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Sumário
Um
I.
II.
III.
IV.
V.
VI.
VII.
VIII.
IX.
X.
XI.
XII.
XIII.
XIV.
XV.
XVI.
XVII.
XVIII.
XIX.
XX.
XXI.
XXII.
XXIII.
XXIV.
XXV.
XXVI.
XXVII.
XXVIII.
XXIX.
XXX.
XXXI.
XXXII.
XXXIII.
XXXIV.
XXXV.
XXXVI.
XXXVII.
XXXVIII.
XXXIX.
XL.
XLI.
XLII.
XLIII.
XLIV.
XLV.
XLVI.
XLVII.
XLVIII.
XLIX.
L.
LI.
LII.
LIII.
LIV.
LV.
Dois
LVI.
LVII.
LVIII.
LIX.
LX.
LXI.
LXII.
LXIII.
LXIV.
LXV.
LXVI.
LXVII.
LXVIII.
LXIX.
LXX.
LXXI.
LXXII.
LXXIII.
LXXIV.
LXXV.
LXXVI.
LXXVII.
LXXVIII.
LXXIX.
LXXX.
LXXXI.
LXXXII.
LXXXIII.
LXXXIV.
LXXXV.
LXXXVI.
LXXXVII.
LXXXVIII.
LXXXIX.
XC.
XCI.
XCII.
XCIII.
XCIV.
XCV.
XCVI.
XCVII.
XCVIII.
XCIX.
C.
CI.
CII.
CIII.
CIV.
CV.
CVI.
CVII.
CVIII.
UM
I.
No dia em que nos casamos eu tinha quarent a e seis anos e ela dezoito.
Ora, bem sei o que você est á pensando: homem mais velho (nada magro,
começando a ficar calvo, puxando por uma perna, dent adura de madeira)
exerce sua prerrogativa matrimonial, humilhando com isso a infeliz jo-
vem…
Mas não é verdade.
Pois fique sabendo que foi exat amente isso que me recusei a fazer.
Na noite do casamento, galguei com passos pesados a escada, o rosto afo-
gueado pela bebida e pelas danças, para encontrá-la vestindo algo quase
transparente que a tia a obrigara a usar, a gola de seda vibrando de leve em
compasso com seus tremores — e não fui capaz de fazer nada.
Falando baixinho, abri o coração: ela era bonit a; eu era velho, feio, gas-
to; aquela união era estranha, não nascera do amor, mas das conveniências:
seu pai era pobre, a mãe doente. Por isso ela est ava ali. Eu sabia disso per-
feit amente. E não sonharia em tocá-la, eu disse, quando senti seu medo
e… usei a palavra “aversão”.
Ela me garantiu que não sentia “aversão” embora eu visse seu rosto (be-
lo, corado) contorcido pela mentira.
Propus que fôssemos… amigos. Cuidaríamos de nos comport ar para to-
dos os efeitos como se houvéssemos consumado a união. Ela deveria se
sentir à vont ade e feliz na minha casa, esforçando-se para transformá-la em
seu próprio lar. Eu não esperaria mais nada dela.
E assim vivemos. Tornamo-nos amigos. Amigos queridos. Isso foi tudo.
E, no ent anto, era muito. Ríamos juntos, tomávamos decisões sobre a roti-
na da casa — ela me ajudou a prest ar mais atenção nos criados, falar com
eles de forma menos superficial. Ela tinha muito bom gosto e conseguiu
remodelar os aposentos gast ando uma fração do custo estimado. Vê-la ale-
grar-se quando eu chegava, sentir seu corpo junto ao meu quando discutía-
mos algum problema doméstico me fazia um bem que não sou capaz de
explicar de forma adequada. Eu tinha sido feliz, suficientemente feliz, mas
agora me via com frequência pronunciando uma prece espont ânea em que
dizia apenas: Ela está aqui, ainda aqui. Era como se um rio impetuoso
houvesse aberto caminho pelo meio de minha casa, agora invadida por um
aroma de água fresca e pela percepção de algo exuberante, natural e arre-
bat ador sempre se movendo próximo a mim.
Cert a noite ao jant ar, por cont a própria e diante de um grupo de meus
amigos, ela me elogiou — disse que eu era um homem bom, sensível, inte-
ligente, carinhoso.
Quando nossos olhares se encontraram, vi que ela havia falado com toda
a franqueza.
No dia seguinte, deixou um bilhete em cima de minha escrivaninha.
Conquanto sua timidez a impedisse de expressar aquele sentimento com
palavras ou gestos, segundo o bilhete minha bondade para com ela tinha ti-
do um efeito muito desejável: ela est ava feliz, na verdade se sentia bem em
nossa casa, e desejava, assim escreveu, “alargar as fronteiras de nossa felici-
dade em comum daquela forma íntima que ainda desconheço”. Pedia que
a guiasse naquilo como o havia feito “em tantos outros aspectos da vida
adult a”.
Li o bilhete, fui cear — e a encontrei iluminada. Trocamos olhares fran-
cos ali mesmo, diante dos criados, embevecidos com o que de algum modo
tínhamos conquist ado para nós dois com base em condições tão pouco pro-
missoras.
Naquela noite, em sua cama, cuidei de me comport ar como sempre:
gentil, respeitoso, solícito. Fizemos pouca coisa — nos beijamos, nos abra-
çamos —, mas imagine, se quiser, o esplendor dessa repentina condescen-
dência. Ambos sentimos o despert ar do desejo sexual (sim, claro), porém
calcado na sólida afeição que havíamos construído aos poucos: um vínculo
confiável, duradouro e genuíno. Eu não era um homem inexperiente — ti-
nha sido mulherengo quando jovem; passara tempo suficiente (envergo-
nha-me confessar) em lugares de má reput ação; fora casado antes, manten-
do felizmente uma relação saudável —, mas a intensidade daquele senti-
mento era de todo nova para mim.
O entendimento tácito era o de que, na noite seguinte, iríamos explorar
mais a fundo aquele “novo continente”, e de manhã fui a meu escritório
na tipografia lut ando contra a força gravit acional que me impelia a ficar
em casa.
E aquele dia, infelizmente, foi o dia da viga.
Sim, sim, que sorte!
Uma viga caiu do teto e me atingiu bem aqui, sent ado à escrivaninha.
Por isso nosso plano precisou ser adiado enquanto eu me recuperava. Se-
gundo o conselho de meu médico, fui posto…
Uma espécie de caixa de doente foi considerada… digamos…
hans vollman
Eficiente.
roger bevins iii
De nada. É um prazer.
roger bevins iii
Verdade.
Embora, devo confessar, eu não pensasse assim naquele momento. Na
carruagem que transport ava a caixa, antes de ser imobilizado descobri que
poderia me afast ar dela por curtos períodos de tempo, avançando e levan-
tando alguma poeira, tendo até quebrado um vaso, um vaso na varanda.
Mas minha mulher e aquele médico, discutindo minha lesão, não not a-
ram. Não consegui aguent ar aquilo. Admito que tive um acesso de raiva,
pondo os cachorros para correr, solt ando ganidos, ao passar através deles e
induzir cada um a um sonho de urso. Naquela época eu tinha condições
de fazer isso! Dias de glória! Atualmente eu seria tão capaz de induzir um
cão a um sonho de urso quanto de levar para jant ar nosso jovem e silencio-
so amigo aqui presente!
(Ele parece jovem, não é mesmo, sr. Bevins? Por sua compleição? Pela
postura?)
Seja como for, voltei à caixa de doente, chorando daquele jeito… já sen-
tiu isso, meu jovem amigo? Quando chegamos à enfermaria do hospit al,
meu rapaz, e temos vont ade de chorar, o que acontece é que ficamos algo
tensos e há uma sensação ligeiramente tóxica em nossas junt as, fazendo pi-
pocar cert as coisinhas em nosso corpo. Às vezes podemos até evacuar, se
ainda não tivermos ido ao banheiro. Foi o que fiz naquele dia, na carrua-
gem mesmo defequei na caixa de doente, de pura raiva, e qual foi o result a-
do? Na verdade, guardei comigo aquele cocô por todo esse tempo — espe-
ro, meu rapaz, que não se ofenda com isso ou que sua eventual repugnân-
cia não prejudique nossa amizade ainda em floração —, mas ele est á até
hoje na caixa, conquanto bem mais seco!
Meu Deus, você é uma criança?
Ele é, não?
hans vollman
Acho que sim. Agora que você menciona isso.
Lá vem ele.
Agora quase inteiramente formado.
roger bevins iii
Willie est ava com um febrão na noite do dia 5 enquanto sua mãe se ves-
tia para a fest a. Respirava com dificuldade. Ela viu que seus pulmões est a-
vam congestionados e ficou assust ada.
“Twenty Days”, Dorothy Meserve Kunhardt e Phi-
lip B. Kunhardt Jr.
III.
A recepção [do casal Lincoln] tinha sido duramente criticada, mas todas
as pessoas import antes compareceram.
Leech, op. cit.
Vasos dispostos a curt a dist ância uns dos outros exibiam flores exóticas
da estufa presidencial.
Kunhardt e Kunhardt, op. cit.
Uma algaravia de idiomas era ouvida no Salão Azul, onde o general Mc-
Dowell, conversando em francês fluente, atraía a atenção dos europeus.
Leech, op. cit.
Quase perdidos em meio a um enorme arranjo floral, três velhos est a-
vam entregues a uma discussão relevante, as cabeças inclinadas para o cen-
tro. Eram Abernathy, Seville e Kord, que morreriam antes de o ano termi-
nar. Terrivelmente alt as e pálidas, as irmãs Casten se encontravam próxi-
mas dali e, como pistilos de alabastro em busca da luz, se inclinavam na
tent ativa de ouvir a conversa dos cavalheiros.
“The Union Cit adel: Memories and Impressions”,
Jo Brunt.
À
À frente de todos, às onze horas a sra. Lincoln liderou a caminhada em
volt a do Salão Leste de braços dados com o presidente.
Leech, op. cit.
Elsa não sabia o que dizer e ficava apert ando minha mão. Assim, imagi-
namos, os antigos deviam receber seus convidados. Que generosidade!
Quant a gentileza de nossos queridos anfitriões!
“Our Capit al in Time of War”, Petersen Wickett.
No ent anto, nada havia de alegre naquela noite para a anfitriã de sorriso
artificial e seu marido. Eles ficaram o tempo todo subindo as escadas para
ver como est ava Willie, e ele não se sentia nada bem.
Kunhardt e Kunhardt, op. cit.
IV.
O rosto bonito e redondo est ava inflamado pela febre. Os pés não para-
vam de se mover sob a colcha marrom.
“History Close at Hand”, edit ado por Renard Kent,
relato da sra. Kate O’Brien.
Com o coração apert ado de medo, desceram outra vez as escadas a fim
de ouvir os cantores daquela noite, a família Hutchison, que proporcionou
uma interpret ação assust adoramente real da canção “Navio em Chamas”,
que exigiu a simulação de uma violent a tempest ade no mar, gritos apavora-
dos dos passageiros acuados, uma mãe apert ando seu bebê contra o peito
alvo, “som de passos pesados, desvario, vozes que urravam ‘Fogo! Fogo!’”.
Os marujos empalideceram
Ao verem as labaredas, seus olhos
Brilhando ao refletir a luz do fogo,
Enquanto grossos rolos de fumaça
Subiam cada vez mais alto.
Ah, meu Deus! Como é horrível morrer queimado!
Kunhardt e Kunhardt, op. cit.
Tamanha era a desordem e tão alto era o alarido que, para se fazer en-
tender, era necessário grit ar. As carruagens continuavam a chegar. Escan-
cararam as janelas e formaram grupos em torno delas na esperança de des-
frut ar do ar frio da noite. Parecia reinar no salão um pânico alegre. Come-
cei a me sentir tonto e creio que não fui o único. Algumas senhoras est a-
vam derreadas aqui e ali nas poltronas. Homens embriagados examinavam
os quadros a óleo com anormal intensidade.
Garrett, op. cit.
Quando o jant ar foi servido, a lua pairava bem no alto, pequena e azul,
brilhando ainda, embora menos do que antes.
“A Time Departed” (memórias inédit as), I. B. Brigg
III.
Ouvi dizer várias vezes, aos sussurros: era errado haver tant a alegria
quando a própria morte batia à port a; talvez mais consent ânea seria, na-
quela hora, exibição pública menos aparatosa.
“Collected Wartime Letters of Barbara Smith-Hill”,
edit ado por Thomas Schofield e Edward Moran.
A noite passou lent amente. Veio a manhã, e Willie est ava pior.
Keckley, op. cit.
VII.
Ontem, por volt a das três da tarde, chegou uma comitiva considerável…
talvez vinte carruagens que não tinham onde est acionar… Ficaram sobre
os gramados das casas e, dispost as de través diante da cerca, dentro do pró-
prio cemitério… E imagine quem desceu do coche fúnebre: o próprio sr.
L., que reconheci por causa dos retratos… Mas dolorosamente curvado,
com fisionomia triste, quase precisando ser forçado a caminhar, como se
relut asse em entrar naquele lugar deprimente… Eu ainda não tinha ouvi-
do a lament ável notícia e fiquei por inst antes perplexo, porém logo a situa-
ção se esclareceu e rezei pelo menino e por sua família… os jornais co-
ment aram muito sobre sua doença e o trágico desfecho… As carruagens
continuaram a chegar durante a hora seguinte até que a rua se tornou in-
transit ável.
A multidão desapareceu ao entrar na capela e, de minha janela abert a,
pude ouvir o que se passava lá dentro: música, um sermão, prantos. Depois,
as pessoas se dispersaram e as carruagens partiram, embora algumas tives-
sem ficado atoladas e precisassem ser puxadas, deixando a rua e os grama-
dos em petição de miséria.
E ent ão hoje, um dia novamente úmido e frio, por volt a das duas horas
uma única e pequena carruagem parou diante do cemitério e mais uma
vez o presidente desceu, dest a feit a acompanhado por três senhores: um
moço e dois bem velhos… Eles foram recebidos no port ão pelo sr. Weston
e seu jovem assistente, indo todos para a capela… Pouco depois, o assisten-
te saiu acompanhado por um funcionário e ambos foram vistos deposit an-
do um pequeno caixão sobre um carrinho com rodas. O abatido grupo par-
tiu, o carrinho na frente e o presidente com seus companheiros na ret a-
guarda… aparentemente rumo ao canto noroeste do cemitério. Como a
colina ali é íngreme e a chuva continuava, o result ado foi uma estranha
mistura de melancolia soturna e grotesca dificuldade, com os ajudantes lu-
tando para manter o caixão em cima do carrinho… enquanto todos os pre-
sentes, até mesmo o sr. L., caminhavam com passinhos de equilibrist a a
fim de se manterem de pé sobre a grama escorregadia.
Seja como for, tudo indica que o pobre menino será deixado ali, do ou-
tro lado da estrada, contrariando as notícias de jornal em que se especulava
que ele volt aria imediat amente para Illinois. O casal tinha recebido por
empréstimo um lugar no mausoléu pertencente ao juiz Carroll, e imagine
como é doloroso, Andrew, abandonar seu precioso filho sobre uma laje fria
como se fosse um pássaro abatido e depois ir embora.
Tudo tranquilo hoje, e até o Creek parece murmurar mais baixinho que
de costume, caro irmão. A lua acaba de aparecer e iluminou as lápides no
cemitério… por um momento tive a impressão de que o terreno houvesse
sido invadido por anjos de várias formas e tamanhos: anjos gordos, anjos
com o porte de cachorros, anjos a cavalo etc.
Acostumei-me à proximidade destes mortos e a tê-los como agradáveis
companheiros em seus pedaços de chão e frias casas de pedra.
“Wartime Washington: The Civil War Letters of
Isabelle Perkins”, reunidas e edit adas por Nash Per-
kins III; anot ação de 25 de fevereiro de 1862.
VIII.
Nada poderia ser mais pacífico ou mais bonito que a localização daquele
túmulo, tot almente impossível de ser descoberto por um visit ante qual-
quer, por ser ele o último à esquerda nos confins do terreno e situar-se no
topo de uma colina quase perpendicular que descia para o Rock Creek. As
águas velozes produziam um som agradável e as árvores do bosque, nuas e
vigorosas, dest acavam-se contra o céu.
Kunhardt e Kunhardt, op. cit.
IX.
Cedo em minha juventude descobri ter cert a predileção que, para mim,
parecia perfeit amente natural e até mesmo maravilhosa, embora para ou-
tros — papai, mamãe, irmãos, amigos, professores, padres, avós — ela não
parecesse nem um pouco natural e maravilhosa, e sim imoral e vergonho-
sa. Sofri com isso: deveria negar minha predileção e me casar, condenan-
do-me a cert a, digamos, carência de realização? Eu queria ser feliz (como
creio todos desejam ser felizes), por isso iniciei uma amizade inocente —
bem, bastante inocente — com um colega de escola. Mas, como logo vi-
mos não haver esperança para nós (passando rapidamente por cima de al-
guns det alhes, idas e vindas, recomeços, decisões sinceras e a negação des-
sas decisões, lá, num canto da, ãhn, garagem de carruagens, e por aí vai),
cert a tarde, creio que um dia depois de uma conversa particularmente fran-
ca na qual Gilbert expressou sua intenção de dali em diante “viver com
correção”, levei uma faca de açougueiro para o quarto e, após escrever um
bilhete a meus pais (cujo tema central era Sinto muito) e outro a ele (Amei,
por isso parto realizado), cortei os pulsos de forma violent a sobre uma bacia
de porcelana.
Sentindo náuseas devido à quantidade de sangue e à sua repentina e
chocante vermelhidão em contraste com a brancura da bacia, sentei-me
entontecido no chão, quando ent ão eu… bem, é um pouco embaraçoso,
mas deixe que o diga: mudei de opinião. Só naquele inst ante (quase já do
lado de lá, por assim dizer) me dei cont a de quão indizivelmente bonito é
tudo isto, quão precisamente construído para nos dar prazer, e vi que est ava
prestes a malbarat ar uma dádiva estupenda, a dádiva de ser capaz de, dia
após dia, vagar por este paraíso sensual, por este magnífico mercado amoro-
samente estocado com todas as coisas sublimes: nuvens de insetos dançan-
do nos raios oblíquos do sol de agosto; um trio de cavalos negros com as pa-
tas enfiadas até os jarretes num campo nevado, as cabeças se tocando; um
aroma de caldo de carne trazido pela brisa de uma janela tingida de laranja
numa tarde friorent a de outono…
roger bevins iii
Est á.
Respire fundo. Est á tudo bem.
Creio que est á alarmando um pouco o recém-chegado.
hans vollman
Sim.
Sentindo náuseas devido à quantidade de sangue e sua repentina e cho-
cante vermelhidão em contraste com a brancura da bacia, sentei-me enton-
tecido no chão, quando ent ão mudei de opinião.
Sabendo que minha única esperança era ser encontrado por um dos cri-
ados, fui aos tropeções até a escada e me joguei. Dali, consegui engatinhar
até a cozinha…
Que é onde fiquei.
Estou esperando para ser encontrado (tendo ido parar no chão, a cabeça
contra o fogão, uma cadeira tombada por perto, um pedaço de casca de la-
ranja encost ado na minha bochecha), para que, depois de reanimado, eu
me levante, limpe a tremenda sujeira que fiz (mamãe não vai gost ar) e saia
para este mundo lindo como um homem renovado e mais corajoso, e co-
mece a viver! Será que seguirei minha predileção? Sim! E para valer! Ten-
do chegado tão perto de perder tudo, estou livre agora de todo medo, hesi-
tação e timidez. Uma vez reanimado, tenciono decididamente vagar por to-
da parte, assimilando, cheirando, provando, amando quem eu quiser; to-
cando, degust ando, contemplando imóvel as coisas bonit as deste mundo,
como, por exemplo: um cachorro adormecido mexendo as pat as à sombra
triangular de uma árvore; uma pirâmide de açúcar em cima de uma mesa
de madeira negra sendo reordenada, grão por grão, pela brisa quase imper-
ceptível; uma nuvem que passa como um navio acima de uma verdejante
colina arredondada onde uma fileira de camisas coloridas dança ao vento,
enquanto, na cidadezinha a seus pés, transcorre um dia roxo-azulado (a
corporificação da musa da primavera), cada quint al, com sua grama úmida
e coalhado de flores, claramente enlouquecido com…
roger bevins iii
Amigo.
Bevins.
hans vollman
Sem dúvida você est á sentindo algum impulso?, perguntou o sr. Voll-
man. Um forte desejo? De sair? Para algum lugar? Mais confort ável?
Sinto que devo esperar, disse o menino.
Ele fala!, disse o sr. Bevins.
reverendo everly thomas
Matthison, Partiu aos Nove Anos? Ficou menos de trint a minutos. De-
pois desapareceu com um pequeno est alido que mais parecia um peido.
Dwyer, aos seis a. e cinco m.? Não est ava na caixa de doente ao chegar.
Aparentemente se foi no trajeto. Sullivan, Bebê, se demorou uns doze, tre-
ze minutos, uma ululante bola de luz frustrada engatinhando para lá e para
cá. Russo, Levada no Sexto Aninho, Luz dos Olhos da Mamãe? Permane-
ceu meros quatro minutos. Olhando atrás de cada lápide. “Estou pesqui-
sando para meu trabalho na escola.”
hans vollman
Coit ada.
reverendo everly thomas
Do tamanho de uma naco de pão, e lá ficou ela, emitindo uma luz mor-
tiça e branca e soluços agudos.
reverendo everly thomas
Bem depois que sua mãe, Amanda French, Levada ao Dar à Luz uma
Criança Loura mas Desafortunada, já tinha seguido caminho.
roger bevins iii
Ou não.
reverendo everly thomas
Ent ão imagine nossa surpresa quando, transcorrida cerca de uma hora,
vimos o menino ainda no teto, com um olhar expect ante, como se esperas-
se a chegada da carruagem que o levaria embora.
hans vollman
O menino pareceu que ia me dar a mão, depois desistiu, talvez não de-
sejando que eu achasse aquilo infantil.
hans vollman
A sra. Crawford tomou lugar atrás de nós, assumindo sua atitude costu-
meira de extrema subserviência: curvando a cabeça, sorrindo, fazendo ra-
papés, recuando um passo.
roger bevins iii
Sendo assediada o tempo todo por Longstreet, aquele miserável que resi-
de perto do banco torto.
roger bevins iii
Que ficou agarrando e passando a mão nela o tempo todo enquanto ca-
minhávamos, embora a sra. Crawford permanecesse misericordiosamente
indiferente às repugnantes atenções dele.
reverendo everly thomas
Bom, agora vou cant ar parte de uma canção, ou toda se quiserem, que
meu querido marido costumava cant ar. Chamava de canção de casamento
de Adão e Eva. Ele cantou no casamento de minha irmã. Tinha o hábito
de compor canções, cant á-las e…
Ah, não, não vou chegar mais perto.
Bom dia para todos, cavalheiros.
sra. elizabeth crawford
Aquele limite revolt ante além do qual não podíamos nos aventurar.
roger bevins iii
A jovem Traynor est ava como de costume presa à cerca, fazendo parte
dela e se manifest ando, naquele momento, como uma espécie de fornalha
horrivelmente enegrecida.
roger bevins iii
Não pude deixar de lembrar o primeiro dia dela aqui, quando se mani-
festou ininterrupt amente como uma jovem que rodopiava num vestido de
verão de cores cambiantes.
reverendo everly thomas
Dirigi-me a ela e lhe pedi que falasse com o menino. Sobre os perigos
deste lugar. Para os jovens.
hans vollman
A moça ficou em silêncio. A port a da fornalha que ela era naquele mo-
mento apenas se abriu e voltou a fechar, nos permitindo entrever um pavo-
roso clarão alaranjado lá dentro.
roger bevins iii
Ent ão acredito que preciso fazer o que o senhor diz, falou o menino.
Bom menino, disse o sr. Vollman.
roger bevins iii
XV.
Trate de ir, disse o sr. Vollman. Não há mais nada para você aqui.
roger bevins iii
E ent ão aconteceu.
roger bevins iii
O menino havia sido entregue naquele mesmo dia. Significa que o ho-
mem muito provavelmente tinha est ado aqui…
roger bevins iii
Naquela tarde.
roger bevins iii
Deveras irregular.
reverendo everly thomas
Não est ava chorando. Meu amigo tem uma falsa lembrança. Ele est ava
sem fôlego. Não soluçava.
hans vollman
Est ava chorando baixinho, sua tristeza agravada pela crescente frustra-
ção de se encontrar perdido.
roger bevins iii
Ele não est ava soluçando. Demonstrava bast ante controle, movendo-se
com grande dignidade e a certeza de…
hans vollman
Ele est ava agora a pouco mais de dez metros de dist ância, vindo diret a-
mente em nossa direção.
roger bevins iii
O homem chegou à casa de pedras brancas e usou uma chave para en-
trar, sendo seguido pelo menino.
hans vollman
E a abriu.
hans vollman
Sim.
reverendo everly thomas
De recordação.
hans vollman
Como sem dúvida havia feito muit as vezes quando o menino est ava…
roger bevins iii
Menos doente.
hans vollman
Sim.
roger bevins iii
Os dias corriam lent amente, e ele ficava mais fraco, definhando a olhos
vistos.
Keckley, op. cit.
Por volt a das cinco da tarde, eu est ava dormit ando no sofá de meu escri-
tório quando fui acordado por sua entrada. “Bem, Nicolay”, ele disse, solu-
çando de emoção, “meu filho se foi, realmente se foi!”, e caindo no pranto,
deu meia-volt a e entrou em seu escritório.
“With Lincoln in the White House”, John G. Ni-
colay, edit ado por Michael Burlingame.
Sob todos os aspectos, Will era uma cópia perfeit a do sr. Lincoln, até
mesmo por manter a cabeça ligeiramente inclinada para a esquerda.
Burlingame, op. cit., relato de um vizinho de
Springfield.
Sentimos tanto amor por nossos filhinhos, tanto desejo de que conhe-
çam tudo que é lindo na vida, tanto carinho por aquele conjunto de quali-
dades particulares que cada qual manifest a: maneirismos de fanfarronada
ou de vulnerabilidade, jeitos de falar e de pronunciar algumas palavras er-
radamente; o cheiro de seus cabelos e da cabeça, a sensação de segurar su-
as mãozinhas — e ent ão eles se vão! Levados de nós! Ficamos em choque
diante da ocorrência de uma violação brut al no que antes parecia um mun-
do benevolente. Do nada, surgira um grande amor; agora, anulada sua ori-
gem, este amor, em meio à perplexidade e à perturbação dos sentidos, se
converte no sofrimento mais profundo que é possível imaginar.
“Essay Upon the Loss of a Child”, sra. Rose Mil-
land.
Willie Lincoln era o garoto mais adorável que conheci, inteligente, sen-
sível, com um temperamento doce e modos gentis.
“Tad Lincoln’s Father”, Julia Taft Bayne.
Ele era o tipo de criança que as pessoas imaginam que seus filhos serão
antes de tê-los.
Randall, op. cit.
Certo dia eu passava diante da Casa Branca quando ele est ava na calça-
da com um amiguinho. O sr. Seward entrou numa carruagem acompanha-
do do príncipe Napoleão e de dois assessores; como sem dúvida havia cert a
intimidade entre o secret ário de Est ado e o menino, o cavalheiro, num ges-
to jocosamente exagerado, tirou o chapéu, no que foi seguido por Napo-
leão, ambos fazendo uma saudação cerimoniosa ao jovem príncipe-presi-
dente. Nem um pouco espant ado com a homenagem, Willie se emperti-
gou, tirou o boné com gracioso autocontrole e fez uma reverência até o
chão, como um pequeno embaixador.
Willis, op. cit.
É fácil ver como uma criança com tais dotes iria, no curso de onze anos,
conquist ar o coração daqueles que a melhor conheciam.
Gurley, op. cit.
Uma criança alegre, afetuosa e diret a, tot almente abert a aos encantos do
mundo.
“They Knew the Lincoln Boys”, Carol Dreiser, re-
lato de Simon Weber.
Ele não era perfeito — trat ava-se, é bom lembrar, de um garotinho. Po-
dia ser travesso, teimoso, agit ado demais. Ele era um menino. No ent anto
— cumpre dizer — era um menino muito bom.
Hilyard, op. cit., relato de D. Strumphort, mordo-
mo.
XIX.
Naquela noite, sons lancinantes de dor puderam ser ouvidos nos espaço-
sos salões, nem todos vindos do quarto onde a sra. Lincoln se encontrava
em est ado de choque; os gemidos do presidente, mais graves, também fo-
ram ouvidos.
“My Ten Years at the White House”, Elliot Stern-
let.
Por volt a da meia-noite, entrei para pergunt ar a ele se poderia lhe trazer
alguma coisa. O que vi me chocou. O cabelo desfeito, o rosto pálido, com
marcas bem visíveis de lágrimas recentes. Surpreendeu-me sua agit ação e
me perguntei o que ocorreria se ele não encontrasse algum alívio. Pouco
tempo antes eu havia visit ado uma met alúrgica na Pensilvânia onde ti-
nham demonstrado a operação de uma válvula para liberar vapor. O est ado
do presidente me fez refletir sobre a necessidade de tal aparelho para o seu
caso.
Hilyard, op. cit., relato de D. Strumphort, mordo-
mo.
XX.
Ent ão esse espet áculo perturbador e indecoroso atingiu um pat amar ain-
da mais baixo de…
hans vollman
Da caixa de doente.
hans vollman
A forma doente.
hans vollman
O menino, frustrado ao lhe ver negada a atenção da qual sentia ser ele o
merecedor, encostou-se no pai enquanto ele continuava a segurar e a em-
balar carinhosamente o…
reverendo everly thomas
A forma doente.
hans vollman
Todos em silêncio.
roger bevins iii
Aquilo foi demais para mim, íntimo demais, e saí dali e caminhei sozi-
nho.
hans vollman
Eu fiz o mesmo.
roger bevins iii
Seria difícil superestimar o efeito vivificante que est a visit a teve em nossa
comunidade.
hans vollman
Indivíduos que não víamos havia anos apareceram, saíram de seus refú-
gios, ficaram por ali esfregando as mãos com expressões de tímido regozijo
e incredulidade.
reverendo everly thomas
As pessoas est avam felizes, era isso, tinham recuperado essa noção.
hans vollman
Não era incomum que gente daquele lugar anterior fosse lá.
hans vollman
Suas desagradáveis pás encost adas sem o menor cuidado em nossas árvo-
res.
reverendo everly thomas
Ah, eles não tocam na gente realmente. Eles empurram você para den-
tro da caixa de doente.
hans vollman
Vestem você como queriam que você se vestisse. Dão pontos e pint am se
for necessário.
roger bevins iii
Mas, depois que eles o têm como queriam, nunca mais tocam em você.
hans vollman
Bem, e o Ravenden.
reverendo everly thomas
Ser tocado com tanto amor, com tanto carinho, como se ainda estives-
se…
hans vollman
Com saúde.
roger bevins iii
Por favor, não interprete mal. Nós fomos mães e pais. Fomos maridos
por muitos anos, homens import antes, que aqui chegaram, naquele primei-
ro dia, acompanhados de multidões tão grandes e pesarosas que, avançando
para ouvir as orações, haviam derrubado as cercas. Fomos jovens esposas,
trazidas para cá durante o parto, privadas de nossas delicadas virtudes pela
dor cruel daquela circunst ância, deixando para trás maridos tão apaixona-
dos, tão atorment ados com o horror daqueles últimos inst antes (a ideia de
havermos caído naquele terrível buraco negro separadas de nós próprias pe-
la dor), que nunca mais volt aram a amar. Fomos homens corpulentos, feli-
zes e tranquilos que, no começo da juventude, nos dando cont a de que na-
da tínhamos de excepcional, havíamos alegremente (como se aceit ássemos
distraídos um fardo pesado) alterado o foco de nossa vida: já que não sería-
mos notáveis, ent ão seríamos úteis, seríamos ricos e bondosos, podendo as-
sim fazer o bem: sorrindo, mãos nos bolsos, vendo passar o mundo que ha-
víamos aperfeiçoado sutilmente (fornecendo o dote para uma moça neces-
sit ada, financiando em segredo um fundo educacional). Fomos criados afá-
veis, cont adores de piadas, ganhando a afeição de nossos patrões pelas pala-
vras de estímulo que conseguíamos lhes dirigir quando eles se lançavam ao
exercício de suas alt as funções. Fomos avós, tolerantes e francas, guardando
segredos sombrios que, por sabermos ouvir sem emitir julgamentos, eram
objeto de um perdão tácito, deixando assim que o sol entrasse naquelas ca-
sas. O que quero dizer é que fomos relevantes. Fomos amados. Não solit ári-
os, não perdidos, não excêntricos, mas sensatos, cada qual a seu modo.
Nossa partida causou sofrimento. Os que nos amavam se sent aram em suas
camas, a cabeça nas mãos; encost aram a test a nas mesas, produzindo sons
animalescos. Fomos amados, repito, e ao se lembrarem de nós, mesmo
muitos anos depois, as pessoas sorriam, alegradas moment aneamente pela
recordação.
reverendo everly thomas
No ent anto.
roger bevins iii
No ent anto ninguém jamais veio aqui segurar nenhum de nós, falando
com tant a ternura.
hans vollman
Jamais.
roger bevins iii
XXVI.
Em pouco tempo a casa de pedras brancas est ava cercada por uma
imensidão de nós.
reverendo everly thomas
E empurrando os que est avam à frente, insistia que o menino desse det a-
lhes: como ele tinha se sentido ao ser embalado daquele jeito? O visit ante
havia realmente prometido volt ar? Tinha oferecido alguma esperança de
alteração nas circunst âncias fundament ais do menino? Nesse caso, seria
possível que a esperança se estendesse também a nós?
roger bevins iii
O que queríamos? Acho que queríamos que o garoto nos visse. Quería-
mos sua bênção. Queríamos saber o que este ser aparentemente encant ado
pensava sobre nossas razões particulares para permanecermos.
hans vollman
Verdade seja dit a, não havia nenhum entre os muitos ali presentes —
nem mesmo o mais forte — que não mantivesse alguma dúvida persistente
sobre a sabedoria da escolha dele ou dela.
roger bevins iii
Em pouco tempo a fila dos que queriam falar com o menino se estendia
ao longo do caminho até a casa de arenito marrom do Everfield.
hans vollman
XXVII.
Serei breve.
jane ellis
Duvido.
sra. abigail blass
“Cert a vez, na época do Nat al, papai nos levou a um maravilhoso festi-
val de aldeia.” Puf.
sra. abigail blass
Ela reclama, reclama, e sempre tem que ser a primeira. Em tudo. Diga-
me, por favor, por que ela merece tal…
sra. abigail blass
A senhora poderia aprender alguma coisa com ela, sra. Blass. Veja a pos-
tura dela.
hans vollman
Senhores?
Se me permitem?
Cert a vez, na época do Nat al, papai nos levou a um maravilhoso festival
de aldeia. Acima da port a de um açougue havia um encant ador dossel de
carcaças: veados com as entranhas expost as e presas com arame como guir-
landas de um vermelho tremendamente brilhante; faisões e patos pendura-
dos de cabeça para baixo, as asas abert as mediante o emprego de arames
cobertos de feltro da cor das respectivas penas (tudo feito com grande habi-
lidade); dois porcos, um em cada lado da port a com frangos mont ados ne-
les como pequenos cavaleiros. Tudo isso cercado de folhas verdes e enfeit a-
do com velinhas. Eu est ava de branco. Era uma linda criança de branco
com um cabelo longo descendo pelas cost as que eu fazia quest ão de balan-
çar, assim. Não quis ir embora, tive um chilique. Para me acalmar, papai
comprou um veado e deixou que eu o ajudasse a amarrá-lo na traseira da
carruagem. Até hoje vejo a cena: o campo ficando para trás na névoa do
fim da tarde, as got as do sangue do veado deixando um rastro pelo cami-
nho; as estrelas aparecendo, os riachos correndo sob as pontes de madeira
recém-cort ada que gemiam ao passarmos sobre elas, mais e mais perto de
casa em meio ao crescente…
jane ellis
Puf.
sra. abigail blass
Por favor.
Muitos est ão esperando.
sra. abigail blass
A sra. Ellis era uma mulher imponente, majestosa, sempre cercada por
três orbes gelatinosas que flutuavam a seu redor, cada qual assemelhada a
uma de suas filhas. Às vezes, tais orbes adquiriam um tamanho imenso,
caindo sobre ela, prensando-a, espremiam seu sangue e outros fluidos en-
quanto ela se contorcia sob aquele peso terrível, recusando-se a grit ar por-
que isso indicaria seu desprazer; em outras ocasiões, as orbes se afast avam e
ela ficava grandemente atorment ada, correndo à sua procura e chorando
de alívio quando volt avam a pressioná-la. Mas o maior tormento de todos
para a sra. Ellis era quando uma das orbes se manifest ava em tamanho na-
tural e, tornando-se tot almente translúcida, permitia que ela observasse os
menores det alhes das roupas, expressão facial, est ado de espírito etc. da fi-
lha que est ava lá dentro, a qual, nervosa, começava a explicar alguma difi-
culdade que encontrara recentemente (em especial devido à ausência súbi-
ta da mãe). A sra. Ellis, ent ão, demonstrava extremo bom senso e abundan-
te amor ao explicar, com voz afetuosa, como a filha magoada deveria lidar
da melhor forma possível com a situação — mas, infelizmente (e aí residia
o tormento), a criança era de todo incapaz de vê-la ou ouvi-la e caía, diante
dos olhos da sra. Ellis, em paroxismos crescentes de desespero, enquanto a
pobre mulher punha-se a correr de um lado para outro tent ando evit ar a
orbe, que a perseguia com o que só pode ser descrito como uma inteligên-
cia sádica, adivinhando cada movimento dela, post ando-se continuamente
diante de seus olhos, que, tanto quanto eu saiba, eram incapazes de se fe-
char nesses momentos.
reverendo everly thomas
Folgada.
sra. abigail blass
Sim.
Obrigada, reverendo.
Tenho mil e três dólares no First Bank. Num quarto do segundo andar
que não vou dizer qual é tenho quatro mil em moedas de ouro. Tenho dois
cavalos, quinze cabras, trint a e uma galinhas e dezessete vestidos, que va-
lem, ao todo, três mil e oitocentos dólares. Mas sou viúva. O que parece
abundância é de fato penúria. A maré vaza e nunca enche. As pedras rolam
morro abaixo, nunca morro acima. Por isso o senhor há de compreender
minha relut ância em me permitir qualquer desperdício. Tenho mais de
quatrocentos gravetos e quase sessent a pedras de tamanhos variados. Tenho
dois pedaços de passarinhos mortos, um número incalculável de torrões de
terra. Antes de ir me deit ar, conto meus pedaços de passarinhos mortos,
gravetos, pedras e torrões, test ando cada um com os dentes para ter certeza
de que são reais. Ao acordar, com frequência descubro que falt am vários
itens. Provando a presença de ladrões e justificando essas minhas tendênci-
as que muitos aqui (sei disso perfeit amente) tanto criticam. Mas eles não
são velhas ameaçadas por sua fragilidade, cercadas de inimigos, a maré va-
zando, vazando, vazando…
sra. abigail blass
Eu na verdade era algo digno de ser visto quando, vestindo minha alegre
túnica de veludo vermelho, passava diante das sebes floridas no auge da
mocidade. Todos que me viam assim pensavam. Gente da cidade gagueja-
va quando eu me aproximava, meus NEGUINHOS saindo da frente, assust a-
dos, quando eu passava.
É isso que eu desejo que o jovem cavalheiro saiba.
E muit as vezes satisfiz meus desejos à noite com bons result ados; cravan-
do em minha boa mulher ou, se ela est ava indispost a, cravando em meus
NEGUINHOS, pois eu chamava assim aquela gente toda, porque eram mes-
mo escuros como a noite, como pedaços de carvão, que sempre me deram
calor em abundância. Bast ava eu pegar uma NEGUINHA jovem e ignorar
os gritos do NEGUINHO dela, e eu…
tenente cecil stone
Deus meu.
hans vollman
Era uma coisa boa humilhar assim aquele NEGUINHO aos olhos dos ou-
tros: com a mensagem se espalhando, o comport amento de todos melhora-
va, e no dia seguinte de trabalho até mesmo o mais parrudo daqueles
NEGUINHOS baixava a vist a, porque era eu quem tinha o chicote e a pisto-
la, e cada NEGUINHO sabia que, se me ofendesse, teria de pagar naquela
noite, e que minha cobrança por sua ofensa seria a mais querida dele, que
eu abriria a port a dele com um pont apé e puxaria para fora a sua
NEGUINHA, levando-a para os meus aposentos, e que a distração da noite
começaria com aquele carvão bem quentinho. Por isso meus campos eram
tranquilos, e quando eu dava alguma ordem, dezenas de pares de mãos cor-
riam para obedecer, aqueles olhos amarelos e cansados me fit ando para ter
certeza de que eu tinha not ado de quem eles eram e assim os dispensasse
dos meus prazeres.
Dessa forma eu convertia os NEGUINHOS em aliados e os tornava inimi-
gos uns dos outros.
tenente cecil stone
Vá se f…!
betsy baron
Nós éramos gent alha e descemos ainda mais. Essa é a principal coisa
que queremos…
betsy baron
Nem nos demos ao trabalho de levar nosso lindo sofá para aquele buraco
de m… perto do rio. Depois que o sueco nos chutou do nosso lugar no G.
eddie baron
Lá perto do rio.
betsy baron
E de cachorros.
eddie baron
Mas ficar andando no meio de uma multidão por cinco horas? Não ma-
ta ninguém.
betsy baron
Sabe o que eu acho? Até faz bem. Porque depois você aprende a andar
no meio de uma multidão por cinco horas sem chorar nem entrar em pâni-
co.
eddie baron
Por que eles nunca vêm nos visit ar? É isso que eu queria saber. Faz
quanto tempo que est amos aqui? Uma p… de um tempão. E eles nem
uma vez…
betsy baron
Que se f…! Aqueles ingratos não têm o menor direito de nos culpar de
p… nenhuma, porque nunca precisaram comer tant a m… como nós co-
memos, nunca foram f… como nós fomos.
eddie baron
Bêbados e inconscientes, est avam deit ados na estrada quando uma car-
ruagem passou por cima dos dois. Para se recuperarem dos ferimentos, fo-
ram deixados numa ignominiosa cova de doentes, sem identificação, do ou-
tro lado da temida cerca. Eram os únicos brancos ali, misturados com vári-
os represent antes da raça escura. Nenhum deles, pálido ou escuro, tinha
uma caixa de doente em que pudesse se recuperar decentemente.
hans vollman
Não era razoável que o casal Baron tivesse a pretensão de falar com o
menino.
reverendo everly thomas
É uma quest ão de comport amento. Uma quest ão, digamos, de ser “rico
de espírito”.
reverendo everly thomas
O casal Baron, no ent anto, ia e vinha quando bem queria. A cerca não
era um obst áculo para eles.
hans vollman
Ha.
roger bevins iii
Ha ha.
hans vollman
Depois do casal seguiu-se, em rápida sucessão, o sr. Bunting (“Eu cert a-
mente não tenho do que me envergonhar”), o sr. Ellenby (“Cheguei aqui
com sete prat as costuradas nas calças e não pretendo ir a porra de lugar ne-
nhum até que alguém me diga onde diacho est á meu dinheiro”) e a sra.
Proper Fessbitt (“Peço uma última hora durante a qual eu não sofra a dor
terrível, para que possa me despedir de meus entes queridos num est ado de
espírito mais ameno”), que se aproximou lent amente da port a na mesma
posição fet al, de lado, em que passara na cama seu último ano naquele lu-
gar anterior.
roger bevins iii
Dezenas de outros esperavam excit ados para falar com o menino, anima-
dos por uma nova esperança.
hans vollman
Passado algum tempo, devido a certos sinais com que est ávamos familia-
rizados, vimos que se armava uma confusão.
roger bevins iii
Uma leve brisa soprou, trazendo o aroma de todas as coisas que nos dão
conforto: grama, sol, cerveja, pão, cobert as, creme — uma list a que é dife-
rente para cada um de nós, cada qual entendendo o conforto a seu jeito.
roger bevins iii
E depois a frutificar.
reverendo everly thomas
Frut as que respondiam a nossos desejos: bast ava que a mente flutuasse
em direção a determinada cor (digamos, prat a) e forma (estrela) para que,
de imediato, grande número de frutos prateados em formato de estrela so-
brecarregasse os galhos de uma árvore que segundos antes se encontrava
desfolhada pelo inverno.
roger bevins iii
Todas essas coisas, sabíamos (as árvores frutíferas, a doce brisa, os infin-
dáveis alimentos, os riachos mágicos), represent avam apenas a guarda
avançada, por assim dizer, do que est ava por vir.
reverendo everly thomas
Anjos com asas estranhamente adapt adas a seus corpos, cada mulher
com uma grande asa que, retraída, parecia uma bandeira pálida e bem en-
rolada que descia junto à espinha dorsal.
reverendo everly thomas
Centenas de cópias perfeit as de Gilbert, meu primeiro (meu único!)
amante. Tal como o vi em nossa melhor tarde na garagem de carruagens,
uma mant a cinza de cavalo enrolada descuidadamente em sua cintura.
roger bevins iii
Onde est á meu querido reverendo?, perguntou o anjo líder, sua voz lem-
brando os frágeis sininhos de vidro que pendurávamos no domingo de Pás-
coa.
reverendo everly thomas
Uma das camponesas era Miranda Debb! Ali sent ada ao meu lado igual-
zinho como antes, as pernas cruzadas debaixo da saia amarela que era a
preferida dela. Só que agora parecia maior, comparada comigo um verda-
deiro gigante!
Você tem um problema, querida Abigail, não tem?, ela disse. Muit as ve-
zes, ao acordar, descobre que falt am vários itens, não é mesmo? Venha, ve-
nha conosco, est amos aqui para libert á-la. Veja nossos braços, nossas per-
nas, nossos sorrisos. Por acaso somos mentirosas? Quem tem uma aparên-
cia tão saudável? E quem a conhece há tanto tempo? Lembra daquele dia
de verão em que você se escondeu no monte de feno? Sua mãe chaman-
do? Enfiada lá dentro, feliz de est ar escondida?
O lugar aonde vamos levá-la será um milhão de vezes melhor, disse ou-
tra, que agora reconheci ser ninguém menos que a minha querida dama de
honra Cynthia Hoynton!
sra. abigail blass
Em dado momento, tendo os anjos volt ado en masse para ficarem ao lu-
ar e me impressionarem com seu brilho coletivo, levantei os olhos e vi, em
torno da casa de pedras brancas, um not ável cenário de sofrimento: deze-
nas de nós, paralisados pela dor: intimidados, deit ados, rastejando, com ex-
pressões de angústia diante da investida particular que cada qual est ava so-
frendo.
reverendo everly thomas
Abbie, querida, disse Miranda Debb, permit a que eu lhe mostre uma
coisa.
E pôs as mãos nas minhas faces.
E eu vi! No lugar para onde elas queriam me levar a maré subia e nunca
vazava. Eu iria viver no topo de uma colina e as pedras rolariam para cima.
Chegando lá, elas se abriam e dentro de cada uma havia uma pílula. Ao to-
mar a pílula, eu ia ter… ah, que glória! Tudo de que precisava.
Por uma vez.
Por uma vez na minha vida.
Miranda afastou as mãos do meu rosto e me vi de volt a aqui.
Gostou disso?, Miranda perguntou.
Muito, respondi.
Ent ão venha conosco, disse a amiga dela, que eu vi ser a boa Susanna
Briggs (!), com o cabelo preso num pano e um capim comprido na boca.
Duas outras brincavam de pique numa ravina. Seriam Adela e Eva Mc-
Bain? Isso mesmo! Algumas vacas acompanhavam com amor a brincadei-
ra. Achei engraçado que as vacas sentissem amor, mas aquele era o tipo de
mundo em que aquelas amigas queridas se moviam!
Não acredito que você seja uma velha viúva, disse Miranda Debb.
E tão pequena, disse Susanna Briggs.
Você, que sempre foi tão bonit a, disse Miranda Debb.
Foi pesado para você, disse Cynthia Hoynton.
A maré vazou e nunca encheu, disse Susanna Briggs.
As pedras rolaram morro abaixo, mas nunca morro acima, disse Cynthia
Hoynton.
Nunca na vida você recebeu o que merecia, disse Miranda Debb.
Meus olhos se encheram de lágrimas.
Isso é uma grande verdade, eu disse.
Você é uma onda que quebrou na praia, disse Miranda.
Falamos essas coisas para fazer você seguir em frente, disse Susanna.
Eu disse que não entendia nada disso, mas que cert amente ia gost ar de
tomar outra pílula daquelas.
Ent ão venha conosco, disse Miranda.
As irmãs McBain na ravina pararam para ouvir. O mesmo fizeram as va-
cas. Como também, de algum modo, o celeiro.
Eu est ava tão cansada, e vinha me sentindo cansada fazia muito, muito
tempo.
Acho que vou, eu disse.
sra. abigail blass
Como que estimulados por essa vitória, nossos algozes redobraram seus
esforços.
reverendo everly thomas
Choveram pét alas de rosas em alegre provocação: vermelhas, rosadas,
amarelas, brancas, roxas. Depois pét alas translúcidas; pét alas listradas; pét a-
las com bolinhas, pét alas (que você via ao pegar do chão e examinar aten-
tamente) contendo imagens det alhadas (até as hastes de flores quebradas e
brinquedos caídos) do quint al de nossa infância. Por fim, caíram pét alas
douradas (de ouro mesmo!), tilint ando ao bater numa árvore ou pedra com
inscrições.
roger bevins iii
Enquanto se dançava.
betsy baron
Mamãe chegou Umas dez delas Mas nenhuma cheirava nem um pouco
como mamãe Epa, que truque é esse Mandar dez mães falsas para alguém
tão sozinho
Venha conosco, Willie, disse uma das mães
Mas aí De repente Elas tinham o cheiro Bem certinho E me rodearam e
me abraçaram com o cheiro certo
Mamãe Meu Deus Minha querida
Você é uma onda que quebrou na praia, disse uma segunda mãe
Querido Willie, disse uma terceira
Meu muito querido Willie, disse uma quart a
E todas essas mães me amavam muito, queriam que eu fosse com elas e
disseram que me levariam para casa tão logo eu estivesse pronto.
willie lincoln
Eddie saiu correndo ao ouvir esses sons. Às vezes ele fica assust ado pra
c… Uma dessas vagabundas chegou pertinho de mim. Aí vi que não era
uma vagabunda. Mas nossa própria filha, Mary Mag! Vestida num apuro
f…! Finalmente veio visit ar! Depois de uma demora do c…!
Mamãe, ela disse. Desculpe termos sido tão negligentes. Everett e eu.
Quem é Everett?, perguntei.
Seu filho, ela disse. Meu irmão.
Edward, você quer dizer, eu falei. Eddie? Eddie Jr.?
Sim, Edward, certo, desculpe, ela disse. Seja como for, nós devíamos ter
vindo há bast ante tempo. Mas tenho andado muito ocupada. Tendo suces-
so. E sendo amada. E gerando muitos filhos lindíssimos. E inteligentes. As-
sim como Everett.
Edward, eu disse.
Sim, Edward, ela disse. É que estou tão cansada! De… todos esses suces-
sos!
Bom, est á certo, eu disse. Agora você est á aqui, garot a.
E… mãe?, ela disse. Fique sabendo, por favor. Est á tudo bem. Você fez
o melhor que pôde. Não a culpamos por nada. Mesmo sabendo que você
acha que, às vezes, teve algumas deficiências de caráter materno…
Fui uma mãe de m…, não fui?, perguntei.
Qualquer que seja a falha que você imagina ter cometido, deixe tudo is-
so para trás, ela disse. Deu tudo certo. Venha conosco.
Mas ir pra onde?, eu disse. Eu não…
Você é uma onda que quebrou na praia, ela disse.
Olha, não entendo isso, eu disse.
Naquele inst ante Eddie voltou correndo.
Meu herói!
Ha.
Saia já daqui, sua filha da p…, ele disse.
É a Mary Mag, eu disse.
Não é coisa nenhuma, ele disse. Olha só.
Ele pegou uma pedra e atirou. Bem na Mary Mag! Quando a pedra pas-
sou por dentro dela, já não era mesmo Mary Mag, sei lá quem era. Ou que
p… era aquilo. Uma bolha ou um raio de sol com a forma da p… de um
vestido!
Cavalheiro, o senhor é um idiot a, disse a bolha-luz.
Depois se voltou para mim.
A senhora, madame, disse a bolha-luz, um pouco menos.
betsy baron
A líder dos anjos tomou meu rosto nas mãos enquanto suas asas batiam,
fazendo me lembrar do rabo de um cavalo enquanto se aliment a.
Est á indo bem aqui, reverendo?, ela perguntou, as asas erguidas pregui-
çosamente acima da cabeça. Aquele a quem o senhor serviu em vida est á
presente aqui?
Eu… eu creio que Ele est á, respondi.
Obviamente, Ele est á em toda parte, ela disse. Mas não gost a de vê-lo se
demorando por aqui. Em meio a companheiros de tão baixo nível.
Sua beleza era considerável e aument ava a cada segundo. Vi que preci-
sava terminar nossa entrevist a se quisesse evit ar um desastre.
Por favor, vá embora, eu disse. Não… não necessito de seus serviços ho-
je.
Mas em breve, penso eu?, ela disse.
Sua beleza ultrapassou qualquer possibilidade de descrição. E caí no
pranto.
reverendo everly thomas
E ficamos a sós.
hans vollman
Espalhados pela superfície do lugar onde ela ficava est avam seus ente-
sourados pedaços de passarinhos mortos, gravetos, torrões etc., agora obje-
tos abandonados e sem o menor valor.
hans vollman
Pobre infeliz. Nenhum de nós o conhecia bem. Est ava aqui havia mui-
tos anos. Mas só raramente se afast ava de sua caixa de doente.
hans vollman
E quando o fazia, era sempre para grit ar: “Sabe quem eu sou, meu se-
nhor? Tenho uma mesa reservada no Binlay’s! Ganhei a Legião da Águia!”.
Ainda lembro seu choque quando eu disse que não conhecia aquele rest au-
rante. “Binlay’s é o melhor da cidade!”, ele exclamou. “De que cidade?”,
indaguei, e ele disse Washington, descrevendo a localização; mas eu co-
nhecia aquela esquina e ali era, sem a menor dúvida, um local de est ábu-
los, coisa que lhe disse. “É uma pena para o senhor!”, ele retrucou. Mas eu
o tinha abalado. Ficou sent ado em seu montinho, cofiando a barba, pensa-
tivo. “Mas cert amente conhece o estimado sr. Humphries, não?”, pergun-
tou com voz tonitruante.
E agora ele se foi.
Adeus, sr. Coombs, e tomara que conheçam o Binlay’s aonde quer que o
senhor vá!
roger bevins iii
Sem saber quem tinha sido a terceira vítima, de repente nos lembramos
do menino.
hans vollman
Sua respiração est ava entrecort ada; as mãos tremiam. Estimo que hou-
vesse perdido met ade de sua massa corporal. O rosto encovado, o colarinho
da camisa sobrava em volt a do pescoço subit amente muito fino; olheiras
negras haviam surgido sob seus olhos; tudo isso se combinando para lhe
dar uma aparência peculiar, espectral.
roger bevins iii
Aquela garot a, a Traynor, tinha levado quase um mês para descer a esse
nível.
roger bevins iii
Tudo bem, disse o sr. Vollman com delicadeza. De verdade. Est amos
aqui. Fique em paz: você nos proporcionou uma esperança imensa, que
permanecerá em nós por muito tempo e nos fará muito bem. Nós lhe agra-
decemos, lhe desejamos todo o bem e abençoamos sua partida.
reverendo everly thomas
Papai prometeu, disse o menino. Como seria se ele volt asse e descobris-
se que fui embora?
Seu pai não vai volt ar, disse o sr. Vollman.
Pelo menos não tão cedo, eu disse.
Quando ent ão você não est ará em condições de recebê-lo, disse o sr.
Vollman.
Caso seu pai volte, disse o reverendo, nós lhe diremos que você precisou
partir. Explicaremos que foi para seu bem.
Você est á mentindo, disse o menino.
Aparentemente, a degradação do menino já começava a afet ar seu tem-
peramento.
O que você quer dizer?, perguntou o reverendo.
Vocês três mentiram para mim desde o começo, disse o menino. Fala-
ram que eu devia ir. E se eu tivesse ido? Teria deixado de ver meu pai. E
agora dizem que vão lhe dar uma mensagem?
E vamos, disse o reverendo. Cert amente…
Mas como vão dar?, o menino perguntou. Vocês têm algum método? De
comunicação? Eu não tive. Quando estive com ele.
roger bevins iii
(Nebuloso.
Longe de ser garantido.)
roger bevins iii
Há muitos anos, o marido dela a havia precedido na vinda para este lu-
gar. Mas já não se encontrava aqui. Quer dizer, embora sua forma doente
jazesse onde ela a pusera, o sr. Delaney…
roger bevins iii
Est ava em outro lugar.
reverendo everly thomas
Mas agora o coração dela est ava dividido: tendo passado muitos anos na-
quele lugar anterior, com saudades desse outro Delaney, dolorosamente in-
feliz em seu novo casamento…
reverendo everly thomas
Um mês depois que seu marido veio para cá, ela havia se unido a esse
outro Delaney, mas ele logo caiu em seu conceito pelo desprezo que de-
monstrou pela memória de seu marido (e irmão dele), revelando assim que
tinha um caráter degenerado e avarento (ao contrário do marido, que, ela
via agora, tinha sido honrado em todos os sentidos).
hans vollman
Embora bast ante tímido e pouco imaginativo, além de não ser um espé-
cime físico tão imponente e atraente quanto o (moralmente condenável)
irmão.
roger bevins iii
Desse modo, ela se viu num dilema.
hans vollman
Indo ou esperando.
roger bevins iii
Incessantemente.
hans vollman
Nem ela.
reverendo everly thomas
Inclinando-me para afast á-lo, descobri que era rígido, mais pedra do que
cobra.
reverendo everly thomas
O começo do fim.
hans vollman
XXXII.
Uma vez preso, ele seria rapidamente tomado pelo que pode ser mais
bem descrito como um brilho placentário.
reverendo everly thomas
Em que a abandonamos.
hans vollman
Lembramo-nos de como ela cant ava alegremente durante o est ágio ini-
cial da formação da carapaça, como se quisesse negar o que est ava aconte-
cendo.
roger bevins iii
Pobre criança.
reverendo everly thomas
Linda voz.
hans vollman
A consideração que eu tinha por mim ficou muito abalada naquela oca-
sião.
hans vollman
Sim.
roger bevins iii
O menino se calara.
hans vollman
E nos demos cont a de que a sra. Ellis tinha sido a terceira a sucumbir.
roger bevins iii
As orbes est avam vazias agora, isto é, não continham nenhuma filha.
hans vollman
De todos os tipos.
roger bevins iii
Chapéus, risos, piadas grosseiras, som de peidos feito com a boca, vindos
de cima: esses eram o prenúncio da aproximação dos Três Solteiros.
reverendo everly thomas
Nunca tendo amado ou sido amados no lugar anterior, est avam congela-
dos aqui num est ado juvenil de perpétua inanidade emocional; interessa-
dos apenas em liberdade, esbanjamentos e badernas, reagindo a qualquer
limit ação ou compromisso.
reverendo everly thomas
De todos os tipos.
hans vollman
É
É estranho que o cavalheiro tenha vindo aqui, para começo de conversa;
mais estranho ainda que tenha ficado.
reverendo everly thomas
Cert a vez convenceram a sra. Tessenbaum de que ela est ava se manifes-
tando nas roupas de baixo.
hans vollman
Por isso, qualquer declaração dos Solteiros deve ser vist a com suspeit a.
hans vollman
Nós nos encontramos aqui por uma graça, disse o reverendo. Nossa ca-
pacidade de permanecer est á longe de ter sido assegurada. Em consequên-
cia, precisamos conservar nossa energia, restringindo-nos às atividades que
servem diret amente a nosso propósito central. Não gost aríamos, devido a
alguma ação perdulária, de parecer ingratos pela bênção misteriosa de nos-
sa permanência continuada. Pois, embora aqui estejamos, não nos é dado
saber por quanto tempo e em virtude de que concessão especial…
roger bevins iii
Cort ando caminho pelo pequeno vale coberto de trevos e ocupado por
sete membros da família Palmer, adoecidos numa inundação, em pouco
tempo atingimos o caminho estreito e calçado com placas de ardósia cin-
zent a que corre mais abaixo, passando entre Coates de um lado e Wem-
berg de outro.
hans vollman
Andando rápido no lado mais dist ante da colina do norte, cumpriment a-
mos Merkel (que havia levado um coice de um touro, mas ainda nutria
grandes esperanças com relação à dança); Posterbell (um dândi cuja apa-
rência havia se deteriorado e que desejava fervorosamente que seu cabelo
fosse restituído, que suas gengivas revertessem o processo de recessão, que
os músculos dos braços deixassem de ser flácidos e que seu smoking lhe fos-
se trazido e, junt amente com um frasco de perfume e um buquê de flores,
para que volt asse a cortejar senhoras e senhorit as); o sr. e a sra. West (in-
cêndio sem causa concebível, na medida em que sempre foram meticulo-
samente cuidadosos no controle da lareira); e o sr. Dill (murmurando feliz
sobre as not as excelentes de seu neto na universidade e já pensando na ce-
rimônia de formatura na primavera).
hans vollman
Passando depois por Trevor Williams, ex-caçador, sent ado diante da gi-
gantesca pilha de animais que despachara em seus anos de atividade: cen-
tenas de veados, trint a e dois ursos-negros, três filhotes de urso, inumeráveis
guaxinins, linces, raposas, doninhas, esquilos, perus selvagens, marmot as e
pumas; dezenas de camundongos e ratos, um monte de cobras, centenas
de vacas e bezerros, um pônei (atropelado por uma carruagem), cerca de
vinte mil insetos. Ele devia segurar cada um deles com uma contemplação
amorosa durante horas, meses, dependendo da qualidade da contemplação
amorosa dispensada e do est ado de horror da criatura quando de seu passa-
mento. Depois desse cont ato (caso fosse considerado suficiente o result ado
da contemplação amorosa e do tempo concedidos), a criatura em quest ão
se afast ava trot ando, voando ou rastejando, reduzindo em uma unidade a
pilha do sr. Williams.
roger bevins iii
Ele havia sido um caçador prodigioso e ainda tinha muitos anos de tra-
balho duro pela frente.
roger bevins iii
Tendo nos braços um bezerro, pediu que lhe fizéssemos companhia, di-
zendo que era um bom trabalho, mas solit ário, uma vez que jamais lhe era
permitido se pôr de pé e passear.
hans vollman
Expliquei-lhe que est ávamos numa missão urgente e que não podíamos
nos atrasar.
roger bevins iii
O sr. Williams (um bom sujeito, nunca infeliz, sempre alegre depois de
sua conversão à delicadeza) mostrou que compreendia acenando com uma
pat a do bezerro.
hans vollman
XXXVIII.
Como lhe passasse pela cabeça uma nova preocupação com uma de su-
as propriedades, ele foi jogado abrupt amente para a frente, de barriga para
baixo, girando na direção norte.
hans vollman
XXXIX.
Em seguida, cort amos caminho pela pequena área pant anosa ocupada
por aqueles de nós em piores condições.
hans vollman
Lá est avam o sr. Randall e o sr. Twood, numa conversa sem fim.
hans vollman
Em respost a, a massa cinzent a e sem rosto que tinha sido o sr. Randall às
vezes execut ava alguns passos de dança.
roger bevins iii
Ceda seu lugar Eis aqui um sujeito que sabe realmente sacudir os ossos
O sujeito do piano dizia isso Depois era só comigo.
jasper randall
Vez por outra, perto da alvorada, quando, esgot ados, todos os moradores
do pânt ano tinham se retirado em silêncio para as proximidades do carva-
lho negro atingido por um raio, o sr. Randall podia ser visto fazendo uma
reverência após a outra, dirigidas a uma plateia invisível.
roger bevins iii
OFERTAS EXTRAORDINÁRIAS:
Lembre-se apenas de sua mãe, magra e cansada, que ainda pode ser sal-
va pelo ferro de engomar automático, pelo ralador circular, pela caixa de
gelo, pelo saleiro mecânico, sua postura antes elegante será recuperada, seu
sorriso bondoso e encant ador revivido, como antigamente, quando, de cal-
ça curt a, você brandia um sabre feito de um galho de árvore na cozinha
cheirando a tort a.
sr. benjamin twood
Finito, arpejo, pausa para fumarbeber Quando eu est ava em plena for-
ma, pequenas ondulações apareciam no drinque dourado posto adiante.
jasper randall
Pode quem judar? Vem. Me. Junt ar? Quem judar? Alguém favor? Ajuda.
Quer junt ar? Destupir? Pode?
Lugar judapode.
l. b. papers
Não fazíamos ideia do que o sr. Papers poderia ter sido anteriormente.
roger bevins iii
Flanders Quinn.
hans vollman
Ex-ladrão.
roger bevins iii
Bevins, vou mijar na porra dos cortes desses teus pulsos Pegar você pela
pirocona, Vollman, vou jogar os dois na cerca pret a.
flanders quinn
Seguindo bem rápido pela margem do pânt ano, Quinn foi nos xingan-
do, mas depois mudou a conversa e suplicou que volt ássemos, porque tinha
medo de ficar naquele lugar, embora seu medo maior talvez fosse pensar
no que poderia acontecer com um pecador que havia cort ado as gargant as
de um comerciante e de sua filha ao lado de um cabriolé de roda quebrada
vindo de Fredericksburg (depois arrancou as pérolas do pescoço dela e lim-
pou o sangue da joia com o próprio xale de seda da moça).
roger bevins iii
Ent ão, uma figura irrompeu do montinho de terra como um animal sel-
vagem escapando da jaula, e começou a caminhar de um lado para outro,
olhando ansiosamente para os rostos do sr. Muller, da sra. Sparks e dos de-
mais.
roger bevins iii
Um soldado.
De uniforme.
hans vollman
Não tenha medo, alguém do grupo falou com sot aque texano. Você est a-
va naquele velho lugar e agora est á aqui, neste lugar novo.
roger bevins iii
Ele agora caminhava em círculos e aos tropeços com a cabeça nas mãos.
roger bevins iii
A lua ia alt a e eu disse com meus botões que às vezes um homem deve
preservar a paz e poupar quem ele ama. O que eu fiz. Até hoje. Planejava
lhe cont ar isso não numa cart a, mas em pessoa. Quando talvez o calor do
relato pudesse amenizar o choque. Mas, como minha situação parece ex-
tremamente desesperada e meu regresso a casa não vai ocorrer nunca, con-
to-lhe tudo, apelo a você, na voz mais verdadeira (fodi a menor das duas,
fiz isso, fiz isso sim), na esperança de que você, e Aquele que ouve e perdoa
tudo, ouvirão e me perdoarão, permitindo que eu saia agora deste miserá-
vel…
tenente william prince
E ele se foi.
hans vollman
Meu Deus, pensei, pobre-diabo! Não deu uma chance decente a este lu-
gar, fugindo sem pensar duas vezes, deixando para trás as coisas bonit as
deste mundo.
E a troco do quê?
Você não sabe.
Uma apost a muito pouco inteligente.
Abrindo mão, perpetuamente, meu senhor, de coisas como: duas ove-
lhas recém-tosquiadas num campo que acabou de ser ceifado; quatro som-
bras lineares e paralelas projet adas por uma veneziana se movendo lent a-
mente através do flanco de um gato malhado que dorme ao meio-dia; nove
bolot as de carvalho desprendidas por uma lufada de vento rolando por um
telhado de ardósia descorado pelo sol e caindo sobre um terreno coberto
de urzes ressequidas; o aroma de uma chapa de panqueca sendo aquecida
subindo até onde se encontra um sujeito que faz a barba, enquanto se ouve
na cozinha o tilint ar matinal de panelas e de moças conversando; num por-
to próximo, uma escuna do tamanho de um palacete se inclinando na dire-
ção do cais tocada por uma brisa capaz de fazer bandeiras tremular e sini-
nhos tocar, enquanto em terra, no pátio de uma escola, um estridente coro
infantil e o louco latido do que parecem ser uma dúzia de…
roger bevins iii
Amigo.
Agora não é bem a hora.
hans vollman
Mil perdões.
Mas (como creio que você sabe) a coisa não est á inteiramente sob meu
controle.
roger bevins iii
Por exemplo.
hans vollman
Lament ável.
hans vollman
Renderam-se.
hans vollman
Sucumbiram.
roger bevins iii
Capitularam.
hans vollman
XLIII.
Ao nos aproximarmos, ergueu o rosto, até ent ão enfiado nas mãos, e sol-
tou um grande suspiro. Naquele momento poderia ser uma escultura re-
present ando o tema da Perda.
hans vollman
Sim.
roger bevins iii
Ou num bolorento escritório nas planícies, onde uma vela acesa ainda
brilha intensamente.
roger bevins iii
A entrada recente do (jovem) sr. Bevins fez com que o cavalheiro se re-
cordasse agora de uma cena de sua juventude (bem devassa): uma rapariga
de voz macia mas muito simplória (rosto sujo, olhos meigos) o conduzindo
com timidez por um caminho lamacento, urtigas se acumulando na saia
verde e balouçante, enquanto na mente dele crescia um sentimento de ver-
gonha ao pensar que não era correto se aproveit ar daquela garot a, mais ani-
mal que mulher e que nem sabia ler.
hans vollman
E depressa focou sua (nossa) mente em outra coisa, a fim de deixar para
trás aquele pensamento impróprio.
hans vollman
XLVI.
Não conseguiu.
hans vollman
Não conseguiu.
hans vollman
Esfregamos com força a mão no rosto, como que tent ando suprimir uma
ideia que surgia.
hans vollman
O jovem Willie Lincoln foi enterrado no dia em que foi divulgada a list a
de baixas result ante da vitória da União no Forte Donelson, evento que na
época causou grande choque na população porque o custo em número de
vidas não tinha precedente até ent ão na guerra.
“Setting the Record Straight: Memoir, Error, and
Evasion”, em “Journal of American History”, Jason
Tumm.
Mais de mil soldados de ambos os lados morreram, e três vezes tal nú-
mero acabaram feridos. Foi uma “lut a muito sangrent a”, de acordo com o
que um jovem soldado da União contou ao pai, tão devast adora para sua
companhia que, apesar da vitória, ele continuou se sentindo “triste, solit á-
rio e deprimido”. Apenas sete dos oitent a e cinco homens de sua unidade
sobreviveram.
Goodwin, op. cit.
Mil mortos. Isso era novo. Parecia uma guerra de verdade agora.
“The Great War, as Described by Its Warriors”,
Marshall Turnbull.
E a mãe-fogo tinha varrido o local onde est avam caídos os mortos conge-
lados e os feridos. Encontramos um que ainda se debatia e pudemos trazê-
lo vivo sem saber a que lado pertencia, tão queimado ele est ava, e nu exce-
to por uma das pernas da calça. Nunca soube se ele escapou. Mas a coisa
parecia feia para aquele pobre-diabo.
“Letters of an Illinois Soldier”, edit adas por Sam
Westfall, relato do soldado raso Edward Gates,
Companhia F, 15o Bat alhão de Volunt ários de In-
fant aria de Illinois.
Encontramos dois rapazinhos de mãos dadas que não teriam mais que
catorze quinze anos, como se tivessem decidido atravessar juntos aquele
port ão escuro.
Gates, op. cit.
Quantos mortos mais o senhor espera antes de dar o trabalho por encer-
rado? Num minuto nosso Nate est ava em cima da ponte com o caniço, e
onde est á o menino agora? E quem o chamou para lá, naquele anúncio
que ele viu no Orbys, muito bem meu senhor, foi seu nome que ele viu:
“Abaham Lincoln”.
“Country Letters to President Lincoln”, reunidas e
edit adas por Josephine Banner e Evelyn Dressman;
cart a de Robert Hansworthy, Boonsboro, Maryland.
XLVIII.
Ele é só um.
E o peso disso está quase me matando.
O sofrimento foi exportado. Umas três mil vezes. Até agora. Por enquanto.
Uma montanha. De meninos. Filhos de alguém. Preciso continuar. Talvez
não tenha a coragem necessária. Uma coisa é puxar a alavanca quando não
se vê o resultado. Mas aqui jaz um belo exemplo do que consegui por causa
das ordens que eu…
Talvez me falte força de vontade.
O que fazer. Mandar parar? Jogar num poço de perdas esses três mil? Fa-
zer um chamamento à paz? Tornar-me um grande idiota que voltou atrás, o
rei da indecisão, objeto de zombaria pelo resto dos tempos, caipira vacilante,
frouxo?
Escapou do controle. Quem está dirigindo. Quem causou isso. A entrada
em cena de quem iniciou tudo.
O que eu estou fazendo.
O que eu estou fazendo aqui.
Tudo agora um absurdo. Veio aquela gente. Estendendo a mão. Seus fi-
lhos intactos. Demonstrando uma tristeza forçada — máscaras para ocultar
qualquer sinal de felicidade, o que… que continuou. Não poderiam esconder
quão vivos estavam com ela, com a felicidade que sentiam diante do po-
tencial dos filhos que ainda viviam. Até recentemente eu era um deles.
Passeando e assobiando no matadouro, afastando os olhos da carnificina, ca-
paz de rir, sonhar e ter esperança porque não havia acontecido comigo.
Conosco.
Armadilha. Horrível armadilha. Armada quando se nasce. O último dia é
certo que chegará. Quando você precisará sair deste corpo. Quanto azar. Aí
trazemos um bebê para cá. As condições da armadilha se complicam. Aquele
bebê também necessita partir. Todos os prazeres devem ser conspurcados por
esse conhecimento. Mas nós, esperançosos, esquecemos.
Deus meu, o que é isso? Todo esse caminhar, tentar, sorrir, fazer reve-
rências e piadas? Sentar-se a uma mesa, passar camisas, pôr gravatas, engra-
xar sapatos, planejar viagens, cantar no banheiro?
Quando se termina abandonado aqui?
As pessoas devem concordar com a cabeça, dançar, raciocinar, andar, dis-
cutir?
Como antes?
Está havendo um desfile. Ele não pode se levantar e participar dele. Devo
correr atrás, tomar meu lugar, levantar bem alto os joelhos, agitar uma
bandeira, soprar uma corneta?
Ele era querido ou não?
Então deixe que eu não seja mais feliz.
hans vollman
XLIX.
Fazia bast ante frio. (Est ando no interior do cavalheiro, nós, pela primei-
ra vez…
hans vollman
Ele continuou sent ado, aflito e tirit ando, em busca de algum consolo.
A essa altura ele deve estar num lugar feliz ou em lugar nenhum.
Pensou o cavalheiro.
Em qualquer caso, não está mais sofrendo.
Sofreu tanto no final.
(A tosse excruciante os tremores os vômitos os esforços patéticos para man-
ter a boca enxugada com a mão trêmula o modo pelo qual seus olhos em pâ-
nico capturavam os meus como se perguntasse não há mesmo nada papai
que você possa fazer?)
E ment almente o cavalheiro se pôs de pé (nós também) numa planície
desert a, urrando a plenos pulmões.
Depois se aquietou, numa grande prostração.
Tudo terminado agora. Para ele é alegria ou nada.
(Então, por que se afligir?
Para ele, o pior já passou.)
Porque o amei tanto e tenho o hábito de amá-lo e este amor deve tomar a
forma de alvoroço preocupação e ação.
Só que não há nada a fazer.
Livrar-me destas trevas tanto quanto possível, permanecer útil, não
enlouquecer.
Pensar nele, quando eu fizer isso, como se estivesse num lugar bem ilumi-
nado, livre da dor, resplandecente num novo modo de vida.
Assim pensou o cavalheiro.
Alisando pensativamente a grama.
roger bevins iii
L.
Triste.
roger bevins iii
Muito triste.
hans vollman
O filho dele não est á “num lugar bem iluminado, livre da dor”.
hans vollman
Não.
roger bevins iii
Au contraire .
roger bevins iii
Permito-me divergir.
Cert a vez provocamos um casamento, se é que se recorda.
hans vollman
Ellers.
roger bevins iii
Ellers, claro!
Entediados, nos unimos, entramos juntos no casal e, concentrando a for-
ça combinada de nossos desejos, fomos capazes de efetuar…
hans vollman
Bem, não teve dúvida nenhuma naquele dia, meu caro amigo. Seu
membro alcançou um tamanho assombroso. E, mesmo num dia normal,
ele é intumescido para…
roger bevins iii
Sim.
Fizeram os passarinhos voar das árvores com seus impressionantes gemi-
dos de prazer.
hans vollman
Após o que renovaram seu compromisso e partiram de mãos dadas, re-
conciliados, outra vez noivos.
roger bevins iii
Ora, ora. Eram jovens, libidinosos, a sós num local isolado, numa bela
noite de primavera. Não est avam precisando de muit a ajuda de…
roger bevins iii
Amigo:
Est amos aqui.
Já aqui.
Dentro.
Um trem se aproxima de um muro a uma velocidade fat al. Você est á se-
gurando um interruptor que pode ou não ter algum efeito: você o aciona
ou não? De outro modo, o desastre é inevit ável.
Não lhe cust a nada.
Por que não tent ar?
hans vollman
LIII.
E começamos.
roger bevins iii
A persuadir o cavalheiro.
hans vollman
A tent ar persuadi-lo.
roger bevins iii
No menino.
roger bevins iii
Sapato surrado.
roger bevins iii
No último Nat al, visit ando-a por ser um feriado religioso, descobrimos
que, devido à tensão daqueles dias abençoados, ela fora mais além da ponte
caída, do urubu, do grande cachorro, da terrível bruxa se empanzinando
de um bolo negro, do milharal destruído pela inundação, do guarda-chuva
rasgado pela vent ania que não éramos capazes de sentir…
hans vollman
E est ava se manifest ando como um antigo convento, ocupado por quin-
ze freiras amargas que viviam brigando, prestes a ser arrasado por um in-
cêndio.
roger bevins iii
De repente, o local (a moça) est ava pegando fogo: gritos, gemidos, gru-
nhidos, votos de obediência sendo abjurados caso houvesse possibilidade
de salvação.
roger bevins iii
Um cadeado.
hans vollman
Pesado e frio.
A chave ainda nele.
hans vollman
Pôs-se de pé.
hans vollman
E saiu andando.
roger bevins iii
Est ando ainda entremesclados, traços do sr. Vollman por certo começa-
ram a surgir em minha mente, assim como traços da minha por certo co-
meçaram a surgir na dele.
roger bevins iii
Vi, pela primeira vez, a grande beleza das coisas deste mundo: got as
d’água nos bosques a nosso redor escorrendo das folhas; as estrelas parecen-
do baixas, branco-azuladas, bruxuleantes; a aragem trazendo traços de fogo,
ervas secas, lodo do rio; o roçagar dos arbustos crescendo de volume com a
aragem mais viva, enquanto algum cavalo que puxava um trenó dist ante no
ribeirão fez soar os sininhos em seu pescoço.
hans vollman
Após ter saído do sr. Bevins, imediat amente fui tomado pelo desejo de
volt ar a ele e aos fenômenos que lhe est avam associados, um desejo que ri-
valizava com o que senti com relação a meus pais quando saí pela primeira
vez de casa para servir como aprendiz em Baltimore — uma saudade real-
mente considerável.
Tamanha havia sido a intensidade de nossa coabit ação.
Nunca mais volt aria a deixar de vê-lo por inteiro: caro sr. Bevins!
hans vollman
Não obst ante, tinha certeza de que o sr. Lincoln era o presidente. Est á-
vamos em guerra. Não est ávamos em guerra. Tudo era caótico. Tudo est a-
va calmo. Invent ara-se um dispositivo que permitia a comunicação à dis-
tância. Não existia tal dispositivo. Nem poderia. A ideia era maluca. Con-
tudo, eu o tinha visto, eu o tinha usado; podia ouvir ment almente o som
que ele fazia ao funcionar.
Era o telégrafo.
Meu Deus!
roger bevins iii
No dia da viga, Polk era o presidente. Mas agora eu sabia (com uma cla-
reza ofuscante) que Polk havia sido sucedido por Taylor, Taylor por Fillmo-
re, Fillmore por Pierce…
hans vollman
Lincoln!
hans vollman
O presidente Lincoln!
roger bevins iii
A estrada de ferro agora ia além de Buffalo…
hans vollman
Muito além!
roger bevins iii
Revolucionou o teatro.
roger bevins iii
A noite de 25 de fevereiro de 1862 foi fria mas clara, uma pausa bem-
vinda depois do tempo terrível que se abatera ultimamente sobre a capit al.
Com o enterro de Willie Lincoln foram concluídas todas as atividades ceri-
moniais associadas ao fato. A nação aguardava ansiosa, na esperança de que
o presidente reassumisse com competência o leme da embarcação do Est a-
do em sua hora de maior necessidade.
“The Spiritual Lincoln: An Essential Journey”, C.
R. DePage.
LVII.
Por volt a das duas da tarde ouvi um tremendo alvoroço vindo da parte
da casa onde est ava o menino doente. Aparentemente, havia chegado a ho-
ra. A sra. Lincoln passou correndo por mim, de cabeça baixa, fazendo um
som que nunca vi ser emitido, antes ou depois, por uma gargant a humana.
Hilyard, op. cit., relato de Sophie Lenox, emprega-
da.
A face pálida do menino morto fez com que ela tivesse convulsões.
Keckley, op. cit.
Embora medicada com láudano, mesmo essa potente preparação foi in-
capaz de suprimir seus gritos de agonia ou conter seu misto de revolt a e in-
credulidade.
Coster, op. cit.
Ela ficava lá, desejando que as coisas não fossem assim; ora descrendo
que houvesse ocorrido, ora convencida mais uma vez que havia. Sempre as
mesmas paredes, roupas de cama, copo, teto, janelas. Ela não tinha forças
para se levant ar e sair — o mundo lá fora era terrível demais agora. Ela to-
mava pequenos goles da bebida que continha a droga e que era sua única
esperança de paz.
Swarney, op. cit.
Onde est ava seu filho?, ela continuava a pergunt ar. Onde est ava ele? Se-
rá que alguém não poderia encontrá-lo, trazê-lo imediat amente para ela?
Será que ele ainda não est ava em algum lugar?
Hilyard, op. cit., relato de Sophie Lenox, emprega-
da.
LIX.
Deixado a sós no teto da casa de pedras brancas, resolvi fazer uma tent a-
tiva final de convencer o menino, que est ava quase desfalecido aos meus
pés, como um pequeno paxá destronado e aturdido.
Eu tinha ficado magoado com as atitudes juvenis e enganosas dos srs.
Bevins e Vollman, que, na ânsia de correr atrás de qualquer diversão, havi-
am me deixado numa posição deveras difícil. Como uma espécie de jardi-
neiro primitivo, trabalhei, curvado na cintura, arrancando os filamentos
com ambas as mãos. Precisava decidir continuamente se atacava os diversos
que já est avam presos ao corpo dele ou seus congêneres que não paravam
de brot ar. Na realidade, pouco import ava o que eu fizesse: o menino não
dispunha de muito mais tempo.
Logo surgiu a oportunidade de ter uma conversa franca com ele.
Examinando as redondezas para tent ar localizar os irresponsáveis Bevins
e Vollman, vi em vez disso, saindo do bosque, os irmãos Crutcher, acompa-
nhados como sempre pelo sr. e pela sra. Reedy, os quatro represent ando o
núcleo do grupo orgiástico de depravados que residia próximo ao mastro da
bandeira.
Viemos observar, disse Matt Crutcher.
O declínio, disse Richard Crutcher.
Isso nos interessa, disse a sra. Reedy.
Observamos na última vez, disse Matt Crutcher. Com a moça.
Achamos muito estimulante, disse o sr. Reedy.
Realmente nos deu novo alento, disse a sra. Reedy.
E todo mundo precisa de um alento, disse o sr. Reedy.
Nest a cloaca, disse Matt Crutcher.
Não nos julgue, disse o sr. Reedy.
Ou julgue, disse a sra. Reedy.
Faz nos sentirmos mais impudicos, disse Matt Crutcher.
Gosto não se discute, disse Richard Crutcher, aproximando-se da sra.
Reedy.
Talvez, disse a sra. Reedy, enfiando a mão no bolso da calça dele.
O grupo ent ão se acocorou ali perto, como repugnantes aves de rapina
atraídas pela infelicidade do menino. E em breve teve início um estranho
espet áculo coletivo, os quatro se manifest ando como uma terrível criatura,
seus braços subindo e descendo, além dos arquejos ritmados, transmitindo
uma impressão claramente mecânica.
O que é que você acha?, perguntei ao menino. Este é um bom lugar?
Um lugar saudável? Essa gente lhe parece ment almente sã, exemplos dig-
nos de ser seguidos?
Mas ainda assim o senhor est á aqui, disse o menino.
Sou diferente, eu disse.
De mim?, ele perguntou.
De todo mundo, respondi.
Diferente como?, ele perguntou.
E senti-me tent ado a lhe cont ar.
reverendo everly thomas
LXI.
Seus olhos eram claros, penetrantes, com uma luminosa coloração cin-
zent a.
“Lincoln’s Photographs: A Complete Album”,
Lloyd Ostendorf, relato de Martin P. S. Rindlaub.
Os olhos mais tristes de um ser humano que eu tenha visto até hoje.
“Lincoln’s Melancholy: How Depression Challen-
ged a President and Fueled His Greatness”, Joshua
Wolf Shenk, relato de John Widmer.
Est ático, era o rosto mais triste que já vi. Havia dias em que mal podia
olhar para ele sem chorar.
Carpenter, op. cit.
Seu cabelo bem grisalho, embora o cast anho ainda predominasse; mais
fios brancos na barba.
“A Wisconsin Woman’s Picture of President Lin-
coln”, em “The Wisconsin Magazine of History”,
Cordelia A. P. Harvey.
Quando ele est ava de bom humor, eu sempre imaginava que as orelhas
iriam abanar como as de um amistoso elefante.
“Ten Years of My Life”, princesa Felix Salm-Salm.
Seu nariz não era maior que o normal, mas parecia grande por ser o ros-
to tão estreito.
“Abraham Lincoln’s Philosophy of Common Sen-
se”, Edward J. Kempf.
Seu nariz é bem longo, mas isso é necessário para manter as proporções
corret as porque ele próprio também é bast ante comprido.
“Mary Lincoln: Biography of a Marriage”, Ruth
Painter Randall, relato de um soldado.
Sua maneira de rir também era muito engraçada, e ninguém era mais
sem jeito que ele, chamando a atenção de todos, de um velho soldado a
um menino de escola. Mas alguns minutos depois est ava calmo e pensativo
como um juiz no tribunal.
Wilson e Davis, op. cit., relato de Abner Ellis.
Pensei que era o homem mais feio que eu já tinha visto na vida.
Francis F. Browne, “The Every-Day Life of
Abraham Lincoln: A Biography of the Great Ameri-
can President from an Entirely New Standpoint,
with Fresh and Invaluable Material”, relato do re-
verendo George C. Noyes.
Na primeira vez em que vi o sr. Lincoln, achei-o o homem mais feio que
eu já tinha visto.
“My Day and Generation”, Clark E. Carr.
Ele não apenas é o homem mais feio que eu vi na vida como também o
de modos e aparência mais toscos e desajeit ados.
“Lincoln”, David Herbert Donald, relato de um
soldado.
Na verdade, ele nunca foi bonito, porém mês a mês foi ficando mais e
mais cadavérico e deselegante.
“Lincoln’s Washington: Recollections of a Journa-
list Who Knew Everybody”, W. A. Croffut.
Ele nunca me pareceu feio, pois seu rosto, irradiando uma ilimit ada
bondade e benevolência para com a humanidade, tinha a marca da beleza
intelectual.
Salm-Salm, op. cit.
No ent anto, como a port a est ava abert a e a forma doente de seu filho se
encontrava lá dentro, ele não conseguiu resistir à tent ação de entrar pela
última vez.
reverendo everly thomas
Saí, saltei de volt a, demorei algum tempo até libert á-lo. Ele est ava muito
mal: aturdido a ponto de não poder falar, bem amarrado.
Ent ão me ocorreu: se eu não podia puxá-lo para cima, talvez ele pudesse
ser empurrado para baixo.
E eu est ava certo: suas cost as ainda não tinham sido afet adas.
Trabalhando com minhas mãos através da carapaça ainda mole e em
formação, localizei seu peito, dei-lhe um bom empurrão e, com um grito
de dor, ele desceu para dentro da casa de pedras brancas, atravessando o te-
to.
hans vollman
Durante todo esse tempo uma multidão tinha volt ado a se reunir em tor-
no da casa de pedras brancas.
roger bevins iii
Todos ansiavam ter alguma participação, por menor que fosse, no mo-
mento de transformação que devia ser iminente.
hans vollman
Sessent a acres com um bom lucro, chiqueiro cheio de porcos, trint a ca-
beças de gado e seis bons cavalos, uma casa feit a com pedras redondas tão
quente quanto um berço no inverno, uma boa mulher que me olha com
adoração, três belos meninos que ouvem tudo que eu digo, um admirável
pomar que dá peras, maçãs, ameixas, pêssegos, e nem assim meu Senhor se
import a comigo?
lance durning
Uma coisa que não gosto é que sou burra! Todos sempre me trat aram a
vida toda como se eu fosse burra. E sou! Burra. Para mim, até costurar é di-
fícil. Minha tia, que me criou, passava horas me ensinando a costurar. Faz
assim, querida, ela dizia. E eu fazia. Uma vez. Na outra vez que eu precisa-
va fazer aquilo, ficava lá sent ada, com a agulha parada. E titia dizia meu
deus menina essa é a milionésima vez que eu te mostro isso. Fosse o que
fosse. Olha, agora não consigo me lembrar! O que era. O que titia mostrou
que eu tinha esquecido. Quando um rapaz vinha me fazer a corte, ele dizia
alguma coisa sobre o governo e eu dizia, ah, sim, o governo, minhas tias es-
tão me ensinando a costurar. E ele ficava sem saber o que dizer. Quem ia
querer abraçar ou amar alguém tão burra. Só se fosse bonit a. O que eu não
sou. Tenho uma aparência bem simples. Logo fiquei velha demais para
que os rapazes viessem e se aborrecessem, e essas coisas acabaram. Meus
dentes ficaram amarelados, uns caíram. Mas, mesmo quando você é uma
velha solit ária, não é brincadeira ser burra. Sempre, numa fest a ou coisa as-
sim, você fica lá ao lado da lareira, sorrindo como se estivesse feliz, saben-
do que ninguém quer conversar com você.
srt a. tamara doolittle
E queimados!
Minhas brilhantes obras inédit as foram queimadas.
professor edmund bloomer
Calma, calma. Sabe o que foi feito da minha fábrica de picles? Sem que-
rer mudar de assunto? Est á de pé. Disso, ao menos, me orgulho. Embora
não fabriquem mais picles lá. Agora constroem barcos. E o nome DeCroix
Picles est á praticamente…
lawrence t. decroix
Senti o mesmo, sabe, com relação à minha fábrica. Era tão dinâmica
nos bons tempos. O apito matinal soava e, das casas vizinhas, saíam meus
setecentos leais…
lawrence t. decroix
Obrigado por concordar que foi muito injusto. Nem todas as pessoas têm
tamanho discernimento. Tamanho respeito intuitivo. Acerca do meu traba-
lho. Creio que o senhor me teria reconhecido como um grande homem.
Ah, se tivéssemos nos conhecido! Ah, se o senhor tivesse sido o editor de
uma das principais revist as científicas de minha época! Poderia ter publica-
do meus livros. E garantido que eu recebesse o crédito devido. De qual-
quer modo, obrigado, do fundo do coração, por reconhecer que fui o mais
dest acado pensador de meu tempo. Sinto-me em parte consolado por ser
reconhecido como a mente mais not ável de minha geração.
professor edmund bloomer
Muito bons.
professor edmund bloomer
Muitíssimo obrigado por dizer que meus picles eram excelentes. Obriga-
do por dizer que, de todos os picles ent ão fabricados no país, os meus eram,
de longe, os melhores.
lawrence t. decroix
Ai.
professor edmund bloomer
Senhor.
Reverendo.
eddie baron
Por isso.
betsy baron
Talvez tenhamos feito muit as fest as. Talvez seja por isso que nunca vêm
nos visit ar.
betsy baron
Podemos ter provado aquela p… daquela subst ância, só pra não ofen-
der… Quem mesmo? Quem trouxe aquilo? Quem começou toda a…
eddie baron
Benjamin.
betsy baron
Ah, e quem não trepou? Ha, ha! Não: eu mesmo nunca trepei com
aquele p… do Benjy, mas, se bem me lembro, com todo mundo rindo às
vezes não dava pra saber quem est ava trepando com…
eddie baron
E muit as pessoas começaram a grit ar, dizendo não, não, não é apropria-
do, exigindo que os “escuros”…
reverendo everly thomas
“Animais negros”…
hans vollman
“Selvagens miseráveis”…
roger bevins iii
Volt assem imediat amente para o lugar de onde vieram.
reverendo everly thomas
Deixa eles terem sua chance, alguém gritou em meio à turba. Aqui so-
mos todos iguais.
Guarda essa opinião pra você, gritou outro.
E ouvimos o som de pancadas.
reverendo everly thomas
Fala mais simples, Elson. Pra que essa cambada de m… possa te enten-
der.
betsy baron
Nascido sob uma estrela malsã, pela força das circunst âncias o destino
impiedoso levar-me-ia a sucumbir, porém, em vez disso, sempre aceitei de
bom grado os pesados ônus que me foram impostos, jamais menoscabando
aquelas oportunidades fugidias para aprimorar-me, tal como livros (aos
quais devotei muitos minutos, resignadamente acrescent ando amplas ano-
tações nas páginas de que o sr. East se desfazia), com o fim de descobrir e
explorar o que havia de melhor e mais luminoso em minha alma, tal co-
mo: roupas de cama limpas; movimentos graciosos (como na dança); garfos
reluzentes suspensos, em meio à conversa, enquanto a pessoa solt a uma
gargalhada semelhante a um relincho.
elson farwell
Sujeito bom pra c…, mas vai falar complicado assim na p… que pariu.
eddie baron
Sempre educado.
betsy baron
Rumando para aquelas latitudes mais alt as, imaginei trazer para o pros-
cênio minhas facet as mais brilhantes e que muito em breve (assim espera-
va) o casal East, discutindo com entusiasmo minhas perspectivas num apo-
sento ricamente iluminado, decidiria, no ato, promover-me para a casa, e
que de imediato todo o arraigado e pungente sofrimento que de fato macu-
lava minha apurada sensibilidade seria transformado e que, entre gritos eu-
fóricos, eu obteria a vida que, mais doce (isto é, menos surras, mais sorrisos
amenos), iria, ã…
elson farwell
Aplacar.
eddie baron
Ele sempre esquece “aplacar” nest a hora.
betsy baron
Sim, aplacar.
Iria aplacar minha infelicidade anterior.
elson farwell
Mas ai de mim!
Como se viu.
Minha infelicidade anterior não foi aplacada.
Longe disso.
Certo dia, fomos levados de Washington para o campo em virtude dos
fogos de artifício. Senti-me mal, caminhei trôpego pela trilha, caí e não
conseguia me levant ar, o sol escaldante batendo forte, fiquei me contor-
cendo no…
Ã.
elson farwell
Bem, devo dizer, Elson… e me perdoe por interromper…. não tive ne-
nhuma experiência desagradável como a que você est á descrevendo.
O sr. Conner, sua boa esposa e todos os filhos e netos do casal eram co-
mo uma família para mim. Nunca fui separado da minha mulher ou de
meus filhos. Comíamos bem, nunca apanhamos. Nos deram uma casinha
amarela pequena mas simpática. Levando tudo em consideração, era um
arranjo feliz. Todos os homens trabalham sofrendo alguma limit ação em
sua liberdade: ninguém é livre de todo. Eu est ava apenas vivendo (assim
senti a maior parte do tempo) uma versão exagerada da vida de qualquer
homem. Adorava minha mulher e nossos filhos, e fazia o que faz qualquer
trabalhador: exat amente o que os beneficiaria e garantiria a todos nós uma
boa convivência, isto é, eu tent ava ser um criado bom e honrado para pes-
soas que, felizmente para nós, eram eles próprios gente boa e honrada.
Como é natural, sempre havia um momento, justo quando uma ordem
era dada, em que uma vozinha resistente se manifest ava no fundo da mi-
nha cabeça. O trabalho ent ão consistia em ignorar aquela voz. Não era
uma voz especialmente desafiadora ou irrit ada, apenas aquela vozinha hu-
mana dizendo, você sabe: quero fazer o que me der vont ade de fazer, e não
o que você est á me mandando fazer.
Devo dizer que essa voz nunca silenciou de vez.
Embora se abrandasse ao longo dos anos.
Mas não devo reclamar demais por causa disso. Tive muitos momentos
livres e felizes. As tardes de quart a-feira, por exemplo, quando tinha duas
horas para fazer o que quisesse. E o dia inteiro a cada três domingos se as
coisas não estivessem muito agit adas. Reconheço que minhas distrações du-
rante esses descansos eram bem triviais, quase infantis: Vou dar uma cami-
nhada e conversar com o Red. Vou até o laguinho ficar sentado lá por algum
tempo. Vou pegar este caminho, e não aquele. E ninguém grit ava: “Thomas,
vem cá” ou “Thomas, por favor, aquela bandeja”, ou “Thomas, aquele can-
teiro da hort a precisa ser cuidado, vai buscar o Charles e a Violet e ponha
eles para trabalhar, est á bem, rapaz?”.
A menos, claro, que uma interrupção desse tipo fosse necessária. Nesse
caso, naturalmente, eles de fato poderiam me interromper. Mesmo nas tar-
des de quart a-feira. Ou nos domingos. Ou a alt as horas de qualquer noite.
Quando eu est ava desfrut ando um momento de intimidade com minha
mulher. Ou mergulhado num sono muito necessário. Ou rezando. Ou na
privada.
No ent anto, eu tinha meus momentos. Meus momentos livres, ininter-
ruptos, discricionários.
Mas é estranho: a recordação desses momentos é o que mais me aborre-
ce.
Especificamente, pensar que outros homens gozaram a vida inteira de
momentos como aqueles.
thomas havens
Eu est ava na cidade. Execut ando algum encargo. Senti uma dor no pei-
to e…
thomas havens
Procuraram muitíssimo!
Ainda me procuram.
Minha mulher liderando as buscas, com apoio tot al do sr. e da sra. Con-
ner.
É que… ainda não me encontraram.
thomas havens
Este sujeito foi firmemente empurrado por uma jovem mulat a que usava
uma bat a branca e uma touca de renda com borda azul, tremendo muito,
e de uma beleza tão extraordinária que se ouviu um murmúrio baixo entre
os suplicantes brancos.
roger bevins iii
********
litzie wright
Calada.
eddie baron
Como sempre.
betsy baron
Que m… devem ter feito com ela? Pra ficar assim tão calada?
eddie baron
**************
litzie wright
O que fizeram com ela foi feito muit as vezes e por muitos. O que fize-
ram com ela não poderia sofrer resistência, não sofreu resistência, às vezes
sofreu resistência, o que resultou às vezes em ser mandada para longe, para
algum lugar pior, outras vezes a resistência foi simplesmente superada pela
força (com socos, joelhadas, pauladas etc.). O que fizeram com ela foi feito
e refeito. Também foi feito só uma vez. O que fizeram com ela não afetou
ela em nada, afetou ela em tudo, fez ela ficar com tremedeiras nervosas,
perder a fala, fez ela pular da ponte do ribeirão Cedar, fez ela cair neste si-
lêncio obstinado. O que fizeram com ela foi feito por homens grandes, ho-
mens pequenos, patrões, homens que por acaso passavam pelo campo on-
de ela trabalhava, por três homens bêbados que iam saindo de casa e que
viram ela lá cort ando lenha. O que fizeram com ela foi feito em horários
programados, como uma forma sinistra de frequent ar a igreja; foi feito a
qualquer hora do dia; nunca foi feito por completo, de uma vez só, mas foi
const antemente ameaçado: iminente e permitido; o que fizeram com ela
foi fodê-la na posição papai e mamãe, o que foi feito com ela foi fodê-la por
trás (quando a infeliz nem tinha ouvido falar nisso); o que fizeram com ela
foram pequenas coisas doentias (acompanhadas de palavras brut ais de cam-
poneses mirrados que jamais sonhariam em fazer coisas iguais com uma
mulher de sua própria raça), foi feito com ela como se ninguém mais esti-
vesse lá, só ele, o homem que fazia a coisa, e ela fosse só uma est átua de ce-
ra (quente, silenciosa); o que fizeram com ela foi o que qualquer um qui-
sesse fazer, e mesmo que alguém só tivesse um pouquinho de vont ade de
fazer alguma coisa com ela, bom, poderia fazer, poderia ser feito, alguém
fez, foi feito, foi feito, refeito e…
sra. francis hodge
O tenente Stone (grit ando “Para trás, NEGUINHOS, tratem de volt ar!”)
surgiu correndo à frente de um grupo de troncudos homens brancos (entre
os quais Petit, Daly e Burns), que afugent aram os suplicantes negros da ca-
sa de pedras brancas, empurrando-os com galhos caídos das árvores, agit a-
dos na horizont al, à altura do peito.
roger bevins iii
Petit, Burns e Daly, com rostos largos e vermelhos distorcidos pelo ódio,
deram um passo ameaçador na direção do casal Baron, fazendo com que
os dois recuassem submissamente para se junt ar à multidão.
hans vollman
O sr. Manders.
O vigia noturno.
roger bevins iii
Que se aproximou do jeito que sempre surge entre nós: assust ado, algo
perplexo com seu próprio temor, desejoso de volt ar logo a sua casinha.
reverendo everly thomas
Nessa noite, ele chamou por um “sr. Lincoln”, vez por outra se corrigin-
do para dizer “sr. presidente”.
reverendo everly thomas
Horroroso.
roger bevins iii
O pior possível.
hans vollman
Ele est á chamando o meu pai, disse o menino, ainda encost ado debil-
mente na parede junto à port a.
Seu pai é presidente?, indagou com sarcasmo o reverendo.
É, disse o menino.
De quê?, o reverendo perguntou.
Dos Est ados Unidos, disse o menino.
É verdade, eu disse ao reverendo. Ele é o presidente. Muito tempo se
passou. Há um est ado chamado Minnesota.
Est amos em guerra, disse o sr. Vollman. Em guerra com nós mesmos.
Os canhões foram muito aperfeiçoados.
Há soldados acampados dentro do Capitólio, eu disse.
Vimos tudo isso, disse o sr. Vollman.
Quando estivemos dentro dele, eu disse.
roger bevins iii
Jazendo lá no…
reverendo everly thomas
Na caixa de doente.
hans vollman
O sr. Lincoln indagou como, sem a lanterna, o sr. Manders acharia o ca-
minho de volt a. O sr. Manders disse que, embora preferisse ter a luz por ser
um pouco impressionável, conhecia o terreno como a palma de sua mão.
O sr. Lincoln sugeriu que, se o sr. Manders lhe desse mais alguns minutos,
poderiam regressar juntos. O sr. Manders concordou e saiu.
roger bevins iii
Cat ástrofe.
reverendo everly thomas
O sr. Bevins era mais jovem, possuía braços múltiplos (e muito fortes);
enquanto eu, nu e atrapalhado a todo inst ante por meu gigantesco defeito,
não est ava apto a execut ar corret amente o vigoroso trabalho necessário pa-
ra solt ar o menino.
Por isso entrei no sr. Lincoln. Sozinho.
hans vollman
LXIX.
O presidente é um idiot a.
“The Civil War Papers of George B. McClellan”,
edit ado por Stephen Sears.
Vaidoso, fraco, pueril, hipócrit a, sem modos e sem elegância social, bate
grosseiramente no peito do interlocutor quando conversa.
“The War Years”, Carl Sandburg, relato de Sher-
rard Clemens.
Sem a menor sombra de dúvida, o homem mais fraco eleito até hoje.
Clemens, op. cit.
Se você não renunciar vamos pôr uma aranha no seu bolinho de carne e
brincar de diabo contigo seu metido a deus filho da put a vai pro inferno e
beija meu cu chupa meu pau e chama meus colhões de titio seu imbecil
miserável Abe Lincoln ninguém gost a de você desculpe se uso essas pala-
vras duras contigo mas você precisa não passa de um negro de merda.
“Dear Mr. Lincoln”, edit ado por Harold Holzer.
Paz, meu senhor, faça a paz: o grito do homem desde pelo menos o tem-
po de nosso Salvador. Por que ignorar isso agora? Abençoados sejam os fa-
zedores da paz, dizem as Escrituras, e devemos pressupor que o contrário
também seja verdadeiro: malditos sejam os promotores das guerras, por
mais just a que eles imaginem ser sua causa.
“Truth-Sentinel” de Cleveland.
Port anto est amos diante de um dilema: o que fazer quando o poder dele
deve perdurar por mais dois anos e quando a existência de nosso país pode
se ver ameaçada antes que ele seja substituído por um homem de bom sen-
so. Como é difícil, a fim de salvar o país, apoiar um homem incompetente.
“Lincoln Reconsidered”, David Herbert Donald,
cart a de George Bancroft a Francis Lieber.
Se Abe Lincoln for reeleito para outro péssimo período de quatro anos
de governo, temos a esperança de que alguma mão corajosa enfiará o pu-
nhal no coração do tirano para o bem da coletividade.
“La Crosse Democrat”.
Willie se encantou tanto com o pequeno pônei que insistia em mont á-lo
todos os dias. O tempo est ava muito inst ável, e ele contraiu um forte resfri-
ado, que se converteu em uma febre profunda.
Keckley, op. cit.
Por que, alguns pergunt aram, uma criança mont ava um pônei em plena
chuva sem casaco?
Spicer, op. cit.
Ele sempre disse: “Meu prazer é que as crianças sejam livres — felizes e
não sujeit as à tirania dos pais. O amor é a corrente que prende os filhos a
seus pais”.
“Herndon’s Informants”, edit ado por Douglas L.
Wilson e Rodney O. Davis, relato de Mary Lin-
coln.
Acusações e culpa são as pragas que assombram as casas onde a morte le-
va uma criança como Willie Lincoln; e, nesse caso, havia culpa de sobra.
Epstein, op. cit.
Quando se olha para trás, a recordação daquela noit ada de triunfo deve
ter sido maculada pela angústia.
Leech, op. cit.
Willie ardia em febre na noite de quint a-feira, enquanto sua mãe se ves-
tia para a fest a. Respirava com grande dificuldade. Ela viu que seus pul-
mões est avam congestionados e ficou amedront ada.
Kunhardt e Kunhardt, op. cit.
Ao menos [Lincoln] recomendou que o médico fosse consult ado antes
de tomar qualquer providência. Assim, o dr. Sloan foi chamado. Ele decla-
rou que Willie est ava melhor e que tudo indicava uma pront a recuperação.
Keckley, op. cit.
Se a fest a não acelerou o fim do menino, cert amente deve ter exacerba-
do seu sofrimento.
Mays, op. cit.
O alarido, a farra, as risadas histéricas dos bêbados até alt as horas da noi-
te, enquanto o menino jazia na cama com febre alt a, sentindo-se tot almen-
te só, lut ando para afast ar a presença da figura encapuzada junto à port a!
Spicer, op. cit.
Venha, eu disse ao sr. Bevins. Eu, sozinho, não consegui. Acho que de-
vemos tent ar juntos. Detê-lo.
hans vollman
Reverendo, o sr. Bevins me disse. Gost aria de unir-se a nós? Uma mente
a mais que seja pode fazer diferença.
Sobretudo uma tão poderosa quanto a sua, disse o sr. Vollman.
Muitos anos antes eu havia me junt ado aos meus amigos para execut ar
l’occupation num jovem casal com problemas de relacionamento, que en-
trara aqui depois das horas de visit ação. Naquela ocasião, conseguimos fa-
zer com que eles fornicassem. E volt assem a ficar noivos. Cerca de um ano
depois da reconciliação, o jovem marido voltou aqui, buscando rever o lo-
cal do encontro. Curiosos, execut amos mais uma vez l’occupation e desco-
brimos que aquelas causas de dissensão que haviam inicialmente ameaçado
o noivado tinham, no clima fecundo do matrimônio, crescido e se inflama-
do, conduzindo, pouco antes, à autodestruição de sua jovem esposa com o
uso de um veneno.
Nossa interferência naquela oportunidade, cumpre reconhecer, havia
manchado de sangue nossas mãos.
Eu ent ão jurara nunca participar daquela prática.
Mas minha afeição pelo menino e o sentimento de que minha desaten-
ção anterior o havia prejudicado fizeram com que renunciasse a meu jura-
mento e me junt asse aos amigos.
reverendo everly thomas
Muito simples!, disse Cohoes, a voz mais aguda com a audácia de seu
ato.
reverendo everly thomas
A sra. Crawford entrou, sendo assediada como sempre pelo sr. Longstre-
et.
hans vollman
O esfaqueado sr. Boise entrou; Andy Thorne entrou; o sr. Twistings en-
trou, bem como o sr. Durning.
roger bevins iii
O casal Baron entrou; a srt a. Doolittle, o sr. Johannes, o sr. Bark e Tobin
“Texugo” Muller também entraram.
roger bevins iii
Tant as vont ades, recordações, queixas, desejos, tant a força vit al!
roger bevins iii
Por isso, enquanto a lanterna projet ava um feixe de luz oblíquo à nossa
frente, pedi que todos lá dentro, em uníssono, exort ássemos o sr. Lincoln a
parar.
hans vollman
Envaidecidos por terem sido solicit ados a fazer alguma coisa, a terem al-
guma participação por menor que fosse.
reverendo everly thomas
Que prazer! Que prazer est armos lá dentro! Juntos. Unidos num propó-
sito comum. Lá dentro juntos, mas ao mesmo tempo uns dentro dos ou-
tros, dessa forma recebendo vislumbres não só da mente do sr. Lincoln co-
mo da de muitos outros. Como era bom fazer isso em conjunto!
roger bevins iii
Pensamos.
hans vollman
Que refrigério!
hans vollman
Não havíamos sido sempre tão solit ários. Ora, lá naquele lugar anteri-
or…
reverendo everly thomas
Meu Deus, que coisa! Descobrir que somos capazes de nos expandir as-
sim!
hans vollman
(Se não lhe for permitido fazer isso, deve pensar nela o tempo todo.)
reverendo everly thomas
Nós nos encontramos (tal como flores de cima das quais pedras foram
removidas) de certo modo restituídos à nossa condição natural.
roger bevins iii
De fato.
hans vollman
Muito bem.
roger bevins iii
Sentindo que o sr. Bevins me encarava, olhei para cima e vi que ele já
não era aquela aglomeração difícil de ver, de olhos, narizes, mãos etc., mas
um jovem bonito, de aparência resolut a e agradável: dois olhos, um nariz,
duas mãos, duas faces rosadas, uma bela cabeleira negra onde antes um nú-
mero múltiplo de olhos tornava tudo redundante.
Em suma, um jovem atraente com a quantidade adequada de todas as
coisas.
hans vollman
Desculpe, disse o reverendo em tom algo tímido. Posso pergunt ar? Qual
é a minha aparência?
Muito boa, respondi. Bem à vont ade.
Sem nenhum sinal de medo, disse o sr. Vollman.
Sobrancelhas na altura cert a, eu disse. Olhos não mais esbugalhados.
O cabelo não est á em pé, disse o sr. Vollman.
A boca não faz mais um O, eu disse.
roger bevins iii
Por razões que desconhecíamos, Tim Midden tinha sempre sido perse-
guido por uma versão maior dele, que const antemente se curvava para lhe
sussurrar palavras de desencorajamento; esse monstro agora tinha desapare-
cido.
hans vollman
É
(É apenas porque me sinto muito solit ário, minha cara amiga.)
sam “o maioral” longstreet
(Se você quiser, posso lhe dizer o nome de algumas de nossas flores sil-
vestres.)
sra. elizabeth crawford
Verna Blow e sua mãe, Ella, que costumavam se manifest ar como duas
bruacas, praticamente idênticas (as duas haviam morrido no parto, port an-
to não tinham envelhecido), agora apareceram (cada qual empurrando um
carrinho de bebê) novamente como jovens, ambas belíssimas.
hans vollman
A pobre Litzie, muit as vezes violent ada, recobrou a fala, e suas primeiras
palavras foram de agradecimento à sra. Hodge, por tê-la represent ado du-
rante aqueles anos de mudez e solidão.
elson farwell
Nem um pouco.
hans vollman
Pelo contrário.
reverendo everly thomas
Parecia andar mais depressa do que nunca.
roger bevins iii
Ah, Deus meu, murmurou Verna Blow, cuja recuperada beleza juvenil
me maravilhou mesmo naquele momento de colossal derrot a.
roger bevins iii
LXXVIII.
Buscavam o amor (ou assim se diziam), devendo por isso est ar eterna-
mente em movimento: esperançosos, bem-humorados, animados, sempre
observando e procurando.
roger bevins iii
Voando baixo acima das colinas e aleias, deixando velozmente para trás
casas de doente, depósitos, árvores e até um veado que pertencia àquele ou-
tro reino.
jack “papo-furado” fuller
Que, assust ado com nossa repentina entrada e saída, empinou como se
tivesse sido mordido por um zangão.
gene “velhaco” kane
LXXIX.
Uma quimera.
reverendo everly thomas
Mera fant asia.
roger bevins iii
Por fim, ao passarmos diante de J. L. Bagg, Ele agora vive para sempre na
luz, até nós três pulamos fora.
hans vollman
(Não era uma est átua bem-feit a. Dava a impressão de que os anjos iriam
fazer uma cirurgia nos jovens marinheiros. E que est avam confusos sobre
como começar.)
hans vollman
(Além disso, por alguma razão, havia dois remos sobre a mesa cirúrgica.)
roger bevins iii
Ent ão, despert ando de nossa apatia, trat amos de volt ar, a despeito do
cansaço.
roger bevins iii
LXXX.
O menino est ava caído no chão da casa de pedras brancas, envolto até o
pescoço numa carapaça que parecia complet a.
hans vollman
Saibam vocês que nada disso é feito por nossa escolha, disse uma voz
grave com um ligeiro ceceio. Somos obrigados.
roger bevins iii
Quem eram elas? Quem tinham sido? Como aconteceu de terem sido
assim “obrigadas”?
roger bevins iii
Não discutiremos isso, disse a voz feminina. Não discutiremos isso. Erros
foram cometidos, disse a voz grave.
hans vollman
Meu conselho?, disse uma terceira voz com sot aque brit ânico. Não mas-
sacre todo um regimento de seu inimigo.
Nunca conspire com sua amante para se livrar de um bebê vivo, disse o
da voz grave com ceceio.
roger bevins iii
Em vez de assassinar seu amado com veneno, trate de suport á-lo, disse a
mulher.
reverendo everly thomas
Relações sexuais com crianças não são permitidas, disse a voz de um ve-
lho, natural de Vermont, a julgar pela pronúncia.
hans vollman
A cada fala, o rosto associado à voz crescia e se dest acava da carapaça por
alguns inst antes, com expressão atorment ada e de agonia.
reverendo everly thomas
Qualquer que seja o meu pecado, ele deve, eu senti (eu rezei), ser pe-
queno comparado ao deles. No ent anto, eu pertencia à mesma espécie. Ou
não? Tudo indicava que, quando eu partisse, seria para me junt ar a eles.
Como eu havia pregado inúmeras vezes, nosso Senhor é terrificante, um
Senhor misterioso e imprevisível que julga como Lhe parece adequado;
não somos mais que ovelhas para Ele, às quais vê sem afeição ou malevo-
lência: algumas são sacrificadas e outras solt as no vale segundo Seu capri-
cho e um padrão que não temos est atura suficiente para compreender.
Só nos cabe aceitar; aceit ar Seu julgamento e nossa punição.
Contudo, no que me dizia respeito, esse princípio não satisfazia.
Ah, eu est ava infeliz, muito infeliz.
reverendo everly thomas
Ent ão, como vai ser?, perguntou o brit ânico. Aqui? Ou no teto?
hans vollman
Talvez, disse o sr. Bevins. Talvez vocês possam fazer uma exceção.
E da carapaça escapou o som de um riso amargo.
Ele é um bom menino, disse o sr. Vollman. Muito bom menino, com di-
versas…
Já fizemos isso antes com muitos e muitos bons meninos, disse a mulher.
Regras são regras, disse o brit ânico.
Mas por que, permit a-me pergunt ar, disse o sr. Bevins, para as crianças
deve haver regras diferentes das que se aplicam a nós? Não parece justo.
Da carapaça vieram diversas reprimendas em muit as línguas, a maioria
delas desconhecidas por nós.
Por favor não nos fale de justiça, disse a mulher.
Justiça, blá, disse o natural de Vermont.
Eu matei Elmer?, a mulher perguntou.
Matou, disse o brit ânico.
Matei, disse a mulher. Terei nascido com uma série de predisposições e
desejos que iriam me levar, depois de toda uma vida anterior (durante a
qual não matei ninguém), a fazer tal coisa? Sim. Foi culpa minha? Foi jus-
to? Eu pedi para nascer libertina, ambiciosa, ligeiramente sociopat a e achar
Elmer tão irrit ante? Não. Mas eu era assim.
E agora est á aqui, disse o brit ânico.
Agora estou aqui, sem dúvida, ela disse.
E aqui estou eu, disse o natural de Vermont. Pedi para nascer com o de-
sejo de fazer sexo com crianças? Não me lembro de haver pedido isso lá no
útero de minha mãe. Lutei contra esse impulso? Vigorosamente. Bem,
com algum vigor. Com o máximo de vigor de que fui capaz. Ou com o vi-
gor de alguém que nasceu com tal problema e com tal intensidade de de-
sejo. Ao partir daquele lugar anterior, tentei explicar a situação aos que me
levaram a julgamento?
Espero que tenha feito isso, disse a mulher.
Claro que fiz, respondeu o natural de Vermont com indignação.
E como eles reagiram?, perguntou o brit ânico.
Não muito bem, disse o natural de Vermont.
Tivemos muito tempo para pensar nesses assuntos, disse a mulher.
Tempo demais, disse o natural de Vermont.
Ouçam, entoou o homem de voz grave com ceceio. Quando eu e Marie
nos livramos daquele bebê, pensamos est ar fazendo algo de bom. Nós nos
amávamos; o bebê não era bem formado; constituía um obst áculo ao nosso
amor; os defeitos físicos daquela coi… do bebê impediam a expressão natu-
ral do nosso amor (não podíamos viajar, jant ar fora, raramente tínhamos
um pouquinho de privacidade), por isso pareceu (a nós dois, na época) que
remover a influência negativa represent ada pelo bebê (jogando-o no ribei-
rão Furniss) nos libert aria; para que pudéssemos ser mais amorosos e est ar-
mos mais presentes no mundo e, ao mesmo tempo, o aliviarmos do sofri-
mento de ser para sempre um aleijado; ou seja, também o libert aríamos de
sua dor, maximizando a felicidade de todos.
Assim lhe pareceu, disse o brit ânico.
Sim, de fato pareceu, disse o de voz grave com ceceio.
Ainda lhe parece assim hoje?, perguntou a mulher.
Menos, disse com tristeza o de voz grave com ceceio.
Ent ão sua punição est á tendo o efeito desejado, disse a mulher.
reverendo everly thomas
Nós éramos o que éramos!, o de voz grave com ceceio retrucou aspera-
mente. Como poderíamos ser diferentes? Ou, sendo nós daquele jeito, ter-
mos feito coisa diferente? Nós éramos daquele jeito naquela época, tendo
chegado a tal ponto não devido a uma maldade inat a, mas em virtude de
nossas percepções e experiências até aquele momento.
Por culpa do destino, disse o de Vermont.
Porque o tempo só corre numa direção e somos levados por ele, influen-
ciados para fazermos exat amente as coisas que fazemos, disse o de voz gra-
ve com ceceio.
E depois somos punidos de forma cruel por isso, disse a mulher.
Nosso regimento est ava sendo muito castigado pelos balúchis, disse o
brit ânico. Mas ent ão a maré virou, e um monte deles se rendeu com uma
bandeira branca, e… bem, eles caíram na vala, por ordem minha os ho-
mens atiraram (nenhum deles, porém, a contragosto), e jogamos a bandei-
ra branca deles em cima dos selvagens e os cobrimos com terra. Como eu
poderia ter feito coisa diferente? Com o tempo correndo numa única dire-
ção e sendo eu do jeito que era? Com meu temperamento irascível, com
minhas convicções sobre virilidade e honra, com meu passado de criança
que quase morreu de tanto apanhar de três irmãos mais velhos, aquele rifle
parecendo tão atraente em minhas mãos e nossos inimigos parecendo tão
repugnantes? Como eu poderia (ou qualquer um de nós) ter feito outra coi-
sa senão aquilo que, na época, realmente fizemos?
E esse argumento o persuadiu?, perguntou a mulher.
Você sabe muito bem que não, sua vagabunda. Não persuadiu nin-
guém!, disse o brit ânico. Por isso estou aqui.
Aqui est amos todos nós, disse o de Vermont.
E aqui est aremos para sempre, disse o brit ânico.
Não há nada a fazer sobre isso, disse o de voz grave com ceceio.
Nunca houve nada que pudesse ter sido feito sobre isso, disse a mulher.
roger bevins iii
Ficar com essa gente, aceit ando o pecado cometido tão passivamente,
quase com orgulho, sem nenhum sinal de arrependimento?
Eu não seria capaz de suport ar isso; será que, mesmo agora, não me res-
ta a menor esperança?
(Talvez, pensei, a fé seja isto: acredit ar que Deus pode est ar sempre
pronto a acolher a menor das nossas boas intenções.)
reverendo everly thomas
Alegria, alegria!
Um lance extraordinariamente audacioso!
roger bevins iii
Uma onda pequena se ergueu atrás de nós, uma parede da altura do joe-
lho compost a da subst ância que os seres demoníacos est avam habit ando
naquele inst ante (grama, terra, lápides, est átuas, bancos)…
hans vollman
E eles o pegaram.
hans vollman
Pegaram os dois.
Procuravam o menino, mas, ao fazê-lo, também imobilizaram o reveren-
do.
roger bevins iii
No frenesi em que est avam, pareciam não ser mais capazes de distinguir
entre o reverendo e o menino, ou nem se interessavam por isso.
hans vollman
E o reverendo se foi.
roger bevins iii
Quando nos atiramos furiosos sobre ela, cavando com as unhas, pude
sentir que os seres demoníacos lá dentro nos olhavam de esguelha, repug-
nados com nossa ferocidade, nossa revivida tendência humana à ação inspi-
rada pelo ódio. O sr. Bevins enfiou um braço até o cotovelo. Do outro lado,
consegui furar a carapaça com um galho comprido e, me posicionando de-
baixo dele, golpeei com os joelhos, e a carapaça se abriu, permitindo que o
sr. Bevins enfiasse os braços inteiros no interior dela. Solt ando um urro pe-
lo esforço empreendido, começou a puxar e, em breve, como um pônei re-
cém-nascido (igualmente molhado, igualmente desconjunt ado), o menino
caiu do lado de fora; por um segundo pudemos observar, dentro da carapa-
ça rompida, o rosto impresso do reverendo, o qual, fico feliz em dizer, não
volt ara a exibir, naqueles inst antes finais, os traços que por tanto tempo as-
sociamos a ele (tremendamente assust ado, sobrancelhas erguidas, a boca
formando um O perfeito de terror), e sim, uma fisionomia que no momen-
to da partida exprimia um quê de esperança, uma curiosa neutralidade —
como se ele estivesse indo para aquele lugar desconhecido satisfeito por ha-
ver feito, enquanto estivera aqui, tudo que podia.
hans vollman
Pus-me de pé num salto, corri e peguei o menino dos braços do sr. Be-
vins, partindo veloz em direção à capela; quando est ava prestes a mais uma
vez ser alcançado, consegui lançar-me para a frente através da parede volt a-
da para o norte.
Conheço este lugar, o menino balbuciou.
Espero que sim, eu disse. Todos nós conhecemos.
Para muitos de nós, a capela tinha servido como port ão de entrada, nos-
so local de desembarque: o último lugar em que havíamos sido levados a
sério.
hans vollman
Apenas as cadeiras das filas da frente não haviam sido removidas depois
do serviço do dia anterior, mas elas est avam dispost as desordenadamente.
hans vollman
O sr. Lincoln, volt ado para a frente da capela, tinha as pernas esticadas,
as mãos cruzadas no colo, a cabeça baixa.
Por um momento acreditei que ele dormia.
Mas ent ão, como se intuísse nossa entrada, se movimentou e olhou ao
redor.
roger bevins iii
Com um agora sent ado dentro do outro, ocupavam o mesmo espaço físi-
co, a criança uma versão do homem contida dentro dele.
hans vollman
LXXXV.
“Pequenas palavras gentis são da mesma natureza dos grandes feitos sa-
grados” — essas palavras fluíam const antemente de seus lábios.
“Lincoln as I Knew Him”, Harold Holzer, relato de
Elizabeth Todd Grimsley.
Como o sofrimento daquele filho querido deve ter atorment ado alguém
tão sensível por natureza!
Flagg, op. cit.
Agora até os olhos se apagaram, toda aquela agit ação incansável cessou.
A imobilidade parecia a coisa mais terrível de todas. Ele agora est ava por
sua própria cont a. Ninguém poderia ajudá-lo ou atrapalhá-lo na árdua via-
gem que aparentemente havia iniciado.
Hohner, op. cit.
Frank T. Sands foi o principal agente funerário. Talvez tenha sido ele
quem sugeriu a precaução de cobrir o peito do cadáver com as flores verdes
e brancas da resedá-de-cheiro (Reseda odorata), conhecida por sua intensís-
sima fragrância doce.
Epstein, op. cit.
Como a mãe est ava em est ado de choque, as roupas para o enterro fo-
ram escolhidas pelo pai e mandadas para nós numa grande caixa de cha-
péu.
Root, op. cit.
Willie foi vestido com a indument ária que usava no dia a dia. Ela consis-
tia em calça, paletó, meia branca e sapato social. A gola da camisa branca
est ava dobrada por cima do paletó e os punhos arregaçados.
“Abraham Lincoln: From Skeptic to Prophet”,
Wayne C. Temple, cit ando “Illinois State Journal”,
7 de julho de 1871.
Como empregados da casa, todos nós tínhamos visto muit as vezes aque-
le pequeno terno cinza no menino quando vivo.
Hilyard, op. cit., relato de D. Strumphort, mordo-
mo.
Ele jazia com os olhos cerrados… o cabelo cast anho repartido como de
costume… pálido no sono da morte; mas, a não ser isso, em nada mudado,
pois est ava vestido como se fosse a uma recepção, e trazendo numa das
mãos, cruzada sobre o peito, um buquê de flores belíssimas.
Willis, op. cit.
O presidente veio dar uma olhada… mas cedo demais. A mesa de armar
ainda se encontrava lá e Jenkins começava a recolher a lona. Os instru-
mentos de nosso ofício ainda podiam ser vistos na caixa abert a. A bomba
ainda gorgolejava. Senti muito que isso tivesse ocorrido. Impediu o efeito
desejado. O presidente empalideceu visivelmente, nos agradeceu e saiu de-
pressa do aposento.
Root, op. cit.
LXXXIX.
Willie Lincoln foi enterrado num dia de muito vento, que destelhou vá-
rias casas e deixou as bandeiras em farrapos.
Leech, op. cit.
A vent ania destelhou casas alt as, quebrou a vidraça das janelas, derrubou
tendas milit ares, transformou as ruas lamacent as em canais e os canais em
corredeiras. Lufadas fortes destruíram diversas igrejas e inúmeros casebres,
arrancaram árvores e as claraboias da Biblioteca do Congresso, ondas inva-
diram a Long Bridge sobre o rio Potomac no caminho para Alexandria.
Epstein, op. cit.
Podemos ter certeza — os pais enlut ados e todos os filhos da dor podem
ter certeza — de que o sofrimento deles não veio do pó nem seus proble-
mas brot aram do solo.
Trat a-se de um procedimento bem ordenado de seu Pai e de seu Deus.
Podem considerar que seja algo misterioso, mas de qualquer modo perten-
ce a Ele; e enquanto lament am a morte de um ente querido, Ele est á lhes
dizendo, como Jesus Cristo cert a vez disse a seus discípulos quando se mos-
traram perplexos com sua condut a: “O que faço não podes compreender
agora, porém o compreenderás mais tarde”.
Gurley, op. cit.
E lá est ava sent ado o homem, com um peso em seu cérebro que espant a
o mundo… curvado agora sob o fardo que carrega tanto no coração como
no cérebro… cambaleante pelo golpe da perda de seu filho!
Willis, op. cit.
Fui até o presidente e, tomando sua mão, ofereci minhas mais sinceras
condolências.
Ele não pareceu me ouvir.
Seu rosto expressava um pasmo sombrio.
Willie est á morto, ele disse, como se só ent ão isso lhe tivesse ocorrido.
Pierce, op. cit.
XCI.
O menino se levantou.
hans vollman
Aquilo na minha caixa?, ele disse. Não tem nada a ver comigo.
hans vollman
Quer dizer, tem, ele disse. Ou tinha. Mas agora sou… sou alguma coisa
bem separada. Daquilo. Não sei explicar.
hans vollman
Pare de falar, disse o sr. Vollman. Por favor, pare imediat amente de falar.
Há um nome para isto que sofremos, disse o menino. Os senhores sabem
qual é?
Realmente não sabem?
roger bevins iii
Não ousei olhar em volt a para ver quem tinha ido embora.
roger bevins iii
Purdy, Bark e Ella Blow se debatiam diante de uma janela como pássa-
ros capturados numa armadilha, fracos, combalidos pelo pronunciamento
temerário do menino.
roger bevins iii
Veja bem, o sr. Vollman disse ao menino. Você est á errado. Se o que diz
é verdade… quem est á dizendo isto?
Quem est á ouvindo isto?, perguntei.
Quem est á falando com você agora?, disse o sr. Vollman.
Com quem est amos falando?, perguntei.
roger bevins iii
Foi papai quem falou, ele disse. Falou que eu estou morto. Por que ele
iria dizer isso se não fosse verdade? Acabei de ouvir ele falar isso. Quer di-
zer, ouvi ele se lembrando de ter falado isso.
Não tínhamos respost a para tal coisa.
hans vollman
Eu fui bom, disse o menino. Ou tentei ser. Quero ser bom agora. E ir
para onde devo ir. Para onde eu devia ter ido desde o início. Papai não vai
volt ar aqui. E nenhum de nós nunca terá permissão para volt ar para aquele
lugar anterior.
hans vollman
Ele agora pulava de alegria, como uma criança que aprende a andar.
Olhem, juntem-se a mim, ele disse. Todos! Por que ficar? Não adiant a
nada. Est amos acabados. Não veem isso?
roger bevins iii
Purdy, Bark e Ella Blow, junto à janela, se foram com uma tripla explo-
são ofuscante provocada pelo fenômeno da conversão matéria-luz.
hans vollman
Seguidos de perto por Verna Blow, mais abaixo, que não desejou supor-
tar (como tivera de fazê-lo por tanto tempo naquele lugar anterior) uma
existência sem sua mãe.
roger bevins iii
Sua carne parecia fina como um pergaminho; o corpo sacudido por tre-
mores.
roger bevins iii
Sua forma (como às vezes acontece com os que est ão prestes a partir) co-
meçou a exibir moment aneamente os vários eus que ele tinha sido naquele
lugar anterior: recém-nascido arroxeado, bebê nu e choramingueiro, crian-
cinha de cara mole engatinhando, menino febril no leito de doente.
hans vollman
Ent ão, sem nenhuma mudança de tamanho (isto é, ainda com a est atu-
ra de uma criança), ele exibiu as diversas formas futuras (que, infelizmente,
ele nunca conseguiu alcançar):
Jovem nervoso vestido com o fraque de casamento;
Marido nu, o ventre molhado pelo prazer recente;
Jovem pai pulando da cama para acender a vela ao ouvir o choro de um
filho;
Viúvo pesaroso de cabelo branco;
Velho encurvado com um aparelho de escut a do tipo cornet a, sent ado
de banda num toco de árvore, abanando o ar para afast ar as moscas.
roger bevins iii
Ah, foi bom, ele disse com tristeza. Tão bom lá. Mas não podemos vol-
tar. Para ser como éramos. Só podemos fazer o que devemos fazer.
roger bevins iii
Ele se foi.
roger bevins iii
O menino se foi.
hans vollman
Nunca antes o sr. Vollman ou eu tínhamos est ado tão próximos do fenô-
meno da conversão matéria-luz e de seu som bem conhecido, embora sem-
pre aterrorizante.
roger bevins iii
E ele desapareceu.
hans vollman
Seu terninho cinzento ficando para trás por uma fração de segundo.
roger bevins iii
XCII.
Olhou em volt a.
roger bevins iii
Moveu-se tão rapidamente que passou através de nós antes que pudésse-
mos dar um passo para o lado.
roger bevins iii
E mais uma vez, por pouco tempo, nós o conhecemos.
hans vollman
XCIV.
Seu menino tinha ido embora; seu menino nada mais era.
hans vollman
Seu menino não est ava em lugar nenhum; seu menino est ava em toda
parte.
roger bevins iii
Quer dizer, seu menino não est ava mais aqui nem em qualquer outro lu-
gar. Nada mais havia de especial naquele local.
roger bevins iii
Sua continuada presença aqui foi um erro; ele est ava chafurdando na la-
ma.
hans vollman
Sua mente naquele inst ante inclinava-se para o sofrimento; para o fato de
que o mundo est ava repleto de sofrimento: todas as pessoas carregavam al-
gum fardo de sofrimento; todos sofriam; como quer que se olhasse para o
mundo, cabia lembrar que todos est avam sofrendo (ninguém satisfeito: to-
dos injustiçados, negligenciados, esquecidos, mal compreendidos), port an-
to cada qual deveria fazer o possível para aliviar a carga daqueles com
quem entrasse em cont ato; aquele est ado atual de sofrimento não era de
forma alguma algo unicamente seu, mas, pelo contrário, tinha sido vivido
ou ainda seria vivido por muitos e muitos outros em todos os tempos, e não
deveria ser prolongado ou exagerado porque, naquele est ado, ele não pode-
ria ajudar ninguém, e dado que sua posição no mundo significava que ele
prest aria uma grande ajuda ou causaria um grande mal, não tinha cabi-
mento permanecer deprimido caso conseguisse evit ar.
hans vollman
Embora na superfície parecesse que cada pessoa era única, isso não cor-
respondia à verdade.
roger bevins iii
No ent anto.
roger bevins iii
No ent anto.
Est ava envolvido numa lut a. Embora aqueles contra quem lut ava tam-
bém fossem seres sofredores, limit ados, ele precisava…
hans vollman
Eliminá-los.
roger bevins iii
À luz dos muitos soldados mortos e feridos nos campos de todo o país —
ervas daninhas violando seus torsos, globos oculares picados por aves ou se
dissolvendo, lábios horrivelmente retraídos, cart as espalhadas em volt a de
seus corpos, encharcadas de chuva, sangue ou cobert as de neve —, ele pre-
cisa (sentimos que nós precisamos) fazer o possível para garantir que, ao se-
guir por este difícil caminho, não comet amos erros, novos erros (já tendo
errado tanto) que levem à ruína um número maior desses jovens que um
dia foram amados por alguém.
Arruinarmais, arruinarmais, sentimos que precisamos nos esforçar para
não arruinarmais.
Temos que derrot ar nosso sofrimento; ele não pode se tornar nosso pa-
trão e nos fazer ineficazes, empurrar-nos ainda mais para o fundo do poço.
roger bevins iii
Mat ar.
roger bevins iii
O fim mais rápido da coisa (e, port anto, o mais misericordioso) pode ser
o mais sangrento.
hans vollman
Será que a coisa merecia isso. Merecia as mortes. Na superfície trat ava-se
de uma tecnicidade (mera União), mas, indo mais fundo, era uma coisa
bem maior. Como os homens deveriam viver? Como poderiam viver? Ago-
ra se lembrava do menino que ele tinha sido (escondendo-se do pai para ler
Bunyan; criando coelhos para ganhar algumas moedas; ouvindo na cidade
pessoas macilent as fazendo os discursos duros que a fome estimulava; ten-
do que dar um passo atrás quando um dos mais afortunados passava alegre-
mente em sua carruagem), sentindo-se estranho, esquisito (além de inteli-
gente, superior), com pernas compridas, sempre esbarrando em alguma
coisa, recebendo apelidos (Macaco Lincoln, Aranha, Varapau), mas tam-
bém pensando, calado, dentro de si, que um dia poderia ser alguém. E en-
tão, partindo para conseguir isso, encontrou o caminho livre — era ment al-
mente ágil, as pessoas gost avam dele por seu jeito est abanado e por sua fe-
roz força de vont ade, e as plant ações de pêssegos, os montes de feno, as
moçoilas e os antigos vales intocados pelo homem o deixavam quase louco
por tant a beleza, e animais estranhos moviam-se em bandos preguiçosos ao
longo de rios lamacentos, rios que só podiam ser atravessados com a ajuda
de algum remador eremit a que falava uma língua quase incompreensível,
e tudo isso, toda essa riqueza, est ava à disposição de todos, podia ser usada
por qualquer um, aparentemente post a ali para ensinar aos homens a ser li-
vres, ensinar aos homens que eles poderiam ser livres, que qualquer ho-
mem, qualquer homem branco e livre, poderia sair de um lugar tão modes-
to quanto o dele (ao ouvir gemidos sensuais vindos da choupana do casal
Cane, ele tinha olhado pela port a abert a e visto dois pares de pés ainda de
meias e um bebê andando precariamente e se equilibrando ao agarrar a
perna de um dos gemedores), e mesmo um rapaz que havia presenciado
tal coisa e vivido em meio àquela gente poderia subir, aqui, até aonde esti-
vesse disposto a chegar.
E isso contra os tipos autorit ários que arrancam a maçã de sua mão di-
zendo que a cultivaram, quando o que eles têm lhes chegou já pronto ou
foi ganho injust amente (a natureza dessa injustiça talvez decorrendo ape-
nas do fato de terem nascido mais fortes, mais inteligentes, mais dinâmicos
que os outros); e que, tendo se apoderado da maçã, a comem com tama-
nho orgulho que pareceria que não apenas a cultivaram, mas a colheram e
até mesmo invent aram a própria ideia da frut a, recaindo o custo de tal
mentira sobre o coração dos menos afortunados (o sr. Bellway mandando
que seus filhos saíssem da varanda da casa da família em Sangamon quan-
do ele e papai passavam encurvados, carregando entre os dois o pesado sa-
co de cereais).
Do outro lado do oceano, gordos reis observavam e se compraziam em
ver que alguma coisa que começara tão bem agora tinha saído dos trilhos
(lá embaixo, no Sul, reis semelhantes também observavam) e que, se des-
carrilasse de vez, a coisa se perderia para sempre, e que se alguém, algum
dia, pensasse em começar de novo, bom, se diria (e com toda a razão): A
ralé não consegue administrar a si mesma.
Pois bem, a ralé conseguia. A ralé conseguiria.
Caberia a ele liderar a ralé na administração.
A coisa seria ganha.
roger bevins iii
Nosso Willie não gost aria que claudicássemos nessa tent ativa por causa
de um sofrimento inútil, sem propósito.
hans vollman
Em nossa mente, o menino est ava no topo de uma colina acenando feliz
para nós, encorajando-nos a sermos destemidos e resolvermos a coisa.
roger bevins iii
Mas (nós fizemos uma pausa) não seria isso a simples expressão de um
desejo? Não est aríamos nós, com a finalidade de nos permitirmos seguir
em frente, postulando uma bênção de nosso menino impossível de ser con-
firmada?
Sim.
Sim, est ávamos.
hans vollman
Porém precisamos fazer isso, e acredit ar nisso, senão est aremos destruí-
dos.
roger bevins iii
Não sei o que me deu. Nunca, naquele lugar anterior, eu tinha sido
uma pessoa impulsiva. Que necessidade eu teria para ser? O sr. Conner,
sua boa esposa e todos os filhos e netos do casal eram como uma família
para mim. Nunca fui separado da minha mulher ou de meus filhos. Co-
míamos bem, nunca apanhamos. Nos deram uma casinha amarela peque-
na mas simpática. Levando tudo em consideração, era um arranjo feliz.
Por isso não sei o que me deu.
Quando aquele cavalheiro passou através de mim, senti uma afinidade.
E decidi ficar um pouco.
Dentro dele.
Assim lá est ávamos nós, seguindo juntos, eu acert ando o passo com o de-
le. O que não foi fácil. Suas pernas eram compridas. Estendi as minhas para
se igualarem às dele, me esticando todo até ficarmos do mesmo tamanho.
E lá fora, mont ados no cavalo, a excit ação (me perdoe) de est ar mais uma
vez cavalgando foi demais e… eu continuei. Dentro dele. Que sensação!
Fazer o que eu queria fazer. Sem ninguém me mandar fazer aquilo, sem
ter pedido a permissão de ninguém. Era como se o teto de uma casa que
havia durado uma vida toda tivesse sido arrancado, por assim dizer. Conhe-
ci, num inst ante, vast as regiões de Indiana e Illinois (cidades inteiras, e em
cada uma delas a natureza da hospit alidade de casas específicas, embora eu
nunca houvesse visit ado aqueles lugares), e pude sentir que aquele sujei-
to… bom, meu Deus, não direi o cargo que me pareceu que ele ocupava.
Comecei a sentir medo de ter penetrado em alguém tão eminente. No en-
tanto, eu est ava confort ável lá dentro. E de repente quis que ele me conhe-
cesse. Minha vida. Conhecesse a nós. Nossa condição de vida. Não sei por
que senti isso, mas aconteceu. Ele não tinha nenhuma aversão por mim, é
como posso dizer. Ou melhor, tinha tido antes, ainda guardava sinais dela,
mas, ao examiná-la de forma clara, a aversão de algum modo foi se dissol-
vendo. Ele era um livro aberto. Um livro que estava sendo aberto. Que ti-
nha acabado de ser aberto mais um pouco. Pelo sofrimento. E… por nós.
Por todos nós, negros e brancos, que tão recentemente o haviam habit ado
em massa. Aparentemente, ele não passara incólume por aquele evento.
Nem um pouco. Aquilo o tinha deixado triste. Mais triste. Nós tínhamos.
Todos nós, brancos e negros, o havíamos deixado mais triste com a nossa
tristeza. E agora, embora soe estranho dizer isto, ele est ava me deixando
mais triste com sua tristeza, e pensei: Bem, meu senhor, se fôssemos fazer
um concurso de tristezas tenho algumas que, me parece, alguém tão pode-
roso deveria gost ar de conhecer. Ent ão, com toda a intensidade que conse-
gui, pensei na sra. Hodge, em Elson, em Litzie e em tudo que tinha ouvido
durante nossa longa convivência naquela vala sobre os muitos problemas
deles e degradações, relembrando também vários outros de nossa raça que
eu tinha conhecido e amado (minha mãe; minha mulher; nossos filhos
Paul, Timothy e Gloria; Rance P., sua irmã Bee; os quatro filhos do casal
Cushman), e de tudo que eles haviam suport ado, pensando: Meu senhor,
se é tão poderoso quanto sinto que é, e tão bem-intencionado a nosso res-
peito quanto parece, se esforce para fazer algo a nosso favor, de modo que
possamos fazer algo por nós. Est amos prontos, meu senhor; est amos com
raiva e somos capazes, nossas esperanças foram tão reprimidas que podem
ser let ais ou sagradas: nos liberte, meu senhor, nos permit a ser independen-
tes e mostrarmos o que podemos fazer.
thomas havens
XCVII.
Apesar de triste.
Eu tinha acabado de recuperar a minha voz, e agora era hora de partir.
litzie wright
Elson?, eu disse.
Não, ele disse. Se coisas como a bondade, a irmandade e a redenção exis-
tem e podem ser alcançadas, elas às vezes exigem sangue, vingança, con-
torções de terror do antigo algoz, a vitória sobre o impiedoso opressor. Pre-
tendo permanecer. Aqui. Até me vingar. Em alguém.
(Pobre rapaz! Tão orgulhoso! Tão dramático!)
Est amos mortos, eu disse.
Aqui estou eu, ele disse. Eu estou aqui.
Não falei mais nada… se ele queria ficar, eu não o impediria.
Todos devemos fazer o que queremos.
Pront a?, perguntei a Litzie.
Como nos velhos tempos, ela piscou para mim duas vezes, o que sempre
quis dizer: Sim.
sra. francis hodge
XCVIII.
Quando o presidente saiu da capela corri até a casa do guarda para des-
trancar o port ão o presidente saiu sem dizer nada parecendo atorment ado
estendeu a mão e deu um aperto amigável no meu braço depois pulou em
cima de seu cavalinho achei que o bicho ia cair de lado mas não o cavali-
nho era um herói e aguentou saiu trot ando com muit a dignidade como se
quisesse proteger a reput ação do presidente fingindo que os pés dele não
est avam quase roçando no chão e te digo Tom que aquele danadinho cora-
joso podia est ar levando Hércules ou George Washington a julgar pelo or-
gulho com que marchava quando os dois desapareceram descendo a R
Street na noite bem fria.
Quando eu est ava trancando outra vez o port ão Tom tive a sensação de
que me observavam e vi que nossa “garot a misteriosa” do outro lado da rua
est ava sent ada em seu posto de sempre na janela e levant ando com grande
esforço a janela me perguntou se era o presidente quem tinha acabado de
sair cavalgando e respondi que sim era ele mesmo foi triste Tom porque co-
nheço aquela moça pelo menos desde que era uma criancinha quando ain-
da podia andar e correr como todas as outras e agora ela deve ter quase trin-
ta anos e com pena dela eu disse que era melhor ela fechar a janela por
causa do frio e porque eu tinha ouvido dizer que ela não est ava passando
bem e ela me agradeceu pela minha preocupação e falou que era uma tris-
teza não é mesmo aquilo sobre o filho do presidente e eu respondi que ah
era muito triste mesmo e ela disse que achava que o menino cert amente
devia est ar num lugar melhor e eu disse que esperava que sim e que rezava
para que isso acontecesse e nossas vozes ficaram soando ali como se nós
dois fôssemos as últimas pessoas vivas no mundo e dissemos boa-noite um
para o outro e ela baixou a janela e logo depois apagou a luz.
Manders, op. cit.
C.
Reinava o caos.
roger bevins iii
A bat a esbranquiçada da bela mulat a violent ada caiu lent amente, ainda
manchada com as marcas sangrent as de suas mãos nos quadris.
hans vollman
Vários tinham sido tão severamente infect ados pela dúvida que a loco-
moção se tornara impossível.
roger bevins iii
Até mesmo a extrema confiança do tenente parecia afet ada pela confu-
são reinante, porque ele não ficou mais alto durante essa diatribe, e até
mesmo deu a impressão de encolher um pouco.
roger bevins iii
O tenente perguntou como o sr. Farwell ousava tocar num homem bran-
co demonstrando raiva e ordenou que o levant asse; tendo o sr. Farwell se
recusado, o tenente o derrubou com um chute no peito e, salt ando de pé,
sentou-se sobre o sr. Farwell e começou a socar sua cabeça. Desesperado,
Farwell tateou ao redor em busca de uma pedra da aleia e com ela golpeou
a cabeça do tenente, fazendo com que ele caísse ao chão e seu chapéu tri-
corne voasse para longe. Farwell ent ão fincou um joelho no peito do te-
nente e usou a pedra para transformar seu crânio numa massa informe e
achat ada, depois do que saiu aos tropeços e se sentou no chão, desconsola-
do, a cabeça apoiada nas mãos, chorando.
roger bevins iii
Prosseguindo com uma fúria que sugeria a possibilidade de os dois lut a-
rem por toda a eternidade.
hans vollman
Perturbados.
hans vollman
Porque alguém, muito tempo atrás, tinha plant ado uma árvore ali a fim
de proteger Const antine do sol).
roger bevins iii
Levant a, levant a.
Não para… Não consegue parar de pensar naquela m…
eddie baron
Mas que vist a, hein? Poucas crianças têm uma vist a daquelas. Nós olhá-
vamos para fora da nossa tenda e lá est ava a p… da Casa Branca.
eddie baron
Mas antes a gente tinha que dar a volt a pela p… do monte de lixo. De
olho naqueles p… ratões. E naquele bando de mercenários alemães que vi-
viam lá e atacam a p… das mulheres.
betsy baron
Não atacaram o c…! Uma vez tive que queimar a perna de um daqueles
filhos da p… com uma pá cheia de carvão quente! Pra fazer ele sair de ci-
ma de mim! Entrou direto na p… da tenda! Na frente daquelas crianças de
m…! Não é à toa que nunca vieram nos visit ar! Já est amos aqui… faz
quanto tempo que est amos aqui? Uma p… de tempo. E não vieram nem
uma vez.
betsy baron
Que se f…! Certo? Aquelas p… daquelas cobras ingrat as não têm o me-
nor direito de nos culpar por p… nenhuma porque nunca tiveram que co-
mer tant a m… como nós comemos, nunca foram f… como nós fomos.
eddie baron
Eddie? Não.
Eram nossos filhos.
Nós f… com a vida deles.
betsy baron
Eddie.
Nós est amos f…, Eddie, mortos.
Eu te amo, seu m…
betsy baron
Não.
Não não não. Não faz isso. Não faz isso.
P…, fica comigo, garot a.
eddie baron
A carne dela ficou fina como um pergaminho. O corpo foi sacudido por
tremores. Sua forma exibiu moment aneamente os vários eus que ela tinha
sido naquele lugar anterior (demasiado imorais, pobres e vergonhosos para
serem mencionados) e depois as várias formas futuras que ela nunca conse-
guiu atingir: mãe atenciosa; competente cozinheira de pães e bolos; sóbria
frequent adora de igrejas; uma respeit ada avó de fala mansa cercada de uma
prole muito asseada e que a adorava.
roger bevins iii
E ela se foi.
roger bevins iii
Sabíamos o quê.
hans vollman
Quem.
roger bevins iii
A jovem Traynor est ava, como de costume, presa à cerca, fazendo parte
dela e se manifest ando, naquele momento, como um modelo em escala
menor de um vagão ferroviário acident ado, com várias dezenas de pessoas
queimadas e moribundas em meio às ferragens grit ando as mais obscenas
exigências, enquanto as “rodas” da srt a. Traynor esmagavam impiedosa-
mente diversos porcos que (éramos levados a crer) haviam causado o desas-
tre e possuíam rostos e vozes humanas, urrando horrivelmente à medida
que as rodas giravam sem parar e continuavam a triturá-los, desprendendo
um cheiro de carne de porco queimada.
hans vollman
Nos perdoe, berrei lá para dentro. Nos perdoe por não termos nos esfor-
çado mais para convencê-la a partir quando você ainda tinha uma chance.
Ficamos com medo, disse o sr. Bevins. Com medo do que poderia acon-
tecer conosco.
Preocupados, eu disse. Preocupados com a possibilidade de falharmos
em nossos esforços.
Achamos que precisávamos conservar nossos recursos, disse o sr. Bevins.
Sentimos muito que isso tenha acontecido com você, eu disse.
Você não merecia isso, disse o sr. Bevins.
E nos desculpe, principalmente, por não termos ficado para consolá-la
quando você caiu, eu disse.
Os senhores de fato se escafederam, disse um dos porcos.
hans vollman
Eu podia ver a srt a. Traynor no que tinha sido o vagão-rest aurante, seu
rosto claramente perceptível dentro do papel de parede listrado cor de alfa-
zema.
hans vollman
Cá est amos nós. Ou não? Se não, quem est á falando? Quem est á escu-
tando?
percival “rapidinho” collier
Que carnificina.
E só pudemos inspecionar uma pequena fração do terreno.
lance durning
Tempo.
lance durning
Mais tempo.
percival “rapidinho” collier
CVI.
Como sempre, ao raiar do sol os dois reinos se fundiram, e tudo que era
verdadeiro no nosso se tornou verdadeiro no deles: pedras, árvores, arbus-
tos, colinas, vales, córregos, laguinhos, pânt anos, réstias de luz e sombra se
unificaram e eram os mesmos em ambos os domínios, sendo impossível se-
pará-los.
Muit a coisa nova, estranha e desconcert ante havia ocorrido naquela noi-
te.
Nós três, os Solteiros, tínhamos observado tudo que acontecera de cima:
seguros, à parte e livres — como gost ávamos que fosse.
Dei instruções a meus jovens pupilos para que agora volt ássemos corren-
do a nossas caixas de doente e nos acomodássemos.
Dentro do que nos aguardava lá.
stanley “professor” lippert
Argh.
gene “velhaco” kane
Nem um pouco.
gene “velhaco” kane
Mas aquele era o preço que devíamos pagar, tot almente despertos porém
inertes dentro daquelas coisas repugnantes — que no passado se pareciam
conosco (tinham sido nós) e que havíamos amado tanto — até a hora em
que a noite volt ava a cair e ent ão, disparando para fora, nós seríamos…
stanley “professor” lippert
Livres.
gene “velhaco” kane
Livres de novo.
jack “papo-furado” fuller
Nós de verdade.
gene “velhaco” kane
Nós três nunca havíamos nos casado nem amado de fato, mas ao cair de
todas as noites, se ainda nos encontrássemos residindo aqui, poderíamos
eliminar o “nunca”…
stanley “professor” lippert
Agora mesmo Tom fui com a lanterna até o mausoléu da família Carroll
para ter certeza que est ava tudo bem e avistei o caixão do jovem Lincoln
um pouquinho pra fora do nicho e empurrei de volt a ah pobre menino ter-
minando aqui sozinho sua primeira noite das muit as noites de solidão que
ainda est ão por vir uma eternidade longa e triste de noites assim.
Não pude deixar de pensar no nosso Philip mais ou menos da mesma
idade que o filho do presidente que deve est ar correndo no quint al e vai
chegar em casa iluminado por dentro com a alegria de viver tendo flert ado
por cima do muro com as srt as. Amy e Reba Leonard da casa vizinha o ca-
belo desgrenhado indo pegar uma vassoura para num arroubo de felicidade
cutucar o bumbum da cozinheira sra. Alberts mas quando ela se vira para
dar um tapa nele segurando um nabo enorme e vê aquela cara esfuziante
só consegue mesmo é jogar o nabo na pia e agarrar o menino pelo pescoço
para cobrir o rosto dele de beijos enquanto eu disfarço e passo a vassoura
para ela e na hora que ele escapa vitorioso ela consegue dar uma espécie
de cutucada vingativa no fundilho da calça dele bem gast a por causa das
brincadeiras e uma cutucada das boas porque os braços daquela senhora
são como vigas de ferro ah meu Deus não suporto a ideia de Philip ficar
num lugar como este e quando esse pensamento me vem preciso cant aro-
lar com toda a força uma música qualquer enquanto rezo Não não não Se-
nhor afast a de mim esse cálice deixa eu ir antes de todos que eu amo (antes
de Philip Mary Jack Jr. antes da querida Lydia) mas isso também não é
bom porque quando eles chegarem ao fim eu não vou est ar aqui para aju-
dar ah de um jeito ou de outro é insuport ável ah meu Deus que dilema a
gente encontra aqui embaixo Tom querido amigo Tom estou doido para
dormir aguardo sua chegada e espero que esses pensamentos tristes e mór-
bidos vão logo desaparecer com a visão feliz do nosso caro amigo o sol nas-
cente.
Manders, op. cit.
CVIII.