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FICHA DE AVALIAÇÃO DE LEITURA E GRAMÁTICA

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Classificação:

I. Leia atentamente o texto que se segue.

(1) A intraduzibilidade de um termo é normal. Acontece constantemente. Cada


língua divide a seu modo a realidade em parcelas que nomeia, e elas nã o se ajustam
inteiramente ao recorte das parcelas do real elaborado noutras línguas. Temos maçã e
pero, enquanto em inglês há só apple. Os anglo-americanos nã o se preocupavam com a
distinçã o, para portugueses mais que ó bvia. […] Por outro lado, para nó s basta-nos o
verbo «esperar», enquanto os ingleses o subdividem em hope, expect e wait. Mas
ninguém em Portugal espera menos só por nã o ter acesso a essas distinçõ es
vocabulares, como ninguém confunde esperar o autocarro com esperar um bebé, ou
esperar uma vida melhor para os filhos. […]
(2) A grande diferença é cultural. Se calhar os portugueses, por razõ es histó ricas
diversas, tiveram inú meras oportunidades para sofrer de saudades, a começar com as
ausências prolongadas dos navegadores a partir de Quatrocentos. Mas nã o podemos
afirmar isso ao de leve, sem estabelecer comparaçõ es: os espanhó is, por exemplo,
dispersaram-se igualmente pelo Globo e nã o criaram um termo equivalente com tanto
peso. Os ingleses, um século e tanto depois, espalharam-se também pelos mares e
continentes, aliá s como os holandeses, e nenhum desses povos cunhou uma palavra
ú nica para expressar os sentimentos dos ausentes da pá tria quando dos seus se
lembravam, ou destes quando sentiam a falta dos embarcadiços. Quer dizer: sã o as
culturas que criam os termos, os mantêm e desenvolvem, vá lá alguém saber exatamente
porquê. Todavia, nã o é a língua portuguesa que é mais saudosa que as outras, mas os
portugueses que, por qualquer razã o, insistem mais nesse sentimento. […]
(3) Assim, o termo ganhou uma extensã o invulgar que as metá foras ainda alargaram
mais. Ora, em semâ ntica, é regra fundamental que o significado é o uso. Dito de outro
modo: para se saber o que significa uma palavra ou uma expressã o, analisa-se o contexto
em que é usada. E, santo Deus!, quã o vastos sã o os contextos de «saudade» na nossa
cultura. Usa-a o fado em letras sobre amores destroçados que recordam momentos de
idílio em comum; usa-a um filho que chora a morte da mã e; como a usa um emigrante
em carta para a família, ou um adulto revivendo os doces momentos da infâ ncia. […]
(4) É , pois, nessa polissemia desbragada do termo em tã o variadas circunstâ ncias
que ele adquire cargas semâ nticas cada vez mais intraduzíveis, porque em nenhuma
outra língua um termo semelhante foi tã o frequentemente utilizado para cobrir tã o
diverso nú mero de situaçõ es.
(5) Nada disto envolve qualquer magia; está -se apenas em presença de uma
impossibilidade linguística de resumir tanta diversidade de usos e encontrar um
equivalente em uma só palavra noutra língua. Em parte porque os portugueses poderã o
ser mais sentimentais (saudosos) do que outros povos (é possível), mas sobretudo
porque tradicionalmente deram largas à criatividade no uso do termo, sobretudo porque
os poetas, mestres na liberdade com as palavras, lhe alargaram exponencialmente o
sentido.
- Onésimo Teotó nio Almeida, A Obsessã o da Portugalidade, Lisboa, Quetzal
Editores, 2017, pp. 223-226.

Nota: desbragada (1ª linha do 4º pará grafo) – descomedida; excessiva; desenfreada.

II. Selecione a opção de resposta correta. (2 valores por


resposta)

1. De acordo com o primeiro pará grafo do texto, a intraduzibilidade de um termo


decorre do facto de:
(A) os vocá bulos evoluírem semanticamente de forma distinta em cada idioma.
(B) as línguas integrarem expressõ es idiomá ticas bastante complexas.
(C) cada língua organizar e nomear a realidade de modo diferente.
(D) cada povo valorizar aspetos discrepantes da realidade.

2. No segundo pará grafo, o autor estabelece uma comparaçã o entre povos, com a
intençã o de:
(A) distinguir experiências similares que foram vividas por populaçõ es de países
europeus.
(B) comprovar que a raiz da palavra «saudade» tem origem nas ausências dos
navegadores.
(C) exemplificar as diversas situaçõ es que criaram a necessidade do termo
«saudade».
(D) demonstrar que as palavras sã o determinadas pela especificidade cultural de
cada povo.

3. Ao utilizar a expressã o «polissemia desbragada» (1ª linha do 4º pará grafo), o


autor pretende evidenciar
(A) a amplitude do campo semâ ntico da palavra «saudade».
(B) a longa tradiçã o poética sobre a temá tica da «saudade».
(C) o sentimentalismo excessivo do povo português.
(D) o saudosismo característico da língua portuguesa.

4. As expressõ es «Quer dizer» (9ª linha do 2º pará grafo) e «Dito de outro modo»
(2ª linha do 3º pará grado), seguidas de dois pontos, introduzem, respetivamente,
sequências textuais em que o autor:
(A) apresenta um argumento novo e reforça as ideias anteriormente apresentadas.
(B) sintetiza o conteú do do pará grafo e explica a ideia anteriormente expressa.
(C) fundamenta o seu ponto de vista e introduz novos argumentos.
(D) problematiza a ideia apresentada anteriormente e exemplifica o seu ponto de
vista.

5. As formas verbais presentes em «A intraduzibilidade de um termo é normal.»


(1ª linha do 1º pará grafo) e em «Assim, o termo ganhou uma extensã o invulgar»
(1ª linha do 3º pará grafo) têm, respetivamente, um valor aspetual:
(A) genérico e perfetivo.
(B) iterativo e perfetivo.
(C) genérico e imperfetivo.
(D) iterativo e imperfetivo.

6. Identifique as funçõ es sintá ticas desempenhadas pelas expressõ es sublinhadas


nos excertos de frases que se seguem:
6.1. «A intraduzibilidade de um termo é normal.» (1ª linha do 1º pará grafo).
6.2. « A grande diferença é cultural.» (1ª linha do 2º pará grafo).
6.3. «(...) sobretudo porque os poetas, mestres na liberdade com as palavras, lhe
alargaram exponencialmente o sentido.» (ú ltima linha do texto).

7. Classifique as oraçõ es que se seguem:


7.1. «Mas ninguém em Portugal espera menos só por nã o ter acesso a essas
distinçõ es vocabulares, como ninguém confunde esperar o autocarro com esperar
um bebé (...).» (6ª linha do 1º pará grafo).

7.2. «Ora, em semâ ntica, é regra fundamental que o significado é o uso.» (2ª linha
do 3º pará grafo).

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