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CONSIDERAÇÕES SOBRE O AMOR

Ernesto von Rückert

Amor é um sentir, um pensar, um desejar, um querer e um sem limites, sem barreiras, sem restrições, completo, alegre, sem posse,
agir, isto é, uma emoção, um sentimento, um apetite, uma volição e uma sem ciúme, declarado, sem cobrança, sem inibição, mesmo que seja algo
ação. Mas também é uma intelecção, refletida, consentida, explicitada e que a sociedade não admita porque é mesquinha, invejosa, egoísta. É
assumida. Esse complexo de fatos psíquicos caracteriza o amor em todos preciso realizar o amor que se tenha, seja ele qual for e por quem for, mas
os planos, piedade, compaixão, solidariedade, afeição, amizade, amor abertamente, publicamente, com toda a intensidade e amplitude, dê no
platônico, erotismo. Amor filial, maternal, paternal, fraternal, conjugal, que dê. Assim, mesmo que ele acabe ou continue sem poder ser realizado,
idealista. A intensidade e a sequência em que eles aparecem pode variar. nunca a pessoa se arrependerá, porque, enquanto durou, foi vida muito
O amor sempre emociona, enternece, e envolve um desejo de zelo, vivida e fortaleceu, construiu sua personalidade e sua história. Mesmo
cuidado e proteção da coisa amada, bem como um desejo de que a pessoa a quem se ame venha a desapontar, não se deve apagar a
reciprocidade. Mas o amor só se realiza quando é expresso em vontade e memória do que se viveu enquanto isto foi doce e confortante. No amor,
essa vontade em ação. Não basta sentir e desejar para amar, é preciso tudo é permitido, menos desamar. E não é preciso que o amor seja único
querer e provar. O amor envolve dedicação e renúncia, paciência e e exclusivo. Pode ser múltiplo e tão intenso em cada realização quanto
perseverança, trabalho e recompensa, alegria e tristeza, euforia e em todas as outras. Só não pode ser oculto, falso, escondido nem pretexto
depressão. É algo envolvente e inebriante. O amor não é possessivo, para outras finalidades inconfessáveis, como status social ou riqueza
ciumento, exclusivista, castrador, sufocante. Pelo contrário, o amor é material ou ato de piedade. Amor apenas com amor se paga, assim como
libertário e altruísta. Não me refiro apenas ao amor erótico, mas a todas sexo apenas com sexo se paga. Não se paga sexo com amor e nem amor
as modalidades, inclusive as formas idealistas de amor à verdade, à com sexo. Muito menos com outras coisas. Mas pode-se, e isto é muito
justiça, à sabedoria, à humanidade, à natureza. O amor não pode ser bom, unir amor e sexo, como também pode-se ter um deles sem o outro
cerceado em sua intensidade e abrangência. Ele não possui limites. e, mesmo assim, se sentir realizado.
Quanto mais se ama a mais coisas e pessoas, mais capacidade se tem de
amar. E quanto mais se ama, mais se realiza e maior é a felicidade, mesmo Sexo, para o ser humano, é uma INTERAÇÃO, isto é, uma
que nem sempre seja correspondido. E certamente, é algo de que se possa ação mútua entre pessoas, que têm que ser respeitadas em sua qualidade
contemplar em sua estética e fruir o máximo prazer que é amar o amor. de “pessoa”. Logo, cada uma precisa dar para receber. Dar atenção, dar
carinho, dar prazer, ter paciência, ser cuidadoso, ter interesse no prazer
do outro, suscitar este prazer, enfim… entregar-se sem reservas um ao
Nada é mais importante do que o amor. Trata-se de algo outro. Só assim cada um será plenamente gratificado. Machismo é o
engendrado pela natureza ao longo da evolução para garantir a comportamento mais idiota. O machista age pensando em sua reputação
sobrevivência da espécie. Enquanto o egoísmo pode ser eficaz para a entre os amigos e não na qualidade de seu relacionamento. É um egoísta
sobrevivência do indivíduo, é o amor que garante a espécie. O sexo foi que nem sabe o quanto está perdendo de qualidade do sexo que se faz
uma estratégia da natureza para garantir a variabilidade genética e quando a relação é de igual para igual. Sem falar que o bom sexo, para os
possibilitar múltiplas escolhas na seleção natural. Seria possível, por dois parceiros, reflete em todos os outros aspectos da convivência,
partenogênese, a existência das espécies apenas com o sexo feminino (que fortalece a união, vigora o organismo, rejuvenesce, protege o coração e é
é o essencial, o masculino é acessório), mas o surgimento do sexo, desde melhor do que qualquer prozac ou diazepam para curar a depressão, a
os mais primitivos seres vivos, se revelou a opção mais eficaz. Assim, tensão, a ansiedade e a angústia. Mas só quando feito de forma
eros é a pulsão mais poderosa, pela qual os indivíduos até mesmo dão a compartilhada. Sexo não pode ser retribuído por nada a não ser o próprio
vida. Mas a sobrevivência da espécie também exige o cuidado com a prole sexo. Se se faz sexo em troca de dinheiro, segurança, status ou qualquer
e a proteção da fêmea, atitudes essas que se sublimaram na componente outra paga ou vantagem, não está se fazendo sexo, mas alugando o corpo.
platônica do amor. Assim o amor evoluiu para uma atitude não só sexual Quem concedeu o prazer do sexo, mesmo sem envolvimento amoroso,
mas também de carinho. E a necessidade de proteger o grupo privilegiou tem por pagamento o próprio prazer sexual que fruiu nesse
aqueles que possuíam fortes ligações de cooperação interindividual, o que intercâmbio. O homem ou a mulher que se casa por interesse econômico
é sublimado na amizade. Duas forças coexistem nas espécies: a de ou outro que não a fruição da companhia recíproca, incluindo o sexo, está
competição, egoísta, belicosa, que deseja o poder sobre o outro a ser se vendendo ou se alugando. É uma pessoa vil e desprezível, pois seu
subjugado e a de cooperação, que se expressa no amor, na compaixão, no corpo é você mesmo e você não é uma mercadoria comercial, mas uma
altruísmo. A primeira tem suas raízes profundas na necessidade de aplacar pessoa na plenitude de sua integridade, que não se vende e nem se aluga.
a fome (fome fisiológica, do alimento mesmo) e a segunda no impulso de Isto seria escravidão.
preservação da espécie. Sendo o homem uma espécie altamente evoluída,
que atingiu o estágio de consciência psíquica plena e desenvolveu a Nada vale mais que o amor. O amor não pode ser negado,
cultura, essas forças primitivas da natureza foram canalizadas para restringido, dividido, negociado, reprimido, proibido, cerceado, contido,
expressões refinadas da arte, do engenho e da ciência. Mas são elas que escondido, subtraído… O amor só pode ser adicionado, multiplicado,
movem o poeta, o guerreiro, o cientista, o sacerdote, o empresário, enfim, extravasado, espalhado, revelado, disseminado, compartilhado,
todo homem e toda mulher a fazer o que quer que seja na vida. cultivado, frutificado… sem barreiras, exclusividade, desculpas, rodeios,
mentiras, ciúmes, trapaças, temores, pudores, exigências, cobranças…
Com alegria, harmonia, ternura, carinho, respeito, amizade, admiração,
Paixão é uma exacerbação de desejo e de amor, concentrada
zelo… Mas ardoroso, impulsivo, sôfrego, extasiante, avassalador… Por
em uma pessoa. Enquanto o amor pode ser direcionado a várias outras
sentimentos, desejos, vontade, ações, testemunhos, declarações,
pessoas simultaneamente, mesmo o amor erótico-romântico, a paixão é
gentilezas, presentes… Entre toques, abraços, beijos, enlaces, suores,
exclusivista. Quando se apaixona é por uma pessoa só de cada vez. Trata-
tremores, estertores, exaustão… E tem que fazer vibrar todas as fibras do
se de um sentimento muito forte que traz uma necessidade imperiosa da
ser numa melodia celestial, exalar os mais inebriantes perfumes, propiciar
outra pessoa, cuja ausência leva a grande tristeza, cuja presença causa
as mais belas imagens do ser amado, sentir as mais suaves e arrepiantes
uma série de manifestações somáticas emotivas, como taquicardia,
carícias e evocar os mais significativos momentos de indizível romance,
bambeira nas pernas, gagueira, sudorese, rubor. É uma condição psíquica
prazer e elevação. Viver sem amar não é viver, é padecer e suportar a mais
que envolve totalmente a pessoa, que passa o tempo todo só pensando na
indizível tristeza que a vida pode conceder. Busca o amor antes de tudo o
outra, que se esquece do resto da vida, que não percebe nenhum defeito
mais. Nunca é tarde para amar enquanto houver vida. A falta de tudo o
no objeto de sua paixão e exacerba suas qualidades, até inventando,
mais, com amor, pode ser suportada. A presença de tudo o mais, sem
inconscientemente, algumas. A paixão, normalmente, evolui para um
amor, é insuportável. Ao buscar e achar o amor, não se prenda a
sentimento mais ameno de amor ao fim de certo tempo. Mas a lembrança
compromisso nenhum senão a retribuir o amor com amor. E nem
dela nunca fica apagada. Trata-se de uma das mais fortes emoções e um
condicione a doação do amor a nenhuma reciprocidade. Nenhuma paga
dos mais fortes sentimentos que se pode experimentar. Em verdade é uma
requer o amor, nem mesmo o amor. Nem a perenidade, nem a
das coisas que faz com que a vida tenha sentido.
exclusividade. Muito menos qualquer servidão ou retribuição não
Amor é coisa mais maravilhosa e é a razão e o propósito da amorosa. Mas, uma vez o amor ao amor se dando, apenas por amor, tudo
nossa existência. Mas amor tem que ser uma coisa livre, franca, aberta, o mais poderá e será dado de favor, sem conta nem exigência.

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