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Anotações ao cap.

III de Estrutura da língua portuguesa

Na visão de Maria Cristina Figueiredo Silva e Alessandro Boechat de Medeiros, em Para


conhecer morfologia, São Paulo, Contexto, 2016, “o maior expoente do estruturalismo
brasileiro (e que é possivelmente também o maior linguista brasileiro) é Joaquim Mattoso
Camara Jr.”. (...) “Este [Estrutura...] seria um de seus livros mais interessantes, porque
resume de certa forma toda a sua obra, dando um tratamento final a muitas questões que
ainda não estavam completamente esclarecidas em outras obras suas” (p. 31).

Referências iniciais para história da morfologia linguística:

CAMARA Jr., Joaquim Mattoso. História da linguística. Petrópolis: Vozes, 1975 (nova
edição revista 2021).

ROBINS, R.H. Pequena história da linguística. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico,1983.

Veja também NEVES, Maria Helena de Moura. A vertente grega da gramática


tradicional. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

Modelos de análise mórfica (Hockett, Charles F. Two models of grammatical description.


In: Joos, Martin. Readings in linguistics. New York: American Council of Learned
Societies, 1963. p. 386-399):

 Modelo greco-latino: morfologia baseada na palavra/ vocábulo. Lembra Maria


Carlota Rosa, em Introdução à morfologia. São Paulo: Contexto, 2018, p. 90,
“não se procurava, no modelo gramatical que nos foi legado pela tradição greco-
latina, decompor palavras em unidades mínimas de som e significado, em busca
da sequência sonora específica que corresponde a tal ou qual significado e vice-
versa”. Para alguns teóricos, “palavra’ tem apelo lexical e “vocábulo”, gramatical”.
Por vezes, porém, os termos são permutáveis. Em Camara Jr., traduzem o inglês
word.

Palavra e Paradigma (cf. as declinações dos nomes e as conjugações dos


verbos e seus paradigmas): o tratamento não é linear. A palavra/ vocábulo é
analisada como um todo, sem considerar a relação sintagmática entre os
expoentes morfológicos. Segundo Silva e Boechat (2016:31), “é preciso dizer
que, se por um lado ele permite dar um tratamento a fatos que os modelos
concorrentes não conseguem abordar, por outro lado, ele permite a descrição de
qualquer sistema verbal ou nominal (...)”.

Paradigma: palavra grega que equivale a “modelo”. Ainda para Rosa (2018:90), o
paradigma “funciona, descritivamente, como uma espécie de molde, ou, se preferirmos,
como uma fronteira para gerar formas do paradigma”. Refere-se a um inventário de
formas flexionadas da mesma palavra, portanto assinalando propriedades
morfossintáticas, dispostas verticalmente, paradigmaticamente, à maneira de uma lista de
itens. Veja os exemplos do português:
BONITO AMAR
Bonito Amo
Bonita Amas
Bonitos Ama
Bonitas ...

A cabeça do paradigma é constituída por um lexema (BONITO, AMAR), por convenção


grafada em caixa alta.

Nos termos de Marcos Antonio Costa, no capítulo “Estruturalismo”, do Manual de


linguística, organizado por Mário Martelotta, São Paulo, Contexto, 2009, “as relações
paradigmáticas manifestam-se como relações in absentia, pois caracterizam a associação
entre um termo que está presente em um determinado contexto sintático com outros que
estão ausentes desse contexto, mas que são importantes para sua caracterização em
termos opositivos” (p. 121).

A gramática clássica compreendia a flexão (acidentia), a derivação e a sintaxe. De fato,


no modelo greco-latino, como destaca Laroca (2008:11), “o que se opunha à sintaxe era a
flexão, ficando a derivação em segundo plano”. Portanto, ao declinar nomes e pronomes
e ao conjugar verbos, a gramática do tempo enfatizava a proeminência da Morfologia
Flexional em relação à Morfologia Derivacional. Por exemplo: o manual de Guida N.
Parreiras Horta, Os gregos e seu idioma, Rio de Janeiro, Editora J. Di Giorgi & Cia.
Ltda., 1991, 2v., dedica, no volume 1 (total de 483 p.), 17 páginas à formação das
palavras no grego.

Para Margarida Basílio, em versão publicada de sua tese de doutorado, Estruturas


lexicais do português, Petrópolis, Vozes, 1980, “os gregos desenvolveram o modelo
“Palavra e Paradigma”, no qual as palavras são consideradas como as unidades mínimas
na análise linguística e o termo “paradigma” se refere ao esquema de variações
acidentais de forma que diferentes classes de palavras apresentam, dentro de condições
contextuais específicas. Assim, por exemplo, as declinações nominais e as conjugações
verbais representam classes de palavras que seguem um esquema específico de
variações de forma, próprio de cada classe” (p.24).
Portanto, como relata Basílio (1980:24), “estudos morfológicos na Grécia eram
exclusivamente baseados em palavras, tidas como todos indivisíveis; e centrados em
torno do fenômeno flexão. Neste contexto, não havia lugar para a morfologia derivacional.
A situação foi mantida, quase inalterada, até o século XIX”.

 Modelo estruturalista – antecedente, precursor, modelo do gramático hindu


Panini (VI ou V séc. a. C.), morfologia baseada em morfema, ou nos termos de
Rosa (2018:89), na “relação sintagmática entre signos mínimos que se deve
suceder necessariamente numa dada ordem”:

Item-e-Arranjo: considera uma cadeia sintagmática, horizontal, as "partes" da


palavra, ou morfemas, as unidades mínimas de análise presentes efetivamente.
Assinalam Silva e Boechat (2016:29) que, “tendo se desenvolvido principalmente
no bojo da Linguística estruturalista norte-americana, esse modelo entende que a
grande tarefa da Morfologia é depreender os morfemas constituintes de palavras.
É evidente que esse modelo lida com muita facilidade com toda a morfologia que
é concatenativa e regular, como a que vemos nos tempos verbais regulares do
português – não é difícil dividir e classificar os morfemas de uma forma verbal
como cant-á-va-mos”. Nos termos de Rosa (2018:93), o objetivo é “arrolar quais
os elementos ou itens constitutivos de sua estrutura”, notar que “cada um dos
elementos mínimos pertence a uma ordem ou classe (raiz, afixo)” e perceber, por
fim, que “elementos da mesma ordem são mutuamente exclusivos para uma
única posição”. Outros exemplos:

Bonit-a In-feliz-mente (análise sintagmática dos dados)

 Costa (2009:121) entende como sintagmáticas “as relações in praesentia, ou


seja, entre dois ou mais termos que estão presentes (antecedentes ou
subsequentes) em um mesmo contexto”.

 O que é morfologia concatenativa? Esclarecem Silva e Boechat (2016:30):


“aquele tipo de operação morfológica que se faz essencialmente juntando
pedaços de palavras a palavras (ou a outros pedaços de palavras); nesse
caso, a morfologia se parece muito com a sintaxe, que junta palavras (ou
grupos de palavras) para formar constituintes e então frases”.

 Para a identificação dos elementos mórficos, a análise estruturalista se


utilizou do teste da comutação (designação proposta por Louis Hjelmslev na
vertente europeia, dinamarquesa, do Estruturalismo, conhecida como Escola
Glossemática) ou substituição, nomenclatura proposta por Zellig Harris, no
âmbito da visão estruturalista norte-americana.

Item-e-Processo: este modelo foi “redescoberto no Ocidente no século XIX”,


como salienta Rosa (2018:94), “porque suas origens remontam aos trabalhos de
gramáticos hindus sobre o sânscrito como Panini”. O tratamento dos itens se dá
em um nível mais abstrato, subjacente ou teórico. Com efeito, processos são
utilizados a fim de gerar as formas superficiais dos dados. No entender de Rosa
(2018:94): “a essas formas são aplicados processos, ou regras, ou operações,
que as transformam em camadas de diferentes níveis de abstração”, com o
objetivo de “demonstrar a regularidade que existe por trás das irregularidades,
que seriam, então, irregularidades aparentes”. Nos termos de Camara Jr., por
vezes, reiterado: “a complexa variabilidade na superfície corresponde sempre na
língua uma invariabilidade profunda” (Cap. III, item 10, de Estrutura...).
Salientam, ainda, Silva e Boechat (2016:30): “a ideia que subjaz a esse modelo é
a de que existem formas básicas ou subjacentes, às quais se aplica algum
processo obtendo como resultado outra forma”. O escopo central, pois, é
destacar regularidades, invariâncias, em meio a aparentes irregularidades.

Mar ~ *mar e (com uma v.t. nominal de apoio, indicando o * que se


trata de uma forma teórica, que não se realiza fonologicamente) ~ *mar e S ~ mares
(para Camara Jr., o plural se faz apenas com acréscimo do morfe –s)

Cf. a análise em Item-e-Processo proposta por Gonçalves, Carlos Alexandre.


Morfologia. São Paulo: Parábola, 2019. p. 80, para irmão ~ irmã:

/iR’maN/ forma básica


/iR’maN/ + /-a/ regra morfológica
/iR.’ma.Na/ concatenação e silabificação
/iR.’mã.a/ regra fonológica (queda de nasal e nasalização)
/iR.’mã regra fonológica (crase)

Para o estudo do pensamento linguístico indiano: BHARTRHARI. Da palavra. São Paulo:


Editora Unesp, 2014.

Basílio (1980:25) apresenta um sumário a respeito dos modelos de análise gramatical: “ao
contrário do modelo tradicional “Palavra e Paradigma”, na gramática de Panini as palavras
são analisadas em termos de sua estrutura interna; formas flexionadas são descritas por
meio de listas ordenadas de regras que se aplicam a formas subjacentes estruturadas em
termos de raízes e afixos. Assim, podemos dizer que a gramática de Panini está na fonte
de ambos os modelos “Elemento e Arranjo” e “Elemento e Processo”, que caracterizam,
respectivamente, o modelo estruturalista e o modelo gerativo transformacional na
linguística americana do século XX”. Note-se, porém, que em análises estruturalistas já se
opera com a noção de “formas teóricas”, subjacentes, como propõe Camara Jr.

Veja Camara Jr, Joaquim Mattoso. Princípios de linguística geral. Rio de Janeiro:
Padrão, 1967, a respeito de vocábulo/ palavra nos planos fonológico, formal e semântico.

Morfologia: termo criado no século XIX, tendo em vista elementos gregos. Morf(o) greg.
morphé, “forma”, e –lógos, greg. “estudo, palavra, razão ou conhecimento”. Ensina Rosa
(2018:64), que o poeta, dramaturgo, homem de estado e cientista Johann Wolfgang von
Goethe (1749-1832) cunhou, “em 1796, no âmbito da Biologia e não no da Gramática, a
palavra alemã Morphologie, para que denominasse ‘a formação e a transformação da
natureza orgânica”. Por sua vez, August Schleicher (1821-1868), “introduziria o termos
morfologia no que ele denominava Ciência da Linguagem ou Glótica, para ele uma
ciência natural”, na perspectiva de Rosa (2018:64). Fundava-se, assim, a concepção de
língua como um “organismo natural”, “vivo”, aplicando-se o conceito de evolução na
concepção de Charles Darwin, constituída de elementos formativos menores ou órgãos.
Sob uma perspectiva sincrônica, já no início do século XX, para Ferdinand de Saussure, a
Morfologia irá tratar das diversas espécies de classes de palavras e respectivas formas de
flexão, embora não separado da Sintaxe. Defende o autor, no Curso..., II, 7, § 1, p.157,
que “a morfologia não tem objeto real e autônomo; não pode constituir uma disciplina
distinta da sintaxe”, na avaliação de Rosa (2018:70). No texto “Morfologia e sintaxe”,
publicado no livro Dispersos, Camara Jr. defende a divisão e pertinência dos campos e,
consequentemente, uma morfologia mais autônoma.

Morfema: termo criado em fins do século XIX, em 1895, pelo linguista Jan Baudouin de
Courtenay (1845-1929): “parte de uma palavra dotada de vida psíquica autônoma e, por
esta mesma razão, não mais divisível. Este conceito abrange, portanto: raiz (radix), todos
os possíveis afixos (sufixos, prefixos), terminações que servem como expoentes de
relações sintáticas” apud Rosa (2018:65). No caso, -ema se trata de sufixo que, no âmbito
da linguística, faz referência a uma “menor unidade formal”. Cf. fonema, grafema, lexema,
morfema, prosodema.

Morfemas: “formas mínimas constituintes”.


Definição clássica de morfema: “unidade mínima recorrente dotada de significado”.
Relação de um-para-um. O signo (como unidade mínima) deixa de ser a palavra
(Saussure) e passa a ser o morfema.
Problema: definição circular que remete ao conceito complexo de “significado” (cf. Ogden,
C.K. & Richards, I. A. O significado de significado. Rio de Janeiro: Zahar, 1976). Outro
conceito: “unidade estrutural básica da morfologia”.

Leonard Bloomfield, em Language. New York: Holt, Rinehart and Winston, 1933 [1961].
No capítulo 9, “Significado”, Bloomfield ressalta: “a determinação de significados é
portanto o ponto fraco (weak point) no estudo da linguagem, e permanecerá sendo até
que o conhecimento humano progrida muito além do seu estado atual. Na prática,
definimos o significado como uma forma linguística, sempre que podemos, em termos de
alguma outra ciência”.p.140. Propõe que o morfema pode ser descrito (deixando-se de
lado a noção problemática de “significado”) como um “conjunto de um ou mais fonemas
num determinado arranjo”, em termos rigorosamente distribucionais. Acrescenta Rosa
(2018:72), citando o linguista Martin Joos (1966): “o significado de um morfema é ‘o
conjunto de probabilidades condicionais de sua ocorrência em relação a todos os outros
morfemas’ “.

Cerca de trinta anos depois, na edição em inglês de 1961, H. A. Gleason Jr., em


Introdução à linguística descritiva. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1978, ainda declarava
a dificuldade em lidar com o conceito de significado: “o significado é, pois, uma variável
que não está sujeita a qualquer controlo preciso. Em nenhuma circunstância será, pois,
seguro utilizá-lo por si só, mas apenas em combinação com alguns dados distributivos.
Contudo não será possível, também, servimo-nos da distribuição por si só (excepto,
talvez, em casos especiais), uma vez que teremos necessidade do significado para
avaliar da pertinência dos traços distributivos”. Ou seja, propõe um critério duplo que
envolve a noção de significado e a distribuição dos itens na análise mórfica.

Ressalta, a propósito, Basílio (1980:25): “o reconhecimento da relevância da morfologia


derivacional é uma consequência necessária da morfologia baseada em morfemas, que
caracteriza o modelo estruturalista. Definindo o morfema como a unidade significativa da
língua e estabelecendo-o como unidade básica da morfologia, os linguistas não podiam
deixar de lado a questão da estrutura interna das palavras”. Acrescente-se, pois, que “no
modelo Elemento e Arranjo, (...), a morfologia é definida como a parte da gramática que
descreve os morfemas da língua e seus padrões de arranjo na formação de palavras.
Neste modelo, a análise morfêmica consiste de a) segmentação dos enunciados em
morfes, isto é, sequências mínimas recorrentes a que se pode atribuir significado; e b)
classificação de morfes em classes, os morfemas, na base da distintividade fonético-
semântica”. Por exemplo, em iludir/ ilusão e preparar/ preparação, “-ão e –ção, aos quais
o significado gramatical ‘nome abstrato’ pode ser atribuído; a classificação de –ão e –ção
como submembros (alomorfes) do mesmo morfema é feita não em termos de identidade,
mas de distintividade fonético-semântica”. Assim delimitado, “o processo constitui uma
extensão óbvia dos modelos de análise utilizados no nível fonêmico”. Convém destacar
que Camara Jr. não trabalhou com esta unidade – o morfe – em suas análises.
Por fim, a respeito de Item e Arranjo (ou Elemento e Arranjo), Basílio (1980:26) sublinha
que este modelo é “taxonômico. Entretanto, mesmo se aceitarmos as premissas teóricas
do modelo, a definição de morfema como uma entidade necessariamente significativa nos
leva a problemas insolúveis, porque num grande número de casos encontramos unidades
mínimas recorrentes, reconhecidas como morfemas pelos estruturalistas, às quais é
impossível atribuir um significado específico”. Por exemplo, -ceb- em receber e perceber;
e -fer- em conferir e diferir.

i.-e. *ster (o asterisco, na diacronia, indica uma forma hipotética, no caso em indo-
europeu): "estrela". Na descrição do proto-indo-europeu, proposta por J. P. Mallory e D.
Q. Adams (2009), a representação é a seguinte: *h2stér (o símbolo h2 indica uma laringal
sonora).
Etimologia de estrela, segundo J. Pedro Machado, Dicionário etimológico da língua
portuguesa, Lisboa, Confluência, 1967: “do lat. stella, (...), mas através de um lat. vulgar
*stēlla, resultante do cruzamento de *stēla com stĕlla; quanto ao –r-, não se pode
continuar a admitir a influência de astro”.

Camara Jr. propõe a análise da palavra estrela nas dimensões sincrônica e diacrônica.
Para Camara Jr. (1972:4), os planos (sincrônico e diacrônico) não têm paralelos: “foi a
convicção dessa possibilidade, ou antes, dessa necessidade que constituiu uma das
grandes contribuições de Saussure nos seus cursos (...). É, não obstante, o ponto de vista
teoricamente certo. Antes de tudo, há a circunstância de que os falantes de uma língua
nada sabem espontaneamente da história dela e a manejam apesar de tudo”.

Sobre a “revolução” proposta por Saussure (Curso de linguística geral. São Paulo:
Cultrix, 2014. p. 123-4) e o reconhecimento da sincronia: “a primeira coisa que surpreende
quando se estudam os fatos da língua é que, para o indivíduo falante, a sucessão deles
no tempo não existe: ele se acha diante de um estado. Também o linguista que queira
compreender esse estado deve fazer tabula rasa de tudo quanto produziu e ignorar a
diacronia. Ele só pode penetrar na consciência dos indivíduos que falam suprimindo o
passado”. A seguir acrescenta: “após ter concedido um lugar bastante grande à História, a
Linguística voltará ao ponto de vista estático da Gramática tradicional, mas com um
espírito novo e com outros processos”.

Costa (2009:118) sistematiza a questão: “o estruturalismo proposto por Saussure não


apenas aponta as diferenças entre essas duas formas de investigação, mas sobretudo,
registra a prioridade do estudo sincrônico sobre o diacrônico. Ou seja, para Saussure, o
linguista deve estudar principalmente o sistema da língua, observando como se
configuram as relações internas entre seus elementos em um determinado momento do
tempo”.

No século XIX, a perspectiva histórica era a única admitida como científica. Cf. PAUL,
Hermann. Princípios fundamentais de história da língua. Lisboa: Calouste Gulbenkian,
1983. p. 28, o maior teórico do tempo: “Objectaram-me que há outro método científico de
estudar a língua, além do histórico. Tenho que negar isto. Aquilo que se considera como
um método não histórico, e contudo científico, de estudar a língua, não é no fundo mais
do que um método histórico incompleto, incompleto em parte por culpa do observador, em
parte por culpa do material de estudo. Mal ultrapassamos a pura verificação de
pormenores, mal tentamos abranger a conexão, compreender os fenómenos, penetramos
em terreno histórico, embora talvez sem plena consciência disso”.

Em relação à corrente tagmêmica de Kenneth Pike, consulte www.sil.org

9.
Martinet, André. Elementos de linguística geral. Lisboa: Sá da Costa, 1964.

Para uma abordagem clara da dupla articulação, um universal linguístico, inerente às


línguas humanas, consulte o capítulo pertinente em MARTELOTTA, Mário Eduardo et alii.
Manual de linguística. São Paulo: Contexto, 2015. p. 39-40: a linguagem humana “se
manifesta através de (…) elementos menores (…) existem dois tipos diferentes de
unidades mínimas: os morfemas e os fonemas. (...) Esse tipo de organização (...) tem
uma razão de ser: é aquela que melhor se adapta às necessidades comunicativas
humanas, permitindo que se transmita mais informação com menos esforço”, e maior
economia. Permite-se a criação teoricamente ilimitada de enunciados linguísticos, a partir
de conjuntos limitados de morfemas e fonemas.

Análise de estrela na primeira articulação (unidades dotadas de informação): estrel- (rad.)


–a (vogal temática nominal)
Aproximação entre morfemas lexicais (palavras diferentes que portam conteúdos de
caráter biossocial, referências extralinguísticas) e gramaticais (constituintes mórficos que
se referem ao plano gramatical, portanto de natureza intralingüística):

Fases Gênero
___________________________________
Criança – homem homem - mulher
Gatinho – gato gato - gata

BOAS, Franz. Introduction. In: Handbook of american indian languages. Washington:


Government Print Office, 1911. v. I, p. 1-83. Aponta para a economia expressional, no
processo de compartilhamento entre morfemas lexicais e gramaticais.

10.

Proposta de Camara Jr., para o genitivo em latim:

Leo - *leon - leonis

Homo - *homin - hominis

Acréscimo apenas de -is. Rejeita a "variação superficial" -onis / -inis. Na sincronia o *


indica uma forma teórica ou hipotética. Além disso, o autor sugere duas regras aplicáveis
às formas teóricas do latim para se chegar ao nominativo: 1) supressão da nasal final da
forma teórica; 2) passagem do –i para –o.

Cf. o número em português para Camara Jr.: mar - *mare - mares (apenas –s).
“Profissão de fé” estruturalista: a uma variação superficial (-s, -es, -is) corresponde
sempre uma invariabilidade profunda (-s) na língua.

Morfemas gramaticais: classe fechada (gênero, número, etc.)


Morfemas lexicais: classes abertas (radicais, etc.)

Processos de redobro/ reduplicação:

Redobro em latim: pango “concordo” – pepigi “concordei”


Redobro em grego: lúo “eu solto” - léluka “fiquei solto”
Reduplicação em kristang (Malásia): omi-omi “homens”, noibu-noiba “noivos”;
Reduplicação em tupi: abá “índio” (em oposição ao europeu); “homem” (em oposição à
mulher); “ser humano” (em oposição a animal irracional)” – abá-abá “índios”; ...

Para a reduplicação e outros aspectos do tupi antigo, ver NAVARRO, Eduardo de


Almeida. Método moderno de tupi antigo. São Paulo: Global, 2006.
Em português, a reduplicação não tem valor gramatical. Apenas função lexical (formação
de novas palavras): chororô, corre-corre, pega-pega, etc.

Alternância: no dados citados, faz~fez~fiz, trata-se de uma troca de fonemas dentro do


radical, ou morfema lexical, que estabelece oposições gramaticais. Neste caso, verifica-se
uma alternância morfêmica, pois se nota uma marca única, primária, em jogo. No cap. VIII
de Estrutura, Camara Jr. apresenta a alternância submorfêmica: uma alternância de
timbre vocálico que reforça (por isso é secundária) uma marca morfológica já presente na
palavra: formoso~formƆsA (abertura da vogal no feminino, já marcado pelo –A).

Notas etimológicas para a história da Morfologia da LP:

CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico da língua portuguesa. 2ªed. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1991.

Morfema: XX. Do fr. morphème, segundo o modelo de phonème "fonema".

Morfologia: -pho- 1858. Do al. Morphologie, voc. criado por Göthe, em 1822, através do
francês.

(Cf. fonema e morfema na obra do linguista polonês-russo Jan Baudouin de Courtenay


1845-1929, já em fins do século XIX)

MACHADO, José Pedro. Dicionário etimológico da língua portuguesa. 2ªed. Lisboa:


Editorial Confluência; São Paulo: Livros Horizonte, 1967. 3v.

Morfema: De morfo-, segundo o modelo de fonema.

Morfologia: Do alemão Morphologie (em Goethe), pelo fr. morphologie (em 1841), de
morfo- + -log (o)- + -ia. Em 1873, D. V. (Domingos Vieira)

Predicações em dicionários, para confronto:

MORAES SILVA, Antonio de. Diccionario da língua portuguesa. 6ª ed. Lisboa:


Typographia de Antonio José da Rocha, 1858. 2v.

Morphologia: (do Gr. morphê, fórma, estructura, e logos, descrição). Historia das fórmas
de que a materia póde ser revestida. § Goethe, em historia natural serviu-se d'este
vocabulo, na significação de formação e transformação dos corpos orgánicos.

VIEIRA, Domingos. Grande diccionario portuguez ou thesouro da lingua portugueza.


Porto: Chardron e Moraes, 1873-76. 5v.

Morphologia: (Do grego morphê, fórma, e logos, tratado). Historia das fórmas que póde
tomar a matéria.
AULETE, Caldas. Diccionario contemporaneo da lingua portugueza. Lisboa: Imprensa
Nacional, 1881.

Morphologia: (mor-fu-lu-gi-a) a parte da physiologia que se ocupa das formas de que nos
seres organizados se póde a materia revestir. // (Ling.) A formação das palavras; as
diversas transformações por que ellas podem passar (...)

 Note o emprego de Morfologia em sentido linguístico apenas no Aulete.

Cf. também a obra do linguista F. Adolpho Coelho. A língua portugueza. Porto:


Magalhães & Moniz Editores, 1887 (1ª ed. 1868):

“A Morphologia é o estudo da estructura ou fórma das palavras. Os elementos


morphologicos das palavras são: 1) as raizes, que exprimem a idea principal, elementos
geralmente constituidos unicamente por consoantes ou monosyllabos; 2) os suffixos,
prefixos ou infixos, elementos que seguem, precedem os se incluem na raiz e que
exprimem as ideas secundarias ou relações. (p.29)

O thema é constituido pela raiz simplesmente, ou pela raiz com um ou mais suffixos” (p.
34)

Exercícios:

Texto: Passagem da noite


.......................................................
Amar: mesmo nas canções
De novo andar: as distâncias
As cores, posses de ruas.
Tudo que à noite perdemos
Se nos confia outra vez.
Obrigado, coisas fiéis!
Saber que ainda há florestas,
sinos, palavras; que a terra
prossegue seu giro, e o tempo
não murchou; não nos diluímos.
Chupar o gosto do dia!
Clara manhã, obrigado,
O essencial é viver.

In: ANDRADE, Carlos Drummond. Nova reunião. Rio de Janeiro: BestBolso, 2010. v. 1.
p.160-1.

1) Analise as formas perdemos e florestas, considerando as unidades irredutíveis da


primeira articulação.

2) Tendo em vista a palavra diluímos destaque o morfema lexical e os morfemas


gramaticais, comentando as escolhas.

3) Depreenda do texto exemplos de morfemas gramaticais a) que indiquem


classificações formais “como as vogais temáticas das conjugações ou as classes
nominais”, segundo Camara Jr. (1972:14), e b) que marquem “pela sua oposição
entre si ou pela sua presença em face da sua ausência”, também de acordo com
Camara Jr. (1972:14).

4) A partir dos exemplos cores, ruas e fiéis, comente a posição de Camara Jr. quanto
à formação do plural. Leve em conta esta visão de Camara Jr. (1972:15): “a
complexa variabilidade na superfície corresponde sempre na língua uma
invariabilidade profunda”.

5) Considere os exemplos fiéis e fidelidade. Discuta-os a partir destes enfoques de


Camara Jr. (1972:15): “na primeira articulação, o morfema representa o elemento
invariável. A ele correspondem os alomorfes”. “Há, portanto, alomorfes
morfologicamente livres e alomorfes fonologicamente condicionados”.

6) A reduplicação em português é um processo de caráter gramatical? Tenha em


conta os seguintes exemplos: bafafá, bololô, pega-pega, empurra-empurra.

7) Considere os seguintes dados da língua Ganda (Uganda), citados por Gleason Jr.,
Henry Allan, Workbook in descriptive linguistics, New York: Holt, Rinehart and
Winston, Inc., 1955:

i. Omukazi “mulher” Abakazi “mulheres”


ii. Omusawo “doutor” Abasawo “doutores”
iii. Omuwala “garota” Abawala “garotas”
iv. Omulenzi “garoto” Abalenzi “garotos”

a) Que tipos de afixos são mostrados? Quais suas formas e conteúdos


aproximados?
b) Dado /abaloŋgo/ “gêmeas”, qual é a forma correspondente para “gêmea”.

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