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Currículo e docência nas políticas de ampliação da jornada escolar

Research · August 2015

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1 author:

Roberto Rafael Dias da Silva


Universidade do Vale do Rio dos Sinos
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Currículo e docência nas políticas
de ampliação da jornada escolar
Realização
Ministério da Educação – MEC
Secretaria de Educação Básica – SEB
Programa Mais Educação
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

Universidade Federal da Fronteira Sul


Rua General Osório, 413D – CEP: 89802-210
Caixa Postal, 181 – Bairro Jardim Itália
Chapecó – Santa Catarina – Brasil

Série: Organização

Lidiane Tania Ronsoni Maier


Aurélia Lopes Gomes

Coordenação Editorial

Aurélia Lopes Gomes


Elza Antonia Spagnol Vanin
Cristina Otsuschi
Letícia Lyra
Lidiane Tania Ronsoni Maier
Currículo e docência nas políticas
de ampliação da jornada escolar

Roberto Rafael Dias da Silva


(Org.)

Porto Alegre
2014
© dos autores
1a edição: 2014

Projeto gráfico: Jadeditora Editoração Gráfica


Editoração e Capa: Rafael Marczal de Lima
Revisão ortográfica: Renildo Baldi
Impressão: Triunfal Gráfica & Editora

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


C976 Currículo e docência políticas de ampliação da jornada escolar /
Roberto Rafael Dias da Silva (org.). – Porto Alegre : Evangraf,
2014.
200 p. ; 21 cm.

Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7727-688-2

1. Educação - Brasil. 2. Educação integral. 3. Qualidade (Edu-


cação). 4. Educação - Rio Grande do Sul. 5. Alfabetização. I. Silva,
Roberto Rafael Dias da

CDU 37(81)
CDD 370.981
(Bibliotecária responsável: Sabrina Leal Araujo – CRB 10/1507)
Sumário

Estudar a ampliação da jornada escolar:


uma introdução.............................................................. 7

Capítulo 1
Conhecimento escolar na escola
de tempo integral......................................................... 11
Cláudia Valentina Assumpção Galian
Maria das Mercês Ferreira Sampaio

CAPÍTULO 2
Reflexões sobre a ampliação da jornada escolar
a partir do Plano Nacional de Educação 2014-2024...... 29
Soraya Vieira Santos

CAPÍTULO 3
A escola contemporânea: um espaço de convivência?... 47
Elí Terezinha Henn Fabris

Capítulo 4

Políticas para a qualidade e educação integral


em tempo integral: reflexões sobre tendências
e possibilidades à escola pública................................... 67
Elton Luiz Nardi

CAPÍTULO 5
Ampliação da jornada escolar: um estudo sobre
programas e projetos na educação brasileira................. 83
Valdeney Lima da Costa
Alessandra Victor do Nascimento Rosa
CAPÍTULO 6
Políticas de ampliação da jornada escolar no Rio Grande
do Sul: elementos para uma abordagem curricular........ 95
Roberto Rafael Dias da Silva

CAPÍTULO 7
Políticas de educação patrimonial no Brasil:
deslocamentos e permanências................................... 115
Rodrigo Manoel Dias da Silva

CAPÍTULO 8
Iniciação científica, educação integral e o
desenvolvimento das habilidades cognitivas................ 133
Leandro Carlos Ody

CAPÍTULO 9
A relação entre alfabetização e letramento na educação
integral: algumas questões conceituais........................ 151
Marilane Maria Wolff Paim

CAPÍTULO 10
A educação integral, as tecnologias e os nativos
digitais........................................................................ 167
André Gustavo Schaeffer

CAPÍTULO 11
Gêneros textuais e letramento: um passo
na direção da educação integral................................. 181
Zoraia Aguiar Bittencourt

Sobre os autores......................................................... 199


Estudar a ampliação da jornada
escolar: uma introdução

“[...] o maior empobrecimento provém da falta


de ideias, da erosão da criatividade e da ausência
de debate produtivo. Mais do que pobres, torna-
mo-nos inférteis.”
(Mia Couto)

Escolhemos as palavras do escritor Mia Couto, em sua coletânea


Pensatempos: textos de opinião, para iniciar nossa participação nesta obra
que compila importantes reflexões sobre as políticas e práticas de am-
pliação da jornada escolar no Brasil contemporâneo. Espaços, como
este, possibilitam-nos ampliar nossos campos de problematização so-
bre uma temática atualmente em disputa – o currículo e a formação
de professores para a educação em jornada ampliada. Entretanto, tal
campo de disputa, em nossa leitura, tem se apresentado com ausência
de debate produtivo e, consequentemente – na metáfora proposta por
Mia Couto –, infértil. Não nos comprometemos com a responsabili-
dade de produzir respostas, definir percursos ou ainda indicar linhas
de reflexão privilegiadas. A presente obra assume a possibilidade de
mobilizar ideias que, eventualmente, possam produzir ressonâncias
nos debates que serão estabelecidos em nossos contextos profissionais.
Este livro, então, apresenta os pressupostos teóricos que orienta-
ram a construção do projeto de extensão “Currículo e docência em ex-
periências de ampliação da jornada escolar: acompanhamento da im-
plementação do Programa Mais Educação no Município de Erechim/
RS”, desenvolvido na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS)
– Campus Erechim, no período entre os anos de 2013 e 2014. A refe-
rida atividade foi construída em parceria com a Secretaria Municipal
de Educação de Erechim (RS) e contou com financiamento do Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
Nossa preocupação inicial situava-se no âmbito de produzir in-
serções acadêmicas com a temática da educação integral, assim como
em estreitar parcerias com a referida secretaria. Nessas condições,

7
desencadeamos um plano de formação continuada para os gestores,
professores comunitários, monitores e estagiários que atuavam na im-
plementação do referido programa. Produzimos, em nossa estratégia
formativa, três iniciativas que envolviam diferentes sujeitos e articula-
vam-se as formas de intervenção específicas. Com isso, pensamos em
três ações distintas e complementares que favorecessem uma diversi-
ficação das estratégias formativas, a saber: a) a realização de um curso
com 80 (oitenta) horas-aula, destinado aos profissionais que atuam no
município; b) a execução de seis oficinas, em cada escola participante
do projeto, para os monitores e estagiários que atuam no programa
Mais Educação; c) a organização, publicação e socialização de dois li-
vros que complementem nossa ação formativa no referido contexto.
Assim, diversificamos atividades para o atendimento de públi-
cos diferenciados na forma de atuação com o contexto das políticas
de ampliação da jornada escolar. Importa, ainda, reiterar nosso recor-
te analítico – as questões do currículo e da docência nas políticas de
educação integral. Direcionamos nossa abordagem para os processos
de seleção e organização dos conhecimentos escolares, assim como
para os pressupostos orientadores das práticas profissionais dos pro-
fissionais que trabalham naquele contexto. Com esse compromisso,
reconhecemos a relevância do papel da universidade na produção
de novos conhecimentos acerca deste campo emergente nas políticas
contemporâneas de escolarização. A crítica acadêmica que, de certa
maneira, perfaz nossa abordagem à temática, associa-se a um compro-
misso com uma pauta democratizadora para a educação pública de
nosso país. O investimento na construção de novas condições de esco-
larização, incita-nos, de acordo com Moll (2012), ao “enfrentamento
das desigualdades sociais historicamente corroboradas pelo sistema
educacional por meio da entrada tardia e, em geral, em condições
adversas das camadas populares na escola”. (p. 130)
Do ponto de vista da composição temática da atividade de exten-
são, evidenciada na compilação dos artigos desta obra, vale assinalar
ainda nossa preocupação com as questões atinentes ao conhecimento
escolar. Distanciamo-nos de abordagens teóricas que recomendam as
políticas de educação integral somente como uma forma de proteção
social ou ainda como estratégia para aumentar o investimento eco-

8
nômico nos processos educativos destinados aos jovens brasileiros.
Associamo-nos ao entendimento da instituição escolar como espaço
de formação intelectual, que garanta democraticamente o acesso ao
“universo intelectual e letrado da cultura elaborada” (GIOLO, 2012,
p. 96). Uma escola que, mesmo que esteja “sob suspeita” (GABRIEL,
2008), possa seguir contribuindo para a composição de novos arranjos
formativos e novas possibilidades de empoderamento que, de forma
contingente e historicamente situada, ressignifiquem e ampliem seu
potencial democrático.
Assim sendo, o presente livro sumariza as discussões que desen-
volvemos nesse período, seja em torno da ressignificação das pautas
escolares, seja nas potencialidades e limites nas políticas de ampliação
da jornada escolar. Contamos com a contribuição teórica de diferen-
tes pesquisadores de universidades brasileiras, assim como produzi-
mos textos no âmbito de nossa instituição, os quais contribuíram para
que nossas atividades de extensão adquirissem maior reflexividade e
capacidade de interlocução. Agradecemos a todos os colaboradores
que atuaram neste projeto, em especial à Universidade Federal da
Fronteira Sul – pelo estímulo a esta atividade –, e ao FNDE, pelo fi-
nanciamento da atividade. Desejamos aos nossos futuros leitores que
esta obra contribua para seu desenvolvimento profissional, e que favo-
reça uma multiplicação de olhares sobre o currículo e a docência no
contexto das políticas de ampliação da jornada escolar.

Roberto Rafael Dias da Silva


Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS

Julho de 2014

Referências:
COUTO, M. Pensatempos: textos de opinião. Mirandela: Caminho, 2008.

GABRIEL, C. T. Conhecimento escolar, cultura e poder: desafios para o


campo do currículo em tempos-pós. In: MOREIRA, A. F. B.; CANDAU,
V. (Orgs.). Multiculturalismo: diferenças culturais e práticas pedagógicas.
Petrópolis: Vozes, 2008, p. 212-245.

9
GIOLO, J. Educação de tempo integral: resgatando elementos históricos
e intelectuais para o debate. In: MOLL, J. (Org.). Caminhos da educação in-
tegral no Brasil: direito a outros tempos e espaços educativos. Porto Alegre:
Penso, 2012, p. 94-105.

MOLL, J. A agenda da educação integral: compromissos para sua conso-


lidação como política pública. In: MOLL, J. (Org.). Caminhos da educação
integral no Brasil: direito a outros tempos e espaços educativos. Porto Ale-
gre: Penso, 2012, p. 129-146.

10
Capítulo 1

Conhecimento escolar na escola


de tempo integral

Cláudia Valentina Assumpção Galian


Maria das Mercês Ferreira Sampaio

Introdução
O objetivo deste texto é discutir os rumos que vêm sendo as-
sumidos para a relação com o conhecimento no currículo da escola
básica em projetos de educação em tempo integral.1 Assim, a ideia é
identificar, em um conjunto de experiências de extensão do tempo
de crianças e jovens na escola, compiladas num material de ampla
divulgação por meio eletrônico (LOMONACO; SILVA, 2013), o ca-
minho apontado para a operacionalização desse projeto por parte de
outras unidades da federação.
Ao tratarem do tema, Sampaio e Galian (2014) identificam al-
guns consensos na discussão acadêmica acerca da extensão do tempo
na escola, traçando um quadro com base em artigos reunidos e organi-
zados por Coelho (2009). Neste quadro, de modo geral, identificou-se
que os autores concordam com posições apresentadas por Paro (2009,
p. 14-20) a respeito das intenções em torno dessa proposta. Para este
autor, não se pode conceber tal ampliação de tempo para oferecer
“mais do mesmo”, daquilo que a escola já oferece, para perpetuar uma
educação pobre, que apenas disciplina e despeja conteúdos sem senti-
do para os alunos; não se trata de mais uma escola apenas para aqueles
que aprendem apesar da escola.
De acordo com as posições defendidas por esse autor, extensão
de tempo não é necessariamente mais educação, uma vez que pode

1
Diante do entendimento de que o termo educação integral se refere a um projeto muito
mais abrangente do que a extensão do tempo de crianças e jovens na escola e de que
muitas das iniciativas em curso – ou mesmo já implementadas em outros contextos –,
não avançam para, além disto, faz-se a opção neste texto pelo termo educação em tempo
integral.

11
significar apenas ocupar o tempo, tirar das ruas, proteger e cuidar.
O que se deve buscar é a formação de sujeitos cada vez mais autôno-
mos e fortes, tomados como sujeitos históricos; uma educação que
contemple o ser humano em suas múltiplas dimensões. Trata-se de
assumir a educação como apropriação e transformação da cultura,
que vai além do ensinar a ler e escrever, criando condições para des-
pertar a necessidade de ler e escrever, o desejo da aprendizagem, e
sustentando esse processo com o melhor ensino. Nesse sentido, é da
maior relevância refletir sobre que escola será criada, qual currículo
proposto e quais atividades serão priorizadas.
Em síntese, Sampaio e Galian (2014) ressaltam que os estudos
analisados permitem afirmar que funções ampliadas da escola con-
temporânea, novas e urgentes necessidades sociais e, sem dúvida,
a gravidade do problema que permanece sem solução, dos baixos
índices de aprendizagem dos estudantes, expostos pelas avaliações
oficiais, têm estimulado a decisão política sobre uma “nova” forma
de atendimento. Não tão nova, uma vez que muitas das posições
defendidas já se fizeram presentes no decorrer do século XX, no
contexto do ideário escolanovista e de reformas do ensino imple-
mentadas em vários momentos da política educacional, como outras
pesquisas indicam (NAGLE, 2001; GALIAN; SAMPAIO, 2012). No
Estado de São Paulo, por exemplo, a questão do tempo – tanto na
ampliação do período diário, quanto na reordenação do tempo de
escolaridade em ciclos –, esteve associada a buscas por melhoria de
qualidade do ensino desde a década de 1980, mas essa discussão
já estava presente nas décadas anteriores (BARRETO; MITRULIS,
1999). Contudo, não se pode negar a atualidade da discussão, face à
urgência de soluções em resposta às novas necessidades que se apre-
sentam para o atendimento escolar das redes públicas.
Nesse sentido, a análise aqui desenvolvida focaliza uma iniciativa
que envolveu diferentes organizações na elaboração de um material,
divulgado em meio eletrônico, que assumiu o objetivo de:

auxiliar na implantação de projetos ou políticas de


educação integral pelo Brasil. Outros cadernos e
livros dessa parceria já foram publicados, sempre
com o objetivo de ajudar os educadores nessa ta-

12
refa. O traço distintivo desta publicação é que ela
pretende mostrar “como se faz” a partir das ex-
periências de quem já fez, daqueles que pensam
e fazem a educação integral em seus municípios.
(LOMONACO; SILVA, 2013, p. 13. [Grifo nosso.])

Assim, o texto está organizado da seguinte forma: inicialmente,


será encaminhada uma discussão sobre o conhecimento escolar, arti-
culado aos conceitos de discurso pedagógico, de Basil Bernstein, e de
conhecimento poderoso, de Michael Young; em seguida, apresentar-
-se-á o modelo de educação integral assumido no material analisado,
com destaque para as indicações sobre o conhecimento a ser aborda-
do nessa escola de tempos ampliados; por fim, será desenvolvida uma
análise do papel assumido pelo conhecimento nesse projeto de mu-
dança do currículo escolar, bem como algumas possíveis implicações
para a formação dos professores.

Conhecimento escolar na escola de tempo integral


A escola, no seu trabalho de educação e formação das novas ge-
rações, atua na transmissão e divulgação de um conhecimento especia-
lizado, o que lhe confere o importante papel de tornar públicos cer-
tos conhecimentos legitimados socialmente, dentre os quais assume
especial relevância o que é produzido pela comunidade acadêmica.
Mas, claro, nem todo o conhecimento acumulado comporá o conteú-
do sobre o qual se debruçará a escola. Muitas instâncias e agentes de
seleção atuarão na composição do lote de conhecimentos que deverão
ser acessados por meio do trabalho da escola e de seus sujeitos. Este
processo de seleção e transformação do conhecimento especializado
resulta no conhecimento escolar, como Santos ressalta (1995): “o sis-
tema escolar e o contexto econômico e social que o informam, com
base nas diferentes relações de poder que se estabelecem no interior
do aparelho escolar e entre este e a sociedade, produzem o que cha-
mamos de conhecimento escolar”. (p. 27)
As teorias críticas do currículo marcam bem a importância dos
interesses de classe na produção do conhecimento escolar, abando-
nando a antiga concepção, própria das teorias tradicionais de currí-

13
culo, que enfatizava uma suposta neutralidade nesse processo. Isto
significa que o conhecimento escolar, na perspectiva crítica, passou
a ser visto como parcial e imposto por meio da transmissão seletiva
da cultura de uma classe dominante, como indica Santos (1995, p.
28). Esta linha de análise estaria buscando evidenciar a correspon-
dência entre a realidade escolar e os interesses da ordem capitalista,
sendo a prática pedagógica vista como um reflexo dos interesses vin-
culados à manutenção dessa ordem.
A mesma autora indica que, a partir da década de 1980, surge
no campo do currículo um movimento no sentido de analisar os pro-
cessos de contestação e de resistência no interior das práticas pedagó-
gicas. Considera que esse movimento representa, assim, um avanço,
por não tomar “o sujeito [apenas] como produto das relações sociais
e econômicas, passando a atribuir-lhe um papel ativo na produção
cultural” (SANTOS, 1995, p. 28-29). Nessa perspectiva, enfatizou-se a
necessidade de novo discurso e de nova prática pedagógica, mais con-
soantes com os interesses das camadas desfavorecidas da sociedade.
A autora identifica, nesse sentido, duas tendências no campo
do currículo: uma que destaca a necessidade da escola promover o
acesso ao conhecimento historicamente acumulado, “o que de certa
forma significa tornar a escola responsável pela popularização do co-
nhecimento científico”. A outra enfatiza a necessidade de se romper
com a relação entre cultura escolar e cultura das classes dominantes,
apontando para o trabalho com o conhecimento das classes popula-
res. Para ela, a essas duas abordagens falta, “um trabalho mais apro-
fundado sobre em que consiste realmente o conhecimento escolar”
(SANTOS, 1995, p. 29). Neste sentido, a mesma autora afirma que o
conhecimento escolar se expressa, sobretudo, no que pode ser cha-
mado de discurso pedagógico. Tal discurso resulta de uma prática de
produção que possui um aspecto discursivo e outro, material. (SAN-
TOS, 1992, p. 82)
O discurso pedagógico, para Bernstein (1996) resulta do proces-
so de recontextualização, que transforma o conhecimento especiali-
zado, do seu contexto de produção até o contexto de transmissão, no
qual se constitui o conhecimento escolar: “A forma dessa transforma-
ção é regulada por um princípio de descontextualização. Esse processo se

14
refere à mudança no texto como se ele fosse, primeiramente, deslocado
e, depois, realocado”. (p. 91. [Grifos do autor.])
O discurso pedagógico possui um conteúdo – o conhecimento
especializado das diferentes áreas do conhecimento – e uma forma –
relacionada com teorias e princípios metodológicos associados à trans-
missão do conhecimento. Ou seja, a prática pedagógica se desenvolve
conforme as regras de realização que derivam das teorias de ensino.
Portanto, essas teorias constituem um dos princípios recontextuali-
zadores que atuam na composição do conhecimento escolar. Além
deste, outros princípios – ligados às características específicas dos dife-
rentes grupos de alunos e das diferentes escolas – atuarão no processo
de recontextualização do conhecimento especializado.
Bernstein (1996) define o discurso pedagógico como um prin-
cípio de inserção de um discurso instrucional, numa base reguladora.
Assim, focalizar o conhecimento escolar, cuja expressão é o discurso
pedagógico, implica um duplo olhar: para o conteúdo e para a forma
do discurso pedagógico. Qualquer análise do que é oferecido pela es-
cola na formação de crianças e jovens que desconsidere ou enfatize
apenas um dos dois aspectos pode resultar numa abordagem acrítica
e enviesada, portanto.
Em especial, a centralização da reflexão apenas no que se refere
à forma, às questões de método, pode levar a uma análise que remete
a uma perspectiva instrumental e técnica de análise do trabalho da
escola e de seus agentes. Vale enfatizar a necessidade de ampla discus-
são sobre o que deve ser ensinado na escola, de acordo com o plano
formativo de uma sociedade num dado momento. Assim:

Currículo não é neutro [...]. Tem a ver com toda


essa reflexão e com a escolha da educação que
se deseja para as pessoas. Não pode interessar à
escola atuar no sentido de rebaixamento da per-
cepção das contradições sociais, e contribuir para
naturalizar a pobreza e a pouca aprendizagem,
para louvar o aumento do desejo de consumo das
pessoas. Educação para a emancipação exige um
currículo que possibilite experiência e aprendiza-
do com reflexão, para domínio de linguagens e
códigos que organizam a prática social, que favo-

15
reça compreender e problematizar as determina-
ções históricas do trabalho, e da produção da vida
em sociedade, imaginar outras possibilidades, am-
pliar a possibilidade de inserção crítica no contex-
to social. (SAMPAIO; GALIAN, 2013)

Importa saber, desse ponto de vista, se o conhecimento dispo-


nibilizado na escola é um “conhecimento poderoso”, ou seja, um co-
nhecimento que fornece as ferramentas conceituais e de pensamento
necessárias para que os alunos possam tomar distância e analisar a prá-
tica social na qual estão inseridos (YOUNG, 2007). Trata-se, também,
de se buscar uma distribuição mais justa do conhecimento “podero-
so”, cujo acesso deveria ser possibilitado a todos:

[...] a escolarização representa (ou pode repre-


sentar, dependendo do currículo) os objetivos
universalistas de tratar todos os alunos igualmen-
te e não apenas como membros de classes sociais
diferentes, grupos étnicos diferentes ou como
meninos e meninas. (YOUNG, 2011, p. 619-620)

Gimeno Sacristán (1999) também se refere a essa forma de jus-


tiça, destacando a inadequação de se diferenciar conteúdos para gru-
pos específicos:

Para que o currículo sirva ao ideal de justiça, não


se pode partir da ideia de diferenciar os conteúdos
da educação. Os interesses dos mais desfavorecidos
exigem aquilo que Connell (1997) denomina “jus-
tiça curricular”, e para consegui-la é preciso evitar a
diferenciação de uma parte substantiva dos conteú-
dos que deve ser generalizável. Devido às diferenças
sociais existentes (provocadas por classe social, por
gênero, por raça, por nacionalidade, etc.), o rela-
tivismo curricular implicaria transformar em “gue-
tos” os tipos de conteúdos para diferentes grupos
sociais, já que é muito difícil que a diferenciação
não seja acompanhada pela hierarquização de dife-
renças que conduzem à desigualdade. (p. 186)

16
O mesmo autor, ao discutir o que compõe os conteúdos do cur-
rículo ressalta que, diante da multiplicidade de expectativas que reca-
em sobre a escola, foi-se desenvolvendo um conceito mais amplo de
conteúdos, a fim de responder a tais expectativas. Assim, mais do que
se referir a uma seleção de conhecimentos especializados, este termo
adquiriu maior complexidade, referindo-se ao conjunto de experiên-
cias vividas na escola, ao menos no discurso sobre a escola, ainda que
na prática a definição de uma lista de conhecimentos continue em
grande medida orientando o trabalho dos professores, como atesta
Gimeno Sacristán (1998a):

[...] a concepção tradicional de conteúdos se


mantém com força no sistema educativo, pois,
[...] ajuda a dispor de significados mais aproxi-
mados, a regular melhor a prática, a organizar o
trabalho ao longo da escolaridade, a especializar
o professorado, a selecioná-lo, a constatar algum
rendimento mais concreto que dê uma ideia clara
se se progride ou não. (p. 154)

Assim, se por um lado tomar o currículo como uma organização


de listagens de conteúdos fornece parâmetros para o trabalho da es-
cola e do professor, também reduz o escopo do próprio currículo. Por
outro lado, a luta por ampliar o conceito de conteúdo do currículo
também levou em alguns momentos a uma recusa ao seu componente
acadêmico, gerando um movimento que afasta a escola de seu papel
cultural:

A incidência real das pretensões de alcançar uma


educação menos academicista tem sido mais deci-
siva na evolução dos métodos pedagógicos do que
nos conteúdos do ensino. Sua influência chegou
às vezes a se refletir em movimentos pendulares
que subestimaram a assimilação cultural nas aulas
em prol do cultivo da personalidade do aluno/a
e dos processos de aprendizagem; como se estas
finalidades estivessem à margem ou acima da cul-
tura e aperfeiçoassem o intelecto humano e a per-
sonalidade em geral do aluno/a no vazio cultural.

17
Obviamente, sem cultura não há funcionamen-
to intelectual possível, nem desenvolvimento da
personalidade, pois tais movimentos pendulares
também acabam caindo no vazio. (GIMENO SA-
CRISTÁN, 1998a, p. 154)

Moore (2012) também menciona este movimento de afastamen-


to da questão do conhecimento do núcleo das preocupações com o
currículo:

Torna-se cada vez mais difícil decidir o que ensi-


nar, ao contrário do que não ensinar.[...] A aná-
lise do conhecimento educacional torna-se um
exercício de desmistificação, em vez de uma ex-
plicação positiva dos fundamentos sobre os quais
se pode afirmar que algum conhecimento é mais
poderoso do que os outros, que é esse conheci-
mento que deve estar no currículo e que todos
os alunos têm direito a ele. A desigualdade mais
fundamental na educação é a de acesso ao melhor
do conhecimento.Mas, fazer tais afirmações é cor-
rer o risco de ser acusado de elitismo acadêmico,
de imperialismo cultural e de ignorar a relação
entre conhecimento e poder. (MOORE, 2012, p.
3. [Tradução nossa.])2

É justamente essa análise que se pretendeu desenvolver neste


texto: sobre o tipo de abordagem conferida ao conteúdo do currículo
da escola de tempo integral – como se apresenta e qual é o conheci-
mento considerado relevante no material focalizado.

2
“It becomes increasingly dificult to decide what to teach as opposed to what not to teach
[…]. The analysis of educational knowledge becomes a debunking exercise rather than
a positive explication of the grounds upon which it can be claimed that some knowledge
is more powerful than others, that it is this knowledge which should be in the curriculum
and that all pupils have an entitlement to it. The most fundamental inequality in educa-
tion is that of access to the best knowledge. But to make such claims is to run the risk of
being accused of academic elitism, cultural imperialism and of ignoring the relationship
between knowledge and power”. (MOORE, 2012, p. 3)

18
Um modelo de educação em tempo integral
Diante do objetivo assumido no material analisado – de “mos-
trar ‘como se faz’” a escola de tempos ampliados –, a análise empre-
endida no presente texto visou a identificar as indicações acerca do
conhecimento que deve ser abordado no currículo das escolas: o que
se destaca na apresentação das experiências que são tomadas como
exemplares? Qual a formação que se pretende com essas escolhas em
torno dos conhecimentos que comporão o currículo?
Vale destacar inicialmente que o material focalizado é de fácil
acesso em versão eletrônica e apresenta algumas experiências de mu-
nicípios e estados brasileiros, ressaltando aspectos que podem forne-
cer pistas para outras unidades da federação que estejam envolvidas
com a implementação da escola de tempo integral. Além disso, con-
forme consta no texto: “a escolha do que destacar [...] teve o objetivo
de revelar, de acordo com a dinâmica da publicação, a área na qual a
educação integral mais avançou, a que poderia dar ideias e soluções
que pudessem ser compartilhadas” (LOMONACO; SILVA, 2013, p.
13). Assim, é possível que os silêncios em torno de determinados as-
pectos representem aquilo que pouco ou nada avançou, segundo os
elaboradores do material.
Ao explicitarem a justificativa para a produção do material, os
autores destacam a relevância de se assumir com clareza o que as crian-
ças e jovens devem aprender na escola. Neste sentido, afirma-se que:

Tendo como horizonte a construção de uma so-


ciedade democrática, torna-se urgente discutir
quais são as aprendizagens fundamentais que
ajudarão os jovens a desenvolver conhecimentos,
atitudes e valores que contribuam para a convi-
vência com as diversidades, os cuidados com o
planeta e a justiça social. É importante que crian-
ças e jovens aprendam também a cuidar de si com
responsabilidade, conheçam seus direitos e deve-
res e construam seus projetos de vida, buscando,
com autonomia, informações e conhecimentos
necessários. (LOMONACO; SILVA, 2013, p. 16.
[Grifos nossos.])

19
Da mesma forma, é possível identificar a preocupação central
com a forma de abordagem assumida com o intuito de fomentar essas
aprendizagens consideradas centrais, com destaque para a busca pelo
interesse dos aprendizes:

[...] se educação integral implica em ampliação


de jornada, é preciso que as aprendizagens ocor-
ram de maneira criativa, inteligente e articulada;
afinal, se a criança estará mais tempo em período
escolar, seja dentro de uma só instituição seja em
outros lugares, estes deverão ser atrativos o sufi-
ciente para que ela tenha interesse em aprender,
descobrir e se aprofundar em assuntos variados,
para que valorize as diversas relações que estabe-
lece e participe com inteireza de um mundo em
transformação. (LOMONACO; SILVA, 2013, p.
17. [Grifos nossos.])

O excerto a seguir confirma o que se destacou anteriormente


sobre o que é considerada aprendizagem essencial e sobre a ênfase na
busca por novas formas de abordagem do conhecimento na escola:

O mundo contemporâneo interpela gestores, pro-


fessores, educadores e toda a comunidade educati-
va a (re)pensar o currículo das escolas buscando o
diálogo entre os conhecimentos tradicionais com
a cultura, as novas tecnologias, as competências
sociais e toda a diversidade de aprendizagens pos-
síveis no mundo moderno. Faz-se necessário ousar
e rever o ensino regular para dar conta de educar
uma geração que nasceu na era da informação, da
tecnologia e da velocidade. Pensar um novo cur-
rículo significa vislumbrar outras maneiras pelas
quais a ação educativa possa ser efetivada. (LO-
MONACO; SILVA, p. 22. [Grifos nossos.])

No trecho final, é possível identificar uma concepção de mudan-


ça curricular, claramente vinculada ao que se identifica como “outras
maneiras” de se desenvolver a ação educativa. Assim, a hipótese que
se vislumbra é de que o material focalizado restrinja a concepção de

20
currículo e de mudança curricular a um conjunto de experiências e
atividades, assim como aos modos ou aspectos ligados ao método de
ensino – ou seja, à forma –, ignorando a discussão acerca do que se
ensina e por que se ensina o conteúdo:
Tentativas vêm sendo feitas por muitos [municípios e estados]
[...] [que] viram-se diante da necessidade de reorganizar o currículo
deforma a torná-lo mais vivo. Assim, em vários cantos do Brasil, edu-
cadores se debruçaram sobre algumas questões: como integrar outros
saberes ao currículo do núcleo comum? Que atividades ofertar? Como
estabelecer ligações entre o aprendizado em sala de aula e o mundo que
nos rodeia? Esses questionamentos levaram muitas equipes escolares a
se confrontar com os desafios do uso das novas tecnologias, das novas
propostas metodológicas de ensino, das informações e conhecimentos
cada vez mais acessíveis e com as diversas expressões culturais de cada
comunidade. Cada vez mais fica claro que esses novos modos não se
contrapõem à eficiência do ensino-aprendizagem de Português e Mate-
mática, mas ao contrário, oferecem novos contextos mais favoráveis a
uma aprendizagem significativa desses conteúdos. (LOMONACO; SIL-
VA, 2013, p. 22. [Grifos nossos.])
No que se refere às experiências apresentadas no material ana-
lisado, são trazidas dez indicações – oito referentes a experiências de
municípios e duas, desenvolvidas por estados. Desse grupo de dez
experiências, quatro não fazem qualquer referência ao conteúdo
do conhecimento escolar, restringindo suas indicações às mudanças
referentes aos métodos, com menção ao uso de recursos tais como:
bibliotecas e ferramentas tecnológicas laptops ou metodologias (ou)
e formas de organização de tempo e espaço que representariam as
mudanças necessárias: atividades artísticas, culturais ou esportivas, em
geral no contraturno, na escola ou em outros espaços do município,
mudanças na duração das aulas, desenvolvimento de oficinas, proje-
tos, vivências etc.
Entre as demais experiências, verifica-se a tendência a essa mes-
ma valorização no que se refere ao método, ao uso de recursos tecno-
lógicos ou à forma de organização de tempos e espaços. E, quando se
referem ao conteúdo instrucional do currículo dessa escola de tempos
alargados, sobre a qual recai o objetivo de desenvolver uma formação

21
integral, as indicações são bem mais ligeiras e inespecíficas. Assim, des-
tacam aspectos tais como a busca por adequar a matriz curricular, de
forma a mesclar os saberes do núcleo comum com os do núcleo diver-
sificado, por exemplo – o que aparece em quatro experiências. Segue
um exemplo desse tipo de indicação:

Trata-se da efetivação de uma parceria escola/


comunidade capaz de congregar os saberes esco-
lares aos saberes das comunidades, promovendo
um programa que proporciona às crianças e jo-
vens uma educação integral de qualidade. Curas,
rezas, alimentação, brincadeiras, mitos e narrati-
vas locais “conversam” de maneira simples e de
fácil entendimento com os saberes escolares da
História, Geografia, Biologia, enfim, com o saber
acumulado e sistematizado historicamente. (LO-
MONACO; SILVA, 2013, p. 22)

Outra forma de se referir ao conhecimento a ser abordado – en-


contrada numa das experiências – dá-se pela indicação da necessidade
de articulação entre as disciplinas escolares e de desenvolvimento de
“apoio de estudos” que visam à “fixação, técnicas de estudo, debates para
os alunos trabalharem as dificuldades apresentadas no turno regular”.
Outra, ainda, indica a relevância do desenvolvimento de ativida-
des em espaços escolares que possam oferecer maiores oportunidades
pedagógicas aos alunos, tal como a possibilidade de desenvolver pro-
jetos de iniciação científica em bibliotecas.
Uma experiência ressalta, ainda, a busca por articulação entre
os saberes do núcleo comum e os focalizados em cursos profissionali-
zantes, para estudantes do Ensino Médio.
Por fim, depois de apresentadas as experiências dos diferentes
municípios e estados, é feita uma síntese dos aspectos que devem ser
focalizados por outros municípios que desejem implementar a edu-
cação em tempo integral. São eles, segundo os autores do referido
material:

• Estabelecer articulações entre os saberes aprendidos nas es-


colas e o universo cultural dos estudantes, “valorizando a cul-

22
tura, os espaços e os saberes locais, mas sempre em conexão
com o mundo”;
• Refletir sobre as várias metodologias de ensino e adequá-las
a um projeto de educação integral que repense a reorgani-
zação dos tempos e espaços, para que os estudantes sejam
constantemente desafiados diante de novas possibilidades
de aprendizagem;
• Envolver todos da comunidade escolar (famílias, professo-
res, diretores, alunos, funcionários) na discussão sobre o
tipo de educação integral que será oferecida, possibilitando
a integração constante de todos os agentes envolvidos;
• Utilizar as ferramentas tecnológicas disponíveis, mais uma
vez inovando os métodos;
• Manter a atenção nas demandas do mundo cotidiano, tais
como a preparação para o trabalho, as tecnologias e, prin-
cipalmente, a chamada à participação que “precisam estar
presentes quando se pensa em uma educação integral pro-
vocativa para essa faixa etária [jovens]”. (LOMONACO; SIL-
VA, 2013, p. 57)

Considerações finais
Constata-se, portanto, que as indicações sobre “como fazer” uma
escola de tempos ampliados dão conta de uma importante dimen-
são do trabalho escolar: a organização de experiências e atividades
participativas, envolventes e propícias à aprendizagem. Dão conta do
acolhimento dos alunos e dos saberes que trazem de sua experiência.
Contudo, não rejeitam, mas omitem os conhecimentos a serem prio-
rizados nessa relação com os saberes da experiência e com o mundo
que nos rodeia. Há referências ao núcleo comum e a “conversas” en-
tre as narrativas da cultura local com os saberes escolares da História,
Geografia, Biologia, enfim, com o saber acumulado e sistematizado
historicamente. São referências insuficientemente claras para definir
o que deve ser disponibilizado na escolarização de crianças e jovens.
Aí está o problema. Fica implícito nessa tomada de posição que
a forma de atuar produzirá a definição do que será objeto de aprendi-

23
zagem. Nessa perspectiva, a falta de explicitação poderia indicar que
há consenso sobre a existência de grande clareza na definição do cur-
rículo a partir das diretrizes mais amplas. Considerando, entretanto,
os baixos índices de aprendizagem dos alunos expostos nos resultados
das avaliações oficiais, não temos indicações que permitam afirmar ve-
ementemente que se tem, de fato, essa clareza. Pesquisa recente, que
se deteve sobre os anos finais do ensino fundamental e foi discutida
em artigo (DAVIS et al., 2012), alerta para essa indefinição, mais grave
nessa fase investigada, uma vez que “políticas e programas educacio-
nais formulados pelo MEC e pelas Secretarias Estaduais ou Municipais
de Educação, praticamente todas essas iniciativas se voltam para as
séries iniciais […]”(p.172). Além de apontar a falta de cuidado dessas
medidas com o atendimento às necessidades dos alunos nas diferentes
fases de seu processo de desenvolvimento, a pesquisa destaca a falta de
diálogo entre leis, diretrizes e normas sobre o currículo, resultando em
baixa definição a respeito de conteúdos e aprendizagens básicas para
os diversos níveis de ensino; não se tem clareza sobre os documentos
em que esses pontos são explicitados, havendo a possibilidade de se
entender que os conteúdos centrais são apenas pautados nas matrizes
das avaliações do sistema educacional (p.175). Aprofundando essa ar-
ticulação entre as políticas de avaliação e as políticas de currículo, vale
ressaltar o que indica Gatti (2014):

na ausência de orientações curriculares mais cla-


ras, as matrizes de avaliação vêm tomando o seu
lugar, o que é um contrassenso: currículos para
a formação na educação básica são muito mais
abrangentes e portadores de uma filosofia edu-
cacional dinâmica mais ampla, do que o que es-
pelha uma matriz operacional de avaliação que,
necessariamente, é restrita em seu escopo. (p. 21)

Davis et al.(2012, p. 176) ainda acrescentam:

Mesmo considerando que há diferentes possibili-


dades de organizar a trajetória formativa dos alu-
nos e reconhecendo que as escolas devem dispor
de autonomia curricular, faz-se essencial que as

24
decisões a serem incorporadas no Projeto Políti-
co-Pedagógico das escolas decorram de reflexões
coletivas relativas à cultura, ao conhecimento e
ao desenvolvimento humano. Essa é uma prática
crucial para que as escolas façam escolhas que fa-
voreçam a aquisição de “[…] conhecimentos re-
levantes, que incentivem mudanças individuais e
sociais, assim como formas de organização e de
distribuição dos conhecimentos escolares que
possibilitem sua apreensão e sua crítica”. (MO-
REIRA e CANDAU, 2007, p.21)3

Ora, se falta orientação e apoio das políticas públicas, se as es-


colas revelam a sua dificuldade para focalizar os conhecimentos re-
levantes e proporcionar sua aprendizagem efetiva, por um lado fica
evidente que uma proposta de escola em tempos ampliados não se
sustenta apenas com a indicação de medidas para o acolhimento dos
alunos e de experiências e atividades participativas. E que tal dificulda-
de compromete essa proposta, mesmo quando no contraturno se ofe-
reçam atividades de reforço e recuperação, que continuarão girando
em torno das mesmas escolhas e práticas que geraram a insuficiência
e fragilidade de aprendizagem dos alunos.
Por outro lado, desenha-se o problema em torno de algumas
questões, como: Quem deve ser responsável pela definição do que
deve ser desenvolvido? O que cabe às instâncias centrais, à escola, aos
professores? Quais as implicações dessa reflexão sobre a formação ini-
cial dos professores?
Se é na escola que se expressa o problema de aprendizagem dos
alunos, parece que é daí que deve partir a definição do que é preciso
focalizar, a partir do que os alunos já sabem, ou não sabem e preci-
sam aprender. Na escola, os professores conseguem, ou não, fazer essa
indicação, o que pode ocorrer por muitas razões, inclusive por certa
fragilidade no domínio do conhecimento sistematizado. Nesse caso, a
intervenção das instâncias centrais, concretizada em materiais baseados
em orientações detalhadas para o trabalho docente, ainda que pareça

3
MOREIRA, Antônio Flávio B.; CANDAU, Vera. Indagações sobre currículo: Currículo,
conhecimento e cultura. (Brasília, MEC/SEB, 2007, p. 12)

25
uma solução bem rápida, pode virar um receituário sem significado, a
ser cumprido por professores e alunos. Soluções elaboradas fora da prá-
tica da sala de aula solicitam do professor apenas aplicação e uso, mas
dificilmente propiciam reformulações e reorientação de rumo diante
das necessidades e dificuldades dos alunos. É a partir do trabalho mais
interno da escola e de toda a sua equipe pedagógica que se pode orga-
nizar e fortalecer uma prática acompanhada de reflexão e de estudo,
necessária para dirigir retomadas e reelaborações, para garantir a expli-
citação do projeto curricular e o seu desenvolvimento com os alunos.
Evidentemente, tudo isso exige que se forme um grupo de pro-
fessores com domínio do conhecimento de sua especialidade, uma
firme concepção crítica de currículo e clareza sobre a importância de
sua atuação na recontextualização e organização dos saberes, na busca
de interfaces entre esses conteúdos e suas relações com a cultura, na
orientação e acompanhamento dos alunos. Identificar as necessidades
dos alunos e fazer escolhas com essa nitidez e acerto são ações, que
certamente só se tornam possíveis como resultado de sólida formação e
de trabalho muito articulado na escola, aglutinando os professores em
torno de estudo sério e da reflexão sobre sua prática.
O que cabe aos professores e constitui o seu espaço de autono-
mia, portanto, refere-se ao aprendizado do ofício, que só se aprofunda
e se fortalece na prática e na formação continuada, quando se estrutu-
rou em sólida formação inicial, baseada no domínio do conhecimento
e no compromisso com o crescimento e aprendizagem dos alunos em
todas as fases de sua escolarização.
Gimeno Sacristán (1998b, p. 77-78) discute as dificuldades de
integração curricular e do trabalho docente, em relação aos estilos
profissionais de professores das etapas iniciais da escolarização, mais
ligados ao trabalho como professor único de um mesmo grupo de alu-
nos, e daqueles que respondem pelo ensino de disciplinas específicas,
nas fases subsequentes. Analisando a especialização de funções como
manifestação da progressiva taylorização e fragmentação que o currícu-
lo experimentou, o autor conclui:

Tal especialização repercute numa desprofis-


sionalização, no sentido de que um domínio de
campos curriculares cada vez mais especializados

26
leva em si à perda de competências profissionais,
como é o caso da capacidade de inter-relacionar
conhecimentos diversos para que tenham um sen-
tido coerente para o aluno que os recebe. A des-
profissionalização em tal competência exige uma
reprofissionalização numa competência nova: a
de colaborar dentro da equipe docente. (GIME-
NO SACRISTÁN, 1998b, p.79)

O preparo esperado deste profissional é, então, bem mais am-


plo do que o de especialista em parcelas do currículo, referindo-se ao
de professor educador de pessoas que têm direito à compreensão de
sua realidade e dos códigos que organizam a vida em sociedade, o que
implica maior complexidade nas propostas, de formação inicial e con-
tinuada, dos professores. E no que se refere ao conhecimento escolar,
o necessário é que tenham domínio de conteúdo e forma do discurso
pedagógico, para que se façam escolhas acertadas e se possa, de fato,
realizar uma distribuição mais justa do conhecimento “poderoso”, para
possibilitar seu acesso a todas as crianças e jovens.

Referências:
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trajetória. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 108, p. 27-48, nov. 1999.

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422, maio/ago. 2012.

GATTI, B. Avaliação: contexto, história e perspectivas. Olh@res, Guarulhos, v. 2, n.


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27
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Artmed, 1998a.

GIMENO SACRISTÁN, J. O que são os conteúdos do ensino? In: GIMENO SA-


CRISTÁN, J.; PÉREZ GOMEZ, A. I. Compreender e transformar o ensino. Porto Alegre:
Artmed, 1998b, p. 149-195.

GIMENO SACRISTÁN, J. Poderes instáveis em educação. Porto Alegre: Artmed, 1999.

LOMONACO, B.; SILVA, L. (Coords.). Percursos da educação integral em busca da


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2013. Disponível em <educacaointegral.org.br/wp-content/uploads/2014/05/
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mento radical em defesa de um currículo centrado em disciplinas. Revista Brasilei-
ra de Educação, v. 16, n. 48, set./dez. 2011, p. 609-623.

28
CAPÍTULO 2

Reflexões sobre a ampliação da


jornada escolar a partir do Plano
Nacional de Educação 2014-2024
Soraya Vieira Santos

Liberdade Condicional
Poderás ir até a esquina
Comprar cigarros e voltar
Ou mudar-te para a China
– só não podes sair de onde tu estás.
Mario Quintana

Refletir sobre a ampliação da jornada escolar tendo como pers-


pectiva o Plano Nacional de Educação (2014) para o próximo decê-
nio constitui-se no objetivo deste texto. Trata-se de uma aproximação
inicial, haja vista a importância e urgência de discussões em torno da
temática da escola integral, tão desejada e contraditoriamente negada
ou superficialmente discutida na realidade da escola pública no Brasil.
Não é novidade que a legislação educacional brasileira prevê
que o ensino fundamental deverá ser progressivamente ministrado
em tempo integral. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB), Lei nº. 9394/1996, na seção destinada ao ensino fundamental,
afirma:

Art. 34. A jornada escolar no ensino fundamen-


tal incluirá pelo menos quatro horas de trabalho
efetivo em sala de aula, sendo progressivamente
ampliado o período de permanência na escola.
§ 1º. São ressalvados os casos do ensino noturno
e das formas alternativas de organização autoriza-
das nesta Lei.
§ 2º. O ensino fundamental será ministrado pro-
gressivamente em tempo integral, a critério dos
sistemas de ensino.

29
As disposições transitórias da referida lei igualmente asseveram
no artigo 87, parágrafo 5º, que “serão conjugados todos os esforços ob-
jetivando a progressão das redes escolares públicas urbanas de ensino
fundamental para o regime de escolas de tempo integral” (BRASIL,
1996). Contudo, a LDB deixa a critério dos sistemas de ensino o pla-
nejamento e as decisões referentes à implantação do tempo integral.
O Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado em 2001, por
sua vez, também corroborou no sentido de indicar que as escolas bra-
sileiras, gradativamente, devessem atender aos alunos em tempo inte-
gral. Dentre os objetivos e metas previstos para o Ensino Fundamental
no Plano, cita-se: “Ampliar, progressivamente, a jornada escolar visan-
do a expandir a escola de tempo integral, que abranja um período, de
pelo menos, sete horas diárias, com previsão, de professores e funcio-
nários, em número suficiente”. (BRASIL, 2001)
O PNE de 2001 afirmava ainda a intenção de: “Prover, nas escolas
de tempo integral, preferencialmente para as crianças das famílias de
menor renda, no mínimo duas refeições, apoio às tarefas escolares, a
prática de esportes e atividades artísticas, nos moldes do Programa de
Renda Mínima Associado a Ações Socioeducativas”. Entretanto, este
Plano não assegurava diretamente qual o percentual de escolas que
deveriam ter a jornada escolar ampliada. Esclarecia, apenas, uma op-
ção pelo aumento da jornada escolar, particularmente, para as crian-
ças de menor renda, como é possível notar nos objetivos e prioridades
ainda na “Introdução” do PNE, que diz: “Prioridade de tempo integral
para as crianças das camadas sociais mais necessitadas”.
Por sua vez, o Plano Nacional de Educação para o próximo decê-
nio, finalmente publicado no Diário Oficial da União, de 26 de junho de
2014, estabelece no anexo destinado às Metas e Estratégias um objeti-
vo um tanto mais propositivo e concreto no que concerne à ampliação
da jornada escolar, conforme se lê na meta 6: “Oferecer educação em
tempo integral em, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das esco-
las públicas, de forma a atender, pelo menos, a 25% (vinte e cinco por
cento) dos(as) alunos(as) da Educação Básica”.
Esta meta, que apresenta um percentual a ser alcançado no que
concerne ao número de escolas públicas, bem como um percentual a
ser alcançado quanto à quantidade de alunos atendidos por essas esco-
las, manifesta o entendimento da necessidade de ampliação da jornada

30
escolar e, mais que isso, expressa em números quais os níveis que o país
pretende alcançar quanto à escola de tempo integral até o ano de 2024.
Destaca-se que o número de 25% do total de alunos matriculados na
rede pública corresponde ao total de 50% das escolas, uma vez que a
escola que funciona em tempo integral atende, em média, à metade
da quantidade de alunos se comparada a uma escola que funciona em
dois turnos. Isto significa que, se em 2024, metade das escolas públicas
funcionarem com jornada ampliada – e esta é a meta –, 25% dos alu-
nos estarão permanecendo na escola, ou em atividades de contraturno
correlatas à escola, por, pelo menos, sete horas diárias.
Analisando a porcentagem de matrículas na rede pública em
tempo integral na Educação Infantil, no Ensino Fundamental e no En-
sino Médio, vê-se que o número de matrículas na Educação Integral
vem aumentando em relação ao total de matriculados na Educação
Básica. De acordo com dados disponíveis no Observatório do PNE,1
em 2011 havia 8,2% de alunos matriculados na Educação Integral;
em 2012 esse número aumentou para 9,9%; em 2013 para 13,2%; a
meta, para 2024, como dito anteriormente, de 25%. Este indicador
considera o número de alunos matriculados em uma jornada igual ou
superior a sete horas diárias. Em se tratando de um dado quantitativo,
evidentemente que o indicador não é capaz de apanhar o conceito
de Educação Integral que pressupõe muito mais que o mero cumpri-
mento de carga horária, mas é capaz de indicar como, ano a ano, mais
alunos vêm permanecendo por mais tempo na escola.
É preciso ponderar, entretanto, que, se o PNE de 2001 não
apresentava metas quantitativas específicas quanto à ampliação da
jornada escolar, era, por sua vez, bastante claro ao referir-se ao Ensino
Fundamental como sendo o nível de ensino objeto da ampliação da
jornada escolar, assim como a LDB/1996 supracitada. O PNE de 2014,
por sua vez, não vincula a meta 6 especificamente ao Ensino Funda-
mental e inclui, portanto, a Educação Infantil e o Ensino Médio, com-
preendendo toda a Educação Básica.

1
O Observatório do PNE “é uma plataforma on-line que tem como objetivo monitorar os
indicadores referentes a cada uma das 20 metas do Plano Nacional de Educação (PNE) e
de suas respectivas estratégias, e oferecer análises sobre as políticas públicas educacionais
já existentes e que serão implementadas ao longo dos dez anos de vigência do Plano”. Ver:
www.observatoriodopne.org.br

31
Se, por um lado, é verdadeiro o argumento de que a meta do
PNE 2014 é mais abrangente ao incluir toda a Educação Básica, por
outro lado, corre-se o risco de que os dados referentes aos outros níveis
de ensino venham a distorcer a realidade quanto ao Ensino Funda-
mental. Para compreender melhor essa questão tomemos como base
outros dados disponíveis no Observatório do PNE, por exemplo, com
relação à porcentagem de escolas públicas com matrículas em tempo
integral. Segundo o Observatório do PNE, 34,7% das escolas públicas
brasileiras de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio
apresentaram matrículas em tempo integral no ano de 2013.
Esse número, à primeira vista, pode parecer satisfatório como
ponto de partida para alcançar os 50% até o ano de 2024. Mas quando
se considera que nele estão diluídos os índices referentes à Educação
Infantil, que por sua natureza historicamente apresenta no Brasil um
regime de jornada ampliada, conclui-se que são necessários cautela e
esforços concentrados no sentido da Educação Integral. Sobre essa
questão é válido ressaltar que, de acordo com Compère (2007), nos
países europeus desenvolvidos são as crianças maiores que permane-
cem na escola por mais tempo, e não as crianças menores como ocor-
re em nosso país.2 Ao passo que na realidade brasileira boa parte das
creches e pré-escolas funciona em tempo integral, poucas instituições
de Ensino Médio possuem jornada ampliada, e um grande número
de jovens estuda no período noturno para conciliar a escola com o
mundo do trabalho.
O quantitativo de 34,7% pode parecer ainda menos positivo
quando observamos que, para se chegar a esse número, considerou-
-se qualquer escola que tenha pelo menos um aluno em jornada de
sete horas diárias, conforme o Observatório do PNE. Isto é, a escola
pode ter entrado nessa porcentagem sem ter de fato um projeto de
Educação Integral, mas apenas um aluno que frequenta atividades de
reforço escolar, por um tempo limitado e não necessariamente em
todo o ano letivo.

2
Sobre a relação entre o desenvolvimento infantil e o tempo de escola, base para a defesa
de que as crianças maiores – e não as menores – permaneçam mais tempo na instituição
escolar, ver estudo da teoria do desenvolvimento humano de Henri Wallon em Santos
(2013).

32
Quando se consideram as escolas que possuem mais de 50% dos
alunos em tempo integral, ou seja, com jornada superior a sete horas
por dia, o número cai drasticamente. Em 2011, o Brasil apresentou
9,6% de escolas públicas de Educação Básica com mais de 50% dos
alunos em tempo integral, e em 2012 esse número aumentou para
11%. Certamente como a meta é alcançar, em 2024, 50% das escolas
funcionando com jornada ampliada, espera-se que cada uma dessas es-
colas atenda nessa jornada mais que 50% dos seus alunos, quiçá todos.
Ao se fazer a análise dos números de cada nível de ensino, sepa-
radamente, vê-se que o desafio para o Ensino Fundamental é ainda
muito grande, uma vez que apenas 4,6% do total de escolas públicas
de Ensino Fundamental possuíam, em 2012, mais de 50% de alunos
matriculados em tempo integral. Daí a necessidade de atenção quanto
à meta 6 do PNE, pois, se abrange toda a Educação Básica, não deve
mascarar a realidade do Ensino Fundamental, prioritário quanto à
ampliação da jornada escolar, como argumenta Coelho (2004, 2012),
para quem o horário integral se constitui em tempo “fundamental” no
ensino fundamental.
Assim, a questão que se apresenta é se o ideal não seria que o
PNE expressasse com clareza a meta de ampliar a jornada escolar no
Ensino Fundamental, primeiramente, para depois abranger toda a
Educação Básica, de modo que cada nível de ensino fosse tratado em
suas especificidades com relação à ampliação da jornada escolar. E
por que é tão importante garantir que o Ensino Fundamental tenha
a devida atenção? Porque neste nível de ensino o aluno passa pelo
importante processo de alfabetização e tem acesso à escolarização
propriamente dita no que concerne ao acesso aos conteúdos histo-
ricamente construídos. É verdade que a maior quantidade de tempo
não significa, necessariamente, práticas escolares qualitativamente po-
sitivas, mas pode propiciar e favorecer que tais práticas se concretizem
na idade correta.
Nesse sentido, é válido lembrar a meta 2 do PNE 2014, relativa ao
Ensino Fundamental: “Universalizar o Ensino Fundamental de 9 anos
para toda a população de 6 a 14 anos e garantir que pelo menos 95%
dos alunos concluam essa etapa na idade recomendada, até o último
ano de vigência deste PNE”. Ora, se além de garantir a universalização

33
do acesso ao Ensino Fundamental o PNE pretende criar condições
para que os alunos concluam este nível de ensino na idade correta,
certamente a vinculação desta meta com a ampliação da jornada esco-
lar se faz necessária. Mais tempo para alfabetizar na idade correta – e
mais tempo para acessar os conteúdos na idade adequada – poderia
significar, ou pelo menos poderia facilitar, o alcance da meta 2.
Para alcançar a meta 6, relativa à Educação Integral, o PNE 2014
elenca nove estratégias que se mostram pertinentes e necessárias no
que se refere à ampliação da jornada escolar. Entretanto, como não
são direcionadas a um nível de ensino específico, mas a toda a Edu-
cação Básica, sua execução merece ainda mais atenção e acompanha-
mento. A primeira estratégia é a seguinte:

6.1) promover, com o apoio da União, a oferta de


Educação Básica pública em tempo integral, por
meio de atividades de acompanhamento pedagó-
gico e multidisciplinares, inclusive culturais e es-
portivas, de forma que o tempo de permanência
dos(as) alunos(as) na escola, ou sob sua respon-
sabilidade, passe a ser igual ou superior a 7 (sete)
horas diárias durante todo o ano letivo, com a am-
pliação progressiva da jornada de professores em
uma única escola;

Evidencia-se a defesa para que o tempo de permanência do aluno


na escola, ou sob sua responsabilidade, deva ser igual ou superior a sete
horas diárias em todo o ano letivo, e não apenas em momentos específi-
cos. Isto é particularmente importante para impedir que sejam contabi-
lizados como iniciativas de Educação Integral projetos em que os alunos
permanecem na escola em tempo maior apenas esporadicamente, seja
algumas vezes na semana ou no final do semestre letivo, por exemplo.
Ainda nesta estratégia merece relevo a defesa pela ampliação da jornada
dos professores em uma única escola, de modo que não apenas os alu-
nos permaneçam em tempo integral, mas também os professores por
eles responsáveis. Diversos estudos indicam que não é possível haver um
projeto de Educação Integral quando os professores precisam se desdo-

34
brar em várias escolas para cumprir sua carga horária.3
Sobre o tempo a mais a ser alcançado na Educação Básica, ain-
da nesta primeira estratégia fica explícito que pode tratar-se de um
tempo efetivado na escola, ou em atividades sob a responsabilidade
da escola, o que coloca em questão a ideia, já amplamente discutida
por Cavaliere (2009), sobre as propostas de Educação Integral em que
o aluno é aluno em tempo integral, no contraponto de propostas em
que a escola é que é escola em tempo integral. O texto do PNE parece
indicar que, mesmo em atividades fora da escola, é a esta instituição de
ensino que pertence a responsabilidade sobre o aluno, o que significa
um avanço quanto à concepção de Educação Integral, que não pode
ser terceirizada ou efetivada sem articulação com o projeto pedagógi-
co da instituição escolar.
A segunda e a terceira estratégias vinculadas à meta 6 do PNE
referem-se à necessidade de mudanças no espaço escolar, para aten-
der aos alunos em tempo integral:

6.2) instituir, em regime de colaboração, progra-


ma de construção de escolas com padrão arqui-
tetônico e de mobiliário adequado para atendi-
mento em tempo integral, prioritariamente em
comunidades pobres ou com crianças em situação
de vulnerabilidade social;
6.3) institucionalizar e manter, em regime de
colaboração, programa nacional de ampliação e
reestruturação das escolas públicas, por meio da
instalação de quadras poliesportivas, laboratórios,
inclusive de informática, espaços para atividades
culturais, bibliotecas, auditórios, cozinhas, refei-
tórios, banheiros e outros equipamentos, bem
como da produção de material didático e da for-
mação de recursos humanos para a educação em
tempo integral; [...]

Essas duas estratégias indicam dois movimentos distintos no sen-


tido da Educação Integral: um primeiro referente à construção de es-

3
Nesse sentido, ver: Paro et al. (1988), Coelho (2002), Maurício (2002), Santos (2009),
dentre outros.

35
colas, e um segundo referente à adaptação das escolas já existentes.
Sobre a construção de escolas para atendimento em tempo integral, é
salutar lembrar que programas anteriores, como o dos CIEPs no Rio de
Janeiro e os CAICs do governo federal, seguiram esse caminho e, em-
bora tenham sido criticados por constituírem escolas muito diferentes
das demais escolas da rede pública, por outro lado foram consideradas
escolas públicas de alto padrão. Trata-se de tema contraditório, pois
ainda que não se deva defender que apenas alguns alunos da rede pú-
blica tenham acesso a um projeto diferenciado, constituindo um gue-
to, deve-se também ter em vista que é preciso começar de algum lugar,
nesse caso de alguns poucos prédios construídos de modo específico.
Em análise sobre a permanência do horário integral nas escolas
públicas do Rio de Janeiro, Maurício (2002) indica alguns estudos que
mostraram como o projeto dos CIEPs, construídos de modo tão impo-
nente e atrativo, constituiu-se em investida do populismo e do clien-
telismo em educação. Evidentemente que não se pode, a partir disso,
concluir que não se devam construir escolas especificamente com a
finalidade do tempo integral, mas deve-se ter em vista que o projeto
possa ser estendido para toda a comunidade com interesse na jornada
ampliada. Isto é, deve-se ter como alvo a universalização da proposta,
especialmente para que a Educação Integral não se estabeleça como
realidade pensada apenas para os “alunos pobres”.
A pesquisa de Castro e Lopes (2011, p. 275) mostrou que um
projeto recente de ampliação da jornada escolar em São Paulo pode-
ria ser compreendido à luz de sua dupla função:

Para os entrevistados, a dupla função da Escola


de Tempo Integral, guarda e educação, é clara. A
primeira coibiria, de acordo com os depoimentos,
a ociosidade que pode gerar marginalidade das
crianças e adolescentes que estão fora do merca-
do de trabalho por força de lei, e a segunda servi-
ria ao mercado com a formação de futuros traba-
lhadores, por meio da instrução básica.

Esta função de guarda e educação é significativa, pois, se para os


gestores da proposta a justificativa para a criação do projeto era a me-
lhoria da qualidade do ensino, “havia uma quase unanimidade, entre

36
os diferentes sujeitos entrevistados, ao afirmarem que o governo ins-
tituiu a escola ‘para tirar as crianças da rua, com certeza’”. (CASTRO;
LOPES, 2011, p. 276)
Quando o PNE 2014 afirma que a construção de escolas com
padrão arquitetônico para funcionamento em tempo integral deve se
dar “prioritariamente em comunidades pobres ou com crianças em si-
tuação de vulnerabilidade social”, o texto comprova como a ampliação
da jornada escolar tem sido muitas vezes defendida não com base em
argumentos pedagógicos, mas, sobretudo, com o objetivo de retirar
das ruas crianças e/ou adolescentes em situação de risco social, como
já estava explícito no PNE de 2001. Este tema vem sendo objeto de
discussão, haja vista que o tempo a mais na escola não pode, e não
deve ser pensado exclusivamente pela incorporação da função de as-
sistência social à escola, como argumentam Miranda e Santos (2012).
Certamente a jornada ampliada necessita ser pedagogicamente plane-
jada e executada, assim como necessita ser desejada e não imposta à
comunidade.
No sentido da universalização da Educação Integral, a ampliação
e a reforma das escolas já existentes se mostram mais necessárias e pre-
mentes. Isto porque, se grande parte das escolas da rede pública pre-
cisa ser reformada e reestruturada para receber os alunos em tempo
parcial, quiçá para receber os estudantes em uma jornada ampliada.
Não é possível pensar em Educação Integral sem espaços confortáveis
para leitura, estudo, refeições, higiene, esporte, lazer etc., e evidente-
mente isso independe do tempo que o aluno permanece na escola,
se parcial ou integral, pois todo o tempo escolar precisa ser tempo de
qualidade.
Nesse sentido da qualidade, a estratégia 6.3 do PNE 2014 destaca
ainda a necessidade de produção de material didático e da formação
de recursos humanos para a educação em tempo integral, uma vez
que apenas infraestrutura e equipamentos não são suficientes para
garantir Educação Integral. A formação do professor, bem como o
preparo de todos os profissionais para atuar na escola integral, é um
dos pontos críticos de projetos dessa natureza, pois é necessário que
todas as atividades do aluno estejam articuladas, ou corre-se o risco de
o tempo a mais na escola não ter qualquer vinculação, por exemplo,

37
com os conteúdos e com o projeto político-pedagógico da instituição.
Um estudo realizado por Santos (2009) na Rede Municipal de
Educação de Goiânia – GO, que possui um projeto de ampliação do
tempo escolar desde 2005, mostrou que boa parte das atividades reali-
zadas no contraturno, isto é, no outro turno acrescentado à rotina dos
alunos na escola, se constituía em atividades improvisadas. Evidente-
mente que a natureza do trabalho pedagógico supõe certo improviso,
pois a prática faz emergir situações inesperadas e que precisam ser “re-
solvidas” imediatamente. Entretanto, a crítica que se faz ao improviso
está no fato de que as atividades acrescentadas na rotina dos alunos
não expressem continuidade e tampouco articulação com as ativida-
des do currículo comum.
Nesse sentido, da dificuldade de articulação entre as atividades
de ampliação da jornada escolar, de certa maneira preocupam as es-
tratégias que se seguem no PNE, quais sejam:

6.4) fomentar a articulação da escola com os dife-


rentes espaços educativos, culturais e esportivos e
com equipamentos públicos, como centros comu-
nitários, bibliotecas, praças, parques, museus, tea-
tros, cinemas e planetários;
6.5) estimular a oferta de atividades voltadas
à ampliação da jornada escolar de alunos(as)
matriculados(as) nas escolas da rede pública de
educação básica por parte das entidades privadas
de serviço social vinculadas ao sistema sindical, de
forma concomitante e em articulação com a rede
pública de ensino;
6.6) orientar a aplicação da gratuidade de que tra-
ta o art. 13 da Lei no 12.101, de 27 de novembro
de 2009, em atividades de ampliação da jornada
escolar de alunos(as) das escolas da rede pública
de educação básica, de forma concomitante e em
articulação com a rede pública de ensino; [...]

Certamente um projeto de Educação Integral deve levar em consi-


deração as possibilidades de articulação entre a escola e outros espaços
educativos, culturais e esportivos, como indica o PNE/2014. A valori-
zação dos bens culturais já existentes na comunidade, e as múltiplas

38
situações de aprendizagem que podem ser construídas com articulação
no território onde a escola se localiza, representa um salto qualitativo
para os alunos. Contudo, a realização desse tipo de vinculação entre a
escola e espaços alternativos necessita de planejamento e acompanha-
mento pedagógico, para não vir a tornar-se atividade de entretenimento
sem fins específicos. Mesmo os momentos de lazer devem ser pensados
como tal, para não se transformarem “acidentalmente” em momentos
de desocupação, por falta de organização ou de supervisão pedagógica.
Se a articulação entre atividades do turno matutino e do turno
vespertino já se mostra como um desafio dentro da escola integral,
como mostram Santos (2009) e Castro e Lopes (2011), dentre outros
autores, quanto mais em projetos que preveem a utilização de espaços
externos à escola. O problema não está especificamente no acréscimo
de novas atividades, mas no fato de que a separação entre os turnos, a
dispersão de conteúdos e a ausência de articulação entre as áreas de
conhecimento não podem impedir o aprofundamento e a apreensão
dos conceitos fundamentais em cada área.
Além de estimular a articulação entre a escola e outros espaços
e bens públicos existentes na comunidade, o PNE/2014 revela o estí-
mulo às parcerias com entidades privadas e às parcerias entre organi-
zações não governamentais e a escola. Cavaliere (2007) já havia cha-
mado a atenção para um tipo de concepção de Educação Integral por
ela denominada como “multissetorial”, que compreende propostas de
expansão da jornada escolar que não são centralizadas na instituição
educacional. Segundo a autora, esta concepção não depende da estru-
turação de uma escola de horário integral, pois prevê que a educação
possa e deva ser feita fora da escola:

O tempo integral não precisa estar centraliza-


do em uma instituição. As estruturas de Estado,
isoladamente, seriam incapazes de garantir uma
educação para o mundo contemporâneo e a ação
diversificada, de preferência de setores não gover-
namentais, é que poderia dar conta de uma edu-
cação de qualidade. (CAVALIERE, 2007, p. 1029)

O risco que se corre ao estimular projetos de Educação Integral


dessa natureza, isto é, multissetoriais, está em que paulatinamente o

39
Estado terceirize sua responsabilidade sobre a educação pública. Nes-
se sentido, Miranda e Santos (2012, p. 1090) afirmam:

Essa tendência em reduzir a responsabilidade es-


tatal está presente nas propostas de tempo inte-
gral que utilizam espaços fora da escola, e também
naquelas que incentivam o trabalho voluntário
nas experiências de escola integral que centrali-
zam suas atividades dentro e fora da instituição
escolar. Nesses casos, as propostas de ampliação
da jornada escolar recorrem ao voluntariado com
a convocação de que é preciso “fazer parte”, atri-
buindo ao esforço individual e informal de pesso-
as solidárias a prerrogativa de mudar a educação e
garantir escola de qualidade para todos.

Ainda que as parcerias com entidades privadas e com organiza-


ções voluntárias não possam ser negadas como importantes no pro-
cesso de superação dos problemas históricos da educação pública no
Brasil, devem ser vistas com cautela. Se o PNE/2014 prevê o estímulo
a esse tipo de parceria, é preciso que a sociedade civil esteja atenta
para não permitir que o Estado passe adiante seu papel na promoção
de uma educação pública de qualidade. Além disso, é preciso garantir
que a escola tenha um papel protagonista no processo, e que os pro-
fessores efetivos sejam os principais atores, inibindo a participação de
pessoas que, apesar de “bem-intencionadas”, sejam alheias ao projeto
político-pedagógico da instituição escolar.
O respeito à diversidade local e a atenção às pessoas com neces-
sidades educacionais especiais podem ser identificados nas estratégias
do PNE/2014 para implantação da Educação Integral, o que mostra
que a meta de ampliação da jornada escolar pretende alcançar todos
os estudantes da Educação Básica:

6.7) atender às escolas do campo e de comuni-


dades indígenas e quilombolas na oferta de edu-
cação em tempo integral, com base em consulta
prévia e informada, considerando-se as peculiari-
dades locais;

40
6.8) garantir a educação em tempo integral para
pessoas com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades ou superdo-
tação na faixa etária de 4 (quatro) a 17 (dezes-
sete) anos, assegurando atendimento educacio-
nal especializado complementar e suplementar
ofertado em salas de recursos multifuncionais da
própria escola ou em instituições especializadas;
[...]

Merece relevo a noção de que a implantação da jornada amplia-


da em comunidades do campo, indígenas e quilombolas depende de
“consulta prévia e informada”. E por que isto seria importante? Por-
que não basta que a escola integral seja uma “solução pronta” a ser
executada em qualquer lugar. Mais que uma necessidade para quem
trabalha e não tem quem cuide de seus filhos, a jornada escolar am-
pliada precisa evoluir para um projeto a ser desejado pela comuni-
dade, respeitando-se, inclusive, a possibilidade de não ser quista em
determinados lugares, por opção das famílias.
Assim, deve-se lembrar de que, enquanto o Brasil caminha no
sentido de aumento da oferta de jornada escolar ampliada, outros pa-
íses fazem um caminho inverso:

[...] observa-se um fenômeno recente, que vem


ocorrendo nos países desenvolvidos e merece re-
gistro: são os movimentos de recusa à escola, nos
moldes em que esta existe, sob a alegação de que
a mesma submete e usurpa o tempo da infância e
a liberdade da família em relação à formação das
crianças. Critica-se fortemente a prática dos deve-
res de casa e o fato de que, enquanto o tempo de
trabalho dos adultos vem sendo encurtado, o tem-
po de escola continua se prolongando sem uma
mudança na qualidade daquilo que ela oferece.
(CAVALIERE, 2002, p. 5)

É evidente que a realidade brasileira está distante de um movi-


mento de recusa à escola, até mesmo porque só agora a universalização
do ensino fundamental começa a ser plenamente alcançada. Entretan-

41
to, não se deve negar que é absolutamente possível que uma comunida-
de “escolhida” pelo governo para “receber” a escola integral não tenha
interesse nas atividades ofertadas pela ampliação da jornada escolar.
A pesquisa de Santos (2009) mostrou que, a despeito das muitas
atividades oferecidas em uma escola integral em Goiânia/GO, alguns
pais não estavam satisfeitos e até mesmo solicitaram a dispensa dos
filhos do contraturno escolar. Daí a necessidade de que o projeto de
Educação Integral expresse os reais anseios da população, e de que
o tempo a mais de permanência na escola seja direcionado para um
efetivo trabalho pedagógico. Nessa perspectiva é importante a última
estratégia da meta 6 do PNE/2014:

6.9) adotar medidas para otimizar o tempo de


permanência dos alunos na escola, direcionando
a expansão da jornada para o efetivo trabalho es-
colar, combinado com atividades recreativas, es-
portivas e culturais.

Efetivo trabalho escolar “combinado” com outras atividades, e


não simplesmente atividades avulsas, isto é fundamental. Um tempo
otimizado, como diz o texto acima, deve ter o sentido de um tempo
planejado, refletido e bem utilizado. Não apenas um tempo a mais,
mas, sobretudo, um tempo mais bem aproveitado. Pois a escola de jor-
nada ampliada não pode repetir a escola parcial apenas acrescentan-
do carga horária. Certamente é preciso acrescentar qualidade, para
que não se repitam experiências como a que se mostra na pesquisa de
Castro e Lopes (2011, p. 277), que concluem:

Apesar da hipótese inicial de que a permanência


do educando na escola, com 9 horas de trabalho es-
colar, sob a orientação de professores habilitados,
seria um fator de melhoria da qualidade educacio-
nal e de queda nos índices de retenção, evasão etc.,
mesmo sabendo, de antemão, que o projeto Escola
de Tempo Integral apresentava alguns problemas
[...] quanto mais avançávamos na pesquisa menos
certeza tínhamos de que essa melhoria, decorrente
da maior extensão do tempo de permanência dis-
cente na escola, realmente ocorreria.

42
Castro e Lopes (2011, p. 266) afirmam que “a organização do
espaço e do tempo não foi alterada substancialmente. As aulas das
disciplinas do currículo básico e das oficinas obedeciam aos moldes
de uma aula expositiva tradicional”. A pesquisa de Santos (2009, p.
70) também chegou à conclusão semelhante, por meio da observação
da rotina de alunos em um projeto de ampliação da jornada escolar:

Foi possível observar um dia letivo em que todas


as oficinas trabalharam com atividades escritas,
seja no caderno ou em folhas avulsas, de modo
que ainda que o conteúdo fosse diferente, relativo
à Música ou à Língua Espanhola, por exemplo, a
forma e o tipo de atividade repetiam o que os alu-
nos haviam vivenciado no primeiro turno.
Nesse dia, especificamente, mesmo em uma ativi-
dade tão distinta como a proposta pelo “Projeto
Horta”, em que os alunos participam do plantio
e do cultivo de hortaliças, as crianças precisaram
realizar um extenso trabalho escrito sobre as fer-
ramentas necessárias em uma horta. Desse modo,
ao final do período vespertino, os alunos estão
quase sempre fatigados [...].

Esta é uma preocupação que precisa nortear quem planeja as


ações de ampliação da jornada escolar, bem como os estudos que fun-
damentam tais ações. É preciso ampliar e qualificar a educação que a
escola oferece, e não apenas aumentar a carga horária, multiplicando
e repetindo a forma e o conteúdo.
Nessa perspectiva, pode-se afirmar que o texto do PNE de 2014
avança com relação ao PNE de 2001 no que tange à educação inte-
gral, uma vez que é bem mais específico ao apresentar as estratégias
para alcançar a meta de: “Oferecer educação em tempo integral em,
no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das escolas públicas, de for-
ma a atender, pelo menos, a 25% (vinte e cinco por cento) dos(as)
alunos(as) da Educação Básica” até o ano de 2024.
Todavia, fica evidente a necessidade de progredir nas discussões
sobre o tema da Educação Integral e de acompanhar a efetivação das
estratégias previstas no PNE/2014. Retomando o início deste texto,

43
ressoa a voz do poeta Mario Quintana quanto à existência de uma
liberdade que na verdade não muda nada na realidade do sujeito. Isto
é, pode(s) até “mudar-te para a China”, sem de fato “sair de onde tu
estás”. É precisamente isso que não se quer na ampliação da jornada
escolar, ou seja, uma mudança tão importante na educação pública
que, via de fato, não modifique qualitativamente a educação brasileira.
Este texto, que apenas esboça algumas reflexões, é uma tenta-
tiva de problematizar o tema. Entretanto, são necessários estudos e
pesquisas rigorosas no intuito de prover dados que possam referen-
dar novas discussões em torno da temática da ampliação da jornada
escolar. Pois, como afirma Coelho (2009), a despeito das crescentes
iniciativas dos sistemas estaduais e municipais do país no sentido de
ampliar a jornada escolar, acrescidas também por programas do go-
verno federal, são ainda incipientes os debates sobre o tema. Esta é,
precisamente, a tarefa que se anuncia: para que “a liberdade não seja
condicional” e para que a educação pública seja cada vez mais uma
educação de qualidade, com jornada integral, ou não.

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______. Lei nº 10.172, de 09 de janeiro de 2001: Aprova o Plano Nacional de Edu-


cação e dá outras providências. Diário Oficial [da] União, Brasília, DF, 10 jan. 2001.

______. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Edu-


cação – PNE e dá outras providências. Diário Oficial [da] União, Brasília, DF, 26
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44
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2013. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade
Federal de Goiás, Goiânia, 2013.

45
CAPÍTULO 3

A escola contemporânea: um espaço


de convivência?

Elí Terezinha Henn Fabris

Este texto foi produzido a partir de uma pesquisa mais ampla


que tem como foco investigativo as condições de in/exclusão das es-
colas públicas de ensino fundamental de um município pertencente à
região metropolitana de Porto Alegre. Para tanto, foram selecionadas
escolas que encaminham recorrentemente seus alunos para um pro-
grama que recebe crianças e jovens com múltiplas repetências para
um trabalho de apoio pedagógico. Sustentando a pesquisa, bem como
a escolha das ferramentas metodológicas, estão autores que trabalham
na perspectiva dos Estudos Culturais pós-estruturalistas.
O material que é foco do exercício analítico deste trabalho é com-
posto por depoimentos de alunos/as, professores/as e pessoas da co-
munidade de duas escolas municipais que participaram de entrevistas
sobre suas expectativas e relação com a escola. Todo o material está
registrado em dois vídeos produzidos nessas escolas. O objetivo princi-
pal deste texto é analisar os significados atribuídos por alunos/as, pro-
fessores/as e comunidade escolar à escola, a partir de seus depoimentos
gravados nesses vídeos. Mostram-se, então, como os significados atribuí-
dos à escola contribuem para a significação das aprendizagens escolares
e como eles estão centralmente articulados com o modo de viver que
a sociedade contemporânea imprimiu na vida dos que habitam nosso
planeta nestes tempos de “modernidade líquida”. (BAUMAN, 2001)
A escola, como instituição que tem/teve sua constituição alicer-
çada em princípios caros à tradição da modernidade, também se vê
abalada pelo modo de viver contemporâneo, em que novas formas de
poder entram em jogo, pois o poder disciplinar, cuja ênfase se dá na
sociedade moderna

não é incompatível com outras formas de poder


que, ao longo do século XXI, foram atuando e se

47
organizando na escola. Pelo contrário, as práticas
disciplinares espaço-temporais [...] até mesmo se
articulam com as práticas que as novas pedago-
gias, principalmente as corretivas e as psicológi-
cas, colocaram em movimento. (VEIGA-NETO,
2000, p.12-13)

Diria que tais práticas também estão acompanhadas das peda-


gogias de vigilância e de controle que assumem a cena neste tempo
da “sociedade de cristal”. Se o panóptico foi a materialização do ideal
dessa sociedade (VARELA, 2002), hoje podemos afirmar, a partir de
Veiga-Neto (2000, p.18), “que foi a própria sociedade que se tornou
de cristal”. Com esses novos regimes de visibilidade, tanto a sociedade
em geral quanto a escola em particular parecem estar em crise.
A escola é legitimada na sociedade como a principal instituição
responsável pela transmissão de saberes acumulados. Poderia estar se
transformando, nesses tempos de “modernidade líquida”, em mais um
espaço de convivência? Ou ainda, estaria a escola contemporânea mi-
grando de um trabalho cuja centralidade é o conhecimento para a
centralidade nas relações?
Para responder tais interrogações, mesmo que de forma inicial,
organizei o presente texto em três partes. Inicialmente, apresento bre-
vemente o contexto da pesquisa, problematizando as aprendizagens
escolares na contemporaneidade. Depois, trago alguns enunciados
que foram possíveis apreender, a partir do material analisado. E, por
fim, levanto algumas possibilidades de entendimento das escolas ana-
lisadas.

Escola em tempos de modernidade líquida


Não se pode negar que a escola é uma instituição que ainda é re-
ferência central na vida das pessoas, mesmo nestes tempos da moder-
nidade líquida. Embora muitos pesquisadores mostrem a necessidade
de transformação da escola ou indiquem alguns sinais que sugerem
alguns deslocamentos das antigas concepções de escola, ela ainda é
considerada uma instituição com futuro e é valorizada pela comunida-
de (COSTA, 2003). É o que se pode perceber também no depoimento

48
da pesquisadora Nilda Alves, na entrevista concedida para a professora
Marisa Costa em uma obra que registra as opiniões de vários pesquisa-
dores brasileiros sobre o futuro da escola.

Aqui no Brasil, a educação escolar vem sendo


exigência crescente da população, seja para ter
um lugar “protegido” para seus filhos (contra as
drogas e outras ameaças), seja para permitir que
consigam “uma vida melhor” (com maior possibi-
lidade de emprego e de ganhos diversos, inclusive
respeito social), ou, ainda, como lugar de trocas
sociais para si mesmo. (ALVES, 2003, p. 100)

A escola continua sendo um lugar em que tanto as famílias quan-


to alunos e alunas depositam muita esperança, com a crença de que
pode mudar a vida de quem passa por ela. No entanto, também se
encontra um número considerável de pessoas que não apostam nas
possibilidades das crianças, dos jovens e das comunidades que vivem
em situação de pobreza para uma mudança de vida, restringindo os
significados para as suas aprendizagens. Muitos sonhos desses alunos
não são valorizados ou considerados como possíveis. Por outro lado,
essas crianças e jovens buscam, justamente na escola, força, coragem,
estímulo e as ferramentas para continuar a estudar. O que mobiliza
uma criança ou um jovem em querer ou não ir à escola é o modo
como cada um significa suas aprendizagens e as articula com as opor-
tunidades para a sua vida futura.
Sabemos que as crianças “devem ir à escola”, pois ela é obriga-
tória e faz parte de um regime de verdade poderoso da modernidade
que assegura esse espaço escolar para toda a população. A obrigato-
riedade e a constituição da escola como essa maquinaria de normali-
zação dos sujeitos são aspectos que contribuem para que as crianças
continuem precisando ir à escola para serem disciplinadas (VEIGA-
-NETO, 2000). Essa condição é prevista pela legislação e todas as po-
líticas de inclusão que asseguram a escola para todos. Outra condição
é o estado de corrigibilidade (ARNOLD, 2006), que permite a corre-
ção contínua dos sujeitos e sua consequente inserção na escola, que
se constitui no espaço privilegiado para a correção permanente do
sujeito. Se essas são algumas das condições de possibilidade para que

49
os alunos e alunas da contemporaneidade continuem necessitando ir
à escola, vale focar nosso olhar sobre algumas cenas escolares nestes
tempos da modernidade líquida.
Olhando para dentro da escola, percebe-se a presença de jovens
tatuados, usando piercings e roupas extravagantes. As crianças apare-
cem com roupas e brinquedos das grifes de maior consumo no mo-
mento, mesclando originais e cópias, conforme o contexto de cada
escola. Nota-se um consumo exacerbado daquilo que a mídia ensina
todo momento, como a última novidade. De um mundo em que os
heróis alimentavam os sonhos infantis e juvenis, passamos a colecionar
celebridades momentâneas, que podem ter surgido do último Big Bro-
ther, das passarelas da moda ou, ainda, de corporações que fabricam
os brinquedos infantis, filmes e vestuários que passam a habitar os ma-
teriais escolares de forma cada vez mais intensa. E a escola é o novo
território do consumo. Será que a escola tem algum sentido para esses
jovens e crianças? Dizendo de outra forma, será que escola atual con-
segue fazer sentido para esses sujeitos? Quais as práticas pedagógicas
que entram em sintonia com a vida dessas crianças e jovens do século
XXI? Quais os sentidos que faz circular? Que sujeitos produzem?
A cultura está envolvida na produção e circulação de significa-
dos, de modos como as pessoas vivem permutando e produzindo signi-
ficados na vida social. Os significados culturais não estão nas próprias
coisas, na materialidade dos objetos; eles são construídos nas práticas
em que os sujeitos vivem. Os significados dependem da circulação dos
sentidos produzidos nessas práticas. É nesse processo que a linguagem
ocupa uma função instituidora. A linguagem não apenas descreve os
objetos, mas, nesse movimento, produz significados, realidades. Nesse
sentido, os significados que construímos para as aprendizagens esco-
lares são produzidos nas práticas vividas na escola e fora dela, na cir-
culação dos sentidos que atribuímos a elas em determinado tempo e
espaço. A escola já foi um espaço significado como “templo de saber”,
em que a própria arquitetura dos prédios tomou a forma de templos.
Algumas pesquisas mostram que as aprendizagens escolares são
produzidas por complexas relações e que os ideais e princípios da mo-
dernidade estão vivos no currículo escolar, produzindo tanto as ditas
“dificuldades de aprendizagem” ou as posições de (não) aprendizagem

50
(FABRIS, LOPES, 2005) quanto as condições para manter na escola
inclusiva os sujeitos que ocupam as posições de não aprendizagem (AR-
NOLD, 2006). Outros estudos (DAL IGNA, 2005) mostram como o
gênero está centralmente imbricado com a produção das posições de
desempenho escolar.
Rememoro essas pesquisas como forma de expressar a minha
posição neste texto. Não são apenas esses significados que estão pre-
sentes nas aprendizagens escolares, mas esses são também passíveis de
circulação nesse espaço tão complexo das aprendizagens e não apren-
dizagens. Esses significados podem ajudar a pensar nas aprendizagens
escolares de muitos grupos de estudantes que se inscrevem de forma
intensa em posições de não aprendizagem. Podemos suspeitar de que
exista nesses grupos um processo de não significação das aprendiza-
gens por parte dos alunos, isto é, o não compartilhamento dos senti-
dos para as práticas pedagógicas que a escola seleciona e põe em ação
no currículo escolar.
Para melhor compreensão, retomo alguns dos significados que
já foram centrais para a escola. A escola, em seu modelo medieval, não
separava as aprendizagens da formação. Passa, então, para o mode-
lo dos colégios, em que há expropriação da liberdade dos sujeitos e,
cada vez mais, uma tutela dos colegiais, que perdem sua forma ante-
rior de organização política, em que mantinham uma forte vinculação
com a comunidade por meio das aprendizagens dos ofícios (VARELA,
2002). Nessa nova organização, a escola passa a desenvolver outras pe-
dagogias, além das disciplinares, as corretivas.

A escola, tal como o colégio de jesuítas, fará a sua


concepção platônica dos dons e das aptidões: se
o menino fracassa deve-se a que é incapaz de as-
similar esses conhecimentos e hábitos tão distan-
tes dos de seu redor, portanto a culpa é só sua, e
o professor não duvidará em lembrá-lo, o que às
vezes significa enviá-lo a uma escola especial para
deficiente. (VARELA, 1992 p. 87)

O currículo dessas escolas passa a privilegiar cada vez mais um


conjunto de saberes sistematizados que produzem sujeitos atrelados
às novas configurações de poder que circulam na sociedade, e outras

51
pedagogias passam a habitar o currículo escolar. Passamos a entender
o currículo escolar como todas as práticas e experiências que a escola
seleciona para que os sujeitos escolares vivam tanto no espaço escolar
quanto em outros espaços. Por exemplo: as experiências que entram
na escola por meio da vida de seus alunos e professores, subjetivados
por filmes, programas de televisão, revistas, jornais e outros artefatos
culturais que integram o seu cotidiano, pelas pedagogias culturais.
O currículo escolar é também uma produção cultural. Ele é pro-
duzido na cultura e, por sua vez, produz sentidos, colocando-os em
circulação, constituindo os sujeitos escolares. São essas práticas que
considero importantes para problematizar na significação das apren-
dizagens escolares e na produção das subjetividades. Michel Foucault
e vários autores contemporâneos mostram como a subjetividade é
produzida e como essa produção mantém uma íntima relação com a
educação escolar:

[...] a educação, notadamente a escolar, é uma


forma de territorialização da subjetividade, isto é,
uma forma de subjetivação. A educação, sobretu-
do a escolarizada, investe numa serialização, para
usar um conceito sartriano, isto é, num processo
de formação de subjetividades em série, reprodu-
zindo-se a si mesmas como que curto-circuitando
o movimento, fazendo com que ele se torne um
“eterno retorno do mesmo”. (GALLO, 2006, p.
214)

Pensemos sobre o funcionamento da escola moderna. Embora


majoritariamente homogeneizante, ela também é espaço para as dife-
renças, que teimam em aparecer entre o mesmo. O sonho comeniano
de ensinar tudo a todos se vê sempre solapado pelo imprevisível modo
de os sujeitos aprenderem. Não há como saber e controlar a forma
como cada sujeito se apropria dos conhecimentos. Não temos como
controlar as aprendizagens.

O aprender é, pois, um movimento involuntário


que, portanto, foge a qualquer controle. E para
o qual, então, não há métodos. Como aprendi
e como aprendo filosofia? Sinceramente não sei

52
explicar; mas certamente está para além e para
aquém de todos os métodos que me foram ensi-
nados. E certamente também foi e é um processo
distinto, diferente daqueles pelos quais passaram
meus colegas de turma. E aí o terror para toda
a pedagogia que se quis se constituir como ciên-
cia. A aventura do incontrolável, a “verdade” que
se lhe escapa por entre os dedos. Aí está o terror
para a escola-máquina-de-Estado: pois por mais
que o espaço seja estriado pelos jogos de poder,
há poderes contrários, há alisamentos, frutos de
ações individuais e coletivas que traçam suas li-
nhas de fuga. (GALLO, 2006, p. 219-220)

Meu argumento é que, atualmente, podemos observar certos


deslocamentos na significação da escola. Se ela já foi entendida como
espaço para “aprendizagem de ofícios”, “templos do saber”, “lugar sa-
grado”, “máquina de ensinar”, não estaremos no limiar de uma nova
concepção de escola e de significação das aprendizagens escolares?
Analisar alguns desses significados atribuídos à escola contemporânea
é o que passo a fazer a partir desta seção do texto.

Pedagogias escolares: conhecer ou conviver?


Quando se pergunta o que os alunos gostam de fazer na escola
ou o que mais gostam na escola, percebe-se, de forma intensa, a pre-
ferência pelos projetos, pelas pedagogias que centram suas ações nas
relações e em pedagogias mais ativas. Vejamos alguns depoimentos de
alunos de 4ª e 5ª série dessas escolas:

Aluna: Eu gosto das quartas e quintas-feiras, quan-


do tem esses projetos que eu falei, do Clube de
Mães e da banda.
Aluna: Tem muitos projetos legais que a gente
participa.
Aluna: Eu não gosto de estudar, prefiro ficar dor-
mindo. Eu venho para a escola porque a minha
mãe me manda, eu não gosto de vir.
Repórter: Tu não virias se tua mãe não mandasse

53
vir para cá?
Aluna: Eu, não. Eu acho o estudo importante,
porque sem ele a gente não seria nada na vida.
Repórter: Mas como é isso?
Aluna: Eu gostaria de ficar dormindo.

Parece que a escola precisa, constantemente, neste tempo em


que vivemos reinventar-se, mudar o formato, as metodologias, mas
nem sempre essa mudança altera o sentido da serialidade, da produ-
ção do mesmo e até dos ideais que a comunidade alimenta sobre a
escola.
As crianças e jovens são atraídos para a escola nos turnos inversos
aos de suas aulas e nos finais de semana com certa facilidade. Várias
pesquisas têm mostrado o quanto a comunidade das proximidades da
escola vive um processo de ligação permanente com ela e como a esco-
la exerce um fascínio sobre essas pessoas. (COSTA, 1995, 2003)

Cansei de observar pessoas que ficavam do lado


de fora da escola, olhando para ela, para dentro
da alta cerca de tela que a protegia, como se ela
fosse um destino, uma esperança. E nas muitas
conversas que tive na época com estudantes des-
sas escolas, eles contavam que iam à escola por-
que seus pais diziam que ela era a única chance
que tinham de melhorar de vida, de ter uma pro-
fissão, de encontrar um emprego. Também con-
versei com moradores da vila e eles confirmavam
isso: “Quero que meu filho entre na escola, que
estude, porque, se ele não passar pela escola, não
tem chance de encontrar um caminho na vida”.
(COSTA, 2003, p.39)

Pode-se pensar se esse não é um significado produzido pelo tem-


po da modernidade líquida em que vivemos. Bauman (2001) vai mos-
trar que, nesse tempo, os sólidos se desfazem, tudo parece liquifazer-se.
A escola, como instituição gestada na modernidade, não poderia estar
sofrendo também esse impacto da modernidade líquida? Os variados
projetos e atividades no turno inverso e nos finais de semana são pro-
postas mais centradas na convivência do que no conhecimento.

54
Os projetos são propostas pedagógicas desenvolvidas com o
objetivo de complementação, para ocupar a vida dos alunos, para afas-
tá-los da rua e das drogas e fazê-los viver a experiência de uma agenda
completa. A velocidade entra em cena, a agenda cheia de compromis-
sos também. Qual o sentido de criar esses projetos que se dão fora do
espaço da aula? Nas escolas que estão sendo pesquisadas, é grande o
número de projetos oferecidos; mesmo assim, o número de alunos
com história de repetências e “fracasso escolar” permanece intenso. O
que faz com que essas atividades sejam preferidas? Os alunos estariam
apenas em busca de ação e de um espaço mais seguro? Em busca de
espaços de convivência, tais como os proporcionados pelos shoppings,
e daquele espaço do “parque de entretenimento”, já apresentado por
Varela (2002)?

É como se as instituições escolares que funcionam


com pedagogias psicológicas se afastassem nas
primeiras etapas de formação da função explícita
da transmissão de saberes, como se a paixão pelo
conhecimento e compreensão dos mundos, da
natureza e da cultura se vissem relegados ou qua-
se excluídos em detrimento de um processo de
formação de personalidades apenas encoberto
mediante referências lúdico-tecnológicas, a pro-
cessos de simulação de problemas, a jogos na “re-
alidade virtual” que fazem de muitas escolas ver-
dadeiros parques de alucinado entretenimento.
(p.103-104)

O que temos percebido e constatado mediante avaliações pro-


movidas pelo próprio governo é que as aprendizagens escolares es-
tão em situação precária. Muitos alunos chegam ao final do ensino
fundamental não alfabetizados; em outros níveis, a qualidade também
vendo sendo questionada. Meu argumento é que, imperando as pe-
dagogias psicológicas, a escola não prioriza o conhecimento, e sim as
relações. Ler, escrever, calcular, saber pensar e refletir não são ativi-
dades usualmente utilizadas em um parque de diversão. Será que os/
as alunos/as veem nessas “escolas-parques” um lugar para aprender
e ensinar? Que escola é essa que estamos produzindo neste tempo

55
da modernidade líquida? Parece que não apenas as pedagogias psico-
lógicas estão envolvidas nessa produção de sentidos, mas também as
condições de possibilidade advindas da modernidade líquida, em que
outras pedagogias entram em cena.

“Líquido-moderna” é uma sociedade em que as


condições sob as quais agem seus membros mu-
dam num tempo mais curto do que aquele neces-
sário para a consolidação, em hábitos e rotinas,
das formas de agir. A liquidez da vida e a da socie-
dade se alimentam e se revigoram mutuamente.
A vida líquida, assim como a sociedade líquido-
-moderna, não pode manter a forma ou perma-
necer em seu curso por muito tempo. (BAUMAN,
2001, p.7)

Parece que encontramos aqui um paradoxo. Por um lado, a es-


cola moderna pretende manter os tempos e espaços, congelar essas
formas; por outro, essa condição em que vivemos, nos lança em um
movimento acelerado de mudanças. A escola parece fora de rotação.
Muitas escolas parecem anacrônicas pelas práticas que desenvolvem,
mas uma grande parte assume a mudança como convite para a acele-
ração, velocidade e aceitação do modelo de escola-parque. Esse é um
processo complexo, mas que nessas escolas aparece de forma acen-
tuada por meio de projetos, banda, capoeira, esportes, dança, pintu-
ra, etc. Talvez os próprios projetos sejam formas que a escola encon-
trou de dar respostas às demandas da modernidade líquida. Em um
texto sobre a invenção das Dificuldades de Aprendizagem, (FABRIS;
LOPES, 2005) foram analisadas as pedagogias disciplinares, correti-
vas e psicológicas apresentadas por Varela (2002), anunciando-se as
pedagogias da vigilância e do controle, mais intensamente abordadas
por Lopes (2006). Penso que é possível articular a emergência dessas
pedagogias com este tempo da modernidade, sem ilusões, sem mais
certezas, o que nos lança no jogo sistemático e voraz da vigilância e
controle das aprendizagens de nossos alunos.

Mecanismos sofisticados de vigilância são criados


na escola para que cada aluno seja acompanhado

56
dentro de uma microfísica do detalhe. Seu corpo,
sua inteligência, seu desenvolvimento sensório-
-motor, sua aprendizagem em diferentes áreas
do saber, sua mobilidade dentro de diferentes
grupos são vigiadas cotidianamente. Tal vigilân-
cia exige um acompanhamento rigoroso e uma
sofisticação nas formas de registrar o que se vê.
Dependendo do que se percebe estar ocorrendo
com os alunos, qualquer sinal de incorreção de-
tectado após a aplicação de pedagogias corretivas
pode acionar as pedagogias de controle. Essas es-
tão sempre alertas e a qualquer sinal de fuga do
indivíduo às outras pedagogias, ela é acionada
trazendo com ela outros mecanismos que podem
ser vistos operando tanto em nível macro quanto
em nível micro de ensino. (LOPES, 2006, p. 5-6)

Dal Igna (2005), ao analisar o desempenho escolar de meninos


e meninas, também se depara com as condições dessa modernidade
líquida e mostra o quanto as relações vão se alterando nas pedagogias
escolares:

Se antes ocupávamo-nos na escola com a recupe-


ração, agora esta tem que ser progressiva, acele-
rada, o fluxo tem que ser permanente. Não basta
garantir o acesso e assegurar a permanência das
crianças e jovens na escola. É preciso que essa pas-
sagem seja ‘bem-sucedida’. Assim, os desempe-
nhos são avaliados e registrados permanentemen-
te. Ao menor sinal de dificuldade na realização
das atividades e no cumprimento das tarefas es-
colares, o/a professor/a encaminha o/a aluno/a
para aula de reforço, classe de aceleração ou labo-
ratório de aprendizagem. Estas também são for-
mas de recuperação/correção, porém desenham
novos tempos e espaços para as aprendizagens es-
colares de cada estudante. (p. 36-37)

Não estou fazendo nenhum julgamento de valor, apenas mos-


trando os significados possíveis e levantando algumas possibilidades

57
de análise. A “escola-parque de alucinado entretenimento”, descrita
por Varela (2002, p.36-37) como produção das pedagogias psicológi-
cas – e, eu acrescentaria, também desse tempo da modernidade líqui-
da, em que pedagogias de vigilância e controle proliferam –, pode es-
tar nos dizendo que nela o conhecimento não é o foco, ao menos não
aquilo que a escola da modernidade sólida vinha entendendo como
conhecimento escolar. O que pretendo argumentar é que, diante des-
se tensionamento, a própria instituição escola é também questionada;
não só o conhecimento é problematizado, como também as próprias
identidades escolares. Hoje é necessário que um aluno e uma aluna
sejam eficientes, produtivos, autônomos, flexíveis, com alta capacida-
de de mudança e velocidade. Os significados para as aprendizagens e
para a permanência ou não na escola são alterados e reinscritos em
outras dinâmicas, diferentes daqueles sonhos caros à modernidade.
Não precisamos fugir das pedagogias que proliferam na escola,
mas podemos usar uma condição que a própria modernidade líquida
nos oferece: a incerteza e a imprevisibilidade. Podemos escolher essas
ferramentas para usar na própria problematização das pedagogias es-
colares, agregando uma atitude investigativa e hipercrítica ao fazer pe-
dagógico. Talvez não possamos reverter as pedagogias que proliferam
neste tempo, mas podemos ficar atentos/as para outras possibilidades
pedagógicas que desloquem os sujeitos de posições que tanto interes-
sam a uma política neoliberal. Usar outras armas que produzam outros
sentidos. Uma escola centrada nas relações de convivência necessitaria
expulsar o conhecimento? Parece que precisamos ficar mais atentos/as
a esse significado atribuído à escola contemporânea.

Valorização da escola que cuida


Não é recente a discussão sobre se a escola deve educar ou
cuidar. Nas comunidades situadas na periferia da cidade, o cuidado é
uma função que ganha destaque, principalmente por parte da comu-
nidade escolar.

Eu imagino a Vila X com a escola Margarida e sem


a escola Margarida. Não tem como imaginar. Es-

58
sas crianças todas fora da escola. Se não me falha a
memória, é a maior escola em número de alunos
inscritos em toda a cidade, é a maior escola do
município. (Vice-presidente do CPM)
Fonte: Vídeo da Escola Margarida

Os depoimentos são permeados de cenas que mostram as crian-


ças fora da escola brincando em esgotos e ruas alagadas e o muro da
escola com alguns grafites. A edição do vídeo também ajuda a cons-
truir o significado do quanto a escola é valorizada pela comunidade
como lugar protegido para que as crianças não estejam na rua, sem
cuidados.

Repórter: Por que não dá para sair à noite?


Alunos: Porque os nossos pais acham que tem
perigo na rua. Às vezes, acontecem coisas que as
crianças não sabem ainda como os maiores, tipo
de briga, e a gente pode estar junto e sair ferido.
Às vezes, aparecem muitas crianças desapareci-
das e mortas. Dizem que é perigoso. Tem ladrão,
tem maconheiro, que estupram meninas e guris,
é muito perigoso. Os pais dizem que é perigoso.
Fonte: Vídeo da Escola Margarida

Outra narrativa que circula é a da escola como um posto de saú-


de.

Professor: Ela representa um posto de saúde. Um


lugar onde o pessoal vem para resolver problemas
que nem têm muito a ver com a escola [cenas de
alunos comendo nos refeitórios da escola]. A es-
cola está mais para sanar os problemas da comuni-
dade, dessas famílias, do que realmente trabalhar
com os alunos.
Fonte: Vídeo da Escola Rosa Vermelha

A narrativa de um professor de uma dessas escolas mostra o


quanto a escola vem sendo assumida como um lugar ao qual compe-
tem mais funções além de ensinar; entre elas, uma ganha relevância
– a saúde. A escola, há muito tempo, vem assumindo uma posição

59
de espaço para a cura. A concepção higienista parece nunca ter se
separado das práticas escolares, hoje com outros significados, mas a
escola continua investindo em sanear e gerenciar as populações. São
vacinas, combate ao piolho, às escabioses, aos vermes, cuidados com
a dentição, etc. Existe toda uma relação com a saúde que vai além das
aprendizagens escolares.
Parece que a íntima relação entre docência e feminização car-
rega um peso maior para a ação dos cuidadores, principalmente nos
anos iniciais de escolarização, em que a maioria dos docentes é de
mulheres. A feminização do magistério, argumento já extensivamente
pesquisado e analisado por diferentes autoras (LOURO, 1997; COS-
TA, 1997; COSTA; SILVEIRA, 1998, etc.), também contribui para que
esse significado atribuído à ação docente circule com maior intensida-
de nos espaços escolares. Nas escolas desta pesquisa, também encon-
tramos mulheres como maioria do corpo docente.

Professor: Às vezes, eu penso que eles querem


mais é um lugar para largar os filhos. Então, se
eles estão buscando alguma coisa a mais do que
esse lugar para largar os filhos, para deixar que al-
guém cuide, que alguém tenha responsabilidade
sobre eles, nesse momento, eles não mostraram.
Professora: Falta um pouco de apoio da família.
Os pais não vêem a escola, a educação, como uma
coisa importante. Tenho certeza que não é culpa
dos pais, é toda uma estrutura. Toda uma vida que
eles tiveram, que também não foram valorizados.
Fonte: Vídeo da Escola Rosa Vermelha

Onde a convivência se torna a lógica principal e o cuidado ga-


nha relevância, temos os elementos necessários para que tal espaço
seja representado como privado e sem compromisso com a aquisição
de conhecimentos. Se formos ao dicionário etimológico, vamos en-
contrar os seguintes significados para o verbo “cuidar”: cogitar, ima-
ginar, pensar, tratar de, dar atenção a. Não podemos prescindir desses

60
significados em uma ação pedagógica, mas o problema é quando essa
ação passa a ser a principal e é desvinculada de uma dimensão política,
ética, técnica e estética. O conhecimento precisa ser o foco quando
falamos em convivência dentro de uma escola. Cuidar e conhecer não
precisam ser excludentes, mas a escola precisa assumir a sua principal
função que é proporcionar o acesso ao conhecimento.

A escola aberta: um shopping de final de semana?


Professora: A escola não é só esse lugar em que
eles vêm para estudar. A escola é o lugar que eles
têm no final de semana, a “escola aberta”. Como
os outros adolescentes e crianças vão para o shop-
ping, para o centro, aqui não, o shopping, a diver-
são deles é dentro da própria escola.
Fonte: Vídeo da Escola Rosa Vermelha

Um shopping é, por excelência, um lugar de convivência nesses


tempos de culto ao consumo exacerbado. Um espaço em que as rela-
ções de consumo ganham prioridade. Mas o espaço da escola aberta
pode ser considerado um shopping? A aliança família-escola também
se alterou de forma radical. As propostas governamentais vêm incenti-
vando uma maior relação entre a escola e a família. Várias campanhas
já foram desenvolvidas. Uma delas é o projeto “escola aberta”, que
também funciona em uma das escolas pesquisadas.
Haveria benefícios no caso de uma comunidade ter uma boa
relação com a escola, pois não vai depredá-la, e sim sentir-se parte
dela. A escola aberta seria mais uma estratégia de controle e governa-
mento. Trazemos os sujeitos para o interior da escola por mais tempo
e em todos os seus espaços e teremos melhores condições de controle
e vigilância. Mas ocorre que as escolas abertas vêm desenvolvendo ati-
vidades que parecem enfatizar a representação de que a escola é um
lugar para todas as atividades, entre elas, de forma muito periférica,
são citadas as referentes ao conhecimento.
Observamos que, nos dois vídeos, os alunos em nenhum mo-
mento referem às aulas de matemática, português e de outras áreas
para mostrar sua articulação com aquele espaço. Citam a banda, o

61
futebol, o vôlei e muitas outras atividades que reforçam as relações
muito mais do que as atividades intelectuais. Apenas uma aluna, que
participa de dois projetos, vê na escola as condições futuras para fazer
um intercâmbio no desafio de estudar inglês; é a única aluna que cita
uma disciplina escolar.
Novamente, pergunto se não estaríamos longe de uma escola
que prioriza os conhecimentos. O que significa deixar que a convivên-
cia seja o mais forte objetivo da escola? Parece-me que essa possibilida-
de é mais uma estratégia de controle das populações escolares. A es-
cola aberta nos finais de semana coloca no seu interior todos aqueles
sujeitos que poderiam depredá-la, oferecendo algum risco de evasão
ou de desvio da meta de manter todos na escola. Ele assegura mais har-
monia e contenção das ações violentas, pois há mais controle e vigilân-
cia. Todas essas ações fazem parte do governamento das populações. É
preciso que todas as instituições mobilizem estratégias para a melhor
gestão do espaço público e privado. A pesquisa de Klaus (2004) mostra
como essa aliança família-escola é produtiva.

Com isto não quero dizer que a família enquanto


instituição social perdeu sua importância, mas que
ela é reinscrita nesta nova lógica. A segurança que
antes era encontrada (ou imaginava-se que era) no
todo social com seus lugares bem claros e definidos
— lugar da família, lugar da escola — é buscada
agora em comunidades autogovernáveis. Esta hi-
bridização dos lugares sociais que se dá no neoli-
beralismo faz com que o que era papel da família
e da escola estenda-se também a outros espaços
sociais. Muitas tarefas deslocam-se e há uma tenta-
tiva permanente de responsabilização dos pais pela
educação das crianças (a suposta recuperação dos
lugares ocupados por cada instituição...). Porém,
como muitas questões transcendem o espaço da
família e como a própria família vem passando por
inúmeras transformações, é preciso compartilhar
responsabilidades para melhor gerenciar os riscos
sociais. (KLAUS, 2004, p.148-149)

Afinal, que escola é essa?

62
Professor: O futuro ainda não é preocupação do
dia a dia deles.
Fonte: Vídeo da Escola Rosa Vermelha

Vimos nesses materiais e entrevistas que nem todas as crianças e


jovens querem ir à escola, mas uma grande maioria sente-se interpe-
lada por ela. Entretanto, busca-se nesse espaço um lugar para a convi-
vência muito mais que conhecimentos. O conhecimento ganha senti-
do quando essas crianças e jovens se sentem que a escola pode ajudar
na concretização de seus sonhos de um futuro melhor. Consideremos,
por exemplo, o depoimento da aluna que pretende fazer intercâmbio,
a única a falar em uma atividade escolar envolvendo conhecimentos
sistematizados. Não falar no futuro não pode ser um sinal de que a
escola não está conseguindo mostrar que ela ajuda a produzir esse fu-
turo? A linguagem do próximo excerto é significativa, quase todos os
alunos referem que depois de terminar os estudos, depois que sair da
escola, é que irão concretizar seus sonhos. Parece que eles não conse-
guem visualizar a escola ajudando a concretizar esses sonhos.

Repórter: Aqui ninguém sonha?


Alunos/as: Meu nome é V. Depois que eu sair
da escola, quero ser veterinária. Meu nome é P.
e, quando eu sair da escola, quero ser psicóloga.
Meu nome é J. e tenho 11 anos. Depois que eu
tiver concluído os meus estudos, eu quero ser
dançarina. Meu nome é N. e quando eu crescer,
quero ser juiz. Meu nome é B., tenho 10 anos e,
quando sair do colégio, quero ser jogador de fu-
tebol.
Fonte: Vídeo da Escola Margarida

No entanto, esses sonhos nem sempre são compartilhados por


professores e comunidade. Alguns professores parecem não acredi-
tar que esses alunos possam realizar esses sonhos. Parece que essas
crianças não podem sonhar, pois jamais irão conseguir alcançar tais
objetivos. Argumento que alunos e alunas encontram nesses sonhos o
impulso para continuarem estudando e fazendo todo o esforço para
aprender.

63
Alunos e alunas: Além de trabalhar, eu queria fa-
zer intercâmbio. Eu adoro inglês. É a matéria que
eu mais gosto. Trabalhar em qualquer coisa. De-
pois de terminar tudo, trabalhar em uma loja. Eu
penso em ser advogado ou empresário. Eu quero
ser político, porque o meu pai também é. Eu que-
ro ir para fora, para outros países, Itália.
Fonte: Vídeo da Escola Margarida

Parece que a escola que interpela os sonhos dessas crianças e jo-


vens consegue um movimento em relação às aprendizagens. Não estou
aqui me referindo apenas ao interesse e ao prazer, mas a uma vincula-
ção mais profunda, que envolve processos de subjetivação e de consti-
tuição dos sujeitos, em que provavelmente esses sentimentos e muitos
outros entram em ação. Estou falando da relação entre o que fazem
conosco e aquilo que cada um/a de nós faz consigo mesmo/a. Como
essa relação e significado têm a ver com a cultura em que vivemos,
voltamos ao processo de significação cultural. Nesse processo, ganha
relevância um conceito trabalhado por Judith Butler, a performativida-
de. Esse conceito é importante para entendermos como se produzem
alguns significados e, assim, como podemos participar desse processo.
Argumento, a partir de Silva (2000, p. 95), que:

É exatamente essa “citacionalidade” da lingua-


gem que se combina com seu caráter performati-
vo para fazê-la trabalhar no processo de produção
de identidade. Quando utilizo a expressão “ne-
grão” para me referir a um homem negro, não
estou simplesmente manifestando uma opinião
que tem origem plena e exclusiva em minha in-
tenção, em minha consciência ou minha mente.
Ela não é a simples expressão singular e única de
minha soberana e livre opinião. Em um certo sen-
tido, estou efetuando uma operação de “recorte e
colagem”. Recorte: retiro a expressão do contex-
to social mais amplo em que ela foi tantas vezes
enunciada. Colagem: insiro-a no novo contexto,
no contexto em que ela reaparece sob o disfarce
de minha exclusiva opinião, como o resultado de

64
minha exclusiva operação mental. Na verdade, es-
tou apenas “citando”. É essa citação que recoloca
em ação o enunciado performativo que reforça o
aspecto negativo atribuído à identidade negra de
nosso exemplo. Minha frase é apenas mais uma
ocorrência de uma citação que tem sua origem
em um sistema mais amplo de operações de cita-
ção, de performatividade e, finalmente, de defini-
ção, produção e reforço da identidade cultural.

Nas escolas analisadas, a ênfase pedagógica estava nas ativida-


des de convivência. O conhecimento também precisa ser o articulador
desse espaço. Esse parece ser o desafio dessas comunidades se quise-
rem assegurar a alunos e alunas um lugar de representação na cena
social. A escola ainda é a instituição que tem compromisso em fazer
chegar a todas as classes sociais o conhecimento culturalmente legiti-
mado. Como as escolas têm assumido esse compromisso? Como nos
colocamos frente ao depoimento dessa aluna?

Aluna: A escola é importante porque um dia eu


estava conversando com minha colega... A gente
pode até ganhar uma promoção para ir para ou-
tros países.

Repórter: Isso faz com que você se dedique mais


aqui na escola?
Aluna: Com certeza.
Fonte: Vídeo da Escola Margarida

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65
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66
Capítulo 4

Políticas para a qualidade


e educação integral em tempo
integral: reflexões sobre tendências
e possibilidades à escola pública

Elton Luiz Nardi

A qualidade da educação, especialmente em razão de diferentes


acepções que alcançaram força nas últimas décadas, frequentemen-
te associadas a projetos em disputa, tornou-se tema mais corrente no
interior das escolas. Ainda que a repercussão dessas acepções assuma
diferentes contornos nas instituições e sistemas de ensino, em razão da
forma como são recepcionadas, é possível dizer que assistimos a uma
recolocação do tema na agenda da escola pública.
Se, por um lado, esse processo que se afigura na escola vem na
esteira da profusão de políticas educacionais que põem a qualidade
da educação como questão urgente e prioritária, por outro, ele tam-
bém é influenciado pelo largo debate mobilizado no campo da Edu-
cação, do que é mostra a produção acadêmica sobre o tema, levada
a efeito nos últimos anos. Talvez, uma das conclusões mais seguras
alcançadas na trilha dos debates empreendidos seja a de que a qua-
lidade, em razão dos elementos diversos implicados, assim como dos
atributos e finalidades que lhe são creditados, é mesmo um terreno
movediço.
Do ângulo dos que se posicionam criticamente em relação às
recentes políticas destinadas à construção (ou, sugestivamente, à
produção) da qualidade da educação escolar, frequentemente apon-
tadas como congêneres das que temos visto ganhar força há mais
tempo nos países centrais, a abordagem do tema tende a vir consubs-
tanciada na ideia de educação como prática social. Distinta e mais
abrangente da que vem do campo econômico, essa abordagem abre
lugar ao conceito de qualidade social da educação, que tem por base
a “promoção e atualização histórico-cultural, em termos de formação

67
sólida, crítica, ética e solidária, articulada com políticas públicas de
inclusão e resgate social”. (DOURADO, OLIVEIRA, 2009, p. 211)
De todo modo, as evidências indiciam que o amoldamento das
políticas educacionais das últimas duas décadas vem marcado pela in-
gente influência de concepções correntes no campo econômico, onde
prepondera o entendimento de que a apreensão do conteúdo da qua-
lidade deva ter por base resultados passíveis de mensuração.
Essas diferentes visões de qualidade que, em geral, têm demar-
cado boa parte dos debates atuais sobre tema, também fornecem um
quadro referencial à escola sobre uma questão que ganha força e a
implica diretamente. Assim, influenciada ou mesmo compelida a atu-
ar ativamente em torno de demandas armadas nesse cenário, a escola
parece mesmo experimentar uma recolocação do tema da qualidade
da educação em sua agenda.
Então, que opções e vias têm sido preferencialmente abraçadas
por nossas escolas? A resposta a esta questão não é fácil. Um apanha-
do geral do que sugerem estudos que enfocam o campo da prática
escolar nos permite dizer que coexistem, na escola pública brasileira,
elementos próximos às distintas visões de qualidade (e de construção
dela) aqui referidas. Tensionados pelo contexto político-econômico e
social e por debates empreendidos na área da Educação, esses elemen-
tos tornam-se vezes mais, vezes menos expressivos à escola, levando-a
a ensaiar posicionamentos acerca do tema, ainda que nem sempre
coerentemente sintonizados com sua prática.1
Como um espelho do contexto em que se insere, a escola públi-
ca brasileira costuma ter em mira os problemas sociais que atravessam
o cotidiano de seus alunos, normalmente referindo-os em discursos
e prioridades. Como sugerem análises de autores das ciências sociais,
passa por aí a influência exercida pelas dinâmicas sociais exteriores à
escola na constituição da sua cultura organizacional (TORRES, 2005).

1
O estudo desenvolvido por Rebelatto (2014) parece-nos espelhar essa realidade. Por meio
de uma investigação sobre as condições de gestão da escola pública de ensino fundamen-
tal e suas repercussões na melhoria da qualidade da educação escolar, a autora conclui
que os caminhos adotados pelas escolas pesquisadas, no campo da gestão escolar, não
mantêm sintonia mais apurada com as visões de qualidade e as medidas apontadas pelos
gestores e professores dessas escolas como prioridades na construção da qualidade da
educação escolar.

68
Embora não somente, posto que essa constituição tem a ver, também,
com os processos interativos dos sujeitos, são recorrentes os aponta-
mentos que assinalam o peso da influência, sobre a escola, de mudan-
ças operadas na sociedade, inclusive no tocante ao seu fortalecimento
como instituição responsável pela manutenção da ordem social; for-
talecimento este intencionado pelas políticas públicas na medida em
que “a pobreza aumenta e os conflitos sociais se afiguram em sua com-
plexidade maior”. (FERREIRA, 2009, p. 254)
Em alguma medida, as políticas contemporâneas voltadas à pro-
moção da Educação Integral são sinalizadoras dessa tendência ao en-
frentamento de questões sociais que, a um só tempo, se mostram e
repercutem na escola pública. Nessa direção, para a construção de
uma proposta contemporânea de Educação Integral, é requerida a
“análise das desigualdades sociais, que relacione tanto os problemas
de distribuição de renda quanto os contextos de privação de liberda-
des” (BRASIL, 2009, p. 11), posto que a situação de vulnerabilidade e
risco social repercute no rendimento escolar e, em última instância,
no direito à educação pública de qualidade.
Vê-se que o realce ao diálogo dos processos educativos com as
complexas demandas sociais, no sentido do investimento na defesa do
direito à educação de qualidade, tem sintonia com atributos que ca-
racterizam a ideia de qualidade social que ganhou força nos últimos
tempos. Esta concepção de qualidade reclama, justamente, a articula-
ção de uma formação sólida com políticas de inclusão e resgate social.
(DOURADO; OLIVEIRA, 2009)
Tendo em conta o quadro aqui referido, no qual se insere à es-
cola pública na atualidade, buscamos neste texto refletir sobre con-
vergências entre a perspectiva referencial de Educação Integral aqui
mencionada – também destinada a inspirar o delineamento de po-
líticas públicas e propostas escolares –, e os pressupostos que emba-
lam o debate sobre educação de qualidade socialmente referenciada.
Nesse sentido, iniciamos com o registro de algumas notas acerca de
diferentes concepções de qualidade assinaladas nas últimas décadas,
nomeadamente no âmbito das propostas defendidas pelos educado-
res brasileiros e das políticas educacionais empreendidas no período.
Na sequência, abordamos tendências e desafios na implementação de

69
propostas de Educação Integral em tempo integral, buscando assina-
lar pontos da convergência aqui referida, de modo a suscitar o debate
sobre possibilidades e desafios que atravessam a construção da quali-
dade social da educação e sobre a escola de Educação Integral como
uma via para essa construção.

Algumas notas sobre concepções de qualidade


correntes nas últimas décadas
Na década de 1980, entre as proposições tecidas pela comuni-
dade educacional, com vistas à construção de mudanças na educação
brasileira, figurava a melhoria da qualidade da educação escolar, em
razão da qual era devido o enfrentamento de questões como a dis-
torção idade-série, as altas taxas de evasão, a necessidade alterações
de ordem curricular, as condições de aparelhamento das instalações
escolares e o número elevado de alunos por turma, entre várias outras.
Acompanhada da defesa à qualificação e à valorização dos pro-
fissionais, à democratização da gestão e à exclusividade dos recursos
públicos para a escola pública, dentre outras proposições, a bandeira
da melhoria da qualidade firmava-se na concepção de educação pú-
blica e gratuita como direito de todos e dever do Estado. (SHIROMA;
MORAES; EVANGELISTA, 2000)
A década de 1990, como anota Arelaro (2000), iniciou-se com
dois movimentos aparentemente contraditórios: de um lado, a defesa
de um novo projeto político-econômico para o Brasil e a expectativa
da implementação dos direitos recém-conquistados e com lugar na
Constituição de 1988, esta também fornecedora do arcabouço institu-
cional para mudanças conclamadas pelos educadores; de outro lado, a
assunção de um projeto neoliberal, que assinalava vigorosamente a ur-
gência de reformas do Estado, capazes de colocar o Brasil no compas-
so da modernidade. Foi em meados dessa década que a assunção de
formulações claramente sintonizadas com o discurso neoliberal, que
busca sublinhar tanto a ineficácia normal do Estado como a eficácia
natural do mercado (SÁ, 2008), fez-se conhecer. Tempo de reforma
do aparelho do Estado, também da publicação de documentos de base
que subsidiaram um novo projeto educacional para o país.

70
Como parte desse projeto de mudanças, inclinado a promover
melhor articulação do processo de formação escolar com as deman-
das derivadas da reestruturação econômica mundial, assistiu-se à in-
tensificação de políticas de avaliação em larga escala, sequenciadas
pela criação de indicadores de desempenho de estudantes, escolas e
redes, com a avaliação quantitativista figurando como um dos instru-
mentos de adaptação do sistema educacional do país à nova ordem
global (SILVA, 2009).2 As opções e prioridades em que se assentam
essas políticas informam um determinado referencial de qualidade,
no caso, um referencial claramente sintonizado com o campo produ-
tivo.
Tal referencial, servido de certa dispersão semântica do concei-
to de qualidade, mostrou-se distinto daquele que se manteve anima-
do no campo crítico e que tem suas raízes nas bandeiras empunhadas
pelo movimento dos educadores dos anos de 1980. Este referencial,
por sua vez, orienta o debate por uma perspectiva sócio-histórica de
educação, tendo adquirido certo impulso com a mudança no coman-
do do Estado brasileiro, em 2003, haja vista o cariz mais social que os
projetos do setor social tenderam a assumir. No entanto, como nos
mostra Gentili (1995), ao referir a sobreposição do discurso da quali-
dade ao da democratização, a marca impressa ao debate e às políticas
para setor educacional será mesmo a do campo produtivo, de caráter
mercantil, pois é deste campo o conteúdo assumido pelos discursos
hegemônicos.
Como parte da política educacional desse período, o Plano de
Desenvolvimento da Educação (PDE), consubstanciado no Decreto
Presidencial nº 6.094, de 24 de abril de 2007, pode ser identificado
como uma das medidas de maior expressão em torno da questão da
qualidade da educação. Conforme registra o documento “Plano de
Desenvolvimento da Educação: razões, princípios e programas”, a as-
sunção de maiores compromissos da União, ocorrida a partir do PDE,

2
Conforme anotam Oliveira e Araújo (2005), ao referirem políticas encampadas no Brasil
desde a primeira metade do século passado, não é apenas nas últimas duas ou três décadas
que, nesse âmbito, a questão da qualidade alinha-se com indicadores que permitam apre-
ender seu conteúdo por atributos predominantemente quantitativos, embora seja devido
considerar os distintos contextos e períodos históricos em que essas políticas foram imple-
mentadas.

71
inclui à disponibilização aos governos subnacionais de “instrumentos
eficazes de avaliação e de implementação de políticas de melhoria da
qualidade da educação, sobretudo da educação básica pública”. (BRA-
SIL, 2007b, p. 11)
De acordo com o Decreto, a qualidade da educação básica será
aferida, objetivamente, com base no Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (IDEB), criado pelo mesmo Decreto. O índice (in-
formado em uma escala de 0 a 10) resulta do produto entre taxas de
aprovação escolar e média de desempenho dos estudantes em língua
portuguesa e matemática, obtida em avaliações realizadas pelo Insti-
tuto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(INEP), por meio do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Bá-
sica (SAEB).3 O pacto “Compromisso Todos pela Educação”, firma-
do entre a União e os estados e municípios do país, também selou o
compromisso das esferas de governo em torno de metas destinadas a
promover o alcance dos índices (por escola, rede de ensino e unidade
da federação), para que o Brasil atinja o patamar educacional que,
atualmente, possui a média dos países da Organização para a Coope-
ração e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Atentos ao cenário complexo em que se situam os debates sobre
a qualidade, Dourado, Oliveira e Santos (2007), Dourado e Oliveira
(2009), Silva (2009), Fonseca (2009), dentre outros, assinalam em
seus estudos o caráter polissêmico do conceito e sua interação com
as mudanças que ocorrem no campo econômico, ao passo em que
defendem uma abordagem mais abrangente do tema. Seguindo as
reflexões de Dourado e Oliveira (2009, p. 211), diremos tratar-se de

3
Atualmente, o Saeb é composto por três avaliações em larga escala: a Avaliação Nacional
da Educação Básica (Aneb); a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Anresc), co-
nhecida como Prova Brasil; e a Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA). Os resultados
aferidos pela Aneb e pela Anresc/Prova Brasil são usados para o cálculo da média de
desempenho dos estudantes, que compreende um dos indicadores para a composição do
Ideb. A Aneb é amostral e envolve estudantes das redes públicas e privadas do país, em
áreas urbanas e rurais, matriculados no 5º e no 9º ano do ensino fundamental e no 3º ano
do ensino médio, respondendo pela apresentação dos resultados do país como um todo,
das diferentes regiões geográficas e das unidades da federação. Já a Anresc/Prova Brasil
é censitária e envolve estudantes do 5º e do 9º ano do ensino fundamental das escolas
públicas das redes municipais, estaduais e federal que possuam, no mínimo, 20 alunos
matriculados nos anos/séries avaliados, sendo os resultados apresentados por escola e por
ente federativo.

72
uma abordagem que realça a “promoção e atualização histórico-cul-
tural, em termos de formação sólida, crítica, ética e solidária, articu-
lada com políticas públicas de inclusão e resgate social” (DOURADO;
OLIVEIRA, 2009, p. 211). Nessa direção, uma qualidade socialmente
referenciada tem em conta as múltiplas determinações que repercu-
tem no processo de ensino e aprendizagem nas escolas e, portanto,
considera dimensões intra e extraescolares (DOURADO; OLIVEI-
RA; SANTOS, 2007)4 ou fatores externos e internos à escola (SILVA,
2009).5
Tendo em conta os diferentes enfoques conferidos à qualidade
da educação, Fonseca (2009) assinala que o tema oscilou em meio a
variadas influências. Conforme anota a autora, em revista aos planos
educacionais brasileiros constituídos a partir da década de 1960, a am-
bivalência demarcada pela incorporação mais ou menos intensa, por
esses planos, do substrato econômico que deu sustentação aos diferen-
tes projetos de desenvolvimento do país, e das propostas dos educado-
res para uma educação socialmente mais relevante, “expressou-se nos
enunciados humanistas dos planos e do corpus legislativo, ressaltando

4
Conforme anotam Dourado, Oliveira e Santos (2007), a dimensão intraescolar
compreende: as condições de oferta do ensino (plano do sistema); a gestão
e organização do trabalho escolar (plano da escola); a formação, profissiona-
lização e ação pedagógica do professor (plano do professor); e as condições
de acesso, permanência e desempenho escolar (plano do aluno). A dimensão
extraescolar, por sua vez, diz respeito aos fatores econômicos, socioculturais e às
obrigações do Estado no provimento público da educação e na viabilização de
condições de formação e valorização da carreira docente.
5
Entre os determinantes externos que contribuem para a referência da qualidade da
educação escolar, Silva (2009) refere os fatores econômicos e socioculturais das famílias,
financiamento público adequado e compromisso dos gestores centrais com a boa forma-
ção dos docentes e funcionários. Já entre os elementos internos à escola, sinalizadores da
qualidade social da educação, a autora aponta: “a organização do trabalho pedagógico e
gestão da escola; os projetos escolares; as formas de interlocução da escola com as famí-
lias; o ambiente saudável; a política de inclusão efetiva; o respeito às diferenças e o diálogo
como premissa básica; o trabalho colaborativo e as práticas efetivas de funcionamento dos
colegiados e/ou dos conselhos escolares” (SILVA, 2009, p. 224). Também realça “que a
permanência e o sucesso dos estudantes dependem de outras atitudes dos profissionais da
escola, como: saber reconhecer as suas potencialidades individuais; criar mecanismos faci-
litadores para o desenvolvimento do espírito público, responsável e colaborativo; preocu-
par-se com a alimentação e o transporte dos estudantes [...]; desenvolver a criatividade e a
inovação [...]; possibilitar a criação artística em todas as suas manifestações [...]; assegurar
o acesso livros, revistas, filmes e equipamentos tecnológicos, valorizar o acesso ao cinema.”
(p. 225)

73
o compromisso ético com a qualidade educacional, conforme que-
riam os educadores” (p. 173). No entanto, conclui que foi a lógica do
campo econômico que, na prática, orientou os programas e projetos
do período, levando a qualidade a ser legitimada pelo horizonte da
competitividade.
Por isso, supondo-se a necessidade do equilíbrio da balança, te-
mos que este tanto realça o fato de que a qualidade, no campo da edu-
cação, “tem como horizonte as diferentes dimensões da vida social”
(FONSECA, 2009, p. 173), como adverte que os desafios da constru-
ção dessa qualidade são maiores que o alcance revelado pelas políticas
públicas que circulam entre nós.

Educação Integral e qualidade da educação escolar:


referenciando o social
O realce das políticas públicas à questão da qualidade, como assi-
nalamos, ganhou (e continuando ganhando) vulto na agenda das prio-
ridades educacionais nas últimas décadas. Algumas vezes, evidencian-
do reforço a opções e caminhos mais diretamente sintonizados com
modelos que prevalecem no campo empresarial – uma versão mercan-
til de qualidade (SÁ, 2008) – e que se pautam, prioritariamente, em re-
sultados passíveis de mensuração; noutras vezes, revelando a presença
de elementos mais intimamente relacionados com uma perspectiva de
qualidade referenciada no social, indiciando certa permeabilidade do
Estado a outras concepções de qualidade.6
No tocante à agenda destinada à construção da qualidade da
educação básica – construção que, como dissemos, foi erigida à con-
dição de prioridade nacional e compromisso de todos –, esta tem sido
chamada a abrir espaço ao enfrentamento da desigualdade social,
como buscam operar as políticas redistributivas de combate à pobre-
za. Em boa medida, é também em associação ao desafio desse enfren-

6
Algumas evidências no plano legal, por exemplo, indiciam essa permeabilidade. Destaca-
mos, especialmente, o Parecer CNE/CEB nº 08/2010, de 5 de maio (estabelece normas
para aplicação do inciso IX do artigo 4º da Lei n. 9.394/96 (LDB), que trata dos padrões
mínimos de qualidade de ensino para a educação básica pública), e a Resolução CNE/
CEB nº 4/2010, de 13 de julho (define Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a
Educação Básica).

74
tamento que políticas voltadas ao setor educacional têm defendido a
construção de propostas de Educação Integral.
Nessa direção, a tônica do debate proposto pelo Estado brasileiro
tem em conta “que a situação de vulnerabilidade e risco social, embo-
ra não seja determinante, pode contribuir para o baixo rendimento
escolar, para a defasagem idade/série e, em última instância, para a
reprovação e a evasão escolares.” (BRASIL, 2009, p. 11). Também, que
a crescente expansão de vagas experimentada no país não foi acompa-
nhada de condições que pudessem resguardar a garantia de qualidade
da educação, que inclui a qualidade da permanência das crianças e
adolescentes na escola. Assim, partindo do pressuposto de que a edu-
cação de qualidade constitui aspecto fundamental para a garantia dos
outros direitos sociais, e em razão da urgência das demandas sociais
e do diálogo destas demandas com os processos escolares, “o desafio
que está posto, na perspectiva da atenção integral e da Educação In-
tegral, é o da articulação dos processos escolares com outras políticas
sociais, outros profissionais e equipamentos públicos, na perspectiva
de garantir o sucesso escolar” (BRASIL, 2009, p. 13). Trata-se, pois, de
uma argumentação que sugere sintonia com elementos que pautam
uma concepção de qualidade educacional socialmente referenciada.
Em comparação com outras propostas dadas a conhecer no Bra-
sil desde o século passado, a de atenção integral e Educação Integral,
na qual se apoiam o debate e as políticas públicas recentes, guarda
pontos distintivos especialmente em termos de princípios. Estes pon-
tos podem ser identificados, por exemplo, nos objetivos das diferentes
propostas, embora se deva considerar o contexto social, político e eco-
nômico em que foram construídas.7
Como buscamos apontar, a escola pública vem sendo chamada a
alargar o quadro tradicional de suas atribuições, adentrando a campos
que outrora não compunham o seu quadro de atuação. Seu desafio
agora é de compatibilizar funções educativas com funções protetoras,

7
Dentre as propostas anteriores, destacam-se as que resultaram nas experiências empreen-
didas por Anísio Teixeira nas décadas de 1950 e 1960. Primeiramente, com a implantação
do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, em Salvador. Depois, com o Plano para Edu-
cação Básica de Brasília (parte do Sistema Educacional da capital, elaborado com Darcy
Ribeiro, Cyro dos Anjos e outros), que incluía um modelo de Educação Integral no nível
educacional elementar.

75
a bem do trabalho pedagógico e do sucesso escolar dos alunos, uma
questão que motiva reservas por parte dos que argumentam em torno
da especificidade da instituição escolar.
Esse alargamento do quadro de atribuições da escola põe em
relevo as variáveis “tempo” (ampliação da jornada escolar) e “espaço”
(território em que se situa a escola), embora discussões sobre estas
variáveis ocorram há mais tempo. Vale destacar que, nos debates e em-
bates político-sociais relacionados à produção da educação pública, a
questão da universalização do acesso à educação básica gratuita e de
qualidade tem sido, por vezes, aproximada a medidas como a amplia-
ção da jornada escolar e a escola em tempo integral.
No entanto, há razoável consenso de que a simples ampliação
ou mesmo a duplicação das atividades da atual educação básica não
são suficientes, enquanto medidas, para potencializar o papel espera-
do da escola pública e a melhoria da qualidade da educação que ela
realiza. A esse respeito, Paro e outros (1998), ao abordarem as múlti-
plas questões colocadas no debate recente sobre a extensão diária do
tempo escolar no sistema público de ensino, defendem que a extensão
deva ser considerada não apenas em termos de acréscimos do período
diário de atendimento, mas também de provimento de condições ne-
cessárias ao funcionamento adequado da escola.
Refletindo sobre relações entre a ampliação do tempo de escola
e o incremento da qualidade do trabalho educativo, Cavaliere (2007)
aborda a questão do tempo diário de permanência dos alunos na esco-
la referindo diferentes formas de entendimento e de justificava à me-
dida. Uma delas aposta na maior exposição dos indivíduos às práticas
e rotinas escolares, por meio da qual seria possível alcançar melhores
resultados em termos de ação educativa. Outra forma considera a am-
pliação como uma adequação da escola às novas condições de vida
urbana e das famílias, especialmente da mulher. Já uma terceira forma
considera a ampliação do tempo como parte da mudança na concep-
ção de educação escolar e, portanto, no papel que deve desempenhar
a escola na vida das pessoas. De acordo com a autora, esta última for-
ma – que em alguma medida engloba as demais – é a que mais nos
desafia a uma reflexão educacional abrangente, pois suscita questões
fundamentais, como:

76
Que tipo de instituição pública de educação bá-
sica a sociedade brasileira precisa? Que funções
relativas ao conhecimento cabem à escola, frente
aos demais meios de informação e comunicação
presentes na vida social? Qual o papel da institui-
ção escolar na formação para a vida em socieda-
de e para a democracia? (CAVALIERE, 2007, p.
1016)

De acordo com a autora, o que nos informa uma análise preli-


minar de projetos mais recentes – e isso inclui suas formulações ofi-
ciais –, é a existência de visões distintas de escola de tempo integral,
“que podem levar a projetos com objetivos até mesmo antagônicos”.
(p. 1028)
Mas, que visões despontaram ao longo do tempo? Com base em
seus estudos, Cavaliere (2007) aponta a existência de ao menos quatro
concepções de escola de tempo integral, também diluídas ou até mes-
mo misturadas em projetos de desenvolvimento no país: a primeira,
que é a predominante, tem a escola de tempo integral como destinada
aos desprivilegiados e a substituir a família. De cariz assistencialista,
nesta escola o conhecimento é menos importante que a ocupação do
tempo; outra visão tem a escola de tempo integral como preventiva
ao crime, nascida do temor à delinquência e à violência. De perfil
autoritário, enfatiza rotinas rígidas e, frequentemente, alude a for-
mação para o trabalho; uma terceira concepção considera o tempo
integral um meio destinado a propiciar o aprofundamento dos conhe-
cimentos e a desenvolver o espírito crítico e vivências democráticas.
Com base nesta concepção, o maior tempo de permanência na escola
pode garantir “melhor desempenho em relação aos saberes escolares,
[...] ferramentas para a emancipação” (CAVALIERE, 2007, p. 1029);
por fim, uma concepção multissetorial de educação integral, surgida
mais recentemente, considera o tempo integral independentemente
da estruturação de escola de horário integral e da centralização desse
tempo em uma instituição, posto que a educação pode e deve estar
fora da escola. Também considera que, isoladamente, as estruturas
de Estado são “incapazes de garantir uma educação para o mundo
contemporâneo e a ação diversificada, de preferência de setores não

77
governamentais, é que poderia dar conta de uma educação de quali-
dade”. (p. 1029)8
Consoante destaca a autora, alguns projetos empreendidos por
governos mais recentes têm defendido essa última concepção, ou seja,
realçam mais o aluno em tempo integral do que a organização da esco-
la em tempo integral, ainda que o façam com base em justificativas dis-
tintas. Em outro sentido, o que se lê no art. 34 da atual Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394/96, é a opção pela
ampliação progressiva do tempo de permanência na escola, embora
isso não constitua óbice ao empreendimento de outros modelos. Mes-
mo assim, Cavaliere (2007) assinala que um problema dos modelos que
apostam na oferta das atividades educativas em ambientes diferentes
é a dificuldade de manter uma referência para o aluno e para a pro-
posta pedagógica, inclusive porque, neste caso, também os processos
de planejamento e de avaliação precisariam ser descentralizados. Na
esteira desta preocupação segue-se outra, relativa ao aspecto político-
-administrativo: a suposição de que organizações não governamentais
ou mesmo da administração pública (que não do setor educacional)
disponham de competência, nas dimensões requeridas, para constituir
uma rede de ações articuladas à escola. “De onde virá essa capacidade?”
(p. 1031), arremata a autora.
Pensando assim, diferentemente de supor a subtração da par-
ticipação de organizações da sociedade civil e outras áreas da admi-
nistração pública, por meio da qual é possível o enriquecimento das

8
Em 2010 foi publicado estudo desenvolvido por um conjunto de universidades,
a pedido da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade,
do Ministério da Educação (SECAD/MEC), por meio da Diretoria de Educação
Integral, Direitos Humanos e Cidadania (DEIDHUC), visando ao mapeamen-
to de experiências de jornada escolar ampliada nos municípios brasileiros. Os
resultados, que compreendem uma primeira etapa do estudo (pesquisa quanti-
tativa), destacam: a multiplicidade de nomenclaturas conferidas às experiências
mapeadas (por vezes distintas em um mesmo município); a diversidade de com-
binações entre dias da semana em que as experiências são realizadas e as horas
de ampliação da jornada (sendo preponderante o modelo de jornada ampliada
no turno oposto ao regular, mesmo modelo abraçado pelo programa federal
“Mais Educação”, conforme consta na Portaria Ministerial nº 17, de 24 de abril
de 2007); e a diversificação das atividades desenvolvidas, assim como dos locais
de realização (dentro e fora da escola), verificada a tendência à maximização
do aproveitamento dos espaços escolares, embora a ampliação da jornada tenha
levado, também, à utilização de espaços públicos da cidade. (BRASIL, 2010c)

78
propostas de escola de tempo integral, a defesa é pela convergência de
esforços visando ao fortalecimento da instituição escolar, lugar onde
o aluno é a parte principal, onde exerce um direito constitucional,
embora esse modelo centralizado na instituição, a exemplo do descen-
tralizado, não esteja imune a concepções assistencialistas.

A troca com outras instituições sociais e a incor-


poração de outros agentes educacionais são fun-
damentais para o enriquecimento da vida escolar,
mas as formas alternativas de ampliação do tempo
educativo que não têm como centro a institui-
ção, expõem-se aos perigos da fragmentação e da
perda de direção. E, principalmente, ronda-lhes
o risco de que, ao invés de servirem à melhoria
da qualidade da ação educacional, atuem apro-
fundando ainda mais a precarização da educação.
(CAVALIERE, 2009, p. 61)

Conforme sugerem essas reflexões, há várias questões atuais so-


bre Educação Integral em tempo integral que, consideradas em razão
da possibilidade de propostas sintonizadas com os desafios deste tem-
po, requerem atenção e aprofundamento. Pensar no equacionamento
dessas questões, ao certo favorecerá a conquista de melhores condi-
ções para a construção de uma escola mais justa e democrática possí-
vel, o que implica considerar as diferentes dimensões da vida social.
As sinalizações oportunizadas pelas reflexões aqui apresentadas,
bem como alguns indicativos de projetos em curso no país,9 sugerem
que as opções pela ampliação da jornada escolar respondem a objetivos
distintos e que, portanto, dividem lugar com a ideia de ampliação do
campo de atuação da escola na perspectiva de uma Educação Integral.
Significa dizer que não necessariamente princípios e ações ancorados
em propostas de ampliação da jornada escolar estejam sendo operados
nessa direção ou, ao menos, dizer que respondem a concepções distin-
tas de educação integral.
Com o realce ao desafio da melhoria da qualidade da educa-
ção na agenda das escolas em geral, conforme referimos neste texto,

9
Conforme consta em Brasil (2010c).

79
temos que as opções e práticas eleitas por cada escola – o que inclui
propostas de educação integral em tempo integral – também infor-
mam prioridades e caminhos visando à melhoria da educação escolar
e, portanto, determinada concepção de qualidade. Como vimos, são
distintas as concepções que se apresentam no cenário brasileiro nas
últimas décadas, sinalizando projetos distintos de educação e de so-
ciedade.

Para uma conclusão


Os elementos levantados neste texto parecem-nos indicativos
da existência de importantes pontos de convergência entre pressupos-
tos de uma concepção de qualidade social da educação e de Escola
Integral em tempo integral.
Considerando que essa aproximação não é algo posto, haja vis-
ta ser o resultado de construções orientadas por princípios e valores
politicamente assumidos, entendemos que as propostas de Educação
Integral em tempo integral podem se constituir em uma importante
medida para o projeto de educação básica gratuita e de qualidade so-
cial para todos, especialmente nestes tempos em que escola pública
parece recolocar o tema da qualidade da educação na sua agenda de
prioridades.
Ademais, concordamos que o reforço a essa possibilidade passa
pela construção de propostas pedagógicas que levem a escola a (re)
pensar criticamente suas funções e sua atuação na sociedade brasi-
leira. Passa, também, pelo seu fortalecimento enquanto instituição,
dispondo de profissionais preparados e de equipamentos apropriados
ao enriquecimento das atividades escolares, a fim de que possa prota-
gonizar efetivamente a melhoraria da qualidade do trabalho educativo
que realiza.
Nessa direção, sem perder de vista as muitas questões que atra-
vessam o debate atual sobre projetos de qualidade, aspectos atinentes
ao redimensionamento de bases didático-pedagógicas e organizacio-
nais da escola não podem ser considerados itens periféricos de uma
proposta que inclua a ampliação da jornada escolar. Afinal, condições
de tempo (em extensão e qualidade) e de espaço escolar não correm à

80
parte de opções político-pedagógicas, opções que também informam
sobre a disposição da escola para assumir mudanças.

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82
CAPÍTULO 5

Ampliação da jornada escolar: um


estudo sobre programas e projetos
na educação brasileira

Valdeney Lima da Costa


Alessandra Victor do Nascimento Rosa

Políticas Públicas e Reformas Educacionais


no Brasil

Souza Lima & Castro (2008) argumentam em estudo que pensar


sobre políticas públicas na visão da antropologia social exige a supe-
ração da ideia de público como atributo para as ações de Estado, que
melhor seria definida como sendo políticas governamentais. Numa
linguagem mais clara, os autores esclarecem que o Estado não é o úni-
co formulador de políticas públicas, ou que estas não advêm somente
daquele. São gestadas também no âmbito da sociedade civil, pela ação
de movimentos sociais, organizações não governamentais, associações,
organismos multilaterais, entre outros. Quando uma política pública é
emanada do aparelho estatal, se configura como política governamen-
tal, entendida como planos, ações e tecnologias de governo assumidas
pelas organizações administrativas do Estado Nacional e também por
agentes externos à maquina administrativa, a citar agências de coo-
peração financeira e organismos multilaterais de desenvolvimento.
(idem)
Pensar em política pública de Estado e/ou de governo implica
de início, esclarecer a distinção que se faz necessária, entre as noções
de Estado e Governo:

[...] é possível se considerar Estado como o con-


junto de instituições permanentes – órgãos legisla-
tivos, tribunais, exército e outras que não formam

83
um bloco monolítico necessariamente – que pos-
sibilitam a ação dos governos; e Governo, como
o conjunto de programas e projetos que parte
da sociedade como um todo, configurando-se a
orientação política de um determinado governo
que assume e desempenha as funções de Estado
por um determinado período. (HÖFLING, 2001:
p.31)

Compreendida essa diferença, evidenciamos que numa socieda-


de que se baseia no modo de produção privada, a natureza das políticas
públicas se subdivide em dois modelos: política econômica e política
social. A primeira está atrelada ao movimento do mercado, que passa
a adquirir vitalidade num modelo de produção de feição (neo)liberal.
A segunda, que se destina a área social, ganha centralidade na agenda
governamental emanada por organismos públicos, organizações para
o desenvolvimento social e agências de capital privado. (NEVES, 2002)
As mudanças que se processam na organização do modo de pro-
dução vêm relegando novos papéis ao Estado. Este, se outrora estava
a serviço de uma classe, no presente, o mesmo busca a valorização e
sobrevivência do capital.
No Estado capitalista, de feição (neo) liberal, a política econômi-
ca escapa de sua posse, ficando entregue ao mercado, que se encarre-
ga de determinar as relações sociais de produção. Ao aparelho estatal
relega-se a tarefa de investimentos no campo social. Nesse sentido,
torna-se “estratégica a importância das políticas públicas de caráter
social-saúde, educação, cultura, previdência, seguridade, informação,
habitação, defesa do consumidor para o Estado capitalista”. (SHIRO-
MA et al, 2007, p.8)
As políticas públicas estatais de corte social no contexto do capi-
talismo, segundo Neves (2002), resultam das necessidades de produ-
ção e reprodução da força de trabalho com vistas à valorização do ca-
pital. Por outro lado, apresentam-se como ações implementadas pelo
Estado para redistribuição de benefícios sociais visando à redução das
disparidades estruturais produzidas pelo desenvolvimento socioeco-
nômico e, com efeito, concorrem para a continuidade das relações
sociais de uma formação particular de sociedade. (HOLFING, 2001)

84
Se as políticas sociais para os autores supracitados possuem cor-
relação com o movimento do capital, pode-se dizer que a educação,
por estar inserida nessas políticas, também segue os mesmos passos. As
políticas em educação, chamadas políticas educacionais, mesmo apa-
rentando caráter humanitário e benfeitor, apresentam-se como con-
tradições próprias do modo capitalista de produção (SHIROMA et al,
2007, p.9). Em geral, tais políticas se destinam exclusivamente, para as
classes subalternas, porém, é a classe dominante que delas tiram máxi-
mo proveito. É o caso de se pensar no programa federal Universidade
para todos (PROUNI) que recebeu muitas críticas quando de sua im-
plantação por oferecer bolsas de estudo em instituições particulares
de ensino, amenizando a demanda pela universidade pública.
Em se tratando da política pública educacional no contexto bra-
sileiro contemporâneo, nunca é demais lembrar que na década de
1990, tais políticas ganharam novos rumos. Não nos propomos revis-
tar as ações governamentais do período, até porque são já encontra-
dos em outros estudos, a exemplo de Shiroma et al., (2007); Peroni
(2003); Azevedo (2004); Neves (2002).
Quando afirmamos que na década de 1990, as políticas educa-
cionais tomaram novos rumos, é porque a educação no contexto da
reforma do Estado ganhou centralidade no desenvolvimento das for-
mas de produção capitalistas, tendo em vista a acumulação do capital.
Nesse sentido, tornou-se evidente a correlação entre os princípios que
pautaram a reforma administrativa do aparelho estatal e as políticas
educacionais propostas e implementadas ao longo do referido período.
(AZEVEDO, 2004, xi)
Das recomendações elaboradas nas diversas conferências reali-
zadas, sabe-se que algumas se converteram em compromisso público:
universalização do ensino fundamental e erradicação do analfabe-
tismo e melhoria dos resultados da aprendizagem escolar. Os enca-
minhamentos fechados nos eventos internacionais influenciaram as
políticas educativas dos países participantes, entre eles, o Brasil. Ade-
mais, nestes eventos, os organismos multilaterais, dentre eles o Banco
Mundial, estabeleceram recomendações que serviram de referência
para as reformas educacionais nacionais. Entre essas recomendações
destacou-se a necessidade de investimentos para a educação básica,

85
considerada estratégica para o desenvolvimento socioeducacional dos
países.
O governo brasileiro atendendo às determinações provindas dos
organismos internacionais passa a realizar um conjunto de reformas
educacionais que contemplam todos os níveis de ensino, entretanto,
as ações minaram o ensino fundamental. Nesse sentido, foram cria-
dos parâmetros para organização dos currículos escolares, avaliações
externas à escola, programas de formação continuada para professo-
res, programas para distribuição de merenda escolar, livros didáticos,
transporte escolar, e, fundos de financiamento, a exemplo do Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Va-
lorização do Magistério (FUNDEF)1
As políticas do Estado brasileiro voltadas para o ensino funda-
mental, particularmente no contexto dos anos 1990, buscavam a am-
pliação do acesso para este nível e consequentemente, a permanência,
o que pode ver verificado em programas como Acorda, Brasil!, Tá na
hora da escola!, Aceleração da Aprendizagem, Guia do Livro Didático
– 1ª. a 4ª. séries (SHIROMA et al., 2007). Assim, o binômio acesso/
permanência apresentou-se como ideal a ser alcançado pelas políticas
governamentais postas em prática no referido período.
Chegada à era 2000, o quadro educacional brasileiro sinalizou
avanços em relação à década anterior. Quanto ao acesso pode-se afir-
mar que o ensino fundamental foi praticamente universalizado, en-
quanto desafios continuaram na oferta de educação infantil e ensino
médio (VIEIRA, 2008, p.91). Com a explosão de matrículas no ensino
fundamental, a variável quantidade cedeu espaço para a variável quali-
dade. Nesse sentido, a nosso ver, no intuito de favorecer a permanên-
cia dos alunos na escola, foi imputado o aspecto qualidade.
Atualmente, a ótica da qualidade vem sendo perseguida pelas
ações governamentais destinadas à educação. O discurso em voga tra-
duz-se na expressão educação de qualidade. Para seu cumprimento, em
tempo de neoliberais, torna-se necessária a parceria entre o Estado e
a sociedade civil. Em outras palavras, a busca pela educação de quali-

1
Este foi substituído pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica,
criado pela Emenda constitucional nº. 53/2006 e regulamentado pela Lei 11.494, de 20
de junho de 2007.

86
dade é compromisso de todos. Não alongaremos essa discussão devido
ao espaço que nos cabe, porém ressaltamos que este compromisso tem
impulsionado iniciativas de setores da sociedade civil, a exemplo das
organizações não governamentais (ONGS), associações civis, entidades
religiosas e grupos empresariais com seus programas de responsabilida-
de social.
Para dar sustentabilidade ao discurso sobre qualidade do ensi-
no, são acrescidos outros ingredientes: ampliação da jornada escolar
e oferta de educação integral. Esta, por sinal, vem ganhando espaço
em políticas públicas nas três esferas administrativas (federal, estadu-
al, municipal), seja em forma de programas em (implementação da
política), ou de um ordenamento legal (formulação da política). Veja-
mos a seguir de que forma os programas e projetos para ampliação da
jornada escolar vêm se constituindo uma política pública.

Ampliação da Jornada Escolar Brasileira


Nesta parte do artigo, ressaltamos que trabalhamos metodologi-
camente o presente tema por meio de um estudo documental referen-
ciados nas legislações, a saber: (1) Lei 9.394/96; (2) Plano Nacional de
Educação (PNE); (3) Portaria Interministerial Nº. 17/07; (4) Decretos
Nº. 6.094/2007; (5) Nº. 6.253/2007. Nesse sentido, observamos o que diz
a legislação educacional brasileira sobre a ampliação do tempo escolar
na educação básica, em particular, a que se refere ao ensino fundamen-
tal. Optamos por este exercício porque compartilhamos da ideia de que
entre os conhecimentos necessários de nosso campo profissional ou de
nosso campo de interesse, um que precisamos dominar refere-se ao or-
denamento normativo do mesmo (CURY, 2002). Assim, estudar a legis-
lação que ampara o tema aqui discutido tornou-se uma tarefa mais que
necessária para compreendermos do discurso legal ao real.
Pelo estudo documental, evidenciamos que é com a publicação
da Lei 9.394/96, (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –
LDBN) que o debate sobre a ampliação da jornada escolar começa a
aflorar, principalmente, com as indicações presentes em dois artigos
da referida lei. O Art.34 determina que a jornada escolar no ensino fun-
damental incluirá, pelo, menos quatro horas de trabalho efetivo em sala, sendo

87
progressivamente ampliado o período de permanência na escola e que o ensino
fundamental será ministrado progressivamente em tempo integral, a critério dos
sistemas de ensino.(§ 2º. Idem)
Em outra passagem, a mesma lei em seu parágrafo § 5º. do ar-
tigo 87, recomenda a conjugação de esforços para a progressão das
redes escolares urbanas de ensino fundamental para a modalidade de
tempo integral. Embora este seja opcional para os sistemas de ensino,
as orientações dos dispositivos da lei representam um avanço para a
política pública da educação em tempo integral.
Outra menção sobre a ampliação da jornada escolar aparece no
corpus do texto da Lei 10.172/2001, que criou o Plano Nacional de
Educação (PNE). Dentre as metas traçadas por este plano destacamos
a meta 21 que objetiva “ampliar, progressivamente a jornada escolar
visando a expandir a escola de tempo integral, que abranja um perí-
odo de, pelo menos, sete horas diárias, com previsão de professores e
funcionários em número suficiente”. (p.26)
Seis anos depois, com a publicação do Decreto Nº. 6.253/2007
“considera-se educação básica em tempo integral a jornada escolar com
duração igual ou superior a sete horas diárias, durante todo o período
letivo, compreendido o tempo total que um mesmo aluno permanece na
escola ou em atividades escolares”. (Art.4º)
Outra legislação importante para a presente discussão é o De-
creto Nº. 6.094/2007, que versa sobre a implantação do Plano de Me-
tas Compromisso Todos pela Educação. Entre as metas estabelecidas,
destaca-se a diretriz IV que recomenda ao poder público combater a
repetência dadas as especificidades de cada rede, pela adoção de práticas como
aulas de reforço no contraturno, estudos de recuperação e progressão parcial
(Art.2º.) e a diretriz VII que traça como meta ampliar as possibilidades
de permanência do educando sob a responsabilidade da escola para além da
jornada regular. (Idem)
Em termos de políticas públicas concretas, a educação em tempo
integral ganhou destaque com Programa Mais Educação, criado pela
Portaria Normativa Interministerial de nº 17/ 2007. O programa tem
como finalidade fomentar a educação integral de crianças, adolescen-
tes e jovens pelo incentivo a atividades socioeducativas no contraturno
escolar. As ações são desenvolvidas com apoio dos Ministérios da Edu-

88
cação, do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, do Esporte e
da Cultura. Trata-se, portanto, de um programa que pretende articu-
lar os setores da política social, configurando-se, assim, uma política
intersetorial.
Em relação à ampliação da jornada escolar, o Mais Educação
apresenta como uma de suas finalidades “apoiar a ampliação do tem-
po e do espaço educativo e a extensão do ambiente escolar nas redes
públicas de educação básica de Estados, Distrito Federal e municípios,
mediante a realização de atividades no contraturno escolar articulan-
do ações desenvolvidas pelos Ministérios integrantes do Programa”.
(inciso I, Art.2º. Portaria Nº. 17/07)
Percebemos que em termos de normatizações, o tempo amplia-
do na escola já se constitui como pretensão, pelo menos no discur-
so governamental. Entretanto, sabemos que uma política pública só
adquire vitalidade quando sai do papel. Nesse sentido, no próximo
tópico mencionaremos alguns projetos e programas de ampliação da
jornada escolar em curso nos sistemas educacionais do país.

Programas / Projetos de Ampliação da jornada


escolar nas redes públicas do Brasil
Nesta seção, expomos a trajetória histórica dos programas e pro-
jetos governamentais de ampliação do tempo escolar na educação bra-
sileira, mencionando aqueles que ganharam repercussão no debate
educacional, bem como situamos ao nosso leitor àqueles ainda vigen-
tes no tempo presente.
Em princípio, revelamos que as políticas públicas para extensão
do tempo escolar não se apresentam como novidade na educação bra-
sileira. Embora esteja recebendo atenção do poder público e da socie-
dade civil no tempo presente, sua concretização remonta aos anos de
1950 e 1980.
Na década de 1950, temos a primeira iniciativa com Anísio Tei-
xeira que concebeu a criação do Centro Educacional Carneiro Ribei-
ro, em Salvador. Os alunos atendidos nessa instituição estudavam em
um período nas chamadas Escolas-Classe e no turno complementar
praticavam atividades diversificadas nas chamadas Escolas-Parques.

89
Tempos depois são criados, na década de 1980, os Centros Inte-
grados de Educação Pública (Cieps) no Rio de Janeiro e os Centros
de Educação Integrada (Ceis) em Curitiba, que funcionam até os dias
atuais e que preconizam a ampliação da jornada escolar para tempo
integral, entendida aqui como aquela em que o aluno permanece sob
a responsabilidade da escola por um período de, pelo menos, sete
horas diárias.
Em relação a projetos de dimensão nacional, destacou-se no
ano de 1991, no governo de Collor de Mello (1990-1992), a proposta
dos Centros Integrados de Atendimento Integral à Criança (Ciacs),
inspirados no modelo escolar dos Cieps, que combinava ações educa-
cionais com programas de assistência social, formação profissional e
lazer, destinados às crianças e aos adolescentes atendidos pelo projeto.
Apesar de apresentar uma “inovação” pedagógica, essa proposta não
escapa das críticas e problemas de ordem financeira e operacional.
Tempos depois, em 1992, o projeto dos Ciacs é reformulado, inclusive
mudando de sigla, passando a se chamar Centros de Atenção Integral
a Criança (Caics), porém, perdurou a filosofia da educação e assistên-
cia integrais como proposta político-pedagógica.
Na década de 1990, e nos anos 2000, surgiram novos programas
governamentais visando ao aumento do tempo diário escolar, confor-
me nos mostra os estudos de Cavaliere (2009). A autora menciona as
experiências de jornada escolar ampliada na rede pública municipal
(Escola Integrada – Belo Horizonte; São Paulo é uma escola – São
Paulo), estadual (Escola de Tempo Integral – São Paulo; Escola Públi-
ca Integrada – Santa Catarina; Aluno em Tempo Integral – Minas Ge-
rais; e Cieps – Rio de Janeiro) e federal (Programas Segundo Tempo
e Mais Educação).
Em suma, o Programa Mais Educação, já citado neste trabalho,
representa a principal iniciativa no âmbito federal para implementa-
ção da educação em tempo integral na escola pública brasileira, en-
tretanto, ressaltamos que nas esferas subnacionais, vem sendo criados
projetos/programas que visam à ampliação do tempo de permanência
de crianças e adolescentes, amparados pelo disposto na Lei 9.394/96.
(CAVALIERE, 2007)

90
Segundo dados de uma pesquisa2 nacional financiada pela Secre-
taria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD)3
verificou-se um crescimento quantitativo de projetos e experiências
de extensão do tempo escolar nas esferas estadual e municipal, muitos
deles, com diferentes formatos organizacionais. Nas regiões Norte e
Nordeste, ainda de acordo com os dados iniciais da pesquisa foram
identificadas experiências de jornada ampliada nas redes municipais
de Palmas (TO), Manaus (AM) Natal (RN), Russas (CE), Recife (PE),
Feira de Santana (BA), Campina Grande (PB), entre outras. Em suma,
o grande número de programas de jornada escolar ampliada reside
nas regiões sul e sudeste do país, particularmente nos Estados de Mi-
nas Gerais, São Paulo, Santa Catarina e Rio de Janeiro. (CAVALIERE,
2009)

Sistematizando reflexões
O estudo realizado evidenciou que a proposta de ampliação da
jornada escolar vem ganhando espaço nas políticas públicas das três
esferas administrativas (federal, estadual, municipal), seja no formato
de programas, como também no ordenamento de legislações específi-
cas sobre o tema. Em relação aos programas, observamos na realidade
brasileira um crescimento “de projetos na educação básica pública que
têm como característica marcante a criação da jornada integral”. (CA-
VALIERE, 2007.p.1016)
Em relação aos projetos de educação em tempo integral, que
estão em andamento em espaços escolares do país, observamos a
presença de parcerias entre Estado e organismos da sociedade civil
(ONGs, grupos empresariais). Este acordo, por sinal, vem sendo alvo
de críticas pela opinião pública. Isso porque em alguns projetos, as ati-
vidades complementares ao currículo escolar vêm sendo conduzidas

2
A pesquisa denominada Educação Integral/educação integrada e(m) tempo inte-
gral: concepções e práticas na educação brasileira foi desenvolvida entre os anos de
2009-2011, pelas Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro(UNIRIO),
Universidade Federal de Minas Gerais(UFMG), Universidade Federal do
Paraná(UFPR) e Universidade de Brasília (UNB).
3
Atual Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade e Inclusão ( SECA-
DI).

91
por voluntários, estagiários ou moradores da comunidade, alguns sem
formação profissional e pedagógica. A questão se torna ainda mais
grave quando se percebe que não existe interação ou mesmo comuni-
cação entre os chamados agentes educativos e os professores efetivos
da escola.
No que se refere às características das experiências em processo
no país, observamos uma diversidade de formatos organizacionais, no
qual a jornada ampliada é sistematizada e vivenciada de distintas ma-
neiras. Há experiências que desenvolvem atividades apenas no espaço
intraescolar, como também, preferencialmente fora dele, utilizando
outros espaços da cidade. Nas experiências da Escola Integrada, de
Belo Horizonte/MG e do Bairro Escola, de Nova Iguaçu/RJ, as ativida-
des escolares também são vivenciadas em espaços para além da escola,
como uma praça esportiva da comunidade ou mesmo um espaço ocio-
so da associação de moradores.
Analisando o formato organizacional de projetos como os que
acontecem nas cidades de Belo Horizonte e em Nova Iguaçu, bem
como os demais em curso no país, Cavaliere (2009) agrupam-nos em
dois modelos denominados por escola de tempo integral e aluno de tempo
integral. O primeiro investe em mudanças no espaço intraescolar, de
forma a possibilitar a permanência de alunos e professores no tempo
ampliado, enquanto o segundo busca a articulação de diferentes ins-
tituições e projetos sociais para o oferecimento de atividades comple-
mentares aos alunos no contraturno escolar.
Assim, experiências como os programas supracitados, se organi-
zam no modelo aluno de tempo integral, enquanto a proposta dos Cen-
tros Integrados de Educação Pública (CIEP´s), dos Centros de Educa-
ção Integral (CEIs) e mesmo de alguns Centros de Atenção Integral
a Criança e ao adolescente (CAICs)3 se organizam sob o modelo da
escola de tempo integral.
No que tange as leis, por meio deste estudo evidenciamos que
discussão sobre a ampliação da jornada escolar tem avançado em gran-
de proporção. Sabemos que ela ainda é limitada, entretanto, atual-
mente já se sabe que é difícil implementar uma gama de atividades
pedagógicas em três horas e meia ou quatro horas diárias.
Entendemos, também, que esse tempo não atende, nem mes-

92
mo, ao período para trabalhar as disciplinas escolares, quanto mais as
atividades complementares à educação formal. Vale acrescentar, por
outro lado, que não basta apenas estender o tempo escolar diário, se a
ele não for bem aproveitado. Nesse sentido, concluímos que a simples
ampliação do tempo de permanência do aluno na escola, não garante
que ele terá uma qualidade de ensino ou mesmo uma educação volta-
da para um desenvolvimento pleno.

Referências:
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ciados, 2004.

BRASIL. Lei 9394/96, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases


da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 dez. 1996.

_________ Lei 10.172, de 09 de Janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Edu-


cação e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 10 jan.2001.

_________. Decreto Nº. 6.094, de 24 de Abril de 2007. Dispõe sobre a implemen-


tação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, pela União Federal,
em regime de colaboração com Municípios, Distrito Federal e Estados, e a parti-
cipação das famílias e da comunidade, mediante programas e ações de assistência
técnica e financeira, visando à mobilização social pela melhoria da qualidade da
educação básica. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 abr.2007.

________. Decreto Nº. 6.253, de 13 de Novembro de 2007. Dispõe sobre o Fundo


de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Pro-
fissionais da Educação (FUNDEB), regulamenta a Lei 11.494, de 20 de junho de
2007. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 nov. 2007.

_________. Portaria Normativa Interministerial Nº. 17, de 24 de Abril de 2007.


Institui o Programa Mais Educação que visa a fomentar a educação integral de
crianças, adolescentes e jovens, por meio do apoio a atividades socioeducativas no
contraturno escolar. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 14 abr.2007.

CASTRO, J.; SOUZA LIMA, A. Política(s) Pública(s). In: SANZONE, L.; PINHO,
O. (Orgs.). Raça: Novas Perspectivas Antropológicas. Salvador: EDUFBA, 2008. p. 351-
359.

CAVALIERE, A. Tempo de escola e qualidade na educação pública. Educação e


Sociedade, Campinas, vol.28, n.100-Especial, p.1015-1035, out.2007.

CAVALIERE, A. Escolas de tempo integral versus alunos em tempo integral. Em


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93
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Xamã, 2003.

VIEIRA, S. Educação Básica: política e gestão da escola. Fortaleza: LiberLivro, 2008.

94
CAPÍTULO 6

Políticas de ampliação da jornada escolar


no Rio Grande do Sul: elementos para uma
abordagem curricular1

Roberto Rafael Dias da Silva

Educar é conseguir que a criança ultrapasse as frontei-


ras que, tantas vezes, lhe foram traçadas como destino
pelo nascimento, pela família ou pela sociedade. (NÓ-
VOA, 2009, p. 32)

Com o presente texto pretendemos estabelecer um exercício de


análise das políticas contemporâneas que atribuem centralidade à am-
pliação da jornada escolar no Brasil. Inscreveremos nossa abordagem
no campo dos Estudos Curriculares, atribuindo centralidade analítica a
noção de conhecimento escolar. Para tanto, revisaremos duas políticas
em implementação no Estado do Rio Grande do Sul, a saber: o progra-
ma Mais Educação, desenvolvido a partir de uma política indutora do go-
verno federal, e o projeto Escola de Tempo Integral, política recentemente
criada no contexto estadual. De forma geral, mobilizaremos nossos es-
forços na direção de produzir um diagnóstico crítico das concepções de
conhecimento escolar mobilizadas no processo de implementação das
referidas políticas.
Neste momento, importa ressaltar que, ao longo do último sécu-
lo, a escolarização pública desenvolveu significativos avanços no que
tange as suas possibilidades democratizadoras. Entretanto, de acordo
com António Nóvoa, ao descrevermos a concepção de escola fabricada
ao longo do século XX, faz-se relevante indicar que a referida insti-
tuição “foi se desenvolvendo por acumulação de missões e de conte-
údos, numa espécie de transbordamento, que a levou a assumir uma
infinidade de tarefas” (2009, p. 52). Em sua abordagem, ainda que a

1
Apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPQ).

95
escola tenha avançado na composição de uma pauta democratizadora,
em muitos aspectos, ainda está consolidada uma imagem institucional
centrada na regeneração, na salvação ou na reparação da sociedade
(NÓVOA, 2009). O debate educacional do século XX, em suas dife-
rentes nuances, supõe uma formação cidadã, que extrapole os limites
da instrução.
A articulação entre educação e cidadania, associada ao contexto
de construção do Estado-Moderno, posiciona-se como um dos gran-
des pressupostos políticos da Modernidade (DUBET, 2011). As con-
cepções educacionais mobilizadas a partir deste período, em sua mul-
tiplicidade de perspectivas emergentes, desafia o campo pedagógico
a “ir além do acto de instruir e promover uma autêntica educação
do carácter e do espírito” (NÓVOA, 2009). Em torno desta questão,
indica-nos o historiador, estrutura-se a Modernidade Pedagógica.

Não espanta, por isso, o sucesso do conceito de


educação integral, sem dúvida aquele que me-
lhor traduz o projeto da modernidade escolar. Ao
marcar o desejo de alargar o esforço educativo ao
‘conjunto das atividades do indivíduo em forma-
ção’, ela revela a desmedida ambição pedagógica.
(NÓVOA, 2009, p. 55)

Retomando a abordagem proposta por Nóvoa, em uma leitura


dos dilemas contemporâneos, a escola de nosso tempo apresenta como
um de seus “perigos” uma organização “a duas velocidades: por um
lado, uma escola concebida essencialmente como um centro de aco-
lhimento social, para os pobres, com uma forte retórica na cidadania
e na participação; por outro lado, uma escola claramente centrada na
aprendizagem e nas tecnologias, destinada a formar os filhos dos ricos”
(2009, p. 67). Tal possibilidade aproxima-se ao diagnóstico proposto
por Libâneo (2012) acerca das políticas de educação mobilizadas no
País, nas quais evidenciam-se uma escola do conhecimento para os ri-
cos e uma marcada pelo acolhimento social para os pobres.
No limite, Nóvoa propõe que a construção da escola contempo-
rânea articule cidadania com aprendizagem, de maneira que a insti-
tuição não perca suas prioridades. Dentre as questões emergentes de
sua análise, indica-se a necessidade de “assegurar que todas as crianças

96
adquiram uma base comum de conhecimentos, qualquer política edu-
cativa deve assumir este objetivo, não considerando o insucesso e o
fracasso como fatalidades impossíveis de combater” (NÓVOA, 2009,
p. 90). Tal preocupação aproxima-se de nossa ênfase analítica.
Como assinalamos anteriormente, tomaremos como foco analítico
as concepções de conhecimento escolar que perfazem a implementação
das políticas de ampliação da jornada no contexto do Rio Grande do
Sul. Tal aspecto torna-se relevante na contemporaneidade na medida
em que, como sugerem Gabriel e Ferreira (2012), “as lutas pela demo-
cratização da escola pública passam, em grande medida, pela questão do
conhecimento” (p. 228). Em razão disso, ainda que os debates sobre o
conhecimento escolar sejam produzidos em um campo controverso, as
autoras propõem que continuemos a utilizar este conceito, colocando-o
“sob rasura”. Tal atitude interpretativa, inspirada nos escritos de Stuart
Hall, implica “olhar por trás das linhas cruzadas que marcam as rasuras,
deslocando significados previamente fixados e permitindo a emergência
de ‘novos’ sentidos”. (GABRIEL; FERREIRA, 2012, p.228)
A opção em investigar o conhecimento escolar, nas condições de
nosso tempo, parte do pressuposto de que conceitos como este “ainda
são ‘bons para pensar’ politicamente o campo acadêmico e a demo-
cratização da escola pública” (GABRIEL; FERREIRA, 2012, p. 234).
Esse posicionamento teórico permite-nos buscar outras abordagens
teóricas; mas, ao mesmo tempo, coloca o conhecimento escolar en-
quanto um “objeto incontornável” para a análise crítica das políticas
de currículo (GABRIEL; CASTRO, 2013). Ou ainda, na perspectiva de
Michael Young (2010), importa reiterar que “a aquisição do conheci-
mento é o propósito-chave que distingue a educação (seja ela básica,
pós-obrigatória, vocacional ou superior) de todas as outras atividades”.
(p. 174)
Enfim, neste texto, pretendemos argumentar que ambas as
políticas curriculares examinadas atribuem centralidade a constitui-
ção de “comunidades de aprendizagem”. Entendem a ampliação da
jornada escolar enquanto uma aposta em atividades pedagógicas ino-
vadoras, com foco nos interesses e nas experiências culturais dos estu-
dantes. Diferenciam-se, todavia, no modo de organização curricular,
na medida em que o programa Mais Educação centra-se em habilida-

97
des genéricas, enquanto que a Escola de Tempo Integral dispõe expec-
tativas de aprendizagem para as diferentes faixas etárias. Em comum
aos projetos, percebemos uma fragilização dos processos de seleção e
organização do conhecimento escolar, visto que tais políticas curricu-
lares negligenciam as possibilidades de transmissão cultural, atinentes
à educação escolarizada.

Ampliação da jornada escolar: um quadro analítico


Ao examinarmos atentamente as políticas contemporâneas de
escolarização, nos contextos nacional e internacional da atualidade,
faz-se possível perceber uma tendência no incentivo de práticas de
ampliação da jornada escolar (CAVALIERE, 2007). Geralmente, tais
políticas posicionam a ampliação do tempo escolar em uma perspec-
tiva de ressignificação das culturas escolares, tanto no que se refere a
uma multiplicação de programas de proteção social, quanto no que
se refere a deslocamentos nos sentidos da qualidade pedagógica dos
processos formativos na Educação Básica. Do ponto de vista teórico,
destacamos que essa problemática atravessa a produção analítica de
diferentes teorizações, assim como de contextos múltiplos e diferen-
ciados. (COELHO, 2009; MOLL, 2012)
No contexto brasileiro, ainda que a emergência da temática seja
decorrente dos movimentos de renovação pedagógica da primeira me-
tade do século XX (TEIXEIRA, 1978), nas duas últimas décadas, no-
tamos um movimento de consolidação da temática da ampliação do
tempo escolar (CAVALIERE, 2007), movimento visibilizado tanto na
literatura contemporânea, quanto no ordenamento curricular das es-
colas brasileiras. Tal consolidação, de forma geral, é produzida sob as
condições de atendimento aos delineamentos históricos da educação
brasileira, sobretudo no que tange ao artigo 34 da Lei nº 9.394/96, que
versa sobre a possibilidade de ampliação dos tempos escolares na Edu-
cação Básica. Atualmente, com a multiplicação de novos programas
governamentais, intensificaram-se iniciativas nessa direção, sobretudo,
com ações multissetoriais como os programas Mais Educação, Segundo
Tempo ou Ensino Médio Inovador, dentre outros. De forma a reforçar
esse cenário, ainda precisamos destacar que o novo Plano Nacional de

98
Educação (PNE) encaminha em sua meta 6 a ampliação da jornada
escolar em 50% das escolas brasileiras. Enfim, parece-nos que esta pos-
sibilidade de ampliação tem estado na ordem do dia das políticas de
escolarização brasileiras de nosso tempo.
Em consonância a esse significativo crescimento, notamos que
somente o programa Mais Educação – mais destacada iniciativa das úl-
timas décadas – ampliou sua abrangência para quase cinquenta mil
escolas no último ano (figura 1).

Figura 1 – Escolas atendidas pelo Programa Mais Educação

Fonte: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&
id=16690&Itemid=1115

Nessa direção, faz-se possível perceber que diferentes conjuntos


argumentativos têm sido produzidos pela sociedade brasileira visando
a justificar a implementação dessas novas políticas educacionais. Em
geral, tais abordagens argumentam acerca de uma ressignificação das
configurações culturais das famílias brasileiras, pelos novos condicio-
nantes sociais derivados da ocupação do mercado de trabalho pelas
mulheres e também pelas restrições normativas ao trabalho infantil,
pelos controles políticos das novas demandas coletivas vinculadas ao
risco ou à vulnerabilidade social, bem como pela melhoria das condi-
ções de qualidade das escolas públicas brasileiras e a consequente me-
lhoria do desempenho dos estudantes nas avaliações de larga escala.
(CAVALIERE, 2007)

99
Assim sendo, de diferentes modos, a ampliação da jornada es-
colar no Brasil tem perpassado os diferentes programas políticos da úl-
tima década, fabricando um conjunto de novos sistemas de raciocínio
pedagógico que tendem a regular as práticas escolares de nosso País.
Vale explicar ainda que, de acordo com Cavaliere e Maurício (2010,
p. 2), podemos entender por “jornada escolar ampliada” os casos em
que a carga horária ultrapassa as quatro horas diárias, mesmo que em
alguns dias da semana.
Especificamente no Estado do Rio Grande do Sul, no início da
década de 1990, observamos a emergência de um conjunto de iniciati-
vas de criação de escolas de tempo integral. Sob a gestão do trabalhista
Alceu Collares (1991-1995), foram desenvolvidos, no Estado, noventa
e quatro (94) Centros Integrados de Educação Pública (CIEP’s), inspi-
rados nos modelos produzidos no Rio de Janeiro na gestão de Leonel
Brizola (e Darcy Ribeiro). Os referidos centros eram concebidos como
estratégias políticas de educação em tempo integral, espaços nos quais
os sujeitos escolares permaneceriam em dois turnos escolares, rece-
bendo aspectos tanto da educação formal, como se nomeava na épo-
ca, quanto da educação informal, que corresponderia aos demais cui-
dados pedagógicos como a alimentação, atendimento odontológico,
projetos comunitários, formação complementar, dentre outros.
O desafio posto, nessa gramática política, era construir escolas
de qualidade em bairros pobres objetivando, conforme um discurso
do governador Alceu Collares, “conscientizar que a escola de tempo
integral é essencial para a educação com qualidade. Sem ela, jamais
conseguiremos competir com os demais países.”2 Entendia-se, naque-
le momento, que a melhor forma de educar as crianças das comuni-
dades populares era ampliar seu tempo de permanência na escola,
perspectiva essa que colaboraria tanto para a formação intelectual des-
ses sujeitos, quanto para o desenvolvimento do País. Esse argumento
inspirava-se no diagnóstico produzido por Darcy Ribeiro, na segunda
metade da década de 1980, no qual indicava a incapacidade dos bra-
sileiros para a educação de sua população (MAURÍCIO, 2004). Nessa
direção, caberia às escolas considerar como princípio orientador “o

2
http://www.pdt.org.br/index.php/nossas-bandeiras/educacao/mais-sobre-os-cieps/os-
-cieps-do-rio-grande-do-sul

100
respeito ao universo cultural do aluno no processo de introdução da
criança no domínio do código culto. A escola devia servir de ponte
entre a cultura do aluno, que sabe muitas coisas para garantir sua so-
brevivência, e o conhecimento formal exigido pela sociedade”. (MAU-
RÍCIO, 2004, p. 41)
Ainda que a pauta dessa política de escolarização fosse ampla e
diversificada, foram inúmeras as críticas advindas sobre essa aborda-
gem. Bomeny (2007) sugere que o programa dos CIEP’S, no Rio de
Janeiro, produziu inúmeras descontinuidades em sua implementação,
tanto no que se refere ao modelo de liderança populista e personalista
de Leonel Brizola, quanto pela pauta messiânica do projeto que pre-
sumia um “salvar pela escola”. Cavaliere (2007) reconhece os CIEP’s
como a experiência mais duradoura em educação de tempo integral
na história recente de nosso País. Entretanto, descreve que, nas expe-
riências da Cidade do Rio de Janeiro, pode ser observado um efeito
paradoxal do tempo, uma vez que “a ocupação pouco interessante do
horário integral, levou à criação de um conceito negativo sobre essas
escolas e ao seu consequente esvaziamento” (CAVALIERE, 2007, p.
1019). Por outro lado, examinando especificamente uma experiência
de Centro Integrado de Educação Pública desenvolvida no interior do
Rio Grande do Sul, Castro et. al. (2011) comentam dimensões exito-
sas da qualidade pedagógica do trabalho desenvolvido nessa institui-
ção escolar, sobretudo pelas relações políticas desenvolvidas, descritas
como “uma escola em que a participação faz a diferença”.
Para examinarmos a questão na atualidade, a partir de sua
agenda múltipla e heterogênea, analisaremos dois conjuntos de prá-
ticas curriculares que se propõem a implementar a ampliação da jor-
nada escolar. Atribuiremos atenção ao Programa Mais Educação, desen-
volvido em nosso contexto investigativo desde o ano de 2007, e, ao
mesmo tempo, revisaremos o projeto Escola de Tempo Integral, recen-
temente implementado no Estado do Rio Grande do Sul. Nossa abor-
dagem analítica distancia-se da possibilidade de estabelecer quadros
interpretativos baseados na comparação; mas, antes disso, desejamos
produzir um breve diagnóstico acerca do espaço ocupado pelo conhe-
cimento escolar nas referidas políticas.

101
Breve contextualização do programa Mais Educação
O programa Mais Educação foi criado pela Portaria Interministe-
rial n. 17/2007 e pelo Decreto n. 7083/2010 e faz parte das ações arti-
culadas ao Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Tem como
objetivo induzir os diferentes sistemas de ensino, pelo apoio técnico e
financeiro, na direção da ampliação da jornada escolar na perspectiva
da educação integral. É organizado em uma perspectiva intersetorial,
pois envolve diferentes ministérios na busca pela diminuição das de-
sigualdades educacionais e pela valorização da diversidade cultural de
nosso País.
Enquanto uma estratégia indutora, o Mais Educação sugere que a
ampliação da jornada escolar implica um “alargamento da visão sobre
a instituição escolar” (BRASIL, 2009a, p. 28). Tal alargamento produz
implicações para as relações entre os tempos, os espaços e os saberes
a serem ensinados nas escolas. A busca de diálogo com as comunida-
des escolares, a composição de ações integradas ou mesmo uma rea-
proximação entre escola e vida, apresentam-se como pressupostos da
ação pedagógica do referido programa. De forma geral, a ampliação
da jornada escolar é posicionada como estratégia para que as escolas
repensem suas práticas e procedimentos, sobretudo, ao reconhecer
que todos os espaços são educativos.
Do ponto de vista curricular, observa-se que há uma tendência
em privilegiar um diálogo entre os saberes escolares e os saberes co-
munitários, ampliando a articulação entre escola e comunidade.

A escola desempenha um papel fundamental no


processo de construção e de difusão do conheci-
mento e está situada como local de diálogo entre
os diferentes saberes, as experiências comunitárias
e os saberes sistematizados historicamente pela so-
ciedade em campos de conhecimento e, nessa po-
sição, pode elaborar novas abordagens e selecionar
conteúdos. Assim, o desenvolvimento integral dos
estudantes não pode ser considerado como res-
ponsabilidade exclusiva das escolas, mas também
de suas comunidades, uma vez que, somente juntas
podem ressignificar suas práticas e saberes. Desse

102
modo, a instituição escolar é desafiada a reconhe-
cer os saberes da comunidade, além daqueles tra-
balhados nos seus currículos, e com eles promover
uma constante e fértil transformação tantos dos
conteúdos escolares quanto da vida social. (BRA-
SIL, 2009a, p. 34)

A articulação entre os saberes escolares e os saberes comunitários


é apresentada no documento “Rede de Saberes” (BRASIL, 2009b). De
acordo com o referido documento, entende-se por saberes comunitá-
rios, as aprendizagens produzidas a partir das experiências culturais dos
estudantes. Tais saberes representam “o universo cultural local, isto é,
tudo aquilo que nossos alunos trazem para a escola, independentemente
de suas condições sociais” (BRASIL, 2009b, p. 37). Para a composição
dos saberes comunitários são indicadas onze áreas a serem priorizadas
(tabela 1).

Tabela 1 – Saberes comunitários


Áreas para a organização dos saberes comunitários
Habitação
Corpo/vestuário
Alimentação
Brincadeiras
Organização política
Condições ambientais
Mundo do trabalho
Curas e rezas
Expressões artísticas
Narrativas locais
Calendário local
Fonte: BRASIL (2009b)

Tais saberes, conforme indica o documento, precisam estar arti-


culados aos saberes escolares. A pesquisa é posicionada como a estraté-
gia privilegiada para a mobilização dos saberes, considerando que seu
objetivo é “dinamizar a formação do estudante através de um processo
de educação capaz de fazer da escola uma comunidade de aprendiza-

103
gem” (BRASIL, 2009b, p. 43). A questão dos conteúdos, a partir dessa
abordagem, é indicada por “enunciados mais ou menos gerais, bus-
cando vincular conceito, aplicação e mobilização do conhecimento”
(p. 43). Em outras palavras, notamos uma perspectiva que posiciona
os saberes escolares entre o pensar e o fazer. Além das áreas do conhe-
cimento, há uma ênfase em habilidades, procedimentos e práticas.
A articulação entre os saberes é efetivada por determinados
macrocampos, selecionados pela comunidade escolar a partir de uma
lista prévia produzida pela gestão nacional do programa. Acerca dos
saberes escolares, foco de nosso estudo, atribuímos atenção ao modo
como tais conhecimentos são esboçados. Sob o formato de uma “man-
dala” (figura 2), os saberes escolares são apresentados em uma lista de
habilidades: classificar, sistematizar, debater, comparar, rever, dentre
outros. Não encontramos especificações sobre as concepções episte-
mológicas ou critérios pedagógicos que orientariam as escolhas sobre
os conteúdos a serem ensinados.

Figura 2 – Mandala dos Saberes Escolares (Programa Mais Educação)

Fonte: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=arti
cle&id=16690&Itemid=1115

No que tange ao processo de implementação do programa Mais


Educação, no contexto ora examinado, notamos que há uma predomi-

104
nância na articulação entre saberes comunitários e escolares, priori-
zando a composição de “comunidades de aprendizagens”. Os saberes
escolares são indicados de forma genérica, entre “habilidades, práti-
cas e procedimentos”. De forma geral, podemos sublinhar provisoria-
mente que, ao distribuir suas atividades em macrocampos e oficinas,
o Mais Educação privilegia uma organização curricular que secundari-
za as dimensões política e epistemológica do conhecimento escolar,
bem como os processos de transmissão cultural. De acordo com Young
(2007), importa ressignificar a noção de transmissão, atribuindo-lhe
“um significado bem diferente, que pressupõe explicitamente o envol-
vimento ativo do aprendiz no processo de aquisição do conhecimen-
to” (p. 1293). A seguir examinaremos a outra política de ampliação
da jornada escolar, em processo de implementação no Rio Grande
do Sul.

Escola de Tempo Integral: ênfases e


perspectivas
Em atendimento à Lei estadual n. 14.461, o Rio Grande do
Sul apresentou uma proposta de reorientação curricular das escolas
em tempo integral, assumindo-a como desafio para o planejamento e
a organização das atividades escolares. Parte do pressuposto, em sua
argumentação, de que não basta ampliar o tempo de permanência
dos estudantes no Ensino Fundamental, “mas sim de reestruturar as
bases do tempo/aprendizagem, privilegiando uma formação huma-
nista e de inclusão social” (RIO GRANDE DO SUL, 2014, p. 3). O
projeto Escola de Tempo Integral, em sua proposta pedagógica, busca “a
construção das aprendizagens dos estudantes, numa jornada escolar
ampliada, que oferte atividades escolares educativas e diversificadas,
de forma articulada”. (p. 4)
Do ponto de vista teórico, a proposta inspira-se no progressivis-
mo pedagógico, indicando que a possibilidade de formar os sujeitos
integralmente é um ideal formativo desde a Paidéia grega. Enaltece,
porém, que será na Modernidade que a busca pela emancipação hu-
mana, destinará a escola pública para este fim. Reconhecendo a ex-
periência desenvolvida no Brasil ao longo do século XX, na qual as

105
experiências de Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro adquirem destaque,
a documentação pedagógica sugere que o projeto do Estado não pre-
tende organizar-se como “uma justaposição de turnos de trabalho”
(RIO GRANDE DO SUL, 2014, p. 7). Será apresentada, então, uma
concepção de educação integral posicionada desde novo prisma for-
mativo.

Propõe-se, assim, uma escola de educação inte-


gral, que atue como uma comunidade de apren-
dizagem, na qual os jovens desenvolvam uma
cultura democrática, solidária e participativa, por
meio do protagonismo em atividades transforma-
doras, aprendendo a ser autônomo ao formular
e ensaiar a concretização de projetos de vida e de
sociedade. (RIO GRANDE DO SUL, 2014, p. 7)

A escola em tempo integral, a partir do processo de implementa-


ção em curso no Rio Grande do Sul, pretende produzir uma dimensão
formativa que ultrapasse as possibilidades de uma educação escolar
baseada na transmissão de conhecimentos. Delineia, nessa direção, a
possibilidade de “a efetivação de novas atitudes, tanto no que se re-
ferem à cognição, quanto à convivência social, privilegiando os qua-
tro pilares da Educação adotados pela UNESCO” (RIO GRANDE DO
SUL, 2014, p. 11). A formação escolar das crianças e adolescentes do
referido contexto, sobretudo aqueles em situação de exclusão, vulne-
rabilidade social ou privações, adquire, na argumentação desenvolvi-
da, maiores possibilidades de garantia da qualidade social.
Nesta proposição pedagógica, a escola em tempo integral é posi-
cionada estrategicamente na articulação entre qualidade do ensino e
inclusão social. A ampliação da carga horária para oito horas diárias,
associada a uma matriz curricular flexível e a participação da comuni-
dade escolar, são algumas apostas evidenciadas na nova política. Acer-
ca desse aspecto, o currículo escolar é dimensionado a partir de novas
bases.

A Escola em Tempo Integral, acompanhando o


Projeto Político Pedagógico apresentado como
marco para a Rede Estadual de Ensino, consi-

106
dera o estudante em seus aspectos biológico e
emocional, o qual passa por transformações que
dialogam com seu processo de aprendizagem,
seu considerado seu ritmo e especificidades no
qual o conhecimento e o currículo se integram
e constituem estabelecendo uma ampla rede de
significações, reafirmando a escola como lugar
de construções e ações coletivas, que passa, ne-
cessariamente, pela interlocução, pela escuta de
todos os segmentos da Comunidade Escolar. O
currículo é interdisciplinar, resgatando o ser em
sua unidade e diversidade, no qual a construção
do conhecimento perpassa pelo trabalho coleti-
vo, pela cultura de paz e pelo reconhecimento e
acolhimento das diferenças dos estudantes. (RIO
GRANDE DO SUL, 2014, p. 13)

O currículo apresentado, sob essa orientação pedagógica, é


fundamentado a partir de quatro fontes, a saber: epistemológica, fi-
losófica, socioantropológica e sociopsicopedagógica. Sob tais bases, o
currículo da Escola em Tempo Integral, no Estado do Rio Grande do
Sul, busca contemplar “os processos que se relacionam ao lugar e ao
desenvolvimento sustentável, valorizando os saberes locais e os novos
conhecimentos e, dessa maneira, resgatando a importância da esco-
la para a comunidade onde está inserida” (RIO GRANDE DO SUL,
2014, p. 14). Acerca dessa perspectiva, podemos inferir a relevância
dos saberes e das experiências advindas das comunidades locais, con-
siderando como princípios orientadores do trabalho pedagógico, os
tópicos expressos na tabela que segue (2).

107
Tabela 2 – Princípios orientadores do trabalho pedagógico
Aspectos que orientam os currículos escolares da Escola
em Tempo Integral
Politecnia e trabalho como princípio educativo
Pesquisa como princípio pedagógico
Interdisciplinaridade
Relação parte-totalidade
Relação teoria-prática
Reconhecimento de saberes
Avaliação emancipatória
Fonte: Rio Grande do Sul (2014)

Em comum a estes princípios, podemos indicar uma preocu-


pação com três questões específicas. A primeira delas diz respeito ao
desenvolvimento de atividades escolares adequadas ao contexto e às
demandas comunitárias. Outro aspecto refere-se à promoção de for-
mas alternativas de integração curricular, que possam favorecer uma
articulação entre os diferentes saberes e atividades desenvolvidas na
instituição escolar. A terceira questão derivada desta proposta curricu-
lar enfatiza a promoção de experiências formativas que desenvolvam
os estudantes integralmente.
Do ponto de vista da operacionalização desta proposta curricu-
lar, a escola de tempo integral em implementação pelo Estado do Rio
Grande do Sul organiza-se de forma diferente em relação à política
curricular anteriormente descrita. A composição curricular destas
escolas ancora-se em metodologias que visam a atender às fases do
desenvolvimento de cada estudante; em uma matriz curricular flexí-
vel, capaz de articular a formação geral e as atividades curriculares
complementares; na organização do espaço em salas ambientes e no
compromisso com a aprendizagem. O documento examinado, em um
exercício de proposição de atividades e de saberes a serem ensinados,
organiza as aprendizagens necessárias para cada faixa etária, classifica-
das como infância (6 a 8 anos de idade), segunda infância (9 a 11 anos)
e adolescência (12 a 14 anos).
No período referente à infância, por exemplo, o documento in-
dica os seguintes aspectos que as aprendizagens devem contemplar
(tabela 3).

108
Tabela 3 – Aprendizagens necessárias para a infância
Aspectos a serem contemplados
* A alfabetização e o letramento;
* O desenvolvimento das diversas formas de expressão,
que incluem o aprendizado global e interdisciplinar;
* O espaço de apropriação e produção de conhecimento,
onde o afeto, a cognição e a ludicidade caminhem juntos e in-
tegrados;
* Mobilidade nas salas de aula e atividades que levem os
estudantes a explorar mais intensamente as diversas lingua-
gens; da literatura, das artes e a utilizar materiais que ofereçam
condições de raciocinar e criar manuseando e explorando as
suas características e propriedades.
Fonte: Rio Grande do Sul (2014)

A distribuição das atividades propõe-se a integrar a formação ge-


ral com as atividades curriculares eletivas, rompendo com a lógica do
turno e contraturno. Além das áreas do conhecimento, integram as
atividades propostas para Escola de Tempo Integral: iniciação à pes-
quisa, leitura e produção textual, experiências matemáticas, educação
em direitos humanos, arte e cultura, esporte e recreação, orientação
de estudos e leituras e centro de línguas. A articulação entre tais ati-
vidades, na proposta pedagógica examinada, toma como objetivo o
reconhecimento da escola como um “espaço prazeroso de construção
do conhecimento, espelhando a responsabilidade com uma educação
de qualidade social, voltada para a inclusão”. (RIO GRANDE DO SUL,
2014, p. 26)
Nesse projeto, também notamos uma predominância de pressu-
postos pedagógicos destinados a promover espaços de diálogo e de inter-
locução, de modo que potencializem a constituição de “comunidades de
aprendizagem”. Porém, diferencia-se em suas estratégias de intervenção,
tanto no que se refere à promoção de ações articuladas entre turno e
contraturno, quanto na busca da definição de expectativas de aprendi-
zagem para as diferentes faixas etárias. Vale assinalar, ainda, o privilé-
gio de modelos formativos alicerçados na aprendizagem permanente,
nas demandas comunitárias e na integração curricular. De forma geral,

109
também podemos notar uma intensa preocupação com as questões da
proteção social da infância, evidenciada recorrentemente. Esse contexto
analítico aproxima-se da conclusão de Fabris e Traversini (2011) sobre
a escola contemporânea, na qual “os conhecimentos vão ficando para
depois, e o foco é atender aos sujeitos nos seus danos e prejuízos” (p. 7). A
seguir finalizaremos nossa abordagem para este texto, sumarizando algu-
mas balizas teóricas que têm orientado nossos estudos sobre o currículo
e o conhecimento escolar.

Políticas curriculares e ampliação da jornada


escolar: algumas amarrações
Ainda que consideremos a ampliação da jornada escolar como
um importante movimento na direção da democratização da escolari-
zação de nosso País, ao examinar as referidas políticas curriculares no-
tamos uma excessiva ênfase nas práticas e nos interesses advindos das
comunidades em que os estudantes estão inseridos. Para o tratamento
desta questão, do ponto de vista teórico, associamo-nos aos indicati-
vos de Young (2013), nos quais “os currículos e consequentemente os
estudos de currículo devem partir não do aluno como aprendiz, mas
do direito do aluno ou do seu acesso ao conhecimento” (p. 18). Assim
sendo, os Estudos Curriculares, campo no qual inscrevemos este estu-
do, têm o compromisso de “analisar e criticar os currículos existentes
e a de explorar as diferentes formas que eles podem tomar”. (YOUNG,
2013, p. 18)
As políticas curriculares examinadas, em sua organização, prio-
rizam a constituição de comunidades de aprendizagem, ora centradas
em habilidades genéricas, ora definidas pela construção de expectati-
vas de aprendizagem para as etapas do desenvolvimento humano. Sem
adentrar neste momento nas dimensões políticas atinentes a este prin-
cípio das aprendizagens permanentes (LIMA, 2012; POPKEWITZ, 2009),
importante debate de nosso campo teórico, neste momento interessa-
-nos focar a questão do conhecimento escolar, nas formas pelas quais é
situado nas políticas analisadas.
Cabe esclarecer, na finalização deste texto, que fizemos uso
de uma concepção de conhecimento escolar que reconhece sua re-

110
levância social e política para a democratização da educação públi-
ca.3 Como sugerem Gabriel e Ferreira (2012), já citados neste texto,
embora situado em um campo controverso, o conhecimento escolar
ainda serve para pensar a escolarização, desde que situado em outras
articulações. Buscando essas articulações, juntamente com Moreira
(2013), entendemos que a instituição escolar “além de ensinar conhe-
cimentos que melhor expliquem o mundo (o que certamente precisa
fazer), procure subsidiar e comprometer o aluno em direção a esfor-
ços pela mudança deste mundo” (p. 41). O conhecimento na escola,
nessa concepção, apresenta-se como uma questão curricular central,
tanto de ordem epistemológica, quanto de justiça social.
A abordagem sociológica de Michael Young (2013), em seus estu-
dos contemporâneos, permite-nos estreitar a aproximação com a objeti-
vidade do conhecimento a ser ensinado nas escolas.

Eu suponho que a questão do currículo ‘qual co-


nhecimento?’ é tanto uma questão epistemológica
que define o que deve constituir o direito dos estu-
dantes em estágios diferentes e em áreas de espe-
cialização diferentes, como uma questão de justiça
social sobre o direito ao conhecimento por parte
de todos os alunos sem se levar em consideração
se o conhecimento é rejeitado ou considerado di-
fícil. Se algum conhecimento é ‘melhor’, como po-
demos negá-lo a todos os alunos e permitir que al-
guns, como fazemos na Inglaterra, sejam limitados
ao ‘conhecimento sem poder’ a partir da idade de
14 ou 16? (YOUNG, 2013, p. 20)

A retomada do conhecimento escolar, no debate curricular atu-


al, traz implicações significativas para as práticas de ampliação da jor-
nada. Como lembram-nos Gabriel e Cavaliere (2012), ainda que as
formas escolares estejam em crise, “isso não significa que ela já tenha
sido condenada e esvaziada de qualquer possibilidade de subversão”
(p. 292). Nossas ponderações acerca do currículo da educação inte-
gral, ainda conforme as autoras, compreenderiam “o currículo escolar

3
Recentemente temos direcionado nossos estudos para a questão do conhecimento escolar.
(SILVA; PEREIRA, 2013; SILVA, 2014; SILVA et.al., 2014)

111
não como algo imutável, e reconhecer que os conteúdos não são ob-
jetos estáveis e universais, tampouco uma adaptação didatizada do co-
nhecimento científico, mas construções específicas, tanto do ponto de
vista político como epistemológico” (GABRIEL; CAVALIERE, 2012, p.
292). Nessa direção, ao dirigirmos nossas preocupações para as políti-
cas de ampliação da jornada escolar, em implementação no Rio Gran-
de do Sul, optamos por estreitar nossos vínculos com uma concepção
centrada na relevância política e epistemológica do conhecimento
escolar em nossos currículos, vislumbrando suas potencialidades na
ampliação do repertório cultural de nossos estudantes. Aliás, como
provocamos na epígrafe deste texto, junto a António Nóvoa (2009),
que mais esperamos da educação além de ultrapassar as fronteiras traça-
das como destino?

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114
CAPÍTULO 7

Políticas de educação patrimonial


no Brasil: deslocamentos e
permanências1

Rodrigo Manoel Dias da Silva

Abertura
A educação patrimonial tem adquirido novas repercussões no
âmbito das políticas brasileiras de escolarização. De temática periféri-
ca e pedagogicamente subordinada às diretrizes e às práticas dos ór-
gãos oficiais de patrimônio, educação patrimonial, hoje, tem figurado
como temática estratégica em programas governamentais relevantes,
caso do Programa Mais Educação, em implantação pelo Ministério da
Educação, desde 2007.
Esse deslocamento em sua posição nas políticas de escolariza-
ção não está desvinculado de mudanças operadas em seus conteúdos
político-culturais. Mais profundamente, e está será nossa hipótese de
trabalho, parece-nos que a nova condição da educação patrimonial é
decorrente de mudanças em seu programa institucional no bojo das
próprias políticas, tanto em seus campos de intervenção e ação social,
quanto expressos em diversos marcos jurídicos e normativos para a
educação pública nacional. Historicamente, a educação patrimonial
figurou na política nacional como instrumento de fabricação identitá-
ria e de homogeneização social. Embora a expressão educação patri-
monial tenha origem específica, e seja relativamente recente no con-
texto brasileiro, suas práticas e seus fazeres podem ser reconhecidos
desde a década de 1930, como veremos posteriormente. De qualquer
modo, quando analisamos seus documentos e diretrizes políticas e pe-

1
Apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul
(FAPERGS) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPQ).

115
dagógicas, seus sentidos contemporâneos parecem mobilizar orienta-
ções mais democráticas e pluralistas, assim como seus delineamentos
metodológicos revestem-se de prerrogativas investigativas, em detri-
mento da consagrada metodologia de conscientização patrimonial. O
que está em jogo nestas mudanças? Como analisar e compreender tais
deslocamentos face à descontinuidade histórica da educação patrimo-
nial nas políticas nacionais?

Educação, cultura e instituições modernas


Embora os termos moderno e modernidade possuam longa história
no estudo das sociedades, a modernidade, tal como tratada pela So-
ciologia, é derivada das mudanças sociais consequentes da Revolução
Industrial, da Revolução Francesa e da Revolução Científica. Em ter-
mos genéricos, aplica-se “à ordem social que emergiu depois do Ilumi-
nismo” (LYON, 1998, p. 35). Diversas tradições teóricas destacadas no
pensamento sociológico abordaram estes fenômenos, principalmente
àquelas originadas da produção de Marx, Weber, Durkheim e Simmel.
As sociedades modernas tornaram-se o objeto strictu da Sociologia.
(GIDDENS, 1991; LYON, 1998; DOMINGUES, 2003)
Para abordarmos as configurações políticas entre a educação, a
cultura e as instituições modernas faz-se necessário identificarmos suas
diferentes gradações de aproximação em relação ao Estado. François
Dubet, no livro “Sociologia da Experiência”, ao proceder à revisão das
concepções clássicas de sociedade redimensiona quatro característi-
cas que configuram tal conceito no âmbito da modernidade. Assim,
a sociedade é identificada com a modernidade, a sociedade é um Es-
tado nacional, a sociedade é um sistema e a sociedade é um conflito
regulado (DUBET, 1996). Segundo Dubet, a sociedade moderna só se
realiza plenamente na forma de um Estado nacional e, diante da refe-
rida afirmação, passa a delinear suas consequências analíticas. Assim,

Quer a formação dos Estados nacionais seja con-


cebida como a expressão política soberana de
uma comunidade cultural já existente, à maneira
de Herder, quer a nação seja, pelo contrário, vista
como o produto de um Estado que constrói uma

116
nação em torno de um mercado integrado e de
uma ‘grande cultura’, à maneira de Gellner, em
qualquer caso a sociedade não tem “realidade”
senão na forma de um Estado nacional. (DUBET,
1996, p. 44)

Como compreende este sociólogo, o Estado é o quadro político


da sociedade moderna, pois garante a integração em uma cultura, em
um regime econômico e em um sistema político estável e soberano.
O Estado nacional democrático “constitui a figura acabada da socie-
dade moderna” (DUBET, 1996, p. 45). A nação tornou-se a forma par
excellence de associação moderna, fez-se sociedade na medida em que
se defrontou com as comunidades tradicionais autocentradas, revigo-
rando heuristicamente a diferenciação clássica entre comunidade e
sociedade de Max Weber e Ferdinand Tönnies.
Ampliando a leitura sociológica,

No tempo dos pais fundadores, os Estados-nações


e os movimentos nacionalistas são, em larga es-
cala, modernizadores. O Estado-nação associa o
universal da modernidade com a afirmação e o
reconhecimento de uma cultura na universalida-
de do progresso. O Estado-nação, democrático ou
não, faz entrar as particularidades de uma cultura
na universalidade do progresso. (DUBET, 1996,
p. 45)

Há um forte sentido histórico de civilização inerente à produ-


ção do Estado neste contexto (ELIAS, 2011). Estes princípios políticos
operavam sob os princípios coercitivos de fabricação de homogenei-
dade social, ao estabelecer padrões de normalidade (DURKHEIM,
1987) e fixar teleologias desejáveis aos potenciais cidadãos modernos,
isto é, a gestão dos desafios urbanos modernos no cenário posterior
à Revolução Industrial dependia de reordenamentos dos espaços so-
ciais e a regulação das “forças plurais” (SIMMEL, 1946) presentes na
sociedade.
No contexto, o Estado se faz a própria sociedade dos indivídu-
os em virtude do papel atribuído a suas instituições. Na leitura de

117
François Dubet, assim como a acepção de sociedade possui um regis-
tro duplo, sistema de papéis/valores e realidade ‘concreta’ do Estado,
as instituições informam semelhante duplicidade, isto é, “garantem a
integração dos indivíduos no Estado-nação”, socializando-os, e “desig-
nam os sistemas políticos modernos, distintos dos sistemas políticos
tradicionais, capazes de representar interesses distintos e de arbitrar
entre si; o nascimento do Estado-nação moderno é identificado com o
desenvolvimento de um espaço político autônomo e ‘racional-legal’”
(DUBET, 1996, p. 46). Segundo Alain Touraine, a produção dos con-
ceitos de cidadania nas sociedades modernas está diretamente vincu-
lada ao Estado, pois “não há cidadania sem a consciência de filiação
a uma coletividade política”, assim como “a democracia se apoia na
responsabilidade dos cidadãos de um país”. (1996, p. 93)
As instituições modernas garantem a mediação entre a unidade
do Estado e a diversidade dos indivíduos. De certo modo, as institui-
ções são ambivalentes, pois constituem “um padrão de controle, ou
seja, uma programação da conduta individual imposta pela sociedade”
(BERGER; BERGER, 1977, p. 163) e um lócus para o “empenhamen-
to” dos indivíduos na construção de suas experiências sociais. (DU-
BET, 1996)
As relações institucionalizadas elaboradas entre a ação cultural e
o Estado moderno foram demarcadas por “técnicas de vida” (SIMMEL,
1979). As instituições mediavam os conflitos, na maioria dos casos eri-
gindo padrões de normalidade, de homogeneidade e de modernidade.
A cultura tornava-se cultura nacional e era estabelecida como diretriz
política e ideológica das lógicas estatais e dos programas políticos, ou
seja, a institucionalização fazia-se socialização. Esse fenômeno não era
específico das nações europeias, semelhantes processos ocorreram na
invenção das culturas nacionais na América Latina (CANCLINI, 1987;
2011) e no Brasil (ORTIZ, 1985; 1988). As inaugurações das políticas
de escolarização, nas primeiras décadas do século passado, incorpora-
ram estes princípios. Em síntese, a ação institucional foi estabelecida
sobre dispositivos relativamente estáveis e bem definidos, amparados
em modelos “fortes” de socialização.
Em estudo posterior, o próprio François Dubet, diante da cons-
tatação do declínio do marco regulador de socialização da modernida-

118
de, reelabora sua definição de instituição. Segundo este autor (2007,
p. 40), instituição é o que possui a função de instituir ou socializar. As-
sim, “la institución es definida entonces por su capacidad de hacer advenir un
orden simbólico y de formar un tipo de sujeto ligado a este orden, de instituirlo”
(DUBET, 2007, p. 40). Neste entendimento, a família, a escola ou a
igreja seriam instituições na razão em que inscrevem uma ordem sim-
bólica e uma cultura na subjetividade do indivíduo; institucionalizam
valores, símbolos e formas de comportamento social. As instituições
resguardam seu caráter ambivalente, mas situadas entre a organização
social e o processo de socialização, ou seja, “la noción de institución no
designa solamente un tipo de aparato o de organización, sino que también
caracteriza un tipo específico de socialización y de trabajo sobre el outro”. (DU-
BET, 2007, p. 41)
O que desafia esta reelaboração do conceito de instituição é o fato
de emergir em um contexto de fragilização dos referentes estatais mo-
dernos (TOURAINE, 1996; 2007; DUBET, 1996; 2006), de certo modo
indicado no declínio dos potenciais regulatórios, da fragilização dos pro-
cessos de socialização clássicos (da família e da escola, principalmente)
e da deterioração da homogeneidade das identidades nacionais diante
da “recomposição do mundo” (TOURAINE, 1996). De outra parte, esta
unidade das estratégias socializadoras e identitárias se fragmentou pela
emergência dos movimentos socioculturais por direitos culturais (TOU-
RAINE, 2007), pelas lutas por reconhecimento cultural e redistribuição
econômica (HONNETH, 2003; FRASER, 2001), pela “heterogeneidade
das demandas democráticas” e por justiça social (DUBET, 2007), ou
mesmo do “surgimento outras instâncias que compartilham a responsa-
bilidade na formação da subjetividade e das representações dos indiví-
duos no mundo contemporâneo”, caso das mídias e das tecnologias da
informação e comunicação. (SETTON, 2005, p. 335)
Nestas novas paisagens sociais, não significa que se abriu mão
das instituições. O Estado segue uma instituição fundamental para a
vida coletiva. Duas condições contemporâneas, próprias destas insti-
tuições, ainda mantêm potencial explicativo para exercícios analíticos
sobre as relações entre escolarização, cultura e Estado, quais sejam: a
ideia de “programa institucional” e a prerrogativa de “trabalho sobre
os outros”.

119
Es difícil imaginar que las organizaciones y los profesio-
nales que intervienen sobre el otro que forman la subje-
tividad de los individuos, no puedan mantener algo de
las instituciones y en particular la adhesión a principios
fundamentales percibidos como “superiores” a los indivi-
duos y capaces de dar sentido a una acción. (DUBET,
2007, p. 63)

Nestes termos, o enfraquecimento do potencial regulatório das


instituições exigiu que os padrões de controle e disciplina se tornas-
sem cada vez mais difusos, pois a rigidez da ordem não é mais “o ar-
tefato e o sedimento da liberdade dos agentes humanos” (BAUMAN,
2001, p. 11). Demanda-se a necessidade de um “programa institucio-
nal” enquanto um conjunto de princípios que dão sentido às ações.
Este programa institucional é derivação dos princípios moder-
nos da racionalização, da secularidade e da burocratização, diagnos-
ticados na Sociologia Weberiana, e, em alguma medida, do conceito
de “técnica de vida”, de Georg Simmel. Neste aspecto, esclarece ainda
Dubet:

Si se admite que estamos irremediablemente comprome-


tidos con un proceso de desencantamiento del mundo y
del declive de lo sagrado, se pensará que las instituciones
están hoy confrontadas al problema que se ha presentado
a los regímenes democráticos después de la caída de los
regímenes monárquicos, cuya legitimidad procedía de
principios sagrados, en los que el rey recibía su auto-
ridad de dios y el maestro de escuela, la suya, del rey...
Notemos que las figuras republicanas que han sucedido
a estos regímenes han procedido a una especie de tras-
lación de lo sagrado a la “virtud”, a la “Razón” y a la
nación al hacer de la soberanía popular la encarnación
de esta unidad de valores que reflejan la unidad de un
pueblo. (2007, p. 63)

Além disso, hoje esta produção de unidade nacional é enfrenta-


da por uma miríade de novas expressões identitárias, de novos objeti-
vos sociais, de uma heterogeneidade de demandas democráticas (DU-
BET, 2007). Ou seja, o programa institucional não é resultado não de

120
uma racionalidade homogeneizadora e unilateral, mas produto das
condições históricas das atuais sociedades democráticas. Pois,

este desencanto ha dado un paso más, ya que la trascen-


dencia de los principios republicanos – en Francia y en
los Estados Unidos lós republicanos son los más fieles
defensores del programa institucional– se enfrenta a la
heterogeneidad de las demandas democráticas y al dere-
cho soberano de los indivíduos. (DUBET, 2007, p. 63)

Neste contexto, o enfrentamento entre a heterogeneidade das


demandas democráticas e as demandas por direitos individuais favo-
recem a pluralização das políticas contemporâneas e, com efeito, das
políticas contemporâneas de escolarização. O programa institucional
é relativamente aberto para incorporação de novas agendas, novas
pautas, novas lutas sociais. Porém, ao mesmo tempo, as ações estatais,
ao tornarem-se mais difusas, passam a operar enquanto “trabalho so-
bre os outros”. (DUBET, 2006)
Este trabalho é composto por um esforço dos atores em uma
construção de suas experiências sociais1 (DUBET, 1996) num espaço
que engendra três dimensões: relacional (necessária ao reconheci-
mento do sujeito), de serviço (espaço profissional dos especialistas/
trabalhadores) e controle (prerrogativa de igualdade democrática dos
agentes/cidadãos). As instituições têm uma ampliação de suas funções
sociais, na razão em que seu programa original é deslocado. A prote-
ção social (CASTEL, 2005), o enfrentamento das desigualdades sociais
(SOLERA, 2005) e os programas de escolarização são matizados por
demandas sociais mais amplas.

Las instituciones ya no pueden protegerse de las deman-


das sociales, pero por otro lado, no pueden ser simples
organizaciones de servicios encargadas de satisfacer estas
demandas, aunque sólo fuera porque hay una tensión en-
tre sus principios, su profesionalidad y las demandas de
los colectivos y de lós indivíduos. (DUBET, 2007, p. 64)

Como este programa institucional pode ser pensado em relação


ao ingresso da educação patrimonial nas políticas de escolarização?

121
Para uma produção analítica mais contextualizada, importa agora pro-
blematizarmos os sentidos e as práticas destas políticas no Brasil.

Escolarização e educação patrimonial no Brasil


A escolarização ingressou na agenda política brasileira no iní-
cio da República. Desde 1870, fundamentada em teses liberais e de-
mocráticas moderadas, ainda não abolicionistas, a educação escolar
ocupava um incipiente interesse para o estabelecimento de uma nova
ordem social, para “integrar e disciplinar, sobretudo a população imi-
grante para o trabalho na grande lavoura cafeeira” (HILSDORF, 2011,
p. 60). No contexto,

Fossem liberais, democráticas ou conservadoras,


as forças políticas movimentam-se para controlar
as instituições educativas e seus agentes e impor-
-lhes de modo definitivo a forma escolar como a
mais adequada e eficaz para ministrar instrução e
conformar a sociedade. (HILSDORF, 2011, p. 61)

O interesse em controlar a educação escolar estava na gênese


das políticas estatais para o setor. Esse campo de disputas acabou por
plasmar modelos escolares excludentes e injustos, parafraseando Aní-
sio Teixeira (1977), num cenário histórico em que educação era privi-
légio. No começo do século XX, diversas reformas estaduais e demais
alterações nos marcos jurídico-normativos foram esboçando a neces-
sidade de modificar a estrutura e as finalidades do sistema de ensino.
Professores e intelectuais posicionavam-se pelas cartas públicas, docu-
mentos e manifestos a favor da democratização do acesso à educação
escolar formal. O debate entre católicos e pioneiros, a partir da pu-
blicação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, em 1932, era
expressivo destas tensões. (HILSDORF, 2011; FREITAS, 2011)
Dentre as diversas consequências desta conflitualidade histórica,
interessa-nos, primeiramente, demonstrar a emergência do naciona-
lismo como conteúdo para as nascentes políticas de escolarização bra-
sileiras. A associação entre os pioneiros da educação e a pauta nacio-
nalista derivou-se dos movimentos intelectuais dos anos de 1910, que

122
demandaram a valorização da cultura brasileira em oposição à presen-
ça estrangeira no país. Entre 1915 e 1918, Olavo Bilac, por exemplo,
empreendeu uma campanha de “salvação nacional” pela alfabetização
e pelo serviço militar obrigatório, desencadeando a criação da Liga da
Defesa Nacional, em 1916. O programa de ação desta liga era bastante
amplo, envolvendo saúde, moral e trabalho, assim como a instrução
cívica do povo (obediência às leis e respeito às tradições nacionais;
celebração dos fatos nacionais; obrigatoriedade do ensino de língua,
história e geografia pátrias, inclusive nas escolas estrangeiras) em de-
trimento da superação do ensino apenas alfabetizador (HILSDORF,
2011). Embora atuante apenas até 1924, a Liga garantiu a inserção dos
conteúdos nacionalistas na educação escolar, principalmente com o
ensino de História do Brasil no primário.
Esse nacionalismo esteve igualmente presente nos movimentos
culturais e estéticos presentes na sociedade brasileira nas primeiras dé-
cadas do século XX. A Semana da Arte Moderna, em 1922, o Movimen-
to Antropofágico e as primeiras experiências em políticas culturais,
idealizadas por Mário de Andrade (CALABRE, 2009; SILVA, 2012),
ilustram essa tendência. Neste contexto, em 1936, foi criado o Serviço
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), planejado pelo
poeta modernista com o interesse no conhecimento, conservação e di-
vulgação da cultura nacional. Tal projeto inclinou-se para um projeto
de construção de uma cultura nacional oficial.
O esforço de nacionalização representou o primeiro empenho
da escolarização do Brasil, produzindo uma agenda pedagógica con-
traditória, uma vez que enfrentou apenas parcialmente as mazelas e os
dilemas educacionais do país, mas fora eficiente no sentido de fabricar
os sentidos de uma nação. A massificação da escolarização, a veicula-
ção da ideologia e das “tradições” nacionais, o ensino cívico dos sím-
bolos e dos hinos pátrios, a exaltação dos heróis nacionais, as datas co-
memorativas, o reconhecimento oficial do patrimônio da nação pelo
SPHAN e sua conservação por atividades escolares e a circulação das
ideologias governamentais desencadearam uma nova condição histó-
rica para a escolarização. Escolarizar contextualizava-se no bojo de um
universo imaginário de significado, de um patrimônio coletivo e de
uma memória comum. Embora estas lógicas estejam muito vinculadas

123
à Era Vargas, toda experiência política posterior não negligenciou os
mecanismos de elaboração da “brasilidade”.
Segundo Schwartzman, Bonemy e Costa (2000) é possível iden-
tificarmos três aspectos que reforçaram estas políticas de nacionaliza-
ção, a saber: a necessidade de um conteúdo nacional a ser transmitido
pela escolarização e outros processos formativos; a legitimação do ideal
de homogeneidade e de centralização na construção da escolarização
no Brasil; a valorização da unidade nacional pelas providências legais
que demandavam fechamento de escolas de estrangeiros, nomeação
de diretores e professores brasileiros e de construção de cidadania
brasileira. Portanto, o sentimento de nacionalidade, em especial no
governo Vargas, era meticulosamente articulado entre ações fortes no
enfrentamento das culturas estrangeiras e o fortalecimento de uma
cultura cívica de pertencimentos e filiações sociais.
Educar para o patrimônio nacional tornava-se ação emblemática
destes contornos da escolarização. O patrimônio, a unidade nacional
e a brasilidade eram conteúdos incontornáveis para a escola pública
brasileira. Tal como a escola republicana francesa ensinava a geografia
e a história da nação (DUBET, 2011b), a escola brasileira deveria ensi-
nar “o Brasil”, representação esta eivada por dispositivos de seleção da
cultura, da história e da memória oficiais. Educar associava-se ao obje-
tivo de conservação dos valores e do patrimônio próprios da unidade
desejada para o país. Embora não designada pela nomenclatura atual,
educação patrimonial estava diluída nas escolas e em outras agências
socializadoras do século XX.
Em 1983, ocorreu no Museu Imperial, em Petrópolis, um semi-
nário sobre o “Uso Educacional de Museus e Monumentos”. A propo-
sição central informava sobre a atualização de trabalhos pedagógicos
desenvolvidos na Inglaterra sob o nome de Heritage Education. Educação
patrimonial é inserida, com um pouco mais de regularidade, nas pro-
duções do IPHAN, contribuindo para a publicação do “Guia Básico de
Educação Patrimonial”, em 1999 (HORTA; GRUNBERG; MONTEIRO,
1999). Entretanto, a ênfase dada ao termo, na ocasião, demarcou sua
dimensão estritamente metodológica, o que não configurou reorde-
namentos substantivos no conteúdo político do setor. Este documento
ofereceu uma (primeira) definição de educação patrimonial, entendi-

124
da como “um instrumento de alfabetização cultural que possibilita ao
indivíduo fazer a leitura do mundo que o rodeia, levando-o à compre-
ensão do universo sociocultural e da trajetória histórico-temporal em
que está inserido” (HORTA; GRUNBERG; MONTEIRO, 1999, p. 6).
Ainda na década de 1980, foi desenvolvido o projeto “Interação entre
educação básica e os diferentes contextos culturais do país”, cujo prin-
cípio organizador era o levantamento de bens que constituiriam “refe-
rências culturais” (LONDRES, 2012, p. 19). Este projeto já apresentou
uma concepção ampliada de patrimônio, influenciado por uma visão
“antropológica” de cultura.
Historicamente, as políticas patrimoniais (e de educação pa-
trimonial) estiveram assentadas em representações eurocêntricas de
patrimônio e de memória, recursivamente demonstradas em tomba-
mentos materiais derivados do universo cultural lusitano (colonial)
e do Barroco. A educação para a memória nacional foi enquadrada
(POLLAK, 1989) aos padrões de uma história oficial, invisibilizando e
silenciando as culturas populares, as culturas tradicionais, as culturas
indígenas e afro-brasileiras, dentre outras.
Em todo caso, não é difícil observar, no âmbito das políticas bra-
sileiras, a inexistência de uma política sistemática e duradoura para a
educação patrimonial. Observamos algumas ações pontuais e descon-
tínuas, vinculadas a experiências municipais ou estaduais, com ênfase
em cidades com algum tipo de tombamento oficial. Porém, é possível
identificarmos que a unidade nacional e a homogeneidade cultural
compuseram uma agenda civilizatória aos programas de massificação
escolar e, consequentemente, produziram sentidos às relações entre
educação e patrimônio cultural no Brasil.
No fim do século XX, esta paisagem começa a mudar. A educa-
ção passa a vincular-se a outros objetivos sociais (SILVA, 2012), numa
condição histórica em que a cultura passa a ser vista como recurso
para projetos econômicos, políticos e sociais diferenciados (YÚDICE,
2004). Nesta ordem social globalizada, patrimônio, cultura e educa-
ção passam a ser mediadores de expectativas de lucro, rentabilidade,
desenvolvimento, assim como estas práticas são engajadas em novos
regimes de organização. Como observa Zambrano (2000), a globaliza-
ção reestabeleceu relações entre economia, direitos e culturas. Numa

125
escala global, esses processos foram compondo novas agendas para
as políticas da cultura e da educação, ao mesmo tempo em que, em
outra direção, diversos atores, grupos e movimentos sociais passaram
a intensificar suas reivindicações por direitos e por reconhecimento
cultural. Nesta circunstância, reconhecimento cultural e redistribui-
ção econômica vão ocupando centralidade nas lutas por justiça social.
(FRASER, 2001)
Como analisou Silva (2010), essa situação favoreceu a plura-
lização da agenda das políticas de escolarização no Brasil. Diversos
programas e políticas setoriais passaram a considerar atores e coletivos
antes ausentes da representação oficial da política, caso de negros,
quilombolas, mulheres, indígenas, comunidades tradicionais, homos-
sexuais, culturas populares, etc. Essa discussão alcançou a educação
patrimonial no começo do século XXI. Os sentidos mais clássicos de
patrimônio são tensionados por novas deliberações jurídicas e norma-
tivas que ampliaram a ideia de patrimônio, incorporando suas dimen-
sões intangíveis e também ambientais. As culturas populares e tradi-
cionais foram reconhecidas como patrimônio pelo Estado Brasileiro.
A chegada de Gilberto Gil ao Ministério da Cultura, em 2003,
acelera estes processos de reconhecimento político da diversidade cul-
tural brasileira, assim como sua inserção em lógicas de desenvolvimen-
to social a partir de circuitos de economia criativa (ou economia da
cultura). Diversas experiências em educação e diversidade cultural ou
em educação patrimonial foram potencializadas, a partir, por exem-
plo, da criação do Programa Cultura Viva que procurava consolidar
experiências em políticas culturais em andamento no interior do país
(SILVA, 2012; 2013). Muitos Pontos de Cultura, principal iniciativa do
programa, alocaram-se em instituições de ensino provocando pontos
de intersecção entre as políticas de escolarização e as políticas cultu-
rais.

Educação patrimonial e escolarização


contemporânea: questões em aberto
O cenário histórico-brasileiro posterior à Constituição de 1988,
sobretudo se considerarmos as disputas e as reivindicações por direi-

126
tos e garantias estatais que lhe antecederam, revelou que as políticas
públicas brasileiras teriam novas orientações socioculturais.
A ampliação destas reivindicações por direitos expôs um con-
junto de novos atores, movimentos e disputas sociais que, em termos
sociológicos, elaborou novos dilemas à justiça social, a partir da cons-
tatação da ambivalência de demandas por redistribuição econômica e
por reconhecimento cultural (FRASER, 2001). Além das injustiças ma-
teriais, historicamente denunciadas por perspectivas marxistas, agora
as injustiças simbólicas instituíam-se como pautas da sociedade contem-
porânea. Essa situação social pode ser observada em diversas escalas de
percepção, das dimensões locais às globais. Contudo, se o modo de
construção das relações sociais estava em mudança, tal condição não
reduzia a intensidade das desigualdades, pelo contrário, estas se multi-
plicavam. (DUBET, 2003)
A multiplicação das desigualdades, sobretudo desde a década de
1990, se deu de maneira associada à redefinição dos papéis do Esta-
do e às mudanças significativas na organização produtiva. O mercado
tornava-se o paradigma de ação para o Estado, onde os dispositivos do
primeiro colonizavam a pauta de ordenamentos políticos e econômi-
cos do segundo (BALL, 2001). Tornavam-se evidentes, com radicalida-
de, as incompatibilidades entre o desenvolvimento do capitalismo e o
da igualdade democrática. (DUBET, 2003)
Em alguma medida, podemos considerar que essa ampliação das
pautas sociais transcorreu em conjunturas desfavoráveis a elas, isto é,
os novos direitos, como os direitos culturais, emergiram em cenários
de redução do Estado. Gênero, geração, etnia, raça, opção sexual e
religiosa constituíram-se em temas centrais para coletividades que rei-
vindicavam justiça social, direito à diferenciação e respeito à diferen-
ça, em contraposição aos ideários do economicismo de mercado. As
políticas da diferenciação social passaram a enfrentar as hierarquias
e clivagens dos processos de cristalização das desigualdades sociais.
(SOLERA, 2005)
Em termos políticos, as demandas destes novos atores compuse-
ram lógicas de ação política em movimentos sociais ou no interior de
racionalidades estatais, as quais demandaram a inserção de políticas
interculturais (CANCLINI, 2007) como direito disruptivo dos prima-

127
dos monoculturais da modernidade e explicitaram, na ação dos atores,
elementos mediadores entre suas trajetórias pessoais e os projetos so-
cietários ao quais se engajavam.
No caso brasileiro, uma série de novos dispositivos jurídicos fo-
ram sendo criados, tensionados pela ambivalente garantia de direitos
universais versus respeito às especificidades culturais. O caso, talvez,
mais emblemático desta situação seja o das comunidades indígenas,
cujas reivindicações comportavam exigências por escolarização, mas
com o respeito político e pedagógico às suas heranças tradicionais,
pelo ensino bilíngue.
Se as pautas dos movimentos sociais trazem em si pequenas sín-
teses destes processos de mudança sociocultural, para as políticas da
ação cultural estes processos podem ter sido ainda mais intensos. As
lógicas de ação de inúmeros movimentos sociais brasileiros têm na cul-
tura, ou nos processos culturais e de escolarização, tema importante
para a produção reflexiva de formas alternativas de desenvolvimento
social. Embora a ação destas organizações não possua uma diretivida-
de única, parece que tensionam as políticas culturais, enquanto ins-
trumentos de justiça social e simbólica, para tornarem-se estratégias
relevantes para a redução das desigualdades multiplicadas (DUBET,
2003) ou para formular patamares mais aceitáveis de injustiça social.
(DUBET, 2011a)
Concomitantemente, estas lutas, demandas e reivindicações so-
cietárias modificam a estrutura das políticas contemporâneas, pois estas
se fazem heterogêneas e plurais. Mesmo que os princípios organizati-
vos sejam transplantados dos mecanismos de mercado (BALL, 2001) e
as lógicas operem desde dinâmicas concorrenciais, o programa institu-
cional, como reconstrução dos princípios de ação, se modifica. Assim,
as políticas, em si mesmas, tornam-se mais porosas, e cedem espaço
objetivo para novas demandas e interesses socialmente representativos.
Quanto à educação patrimonial, é possível observarmos um des-
locamento no plano de seus conteúdos político-culturais, o qual per-
mite visualizarmos uma maior permeabilidade em seu programa ins-
titucional. A ação e a mobilização de diversos atores desestabilizaram
e têm reorganizado o programa institucional destas políticas, as quais
têm sido recompostas desde a ampliação de sua agenda cultural até

128
as alterações em suas prerrogativas metodológicas, que visam superar
estratégias mais conservadoras centradas na conscientização.
Por fim, a recente inserção da temática em políticas de escolari-
zação, caso do Programa Mais Educação, sinaliza um novo tempo para
a educação patrimonial. Não chega, obviamente, a sinalizar para uma
política nacional para o setor, mas evidencia a urgência de suas novas
pautas pedagógicas, políticas e socioculturais.

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131
132
CAPÍTULO 8

Iniciação científica, educação


integral e o desenvolvimento
das habilidades cognitivas

Leandro Carlos Ody

Uma das importantes atividades a serem desenvolvidas na edu-


cação integral é a iniciação científica. A escola deve ser vista como o
espaço do saber refinado, do conhecimento organizado e sistematiza-
do, bem como deve ser considerada como um lugar privilegiado para
o desenvolvimento de capacidades cognitivas que permitam a inde-
pendência intelectual dos educandos. Nesse texto visamos a apresen-
tar algumas discussões acerca da temática da iniciação científica no
contexto da educação integral, realizando algumas reflexões acerca
da natureza do conhecimento científico, acerca da formação de pro-
fessores nessa área e também sobre as habilidades cognitivas a serem
desenvolvidas a partir do exercício de investigação no espaço escolar.
Primeiramente apresentamos algumas problematizações que
nos fazem refletir sobre o papel da escola e do educador, levantando
a necessidade de um posicionamento seguro diante dessas questões
para que possamos educar de forma mais coerente. Em seguida discu-
timos acerca de alguns elementos importantes no ensino de ciências,
passando pela reflexão do que é ciência e de qual é o seu papel no
contexto da educação, discutindo, de forma específica, sobre tal temá-
tica no contexto da educação integral. Por último apresentamos e co-
mentamos as habilidades cognitivas que podem ser foco das atividades
da educação integral, bem como das outras atividades desenvolvidas
na escola visando à formação dos educandos, de fato, integral.

Escola, ciência e educação integral


Educadores, é importante que estejamos permanentemente bus-
cando um sentido, um significado para a escola, para os conteúdos e

133
estratégias de ensino que apresentamos aos educandos, afinal, para o
contexto educacional como um todo. Questões amplas como “qual é
o papel da escola?” ou “qual é a função do professor?” e mesmo ques-
tões aparentemente mais restritas como “por que ensinar ciências na
escola?” auxiliam nessa constante busca por dar sentido àquilo que é
desenvolvido no contexto escolar.
Na tentativa de nos posicionarmos frente à questão que traz ao
debate o papel da escola podemos iniciar dizendo que ela tem níveis
de preocupações e de questões diferentes daqueles do senso comum.
Ambas podem até ter objetos de estudo semelhantes, mas a forma
como se trabalha tal objeto se dá em níveis diferentes. Se o senso co-
mum está preocupado com elementos do cotidiano, na maioria das
vezes, abordados de forma superficial, a escola está preocupada com
o conhecimento científico, refinado que, em muitas situações, parte
da realidade, do conhecimento cotidiano, e trabalha no sentido de
transformá-lo em conhecimento refinado, profundo, metódico.
Dois posicionamentos dentro do debate educacional acerca do
papel da escola, apesar de serem de correntes de pensamento bastante
distintas, podem ser vistos como complementares.
O primeiro, de Dermeval Saviani, diz o seguinte:

[...] a escola é uma instituição cujo papel consiste


na socialização do saber sistematizado. [...] Por-
tanto, a escola diz respeito ao conhecimento ela-
borado e não ao conhecimento espontâneo; ao
saber sistematizado e não ao saber fragmentado; à
cultura erudita e não à cultura popular. Em suma,
a escola tem a ver com o problema da ciência.
Com efeito, ciência é exatamente o saber metódi-
co, sistematizado. (SAVIANI, 2011, p.14)

Em outra postura, vista tradicionalmente como oposta à de Sa-


viani, temos a visão de John Dewey acerca da educação. Para Dewey
(1978, p. 46), o ideal não é a acumulação de conhecimentos, mas o
desenvolvimento de capacidades. (DEWEY, 1978, p. 46)
Sem querer concordar somente com uma ou somente com outra
postura, precisamos entender que, de fato, a escola é o lugar do saber

134
científico, da rigorosidade na construção do conhecimento, mas não
pode deixar de exercitar também habilidades ou capacidades junta-
mente com os conteúdos que são trabalhados. O aluno precisa criar
independência intelectual para resolver outros problemas que não se-
jam apenas aqueles trabalhados nos conteúdos vistos na escola e em
suas mais diferentes disciplinas.
Os diferentes contextos da sociedade complexa em que vivemos
exigem adaptações constantes e capacidades cada vez maiores de en-
frentamento dos desafios das novas realidades. Portanto a exigência
com relação à educação também se transforma dentro dessa dinâmica.

Atualmente, a prioridade de um processo educa-


tivo emancipatório estaria na ampliação da capa-
cidade de reflexão, no enfrentamento aberto, re-
grado e refletido dos conflitos e das diferenças, na
compreensão do significado, das limitações e das
determinações históricas do trabalho e da existên-
cia humana. (CAVALIERE, 2009, p. 49)

Se admitirmos que a escola é o espaço do saber científico e de


reflexão, o papel do professor também deve ser ressignificado. Profis-
sional da educação e profissional intelectual deve ser visto e conside-
rar-se como um investigador. É difícil fazer de nossos alunos investiga-
dores e críticos do mundo se nós mesmos não nos sentirmos como tal.
Ser investigador não significa apenas ser um produtor de pesqui-
sas de ponta ou um investigador que tem o privilégio de contar com
um aparato tecnológico sofisticado. A investigação pode ser vista como
uma postura que se assume no cotidiano da atividade educacional,
mesmo que seja a partir da problematização acerca dos conteúdos, das
metodologias ou mesmo em se tratando de posturas críticas diante de
propostas prontas que nos chegam a partir das mais diferentes ativida-
des apresentadas pelas políticas educacionais.
No caso específico da iniciação científica, já são amplamente
conhecidos os debates que apontam o uso do livro didático (como
única fonte de pesquisa) como sendo uma postura problemática em
se tratando de ensino de ciências. Como afirma Luckesi (1994) o li-
vro didático é importante, pois sistematiza conteúdos que podem ser
trabalhados em sala de aula. Isso, porém, não exime o professor de

135
trabalhar os conteúdos de forma contextualizada, trazendo-os para o
interesse dos alunos. Dessa forma, tais elementos contidos no livro di-
dático recebem sentido e permitem um aprendizado real.

[...] o livro didático é um veículo de comunicação


importante dentro do sistema de ensino; porém,
não pode ser assumido acriticamente. Deve ser se-
lecionado e utilizado de forma crítica, para que
não sirva de veículo de conteúdos, métodos e mo-
dos de pensar que estejam em defasagem com a
perspectiva que desejamos adotar. Devemos estar
atentos aos textos didáticos e utilizá-los de forma
crítica para não sermos enganados e para que não
façamos nossos alunos se apropriarem de conte-
údos e de perspectivas ideológicas com as quais
não estejamos concordes. Temos que ter sempre
presente que uma mensagem nem sempre é ver-
dadeira. Não é devido ao fato de estar escrita e pu-
blicada que é verdadeira. Ela necessita passar pelo
crivo de nossas críticas. (LUCKESI, 1994, p. 145)

Professores, só é possível assumir uma postura crítica diante do


ensino de ciências se nosso conhecimento científico não se reduzir
às técnicas atuais de experimentos científicos. Tecer um argumento
crítico convincente pressupõe conhecimento amplo da área em que
atuamos e em que estamos problematizando. É necessário, no caso do
conhecimento científico, que tenhamos noções não somente de técni-
cas científicas, mas também de filosofia da ciência, história da ciência
e de sociologia da ciência. O saber científico é dinâmico, não estático,
muda ao longo da história, se transforma e se adapta a partir dos con-
textos em que é desenvolvido. Criação humana, a ciência é modificada
na tentativa de explicar cada vez melhor o mundo em que vivemos.
Sabemos que a ciência (como hoje a conhecemos) não foi a pri-
meira forma de explicar o mundo, nem é a única forma que tenta
explicar o mundo nos dias atuais. Ciência, mitos, senso comum, reli-
gião e filosofia são formas historicamente utilizadas para dar conta da
curiosidade que temos naturalmente diante de fenômenos naturais
ou sociais. Os mitos são vistos como as primeiras formas de explicar
o mundo. Compõem-se de explicações fantasiosas na forma de narra-

136
tivas que explicitam uma concepção de mundo onde as mais diferen-
tes formas fantásticas de existência (deuses, heróis, monstros e outras
criaturas) têm influência direta no mundo dos homens. Seus humo-
res, conflitos ou acordos fazem o mundo funcionar de um jeito ou de
outro. A filosofia surge como tentativa de encontrar uma forma de
explicar o mundo independentemente da existência dos deuses bus-
cando em explicações únicas, naturais e mais racionais a compreensão
do mundo. Pela reflexão, pelo questionamento, pelo esforço racional
por explicações mais convincentes tenta-se, na filosofia, compreender
o mundo e seus mais diferentes fenômenos.
As diferentes religiões tentam, nos dias atuais, explicar aquilo
que não pode ser explicado filosoficamente ou cientificamente. Vol-
tam-se, portanto, as religiões às explicações do mundo sobrenatural
e espiritual (vida após a morte, deuses, alma, espírito, entre outros).
Esses não podem ser temas de foco do estudo escolar, pois cada um
tem sua crença. Cabe à escola estudar o mundo que pode ser discuti-
do e verificado pelos estudos científicos e filosóficos. Nem mesmo o
senso comum deve ser tema de estudo no espaço escolar. As experiên-
cias pessoais, os conhecimentos herdados, fragmentados, ambíguos,
por vezes dogmáticos e que caracterizam em geral o senso comum
referem-se às coisas do cotidiano onde a exigência do conhecimento
científico não é tão intensa. Cabe à escola, como já mencionado, re-
finar, melhorar, questionar esses conhecimentos e transformá-los em
conhecimentos científicos. Com isso não queremos dizer que devemos
descartar o conhecimento de senso comum, mas devemos partir dele,
do conteúdo que o aluno já traz consigo para trabalhá-lo no intuito de
melhorá-lo. Essa é a função da escola quando falamos que cabe a ela
tratar do conhecimento científico.
É preocupante quando, em nossas investigações acerca da
educação científica, nos deparamos com professores despreparados
para ensinar, aproveitando os conteúdos e a curiosidade que o aluno
já traz consigo para a escola. O despreparo fica evidente no momento
em que os alunos, a partir de questões naturais sobre certos assuntos,
deixam o professor embaraçado, sem saber o que fazer, pois tal
questionamento fez com que se desviasse por demais do (limitado)
esquema que o professor preparou. O professor utiliza-se, então, de

137
vários subterfúgios, de manobras evasivas para não comprometer-se
com a investigação do aluno que surge a partir de uma problematização
real, perdendo-se uma grande oportunidade para ensinar, de fato,
ciência.
Vejamos o seguinte exemplo vivenciado em um momento de
investigação acerca da educação científica em uma sala de aula do
ensino fundamental:

De repente, um aluno do grupo que cochichava


levantou-se, foi até a professora e, colocando um
frasco sobre sua mesa, disse:
- Professora, eu trouxe este bicho para a senhora
ver. Quero estudá-lo.
Com ar de espanto e meio embaraçada, a profes-
sora mandou-o deixar o bicho com ela e infor-
mou que conversaria sobre ele na próxima aula.
[já na saída da aula, ao ser questionada pela pes-
quisadora...]
- Por que você não falou sobre o bicho que o me-
nino levou?
- Como eu ia falar? Eu não sei nada sobre este bi-
cho. No livro não tem este bicho.
- O que você pretende fazer?
- Ainda não sei, mas preciso dar alguma satisfação
ao aluno.
A professora estava muito preocupada e acabou
desabafando:
- Ai, meu Deus! Ciência é chata, difícil ou sei lá o
quê! Só sei que não tenho segurança. Não sei o
conteúdo e acho que é preciso ser muito ‘cobra’
para dar ciências! Por isso, não gosto de ensiná-
-la. (FRACALANZA; AMARAL; GOUVEIA, 1986,
p. 6-7)

Podemos perceber nesse trecho de diálogos, num primeiro mo-


mento os alunos apresentando à professora de ciências um problema
real, mas que não estava dentro das possibilidades da professora, no
momento, resolvê-lo. Não que isso seja um grande empecilho para a
realização da aula de ciências ou mesmo para a sua continuidade em

138
outra aula, afinal, o professor não sabe tudo nem pode se sentir dono
do saber, mas precisa ser pesquisador. No seguimento do diálogo, já
na saída da aula de ciências, a pesquisadora questiona a professora
sobre sua atitude de fuga diante do problema proposto pelos alunos.
Diante disso, a professora revela seu despreparo para conduzir de for-
ma criativa, não só a aula, mas também a curiosidade de seus alunos,
oportunidade esta considerada muito valiosa quando discutimos sobre
elementos importantes no processo de aprendizagem. Para aprender
o aluno precisa estar predisposto à aprendizagem, querer conhecer.
Por outro lado, o professor deve estar preparado para aproveitar essa
predisposição de seus alunos em aprender, muitas vezes não apresen-
tando respostas, mas estimulando a pesquisa.
O professor não consegue colocar interesse nos conteúdos no
aluno. Cabe ao professor mostrar relações que os novos conteúdos
têm com aquilo que é o interesse de aluno. O interesse não pode ser
um falso interesse ou um interesse que diz respeito apenas ao educa-
dor. Querer aprender, por parte do aluno, significa que ele está envol-
vido com a investigação e vê nela um sentido real.

Desse modo, e somente desse modo, é verdadeira


a ideia de “tornar as coisas interessantes”. Em ou-
tro qualquer sentido não conheço doutrina mais
desmoralizadora – quanto compreendida literal-
mente – do que a desses falsos adeptos da teoria
do interesse, que afirma que depois de escolhida a
matéria do ensino é que cabe ao mestre torná-la interes-
sante. [...] É, assim, trazendo à consciência as rela-
ções e a significação real do objeto novo a estudar
e a aprender, que, verdadeiramente, “tornamos
as coisas interessantes”. (DEWEY, 1978, p. 74-75.
[Grifos do autor.])

Interesse, portanto, é algo que o investigador desenvolve na me-


dida em que consegue estabelecer relações com outros conteúdos, o
que permite compreender de forma mais ampla elementos que atra-
em sua atenção. Dessa forma, há um significado real para esforçar-se
por aprender mais. O próprio cérebro humano acaba selecionando
e aprendendo aquilo que é interessante ao mesmo tempo em que

139
descarta informações que não foram conectadas àquilo que já está
(conhecimento já processado e fixado) no cérebro. (SELBACH et al,
2010)
A proposta da educação integral está diretamente voltada a dar
conta da problemática acima apresentada. Paro (2009) lembra que
não nos é novidade a ideia de que a criança (e não só ela) aprende se
quiser e que a escola e os educadores devem proporcionar condições
para que esse querer aprender aconteça e aconteça de forma constan-
te. A configuração da escola, hoje, segue Paro, dificilmente estimula
a criança a querer conhecer mais, pois os grandes objetivos, que se
apresentam para o ensino, são passar nas avaliações escolares, passar
no vestibular, ou ter bons conceitos nas avaliações que constantemen-
te tentam medir a “aprendizagem dos alunos”. “O que está aí é uma
escola à qual se vai, pretensamente, para aprender matemática, física,
geografia, etc., mas à qual não se vai para aprender a dançar, a cantar,
a brincar, a amar, a discutir política, a conviver com o outro, a ser com-
panheiro, etc.”. (PARO, 2009, p. 19)
A proposta da educação integral não é uma proposta alheia à
educação dita “normal” ou “curricular”. Moll (2012, p. 141) também
fala sobre a necessidade de superar o paralelismo entre turno e con-
traturno promovendo uma interação entre as várias atividades da esco-
la. Essa proposta visa a ampliar o trabalho da escola no intuito de dar
um significado maior àquelas práticas historicamente não tão valoriza-
das nas atividades escolares. Portanto, não são atividades isoladas (ou
não deveriam ser), mas devem ser atividades complementares, auxi-
liares, agregadoras aos currículos historicamente consolidados. Com
a iniciação científica não é diferente. O espaço da educação integral e
em tempo integral é um espaço privilegiado para se dar mais atenção
aos interesses dos alunos em explicar o mundo pelas mais diferentes
ciências. Nesse espaço, os conteúdos científicos podem receber signi-
ficados maiores e a ação da criança na investigação deve ser uma ação
constante de alguém, de fato, inserido no processo de investigação.
Estar mais tempo na escola e exercitar atividades vistas como
mais “leves” ou “lúdicas” pode auxiliar num aprendizado melhor. Tal-
vez isso gere algum debate com os defensores dos “castigos” impostos
aos ditos “indisciplinados”, pois no castigo estarão, forçadamente, e

140
para o bem da disciplina, mais tempo em contato com os conteúdos.1
Em nota de rodapé, Dewey (1978) menciona essa discussão quando
alguns defendem o castigo como forma de interesse mediato, quando
alguém executa uma tarefa não por gostar dela (interesse imediato),
mas para que algo de ruim (castigo) não se suceda com ela.2 O conta-
to maior, por si mesmo, não leva à aprendizagem, mas o tempo maior
pode fazer com que a criança veja, de preferência com a ajuda do
professor, outros significados para aquele conteúdo. Isso não aconte-
ce de forma forçada, em nome da disciplina única e exclusivamente,
mas é um movimento que parte do próprio aluno com o auxílio do
educador.
Cavaliere (2009, p. 42) afirma que “a preocupação em reatar,
no processo educacional, os diferentes aspectos da vida esteve sem-
pre presente desde que a prática educacional se formalizou através
da educação integral”. A educação, na sua origem e na sua essência,
busca preparar o indivíduo para compreender melhor o mundo e li-
dar melhor com ele. Dewey (1978) amplia o conceito de educação
dizendo que a educação consiste na própria vivência do indivíduo, faz
parte de sua vida, não é apenas preparação para a vida ou apenas uma
ferramenta, um meio para que outra coisa se efetive. Isso parece estar
na essência da proposta da educação integral na qual os conteúdos, as
práticas não se reduzem a meios para aprovação, mas ganham signifi-
cados em si mesmos.
Os conteúdos científicos também não podem se reduzir simples-
mente a elementos necessários em um processo de avaliação formal, a
conteúdos muitas vezes sem sentido ou sem um vínculo com a vivên-
cia dos educandos, mas devem permitir uma compreensão de mundo
mais ampla. Tal compreensão não se reduz a procedimentos técnicos
ou à memorização de informações, mas passa pela compreensão inte-

1
Em tempos passados se falava muito em deixar o aluno sem recreio e comprometido com
tarefas escolares que não executou.
2
Reproduzo aqui a referida nota: “Tenho ouvido afirmar com toda seriedade que uma crian-
ça detida, depois da aula, para estudar, muitas vezes adquire um interesse pela aritmética ou
gramática ou geografia, que não tinha antes, provando-se assim a superioridade da teoria da
‘disciplina’, contra a do interesse. Naturalmente o tempo maior, as explicações individuais,
etc. servem para levar a criança à compreensão das relações entre o estudo e o seu espírito,
permitindo-lhe assim que ela se torne senhora da matéria”.

141
gral da existência humana, considerando também elementos éticos,
sociais, políticos, históricos, entre outros.
A iniciação científica na educação integral, bem como nos outros
espaços escolares também pode ser uma oportunidade de desenvolver
habilidades juntamente com os conteúdos a serem assimilados. A se-
guir apresentamos uma proposta de reflexão acerca das habilidades
cognitivas que podem ser trabalhadas a partir da iniciação científica
na educação integral.

Habilidades cognitivas a partir da iniciação


científica na educação integral
Apesar de ser uma proposta apresentada pelo programa Edu-
cação para o pensar, vinculado ao trabalho de Filosofia para crianças, o
foco nas habilidades cognitivas não precisa ser exclusividade desse
campo educacional. Todas as áreas do conhecimento podem focar no
desenvolvimento de tais habilidades ou mesmo tê-las como um pro-
duto agregado no processo de construção do conhecimento. A ideia
é trabalhar habilidades que permitam ao educando construir uma in-
dependência intelectual a partir da qual ele possa resolver problemas
por si mesmo.
Kohan, um dos defensores da prática filosófica com crianças, de-
fende a ideia da interdisciplinaridade a partir do compartilhamento
de experiências que podem ser significativas para várias áreas.

É por isso que desenvolver os hábitos e


procedimentos, cognitivos e afetivos, de uma
comunidade de questionamento e investigação
é tão proveitoso e interessante em filosofia como
em matemática, ciências naturais ou ciências so-
ciais e, por que não, em educação física, música
ou teatro. (KOHAN, 2000, p. 87)

Para trabalhar tais habilidades e desenvolvê-las nas crianças é


necessário que os educadores tenham conhecimento delas além de
desenvolverem em si próprios tais habilidades cognitivas. O programa
de Filosofia para crianças apresenta quatro grandes conjuntos de ha-

142
bilidades: habilidades de investigação, habilidades de conceituação e
análise, habilidades de raciocínio e habilidades de tradução e formu-
lação. Cada conjunto de habilidades traz consigo uma série de “sub-
-habilidades” que apresentamos e comentamos a seguir:

Habilidades de investigação
Fazem parte do grupo das habilidades de investigação as seguin-
tes sub-habilidades:

Adivinhar
Investigar
Formular hipóteses
Observar
Buscar alternativas
Antecipar consequências
Selecionar possibilidades
Imaginar: idear, inventar, criar

Em todas as habilidades de investigação é determinante o uso da ba-


gagem teórica que se tem. Mesmo a habilidade de adivinhar parte de cer-
to conteúdo ou de suposições que surgem diante de um problema. Quan-
to ao problema de investigação, consiste no “combustível” da pesquisa.
Se tivermos questões, se tivermos dúvidas a pesquisa prossegue. Como
vimos anteriormente, o problema não pode ser um falso problema, mas
algo que, de fato, estimule o interesse pela investigação. Não pesquisamos
se está tudo resolvido, se está tudo explicado; pesquisamos se há algo a
explicar. Portanto o problema de pesquisa é um elemento importante
que envolve o aluno na investigação, faz com que se busquem alternativas
para um melhor entendimento de alguma situação. A solução de um pro-
blema pode partir de possíveis respostas provisórias acerca dele, respostas
estas que serão confirmadas ou descartadas pela pesquisa e que consti-
tuem naquilo que chamamos de hipóteses. A pesquisa pode consistir em
testes acerca das hipóteses e esses testes podem ir descartando algumas
possíveis respostas ao problema a ser resolvido ou mesmo podem levar à
aceitação de alguma hipótese.

143
Quanto à observação, também é guiada pela teoria. No processo
de investigação onde um dos métodos pode ser a observação, con-
seguimos ver e “captar” alguns elementos se estivermos aptos a isso.
Numa linguagem kuhniana,3 o paradigma em que estamos e a partir
do qual fomos educados permite ver o mundo de um jeito ou de ou-
tro. Se, por exemplo, ainda nos valermos do paradigma do senso co-
mum ou do conhecimento empírico, podemos explicar o movimento
dos astros dizendo que a Terra está fixa e que o Sol e a Lua se movi-
mentam ao redor da Terra, numa postura que defende o geocentris-
mo, pois é assim que “vemos” e “sentimos” esses movimentos. Numa
visão heliocêntrica, com o Sol no centro de um sistema planetário, a
compreensão de mundo é outra. Podemos estar olhando para o mes-
mo fenômeno, mas vendo coisas diferentes.
Antecipar consequências também é uma antiga habilidade exer-
citada pelo ser humano. Perceber certas regularidades no mundo e a
partir desse conhecimento prever alguns acontecimentos é um desejo
permanente. Historicamente, isso é uma forma de manter-se vivo e
em condições de lidar com o mundo. A ciência objetiva um controle
cada vez maior dos fenômenos que ocorrem. Poder antecipar conse-
quências traz um controle maior dos fenômenos e uma tranquilidade
maior diante das possíveis ameaças que se apresentam à existência hu-
mana. Prevenir doenças, prever fortes chuvas ou frio, desmoronamen-
tos, conflitos ou crises sociais são possibilidades na medida em que
conhecemos regularidades nos ambientes em estudo.
A habilidade de imaginar, de criar, de inventar está na essência
da explicação científica. Somente se formos capazes de inventar solu-
ções aos problemas é que essas mesmas soluções se concretizam. Al-
guns pensadores defendem a ideia de que a ciência começa pela ima-
ginação e somente depois recebe rigorosidade científica a partir dos
testes que vão confirmar ou descartar possíveis soluções a certos pro-
blemas. O espírito criativo, imaginativo é natural no ser humano, for-
temente presente nas crianças, mas que, se não for estimulado, pode
não se desenvolver de forma satisfatória. Nesse sentido, a escola tem

3
Thomas Kuhn (1922-1996), físico e filósofo, desenvolveu a ideia dos paradigmas como
sendo visões de mundo a partir das quais interpretamos e explicamos o que acontece ao
nosso redor.

144
papel importante no estímulo à criatividade. Infelizmente em muitas
situações a criatividade das crianças é “podada”, pois pode ser vista
como sinônimo de indisciplina, já que muitos caminhos criados pelas
crianças não são os mesmos caminhos que os professores mostraram.

Habilidades de conceituação e análise


As sub-habilidades a seguir fazem parte do grande grupo das ha-
bilidades de conceituação e de análise:

Formular conceitos precisos


Dar exemplos e contraexemplos
Estabelecer semelhanças e diferenças
Comparar e contrastar
Definir
Agrupar e classificar
Seriar

Conceituar é uma importante habilidade a ser desenvolvida, pois


é a partir dela que expressamos o mundo. A linguagem, quanto mais
clara for, melhor comunicará a mensagem que se quer transmitir.
Adequar-se de conceitos claros, precisos, permite transmitir as ideias
que representam o mundo de forma mais eficiente. Essa habilidade
deve ser desenvolvida em quem transmite a mensagem, mas também
em quem a recebe, pois decodificar uma mensagem exige o domínio
de conceitos.
Na medida em que conhecemos conceitos é possível definir o
que entendemos por algo, por alguma ideia ou objeto. Em ciências,
trabalhar com essas habilidades pode resolver o problema da simples
memorização de termos. No momento em que trabalhamos com a
classificação de certos grupos, precisamos conhecer os critérios para
essas classificações. Agrupar, classificar, seriar são capacidades que se
têm quando se conhece os critérios para isso. O que significa fazer parte
dos metais, o que são mamíferos, o que fazem os herbívoros, o que é um país em
desenvolvimento podem ser exemplos de classificações ou agrupamen-
tos que se faz, mas que podem obedecer a critérios para isso ou sim-

145
plesmente serem elementos memorizados sem se estabelecer vínculos.
Dar exemplos e contraexemplos só é possível se conhecermos os cri-
térios de classificação de um termo ou outro. Posso separar campo de
cidade se conheço os critérios de classificação de um e de outro (pelo
menos algumas de suas características contrastantes). A mesma coisa
acontece quando estabelecemos semelhanças e diferenças (entre car-
nívoros e herbívoros, entre metais e não metais, entre patrões e em-
pregados, etc.) ou quando seriamos alguma ordem (do maior para o
menor, do mais graduado para o menos graduado, de elementos mais
resistentes à ação da força para os menos resistentes, etc.).

Habilidades de raciocínio
As habilidades de raciocínio comportam as seguintes sub-habi-
lidades:

Buscar e dar razões


Inferir
Raciocinar hipoteticamente
Raciocinar analogicamente
Relacionar causa-efeito
Relacionar parte-todo
Relacionar meios-fins
Estabelecer critérios

Dar razões para algum argumento ou explicação é justificar


essas ideias frente a algum questionamento ou necessidade de conven-
cimento sobre tal raciocínio. Saber dar razões significa ter domínio
sobre algum conhecimento. Quando alguém é solicitado a dar razões
acerca de suas posturas, questionamos o porquê de seu posiciona-
mento. A argumentação é construída tendo em vista raciocínios logi-
camente bem construídos, muitas vezes por hipóteses ou analogica-
mente. A habilidade de apresentar razões está vinculada à necessidade
de dar respostas, mas a habilidade de buscar razões, de questionar, de
exigir posicionamentos bem defendidos é tão importante quanto res-
ponder algo. Uma das grandes críticas do sistema educacional é que se

146
educa para responder, não para questionar. Formar uma inteligência
crítica passa necessariamente pela formação de habilidade de questio-
nar.
Inferir significa concluir pelo raciocínio. Nossa mente organiza
e reorganiza informações na tentativa de explicar o mundo pelo pen-
samento, do raciocínio. Uma boa inferência não se dá apenas por boas
estruturas lógicas, mas também pelos conteúdos que agregamos pelas
investigações. Raciocínios logicamente bem construídos e embasados
em conteúdos rigorosamente verificados empiricamente (no caso das
ciências) tendem a levar a boas explicações. Esses raciocínios buscam
exercitar as habilidades de relacionar causa-efeito, uma das grandes
pretensões do exercício científico, bem com as habilidades de relacio-
nar parte/todo ou meios/fins.

Habilidades de tradução e formulação


Seguem as sub-habilidades vinculadas às habilidades de tradução
e formulação.
Explicar: narrar e descrever
Interpretar
Improvisar
Traduzir de linguagem oral à gestual e vice-versa
Traduzir de linguagem oral à plástica e vice-versa
Traduzir a diferentes linguagens, como a musical, etc.
Resumir

Narrar, descrever, explicar algo pressupõe a compreensão desse


algo. Outra grande pretensão do exercício científico é a alfabetização
científica, habilidade que permite ler de forma mais coerente o mundo
a ser explicado. Ler o mundo é uma capacidade que se desenvolve a par-
tir de uma formação direcionada à alfabetização para lê-lo. Essa ideia se
vincula àquilo que se discutiu acima, quando abordamos a questão dos
paradigmas, das visões de mundo que nos fazem perceber as coisas de
uma forma ou de outra.
Essa capacidade de leitura, de captar a mensagem que nos che-
ga, permite exercitar outras habilidades vinculadas às capacidades de

147
tradução de uma linguagem para outra. Podemos, por exemplo, esti-
mular os alunos a darem um passeio ao redor da escola e, ao retornar
à sala de aula, relatar o que viram. Esse relato pode ser de forma oral,
teatral, musical, a partir de desenhos, etc. Também é possível solicitar
aos alunos que contem uma história a partir de um desenho que lhes
foi mostrado. Em um ou em outro exercício a capacidade de traduzir
de uma linguagem para outra é possível diante da compreensão da
primeira linguagem. Nisso, são estimuladas outras capacidades como
focar na atividade, perceber elementos essenciais, comunicar aquilo
que se percebeu, entre outras. O exercício de resumir, tão solicitado
nas mais diferentes etapas escolares, não é algo simples e pressupões
todos os elementos recém-citados. Do contrário, corre-se o risco de
distorcer a ideia original ou mesmo de elencar elementos secundários
como elementos centrais a serem destacados no texto de resumo.

Considerações finais
No contexto da educação integral, é possível exercitar as habi-
lidades cognitivas dos alunos, não só a partir da iniciação científica,
mas a partir de todas as atividades que envolvam os educandos em
alguma espécie de investigação. A dinâmica do mundo atual mostra
que os conhecimentos estão mudando de forma cada vez mais rápida.
Isso exige o desenvolvimento de capacidades que permitam a cons-
tante e rápida adaptação do investigador às mudanças. É necessário
superar o ritmo lento em que a escola educa. Nesse sentido, a propos-
ta da educação integral pode exercer papel fundamental. Esse papel
deve ser exercido juntando o “tempo a mais” na escola, bem como as
diferentes atividades que visam a desenvolver conhecimento e habili-
dades nos alunos. Comentamos durante o desenvolvimento do texto
que não basta o “tempo a mais”, o contato maior dos alunos com os
conteúdos ou com a escola. A educação integral deve, de fato, estar
comprometida e buscar transformações concretas. Isso se consegue
pelo esforço em conduzir os educandos a perceber que aquilo que se
aprende na escola pode ser interessante, levando-os a querer apren-
der, a estarem predispostos à aprendizagem a partir do interesse que
parte deles mesmos.

148
O trabalho de formação dos educadores, o planejamento crite-
rioso, a discussão com os vários agentes do contexto escolar podem
auxiliar de forma significativa no sucesso da proposta da educação in-
tegral. Tentamos mostrar ao longo do texto o quanto é importante
conhecer a área em que atuamos. Só podemos educar na medida em
que conhecemos aquilo que queremos apresentar aos nossos alunos.
Não ensinamos aquilo que não sabemos. Não é diferente no caso das
habilidades cognitivas: primeiro desenvolvemos em nós educadores o
espírito de investigação juntamente com as habilidades de pensamen-
to; a partir daí temos condições de ajudar nossos alunos a desenvolver
também tais habilidades.

Referências:
CAVALIERE, A. Notas sobre o conceito de educação integral. In: COSTA, L. M.
(Org.). Educação integral em tempo integral: estudos e experiências em processo. Pe-
trópolis, RJ: DP et alii Editora, 2009.

DEWEY, J. Vida e educação. 10. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1978.

FRACALANZA, H.; AMARAL, I. A.; GOUVEIA, M. S. O ensino de ciências no primeiro


grau. 2. ed. São Paulo: Atual, 1986.

KOHAN, W. Sugestões para implementar a filosofia com crianças em escolas. In:


KOHAN, W.; WAKSMAN, V. Filosofia para crianças na prática escolar. 3. ed. Petrópo-
lis, RJ: Vozes, 2000.

LUCKESI, C. Filosofia da educação. São Paulo: Cortez, 1994.

MOLL, J. A agenda da educação integral: compromissos para sua consolidação


como política pública. In: MOLL, J. (Org.) Caminhos da Educação integral no Brasil:
direito a outros tempos e espaços educativos. Porto Alegre: Penso, 2012.

PARO, V. Educação integral em tempo integral: uma concepção de educação


para a modernidade. In: COSTA, Lígia (Org.). Educação integral em tempo integral:
estudos e experiências em processo. Petrópolis, RJ: DP et alii Editora, 2009.

SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 11. ed.


Campinas: Autores Associados, 2011.

SELBACH, S. et al. Ciência e didática. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.

149
CAPÍTULO 9

A relação entre alfabetização e


letramento na educação integral:
algumas questões conceituais

Marilane Maria Wolff Paim

Palavras iniciais
Percebe-se que nas últimas décadas vem se discutindo muito as
questões da alfabetização na perspectiva do letramento. Durante um
longo período da história da alfabetização no Brasil a preocupação era
somente codificar e decodificar símbolos mecanicamente, atualmen-
te, sabe-se que embora seja necessário, esse conhecimento não é sufi-
ciente para que o homem seja competente no uso da língua escrita.
Nessa perspectiva, a língua não é um mero código para comunicação,
ela é um fenômeno social, estruturado de forma dinâmica e coletiva,
portanto, a escrita também deve ser olhada do ponto de vista cultural
e social. Logo, não basta aprender a ler e escrever, é preciso usar a
leitura e a escrita em práticas sociais.
Com a Lei nº 11. 274 de 06 de fevereiro de 2006, que estabeleceu
a ampliação do Ensino Fundamental no Brasil, alterando a duração
de oito para nove anos e, ao mesmo tempo assegurando o ingresso de
crianças de seis anos no ensino obrigatório com o objetivo de:

[...] assegurar a todas as crianças um tempo mais


longo de convívio escolar, maiores oportunidades
de aprender e, com isso, uma aprendizagem mais
ampla. É evidente que a maior aprendizagem não
depende do aumento do tempo de permanência
na escola, mas sim do emprego mais eficaz do
tempo. No entanto, a associação de ambos deve
contribuir significativamente para que os educan-
dos aprendam mais. (BRASIL, 2004, p. 17)

151
Atualmente, com o ensino fundamental de nove anos, os alunos
iniciam o processo de alfabetização na escola aos seis anos de idade e
um dos grandes desafios do professor é trabalhar na perspectiva do
processo de alfabetização e letramento em sala de aula, sendo assim
faz-se necessário retomar, refletir a concepção de alfabetização e sua
prática, a fim de possibilitar a aquisição da linguagem oral e escrita,
pois vários são os fatores que influenciam nesse processo, entre eles a
diversidade, a cultura, os conceitos, os preconceitos, que estão presen-
tes na sala de aula.
Além da ampliação do ensino fundamental para nove anos, tam-
bém a educação brasileira tem caminhado para o aumento progres-
sivo da jornada escolar estabelecido na Lei de Diretrizes e Base da
Educação Nacional – LDB 9394/96, nos artigos 34 e 87, favorecendo
projetos de educação integral.
Do ponto de vista da legislação, está claro que a educação deve
priorizar o desenvolvimento integral dos sujeitos, sendo que o desafio
proposto é a necessidade de promover articulações com o objetivo de
expandir as ações educativas, o que demanda um compromisso ético e
político com a inclusão social, por meio da gestão democrática, visando
à melhoria da qualidade da educação pública.
Partindo do princípio de que o termo integral remete-se a uma
dimensão qualitativa, relacionada à concepção da formação social do
sujeito e saberes da vida em sociedade, assim a educação integral re-
side no encontro dialógico de tempo e qualidade ou ainda qualida-
de com tempo. Ampliar o ensino fundamental para nove anos, au-
mentar a jornada escolar não garante a aprendizagem e a qualidade
na educação, pois não depende somente do aumento do tempo de
permanência na escola, mas sim da compreensão dos processos de
ensino-aprendizagem e em especial nos processos de alfabetização e
letramento. Fazer mais do mesmo, não vai melhorar a educação bra-
sileira e também não vai tornar o sujeito competente nos usos sociais
da leitura e da escrita.
Para melhor compreender os processos dialogarei com pesqui-
sadores que tomaram as dimensões dos conceitos alfabetização e letra-
mento como objeto de investigação, entre eles: Kleiman (1995, 2001,
2005), Soares (1998, 2000, 2003, 2004) e Tfouni (1988,1995) com o

152
intuito de sistematizar suas principais contribuições em relação à te-
mática. Não é objetivo apresentar uma proposta prática de letramen-
to, nem tampouco esgotar a discussão sobre o assunto, mas realizar
reflexões teóricas sobre a origem do termo, conceituação e as possíveis
relações entre letramento e alfabetização.

Breve contextualização dos conceitos de


alfabetização e letramento
Pensar nos processos de alfabetização e letramento na educação
integral requer refletir sobre sua complexidade, uma vez que envolve
um conjunto de estratégias que vão desde a ampliação do espaço e do
tempo até a qualidade do ensino. Muitas dúvidas e questionamentos
surgem e estão presentes no cotidiano escolar e nas práticas alfabetiza-
doras sobre os processos de alfabetização, leitura, escrita e letramento,
como: Que significado tem a palavra letramento? De onde ela surgiu
e qual a sua finalidade? O que é ser um sujeito letrado? Afinal, o que é
ser alfabetizado e como se define um sujeito letrado?
Pois bem, efetua-se uma reflexão sobre a história do homem
como sujeito que vivencia o processo de aprender a ler e escrever na
escola percebe-se o quanto mudou a forma de conceber a alfabetiza-
ção ao longo da história, principalmente, nas últimas duas décadas.
Ela deixou de ser entendida como a aquisição mecânica da leitura e da
escrita das letras do alfabeto, não é somente adquirir uma tecnologia
de codificar e decodificar a escrita, uma aquisição superficial não é
suficiente na sociedade de hoje, sendo assim é necessário reconhecer
como um processo de construção, de apropriação das diferentes lin-
guagens.
Freire (1976) alerta que a alfabetização é um processo que leva
à libertação do homem ou a sua “domesticação”, dependendo do con-
texto ideológico em que ocorre, e aponta a para a sua natureza ineren-
temente política. A alfabetização tanto pode alienar quanto libertar,
tudo depende da concepção que o indivíduo é alfabetizado, tornando-
-se letrado ou iletrado.
Os estudos sobre letramento iniciaram a partir do século XVI,
no momento em que a escrita passou a ser introduzida/exigida nas

153
sociedades industrializadas de forma mais intensa, transformando,
assim, as relações entre os indivíduos e o meio em que vivem. Esses
estudos preocupavam – se em examinar a expansão da sociedade que,
de certa forma, acompanhou a introdução e o desenvolvimento dos
usos da escrita. Na realidade, esse desenvolvimento social ocorreu em
função dos diferentes marcos históricos daquela época, tais como:
“emergência do Estado como unidade política; a formação de iden-
tidades nacionais não necessariamente baseadas em alianças étnicas
ou culturais; as mudanças socioeconômicas nas grandes massas que
se incorporavam às formas de trabalhos industriais; a emergência da
educação formal”. (KLEIMAN, 1995, p. 16)
Entretanto, o processo de alfabetização e letramento, apesar de
ser pesquisado, problematizado e debatido, continua sendo um tema
desafiador entre os profissionais de diferentes áreas como educação,
psicologia, antropologia, história, sociologia, linguística, entre outras,
com diferentes compreensões. No Brasil, esses estudos iniciaram-se,
de modo mais efetivo, na segunda metade da década de 1980. A área
do conhecimento que investigou este tema inicialmente foi à linguís-
tica aplicada.
Alfabetizar e letrar são processos complexos, uma vez que não
envolvem simplesmente a decodificação, mas a compreensão dos di-
versos símbolos linguísticos.

O conceito de letramento começou a ser usado


nos meios acadêmicos numa tentativa de separar
os estudos sobre o “impacto social da escrita”,
dos estudos sobre alfabetização, cujas conotações
escolares destacam as competências individuais
no uso e na prática da escrita. Eximem-se dessas
conotações os sentidos que Paulo Freire atribui a
alfabetização, que a vê como capaz de levar o anal-
fabeto a organizar reflexivamente seu pensamen-
to, desenvolver a consciência crítica, introduzi-lo
num processo real de democratização da cultura
e de libertação. (KLEIMAN, 1995, p. 15-16)

Kleiman (1995) e Soares (1998) registram que este termo co-


meçou a ser utilizado intensamente a partir da publicação da obra de

154
Mary Kato ”No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística”,
em que a autora levanta a asserção de que a língua falada culta é conse-
quência do letramento. Outros livros foram publicados na sequência,
sendo que um deles é “Adultos não Alfabetizados: o avesso do avesso»
de autoria de Leda Verdiani Tfouni, no qual a autora apresenta na
introdução, a distinção entre alfabetização e letramento.
Kleiman (2001, p.17), esclarece que “a palavra letramento não
está dicionarizada. Pela complexidade e variação dos tipos de estudos
que se enquadram nesse domínio, podemos perceber a complexidade
do conceito”. Além disso, remete a uma situação referente aos profes-
sores destacando que eles ainda não estão preparados para orientar-
-se por essa concepção, pois, para grande parte deles, o letramento
está ligado à alfabetização e à escolarização
Kleiman (1995, p.19) define letramento como “o conjunto de
práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e en-
quanto tecnologia, em contextos específicos, para objetivos específi-
cos”. E o conceito de alfabetização denota um conjunto de saberes
sobre o código escrito da sua língua, que é mobilizado pelo indivíduo
para participar das práticas letradas.
A autora aponta dois modos de pensar o letramento: o ‘mode-
lo autônomo’ e o ‘modelo ideológico’. O primeiro caracteriza-se por
pressupor uma maneira única e universal de desenvolvimento do le-
tramento, quase sempre associada a resultados e efeitos, de caráter in-
dividual ou social. Já, o modelo ideológico estabelece que as práticas
de letramento são social e culturalmente determinadas e, portanto,
assumem significados e funcionamentos específicos dos contextos, ins-
tituições e esferas sociais em que se desenvolvem. (KLEIMAN 2001)
O conceito da autora enfatiza os aspectos social e utilitário do
letramento. As práticas específicas da escola, que forneciam o parâ-
metro de prática social segundo a qual o letramento era definido, e
segundo a qual os sujeitos eram classificados ao longo da dicotomia
alfabetizado ou não alfabetizado, passam a ser, em função dessa defi-
nição, apenas um tipo de prática de fato, dominante que desenvolve
alguns tipos de habilidades, mas não outros, e que determina uma for-
ma de utilizar o conhecimento sobre a escrita (KLEIMAN, 2005, p 19).
Na citação anterior, a autora se refere ao fato de que a escola,

155
diante da perspectiva do letramento, enfatiza apenas algumas práticas
ligadas à escrita e ao uso da escrita. Assim sendo, fora do ambiente
escolar outros usos e práticas ligados à escrita são vivenciados. Nesse
sentido, Kleiman (2005, p. 20) afirma que o “[...] fenômeno do letra-
mento, então, extrapola o mundo da escrita tal qual ele é concebido
pelas instituições que se encarregam de introduzir formalmente os su-
jeitos no mundo da escrita”. Desta forma, e de acordo com o que já foi
explicitado anteriormente por esta autora, letramento seria um con-
junto de práticas com objetivos específicos e em contextos específicos,
que envolvem a escrita. A escola, por sua vez, seria uma agência de
letramento, dentre várias outras, e realizaria práticas de letramento.
Para Soares (2001, p. 15), “letramento é o resultado da ação de
ensinar e aprender as práticas sociais da leitura e escrita: e também
o estado ou condição que adquire um grupo social ou um indivíduo
como consequência de se ter apropriado da escrita e de suas práti-
cas sociais”. O letramento está ancorado na perspectiva sociocultural
como uma prática social que é materializada por meio de eventos de
letramento, atividades e tarefas que permitem os indivíduos interagi-
rem por meio da leitura e da escrita com sentido para suas vidas.
Já o termo alfabetização, significa levar à obtenção do alfabeto,
para ensinar a ler e a escrever. Dessa forma a alfabetização é a obten-
ção do código alfabético e ortográfico, por meio do desenvolvimento
das habilidades de leitura e de escrita. (SOARES, 2004)
A sistematização do ensino-aprendizagem, atualmente, não se
restringe apenas ao espaço escolar, pois sabemos que os alunos che-
gam nesses espaços com conhecimentos trazidos do seu cotidiano e
que estes devem ser fonte de pesquisa para o estudo e construção de
conceitos necessários à formação dos sujeitos.
Soares (1998) registra que a escola pública é do povo uma vez
que a grande maioria que a constitui vem das camadas populares, por
isso, está tem que estar voltada para as necessidades da comunidade
local. Porém não é assim que vivenciamos esse movimento, pois muitas
vezes a escola,

[...] é antes contra o povo que para o povo: o fra-


casso escolar dos alunos pertencentes às camadas

156
populares, comprovado pelos altos índices de re-
petência e evasão, mostra que, se vem ocorrendo
uma progressiva democratização do acesso à esco-
la não tem igualmente ocorrido a democratização
da escola. Nossa escola tem-se mostrado incompe-
tente para a educação das camadas populares, e
essa incompetência, gerando o fracasso escolar,
tem tido o grave efeito não só de acentuar as desi-
gualdades sociais, mas, sobretudo de legitimá-las.
Grande parte da responsabilidade por essa incom-
petência deve ser atribuída a problemas de lingua-
gem. (SOARES, 1998, p. 5- 6)

Apesar do avanço na concepção sobre a língua e a linguagem, a


simples mudança de paradigma na alfabetização não causou melhoria
evidente nas práticas de alfabetização, Soares (2003, p. 1) considera ne-
cessário “reinventar a alfabetização”, no sentido de desenvolver em salas
de alfabetização o duplo objetivo de alfabetizar e letrar ou alfabetizar
letrando, o que significa garantir a especificidade da alfabetização ao
mesmo tempo em que se devem inserir os alunos nas diferentes práticas
de leitura e escrita. Assim como Soares (2004), compreendo que alfa-
betização e letramento são práticas distintas, porém, inseparáveis, inter-
dependentes e concomitantes. A ausência da compreensão dos termos
provoca grandes equívocos em seu uso teórico e prático, induzindo à
perda da especificidade destas.
O que muda no indivíduo que apresenta um bom nível de le-
tramento é o seu lugar social, isto é sua forma de inserção cultural, à
medida que passa a usufruir outra condição social e cultural (SOARES,
1998). Assim, as práticas sociais, que envolvem leitura e escrita, podem
promover algumas alterações, tornando então mais adequadas as rela-
ções que o indivíduo mantém com os outros, com os diversos contextos
sociais, com os bens culturais. “O alfabetismo não se limita pura e sim-
plesmente à posse individual de habilidades e conhecimentos; implica,
também, e talvez principalmente, um conjunto de práticas sociais asso-
ciadas com a leitura e a escrita, efetivamente exercidas por pessoas em
um contexto social específico”. (SOARES, 2001, p.10)

157
Durante muito tempo, era considerado analfabeto o sujeito in-
capaz de escrever seu próprio nome. Ser alfabetizado hoje significa
incorporar as práticas da leitura e da escrita, adquirir competência
para usá-las, envolverem-se com livros, jornais, revistas, saber preen-
cher formulários, escrever cartas, localizar-se em catálogos telefônicos,
compreender uma bula de remédio entre outros. (SOARES, 2001)
Observando as definições da autora referenciada no parágrafo
anterior conclui-se que o analfabetismo pode ser designado aos que
não sabem ler e escrever como também aqueles que leem e escrevem,
mas não sabem fazer uso da leitura e da escrita.
Para Tfouni (1988) alfabetização e letramento, apesar de esta-
rem inevitavelmente ligados, são conceitos apresentados por muitos
estudiosos como sendo distintos. O que levaria a essa separação seria o
fato de que os sistemas de escrita são vistos como um produto cultural
e a alfabetização e o letramento como processos de aquisição de um
sistema escrito. Com base nesta concepção, Tfouni (1988) propõe de-
finições distintas para alfabetização e letramento.
A autora concebe o termo letramento em confronto com o con-
ceito de alfabetização. “Enquanto a alfabetização ocupa-se da aquisi-
ção da escrita por um indivíduo ou grupo de indivíduos, o letramento
focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição de um sistema escrito
por uma sociedade” (TFOUNI, 1995, p.16). Assim do ponto de vista
do processo sócio-histórico, existem graus de letramento.
Enfatiza que a alfabetização, por muitas vezes, está sendo mal-
-entendida:

Há duas formas segundo as quais comumente se


entende a alfabetização: ou como um processo
de aquisição individual de habilidades requeridas
para a leitura e escrita, ou como um processo de
representação de objetos diversos, de naturezas
diferentes. O mal-entendido que parece estar na
base da primeira perspectiva é que a alfabetização
é algo que chega a um fim, e pode, portanto, ser
descrita sob a forma de objetivos instrucionais.
Como processo que é parece-me antes que o que
caracteriza a alfabetização é a sua incompletude.
(TFOUNI, 1995, p.9)

158
Com isso, a autora registra que a alfabetização do indivíduo, é
algo que nunca será alcançado por completo. Desse modo, a prática
de alfabetização, buscando o letramento, deve considerar o processo
individual e também o social, pois este não se refere somente ao “es-
tado” ou à “condição” do sujeito, mas a maneira como a leitura e a
escrita são praticadas nos diferentes contextos. Nessa perspectiva

A alfabetização refere-se à aquisição da escrita en-


quanto aprendizagem de habilidades para leitura,
escrita e as chamadas práticas de linguagem. Isso
é levado a efeito, em geral, por meio do processo
de escolarização e, portanto, da instrução formal.
A alfabetização pertence, assim, ao âmbito do in-
dividual. (TFOUNI, 1995, p. 9)

Segundo a mesma autora, a alfabetização caracteriza-se pela


aquisição de habilidades para leitura, escrita e as chamadas práticas de
linguagem que são efetuadas pela instituição formal, a escola, práticas
essas também denominadas de escolarização. O letramento, por sua
vez, preocupa-se em abordar os aspectos sociais, culturais e históricos
da aquisição da escrita.
Tfouni (1988), testando a teoria cognitivista e individual da alfa-
betização de Scribner e Cole (1981), nas quais os autores defendiam
que a alfabetização possibilita o desenvolvimento do raciocínio lógico
pelas alterações cognitivas que proporciona mostrou, em pesquisas re-
alizadas com adultos não alfabetizados, que esses têm capacidade para
descentralizar seu raciocínio e resolver conflitos e contradições que se
estabelecem no plano dialógico.
Analisando essas perspectivas pode-se dizer que o conceito de le-
tramento apresentado por Kleiman, enfatiza a noção de práticas sociais
de leitura e escrita e os eventos em que elas são colocadas em ação. Já,
Soares, destaca a dimensão de letramento como produto dessas mesmas
práticas, apontando as condições e as possibilidades que um grupo ou
indivíduo adquirem com os usos sociais da leitura e da escrita. Não cen-
tra o enfoque nas práticas, mas sim, nos sujeitos que fazem uso delas, ou
seja, aquele que é usuário da tecnologia que as envolve. Para Tfouni a
alfabetização caracteriza-se pela aquisição de habilidades para leitura,
escrita e as chamadas práticas de linguagem que são efetuadas pela ins-

159
tituição formal, a escola e o letramento, preocupam-se em abordar os
aspectos sociais, culturais e históricos da aquisição da escrita.
A partir dos registros dos conceitos de alfabetização e letramen-
to é possível compreender que os conceitos não são iguais, contudo,
o processo social do letramento é um ponto que ambas as autoras
apontam. Alfabetizar visando ao letramento não significa considerar
somente as dimensões técnicas de “leitura” e de “escrita”, mas também
a apropriação das representações e das demandas que se constituem
em torno dessa leitura. Não obstante a isso, o fato mais evidente a res-
peito do letramento é que ele é um fenômeno social e que qualquer
visão de letramento é essencialmente política.

Alfabetização e Letramento na Educação Integral


A concepção de educação integral vinculada ao tempo de per-
manência do educando na escola, requer alguns cuidados prelimina-
res a fim de não reproduzir, duplamente, as práticas pedagógicas de-
senvolvidas no tempo parcial. (COELHO, 2004)
A educação integral se sustenta no encontro dialógico de tempo
e qualidade e qualidade com tempo. Isso significa dizer, que quando
se trata de educação integral a relação que se estabelece com a escola
e a comunidade educativa é construída no convívio com o grupo extra
e intraescolar. Visto que, “a educação se dá em tempo integral, na
escola, na família, [...] no cotidiano de todas as nossas experiências e
vivencias”. (GADOTTI, 2009, p. 22)
O objetivo, principal da educação integral é desenvolver os in-
divíduos como um todo independente da ampliação do tempo e do
espaço. Por isso trabalhar com alfabetização e letramento na educação
integral é complexo, pois envolve um conjunto de estratégias que vão
desde a ampliação do espaço e do tempo até a qualidade do ensino.
Sendo assim a alfabetização deve ser trabalhada na perspectiva do le-
tramento. Aprender a ler e escrever

[...] não implica obviamente apenas a aprendizagem


da escrita de letras, palavras e orações. Nem
tampouco envolve apenas uma relação da criança
com a escrita. A alfabetização implica, desde a sua

160
gênese, a constituição do sentido. Desse modo,
implica, mais profundamente, uma forma de
interação com o outro pelo trabalho de escritura,
para quem eu escrevo o que escrevo e por que
escrevo. (SMOLKA, 1993, p 69)

Assumir o letramento no contexto da educação integral implica


adotar uma concepção social da escrita, em contraste com uma con-
cepção de cunho tradicional que considera a aprendizagem de leitura
e da escrita trabalhada artificialmente, sem significado. A função so-
cial da escrita deve estar clara para todos os envolvidos no processo:
qual é a sua importância e onde é utilizada na nossa sociedade. Assim,
o processo de alfabetização e letramento pode ser entendido como
um processo interdiscursivo de apropriação das múltiplas linguagens
disponíveis na cultura, e a sala de aula também deve ser vista como um
espaço permeado por sujeitos com histórias diferentes que aprendem
de formas diversas e em momentos diversos. (PAIM, 2001)
Nessa perspectiva o professor alfabetizador na educação integral
deixa de ser o transmissor de conhecimento e passa para a condição
de “mediador”, cabe a ele criar condições para o aluno apropriar-se
do conhecimento. Há que se ter em vista que toda prática necessi-
ta ser teoricamente elaborada, sendo que, toda teoria é construída a
partir e em função da prática, a qual valida no confronto a anterior.
Existe, contudo, aquela prática repetitiva do professor que trabalha
a fragmentação dos conteúdos, quando então o conhecimento é li-
mitado e encontra-se dificuldade em projetar novos conhecimentos.
(GIROUX, 1997)
Nessa direção, a prática reflexiva é o desafio para os professores.
É aquela que parte e chega a partir da prática social. O conhecimento
é produzido de forma criativa e consciente, o professor preocupa-se
em produzir mudanças qualitativas, portanto, ela está em profunda
relação com a realidade. Ocorrendo assim, esta prática tem tudo a ver
com a práxis que, por sua vez, é uma atividade concreta que o homem
realiza e firma na sociedade, pela qual modifica a história, podendo
alterá-la. (VÁSQUEZ, 1977)
Segundo Stuepp (2011, p. 01) estudos têm mostrado que a in-
terseção de história de vida do professor com a história da sociedade,

161
muito tem contribuído para as mudanças necessárias no processo de
ensino aprendizagem, principalmente no que diz respeito à alfabeti-
zação, concebendo os sujeitos enquanto seres sociais, que vão sendo
constituídos por diferentes fontes de saberes em espaços e tempos di-
versos, no decorrer de uma carreira profissional, pois na medida em
que o sujeito é desafiado a construir concepções, constrói também
valores – posicionamento – dizeres – compreensão do movimento his-
tórico.
Com a ampliação da jornada existe a possibilidade de intensi-
ficar o trabalho de alfabetização e letramento dos alunos no espaço
da escola. Ou seja, por meio da jornada ampliada, incluindo o tempo
integral, situações de aprendizagem são produzidas onde o conjunto
de práticas sociais que usam a leitura e a escrita é trabalhado com mais
intensidade e por um período maior, por isso a ideia de que letrar
vai muito além e envolve muitas complexidades não só das questões
da aquisição da linguagem, como também formação pessoal, social e
cultural de cada um, uma vez que as práticas de letramento são social e
culturalmente determinadas os significados que a escrita assume dian-
te de um grupo social dependem dos contextos e instituições em que
ela foi adquirida.

Algumas (in)conclusões
Esse texto buscou registrar alguns estudos realizados sobre o
tema, porém, a pretensão não foi de esgotar a temática, mas realizar
uma síntese de aspectos teóricos importantes a todos aqueles que se
interessam pelo tema e, especialmente aos professores alfabetizadores
da educação integral. Muitos questionamentos foram surgindo duran-
te a escrita e ficaram sem respostas. Entre eles: é possível trabalhar a
alfabetização na perspectiva do letramento se muitas vezes os próprios
professores desconhecem o assunto? Os cursos de formação docente
ainda discutem de forma muito incipiente este tema? As escolas e os
professores têm as condições concretas para trabalhar com práticas
pedagógicas significativas?
Pesquisadoras como Kleiman (1995, 2001, 2005), Soares (1998,
2000, 2003, 2004) e Tfouni (1988,1995) reconhecem alfabetização e

162
letramento como dois processos distintos, considerando a alfabetiza-
ção como um processo individual de aquisição da leitura e escrita e
o letramento como um processo mais amplo, relacionado aos usos
da leitura e da escrita por um indivíduo ou um grupo de indivíduos.
Alfabetizar é muito mais do que simplesmente decodificar símbolos
e códigos, é acima de tudo oportunizar ao indivíduo uma formação
capaz de fazer com que este entenda o processo de alfabetização na
perspectiva do letramento, que trabalha essas aprendizagens de forma
que se faça o uso social da escrita e da leitura. O conhecimento não é
um produto pronto e acabado ele é um processo em construção visto
que o sujeito se desenvolve durante toda a sua existência.
A educação integral amplia horizontes não somente espaços, ela
é a oportunidade de formação integral de cada um, tendo seus direi-
tos respeitados e suas características como base do fazer pedagógico,
por isso que a alfabetização precisa oportunizá-lo de maneira que este
compreenda o uso da escrita e da leitura no seu contexto social. A
qualidade do ensino não está necessariamente ligada à ampliação de
espaços e tempos, mas está atrelada à qualidade deste tempo. O aluno
deve ser visto como sujeito do processo de alfabetização e letramento.
A breve discussão realizada nesse texto demonstra alguns conceitos
de alfabetização e letramento presentes na sociedade, é fundamen-
tal considerar, que esse processo de alfabetização e letramento dos
sujeitos históricos nunca está concluído, pronto e acabado, mas em
construção permanente.

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165
CAPÍTULO 10

A educação integral, as tecnologias


e os nativos digitais

André Gustavo Schaeffer

Ao nos aproximarmos das experiências feitas com tecnologias


educacionais no âmbito da educação integral, percebemos que sua
aplicação nesse contexto não difere das formas de aplicação das tecno-
logias educacionais na educação regular. Neste artigo, abordarei uma
forma promissora de utilização tecnológica no contexto da educação
integral que vai um pouco além da utilização pedagógica de aplicati-
vos de computador, uma vez que depende e ao mesmo tempo estimu-
la a capacidade criativa dos indivíduos envolvidos: a programação de
computadores. O artigo inicia com um breve histórico da evolução da
informática educativa no Brasil, passando para a apresentação de con-
ceitos das linguagens de programação de computadores, finalizando
com sugestões de uso de ferramentas para este fim dentro de ativida-
des de educação integral voltadas aos chamados nativos digitais.

A informática educativa
Durante a década de 60 iniciaram-se as tentativas de aproxima-
ção da escola com a realidade tecnológica social então vigente, em
que se experimentava grande crescimento econômico em parte con-
sequência do forte processo de industrialização em andamento (Oli-
veira, 2007). Os anos seguintes seriam marcados pela aproximação
dos computadores com a escola, o que iniciou nos Estados Unidos
com a inserção de modelos Apple ainda muito caros, e continuou ao
redor do mundo em consequência do consenso criado em torno da
utilidade e capacidade de tais limitadas, porém relativamente podero-
sas máquinas de calcular. Não demorou muito para que educadores
construíssem uma ideia equivocada a respeito deste processo de apro-
ximação entre computadores e escola. Mazzi (1981) escreve que tais

167
educadores anestesiaram suas próprias consciências ao pensar que o
uso de novos equipamentos e mudança de alguns métodos resolveria
grande parte dos problemas então enfrentados.
No Brasil, os primeiros esforços para uso de tecnologias em
educação foram feitos no início da década de 80. Tecnologias como
a TV, o videocassete e o retroprojetor começam a dar espaço ao com-
putador, ainda que paulatinamente. É criada, então, a Política de
Informática Educativa para, dentre outras coisas, balizar o uso de
computadores nas escolas. Em 1981 acontece o primeiro Seminário
de Informática na Educação, em Brasília, culminando com uma im-
portante recomendação: que as atividades de informática na educação
sejam balizadas por valores culturais, sociopolíticos e pedagógicos da
realidade brasileira (Oliveira, 2007). Em 1983 acontece a criação
dos centros-piloto de disseminação do uso de tecnologias nas escolas,
localizados em cinco universidades brasileiras (UFPE, UFRGS, UFMG,
UFRJ e Unicamp). A partir daí, gradualmente foi-se difundindo o uso
das tecnologias, em especial dos computadores, com o entendimento
de que não se poderia possuir uma visão fragmentada da educação e
que ela não fosse entendida de forma superficial. Com tais desafios
postos, e somando-se a isso as incessantes mudanças e evoluções pelas
quais a informática passou, pode-se ter uma ideia de como foi difícil
disseminar o uso dos computadores para fins educativos desde então,
e de como ainda é difícil fazê-lo nos dias atuais.
Na sombra da evolução do uso das tecnologias em nossa socie-
dade, evoluiu na mesma velocidade e proporção o conceito de inclu-
são digital. Segundo estudo realizado (Neri, 2012), entre 2002 e 2012
houve um aumento percentual no número de domicílios com internet
no Brasil de 8% para 33%. Ainda que possa parecer significativo, den-
tro dos 33% com acesso à internet qual seria o percentual de domicí-
lios que faz uso da internet com acesso realmente rápido e de quali-
dade? E quanto custa esse privilégio? O mesmo estudo ainda aponta
dois números importantes: na média nacional, 33% consideram-se
excluídos digitalmente por pura falta de interesse, enquanto que 31%
atribuem sua condição de excluídos à incapacidade de usar a internet.
O primeiro número é passível de pesquisa específica e carrega aspec-
tos sociais possivelmente complexos. O segundo número é fácil de

168
compreendermos, pois significa que quase um terço dos entrevistados
não sabe como fazer uso das ferramentas da principal rede mundial
de computadores. Isto é particularmente importante uma vez que a
inclusão digital, mesmo que entendida superficial e equivocadamente
como somente acesso a computadores e à internet, constitui-se como
algo crucial para alavancar o uso vertical ou horizontal das tecnologias
de informação e comunicação. Se observarmos agora o conceito da
inclusão digital como

[...] um processo horizontal que deve ocorrer a


partir do interior dos grupos com vistas ao desen-
volvimento de cultura de rede, numa perspectiva
que considere processos de interação, de constru-
ção de identidade, de ampliação da cultura e de
valorização da diversidade, para, desde uma pos-
tura de criação de conteúdos próprios e de exer-
cício da cidadania, possibilitar a quebra do ciclo
de produção, consumo e dependência tecnocul-
tural. (Teixeira, 2010, p. 39)

Perceberemos que a exclusão digital em nosso país é maior


ainda, e merece atenção urgente dos governantes e de toda a socie-
dade. Apesar de em certas universidades formarmos programadores
de excelente qualidade e possuirmos serviços de ponta embasados
em informática e comunicações, como o sistema bancário brasileiro,
serviços de órgãos públicos e de empresas privadas acessíveis via inter-
net, bem como nosso processo eleitoral totalmente informatizado, es-
tamos muito defasados quando o assunto é acesso à informação e in-
clusão digital principalmente para populações de menor renda. Com
este entendimento, e aproximando-se do que está sendo proposto
com este artigo, cabem agora alguns apontamentos sobre o que vem a
ser a programação de computadores e sobre algumas ferramentas de
programação com enfoque pedagógico e suas possibilidades de uso.

As linguagens de programação de computadores


No tocante às linguagens de programação de computadores,
suas curvas evolutivas não destoam muito daquelas referentes à infor-

169
mática de modo geral. Na medida em que observávamos novas for-
mas de comunicação e interação com aparatos digitais, elas evoluíam
a fim de permitir a criação de novos programas de computador que
pudessem fazer uso de tais mudanças. Linguagens de programação
para uso estritamente científico e matemático foram dando lugar a ou-
tras já apresentando características estruturais para desenvolvimento
de programas, que agregavam as qualidades das linguagens anteriores
e permitiam não só acesso a arquivos como também às tecnologias
de bancos de dados, evoluindo para linguagens de programação vi-
suais orientadas a eventos, posteriormente agregando os conceitos de
orientação a objetos tendo sido algumas delas voltadas à criação de
aplicações para a internet. Recentemente, com os telefones celulares
e dispositivos de entretenimento agregando funções antes restritas a
computadores pessoais, a interatividade chegou a novo patamar. Ago-
ra é possível transmitir comandos ao equipamento pela voz ou por
meio de gestos. Alguns ainda mais modernos possuem acelerômetros
embutidos, o que faz com que possam assumir como comandos quais-
quer variações de movimentos feitas com o aparelho por intervenção
do usuário.
As linguagens de programação, por serem linguagens que se
aproximam das linguagens naturais, são embasadas em gramáticas e
possuem estruturas que precisam ser rigorosamente respeitadas, le-
vando o estudante a refletir sobre a própria língua portuguesa e suas
regras, forçando a busca pela identificação de cada palavra dentro do
contexto da frase, levantando questionamentos quanto às suas análises
léxicas, sintáticas e semânticas. Isso facilita o aprendizado de línguas
estrangeiras, como a língua inglesa, onde as regras sintáticas diferem.
Por exemplo, em frases como “The white house.”, em inglês, temos
o adjetivo aparecendo antes do substantivo. Na língua portuguesa o
adjetivo deve vir depois do substantivo. Com a percepção de regras sin-
táticas, a aquisição do conhecimento da língua estrangeira tende a ser
facilitado, pois a criança busca um enquadramento em um contexto
ao invés de uma simples tradução.
Saindo da área linguística, o uso de funções, tão difundido em
qualquer linguagem de programação, pode favorecer a compreensão
de fórmulas matemáticas e suas origens. A velocidade com que os al-

170
goritmos são executados quando implementados possibilita simular
modelos que demonstram o comportamento de situações do dia a dia,
permitindo iniciar conceitos matemáticos como a criação de equações
de regressão linear. A visualização tridimensional proporcionada por
algumas linguagens de programação com cunho pedagógico permi-
te, ainda, perceber quase que fisicamente erros produzidos por cál-
culos incorretos, algo que é difícil de fazer somente com os números,
ainda mais quando o aluno está diante da necessária abstração para
conhecimento de difíceis conceitos físicos. Um exemplo de fácil
compreensão seria a aplicação de fórmulas físicas para cálculos de
velocidades. Há a percepção visual em detrimento das formas de
ensino tradicionais em que o fator visual não está presente na maioria
dos casos. (Schaeffer, 2013)
Finalmente, sabemos que os computadores não são usados so-
mente com objetivos comerciais, já que também amparam pesquisas
diversas diretamente ligadas a todas as ciências. Para citar um exem-
plo, o prêmio Nobel de química em 2013 foi concedido a três cientis-
tas que há décadas dedicaram-se à criação de modelos computacionais
com o objetivo de entender e prever processos químicos. A entidade
concessora do prêmio entende que os modelos computacionais que
espelham a vida real se tornaram cruciais para a maioria dos avanços
feitos na química atualmente. O documento que justifica o prêmio,
conforme Rsas (2013), ainda aponta que os químicos envolvidos com
pesquisas científicas, hoje em dia, passam tanto tempo entre tubos de
ensaio quanto em frente a computadores.

Duas ferramentas de programação propostas: Alice


e Ardublock
O Manual Operacional de Educação Integral de 2012, escrito
pela Secretaria de Educação Básica/Diretoria de Currículos e Educa-
ção Integral do Ministério da Educação, inclui Tecnologias Educacio-
nais transversalmente em todos os chamados Macrocampos. Dentro
do Macrocampo Investigação no Campo das Ciências da Natureza, encon-
tra-se a atividade de Robótica Educacional. Se quisermos classificar as
atividades aqui sendo propostas, podemos enquadrar o ensino da pro-

171
gramação de computadores na atividade de robótica educacional já
que elas estão intrinsecamente ligadas. A inteligência de um robô (se
é que já podemos chamar de inteligência) tenha formato humanoide
ou não, só existe devido a um programa de computador e sensores
que o fazem perceber o mundo físico.
Alice e Ardublock são duas ferramentas gratuitas que podemos
utilizar em atividades de educação integral, criadas a fim de aproximar
as crianças e adolescentes da programação de computadores software
e da programação de robôs hardware. O Alice é passível de integração
com dispositivos robóticos comunicáveis por bluetooth (DAVIS et al.,
2009), o que abre um leque importante de possibilidades a serem estu-
dadas. Porém, trata-se de uma tarefa ainda árdua, visto que o foco do
Alice é a criação de mundos tridimensionais virtuais no computador, e
não a integração, ainda, com dispositivos de hardware. O ArduBlock, ao
contrário, trata-se de um software criado para facilitar a programação
da plataforma de prototipagem eletrônica livre Arduino. Em outras pa-
lavras, não se sobrepõe a nenhuma funcionalidade do Alice, mas seu
foco na programação de hardware o torna extremamente mais acessí-
vel e pedagógico para este fim em comparação ao Alice.
De forma resumida, tem-se:

Alice: ambiente para o aprendizado de conceitos de programa-


ção pela criação de objetos interativos em mundos virtuais, cujo pro-
duto é um software ou uma animação programada interativa ou não.

Ardublock: ambiente para criação de programação de hardwa-


re cujo produto é o algoritmo de funcionamento de uma plataforma
eletrônica configurável física, interativa ou não, o que depende dos
dispositivos físicos conectados e programados.

O Alice surgiu a partir da ideia de implementar animações grá-


ficas tridimensionais pela programação de scripts, originalmente escri-
tos sobre uma variação da linguagem de programação Python gerados
a partir de uma interface gráfica (Conway, 1997). Inicialmente, fun-
cionava somente sobre o sistema operacional SGI Irix em arquiteturas
RISC, ampliando suas plataformas de execução para Windows e chegan-

172
do finalmente a ter sua interface de programação desenvolvida em lin-
guagem Java, sendo atualmente passível de ser executado em sistemas
operacionais Linux, MacOS e Windows. É totalmente compatível com as
chamadas IDEs de desenvolvimento em linguagem Java, como o NetBe-
ans, bastando executar a instalação de um plugin para a sua utilização.
O Alice teve seu desenvolvimento aprimorado ao longo dos anos,
com várias pesquisas realizadas no tocante à avaliação e criação de
metodologias para ensino de programação para crianças e adolescen-
tes. A pesquisa realizada por Moskal et al. (2004) avaliou, ao longo
de 5 anos, percentuais de retenção de jovens em cursos superiores de
ciência da computação nos Estados Unidos, tendo sido reportado que
aqueles jovens que tiveram contato com a linguagem de programa-
ção Alice ainda que por curto período de tempo antes de sua entrada
na universidade, apresentaram alta probabilidade de permanecer es-
tudando computação. Assim como em outros lugares do mundo, os
percentuais de desistência de alunos em cursos de computação nos
Estados Unidos eram altos.
A ferramenta Alice permite introduzir ao aluno os conceitos uti-
lizados em quaisquer linguagens de programação, como laços de re-
petição e estruturas if-then-else, e, por ser uma linguagem cujo cerne
é herdado da linguagem Java, agrega conceitos encontrados em lin-
guagens de programação orientadas a objetos, como propriedades,
métodos, funções, instanciamento e paralelismo. O diferencial pro-
posto por ela é o fato de o ambiente de programação se passar em um
mundo tridimensional que pode ser criado pelo aluno, onde a progra-
mação é o motor que faz este mundo e seus personagens funcionarem
e interagirem.
Ainda, pesquisas que comparam a introdução de conceitos de
orientação a objetos como primeira aproximação de alunos com a
programação de computadores (COOPER et al., 2003), bem como a
introdução da percepção visual em detrimento de outras abordagens
e paradigmas (DANN et al., 2001) vêm sendo feitas ao longo das úl-
timas décadas com resultados interessantes para além dos descritos
anteriormente.
A execução de um trabalho na educação integral versando sobre
este tópico aqui sendo proposto, levando em consideração que a pre-

173
sença da programação de computadores em salas de aula no ensino
regular é bastante nova, representa um terreno fértil para a execução
de pesquisas ancoradas em conceitos como o da aprendizagem signi-
ficativa, conforme preconizado por Ausubel (1982), que considera o
aprendizado significativo quando ele permite ampliar e reconfigurar
ideias e conhecimentos previamente existentes no indivíduo, permi-
tindo a ele aprender novos conteúdos de forma consolidada e novas
conexões mentais. Os desdobramentos do ensino da programação
de computadores no desempenho de estudantes em disciplinas de ci-
ências exatas também não foram estudados ainda, apesar de muitos
professores apostarem que o ganho em termos de aprendizado seja
significativo.

Problemas reais e conceitos de programação na


abordagem orientada a objetos
No Alice, podemos criar cenas utilizando os objetos disponíveis
e, como citado anteriormente, a interação entre tais objetos é feita via
programação. Se tivermos um helicóptero em cena, veremos que se
trata de um objeto que possui propriedades e pode fazer uso de fun-
ções e métodos, próprios ou herdados de classes superiores. Porém,
é estático assim que instanciado. Qualquer movimentação exige a co-
dificação de instruções sequenciais. Para sua hélice girar, seria neces-
sária a implementação de uma estrutura de repetição que manteria a
hélice girando. A velocidade de giro da hélice deveria ser parametrizá-
vel, uma vez que quanto maior a velocidade, menor é o seu tempo de
giro. Sua altura, velocidade e coordenadas espaciais são exemplos de
dados que necessitam de variáveis para serem guardados e utilizados.
Pode-se “ensiná-lo” a subir pela criação de um novo método que re-
cebe como parâmetros variáveis que identificam seu estado atual para
definição da nova posição a ser assumida verticalmente, fazendo uso
de testes condicionais quando for o caso. Por exemplo, não se pode
descer abaixo da superfície quando a altura do objeto helicóptero for
igual a zero.
Este exemplo apresenta a introdução de alguns conceitos de
programação, mas, a grande diferença, é o entendimento do que se

174
quer quando da colocação de determinado problema. Por exemplo,
qualquer aluno sabe que a hélice do helicóptero precisa ficar girando
enquanto ele está ligado. Isso facilita muito o entendimento do con-
ceito de loop. Como o helicóptero realiza diferentes ações concomi-
tantes, como receber informação do teclado ou joystick, andando para
frente, subindo, girando a hélice e executando sons, fica fácil ensinar
o conceito de paralelismo que nos sistemas operacionais é implemen-
tado pelas chamadas threads.
Em outro exemplo, poder-se-ia ter uma situação-problema em
que o aluno precisaria desenvolver uma função que recebesse parâ-
metros variáveis para cálculo de uma temperatura adequada de fun-
cionamento de algo, de forma que a cena pudesse ser contextualizada
para mostrar que a referida temperatura diz respeito a, por exemplo,
um reator primário para processamento de biodiesel. Valores fora de
intervalos aceitáveis poderiam desencadear outras ações que também
precisariam ser programadas. A possibilidade de geração de números
aleatórios e funções trigonométricas também presentes no Alice pode
dar um caráter de imprevisibilidade à situação-problema criada.
No Ardublock, apenas para citar um exemplo, um problema real
ou situação-problema poderia ser a implementação de um semáforo
com a configuração da plataforma de hardware para funcionar como
tal usando LEDs. Como os semáforos reais funcionam de acordo com o
cruzamento ao qual atendem, suas configurações variam, e teriam que
ser implementadas pelo algoritmo, de acordo com a situação-proble-
ma em questão. A interação com o hardware poderia ser feita levando
em conta a situação real da presença de um indivíduo que pressiona
um botão que faz com que o semáforo, alguns segundos depois, feche
o cruzamento para os carros permitindo a passagem de pedestres. A
plataforma Arduino permite interação idêntica pela presença de bo-
tões também criados para este fim, além de outros componentes como
potenciômetros, sensores e motores.
Se confrontarmos as possibilidades de aprendizado proporcio-
nadas por essas novas ferramentas de programação com aquelas que
são atualmente usadas, poderemos constatar como maiores as chances
de um aluno ampliar sua capacidade criativa para a solução de dife-
rentes e novos problemas, suavizando o caráter reducionista que por

175
vezes impomos, como professores, transversalmente em nossos pró-
prios conteúdos programáticos.
As situações previamente apresentadas também nos aproxi-
mam dos processos de elaboração para memorização e fixação de
conteúdos, estudados no campo da psicologia cognitiva. Lévy (1993)
aborda tais processos de elaboração no contexto de uso da oralida-
de, da escrita e da informática como tecnologias. Se analisarmos os
exemplos propostos anteriormente de situações criadas para repre-
sentação de problemas reais no ensino da programação, veremos
que podem ser perfeitamente enquadrados como esquemas ou ro-
teiros estereotipados que, conforme explica Lévy, descrevem situa-
ções correntes de nossa vida cotidiana, representando elaborações já
prontas e, portanto, imediatamente disponíveis. Lévy complementa
explicando que “é sabido que retemos melhor as informações quan-
do elas estão ligadas a situações ou domínios de conhecimento que
nos sejam familiares”.
Formar sujeitos capazes de entender o processo de criação de
algoritmos e de como os aplicativos de computador funcionam, apro-
xima-os de outra dimensão como usuários de tecnologias em rede.
Lemos (2002) classifica o sujeito passivo e sensível apenas à dinâmica
de distribuição comunicativa das mídias de massa como um “cyborg
interpretativo”, ao mesmo tempo em que o eleva à condição de netcy-
borg quando pode ser percebido como um sujeito ativo, colaborativo,
criativo e conectado multidirecionalmente dentro da lógica das redes.
Essa mudança de classificação ocorre “por meio de experiências de
autoria, nas quais, pelas modificações impressas pelo sujeito na rede
de significações na qual ele se encontra, ele próprio seja reconfigura-
do e possa se sentir capaz de, com o aprimoramento das habilidades
envolvidas e da reflexão crítica sobre suas manifestações criativas, ex-
perimentar autorias mais complexas e significativas para ele e para a
trama hipertextual, passando a uma dimensão de sujeito-autor”. (Tei-
xeira, 2010, p. 30)
O processo de criação de software, ainda que tenha tido uma curva
de desenvolvimento diferente da que se pôde constatar em termos de
tecnologias de rede, e aí podemos citar a própria internet, tem como
atores os mesmos sujeitos passíveis de reconfigurações citados por Tei-

176
xeira no parágrafo anterior. Em outras palavras, se esse sujeito souber
que pode, por ter condições de fazê-lo, mudar sua posição de apenas
consumidor ou espectador passivo para a posição de sujeito-autor no
âmbito da programação de computadores, talvez possamos experimen-
tar uma multiplicação de códigos para resolução de problemas pes-
soais ou coletivos, mudando nossa condição de apenas consumidores
de programas e códigos para autores dos mesmos. Hoje, estamos sig-
nificativamente dependentes e limitados a o que pudermos encontrar
em repositórios de aplicativos administrados por empresas privadas,
estrangeiras, que apresentam soluções de software para supostas neces-
sidades pessoais que destoam sobremaneira, muitas vezes, do que apre-
sentamos como real necessidade.
Isto pode parecer exagerado se entendermos como necessidade
pessoal somente as habilidades já popularizadas de aparatos digitais,
como o armazenamento de arquivos ou facilidades comunicativas, mas
ao conhecermos com discreta profundidade a capacidade de cálculo
e velocidade de resolução de algoritmos dos computadores, veremos
que ainda extraímos pouco deles. Neste sentido, pensar ou entender
os computadores, da forma como os utilizamos, como verdadeiros as-
sistentes pessoais digitais, ou é um tanto quanto equivocado ou esta-
mos nos satisfazendo com pouco.
Os próximos grandes passos da ciência dificilmente serão da-
dos sem o apoio da computação. As tecnologias atuais nos dão oportu-
nidade e espaço para registrar e tornar cada vez mais públicos nossos
dados pessoais. O Brasil é reconhecido mundialmente por sua partici-
pação, em massa, nas redes sociais e em sites de publicação de conteú-
dos, mas quando se trata de gerir ou criar tecnologias não assume po-
sição de destaque. Até mesmo o fomento a novas pesquisas é restrito.
Muitos aplicativos para computadores pessoais e dispositivos móveis
hoje existentes são criados por estrangeiros, inclusive brasileiros, em
países cujos pesquisadores não possuem conhecimento para criá-los,
mas fornecem excelente infraestrutura e incentivos para atrair essas
pessoas talentosas, algo em que, novamente, não possuímos posição
de destaque.

177
Conclusões
Esforços para disseminar a programação de computadores têm
sido feitos ao redor do mundo, principalmente na última década. As
justificativas para isso são muitas. Podemos citar, dentre elas, a necessi-
dade de manter complexos sistemas de gestão empresarial em funcio-
namento, os quais evoluem cada vez mais agregando funcionalidades
como o controle dos processos de produção das empresas e adminis-
tração de insumos, até análises que usam algoritmos de mineração de
dados para auxiliar nos planejamentos estratégicos dessas empresas.
Também podemos citar como justificativa do aumento da importância
da programação o crescimento dos chamados sistemas embarcados,
que acompanham dispositivos eletrônicos na medida em que pesquisas
na área da nanotecnologia também avançam e criam produtos com
novas necessidades em nível de software. Mas há um conceito em de-
senvolvimento atualmente que promete impulsionar sobremaneira a
importância de profissionais de tecnologia da informação: a internet
das coisas. De forma geral, tal conceito trabalha com o estudo das pos-
sibilidades e desdobramentos da conexão em rede, seja ela a internet
ou não, de todos os dispositivos eletrônicos existentes, incluindo tele-
visões, geladeiras, fornos de micro-ondas, câmeras de segurança, ou
quaisquer outros eletrodomésticos que possamos ter em casa. Hoje,
já estamos experimentando uma miríade de possibilidades ao vermos
nossos computadores pessoais, carros e telefones celulares conectados
entre si. Quando este leque de dispositivos conectados aumentar, essas
possibilidades também aumentarão em proporções geométricas.
Programas de educação em tempo integral, no âmbito das tecno-
logias educacionais, podem seguir o mesmo caminho, apresentando-
-se como excelentes oportunidades de contato e ensino de conceitos
iniciais de programação e podendo preparar e motivar estudantes a
seguirem uma carreira na área de tecnologia da informação. De qual-
quer maneira, ainda que não sejamos profissionais desta área, nosso
intenso contato e interação com aparatos digitais seriam facilitados se
conhecêssemos, ainda que com discreta profundidade, como eles são
programados.

178
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180
CAPÍTULO 11

Gêneros textuais e letramento:


um passo na direção da educação
integral

Zoraia Aguiar Bittencourt

Introdução
Até bem pouco tempo nem todas as crianças tinham acesso à es-
cola. Com a universalização do ensino e, atualmente, com diversas po-
líticas públicas que pretendem dar acesso a crianças de classes sociais
historicamente excluídas, tais como a implantação dos ciclos de apren-
dizagem, do Ensino Fundamental de nove anos, da progressão auto-
mática, da inclusão de crianças com necessidades especiais em escolas
regulares, da escola de Educação Integral, as salas de aula adquirem
novo perfil. Especialmente as escolas públicas agregam hoje, na mes-
ma sala de aula, crianças de diferentes níveis econômicos e culturais,
com linguagens, saberes e vivências que precisam ser respeitados e le-
vados em consideração para que ocorram aprendizagens significativas.
Muitas vezes, somos levados a confundir o que, de fato, acontece
na escola, culpando exclusivamente as crianças, determinando que não
aprendem porque possuem ritmos diferentes de aprendizagem, que não
aprendem por serem desinteressadas, porque são dispersas, teimosas, in-
disciplinadas. O importante é que se faça o exercício de enxergar além
de supostas caracterizações destas crianças, pensando em propostas que
realmente tornem as mesmas participantes do processo de aprendiza-
gem. Desmistificar esse discurso psicobiológico e considerar as questões
histórico-sociais envolvidas neste contexto é primordial para que sejam
feitas escolhas político-pedagógicas que contribuam para a inclusão (ou
a exclusão) dos novos alunos que chegam ao espaço escolar.
Dentre outros saberes, é direito da criança e função da escola
possibilitar a vivência de práticas de leitura e de escrita que a levem
a participar ativa e criticamente de uma comunidade de leitores e de

181
escritores, tornando-se não uma usuária, mas uma praticante da língua.
A tarefa dos professores, não só os de Língua Portuguesa, é qualificar
ainda mais suas práticas, contribuindo efetivamente para que seus alu-
nos tornem-se leitores e produtores de textos.
Esse é o desafio político atual da escola e de todos os professo-
res no que se refere à formação de leitores e de produtores de texto:
dar voz e vez a todos os sujeitos que agora têm acesso a esse espaço,
que precisam ser ouvidos, ser considerados, para que possam perma-
necer na escola e aprender. Ao entrar em contato com diversos mate-
riais de leitura, que até então possivelmente não faziam parte de suas
práticas domésticas de leituras, ou ao dialogarem com outras crianças,
oriundas de famílias leitoras, poderão também desfrutar qualitativa-
mente do tempo em que estão na escola, aprendendo muito mais.
Na perspectiva do ensino de língua, é preciso criar condições
para que todos leiam e compreendam a diversidade de textos que cir-
culam socialmente, de modo a se autorizarem a dizer, criticar, pensar
sobre fatos e opiniões que constituem estes textos. Se a escola assume
para si (ou atribuem a ela) o papel de formar competentes leitores e
produtores de textos, todos os gêneros textuais1 que existem fora da
escola devem compor o cerne, o centro do trabalho de professores e
alunos em todos os componentes curriculares do Ensino Fundamen-
tal, numa perspectiva que priorize e invista em práticas significativas
de ler e de escrever que se aproximem o mais possível das experiências
que existem fora da escola.
Neste sentido, este artigo apresenta a proposta de trabalho com
Gêneros Textuais e Letramento como uma possibilidade de articulação
entre diferentes áreas do conhecimento na direção da formação integral
dos nossos alunos. Propor práticas que envolvam o trabalho com múlti-
plos letramentos, a partir da leitura e escrita de diferentes gêneros textu-
ais, torna-se uma estratégia importante para motivação e envolvimento
das crianças com a língua materna.

1
Gênero textual, portanto, pode ser designado como uma variedade específica e estável
de texto materializado que circula socialmente em nossa vida diária e que apresenta
características sociocomunicativas definidas através de sua finalidade e de suas peculiarida-
des – restrições situacionais, discursivas, e formais – que são socialmente compartilhadas e
compreensíveis entre os sujeitos participantes de uma troca comunicativa. (CHARAUDE-
AU, 2004)

182
Para tal, primeiramente, neste texto, serão apresentados os pres-
supostos presentes no principal programa de ampliação dos tempos e
dos espaços escolares que permitem pensar a leitura e a escrita como
saberes importantes para formação integral dos sujeitos. Em seguida, a
leitura e a escrita serão tomadas a partir do trabalho com o texto como
unidade de ensino e voltadas para uma dimensão interdisciplinar. Por
fim, será trazido o debate sobre o trabalho com tipos e gêneros textuais
dentro de uma perspectiva de Letramento, apresentando a produtivi-
dade deste trabalho para uma aprendizagem mais significativa.

Acompanhamento Pedagógico como campo de


leitura e de escrita
Muito se vem falando da importância da Educação Integral para
a formação do sujeito, para a ampliação das áreas dos saberes no âm-
bito escolar e para a concretização de um ensino e de uma aprendiza-
gem mais abrangentes e satisfatórios. A ampliação da jornada escolar e
das aulas extraclasse não é uma novidade, no entanto, sua necessidade
tem sido colocada em evidência com frequência nos dias atuais.
Infelizmente, a escola pública de antigamente persiste até hoje,
sendo uma escola que seleciona, exclui, fiscaliza com a finalidade de
repassar conteúdos aos alunos, cumprindo meramente a grade curri-
cular. Ao se deparar com este tipo de escola, o Programa Mais Educação
(PME)2 possui a função de tentar contribuir para a mudança do ensino
tradicional, que prejudica a aprendizagem dos alunos e sua formação
como cidadãos. (SANTOS, 2013)
O Manual de Educação Integral (BRASIL, 2013) sugere que as
ações do PME sejam trabalhadas na perspectiva de formação integral,
a qual deve reconhecer os educandos como produtores de conheci-
mento, priorizando os processos capazes de gerar sujeitos inventivos,
autônomos, participativos, cooperativos e preparados para diversifica-

2
O Programa Mais Educação é um projeto de Educação Integral no qual os estudantes que
frequentam escolas com baixo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB)
têm oferta de oficinas de acompanhamento escolar, bem como de atividades culturais, no
contraturno escolar, nas quais se pretende investir no desenvolvimento integral do sujeito
a partir da constatação do impacto que a escola pode ter na vida e no aprendizado do
estudante. Mais informações, ver Portal do Ministério da Educação.

183
das inserções sociais, políticas, culturais, laborais e, ao mesmo tempo,
capazes de intervir e problematizar as formas de produção na socieda-
de atual.
Este mesmo documento apresenta que o currículo da Educação
Integral deve considerar práticas educativas que promovam aos estu-
dantes a compreensão do mundo em que vivem, de si mesmo, do ou-
tro, do meio ambiente, da vida em sociedade, das artes, das diversas
culturas, das tecnologias e de outras temáticas.
Neste sentido, a educação integral é concebida como uma opor-
tunidade para o desenvolvimento de competências e habilidades dos
educandos. Assim, essa proposta do PME tem como meta a forma-
ção do estudante de maneira integral numa perspectiva de reflexão,
criticidade e atuação consciente. Mas, para que isso seja possível, é
necessário que a escola oportunize aos educandos o conhecimento do
mundo, apresentando-o e ensinando-os a refletirem significativamen-
te acerca dele.
Entende-se, assim, que, para viabilizar uma educação integral, é
preciso que o todo esteja envolvido, como as diversas áreas do conhe-
cimento, o espaço e o tempo escolar, a família, a sociedade, oferecen-
do experiências, ensino e partilha de aprendizagens. Também há a
necessidade de que a escola reorganize e inove seu currículo escolar
num sentido emancipatório, democrático e formador de pessoas, com
respeito às diferenças e valorização do educando e do educador.
Ler e escrever, como principais fatores para o desenvolvimento in-
telectual, linguístico, comunicativo e cultural da sociedade, também es-
tão sendo considerados, além de conteúdos, uma metodologia de traba-
lho interdisciplinar entre as oficinas3 do Programa Mais Educação, pois o
aperfeiçoamento destas competências contribui significativamente para
a formação integral do sujeito letrado.4 Formação essa que toma como

3
As oficinas são ministradas por voluntários que recebem uma ajuda de custo para desenvol-
ver seu trabalho no contraturno escolar e são desenvolvidas no âmbito dos diversos macro-
campos de saberes do Programa: acompanhamento pedagógico; educação ambiental; es-
porte e lazer; Direitos Humanos e cidadania; cultura e artes; inclusão digital, comunicação
e uso das mídias; promoção da saúde, alimentação e prevenção; investigação no campo das
Ciências da Natureza e Educação Econômica. (BRASIL, 2009)
4
A pessoa que, além de saber ler e escrever faz uso frequente e competente da leitura e da
escrita. (SOARES, 2003)

184
foco de discussão as questões referentes ao Letramento5 em suas inter-
faces com o trabalho pedagógico desenvolvido por professores na Edu-
cação Integral para o combate/prevenção ao Analfabetismo Funcional.6
Sabemos que há resultados preocupantes sobre sujeitos analfa-
betos funcionais7 em nosso país, o que mostra que a leitura não está
sendo bem trabalhada em um único turno. Portanto, o Programa Mais
Educação foi pensado para melhorar o valor educacional, na oferta de
se trabalhar no contraturno escolar, entendendo que a qualidade da
educação em nosso país necessita ser aprimorada imediata e constan-
temente. Isso significa que a educação deve preocupar-se também em
formar pessoas letradas. Essa formação não se encerra ao final do ciclo
da alfabetização, mas é um contínuo se assim a caracterizarmos:

Alfabetização/Letramento – Método contínuo e


socialmente conduzido, que não se polariza em
um determinado período escolar. Deve ser visto
também como um processo de apropriação do
sistema de escrita pela vivência em diferentes si-
tuações que compreendem o espaço escolar e
as experiências vivenciadas pelos estudantes em
comunidade. Trata-se de um processo de alfa-
betização que dialoga com a realidade histórica
e social das crianças, adolescentes e jovens, esta-
belecendo conexões com a maneira em que eles
“leem o mundo”, para que depois possam ler e
compreender a palavra escrita. A alfabetização e o
letramento tomam a escrita na sua função social,
como meio da inserção do estudante, sujeito de
direitos. Compreensão e produção de textos de

5
Na perspectiva do Letramento, ler e escrever deve possuir uma função social, sendo o su-
jeito letrado aquele que não apenas lê e escreve, mas cultiva e exerce as práticas sociais que
usam a leitura e a escrita no seu cotidiano. (SOARES, 2003)
6
Analfabetismo funcional é a condição do sujeito que sabe ler e escrever, mas que não conse-
gue interpretar textos longos, realizar inferências, relacionar e sintetizar ideias de um texto,
diferenciar fato de opinião. (INAF, 2011)
7
É considerada analfabeta funcional a pessoa que, mesmo sabendo ler e escrever um enun-
ciado simples, como um bilhete, por exemplo, ainda não tem as habilidades de leitura,
escrita e cálculo necessárias para participar da vida social em suas diversas dimensões: no
âmbito comunitário, no universo do trabalho e da política, por exemplo. (INAF, 2011)

185
diferentes gêneros em situações comunicativas,
tanto na modalidade escrita quanto na modalida-
de oral. (BRASIL, 2013)

Diante do que nos diz o documento referência do PME, entende-


-se que a ideia é que sejam desenvolvidas atividades que visam à prática
de leitura e de letramento a partir do trabalho com a diversidade de
gêneros textuais (poemas, regras de jogos, histórias em quadrinhos,
músicas). A prática de leitura e sua diversidade de gêneros textuais são
fundamentais para o desenvolvimento integral do educando, nas esfe-
ras éticas, estéticas, cognitivas, físicas, afetivas, espirituais e emocionais.
Nesta perspectiva, entende-se que o significado de um texto não
se limita somente a ele, mas permite que experiências desse texto con-
duzam a outros textos e, nessa intersecção, incorporem novos modelos.
Compreende-se que o trabalho com a diversidade de gêneros textuais
remete à ideia de trabalhar a intertextualidade e, consequentemente,
envolver-se na interdisciplinaridade,8 base de uma perspectiva voltada
para educação integral.
As atividades propostas pelos macrocampos estão interligadas
com as quatro áreas de conhecimento presentes no currículo da base
nacional comum – Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza e
Ciências Humanas. Nesta direção, a ampliação do tempo escolar alia-
da à Educação Integral busca alargar o horizonte formativo do estu-
dante e estimular o desenvolvimento cognitivo, estético, ético e histó-
rico, num todo complexo e multidimensional. Sendo assim,

as atividades dos macrocampos devem ser traba-


lhadas, preferencialmente, de forma interdisci-
plinar e considerando o contexto social dos su-
jeitos. É importante, fomentar práticas educativas
que promovam aos estudantes a compreensão do
mundo em que vivem, de si mesmo, do outro, do
meio ambiente, da vida em sociedade, das artes,
das diversas culturas, das tecnologias e de outras
temáticas. (BRASIL, 2013)

8
Para reforçar a compreensão do significado que tem o interdisciplinar num intuito de leitu-
ra e escrita, por exemplo, Neves (2000) menciona que ler e escrever, não é questão exclusiva
da aula de português, mas compromisso da escola como um todo.

186
Nesse sentido, percebe-se que os conteúdos desenvolvidos pelos
professores, se voltados à formação integral do sujeito, estarão colo-
cando em diálogo o ensino e a aprendizagem, uma vez que estes se
tornam muito mais significativos ao trabalhar com leituras e escritas
em sua diversidade. O trabalho com gêneros textuais amplia a capa-
cidade de construir sentidos e significados e instrumentaliza o sujeito
para utilizar e refletir sua linguagem nas diversas realidades sociais.
Além disso, uma grande ênfase no trabalho com gêneros tex-
tuais, com leitura e escrita pode se mostrar como oportunidade para
melhorar os níveis de aprendizagem pelo contato com os diferentes
textos e com as áreas diversas; e em diferentes contextos, preparando
os sujeitos para seu ingresso na sociedade letrada, onde as capacida-
des de interpretar e dar sentido às situações de leitura e de escrita, in-
dispensáveis à cultura letrada, serão imprescindíveis nas situações que
demandem participação social, política ou de inserção no mercado de
trabalho. Isso demonstra que as condições de letramento também são
importantes para a inclusão social dos indivíduos.
Nesta direção, é imprescindível aos monitores/professores uma
formação contínua em relação às possibilidades de trabalho com lei-
tura, para que estes possam ampliar seus saberes e se envolver em um
trabalho profissional adequado, seguro e conhecedor de sempre novas
possibilidades para o seu fazer pedagógico, e, assim, viabilizar aprendi-
zagens significativas também aos educandos. Desta forma, poderemos
ter uma educação comprometida e de qualidade, na qual os professo-
res coletivamente incentivam seus alunos a compreender, apreciar e
valorizar os textos, uma vez que se aprende a ler, lendo e relacionando
os saberes escolares com aqueles vivenciados fora da escola em dife-
rentes situações comunicativas, bem como é assim que se constrói um
sujeito integral.

Práticas de leitura e de escrita: um trabalho


interdisciplinar
A participação pessoal e coletiva, a autonomia, o espírito de
curiosidade, entre outros fatores relevantes para a vivência comuni-
cativa do educando precisam estar no foco do trabalho da escola. Se-

187
gundo o Parâmetro Curricular Nacional de Língua Portuguesa (PCN)
(1998), para uma proporção bem significativa dos estudantes, a es-
cola é um lugar exclusivo de oportunidades para o acesso à escrita.
Também, para boa parte das crianças e dos jovens brasileiros, a escola
é o único espaço que pode proporcionar acesso a textos escritos, os
quais se converterão, inevitavelmente, em modelos para a produção.
O documento menciona ainda que o aluno iniciante, ao organizar sua
escritura, parte de práticas e experiências da oralidade, e que isso só
se converterá em uma escrita plena se o alunado tiver acesso à diversi-
dade textual. Nesse sentido, percebe-se a importância que se tem em
trabalhar os diversos gêneros textuais em sala de aula.
A compreensão deste processo como um complexo de constru-
ções, relações e interações no intuito de formar leitores e produto-
res de textos orais e escritos, tomando a centralidade do texto como
ponto de partida para a compreensão da língua em uso, é uma das
perspectivas que apontam para as mais recentes abordagens teóricas
em relação ao ensino de língua materna, as quais apontam também
para a ideia de que:

Principalmente quando os alunos não têm conta-


to sistemático com bons materiais de leitura e com
adultos leitores, quando não participam de práti-
cas onde ler é indispensável, a escola deve oferecer
materiais de qualidade, modelos de leitores pro-
ficientes e práticas de leitura eficazes. (BRASIL,
1997, p.42)

A escola deveria preocupar-se em formar cidadãos leitores, ca-


pazes de entender e compreender os diferentes tipos de textos numa
perspectiva em que leitura e escrita fossem indissociáveis e comple-
mentares:

O trabalho com leitura tem como finalidade a


formação de leitores competentes e, consequen-
temente, a formação de escritores [...] A leitura,
por um lado, nos fornece a matéria-prima para a
escrita: o que escrever. Por outro, contribui para a
constituição de modelos: como escrever. (BRASIL,
1997, p. 40)

188
As propostas de ensino deveriam se preocupar com atividades
inovadoras e diversas que permitissem e oportunizassem o estudante a
agir reflexiva e criticamente, com poder e autonomia de pensar, dizer
e fazer aquilo que de fato fosse fundamental para o seu desenvolvi-
mento dimensional e integral.
Para tal, os objetivos da educação para com os educandos é tam-
bém que sejam capazes de “questionar a realidade formulando-se pro-
blemas e tratando de resolvê-los, utilizando para isso o pensamento
lógico, a criatividade, a intuição, a capacidade de análise crítica, se-
lecionando procedimentos e verificando sua adequação”. (BRASIL,
1998, p. 8)
Os textos produzidos pelo homem nas mais diversas formas tam-
bém o circundam, nos diferentes meios sociais. Assim, elaborar a escri-
ta e senti-la em seus feitos são partes integrantes básicas para o sujeito
enfrentar os desafios de mundo e, também, o construir. Sendo assim,
de acordo com o PCN (1998), as práticas da escrita têm razão a uma
“interlocução efetiva, e não a produção de textos para serem objetos de
correção.” Lembrando essa questão, sem a possibilidade de o educando
interagir com o texto, este era tido como simplesmente um produto
com um fim em si mesmo.
No entanto, segundo o PCN (1998), a educação lançou novas
concepções educativas incorporando revisão de práticas de ensino e
ressignificação reais de sentido. E, atualmente, “as situações didáticas
têm como objetivo levar os alunos a pensar sobre a linguagem para
poder compreendê-la e utilizá-la apropriadamente às situações e aos
propósitos definidos”. (BRASIL, 1998, p.19)
Estratégias essas de elementos, que, segundo o PCN (1998), com-
põem primeiramente o aluno, que é o sujeito da ação de aprender,
aquele que age com e sobre o objeto de conhecimento. Depois, é o
objeto de conhecimento, que são os conhecimentos discursivo-textuais
e linguísticos implicados nas práticas sociais de linguagem. E ainda, é a
prática educacional do professor e da escola que organiza a mediação
entre sujeito e objeto do conhecimento. Sendo assim, para um ensino
didático que valha a pena, faz se necessário considerar esses elementos:
“o aluno, os conhecimentos com os quais se opera nas práticas de lin-
guagem, a mediação do professor”. (BRASIL, 1998, p. 22)

189
Nessas considerações, compreende-se o teor de importância que
tem a criança produzir contemplando os diferentes gêneros textuais,
pois possibilita o desenvolvimento das competências e habilidades
das capacidades cognitivas, interpretativas, e compreensivas, confor-
me menciona o Referencial Curricular do Rio Grande do Sul, o Lições
do Rio Grande, na área de Linguagens e suas Tecnologias (2009). Os
princípios defendidos pelo Referencial propõem que sejam prioriza-
das competências e habilidades humanas, percebendo nos alunos suas
capacidades intelectuais, físicas e afetivas no estar, no fazer e ser no
mundo.
A intervenção constante do professor para proporcionar mo-
mentos de interação entre as crianças e os textos que circulam so-
cialmente é fundamental, pois é nesse diálogo que são construídos
os sentidos sociais dos usos da língua. Sentidos estes que poderão ser
construídos se a criança perceber que o que é ensinado na escola tem
relação com o que existe fora da escola. Sendo assim, um dos papéis
da escola é aproximar o ensino de língua materna das práticas de lei-
tura e escrita vivenciadas pelas crianças em situações reais de intera-
ções comunicativas do seu dia a dia com os objetivos de ampliar o seu
repertório de conhecimento sobre os usos e as funções de diferentes
gêneros textuais, despertar o prazer pela leitura e contribuir para a
formação do leitor competente.
A ideia também é levar as crianças a ter consciência de que já sa-
bem muito sobre sua própria língua, sobre como ela é usada e de suas
implicações comunicativas. Para tal, o ponto de partida é a observação
atenta do que as crianças fazem diariamente com a língua, de como
elas constroem ativamente seus processos de significações para tudo o
que veem, o que leem, pois, diante de qualquer objeto simbólico (e
a língua é um deles), o ser humano é instigado a interpretar. Desse
modo, é fundamental que se possibilite espaços em sala de aula para
que as crianças manifestem-se enquanto usuárias ativas da língua.
A produção de textos deve fazer parte de situações reais de in-
terlocução, nas quais os textos precisam ter destinatários concretos,
que possam se interessar pela produção dos alunos (o que decorre de
escolha de temas que façam sentido na comunidade). Neste sentido, o
que se entende por texto há muito transbordou os limites das páginas

190
dos livros e da esfera escolar, alcançando dimensões que transitam
desde imagens até expressões faciais. Texto, neste sentido, tem seus
significados ampliados, podendo ser denominado como toda forma
de interação que, vivenciada entre interlocutores, tenha como objeti-
vo transmitir uma mensagem, produzir sentidos.
Neste sentido, entende-se que o texto é uma forma de manifes-
tação cultural que o homem utiliza para se comunicar, compreender
e interagir com o outro. Dessa maneira, quando se produz um texto,
é necessário definir: a finalidade: para que escrever determinado tex-
to; os interlocutores: para quem eu escrevo; os lugares de circulação:
onde o texto será publicado, e, como não poderia deixar de ser, o
gênero textual: qual estrutura será utilizada para a escrita do texto
(debate, seminário etc.). O aluno deverá se orientar em algum gêne-
ro textual, pois, segundo o PCN (1998), “todo texto se organiza den-
tro de determinado gênero em função das intenções comunicativas,
como parte das condições de produção dos discursos, as quais geram
usos sociais que os determinam” (BRASIL, 1998, p.21). Ainda, os gê-
neros textuais são determinados historicamente com a participação
das diversas culturas.
Resumindo, ler e escrever se tornam atividades sociais se, ao ler e
escrever, o sujeito compreender que, além de atentar para o conteúdo
e para a forma da escrita, ele precisa ter um objetivo a ser atingido (por
que ler/escrever?) e um emissor-destinatário-interlocutor real para o
seu texto (para quem ler/escrever?), pois “ensinar a escrever [e a ler]
textos torna-se uma tarefa muito difícil fora do convívio com textos
verdadeiros, com leitores e escritores verdadeiros e com situações de
comunicação que os tornem necessários”. (BRASIL, 1997, p.34)

Gêneros Textuais: uma proposta de Letramento


Diariamente somos interpelados por imagens historicamente
veiculadas em diferentes artefatos culturais que nos levam a ter uma
representação do que seja ler, da função da leitura em nossas vidas. A
leitura está em todos os lugares, tanto em forma de símbolos, imagens,
quanto na escrita propriamente dita. Lemos os cartazes na rua, os e-
-mails, as contas que temos que pagar, as propagandas das lojas, as pla-

191
cas de sinalização de trânsito, os livros, as revistas, os jornais, os folders,
os outdoors, as propagandas, as peças publicitárias, entre outros tantos
artefatos que fazem parte de nosso cotidiano diário.
Lerner (2002) afirma que a leitura deve atender a diversos usos
e objetivos sociais conhecidos e valorizados pelas crianças na sua vida
cotidiana, para, a partir disso, avançar na ampliação do conhecimento
da turma. Nesta perspectiva, a leitura não se realiza somente nos livros.
Os textos que circulam fora da escola, em diferentes suportes textuais,
estão sendo lidos constantemente pelas crianças, e os objetivos destas
leituras devem ser incorporados à rotina da sala de aula.
Todos estes gêneros textuais e muitos outros fazem parte do con-
junto de textos que circulam diariamente em nossa cultura letrada.
Por essa razão, seria ingênuo pensar que as crianças só têm acesso a
textos nos espaços escolares. Se o professor considerar a riqueza de
textos com os quais as crianças já possuem contato fora da escola, o
seu trabalho com leitura e escrita poderá ter como foco a exploração
dos usos e das funções sociais destes textos a partir de atividades que
desenvolvam as práticas de ler e escrever tais como elas são exercidas
nos espaços sociais frequentados pelos seus alunos.
De acordo com Kaufman e Rodríguez (2008), os textos mani-
festam diferentes intenções comunicativas. No processo de aprendi-
zagem, encontramos uma grande variedade de textos que trazem in-
formação, entretenimento, atualização, os quais podem chegar até o
leitor de forma escrita e oral. Neste sentido, poderíamos agrupar os
gêneros textuais em tipologias textuais, as quais podem ser pensadas
a partir de certos traços comuns a determinados grupos de gêneros.
Estas categorias ou tipologias e alguns de seus gêneros constituintes
podem ser encontrados no quadro a seguir:

192
Quadro 1: Tipologias e Gêneros Textuais
• Conto
• Novela
TEXTOS LITERÁRIOS
• Obra teatral
• Poema
• Notícias
• Artigo de opinião
TEXTOS JORNALÍSTICOS
• Reportagem
• Entrevista
• Verbete de dicionário
TEXTOS DE INFORMAÇÃO
• Monografia
CIENTÍFICA
• Relato histórico
• Receita
TEXTOS INSTRUCIONAIS • Bula de remédio

• Carta
TEXTOS EPISTOLARES • Solicitação

• História em quadrinhos
TEXTOS HUMORÍSTICOS
• Charge
• Propaganda
TEXTOS PUBLICITÁRIOS • Panfleto

Fonte: Adaptado de KAUFMAN; RODRÍGUEZ, 2008

Após a apresentação de alguns gêneros textuais, podemos per-


ceber que a gama de gêneros textuais a serem ensinados no mundo
escolar são muitos. Vale lembrar que quanto a mais gêneros a mais
conhecimento os alunos terão acesso, maior vai ser a sua imaginação,
sua criatividade. Observa-se ainda que a classificação de um gênero
textual em uma das tipologias textuais acima apresentadas não deve
seguir critérios estanques e homogêneos, uma vez que um mesmo tex-
to pode apresentar características híbridas. Exemplo disso é uma crô-
nica (texto literário), que, por buscar provocar o riso, pode também
ser classificada como texto humorístico.
Os gêneros textuais citados no quadro devem ser observados
com atenção pelo professor, pois muitos deles são de fácil acesso, e
outros nem tanto. Por essa razão, a escolha deve considerar a frequên-
cia da circulação de determinados gêneros no contexto de vida de

193
seus alunos. Por outro lado, é preciso ampliar o repertório de gêneros
conhecido pelas crianças, o que deve motivar a propiciar o acesso a al-
guns gêneros que não sejam do convívio das crianças, mas que possam
contribuir para o enriquecimento da sua bagagem cultural, bem como
permitir-lhes o acesso a diferentes espaços públicos e a novas situações
comunicativas.
Nesse sentido, quanto antes acontecer o contato com a varie-
dade dos gêneros textuais, antes vai acontecer a compreensão com as
demais situações. Este contato irá proporcionar a interação entre o
interpretar, criar, relacionar, estabelecer relações, sistematizar, mas,
para isso, os professores como mediadores precisam oferecer situa-
ções que oportunizem esta diversificação. Sendo assim, como dito,
quanto mais for a diversificação e a variedade “mais eficaz será o de-
senvolvimento da sua autonomia em relação ao uso social da língua.
Pois esta prática de aproximação [...] proporciona ao mesmo a leitura,
produção, compreensão e entendimento do funcionamento e das ca-
racterísticas dos gêneros textuais”. (ANDRADE, 2011, p. 8)
Sendo assim, percebe-se que os gêneros textuais são grupos de
textos que podem ser classificados de acordo com algumas caracte-
rísticas comuns, tais como estrutura, conteúdo e função social. Eles
são instrumentos de comunicação mutáveis e estáveis, ou seja, com
o passar do tempo uns deixam de existir e outros surgem, mas a sua
finalidade continua que é a de proporcionar o conhecimento pela
escrita, pela leitura, procurando apresentar situações significativas de
aprendizagem.
É importante que o aluno perceba “a multiplicidade de usos e
funções a que a língua presta, na variedade de situações que acontece.
Compete ao professor ajudar o aluno a identificar os elementos típicos
de cada gênero, desde suas diferenças de organização e sequenciação”
(ANTUNES, 2003, p. 118). Sendo assim, evidencia-se a importância
deste trabalho no universo escolar, principalmente de forma conjunta
e interdisciplinar.
Ampliar as aprendizagens das crianças sobre a língua e suas di-
ferentes linguagens significa também pensar o alargamento dos con-
ceitos de leitura e de escrita para além de concepções restritas sobre
suas funções. Ler não é apenas decodificar, e escrever não é copiar.

194
Neste sentido, gêneros diferentes possuem finalidades comunicativas
diversas e conhecer estas especificidades pode levar a turma a usar a
língua de acordo com os destinatários previstos e os contextos adequa-
dos. Trata-se de ultrapassar os muros da escola, como propõe Lerner
(2002), evidenciando, nas atividades desenvolvidas em aula por meio
de projetos de trabalho, que a língua materna tem propósitos defini-
dos e é utilizada como meio de comunicação entre as pessoas.
Então, diante da multiplicidade de textos que circulam na contem-
poraneidade, é difícil continuarmos a afirmar que as crianças precisam ir
à escola para ter acesso à leitura e à escrita. A infância contemporânea é
alfabetizada não mais somente pelos livros escolares, mas também pelos
textos midiáticos, pelos outdoors, pelos panfletos, pelos livros de litera-
tura infantil, pelos gibis, pelas redes sociais, pelos rótulos dos produtos
que consomem. Conforme Carvalho e Ferreira (2005) são variados os
artefatos com os quais as crianças relacionam-se na contemporaneidade,
nos quais são veiculadas as mais diferenciadas linguagens (virtual, audio-
visual, escrita, oral, gráfica, corporal, sinestésica, entre outras tantas que
poderiam ser citadas). Não se trata mais de apenas ensinar a decifrar o
código escrito, mas sim de levar as crianças a experimentarem diversifi-
cadas situações de leitura e escrita, a fim de que aprendam como funcio-
nam os gêneros nas práticas de linguagem e pensando de que forma as
propostas da escola possam se aproximar cada vez mais das situações de
comunicação vivenciadas na sociedade.
Como vimos, os textos que circulam fora da escola vêm se fa-
zendo presentes, nas últimas décadas, nas salas de aulas, como uma
tentativa de aproximar as práticas escolares e as práticas sociais de lei-
tura e de escrita das crianças contemporâneas. Por isso mesmo, estes
deveriam ser utilizados nas aulas de todas as áreas como repertório de
ampliação dos conhecimentos das crianças sobre leitura e escrita.
Tais artefatos não apenas comunicam, mas também atuam no pro-
cesso de constituição das crianças como sujeitos letrados. Enfim, sites,
blogs, filmes, livros, brinquedos, músicas, jogos, revistas, programas de
TV contribuem na formação das crianças, ensinando modos das mes-
mas conferirem significados a eventos, práticas, imagens, sons e pessoas

195
com as quais convivem. Trabalhar nesta perspectiva pressupõe trazer
para as aulas toda a multiplicidade de textos orais e escritos hoje existen-
tes e considerar suas respectivas implicações na aprendizagem de nossas
crianças. O que se deseja é que sejam planejadas pelos professores situ-
ações nas quais a expressão escrita se apresente como demanda de uma
necessidade de comunicação, de interação, em que os alunos tenham
objetivos para escrever e leitores para quem destinar seus escritos. Nes-
te sentido, os usos da leitura e escrita devem aproximar-se às práticas
sociais vivenciadas pelas crianças na sociedade e nas práticas escolares.
Isso implica refletir a respeito dos modos como as crianças cons-
troem suas experiências com os relacionamentos que estabelecem
com seus pares (das leituras que realizam dos múltiplos artefatos que
circulam em seus cotidianos), operando em termos de pontos de vis-
ta (opiniões, hipóteses, argumentações) e referências compartilhadas
que elucidam a produção de suas culturas infantis (o que as crianças
fazem, sentem, pensam e planejam). Essa reflexão pressupõe que as
crianças sejam reconhecidas na escola como cidadãs de pleno direito
para que realmente possam ser desenvolvidas práticas educativas que
valorizem a produção de suas culturas e que, efetivamente, promovam
a construção de conhecimentos de língua materna que sejam signifi-
cativos pelas mesmas no contexto educacional.

Conclusão
Diante das constantes mudanças de uma sociedade globalizada
e de demandas cada vez mais complexas do mundo contemporâneo,
é também desafio da escola agregar novos fazeres e saberes aos seus
espaços de ensino e de aprendizagem. Considerando a velocidade e a
multiplicidade de textos que circulam, surgem e se reinventam a cada
dia, cabe a ela priorizar o trabalho com textos que melhor atendam
a seus objetivos. Considerando que a leitura e a produção textual de-
senvolvem uma grande diversidade de competências e habilidades nos
sujeitos e que apenas algumas poucas são potencializadas com o traba-
lho que vem sendo realizado em muitas escolas, saber priorizar o que
cada uma é capaz de proporcionar, de ensinar, é uma tarefa que exige
responsabilidade social pela formação dos futuros leitores.

196
Isso significa que a escola deve preocupar-se em formar pessoas
letradas que visem à qualidade da educação numa proposta que aten-
da às novas demandas sociais e culturais do mundo contemporâneo
e às características essenciais para o desenvolvimento de competên-
cias e habilidades da escrita e da comunicação do estudante. E isso,
conforme discutido no texto, passa pela possibilidade de se trabalhar
diferentes gêneros textuais numa perspectiva de Letramento. Assim,
compreende-se que as tarefas com a diversidade de gêneros textuais
remetem principalmente à possibilidade de trabalhar os vários contex-
tos sociais e de diferentes formas, ampliando as capacidades compre-
ensivas, interpretativas e construtivas do conhecimento ao aproximar
os saberes do cotidiano e os saberes escolares.
A Educação Integral pode se tornar um espaço fecundo para o
desenvolvimento de propostas de leitura e escrita em diferentes áreas,
disciplinas, macrocampos, desde que sejam desenvolvidas práticas que
efetivamente respeitem as crianças, seus conhecimentos prévios, suas vi-
vências e oportunizem que elas mesmas produzam culturas a partir do
encontro cotidiano com seus pares – sejam estes adultos ou crianças.
Para isso, essas propostas devem ser planejadas, enquadradas e ressig-
nificadas a partir da realidade social e cultural em que o estudante está
inserido. Desse modo, estaremos contribuindo e reconhecendo o aluno
como um sujeito integral, produtor do conhecimento, capaz de intervir
e problematizar o mundo contemporâneo, em caráter íntegro, reflexivo
e crítico.

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BRASIL. Ministério da Educação. Manual Operacional de Educação Integral. Brasília,


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SOARES, M. Alfabetização e Letramento. São Paulo: Contexto, 2003.

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sobre os autores

Alessandra Victor do Nascimento Rosa


Doutoranda em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro (PUC-Rio). Técnica em Assuntos Educacionais da Universida-
de Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).
Endereço eletrônico: victor.alessandra@gmail.com.

André Gustavo Schaeffer


Mestre em Ciência da Computação pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS). Professor de Informática da Universidade Fede-
ral da Fronteira Sul (UFFS), Campus Erechim.
Endereço eletrônico: andre_schaeffer@uffs.edu.br.

Claudia Valentina Assumpção Galian


Doutora em Educação: História, Política e Sociedade pela Pontifícia Uni-
versidade Católica de São Paulo (PUCSP). Professora da Faculdade de
Educação da Universidade de São Paulo (USP).
Endereço eletrônico: claudiavalentina@usp.br.

Elí Terezinha Henn Fabris


Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS). Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Endereço eletrôni-
co: efabris@unisinos.br.

Elton Luiz Nardi


Doutor em Educação pela Universidade do Vale dos Sinos (UNISINOS).
Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
do Oeste de Santa Catarina (UNOESC).
Endereço eletrônico: elton.nardi@unoesc.edu.br.

Leandro Carlos Ody


Doutorando em Educação pela Universidade de Passo Fundo (UPF). Pro-
fessor da Área de Fundamentos da Educação na Universidade Federal da
Fronteira Sul (UFFS), Campus Erechim.
Endereço eletrônico: leandro.ody@uffs.edu.br.

199
Maria das Mercês Ferreira Sampaio
Doutora em Educação: História, Política e Sociedade pela Pontifícia Uni-
versidade Católica de São Paulo (PUCSP).
Endereço eletrônico: merces@superig.com.br.

Marilane Maria Wolff Paim


Doutora em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISI-
NOS). Professora do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal
da Fronteira Sul (UFFS).
Endereço eletrônico: marilane.paim@uffs.edu.br.

Roberto Rafael Dias da Silva


Doutor em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISI-
NOS). Professor do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal
da Fronteira Sul (UFFS). Endereço eletrônico: robertosilva@uffs.edu.br.

Rodrigo Manoel Dias da Silva


Doutor em Ciências Sociais pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos
(UNISINOS). Professor de Sociologia da Universidade Federal da Fron-
teira Sul (UFFS), Campus Erechim.
Endereço eletrônico: rodrigo@uffs.edu.br.

Soraya Vieira Santos


Doutora em Educação pela Universidade Federal da Goiás (UFG). Profes-
sora de Psicologia da Educação na Faculdade de Educação da Universida-
de Federal da Goiás (UFG).
Endereço eletrônico: soraya_vieira@hotmail.com.

Valdeney Lima da Costa


Mestre em Educação pela Universidade Federal do Estado do Rio de Ja-
neiro (UNIRIO). Professor Assistente e coordenador do curso de Licen-
ciatura em Pedagogia da Universidade Estadual do Piauí (UESPI).
Endereço eletrônico: pedagogoney@yahoo.com.br.

Zoraia Aguiar Bittencourt


Doutoranda em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
do Grande do Sul (PUCRS). Professora Assistente do Curso de Licen-
ciatura em Pedagogia da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS)
– Campus Erechim/RS. 
Endereço eletrônico: zoraia.bittencourt@uffs.edu.br.

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