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Aplicação da lei no tempo- PROBLEMAS

Bárbara Ferro Ribeiro

1. Alteração legislativa que agrava a pena


 LN menos favorável: proibição da aplicação retroativa da lei menos favorável
(art 29/1 e 4 CRP e art 2/1 a contrario CP)
 Princípio da culpa e segurança jurídica

2. Norma que despenaliza/ descriminaliza o crime


 LN mais favorável: aplicação retroativa da lei mais favorável- art 2/2 e 4 CP e
29/4 CRP
 Princípio da necessidade e igualdade
 Ex:
L1- define como crime
L2- deixa de ser crime
MPF- abrigo da lei
- Aplica-se a L2: caso contrário iriamos violar o princípio da igualdade

3. Entrada em vigor de uma lei que atenua as consequências jurídicas


 Art 2/4
 A lei posterior é mais favorável, no entanto o facto praticado ao abrigo da L1
continua a ser crime ao abrigo da L2
 Temos casos de atenuação da pena, por exemplo, onde uma pena ao abrigo da
L1 era de 8 anos e ao abrigo da L2 passa a ser 6.
 Aplicação da lei mais favorável ao agente- princípio da aplicação retroativa da
lei mais favorável: princípio da necessidade e igualdade

4. Alteração da moldura penal


2/4 CP
Ex:
- L1 punia com 3 anos- A foi condenado a 2 anos e 6 meses
- L2 pune o mesmo crime em 2 anos de prisão.
A já tinha cumprido 6 meses da pena
 Aplicamos retroativamente a lei posterior mais favorável
 Cessam imediatamente os efeitos da pena
 Problema:
 O limite máximo da pena passou de 3 anos para 2, sendo que o juiz,
perante a moldura penal de 3 anos não tinha considerado que o arguido
merecia a pena máxima de acordo com a sua culpa.
 Não faz sentido obriga-lo a cumprir o limite máximo da L2
- SOLUÇÃO: art 371 CPP: deve ser requerida a reabertura desta
audiência de julgamento de modo a recalcular a pena que lhe será
aplicável ao abrigo do limite máximo da L2
5. Leis intermédias
Ex:
- L1- pena de 3 anos
- MPF ao abrigo da L1
- L2- pena de 2 anos
- L3 revoga a L2 e repõe a L1- pena de 3 anos
- Julgamento

 L2 é uma situação de lei intermédia cujo início de vigência é posterior ao


momento da prática do facto e a cessação da vigência é anterior ao trânsito em
julgado
 Aplicação retroativa da lei mais favorável- art 2/4, 1º parte e art 29/4, 2º parte
CRP

6. Crimes duradouros/ permanentes


Caracterizam-se pelo facto de a respetiva consumação se prolongar no tempo e por
um estado de ilicitude que permanece.
- Ex: sequestro

Problema 1:
Pode acontecer que algures durante a permanência do crime entre em vigor uma nova
lei
- L1- punia com 1 ano
- L2- 3 anos
- Julgamento

 Solução: aplica-se a lei mais grave- contraria a ideia de que se aplica sempre a
lei mais favorável
- Ambas as leis (L1 e L2) são leis do momento da prática do facto, não havendo
lei posterior

Problema 2- sequestro
L1: Art 158 CP- pena 3 anos
MPF- abrigo da L1 (vamos supor que foi no dia 01.01)
L2- pena passa para 5 anos e há a criação de crime de sequestro agravado que
acrescenta no seu nº2 que quem mantiver preso durante mais de 7 dias pode estar
sujeito a uma pena de 10 anos (dia 05.01)
Ficou trancada na dispensa até dia 10

SOLUÇÃO:
Aplica-se a pena que fixa os 5 anos porque o agente preencheu a lei após a sua entrada
em vigor, passaram-se os 7 dias.
Conclusão- o critério é: aplica-se a lei anterior salvo se após a entrada em vigor da lei
nova o comportamento do agente preencher todos os pressupostos da lei nova.
Isto vale essencialmente para quando a lei mais recente é desfavorável. Quando a lei
mais recente é desfavorável, temos de exigir que todos os seus pressupostos estão
preenchidos na entrada em vigor porque não podemos ir ao passado buscar coisas.
Tudo tem de estar preenchido após a sua entrada em vigor.

Se, ao invés de ser um crime qualificado, tivesse havido uma diminuição de pena, ou
seja, se fosse favorável, nesses casos, quando o novo juízo é mais favorável, aí aplica-
se sempre (retroatividade in mellium). Aplica-se a nova.

7. Crime de perigo concreto -> abstrato


 Criminalização agrava-se: há condutas que não caberiam no tipo criminal e
passam a caber

MFP: há uma sucessão de leis penais porque o crime de perigo abstrato aborda por si
só o crime de perigo concreto, não havendo nenhum elemento novo. O facto de ser
introduzido um crime mais abstrato não surpreende o agente
- Aplicam se as regras normais

TC: refere que só não há sucessão de leis penai se o elemento introduzido pela L2 for
verdadeiramente novo.
(ver no esquema de resolução)

8. Crime de perigo abstrato -> concreto


 Passa-se a exigir prova do perigo concreto
 Há uma situação mais restritiva e tem efeito atenuante
 Passar a ser crime concreto é mais exigente quanto à incriminação

TC: refere que só não há sucessão de leis penai se o elemento introduzido pela L2 for
verdadeiramente novo.
(ver no esquema de resolução)

MFP: defende que há sempre sucessão de leis no tempo. A alteração de um crime de


perigo abstrato para concreto é uma mera alteração jurídica
A professora defende que o “elemento novo” não é novo visto que sempre esteve
dentro do crime abstrato. Não se está a criar nada de novo. Estamos apenas a
concretizar aquilo que já estava implícito na potencialidade do crime
- Quem proíbe o mais proíbe o menos: se a matéria de facto era pertinente à luz do
perigo abstrato, ela continua a ser suficientemente pertinente à luz do perigo concreto
- Aplicam-se as regras normais
9. Transformação do crime em contraordenação
Ex:
- L1: 1.2 de álcool no sangue é crime
- A conduz com 1.2 álcool no sangue
- L2: é crime a partir de 1.4- 1.2 passou a ser contraordenação

Taipa de Carvalho: Art. 3º do Regime de Contraordenações e coimas, que diz que a lei
contraordenacional, como a penal, se aplica para o futuro. O que acontece é que só se
aplica para o futuro e, portanto, pelo art. 2º/2, há uma descriminalização e não se
aplica L1 e pelo regime das contraordenações e coimas, não se aplica L2.

FD e MFP: a L2 aplica-se porque há uma continuidade entre estes dois ilícitos e é mais
favorável, logo, aplica-se a lei posterior mais favorável. FD e MFP falam, ainda, num
argumento de igualdade. A ideia de que L2 vem descriminalizar é artificial: L2 vem
apenas atenuar a necessidade punitiva, ou seja, não vem dizer, como diz o 2º/2, que
não é necessário punir; vem dizer, como diz o 2º/4, que é necessário punir menos
(basta contraordenação). Há uma certa continuação da necessidade punitiva, embora
mais baixa, que justifica que se aplica o 2º/4, sendo A julgado pela L2, aplicando o
regime das contraordenações.

Para MFP e FD: o que o professor Taipa de Carvalho defende violaria o princípio da
igualdade

10. Crime de prescrição


Ex:
L1- prazo de prescrição é 10 anos
L2- prazo 5 anos
 Não há dúvida. Aplica-se retroativamente a lei mais favorável
 O facto continua ser relevante para a L1 e L2, mas deixa de ser punido pelo
decurso do prazo prescricional

Ex nº2
L1- prazo de prescrição 5 anos
L2- prazo de prescrição de 10 anos

TEDH e Lei alemã


 Afirma que a pessoa não tem direito à prescrição, não tem a expectativa do seu
crime prescrever. Esta pessoa não pode ser protegida face a uma lei posterior
desfavorável
 A jurisprudência do TEDH e dos tribunais alemães dizem que as leis
prescricionais posteriores desfavoráveis aplicam-se desde que, entretanto, o
prazo prescricional não tenha decorrido. Se entrar em vigor durante o decurso
do prazo, como a pessoa não tem expectativa legitima a que o seu crime
prescreva, aplica-se a L2
Sendo leis processuais, são de aplicação imediata.
MFP: argumentos contra (leis processuais)
1. Argumento formal – quem trata dos prazos de prescrição é o CP e não o CPP,
portanto, pela inserção sistemática ela tem uma natureza substantiva e não
processual
2. É causa de extinção da responsabilidade criminal – pelo que tem natureza
paralela aos critérios de determinação da responsabilidade criminal
3. Manipulação da prescrição através da Lei permitia ao Estado utilizar este
instituto para compensar inércia e deficiências da sua própria atuação,
permitindo a continuação da prossecução criminal a determinados agentes por
motivações políticas (é perigoso, numa lógica de EDD)

TC português
 Aplica a proibição da retroatividade
 A aplicação da L2 viola o art 2/1 e 1/1 do CP e 29/4 CRP- logo L1

MFP: concorda

11. De semi-público a público

Rejeita-se a aplicação imediata da lei que transforma um crime particular ou semi-


público em público, de modo que o facto criminoso cometido no passado, contra o
qual não foi deduzida queixa, não pode vir a ser objeto de processo penal.
 Não há um direito do autor do facto criminoso a não ser submetido a processo
penal; no entanto, a aplicação imediata da lei, se não tiver sido deduzida queixa
antes de ela ter entrado em vigor, não garantiria suficientemente o princípio da
objetividade e vinculação do Estado ao seu Direito.
 A solução deste tipo de casos deve ser, diferentemente, a aplicação pura e
simples da lei antiga.

12. De público a semi-público

A situação inversa, em que o crime é convertido de público em semi-público (ou até


particular), não se equaciona juridicamente nos mesmos termos.
 Em sentido material há uma espécie de descriminalização pois há relativização
do crime, não havendo um interesse imediato do Estado de instaurar a ação.
- Parece que a lei semi-pública é mais favorável.
 Mas como antes era crime público, toda e qualquer iniciativa estava nas mãos
do Ministério Público não havia necessidade de queixa – com a conversão
passa a haver necessidade de queixa. Não havendo tem de se arquivar.
 MFP: uma melhor análise desta questão verifica-se que isto acontece por
razões de atender aos direitos da própria vítima, pelo que tem de se reiniciar o
tempo para que a vítima possa fazer queixa.
O princípio do Estado de Direito – como regra de objetividade, previsibilidade e
segurança jurídica geral – que impõe, neste caso, que as expectativas do titular do
direito de queixa não sejam defraudadas, dando-se-lhe a oportunidade processual de
exercer o seu direito após a entrada em vigor da lei nova.

Esta solução não parte de qualquer aplicação a este tipo de casos do critério de
aplicação imediata da lei processual penal (art. 5º/1 CPP)

A natureza do direito de queixa também não permite referir integralmente as normas


que o regulam ao princípio da retroatividade in melius, consagrado no art. 29º/4 CRP e
2º/4 CP

13. Leis temporárias e leis de emergência

Entende-se que retroatividade da lei penal de conteúdo mais favorável não abrange as
leis temporárias e de emergência, segundo o art. 2º/3 do CP;

O fundamento doutrinário para tal é que a lei posterior que descriminaliza a conduta
não inclui entre os seus elementos típicos a situação de crise ou excecional, pelo que
não pretende alterar a pena nesses casos;

MFP: considera a justificação insuficiente


- Face ao art. 29º/4, esta regra é discutível, especialmente devido ao princípio da
necessidade da pena e da igualdade.
- A mera vontade do legislador não pode servir para ultrapassar estes princípios;
- Assim, o art. 2º/3 só pode ser posto em prática quando não estejam em causa os
princípios da igualdade e da necessidade da pena;
- Nas situações de sucessão de leis de emergência, a aplicação retroativa da lei penal
mais favorável deve impor-se sempre que persista a mesma situação de
excecionalidade (na estatuição do tipo incriminador).
- Fora desses casos, aplica-se o art. 2º/3.

14. Lei penal inconstitucional mais favorável

Quando a norma inconstitucional é desfavorável não suscita qualquer problema – art


282º3 CRP - a pessoa é libertada imediatamente - a norma é destruída com eficácia
retroativa e é repristinada a norma anterior e o caso julgado destruído.

Declaração inconstitucionalidade - 3 efeitos:


- Eficácia retroactiva - destrói a norma desde sempre
- É repristinada a norma anterior
- Casos julgados ficam salvaguardados - razões de praticabilidade
- Exceção - caso julgado penal e a norma repristinada for desfavorável para o arguido
Suscitam-se problemas quando esta normal inconstitucional é a mais favorável- art
282/3 não resolve expressamente a situação. 2 hipóteses:

1. A primeira diz respeito aos casos em que a norma mais favorável é uma norma
descriminalizadora - TC vem declarar inconstitucional e o facto é praticado ao
abrigo da norma descriminalizadora:

2 soluções:

Rui Pereira
Nunca se aplicam normas inconstitucionais - princípio base da sua conceção – a
CRP proíbe-o - art 204º CRP
Qual é que a lei aplicável?
A norma é repristinada - é o que o 282º/3 diz
A pessoa que interrompeu a gravidez ao abrigo de uma norma descriminalizadora
passou a fazê-lo ao abrigo de uma norma criminalizadora
O que fazemos é aplicar a norma repristinada mas toda ela - não aplicamos só o
140º mas sim o CP todo nomeadamente a parte geral - art 16º e 17º - 16º/1 parte
final e 17º dizem que quem não tiver consciência de ilicitude não tem culpa
É o que acontece aqui, esta senhora atuou sem consciência de ilicitude - o que o
Estado lhe dizia era que era permitido
No final do dia, não será presa

MFP
Vamos aplicar a norma inconstitucional mais favorável.
Porquê?
Decorrência do princípio do Estado de Direito Democrático - art 2º CRP
O Estado tem de se autovincular ao direito que ele próprio cria - estão em causa
expectativas objetivas de que o direito que é produzido é para valer.
Se esse direito acaba por ser destruído não podem depois as expectativas da
comunidade que orientou o seu comportamento de acordo com esse direito ser
destruídas - as expectativas têm de ser protegidas
Aplicava-se, neste caso, a lei mais favorável inconstitucional
Art 2º/1 - aplicação da lei na pratica do facto

2. O facto é praticado ao abrigo da norma criminalizadora e a norma mais


favorável é a norma posterior que o TC declara a inconstitucional:

2 hipóteses

Rui Pereira
Continuam a não se aplicar normas inconstitucionais
Aplica-se a norma repristinada
Neste caso, a norma mais favorável inconstitucional é posterior ao facto por isso
não há expectativa nenhuma a tutelar - a sua expectativa formou-se ao abrigo da
norma incriminadora
Não é preciso aplicá-la em conjugação com mais nenhuma porque não há
expectativas.

MFP
Aplica-se a lei mais favorável ainda que inconstitucional pelo art 2º/2 porque é
descriminalizadora - aplicação retroativa de lei penal posterior mais favorável
Porquê:
Principio da igualdade
Imaginem que neste dia aconteceram 2 factos um em Sintra praticado pelo Manel
e outro em Cascais praticado pelo Bento.
o mesmo dia nas mesmas circunstâncias ao abrigo da mesma lei.
O A é, pelo facto de o funcionário de justiça ser mais despachado é julgado antes
da declaração de inconstitucionalidade da lei - É absolvido e forma se caso julgado -
quando o caso julgado é favorável ao agente ele é salvaguardado.
São sempre salvaguardados a não ser em matéria penal que seja desfavorável.
O B que tinha condições iniciais às do outro mas tinha tido o azar do funcionário de
justiça não ser mais rápido e acaba por ser julgado depois da declaração de
inconstitucionalidade - vai apanhar 3 anos
Condições iniciais exatamente iguais, resultados finais completamente diferentes
por razões arbitrarias que nada têm a ver com o caso.
É de tal forma escandalosa a violação do principio da igualdade que não parece
existir outra solução que não a da aplicação da lei penal mais favorável
inconstitucional.

15. Processo penal

FD: princípio jurídico constitucional da legalidade estende-se a toda a repressão penal


e abrange, nesta medida, o próprio direito processual penal

No entanto:
 Do art 5/ CPP- resulta a aplicabilidade imediata da nova lei processual
 Art 5/2 CPP: limita a aplicabilidade imediata, relativamente “aos processos
iniciados anteriormente à sua vigência”, nos casos de “agravamento sensível da
situação processual do arguido” e de “quebra de harmonia e unidade de vários
atos do processo

Assim, há limites à aplicabilidade imediata resultantes diretamente do princípio


constitucional da proibição da retroatividade e do próprio subprincípio contido no art
5/2

Limites à aplicabilidade imediata resultantes do próprio subprincípio contido no art.


5º/2 CPP
Os limites previstos no art. 5º/2 referem-se nitidamente a normas processuais das
quais derive um efeito essencial para a posição processual do arguido na relação
jurídica punitiva, na sua fase processual. São normas que, embora não afetando a
existência da relação jurídica punitiva nem a modificando substancialmente, atingem a
possibilidade de o comportamento do arguido realizar os direitos que lhe são
reconhecidas no processo penal, como por exemplo o direito de defesa.
Limites à aplicabilidade imediata resultantes diretamente do princípio constitucional
da proibição da retroatividade

O primeiro tipo de limites exclui a aplicabilidade imediata de todas as normas do


Processo Penal que não se possam caraterizar como puras normas processuais, mas
que sejam de natureza substantiva penal numa conexão fundamentadora da
responsabilidade do arguido.

Aplicabilidade imediata justifica-se, apenas, relativamente a normas que regulem o


modo de proceder dos tribunais na definição concreta do Direito Penal e não já
relativamente a normas que se refiram às condições de procedibilidade ou causas de
extinção do procedimento criminal, como acontece com as normas que regulam os
prazos prescricionais, na medida em que estas delimitem direta e exclusivamente a
relação jurídica punitiva.

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