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MONSENHOR TIAHAMER TÓTH

NA LINDA NATUREZA DE DEUS

Tradução do
Professor José Warken

Catedrático do Colégio Catarinense – Florianópolis


Santa Catarina

EDITORA S. C. J

TAUBATE – EST. DE S. PAULO


BRASIL
2

IMPRIMI POTEST

Taubaté, dia 18 Setembro 1945


P. Josephus Poggel S. C. J.
Praep. Prov. Brás. Merid.

NIHIL OBSTAT

Taubaté, dia 8 Setembro 1945.


P. João Batista Baptista de Siqueira
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IMPRIMATUR

Taubaté, dia 18 Setembro 1945


D. Francisco Borja do Amaral
Bispo Diocesano.
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Primeira Parte

DEUS É GRANDE

Era pelo fim de nossa excursão de férias. Descansávamos,


havia algum tempo, na propriedade dum benfeitor de nossa escola
e na hospedagem que nos fora concedida, levávamos alegre vida
de acampamento, em meio à maravilhosa paisagem.
Caia a noite. O céu estrelado se arqueava acima de nossas
cabeças. Assentados em silencio à volta da fogueira do
acampamento, gozávamos da quietude noturna.
“Olhem, olhem só”, exclamou o Celsinho de repente, “vejam
lá!”
“Que é que você tem?” alvoroçou-se Carlos. “Por que grita
assim?”
“Oh, como era bonito! Não viram? Uma estrela caiu do céu.
Que lindo! Sr. Doutor, por obsequio, aonde foi cair essa estrela?”
O professor procurou primeiro acalmar o Celsinho. Celso era
o mais novo do grupo. Havia duas semanas que terminara as
provas, e teve licença de visitar o irmão mais velho no
acampamento.
“Calma, Celsinho” disse o professor. Você quer saber para
onde voou aquela estrela? Ora, para o seu destino fatal. Ela se
desprendeu do sol vivificante e acalentador, do seu centro
luminoso, e se precipita agora no vácuo, nas trevas!”
“Que pena”, comentou o pequeno. “Era tão brilhante! E
grande como uma melancia.”
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“Ora, um pouco maior já terá sido”, replicou Francisco, o


segundanista. “Saiba Celsinho, que há estrelas que são cem vezes
maiores do que nossa terra!”
“Sr. Doutor, o Francisco está a contar lorotas. Aqueles botões
de prata lá no firmamento seriam maiores do que a terra?”
Nosso mestre lançou alguma lenha ao fogo e acenou para
que nos aproximássemos. A noite estava admiravelmente serena.
Apenas o regato murmurava sonolento; raro se ouvia o salto dum
peixe no tanque próximo.
“Maior do que a terra? Não somente cem vezes maiores do
que a terra, mas mesmo maiores do que o sol. Desses tamanhos e
distancias vocês não tem a mais leve idéia. Se prometerem ficar
bem quietos, posso contar-lhes maravilhas do mundo das estrelas.”
Naturalmente prometemos. Francisco adiantou: “Que
sensação estranha nos enche numa noite estrelada e tão calma!
Não sei como externa-la... Como se alguma coisa invisível me
levantasse... sinto Deus tão perto de minha alma!”
“Sim, sim, essa sensação de compreendermos algo de
misterioso...” disse o professor. “Quando consideramos o céu
estrelado, sentimos mais profundamente ainda, o mesmo que
Aristóteles, o grande sábio grego.”
Em uma passagem diz ele: “Assim como alguém do alto do
monte Ida, vê avançar pela planície o exercito grego em plena
ordem de batalha – à frente a cavalaria, seus ginetes e carros de
batalha, em seguida a infantaria – e não pode deixar de pensar que
deve haver quem ordene essa massa guerreira e a mantenha em
disciplina; ou como o marinheiro, à vista dum navio de velas
enfunadas pelo vento, está convencido que nessa embarcação se
acha um piloto que a dirige e guia ao porto: assim procuram ao
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Criador e Mestre desta maravilhosa ordem do universo aqueles que


levantam seu olhar ao firmamento, admirando a ordenada multidão
de astros, vendo como o sol completa seu curso de leste para o
oeste, - e devem forçosamente chegar à conclusão de que tudo isso
não podia criar-se pelo acaso, mas há de emanar do poder de um
Ser Eterno.” ( Sect. Emp. Dogm. III 2, fragm. II. P. 36).
“E, contudo, Aristóteles não dispunha de luneta nem de
telescópio, não é?” inquiriu Carlos.
“Naturalmente que não possuía. Ele perscrutava o firmamento
a olhos desarmados.” Que não teria dito se tivesse podido
contemplá-lo através dum dos modernos telescópios, que ampliam
a imagem cerca de mil vezes! Vocês conhecem certamente as
constelações do Zodíaco?”
“Carneiro, Touro, Gêmeos, Câncer” começou Carlos, mas o
mestre interrompeu-o:
“Bem, Carlos! Tomemos os Gêmeos. Nem mesmo a vista
mais aguda é capaz de perceber mais de seis estrelas naquela
constelação. E através do telescópio? Mais de 3000! Isso apenas
nos Gêmeos. Reparemos agora a Via Láctea”.
“A Via Láctea?”
“Sim. À vista desarmada, ela é apenas uma nebulosidade. E
com o telescópio? Parece que nos achamos no seio duma
tempestade de neve. Milhões de flocos nos rodeiam, mas cada um
destes flocos é uma imensa, gigantesca estrela.”
“Senhor Doutor, podem-se contar os astros?” perguntou
Carlos.
“Isso não. Mas podemos falar em geral, de várias centenas de
milhões.”
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“E essas estrelas são de fato tão grandes? Em verdade


maiores do que nossa terra?” aventurou o Celsinho de novo.
“Escute rapaz: Urano é 14 vezes maior do que a terra, Netuno
17 vezes, Saturno, 93 vezes, Júpiter até 1279 vezes maior. E que é
tudo isso comparado ao sol! Ele é 1.300.000 vezes a terra, isto é,
outros tantos globos terrestres poderiam ser formados com ele.
Agora jogamos só com milhões. E vocês podem imaginar que altura
alcançaria, por exemplo, um milhão de cartas de jogar empilhadas?
Mais de um quilometro! Experimentem agora imaginar o que seria
um milhão de Terras! Se transportássemos a terra com a lua para
dentro do sol, e a lua continuasse girando ao redor da terra na
mesma distancia como agora, poderia girar livremente ao redor do
planeta.”
“Simplesmente fantástico!” exclamou Carlos.
“Espere meu caro! Sírio é ainda 12 vezes maior do que o sol,
e existem outros astros ainda maiores do que Sírio.”
“Então devem estar prodigiosamente afastados, para nos
parecerem tão pequenos”.
“Realmente. Nossa inteligência chega a calcular, mas a
fantasia dificilmente pode imaginar tais distancias. Assim, a lua, que
parece tão próxima, logo atrás daquela arvore, está a 384.400 km.
De nós; o sol, entretanto, a 149.480.000 km. Um trem expresso,
que fizesse 100 km à hora, levaria 170 anos, de corrida ininterrupta,
para chegar ao sol. A luz faz esse trajeto em menos tempo: em 8
minutos e meio nos alcança. Não é, Carlos, já ouviu falar do ano-
luz?”
“Sim. Aprendemos que é difícil calcular em quilômetros a
distancia das estrelas; a fim de não precisar trabalhar com números
imensos, calculamos por meio de ano-luz, em vez de quilômetros. A
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luz percorre 300.000 km por segundo; um ano-luz é pois o trajeto


que a luz faz em um ano.”
“Exato. Já refletiu, porem, que velocidade é essa? Um trem, a
60 km por hora, havia de percorrer o equador no espaço de um
mês. A luz percorre-o 8 vezes por segundo! Num ano, a luz faz
esse trajeto 236.520.000 vezes, ou sejam.............
9.460.800.000.000 km. Isto é o ano-luz. Reparem que a luz de
certas estrelas treme. São as estrelas fixas. A que enorme distancia
deve estar a primeira estrela fixa, a Alfa do Centauro, visto que sua
luz chega a nós em “apenas” 4 anos e 4 meses! Quer dizer que ela
está 260.000 vezes mais longe do que o sol. Este já está a
149.480.000 km. de nós. Essa estrela fixa está pois numa distancia
de 149.480.000 km. vezes 260.000. Colossal, o simples enunciado!”
“Desculpe, Sr. Doutor, se alguém quisesse ir à Alfa do
Centauro, quanto tempo levaria num expresso?”
“Nessa viagem, se perguntássemos ao chefe:” Quando
chegaremos à Alfa?;” receberíamos a tranqüilizadora resposta:
“mais ou menos em 48.663.000 anos!”
“Caramba!” exclamou Carlos, “aqui o raciocínio já não
acompanha mais!”
“Senhor Doutor, faça o favor de olhar mais uma vez: acolá
brilha também uma estrela muito bonita”, disse o Celsinho.
“É aquele, que você quer dizer? É Sírio, afastado de 8 e meio
anos-luz. No entanto, como brilha! Que tamanho gigantesco deve
ter! E Vega, que está a 40; a Estrela Polar, a 40 e meio anos-luz!
Sabem o que isso significa?”
“Oh, sim! Se Vega se apagasse agora de repente,
poderíamos vê-la brilhar em seu lugar ainda durante 40 anos.”
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“Muito bem. Essa estrela se precipita com uma velocidade de


24 km por segundo, através do espaço (uma bala de canhão
percorre apenas meio quilometro por segundo!) e, apesar dessa
velocidade vertiginosa, precisaria nada menos de... 280.000 anos,
para alcançar-nos. E notem que isso é apenas rastejar, comparado
com a corrida louca de Arturo, que, por segundo faz 674 km.”
Carlos punha as mãos na cabeça, o Celsinho meneava a sua,
incrédulo.
“Rapazes, isso é tudo calculo cientifico! Atenção. Estamos
somente no principio! Vega está, pois a 40 anos-luz de distancia, e
chegaria até nós em 280.000 anos, na velocidade de 24 km. por
segundo. Que dizer porem de Perseu, que se acha na distancia de
170 anos-luz? Com essa estrela aconteceu, aliás, uma coisa
estranha. Conte-o, Carlos, você o ouviu de mim, não há muito
tempo.”
“Foi assim: No ano de 1901, notaram os astrônomos na
constelação de Perseu, que conheciam muito bem, o aparecimento
de uma estrela desconhecida até então, com uma luz de brilho
notável. Depois de alguns dias, entretanto, diminuía aos poucos;
após um ano e meio aparecia apenas como astro de 12ª. Grandeza,
como se mantém ainda hoje. Que teria acontecido? Provavelmente
houve lá um astro apagado que colidiu com outro e, em
conseqüência do formidável calor desenvolvido pela colisão,
acendeu-se em brilhante luz. O choque mesmo se deu em 1731; a
luz, porém, só chegou até nós em 1901.”
“Então, não acham que isso já é uma distancia fabulosa?“
“Mas, Sr. Doutor, Perseu está distante 170 anos-luz; e o que
existe atrás dele? É lá o fim do universo?”perguntou Carlos.
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“Nem por sombra! Com telescópios perfeitos descobrem-se


sempre novas estrelas; elas brilham, contudo, no instrumento, com
luz difusa, pois estão 2.300 vezes mais longe do que a Alfa do
Centauro... Sabem quanto faz isso? Mais de 9000 anos-luz...”
Agora adiante... Segue-se a Via Láctea... Milhões de estrelas,
diluídas num único arco luminoso... Onde se acham? Numa
distancia de 20.000 anos-luz!
E ainda não estamos no fim do universo. Muito além da Via
Láctea, com os mais aperfeiçoados e sensíveis instrumentos,
descobrem-se sempre novas nebulosas... em dantescas distancias
estão se formando novos mundos. E isso vai sempre avante...
Aonde? Quem poderia dizê-lo? As Plêiades estão “apenas” a 500
anos-luz. O astrônomo Seeliger calcula, todavia a distancia dos
pequenos pontos, só perceptíveis com os maiores telescópios, em
86.000 anos-luz. A este seguem ainda sempre novas nebulosas,
que não podem ser decompostas em estrelas isoladas, nem ainda
mediante os mais poderosos aparelhos... A luz, que se propaga
com a velocidade do relâmpago, 300.000 km. por segundo, isto é,
que nesse tempo faria quase oito vezes a volta da terra, e mesmo
essa luz, daqueles astros chegaria até nós somente depois de
milhões de anos... Os astrônomos falam de astros na nebulosa da
Andrômeda e do Cão, que estariam afastados de 5 a 6 milhões de
anos-luz, isto é, seu fraco brilho seria percebido só depois desse
período... Se isso for verdade, deve haver estrelas, cujo brilho ainda
não chegou até nós, desde a criação do mundo...
E sempre adiante, sempre mais! Que há além? Ninguém o
sabe. Rapazes, quem criou esse intermino mundo de astros? Quem
fixou os roteiros invisíveis dos corpos celestes, muito antes que a
vista humana os pudesse contemplar? Sentimos a verdade das
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palavras de Pasteur, pronunciadas na oportunidade de sua


admissão na Academia Francesa: “Que existe cima do firmamento
estrelado? Um outro firmamento. E mais além? Sempre de novo se
impõe ao espírito do homem a pergunta: que há atrás das estrelas?
Não satisfaz responder: Além delas há infinito espaço, tempo,
dimensão. Tais palavras não são mais do que palavras, não nos
podem satisfazer... Não nos resta, senão ajoelhar-nos reverentes...”
Nosso professor calou-se. Olhávamos, pensativos, o fogo e
rezávamos no intimo, nesse solene silencio. Nunca na vida eu
sentira tão viva a verdade do canto de Beethoven:
“Os céus louvam a gloria do Eterno,
O som propaga seu Nome.
Exaltam-no os mares, o universo o bendiz,
Escuta homem, sua palavra divina!
Quem sustenta os inumeráveis astros?
Quem faz sair o sol de sua tenda?
Ele vem, brilha e sorri de longe,
Segue seu caminho como um herói...”

De repente, disse o professor: “Meninos, estamos aqui a


conversar e a viajar pelo mundo das estrelas: entretanto, podem
roubar todo o acampamento. Vamos ver.”
Levantamo-nos e fizemos uma ronda. A noite estava
silenciosa. Só de algumas tendas se ouvia a respiração rítmica de
camaradas cansados que dormiam – nada mais.

ENTRE AS ESTRELAS
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Depois de alguns minutos de inspeção estávamos de volta,


junto à fogueira. Carlos e Francisco voltaram rindo.
“Por que se riem, rapazes?” inquiriu o professor.
“Carlos de novo quis dizer um chiste, e desta vez, por acaso,
teve espírito.”
“Conta! Também queremos rir.”
“Ora, só me ocorreu que é interessante que o céu estrelado
atrai exatamente tipos humanos opostos: o poeta e o matemático. O
lírico o assalta com suaves ritmos; o astrônomo, ao contrario, com
rígidos logaritmos.”
“Grandioso!” exclamou Francisco rindo, “vou contar isso
amanha aos companheiros. Mas, senhor doutor, eu me lembrei de
outra coisa. Refleti, como devem ser quentes as estrelas pra
brilharem tanto.”
“Que calor tem? Há uns astros apagados, gelados por frio
glacial, e outros que são fogaréus chamejantes.”
“Por exemplo, o Sol. Deve ser quente lá!”
“Ouçam, rapazes, respondeu o mestre, “a temperatura da
camada externa do Sol, na superfície, conta “apenas”4.000 graus,
pois é um tanto arrefecida pelo ambiente frio...” No interior? A
respeito, podemos levantar somente hipóteses, em vista de
erupções vulcânicas que, pela crosta solar fendida, se arremessam
a algumas centenas de milhares de quilômetros de altura. Essas
“protuberâncias” flamejam com seu fogo incrível espaço a dentro.
Já foram observadas erupções e 500.000 km. de altura.”
“Donde tem o Sol esse horrendo calor?” perguntou Carlos.
“Olhe, você me faz uma pergunta, que ninguém sabe
responder. Procurou-se explica-lo pela contração da massa solar,
por irradiações de urânio, pela temperatura que proviria da
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compressão dos átomos; na realidade ninguém o sabe. O padre


Secchi e Ericson calculam a temperatura interna do Sol em 5 a 6
milhões de graus centígrados! Quantos graus tivemos hoje ao meio
dia, quando vocês todos, ofegantes e abatidos, procuravam a
sobra?”
“35 graus C.”
“Vejam, rapazes, qual deve ser o poder capaz de acender um
fogo como o que chameja no Sol, quem sabe há quantos milhões
de anos! E sabem que se julga o Sírio 30 vezes mais quente do que
o Sol? Carlos, aqui tenho o livro dos Salmos, leia o inicio do salmo
18.”
Carlos aproximou-se do fogo e leu baixinho:
“Os céus narram a gloria de Deus e o universo anuncia a obra
de suas mãos.”
O dia conta-o a outro e a noite o comunica a seguinte”.
“São realmente coisas interessantes”. Observou Carlos
pensativo. “Logo que chegar a casa, vou fazer um pequeno
esquema do sistema estrelar”.
“Ora, amiguinho, “disse o professor, “temo que terá muita
dificuldade com as proporções! Se tomar a Terra com simples
ponto, girando num circulo de um centímetro ( que será a órbita da
Terra), sabe onde teria de colocar a Alfa do Centauro? Mais ou
menos numa distancia de 1,5 km. Sírio, aquela estrela brilhante, irá
a 3 km. Canopus, a estrela mais brilhante do céu austral, deveria
estar na distancia de 160 km.
Tem você agora uma idéia das enormes dimensões de que
falamos? Percorremos em carreira vertiginosa as imensas
distancias do universo.
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Sim, rapazes, para onde quer que olhemos sempre nossa


fraca inteligência se demonstra incapaz e deve dobra-se humilde
ante a atividade de um Poder misterioso e sublime. O menor grão
de areia, como gigantescos sóis, são modelados e regulados por
essa força e, como rodinhas dum relógio mantidos em andamento
regular e equilibrados. Pois, não devemos esquecer que todo esse
grandioso universo não está parado, imóvel, mas se acha num
movimento regular e harmônico. Os corpos celestes giram e
movem-se em tumultuosa dança ao redor de si mesmos, e uns à
volta dos outros. Todo esse estonteador movimento pode ser
imaginado somente com problemas matemáticos, dos quais o
espírito humano nem ousa aproximar-se. Nem mesmo o
matemático mais ardiloso seria capaz de determinar a órbita de
apenas três desses corpos... Entretanto, aos milhões giram em
torno dos astros e, alem disso, com velocidade fora de toda a
concepção humana. A terra precipita-se ao redor do sol com a
velocidade de 30 km, por segundo. Aldebaran com 49, Pollux com
53, Areturo com 674 km. Por segundo! Comparado com isso, o vôo
duma bala de canhão é simples arrastar de lesma!”
“Como é, estão, que nada disso sentimos?”
“Isso é também muito interessante. Tudo está tranqüilo..
Folha alguma se move, nenhuma hastezinha se mexe, e contudo
precipitamo-nos pelo universo. Onde está o piloto? Quem é o
comandante? Quem o condutor supremo? Quem resolveu esses
problemas, esses cálculos esmagadores? Só podemos pensar na
resposta do celebre astrônomo F. W. Herschel: Unicamente a
presença dum Espírito infinitamente sábio resolve as dificuldades”. (
Familiar Lectures 46).
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A MARGEM DO UNIVERSO

“Sem embargo, esses gigantes do céu não erram em


desordem, sem destino pelos ares. O movimento de um regula o de
outro. Quase que podemos perceber uma invisível mão a reger o
curso deles. É exatamente essa sublime ordem e pontualidade que
prende a inteligência do homem que pensa, e nos narra a
insuperável sabedoria e poder de um grande Ordenador. A natureza
não é um caos, e sim um cosmos (ordem); não é um amontoado de
massas e energias, jogadas ao léu, em confusão senão um
maquinismo gigante, construído com magnífica exatidão e
conservado por meio de intransigentes e intangíveis leis.”
A floresta, a flor, o pássaro, o animal vivem apenas o
momento; ao espírito do homem, porem, foi dado elevar-se acima
das coisas perceptíveis pelos sentidos, e prestar homenagem ao
Criador onipotente de toda essa beleza.
É esse o misterioso sentimento que se apodera de nós, nas
noites tranqüilas e estreladas. Donde vem essa comoção? Vem de
que todo o nosso interior anela por algo de Maior, Melhor Sublime.
Saídos da mão do Onipotente, sua sede é nossa herança divina, a
qual em noites serenas eleva sua voz debaixo do manto das
estrelas.
“Senhor professor”, adiantou Francisco, “ocorreu-me uma
idéia estranha. Se eu escolhesse um astro, ao qual a luz da terra
chegasse em mil anos, e se nele vivessem homens a nos
observarem através dum bom telescópio, eles deveriam ver nossa
terra, como ela era há mil anos, nos princípios da Idade Media. Isto
é, que os raios, luminosos de nossa historia do ano 900, só agora
estariam chegando aqueles habitantes. E quanto mais afastado
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estiver o astro, tanto mais atrasada estaria a historia. Seria como


se, num aparelho cinematográfico se introduzisse um filme e se
fizesse passar as avessas”.
“Sua idéia é, em verdade, bem curiosa,” opinou o professor.
Teria dito mais, se Celso não o tivesse interrompido.
“Vivem homens nos outros astros?”
“Meu filho é difícil responder a essa questão.”
“Eu li que Marte é habitado”, disse Jorge. “E que alguém disse
que não havia Deus. Pois se houvesse, por que não escreveu seu
nome no firmamento, para que todos o pudessem ver e ninguém
pudesse chamar-se ateu?”
“Ora, Jorge, você mistura duas coisas,“ atalhou o professor.
“Em primeiro lugar, por que Deus não traçou seu nome no céu?
Diga, em que língua devia te-lo feito? Você imagina, com certeza, o
fato assim: a palavra – Deus – a brilhar no céu, formada de grande
e luminosas letras, constituídas de estrelas. Mas, assim, só o
poderiam ler os povos que falam a língua portuguesa; os outros,
não.”
“Jorge intrometeu-se: “Eu o teria escrito numa língua que
todos compreendessem.”
“Tem razão. Veja, existe realmente uma língua compreendida
por todos, a saber: medida, ordem , lei, finalidade. Nessa linguagem
está impresso o nome de Deus, com letras flamejantes, em toda a
natureza. Vamos, porem, examinar a pergunta de Jorge: se há
seres vivos em Marte. Não o creio; pelo que sabemos, lá faltam as
condições necessárias à vida. É possível que, com o progresso da
ótica, cheguemos a saber algo de mais positivo no assunto. Da Lua,
por exemplo, já temos fotografias excelentes, verdadeiras cartas
lunares. Quem sabe se a ótica do futuro, com o auxilio das
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ondulações do éter, não nos poderá aproximar as estrelas mais


afastadas. Duzentos anos atrás, não tinham os homens a mínima
idéia da importância da Via Láctea; ao raiar o século 19, nada
sabiam da distancia das estrelas; antes de 1880 era desconhecida
sua composição química; hoje são coisas banais, bem sabidas.
Nós quebramos a cabeça para achar a maneira de armazenar
o calor estivar para o inverno; mas, não seria possível aproveitar a
imensa energia solar, até o presente sem utilização, para, por
exemplo, movimentar trens, etc.? Não haveria possibilidade de tirar
proveito da força lunar, que, todas às seis horas, movimenta os
mares, produzindo as marés? E outras coisas semelhantes. Quiçá
se torne tudo isso realidade! Então possivelmente saberemos mais
acerca de Marte.
Ainda hoje se descobrem sempre novas estrelas, verdadeiros
mundo no espaço incomensurável. Inauditas distancias se
patenteiam aos minúsculos habitantes da terra! A Via Láctea, que
abraça nosso sistema planetário, se compõe de centenas e
centenas de milhões de estrelas. Que dizer da opinião dos
astrônomos segundo a qual não existe apenas uma Via Láctea? Os
telescópios mostram-nos muitas outras, e cada uma delas, por sua
vez, composta de outros tantos centenárias de milhões de
estrelas... Números de endoidecer!
Ao astrônomo se enleva o coração, quando observa como
ainda hoje se formam novos astros, sóis, vias lácteas. Pode-se
observar a formação de novos universos, mas as forças que neles
agem, somente as podemos suspeitar.”
“Como se cria um novo sol? Pode-se ver isso? Eu também
seria capaz?”
Naturalmente era o Celsinho que estava curioso.
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“Ora, meu rapaz, assim tão fácil não é. O certo é que no


firmamento se formam e desaparecem mundos. Há estrelas
brilhantes que começam a desmaiar repentinamente, escurecem e
se apagam afinal; em outro lugar, pelo contrário, onde não havia
senão um sitio escuro, percebemos subitamente uma estrela
faiscante.”
“Por obsequio, senhor professor,” começou Francisco, “li coisa
interessante acerca da descoberta de Netuno.”
“Netuno? Sim, também neste caso demonstra a ordem que
reina no universo. Como foi mesmo?”
“O astrônomo Lê Verrier notou perturbações na trajetória de
certos planetas. Em todo o universo reina uma admirável ordem,
pensou ele; qual será a causa dessa perturbação? Algum planeta
que ainda não descobrimos deve estar metido nisso. Calculou então
minuciosamente que, a determinada distancia do sol, tinha de existir
um planeta de tal e tal tamanho; e eis que, exatamente naquele
ponto foi descoberto Netuno.”
Baseado no mesmo principio descobriu-se igualmente um
novo elemento, o hélio. É que os elementos também estão sujeitos
a uma ordem. Contudo, entre os elementos conhecidos havia, em
certos lugares, lacunas; por meio de cálculos ficou assente que em
tal e tal ponto faltava um elemento, com esta e aquela propriedade.
Mais tarde, pela analise dos raios solares (análise espectral)
encontrou-se realmente aquele elemento que foi chamado hélio.

O ITINERÁRIO DAS ESTRELAS


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“Mas, por favor, senhor professor, o senhor ainda não contou


nada dos habitantes de Marte”, interrompeu impaciente o Celsinho.
“Escutem: Durante algum tempo os homens se preocuparam
com o problema de como se poderiam fazer sinais aos pretensos
habitantes de Marte. Era, todavia, preciso inventar um sinal que
fosse indiscutivelmente compreendido naquele planeta, suposto que
lá existam seres racionais. Sabem o plano que se imaginou?
Queriam cavar no deserto do Saara um enorme triangulo.”
“O que!” exclamou Celso. “Para que serviria?”
“Eu sei. Se os habitantes de Marte vissem o triangulo,
deveriam notar imediatamente que na terra existem seres
racionais.”
“Exato. Esse plano, entretanto, não foi realizado, e não
podemos responder à questão do Celso. Deixem, porem, vagar
vosso olhar pelo firmamento, pela terra, pelo universo todo! Não é
apenas um triangulo que nos fala, mas a beleza, a ordem, o
conjunto harmonioso de todo o mundo no-lo proclama, como um
hino de louvor: acima de nós existe um Ser infinitamente sábio que
criou tudo isto e lhe imprimiu suas leis. Uma força sobre-humana
reuniu os invisíveis átomos em grandiosos astros, deu leis às suas
forças titânicas, para que não haja confusão, mas um universo
lindamente ordenado, construído sobre normas exatas. Francisco,
vocês já estudaram física. Lembra-se ainda qual foi o autor da
física?”
“Lehmann!”
“Oh não! Ele copiou apenas da natureza as diferentes leis que
nela agem. Não foi ele quem as produziu. Quem foi que compilou
as leis que sustentam o universo, como um aro de aço, de modo
que ele não venha a esfacelar-se? Os físicos? Não. Eles verificam
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unicamente que certo astro se move com tal velocidade e percorre


esta ou aquela órbita. Quem, no entanto, foi capaz de comandar os
astros? Não experimentamos uma sensação de respeito, só pelo
fato de pensar nisso? Não é verdade que agora podemos
compreender por que um dos maiores físicos da historia, Ampere,
exclamava, toda a vez que ouvia o nome de Deus: Como Deus é
grande!”
“Mas”, disse Francisco, “li muito acerca da teoria
evolucionista, segundo a qual o mundo de hoje seria o produto de
evolução, através de milhares de milhões de anos”.
“Ouça, Francisco. Você ouviu falar, na aula de religião, dos
dias da criação do mundo, e que não devemos entender por “dia”o
espaço de 24 horas, senão períodos de evolução, e centenas de
milhares de anos. Uma coisa somente não devemos esquecer:
evolução existe apenas onde existe um principio certo, fonte de
ação, onde há finalidade. A matéria e a força tendem, por natureza,
para a inércia; quem, todavia, dotou a massa inerte de uma energia
tão ativa, tão viva, incansável que fez florescer a riqueza de formas
e cores do mundo de hoje? Quem? Só Deus Criador! Ele decretou a
matéria o caminho e as leis da evolução, do progresso, do
aperfeiçoamento, para uma serie incalculável de milênios. A matéria
em si é morta, inerme, a força é cega; - vida e finalidade só lhes
podem ser imposta por uma força superior.
Além disso, observemos a exatidão e a coerência férrea
dessas leis! Conseguimos calcular, com a exatidão de segundos, a
trajetória dos astros. Sabemos o momento em que a Lua há de
encobrir o Sol, originando um eclipse. Sabemos o lugar exato onde
se acha certo planeta, em determinado momento, onde se encontra
presentemente o cometa Halley e quando aparecerá de novo.”
21

“Maravilhosa ciência, que sabe calcular tudo isso! Exclamou


Jorge.
“Sim, também a ciência é maravilhosa; como será pois aquele
que determinou tudo de antemão para milhares de séculos! – Seu
pai está na Estrada de Ferro Central, encarregado do horário geral,
não é?
“Sim, senhor; ele se queixa muitas vezes da tarefa difícil,
enervante, de calcular o itinerário de tantos trens, a fim de evitar
atraso, colisões, etc.”
“Não é verdade que, a pesar de todos os cálculos, sempre
ocorrem atrasos, principalmente nas longas distancias, e colisões?
Os milhões de trens, em sua correria vertiginosa pelo firmamento,
em trajeto de milhões de quilômetros, não tem atraso, nem
descarrilamento. Nossa terra é um grãozinho de pó comparada com
os gigantes do céu, um minúsculo terrãozinho frio ao lado dos
imensos globos de fogo. Como uma bola, ela gira ao redor de seu
eixo, e como o vento, ela se lança para adiante, em sua órbita.
Quem terá feito o itinerário dela e dos outros corpos celestes?”
O percurso de Mercúrio conta 87,969 dias; o de Vênus
224,701; o da Terra 365,256 dias, etc., e não há nunca um segundo
de atraso; Refletindo sobre tudo isso, compreende-se o naturalista
von Baer, que disse: Pensei ouvir um grande sermão, e, não sei por
que, tirei o gorro da cabeça e tive a impressão que devia cantar –
aleluia!”
“Também Newton se exprime formosamente na obra:
Principia Philosophiae Naturalis Mathematica : O esplendido laço
que une os corpos celestes, só pode emanar da sabedoria e da
vontade dum Ser inteligente e poderoso. E se as estrelas fixas são
o centro de sistemas semelhantes, também estes, edificados
22

segundo o mesmo plano, estão sob a dominação desse Único.


Esse Único rege tudo, não como gênio do universo, mas como
Senhor de tudo. Por causa de sua soberania chamamo-lo Senhor,
Deus, Onipotente”.
Prova de uma ordem maravilhosa é o fato de que as leis da
natureza (gravidade, movimento, composição química, etc.) valem,
sem exceção, sempre e em toda a parte. O que uma vez ficou
assentado a respeito duma molécula de carbono, refere-se a todas
as outras moléculas de carbono. Greves desobediências não são
conhecidas na natureza! Aqui tudo obedece.
Francisco observou neste momento:
“Senhor professor, até agora nunca senti tão profundamente
quão grave é o pecado, isto é, a desobediência contra Deus. Toda a
natureza, viva ou inanimada, obedece-Lhe, quer queira, quer não;
apenas o homem quer recalcitrar, para seu próprio prejuízo”.
“De fato, Francisco exprime o mesmo pensamento que o
celebre astrônomo Arago. Certo dia fazia ele uma conferencia, no
Colégio de França, acerca das leis do universo. E assim terminou a
palestra: Na próxima semana haverá um eclipse solar, visível em
Paris. A lua entra em conjunção e a terra recebe os raios do Astro-
Rei. Naquele dia, aquela hora, minuto e segundo, três imensos
corpos celestes obedecerão, não à nossa previsão, mas à ordem
divina. Somente os homens não querem obedecer...Assim finalizou.
Agora, meus rapazes, vou ler algumas passagens do Salmo
103. Elas são eloqüentes:
“Minha alma glorifica a Deus”. Senhor Deus meu, vós sois
poderosamente grande; e vos revestistes de gloria e formosura.
Luz é vossa vestimenta; vós estendeis o firmamento como um
tapete...
23

Vós fundastes o mundo em solo, a fim de que permaneça


pelos séculos.
Vós o cobristes com os abismos, como um vestido, e sobre as
montanhas colocastes as águas.
E elas recuaram ante vossa ira, e fugiram ao som de vosso
trovão.
Elevaram-se os montes, e os vales baixaram, ao lugar que
lhes preparastes.
Vós lhes pusestes um limite que não ultrapassaram, e não
voltaram a cobrir a terra.
Fazeis surgir fontes nos vales: para que as águas corram
entre as montanhas...
Do alto regastes as serras; enchestes os campos com os
frutos que fizestes crescer...
Fizestes a lua, para designar os tempos; o sol conheceu seu
ocaso.
Pusestes a escuridão, e foi feita a noite...
Senhor, quão magníficas são as vossas obras!
Tudo ordenastes com sabedoria e a terra está cheia de
vossos dons.
O oceano, tão vasto e imenso, está repleto de peixes que não
tem numero...
A gloria do Senhor é eterna; o Senhor se compraz em suas
obras.
Ele olha para a terra e a faz estremecer; toca os montes e
eles fumegam.
Quero cantar ao Senhor a vida inteira, e louvar ao meu Deus,
enquanto eu viver...”
24

O professor deixou cair o livro. Comovidos olhávamos para o


céu estrelado.
Então nosso mestre puxou do relógio: “Meia noite passada;
gastamos lindamente nosso tempo, viajando por entre as estrelas.
Agora, depressa para dentro dos lençóis”.
Cinco minutos mais tarde, estava eu deitado em minha tenda.
Mas o sono, fugia... Em meu cérebro, um pensamento atropelava o
outro. Lá, onde a luz só pode chegar em milhões de anos, aonde a
vista humana não é permitido penetrar, onde o próprio pensamento
se paralisa, lá e em toda parte, também junto de mim, dentro de
mim, vive o mesmo Deus sublime e poderoso. A dança tumultuosa
dos astros Lhe obedece; foi Ele quem lhes determinou a rota em
que se precipitam; Ele contou-os, tomou-lhes o peso e os
sustenta...
Nunca me senti tão pequeno, um átomo de pó, todavia, o
coração palpitava de alegria estranha. Um pensamento pulsava em
minha alma: Que imensamente excelso e grande é este Deus, que
criou o universo com um pensamento seu, e o conduz e rege nesta
harmonia maravilhosa, através de milhões de anos?
Uma suave paz, uma serena satisfação se estendeu sobre
meu espírito, quando refleti que também era um humilde filho desse
grande Pai. Um filho que tropeça na vida, cai, mas de novo se
reergue; filho, às vezes vacilante, mas que em sua vontade,
consciência e aspirações é sempre um filho fiel! Senhor, nada sou,
mas sou teu! Pensei, já meio adormecido.
Quando acordei de manha, um raio de sol madrugador
espreitava, sorridente, por uma fresta de minha tenda. Havia muito
que não me levantava tão contente e satisfeito como hoje.
25

RODA E RODINHA

“Por que é que suas mãos estão cheias de giz?”


Disse o professor a Carlos.
“Pus em ordem minha mochila; estava lá dentro um pedaço
de giz todo esfacelado; e o resultado foi este”.
Você não imagina que maravilha havia de ver se observasse
no microscópio um pedacinho de giz natural, por exemplo da costa
de Dover! Um pó constituído de inumeráveis conchinhas de
animaizinhos que não existem hoje. As rochas brancas de Dover
são formadas de bilhões de casinhas de animalejos que viviam há
centenas de milhares de anos”.
Ah, conte-nos hoje de novo alguma coisa”, pediu Carlos.
“Ontem estava tão bonito! Sim?”.
Os demais se associaram impetuosamente ao pedido de
Carlos e o professor teve de ceder.
“Está bem, rapazes. Contudo, hoje não lhes quero falar dos
astros imensos, mas de seres invisíveis, minúsculos, lembrados
pelo giz de Carlos. Esses diminutos seres produzem-me impressão
ainda maior do que os gigantes do céu. Extasiados contemplamos a
obra de arte do corpo humano ou animal, bem como admiramos as
maravilhas do firmamento. Quanto mais maravilhoso, porem, é
encontrar aglomerados todos os órgãos vitais: esqueleto, veias,
nervos, músculos, coração, olhos, etc., num animalzinho invisível à
vista desarmada! O naturalista tem que emudecer ante o Espírito
superior, capaz de resolver, nesses seres imensamente pequenos,
os problemas da vitalidade.
26

Tenho justamente comigo um livro de Gardonyi. Carlos lhes


lerá algumas paginas que falam desses seres misteriosos.
Os rapazes se ajeitaram à volta de Carlos, que começou:
“Roda e rodinha. Interessante é a população animal da fonte
térmica de Erlau: As águas formam um pequeno lago, cujo fundo
está cheio de plantas aquáticas, mantendo-se a temperatura
uniforme, no verão e no inverno. A fonte é tão possante que a água,
ao escoar-se, move um moinho. Ninguém, até hoje, pesquisou a
flora e a fauna do solo do tanque, embora – notemo-lo de
passagem – estas águas refutem a afirmação que os anfíbios, por
lei da natureza, sempre dormem no inverno. As rãs dessas águas
térmicas o desmentem: Coaxam, mesmo no inverno, alegre e
livremente! Quando passei pela fonte introduzi minha bengala até o
fundo. Remexi um pouco, e na ponta ficou pegado um nadinha de
lama esverdeada. Pus a lama num pedacinho de papel e levei-a
para casa. Lá chegado, tomei uma pequena quantidade, do
tamanho duma cabeça de alfinete, e coloquei-a debaixo do
microscópio. Experimentei com ampliação de 50 vezes... Vi algo
como um macegal(obs:matagal cheio de musgo) cor de musgo,
onde esperneava um bichinho minúsculo.
Que será? Com um movimento elevo a ampliação para 500
vezes: o macegal se transforma em floresta. As arvores verdes e
ramificadas são transparentes. Num céu brilhante uma floresta
esmeraldina! Lá dentro volteiam, à vontade, animalejos de cor
quase vítrea e lentiformes. Não tem pernas. Em cima duma arvore
um animal cinzento, também transparente, parecido com pirilampo.
Pernas não têm, isto é, sim, tem, agora vejo, mas é uma só, assim
como uma lâmpada. Por meio desta única perna ele se segura num
galho grosso e gira furibundo, uma grande roda em volta da cabeça.
27

Que monstro é esse? A roda é uma verdadeira roda, tanto


que a quando e quando, gira mais devagar, podendo-se ver seus
raios. No entanto, ela faz com o animal um todo único. Com mil
bombas! Por que trabalha agora tão ativamente? Ah! percebo: está
tocando a pequena caça aquática para suas
fauces(garganta,goela). Ele tem a roda na cabeça. No centro dela,
a boca. Em rápido remoinho, a água penetra pela roda e sai pelo
lado do animal. O que vem com o liquido fica lá dentro...
Entrementes, vejo seu coração a latejar fortemente, talvez cem
vezes mais rápido do que o nosso, ou mais ainda. Vejo como o
animalzinho trazido pela água é esmagado e lá se vai para o
estomago do monstro. Observo ainda como os pequenos olhos
vermelhos fixam com cobiça felina os animaizinhos suspensos na
água em derredor. Ai daquele que penetrar na correnteza! Quantos
ainda comerá? Muitos, a julgar pela sofreguidão. Depois, tendo-se
esforçado inutilmente durante minutos, recolhe sua roda,
exatamente como faz a lesma com as antenas, mas
instantaneamente. Passado algum tempo, repentinamente abre-se
de novo. A roda recomeça a funcionar, como se alguém girasse um
guarda-chuva virado, acima da cabeça.
Animal maravilhoso achei! Ora, ora! Os sábios são gente
conscienciosa. Um livro cientifico me explica de pronto que travei
conhecimento com um “rotador ou rolifero”. E o sábio não conhece
somente uma, se não 400 espécies diferentes deste animalejo!
Descreve-os até as minúcias, ate a ultima verruga... E eu que
pensava ter descoberto uma novidade! O descobridor caiu na água.
Pelo menos tenho a satisfação de haver travado conhecimento com
esse estranho camarada. Quanta gente fica velha como Matusalém
sem chegar, a saber, da existência do rotifero! Continuo a ler no
28

livro, que me explica imediatamente ser uma pequena franja,


formada de pelos, aquilo que eu tinha tomado por uma roda. Não é,
pois uma roda, só o parece, como se um rapaz volteasse uma
régua atada a um barbante, acima de sua cabeça. Aqui, porém,
seriam muitas réguas.
Neste ponto largo o livro. Ë como se, por uma fenda, eu
caísse num mundo novo. Inclino-me de novo sobre o microscópio e
considero o monstro com sua cabeça de roda. É um tirano terrível.
O povinho brilhante e lentiforme tumulteia assustado na frente dele
e se reúne em grupos em local afastado, onde não há perigo.
Quisera contá-los! Impossível. Agitam-se como um enxame de
abelhas. E essa multidão de animalejos, tanta vida, se move numa
gota d água comprimida, do tamanho duma cabeça de alfinete... As
duas chapas de vidro, entre as quais pus a gota, ajustam-se tão
fortemente, que entre elas não há lugar para um fio de cabelo o
mais delgado que seja, mas para esses animálculos é tão grande
espaço, que eles podem saltar, dançar, girar à vontade, e
aparentemente de bom humor. Ali ao lado, na mata verde, o
rotifero, o dragão da gota d água, vinte vezes maior, volteia sua
roda, e com apetite insaciável remoinha as águas para seu
estomago. Quanta vida! Que luta sem tréguas pela vida, pelo pão
de cada dia! De permeio, todavia, há também trabalho e brinquedo,
cuidados e alegria, perseguição e fuga, diversos interesses
pessoais, num mundo não maior do que o ponto de um i.
Tudo isto nos sugere esse divertir-se das amebas lentiformes,
num lago minúsculo como um ponto! Contudo, a pequena paisagem
florestal, é apenas parte de um mundo muito maior, que ainda
podemos medir de leste para oeste, do zênite ao nadir. Pois, se
numa gota d água como uma cabeça de alfinete existe tanta vida,
29

quanta não haverá no tanque?! Observo-os. Terão juízo esses


seres? Acerca de si mesmos devem saber alguma coisa: O rotador
sabe, com certeza, por que agita sua roda! Como as amebas se
sentem abrigadas acolá! Como brincam! Quando estacionam numa
clareira, umas 25 a 30 flutuam, umas em voltas das outras, como
alunos de colégio em recreio. Uma foge de repente, e todas as
acompanham, nadam aos grupos, volteiam como andorinhas. Às
vezes alguma escolhe uma companheira e brincam de pegar. Por
que é que uma pega a outra? Estão com vontade de brincar? Mas,
então, tem juízo? O bom humor é qualidade própria da alma...
Entrementes, o gigante ao lado trabalha afanosamente e com sua
roda. Como é que uma entende a outra? Como se comunicam?
Será com os olhos, como o cão? Por gestos, como a formiga? Com
a boca, como o homem? E se pensarem, que pensarão deste
mundo? Certamente pensam que a fonte de Erlau é o mundo.
Talvez digam mesmo: Isso é o infinito. Sabe o rotador que ele está
agora debaixo do microscópio? Se o soubesse não se esfalfaria,
mas cheio de espanto, aguardaria a hora da morte. Não, ele não
tem noção do limite do seu mundo. Mesmo este lhe é ainda infinito.
Alegre continua a girar sua roda: vivo como quero! A mim ele não
vê. Não sabe que também existo. Nem poderia ver-me, porque, ao
lado de sua pequenez, é tão gigantesco meu tamanho, que não me
poderia abranger com seu olhar, assim como o besouro, ao pé do
Chimborazo, não vê a montanha.
E se alguém dissesse: Escute meu caro, você não é tão
grande como julgam. Há seres que não vivem na água, e que em
comparação com você, são tão grandes que você não poderia
abranger, nem com um binóculo, nem mesmo um dos seus cílios...
30

O pequeno monstro havia de sorrir e talvez respondesse; como


você é gaiato meu amigo!...
Quando considero o firmamento, enleva-me esta partícula do
infinito acima de minha cabeça. Como é grande nosso Deus que
soube criar esses globos enormes a rolar pelo espaço! Mas agora
que observo este ser minúsculo, fico pasmado ante novo infinito:
Como é grande o Deus do universo que soube criar tal pequenez e
dotar essas vidas ínfimas de coração, veias, nervos, músculos, um
conduto que sai do cérebro atravessa o corpo e volta! O aparelho
rotativo! O instinto que põe esse mecanismo a funcionar e fa-lo
parar! Ri-me da paisagem da gota d água em que vagueia aquele
povinho, que pensa talvez: Isto é o mundo, fora dele nada existe! E
nosso mundo terrestre? Qual sábio, que cientista me pode provar
irrefutavelmente, que também este mundo do homem com sua
terra, sol, lua e estrelas, não é, do mesmo modo uma gota d água
no infinito, como o é esta gota no microscópio? Estes habitantes, as
amebas, não conhecem outro mundo; e eu também não conheço
outro fora do nosso planeta. O mundo delas é uma gota num
tanque, o meu é uma gota do fogo solar. Uma gota incandescente
do Sol, já esfriada, chama-se Terra. Sei apenas que tudo gira em
volta duma estrela principal. Que é que existe além de seus limites?
O rotifero encolhe os ombros: “Alem do meu mundo? Nada”. E nós,
grandes rotiferos, não dizemos também: “Alem do mundo está o
espaço?” Isto é, o nada. Os positivistas dizem: “Só é certo, aquilo
que vemos”. Ora, o rotifero não tem razão! Comte, o pai do
positivismo, não tem razão, tão pouco!
E nós, amebas com rosto humano, não podemos, também
nós, ser observados por um ser superior, como é observado o
rotador e o pequeno povo das amebas, debaixo do meu
31

microscópio? Quem introduziu vida e movimento nas dimensões


incomensuráveis e nos espaços infinitamente pequenos da gota d
água, sabe o que fez e porque o fez. Diante dele, nosso olhar tem a
mesma justificativa e o mesmo direito que a calma positiva do
rotifero em relação a mim. Olho somente para baixo de mim. O que
está acima, os globos do universo, os sóis, as miríades de estrelas,
são para mim nada mais do que faiscantes luzes celestes. Nos
vales e montes dos astros, meu olhar não pode penetrar. É possível
que o rotador, igual a mim, olhe para baixo e divise seres
minúsculos. Como eu o enxergo a ele, e repute o seu mundo tão
gigantesco como eu o meu. Uma coisa, porem, não sabemos, nem
eu nem ele: onde se acha o ultimo limite na pequenez da vida, e no
lado oposto, na grandeza da vida. Onde termina o “ser” e onde
começa o “nada”. De que modo o esplendido, grandioso, vivo,
inumerável “ser” surgiu do inerte, frio, tenebroso e imenso “nada”...
Quem foi o que conseguiu construir dentro desse “nada” sem
margens sem fundo, este “Perpetuum Móbile” magnífico, que se
move silenciosamente e cujo nome é “universo”? Quem colocou no
peito humano, como na invisível ameba, o harmonioso aparelho que
bem poderíamos chamar também de “universo”?
Carlos fechou o livro e o professor começou:
“Então, não foi interessante, rapazes? Agora vocês
compreendem quanta razão tinha o naturalista que afirmava: Se
não houvesse no mundo senão uma única borboleta, por meio da
asa desse inseto, poder-se-ia provar a sabedora de Deus.
Entretanto, não existe apenas uma asa de borboleta no mundo;
Toda a vida em derredor está cheia de misteriosas realidades. Para
vê-las, basta atravessar a vida com os olhos abertos. O biólogo Vito
Graber escreve a respeito do movimento das amebas: devemos
32

confessar que é um fato muito singular e se quisermos externar


toda a verdade, devemos dizer que o movimento das partículas de
protoplasma das amebas é mais difícil de compreender do que o
curso dos astros. E vocês sabem que há seres ainda menores? Tão
pequenos que, nem Gardonyi nem qualquer outro os viu jamais.
Mesmo com o mais potente microscópio não são perceptíveis, e por
isso são chamadas bactérias ultramicroscópicas. Como será a vida
nesses organismos incrivelmente minúsculos? Se considerarmos
assim o mundo ao redor de nós, nosso coração deve elevar-se ao
Criador, ao Criador do maximo e do mínimo ser.
“Como é interessante! “ observou Francisco. “Agora vejo, que
grande erro é afirmar que o contato e conhecimento mais perfeitos
da natureza tornam o homem incrédulo! Muito pelo contrario! Nosso
coração fica emocionado, sempre que se manifesta a sabedoria de
Deus nessas minúcias. Basta olhar e escutar: de toda a parte
ouvimos Deus a falar-nos”.
“Você tem toda a razão. Um grande matemático e físico disse
certa vez: “Estuda as coisas da natureza, teu oficio o requer, mas
observa-as somente com um olho; o outro esteja sempre voltado
para a Luz Eterna. Escuta os sábios; no entanto, só com um ouvido;
o outro esteja atento à voz potente do Criador. Escreve apenas com
uma das mãos; com a outra agarra-te, como a criança ao manto do
Pai...” Enfim, assim se externava o grande naturalista Humboldt (fal.
Em 1859) : O fim e o resultado de todas as ciências naturais é
obrigar-nos a entoar com os anjos, o hino de louvor: Gloria in
excelsis Deo:.

A CHUVA CAI DAS NUVENS


33

Desde ontem à tarde está caindo uma chuva fina, persistente,


magnífica para por à prova a distancia mental dum acampamento.
Enquanto há o sorriso do Sol, nada parece difícil no acampamento:
descascar batatas, buscar leite, arrumar as tendas... tudo se faz
brincando. Mas num dia feio e chuvoso como o de hoje?...
Chove desde ontem, e não é uma boa pancada d água, como
uma trovoada de verão em regra; é um gotejar lento... ora para, ora
recomeça.
É o primeiro dia de acampamento em que não tivemos missa,
ainda por causa da chuva. Sem missa, falta alguma coisa no dia! A
assistência diária à S. Missa é para nós real prazer. Mais da metade
dos nossos comunga diariamente. Ninguém os obriga; é
espontâneo. Não é difícil viver puros, quando nos sentimos tão
perto de Deus.
Hoje tínhamos nos reunido na barraca maior. Tratava-se de
não deixar aparecer o aborrecimento. A principio naturalmente,
falou-se, da chuva e da umidade do ar.
“Vejam, disse o professor, a composição do ar demonstra
ainda que o curso do mundo é dirigido por uma sabia providencia.
Você, Carlos: de que é que se compõe a atmosfera?”
Prontamente veio a resposta: “De 21 partes de oxigênio e 79
partes de azoto”.
“Considerem que sorte a nossa, compor-se o ar exatamente
desses gases e que se misturem nessa proporção. Pois, se gases
de iodo, bromo ou outros nele estivessem contidos, num abrir e
fechar de olhos teríamos o fim do mundo. Ainda, se a mistura fosse
feita em outra proporção, digamos 4 parte de oxigênio por um de
34

nitrogênio, seria nossa sentença de morte: num momento


estaríamos carbonizados”.
“Mas, senhor professor, todos os seres vivos gastam e
deterioram o ar, como acontece que a atmosfera não acaba na
terra? Adiantou alguém, lá dum canto.
“Sim, rapazes, fato notável é também a renovação da
provisão de ar. Quanto azoto precisam os seres orgânicos e quanto
oxigênio gasta a respiração, a fermentação, a combustão, etc.
Como pode ser tudo isso substituído? “
“Não seria possível produzi-lo industrialmente?” opinou o
pequeno Cardoso, o qual, como quintanista, julgava poder
solucionar o problema, visto que sua cabeça estava cheia de
planos, os mais fantásticos.
“Industrialmente? Como você imagina isso? Que gigantescas
fabricas, tachos, canalização, quantos laboratórios, engenheiros e
operários, quantos reservatórios de gás, embalagem, transporte por
navio e trem exigiria o empreendimento, se tivéssemos de preparar
a quantidade de ar necessária a vida do mundo! Vejam, meninos:
alguém tirou-nos esse enorme cuidado e em vez de laboratórios,
construídos pelo homem, criou aos milhões minúsculos laboratórios
e com eles dotou cada arbusto, cada arvore”.
“São as folhas?”
“Sim, as folhas. São laboratórios de primeira ordem. Vocês
sabem que o principal alimento das plantas é o gás carbônico. Este
não existe puro no ar, mas apenas em combinação. O que fazem as
folhas? Elas decompõem as combinações, aproveitam o gás
carbônico para si, e eliminam a outra parte, o oxigênio”.
35

“Ah! É por isso que na proximidade de arvores e nas florestas


o ar é tão puro; lá existe muito oxigênio”, comentou o Celsinho, que
entrara despercebido na tenda.
“Senhor professor, eu quisera perguntar ainda uma coisa,
começou o Cardoso. Como é que o ar da terra não desaparece? A
terra roda num curso louco em sua órbita! Não pode acontecer que
algum dia a atmosfera se desprenda da terra e aí fiquemos sem ar?
Estaríamos então como um peixe fora da água!”
“Não tenha receio, acalmou-o o professor; quem dirige o
universo, também cuidou disso. O ar tão leve está preso a terra e
bem seguro. É a gravidade, a atração da terra que não deixa
desprender-se, bem como os demais seres na sua superfície. Ela
segura a sua rica presa.”
“Como é então possível”, adiantou o Silva, “que a espessa
camada de ar, essa coluna de dez quilômetros de altura – assim o
aprendemos – não nos esmague? Embora sejam apenas gases, tal
torre terá um peso respeitável”.
“Você tem razão. A pressão atmosférica, no homem adulto,
representa, na media, 10.000 kg.”
“Ora, então deveríamos ser achatados, como folha de
papel...!”
“Deveríamos! Alguém, contudo, também disso tratou e dispôs
que, dentro de nós, o ar exerça uma pressão igual, para fora, como
a exterior para dentro. Numa palavra: dos 10.000 kg nada
sentimos”.
O Jorge, que não parecia interessar-se pela conversa,
interrompeu agora: “Não é verdade que, por causa disso, temos
hemorragia pelo nariz e orelhas, quando galgamos montanhas
elevadas, porque a pressão exterior diminui e a interior expele
36

então o sangue? Foi o que vimos em aula. Por isso não fui ontem
buscar leite, porque teria de passar por um morro, anotado no mapa
com 129 metros, e meu nariz...”
“Ora, Jorge”, repreendeu-o o Silva, “deixe seu nariz fora do
jogo, e cite só a sua preguiça! 129 metros? Nem mesmo 1.000
metros você havia de sentir, quanto menos os 129!”
Apenas terminara o Silva sua observação, um jorro d água
alagou o Jorge. Durante a palestra ajuntara-se uma boa quantidade
d`água no teto horizontal da tenda. Um rapaz quis afasta-la,
empurrando a lona com uma vara. Como porem o pano não
fechava de todo Jorge apanhou uma boa ducha. Saltou como um
gato, escorrendo água e fazendo caretas, e procurava sacudir o
liquido que penetrava pelo colarinho.
“... No entanto, a benção vem do alto, sublinhou, de um canto,
uma consoladora citação”.
“Não faz mal”, consolou o professor ao menino indignado.
“Você sabe que a água corre para baixo, e logo sairá pelos sapatos.
Mas escutem quem me poderá responder à pergunta: por que corre
a água para baixo?”
A pergunta era tão estranha que todos ficaram devendo a
resposta.
Sempre fazendo caretas, Jorge procurou gracejar: Ora, corre
para baixo, porque não quer correr para cima”.
Carlos observou: “Atração da terra”.
“Naturalmente é essa razão. Atenção, também isso é
interessante. Onde há seres vivos, é absolutamente necessário
haver água. Como é admirável que a água, descendo da montanha,
atravessa o solo em todos os sentidos! Que não falte água! Se
houvesse de menos, os rios secariam; se houvesse de mais,
37

viveríamos em nevoeiro eterno. O movimento dos rios e regatos


tem por fim evitar que a água se corrompa, visto ser tão necessária
para nós.”
E no mar? Ali a água não corre”.
“Também lá não deve corromper-se; pois, se começasse a
apodrecer e a contaminar o ar, era uma vez o gênero humano.
Mesmo no oceano, a água deve ser posta em movimento, de algum
modo”.
“Poder-se-ia remexe-lo por meio de moinhos de vento”,
comentou Jorge.
“Mas menino! Você pensa assim porque ainda não viu o mar.
Julga poder-se remover essa imensidade liquida com moinhos de
vento! Veja, ainda uma vez alguém cuidou admiravelmente de que
ela não se estagne. Enquanto estava no rio, era movimentada pela
gravidade. No oceano, esta não a move; pelo contrario, a mantém
em repouso. Já que a terra não age, a lua deve intervir. De seis em
seis horas, o satélite revolve profundamente a água marinha, pela
maré enchente e vazante. Quem regulou isso tão sabiamente?
Mais; qual a ciência que determinou a percentagem de sal no
oceano? A água que penetra no mar fica totalmente salgada e não
pode corromper-se. Enquanto estava correndo, continha um mínimo
de sal, porque não precisava dele. Logo que estaciona no mar,
encontra sal em grande quantidade, sem o que deterioraria.”
Ai comentou Guilherme: “Uma noite dessas, o Luis cozinheiro,
deixou fora a caixa do sal. Com o orvalho, o sal se tornou um
mingau e ficou imprestável. Se esse material é tão sensível à
umidade, não poderá a chuva destruir as jazidas de sal-gema da
terra?
38

É justificada a pergunta: mas ainda alguém tratou do assunto


e fez que, em toda a parte, no subsolo, o sal-gema esteja colocado
entre argila e gesso, isto é entre camadas impermeáveis, e não
pode estragar-se. No mar, o sal é livremente dissolvido pela água”.
“Mas se toda a água corre para o oceano, o mar se enche e
chegará a transbordar. “Nem é preciso adiantar que era o Celsinho
que tinha esse medo.”
“Sim, essa é uma grande dificuldade, mas apenas para nós
homens. Quem tudo organizou pensou nisso. Ai está o sol,
brilhando sorridente. Com seus raios aquece a água, cuja superfície
se evapora. Os vapores são menos densos do que a atmosfera, e
se elevam. Lá em cima, a temperatura é mais fria; eles se
condensam e forma as nuvens. Estas são levadas pelo vento, até
que seu conteúdo caia de novo sobre a terra”.
“Ora veja! Meu chuveiro de antes era então água marinha”,
opinou Jorge.
“Em ultima analise, sim; considerando que as águas do mar
evaporadas, não contem sal. As nuvens não são outra coisa do que
um mar, suspenso acima de nós. Talvez ainda não pensaram nisso:
oceanos inteiros pairam sobre nós e aí dos homens, se eles
caíssem de uma vez. No entanto, já no alto se desfazem em
pequeninas gotas para cair. Contudo, ainda assim poderiam causar
prejuízos, precipitando-se de tal altura. Seriam capazes de
despedaçar folhas, flores e mesmo telhados. Esse mal é evitado
pelo ar: sua resistência ameniza o ímpeto das chuva e também as
desvia de sua verticalidade, tirando-lhes a força de percussão”.
“A camada atmosférica é então um excelente e indispensável
escudo?”
39

“Naturalmente! O inglês Joule, um dos fundadores da


moderna teoria térmica, exprimiu-o assim: “Admiração e gratidão
me tomam, à vista do engenho maravilhoso inventado pelo Criador,
em proteção das criaturas. Sem atmosfera que nos cobrisse como
um escudo, estaríamos expostos a continuo e fatal
bombardeamento”.
“Senhor professor, de que bombardeio fala Joule?” perguntou
Cardoso, acordado pelo termo – bombardeamento.
“Ora, dos meteoros e meteorólitos, que ainda hoje se
precipitam para nossa Terra. Ainda bem que eles topam com a
resistência do ar, logo que penetram na atmosfera da Terra. Quanto
mais rápida for sua carreira, tanto maior é a resistência do ar, tanto
é maior o atrito, de modo que se aquecem a ponto de se
esfacelarem. Se a resistência do ar não os despedaçasse,
alcançariam o globo terrestre com um ímpeto tão violento que cada
estilhaço seria causa de destruição”.
O Silva observou: “Refleti sobre o fato de a chuva, no inverno,
não cair sob a forma de água gelada, mas como neve”.
“Bem, e se em vez de neve caísse gelo?” comentou Jorge.
“Seria uma historia macabra. Em poucos minutos estaria a rua
cheia de colunas de gelo e dentro de cada uma, um homem se
debateria nas vascas(obs. Esta palavra não existe no dicionário
português) da morte pelo frio. A água gelada cobriria as arvores,
mataria os brotos e botões; na primavera não haveria mais
florescimento. Os campos cobertos de gelo não poderiam respirar e
toda a sementeira morreria. Numa palavra: acabar-se-ia toda e
qualquer vida. Assim, porem, a camada de neve é um manto quente
para a terra.”
40

“Aliás, como são belos os flocos de neve, os cristais nos


desenhos formados nas janelas”, disse Guilherme. “Horas a fio
gosto de estar à janela com meu irmão e, em piedoso silencio,
observar como a neve cai leve e suavemente.”
“Sim, que formas maravilhosas! E quem é que a modela
assim? É sua propriedade, sua lei – responderá o materialista. Pois
não! Mas quem lhe impôs essa lei, à qual deve obedecer?; Também
a neve poderia constituir um grave perigo se se abatesse como
horrenda avalanche. Quando vemos, em tardes de inverno, os
lindos flocos realizarem sua dança silenciosa e suave, nem nos
ocorre aquela pergunta: Quem será que dissolveu a ameaçadora
avalanche que paira lá no alto, em tão delicados e atraentes
flocos?”
“Vejam, meus amigos, toda a natureza é um livro de figuras,
aberto à nossa frente. Nele, cada pagina nos conta, em novas
palavras, em outras cores, a grandeza e bondade do Criador
poderoso. O grande astrônomo Kepler escreveu, nos princípios do
século 17, estas palavras: “Em espírito já vejo o dia em que o
homem reconhecerá a Deus através da natureza, como na Sagrada
Escritura, e se alegrará de ambas as revelações.”
Lembram-se do Salmo 18 que já citei.
Portanto, aceitemos de bom grado a chuva. É uma grande
benção para a terra. Se não existisse o ciclo da água, o capim não
reverdeceria os prados, as searas não balouçariam nos campos, as
montanhas estariam desnudas. Sem chuva, a Terra seria devastada
e deserta como a Lua fria e inanimada”.
“O sol! O sol saiu!” gritou alguém lá fora. Durante nosso
colóquio, ninguém notara que o céu se tinha aclarado. Agora, à
alegre nova, todos correram para fora da barraca.
41

As nuvens se tinham espalhado; vitorioso, brilhava o sol sobre


a terra.

UMA EXCURSAO

Hoje levantamo-nos uma hora mais cedo; tratava-se de fazer


uma excursão a um monte vizinho, que proporcionava uma
esplendida vista das vizinhanças. Quem tinha os pés doloridos ficou
no acampamento; os outros nos pusemos a caminho, de bom
humor, às 7 horas.
Depois de uma marcha de cerca de hora e meia, através
duma floresta magnífica, chegamos a uma clareira, coberta de
arvores tombadas. Um mês atrás, um tufão assolara a região e
derrubara muitas arvores seculares. O professor mandou fazer alto,
para que o grupo pudesse descansar e tomar o lanche. Ainda não
eram 9 horas, mas fazia bem tomar um pouco de fôlego. Inúmeras
folhas caídas cobriam o solo e os galhos secos das arvores
abatidas estalavam sob o peso dos rapazes empoleirados.
“Quantos mortos jazem aqui em redor de nós! Começou o
professor. “Quantos gigantes da floresta terão baqueado assim,
com as tempestades, através dos milênios, corroídos pela idade.
Estamos parados num grande cemitério. Que pensam vocês? Que
foi feito dos milhões e milhões de folhas caídas no outono? Pois, se
os troncos, galhos e folhas se amontoassem, resultaria um montão
a sufocar qualquer vida. Onde foram parar? “Carlos remexa um
pouco o chão com a vara.”
Quatro ou cinco lançaram mão de seus bordões. Uma
camada amarelo-cinzenta de folhas bolorentas, meio apodrecidas,
apareceu.
42

“Observem! Qualquer capim, toda folha caída, transforma-se


em nova fonte de vida, em novo capital do solo. Reflitam um pouco!
Como é que a mãe-terra nunca se esgota? Considerem
atentamente essa camada de folhas! Assim que uma arvore, um
galho, uma folha cai ao chão, aos milhões se lançam sobre eles os
cogumelos, como minúsculos anões e começam um silencioso
trabalho de decomposição de sua presa. E os resíduos são
exatamente os elementos necessários a uma nova arvore, para sua
alimentação. Quem ensinou a estes anões invisíveis a difícil tarefa
de decompor um galho morto, a folha seca, nos elementos de que
novas plantas poderão alimentar-se?”
Quando esses sábios tiverem terminado seu trabalho, virá a
chuva e a água que se infiltra conduzirá o alimento vivificante as
raízes. A morte se transforma assim em uma vida nova”.
“E se esses cogumelos e bactérias não agissem?”
“Então o solo se esgotaria rapidamente. Primeiro secariam as
plantas, em seguida morreriam os animais e com eles os homens: o
silencio sepulcral do cemitério cobriria a terra. A fim de que isso não
aconteça, para que da destruição surja sempre nova vida, inúmeros
milhões de cogumelos e bacilos trabalham com tamanho senso
prático”.
“Mas isso não vem por si. Alguém deve tê-lo regulado.
Alguém, dentro do qual preexiste toda essa força, vitalidade e
formosura, essa vida empolgante, infinitamente maior do que a que
nos cerca...”
Os rapazes olhavam pensativos.
Jorge, no entanto, começou a rir à socapa. Naturalmente,
havia feito alguma. De fato: enquanto todos escutavam, ele crivara
43

de carrapicho o casaco do Cardoso. Cada tiro assentara às mil


maravilhas.
“Você não sabe que interessante semente é essa, com que
atira. Que acha Carlos: para que têm este fruto os espinhos?”
“Para que se possa propagar o mais possível.”
“Acertou. Todavia, pensamos, donde saberá a planta, que lhe
convêm ter mais sementes? Quem ensinou a determinadas plantas,
ligar sua semente a um aparelho voador, um como pára-quedas, ou
à papoula de crivar sua cápsula como uma peneira, para que,
agitada pelo vento, espalhe sua semente à semelhança de um
regador?”
Na África do Sul existe uma planta, a harpagophytum. Seu
fruto está coberto de pontas em farpa; de qualquer laço(não será
lado?) que se toque, fica-se agarrado. Ela, traiçoeiramente, se ajeita
ao solo. Vem pastar algum animal, um leão a rastejar
cautelosamente e pisa sobre o fruto; ele se prende a pata ou ao
casco. O pobre animal não sabe donde lhe vem a dor e foge. A
cada passo, as pontas penetram mais profundamente, o que instiga
o bruto a uma corrida mais veloz, até que o invólucro do fruto
arrebente e as sementes se espalhem em derredor, aonde tiver
chegado o bicho. É esta a finalidade da ardilosa disposição:
disseminar o fruto.
Quem ensinou a essa planta coisa tão engenhosa?
“Senhor professor, li de uma ilha da Oceania, perto de Java e
Sumatra, que, embora queimada pela lava, depois de alguns anos
estava de novo coberta de plantas.”
É a ilha Krakatau. O mais curioso é que a terra mais próxima
está a 200 km de distancia. Esse espaço tiveram de atravessar as
sementes com o auxilio das correntes aéreas ou dos pássaros.
44

Sabendo-o, compreende-se a verdade das palavras do célebre


fisiólogo A.W. Volkmann ( Relação da Sociedade de Pesquisas
Naturais de Halle 1874). Não somos capazes de ver com nosso
olhos e tocar com nossas mãos uma causa a agir segundo
determinado plano. Mas devemos crer na existência dessas causas,
pelas conseqüências que elas exigem... Se, num deserto,
aparentemente nunca pisado por homens, topássemos com blocos
de pedra talhados e ajustados com argamassa, deveríamos
considerar louco aquele que não visse nisso uma construção,
surgida segundo determinado plano. Todavia, a regular
coordenação dos organismos está muito acima de quaisquer
construções artificiais... A causa primeira de todo desenvolvimento
orgânico reside, pois, na atividade de uma sábia força que age
segundo planos certos, escolhe e reúne as condições adequadas à
sua formação”.
“Silva, de um pulo até o riacho e traga-me uns miosótis”.
Num momento estava ele de volta.
“Agora me diga o que nota nessa flor?”
“Vejo uma corola azul-celeste, no meio o pistilo e cinco
estames. Em direção ao centro, para o fundo, vão as pétalas azuis
matizando para o alaranjado, e de lá correm flechas amarelas. No
começo dos estames noto pequenas almofadas...”
“Muito bem! Você observa bem. Agora, rapazes, atenção!
Para que serve o azul da corola? Para atrair a atenção dos insetos,
não é? Para que as flechas amarelas? Como indicadores: Caminho
certo! Venham aos estames! Aqui debaixo desses coxins conservo
o mel! A abelha não espera duas intimações, revolve afanosamente
a dispensa do néctar; e com isso, o pólen se prende às patas
pilosas, e ela vai fecundar outras flores que a atraem com seu mel.”
45

Reparem nestas flores: Qual o químico que seria capaz de


extrair do solo úmido e bolorento cores tão frescas e delicadas?
Que pintor poderia imaginar as centenas de milhares de espécies
existentes na terra?
O que há de belo na terra vem de Deus. Toda a criação dá
testemunho de sua infinita harmonia e beleza: O sol que se levanta
de manha, as estrelas que brilham de noite, a gota de orvalho que
balouça no capim...
Mas agora avante! Vamos! Recolham os restos e o papel.
“Vamos continuar a marcha.”

UM RATO NA TENDA

Esta madrugada, bem cedinho, os ocupantes da outra barraca


foram acordados do melhor do seu sono por um grito terrível. Sobre
o colchão, estava sentado o Celsinho, tiritante como um treme-
treme, pálido como a morte. Custou muito, até que pudesse
explicar-se, suspirando:
“Um rato! Um verdadeiro rato! Correu por cima do meu
colchão... Brrr!”
“Mas Celso! Tal escândalo por causa dum rato!”
Depois do almoço, Luis nosso “factótum” pôs mãos a obra. A
fim de assegura o equilíbrio mental de Celsinho, construiu uma
ratoeira. Em cima duma tabuinha fixou uma espécie de gaiola de
arame, à qual dava acesso uma abertura, munida de arames que se
iam estreitando para o interior. Lá dentro, um pedaço de toucinho
serviria de isca. Os companheiros seguiam atentos o trabalho do
amigo.
46

“Vocês sabem que existe uma planta, munida de ratoeiras,


como a que Luis está construindo?” começou o professor. “Chama-
se “Nepenthes destilatória”. As folhas terminam em fios compridos,
e na extremidade, o prumo acha-se um vaso oblongo. Na borda
superior, o vaso transuda fino mel, sobre o qual se lançam
doidamente as gulosas formigas, abelhas e outros insetos.
Enquanto saboreiam despreocupadas o néctar, um ou outro tomba
de repente dentro do vaso – e não pode mais voltar. Pelos agudos,
eriçados para o fundo, vedam-lhe o caminho, como os arames da
ratoeira. No fundo do vaso, porém, a esperar a vitima, o “lago da
morte”( semelhante ao suco gástrico do homem), também
produzido pela traiçoeira planta, que mata e digere a presa.
- Struggle for life – a luta pela vida!
“Sem duvida, uma eterna luta pela existência assola este
mundo. O animal está em guerra com as plantas, a flora luta contra
a fauna; entre si pelejam os congêneres vegetais e animais. Se
observarmos mais de perto, notaremos que isso não acontece
cegamente, a esmo. Essa luta é ainda uma cena do sublime plano,
segundo o qual o Criador dirige o universo. Não sei decidir o que é
que me fala mais alto da grandeza de Deus: o incomensurável
mundo dos astros ou a raiz, a folha, a célula, embora da menor das
plantas...”
“Célula vegetal? O senhor professor descobre em tudo
alguma coisa”, admirou-se Jorge.
“É rapazes, aprendam a vaguear pela natureza, de olhos
abertos e a ver em toda parte os traços da onipotência de Deus.
Sim, uma célula vegetal!”
Todo o ser vivo é composto de células. Ela é tão pequena que
é invisível à vista desarmada; às vezes mede apenas uma
47

centésima parte de milímetro. Uma massa viscosa se encontra nela


o protoplasma, o portador da vida animal e vegetal. E essa célula
invisível vive! Como vive? Por que vive? Que é a vida? Tudo são
perguntas a que ninguém soube nem sabe responder.
As paredes da célula são inicialmente muito delgadas, mas
vão se tornando sempre mais resistentes pela circulação do
protoplasma. Para que essas paredes fiquem distendidas,
necessitam de uma pressão interna, muitas vezes de 20
atmosferas. Essa pressão existe. Mas donde vem, que é que a
provoca – não o sabemos.
Para que a célula cresça, e com ela a planta, o protoplasma
precisa receber diversos elementos através das paredes. Também
isso ocorre, embora não se possa perceber abertura ou poros, de
espécie alguma. Como se faz, ninguém sabe.
“Todavia, a célula não deve receber alimento sem escolha. De
fato, ela é muito cuidadosa na qualidade e quantidade. Quem é que
faz a seleção? Quem dirige o trabalho dos bilhões de células
existentes num único ser? Mas, vamos adiante! Para a planta poder
desenvolver-se, devem multiplicar-se as células. Como se processa
a reprodução? Sem protoplasma não há célula. Mas, se ele, não
pode abandonar a célula primitiva, como se produzirá nova célula?
Alguém colocou, também aqui, uma solução. Tendo a célula
atingido tamanho suficiente, forma-se dentro dela, uma parede
divisória, e da célula única resultam duas, isto é, ela se subdivide.
As novas células seguem o mesmo processo e assim a planta
cresce, aumenta o tronco, alongam-se as raízes, aparecem flores,
frutos, etc. Em uma única noite criam-se milhões de células novas.
De manha vemos contentes o crescimento. Quem, no entanto, se
48

lembra dos fatos misteriosos que ocorreram, para se produzirem


novos brotos?”
“Li algures, senhor professor, que as raízes são verdadeiras
maravilhas.”
“De fato. Raciocinemos um pouco: donde vem que as raízes
duma arvore penetrem no solo, ao passo que o tronco procura
elevar-se? Uma força que provoca efeitos simultâneos, em sentidos
opostos! O naturalista responde: porque a raiz é geotrópica (procura
a terra) e o tronco heliotrópico (procura o sol). Sim. Mas donde
receberam essas propriedades? Certas células procuram à
profundidade e outras a altura. Por que não seguem todas a mesma
direção? Quem as guia? A planta não pode responder. Com as
raízes penetra sempre mais profundamente no solo.”
“Deve ser trabalho penoso, perfura a terra dura!”
“Sim, é tarefa penosissima, porque a raiz não pode eliminar a
terra com a pá; precisa afastá-la por pressão. Ora, isso representa
grande esforço. Lembrem-se ainda quanto custou fincar o esteio da
barraca apenas uns 20 centímetros, e entanto era um ferro
pontiagudo. Nas plantas, ao invés, trata-se de fibras tênues e
flexíveis: Experimentem fincar um arame um metro terra a dentro:
Hão de ver que trabalho! Mas, qual é o comprimento de todas as
raízes de uma aboboreira, por exemplo?
“Alguns metros, provavelmente.”
“Alguns metros? 25 quilômetros. Sim, somadas darão isso. E
essas células, invisíveis à vista, donde tiram essa força gigantesca?
Olhem este cedro altaneiro, debaixo do qual estamos sentados,
Que altura terá?”
“Mais ou menos 15 metros.”
49

“Pois não, sejam 15 metros. Imaginem agora, em que largo


circuito devem ter penetrado suas raízes neste solo duro e
pedregoso, para que a árvore pudesse elevar-se altiva e enfrentar
as tempestades. – Um destes, quando Luis tentou extrair do chão
um cepo de arvore, teve de abandonar a empresa, depois de
esforçar-se meio dia, com o auxilio de machado, serra e picareta.
Donde tem a raiz a força de resistir tão obstinadamente ao
machado?;”
“Serve a raiz unicamente para segurar a arvore?”
“Esta é apenas uma das suas funções; também deve nutri-la.”
Decerto nos impressiona que estas duas funções sejam
aparentemente contraditórias. Pois, sendo apoio da arvore, a raiz
há de ser dura, grossa, resistente. Existem, no entanto, além das
raízes grossas, as capilares. São estas que sugam do solo o
alimento necessário à planta. Como? Também isso é misterioso.
Que massa d`água essas radículas tem que absorver! Dificilmente
vocês acreditarão – mas já foi calculado exatamente -, que uma
arvore secular, num único verão, evapora 9.000 kg. de água.
Imaginem agora a tarefa hercúlea que isso representa para as
raízes, visto que uma parte dessa água é sugada por elas.
Contudo, as raízes capilares não têm apenas o encargo de
fornecer uma parte da água, mas ainda uma quota dos demais
alimentos da planta, como: hidrogênio, oxigênio, azoto, fósforo,
enxofre, cálcio, magnésio, ferro, etc. Elas encontram esses
elementos, naturalmente, em combinações químicas, das quais
devem extrair as quantidades exigidas pelo vegetal.”
"Será que as raízes possuem uma espécie de bomba, como
os bombeiros, ou como é que fazem a sucção?: perguntou o
Celsinho.
50

“É maravilhosa a maneira por que as plantas chupam seu


alimento. A bomba contra incêndio produz um jato d água de
considerável altura; e a planta? Ainda uma vez alguém providenciou
para que o alimento chegue até o alto, bem alto, 20, 30, 40 metros,
até a ponta da arvore!”
“É a lei da capilaridade, que já aprendemos,” adiantou o Silva.
“Sim, rapazes, a lei da capilaridade! Mas a lei verifica somente
o fato: que assim é! E por que é assim? Quem eleva os 900 kg
daquele colosso vegetal a uma altura de seis andares?”
Quero contar-lhes uma coisa interessante a respeito do
trabalho dantesco das raízes. Um botânico, examinando as raízes
duma grande arvore, fez um achado curioso. Adivinhem o que
encontrou: uma sola de sapato!”
“Uma sola? Mas como é que ela chegou lá?”
“Alguém enterrou um sapato velho. Aconteceu cair ali uma
semente, que germinou e lançou raiz. Esta procurou abrir caminho,
solo a dentro. Como avançasse, topou com a sola. Que fará a
coitada? Desesperar? Oh não! Toma uma resolução audaciosa.
Não pode atravessar a sola grossa e dura. Mas quando o sapato foi
cosido, a sovela perfurou-a em muitos lugares. Ora, os fios tinham,
apodrecido, a raiz pois se subdividiu em tantas fibras, quantos furos
havia no couro. As raizinhas atravessaram-nos e, do outro lado,
novamente se reuniram em uma única raiz que prosseguiu seu
caminho para as profundezas.”
“Dessa rija persistência podemos aprender, por nossa vez.
Quão facilmente perdemos o animo, quando alguma dificuldade se
nos opõe ou um empreendimento falha...”
51

O TRABALHO DA FOLHA

“Vocês sabem que a função da folha é ainda muito mais


assombrosa do que a da raiz? A folha é o pulmão da arvore, com a
qual respira; é também a boca, porque, assim como a raiz, ela deve
ingerir parte do alimento; é ainda o estomago, visto como lhe cabe
digerir e assimilar o alimento absorvido.”
“Ah, sim,” observou Paulo. “Nós aprendemos que a arvore
morre se a despojarmos de sua folhagem.”
“Não é para menos. Prive a alguém de seus pulmões, boca e
estomago!... Entretanto, as folhas podem corresponder a essa
função complicada e múltipla, somente quando existem em numero
suficiente, tem uma forma adequada e estão expostas ao ar e à luz
do sol na proporção exigida”.
“E se as folhas fossem todas bem grandes, não seriam mais
apropriadas para esse fim?”
“De modo algum! O vento havia de despedaçá-las, a chuva as
abateria, elas impediriam o acesso da luz a arvore. Por isso
crescem essas pequenas folhas, cada qual na forma que mais
convém à respectiva planta. Assim há folhas redondas, ovais,
cordiformes, sagitadas, dentadas ou não, de superfície lisa ou
áspera. Quem é que escolhe essas varias formas, sempre
adequadas às determinadas plantas? Quem dirige os bilhões de
células da floresta para o alto, para as inúmeras folhas? Celso
apanhe uma folha! Que vê ai você, a olho nu?”
52

“Uma nervura mais grossa corre pelo centro, e, partindo dela,


para ambos os lados, nervuras menores. É o esqueleto que está
recoberto, em cima e em baixo, por uma parte carnuda.”
“Exato. Examine agora bem as nervuras. Saiba que não
servem apenas para dar consistência à folha, mas que são canais
de alimentação e de irrigação. Por cima delas se estende à pele. A
parte superior desta, a epiderme, apresenta interessantes
qualidades. Nos trópicos é brilhante como um espelho, a fim de
refletir o demasiado calor. Em outras latitudes ela é fosca; por que,
Paulo?
“Para concentrar melhor os minguados raios solares”
“Certas folhas possuem espinhos; nas estepes áridas estão
providas de pelos que recolhem a umidade. Horas a fio poderíamos
falar sobre o complicado processo de assimilação do alimento e
armazenamento de luz solar nas folhas, bem como da formação da
clorofila, que nelas produz a cor verde! Num único milímetro
quadrado da folha de rícino (Ricinus communis) contaram-se
402.200 vasos de clorofila!”
“Que trabalho deve ter sido!” admirou-se Carlos.
“Quero contar-lhes agora alguma coisa da atividade das
folhas. O alimento deve chegar ao protoplasma das células. Como
se dá isso? A raiz suga a umidade e outros elementos que se
elevam até as folhas. Aqui, encontram-se com o carbono vindo do
exterior, e que a planta extraiu do gás carbônico do ar. O excesso
de água e oxigênio é expelido para à atmosfera. Agora a clorofila
transforma os diferentes elementos nutritivos, entrados na folha em
alimento vegetal, que corre então, por outras veias, pelo corpo todo:
tronco, raízes, casca, flores, frutos.
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Sabemos com toda a certeza que acontece assim. Ano a ano,


o fato se renova a todo momento, em cada folha. Mas, por que é
assim, que força dirige essa complicada operação para o êxito
infalível? – a única explicação é a sabedoria da Providencia.
Por isso, amigos aprendam a olhar de olhos abertos a
natureza ambiente.
Saibamos observar a menor folhinha, de tal maneira que ela
nos recorde o misterioso carinho dum Pai amoroso, presente em
toda parte e que de tudo cuida carinhosamente.
Carlos ficou pasmado ante o trabalho de contar 403.200
vasos clorofilianos. Com que sublimidade deve pois, brilhar a
imagem de Deus que, desde incontáveis séculos, não conta, mas
cria e dá à maravilha da mata virgem!”

AS SÁBIAS ABELHINHAS

“Ai! Depressa! Onde está o amoníaco?!”


Jorge era que cuidava da farmácia portátil. Francisco, que
soltara tais gritos, tivera a desgraça de ser picado por uma
abelhinha, justamente na ponta do nariz. Por isso, aquele barulho
infernal. De nariz inchado saltava e pulava, enquanto segurava na
mão o atrevido inseto morto.
“Veja só, que animal estúpido é a abelha, enquanto age tão
inteligentemente em outras coisas”; começou o professor, quando o
amoníaco tinha aliviado um pouco as dores do rapaz. Tola foi ela,
quando lhe aplicou a ferroada: não sabia que o ferrão havia de
quebrar e, com isso, estava condenada à morte. Sabem que a
54

mesma abelha, em outros assuntos, por exemplo, na alta


matemática, é mais versada do que muito bacharel?”
“Na matemática? Abelha e matemática? Como pode rimar
isso?”
“Sentem-se, e ouçam”
Os rapazes alojaram-se curiosos, a volta do mestre.
“Já conhecem os favos que a abelha constrói com solicitude.”
É compreensível, que ela procure uma formula, que, com o menor
dispêndio de forças e material, comporte o máximo de mel.
Para esse fim o que melhor corresponde é o prisma
hexagonal.
No entanto(no original o parágrafo começa com a palavra
ENTANTO), qual deve ser a medida dos ângulos sólidos das faces?
Ai está uma grande pergunta. Réaumur mediu-os e achou que, em
cada célula os ângulos obtusos mediam 109ª. 28`e os ângulos
agudos 70ª 32`.
Réaumur, porem, quis resolver também teoricamente o
problema e formulou-o assim: Dado um prisma hexagonal, qual
deve ser a medida dos ângulos sólidos das faces, para que o vaso
tenha o máximo de volume, com o mínimo de material? Os
complicados cálculos deram por resultado: ângulos obtusos, 109ª
26`; ângulos agudos 70ª 34`.”
“Interessante! As abelhas enganaram-se apenas por 2
minutos”, comentou Jorge.
“Realmente, é assombroso! Aquilo que os matemáticos
calculam com grande esforço mental, mercê do auxilio de
transferidor, logaritmos, etc., as abelhinhas o resolvem
maravilhosamente na colméia escura e superlotada! Não é só
admirável que o consigam, mas que o façam muito melhor do que
55

os próprios sábios. Por que disse eu “muito melhor”? Porque a


historia não acabou. Agora vem o melhor:
Certa vez um navio naufragou, ao bater em escolhos. O
comandante foi chamado a Juízo. Pois tinha a bordo todos os
instrumentos astronômicos e a tabua de logaritmos; por que não
calculou a rota do vapor? Ora, o comandante defendia-se, alegando
ter feito exatamente todos os cálculos, embora apesar disso tivesse
acontecido o desastre. Sucedeu que o calculo dera uma longitude
errada, o que ocasionara o naufrágio. – Fizeram de novo os
cálculos. Tudo certo, mas o resultado não estava de acordo com a
posição do navio. Finalmente deram com a causa: a tábua de
logaritmos continha um erro – E agora o sensacional! Sanado o erro
dos logaritmos, calculou-se de novo o valor dos ângulos dos favos.
Resultado?! Os ângulos obtusos, 109ª 28`; os agudos, 70ª 32`!
Quer dizer que os ângulos devem ter a medida, tal qual a abelha os
constrói! Portanto, o inseto não se enganou, e sim os graves
matemáticos! Ao verificá-lo, é como se um raio da Sabedoria Divina
nos iluminasse...
“Não é a abelha que é inteligente”, respondeu o professor,
“nada sabe de sua inteligência; o Sábio é quem deu ao bichinho
esse instinto. Que infinita a sabedoria do Criador que proveu a
abelhinha, e todos os seres, da capacidade e dos conhecimentos
que lhe são necessários à vida!”.
Pois vejam: a abelha, quer queira, quer não, deve construir a
célula hexagonal. Outra forma não conhece, logo não é inteligente.
A andorinha, ainda hoje, sabe construir seu ninho somente naquela
forma milenar, antiqüíssima. A aranha tece agora ainda a antiga
teia, o que demonstra não ter ela inventado essa obra fina e
grandiosa, mas que é apenas um operário do Criador. Ela tecerá
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sua teia mesmo dentro duma caixa de vidro, embora devesse saber
se tivesse inteligência, que lá em vão esperará pelas moscas. “A
galinha esgaravata afanosamente o rochedo, onde não poderá
encontrar nem grãos nem vermes”.

O “RHYNCHITES BETULETI”, CONSTRUTOR DE FUNIS

“Existe um pequeno besouro, o “Rhynchites Betuleti”, menor


do que a mosca, - um matemático mais hábil do que a abelha. Esta
só trabalha com logaritmos, enquanto que aquele, com cálculos
diferenciais e integrais”.
“E porque se dedica a tais horrores?” perguntou Julio
espantado.
“Ora, porque tem um problema difícil que resolver: Primeiro,
ele é capaz de por somente alguns ovos, os quais, alem disso, são
extremamente susceptíveis ao calor e à umidade. Segundo, deve
protege-los contra os salteadores. Enfim, precisa cuidar de que as
cegas larvinhas recém-nascidas encontrem imediatamente seu
alimento. Imaginem agora: Se esse besourinho refletisse com seu
juízo de inseto, que deveria ele pensar?
Saber primeiro o que comem as larvinhas. Mas como chegar
a sabê-lo? Depois, contra que inimigos devo resguardá-las?
Ora, o bichinho, não pensa, mas age. Trabalha
maravilhosamente, com tino e bom resultado. De uma folha de
bétula forma um cartucho. Como o fará? Vamos ver se o Julio sabe.
“Ora, pega a folha pela ponta e a enrola a até o pecíolo”.
57

“Errado. Seria esta a melhor solução para você, mas não para
o coitado do besourinho! Tanta força ele não tem, para poder
enrolar a nervura central da folha”.
“Então começa nos lados e a nervura fica no meio, e não
precisa tocá-la”.
“Ainda não acertou. Assim ele deveria enrolar a folha inteira, o
que seria tarefa “sobre-humana” para tão pequeno bichinho. E
depois, é importante que a folha enrolada murche, porque as
larvinhas não podem digerir a folhagem fresca”.
“Corta então a folha pelo meio e faz o cartucho com a
metade”.
“Também não vai assim: se cortar a nervura central, o
cartucho cai no chão”.
“Então não sei mais!”
“Você desiste do problema, o besouro não. Ele toma a borda
da folha por evolvente e com o auxilio de calculo integral e
diferencial, corta na folha a evoluta necessária, como se em toda a
vida não tivesse feito outra coisa. Corta no lado direito, da borda até
a nervura principal, um “S”vertical e no lado esquerdo um “S”
deitado, horizontal, (trabalho de um minuto, se tanto); agora enrola
o lado direito até a nervura, enrola por cima o lado esquerdo, dobra
a ponta da folha e o cartucho está fechado. Somente com o auxilio
dos “SS” vertical e horizontal é possível ao besourinho enrolar a
folha (o que já é muito), de modo que não se abra de novo, isto é, o
cartucho é assim o mais resistente, e é possível fecha-lo.
O mais interessante é que ele não faz em todas as folhas os
cortes no mesmo local. Sendo grande a folha, roí perto da ponta,
evitando assim utilizar a largura total, a fim de poupar trabalho. Se o
tempo for quente, ele recorta a folha de maneira que a nervura
58

principal se rompa logo e o cartucho caia sobre o solo úmido; senão


seus pequeninos habitantes haviam de torrar. Quando o tempo é
frio e úmido, eles apodreceriam no chão molhado; então o besouro
toma cuidado de não lesar a nervura e o cartucho não cai.
“Então, rapazes, não é coisa prodigiosa? Como sabe o
coleóptero de 6 milímetros tudo isso? Nunca viu nem aprendeu
nada semelhante e, contudo o faz sem refletir e sem hesitação, com
a máxima exatidão, como coisa natural”.
“A mim me surpreende mais seu senso meteorológico. O
besouro sabe que deve cortar a nervura central, quando faz calor,
para que o cartucho possa cair na ocasião própria?”
“Não sabe. É justamente o interessante é que o faz como se
soubesse. A nós nos parece admiravelmente exata, mas ele,
coitado, nada disso sabe. É que, se fizer calor, seu sistema nervoso
fica irritado, e o bichinho morde e corta como louco, folha a dentro.
Não tem idéia de que trabalha tão furiosamente; mas nós o
sabemos, observamos e nos assombramos, da bondade com que
um poder maravilhoso e sábio guia, protege e vigia o menor
besourinho, tendo-o criado de modo tal que o calor irrite seu
sistema nervoso e o obrigue a remorder a folha”.
““Isso estava tão interessante que as dores no meu nariz
cessaram”, verificou Francisco muito satisfeito.
“É, mas não foi da palestra, acudiu Jorge a defender sua
honra de farmacêutico, “foi o excelente remédio que te apliquei,
quando uma abelha te picar de novo, pode voltar”

A MOSCA PAIRADORA E OUTRA COISA MAIS


59

Hoje de manha, tempo claro e belíssimo, um bando de


rapazes cercava o Carlos, ou melhor, o microscópio que ele trazia.
Apareceu uma borboleta, e após uma caçada de quinze minutos,
ele a apanhava. Afogueado voltava agora. “Como este malandro me
cansou!” suspirou ele. Depois colocou uma partícula pequenina de
asa do inseto sob o microscópio. Era esse o motivo do ajuntamento.
“Oh, Carlos, deixe-me ver também! É realmente tão bonito?”
“Ora! De assombrar! Maravilhoso!”
“Vejam rapazes”, disse o professor, “há pouco, nos
extasiavam as estrelas imensamente grandes, e agora acontece o
mesmo com coisas infinitamente pequenas. Examinem essa asa e
sua finíssima contextura. Não há artista humano capaz de criar
nada que apenas se assemelhe a isto. É esta a diferença: a obra
humana é bela somente enquanto a consideramos em conjunto, a
certa distancia. Examinem com uma lente a mais linda pintura de
Rubens, a mais celebre escultura de Canova, e que verão? No
quadro, uma infinidade de traços de pincel; no rosto de bela estatua
horríveis irregularidades. Se, porem, colocarmos debaixo do
microscópio uma obra do Criador, uma pétala insignificante, um fio
de teia de aranha, uma asa de borboleta, uma gota d`água:
suspendemos a respiração ante a magnificência que se nos depara
na harmonia e perfeita adequação à sua finalidade. O próprio
Diderot, o incrédulo escritor francês, dizia: - Um olho, uma asa de
borboleta bastava para confundir um ateu”.
“Sr. Professor, olhe aqui por favor”, gritou Carlos, “lá está uma
mosca parada no ar! É como se estivesse dependurada, mas o fio
não se enxerga. E produz um som tão esquisito!” Naturalmente
todos volveram os olhos na direção indicada, e nada mais natural: a
60

mosca enxotada descreveu uma curva, indo pairar alguns metros


adiante”.
“Fiquem quietos, rapazes! Aquilo é uma interessante espécie
de mosca. É uma Syrphus pyrastri a “mosca pairadora”, vulgo
varejeira. Está ela realmente dependurada, como julgou Carlos?
Isso não! No entanto, o inseto vibra tão rapidamente as asas, que
pode ficar parado quase no mesmo lugar. Carlos mexa seus braços,
com se fossem asas, com a máxima rapidez. Quantas vezes você
pode levantá-los por segundo? Cinco vezes? Só? E os braços não
lhe doem? Sabem quantas vezes esta mosca vibra as asas por
segundo? 440 vibrações!”
“Chiii! Não pode ser! Além disso, como se pode calcular que
são exatamente 440 vibrações?”
“Ora isso não foi difícil. As vibrações das asas da varejeira
produzem um som aproximado da nota “lá”; para isso são
necessárias 435 vibrações por segundo”.
Mas voltemos ao nosso pensamento inicial. Quando lavamos
uma fruta, encontram-se num centímetro cúbico d água mais de 6
milhões de bactérias. No solo molhado, na parede úmida, onde
nossa vista nem mesmo percebe umidade, o microscópio nos
revela verdadeiros lagos, nos quais pululam bactérias incrivelmente
pequenas.
Com isso compreendemos deveras a verdade das palavras:
O poder de Deus se reflete nas coisas pequenas: no Ser
mínimo, Deus nos aparece como Ser máximo.
A natureza nos apresenta uma multidão de casos
surpreendentes. Durante todo um ano aprendemos botânica: esta
planta é venenosa, aquela não é. No entanto, provavelmente
ninguém de vocês poderá distinguir, com plena certeza, as plantas.
61

Que? Você o poderia João? Então já se esqueceu que não soube


distinguir entre um cogumelo bom e um venenoso?
“Calouro!” começou Carlos, que brigara ontem com João.
O professor, porém, atalhou logo:
“Calma, rapazes; camaradas não zombam uns dos outros.
Mas, já que você provocou, por castigo agora vai dizer-me por que
os passarinhos novos tem bico amarelo. Então? Sim, por que os
filhotes, no ninho, tem a faixa clara no bico...Não sabe. Não é? E
quando eles abrem o biquinho faminto, veja como interior é
vermelho. Quanto mais escuro for o ninho em que moram, tanto
mais vivas são as cores. Sabem para que? Para que, quando a
mãe volta com um verme ou outra guloseima apetitosa, e esvoaça
por sobre o ninho, ela pode deixar cair o petisco direitinho no bico
escancarado dos filhotes. Como é admirável a Providencia que se
ocupa até dos mínimos pormenores!
Mas voltemos à classificação das plantas. Nós não sabemos
fazer distinção entre o que é prejudicial e o que é útil. Mas vejam: O
boi o faz às mil maravilhas sem que o tenha aprendido.
Linneu assegura que o boi come 276 espécies de planas e
rejeita 218 porque lhe seriam prejudiciais. Isso se chama conhecer
botânica! Em outras coisas porem, o coitado é “estúpido como um
quadrúpede”. A ovelha come 387 espécies de vegetais e evita
cuidadosamente 141. E a cabra? 449 espécies ela aproveita, não
tocando em 126.
Quando abrimos, ontem, um formigueiro vocês ficaram
estupefatos: que palácio maravilhoso, cheio de andares e
corredores construíram estes bichinhos! Se pudessem ver a
construção dum castor ou o ninho artístico do abelharuco! Digam-
me, rapazes, como é que tão insignificantes animaizinhos sabem
62

estas coisas admiráveis? Basta considerar a natureza com olhos


abertos para percebermos a grandeza do Criador em toda a sua
formosura.
Como se explica que a andorinha, nascida durante o verão,
debaixo de qualquer telhado de uma casa colonial, conhece que ao
outono se seguirá o inverno frio e que seria aconselhável mudar de
pouso? Ela nunca viu o inverno. Quem lhe diz, portanto que ele
virá? Recordemos encantados o ensino do Salvador, a respeito do
Pai Celeste, que cuida dos lírios do campo e das aves do céu... E
as andorinhas põem-se a caminho. Aonde vão? Onde está o sul ou
o norte?
Sim, nós podemos determiná-lo com o auxilio da bússola ou
do relógio. A andorinha não tem nem bússola nem relógio e a pesar
disso empreende o vôo pelos ares. E depois de percorridos
milhares de quilômetros, chega sem errar as zonas quentes, já
visitadas por seus pais. Quem lhe ensinou o caminho?
Como sabe a mosca e a libélula que devem deixar cair os
ovos na água, pois somente ali poderão desenvolver-se? No
entanto, ambas receiam a água porque lhe molharia as asas. Quem
ensinou a tartaruguinha, apenas saída do ovo na areia quente, onde
fica o mar? Pois, imediatamente que se livrou da casca, dirige-se
sem a mínima hesitação para o mar, que nunca viu e que está, às
vezes, bem distante...
Agora, perguntem ao Luis o que ele viu ontem na toca do
arganaz.”(rato silvestre).
“Ainda não contou nada”, exclamaram os companheiros.
“Não era uma presa comum o que encontrei, quando escavei
a toca. Não quero exagerar, mas pelo menos meio quilo de trigo lá
63

estava. O curioso porem era que a ponta de cada grão estava


comido”.
“Isso já aprendemos”, observou Guilherme, “ele corta as
pontas do grão no ponto onde se acha o gérmen, a fim de que não
germine em sua dispensa”.
“Nós o aprendemos”, disse o professor. “Vocês aprenderam.
Onde, porém, o aprendeu o arganaz? E outros exemplos! Apenas o
pintainho mete o bico fora do ovo, imediatamente procura
grãozinhos. O patinho nasce perfeito nadador; a mãe não o
alimenta nem um dia. Por que não? É porque são sempre tantos
que os pais não poderiam vencer o trabalho. Mas quem ensinou ao
pintainho a procurar seu alimento desde o primeiro dia, quando
outros pássaros, que põem menos ovos, tem que alimentar os
filhotes por muito tempo? Eles podem faze-lo, tem poucos filhos.
Digam-me, já observaram o pato, quantas vezes passa seu
bico por sobre as asas?”
“Ah, sim. Ele está se lavando!”
“Mas isto não é lavar. Ele tem glândulas sebáceas na cabeça,
com cujo conteúdo se unta, para que a umidade não penetre nas
penas, e assim ele se possa manter mais facilmente à tona d água.
Quem lhe ensinou esse truque? Como sabe o pato que a
gordura é impermeável?”
“Ai, ai” berrou Jorge nesse momento e deu tal salto para o
lado que por um triz não pisou no fogo.
“Que aconteceu? Você está doido?”
“Ora, um enorme morcego! Quase me ficou preso nos
cabelos!”
“Um morcego em pleno dia, rapaz? Terá sido algum pardal.
Mas vejam, também para o morcego há uma providencia admirável.
64

Para que suas tênues asas não se tornem quebradiças, de uma


glândula ao lado do nariz ele transuda um óleo, com o qual unta
suas asas. Como é que o quiróptero sabe que é bom olear as asas
de vez em quando? – Vejam como um rapaz esperto anda de olhos
abertos, quando passa pela natureza maravilhosa”.
“Interessante!” começou Luis, depois duma curta pausa. “Li,
não sei onde, que tudo se pode explicar pelo instinto e inteligência
dos animais.” Há pouco me ocorreu, porém, como se poderia
rebater cabalmente essa afirmação:
Como se poderá falar da inteligência dos animais, se são tão
estúpidos em certas coisas?”
“Tem razão. O pombo correio volta sem dificuldade da
Espanha à Bélgica; mas o mesmo pombo que não errou o caminho
num trajeto de centenas de quilômetros, não é capaz de se libertar,
ao cair na mais simples armadilha. Pode-se então falar em
inteligência? A galinha percebe o gavião a uma altura onde a vista
humana absolutamente nada enxerga; mas, ponham-lhe no ninho
um ovo de gesso, seu cérebro de galinha não nota o logro; ela se
assenta em cima para chocá-lo. O gramofone canta belas canções:
por isso será ele inteligente? Não. Inteligente é seu inventor. Os
animais parecem em muitos casos, surpreendentemente espertos.
São-no de fato? Não. Seu Criador, é que é infinitamente sábio!”

OS COVEIROS

“Rapazes! Depressa! Aqui! Incrível” repercutiu a vozinha do


Carlito pelo acampamento. Percebemos logo que nada de mal lhe
sucedera, mas que devia ter descoberto alguma coisa. Todos
desabalaram para lá.
65

“Vejam só! – Um rato morto, passeando aqui pelo atalho”.


“Que? Rato morto passeando!”
“Bem, não é propriamente o rato; ele é arrastado por cinco
besouros. – Já faz algum tempo que estou observando como eles
se esfalfam; no entanto, conseguem leva-lo.”
Os rapazes rodearam interessados, os besouros que logo
receberam o apelido de “coveiros do Carlito”.
O professor interveio: “Esses besouros tem, de fato, um nome
cientifico que assinala sua atividade – Necrophorus vespillo.
Quando acham alguma carniça, ocorrem uns quatro ou cinco;
penetram por baixo do cadáver e cavam um buraco”.
“Curioso! Por que apenas quatro ou cinco?”
“Porque apenas as larvas de outros tantos besouros podem
viver do cadáver. Em três ou quatro horas está pronta a cova.
Antes, porém de enterrar o corpo, nele põem os ovos”.
“Por que enterram o rato?”
“Bem. Para que outros animais carniceiros não o devorem, e
ainda a fim de que o sol não o desseque, senão as larvas recém-
nascidas não encontrariam alimento. Se o cadáver estiver em
terreno pedregoso, põem mãos à obra e, com muito esforço,
arrastam-no, como estes o fazem até encontrarem terreno mais
fofo, onde possam enterrá-lo”.
“Como é interessante! Quem lhes ensinou isso?” observou o
Carlito.
Mas sem esperar resposta, veio logo com nova descoberta:
“Senhor professor, olhe aqui, por obsequio, quantas bolas há sobre
esta folha de carvalho”.
É também notável, como se formam essas “bolas”. Uma
vespa, “Cynips quercus folii” ao desovar, pousa sobre uma folha
66

nova e fere varias vezes, com o ferrão, a nervura principal da folha,


pondo no orifício, um ovo, e em seguida vai-se embora, sem mais
preocupação.
Mas na parte lesada opera-se uma coisa interessante: A seiva
da árvore sai pelo ferimento na folha, endurece e circunda, como
um bugalho, o ovo da vespa. Quando a larvinha sai do ovo, ela se
acha no meio do bugalho que lhe servem ao mesmo tempo de
habitação e de alimento. E o que é ainda mais incrível: a larva
cresce, e o bugalho cresce com ela. Mas quando se tornou vespa,
abandona seu asilo através de um pequeno orifício.
Não é isso de embasbacar? O homem pode perfurar a folha
quanto quiser, sem que se formem bugalhos; pois a vespinha é
capaz de faze-lo.
E agora o pequeno besouro – Rhynchites cornicus. Ele é
ainda mais calculador. Na primavera, quando todas as plantas
ostentam folhagem nova, podem reparar como em arvores frutíferas
e outras há brotos novos murchos. Como explica-lo? Não houve
geada. A causa é que o besouro pôs neles os seus ovos e cortou
quase completamente o broto. Depois de alguns dias a haste
murcha, e dia a dia se torna mais seca. Vem então uma rajada de
vento e o galho cai no chão. Por que o besouro faz isso? Porque
sua larva pode alimentar-se somente de folhas secas. Como é que
sabe o pequeno tratante que o broto roído tem de morrer, quando
as larvas nascem? Quem lhe contou isso? Foi alguém que cuida do
universo inteiro, não é verdade?

CALICURGUS, O CAÇADOR VERMELHO


67

“Professor, o senhor prometeu contar-nos alguma coisa do


caçador vermelho”
“Ah sim, o caçador vermelho. Foi num livro de um explorador
do Brasil, que tive noticia dele. Um verdadeiro finório. “Calicurgus
annulatus” é seu nome cientifico. É uma vespa cor de sangue,
própria do Brasil, e conta uns três centímetros de comprimento. Se
ferir um homem, a vitima fica algum tempo entorpecida.
O naturalista escreve: - É a hora da sesta, num dia cálido de
verão. Nada se move, nem um pássaro pia... De repente, bem alto
acima de minha cabeça, aparece um pequeno ponto que desce,
descrevendo espirais sempre mais apertadas. É ele, o Calicurgus!
Deve ter percebido alguma coisa lá do alto.
Mas o que?
Perscruto o solo, onde se acha o centro da espiral... em vão...
há somente capim tisnado pelo sol. A vespa, contudo, baixa sempre
mais; agora roça quase o chão. Deve haver qualquer coisa ali...
Inclino-me mais... sim, ai está. Uma tarântula movimenta-se no
capim. À vista humana era quase imperceptível; a vespa viu-a das
alturas...
De mansinho retiro-me um pouco; sinto que tenho em
perspectiva um drama fascinante: Os dois antagonistas tomam
posição de combate com suas armas venenosas. Um drama da
mata virgem!
A aranha reconheceu seu mortal inimigo. Para. Suas pernas
dianteiras se enristam ameaçadoras. Ela abre e fecha, pronta para
o ataque, as tenazes munidas de glândulas de veneno.
Agora começa a luta de vida e morte. O calicurgus sabe muito
bem (donde o sabe?) que não deve atacar de frente, na direção das
pinças, - ser-lhe-ia fatal; a picadura da tarântula é capaz de matar
68

uma toupeira ou um pardal, quanto mais uma misera vespa! Deve


pois atacar o inimigo pelo flanco ou pelas costas.
Mas a aranha, também não é tola” gira e volteia; de qualquer
direção que venha a vespa, sempre se encontra, face a face com o
aracnídeo. Contudo, o inseto é incansável. Sem cessar se repetem
os ataques com pasmosa segurança. É como se dissesse: “Amigo,
é inútil: Hei de vencer; repito, hei de vencer”. A aranha vai se
cansando a olhos vistos... Agora já quisera pôr-se em fuga. Mas,
não é possível. Desde que dá um passo, o cruel atacante quer cair-
lhe nas costas; é preciso encara-lo continuamente...
A luta prossegue... a aranha sempre mais abatida... Agora!!!
Com a rapidez de relâmpago, a vespa descreve uma volta e, zás!,
seu ferrão venenoso penetra profundamente... A aranha estremece
e se encolhe toda. A vencedora larga calmamente a vitima e trata
de arrastar o corpo inanimado, muito maior do que ela... Por cima
de pedras, galhos, obstáculos de toda a sorte, procura alcançar seu
ninho longínquo.
Considerem agora, os dois difíceis problemas que a
calicurgus tinha a resolver! Primeiro: desarmar o perigoso
antagonista; segundo; paralisa-lo sem o matar.
Ambas as tarefas são solúveis apenas de um modo, isto é: o
ferrão deve atingir um determinado nó do sistema nervoso da
tarântula. A primeira ferroada deve ser dirigida contra a boca, e
atingir os nervos do maxilar inferior, um minúsculo ponto nervoso.
Mas, com precisão, pois, se errar o golpe por um nadinha... era uma
vez. Ou a aranha matará a vespa, ou, se esta tiver muita sorte de
escapar a morte, ela matará o inimigo. Mas o calicurgus não deve
matar a aranha; se o fizer ela se torna inútil para ele. E não a mata
mesmo! Com precisão matemática fere primeiro os nervos do
69

maxilar, e em seguida, uma região mole entre o primeiro par de


patas, o nervo das pernas. Depois de assim preparada a vitima, ele
a transporta.
Vocês haviam de ver o tenaz esforço que o inseto faz no
transporte de sua presa! Aqui um arbusto se interpõe, ali uma raiz
barra o caminho, acolá são galhos caídos... não importa. Ora para
cima, ora para baixo, o bichinho se esfalfa, mas avança sempre.
E para que tanto trabalho?”
“Atenção! Agora vem uma descoberta que faz pasmar”.
- Logo que o calicurgus chega ao ninho com sua presa, senta-
se em cima e deita seus ovos na incubadora viva. Lá estão a salvo
da umidade, do sol candente, da voracidade de inimigos e, ao saír
do ovo, as larvas encontram imediatamente alimento no corpo da
aranha.
“Mas, até surgirem as larvas, a aranha já estará ressequida”.
“Pois não, se estivesse morta... A grande astúcia do caçador
vermelho, porém, consiste exatamente no fato de não matar a
aranha (o sol a pulverizaria em breve), e paralisa-la apenas. A
vespa conhece perfeitamente o lugar da aranha onde deve aplicar o
ferrão sem matar, impossibilitando-a de toda a ação”.
“Estupendo” exclamou Carlito; “quem ensinou à vespa tão
exata anatomia?”.
“Sim, rapazes, é ainda uma das grandes perguntas, cuja
resposta se encontra somente na atividade do Criador
sapientíssimo. Pois, donde teria o calicurgus tão minucioso
conhecimento de anatomia? Que exatidão! E ainda, tratando-se de
outras variedades de aracnídeos, deve aplicar a seringa do ferrão
em locais diversos, a fim de atingir o nó nervoso situado
diferentemente, e paralisar a aranha. Certas vespas (Sphex,
70

Ammophila) deitam seus ovos em lagartas às quais aplicam 1, 2, 6,


7 ferroadas, segundo o numero de nós que possuem. A lagarta fica
apenas entorpecida, e morre no momento da eclosão das larvas”.
Mais outra pergunta: Onde é que o abelharuco aprendeu a
construir ninho tão maravilhoso? E o castor, onde aprendeu a
arquitetura de seu palácio subterrâneo? Quem ensinou aos animais
ações tão sabias, cautelosas e adequadas; animais que em outras
coisas são tão estúpidos? Pois, uma vez que agem sempre e em
toda a parte do mesmo modo, embora em ambiente e condição
diferentes, demonstram que não o fazem conscientemente, ou por
habito adquirido em longo exercício. Certamente vocês já ouviram
falar que a galinha no choco, vira os ovos, de vez em quando. Por
que o faz?
“Sei senhor professor”, atalhou Júlio; “li como se chegou a
sabe-lo”.
“Então conte!”
“Por muito tempo não se sabia por que a galinha choca virava
os ovos, até que a máquina incubadora desvendou o mistério.
Quando se fizeram as primeiras tentativas com a chocadeira,
saíram pintainhos, sim, mas a um faltava uma asa, a outro uma
perna ou um olho. Que historia!... E toca a quebrar a cabeça, até
que alguém se lembrasse de uma pequena particularidade: os ovos
na incubadora devem ser voltados, de quando em quando, como o
faz a galinha choca. Feito isso, obtiveram-se pintainhos perfeitos”.
“Mas como é que a galinha sabe disso?” Interrogou Carlito.
Mas Jorge saiu-se com uma piada:
“Se a galinha é tão inteligente, não se deve repreender o mau
aluno, dizendo-lhe que tem “miolos de galinha!”
71

“Com a diferença de que esse animal inteligente é


estupendamente estúpido alhures” dêem-lhe seixos brancos em vez
de ovos, ela os choca e vira com o mesmo desvelo! A ave pois,
sabia mas inconscientemente. Alguém, contudo, deve sabê-lo! “É
aquele que dotou os animais de tão atilado instinto”.

O ESCARAVELHO

“Alô, rapazes! Depressa... depressa!”


Francisco soltara o grito de alarme da borda do mato. Todos,
mesmo os mais lerdos, correram direitinho para ele, que estava
debaixo de majestoso carvalho, ostentando vitorioso sua presa,
entre os dedos estendidos.
“Vejam este escaravelho! Estava justamente saindo do
carvalho”.
De fato era presa respeitável. Escaravelho tão vistoso, com
antenas formidáveis como este, talvez nem o gabinete da História
Natural do ginásio o possuísse. Na coleção de Francisco receberá
naturalmente o lugar de honra.
Atraído pelas expressões de jubilo, veio também o professor.
“Sabem vocês que a vida desse cascudo, saído de larva e
lagarta, é muito mais misteriosa do que a de qualquer outro animal?
Os sábios observam há milhares de anos, meneando a cabeça,
esta misteriosa metamorfose, essa vida quádrupla que vivem os
besouros. Muita coisa é ainda incompreensível”.
“Olhe, Silva, diante de você vai rastejando uma lagarta
cabeluda. Levante-a. Não, com a mão não. Dê a folha inteira. Veja
com que sofreguidão ela come”.
72

“Notem”, disse o Silva levantando a folha, “é interessante


como ela encomprida! Sem cessar esta mudando de forma, o
comprimento, e o tamanho”.
“Dessa pequenina observação ocorre-me uma idéia
interessante. Esta pequena lagarta é verdadeira obra de arte. Qual
é o engenheiro que seria capaz de edificar um prédio que a cada
instante pudesse distender-se e contrair-se, sem ruído nem esforço,
conjuntamente com seu encanamento de água, instalação elétrica,
elevadores, portas, janelas, tudo? Aqui, nesta construção, portas,
janelas, cortinas, tudo se move, se contrai e se estende sem ruptura
ou fratura, nem entupimento nem nada... À lagarta tudo isso é
possível! Durante esse continuo movimento de contração e
distensão deve circular o ar e o sangue ininterruptamente através
de centenas de vasos. Quando se vira, fecham-se alguns condutos
de um lado, devendo, por isso, abrirem-se outros do lado oposto,
senão a lagarta morreria asfixiada. No momento seguinte fecham-
se de novo estes e abrem-se ainda outros. Sabem quantos
músculos são necessários para isso? Você, Julio, quantos
músculos tem o homem?”
“280”.
“Ora, a lagarta do salgueiro possui 8.000 pares! Quer dizer
que a lagarta é semelhante a um gigantesco navio que precisaria,
para cada uma das suas manobras, de 8.000 maquinistas e
marinheiros. E observem como se move silenciosamente! É
evidente que ela não tem noção dos 8.000 pares de músculos. Mas
embora ela nada saiba a respeito, alguém lhos deu!
E esta já é sua segunda vida. A primeira passou-se no ovo
donde saiu. Daqui a pouco ela se vai retirar a um canto, enrola-se
como uma múmia e passa assim os dias, sem alimento, bebida e
73

movimento, aparentemente sem vida. É sua terceira vida, a de


crisálida. Desta, sai uma nova fase: uma borboleta multicolor, um
besouro, etc. É esta a quarta vida. Em todas as fases, porem é o
mesmo ser. Que acontece durante esses períodos de transição?
Que sente o inseto? Perguntas interessantes a que ninguém pode
responder.
“É uma maravilha! Talvez nenhum de vocês saiba que o
escaravelho, ao sair do carvalho, ou quando “nasce”, já tem atrás
de si uma longa historia: já ultrapassou, por assim dizer, os seus
melhores anos”.
“Como assim?”
“É que o bichinho teve de percorrer um longo caminho, antes
de chegar a este ponto de desenvolvimento, de poder sair do
carvalho e, por sua desgraça, cair nas mãos dum rapaz.”
Vou tentar explica-lo.
Um ovo minúsculo se esconde numa fenda da casca da
arvore. Depois de alguns dias, nasce uma coisinha desajeitada,
parecida com um verme, sem olhos, nem ouvidos, sem língua nem
patas... Felizmente, o monstrengo possui na frente, onde um animal
decente tem a cabeça, dois fortes maxilares, com os quais começa
a roer com valentia. Rói tudo o que encontra. Outra sorte é que sua
cabeça esteja voltada para o tronco da árvore, pois se assim não
fosse, morreria de fome irremediavelmente. Come, então, a farinha
do tronco roído, e isto lhe basta para viver. Roendo sem cessar, ele
vai, se introduzindo na árvore. O corredor é entulhado atrás. Sabem
quanto tempo a coitada da lagarta vaguei pelo tronco, para cima e
para baixo, para a direita e para a esquerda? Três anos! Três
longos anos! Por isso eu disse que o escaravelho já tinha
ultrapassado seus melhores dias, quando aparece à superfície do
74

tronco. Durante três anos não faz outra coisa senão furar, roer na
escuridão mais negra e comer serragem! A nós parece insuportável
tal vida. Sempre roer, em noite tenebrosamente calada... Não ver
nada nem ouvir coisa alguma, e, além disso, nada saber!
E agora vem o mais misterioso: O pobre ser que passou três
anos verdadeiramente tristes na escuridão da árvore, torna-se de
repente muito esperto. Revela-se tão inteligente e tão calculador
que só mesmo perguntando quem lhe ensinou tudo...
“Forçosamente um Ser extremamente sabido e previdente”.
“Mas, qual é o mistério?”
“Ouçam: depois de este verme cego ter vagueado por três
anos pelo tronco e ter-se mantido cuidadosamente a boa distancia
da casca...”
“Ele tinha medo dos pica-paus?”
“Naturalmente! E é uma nova pergunta: Como soube ele que
havia pica-paus e que eram seus figadais inimigos?... Mas, enfim,
passados os três anos, abandona de repente os seus hábitos, e
corajosamente se põe a caminho... em direção à casca. Tanto vai
perfurando o tronco até que apenas uma tênue camada o afaste da
luz do dia. Ali para. Não continua a roer, pelo contrario, trata de
reforçar bem a fina camada que ficou: da serragem farinácea
prepara um tabique, que, para segurar melhor, ele reforça com uma
parece de cal. Donde tira este material? Dos seus intestinos.
Interessante! Antes não existia cal no ventre; somente agora, que
precisa do material. Quem ordenou isso tão providencialmente?”
“Quando, pois, a larva está pronta com seu trabalho de
pedreiro, ela volta para o interior do tronco, onde constrói um
cubículo oblongo; não devora mais a serragem, mas toma-a como
colchão para se deitar – e agora, com a cabeça voltada para a
75

entrada! – começando seu terceiro período de vida: transforma-se


em crisálida. Fica ali deitada como morta..., e nesta quietude
sepulcral opera-se uma transformação misteriosa. Uma
metamorfose, que em nossa ignorância, nos faz unicamente sacudir
a cabeça: a coitada da larva sepulta-se, transforma-se em crisálida
e da tumba se levanta agora um belo exemplar de escaravelho.
Outra lagarta desce ao tumulo e dele ressurge uma bela e vistosa
borboleta. Terceira larva como que se deita no leito de morte e,
quando esfrega dos olhos o sono letárgico, reconhece-se
metamorfoseada em abelha...”
“Senhor professor, surgiu-me uma idéia, posso dizer?”
interrompeu o Silva. Ele gostava de filosofar.
“Pois não, fale!” animou-o o mestre.
“Ocorreu-me, se não era possível representarmo-nos a morte
do homem do seguinte modo: Quando nosso corpo atingiu certo
grau de desenvolvimento, deixa de viver e é posto na sepultura
como a crisálida. Mas este descanso sepulcral não é uma morte
completa: vem a hora em que ele ressurge para uma nova vida,
para a vida eterna”.
“Não há duvida, sua comparação tem algo de real. Mas
vamos ainda acrescentar alguns pensamentos ao caso do
escaravelho. Como sabe a larva que, depois de três anos, vai
tornar-se um besouro? Pois, devia sabê-lo! Ou não devia? Então
alguém outro sabia, porque o bichinho agiu como se o soubesse.
Sabia que o ser que ia sair da crisálida, não poderia suportar a
miserável existência no tronco, e haveria de procurar a liberdade, o
sol. Estava também ciente de que o novo ente não teria os
instrumentos necessários para conquistar a liberdade. Por isso,
antes de recolher-se, abriu o caminho até a casca. Sabia também
76

que devia proteger a saída do animal contra intrusos e ainda, que o


grande escaravelho, ao sair da crisálida, não poderia virar-se no
estreito cubículo, pelo que se deitou com a cabeça na direção da
saída. Caso se deitasse em direção oposta, ser-lhe-ia fatal, pois,
como sairia o besouro da arvore? E então quando acorda do sono,
avança pelo corredor; um empurrão contra o tabique de cal, outro
contra a fina parede da casca, e, está fora, na clara e livre
natureza... se não tiver a desgraça, como o nosso, de cair nas mãos
ágeis dum rapaz.”
É isso o que eu queria contar-lhes. Essa larva tola, cega,
desmiolada, que se alimentava de serragem, em negra escuridão, é
um grande pensador. Como é previdente! Quão bem sabe o que
será dele! Ou não sabia?
“Acho que não era ele quem o sabia! Em vez dele, sabia-o
Aquele de quem Jesus disse: Não cai um pardal do telhado, sem
que vosso Pai o saiba”.

SIMULAÇAO

“Ora, que tapeação! gania a voz exaltada de Jorge, debaixo


duma arvore. Pelo tom devia ser mesmo alguma desilusão séria.”
Os rapazes, logo se acercaram:
“Que historia é essa de tapeação?” perguntaram três a uma
voz.
“Refinado logro! Peguei um elatro e coloquei-o de costas, bem
quietinho. Olhava-me tão sereno, que pensei que não podia mexer-
se. Fazia como se não tivesse uma centelha de vida. De repente –
77

hup! – um salto, e desapareceu simplesmente, à francesa!


Abandonou-me sem mesmo dizer adeus! Fiquei logrado!”
Desiludidos, os rapazes já iam debandar, quando o professor
aproveitou o ensejo para uma conversa.
“Sentem-se um pouco! É tão interessante, quanto “engano”
ocorre no reino animal e vegetal, e que aplicação nos sugere.”
“O fingimento mais comum é o da lebre, o tigre, a perdiz, o
arminho, o gafanhoto, etc., porque esses animais imitam as cores
do meio em que se acham, a fim de não serem notados por seus
perseguidores”.
O Silva pediu a palavra:
“Comigo aconteceu, não há muito: Desde alguns dias, uma
cigarra me incomodava com seu “cri-cri” perto da barraca, numa
moita. Eu queria acabar com aquilo. Aproximei-me com cuidado.
Minha flautista, porém, viu-me e se calou. – Já te pego – pensei
comigo e dei uma busca em todos os ramos do arbusto. Nada
achei. Devo ter-me enganado; ela estará em outra moita! Voltei a
barraca... Nesse momento recomeçou a musica. “Espera malandro,
que te mostro com quantos paus se faz uma canoa.” Sacudi
violentamente o arbusto, e como era de esperar, a cigarra verde
caiu, mas para saltar, num abrir e fechar de olhos, para outra moita.
Também lá procurei – tudo em vão! A cigarra também ilude: sua cor
é o verde das folhas!”
O professor continuou:
“Animais há tão hábeis neste particular, que podem adaptar-
se mesmo a situações do momento: o camaleão, o caranguejo, o
polvo mudam de cor segundo o meio ambiente. Mais curiosa é a
borboleta branca da couve (Pieris rapae), a qual, a fim de não ser
78

percebida pelos pássaros, tem a parte posterior do corpo, ora clara,


ora escura, conforme o objeto em que pousa.”
Ainda há animais que se adaptam não somente à cor, mas
também à configuração do ambiente. Assim, julgamos ver uma
folha seca, queremos agarrá-la e eis que vai voando uma borboleta
policroma (como, por exemplo, a Kallima inachis da Malásia). Outra
vez fazemos menção de pegar um raminho quebrado e um “louva-
a-deus” nos salta de debaixo da mão. Existem borboletas cujas
asas, na face superior, brilham dos mais belos matizes, enquanto a
inferior tem uma cor tal que dificilmente se poderá distinguir o inseto
de uma folha, quando pousa de asas dobradas sobre um arbusto.
“E agora, rapazes, vamos a ver se são capazes de responder
a esta pergunta: Por que tem a maça cor verde, “quando não está
madura” E por que nos sorri, mesmo de longe, com faces
escarlates, quando amadurecida? Alias, por que, em geral, a fruta é
verde antes de amadurecer, e o mais das vezes tem cores vistosas,
depois que amadurece?”
“Deve ser pelo seguinte”, aventurou alguém, “porque na fruta
verde a semente não está ainda desenvolvida; deve ser protegida
pela cor verde do fruto, o qual pode esconde-se entre a folhagem.
Tendo a semente chegado à maturidade, as cores brilhantes da
fruta servem para atrair os pássaros, a fim de que estes propaguem
a semente.”
“Muito bem! Acertou! No entanto, há coisa mais notável:
Atenção. Existe um besouro que leva o fingimento até o heroísmo.
Chama-se por isso Anobium pertinax, o que significa, mais ou
menos, o morto recalcitrante. Esse besourinho, ao mais leve
contato fica estarrecido e não bole mais, por mais que se mexa com
79

ele. Se o picamos, fica impassível! Aproximamo-lo do fogo, não dá


sinal de vida! Finalmente, queima mesmo, sem se dar por achado!.
“Mas então é um verdadeiro herói, um mártir,”exclamaram os
rapazes.
“Tanto assim não; falta-lhe a consciência, imprescindível ao
heroísmo. Esse besouro é construído de tal modo, que ao mais leve
toque é atacado de paralisia total. Não pode mexer-se, embora o
queira. Não é mérito seu, visto ser fenômeno da natureza. Nós,
porém, que o observamos, admiramos nisso o pai Celeste que
cuida também deste bichinho! Pois quase todos os inimigos dele se
alimentam de animais vivos; ao tocarem no anobium, este é ferido
de morte simulada e é deixado incólume pelo inimigo.”
Parece incrível, mas há fenômeno ainda mais pasmoso. Os
citados casos de imitação na fauna servem para proteger a vida dos
animais. Ficaremos boquiabertos, todavia, ante o ardil com que
certas plantas adquirem o pão de cada dia. E mais uma vez surge a
pergunta: onde o aprenderam?
Em Java, por exemplo, existe uma planta gigantesca, com
flores de metro e tanto de comprimento. “Rafflesia” se chama. Ela
exala um penetrante cheiro de carniça. Qual será a finalidade dessa
anomalia – mau cheiro de carne podre numa flor! Muito simples; As
moscas lançam-se como doidas sobre a promissora “carniça” onde
vão desovar. Verdade é que todas as larvas perecem, porque de
imitação de carniça nem mesmo as moscas podem viver. A
“Rafflesia”, porem, conseguiu o seu fim: as moscas, em procura da
carne, procederam no interior da flor a uma polinização em regra..
Do mesmo modo finge a candeinha da Europa meridional
(Arum Drocunculus), cuja flor, além do penetrante cheiro de carniça,
ainda imita a cor purpúrea da carne. Quando o sol brilha, os
80

besouros lançam-se em chusma sobre ela, passeiam pelo interior, e


inebriados pelo cheiro, executam uma dança doida. Parece que um
ou outro recobra o uso da razão: “Isto vai acabar mal; é melhor ir
embora”. Resolutamente se arranca da multidão enlouquecida e
galga a beirada da corola. Novamente livre! Diante dele a vida pura,
cheia de sol! Mas não! Ele não pode resistir ao aliciamento do odor
de carne! Voltemos – Voltemos à companhia ensandecida! E tomba
para trás e a dança continua; um deixa uma perna, outro uma asa...
À noite, quando a flor perde seu cheiro característico, eles voltam à
realidade e se afastam, miseravelmente aleijados. A ardilosa planta
sorri para consigo mesma: “Eles não obtiveram carniça e pagaram
bem caro o divertimento, mas realizaram às mil maravilhas a
fecundação da flor!”
Senhor professor”, observou Guilherme, “do bagre também se
conta um logro semelhante. Dizem que ele se enterra na lama de
maneira que apenas as barbas fiquem de fora. Os peixes menores
tomam-nas por gordos vermes e, quando querem abocanhá-los, o
bagre os apanha com sua boca enorme”.
“E a formiga-leao então, essa é mais ladina”, continuou o
professor. “Escava uma cova redonda em forma de funil. A areia
que, sobra, ela a joga pela borda, de maneira que não fique
nenhum obstáculo saliente que barre o caminho aos insetos dos
arredores. Quando a armadilha está pronta, deita-se no fundo,
cobre-se de areia e espreita a presa. Pobres formigas! Elas vem
para a borda do funil e escorregam diretamente para as garras do
esfaimado inimigo. Há, porem, besouros que parecem pressentir o
perigo e procuram pôr-se a salvo. A formiga-leao abandona então
seu esconderijo e, com sua cabeça em forma de pá lança areia
sobre a vitima, até vence-la.
81

Ainda mais. Na África Oriental existe um animal ainda mais


astuto, chamado “flor do diabo” (Idolum diabolicum). É no entanto,
apesar do nome, um gafanhoto. Traiçoeiro, ele se dependura de
uma arvore; asas estendidas, como folhas. Quem o vê assim, nas
vivas cores de branco e escarlate pensa que se trata de uma linda
flor. A perna mortífera, dentada como afiada serra, tem a mesma
cor verde-claro da folhagem ao redor. Infeliz o descuidado besouro
ou borboleta que pouse na “inocente flor”. No mesmo momento será
triturado pelos aguçados dentes da serra.”
“E então, isso tudo não é falsidade? Não tive pois razão se
me irritei com o elatro? Tanto fingimento na natureza! Sou uma
inocente flor, venha – e bah! – a flor devora o incauto. – Ora sou um
pobre verme – e zás! – o verme come o peixe. – Senhor professor,
isso está direito? Mente-se de forma magistral e com refinada
dobrez! Então, a natureza pode enganar? A pura, virginal,
incontaminada natureza?
Naturalmente era o Jorge que se mostrava tão revoltado.
“Calma, meu caro” sossegou-o professor. Sua exaltação vem
de que você julga o mundo animal e vegetal do ponto de vista
humano. Pode-se falar de justiça, fraude, injustiça ou direito,
apenas com referencia a uma alma espiritual, inteligente.
Na flora e na fauna não existe pessoa, e portanto, não há
como se diz, delinqüente judicial. Bom ou mau, permitido e proibido,
pecado e virtude são conceitos desconhecidos ali. Você tem toda a
razão julgando que se um homem se comportasse para com outro
como a “flor do diabo”, a “rafflesia” ou o bagre, ele seria sem duvida
um mentiroso, um fraudulento. Quando observamos, todavia, na
fauna e flora, os astutos estratagemas que servem para a defesa da
vida e para obter o sustento, desperta-se em nós, mesmo ante
82

estas verificações, grande respeito e veneração para com o Criador,


que com tanta solicitude vela por suas criaturas.
Sim, quando refletimos mais profundamente, topamos com
fatos sempre mais maravilhosos, revelando-nos que alguém vigia e
regula este mundo, para que determinadas espécies animais não se
multipliquem demasiadamente (daí seus múltiplos inimigos), mas
também que seu numero não diminua em excesso (daí o “logro”.
Divisamos a obra de mão poderosa, estendida sobre toda a criação
e à qual tudo obedece.”

O QUE O CORPO NOS REVELA

Mais uma vez o acampamento sofria o enfado produzido por


monótonos dias de chuva. O vento ia tangendo grandes blocos de
nuvens, e nós preparávamos as refeições dentro do abarracamento.
O professor se assentou junto do Jorge que demonstrara
precedentemente formidável ignorância, quando perguntado acerca
do corpo humano.
“Olhe, meu amigo, encontramos coisas bem interessantes,
observando um pouco mais de perto a maravilhosa construção do
corpo humano. Extasia-se nossa alma, quando examinamos a sábia
e adequada disposição do organismo humano. Quase ninguém tem
idéia do complicado mecanismo que trabalha no corpo. O primeiro
que surge é o diretor da fábrica, que vigia toda a atividade.”
“O cérebro?”
“Exato! Como está tudo organizado maravilhosamente! Para
cada atividade especial vem de repartições particulares do cérebro,
a respectiva ordem, que é levada aos locais mais distantes do
corpo, pela linha telegráfica central e inúmeros ramais.”
83

“O cabo central é a medula espinhal, os ramais são os


nervos? Não é?”
“Muito bem. Agora digam, quais são os aparelhos que
transmitem as noticias, as impressões do mundo exterior, à estação
central, ao cérebro?”
“Os ouvidos.”
“Sim, eles também. Os ouvidos funcionam como aparelho
receptor. Os olhos, porém... Ora, rapazes, a vista, por si só, já é um
órgão tão admirável, que poderíamos conversar horas a fio a
respeito. Na membrana receptora, a retina, a imagem, se forma
segundo as leis da luminosidade, exatamente como no aparelho
fotográfico. No entanto, não existe no mundo uma câmara, que
possua a sensibilidade e adaptabilidade do olho! Há pouco, alguém
de vocês, por engano, tirou duas fotografias numa mesma chapa.
Necessariamente, ambas falharam. Sobre a sensibilíssima chapa
da vista chegam, a toda a hora, milhares de imagens e todas elas
são retransmitidas claras e coloridas. Todas as imagens são
imediatamente recolhidas e arquivadas pela memoria, para serem
novamente utilizadas, na ocasião própria.”
Para regular a câmara para perto ou longe, é necessário bom
numero de manipulações! Há cálculos complicados que executar e
tabelas que consultar, a fim de indicar quanto tempo deve durar a
exposição da chapa a tal distancia, com esta ou aquela
luminosidade. O olho não precisa de nada disso. Seus nervos dão à
pupila a convexidade adaptada ao tamanho do objetivo, à
intensidade da luz. Aproximando-se o objetivo. A pupila se torna
mais convexa, afastando-se aquele, ela fica mais achatada, - mas
tudo isso se faz por si mesmo, sem que o percebamos. Se a luz
84

ficar mais forte, a pupila se contrai; se diminuir, ela se dilata – e


nada notamos.
Alguns de vocês estudaram as leis de recepção, reunião dos
raios e refração da luz. Vejam. A vista corresponde perfeitamente a
todas essas exigências.
Além disso notemos ainda, com grande alegria nossa, que os
olhos se situam num dos pontos mais elevados do corpo, donde
podemos enxergar muita coisa. Imaginem se os olhos estivessem
em outro local, por ex. nos pés; que poderíamos ver?
Não existe outro órgão na superfície do corpo que seja tão
suscetível como os olhos, por isso eles devem ser muito protegidos.
Para esse fim, o globo ocular é atapetado fofa e elasticamente; as
pálpebras e os cílios vigiam e se fecham logo que água, pó ou luz
forte, ameaçam a vista. Agora, Jorge, faço-lhe uma pergunta: por
que pisca o homem com os olhos?”
“Porque está com sono.”
“Ora, o dorminhoco! E quando não tem sono? Olhe, também
o pestanejar serve de proteção aos olhos. Cada vez que a pálpebra
se fecha, faz o mesmo que a dona de casa quando passa um pano
molhado por cima da vidraça poeirenta. Mas, se mesmo a dona
mais ativa não limpa a janela muitas vezes ao dia, os olhos não
suportam a mínima fração de pó e limpam o globo ocular a cada
instante.
“E agora quero lembrar-lhes ainda uma coisa admirável
acerca dos olhos: Cada um dos nossos órgãos é extremamente
suscetível ao frio. Sentimos frio nos pés, mãos, orelhas, nariz, etc. e
podemos até gelar. E, contudo, os olhos, esses órgãos tão
sensíveis a tudo, são completamente insensíveis ao frio. Os olhos
85

não sentem frio, nem podem gelar, por mais glacial que seja a
temperatura. Por quê?”
“Eu sei”, adiantou Guilherme. “É porque, de outro modo, não
poderíamos sair à rua durante o frio. Assim, no entanto, podemos
fazê-lo, embora tenhamos de proteger os demais órgãos contra a
temperatura fria. Se os olhos também pudessem gelar e
devêssemos cobri-los, não poderíamos dar um passo.”
Júlio intrometeu-se na conversa: “Estou curioso por saber que
nomes receberão o olfato e o gosto, nessa grande fábrica.”
“Ora, são laboratórios químicos, destinados a controlar os
alimentos e ver se não estão deteriorados.”
“E o coração?”
“Nosso coração é uma bomba maravilhosa tal, que ainda a
mais aperfeiçoada técnica não na pode construir. Uma bomba
aspirante e premente, que através dos canais do sistema
espantosamente fino das artérias e veias, fornece a todo o
organismo o sangue vivificador. Os rins são filtros. Os órgãos
digestivos são um sistema central de aquecedor que mantém o
corpo, de continuo na temperatura de 37 graus centígrados. Quer
haja, lá fora, 10 graus abaixo de zero, quer sejam 30 graus de calor,
tanto faz; o corpo mantém sua temperatura de 37 graus.Uma
meditação sobre este único ponto nos levaria horas... Quanto
trabalho, no inverno como no verão a fim de assegurar à habitação
uma temperatura adequada! O corpo vivo fá-lo por si mesmo, sem
que o notemos.”
“Mas, senhor professor, onde há combustão, deve haver
resíduos. Cada dia a empregada retira do fogão cinza e carvão. No
nosso corpo não há produtos de combustão?”
86

“Certamente. Toda a vez que se faz uma expiração, com o ar


expelido limpa-se o organismo. Produtos de decomposição também
se eliminam com o suor, pelos poros; é pois importante que o corpo
esteja limpo e nada obstrua a abertura dos poros. A caldeira,
todavia, não se pode aquecer com grandes toros, a lenha precisa
ser picada. A sabedoria do Criador nos forneceu por isso uma
maravilhosa serraria e massadeira.”
“É provavelmente a boca com seus dentes.”
“Alem disso, dotou-nos de um incomparável instrumento
musical, um órgão munido de foles que é o pulmão. Sobre um e de
outro lhes falarei noutra ocasião. Agora quero lembrar somente que
todo esqueleto não é mais do que a aplicação das mais modernas
leis de construção, segundo as quais são estruturadas as pontes.”
“Não entendo isso.”
“Espere! Já viu um osso partido? Sim? Terá então notado, no
interior dele, a chamada “spongiosa” a massa esponjosa do osso,
as plaquinhas, aparentemente jogadas a torto e a direito.”
“É”, disse Jorge, “em certos lugares enchem totalmente o
osso, em outros apenas em parte; são como uma rede com malhas
maiores e menores”.
“Exato, rapazes! Essas malhas, atiradas como que sem
ordem nem nexo, não são construídas ao léu, mas seguem
minuciosamente as normas que, segundo as leis técnicas de
construção, são necessárias, para que um corpo sólido possa
resistir à tração e à pressão”.
Os ossos são construídos consoante planos admiráveis. A
substancia óssea desenvolve-se só no sentido da tração e pressão
para o osso não ser pesado demais, e a pesar de sua leveza tenha
o maximo de resistência. Quão sabiamente isso está regulado,
87

demonstra-se pelo fato de que quando um osso quebrado é mal


ajustado, varia também a direção da tração e pressão. Sabem o
que acontece? O ajustamento das plaquinhas ósseas varia
insensivelmente para a nova direção.
Por meio de interessantes cálculos ficou provado que o fêmur
é construído rigorosamente, segundo as leis da estática, de forma
que uma solução melhor para suportar a pressão e a tração, nem o
mais hábil engenheiro poderia imaginar.
O esqueleto humano em si mesmo é o modelo do mais
engenhoso mecanismo. Cada um dos membros é uma admirável
alavanca, um guindaste. Já notaram nas fabricas que as correias
correm por cima das rodas; aqui essas correias são os músculos
que cingem os ossos. São, porém muito melhores do que as das
fabricas, visto como o podem contrair-se e distender-se até os 5/6
de seu comprimento. Correias que se dilatam e se encurtam por si
mesmas, ninguém no mundo pode construir.
Hoje em dia fabricam-se instrumentos extremamente
delicados; onde, porem, existe instrumento tão fino, tão sensível,
tão complicado como o organismo humano? E através desse
organismo tão complexo corre um sistema telegráfico, que atende
sem demora à mais leve moção da vontade. Exatamente aquela
parte do corpo que eu quero, põe-se em ação, embora eu não
tenha conhecimento dos músculos precisos para isso. Não são
fatos maravilhosos que nos levam a refletir? E sempre voltar ao
mesmo pensamento: Quão sábio deve ser Aquele que ideou esse
pasmoso organismo!”
“Realmente, depois de tais reflexões, nossa alma
forçosamente se eleva para Deus”, observou Jorge.
88

“No entanto, amigos apesar disso há homens que, mesmo à


vista dessa pasmosa e adequada organização, não são capazes de
formular esse sublime pensamento.”
Um exemplo ilustrará o fato.
Na bela catedral de Estrasburgo está, no lugar de um dos
altares, um relógio, uma obra-prima da Idade Média. É tão alto que
atinge a abóbada. Marca os minutos, as horas, os dias, os meses,
as estações. Seu funcionamento movimenta uma multidão de
pequenas figuras: os quartos de hora são indicados por uma
criança que bate sobre um sino com um martelo; as meias horas
por um jovem; os ¾ por um adulto, as horas inteiras por um ancião.
Podem imaginar como deve ser complicado o mecanismo desse
relógio!
Imaginem agora uma formiga, que penetra por entre as rodas
a girar e correntes a ranger. Inspeciona bem tudo, passa revista nas
alavancas, nos enormes pesos, nas rodas dentadas e começa a
cismar:
Afinal, nada há de maravilhoso neste complexo mecanismo.
Que os ponteiros girem? É natural; tem o eixo ligado a esta roda
pitoresca. Esta, por sua vez, tem comunicação com aquela outra
que também gira. Mas, por que se move? Ora, ora! Lá está
pendurado o pendulo; este se movimenta. E o pêndulo, por que se
móve ele? É que ali, aquele grande peso o faz oscilar. Que há de
extraordinário nisso tudo? Nada! Um move o outro, este um
terceiro, e assim por diante. Tudo é um brinquedo de criança.
Assim está a formiga a filosofar e julgar ter compreendido
tudo, quando não compreendeu uma coisa: Não sabe quem reuniu
essas rodas tão sabiamente que uma mova a outra com tal
89

exatidão! Sim! Quem foi o relojoeiro? O inteligente e competente


construtor?
“Ora, o corpo humano é um mecanismo mil vezes mais
engenhoso e perfeito do que o relógio da catedral de Estrasburgo”
terminou o professor.

O COZIDO DE COUVE

“Caramba! Se o Luis não merece agora uma surra, então


nunca mais! O cozido que ele nos preparou para o jantar de ontem!
Horrível! Comemo-lo, é verdade; pois, quando se tem fome de lobo
não se faz luxo, mas, à noite! Horror! – Ainda agora me vem suor
frio, quando me lembro. Sonhei que me enterravam vivo. Vi
claramente como me deitavam no caixão, e me desciam na cova, e
os torrões a caírem, produzindo um som abafado. Esperneio...
grito... em vão. Os torrões caem e caem, e cada qual deles cai
diretamente sobre meu estomago e o comprime. Por que
exatamente ali? E como pesam! Não agüento mais... Agora berro:
Socorro!! Estão-me matando! – Uma lanterna elétrica projeta um
facho de luz no meu rosto, acordo vejo rostos espantados ao
redor... Que aconteceu? – Nada!! – No dia seguinte, porém, quis
dar uma sova no cozinheiro. Justamente entrava o professor para
visitar a cozinha. Assim ele ficou ciente de tudo”.
“Agora, bem podem refletir sobre isso”, disse ele. “Não é tão
simples a alimentação e a digestão, como muitos imaginam.
Aparentemente não há nada mais simples do que engolir um gole d
água ou comer um cozido de couve. Contudo, se analisarmos o
fato, veremos quão complicado é! Para se poder beber, o ar na
boca deve diminuir e a cavidade bucal transformar-se em bomba
90

aspirante. E a deglutição! A alavanca do maxilar inferior e os


músculos da mastigação não bastam. 32 dentes bem duros e
esmaltados tornam-se precisos. Mas ainda não é suficiente.
Também a língua deve contribuir. De quantos músculos não precisa
estar munida, para executar os diferentes movimentos! Na sua
parte posterior se localizam os nervos do gosto, cumprindo
automaticamente, com excelentes conhecimentos de química, a
tarefa de provar a substancia! E ainda não basta! Acorrem mais três
pares de glândulas salivares. É incrível a quantidade de saliva que
elas segregam por dia.”
“Se não me engano, é mais ou menos um litro”, opinou
alguém.
“Isso mesmo. A saliva não favorece apenas a digestão, serve
ainda para combinar os sais. Sua primeira tarefa é tornar digeríveis
os alimentos. Feito isso a massa assim preparada chega à ponta
anterior da língua. Esta conduz o alimento, primeiro com a ponta,
depois com a superfície, para trás, até o paladar, e em seguida para
a faringe. Agora, porem, cuidado! O bolo alimentar deve penetrar no
esôfago e nenhuma migalha na laringe! E não percebemos nada!
Todo o complicado processo se realiza automaticamente. Por si
mesmo? Não podemos dizê-lo. A ação sistemática conjunta da
faringe, língua, dentes, lábios, glândulas, músculos, ossos, nos
revela ainda mais clara a obra da sapiente Providencia.”
Julio tinha uma dificuldade: “Já de há muito reflito sobre uma
questão: O estomago consome tudo, não é verdade? Consome e
decompõe toda a carne. Como é que não se consome a si
mesmo?”
“Não é má a sua pergunta. Num vaso plúmbeo não se podem
derreter soldadinhos de chumbo; numa vasilha de madeira não se
91

pode acender fogo, senão se derrete ou queima o próprio


vasilhame. E, todavia, o estomago que é de carne consome a carne
e tudo o mais que nele penetra, sem que ele mesmo seja atacado.”
“Mas o cozido de couve do Luis, nem mesmo meu estomago
de avestruz foi capaz de digerir! Não tinha razão de me queixar?”

UM EXAME

Jorge procurou sanar sua ignorância em anatomia, e durante


alguns dias dedicou-se a esse estudo. Em nossa biblioteca
ambulante encontrava-se uma obra relativa ao assunto. Depois,
orgulhoso apresentou-se ao professor para submeter-se a um
exame. O mestre aceitou, fez algumas perguntas, mas intercalou
muitas ponderações interessantes, sobretudo quanto à mão do
homem.
“Diga-me, Jorge, que sabe você da mão?”
"A mão do homem se compõe de 27 ossos, ligados entre
si por meio de 40 músculos, segundo um principio tão
maravilhado quão simples", começou Jorge.
"Por ora basta. Considerem rapazes, que sem o sensível
mecanismo da mão, o homem havia de perder sua
superioridade intelectual sobre os animais. Por causa da
mobilidade da mão e sua multíplice adaptabilidade, podemos
executar o mais grosseiro, bem como o mais delicado
trabalho. A nosso desejo, ela toma a forma de colher e assim
nos serve. Se eu quiser, torna-se um grampo com o qual
posso trepar. Sua maior vantagem consiste em poder-se
colocar o polegar em oposição aos demais dedos e com a
tenaz resultante levantar objetos mesmo pequenos. Os dedos
92

não têm todos o mesmo comprimento. Porque? A fim de


podermos levantar também objetos redondos, não é?"
"E a gesticulação!?"
"Também isso. Quantos sentimentos, e sensações se
podem exprimir por meio das diferentes posições dos dedos! A
mão é verdadeira obra prima do Criador. O homem deve à
inteligência e à mão sua superioridade no meio dos seres.
Essa mesma mão, tenaz forte que segura os instrumentos, é
igualmente capaz de manter levemente uma caneta e dirigir
suavemente o lápis do desenhista. Seguramos o instrumento
com o punho, a pena entre o polegar e o indicador. Com isto
já temos um duplo mecanismo construído na mão. Não é
apenas um duplo mecanismo, mas toda uma série de
engrenagens! Podemos também apalpar, apertar com a mão,
sendo para isso, necessário um novo dispositivo. Um bom
engenheiro pode construir máquinas que premem e outras
que agarram. Que sábio construtor deve ter tido a máquina
que, ao mesmo tempo, preme, agarra, apalpa, sente, sem que
uma atividade estorve a outra!"
"Como é, senhor professor, que o dobrar dos braços não
produz atrito?"
"É realmente digno de nota. Já repararam quantas
vezes as articulações duma máquina devem ser lubrificadas?
A técnica está tão avançada que as grandes máquinas
possuem uma lubrificação automática, caindo o óleo
continuamente, às gotas. Uma máquina, porém, que produza
ela própria o óleo necessário, como acontece nas juntas dos
ossos, ninguém a soube construir.”
93

“Consideremos agora que operação complicada agarrar


algum objeto com os dedos."
"E é isso coisa tão singular?"
"Certamente! Sabem como se dobram os dedos? Os
músculos que dão para as falanges se contraem. Mas o mais
enigmático é que cada parte é movida por uma força exterior,
ao passo que o nervo é movimentado por uma força,
encerrada no próprio músculo. O nervo apenas toca o mús-
culo, e no mesmo instante, neste começa a agir uma força
motriz. A mesma força que se move, também, transmite
movimento. Máquina, assim o homem não poderia nem
imaginar, quanto mais construir. "
"Senhor professor, que força pode ser essa, latente no
homem e despertada pelo nervo?"
"Alguma espécie de eletricidade. Cada músculo é
verdadeiro acumulador de eletricidade. Centenas de baterias
repousam no corpo humano, e todas têm por fim produzir
algum movimento. Imaginem que mecanismo complicado
deve ser!
Mais uma coisa: Que é que obriga os músculos dos dedos a
executar sua função? Façamos uma experiência, Jorge. Vou dar
uma ordem a seu dedo, e você a cumprirá. Agora: "Direito!" O dedo
de Jorge endireitou-se.
"Dobre!" foi nova ordem, e o dedo virou-se como uma
rosquinha.
"Direito!" – e o dedo estava de novo teso. Então, meu caro.
Seu cérebro ordena, o dedo obedece. As ordens dele são
transmitidas ao membro por fios telegráficos: os nervos. A huma-
nidade precisou milênios para descobrir o telefone, e o telégrafo,
94

quando no corpo de cada homem está funcionando uma rede


telegráfica de inimitável exatidão. Se o telégrafo é uma invenção
admirável, como é grande a sabedoria que nos revela a
organização do corpo humano! Nem mesmo a rede telefônica das
maiores cidades tem uma central tão complicada como o cérebro
humano!
Nós podemos não apenas agarrar, mas também apalpar e
sentir com a mão. Isso se produz ainda por meio de fibras nervosas,
que se ramificam ao máximo na ponta dos dedos. Toda a superfície
do corpo munida de tais postos de observação que notificam à
central o que ocorre no mundo exterior: frio, calor, dureza, etc. dos
objetos. As extremidades dos nervos de visão audição, paladar e
olfato, são postos avançados cujas noticias chegam à central,
incessantemente, com a rapidez do relâmpago. Por meio deles
chegamos, a saber, imediatamente que imagens, sons, odores, nos
circundam e se são proveitosos ou nocivos a nosso organismo.
Nos grandes empreendimentos é indispensável que haja
alguém que esteja ao par do andamento de todo o complexo e seja
sempre informado de tudo. Na guerra, o quartel general está
munido de uma rede telefônica cuidadosamente estendida, e
equipado de divisões automóveis, a fim de que o comandante em
chefe receba o máximo de noticias do campo de batalha. Se para
isso já é necessária tanta precaução, quanto maior sabedoria
demonstra o equipamento de todo o corpo humano, com tantos
postos de observação e informação!"
Todo esse tempo, Jorge acenava compreensivamente com a
cabeça, sua fisionomia indicava aplauso, e assim se saiu do exame
de anatomia.
95

CARLOS ESTA SANGRANDO

Ontem, no descascar batatas, Carlito cortou o dedo. Júlio, o


enfermeiro, logo acorreu e aplicou um penso. O talho não fora
profundo, mas Júlio teve a satisfação de poder utilizar seu
ambulatório para fim um pouco mais sério do que as poucas gotas
de amoníaco aplicadas ultimamente contra a ferroada da abelha, o
que realmente não era serviço de monta...
O Chiquinho, porém, correu direitinho ao mestre. "Senhor
professor, por obséquio! Carlos se cortou, e está sangrando
horrivelmente!...”.
Como é natural, o professor apressou-se e de pronto surgiu
na cozinha, onde a metade do acampamento, alarmado pelo
Chiquinho, estava reunida: Felizmente não havia razão para sustos.
O sangue já estancara.
"Quase se esvaiu em sangue", disse o Celsinho assustado.
A que o Silva replicou: "Tão depressa a gente não
morre. Carlos está pálido, mas é por causa do susto e não
da hemorragia. Ora, pode-se perder mais ou menos meio
litro de sangue sem sentir"
"E, no entanto, disse o professor, ele é a parte mais
preciosa do nosso corpo. É ele que edifica o corpo que,
cresce, renova o já desenvolvido, fornece calor e energia.
Olá, ó Silva, explique aos companheiros em que consiste o
sangue."
"Compõe-se de duas partes: de um liquido incolor, o
soro, e de partículas coloridas, os glóbulos vermelhos que
flutuam no soro. Os glóbulos são minúsculos; seu diâmetro é
de 0,007 de milímetro. Por isso, se compreende que um
96

milímetro cúbico de sangue de um homem com saúde


encerre cerca de 5 bilhões deles, portanto, no corpo todo -
digamos 5 litros - uns 25 trilhões:”
"Bravo! Não é sem razão que você quer ser médico. Há,
pois. 25 trilhões de glóbulos vermelhos no homem. Um
numero fabuloso, principalmente se considerarmos que não
circulam desordenadamente. O organismo inteiro necessita
de sangue; este há de, assim, alcançar todos os pontos.
Para este efeito existe uma intrincada e bem ramificada rede
de artérias, constituída de canais muito elásticos e flexíveis.
A rede de abastecimento de água das grandes metrópoles,
com suas bombas, reservatórios e condutos é, em compara-
ção, desta, brinquedo de crianças. Talvez não saibam
quanto se pensa, trabalha, melhora na central, para impedir
que haja paralisação no serviço. A circulação do sangue tem
também sua estação central: o coração.
O coração é uma poderosa bomba aspirante e
premente, como nenhum engenheiro seria capaz de
construir. É um músculo do tamanho apenas de um punho
cerrado, que provê de sangue todo o organismo. É um
trabalho que nos maravilha! 70 pulsações por minuto, dia e
noite, sem interrupção! Enquanto cada parte do corpo tem
seu descanso, enquanto a vista, o ouvido, a mão, o cérebro
gozam de repouso noturno, o coração não pode folgar, nem
por um momento. Esse pequeno músculo realiza um
trabalho de 87000 quilogramas. Que significa isso?"
"Uma força capaz de levantar 87000 kg. a um metro de
altura, isto é, encher quase nove vagões ferroviários. Um
vagão abrange o volume de 10000 kg e sua porta está
97

acerca de um melro acima do solo."


“Um cavalo de carroça não precisa trabalhar” mais do
que isso", observou Jorge.
"E notem que esse pobre coraçãozinho realiza pesada
tarefa durante 60, 70, 80 anos, sempre, sempre, sem cessar.
Não é de admirar que entrementes se gaste, mas ele
conserta as partes afetadas, sem para isso interromper seu
trabalho por um momento sequer. Quantas vezes o transito
é interrompido nas ruas, quando o calçamento precisa ser
reparado. Também o coração se gasta e deve ser reparado,
mas a circulação não pode suspender-se. Quer comamos,
durmamos, andemos ou estejamos sentados, corramos ou
nademos, pensemos nisso ou não, nosso fiel operário,
nosso coração, pulsa sempre no mesmo ritmo. Três vezes
por minuto, todo o sangue é conduzido através do corpo.
Qual a finalidade dessa circulação contínua do sangue,
creio,que todos saberão".
“Sim, sim! Nas artérias corre o sangue vermelho, puro
saturado de oxigênio, por todo o corpo, até às extremidades
mais distantes. Nessa corrida, os glóbulos vermelhos cedem
oxigênio aos ossos, tecidos, pele, nervos, glândulas e daí
eliminam os produtos da combustão: água e o deletério gás
carbônico, carregando-os consigo. A corrente sanguínea
leva também a todos os lugares as matérias necessárias à
renovação do corpo; ele se gasta, um novo se constrói, e
nada disso percebemos.
“E agora, que sabem das veias?”
“Os glóbulos vermelhos recebem os produtos
venenosos e voltam ao coração pelas veias”.
98

“Bem. Mas então? Se o coração distribuir de novo esse


sangue deteriorado, dar-se-á uma intoxicação por gás
carbônico. Mas isso, já foi previsto e impedido. O sangue
venoso penetra num filtro maravilhoso: os rins. Lá é
purificado. Como é interessante o processo! O que é nocivo,
venenoso, passa através dos rins, mas nenhum glóbulo útil
pode passar. Realmente... os microscópicos glóbulos, que
penetram no mais tênue vaso capilar, ficam presos nos rins.
Do mesmo modo a albumina, o açúcar, numa palavra, tudo o
que é proveitoso ao organismo. Como foi grande o jubilo,
quando a invenção do filtro das ondas de rádio permitiu
pegar exatamente a onda desejada! De fato, foi uma
invenção notável. E que é isso, comparado com os rins?
Eles deixam passar a água, de maior volume, e não os
pequeninos glóbulos vermelhos!”
Sem embargo, com esse processo não está ainda
terminada a purificação do sangue. Uma parte das matérias
trazidas do corpo é depositada no fígado, que elabora com
elas a bílis, tão necessária à digestão. Só então o sangue
penetra no ventrículo direito. Dali é premido para o pulmão
onde é definitivamente limpo e refrescado.
O próprio pulmão é outro prodígio! Compõe-se de uns
1800 milhões de bolhas do tamanho de meio milímetro. Se
estendêssemos as paredes dessas bolhas, adivinhem que
superfície teríamos? 200m2!”
“Duzentos m2. Para que tamanha superfície?”
“A cada pulsação derramam-se 180 gramas de sangue
sobre ela. Como o coração tem 70 pulsações por minuto,
essa quantidade permanece apenas 1/70 de minuto no
99

pulmão, e esta nem bem um segundo de tempo deve bastar


para que o sangue elimine o gás carbônico, e os glóbulos
vermelhos recebam o oxigênio. O sangue assim purificado
penetra no ventrículo esquerdo, donde recomeça a
circulação vivificante. Agora já não é sangue ruim, mas puro,
gerador de vida. Assim se passa, dia e noite, minuto por
minuto, com a máxima exatidão e pontualidade, e nada
disso percebemos. Quem movimenta esse inquieto
pedacinho de carne? Ai justamente sentimos quanto
dependemos de Deus! Basta que o coração pare um minuto
e a vida terminou...
Pensando-o compreendemos aquilo de Schiller: “Se
quiseres, Senhor nosso coração se paralisa; cai a plumagem
da água; mais nenhuma folha é derrubada pelo vento; para a
corrida da torrente; cessa o ruído do mar revolto, detêm-se
os astros; nem um verme mais se enrola”...

ENQUANTO OS PEQUENOS BRINCAM

Esta tarde, os pequenos organizaram uma partida de


futebol. Nós “os grande” repousávamos num declive, ao
redor do professor.
Julio quebrou o silencio inicial: “Senhor professor, eu
aprecio muito os livros de historia natural. Ultimamente,
lendo alguma coisa sobre assimilação dos alimentos, veio-
me uma idéia interessante. Acho que, baseados no
metabolismo e assimilação, poderíamos provar que temos
uma alma, uma alma espiritual que se distingue do corpo.”
“Estou curioso por ver, como você conseguirá isso.”
100

“Sabemos que nosso corpo se renova continuamente.


Pela alimentação recebe energia, a qual aumenta as células;
estas, ao crescer, dividem-se, isto é, multiplicam-se. Em
conseqüência de tal multiplicação, os órgãos constituídos
dessas células devem aumentar, de modo que o organismo
cresce. As células que perecem são substituídas por novas
e essa substituição, a assimilação, se processa sem cessar,
imperceptivelmente...”
“Vamos a questão”, reclamaram os impacientes.
“Calma! Agora vem a prova. A substituição das células
faz-se em tal ritmo que, depois de sete anos (segundo
alguns até menos), todo o corpo está completamente
renovado. Passado esse espaço de tempo, nada mais resta,
pois, do corpo de há sete anos, nem uma fibra.”
“É um fato fisiológico. E, todavia, eu me lembro muito
bem que, menino de cinco anos de idade, mamãe ralhou
comigo por causa da gula. Como é possível que eu possa
recordar ocorrências acontecidas doze anos antes? Por
meio do cérebro? Ora, do meu cérebro daquele tempo não
restou um átomo sequer! Ainda hoje me penitencio de que,
há nove anos, num acesso de raiva, feri meu irmão,
atirando-lhe um copo à cabeça. Ora, que é o que sente isso
e me provoca o remorso? Nosso corpo se renova de sete
em sete anos. Entretanto, apesar disso, existe alguma coisa
em nós que louva e repreende, mesmo tratando-se de
coisas passadas. Deve haver, pois em nós, algo que não é
material, que não se renova, mal grado a alteração do corpo,
que permanece sempre aquilo que foi: isso é nossa alma.”
“Realmente, você tem idéias excelentes,”disse o
101

professor. Saiba que muito antes de você, o naturalista de


fama mundial Roberto Meyer, (fal. Em 1878), exprimiu o
mesmo pensamento, embora em forma científica, quando
escreveu: “É fato inegável que no cérebro vivo se processa
ininterruptamente uma transformação de matéria, a que
chamamos atividade molecular; e que a produção espiritual
do individuo está intimamente ligada à atividade matérial do
cérebro. Seria, porém, erro fundamental querer identifica
essas duas atividades, que agem paralelamente. Um
exemplo há de prová-lo. Todos sabem que não se pode
enviar um telegrama, sem um processo físico adequado. E,
no entanto, aquilo que o telegrafo transmite, isto é, o
conteúdo do telegrama, não pode ser de forma alguma
considerado como produto de uma atividade eletroquímica: o
mesmo, apenas em escala maior, deve afirma-se da relação
entre o cérebro e o pensamento. O cérebro é o instrumento
e não é o próprio espírito.”
“Senhor professor, tive ainda outra lembrança que diz
respeito à alma, o sono e o sonho”
“Vejamos o que será!”
“Muitas vezes refleti sobre o que acontece conosco,
enquanto dormimos. Acho que é assim: Enquanto dormimos,
afrouxam um pouco as relações intimas entre o corpo e a
alma. É natural que esta não sai daquele, o que seria a
morte; abandona-o apenas um pouco a si mesmo. O homem
ao dormir seria como alguém deixado um pouco à parte pela
alma, assim como o artista faz às vezes com o violino.”
“A comparação revela o musico.” Julio tocava muito
bem violino.
102

“Sim, como o artista. Acordado, a alma toca o


instrumento; o corpo. No sono, ela se livra um pouco dele;
desaparece a consciência do estado de lucidez, a atividade
dos sentidos diminui até o mínimo. E agora vem minha idéia.
Os sentidos do corpo não funcionam. Não é preciso
demonstrá-lo aqui no acampamento; somente com os
truques mais refinados é possível inocular vida nos rapazes,
pela manha”.
Os sentidos, pois, não funcionam. Não obstante, que
acontece enquanto dormimos? Vivemos uma vida etérea!
Durante o sono acontecem coisas mil vezes mais
fascinantes e intrincadas do que no estado consciente.
Falamos, embora a língua não se mova. Vemos de olhos
fechados. Ouvimos, mas não com as orelhas. Pensamos,
mas não com o cérebro. Eis pois; o sono e o sonho são para
mim uma prova irrefutável contra o materialismo, aquela
concepção filosófica, segundo a qual só existe matéria no
mundo, que não há alma ou espírito. Ora, se isso fosse
verdade, como poderíamos ver em sonho as mais belas
imagens, os mais fascinantes panoramas, embora os olhos
estejam fechados? Com que enxergamos? Não com nossos
olhos físicos. Como é possível que ouçamos extasiante
musica e encantadoras melodias? Com que ouvimos?
“Jorge enfia, de noite, duas carapuças e dois cobertores por
cima das orelhas...”
“Faça favor, uma apenas”, defendeu-se Jorge.
“Numa palavra, podemos tapar as orelhas e assim
mesmo ouviremos a musica durante o sono. Que é que
ouve, pois? Acerca da morte e do além-túmulo penso do
103

mesmo modo. Quando a alma sai definitivamente do corpo,


é verdade que os olhos corporais se fecham à alma,
contudo, se descortina um novo e maravilhoso mundo. O
violino tornou-se imprestável, a alma o pôs de lado e toca
sem ele. Quão magistralmente tocará no além, se já agora,
em sonho, nos conduz através de regiões tão encantadas!”
“Sem duvida alguma, essas idéias tem um aspecto
exato. Minha opinião é que na sucessão de dormir e
acordar, podemos perceber uma advertência de Deus: -
Homem, tu que passas cada dia, de um mundo (o mundo
consciente) para outro totalmente diverso (o mundo do
sono), mantém-te preparado para passares uma vez
definitivamente deste mundo para o outro, onde a alma
tocará sem corpo, sem instrumento. Cuidado: levarás
contigo tua alma, assim como a formaste na vida terrena. Se
a tiveres deformado, haverá dissonância lá no além.Ora não
quero ouvir musica ronceira. Somente composição perfeitas
são aceitas em meu reino...”
“Senhor professor”, atalhou o Silva, “em nossa classe
há um rapaz muito desbocado. Depois das aulas de religião
sempre alardeia que não acredita senão naquilo que ele
compreende. Ridicularizamo-lo de verdade”,
“Como?”
“Pois quando ele escancarou de novo a boca: - Toda a
instrução é tolice, acredito só aquilo que compreendo”, o
Julio se aproximou e perguntou: - Compreende você por que
o mindinho se move?”
“Naturalmente! Porque quero!”
“Ora então! Mova as orelhas! Está vendo?”
104

“Você, quer movê-las e não pode! E agora, você


compreende isso?” Todos desandaram numa gargalhada.
“Meus amigos, não é delicado envergonhar os outros,
replicou o professor, mas essas cabeças-ocas não podem
ser desarmadas de outro modo”. Vocês poderiam vencê-lo
com o caso daquele filosofo, que foi nomeado conselheiro
dum imperador, com ordenado vultoso. O sábio respondia
muitas vezes: - Não sei, não sei – às perguntas que lhe
faziam. Alguém o recriminou por isso: - O imperador te paga
para que o saibas. – E ele: O imperador me paga por aquilo
que o sei; se tivesse de pagar-me pelo que não sei, todas as
riquezas do império não bastariam!
“Senhor professor, um filosofo incrédulo disse também:
- O universo é maravilhoso, mas para compreendê-lo não é
necessário admitir Deus. As leis férreas da natureza são
quem dirige o mundo...”.
“Espere filho. A quem atribui você a vitória de
Marengo?”
“A Napoleão”.
“Veja. A Napoleão, e não aos planos estratégicos. Os
bons planos contribuíram para a vitória, mas não é a eles
que podemos atribuí-la, senão aquele que os elaborou. É
verdade que há leis férreas! Contudo, quem é que as
estabeleceu? Este grande universo é como um relógio a
funcionar com a máxima exatidão; pode você imaginar um
relógio sem relojoeiro? O próprio Voltaire, o ateu, ruminava:
Lê monde m`embrasse et je ne puis songer que cette
horloge marche et n`ait pás d`horloger – O mundo me
perturba e não posso imaginar que este relógio funcione e
105

não tenha tido relojoeiro.”


Certo dia, Atanásio Kircher, o célebre sábio (fal. Em
1680), recebeu visita de um dos seus conhecidos, homem
descrente, que sempre proclamava ter a terra surgido por si
mesma, sem necessidade de Deus. Na sala se achava
justamente um artístico globo. O hóspede incrédulo
perguntou admirado ao astrônomo: - Quem construiu esse
belíssimo globo? – Quem? Ninguém. Fez-se por si mesmo.
- Ora, não graceje! Como é que objeto tão perfeito
poderá criar-se por si mesmo? Replicou exaltado o visitante.
- Pois sim! Se a terra e o universo inteiro se criaram a si
mesmos, por que não poderia acontecer o mesmo a esse
pequenino globo? Objetou Atanásio com leve acento de
mofa.
E tinha razão. Quem se concentra um pouco na
consideração do universo, descobre em toda a parte traços
da atividade dum Deus. Donde vem este mundo
incomensurável? Donde a matéria, o átomo, a molécula, o
íon, o elétron? Donde? Julgam talvez que a teoria de Kant-
Laplace explica a formação da terra? Sim, explica, mas não
sem Deus. Nem Kant, nem Laplace eram ateus.
Astros giram com velocidade vertiginosa desde
centenas de milhares de anos. Quem os pôs em
movimento? – É que sempre estiveram em movimento – diz
alguém. Isso, porém, é impossível! Com toda a certeza seu
movimento há de parar alguma vez; mas se sempre
estiveram em movimento e este tiver de cessar de uma vez,
este “uma vez” já se deveria ter dado.
Poderosas leis regem a natureza inteira. Quem as
106

elaborou? Os astrônomos? Esses chegaram a descobri-las,


apenas por causa de sua existência. Quem, no entanto,
assegurou sua constancia?
Tomem um pequenino grão de maçã, uma semente
insignificante, aparentemente sem vida. Plantem-no na terra:
dele nascerá uma arvore robusta. Como se processa isso?
Por que e como vive, cresce e se desenvolve a vida? Todos
os laboratórios e sábios do mundo inteiro reunidos, não são
capazes de produzir uma simples haste de capim que viva e
cresça.
É o acaso? Se o encontro casual dos átomos foi capaz
de construir este mundo, maravilhoso, por que não
presenciamos hoje o fato de se unirem átomos a produzir
uma aldeia ou uma única choça que fosse?
Ocorre-me justamente um caso interessante, sucedido
na sociedade dos incrédulos enciclopedistas franceses.
Zombava-se de Voltaire que, embora descrente, acreditava
em uma divindade, pois – como ele dizia – era impossível
que o relógio do universo andasse tão exato sem que
tivesse relojoeiro.
Um dos presentes defendeu Voltaire e narrou o
seguinte acontecimento: Quando estive em Nápoles vi, à
beira-mar, um saltimbanco que jogava dados de tal forma
que sempre davam seis, como ele predissera. Os “lazzaroni”
ficavam boquiabertos. – Naturalmente os dados eram falsos,
opinou alguém dos presentes.
- Não se discute que eram falsificados; mas, é
exatamente nisso que acho graça. Todo homem sensato há
de pensar que se dois dados dão 4 vezes seguidas o
107

numero seis, é que neles há qualquer coisa; podem ter, por


exemplo, nos respectivos lados um lastro de chumbo... Ora,
olhem este mundo; os incontáveis astros, sóis, planetas,
luas, que pendurados no abismo giram desde milênios em
suas órbitas sem se chocarem. Considerem esta Terra, bem
como seus continentes, mares, ar, luz do sol, chuva, tudo
distribuído de tal maneira que a vida seja possível, e que os
animais da terra firme, do oceano e do ar possam divertir-se
alacremente em seu elemento. Ponderem como todos
encontram as condições próprias à sua vida. Considerem
ainda o próprio organismo tão complicado, no qual mesmo a
menor partícula exerce com precisão exatamente a função
requerida pelo conjunto. Reflitam como a vista, o ouvido
zombam da sabedoria dos mais exímios mecânico e
oculistas. Olhem pelo microscópio uma gota de vinagre e
nela verão mais seres vivos do que estrelas no firmamento,
por uma luneta... Considerem isso tudo (vocês que não são
“lazzaroni”) e digam-me: pode isso tudo ser obra do acaso?
A natureza faz o mesmo que aquele jogador, a tirar a cada
instante o numero previsto...
A isso nada puderam responder, e nem é possível
senão resposta negativa. A vida em derredor é resposta
suficiente. A principio não houve vida na terra, está provado.
Com o globo fluido e ígneo não podia existir nem germe nem
semente. A vida começou, portanto. Donde, porem, teria
surgido o primeiro ser vivo? Da matéria inanimada? Também
isso se afirmou, mas só enquanto a ciência não provou,
ponto por ponto, que da matéria morta não pode emanar
vida, que não há autogenia. O físico inglês Sir William
108

Thomson ( Lord Kelvin, fal. em 1907) exprimia-o do seguinte


modo ( Acerca da Idade do Calor Solar – Preleções e
conferencias populares I) : “É impossível compreender um
inicio e a conservação da vida sem uma suprema e
onipresente força criadora”.
- Senhor professor, li um livro de ciências naturais que
explica tudo pela evolução, externou Guilherme.
“Evolução? Certamente existe evolução, mas quem
conhece sua proporções? Para que ela possa produzir
alguma coisa, é absolutamente necessário o espírito que a
guie a determinado fim. Do acaso, de cega evolução não
podem surgir as incontáveis obras-primas viventes.”
- “Aquela obra popular de ciências naturais reconheceu
igualmente essas maravilhas; afirmava, no entanto, que os
animais teriam começado por causas ignotas, a
desenvolver-se precisamente em tal ou tal sentido e,
reparando eles que a recém-adquirida qualidade, cor ou
novo órgão lhes era útil, teriam-no fixado em si.
“Mas meu filho, não reparou na deficiência dessas
afirmações superficiais? Em primeiro lugar, você não deve
esquecer que tal evolução necessita de muitos mil anos, e
que as novas qualidade adquiridas se demonstram úteis
apenas quando se tiverem desenvolvido completamente no
individuo. Todavia quem, ou o que, encaminhou tal evolução
na direção conveniente através dos milênios? É verdade que
na natureza existe evolução, mas há também um sapiente
coordenador, acima dela, que elaborou e dirige o plano
desse desenvolvimento.
A pergunta pode ser ilustrada por um chiste. Digam-me,
109

que existiu primeiro no mundo, a galinha ou o ovo?


- Galinha ou ovo? Naturalmente a galinha!
“Devagar! Não é tão natural assim! Já viram uma
galinha que não saísse dum ovo?”
- Realmente! Pos então o ovo é que existiu primeiro.
- Isso também, não é possível! Já viram ovo de galinha
que não proviesse de galinha?
- A isso não podemos responder mais nada.
“E com razão. São hoje verdades incontestes as
seguintes sentenças latinas (Julio vai traduzi-las):”
“Omne vivum ex vivo”. Toda a vida emana de vida.
“Omnis cellula e cellula”. Toda a célula provem de outra
célula.
“Omne chromosoma e chromosomate”. – Isso não sei
traduzir.
“Vou explicar. Cromosomas são as partículas mínimas
de que se compõe a célula. Portanto também o cromosoma
não pode derivar-se de matéria morta, mas apenas de outro
cromosoma vivo. Por conseguinte, tem razão Lord Kelvin
quando escreve de todos os lados nos rodeiam os
testemunhos de uma sábia e bondosa adequação; isso nos
ensina que também hoje, cada ser vivente depende
incessantemente de um Criador e Legislador, em tudo
presente e ativo.
Quem quisesse negar a existência de Deus, seria como
o boleiro que negasse a presença dos cavalos que lhe
puxam o carro.
A um árabe perguntaram – Há um Deus? – E ele: -
Sim, há.
110

- Como o sabes?
- Olhai senhor! Vedes pegadas na areia do deserto?
Posso dizer-vos com toda a certeza se são de homem ou de
camelo. Do mesmo modo, ao vagar meus olhares por este
imenso mundo, em toda parte percebo os traços da máxima
Sabedoria e sou obrigado a dizer: Aqui passou Deus!”

CEU, NOITE E SILÊNCIO

O dia de hoje foi esplendido – Os rapazes se divertiram


o dia inteiro, em trajes de banho, ao redor das tendas ou
junto ao regato. Que alegria, que sadio gozo. Infelizmente
está para findar nossa vida de acampamento. Quanta pena
tenho da mocidade “moderna”, de trajes ao rigor da moda e
perfumada decadência... Essa juventude que procura a
felicidade da vida unicamente nos cinemas, bares, teatros e
“footing”! Pobres almas esfaimadas! Se uma vez que fosse
saboreassem o gozo da natureza livre e vivificante!
Eu bem sei que, exatamente por isso, eles me olham
com ar de menosprezo: “Essa agora! Como poderia um
estudante de universidade sentir-se bem entre “crianças”? –
Já não somos mais crianças, somos adultos!”
É nisso, exatamente, que está o mal! É triste que já não
sejam mais crianças – em espírito Crianças, “a quem
pertence o Reino dos Céus”. Conservar em infância
espiritual a alma, embora adulto ou ancião – eis verdadeira
arte de viver. Permanecemos jovens tanto tempo quanto o
quisermos.
Observei hoje nosso professor, o venerando sacerdote.
111

Conheço-o como sacerdote ilustrado e sábio. Desde vários


anos é meu mestre e é meu confessor. Homem viajado, fala
quatro línguas, e sabe ler em seis; em seu gabinete, sobre a
mesa, um mundo de livros.– Entanto, hoje, como jogou bola
conosco, como sabia rir de coração com o bando! Sim,
também ele era uma criança, todos éramos crianças, alegres
e contentes como o primeiro casal devia ter sido, antes do
pecado.
E que encantadora noite, hoje aqui no bivaque!(ver se é
o caso de mudar para acampamento) Crepitando levemente,
a chama se eleva e lança luz irrequieta sobre nós três. Todo
o acampamento descansa, apenas nós três velamos. E as
estrelas... Uma pequena carta do firmamento está estendida
sobre meus joelhos e com um inexplicável entusiasmo
conversamos acerca do universo, sobre os milhões de sóis,
de estrelas, a Via-Láctea e as nebulosas a fluírem uma nas
outras. Nesses momentos abre-se de certo modo o coração,
e nele se imprime o céu incomensurável.
Guilherme atiçou o fogo. Que enigma, o fogo! Como
flameja a labareda! Uma vez é encarnada, depois branca,
agora azul! Por quê? Donde esse jogo de matizes? Com que
voracidade ele devora os galhos secos que estalam! Um ou
outro galho ainda está meio verde; como geme e chia
quando a chama o atinge, estorce-se no calor como um
verme. Agora um estalido, uma revoada de centelhas...
depois, de novo o silencio. Que prazer espreitar o fogo!
Um pensamento atropela o outro. Como é belo este
mundo! E apesar do progresso cientifico, há uma
imensidade de coisa a nos cercarem, sem que as
112

conheçamos. Ontem, por exemplo, encontrei numa caverna


um belíssimo cristal, com formas geométricas que eram um
encanto. Conhecia essa matéria inanimada, ao modelar-se
no calado interior da montanha, as difíceis leis da geometria,
que eu, o ser racional, preciso aprender durante anos, com
trabalho árduo? Idéia estulta! Aqui não pode haver outra
explicação senão a atividade da força de um espírito
sublime, parecido com o espírito humano, mas infinitamente
superior, que determina a rota de toda a vida, de toda
evolução e lhes fixa as leis...
Vida? Sim! Mas que é a vida? E me lembrei das varias
denominações com as quais os autores dos meus livros
científicos quiseram explicar “a vida”, para, no fim das
contas, terem de confessar que também a eles não foi dado
resolver o problema. Até agora ninguém o conseguiu. Li que
a vida é “uma ação conjunta de forças físicas e químicas”.
Essas forças em si são conhecidas. Não conhecemos,
porem, o mistério de sua atividade conjunta que se
desenvolve no organismo, isto é, o principio que mantém
ativa a complicada rede de forças que de continuo se
amparam mutuamente.
E depois, as gigantescas forças da natureza que
podemos apreciar aqui fora! A trovoada noturna, por
exemplo, com seu ruído ensurdecedor! Acolá jazem os
carvalhos enormes, seculares, de tronco partido... Também
o tumulto dos elementos desencadeados conta a grandeza
do Senhor, que, ao conceder à natureza apenas um átomo
de seu poder, a faz terrível e assustadora!
Em seguida refleti sobre o maravilhoso mistério do
113

acordar da natureza na primavera, depois do sono gélido do


inverno, o germinar dos cereais no sulco úmido; a silenciosa
floresta em letargia; todo esse mundo encantador, um
enigma, um mistério, se eu não enxergar atrás de tudo a
mão eterna e onipotente de Deus.
Não sei onde o li, mas agora sinto a definição de Deus
em toda sua magnitude: “Deus é o ser pelo qual tudo
começou a existir e para o qual tudo tende”. Se na floresta
algum transviado avistasse nossa fogueira, decerto se
alentaria com o pensamento: onde há fogo, há seres
racionais, homens, irmãos. Assim exulta minha alma em
prece, toda a vez que percebo a grandeza do Criador em
algum fato da natureza.
- Mistério? Pode ser. Que me importa? Não me
interessa! Poderá dizer alguém. Contudo, é impossível que
não lhe importe. Existe em nós o impulso, o insaciável
desejo do homem, de investigar tudo, de achar a solução, a
verdade. Só isso nos deve levar à conclusão da existência
de Deus. Minha irmã recebeu uma boneca, no aniversário. A
principio brincou alegremente com ela. No terceiro dia
desmanchou-a: queria saber por que fechava os olhos
quando a deitavam. Esse insaciável desejo levou
Amundsen, Shekleton e outros às expedições polares:
queriam investigar o que lá havia.
Encontrou-se uma vez, uma pedra cheia de sinais
cuneiformes. “Ninguém entende isso, fora com ela!” Oh não!
E o espírito humano não descansou, até decifrar a escrita
cuneiforme. As charadas, os enigmas, palavras cruzadas,
etc., denotam a mesma sede de saber.
114

Que prova isso? Que não nos agrada o incógnito e


precisamos encontrar a verdade. Por quê? Porque em nós
vive uma centelha, um sopro de Deus, de Verdade Infinita, e
é isso que não nos deixa sossegar.
A consciência que tenho de mim mesmo eleva-me
acima de todo o imenso universo. No verão passado andei
viajando sobre o mar: a perder de vista vogavam as ondas
interminas do oceano, num jogo sublime – mas os oceanos
nada sabem de sua vastidão e de sua majestade!
O firmamento com suas incontáveis estrelas prende
meu coração. Mas apenas o meu! Os astros? Ora, eles são
corpos celestes frios e inertes, massas a girar por cima, ao
lado, por baixo das outras; nada sabem de si nem dos
outros. Apenas eu sei deles...
Todo o mundo, embora sublime até os últimos
pormenores, é apenas matéria. Posso colocar uma célula
minúscula sob o microscópio; descubro nela um mundo
ignoto de vida; mas essa célula se compõe de milhões de
moléculas, de átomos que nada sabem uns dos outros. Meu
corpo pesa exatamente 60 quilos. Li algures que um corpo
humano deste peso se compõe de 50 bilhões de células.
Numero de causar vertigens. Essas 50 bilhões de células
vivem cada uma para si, mas apenas uma alma as mantém
unidas!
Homem! somente tu sabes de ti mesmo, sabes
reconhecer-te. Se me cair alguma coisa na vista, preciso
perguntar a outro, a saber, quando saiu. A alma, porem,
sente-se a si mesma. Sei – é um pensamento de Pascal –
“O homem é no universo nada mais do que um caniço, mas
115

um caniço que sabe pensar”. Por mais insignificante que eu


seja, alguma coisa há em mim, não limitada pela matéria,
que pode externar-se, abranger os próprios astros. Não sou
somente matéria, como o mar, o monte, o firmamento;
alguma coisa há em que mantém unidos os átomos de meu
corpo, e os ultrapassa e lhes dá vida – tenho uma alma.
Tenho uma alma com a qual posso entreter-me e da
qual ninguém pode aproximar-se se eu não permitir. Uma
alma – não matéria inerte – algo de superior, um elemento
vivificante alem disso, não há quem mande nela a não ser
Deus e eu. “Céus e terra passarão, mas minha alma não
passará”.
Contudo, se assim é, meu único, meu eterno valor, é
minha alma. Pensei sempre assim?
No século IV, essa teoria deslumbrou um sábio, antes
pecador: a teoria do valor da alma acima de tudo. Ele
exclamou: “Eles o puderam, outros o puderam, e tu
Agostinho, não o poderias?” e tornou-se um S. Agostinho.
No século XII, um jovem rico refletia sobre o mesmo
assunto; “... Se tantos o puderam, também tu o poderás”... e
dele saiu S. Bernardo de Claraval.
No século XVI, um guerreiro ambicioso de honras é
ferido no ataque a uma fortaleza; no tédio do hospital chega-
lhe às mãos a Vida dos Santos. “Se estes o puderam, por
que não poderei eu”, exclamou ele – e tornou-se S. Inácio de
Loiola.
E eu? Filho do século XX? Não seria eu capaz de
estimar minha alma acima de tudo? Embora fosse mais
pecador do que Agostinho, mais rico do que Bernardo ou
116

mais vaidoso do que Inácio, sim, eu o poderia; apenas...


será difícil! É verdade! Todavia para eles também era difícil.
Em sua incompreensão, o mundo zombou de S. Pedro em
Jerusalém, de S. Paulo em Atenas; de S. Agostinho riam os
sábios, de S. Bernardo os nobres, de S. Inácio os
guerreiros...
E nessa meditação, tomei do saltério que o professor
me dera para ler, e rezei, talvez nunca com tanto fervor
como agora, ao ler o salmo 148:
“Aleluia!”
Louvai ao senhor no céu; louvai-o nas alturas!
Louvai-o, vós seus anjos; louvai-o seus exércitos!
Louvai-o, sol e lua; louvai-o estrelas a brilhar!
Louvai-o céus sem fim, e águas do firmamento!
Eles glorifiquem o nome do Senhor, porque Ele disse, e
foram feitas as coisas; Ele ordenou, e elas foram criadas.
Ele as estabeleceu para sempre e pelos séculos dos
séculos. Ele pôs preceito e este não se há de quebrar.
Louvai ao Senhor na terra; vós, dragões e todas as
profundezas. O fogo, o granizo, a neve, a geada, e
tempestades que executam sua palavra.
As montanhas e as colinas, as arvores frutíferas e
todos os cedros; os animais e todos os gados; as serpentes
e as aves, que voam.
Os reis da terra e todos os povos; os príncipes e todos
os juizes da terra.
“Jovens e donzelas, moços e anciãos, louvem o nome
do Senhor...”
Deixo cair o livro. Somente então percebo que meus
117

dois camaradas adormeceram. É verdade que por muito


tempo não trocamos palavra. Que descansem! A mim,
porém, meus pensamentos me ocupam tão vivamente!
Algures deve existir um ponto, uma inabalável mão,
uma força gigantesca, que segura o eixo do mundo.
Pode este mundo ser obra fortuita? Reuniram-se
apenas por acaso os trilhões, os decalhões de átomos para
formarem este belo e bem ordenado sistema universal? Se
eu fosse a uma tipografia e derrubasse todas as caixas dos
tipos, então centenas de milhares de letras haviam de cair
ao chão de tal modo que formassem o texto de um livro
inteiro? Pode lá alguém imagina-lo? O cometa Halley, por
exemplo, percorre sua órbita em 76,4 anos; pela ultima vez
foi visto em 1919, mesmo a olho nu. Quem sabe onde
vagueia agora pelo espaço? Mas, passados os 76,4 anos,
ele voltará com a máxima precisão. Pode-se conceber então
que ele não tenha um guia?
Do porto de Genova sai um navio, passa pelo estreito
de Gibraltar e chega à América. Dobra o cabo Horn, alcança
a Austrália, chega à Índia, atravessa o canal de Suez e, no
tempo previsto, volta ao porto de saída. Haverá alguém que
queira afirmar que esse navio fez a volta do mundo sem
piloto, “por si mesmo”? A trajetória dos astros, no entanto, é
milhões de vezes mais longa e sua chegada ainda mais
precisa.
E poderá ser obra do acaso a inclinação do eixo da
terra com relação à sua órbita? Exatamente a inclinação de
23º 27. 8” é a mais conveniente. Sem ela não haveria
alternação das estações. Ou a água! Por que sua densidade
118

é máxima a 4 graus centígrados e fica menos densa, quer


baixe, quer suba sua temperatura? Todo o corpo se contrai
tanto mais quanto mais baixa for sua temperatura – somente
a água não. Por que? Porque, de outra sorte, os rios e lagos
gelariam até o fundo e um único inverno bastaria para matar
toda a vida neles.
Como Deus é grande! Mas também quão belo é Deus!
Alem da disposição bem proporcionada, há ainda inúmeras
belezas na natureza. O arrebol, o matizado arco-íris, o
encanto duma flor, a lua sorridente acima de mim, a noite
silenciosa, a floresta sussurrante, a encosta íngreme da
montanha..., essas belezas todas devem ter algures a sua
origem! Deve existir um manancial de onde emana a
formosura deste mundo!
Ultimamente vagueando pela floresta, ouvi de repente
um ruído de ramos quebrados e parei: à margem dum regato
estava um cervo majestoso, ornado de galhos possantes.
Nunca senti tão palpável a deficiência da teoria darwiniana
da evolução das espécies, como nesse momento, à vista
dessa caça real. “Tudo é resultado da evolução, de
tendência à adaptação”. Ora, onde a tendência de
adaptação para o cervo carregar armação tão ramificada?
De forma alguma, muito pelo contrario, é-lhe embaraço na
fuga; mas é tão belo, é de fato uma obra-prima do Criador!
Como admiramos uma bela pintura ou uma estatua. Já
Sócrates, porém, perguntava a Aristodemo: “Quem é mais
para admirar, o pintor que esboça imagens inanimadas de
homens e animais, ou aquele que produz seres vivos e
racionais?” E, se aquelas imagens não foram obra do acaso,
119

não é estulto admitir que a vida o seja?


Há quem queira explicar tudo nos animais por meio do
instinto. Mas, que é o instinto?
“Instinto é um impulso que obriga o animal a utilizar um
meio que seja mais adequado a alguma finalidade”.
Sim, é a definição cientifica do instinto. No entanto, não
adiantamos um passo sequer na compreensão de sua
essência. A pergunta é: Donde tiram os animais, tão
estúpidos em outra coisa, essa maravilhosa ciência?
Algumas espécies de aves chocam durante três
semanas, outras menos tempo. Como sabe o pássaro que
ele pertence à espécie que deve chocar exatamente três
semanas? Aprendeu-o nos livros? Viu talvez que sua mãe
também chocava tanto tempo? Não no aprendeu nem
observou e, contudo, agirá assim com infalível certeza.
Haverá, pois alguém que sabe tudo isso...
A vaca a pastar não toca nas ervas venenosas.
Aprendeu ela na química que deverá evitar esta ou aquela
planta a fim de não provocar perturbações no organismo?
Não aprendeu e, apesar disso, evita cuidadosamente o que
lhe é prejudicial...
Donde sabe a larva-macho de escaravelho hercúleo
(dinastes hercules) que mais tarde terá armas e que, por
isso, a parte anterior do casulo deve ser mais ampla? O
macho constrói um invólucro maior. A fêmea não o faz – não
no precisa...
Quem contou ao arganaz e ao esquilo, nascidos
apenas na primavera, que ao verão seguirá o áspero inverno
e que é necessário fazer provisão para a estação hibernal?
120

Como é que a andorinha nova, saída do ovo aqui na região


conhece que o inverno está próximo e que deve partir? E ela
alça o vôo, nunca dantes feito, e chega com segurança à
terra quente, da qual nada sabe, nem mesmo que lá não há
inverno. O instinto cuida até de conduzir as aves em viagens
a lugares onde possam descansar e achar alimento. Está
provado que as cegonhas da Europa voam pela Turquia,
Ásia Menor, Egito, sempre por cima do continente, até a
União Sul-Africana, a Natal. É um trajeto que causa
estupefação. Como explica-lo? Quem as guia? O acaso? O
calculo do animal?
Sabe talvez o urutu que a injeção do veneno produz o
desejado efeito de paralisação? Não sabe, mas age como se
o soubesse. Também não sabe que certos dentes são
próprios para injetar o veneno e outros não; contudo utiliza
infalivelmente os apropriados. Do mesmo modo foge-lhe do
conhecimento o fato de poder morder mais profundamente,
se colocar o maxilar superior e certos ossos em determinada
posição, e ele todavia o faz.
A lagarta do “olho-de-pavão” tece o exterior de seu
abrigo com pontas rijas, as quais une com tênues fios.
Destarte, ele pode ser aberto de dentro com leve pressão,
mas é capaz de resistir à força do inimigo exterior. Onde o
aprendeu? Assim poderíamos fazer uma infinidade de
perguntas...
Vejo a bela cúpula duma basílica. Quem a edificou?
“Ninguém”, responderíamos nós?
A possante locomotiva dum expresso estrondeja
estação adentro. Colossal? Quem a construiu? “As rígidas
121

leis do universo”?
Ouço uma sinfonia de Beethoven. Fantástico! Quem foi
o compositor? “O acaso”.
Assim não podemos responder, não é verdade? Pois
bem, pode-se então explicar a tão imensa e tão exata
maquina e a sublime harmonia do universo com um
“ninguém”, com “rígidas leis da natureza”, ou com o “acaso”?
Não, mil vezes não!
Nunca percebi e senti tão claramente que toda a
ciência não é nada mais do que o soletrar do Pensamento
Divino.
A incomensurável grandeza dos corpos celestes nos
esmaga, o tamanho microscópico dos micróbios nos enleva.
E entre esses dois extremos, o incalculavelmente grande e o
indizivelmente pequeno, está o homem, cujo orgulho se
aniquila nesta humilde oração:
“Como se enleva meu coração, quando penso em vós,
ó Onipotente!”
Como se aniquila, quando olho para mim mesmo!”
Enquanto andava nesses pensamentos, uma sensação
indescritível apoderou-se de mim. Respeito e admiração me
enchiam a alma: para onde quer que eu volvesse o olhar,
surgia a mão divina.
O verdejante prado, as flores sonhadoras, o murmuro
regato, aqui meus dois camaradas adormecidos... tudo
beleza, tudo formosura! Como deve ser então belo quem
criou tudo isso! Sentia que, doravante, a beleza de Deus se
me patentearia na florescência dos campos; os cimos dos
montes irradiariam sua magnitude; no canto dos pássaros eu
122

ouviria sua voz; no corisco do relâmpago seu poder. Ouço-o


no murmúrio do regato, procuro-o no céu estrelado... pois sei
que todo o belo desta terra é apenas um reflexo de sua
infinita formosura.
E se, alguma vez, minha alma for oprimida pelo negro
pensamento de que tudo neste mundo é transitório: a flor
murcha, a folha cai, a montanha se pulveriza, o rio seca, -
tanto mais ela se achegará ao imutável, intransitório,
absoluto belo, a Deus.
E rezei baixinho as palavras do Salmista:
“No principio criastes o mundo, e os céus são obra de
vossas mãos. Eles passarão, Vós permanecereis. Eles
envelhecerão como uma vestimenta; e se mudarão como um
traje, quando os transformardes... Vós, porem,
permanecereis, e vossos anos não tem fim”(Os. 101).

O ULTIMO ACAMPAMENTO

Amanha de tarde voltaremos para casa. Pela ultima


vez, arde o fogo do acampamento. Todo o grupo o rodeia
com saudade. Uma inefável tristeza se apoderou de nosso
coração. Certamente, em casa a gente está bem... dormir
em cama bem arrumada... um almoço preparado por mamãe
ou pela cozinheira... mas estas três semanas! É duro
despedir-se do riacho, da floresta, do firmamento! Sim, a
separação é dura!
Já eram dez horas. “Rapazes, vamos fazer aqui nossa
ultima “novena”, disse o professor, e agradecer a Deus todo
o bem que nos outorgou nestas três semanas”. Durante
123

nossa vida de acampamento, tivemos muitas vezes ocasião


de presenciar a onipotência do Criador. Sim, em Deus
descansa toda a natureza; ela é sua obra. Entrete-
ceu (AQUI PARECE HAVER UMA FALHA NO LIVRO ESTÁ
SEM SENTIDO) nela seu pensamento, para que, ao
observarmos toda essa beleza, saibamos nos volver ao seu
Criador.
Lembrem-se, meus caros, quão admiravelmente férteis
são os pensamentos de Deus – no maximo como no
mínimo. Há almas mesquinhas que, ao verem a catarata de
Niágara, exclamam: “Maravilhoso! Quantos cavalos-de-força
terá!” Ou que numa floresta, calculam apenas quantos
metros cúbicos de madeira haverá ali. A nós, porém, essa
maravilhosa natureza apresentou ao intimo de nossos
corações sempre novos traços da sublimidade divina. Em
toda parte se reflete a face divina oculta, muito embora
saibamos que uma infinidade de mistérios nos circunda.
Lembrem-se de quando o pai de Carlos esteve aqui em
visita: Narrou-nos, ponto por ponto, as camadas de que se
compõe o monte aqui ao lado. Um de vocês perguntou
admirado: - Donde é que o senhor pode sabê-lo? Já esteve
lá dentro? – Lá dentro? Para que? Não preciso disso.
Analisei a água do regato que sai das entranhas do monte, e
dos elementos nela encontrados pude depreender quais as
camadas que devem existir no interior da montanha.
Também nós analisamos o que sucedeu em nosso
redor, durante nossa permanência aqui, e em tudo topamos
com sinais evidentes que conduziam a Deus. Cultuamo-lo,
quando a inesgotável riqueza das formas e a multiplicidade
124

dos seres nos extasiava; em tudo há sistema e medida e, ao


mesmo tempo a máxima multiplicidade. Quantas flores,
quantas folhas – outras tantas obras-primas, todas
diferentes umas das outras. Quão grande não deve ser a
sublimidade de Deus que nunca se repete, podendo criar
obras de arte às centenas de milhões. Imensas e grandes,
assim como também maravilhas da mais tênue pequenez.
Um único grãozinho de pólen, colocado debaixo do
microscópio, é uma maravilha, bem como a semente, quase
invisível a olho nu, do Dendrobium antenatum, 200 das quais
pesam apenas 11000 gr. Mas que contém em si, apesar
disso, pela força miraculosa do Criador, a futura raiz, caule,
folha e flor.
Quantas flores, arvores, insetos, aves, animais,
homens... outros tantos pensamentos do Deus Criador,
tornados realidade.
Enquanto rememoramos agora, no silencio da noite, as
incontáveis maravilhas da vida, de que fomos comovidos
espectadores, nestas três semanas, sentimos algo que nos
obriga a lançarmo-nos de joelhos. Não! Tanta formosura,
multiformidade, adequação, sublimidade, como no-la
apresenta este mundo, não se deixa explicar por meio de
“cego acaso”, com “rijas leis da natureza”, com “fenômenos
físicos e químicos”. Também no submarino têm valor as
intangíveis leis da natureza; as leis da física fazem-se valer
no aparelho de radio – entretanto – está, com isso,
solucionada a questão de quem foi o construtor deles?
Mas, meus caros amigos, também toda essa obra
maravilhosa de Deus há de desaparecer. Os complexos
125

edifícios, as obras primas do espírito e da mão do homem,


os prodígios da fauna e flora, eles todos acabarão, serão
varridos da face da terra, quando tiverem cumprido sua
missão, sua finalidade. Só uma coisa permanecerá: Deus e
a alma. Minha alma! Vossa alma! Nossa alma imortal há de
encontrar-se com seu Deus eterno!
Agora, meus jovens, vamos deixar tudo isto; a
montanha e o vale, o regato e a rumorejante floresta, a
alvorada e o orvalho matinal, o firmamento estrelado, -
voltaremos ao oceano de casas da cidade... Nossa alma
porém, que durante estas três semanas foi tantas vezes
bafejada pelo hálito divino, nossa alma nunca esquecerá seu
dever sublime de permanecer sempre como um filho
humilde, puro, corajoso de Deus infinito...
Vosso filho, amado Pai Celeste, que fazeis girar as
milhões de estrelas em sua vertiginosa órbita; que conheceis
o numero de nossos cabelos; sem cujo consentimento não
cai um pardal do telhado. Vossa seja a gloria, vosso, o
nosso coração reconhecido, eternamente vossa nossa
pequenina alma jovem, que não quer macular-se com o
pecado.

*
* *

Um leve sopro de vento levantou-se das profundezas


da floresta...
As faiscantes estrelas brilhavam no silencio da noite...
126

Segunda Parte

FÉ VERSUS CIENCIA

DEMOLIR OU EDIFICAR

Hoje em dia faz-se a miúdo um emprego abusivo do


termo “ciência”. Tanto na positiva técnica como na teórica
filosofia existe, a par de uma ciência construtiva e fecunda,
outra que é destrutiva e malsã. Por exemplo, o gigantesco
trabalho técnico durante a Primeira Conflagração Mundial,
foi preferentemente destrutivo: armas de guerra, gases
devastadores, projéteis explosivos. Também no combate
sempre aceso do mundo espiritual, o inimigo lança mão de
gases deletérios, ardilosas minas e bombas explosivas.
Destruir é fácil. Muito mais fácil do que construir.
Alcebíades sozinho destruiu mais em Atenas, do que uma
serie de geniais governantes puderam edificar durante
séculos, desde Sólon até Milciades, de Temístocles a
Péricles. Alguns decênios de invasões bárbaras foram
suficientes para aniquilar as grandiosas obras de mil anos de
cristianismo. Por que demolir é mais fácil do que edificar?
127

Porque para construir são necessárias grandes qualidades


espirituais e morais: planos, perseverança, domínio de si
mesmo, valorização de ideais. Destruir, porém, qualquer
malfeitor ou imbecil o pode fazer.
Estejamos pois convencidos que não é qualquer
ciência que representa um progresso cultural, como muitos
afirmam erroneamente.
Logo na primeira pagina da Sagrada Escritura já se
declara encontrarem-se na mesma arvore o fruto do
conhecimento do bem e o do mal, significando, em outras
palavras, haver ao lado da ciência do belo e do bom, outra
ciência nociva e ruim. Lancemos à historia um olhar
retrospectivo e veremos que eram homens sábios, mas
perversos, os que maior prejuízo causavam à humanidade.
Posse de espíritos leais, a ciência é uma benção; mas o
saber do mau é uma maldição para o mundo. Já os pagãos
honravam os benefícios dos primeiros, e apavoravam-nos os
malefícios dos segundos. O inteligente Prometeu, Apolo, o
vidente e os sábios pensadores foram festejados; ao passo
que Aristófanos, nas “Nuvens”, estigmatiza com toda a
razão, a filosofia sofistico - racionalista como envenenadora
da vida espiritual de Atenas.
Se grandes autores modernos do Oriente, como
Rabindaranth Tagore, Gandhi e outros, fogem das ciências
do Ocidente como da peste, referem-se unicamente à
pseudociência que destrói os ideais e aniquila os valores. É
natural que nós não gostemos da penumbra mística intuitiva,
mas devemos confessar que sua manifestação de repulsa
nos mostra claramente que nem toda a ciência representa
128

progresso, construção. Em definitiva, somente pode dar


felicidade ao homem a ciência que nos aponta a Suma
Sabedoria, e nos conduz ao Sumo Bem, a Deus.
Excluamos da Arte o pensamento divino; que vem a ser
a rainha do belo? Uma escrava da sensualidade.
Tiremos ao Direito sua base divina; que resta?
Desaparece toda a diferença entre bem e mal, entre justo e
injusto.
Privemos a Moral da vontade divina a que sanciona a
observância das leis. Que fica? Uma problemática
obediência a ditames, conveniências sociais, um verniz de
moralidade – sem essência, nem conteúdo, nem
durabilidade.

PODEREMOS AINDA SER CRISTÃOS?

À fé da juventude moderna poderá oferecer grande


perigo ao grito de guerra de espíritos superficiais, que em
toda a parte se ouve: “O homem inteligente de hoje já não
pode ser cristão e crente. As ciências modernas fizeram
progressos fantásticos, e chegaram a resultados, que já não
se podem coadunar com os preceitos da fé; e pois, pode ser
cristão somente aquele que ficou atrás de seu tempo.”
Tal é a expressão, enunciada com maior ou menor
franqueza, tanto em livros e conferencias, como nas
conversas levianas e superficiais dos salões ou na imprensa
diária.
129

Que se poderá responder? É possível que um jovem


moderno, ilustrado, instruído, ainda seja devotado filho da
Igreja Católica? Ciência moderna e fé católica? Não se
excluem elas reciprocamente?
Todos sabem que o homem, em nossos dias, pode
olhar com justo orgulho para o progresso gigantesco da
técnica, no século passado e no atual. Como não abriria os
olhos em profunda estupefação um falecido de há cem anos,
se ressuscitasse agora, à vista do altivo transatlântico a
sulcar as ondas, dos rapidíssimos trens, do veloz automóvel,
os homens a voar pelos ares, o radio e as centenas de
outras maravilhas da técnica? Essas invenções atestam o
portentoso e admirável triunfo do espírito humano. Ao
mesmo tempo, todavia, que o reconheço orgulhoso e dele
me aproveito, faço uma pergunta: Seria esse maravilhoso
progresso, a multidão de invenções, toda a progressista
ciência, inimiga da religião e da fé?
Encontramos esta resposta em José Eötvös: “É-me
totalmente incompreensível que a fé dum homem possa ser
abalada pelo progresso das ciências naturais. Ou será este
nosso universo menos imenso porque reconhecemos
mundos inteiros nas nebulosas existentes entre as estrelas?
Ou acaso ter-se-á nossa vida tornado menos assombrosa,
desde que o microscópio nos mostrou um numero infinito de
seres vivos e sensíveis, além dos conhecidos até o
presente? Ou ainda... será mais compreensível a
encantadora ordem do universo e as muito mais
maravilhosas contradições do coração humano, depois que
chegamos a conhecer um pouco mais de perto as leis da
130

natureza, e se nos tornou mais clara a relação entre os


seres minúsculos e os grandes deste mundo? Encontramos
sempre mais razoes que nos causam assombro, e nada que
nos explique a origem dessas coisas.” (Eötvös,
Pensamentos.)
Perigo sério para a mocidade representa, sem duvida
alguma, não a própria ciência, mas o abuso que se fez deste
nome sagrado.
Aos jovens falta ainda àquela profunda reserva, ampla
ilustração, que lhes faculte uma critica dos argumentos
apresentados numa leitura. É pois natural que aceitem como
outro castiço as hipóteses anticristã que não coadunam com
a religião, mas nem tão pouco ... com a ciência séria. Não se
pode esperar de um rapaz dos seus 16 a 18 anos, que
perceba a carência de fundamento das conclusões dolosas
de um livro ou o partidarismo das asserções. Exatamente
nessa idade não se deveria esquecer a palavra do Apostolo:
“Visto que aceitastes a Cristo Jesus, vivei nele, construí
nele; sedes firmem na fé como o aprendestes, e por ela daí
graças frequentemente. Cuidai que ninguém vos seduza
com filosofias e seduções ditadas pelo mundo e pela
doutrina humana, e afastadas da doutrina e Cristo” (Col. 2,
6-8).
Se o considerarmos, convenientemente, não
aceitaremos como “cientificamente demonstrado” tudo o que
anunciam as montras dos antiquários, e não trocaremos a fé
cristã que resistiu inabalável, 2000 anos, a múltiplos
ataques, por um sistema devido a espíritos loquazes, cuja
duração não ultrapassa a vida de uma mosca efêmera.
131

Dizem que a ciência imparcial provou de fato muita


coisa.
Primeiro: Até o presente, a ciência nada afirmou que
estivesse em contradição com nossa fé.
- Nenhuma afirmativa? – E as muitas obras de ciências
naturais que negam a existência de Deus, que fazem
descender o homem do macaco, que contestam a existência
da alma?
- Vamos devagar. Tudo isso prova apenas o fato
extremamente importante de que a ciência não é,
infelizmente, imparcial.

A “CIENCIA IMPARCIAL”

Não existe ciência propriamente neutra. Os jovens


imaginam muitas vezes a ciência como uma deusa,
imperando em alturas inacessíveis, por todos cultuada, de
intransigente veracidade. Todavia, tal ciência não existe. Há
sim, “sábios”, que não sendo seres abstratos, mas homens
que vivem entre nós, pertencem a este ou aquele grupo
humano, simpatizando com seu modo de pensar,
entusiasmando-se por suas idéias, apoiando suas
aspirações. Os resultados científicos, não os recebemos da
“imparcial deusa ciência”, a qual não existe, mas dos
representantes humanos do saber, de seus tratados e livros.
Agora compreenderemos que não é indiferente ler um
livro de um autor qualquer sobre esta ou aquela questão. É
verdade: “A ciência não tem religião nem pátria.”- La Science
n`a ni religion ni patrie – como reza a inscrição de um
132

instituto zoológico na França; mas também é verdade o que


Pasteur respondeu a isso: “Os sábios, contudo, tem religião
e pátria.”
Livros que negam ou atacam a doutrina da Religião
despertam muitas duvidas na fé. Todavia, a ciência séria
nunca poderá tornar incrédulo. Engana-se quem pensa que
sua fé se tornou vacilante porque estudou muito. O vacilar
não vem da muita ciência adquirida, senão de que esta não
foi assimilada.
“Talvez te venha à mente”, diz Tolstoi, “que tua idéia de
Deus é falsa, que talvez nem haja Deus. Não desesperes.
Isto pode acontecer a todos nós. Não julgueis que tua
incredulidade provenha do fato de que realmente não exista
Deus. Se já não acreditar naquele Deus em quem tiveste fé
outrora, é porque alguma coisa na tua fé não está em
ordem; deves zelar com persistência por conhecer sempre
melhor a Deus. Se um selvagem não acredita mais em seu
ídolo de madeira, isso não significa que não haja Deus, mas
que esse Deus não é de madeira.”
Sem duvida alguma nos ensina a fé muita coisa que
nossa inteligência não pode compreender, mas nada
apresenta que seja contrario à nossa razão. A relação entre
fé e razão é a mesma do que entre o microscópio e a vista;
ele amplia em escala surpreendente os horizontes. Sem o
microscópio, foge-nos o conhecimento de um mundo
imenso, embora ele pulule ao nosso redor e nada notemos;
aquele a quem falta a fé, nega o magnífico reino da alma, do
além, embora a razão humana por si mesma nunca o possa
compreender perfeitamente. Esse mundo existe; mas o
133

increu não quer saber dele.


Necessariamente não se exige que acreditemos tudo
cegamente, sem justificação. Quanto melhor estivermos
orientados nos diferentes campos das ciências mundanas,
tanto mais se alegra a Igreja, se procurarmos nos aprofundar
na fé por meio da razão. S. Paulo escreve claramente que
nosso culto a Deus deve ser racional: “Meus irmãos, advirto-
vos pela misericórdia divina que imoleis vosso corpo como
sacrifício vivo e santo: Seja este vosso culto segundo a
razão.” ( Rom. 12, 1)
- “Mas o cristianismo já está antiquado. Um homem
moderno não pode aprender dos antigos”.
Que poderemos replicar a tão pretensiosas
expressões? Responderemos que mesmo o mundo mais
moderno vive dos inestimáveis valores do passado. Nossa
língua descende dos árias, a escrita dos egípcios, o alfabeto
dos fenícios, o calculo do tempo da Babilônia, os algarismos
dos árabes, nossa cultura clássica da Grécia e Roma, toda a
cultura européia do Cristianismo. Poderíamos bem avaliar os
tesouros do passado somente se tivéssemos de inventar nós
mesmos tudo aquilo que hoje nos parece tão natural e
simples.
No teatro luzem algumas velas antiquadas, a pesar dos
majestosos lustres elétricos. Pergunto ao porteiro: “Para que
estão ali? – “Servem para maior segurança, pois, pode
acontecer que a luz elétrica falhe de repente.” Ao lado dos
grandes portais existem, cá e lá, umas portas menores com
a inscrição “porta de emergência”. “Que significa isso?
“pergunto a alguém. – “Para que, em caso de incêndio,
134

todos os freqüentadores possam chegar, o mais depressa


possível, ao ar livre!” - Subimos a bordo dum navio moderno,
verdadeira obra prima de construção naval! E contudo,
nosso primeiro olhar interroga: “Onde se acha o bom e velho
salva-vidas?”As estações de estrada de ferro estão
profusamente iluminadas por luz elétrica mas os lampiões
dos desvios ainda são alimentados com o antiquado azeite
ou querosene. Por que? Bastaria ocorrer um desarranjo na
rede elétrica para acontecerem descarrilamentos e colisões.
O lampião do desvio deve ser de toda confiança; por isso
fica-se com o velho.
Vê! Apesar do progresso moderno, malgrado o nosso
orgulho, devemos recorrer frequentemente a meios antigos!
Nossa cultura moderna é o fruto do esforço dum passado
milenar. E não deveríamos ater-nos aos velhos e
comprovados princípios?
“Dizem que o cristianismo envelheceu, é retrógrado,
que nosso século necessita de doutrinas que não estejam
em antagonismo com o progresso cientifico... Por mais que
progridam os conhecimentos, não poderão eliminar em nós
a sensação de nossa fraqueza. Deus criou o homem de tal
modo que necessitamos de um apoio, dum Ente Superior,
ante o qual nos inclinemos. A humanidade sempre procurará
uma divindade à qual nos inclinemos. A humanidade sempre
procurará uma divindade à qual, genuflexa possa render
culto. E se os altares desmoronarem, sobre suas ruínas se
erguerão os tronos do despotismo” (Eötvös: Pensamentos).
135

POR QUÊ?

O estudo torna incrédulo? Por quê? O microscópio que


nos revela o reino do imensamente pequeno, e o telescópio
que faculta à vista penetrar na imensidade de mundo
longínquos, ambos levantam a grande questão: “Quem é o
Senhor? Quem faz aqui as leis? Quem manda? Por que tudo
isso é assim? Por que?”
A palavrinha “por quê?”, que já surge, instintivamente
nos lábios da criança, é talvez a mais humana das palavras.
O eterno “por quê?“ nos lábios dos homens é o grande
símbolo do profundo desejo de saber, da grande ânsia que
enche nossa alma. Analisamos, pesquisamos, avançamos
sempre mais longe, de uma causa para outra, até que
atinjamos a causa primária de tudo, à qual chamamos Deus.
Inata em nossa alma é a sofreguidão; nenhures(em
nenhuma parte) nos deixa fazer alto. As pesquisas em todos
os campos da ciência são um atestado único da infinita
sabedoria de Deus.
“Admitamos que alguém tenha, após longa observação,
compreendido todo o mecanismo da locomotiva; que se
tenha capacitado da finalidade dos diversos parafusos e da
eficácia das rodas, sem contudo reconhecer a força que põe
a maquina em movimento. Ao perceber que pode tornar
mais lento e mesmo interromper o andamento da
locomotiva, mexendo nesta ou naquela peça, se ele tirasse a
conclusão que a maquina se movimenta exclusivamente por
causa desse remexer nas peças, e nada mais há que a põe
136

em andamento: não chamaríamos de néscio tal homem,


embora admiremos a habilidade que demonstrou no
reconhecimento das particularidades das diferentes peças?
No entanto, não fazem o mesmo muitos naturalistas
festejados? Acho que se a existência de Deus se nos impõe
já pela única inspeção da natureza, o estudo desta não
poderá abalar tal convicção. Cada passo que avançamos
nas ciências naturais, traz como resultado aumentar o
numero de coisas, cuja causa primaria desconhecemos; e a
maravilhosa harmonia que unifica tudo, e de que nos
capacitamos sempre mais profundamente, só poderá
incrementar a admiração com a qual nos inclinamos ante o
Criador desse universo”( Eötvös: Pensamentos).
Assim como o caçador se orienta pelas pegadas da
caça, um jovem religioso encontra em toda parte os traços
de Deus. Com a descoberta de cada nova lei é, como se em
misteriosas profundezas, penetrássemos na oficina da
criação; e quando se manifesta à nossa alma comovida
algum novo mistério, sentimos como que o hálito do Criador.
No centro de nossas investigações, dos muitos
“porquês” está um misterioso santuário, uma imagem
velada: a pergunta pela essência da vida. Que é a vida?
Durante séculos nos esforçamos, procurando decifrar o que
poderia ocultar esse véu; mas a sagacidade humana falhou.
O mistério da vida é hoje ainda impenetrável. Não
conseguirá a inteligência humana jamais resolve-lo? Ou será
esse mistério tão achegado a Deus, que perscrutar sua
sublime grandeza é vedado para sempre à vista humana?
Meu coração lateja dia e noite, quer pense nele quer
137

não! Basta-me lesar, por pouco que seja, o dedo e


imediatamente se anuncia em todo o corpo a sensação da
dor, e no mesmo instante as mínimas partículas dele entram
em atividade a fim de sanar a ferida. Assim já era há mil
anos, quando ainda não se sabia tanto acerca das funções
do organismo; e assim será por milênios, quando a
humanidade tiver descoberto novas minúcias sobre estas
coisas misteriosas.
Apesar de eu nada saber desse trabalho, deve sabê-lo
alguém que dirige tudo. Meu ouvido, minha vista, meu
coração, tudo me responde: “quer saibas muito a nosso
respeito, quer nada saibas, quer nos observes ou não, é o
mesmo. Realizamos nosso trabalho silencioso, oculto,
precisamente, como Deus no-lo ordenou”.
À vista das maravilhas que nos cercam e que se nos
revelam, devemos dar razão ao pensador americano,
Emerson, quando diz: “Aquilo que vejo de Deus, basta-me
para acreditar naquilo que não vejo.”
Afinal, se alguém não quiser crer, seja. Também
podemos fechar os olhos ante o sol ofuscante e lastimar-
nos: “nada enxergamos”. O Salvador ressuscitou Lázaro,
quatro dias depois que este morrera. Uma multidão de gente
estava à volta do tumulo, podiam todos ver o incrível
milagre. Os fariseus também o viram. Converteram-se?
Creram em Cristo? Não! Espumando de raiva, reuniram-se a
combinar a maneira de perdê-Lo.
Outro exemplo: Jesus morre na cruz. Os fariseus
puseram guardas ao tumulo a fim de vigiá-Lo. Na
madrugada da Páscoa, seus próprios homens, tremendo de
138

medo e gaguejando, trouxeram-lhes a noticia que o morto


havia ressuscitado. Acreditam agora? Não! “Dizei que os
discípulos vieram de noite e o roubaram, enquanto
dormíeis”.
São casos assustadores! Eles mostram a triste
possibilidade que tem o homem de cerrar os olhos mesmo
ante a mais patente verdade! Não quero! Não quero crer!
Não, mil vezes não!
Considera quanta razão tinha Pascal, quando dizia:
“Não procures convencer-te das verdades eternas pelo
acumulo de argumentos, mas por meio da vitória sobre tuas
paixões.”
A cabeça não deves quebrar.
A vontade é que há de domar!

DARWINISMO

A religião católica não teme a ciência. A fé, de forma


alguma, é inimiga do progresso cientifico.
Verdade é que nossa religião não abandona seus bons
e velhos princípios por causa de novas e infundadas
hipóteses; mas, nem por isso ela entrava o verdadeiro
progresso, antes pelo contrário, sempre o incrementou.
O tempo vem sempre confirmando posteriormente,
quão, acertado é esse seu modo de agir da Igreja.
139

Para mostrar quão prudente ele é citemos a teoria da


origem do homem, a questão do darwinismo, que assediou
durante séculos um dos fundamentos da fé; a diferença
essencial entre o homem e o animal.
Não há muito, era nota elegante proclamar que o
homem descende do macaco. E o ensinavam francamente
como verdade demonstrada pelas ciências naturais.
Enquanto porém todo o mundo parece adotar o darwinismo,
a Igreja Católica não abandonou sua antiga doutrina da
criação do homem. Apodaram-na de arcaica e antiquada.
Ela não se importou. E o tempo deu razão à Igreja. Hoje
emudecem, um por um, os pregadores da doutrina
darwinista.
Devemos notar que os verdadeiros naturalistas se
externaram, desde o principio, com muita reserva e cautela a
respeito da questão, e absolutamente não foram os sábios
que anunciaram espalhafatosamente ao mundo a teoria
simiesca da descendência humana. Algumas tímidas
opiniões de naturalistas foram apanhadas, e vagas
hipóteses vendidas como resultados científicos infalíveis, por
certos espíritos a quem se apresentava tal doutrina como
meio excelente para suas atividades destrutivas. Ateus,
maçons, socialistas, comunistas e outros elementos
subversivos, muito satisfeitos lançaram mão da teoria
simiesca, pois seus objetivos podiam ser apoiados na
aparência da realidade, se o homem de fato nada mais fosse
do que um animal, alheio à influencia das leis morais.
Desconheciam eles, acaso, a imensa dificuldade que a
teoria, ainda por demonstrar tinha, de vencer? Naturalmente
140

que a conheciam. Mas como a doutrina lhes viesse a talho


de foice, fizeram ouvidos de mercador.
Qual é essa dificuldade?
O “missing-link”, pois faltava um elo na cadeia. Se
realmente tudo se passa como Darwin o imaginou, eram
precisos 140 milhões de anos, a fim de que o símio pudesse
desenvolver-se em homem, e deveriam existir nas camadas
geológicas milhares e centenas de milhares de seres de
transição, de fosseis, cujos portadores já não eram macacos
mas também ainda não eram homens. E justamente esses
achados faltam. Os fosseis encontrados são ou
positivamente crânios de macacos, ou verdadeiras cabeças
de homem. Falta pois a prova decisiva da teoria da
descendência animal: o elo de transição.
Apesar de tudo, alguns fanáticos asseclas de Darwin
não mediram esforços para descobrir o esqueleto do
“pithecanthropus”. Aparecia um crânio em alguma caverna
logo pressentiam o macaco. O naturalista francês
Quatrefages ( fal. Em 1892) aplicou-lhes um calmante,
dizendo: “Segundo a verificação unânime dos antropólogos,
não temos mais o direito de considerar o cérebro do macaco
como um cérebro de homem em evolução, nem o cérebro
humano como o de um macaco evoluído... Não há transição
entre o símio e o homem”. Virchow, o mais ilustre dos
adversários do darwinismo, externa-se sobre o assunto,
como segue (Relação da Assembléia dos Naturalistas do
ano 1877): “Não me admiraria e sim me horrorizaria se se
comprovasse que devemos procurar nossos ascendentes
entre os animais vertebrados... Devo, porém, advertir que
141

cada passo positivo que se deu no campo da antropologia


pré-histórica, na realidade só nos afastou da prova dessa
descendência”.
Depois disso, com razão, escreve o protestante
Roberto Mayer, fundador da moderna teoria térmica
(Pequenos Escritos e Cartas, Stuttgart 1893):
Ao sistema de Darwin parece-me que posso opor o
seguinte: Por fecundação e geração se originam
ininterruptamente, ante nossos olhos, inúmeros seres
vegetais e animais. Como isto acontece, todavia, é enigma,
indecifrável, intangível mistério para os investigadores da
vida... Pois bem, enquanto confessamos nossa completa
ignorância a respeito de fatos que ocorrem no presente, à
nossa vista, ai vem Darwin, êmulo de Deus, a fazer um
minucioso relato de como se formaram os seres viventes
sobre a terra. Na minha opinião isso está muito acima da
capacidade humana...”
No entanto, avancemos um passo. Se a teoria simiesca
gozasse de evidencia, a transição deveria ter-se realizado
não uma vez apenas, mas repetir-se sem cessar, e por isso
haveríamos de encontrar hoje, aos milhões, os “seres de
transição” que não fossem nem macaco nem homem, cujos
avós símios se tivessem exaurido por tornar-se homens.
Entretanto, alguém jamais viu tais seres?
Donde se originou o homem? Da mão de Deus, cujo
pensamento criador construiu o primeiro corpo humano, e
lhe insuflou a alma vivificante e sublime, que anseia por tudo
que é alto alcandorado. Esta é a resposta da religião.
Se o darwinismo pudesse responder apenas a esta
142

pergunta: Qual foi a força misteriosa capaz de transformar


um peludo trepador de arvores, em um Apolo do Belvedere,
um Miguelangelo, um Shakespeare, um Rafael, um Marconi;
a força que capacitou um macaco a inventar a locomotiva, a
eletricidade, o rádio; a força que fez o símio compor a Divina
Comedia, as Sinfonias de Beethoven, o Réquiem de Mozart;
- e isso a um tempo em que o irmão desses irracionais ainda
está trepado nas arvores, sem saber acender fogo, nem
mesmo talhar uma cunha de madeira? Ensaie agora uma
resposta, aquele que nega não ser o homem mais do que o
animal, que o homem não possui uma alma inteligente!
“Não haverá uma fé mais extraordinária, maior do que a
crença que admite uma universal emanação, um
desenvolvimento natural? Donde, e de que provem a
evolução mesma, ela que pode produzir tão maravilhoso
mundo? Realmente, se não quisermos cessar de refletir,
precisamente no ponto onde a mais surpreendente
manifestação da mais admirável causa nos obriga a
investigar, não nos resta senão reconhecer que
conseguiremos explicar este mundo unicamente se
admitirmos um Espírito infinitamente superior e
criador”(Foerster).
Segundo o darwinismo, o homem não é mais do que o
resultado de evolução natural, quer dizer, entre homem e
natureza não há diferença palpável. Contudo, basta lançar
um olhar para dentro de nós mesmos e perceberemos a
imensa e intransponível diferença que separa o mundo do
homem do mundo da natureza.
Raciocinemos: se não houvesse pinheiro, ficaria muito
143

mudada a fisionomia do mundo? Não creio. Viveram outrora


muitos animais gigantesco: o clasmosáurio de 15 metros, o
ictiosáurio, o pterodáctilo, etc., e pereceram,
desapareceram. Quem lhes sente a falta? Ninguém. Por
quê? Porque tudo isso pertencia unicamente à imensa
natureza. Se dela se perde uma ou outra partícula, não faz
diferença.
Imaginemos agora o que seria, se o homem se
extinguisse. Com ele sucumbiria um mundo incomensurável:
religião, ciência, ideais, templos, direito, artes, indústria,
comercio, educação, pinturas, ferrovia, aviação, radio. Por
quê? Exatamente porque o homem representa um mundo
diferente do da natureza e todas as citadas riquezas da
cultura não fazem parte da natureza, mas são aflorescências
maravilhosas da vida da alma, situada fora da natureza.
Destarte, não pode ter razão quem afirma ter-se o homem
originado do animal, constituir apenas um ser da natureza,
visto que então deveria produzir valores exclusivamente
naturais. Ora, o homem é mais do que a natureza, logo não
pode ser produto desta, um bisneto do macaco. Não
pensemos, pois, que a ciência moderna tenha arrancado de
nossa fronte o belo diadema: nossa descendência divina!
Orgulhemo-nos dessa semelhança divina! Não! Não somos
animais, nem andamos sobre quatro patas. Nossa cabeça
não está voltada para o solo, nós olhamos para as estrelas.
Não é nossa predestinação conseguir a maior soma de
prazeres nesta vida. O amor ao que é belo e nobre, que
flameja em nós, não é engano, não é utopia. Não são
nossas paixões animalescas que tem o direito de nos
144

comandar, nem o dinheiro ou gozos sensuais são a


finalidade máxima de nossa vida.
Espero que ninguém depreenderá de minhas palavras
que se deva desprezar a ciência ou menosprezar o trabalho
dos naturalista. Absolutamente! Todo trabalho científico sério
é coisa sagrada: No entanto, pode-se abusar da palavra
“ciência” e o que aqui se leu, é apenas um justificado aviso
contra os que fazem da ciência um emprego em abuso.
“E sem embargo, ainda hoje muitos livros ensinam o
darwinismo: “Infelizmente assim é”! Como se explica que,
enquanto entre os sábios o darwinismo está a expirar, conta
ainda com tantos adeptos ferrenhos no publico?
A razão é clara. O darwinismo traz consigo uma moral
cômoda, como hoje tantos desejam: completo
desenfreamento moral. Ele é uma excelente mascara para
justificar a mais animalesca imoralidade. Por isso a tantos
agrada essa teoria. Onde o solo é pantanoso, paira, à noite,
o fogo fátuo da decomposição; o darwinismo é o fogo fátuo
da fétida corrupção moral da sociedade moderna.

A ÁGUIA E A CURRUIRA

Aos desunidos e inquietos homens de hoje pregam


alguns, em substituição ao cristianismo, a filosofia do
Oriente... Budismo... Gandhi... Rabindranath Tagore...,
introspecção mística... sabedoria de faquires. Que dizer
dessa epidemia moderna?
Não podemos negar que o sistema de um ou outro dos
filósofos orientais oferece pensamentos elevados. Mas, é
145

notório que não possuam uma única idéia cativante que seja
nova deveras! Nenhuma, por cujo amor deveríamos aderir a
eles, nenhuma que não seja propriedade do Cristianismo,
desde 2000 anos.
Afinal de contas, isso não é erro. O essencial não é que
alguém ensine novidades, mas que pregue a verdade. Se,
por, Tagore e outros filósofos do Oriente encontraram
verdades do Cristianismo, temos a alegria de verificar quão
universalmente aplicável é a doutrina de nossa religião e
quão arraigada está na natureza humana! Não! Os sábios
hindus não nos podem oferecer senão uma valorização
ainda mais profunda da fé cristã.
Outros quereriam criar antagonismos entre a Igreja e a
cultura, quando é do conhecimento de todos que devemos à
Igreja toda a cultura moderna. Quem primeiro levou a cultura
para o seio dos povos pagãos? Quem ensinou aos povos os
elementos da agricultura, arar, semear, manusear os
produtos? Quem transformou a mata virgem em campo
agrícola? Quem drenou os pantanais? Quem propagou por
primeiro a civilização? A historia nos responde; os
missionários, os claustros, os ministros da Igreja Católica.
Quem manteve, durante séculos, as escolas?
Exclusivamente a Igreja Católica, quando ninguém se
importava de ciências, nem mesmo o Estado. A quem se
deve que tenham chegado até nós as obras dos clássicos
gregos e romanos? Ao zelo dos monges da Idade Media,
que incansáveis copiaram essas obras.
É bem conhecida a fábula da competição entre a águia
e a curruira.
146

“Apostemos”, disse a curruira à águia, “quem voará


mais alto”! A águia estendeu suas majestosas asas e voou
para o alto, como seta, em direção ao céu azul. A pequena
curruira porém, sorrateiramente, colocara-se nas costas da
águia. Quando esta quis descansar em vertiginosa altura, no
delírio da vitória, a esperta curuira elevou-se mais alto com
alguns golpes de asa, e exclamou jubilosa: “Estou mais alto,
ficaste para trás”! No entanto, nunca teria chegado a essa
altura sem o auxilio da águia. – A civilização moderna está
muito desenvolvida, mas infelizmente quer esquecer que
toda a cultura hodierna brotou inicialmente da religião, e dela
recebeu o alimento. Se não quiser soçobrar, não deve
renegar sua mãe. – Vi uma vez um menino cigano saciando
a sede num poço. Bebeu do balde até não poder mais, e
depois cuspiu no poço. Foi essa a gratidão. Não fazem o
mesmo muitos homens modernos, quando zombam da
cultura religiosa, como a insolente curruira zombou da
águia?
Apesar disso, mesmo aos homens modernos põe-se
sempre mais manifesto que o progresso puramente material,
os confortos que oferece a técnica aperfeiçoada, não podem
bem-aventurar a humanidade. Precisamos da religião, tanto
quanto nossos antepassados, pois sem religião pode haver
quando muito uma civilização, mas não uma cultura! Qual a
diferença? A mesma que entre uma estação ferroviária e
uma universidade. Naquela, trens rumorosos trazem uma
multidão febricitante para o tumulto das plataformas: isso é
civilização. Distante dali, um jovem está ajoelhado no
silencio místico da capela, em fervorosa oração; em seguida
147

toma de seus cadernos, vai à universidade e ouve preleções


isso é cultura.
Sim precisamos de máquinas, locomotivas, autos,
antenas, isto é, de civilização; mas não precisamos menos
de igrejas, bibliotecas, escolas, arte, ideais, isto é, de cultura
espiritual.

CREIO APENAS NAQUILO QUE VEJO!

“A causa primordial das nossas duvidas, na religião é a


ilimitada confiança que temos na força invencível e na
infalibilidade de nosso entendimento” (Eötvös).
Nunca senti mais fortemente a verdade dessas
palavras, do que quando ouvi da boca dum operário que se
julgava muito sabido: “Não creio na eternidade, na religião,
em Deus, creio somente naquilo que vejo!” Disse, e ergueu
orgulhosamente a cabeça.
O bom homem estava convencido de ter falado com
abaladora sabedoria, e os que talvez repetem esse
pensamento, vivam na mesma ilusão.
Insensatos!
Quanto mais estudamos, tanto mais humildemente
confessamos que existe uma infinidade de coisas ao redor
de nós, que nós não vemos, que não podemos perceber
pelos nossos sentidos, mas que no entanto existem.
Quanto mais sábio alguém for, tanto menos se
admirará que haja mistérios que a razão humana não
consegue penetrar, e que veja do mundo ambiente em
relativa proporção, tanto quanto uma coruja, no sol do meio
148

dia.
Muitos rapazes, após uma aula de religião, se queixam:
“Sempre crer, sempre acreditar!” Nada mais natural! Existe
um sem numero de coisas ao redor de nós, na vida
cotidiana, que não conhecemos, e no entanto aceitamos! A
respeito da fé religiosa, pode sorrir zombeteiro apenas
aquele que julga conhecer tudo no mundo, mas não tem a
mais leve noção do numero incalculável de enigmas e
mistérios que nos circundam.
Somos como um homem sentado no fundo dum poço,
a olhar para cima. Que vê ele? Um pedacinho do
firmamento, do tamanho da palma da mão “assim é o saber
humano. O químico Schönbein escreve: “Embora os homens
considerem o conjunto das ciências como coisa grandiosa, o
sábio experimentado lhe sente as lacunas e imperfeições, e
está convicto de que o homem conhece hoje apenas uma
parcela modestíssima daquilo que a natureza encerra.”
O mesmo exprimem as palavras do grande naturalista
Reinke”: “Já para Sócrates, o principio da filosofia foi a
consciência de nada sabermos; o final da filosofia é a
evidencia de que devemos crer. Esse é o imutável destino
da sabedoria humana.”
Dessa maneira humilde se externam grandes sábios. E
o operário ou aquele nosso amigo quintanista, “só crêem
naquilo que podem enxergar”!
“Há coisas entre o céu e a terra, Horácio, de que nossa
sabedoria escolar nem cogita” diz Shakespeare. Ele tem
razão, assim como o escritor húngaro Gardonyi: “Quem tudo
crê, suspeitamos que seja um tolo; quem nada crê, já nem
149

mesmo precisamos suspeitar! “

CREMOS SEM VER

Mesmo na vida cotidiana, há inúmeras coisas nas quais


apenas “acreditamos”, sem as “saber”; e se alguém não as
acreditasse, não poderia dar um passo na vida.
Sabe você, por exemplo, quem são seus pais e seus
irmãos? “Naturalmente que sei”! E contudo você não o
“sabe”, acredita-o porque lho disseram desde a mais tenra
idade, pois sabe-lo certificar-te disso, não é de sua
competência.
Vem você pela primeira vez à escola. O professor
escreve uns sinais no quadro-negro e diz ser isto um “a”,
aquilo um “o”; e a gente acredita que é assim.
Agora você volta faminto da escola e servem-lhe uma
boa sopa quente. Acaso você sabe que ela não está
envenenada? Não o sabe, mas acredita que a cozinheira
não é uma criminosa.
A batalha das Termópilas ocorreu no século V antes de
Cristo, o Vistula banha Cracóvia, Sandomir, Varsóvia e
desemboca no mar Báltico; o Japão compõe-se de quatro
grandes ilhas: Nipon, Sicoco, Quiuciu e Ieso. Você “sabe”
tudo isso? Não; apenas “acredita: ser assim”.
No estudo da historia, acredita-se tudo, do principio ao
fim, porque não se pode ser testemunha ocular desses
episódios. Também a maior parte da geografia apenas se
acredita. Quanta coisa cremos, já na vida diária! O filho tem
fé nos pais, estes acreditam nos filhos e que cruciante dor
150

para o coração dum rapaz, se notar que os pais já não se


fiam dele!
Hugo Grotio, o grande jurisconsulto do século 16, já
escrevia (De vert. Relig. Chrit. 29): “Sem fé desmorona a
historia, as ciências naturais, a medicina, até mesmo as
relações entre pais e filhos.”
Fechner, o celebre físico do século passado, ensina
ainda mais claramente: “Qualquer ciência histórica supõe a
fé na veracidade das fontes; todo nosso saber empírico
exige a confiança de que outros viram perfeitamente e que
dizem apenas aquilo que viram... Que restaria de toda a
ciência, cessando a fé? Prive-se a ciência dessa fé e toda a
sabedoria ruirá por terra.”
Sim, mesmo na vida de todos os dias necessitamos, a
cada passo, da fé: o historiador acredita nas fontes, o juiz
nas testemunhas, o doente tem fé no médico, o aluno no
professor. Se, pois, nas ciências precisamos “acreditar” em
tanta coisa, não nos devemos admirar que na religião ocorra
o mesmo, visto que sua essência não pode ser abrangida
pela pequena e limitada razão humana!
Um ou outro leitor dirá: “É verdade, nunca vi a Europa,
mas creio que existe, pois homens que a viram mo afirmam.
Do mesmo modo, os demais fatos científicos, acredito-os
porque pessoas dignas de fé o asseveram.”
Quem assim pensa, está com a razão. Também eu
afirmo que devemos dar fé unicamente a fontes de toda a
confiança a testemunhas que podem e querem transmitir a
verdade.
Com a fé religiosa dá-se o mesmo! Ela encerra dogmas
151

incompreensíveis à nossa razão. Por que cremos, pois?


Porque sua veracidade é assegurada por uma testemunha
que tudo sabe e cuja palavra é a própria verdade: Jesus
Cristo.

QUANTA COISA CREMOS!

Até nas chamadas ciências exatas, na matemática,


geometria e física, há muitos assuntos, coisas básicas, que
não podem ser provados, cuja exatidão deve ser
simplesmente admitida, isto é, devem ser cridos!
“Não sabia disso”, me reparam “que até na matemática
e física se deve crer”.
No entanto assim é!
Vejamos primeiro a matemática: Aqui, certamente, não
entra nenhuma fé! Com lógica férrea, com clara
conseqüência e dedução, tudo é “demonstrado” e não
“acreditado”. Tudo se correlaciona, como um elo de cadeia
com outro! Uma coisa prende outra!”
Assim julga você. E tem razão dizendo que um elo
sustenta o outro, de fato, mas se esquece que essa corrente
está pendurada no ar; que as bases sobre que se funda a
matemática, não podem ser demonstradas... “Ora, que é que
não poderíamos provar?” “Por exemplo, que o todo é mais
do que uma das suas parcelas; que a reta é o caminho mais
curto entre dois pontos, etc.”
“Como! Não é possível prova-lo?” Uma vista de olhos
ensina que deve ser assim...
152

Vemos que assim “deve ser”; pois, se assim não fosse,


não poderíamos avançar um passo. Por isso reconhecemos
que os axiomas básicos da matemática são tais, mas
demonstra-los não no podemos.
Na física e química, igualmente, quantas dessas coisas
existem! Temos, por exemplo, a pergunta mais difícil: que é
a matéria? Para responder à questão dividimos o corpo em
partes tão pequenas quanto possível, indivisíveis: em
átomos... Mas, que é o átomo? Uma partícula minúscula
invisível, um mistério maior que o próprio corpo, que
pretendemos explicar por seu intermédio.
A força de atração dos corpos... Com que facilidade
nos utilizamos dessa expressão! Toda a astronomia nela se
baseia. Mas, que é? Newton dela diz: “Reconheço que os
corpos celestes se comportam como se se atraíssem; se de
fato se atraem, não sei; como se atraem, não o sei
compreender.”
Além disso, não sabemos de forma alguma o que
devamos entender por “força”. Thomson, físico de fama
mundial, escreve: “A força da gravidade é o mistério dos
mistérios, bem como as forças moleculares, magnetismo,
eletricidade, etc. A natureza viva nos oferece em numero
incomparavelmente superior, tais pontos obscuros... Quase
que podemos dizer que nada compreendemos dos
fenômenos que ocorrem nos organismos dos seres vivos.
Acerca da digestão, da proliferação, do instinto temos tão
minguados conhecimentos que devemos confessar: essa
ciência se restringe à enumeração cronológica de fatos que
ocorrem na natureza. Nosso saber não atinge a milésima
153

parte do que exigiria, de fato, a ciência perfeita.” Pasteur diz:


“Quando levantamos um braço, ou movimentamos os
dentes, executamos algo que, em realidade, ninguém pode
relatar.” (Braun, Cosmogonia, 1905).
Uma outra pergunta que nos interessa de perto. Que é
a eletricidade? Com a força elétrica iluminamos, aquecemos,
pomos carros em movimento, escutamos rádio. Mas que é a
eletricidade, ainda ninguém o soube. Contam que um aluno
da escola técnica superior da Hungria o soube, mas,
infelizmente, o esqueceu no momento preciso! Ele estava
sendo examinado pelo célebre físico Lornat v. Eötvös, e
como não soubesse responder a nenhuma pergunta,
suplicou: “Senhor professor, por obséquio faça-me ainda
uma pergunta, uma ultima pergunta!” E o professor,
complacente: “Bem. Então me diga que é a eletricidade? “-
Eletricidade, sim, eletricidade... eu o sabia, mas esqueci-
o...”Disse então o examinador com um sorriso de
compaixão: “Agora, meu amigo, você merece de fato ser
reprovado. Ninguém no mundo até agora soube o que seja a
eletricidade. Você foi o único que o soube, e justamente o
esqueceu! Por isso merece ser reprovado.”

SE TIVESSEMOS SENTIDOS MAIS APURADOS!

“Não crio senão no que posso perceber pelos sentidos!”


dizem alguns. Nossos cinco sentidos! Como nos orgulhamos
deles! No entanto, como são fracos e limitados os sentidos
do homem!
Estava eu certa vez, a meio dia, num campo. Bem alto
154

lá acima, uma águia descrevia seus círculos...


Repentinamente encolheu as asas, e como um raio se
lançou à terra, perto de mim. Um segundo depois, já se
alçava de novo às alturas – em seu bico levava a presa: um
rato. Toda a cena se desenrolou ante meus olhos. O rato
mantinha-se escondido perto de mim; a pesar da
proximidade, não o percebi: A águia, porém, de altura
vertiginosa o enxergou. E eu não quero crer senão naquilo
que vejo? As formigas vêem os raios ultravioletas,
imperceptíveis à vista humana...
As borboletas voam, horas a fio, duma margem dum
lago à outra, atraídas unicamente pelo odor das flores que
crescem nas margens. Que olfação fantástica devem possuir
esses insetos, em comparação com o olfato do homem! E o
cão, reparem, que faro...
“Creio apenas naquilo que vejo!” O besouro voa de
encontro à montanha, dizendo: “Não há monte, não... não o
vejo!”O inseto não vê, de fato, a montanha. Sua vista não
atinge o cume da gigantesca massa rochosa. Será que, por
isso, o monte não existe?”
Portanto, não devemos pensar do mesmo modo a
respeito de Deus e dos transcendentes mistérios da religião?
Não devo dizer que minha razão e meus limitados sentidos,
perante essas verdades, não são mais do que besouros,
corujas a piscar na luz do meio dia?!
Vivemos neste mundo como o príncipe encantado dos
contos da Carochinha, preso por um feitiço a uma cadeira,
em seu palácio dourado. Ele olha para a frente, olha para
trás, através das brilhantes salas; suspeita apenas das
155

riquezas nelas existentes; olha-las de perto não no pode.


Já ouviram o que diz o surdo? “Falam de sons? Não
existem!” E o cego: “Cores? Lérias!”Nós porém, sabemos
que existem. E que maravilhosa escala de sons, que
magnificência de cores! Assim mesmo, nosso ouvido é um
órgão mui limitado! Consegue ouvir apenas onze oitavas,
quando, segundo a física, devem existir milhares delas. Se o
ar fizer 16 a 40 mil vibrações por segundo, percebemo-lo
como som. Que serão, porém 80 mil vibrações? Para isto já
não basta nosso ouvido; falta-nos o órgão. De milhares e
milhares de oitavas ouvimos apenas onze.
Se o éter fizer por segundo 111 a 365 bilhões de
vibrações, sentimo-lo na nossa pele como calor; se forem
395 até 758 bilhões percebemo-lo com nossa vista como cor
vermelha, de 758 bilhões a cor violeta. Entre esses extremos
se encontra o numero de vibrações das demais cores do
arco-íris, em incontáveis graduações.
Contudo, que existe aquém das 395 e além das 758
bilhões de vibrações? Nada? Por que não? Há 380 a 900
bilhões de vibrações do éter, mas não para nossa vista. Nem
podemos imaginar quanto mais colorido seria o mundo, se
tivéssemos sentidos bastante apurados para percebe-lo!
Com os órgãos de que estamos dotados, podemos
atingir apenas uma parte mínima do mundo real. Para a mor
parte somos cegos e surdos.
Somos cegos, por exemplo, para os microscópicos
bacilos. Prova? Perguntemos a um homem do campo:
“Amigo, diga-me, que vê aqui no ar desta sala”?
“No ar? O senhor está sonhando? Aqui não há nada!”
156

“Nada? Fique sabendo que nele fervilham centenas de


milhares de monstros! Toda a sala está repleta deles...”
A cara que ele faz, bem significa: “Olhe, se me quiser
fazer de tolo, está muito enganado!”
É, contudo, você é que tem razão, não é? O ar está
repleto de milhões de seres que poderíamos ver – é um
pouco estranho – se Deus nos tivesse criado com olhos de
microscópio. Imagine-se o que poderíamos ver com tais
olhos!
Compreendemos agora quão ridículo é dizer: “Acredito
só naquilo que vejo!” Se o criador não nos tivesse dado um
órgão de olfação e gustação, não teríamos idéia de que
existe cheiro e gosto sobre a terra.
O rei de Sião mandou aplicar, certa vez, bastonadas
num europeu, porque este afirmava que na Europa no tempo
do inverno a água ficava tão dura, que se podia andar por
cima... Castiguem-no! Não nos julgue tão estultos que
acreditemos o que está dizendo! ”Em Sião nunca se viu
gelo. E só por isso, segue-se que não existe gelo?”

E QUE SERIA SE TIVESSEMOS MAIS SENTIDOS?

Vamos mais adiante. “Creio apenas o que posso


perceber com meus cinco sentidos!”Todavia, não
poderíamos ter dez sentidos em vez dos cinco que temos
agora? Por que não? Deus bem nos poderia ter criado
assim. E então, quanta coisa seria possível ver! Que
maravilhosa magnificência deste nosso mundo! Ora, há
animais que possuem, além dos nossos cinco sentidos,
157

ainda outros, o que verificamos diariamente em casos de


fazer pasmar.
Um morcego foi privado da vista e solto numa sala,
atravessada, a torto e direito, por fios, munido de
campainhas. O morcego cegado voou durante horas, para
cá e para lá, para cima e para baixo, sem que tocasse em
um único fio. Um morcego sem vista! Com que percebeu por
onde devia voar? Por meio dum sentido de que não temos
idéia. Sim, isto nos faz embasbacar!
Consideremos outro exemplo. Na Bélgica criam-se
pombos correio em grande quantidade... Certa vez, alguns
foram levados de Bruxelas para a Espanha e lá mantidos em
gaiolas durante cinco anos. Depois dos cinco anos foram
soltos, imaginem a distancia, uma parte chegava à casa do
criador. Como puderam achar o caminho para casa,
passado tanto tempo, por montes e vales, numa distancia de
varias centenas de milhas? Também eles foram guiados por
um sentido que a nós falta por completo.
Um exemplo mais recente. Uma tartaruga foi extraída
do oceano Pacifico e jogada no Mar da Mancha, depois de
ter o dorso marcado com um ferro em brasa. Notem bem a
distancia entre os dois pontos! Que aconteceu? Três anos
após, a mesma tartaruga foi de novo pescada no mesmo
local que da primeira vez. Como chegou lá? No tenebroso
fundo do oceano percorrer um trajeto de 4000 horas, e
encontrar de novo seu antigo local... Que sentido a
conduziu? Mais uma vez, falta a resposta; nosso latim
acabou.
Não é apenas a experiência diária que nos prova a
158

possibilidade de mais sentidos do que possuímos, mas a


teoria no-lo faz ver também. Temos conhecimento da
existência de muitas coisas, sem que possuamos um sentido
térmico que nos faça sentir as diferentes espécies de calor,
suas alterações e delicadas graduações.
O calor é certo numero de vibrações, a cor também.
Com o auxilio da cor o homem criou uma grandiosa arte,
porque sua vista, a vista normal do homem, é tão sensível
que é capaz de perceber as diferentes graduações e
variações da cor. Certos olhos são afetados de daltonismo,
uma anormalidade que não lhes permite distinguir as
diferentes cores; percebem apenas que é mais clara ou mais
escura. A sensação de calor é em nós tão limitada que,
podemos dizer, somos sujeitos à “cegueira térmica”, isto é,
percebemos unicamente que é mais quente ou mais frio.
Não zombem, embora o pensamento seja fantasista: que
pena que o Criador não nos tenha dotado de um sentido
térmico! Se tivéssemos para a temperatura um órgão como
o temos para as cores, existiria, não apenas a arte da
pintura, mas também uma grandiosa “arte térmica” com
maravilhosas sensações e impressões, que nem nós
podemos imaginar.
Negou-nos Deus igualmente um sentido para a
eletricidade. Uma multidão de estações de radio enviam a
cada minuto diferentes ondas através do espaço e delas
nada sentimos. De todas as partes do mundo procedem
ondas elétricas, fervilhando-nos ao redor ininterruptamente,
sem que as percebamos, pois carecemos do sentido
elétrico.
159

Agora ninguém pode dizer: “Creio apenas aquilo que


posso ver com meus olhos e ouvir com meus ouvidos.”
“E pois, acreditamos que nesta sala pululam, não
somente monstros no ar, como já disse, mas que a
atmosfera está cheia de musica e de discursos. Aqui um
belo canto italiano de Roma, ali o discurso do primeiro
ministro inglês de Londres, musica de Paris, etc.”
Tudo existe realmente aqui e quem sabe quantos
outros discursos nas diversas línguas, quanta musica,
canções, etc., nos circundam! Um mundo gigantesco
permanece oculto para nós: oculto porque não o vemos nem
ouvimos. Acaso, não existiria ele porque é oculto para nós?
Existe e é verdadeira realidade pois basta ligar o rádio para
convencer-me de que ai está.
“E sem ele?”
“Sem o rádio não ouço nada disso, nada sinto, nem
mesmo posso distinguir se no ar está eletricidade positiva ou
negativa: Deus não nos dotou de sentido para a
eletricidade.”
“Oh, que bom se Deus nos tivesse criado com olhos de
microscópio e ouvidos de rádio! Quanta coisa poderíamos
então ver e ouvir!”
Bem, não precisamos lastimar-nos porque não
possuímos tal vista e ouvidos. Antes agradeçamos a Deus
não nos ter dado sentidos mais apurados. Era só o que
faltava! Todo o mundo havia de transformar-se em
manicômio, a vida humana tornar-se-ia uma impossibilidade.
Se tivéssemos de ver, ouvir, sentir, perceber tudo que
acontece no mundo... Todas as ondas de radio que
160

percorrem o espaço... as modificações magnéticas do


mundo..., os milhões de bacilos...! Basta perguntar a um
homem nervoso, ultra-sensível, que tormentos lhe causam o
calor, a chuva, o vento, mudanças de pressão atmosférica,
que ele sente de antemão. Teria você coragem de beber da
água cristalina, se nela pudesse ver os monstros que ali
vivem? Bilhões de bactérias se acham nos delicados flocos
de neve e no ar fresco da floresta – como é bom não vermos
nada disso!
Considerem, pois, meus amigos, quão infundada é a
expressão: “Creio somente naquilo que vejo e compreendo.”

QUANTA COISA NÃO ENTENDEMOS!

Há em redor de mim uma infinidade de coisas que não


compreendo e que, apesar disso acredito.
Apresento um exemplo mui comum. Na química
moderna calcula-se continuamente com a milionésima parte
de uma grama: o “Gamma”. No entanto já viram a
milionésima parte do grama? Nenhuma vista humana jamais
o alcançou. E todavia, na balança analítica é possível pesar
um “Gamma”, depois de estafante trabalho e cálculos de ¾
de hora.
Que é o “mícron”? É a milésima parte do milímetro.
Entenda-se bem: a milésima parte do milímetro que para nós
já é incrivelmente pequeno!
O éter é 500 bilhões de vezes mais leve do que o ar.
Para que produza a cor violeta, são imprescindíveis 758
161

bilhões de vibrações por segundo. Pode-se “compreender”


isso? “Saber” o que significa? Como se poderia sabe-lo?
Apenas se pode crê-lo.
Torna-se mesmo necessária uma fé bem sólida!
Procuremos imaginar o que seja um bilhão! Se
enfileirarmos um bilhão de cabelos no sentido da espessura
(0,1 de milímetro), obteremos uma linha de cem mil
quilometro, isto é, um bilhão de cabelos fariam 3 vezes a
volta da terra. Num fugaz segundo, o éter faz 758 bilhões de
vibrações! Não é preciso uma fé bem sólida para acreditá-
lo?
Compreendemos como num átomo de urânio os 92
electrons de eletricidade negativa giram ao redor dos 92
electrons positivos reunidos num núcleo atômico, um bilhão
de vezes por segundo! Isso não se pode entender nem
“saber”, apenas acreditar.
Nossa terra, na sua trajetória pelo espaço percorre
mais ou menos 30 quilômetros por segundo. Sentimos
alguma coisa desse curso vertiginoso? Nada! Mas o
acreditamos? Naturalmente que sim; devemos acreditá-lo se
quisermos ser homens modernos. Logo precisamos de fé.
Quanto mais se aprende, quanto mais se pensa, quanto
maior numero de experiências reunimos, tanto maior é o
numero de coisas de que se há de dizer: “não entendo isso!”
Quem tudo “compreende”, aquele para quem não há
problemas, é uma cabeça muito superficial e demonstra que
não tem o costume de refletir profundamente.
Vou fazer algumas perguntas, às quais nem mesmo o
maior sábio pode responder.
162

Por exemplo, que é o tempo? Todos pensam que o


sabem, sem conseguir exprimi-lo. Incansavelmente rola a
torrente sem margens do tempo; sobre suas ondas
flutuamos nós. No entanto quem poderá dizer o que seja
esse tempo? Falamos do presente, do passado e do futuro;
mas, que é o presente? Presente não existe propriamente! O
presente é um momento que não podemos segurar; quando
pensamos tê-lo atingido, já pertence ao passado; não o
atingimos ainda, pertence ao futuro. Que é pois o presente?
Compreende-lo? Oh não! E contudo dele falamos. Entre dois
mares nebulosos, entre o passado e o futuro está o
presente, num indefinível, coisa vazia a escapar-nos das
mãos sempre que o quisermos deter, e que escoa sem
cessar, dum interminável oceano para outro.
Compreendemo-lo? Não creio. Quanto mais quebrarmos a
cabeça a esse respeito, tanto menos o compreenderemos.
E agora, ao reino infinito dos números: Que é que sabemos deles?
O maior numero que podemos escrever com três algarismos é
999, não é? Agora não faço outra coisa senão escrever os dois
últimos um pouco menores 999 (nove na nonagésima nona
potencia), e obtenho um numero de 95 algarismos: maior do que o
numero de grãos de areia que a terra poderia conter. Como? Mais
do que o globo terrestre? Se imaginarmos uma terra do tamanho de
toda a sua órbita ao redor do sol, num único globo e se o
enchermos dessa areia, ela ainda não caberia toda nesse corpo
gigantesco. Maior do que ele é o numero 999. E se eu escrever
agora 9(99), isto é, 9 deve ser elevado à potencia expressa por 99
( nove a nona potencia)? Aqui para nossa fantasia e a razão
humana já não nos auxilia! Qual seria esse inocente numero? Se
163

exprimirmos seu valor em algarismos comuns teremos um numero


com 369.693.100 algarismos. O primeiro algarismo desse numero
fantástico seria 4, o ultimo 9. Queremos elevar 9 à nova potencia,
devemos multiplicar 9 nove vezes por si mesmo, do que resulta
387.429.489. Este numero deve ser agora multiplicado nove vezes
por si mesmo. O resultado seria um numero do comprimento de 919
milhas, e só para escrevê-lo levaríamos 28 anos, suposto que
nesse mister empregássemos diariamente 10 horas...
Quão pouco sabemos, quão pouco entendemos, mesmo do
reino dos números!
O homem procura avançar sempre, anseia por saber mais.
Muito bem, desde que não se torne presunçoso! Pois, se
compararmos o pouco que sabemos com a imensidade do que não
sabemos, mas que é digno de ser sabido, devemos confessar que
Sócrates ainda hoje tem razão quando diz que é sábio apenas
aquele que está convencido de sua ignorância.
“Deve, pois, tornar-se incrédulo quem estuda muito?
Não é impossível ao sábio permanecer religioso?”
Pelo contrário! Após longo estudo convencer-nos-emos
da verdade das palavras do sábio belga Van Benedem:
“Quanto mais profundamente penetrarmos no conhecimento
da natureza, tanto mais profunda será a nossa convicção de
que unicamente a fé num Criador Onipotente e numa
Sabedoria Divina, que criou o céu e a terra segundo um
plano predeterminado, pode solucionar os mistérios da
natureza e da vida humana. Queremos continuar a erigir
monumentos aos nossos concidadãos que se distinguem por
sua lucidez de espírito, mas não esqueçamos aquilo que
devemos a quem introduziu uma maravilha em cada
164

partícula de pó e criou um mundo inteiro em cada gota d


água.”
Quanto mais estudamos, tanto mais percebemos
quanto devemos crer. O poeta alemão diz espirituosamente”

Estudemos, estudemos,
Pois sábios nunca seremos:
O fim de nosso saber
É, sim, que devemos crer.
(Geibel)

Mais ou menos o mesmo diz Bacon de


Verulâmio;”Quem apenas prova o cálice das ciências, pode
talvez tornar-se ateu; mas a ciência profunda reconduz à
religião.”
Certamente, toda a natureza em torno está cheia de
enigmas e mistérios. Se nossa limitada inteligência não pode
penetrar nem mesmo nas profundezas da natureza, não
devemos admirarmos de descobrir em Deus qualidade que
não podemos atingir nem entender.
Talvez lastimemos não poder compreender como
Jesus, Deus poderoso e onisciente, esteja presente no S.S.
Sacramento, sob a forma duma singela e pequena hóstia
branca.
Não o compreendemos por certo.
Entretanto, há coisas muito mais simples, que
entendemos tão pouco. Comparemos dois ovos: um foi
chocado durante três semanas, o outro esteve três semanas
165

na adega fresca. Percebe-se diferença? Aparentemente não:


cor, forma, tamanho, tudo é igual. E todavia, embora não se
veja a diferença, há de fato grande dissemelhança: o ultimo
é um corpo inanimado; o primeiro, ao contrário, encerra um
ser vivo com coração a pulsar, órgãos de visão e audição,
vida enfim. A diferença entre a simples hóstia e o
Sacramento do Altar também não pode ser vista, e, contudo
acreditamos na palavra infalível do Senhor, que o próprio
Cristo, vivo e vivificante, está encerrado nas espécies
aparentemente inanimadas.
Vou além e afirmo ser bom para nós que em Deus haja
muitos mistérios. Pois um Deus, ao qual a fraca inteligência
humana pudesse compreender não seria nada mais do que
um homem, e não um Ente maior do que nós, de infinita
perfeição. Se nossa religião possui doutrinas cuja essência
constitui mistério para nossa razão nada prova isso contra a
religião – antes pelo contrario – testemunha sua procedência
divina.
No final das contas, Deus permanecerá sempre um
mistério para a razão do homem. Mas não é o próprio
homem um enigma para seu semelhante? Quão difícil é,
quanto tempo se gasta, para que um conheça o outro! E
quando pensa alguém ter chegado à alma do próximo,
quantas pregas secretas lhe ficam veladas! Somente em
Deus, o Ente Supremo, não deveria haver mistério? Poderia
ser um verdadeiro Deus, aquele que nossa minúscula razão
fosse capaz de abranger? Não! Poderia, quando muito, ser
um ídolo!
Não nos impressiona, logo, a existência de mistérios
166

em nossa religião, visto que toda a nossa vida esta


atapetada de enigmas. Mistérios há na imensidade do
firmamento, mistérios encontramos no mundo microscópico
dos seres invisíveis – os dois extremos, os dois misteriosos
reinos, entre os quais está o homem.
“Não posso compreender a Deus! Queixam-se alguns.
Não se lembram como é estulto esse empreendimento?
Para podermos compreender a Deus, deveríamos ser
maiores do que Ele; pois, quem compreende alguma coisa,
é sempre mais do que aquilo que é compreendido.
O sol envia seus dourados raios e ilumina tudo, mas ao
lado da luz há sempre a sombra. Deus é tão grande que sua
imensidade esmaga nossa pequenina razão. Por isso resta-
nos apenas a prece da submissão humilde.

“Em um só Deus Eterno creio,


Que do amor mais ardente repassado,
Imóvel, dá ao céu o movimento”.

( Dante, Paraíso, XXIV, 130,132)

ORATÓRIO E LABORATÓRIO

“Oratório” representa a recolhida capela, onde a alma


humana se abisma na adoração de Deus. “Laboratório”, é a
silenciosa sala de experimentação, onde o espírito humano
procura desvendar as leis da natureza.
Poderão ambos coordenar-se? Haverá ligação entre o
laboratório do sábio e o oratório da alma crente?
167

Até aqui, provamos apenas teoricamente que a fé e a


ciência não se excluem; que posso ser o homem mais
moderno, mais ilustrado, sem renunciar a mais única
passagem de minha fé católica.
Em vez de apresentar mais provas, julgo ser de
utilidade alegar exemplos históricos, de sábios celebres, de
homens que foram o ornamento do espírito humano, e
apesar disso levaram uma vida cristã, assim refutando as
levianas asserções de que “um homem moderno, versado
nas ciências não mais pode ser cristão”. Infelizmente cumpre
poupar espaços, por isso posso citar apenas os nomes dos
mais ilustres. Se, porém, a questão interessar, podem
encontrar-se obras inteiras sobre o assunto.

ASTRONOMOS

Entre os astrônomos, cujo zelo pela fé é tão conhecido


como seu saber, podemos ressaltar:
Copérnico, cônego de Frauenburgo ( 1473-1543),
inventor do moderno sistema heliocêntrico.
Kepler, um dos maiores astrônomos de todos os
tempos (1571-1630). Como prefácio de sua obra Mysterium
cosmographicum, escreveu o salmo: Coeli ennarrant gloriam
Dei. Quando descobriu sua terceira lei, e se lhe descortinou
a sublime harmonia do universo, ele cantou em louvor à
divina Sabedoria: “Grande é nosso Deus, grande é seu
poder, infinita sua sabedoria. Louvai-o céus e terra, sol, lua e
168

estrelas na vossa linguagem... minha alma quer glorificar ao


Senhor, ao Criador, enquanto eu viver. A Ele louvor, honra e
gloria por todos os séculos! Amem!” Outra obra finaliza com
estas palavras: “Antes de abandonar a mesa, junto à qual
realizei minhas pesquisas, não me resta mais do que elevar
as mãos e os olhos para o céu e dirigir uma humilde e
fervorosa prece ao Criador de toda a luz.” O final da obra
“Harmonia dos Mundos” é formado pela seguinte oração:
“Meu Senhor e Criador! Graças vos rendo pela alegria que
proporcionastes pela vossa criação e pelas obras de vossa
mão. Anunciei aos homens a sublimidade de vossas obras,
tanto quanto minha limitada razão pode compreender vossa
imensidade. Se eu tiver dito qualquer coisa que seja indigna
de vós ou que diminua vossa glória, perdoai-me
complacente!”
Newton (1643-1727) tirava respeitosamente o chapéu,
toda a vez que lia o nome de Deus. No fim de sua obra “Os
princípios Matemáticos da Filosofia Natural” ele escreveu: “A
maravilhosa coordenação do Sol, dos astros errantes, dos
cometas, pode realizar-se unicamente segundo o plano de
um Ser onisciente onipotente, e apenas por sua ordem e
direção. E, se cada estrela fixa é o centro dum sistema
semelhante ao nosso sistema solar, todo o universo é,
evidentemente, construído segundo um plano geral, o reino
de um só e mesmo dominador. Daí se segue que Deus é o
verdadeiramente vivo, sapiente e onipotente Deus, o Ser
infinitamente perfeito, que domina todo o universo.”Em
cativante modéstia Newton escreve, em outra ocasião: “Não
sei que pensa o mundo de mim; quanto a mim, eu me
169

pareço a uma criança que brinca à beira-mar, e recolhe cá e


lá conchas mais ou menos brilhantes, enquanto o oceano
inteiro fica velado a meus olhos”. Em nova passagem
exprime o mesmo pensamento: “Aquilo que sabemos é uma
gota; o que não sabemos é um oceano inteiro”. Com toda a
justiça lhe puseram por epitáfio: “Aqui descansa Isac
Newton... o ardoroso, inteligente e fiel investigador da
natureza, da Historia e da S. Escritura. Com sabedoria
provou a magnitude do grande Deus, e por sua vida
demonstrou a simplicidade do Evangelho.”
Maedler, o grande astrônomo alemão (fal. Em 1874),
diz: “Um naturalista sério não pode ser ateu, pois, quem
como ele lança um olhar para dentro da oficina de Deus, e
tem ocasião de admirar a sabedoria divina, deve dobrar
humildemente os joelhos, ante as obras do Sumo Espírito.”
Lê Verrier (1811-1877), que provou por seus
grandiosos cálculos a existência de Netuno, muito antes que
os astrônomos o descobrissem, era fervorosos católico. Pelo
fim de sua vida mandou colocar um crucifixo em seu
laboratório, e nele descansava seu olhar, exausto da
exploração do universo.
Herschel ( 1738018220) era sinceramente católico.
Secchi (1818-1878) pertencia a uma ordem religiosa.

FISICOS
170

Boyle (1627-1691) um dos mais exímios físicos do


século 17 escreve: “Comparados com a S. Escritura, todos
os livros dos homens, mesmo os melhores, são como
planetas que recebem todo seu brilho e sua luz do Sol.”
Galvani (1737-1798) era membro da Ordem Terceira de
S. Francisco.
Volta (1745-1827), o celebre descobridor da corrente
elétrica, assistia diariamente à S. Missa, e quase todos os
dias recitava o rosário. E não se contentava de praticar
somente a religião, mas não julgava indigno de sua ciência
ensinar o catecismo às crianças. Comungava aos dias de
festa e todo sábado acendia uma lamparina ante a imagem
de Nossa Senhora, pendurada à porta da casa. Aliás, com
que comovente confissão patenteou sua fé! Pelo fim do ano
de 1815, um moribundo repelia o sacerdote que queria ouvir-
lhe a confissão: não se confessaria, porque a religião era só
para o povo ignorante. O sacerdote procurou convencer ao
doente, e referiu-se entre outros a Volta, um dos maiores
sábios, no entanto fervoroso cristão. A reação foi favorável:
“Se Volta for de fato religioso, e não apenas na aparência,
então também eu quero voltar a fé e confessar-me”. O cura
dirigiu-se a Volta com o pedido de algumas palavras ao
pobre pecador. Eis a resposta magistral:
“Não compreendo como alguém pode por em duvida a
sinceridade e solidez de minha fé. Professo minha fé que
não é senão a católica, apostólica, romana, em que nasci,
em que fui educado, e a qual professei interna e
publicamente.”
Faltei muito na pratica das boas obras que com todo o
171

direito se devem esperar, de um católico. Acuso-me de


muitos pecados. Mas, por especial graça divina, nunca
pequei, quanto me recordo, contra a fé. Se meus erros e
faltas tiverem dado ocasião de alguém atribuir incredulidade,
estou pronto, para saná-lo, e para qualquer boa finalidade, a
afirmar por maior sacrifício que me custe, que considerei
sempre a religião católica como a única infalível, e sempre
assim pensei. A Deus devo dar graças por ter-me
presenteado com esta fé. Nela viver e morrer é meu firme
propósito, com a esperança inabalável de, por meio dela,
alcançar a vida eterna.
Verdade é que considero a fé como um presente
sobrenatural de Deus. Contudo, nunca descurei dos meios
humanos para nela me confirmar sempre mais, e remover
qualquer duvida que pudesse surgir e perturbar-me.
Submeti a estudo criterioso as verdades fundamentais
da religião, li as obras dos apologetas, bem como as dos
inimigos, tracei um paralelo entre os pros e os contras, e tirei
daí as provas convincentes que tornam a religião digna de fé
para o espírito do homem, tanto que toda alma de natureza
boa e nobre, não pervertida pelo pecado ou por paixões
deve abraça-la e estima-la. Queira Deus que esta profissão
de fé, que me pediram e a qual faço de bom grado,
escrevendo-a de meu próprio punho, permitindo que seja
apresentada a qualquer um porque não me envergonho do
Evangelho, produza abundantes frutos.

Milão, 6 de janeiro de 1815.


172

Alexandre Volta.”

Quando Ampere ( 1775 – 1836), o pioneiro da


eletrodinâmica, se entretinha certa vez com seu amigo
Ozanam, exclamou: “Quão grande é Deus! Ozanam, como
Deus é grande, e nosso ciência um nada! “ É de Ampère a
seguinte observação:
“A confirmação mais sólida da existência de Deus é a
prova tirada da incontestável harmonia dos meios que
mantêm a ordem do universo, e pelos quais os seres vivos
encontram em seu organismo aquilo de que necessitam para
sua mantença reprodução, e desenvolvimento de suas
capacidades físicas e mentais.”
Estando Ampère gravemente enfermo, recomendavam-
lhe alguns amigos ler este ou aquele capitulo da “Imitação
de Cristo”. Respondeu o grande sábio: “Sei-a toda de cor...”
Profunda religiosidade tinham, entre os mais exímios
físicos, Franklin, Faraday, Ohm, Coutomb, Davy, Oersted,
Maxwell, Siemens, Fizeau, Hertz, Ruehmkorff, Roentgen,
Marconi, etc.
O mundialmente conhecido Robert Mayer (1814 –
1878), que descobriu o principio da conservação da energia,
no Congresso dos naturalistas em Innsbruk ( 1869), quando
alguns quiseram utilizar esse descobrimento como prova em
favor do materialismo, declarou:”
“É certo que no cérebro vivo se processam
modificações materiais, e que os fatos espirituais estão em
relação intima com essas mudanças. Contudo, seria erro
capital querer identificar ambos os fenômenos que decorrem
173

paralelamente. Um exemplo ilustrará o fato. – Sabemos que


não se pode telegrafar sem um fenômeno físico-químico.
Quem seria, no entanto, tão ingênuo que pretendesse tomar
o conteúdo do telegrama como resultado daquele processo
físico? A mesma relação existe entre o cérebro e o
pensamento. Aquele é o instrumento, mas não o próprio
espírito que se utiliza dele. Este pertence à esfera dos
sentidos, e portanto não pode constituir um objeto
experimental para a física ou a anatomia... Finalizo com esta
observação. Com uma convicção que nasce do meu
coração, elevo minha voz a dizer ao mundo inteiro: A
verdadeira filosofia não pode ser senão precursora da
religião cristã.”
Frauenhofer (1787 – 1826), que descobriu no espectro
solar as “linhas de Frauenhofer”, observava severamente os
preceitos da religião (nunca teria permitido, por exemplo,
servir carne a seus hospedes em dia de abstinência).
O físico inglês Maxwell (fal. Em 1879) dirigia
diariamente a oração da noite em sua família, ia
mensalmente à comunhão e, por ocasião do congresso dos
naturalistas ingleses em Bradford, fez a seguinte profissão
de fé, num discurso “Sobre as Moléculas”:
“Os sistemas solares são, ainda hoje tão perfeitos em
numero, dimensão e peso como no dia da Criação; das
qualidades que lhes estão inextinguivelmente impressas,
aprendemos que a exatidão de nossas resoluções, a justiça
em nossas sentenças, a honradez na vida – e que
consideramos parte integral de nossas mais nobres
faculdades – nos são próprias porque são traços que
174

lembram nossa afinidade com aquele Ser, que não somente


criou o céu e a terra, mas também a matéria de que eles são
formados...”Aliás, não há prova mais convincente da
religiosidade de Maxwell do que a seguinte maravilhosa
prece: “Deus Onipotente, que criastes o homem segundo a
vossa imagem, que o dotastes de uma alma viva para que
vos ame e domine sobre vossas criaturas, ensinai-nos a
investigar as obras de vossas mãos de tal maneira que
submetamos o mundo à nossa dominação e que o nosso
espírito se fortaleça em vosso serviço. Permiti que
aceitemos vossa santa doutrina de tal modo que
acreditemos naquele que enviastes para que anunciasse a
sabedoria da salvação e nos proporcionasse perdão dos
nossos pecados! Nós vo-lo pedimos em nome do mesmo
Jesus Cristo, Nosso Senhor!” Sublime oração! E Maxwell,
que assim orava, era um dos primeiros dentre os físicos...
James Brescott Joule, destacado representante inglês
da teoria térmica (fal. Em 1889), fez a seguinte profissão de
fé: “Se do firmamento estrelado volvermos o olhar para
nossa terra, toparemos com múltiplos fatos relacionados
com a alteração da força viva e do calor, e que em
linguagem inconfundível falam, da sabedoria e da
abençoada mão do grande arquiteto da natureza... Assim,
há ordem no universo, não ocorre desordem, nada se perde,
mas todo o complicado mecanismo trabalha sem desvios,
em perfeita harmonia..., porque acima dele paira a soberana
vontade de Deus”...
175

OUTROS ESPECIALISTAS

Linné ( 1707-1778), conhecido na biologia das flores, é


o fundador da botânica moderna. Todavia, pode ser que se
desconheçam as palavras de entusiasmo com que venera o
Criador em suas obras. Escreve, por exemplo, em uma
passagem (na introdução de “O Sistema da Natureza”): “Vi
passar o eterno, o infinito, o onisciente e onipotente Deus, e
fiquei estarrecido em pasmo”.
O químico Liebig (1803-1873), numa conferencia
publica, profligou o desvirtuamento das ciências naturais que
sonham a negação de Deus. Ele escreve (A Química e sua
Aplicação): “Em verdade, somente reconhecerá a infinita
sabedoria do Criador, aquele que realmente faz questão de
extrair seus pensamentos do grande livro a que chamamos
natureza.”
De entre os químicos, basta citar Pasteur (1822-1895)
que foi um dos católicos mais convictos. Quando certa vez
um dos seus ouvintes lhe perguntou como podia permanecer
católico crente, apesar de seus estudos, ele deu a magistral
resposta: “Exatamente porque estudei muito tenho uma fé
como a tem uma mulher bretã.” (É sabido que a Bretanha é
a região mais religiosa da França).
“Volvamos nosso olhar para onde quisermos”.
Reconhece Charles Lyell, professor da universidade de
Oxford, geólogo (1797-1875), em sua obra Principles of
Geology, “em toda parte descobrimos os sinais palpáveis
duma inteligência criadora, sua previdência, sabedoria e
176

poder.”
O naturalista francês Becquerel (1788-1878) escreve:
“Uma vida orgânica só poderia ter surgido de um solo,
emergido da água. Como porem se processou a transição,
da vida inorgânica para a orgânica? É segredo do Criador...
Devemos admitir, inevitavelmente, a existência duma causa
criadora, que se manifestou em determinado tempo, e
parece estar ativa ainda hoje, conservando as espécies
existentes.”
O húngaro Weszelszky, professor de universidade,
termina sua obra sobre a radiação e teoria atômica com a
seguinte profissão de fé: “Quanto mais profundamente
penetramos nos segredos da natureza, tanto mais
claramente verificamos a perfeição com que, ainda nos
menores detalhes, é construída a grande natureza. O próprio
naturalista em suas investigações, não chega a resultado
diverso do poeta que exclama: - Deus, ao qual o espírito
atilado do sábio não pode abranger...” (Weszelszky, Rádio e
Átomos, Budapest 1925).
Lavoisier (1766-1794), pai da química moderna, morreu
sob a guilhotina, durante a Revolução Francesa, porque era
convicto católico.
O inglês Dalton (1766-1844), que erigiu a teoria dos
átomos, era, segundo seu biógrafo, “um modelo de virtude e
religiosidade”.
O francês Cauchy (1879-1857), foi chamado o maior
matemático do século XIX. Maior porem do que seu labor, foi
sua religiosidade. Num papel avulso, escrito em defesa dos
colégios jesuítas franceses, faz a corajosa e consciente
177

profissão de fé: “Sou cristão, isto é, creio na divindade de


Cristo, como Tycho Brahe, Copérnico, Descartes, Newton,
Fernat, Leibnitz, Pascal, Grimaldi, Euler, Guldin, Boscovich,
Gerdil; como todos os grandes astrônomos, todos os
grandes matemáticos dos séculos passados. Sabei que
minha convicção não se alimenta em preconceitos herdados
com o leite materno; sabei que é de profundas investigações
que ela provem. Sou católico convicto como o foram
Corneille, Racine, La Bruyère, Bossuet, Bourdaloue,
Fénelon; como o foram e ainda o são grande numero dos
mais célebres homens de nosso tempo, entre os quais há
estrelas de primeira grandeza nas ciências exatas, na
filosofia, na literatura, os mais belos ornamentos das nossas
academias. Comungo da profunda fé que professaram em
palavras, atos e escritos Ruffini, Hauy, Laennec, Ampère,
Pelletier, Freycinet, Coriolis. Não cito vivos, a fim de não lhes
melindrar a modéstia. Assim posso afirmar que encontrei
toda a nobreza e toda a sublimidade da fé cristã nos meus
amigos nas ciências.
Quando Cauchy estava para morrer lhe anunciaram
que iria receber Viático, ordenou que a escada pela qual
passaria Jesus Sacramentado, fosse ornada com as mais
belas flores do seu jardim.
Não menos religiosos foram os grande luminares da
matemática: Gauss, Euler, Pfaff. Euler (1707-1783) dirigia
pessoalmente a oração da noite em sua família, como
rebrilha uma fé viva, na carta de Von Gauss, o maior
matemático de todos os tempos, ao matemático húngaro
Fakas v. Bolyai, em 1802: “Agora adeus, meu amigo! Que te
178

seja doce o sonho a que chamamos vida, como ante- gosto


da verdadeira vida, que nos espera em nossa pátria real,
onde o espírito ressurgido não será mais deprimido pelas
cadeias de nosso moroso corpo, pelas peias do espaço, pelo
látego dos sofrimentos terrenos, pela multidão de nossas
mesquinhas necessidades e desejos. Levemos
corajosamente sem queixas este nosso fardo até o fim, sem
no entanto, perder de vista nossa outra e máxima meta.
Então, quando soar nossa ultima hora, ser-nos-á um prazer
depor o fardo, e ver como desaparece dos nossos olhos o
pesado véu”.
Poderia eu continuar a enumeração dos grandes
nomes. Mas para que? Basta o numero dos já citados, para
destruir a afirmação de que sincera religiosidade e profunda
ciência não se conciliam. Nem por sombra está a ciência em
oposição com a fé. Os homens acima citados
verdadeiramente religiosos, eram também célebres sábios!
Se pois os maiores espíritos do mundo se inclinaram
em profunda e sincera adoração diante de Deus, o crente
não está em má companhia.
Quem ler esses nomes e datas chegará à seguinte
conclusão:
“Quando o homem medíocre percorre as ruas
iluminadas pela luz elétrica, comodamente sentado num
bonde, quando conversa com seu amigo que se acha a
grande distancia e reconhece sua voz; quando telegrafa à
Austrália, ultrapassando o fugaz expresso e o celebre navio:
quantas vezes – mesmo de posse dessas maravilhas ele
contrai os lábios num sorriso compassivo, se a seu lado uma
179

encarquilhada velhinha murmura seu terço, ou quando se


fala do clero ou da Igreja...Quão facilmente está inclinado a
apedrejar o passado e a declarar envelhecido e antiquado
tudo aquilo que os séculos transcorridos nos deixaram como
herança, sem excluir o próprio cristianismo!Assim, porem,
raciocina somente a ignorância e a superficialidade que
amam o comodismo. Porque o motejo não lhe fica bem. Os
homens geniais a quem maximamente devemos as
modernas conquistas, compenetraram-se da doutrina do
cristianismo e a ela se submeteram; as hábeis mãos que
trouxeram à luz do dia as forças ocultas da eletricidade,
também se juntaram para a oração; e Volta e Ampère não se
envergonharam do rosário. Para não nos lançarmos às
demais secções da ciência, uma coisa afirmamos: no campo
cientifico que primeiro prende o olhar do homem simples, a
incredulidade não pode referir nenhum nome com cuja
autoridade pudesse justificar a guerra declarada a Cristo.”
Mercê de uma pequena estatística, chegaremos a um
resultado surpreendente:
Dennert enumera em sua obra “A Religião dos
Naturalistas”, 300 naturalistas, todos de primeira grandeza,
desde os tempos mais antigos até os nosso dias, e investiga
suas convicções religiosas. De 300 há 38, cujas convicções
não pode determinar. Dos restantes 262, 242 eram crentes;
15, mais ou menos indiferentes e apenas 5 (2%) eram
materialistas e ateus. Se doravante encontrarmos livros
“populares” de ciências naturais, que negam os dogmas da
religião e dão a entender que a moderna ciência é
incompatível com a sincera e profunda religiosidade,
180

lembremo-nos que a estatística encontrou entre os príncipes


dos naturalistas apenas 2% de ateus.
Concordo em que certos escritores de décima categoria
queiram criar para suas obras um verniz “cientifico: de
gritante negação da fé”. Os verdadeiros e grande sábios,
pelo contrario, eram crentes, ao passo que aos sábios
incrédulos (Vogt, Moleschott, Buechner, Haekel) o celebre
Liebig denominou com razão “Vagamundo à margem da
ciência”.
De quanto dissemos pode-se deduzir claramente que o
ateísmo, a negação de Deus, não é obra da verdadeira
ciência. De quem pois? Da falsa filosofia. Ele foi criado pelos
pensadores que julgavam suficientes as leis da natureza,
para dar solução aos grandes enigmas do mundo e
cerravam os olhos ante o maximo problema. Verdade é que
as leis explicaram muita coisa, mas não esta: quem formulou
essas leis, e quem possui um tão pasmoso poder , que lhe
permita ditar leis aplicáveis a todo o mundo?
Tem razão o barão Eötvös: “Toda a ciência humana
nos leva ao Império completo da razão sobre a vontade; a
religião, porém, relacionando-se com um e outra, concilia
ambas entre si”. Por isso pode a religião substituir
perfeitamente a ciência. Entre os mais simples cristãos,
podemos encontrar tão belos e numerosos exemplos de
domínio de si mesmos e de inquebrantável fortaleza, como
entre os heróis de Stoa... “É que exatamente os homens
eminentes têm necessidade especial de religião, visto serem
eles os que primeiro sentem os estreitos limites de nosso
espírito humano”.
181

POETAS E ARTISTAS

Queremos lançar ainda um olhar sobre outros campos


de atividade do espírito humano, e apontar em grandes
exemplos as relações fraternais entre a fé e as artes.
Conhecemos provavelmente celebres escritores, pintores,
escultores, nos quais uma fé ardente se conciliava com o
gênio humano, e que hauriam, mesmo, da religião sua
inspiração artística.
Quero citar a esmo apenas alguns.
Entre os poetas, Dante (1265-1321), cuja “Divina
Comédia” é a glorificação da fé divina. Jacapone da Todi
(1230-1306), jurista, mais tarde franciscano; seu Stabat
Mater, é ainda hoje uma das mais preciosas pérolas da
poesia sacra. O italiano Petrarca (1304-1374), Manzoni
(1785-1873), os espanhóis Calderon (1600-1681) e Lopez
de Vega (1562-1635); Corneille (1606-1684), primeiro
dramaturgo da França; o holandês Joost van dea Vondel
(1587-1679; os húngaros barão José v. Eötvös, Miguel
Voeroesmarty, que demonstraram seu sincero e verdadeiro
catolicismo, não somente em seus escritos mas ainda em
sua vida.
Que diremos dos inigualáveis pintores da Idade Media?
Nas celebres galerias de pintura no estrangeiro, no Louvre
de Paris, nos Ofícios de Florença, no Palazzo Pitti, etc.,
onde se alinham as telas dos heróis do pincel e paleta da
Idade Media, não se vêem, por assim dizer, senão imagens
182

sacras. Em toda parte, em cada parede, pintados os dogmas


da Religião Católica! Quando Rafael (1483-1520) jazia em
agonia, fixou sua vista a extinguir-se sobre a tela incompleta
“A Transfiguração de Cristo”, Miguelangelo (1475-15640)
dedicava cada uma de suas obras à gloria de Deus e à S.
Igreja. Que piedade, que fé jorra das obras dum Fra
Angélico, Lippi, Botticelli, Sarto, Leonardo da Vinci,
Perugino, Tiziano, Van Eyk, Duerer, Rubens, Murillo!
A musica deve seu apogeu à Igreja e às cerimônias
religiosas. Os mais ilustres compositores eram, ao mesmo
tempo, fervorosos cristãos. Alguns nomes: Palestrina
(1526-1594), Orlando di Lasso ( 1532-1594), Haydn
(1732-1809), que rezava quase diariamente o rosário;
Beethoven (1770-1827), Cherubini(1760-1842), que nunca
omitia o “Laus Deo”, nem no principio nem no fim de suas
composições; Liszt (1811-1886), que, já em idade avançada,
recebeu as ordens menores; Bruckner (1824-1896), etc.

GUERREIROS

Uma vista de olhos aos grandes e celebres homens de


armas e estadistas. Também aqui deparamos, como
alhures, magníficos exemplos de sincera vida religiosa.
No ano 1787 reuniu-se Washington com 55
companheiros para uma decisiva deliberação: tratava-se de
tomar uma decisão acerca do destino dos Estados Unidos
da América do Norte. Levantou-se o idoso Franklin e disse:
“Senhores, vamos rezar! Atingi uma idade avançada, mas
183

quanto mais velho fico, mais claramente percebo que a


causa da humanidade é dirigida por Deus. Se um pardal não
pode cair do telhado sem sua permissão, como poderia
fortalecer-se um pais sem seu auxilio?”
Tilly (1559-1632), um dos maiores generais da história,
vitorioso de 22 grandes batalhas, era fervoroso católico e
congregado mariano. Três objetos levava sempre consigo à
luta: a espada, o crucifixo e o rosário. Esse bravo guerreiro
assistia todos os dias à S. Missa e, ferido gravemente,
comungava todos os dias até o desenlace que o encontrou a
dizer as palavras do Salmo: “Senhor, em Vós esperei, e não
serei confundido”.
O Príncipe Eugênio de Savoia (1663-1736), o
libertador do Tirol, visitava a igreja duas vezes ao dia, e
depois do jantar recitava o terço com os amigos.
Todos conhecem a fé zelosa de João Hunyadi.
Sobre o púlpito de Hinderburg está escrito: Ora et
labora! “Noto na frente de batalha”, dizia ele certa vez,
“quando em casa afrouxa a oração”.
Mackensens, aluno, escreve a mãe: “Quando penso em
meu futuro, confio em Deus e na oração de minha carinhosa
mãe...”
O general Foch: “Nas horas mais difíceis, sustentou-me
a fé na vida eterna, em Deus bom e compassivo. A oração
foi a luz de minha alma”.
Não é preciso continuar.
Sei muito bem que se poderiam trazer nomes de
incrédulos ou indiferentes, embora sábios. Mas isso não
elimina a força de documentação dos exemplos acima. Pois
184

a fé é, em ultima análise, não somente obra da razão, mas


também da vontade, e sobretudo um dom de Deus. Pode
alguém ter estudado, e no entanto ser incrédulo. Admito-o.
Mas os exemplos acima atestam que alguém pode ser o
maior sábio, o homem mais ativo e, a par disso, um
fervoroso filho de sua religião.
Numa palavra: Fé e ciência não se excluem
mutuamente.
S. Agostinho termina suas “Confissões” com as
seguintes palavras: “Criaste-nos para Vós, meu Deus, e
nosso coração está inquieto enquanto não repousa em Vós”.
Essas palavras do grande conhecedor do coração humano
podem ser aplicadas ainda hoje às múltiplas lutas da alma.
Pois ainda hoje há homens que querem dar à vida terrena
uma orientação sem Deus.
A Revolução Francesa experimentou construir um
Estado sem Deus. Após vários anos de terror sanguinolento
e de terrível depravação de costumes, Robespierre viu-se
obrigado a mandar colocar no frontispício das igrejas a
inscrição: Lê peuple français croit em Dieu e à l`imortalité de
l`ame “O povo francês crê em Deus e na imortalidade da
alma”.
Ao ateu se escancara, além dos limites da natureza
visível, a treva, o nada. A alma humana, porém, não se
satisfaz com isso. Ela considera a natureza, as múltiplas
maravilhas da fauna e flora, a pasmosa multiplicidade das
espécies animais, insetos, flores. Donde vem tudo isso? “Lei
da evolução”, responde alguém. Pois sim, mas quem
determinou tal evolução e regulou sua orientação?
185

São perguntas que sempre se fizeram, desde que há


homens... E os maiores gênios da humanidade tiveram uma
única resposta: Deus.
Deus, o Ser infinitamente poderoso, sábio e eterno, que
criou o universo e lhe imprimiu as leis da evolução e, ainda
hoje, tudo dirige por sua onipotência.
Duas vezes na vida o homem está particularmente
próximo de Deus; na infância, começo da vida, e na velhice,
termino da existência. Entre ambos, a juventude é para
muitos o período do naufrágio na fé. Quando as forças
nascentes distendem ao maximo a presunção juvenil, haverá
facilmente uma crise de fé. Verdade é que, após muitos
contratempos, a vida ensina à maior parte a confiar em
Deus. Tu, porém, meu jovem, não esperes pelas
advertências das ilusões. Dobra o joelho, eleva teu coração
ao Pai Celeste e descansa tua fronte em sua poderosa mão.
O amor e o temor de Deus seja o inabalável alicerce de tua
vida.
No admirável quadro “A Escola de Atenas” de Rafael,
estão os dois maiores filósofos da Grécia: Aristóteles e
Platão. O primeiro olha pensativo para a terra, o segundo
eleva seu olhar às estrelas. Filho, aonde quer que olhes, à
terra ou ao céu, para ti mesmo ou para o mundo imenso,
procura descobrir sempre os traços do Onipotente.
Inclina tua fronte diante Dele, e sê um filho obediente
de teu Deus e Senhor!
186

NUMERAÇAO DO INDICE NO LIVRO

INDICE

PRIMEIRA PARTE

DEUS É GRANDE!

Uma viagem pelo espaço 5


Entre as estrelas 13
À margem do universo 16
O itinerário das estrelas 21
Roda e rodinha 27
A chuva cai das nuvens 35
Uma excursão 44
Um rato na tenda 48
187

O trabalho da folha 54
As sábias abelhinhas 57
O “Rhynchites betuleti”, construtor de funis 60
A mosca pairadora e outras coisas mais 63
Os coveiros 69
Calieurgus, o caçador vermelho 71
O escaravelho 76
Simulação 82
O que o corpo nos revela 88
O cozido de couve 95
Um exame 97
Carlos está sangrando 101
Enquanto os pequenos brincam 106
Céu, noite e silencio 116
O ultimo bivaque 128
Demolir ou edificar? 133
Poderemos ainda ser cristãos 135
A “ciência imparcial” 138
Por que? 141
Darwinismo 144
A águia e a curruira 150
Creio apenas naquilo que vejo! 153
Cremos ser ver 155
Quanta coisa cremos? 157
Se tivéssemos sentidos mais apurados! 159
E se tivéssemos mais sentidos? 162
Quanta coisa não entendemos 166
Oratório e laboratório 172
Astrônomos 173
188

Físicos 175
Outros especialistas 180
Poetas e artistas 185
Guerreiros 187

ORELHA CONTRA CAPA -1

EMOLDURANDO

Não sem causa adverte Aléxis Carrel os homens de


hoje contra a falsidade anti-humana de muitos aspetos da
civilização contemporânea.
O mito do progresso e o ideal da velocidade
acostumaram nossos olhos ao gráfico das estatísticas,
nossos ouvidos ao ruído nervoso de todos os motores,
nosso senso de valores à estimação do hábil domínio da
matéria, em função da vitória sobre o tempo.
E nos esquecemos do Espírito, e subvalorizamos a
Eternidade.
Por isso, em muitos aspetos, é feroz e selvagem a
civilização de hoje. Porque a asa gentil do Espírito e o suave
mistério da Eternidade, são o que deveras nos faz homens,
valorizando em nós e em nossa vida aquilo que nos extrema
dos brutos e nos vizinha da Religião Transcendente que
ultrapassa o tempo.
Mas o homem que excluir Deus-Espirito, Deus-
189

Eternidade, para fazer-se, ele – o misero verme que se


arrasta sobre o planeta, - o deus da matéria que o serve e
faz gozar, o deus do tempo, cuja fugacidade é preciso
encher de prazeres.
E assim o homem se infelicita, se degrada e se
animaliza, cada vez mais enclausurado na matéria e no
tempo...
Não. Não pode ser o que nos oferece a vida.
Busquemos uma reação que nos possa regenerar e
salvar.
Que faça mais simples e mais profunda a nossa
existência.

ORELHA CONTRA CAPA -2-

Que desadore o progresso na matéria e a velocidade


no tempo.
Que lhes dê sentido verdadeiro, aceitando-os e
aplaudindo, enquanto servem a objetivos superiores – do
Espírito e da Eternidade.
Que nos aproxime Daquele que nobilita deveras nossa
vida.
Que, da infra-humanidade mesquinha, fabricadora de
máquinas complexas e desintegradora de átomos
temerosos, nos suba aos valores imortais, capazes de nos
tornar realmente super-homens.
Que nos faça encontrar mais facilmente o Supremo
Ser!
190

Para que O saibamos ver na Linda Natureza, que Ele


soube construir, infinitamente melhor do que os míseros
aparatos de nossa ciência e de nossa industria.
Para que leiamos com olhos claros essa Natureza e
esse Deus, no céu, nos astros, nos pequeninos insetos, nos
ínfimos micróbios, nas maravilhas de nosso próprio corpo
humano...
A fim de que imitemos os equilibrados cérebros dos
sábios de verdade que nos precederam, e cuja ciência
sincera os fazia, - alevantados da matéria e esquecidos do
tempo, - aprofundarem o coração vivo das essências
eternas, para humildes e imensos, ajoelhare-se ante a
majestade vencedora de Deus!

EDITORA S.C.J

TAUBATÉ – S. PAULO

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