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A saga do Cessna PT-CZC !!!


Histórias de um piloto de garimpo
Comandante Nilton Costa
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Introdução

Meus amigos: neste belo livro, o autor nos brinda com uma série de ótimas
histórias e aventuras de um ex-piloto de garimpo, que se encontrava localizado
na mesma região em que eu estava por volta do início dos anos 80.

Vivíamos numa área repleta de conflitos, garimpeiros, indígenas, madeireiros,


invasores de terras, sindicalistas, missões estrangeiras, traficantes de drogas,
tudo isto cercados pelo Garimpo de Serra Pelada e pela Serra dos Carajás que
estavam "funfando" por volta de 1979 a 1982, né mesmo?

Pois foi ali mesmo, eu num acampamento de mineração de nome Pista Nova de
São Raimundo, proximidades de São Felix do Xingu, no estado do Pará, onde
se extraia a cassiterita e o Comandante Niltinho, em Ourilândia do Norte e
Tucumã, ali pertinho.

O Comandante Niltinho era um especialista em quebrar os galhos que os


processos de mineração e garimpo exigiam: transportava tudo e todos e
pousava em qualquer lugar, com seu companheirão de longa data, o Cessna
182 PT-CZC!

As histórias contadas pelo Comandante Niltinho podem, a principio, assustar


pelo foco inédito e até mesmo pela crueza dos fatos mas, trata-se da realidade
vivida naqueles tempos, por todos os que estiveram envolvidos, de uma forma
ou outra, com a busca pelo precioso metal: o ouro!

Os meus parabéns, em nome do Comandante Niltinho, a todos os pilotos que


voaram nos garimpos da Amazônia naquelas épocas, e muito ajudaram aquele
sofrido povo, embrenhados no meio da floresta!

Mauricio de Queiroz
Jcflores, editor do http://taiada-blog.blogspot.com
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Índice
Introdução..................................................................................................... 02
O perdão que veio dos céus......................................................................... 04
A chegada das prostitutas............................................................................ 07
O castigo...................................................................................................... 11
O voo Goiânia/Boa Vista – 1........................................................................ 15
O voo Goiânia/Boa Vista – 2........................................................................ 18
O prato de comida........................................................................................ 20
O hangar e a pista do Fim do Mundo - 1..................................................... 25
O hangar e a pista do Fim do Mundo - 2..................................................... 28
O resgate..................................................................................................... 33
O presidente................................................................................................ 38
O brevê........................................................................................................ 48
A pista.......................................................................................................... 58
O voo de dorso............................................................................................ 64
O pouso de barriga...................................................................................... 70
O Paulo Henrique....................................................................................... 74
A cautela...................................................................................................... 78
O gaúcho da Bahia...................................................................................... 83
A hemorragia............................................................................................... 96
O dedão...................................................................................................... 101
Um mergulho no Rio Araguaia.................................................................... 106
Prisioneiro dos índios.................................................................................. 115
Apyterewa - os índios brancos.................................................................... 126
Toninho do Ouro - O garimpeiro................................................................. 137
KM 140 - O garimpo de Serra Queimada................................................... 146
O golpe de mestre...................................................................................... 163
A Terra do Meio......................................................................................... 170
A dupla....................................................................................................... 181
A empreitada.............................................................................................. 186
O sonho...................................................................................................... 194
A maconha.................................................................................................. 200
O sonho perdido......................................................................................... 208
O sequestro - 1........................................................................................... 216
O sequestro - 2.......................................................................................... 222
O sobrevivente........................................................................................... 227
A caranguejeira.......................................................................................... 236
Gugu - o pescador..................................................................................... 247
As panes.................................................................................................... 256
A esperança............................................................................................... 262
A gratidão.................................................................................................. 271
O voo macabro.......................................................................................... 279
O chá do Santo Daime.............................................................................. 289
Tide - O piloto que não tinha medo da morte............................................ 295
Meu último voo com o CZC....................................................................... 302
Os agradecimentos................................................................................... 311
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O perdão que veio dos céus

Vou começar contando uma historia das mais interessantes, que mostra como o
destino usa você para fazer um bem ao semelhante que você nem conhece e
que não tem nada com isto. Ainda bem que no meu caso foi para o bem, pois
acredito que possa ser também para o mal, o que se for este o caso deus que
me perdoe.

Esta história se passou em uma cidadezinha acima de São Félix do Araguaia,


nas margens do Rio Araguaia, que não consigo lembrar o nome!

Vocês vão notar que as histórias que conto, não são minhas e sim do meu avião
pois, ele sim merece uma homenagem pois por muitos anos fez historia, deu-me
de comer, salvou-me varias vezes da morte certa, pois voava melhor que eu e
muito, bastava eu tirar a mão do manche eu sentia que ele sim, tinha o dom de
voar.

Confesso que esse dom eu nunca tive, eu sei quantas vezes ele não deixou que
eu o quebrasse, pois talvez eu é que sairia quebrado. Esta historia é de muitos
anos passados, quando o estado do Tocantins ainda era Goiás e Pará, e eu e
minha família, vindos do estado de São Paulo, nos encantamos com aqueles
varjões da Ilha do Bananal.

Junto com amigos, começamos a comprar um mundo de terra que acabou nos
envolvendo num punhado de processos judiciais, que quase me enlouqueceram,
obrigando-me a buscar meu amigo Nilton Soares, na cidade de Luciara (lembrei
o nome!) para ser ouvido como minha testemunha!

Bem, esta história vai ser muito interessante, pois verão como um simples voo,
foi capaz de salvar o romance de dois jovens analfabetos e totalmente
apaixonados, e por incrível que pareça foi isto que determinou o rumo de suas
vidas.

Estava eu todo encrencado com a justiça e necessitava de buscar um amigo que


seria minha testemunha em Luciara, cidadezinha as margens do rio Araguaia .
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Eu e meu irmão gêmeo Milton, (a semelhança não era só de nome não, era
também física!), e não pensem que não usávamos isto na aviação, mas esta é
historia para outro dia!

Pegamos logo cedo o velho PT-BNH e decolamos para nossa aventura.


Cruzamos toda a Ilha do Bananal, e após uma hora de voo, chegamos a Luciara,
pista boa, grande, larga, o piso lisinho,e, após o pouso, fomos logo procurar meu
amigo.

Cidade pequena todo mundo sabe de tudo e logo informaram-me que meu amigo
tinha acabado de pegar um barco para outra margem pois estaria indo para sua
ilha. Corri então para fretar um barco e tentar alcançá-lo, mas, infelizmente não
tinha nenhum disponível. Deparei-me então, com um jovem todo aflito, com o
mesmo problema, querendo ir para a outra margem.

Voltei para o barzinho onde meu irmão me aguardava para dar a noticia quando
encontrei um homem que, vendo meu sufoco, foi logo me dando uma ideia meio
maluca: faça um bilhete, amarre em uma pedra, cubra com um plástico, faça com
seu lenço um paraquedas, atravessem o Rio de avião e jogue o bilhete. Simples,
não?

Claro! Fomos para o aeroporto decolamos,meu irmão ficou incumbido de jogar


o bilhete através da janela do avião e, quando chegamos na outra margem, lá
estava meu amigo e junto com duas mulheres e mais uns três homens, que logo
trataram de pegar o bilhete que jogamos!

Acenei para meu amigo, voltei para pista e fomos aguardá-lo, no único barzinho
recomendável.

Algum tempo depois, avistei meu amigo vindo em minha direção todo alegre em
me ver, que foi logo dizendo:

- “Uai,o que estão fazendo por aqui”? Não ouvi o barulho do avião porque estava
dormindo na casa de meu compadre, a farra lá foi boa demais, ainda estou meio
alto”!

- Mas xará, disse-lhe, não era você que estava na ilha, quando eu joguei o bilhete
pedindo-lhe para voltar ,para irmos à audiência em Gurupi?

- Não! disse-me ele! Eu estava dormindo!

- Que coisa estranha, eu jurava que tinha sido você. Mas, tudo bem, o que
interessa, é que já te encontrei e quero que você vá comigo para Cristalândia
agora!

Como ele só poderia viajar no outro dia de manhã, tratamos de pegar um


hotelzinho para dormir.

Por volta das 20 horas, estava sentado na pracinha em frente ao Hotel, quando
chegou um camarada e foi dizendo:
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- Veja só o que aconteceu com aquela minha prima, aquela que se juntou com o
filho de seu Raimundo Nonato. O cabra não estava mais suportando aquela
casca grossa e acabou entregando-a de volta para a família, só que quando eles
já estavam indo embora, o cabra se arrependeu, acabou fretando um avião e
jogou um bilhete pedindo para ela voltar! E não é que voltaram, e se encontraram
na beira do rio e foi àquela alegria, estão agora no maior dos amores!

- Espere aí, disse eu, esta história não está bem contada! Como fretou um avião
se o único que está aqui em Luciara é o meu, de onde partiu o bilhete onde pedia
para o Nilton Soares que voltasse para Luciara e nada tinha escrito sobre
aqueles dois?

Imaginem só meus caros amigos: o que aconteceu na realidade é que quando


estava por cima deles a moça jurava que quem estava dentro do avião era seu
marido e que ele estava pedindo para que ela voltasse. Como todos ali eram
analfabetos não puderam ler o bilhete, só conseguiram ler o nome de Milton (na
cidade tinha um piloto com este mesmo nome), e deduziram que era ele e com
a persistência da guria em voltar, assim o fizeram e acabaram encontrando o
marido desesperado aguardando-a na margem do rio.

Aí foi aquela alegria e só conseguiram entender todo o ocorrido, depois de


acharem alguém que leu o bilhete inteiro e compreenderem que, na realidade,
tinha acontecido uma boa ação involuntária quando, ,junto com meu avião,
acabamos por contribuir para que aqueles jovens tivessem uma nova chance de
vida!

Espero que ainda estejam juntos ,pois uma coincidência desta, não deve ocorrer
jamais, não é?
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A chegada das prostitutas

Quem já esteve em um garimpo de ouro, sabe muito bem como a vida é difícil,
tanto em relação a sua segurança de vida, quanto à maneira de você fazer as
coisas, que em certas horas obriga-o a ter espantosa criatividade por que se não
você perde o voo para outro piloto, e como no garimpo todos os piloto são meio
malucos, para não dizer malucos por inteiro,vai arriscar a sua vida por algumas
gramas de ouro. E sabe lá se você não vai ficar pendurado em alguma
castanheira por ai?

Certa ocasião, um amigo, dono de um cabaré na região do Crepuri no estado do


Pará, precisamente no km.140, local onde o senhor Virlandes (o todo poderoso)
reinava, estava aguardando mais uma remessa de prostitutas, que vinha do
maranhão, e tinha que buscá-las em Itaituba!

Como ele estava acostumado a pagar o frete do avião por quilo e nós
colocávamos 500 quilos no Cessna Skylane numa boa,ele queria que eu
trouxesse todas em um único voo, e como eram 10 jovens, como dizia ele, daria
paratrazer todas em um só voo, pois a média de peso das meninas não passava
dos 50 quilos!

Mas como? dizia eu, tentando mostrar pra ele que gente não era mercadoria e
como eu ia fazer para acomodar toda aquela gente ?
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- Não quero saber, piloto, se você quer ganhar meu ouro vai ter que ser assim.

O pior mesmo éque ele acharia alguém rapidinho para fazer o voo. Meus amigos,
sabe-se lá o que um homem blefado (duro) não faz para sobreviver num garimpo.

Não tinha jeito, teria que encarar mais esta loucura. No outro dia cedo, esperei
a neblina subir, pois devido à umidade da região que é muita alta, amanhecia
colado, você não via o final da pista, meu amigo, e naquele dia parecia que seria
daqueles que nada daria certo, pois a camada demorou em subir.

Felizmente lá pelas dez horas, já estava sobrevoando o Rio Tapajós, (que lindo
rio!), porém já dava para perceber o estrago que os garimpos faziam nele,
assunto este que chamou-me a atenção por um momento pois, na verdade, o
que eu queria era e estava preocupado, era sobreviver e isto era o
comportamento padrão de muitos brasileiros que vivem na região, sabe que a
coisa não esta certa porém nada podia fazer para mudar!

Se o governo estadual, com toda a sua infraestrutura não fazia nada para impedir
tal situação, não seria o indivíduo, a tentar faze-lo!

Na verdade estávamos na roda da vida, ali cada um cuidava da si e a natureza


que se cuida também, porem eu sei que a coisa não é bem assim, mas o que eu
poderia fazer?

Deixemos de lado esta questão filosófica e vamos voltar àquela estranha carga
que até aquela altura, eu não sabia como eu ia fazer para ganhar o meu, pois se
não as transportasse, o meu amigo faria pois ele também precisa sobreviver!

Meu amigo saberia ganhar o seu, vendendo-as a preços absurdos, de garimpo,


sem pagar nenhum imposto, que só eu sei o quanto que um garimpeiro paga
para ter.

É uma coisa que eu acho estranho, no garimpo: a mulher você consegue vender
e o homem não! Quanto que você acha que vale um homem no garimpo?

Nada, nada mesmo, pois é ele quem morre enterrado na lama ou no fundo dos
rios, de malária, como já vi muitos morrerem, para arrancar do seio da terra este
precioso metal que tenho minha duvida se fica no Brasil!

Teria que valer muito, porém o garimpeiro não tem valor para ninguém, nem para
sua família, salvo se ele bamburrar, (encontrar ouro!). Para o Estado então, nem
se fala!

Se eu fosse o prefeito de uma destas cidades, como Tucumã ou Itaituba, pois


foram as duas cidades que mais produziram ouro que vi em minhas andanças
pela Amazônia, ergueria uma estátua, homenageando este pobre brasileiro que
ajudou a integrar nosso solo e que enriqueceu muita gente, como eu mesmo.

Avistei Itaituba, fui pra cima do aeroporto, já estava na final quando percebi que
o flap não arriava, lembrei daquela sensação estranha quando decolei do 140 e
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esta sensação iria me guiar pelo resto da vida, muitas das vezes evitando
acidentes.

Com aquela pista enorme na minha frente não haveria problema algum que
pudesse acontecer a não ser um cavalo de pau.

Amarrei o avião, e fui assinar o recibo da mercadoria, quando olhei para aquelas
meninas, senti pena, tive vontade de voltar! Eram jovens demais para
ingressarem na prostituição e logo mais nos garimpos, aonde suas vidas não
valeriam nada!

A maioria delas nunca mais dava conta de voltar para suas cidades de origem e
suas famílias!

Porém estavam todas felizes! Imaginem vocês que a maioria delas, nunca tinha
saído de suas cidades de origem e muito menos nunca voaram e que de agora
em diante iriam enfrentar comigo um voo que nem eu sabia como seria!

No outro dia nos encontramos numa pista fora da cidade, da onde eu poderia
decolar sem que o DAC me metesse na cadeia.

Quando consegui reuni-las em torno do avião para poder dar um jeito de


acomodá-las, foi aí é que perceberam que a graça tinha acabado e acabaram
por negar-se a entrar no avião, que não iam, de jeito nenhum e eu já estava
vendo meu ourinho ir para as cucuias, se não providenciasse logo um jeito para
colocar a mulherada dentro do avião!

Foi aí que tive uma grande ideia: graças à maneira das mulheres de não se
incomodar quando uma senta no colo da outra, meu irmão, se fossem homens
aquela minha ideia de não teria dado certo mesmo, imagine você sentado no
meio das pernas abertas de um marmanjo, não é?

Pedi que uma turma delas se sentasse, com as companheiras no colo, para que
pudessem caber todas, esperando não acontecer nenhum problema extra de
relacionamento!

E já que estava tudo bagunçado mesmo, tratei de apartar a mais bonitinha, a


quem dei privilégio de ir sentada ao meu lado no banco do copiloto.

E lá fomos para a cabeceira da pista, quando tratei logo de apertar as periquita


(termo usado para por a manete para frente) e sair logo dali, meu medo era de
que quando aquela farra toda acabasse, não mais conseguiria conte-las.

Agora eu estava feliz, com aquele bando de mulheres ao meu lado eu me senti
o homem mais importante do mundo, só que não sabia que estava entrando uma
frente fria vinda do sul, e naquele entusiasmo todo eu me havia esquecido de
dar uma espiada no Metar (Boletim Meteorológico).

Arrependido de ter decolado, não demorou muito para que eu topasse com a
frente fria e aí meu irmão, a solução foi encarar mesmo! Voltar nem pensar,
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imagine se eu deixo aquele bando de mulheres sair do avião? Nunca mais elas
entrariam de novo, e, pior, no garimpo o piloto que não entrega a mercadoria não
recebe.

Foram uns trinta minutos de pauleira máxima, que, as vezes, deixavam-me à


deriva pois, naquele tempo, não tinha GPS, afinal, rumo é rumo e tempo é tempo!

Deixei o avião voar, tratava de desviar daquele caroço mais pesado e o resto
guardava dentro.

O avião chacoalhava tanto que tinha momentos que as mulheres trocavam de


lugar e aquela gritaria doida me deixava mais nervoso obrigando-me a mandá-
las parar com aquela gritaria, senão nos íamos todos morrer, o que acabou
dando certo, não se ouvia um pio mais e assim foi todo o resto da viajem!

Que maravilha! No 140, uma festa nos esperava, os garimpeiros tomaram banho,
para tirar aquele cheiro do melechete (lama do garimpo)!

Não era fácil não, meu irmão e logo à noite, meu amigo, dono do voo, já estava
alegre e tratando de ir ganhado seu ourinho, só que não demorou muito para
que os guarda costas do senhor Virlandes, numa noite, destruíssem toda sua
boate a tiros e colocado às mulheres para correr, e assim logo meu amigo entrou
no blefo de novo e nunca mais me deu um voo de rapariga.

Motivo para a quebra da boate: o não pagamento da contribuição ao chefão!


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O castigo

Gilmarzinho e Felipe amarrando as barras de canos no montante e fuselagem!

Acredito eu, vocês devem estar pensando que existe um pouco de conversa de
pescador nestas histórias que conto, porém afirmo que são verdadeiras, tão
verdadeiras que eu vou contar uma e vou dar nomes ao boi , mas pelo amor de
Deus vocês não vão atormentar meu amigo pois corro o risco de ficar sem
credito no seu supermercado e minha conta já está na estratosfera (altitude em
que um monomotor não atinge), e eu tenho dois barrigudinhos para alimentar!

Esta história começou por causa do descuido de um piloto que eu vou omitir
nome, pois corro o risco dele ficar com raiva de mim, pela tamanha sacanagem
que lhe fiz e com os demais, porém, o que vocês acham que eu deveria fazer?
Afinal no amor, na guerra e mais ainda nos garimpos que é uma terra sem lei,
vale tudo! Vocês não acha que estou certo? Só que o castigo não demorou a
chegar.

Estava eu no aeroporto, quando vi uma bela morena com uns lindos óculos
escuros, que não olhava para ninguém, juntamente com uma criança.
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Imaginei, então, fazer amizade com a criança, acreditando que assim iria atingir
a tia, e, rapaz, não é que deu certo mesmo?

Não demorou muito para iniciarmos uma conversa e vocês não imaginem o que
ela me contou: estavam muito contrariados com o piloto que havia prometido
levá-los para o garimpo logo cedo e até aquela hora, não havia aparecido!

Quando ouvi a palavra garimpo gelei, vocês não imaginam o que significa ter um
garimpo para voar! Meu amigo você sai do blefo (põe dinheiro no bolso) rapidinho
e justamente era isto que eu precisava naquele momento!

Tratei logo de saber onde era o bendito garimpo, e não é que havia surgido um
na fazenda Paraná e poucos sabiam disso e os que sabiam não diziam a
ninguém, pois estavam tratando de “comer na manha”.

Tratei de saber tambémpor onde estava o piloto e não é que ele havia pegado
um voo para Palmas e dificilmente chegaria a tempo para levá-los!

E naquele momento tive uma grande ideia e foi aí que esta historia realmente
começou: chamei opiloto Espanha (que Deus o tenha, caiu voando nuns
garimpos do Amapá) e perguntei-lhe seconhecia a pista!

- Claro, ó meu!

Era assim que ele gostava de iniciar a frase. Pedi-lhe que fosse abastecer o
avião rapidinho, pois já estava ficando tarde para voar, e voltei a conversar com
a bonitona, quando me ofereci para mandar levá-la, o que foi aceito na hora!

Coloquei sua bagagem no avião e pedi ao Espanha que não voltasse neste
mesmo dia, que dormisse lá e como o dono do garimpo era paraguaio e falavam
a mesma língua, mandei que oferecesse para ele os voos que necessitasse, de
graça, em troca da preferência dos voos dos outros garimpeiros, indicando que
viesse para Tucumã para acertarmos maiores detalhes, caso ele interessasse
pela oferta.

Não deu outra, o peixe havia mordido a isca e no outro dia, logo cedo ouvi o
ronco do CZC passando por cima da cidade e tratando logo de ir para a pista,
vocês não imaginem a minha surpresa quando vi pela primeira vez aquela
mistura de brasileiro com paraguaio com um baita sorriso na boca, que foi logo
dizendo:

- Você é o Niltinho piloto?

- Sou eu sim, senhor Altameu!

- Pois é, vim pela oferta que me foi feita, mas antes, trate de arrumar umas gurias
e uma loira bem gelada para que a conversa fique mais agradável, não é irmano?
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É! Não sabia eu que naquele momento estava começando uma grande amizade
que iria terminar um dia, quando o levei deitado no chão do avião, todo quebrado
após ter levado uma baita surra da Polícia Federal, porém esta é uma outra
história.

Não preciso dizer, que aquele resto do dia e pela noite adentro a pauleira foi feia!
Para mim ele não via mulher e cachaça havia muito tempo! O cara parecia um
doidão, se tivesse trazido seu trinta e oito, teria dado muito tiro para cima , como
gostava de fazer no garimpo! Nesta noite ele ficou conhecendo uma amiga que
mais tarde se tornaria sua amante!

No outro dia cedo ele já estaria normal, pensei ! Agora, é a hora de conversar!

“- Altameu, o que você acha de eu simular uma venda da metade do meu avião
para você, e com isto tirarmos todos os outros aviões da jogada? Você ficaria
com o CZC à disposição para ir onde quiser!”

Moço! Esta proposta deixou o paraguaio muito importante: imagine você


morando num lugar tão longe que até pelo pensamento é difícil chegar e de um
momento para outro, passa a ter um avião com piloto e que em apenas 45
minutos você estaria em Tucumã?

Aceitou na hora e logo começamos a esparramar o boato da compra da metade


do avião na praça!

Não preciso dizer que aquela notícia caiu como uma bomba no meio da
rapaziada, uns acreditando e outros não, porém, como o garimpo era dele e era
ele que dava as ordens, comecei a voar adoidado!

Tinha dia que eram dois voos e aí meu amigo, comecei a colocar umas
graminhas de ouro na capanga e comecei a ficar bonito na foto!

Porem, vocês não pensem que a coisa foi tão fácil assim, tive que enfrentar muita
resistência e uma delas foi com o Felipe, que não queria engolir aquela farsa de
jeito nenhum, e queria furar o bloqueio para voar com quem quisesse!

O cabra era esperto, porém com meu jeitinho acabei resolvendo o problema e
ele continuou a voar comigo e acabamos ficando tão amigos, que hoje somos
compadres!

No entanto o que é bom dura pouco e logo cai na desgraça de novo! Vocês nem
imaginem que um garimpeiro chamado Devanir, que tinha uma cantina lá dentro
do garimpo, queria que levasse umas 20 barras de cano do tamanho do avião e
nem pensar de serrar os canos! Simplesmente queria que eu os levasse inteiros!

Cara será que alguém tem alguma ideia de como levar aqueles malditos canos?
Pela falta de ideia e coragem acabei perdendo a preferência de voar para o
garimpo do senhor Altameu!
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Eu já não disse para vocês que aqueles pilotos que voavam nos garimpos, eram
todos doidos? Pois é, logo apareceu um que topou de levar os canos e ai quem
“entrou pelos canos” fui eu!

De manhã cedo vou para o aeroporto e não é que vejo o piloto Gilmarzinho,
junto com o Felipe, meu compadre, amarrando os canos todos pelo lado de fora
do avião, passando entre os montantes e a fuselagem, indo até passar pelo
profundor!

Quando vi aquilo não acreditei! Juro que temi pela vida dele, que não estava nem
aí, sorria e ia passando os olhos pela amarração que meu compadre fazia muito
bem, e de vez em quando dizia: - arrocha aqui! Arrocha mais ali !

Acabou pulando para dentro do avião, decolou e foi pousar no garimpo, e foi aí
que perdi a preferência de voo que tinha no garimpo! Daí em diante, cada
garimpeiro voava com quem quisesse, e esse foi o meu castigo !
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O voo Goiânia/Boa Vista - 1

Estava eu em um leito de um hospital, restabelecendo-me de uma hemorragia


duodenal, quando vejo à minha frente meu amigo e piloto Odilon (que mais tarde
veio a falecer em acidente de avião lá pelas bandas do Paraguai!).

Disse-me ele, que após completar o I A M (Inspeção Anual de Manutenção) de


seu avião, estaria partindo para Roraima afim de voar nos garimpos que por lá
tinham surgido!

Na mesma hora me deu uma vontade louca de ir com ele. Eu tinha que sair de
Goiânia pois, aquela vida que eu estava levando iria me levar a morte. Mais uma
daquela, longe de um hospital, e eu poderia até mesmo morrer pois, o sangue
jorrava por todos os lados e quando cheguei ao hospital, estava desmaiado com
a pressão quase a zero.

A úlcera já estava bem avançada e de acordo com os médicos, se não mudasse


de estilo de vida, para que a ulcera cicatrizasse, Adeus!

O avião de meu compadre Odilon era um Cessna 210 recém-importado dos


Estados Unidos, muito lindo, a pintura era um vermelho Bordeaux com branco e,
se não me engano, o prefixo era PT-LRY, sempre fui ruim de gravar na memória
os prefixos dos aviões!
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Para quem não esta familiarizado, os Cessnas 210 representam o sonho de


todos os pilotos pois ele cruza a quase 300 km por hora, gasta apenas 65 litros
por hora e carrega seis pessoas!

Imaginem vocês o sucesso que este avião não iria fazer em Boa Vista? Como
fez! Não é que meu compadre me deu um lugarzinho no avião? Tratei de dar
uma melhorada no cadáver, juntei meus panos, não esquecendo dos remédios
que o doutor me recomendou e partimos rumo a Boa Vista.

A primeira etapa foi Goiânia – Conceição do Araguaia. Lá meu compadre foi


visitar uma de suas namoradas pois, aquele provérbio que diz que “em cada
porto o marinheiro tem uma mulher, vale também para os pilotos, que me
desculpem os colegas, mas eu também era assim, uai!

Ficamos hospedados em um belo hotel na beira do rio Araguaia e, enquanto


estávamos pescando um tucunaré meu compadre alisava a barriga de sua
namorada, pensando como iria sair daquela, pois a barriguinha já dava sinal da
chegada de mais um pilotinho!

A segunda etapa foi Redenção – Altamira e essa já não foi tão fácil, pois logo de
cara encontramos umas formações pesadas, forçando meu compadre, e eu
também, a apertar o cinto! Tinha hora que eu olhava para a asa do 210 e via ela
balançar tanto que eu pensava que iria arrancar (os primeiros 210 que chegaram
ao Brasil, andaram arrancando as asas).

Mais aquilo para meu compadre era pura diversão ele vibrava muito! Pois foi
nesta hora que olhei bem nos seus olhos e vi o que não gostei: vi algo de
imprudência e nestes meus muitos anos de piloto aprendi que é a imprudência
que leva a maioria dos pilotos à morte, como levou a dele, alguns anos mais
tarde.

Como naquela época não tinha o GPS, apenas alguns NDB e VOR
(equipamentos de apoio à navegação) e para nossa infelicidade estes
equipamentos estavam fora do ar, íamos mais ou menos no rumo de Altamira só
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que para menos, pois se não fosse meu amigo ter avistado o rio Xingu, teríamos
deixado Altamira bem à Direita.

Descemos para pouso meio instrumento meio no visual mais enfim pousamos!
Eu nunca vi um piloto de garimpo saber voar direitinho por instrumento, nós
fazíamos uma mistura e muitas vezes isto foi a morte de muitos deles!

Eu também voava assim e só não morri porque Deusestava me protegendo


talvez para fazer o hotel mais lindo de Ourilândia (me desculpem pela
propaganda) duvidam?

Eu os convido para daqui um ano vocês virem me visitar porém não pensem que
não vou cobrá-los, pois ate lá estarei no maior blefo (duro) em que já me meti.

Em Altamira eu fiquei na casa do maior garimpeiro vivo que tive a honra de


conhecer, o senhor MUCA ou Mucuin, na realidade não sei seu nome verdadeiro,
mas como dizia meu amigo gringo de Miami the king of jungle (o rei da selva),
ele ficou tão doido pela sua historia que queria escreve-la. Na pessoa deste meu
amigo presto minhas homenagens a todos aqueles garimpeiros que conheci e
que participaram comigo das experiências na Amazônia.
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O voo Goiânia/Boa Vista - 2

Na historia passada contei a viagem do trecho Goiânia a Altamira e hoje vou


contar o restante do voo, de Altamira a Boa Vista.

Este percurso deu-me a confirmação que meu compadre Odilon tinha algum
desvio de conduta, porque neste voo teríamos que fazê-lo passando por
Manaus, que era muito mais lógico, e como estávamos em um monomotor com
apenas cinco horas de autonomia, naquele tempo não existia GPS e em nossa
rota, mão havia nenhum apoio de radio comunicação, cidade, pistas, etc.

Só iríamos ter, na chegada a Boa Vista, o VOR e o NDB, isto é, se estivessem


no ar e em rota não existia nenhuma referencia, a não ser uma ou outra aldeia
indígena, cuja localização só caberia a Deus!

E por Manaus não teríamos toda a rodovia Manaus - Boa Vista como apoio, além
da cidadezinha de Caracaraí, que fica as margens do rio Branco.

Como não havia urgência em nossa chegada a Boa Vista, encontramos mais
uma razão para passar por Manaus, para umas comprinhas na Zona Franca,
que naquela época era bem farta de produtos estrangeiros.

Entretanto, só percebi que algo estava fora dos planos, quando percebi que
Manaus estava ficando à minha esquerda e perguntei ao compadre se ele não
estava fora de rota,pois estávamos cruzando o rio Amazonas no rumo norte, e
assustei-me com a resposta:
19

- Niltinho, nós vamos direto a Boa Vista! Falei que não era uma boa ideia e ele
nem respondeu!

Que eu soubesse, até aquela data, não havia ninguém que tivesse ousado fazer
aquela rota, mas era isto mesmo que ele queria! Ser o primeiro!

Tratei de pegar o mapa e tracei a rota, meu Deus, iríamos sair do Brasil entrar
no espaço aéreo das guianas e muito lá na frente iríamos voltar a voar no espaço
aéreo do Brasil !

Calculei o tempo, e pedi a Deus que não pegássemos um mau tempo, pois ai o
azar estaria feito!

Vocês acreditam que, em todo o percurso não avistei nada a não ser floresta? A
única coisa que me tranquilizava era o ronco daquele 210 seminovo que meu
amigo Mucuin havia comprado por uns bons quilos de ouro retirado de seu
garimpo no Pará (que bons tempos eram aqueles, heim Mucuin?).

O tempo de voo foi passando, com momentos em que parecia que o clima iria
se arruinar de vez, melhorando em seguida e vocês nem imaginam nossa
alegria, quando saímos em cima daqueles campos que eles chamam de
lavrados, o que era um indicio que estávamos não muito longe de Boa Vista e,
por coincidência o NDB começou a entrar, ocasião em que verifiquei estarmos
bem fora do rumo! Os ventos havia feito seu trabalho muito bem feito pois acho
que, naquele rumo, iríamos entrar na Venezuela passado por Santa Helena
(cidade na fronteira com Venezuela)! Fiquei imaginando o quanto éramos doidos
de fazer um voo destes, apenas com uma bússola.

Meu compadre tratou de corrigir a rota e não demorou muito estávamos


pousando no aeroporto mais movimentado do Brasil naquela época, por causa
dos garimpos na região dos índios Ianomâmis!

Finalizo deixando para meu compadre piloto, o reconhecimento de ter sido um


bom piloto, embora não me servisse de modelo pois era muito destemido e eu
sempre fui mais cauteloso, talvez em decorrência de ter brevetado muito jovem
(arrojado e sem medo), diferente de mim, que o fiz já um tanto amadurecido!

Dedico, ao compadre Odilon, a minha admiração como piloto e ofereço-lhe uma


especial homenagem, dedicada há muito poucos, por ter O DOM DE VOAR !
20

O prato de comida

Geralmente a gente corre da policia deixando tudo para traz, só que comigo foi
ao contrário: não larguei meu prato de comida por nada, e nem a Policia Federal
foi suficiente para me fazer largá-lo! Imaginem como estava faminto neste dia!

Esta historia aconteceu quando o IBAMA, juntamente com a Policia Federal,


resolveram dar um basta para valer na extração ilegal de mogno, e aí meus
amigos foi a maior bagaceira que já vi em toda a minha vida! Não sobrou pedra
sob pedra "ou melhor” dizendo madeireiro sob madeireiro!

Esta raça de gente começou a ser caçada igual bicho pelo IBAMA! O que eles
encontravam, desde caminhão, pá carregadeira, skid, trator, trator de esteira,
avião, esposa de madeireiro, amante, cozinheira, piloto, tudo foi pro pau mesmo,
acredito que nem os próprios agentes esperavam uma operação daquela ordem!

Tudo começou quando meu amigo Scalabrim chegou à beira do rio Curuá e
simplesmente trancou o rio, para passar com sua comitiva para o outro lado, no
rumo de um canteiro de mogno que havíamos localizado, não mais abrindo a
passagem, deixando os ribeirinhos sem opções para subir o rio até a cabeceira,
fechando assim à única estrada da área!

E não foi falta de avisar pois, uns dias antes, eu havia pousado na pista do Pontal
do Rio Iriri com o Rio Curuá, e encontrei o dono de um barco, daqueles tão
21

comuns nos rios da Amazônia, que faz entrega de mercadoria, carrega gente,
porco, galinha, castanha, enfim, são a única ligação entre o povo que vive na
floresta com a cidade, no caso, Altamira!

Ele estava muito bravo, em razão de não poder atingir o alto do Rio Curuá, em
decorrência do ato do madeireiro, tendo que voltar para Altamira e imaginem,
conforme disse em cinquenta anos navegando por aquele rio, seria a primeira
vez que seria obrigado a retornar, impedido que estava de prosseguir!

Ele não se conformava, dizendo que iria reclamar à Capitania dos Portos, e até
mesmo falaria com a justiça, em Belém, caso o assunto não fosse resolvido!

Ele falou com tanta raiva, que acabou por assustar-me e, coberto de razão,
acabou cumprindo o prometido!

Mesmo assim tratei de tranquilizá-lo, dizendo que iria falar com o Scalabrim.

De volta a São Felix do Xingu, contatei o Nelson, que era o grande assessor do
Scalabrim, contando-lhe o que havia presenciado, sendo que até hoje não sei se
ele alertou o Scalabrim ou não! Mas, como a situação permanecia, acredito que
não.

E aí meus amigos, o tempo fechou, e tem gente ate hoje chorando as mágoas,
para não falar dos prejuízos!

Estávamos justamente no meio da safra quando a operação do IBAMA e da


Polícia Federal começou, e, graça a Deus escapei por muito pouco, porém aquilo
que vi, jamais vou esquecer!

O movimento que girava em torno do mogno era tão grande, mas tão grande
mesmo, que, imaginem vocês, qualquer madeireiro fazia um movimento de um
milhão de dólares brincando, e todo mundo da cidade tirava uma casquinha!

Começava assim: na floresta ele valia cinquenta reais o metro cúbico; na


serraria, duzentos; em Belém, já valia quinhentos; na exportação, já era em torno
de mil; nos EUA, já ia para mil e quinhentos, e assim por diante.

Esse esquema da retirada do mogno era montado bem antes da safra e


imaginem vocês que, de uma hora para outra a coisa começou a desmoronar,
só via madeireiro se escondendo, os mais espertos, vazavam para bem longe,
os mais bestas, a Polícia Federal prendia!

E assim foi! Após a Federal ter baixado na pista do Pontal e ter apreendido todas
as maquinas (a maioria alugadas) e caminhões, do Scalabrim e determinado a
abertura do rioo clima ficou feio para meu lado, pois todos meus voos estavam
anotados em um simples caderno, não tinha nenhum contrato de trabalho ou de
prestação de serviços, o escritório de São Felix do Xingu fechado, o Scalabrim
desaparecido! Acabou ficando só eu e o Nelson que, um dia me disse:
22

- Abasteça o avião bem cedo, que vamos resgatar um pessoal que conseguiu
fugir da Polícia Federal, sendo que dois estão vindo pela mata, na altura da
Mineração Canopus, onde também existem operações da Polícia Federal,
alguns estão na beira do Rio Iriri e outros estão presos no Pontal junto com as
maquinas!

“- Prepare-se Niltinho que hoje nós vamos peitar a Federal e vamos começar no
Curuá! Vou botar os índios contra o Ibama e se abusar vou tirar as maquinas
também!”

“- Meu Deus, pensei! O que estou fazendo aqui? No meio desses malucos, vou
cair no cacete também e olha lá se não vou perder também o meu avião!

E lá ia eu voando rumo ao Rio Curuá, de cabeça baixa pensando na fria em que


estava, quando entrou na fonia o piloto do Machadinho, num Sêneca, vindo de
Altamira para mesma pista em que eu ia pousar!

Comecei uma conversa mole tentando saber com quem ele estava, quando ouvi
alguém mandando ele desligar o radio imediatamente, o que foi feito!

Na mesma hora, deduzi que seus passageiros eram da Polícia Federal, e,


alertando o Nelson, disse-lhe para que desistisse, pois seu plano não ia dar
certo, e iríamos acabar presos!

Ele pensou por um momento e disse: “- Vamos então pegar os outros na beira
do Rio Iriri”!

Moço, como fiquei aliviado!

O piloto do Machadinho, outro dia, após a Polícia Federal ter preso um


madeireiro junto com sua esposa em uma pista perto do rio Xingu, teve uma
pane no Sêneca e veio a falecer junto com o pessoal do Ibama e da Federal, só
sobrevivendo o madeireiro e sua esposa, bem machucados!

A pista na beira do Rio Iriri não era apropriada para as operações e usávamos
o final da estrada para pousar! Foi lá que meu amigo piloto da cidade de Gurupi
quebrou o trem de pouso do Ipanema do Dodô, jogando semente, tão boa que
era a estrada.

Nesta pista, resgatamos alguns e decolamos para a Canopus, onde havia uma
bela pista, só que a melhor posição para decolar era à partir da casinha aonde
morava uma família que ajudava a cuidar da pista, e sempre nos servia um
cafezinho e onde, em algumas ocasiões, acabei preparando minhas refeições,
em panela emprestada! Sinto saudades dessa família, tão bons eram para
comigo!

Ao pousar, Nelson foi logo dizendo, para que eu ficasse de prontidão, enquanto
ele ia até a vila, buscar os trabalhadores a serem resgatados, pedindo-me que
não saísse do local “nem para ir no mato” (fazer necessidades fisiológicas)!
23

Parecia que ele estava adivinhando! Fui cumprimentar aquela família de amigos
meus e tratei de dar uma espiada pelas panelas!

Minha amiga, como sempre, cantou o esperado:


“- Comandante, vou fazer um pratinho de comida para você, viu?

- Adivinhou minha amiga, pois estou com uma fome de leão, e sou capaz de
comer qualquer coisa, até mesmo estanho derretido, se tiver!”

Já estava pelo meio do prato, quando escuto aquela zoeira vindo do lado da vila,
e não é que era o Nelson com os dois amigos, gritando desesperado:

“- Vamos embora Comandante, que os homem estão atrás de nós, larga desse
prato e pegue no manche, pelo amor de Deus!”

Aquilo me pegou tão desprevenido que eu não sabia se largava o prato e corria
ou corria com o prato na mão! Mas, meus amigos, a fome era tão grande que
optei por não largar o prato, e lá fui eu, correndo e tentando equilibrar o prato
para não deixar cair nenhum grãozinho que fosse!

Pulei para dentro do CZC com o prato e tudo, e disse para o Nelson:

“- Segura este prato aí, mas não coma nada que já vou decolar! “

Saí “fervendo azeite”, e foi a conta de chegar no final da pista, manobrar e


“arroxar as periquitas” como se diz na gíria da aviação, e a Polícia Federal
chegar! Dei um raso em cima deles, achando que iam mesmo atirar no avião, e
até hoje agradeço ao bom juízo dos policiais!

“- E agora, Nelson pegue no manche e voe que vou terminar meu almoço em
paz.

E foi assim que passei mais um dia de sufoco, tentando ganhar a minha vida
como piloto, porém eu jurava que um dia iria parar de voar, só que este dia ainda
estava longe.

Graças a Deus que no final acabei recebendo umas terras do Scalabrim, (que
tenho até hoje!), como pagamento dos meus voos, não ficando no prejuízo como
foi o caso de muita gente! Pena que alguns terminaram sem a vida!
24
25

O hangar e a pista do Fim do Mundo - 1

Existem momentos na vida em que, se você não tiver um pouco de ousadia,


coragem, e sobretudo um pouco de esperteza, não vai para frente! E foi isto que
aconteceu comigo quando cheguei em Tucumã.

Há muitos anos atrás, havia escolhido viver aqui, pois tinha feito um voo com um
amigo na região e me encantei de tal forma, que acabei selando um
compromisso de vir e jamais sair daqui.

Recém chegado de Goiânia e atravessando uma fase muito difícil, em primeiro


lugar, por ter saído de uma região em que era muito fácil voar, pois não haviam
preocupações com tamanho de pista, peso excessivo, etc. o que representava,
certamente, preocupações a menos!

Além disto, existiam vários aviões no pátio, fazendo o passageiro escolher com
quem queria voar, com opções para o piloto mais velho, o mais novo, avião com
revisão em dia, avião sem revisão, e assim por diante!.

E, com a safra de mogno já iniciando, como sempre as madeireiras eram a


grande locomotiva que arrastava um bando de vagões, por nós representados,
tendo todo o restante comércio, pequenas industrias, a igreja, as prostitutas (em
grande quantidade!), a policia, enfim todos de uma certa maneira atrelado ao
sistema, e lá estava eu com cinquenta anos de idade, um pouco velho para
conviver com aquela moçada boa de manche, e como morador na região,
conhecedor das pistas de pouso dos madeireiros, senti-me um panaca em meio
às feras!

Imagine vocês se ia sobrar algum voo para mim? Lógico que não! O que um
piloto blefado, tendo que alimentar sua família, poderia fazer?

E foi ai que tive a maior reação de gênio em toda a minha vida: estava sentado
em frente ao todo poderoso senhor Darci da Perach um jovem empresário que
movimentava uns “par” de milhões de dólares, rápido de raciocínio, respeitado
pelo dinheiro, pela coragem, e pelos colaboradores (!?).

Pedia eu encarecidamente, uns voozinhos pois já estava gostando de morar


aqui, e não pretendia voltar a Goiânia.
26

O Hangar, em Tucumã, com o CZC estacionado

Foi a maior choradeira, mas não suficiente para tocar seu coração, e ele me
respondeu:

“- Não tenho voo para você, meu esquemapara esta safra já estão todo montado,
quem vai voar será o Rochinha e o Gilmarzinho, portanto me desculpe!”

Naquela hora se levantou, como querendo me dizer que meu tempo havia se
acabado! Hora de vazar!

Permaneci sentado, como querendo dizer a ele que eu ainda não estava
nocauteado, que iria lutar por uma vaga, custasse o que custasse!

E foi aí, meus amigos que, morando de favor na casa do piloto Bosquinho, dei o
maior blefe da minha vida: perguntei-lhe, de queima bucha:

“- Você quer vender seu hangar?” (o hangar ficava no centro da cidade e eu


havia escutado que ele queria vende-lo). Passava todo dia por lá e pensava que,
se esta cidade um dia crescer, este lote vai valer uma fortuna!

Aquela pergunta pegou-o desprevenido, imaginem momentos antes eu


mendigava uns voos e agora eu estava fazendo uma proposta de compra! Notei
que ele ficou surpreso, porém respondeu:

“- Quero vender sim!


- Quanto você quer?
- Quero 20 mil cruzeiros!”

Na bucha, ofereci 10 mil cruzeiros, ao que ele mandou-me fazer o cheque.


27

“- Mas não é assim não, Darci! Você não tem os voos para fazer?É só passá-los
para mim que eu te pagarei com os voos: para os outros você terá que pagar em
dinheiro e para mim você empurra aquele hangar já caindo aos pedaços! Não é
um bom negocio para você?”

Moço, não é que eu acertei na mosca, na mesma hora ele chamou seu contador
e disse:

“- Abra uma conta corrente para o Niltinho pois, de agora em diante vai voar para
nós e dê a ele as coordenadas da pista do Fim do Mundo.

Gelei, pois sabia que aquela pista ainda não estava totalmente limpa, juro que
tive vontade de “quiabar” (recusar) na hora, mas como?

Estava sendo convidado para sair da sala, pois já tinha tomado tempo demais
do empresário e fila era grande!

Quando sai da sala, sentia uma grande alegria: tinha entrado na sala do homem
“pelado” e estava saindo rico pois não demorou alguns anos e vendi o Hangar
pela bagatela de 250 mil Cruzeiros!

Só não sabia, prezados amigos, o que me esperava na tal pista do Fim do


Mundo.
28

O hangar e a pista do fim do mundo - 2

Bom, vocês devem estar imaginando que o difícil eu já tinha feito, que era
convencer o senhor Darci a dar-me uns voos, mas, doce engano, o que estava
pela frente, se soubesse jamais teria aceitado, simplesmente porque eu iria por
a minha vida em risco varias ocasiões, além de arriscar o meu avião, que era o
mais importante e a vida dos meus passageiros.

E como havia dito, eu não tinha condições de fazer aqueles voos, eu não estava
preparado para voar com 500 quilos de carga fora meu peso (70 quilos) e mais
algumas besteirinhas que não tinha jeito de evitar!

Decolava-se com quase 600 quilos, muito acima dos 360 recomendados pelo
manual da aeronave, vejam só que loucura!

Porém, a sorte estava lançada, só me restava fazer tudo certinho, caso contrário
o bicho ia pegar.

O dia amanheceu meio nublado, calculei que teríamos chuvas esparsas pela
tarde, e não deu outra, fui para o aeroporto munido de GPS, já configurado com
os parâmetros da pista do Fim do Mundo, fazer meu primeiro voo.

Quando cheguei, lá estava o senhor Pé de Cobra me aguardando, com dois


passageiros e, de resto, uma carga tão variada que me assustou: de gasolina a
gêneros alimentícios, ferramentas, que tive que ir empilhando dentro do avião,
procurando dar um jeitinho para sobrar um espaço para meus dois passageiros.

Com a carga pronta, só me restava decolar, e era justamente isto que eu não
tinha pressa de fazer!

Naquele momento, Pé de Cobra encarou-me e disse:


“- Na volta quero que você faça uma perna (novo trecho), passe na fazenda da
Perach, pegue umas mercadorias que andaram deixando por lá e leve para a
pista do Fim do Mundo. E vá com Deus Niltinho!”
29

Cmt. Niltinho e ajudante, abastecendo o CZC no Hangar em Tucumã!

Era isto mesmo que eu iria precisar, e muito! A decolagem era sempre tranquila
naquela enorme pista de Tucumã, mais de mil metros ladeira abaixo sem
obstáculos e não tinha santo que não ajudasse o avião sair do chão!

Mais uns minutos e já estávamos cruzando por cima da serra da Mutuquinha e


quem diria que ali está guardada a segunda maior concentração de níquel do
mundo, que será explorada pela Vale, mediante um projeto que irá mudar a vida
de Tucumã e Ourilândia para sempre!

Passávamos por ali todos os dias e nem desconfiávamos da presença desta


mina. Se soubéssemos, teríamos comprado as terras do entorno e hoje
estaríamos ricos mas, fazer o quê, não é?

O tempo de voo era de mais ou menos de quarenta minutos, e após alguns


minutos, voando sobre algumas fazendas, cruzei a pista do garimpo da
Liberdade, e, dali para frente, meu amigo, só tinha a fazenda da Perach e nada
mais!

Quando faltava uns cinco minutos para a pista eu olhava para frente tentando
enxergar algum sinal de abertura da pista e nada, só avistava mata!

Quando deu dois minutos a mesma coisa! Um minuto nada! Pensei comigo:
aqueles sacanas deram-me as coordenadas erradas, só para me sacanear! E
agora?

Quando o GPS zerou e olhei para baixo levei o maior susto da minha vida, pois,
o que vi, nada tinha de pista: era só uma pequena abertura, a qual jurava não
caber o avião, a não ser que as asas ficassem para trás@
30

No segundo seguinte, já tinha perdido a pista, e aí fui entender porque aquilo se


chamava de pista do Fim do Mundo!

Tratei de manobrar para que o GPS me levasse novamente para cima da pista,
e, nisto, meus passageiros também perceberam e me perguntaram:

“ - Comandante, você vai pousar aí?


“ –Vou! É o jeito, fiquem calmos!”

Naquele momento só pensava no negócio que havia feito, uma grande tacada
daquelas, para não dar em nada?

Nem pensava em desistir, aquilo se tornou uma questão de vida ou morte, e


naquele momento comecei a conversar comigo mesmo, e porque não, com
Deus! Não sabia se seria justo estar apelando para Deus, para resolver minhas
loucuras!

E agora senhor Niltinho? Pensei! Trate de dar seu jeito e ponha logo este avião
no chão, falei para comigo mesmo!

Aquele negócio eu não iria perder, mesmo que me custasse a vida, e foi assim
que acalmei-me, baixando a adrenalina e fui para o pouso!

Não sei se vocês sabem, mas no garimpo, e em pistas semelhantes, você nem
pensa em arremetida, pois após o avião flapeado, reduzido e perdendo altura,
não tem chance de escapar da lenha, portanto, se perceber que não vai dar, saia
do pouso enquanto tem tempo!

Acho que foi isto que faltou na decisão do piloto no caso do acidente da TAM em
congonhas.

Quando já estava no limite e não enxergava a pista, o que me restou? Arremeter


e preparar para nova tentativa e foi assim por duas vezes seguidas, e com isto
vocês nem imaginem como, estavam meus passageiros: morrendo de medo e
suplicando pelo amor de Deus que eu abandonasse o pouso e voltasse para
Tucumã, porém isto nem passava pela minha cabeça! Era tudo ou nada!

Nas tentativas que fiz, havia reparado que existiam duas arvores bem diferentes,
uma castanheira que era bem alta e a outra eu não recordo o nome porém se
destacava muito bem das demais, bem no que deveria ser o eixo da pista.

Imaginei eu, se passando a primeira e avistando a segunda, poderia reduzir o


motor, dar o flap e começar a descida que, certamente, iria avistar a pista na
minha frente.

Só que, se a descida fosse incorreta, não teria mais chance de abortar o pouso,
e acabaria me esborrachando no chão, exatamente como aconteceu com o Cmt.
Chambari em Roraima.
31

Não tive escolha, vim novamente para pouso, só que desta vez com a
determinação de acabar logo com aquilo, passei pela primeira arvore pela
segunda e ainda não avistava nada, continuei descendo, descendo, quando
avistei um buraco no meio das arvores e tratei logo de encaixar o avião bem no
meio e acho que naquele momento eu fechei os olhos, pois tinha a impressão
que não ia caber e eu acabaria batendo as pontas das asas nas arvores.

Só que deu certo! Que alegria quando senti as rodas deslizando! Parei no final
da pista, desci do avião e fui acalmar a tremedeira das pernas!

Acho que demorei um bom tempo para encarar o retorno. Nisto, já estava
pousando também o Cmt.Rochinha, e tive que empurrar meu avião para dentro
do mato, para dar espaço para seu pouso, para descarregar sua aeronave e
decolar novamente, abrindo, novamente, caminho para a minha decolagem, logo
em seguida.

A pista do Fim do Mundo

Tive vontade de agradecer-lhe pelas coordenadas tão bem tiradas, que muito
me ajudaram. A decolagem foi mamão com açúcar, mas sai ralando a barriga
do avião nas castanheiras, e isto porque saí sozinho, sem passageiros ou carga,
e isto deu mais força para aquele velho motor que já estava precisando de uns
anéis novos, o mínimo que eu poderia fazer por ele, naquele momento! Estava
no maior blefo (sem dinheiro!) da minha vida e endividado até o pescoço com
senhor Darci!

Já na minha decolagem, vi que o tempo havia mudado e já tínhamos chuvas


esparsas na área e aquilo me tirou da ideia de fazer a perna na fazenda Perach.
Imaginem vocês se iria entrar naquele túnel de novo com chuva no para-brisas?

Fui embora passando por cima da fazenda Perach, deixando para trás a bendita
perna (parada), só que quando chequei em Tucumã o senhor Pé de Cobra quase
32

me bateu por causa disto! Tive que explicar que a forte chuva impediu-me de lá
pousar, o que ele acatou!

Só que senti que se não cumprisse mais as ordens dele, logo estaria fora do
esquema, pois era quem ali mandava, sem dúvida nenhuma!

Fui tomar uma cerveja para relaxar, no bar de umas quengas dentro do
aeroporto, e não é que vejo o Pé de cobra vindo em minha direção e pensei logo:
Meu Deus, acho que não vou aquentar esta pressão por muito tempo!

“ - Niltinho sabe oque aconteceu com o Edilaine?” Perguntou-me. – “ “- Não,


respondi.”
“ - Fui informado pelo radio, que ele acabou de quebrar no pouso, o avião do
Gilmarzinho, logo após você ter decolado!”
“ - Meu Deus e como ele está?”
“ - Está bem. Só que vou ter que mandar limpar aquela pista direito, senão o
próximo vai ser “alguém” e olhou-me, sorrateiro.

“ - Seu Pé de Cobra, eu sei porque ele bateu. Deve ter entrado para pouso com
chuva no para-brisas e naquela pista, piloto com boa visão já passa raspando as
arvores, imagine sem enxergar direito?

E além do mais, não sou mais jovem, e jovem gosta de aventura e eu não estou
nessa mais. E aí vem o moral da historia: nem sempre o piloto que é um ás, é o
melhor piloto para o dono do avião, não é mesmo, Gilmarzinho?

E os voos continuaram e eu pagando a divida com senhor Darci, até que um dia
ela zerou, e aí logo estava eu novamente na sua frente pedindo mais voo, e não
é que acabei comprando a minha primeira casinha, em troca de voo também,
por três mil reais?

Quando estava me preparando para negociar aqueles lotes de terras na cidade,


acabei batendo em um bezerro numa decolagem na pista da fazenda Brasud,
quebrando a cauda do CZC e perdendo boa parte da safra de mogno, acabando
aí, minha história com a Perach!
33

O resgate

Eu acho que na vida todos nós temos limites, e eu também os tinha! Quando
voava, um deles era não transportar drogas, armas, fazer lançamento “de gente”,
e outras coisas ainda mais cabeludas, o que era um tanto comum em nosso
meio.

Isto fazia questão absoluta de não transgredir, e várias vezes tive que lutar contra
a tentação. Apoiado pela formação familiar e religiosa, recebida de meus pais.

Certo dia estava voando lá pelas bandas da Bahia, fazendo da cidade de Posse
a minha base, quando conheci um paranaense de apelido Japão, meio envolvido
com coisas não recomendáveis!

Pediu-me que o levasse à Curitiba em meu avião, o que achei bastante estranho,
pois era só ir até Brasília, pegar um jato, e em poucas horas estaria lá
tranquilamente, sem falar na economia de tarifas.

“ – Japão, desembucha logo, afinal o que você esta querendo? Você sabe que
tenho meus limites e assim sendo, é melhor você contar a verdade pois talvez
eu possa ajudar.”
“- Sabe o que é Niltinho? Eu estou com um probleminhafamiliar e estou com
receio de lhe falar e você recusar-me ajuda e, desta forma, eu ir tornando cada
vez mais público cada vês eu estou tornando público o meu problema, o quenão
é nada bom!”
“ - O que é isso, Japão? Se não puder ajudar, pelo menos não vou atrapalhar.”
“ - Está bem, vou te contar! Meu irmão fugiu da penitenciária em Curitiba. Eu
tenho que tirá-lo de lá. Isso tem que ser de avião pequeno, pois as rodoviárias,
aeroportos e rodovias estão sendo vigiadas. Analisei bem a situação Niltinho, e
só me apareceu esta opção: o avião! Vamos lá, qual é seu preço para tirar meu
irmão de lá?”

Naquele momento pensei naquele velho ditado, “todo homem tem seu preço” e
tinha chegado a hora de saber o meu.

“ - Calma Japão! Isto nós acertaremos depois, eu nem sei se vou ainda! E tem
outra, e se não der certo? Como fica? Japão, eu vou pensar e amanhã dou-lhe
a resposta.”
34

Aeroporto de Bacacheri, em Curitiba, Paraná

Fui dormir. Dizem que o melhor amigo do homem é o travesseiro e naquela noite
conversei muito com ele, analisei os prós e contra, sem deixar de pensar no
maldito dinheiro que poderia ganhar, e assim acabei passando a noite sem
dormir direito.

No outro dia logo cedo, uma das primeiras pessoas que vi foi o Japão. Ele estava
doido para saber minha resposta que, logicamente foi SIM! Sempre precisando
de grana só poderia ser essa a minha resposta.

Após procurar uma pista não muito longe de Curitiba e discreta o suficiente para
fazer o “RESGATE” sem aparecer muito, chegamos a conclusão que teria que
ser no Aeroporto de Bacacheri.

Imaginem vocês, que por aquelas bandas eu nunca tinha voado, não tinha noção
de nada, informação só nas cartas aeronáuticas, e o voo tinha que ser o mais
sigiloso possível, pois o Japão queria esconde-lo justamente na cidade de Posse
e ninguém poderia saber disto!

Marcamos o dia da decolagem para o dia seguinte, logo cedo. Abasteceríamos


em Bauru, no Estado de São Paulo e lá eu faria um plano de voo para Curitiba
com retorno no mesmo dia! Ficaríamos no Bacacheri apenas o tempo suficiente
para abastecer e pegar a “ENCOMENDA”.

Para este voo ter um caráter mais ameno, o Japão convidou sua esposa e lá
fomos nós três para a aventura!
35

Até Bauru a viagem foi uma maravilha, nivelado em 7.500 pés o tempo estava
bom, vento de cauda e tinha hora em que o CZC passava dos 250 km por hora.
Uma beleza!

A coisa começou a querer embananar, quando ultrapassamos os 30 minutos de


voo, com uma grande mudança no tempo!

Tive que passar por cima das camadas, que foram se fechando, até que entrei
em voo por instrumento, imaginem vocês: eu sem habilitação para este tipo de
voo, o avião muito menos, nem transponder tinha. E lá estava eu naquela
situação!

Voltar atrás nem pensar, pois o esquema todo montado com hora marcada para
tudo, o pouso, o tempo de espera, a decolagem, só me restava voar pra frente,
e dar um jeito de pousar!

Nestas horas é que a gente vê do quanto é capaz, sem saber! Chamei a torre e
informei que não tinha condições de pouso visual e solicitava uma vetoração
(você passa para a torre a responsabilidade de colocar o avião na cabeceira da
pista)

“ - Tudo bem CZC, acione transponder na 2567.”


“ - Negativo, respondi, não possuo transponder! (que azar só falta agora ele
negar, pensei comigo!)
“ - Zulu Charles, faça então uma curva para direita e pegue 270 graus.”

Repeti a mensagem e fiz exatamente o que a Torre de Controle mandou e


aguardei. O suor descia pela testa, as pernas tremiam, porém me mantive calmo
pois tinha que confiar no controle. Lá fora não se via nada, somente nuvens!
Pouco depois escuto:
“ - Charles Zulu Charles, faça uma curva para direita, pegue a proa 060 e desça
para 3000 pés.”

Repeti o que ouvi, reduzi o motor e comecei a descida, até ai eu ia indo bem,
quando o controle entrou novamente e disse:

“ - Zulu Charles já atingiu o visual? (sair do voo cego!)


“ - Não, respondi!
“ - Preste atenção: quando sair visual, você verá um Boeing da TAM cruzando
na sua frente, tenha cuidado!”

Aí, meu amigo, danou tudo! Como não tinha transponder, o controle de terra não
tinha a informação exata da altitude em que estava! Eu tinha consciência do
perigo em provocar uma colisão, e fiquei com a impressão que iria bater no avião
da TAM! E, o pior é que estava demorando muito para eu entrar em voo visual,
e aquela situação foi me dando um medo danado!

Quando sai das nuvens e entrei no visual, acalmei-me, e pedi para o Japão me
ajudar a localizar o avião da TAM, que, não demorou muito, apareceu à nossa
frente! Que susto! Íamos passar bem abaixo dele!
36

“ - Torre: Zulu Charles avistou o avião da TAM? Informe também se já avistou a


pista á sua frente, se avistou prossiga com seu pouso visual!”

Que maravilha! Lá estava ela, bem à minha frente! E não é que o Controle de
Terra conseguiu?

Estava justamente no eixo da pista e não me restou outra que não a obrigação
de fazer aquele pouso “manteiga”, recebendo aplausos dos meus passageiros!”

Japão deve estar falando até hoje deste pouso, só que ele não sabia que foi a
primeira vez que fiz um pouso por instrumento, e não foi sozinho, Heim?

Quando atingi o pátio de estacionamento, já me dirigi para o posto de


abastecimento, afinal, teríamos que partir logo dali !

Mandei encher o tanque e fomos para a recepção, e, para nossa surpresa, a


“encomenda” ainda não havia chegado, o que deixou o Japão impaciente!

Pedi-lhe calma e convidei-o a tomar um café. Pouco tempo depois, a


”encomenda” chegou. Ao voltar do banheiro, observei a ”encomenda”
conversando com sua cunhada, e notei o quanto era diferente do irmão!

Elegante, vestido num blazer azul, sapatos de cromo alemão, muito bem
engraxados, dava a impressão de ser um grande empresário.

Sua maneira de falar era tão convincente e tão agradável que quase
esquecemos o motivo de ali estarmos pois, ninguém poderia supor que se
tratava do maior gangster que já conheci na vida.

Tratei de sair daquele transe e fui logo pegando sua bagagem, e, pedindo ao
grupo para que se apressassem, segui em direção do avião, pois tinha que fazer
o plano e voo, além de ter que tomar outras providências para a decolagem.

Com o Japão do meu lado (copiloto), o irmão ficou sentado bem atrás de mim e
a esposa do Japão atrás dele, numa posição em que, dificilmente avistaria seu
rosto.

Solicitei autorização para táxi, que foi dada e a torre pediu para aguardar na
interseção; chequei mais uma vez o avião e recebi autorização para decolagem,
fui para a cabeceira da pista e quando fui iniciar a decolagem a torre me ordenou:
Zulu Charles permaneça no solo!

Que susto levei! Até ali os procedimentos estavam normais, porém nunca havia
recebido uma ordem como aquela, nunca tinha visto isto, de ficar parado no eixo
da pista!

Meu amigo, eu gelei, pensando que haviam descoberto tudo e a policia já esta
no aeroporto! Virei para o Japão e disse:
37

“ - Deu merda, alguma coisa deu errado, parar aqui não é normal, só resta duas
coisas a fazer, decolar a revelia, ou seu irmão fugir daqui, é só eu abrir a porta
do meu lado e ele sai!”

Estávamos todos tensos, sem saber o que fazer, um olhando para o outro, com
a aeronave parada no eixo da pista, quando ouço aquela voz atrás de mim
dizendo: ”mantenha-se calmo comandante”! Aquilo caiu como um gelo em cima
de nós, a voz, era uma voz de comando e não deixou que eu tomasse nenhuma
atitude que viesse a nos prejudicar! Passados alguns minutos, a torre entrou na
fonia de novo:

“ - Zulu Charles liberado para decolagem!

Que alívio! Até hoje fiquei sem entender o que havia ocorrido mas, voltando à
nossa aventura, já tínhamos a “mercadoria” em mãos e só me faltava entregá-la
no destino combinado e foi aí que mudei os planos e disse:

“ - Japão, não vamos mais para Bauru pois, sabe-se lá se não vamos ter mais
alguma surpresa? Vamos dormir em São José do Rio Preto! Que se dane o meu
plano de voo.”

Chegamos em São José á tardinha, fomos para um hotel, fiquei hospedado no


mesmo quarto com a “encomenda”, e foi ali que começou uma amizade que
nunca vou esquecer!

Foi o primeiro bandido que conheci que só falava em Deus, na família, nunca
ouvi de sua boca nada que demonstrasse ser um homem com a capacidade que
tinha de matar e de destruir, coisa que já abandonou há tempos!

Anos mais tarde, fiquei sabendo que ele tinha sido treinado pela polícia e se
tornara um dos homens mais preparados para ser um justiceiro, só que tinha se
tornado muito perigoso e acabou sendo eliminado!
38

O presidente

Não pensem vocês que vou falar agora sobre o presidente Lula só por causa do
título acima! Vou falar sim, porém em outra história. Hoje vou falar sobre outro
presidente, o da comissão invasora da Mineração Canopus.

Vila Canopus, na região do Iriri, sul do Pará

Para quem não conhece a região, a Canopus era uma área de mineração que
foi abandonada, da Rhodia, multinacional francesa que por uns 10 anos extraiu
grande quantidade de cassiterita e, por causa de sua proximidade do rio Iriri e
mais ou menos uns 150km do rio Xingu, contribuiu para que muitas pessoas
tivessem condições de entrar naquela área utilizando as estradas por ela
construídas!

Esta região é sem dúvida nenhuma, uma das mais ricas do estado do Pará e,
digo mais, até mesmo do Brasil, em razão de sítios minerais de altíssima
produtividade ali existentes!

Não tenho dúvidas que ali, além da fertilidade do solo e dos índices
pluviométricos girando em torno de 2800 milímetros de chuva, existe uma
concentração de minério de gigantescas proporções, dando mesmo a entender
que tudo aquilo, com certeza, é uma continuidade do filão mineral da serra dos
Carajás.
39

Com todas estas riquezas juntas, só poderia acontecer o previsto: a invasão,


que, na verdade, decorreu da falta de proteção do estado àquela reserva mineral
sem precedentes!

Quando tomei conhecimento da invasão, populares e trabalhadores de São Felix


do Xingu já tinham se dirigido para a área e estavam repartindo e marcando a
posse das terras, com a finalidades variadas, de prospectar minérios e/ou montar
fazendas de gado!

Fiquei com água na boca! Logo eu, que tinha vindo para Tucumã com a
finalidade de me tornar fazendeiro, iria perder esta oportunidade? Nem morto,
meu irmão! Tratei logo de dar meu jeito de ganhar um pedacinho de terra, acaso
também não sou filho de Deus ?

Só que o problema era pousar pois, prevendo uma enxurrada de gente


interessada nas terras, o presidente da Associação dos Invasores tratou logo de
botar tambores na pista, para que ninguém se atrevesse a vir por via aérea!

A sorte, foi que eles haviam instalado um radio transmissor, que era usado para
apoio e caso algum avião quisesse pousar, teria que ter autorização prévia do
presidente, o todo poderoso Paixão!

Fiquei sabendo que um dos invasores era meu amigo e pedi-lhe que retirasse
os tambores da pista no domingo seguinte, pois eu estaria lá levando um recado
de sua família, o que acabou dando certo, e consegui meu salvo conduto.

No domingo cedinho, lá estava eu voando para Vila Canópolis como eles


passaram a chamar o lugarejo, que mais tarde vim saber que seria Canopus.
Não deixei de abastecer o avião de algumas garrafas cachaça da boa e algo
mais que seria bem vindo por lá.

1hora e 40 minutos de voo de Tucumã e, moço, só mato! Existia pouca abertura


na mata naquela época. Durante o voo ia pensando: teria que dar o meu jeito
para entrar naquele racha a qualquer custo, só não tinha a menor ideia do que
me esperava! E foi aí, meus amigos, que o destino me preparou mais uma
grande aventura, que vocês logo conhecerão.

Lá chegando, avistei a vila, pequena, em volta de uma imensidão de crateras e


lagoas, herança da antiga mineração, pensei! Isto aqui é igualzinho aos garimpos
de Rondônia da onde vim fugindo da malária que só aguentei duas e tinha
certeza que a terceira iria me matar! Aquela situação de garimpo, era idêntica!

Ao procurar a pista, descobri com alegria, que tinha uns 1.000 metros, plaina,
uma das melhores que já tinha visto na região, herança também da mineração,
pois usavam-na demais na época das chuvas para tirar a cassiterita!

Foi neste local que meu parente João Segato trabalhou pelos anos 80 com sua
família, isto uns 10 anos antes, o que me deixava a pensar que eles haviam
passado tempos terríveis, ao imaginar que, naquele momento eu estava
achando o local, um verdadeiro fim de mundo!
40

Na pista não havia nenhum tambor e pousei com segurança, estacionando ao


lado de uma comitiva que ali me esperava, alguns armados, que levaram-me,
para a sede. E aí meus amigos, foi aquele interrogatório, que só terminou quando
meu amigo chegou, colocando-me a salvo!

“ - Que historia é esta Comandante? Que recado você veio me trazer?”


Perguntou meu amigo.
- Não tem recado nenhum, fique tranquilo, pois só queriadar uma olhada por
aqui. Não esqueci da sua pinga não!
- Afinal, quem é que manda por aqui?
- É o Paixão, um moreno gente boa! Só que ele não está aqui, foi para São Felix!
Ele bem que está tentando controlar isto aqui, só que a coisa esta feia demais,
tem muita gente e cada dia aparece mais, me parece mais um barril de pólvora
pronto para explodir! Tome muito cuidado comandante!”

Tratei de armar minha rede, pois estava com muita vontade de não sair dali tão
cedo. No dia seguinte, fiquei perambulando de barraco em barraco, tentando me
enturmar e, com aquele bando desesperado, encontrei todo tipo gente, de
policial a prostituta!

Como é interessante ver um bando de urubus em cima da carniça cada um


tentando comer uma fatia maior! Para mim é a mesma coisa que acontece nestas
invasões dos sem terra, só o governo e a igreja os vê de forma diferente, mas o
motivo é sempre o mesmo, ganhar a terra para vende-la depois, e fazer um
dinheirinho!

Lá pelo terceiro dia, conheci nada menos que, um irmão do Paixão, pessoa
também importante na hierarquia dos invasores.

Não pensem que estou me excluindo deste julgamento, pois é muito interessante
perceber como se muda, quando se propõe a participar de um movimento
destes!

Aqueles princípios de respeitar o direito dos outros, as propriedades alheias, são


as primeiras coisas que você joga no lixo, vai criando uma distorção dos mais
sagrados princípios do ser humano, que até matar, para que o grupo atinja seu
objetivos, torna-se normal! E aí eu vi o homem se tornar um verdadeiro animal.
Só que animal mata para saciar a fome e o homem para saciar o desejo de
posse.

Vendo ali a oportunidade de me aproximar do “Chefão” fui logo propondo levar


seu irmão, que na verdade estava com uma baita malária, para São Felix, pois
“imagine se ia deixá-lo morrer ali sem nenhuma assistência médica?” Negativo,
meu avião estava a sua disposição, e também da associação! Claro que
começava ali, minha oportunidade de conhecer o famoso Paixão! Não posso
negar, que começamos, à partir daí, uma grande amizade.

Depois de muita conversa, já tinha garantindo-lhe todo meu apoio em relação


aos voos que precisasse e olhem meus amigos, que oferta boa essa minha!
41

Vocês não tem a mínima ideia do que é andar por uma estrada, dentro da mata,
cheia de buraco, atoleiro, o Rio Xingu para atravessar de balsa!

Graças a Deus nunca fiz esta viagem por terra pois, só para atingir a vila
demorava de dois a três dias e só se sabia o dia da saída, dificilmente a data de
chegada, era uma loucura! E olhem que eram apenas uns 150 kms de terras!

Passei uns dois dias em São Felix consolidando essa nova amizade.

“- Paixão, você sabe que eu posso te dar todo apoio que vai precisar, tanto nos
voo, como para vender estas terras”! Tenho muita gente interessada nelas e faço
um trato com você: arrume-me uns 1000 alqueires que prometo amarrar meu
avião na pista e permanecer em Canópolis pelo tempo que você precisar.

A proposta, eu já sabia, era boa demais para ele pois, qual piloto se atreveria a
brigar, dentro daquele barril de pólvora como dizia meu amigo, para ganhar um
pedaço de terra? Na visão de meus colegas era um mau negócio, aquilo não
valia nada, imaginem ficar perdendo voo na cidade?

Como eu tinha vindo para Tucumã com único objetivo de possuir umas terrinhas,
agora era a oportunidade! E não deu outra, o Paixão acabou arranjando um
grande parceiro: eu!

“ - Então comandante, esteja aqui na próxima semana que iremos para o Iriri.”

No dia marcado lá estava eu pousando em São Felix para levá-lo. Quando


pousei, ele já estava me aguardando no aeroporto. Desci do avião e fui tomar
um refrigerante, enquanto ele colocava a mala no bagageiro e, quando se
despedia do irmão, bateu a mão na cintura e me disse:

“ - Oh, comandante, estou esquecendo meu revólver, você não se importa de


me aguardar mais um pouco, que vou busca-lo? Ainda brinquei: “ - Meu pai me
dizia que o revólver gosta de mandar o dono para a cadeia, deixa isto para lá
Paixão.
- Não, eu não ando sem ele, disse-me. E sou bom no tiro também!”

Por mim tudo bem. Não demorou muito ele apareceu, mais confiante com seu
38 e, isto que é o mal: quem usa uma arma, passa a ter uma coragem exagerada,
perde a capacidade de dialogar e acaba se metendo em encrencas só trazem
grandes prejuízos e muito aborrecimento.

Decolamos, peguei a proa e fomos conversado, e não era que o rapaz tinha boas
intenções? Seus planos para Canópolis eram na realidade, muito bons! Notei
que ele seria um ótimo Presidente, pois, neste meio a gente só encontra bandido
liderando um bando de aloprados.

Gastamos 1hora e 10 minutos para chegarmos, e foi só dar uma volta na pista,
que já apareceu um bando de gente para dar as boas vinda para o Presidente.
42

Agora sim, eu estava me sentindo o Rei da cocada preta! Imaginem vocês eu


junto com o Chefão? Não tinha mais dúvida que os meus 1000 alqueires, não
estariam mais amarrados no rabo do veado, como se fala por aqui e sim no meu
bolso.

Amarrei a maquina, e fomos para a vila, com gente carregando até minha bolsa!
Como é bom ser importante num lugar como esse, até a sua vida esta protegida!
Ninguém mexe com você!

Lá chegando Paixão foi logo dizendo:

“ - Comandante, vou mandar arrumar um quarto para você!


- Não precisa, respondi, vou armar minha rede no barraco do pessoal do
Minhocão, porém venho jantar com você.
- Combinado então!”

Fui descendo pela vila, vendo aquela bagunça, a mineradora tinha deixado a vila
com uma infraestrutura de fazer inveja. A rede elétrica já não tinha mais os fios,
que foram retirados e vendidos, uma sala de laboratório estava toda depredada,
que pena, pensei na malária que certamente estava para chegar, deixando-me
com medo!

As casas eram todas feitas de madeira estilo americano, após os 10 anos de uso
ainda estavam em bom estado, os banheiros eram uma beleza, os primeiros que
chegaram pegaram as casas que pertenceram à diretoria, existia até uma com
piscina, enfim todas as outras casas também era muito boas!

E aí começaram as negociatas, quem pegou coisa melhor foi trocando, fazendo


um dinheirinho e assim foi até acabarem com tudo que estava montado. Vi gente
arrancando o vaso sanitário para vender! Se tivessem conservado a vila como
estava, hoje Canópolis seria uma vila de dar inveja a qualquer lugar!
43

Infelizmente a falta de cultura de nosso povo, sem um mínimo de bom censo,


nem recebendo de graça a vila, deram conta de preservar! Acabei assistindo a
maior depredação urbana de minha vida, mesmo sabendo eles que tudo que
estavam tirando, iria fazer falta mais tarde.

Até as antenas de radio foram saqueadas, os tratores, como não podiam


carregar, tiravam peças e equipamentos e saiam vendendo! Meus amigos, um
horror!

Arrumei um canto e amarrei minha rede, não esquecendo do mosquiteiro, pois a


muriçoca era o que mais tinha. Existiam várias represas feitas pela mineradora
que foram abandonadas cheias d’água! Não era preciso dizer, que, em breve,
estaríamos dentro do maior foco de malária do mundo. Eu que o diga pois, mais
tarde, tirei muita gente doente, quase morta, sem cobrar passagem, conforme
era a praxe na época!

Á noite, dirigi-me para um hotelzinho, que possuía um motor estacionário para


fornecimento de energia elétrica, sendo assim, a maioria dos habitantes por ali
se encontrava, uns para beber, outros para conversar!

Nesta noite o ambiente estava tão cheio, que tinha gente sentada na calçada, e
lá estava também o Presidente Paixão, de pé, conversando com o Paraibinha,
um homem pequeno como eu, porem com fama de brabo! (mal dos baixinhos).
Sentado na calçada, fiquei assistindo a conversa deles:

“- Paraibinha, você não vai cortar mais terras, disse Paixão!


- Como não, Paixão! Nós já estamos de posse delas, já fizemos até as picadas.
Eu e meu grupo não vamos abrir mão, de jeito nenhum!
- Não senhor! Vocês já pegaram muita terra, e tem que entender que ainda tem
muita gente que não recebeu nada. A coisa tem que ser mais justa, seu grupo já
demarcou mais de 3000 alqueires e eu vou para lá amanhã consertar aquilo!
- Então senhor presidente nós vamos nos encontrar por lá e para nos acertar
ouviu bem?

Olhei para o Paixão, seus olhos pareciam que soltavam faíscas, sua mão direita
seguindo para a cintura! Pensei: o danado está armado, senti que a coisa estava
ficando preta quando, de repente, ele deu dois passos para trás, e foi logo
dizendo:

“ - Não senhor, Paraibinha! "Nóis" não precisa se encontrar por lá para acertar
as nossas contas! Vamos nos acertar é aqui e agora mesmo!” E sacou do
revolver, dando dois tiros à queima roupa!

Meus amigos, aí sim, vi gente correndo, e eu mesmo tratei de ir para a cozinha,


e, de lá botei a cara para fora, e fiquei vendo meu amigo com o revólver na mão,
dizendo para todo mundo ouvir:

“ - Não entra não, pois se entrar morre também!” E foi se afastando devagar, até
desaparecer na escuridão da noite!
44

O que fazer?. Só via gente correndo para todos os lados, gritando:

“ - Pega o homem, pega o homem!” Enquanto outros gritavam: “- Chama o


sargento, vão avisar o sargento, pelo amor de Deus”.

Aproximei-me do Paraibinha caído ao chão, e constatei que os tiros foram


certeiros! Ele estava morto! Pensei comigo: “ - Não é que o cabra era bom
mesmo com o revolver?”.

O corpo foi logo retirado dali e levado para a casa ao lado, para ser velado.
Sentei em um banco e comecei a pensar: Que tragédia! Momentos antes eu
estava me sentindo o rei da cocada, e agora estava lá triste e, principalmente,
imaginando-me sem meu protetor!

Senti que tudo estava perdido! Todo aquele tempo gasto com Paixão tinha sido
jogado no lixo e quem iria me ajudar a conseguir os “meus 1000 alqueires”?
Tratei de ir para minha rede, pois só restava agora, dormir. A merda já tinha sido
feita!

Quando cheguei no barraco, encontrei um bando de gente, todos ainda atônicos,


e ouvi uma porção de explicações, para o que iria acontecer dali para frente. Uns
diziam que naquele momento ele já estaria longe, outros, que estaria escondido
no mato, próximo dali. Eu mesmo já tinha minha opinião.

“ - Eu vou dizer uma coisa para vocês, disse o sargento (reformado e que agora
também tinha a profissão de garimpeiro): amanhã pela manhã vou reunir o meu
grupo, (Paraibinha fazia parte), vou atrás desse cabra e se pegar, vou matar
este desgraçado, vocês vão ver só!”

Eu estava sentado na minha rede, apreciando aquela valentia e pensava comigo


mesmo: Já vi muita gente correr do urro da onça, sem antes a ter visto! Será que
este é um deles? Como a conversa parecia que não ia ter fim, tratei de dormir.

Meus amigos, não se passaram umas duas horas, quando ouvi uma voz me
chamando:

“ - Comandante, Comandante, acorda é o Levino!.


- Já vou, respondi.” Vesti as calça e o atendi.

“ - Comandante, quero ter um particular com você, vamos lá pra fora.


- Vamos!” respondi, e naquele momento pressenti o baita problema que me
aguardava.

“ - O negócio é o seguinte: O Paixão está escondido dentro do seu avião, e vai


passar a noite lá, ele quer que você vá amanhã bem cedinho para a pista, escute
bem, somente você e ninguém mais! Ele mata você e qualquer outra pessoa que
estiver contigo! Escutou bem, Comandante?”
- Não precisa dizer duas vezes que já entendi. Diga a ele que amanha no romper
do dia estarei lá, dou minha palavra!”
45

Voltei para o barraco e imaginem quem estava esperando-me na porta? O


Sargento:

“- O que aconteceu? Foi logo me perguntando, notando que sua curiosidade era
grande.
- Você não quer pegar o homem, heim? Ele está na pista, dentro do avião, vai
lá!”

Vocês já viram alguém engolir caroço? Pois como se diz por aqui, aquele
sargento engoliu.

“- E tem mais, ele quer que eu vá lá de manhãzinha, para o tirar daqui!


- Não senhor, você não vai fazer isto! É contra a lei dar cobertura a um criminoso
você sabe disso, e eu o denunciarei! E tem mais você tem que tirar o morto
primeiro.
- Como não, sargento? Você quer que ele mande alguém vir me buscar? Na
marra? Esta fácil agora! Vocês vão lá e pegam o cabra! Eu estou lhe dizendo
onde ele está!
- Pergunto eu, você foi?” E foi aí que constatei que o Paixão era mesmo temido
e respeitado.

- Vou te avisar uma coisa, sargento, vou cumprir a palavra que dei a ele, e vou
dar a minha palavra a você: Volto aqui e tiro o morto também, é isto é que vou
fazer! E boa noite, que vou dormir! Ou pelo menos tentar dormir!

Levantei cedo, mochila nas costas, e parti sozinho para a pista, pois, nesta hora,
ninguém quis ir comigo.
Quando cheguei perto, já fui gritando:”- Paixão, oi Paixão, sou eu Niltinho.
- Está sozinho?
- Estou! Aí ele apareceu com o revolver na mão.
- Bom dia, Paixão.
- Bom dia”.

Olhei para ele, notei que estava calmo, parecia que não havia acontecido nada,
pensei comigo, ele é muito tranquilo, não deve ser a primeira vez.
“- Prá onde você quer ir? Perguntei calmamente.
- Quero que você me deixe na fazenda de um amigo meu, não muito longe do
rio Xingu.
- Você conhece bem a Pista, Paixão?
- Conheço, porém ela esta um pouco abandonada, mas dá para descer.”

Enquanto conversava, ia tirando as estacas, verificando o óleo, drenando o


avião, enfim fazendo aquilo tudo que se faz antes de voar, quando ele me disse:

“- Vamos logo com isto comandante, tenho pressa de sair daqui, já demorei
demais pelo meu gosto”.
46

Como sempre, o tempo na Canópolis amanhecia fechado mas, dizer a ele que
não era hora para decolar, nem pensar, só me restava saber se aonde iria pousar
haveria tempo limpo!

Funcionei o avião e fomos para a cabeceira da pista. Juro que ninguém mais me
obrigaria a decolar naquelas condições de tempo, que levaria, no mínimo, umas
duas horas para abrir parcialmente.

Não deu outra tirei o avião do chão já entramos em voo por instrumento, peguei
a proa de São Felix, e fui subindo até atingir 4000 pés quando entrei em voo
visual, observando, logo abaixo, aquele tapetão que se perdia de vista! Neste
instante, pensei: é hoje Niltinho, se prepara!

Olhei para Paixão e percebi que estava tenso! Na verdade não o conhecia bem
a ponto de ter certeza que não me encontrava agora, na mão de um doido, mas,
naquele momento, a única saída que tinha, era confiar em Deus! Assim sendo,
iniciei uma conversa, para tentar quebrar o gelo:

“- Paixão, você poderia me dizer porque você matou aquele homem?


- Você acha que eu deveria deixar ele me “jantar”, sabendo o quanto ele é
perigoso? Não! Tratei logo de “almoçá-lo”! Você não acha que estou certo,
Niltinho?
- É Paixão, você esta certo!” Como iria discordar?
“- E agora, como fica a nossa situação?
- Sinto muito comandante, nem sempre a gente consegue o que quer, a vida é
assim, um dia a gente ganha outro a gente perde, mas, não fique preocupado
que você ainda vai conseguir o que deseja. Sinto que você é obstinado por terra,
e vai possuir muita, não se preocupe com isto! O que aconteceu, foi apenas uma
fatalidade!”

Aquelas palavras me serviram de consolo e aí, vi que não estava na mão de um


doido e sim de alguém de bom senso que, infelizmente, portava um maldito
revolver. Pensei então, no meu velho pai, que dizia que “o revolver gosta de levar
o dono para cadeia”, o que era uma grande verdade!
Talvez, se naquele fatídico dia, ele não tivesse voltado para buscar a arma, a
historia seria outra, para todos nós! “Maktub”, ou, traduzindo, assim estava
escrito!

Consultei o relógio e disse:

“ - Paixão, devemos estar perto do rio Xingu, não acredito que vamos encontrar
a fazenda, olhe bem, esta tudo fechado, se eu tentar furar esta camada,
corremos o risco de bater em algum morro, escolhe outro lugar, que aí não vai
dar mesmo! Não é que eu não queira pousar ali, é que não dava mesmo, insisti!

Ele olhava, olhava, até que finalmente me deu razão, porém, acabei notando que
talvez ele tivesse alguém a esperá-lo por ali !

“ - Vamos então para São Felix mesmo, comandante.”


47

Dali para frente apareceram uns buraco na camada fechada, e percebi que dava
para passar para baixo, o que fiz, saindo em cima do rio Xingu, que acabei
seguindo até nosso destino!

“- Niltinho, você vai fazer o seguinte: pouse daqui para lá e pare no final da pista
que vou descer lá!
- Fica bom para você, Paixão?
- Fica.”

Fiz o que ele pediu e quando parei o avião, ele abriu a porta, pegou na minha
mão, olhou bem nos meus olhos e disse:

“ - Desculpe-me, e cuide-se, irmão!”

Senti um nó na garganta e respondi:


“ – Cuide-se você também, o que precisar de mim, estou às ordens!” Foi a última
vez que o vi! Mais tarde soube que tinha fugido para o Goiás e acabou preso!

Abasteci novamente o CZC, e tratei de voltar para buscar o morto que estava
esperando, e cumprir a promessa que fiz ao Sargento! O defunto, eu fui deixar
na numa localidade logo ali perto, recebido que foi com aquela choradeira,
parecia que tinha morrido um santo.

E foi assim meus amigos, que terminou minha primeira tentativa de possuir terras
na região do Iriri. Não pensem, no entanto, que tinha desistido, foi apenas a
primeira tentativa, de outras que por ali vieram!
48

O brevê

Eu sinto que esta na hora de contar, como tudo isto começou, isto é, como
aprendi a voar!

Tem gente que nasce com o dom e faz as coisas tudo certinho, e ai, tudo bem,
acaba aprendendo a voar direitinho e coisa e tal.

Para mim, no entanto, que nasci sem o dom de voar e nada fiz de certinho, foi
muito mais difícil e caro. A única coisa que eu tinha era a necessidade de
aprender a voar, pois não aquentava mais aqueles pilotos, que me faziam gastar
dois voos, só porque não gostavam de dormir na fazenda, hora em função do
medo da malária, hora por causa das muriçocas (e como tinha!).

Como a minha fazenda era de varjão, na beira da Ilha do Bananal, passava seis
meses debaixo d’água, e neste período eu só ia de avião, dependia
tremendamente deste meio de transporte.

O bom mesmo seria ter um mas, como o avião é incapaz de voar sozinho e eu
sabia que não ia tolerar por muito tempo alguém voando para mim, só restava
então tornar-me piloto!

Só que esta ideia quase matou meu pai, e o pior, ele era meu sócio, e era tão
contra, que isto me afetou tremendamente na hora em que mais precisava de
tranquilidade para poder aprender a voar!

Sofri tanta pressão que acabei fazendo justamente aquilo que ninguém deve
fazer: comprar um breve!

E foi isto mesmo que fiz, pois acabei recebendo o breve sem merecer, sem ao
menos saber como pousar um avião!

Mais tarde acabei pagando muito caro por isto e esta é a história que eu vou
contar a vocês!

Estava com vinte e nove anos, quando tudo isto começou, não tão velho para
começar a voar, pois o que limita na aviação não é a idade e sim o exame de
saúde, este sim, tem o poder de tirar qualquer piloto da circulação, com vinte ou
setenta anos!

Peguei minha primeira esposa e minha filha Marluce que tinha uns quatro
aninhos e fui para Tupi Paulista aonde morava meu saudoso sogro!

Lá tinha um aero clube, daqueles bastante modesto, que lutava com as


dificuldades financeiras habituais, sobrevivendo graças a amantes da aviação
como o Doutor Ulisses, grande instrutor, (a quem devo minha formação), o Sr.
Guerra do cartório e outros mais.
49

Cap4 – Paulistinha, do Aero Clube de Tupi Paulista

Confesso que neste momento a minha intenção era de fazer um bom curso,
queria aprender a voar, pois sentia a necessidade de sair dali como um bom
piloto, sem a intenção de fazer o que acabou ocorrendo, dou a minha palavra de
honra.

Logo que chequei paguei o curso à vista (felizmente nesta época chovia na
minha roça), e com isto, acredito eu, adquiri certa moral entre todos, e logo fiz
amizade com o instrutor, Doutor Ulisses!

Ele não só ensinava-nos a voar como também a respeitar o avião! Nunca me


esqueço que a primeira coisa que ele fazia quando chegava na pista era fazer
todo mundo sentar na grama embaixo das asas do Paulistinha e aí passava-nos
suas experiências, necessárias para fazer de nós não apenas pilotos, mas
grandes pilotos, com responsabilidades, respeito ao passageiro, respeito para
com o avião!

Ele nos ensinava a conversar com o avião! Dizia, que quem não o escutasse,
nunca seria um bom piloto!

Não é necessário você comandar o avião. Ele voa muito melhor sozinho, desde
que você seja capaz de estabilizá-lo, o que só fui entender muito anos mais
tarde, quando vim voar nos garimpos! Aí sim, vi o quanto era importante sentir
o avião! Quem não for capaz de senti-lo, seria um mero empurrador de manetes
e não um piloto!

E assim fui levando a minha vidinha de aluno, acordava lá pelas oito, tomava um
belo café da manhã que o sogro patrocinava, ia para o aero clube, pegava umas
50

aulinhas teóricas, estudava até àtarde, e depois ia para a pista fazer uma hora
de voo no cap4, o famoso Paulistinha!

O tempo foi passando, e enquanto isto a fazenda ficou sob os cuidados de meu
pai, que, não aguentando o aumento dos encargos, reagiu botando-me contra a
parede, concedendo-me uns dias de prazo para retornar, caso contrário,
romperia comigo!

Meu amigo, vejam só em que situação me meti! Já tinha sido aprovado nas
provas teóricas, só me faltando mesmo, as quarenta e cinco horas das provas
práticas, porem cadê o tempo?

Fazendo uma hora por dia, iria gastar no mínimo sessenta e cinco dias, aí meu
pai já teria me deserdado! Sem alternativas, tratei de encontrar uma saída, fui
falar com doutor Ulisses!

“ - Você está louco Niltinho? Você tem até agora umas cinco horas, não fez
nenhuma manobra e quer marcar presença no próximo exame! Simplesmente
você vai ser reprovado, agora eu vi, você é maluco mesmo!
- Mas doutor Ulisses, já lhe contei que o problema é familiar! Só me resta uns
vinte dias! Estou entre a cruz e a espada, me entenda, por favor! Vamos fazer o
seguinte: o senhor me inscreve para o exame em Marilia, que vai ser justamente
daqui a vinte dias, e até lá me ensina a pousar e decolar, largando de mão essa
tal de manobras, que o resto eu me garanto!”

Maldita hora em que eu convenci a fazer isto pois, só mais tarde é que fui
entender que na aviação, não se pode queimar etapas, o custo é caro, envolve
vidas humanas, e vai por aí afora!

No outro dia começamos a fazer pouso e decolagem apenas, e, lá pelo final da


outra semana, disse:

“- Acho que estou pronto para solar o avião (fazer o primeiro voo sozinho)”!
- Você esta com esta coragem toda? Se tiver, amanhã eu solo você!

Não dormi a noite toda, pensando no meu primeiro voo! Como seria? Só sabia
que não teria comemoração, não teria o famoso “banho de óleo” enfim, aquelas
coisas gostosas que fazem parte da aviação!

Pensava no dia seguinte! Será que ia dar conta de trazer para pouso aquele
aviãozinho? E além do mais, sozinho! Decolar é fácil, isto eu já sabia! Pousar
não, aquela noção de profundidade demora para o cérebro adquirir, leva um
tempão danado para você pegar o jeito, porem eu confiava no meu taco e no dia
seguinte fui fazer o que tinha treinado a noite inteira!

Levantei cedo, como havia combinado com meu instrutor, e fomos para pista! Lá
chegando ele me disse:

“ - Vamos fazer mais uns pousos e decolagens!


- Está pronto? Perguntou-me depois de umas seis operações!
51

- Estou! Respondi.
- Então vou sair do avião que, daí em diante será só seu.”

Posicionei-me, soltei os freios, dei todo motor, aí ele começou a correr, a correr,
e senti tanto medo, que tive vontade de abortar a decolagem!

Só pensava naquilo tudo que já havia passado, meu pai, a fazenda, a vergonha,
a confiança que Doutor Ulisses estava me dando, enfim uma porção de coisas,
que acabaram por me ajudar a criar coragem e não desistir!
Levantei a cauda do bicho e em seguida levantei seu nariz, e quando vi, já estava
voando!

Meus amigos, não tenho palavras para dizer o que senti naquele momento, mas
é alguma coisa inexplicável!

Voar, não é próprio do ser humano e por isto, você vê o quanto que o homem é
importante, conseguindo fazer uma maquina que proporciona a ele equiparar-se
com os pássaros!

Naquele momento mágico, senti-me o “Todo Poderoso”! Estava voando mesmo!


E sozinho, que maravilha!

Procurei aproveitar ao máximo aquele momento, dei várias volta em redor da


cidade, subia, descia, fiz tudo aquilo que achava que os pássaros fazem quando
voam pela primeira vez!

Eis que, de repente, chegou o momento de descer e, aí comecei a ficar nervoso,


olhei para baixo, avistando o aeroporto lá longe, senti um frio na barriga!

Tinha ido longe demais, esqueci do tempo, olhei para a vareta que marcava a
gasolina, estava bem baixa!

Que merda, havia esquecido de abastecer, talvez este foi o primeiro susto que
levei, e, para não agravar a situação, tratei de voltar rapidinho para pista!

Quando chequei, avistei meu instrutor lá embaixo me aguardando, talvez


pensando ter mais um manicaca para sua coleção.

Reduzi o motor, girei base e coloquei o nariz do avião para baixo, só ouvia o
zunido do vento que passava pela carenagem, marquei bem o inicio da pista e
quando vi, já tinha passado a cerca da cabeceira da pista, aproximando-se a
hora mais difícil do pouso: o arredondamento!

Olhava para o chão e tentava medir a altura em que estava! Se estivesse alto
demais, teria que baixar o nariz e tentar controlá-lo, para que ficasse na posição
de três pontos!

E é como ele estava, pensei eu! Esperei o toque com a pista e veio um violento
tranco, que até hoje não sai de minhas lembranças! Parecia que eu tinha caído
do terceiro andar de um prédio e devo ter dado mais uns dois pulos daqueles!
52

E foi assim que fiz o meu primeiro pouso solo! Que alívio, ao sentir que estava
rolando macio! A alegria era tanta que deixei-o ir quase até o final da pista.

Quando voltei para a cabeceira, lá estava doutor Ulisses muito alegre afinal,
aquilo tudo estava errado e, naquele momento, fiquei tão agradecido por ele ter
confiado em mim, que desci do avião e lhe dei um grande abraço!

Devo dizer que ele mandou-me fazer mais alguns pousos, estes sim, bem
melhores, e após guardarmos o avião no hangar, fomos comemorar, apenas nós
dois, o vencer daquela primeira etapa!

No outro dia, tive que enfrentar a etapa mais difícil, que seria o exame prático
perante, a um membro do DAC! Isto sim foi difícil pois ainda não sabia voar
direito, obrigando-me a enrolar o membro do DAC, o que, infelizmente, também
consegui!

Parti logo cedo para Marília, com a intenção de conhecer o aero clube de lá, sem
ainda ter a menor ideia de como eu iria conseguir me arrumar,

Chegando lá fui procurar o instrutor, logo fizemos uma boa amizade, o que
sempre me foi muito fácil, ainda mais quando é de meu interesse! Aí meu amigo,
saia de baixo, sem dúvida sou capaz de deixá-lo pelado, sou imbatível!

Morar em Goiás naquela época, causava grande curiosidade, e estar junto de


um “rico fazendeiro”, dono de muitos mil bois falando em comprar um avião,
muito mais ainda!

Senti que aquelas lorotas que dizia, deixava o instrutor extasiado, seus olhinhos
brilhavam, não sei se era por causa da cerveja que corria solta na mesa, lógico
que tudo por minha conta ou se era a oportunidade de mandar às favas aquele
empreguinho, onde não ganhava quase nada, e ir voar em Goiás, ganhar muito
dinheiro e talvez até comprar um avião, junto com aquele rico fazendeiro que
agora passava a ser seu amigo?

Quando senti que ele estava no ponto, joguei a rede:

“ - Quero fazer uma proposta para você! Uma grande proposta que poderá mudar
a sua vida, para muito melhor. você sabe vou vir fazer o exame aqui em Marília,
porém estou com um pequeno problema, que talvez o meu amigo aqui me
ajude.
- Que problemas são estes, goiano?
- Sabe como é, sou muito ocupado, minhas fazendas em Goiás exigem muito do
meu tempo, vim para cá tirar o brevê e não estou dando conta! Por absoluta falta
de tempo, sinto que se você não me ajudar, não vou dar conta de passar na
prova e aí meus planos de comprar um avião e levar você para Gurupi, serão
atrapalhados!
- Vamos montar um táxi aéreo juntos! Enfim, só preciso passar neste bendito
exame, pra dar tudo certo! O que me diz, comandante? Talvez ele já estivesse
esperando aquela proposta, pois não demorou a responder:
53

- Olha lá goiano, você cumprirá mesmo sua palavra? Você vai mesmo comprar
um avião?
- Sem dúvida. Após minha aprovação no exame, sigo para São Paulo, com a fim
de comprar o avião!
- Combinado, vou te ajudar então, disse-me!.
Não falei para vocês que o baixinho aqui era fogo?

O pacto estava feito só faltava agora ele cumprir a sua parte. Como? Eu não
tinha a menor ideia!
No outro dia logo de manhã, ele levou-me para conhecer os aviões do aero
clube, e que diferença meus amigos.

Para começar, os aviões eram todos de uma geração mais nova, eram os
famosos P56, motor mais possante, todos eles muito bem cuidados!

Fiquei gelado, imaginem vocês! Se no Cap4 – Paulistinha, que tinha um motor


menor eu estava com medo de voar, que diria pegar logo de cara, no P56 com
um motor mais possante, freios diferentes, etc. Sentei no chão e tive vontade de
chorar!

“- Não vou dar conta mesmo seu instrutor, não vou não! Este avião é muito
diferente dos nossos!

Ele olhou-me, pensou e disse:

“- Você è rico mesmo, mande trazer o Cap4 de Tupi e voe nele”! Pelo menos
com ele você esta mais familiarizado, não é mesmo?
- Grande ideia, meu jovem, para que servem as amizades? Vou já ligar para
Doutor Ulisses!

No começo doutor Ulisses achou a ideia um pouco complicada imagine vocês,


deslocar um pau velho daquele para Marília, um aviãozinho que mal dava conta
de voar ao redor da pista, fazer uma viagem tão distante daquela, mais de200
quilômetros! Uma loucura!

Somente após ter assumido as responsabilidades perante o presidente do aero


clube, é que me foi permitido fazer o translado! Que viagem maravilhosa para o
doutor Ulisses,que não tinha oportunidade de fazer um voo tão distante!

Aquilo caiu como uma luva, mal sabia ele que uns dias mais tarde, estaria
voando para Goiás num Cardinal novinho que comprei em São Paulo!

Quando o Cap4 chegou a Marília, o instrutor deu uma olhada e viu a carniça que
era: o que tinha de arame dava para cercar uma fazenda!

“ - Negativo Goiano, não vou voar neste aviãozinho! Olha só o estado em que se
encontra, nem freio tem! Vamos voar no nosso!”

Foi difícil convencê-lo do contrário, porém consegui, mais uma vez!


54

Como existiam muitos alunos para serem examinados em Marília, para somente
um examinador do DAC, decidiu-se então, fazer o seguinte: o instrutor de Assis,
examina os alunos da cidade de Lucélia, o instrutor de Lucélia examina os alunos
de Tupã, e assim por diante.

Quando vi aquilo, imaginei que teria que dar um jeito para que o instrutor de
Marília examinasse o aluno de Tupi Paulista que seria eu, caso contrário, ia dar
zebra!

No primeiro dia permaneci afastado, varias vezes escutei meu nome mas,
quando via que o instrutor não era aquele que queria, caia fora. Lá pelo segundo
dia, já de tardezinha, botei as cara e fiquei ao lado do meu amigo só faltando
falar: “- Quero ser examinado por este aqui! Meu Deus! .E não é que deu certo?

“ - O instrutor de Marília, examina o aluno de Tupi Paulista”! gritou o cabra do


DAC.

Botei as mãos aos céus e agradeci a Deus, e aquele gesto, acabou por fazer
todos que ali estavam, sorrirem, mas somente eu e meu amigo instrutor
sabíamos dos verdadeiros motivos! Que felicidade!

Subindo no velho cap4 e colocando o bicho para rodar, notava que o instrutor
estava impaciente, talvez em função de nunca ter voado num destes
aviõezinhos!

Eu na frente e ele atrás, tinha hora que não sabia quem estava no comando, se
eu ou ele, inclusive, até hoje, não sei se fui eu mesmo que decolei o avião!

Quando nivelei o avião, pensei comigo, só falta ele quiabar o nosso trato e pedir
que eu fizesse alguma manobra, pois aí meu amigo, estaria ferrado mesmo!
Assim sendo, tratei logo de puxar uma conversa:

“- Não sei se falei para você que sou natural aqui de Marília, nascido no bairro
do Pombo, você não quer me levar lá em cima”?
- Sem duvida, goiano (ele não parava de me chamar assim!)! E lá fomos nós
rumo ao bairro do Pombo, no maior bate-papo do mundo. Mostrou-me a cidade
inteira, pois nunca tinha feito um voo panorâmico como aquele!”

Ficamos mais ou menos uma hora voando assim, conversando animadamente,


e, sinceramente, continuava a não saber quem é que estava, de fato, pilotando
a aeronave!

“ - Vamos para pouso, disse ele”.

O mais engraçado foi o pouso. Acredito que ele estava com medo do avião
estolar (perder a sustentação), e assim sendo, enquanto eu puxava o manche
para trás ele empurrava para frente!
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E assim fomos nesta peleja até tocarmos no chão, ficando aí, até hoje, a dúvida:
afinal, quem pousou, foi ele ou eu? Taxiamos para o pátio e, ao descermos da
aeronave, ele se dirigiu para o examinador do DAC e disse:

“ – O aluno está aprovado!

Que alivio senti naquele momento! Dei-lhe um forte abraço e me despedi,


deixando-o a pensar que nunca mais veria o goiano falastrão.

Retornamos com o paulistinha, para Tupi, e lá chegando, agradeci ao Doutor


Ulisses, e logo me mandei para São Paulo, para comprar um avião!

Vocês acreditam? Não tinha a menor ideia qual avião seria o ideal para mim,
pois só depois de muito tempo é que vim a entender que avião é como caminhão,
para cada necessidadetem o seu modelo! Ideal, para mim só interessava saber
se cabia no meu bolso!

Pois foi assim que acabei achando um Cardinal, que é um


Cessna, pequeno executivo para quatro passageiros com o piloto, sem
montante, motor de 180 hp, passo de hélice variável, que gastava apenas 36
litros de gasolina por hora! Uma graça de avião e foi paixão à primeira vista, e
minha condição para comprar o avião, seria uma só, falei para o dono dele: teria
que mostrá-lo para meu instrutor em Tupi Paulista e teria que passar por Marília
pois lá eu tinha um negocio inacabado (vocês sabem muito bem que negocio é
este, não é?).

Eu tinha agora a obrigação de cumprir a minha parte no acordo com o instrutor


que facilitou minha aprovação no exame prático, lembram-se?

E lá fomos nós, no dia seguinte cedinho, rumo a Tupi com escala em Marília.
Não sei por que, o nosso piloto (que era o dono do avião), subiu para dez mil
pés, provavelmente para mostrar o quanto era bom aquele avião ou ele próprio,
não sei!

Na realidade tinha bem poucos aviões como aquele no Brasil, e ele me


proporcionou boas histórias, que contarei mais à frente.
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O Cardinal que acabou acidentado no Rio Araguaia

Quando olhei para trás, vi a Marines (minha esposa na época e que me


acompanhava), quase desmaiada! Levei um susto, e perguntando para o piloto
o que estaria acontecendo, recebi como resposta que iríamos baixar o nível de
voo, pois ela estava sentindo falta de oxigênio!

Não deu outra e lá pelos seis mil pés, ela já estava bem melhor! Neste dia aprendi
que após dez mil pés, te cuida garoto, porque o oxigênio fica muito rarefeito e
pode desacordar um piloto em segundos.

Voamos mais um pouco, avistamos Marília, que bela cidade aquela, deixando-
me orgulhoso de ali ter nascido! O aeroporto, uma maravilha, mas não deixava
de pensar em nossas pistas de pouso de Goiás! Que diferença, meu Deus!

São Paulo é São Paulo mesmo! Pousamos e eu fui logo dizendo para que me
esperassem no restaurante, pois ia à procura de meu amigo e logo retornaria.
Moço, que susto ele levou quando me viu:

“ – Goiano, o que você está fazendo aqui?


- Ora, vim cumprir a minha parte no trato que fizemos, uai” Você cumpriu o seu,
não? Vamos lá para fora que vou lhe mostrar o avião que comprei, e estou
passando aqui para pegá-lo!”

Aquilo pegou meu amigo de surpresa, e, quase chorando, agarrou-me pelo braço
e, levando-me para um canto no aeroporto, foi logo me dizendo:

“– Rapaz, quando contei aquela história para minha mulher, quase cai no cacete,
desconjurou a ideia de mudar para aquele fim de mundo, meu sogro entrou no
meio, minha sogra me fez jurar que eu não iria tirar a sua querida filhinha de
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perto dela, e que dali para frente às coisas iriam melhorar e que estavam ate
pensando em dar aquela casinha para eles morarem!

Então senhor goiano, você esta liberado do nosso trato! Agradeço-lhe ter vindo
aqui, mas, pelo amor de Deus siga a sua viagem em paz, que Deus te proteja, e
não se preocupe comigo pois vou ficar bem! Vá com Deus que, para mim, o
senhor já deu a prova que é um homem de palavra!”

E foi assim meu amigo que consegui o meu brevê e fiquei livre do compromisso
com o instrutor que muito me ajudou!
58

A pista
Eu não saberia dizer até onde vai à loucura de um piloto, na Amazônia , para
ganhar dinheiro!
Eu já tinha consciência que nunca iria obter aquilo que vim procurar em Tucumã,
isto é, um pedaço de terra, para que pudesse me tornar um fazendeiro, fazendo
Taxi Aéreo! Já sentiaque um avião,seria o mesmo que um caminhão, só daria
para comer, e sobraria muito pouco para sua manutenção! Portanto toda
oportunidade que aparecia para voar, lá estava eu, para o que desse e viesse!
E foi assim que esta historia começou!
Estava sentado na mesa de um bar na Vila Canópolis, em companhia de meu
amigo Raimundo Bala, quando apareceu um garimpeiro ,de nome Jurandir, que
havia encontrado muito ouro na terra dos índios Caiapós!
Sentou na nossa mesa, e começou a contar as história mais fantásticas que eu
já tinha ouvido por aquelas paragens! Disse-nos que havia feito muito ouro em
seu garimpo, checando até mesmo a comprar um avião.
Até que um dia apareceram os índios, e aí a coisa ficou preta, para não morrer
teve que abandonar tudo e acabou sobrando uma pista que havia feito a margem
direita do rio Iriri, que no momento estava abandonada, logo abaixo da divisa dos
índios Caiapós. E como agora estava blefado, quase morto, só restava vende-
la!
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Como nunca vi meu amigo Raimundo recusar uma boa proposta, ainda mais que
havíamos acabado de fazer uma venda de uma área junto com Levino, (o cabra
que nos vendeu tinha acabado de matar um na Vila Canopólis e teve que dar no
pé) e portanto íamos receber uma boa grana.
“ - Quanto você quer na pista, homem? Já fui logo perguntando
- No estado em que ela está, entrego por vinte mil!

- É muito cara, foi logo dizendo meu ”sócio”, e daí em diante ele tomou a dianteira
no negocio eu só fiquei observando.
- O que você tem lá?
- Um rancho, que talvez tenha que trocar as palhas, vários pés de frutas, e os
direitos de uns mil alqueires de terra, mais ou menos, pois não tenho a
consciência que exista alguém por perto.”
Aquilo fez brilhar os olhinhos de meu sócio, já imaginei o que estaria pensando
naquele momento: Terra, era isto que nos fascinava, aquele sonho de produzir,
criar, de se tornar um fazendeiro, estava enraizado em todos nós, afinal, para
quê ? O que este mundo de gente veio fazer no Pará, senão pelas suas terras?

Pergunto-me, se foi só por este motivo que a região do Iriri estava se


transformando numa das regiões mais prósperas do Pará, Com a aquela calma
peculiar meu amigo disse:
“- Está bem, qual o prazo que você nos dá?
- Sessenta dias, está bom?

- Está!” respondeu meu amigo.


E assim, de uma hora para outra, nos tornamos proprietários de uma posse com
uma pista, e fiquei curioso para saber como estava, pois geralmente eram
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cavernosas, cheia de ondulações e curtas. E mais tarde vi que ela não escapava
à regra.
Foi Lá que meu amigo e piloto Manga, para não sair da pista, deu um cavalo de
pau, justamente em cima de uma pedra que havia no final da pista, e foi aquela
lenha! Pudera, disse, uma vez medi e deu apenas 380 passos dos meus! Acabou
ficando por lá por uns três dias até que um colega foi resgatá-lo. Parecia que
nosso colega não era lá muito querido!
Retornando a São Felix, Raimundo Bala se incumbiu de esparramar a grande
notícia, porém com um pequeno acréscimo, eram cinco mil alqueires, ao invés
de mil!
Ah, meus amigos, vocês não sabem a confusão que aconteceu: aquela região já
estava toda dividida, cada um dizendo que tinha mais terra que os outros, só que
ninguém havia feito picada, era só no grito! Quem gritava mais alto, levava mais!
E aí a coisa ferveu, ameaça de morte era o mais que eu ouvia!
Raimundo Bala não amarelou nem um pouquinho, pelo contrario, mandou
recado que nós não íamos abrir. Um dia conversando com meu amigo Ditão,
vendo que aquilo ia dar merda, ele me disse:
“ - Vou marcar um encontro com todos os donos de terras por lá, e vamos para
São Felix na segunda, para colocar um ponto final nisto, senão vocês vão acabar
se matando!”
E foi aí, é que vi o quanto foi oportuna aquela intervenção!

Partimos cedo e o encontro foi no meu apartamento. Como não tinha cadeira
para tanta gente, Ditão sentou-se no chão, acendeu um cigarro de palha, e foi
logo dizendo:
“- Vamos acabar com estas ameaças, porque na realidade ninguém sabe qual o
tamanho da área”! Sei que ela tem uns 50.000mil alqueires, e para que brigarmos
uns com os outros, sejuntos, podemos ser donos de toda a área?

É só nos unirmos e a coisa fica mais fácil para todos, um protege o outro, e
unidos, seremos imbatíveis, e ninguém poderá tirá-la de nós! [(mais tarde, o
grupo de Redenção, Moisés e companhia Ltda., tomaram 20.000 alqueires, e
nada foi suficiente para impedi-los) vocês não acham?].
Aquilo caiu como uma bomba entre nós, e era uma verdade! O danado do Ditão
conhecia aquilo tudo, tinha pesquisado a área para a Perach no tempo do
mogno, anos atrás.
Ficou combinado, e houve concordância geral, que todos participariam da venda
independente da área! Imaginem vocês que saímos dali parecendo uma
irmandade só, ”na realidade ali não havia mocinho”, só não saímos abraçado,
porem com uma certeza ,que ninguém iria matar ninguém, que alivio meu Deus.
Devo esta ao Ditão, por sua capacidade de desatar nós. (embora levasse metade
do dinheiro de todas as vendas). Este foi o preço que pagamos! Muito justo,
vocês não acham?
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Porém tinha um pequeno problema, a necessidade de limpar uma pista na beira


do rio Yucatán, pista estratégica pois ficava no centro da área. Tinha sido
construída por madeireiros uns oito anos atrás mais ou menos, e para esta tarefa
(limpeza) foi escalado, o Baiano. Não havia no mundo alguém que soubesse
andar na mata como ele, mas, apesar disto, tentou várias maneira para chegar
à pista e não conseguiu! Foi de carro, de moto e nada, certamente em virtude do
inverno brabo. A mata incumbiu de engolir a estrada!
O tempo foi passando e o Ditão foi ficando cada vez mais impaciente! Certo dia,
vindo da nossa pista na beira do Iriri, encontrei, por acaso e passei bem em cima
da pista do Rio Yucatán, dei uma volta e observei que numa pequena parte,
cerca de 200 metros, o mato não havia crescido tanto! Quando cheguei em
Tucumã, fui direto para casa do Ditão:
“ - Dito, vou pegar o Baiano e seus companheiros e levá-los para limpar a pista!
- O que você vai fazer Niltinho?” Ele tinha levado um susto
“ - É isto mesmo que você ouviu, passei sobre ela hoje e observei que dá para
pousar, isto é, se não errar o pouso! Calculo que tem um bom pedaço dela que
ainda não foi invadido pelo mato!
- Que loucura Niltinho, descer em uma pista abandonada para limpá-la não tem
sentido! Olha lá o que você vai fazer, heim?”
A necessidade de ganhar dinheiro era tamanha, que na minha cabeça só havia
um propósito, pousar naquela pista, a qualquer custo, inclusive o de quebrar o
meu avião!
Peguei o Baiano e mais dois de seus companheiros e um pouco de rancho,
suficiente para uns 15 dias e fomos para o aeroporto! Abasteci o CZC porém
tomei cuidado de colocar gasolina suficiente para ir e voltar e uma pequena
reserva, ciente do sufoco que ia enfrentar!
O voo não foi tão tranquilo assim, pois pensava na loucura de ter ido, arriscando,
além da minha própria vida, a de outras três pessoas que não sabiam do risco!
Senti que não era justo. E tive vontade de voltar! Felizmente só vontade!
Quando chegamos lá o Baiano olhou para a pista, e levou um susto:
“ - Você vai descer aí Comandante?
- Vou Baiano”. Notei que ele olhava para baixo e balançava a cabeça levemente.

Parecia que a confiança que eles tinham em mim era grande demais, todos
permaneceram calados, só ouvíamos aquele silvo, provocado pelo vento
passando pela fuselagem, o que era um sinal de que eu estava bem posicionado
para fazer um pouso curto, quase no “pré-stol”! Aquilo me dava coragem e
determinação, só que hoje, não faria novamente, foi tudo muito arriscado!

Olhei para o Baiano, mais uma vez, que já não estava lá tão tranquilo, mas,
porem, confiante naquilo que eu ia fazer. Coloquei o avião para tocar o solo bem
no começo da área que parecia mais limpo, só que quando eu já estava atingindo
o solo, notei que não era assim tão baixo o mato! Pensei em arremeter mas não
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dava mais! Moço, que susto! Só ali percebi que fui enganado pela ilusão de ótica
olhando de cima, agora não tinha mais nada a fazer! Era descer ou descer! Tratei
de puxar a mistura a fim de parar o motor, tentando não deixar danificar a hélice
e foi aquela bagaceira!
Os galhos atingiam o bordo de ataque das asas! A hélice, ainda girando, ia
abrindo caminho e acabei parando o avião dentro de uns duzentos metros,
suponho! Olhei para o Baiano, que estava branco, parecia que seu sangue tinha
ido todo para o coração. Eu devia estar muito pior!
Abri a porta, desci e fiquei observando se havia algum estrago maior que o bordo
de ataque das azas, e a hélice (teria que gastar uma grana!)! Não havia, graças
a Deus!

Ficamos sorrindo, e achando graça, estávamos todos inteiros! Imaginem, um


buraco de tatu, logo ali!
Naquele momento, a minha preocupação era: Como sair dali? Não havia
pensado nisto!. O que não queria era ficar ali por muito tempo, imaginem,
esperando limpar a pista!

Perguntei ao Baiano:
“ - Quanto tempo vocês gastarão para limpar somente o eixo onde passam as
rodas?
- Acho que daqui para o final da tarde você tem sua pistinha, comandante! E não
se esqueça de vir me buscar daqui a uma semana, que ela estará limpa!
Prometo!
Quando caiu a tarde, estava eu decolando, e naquele momento me sentia
realizado, satisfeito, missão cumprida. Estava voltando, ansioso para dar a
noticia para o Ditão, Agora sim ele poderia fazer sua parte pois em breve
teríamos a pista toda limpa.
Não preciso dizer que na data marcada decolei de Tucumã para buscar o Baiano
e sua turma, e passando no través de São Felix, comecei a encontrar muita
chuva (Nunca me sentia confortável em voar na chuva, após ter tido duas
paradas de motor) e tive que passar por cima da camada, preocupado, tudo
colado!
Só de pensar que poderia estar assim na pista, fiquei triste pois, se tinha uma
coisa que eu não queria fazer , seria deixar meus amigos passar mais um dia
naquela mata, adiando a vontade de beber uma cerveja na cidade era grande!
Pensei comigo, voltar, nem pensar? Se não encontrar nenhum buraco na
camada para atravessar, pelo menos vou marcar presença, pois assim
escutarão o barulho do avião e vão ver que mantive minha palavra!

Cinco minutos se passaram e continuava sem nada ver! Uns três minutos depois,
o tempo deu sinal de melhora! Pensei: caramba vai dar! E não é que quando
sobrevoei a pista, olhei para baixo, e lá estavam meus amigos acenando! Só
mesmo quem já passou por isto é que sabe a alegria de ver um avião e ainda
mais que vem em seu socorro!
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A pista tinha ficado uma beleza, dava para decolar até com quatro pessoas! Dei
um abraço no meu amigo, agradeci pelo serviço: o danado não poupou esforços
para deixá-la um brinco!
“- Vamos esperar passar esta frente, que não quero passar com vocês o que
passei na vinda, está feia a coisa lá em cima, Baiano!” disse-lhes.
A vontade de sair dali estava estampado na cara deles e a falta da branquinha,
já dava o sinal! Esperei uma hora, o tempo melhorou e partimos! Chegando a
São Felix, foi aquela festa, tomamos um porrão, que beleza! Tínhamos feito um
coisa inédita na Amazônia, e assim conseguimos o nosso objetivo pois
vendemos trinta mil alqueires, os quais não recebemos, graças ao decreto do
Presidente Lula, depois do qual ninguém mais pagou ninguém e eu,
infelizmente, continuo pobre!
” - Ai meu Deus, quando é que vou ficar rico?”
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O voo de dorso.

Existem muitas maneiras de voar, e a mais normal e mais fácil, é reto horizontal,
é assim que todo mundo voa, inclusive os pássaros! Nunca vi nenhum deles
voando de dorso!
Meus amigos vocês não imaginem como é desconfortável ver a terra de cabeça
para baixo e, pior ainda, se nunca passou por isto e não consegue imaginar o
quanto é ruim, você tem a sensação de que vai morrer!
Vê a vida passar em frações de segundos e, é engraçado como vem à cabeça a
imagem de seus pais com tamanha força, que chega a arrepiar!
Feliz daquele que sai com vida para contar sua historia, como eu neste
momento.!

Eu ainda nem sabia voar direito e muito menos meu irmão Milton, quando ele
pediu emprestado meu avião, um Cardinal, aquele que aparece na historia, “O
breve”, para voar em Cascavel, Paraná, e eu resolvi emprestar!
Hoje com a experiência que tenho com aviões, sinto um arrepio só em pensar o
quanto fizemos de errado, arriscando nossas vidas e também daqueles que
estavam conosco! Foi por Deus que não morremos! Será que outros pilotos
fizeram o mesmo ? Meu Deus!
Como estava fazendo uma revisão no avião na cidade de Penápolis e exigi que
me deixassem em Goiânia, ele arrumou um piloto, seu amigo de Campo Grande,
e me garantiu que era muito bom piloto, sua família era muito rica e sempre
tiveram vários aviões, que eu ficasse tranquilo, pois estaria em boas mãos!
65

Isto me deixou, de fato, tranquilo, partindo do meu irmão, não deveria tem levado
a serio, pois ele não entendia nada de avião, estávamos todos começando a
entender do ramo, como ele teria a competência para avaliar um piloto? Hoje
tenho meus critérios para julgar um piloto, mas se passaram muitos anos e
adquiri razoável experiência!

Pois bem, no dia marcado o piloto chegou de Campo Grande com uma baita
morena dizendo que era sua esposa, porém estava mais para garota de
programa que propriamente esposa!
Rapaz, eu não tirava os olhos dela e cheguei até mesmo a perguntar se ela não
tinha uma irmã!

Ele me pareceu muito simpático, conversava muito, sempre me dizendo de sua


experiência na aviação, mais tarde vim, a saber, que muitos pilotos eram assim
e esta experiência era mais imaginada do que realidade e sentia necessidade de
transparecê-la, pois isto é que torna o piloto bom, não as escolas de aviação!
Partimos logo cedo no outro dia, céu de brigadeiro, ele sentou na esquerda,
como todo comandante, e eu sentei a direita como copiloto, e ela sentou logo
atrás dele.
Como ele havia feito um voo de adaptação no dia anterior, julguei que não
haveria necessidade de informar mais nada a respeito do avião. E aquilo talvez
fosse a causa de nosso sufoco, pois, se eu tivesse alertado que meu avião não
possuía horizonte artificial, (instrumento que nos dá a altitude em relação ao
horizonte que o avião se encontra), ele não teria voado por instrumento como
voou, só se fosse um louco!
E lá íamo-nos todos alegres, ele parecia que estava em lua de mel, só meu
benzinho para cá, meu benzinho para lá, e de vez em quando dava uma
bicóquinha nela, e eu ali do lado morrendo de inveja!
Estávamos todos tão felizes, que não percebemos que a camada foi subindo,
subindo, e quando vimos, já ia pelos 8.000 pés!
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Só que, meus amigos, a camada fechou e estávamos bem tranquilos sobre ela,
céu de brigadeiro lá em cima! E abaixo de nós, como estaria? E eu botando fé
no piloto! Porém aquilo foi me deixando intranquilo, pois se até Goiânia
permanecesse daquele jeito, como iríamos descer abaixo da camada, sem o
horizonte artificial, sem nenhum buraco nas nuvens, para furar com segurança?
E se estivesse chovendo, como seria?

Fiquei esperando ele tirar uma carta da manga para dar um jeito naquilo, e nada!
Talvez eu fosse mesmo ainda um manicaca (piloto que está aprendendo a voar),
desconhecendo como seria fácil para ele, já que era um ás da aviação, segundo
meu irmão Milton!
Chegou uma hora que não me segurei e perguntei:

“ - Comandante, estou ficando preocupado, pois estamos em cima desta camada


há algum tempo e ela só subindo! Como vamos passar para baixo sem o
Horizonte Artificial?”
Muito calmamente me respondeu:
“ - Isto é fácil, meu amigo! E botou o nariz do avião para baixo e só senti o avião
ganhado velocidade, o barulho do motor aumentando, e aquilo foi me dando um
desespero!
Comecei a sentir meu pescoço afundando tão forte, que quase não dei conta de
me virar para esquerda e dar uma espiada no velocímetro! Rapaz, quando vi, já
tínhamos atingido a faixa amarela e estávamos entrando na vermelha!

Neste momento pensei no Villela, irmão de um amigo, que havia morrido


juntamente com toda sua família, inclusive a empregada, num 210 justamente
como o que estávamos, pois a estrutura do avião não aguentou e ele
desintegrou!
Naquele momento minha única reação foi esperar a morte. Com a vida passando
em minha mente, chamei pela minha mãe, como não chamar? Pedi que me
ajudasse sair daquela! E não é que ela ajudou mesmo?
De repente, meu “grande” piloto acordou do susto, parece que só ele é que sabia
que sem o Horizonte Artificial, em poucos segundos se perde totalmente a
posição em que se está voando!
Para mim estava reto e horizontal quando, na verdade, estávamos descendo em
tal e espantosa velocidade que, se ele não tivesse puxado toda a manete para
trás, diminuindo a velocidade, eu não estaria aqui para contar esta história, pois
o avião teria também desintegrado, como aconteceu com meu amigo Roberto
Villela.
Sem contar que nossa mocinha entrou em tamanho desespero, gritando com
todas as suas forças, como as mulheres adoram fazer e aquilo deu um clima tão
ruim, que até hoje não esqueço! Ficou gravado em minha memória para sempre!
Quando reduziu o motor e ficou voando sozinho, recuperou-se do mergulho e
inacreditavelmente, estávamos justamente na base da camada, saindo no visual!
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Que alegria senti! Enfim salvos, pois saímos com 3.000 pés, 1.000 pés acima do
chão! Por muita sorte a camada não estava colada!
Só que minha alegria demorou pouco pois, como ninguém estava com a mão no
manche, o avião foi subindo e entrou novamente na camada! Não vi mais nada
novamente, só me dando conta de olhar para o velocímetro, que voltava a chegar
na 60 milhas e aí meus amigos, vi a coisa feia!

Entrou em stol (quando o avião perde a sustentação e começa a cair) e girou


para esquerda! Quando saímos novamente em visual, estávamos voando de
dorso! Sabe lá o que é ver a terra de cabeça para baixo, e não saber o que tem
que ser feito?
Lembrei-me novamente de minha finada mãezinha, refazendo meu pedido de
ajuda e não é que ela acordou o ”bacana” com uns tapas, certamente, fazendo
com que ele pegasse no manche, tirasse o avião do voo de dorso e do mergulho
do que estávamos, e voltamos a voar reto horizontal! Que alivio! Aí sim, tive
consciência que não ia morrer!
O rosto dele estava branco, todo paralisado, suas mãos seguravam o manche
como um peão pega no chifre de um boi: com tamanha força que achei que ele
ia quebrar! Minha garganta estava seca, porém ainda deu para avisá-lo:
“ – Comandante, Goiânia fica para trás, dê uma olhada na bússola!”
Foi então que ele corrigiu a rota! Estávamos voltando, tontos com aquela
situação, que nem notamos para que lado saímos.

Confesso que estas foram as únicas palavras que trocamos até chegarmos a
Goiânia! Se tivesse uma mosca no avião, daria para ouvi-la voar, tal era o
silencio. O voo, para a bonitona, não tinha mais graça, de tão envergonhada pelo
banzeiro que tinha feito, que não dando mais um pio!
O voo ate Goiânia foi tranquilo, com exceção do pouso, pois meu amigo não
reduzia o motor e acabamos quase varando a pista, parando na final, imaginem,
numa pista de mais de 3.000 metros, e ele não quase não dava conta de pousar,
acho que deve ter amarelado!
Amarramos o avião no pátio e fomos para o restaurante, tomar aquela cerveja
geladinha e relaxar, pois estávamos precisando. Dali, o correto mesmo, seria ir
a uma igreja e agradecer a Deus. Olhei bem para a cara do comandante e
apostei que naquela noite, ele não daria conta da bacana!
Eu gostava de ficar no hotel São Conrado, ali na Rua Quatro, pertinho das Ruas
Goiás e Tocantins, porque ele é bem central, bons apartamentos, controle de
entrada de visitas bem discreto, só que, naquela noite, eu também ia passar
batido. Sei lá se ia arriar no meio do caminho, não é?

O apartamento que nos ofereceram, tinha dois quartos conjugados e existia uma
porta de ligação que dava bem em frente dos banheiros, sendo assim eu via pelo
buraco da fechadura quem estaria entrando no banheiro.
Fomos jantar, e tomamos mais umas bebidas e foi aí que acabou voltando
aquele bom humor do meu companheiro, que foi logo dizendo que aquilo que
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acabávamos de passar, não era nada comparável com que ele já havia passado,
e assim acabou contando tantas lorotas, que me convenci mesmo que teria que
aprender a voar direitinho, pois caso contrário ia acabar morrendo na mão
daqueles doidos.
Quando voltei para o quarto, senti uma coisa estranha na barriga, antevendo
um desarranjo intestinal feio, e comecei a pensar o que o poderia ter causado
pois não havia comido nenhuma extravagância, forçando-me a imaginar que,
talvez, a tensão do susto passado, possa ter provocado aquela situação!
Meu organismo não resistiu e acabei passando uma noite de Rei, quase que a
noite inteira, indo para o trono! Moço, nunca tive uma situação destas em toda a
vida, um sufoco só! Percebi, entretanto, que o amigo, no quarto ao lado, também
estava passando pelo mesmo suplício.
Quando encontramos, no outro dia pela manhã, no salão de café chamei-o de
lado e disse:
“ - Comando, tive o maior descontrole intestinal de minha vida esta noite, acho
que foi o sufoco que passamos! E você?”

Olha só a resposta do maldito, quase me matou e ainda teve a coragem de


mentir:
“ - Comigo não, Niltinho, dormi o maior sono da minha vida, cheguei mesmo a
até namorar um pouquinho!”
Que maldito, pensei! Esta raça de gente não tem jeito mesmo, são os maiores
mentirosos que já vi, pois eu tinha acompanhado, pelos ruídos, sua ida ao
banheiro dezenas de vezes!
Deixa para lá, pensei eu, tomara que ele não quebre meu avião na volta, e “vaya
con Diós”.
E assim, termino mais este conto, deixando uma mensagem para todos aqueles
que querem fazer a aviação, para que não façam como eu ou meu irmão, que
metemos os peitos sozinhos, só porque tínhamos dinheiro para comprar um
avião!
Deixamos de lado um bom aprendizado, o respeito pelo avião, pela vida e pelo
valor mais sagrado de todos: a segurança!
Mais tarde eu tive que negar meu avião para um piloto, (de quem eu muito
gostava) só porque ele não colocava a segurança em primeiro lugar, e sim o
dinheiro!
Após eu ter adquirido esta consciência, não tive mais acidentes, voei muito
tempo na Amazônia, nos garimpos, na extração do mogno e graças a Deus estou
vivo!”

Muitos amigos já se foram, em sua maioria, por terem desprezado o item mais
importante na aviação: “A SEGURANÇA”!
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O pouso de barriga.

Nunca estive tão apreensivo em escrever um conto como agora, pois piloto
nenhum gosta de contar as suas “atrapalhadas”! Como escondem meu Deus!
Quando você ouve um piloto contar como ocorreu seu acidente, fica
impressionado como ele joga toda a culpa no avião (coitados!). Ele é sempre o
herói, o mocinho da historia!

Se os aviões pudessem se defender, vocês veriam uma outra historia,


provavelmente bem diferente da contada pelo piloto, para quem “a culpa é
sempre do avião, nunca é do piloto”. Isto é regra geral!
Sempre digo que não tenham medo de voar, o avião é seguro! Tem que ter
cuidado com aquela peça que fica logo atrás do manche, pois aí sim, é que mora
o perigo, e digo mais, quando se juntam alguns pilotos então, fuja, corra para
bem longe, pois é aí que aparecem as “atrapalhadas”!
Você conhece aquela “deixa comigo!”, ou “tá comigo!, ou ainda “ fique frio!”?
Pois aí sim, é que você esta correndo riscos! Posso ficar aqui por horas contando
as “atrapalhadas” que aconteceram, quando se juntaram dois ou mais pilotos,
para voarem juntos!
Comigo foi à mesma coisa, acabei fazendo um pouso de barriga, tudo porque
estava fazendo um voo duplo num Cessna 210 com meu amigo piloto Maracaipe,
e ele falou a célebre frase “deixa comigo! Eu comando o trem de pouso!” E eu
deixei, e foi aquela água!
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O Cessna 210 do garimpeiro Olímpioera igual a este!

Tudo começou quando meu amigo garimpeiro Olímpio, dono de um belíssimo


Cessna 210, (quem conhece aviões, sabe muito bem que este é o sonho de
todos os pilotos), e pediu-me para levá-lo a Araguaína, naquela época ainda no
estado de Goiás!
Nunca tinha voado neste modelo de avião, e logo fiquei entusiasmado com a
possibilidade afinal, imagine só, voar num Cessna 210 seria um sonho que eu
estava aguardando há muito tempo!

Minha dúvida em relação ao avião, seria apenas o trem de pouso, retrátil (no
meu avião era fixo!) e naturalmente eu teria que ter um parceiro, para, em caso
de pane, poder administrá-la com eficiência!
Solicitei, então,a ajuda do meu amigo piloto Maracaipe, com muitas horas de voo
no seu curriculum, sem duvida um “ás” da aviação, com quem eu já tinha
efetuado vários voos! Não poderia estar melhor assistido, vocês não acham?
Quando chegamos ao aeroporto, ainda bem que era à tardinha, não tinha vento,
a sustentação estava ótima, tudo indicava que seria um vootranquilo!
Eu estava calmo, curioso em ver as diferenças entre os dois melhores
monomotores do mundo (o meu 182 e o 210!), sem dúvida os campeões de
venda! Infelizmente o Cessna 210, deixou de ser fabricado! Uma pena!
Quando sentei, na esquerda, senti um grande prazer, o 210 é confortável, a
posição dos comandos, o manche, as manetes, tudo perfeito!
O único item desfavorável, para os baixinhos como eu, era a necessidade de
incrementar o banco, com algumas almofadas, para melhorar a visibilidade, caso
contrário, não se dá conta!

No Cessna 182 eu sempre voei na ponta dos pés, e olha lá, tive que mandar
fazer um banco especial em Anápolis, com meu amigo Batista, que acabou
ganhando uma boa nota, fazendo bancos para outros baixinhos! Até hoje
continua me devendo a cerveja, o danado!
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Talvez a média de altura dos gringos seja maior do que a nossa, o que já é uma
diferença considerável! Tem a ver, certamente, com a nossa descendência, não
é?
Depois de bem acomodado no banco, partimos para a cabeceira. Enquanto isto,
o piloto Maracaípe enchia-me de informações: isto aqui é assim, isto aqui é
assado, metade do que ele falava, não conseguia memorizar! Minha
preocupação era outra: queria “voar” o avião!
Na verdade, eu não via grande diferença do 182, tanto que lhe disse:
“- Não vejo necessidade de fazer um voo longo, portanto vou logo para pouso,
ok?”
Mantive a subida até atingir a altura necessária, iniciei uma curva para esquerda
e entrei na perna do vento. Até aí meus amigos, tudo ia bem, eu procurando me
adaptar com aquela máquina maravilhosa que é o 210.
Como disse antes, não havia grande diferença, somente senti que ele era mais
pesado. Maracaípe, com aquele ar professoral, continuava tentando me passar
seus valiosos conhecimentos. Não suspeitava da tamanha atrapalhada em que
íamos entrar! Quando íamos girar base, ele disse:
“ – Deixe que o trem de pouso eu comando, preocupe-se apenas em pousar.” E
comandou o trem.
“ – Ok! “ respondi
“ - Niltinho, você esta vendo aquele espelhinho debaixo da asa? Mostra se o trem
de pouso está abaixado ou não!
- Estou!” respondi, mas na verdade minha atenção estava toda dispensada ao
pouso! Já estava com vontade de mandá-lo à merda, pois já estava tirando a
minha atenção quando, de repente, ele olhou para o bendito espelhinho e
exclamou:
“ - Uai, o trem não esta abaixado!” E aí meu amigo, ele cometeu o maior erro de
sua vida: ao invés de mandar-me arremeter, simplesmente comandou o trem de
pouso para cima e em seguida para baixo, e aguardou! E nisso eu já estava
arredondando o bicho e, sentindo alguma coisa estranha, pois já era hora das
rodas começarem a rolar no asfalto, e nada!Aí dei um grito:
“ - Vamos pousar de barriga! Vamos pousar de barriga!” repeti.

Vi o tamanho do susto que ele levou, seus olhos estavam arregalados, seu rosto
refletia o tamanho da besteira que havia feito porém, observando que não
tínhamos mais nada a fazer, calou-se, totalmente paralisado!
Quando vi a atrapalhada feita, tratei de levantar o nariz do avião, com o
pensamento na hélice e no motor! Só pensava em salvar os dois!

Vocês nem podem imaginar o barulho que fazia o arrasto pelo asfalto,
espalhando faíscas, e com a aeronave querendo sair de lado!
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Meus pés já não aquentavam mais segurar o avião no eixo da pista, senti uma
inclinação muito violenta para a direita, e dei um grito:
“ - Ajude-me nos pedais, que ele vai sair de lado! Força, força!” E apertávamos
os pedais com tamanha força, que não sei como não quebraram!
Uma coisa porém, havia acontecido, graças a Deus e a Santos Dumont, eu não
havia percebido que a bequilha (roda da frente da aeronave), havia descido e
travado, imaginem que sorte nossa!
E assim tocou o chão, sem bater a hélice, salvando também o motor, pois a
hélice é acoplada ao virabrequim, salvando-nos de um belo prejuízo, pois,
qualquer batida pequena na hélice,tem que abrir o motor, com custos proibitivos!
Mas não teve jeito, o avião acabou saindo do eixo e entramos no acostamento
com tamanha violência que achei que ele ia pilonar (quando a aeronave levanta
a cauda e encosta o nariz no chão).
Por sorte, não havia nada em que bater e acabamos parando com a cauda no
chão e o nariz para cima, numa triste posição para um belo avião como aquele!
Quando desembarcamos e constatamos os estragos, ficamos muito tristes!
Como foi acontecer aquilo? Tentava compreender onde tínhamos errado e
cheguei à conclusão que a aeronave estava sendo comandada por dois pilotos,
de forma independente, ou seja, cada um fazendo aquilo que achava que tinha
que ser feito, sem dar ciência ao outro, quando, na verdade, só deve existir um
comando e ele é quem determina os procedimentos!

Acredito que fato idêntico, deve ter sido a causa da maioria dos acidentes
envolvendo colegas meus!
Como eu que estava no comando, coube-me a responsabilidade do acidente
perante a todos, inclusive perante o dono do avião com me desculpei, resignado!
Deixo para vocês aoportunidade de fazerem o julgamento próprio: Quem foi o
principal responsável pelo acidente: o Maracaipe, eu ou o avião? Escrevam-me!
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O Paulo Henrique.

Estou contando esta história porque, ele vendo eu contar as de outros, me pediu:
“ - Conte a minha Pai!” Então aí vai!

Conheci este “caboclinho”, quando ele tinha mais ou menos uns quatro meses
de idade. Era bem magrinho, estava passando por uma fase bem difícil, com
uma infecção intestinal que o levou a maus momentos.

Nesta época, estava começando meu namoro com sua mãe, e via necessidade
de ajudá-la. Várias vezes, estive com ele no hospital, nas farmácias e com muito
sacrifício de minha parte, de sua avó e de sua mãe, acabamos por vê-lo
melhorando, ganhando uns quilinhos sem, no entanto ficar gordo.

Nesta época eu vi quando era importante aquele programa social “Leite para as
crianças” implantado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso!

Vi muitas vezes sua avó batalhar por um ticket do leite, e o quanto ficava alegre
ao conseguir dois deles. Notava que ela tinha cuidados e carinhos muito
especiais para com ele. Que Deus a tenha!

Quando sua mãe veio morar comigo, ele já tinha um ano de idade, e esta historia
ocorreu quando tinha uns três anos e era terrível, não parava nunca, que energia,
meu Deus! Os remédios que ele tomou tiveram-lhe muita valia!

Numa determinada época, recebemos a visita de meu compadre Felipão, e


recordamos uma passagem interessante dele.

Geralmente era eu que fazia a pesagem da mercadoria que ia ser carregada no


avião, imagine vocês se iria confiar esta tarefa a qualquer um! Ali estava a minha
segurança, a minha vida! Quinhentos quilos é coisa para doido! Ainda estou
procurando o primeiro piloto que começou com esta loucura, se pegar, mato!

Porém, meu amigo Felipe era um dos únicos em que confiava para esta tarefa,
afinal ele ia comigo, e o risco também era dele!

Numa manhã, estávamos preparando um voo e como sempre o Paulinho não


deixava ninguém em paz, mexia em tudo! Dado momento, arrancou os óculos
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de meu compadre e isto o deixou tão irritado, que ele pegou-o pelos braços e,
levando-o até a cozinha, deu uma bronca na Lucivania:
“ - Segura este monstrinho aí!” E voltou a fazer a pesagem de sua mercadoria,
ainda muito aborrecido.

Terminamos de colocar a carga no avião e como sempre o Felipe me ajudando.


“ - Vamos embora Felipe!
- Arrocha compadre, que está tudo no jeito!”

Como era e ainda é, um apaixonado pela aviação, sempre o deixava segurar o


manche, ensinando coisa aqui e acolá, tanta coisa, que por fim o danado já
estava começando a pousar, decolar! Pegou o jeito rapidinho!
“ – Acompanhe-me na decolagem! Disse-lhe.
- Ok!
- Está na hora! Puxe, puxe! Agora abaixe o nariz! Ótimo, está com você. Arrocha!

E assim íamos nós, naquela farra! Hoje, escrevendo esta história, sinto saudade
daqueles bons tempos, a gente era feliz e não sabia!

Porém, naquele momento, notava que tinha alguma coisa errada, o avião estava
demorando demais para ganhar altura, a garganta da serra da Mutuca (onde
hoje é a Vale), por onde iríamos passar, estava se aproximando, e nós ainda
estávamos voando muito baixo!

Pensei: o peso não é pois foi o Felipe que pesou, confio nele, será que este
motor já esta abrindo o bico? Aí o voo começou a ficar tenso.
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Quando chegamos na Fazenda Paraná, aonde teríamos que pousar, ele falou:
“ - Vamos marcar um ponto no seu GPS, aonde vou fazer uma pista!
- Ok Felipe!”

Abaixei mais o avião e me preparei para passar bem em cima do ponto da onde
ele queria fazer a pista. Quando cruzei, ele me pediu:
“ - Vire à esquerda!”

Moço, quando virei, o avião deu uma afundada tão violenta, que levei um susto,
tratei de nivelá-lo e, virando para meu amigo, disse:
“ - Tem alguma coisa errada, Felipe! Este avião está muito pesado! Vamos voltar
e pousar!

Aquilo deixou meu compadre preocupado, afinal foi ele que pesou a mercadoria
e viu o sufoco que passei para não deixar o avião stolar.

Já no pouso, senti que o problema era excesso de peso, porem não falei nada
com Felipe! Voltei para Tucumã pensando naquilo! Caramba, escapei mais uma
vez!

Na outra semana, fui fazer novo voo, e quando lá cheguei, Felipe veio ao meu
encontro:
“ - Niltinho, quando você me deixou aqui na semana passada, pesei a carga, e
de fato, ela estava com excesso de 40 quilos! Desculpe-me, foi à hora em que
estava pesando, o Paulo Henrique estava me perturbando demais, me distraí,
coloquei a carcaça da bomba e não somei, e foi aí o erro, na verdade estávamos
com 540 quilos! Desculpe-me meu compadre!

Daí em diante comecei a ficar de olho nele!

Desta vez foi eu que ia levando a pior, porém, em outra história, foi ele, Paulo
Henrique! Não é que quase o matei !

Tinha acabado de pousar, meu “secretário” veio abrir a porta do hangar e como
sempre trouxe o Paulinho! Parecia que ele conhecia o barulho do avião. Vinha
correndo, aquilo para ele era a maior felicidade, ficava doido para me dar um
abraço!

E como sempre, eu entrava no hangar com o motor ligado, para não ser
necessário empurrar a aeronave!

Já estava quase dentro do hangar, quando vi Paulinho vir correndo pelo lado
direito do avião, me acenando, todo sorridente e, como ele gostava de passar
por debaixo do avião, bem perto da hélice, pensei, ele vai entrar!

Naquele meu desespero, vendo o garoto ser morto pela hélice, acenava,
tentando atrair sua atenção, tentando mantê-lo à minha frente, com a mão direita
acenando e com a esquerda na mistura desligando o motor o mais rápido
possível!
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Tinha certeza que ele iria entrar por debaixo, e de fato entrou! Quando o vi
desaparecer de vista, gelei, gritando:
“ - Matei o garoto, matei o garoto! Meu Deus o que fui fazer?”

Foi aí que senti a dor de perder um filho, é realmente muito triste! Tinha certeza
que a hélice o pegara! Porém o Senhor deve ter dito: Ainda não será desta vez
Paulinho, você ainda vai passar muito sufoco com seu pai (estes, em outras
histórias!)!

Graças a Deus ele foi salvo e, quando olhei para a esquerda, lá estava ele, me
acenando. Todo alegre, rezei: “ - Obrigado meu Deus!”

Daquele dia em diante, sempre desligava o motor e depois empurrava o avião


para dentro do hangar!
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A cautela
Porto Nacional foi a cidade que mais forneceu pilotos para o norte do Brasil, em
função de ter sido uma das cidades mais importantes do norte do extinto estado
de Goiás, hoje Tocantins, e porque ali passavam as rotas aéreas (cansei de sair
de Gurupi, para pegar o Avro para Goiânia)!
Talvez fosse por causa desta influência, ou pelo pioneirismo de pessoas como
Vicentão, que foi buscar um avião na América, ou ainda o Queridão pai, que
além de piloto, era um grande mecânico, enfim, alguma coisa deve ter
acontecido, pois se forem numerar todos aqueles pilotos que conheci de Porto
Nacional, esta história não seria suficiente! Vou citar alguns ases.
Para mim o mais importante deles sem dúvida, foi o Adi, este sim fez historia!
Se um dia resolvesse contá-las seria interessante. Recordo-me de um dia,
fazendo um voo por sobre uma boiada, querendo ver se o gado estava em
condições de ser enviado ao Pará, e ele não abaixava o suficiente para que eu
examinasse melhor os animais!
“ - Adi, assim não dá: abaixa este avião, bicho!” E olha que estávamos voando
na copa das árvores! Foi quando ele me disse:
“ - Segura então, Niltinho, que você vai passar a mão no chifre do gado!”
Estávamo-nos voando sobre a fazenda do Milton (meu irmão) na beira do rio
Tocantins, justamente em uma área de varjão de árvores espalhadas e, quando
vi, ele baixou o avião até as rodas tocarem no capim, e foi desviando das árvores,
dos bois, eu sem querer mostrar medo, fui ficando branco, e tratei logo de dar
um grito e pedir para parar pois estava para me borrar todo!

“ - Suba, suba seu desgraçado, quer me matar, quer seu doido?” E ele deu uma
gargalhada:
“ - Você não queria voar baixo, Niltinho?
- Quero mais não, já vi o que queria ver, vamos embora! E tratei de ir curar meu
susto com uma cerveja “geladaaaa”, no barzinho do aeroporto!
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Assim, era o Adi, um dos pioneiros da nossa aviação, talvez, o melhor de todos!

Vicentinho, hoje deputado, já foi prefeito de Porto Nacional, marcou época no


início dos garimpos de Tucumã, onde ganhou muito dinheiro, chegando a
comprar vários aviões, inclusive um belo Bonanza, que ele dizia ser um “senhor”
avião!

Tive um amigo que fazia uns voozinhos lá meios suspeitos, pelas bandas da
fronteira da Bolívia, que dizia:
“ - Niltinho, se você aguentar o tranco, ele aguenta, eu “guardava” e não desviava
não, tinha hora que a pauleira era demais que eu achava que ia rachar no meio,
para mim era assim “tempo é tempo, rumo é rumo”. Porém só fazia isto com o
Bonança! Avião é “Bonanza” Niltinho, o resto é coisa que voa.
Do Baylon, lembro-me quando voava com Jacinto Nunes, ele acabou se
desorientando e pousou na rodovia Belém/Brasília! Pudera, naquela época não
existia GPS, Bicho, e nos perdíamos com tal facilidade que, uma vez me perdi
em cima de minha fazenda. Na época das queimadas então, era um sufoco, só
se via gente chorando na fonia:
“ - Onde estou companheiro?” e lá íamos nós ajudar o azarado!
Do Gere, irmão do Vicentinho, tenho lembrança da época em que ele ainda
estava aprendendo a voar! Numa carona que ele e Ranufo me deram para
Goiânia, topamos com um “paredão” de chuva e fomos obrigados a desviar,
porém a formação era grande demais e a coisa foi ficando preta, e aí o Ranufo
disse:
“- Gere, acho melhor procurarmos uma pista e pousar, se não aguardarmos,
você não vai dar conta dessa pauleira!”
Por sorte encontramos uma pista de fazenda e pousamos, o vento era tão forte
que fomos obrigado a segurar no montante do avião para ele ficar no chão, caso
contrário, o vento levava!
80

Recordo-me também do acidente que sofreu, em que estavam três pilotos dentro
do avião, ele, Ranufo, e o que estava voando, o qual não recordo seu nome,
também de Porto Nacional! Morreu o piloto, Ranufo ficou muito queimado, e Gere
sobreviveu sem um arranhão.
Estavam os três fazendo graça, tentando passar por cima de uma serra, após
terem decolado de uma pista em um garimpo aqui em Tucumã, e não deu outra,
e acabaram batendo numas pedras! Já não disse a vocês que mais de um piloto
no avião é um perigo?
Neste dia, Gere teve que andar pela margem de um rio por dento da mata, até
encontrar socorro para salvar os companheiros que ficaram para trás.
Dizem que quando o avião caiu, foi logo pegando fogo, e só tinha a porta do
bagageiro para saírem.
Gere saiu primeiro e correu, Ranufo ficou entalado, era gordo demais! Gritava:
“ - Gere volta aqui e me puxa, pelo amor de Deus!” Enquanto Gere ajudava o
Ranufo a desentalar, o outro companheiro, o piloto, acabou se queimando
demais e terminou morrendo nos braços dos companheiros durante a noite!
Somente no outro dia é que alguns garimpeiros puderam tirá-lo da mata!
Cabano, este sim tem historia! Até hoje ele é uma graça, quem não o conhece
pensa que é um doido! Acidentes? Já perdeu a conta, sendo que o último o
deixou muito queimado, fazendo-o parar de voar!
Conta que uma vez, para dar um susto nos passageiros, botou um comprimido
efervescente na boca, que logo espumou, simulando ataque epilético, o que
provocou uma loucura dentro do avião, tinha gente querendo pular fora, foi duro
para acalmar a todos!
Esse é o “nosso” Cabano! Este infeliz mora aqui conosco, na mesma cidade, e
não é que o desgraçado está rico? Fortuna feita nos garimpos, irmão!
Alguns pilotos, foram voar em grandes companhias, como os filhos do senhor
Nilton da Farmácia. Se não me engano um deles chamava Elton, os outros, não
recordo.
Um deles faleceu acidentado em Tucumã, fazendo lançamento de mercadoria
para os exploradores de mogno, dentro da floresta, aonde não existia pista!
Bateu numa castanheira!

Uma vez, ele me contou que seu companheiro de lançamento de mercadoria,


sem querer lançou também o ajudante! Levou um baita susto quando olhou para
trás e, homem de Deus, cadê o rapaz? Havia caído junto com a mercadoria! isto
deu um bode, moço!
E no meio dessas feras, lá estava eu com meu aviãozinho, tentando fazer o que
eles faziam, longe, no entanto de me igualar a qualquer um deles, talvez pelo
fato de eu ter iniciado com quase trinta anos de idade, e eles, certamente, desde
a juventude e como sabemos que jovem é jovem, eu acabava me surpreendendo
com sua audácia e coragem!
81

A minha aviação era de muita cautela, procurava me manter dentro das regras
de voo visual, pois logo cedo após ter passado alguns sufocos, como ver, por
duas vezes o motor apagar dento da chuva, ficar voando por muito tempo acima
da camada e a gasolina acabando, procurando um buraco para passar por baixo
e outras coisas mais, vi que tinha que manter-me dentro das regras tão bem
feitas, para não morrer!

Faço aqui, uma advertência para todos aqueles que queiram se tornar piloto e
mais tarde se aposentar: sigam estas regras de voo tanto visual como as por
instrumento, pois, como nos voamos aqui na Amazônia desrespeitando todas
elas, é muito risco! Imaginem vocês que abastecíamos as aeronaves com 500
quilos de carga fora o piloto, bem acima do recomendado pelo Manual de
Instruções da Cessna, que recomendava o máximo de 360 quilos, com o piloto!
Estes excessos, só podiam mesmo terminar, como de fato terminou, na morte
de muitos colegas e amigos!
E agradeço a Deus por ter atingido esta maturidade na aviação, contando um
episódio, acontecido quando voava na Bahia, e que me deu a força e a convicção
que seria bem melhor continuar respeitando as regras, do que fazer as minhas
próprias!
Estava em Posse, cidadezinha na divisa de Goiás com a Bahia e precisava ir
para Gurupi, no Tocantins, quando entrou uma frente fria e embananou o tempo
de tal forma, que resolvi deixar o voo para o dia seguinte, até ai tudo bem, tinha
perdido somente um dia! Só que no outro dia, amanheceu do mesmo jeito, e aí
me bateu um desespero de partir assim mesmo!
Preocupado, porém resolvido a decolar, encontrei um colega que havia pousado,
vindo da divisa do Maranhão, que avisou-me:
“- Daqui pra frente eu não vou mais, e se você tiver juízo Niltinho, volte para seu
hotel e vá dormir que você ganha mais, falei com uns pilotos que estavam na
rota e me disseram que a coisa está pra lá de feia!”
Ó meu Deus, mais um dia aqui não aquento, que merda de piloto é você Niltinho,
pensei eu! Pega este avião e vai embora! Só que a cautela falando mais alto,
resolvi voltar para o hotel.
No outro dia a mesma coisa, liguei para Gurupi, falei com Betão e ele:
“– Niltinho, o tempo aqui continua o mesmo, chuva, e o teto baixo, não se
esqueça de que na sua rota tem muita serra! Só se você vir por instrumento! Voo
visual você não vem, é melhor decolar amanhã, não se preocupe não, ninguém
vai voar mesmo, Pilau está no Hotel tomando unswhiskys!”
Moço, aí me deu um desespero maior do mundo, queria morrer, imagine só um
piloto com tantos anos de experiência, com medo daquele tempo? Seria melhor
parar de voar, ou voltar para escola e tratar de fazer um curso de voo por
instrumento, não é? Por outro lado pensava, para que? Se meu avião não era
homologado, e se por onde eu voava raramente possuía aeroporto com
condições de pousar aeronaves voando por instrumento?
82

Tratei de me acalmar e fiquei no hotel, neste dia nem jantei, fiquei por ali
aguardando o noticiário, que assisti até o final quando, de repente, entra uma
notícia de última hora:
“ - Acabamos de ser informados de um acidente de avião no estado de Tocantins,
onde faleceram todos os ocupantes. O avião havia decolado de Porto Nacional
para Goiânia e nas imediações da cidade de Peixe, se espatifou no solo!
Desconfia-se que foi o mau tempo que provocou o acidente, vindo a falecer o
piloto Gere, irmão do prefeito de Porto Nacional, juntamente com sua família!
Que susto que levei ouvindo aquela notícia, levantei do sofá e fui para fora do
Hotel tentando me acalmar! Um milhão de coisas passaram pela minha mente,
primeiro o pesar de ter perdido meu amigo Gere, pela sua família, pelo avião,
que era um Bonanza, justamente um avião para o qual não tinha tempo ruim!
No comando havia um experiente piloto, o que será que havia acontecido? Meu
Deus, para ter derrubado o Gere, talvez uma pane?
Não, foi mesmo o mau tempo, ele deva ter entrado num CB “nuvens com muita
turbulência” e o avião foi jogado rumo ao solo, justamente no local aonde eu ia
cruzar.
Havia uma igreja perto do hotel, para onde me dirigi, para rezar pelo amigo que
se foi, e para agradecer a Deus por ter me mantido no solo!
Deste dia em diante, se for preciso ficarei no hotel por uma semana, não estou
nem aí para o que vão dizer de mim, o importante é permanecer vivo!

Conhecer as limitações do avião, e o mais importante conhecer suas próprias


limitações. Só assim você permanecerá vivo, como eu, para lhes contar esta
história!
No outro dia o tempo amanheceu limpo, e fiz uma bela viagem até Gurupi, não
foi melhor assim?
83

O Gaúcho da Bahia
Vocês devem já ter ouvido falar que gaúcho não é bom pagador. De dinheiro eu
quero dizer, pois de promessa nunca vi dizer que são mal pagadores, só que
existe para mim uma explicação para isto.
Nas minhas andanças por este Brasil afora, nunca vi um povo se arriscar tanto
como eles, eu ficava impressionado de vê-los comprando terras sem nenhuma
fertilidade, e após poucos anos conseguiam retirar dela toneladas de alimentos.
Basta visitarem regiões como o oeste da Bahia, Balsas no Maranhão, norte de
Mato Grosso, Vilhena em Rondônia, no Amazonas, e assim por diante, e verão
que aquelas riquezas foram feitas unicamente com o suor, a coragem e o
trabalho duro dos gaúchos!
Duvido que exista algum povo que faça igual! E quem se mete a transformar
aquilo que não vale nada, em algo que vale muito, sem duvida vai comer o pão
que o diabo amassou, e aí é que está a questão: Como não ter tropeço? Como
não passar aperto, se os obstáculos são imensos?

Exemplo, clima, pragas, Banco do Brasil. Vocês reconhecerão que o resultado


positivo de tudo isto, é muito maior do que os pequenos prejuízos que possam
ocorrer.
84

Certa vez eu arrendei meu avião para um gaúcho, piloto igual a mim, (estava
numa escala abaixo dele), que tinha uma companhia de aviação agrícola e dava
combate na região de Gurupi (sua sede), Formoso do Araguaia “Projeto
Formoso”, e Cristalândia.
Nestas regiões, plantava arroz irrigado e na Bahia, na região de Mimoso, soja,
milho, e quando chegava a entressafra, trazia seus aviões para o norte de Mato
Grosso e sul do Pará, para jogar semente de capim, nas fazendas que estavam
em formação!
E eu passei um bom período tão enturmado com a gauchada, que acabei
aprendendo tomar chimarrão, comer muito churrasco, gostar das prendas, e
soltar muitas gaitadas, só não aprendi a beber muito, não dava nem para a saída,
ficava na culatra mesmo e logo ia dormir!
O porre deles começava na sexta feira e acabava na segunda cedo, meu Deus
que fôlego, só ficava imaginando quando atingissem os cinquenta anos!
Um dia perguntei para o Pilau:

“ - Como você consegue beber tanto assim?


- Porque eu gosto do sabor da bebida, não consigo imaginar alguém que não
goste. Não pode existir alguém que não sinta prazer em beber.
- Confesso-te, que aqui está um que não gosta! Bebo pelo social apenas.
Gostar? Não gosto!”

Deste dia em diante, vi onde estava à diferença entre uma pessoa normal e
aquela correndo risco de tornar-se alcoólatra, e vi que nunca ia me tornar um
deles, graças a Deus!
85

Devo confessar a vocês que foram os anos melhores da minha vida, recebia
direitinho, voava pouco, sempre mudando de lugar, e quando ficava na Bahia a
nossa sede era em Posse, a última cidade de Goiás, ali era onde morava toda
aquela gauchada que plantava na Bahia, precisamente no município de
Correntina, e Santa Maria da Vitoria, que era festa todo final de semana, irmão!
Quando não estava voando para o Pilau, fazia taxi aéreo para aqueles que
precisavam ia ir ao banco ou em Correntina ou em Santa Maria, a assim dava
aquela matadinha (faturava)!
À Correntina gostava muito de ali pousar, e quando meu passageiro não queria,
inventava uma pane! Lá moço, a coisa era do outro mundo, o rio Correntina
passa no meio da cidade, não preciso dizer que tinha praia, corredeira, cachoeira
e para finalizar, um barzinho numa ilha bem em frente ao centro da cidade!
Ali a gente bebia e também curava a ressaca, dentro do rio, sem falar nas
prendas, que eram maravilhosas, não somente na beleza como na simpatia!
Deixei por lá grandes amizades, prometo que antes de morrer, irei voltar para
me banhar naquele rio e dar um abraço bem arrochado naquele povo tão bom!

Numas dessas viagens levei o Noronha.


Falar do Noronha, não será difícil, pois era um gaúcho de estirpe, de sangue
azul, enfim um nobre! Longe de ser um "chineludo", tinha estudado na Sorbonne,
era fluente em várias línguas, até seu porte era diferente dos demais, mais para
alto do que para baixo, entenderam?

Sou quase anão, batia a cabeça no seu ombro, e o que mais impressionava nele,
era sua testa! Vocês já viram aquela testa que demonstra inteligência! Ela dá,
sem dúvida, uma característica especial para a pessoa. Gostaria de ter igual,
parecer inteligente!
Sua voz era de comando, seu olhar era gelado, quando me olhava, sentia-me
um verme! Pudera, o homem comandava um império, plantava cinco mil
hectares de soja e milho naquelas terras ruins, tinha vários silos enormes para
guardar a safra sua e de seus amigos, seu custeio era de um milhão de dólares!
Irmão, o homem tinha dinheiro para “pelar porco”, sinceramente eu tinha medo
de conversar com ele, tanto era a imponência do bruto.
Um dia Pilau chegou para mim e disse:

“ - Niltinho vou colocar o Noronha para voar com você, ele precisa de um avião,
tem muito negocio em Brasília, São Paulo, e estas viagens de carro demoram
demais e além do mais, sua fazenda é a mais longe daqui, você vai ver como vai
dar certo!
- Mas como Pilau, se o homem tem um baita medo de avião? Quando voa
comigo, eu o vejo agarrar o banco do assento que parece que vai arrancar?
- Fique frio, Niltinho, você acaba tirando o medo dele, confio em você.”
- Não vai dar não, e além do mais ele é muito snob, cheio de tric-tric, eu não vou
aquentar este cabra não, Pilau, deixe isto para lá!
86

- E outra coisa Niltinho, eu vou fazer ele pagar a metade do conserto do motor
de seu avião, a outra metade é minha, não se esqueça que ele já está abrindo o
bico, não demora muito você vai ver o sufoco que vamos passar para fazer este
motor.
- Está bem Pilau, faça como você achar melhor! Porém se ele gritar na minha
orelha eu o derrubo lá de cima, ouviu bem?”

E assim eu me tornei o piloto particular do todo poderoso Noronha.


Era um sarro, ele mandava me chamar em seu escritório, dava um baita chá de
cadeira e depois me dizia:
“ - Niltinho, amanhã cedo nós vamos para fazenda, abasteça a aeronave.
- OK, Doutor Noronha!”
E saia dali puto de raiva! Imagine me chamar, para dizer que o voo só seria no
dia seguinte, achei que isto não passava do medo que sentia do avião! Queria
ir à fazenda, mas quando eu chegava, ele se arrependia e então me mandava ir
dormir!
Assim não ia dar certo, imaginei que tal parceria não teria futuro, e como seria o
conserto do motor? E aí pensei: tenho que acabar com o medo deste cabra, ele
tem que aprender a confiar, e a gostar do avião!
Passei então a arquitetar um plano!
Um dia quando fomos fazer um voo para Brasília e ele estava feliz, ia ver sua
prenda, uma baita loira de fazer o transito parar, comecei a colocar meu plano
em ação.

“ - Você sabia Noronha, que voar é muito mais fácil que dirigir?
- Como assim?
- Se você deixar eu vou lhe mostrar! Fiquei sabendo que você gostava de corrida
de carro, não é?
- Sim, eu dava meus pegas lá no Rio Grande, Tche, quando era piá! Hoje não,
estou velho!
87

- Que nada, quem já foi rei, sempre será majestade, quer ver uma coisa? Pegue
no manche, vire suavemente para direita, agora suavemente para esquerda,
olhei em seu rosto, vi que seus olhos brilhavam e pensei: mordeu a isca! Agora
você vai puxar o manche para trás e você vai notar que ele vai subir, porém não
se assuste, subimos, subimos, e quando estava quase no pré-stol, gritei:
“ - Agora empurra todo o manche para frente!” pensei comigo, vamos ver se o
gaúcho tem coragem! E aí ele empurrou todo o manche pra frente, e eu ainda
dei mais um empurrãozinho ainda!
Quando o avião despencou e ele viu a terra vir para cima, deu um grito e soltou
o manche, e aí cruzei os braços e falei:
“ - Segura Noronha que o avião é seu, eu não vou puxar o manche, puxe você!”

E ele naquele medo danado, sem saber o que fazer, e eu continuando com os
braços cruzado, só lhe restou puxar o manche para trás, pois seus dedos
estavam ali colados!
Puxou até que o avião voltou na posição que se encontrava. Quando saímos
daquela perda e sentiu que foi ele e não eu que tinha recuperado o equilíbrio da
aeronave sentiu-se orgulhoso, imaginem, dizia mais tarde para seus amigos:
“ - Fui eu que recuperei o avião, fui eu moçada! Niltinho não tocou no manche,
estava com os braços cruzados!”
Aquilo tinha sido o máximo para ele, e eu tinha tirado seu medo de voar para
sempre. Daí por diante sempre que ia voar eu decolava e entregava o avião para
ele, e lá ia ele todo feliz! Chegando à fazenda que procurava, ele mesmo ia ver
a lavoura, virava para esquerda, para direita, subia, descia, e trazia o avião até
a cabeceira da pista e então eu pousava!
Aquilo virou rotina, e era uma alegria para ele e para mim, pois quanto mais
voava, mais via o motor do avião sendo feito.
E ele a cada dia depositava confiança em mim e no avião! Não me esqueço do
dia que fomos para Ribeirão Preto e, ao chegarmos houve uma confusão da torre
de controle, e tivemos que dar preferência para um colega que estava pousando
em emergência!
Noronha não entendia nada que a torre falava, e foi ficando nervoso, olhava para
um lado olhava para outro e, com os olhos estalados perguntava:

“ - O que está acontecendo comandante?” E eu não querendo conversa


respondia.
- Tenha calma, Noronha!” O pior era o auto falante do avião que estava uma
droga, não se ouvia nada, o desgraçado só chiava e ele me viu sair daquela
embaralhada tão bem, que aí sim, subi como um rojão no seu conceito, como
"bom piloto”.
Fomos para o Bar Pinguim e tomamos todas que tínhamos direito naquela noite,
afinal ali estava nascendo o mais novo piloto da Bahia. A volta foi uma maravilha,
tempo bom, e ele veio voando até a cidade de Posse.
88

Só meus amigos, que aquela alegria estava prestes a terminar, o meu erro foi
não ter ensinado o gaúcho a cair! Isto mesmo, a cair! Tinha que ter avisado que
aquela “merda” um dia poderia cair, pois é natural que quem vive pendurado um
dia tem que cair, vocês não acham?
E o gaúcho não gostou nada da brincadeira de cair! Eu não, já tinha caído várias
vezes. Para mim era normal passar um sufoco de vez em quando. Ele não, nem
sonhava com a possibilidade de passar o que passamos.
A confiança já era tanta que nem desconfiava que um dia aquilo pudesse vir pro
chão, e como veio irmão. E vou contar para vocês como foi que o gauchão
amarelou.
Tinha acabado de fazer uma revisão no avião, uma baita revisão, daquelas de
não ficar nada para trás, mexi em tudo, carburador magnetos, mangueiras, enfim
gastei uma nota preta para colocar o CZC em ordem, afinal estava voando para
o senhor Noronha e o homem que não ia me deixar no “blefo”! No futuro, tinha
que cuidar dele, vocês não acham?
Sai de Goiânia e vindo à Brasília, fui encontrá-lo no Hotel e ele logo perguntou:

“ - Como foi o IAM do avião?


- Ótimo, tudo que tinha que fazer foi feito!” respondi.
- Muito bom, comandante! Amanhã vamos para Juiz de Fora, em Minas Gerais,
tenho que fechar um contrato! O contrato, na verdade, era outra prenda! É irmão,
o gaúcho era um verdadeiro garanhão!

- Vamos pernoitar por lá, ouviu bem?


- Sim senhor! Respondi. Ele naquela pose de magnata e eu, de serviçal! Nada
mais. Era isto que me irritava parecia que tinha mesmo que voltar a voar nos
garimpos, lá sim é que era bom pois garimpeiro não tinha frescura e se tinha a
gente mandava logo a merda e pronto!
Ali não. Tinha que tolerar aquela "frescurada" Porém mais tarde eu vi que aquele
era seu jeitão mesmo, e vim mesmo a gostar do gaúcho, nos tornamos grandes
amigos.
Tomamos aquele baita café de manhã e fomos para o aeroporto, acompanhados
de sua amada, a "lindona”, pensei comigo! Ainda fico rico só pra ter dinheiro para
gastar com uma mulher desta! Uma não, várias. Ainda vou ser o rei da cocada
preta e vocês vão ver!
Fiz o plano de voo para Juiz de Fora, passei na sala do serviço de meteorologia
e vi que o tempo ia ajudar! O tempo é o item que mais preocupa os pilotos na
realidade!
É que ninguém gosta de ficar desafiando a mãe natureza, uma vez ou outra tudo
bem! Dá um tempo, relaxa e vai de novo, mas todo dia, é um saco!
O aeroporto de Brasília, é muito grande, o movimento dos jatos é impressionante
e, imaginem vocês, um calango (avião pequeno) misturado no meio daquelas
89

enormes aeronaves, não é fácil! Porém lá estava eu, me sentindo o maioral,


pudera estava com o homem mais importante da minha região, o homem de um
milhão de dólares, um homem que, se fosse nos tempos da monarquia, seria
um Duque, talvez um Barão ou coisa assim!
E eu ali, servindo o homem com toda a merecida pompa, ainda mais que agora
tinha perdido o medo de voar!

Era um dos meus! O cabra já estava ficando bom no manche, mais um pouco eu
ia solar o bruto, e aí sim, eu ia merecer um motor de caixa, zerinho, vocês não
acham?
E para compensar a “bajulância”, uma hélice de troco. A única coisa que
destoava disto tudo era o avião! Tinha que ser um 210 ou um Sêneca e não o
182 ano 1967, um horror! No garimpo tudo bem, porém estávamos começando,
talvez um dia, um learJet!
Avião checado, tudo em ordem, não notei nada de anormal, fui para cabeceira
da pista, decolei, sai do tráfego, peguei a proa de Juiz de Fora, e fui subindo,
subindo, nivelei nos 7.500 pés, ajustei as manetes, e coloquei o PT-CZC a voar
sozinho!
Voltei para o meu amigo, e notei que ele estava descontraído, observando
aquelas lavouras de soja abaixo de nós, quando, de repente, o avião deu
“soluço” e começou a querer apagar! Confesso que levei um susto, tinha
acabado de sair da oficina, depois de um IAM! Que brincadeira era aquela?

“ - O que é isto comandante? Gritou o Noronha mais branco que um véu de


noiva.
- Não sei não!”E de fato, não tinha a menor ideia do que seria”!
Tratei de verificar a pressão do motor, a temperatura, mas estava tudo normal,
e o danado querendo apagar, querendo apagar e eu, dando-lhe umas
"cacetadas" e não adiantava nada, e começamos a perder altura.

Nisso o meu gaúcho engoliu o caroço, entrou em desespero, olhava para baixo,
para cima, para mim! Ele estava doido para sair dali, e é justamente o que se
passa na cabeça de qualquer um nesta situação, até dos pilotos!
Só que eles não sabem que o mais seguro é ficar dentro do avião! De repente,
Noronha viu que existia uma pista abandonada logo abaixo e gritou:

“ - Olha lá, comandante, uma pista! Pouse lá, pouse lá, vamos!”
E eu olhava para ela e notava que estava cheia de mato, pensei, esta "desgraça",
está abandonada, eu não vou descer aí não, vou quebrar o meu avião!
Larguei a orientação de meu passageiro, e trarei de comunicar a torre de
comando que iria fazer um pouso de emergência:

“ - Torre Brasília, aqui é Charlie Zulu Charlie.


- Prossiga, Charlie.
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- Estou em pane, passei-lhe minhas coordenadas e pedi para que ficasse na


escuta, pois não sabia exatamente aonde iria pousar. Enquanto isto o gauchão,
já no limite de seu desespero, não ficava parado no banco nem por um segundo,
olhou para baixo e viu uma estrada, e foi logo me pedindo:

“ - Comandante, comandante, tem uma estrada, ali olha, pousa lá!

- Tenha calma Noronha, assim você me atrapalha!”Olhei para a estrada, e notei


que era estradinha de lavoura, toda torta, estreitinha, se eu metesse a cara, ia
quebrar o avião é era justamente isso que eu não queria”! Tinha que salvar meu
ganha-pão a qualquer custo!
Confesso que não estava nem um pouco preocupado, uma imensidão de lavoura
de soja, que para mim era uma beleza, muito diferente da Amazônia, que era só
floresta, castanheira de cinquenta metros de altura, um amigo pousou sobre
uma, e se não tivesse uma corda não terá descido.
Quando meu amigo percebeu que eu estava saindo do rumo da estrada, entrou
em pane!

“ - Você não voou nos garimpos? Comandante, pouse na estrada, pouse na


estrada!” Gritava ele!
Eu não sabia mais com quem me preocupar, se era com meu amigo ou se com
o avião! Dei um grito e o mandei calar a boca! Imaginem só, eu o mandando
calar a boca! Graças a Deus que se calou, e me deixou pensar.

Eu já tinha perdido uns dois mil pés, e o danado do avião não queria saber de
mais nada, voar que é bom, "néca", porém não chegou a apagar por completo!
Parecia que tinha perdido as forças, mais ainda restava a esperança, parecia
que queria ainda dar-me uma oportunidade, quase querendo dizer que nunca
me deixou na mão, mesmo quando voamos juntos na floresta amazônica e “não
é aqui que vou lhe abandonar, trate logo de achar um lugar seguro para mim e
para você, seu piloto de uma figa!”
Confesso que estava tranquilo isto sempre foi uma característica minha na
aviação,quando a coisa ficava preta, eu ficava branco, amarelar jamais, podem
perguntar ao Noronha, e parece que foi isto, que mais marcou a sua
consideração por mim, e mais tarde eu vim entender todo o seu agradecimento:
na sua visão eu salvei sua vida (não se esqueçam de que eu também estava
salvando a minha)!
Em nenhum momento deixei transparecer que a morte havia chegado para ele,
parece que em todo o seu desespero, e olha, que ficou muito desesperado, havia
uma confiança, uma certeza que íamos sair bem daquela enroscada!

Como todo piloto tem uma visão bem mais apurada que os demais, enxerguei
ao longe, uma concentração de eucaliptos, e aquilo me deu a certeza que havia
a sede de uma fazenda onde, sem dúvida, iria existir uma pista, como era muito
comum nas fazendas de soja dos gaúchos!
91

Tratei de virar o avião para aquele lado, e isto causou mais espanto para meu
amigo afinal para ele, eu estava deixando o melhor lugar para pousar, que era a
estrada, para aventurar não se sabe para onde! Coitado, em seu desespero não
via o que eu estava vendo, e eu, atarefado com os procedimentos, não tinha
tempo para explicar!
E fui perdendo altura, confiante que ia dar para alcançar, só que quando já
estava próximo, confirmei que era mesmo a sede de fazenda, já estava bem
baixo e não via a pista, que estava justamente do outro lado dos eucaliptos,
beirando uma cerca!
Só enxerguei quando cruzei por cima da sede, que alivio irmãos, ela estava lá,
uns mil metros, que maravilha, estávamos salvos pensei!

Passei raspando as arvores e aí foi mamão com açúcar, acreditem, fiz um pouso
manteiga. Só que meu amigo, ainda desesperado, tratou logo de abrir a porta e
pulou para fora, saindo numa desabalada carreira, ligando pelo celular para a
namorada, e gritava:
“ - Nós caímos, nós caímos! E eu já ao seu lado tentando corrigi-lo, dizia:

“ - Caímos não, Noronha, pousamos! Pousamos!” Imaginem que a fazenda era


do grupo fabricante das colheitadeiras SLC e possuía uma bela oficina com
mecânico, que logo que abriu o capô, viu onde estava a pane.
Sempre acreditei que avião não cai por causa de motor, mas sim, com pane nos
acessórios, como carburador, magnetos e várias outras coisas, e foi
simplesmente uma fuga de gasolina, ocasionada pela braçadeira do mangote
que leva a gasolina do carburador para a cabeça dos pistões que quebrou e justo
estes dois citados, que eram para ser trocados na revisão, não o foram, dando
fuga de gasolina e causando assim a perda de potencia do motor, que nos levou
a passar por tudo aquilo!
“ - Coisa simples!” tentava eu explicar para meu companheiro, mas ele nem quis
saber de nada, montar no avião de novo nem pensar, tive que decolar sozinho
para uma cidade próxima dali, Luziânia, aonde tinha uma oficina de manutenção
para dar mais uma revisada, e tratar de alugar um taxi para buscá-lo de volta
para Brasília, onde voltamos a nos encontrar no Hotel.
Agora vocês devem estar pensando: Niltinho perdeu de vez o parceiro! Depois
dessa, o gauchão não entra nunca mais no seu "calanquinho", tchau revisão de
motor, e foi isto mesmo que eu senti quando voltei ao hotel e ele foi logo me
dizendo:
“- Nós não vamos mais para Juiz de Fora, amanhã cedo eu parto para São Paulo,
e você volta para Posse!”

Como já estava aguardando alguma coisa parecida, respondi:


“ – Negativo doutor Noronha, eu não vou voltar sozinho para Posse não! Aquilo
causou um espanto nele!
- Mas eu estou mandando! Você vai voltar sozinho, tenho que ir para São Paulo!
92

- Você não tem que ir a São Paulo coisa nenhuma, você está com medo de subir
novamente no avião, e eu não vou deixar que você fique com trauma de voar,
só porque tivemos uma panezinha! Se não subir naquele avião comigo, você vai
ficar para o resto da sua vida com medo de voar, portanto eu só saio deste Hotel
junto com você, e vamos de avião para Posse juntos! E agora vou tomar meu
banho! Estarei no restaurante para a hora do jantar!” E sai, deixando-o com a
boca aberta!
Ele não apareceu para jantar e, sozinho, fiquei pensando na merda que tinha
feito.
Amanheceu o dia e nos topamos no café, olhou com o rabo dos olhos e me
cumprimentou:

“ - Bom dia Comandante!


- Bom dia Doutor.”
Ele sentou em outra mesa, pensei, o homem não tem jeito não, nem sentar
comigo ele não quis, vou ficar na minha.
Sentei no saguão do hotel e fui ler um jornal, e de vez em quando, o observava.

Ele recebeu uns amigos e depois sumiu, e eu acabei indo para meu quarto e ali
aguardei o desenrolar das coisas, pois já estava virando uma novela da Globo.
Chegou a hora do almoço, fui almoçar e o homem nada! Lá pelas duas da tarde
ele apareceu e foi logo me dizendo: Eu não falei para você ir para Posse,
Niltinho?

-E eu não falei que só saio daqui com você? Senhor Claudio Noronha, vamos
embora pra nossa casa homem!” E dei um sorriso, que acredito, salvou meu
motor!
“ - Você não tem jeito não, seu Garimpeiro, vai mesmo me fazer subir naquele
avião de novo?
- É preciso doutor Claudio, se não, nunca me perdoará, e eu não quero pagar
este pato, vai ficar muito indigesto!” E dei uma risada!”
Vocês pensam que ainda foi fácil eu botar o “bruto” dentro do avião? Foi não,
quase que ele "quiabava" no aeroporto, só fiquei tranquilo mesmo, quando
decolei e botei no rumo de casa! Aí sim, respirei aliviado, afinal tinha salvado
meu motor, uai!

Olhei para o rosto do meu parceiro, notei que a confiança em voar estava
voltando, e arrisquei:
“- Pegue no manche Claudio, que está contigo”! Vou verificar uma frequência
aqui no Rotaer, (era somente uma desculpa para ele voltar a voar), e soltei o
manche, abaixando-me para procurar na bolsa, e fiquei ali procurando por um
bom tempo, e com isto ele voltou a pegar o gosto de voar. Acreditem, foi voando
até Posse.
93

Lá chegando, tinha um monte de gente nos aguardando no aeroporto, afinal, a


gauchada já sabia do ocorrido, e aí meus amigos, ele foi contar a história toda!
Tinha hora que a história era triste, outra hora era alegre, e assim foi até a
tardinha, a cerveja rolou solta e eu ali era o herói, foi por minha causa que não
morremos, dizia ele! Que nada! Foi a sorte! respondia eu, todo orgulhoso!
Imaginem vocês, que pensava que o gaúcho tão cedo não montaria no avião,
mas estava redondamente enganado! Logo ele me perguntou:
“ - Vamos para fazenda, comandante? Vou mandar matar um carneiro e só
vamos voltar na segunda, o que acha?”
Aquilo me pegou de surpresa! Levei um susto, mas respondi na bucha:
“ - Ora Cláudio, um convite deste, até cachorro aceita, vamos embora, o tanque
do avião esta cheio mesmo, e só irmos para o aeroporto!”
E fomos dormir na fazenda, na maior alegria! Confesso que não imaginava que
esta história ia terminar tão bem,vocês não acham? Só que o destino ainda não
se dava por satisfeito, e ainda ia rolar muita água por baixo da ponte!
O pior ainda estava por vir, meus amigos! Acreditem, meu motor ainda corria
risco! E grande!
As atividades voltaram ao normal e eu, ora voava para o senhor Pilau, ora para
o senhor Claudio Noronha. Tudo nos trinques, nem imaginava que meu parceiro
tinha se enrrolado todo, juntos aos bancos, depois com a CONAB -órgão que
armazenava a safra de soja e milho do Banco do Brasil, depois com os
fornecedores!
Quando dei por mim, meu gauchão estava sendo procurado pela policia,
imaginem vocês o tamanho do rolo em que ele se encontrava, nem Jesus Cristo
iria salvá-lo! E eu, como ficaria na história?
Não tinha um documento que atestasse que havia feito os voos para ele, e, pior,
aonde iria achá-lo? Nesta hora o gaúcho "pirulitou-se", sumiu do mapa,
escafedeu-se, quebrou que de tal maneira, que só restou farinha! Nem arroz de
terceira ficou como ele! E eu fiquei de boca aberta, pensando, o que seria de
mim se o gaúcho não me pagasse? E o motor, que já estava na hora de fazer?
Tratei logo de arrochar o Pilau, afinal foi ele que botou naquela bocada, agora
ele tinha que me ajudar a sair!

“ – Pilau, como vai ficar esta nossa novela com Cláudio? É melhor procurá-lo
logo, antes que seja tarde demais! Você sabe que eu não tenho condições de
fazer este motor só com o dinheiro de sua parte. Eu vou ficar quebrado, meu
amigo.
- Niltinho vamos para Brasília amanhã cedo, eu sei aonde ele está escondido,
porém garanto que ele não vai lhe dar o mínimo prejuízo! Conheço bem o meu
amigo, e além do mais, ele gosta muito de você, não sei por quê! Portanto fique
frio!
94

Como ficar frio, vendo meu dinheiro amarrado no rabo do "veado"! Quem fica?
Tratei de me acalmar e fomos para Brasília! Confesso que não tinha nenhuma
esperança de receber, pois tinha visto que, para receber conta documentada,
daquela gauchada quando quebrava, já era difícil, imaginem eu, que não tinha
nada!
Meus amigos ,estava chegando a hora de ver se meu parceiro era mesmo pedra
noventa, como dizia Pilau.
Quando nos encontramos em um bar, ele foi logo dizendo:
“ - Veio receber seu dinheiro, comandante?
- Vim sim senhor, você conhece bem a minha situação Claudio.
- Pois é, tenho uma proposta para fazer. Seu carro é liberado, não é?
- É sim Cláudio.
- Então, vou lhe passar a Pampa que tirei da agencia agora, financiada em vinte
e quatro meses, para você venda seu carro para fazer o motor do avião, e eu
vou pagando as prestações OK ,Niltinho?
- Aí não dá Cláudio, você vai ficar de pé?

- Não se preocupe comigo, pois vou dar um jeito!”


Confesso que não gostei da proposta, afinal quem ia me garantir que ele ia
continuar pagando aquelas vinte e quatro prestações, na situação em que se
encontrava?
Já estava vendo o oficial de justiça batendo na minha porta, logo, logo!

Meus amigos foià última vez que vi este gaúcho, pois logo em seguida, mudei
para Tucumã no estado do Pará, e todo começo de mês, lembrava-me dele, e
também do oficial de justiça que deveria aparecer só que jamais apareceu na
minha porta!
Não sei quem pagou as prestações, mas ele cumpriu integralmente sua
promessa, e até hoje fiquei sem entender por que ele havia feito aquilo!
Penso que deve ter sido em função daquelas situações que passamos juntos,
que o levou a ter consideração pela minha pessoa, não me deixando na mão,
sabedor que era de minha situação!
Espero em Deus que ele esteja bem, onde quer que se encontre! Mando-lhe meu
forte abraço e espero que seja muito feliz. Cuida-te gaúcho!

Em tempo: Após vinte e quatro meses, entrei em contato com a financeira e


liberaram o carro.
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96

A hemorragia
Minha mãe sempre dizia que não existia coisa melhor para curar um soluço, do
que um susto bem dado! E nisto ela era mestra, ela tinha a pachorra de ficar
esperando atrás da porta e quando passávamos, ela caia em cima da gente,
pregando-nos tamanho susto que, as vezes, chegávamos a urinar nas calças! E
assim o soluço passava, não tinha jeito!
É não é que um susto, também pode estancar uma hemorragia? Vocês
acreditam nisto?
Não duvidem, caros amigos pois esta história prova que é verdade, só não me
perguntem como, pois não saberei explicar. São daquelas coisas que acontecem
na Amazônia, pois se não existisse Deus, como iriam sobreviver os infelizes que
por lá habitam!
Vocês poderiam indagar: e o Estado? o município? O que faz por este povo?
Nada! respondo eu e, se não fosse pela bondade e pela solidariedade humana,
muitos dos que moram por lá, provavelmente já estariam mortos!
E aqui eu faço uma homenagem, ao meu amigo “Zé Antônio” da Brazud, dono
de umas das fazendas mais produtivas de São Felix do Xingu, homem de bom
coração, nunca deixou de receber qualquer um que batesse em sua porta
pedindo por um pouso, por comida, usar seu rádio, etc. Sua pista de pouso
sempre estava aberta para quem dela necessitasse, e olha que muita gente nela
se apoiou, e nesta história, foi fundamental para salvar a vida de um pobre
coitado.
Era um domingo, e eu estava numa moleza danada, tinha bebido na véspera, e
como o álcool nunca foi parceiro da aviação, eu tinha me prometido que não iria
voar por decreto nenhum, iria dormir a tarde toda! Só que, de repente, quando
toca o telefone, e imaginem quem era? O Fogoió, dono da estação de rádio! Ele
fazia a conexão entre o povo da floresta com a cidade.
“- Acorde Niltinho, que tem um voo para você!”
- Hoje não dá, Fogoió, estou numa “ressaca” tremenda. Acho que vou morrer!
- Não, Niltinho você vai ter que ir. O homem está mal, trouxeram-no numa rede,
de longe e está na pista da fazenda Brazud ! Se ninguém for tirá-lo de lá, vai
morrer com certeza e só tem você na cidade hoje! Vai lá bicho, tira o homem!”
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È isto que digo: A “solidariedade”, é mão que ajuda a salvar muita gente! Aqui
entre nós, é um dos sentimentos mais importantes da natureza humana e em
razão disto é que resolvi buscá-lo. Porém, tinha alguma coisa que me dizia que
aquele voo não seria normal!

Abasteci 60 litros apenas de avgas no CZC, talvez fosse necessário decolar


lotado de lá, eu não ia querer passar um “sufoco”. Decolei com uma preguiça
danada, a sorte era que meu avião sabia da rota e era só soltar o manche que
ia sozinho, igual cavalo de pinguço.
Que voo chato! Eu numa ressaca daquelas, o tempo meio embananado, tive que
passar naquela garganta que existe na serra antes de chegar à fazenda, e teto
baixo naquela região nunca foi agradável! Não demorou muito, lá estava eu
pousando, minha vontade era virar para trás, e voltar a dormir!
Parei na porta da fazenda, desci do avião e fui ver meus passageiros e quando
entrei pela varanda, enxerguei um homem moreno claro! Sua pele estava muito
branca, sua palidez impressionava!
Seus olhos indicavam, seguramente, o exato estado em que se encontrava! O
homem, de fato, estava com o pé na cova, tinha levado um golpe de facão que
lhe atingiu a perna, ao roçar um pasto, causando uma hemorragia que não
parava! Tiveram que trazê-lo na rede para a única pista que havia por perto, a
da Brazud, e ali estava ele, em seu segundo dia de sofrimento!
Aguardava-me, para levá-lo ao socorro! E neste momento senti pena dele,
cansei de transportar gente a beira da morte, porém não igual aquele !
O interessante é que não reclamava, estava sempre sorrindo! Só mesmo aquele
espírito abnegado do povo da Amazônia, para se comportar daquela maneira!
Minha vontade era tirá-lo dali rapidamente! Senti que o Fogoió não havia mentido
pois o homem iria morrer se aquela hemorragia não fosse estancada e eu sabia
que teria que chegar logo em Tucumã!
Tratei logo de acomodá-lo ao meu lado, dando espaço para sua perna ,junto com
os pedais, e o resto do povo foi lá para trás.
98

“ - Como está, companheiro?

- Bem melhor agora que você chegou, comandante!


- Aguenta aí que em breve você vai estar no hospital. Viu?”
Senti que ele estava se acalmado!
Dei partida no CZC, e comecei a taxiar para outra cabeceira. A pista, para os
padrões do Pará é boa, o único senão, era que a cerca que havia nos dois lados
da pista eram muito juntas, tornando assim a pista um pouco apertada, não
dando muito espaço, no caso de você precisar desviar de alguma coisa. E isto é
muito ruim!
Quando estávamos, mais ou menos no meio da pista, havia um magote de gado,
vacas, bezerros, novilhas, touro, parados, descansando na beira da cerca, uns
deitados, remoendo, outros de pé!
Eram todos Nelore de boa qualidade, e vocês sabem que o gado desta raça, é
muito agitado! Qualquer coisinha eles partem pra cima da gente! Ao observá-los,
comentamos:
“- Que gado bom tem o senhor Antônio, Heim”?

- É mesmo! Respondeu. Você precisa ver os bois gordos Niltinho, são de tirar o
chapéu!” respondeu o “enfermo”, que estava bem ao meu lado, de onde via tudo
à nossa frente.
Acelerei mais o avião para chegarmos logo no final da pista e não notei que o
barulho havia despertado aquele magote de gado!

Quando parei na cabeceira, chequei o avião, vi que tudo estava em ordem,


segurei nos freios, deixei os flaps para acionar quando puxasse o manche, e
acelerei tudo!
Esta era uma maneira que usávamos quando decolávamos com muito peso, de
uma pista curta! Dava mais velocidade ao avião, só que este procedimento,
produzia um barulhão danado!

E ai meus amigos, o gado assustou, e, quando já estava correndo pela pista, um


bezerro que estava deitado justamente debaixo do ultimo fio de arame, ao invés
de correr junto com a mãe para o meio do pasto, passou por debaixo da cerca
e correu na minha direção!
Vinha parecendo um cego, um doido e, quando o vi, dei um grito! O enfermo, do
meu lado, também gritou:
” - Vai bater, comandante!”, presenciando toda aquela cena e como não dava
ainda para decolar e passar por cima dele, pois não tinha velocidade suficiente,
a única coisa que me restou fazer, foi livrar a hélice e oferecer o lado direito do
avião para que ele batesse!

E ele bateu com tamanha força que o profundor (parte da cauda do avião) saiu
do lugar amassando tudo!
99

Antes de ser jogado para cima, deu uma cambalhota e caiu esborrachado no
chão, saindo correndo o desgraçado, todo assustado! Imaginem só, atropelei um
avião! Estaria pensando ele naquele momento!
Abortei a decolagem, freei o avião, abri a porta e fomos ver o estrago, todo
mundo assustado! Olhei para cara do enfermo, ele estava branco, parecia que
não havia mais uma gota de sangue em seu rosto tamanho foi o susto que levou!
Pudera, ele assistiu tudo, estava ali bem na frente ao meu lado!
Naquele momento pensei, e agora José? O que seria daquele homem? Eu não
poderia mais sair dali, enquanto não consertasse a aeronave e não saberia
quanto tempo isto levaria para acontecer!
Outro avião só no dia seguinte e olhe lá, imaginei comigo!

Como a vida é ingrata para certas pessoas, mais um segundo apenas teria dado
tempo para decolar e todos estariam a salvo. E agora? Só restava a morte, para
ele!
Que injustiça para com aquele pobre coitado! Onde estaria o bondoso Deus
naquele momento? Onde estaria?

Sentei ali no chão e me deu vontade de chorar, estava muito revoltado!


Passado o sufoco, tratamos de transportar o enfermo de volta para casa. O
avião? Iria cuidar dele mais tarde. Nada aconteceu com o bezerro, que voltou
para sua mãe e foi mamar!
Instalamos, o enfermo (desculpem-me, não consigo lembrar seu nome), de volta
na rede, e fui para o rádio, tentar avisar minha esposa e pedir socorro.
Olhando para a perna do moribundo, notei uma coisa estranha: a hemorragia
havia cessado, o sangue não vazava como antes! Perguntei-lhe:
“ – O que aconteceu, companheiro, o sangue parou de vazar?
- É comandante, alguma coisa aconteceu, o sangue não corre mais!”
Meu Deus, o que havia acontecido? Não estava entendendo mais nada pois,
momentos antes estava vendo aquele homem morrer e agora, estava se
recuperando! Afinal o que havia acontecido? Seria o susto ou um milagre?
Dizem que quando o coração pressente que vai haver uma alteração e poderá
ficar sem sangue, ele recolhe o máximo possível para si, e por isto que se fica
pálido, isto é para protegê-lo! Aí pode estar a explicação para o estancamento
do sangue que ocorreu!
Meus amigos até hoje não tenho explicação nenhuma para o ocorrido!
A única coisa que pensei, foi pedir a Deus o meu perdão, por Dele ter duvidado!
Será que Ele quis me dizer alguma coisa, que na vida a gente não deve ficar
julgando as coisas sem que de um tempo maior, para que entrem nos eixos
novamente?
100

Ser mais confiante, acreditar mais nele, eu, que era um tanto descrente? Serviu
de lição, hoje sou muito mais temente a Deus, e vejo o tanto que precisei Dele
quando voava, pois não existe uma pessoa que passou maior sufoco na aviação!
Se existe, eu duvido que seja igual. Somente com ajuda dele consegui
sobreviver! Não tenho a menor dúvida.
No outro dia o Espanha apareceu, trazendo um chapeador que por milagre
estava dando umas voltas por Tucumã, fez um reparo de emergência na cauda
do CZC, ocasião em que ficamos na fazenda por uns três dias! O enfermo
aproveitou o retorno do Espanha e foi passear em Tucumã, pois na realidade
estava totalmente curado, não havia necessidade de hospital.
E assim termino este conto sem realmente ter compreendido tudo que ocorreu
naqueles dias, mas, de hoje em diante, quero ficar sempre de bem para com Ele
!
101

O dedão

Vocês devem estar pensando que este título não poderia dar um conto. Pois
estão muito enganados, não é que deu? E talvez seja o mais engraçado que eu
já escrevi! E que vocês nunca passem pelo que passei, pois, por causa desde
“dedão”, quase fui tirado à tapa de um hospital!
Esta história começou quando fui pintar meu avião em Anápolis. Naquela época
em que os americanos invadiram o Iraque, criando aquela revolta, muitas
manifestações pela paz ocorreram, e eu também quis fazer a minha!
Depois de quebrar a cabeça, acabei encontrando uma forma muito original, e
acabei pintando a palavra “Paz” nos dois lados do avião, começando do nariz e
terminando na calda! Ficou muito lindo!

Como eu era muito amigo do piloto" Cabo Velho” e dono do hangar de Anápolis,
ele reservou um apartamento para mim, e fiquei bem instalado. De tardezinha
reuníamos, pilotos, mecânicos e curiosos, e eu aproveitava para contar os
“causos” sobre o Pará, e era aquela farra!
Numa destas tarde, o Cabo Velho que era mais ou menos da minha idade,
perguntou-me:
“ – Niltinho, você já fez exame de próstata?
- Eu não! Respondi meio assustado!
- Mas comandante, não acredito que você ainda não tenha feito? Olha sua idade,
cabra, já está na hora de fazer o exame de toque! Está com medo ?
- Não é questão de medo, e sim de desconforto.”
102

Aquilo caiu como um aviso, e por desgraça tinha perdido recentemente meu
sogro, vitimado por câncer, imaginem vocês aonde? Justamente na próstata! E
não é que o desgraçado do Cabo Velho, acabou por convencer-me a fazer este
bendito exame!
“ - Rapaz, aproveita que você está aqui em Anápolis, longe da sua terra, ninguém
vai saber de nada, e faça logo este exame, vai ser bom para você que é jovem
(50 anos, na época), vai voar muito ainda!”
O maldito falou tanto naquilo, que acabei marcando uma consulta num hospital,
sem conhecer o médico, sem saber ao menos que tamanho tinha sua mão e
principalmente seus dedos!
Esta história me fez lembrar outra, quando um amigo convenceu o outro a operar
a hemorroida, pois não ia doer nada, seria tranquilo!
E não é que doeu pra burro, e quando o operado saiu do hospital todo dolorido,
andando devagarinho, avistou aquele que tinha dito que não doía, no outro lado
da calçada e gritou: “- Venha aqui seu desgraçado, que quero te esganar, seu
mentiroso”! E o cabra não esperou, deu no pé (deve estar correndo até hoje para
não ser pego pelo amigo)!
Com tudo isto, estava eu todo preocupado. Só meu amigo me encorajando:
“ - Quando é que vai ser?
- Amanhã, amanhã! respondia.”
E fui empurrando com a barriga!

Eu usava uma bota gaúcha, salto alto, que me deixava uns cinco centímetros
mais alto, e estava chupando uma laranja na porta do hangar, com meu
inseparável punhal, (que, por incrível que pareça me acompanha ate hoje, já
perdi tanta coisa na vida, até minha primeira mulher, porém o danado do punhal
eu nunca dei conta de perder!),quando o pintor que estava pintando meu avião
chegou, e logo foi dizendo:
103

“ - Vamos logo Niltinho, que vou deixá-lo no hospital, você esqueceu do seu
exame? É hoje!”
Ele estava tão avexado, que não me deu tempo de pensar, se eu ia mesmo
encarar o desafio, já estava com vontade de dar um giro de 180 graus!
“ - Espere pelo menos eu guardar meu punhal, bicho.
- Não dá tempo, estamos indo de carona, e o cara está com pressa!

- Está bem!“ respondi, e como não tinha outro lugar para guardar o punhal,
coloquei-o dentro da bota! E não é que ele ficava tão bem ali, que volta e meia
me esquecia dele.
Partimos para a cidade, ele deixou-me bem à porta do hospital, e ainda me disse:
“ - Seja feliz comandante!” E partiu com aquele sorriso de deboche no rosto.
Quase o mandei á merda!
Entrei naquele monstro de hospital, onde só se via gente entrando e saindo, uns
com expressão de felicidade, outros com cara de choro, e pensei comigo mesmo:
coragem Niltinho, você não é o primeiro e também não vai ser o último a fazer
este exame! Vá em frente homem!

Cheguei na portaria, e me apresentei.


“ - Moça sou o cara que veio fazer um exame de próstata
- Ah, sim, senhor Nilton Costa!
- Sou eu mesmo!
- Então sente ali e aguarde seu médico, porque ele ainda não chegou.

- Obrigado!”, respondi.
Juro que notei um leve sorriso em seus lábios, não sei se foi para mim ou se foi
por outra coisa, mas que ela sorriu, tive a certeza!
Cada médico que entrava eu tratava de olhar bem para ele, e não deixava de
olhar para as mãos, e perguntava:
- Moça, é este?
- Não!” respondia
Até que entrou um baixinho, assim do meu tamanho, mãozinha pequena, e eu
logo me levantei, e perguntei:
- É este moça?
- Não, não é este.”

Porra que decepção! Tornei a sentar e fiquei aguardando.


104

E assim foi, entrava um, eu perguntava, entrava outro eu também perguntava, e


sempre a mesma resposta, não. Até que entrou um grandalhão, que me deixou
assustado, com a mão tão grande, que jurava ser capaz de pegar uma bola de
basquete brincando!
Aí eu levantei e com um fio de voz perguntei:
“- Não é este aí, não né?”

E ela com aquele sorrisinho que eu já tinha visto, me respondeu:


“- Pode acompanhá-lo, é ele mesmo!”
Moço, tive vontade de arremeter! E a danada da enfermeira fez questão de levar-
me até na porta do consultório, talvez pensando que eu ia sair correndo (e é
claro que eu estava pensado!)!
Eu parado na porta e a danada ainda me deu um empurrãozinho para dentro.
O médico me pareceu que sabia fazer seu serviço muito bem, colocou-me à
vontade, com aquela conversinha que era necessário fazer aquele exame, que
era muito simples, e que só era para meu bem e nada mais.
Juro que tive vontade de sair dali correndo, mas não havia jeito, o danado havia
trancado a porta, eu estava me sentindo enjaulado, fui logo tratando de mudar o
rumo da conversa.
- Doutor, será que aquele exame de sangue não é suficiente? Talvez não haja
necessidade de fazer este tal de toque”!
Quando eu falei isto, ele sentiu que, se não me pegasse ali, no tranco, não
pegaria mais, e tratou logo de impor sua autoridade.
“ - Negativo! O único exame que dá 100 por cento de garantia é o toque, e nada
mais!” e foi logo tratando de levantar-se e dirigir-se para uma sala ao lado, e
reparei que, quando voltou, o seu dedo indicador já estava todo lambuzado com
um o que parecia ser Glostora, (que se usava para pentear o cabelo no meu
tempo), e foi logo mandando abaixar as calças e deitar na cama!

A cama era daquelas em que se fazem os partos, comduas alças elevadas, onde
se colocam as pernas, e embaixo tem um rasgo que, no caso de parto, é por
onde se tira o recém-nascido, mas, no meu caso, serviria para o médico efetuar-
me o exame de toque, o ele fez com uma tamanha rapidez que só deu para
perceber um tunot (virar o avião em torno de seu eixo longitudinal) e dois
loopings (subir até dar uma volta completa)!
Não vi mais nada, achei que ia desmaiar quando ele me disse:
“ - Pode levantar!” E foi ao lavatório recompor-se!
Eu ainda estava meio atordoado e, quando fui levantar as calças, ela havia se
enroscado com o punhal que estava dentro da bota, fazendo-o cair ao chão!
105

Peguei-o de volta, e neste instante, o médico entrou de volta na sala e assustou-


se quando me viu naquela posição, com o punhal na mão. Moço, ele deu um
tamanho grito e foi logo dizendo:
“ - Calma moço, calma, o que você esta fazendo?”
E eu, com cara de inocente, tentando explicar que não era aquilo que ele estava
pensando, somente um costume da região norte, de usar uma peixeira dentro da
bota, para a eventual necessidade de chupar uma laranja, e nada mais!
Eu não sei se isto o convenceu, só sei que ele tratou logo de dizer que meu
exame foi perfeito, eu não tinha nada, e que não havia necessidade de eu voltar
nunca mais!
Vocês sabem, desconfio até hoje que o veredicto do exame, não foi lá muito
convincente, e, às vezes, tenho vontade de lá voltar para confirmar!
Só não volto, porque acho que talvez ele não tenha gostado de mim e não queira
me receber mais! O que vocês acham?
106

Um mergulho no Rio Araguaia

Meus amigos, algum dia vocês já pularam de um trampolim? Eu não! Não


destes pequenos, estou me referindo aqueles altos, de cinco metros de altura,
aqueles que quando você esta na beirada e olha para baixo, você se sente
uma formiguinha, dá tonteira, um medo de arrepiar ate os cabelos, e se algum
engraçadinho lhe der um empurrãozinho de nada e você despencar de
qualquer jeito, aí sim pois, se pensa que a batida na água vai ser moleza, doce
engano irmão, a bordoada é feia!

Meu instrutor de voo já dizia que, se tivéssemos que escolher entre cair no solo
ou na água, melhor seria preferir o solo, pois as consequências seriam bem
menores!

No meu caso, entretanto, não tive escolha, tive que ir para dentro do rio mesmo,
e foi aquela tragédia. Porém antes vou contar como eu cheguei à beira do
trampolim.

Vocês se lembram da estória do primeiro avião que comprei? O Cardinal? Pois


é, eu tinha um sócio naquele avião, um japonês, médico, que morava em
Dracena no Estado de São Paulo!

Apaixonado pela Amazônia, queria por tudo comprar uma fazenda em Gurupi,
Goiás, como de fato comprou mais tarde, e ai eu o convenci a se tornar meu
sócio em um avião. No começo ele achou a ideia meio maluca, afinal nenhum
de nos éramos piloto, porémme propus a aprender a voar, e ai tudo bem!
107

Só que um dia ele se apertou financeiramente, assim me dizia ou foi porque ele
ficou com medo de que eu morresse num desastre com o avião (ele deveria
achar que eu era meio maluco e se acontecesse alguma coisa comigo, ele ficaria
com todo o remorso, afinal, tinha o coração de ouro, e se preocupava demais
comigo), ele me pediu para vendermos o avião!

Como era muito bacana e me dizia que estava precisando de dinheiro, entreguei
o avião para ele vender e assim ele sair do sufoco, só que ele acabou vendendo
para uns "malas" de Cuiabá, fiado e, além de continuar no sufoco, ficamos sem
o dinheiro e também sem o avião, pois os caloteiros quebraram o Cardinal logo
nos primeiros voos no pantanal e ai a coisa ficou preta!

Foi quando ele me disse:


“ - Só você agora, Niltinho, para resolver esta merda que fiz, vá para Cuiabá,
pelo amor de Deus e vê se recebe alguma coisa daqueles "malas” porque eu já
perdi a esperança!”

Ele achava que eu era bom de briga, afinal eu morava nos sertões de Goiás,
aonde só tinha “matador” de gente, terra de cabra macho, e assim por diante, e
como o meu dinheiro também estava em jogo, resolvi encarar aquele abacaxi, já
sentindo, porém, que o nosso rico dinheirinho já estava amarrado no rabo do
veado!

Parti para Cuiabá, sem esperança nenhuma, e lá chegando, confirmei a merda


que meu sócio havia feito: os caras eram todos quebrados, tinham montado um
taxi aéreo sem dinheiro, desceram o pau a comprar avião fiado, o nosso já era o
terceiro, e por azar nosso e deles já tinham quebrado, não tinha como pega-lo
de volta, o prejuízo tinha sido grande pois o avião tinha virado farinha!
108

Foi aí que pensei: tenho que achar um meio de tirar nosso prejuízo daquele
balaio de gato, e tinha que ser na manha, e olha lá!

Aluguei um quarto em um hotelzinho barato, já prevendo que minha estadia seria


grande, e caí em cima dos malandros, ia cedo e de tarde para o aeroporto, virei
um carrapato nos calcanhares dos caras!

Tinha dito a eles, que só sairia dali com nosso dinheiro, caso contrario eles iam
me ver por lá pro resto da vida! Cara, vocês imaginem um chiclete grudado em
seu sapato? Assim estava eu, virei eu a sombra deles, até que um dia, o
gordinho, andando comigo pelo pátio dos aviões me disse:

“ - Está vendo este Cherokee? (avião da Piper que equivalia ao Cardinal).


- Estou! respondi.
- É meu, também! Você quer ficar com este no lugar do seu?”

Moço, entendi logo o que ele queria fazer: compraria aquele fiado, e o passaria
para mim, pagando sua dívida e me tirando da sua cola, ele não aguentava mais
a pressão que eu lhe fazia.
“ – Negocio fechado!”

“ - Tenho que dar um tempo para ele ferrar mais um, pensei!” E não deu outra,
após uns três dias ele entregou-me a “carniça”, e só mais tarde vim saber de um
acidente com o avião, tinham varado uma pista e bateram a hélice e isto quase
causou a morte de meu irmão!

Recebi o avião e trarei de sair dali o quanto antes, tinha certeza que aqueles
"caras" não iam aguentar o tranco por muito tempo!

Passando por Dracena, mostrei o avião para o Japonês, que, já nesta hora não
queria nem falar de avião muito menos de continuar a sociedade, e acabei
obrigado a comprar sua parte!

Foi um alivio que ele sentiu! Deve ter pensado: “ - Vou sair fora deste maluco
enquanto é tempo!” e não é que não tiro a razão dele? Hoje vejo que entrava em
cada fria que somente a mão de Deus para me livrar, como vocês verão logo
mais!

Levei o avião para Gurupi, e voltei a voar, afinal, só se faz um piloto é o deixando
ele voar! Torrava uma nota em gasolina, só que naquele tempo o avgas era
barato, correspondia ao preço da gasolina da carro, existia até uma propaganda
da Embraer, focada nos fazendeiros, mostrando que ir para a fazenda num
Corisco tornava-se mais barato que ir de camionete!

Ficou inviável trocar a camionete pelo avião é claro, pois no dia que privatizarem
a Petrobras, vou tomar o maior pileque da vida, três dias na “margaça”! Orra,
estes “caras” não se entendem, sobra gasolina de avião, eles exportam para
fazer dólares, e bota um preço caro pra nós nas sobras! Que patriotismo é este?
E dizem que não tem mercado, mas como? Se a Petrobras não deixa crescer o
109

mercado? Houve época que o Brasil era o maior importador de aviões pequenos
da Cessna!

Era só continuar oferecendo a gasolina com preço combativo que o mercado


continuaria a crescer, e como estaríamos hoje? Com esta política a aviação de
pequeno porte não se desenvolve, e olha o tamanho deste Brasil?

Na América a aviação também tinha um câncer, que estava impedindo o


crescimento do setor, impulsionados pelos preços do seguro, que ficaram muito
caro, tornando o custo dos aviões, proibitivo para as empresas! E o que fizeram?

Cortaram o seguro e criaram os “homebild” e, a partir daí você comprava o kit do


avião e montava na garagem de sua casa, sob sua inteira responsabilidade e
risco!

E aqui, como iríamos cortar a Petrobras, detentora do monopólio no fornecimento


dos combustíveis?

E o tempo foi passando, até meu pai, que sempre me desestimulou, já sentia
com coragem de voar comigo, íamos para fazenda, e só voltávamos no dia que
queríamos, afinal a minha vingança para com os pilotos que não gostavam de
dormir junto com as muriçocas, tinha chegado ao fim! Era um homem realizado,
piloto, o avião era meu, enfim, era o rei da cocada!

Doce engano, meus amigos, a “pauleira” ainda estava por vir, vocês verão!

Meu irmão Milton, que não tinha breve, logicamente se sentia dono do meu,
afinal qual é a vantagem de ser gêmeo? Não é usar as coisas do outro?
Passamos a vinda inteira usando a mesma roupa, até as cuecas eram
compartilhadas, sem falar nas namoradas!

Porque não o breve?


Só tinha um porem: não sei se por maldade ou brincadeira, denunciaram para o
DAC de Goiânia, a existência de gêmeos voando com o mesmo breve e armaram
uma arapuca para nos prenderem!

Só que, como sempre, Deus estava do meu lado naquela dia, e conseguimos
nos safar! A história aconteceu assim:

O filho de um amigo em Gurupi, sofreu um acidente, apresentando fratura


craniana, e só tinha um jeito para salvá-lo, que era transportá-lo para Goiânia o
mais rápido possível e foram pedir ao meu pai, autorização para que eu fosse
levá-lo!

Só que no momento da partida, meu irmão gêmeo, que tinha interesse de ir a


Goiânia, pediu-me para deixá-lo fazer o voo, e como eu já estava meio cabreiro
com tudo aquilo, (possivelmente prevendo o que poderia acontecer!) resolvi
entregar não somente meu brevê como todos os demais documentos, CPF, RG,
enfim, coloquei minha carteira em seu bolso!
110

E lá se foi ele, e acabou não dando outra! Não o deixaram nem mesmo chegar
à sala C onde se faz o plano de voo, e ali mesmo, no pátio, exigiram todos os
documentos, um por um, e meu irmão foi entregando, até que, no final perguntou
por que estavam fazendo aquilo, obtendo como resposta:

“ - É que recebemos uma denúncia que seu irmão gêmeo estaria voando com
seu breve, senhor Nilton!
- Imagine se eu ia permitir uma coisa dessas! Respondeu o Milton e aí é que
digo, sorte é para quem tem e não para quem quer.

Não posso deixar de relatar o acidente do Milton com o avião, pois existe grande
perigo, quando você compra um avião que não conhece, ou vocês pensam que
não existe mutreta nesse meio?

Existe e muito, vejam vocês, não é que o danado do cherokee havia sofrido um
acidente e a hélice sofreu uma bordoada tão grande que das pás ficou parecendo
um U? E sabe o que fizeram?

Desentortaram na bordoada, pintaram e deram como nova, só porque uma nova


devia estar custando uns $20.000,00 e aí o senhor Niltinho entra na história, feito
besta!

Imagine você voar num avião com a hélice neste estado, não deu outra, claro, a
bomba foi estourar na mão de meu irmão, que estava inocente, sem ter nada
com isto.

Estava ele num voo pelas bandas do rio Araguaia, felizmente passando no través
da pista da fazenda da Madre Massa (aquela fabricante de maçarão de Goiânia),
quando houve um estouro e a metade de uma pá da hélice foi para o espaço,
com o avião entrando numa trepidação tão grande, que se ele não desligasse o
motor, teria saído do berço, entrando em parafuso e aí, só um milagre mesmo!

Após ter conseguido fazer o motor parar, ainda conseguiu alcançar a metade da
pista e foram parar na porta de uma serraria que existia no final da pista, quase
que foram serrados junto com as torras, mas, enfim, conseguiram sobreviver.

Fui achar uma hélice para comprar, imagine aonde? Em Cuiabá, e lá chegando,
fui saber da turma dos “malas” que haviam "engrupido" o japa e, como previsto,
viraram farinha mesmo! Desapareceram! Comecei a acreditar então, que
administrar avião não é “sopa” não!

A vida continuou, e até meu pai já arriscava a voar comigo. Sentia-me mais
seguro, já fazia uns voos mais longos, só o que mais me intrigava é que eu não
conseguia estabilizar direito o avião!

Era uma dificuldade enorme, pois acabava de estabilizar, entrava em alguma


área instável, ele saia totalmente da posição! Somente mais tarde vim descobrir
que haviam esquecido um pedaço de ferro dentro da asa direita e assim, quando
ele saia da posição, desestabilizava o avião por inteiro!
111

Isto é que dá comprar um avião de quem você não conhece! Aquele, meus
amigos, era uma “carniça”!

Não me esqueço do dia em que dei uma carona a um amigo que era presidente
da cooperativa de Porto Nacional e ele todo satisfeito, o voo, uma maravilha, a
paisagem lá de cima, uma beleza, imagine o tempo que ia gastar vindo de
ônibus?

E no avião, somente duas horas e meia depois, já estava até pensando em


comprar um quando, de repente, entramos em um mau tempo e este aviãozinho
se esperneava todo, parecendo um cavalo bravo!

Fui perdendo altura, e quando sai visual, apareceu um “morro” na minha frente,
e aí amigos, foi aquele sufoco fazer o avião pular por cima dele, quase não deu
e, nesta altura, meu amigo já tinha perdido toda a vontade de comprar um!

Quando chegamos a Gurupi, ao descer do avião, ele disse para um amigo que
o aguardava “da próxima vez, pego carona de caminhão, mas não de avião!
Nunca mais!” Foi aí que vi, que para ser piloto tem que ter um parafuso a menos.

Outra passagem muito interessante, foi quando o Cabral, um velho funcionário


do DAC, um baita cara, me pegou com algumas falhas na documentação e quis
me reter no aeroporto de Goiânia, e aí amigos, o pega foi grande, pois tudo que
eu alegava, não adiantava nada! Já me sentia totalmente ferrado, quando olhei
bem para sua cabeça e vi que era nordestino!

Tive então, uma grande ideia, e perguntei-lhe, usando todo meu poder de
persuasão:
“ - Conterrâneo, você vai mesmo me segurar aqui?” Virei o rosto para outro lado
para que ele não visse meu riso, e percebi ele levantando sua grande
sobrancelhas do lado direito e, olhando-me muito sério, perguntou:
“- De onde você é então?” Rapaz, aquela pergunta me pegou tão desprevenido,
que não me vinha na memória nenhum nome de alguma cidade nordestina e,
neste momento, com a boca aberta, respondi, na "bucha":
“ - Sou de Bem te Vi! (tinha acabado de ver um, no jardim do aeroporto)!
- Bem te Vim Bem te Vi, aonde é esta cidade, cabra?” Ficou ele me olhando,
meio desconfiado!
“ - Ó cabra, estou vendo que você não conhece mesmo nosso Estado, não é?
- Bem te Vi, agora sei onde fica, é no Nordeste, é nas catingas! Vai logo embora
conterrâneo, e não me apareça mais por aqui com estes documentos fajutos, se
não eu vou prender seu avião, e aí você vai ver o que é bom pra tosse!”

E eu tratei de sair dali rapidinho! Já tinha escapado das garras do DAC, e mais
tarde fui obrigado a repetir a dose muitas vezes. O DAC é fogo, amigos!

Uma das vantagens de ser dono de avião ,e olha que são poucas, é ser tratado
como rico, que maravilha, toda mundo quer dar uma voltinha, a mulherada nem
se fala, é como você tivesse uma Ferrari, é um sucesso!
Até minha atual esposa, que tinha na época quinze anos, era linda, uns olhos,
que fazem inveja a muita gente, caiu nessa! Na época os pilotos eram os reis da
112

cocada, e ela embarcou, amigos, e até hoje reclama, pois não tem uma boa
casa, não tem carro novo, não viaja nas férias, e assim por diante, o rosário é
grande, que adiantou ter casado com piloto? Diz ela! E é uma verdade, o Lula
nos ferrou, castrando a Amazônia como ele fez, e acabei sendo obrigado a
vender até o avião, afinal, voar para quem?

Hoje eu só voou no Flight Simulator, e nada mais! Encerrei mesmo a carreira.


Infelizmente não tenho aposentadoria, vou ter que me ferrar para ganhar o meu,
Deus que me ajude, daqui para diante, sem voar vai ser uma barra.
No entanto, a parte mais triste desta historia, foi quando a sorte me abandonou
e acabei ficando a mercê da minha inexperiência, da minha burrice, pois o avião
não teve culpa de nada, coitado, coube-me toda a responsabilidade pelo
acidente. Exatamente o que não faz grande maioria dos colegas, que preferem
jogar a culpa na aeronave!

Antes de tudo quero pedir perdão para meu falecido pai, pois foi o que mais
sofreu, ele me viu cair no rio, porém do local em que se encontrava, não podia
me ver saindo de dentro da água e acabou ficando com a sensação de ver o filho
levado para as profundezas do rio, coitado, ele correu tentando me salvar mas
suas pernas não ajudavam, amoleciam e ele caia, e foi assim até chegar a um
barranco e ver que eu estava a salvo!

Foi quando se acalmou, levando um bom tempo para se recompor, coitado, e


isto serviu-me de motivação para cuidar muito bem de meus passageiros,
fazendo de tudo para que eles não sofressem de medo!

Via uma chuva e sabia que ia chacoalhar? Desviava, e assim procurava tornar
o voo o mais agradável possível.

Era inverno, as chuvas não paravam de cair e, o rio Javaé (braço menor do Rio
Araguaia) bufava, a água já tinha chegado à barranca, os varjões todos
alagados, nem os "beiradeiros" aquentavam mais, só se via gente procurando
as partes mais altas, e por infelicidade havíamos deixado umas quinhentas
cabeças de gado na fazenda Barreira da Cruz, bem ali na desembocadura do rio
Formoso com o rio Javaé, e nosso vaqueiro veio nos avisar que havia
necessidade de tirar o gado antes que a enchente chegasse e destruísse o
rebanho!

Fui com meu pai mais o vaqueiro que se chamava Jô, para a fazenda tentar
solucionar o problema e ali havia uma “finada” pista, abandonada, cheia de mato,
só estava seca a parte que era na beira do rio o resto já estava alagada e o
“besta aqui” resolveu pousar para ir socorrer as vaquinhas!

Irmãos, o perigo do piloto esta até nas duzentas horas, ele pensa que já sabe
voar mas, doce engano, ele está preparado sim para quebrar a cara e foi que
aconteceu comigo, hoje com minha experiência tinha dado meia volta, afinal
melhor preservar nossas vidas que as do gado!
113

Meu pai ainda me perguntou se devíamos pousar, afinal ele tinha visto a pista
muito alagada, só eu é que não via, acreditem, eu já tinha o avião na mão, não
via dificuldade em pousar e sair dali !

Meti a cara, para baixo, seguindo o ditado que diz, que para baixo todo santo
ajuda (e ajudou mesmo!), e logo o avião parou naquela pista cheia de água!

Descemos, e fomos para o rancho que havia no barranco do rio, meu pai foi se
inteirar da situação e eu fui pescar piranha, pois era só que se pegava por ali,
além de ver os botos a nadar na beirada do rio.

Depois de muita conversa resolvemos largar o gado ali mesmo, e eu iria buscar
uns equipamentos de meu pai em nossa fazenda do outro lado do rio
Douradinho, bem próximo dali, para que ele ficasse cuidando do gado por ali
mesmo.

Vocês acreditam que não vi nenhum perigo em tentar decolar dali, com aquela
pista alagada? Achava que após correr a parte pior, que era mais longe da beira
do rio e chegasse à parte mais enxuta, que era mais perto da barranca, ganharia
velocidade suficiente e decolaria numa boa, pois, com a outra margem bem
distante, não havia nada que pudesse atrapalhar!

Era só fazer um voo rasante que teria velocidade suficiente para subir depois!
Doce engano, deu tudo ao contrário, pois o avião não ganhou velocidade e
quando a pista estava acabando e puxei o manche para ele sair do chão, não
deu outra, ele estolou e fomos parar dentro do rio.

A "porrada" foi tão grande que graças a Deus, a única porta que o avião tinha,
justamente do lado do copiloto foi jogada para fora, e meu amigo Jó, dono de
uma barriga enorme, levou um sopapo do manche na boca do estomago, que o
deixou desacordado!

Quando dei por mim, já estava de pé sobre a asa do avião, passando por cima
do meu amigo desacordado e foi aí que cai na realidade e tratei de soltar o cinto
de segurança que apertava meu amigo, dando-lhe um safanão que acordasse
pois, sozinho, não daria conta de salvá-lo! Enfim ele acordou e eu disse:
“ - Jó vamos sair daqui, que vai afundar rápido!” Moço, como a água entrou
rápido, já passando toda pelo assoalho! Neste instante vi meu amigo naquela
calma, tirando a botina e isto acabou por acalmar-me, também, deixando a
correnteza levar a mim e ao avião!

Foi então que tive uma ideia meio maluca, de tentar salvar o avião, pois, no rumo
que a correnteza ia nos levando, existia uma grande figueira e seus galhos eram
tão longos que íamos passar por debaixo deles! Gritei para o Jô:
“ - Pule na água e venha me ajudar a segurar o avião, quando ele for passar por
debaixo daquelas galhadas! E não é que ele pulou, e nadou até nos alcançar?
Eu na ponta da asa, tentando amarrar aquelas galhas no espaço entre o aileron
e ponta da asa!
114

Que estupidez a minha, pois minha mão ficou presa naquele emaranhado de
galhos, quase me arrastando junto, para o fundo!

Quando percebi que a cauda do avião subia e nariz afundava, senti que não
tinha mais jeito, gritei para o Jó:
“ - Largue esta desgraça para lá que já esta afundando, vamos para o barranco!”
E saímos a nadar, só que com bota, camisa de manga comprida e calça Jean,
não foi nada fácil alcançar a margem!

Felizmente saímos de dentro do rio, ai tive a minha maior tristeza, vi o rio


Araguaia engolir meu avião e eu sem poder fazer nada para salvá-lo! Foi muito
triste!

Tudo isto porque ainda não tinha a experiência necessária, ainda tinha muito a
aprender!

E assim termino esta historia deixando para a próxima "Como foi que eu localizei
o avião no fundo do rio e o recuperei"! E não pensem que saí no prejuízo porque
não saí mesmo! Mas espero que tenham gostado de mais esta aventura!
115

Prisioneiro dos índios

Antes de começar a história de minha prisão em uma aldeia indígena, eu tenho


de contar como chequei lá, portanto se preparem para fazer a viagem comigo,
apertem o cinto e me desculpem se não gostarem do voo!

Por acaso, algum de vocês já esteve em uma cela? Em alguma prisão por aí?
Quem já passou por isto sabe o quanto é ruim. Perder a liberdade é triste, o
direito de ir e vir e tão sagrado para mim, que hoje renuncio a qualquer ato de
violência, somente para não passar o que passei, quando fui preso por indígenas
em uma aldeia no Amazonas!
116

Índio para mim, sempre foi sinônimo de problema: cada voo feito para os
mesmos resultou em prejuízo, a não serem aqueles de responsabilidade da
FUNAI. Dizer que você é amigo de um índio, tudo bem, eu quero saber se ele é
seu amigo? Aí a coisa muda de figura! Foi por acreditar nesta amizade, que eu
e um garimpeiro que se dizia "amigo" de um determinado Cacique no meio da
Amazônia, acabamos por levar uma "cana", das mais difíceis de escapar!

Esta historia começou por conta de meu espírito aventureiro, sempre em busca
de garimpo, de ouro, é isto é que colocou-me em mais uma enrascada pois
quase perdi a vida e, pior, meu avião! Este sim, seria lamentável perder. Grande
companheiro, ainda o compro de volta, somente para ser enterrado comigo
quando morrer!

Estava voando na Bahia, uns voozinhos mamão com açúcar, ganhando meu
dinheirinho numa boa mas faltava alguma coisa dentro de mim, sentia saudade
dos garimpos, da vida dura, dos voos piores ainda, porém, com a possibilidade
de se fazer ouro! Nunca vi mercadoria tão atrativa como o ouro, tanto para os
pilotos como para os garimpeiros! Somente quem conheceu Serra Pelada,
Itaituba, Roraima, é que vai compreender como esta "febre" é contagiante! Uma
"fofoca" é capaz de juntar milhares de pessoas em pouquíssimo tempo, que
acaba assustando!

Sonhava que alguma coisa relacionada ao garimpo aparecesse, quando topo


com o Araújo, um piloto que havia voado em Roraima, que estava justamente
precisando de um avião para voar em Rondônia, num garimpo que ele havia
descoberto!

Não deu outra, foi à mesma coisa de juntar a tampa com a caçarola, e lá fui eu
para Rondônia, sem saber ao menos quem era o Araújo e o que realmente ele
estava fazendo por lá. Irmãos, fiquei cego, só mais tarde é fui lamentar o meu
erro pois, na região do Iriri, foram criados mais de 5 milhões de hectares de
reservas (ecológicas, indígenas e outras mais), justamente sob a qual existe
maior reserva de minério do Brasil, que é a Serra dos Carajás! Por acaso vocês
tem a noção exata do gigantismo destas áreas?
117

Ele vinha trazendo uma nova "esposa" que havia conhecido lá pelas bandas do
Nordeste e partimos, os três, rumo ao desconhecido! Isto para mim era o
máximo, eu virava uma criança, aposto que eu rejuvenescia uns dez anos pelo
menos, hoje com a minha idade, eu vejo que sem dúvida me faltava um parafuso!

Decolamos de Goiânia com o propósito de abastecer em Rondonópolis no


estado do Mato Grosso, a viagem foi uma maravilha, pilotando o avião, foi meu
novo "amigo", e senti que, sem dúvida, ele tinha o avião na mão! Realmente
voar em garimpo faz com que qualquer piloto adquira uma sensibilidade muito
grande, se não ele quebra quando vai para pouso, e esta sensibilidade é que
separa um piloto de garimpo dos demais!

A região que sobrevoamos é muito linda, aquelas chapadas, com aqueles morros
nunca me saíram da mente. Talvez a falta de voar rumo ao desconhecido, visitar
regiões que eu nunca havia visto fosse a causa de ser um homem irrequieto,
sentia-me feliz em voar por onde nunca havia voado.

Quando estávamos abastecendo, o Araújo encontrou um amigo piloto, de minha


idade, muito simpático, que também ficou muito interessado em conhecer o
garimpo, e prometeu que não demoraria em aparecer no local!

Infelizmente não me recordo seu nome, mas até hoje não esqueço seus
conselhos, que muito me ajudaram nas horas difíceis que passamos juntos. Até
aí, não havia encontrado ninguém que falasse mal do meu novo "amigo”, e
quando vi este colega querendo ir voar no garimpo dele, senti mais confiança,
acreditei que realmente tinha tudo para dar certo esta nova parceria, afinal, tudo
que o Araújo me dizia era de se acreditar, em nenhum momento ele transmitiu a
ilusão de que iríamos fazer toneladas de ouro e sim um tanto que recompensaria
o sacrifício!

Esta realidade é que me fazia acreditar nele sem desconfiar de nada.


Geralmente a ambição é a principal isca para se pegar otário!

De Rondonópolis iríamos direto para Ariquemes no estado de Rondônia, porem


o mau tempo nos obrigou a pousar em Ji-paraná, e somente voltamos a decolar
no outro dia cedo, e aí sim, é que a coisa ficou feia, pois tivemos que fazer um
pouso forçado numa pista meio abandonada! No local, foi preciso deixar o Araújo
e sua esposa, em razão de não ser possível decolar com nós três, de tão curta
que era a pista e, assim sendo,segui sozinho até Ariquemes, e meus
companheiros seguiram de ônibus.

Devo dizer que quando entramos em Rondônia, vi o quanto que este nosso país
é rico! Pobre? Somente o povo, que o habita e isto é o que não entendo, pois
tantas são as terras boas que vi, que cheguei a prometer que ficaria para sempre!

Em minhas andanças na região, sempre procurava um bom lugar para viver,


afinal sempre fui um apaixonado pela Amazônia! Sinto, porém, que a única
possibilidade de se ganhar dinheiro por ali, só ocorrerá em função de mudanças
políticas, obrigando governantes a encontrar um modo viável de exploração da
floresta, que possibilite a sobrevivência do homem local, sem prejuízos ao meio
118

ambiente, caso contrário, se verá ocorrerá uma grande invasão, afinal, por aqui,
ninguém respeita o espaço do outro, muito menos do estado!

Ariquemes, bela cidade! Bem entendido, para os padrões da Amazônia, pois ali
você respirava aquele ar do sertão, de coisa nova, tudo por acontecer, você
enxergava que ali tinha futuro, sem falar da existência do maior garimpo a céu
aberto do mundo, o Bom Futuro, que extraia milhares de toneladas de
cassiterita, para abastecimento das indústrias de São Paulo, nunca vi coisa igual!

Aquilo gerava um bom movimento para a cidade! Os hotéis e restaurantes viviam


sempre lotados, aquilo sim que era lugar de se viver! Já me sentia rico, mal
sabendo porém, o que o destino me reservava!

Araújo tinha uma casa alugada na cidade e lá ficamos por uns três dias! Já
estava impaciente, queria chegar logo ao garimpo, não via a hora de botar uns
ourinho na boróca, só que, o garimpo se localizava a quase uma hora de voo,
em Machadinho do Oeste, ainda no estado de Rondônia, quase na divisa de
Mato Grosso e Amazonas! Já sentia que estava muito próximo do fim do mundo!

Machadinho do "Oeste", como o próprio nome diz, era como aquelas cidades do
velho oeste americano: tiro para todo lado, matavam uns dois por noite e
deixavam amarrados mais uns dois para o dia seguinte (?), uma barbaridade!

Situada numa região de mata, com terras boas, muita madeira e minérios como
o ouro e a cassiterita, além de muitas terras devolutas para quem quisessem
arriscar ser dono! E isto sempre foi a razão de eu andar por aquelas bandas,
jurei para mim mesmo, que não morreria sem antes possuir uma fazenda de
gado!

Graças a Deus este sonho acabou, pois fico com pena de muitos companheiros
que perderam suas fazendas e de sobra levaram uma baita multa do IBAMA,
impagável, por sinal, só porque possuíam o mesmo sonho!

Não seria o suficiente para o Estado tomar tão somente a terra, porque a multa?
Se quando ele tomou posse daquelas terras não existia nenhum decreto de
reserva sobre ela? Estavam abandonadas pela União! E por que aquelas terras
que ficaram fora das reservas que o proprietário desmatou na mesma época,
não receberam nenhuma notificação? Quer dizer que aqueles "pobres coitados”
que ficaram dentro da reserva recebem o castigo, e aqueles que ficaram na outra
margem da divisa {por sorte apenas} estão isento da pena?

Esta é a verdadeira lei da "desigualdade", ao pensar que existia no tempo dos


militares aquela célebre frase “INTEGRAR PARA NÃO ENTREGAR!”, quando
pediam para o povo brasileiro vir morar na Amazônia, e hoje digo "Viva o Lula",
viva o Brasil dos estrangeiros! Para quem não entendeu, estou falando da região
do Iriri, que também é conhecida como Terra do Meio porque fica entre os rios
Xingu e Iriri, na região sudoeste do estado do Pará.

A coisa que mais me intrigou, foi a fria recepção quando chegamos a


Machadinho, parecia que existia alguma coisa no ar, querendo dizer que éramos
119

pessoas "non gratas", afinal eu nunca tinha estado por ali antes, não conhecia
ninguém dali, não entendia o porquê daquela frieza, não era comum tal atitude
naquele meio de pessoas tão solidárias e boas e, em razão disto, comecei a me
preocupar!

Passados uns três dias fui fazer o primeiro voo para o garimpo, como vocês
sabem, as pistas geralmente são uns desastres porque ficam no meio do mato
e geralmente não são feitas por tratores e sim por enxadão e motosserras, você
tem que conhecer o ponto de toque, o tamanho certo, qual a cabeceira que tem
que usar, enfim, se você bobear, tchau mano, já quebrou!

Por isto resolvi dar o comando da aeronave (banco da esquerda) para o Araújo,
afinal, ele já conhecia bem a região e pelas informações dos outros pilotos, e a
pista era "caixão" (termo usado para definir uma pista perigosa)!

Quando lá chegamos, vi que afinal não existia pista nenhuma e sim uma simples
abertura no meio dos morros que a cercava! Na verdade, isto era de assustar
até defunto, porque mal dava para pousar vazio, e imagine então pilotando uma
pequena aeronave com quinhentos quilos! Naquele momento, bateu-me aquele
arrependimento, e comecei a me questionar, afinal o que fui fazer lá, se na
Bahiaestava tranquilo, sem risco nenhum e agora estava eu naquela "bocada",
meu Deus, o que eu ia fazer?

Naquela pista eu não pousaria nem morto meus irmãos, tenho que dizer a
verdade, "amarelei" e sem dúvida nenhuma, recuar foi a melhor coisa que eu fiz
para não quebrar meu rico aviãozinho, então voltei para a base e tratei de
arrumar um piloto melhor que eu, e assim acho que salvei meu "calanguinho".
Feliz é o piloto que conhece suas limitações!

Lembram-se daquele piloto que encontramos na nossa vinda em Rondonópolis?


Pois é, ele veio irmãos, estava no garimpo e, quando girou base e veio para
pouso, pensei comigo mesmo “Vamos ver se o velhote é bom mesmo!” No local
existia um rancho a uns cem metros do final da pista, de onde eu estava espiando
o pouso! Levei um susto quando ele passou por mim numa velocidade tão alta,
que coloquei as mãos na cabeça e cheguei a fechar os olhos, para não ver a
bagaceira (acidente)! Tinha certeza que ele ia vazar (ultrapassar o limite da pista
de pouso), mas por sorte conseguiu parar a tempo, já com o focinho dentro do
mato, graça a quem?

Aos famosos freios Birigui (freios brasileiros irmãos), fabricados em nossa terra
que anos mais tarde, foram copiados pela Cessna pois, se estivesse usando os
freios do fabricante, ele já teria ido, teria partido dessa vida para a outra! Quando
ele saiu do avião estava branquinho, parecia que estava com malária! Não deixei
de cumprimentá-lo afinal, ele deu conta. E eu? Nem havia tentado!

E a vida continuou, Araújo desceu o pau a voar, logo já tinha uns quinhentos
gramas de ouro na mão, só que quando fui falar em receber, lá veio o cano:
arrumou-me umas poucas graminhas e me empurrou com a barriga! Não gostei
nada da conversa dele!
120

Como tinha alguns pilotos no local, resolvi me enturmar, coisa que o Araújo não
gostava, e graças às minhas novas amizades, consegui descobrir quem
realmente era o meu "amigo". Pois o homem era perigoso, seu garimpo, na
verdade, havia tomado na marra, ele estava se tornando o novo "Rambo", (o
Rambo ficou famoso no garimpo Castelo dos Sonhos, pela sua violência e
acabou morto pela policia), este sim, era seu ídolo, ele gostava de contar suas
proezas e esperava ficar rico seguindo os mesmos passos, invadindo garimpos,
matando, saqueando, sem saber que o destino lhe reservava o mesmo destino.
Coitado! Ainda volto para contar como foi sua morte, aguardem!

Como havia chegado o piloto de Rondonópolis, eu tratei logo de passar o abacaxi


para ele, e tratei de sair de mansinho daquela fria, só que nesta altura eu não
tinha dinheiro nem para voltar para Goiânia, imaginem em que situação eu
fiquei? Pelado mano!

Dizem que quando se fecham as portas, Deus abre uma janela, e ai então entrei
no ramo de compra e venda de cassiterita, num garimpo ao lado, só que não
tinha dinheiro, só me restando a simpatia e aquele jeito amigo que sempre me
acompanhou, e, partindo daí, mandei brasa a comprar fiado, levava para
Machadinho de avião, quinhentos quilos por voo, saía espantando macaco, a
sorte era um rio que tinha no final da pista! Quando chegava a Machadinho,
embarcava o minério nos caminhões de retorno para Ariquemes e lá vendia, e
depois voltava para pagar e comprar mais, e assim minha vida começou a
melhorar!

É aí que começa a historia da prisão.

Nessa altura eu já tinha adquirido os conhecimentos básicos sobre a cassiterita,


tinha aprendido a comprar e vender, já tinha a clientela, e dentre estes, um que
ficou muito amigo, infelizmente não recordo seu nome!

Um dia ele veio com uma conversa que existia uma tribo de índios no Amazonas,
não muito longe dali, em que o cacique da aldeia era seu "amigo" desde os
tempos em que ele tinha um barco e cansou de negociar castanha do Pará com
eles, por isso ele tinha se tornado um "amigão" da aldeia, e agora ele tinha
conhecimento que estes índios estavam tirando cassiterita, e me convenceu a ir
negociar com o Cacique!

Ele disse que eu ia "matar de pau", afinal todo índio é ignorante, não sabe
matemática, mais um mamão com açúcar para meu lado (doce engano, irmão)!

Antes porém, tive uma conversinha com meu amigo:


121

Garimpo de Cassiterita

“- Bicho, eu não estou gostando dessa ideia de ir à Aldeia, eu nunca tive sorte
com índios, para mim este povo não tem amigo”! Vá que dê zebra, quem vai tirar-
nos de lá? Nem Jesus Cristo dar jeito, isto esta me cheirando "caixão" (de
defunto)!

- Que nada Niltinho, e os meus longos anos negociando com eles? Eu já não te
disse que eu e o cacique somos "irmãos"? Você vai ver só, te juro que vai ter
uma festa quando eu chegar lá, você vai ver, sem falar que quase ficamos
cunhados!

- Tá bom! E você por sinal sabe como vamos chegar nessa aldeia? (Naquele
tempo não existia o GPS que hoje possibilita uma navegação precisa.)

- Deixa comigo, eu levo você até lá, é fácil, nós vamos montar neste rio que
passa perto da divisa do Amazonas com Mato Grosso até encontrar outro rio que
sobe, procurando o rumo da Transamazônica! De lá vamos encontrar uma região
122

de campo cerrado, a pista está nas margens de um riozinho, não é fácil


comandante?

- É, respondi!” Com cara de babaca! Imagine se isto lá serviria de orientação


para coisa alguma? A vontade de aumentar meus "negócios" com cassiterita era
tanta, que não coloquei nenhum obstáculo. E no outro dia cedinho decolamos, e
não é que o desgraçado me levou certinho para a aldeia? Demos tantas voltas
que quase fiquei tonto, só pensei como seria o retorno!

Engraçado, no meio de tanta floresta deparei com uma região de campo, plana,
que pensei logo nos gaúchos, se algum deles descobrisse aquelas terras, logo
iria ser transformada em lavoura de soja (o que de fato aconteceu, anos mais
tarde!).

A aldeia ficava distante da pista uns dois mil metros, sobrevoei a aldeia fiz sinal
que ia pousar, e fui para pouso, à pista era boa, como todas da FUNAI, descemos
amarrei o avião e tive a feliz ideia de trancá-lo, e nisto meu amigo sugeriu:

“ - Vamos cortar caminho seguindo por aqui, que não demora muito, estaremos
na aldeia.”

Notei que por onde ele queria ir não existia nenhum caminho, pequeno que
fosse. Achei aquilo estranho, porém estava tudo dando tão certo que não quis
questionar, afinal, estava nas mãos de um grande "mateiro" (pessoa que anda
bem dentro das matas), pensei eu! E lá fomos, por aqui, dizia ele, por ali! Nisto
eu já estava cansado e a bendita da aldeia nada! Num dado momento, vendo
que não chegávamos a lugar nenhum, explodi:

“ - Cabra, eu acho que você esta "perdidinho da silva", não vou mais pelo seu
rumo, agora quem vai mandar sou eu, afinal quem era o comandante? Quem
entendia de rumo? Pensei eu!

Tratei de me posicionar em relação à aldeia com a pista, afinal, tinha na memória


qual era ao grau da pista, olhei para o sol, fiz minha matemática e disse:

“ - É por aqui, e indiquei o rumo com a mão! Aí bicho, ele se assustou, pois minha
direção era totalmente contrária a dele!

- Niltinho ,você não está louco não?

- Não! É que você ficou variado com as voltas que fizemos ao pousar, e está
confuso, agora deixa comigo!”

E lá vamos nós, sem facão, sem nada, era tudo no braço! Não andamos muito e
nos deparamos com um riozinho, justamente aquele que passava perto da
aldeia! E aí, deveríamos voltar? Negativo, tiramos a roupa, amarramos na
cabeça, atravessemos o rio e seguimos no rumo que indiquei!

O que não sabia é que os índios, ao chegarem à pista e não nos encontrando,
estranharam e colocaram os guerreiros à nossa procura, a ordem era pegar os
123

intrusos de qualquer jeito! Afinal, onde já se viu uma coisa destas, invasão na
aldeia? Amigos, passamos a ser caçados vivos ou mortos e, sem saber de nada,
vagávamos perdidos pelo mato! E digo mais, começaram a pintar o avião com
as cores da aldeia, e diziam, este não sai dali nunca mais!

Já cansados e arrependidos de ter saído de perto do avião, conseguimos


alcançar a estrada que dava para a aldeia, (que alívio!), só nos restava agora,
seguir em frente!

Andando devagar, ouvimos o barulho de uma camionete e, surpresa, quando


olhei para aquele bando de índios mau encarados, fiquei arrepiado (sempre
acontece quando eu entro numa fria)! Não deu nem tempo para correr, pois um
bando de índios caiu em cima de nós, nos agarraram, fomos jogados na
carroceria, sem tempo de abrir a boca, vejam só que situação? De comprador
de cassiterita me tornei em prisioneiro! Que roubada! Meu amigo com os olhos
arregalados não dava um pio! Perguntei-lhe:

“ - Onde está o seu amigo?

- Rapaz, não estou reconhecendo nenhum destes índios, acredite!

-Mas que merda é esta? Você não disse que era amigo do Cacique? Como
vamos sair dessa, bicho?”

O problema era que os índios não queriam conversa, não nos deixavam falar ou
mexer as sobrancelhas! Prenderam-nos dentro de uma palhoça e colocaram
dois guardas a nos vigiar!

Caí em profunda tristeza, abandonado, sem ninguém para explicar o que estava
acontecendo, me senti o mais idiota dos homens, tratei de colocar a imaginação
para funcionar, pois teria que sair dali o mais breve possível!

Cara, nunca gostei de baixinho, nunca vi um que não fosse encrenqueiro,


imagine um índio baixinho? (tinha que ter um!). Havia um que, de vez em
quando, entrava na cela e vinha com o dedo no meu nariz e falava um monte de
besteira que não conseguia entender, só percebendo que ele estava muito
irritado, certamente por termos invadido a aldeia!

Sentei no chão e fiquei pensando no que tínhamos feito! Estávamos no fim do


mundo, sem um branco para tentar explicar o que viemos fazer, os índios não
queria conversa, e o tempo passando! O pior era que o índio baixinho de vez
enquanto aparecia e botava o dedo no meu nariz, fiquei imaginando que daqui a
pouco ele não serviria mais para nada, de tanto ele esfregar!

Lá pelas quatro horas da tarde, enfim, apareceu na cela um branco, que alivio,
enfim eu poderia me explicar! Ele chegou calado, olhou bem dentro dos meus
olhos, me analisou de cima a baixo, olhou para meu amigo como ele era o mais
alto, manteve certa distancia, e falou:
124

“ – O que vocês vieram fazer aqui? Até que enfim alguém fez a "grande"
pergunta, e pelo sotaque, concluí que era boliviano! E o que aquele hermano "
estaria fazendo em uma aldeia de índios no Brasil? Achei aquilo estranho!

“ - Fiquei sabendo que os índios estão tirando cassiterita e vim negociar!


Somente isto, e nada mais! Respondi.

- Ah é? Quer dizer que você mexe com isto também? Quando ele falou "também"
entendi tudo! Ele já estava dando umas matadinhas em cima dos índios! O
hermano estava na minha frente! E há tempos!

“ - Olha aqui "seu piloto", vou fazer um trato com você, é pegar ou largar: vou
negociar sua liberdade com os índios, o que não será fácil, mas tenho meios
mas para conseguir sua libertação! Você vai prometer que nunca mais põe os
pés por aqui e não vai me denunciar para a FUNAI, caso contrário mando matar
vocês! O que acha da minha proposta?

- Excelente e de minha parte, vou cumpri-la à risca, prometo! Ele voltou a olhar
bem nos meus olhos, talvez para saber se eu estava falando a verdade, deu
meia volta e antes que desaparecesse, fiz um pedido:

“- Pede para aquele índio baixinho não aparecer mais por aqui, porque o meu
pobre nariz não aquenta mais uma esfregada de seu dedo”!

-Tudo bem.” respondeu.

As horas foram se passando e nada do boliviano aparecer, olhei no relógio, já


estava ficando tarde para decola! Para piorar, como é que conseguiria voltar para
a cidade, sem saber a rota?

Quando o hermano voltou, estava acompanhado de um bando de índios, todos


mau encarados, que nos colocaram, de novo, na carroceria da velha camionete
Willys, e nos levaram para a pista! Lá estava meu avião estava todo lambuzado
de tinta, mas inteiro, graças a Deus! Na despedida o hermano disse:

“ - Vão embora agora, amanhã não sei se vou dar conta de soltá-los, já foi difícil
convencê-los! Eles queriam ficar com o avião e entregá-los para a FUNAI, e ai?
Nem Brasília seria o suficiente para resolver este impasse! Sei que já está tarde,
porem, não posso fazer mais nada. Daqui para frente a sorte é de vocês, vão
embora e não voltem mais!

Nunca senti tanta vontade de dar um beijo de despedida em alguém, porém juro
que me veio a estranha vontade, só pela sua camaradagem do hermano! Viva a
Bolívia! Pensei!

Enfim decolamos! O rumo? Nem sei qual seria, tracei mentalmente a rota de
volta e pedi a Deus que me ajudasse, pois já estava no lusco-fusco, e quando
enxerguei a pista do garimpo, foi a conta de colocar o avião no chão e não deu
para enxergar mais nada!
125

Fomos para o único boteco do garimpo, eu pedi um litro de cachaça e


entornamos tudo! Antes porém, quis saber se de fato meu amigo conhecia o
cacique, ele deu uma gargalhada e disse:

“ - Deixe isto para lá, afinal não estamos vivos?”

Juro que tive vontade de meter aquela garrafa de cachaça em sua cabeça, mas
o que iria adiantar? Afinal, estávamos vivos, como ele disse e o que interessa é
MANTER SE VIVO, naquele fim de mundo!

E esta foi a história da minha curta prisão em uma aldeia indígena, e o engraçado
é que fui salvo por um estrangeiro, e agora pergunto:

“ – O que ele estava fazendo lá? E a FUNAI? Saberia de sua presença em terras
indígenas?

Finalizo com a frase: "Negócios que envolvam índios, nunca mais!".


126

Apyterewa- Os índios brancos.

Sem dúvida esta vai ser a mais difícil historia que eu vou contar, sabe por quê?
Porque vou falar de Índios, Funai, posseiros, garimpeiros, madeireiros,
fazendeiros e vou envolver até um Presidente da República, imaginem, que
merda que isso pode dar?

E quando você aborda o tema DIREITOS, é difícil não levar "porrada"! Como já
venho levando há muito tempo, uma a mais ou uma a menos, não vai me abalar!
Já estou calejado!

Aos fatos: Quando cheguei a Tucumã, fui morar de favor na casa de meu amigo
de nome Bosquinho, também piloto. Eu estava blefado, sem nenhum tostão
furado, tinha perdido mulher, casa, enfim, dois terços que eu tinha, havia ficado
para trás!

Bosquinho tinha uma casa cujo muro, que dividia seu terreno com o do vizinho,
era simplesmente uma cerca de madeira, sendo impossível ao vizinho não ouvir
o que conversávamos, e um dia ele me ouviu dizer que a única razão de estar
em Tucumã, seria para tornar-me um fazendeiro e queria adquirir umas terras!
Isso deu a ele coragem para, logo no dia seguinte, bater na porta da casa de
meu amigo:
127

“ - Bosco, eu quero conhecer o piloto que está hospedado em sua casa, quero
propor a ele um negócio, você pode chamá-lo?

- Sem dúvida, entre, que eu vou apresentá-lo!”

Sobrevoando a área de minha fazenda

E lá vem o Bosco, acompanhado com um sujeito, ansioso, esperto, isto era fácil
de ver em sua fisionomia, doidinho para falar comigo, e foi logo no assunto:

“ - Não pude deixar de ouvir sua conversa com o Bosquinho ontem à noite e notei
que o senhor quer comprar umas terras, é verdade?

- Comprar mesmo não, pois não tenho dinheiro para isto, no momento.

- Não é necessário, comandante, preciso de uns voos, por sinal uns dez voos, e
troco com você: voos por terras, interessa?

-Como que é? perguntei, curioso!


128

- É isto mesmo, dou-lhe setecentos alqueires em troca de dez voos!

Aquela proposta era o que eu queria afinal, o que vim fazer em Tucumã, se não
fosse pelo interesse em adquirir terras?

Aceitei na hora, e nem tive a curiosidade de saber a localização das terras, se


era em áreas indígenas ou não, se tinha mogno ou não, eu queria era terra, nada
mais! O meu sonho estava prestes a se realizar, irmão! Naquela noite fui dormir
como o homem mais feliz da vida. Quando ele ia saindo da sala, viu uma 44 que
eu havia levado e disse:

- Tem mais uma coisa Comandante: só faço negócio com você, se entrar este
"brinquedinho"! E apontou para a arma!”

Pensei comigo: é melhor ir os anéis que os dedos e, por isso, dei a arma para
ele.

Só mais tarde é que vim saber que as terras que ele estava me oferecendo,
localizavam-se na área da pretensão isto é, havia um decreto do presidente
Fernando Collor querendo expandir a área dos índios apyterewas de trezentos
e sessenta mil hectares mais ou menos para mais de oitocentos mil hectares,
tudo isto porque na Eco92 no Rio, uns antropólogos malucos pediram para ele
aumentar a área, pois a consideravam muito pequena (na época não passavam
de duzentos índios) e seria um grande ato para os congressistas admirarem. E
o Presidente Collor, que muito gostava de aparecer, acabou mordendo a isca e
assinou o decreto!

Não teve, o Presidente, a mínima preocupação de mandar analisar a situação


desta área pretendida, que tinha até fazenda com mil alqueires de pasto
formado, com projeto de manejo e tudo, e isto resultou no maior abacaxi para a
Funai e para os brancos. Processos pipocaram para todos os lados!

Como não houve a homologação da área e a Funai não tinha o domínio, houve
a maior invasão já vista em nossa região e eu, de repente, me vejo no meio
dessa "boiada"!

O que eu não sabia, era que as madeireiras estavam interessadas em tirar o


resto de mogno que alegavam ainda existir, na verdade um cata, pois toda a
área já havia sido explorada por mais de quatro vezes, conforme diziam os mais
antigos!

O mogno é assim, ele dá em canteiro, os maiores são catados primeiros e os


menores eram deixados para o próximo ano!

Certa tarde mandaram chamar-me no escritório da madeireira.

“ - Comandante fiquei sabendo que o senhor possui uma área lá pelas bandas
do rio Piranha, é verdade?”

Pensei, lá vem merda!


129

“ - Sim, tenho!” Respondi temeroso. Fiquei a pensar como é que este sujeito
sabia disto, se nem conheço a área e ainda nem a recebi?

“ - É que a empresa vai entrar naquela área para fazer um cata de mogno, e
temos interesse em negociar com você!

- Tudo bem, quanto vocês estão pagando?

- Negociamos com os índios brancos da aldeia Apyterewa, vamos dividir uma


parte para vocês que estão na área e outra para os índios, (era isto que o Lula
deveria ter feito no caso de Roraima).”

Se não me engano, iria receber 50 cruzeiros por metro cúbico, fiz as


contas por alto e, irmãos, iria dar uma nota preta naquela época (deu até
para fazer o IAM do PT-CZC e outras coisas mais), e eu daria de graça
se me pedissem, em troca tão somente da estrada que iriam fazer, de
acesso à área!

Sai de lá intrigado, onde já se viu comprar um pedaço de terra que não se sabe
nem onde é, um sujeito lhe pede permissão para entrar na área e lhe oferece um
bom dinheiro por aquilo que você nem tem certeza que é seu? Isto só acontecia
no Pará, e em nenhum lugar deste país. Meu Deus! Que "negocinho" bom, irmão!
Daqui eu não saio mais! Pensei comigo!

Nesta brincadeira levei, da minha parte, mais de 20 mil cruzeiros e os índios,


outros vinte! No outro ano fiz mais 14 mil cruzeiros, e assim ficamos todos felizes,
madeireiros, índios, Funai, prefeito, o estado, o comercio, as raparigas, os
pilotos, a policia e os brancos, todos comeram de um bolo chamado mogno, um
feliz casamento!

Não disse na historia anterior, que quando todos ganham, não tem choradeira e
ranger de dentes. É só sorriso!

E a vida continuou. Fazia meus voozinhos, ia à área de vez em quando, porém


nunca quis desmatar nada, como nunca fiz até hoje!

Gostava de pescar no Rio Piranha, nunca vi dar tanta corvina como lá! É um
"trem doido" andar pelas matas sonhando em ser um Tarzan da vida.

Só que o mogno acabou, e com ele a tranquilidade e a paz se foram e com isto
os índios se azedaram para o nosso lado. A Funai, querendo terminar a
demarcação da área para poder homologá-la e nós não deixávamos! E,
acreditem, só faltavam 1800 metros pois o resto, era divisa natural.

E o pau comeu, arrumamos advogados de Brasília e Goiânia, e era processo


para todo lado, sitiantes contra Funai e vice versa!

Quando a Funai estava prestes a nos derrubar, conseguíamos recuperar terreno,


e esta peleja durou muitos anos, até que, por bobeada dos advogados, a Funai
conseguiu fazer os benditos 1800 metros que faltavam e o Lula, sem saber de
130

nada, homologou a área, colocando muita gente no desespero, que ainda hoje
lutam para sobreviver, na periferia de algumas capitais da região Norte! Gente
que perdeu gado, plantações, casas e demais benfeitorias!

Resumindo: Não é que acabei criando uma associação para defender os


interesses dos que estavam na margem esquerda do Rio Piranha? E isto,
acabou levando os engraçadinhos da margem direita, a nos hostilizarem!

Colonos reunidos para confrontar os índios e a Funai

Aí virei bicho! Não é que conseguimos nos organizar e nossos pleitos passaram
a ser ouvidos? Só o que não esperava era saber o quanto isto ia me causar de
aborrecimentos afinal, este negocio de liderança é uma merda, você acaba
sendo crucificado, morto como aconteceu com Martin Luther King e Kennedy!
Até Jesus Cristo foi pro pau, imagine eu? Também fui, irmão!

Além do processo que levei da FUNAI, para quem somente existiam quatro
pessoas "perigosas" na área indígena, entre elas eu, (e hoje a contagem ainda
não acabou e vai passar mais de duas mil famílias), quase fui derrubado, numa
sabotagem que fizeram ao colocarem açúcar no motor do PT-CZC e, de outra
vez, ainda o sequestraram!

Esta historia do açúcar merece ser contada, e espero que alguém da Funai que
esteve participando conosco desta encrenca na fazenda Pé do Morro, leia e veja
como a verdade muitas vezes é distorcida, e inocentes acabam sendo
crucificado!

Se não me engano era um sábado e meu amigo Ditão, tomando sua cervejinha
(já estava para lá de Bagdá) numa boa, quando recebeu via radio a noticia, que
os índios da aldeia Apyterewa, junto com membros da FUNAI, tinham invadido
sua fazenda e tomado sua sede.
131

Os Apyterewas são chamados índios brancos, por razões óbvias, em virtude da


cor branca, tendo como diferença apenas os olhos, oblíquos! São de estatura
baixa e muito amigáveis, suas mulheres são as índias mais lindas que eu já vi,
e sempre fui muito bem tratado quando pousava em sua aldeia e quando nos
encontrávamos na cidade! Eles moravam na beira do rio Xingu, uma maravilha
de lugar!

No mesmo instante, Ditão mandou alguém me chamar, só que, naquele


momento, estava fazendo um voo para as bandas do Iriri, e não voltaria naquele
mesmo dia. E o que me surpreende aqui na Amazônia, é como funciona o serviço
de "Informação Informal", a tal de “Rádio Peão” que é aquela que se faz de boca
a boca, e quando a notícia tem um caráter de urgência, aí sim, você vê a
eficiência, dependendo apenas da solidariedade de cada um, este sistema foi
desenvolvido no período em que não existiam outros meios de comunicação
mais eficazes!

Eu não sei como, mas, o pedido de retorno para Tucumã, recebi quando estava
em voo, por um colega que havia pousado em São Félix para abastecer. O
recado era o seguinte: Ditão precisava da minha presença urgente! Esta era a
mensagem e, assim sendo, tratei de retornar na mesma hora, eu tinha certeza
que alguma coisa grave havia acontecido!

Pousei e fui direto para sua casa, ficando surpreso com tanta gente ao seu redor,
e cheguei a pensar até que havia morrido alguém, era assim que acontecia
quando o assunto era PRETENÇÂO.

Ditão foi logo dizendo:

“ - Os índios tomaram a fazenda Pé de morro e temos que ir para lá agora,


Niltinho!

- Tudo bem! Quem vai conosco?

- Só eu e este "cabra" aqui, e esta mercadoria!

Rapidamente fomos para o aeroporto, o dia estava acabando, era necessário


chegar o quanto mais cedo, afinal a nossa surpresa era grande, que diabo a
FUNAI estaria aprontando, colocando os índios diretamente em confronto com
os brancos?

Será que imaginavam que íamos "amarelar" só porque havia mais de trinta índios
pintados e fortemente armados com suas flechas envenenadas? Só que
estavam enganados, poderíamos morrer mais não íamos entregar a "rapadura"
facilmente não!

Foi à invasão mais bem organizada e arbitrária comandada pelos funcionários


da Funai, como a aldeia é distante do local, usaram um avião fretado do taxi
aéreo do Machadinho de Altamira.
132

O assalto ocorreu na parte da manhã e a tarde já estávamos pousando na pista.


O segundo erro da Funai (o primeiro foi ter invadido!), foi o de não ter colocado
tambores na pista.

Descemos do avião, e fomos logo cercados pelos índios! Dei uma olhada ao
redor e vi que a situação não era boa, a sede estava invadida, uma antena de
rádio denunciava que já existia um transmissor instalado, e lá encontramos os
"irresponsáveis” por aquela ação".

Ditão foi logo perguntando o que significava aquilo.

“ - Viemos demarcar a área, estamos com nossos agrimensores aqui, para iniciar
o serviço, e nada vai nos impedir de fazê-lo, senhor Ditão!

- E vocês acham que vai ser fácil assim? Daqui a pouco isto aqui vai estar repleto
de colonos e quem é que garante que não vai haver derramamento de sangue?
Acho bom vocês retornarem para a aldeia, afinal a área está sub-júdice!” disse
calmamente o Ditão.

Afinal tudo aquilo que dizíamos e pedíamos não entrava na "cachola" daqueles
doidos, não tinham ideia de nossa capacidade de arregimentação! A notícia já
havia se espalhado e o povo começou a chegar de carro, caminhão, a cavalo,
de trator e a pé até que, no inicio da noite, tínhamos umas duzentas pessoas
reunidas ao redor dos índios.

E engraçado que no inicio, a preocupação seria com nossas vidas, agora eram
os índios e a Funai que corriam risco de vida, bastava um sinal, para que
ocorresse uma tragédia pois estávamos em grande vantagem numérica!

Os primeiros a sentirem o drama, após dois dias de muita conversa, foram os


agrimensores, afinal eles estavam ali para fazer um serviço topográfico e não
para lutar! Trataram pois, de pedir um avião e deram no pé, abandonando a
Funai e os índios!

Vocês acreditam que nós nunca sentíamos rancor para com os índios? Muito
deles eram nossos amigos desde a retirada de mogno anos atrás, tínhamos
comido no mesmo prato e lambido os beiços juntos. Tínhamos a exata
consciência que eles eram a parte inocente daquela disputa, pois nem mesmo
eles morrem de amores à Funai ! O maior sonho deles, é ver a entidade a um
milhão de quilômetros de distancia, para poderem, eles próprios, comandar seu
destino!

A nossa preocupação com a segurança dos índios era tanta, que eu e o Ditão
dormíamos no meio deles, dentro da casa que era a sede invadida, inclusive
como forma de evitar quaisquer possibilidades de nossa própria gente, iniciar
quaisquer atos de violência! Agindo assim, estávamos protegendo estes irmãos
inocentes e pondo a nossa própria vida em risco! Isto a Funai não sabia e nem
queria saber e tinha raiva de quem sabia!
133

Ditão e o cacique Apiyerewa Cururu

Naquela oportunidade, meu avião estava com a janela de verificação de óleo


lubrificante com defeito, quando você abria a trava muitas vezes não voltava e
era necessário destravá-la para que a janela ficasse fechada! Assim sendo, se
alguém não soubesse como fazer, deixaria a janela aberta e,
consequentemente, pistas pois a janela ficaria aberta.

Como não havia área de estacionamento e a pista era rente às casas, eu deixava
o avião bem ao lado da casa-sede, para liberar a pista de pouso, onde
dormíamos, e minhas preocupações em relação às eventuais sabotagens,
sempre despertavam minha atenção!

Com aquele movimento de mais de trezentas pessoas em volta da casa, todo


tipo de gente, colonos, índios e o pessoal da FUNAI não deu outra, em uma de
minhas vistorias, notei que a janela havia sido mexida, e tive a ideia de verificar
o óleo, quando levei um susto:

“ - Ditão, dê uma olhada aqui!” Mostrei a ele a vareta de óleo cheia de um material
parecido com terra.

Caramba! Haviam misturado alguma coisa ao óleo, o que faria com que, após a
decolagem eu não voaria por muito tempo, pois o motor travaria, e aí mano, seria
um sufoco para escapar com vida no meio daquela floresta!
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Quem tinha feito aquilo, queria mandar-nos (eu e o Ditão) para o espaço, sem
duvida nenhuma, mas ainda não havia sido daquela vez, graças a Deus!

Alguém sabotou o CZC colocando açúcar misturado com óleo lubrificante

Mandei vir um mecânico de Tucumã, retiramos aquele óleo sujo, lavamos o


motor, e reabastecemos com novo óleo, e sabe qual foi o veredicto do mecânico?
Açúcar, irmãos!

Não posso acusar ninguém, porém desconfio que do cabra que me fotografou,
no dia em pedi para que nosso povo se afaste-se para deixar os índios mais
tranquilos! Ele queria mesmo era prejudicar-me, sem dúvida!

Esta confusão toda aconteceu nas vésperas do natal e o impasse não acabava,
entrando já pelo no quarto dia, obrigando o Ditão a abater uma vaca por dia, para
alimentar todo aquele povo, que não arredava pé, em volta dos índios!

A vigilância era dia e noite, até que houve um dia que os índios se irritaram e o
Ditão pediu-me que mandasse o povo se afastar e de preferência que voltasse
para suas casas! Usei um banco para falar para melhor ser visto e funcionários
da Funai aproveitaram e registraram em foto e acusando-me de incitar revolta
entre brancos e índios, processando-me perante a justiça! (é uma pena que foto
não fala!).
135

Doce engano, mal sabiam eles, que eu estava protegendo suas próprias vidas.
Bastava um sinal para que todos fossem envolvidos em conflito de
consequências inevitáveis!

A coisa ficou preta para o lado dos funcionários da FUNAI, que se convenceram
de que a empreitada estava perdida, meteram o rabo entre as pernas e trataram
de retirar seus generais de avião, abandonando os índios, que só saíram do
local, porque os levamos de avião de volta para a aldeia, mais de cinco voos,
além de um só com carne de vaca, para que se alimentassem na aldeia!

Partida de futebol de confraternização entre colonos e índios

Antes, fizemos um jogo futebol de confraternização, com direito a jogo de camisa


e chuteiras, que fui comprar em Tucumã. Só gostaria que a FUNAI
providenciasse o pagamento dos voos que fiz, até hoje não acertados!

Saímos desta vitoriosos! Afinal não foi desta vez que a Funai conseguiu terminar
o levantamento da área, e com isto raiva e desprezo por mim e meu amigo só
aumentou.

Durante todo o tempo da "peleja", existia um índio mal encarado, que vivia
apontando sua fecha para meu lado, penso que ele estava designado para vigiar-
136

me e na hora de "secar o bagaço" seria ele o meu executor! Na hora da


despedida, ele aproximou de mim, me encarou, pensei eu, agora ele vai partir
para briga, recuei e, qual foi a minha surpresa quando ele falou:

“ - Quer comprar o meu arco e minhas flechas?

Engoli um caroço que estava na minha garganta e respondi.

- Compro sim, quanto você quer por ele?

-Vinte cruzeiros.

-Feito o negocio! O índio deu-me o arco.

Dei-lhe o dinheiro e ele entregou-me o arco e as flechas, afastando-se alguns


metros, quando parou e disse baixinho:

“ - Cuidado, as pontas estão todas envenenadas!” E foi embora. Este arco e as


flechas estão expostos no hotel Muiraquitã na cidade de Ourilândia do Norte de
propriedade da minha amiga Clarice.

Imaginem só o estrago que estas flechas poderiam fazer-me?

Quando saiu o ultimo avião com os índios, nos sentimos aliviados, afinal
evitamos um derramamento de sangue de grandes proporções, fomos arrumar
nossas coisas e tratar de ir festejar o natal com nossas famílias, estávamos
cansados e fiquei pensando: Porque tudo aquilo? Será que não existia uma
maneira segura de se acabar com as desavenças entre os índios e os brancos,
que perduravam por mais de vinte anos?

Será que a incompetência da Funai, do governo, e dos outros responsáveis criou


este clima de ódio entre brancos e índios que, na verdade são os inocentes e
são nossos irmãos? Espero que um dia esta política indigenista da Funai mude
para melhor, tanto para os índios como para todos os que ainda estão envolvidos
com o problema!

Só que na volta tive que voltar sozinho, Ditão não quis nem pensar em voltar
voando comigo. Medo do açúcar? Até hoje não sei ao certo os motivos do seu
receio em embarcar comigo!
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Toninho do Ouro - O garimpeiro

Hoje vou contar uma parte da infância de dois irmãos, que hoje são uma das
maiores revelação de dupla sertaneja do Brasil. Eles estouraram no ano
passado, e até hoje não fazem sucesso, e ainda farão por muitos anos,
diferentes de algumas duplas que aparecem e logo vão embora! Acredito que
por muitos anos ainda, vamos ouvir falar deles!
Isto por que, conheço muito bem a base de sua criação. Sua mãe, muito
religiosa, passou-lhes valores não só religiosos como morais, imprescindíveis à
sua formação, e isto, com certeza, muito os ajudou nesta nova etapa da vida,
onde o sucesso é rápido e traiçoeiro!
Temos testemunho que muitos artistas que alcançam o estrelato e, como
consequência vem à fartura de dinheiro,mulheres, drogas e bebidas, que
acabam prejudicando-os, integralmente, levando-os ao ostracismo! Poderia dar
mil exemplos desta ocorrência, porém, tenho certeza que nada disto acontecerá
com estes dois irmãos que estou citando, graça aos bons ensinamentos
recebidos de seus pais!
Não sei por quê, tem certos pais que, em função de não terem conseguido para
si os objetivos planejados, projetam um futuro para seus filhos e lutam até
conseguir, independentemente da vontade deles!
E para isto, acreditam cegamente que os filhos têm aquela aptidão ora
programada e que os outros não enxergam, e lutam, com tamanho ardor, que
acabam conseguindo atingir seus objetivos. Talvez Freud explique isto melhor
que eu.

Assim foi que aconteceu também com os pais de outra dupla famosa, cuja vida
e história, foi contada recentemente em filme, mostrando a árdua luta de seus
pais para lançá-los no meio artístico!
Sou testemunha da luta de Toninho por seus filhos, ensinando-os a
cantar,declamar poesias em público, tirando assim desde cedo à vergonha e a
timidez tão natural nas crianças, preparando-os desde a tenra idade para o
convívio com o palco, com público e para com os aplausos da plateia. Seu pai
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não perdia a oportunidade de colocar os dois a declamar poesias e a cantar


quando íamos aos leilões de gado, ou nas festinhas que meu pai dava em casa!

Conheci Toninho do Ouro em Roraima, quando estávamos metidos na maior


“fofoca” (rápida concentração de gente!) de ouro da história brasileira! Imaginem
só uma cidade como Boa Vista, com cem mil habitantes, de uma hora para outra
receber mais cinquenta mil garimpeiros vindos de toda parte do Brasil?

O fato provocou toda espécie de desequilíbrio social entre os habitantes, como


falta de moradia e alimentação, aumento da violência e das doenças, por falta
de saneamento, gerando caos absoluto! Em minha cidade, Ourilândia do Norte,
também ocorreu, na mesma ocasião, uma “fofoca”, só que não era de ouro e sim
de níquel, e não enfrentamos os mesmos problemas de Boa Vista, onde
não existia nenhum maestro para orquestrar a bagunça, mas todos comeram do
bolo da festa!
Aqui em Ourilândia, somente a Vale é que vai se regalar sozinha com todo este
minério! Não duvido não, se servirão a sobremesa de graça, umas boas
toneladas de ouro como oferta da casa, tomaram que não tenham um dor de
barriga!
Neste quesito, planejamento, a Vale que me desculpe, mas é simplesmente um
fracasso! Seria bom a diretoria assistir mais a nossa festa carnavalesca e
convidar seus membros para uma palestra! Imaginem só que, prestes a terminar
a obra, ainda não estavam prontas as casas onde iriam morar os empregados.
É como diz meu amigo britânico, Vale? AH!! O que, traduzindo para o bom
português, quer dizer “É uma merda.”.
Vocês conhecem bem o mapa do Estado de Roraima? Se olharem bem, irão
observar na divisa com a Venezuela no lado oeste, a região que é conhecida
como “a Cabeça do Cachorro”, pois é justamente ali, que fomos nos encontrar,
dentro do rio Urariquera, no meio daquela floresta que tinha hora que a gente
não sabia se estava no Brasil ou na Venezuela.
Ali só existia uma única mina d’água potável, localizada justamente no barranco
do rio. Esta mina era utilizada, porque o rio já estava todo poluído, pelos dejetos
da população de mais de mil balsas, sugando o leito do rio dia e noite para a
extração de ouro!

Isto tornava a água tão poluída que era impossível a utilização, ainda mais
temperada pelo azougue (mercúrio) que era usado para purificar o ouro, que
também ia parar no rio!
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A primeira vez que encostei meu bote no barranco da mina, em meio de mais de
vinte barcos, tive que aguardar alguns minutos para recolher a água que
necessitava e nisto, aproximei-me de um barraco próximo, para ver se descolava
um cafezinho, quando ele apareceu em minha frente e ficou me observando!
Não sei se olhava mais para mim ou para a minha cozinheira, uma maranhense,
por sinal muito bonita para os padrões do garimpo. Isto dava status diferenciado
em nosso meio, porém notei que sua curiosidade estava além do traseiro de
minha amiga, tinha alguma coisa a mais em sua curiosidade, e não demorou
para que viesse conversar comigo:
“ - Moço, poderia me dizer da onde veio?
- Vim de Goiânia e você? Respondi!

- Vim de Minas (se não me engano, falou que veio de Cidade Nova).
- Já pegou algum ourinho?”
Estranhei a maneira como ele perguntou, e também seu olhar, pareciam
sinalizar que eu seria incapaz de achar ouro, só que naquele rio, aonde você
apoitasse, fazia ouro, pelo menos cem gramas por dia era sagrado, nunca tinha
visto um lugar como aquele!
E a prosa foi aumentando, aumentando, e quando vi, ele já sabia tudo de mim,
até meu time do coração, tamanha sua curiosidade em relação a minha pessoa!
Quando chegou a minha vez de encher o tambor d’água, tivemos que encerrar
aquele papo gostoso afinal, não era fácil encontrar naquele meio, alguém com
uma conversa mais agradável! Só existia garimpeiro, pessoas humildes e sem
muita cultura.
Na hora de ir embora ele perguntou quando eu estaria indo para Boa Vista.
“ - Toninho, devo ir à semana que vem!
- Ótimo, é a mesma data que eu vou, vamos nos encontrar por lá, na agencia do
Mucuim, certo?

- Certo! Respondi! Antes de partir, deu-me curiosidade de saber porque ele me


perguntou se eu havia achado algum “ourinho”! Então perguntei-lhe e tive como
resposta:
- Você não é garimpeiro, nunca foi e nunca será! Conheço um garimpeiro de
longe Niltinho, e quando você desceu do bote, fiquei observando e perguntei
para mim mesmo, o que será que este cabra está fazendo aqui? Garimpeiro
você não era, estou certo ou não?”
Tive que concordar, afinal eu estava ali curando uma úlcera de duodeno. E nada
mais, queria passar um tempo longe de casa, e ali onde eu estava, era perfeito!
Ninguém me acharia, imaginem que fomos os primeiros brancos a andar por
aquele rio e floresta, antes de nós apenas os índios ianomâmis o tinham feito!
Volta e meia encontrávamos vestígios deles, pois são nômades e não
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permanecem muito tempo em um só local! Nunca encontramos aldeias, apenas


acampamentos abandonados!
No dia combinado, encontramo-nos em Boa Vista,e não preciso dizer, foi uma
farra, ele tratou de levar-me a um comprador de ouro seu amigo, e me
apresentou como se fosse seu especial amigo, se eu precisasse de alguma coisa
era só pedir, e assim a nossa amizade cresceu, sempre estávamos juntos, se eu
quisesse arranjar um irmão, ninguém melhor que ele, era tanta a dedicação a
mim quechequei a pensar o quanto Deus teria sido bom para comigo, por ter
encontrado, e ter ficado amigo desta pessoa! Nós sempre dizíamos por aqui, que
“Caititu fora do rebanho é comida de onça”, pela violência existente na região!
Assim, um protegia o outro!

Certa ocasião, fomos conhecer uma cidadezinha próxima de Boa Vista e, como
o ouro já estava escasseando, tínhamos que pensar em baratear nosso voo, e
dali seriam vinte e cinco minutos mais ou menos, isto já fazia uma boa diferença.
Lá chegando, fomos para um hotel e na hora do banho, ele tirou vários vidros de
remédios, cheios de ouro, jogou em cima da cama, e disse:

“ - Vou tomar banho Niltinho!”


Achei aquilo estranho, imaginem vocês que estávamos sempre rodeados de
todo tipo de gente, muitos deles assassinos, por muito pouco estavam matando
a gente e meu amigo andando com quase um quilo de ouro no bolso?
Quando ele saiu do banheiro, perguntei:

“ - Toninho porque você anda com todo este ouro? Não acha que é perigoso,
tanto para você quanto para mim, que estou sempre ao seu lado? E você me
mostrando este ouro, ainda? Isto não está certo. Da próxima vez deixe este ouro
guardado em algum lugar, OK?”
Ele sorriu, e me mandou a merda!
Pensei comigo, será que está testando a minha lealdade? Outra ocasião ele me
perguntou:
“ - Vamos para Goiânia Niltinho?
- Não, estou sem o “metal” Toninho, não dá não!
- Que nada, vamos dar um jeito nisto! No outro dia ele aparece com duas
passagens na mão, pagas por ele, exigindo que fossemos juntos e que não se
preocupasse com a volta!
Achei aquilo estranho, por mais que a nossa amizade fosse grande, porém, como
não era para tanto, acabei concordando, afinal Deus não tinha me dado um
irmão? Este era completo, vocês não acham?
Pegamos o Boeing no congestionado aeroporto de Boa Vista, vocês nem
imaginam quantas vezes a Infraero foi obrigada aumentar o pátio de
estacionamento, pois todo dia chegava mais e mais aviões, mono e bimotores,
já devia ter uns trezentos, uma loucura!
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Uma das coisas que gostava de fazer era, ir ao aeroporto ao cair da tarde, para
assistir a chegada dos aviões vindo dos garimpos! Parecia aquela revoada de
pato vindo para a lagoa, um reboliço só, chegavam em média cem aviões vindos
de uma mesma direção, em uma mesma hora, todo mundo querendo descer no
mesmo aeroporto, no mesmo momento! Meus amigos aquilo virou uma “zona”.
Passando por Manaus, aproveitamos para comprar alguma coisinha na zona
franca, naquele tempo era muito diferente de hoje pois havia produto do mundo
inteiro para você comprar, aquela imensidão de coisas! Tão grande que você se
perdia dentro das lojas! Hoje não, só se encontra produtos fabricados em
Manaus, e nada mais, deixou de ser aquele paraíso!
Descemos em Goiânia e fomos para meu apartamento, onde apresentei o novo
amigo para minha família! Naquele dia Toninho, me fez prometer que na volta,
queria conhecer o restante de minha família, que morava em Gurupi!
Como tinha interesse de mudar de Minas, eu falava muito dali, que tinha muitas
oportunidades, uma região rica, muitos gaúchos plantando arroz irrigado na
região do projeto Formoso, enfim, surgiu um interesse enorme seu, de conhecer
Gurupi.
Uma semana em Goiânia não foram suficiente para nos recuperar daquela vida
miserável que tínhamos no garimpo! Não acredito que exista um lugar mais
estranho como aquele, onde os sonhos e a adrenalina é que movem o
garimpeiro, que sonha com tudo, em fazer muito ouro, em ter uma linda mulher
em seu braços, em ser o “bacana”!
E assim, quanto mais ouro ele faz, mais ele perde, é uma roda viva, enquanto
ele não gasta a ultima grama não para de procurar e é nesta busca incansável
que ele acaba gastando aquilo que ganhou lá trás e compromete aquilo que ele
sonha em ganhar lá na frente! Enfim, aí vem o “blefo”!
Quando Toninho do ouro voltou de Minas, estava aguardando por ele pois, na
volta para a Cabeça do Cachorro, iríamos fazer o roteiro diferente: voltaríamos
de ônibus ate Belém e de lá iríamos de barco até Manaus, e novamente de
ônibus até Boa Vista, conhecendo assim o nosso Brasil por cima e por baixo!
Legal, não?
Passando por Gurupi ficamos hospedados na casa de meu pai, e aí apresentei
meu amigo a todos, não posso negar que ele se encantou com a região, com o
povo, enfim com tudo! De tanto que se interessou, prometeu-me que, quando
saíssemos de Boa Vista, ele iria mudar para Gurupi! Partimos para Belém de
Ônibus!
Em Belém, fomos para o cais e observamos que não seria nada agradável a
nossa ida de barco, pois vimos o perigo que correm aqueles que são obrigados
a usar este tipo de transporte, pela irresponsabilidade de todos envolvidos neste
sistema: excesso de peso, de passageiros, etc., tornando assim a viagem muito
perigosa para aqueles que são obrigados a fazê-la!
Tratamos de garantir nossa vaga no próximo avião para Manaus, e aí sim, a
viagem foi interessante, o tempo estava ótimo, sobrevoamos o rio Amazonas,
que maravilha!
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A grandeza do rio, aquela imensidão de água, impressiona qualquer um sem


duvida nenhuma e deixa qualquer brasileiro orgulhoso da “sua” Amazônia!
Em Manaus aconteceu um episódio que me deixou intrigado por muito tempo:
estávamos na praça, perto do famoso teatro Municipal, quando vimos imaginem
quem? O Mussum, companheiro do Didi dos Trapalhões, aí tiramos uma foto
com ele, por sinal uma simpatia! Nos tratou muito bem!

Quando estávamos para retornarmos ao hotel, topamos com uma cigana, e ela
tentando ler minha mão, o que me aborreceu, até engrossar com ela, o que
acabou irritando meu amigo de tal forma, que comecei a imaginar que ele
pertencia àquele povo! E todos nós sabemos da esperteza destes seres, em
negócios!

Quando Toninho foi comprar as nossas passagem na rodoviária, sabendo que


aquela viagem seria uma barra e ele não abria mão de ir de ônibus, (eu queria ir
de avião) tratou de comprar para mim e para ele quatro assentos, como garantia
de viagem mais confortável e graças a Deus foi uma grande ideia! A viagem foi
um suplício, só vi terra ruim, pobreza, e muita reserva indígena!

Quando chegamos a Boa Vista, estava quebrado e levei uns dois dias para me
recuperar! Nunca mais, irmão, entro numa aventura dessas!
De volta a nossa rotina de garimpeiros, sentimos que as coisas só iam piorando,
pois o Collor havia sido eleito presidente, os garimpeiros em peso votaram nele!
Foi triste para todos, ver o presidente homologar a área indígena dos ianomâmis,
se não me engano sete milhões de hectares, que foram para o brejo, justamente
a área em que garimpávamos!
Nunca vi uma área tão rica em minérios como aquela, se algum dia destes, a lei
mudar, garantindo a exploração destas riquezas, aí sim, vocês vão ver Roraima
ir para o topo, pois, para mim, conhecedor da situação, entendo que aquela
região é bastante superior à existente aqui em Ourilândia do Norte, o que não é
nenhuma surpresa!
Com a reserva criada, o governo caiu em cima de nós e foi àquela quebradeira,
tínhamos assistido a explosão de desenvolvimento em Boa Vista e de uma hora
para outra vimos a outra face, “o blefo”.
Ele chegou de tal forma que não teve ninguém que não sofreu na pele os
horrores provenientes da criação da reserva e de outros, que estão impondo aos
povos da Amazônia, aqueles que já habitavam estas regiões há muito tempo,
sem direito de defesa, que justiça é esta, que não reconhece o direito aqueles
que chegaram primeiro?
Numa reunião realizada na Associação dos Garimpeiros, chegamos à conclusão
que não restava mais nada, tínhamos que abandonar a área e arcar com todo o
prejuízo e quanto mais cedo melhor, pois a Policia Federal ia cair de pau em
cima de nós, como de fato caiu, mais tarde!
Não preciso dizer que foi um “salve-se quem puder”! Tratei de garantir o que
podia de minha balsa, consegui tirar o motor MWM três cilindros que havia
143

custado um carro zero, umas mangueiras, o motor de popa e o resto ficou na


barranca do rio Urariquera, logo na entrada da Corredeira da Fumaça, o único
lugar que não demos conta de passar, devido às fortes correntes, caso contrário,
teríamos apoitados no porto de Boa Vista.
Quem tentou passar por ela, ficou lá mesmo, no fundo do rio que, por incrível
que possa parecer, só tinha um barqueiro que dava conta de subir e descer por
ela, porque estava acostumado a descer pelo Rio Xingu, em situação muito
parecida!
Assim, com “o rabo por entre as pernas”, tratamos de dar adeus a Roraima, pois
os que ficaram, caíram na mão da Polícia Federal e foi aquele “tasca”! Um dia
ainda contarei a estória, de como foi à retirada dos garimpeiros de Boa Vista! Um
horror, mais de cinquenta mil pessoas passando todo tipo de privação,
humilhação, fome, além de muito desespero!
O governo nos entregou à própria sorte, e nem preciso dizer que foi o maior
sufoco da história dos garimpos.
Despedimo-nos em Boa Vista, peguei meu rumo e Toninho pegou o dele,
prometendo que um dia apareceria em Goiânia para que eu fosse levá-lo para
Gurupi. E como tinham acontecido muitas coisas que eu não acreditava, achei
que nunca mais iria vê-lo. Sinceramente não acreditava que ele teria vontade
ainda, de ir para Gurupi, tamanho foi o nosso prejuízo!
Passaram-se uns meses, já tinha absorvido a aventura e o prejuízo que Roraima
me proporcionou, quando alguém bate na porta de meu apartamento, e
imaginem vocês quem era? Toninho do Ouro, em carne e osso! Levei um susto,
não imaginava voltar a encontrá-lo tão cedo pois, geralmente, essas amizades
feitas em garimpo acabam cedo, raramente você reencontra o amigo e com
Toninho estava sendo diferente, e acreditem, melhor da estória estava por vir,
vocês vão ver!

Não nego que fiquei feliz em vê-lo, afinal foi quase um ano de sofrimentos,
ilusões, desilusões, mas como em a nossa vida nem tudo é perdido, restou nossa
amizade, e ele ali estava, para que eu cumprisse a promessa de levá-lo para
conhecer melhor a nossa querida Gurupi, cidade em que, juntamente com minha
família, participei de uma parte de seu desenvolvimento! Tínhamos chegado lá,
no tempo em que a Rodovia Belém–Brasília cortava a cidade pelo meio!
Gurupi era uma “corrutelinha” de beira de estrada, mas ali minha família tinha
fincado uma sólida base moral e, sem duvida, meu pai gozava de invejável
prestigio, junto à sociedade local!
Partimos logo cedo, eu, Toninho e um amigo dele, numa agradável viagem numa
camionete Ford semi nova, ele com um chapelão de boiadeiro no pescoço, e nos
braços, quase meio quilo de ouro, entre correntes e anéis, o que atestava sua
fama de garimpeiro de sorte, e seu apelido, “Toninho do Ouro”.
Sem duvida uma figura que chamava a atenção, sem falar na incrível capacidade
de envolvimento, de criar sonhos que tinha, atraindo qualquer um pela marcante
personalidade.
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E foi assim que aconteceu em Gurupi, após sua entrada triunfal, ocorrida em um
leilão de gado, onde arrematou uma égua quarto de milha, disputadíssima entre
os fazendeiros locais, por um preço que assustou a todos que estava no
ambiente!
Nunca me esqueço que após o arremate, no momento em que foram lhe
apresentar o comprador, ele levantou e acenou para todos!

Estava feita assim, sua apresentação perante os grandes proprietários de terra


e fazendeiros presentes no recinto, sem falar que, nos comentários do dia
seguinte, todo mundo queria conhecer aquele que havia comprado a égua mais
cara de Gurupi! Neste dia fiquei brabo com ele, afinal para que havia feito aquilo?
Se ele não tinha ao menos onde colocá-la? Ele riu, e me disse:

“ - Fique com ela, ponha na fazenda de seu pai. Afinal faça o que quiser!” Achei
aquilo um tanto estranho.
Após uma semana, entre churrascos e muitas apresentações, ele me disse:
“ - Niltinho, vou alugar uma casa aqui, de preferência perto da casa de seu pai e
vou mudar! Gostei daqui, isto aqui é um lugar de “futuro”, é como você me dizia.”

E foi assim que conheci sua família, os meninos tinham aproximadamente entre
dez e treze anos, sempre foram gordinhos e muito alegres! Tinham herdado do
pai ,a simpatia, e desde cedo, Toninho os colocava para cantar e declamar
poesias, e eu ficava encantado vendo aquelas crianças desde cedo lidando com
o publico, sem qualquer inibição!

O mais novinho, justamente pela pouca idade, é o que atraia as maiores


atenções! Eu admirava aquela fé que Toninho depositava nas crianças, e me
dizia sempre:
“- Esses meninos vão longe, você vai ver Niltinho!” E o interessante é que eu não
via futuro brilhante como Toninho via as vozes das crianças em formação não
eram exatamente de chamar atenção! Tinha visto muitas crianças iguais, para
mim era mais um pai apaixonado pela sua família!
Após sua chegada em Gurupi, Toninho, enturmado em meio aos fazendeiros,
iniciou grande movimento de compra e venda de gado, logo já tinha se tornado
um dos maiores negociantes do ramo, e começou também, a comprar umas
propriedades em volta da cidade!

Em um episódio que não esqueço, o mais velho levou um tombo de cavalo,


quando estávamos vendo o Toninho filmando uma vacada nelore, e ele veio
correndo em nossa direção e ao chegar perto, o cavalo deu uma parada brusca,
fazendo com que ele saísse por cima do pescoço, caindo bem ao nosso lado!
Felizmente o cavalo muito manso e ele, que não havia soltado a rédea, não se
machucaram, e foi aquela graça, se não me engano alguém conseguiu filmar o
tombo!
E foi assim, no meio de muito amor, de muitas brincadeiras pela chácara que
Toninho havia comprado, que aquelas crianças passaram parte de sua infância.
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Após uns anos Toninho resolveu mudar de Gurupi e eu nunca mais os vi. Já
morando em Tucumã, recebi um telefonema de meu irmão Milton, pedindo que
eu comprasse um DVD da dupla Cezar Menotti e Fabiano e tentasse descobrir
quem seriam!
Como eu havia estado em Goiânia quando eles estavam dando um show, havia
notado que aquelas fisionomias não me eram estranha, pela grande aparência
com o pai, porém nunca poderia imaginar que seriam os filhos do Toninho do
Ouro, justamente aquelas crianças que eu havia conhecido tão bem!
Hoje eu coloco seu DVD para rodar e fico lembrando. Se aquele pai que
acreditava no sucesso de seus filhos, não fizesse o que ele fez isto é, apoiar,
investir e acreditar, tenho certeza que hoje eles não seriam o que são hoje, e isto
deve servir de exemplo para muitos. E deixo aqui uma mensagem: ACREDITEM
EM SEUS FILHOS!
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Km. 140 – O Garimpo da Serra Queimada

Recentemente, estava lendo um comentário em uma de minhas historias e notei


que o leitor tinha interesse pela aviação. Observei que além da historia, havia
certa curiosidade, no tocante a voar, e isto é muito natural e compreensivo, como
já disse no início, foi o avião que proporcionou todas estas estórias, que são
direcionadas para todos os leitores, em especial aos pilotos ou aqueles que
gostam da aviação!

Infelizmente é muito difícil adquirir experiência, pois só existem duas formas:

a primeira e a mais importante é voar, quanto mais se voa mais experiência você
adquire, é como meu velho instrutor já dizia, ninguém ensina ninguém a voar o
instrutor esta ali apenas para não deixar o aluno quebrar o avião, o resto é por
conta dele;

A segunda é assimilar as experiências dos mais velhos, o velho Dr. Ulisses (meu
instrutor de voo), nunca iniciava um voo sem, pelo menos, passar seus alunos
por uns trinta minutos de bate-papo, sob as asas do velho Cap-4, enaqueles
breves momentos, procurava passar suas experiências de piloto! Como tais
ensinamentos me foram muito úteis, achava, e ainda acho, que também o
seriam para todos os demais treinandos!

Este conto vou dedicar ao leitor que me referi inicialmente, um futuro piloto, de
nome Thales, da cidade de Parauapebas, (na ocasião ele estava fora do ninho,
passando temporada lá pelas bandas de Santa Catarina), torcendo para que ele
tenha o "dom de voar", aí sim, será um bom piloto e não igual a mim, um
"empurrador de manetes" apenas!
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Estava escutando a conversa entre o Léo e o Toninho do Ouro, quando este


último, virou para mim e disse:

“- Vai se preparando Niltinho, vamos comprar um garimpo no município de


Itaituba, e a aviação ficará por sua conta, portanto vai arrumando avião, de
preferência um skylane, que é bom de garimpo, pois vai ter muito voo por lá, e
queremos você no esquema!”

Dei um pulo de alegria, imagine vocês o que significa ter um garimpo só para
você, onde todos os voos são seus? Vocês não imaginem o faturamento de um
mês, num ano você paga um avião brincando! Irmãos, aquela proposta do
Toninho caiu do céu.

Só que eu não tinha mais avião e já estava todo enferrujado, não dava conta de
voar no garimpo, pois muitos anos haviam se passado de ausência dos
manches, tinha perdido toda a sensibilidade de voar, e aí é o que diferencia um
piloto de asfalto de um piloto do mato, este último precisa desenvolver toda a
sensibilidade pessoal possível! Caso contrário, quebra no primeiro pouso e os
acidentes, na floresta, são bastante críticos: na maioria das ocasiões, só nos
resta as chaves do avião! E isto eu tinha consciência absoluta!

Diante disso, convidei meu amigo e futuro compadre, e digo futuro porque até
hoje não batizei sua filhinha que deve estar uma linda jovem, mas um dia vou
procurar minha comadre e perguntar se ainda desejam um padrinho desnaturado
para batizar sua filha, e aí pago a promessa para com meu finado amigo Odilon!

Para entrar comigo naquela parada, (e na mesma hora ele topou pois, como todo
seu dinheiro vinha de garimpo, sabia muito bem o que significava aquela
proposta, aquela era a oportunidade que tanto esperava também), só queria
saber quem iria voar!
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Odilon tinha um 210 se não me engano de prefixo (nunca fui bom para memorizar
prefixo) PT-LRY, novinho e um 182 de prefixo PT-DOC, com IAM recém feito,
pintura nova, motor novo enfim um brinco de avião estava preparado para voar
no mato e em pista ruim, tinha pneus grandes era laminar (trem de pouso), freios
Birigui, acesso para subir nas asas para facilitar o abastecimento!

Arrumado o avião, fui procurar um piloto, que encaixasse em nossas


necessidades e acabei encontrando um com vasta experiência em garimpo e
no momento estava voando agrícola!

É como eu digo o OURO, este bendito metal faz qualquer um largar tudo para
trás e peitar, mesmo sem ter certeza de nada, sem ninguém garantir nada, tudo
é pura sorte, o que sei é que todo mundo corre atrás dele, e assim foi com o
piloto que contratamos também, deixou esposa "buchuda" para trás e lá fomos
no rumo do Pará, com destino para o km 140 da Transgarimpeira, uma perna da
Cuiabá - Santarém lugar onde o senhor Virlandes era o todo poderoso!

Ele era um homem muito bom, muito humano só que não era conveniente deixá-
lo irritado pois, lá, tudo era dele, o local, a pista de pouso (antes pousavam na
estrada), o abastecimento de avião, carro, gêneros alimentícios, enfim até as
prostitutas eram dele também! A policia eu tenho certeza que era, enfim ele era
o "capo di tuti capo" (já apareceu em outra de minhas historias!), cabra, o homem
tinha bala na agulha.

Tornou-se o maior fornecedor de combustível da Amazônia em certos períodos,


e quando lá estive, estava no topo.

Gostava de vê-lo no meio daquela "bugrada" era difícil saber quem era quem,
pelo tanto que ele se integrava no meio de seu povo, e olhem que sua fortuna
era invejável em qualquer lugar do Brasil !

Fico muito bravo quando vejo uns pobretões, só porque compram uma Toyota
nova, ficam "empinando" o nariz! Fico a pensar como o dinheiro muda as
pessoas!
149

No percurso de Goiânia a Gurupi, fui tratando de voltar a voar, sabe Deus o que
iria encontrar pela frente? Cara, como estava "manicaca", não conseguia nem
nivelar direito o avião, e aí é que esta o segredo, irmãos o avião deve ser bem
nivelado tanto horizontalmente como verticalmente. Não pensem os manicacas,
que devem voar! O avião é que deve voar sozinho, por isso ele tem que estar
bem nivelado, alivie sua mão do manche e procure sentir o avião!

Meu instrutor já dizia que manche é igual a peito de moça, nunca se deve apertar,
senão ela grita, e não vai mais gostar de você! Avião é a mesma coisa, portanto
segurem o manche com as pontas dos dedos apenas, aí sim, sentirão a grande
diferença em deixar o avião voar! Feche os olhos e procure permanecer o maior
tempo possível com os olhos fechados, sentindo o voo, corrigindo quando você
sentir que é necessário. Irmãos, que maravilha é voar, espero que DEUS tenha
lhe dado este dom, meu amigo!

Chegando a Gurupi, fomos direto encontrar com Toninho do Ouro e o Leo, seu
sócio no garimpo, e recebemos novas orientações, que seriam, seguiríamos na
frente e ficaria esperando por eles no km140 juntamente com um caminhão de
mercadorias e motores para garimpo, e outro de garimpeiros que estariam vindo
do Maranhão.

Partimos no outro dia rumo a Peixoto Azevedo que, naquele tempo era uma
cidadezinha mixuruca, nada de interessante vi por lá, somente muita sujeira e
descaso dos poderes municipais, este sim é o grande problema das cidades da
região norte, e enquanto não for mudado nosso judiciário, para que ele possa
exercer seu papel de fiscalizador, de guardião, não adianta, continuará no
mesmo lodo fétido, só se vê prefeito se lambuzando sozinho do bolo municipal,
ao invés de repartir com a comunidade, é lamentável!

Seguimos pela Cuiabá-Santarém, passando pelo garimpoCastelo dos Sonhos,


e lá visitei meu amigo Ranulfo, de Porto Nacional, encontrando-o do mesmo
jeitinho alegre ecordial, só tinha envelhecido, aliás, como eu também! Fazia
muito tempo que eu não o via e foi uma grande satisfação!

Fiquei surpreso ao ver seu filho se preparando para tirar o breve, o que,
infelizmente não aconteceu, pois veio a falecer em acidente aéreo ainda muito
jovem, o piloto com quem ele estava no avião fez um tunôt à baixa altura,
engrenou outro em seguida, e não deu outra perdeu os controles e se
esborracharam no chão, imagino o baque que o Ranulfo levou! Deixo meus
150

pêsames para este grande bandeirante, pois, sem dúvidas para todos nós que o
conhecemos, ele era umpiloto lendário!

Seguimos ainda pela Cuiabá - Santarém, queria conhecer muito bem aquela
região afinal, ali seria a minha nova morada, pois esperávamos que aquele
garimpo viesse a proporcionar muito trabalho e muito ouro! Nosso sonho era
encher as nossas "borocas" e, para isto, iríamos dar de nós, muito suor e
lagrimas!

Meu piloto já tinha me dado à mostra que era bom mesmo, tranquilo, voando por
cima daquelas matas, transmitia a segurança que valia a pena, nada para ele
era novidade, quando o tempo "embananava" e metia a cara no meio daquelas
"pauleira", virava para mim e dizia:

“ - Sossegue Niltinho, que daqui há pouco a coisa melhora! Para ele rumo era
rumo tempo era tempo, e não desviava de nada não, no começo aquilo me
preocupava, afinal não tínhamos o precioso GPS, era na "tora" mesmo!

De tardezinha pousamos no km 140, baita pista irmãos, o "coronel" Virlandes


tinha caprichado, afinal ele tinha um Navajo com motor turbo hélice de fazer
inveja a qualquer um, fazia linha para Itaituba!

Já no pouso, meu amigo deixou aos meus cuidados e não é que fiz um pouso
melhor? Parecia que a sensibilidade estava voltando, ainda bem que ela vai e
volta, pois o destino iria me pregar uma baita peça vocês vão ver.

Estava reservado para nós uma casa que para os padrões de lá era uma
maravilha, lá, arranchamos e ficamos esperando o resto do povo chegar.

Meu piloto muito "velhaco" tratou logo de se informar sobre o garimpo, seu nome
era "garimpo da Serra Queimada", pois ficava dentro de uma serra de meter
medo a qualquer um, como era a pista, se o local era bom de ouro, enfim fez
uma pesquisa detalhada, e não é que a conclusão dele foi à pior possível?

“ - Niltinho, estou sentindo o "Blefo", por aqui!

- O que é isto rapaz? Nem pense nisto, você acha que Toninho do Ouro iria
entrar numa fria destas? Você vai ver só quando chegarmos lá! Fé companheiro,
tenha fé é o que lhe peço! Imagine se ele resolvesse ir embora, como eu ia
ficar? Naquela noite eu não dormi direito, só pensando no que meu piloto havia
dito e, pior, era que eu já começava a ter fé em tudo o que me dizia.

Tendo as informações de localização do garimpo, levantamos voo para ir


conhecê-lo. Que maravilha de floresta, passamos pelo garimpo do Zé Arara, que
coisa assombrosa, falar sobre este garimpo só mesmo dedicando um capítulo
inteiro, é o que vou fazer mais tarde!

Em cima daquele tapete verde e após quarenta minutos de vootranquilo,


chegamos ao garimpo, mas, que susto, a pista era dentro da serra mesmo, como
haviam descrito, porém achava que tinham exagerado um pouco, que ela não
151

seria tão "cavernosa" assim, mas, irmãos, era muito mais crítica do que haviam
dito!

Só para vocês terem uma ideia havia um Asteca, quebrado ao lado da pista,
arrastado por fortes ventos que o jogaram de encontroàs árvores, deixando uma
má impressão, daquelas de arrepiar o cabelo!

A pista começava na beira de um córrego e ia serra acima, num ângulo de mais


de 45 graus, facilitando a parada, porém para arredondar a aeronave, não seria
nada fácil, inclusive para um piloto experiente, imaginem para um manicaca
como eu! Nem morto eu ia entrar ali, sem dúvida seria um acidente daqueles.

Senti aquele gosto amargo na boca e gelei. Após duas voltas por sobre a pista
para melhor conhecê-la, meu amigo resolveu encará-la, tive vontade de fechar
os olhos para não ver a bagaceira, porém pensei com meus botões: “ - Olhe bem
seu manicaca porque na próxima poderá ser você!”

Olhei para meu piloto, tentando ver algum sinal de preocupação, mas que nada,
estava "tranquilão", já no final da perna base não vimos mais a pista, somente a
cabeça do morro, e quando ele girou para entrar na final, só vi a cabeça da serra,
passamos por ela, ai ele afundou a aeronave ladeira abaixo, parecendo que a
barriga do avião iria bater na copa das arvores!

A impressão que se tinha, era de uma pedra rolando serra abaixo, o avião todo
flapeado, (aí que está a vantagem do skylane, não ganha velocidade mesmo,
com aquele tremendo flap).

Quando me recuperei um pouco do susto, olhei para baixo, no fundo do vale e


lá avistei a cabeceira da pista e um córrego que passava no meio do vale, e para
minha surpresa lá estava ela, toda miudinha, tortinha, curtinha, e nos lado umas
arvores pequenas, que somente um avião de asa alta conseguiria ultrapassar,
sem falar no Asteca quebrado ao lado da pista, que me deu uma má impressão!

Quase na final, um sobrado que parecia mal assombrado, de madeira, que


garimpo nenhum nunca havia visto coisa igual pois, geralmente ninguém investe
nada em garimpo, sabendo que um dia vai ser tudo abandonado mesmo! Quanto
à este, parecia que o antigo dono pretendia passar muitos anos por lá!

Quando o piloto se deu conta de arredondar o avião, foi um alivio pois a pista
não tinha mais de 400 metros, sorte que era morro acima.

Ao pousar, fomos tomar posse da pista! Tudo estava abandonado, deixando a


impressão que era um garimpo fantasma!

Andamos por todo lado, e constatamos que, sem dúvida, o local era bonito,
haviam derrubado uns quatro alqueires e plantado um pastinho, acreditem tinha
um burro velho, levado num skylane!

Contam que a dose de anestésico tinha sido pouca, e ele acordou em voo, e
quase foi sacrificado, só não morrendo, porque sua cabeça era muito dura, e
152

resistiu às porradas, porém, ficou meio doidão e sempre que eu pousava por
ali,vinha se coçar nas asas do DOC, acho que ele não gostava muito de avião,
não!

Havia mandioca plantada, e um resto de porcos, sobras das onças, que vinham
pegá-los no terreiro da casa! Tinham que dormir presos nas baias pois, caso
contrário,"babau" pois tinha muita onça no local!

Visitando o local onde garimpavam, constatamos que restava um monte de


buracos, cheios d’água, o que me fez pensar, na mesma hora, na malária! Dormir
ali seria um perigo!

O que mais preocupava meu piloto era: porque haviam abandonado tudo aquilo,
se o garimpo tinha uma estrutura de fazer inveja! Se tinha ouro, porque o antigo
dono não estava ali? Quem que abandona um osso cheio de carne?

Comecei a ficar preocupado também pois, já não conseguia convencê-lo a ficar


e acreditar que iríamos ser bem sucedidos mas, o golpe final foi quando ele
descobriu numas caixas, uns restos da contabilidade do movimento do garimpo,
e como o antigo dono era muito organizado, tinha a produção dos barrancos, e
em todas as fixas que vimos, não tinha uma em que a produção houvesse pago
o custo! Aí ele não aguentou mais e disse:

“ - Niltinho, vou embora mesmo, este garimpo é "blefado" aqui não tem ouro coisa
nenhuma, se você quiser pode ficar mas eu estou “cascando" fora! Vou "vazar"
daqui logo que chegar ao KM 140, me desculpe amigo, mas você entrou numa
"fria"! Levantou-se da cadeira e foi beber água, deixando-me ali, pensando,
cabeça baixa, injuriado!

O que fazer? Não dava conta de voar ainda, arrumar outro piloto? Onde? Irmão,
tive vontade de chorar!

Pensei, Niltinho você está lascado, nem Jesus Cristo o tira desta enrascada!
Naquela noite não dormi nada, só pensando na fria!

Levantamos cedo para voltar e quando estávamos embarcando no avião, falei


para o piloto:

“ - Já que vai me abandonar mesmo, peço pelo menos que você me de um


treinamento nesta pista, pois não me resta alternativa! Vou ter que encarar
mesmo, não vejo outra saída! Se eu morrer você não tem responsabilidade
nenhuma, o risco é meu!

Como para ele também ficou bom, afinal deixar-me ali naquelas condições não
era o que ele queria pois não era um irresponsável, apenas não queria correr o
risco de trabalhar para mais tarde não receber!

Com muita experiência em garimpo, sabia que garimpeiro só paga suas contas
se fizer ouro e como ali ele via que não tinha, só lhe restava ir embora! Enfim
não lhe tirei a razão! Meu caso era outro, eu havia comprado um avião agrícola
153

deles, junto com meu compadre, e deveria pagar com tantas horas de voo, e
tinha que pagar em voos, não interessava se tinha ouro ou não, entenderam?

“- Está bem Niltinho, sente na esquerda e decole, mas antes tenho que alertá-lo
que, lá no final da pista, por ser um vale, poderá ter forte vento, que não sei ainda
o seu sentido, talvez este Asteca quebrou por isto, o vento pode tê-lo jogado fora
da pista, penso eu, e como não dá para passar por cima do morro, teremos que
sair por dentro do vale pela esquerda que é melhor!

E vamos por ele, tratando de ganhar altura para poder cruzar aquela montanha
logo ali, e mostrou-me onde iríamos sair! Acredite, deu-me frio na espinha e os
cabelos arrepiaram, como sempre acontece quando estou numa fria!

Irmãos, "arroxei as periquitas" e deixei o DOC ganhar velocidade, por ser a pista
cheia de lombada, ele corcoveava mais que um burro xucro, e meu amigo gritava
na minha orelha:

“ - Segura o bruto no chão, que ainda não está na hora!”

Quando estava quase chegando às oitenta milhas passei numa lombada, e não
deu mais para segurar, meu amigo vendo meu desespero, resolveu dar uma
ajuda, e arrastou o manche todo para trás para sairmos do chão!

E logo em seguida empurrou para frente e manteve assim, ganhando velocidade


para subir e logo após, iniciarmos a curva para entrar no vale, aí então, ele
devolveu-me o manche e acabei voando até o KM140! Parece que ele estava
resolvido a dar-me uma mãozinha mesmo!

O clima entre eu e o meu piloto estava constrangedor, ele queria ir embora e eu


queria que ele ficasse, afinal eu estava ficando no mato sem cachorro, via meu
negocio com o Toninho ir para o brejo, e acabei chamando meu amigo a um "tête
a tête", e chegamos a um acordo: ele ficaria mais uns dias e continuaríamos os
treinamentos, e eu depois que me danasse sozinho, afinal meu amigo também
foi um manicaca um dia.

Irmãos imaginem vocês, eu ter que recuperar a habilidade, ali no meio daquelas
pistas cavernosas, até para meu amigo era difícil, pois o avião no garimpo só
leva um banco, que é do piloto, o instrutor vai em cima da mercadoria, pouca
coisa ele poderia fazer, caso ocorresse uma falha!

Não esqueço do dia em fui fazer meu primeiro voo na esquerda e ele em cima
dos tambores de óleo diesel, que sufoco cara, ele vendo a minha dificuldade em
manter o eixo da pista, gritava:

“ – Põe a pista no meio da suas pernas, se não vamos quebrar a cara lá embaixo,
gritava!

- Cara, use os pedais, os pedais! Mais grito na minha orelha, e lá ia eu, ladeira
abaixo, de qualquer jeito, brigando com o avião até botar no chão!
154

Felizmente, consegui me livrar das pequenas árvores nas beiradas da pista, para
não dizer que quase engoli a pista, parei bem no finalzinho, irmão, foi um sufoco!

Eu e meu amigo quase sujamos as calças! Ele desceu mais branco que garça e
foi logo me dizendo, esta é a ultima vez que venho com você, na próxima tu vem
sozinho, você já esta solo para meu gosto!

“ - Mas moço,respondi,que ultima, se esta é a primeira?

- Não quero saber, se vire de seu jeito, que eu estou fora!”

Convenci-me naquele momento que, dali por diante, só poderia contar com Deus
e com a minha sorte!

Descarregamos a carga, e nesta viagem, minha decolagem já foi melhor! Recebi


até um elogio do meu amigo, só que não sei se aquilo foi apenas para tirar a
responsabilidade dele, para que eu o liberasse logo daquele sufoco.

Imaginem que eu era o piloto mais velho entre todos no 140, os moços eram
verdadeiras feras, voavam o dia todo e à noite se reuniam para fumar algo, que
me parecia ilegal,e isto, quando tinham dinheiro, porque quando estavam no
blefo, usavam algo mais barato, ficando com os olhos vermelhos, parecia que
iam sair da órbita, e diziam:

“ - Como é velhinho, não vai querer, não? Pegue aí um cigarro, vai ver que
amanhã, você vai voar como um passarinho!” Imaginem eu, que nunca ,fui muito
amigo de cigarro entrar numa dessa!

- Não, irmão, já passei da idade, não tenho estrutura para isto não!”E saía, para
deixá-los à vontade e acreditem, rolava a noite toda aquele fuminho, e logo de
manhã estavam na pista prontos para voar, não conseguia entender como
conseguiam tanta energia”! Eu? Estaria morto, sem duvida nenhuma!

E foi no meio dessa turma que meu piloto encontrou um meio para me
abandonar. Conheceu um piloto que não era piloto, tinha o breve sem duvida,
mas ninguém dava avião para ele, era perdido na droga, como se diz por aqui,
"comia com farinha"!

Era jovem, alto e se dizia com muita experiência em voar afinal, era o jeito que
meu amigo encontrou para deixar um substituto e eu não tive outra escolha,
aceitei-o para ficar no lugar do meu piloto, porém não imaginava o quanto aquilo
ia me causar aborrecimento mais tarde.

O diabo, era que ele não estava muito melhor que eu, isto eu senti logo quando
ele subiu no avião, era inseguro, na verdade não tinha o avião na mão, e isto
meu amigo, nas pista de garimpo é acidente, na certa!

Senti que havia necessidade urgente de me preparar, para ficar livre de piloto,
só que, por enquanto, teria que administrar aquela situação, não tinha outro jeito!
155

E lá fui, um dia eu voava, outro dia era ele e assim fui melhorando a minha
performance, graças a Deus!

O que senti de mais difícil é conviver com quem se droga, a cabeça do cara não
funciona direito, o dia em que se droga ele esta numa Nice, o dia que não se
droga é um "ranço".

Chegam a perder a noção da realidade, como aconteceu certa ocasião, que ele
decolou do garimpo do Patrocínio do famoso Zé Arara e eu sentado no assoalho
do avião conversando com um garimpeiro, não prestei atenção no rumo que ele
pegou para voltarmos para o km 140!

Eram apenas seis minutos de voo, mas, quando vi estávamos voando no sentido
contrário e ele petrificado no manche, olhar no horizonte, não via nada! Sua
mente provavelmente estava em outro espaço que não dava a ele a consciência
do que estava acontecendo naquele momento e estávamos prestes a nos
perder, a reserva de gasolina era muito pequena!

Levei um susto quando olhei para fora e não vi as referencias tão conhecidas!
Dei um berro para ele acordar e tratei de orientá-lo, para que voltasse ao rumo
certo!

Essa foi uma triste realidade, do quanto não combina droga com pilotagem, fiquei
triste pois ali estava um jovem piloto, todo inutilizado, o que seria dele? Quem
iria entregar um avião para uma pessoa naquelas condições? È uma pena!

Fui tratando de ir afastando-o até que o despedi! Aí sim vi o outro lado da pessoa
que perde a responsabilidade de prover recursos para manter seu vicio! Um dia
peguei-o roubando material de garimpo para manter seu vicio! Não quero nem
lembrar o sufoco que passei para me desvencilhar do cara e recuperar o que
havia roubado!

E a vida continuou, logo chegou o caminhão trazendo os garimpeiros, e outro


com mercadorias e material de garimpagem, que fui logo tratando de levar para
o garimpo! Voava todo dia e aí fui recuperando minha velha forma, porém com
muito mais habilidade, e foi aí que comecei a aprender de fato a voar! A pista da
Fazenda Serra Queimada não me metia mais medo, acreditem, fiquei manso
com ela, e nas outras também. Enfim tinha superado aquela fase MANICACA, e
voltei a ser um piloto dos bons, senão estaria morto!

Não pense que a vida no KM140 era triste, pois não era, existia perto dali o
Creporizinho, garimpo de pequeno porte que estava se transformando numa
cidade. Infelizmente a única fonte de renda provinha dos garimpos, atividade
pecuária estava se iniciando, e como a extração de ouro era muito mais lucrativa,
ninguém queria ser peão! Era tremendo sufoco encontrar alguém para trabalhar
nas fazendas!

No comércio encontrava-se quase tudo, e o que mais funcionava eficientemente


eram os cabarés, imaginem vocês que passavam por lá toda a sorte de artistas,
da Gretchena duplas sertanejas!
156

Tudo isto para alegrar a moçada e por causa do ouro, cada um queria tirar uma
lasquinha e até mesmo os artistas, afinal, ouro existia aos montes, para alegrar
a todos!

A mulherada, era de primeira qualidade, geralmente vindas de Goiânia, que por


ali reinavam, sem duvidas, por serem as mais bonitas e interessantes, gerando
mais lucros para as cafetinas!

No garimpo do Zé Arara, o "Patrocínio" era algo extraordinário, este sim merece


uma atenção especial! Um garimpeiro que se tornou famoso pelo acúmulo do
ouro que conseguiu, e que, na época em que a Caixa Econômica Federal,
resolveu melhor controlar a saída de ouro dos garimpos, tornou-se seu parceiro
e montou uma rede de compra de ouro, que se estendeu do Pará a Goiás!

Em Goiânia ele tinha um baita escritório, para que aquele ouro que não era
vendido no Para, pudesse ser negociado em Goiânia e assim sendo, a caixa
deve ter acumulado uma reserva extraordinária de ouro, só não sei o que fizeram
com a uma montanha de ouro que lá existia!

Para vocês terem uma ideia do que era o garimpo do Patrocínio, vou dizer o que
eu vi , e olhe que já estava em decadência, pois a grande áurea fase do ouro,
já tinha se passado, vejam certos números: Só de moto, havia mais de
quinhentas, a maioria sem documentos, imaginem vocês da onde vinham?
Lógico que era do mercado negro, tratores, patrolas, pá carregadeiras eram de
montão, muitas máquinas (quase 2.000)!

Tudo era levado de avião, não existia estrada que ligasse à Transgarimpeira, em
razão da distância, era somente para ele fazer sua frota da avião voar. A frota
de aviões deixava-me surpreso! Só Bandeirantes ele tinha três, monomotores
mais de dez, sem falar no jatinho particular que, se não me engano um lear-jet!

Também era dono de um supermercado de fazer inveja ao meu amigo


Gilmarzinho, cujo supermercado, em Ourilândia, era de tamanho bastante
inferior!

A boate era algo de especial, ali iam cantar os mais famosos artistas,
preferencialmente os bregas, reunindo, num dia de show mais de mil pessoas!

Este prédio, foi construído por Zé Arara nos moldes dos “saloons” americanos,
com a porta de entrada de duas bandas, dando a impressão, quando se entrava
por ela, de se estar no velho oeste americano! Era mesmo “chic no úrtimo!” como
se dizia na época!

O clima era o mesmo, bala por todo os lados, rolava, droga, uísque "Nelson Ned"
era o que mais se consumia! O ambiente era decorado com aqueles banquinhos
e os garçons vestidos a rigor! Amigos, era uma graça, sem falar que no segundo
andar existiam alguns quartos, para os casos de maior intimidade!
157

Lá você encontrava a "goiana", sempre preparada para fazer uma "escopa" no


seu ouro! Você só saía com as calças pois, o resto deixava por lá nos cofres do
senhor Zé Arara!

Era nesta boate que ele tomava a maioria do ouro que era retirado de suas terras
pelos garimpeiros, na manha irmãos, na manha, e com prazer pelo meio! Ali era
o lugar onde "o filho chora e a mãe não escuta". O "neguinho" saia de lá urrando,
porém feliz, pronto a retornar para sua cava e retornar com mais ouro! Era
incrível você ver a vida da peãozada ser sugada daquela maneira. Também era
lá o local onde eu também vendia ouro, quando precisa. Nunca faltava dinheiro
para isto!

Tem uma passagem, que ocorreu no garimpo, muito engraçada, e devo contá-la
a vocês antes que eu esqueça.

No local, sempre pousava de baixo para cima, que é o correto, porém um dia,
tinha uma nuvem de chuva atrapalhando e resolvi pousar no sentido contrário,
mudando de cabeceira e logo que vim para o pouso, sabia que teria que tocar
logo na cabeceira, pois da metade da pista para frente, a inclinação para baixo
era violenta!
Caso não tocasse a pista logo na cabeceira, corria o risco de parar num córrego
que ali existia, porém, tinha umas embaúbas, que haviam crescido muito,
atrapalhando-me bastante!
Resolvi então, derrubá-las, logo após o pouso, pois, imaginem vocês, ter uma só
cabeceira? E se um dia eu tivesse que usá-la mesmo?
Pousei, tomei um banho, botei meu calção samba-canção, peguei minhas
havaianas e um facão e pensei: agora acabo com aquelas embaúbas! E fui
derrubando as que estavam mais perto da cabeceira da pista, porém vi uma, por
sinal a mais alta, localizada mais para dentro da mata, e resolvi ir até lá derrubá-
la.

Estava tranquilo com pensamento no ouro que iria levar dali, quando escuto o
turrar de uma onça, a não menos de uns cem metros de distancia! Cabra,
novamente o cabelo arrepiou e eu tratei de correr, imagine sair no jornal “piloto
Niltinho foi comido por uma onça no garimpo da Serra Queimada”, o que isto
meu amigo!
Tratei de dar no pé, correndo feito louco, abandonei meu facão para traz, e fui
rasgando no peito aquela mata, a danada da havaiana saiu do pé logo na saída,
e lá fui eu se rasgando todo, rumo ao barraco, e vocês pensaram que olhei para
trás? Que nada, amigos se tivesse asas com a velocidade que estava, teria
decolado, sem dúvida nenhuma!

Só fui parar na frente do barraco onde estavam sentados alguns garimpeiro e


eles vendo aquela cena foram logo me perguntando:
“ - Do que esta correndo ,comandante?” Então olhei para trás e como não vi
nenhuma onça, respondi meio desapontado.
158

- Da onça, amigo! Da onça!

- Mais que onça? Não vejo nenhuma, comandante! Será que você não esta
correndo apenas do urro da onça?” Olhei para trás e com uma ponta de
vergonha, respondi:
“ -É, de fato, foi mesmo.
-Vou dizer uma coisa piloto, nós aqui costumamos correr da onça, mas do urro
dela, não!
- Tem razão! Da próxima vez, tentarei correr só da onça.”
Tratei de ir tomar meu banho e fazer os curativos, meu corpo estava todo
rasgado dos espinhos que havia topado na carreira.
E assim nunca mais cortei embaúbas, para mim continuava a existir apenas uma
cabeceira naquela pista e hoje costumo brincar quando vejo alguém desistindo
de alguma coisa, sem antes ver, de fato, se aquilo que você estava pensando
era o que você imaginava!
“ - Não corra do urro da onça, cabra! Corra da onça!”
No garimpo do patrocínio, em época de eleições, ia uma urna eleitoral, nunca
me esqueço, pois foi ali que justifiquei meu voto, em função da quantidade de
eleitores que havia!
Existia também um destacamento da Polícia Militar, para garantir a “lei no
garimpo”! Teve até o caso em que vieram pedir-me para fazer um lançamento!
Mas que diabo de lançamento era aquele, se eles não mexiam com ouro, quis
saber:
“ - Comandante tem um cabra que não vale nada, já estamos cansados de
prendê-lo e enviar para fora do garimpo, porém ele volta, dana-se a roubar e
fumar maconha, e não nos deixa em paz nem por um momento sequer!
Só queremos coloca-la dentro do avião e jogá-lo no meio da floresta, deixando
que morra por lá! Você só tem que fazer para nós, o voo com a porta aberta o
resto é por nossa conta!”
Moço, levei um susto, imaginem eu, que vivi o meu tempo escolar em colégio de
padre, fazer uma coisa dessas? Jamais, disse eu aos policiais, afinal aquele
infeliz deveria mesmo, é ser encaminhado à justiça, para cumprimento das
penalidades legais!

Foi difícil sair daquela, pois um pedido desta gente e naquele lugar, era mesmo
de difícil negar, e não consegui sair fácil dessa enroscada: tive que prometer-
lhes que continuaria devendo um favor e não é que não passando algum tempo,
o cabo se aproximou e disse:
“ – Comandante, minha mulher pegou a “Galega” (uma quenga da boate) e bateu
muito nela, quase a matando, se não fosse as outras meninas terem socorrido,
a coitada tinha morrido! Se ela continuar por aqui, vai morrer, pois minha mulher
já prometeu mandá-la para o espaço, breve!
159

- Leve-a ao KM140 e a amoite por lá, até que minha vá embora daqui! E olha aí
que você nos deve um voozinho, se lembra comandante?
- Sem duvida, sem duvida, cabo, isto é galho fraco! Pode trazê-la que já estou
decolando!”
Minutos depois ele volta com a menina, talvez não tivesse mais de vinte anos,
maranhense linda de morrer, e aí é que fui sentir a preocupação do "milico": a
rapariga era bonita demais, “sô” e ele queria ficar com as duas, já que não era
nada besta.
Na hora da decolagem ele chegou pertinho da minha orelha e disse:
“ – Arranco-lhe esta linda orelhinha, se você bolinar minha “princesa”, ouviu bem,
comandante?

- Fique frio, ó meu, que não toco em um fio do cabelo dela, prometo.”
Moço, que promessa dura de cumprir foi aquela! Passados duas semanas,
trouxe-a de volta são e salva, entregando nas mãos de seu “dono”!
Tudo ia bem, no garimpo, eu voando muito, pagando minha dívida junto com
Toninho do ouro! Não estava nem aí se o garimpo produzia ou não, meu negocio
era voar, e “deitei o cabelo” a voar! Voava para todos os lados e como ajudou!
O dinheiro que entrava, acabei aplicando naquele garimpo blefado, mas o Leo já
estava desesperado, o outro grande garimpeiro, Toninho do Ouro, tinha sentido
dores na barriga e se mandou para Gurupi!
O Leo era “brabo” no negocio de ouro e o desespero dele aumentou, imaginem
todo aquele tempo gasto na procura do ouro maldito e nada, só blefo e mais
blefo! A coisa fedeu, irmãos!
Certo dia fui buscá-lo no garimpo, sentamos na mesa de um boteco no 140 e
começamos a beber. Ele triste, bastante preocupado, o dinheiro acabando e
nada de ouro, o Toninho não vinha! Aí perguntei:
“ – Leo, tem certeza que este garimpo tem ouro?” Ele franziu a testa e, respirando
fundo respondeu:
“ - Posso não entender de garimpar o ouro, mas besta eu não sou, viu Niltinho?
- Não está mais aqui quem perguntou, seo Leo!” E mudei de assunto.
Não passou uma semana e ele retornou a Gurupi, deixando um parente no
garimpo, com a minha assistência!

Imaginem vocês, uns cinquenta homens comendo todo dia, não deu outra, logo
a comida acabou, o cerco foi fechando, e aí comecei a me preocupar. Ligava
para Gurupi atrás do Léo e do Toninho, mas sentia que não estavam nem aí para
o assunto! Um dia peguei Toninho no telefone e falei o que poderia acontecer
conosco, diante daquela situação e ele simplesmente me disse:

“ - Abandone tudo isto aí e venham embora! Está na hora de fechar o garimpo!”


160

Era justamente o que tinha que ser feito! Ficou constatado que não tinha mesmo
ouro e eu queria ouvir isto mesmo, porém, aquilo não era meu, eu era
simplesmente um piloto, e queria um deles ali, comigo, tinha muito pepino para
descascar e eu tinha medo de ser morto!
Já havia enfrentado muito garimpeiro raivoso, imaginem vocês, tirar uma pessoa
de casa em outro estado e mandá-lo de volta com uma mão atrás e outra na
frente? Não é nada fácil, ali tinha toda espécie de gente e eu poderia me dar mal,
como quase ocorreu!
Só escapei porque tive muita calma, fui vendendo as coisas que havia sobrado
e os voos que vazia me ajudaram muito e fui mandando o pessoal embora
lentamente, às vezes só com o dinheiro da passagem!

Nunca me esqueço do dia em que fui dar a notícia da retirada do garimpo, e um


"gauchão", parente do Leo, e inconformado, respondeu:
“- Só saio daqui morto tchê! Vim aqui fazer ouro e vou fazer, portanto você não
vai me abandonar aqui “solito” não! O avião vai ficar também!”.
Olhei bem na cara do Gaúcho e emendei:

-Se você quiser ficar, fique, afinal alguém tem que ficar aqui mesmo, só que eu
vou embora para Gurupi, e você vai ficar junto com as onças e escute bem, vou
te dar três dias para você pensar, daqui três dias volto para pegar o resto do
pessoal! Virei as costas subi no avião dei partida, ele me olhando pensativo,
julguei que iria partir para cima de mim e me dar um cacete! Infelizmente a ficha
dele ainda não havia caído para a hora de abandonar o barco!
Naquela noite ele não dormiu, no outro dia ele passou-me um rádio para ir buscá-
lo, estava manso, e tive a oportunidade de explicar melhor o motivo de estar
desativando tudo aquilo que ele também tinha colaborado com tanta esperança!
Haviam colocado muita ilusão em sua cabeça, como dizem, o ouro é uma febre
e ele tinha sido contaminado, a febre estava bem profunda em sua consciência,
foi muito difícil cair na realidade que aquilo foi apenas um sonho!
Após ter despachado todos aqueles garimpeiros, ficaram apenas dois, para
voltar comigo de avião, e dois que eu havia abandonado no garimpo! Fico
imaginando o que eles devem ter passado, pois nunca mais voltamos para tirá-
los! Certamente devem ter sido devorados por onças!

Ainda coloquei, dentro do avião, um motor estacionário,uma motosserra e mais


alguns bagulhos que não me lembroe acreditem, na última hora, o milico me
pediu para tirar a “polaca” de vez, que a levasse comigo para, ou ficar com ela
ou devolvê-la para sua família! E foi o que fiz, levei-a a Gurupi e coloquei-a num
ônibus da Transbrasiliana, mandando-a de volta para sua família no Maranhão!
Acho que fiz uma boa ação!
O voo de volta foi um sufoco, tempo ruim, avião pesado, dinheiro não tinha mais,
estava abandonado, e até Toninho e Leo não atendiam mais minhas ligações
telefônicas!
161

A gasolina do avião, só dava para vir até a metade do percurso, e foi o que fiz:
fui até uma cidade de Mato Grosso, arrumei um hotel e fiquei esperando o
Toninho mandar-me dinheiro para abastecer e pagar o hotel!
Como ele não mandou, tive que deixar meu revolver penhorado no posto de
gasolina, se quisesse sair de lá!
O avião pesado e cheio de pane, (fazia tempo que não via manutenção) deixava-
me preocupado mas, felizmente, à tardinha pousei em Gurupi, cansado do voo
e do sufoco que havia passado, cansado do blefo, enfim, cansado de tudo e
jurando que nunca mais entraria noutra!
Com isto, eu e meu compadre Odilon acabamos de pagar o avião agrícola que
havíamos comprado do Leo e que estava em Belo Horizonte, só faltando agora,
ir buscá-lo, só que esta é outra historia e, através dela, chegamos mais perto do
PT-CZC, objeto de nossa próxima historia!
Vou contar que comprei o avião, com parte do dinheiro que ganhei voando no
garimpo de Serra Queimada que, na realidade, foi o garimpo mais blefado que
eu já vi em toda a minha vida pois, se precisasse de um pouco de ouro para fazer
um chá e salvar a vida de uma pessoa, ela acabaria morrendo!
Mas, como sempre tem quem perde e quem ganha, felizmente, neste caso fui
um dos ganhadores!
162

O golpe de mestre
163

Estava sentado em frente da TV, pensando na continuação da historia km 140,


e deu-me uma imensa tristeza, porque não conseguia me recordar de fatos que
ocorreram quando fui receber o Ipanema que estava em Belo Horizonte! Pudera,
67 anos não é moleza (e já se vão mais de vinte anos), minha memória falhava,
e tenho certeza que, o que passei para dar conta de terminar o negocio que
fizemos com Léo, não foi nada fácil, semelhante a um parto complicado,
daqueles que o jumentinho não quer sair da barriga da mãe, e você vê que a
“vaca vai pro brejo mesmo”!
Vem o pânico, a preocupação, você sente aquela sensação que ganhou, porém
não leva, e eu tenho certeza que tive que usar toda astúcia, malandragem, e até
mesmo a sacanagem, que existia dentro de mim, para dar conta do recado!

Tenho certeza que dei um golpe de mestre naqueles caras, pois, caso contrário,
seria “garfado” por eles. E, infelizmente minha memória não ajuda mais, mas vai
assim mesmo, vou buscar o que resta, vou ver se dou conta do recado, se não
gostarem do conto, me perdoem.
Dou um conselho àqueles que um dia queiram escrever suas historias, que não
façam como eu! Façam um diário ou alguma coisa semelhante, porque a idade
vem e o “bicho pega” irmão, e vocês vão ficar igual a mim, “ruminando” tal qual
boi velho para escrever alguma coisa! Como é triste a velhice, mano! Cuidem-
se!

Vamos deixar de choradeiras afinal, aqui não é o Muro das Lamentações e sim
um simples computador, por falar nisso já esta na hora de trocar esta “joça”,
“sofro” com estas teclas, quando enrosca parece com meus dentes, na hora de
extirpá-los, não sai mesmo! Nem que tussa!
De volta a Gurupi, depois de ter descansado uns dias daquele tormento todo,
tratei logo de ir receber o avião agrícola! Fui conversar com Léo, para que ele
me orientasse onde estaria a aeronave e quem iria entregá-lo:
164

“ - Sem problema Niltinho, e só você procurar meu advogado em Belo Horizonte,


que o mesmo providenciará tudo para você, e aqui esta seu endereço! Qualquer
novidade, liguem-me!
Quando ele falou, “meu advogado”, gelei, pois se tem um profissional que não
vou com a cara é exatamente este, para mim, aquele que, para ganhar dinheiro,
cria dificuldade para vender solução, vai pra lá, isto é um gavião disfarçado!

Já comecei a ficar preocupado. Peguei um avião em Goiânia e fui a Belo


Horizonte e, lá chegando, fui direto ao aeroporto onde deveria estar o avião,
estava curioso para ver a “bomba”!
Quando chequei lá e vi a aeronave, levei um susto! Pensei, Niltinho você é um
trouxa mesmo, de acreditar em tudo que dizem! Olha só esta “carniça”! O que
você vai fazer agora? Os três pneus arriados, todo sujo, com um aspecto de dar
medo, parecia que ele não funcionava há anos, imaginava como estaria ali por
dentro, talvez o motor já tivesse ido para o pau! Torcia para que uma boa
revisada fizesse aquilo voar novamente, sei lá, estava difícil fazer uma avaliação
naquele momento! Necessitava de um bom mecânico, para fazer um
diagnóstico!
Após aquela decepção, fui visitar o advogado, que logo de cara, deu-me um chá
de espera, e quando largou minha mão e sentou-se à mesa, com aquele olhar
arrogante, as sobrancelhas arrebitadas para cima, dando um aspecto “magistral”
para si mesmo, começou a falar. Pressenti logo, que lá vinha “bucha”.

“ - O senhor Léo já deve tê-lo informado que existe um débito, junto ao escritório
que soma......
- Espera aqui Doutor, eu não tenho nada com isto, contas a pagar é com o Léo,
eu só quero saber como está a documentação do avião, e se o senhor vai me
entregá-lo ou não?” Cara, como falei grosso com aquele advogadozinho!
Imagina se eu ia pagar conta do Léo?

“- Espere aí moço, vamos com calma, o avião tem uma hipoteca no Banco Rural,
primeiro temos que resolver este probleminha!
- O que? Hipoteca? O avião esta hipotecado? Mais essa cara, te juro que eu não
sabia, mais este pepino para descascar, meu Deus, não acaba nunca!” Estes
gaúchos são ruins de negócios mesmo, pensei!
-Está hipotecado! Porém já deu entrada no banco para transferir a hipoteca para
outro bem, do senhor Léo, só esta faltando umas assinaturas, para que eu
conclua a negociação! Mas, primeiro tem que acertar meus honorários, caso
contrário não entrego o avião!”
Naquele momento, sem querer ele havia me fornecido todo o “roteiro do filme”!
(Que pena para ele!). Despedi-me prometendo ir a Gurupi e voltar logo, para
pagar seus “honorários”, e levar o avião só, que, nunca mais voltei. Já tinha
bolado um plano para dar um rasteira naquele cara de fuinha!
165

No outro dia, lá estava eu, na porta do Banco Rural, todo engravatado, sapato
novo, uma pérola na lapela, estava impecável pois havia agendado encontro com
um diretor do banco! E lá fui !
Conversa aqui, conversa acolá, fui me inteirando da situação, o “rolo” era terrível,
se abusasse, dava a volta no quarteirão, e acabei caindo na mesa de outro
advogado, (que raiva!), só que este, não queria minha grana e sim descascar o
“abacaxi” que sobrou para o banco, daí começamos a nos entender.
“ - O Léo deixou faltando algumas coisas, para terminar nosso acordo de
transferência de garantias, para que possamos liberar o avião porém, você tem
ideia de como estes gaúchos são descansados, senhor Nilton? Ele não aparece
por aqui há tempos!

- Sei sim, já os conheço há muito tempo!


- Se você se dispuser a andar atrás dele, coisa que o Banco não faz, prometo
que logo, logo, você retira este avião daqui! É de interesse do Banco também,
acabar logo com isto!” Cara, ali estava a fome com a vontade de comer, seria
mamão com açúcar.

“- Doutor, é o que mais desejo, afinal quase morri por isto, você não imagina o
que passei, naquele fim de mundo! Nadar e morrer na praia doutor, não faz o
meu gênero! Só quero que me oriente que a minha parte eu dou conta!”
E a conversa continuou até a boca da noite. De repente, parei de falar, e olhei
bem em seus olhos, e disse:

“ - Estava pensando em tomar uma cerveja, chega de negócios, já está tarde


mesmo, você não acha que é uma boa ideia, Doutor?” E dei aquele sorriso,
precisava começar a botar aquele advogado na minha algibeira, se não, estava
ferrado!
“ - Onde podemos molhar o bico, beber uma cerveja bem gelada, botar os olhos
numas “quengas” (torci para que ele gostasse desta “fruta” também), que hoje é
por minha conta, não aquento mais Doutor!” E comecei a dar aquela impressão
de rico, de bacana, afinal todo mundo gosta do bacana, ainda mais quando ele
é o pagador das contas, é muito agradável estar ao lado de um, você bebe, ri
muito, o tempo passa que você nem vê, e o melhor, não gasta uma pila!
Como sei muito bem que é na mesa de um bar rodeado por mulheres bonitas,
onde se começam os grandes negócios e também as grandes amizades, (que
me desculpem as esposas, mas é verdade!), tratei logo de botar meu plano em
ação, tinha que ficar amigo é daquele doutor, pois do outro, nem pensar!
Fomos para um barzinho “chic no úrtimo”, onde tudo mundo vai, após o
expediente, afinal, não tem praia naquele lugar! E como tem desses barzinhos
em BH, meu Deus do céu, para onde você olha vê um! Ali se mistura tudo,
machão, boiolão, mulher de programa, mulher feia, mulher bonita, lésbica,
fresco, gay, mentiroso, blefado, enfim, vira todo mundo irmão “da noite”!
Quando estão com um copo na mão e uns dez no bucho, então se emocionam,
juram amizade eterna, trocam beijinho, aquilo vira uma “zona” no fim da noite, é
166

uma graça, ver na madrugada, os homens se despedindo com beijinhos! Meu


Deus! Aonde este mundo vai parar?
Teve uma hora, em que estava sentado, e escuto uma voz na minha orelha,
sussurrando baixinho: “- Vamos fazer uma matiné, bonitão?
Tratei de olhar para os lados, para confirmar se era mesmo comigo, (estava
assustado) pois, bonitão eu não era, e grandão muito menos! Olhei bem para a
pessoa e vi que ela estava muito fora dos meus padrões, afinal com aquela boa
vida de “solteiro papa anjo”, que estava acostumado no Pará, nunca que ia me
enrolar com uma “balzaquiana” daquelas, ainda mais quando ela trocou “Mixê”,
por “Matinê”! Deduzi que já era uma “cinquentona” mesmo. Matiné nós usamos,
esta palavra, desde meus tempos de menino, quando queríamos convidar
“alguma” para um relax e afinal, como euia saber, se sua cara tinha mais de uma
tonelada de pasta?
Tratei logo de sair dali, e fomos para outro boteco, e assim no final da noite, já
fundo na “margaça”, tínhamos passado por uma dúzia pelo menos, cada um
mais “inferninho” que o outro, e o engraçado que cada vez a gente ia abaixando
o nível. Com vocês é assim também? Quando estão bebendo?
Parecia que, se continuasse assim, de degrau em degrau, iríamos topar com o
“Belzebu” numa esquina daquelas. Quando resolvemos ir embora, na hora da
despedida quase nos despedimos, eu e Doutor, como os mineiros, tão grande
que já era nossa amizade!

No outro dia passei pelo banco para pegar a papelada, o nosso amigo estava
com uma cara ruim, a bebida, já estava cobrando sua parte, tinha que pegar
aquele monte de papel (não sei pra que tudo isto se existe um brinquedinho
chamado de “trinta e oito” para solucionar as desavenças), levar para nosso
amigo Leo assinar e então corri para o aeroporto, alegre, missão cumprida, meu
coração batia devagar, meu compadre me esperando no aeroporto em Goiânia,
ansioso para ver a papelada, enfim, ele não acreditava muito no sucesso da
empreitada, enquanto subia os degraus para embarcar no jatão, ia pensando,
“não é mole não, não é mole não, meu irmão”, esta vida de garimpeiro, vocês
não acham?
Agora só faltava o Leo assinar aquela papelada, transferindo a garantia que
estava encima do avião para sua fazenda, nos já poderíamos dizer que éramos
donos do avião, fácil, é que não foi, afinal ter tomado um prejuízo enorme
naquele garimpo blefado e perder mais um avião? Essa não!
Sinceramente estava com dó do gaúcho, eu não podia fazer mais nada, não
havia mais como “quiabar” do negócio, tudo estava bem amarrado, só restava
engolir o caroço, e partir pra outra, e nada mais. E aí, ele assinou. Graças ao
bom Deus. Aleluia irmão!
Voltei rapidamente para Belô, e La fui eu correndo para encontrar meu grande
“amigo advogado”, e após ter entregue aquele monte de papel, não preciso nem
dizer que foi outra noite na “margaça”. O cabra havia gostado da minha
companhia, e lá fomos nós de novo.
167

Tudo assinado, reconhecido firma, e lá fui eu mexer no avião, não posso deixar
de registrar aqui a raiva do advogado do Léo, quando soube que eu havia
negociado diretamente com o banco, e tinha lhe dado um “olé”! Me caçou ate
cansar, o “cabritinho” achou que estava lidando com um “zé mané” qualquer!
Deixei ele pra lá e fui conversar com uns mecânicos, só que não encontrei
ninguém que entendesse bem do avião, agrícola, e tive que ir buscar em Goiânia
o papa dos mecânicos, o Stoco! Esse cabra é bom, e foi logo me dizendo quando
viu o avião:
“ - Niltinho, vende este avião aqui mesmo, onde ele está, não mexa com ele, que
é a melhor coisa que você faz, você não tem cacife para tirar ele daqui, vão
gastar os tubos e os conheço bem, não estão com esta bola toda! É o que
aconselho, irmão! Sai dessa!”
Cara, ouvir isto de um mecânico que tem oficina de manutenção, ou é honesto
demais ou esta com “treta”, não acham?
Geralmente confio nas pessoas, sou daqueles que quando deposito confiança
vou fundo, só não confio muito é nas mulheres, tenho medo daquele “tal de
chifre”, que elas colocam na gente, tão bem que, se abusar, você fica com ele
por anos e não percebe. Acho que nunca iria acostumar com ele, mas, quanto
ao resto, não estou nem ai, confio mesmo e assim, chegando em Goiânia, fui dar
ao meu sócio, minha opinião de vender o Ipanema lá mesmo, não mexer mais
com ele!

Ah, meu irmão aí é que vi a porca torcer o rabo. Nunca poderia imaginar que o
maior “abacaxi” ainda estava por vir! Estava doido para encerrar aquela novela,
que já tinha ido longe demais, parecendo novela da Globo, quando deparo com
meu próprio compadre querendo me passar para trás! Irmão, que decepção!
Nunca poderia imaginar uma traição vinda da parte dele, cara, eu o adorava, por
muitos anos vivemos juntos, voando juntos, tinha por ele o maior carinho, e
parece que tudo isto não valia nada para ele!
A ganância falava mais alto e, por esta ansiedade de ganhar dinheiro, foi que a
policia do Paraguai derrubou seu avião, dando cabo em sua vida.
Meu compadre já tinha seus planos feitos, e eu sem dúvida, não estava dentro
deles, pois o cabra queria me passar uma “manta”, queria ficar com o avião e
dar-me uma merreca, apesar de que tudo saiu da minha cabeça, de ter formado
todo o ambiente para ganhar aquele avião, de ter arrumado mais de 100 horas
para seu Cessna 210 voar na campanha política de um deputado, sem falar que
arrisquei a vida, voando no garimpo e agora ele vinha com aquela história que
não éramos sócios por iguais e que vinte por cento do avião, estariam muito bom
para mim!
Virei uma onça, falei umas boas pra ele e avisei que iria vender o avião, fazendo
o acerto de sua parte, sem quaisquer problemas!
A minha sorte, no entanto, era que, como tinha feito todos os negócios,
simplesmente coloquei o avião só em meu nome. Não fiz de propósito, e sim
com o objetivo de facilitar as coisas e isto foi a minha salvação! Vendi o Ipanema
168

para o Negrão (Julio), entrando o PT-CZC, e o resto com prazo, que encarei sem
problemas pois o Negrão tinha “bala na agulha”!
No dia que fui ver o CZC, foi paixão à primeira vista, só não gostei da pintura! O
Negão havia vendido um avião para o Dodô, e recebido o CZC no negócio.
Dodô, naquela época, era o rei da cocada preta, fazia tanto ouro em seu garimpo
no Pará, que era preciso um rastelo para juntar.

Gastou os tubos para deixar o CZC daquele jeito, ouro era o que não faltava
mesmo e o meu compadre dizendo que ele era uma carniça!
Respondi-lhe que ficava com a carniça e ele, com os dólares que estavam com
o Negrão e com uma perua Chevrolet zerada, de minha propriedade!
Moço, o cabra aceitou pois não tinha mais jeito. A caça já tinha ido pro brejo,
porém saiu dizendo que ia me matar, imagine se brinco em serviço! Depois disto
só o vi por duas vezes, a última quando fez seu último e fatídico voo!
E foi assim que fiquei com o CZC só para mim, no melhor negócio de minha vida,
pois ele garantiu-me, por muitos anos a sobrevivência, ajudou-me a criar minha
família, deu-me muitas alegrias e, para falar a verdade, até me ensinou a voar,
muitas vezes tolerando meus erros, dando-me oportunidade de sair das frias que
entrava, sem nunca o machucar!
Neste momento estou chorando cara, não aguentei, veio um nó e travou minha
garganta, me desculpem, só de pensar que ele está tão distante, as lagrimas
rolaram, meu consolo é que o novo proprietário é gente boa, sabe dar valor, e
vai tratar muito bem dele, tenho certeza disto! Este avião leva uma aura dentro
dele que protege os seus proprietários! Todos que o possuíram me disseram a
mesma coisa!
Voando pelo Brasil afora, conheci muitas pessoas maravilhosas, vi lindas
paisagem na Amazônia, senti o gostinho em ser um “bandeirante”, só que hoje
sou considerado um fora da lei, por ter contribuído para nosso desenvolvimento,
que coisa estranha, gente igual a mim, tem hora que é herói, e tem hora que é
vilão, vai entender este país?
Só não gostei de ver o descaso dos governos, em relação a Amazônia, o que
faz dó! Na realidade eu acho que existem duas Amazônias, uma que é real, outra
que é para “Inglês” ver, e o governo age como aquele gordão que tem uma
barriga bem grande, e um “pipi” pequenininho, só que ele não o vê, sabe que
existe, porque o toca, mas como não o enxerga não sabe lidar com ele, e assim
vai vivendo na ilusão! A Amazônia para mim é a mesma coisa! É uma pena
irmão.
169

A Terra do Meio

Irei omitir os nomes dos que participaram desta aventura, por razões de
segurança e por solicitação de alguns!.

Era mais um encontro, naquela tarde chuvosa, momento em que iríamos tratar
de mais um assunto corriqueiro na época: saber quem iria participar da divisão
de uns vinte mil alqueires de terras, na região do Iriri, a famosa, a famosa “Terra
do Meio”!
170

Esta maneira de colonizar o Pará era advinda da época dos colonizadores


portugueses, e aconteceu da mesma forma, em todos os estados brasileiros,
inclusive em São Paulo e Paraná! Esse método, herdado da colonização,
conheço muito bem pois, toda a minha família participou deste importante fato
histórico, ocasião em que eu tinha quatro anos de idade.

O método de colonização ao qual me refiro é o que hoje é criticado pelos órgãos


ambientais. A formação da tropa era a seguinte: os mais corajosos e
endinheirados na frente, os mais molengas e blefados atrás e por ultimo, o
incompetente do Estado, lá muito na rabeira, que nos deixava fazer o que
queríamos: não havia sequer um órgão governamental para colocar ordem na
casa!

Para mim, a ordem deveria ser ao contrário, com o estado em primeiro lugar,
para botar ordem na bagunça e não deixar ocorrer o que estava ocorrendo e
atuando como o maestro, com vistas a evitar ignorância mais tarde, e não
aparecendo só na época de arrecadar impostos ou votos.

Este procedimento de abertura, tão comum e necessário a meu ver, para o


desenvolvimento de nosso país, representou um marco pois foi através dele que
transformamos o nosso país no gigante que é, fazendo a gente se encher de
orgulho ao estar frente ao mapa da América do Sul, ciente de nossa grandeza e
riquezas mil, vocês agradeçam a todos estes bandeirantes, tanto aos nossos
antepassados quanto os modernos de hoje e não pensem que eles fizeram algo
de errado, era o sistema da época e que por isto não deveriam ser julgados e
condenados, e nada não foi fácil.
171

Para chegarmos onde estamos agora muitas vidas foram sacrificadas, muitas
viúvas choraram pelos seus amados e muitos "pés de pano" ficaram felizes. E o
que me irrita é ver hoje o governo condenando este processo e querer julgar, e
o pior, condenar aqueles que ajudaram a fazer crescer este país! Se
dependesse do estado, nunca seríamos o que hoje somos.

Se o estado acha que este modelo não é o correto, que ache outro e não demore
pois tudo isto poderá acontecer aqui na Amazônia!

Se esta atuação fosse participativa, isto é que fossem boas para ambas as partes
envolvidas (proprietários das terras e governo), não haveria mais desmatamento!
Seria uma lua de mel perfeita!

Mas se continua o desmatamento é porque alguma coisa esta errado, porque


negócio bom, tem que ser para ambas as partes, caso contrário, não funciona,
"isto é elementar meu caro Watson"!

E eu dou um "viva” a todos os bandeirantes que deram seu sangue por esta
causa e uma vaia aos incompetentes que acham que conhecem a Amazônia!

Chega de desabafo...!

Voltemos ao inicio de nossa historia, isto sim, é o que interessa. Falar de política
econômica, para que? Não nos ouvem mesmo!

Havíamos descoberto uma pista de pouso abandonada, provavelmente feita por


madeireiros anos atrás, na época do mogno bem na beira de um rio, e ficou para
mim a tarefa de achá-la e avaliar a possibilidade de fazê-la voltar a operar!

Nisso eu era bom, graças ao GPS! Abasteci "full" tanque o velho CZC, eu
pretendia voar umas quatro horas pois não seria fácil encontrá-la e parti logo
cedo com um companheiro!

Quando cruzamos o rio Xingu e penetramos naquela mata rumo à pista que
pertencia a um piloto colega nosso, fiquei maravilhado de ver tanta terra boa,
topografia quase plana, muitos riozinhos e de vez em guando uns morros!

Tenho a absoluta certeza que aquele subsolo tem grande incidência de algum
minério, níquel, ouro, cobre e talvez até mesmo alguma coisa a mais, como
estava ocorrendo em toda nossa região.

Não demorou muito para encontrar a bela pista de meu amigo, quase mil metros,
cascalhada, fico imaginando o quanto gastaram para construí-la! Uma fortuna
considerável, só que isto saia na urina, o senhor "Mogno" pagava tudo!

Botei as coordenadas geográficas no GPS, segui em frente e não demorou muito


localizei o rio, para mim deveria ser aquele o "bendito riozinho", subi rio acima,
abaixando mais o avião, afim de observar a existência de algum vestígio de
desmatamento da pista!
172

Sabia que teria que prestar muita atenção, pois com o passar dos anos, ela mal
conseguiria ser vista, devido à rápida regeneração da floresta.

Por sorte, encontrei-a justamente em uma curva do rio, fiquei alegre e triste ao
mesmo tempo, pois estava suja demais, calculando uns quinze dias para limpá-
la, para o inicio de nossa aventura! Já estava imaginando o “cascalho” que
poderíamos ganhar!

O meu retorno foi comemorado com alegria, pois tínhamos achado a pista e ela
não estava longe da outra, de meu colega, significando que poderíamos usá-la
como ponto de apoio! Distante mais ou menos uns vinte quilômetros, não seria
difícil alcançá-la através da mata fechada, nossos companheiros eram tão bons
para andar pelas matas, que desafio qualquer índio para uma disputa, ainda mais
pelo que fiquei sabendo de um colega que havia caído pelas bandas da Fazenda
Jaú com cinco índios dentro e ele teve que se virar para sair no rio Xingu!

A única coisa que se salvou do avião foi à bússola, e graças a ela meu colega
se salvou! Pelos índios, ele não acreditava que seria fácil. Este avião nunca foi
encontrado, embora seu proprietário tenha oferecido um bom dinheiro para que
os índios fossem procurá-lo! E eles foram?

Arrumamos as "tralhas", GPS para nosso mateiro, rádio para comunicação,


bateria, rancho (alimentos), armas e munições, facão e mais algumas coisas
necessárias para quem vai fazer uma aventura dessas.

Marcamos o dia da partida para uma segunda feira, pois os meninos queriam
usar o fim da semana, para as despedidas da família, namoradas, esposas,
afinal alguns deles poderiam não voltar dessa aventura, sujeitos que estavam a
ser devorados por onça, picado por cobra, ou morrer afogado nas travessias de
rios! São coisas comuns de se acontecer na floresta.

É aí que cometi o maior erro da minha vida, pois ao invés de levá-los diretamente
para a pista, sem falar nada com meu amigo, resolvi solicitar permissão para
pousar, achando que seria por mera formalidade, e acabei recebendo um NÃO
como resposta!

Quase desmaiei, juro, que por aquela resposta, que não esperava jamais!
Abaixei a cabeça e pensei comigo mesmo, "dor de barriga não da uma única
vez", cabra. O que ia fazer? Tudo já estava arrumado! Quase ajoelhei em seus
pés para que me deixasse pousar em sua pista, e nada adiantou!

Antes de comunicar a meus companheiros a mudança de planos, teria que


arrumar outra pista! Mas onde?

Conversando, por fim descobri uma, distante uns quarenta quilômetros! Chamei
o mateiro e disse:

“- Agora é com você, eu não te obrigo a ir, pois acho temerário se andar esta
distancia, ainda mais carregando este peso todo! Vocês não vão aguentar! É
melhor desistirmos dessa brincadeira, vou comunicar a todos!”
173

Acredito que existam homens mais corajosos que outros afinal, quem nunca
ouviu falar a expressão “fulano tem saco roxo"?

Pois é, este cabra tinha, e devia ser bem roxo, pois olhe o que ele me disse, na
maior calma:

“ - Não se avexe homem, só preciso que você me leve para conhecer o local da
pista e o rumo de aonde você vai me deixar, quero ver se no rumo tem serra alta
pois, se não tiver fique frio, eu dou conta!”

Confesso que se não fosse a raça de meu companheiro e nossa determinação


em ganhar dinheiro, eu mesmo teria desistindo de tudo aquilo, imaginem as
dificuldades que estavam por vir?

Vocês não têm a menor ideia do que é se embrenhar na mata fechada, para
chegar num ponto pré-determinado, sem conhecer nada! Tenho certeza que
nem o mais esperto dos índios daria conta de tal tarefa, afinal, quantos que já se
perderam em tarefa parecida?

Será que nossos homens chegariam vivos?

Procurei não pensar mais naquilo e fiz dois voos para colocá-los na pista. No voo
que fiz com o mateiro, observamos que na metade do percurso ele teria que
seguir à direita para contornar uma serra!

Nossa sorte foi que o rumo não era tão distante da ponta da serra e, com alívio,
marcamos a data para eu ir encontrá-los na pista, que, deveria ocorrer, no prazo
de trinta dias a contar da data de saída!

Despedi-me deles desejando boa sorte, pois era isto mesmo que iriam precisar!
Muita e muita sorte, mesmo!

A viagem deles foi uma tortura, se for contar aqui, daria um conto! Peso demais
para carregar, as botinas não aquentaram o tranco, vários deles chegaram
descalços, foram abandonando as coisas mais supérfluas! As dificuldades de
carregar todo aquele peso eram tantas que muitas coisas foram ficando para trás
e, pior, deram num percurso que não tinha água, ainda bem que a mata tem
outros meios para fornecê-la, como um cipó que cresce nas árvores. E assim foi!

Depois de muito vagar, o GPS os trouxe para perto da pista, com as marcações
indicando o ponto determinado porém, onde estava a pista? Não conseguiam
achar!

Eu havia encontrado o ponto voando, devo ter demorado alguns segundos para
marcar o ponto e o avião voando mais de duzentos quilômetros por hora,
imaginem a diferença que deu, e isto causou uma grande dificuldade para eles,
não encontravam a pista e ela toda cheia de mato só piorava as coisas, coisa
para quem conhece e sabe, para ter sucesso!
174

E foi o que aconteceu com meus amigos: eles eram muito bons, os melhores,
talvez nunca mais encontre uma equipe igual !

Acharam a pista, depois de terem encontrado o rio! Meu amigo sabia que ela
estava justamente à margem, ele havia visto quando sobrevoamos!

Fizeram um barraco, instalaram o rádio e aí a coisa melhorou, embora a moral


estivesse baixa, a fome rondando, iguais às onças que vinham esturrar próximo
do barraco, a munição acabando, só restava às traíras, que, por sorte, tinha
demais.

Quando consegui falar com eles foi um alivio, gastaram mais tempo do que
imaginávamos, mas começaram a limpar a pista.

Só que a bateria arriou, e aí bateu o desespero em alguns, acabaram metendo


uma bala no rádio que não serviu mais para nada.

O mateiro começou a encontrar dificuldades para fazer uma boa limpeza na


pista, pois havia pedido que caprichassem pois senão não pousaria! A metade
dos companheiros resolveram abandoná-lo, não aquentavam mais comer traíra.
Tem uma passagem que devo registrar, pedindo que não duvidem pois o que
aconteceu foi verdade, e não conversa de pescador!

Como disse, as coisas foram acabando, e o mesmo aconteceu com os anzóis,


tinha sobrado apenas um, e este numa fisgada com uma imensa traíra (na
Amazônia tem umas de mais de metro), acabou sendo levado e ai sim a coisa
ficou preta, mano, não tinham como pescar!

Um deles resolveu fazer um anzol com arame, mas não deu certo, a traíra levava
tudo, isca, arame, linha, só faltava levar a vara! Restou apenas à ideia de fazer
como os índios, um arpão.

Aí sim a coisa deu sorte porém, sorte mesmo foi quando eles pegaram uma baita
traíra e imaginem o que encontraram dentro dela? O anzol mano, foi uma bela
surpresa, e alivio, pois ai deram de pau nas coitadas das traíras, acredito que
não sobrou uma para confirmar a historia!

No dia marcado, decolei cedinho e fui buscá-los, estava apreensivo havia


perdido o contato, não sabia como estava a pista, não sabia de nada, isto me
dava preocupação afinal, nunca gostei de inaugurar pista, você corre o risco de
dar uma quebrada, e não é nada bom!

Agora era fácil, tinha as coordenadas, e eu dou vivas para o inventor este
aparelhinho maravilhoso, que veio nos tirar de frias pois, antes dele, era aquele
sufoco, sempre estávamos nos perdendo e era aquela choradeira na fonia,
tentando encontrar um colega para ajudar.

De longe avistei a pista, que antes não dava para ser vista, que maravilha, afinal
a primeira etapa estava feita, pensei comigo! Agora é a vez do meu outro amigo
(bom vendedor de terras!), entrar em ação!
175

Dei um rasante sobre a pista, e puxei até quase entrar em perda, então entrei
numa curva para esquerda, afundei o nariz do CZC e deixei-o ganhar velocidade,
dando outro rasante, tudo isto para cumprimentar meus amigos e os vi acenando
para mim!

Imagino a felicidade deles em ver o avião chegando, eu sentia a mesma coisa


quando garimpava em Roraima! Lá fui apenas garimpeiro.

A pista era curta, notei que não limparam toda, porém dava para decolar com
três pessoas apenas. Isto era difícil para muitos pilotos, saber com quantos
quilos você poderia decolar, pois tinha pista que você decolava com quinhentos,
outra duzentos, tinha pista que você só podia sair com um, imagine se fosse com
pista ruim!

Fui parar no final da pista, tive que saltar uns quarenta metros, os quais vi que
estavam ruim demais, e me lembrei do conselho do meu instrutor, "quem
despreza um metro de pista, chora ele amanhã" e é uma verdade, especialmente
voando nessas pistas de garimpo.

Tive que descer do avião e virá-lo abaixando a cauda, não tinha espaço, para
vocês verem o quanto era estreita! Nisto chegaram meus amigos para ajudar.
Dei um abraço bem apertado no Mateiro, e notei a falta dos outros,
provavelmente estariam pescando ou caçando, pensei eu!
“ - Que alegria em ti ver mano, como você está? Parece-me mais magro!
- Ele deu um sorriso, e emendou, É a “farta”!

- Falta de que?
- De “muié”, da pinga, da comida, do cigarro, uai, de tudo que “nos num tem
aqui”!”
Sorri de sua brincadeira, e perguntei sério.
“ - Me diga, como estão as coisas, bicho!
- Para falar a verdade não estão boas não, metade da turma não aguentou
esperar, e há dois dias, se mandaram no rumo da pista daquele seu “amigo” e
eu acho difícil eles acharem! Dei o GPS para o “Boca”, mas não acho que ele
aprendeu a operar pois é “anarfa” (analfabeto), não sabe nem português,
imagine inglês!
Aquilo me preocupou, tratei logo de arrumar as coisas do mateiro, tinha sobrado
muita pouca coisa para trazer de volta, não sobrou nem o meu rádio, que havia
mandado vir de Anápolis naqueles dias e estava novinho! Acabaram com ele no
tiro, só porque ele parou de falar, eram doidos aqueles caras!
Decolamos rumo à pista “proibida” e pensei, meu amigo, agora vai dar merda
pois vou descer de qualquer jeito, estava ansioso para saber se o pessoal tinha
dado conta de chegar.
176

Para surpresa minha, quando cheguei, a pista estava repleta de tambores, dei
uma volta e fiz aquele movimento de acelerar e desacelerar, no manete, sinal
utilizado para indicar que você quer pousar, e com espanto, observei que
retiraram os tambores e eu pousei! Que pista, irmãos, fiquei com inveja!
Vocês já devem estar curiosos para saber deles, não estão? Pois é, não
estavam, nem sinal da rapaziada, a turma do meu amigo disse que nem sinal de
tiro eles ouviram, o que ocorre quando alguém se perde na mata!
Troquei umas ideias com o meu companheiro e ele deu uma grande ideia:
decole, sobrevoe a pista e pouse! Vamos fazer isto de meia em meia hora, se
estiverem por perto como imagino, ouvirão o barulho do avião e iram se orientar
e chegar aqui.

Fiz como ele me pediu e fui voando de meia em meia hora! Pela tardezinha,
chamei-o e disse:
“ - Não dá mais para voar, estou ficando sem gasolina, você sabe que a gente
não usa voar com tanque cheio quando se vai pousar e decolar de pistas ruins!
Como vamos fazer se eles ainda não chegaram?

- Vamos usar o resto dos meus cartuchos. Disse-me.


- Você acha que isto vai dar certo? Perguntei, desanimado.
- Vai, uma ocasião saí da mata deste jeito!
- Tomara que você esteja certo, se não estes caras vão se ferrar.
Pequei uma rede no barraco, e fui dormir um sono cheio de pesadelo, só
pensando naqueles perdidos! Demorei a dormir pois ficava rolando para cá, para
lá, e quando estava ainda nesta peleja, ouvi um grito!
“ - Comandante, comandante, eles estão aqui, corre, corre vem ver. Pulei da
rede e corri. Enxerguei-os vindo pela pista e contei, estavam todos lá. Nunca vou
esquecer aquela cena. Enfim tínhamos recuperados todos os nossos
companheiros, graças a Deus.

A ideia do mateiro tinha dado certo, eles vieram seguindo o ruído do avião e após
pelos tiros, rezando para nos não deixássemos de atirar! Tinham ouvido o ruído
do avião quando passei de manhã e imaginaram que seria eu que ia buscá-los,
e ficaram arrependidos pela burrice de ter abandonado a pista.
Os caras estavam exaustos, pernas bambas, os olhos arregalados, barbudos,
quase não deram conta de chegar ao rancho para beber.
Foi aquela alegria, notei que havia aparecido uma amizade muito grande entre
eles, talvez adquirida nos dia que passaram juntos, pois, geralmente, o
sofrimento atrai o ser humano ele se torna mais razoável! Não tiveram tempo
nem para descansar, todos queriam ir embora, o avião estava ali, esperando por
eles, era um sonho, estavam cansados de ficar naquela mata, sofrendo como
condenados. Estava na hora de um bom banho, uma loira gelada, ver gente,
afinal o ser humano é um ser gregário. E a pista limpa, mano. Dever cumprido!
177

“ - Comandante, agora podemos ir embora, disse o mateiro! O grupo está reunido


novamente!”
Senti ali que não é qualquer homem que nasce para liderar, aquele sim, era um
líder, e se não fosse por ele, talvez não existisse esta historia. Tem hora, que
sinto saudade dele. Não o vejo faz muito tempo, ele arrumou umas encrencas
meio pesadas, talvez não esteja mais vivo. Que Deus o tenha!

Dessa turma poucos estão vivos, uns morreram matado, como o “Boca”, que foi
pego numa picada na mata, e foi deixado para os bichos comerem, outros
sumiram, talvez mortos também.
Partimos, deixando para trás aquela aventura que, para mim, foi uma das
maiores da vida! Somente Deus para ajudar tudo a dar certo, vocês não acham?

Dentro do avião era aquela algazarra, pareciam crianças que acabaram de fazer
traquinagem, cada um queria contar sua história mais alto que o outro, chegou
uma hora que tive que mandá-los calar a boca! Quase fui jogado fora do avião,
nem me ouviram, estavam alegres imaginando o que iriam fazer com o dinheiro
que ia dar para eles comemorarem! Deixei para lá, afinal eles mereciam aquela
alegria!
A “diretoria” estava reunida para traçar novos planos, afinal, pista limpa, era hora
de começar a fazer as picadas, imaginávamos que existiam uns trinta mil
alqueires!
Só saberíamos mesmo quando alguém viesse pra cima, reclamando que
estaríamos invadindo sua área! Era assim que as divisas iam se formando e o
interessante era que uma simples picada servia para dar o direito de posse, isto
se a sua era a mais antiga ou se a sua turma fosse a mais valente também, isto
contava muito, impunha mais respeito.
Voltei à pista para instalar um novo rádio, refazer os ranchos que haviam se
acabado, teríamos que reformar as palhas dos ranchos afinal havia se passado
muitos anos abandonados, fiquei impressionado com o tamanho das
mangueiras, dos pés de laranjas, goiaba!
Antes dos madeireiros chegarem, já havia gente morando naquela área, usando
o riozinho para alcançar o rio Iriri e após o rio Xingu, indo abastecer de rancho
(comida) em Altamira, imagine só a dificuldade de se fazer a “feira”: tinha que
andar uns duzentos quilômetros !
A coisa corria bem, através do radio controlávamos tudo, ninguém para perturbar
nosso sono, senti a coisa fácil de mais, aquilo já estava dando para desconfiar,
afinal a coisa não era fácil assim!
Até que um dia apareceu em meu escritório em Tucumã, um homem alto e mal
encarado, procurando por mim:
“ - O senhor que é o comandante Niltinho?
- Sou eu mesmo! Pensei, mais um voo para fazer.
- Quero saber quem lhe deu autorização para limpar minha pista no Iriri?
178

Meu Deus dos céus, estava demorando a aparecer encrencas, pensei com meus
botões! Era hora de meu amigo Raimundão entrar em ação.
Raimundão era o homem mais famoso da região, além de conhecer toda a área,
era tido como o mais valente. Sua fama transpassava fronteiras cara! Era uma
tranquilidade estar ao seu lado! Não usava violência pois sua presença e fama
falavam por ele. Sua inteligência impressionava! Numa empreitada destas tinha
que se ter vários tipos de gente pois, do contrário, não dava certo. Cada um tinha
sua função, a minha vocês sabem, era voar, irmãos. A do Raimundão, vão saber
agora.
“ - Quem deu autorização foi o Raimundão, e quero saber quem é você afinal?
Respondi na bucha, sabia que não podia “amarelar” naquela hora.

- Eu sou um “Banack”.
Aí, eu engoli a saliva da garganta e senti que vinha encrenca feia pela frente.
Falar dos Banak é fácil, sua historia no Pará é grande, todos conhecem, tem até
cidade com seu nome, alguns dos homens mais rico da região, o maior
madeireiro, maior fazendeiro, afinal o homem tinha bala na agulha!

“ - Primeiramente, senhor Banak, que eu saiba aquela área está abandonada há


muito tempo, não vi presença de ninguém por lá, e este é o motivo por qual o
senhor Raimundão me contratou para limpar a pista.
- Só que tenho a escritura daquela área e isto me dá o direito de fazer o que
quiser abrir ou não!

-Se o senhor tem os documentos, só nos resta sair de lá, porém, o senhor
“Raimundão” gostaria de dar uma olhada, se não se opuser, não é, senhor
Banak?
Tinha certeza que tinha um monte de lixo e nada mais, este é o problema do
Para ninguém tem escritura que valha alguma coisa, somente um monte de
papel podre.

“ - Tudo bem, volto semana que vem com a papelada e então acabamos com
isto, senhor Niltinho!
Conversei longamente com Raimundão, e ele me tranquilizou:
“ - Fique calmo comandante, este homem não tem documento que prove nada.
Deixe-o vir, que de agora em diante a coisa é comigo! ”falou meu garoto” pensei
eu.
No dia marcado ele veio, o encontro foi no meu escritório. Só que desta vez ele
estava mais calmo, não sei se era a presença do Raimundão!
“ - Deixe me ver estes seus documentos, pediu Raimundão.
Cara, eu não sabia que ele entendia de papel! Para mim ele entendia apenas de
“negócios”, leu e releu aquilo tudo, e após uns momentos, jogou em cima da
mesa e disse:
179

-Para mim isto não vale nada, senhor Banak, o mesmo direito que você tem eu
tenho, portanto é melhor entrarmos num acordo, do que ficarmos aqui perdendo
tempo com conversa fiada, o senhor não acha?
Não vou me ocupar contando o resto da conversa, que demorou bastante! O
homem não queria “abrir” e Raimundão muito menos! Vamos logo para os
“finalmente”!

Em certo momento, notei que meu amigo iria vencer aquela queda de braço, foi
quando o senhor Banak fez a primeira proposta. Na verdade ninguém queria um
confronto, afinal as terras não eram de ninguém, estávamos lá de abelhudos.
“ - Vou dar então cinco mil alqueires, pagar a limpeza da pista e nada mais.”
Por mim já topava, imaginem cinco mil alqueires, irmãos? É muita terra!

“ - Negativo senhor Banak, eu quero dez mil para sair de lá numa boa.”
Virei à cara para outro lado, para não me trair, afinal estava além das minhas
expectativas e levantei da cadeira e emendei:
“ - Por mim também concordo nos dez mil, menos não!”
Vocês já jogaram pôquer? Aquilo estava parecendo uma mesa de jogo, e meu
amigo estava jogando bem, queria que vocês estivessem lá para ver a cara dele!
Nesta época ele fumava um pau ronca (cigarro de palha) que ninguém
suportava, e ainda soltava umas baforada para cima do Banak, e olhava bem
em seus olhos, não sei se foi por isto que ele acabou concordando com a nossa
proposta!

Urra! Ficamos com dez mil e ele ficou com quarenta mil, “negoçião” não irmãos?
Só não ficamos com a pista, o que foi uma pena!
Fizemos os documentos jurando que não haveria confronto, e fomos comemorar
na mesa de um bar.
E foi assim que conseguimos” mais dez mil alqueires! Só que nossa alegria durou
pouco pois lá veio o Lula e decretou uma reserva ecológica no tamanho de
quatro milhões e quatrocentos mil hectares, bem em cima de nossas terras e
tudo foi para o brejo.
É assim mesmo mano! Ainda não foi desta vez que eu me tornei um
MILIONÁRIO.
I'm sorry !
180

A dupla

Todos nós temos uma dupla de cantores que adoramos, brasileiro é assim, esta
sempre ajudando alguma a ir para o topo!
E por falar nisto o estado de Goiás é o campeão de formação de duplas! Daqui
partiram várias, sendo que a que mais gostei sem dúvida nenhuma, foi a de
Leandro e Leonardo! Uma pena quando morreu o Leandro, vejo que quanto mais
o Leonardo se esforça para voltar a ter aquele sucesso, nunca é a mesma coisa.
Tem que existir os dois é um fazendo a primeira e o outro a segunda é que forma
a harmonia. Uma vez,encontrei o pai deles em uma festa e conversamos muito,
quase chorei quando ouvia ele falar do Leandro:
181

“ - Ele era um “doce”, senhor Niltinho, filho carinhoso, dedicado à família, grande
pescador ! Ainda no hospital me dizia:
- Pai, quando sair daqui, vamos para o “Araguaia”, fazer aquela pescaria, não é?
- Que Tristeza, o câncer não nos deixou realizar a ultima coisa que ele queria, e
ele se foi. E nos deixou com um grande prejuízo no meio musical, pois era bom
mesmo prá ”coisa” senhor Niltinho! Tinha o “feeling” para saber qual música seria
um sucesso!”
Bem, deixemos de lado as tristezas e vamos em frente, pois agora em Anápolis,
está surgindo uma nova dupla, Batista & Rubinho, (tomara que nunca se
separem, como a de Leandro e Leonardo), só que esta, não tem nada a ver com
duplas sertaneja, aposto até que devem ser uns tremendos desafinados!

Porém, naquilo que estão fazendo, são afinadíssimo, criativos, e geniais para
falar a verdade, só que a “MARDITA” cegonha que os estava trazendo não tinha
GPS e, se perdendo, veio deixá-los no Brasil!
Que pena meus irmãos, a danada tinha que pousar nas “Américas”, ou em outro
país sério, daqueles em que as autoridades reconhecem valores e genialidade!

Aí sim, vocês os veriam decolar rumo ao sucesso e nos deixar uma infinita
quantidade de coisas boas na aviação! (se pego esta cegonha, eu a comeria ao
molho pardo, lambendo os beiços com muita satisfação!)
Se preparem, vocês que gostam da aviação, porque, vão ouvir falar muita desta
dupla, sem dúvida irão para o topo das paradas.

Se, desejam confirmar o que estou dizendo acessem o site, www.inglaer.com.br,


onde terão a oportunidade de ver o mais novo avião agrícola fabricado em
Anápolis, e em seguida um hidroavião, feito exclusivamente para Nelson Piquet
!
A Embraer que se cuide que vai ser aquele show de bola, aposto no placar de
10 a 0 para o “Acrobata”!

Vou dar umas pequenas vantagens, sobre o Ipanema:


- ele pesa apenas 847 k g, o Ipanema 1150kg +ou !
- o espaço da cabina é bem maior, a gente sabe que não pode levar ninguém
apenas o piloto, só que todo mundo leva o “bandeco” é na cabine mesmo, que
ele vai numa boa, espaço tem de sobra, não fica atrapalhando o coitado do
piloto, isto eu sei pois quando voava para uma companhia de aviões agrícolas,
182

muitas vezes fiz o papel do “bandeco”, e como xingava a Embraer, apesar de ter
escapado de ser anão por muito pouco!
- é o primeiro avião agrícola do mundo com 100% asas afiladas, você sabe o
que significa isto mano? Dá uma baita diferença na pilotagem do avião. Só
voando mesmo nele é que se sente a diferença, lembrando que o Ipanema é
retangular.

- o Acrobata voa com 125 milhas e stola com 60 milhas. O Ipanema voa a 105
a110 milhas e stola com 80 milhas, vejam meus amigos a diferença, além de
voarem ambos com 500 quilos!
O que mais me surpreendeu no entanto, é que já tem um novo projeto saindo,
bem melhor que o primeiro, este sim, vai arrebentar a boca do balão, vocês vão
ver só!
Vou contar a vocês como eu conheci estes dois “pardais”
Eu estava vivendo um período na minha vida, que eu defino como “o período do
blefo”, pois tudo saia errado comigo, não conseguia ganhar dinheiro, e quando
você não ganha você é rotulado de ”doido” pela família, os filhos não acham
graça mais em você e as primeiras a quererem abandonar o barco são as
esposas! Elas pensam assim: “ - Vou tratar de sair fora logo, antes que este
maluco acabe com tudo que temos!” E prepara a maior cirurgia nos bens que só
você sabe o quanto ralou para ganhar!
E eu neste dilema, precisando pintar o CZC, e não podia nem pensar em fazer
em Goiânia pois lá a “facada” era alta demais para meu bolso! Teria que me
arrumar com uns pintores mais baratos, de preferência aquele pintores de carro
mesmo! Uns “mela tinta” já servia, afinal prá que deixar o avião bonitão?
Se era para voar para garimpeiro, este povo já esta acostumado a voar em
qualquer “carniça” mesmo! Enfim, me informaram que em Anápolis, para onde
fui, eu iria encontrar o que estava procurando!

Logo pousei e ao achar o tal de Batista, (com quem não fui com a cara desde o
início da conversa!), mostrou-se antipático, nervoso, de pouca conversa e muito
arisco. Depois de muito negociar chegamos a um consenso, e ele pintaria meu
avião no seu preço!
Que alívio senti quando saí das garras daquele tamanduá! E foi assim que fui
conhecendo aquele pessoal que, hoje, tenho guardado no fundo do coração,
naquele lugarzinho especial que temos dentro de nós e sinto que a recíproca é
verdadeira!
Todo ano voltava para o reduto, era muito legal pois, quando levava o CZC pra
lá, não tinha este negócio de “você não pode fazer isto porque o DAC não deixa”,
ou “sem consultar o manual, não faço”. Se fosse bom para o avião e para você,
eles faziam sem se atentarem às regras e regulamentos!
Certa vez chequei para o Batista, e disse:
“ - Cara, sofro muito para pilotar este avião, o painel é muito alto, eu carrego um
mundo de travesseiros, e mesmo assim é desconfortável! Estes malditos gringos
183

não pensaram em nós latinos, que somos quase todos nanicos! Será que você
daria um jeito nisto?
- Claro que dou conta, vamos modificar seu banco, amanhã mesmo faço isto!”
No outro dia lá estava ele, com meu banco todo desmontado, mede aqui, mede
acolá e não é que o danado bolou um sistema que eu cresci uns dez centímetros
pelo menos!

Hoje, conhecendo o Acrobata, ele me mostrou a revolução que fez no sistema


de banco, irmão é de dar inveja ,ele não tem trilho, usa apenas uns comando
para se colocá-lo como desejar, e eu aqui todo orgulhoso, sabendo que tudo
começou comigo, na verdade pelo meu tamanho, só que não levo nenhuma
casquinha! Pára com isto Batista, manda logo o meu, cara! (Brincadeira).

E assim fui aprendendo a gostar daquela rapaziada, que fazia de tudo, ultraleve,
escapamento, berço de avião, papagaio, maritaca, enfim, faziam de tudo, e para
tudo tinham uma solução, eu ficava encantado de ver os projetos em que se
metiam ,tinha uns de arrepiar os cabelos da nuca, como o que vi, quando
colocaram um motor V8 em um 206 e voou!

Fiquei encantado de vê-los falar na supremacia deste motor em relação aos


outros, pareciam que eram todos engenheiros PHDs, e outra coisas mais. Eu já
tinha certeza que naquele hangar estava pairando o verdadeiro espírito de Santo
Dumont !
A única coisa a lamentar era que não existia nenhum órgão da aeronáutica, ou
do governo para apoiar com incentivos, como ocorre em outros países!
Quero ver a ANAC agora! Dizia-se que tudo iria melhorar quando os civis
pegassem o “abacaxi”! Pago para ver!
Deixo registrado aqui, para que um dia alguém possa ler, uma sugestão: “Para
cada real gasto em projetos por estes “malucos”, a ANAC daria o mesmo valor,
em caráter de incentivo ao desenvolvimento de nossa aviação.

Finalizando mais este conto, não posso deixar de agradecer, e homenagear o


famoso amigo parceiro que infelizmente não está mais entre nós, o grande piloto,
(também um grande piloto de garimpo) Wagner Carneiro da Cunha, o grande
“Vaguinho”, ou “Cabo Velho”!
Sem dúvida um grande colaborador para muitos jovens pilotos, que descanse
em paz, meu amigo! Deixo um recadinho para São Pedro lhe entregar: “Continuo
a fazer o exame de próstata (veja em O Dedão)!
Convido a todos vocês que são amantes da aviação a visitar o site
www.iglaer.com.br e também o hangar aonde está sendo construído o Acrobata
em Anápolis! Garanto que vão gostar de conversar com Batista, com o Dr.
Rubinho, que só não se formou engenheiro, porque seu pai vendeu o engenho
no ultimo ano, (que pena em Rubinho) !
Tomara que sua visita ocorra em um dia que o Nelson Piquet esteja por lá,
acompanhando a construção de seu avião pois, aí sim, a conversa vai ser de
“rachar”!
184

E para você Dr. Ricardo Salsano, o novo proprietário do CZC e meu grande
incentivador, apareça, pois o PT-CZC vai agradecer muito, afinal ele é cria dali
mesmo, aquela pintura colocando a palavra “PAZ” foi feita ali mesmo!
Infelizmente você não captou “o espírito da coisa”! Hoje estamos vivendo o
mesmo momento daquela época, guerra nos países árabes!
Parece que minha manifestação, escrevendo a palavra “PAZ” na fuselagem do
avião , fato inédito em nossa aviação, não adiantou nada mesmo! Eles continuam
se matando! Uma pena!
185

A empreitada

Existem muitos tipos de empreitada aqui entre nós! Tem aquela em que você
empreita a limpeza de uma cava, aquela em que você quer ver seu pasto limpo,
um roçado de milho e assim por diante, e tem aquela que é a mais complicada
de todas, a empreitada para matar um “cabra” !
Esta sim tem uma característica própria, por exemplo, quando você precisa fazer
um “servicinho” que não quer fazer pessoalmente, vai conversar com o “agente”!
Ele está sempre à sua disposição, talvez num bar ou na mesa de um snoocker,
ou ainda no cabaré mesmo!
Nunca chegue dizendo: “ - Quero que você mate aquele cabra safado, agora!”
Não irmão! Não é assim que se fala, pega mal, afinal trata-se de uma vida
humana! Você deve chegar mais manso, falando baixo, de preferência, dê umas
olhadas em volta antes de falar:
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“ - Senhor “fulano” (não pensem que vou dar o nome do agente em Machadinho
do Oeste), tenho uma “quebra de milho” para fazer, quer empreitar?”

Castelo dos Sonhos, distrito de Altamira no Pará,

em foto recente!

Daí você vai prestar atenção em sua resposta. Se ele disser que sim, tudo bem,
é recomendado chamá-lo a parte e expor seu caso como em um confessionário!
Ele terá o maior prazer em ajudá-lo!
Se ele responder assim:
“ - Ah irmão, não vai dar, ainda não acabei a minha ultima empreita!” Então, não
force a barra, saia de mansinho e volte outro dia.

Dentro deste clima pergunto: o que aquela freira, Irmã Dorothy Stang, estava
fazendo no meio daquelas “feras”? Será que ela não sabia que a sua vida não
valia um “dólar furado”? Será que ela não imaginava que aquele povo “bárbaro”
teria coragem de matar uma “santa irmãzinha?”
Santa ignorância da parte dela e de seus superiores, seria muito melhor para
ela, ter ficado no convento ou na própria igreja!
Esta violência é muito comum em nossos sertões, onde não existe justiça e você
não tem para quem apelar! Advogado? Só nas capitais! Por aqui mesmo, você
não acha um!
Muito mais fácil encontrar um bom galo de briga, do que um advogado e quando
encontra, ele estará, quase sempre, na porta das delegacias!
Só que agora, o “ranço” chegou até nós e se espalhou também para as cidades
e estão empreitando até a própria polícia, imaginem vocês! Que barbaridade,
tchê!
“Quatro coisas que diferenciam a conquista do velho oeste americano com a
nossa nova Amazônia brasileira”:

A primeira: O xerife
187

Era o homem da lei! Lá estava ele, com sua estrela no peito, todo garboso, com
aquele chapéu de caubói tapando a metade da cara, mascando fumo, brigando
com os bandidos, muitas vezes sozinho, disposto a dar a própria vida para
manter a ordem! Se fosse preciso ia para o duelo, mais a lei era a lei, e era para
todos. Era admirado e respeitado por todos!
Na Amazônia, o xerife foi trocado pela policia e ela não existe! Só aparece no
povoado quando alguém é morto e não estão nem aí para solucionar o crime,
afinal, para quê investigar, se não haverá punição? E investigar como, se não
tem viatura, e quando tem, está parada por falta de combustível.
Aqui a polícia é para ficar na sede do município, protegendo o prefeito e o juiz!
Imaginem vocês que o município de Altamira é maior que muitos países da
Europa! E quantos povoados que não tem um “xerife” sequer?
A segunda: A escola
Esta sim, ela era a primeira a ser construída, a educação estava sempre em
primeiro lugar! A professora, geralmente era bonita e sempre acabava nos
braços do mocinho e o bonitão “papava” todas. Porém as crianças estudavam e
aprendiam.
Na Amazônia, a escola é a ultima a ser construída, a professora éleiga, feia e
ninguém quer. Os alunos não estudam e ninguém aprende nada. O destino dos
meninos é se tornar um “brilhante” boia fria nas grandes cidades e as meninas
tem o sonho de participar do próspero mercado do turismo sexual. É de chorar!
Nem a Constituição o estado não respeita!
A terceira: o banco
Ah irmão, este sim, surgia um povoado novo e lá estavam eles oferecendo seu
rico dinheirinho a quem quisesse! Era na realidade o parceiro do colono, do
garimpeiro, do fazendeiro, enfim participavam com honra no desenvolvimento do
velho Oeste e de toda região americana! Muitas vezes eram alvos de assaltos,
mas não estavam nem aí, tinham sua própria polícia que ia capturando os
assaltantes, enforcavam na primeira árvore e ninguém lamentava!
Na Amazônia, é o ultimo que aparece, e o mais intrigante é que parece que não
têm um centavo furado, pois é necessário alguém da sociedade local construir
um prédio para que eles possam se instalar, caso contrário, vão embora e só
voltam quando a região já não mais precisa! Na maioria das vezes a população
os utilizam apenas para guardar seu rico dinheirinho! Exceção feita apenas ao
Banco da Amazônia que, porem, não deu conta de acompanhar a boiada e ficou
de arribada (para trás)!
Quarta: a igreja

No velho oeste americano, era também, uma das primeiras construções a serem
erguidas! Todo mundo queria ficar bem com Deus! Geralmente existia um só
pastor para todos os fiéis! Um só era o suficiente!
Na Amazônia, é uma das primeiras construções a serem levantadas e, em
muitas ocasiões se constroem tantas igrejas Batista que você acaba trombando
188

com elas! Sinceramente, não acredito que existam fiéis para tanta igreja, e é
engraçado se assistir a briga pelas “ovelhas”! A igreja católica, acho que mais
pelo celibato dos padres, acaba amargando um segundo lugar em quase todos
os povoados pelos quais passei!
Bem, agora que mostrei alguns parâmetros comparativos, para que possam ter
uma ideia de como é o nosso “oeste” (sertão), e quanto é difícil nele viver, vou
dar ênfase ao item segurança, por ser dos mais importantes e mostrar-lhes como
uma comunidade que não é servida de uma segurança boa e justa, se transforma
em uma sociedade sem lei, obrigada a fazer a criar seus próprios códigos de
conduta, sua própria justiça, e aí pergunto: é certo isto? É certo mandar matar
seu semelhante, mesmo que esteja perturbando, roubando, ou até mesmo
matando inocentes?
É justo se ficar calado, assistindo seu semelhante ser morto pela bandidagem e
o estado, nada fazer?
Nesta história, contarei a morte de meu amigo Comandante Araújo
autodenominado “Rambo”, em homenagem ao verdadeiro Rambo do Castelo
de Sonhos, PA e como foi morto e aí pergunto: a população agiu certo em
mandá-lo para o espaço?
Quem acompanha estas minhas histórias sabe muito bem quem foi ele. Foi o
principal responsável por eu ter ido parar em Machadinho do Oeste, Rondônia!
(Que loucura!)

É difícil um homem reconhecer que o outro é bonito, mas neste caso, seria
injusto de minha parte não o fazer pois, além de bonito, era gentil, amável, e com
um poder tão grande de conquista, que bastava um sorriso e apenas e meia hora
de conversa para que ele conquistasse qualquer um, homem ou mulher, tão
grande o seu poder de persuasão e convencimento! Da mesma maneira, se
transformava em um animal violento capaz de roubar e matar sem um pingo de
dó! E eu não sabia disto!
Só fui saber das presepadas de meu amigo Araújo, quando chequei em
Machadinho do Oeste, só que aí, já estava atolado até o pescoço com seu
projeto, e não tinha mais como me afastar dele facilmente! Tinha que dar um
tempo, afinal ele bancou todas as despesas de minha vinda para Rondônia e
vamos lá, ficou bem caro!
O primeiro susto que levei, foi quando ele forçou a saída de um piloto antigo de
Machadinho do Oeste, dando um tiro no motor de seu avião, sendo que, por
sorte a bala resvalou na “spiner” (o bico) e não atingiu o motor do avião!
O segundo, foi quando ele criou uma confusão e não deixou mais a companheira
de um piloto, (baixinha que gostava de montar em boi brabo nos rodeios)
atravessar uma porteira para ir buscá-lo no avião, e ela o mandou pular em seus
peitos, se é que ele tinha coragem! Na realidade ele queria mesmo era mandar
o outro piloto “vazar” dali também, pois tinha interesse em dominar tanto os
garimpos (como já havia tomado vários e dominado) e mais a aviação!

O terceiro foi comigo, além de não me pagar os voos que fiz para seu garimpo,
(um quilo de ouro foi para o brejo) e não queria que eu ficasse por ali! O “mardito”
189

me deixou numa situação tão difícil que nem dinheiro para a gasolina eu tinha,
para voltar para casa!
O quarto, o quinto, o sexto e assim por diante, foi com os outros e à maneira
como ele estava vivendo, trazendo muita preocupação e medo para toda a
comunidade. Para mim ele já estava passando da hora!
Certa manhã eu ouvi um amigo comum dizer que ele estava correndo risco de
vida, que iam matá-lo e já o haviam alertado, porem ele não se preocupou com
o aviso e continuou a viver da mesma maneira, trazendo intranquilidade e medo
a todos os moradores de Machadinho do Oeste!
Aí, acaba caindo naquela velha história: antes que você me jante eu te almoço!
E não tenho dúvidas, foi julgado e o veredicto deve ter sido o pior possível: a
morte!
A vida de um ser humano entre nós na região vale tão pouco, que você se
surpreenderia em ver os valores, vale mais para aqueles que tem “pano pra
manga”, políticos então, tem preço especial, afinal eles também têm “bala na
agulha”! Freira e sindicalista então, nem se fale! Deus me livre, só doido mesmo
pra entrar numa desta, viu o que deu com a irmã? E assim por diante! Nunca
consegui imaginar quanto custou a vida do Araújo! Pouco é que não foi, afinal o
homem era “brabo” demais!
Certo dia, estava para decolar para Ariquemes, fazendo um voo para um
deputado estadual, que queria sobrevoar uma área ao redor de Machadinho de
Oeste, quando topo com o Araújo:
“ - Niltinho, fiquei sabendo que você está indo para Ariquemes fazer um voo com
o nosso deputado e como tenho interesse político, gostaria de ir com você a fim
de conversar com ele, você se importa? (Ele era um cara de pau, me mandando
embora e ainda me pedindo favores!).
- Negativo, e se você quiser fazer o voo para ele tudo bem, assim terá mais
ocasião para conversar!”
Afinal, ele era muitas e muitas vezes mais piloto que eu e o deputado ficaria bem
mais servido, ainda mais porque conhecia a região como a palma da mão. Para
mim seria ótimo, tinha mesmo o que fazer na cidade.
Ele foi dormir no melhor hotel e eu no pulgueiro ao lado, mano estava “duro”, só
vendo o tamanho do “blefo”!
No outro dia de manhã, fui me encontrar com o deputado na casa dele, junto
com o Araújo e lá mesmo ele iniciou uma conversa, e vi que, após uns dez
minutos, o deputado batendo aqueles famosos “tapinhas” nas costas do Araújo!
Não sei afinal qual foi a sua impressão dele, porém, já viram algum deputado
que não seja velhaco?
Quando chegamos ao aeroporto, avisei que o piloto seria o Araújo e aí moço, vi
o caldo entornar, pois ele queria mesmo era voar comigo! Na sua avaliação, por
eu ser bem mais velho que o Araújo ele me considerava o melhor, e foi duro
convencê-lo em aceitar a troca! Minha sorte foi que o Araújo tratou logo de subir
190

no avião, assumir os comandos, e foi logo dando partida, afinal nunca iria perder
aquela oportunidade!
Assisti a decolagem, só que estava longe de imaginar o que iria acontecer
depois.
Voltei para o hotel, tratei de tomar um belo banho (a “mardita” da espelunca só
tinha água fria) e fui dormir, afinal para aguentar o Araújo em Ariquemes tinha
que ter um bom preparo físico pois, além de bom piloto, ele era também metido
a cantor e não é que dava as suas cacetadas?
Caiu a tarde e nada do Araújo! Anoiteceu e nada deles, fui ao aeroporto já
preocupado, (o dono de avião só pensa que o avião caiu) ver se tinha noticias
deles, e nada!

Merda! Aconteceu alguma coisa, pensei! Acreditem, senti alguma coisa correr
pela espinha! Sinto isto todas as vezes em que alguma coisa ruim está para
acontecer, foi assim com minha mãe também. Só não sintoquando vou levar uma
“chifrada”,que pena!
Tomei uns whiskies com uns amigos do hotel (todos blefados como eu) e fui
dormir. Imaginem quem pagou a conta?.
No entanto, não parava de pensar no Araújo, afinal o que será que tinha
acontecido para impedir sua volta? Gasolina tinha demais, o avião tinha um
cilindro defeituoso, mas estava voando direitinho!
Ah, deixe isto pra lá, ele é cobra criada, dá seus pulo, pensei com meus botões.
Parei de me preocupar e fui dormir.
Parecia que eu tinha acabado de deitar quando escuto batendo na porta, para
mim deu a impressão que queriam derrubá-la, acho que era por causa do meu
sono profundo.
Pulei da cama, olhei para o relógio era justamente cinco horas da manhã, quando
ouço do outro lado da linha alguém dizer:

“ - O Araújo morreu! Vê se isto é maneira de dar uma notícia desta?


- Como? Que conversa é esta? Morreu como? O avião caiu? Aí irmão eu já
estava desperto, a ressaca sumiu, pensei logo: o avião caiu com o Araújo e
matou o deputado, e agora é que estou “frito” mesmo! O avião sem IAM, só ia
dar merda. Porque que nestas horas agente só pensa no pior?

-Não Comandante, o avião não caiu (que alivio senti!), mataram o Araújo a tiros!
Foi ontem a noite na pracinha, e estão pedindo para você voltar, que aqui você
se inteira do resto.
-OK, então, estou pegando o primeiro ônibus para Machadinho!”
Cara, que susto levei, tratei de tomar um banho para acordar melhor, e comecei
a pensar. Quem teria matado o Araújo? Fui pensando nisto a viagem inteira
QUEM MATOU O ARAUJO?
191

A viagem de volta de ônibus para Machadinho foi uma maravilha, o que eu mais
gostava de fazer era andar para conhecer as fazendas, ver os pastos, os bois na
invernadas, as matas! Cara, como era gostoso sentir aquele cheiro de mata
virgem, que maravilha de solo, um vendedor de adubo por ali passaria fome,
imagine nem sal mineral para o gado aquele povo usava, chove 3000 mm, isso
sim que era terra para você formar uma fazenda e não aquela terra pobre do
Tocantins que só tem cascalho, e chove apenas 1800 mm, que diferença meu
Deus! Acreditem, cheguei mesmo a esquecer a morte do Araújo, de tão
maravilhado que eu estava!
Quando cheguei em Machadinho, fui vendo a “bagaceira” que a morte do Araújo
estava causando.

Seus amigos, inconsoláveis diante daquela barbaridade, trataram logo de


colocar as “barbas de molho” afinal, poderia estar começando uma “ressaca”
(vingança), com consequências imprevisíveis! Só se via neguinho lubrificando os
“talheres” (armas)!
Vocês devem estar impacientes para saber como mataram o Comandante
Araújo, não é? Eu também estava!
A coisa aconteceu da seguinte maneira:
Após terem sobrevoado a área de seu interesse, o deputado resolveu fazer umas
visitas em Machadinho, já que estava próximo, estendendo-as até a noitinha! Já
viu como são as visitas de deputado em aldeia! Com a promessa de levá-lo de
carro para Ariquemes, o Araújo teve que pernoitar, e voltaria no dia seguinte. Até
ai tudo bem!
Após o jantar o Araújo resolveu dar uma voltinha com sua namorada na praça,
e logo na saída um de seus “guaxeba” (segurança) disse:
“ - Não quer levar meu revolver, afinal você esta desarmado? Ele tinha deixado
o seu no garimpo, após ter atirado no avião do colega e estava receoso!

- Não é necessário, volto logo! E saiu totalmente desarmado. Seu grande erro!
Como todo povoado aqui na Amazônia, uma das ultimas coisas a acontecer foi
à energia elétrica, proveniente de alguma barragem, (rio é que não falta, irmão!)!
É um sufoco, eles colocam aqueles motores a diesel, que só vive dando defeito,
e tem dia que a energia cobre a parte de baixo da vila! No outro dia é para a
parte de cima, assim lá vai, e você sempre no escuro! Infelizmente para o Araújo
naquela noite não tinha energia na pracinha, era o dia dela amargar escuridão!
Só tinha uma sorveteria com energia própria, e algumas casas ao lado da praça!
Estavam passeando, como namorados de braços dados, quando ela reparou
que estavam sendo seguidos por um homem alto, com chapéu e capa preta,
uma capa preta, e avisou, na hora:
“ - Araújo, tem um cara estranho atrás de nós! Ele, muito esperto percebeu que
estava correndo perigo! Imagino que pensou na arma, que tinha deixado para
trás!
- Vamos apertar o passo e correr para a sorveteria!”
192

Nisto o pistoleiro deve ter percebido que o elemento surpresa havia terminado,
e tratou de mandar bala para cima do Araújo, gritando:
“ - Vai morrer “cabra safado”! e mandou bala.
Nisto, Araújo se virou para trás, colocando o braço para cima, talvez para rebater
a primeira bala que já vinha em sua direção, quebrando seu braço, (é irmãos, a
bala “dundum” faz estrago mesmo!). A segunda ele recebeu no peito, e caiu no
chão! Sua mulher não correu, que coragem, meu Deus, ficou ali desesperada,
assistindo o pistoleiro descarregar a arma no seu amado. E foi embora
calmamente!
Cabra duro de morrer, baleado, com todo aquele sangue escorrendo do seu
corpo ainda teve forças para levantar, chamou a companheira e disse:

“- Me ajude!” Passou o braço por cima de seu ombro e caminhou rumo ao


hospital que não estava longe dali! Infelizmente não deu tempo, pois quando
chegou à esquina que precisava cruzar a rua, não mais aguentou, caiu e morreu
nos braços daquela que foi sua grande companheira e seu grande amor!
Penso eu que, se estivesse armado, ele ia dar muito trabalho, e olha lá se não
conseguisse matar primeiro o pistoleiro! Poucos atiravam como ele, isso eu tinha
certeza!
E foi assim que acabou a vida e a história do Comandante Araújo, que não se
conteve apenas em ser um grande piloto! Queria mais, queria ser também um
“RAMBO” pois deve ter se espelhado em muitos que trilharam por este caminho
e se deram bem! Agora pergunto? O que levou aquele jovem, bonito, simpático,
“tinha braço”, como falamos na aviação, com um futuro brilhante pela frente, em
querer se tornar um bandido?
Para mim, foi o nosso sistema judiciário falido pois, se no primeiro momento de
brabeza, ele se encontrasse com um judiciário competente e atuante, teria medo
de desafiá-lo! O problema do Brasil, é que ninguém respeita o judiciário que
também é podre, e sem moral para penalizar quem quer que seja!
E onde não existe um judiciário forte não há respeito, não há temor, não há o
comprimento da lei, vira esta zona que é o nosso querido Brasil!
O pior, no entanto, foi que ninguém descobriu quem matou ou quem mandou
matar o Comandante Araújo! Só sei que na noite em que ele morreu, muita gente
que tinha problemas com ele estava fora de Machadinho do Oeste! Até eu! E
assim acabou a historia de mais um valentão!
193

O sonho

Hoje vou relatar o causo de um doido que queria conquistar a América dos
gringos! E digo isto porque existe também a América dos latinos, que não tem
graça nenhuma, pelo menos os locais que visitei e porque esta razão ele não
conseguiu! (Isto é o mais importante, infelizmente!).
Estávamos no regime do então “acadêmico” (se fosse do Salgueiro seria muito
mais interessante para o pais) Sarney, quando tive um estalo, após tê-lo visto na
televisão, chamando o povo para participar de seu governo, que seria de paz e
prosperidade infinita, e que agora seriam novos tempos!
Vendo aquele babaca falar, fiquei tão entusiasmado, que logo tive uma grande
ideia: importar avião da América! Pudera, o plano do Sarney estava dando tão
certo e o país tão carente de tudo, de cortador de unha a avião, que acabei
enxergando aí, minha grande oportunidade de “fazer a América”!
Vocês imaginem que, na época, um avião Skyline zerado, na “caixa”, nos EUA
custava cerca de 104.000,00 dólares e, aqui no Brasil, um igual ano 74, custava
o mesmo preço! Ah irmãos, seria mamão com açúcar, vocês não acham?
Tratei de oferecer os meus serviços (já que eu ia trazer um para mim) para os
colegas, e os pedidos foram aumentando, rapidinho já tinha uns dez
pretendentes!
Até o Mucuim, meu amigo garimpeiro que fez mais de uma tonelada de ouro nos
garimpos do Pará e Roraima, acabou encomendando um Cessna 210! Que
alegria! Só faltava agora ir para os “States”, embalar as mercadoria, mandar
entregar, e já via o meu lucro, saindo na manha!
194

Diante do sucesso desta primeira etapa, parti para a segunda, que seria tirar
meu passaporte, fazer as malas, comprar a passagem e dar no pé, e isto
demorou uns trinta dias, deixando-me ansioso, afinal, que país não quer um
“grande empresário”, disposto a levar um punhado de dólares para seu caixa?
Se fosse para lavar pratos, a conversa seria outra!
Vocês não pensem que foi fácil convencer minha família a acreditar que meu
plano tinha futuro! Não faltou gente para dizer:
“ - Você é louco Niltinho! O que vai fazer lá, se nem ao menos fala a língua deles?
Vai é morrer de fome! Aposto que só sabe falar o tradicional I LOVE YOU (e não
é que estavam com a razão?)
Não dei ouvidos a ninguém, eu já era parceiro do Sarney e não abriria mão, para
mim era Deus no céu e ele na terra. E tratei logo de embarcar!
Cara, que bacana você subir a escada de embarque e dar uma paradinha lá em
cima e virar para trás e dar aquele aceno de mão para os trouxas que ficaram
para trás, aqueles que não são tão espertos quanto você! Isto faz um bem
enorme para seu ego, você não imagina a transformação que ocorre consigo
mesmo. É “a gloria” como diz aquela famosa bicha!
O voo de Goiânia a São Paulo foi tranquilo, só que quando você começa a ficar
sozinho, aquele bando de curiosos e puxa sacos, (que ainda não acreditam que
você vai mesmo!), ficam para trás,dá uma paúra, bicho! Veja bem, você é macho
mesmo quando tem um bando de macho atrás de você mas, quando fica
sozinho, aí sim o bicho pega, e você chega a se perguntar: “Será verdade
mesmo? Será que vou dar conta do recado, sem amarelar?” Só Deus sabe
mesmo irmão, o que se passa na cabeça do pobre infeliz!
O embarque no Rio de Janeiro foi à noite, eu, todo na farda (terno), tudo novo,
até as cuecas eram novinhas, meus parentes ali no aeroporto, dando o apoio
moral! Minha companhia era a Aerolineas Argentina, de nossos hermanos do
sul!
195

Meu agente me garantiu que era tudo novo, o avião era dos melhores, até as
aeromoças eram todas novinhas e lindas, que eu ia ver um desfile atrás do outro!
Só gatinhas, irmão, dizia aquele filho da puta (desculpem o palavrão mas ele
mereceu, vocês não acham?).
O cabra me iludiu, vendendo uma passagem bem barato pelo preço de uma
cara, porém, depois que embarquei é que vi ter sido enganado pois, eram
aeromoças tão velhas, que levei um baita susto! Parecia que tinham aberto a
porta do asilo!
Ao embarcar, mais uma vez senti a importância de viajar às Américas para
realizar negócios, e não deixei de dar aquela paradinha, no final da escada de
embarque, para acenar aos que ficavam para trás. Senti-me como o Obama, no
dia de sua posse: A gloria!
Quando entrei no avião assustei-me pois, cara, era um daqueles Jumbos
enormes de quatro motores, parecia que o corredor não tinha fim! Aí é que
confirmei ter sido enganado pelo agente pois, meu assento, era ao lado das
toaletes e na metade do voo, já sentia aquele odor característico! Que droga,
pensei, quando voltar eu o pego e dou o troco! Primeiro as aeromoças e agora
a privada? Assim não dá! Isto que dá você ser um matuto (chineludo, para os
gaúchos)!
Do meu lado sentou um bagual argentino vestido a caráter, alto e forte, seu
bigode parecia que poderia dar a volta em seu pescoço, dando a impressão que
era um marinheiro de primeira viagem, como eu!
Notei que quando o piloto arrochou as periquitas do Jumbo, e ele começou a
tremer para sair do chão, os olhos do argentino se arregalaram, meteu a mão no
bigode, olhou para cima, fechou os olhos e fez uma careta tão feia, que deu a
impressão que ele ia se borrar todo! Parecia que estava ajudando o avião a sair
do chão!

Pensei: “vou ajudar este Hermano pois, caso contrário vamos ter merda por aqui
rapidinho!”
“ - Não se preocupe, disse, (do alto da minha sabedoria), que quando nivelar, o
avião mudará de posição, e ai você vai se sentir melhor, aguarde!” Vocês nem
imaginam como fica aquele monstro na hora da decolagem, dá a impressão que
vai virar de dorso, de tanto que seu nariz fica empinado! Não é que o medo do
hermano era bem justificável? Até eu senti! Bem diferente do meu “calanguinho”!
Parece que o Hermano entendeu o que quis disser, tanto que sua cor melhorou
e se acalmou mais! Fiquei com a impressão que ele queria pegar na minha mão,
tamanho era seu medo, que tratei de por a minha no bolso, afinal não ficaria
nada bem me verem de mão dada com um bigodudo daqueles, não acham?
Mesmo que fosse por uma boa ação!
Avião nivelado, voando a 40000 pés de altura, o piloto liberou para que
pudéssemos soltar o cinto e se quisesse, dar umas voltinhas. Aproveitei e fui ao
banheiro.
196

Moço, em toda minha vida de aviador nunca tinha chegado tão alto assim, me
recordo uma vez, quando subi a 11000 pés com meu aviãozinho, olhei para trás
e vi minha mulher (a primeira) desmaiada, devido à falta de oxigênio!
Eu estava encantado por estar dentro daquele imenso avião, só ficava andando
pra lá e pra cá, vendo as coisas, parecendo um comissário de bordo, todo feliz,
parecia uma criança, não tenham dúvida se fui ou não visitar a cabine de
comando: é lógico que fui, imaginam se eu iria perder uma chance daquelas?
Quando vi aquele monte de “reloginho”fiquei tão humilhado que tive vergonha de
falar que era piloto, não entendia nada daquilo, fiquei feito um “babaca”, parecia
que nunca tinha visto uma cabina de avião, de tão “besta” que fiquei! Estes sim
é que são os verdadeiros pilotos e não eu pensei!

Mais tarde, conversando com um piloto da Varig que faz esta rota , ele me disse:
“ - Piloto são vocês Niltinho, que voam o avião, nem piloto automático vocês tem!
Nós não, desde que tiramos o avião do chão até na hora de arredondar para
fazer o pouso, estamos proibidos de voar! Imagine você que o piloto automático,
junto com o GPS faz tudo, faz a subida de acordo com a carta, entra na rota, faz
todos os ajustes de manetes, e quando chega em Nova York, faz a descida,
entra no tráfego, e eu só vou pegar no manche quando ele está em cima da pista
para arredondá-lo, quer dizer, só pego no manche do avião apenas duas vezes,
em todo o percurso, e para que?
Se o computador faz melhor que eu? E você vem falar que nós é que somos
pilotos? Que nada, vocês sim que são os verdadeiros pilotos. Tem que voar se
não o bicho cai! E isto partindo daquele comandante fiquei mais consolado!
Meu companheiro, ao lado, parecia que havia perdido a graça de voar, só porque
ele se assustou na hora da decolagem, meteu um travesseiro na cara e dormiu
quase a viajem toda, e eu meti a cara no uísque e, não demorou muito, também
apaguei !

Quando estávamos atravessando a região do Caribe, o comandante entrou na


fonia e convidou aqueles que quisessem observar o mare as ilhas, que dessem
uma espiada pela janela, e como era uma noite de lua cheia, tivemos a
oportunidade de ver umas das paisagens mais linda que vi na minha vida, o mar
era verde, muito lindo!
Irmãos, já não via a hora de sair daquela “arapuca” pois a sensação para nós,
piloto de “calanguinho” (avião pequeno), é muito desconfortante, a impressão é
a mesma de se estar num ônibus, com aquela porta que separa o motorista e
não sei se é porque no nosso caso, tudo e todos sempre estão na cabine, e em
contado com o piloto, e aí você fica mais tranquilo, afinal está sempre de olho
nele e isto torna o voo muito participativo!
No caso dos aviões grandes não, você não vê o piloto, e isto me provoca uma
sensação muito ruim, e era exatamente por isto, é que eu já estava querendo
sair dali, confesso que estava ficando igual o meu companheiro argentino!
Quando amanheceu o dia, estávamos sobrevoando Miami, imaginem a
velocidade em que estávamos voamos! Se não me engano, gastamos apenas
197

sete horas de voo! Imaginem eu fazendo este trecho, de skyline? Sozinho,


olhando para aquele “marzão” e pensando nos tubarões lá embaixo, gelei
irmãos! Pensei comigo, o que você foi arrumar seu “babaca”! Sai dessa agora!
Meus primos estavam me aguardando no aeroporto, moço, que beleza de
aeroporto! E que tamanho, acho que dá uns três do Tom Jobim do Rio de
Janeiro! Vou gastar um bom tempo só para falar dele cara, se não fosse um
cabra “safo” (esperto), acreditem, estava até hoje tentando sair de lá!
Primeiro porque ninguém me avisou que tinha que pegar um metrô na saída do
avião, para ir ao salão de desembarque da onde estavam minhas malas!
Ali mesmo me “embananei” todo! Saímos do avião e o povão rumou para um
lado! Eu mesmo queria ir para outro, já de cara, porém, pensei comigo, vou
acompanhar a boiada, porque boi esperto não abandona o rebanho! Para onde
ela for eu vou atrás! E assim fiz, só que uma parte saiu para um lado e outra
parou numa plataforma, aquilo me pareceu uma plataforma de metrô!
Aí então não entendi mais nada! Metrô, aqui? Dentro do aeroporto, não pode
ser? E não é que uma porta se abriu, apareceu um vagão e o povão foi para
dentro dele e eu parado ali, pensando vou ou não vou?
Tive vontade de jogar uma moeda para cima para decidir, que situação, meu
Deus! Pensei rápido: “se o povão está indo eu vou também! Entrei no meio deles
e fui, rezando, seja o que Deus quiser!
O bruto saiu dali “fervendo azeite”, moço como corria ou melhor voava! Num
instante chegamos ao destino, que alivio!
Saí e mal olhei para trás, e o trem, zunindo voltou para buscar mais gente,
certamente! Matuto do sertão sofre, pensei!
Cacei as malas e continuei atrás da “boiada”, até entrarmos numa salinha, e aí
irmãos, a coisa ferveu! Estava levando uma garrafa de Pequi em conserva pois,
se não levasse eu teria que ir para um hotel! Minha prima criada em Goiânia
sonhava com pequi e a condição de hospedar-me em sua casa. seria levar piqui!
Com muito custo, achei esta garrafa numa feira, e não foi ela que quase me mete
na cadeia?
A imigração me separou dos outros, colocando-me sob interrogatório, para saber
o que era aquilo! Moço, como explicar o que era o pequi? Não entendia uma só
palavra!
Estavam querendo confiscar a garrafa e, pensei: “estou perdido, minha priminha
me mata (ela tem quase 2 metros de altura)! Se não entregar-lhe o presente,
coloca-me na rua! Não posso deixar a imigração ficar com este maldito pequi!
Afinal, porque ela não pediu uma garrafa de 51? Foi logo pedir pequi, e nem era
época da fruta!
A situação enrolou, até que chamaram uma brasileira para servir de intérprete,
só que ela era gaúcha e nunca tinha visto aquilo na vida!
Tentava fazer a cabeça dela, argumentando que aquilo nunca iria comprometer
a flora dos EUA, e que o processo de conserva, já havia eliminado todos os
198

germes! Só que ela via aquela garrafa de cerveja e dizia: “mas isto aqui é feito
nas “coxas” (no mato), até que, por fim, acabei confessando que aquele presente
era o meu salvo conduto para ficar hospedado na casa de minha prima!
E ai irmãos, fiquei na mão da gauchinha, será que ela foi com minha cara?
Pensava, pensava, até que deram a sentença:
“ - Vou te liberar, pois parece que está falando a verdade, mas se aparecer
novamente aqui, com este tal de pequi, vou te meter na cadeia! Ouviu bem?
Cara, quase dei um beijo na gaúcha, e na despedida ainda dei um“viva o Rio
Grande do Sul tchê!”. Aí então, ela deu um baita sorriso, e pensei: “se ficar por
aqui, ainda dou um pega nesta gauchinha!
Não preciso nem dizer que foi aquela festa quando topei com meus parentes
que, sem duvida alguma moravam em meu coração há muito tempo! Vê-los
novamente, foi uma grande alegria, não obstante minha da minha prima ter
perguntando logo:
“ - Trouxe o que te pedi?
- Está aqui! Promessa é dívida. E entreguei-lhe a garrafa de pequi!”

Nunca vi alguém pular de tanta alegria como ela naquele momento! Abraçava a
garrafa, beijava, e me dizia:
“ - Ninguém vai comer do meu pequi! Só eu!” E me abraçava.
E eu então, pensei: “Escapou por pouco, heim negão?”.
199

A maconha

Aposto que vocês estão loucos para saber se fumei ou não! Pois acalmem-se
que vou contar. Vamos devagar com o andor, que o santo é de barro, gente!
Chegando à capital da terra dos latinos, Miami, fiquei deslumbrado, nunca vi um
cruzamento dar tão certo como aquele, uma latina e um americano é a mesma
coisa você cruzar uma vaca “curraleira” (aquela vacas miudinhas que tinha no
norte de Goiás) com um boi nelore, o filhote nasce “bão” demais, não é? Quem
é fazendeiro ou lida com o gado sabe que estou falando a verdade, e foi isto
mesmo o que aconteceu por lá.
Juntou a organização do americano com a bondade do latino, deu um
cruzamento que valeu a pena. Irmãos, que cidade maravilhosa, gostosa para se
viver! Gostaria de fazer o mesmo em Ourilândia do Norte no Pará, isto é, importar
uns reprodutores americanos para cruzar com as nossas “curraleiras”
paraenses, aposto com vocês que a coisa ia melhorar muito, teríamos um povo
trabalhador, que ia respeitar as leis e no mesmo tempo um povo alegre e feliz!
200

Meu primo mora nas imediações de Miami, melhor dizendo, na periferia mesmo,
e aí vocês vão pensar, o primo do Niltinho é um blefado, imagine morar na
periferia? O engraçado é que lá, o rico é que mora na periferia, e pobre mora no
centrão, no meio do barulho, do aperto, do sufoco do transito!
Só que eles não foram idiotas, levaram para fora da cidade todo o conforto
necessário, como o metrô, o espaço, a grama, as florezinhas, o asfalto, a água
encanada, a energia, o esgoto, a escola, o comercio, este sim merecia um
capítulo a parte!
Para mim a invenção dos shoppings nasceu aí, pela necessidade de se
concentrar num só lugar tudo aquilo que a família precisa, morando na “periferia”
de supermercado a banco! Para quê aquela rua comprida, cheia de
“comercinhos” dos dois lados?
Enfim, para que morar no meio da folia, se o melhor lugar é no campo que é mais
saudável e tem menos ruídos? Como somos idiotas, meu Deus do céu! O que
é que estes prefeitos estão fazendo, que não enxergam isto? Saco!
O condomínio que meu primo mora é de terceira classe, porém tem lago,
patinho, quadras de tênis, sauna, piscina, churrasqueiras, todo asfaltado, área
verde ao redor de todas as casas, não tem muro, acredito que a área verde deve
superar mais de setenta por cento da área construída! É como digo, o nortista
ainda não descobriu o valor da grama, e o mais engraçado que ela está em todos
os espaços, nas casas, nas calçadas e não somente no jardim das praças como
é aqui!
Porquê priorizar somente a praça e não o todo? Acho que é a ganância dos
donos de loteamentos ou é burrice mesmo!
E olha que todas as casas eram de madeira, importada do Brasil. Para mim ficou
bem claro, que o importante não é a casa e sim a beleza do ambiente. Uma vez
perguntei a um americano chamado Dick, qual era a coisa mais importante numa
casa, e ele me respondeu:
“ – Location.” [localização]
- E a segunda?
“- Location.”
E a terceira, Gringo?
201

“ – Location.

- Vá à merda então, gringo!”


Hoje é que fui entender o que ele queria dizer e vejo o quanto ele tinha razão.
Aqui o “cabra” compra um lote de 360 metros quadrados no meio de uma favela
e constrói uma casa de $ 150.000,00, ou mais, e acha que está abafando!
Que loucura, ele acabou valorizando a favela e quando for vender a casa, vai ter
a maior surpresa da vida! Aqui no Para é o que você mais vê.
Eu estou fazendo um loteamento em Ourilândia, porém juro que não vou cometer
esta burrice não.
Me “arranchei” na casa do primo, aloquei um carro, e falei para ele, agora a
despesa é por minha conta, quero conhecer esta “joça” dizem que isto aqui é
muito bonito, e “bão” eu quero ver se é mesmo! E danei a andar, vi muitas coisas
interessantes, que ate hoje fico pensando , quando iremos atingir aquele nível
de desenvolvimento, meu Deus do céu! Talvez daqui a cinquenta anos?
Um dia após ele ter me levado para conhecer um condomínio de “bacanas”,
todos americanos (ali não entra latino!) chamado Coral Gable, onde tinha um
canal, com mais de cinquenta metros de largura, que dava acesso ao mar, e por
onde os moradoresestacionam seus “iates”, bem nos fundos da casa, e onde vi
um caminhão pipa com uma mangueira sugando a sujeira e as folhinhas que
caiam das arvores! Aí pirei de verdade! Senti que estamos a um milhão de anos
atrás dos gringos, não tem jeito irmão, em matéria de sujeira somos os
campeões, sem duvida!
A única coisa ruim que me aconteceu, foi que o meu querido primo, “pisou na
jaca” comigo. Como ele estava aguardando um emprego havia me prometido ser
meu intérprete, que eu ficasse despreocupado pois iria me ajudar a “caçar” os
aviões!
Só que o “fresco” roeu a corda comigo, olha só em que situação ele me deixou.
E muito calmamente me disse:
“ - Não se preocupe primo, você sabe falar “socorro” em Inglês?
- Sei, help.
- Pois então, quando a coisa “embananar” para seu lado, diga help, que você vai
ver que o americano vai te ajudar. E viaje tranquilo, você é “cobra criada” mesmo!
Cara, como esta palavrinha me ajudou, em muitas ocasiões (até para arrumar
namorada!) saquei um help e fui atendido, graças a Deus, senão estaria frito!
Não falava “niente” de inglês, não tinha nem noção por onde começar, e mais
uma vez aquela célebre frase “fique frio, deixa comigo” (disse-me ele quando eu
ainda estava no Brasil!), me “lascou” todo!

“ - Primo, já que você me abandonou e fiquei na rua da amargura, leve-me para


conhecer os Aeroportos de Miami, acho que é por ali que devo começar!
202

- OK, aqui perto de casa tem um aeroporto de nome Tamiami, eu vou levá-lo lá
hoje, porém, acho que ele é muito “mixuruca”! Como estamos no final da semana
vamos deixar para segunda feira que vou leva-lo para um lugar que acho que
você vai torcer o pescoço de tanto ver avião!
- Aonde?
- Em Fort Lauderdale!

- Ótimo, a sorte esta lançada, então!


No outro dia cedo fomos visitar este tal de Tamiami, e, irmãos quando lá
chegamos lá vi o tamanho do aeroporto, duas pistas operando, uma baita torre
de controle e aviões decolando e pousando, caí duro! Virei para meu primo e
perguntei:

“ - Você quer me gozar? E ele arregalou os olhos, sem entender nada, me


perguntou:
- Por quê?
- Cara, se eu juntar todos os aviões que estão nos maiores aeroportos que
conheço no Brasil, não da à metade de aviões que estou vendo aqui, só isto!”

Ele deu uma gargalhada e me disse:


“ - Meu querido primo, você se esqueceu que estamos na América?”
Foi ai, que comecei a conhecer e a respeitar mais aqueles Gringos.
Cara, eu vi tanto aviões nos Hangares, nos pátios e por fim naqueles espaços
reservado para grama, que endoidei ! Nunca tinha visto tanto avião como estava
vendo naquele aeroporto, no falar de meu primo “mixuruca” Já fiquei imaginando
o que ele iria me mostrar dali para frente.
E a farra continuou, disposto a gastar meus dólares, não faltava quem quisesse
passear comigo! Tinha uma priminha que era muito bonita e gostosa, sua mãe
tinha sido miss Araçatuba quando adolescente!
Seu pai um digno representante italiano, um cabra assim de um metro e oitenta,
cabelo bom, corpo de Hercules que por onde ele passava as mulheres
suspiravam. Eu gostava de andar junto dele porque sempre sobrava para mim,
as mais “feinhas” porém não estava nem aí!
A maior qualidade da minha prima era o fato de ela ser muito extrovertida e com
isto ela arrebanhava um bando de amiguinhas, uma mais bonita que a outra, e
ainda dizem que as americanas são feia, quanta ignorância!
Quando caí em mim, já tinham se passado mais de vinte dias e nada de avião,
pudera naquela mordomia quem não iria aproveitar? O que mais perturbava era
os telefonemas dos meus amigos me perguntando:
“ - Niltinho! E o meu avião, já achou? E eu:
203

- Cara, ainda não, a coisa aqui não é fácil não, bicho! Os gringos são duro na
queda, aguardem que vou dar um nó neles!”
E a farra continuou.
Não posso deixar de registrar um fato, quando eu e meus primos estávamos na
praia em Fort Lauderdale, sentados na varanda de um hotel restaurante de
frente para o mar de cor verde, (que coisa linda!), aquela avenida comprida
acompanhando o mar, aquela areia branquinha (não vi cachorro não!) cheia de
palmeiras, aquelas “banheironas” (carrões!), desfilando pela avenida e eu
rodeado de mulheres bonitas!
Nem pensava em “avião”, de verdade! Resolvi brincar com minha prima, aquela
gostosona:

“ - Como vocês são ruins para arrumar um namorado, meu Deus! Com todo este
corpão, não vejo ninguém olhar para vocês? Que incompetência prima!”
Uma americana, muito bonitinha, irmão, era um “pitéuzinho”, virou para minha
prima e perguntou:
“ - O que ele esta dizendo?” Então ela traduziu.

Na mesma hora ela levantou da cadeira e disse:


“ - Aposto vinte dólares que eu dou conta de arrumar um namorado antes dele
arrumar uma namorada! Ela me desafiou! E como não levo desaforo para casa,
respondi:
“ - Está feita a aposta, prima, aqui esta os meus 20 dólares! Pensei: quero ver
até aonde vai esta brincadeira! Quero ver até onde vai esta brincadeira, afinal eu
estava ali era para isto mesmo, brincar!
Não estava nem aí em perder os dólares porque, ganhar eu não tinha a menor
chance mesmo!
Ela empinou o nariz, olhou para praia, deve ter visto a sua “presa” e partiu para
cima dele! E eu, feito um babaca, fui para o bar, a fim de procurar um banheiro!
O que eu poderia fazer, senão em ir ao banheiro? Não falava a língua daquele
povo! Como iria dar conta de arrumar uma namorada antes dela?
Sai do banheiro comprei uma balinha doce a fim de matar o tempo, e então
resolvi dar uma olhadinha para a mesa, a fim de ver se a americana já havia
voltado, e qual não foi minha surpresa, quando não a vi! Ela ainda não apanhou
a “caça”, pensei!
Naquele momento, avistei uma “mulherona” maior que eu, (o que não é muita
vantagem, afinal, sou baixinho mesmo), muito bonita, pagando a conta no caixa!
Lembrei-me então, o que meu primo me havia dito que, se por acaso
encontrasse quaisquer dificuldades, que chamasse por “help”!

Não deu outra, toquei a loiraça no ombro, até que se virasse para mim, e só aí é
que fui ver como ela era alta!
204

Moço, esta mulher levou um baita susto quando eu comecei a gaguejar na frente
dela, tentando falar “HELP, HELP, HELP”, e não saía disso!
Apontava para o lado da mesa onde estavam os meus primos, tentando dizer
que eu queria que ela fosse para lá, e eu nessa agonia olhava para ela com
aquele olhar de “peixe morto”, agarrava seu vestido e a puxava em direção a
mesa, e continuava no “help,help,help”, até que consegui convencê-la a me
acompanhar ate a mesa!
Quando chegamos na mesa, a americana da aposta ainda não havia chegado,
e eu tratei de pedir socorro à meu primo:
“ - Explique logo para ela a nossa brincadeira e peça-lhe para participar, que
racho a grana com ela!”

Na mesma hora ela topou e eu tratei de pegar sua mão, cruzando os dedos com
os dela, e ficamos aguardando a americana chegar.
Depois disso meu primo curioso, quis saber dela o que a havia convencido a vir
para nossa mesa, afinal ela não havia entendido nada do que eu queria dizer. E
ela então respondeu:

“ - Ele me pediu “Help” e eu olhava em seus olhos e senti que estava dizendo a
verdade! Somente isto!”
Logo a americana apareceu e, vendo-me com aquela boazuda, e ainda, de mãos
dadas, levou o maior susto da vida, pois não acreditou que eu daria conta! Então
deu um grito:

“ – My last dollars! Oh my Good!


Então mandei minha prima dizer-lhe que nunca duvidasse da capacidade de um
brasileiro, porque temos nosso famoso “jeitinho” que eles ainda não têm!
Aí, vi que meu primo tinha razão! Não pensem vocês que usei o “help” somente
desta vez. Negativo, usei várias vezes e em todas as ocasiões, fui socorrido e
isto me fez mudar a imagem que eu tinha dos americanos! Nunca pude imaginar
que fossem tão solidários e prestativos assim!
Terminada aquela festa em Fort Lauderdale, voltamos para Miami, eu já havia
notado que eu havia quebrado a rotina da casa deles, pois tinha consciência que
eles consumiam drogas, porem isto era um problema deles e eu respeitava!
Notei que não queriam fazer o uso do tóxico na minha presença, afinal o que iria
pensar o priminho lá do interior?
Até que naquela noite a minha prima criou coragem e veio com essa:
“ - Primo o que você pensa a respeito das drogas?” Ah irmão, entendi logo que
ela queria dizer! Queria fumar e eu estava atrapalhando, por isto respondi:
“ - Minha prima, não tenho nada contra quem faz uso, inclusive, se tiver uma
oportunidade, até experimentaria!
- Quer dizer que, se eu pedir para trazer aqui em casa você entra no racha?
205

- Sem dúvida nenhuma queridinha! Há tempos que aguardo esta oportunidade!


Qual será a minha parte então?
- Cinquenta dólares!
- Tudo bem, manda vir logo!”
Irmão, nunca me senti tão preocupado! Pensava que após fumarmos aquela
droga, todo mundo ia ficar “doidão” e imaginava-me traçando aquela americana
gostosa que estava ao meu lado, depois passando para minha priminha, enfim,
imaginava que tudo aquilo, na casa de meu primo, ia virar um bacanal, seria um
“salve- se quem puder!
Cara, fiquei tão confuso, que procurei não pensar em mais nada, seja o que Deus
quiser, a minha preocupação era em não perder a “consciência”, sabe-se lá o
que poderiam fazer comigo? Afinal eu era ainda inexperiente naquilo. Nunca
havia fumado maconha.

Minha prima disse então:


“ - Vamos pedir uma pizza e a maconha. Após comermos a pizza, fumaremos!”

Não acreditava no que estava acontecendo! Primeiro, pedir pizza por telefone eu
sei que é muito comum, já fiz isto várias vezes, mas pedir maconha por telefone?
Através de um serviço de “delivery” (entrega a domicilio), nunca tinha visto na
minha vida, só pagando mesmo para ver!
Caramba, quando tocou o interfone solicitando a autorização para entrar no
condomínio, eu pensei logo na pizza e, cara, levei o maior susto da minha vida:
era a maconha chegando antes da pizza! Aí sim é que vi que os gringos nunca
mais seriam capazes de tirar a maconha da sociedade!
Comemos a pizza fizemos o “relax” necessário, nos preparando para a grande
noite, pelo menos para mim seria! É irmão, você sabe que estas coisas tem um
ritual, não é bem assim de qualquer jeito, se não, não tem graça, como dizia
minha prima.
Ela fez o dela, fez os das visitas, meu primo não quis, dizia que a fase dele havia
passado, pudera já tinha fumado de tudo mesmo, ficou pra lá! Então ela fez o
meu. E, tremendo, peguei o pacau, acendi e comecei a soltar umas baforadas!
E lá fui, parecendo uma Maria Fumaça, não sei tragar mesmo! Só que não sentia
nada, nada mesmo! De vez em quando minha prima me olhava com o rabo dos
olhos e eu esperando quem seria o primeiro a receber o “espírito do mal”, quem
seria que ia começar com as “sacanagem” e nada! Todo mundo fumando numa
boa e não acontecia nada do que eu esperava! Quando é que ia começar o
bacanal? Pensava! Até que minha prima olhou muito séria para mim e disse:

“ - Cacete, você está desperdiçando o fumo? Pára com isso, rapaz, me dê isto
aqui!” E me tomou o cigarro, indo fumá-lo no canto da sala! Que alívio senti afinal
fumar nunca tinha sido minha praia mesmo!
206

E eu já sem cigarro, não senti “bulhufas” nenhuma, do jeito que entrei na rodada
estava, “VIRGINHO DA SILVA”, olhando para meus companheiros, vendo que
nada ocorria de diferente com eles, a conversa foi ficando sem gosto,
destemperada, até que minha prima falou:
“ - Vamos dormir que já está na hora! Cada um foi para seu quarto, e eu fiquei
ali chupando o dedo, porra! Que coisa sem graça, pensei! Havia sonhado tanto
com algo diferente, e agora acaba assim!
Minha conclusão: Que coisa chata é fumar essa tal de MACONHA!
207

O sonho perdido

Convencido que, da maneira que estava vivendo na casa dos meus primos, não
ia levar-me a nada (maconha, bebida, mulheres bonitas, sexo, etc.), tratei logo
de arregaçar as mangas e ir à luta, afinal, o que é que eu vim fazer na América?
No Brasil, já estavam imaginando que havia morrido, e o Muca não parava de
ligar:
“ – Niltinho, cadê o meu avião? Seu filho de uma égua!”

Cocei a cabeça, (quando fico nervoso, as raízes do meu cabelo provocam


coceira, não sei porque) e resolvi ir conversar com um mestiço, puro meio
sangue (50%cubano 50%americano), que eu havia conhecido no aeroporto de
Tamiami! O cara foi tão legal que me deixou fazer um voozinho em cima de Miami
com seu Skyline (claro que fui à direita, medo de alguma trombada, de tanto
avião):
“ - Olha aqui comandante, se fosse você, iria procurar dois grandes dillers da
aviação, um da Califórnia e outro de Nova York! Estes dois são capazes de
fornecer as “specifications” das aeronaves e os aviões que você necessita.
208

- Caramba, tinha que ser assim, um tão longe um do outro? Afinal um na costa
do pacifico outro na costa do atlântico, quanto é que não vai ficar esta
brincadeira?
- Business is business (Negócios são negócios)!” respondeu o mestiço.

Cansei de implorar para que meu primo fosse comigo, imaginem o sufoco que
eu ia passar? E o “fresco”, novamente veio com aquele lance do “use o help”, só
que desta vez ensinou-me a acrescentar a palavra “please”, dizendo que daria
mais ênfase!
Na despedida, meu primo ainda me descolou um farto almoço em um restaurante
americano muito chique, dizendo que iria me dar umas dicas a respeito das
comidas que eu deveria pedir e aquelas que eu não deveria nem passar por
perto, pois dariam aquela diarreia!
Custou uma merreca este almoço, me regalei todo, experimentei uma porção de
molhos diferentes, foi uma delicia, só que o “fresco” não me avisou da
periculosidade da abundancia de molhos!
Embarquei lá pelas duas da tarde para San Francisco, com escala em Saint
Louis, ainda fazendo aquela paradinha no alto da escada e repeti aquele aceno
de mãos, que davam-me um ar de importância! (que babaquice!)
Agora estava de novo sozinho, entregue às “traças”, olhava de um lado para
outro em busca de um socorro latino e nada, só avistava gringo! Era tanto que
dava para matar a pau! Seja como Deus quiser! Pensei.

O avião deve ter demorado uns quarenta minutos para chegar na cabeceira da
pista, mano, tantos eram para decolar! Era uma fila tão grande, que fiquei
pensando, como dão conta de controlar aquele tráfego intenso? Imagine se fosse
no Brasil, que deixa avião trombar na Amazônia?
Já estava bem instalado, vendo aquela paisagem maravilhosa do interior
americano, muita lavoura de milho, laranja, quando senti algo estranho na minha
barriga!
Cara poderia acontecer de tudo, menos aquele ronco que partiu de minhas
entranhas, fazendo-me concluir que estava prestes a ter a tão terrível diarreia
209

que meu primo havia dito! Logo senti um gosto amargo na boca e conclui: “Foi o
molho!”
Levantei da poltrona e tratei de correr para o banheiro do avião, e qual não foi
minha surpresa, quando vi que tinha uma fila com três brutamontes à minha
frente! Posicionei-me atrás deles e tratei de cruzar as pernas, concluindo que,
se não passasse na frente deles, o desastre aconteceria ali mesmo!

O suor começou a escorrer de minha testa! Amparava-me ora numa perna outra
noutra, mantendo-as sempre cruzadas e bem arrochadas, e assim fui levando
até que não aguentei mais, e pensei comigo: “Tá na hora do help, não aguento
mais mesmo, seja o que Deus quiser, tomara que meu primo tenha me falado a
verdade! Criei coragem, dei um cutucão no ombro do sujeito que estava na
minha frente e, quando ele se virou para trás com cara de poucas conversas,
deve ter visto aquele nanico todo contorcido, com a mão na barriga e olhar de
peixe morto, imaginou logo do que se tratava!
Eu comecei a balbuciar mais de uma vez, “help, help, please!” E apontava para
minha barriga e apontava a porta do banheiro, e o miserável gringo nada de sair
da frente! Insisti tanto no “help, help please”, que só me faltava sair lágrimas dos
meus olhos!
Foi quando os dois da frente notaram aquela zoeira e resolveram me ajudar!
Cara, deram dois passos para trás e me deixaram passar à frente, e logo em
seguida a porta do banheiro abriu e quase não dei tempo para o ocupante sair,
entrei rapidinho e pude, enfim, aliviar-me do sufoco que passava! Foi o dia mais
feliz da minha vida, e mais uma vez botei em prova a solidariedade americana,
e ela passou com honra, dali para frente já defendi por muitas e muitas vezes,
estes tão prestativos “gringos”! Aquilo ficou marcado para sempre em minha
memória!
Voltei para minha poltrona me sentindo outro homem, que alívio! Dali para frente
não aceitaria mais nada para comer!
Quando chegamos a Saint Louis, tivemos que sobrevoar por um bom tempo o
aeroporto para pousar e deu para ver a malha ferroviária! Que susto levei, ao ver
tantos trilhos, vagões, locomotivas, dando a perceber perceber o quanto eles
desenvolveram este setor! Nós aqui, ainda estamos na estaca zero, agora que
o governo ainda construindo uma ferrovia de norte a sul (que demora!)!
Por isto mesmo é que não tenho medo da crise americana, quem tem
infraestrutura como aquela, pronta, tem tudo, é fácil voltar a crescer, e nós aqui
que nem isto temos!
Fiquei babando de ver aquele aeroporto, que tem até calçada rolante para
transportar você de um lado para outro! Mais impressionante ainda fiquei,
quando cheguei no meio do aeroporto e olhei para cima e olha só o que vejo: o
próprio avião de Charles Lindenberg amarrado no teto! Aquilo para mim valeu a
viagem, imaginem ver a fragilidade do avião com o qual o famoso piloto havia
atravessado o Atlântico!

Achei o avião pequeno para o tamanho da façanha, e que coragem teve o


Lindenberg! Se fosse brasileiro, não tenho a menor dúvida que estaria entre nós,
210

voando nos garimpos, fazendo as mesmas loucuras que fazíamos, sem duvidas
nenhuma!
Estava andando pra lá e pra cá, vendo aqueles aviões descendo e subindo,
observando toda aquela maravilha, quando encontro um brasileiro, que mora nos
Estados Unidos há muitos anos, e batemos um longo papo, que muito me
ajudou, inclusive a pegar o meu avião para San Francisco! Nunca me esqueço
o que ele me disse, e deixou-me muito curioso: seus filhos tinham nascidos na
América, nenhum deles falava o português, sobrou somente a esposa com quem
ainda falava a nossa língua, para ele isto era muito triste, e aí a gente nota como
uma cultura absorve a outra rapidinho! Logo na primeira geração. Engole tudo!
Novamente subi em outro Boeing e parti rumo àquele estado que é o mais
desenvolvido e rico dos EUA, a Califórnia, (moço o que é aquilo!) Pousamos, e
lá estava o amigo me esperando, só que, como já tinha certa prática e não era
mais “manicaca” de aeroporto, dei conta sozinho de ir para o desembarque para
pegar minhas malas, não vendo a hora de conhecer o mais famoso diller da
América, Mr. John, o todo poderoso!

Por sorte, a filha de meu amigo Parreira morava em San Francisco há muito
tempo, era casada com um brasileiro que possuía uma pizzaria. Novamente lá
fui eu conhecer a bela cidade, e beber dos bons vinhos de produção local!
Conhecer a Golden Gate, seus restaurantes à beira mar, a praça dos gays, tudo
foi muito interessante! Até vi dois bigodudos trocarem beijos na boca, o que me
deu uma vontade de vomitar, cara, você não sabe quem é quem naquela mistura!
É um troca- troca que não dá para entender, irmão!
Passados uns três dias, consegui marcar encontro com o famosorei da aviação,
levantamos bem cedo e colocamos o pé na estrada, pois sua base era numa
cidadezinha próxima a San Francisco!
Lá chegando, qual não foi minha surpresa, fui atendido pelo secretário do
Chefão e não por ele! Moço fiquei uma arara, imaginem eu vir de tão longe e não
poder falar com o dono dos porcos?
Logo agora que o Brasil tinha um Sarney na presidência, o homem que havia
criado um novo plano, o famoso plano Sarney, que iria revolucionar o país? Que
iria colocar o Brasil na maior das “constelações do universo”? Isto ele tinha que
saber da minha própria boca, tínhamos grandes negócios a fazer, pela frente!
Essa não, eu tinha que ficar frente a frente com o patrão, afinal, eu ia ser um
“grande empresário” como ele, e que havia descoberto o maior filão da minha
vida!
“ - Fale para este “babaca” aí, que só saio daqui após ser atendido pelo “capo”
(o chefão, ou o dono dos porcos). Meu intérprete arregalou os olhos, e me disse:
“ - Você quer que eu fale no pé da letra?
- Como você quiser, só quero ser atendido por ele e ninguém mais!
211

Meu amigo iniciou uma das “batalhas” mais longas que eu já vi e por fim, ficamos
combinados que ele iria atender-me na próxima semana! Sai de lá “puto” de
raiva, só aguentando aquilo por ele ser dos melhores na aviação!
Voltamos para San Francisco e eu já comecei a compreender que a coisa não
seria fácil, talvez por ser marinheiro da primeira viagem, e ainda não ter
descoberto o caminho das pedras, porém não pense não que aquele primeiro
obstáculo iria colocar-me à nocaute! Tinha muito pano para manga e iria brigar
até o fim. Mas iria levar os aviões de qualquer jeito!
Aquela semana de descanso, aproveitei para passear, convidei umas brasileiras
para jantar e elas me levaram para um restaurante que ficava em cima de um
prédio, tão alto que precisamos tomar dois elevadores! Aquilo me deixou
assustado, imaginem se San Francisco resolve ter um daqueles tremores de
terra, que acontecem de vez em quando? E eu em cima daquilo, credo!
Sentamos e logo pedi um whisky, (o meu negócio era beber whisky) e as
meninas me acompanharam (como enxugavam!)! Após umas boas doses, olho
para o horizonte e noto que a paisagem havia mudado, a baia havia mudado de
direção! Achei aquilo estranho, porra, somente aquelas poucas doses e já estava
embaralhando tudo. Voltei para minha amiga e falei:
“ - Vamos mudar de whisky que este aqui não está bom, não!
- Como assim, Niltinho, este é um dos melhores.
- Não sei não, isto aqui está girando tudo!”

Dei uma olhada para a baia e novamente percebi que tinha alguma coisa errada,
era eu ou já estaria começando, um daqueles tremores de terra! Levantei da
mesa e gritei: “Vamos embora daqui que já começou a rodar! A baia estava ali
quando sentei aqui e agora ela esta em outro lugar?”
Nisto, aquelas duas “bandidinhas” começaram a rir, e não pararam mais, uma
delas me agarrou pelo braço e disse:

“ - Seu caipira! Senta aí que vamos explicar! E eu, já meio tonto, ouvi daquelas
duas, a mais fantástica das explicação!
Existia uma engrenagem no subsolo que fazia o restaurante girar devagar, dando
a oportunidade de sentado, se ter a visão de 180 graus de toda San Francisco!
É muito lindo e bastante interessante.

Fiquei encantado, afinal o que aqueles americanos não inventam para ganhar
dinheiro? Na verdade foi uma das noites mais maravilhosas que passei na
Califórnia! Só não gostei da gozação que fizeram comigo depois!
No dia marcado, comparecemos ao compromisso com Mr. John e, quando
consegui entrar em seu escritório, fiquei deslumbrado de tão chique era! Existia
uma mesa que tinha uma réplica miniatura de todos os aviões produzidos nos
Estados Unidos! De fazer inveja!
Só não gostei da cara do gringo, parecia que aquela conversa não ia render, tive
este pressentimento! Cumprimentei, e tratei logo de pedir ao intérprete que
212

dissesse o que eu queria, quais eram os aviões que desejava, e que não
deixasse de falar do Sarney, que agora havia chegado a nossa vez, o país tinha
entrado em outra fase de desenvolvimento, etc. e tal, e após toda esta
conversa,surpreso, notei que meu amigo, começou a se desentender com o
gringo. E eu ali curioso, não entendendo nada! Estava boiando!
“ - O que está acontecendo?

- Ele está dizendo que isto não vai adiantar de nada.


- Por que ele diz isto?
- Porque somos latinos.
- Como assim?
- Que quando você voltar para o Brasil, você não vai encontrá-lo do mesmo jeito
que o deixou!”
Que absurdo! O que aquele gringo estava dizendo? Imaginem se o “meu Sarney”
iria deixar o barco afundar novamente? Que nada, aquele americano estava
doido! Logo agora que o país estava confiante nas mudanças feitas!
“ - Diga a ele que vou provar o quanto ele está enganado, vou voltar aqui e
comprar muitos aviões dele! Diga logo, para este babaca, porra!”
E lá foi aquele “conversê” por muito tempo, o gringo falava e meu amigo
respondia na bucha, acho que meu amigo não o convenceu em nada, ele se
levantou da cadeira e tratou logo de nos despachar. Parece que queria ver-se
livre daqueles dois latinos que não entendiam nada de economia, parecia que
ele entendia mais que nós, brasileiros. Que cara doido, pensei!
Como ele havia prometido, forneceu-me toda a papelada que eu iria precisar, só
que na hora da despedida, deu um sorriso. Como quem quer dizer “vocês latinos
são incapazes de manter uma economia regular por muito tempo!”
“ - Vamos embora, este babaca está delirando. Imaginem se eu vou perder minha
viagem? E o Sarney? Vai deixar o Brasil voltar ao que era?”

Parti para Nova York, onde fui encontrar o outro diller, junto com uns amigos que
havia conhecido por lá! Fomos visitar o aeroclube que, além de ser escola, era
também uma grande oficina de manutenção, e uma grande revenda de
aeronaves!
Imagine se você encontra alguma coisa semelhante no Brasil? Uma escola, onde
existiam muitos aviões para venda, muito serviço de manutenção, e que os
alunos usavam desta infra estrutura toda!
Fiquei conhecendo ali, um Skyline retrátil nunca tinha visto um na minha vida,
uma maravilha de avião! Meu colega que participava deste passeio, acabou
ficando com ele. O danado era comerciante de diamantes e tinha em um só
banco mais de quinhentos mil dólares guardados! E tinha que trazê-los de volta,
para o Brasil!
213

Em Nova York, não achei nada de interessante, a não ser os passeios que fiz, e
tratei de voltar para Miami. Lá sim é que vi a maior fila de aviões para decolar,
você perde de vista o final da fila, é uma loucura mano!
Fiquei mais uns dias com meus primos, e tratei de pegar o avião de volta, afinal
já estava munido de tudo aquilo que queria, graças ao “babaca” que havia me
dito que quando eu chegasse ao meu querido Brasil, teria uma surpresa! Quanta
bobagem, meu Deus!
Pousamos no Rio de Janeiro, nosso maior aeroporto, que leva o nome de Tom
Jobim, onde, por sinal, a única coisa que presta, é o nome!
O resto é uma droga, comparando com os de lá. Quando você volta dos Estados
Unidos, você fica crítico demais, torna-se um chato, só faz comparações, e para
quem não conhece a terra dos gringos e não entende nada, acaba achando que
você esta aumentando as coisas, hoje eu evito falar que estive duas vezes lá,
não quero perder meus amigos latinos! É uma pena que eles não tiveram
realizado, o mesmo sonho que eu tive.
Já de volta no meu querido Brasil, tratei logo de saber como iam as coisas, e
como estava o meu presidente.
“ - Acho que não está bom não, respondeu meu primo! As coisas mudaram muito
desde o dia que você partiu!
- Como? Perguntei, já irritado!
- É! Acho que o planinho do Sarney, está vertendo água!

- Afundando, você quer dizer?


- Eu acho que é isto mesmo!”
Cai sentado, pois não queria acreditar no que estava ouvindo! Tratei de encontrar
com o meu despachante, pois queria saber se as alterações do plano, haviam
comprometido as importações de aviões!
Aí que o susto foi grande porque, as atitudes do governo torraram todos os
dólares do Banco Central, e não havia mais como fazer o cambio, não tinha mais
dólares no Banco Central, no Banco do Brasil, enfim tinha acabado de quebrar
nosso país!
Botei a mão na cabeça e fechei os olhos e adivinhe o que veio em minha mente?
Mr. John, irmãos! Não podia deixar de recordar suas palavras:

“ - Quando você retornar ao Brasil, não vai encontrá-lo do mesmo jeito que você
deixou!” Só faltou mesmo prever que eu iria encontrar o país falido, quebrado,
assaltado! E foi isto mesmo que encontrei!
E os meus negócios foram tudo para o brejo, peguei os “specifications” e meti na
primeira lata de lixo que encontrei e hoje tiro o chapéu para o gringo! Ele sim
entende de economia latina, e não eu! Um simples pilotinho, caipira e metido a
besta!
214

E quando vejo este mesmo homem que quebrou nosso Brasil que deu tanto
prejuízo, se eleger senador e hoje presidente do senado, sem falar do babaca
do Collor, outro que “voltou”, isto aqui está parecendo música do Nelson
Gonçalves! Fico triste, como pode o brasileiro ser um povo tão sem memória,
afinal não faz muito tempo assim, que eles foram presidente desta bagunça,
somente peço para estes jovens, que aprenderam a fazer tanta pesquisa na
escola, que façam também na vida daqueles em quem vão votar, porque senão
nunca vai mudar nada!
Estes monstrengos tem que ser deletados, temos que mandá-los para a
aposentadoria, que não querem porque a mamata é boa demais!
Jarbas Vasconcelos disse a verdade, são difíceis de acabar, eles tem um poder
de ressurreição impressionante, e só vocês, jovens, é que podem acabar com
este políticos de carteirinha!
Eu já estou muito velho para isso, só peço para vocês que ajudem a mudar este
Brasil. Pelo amor de deus: Mudem o Brasil!
E assim acabou o sonho do caipira que queria trazer aviões da América, sobrou
apenas o sonho (que ficou perdido!).
215

O sequestro- 1

Eu já devo ter comentado que meu avião PT-CZC, foi sequestrado pelos índios
Apytereua, só que não contando os detalhes de comoconsegui reavê-lo, e é o
que passarei a fazê-lo agora, onde mostrarei como consegui recuperá-lo das
mãos destes “hermanos” tão amigos e parceiros na época do mogno, quando foi
preciso nos unir para comer do “bolo” juntos, (porque, caso houvesse atrito, a
madeireira não comprava!).
O engraçado é que tomamos muita cerveja juntos (com o cacique), conhecia
todos os líderes da aldeia, e eles tanto me conheciam como também meu avião!
Piloto e avião, para os índios, sempre causaram muita curiosidade e estavam no
foco deles.

E tudo isto não adiantou nada, fui para “paxiba”, (pau cheio de espinhos que eles
passam no meio das pernas, de preferência atrás, das pessoas que não gostam
Niltinho, por exemplo). Dizem os que já levaram, que você passa dias sem poder
andar!
Acredito que vocês já leram na história “Apytereua - os índios brancos”, que meu
avião ficou muito perto da sede da fazenda, onde estavam os índios acampados
e onde ocorreu aquela sabotagem (quase cai por causa do açúcar que foi posto
dentro do motor) e eu acredito que os índios tiveram tempo demais para
memorizar muito bem como era o meu avião!
216

Nunca imaginei o que poderia acontecer após este episódio pois, gratidão, eu
sempre soube que índio tem muito pouco e que se não fosse por mim e Ditão,
teriam morridos todos, inclusive o povo da FUNAI e os agrimensores contratados
para trabalharem na área, afinal, éramos mais de 200 pessoas e eles não
passavam de 50!
A briga no tapa seria boa demais, sem dúvida que eles sairiam dali com as
orelhas ardendo mas, nada disso aconteceu, pois conseguimos contornar aquela
ação desastrosa da FUNAI sem uma gota de sangue derramado! Só ficamos no
prejuízo dos voos que fizemos para levar os índios de volta para sua aldeia,
(abandonados pela FUNAI) e as vacas que matamos para dar de comer a tropa
toda!

Certo dia, meus amigos Daniel Renes, e Paulo Botoli apareceram lá em casa,
muito animados pelo fato de terem encontrado um índio aculturado, advogado,
que residia em Brasília e tinha um transito muito bom na FUNAI e no congresso
e se comprometia a ir na aldeia convencer os índios a dividir a área!
“ - Niltinho, precisamos que você vá a Altamira, pegue o índio que vem de Brasília
e leve ele à aldeia no seu avião, para que as despesas fiquem mais baratas,
assim teremos de gastar apenas a gasolina, você vai?”
Tive vontade de dizer não, afinal a minha ida na aldeia era muito perigoso, eu
era visto pelos índios como líder do movimento que os impedia, juntamente com
a FUNAI, a terminarem o levantamento topográfico da área! Tive medo da
“paxiba” pois, alguns amigos saíram da aldeia com o “rabo ardendo”.
Enfim eu era um dos líderes, e nunca deixei de medir esforço para ajudar na
causa, e assim éramos todos nós, todos por um e um por todos! Éramos como
irmãos brigando pelo mesmo osso!
217

“ - Vamos fazer o seguinte, eu arrumo o avião e vocês chamam o Junior (filho do


Pereira, bom piloto) e tudo bem, eu mesmo ir pilotando acho que vai dar merda!
- Tudo bem Niltinho, vamos ver o que vai dar, disse o Renes! Estou muito
confiante neste encontro, confio no índio, pois as informações que tive dele são
as melhores!” Ainda respondi:
“ - Você não acha que ele ser da etnia dos Terenas (Mato Grosso), eles podem
querer não iram ouvi-lo?
- Negativo, ele é cotado para ser o futuro presidente da FUNAI, caso os índios
conseguirem se libertar dela, lá em Brasília ele é muito respeitado, é muito
cotado!
- Vão com Deus então e seja o que ele quiser! Alguma coisa me dizia que iríamos
precisar de muita ajuda.
E lá vai meu amigo Junior para mais uma aventura na Amazônia. Nunca gostei
de pousar em aldeia de índios desde aquela vez que me prendaram no
Amazonas, e só eu sei o quanto foi duro para me libertar das “garras do
tamanduá”!

Aquela noite foi duro de passar, rolava na cama para lá e para cá, só pensando
no CZC, não saia da minha mente o que tínhamos passado juntos naquela
bendita aldeia no Amazonas! Quando saímos daquela encrenca, ele tinha ficado
todo pintado, coitado, levei dias para limpá-lo direito, pois aquela tinta que os
índios usaram, eram terríveis para se limpar, e só de pensar que estava
colocando-o novamente em perigo, me apavorei, porém já era tarde, afinal ele
era meu irmão, o mais querido de todos, e eu tinha que protegê-lo, e não era
daquela maneira que eu estava fazendo! Imagine ele sozinho na aldeia? Afinal,
não dormi nem por um momento!
Tinham se passados uns três dias, e nós aqui só imaginando o que estaria se
passando na aldeia dos índios brancos, uma vez que não tínhamos nenhuma
comunicação. Acreditávamos que, naquela altura do campeonato, o Terena já
teria fumado o cachimbo da paz, dançado ao redor do fogo, talvez até mesmo
feito amor com alguma índia, porque lindas elas eram e ele era muito culto,
bonitão, cabelo bom, iria papar algumas delas sem duvida alguma e
provavelmente seus discursos ficaria para a posteridade!
Seria lembrado como aquele que havia feito a grande paz entre os brancos e os
apytereua e era só aguardá-lo para fazermos a grande festa de comemoração
do início do mais longo período de paz na região do Xingu! Isto era o que
estávamos esperando!
Qual foi nossa surpresa, quando chegou uma mensagem de radio de uma
fazenda na beira do rio Xingu, para que o Pereira fosse buscar seu filho que
havia aparecido por lá, todo estropiado, quase morto de tanto andar, com fome
e acompanhado por um índio muito falante!
Caras, ficamos sem entender nada, foram de avião e agora estavam a pé,
pedindo socorro?
218

Só poderia ter acontecido um acidente, ou uma pane mais grave no CZC, para
que abandonassem o avião, Junior era cobra criada na aviação, tinha certeza
que por pouca coisa ele não ficaria na aldeia!
Comecei a imaginar que alguma coisa estranha estava acontecendo, meu Deus,
e nos reunimos para aguardar a chegada deles de avião. Aqueles arrepios na
nuca havia se manifestado novamente, era sinal que vinha “merda” por ai.

Fiquei com as pernas bambas quando o Renes terminou de contar o que havia
acontecido! É meus amigos, aquilo que eu não queria havia acontecido! Pela
segunda vez, sequestraram o CZC, que tinha ficado lá no final da aldeia, jogado
num canto e com muito custo, liberaram o piloto e o índio, mas “o avião do
Niltinho não sai daqui”, disseram para o piloto! Queremos ver aquele “cabritinho”
vir pessoalmente pegar seu avião aqui, que vamos passar a “paxiba” nele!
Nessas alturas o grande cacique Terena, meteu o rabo pelo meio das pernas,
murchou a orelha e tratou de acompanhar o piloto para fora da aldeia. Não o
deixaram ficar na aldeia e, dizem, até mandaram apagar seus rastros.
E agora irmão? Sem avião para trabalhar, a coisa começou a ficar preta, ir na
aldeia nem pensar, e meus amigos, nesta hora, não podiam fazer muita coisa!
Um deles, na época do mogno, conviveu muito com os Apyterewa, ficaram muito
amigos, sempre estava na aldeia, e foi por ele que recebi a primeira, pancada:
“ - Niltínho, eles querem R$ 50.000,00 reais para liberar o avião!
- Estes índios não estão doidos, não? R$ 50.000,00, é quase o preço do avião!

- É Niltinho, foi o que mandaram dizer para você e eu não sei o que fazer,
acredita?
- E eu sei, vou para Brasília, vou falar com o presidente da FUNAI, antes porém,
vou me encontrar com aquele terena, já que o Renes me disse que ele tem o
maior cartaz por lá, ele vai ter que ajudar agora! Imagine eu ter que comprar de
novo o meu avião? E por este preço?

Arrumei minha mala, peguei um ônibus da Transbrasiliana, e “deitei o cabelo”


rumo à Brasília.
Chegando lá arrumei um hotel logo ali perto da FUNAI, sabia que a novela ia
começar, e ia ter muitos capítulos, só não sabia como ia terminar, pedia a Deus
que me ajudasse a salvar o CZC pois parecia que tinham tirado um pedaço de
mim, já não dormia direito há dias, afinal era meu ganha pão, como eu poderia
perdê-lo? E minha família? Como eu iria sustentá-la, se não sabia fazer outra
coisa a não ser a voar?
Não passava pela minha cabeça a possibilidade de perder o meu “companheiro”,
de muitos anos, um escorado no outro, mais eu nele que ele em mim, afinal, há
muito tempo que eu não dava um descanso para ele era só cacete, voar, voar,
e voar e eu embolsando o dinheiro que ele me ajudava a ganhar! Era só o que
fazia.
Engraçado, agora que eu estava para perdê-lo, é que fui notar o quanto eu era
ingrato com meu avião! A minha ingratidão não estava muito longe daquela dos
219

índios. Porém, se eu o perdesse, eu jurava, iria para aquela aldeia e matava


todos aqueles índios, tamanho era meu ódio!
Não acreditava no que estava acontecendo, afinal, o que tanto eu havia feito
contra eles? Salvando suas vidas, dando de comer, levando de volta para aldeia
e de avião?
E agora, sem mais nem menos, sequestram meu avião e me tratando daquela
maneira? Ora, isto era pura ingratidão, por isto eu digo, e confirmo, índio não
tem sentimento de gratidão! Engano de quem pensa ao contrário. Porém, logo
caia na razão, e acabava me arrependendo daqueles maus pensamentos!
Deus iria certamente, me ajudar a encontrar um meio para salvá-lo, só não queria
ter aquela infelicidade de um colega, que teve seu avião foi sequestrado da
mesma maneira do meu, e jamais o viu de volta! Isto foi perto do rio Curuá, os
índios eram da tribo dos Caiapós, e o avião, também era um skyline! Este não
teve sorte, se acabou por lá, vi a foto dele uma vez na revista Veja. Foi muito
comentado este sequestro, na época!
Encontrei o índio Terena no congresso, e juro que quase não o reconheci tão
elegante estava, trajando um terno com gravata, um pouco surrado, porém não
deixava de ser um terno bonito, e como ele era de estatura alta e magra, lhe caia
muito bem! Cara, nunca tinha visto um índio tão bem vestido, e acredito que se
ele estivesse ido para aldeia vestido daquela maneira, iria arrumar um “harém”,
iria “chover tanto em sua roça”, que ele não daria conta sozinho, sem dúvida que
daria um bom presidente da FUNAI, porem, não sei se viverei para ver este dia!
“ - Como vai meu comandante? Já sei o que você veio fazer aqui, me visitar é
que não foi, não é?
- Você não disse que o meu caso era um galho fraco lá no mato? Quero ver aqui
na cidade se você quebra este agora!
- O negócio é o seguinte:

Quando começou a falar, vi que Brasília já o havia contaminado, aquele vírus da


malandragem, da gatunagem, já o tinha atingido, sem dúvidas! Somente com
esta entrada “o negocio é o seguinte”, já vi tudo, era mais um “enrolador” entre
os muitos que por lá habitam, pensei! Não vai ser por aí. Duvido que esta droga
de índio tenha alguma força, porém vou dar linha para ver até onde vai.
“ - Vamos lá para a FUNAI que vou marcar uma audiência com o presidente.”
Subimos à sala do presidente da FUNAI e, lá chegando, uma secretária nos
atendeu com aquele sorriso, quase dando um beijinho no índio Terena, de tanto
salamaleque., Confesso que fiquei impressionado com o prestigio do índio, e
pensei: estou enganado com este cabra, ele tem força mesmo, ela pediu para
que sentássemos e foi para dentro da sala do presidente, demorando tanto, que
já estava me deixando irritado. Afinal apareceu, toda sorridente, dizendo:
“ - Infelizmente ele foi chamado ao gabinete do presidente Lula, pede desculpas
em não poder atendê-los, e que fique para a próxima vez! Ok?”
O índio virou disse:
220

“ - De fato, o presidente é muito ocupado mesmo, mas não desanime não


comandante, que vamos encontrar um tempo para falar com ele!”
Dei um largo sorriso e um forte aperto de mão na secretaria, (viria a precisar
muito dela) e deu muito bem para perceber o quanto ela fora treinada para
engrupir aqueles índios metidos a besta. A “baba do quiabo” perdia longe para
ela, pensei!

E assim foi a semana toda, e não demos conta de falar com o presidente, já
estava cansado de pagar almoço, Coca-Cola (como bebem)para o índio, e a
conta só aumentando, e eu não via nenhuma luz no fim do túnel, parecia voar
por instrumentos!
221

O sequestro - 2

Cansei daquela embromação e resolvi ir consultar meu sobrinho advogado,


Sony, que estava trabalhando em um escritório de advocacia em Goiânia, sendo
sócio de um do mais renomado advogado Dr. Edmar.
Passei uma semana, em Goiânia relatando os fatos, e voltei para Brasília a fim
de tentar falar novamente com o presidente da FUNAI, queríamos evitar uma
ação litigiosa. E põem gasto nisto, irmão, já estava no “vermelho” a esta altura,
e o CZC ainda na “moita”.
Novamente em Brasília, La vai eu de novo me apresentar para aquela, a qual eu
chamo de a “mulher quiabo” e lá eu implorei para que ela me ajudasse a ter um
encontro com o presidente, e ela me jogando para o “escanteio”, tudo isto na
maior “manha” tiro o chapéu para ela, em nenhum momento me tratou mal,
porem nada de me por em contato com ele parecia que ela já estava avisada
que era para eu levar um chá de cadeira mesmo, queriam me matar com a unha,
resolvi então a não redar o pé da porta do seu escritório e na primeira
oportunidade que desse eu invadiria por conta própria, e foi que fiz, em um
descuido dela, entrei e qual a minha surpresa, topo com ele saindo da sala, ai
então se topamos. Pensei comigo mesmo, agora você vai me ouvir “cabritinho”
só que ele dava dois de min., eu com o “pescoçinho” arrebitado para cima e ele
me olhando de cima para baixo, logicamente, ele numa posição mais confortável
que eu, e comecei a expor meu problema ali mesmo, o danado nem deixou eu
entrar, ficou de guarda na porta e eu fiquei feito “besta” chorando a perda do meu
avião.
Ele me deixou falar e em seguida me disse:
Vá falar com meu secretario ali naquela sala, e simplesmente fechou a porta.
Cara ai eu percebi que eu tinha perdido a guerra, a minha conversa com o
“secreta” foi uma “pauleira” dura depois de muita troca de acusações olha só o
que ele me disse:
222

-Nos não gostamos de você, do Ditão, e de toda aquela turma que não nos deixa
terminarmos a medição da área, e só falta 1800 metros, {aquilo ficou gravado
em minha memória}, portanto se você quiser tirar seu avião de lá, negocie com
os índios, eu não vou me opor, de seu jeito, quem mandou você ir lá.
Se eu tivesse perto de uma cadeira teria sentado na hora, isto era tudo o que eu
não queria ouvir.

-Como vou negociar com eles, como? Não é? A FUNAI que é a guarda deles?
Eu não posso fazer isto. Se eu sou proibido de entrar na aldeia?
Só ele faltou falar, “de seus pulos cabritinho”.
- Eu vou voltar aqui com meus advogados, disse eu, para termos mais uma
conversa, até La vão pensando numa forma de acabarmos isto numa boa para
ambas as partes.

Aposto que “quando virei às costas”, eles devem ter me dado uma “banana” de
tão “puto” que ficaram comigo, uma coisa eu já tinha em mente, tinha que tratar
de ir arrumando o dinheiro logo paradar para aqueles índios, porque uma ação
judicial ali, naquele momento eu só teria desvantagem isto porque a nossa justiça
é casado com um tal debicho preguiça e é duro ela dar um passo rápido, e ai
então quem ia pagar o pato seria o CZC eu só ia acabar matando ele, meu medo
seriaeles [os índios] despertarem para a venda do avião aos pedaços, seriam
muito mais vantajoso, como fizeram os caiapós com o avião do meu colega sem
dúvida fariam muito mais dinheiro. E vocês acreditam que são os próprios
colegas que vão La comprar, neste mundo é um “enrabando” o outro não tem
jeito não, é o mundo cão.
Ainda voltei com o Sony e o Dr. Edmar, e ameaçamos com uma reintegração de
posse, porem não senti preocupação nenhuma por parte deles, já estão
acostumadas mesmo com estas ações, que mais uma menos uma, é a mesma
coisa. Mandei o Sony rascar a petição, e me preparei para a grande negociação
na qual eu não tinha a mínima noção como começar, se eu desse sinal de
desespero eles me quebrariam, se eu demorasse muito o prejudicado seria o
CZC , lá no sol quente ,sem duvida a primeira coisa a ir para o pau seria os
tanques de borracha, já tinha conhecimento que haviam retirado toda a gasolina.

De volta a Tucumã, mandei chamar “aquele” que seria dali para frente o meu elo
com a aldeia, e mandei um recado. Não pagaria os $50.000,00 nem que a “vaca
tussa”, por este preço compraria outro avião, que ficassem com o CZC. Aquilo
cortou meu coração, porem o que eu ia fazer? Senão tinha este dinheiro, e os
meus amigos? Vocês perguntariam, cara, sumiram todos, me largaram na
“chapada” sozinho, viraram a cara. É isto que você ganha em querer ser um líder,
deixo um recado para aqueles que queiram ser “líderes” que tomem muito
cuidado, não foi assim que morreu Jesus Cristo? E agora era eu que estava no
“pau da goiaba”.
Após uns dias veio a resposta. Queremos então $ 40.000,00 a vista. Dei risada,
mandei outro recado. Eu não aceitaria, estava muito alto ainda. E o tempo foi
passando, e eu cada vez mais no vermelho, engraçado como a sua “desgraça”
223

corre, sem meu avião que era o meu “ganha pão” um meu vizinho da minha
fazenda no Iriri resolveu invadi-la, imaginando que eu já estava quebrado, e não
era que estava mesmo? E novamente tive que enfrentar este problema sozinho,
até meu irmão que é advogado [justamente o que eu precisava] me abandonou,
e eu que tinha dado a ele 300alqueires desta mesma gleba, para que ele
começasse sua vida no Para. Assim é a vida, irmão.

E o tempo foi passando, [já decorria mais de quarenta dias] menos para mim,
que sofria com a ausência do meu avião, e a coisa para meu lado só “arrochava”,
e eu mantendo a calma, rezando para aqueles malditos índios não danificassem
o avião e resolvessem logo aquela peleja. cada dia que se passava mais difícil
ficava para arrumar dinheiro.

Daí uns dias veio outra proposta,$30.000,00, pensei, se eu vender minha casa
já da para tirar o avião, porem aonde eu ia morar? La no fundo do meu coração
alguma coisa me dizia, calma bicho, estes índios não vão aquentar, são todos
blefados, FUNAI só da uma “balinha doce” de vês em quando, segura nos dez
mil. Pensava eu. Tinha um amigo que estava acompanhando o meu sufoco, que
dizia, não sei como você aquenta, Niltinho, se você quiser eu vou com você
raptar este avião, e começava formar uns planos “mirabolante” como entrar na
aldeia, dar muita pinga misturado com sonífero e de madrugada, decolava e
assim por diante. E eu respondia, para de sonhar bicho, ai sim que vamos
“entornar o caldo” de vez.

Cara tem hora que você tem que ter sangue frio, ter nervos de aço para aquentar
as porradas da vida, parece que ao enfrentar todos os dias estas pistas ruim,
voando pesado demais, chuva demais me tornei uma pessoa com um bom
controle emocional, senão já teria morrido, de tanto sufoco que passei, por isto
que no meu blog aparece “A vida é dura para quem é mole”meu amigo, sem
saber eu já tinha sido preparado para mais essa, graças a Deus a vida na
Amazônia tinha me tornado “duro” como todos nós que habitamos nela. Somos
uma nova raça, forjado no suor e no sofrimento, aqui tudo é difícil até para se
morrer é difícil e nossos governos não enxergam isto, como o Supremo tribunal
federal em Brasília [ caso Roraima ].
Enfim, entrou na jogada um piloto amigo meu de Redenção que queria comprar
o CZC.
-Mais como eu vou vender? Se não é mais meu? É dos índios.
-Eu quero saber se você vende mesmo, e quanto você quer, o resto é comigo.
-Quero $80.000,00.
- Você esta louco? Niltinho, eu dou $60.000,00, e garanto ti ralo de lá, tenho
amigos em Altamira de dentro da Funai. Isto você não tem e para mim é “galho
fraco”. Vou negociar com os índios e passo para você as condições deles, pode
crer que vai sair muito mais barato para você. Aceita? Pensei, é chegado à hora
de eu separar do CZC, não tem outro jeito, que vão os anéis e fiquem os dedos,
nem que eu o compre de volta mais tarde. Esta feito, respondi.

Daí uns dias ele me liga de Altamira,dizendo,fechei em $ 10.000,00 em dinheiro,


mais uma lista de compra equivalendo 500 quilos, topas Niltinho?
224

Esta feito, segunda feira pode passar aqui que o dinheiro estará pronto, traga a
lista da mercadoria que vou providenciar.
No dia marcado ele passou em Tucumã entreguei o dinheiro, fiz as compras e
ele partiu rumo a aldeia, com um mecânico, outro piloto e as mercadorias, o 210
saiu “bufando” da pista.
Não posso negar que estava contente e triste ao mesmo tempo, alegre por ter
posto um fim naquela novela que já durava quase noventa dias, e triste por ter
que me apartar do meu tão querido avião.
Aquela noite eu não dormi, foi uma das noites mais difícil que eu já passei,
imaginem se os índios dessem uma “quiabada” como eu iria aquentar? E tudo
seria possível porque índio não tem palavra mesmo.

Daqui para diante eu vou transcrever o que o piloto me contou.


Chegando na aldeia, trataram logo de abastecer, trocar a bateria, e tratar de sair
logo dali o mais ligeiro possível, como já estava de tarde, não havia tempo a
perder se quisessem chegar a São Felix. Não é que na primeira partida o avião
pegou? E funcionou bonito, tão bonito, que o piloto já decolou para uma pista do
outro lado do rio Xingu, como havia sido combinado, e meu amigo ficou com o
210 para traz acertando com os índios, quase não deram conta de contar dez
mil reais em dinheiro, começavam e paravam, se perdiam na conta e isto
deixando meu amigo irritado, na hora da partida o danado do avião não queria
pegar de nenhuma maneira, ai sim que meu amigo temeu pela sua segurança,
já haviam sequestrado um, não seria difícil sequestrar outro, porem naquele dia
Deus estava de meu lado e o avião pegou e meu amigo saiu de lá rumo a São
Felix, pousaram na boquinha da noite, foram para o hotel e comemoraram o
sucesso do regaste, por minha conta, lógico, parecia um sonho.Diziam eles.
No outro dia passaram por Tucumã, e o encontro com o CZC foi uma das maiores
alegria que DEUS ME DEU, eu o abraçava, beijava, fazia carinho nele como ele
fosse um filho perdido, e ai meus amigos é que eu digo, tem coisas materiais
que tem alma, tem espírito e quando ele é do “bem” ele só trará alegria para seu
dono, porem não duvidem que tem aqueles que é do “mal”, como o avião que
meu irmão comprou. Ha muitos anos atrás eu o conheci quebrado e só o via ele
quebrando, e ate hoje só vive caindo. Quer dizer, ele é do “mal” e que nunca vai
trazer alegria para seu dono, somente tristeza, olha lá, se não matá-lo. Pequei
os documentos do avião e fui para Redenção no CZC, terminar o negocio.
Engraçado, o avião havia ficado todo aquele tempo parado, no meio daquela
aldeia, provavelmente alguém curioso mexendo nele e continuava voando como
não tivesse acontecido nada, achei aquilo muito estranho, era para surgir
algumas “panezinha” afinal aquilo não era normal para mim com muitos anos de
aviação.
Bem, deixemos, isto para lá, que será contada em outra historia estas panes,
que surgiram e vamos terminar esta, pelo motivo de estar se tornando um livro
e na verdade é para ser somente um conto.

Olha só o final desta historia, SE NÃO É INCRIVEL, chegando a Redenção com


o avião vendido, só que não era para o piloto meu amigo e sim para outra pessoa,
225

e eu não concordei com as condições de pagamento, o novo proprietário mudou


as condições e o negocio gorou, paguei todas as despesas que haviam feito e
sai de lá como proprietário mais uma vez do tão querido CZC.
E assim salvei o CZC, das mãos daqueles tamanduás e paz voltou a reinar no
reino do Niltinho piloto e continuamos felizes, a voar juntos novamente.
226

O sobrevivente
Inúmeras vezes, eu e o CZC contribuímos para salvar muitas vidas humanas!
Sem dúvida a aviação de pequeno porte foi a que mais contribuiu para isto,
merecendo uma pagina especial, se um dia for contado à verdadeira historia da
Amazônia pois, sem ela, muita gente teria morrido e não teria sido possível
atingirmos o vertiginoso progresso da região do sul do estado do Pará de nossos
dias, principalmente em razão de suas características regionais típicas, que
tornava difícil seus acessos!
Como exemplo, cito a mata virgem, o relevo, o solo e as chuvas que,
eventualmente, chegam a atingir 3000 milímetros anuais, faziam muitas vezes,
um inverno se emendar com outro!
Era curioso observar a diferença quando cruzávamos o rio Araguaia rumo a
Goiânia, pois ocorria grande e surpreendente diferença na vegetação, deixando-
me a pensar: - onde é que existe uma região igual a esta? Para plantar, para
criar? Meu Deus dos céus, em minhas andanças pelo Brasil afora, confesso,
nunca vi igual, nem mesmo nas melhores regiões dos Estados Unidos, por onde
andei e agora ela se revela como a mais rica do Brasil em minérios!
Aí vem o Lula e decreta, como reserva, quase 5000000 milhões de hectares,
justamente sobre a maior reserva mineral do planeta, sem levar em conta o
nosso futuro!
Que venham os investidores, os profissionais liberais, as prostitutas, os blefados,
que aqui eles serão bem recebidos e terão grande chance de ganhar muito e
muito dinheiro, eu prometo!
227

Nem mesmo, o voo que fiz para o Paraguai para salvar meu amigo Altameu (e
não pensem que enchi o avião de “bagulho” na volta, que não foi verdade!), de
complicações causadas por uma injeção mal aplicada por uma enfermeira leiga
de pai e mãe e parteira, (tinha levado um cacete da Polícia Federal!)!
Ou ainda aquele voo de um garimpo em Machadinho do Oeste, Rondônia, onde
fui obrigado a misturar uns gringos com um jovem maleitoso que estava à beira
da morte, infelizmente morreu quando estava na ambulância, chegando a Porto
Velho e na decolagem quase morremos também, devido ao excesso de peso,
tudo isto para tentar salvar aquele “moribundo”!
Ou também aquele caso que contei em outra historia, do rapaz que estava com
hemorragia, e na hora da decolagem sofri um acidente, quando um bezerro
trombou comigo na hora que eu ia levantar voo, e o susto dele foi tão grande
que a hemorragia estancou sozinha!
Nenhuma destas histórias se iguala a esta que eu vou contar agora, pois nela
existe um mistério, talvez um milagre e como diz o ditado: “não acredito em
bruxas, mas que elas existem, existem!”

Deste dia em diante, comecei a acreditar que existe alguma coisa que determina
a hora de nossa morte! Não sei quem ou o que tem o nosso destino em mãos!
Mas que tem alguém, com certeza tem!”
Ele existe, só não sei ainda quem é! Será que é Deus? Ou é o próprio destino
da pessoa que regula tudo?
Os árabes tem uma palavra, MAKTUB (assim está escrito!), que explica tudo
isto! Então, como se explica isto que vou contar agora? Leiam com atenção,
228

devagar, prestem atenção em tudo e depois me digam se não tem alguém ou


algo por traz disto tudo, que diz:
“ – Você não vai morrer!” E você não morre mesmo, pode acontecer de tudo, que
não adianta, você não morre pois este ALGUÉM não deixa, até parece que
alguma coisa de importante esta reservado para aquela pessoa, e isto eu
testemunhei neste dia!

Certo dia, estava descansando de uma semana de voos diretos para uma
madeireira, quando o telefone tocou. Era meu amigo Galvão:
“ - Comandante, tem um voo para Araguaína, amanhã, só que tem que decolar
de madrugada, ainda no escuro, para chegar logo cedo, pois o rapaz está entre
a vida e a morte, a situação é muito crítica. Você vai?

- Vou, porém não posso decolar no escuro, você sabe que não temos iluminação
na pista e além do mais, os faróis do meu avião, estão fracos e não iluminam
nada! O CZC é quase da minha idade!
- Rapaz, a situação é gravíssima, tem que decolar muito cedo, temos dúvida que
ele chegue vivo em Araguaína, pois já veio mal de São Felix e aqui piorou! A
hemorragia não para, ele se encontra em transfusão de sangue
permanentemente, e este é o motivo, Niltinho, pelo qual estamos pedindo para
você decolar logo!
- Vamos fazer o seguinte, amanhã, vou cedo para o aeroporto, como tenho que
abastecer e tirar os bancos, vou enrolar um pouco, e acredito também que eles
não chegarão tão cedo assim! E aí amanhece o dia e decolo numa boa, está
bem assim?
- Está bom então! Levante cedo e não vai mancar não, heim? (Tinha tantos voos
naquela época, que cano era o que mais dávamos!)
- Fique frio, e boa noite!”
Que noite, quando soube quem era o rapaz, e quem era sua família, fiquei triste,
e muito preocupado, imagine você, tinha acabado de comprar uma casa de seu
tio, tinha uma consideração muito grande com aquela família e ainda mais, seu
pai era um dos pastores da Igreja Batista, pessoa das mais queridas de Tucumã,
senhor Nivaldo, passando por uma situação destas, logo com o seu primogênito,
que tristeza meu Deus! Peço a Deus que ilumine nosso voo amanhã, pensei! E
fui rezar antes de dormir, e pedi a proteção divina, sem imaginar o quanto iria
precisar da proteção Dele! Estava longe de saber o que iria acontecer neste voo!
Se soubesse, nunca teria ido!
Pulei da cama ainda no escuro e fui para o aeroporto, pensando que eu seria o
primeiro a chegar mas, qual não foi a minha surpresa quando vi que todos já
estavam me esperando.
“ - Vamos decolar Comandante, e rápido que o rapaz está mal, muito mal
mesmo! Vão com você a enfermeira e o pai, disse o Galvão!”
Chamei o Galvão de lado e disse:
229

“ - Eu falei que no escuro não dá Galvão, não vou decolar numa situação destas,
meu avião não é homologado para voo IFR e muito menos eu! Não vamos
brincar com coisa seria, não vou mesmo e pronto! Meu amigo botou a mão na
cabeça:
“- Vou ajudá-lo a abastecer e, enquanto isto, vai pensando aí.”
Cara, que povo doido pensei com meus botões, vou quebrar a cara se fizer isto,
além do que era uma noite escura. Se pelo menos fosse noite de lua cheia! E
assim, fui até o pai do doente, para tentar explicar os motivos pelos quais
deveríamos esperar o dia amanhecer.
Entretanto, quando chequei perto do rapaz e olhei bem para ele, no fundo de
seus olhos, senti uma coisa estranha, como que um calafrio! Alguma coisa
mexeu comigo, não sabia exatamente o que era mas, senti-me na obrigação de
tirá-lo dali urgente, não importando os motivos que estavam nos atrasando, se
estava escuro ou não, nada mais interessava!
Tinha que decolar, e me veio uma coragem que nunca havia sentido antes! Logo
eu que sempre fui cauteloso, para não dizer medroso, nunca arriscava tanto,
agora estava ali de frente àquela alma, e já havia decidido a partir de qualquer
maneira, meu Deus o que estava acontecendo comigo? Desisti de falar com o
pai do doente e fui logo gritando:
“ - Vamos logo arrumar um carro para ficar no final da pista, e que fique só com
luz baixa e vamos embora!” Tenho dúvidas se, naquele momento, era mesmo
eu que estava falando! De onde teria vindo toda aquela coragem?
Meu amigo Galvão arregalou os olhos:
“- Já vou!” Pegou o carro e se mandou para o final da pista tão rápido, que
parecia que era ele que iria decolar!
Embarcamos primeiro a enfermeira, Dona Conceição (mãe de Bruna, minha
afilhada!), arrumei um banquinho bem atrás, arrumamos o colchão e deitamos
o rapaz, com a cabeça para frente, bem abaixo do manche do copiloto, meio
apertado pois o rapaz era bem alto, muito forte e bonito, porém já se notava que
não estava aguentando mais aquele sofrimento todo!
Embarquei seu pai, que ficou ao lado do filho, tentando acalmá-lo pois sempre
estava se mexendo, dando a impressão que não queria deixar sua alma partir!

Dei partida no CZC, ainda bem que o velho avião necessitava apenas um
toquezinho, liguei a luz do painel e vi o quanto não clareava nada! Avião velho
demais, nunca dei a ele nenhuma mordomia, era só “cacete”! Imaginem só, ano
63, a única coisa bacana é que era tudo original, porém eu nunca voava a noite,
para que preocupar com luz de painel? E além do mais a trepidação das pistas
acabava com tudo! Gritei para o vigia da noite que estava ao lado do avião:
“ – Dê-me sua lanterna!” Grande ideia, irmãos, acreditem, seria a nossa
salvação.
Ele me entregou, sem antes me pedir:
230

“ –Traga-a de volta!

-Fique frio” respondi.


E lá estava eu, checando o avião, quando notei a manete da potência quebrar!
Logo agora, Meu Deus? O que fazer? Irmãos, tive vontade de abortar a
decolagem na última hora mas, como iria voar sem a marcação da potencia?
Como iria ajustar a potencia?

AH, deixa isto pra lá, pensei eu, quantas vezes ouvi meus colegas dizerem:
“ - Comigo, podem tirar todos os instrumentos do avião, que sou capaz se voar!”
diziam os mais doidinhos, especialmente quando tinha algum manicaca por
perto.
E ai veio aquele desafio: se aqueles babacas conseguem voar sem os manetes
eu também consigo! Eles não são melhores do que eu! Vou decolar assim
mesmo e seja o que Deus quiser! E arrochei as “periquitas”!
Irmãos, sai procurando o rumo da luz no final da pista, parecendo uma ema, e
foi aí que vi que a coisa não era bem fácil assim, acreditem era a primeira vez
que estava fazendo um voo noturno, e isto, no aero clube, a gente faz em uma
pista toda balizada com um instrutor ao seu lado, te dando aquela força e eu não,
estava no meu primeiro voo cego, sem nenhuma ajuda, e com aquela confusão
toda, nem o avião ajudava, muito menos a pista, porém, o que eu iria fazer
agora?
Não era mais hora de se lamentar e sim de tratar de voar, não fui eu quem quis
assim, ou foi Deus! Se foi Ele, tinha que me ajudar a sair daquela enroscada!
Consegui decolar, na marra e, quando olho para bussola, não vi nada, pois de
dia já era um sufoco enxergar alguma coisa, há tempos vinha pensando em
mandar limpá-la, pena que só ficou no pensamento, agora o jeito era manter em
linha reta, pois sabia que este era o rumo certo! Havia decolado muitas vezes
para Araguaína, e notava que o rumo coincidia com o eixo da pista.

Lá fui naquele sufoco, porém no fundo estava calmo, sentia aquele algo estranho
que me havia invadido e ainda permanecia, parecia que alguma coisa me guiava
e tranquilizava, dando-me uma certeza de que tudo que estava fazendo era o
correto, afinal estava tentando salvar uma vida, não é isso que é religião prega
e deseja?

De repente escuto um estalo, e fiquei totalmente no escuro,( deu um curto) e aí


a coisa ficou preta mesmo! Gelei mas, voltar? Não dava mais, senti novamente
os cabelos da nuca se arrepiarem e quando acontece isto comigo é porque a
coisa é seria mesmo!
Fiquei com medo, a marcação do GPS foi pro pau, e ai mano só restou a lanterna
que havia emprestado do guarda da noite do aeroporto.
231

Nisto senti a grande preocupação dos meus passageiros, não davam um pio,
porém acho que a vontade deles era de gritar e, eu não podia dar nenhum sinal
de desespero! Tinha que passar confiança, mantendo-me calmo, sem ao menos
alterar o timbre de minha voz! Esta é a hora, irmãos, onde se separa o verdadeiro
piloto do clone, porque não é nada fácil !
Virei para o pai do rapaz, e disse calmamente:

“ - Acenda esta lanterna e me ajude, foque no painel. No painel, gritava! (coitado,


naquele sufoco iria saber o que seria painel?).
- Bem aqui moço!” E tentava mostrar-lhe onde ficava o velocímetro, e o sufoco
só aumentando! Eu notava que aquela ajuda dele, o forçava a tirar atenção ao
filho (e não era isso que ele queria, afinal quem lhe era mais importante?). Que
se danasse o piloto, eu agiria desta mesma forma, sem dúvidas! E o filho que
não parava de se mexer, e de botar sangue pela boca! Ele não sabia se me
ajudava ou ajudava o filho, hoje eu imagino o quanto aqueles momentos foram
difíceis para ele!
A minha sorte, é que não existia mau tempo! Ainda...! Aquela noite deveria ser a
“noite do brigadeiro”, tão bonita que estava.
E o tempo foi passando, olhava para baixo não via nada, pra frente nada
também, de vez em quando entrava numa camada e aí sim, a coisa ficava difícil
para meu amigo e para mim também, pois ele não tinha noção nenhuma de
aviação e não sabia onde era mais importante para mim! Desviava o foco da
lanterna, uma hora era no horizonte outra hora no velocímetro e eu gritando em
sua orelha: “- Pra cá, pra lá”! Cara, que confusão virou!
Ao consertar o meu rumo, avistei Xinguara, e aí então, meu companheiro queria
descer, sugerindo que um carro seria muito mais seguro para eles ou talvez até
mesmo um caminhão:
“ - Comandante, vamos descer aí, por favor!
Havia muita insegurança em seu olhar porém, como iria explicar que seria
impossível fazer aquilo que tanto desejava, que era simplesmente sair daquele
avião! Aquilo já não dava mais segurança para si e para o rapaz, ele tinha que
salvar seu filho, tinha que levá-lo, e não era mais de avião, tinha deixado de ser
seguro e eu compreendia isto muito bem, pois acontece com todos aqueles que
não conhecem nada de aviação, o primeiro desejo é pular, sair daquele negócio
do qual ele não entende nada e está ficando perigoso!
Somente muitos anos mais tarde é que fui compreender que o mais seguro é
ficar dentro do avião e nunca abandoná-lo, ai então, e entendendo sua
preocupação, disse-lhe calmamente:
232

“ - Não se preocupe, companheiro, vou salvar seu filho, ele não vai morrer, disto
tenho certeza, quero apenas que se mantenha calmo e me ajude como você vem
me ajudando até agora!”
Ele olhou-me bem dentro dos olhos e parecendo sentir firmeza em minhas
palavras, se acalmou e prosseguimos nosso voo rumo a Araguaína! Rumo à
esperança!

Até ali fomos até bem, só que com a aproximação do rio Araguaia, foi se
formando uma bruma muito comum na região dos grandes rios e, quando vi,
estava voando por “instrumento”! Baixar o nível de voo jamais, já vi muitos
colegas quebrarem a cara com esse negócio de “ciscar”! Mantive o nível e aí
irmão, vi a coisa feder! Meu ajudante quase louco, não sabia mais onde focar
com a lanterna, tantos eram meus gritos! O gozado era que eu tinha funcionando
os rádios e o GPS, mas luz de painel “néca”!
Virei para ele e disse:
“- Pegue este livro aqui (o Rotaer) e procure a frequência de radio de Araguaína,
e passe para mim!” Meu Deus, quanto falta faz um piloto automático, pensei!

Depois de muita demora ele me passou, e eu sintonizei no ADF.


E o tempo foi passando e nós naquela peleja tinha hora que eu ia recuperar o
avião já quase fazendo um tunôt (rolamento lateral em torno do eixo da
aeronave). E nada da emissora entrar no ar, e eu imaginando: O que estaria
acontecendo, meu Deus, se já havia distancia para que o ADF alcançasse?
(ADF, é um aparelho que indica a direção da estação) e nada de captar a
estação!
Pensei comigo, tem alguma coisa de errado nisto, então:
“ - Senhor Nivaldo, dê-me este livro aqui.”
Vi então, porque que o radio não entrava: ele havia me passado a frequência de
Araguari - Minas Gerais, não tinha nada que ver. Consertei o erro, e aí sim,
Araguaína entrou rachando!
Consertei meu desvio e segui em frente. A sorte me ajudou, pois a bruma não
era tão grande e voltamos a voar visual.
Estávamos quase a cruzar o rio Araguaia quando o dia começou a clarear, irmão,
que alegria sentimos, e acreditem, aquele sol no rosto, nos trouxe uma
confiança, uma esperança tão grande, que, no fundo, pensava, “este aí não
morre mais”!
Nós pilotos, acostumado a transportar doente para Araguaína, sabíamos que se
lá chegasse, o doente estaria a salvo, tamanha nossa confiança na medicina.
Parabéns Araguaína a cidade merece mesmo estar em meus escritos! Quase
saímos aos gritos, agradecendo a Deus por termos conseguido chegar até ali,
cara, que alegria!
Ai, ao dar atenção ao doente, vi aquele sangue, que deixou escapar da sua boca,
no assoalho do avião, e me assustei! Pensei que, não tendo mais pressão
233

arterial, a morte é certa, meu Deus! É triste nadar e morrer na praia! Desta ele
não escapa! Se pudesse, aceleraria o avião, colocando-o a voar a 500 km por
hora, tanto era a vontade de salvar aquele jovem, porém avião não é carro!
Entrei no tráfego e já avistei a ambulância nos esperando lá em baixo, menos
mal, alguém está ajudando este cara! Só pode ser isto pois, toda vez a danada
da ambulância levava um tempão para chegar!

Quando parei o avião junto à ambulância, fui abrir a porta do passageiro e levei
o maior susto de minha vida: o sangue era tanto, que quando não tinha mais
para aonde escorrer, começou a vazar pela porta e, acreditem, formou uma faixa
de sangue que começava da porta e ia acabar no final do avião, justamente
naquele cone que existe na cauda do avião (quem é piloto sabe bem aonde é)
e não era uma faixa pequena não, pois começava bem larga e ia estreitando até
o final do avião! Gastei um tempão danado para limpar aquela sujeira,
juntamente com a enfermeira!
Ajudei a transportá-lo para ambulância e observei seu rosto, todo branco,
respiração difícil, inerte, nem se debatia mais, muito diferente de quando o
peguei no aeroporto! Abaixei a cabeça e concluí que já estava quase morto!
Coitado do pastor Nivaldo, lamentei, com profundidade!
Abasteci o avião, tomamos um café na lanchonete, e voltamos para Tucumã! Eu
e a enfermeira.
“ – Diga-me Conceição, será que ele sobrevive?

- Niltinho, acho muito difícil, casos como este, somente um milagre!”


É, e acho então que vai acontecer um! Tudo foi muito estranho esta noite para
mim.
Estava sentindo paz, não somente uma paz, mas um sentimento de dever
cumprido! Tinha impressão que estava em uma corrida de revezamento e tinha
feito a parte com louvor, e restava-me apenas aguardar, que alguém mais iria
fazer cumprir a tarefa afinal, tinha feito tudo aquilo que as regras de voo proíbem,
tinha infringido a lei da aviação, e caso fosse denunciado, talvez pudesse ter
perdido minha licença para voar e, engraçado, não estava nem aí, afinal estava
participando de uma corrida entre a vida e a morte e isto me deixava feliz!
Deixei de pensar no rapaz e fui prestar atenção no voo. Após uma hora e meia
chegamos a Tucumã, e fui para casa descansar e tentar dormir!
Vocês agora devem estar pensando, afinal o rapaz morreu ou não, como é fica
o final da historia?
Daqui por diante, vou narrar o que o pai do rapaz, muito tempo depois, me
contou.

“- Senhor Niltinho, o difícil foi em Araguaína”. Fomos para o hospital e nada do


menino melhorar, trouxeram até umas plaquetas de sangue, e eu só ouvia gente
dizer:
234

“ - Ele vai morrer, ele vai morrer!” E me apeguei em Deus, e resolvi levá-lo para
Goiânia.
Só que aí não seria possível um avião pequeno como o seu, teria que ser
daqueles que tem um hospital dentro dele, senhor Niltinho só que, quando vi o
preço do voo, quase caí de costas! Resolvi então, que iria salvar meu filho de
qualquer maneira e não seria por causa de dinheiro que ele iria morrer! Mandei
vir o avião, e a conta foi subindo!
Embarcamos, e muita gente não acreditava em mais nada, só se pensava que
ele não iria aguentar chegar em Goiânia, e olha seu Niltinho, quase não chegou!
Esteve morto em várias ocasiões e, se não fosse pelos médicos, e a cima de
tudo Deus, teria morrido!

Em Goiânia, enfrentou semanas de UTI, até que um dia, acendeu uma pequena
luz no fim do túnel, que foi aumentando, até acender a esperança de voltar a ver
nosso filho com vida, e a vida dele voltou, que alegria senhor Niltinho! Foi a maior
graça que Deus me concedeu!
Hoje você não o conhece mais, está um lindo rapaz!

“ – Desculpe-me perguntar mas, quanto custou todo o tratamento?


- Mais de cem mil reais!”
Credo pensei, o que dinheiro e fé não fazem?
E pensar o quanto está longe a nossa medicina pública, fico com pena dos
muitos que levei para Araguaína, que não tiveram como seguir em frente, na
busca de um socorro melhor, porque o Estado não paga, e acabam morrendo,
ficando no meio da estrada! É lamentável, irmão!
Aí eu digo, era para este jovem morrer? Acho que não. Acredito que o destino
reserva a ele, um brilhante futuro, vocês ainda vão ouvir falar dele, sem dúvida
nenhuma!
MAKTUB !
235

A caranguejeira

Já vi muitos casos de pilotos que se envolveram com animais selvagens e,


alguns, resultaram em morte, como aquele que foi socorrer um colega que havia
caído na mata e, acompanhando pelo rádio, e sentindo a agonia do acidentado,
tratou de tranquilizá-lo, prometendo pousar em uma pista de uma fazenda que
existia nas proximidades e que voltaria a pé pela mata com materiais de
primeiros socorros para ajudá-lo!

Este, foi encontrado tempos depois, morto e com partes do corpo devorado por
uma onça! Havia se antecipado e entrou na mata sozinho e pagou o duro preço
pela inexperiência!
Outros pilotos, levaram apenas sustos, como foram os casos comigo ocorridos!
Conheci o Dimas, residente em Imperatriz, grande fazendeiro e madeireiro no
Pará, quando ele veio a Ourilândia do Norte para comprar a fazenda Campos
Altos.
Ele possuía um bimotor quenão pousava na pista da fazenda, em razão dela ser
curta e com solo muito irregular! Aí então ele me contratava para levá-lo no meu
236

CZC que, para aquelas condições de pista, não resultaria em nenhum problema,
apenas uns solavancos na hora do pouso e nada mais!

Esta fazenda, possuía dois mil alqueires, com mil alqueires de pasto, onde se
encontravam mais de quatro mil cabeças de gado, já com área de 50%
desmatada, (o permitido, na época!), e os restantes 50% de reserva, havia sido
toda invadida e desapropriada, por ter sido considerada improdutiva !?
(imaginem, com tanto gado!), pelo INCRA , que permitiu, ilegalmente, o
desmatamento de toda a reserva legal pelos assentados, nada fazendo para
manter a reserva, conforme a lei! E aí pergunto: a lei não é para todos? Porque
somente os fazendeiros têm que manter suas reservas e os assentados do
INCRA não? Que bela justiça é esta do Governo, vocês não acham? Hoje estas
terras estão sendo adquiridas pela Vale, a preços bem valorizados, em razão de
ali existir grande quantidade de níquel!
Daí por diante, a amizade com Dimas foi crescendo, até que um dia, ele
convidou-me para dar assistência, com meu avião, a seu projeto madeireiro na
beira do rio Pacajá, a cerca de trinta minutos de voo da cidade de Portel! A base
de seu projeto ficava na cidade do Repartimento, na beira da Transamazônica
onde ele tinha uma grande serraria, além de uma outra em Belém!. Respondi
que ia pensar no assunto.
Certa ocasião, quando a Polícia Federal invadiu a Fazenda Paraná, devido a
uma denuncia qualquer, e desceu o “cacete” no Altameu, gerente da Fazenda,
(que acabou ficando aleijando, mais tarde tive que levá-lo deitado no assoalho
do CZC para o Paraguai, mas isto é outra historia!), e colocou os garimpeiros a
correr pela mata, o clima estava tenso em Tucumã!
A PF tinha uma lista de amigos meus, todos garimpeiros, que haviam fugido do
garimpo na hora da correria, que se embrearam pela mata, aparecendo, tempos
depois em Tucumã, estropiados, cansados e famintos!

A carreira foi tão grande, que teve gente que nem olhava para trás de tanto medo!
Bateram em muita gente e quebraram o pobre do “Paraguai”. Dentre os que
fugiram, estava o “Cheiro Branco”, (porque existia o Cheiro Preto, outro
valentão!), “cabra” bom de briga respeitado lá pelas bandas do Iriri (Terra do
Meio!)!

E eu tinha a exata consciência que por mais aqueles homens fossem rudes, que
ali estavam apenas para tentar fazer um “ourinho”, para sobreviver, e aquele
237

estado de valentia, foi por causa do meio em que viviam, ambiente duro, difícil,
onde somente os mais forte sobreviviam!
Tudo isto por culpa do Estado que não fazia a sua parte. Não eram bandidos,
como a PF os via, eu convivia diariamente com uma porção deles, fazíamos
negócios e nunca fui passado para trás ou ameaçado de morte por uma conta
não paga!

Só tinha duas coisas que, caso você fizesse , poderia encomendar o caixão e
acender a vela, pois a encrenca estaria formada: uma era levar um tapa na cara,
e outra era mexer com a mulher alheia! Isto, meus caros, era caixão na certa,
não tinha perdão!
Portanto, não via crime nenhum em ajudar estas pessoas, e naquele momento,
meu amigo já estava encurralado no aeroporto, PF por todos os lados, e somente
eu e o CZC, para ajudá-lo, saindo voando! Só tinha esta saída, o cerco já estava
pronto, era só o rato cair na ratoeira. Eu teria que encontrar uma maneira de
colocá-lo dentro do avião, sem que ninguém visse!
Chamei o Piloto Espanha, mandei-o abastecer o avião e fingir que estaria
partindo para mais um voo para o garimpo, e que não desse mancada!
Que fosse para a cabeceira da pista, e que encostasse a porta bem próximo do
capim que existia por lá, que o passageiro estaria ali aguardando, era só manter
a porta aberta e nada mais!
Orientei então o Cheiro, para que rastejasse naquele capinzeiro tão comum nas
laterais das nossas pista, e que fosse para a cabeceira, aguardando o avião!
Quando o piloto fosse checar os magnetos, a porta estaria aberta, era só ele
pular para dentro e manter-se deitado!
E isto foi feito! Fiquei conversando com alguns policiais, e assim conseguimos
dar um “olé” neles! O coitado do Cheiro, acabou tirando umas férias do Pará, por
longo tempo!

Com todo este sufoco, tínhamos que enfrentar além da concorrência entre os
pilotos para voar, pistas cavernosas e assim, a corda arrebentava sempre para
o meu lado, pois nunca fui tão ousado como os demais, e com isto eu só “rapava
o tacho”!
Quando eu voava trinta horas por mês, os outros já tinham passado das
cinquenta! Cara, estava louco para encontrar um local mais “light”, onde não
fosse necessário ficar trombando com meus colegas pois aquilo me deixava
contrariado!
Acabou que, quando o Dimas me fez o convite para voar no Repartimento, para
dar assistência para suas empresas à beira do rio Pacajá, topei logo! Seriam
umas férias para mim e estaria garantindo o IAM (Inspeção Anual de
Manutenção!) do CZC! Só que não tinha a menor ideia do que iria acontecer
comigo, no meio da floresta!
Despedi-me da família e decolei rumo à Transamazônica, notando que, na rota,
passaria perto da Fazenda Paraná! Aqui na Amazônia era necessário você
238

conhecer muito bem a localização de pistas de pouso (para casos de


emergência) de tão poucas existentes!
Notei também que, por ali, “ciscar” (voar baixo) nem pensar, o mínimo teria que
ser quatro mil pés, dado às muitas montanhas existentes na rota, certamente as
maiores formações da serra dos Carajás e onde está localizada a gigantesca
mina de ferro e ouro da Vale! Só mesmo sobrevoando para se ter uma noção de
sua grandeza! Graças a Deus foi privatizada!
Após cruzar estas formações, o relevo começa a mudar rapidamente, pode-se
ver observando o Horizonte Artificial que, quanto mais se aproxima o rio
Amazonas, rumo norte, mais a topografia vai abaixando!
Quando pousei na pista do Dimas na serraria, localizada emcima de um morro,
o Altímetro já marcava 500 pés e Tucumã está a 1000pés de altitude! Notei
também, que as terras iam ficando com menor fertilidade. Para mim existe uma
correlação entre fertilidade do solo e altitude pois, por onde passei na Amazônia
a região que estava numa altitude maior era sempre mais fértil que aquelas que
estavam em altitudes baixas e, abaixo dos 500 pés, a terra vai ficando bem fraca,
muda até a qualidade das madeiras, a ponto de não se encontrar uma arvore de
mogno sequer!
Já sobrevoando a pista para pouso que ficava ao lado da serraria, vi o tamanho
da cidadezinha do Repartimento, como quase todas da Amazônia, pequena,
suja, imunda, pobre e feia, resultado da incompetência e gatunagem dos
políticos, aliada a tolerância dos habitantes, que só sabem dizer AMÉM! Ali
cruzava a estrada que vai para Tucuruí e para a Transamazônica!
Pude observar também, a potência financeira de meu amigo. Tinha até uma
fábrica de compensados. Um monstro de serraria! Na realidade o Dimas sempre
foi uma pessoa que me surpreendia. Para começar, nunca falava de seus bens!
Como todo mineiro, era desconfiado, reservado, porem um homem honesto,
“ganhador” de dinheiro, companheiro leal como aquele, nunca vi! Hoje, devido
ao rumo de nossas vidas, não o tenho encontrado mais e isto me deixa com
muitas saudades!
Ele estava me esperando na casa sede, ansioso para irmos logo conhecer a
região de extração da madeira, era ali que estava plantado o seu milhão de
dólares, há cerca de uma hora de voo dali, “socada“ no meio da mata, de onde
só se saia de barco ou de avião, e também onde eu iria passar a maior parte de
meu tempo.
“ - Como foi o voo, comandante?
- Bom Dimas, havia passado por aqui há muitos anos atrás, quando vim correndo
do blefo de Roraima, quando o Collor assinou o decreto da “pequena” reserva
dos Ianomâmis, com mais de oito milhões de hectares, e com isto fomos
expulsos de lá! Mudou pouca coisa!
- Vamos então instalar os rádios que você pediu para comprar, um aqui na
serraria e o outro lá na mata, e após o almoço vamos partir!”
239

Bom, pensei comigo, bom começo, afinal o meu negócio era voar, ainda mais
por região onde nunca havia passado, isto para mim era uma satisfação muito
grande, conhecer novos locais sempre foi uma das minhas maiores alegrias!
Hoje me contento apenas em escrever estas historias, relembrando os bons
momentos vividos, e fico surpreso de ver como os encontro, no fundo da
memória, passando-os para o papel, com a maior facilidade!

A mesa do meu amigo era farta e, logo após o almoço, deu-me aquela vontade
de dormir um pouquinho, mas, que nada, o homem tinha uma energia de fazer
inveja, vivia dando ordem para todos os lados, empurrando aquela tremenda
máquina de fazer dinheiro que tinha (a serraria) onde, acho que se serrava mais
de cinquenta mil metros cúbicos por ano!

Armamos a antena do rádio na serraria, e partimos para instalar o outro na mata,


combinando , antes, os horários de ligá-los!
Quando decolamos, verifiquei que não havia necessidade de ganhar altura, pois
a pista estava mesmo muito acima do relevo da região e não havia serra! Era só
manter aquela altitude que chegaríamos ao nosso destino tranquilamente!

Era bom de se ter estes conhecimentos pois, em tempos de chuvas, quando o


tempo fecha ou quando a mata solta aquela bruma que esconde tudo, torna-se
obrigatório voar por instrumento, e conhecendo previamente o relevo, facilita-se
tanto o voo em si, quanto o pouso!
A mata se estendia por todo o horizonte, parecendo um tapete persa, era uma
maravilha, fico pensando hoje qual seria a melhor forma de conviver com ela,
sem agredi-la tanto!
Este é o maior problema que vamos enfrentar e, até agora, não vejo nenhuma
opinião coerente para atender as especificidades de nossas matas!
Uns são da opinião de não se tocar em nada e outros, são partidários de derrubá-
la, como os americanos fizeram com suas matas. Eu, ficaria no meio termo, acho
que seria o mais sensato!
“ - Niltinho, vou te mostrar as pistas próximas da “esplanada” (local aonde se
colocam as toras para serem embarcadas que, naquele caso, ficava na beira do
rio), e você vê onde fica melhor deixar o avião!
- Tudo bem, Dimas! Acho que quanto mais próximos da esplanada, melhor para
todos!
- É que, a mais próxima, encontra-se em um retiro abandonado da fazenda da
Cikel (grande exportadora de madeira) e não sei se seria perigoso deixar o avião
desprotegido !
- Ah Dimas isto não tem problema, já estou acostumado, e além do mais, quem
vai querer um avião velho igual ao meu? Tudo nele já esta beirando aos trinta
anos! Somente os bichos da floresta, respondi, sem saber o que estava dizendo!
Desci na pista combinada e pude observar que o movimento de extração de
madeira e beneficiamento era fabuloso! Dali saiam milhares de metros cúbicos
prontos, com destino ao porto de Belém e daí para o mundo afora. E não existia
240

apenas esta empresa, eram muitas as madeireiras vivendo na beira dos rios e
na floresta e, no entanto, não se via nenhum sinal de depredação, principalmente
para quem, como eu, já acostumado a ver o mundo lá de cima!
Observei que existia uma maneira totalmente errada de se ver o trabalho dos
madeireiros, sendo comum se imaginar, que é o “vilão da Amazônia”, retirando
da floresta, todas as árvores sem distinção e não é assim, doce engano pois só
retira mesmo, as arvores que atingiram o tamanho ideal para o corte, deixando
as demais para trás as de menor tamanho!
Até as estradas que eram feitas, para a retirada das toras, após o terceiro ano
desaparecia por completo, não deixando nenhum sinal que por ali passou um
madeireiro! Não se via nem vestígio mais. Duvido que exista alguém que voe
sobre uma floresta e diga se ela foi explorada ou não!
Eu acho que o IBAMA devia rever estes conceitos e deixarem os madeireiros em
paz!
Terminada a visita na Cikel, fui conhecer a pista que utilizaria pelos próximos
dois anos e, de fato, era bem próximo, porém muito mal cuidada, cheia de mato!
Era comprida e tinha até um velho hangar que acabei não utilizando, com receio
dele cair no CZC e acabar com a minha alegria!
Era situada do outro lado do Rio Pacajá que, já inchado por vários outros rios de
menor porte, era bem largo e já ia mostrando a sua importância como um dos
afluentes do Rio Amazonas, após atingir a cidade de Portel! Esta travessia num
dia de chuva com vento me assustava, de tantas ondas bem grandes que se
formavam, mas não existia opção melhor!
Fui conhecer também onde iria dormir nas noites que passaria no meio da
floresta, um “barraco” feito de pau a pique coberto de palha de babaçu, com as
travessa para você armar a sua rede e foi aí que fiquei conhecendo o Darci, o
homem de confiança do Dimas, com seus dois filhos saindo da adolescência!

Fiquei com pena daqueles dois, que teriam melhores chances na vida, caso
estivessem sentados num banco escolar, se preparando para um futuro melhor,
e não ali, dando duro para ajudarem seu pai a ganhar uns trocados! É uma pena
que existam milhares de jovens da Amazônia iguais e trilhando o mesmo
caminho!
O Dimas tinha ali uma estrutura pronta, tanto em máquinas para extração da
madeira, como de caminhões para transportar as toras até a beira do rio, como
uma enorme balsa para o transporte das toras para a serraria de Belém!
Sua produção girava em torno de trinta mil metros cúbicos de madeira de varias
espécies, as mais nobres e de primeira eram serradas em Belém e exportadas
para todo o mundo. As de qualidade inferior, destinadas ao mercado interno,
para uso em construções, e o resto, a serem utilizados nas fábricas de
compensados.
Nada se perdia e os impostos eram pagos religiosamente! E assim começou a
minha vida de “piloto madeireiro”! Já não era mais “piloto garimpeiro”! Por dois
anos a fio!
241

Minha vida compreendia em voar para a extração, levando materiais, ranchos,


ferramentas etc., só retornando, quando fosse necessário ir à cidade! Isto, para
não gerar voos desnecessários, e com os rádios dando cobertura eu acabava
voando pouco, o que não era ruim, em razão da combinação que fiz com o Dimas
mas, o avião, acabava abandonado na pista, sujeito a alguém mexer, ou algum
animal fazer dele sua casa!

Em Tucumã constantemente os passarinhos entravam no capô e faziam ninhos!


Até dentro do escapamento já encontrei ninho e, se demorasse a retirar,
teríamos um bando de filhotes morando dentro do motor! Seria uma graça ajudar
a natureza desta forma, mas nunca poderia imaginar que a coisa pudesse passar
disto, que a minha vida poderia correr algum risco, por causa de um animal
qualquer! Como eu estava enganado!
Numa das minhas idas para Tucumã, a fim de fazer a manutenção do CZC com
meu querido amigo Batatinha, (pois as anuais eu fazia com o Iron e o Baiano em
Goiânia), acabei trazendo minha esposa Domingas e o Paulinho meu filho, que
estava com três anos de idade

Sempre dizia para Domingas que outro filho jamais! Bastava o Paulinho, já
estava velho demais para criar filhos novamente! Basta aqueles que tinha com
a minha primeira esposa.
“ - Então, não se esqueça do anticoncepcional que, por falar, já está prestes a
terminar! Trate de comprar outra caixa. respondeu ela, sorrindo, senão não terá
a sua “raçãozinha”!
Fico imaginando como eu era apaixonado por aquelamulher, quando a conheci,
ela tinha apenas quinze anos e eu cinquenta, e tudo começou com uma
brincadeira! Estava atravessando uma faze muito difícil na vida, era “blefo atrás
de blefo” e mesmo assim ela veio morar comigo, no fundo de uma loja onde eu
tinha uma agência de voo, e até hoje ela me acompanha!

Na viagem de volta para o Repartimento, disse ao Darci que não haveria


necessidade de acompanhar-me até o avião pois voltaria sozinho e não tinha
nada para levar portanto ele poderia voltar logo dali da barranca do rio, ao que
me agradeceu pois era uma homem muito ocupado!
Chegando ao avião, tratei logo de observar se tinha alguma coisa estranha, pois
costumava toda vez que ia voar, fazer uma boa inspeção em torno dele, como
meu instrutor Dr. Ulisses ensinou! Não achando nada de estranho, desamarrei
as cordas, verifiquei o óleo, drenei os tanques e o carburador e, entrando na
aeronave, dei partida e fui esquentando o motor enquanto taxiava para a
cabeceira da pista!

Chequei novamente, observando que um magneto caia mais de duzentas RPMs,


puxei a mistura e deixei-o funcionar naquele magneto por um minuto, até que
voltasse ao normal e logo em seguida decolei!
Senti, imediatamente, que o avião não estava normal pois havia a necessidade
de compensar no estabilizador horizontal, aquele peso que eu sentia do lado
direito do avião, que não era normal!
242

Achei estranho porém resolvi tocar para frente afinal o resto estava tudo normal,
pressão, temperatura, enfim, eu não era de assustar por pouca coisa: quando a
temperatura e a pressão eram normais, não adiantava apavorar! Não era
mecânico mesmo!
O dia estava lindo para voar, sozinho no meio daquela floresta onde havia uma
tremenda atividade madeireira, e eu não conseguia detectar nada,

Ficava a pensar como a falta de conhecimento deste povo do sul, que condena
a atividade de exploração da floresta, sem morar na Amazônia, sem conhecer
suas nuances e mesmo assim se dão ao direito, talvez por serem brasileiros, de
condenar a atividade falando um monte de besteiras!
Gostaria que eles abandonassem o ar condicionado e viessem morar em nosso
meio, para depois então saírem dizendo o que é bom e o que é ruim para o povo
da Amazônia! Quanta burrice, meu Deus dos céus!
Cheguei ao Repartimento, já com uma baita saudade da minha “cabritinha”, dei
um rasante e fui logo para o pouso,se tivesse aprendido corretamente, agora era
o momento de fazer um tunôt, para avisá-los de minha chegada, para irem me
buscar no aeroporto.
O pouso foi normal e quando estava chegando na cabeceira da pista onde
estacionava o avião, notei que já estavam me aguardando, só que apontavam
para o trem de pouso do avião! Achei aquilo estranho, e mais estranho ainda,
porque estavam rindo!

Desci e foram logo me perguntando o que é que estava grudado na lamina do


trem de pouso. Levei um susto quando vi que era um baita bicho preguiça!
Cara, ele veio grudado no trem de pouso por uma hora seguida, e acredito que
quanto mais olhava para baixo mais grudava naquele ferro, fico imaginando o
susto que ele levou quando eu decolei e fomos lá para cima, tirando-o de seu
habitat, coitado, acho que pensava: “ Onde é que fui me meter, que arvore que
é esta, tão alta assim e não para de crescer?”
Só restava fechar mais ainda aqueles olhinhos e nada de olhar para baixo. Difícil
foi soltá-lo daquele ferro, quem disse que ele abria os olhos? E os braços?
Estava abraçado de tal maneira, que parecia aqueles abraços que os
garimpeiros davam nas quengas do garimpo de tão apertado que era!
Que sufoco que este pobre animal passou! Foi solto numa mata que existia ali,
próximo à serraria, e não deu tempo nem de dizer adeus, que ele já estava
subindo numa arvore, com uma pressa que nunca vista num bicho daqueles.
Talvez ele estivesse pensando que, com este “pilotinho” não voo mais!
Naquela noite, fui dormir cedo, afinal aqueles dias que havia ficado na mata,
havia me dado uma disposição de leão! Tratei de tomar um bom banho, e não é
que levei um baita susto quando a Domingas me falou:
“ - Hoje não “cabritinho”, você não comprou os comprimidos? Eu te avisei!
- Logo agora é que você vai me avisar Domingas? Isto é sacanagem!
243

- Não é não, eu te avisei, meu bem!

- Domingas, juro que amanhã logo cedo, vou atrás dos “comprimidinhos”,
prometo! E tivemos uma noite maravilhosa! Não existe coisa melhor para um
homem experiente, do que mulher nova, que Viagra que nada, minha gente!
E os voos continuaram! O Darci resolveu fazer uma casa de madeira, para
melhorar a nossa estadia. Naquele rancho, misturado com aquele monte de
peões estava terrível, eu não conseguia dormir direito!
No dia em que ele foi escolher o local da casa, por sinal num local alto e bonito,
eu estava junto. Estranhei o local por ser bem debaixo de uma arvore alta, com
uma sombra agradável sem dúvida, porém arvores isoladas que ficam após
desmatamento, caem muito fácil, acabam perdendo a sustentação por ficarem
sem proteção das outras, e este era o caso.
Chamei a atenção do meu amigo para o risco que iríamos correr pois, meu medo
na Amazônia, sempre foi o tempo e é nas primeiras chuva do começo do inverno
que reside o maior perigo, pois vem acompanhada com forte formação
meteorológica!

Nós, pilotos, tínhamos muito medo destes temporais, desviávamos para bem
longe, pois vem acompanhado de muita chuva e ventos fortes, além de
descargas elétricas (raio)!
Olhava para aquela arvore sozinha sem nenhuma proteção já imaginava a
“bagaceira” que poderia haver, caso se formasse um daqueles por ali.

Insisti muito para que ele afastasse a casa, mas foi em vão pois o teimoso fez a
casa bem debaixo da arvore, dizendo que ali seria o melhor lugar para tomar
chimarrão!
Certo dia eu havia acabado de chegar do Repartimento, o tempo começou a
mudar para chuva, e eram uma seis e meia da tarde quando vi uma camada
baixa, bem baixa mesmo, quase rente ao chão, de nuvens negras, as quais,
numa velocidade impressionante passaram por cima de nós no rumo norte,
voltando a seguir em nossa direção, aí irmãos, tudo aquilo que eu temia, acabou
acontecendo! Desabou um temporal, semelhante aquele que aconteceu em
Tucumã quando desabou a cobertura do posto de gasolina do Célio, os aviões
foram jogados uns em cima dos outros, a porta do meu hangar foi jogado no
chão, quase deixando o CZC no bagaço!
Estava na sala, quando o temporal chegou e tratei de correr para a varanda,
vigiando aquela bendita arvore que se contorcia, gemia, e eu pensei: “vai rachar,
não vai aquentar”!
Não demorou nada para que o previsto acontecesse, rachou e, com um barulho
danado, um pedaço veio em minha direção, e pressentindo que ela ia me atingir
em cheio, corri para fora, com a galhada raspando minhas costas e derrubando
parte da casa! Só me restou ficar no meio do pátio, na escuridão, tomando chuva
nas costas, escutando os gritos do pessoal que havia ficado dentro do que restou
da casa!
244

Quando o vento acalmou, senti coragem de voltar para ver o que havia
acontecido e, graças a Deus, encontrei os todos salvos, muito assustados, no
entanto! E meu amigo disse:
“ - Você tem uma língua, heim Comandante?
- Isto, meu caro amigo, é o meu conhecimento de Meteorologia, adquirido
através depois de muitos anos de sufoco nesta Amazônia, que você não deu à
mínima!
- É, foi mesmo!”
Deixamos aquela tempestade passar e tratamos de dormir, se é que dormimos
naquela noite! Escapei do desastre por pouco!
No outro dia o tempo amanheceu bom e como se diz, depois da tempestade vem
a bonança e é uma verdade, voltei para o Repartimento num dos mais bonitos
dias em que passei por lá!
Ao chegar, tratei de comemorar meu aniversário, convidando a Domingas para
ir tomar um sorvete na pracinha e depois meti a cara na cerveja!
Minha vida continuou naquele ritmo, ia e vinha, sempre carregado, quem nunca
tinha visto avião acostumado a voar em garimpo, se surpreendia de ver o tanto
de peso que eu levava! O avião pegava o mesmo peso que uma camionete!
A turma da extração gostou tanto, que fui convidado a retornar na próxima safra
e aquilo me deixava contente, sabendo que eu e o CZC éramos muito úteis para
aquele povo que passava quase seis meses dentro mata!

Fiquei conhecendo a cidade de Portel e uma cidade da ilha de Marajó, as quais


você só chega ou de barco ou de avião. É triste você ver como vivem isolados
estes nossos irmãos.
Um dia tive que decolar da extração, com um rapaz muito doente, que acomodei
num banquinho (porque banco mesmo, só tinha o do piloto, para sobrar espaço
para a carga!) e ele me disse:

“ – Comandante, você não acha que isto aqui está com mato muito alto? Porque
não manda roçar? É perigoso pois existe muito animal peçonhento no meio
desse mato! Se não arrumar ninguém, eu mesmo faço, quando voltar!
- Obrigado, eu vou mandar fazer isto! De fato, está ficando muito perigoso!”
Funcionei o avião, fomos para a cabeceira da pista, soltei os freios e iniciei a
corrida! Logo atingiu as oitenta milhas, pudera a altitude ali era de apenas de
cem pés, uma maravilha para se pousar curto e decolar em pequeno espaço!
Estava ganhando altura quando, de repente, do meu lado esquerdo surge uma
baita aranha caranguejeira saindo debaixo do suporte da cabina e caminhou por
cima do painel até ficar na minha frente, ai então, ela parou e me encarou!

Moço, quase morri de susto, vendo aquele animal peludo do tamanho de uma
pata de boi, mal intencionado, preparando-se para pular em cima de mim,
245

amarelei, fiquei duro, com meus olhos fixos nela, e tão assustado que capei o
motor e resolvi retornar e pousar! O doente deu um grito:
“ - Ela vai pular em nós, cuidado, afastou o banco e foi lá para trás e tratou de
por a mão na cara, e eu desesperado, não sabendo o que fazer! Não podia soltar
do manche e me afastar dali. Recuei o corpo, para manter distancia e iniciei a
descida sem dar flap sem nada, queria mesmo sair daquela situação!

Não é que ela resolveu voltar para onde havia saído, dando assim tempo para
que eu preparasse o pouso, só que a alegria durou bem pouco pois, quando
começava a arredondar o avião, ela aparece novamente e aí meu amigo, voltou
braba, muito mais feroz! Parou no mesmo local anterior e se levantando nas
patas, quando vi que era enorme, as patas eram tão compridas, fazendo ficar
muito maior que era! Virei para meu companheiro e gritei:
“– Passe-me esta lata de óleo, que está no assoalho do avião!” Minha ideiaera
espremê-la no painel, antes que ela pulasse em mim, imaginem vocês!
Pousando o avião com a mão esquerda, com a direita meti a lata de óleo nela,
tentando esmagá-la, porém não tinha forças para tal e além do mais, tinha que
cuidar de tudo somente com a mão esquerda!
Entrei tão veloz para pouso que, se a pista não fosse comprida teria vazado!
Quando parei, pensei que ia contar com meu amigo para acabar de matar a
arranha mas, que nada, ele abriu a porta e saiu correndo, deixando-me ali,
espremendo aquela aranha até sentir que ela estava morta!

Só me recuperei do susto, após uma meia hora e, antes de decolar novamente,


fiz uma busca completa no interior do avião, procurando eventuais “irmãzinhas”
daquela!
Chegando no Repartimento entrei na cachaça novamente, para comemorar mais
uma vez o meu nascimento e com isto tomei vergonha na cara e mandei roçar
grande parte da pista especialmente ao redor da área onde ficava o avião! Chega
daquela brincadeira com animais. Mantendo a pista limpa, não tive mais
problemas com nossos amigos da floresta, afinal era eu que estava invadindo o
seu território, não é?
Após nove meses estaria nascendo a Ana Luiza, a coisinha mais fofa que Deus
nos deu, e vocês mulheres nunca acreditem quando um velho fala que não serve
mais para nada!. Serve sim, para fazer “encrenca”!
246

Gugu – o Pescador

Certo dia estava sentado na porta de um boteco na beira do Rio Xingu, vendo o
encontro dele com o Rio Fresco, em São Felix do Xingu, quando topei com o
Curiba, antigo piloto da Amazônia, que de velho não tinha nada, estava naquela
idade ideal que é dos trinta aos quarenta anos para que um piloto atinja a sua
melhor performance para ali voar, tão difícil e perigoso era exigindo o máximo de
sensibilidade e aqueles que não a tinham (que é sentir o avião na bunda!), só
viviam quebrando aviões, como por exemplo, o João Cai Cai, que ficou até com
o apelido! Enfim, se o cara não fosse especial, a “lenha” vinha na certa e para o
Curiba, no quesito voar, ele era o campeão! Curiba sempre foi bom, e o é até
hoje!
247

Região do Rio Iriri

“ - Olá Niltinho, estava te procurando, por onde andava?


- Por aí, uai!
- Rapaz, estou com uns conterrâneos seus, doidinhos para comprar uma área
de terra na beira do rio Iriri, e como você é um marreteiro (aqueles que vendem
de tudo), vou indicar você para eles mas olhe lá, quero levar o meu, certo? Não
vai me passar a perna!
-Isto é galho fraco meu amigo, fique tranquilo que você vai molhar o bico no
negocio, fique frio! Até que estamos precisando mesmo, não acha? Faz tempo
que não pego na “oncinha” (nota de cem reais!)!”

Nesta época estávamos passando por um desenvolvimento jamais visto na


região do Iriri, todo mundo querendo comprar terras, era uma loucura, negócios
pipocando para todos os lados!

Até que não voava muito, pois vivia fazendo corretagens e, confesso que se
continuasse daquela maneira, em breve a região estaria toda formada em
pastos, com mais de um milhão de cabeças de gado, isto porque duzentas mil já
estavam por ali!

Pudera, eram terras férteis e além do mais devolutas, e como desde Pedro
Álvares Cabral era assim, nós entramos na dança e o mais engraçado, era que
o Iterpa (Órgão Estadual que dava os títulos de propriedade), exigia que se
248

desmatasse primeiro, uma certa quantidade para que se concedesse o título da


propriedade!

Olha que engraçado, agora estão multando aqueles que desmataram sem
licença, só que a licença eles não concediam, se você não tivesse o título e para
ter o titulo, tinha que desmatar, então entramos naquele círculo vicioso de
desmatar para legalizar, tudo isto impulsionado pelo Estado! Na verdade
ninguém queria desmatar nada, queríamos a existência de regras claras, que
nos dessem uma diretriz de comportamento, diante deste aspecto da
preservação ambiental e da sobrevivência!

Queríamos regras claras e justas, feitas por quem tivesse conhecimento global
do problema, só que não existia nada disso, não existia um órgão governamental
sequer em São Felix do Xingu para nos orientar! Éramos uma boiada sem rumo,
com cada boi indo para onde quisesse, pela ausência do Estado! Claro que isto
ia só dar merda! Então, hoje, não venham culpar aqueles que estavam ali, que
não é justo!

“ - O que estes conterrâneos querem afinal?


- Sei lá, só que cara de fazendeiro eles não tem não, estão mais para turista, um
deles usa umas roupas engraçadas, parecidas com aqueles turistas que vão
para a África, só faltando o rifle e o chifre!
- Deixa comigo, que vamos dar aquela “matadinha” (fazer um bom negócio)!
Paulista é comigo mesmo, eu conheço bem essa raça, pois sou um deles!”

No outro dia lá estava, frente a frente com os dois estranhos, um, de chapéu a
Indiana Jones, alto com uma cara de esperto, com jeito de paulistano que sabe
tudo, conhece tudo e se julga malandro até prova em contrario! Essas pessoas
são difíceis de se tratar, desconfiam até da sombra e já estava sentindo a
dificuldade que teria para empurrar-lhes umas terrinhas!

O pior de tudo, no entanto, era que ele não se cansava de olhar-me de cima para
baixo, analisando-me por completo, fazendo-me encabular! Tinha que ficar
concentrado para não perder o cliente! Era também o mais calado, o outro, mais
falador, era bem mais simpático!

“ - Então vocês estão querendo ver algumas áreas na beira do Rio Iriri? Foi isto
que o Curiba me falou!
- É, queremos voar a região, para conhecer e ver se tem alguma coisa que nos
interesse!
- Tudo bem, podem dizer o tamanho de área que desejam? E para que
finalidade? Assim teria como ajudá-los melhor, afinal tudo ali estava à venda
mesmo!”.

O difícil era saber quem era o dono de fato das áreas, havia muita confusão nas
divisas, tudo era feito na base da valentia, na realidade estávamos sentado em
cima de um barril de pólvora, esta que era a realidade!
249

No entanto, quanto mais conhecesse as intenções deles, mais fácil seria para
atendê-los, só que, quanto mais eu perguntava, mais eles escondiam o objetivo
da compra da área!

Área do Rio Iriri, onde foi construída a Pousada de Pesca do Gugu

Cara, que povo complicado, cheios de segredinhos, bem diferente de nós, que
íamos direto no assunto, pensava eu! Assim vai ser difícil! Quase os entreguei
de volta ao Curiba, pois já estava com vontade de mandá-los à merda! Só que a
vontade de ganhar uma graninha, acabou por acalmar-me!

“ - Senhor Gugu, (era como se chamava o Indiana Jones), o preço da hora de


voo, é de quinhentos reais. Se os senhores comprarem alguma coisa de nós,
não pagam o voo! Se não comprarem nada, pagam o voo, combinado?”

Fazia isto para me livrar daqueles que queriam apenas dar um passeio de avião
às minhas custas! Cano é o que não queria levar mais, pois eram muitos os
malandros que se diziam compradores de terra, mas na realidade, queriam
conhecer a região, geralmente corretores disfarçados de compradores.

“ - Tudo bem comandante, está combinado, partiremos logo pela manhã!


- Ok, respondi!” Só que vi que a coisa não seria fácil, os caras eram muito difíceis!

Conversei com meu amigo Ditão e resolvemos mostrar a área do Aroldo,


justamente na confluência do Rio Iriri com o Rio Bala, uma linda área, e afinal
tinha até um papel, que serviria de escritura! Não era grande coisa, porém a
maioria não tinha nada. A área era de mais ou menos mil e quinhentos alqueires,
250

e talvez eles gostassem, por ser cercada por rio de ambos os lados, uma beleza,
ficando apenas com uma linha seca, sem dúvida daria uma bela fazenda de boi!

No aeroporto, o Indiana deu uma olhada com o rabo dos olhos, como que
querendo ter certeza que aquela coisa voava! Tratei logo de tranquilizá-los,
dizendo que o IAM do avião estava em dia, embarquei meus passageiros, e parti
rumo ao final da estrada que ligava o Rio Xingu com o Rio Iriri, que seria uma
hora e dez de voo!

Esta estrada foi aberta pela Mineração Canopus (mineradora do grupo Rhodia),
há muitos anos atrás, quando extraíam cassiterita (minério utilizado para fazer
estanho) e lá não existia pista de pouso, só servia mesmo, para nós, pilotos de
garimpo, para quem qualquer estrada servia como pista! Quando queríamos ir à
beira do rio para pescar, era lá que pousávamos, portanto já tinha razoável
experiência de pousar ali, para pescar nas barrancas do rio!

Não havia necessidade de se ir longe, pois da barranca mesmo, já se fisgavam


gostosas corvinas e tucunarés! Nunca tinha visto um rio dar tanto peixe como
aquele, e acreditem, talvez fosse, na época, o único rio que conhecia, sem um
único desmatamento nas margens, que contribuísse para torná-lo um rio poluído!
Poucas pessoas tinham conhecimento disto, somente quem o sobrevoou, e isto,
de fato, representava muito poucas pessoas, por ser uma região muito
desabitada!

No inicio do percurso já existiam muitas fazendas de gado, sempre dizia que o


sonho de me tornar fazendeiro, ocorreria ali no Iriri, ou então em nenhum outro
local, tão boa era a terra! Hoje tenho uma propriedade lá e está abandonada!
Não gasto um tostão nela, pois o Ibama não deixa!

Durante o voo, observava que meus passageiros não se entusiasmavam com


aquelas pastagens, somente perguntavam sobre as distancias de um ponto ao
outro, e eu então comecei a me intrigar, afinal o que aqueles homens queriam?
Área para formar uma fazenda que não era, que diabos tinham em suas
mentes?

Longe de imaginar o que havia os atraído para aquela região tão isolada, senti
que, quanto mais embrenhados pelas matas, mais ficavam satisfeitos, e isto me
intrigava ainda mais! Tinha que ser ao contrário, uai!

Existia um programa de televisão naquela época, que eu gostava de assistir aos


domingos! Era sobre pescarias, e o cara que apresentava o programa, usava um
chapéu igual aquele do nosso Indiana, que também tinham o mesmo tamanho!
Será que eu estaria voando com o mesmo personagem?

Olhava para ele e tentava buscar na memória as feições daquele pescador que
apresentava o programa mas, nada, estava difícil demais! Deixa para lá, pensei
eu, estes pescadores nunca compram terra, só gostavam mesmo, era de
encontrar um bom lugar para pescar e nada mais! Seria alguém somente muito
parecido!
251

Passamos pelo povoado da Canopus e pousei por instantes, para que eles
conhecessem o último ponto de apoio, pois dali para frente, só se podia contar
com a sorte e com Deus!

Olharam, olharam, porém não disseram nada! Levantamos voo novamente,


pousando na beira do rio! A descida foi um pouco complicada, quando lhes disse
que iríamos pousar na estrada afinal, não estavam acostumados com estas
presepadas e acabaram por ficar sérios, sem nada falar, certamente com medo!

Talvez tenham pensando que eu era algum maluco, porém não dei muita
atenção no que falavam, afundei o nariz do avião rumo à estrada, e pousei,
deixando os dois com mais medo de mim! Foi aí é que comecei a notar o olhar
de satisfação que fizeram, certamente por estarem à beira do Rio.

Olharam tudo, molharam os pés nas águas barrentas, beberam da sua água,
conversaram com os beiradeiros (populares que habitam as margens dos rios)
que estavam por ali, tiraram muitas fotos, perguntaram se o rio era bom de peixe,
onde seria o melhor ponto para a pesca, quais as iscas que eles usavametc. e
tal.

Fiquei só observando aquele interesse pelo rio e aí começaram a conversar


sobre os lugares por onde haviam pescado e a conversa foi longe! Tratei de
contar também, alguns causos de pescador muito interessantes, que tinham
pescado ali, com a finalidade de animá-los ainda mais.

Percebi que ainda não era aquilo que eles queriam e, quando falei que a área
era mais embaixo, porem, não havia mais estrada, notei grande satisfação do
nosso Indiana Jones, afinal, quanto mais viam floresta mais ficavam
deslumbrados com a beleza do local.

Tem toda a razão, pois o mundo inteiro deseja preservar a Terra do Meio, é muito
bonita sem dúvida nenhuma e a diversidade ali encontrada, de fato impressiona!

Decolamos e voamos rio abaixo, tinha hora que dava rasantes sobre o rio,
mostrando as praias! Às vezes subia, para poderem admirar aquela maravilha
de vida selvagem bem do alto e tinha hora que entrava pelo vale formado pelas
montanhas que existiam em suas margens e saia novamente em cima do rio, e
até eu, que estava tão acostumado com aquilo tudo, fiquei realmente surpreso
com tamanha beleza!

Fomos assim, naquele voo panorâmico, até encontrarmos a barra do Rio Iriri
com o Rio Bala, e ali então, foi o local que mais os agradaram! Subi o Rio Bala
até aonde deveria passar a divisa e voltei margeando o Rio Iriri!

Quando olhei para aqueles dois, notei que a “bola já estava na caçapa”, não
tinha sombra de dúvida, afinal observei que aquela área era perfeita para eles,
realmente tinham gostado muito e, mesmo que não quisessem deixar
transparecer, seus olhinhos os traiam, brilhavam, quebrando assim o gelo inicial,
talvez para não favorecer supervalorização das terras!
252

É sempre assim, quando você entrega a rapadura o outro te lambe, mineiro que
é bom nisso, não dá sorriso sequer, para não deixar o outro lhe dar uma
“ferrada”! Vi então, que não haveria necessidade de mostrar mais nada, era só
acertar com meu amigo, proprietário da área, e tratar de fazer um “over price” e
ir comemorar aquela “matadinha” com meu amigo Ditão e o Curiba.

Pousada de pesca do Gugu, no Rio Iriri

Porém a coisa não foi tão fácil assim como eu pensava, quando eles falaram o
que iriam fazer com a área, tomei um susto, pois queriam montar um hotel para
pescadores de São Paulo, coisa chique, de gringo, e ali estava perfeito, muita
mato, difícil acesso, longe do IBAMA, só se chegava de avião, enfim, ao invés
de ir para a África, que seria mais caro, o turista-pescador viria para o Iriri, onde
teriam a oportunidade de verem muitos animais na floresta| e pescar muitos
peixes! Aquilo seria um verdadeiro paraíso para os milionários do sul! Aproveitei
a oportunidade e perguntei se ele não era o apresentador do programa da
televisão.

“ - Sou eu mesmo!” Que surpresa estar ali com o famoso pescador Gugu!
- Cara, na TV você parece ser tão diferente!
- Como assim? Respondeu curioso!” Quis dizer mais simpático mas não, fiquei
com medo dele se zangar comigo, e mandei uma mentirinha:

“ - Mais bonito, você até parece um gala de cinema, e olhe que você leva jeito,
brinquei!” Ele não disse nada, somente sorriu.
253

Vocês nem imaginem o que eu tive de aguentar daquele conterrâneo, para


terminar aquele negócio! O homem foi muito exigente, tinha advogado pelo meio
e quando tem advogado pelo meio a coisa complica, tudo fica mais difícil, e
imaginem terras sem documento?

Foram tantas as exigências que o meu amigo Ditão não aquentou mais e me
disse: “eu não dou conta destes cabras! Como eles são da sua terra mesmo,
você que se arranje, estou fora, senão vou acabar metendo uma bala no “zóio”
deste enjoado!”

E assim foi, demorou mais de noventa dias para bater o martelo, só que quando
acabou aquela novela, que já não aquentava mais, botei um dinheirinho no bolso,
fiz a partilha da comissão e fui festejar com meus amigos, indo depois a Goiânia
gastar um pouco com o CZC !

E aí meus amigos, o “bicho pegou”!

Alguém havia descoberto que o Aroldo tinha vendido aquelas terras, que ele
entendia ser de sua propriedade, (era sempre assim, muitas vezes a venda de
terras acabavam dando tanta confusão e até mortes, que acabávamos
abandonando o negócio) e então partiu para cima de mim, ameaçando-me!

Por mais que eu lhe garantisse que não tinha culpa, que era apenas o corretor,
e que o Aroldo havia mostrado os documentos da área, não adiantou nada, o
cabra contratou um pistoleiro para vir me pegar em Anápolis!

Que sufoco, tive que dar driblar o cara em Anápolis, e acabei partindo para São
Paulo! Quase fui pego, escapei e fiquei em São Paulo, dando um tempo para
que as coisas se ajeitassem e eu pudesse voltar à Tucumã!

Não foi fácil, mas após uma série de reuniões de confraternização, ele se
conformou que a terra era do Aroldo, as coisas entraram nos eixos, e o senhor
Gugu se tornou proprietário do mais lindo hotel pesqueiro do sul do Pará!

Deu muito trabalho para fazer a pista de pouso, o restaurante, os chalés, tudo
transportado de balsa vindo de Altamira na época da cheia. Tratores, patrola,
casas pré-fabricadas de madeira, enfim só mesmo ele para encarar um grande
empreendimento, naquelas situações, eu mesmo achava uma loucura e
pensava: “será que vai dar lucro?”

Ainda fiz alguns voos para ele na época, só que mais tarde ele resolveu transferir
sua base para Itaituba, onde tinha um bimotor que transportava seus hospedes
mais barato e assim, perdi o contato!

Mais tarde fiquei sabendo que o negócio dele ia muito bem, até o Governador do
Estado Dr. Jatene, grande pescador, esteve hospedado em seu hotel e por ironia
do destino, foi este mesmo Governador que poderia ter retirado o hotel da área
da Estação Ecológica criado pelo Lula, como foi feito com outras áreas, e não o
254

fez, o que acabou comprometendo todo aquele investimento, fazendo o coitado


perder o rumo!

Tomaram-lhe todo aquele investimento que fez com suor e amor, para deixar
tudo abandonado, se acabando no tempo!

Nunca me esqueço de sua preocupação de fazer um ambiente em que o homem


pudesse compartilhar, em harmonia com a natureza, sem destruí-la, afinal
temos que aprender a conviver com a natureza. É isto que não aprendemos
ainda. Não devemos ser nem oito e nem oitenta e sim, termos o bom censo de
saber como compartilhar com ela. E assim acabaram matando o grande sonho
daquele “Indiana Jones” paulistano!

Fiquei sabendo depois, que o hotel foi tomado pelo IBAMA e está se acabando,
engolido pela mata, a pista não opera mais, tudo abandonado, que pena, mais
um projeto sucumbido pela ignorância de nossos governos!

E aqui dou um conselho para que todos aqueles que sonham um dia em ser
fazendeiro no Pará, para que escolham outra região, bem longe da Amazônia,
pois não tenho a menor dúvida que a região será ”castrada” como se castra um
boi, sem anestésico!
255

As panes

O título desta história vem da quantidade de panes que o CZC apresentou após
o sequestro aos Apyterewa, por ter ficado abandonado na aldeia por muito
tempo, maltratado por aqueles índios irresponsáveis, mortos de fome, bandidos,
isto porque, somente criminosos é que sequestram a coisas dos outros e exigem
resgate, ”dim dim” (dinheiro) e, o que é pior, com o consentimento da FUNAI!
Para mim, estes indivíduos são bandidos mesmo, com toda a força da palavra,
que me desculpem os que “idolatram” os índios, ou quem leva vantagem com
eles, mas até parece que estão acima da lei, restando somente os brancos, a
obrigação de cumpri-la!
Não sei, até hoje, o que a FUNAI fica fazendo na região afinal, neste país tudo
é diferente! Estamos vivendo em regime que se diz democrata, só que está longe
disto, até parece que estamos inventando um novo regime, que eu mesmo não
sei como devemos chamá-lo!
Talvez tenhamos acabado de inventar o mais novo regime da América Latina, o
“Anarqdemocrático”, que não passa da mistura de tendências tão diversas!
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Onde o dinheiro fala mais alto, a corrupção está presente, de preferência na


esfera política. O povo não tem saúde, a educação é terrível, as estradas
encontram-se abandonadas, a insegurança ameaçando a população e, perdido
mesmo é aquele que não têm o “cascalho” (dinheiro) para escapar das injustiças!
Desculpem-me pelo desabafo, quero ver acontecer com algum de vocês aí, o
que aconteceu comigo! Gostaria de saber o que vocês pensariam do meu ato!

Também quero aproveitar este causo, para passar para os pilotos, tanto os mais
jovens quanto os artigões, que muitas vezes ainda não se satisfizeram do desejo
de voar, e se metem a atitudes das mais absurdas, ignorando todas as formas
de seguranças da aviação, pensando que são suficientemente capazes de tomar
as decisões sozinhas só porque anos atrás tiveram um avião e chegaram a voar,
porém sem a oportunidade de adquirir sólida experiência para, sozinho, tomar
decisões perigosas!
Administrar um avião sem experiência é muito difícil, e ainda mais para aqueles
que só enxergam o sonho de voar! Doce engano, pois à partir daí, começam a
cometer uma porção de irregularidades, infringem as regras de segurança, o
que, para mim, é o que existe de mais importante da aviação!
Como naquele acidente da TAM no aeroporto de Congonhas, onde o Boeing
varou a pista, atravessou a avenida e explodiu no prédio da companhia, matando
todos!
Se fosse julgar aquele acidente, condenaria a TAM na pessoa do Chefe de
Operações, que permitiu a decolagem do avião com pane de reverso! Pane é
pane, a prioridade tem que ser sanar a pane! Se por acaso você se encontra em
local onde não possa sanar a pane, faz um translado apenas com o piloto,
qualquer piloto sabe disto, será que o Chefe de Operações não sabia?
257

Sabia sim senhor, porém os custos seriam altos, então, os passageiros que
pagassem pelo translado, e assim, perante a companhia, ele seria agraciado
com a medalha do “o cara esperto”, (lei de Gerson)!
Só que não ouve o translado e a companhia acabou matando aquelas pessoas,
apenas porque, para ela, os custos são mais importantes do que vidas humanas!
Se pensa assim, então a empresa tem que pagar pelas vidas dos passageiros,
é o que deve ser imposto para a TAM!
Pagar pela irresponsabilidade de seu Chefe de Operações, agravada ainda, por
arriscarem o pouso numa pista curta, molhada, à noite e com muita chuva, e sem
os freios normais! Isto é uma loucura! Até mesmo qualquer piloto de garimpo não
entraria nesta, nem morto!

Agora me respondam: “Isto não ia acabar em problemas?” É fácildeduzir! Neste


caso, você conta apenas com a sorte o que, vamos dizer, representa metade do
risco pois, a outra metade, você já queimou não podendo contar com todo o
reverso operando normalmente.
E sem a sorte para livrar a cara de mais um irresponsável, deu no que deu!
Quando decolávamos para uma pista no garimpo a primeira coisa que
testávamos, ainda na decolagem eram os freios! E na hora do pouso, lá em cima,
testávamos novamente, verificando eventuais falta de óleo na linha ou alguma
bolha de ar, tudo isto de medo dele falhar, pois tínhamos a exata consciência de
que, eram os freios que iriam parar o avião e não o tamanho da pista! Isto não
tínhamos, como não tinha o piloto da TAM! A pista era curta, e o pobre piloto foi
obrigado a pousar naquele aeroporto, e não em outro, logo ali embaixo do seu
nariz, muito maior, mais seguro, e que, neste caso, teria pista de sobra para
ajudar a parar o avião!
Porque ele não alternou para outro aeroporto, sabendo que estava com pane de
um reverso? Para mim, é a companhia que detém o comando das decisões e
não o piloto! Assim sendo, a culpa pelo acidente, deve ser creditado à empresa!
Porém, se o piloto tivesse alternado o aeroporto, seria imediatamente advertido
ou até mesmo mandado para o olho da rua, pois iria causar aumento de custos!
E, pior ainda, todas as ocasiões em que o piloto prioriza os custos, abandona a
segurança e aí meu irmão vai ocorrer aquilo que chamamos de “lenhada”!
Se estivesse no lugar do Comandante da TAM, mandaria a companhia à
“merda”, e alternava para outra pista, salvando minha vida, a de meus tripulantes
e, principalmente a dos passageiros! E dane-se a empresa!
Já ouvi pilotos mais antigos, dizerem que um avião parado por muito tempo,
estraga muito mais do que aquele que está voando, vocês acredita nisto? Não?
Comprem então um avião parado por muito tempo e ponham para voar! Você
vai entrar na maior enroscada da vida, vai morrer de tanto gastar dinheiro, sem
falar das panes, em voo, que vai enfrentar! Não acreditam? Comecem a
acreditar, pois tenho vários exemplos a dar!
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O primeiro deles aconteceu quando um parente, Raul Meireles, comprou um


Skyline que, por estar parado há muito tempo no Hangar de Tupi Paulista, colou
os anéis e teve que abrir o motor!
Comigo, precisamente com o CZC, após ter ficado apenas noventa dias parado,
só deu conta de sair da aldeia e ir para Redenção e voltar para Tucumã, (até
parece que queria sair mesmo da aldeia) até ai ele não apresentou defeito
nenhum mas, logo depois, quase me derrubou apresentando uma série de panes
diferentes!
A primeira ocorreu quando fui fazer um voo para o Iriri e na volta, sei lá porque,
ele começou a ratear, de forma tão violenta, que por várias vezes achei que o
motor iria apagar! Mal dei conta de chegar a Ourilândia, e só fiquei mesmo, muito
assustado, quando meu mecânico “Pistolinha”, após ter drenado os tanques,
mostrou-me a sujeira ali encontrada! Tinha até pedaço de borracha!
Aí pergunto, como isto foi aparecer após ter voado umas quatro horas, porque
esta pane não ocorreu logo que meus amigos deram partida para saírem da
aldeia? Sinceramente não entendi.

Feito esta limpeza nas linhas e nos tanques, achei que seria o suficiente e parti
para outro voo, este mais longe e mais pesado, levando mercadorias para um
pessoal de Goiânia, que estava abrindo uma fazenda quase à beira do Rio Iriri,
na divisa dos índios caiapós!
Gastei uma hora e meia de voo, e na volta a coisa “fedeu”! Após a decolagem, o
CZC começou a ratear de novo, só que agora, estávamos longe demais de
Ourilândia e, imaginando que não ia dar, tratei de pousar na pista do Deputado,
para checar o defeito, e foi aí que notei que o estabilizador estava emperrado e
o avião ficou todo picado!
Foi aquele sufoco para pousar e, como ninguém veio para a pista, e eu ali
sozinho, pensei, não vou ficar aqui nem morto! Só de pensar em ir a São Felix
buscar um mecânico, fiquei tenso! E dinheiro para gastar, se havia gasto uma
fortuna com os índios! É o que sempre digo “blefado não pode ter avião”, é um
perigo!
Mexi no profundor, precisamente na chapinha do estabilizador, deixando no
neutro e achei que estava bom! “Vou-me embora e seja o que Deus quiser, aqui
é que não vou ficar mesmo!” Quanta loucura não é, e ainda me perguntam se
tenho saudade de voar! Eu? Claro que não!”
Decolei, peguei o rumo para São Felix, subindo até chegar nos 5500 pés e nivelei
pensando: “aqui em cima estou mais seguro!” Só que não demorou muito, e o
CZC começou a dar sinais que continuava “doente”, tossia, rateava,
esperneava, mas seguia voando! Este avião era mesmo uma maravilha!
E lá vou naquela peleja, rezando para não aparecer mais nada, quando ouço um
estalo tão grande, que quase coloquei os bofes para fora, e aí irmãos, a coisa
pegou de fato pois, depois do estalo, parou de ratear e deu uma empinada tão
grande, que pensei que íamos fazer um “lupping”!
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Forcei o nariz para baixo, usando toda a minha força, não deixando que
completasse a volta e, tentei fazê-lo voar na horizontal, imaginando logo, que o
cabo do estabilizador havia se rompido e travado o estabilizador!
Lembrei-me então, de um velho piloto, de nome Evercindo Barros, que contava
que, uma vez, vindo de Altamira para Goiânia, o avião queria apagar, e ele então,
deu um tapa no painel e disse:

“ - Olha aqui “seu cabritinho” Se você cair aqui eu vou te abandonar, e não pense
que eu volto para buscá-lo!” Aí então, o avião voltou a voar bem novamente.
“Sabe como é senhor Gim, tem hora que o piloto tem que conversar com o seu
avião!” Disse para meu pai.
E agora tinha chegado a minha vez. Só que eu não sabia como conversar, só
me restava rezar e foi o que fiz. Rezei para que tivesse calma e que tivesse
forças para aguentar o voo até São Felix, distante cerca de quarenta minutos!
Nestas horas, nas quais você está sozinho, passando por toda aquela agonia,
vêm à mente, a lembrança de muitas coisas boas e ruins que você passou, vem
a lembrança de sua mãe primeiro, depois de seu pai, enfim, você quer ouvir a
voz de um semelhante pois, penso eu, na hora da morte, ninguém quer ficar
sozinho, nem eu!
Naquele momento sentia-me bem sozinho, e acho que, se tivesse alguém
comigo, seria mais fácil mas como eu estava só, me restava ao menos ouvir a
voz de algum colega e foi isto que fiz: abri a fonia, à procura de alguém, e olhem
quem me socorre, o Hélio, piloto muito experiente!
Não menosprezando outros colegas, acredito que ele era o melhor de todos nós,
não somente pela sua capacidade técnica, como também pelo caráter e espírito
de companheirismo que tem em si!
E foi ele que me trouxe calma, confiança, e ficou até o fim de meu voo, dando-
me instruções para que eu pudesse sair daquela enroscada.

“ - Niltinho, onde você está? Dê-me sua posição!


- Hélio, estou perto da fazenda do Deputado, há 30 minutos de São Felix e, dez
minutos após a decolagem, ocorreu pane de alimentação, que por hora
melhorou! O pior é que o cabo do estabilizador quebrou e deixou o avião todo
cabrado e já estou perdendo as forças para mantê-lo na horizontal! É só afrouxar
o manche que ele quer subir! E não sei se vou aguentar por tanto tempo, acho
que vou cair, quero que você me acompanhe até o final, ok?
- Calma Niltinho, você não vai cair não, isto já aconteceu comigo uma vez,
coloque seu joelho entre você e o manche e descanse os braços, revezando,
quando cansar!”

Cara, eu não tinha pensado nisto!


“ - Hélio, obrigado! Melhorou muito!”
E naquele sufoco, olhava para o GPS e via o tanto que faltava, ia batendo o
desespero, e pensava: “Será que chegou minha hora ? Meu Deus!”
260

Avistei uma pista, (da Cebolinha), só que a danada era curta demais, naquelas
condições eu precisava de uma pista bem grande, não saberia dizer como seria
o arredondamento na hora do pouso, teria que ser na pista de São Felix.
De vez em quando meu “anjo da guarda” me chamava:
“ - Como está aí, Niltinho?
- Vai indo Hélio, você já chegou a São Felix?

- Já, vou aguardar sua chegada!”


Cara, vocês não imaginem o quanto aquelas palavras me ajudaram!
Sinceramente estava muito cansado, tanto no físico como na mente, pernas e
braços doloridos, aquela carga estava muito pesada para mim, pois a luta para
me salvar e ao CZC estava sendo grande demais. Meu consolo era que o Hélio
estava ali e se acontecesse alguma coisa, viria tirar-me da mata, situação que
causava-me medo! Medo de cair e desaparecer nas entranhas da floresta!
“Estou salvo”! A alegria foi tanta quando avistei o rio Xingu! Como estava muito
alto, fui reduzindo o motor e com isto, aliviando a pressão que tinha que usar e
com a redução da potencia, dificultava o avião de subir o nariz! Quanto mais
chegava perto da pista, mais reduzia, e assim foi, até que pousei!
Ao abrir a porta, lá estava meu amigo, meu “anjo da guarda”, para me dar um
abraço! Hélio, essa nunca vou esquecer, cara, te devo muito!
E assim meus amigos, resolvi que tinha chegado a hora do CZC ir para o
“Hospital”! Não existe uma coisa que faça tão bem para um avião, como mandá-
lo para uma oficina homologada! Muita gente acha ruim, porque lá você não
manda no avião, e acaba gastando muito! Quem manda é a oficina e quem
controla a oficina é o DAC, e é assim que tem que ser, pois está provado que
manutenção não pode ficar por conta do dono do avião! Avião não é caminhão
que você dá uma “guaribada” qualquer e põe para rodar! Quem faz isto com
avião, acaba pagando preço bem alto!

E após ter feito uma boa Inspeção Anual de Manutenção (IAM), na oficina de
meu amigo Junqueira, na cidade de Marabá, o CZC voltou a ser o que era: UM
BOM AVIÃO!
OBS: Meu amigo e anjo da guarda Hélio, voou por muito tempo na Sete Taxi
Aéreo, justamente num avião hospitalar (salva aéreo), ajudando a salvar muitas
outras vidas!
261

A esperança

Dizem que a esperança é a última que morre e, de fato, tem gente que tem
esperança até demais, e isto é muito bom, nada é capaz de quebrar a confiança
destas pessoas.

Esta história que vou contar é de esperança, esperança de um pai que não
queria acreditar na morte do filho, por mais que todas as chances falassem o
contrario, por mais que mostrassem, não foi o suficiente para ele, que amava
tanto aquele filho, passar a acreditar em sua morte. Afinal ele considerava o seu
filho como o melhor piloto do mundo!
Esta história serve como exemplo de vida, de conduta, enfim acredito que ela vá
servir de reflexão para todos aqueles que perderam as esperanças em alguma
coisa! Vocês vão ver como é necessário acreditar em si próprio e em Deus, e ir
à luta.
Para mim, que também estava perdendo as esperanças, serviu para trazer-me
à realidade e não deixar mais de confiar em Deus. Estava fugindo de mim
mesmo, fugindo da minha família, vivendo sozinho, triste, achando que o mundo
ao meu redor estava desmoronando, se acabando e que não teria saída, e não
acreditava mais que um dia pudesse voltar a ter vida nova, para voltar a sorrir e
ser feliz, que seria o mais importante.
262

Sem dúvidas, o sofrimento daquele pai me mostrou que o meu não era nada,
nem chegava aos pés, da experiência daquele indivíduo, que foi tão fiel os seus
princípios de fé!
Esta historia ocorreu em Roraima, na grande “fofoca” (aglomeração de
garimpeiros) do ouro, vocês que já leram as outras histórias, vão saber o que
significou aquilo tudo para muita gente, e para o próprio estado de Roraima, que
experimentou uma época de desenvolvimento nunca visto em épocas passadas!
E que agora vai amargar um retrocesso, por causa dos entraves econômicos
impostos pelo Supremo Tribunal Federal e pelas famigeradas leis ambientais,
que estão contribuindo para travar o desenvolvimento econômico.
Acreditem vocês que o estado de Roraima hoje só dispõe de 50% de seu
território para sua sobrevivência e, sendo cada proprietário de terra, obrigado a
preservar 80% de sua propriedade, o que sobra?
Todo o resto esta tombado como reservas, e assim estão ficando todos os
estados da Amazônia. Acho necessário alguém pensar nisto, pelo menos para o
futuro de nossa geração.

Tem que haver um meio termo para existir o equilíbrio. Quem irá nos alimentar?
Nosso futuro é viver da cesta básica do Lula? Que maravilha!
A febre do ouro foi tão violenta, que acabou atraindo pilotos de todas as regiões
do Brasil, trazendo até mesmo um jovem piloto do Rio grande do Sul, cujo nome
não me recordo mais, portanto vamos chamá-lo de Gauchinho!

Atraído pela possibilidade de fazer muito ouro e ficar muito rico (e ficava
mesmo!), veio com um avião modelo Carioca, para voar em Boa Vista!
Como já disse anteriormente, o lugar mais difícil do mundo para se voar em
garimpos sem dúvida nenhuma foi em Boa Vista, tudo lá era extremamente
perigoso, as pistas, a altitude, o vento, as distâncias!
Ali era o local que separava os bons dos ruins, estes então, se esborrachavam
já no primeiro pouso, como ocorreu com um velho amigo de Goiânia! Os que
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tinham sorte sobreviviam, os que não tinham, morriam! Não tinha conversa, era
uma peneira: quase todos os dias morriam um ou outro piloto! Quem voou lá e
sobreviveu, pode contar as histórias para seus filhos e dizer que “o papai aqui
era bom no manche”, era “braço”!
Graças a Deus fiquei bem longe de avião naquela época, fui só garimpeiro, e
dos “barrela” (ruim de bateia porque não fazia ouro!), se fosse voar, talvez teria
engrossado a lista dos mortos ou desaparecido!
E pra que voar lá, se tinha meu compadre Odilon, que era “O destemido”? Para
ele, voar era um desafio, achava bom fazer aquilo que ninguém fazia, e foi assim
até encontrar a morte!
Estava voltando do garimpo às margens do rio Urariquera, faltando uma hora de
voo para Boa Vista, quando ouvimos pela fonia, que o Gauchinho não havia
retornado de seu voo, e aquela, era uma notícia que punha toda a galera de
sobreaviso, ninguém queria ouvir esta notícia, que trazia para a realidade as
besteiras que faziam!
Se o Brasil tivesse um DAC que funcionasse como o que existe na América
Norte, nada daquilo estaria acontecendo, e o que é mais engraçado é que todos
decolavam do aeroporto controlado, aonde existia um bando de agentes, porém
ninguém coibia aquelas irregularidades! Só brincavam de fiscalizar e, atitudes
como arrancar os bancos dos passageiros, carregar um Skyline com 600 quilos
ao invés de 340 que seria o seu peso normal e autorizar a sua decolagem!

Tudo isto e mais um punhado de irregularidades, que vieram causar a morte de


muitos amigos meus. Bem deixemos para lá estes comentários que afinal não
resolverão nada! A nossa sina talvez seja de sempre ser uns “foras da lei”!
“ - Quem é este piloto? perguntei para o Odilon, que estava no comando!
- Quem vai saber Niltinho, se tem mais de uns quatrocentos perambulando por
ai?

- Onde fica a pista de onde ele saiu?


- Talvez seja aquela que na divisa da Venezuela, muito para lá da pista do Pau
Grosso!
- Credo, muito longe, não é?
- Mais ou menos uma hora e meia de Boa Vista, Niltinho.

- É, vamos rezar para ele esteja em alguma pista por aí!”


Quando descemos já vimos o zum zum zum do desaparecimento do rapaz, e
parecia que ainda não haviam o localizado, e a movimentação no aeroporto já
havia começado, aquilo parecia que era um rasto de pólvora, afinal quem seria
o próximo?

Fui para casa do Mucuim, meu eterno protetor, e não me saiu da mente aquela
noticia.
264

“ - Não se preocupe Niltinho, deve estar em algum canto sem gasolina, logo irão
achá-lo!
- Tomara Deus!” E fui tratar de dormir. No outro dia dei um passeio pela cidade,
afinal aguentar tanto tempo dentro do rio, não era para qualquer um não, nunca
vi uma vida tão sofrida como aquela, de garimpeiro, dormindo em rede, comendo
mal, cerveja na cantina era o olho da cara!

O negocio mesmo era tomar 51 e olhe lá! Quando se fazia ouro era uma beleza,
mas quando você entrava no blefo (como sempre), ninguém te aquentava, de
tanto enjoamento.
E assim era minha vida, a única coisa boa, era que a úlcera tinha ido sarado, e
tenho até mesmo um conselhinho para dar a todos que adquiriram uma, em
função de desavenças familiares: que vá para um garimpo bem longe como fui,
no fim do mundo e passe por lá uns oito meses sem voltar para casa, que garanto
que voltará curado! Sem dúvida nenhuma, você voltara a ser um novo homem,
como eu voltei!
Após uma semana de descanso, ainda no aeroporto esperando o embarque,
fiquei conhecendo o pai do piloto desaparecido! Era um homem baixo de meia
idade, com aparência de ser simples, que tinha o filho como arrimo da família e
se notava claramente que existia uma grande ligação entre eles.
Conversando, notei que a hipótese dele ter morrido no acidente não passava por
sua mente! Em hipótese nenhuma imaginava seu filho morto e aquilo me deixou
surpreso, ocasião em que tratei de prepará-lo para o pior, pois sabia que um
acidente naquelas condições e naquele lugar, teria uma em mil de encontrá-lo
vivo! O avião estava cheio de mercadorias, e levava ainda o dono do garimpo e
uma cozinheira! Olhem o que me respondeu:
“ - Senhor, não acredito que meu filho tenha morrido porque ele é muito
inteligente, muito esperto e ele deve ter encontrado uma maneira de tapear a
morte! Ele é um caboclo muito esperto, você vai ver que ele vai sair desta com
vida!” Meu Deus, quanta esperança!
Despedi-me desejando muita sorte e voltei para a pista do Mucuim e à vida de
garimpeiro, imaginem vocês como somos versáteis: de comerciante para
fazendeiro, para garageiro, para piloto, para garimpeiro, eita nós, como brasileiro
troca de profissão! É de fazer inveja para qualquer gringo!
Se não fosse esta versatilidade, muita gente já teria dado um tiro na cabeça
afinal, é notório que o que nos quebra, são as mudanças políticas, o governo
está acostumado a tirar a escada, e ficarmos com a broxa na mão.! “Eita
pequeno Brasil bão, sô”!

Passado uma semana, acabei fazendo um ourinho bom, e tratei logo de voltar
para a rua, para gastá-lo como todo garimpeiro que se preze! Ganha e gasta, é
o povo que mais contribui para o consumo, nunca vi uma classe como esta, até
as prostitutas e os bares, ganham com eles.
265

Nunca vou esquecer-me daquelas chamadas pelo radio AM que ouvíamos no


garimpo, tinha umas que devo registrar aqui, para vocês terem uma ideia como
este povo vivia.
“- Aqui vai um recado para a o povo da grota rica, no garimpo do Pau Grosso,
estamos com muita saudade e aguardando a chegada de vocês para realizarmos
aquele show, com direito ao lambe- lambe (até hoje eu não sei dizer o que
significava aquilo, só sei que deixava a garimpeirada “arretada”) quem vos
convida é a “Casa dos Amores” (da “zona” mesmo)!”
Outra mensagem:
“ - Para Robertinho, de Uberaba, da Grota da Madalena, no garimpo do Mucuim,
sua esposa manda disser que, se você não mandar ouro ela vai “liberar” (dar
para outro) e você que não se queixe depois, aguardo, te amo.” Acredito que o
cara ouvindo aquilo, tratava de fazer ouro rapidinho e mandar para a esposa,
que nesta hora já estaria passando um belo par de chifres para sua cabeça.
Quando pousei novamente de retorno no aeroporto de Boa Vista, me deu
curiosidade de saber noticias do gauchinho. Olha quem eu encontro logo no
portão que dava acesso a entrada para o salão, o pai do piloto desaparecido, só
quem agora ele estava bem mais abatido, triste, e veio logo me perguntando:
“ - Tem noticias do meu filho? Seu moço, você viu algum avião derrubado?
- Sinto muito meu velho, não tenho noticia nenhuma! Vamos tomar um café e
conversar mais.” Fomos para lanchonete e voltamos a conversar, afinal estava
curioso por saber noticias dele.
“ - Como estão as buscas? O salva aero ainda está procurando por ele?
- Já procuram bastante e ainda não encontraram nada seu moço, e o meu medo
é que vão parar as buscas!
- Calma meu velho, a coisa não é fácil não, o problema é que ninguém falou com
ele pelo radio, para fornecer alguma pista, é isto que complica as coisas, mais
fique tranquilo que vamos ajudá-lo, tenha calma!”
Eu falava aquilo mais para tranquilizá-lo um pouco, pois na verdade não achava
que o piloto tivesse alguma chance afinal, cair naquela mata, ”babau”, a floresta
engolia tudo! Tem arvores de mais de cinquenta metros de altura o que,na
verdade provocava dois tombos: o primeiro era nas arvores e o segundo no chão!
O piloto Espanha ficou enganchado na copa das arvores e se não tivesse uma
corda, estaria até hoje preso dentro do avião!
Quando fazíamos lançamento de mercadoria para aqueles garimpeiros que
saiam para pesquisar ouro, só os encontrávamos, através de uma fogueira com
muita fumaça, que soltavam de dentro da floresta e mesmo assim, nunca víamos
ninguém, apenas a fumacinha e nada mais!
“ - Moço, vou dizer uma coisa para o senhor, meu coração está me dizendo que
ele não morreu, portanto só saio daqui quando encontrá-lo, não vou parar de
procurar pelo meu filho.” Que tristeza que me deu vendo aquela disposição
daquele pai em não perder as esperanças.
266

Mas ele falou aquilo com tamanha convicção, que deixou-me assustado,
pensando que o velho poderia enlouquecer, se não encontrassem seu filho!
Daquele dia em diante, passei a dar mais atenção para aquele pai, eu achava
aquele gesto sublime demais, era de cortar o coração ouvi-lo falar do seu filho,
como era bom menino, amoroso, companheiro, dava a impressão de que não
era daqueles que só pensam nos pais quando têm uma dor de barriga qualquer
e sim daqueles que amavam o pai e davam valor na sua presença, aquilo me
surpreendia e tinha hora que eu o invejava. A esperança dele em encontrá-lo,
doía em todos nós! Como seria difícil realizar seu sonho!
O tempo foi passando e nada! As buscas cessaram, ele já não tinha mais
dinheiro para pagar hotel e muito menos para comer, e logo uns pilotos levaram-
no para morar com eles e acabaram cuidando dele, dando-lhe comida e levando-
o todos os dias de carona para o aeroporto! De tardezinha, quando chegava o
ultimo avião é que ele voltava para casa, não sem antes perguntar a todos:
“ - Comandante, por acaso você encontrou meu filho?”
E a resposta era sempre a mesma!

“ - Não , não encontrei nada!” Ele abaixava a cabeça e saia triste sem nunca
perder as esperanças.
Parecia aquela história do cachorro que acompanhou seu dono quando ele
embarcou no trem para a guerra para nunca mais voltar e o cachorro ia todo dia
à estação, na hora do trem chegar, com a esperança de receber seu dono e foi
assim até morrer! Essa história parecia que teria o mesmo fim! Acredito que isto
perdurou por mais de quarenta dias, até que um helicóptero vindo de Cachoeira
(cidade na fronteira com a Venezuela) para Boa Vista, passou por cima de um
avião caído na margem de um rio e, como não havia condições de pouso, anotou
sua posição e comunicaram o achado de um avião Carioca!
Aquela notícia acendeu a esperança daquele pai de tal maneira, que já saiu
contando para todos que o avião seria de seu filho, que não tinha dúvidas! Sua
alegria contagiou a todos nós, ele pulava, gritava, já não era mais aquele velho
cansado, abatido, era outro homem! E louco para ir ao helicóptero participar da
busca!
E nós preocupados em não deixá-lo tão esperançoso, afinal poderia não ser ele,
e como iria suportar mais esta dor, se não fosse o seu filho? Aquilo nos
preocupava muito e tentávamos acalmá-lo! Mas o pior, é que havia a
possibilidade de seu coração não aquentar, ao receber uma notícia que não
fosse a que ele esperava!
“ - Calma, meu velho, vamos aguardar, não fique tão confiante, afinal, tem muitos
aviões desaparecidos nesta região, vamos aguardar mais!” dizíamos a ele.
267

Nada disso adiantava, a confiança era tamanha em pensar que seu filho estava
vivo, que não passava em sua cabeça a possibilidade de ele ter morrido na
queda do avião, ou ainda ter sido morto picado por uma cobra, ou ainda comido
por uma onça, como já tinha ocorrido com outros pilotos que haviam caído na
mata, afinal já se tinha passado mais de quarenta dias que estavam
desaparecidos, mas nada disso o fazia perder a esperança!

O avião havia caído em uma área de várzea, bem próxima à margem de um rio,
parecia que o piloto havia feito um pouso intencional pois o avião estava intacto,
não havia quebrado nada, aquilo só poderia ser obra de um bom piloto, um piloto
acostumado em pousar curto, colocando o avião onde quisesse! Talvez fosse
mesmo o avião do filho do “velho”, aquilo era obra de bom piloto, sem duvida, e
para o pai ele era o melhor!
Quando o helicóptero baixou o cabo enviando uma pessoa para examinar o
interior da aeronave, não encontraram ninguém, achando somente um bilhete
informando que todos sobreviveram e, após uns dias aguardando socorro e
como este não havia aparecido, resolveram fazer uma jangada e descer aquele
rio, até encontrarem um maior e assim sucessivamente até achar um “beiradeiro”
(aqueles que vivem as margem dos rios da Amazônia), para que recebessem
assistência! Esta era a única pista dos sobreviventes!
Passaram um radio para Boa Vista informando o ocorrido e que iriam continuar
nas buscas.

Meus amigos, aquilo caiu como uma bomba no meio dos pilotos e sem dúvida a
esperança daquele pai aumentou! Ele não saia mais do aeroporto, nem comia
direito, porém estava alegre, e não deixava de repetir:
“ - Eu não falei? Ele está vivo, está vivo, vivo!” E assim, parecendo um doido,
sumia no meio da multidão! Eu via naquele comportamento, o maior ato de amor
268

por um filho e pensava, como pode um ser humano, passado tanto tempo
acreditando que seu filho estaria vivo, suportar uma decepção, caso não fosse
ele? Amigos, nem queria pensar nesta hipótese!
Deus teria que dar para aquele homem esta graça, e seria um pecado se ele não
recebesse. Vejam então, o que aconteceu:
Sobrevoando aquele riozinho, o helicóptero logo entrou no afluente dele, já um
rio maior, e foram descendo rio abaixo e todo cuidado era pouco, não queriam
passar por eles despercebidos, teriam que achá-los de toda maneira pois o mais
difícil já havia ocorrido, que era a sorte de ter encontrado aquele avião que
ninguém tinha mais esperança de encontrar!
Em dado momento o Gauchinho parou de remar e começou a prestar atenção
no barulho que, ao longe, parecia de uma aeronave! O barulho aumentando cada
vez mais, começou a dar a esperança que aguardava por muito tempo, de ser
resgatado do meio daquela floresta!
O “rancho” (alimentos) que estavam sendo transportados no avião acidentado,
e que agora tinham se acabado, haviam dado a eles um período maior de
sobrevivência, mas já não se aguentavam, estavam todos muito cansados, com
fome, com saudades de todos, enfim, loucos para sair daquela mata, cuja beleza
que não dava mais graça de ver!
Com aquele barulho aumentando cada vez mais ele se levantou, ficando de pé
jangada, dando um grito de alegria quando o helicóptero passou sob sua cabeça!
Gritou tanto, que ficou gravado em sua mente aqueles gritos de esperança, disse
depois, que nunca mais vai dar um grito com tanta emoção!
De alegria, os três se ajoelharam e rezaram, pela graça de enfim serem
encontrados, pela graça de Deus! Alegres também ficaram os pilotos do
helicóptero, quando viram aquelas três pessoas na jangada, sobreviventes,
acenando sem parar e soltando gritos de felicidade!

Enfim a missão havia sido cumprida e com sucesso e aquilo era o que mais os
deixava felizes! Sua recompensa, era de ter salvado mais aquelas vidas, um
orgulho para a corporação!
A chegada a Boa Vista, não preciso nem dizer que foi emocionante, muita gente
aguardando no aeroporto, gente chorando, gente sorrindo e no meio daquela
alegria lá estava ele, o homem que mais caracterizou a esperança, o homem
que em nenhum momento deixou de acreditar em seu filho, o homem que me
ensinou que na vida, nunca devemos perder a fé e a esperança, e se um dia
vocês se encontrarem diante de uma situação difícil como esta, e estiverem
prestes a não acreditar em mais nada, lembrem-se desta história! Se necessário
for, leiam novamente pois muito terá para ajudá-los, não tenho dúvidas!
Tinham marcado um churrasco, logo à tarde, infelizmente eu não poderia ir, e
quando fui me despedir do velho, ele pegou em minha mão e olhou bem dentro
dos meus olhos e disse:
“ - Muito obrigado, por tudo que vocês fizeram por mim, e espero que nunca
venha acontecer com vocês o que aconteceu com meu filho, te cuida!
269

- Obrigado!” respondi.

Ele já ia um pouco distante quando voltou e me encarou, olhou bem fundo nos
meus olhos e disse justamente aquelas palavras que eu havia ouvido um milhão
de vezes:
“- EU NÃO FALEI?”
E assim termino mais esta história, quase chorando em recordar tudo aquilo!
270

A gratidão

Hoje voltei para casa muito triste, pois fui visitar um velho amigo garimpeiro e vi
lágrimas em seus olhos! Começo a pensar o que será dessas pessoas que
passaram a vida inteira embrenhadas pelas matas garimpando em busca de
ouro, e não aprenderam a fazer mais nada!

E quando encontravam o ouro, só serviam para a sobrevivência e acabavam


contribuindo para que muita gente se beneficiasse também! E como era suado
o seu trabalho!

Eu e muitos outros pilotos, só sobrevivemos graças a estes garimpeiros e não


fomos somente nós: toda a sociedade local, desde as prostitutas até os padres
e pastores foram beneficiados e hoje lamento vê-los chorar, sem nenhuma
chance de sobreviverem sozinhos!

Precisam de ajuda e acho que esta, deveria partir de todos aqueles que querem
a preservação de seu habitat. Eu nunca vi ninguém preocupado com o povo que
já morava por aqui, só vejo cobrança e nada mais! Sabem o porquê de minha
preocupação? Porque eles não estão preparados para esta drástica mudança
de vida, e aí culpo o governo, que lamentavelmente abandonou a todos, só
pensando em atender os apelos do mundo.
271

Por que nós brasileiros temos que pagar a conta do desmatamento sozinhos? O
mundo inteiro foi responsável pela maior parte das besteiras em relação à
Amazônia e agora nos exigem, a responsabilidade de salvar o planeta. Esperem
aí, a coisa não deve ser assim não, afinal estamos herdando uma fatura que não
fizemos sozinhos, esta conta é muita alta para que possamos pagá-la sem ajuda
de ninguém!

Se a ajuda está vindo? Pelo menos por aqui ela ainda não chegou, e acredito
que se vier, vai acabar atolada lá pelos caminhos do governo!

Nesta história não vou citar nomes, porque seria muito humilhante ver aquelas
pessoas que foram tão importantes e ricas, e que hoje passam por necessidades
até das coisas básicas, serem humilhadas pela necessidade do dinheiro! Isto é
muito constrangedor para mim e para eles também, afinal, o seu ouro se foi,
porém o orgulho e a vergonha ainda não, ainda estão lá, no fundo da sua alma!

Esta historia é como a gratidão de um piloto, pelo seu amigo e parceiro


garimpeiro, tocou-me profundamente, no fundo do coração, obrigando-me a
contá-la, para que vocês possam testemunhar a existência de sentimentos neste
meio, muitas vezes confundido com um mundo violento e cheio de ganância.

Estava subindo a Avenida Goiás para ir para casa, quando me deu uma vontade
tremenda de rever um amigo garimpeiro, para mim o maior deles, e acabei
virando à esquerda, entrando em uma rua bastante destruída, pensando: “Meu
Deus, como estes prefeitos judiam da gente, tratando tão mal as cidades do
Pará”! Na verdade é uma vergonha, pois logo agora que os “gringos” estão
chegando aos montes, por causa da Vale (uma das maiores mineradoras do
mundo, que esta sendo instalada na cidade de Ourilândia do Norte, PÁ,
explorando ferro níquel), somos obrigados a passar mais esta vergonha!

Isto sem falar da violência que descambou completamente, prejudicando ainda


mais os cidadãos de bem, que nem um canivete tem para se defender, pois o
plano de desarmamento do governo levou tudo, para mais tarde cair nas mãos
dos bandidos, sem dúvida nenhuma!

Evitei a rua esburacada e fui fazendo um caracol, até chegar à casa de meu
amigo! Parei a camionete, fui abrir o portão e estava trancado, certamente por
272

medo dos assaltantes. Dei um grito e lá veio ele saindo da cozinha, meio
assustado, querendo saber quem estaria fazendo aquela “zuada”!

“ - Sou eu, cara! Já que você não vai à minha casa, tenho que vir na sua!”
Aí ele reconheceu-me, parecia que até as suas vistas ele havia perdido!
“ - É você Niltinho?” Falou no meio de uma risada tão contagiante que só ele
tinha! Senti que minha visita veio fazer bem àquele que, tempos atrás, recebia
tanta gente e agora eram uns gatos pingados, que apareciam de vez em quando!
“ - Chega para cá, estou acabando de comer um frango caipira! Dê uma olhada
aqui, não vai encarar?”

Comer na casa daquele homem foi a coisa que mais fiz, quando estávamos
garimpando por este mundão afora, e eu sabia que uma das coisas que mais ele
dava valor, era a comida!

Nunca me esqueço que quando ele queria comer uma Corvina (peixe da
Amazônia), era ele mesmo que ia à feira comprar, logo pela manhã, e ele
cozinhava e sempre ficava uma delicia! Imagine se eu ia recusar aquela penosa
feita por ele! Tratei de pegar um prato que estava logo ali, e ataquei as panelas!

Enquanto comia, lambendo os dedos pelo delicioso molho pardo, ele ia


conversando:

“ - Como é que está a sua “Gurita” (nome que davam para aquele povoado que
estava se formando ao lado da guarita da Andrade Gutierrez, para separar os
ricos dos pobres)?
- Vai bem, o Veloso (prefeito), acaba de assinar um convenio com a Vale para
fazer um hospital, reformar o colégio, terminar a avenida e balizar o aeroporto e
parece que agora ele decola, só quero saber se o seu prefeito vai fazer o mesmo!
- Pois é meu amigo, até a agora só vejo os buracos aumentarem, e nada mais!
- Ah, vamos parar de falar de política, que não adianta nada mesmo, e vamos
falar daquilo que nós gostamos de falar: de garimpo, o que você acha?
- Até isto já perdeu a graça Niltinho, andei dando umas voltas lá pelas bandas
do rio Tapajós, e vi que somente lá é que o Ibama esta dando uma trégua para
aqueles pobres infelizes! O resto é só no cacete!”
- É triste de se ver acabar um meio de sobrevivência como aquele que tínhamos!
Até o CZC se foi e o pior é que não achávamos que ia terminar desta maneira,
não tendo mais para onde correr! Como sempre digo, agora é a hora do Jacaré
comer a gente!

Vendo que meu companheiro estava disposto a falar, fui dando corda, pois
sempre gostava de ficar ouvindo aquelas histórias do tempo que ele ainda não
garimpava, era apenas caçador de onça, coureiro (como chamavam os
caçadores de gato, ariranha e onça, cujas peles eram as mais procuradas e
exportadas por um preço altíssimo para todo o mundo, onde tornava as mulheres
mais elegantes!

Usavam aquele casaco fabricado com o couro da onça pintada, que vinha da
Amazônia ou mesmo uma bolsa feita do couro de ariranha, afinal quem
alimentava aquela matança de bichos, eram os mesmos que agora não querem
273

que derrubemos uma arvore, ou matemos um passarinho qualquer! Como o


mundo dá voltas, não é?

“ - Meu amigo, diga-me como você conseguia matar uma onça? Se ela é tão
perigosa, que todos tremem de medo só de olhar, eu mesmo já corri da turrada
de uma, imagine então ficar cara a cara! Conte-me como você fazia!”

Ele deu uma grande risada, e seus olhos brilhavam, parecia que aquele
momento era aquele em que ele ficava frente a frente com a “bichona”, e não
podia errar o tiro se não ele já era, tinha que botar aquela bala bem no meio da
testa para que ela caísse logo ou se não, na paleta, para que atingisse o coração,
por que senão meu amigo, o sufoco seria grande, afinal não tinha para onde
correr, estava no chão frente a frente com ela!

Ele sempre andava com uma quarenta e quatro na mão (que sempre gostava de
usar), e era aquela velha historia: ou ela me janta ou eu a almoço!

“ - Espera lá meu amigo, aonde você ia encontrar com ela? No meio daquela
mata que não seria fácil, não é ?
- Ah meu amigo, como você é ignorante! Não era eu que ia atrás dela, ela que
vinha encontrar comigo!
- Como assim?
- No pio, seu bobo, eu imitava o piado da onça, se era um macho, ele vinha
pensado que era uma fêmea, se era fêmea ela vinha pensando que era um
macho e assim eu enganava todas elas e você não imagina o quanto que eu
deixava elas se aproximarem! Chegavam tão perto, que sentia seu cheiro forte!
Naturalmente que eu estava bem escondido, acho que nem a sobrancelhas não
mexia, não sei se era de medo ou de coragem! Aí então, pregava fogo! Tinha
semana que matava umas duas, ai era só tirar o couro, e deixar o resto para as
formigas, porque nem urubu tinha por lá!

- E você não tinha remorso? Matar um animal tão bonito como aquele? Afinal era
uma pena matar apenas para tirar o couro, sem ao menos comer a carne, assim
teria uma desculpa não acha? E quem dá conta de comer uma carne daquela?
Tão fedida!

- Que nada Niltinho, estava apenas ganhando a vida e nada mais! Se os gringos
que eram tão sabidos, porque que nos deixava fazer aquilo? Afinal eram eles
que nos pagavam e éramos bem pagos!
- De fato, é a mesma historia da maconha, se tem alguém que compra,
naturalmente tem aquele que vende, afinal eu não sei de quem é a culpa maior,
se é o que compra ou aquele que vende!
- Deixe isto para lá Comandante, que não é você quem vai consertar o mundo
mesmo!
- Tem razão, continue com as histórias. (Só que hoje não penso mais assim)!
- Cara, deixe eu te contar uma história de um amigo meu, cabra bom de onça,
que só tinha uma espingarda, que foi ficando velha e eu sempre avisando para
que ele trocasse por uma nova, porem não sei porque que o pobre não queria
se apartar dela, talvez pelas marcas na coronha indicando quantas onças havia
274

matado, ou então por falta de dinheiro mesmo, pois, se tinha coisa de valor
naquelas bandas, era uma boa arma!
- Certo dia ele estava caçando, quando apareceram duas onças, e imagine o
susto, afinal só estava com dois cartuchos! Tratou então de atirar naquela que
estava mais próximo, só que a espingarda falhou! Acionou o outro gatilho e
descarregou o segundo cartucho na cara da onça, matando-a, ocasião em que
a primeira levou um susto tão grande que, ao invés de fugir, correu em sua
direção e, parando em sua frente, mostrou aqueles enormes dentes e deu um
urro tão grande, que deixou meu amigo paralisado, só pensando na morte!

- A única maneira que ele encontrou para sair daquela situação, foi imitar a onça.
Arreganhou a boca (quase do tamanho da onça) e os olhos e não é que soltou
um tremendo urro também, bem na cara dela, maior e mais alto que o da onça!
Ela urrava de um lado e ele de outro, parecendo ser duas onças.

- A floresta estremecia com seus urros de medo, seus cabelos arrepiados, correr
agora seria um suicídio e a única coisa que fez foi sair de mansinho, e na primeira
arvore que viu, tratou logo de subir, onde passou a noite! Disse ele que o único
inconveniente era o cheiro de seu medo, pois se borrara todo, sem nem saber!
Isto foi verdade Niltinho, não ri não!”

E prosseguiu com suas histórias.

- Como eu era bom para caçar gato, e como também era muito conversador,
logo me botaram como comprador de pele, e aí sim Niltinho, minha vida
melhorou! Chega daquela vida arriscada de matador de onça, agora a minha
vida era navegar pelos rios da Amazônia comprando pele, eu levava uma lata de
querosene cheinha de dinheiro e saia distribuindo para aqueles mais blefados e
na volta eu ia arrebanhando as peles! Em muitas ocasiões, eu levava mercadoria
e trocavam com eles, para reforçar a “matatinha”!E assim fui levando a vida!

- O meu patrão, além de exportador de pele, era também de borracha e chegou


o dia que apareceu a tal da Lei do couro, que proibia a exportação, e como não
queríamos abandonar a teta, a coisa pegou, inclusive com policia em cima a todo
instante! Muitas vezes tínhamos que sair correndo, se não ia para o pau de arara!
Mas, com jeitinho, continuamos a contrabandear as peles, discretamente, e, em
função disto, o comércio de peles ficou muito melhor, o lucro dobrou, ficou mais
rendoso, pois tudo era na base do dólar aí sim, é que “bamburramos”!

- Uma vez tivemos que tirar um gringo, que a policia queria capturar, vestido de
comissária de bordo, passando com ele nas barbas dos milicos e mandando-o
de volta para América! Nunca mais o vi! Era muito bom pagador!

- Não é que a coisa continuou por mais de seis anos ainda? E quando parou,
parou tudo de uma vez, as pele e a borracha, e o engraçado foi que não
sabíamos fazer mais nada senão aquilo e então foi aquela quebradeira!

- A coisa mais interessante foi que meus patrões, que tinham acumulado uma
fortuna, não deram conta de fazerem mais nada, foram comendo aquilo que
275

haviam ganhado até acabar, não conseguiram arrumar mais um negocio


lucrativo, e foram se acabando até que morreu o ultimo deles!

- Aí então, como conhecia aquelas matas muito bem, virei garimpeiro pois era a
única coisa que sobrou que rendia um dinheirinho, o resto era para aqueles que
só queriam matar a fome e nada mais, só dava para isto!

- Eu não! Queria ter avião, casa boa, comer bem, enfim queria ter aquilo que
meus amigos rico tinham e, pro isto, saí a procurar ouro, que era a única coisa
que tinha valor! Como tinha sido um “mateiro” dos bons, havia aprendido a andar
pelas matas no tempo das caçadas de onça, e então foi fácil, pois já tinha andado
pela floresta, do Rio Xingu ao rio Tapajós, chegando a passar meses dentro da
mata, fazendo ouro! Só que naquele tempo não era com motor, e sim na
“cobrinha”, a maior dificuldade do mundo, tudo no manual, trabalho para quem
tivesse o “saco roxo”, pois além do trabalho pesado, tinha a malária, que se
pegasse, por lá mesmomorria e acaba sendo enterrado numa grota qualquer!

- Quando a cava era pequena, dobrávamos o defunto e colocávamos uma cruz,


para que o infeliz ficasse em paz, e que sua alma continuasse a procurar aquilo
que seu corpo tanto desejava: o OURO!

- Precisando de rancho (comida), pedia pelo rádio que um avião fosse lançar,
fazia um fumaça no dia combinado e lá vinha o piloto jogar as mercadorias! E
assim tornei-me garimpeiro, trocando meu ouro com os produtos dos
comerciantes locais, junto desta mulherzinha que está agora aqui de meu, que
muito me ajudou e sem a qual, não seria nada neste mundão!”

Realmente eu era testemunha daquela bravura, uma mulherzinha tão pequenina


no tamanho, mas grande na coragem! Lembrava minha mãe, baixinha, porém
com a fibra que muitas mulheres grandes não tinham! Foi a grande companheira
de meu pai por toda a vida!
Tornei-me, cada dia mais um, um especialista em encontrar ouro e de como fazer
para retirá-lo da terra, isto porque no Pará, toda terra tem ouro, e só fazer um
buraco e batear que encontra!

O segredo é saber se compensa ou não pois, se você não souber, acaba fazendo
um monte de pista cega, e isto é terrível, imagine fazer uma pista extremamente
trabalhosa, retirar árvore por árvore, raiz por raiz, tudo com as mãos e depois
abandoná-la, só porque a quantidade de ouro a ser retirada é muito pequena e
não compensa?

Aí meus amigos você quebra, e é exatamente por isto que as pistas são
pequenas, destinadas a pilotos que não sei como, conseguem pousar em tão
pouco espaço, e devo confessar uma coisa, sempre tive medo na hora do pouso
e da decolagem, me impressionava vê-los passando com a barriga do avião
raspando nas arvores, eu chegava a rezar!

Foi assim que conheci o piloto, o qual me recuso a identificar, para resguardá-lo
de eventuais responsabilidades!
276

Vim voar em Tucumã e meu parceiro recomendou que o procurasse, o que fiz a
contra gosto, imagine deixar de voar com o Orcalino, para voar com um guri que
ainda estava na casca do ovo! “ - Esta não, retruquei com o meu amigo!

“ - Deixa de ser besta cara, vai por mim que sou piloto, o rapaz é jovem porém
nasceu para voar, tem o dom de voar! Depois você me conta, se você não gostar
dele, poderá trocar pelo seu amigo Orcalino, porém, dê-lhe uma chance, ok?”

Quando cheguei a Tucumã, ele logo veio me receber, levando-me ao hotel, que
naquele tempo ainda não se chamava hotel do Ouro, era Hotel do João, o que
recusei, afinal meu sócio tinha uma casa, e era conveniente que eu fosse para
lá também! Só que para ele, eu era uma pessoa muito importante e fazia tudo
normalmente, com a intenção de agradar, sem puxa-saquismos! Perguntei-lhe
quais as pistas que ele conhecia, para o rumo do Iriri.

“ - Por este rumo só fui até São Felix!

Meu Deus, pensei, o que meu sócio foi me arrumar? Desviei o pensamento que
só me trazia preocupação e fui tratar de cuidar daquilo que vim fazer em Tucumã!
Quando chegou a hora de voltar para Novo Progresso, mandei chamá-lo e
partimos, logo pela manhã, horário em que eu mais gostava de voar, porque a
tarde sempre você voava com chuva.

“ - Eita Parazão bom de chuva, Niltinho! Imagine em qual avião nos voamos? O
seu querido PT-CZC ele era do meu sócio, antes de você comprá-lo!”

Pegamos o rumo da Cuiabá/Santarém e, cara, era só mato, algumas vezes você


encontrava uma aldeia de índio e nada mais, três horas de voo e o menino firme
no manche, deu o tempo estimado, estávamos justamente sobre a pista, ele não
deixou o avião sair da rota um grau sequer! Comecei a acreditar então, que de
fato o danado de meu sócio estava com a razão, e daí em diante nunca mais me
separei dele, para onde ia, tinha que ser com ele, e a nossa amizade foi
crescendo, até que parecia que eu tinha adquirido mais um filho, de tanto que
gostava dele, e ele de mim. E assim passaram se muitos anos.

Como a vida gosta de pregar as suas peças, eu só fui perdendo dinheiro e ele
ganhando, devido as dificuldades de encontrar novas áreas e as pesquisas
ficando mais caras, eu só ia para trás, a última vez que ficamos juntos foi no
Amapá, num garimpo de Ruflanita, e aí, era ele que bancava e não eu e esta foi
a ultima vez que consegui fazer algum dinheiro, dali para frente enfrentei o maior
blefo da minha vida, e olhe que já se vão uns seis anos!

Desde aquela época, ele tem sido a minha salvação, a minha conta no seu
supermercado não para de aumentar e ainda não dei conta de resgatá-la, e
quando demoro de fazer alguma notinha lá vem ele me perguntar o queé que
aconteceu que não apareço mais! Quando vou dar as minhas desculpas pelas
contas penduradas, lá vem ele a me dizer: “Você não me deve nada, eu é que
te devo, vamos pra frente, que eu tenho a certeza que um dia vou ver você
bamburrado (cheio de dinheiro) novamente, ai então vamos acertar as nossas
277

contas! Imaginem vocês que até nas minhas doenças ele chega junto, não sei
ao certo o quanto de dinheiro lhe devo!

Vi meu amigo abaixar a cabeça, e duas lagrimas correram em suas faces, e


então ele me perguntou:

“ - Será que este dia voltará Niltinho?

Engoli em seco para não chorar com ele e menti! Menti para ele e também para
mim, pois no fundo, as minhas esperanças haviam terminado também. O Estado
do Pará nunca mais seria o mesmo, e não teria mais espaço para o garimpeiro,
somente para as grandes mineradoras!

Sai dali aproveitando uma ligação telefônica do meu amigo Vinício, convidando-
me para almoçar na casa do Ditão! Despedi-me do amigo, tentando confortá-lo,
e sai de sua casa! Só que a tristeza demorou a ir embora!

*O sentimento de gratidão felizmente ainda existe em nosso meio.

**Na fofoca de Roraima concentrou-se o maior contingente de garimpeiros! Só


na cidade de Boa Vista, acredito que viviam mais cinquenta mil. E só no Estado
do Pará devia existir mais de cem mil Garimpeiros, produzindo toneladas de
ouro, contribuindo assim para o enriquecimento do país.
278

O voo macabro

Esta foi a primeira e a última vez que fiz um voo para transportar defunto pois,
diziam os velhos amigos da aviação, estes, eram sempre carregados de
mistérios, relatando-me várias histórias que mostravam como eram diferentes
dos demais!
A história mais interessante foi aquela em que o piloto Azeitona (das pretas, por
que ele era bem negro e careca), foi contratado para buscar um engenheiro que
havia falecido, de para cardíaca, num vilarejo lá pelas bandas de Araguaína!
Quando chegou ao vilarejo, os habitantes do local haviam acabado de encontrá-
lo morto e como não tinha nenhuma urna funerária, enrolaram-no num lençol,
ficando na pista no aguardo do avião chegar.
Para surpresa, não havia ninguém para acompanhar o defunto, que era
totalmente desconhecido no local, Azeitona convidou um “Mudinho”, meio ruim
da cabeça para ir com ele, convite aceito na hora pois o pobre, que nunca havia
voado, não ia deixar passar uma oportunidade como aquela, embarcando, todo
alegre, junto com o piloto e o defunto.
Como o avião estava sem os bancos de passageiros, estenderam o morto com
a cabeça para o fundo do avião e os pés para frente, quase encostados no
Mudinho e no piloto!
A decolagem foi normal, Azeitona mais tranquilo, seu companheiro de voo era
um tanto calado, não sabia falar direito, porém era melhor que nada, sozinho ele
não queria ficar com o defunto, afinal nunca se sentia bem em velório!

Quando criança, as histórias que sua avó contava, de “assombração”, ainda


perambulavam em sua mente, e sempre se assustava, ficando com os olhos
arregalados! Portanto, o Mudinho foi um achado, e não que seja difícil encontrar
estes piolhos de aeroporto querendo voar, tem muitos que ficam perambulando
279

por ali só aguardando alguém chamar, e logo já estão dentro do avião sem
nenhuma noção do perigo!
Tenho um amigo que gostava de fazer manobras no ar e, que, quando pegava
um companheiro de voo destes, fazia tantas piruetas, que o pobre nunca mais
voltava a beirar o aeroporto, chegando mesmo a molharem as calças!
Interceptaram a Belém-Brasília, e prosseguiram por cima dela, rumo a
Araguaína! A estrada, na verdade, servia como um VOR, naquele mundão sem
apoio, era uma grande referencia para todos os pilotos que voavam na região!
Em certo momento, quando os dois estavam entretidos com o voo,
especialmente o Mudinho que nunca tinha voado, o engenheiro acordou de seu
sonho mortal, e vendo-se metido naquela situação, deduziu que havia tido um
daqueles ataques em que a pessoa fica aparentemente morta, podendo acordar
a qualquer momento, só que acordar sendo transportado de avião, não seria
nada legal pois poderia assustar o piloto! Tratou então, de traçar um plano!
Deu um cutucão com o pé, na bunda do Mudinho!
Quando o pobre coitado virou para trás, olhando assustado, ele fez um sinal de
psiu, com o dedo em riste nos lábios, voltando a fechar os olhos!
Nesta altura, o Mudinho, muitíssimo assustado entrou em pane e, agarrando o
braço do Azeitona, apontava para o defunto tentando dizer que estava vivo!
Azeitona, sem entender o que o Mudinho falava, olhou para trás e não viu nada
de anormal e acabou dando-lhe um safanão para que se acalmasse e o deixasse
pilotar o avião em paz!
Só que o Mudinho, com os olhos arregalados, queria sair dali de qualquer jeito,
e tentava abrir a porta, gesticulando que iria pular! Foi preciso que Azeitona
ralhasse violentamente, para que ele sossegasse!
Passou um tempo, as coisas se acalmaram um pouco, e lá vão os dois, um
olhando para o outro, meio desconfiados um do outro!

Quando o Azeitona sentiu que alguma coisa havia encostado em sua bunda,
voltou-se rapidamente para o falecido e não é que o morto não estava morto?
Lá estava ele com os olhos bem abertos, sorrindo, fazendo Azeitona tomar um
baita susto, puxando a manete para trás e meteu o nariz do avião para baixo,
despencando rumo à estrada e não deu outra, pousou na Belém Brasília, abriu
a porta e saiu correndo para um lado, e o Mudinho para outro!
E lá ficou o engenheiro a gritar, pedindo que voltassem! Parece que até hoje o
Azeitona e o Mudinho não pararam de correr!
Vocês estão pensando que é uma piada? Quando passarem por Araguaína,
perguntem pelo piloto Azeitona!

E tem também, aquela história de um colega, trazendo um defunto acompanhado


do irmão que vinha chorando o tempo inteiro, de Brasília para ser enterrado em
Porto Nacional, acabaram se perderam e foram parar lá pelas bandas do
280

Jalapão, quando escureceu e como naquela época não tinha GPS, foram
obrigados a pousar numa clareira, naquele campos arenosos do Tocantins.
Até aí tudo bem, só que no outro dia, viram que o espaço era curto, para
decolarem os dois mais o caixão com o defunto. Não dava! Então o piloto
sugeriu:
“ - Vamos deixar seu irmão aqui, porque não dá para decolar com ele, e como
ele já está morto mesmo, não vai fazer tanta diferença! Salvemos nós que ainda
estamos vivos e deixemos ele que já morreu!
- Que conversa é esta Comandante, ou saímos todos juntos daqui ou ninguém
sai! Respondeu muito brabo o irmão do falecido. Nunca vou abandonar meu
irmãozinho neste fim de mundo, como eu volto aqui para buscá-lo?”

Meu amigo coçou a cabeça, tentou convencê-lo de todas as maneiras possíveis,


implorou, quase chorou, mas não teve jeito pois o cabra não arredava pé: sem o
irmão nada feito!
Cansado de tanto implorar, louco para jogar fora aquele caixão com o defunto,
(se estivesse sozinho, aquele caixão já era, pensava!), mediu os passos que
tinha disponíveis, retirou os paus e cavacos no eixo da pista improvisada e tratou
de decolar com o defunto, porém tinha uma árvore não muito distante, a qual
teriam que passar por cima! Por sorte as árvores do cerrado não eram de
tamanho grande, mas iria atrapalhar mesmo assim! Machado que era bom não
tinha! O jeito era confiar no seu taco!

Deu partida, deixou esquentar bem o motor, não deu flap, e deixou a porta
aberta, no caso de imprevistos, e “arrochou as periquitas”!
Conta ele que foi aquela bagaceira: a hélice roçando o mato, e a danada da areia
freando a aeronave, a árvore chegando, enfim, uma loucura! Então, arrastou o
manche todo para trás, deixou o avião sair do chão, comandou vinte graus de
flap, e sentiu que flutuava, porém sem chance de desviar da árvore, enroscando
a cara na galhada, pensando que o manche iria quebrar!
Mas, que surpresa, acabou dando se livrando da árvore e, já sem muita
velocidade, afundou o nariz do avião rumo ao chão aproveitando um espaço livre
e foi ganhando velocidade até sentir que estava na hora de levá-lo para cima,
conseguindo assim decolar!
281

Só quando pousou em Porto Nacional, é que foi ver o estado que ficou o bordo
de ataque das asas do Skyline! Toda amassada! Porém vivo! E tudo isto por
causa de um defunto!
E sabendo de tudo isto, não é que ainda fui contratado para um voo até Goiânia,
trazendo de volta uma mocinha que havia morrido, e estava aguardando no IML!
Cara, juro que pensei nestas histórias, mas já viram piloto folgado de dinheiro?

Junto comigo foi o pai e o cunhado, um baita gauchão de quase dois metros de
altura!
O voo na ida foi muito bem, decolei cedinho de Tucumã, parei em Gurupi para
abastecer e mais duas horas e trinta minutos chegamos ao aeroporto da
Escolinha, em Goiânia.

O pai da menina foi se inteirar do ocorrido com sua filha e tomou um susto ao
descobrir que o namorado dela, havia lhe dado um chá de “buchinha”, para que
ela abortasse e, sem controle, a dose foi excessiva, provocando a morte da
namorada! Os fatos estavam sendo apurados pela polícia, em sindicância!
Vocês não imaginam o trabalho que deu para tirarmos o corpo do IML, liberando-
o para viagem! Levou mais de três dias e eu, doido para retornar, tive que ajudar
meu amigo a negociar com o pai do namorado, a polícia, com o hospital, uma
loucura! Coitado, meu amigo era um simples homem do campo, não tinha como
sair daquela enroscada sozinho, e além de tudo, sofrendo pela perda da filha!
Não tinha cabeça para nada!

No dia que acabamos de arrumar tudo, entrou uma frente fria que foi mudando
o tempo em todo Goiás, Tocantins e Pará.
Logo cedo no aeroporto da Escolinha, já com o caixão dentro do avião, pressenti
que seria melhor deixar passar aquelas formações de chuva porém, quando
sugeri para meu passageiro, ele entrou em desespero!
“ - Imagine Comandante, o que vai acontecer lá em Tucumã se nós não
partirmos agora, minha esposa acaba de avisar que já tem mais de cem pessoas
esperando no aeroporto!”
Aquilo me deixou numa sinuca de bico pois, quatro dias já haviam se passado,
o povo nos esperando, eu já tinha que ter voltado, por ter deixado muitas coisa
para serem resolvidas, enfim juntou tudo aquilo e então resolvi meter a cara!
Não tinha perdão, acomodei os dois passageiros, um sob o caixão e o outro
maior lá atrás, num cantinho!
Decolei sabendo que estava fazendo merda! Voo visual, subtende que se está
enxergando tudo, voo por instrumento, você não enxerga nada, pois os
instrumentos passarão para você, o que seus olhos não conseguem ver!

Estou dizendo isto para aqueles que não são pilotos, e eu sabia que aquele voo
seria o tempo todo por instrumento e, para azar, eu e meu avião não estávamos
preparados para este tipo de voo! Mas, como não ir? Minha vida inteira era
assim, sempre arriscando tudo!
282

Solicitei, para o controle de Anápolis, a devida permissão para decolagem e parti


rumo a Gurupi! Até próximo de Jaraguá o tempo estava melhor mas, daí para a
frente, já se via que a “cobra ia fumar”!

- Aqui é o controle Anápolis, Charlie Zulu Charlie na escuta?


- Prossiga, CZC na escuta!
- O senhor esta ciente do METAR (Serviço de meteorologia) para seu destino?

- Ciente , Controle Anápolis!


- Temos informações que o senhor irá encontrar pesadas formações
meteorológicas e ainda assim pretende prosseguir?
Virei para meus passageiros, e disse:
- Estão ouvindo? É melhor nós voltarmos, não acham?

Não vi em nenhuma deles a intenção de voltar, aqueles pobres coitados não


tinham a mínima noção do que teríamos que passar para chegarmos ao nosso
destino! O jeito foi prosseguir!
- Controle Anápolis, CZC informa que irá prosseguir!
- Então informe para que lado irá, no caso de um desvio de rota.

- Para o lado do Rio Araguaia, respondi, (por lá não havia serra), já preocupado
com aquela insistência do controle em me proteger!, vi que até o controle estava
vendo a “merda” que eu estava fazendo?
283

E fui entrando no meio daquela pauleira procurando desviar dos caroços mais
feios! Tinha hora que a chuva apertava tanto que começou a entrar água pelo
para-brisa, e a coisa cada vez mais feia, a chuva não passava, só que agora não
tinha como voltar o certo mesmo era seguir em frente. Logo teria que passar
aquelas formações, sempre foi assim!
O que mais me preocupava, era que uma vez, voando de Gurupi para Posse,
junto com meu amigo e piloto Pilau, dentro de uma chuva pesada, o CZC acabou
“engolindo o caroço”, apagou e foi um sufoco para o fazermos ele pegar
novamente, quase não dando conta de contarmos, pela perda de potencia
registrada! Ao chegamos em Gurupi, o filtro de ar havia sido destruído por
completo e retiramos mais de vinte litros de água que havia dentro dele.

E parecia que agora, estava na mesma situação! O certo era sair o quanto mais
cedo possível de dentro daquela chuva porém, para todo lado era a mesma
coisa, chuva e mais chuva!
Aí irmãos, vem aquela vontade louca de abandonar aquela vida, de voar em
avião velho, sem bons instrumentos, só na cara e coragem, tudo isto é para
doido, minha vontade naquela hora, era chutar o balde, pegar uma vara de
pescar e ir para o Rio Iriri (que é muito bom de peixe!), enfim, sumir do mapa!
Mas como? Fui inventar de casar de novo, arranjar esposa nova e, pior, filhos!
Agora só me restava continuar agarrado no manche e tratar logo de sair daquela
enroscada!

Eram dez horas da manhã e eu só conseguia localizar a Belém- Brasília, quando


saía das camadas, e isto, porque os carros estavam com os faróis acessos, de
tão escuro estava!
Meus passageiros com os olhos arregalados, segurando nas alças do caixão,
não davam um piu! E lá vai o “Niltinho piloto”, naquele sufoco, com o corpo todo
dolorido, pedir a Deus que me ajudasse novamente a sair de uma enroscada!
Acho que minha conta para com Ele, estava mais alta que a conta no
Supermercado!
Isto porque não foi logo me ajudando não, parecia querer mandar-me alguma
lição! Só pode! Eu que sofresse mais um pouco e o pior ainda estava por vir,
irmão!
No meio daquela chuva que nunca parava, e sem ter noção da altura em que
estava, sabendo apenas que a Belém Brasília deveria estar abaixo de mim
quando, pela segunda vez em minha vida de piloto, senti aquela terrível
sensação de que o motor do avião estava prestes a apagar! Cara, que sensação
ruim! Duas vezes da mesma maneira, dentro de uma chuva braba, e agora
sozinho, com aquele gosto de medo na boca!
Infelizmente não tinha mais a companhia do comandante Pilau, como da outra
vez (cabra experiente, ajudou-me demais a sair daquela pane), fui obrigado a
me virar sozinho e, o pior, é que não se tem muito o que fazer!
A potência do motor que é de 230 kV, suficiente para carregar até 600 quilos,
como fazíamos na época dos garimpos, mas agora, mal dava para carregar um
284

carrinho de pipoca, até o ronco havia mudado, só restava agora colocar o nariz
da aeronave para baixo e escolher o melhor lugar para cair! Olha que a situação
que nos encontrávamos, eu e meus dois passageiros e a defunta!
Ninguém sabe o dia que vai morrer mas, a sensação é que tinha chegado a
minha vez, a coisa estava preta, o avião apagando, e eu dentro daquela camada,
sem enxergar nada de nada, o que restava fazer?

Pensei rápido, vou procurar a Belém-Brasília e pousar nela, não é possível que
não vão me dar uma “beiradinha” na pista. Parece que lá em cima, a defunta,
que tinha dado tanta tristeza para o pai, resolveu nos ajudar afinal, todo o perigo
que estávamos passando, era por culpa dela! E não é que ajudou mesmo?
Bateu um arrepio, ao sentir que alguma coisa havia me atingido, e imediatamente
senti confiança, parecia que alguém estava de meu lado! Pilau não era, só devia
ser ela! De repente, saímos em voo visual e lá está a estrada, bem à nossa
frente! Só que tinha muito carro transitando, o que acabou me assustando
porém, não tinha outra saída: era ali mesmo!
Gritei para meus passageiros segurem firme, alertando que ia descer na estrada,
e observei que gaúcho, estava de olhos fechados com a cara mais feia do
mundo, e o outro, calado, quase arrancando a alça do caixão, não dava um píu!
Fui descendo sem muito enxergar, até que comecei a ver umas casas: Caramba,
não é que estava chegando a Mara Rosa? Aí irmãos, veio aquela alegria!
Estamos salvos, pensei! Logo avistei a pista e pousei! Cara, como é bom pisar
em terra firme!
“ - Agora vamos para um hotel, que hoje eu não voo mais, chega de sufoco,
desculpem!”
Não é que vi meus passageiros ficarem contrariados! Quase morremos e eles
queriam continuar!
Peguei um quarto num hotelzinho e, com aquela chuva batendo no telhado, cai
no sono. Queria aliviar aquela tensão que vivia!
Acredito que não passou nem uma hora, quando acordo com alguém batendo
na porta:
“ - Comandante, comandante, acorda, acorda!
- Quem é? Perguntei, irritado!

- Sou eu comandante, (era o pai da defunta), o tempo melhorou, e já podemos ir


embora, venha ver comandante!
- Velho era doido! Pensei.”
Já que tinham me acordado mesmo, o jeito era levantar, dar uma espiada no
tempo, e não é que havia melhorado mesmo! Resolvi então, voltar para o avião
e prosseguir com o voo.
285

Só que fomos “espantando macaco” (voando baixo), como se diz por aqui, o
tempo ainda não tinha dissipado por completo e com muito custo chegamos à
Gurupi! Como já estava tarde e o tempo ainda continuava embananado, resolvi
pousar!
Foi muito difícil convencer meu amigo a deixar o caixão da defunta dentro do
avião sozinho! Queria levar para o hotel de toda maneira!

“ - Meu amigo, dizia eu, como é que vamos convencer o dono do hotel a aceitar
sua filha, deste jeito? Vai espantar os hóspedes!
- Mas comandante, o que é que tem demais, nós colocamos o caixão debaixo
da cama, ninguém vai ver!
- Meu amigo, garanto que ninguém vai roubar o caixão com sua filha, fique
sossegado pois trancarei as portas e você vai ver que amanhã, ela vai estar aqui
do jeito que estamos deixando!”
Lembrei-me da história do meu amigo que tinha pousado no cerrado, e pensei:
“Será que não vou dar conta de convencer este velho?”
“- Vou fazer uma coisa, vou pedir para o guarda do aeroporto passar a noite ao
lado de sua filha, está bem assim?
- Assim pelo menos a minha filhinha vai dormir em paz! Então está bom!”
O pai da moça parecia não acreditar que ela estava morta, dava a impressão
que o espírito dela pairava dentro do avião! Dizem que muitas vezes o espírito
da pessoa, demora para se desprender do corpo, e eu já estava começando a
acreditar, porém tive mais sorte que meu amigo, e levei todos para dormir no
hotel, que alívio!
A noite foi de chuva, e pensava: “tomara que chova tudo que tem que chover
esta noite, para que amanhã amanheça limpo!”
Só que a natureza não queria assim, e acabou amanhecendo novamente, com
muito jeito de chuva! Se existe uma matéria a qual você não aprende nada na
escola, é Meteorologia, porém quando começa a voar, é que se fica mais “safo”,
de tanto observar o tempo! Em meus 25 anos de aviação, nunca tinha visto uma
frente tão grande e duradoura como aquela, parecia que o dilúvio tinha
começado, e eu estava bem dentro dele, que droga, justamente com o CZC, que
não gostava de chuva!

Tratamos de ir cedo para o aeroporto, e decolamos rumo ao “Parásão”, só que,


quando chego no Rio Araguaia, o tempo novamente forçou-me a pousar em
Campo Alegre, e de lá para frente meus passageiros se arrepiaram, e quem
disse que os convenci a entrarem novamente no avião?
“ - Nem morto, dizia o gaúcho, piso dentro deste avião, de novo, nem morto tchê!”

Meus amigos, olha só que enroscada me meti: se chegasse ao destino, sem


meus passageiros, como ia ficar minha moral de piloto? Quem iria pagar meu
voo?
286

Não tinha jeito, teria que colocar aquele gaúcho de novo e na marra, dentro do
avião! Algum dia, um de vocês já bajularam um macho? Pois é, naquele dia, só
faltei ajoelhar nos pés daquele bruto, e dar umas “bicóquinhas” para, só depois
de muito blá blá blá, o danado entrar, com a promessa de não descer mais!
Agora sim, nem que o CZC “engolisse o caroço”, de novo, eu não pousaria mais,
fosse o que Deus quisesse! E assim fiz, varei aquele aguaceiro e só fui parar em
Tucumã!
Que alegria quando coloquei o avião no chão, parecia que tinha mais de
duzentas pessoas nos esperando, que alivio, meu camarada! Ainda dizem que
a vida de piloto é cheia de glamour!
Peguei minha malinha e fui para casa, dando graças a Deus quando encontrei
minha família, numa felicidade enorme, enquanto a família daquele amigo,
curtiam a maior tristeza, e comecei a pensar o que leva uma jovem a fazer tudo
aquilo! Será que não estão preparados para viverem sozinhos? Pensei então,
como seria a vida de minha filhinha, quando chegasse a hora de sair para
estudar!

Parei de pensar naquilo e tratei de imaginar uma maneira de ganhar bastante


dinheiro, para sair deste pequeno lugar, ou então torcer para que descobrisse
uma mina de ouro grande o suficiente para trazer toda a infraestrutura que as
capitais têm!
Vejam só como é o destino: poucos meses após, a Vale confirmou a descoberta
de uma das maiores jazidas de níquel do mundo, onde está investindo dois
bilhões de dólares, justamente onde? Em Ourilândia do Norte, onde moro hoje!
Parece que vamos ter todos os benefícios de uma cidade grande! Isto eu espero,
graças a Deus!
OBS:
1 - Alerto a todos os proprietários de Cessna 182, que ainda possuem motor a
carburador, para tomarem cuidado em uma chuva mais pesada, porque fechar
o Cooflap, e o fechamento do ar quente, não é suficiente para eventuais bruscas
perda de potencia!
2 - O dono da aeronave que pousou na clareira com o caixão de defunto, era o
Geraldo de Freitas, de Gurupi, proprietário da fazenda Cajamurum, e o piloto se
Chamava Alípio!
287
288

O chá do Santo Daime

Quando voava em Rondônia, precisamente na cidade de Machadinho do Oeste,

conheci um rapaz que pertencia a uma seita, que chamavam do Santo Daime, da

qual nunca havia ouvido falar, e ele não cansava de convidar-me para que fosse

numa secção, e toda vez eu descartava o convite, afinal de religião eu andava

cheio, pois havia passado muitos e muitos anos internado em colégio de padre!

O que queria mais? Rezei por toda a minha vida, assisti milhares de missas,

participei de montes de novenas!


289

Havia saído disto, todo intoxicado de religião, ainda não sei quantos anos foram

precisos para que voltasse ao normal, aqueles padres Salesianos quase que

acabaram comigo, de tanto rezar!

Rezava ao levantar, rezava ao dormir, ao ir tomar café, no almoçar, no jantar,

enfim não fazíamos nada sem antes rezar! Uma loucura fazer isto com uma

criança de apenas oito anos de idade, que foi a idade com a qual entrei no

seminário!

E agora, havia conhecido uma pessoa que não me deixava em paz, queria por

tudo, que pertencesse a sua seita, e eu escorregando para todos os lados,

marcava que ia mas não ia, e lá vinha ele com aquele sermão de sempre!

“ - Comandante, você está perdendo, ao se negar em encontrar a paz, meu


irmão, a paz! Noto que você esta tenso, infeliz, (estava mesmo era com falta de
mulheres, isto sim!), deixa eu te ajudar cara, olha, você não vai me escapar esta
semana! E falando nisso, quero que você vá comigo buscar no mato, o cipó, e
as folhas, pois preciso da sua camionete.
- Tudo bem, na sexta feira nós vamos ao mato buscar estas coisas, conte
comigo!” falei aquilo mais para me ver se ficava livre daquele compromisso pois,
talvez, tivesse que ir ao garimpo e não daria tempo de eu chegar e assim ficaria
livre daquele trato, e não magoaria o meu amigo.
Na realidade, não estava gostando mesmo era da ideia de beber aquele chá! Ir
até lá, tudo bem! O problema era encarar o chá, esta era a questão! Estava com
medo, já me haviam dito que aquela erva era alucinógena, imaginem se aquilo
me desse um “piripaque” e eu começasse a ver minha ex-esposa, minha ex-
sogra, meus credores, aí irmãos, iria pirar de vez!.
E o pior que já estava ficando curioso com as historias que meu amigo contava,
todas muito engraçadas, pois diziam que, após beber uma talagada do chá, ele
embarcava numa viagem maravilhosa, onde via milhares de mulheres bonitas,
com aquele corpão de fazer inveja, todas ao seu lado, dando a maior atenção
em tudo que ele falava, uma mais bonitas que a outra, e o bonitão escolhia uma,
e saia dançando uma valsa, rodopiando mais que pião, ele trajado com aquela
farda dos tempos de Napoleão, cheio de medalhas, sentindo-se o mais lindo dos
homens.

E as mulheres, com aqueles vestidos compridos, todo rendado, com os cabelos


engomados, pareciam princesa, e ele, sentindo se um príncipe encantado, de
tempos em tempos trocava de mulher e saia dando umas “bicóquinhas”
290

(beijinhos)! O ruim era que, quando o babaca saía do transe, via que aquele
bando de mulheres formosas havia desaparecido, e restado apenas a sua!
E aquilo dava-lhe uma tristeza, à ponto de desejar a morte! No entanto, ia
levando aquela vida de sonhos e da triste realidade, numa marra danada. Só
não sabia se ele ia levando a vida ou era o chá que o ia levando!
Não é que acabei voltando do garimpo cedo e acabamos nos embrenhando pela
mata, para pegar as folhas de Chacrona e encontrar o cipó certo, que seriam
misturados depois para fazerem o bendito chá, e no caminho ele ia me enchendo
de mais historias maravilhosas!
O estranho é que não existia em suas visões, nada de religião, de decência e
sim uma visão onde só apareciam seus desejos pecaminosos, suas ilusões
pervertidas, que viviam no fundo de sua alma, enfim tudo aquilo que, em seu
estado normal ele repelia!
Aquilo vinha com tamanha força em suas visões, que ele acabava se entregando
àquele prazer cheio de pecado!
Tais histórias cada vez mais, me surpreendiam afinal, será que aconteceria o
mesmo comigo se tomasse aquele chá? Será que iria ter aquelas visões
também? E se as tivesse, poderia também ficar igual ao meu companheiro, que
não queria jamais se afastar dali pois, junto de seus companheiros de ideologia,
alcançava o verdadeiro paraíso?
Imaginem vocês, tudo isto acontecendo, num lugarzinho perdido no meio da
Amazônia, que não tinha nada de atrativo, a não ser a facilidade de se encontrar
na floresta o material para o preparo da bebida! Conclui que nunca iria provar
daquele chá!
“ - Meu irmão, nunca digas que desta água não beberás, pois pode se
arrepender!
Estava num boteco, tomando uma cerveja com um piloto amigo, quando ele
apareceu.
“ - Como vai, meu comandante?
- Bem obrigado, meu algoz! Ele riu da brincadeira, e disse:
- Hoje vamos ter um encontro em nossa sede, e vai ser servido o chá, portanto
é uma reunião muito importante, e quero a sua presença! Deu-me um tapinha
nas costas e saiu sorrindo!”
Senti que estava prestes a entrar numa fria, pois não tinha certeza que ele
estava dizendo a verdade, não o conhecia o suficiente para confiar plenamente,
imaginem se ele estivesse contando-me tudo aquilo, somente para aguçar a
imaginação, abrindo caminho para que eu tomasse o chá? Ou então, estaria
falando a verdade, infelizmente nunca vou saber, porque após aquele encontro,
cortei minhas relações com ele e logo, parti de Machadinho do Oeste também!
“ - Niltinho, você vai?
291

- Não sei não, estou com medo de me dar mal, fiquei sabendo que as reações
não são as mesmas para todo mundo, porém, se você for comigo, vou
experimentar esta droga afinal já experimentei a maconha uma vez, porque não
posso experimentar esta, não é? Só que você me prometa não beber o chá,
pois acho que vou precisar de você bom, para guiar a minha camionete,
promete?

- Prometo Niltinho, e fique frio, que não deixo você fazer besteira nenhuma!
- Combinado então, às oito horas passo em sua casa e iremos!”
Quando chegamos ao local, assustei-me com o elevado número de pessoas
presentes, jovens, adultos, velhos, crianças, num recinto com um grande salão,
onde havia uma porção de cadeiras formando um semicírculo e na ponta havia
uma cadeira que lembrava um trono, pois ficava num plano mais alto que as
demais! Pensei comigo “ali deve sentar o Mestre!”
Engraçado que em todas as religiões sempre há o Mestre, que é quem dita as
regras, é aquele em que você deve dedicar toda a sua atenção, respeitá-lo, e de
preferência seguir tudo aquilo que ele disser, sem contradizê-lo! Ele tudo sabe e
você é apenas um simples mortal que, se você for bonzinho, terá um cantinho
no Céu ao lado dele! É assim que você deve se comportar, sempre dizendo
amém!
Existia também uma grande cozinha, onde certamente preparavam o Chá,
através de um ritual cuja participação era reservada aos mais crédulos! Eu nunca
estaria pronto, e nem que se passassem uns duzentos anos, não seria digno de
participar! Reconheço que estou muito longe para tentar chegar perto de Deus,
reconheço que preciso melhorar muito como ser humano e engraçado que vejo
muitos malandros por aí, em situação inversa à minha que, por estarem com
uma bíblia debaixo do braço, acham que seu lugarzinho ao lado do criador já
esta garantido! Meu Deus, que doce engano!

No meio daquele povo sentia-me um estranho no ninho pois, engraçado, desde


que sai do Seminário, sinto-me mal dentro de uma igreja, aquela aglomeração
de gente acaba trazendo-me recordações estranhas! E, naquele momento,
estava sentindo estas mesmas sensações! Gostei de ouvir a preleção que
daquele mestre, sentado ao trono! Eram palavras confortantes, fala mansa voz
aveludada, enfim foi nos preparando para receber o Chá.
Até ali tudo bem, mas, quando foi servido o chá, aí meus amigos a coisa ficou
feia, na primeira talagada, foi como eu tivesse levado um soco na boca do
estomago: TUM e aquele gosto estranho foi tomando conta da minha garganta,
a cabeça começou a girar, olhei para cima e vi o garçom sério, olhando para
mim, querendo dizer “agora não é mais hora de se arrepender seu moço” e ficou
ali esperando! Parecia que estava me vigiando, forçando-me a tomar até o último
gole, o que seria um sufoco, pois acredito que nesta hora, já estava com os meus
olhos girando, botando fogo pelas ventas! Aí pensei: “Niltinho, você não vai
aguentar esta barra, trate de sair daqui porque a cobra vai fumar!” Só que,
quando fiz menção de levantar, as sobrancelhas do mestre mandaram-me sentar
imediatamente e aí, quase fiquei paralítico, não conseguia mover mais nada, a
reação do chá havia começado, parecia uma sucuri enrolando a sua presa!
292

Lembrei então, das histórias de meu amigo e esperei pelo aparecimento


daquelas mulheres maravilhosas, boazudas, que tanto falava, só que não
acontecia nada, somente nuvens pretas passavam pela minha mente, parecia
que estava voando por instrumentos na maior chuva de minha vida! E a coisa foi
ficando feia, senti um arrepio que começou nos fios de meus cabelos e foi
terminar no dedão do pé!

É agora, comandante pensei, você vai ter que ser durão! Vai ter que aguentar
essa parada, esse chá não vai ser moleza não, afinal não foi você mesmo quem
quis bebê-lo? Agora aquente!
Eu gostava de falar comigo mesmo, fazia isto sempre que estava em situações
difíceis quando voava e dava resultado, ajudava me acalmar! Na minha mente
voltaram somente as coisas mais desagradáveis que já havia esquecido há muito
tempo, como a perda de meu pai, a perda do meu outro avião, que eu havia
jogado dentro do rio Araguaia bestamente, e aquele rosário de coisas tristes não
paravam de vir e ir embora, levando-me toda a resistência que ainda tinha!
E nesta luta, que eu não sei o quanto de tempo já se havia passado, para mim
representava uma eternidade, já estava cansado, mas não tinha forças para
acordar e quando eu menos esperava, voltavam aquelas visões estranhas,
imaginem vocês que até a guerra de 1918, eu estava nela, e em certos
momentos aparecia dentro de um avião abrindo fogo contra meus inimigos
imaginem quem eram? Os eternos “chucrutes” (Alemães)!

Meu estomago começou a querer botar aquele líquido para fora, precisa vomitar,
mas como? Meu corpo não obedecia a minha vontade e não sei até hoje, quanto
tempo passei naquela cadeira! Tinha hora que eu sentia que ela havia ficado
pequena demais, me lembro que eu me contorcia todo, tinha hora que eu
pensava que estava no chão de tanto que eu mexia!
De repente, apareceu meu colega e me retirou carregado dali, levando-me para
fora, onde vomitei tanto que parecia que as minhas tripas iam sair, pedi que
levasse-me para o hotel, já não aguentava mais aquele lugar!
Lá chegando, colocaram-me sobre a cama, com roupa e tudo e lá fiquei naquele
estado de entorpecimento, até o dia seguinte, quando consegui abrir os olhos e
fazer um juramento que nunca mais iria tomar aquele chá que, de santo não
tinha nada!
E assim foi mais uma das minhas aventuras neste mundo sem fim!
Em tempo: Fiquei com tanta raiva daquele amigo, porque que enganou-me,
fazendo-me passar por todo aquele dissabor, que acabei rompendo a amizade
e, portanto, nunca mais o vi! Deve estar por aí, bebendo aquele chá horrível e
tendo as visões maravilhosas, que somente ele tinha!

OBS.: O Santo Daime surgiu como culto cristão no Acre no século XX. O chá
que provoca visões, segundo a crença conecta o homem com o divino. Nos
rituais regados ao chá ayahuasca, bebida sagrada dos incas, os adeptos
cantam e dançam a noite inteira. As folhas são separadas e limpas, assim como
o cipó, que leva golpes de machados no ritmo da música. A folha chacrona e o
293

cipó jacupi são cozinhados por horas até se transformar no chá de Santo Daime.
Vestidos com roupas brancas, as doutrinas dessa religião são passadas em
formas de músicas em rituais que duram até 14 horas. O chá, servido em
intervalos de quatro horas, leva meia hora pra fazer efeito e provoca uma
experiência interior, íntima e discreta.
294

Tide – O piloto que não tinha medo da morte

Tem certas coisas na aviação que nunca consegui entender direito, e uma delas,
é o medo da morte, que varia de intensidade conforme o piloto!
Eu mesmo sempre tive muito medo de morrer, era um medroso e, por isto
sobrevivi ! Acho que este sentimento é o normal. Temer a morte faz parte da vida
do ser humano, da preservação da espécie!
Não ter medo, é anormal, porém já vi alguns pilotos que davam a impressão de
que não tinham medo nenhum, eram isentos totalmente deste tipo de
sentimento!
O Tide, que é o principal personagem desta história, foi um deles, o outro foi
meu compadre Odilon!
Não estavam nem aí, parecia que tinham feito um pacto com o diabo, pois faziam
muita besteira e nada lhes acontecia! Se voassem na América, há muito tempo
seus brevês teriam sido cassados, mas, como estamos no Brasil, cada um voa
como quer cada qual dá o seujeito e opera o avião como acha melhor!
Manual do fabricante há muito não existe porém, por sorte, nosso espaço aéreo
é um deserto, comparado com o dos americanos, caso contrário, muitos já teriam
ido ao encontro de Santos Dumont, lá em cima!
295

O Tide por exemplo, se for contar aqui, o que ele andava fazendo com os aviões
que voava, certamente os donos das aeronave iriam ficar com o cabelo em pé!
E vocês certamente não iriam acreditar, pensariam que o Niltinho estaria
contando lorotas! Mas era a pura verdade, quem conheceu o Tide voando entre
nós, iria confirmar o que eu estou dizendo!
Só que isto tem um preço e os dois os dois acabaram morrendo em acidente
com aviões, muito jovens, como já tínhamos previsto, só sobrando as historias e
as saudades destes dois malucos!
O Odilon, dizem, foi derrubado no Paraguai, tentando resgatar um traficante
milionário, que se encontrava foragido e ferido.
O Tide, numa decolagem desastrosa, com o avião lotado de gente e mercadoria,
cometeu o um erro banal, ao invés de ganhar altura voando no eixo da pista que
era o correto, acabou engrenou uma curva logo após ter saído do solo, confiando
talvez no Robson Stoll que o avião possuía, e não deu outra: bateu com a ponta
da asa em uma arvorezinha ao lado da pista e foi se estatelar na cerca que
protege a pista, lá ficando com a barriga para cima! Morreram dois e os outros
três escaparam raspando, com as mercadorias esparramadas pelo chão!
Conheci o Tide, quando vim voar em Tucumã, por volta de 1995, e abastecia
minha camioneta, sempre no posto de gasolina de sua família! Nesta época ele
ainda era solteiro, havia terminado de tirar os brevês em Belém, e sempre o
encontrava no aeroporto, paquerando os aviões que lá estavam doido para fazer
um voozinho!
Imaginem vocês, que no auge do ouro e do mogno, em Tucumã existiam talvez
uns oitenta aviões no pátio, só se via avião subindo e descendo a todo instante
e isto, para quem tinha um brevê no bolso, dava um comichão! Certamente não
devia ser nada agradável, ficar observando todo aquele trafego, e não estar
dentro dele!

Como eu era proprietário de um avião, logicamente que ele estava sempre me


encontrando, ainda mais em razão de também ser um sulista, como eu! Embora
fosse bem mais jovem que eu, tínhamos muito em comum! Era também muito
conversador e simpático e, por isto, logo ficamos muito amigos!
Um dia ele precisou fazer umas horas de voo, para registrar em sua caderneta,
experiência técnica, com o objetivo de prestar exames para Piloto Comercial, e
acabei o servindo na mesma hora e, com isto, nossa amizade só foi aumentando!
Comecei a perceber que ele era muito afoito, pois, quando uns doidos
apareceram em Tucumã, a fim de faturar uma graninha às custas daquela
rapaziada doida por avião, recém-saídos da casca do ovo, e montaram uma
escola de paraquedismo que, de escola mesmo não tinha nada! E não é que ele
foi um dos primeiros a se arriscar com aquela arapuca!
“ - Vou saltar comandante”! Veio ele alegre me dizendo.
- Cara, você é doido, não? Saia dessa, bicho! Respondi.
296

- Que nada! E riu, aquela risada que eu o veria dar vezes seguidas! Era sempre
assim, ao ser contrariado, ele ria! Parecia que aquilo era um aviso para fosse
deixado em paz, pois não iria escutar ninguém mesmo, e foi assim até a sua
morte!
Não amadureceu, com o passar dos tempos, é muito comum no inicio da
carreira, o piloto fazer certas loucuras, como dar rasante ultra baixo, enfrentar
mal tempo sem necessidade, somente para dizer aos colegas que pegou
“pauleira” e tinha sobrevivido!
Após certo tempo, no entanto, tudo isto vai perdendo a graça e é aí que ele se
torna, então, um verdadeiro piloto, só que o Tide nunca saiu dessa fase!
Que o desgraçado voava bem, tinha o avião na mão, disto ninguém tinha a
menor dúvida, entretanto, quantas vezes nos ouvimos que são os bons
nadadores que morrem afogados? Na aviação é a mesma coisa!
“ - Vou confessar uma coisa Tide, se eu chegar na beira de um prédio, entro em
pânico, e olha lá, irmão, que nem precisa ser muito alto não! Vou dizer outra, já
voei muito sem a porta direita, para que o passageiro ao lado fotografasse e,
bicho, só olhava para a direita com o rabo do olho, de tanto medo! E agora você
vem me falar. Que ficará de pé na porta da aeronave, mirar bem lá embaixo e
mergulhar rumo ao chão, tu é doido, amigo! Fui! Ele ria e dizia”
-Tu és um medroso Niltinho, vou mostrar para você como se faz umas “piruetas”
lá em cima!”

Vocês imaginam que o instrutor (se é que se pode chamar “aquilo” de instrutor!),
ensinou apenas os alunos a cair no chão e rolar de lado, e despejou a moçada
lá de cima de qualquer jeito!
Foi um desespero, um deles foi parar em cima de uma casa, outro perdeu o rumo
e sumiu e, de outro, só se ouvia os gritos de arrependimento, chamando pela
sua mãezinha! Foram achá-lo todo esfolado, enganchado numa arvore, com os
olhos arregalados parecendo que tinha visto uma sombração!
Este, saiu dali prometendo matar aquele maldito instrutor, que havia dito que
aquilo era como tomar uma sopa e que ele já estava no ponto para dar aquele
salto! Só se fosse no ponto de morrer, gritava ele. O sujeito virou uma fera e
ainda bem que o instrutor desapareceu dali, se não ele teria levado umas
bolachas!
Sorte maior foi que abriram todos os paraquedas e não havia morrido ninguém!
O Tide contou que na hora do salto, queria fazer uma brincadeira com o piloto,
e com isto se embaralhou todo e acabou saindo da posição certa, o que o obrigou
a desistir da brincadeira e se concentrar no que tinha que fazer, pois a coisa
azedou, sentiu que seu corpo havia virado uma bola, parecia um machado sem
cabo, a velocidade só aumentava e ele caçava e não achava a bendita da
cordinha para acionar o para quedas, e foi dando um desespero, que chegou
mesmo a pensar queia morrer estatelado lá em baixo!
297

Estou morto, pensava ele, e o pior, é que a velocidade da queda só aumentava,


não tinha lembrança se passado por susto igual mas aquilo era bem legal cara,
dizia!
Foi o máximo, eu vibrei com aquilo, era adrenalina pura, foi demais, o vento era
tanto que não conseguia abrir os olhos, a goela estava seca, se fosse preciso
dar um grito, não conseguiria!

Já imaginando que o povo lá embaixo, estaria pensando que fazia alguma


brincadeira, demorando a abrir o para quedas, lembrou-se das instruções que
recebera em terrae caçou um jeito de voar, abrindo as pernas e os braços e aí
sim, sua situação melhorou, sentiu que estava voando e tratou logo de puxar
qualquer coisa que sua mão encontrasse, e foi quando conseguiu, por fim, abrir
o para quedas!
Um alívio, disse, contando que quando o para quedas abriu, levou uma travada
nos ombros, chegando a pensar que ele pareciaestar se separando do corpo!
Disse também que, enquanto descia, notou alguém passando ao seu lado,
reconhecendo, pelos cabelos e olhos arregalados, uma amiga que também
estava saltando!
A única coisa que lamentou, foi que na aterragem, havia errado o pouso e
quebrado o pé, mas, de resto, tudo bem! Confessou mais tarde, achar ser
necessário pegar mais umas aulas, pois só uma era pouco! E assim deu para
vocês imaginarem como ele era, totalmente isento de medo de morrer!

Outra coisa em que também ele era ousado, era nós negócios, medo de ser
devedor não tinha, seu sonho era ficar rico, a qualquer preço! E não é que estava
certo, no lugar certo e no momento certo?
Isto é, ele estava na Terra do Meio, onde ocorria a maior corrida de gente,
madeireiros, garimpeiros, fazendeiros, enfim, todo mundo querendo tirar uma
lasquinha daquela terra maravilhosa em riquezas naturais! Ele se encarregava
do fornecimento de óleo diesel para todos, caminhão, balsa, motores e, quando
apertava era de avião, sempre dava conta de atender a todos, não lhe existindo
dificuldades!
Por sua causa, a coisa não parava! Levantava cedo e caía no mundo, ora estava
no mato, ora estava na cidade, e foi aí que, logo no primeiro ano, acabou
comprando uma grande área de mato, perto da Central (comunidade), e já no
segundo ano, preparou uns duzentos alqueires para, no terceiro ano, iniciar uma
grande fazenda repleta de bovinos!
Porém, o saco de desejos de muita gente, parece que nunca enche, e então,
vendo que os pilotos estavam ganhando um dinheirão fazendo voos para os
aventureiros que ali estavam, deu um jeito e arrendou o avião do Zé Altino, um
Cessna 206, com Robson Stol de fábrica, pulou para cima e começou a fazer
concorrência brava com os demais pilotos!
Enquanto nós colocávamos quinhentos quilos no Skyline, ele colocava
setecentos, no 206 pelo mesmo preço, e assim, só dava ele no pedaço, como
era uma fera para trabalhar, voava o dia inteiro, deixando-nos amargando um
blefo danado!
298

Só que da maneira em que voava, estava colocando em risco a sua própria vida,
sabíamos, por experiência própria, que ia dar ocorrer algum problema e
começamos a ficar preocupados, afinal todos nós gostávamos dele e não
queríamos vê-lo envolvido em acidentes! Resolvi ter uma conversa com ele, em
nome da turma!
“ – Tide, estou aqui em nome de todos os seus colegas para pedir para você
tomar mais cuidado, e observar um pouco mais as regras de voo! Sabemos que
é muito difícil se enquadrar dentro delas, só que você esta indo longe demais, e
vim pedir que mude sua forma de pilotar e de encarar a aviação, afinal estamos
vendo que você está na iminência de sofrer um acidente e, portanto, pedimos
moderação! Tenha mais cuidado!”

Ele deu uma risada, como sempre, e respondeu:


“ - Niltinho, sei quem foi que pediu para você vir falar comigo, foi o Bosquinho
não foi?
- Não só ele como os outros também.
- Ah, cara, este povo esta despeitado, só porque estou voando mais que eles
agora, fiquei sendo uma pedrinha no sapato, isto é choradeira, apenas! Não
estou nem aí!
Era isto que não conseguia entender no Tide, no Odilon, e em muitos outros
pilotos, será que só nós, os pilotos mais antigos, é que pressentíamos o perigo?
Porque não enxergavam o perigo? Era tão fácil de ver, de sentir o risco iminente
de vida, será não tinham medo da morte, como nós?
O que estaria se passando na mente daquelas pessoas, que você acha que são
normais, e na verdade não são?
Não deu outra, saí de sua casa desanimado, e fui tomar uma cerveja para relaxar
afinal, aquela conversa com o Tide, havia me aborrecido muito!
Uns dias depois, encontro-me com o piloto Curiba e ele contou:

“ - Sabe da última do Tide?


- Não, conte!
- Ele foi jogar um rancho (mercadorias) para o Scalabrim, na pista à beira do Rio
Iriri, e passou tão baixo em cima de uma castanheira, que a cauda do avião bateu
em uma galhada, e um pedaço de pau entrou naquele espaço que fica no
profundor, chegando a travar o manche!
- E ele caiu?
- Não, o rabudo teve sorte demais, fez tanta força que o pedaço de pau quebrou
e ele deu conta de pousar, só que o passageiro se borrou todo e, além disto, na
volta quase caíram por falta de combustível, pois voaram demais por lá e quase
não deu para retornar! O Scalabrim está assustado e parece que não quer voar
mais com ele!”
299

Era assim mesmo, todos que voavam com ele acabavam ficando traumatizados
e recusavam-se a voar de novo!
Certo dia, estava tirando uma soneca após o almoço, quando o telefone tocou!
Era de São Felix.
“ - Niltinho, você não sabe da maior. (Era o piloto Bosco!)
- Fale comando.

- O Tide acaba de cair com o avião, agora mesmo, em cima da pista!


- Mas como?
- Decolou pesado e na mesma hora engrenou uma curva à esquerda, stolando
o avião em cima da cerca!
- Ele morreu?

- Ainda não, só que o acidente foi feio, o avião se acabou, e dos cinco à bordo,
ele e outro é que estão vivos, muito machucados!
- Obrigado Bosco, vou já para ai!”
Tratei de avisar o Zé Altino, proprietário do avião e combinamos que ele viria
para Tucumã e eu o levaria para São Felix no CZC e assim fizemos, quando
ainda estava no tráfego de São Felix, vimos o avião todo quebrado e ficamos
com uma dor no coração, que tristeza imaginem, um dos únicos Cessna 206 no
Brasil com Robson Stoll (dispositivo para aumentar a sustentação do avião), de
fábrica!
A primeira coisa que fizemos, foi visitar o nosso amigo e, que tristeza, sua
situação era tão crítica, que providenciaram a remoção para Goiânia com
urgência! Confesso que, quando eu o vi naquele leito, todo quebrado, chorei e
chorei tanto que acabei saindo daquele quarto, na mais profunda tristeza!
Fomos ao local do acidente para ver o avião, e levamos um susto pois a
aeronave não teria recuperação, a batida contra o solo tinha sido tão violenta,
que várias partes estavam esparramadas à volta, dificultando acreditar que
houvera sobrevivente!
“ - Zé, várias vezes tive vontade de avisá-lo, porém você não iria me dar atenção,
ele estava muito empolgando, voando muito, deveria estar botando muito
dinheiro em seu bolso, e quando isto acontece, fica difícil imaginar que o piloto
possa estar fazendo alguma coisa errada, só que para mim não foi surpresa!
Você também é piloto das antigas e sabe que com avião não se brinca, e o nosso
amigo não parava de brincar!
- Para ele não tinha limites, não conseguia ver suas limitações e nem as da
aeronave, o que considero o maior perigo para um piloto, pois, pelo avião em si,
dificilmente ocorrem acidentes! Veja você, quando entregava meu avião para
ele, não dormia direito só em pensar no pior!”
300

Tide não resistiu aos ferimentos e, apesar de lutar durante quase uma semana,
veio a falecer em Goiânia!
E assim termino esta história com o coração partido, afinal gostaria que meu
amigo estivesse aqui conosco, para poder ouvir aquela risadinha dele e abraçá-
lo mas, agora é tarde, não tem como mudar!
Esta historia poderá servir de exemplo para alguém que queira se tornar um
piloto um dia. E como conselho de gente experiente, digo que, todos aqueles
que queiram aprender a voar, que tenham respeito e medo da morte!
Foi com medo de morrer, que manteve-me vivo, o importante é se aposentar na
aviação e ter a oportunidade de escrever a suas histórias, como estou fazendo,
e não morrer jovem!
301

Meu último voo com o CZC

Felizmente nunca foi preciso usar o meu avião para transportar pessoas da
minha família que estivessem doentes, graças a Deus, porém, um de meus
maiores sentimentos de culpa, foi não estar em Gurupi na ocasião em que meu
pai, no fim da vida, precisou ser transportado para Araguaína a fim de fazer um
exame, e acabou morrendo dentro da ambulância!

Imaginem só, eu proprietário de avião, ele precisando de um, e eu não o servi,


estava longe, simplesmente cuidando dos meus afazeres, que droga, afinal é
sempre assim, os pais se matam pelos filhos, e quando precisam deles, sempre
estão cuidando de alguma coisa importante e não podem ajudar!

Hoje vivo lamentando, o porquê, de não ter estado lá, quando meu pai precisou!
Porque não o levei de avião? Talvez ele não tivesse morrido, mas não, hoje
choro por não ter estado ao seu lado o tempo inteiro, afinal, ele cego e no final
da vida, estava morrendo, e não fui capaz de ajudar!

Estava longe e acabei perdendo a grande oportunidade de retribuir o tanto que


ele havia feito por mim. Hoje só me resta lamentar e pedir-lhe desculpas! Perdi
a oportunidade de prestar-lhe o ultimo favor, apesar de não gostar de andar de
avião!
302

Recordo-me que para tirar o brevê, foi numa marra danada, hoje o entendo, era
medo de eu cometesse alguma loucura e sofrer um acidente!

Se eu pudesse voltar no tempo, trocaria todos os voos que fiz em minha vida,
para ter a oportunidade de fazer justo aquele que não pude fazer! Esta magoa
vou carregar para sempre!

Agora, no final de minha vida como aviador, sentindo que não haverá mais como
sobreviver pilotando um avião na Amazônia, tudo por culpa de um decreto do
Lula, transformando milhares de hectares em reservas, tirando de nós o
sustento, só restava vender meu avião, e isso me causava uma tristeza tão
grande, só de pensar em perder aquele companheiro de tantas aventuras,
daquele que me deu de comer por tantos anos!
Sentia uma tristeza tão grande, que não quero nem voltar meus pensamentos
para aqueles momentos, em que tive que aceitar a nossa separação, não foi
nada fácil!

Conservá-lo por uma simples questão de amor não é fácil, vocês sabem que
manter um avião parado, tendo que fazer todo ano o custoso IAM e manter as
cadernetas em dia, é muito caro e não era conveniente.

Então resolvi levar o meu querido PT-CZC para Goiânia e entregar aos meus
amigos Iron e Baiano, para que o vendessem, pensando em salvar pelo menos
a gasolina, e olhem só o que é que me aconteceu:

Estava no aeroporto quando o celular tocou, e era a Domingas (minha esposa)


pedindo para que eu corresse ao hospital, que sua mãe estava passando mal!

Que susto levei afinal, minha sogra era uma rocha, tinha uma saúde de ferro,
nunca havia visto ela, ao menos, passando perto de um hospital, e agora, está
internada, achei que era brincadeira da Domingas, porém fui encontrar-me com
ela, na porta do hospital!

Quando vi minha esposa, fiquei preocupado pois ela não era de chorar por
qualquer coisa! Dirigi-me para o apartamento onde estava minha sogra e logo
me certifiquei que a coisa era grave!

Estava em coma profundo, não falava, não se mexia! Tratei logo de ter uma
conversa com o médico, afinal Tucumã ainda não disponibilizava de estrutura de
assistência médica para que ficássemos tranquilos, quase sempre tínhamos que
retirar os doentes mais graves, geralmente para Araguaína, e olhem só o que o
médico disse:

“- Ela teve um aneurisma cerebral e talvez vá precisar tirar uma tomografia


computadorizada da cabeça e como não temos este aparelho em Tucumã, vai
ser preciso levá-la para Redenção que é local mais próximo daqui, porém vamos
aguardar por vinte e quatro horas, se ela não melhorar vou liberá-la para ser
levada de avião certo, Comandante?
- Tudo bem, doutor, estarei aguardando, já vou deixar o avião no jeito!
303

Minha sogra não melhorava, parecia que o derrame tinha sido violento! Fiquei
com muita pena da Domingas, como já tinha perdido o pai, só lhe restava a mãe
e como eram muito próximas, tratei de ir preparando-a para o pior!

Como não apresentava melhoras, o médico pediu para que a levássemos para
Redenção, onde já teria um médico aguardando, afim que fizéssemos a
tomografia!

Como é difícil transportar um doente, e muito pior ainda, é quando se trata de


gente da família, pois a gente voa com o pensamento na pessoa que está ali ao
seu lado! Não consegue ficar com a mente só ligada ao voo, a qualquer
movimento, eu virava para trás, afim de ver se ela estava bem!

Recordo-me que o tempo não estava nada para céu de Brigadeiro e o CZC não
parava de balançar, fazendo com que a Domingas tivesse muita dificuldade em
mantê-la na maca, e assim fomos nós até Redenção!

Lá chegando, já havia uma ambulância nos aguardando, não demorando muito


para chegarmos ao hospital, onde logo em seguida foi iniciado o exame.

Eu estava ao lado do médico, e quando ele consultou a tomografia, notei, pelo


seu olhar, que a coisa era brava mesmo: o derrame havia sido grande demais,
atingindo grande área de seu cérebro! Disse-me o médico:

“ - Você deverá prosseguir para Goiânia pois, aqui, nada podemos fazer para
ajudá-la! Como já está tarde para decolar, vamos arrumar um apartamento para
a paciente! Sua esposa poderá ficar fazendo companhia, e você poderá ficar em
um hotel que fica logo em frente do hospital! Amanhã cedo mando a ambulância
levá-los para o aeroporto!

- Tudo bem, Doutor, decolo amanhã logo cedo e, com mais três horas e meia,
estarei em Goiânia!”

Dizer aquilo para Domingas não foi fácil, afinal ela tinha grande esperança que
os exames seriam favoráveis à sua mãezinha, e ficou realmente muito triste,
porém, como nada podíamos fazer, só aguardar, tratamos de arrumar as coisa
para passarmos a noite ali naquele hospital!

Resolvi também passar a noite no hospital, revezando nos cuidados com a


doente, dando assim a oportunidade para que eu e minha esposa dormíssemos
um pouco!

Lá pelas duas horas da madrugada, ocorreu novo derrame, e minha sogra foi
transferida para a UTI e enquanto ela lutava por sua vida, ficamos no
apartamento, tentando avisar os parentes que a situação havia piorado e que se
preparassem para o pior!

Ela tinha dois filhos, que moravam bem distante, uma em Portugal e o outro em
Macapá, e não é que a que morava fora do país, acabou chegando primeiro?
304

Infelizmente ela não resistiu e veio a falecer, pelas quatro horas da manhã e, o
que fazer? Que situação ficamos, só nós dois, eu e a Domingas, tendo que tomar
uma série de providências como, embalsamar o corpo, o caixão, a liberação para
o traslado do corpo! Tudo isto sim, foi o mais difícil, se não fosse a tal da gorjeta,
ainda estaria por lá!

Gasta-se muito com tantas despesas que aparecem, as quais, geralmente,


chegam quando se está desprevenido, gerando situações constrangedora como
esta, de ser necessário esparramar uma série de borrachudo, para poder tirar
minha querida sogrinha daquele lugar e leva-la para Anápolis, onde seria
enterrada!

Claro que aprendi, a guardar um dinheirinho na poupança, para quando chegar


a minha vez, pois não quero dar trabalho aos meus genros, até mesmo para
evitar ficarem “costurando-me” pelas costas!

Estão vendo? Até na morte o sogro dá trabalho pois, “se pelo menos tivesse
deixado uma fazenda, mas não, morreu pobre o coitado!” Por isto, meus irmãos,
vou deixar até meu enterro pago!

Fui acabar de tomar as providências, lá pelas onze horas da noite! Dormir que é
bom, nada, embora estivesse quase caindo de sono, e só olhando para cima,
percebi que o céu foi ficando carregado de nuvens pretas, e pensei comigo:
“acho que a minha sogrinha ainda vai me dar algum trabalho!”

E não deu outra, quando cheguei ao aeroporto, o tempo tinha descambado para
chuva, e foi aquele sufoco embarcar a sogra no meio de tanta água, pois os
hangares estavam todos cheios de aviões e tivemos que nos arrumar lá fora!

Minha sorte foi um colega que me pediu uma carona e acabou ajudando-me
muito! Tivemos que retirar a porta para acomodar o caixão, a Domingas e as
malas, ainda bem que o Skyline foi feito para a Amazônia! Sem querer, os
gringos nos deram este grande presente!

Decolei debaixo de chuva, e lá fomos “espantando macaco” até chegarmos ao


Rio Araguaia, onde o tempo melhorou, e assim, lá pelas três horas da tarde,
chegamos em Anápolis, onde entreguei minha sogra para meus cunhados,
tratando de arrumar uma cama pois, irmãos, estava quebrado! Este negócio de
ficar sem dormir não é comigo não!

Passados uns três dias do enterro, decolei de Anápolis e pousei em Goiânia


fazendo, na verdade, o último voo que fiz com o CZC!
305

Não foi nada agradável, senti muita tristeza em me separar daquele


companheirão, que me deu muitas alegrias, que nunca me deixou na mão, e olha
lá que nunca entendi de mecânica, para falar a verdade não dou conta de apertar
um parafuso sequer, e voando por este mundão afora, grande parte na
Amazônia, somente um avião como o CZC, para não me deixar na mão!

Se dependesse só de mim, estava ferrado! Ele cumpriu sua missão muito bem,
foram muitos anos juntos! Teve época em que não tive condições de dar-lhe
uma boa manutenção e, no entanto ele continuava voando!

Ás vezes voava com apenas quatro cilindro, mas voava, não estava nem ai,
geralmente nas épocas em que eu não tinha dinheiro para consertá-lo e, no
entanto, nunca me derrubou!

Por isto que digo que, sem querer, os americanos fizeram um avião para voar na
Amazônia, que superou a todos, basta verificar, que quase todas as aeronaves
que voaram nos garimpos eram Skyline, uma combinação dar tão bem como a
que a Cessna fez, usando o motor continental 230 na célula do 182, isto sim é
que chamo de um casamento perfeito!

Deixei o CZC no hangar do Iron em Goiânia, e voltei para Tucumã com o coração
partido, só retornando, quando um corretor me pediu disse que tinha um
comprador de Brasília que já havia visto a aeronave e tinha interesse de comprá-
lo!
306

Nunca fiz um negocio tão fácil como aquele, pois pedia $100 mil e acabei
vendendo, se não me engano, por $96 mil à vista!

Amigos, até nesta hora o CZC me ajudou, imaginem vender um avião à vista,
assim no monte! Pensei, este comprador tem que ter muito dinheiro, acredito
que vá cuidar muito bem do meu avião, e isto foi uma das coisas que mais me
tranquilizou, nunca venderia aquele avião para uma pessoa que não fosse cuidar
muito bem dele!

Afinal ele para mim, não era somente um avião, era muito mais que isto, meu
parceiro de anos. Só que nunca poderia imaginar, que seria preciso gastar uma
fortuna, para deixá-lo em ordem, quase o dobro do que ele me pagou!

Fiquei encabulado pois, no dia em que o Ricardo mandou-me a relação do que


ele havia trocado e adicionado, não quis acreditar, tive a sensação de ter vendido
não um avião e sim uma carniça!

Acho que ele devia ter pensado que eu era um doido em voar com um avião
naquele estado!

Desculpe-me Ricardo Salzano, não tinha nenhuma noção da necessidade de


fazer tudo aquilo que você fez, para que ele continuasse voando! Sempre confiei
na oficina que fazia a manutenção do CZC!
Acredito que ocorra uma diferença entre o piloto que necessita voar para ganhar
o seu sustento, para aquele que quer um avião para lazer, e aí é que reside esta
diferença!

Não houve nada intencional, tanto da minha parte como da oficina aonde estava
o avião, visando passá-lo para trás! Ninguém agiu de má fé, e eu nunca iria
colocar em risco a vida de uma pessoa como você, íntegro, e por isto, eu e o
CZC temos que agradecer!

Hoje, após termos conhecido um ao outro muito bem, tenho um carinho todo
especial a sua pessoa, considerando-o como amigo, e esperando ser
considerado também como seu amigo!

Finalizando a historia deste grande avião, gostaria de incluir a sua impressão


deste bravo Cessna Skyline 182, que muito voou nestes céus brasileiro, e até
mesmo uma ou outra história que ache interessante, afim de enriquecer mais
ainda estas minhas aventuras!

Relação de peças trocadas no CZC pelo comprador Ricardo Salzano:

Trocas feitas após a compra:


1. Postes das portas
2. Assoalho
3. Barriga
4. Teto
5. Travessas estruturais do teto
307

6. Ys das laterais traseiras


7. Parafusos dos montantes das asas
8. Berço do motor (reparo – havia trinca)
9. Lords do berço
10. Parafusos de fixação do berço
11. Parafusos de fixação dos trem de pouso principais
12. Remoção da pintura antiga e nova pintura
13. Estofamento novo
14. Manches novos com PTT
Após esta reforma toda, começaram a surgir as panes:
15. Carburador, feita TBO, tudo novo
16. Regulador de voltagem , teve que ser trocado por um novo
17. Bomba a vácuo, trocada por nova
18. Jogo de velas, substituído por novo
19. Magnetos, sem conserto, substituídos por novos
20. Cablagem nova para os novos magnetos
21. Pane no regulador de voltagem, substituído por novo
22. Substituição dos drenos de combustível (todos com vazamento)
23. Suporte do leme (com corrosão), parte estrutural
24. Cubo das rodas de todas as rodas (ferrugem), tudo novo
25. Discos de freio, substituídos por novos
26. Rolamento das três rodas, substituídos por novos
27. Pastilhas de freio dos principais, substituídas
28. Foi feito novo assentamento de válvula nos 6 cilindros
29. Pneus novos juntamente com as câmaras de ar
30. Colocada nova iluminação de painel e teto da cabine
31. Trocada antena do transponder (com defeito)
32. Colocada antena de ADF e substituída a de VOR
33. TBO de hélice, foi tudo trocado e posto novo
34. Foi trocado o governador de hélice, o antigo pifou
35. Substituídas as luzes de navegação (queimadas)
36. Substituído um dos faróis (queimado desde a compra)
37. Foi trocado o ELT, exigência da ANAC
38. Intercom com 4 saídas e 4 fones
38. Polainas
39. Estrobo de ponta de asa
40. Foi homologado para IFR
41. Algema de hélice e tranca nos tanques de combustível
42. Capas externas para para-brisas dianteiro e traseiro
43. VOR com glide-slope para voo IFR
44. Mais um horizonte artificial
Agora veja aí e me diga Comandante Niltinho, se nosso CZC não ficou novo ??
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Os agradecimentos
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Em primeiro lugar, devo agradecer a Deus, por manter-me vivo, e olha que não
deve ter sido nada fácil a Ele pois, na verdade, não nasci para voar, a aviação
entrou em minha vida por uma necessidade, como já contei em outras historias!
Tenho que reconhecer, pois nunca tive o dom de voar, como vi em muitos
colegas, e só sobrevivi, graças ao bom senso que tinha, em reconhecer minhas
limitações e também as do avião, e nunca ultrapassava os limites!

Porém, devo ressaltar a importância do Cessna Skyline 182 nisto tudo pois, se
não fosse por suas características, teria em minha ficha uma série de acidentes,
porque voávamos em condições extremadas, fazendo todo tipo de loucuras!
Tinha que ser um super-avião, para aguentar tudo aquilo que fazíamos e, se
não fosse por ele, dificilmente eu teria escapado da morte, portanto tenho a
consciência de que, se estou vivo nos dias de hoje, grande parcela de
responsabilidade, cabe à performance desta magnífica aeronave!
Como já disse varias vezes, os gringos, sem querer, fizeram o avião apropriado
para as nossas condições, e acredito que eles devam ter perdido a receita, pois
eu nunca mais vi outro igual!

Meus agradecimentos à Cessna por isto!


Em segundo lugar, agradeço à meus mecânicos, que sempre souberam mantê-
lo voando, para que eu pudesse ganhar o meu sustento, e aqui faço uma
homenagem ao grande amigo Benoni, que infelizmente já se foi, porém deixou
muita saudade! Gostaria que estivesse vivo para ler estas histórias nas quais
teve uma participação toda especial. Deus o tenha em bom e merecido lugar,
pela competência e personalidade! Era um bom homem!
Em terceiro lugar, agradeço à minha família, especialmente à Domingas, que em
muitos momentos, teve que descascar, sozinha, os abacaxis que deixei para
trás! Nunca me esqueço do momento em que nasceu a Ana Luiza, e Domingas
teve que se valer da boa vontade de nosso querido compadre Felipão para levá-
la ao hospital na cidade vizinha, que era Ourilândia do Norte, onde residimos
hoje, pois não havia médico disponível no hospital de Tucumã, e acabou que as
próprias enfermeiras fizeram o parto! Felizmente Deus dá o frio, conforme o
cobertor, e hoje olho para minha jovem esposa, e sinto orgulho! Sem dúvida foi
a maior das grandes alegrias que tive, neste mundão de meu Deus!
E por último, agradeço a este novo amigo Ricardo Salzano, atual proprietário do
PT-CZC, que soube valorizar este avião e dar tratamento que ele merece!
E não posso esquecer também, de agradecer aos meus leitores que muito me
incentivaram, para que eu pudesse escrever um pouco da historia da vida que
levamos aqui na Amazônia, agradecendo, em especial, a este povo que me
acolheu e contribuiu para minha sobrevivência!
Esta semana tive a grata satisfação de ouvir de nosso Presidente, que não
somos bandidos e sim um povo ordeiro que veio para cá com o intuito de crescer
na vida, não esquecendo que viemos a convite de governos passados pois, na
época, existia uma grande preocupação em integrar a Amazônia no contexto
311

brasileiro, não podendo esquecer que havia um slogan que dizia “INTEGRAR
PARA NÃO ENTREGAR”!
Deus que nos proteja. E obrigados a todos aqueles que fizeram parte das
historias!
Niltinho piloto

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