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A base da estratégia

A estratégia tem sido um dos temas mais debatidos nas escolas de negócios desde os seus primórdios.
Uma arte que teve início no combate entre tribos, influenciou a política de estados e evoluiu nas guerras
entre nações, até chegar com tudo ao âmbito empresarial.

Pano de fundo para as decisões e caminhos tomados por grandes personalidades históricas, a estratégia
de hoje não se resume a jogos, livros ou um discurso, em forma de castigo, do Capitão Nascimento.

O pensamento estratégico está inserido em nossa sociedade desde seu início, consolidando nosso
presente e moldando o nosso futuro, esteja você fazendo uso dele ou não.

O post de hoje marca o início de uma série dedicada a estudar as ideias de grandes estrategistas.

Dois são os objetivos, o primeiro é entender de maneira objetiva a estratégia na sua forma mais
essencial, o que nos leva à sua aplicação prática atual; o segundo é nos proteger de estrategistas
inescrupulosos, que usam verdadeiras manobras de guerra para concorrer em tempos de paz.

Para começar essa jornada, nada melhor do que recorrermos a um clássico: Sun Tzu.

Contexto

“A guerra é o reino da vida e da morte. Dela depende a conservação ou a ruína do império. Urge bem
regulá-la”.

É bem provável que você já tenha lido ou ouvido falar da obra de Sun Tzu. O que provavelmente não
sabe é quem ele realmente foi ou onde nasceu. Bom, a verdade é que ninguém sabe ao certo.

A vida do autor da tão aclamada obra “A Arte da Guerra” é um mistério. Existem, inclusive, teorias de
que ele sequer tenha existido e que sua obra seja um compilado, feito por muitos estudiosos do
assunto.

No entanto, segundo uma reportagem do history.com (link), recentes descobertas de antigos


manuscritos na China, atribuídas a Sun Tzu, podem confirmar a sua existência e nos dar mais pistas
sobre ele.

Seu nome era, na verdade, Sun – o “Tzu” significa “mestre” -, ele foi um especialista militar no final da
turbulenta Dinastia Chou (Zhou), nascido em algum ano entre 722-221 a.C. no Reino de Chi (Qi ou Ch’i).

Independentemente da exatidão de seu nascimento, uma coisa é fato, o Mestre Sun passou sua vida
inteira cercado pela guerra total, quando reinos rivais usavam a força bruta para conquistar mais
territórios ou impor sua vontade.

Tratavam-se de guerras materiais e físicas, cujas elaboradas táticas de batalha tinham como objetivo
primário dizimar o inimigo.

Sun Tzu deu luz a uma abordagem diferente, que sugere influência da filosofia Taoísta e visava derrotar
seu oponente por meios psicológicos, de preferência antes mesmo de derramar sangue ou sequer
desembainhar a sua espada.

Principais ideias
Como muitos autores atuais, Sun Tzu também adorava listas. Uma das mais importantes considera
os cinco principais fatores para que um líder domine a arte da guerra:

 Doutrina – garantir a unidade de pensamento, inspirando foco e resiliência perante as


adversidades.

 Tempo – entender o fluxo do tempo e seus efeitos, administrando e usando esse fluxo a seu
favor.

 Espaço – compreender o ambiente e suas interações, aproveitando todos os seus recursos e


evitando suas armadilhas.

 Comando – o conhecimento, a coragem, a determinação e o rigor são qualidades essenciais


para o líder.

 Disciplina – possuir a arte de ordenar as tropas, fazer com que diretrizes sejam cumpridas a
rigor, estar ciente dos deveres de cada um e não desdenhar do conhecimento exato e detalhado
de todos os fatores que podem intervir.

Para Sun Tzu, uma ciência militar fundamentada nesses fatores é o que faz um líder ou general ser
exitoso. Por isso, nada melhor do que utiliza-los para estruturar seus principais pensamentos e
aproveitar o máximo de sua obra, ainda que de maneira objetiva.

Preparação – a doutrina

“Conhece-te a ti mesmo, conhece teu inimigo. Tua vitória jamais correrá risco. Conhece o lugar, conhece
o tempo. Então, tua vitória será total.”

A preparação é, sem dúvida, uma característica notável de Sun Tzu. Todos os movimentos que
precedem o combate são amplamente explorados em seu livro.

Um dos principais atributos dessa doutrina é a utilização de dados. Segundo Sun, um general deve
sempre basear suas decisões em avaliações prévias. Um pragmatismo que só se pode obter com muita
análise:

“Teme quando os cálculos forem escassos. E quão poucas chances de vencer tem aquele que nunca
calcula! A vitória não é senão o fruto de um cálculo exato.”

Para o deleite de uma geração cada vez mais empolgada com a Ciência de Dados, esse estudo se trata
de uma das bases da estratégia de Sun Tzu.

Conhece o inimigo

Quanto às informações sobre o inimigo, seu conselho é: “Segue-o passo a passo, embora em aparência
permaneças imóvel. Perscruta todos os seus atos, embora teus olhos não possam alcançá-lo. Escuta
todos os seus discursos, embora não possas ouvi-lo. Sê testemunha de toda a sua conduta. Penetra
mesmo no íntimo de seu coração, para ali leres os temores e as esperanças recônditas”.

Para conseguir isso, estimula repetidamente a utilização de espiões.


Hoje, quando falamos de espionagem, lembramos de filmes sobre a Guerra Fria ou algo do tipo. Mas
histórias de espionagem empresarial e industrial não são manchetes raras atualmente.

Um artifício considerado “sujo” quando descoberto. Porém, quando utilizado de forma zelada, ainda
define muitos planejamentos estratégicos por aí.

Um general que possui pleno conhecimento de todos os projetos, movimentos e ações do inimigo terá a
capacidade de “fazer com que, a cada dia, ele venha precisamente onde queres que ele venha.”

Dissimulação

Além de poder influenciar as decisões do inimigo, tais informações oferecem outra vantagem:

“Se teus inimigos forem mais poderosos e mais fortes, não os ataques. Evita cuidadosamente o que
pode redundar num conflito generalizado. Dissimule.”

Se, ao contrário, teus inimigos forem inferiores, simule o medo, finja ser fraco, e abra a porta para a
presunção e para o orgulho do inimigo.

“Toda campanha militar repousa na dissimulação. Finge desordem. Jamais deixes de oferecer um
engodo ao inimigo, para ludibriá-lo. Simula inferioridade para encorajar sua arrogância. Atiça sua raiva
para melhor mergulhá-lo na confusão. Sua cobiça o arremeterá contra ti e, então, ele se estilhaçará.”

Para Sun Tzu, a grande arte de um general é fazer com que o inimigo ignore sempre o lugar e o
momento em que terá que combater. O general que conseguir isso e puder camuflar todos os seus
passos, “não é apenas hábil e extraordinário, é um prodígio.”

Arsenal psicológico

Para entendermos a dimensão das armas psicológicas de Sun Tzu, imagine que um general, acostumado
a tão violentas guerras, descobrisse um espião em seu território. Alguém que come da comida de seu
povo e usufrui da segurança de seus exércitos, enquanto trabalha para o inimigo, expondo a ele todas as
suas fraquezas.

O que você acha que esse general faria com o espião?

Talvez você tenha pensado nos mais terríveis castigos, o Mestre Sun, no entanto, pensava o contrário.
Se descobrisse um espião, iria se aproveitar da situação. Simulando que não sabia de nada, o utilizaria
como um meio de enviar informações falsas para seu inimigo.

Assim seguia a sua doutrina, uma batalha mental, “não percas nenhuma ocasião de importunar seu
inimigo”, dizia. Conselhos como esse são recorrentes:

 Se teu inimigo tem cento e vinte libras de forragem para seus cavalos, dispões de duas mil para
os teus.

 Diminui-lhe ao máximo as forças, desorientando-o, dizimando-lhe, de vez em quando, alguns


soldados, saqueando comboios, seus equipamentos e tudo que te poderá ser útil.
 Trata bem os prisioneiros, alimenta-os como se fossem teus próprios soldados. Na medida do
possível, faz com se sintam melhor sob tua égide do que em seu próprio campo, ou mesmo em
sua pátria.

O intuito é fazer o general inimigo parecer precocemente derrotado, encontrar meios de irritá-lo para
que caia em alguma armadilha.

Circunstâncias – o tempo e o espaço

“Um comandante hábil busca a vitória baseando-se nas circunstâncias e não a exige de seus
subordinados.”

A avaliação das circunstâncias é um dos temas centrais da estratégia de Sun Tzu. Um general jamais
deve ser refém de uma plano de ação. Pelo contrário, deve adaptar toda estratégia ao cenário em que
se encontra:

“Somente as circunstâncias devem ditar a conduta. Ele não deve ater-se a um sistema geral, nem a uma
maneira única de comandar.”

Apesar de ater-se aos mesmos princípios, cada ocasião requer uma aplicação particular. Um líder que
não tem a adaptabilidade como característica está fadado ao fracasso: “se examina as situações de
acordo com esquemas prévios, se toma suas resoluções de maneira mecânica é indigno de comandar.”

Terreno

O terreno é a fonte primária de todos os elementos de análise. Sun Tzu oferece um vasto material de
atuação para cada tipo, sugerindo como atuar, por exemplo, em desfiladeiros, perto de rios ou quando
houver chuva. Sugere até o estudo do céu para entender qual será a força dos ventos no momento da
batalha e o movimento dos pássaros para conhecer a ação do adversário.

Com o conhecimento exato do terreno, um general pode safar-se das mais críticas
circunstâncias, controlar os movimentos do inimigo, impedindo que reforços cheguem, obrigando-o a
avançar ou bater em retirada.

A maneira mais eficiente de conseguir isso é o pioneirismo.

Portanto, uma das tarefas essenciais de um general é escolher criteriosamente o terreno do campo de
batalha. Mas, é preciso agir rápido:

“Não permitas que o inimigo tome a dianteira. Ocupa o terreno antes que ele tenha tempo de te
reconhecer, antes mesmo que ele possa estar ciente de tua marcha. Qualquer negligência nesse sentido
pode ter consequências nefastas. Em geral, só há desvantagem em ocupar o terreno depois do
adversário.”

A analogia do terreno com os mercados de nossa época é muito clara.

Exército inimigo

A avaliação do comportamento do exército inimigo também pode trazer grandes insights para o general.
Veja que interessante algumas das recomendações de Sun Tzu:
 Quando os espiões infiltrados no território inimigo informarem que ali falam baixo, de forma
misteriosa e agem discretamente, conclui que premeditam uma ação geral e se preparam:
avança contra eles sem demora.

 Se, ao contrário, se demonstrarem barulhentos, orgulhosos e altivos em seus discursos, fica


certo de que premeditam bater em retirada.

 Se for informado que no campo inimigo há muitas festas, que ali se come e se bebe em grande
algazarra, tranquiliza-te: é prova infalível de que seus generais não têm autoridade.

 Se os soldados se juntam, em pequenos grupos, cochichando, o general perdeu a confiança em


seu exército.

 Se os oficiais subalternos estão inquietos e descontentes, irritando-se por qualquer coisa, é


prova de que estão entediados ou exaustos.

Outros atores

Além dos terrenos e dos exércitos inimigos, o general deve também conhecer aqueles que podem se
envolver de forma indireta no embate.

Buscar entendimento com os ministros estrangeiros e manter-se informado dos projetos dos príncipes
aliados e das boas e más intenções de seus próprios conselheiros são vitais para a guerra.

Manter a união mais estreita possível com esses atores, além de muito prudente, pode ser essencial
para antecipar traições, manipular bajuladores e transformar inimigos do teu inimigo em teu aliado.

A diligente análise de todos esses pontos é o caminho mais certo para a vitória, mas nada disso é
possível sem uma liderança forte.

Liderança – O comando e a disciplina

“O momento oportuno não é tão importante quanto as vantagens do terreno; e tudo isso não é tão
relevante quanto a harmonia das relações humanas”.

Sun Tzu dava muita importância para a liderança, afirmava que “quem está à testa dos exércitos é o
sustentáculo do Estado, a prosperidade do reino depende de suas ações“.

O bom comando

Felizmente, as estratégias de comando de Sun Tzu são as mais adaptáveis para os dias atuais. Como ele
gostava bastante de listas, separei as 10 lições que considerei mais relevantes para uma boa liderança e
que podem resumir seu pensamento:

1. Lembre os nomes de todos os seus liderados, anota o talento e a capacidade de cada um, com
o intuito de aproveitar o potencial individual.

2. Saiba potencializar sua força, adquira uma autoridade ilimitada, não se deixe abater por
nenhum acontecimento, por mais desagradável que seja.
3. Não procures ter um exército numeroso demais. Amiúde, a excessiva quantidade de gente é
mais nociva do que útil. Um pequeno exército bem disciplinado é invencível, sob o comando
de um bom general.

4. Aja de tal forma que todos os que deves comandar estejam persuadidos que teu principal
cuidado é preservá-los de toda desgraça.

5. Nunca aja com precipitação; conduza, mesmo quando surpreendido, com o sangue-frio que
tem habitualmente nas ações meditadas e nos casos previstos antecipadamente.

6. Não negligencies nada do que pode contribuir para a disciplina, a saúde e a segurança de teus
soldados. Zela para que suas armas estejam sempre em bom estado. Ama tuas tropas, e
propicia-lhes toda a ajuda, todas as comodidades que necessitarem.

7. Deves olhar teus soldados como se fossem teus próprios filhos. Tu mesmo deves conduzi-los.
Assim, se tiverem que enfrentar o acaso, não estarão sozinhos, e só o enfrentarão depois de ti.
Se tiverem que morrer, morre com eles.

8. Entretanto, não os transforme em crianças mimadas, o que fatalmente acontecerá se não


os corrigir quando merecem. Embora cheio de atenção, de deferência e de ternura por eles, se
não os dominar, se mostrarão insubordinados e reticentes em acatar tuas ordens.

9. Vigia as tuas tropas. Fica de olho em tudo, inteira-te de tudo, impede os roubos, as pilhagens, a
devassidão, a embriaguez, os descontentamentos, as intrigas, a preguiça e a ociosidade. Não
mantendo uma disciplina rígida em teu exército em breve deixarás de ser respeitado.

10. Instrui de tal forma tuas tropas que elas estejam prontas sem preparativos; que encontrem
grandes vantagens onde não esperem encontrar, que, sem nenhuma ordem particular de tua
parte, improvisem decisões a tomar.

A lista é curiosa, de certa maneira, vemos compaixão e também autoritarismo. Em alguns momentos,
uma liderança inspiradora, em outros, uma rigidez fria. São essas dualidades que encantam na obra de
Sun Tzu. Não existe uma ideologia, o bem e o mal, apenas aquilo que deve ou não ser feito.

O mau comando

Um dos principais erros que o general pode cometer é executar cegamente ordens tomadas na
corte, sem se ater às circunstâncias. Na visão de Sun Tzu, o general deve estar livre para governar suas
tropas:

“Nomear um general é da alçada do soberano, decidir uma batalha cabe ao general. Um príncipe
esclarecido deve escolher o homem que convém, revesti-lo de responsabilidades e aguardar os
resultados.”

Essa liberdade, no entanto, pode resultar em grandes perigos, caso o general não possua a inteligência
emocional necessária. Sun Tzu lista os 5 principais perigos da personalidade do general:

1. Entusiamo excessivo em afrontar a morte – Atitude temerária que se honra com o nome de
“coragem” mas, no fundo, só merece o de “covardia.” Um general que se expõe sem
necessidade, que parece buscar os perigos da morte, que combate e manda combater até o
limite, é um homem que merece morrer.

2. Cuidado exorbitante em conservar a vida – Tem medo de tudo, até da própria sombra, hesita, à
espera de uma ocasião mais favorável. Não toma nenhuma iniciativa.

3. Cólera – Um general que não sabe se controlar, que não tem império sobre si mesmo, e se deixa
arrebatar pela ira será ludibriado pelos inimigos.

4. Excessiva suscetibilidade – Um general não deve se ofender de forma intempestiva e


despropositada.

5. Complacência – Um general que não ousa punir, que fecha os olhos para a desordem, que teme
que os seus soldados estejam sempre vergados demais, é um general fadado ao fracasso.

Combate

“Um exército vitorioso ganha antes de ter deflagrado a batalha; um exército fadado à derrota combate
na esperança de ganhar.”

O objetivo máximo da estratégia de Sun Tzu é tomar um Estado intacto, vencer um exército sem destruí-
lo: “É preferível subjugar o inimigo sem travar combate.”

Um general deve, portanto, atacar a estratégia do inimigo. Para isso, precisa descobrir todos os seus
artifícios, sabotar seus projetos, semear a discórdia entre seus partidários, mantê-lo sempre acuado,
interceptar seus reforços e impedir que tome qualquer decisão vantajosa.

O ataque do exército é um último recurso, que deve, ainda assim, acontecer apenas uma vez:

“Aqueles que dominam os princípios da arte militar não atacam duas vezes. Tudo termina já na
primeira campanha. Não consomem suprimentos em vão, pois sabem que nada exaure mais um reino
do que as despesas de guerra.”

Para garantir toda essa eficiência, Sun Tzu oferece uma série de sistemas e métodos. Desde como
ordenar as tropas, por quais lados atacar e até como utilizar tambores e o fogo para melindrar o inimigo.
Um verdadeiro manual, repleto de protocolos de ação.

Para Finalizar

Espionagem, sabotagem e manipulação são ações sabidamente antiéticas (e até criminosas) nas
relações de competição atuais. Mas, antes de simplesmente ignorá-las, lembre-se que “A Arte da
Guerra” figura entre os livros mais vendidos há bastante tempo. Esteja preparado!

Por outro lado, uma forte cultura de dados, o pioneirismo, a adaptação, o conhecimento do mercado,
do concorrente e dos stakeholders, a eficiência e uma liderança inspiradora, porém, exigente, são
alguns dos ensinamentos que podem melhorar nosso arsenal.

A estratégia de Sun Tzu se baseia em tirar proveito de tudo. De forma diligente não ignora nenhum fato,
nenhuma informação.
“Tal minúcia nos detalhes pode te parecer supérflua, mas minha intenção é de te prevenir de tudo, e te
convencer que nada do que pode contribuir para a vitória é irrelevante. A experiência me ensinou, ela
te ensinará também. Desejo que não seja às tuas custas.” – Mestre Sun

Referências: A Arte da Guerra, Sun Tzu, tradução de Amiot em 1772. Tzu: Famous Chinese Strategis an
Philosopher, Anciente Origins (link), acesso em 17 de Março 2020. Sun Tzu, History.com (link), acesso
em Março de 2020.

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