado daquela mulher incrível lhe parecia como ganhar o
céu na terra.
Por hora tudo que desejava era gozar o excitamento e a sensação de liberdade que a
cavalgada lhe proporcionava, ajudando-o a clarear a mente.
Jenna tinha dormido por pouco tempo, quando um barulho vindo do pátio a fez abrir os
olhos. Apurou os ouvidos para tentar distinguir o que era, mas o som não lhe pareceu
familiar. Gritos de animais angustiados e agitados vinham de algum lugar lá fora.
Levantou-se de súbito e vestiu-se apressada, calçando as botas de um só movimento.
Colocou a mão por debaixo do colchão de molas e pegou a espingarda de cano grosso.
Acostumara-se a dormir com a espingarda embaixo do colchão desde o episódio horrível do
estranho que encontrara no celeiro, reivindicando a posse de Twin Oaks. Quando a tomou
nas mãos sentiu algo diferente na arma, não tinha dispensado muita atenção a ela desde
que Cash voltara. Na verdade, sentia-se protegida e segura ao lado daquele homem.
Disparou escada abaixo, mas manteve uma atitude mais cautelosa ao atravessar a
porta da frente. Apurou os ouvidos mais uma vez e seguiu os sons. Pareciam vir do curral
das ovelhas. Com as mãos trêmulas de medo e o coração quase saltando pela boca,
pressionou os dedos sobre a arma. Movia-se com deliberada precaução, escutando e
estremecendo com o barulho aterrador.
Contornou o celeiro e estacou como que paralisada pelo que viu. Sentiu um arrepio
gelado percorrer-lhe a espinha. Um par de olhos vermelhos brilhantes encaravam-na. Um
lobo. Quase não pôde conter o grito de horror que se formou em sua garganta, quando
deparou com o estrago que a fera havia feito. Uma das ovelhas já estava caída e antes que
conseguisse chamar a atenção do animal, outra estava sendo atacada. As vítimas
assustadas afastaram-se, gemendo e arrastando seus corpos ensanguentados para o mais
longe possível do predador.
— Vá embora! Suma daqui! — gritou Jenna, apontando a arma para tentar afugentar o
lobo.
A fera virou-se para encará-la com um brilho ameaçador nos olhos, era evidente que o
animal não havia se intimidado com sua presença. Uma onda de medo a envolveu, o pavor
embotava-lhe a mente e não tinha mais controle sobre as batidas de seu coração. A res-
piração ofegava. Acuada, apertou o dedo no gatilho e atirou. Era a sua vida ou a do
predador.
Nada.
Tentou outra vez.
Não surtiu efeito algum.
O lobo fez menção de pular a cerca, preparando-se para o ataque. Jenna soltou um
berro ensurdecedor e puxou o gatilho pela terceira vez. Mais uma vez nada aconteceu.
O lobo pulou, voando pela cerca em sua direção, e Jenna perdeu o equilíbrio,
estatelando-se com toda força no chão.
Naquele instante ouviu-se um tiro.
Jenna testemunhou a progressão do salto do predador parar na metade do caminho.
O uivo de dor que o animal soltou ecoou na noite silenciosa. Sem vida, o lobo caiu inerte,
próximo a ela.
Parecia-lhe que toda a vida tinha escapado de seu corpo também. Permaneceu
estendida no solo, tremendo de pavor.
— Jenna! — a voz estridente de Cash ecoou, fazendo-a querer desaparecer. Ele a
ergueu com um só movimento e a carregou para dentro da casa.

CAPÍTULO XVI
Cash colocou-a sem muita gentileza no sofá da sala de estar. Ao notar seu corpo
trêmulo, porém, abraçou-a, confortando-a.
— Cubra-se!— ordenou, entregando-lhe uma manta. Em seguida levantou-se e
começou a caminhar de um lado para outro a sua frente. — Pelo amor de Deus, Jenna, de
todas as bobagens que já a vi fazer, esta foi a pior delas. Não sabe que não se brinca com
lobos?
A pergunta não esperava resposta, Cash nem sequer olhava em sua direção. Não
queria ver o medo estampado em seu rosto ou admitir que quase falhara na missão de
protegê-la. Se houvesse chegado um minuto mais tarde, ela poderia ter se deparado com
uma morte hedionda. Incapaz de permanecer parado continuou caminhando, enquanto
passava a mão pelos cabelos com um gesto nervoso. Um minuto mais tarde e a teria per-
dido. Aquele pensamento o deixou aterrorizado.
— Ninguém lhe disse que não pode sair pela noite com uma arma descarregada? —
Caminhava sem parar, olhando diretamente para frente e balançando a cabeça, tentando
em vão dissipar sua irritação. — Por que não verificou a arma antes de tentar usá-la? Por
quê? Diga-me por quê?
O silêncio dela o surpreendeu. Jenna sempre falava tudo que lhe vinha à mente, ainda
mais quando era confrontada.
Ao fitá-la, a expressão de terror estampada em seu rosto comoveu-o. Lágrimas
rolavam aos borbotões pelas faces delicadas. O corpo inteiro tremia: ombros, braços e
pernas.
Cash praguejou em voz baixa.
— Espere aqui — murmurou, encaminhando-se para a porta.
Alguns momentos mais tarde retornou, carregando uma garrafa de uísque e um copo.
Sentou-se a seu lado, verteu um pouco do líquido e entregou-lhe o copo.
— Beba isto — ordenou.
Ela obedeceu. Sorveu a bebida de um só gole, sentindo a garganta arder.
— Deus do céu! Não tão rápido, doçura.
— Eu... Não quero mais. Não estou acostumada a bebidas tão fortes. Guardo estas
garrafas para servir apenas em ocasiões especiais — disse, empurrando-lhe a mão.
A despeito daquela afirmação, Cash colocou mais um pouco da bebida no copo e
pressionou-o mais uma vez de encontro aos lábios trêmulos.
— Beba devagar. O álcool tem um efeito relaxante. Verá como vai se acalmar.
Jenna fitou-o com os olhos vermelhos e injetados pela torrente de lágrimas.
— Confie em mim — disse, pedindo algo que jamais ousara fazer. Após todo aquele
tempo na fazenda, ainda não conseguira conquistar sua confiança.
Jenna tirou-lhe o copo da mão e obedeceu.
Cash observava fascinado o movimento dos músculos delicados do pescoço dela,
enquanto sorvia a bebida.
— Sente-se melhor agora?
Jenna assentiu com um gesto afirmativo de cabeça, devolvendo-lhe o copo.
Em um gesto de reconforto, ele inclinou-se e tomou-a nos braços. Mais que qualquer
coisa, Jenna precisava ser consolada, desculpou-se mentalmente. Porém, não podia deixar
de admitir que também necessitasse abraçá-la, sentir que estava viva e salva. O simples
pensamento do que podia ter-lhe acontecido, quão próximo estivera de perdê-la, quase o
fazia perder o juízo. Permaneceram assim por um longo tempo.
Por fim, Jenna afastou-se e conseguiu afinal encontrar as palavras.
— Eu... A... Achei que estava carregada.
— Não importa. Foi uma tolice muito grande ter saído para enfrentar um lobo.
— Eu não sabia que se tratava de um lobo quando saí. Ouvi barulhos e...
— Você não pode sair no meio da noite — interrompeu, com os olhos azuis faiscando.
— É a minha fazenda. E minha responsabilidade manter os animais fora de perigo.
— Os animais não sobreviveriam com você morta. Não pode sair por aí, arriscando a
própria vida.
— Logo você, um jogador, aconselhando-me a não me arriscar. Seu lema de vida não
é se arriscar?
— Isso é diferente, Jenna. Sua vida vale muito mais do que tudo que há nesta
fazenda.
— De que vale a minha vida? Ninguém depende de mim. Se aquele lobo idiota me
matasse, poucas pessoas sentiriam minha falta.
Cash nunca a ouvira falar com tamanha desilusão. Aquela declaração feriu-o até os
ossos.
— Sua vida vale mais do que tudo.
Jenna aconchegou-se mais a ele, buscando conforto, e justificou-se.
— Obrigada por me dizer isso e também por salvar minha vida. Acha que agora
estamos quites?
— Não, ainda lhe devo muito — respondeu, sem explicar suas palavras, mas sentindo-
as no íntimo de seu coração.
Jenna salvara-lhe a vida, era verdade, porém dera-lhe muito mais que isso, muito mais
do que poderia supor. Mostrara-lhe uma outra forma de vida que valia a pena ser vivida.
Ensinara-lhe sentimentos como solidariedade, amizade e lealdade. Enfim, devolvera-lhe a
confiança no ser humano. Afagou-lhe a cabeça, deixando os dedos deslizarem pela maciez
dos longos cabelos dourados.
— Uma vez também enfrentei um lobo — confidenciou, por sua vez.
Jenna ergueu a cabeça espantada para encará-lo nos olhos.
— Eu ainda era um menino.
— Conte-me.
Sim, queria dividir sua história com Jenna, confiar-lhe uma parte de sua vida que
nunca contara a ninguém. Seria uma experiência mais íntima do que qualquer contato
sexual que pudesse ter com ela. Isso não significava que não a queria em sua cama,
fazendo todo tipo de amor que pudesse imaginar. Mas, mais do que isso, confiava nela
como uma amiga. Alguém a quem poderia contar suas peripécias, mais secretas.
— Certa vez, quando ainda morava na fazenda do Sr. Beau Raley, resolvi ir nadar em
um regato que desembocava em uma lagoa, após um dia extenuante de trabalho. Era
verão, e o calor estava insuportável. Deixei minhas roupas sobre uma pedra junto à margem
e nadei nas águas frias e reconfortantes. Vinte minutos depois, sentindo-me refrescado
decidi voltar. Nadei em direção ao local onde deixara minhas vestes e deparei-me com um
par de olhos vermelhos, faiscando no lusco-fusco vespertino. Um lobo encarava-me,
aguardando pacientemente seu jantar. De início senti o terror paralisar-me e teria me
afogado se já não estivesse em águas rasas. Em um impulso, saí do rio, peguei minhas
roupas e pus-me em uma desabalada carreira. Não sei durante quanto tempo ou quantos
quilômetros corri. Parei apenas quando me encontrei encurralado entre um despenhadeiro e
o lobo que me seguira o tempo todo. Acuado, só tinha duas alternativas: enfrentar o animal
faminto ou atirar-me do penhasco. Foi então que me lembrei que havia fósforos no bolso de
minha calça. Agachei-me, peguei um galho e enrolei minhas vestes nele. Ateando fogo,
construí uma tocha e assim afugentei a fera. Cheguei em casa esbaforido e amedrontado. E
para finalizar meu dia, fui severamente punido por ter chegado tarde para o jantar e ter des-
truído as únicas roupas que possuía para o trabalho.
Quando acabou sua narrativa sobre o lobo, Jenna murmurou com a voz cheia de
admiração:
— Nossa você passou pelas mais impressionantes aventuras!
Ele riu, e o movimento afastou-a de seu peito. Puxou-a de imediato para si outra vez,
pressionando-lhe a cabeça onde deveria estar, onde queria que estivesse. De encontro ao
seu coração.
— Aventuras, doçura? Isso se chama sobrevivência.
— Eu sei. Mas ainda assim, você tem tantas histórias... Conte-me mais alguma. Fale-
me de sua infância.
Cash deixou escapar um profundo suspiro. Lá fora havia muitas tarefas a executar:
campos para arar, animais para alimentar, plantações para regar. Porém nada do mundo o
arrancaria dali, daquele momento único com Jenna. Aconchegou-se mais a ela e iniciou a
história de sua vida, começando pela juventude. Sua luta para sobreviver em um mundo
austero de caubóis sem muitos escrúpulos. Falou sobre os poucos amigos com quem
pudera contar e até suas primeiras conquistas amorosas. E, ao longo dessa narrativa, era
como se estivesse exorcizando seus fantasmas, cicatrizando suas feridas, fazendo as pazes
com a vida.
As semanas seguintes passaram voando para Jenna, que se dedicava com fervor aos
preparativos para o casamento de Antônio e Mareie. Elias Bender enfim resolveu dar o ar de
sua presença e concordou em realizar o casamento em sua fazenda. Seriam as bodas mais
comemoradas e concorridas de Goodwill.
Cash e Ben passavam a maior parte de seu tempo livre com Antônio, ajudando-o a
construir uma casa em um pequeno lote de terra não muito longe da casa de seus pais.
Jenna quase não os via. Seu tempo era pouco para tantos afazeres: ordenhar Larabeth,
retirar o esterço dos estábulos, recolher os ovos que suas galinhas caipiras cismavam em
espalhar pela plantação, levar a lavagem aos porcos. Além de preparar as refeições e
trabalhar no campo.
Certa vez preparou o almoço e o colocou em duas cestas para ir entregar aos homens
que se encontravam trabalhando na nova casa de Antônio. Eles comeram regozijados, e
suas conversas versavam unicamente sobre o trabalho de construção que estavam
executando. Jenna não quis atrapalhar e retirou-se. Enternecia-lhe o coração ver Cash tão
amigo de Ben e tão entusiasmado com o casamento de Antônio. Os dois homens pareciam
ter desenvolvido uma sincera amizade. Antônio por sua vez nutria por Cash uma enorme
admiração, como se o houvesse tomado como modelo.
Jenna compreendia até certo ponto a fascinação que aquele jogador exercia sobre seu
jovem amigo. O que não conseguia entender era a que exercia sobre ela. Já se convencera
de que Cash Callahan jamais passaria de um jogador e que, por detrás de tanta beleza, es-
condia-se um caráter não tão belo. Portanto, não valia a pena gastar nem um dia sequer de
sua existência pensando nele. Julgava-o um homem insensível e calculista, que a usara de
forma vil, arruinando sua vida e arrancando-lhe a possibilidade de um futuro feliz. Por algum
tempo chegara a odiá-lo.
Agora, entretanto, não nutria mais tal sentimento em relação a ele. Seus sentimentos
haviam mudado de forma profunda, e aquilo a assustava. Tentava negá-los, afastá-los de
sua mente, porém eram fortes demais para serem ignorados.
Não obstante, continuava tentando. Portanto, quando se pegava pensando nas
inúmeras histórias que Cash lhe havia confidenciado, histórias de sobrevivência em um
mundo hostil e até certo ponto cruel para uma criança sozinha no mundo, afastava tais
pensamentos e concentrava sua atenção no casamento de seu amigo de infância. A
excitação de Antônio contagiara a todos. O rapaz parecia ter alcançado as portas do paraíso
e não via o momento de lá entrar. Jenna concentrava seus esforços em ajudar Rosaíinda
com algumas surpresas para os noivos. Naquele dia, após concluir seus afazeres, ajudava a
amiga a fazer um cobertor que seria ofertado como presente de casamento. Uma vez tecido
com motivos bucólicos, resolveram tingi-lo de verde.
— Uma boa cama e duas almas apaixonadas: é isso que faz um bom casamento —
comentou Rosaíinda entusiasmada.
Jenna limitou-se a concordar com um gesto de cabeça. Não queria ser uma
desmancha-prazeres, porém aquela frase causara-lhe uma imensa tristeza, por ter chegado
tão próximo à felicidade e esta ter lhe escapado das mãos. Recordou o dia de seu
casamento e teve que lutar contra as lágrimas que insistiam em brotar-lhe dos olhos.
De volta a sua casa, Jenna sentou-se no sofá. Anos atrás Rosaíinda ensinara-a a
fazer crochê, porém sua vida atribulada jamais lhe permitira levar a cabo qualquer trabalho
manual. Talvez nem se recordasse mais das lições da amiga, mas ao pegar as agulhas e
enrolar fio a fio, começou a surgir o esboço de um projeto de toalha para uma mesa
redonda, que pretendia oferecer a seu amigo, como presente de casamento. Queria ofertar-
lhe algo feito com suas próprias mãos. Achava que assim teria mais valor.
— Acha que Antônio e Mareie apreciarão meu presente? — perguntou a Button.
A dengosa gata espreguiçou-se no sofá.
— Será que conseguirei confeccionar uma bonita toalha de centro de mesa para seu
novo lar?
Ouviu a porta da frente se abrir, e seu coração deu um salto ao identificar o barulho
das botas de Cash no solo.
— Jenna! — chamou, sem ter certeza de que ela se encontrava em casa.
— Estou na sala.
Ele entrou ostentando um enorme sorriso em seu rosto.
— Está tudo pronto. Terminamos a casa! Antônio vai trazer Mareie para vê-la amanhã.
Jenna colocou o trabalho de crochê em cima da mesa.
— Isso é maravilhoso. Ela vai ter uma alegre surpresa.
— É verdade. Nós terminamos bem a tempo. O casamento será depois de amanhã.
— Eu sei — disse Jenna. — Pretendo terminar esta toalha até lá. É meu presente de
casamento.
Cash observou o trabalho manual com atenção.
— É lindo. Vai ficar muito bonito na mesa redonda que construímos na pequena sala.
— Mas ainda falta muito e estou sem prática. Acho que terei que passar a noite toda
trabalhando nesta toalha.
— Não há necessidade. Ainda tem o dia inteiro amanhã. Concentre-se em seu
presente e não se preocupe com as tarefas da fazenda. Eu cuidarei de Larabeth pela manhã
e farei o resto do trabalho durante o dia.
Jenna deu-lhe um sorriso espontâneo e sincero.
— Sabe de uma coisa. Acho que Larabeth prefere que você a ordenhe agora.
Cash soltou uma sonora gargalhada.
— Eu sabia que era uma questão de tempo dobrar o gênio daquela dama e que ela
ainda se apaixonaria por mim. Acontece com a maioria das fêmeas quando me conhecem
melhor — gracejou Cash, dando-lhe uma piscadela.
Jenna recomeçou seu trabalho de crochê. Precisava manter as mãos ocupadas,
queria escapar do irresistível charme daqueles olhos azuis.
— Fêmeas bovinas, você quer dizer — disse ela no mesmo tom de brincadeira.
— Ah, Jenna, isso não foi uma boa coisa para se dizer. Você acaba de nocautear meu
ego masculino.
Foi a vez dela rir com vontade.
— Estou apenas dizendo a verdade, Sr. Callahan, nada mais que a verdade.
— Bem, não precisava ser tão sincera.
Jenna fingiu concentrar-se em seu trabalho. Oh, céus, se ele soubesse que não havia
nem um traço sequer de sinceridade em suas palavras. Agora que o conhecia melhor,
tornara-se ela própria uma irremediável presa de seu magnetismo. Uma vez pensara que
não aguentaria aquele homem mais um dia em sua fazenda, agora não conseguia imaginar
a vida sem sua presença. Ele se tornara parte integrante daqueles campos verdejantes. Não
queria pensar no dia em que partiria, não conseguiria despedir-se dele. Twin Oaks jamais
seria a mesma fazenda sem ele, e Jenna Duncan jamais seria a mesma mulher.
E naquele momento a realidade atingiu-a como um raio. Apaixonara-se por aquele
forasteiro, não podia maiis negar seus sentimentos, ignorando o que o seu coração lhe dizia.
Não havia nada que pudesse fazer para evitar aquela terrível constatação. Apesar de sua
resistência e todo o esforço que fizera para evitar, apaixonara-se perdidamente por Cash
Callahan. Amava um jogador.

CAPÍTULO XVII
Gostaria de vê-la usando esse vestido. Pelo menos uma vez.
As palavras de Cash martelavam em sua mente sem cessar desde o dia em que ele
retornara à fazenda e a presenteara com aquele vestido. Jenna sentou-se na beirada da
cama, admirando o maravilhoso vestido que adornava o espelho. Aceitara a oferta dele
pouco a pouco, dia-a-dia, sem nem mesmo se dar conta, de uma forma tão suave que nem
se lembrava quando decidira usá-lo. Tinha apenas a certeza de que naquele dia assistiria ao
casamento de Antônio e Mareie ostentando orgulhosamente seu belo vestido.
Esmerou-se em pentear os longos cabelos dourados até que ficassem brilhantes e
deixou-os cair em uma cascata de ondas sobre os ombros, prendendo apenas algumas
mechas no alto da cabeça com as fitas que também foram presente de Cash no dia de seu
aniversário. Vestiu uma anágua, um corselete de tecido transparente e, em seguida, o
vestido, demorando-se na tarefa de fechar cada botão de madrepérola. Quando por fim se
encontrava vestida, mirou-se no espelho.
— Meu Deus! — exclamou estupefata com a própria imagem. Com certeza aquele
reflexo no espelho não se tratava de Jenna Duncan, a fazendeira. Continuou a mirar-se,
deslumbrada com as nuances douradas do vestido que se ajustava com perfeição a cada
curva delicada e voluptuosa. Levantou os braços e notou como os laços de seda das
mangas deslizavam como em uma carícia pelo dorso de suas mãos e dedos. O corpete dei-
xava exposta grande parte da pele alva e moldava-lhe a cintura, abrindo-se em uma saia
rodada. Jamais em toda sua existência imaginou possuir um vestido como aquele. Tratava-
se de um trabalho de arte que a fazia sentir-se verdadeiramente feminina.
— Retire esse olhar deslumbrado da face. Parece uma adolescente boba —
admoestou a própria imagem no espelho. Pegou a mantilha que Rosalinda lhe ofertara e
disse: — Bem, vamos Jenna Duncan, há alguém a sua espera lá embaixo.
Respirou fundo, saiu do quarto e alcançou o alto da escadaria, quando ouviu Cash
chamá-la. — Vamos chegar atrasados, Jen. Ele aguardava ansioso e quando a avistou, deu
um passo atrás, tirando o chapéu da cabeça e fazendo uma mesura. Jenna o viu engolir em
seco, e seus olhares ficaram fixos um no outro enquanto descia os degraus lentamente.
Uma onda de calor a invadiu. Sentiu-se trêmula, sem firmeza nas pernas e temeu despencar
escada abaixo. Cash não conseguia tirar os olhos daquela figura deslumbrante, e a
admiração que via nos olhos dele fez aumentar o calor que sentia quase a ponto de
ebulição.
Quando afinal atingiu o último degrau, ele a esperava com os braços estendidos.
Tomou-lhe uma das mãos, enquanto admirava todo o corpo feminino com um olhar lânguido
e suave como uma carícia.
— Está lindíssima, doçura. Esse vestido... Bem... Acho que não esqueci nem um
detalhe desse seu corpo maravilhoso.
A alusão à noite que passaram juntos como marido e mulher fez as faces de Jenna
ficarem da cor dos tomates que cresciam em sua horta. Mordeu o lábio inferior e exalou o ar
que lhe restava nos pulmões. O movimento chamou a atenção de Cash para o peito arfante,
e ela tomou consciência da mensagem sorrateira daquele olhar e da quantidade de pele
exposta pelo decote.
— Obrigada — murmurou. — Você também está muito elegante.
Na verdade, Cash estava deslumbrante, com um terno escuro que enfatizava sua forte
masculinidade, o mesmo que usara quando voltou à fazenda. A camisa branca contrastava
com a pele bronzeada pela constante exposição ao sol. Até as botas brilhavam, quase tanto
quanto os maravilhosos olhos azuis, que não paravam de fitá-la. Estava realmente de tirar o
fôlego. Como um homem podia ser tão bonito? Na verdade era difícil encontrar palavras
apropriadas para descrever tanta beleza. Como poderia esquecer aquela figura máscula e
sensual, quando ele não mais estivesse trabalhando nos campos de Twin Oaks?
Cash se aproximou ainda mais e sussurrou com um meio sorriso provocante nos
lábios:
— Obrigado por usá-lo.
As palavras eram sinceras e proferidas do fundo de sua alma. Jenna perdeu uma
batida de seu coração e não conseguiu dizer nada.
— E melhor nos apressarmos senão chegaremos atrasados — anunciou.
De mãos dadas caminharam lado a lado em direção à charrete que os aguardava no
pátio dos fundos.
Cash era um homem morto.
Tinha nas mãos uma cartada de perdedor. Não havia como escapar. Não podia blefar
e não possuía cartas para ganhar. Chegou àquela conclusão ao lado de Jenna, enquanto
Antônio e Mareie faziam seus votos. O casamento, realizado no jardim da fazenda de
Bender, tinha mais convidados do que a população inteira de Goodwill. Rancheiros,
fazendeiros, comerciantes, todos haviam sido convidados. Bender era um homem influente,
pois possuía a fazenda mais próspera da região, e não medira esforços para transformar o
casamento de sua única filha em um acontecimento que jamais seria esquecido pelos
moradores da cidade. No inicio fora contrário às bodas da filha com um rapaz pobre, porém
agora parecia radiante ao levá-la pelo altar improvisado e entregá-la ao genro. Ostentava
um enorme sorriso, escoltando a linda noiva.
Cash não estava satisfeito em notar a atração que Jenna despertava em muitos
homens e se mantinha o mais próximo possível a ela, como que reivindicando sua posse,
apesar de saber que não estava lhe prestando um bom serviço agindo dessa forma. O ato
mais nobre de sua parte seria sair de perto dela. Não satisfeito em roubar-lhe o futuro que
planejara ao lado de seu amor de infância, continuava a atrapalhá-la no presente. Pois se
não insistisse em ficar a seu lado, talvez encontrasse um bom homem, quem sabe até um
fazendeiro, que partilhasse os mesmos interesses que ela pela terra e que pudesse fazê-la
feliz. Afinal não faltariam pretendentes a uma beldade daquelas. Céus será que Jenna não
se dava conta de que era a mulher mais linda da festa? Quem sabe de toda Goodwill?
Mas ao lançar um olhar em volta do salão e analisar os homens que a cobiçavam,
chegou à conclusão de que não possuía essa espécie de nobreza. Não podia deixá-la e, ao
mesmo tempo, sabia que não podia tê-la. Estava chegando o dia em que precisaria partir.
E enquanto aspirava seu suave perfume floral, lembrou-se mais uma vez que tinha
uma cartada de perdedor e concluiu que trocaria qualquer trinca de ases apenas por uma
dama.
Antônio não tinha olhos para mais ninguém a não ser para sua linda noiva. Em alguns
instantes o padre concluiu a cerimônia permitindo que o noivo beijasse a noiva. Jenna
irrompeu em entusiásticas palmas, e os demais convidados a seguiram alegremente.
— Oh, foi uma cerimônia tão linda! Acho que serão muito felizes — exclamou radiante.
Observando a doce expressão estampada naquele rosto, Cash concordou com um
gesto de cabeça. Jenna também almejava um casamento, alguém para amar e uma família
para tomar conta. Se pelo menos fosse um homem diferente, dar-lhe-ia tudo que ela
desejava e muito mais. Um sentimento de culpa o atingiu bem no fundo do peito. Não tinha
direito a Jenna, nem tinha o direito de impedir sua felicidade.
— Vou dar uma volta — disse intempestivo e afastou-se, deixando-a sozinha.
Ela não ficaria sozinha por muito tempo, pensou Cash, enquanto perambulava pelas
terras de Bender. Parou para admirar o enorme celeiro, suas rezes e seus estábulos.
Encontrava-se a uma longa distância dos campos. A caminhada fizera-lhe bem. Ajudara a
clarear sua mente que, com frequência, ficava embotada quando Jenna estava por perto.
Uma hora mais tarde, retornou aos jardins e dali observou a festa. Havia comida e
bebida em abundância. Viu Jenna junto com outras damas. Três jovens cavalheiros
rodeavam-na, tentando chamar sua atenção com suas histórias. Cash deu um longo suspiro
e afastou-se. Localizou Ben tentando equilibrar-se sobre a bengala de madeira, próximo à
mesa de doces. Caminhou em sua direção.
— Parabéns — disse, estendendo-lhe a mão. — Antônio e Mareie formam um belo
casal. Desejo-lhes toda a felicidade do mundo.
Os dois homens apertaram-se as mãos. Ben tinha uma expressão de alegria.
— Obrigado, Cash. Foi uma bela cerimônia. O velho Bender com certeza sabe dar
uma festa.
— É acho que sim.
— Mas não pense que me esqueci que você contribuiu decisivamente para este
casamento. Sem sua intervenção, ele jamais se concretizaria.
— Não diga bobagens. Eles foram feitos um para o outro e, mais cedo ou mais tarde,
encontrariam um modo de viver esse grande amor.
— Pode ser, mas você deu o empurrão inicial. Por falar nisso, onde está Jenna? Rosie
disse que ela estava perguntando por você. Pensei que vocês já tinham se acertado.
Cash deu de ombros e apontou para a varanda. As duas damas tinham desaparecido,
e os três homens disputavam a atenção de Jenna.
— Ela está ocupada.
Ben olhou na direção indicada e depois para Cash. Ele conhecia aquele olhar.
Aprendera a conhecer aquele homem bondoso durante os meses que passara em Twin
Oaks.
— Pode estar ocupada, mas é por você que perguntou.
— Eu não estou disponível.
— Você não quer ficar disponível...
— Talvez.
Ben meneou a cabeça.
— Não seja tolo, rapaz. Quanto tempo acha que levará para um daqueles rapazes se
declarar a Jenna? Olhe para ela. É ma moça doce e linda e possui um coração de puro
ouro. Eles apenas estão descobrindo o que você já sabe.
— Espero que ela goste de algum deles — redarguiu Cash.
O coração batia forte no peito. Estava dizendo uma mentira deslavada a Ben e a si
mesmo. O velho amigo sorriu.
— Não pense que me engana com essa demonstração de altruísmo. Você a quer para
si.
Cash negou veementemente com um gesto de cabeça.
— Isso não é verdade. Eu não sou um...
— O quê? Um fazendeiro? Você não é um fazendeiro. Se não corre sangue de
fazendeiro em suas veias, eu como as minhas botas. Nunca vi alguém trabalhar as terras
com tanto afinco ou arar um campo mais rápido, ou ainda controlar tão bem os animais.
Você não precisa machucá-los para que sigam suas ordens, é como se falasse a língua
deles. Somente em sua cabeça não é um fazendeiro, mas em seu coração com certeza é.
Pode negar o quanto quiser, mas essa é a verdade, meu rapaz. Ninguém consegue fugir ao
seu destino. Agora, vai deixar aqueles rapazes convidarem Jenna para dançar? Vá em
frente. Seja o primeiro a levá-la para a pista de dança. Os primeiros acordes já começaram
a tocar.
— Não espere muito de mim — disse Cash, segurando-a pelas mãos, enquanto
aguardavam o início da música seguinte. — Não sou um bom dançarino, mas acho que
posso pelo menos evitar pisar nos seus pés.
Jenna riu divertida e exclamou:
— Eu estava esperando não pisar os seus! Nunca tive muitas oportunidades para
exercitar meus dotes de bailarina.
— Bem, então acho que faremos uma boa figura no salão — disse, piscando.
A banda de música começou a tocar, e Cash conduziu-a em um ritmo que ela podia
acompanhar. Deslizavam pela pista de dança com surpreendente facilidade.
— Não o vi depois da cerimônia. Por onde andou? — perguntou Jenna, encarando-o
bem nos olhos. Estivera curiosa e ao mesmo tempo decepcionada por tê-la deixado
sozinha, sem nem sequer se dar ao trabalho de inventar uma desculpa.
Cash mordeu o lábio e não respondeu de imediato.
Quando afinal decidiu matar-lhe a curiosidade, perguntou:
— Você quer a verdade?
Jenna piscou diversas vezes. Claro que queria saber a verdade, mas de repente teve
medo de sua resposta.
— Eu... Acho que sim...
— Deixei-a sozinha para que tivesse a chance de encontrar alguém.
— Alguém? — perguntou, perdendo um passo da dança.
— É Um homem — respondeu, sustentando-lhe o olhar. — Vi a alegria estampada em
seu rosto durante a cerimônia de casamento. Você quer o mesmo e não a culpo por isso.
Você merece Jenna. Achei que...
— Achou que deveria me abandonar — disse, ferida pelas intenções dele apesar de
entendê-las perfeitamente. No íntimo sabia que ele tinha razão. Mas razão tinha muito
pouco a ver quando se tratava de questões do coração. — Por que me salvou daquele lobo
naquela noite, Cash, se tinha a intenção de atirar-me aos lobos hoje?
— Eu não estou fazendo isso! — exclamou surpreso. Jenna parou de dançar.
— Não? Não existe ninguém aqui para mim, Cash. Nenhum homem com quem eu
quisesse passar meu tempo, portanto pare de bancar o casamenteiro — concluiu irritada.
Virou-se para partir, mas Cash agarrou-a pela cintura e forçou-a a encará-lo. Olhava-a
circunspeto, mas havia humor em seu tom de voz.
— Nenhum homem? Mas o território de Oklahoma compareceu em peso a esta festa!
— Nenhum — confessou, cruzando os braços sobre o peito e erguendo o queixo em
uma posição altiva.
— Nem mesmo eu?
— Principalmente você — retrucou em tom blasé. Sua irritação aos poucos se foi
desvanecendo.
O olhar de Cash tornou-se menos severo, e ele tomou-a outra vez nos braços,
começando a deslizar pela pista de dança.
— Bem, não posso deixá-la ir agora. Existem muitos lobos à espreita, prontos para
atacar quando tiverem uma chance. E já que afirmou que não existe nenhum homem nesta
festa com quem gostaria de passar seu tempo, creio que não lhe resta alternativa senão
ficar presa a mim esta noite.
— Humm, presa? — repetiu.
Seu coração começou novamente a saltitar no ritmo da música, quando Cash a puxou
mais de encontro ao peito másculo. Conduzia-a com graça e beleza pelo salão, e seus
fracos argumentos ficaram perdidos nos acordes da música que entoava. Seus corpos se
encaixavam com precisão e pareciam flutuar em meio aos outros casais.
Três horas mais tarde, quando a celebração chegava ao fim, Jenna abraçou Rosalinda
e se despediu.
— Antônio foi um belo noivo. Sei que está feliz. Você gostou de Mareie?
Um largo sorriso assomou aos lábios da orgulhosa mãe.
— Si. Ela será uma boa esposa para meu filho. Qualquer um pode ver que ela o ama
de verdade. Eu desejo o mesmo para você, querida, e então tudo ficará bem.
— Tudo já está bem, Rosa. Não se preocupe comigo. Rosalinda, vestida em um
elegante modelo azul-turquesa, dirigiu o olhar para Cash e Ben, que estavam preparando a
charrete.
— Está usando o vestido que ganhou de presente. Eu tenho olhos e vi o modo como
ele a fitava. E um bom homem, Jenna.
Dessa vez ela não negou.
— É verdade.
— Ah, então agora está conseguindo enxergar a realidade.
— Mas ele ficaria contente se eu encontrasse outro homem. Gostaria que eu
encontrasse alguém com quem casar. Acha que eu não me importaria em casar com
qualquer um.
— Mas você só tem um homem em mente, não é mesmo?
— Não, Rosa, não tenho ninguém em mente. Cash não ficará na fazenda comigo, eu
sei que em breve partirá. Mas sei que jamais o esquecerei.
Jenna sabia que ela e Cash tinham apenas um pequeno espaço de tempo juntos.
Percebia-o inquieto nos últimos tempos, como se ainda permanecesse em Twin Oaks
porque não tinha outra opção. Talvez fosse o senso de gratidão que lhe devotava por ter
salvado a vida dele. Talvez quisesse livrar sua consciência da culpa pelo que lhe fizera. Mas
uma coisa era certa: estava ansioso por voltar a sua vida de outrora. Talvez houvesse uma
mulher especial o esperando em algum lugar, talvez sentisse saudade do jogo, da agitação
da cidade. Fosse o que fosse não ficaria ali por muito mais tempo. E isso era um fato
consumado.
Cash e Ben caminharam em direção a elas, pondo um fim àquela conversa e a seus
devaneios.
— Pronta? A charrete já está esperando.
— Sim, estou pronta — disse Jenna, pressionando um beijo na face da amiga. — Até
logo e mais uma vez parabéns. Em seguida deu um longo abraço em Ben.
Cash, por sua vez, abraçou Rosalinda e apertou a mão do amigo Ben.
— Vou passar na sua casa amanhã e conversaremos mais sobre aquela idéia que
tive.
Em seguida, ajudou Jenna a subir na charrete, montou e acomodou-se a seu lado,
pegando as rédeas.
Ela acenou até seus amigos desaparecerem de vista. Quando não conseguiu mais
aguentar o silêncio de Cash e a curiosidade que a consumia, perguntou:
— Que idéia você teve e vai discutir com Ben? Ele deu de ombros.
— Apenas algo que escutei hoje.
Pelo tom de sua voz, notou que a conversa estava encerrada, mas Jenna não estava
satisfeita com a resposta. Pensou em pressioná-lo para contar-lhe, mas calou-se a tempo.
Afinal, não tinha o direito de saber tudo que Cash dizia ou pensava.
Ele era um homem bastante reservado. Apenas uma vez abrira seu coração e lhe
confidenciara as histórias de sua infância e juventude. E era grata por isso. Assim tivera a
oportunidade de conhecer melhor o seu caráter, seu senso de justiça. Jamais esqueceria
aquelas histórias e nem o julgaria, pois tudo que fizera fora impulsionado pela rudeza da
vida que levava. Mas aquele arroubo de confidencias não mais se repetiu. Talvez nem
houvesse acontecido se não estivesse sob impacto do que quase lhe acontecera. Para
confortá-la, revelou um traço marcante de sua personalidade e expusera-se sem reservas.
Agora, fechava-se em copas outra vez e a excluía de sua vida, de seus planos. E ela se
ressentia por isso. Mas não lhe daria a satisfação de saber que estava morrendo de
curiosidade.
Jenna envolveu-se com a mantilha para se proteger da friagem da noite e permaneceu
no mais absoluto silêncio.
— Está com frio? — Cash perguntou, olhando-a de soslaio.
— Um pouco.
— Chegue mais perto — sugeriu e, quando ela obedeceu, envolveu-a com um braço,
segurando ambas as rédeas com o outro.
O corpo daquele homem lhe transmitia calor e era capaz de provocar um fogo
inebriante que vinha de suas entranhas e se espalhava por todo seu ser. Um ardor que
vinha do desejo que sentia por ele e que não devia deixar transparecer.
— Está melhor agora?
— Muito melhor — respondeu, amoldando a cabeça em um ajuste perfeito às formas
viris daquele peito largo.
O caminho até a casa transcorreu em silêncio, e Jenna estava feliz por desfrutar
daquele momento de intimidade. Sentia-se aconchegada em uma névoa quente e sublime.
Fechou os olhos e fingiu que eram casados e se dirigiam a sua casa, onde meia dúzia de
crianças os aguardavam dormindo.
Não demorou muito a transporem a porteira de Twin Oaks. Por mais que amasse
aquela fazenda, queria que ainda estivesse a milhas de distância, assim continuaria a dar
asas à imaginação e fazer de conta que eram um casal feliz, como Antônio e Mareie.
Cash saltou primeiro da charrete e ajudou-a a descer, segurando-a pela cintura como
se pegasse uma pluma.
Uma vez no chão, encarou-o bem dentro dos olhos. A expressão dele era indecifrável,
porém a pressão de seus dedos em sua cintura aumentou.
— Entre, enquanto vou cuidar da charrete e dos cavalos.
Jenna não queria que aqueles braços fortes a soltassem.
— Você não quer entrar?
A luz da lua se refletia em seus cabelos, tornando-os louro prateado ao mesmo tempo
em que projetava sombras no rosto daquele homem tornando impossível decifrar seus
pensamentos.
— É melhor não.
— Ainda é cedo. Eu farei um café.
Cash deixou escapar a respiração que estava contida, contemplando aquele belo
rosto, como se dentro dele estivesse sendo travada uma terrível batalha.
— Jenna, se eu entrar...
— Tomaremos uma xícara de café — finalizou. Ele encarou-a por um longo momento.
— Está bem, vou entrar, mas será apenas por alguns minutos.
Aliviada, Jenna sorriu e entrou em casa. Não sabia o que esperava daquele ousado
convite, nem por que era tão importante para ela ficar mais algum tempo ao lado daquele
homem. Sabia apenas que não queria que a noite terminasse ali. Sem Cash.
Ao entrar em casa, dirigiu-se diretamente à cozinha e manteve-se ocupada
preparando o café que ele trouxera da cidade. Permaneceu ao lado do fogão, observando o
crepitar das chamas, mas sua mente vagava longe dali. Naquela noite só tinha
pensamentos para Cash, o belo forasteiro, cuja vida salvara o jogador que lhe roubou o
coração. O homem que invadira sua vida, transformando-a em um caos e mudado o curso
de sua existência.
Sentiu a presença masculina atrás dela mesmo antes de ouvir-lhe os passos.
— Jenna, eu não posso fazer isso — sussurrou em seu ouvido.
Ela sentia que as mãos fortes, mais uma vez pousadas em sua cintura, funcionavam
como duas âncoras para impedi-la de virar-se.
Jenna baixou a cabeça. O corpo inteiro ansiava por atirar-se de encontro àquele peito
rijo e sedutor.
— O que não pode fazer?
— Não posso sentar-me nesta cozinha hoje, conversando sobre campos de trigo,
vacas e ferramentas agrícolas. Não consigo mais disfarçar o desejo que sinto por você.
— Oh! — exclamou quase sem fôlego. Sua mente ansiando por respostas. O coração
pulsando com a intensidade de um tornado.
— Vou embora agora — disse, soltando-a.
A perda quase chegou a doer. Jenna virou-se, quando ouviu a porta bater. Em um
impulso correu até à porta, abriu-a e deu alguns passos para fora. Chegou a tempo de
avistar Cash caminhando em direção ao celeiro.
— Não posso mais fingir também. — Sua voz ecoou na quietude da noite.

CAPÍTULO XVIII
Cash parou no meio do caminho, porém não se virou. Permaneceu estático sem
esboçar o mínimo movimento, e Jenna imaginou se ele a teria ouvido.
— Acho que vou apenas fingir que não ouvi isso — murmurou em voz baixa e
começou a caminhar outra vez em direção ao celeiro.
— Finja o quanto quiser Cash Callahan, mas você me ouviu muito bem — provocou.
— Não sabia que era um covarde.
Dessa vez ele deu uma volta completa bem devagar, fitando-a por debaixo da aba do
chapéu.
— Não sou um covarde, doçura. Pelo contrário, saiba que é um ato de heroísmo não ir
até aí. Nunca desejei uma mulher dessa maneira em toda minha vida.
Bem no fundo do coração, Jenna sabia que ele estava certo, que essa seria a atitude
mais sensata a tomar. Mas não era o que ela queria. Apenas por uma noite desejava sentir
novamente a maravilhosa sensação de estar nos braços de Cash. Conhecia as
consequências e estava disposta a enfrentá-las. Sabia que a partida dele era inevitável, mas
ao menos teria mais aquela noite para guardar para sempre em sua memória. Para ajudá-la
a seguir em frente quando a vida, com todas as suas incertezas, se tornasse intolerável.
Quando os dias intermináveis de inverno chegassem e nem mesmo o consolo do trabalho
nos campos lhe fosse permitido.
— Estou morrendo de desejo por você também, Cash. — Estendeu os braços em um
convite mudo.
Ele percorreu a distância que os separava em questão de segundos e no mesmo
instante estava ao lado dela, pegando-a no colo, carregando-a para dentro da casa,
beijando-a na face, orelhas e pescoço. Não parou de beijá-la enquanto subia os degraus
que levariam a seus aposentos de dois em dois, nem quando fechou, com um pé, a porta do
quarto. Aí então a apertou mais em seus braços e beijou-lhe a boca com sofreguidão.
Ouviu-a suspirar de prazer e finalmente colocou-a no chão. Mas não a soltou. Uma das
mãos deslizou pelas costas macias e descansou em sua cintura, enquanto a outra lhe
afagava o comprimento dos cabelos, libertando-os das fitas.
E então disse suavemente ao seu ouvido:
— Sabe o que pensei quando a vi usando este vestido?
Jenna balançou a cabeça em sinal de negativa e afastou-se a distância suficiente
apenas para encará-lo bem dentro dos olhos.
— Não tenho a mínima idéia, Sr. Callahan.
— Que talvez eu tivesse o direito de considerá-la minha.
— Eu sou sua... — disse em um sussurro quase inaudível —... Esta noite — concluiu.
Ele sorriu, e seus olhos brilharam iluminados pela luz das estrelas.
— Você fica tão linda nesse vestido que é quase um pecado despi-la — murmurou
com a voz baixa e insinuante.
Porém abriu um botão, depois outro, depois outro. Bem devagar. O toque suave de
seus dedos na pele macia de Jenna causava-lhe pequenos arrepios de prazer e
antecipação. Quando por fim o corpete estava todo aberto, a brisa noturna, que penetrava
pela janela, enrijeceu-lhe os mamilos. Ou seria o desejo que aquelas mãos másculas lhe
despertavam?
— Claro que pecado maior seria não despi-la — disse inclinando a cabeça para beijar-
lhe o pescoço, descendo até encontrar a curva dos seios fartos.
Aqueles lábios a aqueceram de imediato e não pôde conter um gemido de puro
prazer.
— Oh, como senti sua falta! Há quanto tempo desejo fazer isto!
Jenna ergueu a cabeça. Um longo beijo era a única resposta que tinha para lhe dar.
Também o desejava, mais do que tudo na vida. Sonhava acordada com seus beijos e,
durante a noite, fantasiava que estavam fazendo amor, como na noite de sua lua-de-mel. De
alguma maneira, entre o ódio e a desconfiança, entre a irritação e o desapontamento, entre
a mágoa e a traição, aquele homem conseguira penetrar em seu coração, em sua alma, em
todo seu ser. Achara uma minúscula brecha que ela deixara aberta e, um pouco a cada dia,
fazia-se mais presente dentro dela. Até que já não tinha mais forças para continuar com a
batalha de sentimentos que se travava em sua mente em relação àquele forasteiro.
Sob as mãos ágeis e experientes daquele jogador, o vestido foi pouco a pouco
pendendo para o solo, e ela deu um passo, livrando-se da veste por completo. Não demorou
muito e as outras peças jaziam a seu redor, fazendo companhia ao vestido. Tomou-a mais
uma vez nos braços e carregou-a até a cama, deitando-a com imenso cuidado sobre o
acolchoado macio, como se fosse uma preciosa boneca de porcelana que temesse quebrar.
Jenna prendeu a respiração quando ele começou a despir-se. Observou-o remover o paletó,
desabotoar a camisa, desafivelar o coldre e colocá-lo com cuidado sobre o criado-mudo. A
cueca larga, as botas e as meias foram jogadas no chão. Sentiu-se assaltada por uma
espécie de encantamento ao observar a forma física daquele homem, a perfeição dos
músculos rijos que carregava como um escudo protetor.
Cash aproximou-se, ajoelhando-se a seu lado na cama. No instante seguinte, curvou-
se em sua direção, tomando-a nos braços, enquanto murmurava doces palavras de amor.
Os lábios sedentos buscavam os dela, as mãos percorriam cada centímetro das curvas
sinuosas. Seus corações começaram a bater no mesmo ritmo, compartilhavam a mesma
emoção, o mesmo sentimento. Jamais em toda sua vida sentira um desejo tão intenso por
uma mulher. Pousou as mãos nos ombros de Jenna e, com movimentos suaves, deslizou-as
sobre os seios, ventre, aproximando-se da curva dos quadris, descendo pelas coxas e então
voltaram a subir com a mesma lentidão. Em seguida virou-a de bruços passando a explorar-
lhe as costas e nádegas com os lábios e as mãos.
Jenna virou-se para vê-lo.
Cash afagou-lhe um dos ombros e o pescoço, tocan-do-os com os lábios. Enquanto,
com uma das mãos acariciava o mamilo rosado, com a outra traçava círculos pelo ventre
liso de Jenna, descendo devagar até encontrar a intimidade escura e sedosa no interior das
coxas.
Jenna sentiu os joelhos trêmulos. O prazer provocado pelas carícias íntimas era tão
intenso, que não sabia se seria capaz de suportar as sensações que lhe assaltavam o
corpo. Sem nem mesmo se dar conta de seus atos, começou a mover os quadris no ritmo
imposto pela mão de Cash.
Aquela reação inesperada pôs fim ao último fio de controle que ele mantinha sobre os
próprios impulsos. Por um momento permaneceu imóvel, tentando controlar a respiração,
lutando contra o desejo que ameaçava sufocá-lo. E então a beijou nos lábios carnudos,
explorando cada reentrância da boca feminina.
Ela retribuiu o beijo com idêntico ardor, deslizando as mãos pelo corpo dele e
explorando o peito másculo e o abdome rijo, onde permaneceram por alguns instantes como
que hesitando em descer ainda mais. De súbito, tomada por uma ousadia que a
surpreendeu, tocou-o na intimidade.
Os músculos de Cash ficaram tensos, e ele emitiu um gemido animalesco. Por um
longo momento, fitou-a bem dentro dos olhos.
— Tem certeza de que é isso que quer?
Como resposta, Jenna abriu os braços para recebê-lo.
Respirando com dificuldade e sem deixar de beijá-la um só instante, penetrou a carne
macia, a princípio com delicadeza, mas logo pressionou mais fundo e passou a se mover
mais e mais depressa, fazendo com que o desejo dela a impedisse de pensar, fazendo-a
apenas sentir.
Ela gemia, sentindo uma tempestade de sensações que a levaram ao êxtase total e
então soltou um grito de prazer. Seu corpo tremia em ondas incontroláveis. Quase no
mesmo instante, Cash emitiu um som rouco e sufocado, estremecendo.
Jenna não sabia o que o amanhã lhe reservava, mas naquela noite seria tão feliz
quanto uma mulher poderia ser e não lutaria contra nenhuma carícia, ao contrário se
renderia a todas as vontades do homem que amava.
Algum tempo mais tarde, Cash fez amor com ela outra vez, com tamanha calma e
deliberação que Jenna sentia vontade de gritar com as deliciosas torturas que seu corpo
experimentava. Ele reivindicava seu coração, sua alma, seu corpo e, enquanto se moviam
juntos, alcançando o ponto alto do prazer arrebatador, ambos gritaram o nome um do outro
no silêncio da noite, com fúria, paixão e amor.
Algumas horas mais tarde tombaram na cama, saciados e felizes.
Cash murmurou entre adormecido e acordado:
— Jamais a deixarei, Jenna. Isto é uma promessa.
Jenna beijou-o, desejando com fervor acreditar naquelas palavras. Afinal, que tipo de
mulher era ela? Pensou. Que coração frio e calculista possuía que não podia dar-lhe um
voto de confiança?
Jenna virou-se na cama, emitindo um som ininteligível. Seu sonho tinha sido tão real e
terrível que teve que tampar a boca com a mão para evitar o grito iminente. Não queria
acordar Cash, mas seu corpo automaticamente aconchegou-se ao dele. Ainda sonolento,
acolheu-a de encontro ao peito, protegendo-a e embalando-a como se fosse uma criança e
voltou a dormir. A violência do pesadelo, porém, continuou com maior intensidade, e Jenna
agitava-se sem parar, gritando e gesticulando, até abrir os olhos por completo. Não con-
seguia lembrar-se do sonho, porém os gritos e ameaças eram tão reais que pareciam estar
realmente acontecendo do lado de fora da casa. Na verdade não estava mais sonhando.
Algo acontecia e precisava acordar Cash.
Sacudiu-o com violência. Ele abriu os olhos espantado e de um pulo saiu da cama.
Correu até à janela e praguejou com incontida irritação. Jenna pressentiu de imediato, pela
rigidez dos músculos e a expressão tensa, que se encontravam em perigo.
— Vista-se imediatamente.
— O que está acontecendo? — perguntou assustada.
— Os homens que quase me mataram. Os Wendell. Estão destruindo as plantações e
ateando fogo ao celeiro. — Jenna permaneceu sentada na cama em estado de choque,
completamente nua e sem ação. Cash pegou sua arma e verificou a munição. Em seguida
vestiu-se apressado. — Vista-se e fique deitada no chão — ordenou. — E não importa o que
acontecer não saia deste quarto.
— O que está fazendo? — perguntou em pânico, pulando da cama e começando a
vestir-se.
— Não posso deixá-los destruir a fazenda... Todo o trabalho que tivemos. Vou lá fora.
— Não, Cash, por favor, não vá. Você não pode!
— O que não posso é deixá-los destruir tudo. — Ajustou o coldre à cintura.
— Não me importo que tudo seja destruído. — As lágrimas escorriam-lhe das faces. —
Deixe-os... Deixe-os fazerem o que quiserem — implorou ela.
— Eles não vão parar por aí. Não ficarão satisfeitos antes de nos verem ambos
mortos.
Jenna deu um soluço, levando a mão à boca. Correu à janela e espiou para fora. O
cenário de horror assustou-a. Os campos de trigo estavam em chamas, assim como o
celeiro. Os animais se agitavam em pânico. Mas sua preocupação estava voltada apenas
para Cash. Não podia perdê-lo.
— Eles são quatro!
Cash agarrou-a e puxou-a para fora janela.
— Abaixe-se. Vou tentar minimizar um pouco a diferença. — Deu-lhe um beijo rápido.
— Não chore. Fique aqui, querida. Desculpe-me. Não queria que passasse por isto.
Jenna agarrou-se a ele.
— Pelo amor de Deus, Cash, tenha cuidado. Ele assentiu e saiu resoluto porta afora.
Jenna não podia permitir que enfrentasse aqueles bandidos sozinho, não poderia
continuar vivendo se não tentasse ajudá-lo. Dirigiu-se apressada ao baú de madeira e abriu-
o. Após o incidente com o lobo, Cash fê-la prometer que a arma ficaria guardada. Pegou a
espingarda e colocou as balas no tambor. Pegou a caixa de munição e, de arma em punho,
desceu a escada atrás dele.
Cash praguejou quando a viu.
— Não discuta comigo — disse ela, no tom mais decisivo que já usara em toda sua
vida. — Eu vou junto com você.
Cash encarou-a por um momento e depois anuiu com um gesto de cabeça.
— As portas estão trancadas e...
Um estampido violento e sons do lado de fora interromperam-no. Ele espiou pela
janela que dava para a varanda.
— Cash Callahan, assassino, filho da mãe, venha aqui fora! — gritou um deles.
— Não se esconda embaixo da saia de uma mulher — gritou o outro.
Outros ainda gaguejavam obscenidades.
— Parece que andaram bebendo — disse Cash, virando-se para Jenna. — Isso é uma
vantagem para nós.
— O que pretende fazer?
— Primeiro tirar os animais do curral. Está bastante escuro e com o celeiro em
chamas os Wendell não vão se arriscar a chegar muito perto. Vou montar Queen e guiá-los
para longe daqui.
Jenna balançou a cabeça em sinal de recusa.
— Não faça isso, Cash. Não vá lá fora. É mais seguro aqui dentro. Nós dois os
afugentaremos. Eu sei atirar. Eu...
— Escute Jenna. Esta é a única maneira de tirá-los daqui. Não podemos continuar
aqui dentro inertes. Quanto tempo acha que levará para atearem fogo a casa? Se fizerem
isso, vão nos encurralar. Você fica aqui. Mantenha a arma engatilhada e proteja-se. Se tudo
correr bem, alcançarei minha égua e os porei para fora da propriedade. Quando julgar que
está segura, corra para a casa de Ben. Entendeu? Vou encontrá-la assim que puder.
Jenna concordou, segurando as lágrimas. Não queria parecer frágil aos olhos dele.
Tinha que ser forte, por ele.
— Nós nos encontraremos na casa de Ben — assegurou ela.
— Essa é a minha garota. — Cash esmagou-lhe os lábios com um beijo ardente, antes
de abrir a porta e sair apressado.
Jenna ficou com o coração contraído e teve que lutar com todas as forças para não
correr atrás dele. Se algo de mal acontecesse àquele homem, sua vida perderia o sentido.
Implorou a Deus para mantê-lo fora de perigo. Naquele momento soube com toda clareza
que não poderia viver sem Cash, jogador ou não, amava-o com todas as forças de seu
coração, como jamais imaginara ser capaz de amar. Certo dia julgara amar Blue
Montgomery. Agora, que conhecera o verdadeiro amor, sabia que o que sentira por ele não
passara de uma grande amizade movida pela solidão de uma vida insípida. Agarrara-se
àquele ideal de homem que construíra em sua mente como uma tábua de salvação. Mas
não era amor. Amor era o que sentia nos braços de Cash, amor era a certeza de que daria a
sua vida por ele.
Esgueirando-se agachado o mais rente ao chão que conseguia, Cash esperou até que
os cavaleiros estivessem fora do alcance de sua vista. Em seguida correu como uma flecha
até o curral. Esperava que seu movimento não despertasse a atenção dos facínoras. Só
precisava de um tempo para colocar os animais a salvo, antes de afugentar os Wendell.
Deslizou para dentro do curral sem ser notado e, imediatamente, foi atingido pela
fumaça que vinha do celeiro em ondas, enchendo-lhe os pulmões. Tossiu várias vezes
antes de reter a respiração. Em seguida, moveu-se com eficiência, guiando Larabeth e os
outros animais para fora. Scrappy andava entre suas pernas feliz por ter sido salvo do fogo.
Cash notou que um dos homens seguia em direção a casa. Cheio de fúria, montou
Queen e com os arreios derrubou a parte da frente do celeiro em chamas. Depois cavalgou
até o pátio.
— Lá este ele! — gritou um dos homens.
— Vamos pegá-lo — responderam os outros em uníssono.
De imediato os quatro homens ficaram alertas.
Cash contava com a vantagem do efeito surpresa e conseguiu atingir um dos homens
com uma bala, enquanto disparava em uma cavalgada alucinada. Os outros três
começaram a atirar ao mesmo tempo, porém Cash permaneceu abaixado quase deitado no
lombo da égua até sair em disparada pela porteira de Twin Oaks e atingir a estrada.
Naquele momento deparou com mais dois homens a cavalo a sua frente, apontando
as armas em sua direção. Cash praguejou. Um sentimento de derrota assaltou-o, e sentiu-
se encurralado. Dois homens empunhavam armas a sua frente e mais três vinham em seu
encalço.
Foi então que reconheceu Ben, um dos cavaleiros que o encaravam. O outro não
conseguiu reconhecer. Cavalgaram em sua direção, ao mesmo tempo em que atiravam
contra os homens que o perseguiam. Conforme se aproximavam, a surpresa tomou conta
de sua mente ao reconhecer o segundo cavaleiro. Era o irmão de Jenna, Bobby Joe
Duncan.
Contando com a ajuda inesperada, Cash deu meia-volta em direção aos Wendell.
Tiros partiam de ambos os lados. Um dos três homens tombou do cavalo. Os outros dois
deram a volta e se encaminharam em direção à fazenda.
— Eles vão atrás de Jenna — gritou Cash, enquanto incitava Queen até seu limite,
cavalgando o mais rápido que podia. Ben e Bobby estavam logo atrás e os três atiravam
contra os bandidos. Outro homem tombou, quando uma bala atingiu-lhe o ombro.
Quando o terceiro homem alcançou a fazenda, Jenna já o tinha na mira de sua
espingarda. Com três homens em seu encalço e uma espingarda apontada para sua
cabeça, Rex Wendell não teve escolha senão desmontar, atirar a arma ao chão e levantar
os braços em sinal de rendição.
Cash correu até ele e amarrou-o com uma corda. No momento seguinte, Jenna deixou
sua arma cair e jogou-se em seus braços. Lágrimas banhavam-lhe toda a face.
— Está tudo sob controle, querida — sussurrou ele em seus ouvidos.
— Oh, graças a Deus!
Cash depositou-lhe um beijo rápido na testa.
— Você está bem?
Jenna assentiu e envolveu-lhe o pescoço com os braços. Ele abraçou-a com força por
um momento, depois se dirigiu em disparada para o celeiro.
— Precisamos debelar o fogo — gritou para Ben e Bobby, na esperança de que seus
esforços não fossem em vão, pois metade do celeiro já se encontrava em chamas. Porém
um gemido vindo do pátio chamou-lhe a atenção. Bobby Joe tinha caído do cavalo, e
agarrava-se a uma das pernas que estava totalmente ensanguentada.
— Ele foi atingido! — gritou Ben. Cash e Jenna correram em sua direção. Jenna
abaixou-se perto do homem ferido.
— Bobby Joe! — exclamou ela. A surpresa de reconhecer o irmão foi tão grande que
quase a deixou muda. — Não se preocupe, nós vamos cuidar de você. Vai ficar bom.
Toda raiva que guardara em seu coração por todas as humilhações que ele a fizera
passar, desvaneceu-se em uma fração de segundo. O único pensamento que lhe passava
pela cabeça era pôr o irmão fora de perigo.
Afinal, estavam ligados por um laço que jamais se quebraria, não importava o que
fizesse ou a vida errante que levasse, jamais deixaria de amá-lo.
Bobby Joe pegou-lhe uma das mãos. — Não fui eu quem os trouxe até aqui, Jen. Eu
juro — murmurou em uma voz quase inaudível. — Shhhh. Não se preocupe com isso agora.
Vamos levá-lo para dentro para cuidar desse ferimento.
— Não. Você precisa me escutar primeiro. Eu soube que eles tomaram conhecimento
sobre você e Callahan. — Fez uma pausa para respirar. — Sabia que viriam para cá atrás
dele, então avisei o xerife em Goose Creek. Em seguida vim para cá o mais rápido que pude
para avisá-la. Encontrei Ben na estrada. Ele tinha visto as chamas e estava a caminho para
ajudar.
— Estou contente que tenha voltado para casa, Bobby — disse Jenna, acariciando a
testa do irmão. — Você pode levá-lo para dentro? — perguntou, dirigindo-se a Cash. —
Temos que estancar esse sangue.
Cash carregou Bobby Joe para casa, seguido por Ben e Jenna. Lá dentro, colocou-o
no sofá e voltou-se para Ben. — Jenna fará um torniquete na perna dele. Você acha que
pode me ajudar a debelar o fogo lá fora? — Eu estou bem, Cash. Vamos pôr mãos à obra.
Ben e Cash trabalharam madrugada adentro, tentando apagar o fogo das plantações e do
celeiro. Outras pessoas de fazendas vizinhas, atraídas pelas chamas, juntaram-se a eles em
uma luta ferrenha contra uma das mais poderosas forças da natureza. Demorou três horas
para conseguirem apagar a última fagulha. Cash estava exausto, porém satisfeito, pois não
havia morrido um animal sequer. Haviam conseguido salvar todos. Mas quanto à fazenda,
somente pela manhã conseguiriam contabilizar os estragos. Doía-lhe o coração só de
pensar no trabalho árduo de dias e dias sob um sol escaldante destruído. Não havia dúvidas
que a fazenda que Jenna tanto amava estava em ruínas. E mais uma vez a culpa recaía
toda em seus ombros.
Fora sua culpa. Será que havia nascido com a única missão de destruir tudo que
Jenna amava?

CAPÍTULO XIX
No final da noite, antes do alvorecer, Cash ainda caminhava pelo pátio. Jenna tombara
exausta em um sono profundo em uma das cadeiras da sala de estar. Passara a noite
inteira alternando-se entre cuidar do ferimento de Bobby Joe e ajudar a debelar o fogo.
Contudo, mesmo que sua fisionomia revelasse traços de uma enorme fadiga, não perdera
em nem um instante sequer sua vitalidade nem a força interior. Aquela mulher de aparência
frágil era na realidade uma guerreira. Não se deixava abater pelas adversidades que se
sucediam em sua vida.
De qualquer maneira, não merecia aquilo, pensou Cash. Não deveria pagar um preço
tão alto pelos crimes que ele cometera. Cash contemplou-a adormecida naquela cadeira
desconfortável. Ouviu um suspiro escapar-lhe dos lábios. Aproximou-se, pegou-a no colo e
carregou-a escada acima até seus aposentos. Gentilmente, colocou-a na cama e cobriu-a
com uma manta. Em seguida voltou-se para sair a fim de deixá-la dormir em paz.
— Cash...
Ele ouviu um murmúrio sonolento as suas costas.
— Não vá.
— Você precisa descansar, querida.
Jenna sentou-se na cama. Com os olhos semicerrados, lutava com o sono para
mantê-los abertos.
— Você também. Fique comigo.
Cash não podia negar-lhe nada. Encaminhou-se em direção à cama, inclinou-se e
tomou-a nos braços, ninando-a como uma criança. Ela aninhou-se no abrigo protetor
daquele peito másculo.
— Tente dormir um pouco mais.
— Bobby Joe vai ficar bem. A bala passou de raspão e deixará apenas uma cicatriz.
Em pouco tempo estará de pé — comentou animada.
— Fico contente com isso. Se não fosse por seu irmão e Ben, não conseguiríamos
afugentar os facínoras. Quando penso que poderiam ter lhe causado algum mal, quase
perco o juízo. Vieram aqui à procura de vingança. Queriam ver-me morto. Bobby Joe salvou
minha vida.
— Eu sei e já agradeci a Deus um milhão de vezes — disse com uma veemência que
o deixou espantado.
Cash sabia que não merecia tal afeto. Jenna não deveria perder nem um segundo
sequer agradecendo pela vida dele. Ao contrário, deveria desprezá-lo e odiá-lo por trazer
em seu rastro tamanha destruição.
— O que aconteceu àqueles homens? — perguntou em um sussurro.
— O xerife apareceu por aqui com seus guardas e os escoltaram para a prisão. Disse
que estavam sendo procurados em quatro Estados. Três foram feridos, mas vão sobreviver,
para responderem por seus crimes. Dificilmente escaparão da forca.
Jenna estremeceu, e Cash puxou-a mais para perto.
Abraçou-a com força e beijou-lhe a testa com o intuito de confortá-la.
— Vamos, mocinha, tente descansar agora. Finalmente tudo acabou.
Permaneceu ali, mantendo-a junto a si, até sentir que ressonava, quando os primeiros
raios de sol surgiram no horizonte, iluminando a terra com uma luz dourada. Em seguida foi
dar uma caminhada pela fazenda para avaliar os estragos.
Cash caminhou pelos campos e constatou desolado a destruição das plantações. O
trigo, os pequenos talos que brotavam para o mundo, jaziam chamuscados. Aqueles que
não estavam queimados haviam sido pisoteados com violência. Jamais teriam uma colheita
saudável. Quase três quartos dos campos foram aniquilados e junto com eles, as
esperanças de Jenna. A fazenda era tudo que lhe restara e estava arruinada.
Mas não permitiria que isso acontecesse.
Transformaria os sonhos de Jenna em realidade a qualquer preço. Custasse o que
custasse, sua fazenda seria próspera outra vez. Era uma questão de honra certificar-se de
que ela atravessaria o inverno suprida de todo o alimento, vestes e os equipamentos
necessários para a reconstrução da fazenda. Primeiro reergueriam o celeiro e comprariam
mais gado. Depois comprariam sementes e replantariam os campos.
Qual uma Fênix, Twin Oaks ressurgiria das cinzas muito melhor do que jamais fora.
Jenna sentiria orgulho daquela propriedade
Cuidaria para que isso acontecesse. Jamais poderia prosseguir com sua vida,
sabendo que Jenna ficaria sozinha em meio à devastação que ele próprio lhe causara. Não.
Aquela mulher precisava dele mais do que nunca, precisava de uma mão forte para ajudá-la
a reerguer sua amada fazenda. Não a desapontaria. E só conhecia uma maneira de
conseguir tudo isso, de ganhar o dinheiro necessário para reconstruir o mundo de Jenna.
Sempre fora um sobrevivente. Sua vida inteira tinha sido assim. Uma intempérie após
a outra. E todas eram vencidas e seguia vivendo, cada vez mais fortalecido pelas
experiências adquiridas. Muitas vezes julgara estar liquidado, não vislumbrava saída, sentia-
se encurralado, mas sempre encontrava um meio. Daquela vez, contudo, havia muito mais
em jogo: sua vida e seu coração dependiam única e exclusivamente de seu dom. Seu único
talento.
Sua habilidade de jogador.
Jenna apareceu sorrateira.
A desolação era visível em seu semblante. Lágrimas silenciosas tombavam-lhe pela
face. Cash podia sentir que ela fazia um grande esforço para não cair em um pranto
profuso. À medida que o sol subia no horizonte, o olhar dela vagava inconsolável pelos
campos que um dia significaram seu futuro.
Cash lia naqueles olhos magníficos a devastação da perda total da fé e testemunhava
sua angústia. A dor transfigurava aquele belo rosto, e aquilo lhe cortava o coração.
Ela tomou-lhe as mãos. Cash não conseguia entender por que ainda buscava algum
tipo de consolo nele. Por que precisava dele agora, quando ambos sabiam que fora o
causador do infortúnio que se abatera sobre ela. Mesmo assim segurou as mãos delicadas
entre as suas. E assim permaneceram com o olhar vago, contemplando os campos,
consternados.
E naquele momento, Cash fez uma jura solene a si mesmo. Aquela fazenda voltaria a
prosperar. Ainda que isso o fizesse perder Jenna para sempre.
No dia seguinte, Jenna ficou na varanda, despedindo-se do irmão.
— Tem certeza que está forte o suficiente para partir, Bobby Joe? Você pode ficar um
pouco mais.
— Estou ótimo, mana. Obrigado por cuidar de mim. Jenna deu-lhe um sorriso triste.
— Eu é que devo lhe agradecer, meu irmão. Nós poderíamos estar mortos se você
não aparecesse para me avisar do perigo.
O rapaz balançou a cabeça e encarou os rolos de fumaça que ainda se desprendiam
do celeiro.
— Cheguei tarde demais para algumas coisas.
— Mas na hora certa para outras. Você salvou nossas vidas.
Bobby Joe deu um passo à frente e avistou Cash perto do celeiro.
— Você o ama, não é mesmo, maninha? Jenna voltou-se em direção ao celeiro.
— Acho que sim.
— Espero que ele não quebre seu coração.
— Não acredito que o fará, Bobby Joe — disse convicta.
A despeito de toda aquela destruição, ganhara uma coisa preciosa: a esperança.
Agora acreditava em Cash Callahan e o amava. Jamais imaginara sentir esperança e amor
outra vez, mas aquele homem lhe ensinara a diferença entre viver e apenas existir.
— Eu realmente preferia que ficasse aqui comigo mais um pouco — concluiu,
constatando o quanto ficara feliz em rever o irmão.
— Eu não sou um fazendeiro, Jen, sou um jogador. Não há como mudar esse fato.
Nós não conseguimos ficar muito tempo no mesmo lugar, o jogo está no sangue. E tudo que
nós, os jogadores, sabemos fazer. E tudo que queremos fazer.
Jenna assentiu, tentando desesperadamente entender aquela lógica.
— Vou tentar mandar-lhe algum dinheiro para a reconstrução da fazenda. Mas não
prometo nada. Depende do lado que o vento da sorte vai soprar. Perdoe-me por tudo.
— Vou sentir sua falta.
— Eu escreverei e talvez algum dia volte aqui. Espero que entenda por que não posso
ficar.
— Estou tentando, Bobby Joe. — Jenna curvou os lábios em um meio-sorriso. —
Cuide dessa perna.
— Está bem. — O irmão beijou-a na face e montou no cavalo, partindo de Twin Oaks.
Na manhã seguinte, Jenna preparou um café da manhã reforçado para Cash. Ele
estava sentado à mesa da cozinha, bebericando uma xícara de café preto e mal tocava na
comida. Nos últimos dias andava muito calado. Passava quase todas as horas do dia em
companhia de Ben, avaliando os danos à fazenda e, à noite, dava-lhe um abraço e tentava
animá-la com palavras de incentivo. Já haviam passado várias coisas juntos, porém Jenna
jamais o vira tão circunspeto, tão completamente absorto em seus pensamentos.
— Cash, não está com fome? Ele arqueou uma sobrancelha.
— Tenho um assunto a tratar com você e não pode esperar mais.
O coração de Jenna contraiu-se. Tudo que conseguiu fazer foi encará-lo em silêncio.
— Você não conseguirá sobreviver ao inverno sem a colheita que estávamos
esperando.
— Talvez, se nós...
— Não. Já conversei com Ben. Nós avaliamos as perdas e não há maneira de
reconstruirmos tudo isso sem dinheiro. Sou a única pessoa que pode conseguir os meios
para isso.
O medo tomou conta de Jenna. Uma avassaladora sensação de pânico invadiu-lhe a
mente.
— O que está pensando em fazer? — perguntou em um fio de voz.
— A única coisa que sei fazer. Vou voltar para o Texas e ganhar dinheiro suficiente
para reconstruirmos sua fazenda.
— Não! — Jenna deixou escapar um grito.
Cash levantou-se e apoiou ambas as mãos na mesa.
— Já está decidido. Vou partir o quanto antes. Jenna soltou uma risada histérica.
— Apenas algumas noites atrás jurou que jamais me deixaria. É isso que vale sua
palavra?
Cash inspirou fundo. Seu corpo estava rígido.
— Isso foi antes de sua fazenda ser destruída por minha causa. Não posso viver com
essa culpa. Não posso deixá-la perder tudo pelo que sempre trabalhou.
— Você vai voltar a jogar, Cash. É assim que pretende resolver os problemas? Nada
de bom pode vir do jogo!
— E tudo que sei fazer, Jenna.
— Isso não é verdade. Sabe arar as terras. Eu o observei trabalhando, é bom com os
animais. Larabeth prefere ser ordenhada por você agora. Sabe fazer muito mais coisas do
que jogar.
— Você precisa de dinheiro. Nada dessas coisas vão fazer aparecer o dinheiro de que
precisamos para comprar as coisas necessárias para passarmos o inverno. — O tom de voz
era determinado.
— E se eu não aceitar o seu dinheiro? Cash soltou uma imprecação.
— Droga, Jenna. Você deixaria seu orgulho tolo impedir a reconstrução de sua
idolatrada Twin Oaks. E quanto a Rosalinda e Ben? Você não pensa neles? Eles são seus
sócios, têm tanto direito a esta propriedade quanto você. Nada do que disser vai me fazer
mudar de idéia.
Nesse ponto Cash tinha razão. Não podia deixar sua teimosia arruinar a vida de
Rosalinda e Ben. O inverno seria gélido e duro e se não tomassem alguma providência...
Mas o jogo não era a resposta. Recusava-se a pensar que só havia aquela saída.
— Há outras formas de conseguir dinheiro.
— Há? Então me diga.
Não conseguiu colocar os pensamentos em ordem. Tentou desesperadamente sugerir
alguma coisa, mas nada lhe vinha à mente.
— Tem de haver outra saída. Eu sei que tem.
— Precisamos ser práticos, Jenna. Posso conseguir dinheiro suficiente para que vocês
passem o inverno sem problemas.
Jenna engoliu em seco. Todos os seus argumentos pareciam fúteis. Cash a deixaria.
— Quanto tempo vai demorar lá?
Ele soltou o ar retido nos pulmões bem devagar.
— Um mês. Talvez dois.
Jenna afastou-se dele. Os olhos rasos de lágrimas. As palavras de Bobby Joe
voltaram para atormentá-la: Nós não conseguimos ficar muito tempo no mesmo lugar. O
jogo está no sangue. Certa vez também dissera que uma vez jogador sempre jogador. Não
há como mudar esse fato.
Sabia disso desde o início. Fora uma tola em deixar-se enganar achando que Cash
mudara, deixando a esperança invadi-la. Agora sabia que Cash jamais mudaria. Nunca
conseguiria ficar ali na fazenda junto a ela por muito tempo. O tédio tomaria conta dele, a ro-
tina o destruiria. E aquela constatação deixou-a vazia por dentro.
Tinha certeza de que ele jamais voltaria. Não tinha dúvidas de que lhe enviaria o
dinheiro que prometera. Sentia-se responsável pelo que acontecera e cumpriria sua palavra.
Mas ele pensava em si mesmo como um jogador, não como um fazendeiro. Era igual a
Bobby Joe. Voltaria à única forma de vida que conhecia, que o satisfazia. A fazenda e o
tempo que haviam passado juntos se transformaria em uma vaga lembrança.
Cash aproximou-se, permanecendo atrás dela. Segurou-a pelos ombros com infinita
gentileza e
— Eu voltarei Jenna, juro. E você terá sua fazenda de volta.
Jenna cerrou os olhos, perdera a esperança. Com a partida de Cash, nada mais lhe
restava: nem a fé, nem sonhos para o futuro, nada.
— Quando vai partir?
— Hoje à tarde. Já falei com Ben. Ele vai tomar conta de você, querida, mas o perigo
já passou. Vocês ficarão bem.
Ela fitou-o bem dentro dos olhos. Seu estômago doía, e seu coração estava cheio de
angústia.
— Acha realmente que está fazendo a coisa certa, não é mesmo, Cash? Mas eu sei
que existem outras formas de ganhar a vida, você apenas se recusa a enxergar. Eu ficarei
bem. Como você, também sou uma sobrevivente. Cedo aprendi a depender exclusivamente
de mim mesma.
Cash piscou várias vezes, enquanto se aproximava dela. Em seguida inclinou a
cabeça. Ela sabia que não podia lhe negar aquele último beijo. Na verdade não podia negar
a si mesma. Quando os lábios másculos tomaram os seus, sentiu o gosto agora tão familiar
e tomou consciência do que acabara de perder. Cash beijou-a com sofreguidão, como se
quisesse imprimir-lhe sua marca.
— Eu voltarei. Pode me esperar. — Ao terminar de pronunciar aquelas palavras saiu
pela porta em disparada.
Jenna desabou em uma das cadeiras da cozinha e finalmente deu vazão às lágrimas
que conseguira reter. Podia lidar com a perda de toda sua colheita de trigo, com a
devastação de sua fazenda, mas não com a partida de Cash. Aquela dor era mais profunda
do que tudo que podia imaginar.
Cash chegou à cidade de Blackwater em três dias. Um local conhecido e um rosto
amigo era tudo de que necessitava agora. Tinha incitado Queen até quase o seu limite.
Cada milha que o afastava de Twin Oaks era mais e mais difícil de percorrer. Seus
pensamentos ficaram com Jenna e só com ela. Jamais esquecia o derradeiro olhar que lhe
lançara nem o sofrimento estampado naquele rosto adorado. Tentara disfarçar sua dor, mas
não era mulher de esconder suas emoções. Elas afloravam-lhe à face e podiam ser lidas
como em um livro aberto. E o que lera naquele olhar era dúvida e medo. Jenna não
acreditava nele, não confiava em sua palavra e estava certa de que não voltaria. Viu tudo
isso e muito mais. Testemunhou também o seu desapontamento e suas esperanças
partidas. Ele estava tão determinado a conseguir o dinheiro de que precisavam para
reconstruir a fazenda, que ignorou o que sua amada realmente precisava.
O que ela sempre quis.
Jenna não pedia muito, apenas alguém para amar. Um parceiro para construir uma
família e trabalhar ao lado dela em Twin Oaks, dividindo seus sonhos e planos para o futuro.
E isso era tudo de que precisava para ser feliz.
As palavras que ele lhe dissera antes de partir martelavam em seu cérebro, fazendo-o
encarar a verdade.
"Tudo na vida é um jogo que depende das opções que fazemos."
Cash apeou com esses pensamentos, amarrou Queen a um poste e entrou no
Palace Saloon, tirando o chapéu.
Louella recebeu-o com o habitual sorriso.
— Como vai belo? Fico contente em revê-lo. Acaba de começar um jogo na mesa
cinco. Você pode participar assim que me entregar todas as suas coisas.
Cash permaneceu lá parado, sem dizer nem uma palavra sequer. Sua mente absorta
em pensamentos. E naquele momento chegou à conclusão de que Jenna estivera sempre
certa. Havia outras maneiras de ganhar dinheiro. Sorrindo de volta para a dona do saloon,
desafivelou seu coldre e entregou-lhe a arma. Enquanto se sentava a uma das mesas, um
pensamento vivido veio-lhe à mente. Sabia exatamente o que devia fazer. Levantou a
cabeça para fitar Louella.
— Vim apenas para uma refeição.
Com as sobrancelhas arqueadas em sinal de espanto, a mulher assentiu.
— Acho que isso diz tudo.
— É, acho que sim — disse ele, incapaz de tirar aquele largo sorriso da face.
E naquele instante Cash soube que fizera a opção certa.
Jenna estava sentada à mesa da cozinha, olhando absorta para um prato de mingau
fumegante. Não tinha fome, mas como um autômato levava a colher à boca, pois sabia que
precisava comer. Desde que Cash partira, uma semana atrás, os horários das refeições
haviam se tornado um sacrifício, era nessa hora que sentia mais a solidão, que mais sentia
falta dele.
Ben e Rosalinda faziam tudo que estava a seu alcance para minimizar seu sofrimento.
Chamavam-na para almoçar e jantar com eles. Mas ela não aceitava suas gentis ofertas.
Ainda assim vinham visitá-la todos os dias e ficavam ofendidos quando recusava a ajuda
deles.
Jenna sempre saíra das adversidades que a vida lhe preparava e, como Cash,
acabava encontrando um meio de sobreviver e recuperar de alguma forma a esperança de
dias melhores. Considerava-se uma otimista por natureza, mas naquela ocasião a solidão
ameaçava tomar conta de todo seu ser, embotando-lhe a força de vontade. Tentava
desesperadamente agarrar-se às palavras de Cash, à promessa de que voltaria. Mas será
que poderia confiar nele? O homem que amava com loucura era um jogador, não havia
mudado como chegara a supor. Jamais se transformaria em um fazendeiro, jamais gostaria
da vida em Twin Oaks como ela.
No primeiro problema que tiveram na fazenda, ele virou as costas e voltou ao jogo,
como sempre fizera no passado. Nem considerara a possibilidade de haver outra opção.
Não tinha dúvidas, entretanto, que Cash voltaria para trazer-lhe o dinheiro de que
precisava para a fazenda. Era um homem de talento e determinação. Mas até quando
ficaria? Quando se cansaria dela?
— Pare de se martirizar desse jeito — repreendeu a si mesma. — Dessa maneira vai
acabar ficando louca.
Fitou para fora da janela, e viu Scrappy latir e agitar-se sem parar. Button, que se
encontrava no parapeito da janela, ergueu a cabeça sonolenta e encarou o cachorro com ar
de reprovação, antes de voltar a dormir. Scrappy continuava a balançar a cauda sem parar e
rolar pelo chão. E de repente ergueu a cabeça e pôs-se em posição de alerta, saindo em
desabalada corrida em direção à porteira de entrada de Twin Oaks.
Jenna vislumbrou a figura de um homem que entrava com desenvoltura, seguindo em
direção a casa.
— Cash! — desamarrou o avental, antes de sair correndo ao encontro dele.
Ele estava a pé, e sua mente encheu-se de preocupação. Será que lhe acontecera
alguma coisa? Estaria ferido? Onde estava Queen?
Scrappy alcançou-o primeiro e atirava-se ao dono, lambendo-lhe o rosto e mostrando
toda sua alegria. Cash abaixou-se para afagar a cabeça do animal. Em seguida ergueu a
cabeça quando Jenna se aproximava.
— Cash! — gritou esbaforida.
— Jenna, você fica mais bonita a cada dia que passa. — Em segundos estava ao lado
dela, tomando-a nos braços. — Beije-me. É tudo que pensava no caminho para cá. Venho
pensando nisso nas últimas cinco milhas que percorri.
Jenna atirou-se ao pescoço do homem amado e obedeceu com paixão. Seus joelhos
começaram a bambear e temeu não conseguir permanecer de pé.
— Cash, por que está a pé? Está ferido? — perguntou, apalpando-lhe o peito com
mãos trêmulas — Onde está Queen?
Ele soltou uma sonora gargalhada, tomando-lhe a mão e conduzindo-a em direção à
casa.
— Venha querida, vamos para casa que eu contarei tudo. Mas só posso responder
uma pergunta de cada vez.
Uma vez dentro de casa, Cash esvaziou os bolsos da jaqueta de couro e da calça em
cima da mesa da cozinha.
Jenna olhava espantada a quantidade de moedas de prata.
— Como conseguiu esse dinheiro em tão pouco tempo?
— Quando cheguei a Blackwater fiquei relembrando minha vida naquelas mesas de
jogo e soube que o que nós construímos juntos valia muito mais. Não cheguei a sentar às
mesas para jogar. Simplesmente não consegui. Queria mais, muito mais. Queria o seu
respeito e sua confiança.
O coração de Jenna se encheu de júbilo ao ouvir aquelas palavras. Cash voltara para
ela e não tinha jogado. Mas continuava cismada.
— Mas de onde veio todo esse dinheiro.
— De Bender. Vendi-lhe minha égua, com sela e tudo.
— Você vendeu Queen? — Jenna não acreditava que tivesse feito isso. Ele adorava
aquele animal. Mas o brilho dos olhos dele lhe dizia que era verdade.
— Consegui quase trezentos dólares, e o velho Bender me fez prometer que nunca
mais apostaria nada com ele.
— Oh, Cash!
— Isto será suficiente para suplantarmos os tempos difíceis. Mas ouça, tenho uma
idéia. Durante o casamento de Antônio, ouvi uma conversa. Existe uma nova semente vinda
do outro lado do mundo: a semente do inverno. Chama-se Turkey Red. Bender vai fazer
uma tentativa, e acho que também deveríamos tentar. Poderíamos plantar as sementes no
outono e colhê-las no inverno. Bender vai nos informar onde consegui-las.
Jenna transbordava de alegria. Finalmente, Cash encontrara uma maneira. Virara as
costas ao jogo por ela; por eles. Voltou para ela conforme prometera e com um plano para
salvar a fazenda. Mas havia ainda uma pergunta que precisava fazer, ainda que temesse
ouvir a resposta.
— Isso significa que voltou para ficar?
Cash segurou-lhe uma das mãos, e o olhar cor de índigo capturou-lhe o coração.
— Eu nunca havia encontrado um lar até conhecê-la. Você é meu porto seguro. Quero
pedir-lhe que faça uma coisa por mim, querida. Que faça uma única aposta.
— Você quer que eu jogue? — perguntou, com o coração tão cheio de amor que nem
se importava com o que ele estava dizendo.
— Sim. Quero que aposte que vou ficar em Twin Oaks para sempre. Que serei um
bom marido e um bom pai para nossos filhos. Que nunca mais vai se livrar de mim, mesmo
que me expulse. Eu a amo, Jenna. Eu a estou desafiando a fazer a maior aposta de toda
sua vida. Quero que aposte em mim.
Jenna pensou nele ainda menino, órfão tão cedo, tendo que inventar maneiras de
sobreviver. Pensou no homem cuja vida salvou. No homem que nunca devolvia um prato
vazio, mas sempre guarnecido de uma flor, como mostra de gratidão pela comida que
recebera. Pensou no homem que trabalhara com todo afinco nos campos, dizendo não ser
fazendeiro, mas exibindo mais habilidades a cada dia. Pensara que havia conhecido o amor
através das páginas das cartas trocadas com um homem que jamais conhecera. Mas agora
sabia que o amor era algo muito diferente. Era viver, trabalhar, sorrir, chorar ao lado de um
homem até os dias virarem noites e despertarem para um novo amanhã. Era conhecer sua
alma, suas virtudes e defeitos e ainda assim não conceber a vida sem ele. Aquele era o
significado do verdadeiro amor.
Jenna sorriu, pensando no futuro promissor que se descortinava a sua frente, aquele
que sempre almejara e tinha somente duas palavras para dizer-lhe:
— Sim, aposto.
E sabia que naquele jogo sairia vencedora.

EPÍLOGO
O pôr-do-sol lançava seus últimos raios dourados sobre os campos de trigo que
cresciam saudáveis. Três crianças barulhentas brincavam de esconde-esconde pela
fazenda, rindo alegremente, enquanto a brisa suave que vinha do sudoeste balançava os
galhos das árvores com delicadeza. Um homem e uma mulher observavam aquela cena
bucólica de mãos dadas. Um cachorro vira-lata e um felino orgulhoso repousavam a seus
pés.
Seus olhares se estendiam pelas plantações e se fixaram nos frondosos carvalhos
gêmeos que se erguiam firmes, um de cada lado da porteira de entrada de Twin Oaks. Seus
galhos se entrelaçavam com tamanha exuberância, que nenhuma força da natureza jamais
conseguiria separá-los. As folhas tenras e verdejantes se beijavam com doçura em um
carinho eterno. E naquele instante ambos se sentiram como aquelas árvores. Ambos
sabiam que a despeito de todas as intempéries, permaneceriam fortes e unidos para sempre
pelo laço mais poderoso que existia no mundo: o amor.

FIM

Você também pode gostar