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“Isaac no mundo das partículas”: o uso da literatura

infanto-juvenil para a incorporação da História da


Ciência nos anos inicias da educação básica

Resumo
A abordagem da História da Ciência no ensino não é algo novo, e vem ga-
nhando cada vez mais espaço nas discussões que envolvem formação de profes-
sores e o processo de ensino aprendizagem pelos alunos, podendo ser um dos
caminhos para combater concepções ingênuas sobre a construção do conhe-
cimento científico. Contudo, se fizermos um levantamento desses trabalhos no
ensino básico, pode-se observar que a maior parte deles se concentra nos anos
finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio. O presente trabalho buscou
apresentar uma estratégia didática de incorporação da História da Ciência nos
anos iniciais, utilizando um livro infanto-juvenil: “Isaac no mundo das partículas”
da autora Elika Takimoto. A inserção dessa estratégia didática aconteceu em uma
escola municipal da periferia de Barra Mansa (RJ) e foi aplicada para cerca de
65 alunos do 3º, 4º e 5º ano do Ensino Fundamental. No percurso da aplicação,
houve um grande envolvimento da escola, como um todo e a realização acon-
teceu nos momentos de sala de leitura estabelecendo uma interlocução com a
oficina de práticas de ciências, que é oferecida nas escolas de tempo integral no
município. A estratégia didática mencionada criou motivação e interesse na tur-
ma, evidenciando todo um processo de construção do conhecimento científico,
realizando uma transposição didática da física das partículas, através da História
da Ciência presente no livro, de maneira lúdica e participativa.
Palavras Chave: Ensino de Ciências, História da Ciência, Literatura infanto-juvenil.

“Isaac in the world of particles”: the use of children’s and youth


literature to incorporate the History of Science in the early years
of basic education
Abstract
The approach to the History of Science in teaching is not something new, and
has been gaining more and more space in discussions involving teacher training and

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the teaching process learning by students, and may be one of the ways to combat
naive conceptions about the construction of scientific knowledge. However, if we make
a survey of these works in basic education, it can be observed that most of them are
concentrated in the final years of elementary school and high school. The present
work sought to present a didactic strategy of incorporating the History of Science in
the early years, using a children’s book: “Isaac in the world of particles” by the author
Elika Takimoto. The insertion of this didactic strategy took place in a municipal school
on the outskirts of Barra Mansa (RJ) and was applied to about 65 students in the 3rd,
4th and 5th grades. In the course of the application, there was a great involvement of
the school as a whole and the realization took place in the moments of the reading
room establishing an interlocution with the science practices workshop, which is offe-
red in the full-time schools in the municipality. The didactic strategy mentioned crea-
ted motivation and interest in the class, evidencing a whole process of construction of
scientific knowledge, carrying out a didactic transposition of the physics of particles,
through the History of Science present in the book, in a playful and participative way.
Keywords: Science Teaching, History of Science, Children’s and Youth Literature.

Introdução
É notório que a História da Ciência no Ensino pode trazer muitos benefícios
na construção dos conceitos científicos. As discussões acerca da importância da
introdução da História da Ciência no ensino não é algo novo. Em um artigo anti-
go e tradicional da área, o autor Matthews (1995) afirma a existência de um gran-
de movimento em busca da aproximação entre a História e o Ensino de Ciências.
Existem vários trabalhos na área que traz contribuições e possibilidades de
abordar a História da Ciência, no Ensino Superior e na Educação Básica (SEPINI,
MACIEL, 2016; VITAL, GUERRA, 2017; REIS, SILVA, BUZA, 2012, GUIMARÃES, CAS-
TRO, 2019; GUIMARÃES, CASTRO, 2019). Contudo, se fizermos um levantamento
desses trabalhos no ensino básico, podemos observar que a maior parte deles se
concentra nas graduações e nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino
Médio (CALLEGARIO et.al, 2015). Existem ainda poucos estudos da incorporação
da História da Ciência já nos primeiros anos escolares.
Esse trabalho tem como objetivo apresentar uma estratégia didática de in-
corporação da História da Ciência nos anos iniciais, utilizando um livro infanto-ju-
venil: “Isaac no mundo das partículas” da autora Elika Takimoto. O livro é repleto
de arte, filosofia e história sobre física de partículas para crianças a partir de
5 anos e conta a história de Isaac, uma criança, que conheceu e viajou com Argo,
uma partícula de areia, pelo mundo das partículas, encontrando filósofos como
Aristóteles e conhecendo novas descobertas como o Bóson de Higgs.
A inserção dessa estratégia didática aconteceu em uma escola municipal da
periferia de Barra Mansa (RJ) e foi aplicada para cerca de 65 alunos do 3º, 4º e
5º ano do Ensino Fundamental. No percurso da aplicação, houve um grande en-
volvimento da escola, como um todo, do diretor aos funcionários, e a realização

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aconteceu nos momentos de sala de leitura estabelecendo uma interlocução com
a oficina de práticas de ciências, que é oferecida nas escolas de tempo integral
no município.
A professora da sala de leitura realizou atividades como levantamento de hi-
póteses pela capa, leitura compartilhada e pesquisa das curiosidades que vinham
surgindo no decorrer do livro. Já a professora de Prática de Ciências, exemplificou
as suas aulas a parte experimental do livro, abordando alguns momentos que o
personagem central passava para além das páginas escritas, através de momen-
tos em que os alunos observavam o grão de areia através de uma lupa.
Portanto, a estratégia didática mencionada criou motivação e interesse na
turma, evidenciando todo um processo de construção do conhecimento cien-
tífico, realizando uma transposição didática da física das partículas, através da
História da Ciência presente no livro, de maneira lúdica e participativa.

A literatura infanto juvenil: uma perspectiva histórica


Podemos considerar o surgimento da Literatura Infanto-Juvenil mediante o
objetivo de formação moral, instrucional e cultural das crianças por parte de ins-
tituições históricas específicas, como a pátria, a família e a escola. Desse modo,
tais instituições tinham como objetivo, buscar uma ferramenta que as auxiliasse
na educação desses indivíduos. Portanto, interessavam-se por obras que envol-
vessem o enunciatário por meio de aspectos subjetivos e imaginários, além de
valores morais que eram considerados modelares na sociedade da época.
Conforme afirma Gregorin (2009, p.38-39), para compreendermos melhor
a literatura para crianças, devemos considerá-la como um gênero que se cons-
trói através do tempo e, portanto, devemos destacar que antes do século XVIII
a criança ainda não era vista como um “indivíduo”, com suas especificidades de
acordo com a faixa etária, mas como um “adulto em miniatura”, esse que deveria
ultrapassar rapidamente a fase da infância, desconsiderando-a como uma fase
menos importante de formação e tornar-se prontamente um adulto produtivo,
que conformasse com os valores desejados pela sociedade.
Ademais, há ainda a separação das classes sociais. Enquanto os mais favo-
recidos liam os hoje “clássicos da literatura”, os menos favorecidos não tinham o
mínimo contato com a leitura, tomando ciência das obras através de manifesta-
ções orais, que eram transmitidas pelo grupo social em que estava inserido, por
meio de tradições.
Alguns fatores históricos foram importantes para a futura formação de um
público leitor (adultos, jovens e crianças) interessado em narrativas fantasiosas e,
muitas vezes, de cunho moralizante. A tecnologia de impressão de livros (século
XV), a formação da burguesia, a figura do “editor” e a disseminação das livrarias
são alguns desses fatores. É dentro desse cenário que surgem escritores capazes
de perceber esse potencial e inaugurar uma nova “tendência” literária.

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Previamente destacamos Charles Perrault (1628-1703), escritor francês e um
dos precursores dos contos de fadas, podendo ser denominado como pai dessa
literatura. Inaugurou-a ao fim do século XVII, com a publicação dos Contos da
Mamãe Gansa. “Do grande elenco de obras publicadas no século XVIII, poucas
permaneceram, porque então era flagrante o pacto com as instituições envolvi-
das com a educação da criança.” (LAJOLO E ZILBERMAN, 2007, p.19)
Mediante o sucesso de Perrault com seus contos de fadas, alguns autores e
editores somaram a esse sucesso a adaptação de textos de romances de aventu-
ras, alguns hoje considerados clássicos, como Robinson Crusoé (1719), de Daniel
Defoe, Viagens de Gulliver (1726), de Jonathan Swift e o precursor do romance
moderno, Dom Quixote (1605), de Cervantes. Esses autores foram uns dos que
asseguraram a assiduidade de criação e consumo de obras literárias e embora
seus textos não tenham sido escritos para jovens e crianças, as adaptações que
se fizeram deles permitiu que seus personagens se transformassem em ícones da
Literatura Infanto-Juvenil.
Já no século XIX, o gênero literário do qual estamos tratando, ganha maior
visibilidade, o número de obras voltadas a esse público aumenta, juntamente
ao número de autores. Os Irmãos Grimm, nascidos na Alemanha, e escritores de
diversas fábulas famosas, têm notório reconhecimento ao editarem os contos de
fadas da época, e respectivamente, conseguirem a partir do êxito obtido, delimi-
tar o campo literário pertinente à Literatura Infanto-Juvenil, identificando quais
elementos chamam mais a atenção dos leitores.
Em primeiro lugar na linha de interesses, temos os elementos que se carac-
terizam por fantásticos, esses capazes de ultrapassar os limites dos livros, a partir
do imaginário, seja por meio de obras como a de Hans Christian Andersen, nos
seus Contos (1833), Lewis Carroll, em Alice no País das Maravilhas (1863), Collodi,
em Pinóquio (1883) e James Barrie, em Peter Pan (1911).
À segunda instância, seguindo a linha de interesse, podemos destacar algumas
obras que se encaixariam mais no campo “Juvenil”, não as dissociando das obras
ditas “Infantis”, mas, identificando alguns elementos especificamente característicos
para captar a atenção do leitor “jovem”. Como por exemplo, O Último dos Moicanos
(1826) de James Fenimore Cooper, As Aventuras de Tom Sawyer (1876) de Mark
Twain, ou A Ilha do Tesouro (1882), de Robert Louis Stevenson. Nessas obras, temos
algumas particularidades quanto ao tipo de cenário, de enredo e dos personagens.
O primeiro é descrito como mais exótico, já o segundo, é repleto de aventuras lide-
radas por um personagem jovem, caracterizado como audaz, perspicaz e corajoso,
conforme especificam Lajolo e Zilberman (2007, p.20).
Por último, temos as obras com temas moralizantes e que servem de mode-
los comportamentais aos olhos da sociedade da época. Lajolo e Zilberman desta-
cam autores e obras desse período, como a Condessa de Ségur, com seu livro As
Meninas Exemplares (1857), Louise M. Allcott, em Mulherzinhas (1869), Johanna
Spiry, em Heidi (1881), e Edmond De Amicis, em Coração (1886).

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Podemos perceber nas duas primeiras obras citadas, a intencionalidade da
construção já a partir dos títulos, esses que remetem ao caráter “educativo” de-
sejado na época:

Autores todos da segunda metade do século XIX, são os que confirmam a literatura
infantil como parcela significativa da produção literária da sociedade burguesa e
capitalista. Dão-lhe consistência e um perfil definido, garantindo sua continuidade e
atração. (...). (LAJOLO e ZILBERMAN, 2007, p.20)

O uso da literatura como modelo moralizante e comportamental é facilmen-


te percebido na maioria das obras aqui citadas como Literatura Infanto-Juvenil,
contudo, esse trabalho adota o livro Isaac no mundo das partículas, que tem uma
nova abordagem de literatura, tendo em vista que a autora é física de formação
e propôs uma divulgação científica através de seu livro.

Procedimentos metodológicos
A atividade foi desenvolvida com 65 alunos do 3º, 4º e 5º ano do ensino
fundamental, na faixa etária de 7 a 10 anos, de uma escola pública municipal em
Barra Mansa, no Estado do Rio de Janeiro. Os alunos foram nomeados de A1 a
A65 para resguardar a identidade das crianças.
Esse trabalho trata-se de um relato de experiência, envolvendo uma sequên-
cia didática com a apresentação dos resultados produzidos no formato de roda
de conversas a partir do livro infanto-juvenil: “Isaac no mundo das partículas” da
autora Elika Takimoto. As rodas de conversa se configuram como uma estratégia
didática que aproxima os atores envolvidos na relação de troca de informações,
sendo uma metodologia que desenvolve atividades como leitura, sistematização
de ideias, introdução de novos conteúdos e debates, o que gera práticas argu-
mentativas (MESSEDER E OLIVEIRA, 2017).
O trabalho com o livro “Isaac no mundo das partículas”, ocorreu através da
roda de conversa durante os momentos na sala de leitura, onde as falas e inda-
gações, coletadas por meio de um diário de bordo, fizeram com que os alunos se
posicionassem para a solução dos problemas encontrados na história. Os alunos
demonstraram interesse com as descobertas do menino, motivando-se com o
desenrolar da história e demonstrando dúvida e interesse pela ciência.
As aulas da sala de leitura eram intercaladas com as oficinas de Práticas de
Ciências, e o principal objetivo era colocar o que era lido na “prática”. Os alunos
foram levados à observação da areia através da lupa, tendo em vista que as par-
tículas desse material ocupavam um espaço central no livro que estava sendo
trabalhado. Após as atividades desenvolvidas de observações e descobertas, os
educandos demonstraram os conhecimentos adquiridos através de registros e
diálogos interativos que serão analisados na seção seguinte.
Ao término da contação do livro, foi realizado um momento de reflexão cria-
do pelos alunos diante dos cientistas e figuras históricas encontrados no livro e

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esse momento se deu a partir de uma roda de conversa através de um debate
para estimular a conversa e reflexão dos mesmos sobre a história de alguns filó-
sofos citados como Aristóteles, Isaac Newton e Niels Bohr com toda a conversa
sobre partículas que o livro infanto-juvenil levava.
Foram necessárias três aulas consecutivas, com duração de 45 minutos cada,
para realização do trabalho proposto, organizadas da seguinte forma:
Na primeira aula, a contação da história, o conhecimento prévio do aluno em
relação à natureza das partículas de materiais e suas concepções e a similaridade
com o real. Na segunda aula, a mediação da professora de Práticas de Ciências na
construção do conhecimento através da análise da areia por uma lupa. A terceira
aula foi realizada com os 65 alunos e realizou-se uma roda de conversa através
de uma abordagem da História da Ciência no Ensino, relacionando com alguns
cientistas em que o livro fornecia o contexto.

Resultados e discussão
Em busca de unir o imaginário ao real, a atividade trouxe uma inquietude por
parte dos alunos no momento em que perceberam a aproximação com o mundo
onde vivem em paralelo com um mundo microscópio que é invisível ao nosso
primeiro olhar. A partir da leitura do livro infanto-juvenil “Isaac no mundo das
partículas”, os alunos puderam perceber que o mundo que eles veem é constitu-
ído de várias partículas que constituem um mundo “invisível”, que dependendo
da forma que se olhe, pode ser encantador.
Para o desenvolvimento das crianças, iniciou-se a contação da história e o
diálogo na roda de conversa para compreender as representações dos alunos em
relação ao livro que seria trabalhado durante as aulas da sala de leitura, tendo em
vista que a professora responsável por esses momentos tem uma prática profis-
sional que encanta a toda comunidade escolar.
Oliveira e Messeder (2017) compreendem que as crianças demonstram em
seus discursos a capacidade de reflexão sobre questões sociais vivenciadas no
cotidiano e que a intervenção do professor é fundamental no processo educativo
que objetive a construção de conceitos científicos:

Reforçamos a necessidade da mudança sobre as abordagens do ensino nos anos


iniciais, onde a criança seja autora do seu próprio discurso, reflita sobre a realidade,
compreenda os conteúdos curriculares e se reconheça enquanto sujeito histórico
social capaz de multiplicar conhecimentos e intervir, sem esquecer suas limitações,
nos espaços sociais que circula (ibid., p. 11).

O primeiro momento de leitura do livro deu-se com a exploração da capa (fi-


gura 1). Os alunos levantaram hipóteses da história que estaria atrás daquela capa.
Esse momento teve como objetivo realizar uma sondagem inicial da concepção
que esses alunos tinham da ciência, pois apesar de serem crianças, estão inseridos
no mundo, o que traz uma percepção das experiências que eles vivenciam.

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Algumas falas foram muito destacadas pela professora no relato dessa prática:
A 23: O livro vai contar como DEUS criou o mundo.
A34: O livro conta como foi a criação, igual meu pai estava me contando um
dia.
A44: A capa é bonita, o menino criou o mundo?

Figura 1: capa explorada como sondagem inicial da concepção da ciência que as crianças possuíam
Fonte: site da autora Elika Takimoto.
Disponível em: https://elikatakimoto.com/isaac-no-mundos-das-particulas/

Os relatos iniciais das crianças apontam para um fato até então inusitado. A
influência religiosa é muito clara e forte nas suas concepções iniciais, foram pou-
cas crianças que relacionaram a capa com a palavra ciência em sua interpretação,
a relação era sempre de um criacionismo divino feito por Deus.
Nas semanas seguintes, a professora da sala de leitura desenvolveu suas au-
las a partir do capítulo dos livros. Segundo seu relato, ela ficou muito surpresa
com a motivação dos alunos com o desenvolvimento da história, afirmou que
alguns alunos não gostavam de fazer leitura coletiva e passaram a realizar pela
motivação que o livro possuía, ela ainda relatou a grande motivação dos educan-
dos do 3º ano do ensino fundamental o que não era esperado no planejamento
inicial. A maior dificuldade de trabalho com o livro foi no seu desenvolvimento
quando conceitos de Física Quântica foram sendo inseridos.
Os experimentos relativos ao livro foram realizados de forma intercalada
com as aulas da sala de leitura, conforme os alunos iam lendo, eles eram incen-
tivados a exercer uma postura ativa e investigativa frente aos desafios propostos
na oficina de práticas de ciências. O experimento a ser destacado foi a análise da
areia através de uma lupa em um experimento de observação (figura 2). Os alu-

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nos puderam fazer a mesma observação feita pelo protagonista do livro e a aula
de práticas de ciências se transformou em um ambiente favorável da imaginação
e criatividade.

Figura 2: Alunos desenvolvendo uma experimentação baseada no livro


Fonte: Elaboração da pesquisa

Após as observações, os alunos foram questionados para o seguinte relato


oral e em seguida, o escrito: “Quando eu observo a areia eu vejo:”
A14: Eu vejo pequenos grãos igual o menino do livro. Será que é o Argo?
A18: Nossa! É igual nós lemos com a tia mesmo!!
A44: Parece que estamos dentro da história.
A56: Nossa, é feito de coisas pequeninas mesmo, igual a outra tia falou.
Observe que nesse momento, os alunos estavam muito motivados pela lei-
tura do livro infanto-juvenil, que uma simples prática de observar a areia na lupa,
tornou-se um momento mágico, onde a imaginação, a criatividade e a relação
com o cotidiano foi nitidamente vista pelos relatos orais e escritos. Os alunos
começaram a mensurar que a matéria era feita de partículas a partir da história
que estava sendo contada e trabalhada, aliando a literatura e a ciência de modo
interdisciplinar.
No momento final, foi inserido a História da Ciência no Ensino de modo mais
amplo para uma roda de conserva, onde ela era o foco principal. Para a discussão
pelo fato do livro inserir personagens históricos em sua narrativa como Aristó-
teles e Isaac Newton. A roda de conversa iniciou-se como um “eu quero saber”
sobre algumas questões dos livros.
Nesse momento estiveram presentes a professora da sala de leitura e a da
oficina de Práticas de Ciências, que prepararam uma apresentação de slides que
contavam o percurso das atividades com o livro, ressaltando os principais mo-

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mentos e as principais dúvidas que surgiram, esse momento aconteceu com a
presença de um pesquisador da área de História da Ciência no Ensino.
A primeira dúvida diz respeito aos filósofos citados no livro, os alunos se in-
teressaram pela menção ao Aristóteles e as discussões que os livros relatavam, a
dúvida que foi colocada de modo coletivo para o pesquisador da área da História
da Ciência no Ensino, foi: “Os filósofos podem ser considerados cientistas?”
Esse primeiro questionamento, denominado como “Eu quero saber”, já re-
presenta a História da Ciência como fio condutor da estratégia didática desen-
volvida e durante a condução do livro. Foi explicado as crianças que os filósofos
gostavam de observar a natureza, e assim muitas curiosidades começaram a ser
pensadas na Grécia Antiga. As crianças participaram com os seguintes relatos
das crianças:

A08: Eu sou muito curioso igual os filósofos!


A17: Não sabia que o mais importante era observar

Pelas participações dos alunos na primeira interação dialógica, percebe-se


a construção de um conhecimento científico baseado no questionamento e ob-
servação, e não em uma visão distorcida da ciência como sendo uma construção
elitista e para os gênios.
No segundo questionamento foi levado curiosidades sobre Isaac Newton,
pelo fato do protagonista da história levar o nome desse cientista. Apesar de suas
características não rememorarem o cientista, a escolha do seu estudo deve-se
por conta da relação que as crianças realizaram com o histórico cientista. A pro-
fessora da sala de leitura trouxe as três leis de Newton para que o pesquisador
fizesse a transposição didática dos alunos.
Antes de falar sobre as leis de Newton, o pesquisador trouxe alguns aspec-
tos da vida pessoal do cientista em questão. Foi falado sobre a vida religiosa e a
devoção que Newton tinha a Deus. Esse fato foi falado antes, pelo fato da sonda-
gem inicial da capa, muitos educandos terem relacionado a capa com a criação
descrita na Bíblia Sagrada. Nesse momento não nos preocupamos em condenar
o criacionismo, mas de respeitar a vivência que as crianças trouxeram de casa;
diante dessa primeira explanação, foi relatado pelas crianças:

A05: Eu pensava que cientista não acreditava em Deus.


A35: Que legal a vida dele.
A48: Meu pai disse que a ciência não acredita em Deus.
A escolha em abordar a vida religiosa de Newton foi considerada pela sonda-
gem inicial realizada pela capa. Consideramos importante a separação da igreja e

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da ciência, mas não podemos descartar as concepções prévias das crianças, consi-
deramos a construção do conhecimento científico como uma construção humana
e coletiva, por isso a incorporação da vida religiosa de Newton foi considerada.
O foco desse artigo não foi a explicação das três leis de Newton, contudo,
citamos que a abordagem dessas foi feita de modo que considerasse o cotidiano
dos alunos e uma transposição didática que fosse pertinente e relevante para o
nível de escolaridade das crianças.

Considerações finais
No desenvolvimento deste trabalho, foi discutida a importância da História
da Ciência no ensino e da utilização da literatura infanto-juvenil para a introdu-
ção de tal abordagem. Esse enfoque não pode ficar restrito para os anos finais
do Ensino Fundamental, Ensino Médio e Superior, devendo abranger todos os
níveis de ensino. É nos anos iniciais que os sujeitos têm o primeiro contato com a
Ciência. É nessa etapa que começam a construir os primeiros significados, sendo
parte deles a história na qual os mesmos foram desenvolvidos.
A História da Ciência não serve apenas para enfeitar uma aula, mas para
transformá-la em uma busca pela construção do conhecimento. Sua incorpora-
ção, para que tenha um valor efetivo, exige uma postura diferente do professor
e do aluno. É essa modificação que permite que os benefícios de tal enfoque
sejam alcançados e que o ensino passe a ter como objetivo o desenvolvimento
do conhecimento.
A presente pesquisa mostrou que incentivar a leitura, através de um livro
infanto-juvenil leva motivação para o processo de ensino-aprendizagem em ci-
ências devido ao fato do acréscimo da narrativa que o livro possibilita no percur-
so da estratégia didática. Desse modo, o que se constata nessa atividade é uma
aproximação da riqueza proporcionada pela literatura infanto-juvenil nas escolas.
A escola, portanto, torna-se um espaço específico e privilegiado onde a criança
pode entrar em contato direto com a literatura. No entanto, a forma como essa re-
lação se dá nem sempre é satisfatória. O aspecto lúdico e a relação prazerosa com
o texto, ficou claro no percurso das atividades que foram sendo desenvolvidas.
Portanto, é extremamente relevante a utilização da História da Ciência e da
literatura infanto-juvenil para o ensino. Trabalhar em todas as etapas da educa-
ção com tal tipo de enfoque garante que o sujeito compreenda efetivamente o
trabalho científico e a maneira pela qual a Ciência, dos dias atuais, foi construída,
desmistificando a ideia de conhecimento linear ainda tão presente no ensino.

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Referências
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