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A Chegada Do Som No Cinema A Expansao Da
A Chegada Do Som No Cinema A Expansao Da
Resumo:
Este artigo visa traçar um breve panorama do momento histórico correspondente à chegada do som no
cinema, estabelecendo uma relação entre esse período de crise passageira da indústria cinematográfica
americana e a ascensão de políticas protecionistas em países onde ela havia se estabelecido de forma
hegemônica. O objetivo é investigar a coincidência de períodos entre um e outro fato e a forma como esta
coincidência se relaciona com o início de uma trajetória de expansão de Hollywood. Para isso, valemo-
nos da pesquisa bibliográfica.
Palavras-chave: cinema, história do cinema, políticas cinematográficas, leis protecionistas para o cinema
Abstract:
This article aims to outline a brief overview of the historical moment corresponding to the arrival of
sound in cinema, establishing a relation between this period of temporary crisis of the American film
industry and the rise of protectionist policies in countries where it had settled so hegemonic. Our goal is
to investigate the coincidence between both periods and how these facts are related with the beginning of
an upward trend in Hollywood cinematographic industry. To reach this goal, we make use of the
bibliographical research.
1
Trabalho apresentado no GT4 – Políticas Culturais e Economia Política da Cultura, IV Encontro Nacional da
ULEPICC-Br.
2
Mestranda do curso de Pós-Graduação em Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos. Endereço
eletrônico: liciane.mamede@gmail.com
IV Encontro Nacional da Ulepicc-Brasil – Rio de Janeiro/RJ – 9 a 11/10/2012
3
Cf. Usai, Silent Cinema, p. 11
4
Cf. “Cinearte e a Polêmica do Cinema Sonoro” In: Seminário Cinearte, Rio de Janeiro: MAM-RJ, 1991 – p.
51-52
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indústria cinematográfica brasileira se desenvolvesse o suficiente para ocupar o
mercado com seus próprios filmes5.
A exibição no Brasil do primeiro filme falado só aconteceria em junho de 1929,
quando The Patriot, de Ernest Lubitsch, estreou em São Paulo, no cinema da
Paramount. Logo depois disso, em agosto do mesmo ano, o crítico Pedro Lima, relataria
de modo eufórico a retração do filme americano no mercado nacional e opinaria
dizendo que as mudanças no cenário internacional só poderiam ser uma vantagem para
o cinema brasileiro, que, em sua opinião, deveria o mais breve possível começar a
produzir seus filmes falados – Lima era outro que apostava na rejeição do público
brasileiro ao filme falado em idioma estrangeiro6.
Mas o que nem os críticos de Cinearte ou mesmo os produtores nacionais de
filme poderiam imaginar naquele momento é que a indústria norte-americana
conseguiria dar a volta por cima tão rápido. Antes mesmo do surgimento das técnicas de
tradução, o que aconteceu a partir de 1932, quando a dublagem se tornou o método mais
utilizado para tradução de filmes falados em outros idiomas – a legendagem, uma
técnica mais barata, seria adotada predominantemente por grupos linguísticos menores7
–, a indústria americana se recuperaria do breve susto.
Sklar relata que, enquanto em 1927, a Warner Bros. detinha apenas uma sala de
cinema, três anos depois, em 1930, ela passou a ter controle de 700. Em dois anos, seus
ativos passaram de cinco para 160 milhões de dólares. A revista Fortune, em 1930,
chegou a publicar que o cinema falado, para além de qualquer comparação, foi a mais
incrível revolução em toda a história da revolução industrial (Sklar, 1994; p. 153).
Tão logo o som começou a ser uma realidade para o cinema e os estúdios
vislumbraram que poderiam com isso auferir grandes lucros, uma preocupação veio à
tona: até onde a barreira das línguas nacionais poderia prejudicar a entrada dos filmes
americanos no mercado internacional. Naquele momento, os lucros obtidos fora dos
Estados Unidos representavam de 35% a 40% do total dos estúdios (DUROVICOVA,
10
Os primeiros escritórios de companhias americanas na Inglaterra surgiram ainda antes da segunda guerra
mundial. A Vitagraph (depois chamada de Warner Brothers) estabeleceu seu escritório em 1912; a Fox, em 1916; e
em 1915, uma companhia que mais tarde seria comprada pela Famous Lasky Film Service que, posteriomente, se
chamaria Paramount (Chanan, 1983; p. 51)
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pejorativamente por eles de hablados. Em outros momentos, vinham também versões
em que o português falado não era o brasileiro. O resultado é que, na maior parte das
vezes, a torcida era para que os filmes chegassem aqui em suas versões originais
americanas, mesmo que pouco se pudesse entender de seus diálogos.
A respeito dos multilinguals, Durovicova levanta a hipótese de que, muito antes
de a dublagem ter de fato surgido (no início da década de 1930), ela já poderia ter sido
adotada, uma vez que o som, de qualquer jeito, era gravado de forma separada. Sendo
essa uma opção muito mais barata e óbvia, a pergunta do porquê terem os estúdios
adotados as extravagantes produções em língua estrangeira torna-se necessária. Para ela,
os estúdios estavam em busca de moldar uma linguagem que achavam a mais adequada
para o “novo” meio, em resumo, fundir junto à voz certa o corpo correto.
Porém outras razões não podem ser perdidas de vista. Desde a primeira guerra
mundial, a indústria americana de cinema vinha traçando uma trajetória acendente do
ponto de vista da expansão dos mercados e exportação de filmes. Em outras palavras,
isso significava também um grande acúmulo de capitais. Iniciativas como a da
construção e manutenção dos estúdios de Joinville ou mesmo filmar várias vezes o
mesmo filme em línguas diferentes, não poderiam ter acontecido se não houvesse
capital excedente dentro dessas companhias.
Sklar aponta que, no final da década de 1910, Adolph Zukor, dono da Famous
Player-Lasky (que, mais tarde, se tornaria a Paramount), aliou-se a um banco de
investimentos para iniciar uma oferta pública de ações11. Desta forma, ele teria
conseguido levantar 10 milhões de dólares, fundos suficientes para expandir seu
negócio. O alinhamento da indústria de filmes com o capital financeiro, certamente
contribuiu para sua expansão. Mas, além disso, havia uma enorme desproporção nos
ganhos dos diferentes agentes do negócio cinematográfico, sendo que quem mais
ganhava sempre eram as majors. Conforme aponta Sklar, entre 1927 e 1929, enquanto
os lucros dos exibidores ficavam na casa dos 25%, o dos produtores estavam próximos
aos 400%.
Início das leis protecionistas
A partir da década de 1920, o cinema já havia deixado de ser encarado como um
negócio como outro qualquer, originalmente orientado e conduzido pelo lucro,
conforme previu a Suprema Corte americana em 191512. Desde o final da guerra pelo
11
Cf. Sklar, “The House that Adolph Zukor Built”, p. 146
12
Cf. Guback, “Hollywood’s international market”, p. 463-486
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menos, ele já estava sendo visto pelos governos como um meio estratégico de
propaganda, disseminação de ideias e valores. Basta pensar no esforço alçado pelo
partido nacional socialista alemão, uma vez no poder, para promover um cinema de
caráter popular que pudesse ser ideologicamente efetivo e politicamente útil13.
Segundo coloca Guback, o próprio diretor geral da Paramount Publix demonstra
ciência das consequências da larga distribuição do cinema americano pelo mundo do
ponto de vista do imperialismo ideológico ao afirmar, em 1927:
Motion pictures are silent propaganda, even though not made with that
thought in mind at all (…). Imagine the effect on people (…) who constantly
see flashed on the screen American modes of living (…). Its influence is
working insidiously all the time and even though all this is done without any
conscious intent, the effect is that of a direct sales agency. (GUBACK, 1985;
p. 466)
13
Goebbels procurou criar um cinema popular que não seria apenas lucrativo e de entretenimento, mas
também ideologicamente efetivo e politicamente útil, com uma força estabilizante e ao mesmo tempo uma energia
vibrante.
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americana fez das produções cinematográficas nacionais um grande risco do ponto de
vista dos investimentos. Daí, que a receita investida em cinema passou a diminuir cada
vez mais, o que invariavelmente refletiu na qualidade dos produtos - muito inferior a
dos filmes norte-americanos - e da capacidade de concorrência desses produtos
inclusive dentro de seu próprio país. Além disso, já havia a preocupação em relação aos
lucros remetidos para fora do país.
A segunda esfera de preocupações dizia respeito exatamente à influência cultural
trazida pelo cinema estrangeiro. De fato, o que se via nas telas eram histórias, cidades e
o modo de vida americanos sendo propagados por todos os países aonde seus filmes
podiam chegar.
Mesmo com o cerco armado em seu em torno, Hollywood transitou praticamente
sem qualquer dificuldade nesses territórios até 1928, quando, como já dito, o cinema
falado começou a lhe impor importantes adaptações. Porém, aproximadamente nesta
mesma época, um outro fenômeno emergiu trazendo consigo uma outra sorte de
dificuldades: a promulgação de leis protecionistas naqueles países que representavam os
maiores mercados para o filme norteamericano. Mais adiante, veremos que essas leis,
com exceção da alemã, embora tenham sido importantes para proteção e reafirmação
dos cinemas nacionais, marcando uma posição dos governos perante suas classes
cinematográficas, não chegaram de fato a representar uma ameaça à indústria norte-
americana.
As leis
O caso italiano
Inglaterra
Brasil
15
Cf. Bernardet, Cinema Brasileiro Propostas para uma História, p. 48.
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obrigatoriedade de exibição de filmes foi, em grande medida, a responsável pela
salvação da produção cinematográfica.
***
Este foi o primeiro momento histórico em que os Estados nacionais tiveram que
intervir nos assuntos relacionados à produção cinematográfica de seus países. O que é
importante citar, para encerrar, é que essas foram apenas as primeiras de muitas outras
leis protecionistas que vieram depois e foram se aperfeiçoando e se adaptando à
evolução da indústria e das técnicas cinematográficas. Ou seja, uma vez interventor, o
Estado nunca mais conseguiria/poderia se desvincular ou deixar de tomar conta de seus
produtores e de seu mercado. Desde quando se afirmaram internacionalmente, durante a
Primeira Guerra Mundial, as majors criaram um modelo de negócio absolutamente
vencedor que determinaria para sempre o lugar das cinematografias nacionais no
mundo e as bases de atuação dos Estados nacionais no que se refere às políticas
cinematográficas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BERNARDET, Jean-Claude, Cinema Brasileiro - Propostas para uma história. 2a. ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 2009.
COURTADE, Francis e CADARS, Pierre. Histoire du cinéma nazi. Paris: Eric Losfeld, 1972.
DIBBETS, Karel, “The Introduction of sound” in Nowell-Smith, Geoffrey (ed), The Oxford
history of world cinema. Oxford, 1996.
BERNARDINI, Aldo e GILI, Jean (Org.). Le cinéma italien – De La prise de Rome (1905) à
Rome ville ouverte (1945). Paris: Centre Georges Pompidou, 1986.
SIMIS, Anita. “Cinema e política cinematográfica”. In: BOLAÑO, César, GOLIN, Cida e
BRITTOS, Valéria. Economia da Arte e da Cultura. São Paulo: Itaú Cultural, 2010.
SKLAR, Robert, “The House that Adolph Zukor built” in Movie-made America: A Cultural
History of American Movies. Nova Iorque: Vintage Books, 1994.