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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

ESCOLA DE CIÊNCIAS SOCIAIS – FGV CPDOC


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS
DOUTORADO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS

JAIME WRIGHT E A TEOLOGIA DAS BRECHAS – O PAPEL DO PASTOR


PRESBITERIANO NAS REDES DE SOLIDARIEDADE LIGADAS A IGREJAS
PROGRESSISTAS NAS DITADURAS MILITARES DA AMÉRICA LATINA

APRESENTADA POR
EVANIZE MARTINS SYDOW

PROFESSOR ORIENTADOR ACADÊMICO: AMÉRICO OSCAR GUICHARD FREIRE

Rio de Janeiro, setembro de 2022

1
FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
ESCOLA DE CIÊNCIAS SOCIAIS – FGV CPDOC
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS
DOUTORADO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS

JAIME WRIGHT E A TEOLOGIA DAS BRECHAS – O PAPEL DO PASTOR


PRESBITERIANO NAS REDES DE SOLIDARIEDADE LIGADAS A IGREJAS
PROGRESSISTAS NAS DITADURAS MILITARES DA AMÉRICA LATINA

APRESENTADA POR
EVANIZE MARTINS SYDOW

Rio de Janeiro, setembro de 2022

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
ESCOLA DE CIÊNCIAS SOCIAIS – FGV CPDOC
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS
DOUTORADO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS

PROFESSOR ORIENTADOR ACADÊMICO: AMÉRICO OSCAR GUICHARD FREIRE

APRESENTADA POR
EVANIZE MARTINS SYDOW

JAIME WRIGHT E A TEOLOGIA DAS BRECHAS – O PAPEL DO PASTOR


PRESBITERIANO NAS REDES DE SOLIDARIEDADE LIGADAS A IGREJAS
PROGRESSISTAS NAS DITADURAS MILITARES DA AMÉRICA LATINA

Tese de Doutorado apresentada à Escola de


Ciências Sociais FGV CPDOC como
requisito para a obtenção do grau de Doutora
em História, Política e Bens Culturais.

Rio de Janeiro, setembro de 2022

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas/FGV

Sydow, Evanize Martins


Jaime Wright e a teologia das brechas: o papel do pastor presbiteriano
nas redes de solidariedade ligadas a igrejas progressistas nas ditaduras
militares da América Latina / Evanize Martins Sydow. – 2022

197 f.

Tese (doutorado) – Escola de Ciências Sociais da Fundação Getulio


Vargas, Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais.
Orientador: Américo Oscar Guichard Freire.
Inclui bibliografia.

1. Wright, Jaime. 2. Igreja Presbiteriana – Estados Unidos. 3.


Igreja Presbiteriana – Atividades políticas. 4. Ditadura - América Latina –
Aspectos religiosos. I. Freire, Américo. II. Escola de Ciências Sociais da
Fundação Getulio Vargas. Programa de Pós-Graduação em História,
Política e Bens Culturais. III. Título.

CDD – 285.235

Elaborada por Maria do Socorro Almeida – CRB-7/4254


FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
DOUTORADO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS
CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL

EVANIZE MARTINS SYDOW

“JAIME WRIGHT E A TEOLOGIA DAS BRECHAS - O PAPEL DO PASTOR PRESBITERIANO NAS REDES DE SOLIDARIEDADE
LIGADAS A IGREJAS PROGRESSISTAS NAS DITADURAS MILITARES DA AMÉRICA LATINA’’.

TESE APRESENTADO(A) AO CURSO DE DOUTORADO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE
DOUTOR(A) EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS.

DATA DA DEFESA: 17/10/22

ASSINATURA DOS MEMBROS DA BANCA EXAMINADORA

PRESIDENTE DA COMISSÃO EXAMINADORA: PROFº/ª AMÉRICO OSCAR GUICHARD FREIRE

PROFº/ª AMÉRICO OSCAR GUICHARD FREIRE


ORIENTADOR(A)

PROFº/ª JAMES NAYLOR GREEN PROFº/ª GRIMALDO CARNEIRO ZACHARÍADHES


MEMBRO EXTERNO MEMBRO EXTERNO

PROFº/ª ZÓZIMO ANTONIO PASSOS TRABUCO PROFº/ª FABIO LANZA


MEMBRO EXTERNO MEMBRO EXTERNO

RIO DE JANEIRO, 18 DE OUTUBRO DE 2022.

PROFº/ª CELSO CORRÊA PINTO DE CASTRO PROFº ANTONIO DE ARAUJO FREITAS JUNIOR
DIRETOR(A) PRÓ-REITOR DE ENSINO, PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

D4Sign 4ca25144-318c-42fd-8686-960e9be4e69e - Para confirmar as assinaturas acesse https://secure.d4sign.com.br/verificar


Documento assinado eletronicamente, conforme MP 2.200-2/01, Art. 10º, §2.
AGRADECIMENTOS

Este trabalho é fruto da parceria com muitas pessoas, ao longo dos últimos 27 anos, desde que
conheci Jaime Wright, quando eu era estudante de jornalismo em São Paulo. Foi por meio do
estudo da trajetória de dom Paulo Evaristo Arns ao longo da faculdade - entre os anos de 1994
e 1997 - que minha vida profissional e acadêmica se definiu. E Jaime foi figura central nesse
processo de me fazer conhecer a importância de algumas figuras da Igreja na nossa história. Ao
reverendo Jaime, todo o meu respeito e carinho. Esta pesquisa só fez aumentar a minha
admiração por Jaime e sua contribuição à democracia do nosso país. Estendo aqui o
agradecimento à família Wright, que sempre foi atenciosa e gentil comigo, em especial dona
Alma Wright, mulher que combinava uma ternura imensa e a coragem para acompanhar o
marido em suas ações por vezes arriscadas.

Agradeço a Américo Freire, meu amigo e orientador: a paciência, a atenção, a parceria e a


preocupação em colaborar na indicação de leituras, fontes, metodologias e longas conversas
para que a pesquisa se esmerasse.

Tive a oportunidade de passar um período de sete meses nos Estados Unidos pesquisando na
Presbyterian Historical Society - The National Archives of the PCUSA, os arquivos da Igreja
Presbiteriana dos Estados Unidos, numa bolsa sanduíche junto à Brown University, e para tanto
foi fundamental contar com o apoio, o carinho e a atenção do professor e amigo James Green,
que me recebeu de braços abertos e tornou a experiência um período de alegria e aprendizado.
Ainda no âmbito da Brown University, agradeço as sempre atenciosas Cherrie Guerzon, Cheryl
Moan, Laura Beth Montague, Lisa Tillson, Mary Beth Bryson e Shayna Kessel.

A equipe da Presbyterian Historical Society - The National Archives of the PCUSA foi amiga,
atenciosa e e se empenhou em facilitar o meu trabalho naquele arsenal de informações que é o
acervo na Filadélfia. Por isso, muito obrigada às companheiras Lisa Jacobson, Charlene
Peacock e Krysten Gaydos.

Também agradeço muitíssimo o empenho de Juliana Marques da Silva, coordenadora de


pesquisa da FGV CPDOC, que me estimulou a viajar aos Estados Unidos para fortalecer a
pesquisa e as redes de contato, já que estávamos em meio ao auge da pandemia e isso me trazia

4
muita insegurança. Juliana foi importante para que eu me sentisse segura para ir e me deu todo
o apoio em termos de informações e trâmites. Estendo aqui o agradecimento ao professor Celso
Castro, diretor do Cpdoc, pela oportunidade da bolsa e do período de estágio na Brown
University.

Agradeço a todas e todos as/os professores da FGV CPDOC que colaboraram profundamente
nessa caminhada acadêmica. O CPDOC é um espaço privilegiado onde se alia a teoria e a
prática e isso o torna especial no âmbito acadêmico e de pesquisa.

Agradeço grandemente às pessoas que se dispuseram a me contar um pouco de suas histórias


com Jaime Wright ou em assuntos relacionados a ele: Adolfo Perez Esquivel, Afonso Heringer
Lisboa, Aldo Etchegoyen, Anivaldo Padilha, Charles Harper, Claudio Gonzales, Derval
Dasilio, Djalma Torres, Dom Paulo Evaristo Arns, Eliana Rollemberg, Estela de Carlotto,
Fermino Fechio, Jaime Wright, James Green, Jan Rocha, Joan Dassin, Jovelino Ramos, Luiz
Eduardo Greenhalgh, Ralph Della Cava, Roberto Grandmaison, e a Zwinglio Mota Dias, que
participou da minha banca de quallificação desta tese e me daria o privilégio de estar na banca
final, não fosse o destino levá-lo para outro plano antes. A Zwinglio, todo o meu carinho e
admiração.

Tenho várias amigas e amigos a agradecer, mas homenageio a todas e todos em nome de
Marilda Ferri, parceira da rotina enlouquecida de trabalho.

Também registro minha profunda gratidão à minha família pela paciência e apoio ao longo de
todo o processo: minha mãe, Olinda, minha irmã, Silvia, e meu companheiro, Cleber.

Sou só gratidão.

5
RESUMO

A tese tem como objeto a trajetória de Jaime Wright, importante representante no Brasil da
Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos, especialmente entre os anos de 1960 e 1990. Aborda
a sua atuação na gerência de recursos para que a militância protestante de esquerda pudesse
atuar no Brasil, viabilizando instituições como a Coordenadoria Ecumênica de Serviço, o
Centro Ecumênico de Documentação e Informação e o Instituto de Estudos da Religião, o
apoio a ações de nomes como Jether Ramalho e Waldo César, além de seu papel no Comitê
pelos Direitos Humanos no Cone Sul e no projeto Brasil Nunca Mais, prática de ação que ele
chamava de "teologia das brechas". A pesquisa também destaca como Jaime se empenhou na
luta pelos direitos humanos, em espacial após o desaparecimento de seu irmão, Paulo Stuart
Wright, em 1973, pelas mãos dos militares no país, e sua parceria com a Igreja Católica, por
meio das ações junto com dom Paulo Evaristo Arns. Para tanto, foram pesquisados arquivos
como o Presbyterian Historical Society - The National Archives of the PCUSA; realizadas
entrevistas, além de acesso a documentos inéditos do acervo de Jaime Wright.

ABSTRACT

The thesis focuses on the trajectory of Jaime Wright, an important representative in Brazil of
the Presbyterian Church of the United States, especially between the 1960s and 1990s. It
addresses his role in resource management so that left-wing Protestant militancy could act in
Brazil enabling institutions such as the Ecumenical Service Coordination, the Ecumenical
Center for Documentation and Information and the Institute for Religious Studies, supporting
actions by names such as Jether Ramalho and Waldo César, in addition to their role in the
Committee for Human Rights in the Southern Cone and in the Brazil Never Again project, a
practice of action that he called "theology of breaches". The research also highlights how
Jaime committed himself to the struggle for human rights, especially after the disappearance
of his brother, Paulo Stuart Wright, in 1973, at the hands of the military in the country, and his
partnership with the Catholic Church, through actions together with Dom Paulo Evaristo
Arns. To this end, archives such as the Presbyterian Historical Society - The National
Archives of the PCUSA were searched; interviews were carried out, as well as access to
unpublished documents from the Jaime Wright’s collection.

6
Dedico esta tese à minha mãe, Olinda, e à minha irmã, Silvia,
que sempre me apoiam em tudo o que eu faço

7
Os mártires penetram na arena de mãos dadas;
mas são crucificados sozinhos

Aldous Huxley

8
SUMÁRIO

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS………………..………………..…………..….….11

INTRODUÇÃO………………………………………………………..……………………..13

Objetivos……….………………………………………………………………………..……16

O tema e sua relevância………………..….…………………………………..…….…..…….18

Estrutura…….……….………………………………………………………….……….……21

Parte I - A chave do cofre: O papel na MPBC, os conflitos com a Igreja Presbiteriana do


Brasil e o enfrentamento à ditadura militar no Brasil………………..……………..….…24

CAPÍTULO 1 - VÁ E PREGUE………..………………………………..………….……..…24

Juventude protestante…………………………………………………………………………30
O Setor de Responsabilidade Social da Igreja e a Conferência do Nordeste…………………..38
ISAL: o sal da terra no mundo latino-americano…………………………………………..…..41
Caça às bruxas: a relação com a IPB………………………………………………………….44
Apoio ao golpe militar…………………………………………………………………..…….50

CAPÍTULO 2 - O MARTÍRIO DE JAIME………..………………….…………….…….….65

Frutos advindos da rede de solidariedade………………………………………………….….70


A ditadura bate à porta: protestantes como perseguidos políticos…………………………….76
Paulo, o caminho………………………………………………………………………….…..83

Parte II - Os direitos humanos atravessam Jaime Wright…..………..…………………101

CAPÍTULO 3 - A CONSPIRAÇÃO VITORIOSA……………………………………….…101

O Boletim Clamor…………………………………………………………………………...106
Anatole e Vicky: o milagre……………………………………………………………….….109
Desaparecidos na Argentina…………………………………………………………………113
Outras brechas…………………………………………………………………………….…119
Um poço de mágoa…………………………………………………………………….….…121

CAPÍTULO 4 - PARA QUE A MORTE NÃO TENHA A ÚLTIMA


PALAVRA…..…….…...........................................................................................................136

Os Projetos “A" e “B”………………………………………………………………….…….141


Torture in Brazil………………………………………………………………………….….143

Parte III - A comunicação como estratégia de luta……..…………………..…………..…153

9
CAPÍTULO 5 - O TEÓLOGO DAS BRECHAS…….…….……………………………...…153

Abre a tua boca a favor do mundo, pelo direito de todos os que se acham em desolação
(Prov.31:8) - A título de considerações finais………………………………………….….…156
Após as trevas, luz!……………………………………………………………………..……159

ANEXO………………………………………………………………………………….…..170

Cronologia de Jaime Wright; da Igreja Presbiteriana no Brasil e nos Estados Unidos; e de fatos
relacionados aos presbiterianos ligados à trajetória de Jaime Wright.…………….…............170

LISTADOS ARQUIVOS CONSULTADOS……………..…………………………………186

LISTA DE PERIÓDICOS ......................................................................................................187

LISTA DOS ENTREVISTADOS..……………………………………………………….…188

BIBLIOGRAFIA…………..……………………………………………………………..…189

10
Lista de siglas e abreviaturas

ACNUR - Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados


AGEN - Agência Ecumênica de Notícias
AP - Ação Popular
BNM - Projeto Brasil: Nunca Mais
BP - Brasil Presbiteriano
CBM - Central Brazil Mission
CEB - Confederação Evangélica do Brasil
CEI - Centro Evangélico de Informação
CEDI - Centro Ecumênico de Documentação e Informação
CE/SC - Comissão Executiva do Supremo Concílio
CESE - Coordenadoria Ecumênica de Serviço
CLAMOR - Comitê de Defesa dos Direitos Humanos nos Países do Cone Sul
CMI - Conselho Mundial de Igrejas
CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CNI - Conselho Nacional de Igrejas
COEMAR - Comissão de Missão e Relações Ecumênicas da Igreja Presbiteriana Unida dos
Estados Unidos
COFFLA - Common Front for Latin America
CONADEP - Comisión Nacional sobre la Desaparición de Personas
DOI-CODI - Destacamento de Operações de Informações-Centro de Operações e Defesa
Interna
DUDH - Declaração Universal dos Direitos Humanos
FECOPESCA - Federação das Cooperativas de Pesca
FMCE - Federação Mundial Cristã de Estudantes
FENIP - Federação Nacional de Igrejas Presbiterianas
IPB - Igreja Presbiteriana do Brasil
IPIB - Igreja Presbiteriana Independente do Brasil
IPM - Inquérito Policial Militar
IPU - Igreja Presbiteriana Unida do Brasil
ISAL - Igreja e Sociedade na América Latina
ISER - Instituto de Estudos da Religião
ISET - Instituto Superior de Estudos Teológicos
11
MPBC - Missão Presbiteriana do Brasil Central
LBA - Legião Brasileira de Assistência
OBAN - Operação Bandeirantes
OEA - Organização dos Estados Americanos
ONU - Organização das Nações Unidas
PCUSA - Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos
PSP - Partido Social Progressista
PTB - Partido Trabalhista Brasileiro
SC - Supremo Concílio
SPS - Seminário Presbiteriano de Campinas
SRSI - Setor de Responsabilidade Social da Igreja
SSP - -Secretaria de Segurança Pública
STM - Superior Tribunal Militar
TPP - Testemunhos Pró Paz
UCEB - União Cristã de Estudantes do Brasil
ULAJE - Unión Latinoamericana de Juventudes Evangélicas
VPR - Vanguarda Popular Revolucionária

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1. Introdução

“A dolorosa experiência da morte de seu


irmão, Paulo Wright, por torturas no DOI-CODI
de São Paulo, levou-nos a uma parceria
ecumênica exemplar. Pela primeira vez em sua
história, a Igreja Presbiteriana Unida cedeu à
Igreja Católica Romana um dos seus mais
competentes obreiros para trabalhar comigo em
tempo integral na Arquidiocese de São Paulo. O
Rev. Jaime Wright, durante os quase nove anos
que cooperou conosco, tornou-se uma espécie de
‘bispo auxiliar para assuntos internacionais e de
direitos humanos’.”1

O comentário de dom Paulo Evaristo Arns sobre ter um pastor presbiteriano como
seu bispo-auxiliar corria o mundo. Dom Hélder Câmara, ao ficar hospedado, junto com Jaime
Wright, na casa de amigos judeus em Nova York, nos idos de 1980, dizia: “This man is not
only a Presbyterian minister; he is also the honorary auxiliary bishop of the cardinal of São
Paulo”. O gracejo, no entanto, trazia uma verdade inédita. Jaime Wright trabalhou em uma sala
ao lado daquela em que o cardeal Arns ocupava na cúria metropolitana paulista por quase uma
década e esse fato não tem precedentes na história das relações entre católicos e protestantes.

Wright foi pastor da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil, ocupando o cargo de


secretário-geral da instituição entre 1987 e 1993. Seu irmão, o deputado Paulo Wright, foi morto
pela ditadura militar e seu corpo permanece desaparecido ainda hoje. O período em que Wright
se aproxima da Igreja Católica coincide com o desaparecimento de Paulo. Jaime foi buscar
apoio para encontrar o irmão. Mas antes disso, no início de 1970, ele já promovia reuniões com
alguns dos principais líderes religiosos no Brasil para discutirem a situação política do país e
de que forma as Igrejas poderiam intervir. Reunia em sua casa, por exemplo, o secretário geral
da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) à época, dom José Ivo Lorscheiter, o
bispo da Igreja Metodista Sady Machado, o bispo da Igreja Episcopal Anglicana Arthur Kratz,

1ARNS, Cardeal Paulo Evaristo. Prefácio. In: WRIGHT, Delora Jan. O Coronel tem um segredo: Paulo
Wright não está em Cuba. Petrópolis: Vozes, 1993
13
e o pastor Manoel de Melo, da Igreja Evangélica Pentecostal O Brasil para Cristo. As atitudes
de Jaime de promover o ecumenismo não agradavam a Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB),
historicamente de linha mais conservadora. Isso se intensificou quando passou a trabalhar em
ações com a Igreja Católica. O pastor foi colocado à margem das atividades da IPB2.

Entendo que esta brevíssima passagem sobre a vida de Jaime Wright nos mostra
que estamos tratando de um personagem singular. Iniciei as pesquisas tendo como objeto o
estudo de sua trajetória, afim de produzir a biografia do pastor. Porém, o desenrolar da pesquisa
levou-me a um período de estágio no rico acervo da Presbyterian Historical Society - The
National Archives of the PCUSA, os arquivos da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos que
englobam a Missão Brasil Central, a Comissão de Missão e Relações Ecumênicas da Igreja
Presbiteriana Unida dos Estados Unidos, o Conselho Mundial de Igrejas e o Conselho Nacional
de Igrejas, entre diversos outros entes ligados à Igreja Presbiteriana. O trabalho no acervo da
Filadélfia, e a leitura e sistematização de centenas de páginas de cartas, relatórios e outros
documentos, me fizeram compreender que o personagem com o qual estava trabalhando tinha
um outro lugar no âmbito dos evangélicos: o de homem de ação, um executivo responsável por
projetos de apoio a um grande número de iniciativas realizadas por protestantes na linha da
justiça social. Era ele quem fazia a intermediação e a viabilização de recursos da Igreja dos
Estados Unidos para que seus pares pudessem atuar no Brasil. Jaime tornou-se o detentor da
chave do cofre e sua atuação passou a ser fundamental para que os recursos fossem
disponibilizados, colocando-se em prol da prática da teologia protestante ecumênica.
Essa descoberta, digamos assim, foi surpreendente para mim. Isso porque o meu
lugar de fala é o de alguém que conheceu e conviveu com Jaime Wright nos seus últimos quatro
anos de vida. Ele foi grande incentivador de um trabalho anterior que desenvolvi - a biografia
de dom Paulo Evaristo Arns - e abriu diversas portas para que a obra tivesse êxito. De modo
que eu entendia que o meu olhar sobre a vida de Jaime Wright era bastante privilegiado e global.
Mas, ao fazer o exercício - nada fácil - de me distanciar do objeto da tese que eu conhecia e
iniciando a pesquisa de forma aprofundada - especificamente ao analisar a documentação
disponível na Presbyterian Historical Society -, me deparei com alguém que desconhecia. E
esse é o Jaime Wright foco desta tese.
O homem que gerenciava recursos para que a militância protestante pudesse atuar
no Brasil dos anos 1960 a 1990 - e aqui me refiro a nomes de peso e a grupos fundamentais que

2
SYDOW, Evanize; FERRI, Marilda. Dom Paulo Evaristo Arns – Um homem amado e
perseguido. Petrópolis: Vozes, 1999
14
desempenharam suas ações tendo esse “guarda-chuva financeiro”, como os sociólogos Waldo
César e Jether Ramalho, a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), o Centro Ecumênico
de Documentação e Informação (CEDI) e o Instituto de Estudos da Religião (ISER) -
praticamente não aparece nas referências teóricas, ou tem um significado maior para a história
recente dos protestantes no Brasil do que a literatura disponível apresenta. A bibliografia no
qual figura traz com frequência o pastor que coordenou o projeto Brasil: Nunca Mais, o membro
e articulador do Comitê de Defesa dos Direitos Humanos nos Países do Cone Sul (CLAMOR)
e o irmão do desaparecido político Paulo Wright.
Mas Jaime teve outro tipo de inserção na trajetória presbiteriana entre os anos de
1960 e 1990. De modo que tive imensa dificuldade em dialogar com outros autores sob essa
ótica. Afinal, não há trabalhos acadêmicos produzidos que se aprofundem em categorizar Jaime
Wright neste espaço de fundamental importância que teve, porém no campo da ação e não da
formulação ou formação teológica. Nesta tese, busco contribuir com uma primeira produção no
intuito de trazer para a academia esse aspecto da trajetória de Jaime Wright, compreendendo
que muitos outros trabalhos devem ser produzidos nesta linha para que possamos compor
melhor as análises a respeito do papel deste personagem e ações derivadas de sua atuação.

A meu ver, este tema é imprescindível para o momento que estamos vivendo no
Brasil. Trazer à discussão um protestante com atuação tão relevante em prol dos direitos
humanos é muito importante em função da imagem dos evangélicos no Brasil no momento
atual. Estes são ressaltados por uma pauta moral e conservadora, o apoio à extrema direita e
pela participação no governo de Jair Bolsonaro, que está especialmente distante da garantia dos
direitos humanos. Por isso, entendo ser importante colocar em evidência alguém como Jaime
Wright. Esse refinado, incansável e intransigente executor de tarefas foi um estrategista ao qual
a democracia brasileira deve respeito. Jaime buscou forças no ecumenismo para dar peso a
ações que contribuíram para que a repressão militar perdesse fôlego no Brasil. Além disso, a
reação violenta da Igreja Presbiteriana do Brasil contra Jaime e outros evangélicos se repete
nos dias atuais. Tantos anos depois, a postura dessa igreja segue o mesmo movimento de
perseguições e silenciamentos de seus membros que não compactuam com suas posições
reacionárias. Dessa forma, o trabalho pretende ser uma contribuição para a memória de Jaime
Wright e de sua geração de protestantes, mas também para podermos fazer uma análise de um
passado que se repete no Brasil.

15
OBJETIVOS

A hipótese com a qual trabalho nesta tese é a de que a trajetória de Jaime Wright
foi erguida sobre o trinômio comunicador/mediador e articulador/teólogo social e teólogo das
brechas. As duas primeiras questões desencadeavam a terceira. Significa dizer que suas
iniciativas no âmbito da comunicação eram conjugadas com as de articulador ou mediador e,
juntas, elas tornavam possíveis as lacunas às quais ele denominava de teologia das brechas. Os
objetivos são definir esse trinômio, recuperar a memória de Jaime Wright, tratar da teologia das
brechas como prática de ação, enfatizar a parceria de Jaime Wright com a Igreja Católica, por
meio das ações com dom Paulo Evaristo Arns, e definir o lugar que Jaime Wright desempenhou
na Igreja Presbiteriana.

Ouso dizer que Jaime Wright se deixou tomar por completo diante da Teologia da
Revolução – formulada por Richard Shaull nos anos em que viveu no Brasil (1952-19623),
quando Jaime teve contato com o missionário americano, e esse conceito moldou o modo de
pensar do jovem pastor brasileiro.

Shaull chegou ao Brasil naquele início dos nos 1950, “após um período de estudos
no Union Theological Seminary de Nova Iorque, em que se dedicou às relações entre marxismo
e fé cristã” (HUFF JUNIOR, 2009). Em agosto de 1952 foi realizada no Brasil uma reunião
latino-americana da Federação Mundial Cristã de Estudantes, e Shaull foi um dos principais
conferencistas. O contato com este teólogo libertário fez com que jovens protestantes da
América Latina, como Rubem Alves e Julio de Santa Ana, se encantassem por seu olhar amplo
e ecumênico diante das possibilidades de ação na Igreja. Jaime foi um deles. À época, ele atuava
como educador e pastor no interior da Bahia e as ideias de Shaull chegaram como um incentivo
aos desafios da fé cristã. O uruguaio Julio de Santa Ana estava presente à reunião e deslumbrou-
se com o que ouviu de Shaull: “Para nós, jovens estudantes de teologia, foi o deslumbramento.
De repente, compreendíamos o que estávamos pressentindo, aquilo que até então não havíamos
chegado a ver claramente: nossa avidez pela teologia não podia ser satisfeita somente com a
leitura da Bíblia e dos textos de grandes teólogos, mas sim também requeria a participação na

3
HUFF JUNIOR, Arnaldo Érico. Teologia e revolução: a radicalização teológico-política de Richard Shaull.
Estudos de Religião, v. 26, n. 43

16
história, com todas as suas tensões e com todos os perigos que ela pressupõe.”4 Santa Ana
observa que hoje não se coloca em dúvida, do ponto de vista teórico, essa afirmação em torno
da compreensão do primado da prática. “Naquele tempo, porém, essa insistência parecia ser
inadequada, impertinente. Era um período no qual a metafísica contava na formação teológica.
As ideias que vinham ‘de cima ’eram mais importantes do que as que surgiam do confronto com
a prática. Shaull insistiu em que, do mesmo modo como para ‘falar-Deus ’devíamos estar
participando em nossa situação histórica, assim era, a partir da prática de cada um, que
podíamos referir-nos à matéria que conhecemos. Ou seja, que mais importante que as ideias
abstratas e que toda a teoria que possamos acumular é nossa vivência, o que aprendemos a partir
de nossa ação.” (SANTA ANA, 1985)

Não há trabalhos acadêmicos que trabalhem o conceito de teologia das brechas.


Esta definição de sua forma de atuação foi cunhada por Jaime para definir a sua trajetória de
intelectual da ação. Wright não era um homem de teoria. Embora tivesse uma formação
acadêmica sólida - estudou sociologia na Universidade de Ozarks, no Arkansas, e teologia, na
Universidade de Princeton, no mesmo seminário em que estudaram Richard Shaull e Rubem
Alves -, ele era um homem da prática. Era um articulador nato. Segundo Samarone Lima, para
Jaime, a teologia das brechas se definia como a ocupação de “brechas e lacunas deixadas pelas
ditaduras, misturando ousadia, criatividade e uma percepção aguçada das oportunidades para
denunciar as violações de direitos humanos”. (LIMA, 2003). Nesse sentido, pode-se
compreender a linha de atuação que Jaime optou seguir dentro da Igreja. A relação de Jaime
Wright com a Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) foi conflituosa. A ponto de Jaime deixá-la
em 1968 para não mais voltar. Isso porque a IPB é historicamente conservadora e Jaime se
aproximou de uma linha mais progressista de Igreja desde os primórdios de sua atuação como
pastor, ainda pelos idos dos anos 1950.
Ao estudar Shaull, é possível entender como Wright - e outros de sua geração -
passou a questionar o seu papel como religioso e como essa influência formou a teologia das
brechas na maneira de agir de Wright. Jovelino Ramos, que foi aluno de Shaull no Seminário
Teológico de Campinas a partir de 1953, nos ajuda a entender esse conceito:

A fronteira, a busca, o impacto da descoberta, a mensagem dos fatos, relações


comunitárias, novas possibilidades, o problema real, a questão fundamental, a

4
SANTA ANA, Julio. A Richard Shaull: teólogo e pioneiro ecumênico – um testemunho reconhecido. In: De
denttro do furacão: Richard Shaull e os primórdios da Teologia da Libertação. Coleção Protestantismo e
Libertação. São Paulo: Sagarana, CEDI, CLAI, Progr. Ec. De Pós-Grad. Em Ciências da Relig., 1985
17
dimensão existencial, as rápidas transformações sociais, a missão da Igreja e outros
eram temas constantes das vigorosas reflexões do Shaull. Os temas revelavam o
caráter do teólogo e do scholar que estava sempre à procura do além do comum e
sempre encorajando os discípulos a caminhar lado a lado com ele explorando novas
formas de “testemunho dos poderosos atos redentores de Deus na história dos nossos
dias”. Participar dos fatos, discernir e interpretar criativamente os eventos, atuar
criativamente desvendando alternativas eram e continuam sendo as marcas do
apostolado do Shaull.
(...) Quantas vezes o ouvimos dizer que, como cristãos, não podemos viver em
isolamento. ‘Como cristãos somos membros uns dos outros.‘ ’Como cristãos não
conseguimos nem mesmo pensar sozinhos.‘ ’Como cristãos, se não formos capazes de
ouvir, entender e levar a sério a mensagem que nos vem de outros contextos de vida,
estaremos sendo infiéis ao chamado da Graça.5’

O TEMA E SUA RELEVÂNCIA

A relação de Jaime Wright com a Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) foi


conflituosa. A ponto de Jaime deixá-la nos idos dos anos 1960 para não mais voltar. Um dos
motivos se chamava Teologia do Evangelho Social. Isso porque a IPB é historicamente
conservadora e Jaime se aproximou de uma linha mais progressista de Igreja desde os
primórdios de sua atuação como pastor, ainda pelos idos dos anos 1950. Isso depois foi bastante
aprofundado, mas Jaime nunca foi um conservador na forma de pensar e de se expressar.
Em seu livro Repensando a religião. Debates sobre Teologia, Estado e Cultura, o
teólogo Carlos Flávio Teixeira, cita o conceito de Teologia do Evangelho Social, que, segundo
o autor, é a versão latino-americana da teologia sistematizada pelos teólogos Johann Baptist
Metz na Europa e Harvey Cox nos Estados Unidos. Esses, por sua vez, “se basearam na teologia
de matriz política do pastor batista americano Rauschenbusch". No Brasil, segundo o autor,
"adquiriu traços da cultura latino-americana através de Rubem Alves e Jaime Wright”. De
acordo com Teixeira, a Teologia do Evangelho Social parte da ideia de que “o reino de Deus”
deve ocorrer desde agora e propõe como chave de leitura para o método teológico a praxe social
da Igreja como meio para tal realização. “Assim, seria pertinente a teologia buscar a realização
das pretensões sociais da igreja através, inclusive, da política secular. Enquanto a Teologia
Política propunha a política na igreja, a Teologia do Evangelho Social propunha a igreja e o

5
RAMOS, Jovelino. ‘Você não conhece o Shaull’. In: De denttro do furacão: Richard Shaull e os primórdios da
Teologia da Libertação. Coleção Protestantismo e Libertação. São Paulo: Sagarana, CEDI, CLAI, Progr. Ec. De
Pós-Grad. Em Ciências da Relig., 1985
18
evangelho na política. Mais tarde, seria retomada em sua versão e sistematização pós-moderna
pelo teólogo Jürgen Moltmann com o nome de teologia da esperança.”
O autor destaca que foi em 1952 que o missionário Richard Shaull chega ao
Brasil e cria uma estreita relação com Jaime Wright e Rubem Alves. As consequências dessa
relação estreita para a história recente dos presbiterianos – em especial, para a trajetória de
Jaime Wright – trarão elementos importantes para entendermos em maior profundidade a
postura da Igreja Presbiteriana do Brasil e a Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos,
particularmente em relação à figura de Jaime Wright.
A IPB e alguns de seus membros perseguiram Jaime Wright efetivamente. Numa
correspondência de 28 de fevereiro de 1971 e assinada pelo seu secretário executivo, Fuad
Miguel, a Comissão Executiva do Supremo Concílio pediu a substituição de Jaime e de outros
missionários, como Carl Joseph Hahn Jr., Paul Pierson e Charles Harken – missionários da
Missão Presbiteriana Brasil Central e membros da COEMAR dos campos do Brasil6.
Além disso, Wright foi denunciado para os militares por membros da IPB em
diversas tentativas. Mas não chegou a dar depoimento, talvez por trabalhar com dom Paulo
Evaristo Arns e contar com o “guarda-chuva” de autoridade deste, além de contar com o apoio
do coronel Teodoro de Almeida, Pupo, que protegeu Wright e membros da Missão Presbiteriana
Brasil Central. Jaime dizia7:

[...] fui contemplado com várias denúncias feitas pelos companheiros deles [Boanerges e
aqueles que diretamente estavam relacionados a ele] e isso eu tenho de fonte muito limpa,
porque um amigo que eu tive durante muito tempo foi o Coronel Teodoro de Almeida (Pupo)
que por sua vez tinha um cunhado Coronel, também. [...] Coronel [Renato] Guimarães. E o
Coronel Guimarães, claro, passava as notícias para o cunhado, Coronel Pupo, e eu ficava
sabendo de antemão dos planos, as estratégias da IPB com relação à repressão, a tentativa da
repressão da Missão Presbiteriana Brasil Central, e as denúncias que eles pretendiam fazer.
Razão porque, nesse período, eu preparei um dossiê com o nome de todos os membros da
Missão Presbiteriana, com os seus RGs, os seus endereços, e fui quase de porta em porta, nas
agências de repressão oferecendo uma cópia, me apresentando, dizendo que eu era
responsável por este grupo e que eu sabia das denúncias que estavam sendo feitas contra mim
e contra a Missão Presbiteriana. E, as denúncias eram feitas, mais ou menos, no seguinte
estilo: eles sempre faziam questão de dizer que: “Jaime Wright não é da nossa Igreja
Presbiteriana, ele é de outra Igreja Presbiteriana, é de uma Igreja Americana ecumenista - e,
eles usavam o tom pejorativo para falar de ecumenismo; é membro do Conselho Mundial de

6
PAIXÃO JÚNIOR, Valdir Gonzalez. Poder, memória e repressão: a Igreja Presbiteriana do Brasil no período
da ditadura militar (1966-1978)
7
Idem
19
Igrejas- que, notoriamente, é um órgão subversivo; e que, sendo esta Igreja membro do
Conselho Mundial de Igrejas e, Jaime Wright sendo membro desta igreja, Jaime Wright,
então, é, também, subversivo e perigoso. Era mais ou menos este estilo que eles usavam para
me denunciar. Quem me falou especificamente sobre isso foi o delegado titular do DOPS,
em São Paulo, que eu fui visitar, levar um dossiê. A conversa saiu que ele era “mackenzista”
e ele me contou das tentativas periódicas, no Mackenzie, de reprimir pessoas, professores,
estudantes (Entrevista, 26 mar. 1999).

Esses membros da IPB não aceitavam qualquer iniciativa de trabalhar por direitos
humanos. O pastor ia aos locais onde estava sendo denunciado. Ironicamente, costumava dizer
aos policiais8: – Sou Jaime Wright. Soube que fui denunciado aqui...
Uma vez ouviu de um delegado:

– Nós aprendemos a não levar a sério essas denúncias que protestantes fazem de
protestantes. Estamos até o pescoço de protestante que vem aqui denunciar
protestante. Eles têm problemas nas suas Igrejas e vêm aqui denunciar para a gente
resolver esses problemas que eles têm lá dentro. Eles não são subversivos coisa
nenhuma. Subversivos mesmo são os católicos.

Desde quando o irmão Paulo é preso e levado para o Doi-Codi, em São Paulo, em
setembro de 19739, e não mandou mais notícias, Jaime mudou a sua rotina, passando a dedicar
boa parte de sua vida à procura por informações sobre o paradeiro do irmão. Foi aos Estados
Unidos, pedindo ajuda para mais de uma dezena de entidades, como a Comissão Interamericana
de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). A aproximação com
dom Paulo Evaristo Arns fez com que o arcebispo o apresentasse como seu bispo-auxiliar
honorário, encarregado de direitos humanos e relações internacionais. E Jaime tornou-se
eficiente em relações internacionais não apenas para denunciar a situação brasileira, mas de
outros países, como Argentina, Chile, Uruguai e Paraguai. Era considerado uma ponte com a
Igreja progressista do Brasil por militantes dos direitos humanos nestes lugares.
A trajetória de Jaime foi especialmente marcada, entre 1979 e 1985, pela
idealização e o processo de realização do projeto Brasil: Nunca Mais, um dos mais importantes
documentos sobre os porões da ditadura militar no Brasil. Na pesquisa, advogados contratados

8
SYDOW, Evanize; FERRI, Marilda. Dom Paulo, um homem amado e perseguido. São Paulo: Expressão Popular,
2017
9
SYDOW, Evanize; FERRI, Marilda. Dom Paulo Evaristo Arns – Um homem amado e
perseguido. Petrópolis: Vozes, 1999
20
por Wright, sob o guarda-chuva de dom Paulo Evaristo Arns, copiaram mais de 700 processos
de presos políticos dos arquivos do Superior Tribunal Militar (STM). Os volumes trazem as
práticas de tortura, quem eram as pessoas presas, torturadas e mortas pela ditadura, além de
informações sobre partidos e outras organizações visadas pelos militares. Como estes tinham
como hábito o registro sistemático de tudo o que faziam, os arquivos do STM eram riquíssimos
em informações. E esses processos foram destrinchados pela equipe que Wright coordenou para
produzir o Brasil: Nunca Mais.
Jaime Wright morreu em 1999, aos 72 anos, da mesma forma que viveu boa parte
de sua vida: sendo alijado pela igreja protestante, mas muito próximo dos católicos.

ESTRUTURA

A tese está dividida em três partes. A primeira é composta por dois capítulos. O
primeiro deles tratará dos primeiros contatos com a igreja norte-americana e as inspirações para
sua trajetória por uma teologia social e a aproximação, em 1952, aos 25 anos, com o missionário
presbiteriano americano Richard Shaull, levando Jaime a se ligar em uma linha mais
progressista de Igreja. Na mesma época, ele segue para a Bahia e torna-se diretor do Instituto
Ponte Nova, instituição de formação de professores de escolas públicas do Estado da Bahia,
cargo que ocupou até 1960, desenvolvendo um trabalho de grande repercussão na igreja
americana, assim como a ascensão de Jaime na Igreja Presbiteriana e as desavenças que se
iniciam e que acompanharão o pastor por toda a trajetória nos intramuros presbiterianos, em
especial aquelas com o Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil. Jaime viabilizava
recursos junto a Igreja nos Estados Unidos para que outros protestantes trabalhassem com o
compromisso junto à justiça social.
O segundo capítulo busca apresentar a trajetória do pastor como executivo
responsável por projetos ecumênicos e o apoio a protestantes que foram perseguidos pela Igreja
Presbiteriana do Brasil e pela ditadura militar, como Waldo César, Jovelino Ramos, Jether
Ramalho e Anivaldo Padilha. Wright coloca-se em prol da prática da teologia protestante
ecumênica. O capítulo também apresenta o início de atividades de seu irmão Paulo Wright,
eleito deputado pelo Partido Social Progressista (PSP) em Santa Catarina e um dos principais
líderes da Ação Popular. Busca traçar uma linha do tempo por meio da qual é possível entender
como Jaime é imbuído das ideias do irmão, Paulo Wright, que o levam a introjetar a busca por

21
justiça social como objetivo primeiro de sua atuação - não como evangelizador, mas como
estrategista no âmbito dos evangélicos. O capítulo também trata do papel de Jaime na criação
de importantes entidades ecumênicas, como CEDI, ISER, CESE e Agência Ecumênica de
Notícias (AGEN). Aqui também será abordado o desaparecimento de Paulo Wright - preso,
torturado e morto pela ditadura militar em 1973 e até hoje não localizado. Jaime viveu um
martírio em busca do irmão e a sua aproximação da Igreja Católica, em especial do cardeal
arcebispo dom Paulo Evaristo Arns, buscando apoio para localizar Paulo, acabou se
transformando numa parceria inédita entre igrejas.
A segunda parte da tese, intitulada “Os direitos humanos atravessam Jaime
Wright”, é formada por dois capítulos. Com a intensificação do trabalho de receber refugiados
argentinos, chilenos, paraguaios e uruguaios que procuravam a Igreja no Brasil, Jaime torna-se
um dos fundadores do Comitê de Defesa dos Direitos Humanos nos Países do Cone Sul
(Clamor), que, entre outras ações, também ajudou na localização de crianças seqüestradas pela
polícia nos países vizinhos. O terceiro capítulo fará uma análise sobre o papel de Jaime na
formação e no desenvolvimento do CLAMOR, que foi o que podemos chamar de uma rede
ecumênica brasileira de solidariedade que atuou nos países do Cone Sul, inclusive com o apoio
de organizações sediadas na Europa. Wright foi um de seus principais articuladores e tornou-
se conhecido no Cone Sul como um dos principais portos seguros para os perseguidos políticos
pelas ditaduras. Cria o boletim Clamor, sendo também o seu tradutor, e distribui a publicação
para diversos países, no intuito de denunciar o que ocorria no Cone Sul. Na mesma linha de
raciocínio, junto com a esposa, Alma Wright, Jaime vai a Buenos Aires entregar para as Avós
da Praça de Maio uma folhinha produzida pela Arquidiocese de São Paulo (ele mesmo que
produziu), ilustrada com fotografias de crianças e a idade que tinham quando desapareceram
no Cone Sul. O material pegou os militares de surpresa e provocou vários protestos na
Argentina.
O capítulo quatro trata do papel desempenhado por Jaime Wright no projeto Brasil:
Nunca Mais (BNM), e tem como um dos enfoques a atuação de Wright na divulgação do BNM
em âmbitos nacional e internacional, e a articulação feita em diversas redes para que o projeto
fosse acolhido em diferentes universidades, e torna-se, a partir daí, uma forte linha de pesquisa
no que diz respeito à ditadura militar no Brasil. Aqui, entendo que uma contribuição desta
pesquisa é corrigir uma informação que a imprensa e os trabalhos acadêmicos reproduzem no
Brasil: o projeto não teve a participação do rabino Henry Sobel. A construção dessa memória
se fez ao longo dos últimos 20 anos - talvez trazendo a ideia de que o mesmo trio de religiosos
que realizaram o culto em memória de Vladimir Herzog seguiu juntos em outras realizações até

22
chegar ao Brasil Nunca Mais. Mas essa informação é errada. Wright e Arns foram os
coordenadores do projeto (Arns era um guarda-chuva, principalmente, e Wright um articulador
de apoios e da equipe de coordenação), e Sobel não atuou em nenhuma fase de realização do
BNM.
Na última parte da tese, sob o título "Comunicação como estratégia de luta”,
procuro analisar o peso que Jaime Wright deu à comunicação em suas ações. A comunicação
passa a fazer parte da vida de Jaime de forma a dar suporte às estratégias de defesa dos direitos
humanos; e o papel de Jaime Wright como articulista e sua relação próxima com a grande
imprensa. Um dos destaques deste capítulo é a coluna semanal “Conversando sobre a América
Central” no jornal O São Paulo, que foi acompanhada por diplomatas norte-americanos ao
longo de todo o período em que escreveu, sendo que esse acompanhamento era reportado à
igreja nos Estados Unidos. Além disso, a estratégia usada para ter a imprensa como parceira
nas ações que empreendia, concedendo entrevistas para veículos de massa como a revista Veja
e o jornal Folha de S. Paulo, além de diversos títulos americanos. A estratégia da comunicação
também era utilizada nos boletins que redigia, editava, traduzia e distribuía. Foi assim com o
informativo do Clamor - abordado no capítulo 4 -, mas também com os 59 números do boletim
Traço-de-União, da Secretaria Geral da Igreja Presbiteriana Unida, o informativo da Fundação
Samuel, do qual era o redator e diretor responsável, e os 16 números do Boletim Informativo
do Presbitério de Vitória.
Também neste capítulo abordo a criação da Federação Nacional de Igrejas
Presbiterianas - depois Igreja Presbiteriana Unida do Brasil -, instalada em Vitória. A IPU foi
organizada em 1978, e é herdeira da Reforma Protestante e do presbiterianismo de missões da
Igreja Presbiteriana Unida dos Estados Unidos, atual Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos –
PCUSA. Em seus documentos de fundação é possível perceber que a sua criação está
diretamente ligada à necessidade de uma Igreja mais ligada às causas sociais defendidas por
seus militantes e pastores, que passaram a ser perseguidos. Jaime estava entre esses pastores. -
ele foi secretário executivo da instituição de 1988 até 1993.

23
Parte I - A chave do cofre

Capítulo 1
VÁ E PREGUE

Jaime Wright tinha 23 anos quando, em 1950, foi chamado a integrar a Missão
Presbiteriana Brasil Central (MPBC). A MPBC era a instituição responsável pela administração
dos bens e investimentos da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos no Brasil (PCUSA). A
Missão Brasil da PCUSA foi estabelecida pelo Conselho de Missões Estrangeiras em 1859. Foi
o segundo campo missionário aberto pela PCUSA na América Latina. Por conta das grandes
distâncias que os missionários tinham que percorrer no Brasil, em 1871 a Missão Brasil foi
dividida em duas - Missão Brasil Sul e Missão Brasil Central. Mas 67 anos depois, em 1938,
elas voltaram a ser uma só, e foi denominada Missão Presbiteriana Brasil Central.

As atividades principais da MPBC no país eram evangelizadoras, educacionais e


médicas. Na Missão Brasil Sul o trabalho educacional foi focado em São Paulo, onde foram
ministrados cursos do ensino fundamental e médio na Escola Americana, e superior, na então
Faculdade Mackenzie (hoje Universidade Presbiteriana Mackenzie), fundada em 1870. Já na
Missão Brasil Central, a Escola Agrícola de Ponte Nova, na Bahia, ofereceu cursos de
referência na área. Foi também em Ponte Nova que a Missão construiu um hospital de
referência.

Em um de seus artigos para o jornal Folha de S. Paulo, em 1997, Jaime destacou um


dos mais curiosos trabalhos da MPBC, que foi aquela que o reverendo Wright chamou de "a
única reforma agrária presbiteriana de que se tem notícia”10. No acervo do National Archives
of PCUSA, há farta documentação sobre essa iniciativa, concluída em 1975. A mencionada
reforma agrária aconteceu em três grandes propriedades da Missão localizadas nos estados da
Bahia e de Mato Grosso.

"Ela resultou da consciência crítica dos missionários diante das enormes áreas
improdutivas que administravam e das carências imensas da gente rural. (…) As compras

10
WRIGHT, Jaime. Uma reforma agrária protestante. Folha de S. Paulo, 14 de julho de 1997. Disponível em
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz140710.htm. Acesso em 17 de novembro de 2021.
24
originais dessas glebas resultaram dos sonhos de antigos missionários, que vislumbravam
comunidades cristianizadoras que teriam o templo como pólo central (catequese), cercado
por um colégio (educação), uma clínica (saúde) e uma área agrícola (para a produção de
alimentos e a sustentação financeira dos vários serviços)”, registrou Jaime.

Na cidade de Ponte Nova, hoje chamada de Wagner, foi comprada uma gleba com 2.817
hectares em 1906 e lá foi construído o Instituto Ponte Nova, a mais antiga escola da MPBC e
da qual Wright vem a se tornar diretor em 1952, o Grace Memorial Hospital e a Escola de
Enfermagem Ponte Nova. Na Chapada dos Guimarães, em Mato Grosso, a MPBC comprou a
fazenda Buriti, com 6.635 hectares onde foi construído o Colégio Evangélico de Buriti. Por
último, adquiriu a Fazenda Porto Feliz, em Sítio do Mato, na Bahia, onde foram criadas uma
escola primária e uma clínica em seus 1.715 hectares.
Wright ironizava no artigo que, por muitos anos, a MPBC atuava nas áreas rurais com os
missionários mostrando aos vizinhos o que esses

“poderiam fazer em suas roças se tivessem o dinheiro e o know-how norte-americanos. (…)


Fazia-se irrigação com água puxada do rio por possante motor e distribuída por eficiente
rede de tubos. Cavava-se com trator um silo horizontal para enterrar o milho até o período
de estiagem. Um avião Cessna ficava no fundo do quintal para buscar outras novidades na
capital."

Mas a MPBC viu surgir, na década de 1960, um movimento interno contra essa prática
que, de acordo com Wright, aumentava as diferenças econômicas e sociais em relação a áreas
vizinhas que utilizavam técnicas mais rudimentares. "Levando em consideração o contexto em
que tentava dar o seu recado, o aparato modernoso e a extensão minimamente aproveitada de
suas glebas constituíam pura ostentação. No fundo, no fundo, laboravam contra a pregação do
Evangelho”, dizia em seu português ácido e objetivo. A alternativa que pareceu ser mais
razoável - e que acabou sendo concretizada - foi dividir as glebas em tamanho suficiente para
produção e sustento de, ao menos, uma família. Com a colaboração de três presbitérios da Igreja
Presbiteriana do Brasil - do Vale do São Francisco, de Campo Formoso e de Cuiabá -, Wright
assinou, como diretor da MPBC em 1975, 75 escrituras dessas glebas: 32 escrituras (com 1.473
hectares) nos cartórios de Itaberaba, Rui Barbosa e Lençóis; 30 (com 1.703 hectares) no cartório
de Bom Jesus da Lapa; e 13 (com 1.133 hectares) no cartório de Chapada dos Guimarães11.

11
WRIGHT, Jaime. Uma reforma agrária protestante. Folha de S. Paulo, 14 de julho de 1997. Disponível em
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz140710.htm. Acesso em 17 de novembro de 2021.
25
Ao contrário da política adotada em outras áreas missionárias, aqui o Conselho de
Missões Estrangeiras incentivou o estabelecimento e a transferência do trabalho missionário
para uma Igreja nacional. Assim, em 1888, as igrejas formadas pelas missões da PCUSA
(presbiterianos do norte dos EUA, notadamente mais progressistas) e da PCUS (presbiterianos
do sul dos EUA) se uniram e formaram a Igreja Presbiteriana do Brasil, abrangendo 52 igrejas
e 4 presbitérios. As divergências sobre questões relativas a doutrina, política e métodos levou
a um cisma desse grupo em 1903, e resultaram na saída de seus ministros e presbíteros da nova
igreja para estabelecerem a Igreja Presbiteriana Independente12.

Embora hoje pesquisas se debrucem sobre o tema da organização nas áreas contábil,
administrativa, eclesiástica e doutrinária dentro da IPB (LOPES, 2022), essa estrutura estava
longe de atender aos anseios daqueles que a integravam nos anos 1960, o que levou a uma
profunda crise financeira e institucional, como poderemos ver mais adiante no tópico sobre a
perseguição que a IPB impôs a muitos dos seus pastores que não concordavam com sua postura
conservadora. Em seu trabalho, Guilherme Esteves Galvão Lopes nos mostra que a IPB não se
consolidou como uma Igreja organizada, tampouco mudou seu viés reacionário ao longo das
últimas décadas:

(…) apesar de possuir uma complexa burocracia e instâncias de participação, fiscalização


e controle, que contribui para a construção e disseminação da imagem de uma igreja
administrativamente organizada, com governo de caráter impessoal e, sobretudo,
democrático, algumas condutas da IPB evidenciam o oposto: embora sejam 56% da
população presbiteriana, nenhuma função eclesiástica é permitida às mulheres, com
exceção do trabalho nas sociedades internas que lhes cabem, cuja participação na
denominação foi analisada por pesquisadores como Ederval Scarpin (2014) e Eumar
Evangelista Menezes Júnior (2020).

Outro problema é ausência de alternância de poder e a acumulação de cargos em algumas


instâncias: o pastor Roberto Brasileiro, por exemplo, preside o Supremo Concílio desde
2002, acumulando quatro reeleições. Além disso, Brasileiro preside o Instituto Bíblico
Eduardo Lane (IBEL), em Patrocínio (MG) desde 1988, para onde transferiu o gabinete da
presidência da denominação.

12
As informações sobre as duas missões foram retiradas da pesquisa de conteúdo nos Arquivos de Secretários da
Missão Brasil Central (1956-1972), coleção COEMAR - Acervo Presbyterian Historical Society – The National
Archives of the PCUSA, Filadélfia, EUA
26
Por último, apontamos o crescimento, no interior e no entorno da Igreja Presbiteriana do
Brasil, de movimentos de viés neo-ortodoxos e fundamentalistas, propondo uma
interpretação radical da doutrina calvinista e de pautas comportamentais e morais, como a
continuidade da proibição da ordenação feminina e uma militância política
neoconservadora, conforme verificamos em pesquisas como as de Robson da Costa de
Souza (2009), Juliana Guedes Cordeiro da Silva (2011) e Alexander Fajardo (2016).

Tais aspectos - a falta de instâncias de participação e fiscalização, ausência de


alternância de poder e acumulação de cargos, e o viés marcadamente conservador - marcaram
a história da IPB e a relação dela com os missionários que atuaram no Brasil, bem como seus
membros progressistas, e esta difícil equação será um dos aspectos abordados nesta tese, uma
vez que muitas das ações de Jaime Wright nos anos 1960 e 1970 foram no sentido de
enfrentamento à cúpula e ao modus operandi desta instituição. Uma outra característica,
abordada também no trabalho de Zózimo Antônio Passos Trabuco (2015) e que nesta pesquisa
estará presente como um dos pontos de análise do perfil de Wright, é a dependência financeira
do Brasil em relação às missões estrangeiras - especialmente aquelas advindas dos Estados
Unidos.

Filho dos missionários americanos Latham Ephraim Wright e Maggie Belle Wright, que
chegaram ao Brasil em 1923, para dirigir o Instituto Cristão no município de Castro, no Paraná,
ele nasceu James Nelson Wright em 1927, na cidade de Curitiba. Três anos depois, foi para
Chicago com os pais e os irmãos. Jaime teve seis irmãos - Margaret, Latham, Walter Lee,
Dorothy, Paulo e Haroldo -, sendo que quatro deles tiveram mortes violentas, em contextos
diferentes. Walter Lee e Haroldo morreram afogados em 1943; Dorothy faleceu com um ano,
vítima de disenteria; e Paulo foi preso, torturado e morto pela ditadura militar em 1973. De
Chicago, logo retornaram ao Brasil e seguiram para Santa Catarina, na cidade de Lages, onde,
Jaime dizia, as condições o influenciaram para o "conhecimento da missão de Cristo e
começaram a tomar forma em minha mente". Cedo conheceu as dificuldades nas relações com
a Igreja Católica conservadora. Em 1932, o casal Wright, que integrava a Missão Brasil Central,
se deparou com religiosos reacionários na cidade de Herval, depois nomeada Joaçaba, no estado
de Santa Catarina, que escolheram para viver, e na qual desenvolveu um trabalho pioneiro,
implantando uma escola e fundando uma Igreja presbiteriana. Jaime registrou em um dos
resumos autobiográficos que fazia e enviava periodicamente à Igreja Presbiteriana dos Estados
Unidos:

27
Certa vez, o bispo católico ordenou a todos os comerciantes que não vendessem para meu
pai. Mas dois comerciantes recusaram. Disseram que papai era uma pessoa honesta e
sincera e não encontraram motivo para não vender para ele. Esses homens eram
católicos. Lembro-me da impressão que papai causou na comunidade quando ele passou
várias horas de madrugada ajudando a combater um incêndio em um hotel13.

Foram algumas idas e vindas para os Estados Unidos nessa época. Em 1935, Latham
adoeceu e seguiu novamente com a família para o seu país com o objetivo de tratar de sua saúde.
Jaime já sentia dificuldade no relacionamento com os colegas americanos, porque “a ignorância
deles sobre qualquer coisa relacionada ao Brasil era bastante desanimadora”. Mas o
relacionamento com os estudantes brasileiros também não era fácil. Em sua maioria católicos,
eles eram muitas vezes críticos e intolerantes com os jovens protestantes. "Não fosse pela
impressão duradoura que meus pais deixaram em meu coração, teria sido muito difícil suportar
tanto desprezo e críticas”, escrevera Jaime em um de seus perfis quanto tinha 23 anos.

Muito jovem, foi incentivado pelo pai a assumir a responsabilidade de dar aulas na
escola dominical e a liderar as atividades dos jovens na igreja que estava sob a batuta do pai,
em Santa Catarina. Depois foi para o Exército, onde dava aulas de inglês e "recebia
descaradamente a responsabilidade de corrigir e classificar os testes finais” de sua própria
unidade. Jaime lembrava, em seus resumos biográficos, que procurava se manter ocupado, fosse
em um emprego como escriturário ou como aprendiz em alguma marcenaria, porque era uma
forma de interagir com a comunidade. Quando os dois irmãos mais novos morreram afogados,
a família foi confortada pelos vizinhos, “mesmo pelos nossos adversários mais fortes”, e Jaime
lembrava que aquele foi “um grande testemunho cristão”.

Foi naquele verão que meu senso de missão realmente se concretizou. Lembro-me de como
me senti solitário quando, em um fim de semana, andei a cavalo 40 quilômetros para pregar
para papai em uma igrejinha. Eu queria ajudar a alcançar aquelas pessoas que não
conheciam o poder salvador do Evangelho. Nos momentos de fraqueza eu tinha muitas
dúvidas, mas todas elas desapareciam quando postas à prova de um compromisso sério
com Cristo14.

13
Profile - The Rev James Wright, COEMAR, novembro/1958 - Acervo Presbyterian Historical Society – The
National Archives of the PCUSA, Filadélfia, EUA
14
Profile - The Rev James Wright, COEMAR, dezembro/1966 - Acervo Presbyterian Historical Society – The
National Archives of the PCUSA, Filadélfia, EUA
28
Em 1945, Jaime seguiu para os Estados Unidos, onde estudou Sociologia no College of
the Ozarks. Em seu período universitário, ele entendeu que gostaria de transmitir aos mais
pobres do Brasil as condições que encontrou na terra dos pais - "educação, princípios
elementares de saúde, métodos eficientes de agricultura, padrões morais básicos, melhoria das
condições de vida".

Desde então, minha fé religiosa tomou forma definida e se fortaleceu. Agora era algo que
eu poderia chamar de meu e não herdado de meus pais. Meus anos de seminário me deram
grandes e valiosos insights sobre as verdades do Evangelho. Mas acho que foi o verão de
1949 que me deu a certeza final da força convincente contida nas palavras de Cristo: “Vá
e pregue”. Trabalhei em duas pequenas igrejas no Arkansas. Fiquei mais de uma vez
chocado com as realidades do ministério - suas responsabilidades, suas alegrias e
preocupações, seu trabalho árduo, a lamentável falta de tempo para apresentar as
reivindicações de Cristo a todos que precisam dEle. Neste momento estou muito
consciente de quão incapaz e despreparado sou para as tarefas que vejo diante de mim. Mas
prossigo com o conhecimento de que onde quer que eu tropece, Cristo me escolherá, que
onde quer que eu esteja desanimado, Jesus me dará forças para continuar. O meu dever é
dar, contar e compartilhar com outros o Cristo que morreu para que aqueles que nele creem
possam viver15.

Seu espírito de missionário estava formado e a ele dedicaria a sua vida a partir daí. No
Questionário Biográfico de Ministro, respondido para o Office of the General Assembly, Jaime
informou que decidiu ser ministro em 1940. Foi ordenado na Igreja Presbiteriana dos Estados
Unidos em 15 de maio de 1950. Foi neste período nos EUA que Jaime conheceu Alma Cole
Wright, também missionária americana, com quem se casou em 1950, quando o casal foi
nomeado pela antiga Junta de Missões Estrangeiras da Igreja Presbiteriana dos EUA, e
designado para o Brasil. Alma nasceu em East Stroudsburg, na Pensilvânia, e fez mestrado em
Educação Religiosa no tradicional Princeton Theological Seminary em 1949, onde aconteceu
o encontro com Jaime, que se formou em Teologia por aquela instituição. O casal teve cinco
filhos - Silvia Lee, Nelson James, Sonia Jay, Delora Jan e Anita Sue, nascidos, respectivamente,
em 1952, 1954, 1956, 1957 e 195816.

15
Profile - The Rev James Wright, COEMAR, dezembro/1966 - Acervo Presbyterian Historical Society – The
National Archives of the PCUSA, Filadélfia, EUA
16
Mission Profile Presbyterian Church (USA) - Alma Wright, novembro/1987 - Acervo Presbyterian Historical
Society – The National Archives of the PCUSA, Filadélfia, EUA
29
Ao chegarem ao Brasil recém casados, Alma e Jaime passaram a ser responsáveis pelo
Instituto Ponte Nova, instituição de formação de professores de escolas públicas do Estado da
Bahia, onde ficaram até 1960. Alma ministrava cursos de educação cristã, auxiliando os alunos
no planejamento de férias da igreja, participava de grupos de mulheres protestantes que lutavam
por justiça em uma sociedade repressiva, foi diretora de educação cristã para a Igreja
Comunitária da Comunhão de Língua Inglesa em São Paulo, quando o casal morou naquela
cidade, e foi um braço importante para Jaime a partir dos anos 1970, em ações que objetivavam
denunciar os desmandos do regime militar no Cone Sul, em especial no Brasil, quando ia, ela
mesma, transportar materiais e até mesmo dinheiro - como nas ocasiões em que trouxe em sua
cintura, junto com o marido, alguns milhares de dólares da Suíça para financiar o projeto Brasil
Nunca Mais17.

JUVENTUDE PROTESTANTE

Em termos de cenário internacional, a juventude ligada à Igreja Presbiteriana vivia o


início de um período de efervescência importante naquele princípio dos anos 1950. Nove anos
antes, em 1941, acontecia o Primeiro Congresso Latino-Americano de Juventude Evangélica,
realizado em Lima, no Peru, no mês de fevereiro. A reunião teve como tema Con Cristo un
nuevo mundo e tratou de assuntos relacionados à responsabilidade social cristã, sendo um deles
a juventude e sua posição no mundo atual sob o ponto de vista social, econômico, político e
racial, além de também ter tratado da problemática indígena. É neste congresso que nasce a
Unión Latinoamericana de Juventudes Evangélicas (ULAJE).
Dois anos depois acontecia o terceiro congresso da juventude de Rio da Prata, sob o
tema A juventude cristã e o pós guerra, e, em 1946, em Havana, Cuba, o II Congresso Latino-
Americano para discutir A juventude evangélica e a liberdade sob aspectos religiosos, sociais,
políticos e econômicos18. Além disso, em 1948, o Conselho Mundial de Igrejas havia realizado
a sua primeira assembleia, em Amsterdã, sob o tema A desordem humana e o desígnio de Deus.
Os presbiterianos , na ocasião, não se filiaram ao CMI, sob a alegação do Supremo Concílio da

17 SYDOW, Evanize; FERRI, Marilda. Dom Paulo Evaristo Arns: Um homem amado e
perseguido. Petrópolis: Vozes, 1999
18
A realização do congresso em Cuba foi considerada “a que talvez tenha sido a maior concentração pública do
setor protestante durante o período da República neocolonial, ao reunir milhares de pessoas no Anfiteatro de
Havana para a abertura do evento”. Para saber mais: BERGES, Juana. El movimiento ecuménico y su trayectoria
en Cuba. Disponível em: http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar.

30
Igreja Presbiteriana do Brasil de não querer "as ideias modernistas do Conselho Mundial de
Igrejas”19. Também já havia sido criada, em 1940, a União Cristã de Estudantes do Brasil
(UCEB), que será assessorada pelo missionário Richard Shaull nas décadas de 1950 e 1960
(DASÍLIO, 2012).

Jaime acompanhava esses acontecimentos sob a perspectiva de um executivo responsável


pela instituição que administrava os bens da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos. Mas logo
conheceu essa figura instigante, que chegara havia pouco ao país para abalar as estruturas da
conservadora Igreja Presbiteriana do Brasil. Era Richard Shaull, outro americano que
desembarcou aqui em 1952, após um período na Colômbia. Assim como outros jovens
protestantes, Jaime encantou-se pela perspectiva de olhar para o horizonte presbiteriano de
forma inovadora, a chamada Teologia da Revolução. Shaull havia atuado como missionário na
Colômbia, a partir de 1941, e lá experimentou uma aprofundada responsabilidade social da
Igreja, no convívio com a população nas periferias, de urbanização precária, muito diferente
daquela que ele vivia nos Estados Unidos. Shaull voltou para o mestrado nos EUA, retornou à
Colômbia e, novamente, aos EUA para o seu doutorado no Union Theological Seminary,
quando, então, foi transferido para o Brasil. Chegou aqui já como uma personalidade
controversa ao olhar conservador da Igreja Presbiteriana do Brasil, mas tornou-se uma
referência para os jovens protestantes da América Latina naquele momento, um “intelectual
orgânico que fomentou uma nova linguagem teológica, dando início a um incipiente diálogo
entre o protestantismo e a realidade sociocultural latino-americana”. (BARRETO JÚNIOR,
2009) De acordo com Barreto Júnior, no período em que permaneceu na Colômbia, Shaull
"buscou desenvolver uma teologia pastoral- missiológica para interpretar uma realidade
profundamente afetada pela pobreza, violência e sofrimento". Quando chega ao Brasil, analisa
o autor, a partir de 1953, ele cumpre "o papel de um teólogo orgânico num emergente
movimento ecumênico que buscava amadurecer uma nova forma de pensar”.
Em agosto de 1952 foi realizada no Brasil uma reunião latino-americana da Federação
Mundial Cristã de Estudantes, e Shaull foi um dos principais conferencistas. O contato com
este teólogo libertário fez com que jovens protestantes da América Latina, como Rubem Alves
e Julio de Santa Ana, se encantassem por seu olhar amplo e ecumênico diante das possibilidades

19
SILVA, Elizete da. O Conselho Mundial de Igrejas e a Trajetória do Ecumenismo no Brasil. Trabalho
apresentado no XII Simpósio da ABHR, 31/05 – 03/06 de 2011, Juiz de Fora (MG), GT 02: Evangélicos
protestantes e o ecumenismo

31
de ação na Igreja. Shaull foi enviado para dar aulas no Seminário Presbiteriano do Sul, em
Campinas, e lá fez muitos “discípulos" de sua teologia revolucionária.
O processo de reflexão e discussão sobre a situação político-social do Brasil em meados
dos anos 1950 fez com que muitos jovens protestantes acompanhassem eventos como o suicídio
de Getúlio Vargas, a tentativa de golpe em seguida para impedir a posse do presidente Juscelino
Kubitschek (JK) e a campanha anticomunista dos órgãos de imprensa contra JK, com acusações
de corrupção. Tudo isso reverberava dentro das igrejas e aquecia os movimentos políticos que
envolviam os jovens protestantes. Esse cenário também levava a juventude a querer participar
desses coletivos. Nesse contexto, Richard Shaull foi personagem central e inspirou diversos
nomes que, tempos depois, virão se tornar figuras fundamentais para a história da resistência à
ditadura militar no Brasil de 1964 a 1985.
Um deles foi Anivaldo Padilha. Em 1958, aos 18 anos, “Niva”, como tornou-se
conhecido pelos amigos, passou a participar ativamente de encontros regionais e nacionais do
Movimento da Juventude Metodista e logo depois tornou-se um de seus principais líderes. Esse
período coincide com um processo de articulação das igrejas protestantes coordenado pela
Confederação Evangélica do Brasil. Tratava-se de uma iniciativa das igrejas protestantes criada
na década de 1930, buscando aglutinar as igrejas para ações conjuntas, principalmente na área
de educação e assistência social. Não era um movimento progressista, mas com o objetivo
também de autodefesa de alguns interesses, principalmente o da liberdade religiosa.20 “A
Confederação criou nessa época, na década de 1950, um setor denominado ‘Setor de
Responsabilidade Social da Igreja’, para promover entre as igrejas uma reflexão sobre o papel
delas no Brasil. Porque é importante entender que, até aquele momento, as igrejas protestantes
eram guetos, uma mentalidade de minoria, e com muito pouco diálogo com a cultura brasileira”,
reflete Anivaldo. A criação e as atividades do Setor de Responsabilidade Social da CEB serão
abordadas ainda neste capítulo.

A Confederação organizou seminários e cursos sobre a realidade brasileira, e abarcava


um departamento que atuava especificamente junto aos jovens das igrejas. Nesse contexto, a
instituição passou a promover conferências nacionais com reflexões bíblico-teológicas sobre a
missão e a responsabilidade social da Igreja, e a focar sua ação na juventude. Interessante
observar como aquele movimento despertou os jovens para a necessidade de uma consciência
de responsabilidade social.

20
Entrevista de Anivaldo Padilha à autora, 27/3/2019
32
Hoje se falaria em consciência cidadã. Começamos a questionar que, na medida que
fazíamos esse trabalho mais assistencialista, distribuição de alimentos, de roupas,
começamos a perceber que precisávamos entender, e não simplesmente ajudar os pobres.
Mas saber o por que da pobreza, o por que do Brasil ser tão desigual quanto era, e continua
sendo. Os mais jovens da minha geração na Igreja Metodista começamos a questionar a
postura da igreja em relação aos problemas sociais. Por exemplo, perceber que a ênfase no
assistencialismo, na caridade, era uma falta de compreensão do que deveria ser o amor ao
próximo. Havia uma distorção naquilo que deveria ser o amor ao próximo. Havia também
uma ênfase na ética individual, no comportamento moral. O jovem metodista, o jovem
protestante era aquele que não bebia, não fumava, não dançava, uma coisa totalmente
negativa. Questionamos bastante isso e começamos a perceber que esse moralismo, na
verdade, era uma falta de compreensão da ética. Não a ética como um comportamento
individual, mas uma ética que era uma busca de discernimento entre o que era justo ou
injusto. Que nos levava então até uma ética social. Outra coisa que era muito enfatizado,
que o jovem deveria ser cumpridor da lei, da ordem. Não podia fazer bagunça, não podia
transgredir nada. Nós questionamos isso e vimos que realmente o legalismo, que era ênfase
da igreja, de obedecer as autoridades, por exemplo, era um legalismo de falta de
compreensão do senso de justiça. Então esses três aspectos que eram, digamos, pilares da
igreja, a ética individual, o assistencialismo e o legalismo, passaram a ser questionados por
nós. E foi a partir daí que começamos a aprofundar nossos estudos sobre a compreensão da
realidade brasileira, e que nos levou a assumir posturas mais, digamos, totalmente
progressistas a partir dos anos 1960. Claro, isso não foi um processo fácil e nem tranquilo,
com muito conflito interno na igreja. E também não foi isolado com os jovens, mas também
com outros setores na igreja. Mas que teve na juventude tanto leiga quanto clériga, jovens
pastores, seus principais promotores21.

Foi assim que Anivaldo passou a acompanhar de perto, por exemplo, a emergência e o
fortalecimento das Ligas Camponesas, a luta sindical e o movimento de defesa do
aprofundamento da democracia no Brasil, além das reformas de base que depois foram
propostas no governo de João Goulart. Richard Shaull também foi grande influência para
Anivaldo: “Além de teólogo, ele era um excelente professor no sentido de provocar. Ele não
me dava aula, eu nunca fui aluno dele, mas ele realmente procurava incentivar e extrair de seus,
digamos, entre aspas, discípulos o que de melhor eles tinham. Como desenvolver uma
consciência crítica. O Shaull nos ajudou bastante, inclusive naquele momento de toda a reflexão
sobre a revolução, por exemplo. Estava na ordem do dia a discussão sobre a revolução na

21
Entrevista de Anivaldo Padilha à autora, 27/3/2019
33
América Latina. Ele ajudou bastante a fazer essa reflexão, a desenvolver quase que uma teologia
da revolução.” Além disso, o jovem metodista foi especialmente impactado pela Revolução
Cubana em 1959.

O impacto da revolução foi muito grande, não só no sentido de despertar muita gente, mas
naquele momento a gente já tinha consciência do papel negativo dos Estados Unidos no
Brasil, das intervenções na América Latina. Do papel das empresas americanas aqui,
também as europeias, mas principal- mente as americanas. Quando acontece a Revolução
Cubana, a gente reflete que, se um país tão pequeno, pobre, minúsculo tem condições de
desafiar o grande império, nós também temos. Ali começa um processo rápido de
conscientização e de efervescência política, inclusive dentro da Igreja. A Revolução
Cubana teve um impacto muito grande nas igrejas, porque pouco depois da tomada de
poder, e principalmente quando os Estados Unidos começam a fazer o cerco contra Cuba,
até antes da revolução se declarar em caráter socialista, as igrejas... a católica se colocou
totalmente contrária à Revolução Cubana naquele momento.

Já as igrejas protestantes se dividiram. Não tenho os percentuais, mas sei que uma grande
parte de pastores e padres saíram de Cuba. Os pastores foram para os Estados Unidos e os
padres, para outros países da região. As lideranças protestantes e evangélicas que ficaram
na ilha continuaram mantendo contato com outras igrejas da América Latina. Inclusive,
lembro que, naquele período, dois cubanos líderes da igreja, e um deles médico, estiveram
no Brasil, acho que em 1961 ou 1962, e sentamos para conversar muito com eles sobre a
Revolução Cubana. Então, para nós não houve, vamos dizer, um abalo com relação à
perseguição das igrejas. O discurso que começamos a ouvir das igrejas lá – que eram contra
a revolução – é que a revolução tinha nacionalizado todas as escolas e hospitais. E as
igrejas, que viviam disso, perderam quase que a razão de ser delas, tiveram que se
reinventar. Para os protestantes isso não era problema. Ao contrario. A possibilidade de
não ter que se preocupar com esse aspecto, mas com outras formas de formação dos
membros.22

Ao estudar Shaull, é possível entender por que Wright - e outros de sua geração - passou
a questionar o seu papel como religioso e como essa influência formou a teologia das brechas
na maneira de agir de Wright. Mais adiante abordarei a ideia de teologia das brechas, da qual
Wright sempre se utilizava para ajudar a descrever suas ações, especialmente no âmbito dos
direitos humanos. Jovelino Ramos, que foi aluno de Shaull no Seminário Teológico de
Campinas a partir de 1953, nos ajuda a compreender esse assunto:

22
Entrevista de Anivaldo Padilha à autora, 27/3/2019
34
A fronteira, a busca, o impacto da descoberta, a mensagem dos fatos, relações comunitárias,
novas possibilidades, o problema real, a questão fundamental, a dimensão existencial, as
rápidas transformações sociais, a missão da Igreja e outros eram temas constantes das
vigorosas reflexões do Shaull. Os temas revelavam o caráter do teólogo e do scholar que
estava sempre à procura do além do comum e sempre encorajando os discípulos a caminhar
lado a lado com ele explorando novas formas de “testemunho dos poderosos atos redentores
de Deus na história dos nossos dias”. Participar dos fatos, discernir e interpretar
criativamente os eventos, atuar criativamente desvendando alternativas eram e continuam
sendo as marcas do apostolado do Shaull.

(...) Quantas vezes o ouvimos dizer que, como cristãos, não podemos viver em isolamento.
‘Como cristãos somos membros uns dos outros.‘ ’Como cristãos não conseguimos nem
mesmo pensar sozinhos.‘ ’Como cristãos, se não formos capazes de ouvir, entender e levar
a sério a mensagem que nos vem de outros contextos de vida, estaremos sendo infiéis ao
chamado da Graça. 23

Em seu quarto ano no seminário de Campinas - dos cinco que teria que cursar -, Jovelino
tomou conhecimento de um trabalho que estava sendo feito por Shaull e que lhe pareceu
“interessantíssimo”. Era a experiência da Vila Anastácio, por meio da qual Shaull fundou uma
comunidade de pessoas interessadas na problemática das grandes mudanças sociais que
estavam acontecendo no Brasil, especialmente em São Paulo, que passava por uma revolução
industrial. Pessoas de várias regiões do Brasil chegavam a São Paulo para trabalhar e
encontravam emprego dado o período de industrialização febril no estado. Richard Shaull
propôs iniciar um trabalho para entender essa situação de mudança.

As igrejas todas tinham uma origem muito, vamos dizer, pré-industrial, rural. No geral, o
protestantismo era realmente um protestantismo rural. Mas ali no Brasil estava se
industrializando. A industrialização produzia todo tipo de nova situação, de progresso e de
problemas. E nenhuma igreja estava preparada para viver e responder nessa situação. Dick
Shaull percebeu a necessidade de uma experiência e organizou a comunidade de Vila
Anastácio24.

A comunidade organizada por Shaull em Vila Anastácio consistia na vivência de estudantes


(do seminário ou de outras áreas) já em fase de conclusão de curso como operários de fábrica e
vivendo juntos na vila, localizada em uma área pobre de São Paulo, dispondo de poucos
recursos. Cada estudante trabalhava em uma fábrica diferente. No período em que Jovelino

23
RAMOS, Jovelino. ‘Você não conhece o Shaull’. In: De dentro do furacão: Richard Shaull e os primórdios da
Teologia da Libertação. Coleção Protestantismo e Libertação. São Paulo: Sagarana, CEDI, CLAI, Progr. Ec. De
Pós-Grad. Em Ciências da Relig., 1985
24
Entrevista de Jovelino Ramos à autora, 21/2/2022
35
esteve na comunidade, havia um líder operário entre os moradores e ao todo seis operários
conviviam.

Nós tínhamos café da manhã juntos e saíamos, íamos para as fábricas, e à noite nos
reunimos para falar de nossa experiência, o que tínhamos aprendido durante o dia. Imagine,
pouca gente tinha experiência de trabalhar num estado em franca industrialização. Para
mim isso era coisa nova, e como me relacionar com essa gente, o que significava o
evangelho, a mensagem cristã para uma situação como essa.

Essa é a grande pergunta: quais eram as grande questões formuladas, não formuladas ou
necessitando de formulação numa situação como essa? Era um grande desafio para todos
nós. Quais eram as grandes questões, ou questões a serem descobertas por gente como nós.
E nós não poderíamos fazer isso isoladamente, tínhamos que ser parte da situação, parte do
problema, parte da complicação. Se esse país vai se desenvolver, vai necessitar de líderes,
vai necessitar de direção. Quais são as grandes questões? Nós não sabemos as respostas,
porque não sabemos as questões. Era um trabalho muito importante25.

A situação política do país, que não estava definida, era uma das tônicas das conversas
e troca de experiências do grupo. “A questão principal era a orientação política. Aonde esse
país queria chegar? Quem estaria se preparando para dirigir o país?”, relembra Jovelino, ao
enfatizar que Shaull estava mudando as pessoas com aquela iniciativa. "Eu não posso imaginar
um Rubem Alves sem Dick Shaull. Eu não posso imaginar outros importantes pastores, que se
tornaram missionários, sem Dick Shaull. Ele foi uma influência transformadora.” Dentre esses
estava outro estudante, Paulo Wright, irmão de Jaime, que também participou da experiência
de Vila Anastácio, sendo influenciado em suas ações futuras como militante político e religioso.
A relação estabelecida entre Shaull e os estudantes do Seminário de Campinas era de
confiança e proximidade. Nas vésperas da ida de Shaull para os Estados Unidos em 1957, a
edição de 26 de junho de O Caos, órgão oficial do Centro Acadêmico Oito de Setembro, do
respectivo seminário, foi toda dedicada a artigos em homenagem a Shaull, e demonstra a
admiração que os jovens nutriam pelo professor. Rubem Alves, então no quinto ano do
seminário, escreveu o artigo “Shaull - o professor”, no qual afirmava que Shaull era uma espécie
de professor e apóstolo. “O homem que vive e sofre o Cristianismo, este é o que se defronta
com a sua classe. Talvez seja por isto que as suas aulas são tão contundentes”, escreveu. “Não
há colega que se sinta tranquilo após sofrer, durante os cinquenta minutos de aula, o bombardeio
da realidade cristã que nos atinge a medula dos ossos, que nos vem através deste professor-
apóstolo.” As inquietações trazidas na convivência com o teólogo americano desassossegava
os alunos. Há um senso de urgência e necessidade em cada palavra sua que nos impede de

25
Entrevista de Jovelino Ramos à autora, 21/2/2022
36
encarar levianamente o assunto de que estamos tratando. E esta seriedade nos obriga a pensar,
a transcender o nível de repetidores e a atingir uma compreensão do problema. E a cada aula
que transcorre, um mundo novo, cheio de significação, que nos assusta e nos surpreende, se
descortina ante nós, compelindo-nos a penetrar mais fundo na realidade cristã e a sentir mais
intensa e doridamente a contradição do presente ‘aion’". Muitos anos depois, Rubem Alves
viria a traduzir Shaull como "aquele que nos ensinou a pensar”. (BARRETO JÚNIOR, 2019,
p. 117)
Tamanha importância para introduzir junto aos alunos a importância de pensar a
teologia sob o ponto de vista da justiça social fez com que o Seminário de Campinas fosse visto
pela IPB como um lugar de ‘comunistas’. A situação de Shaull na instituição tornou-se
insustentável pela perseguição da IPB e este acabou se desligando do seminário. Alguns anos
depois, 39 seminaristas também foram expulsos. A ideia de que o seminário era uma fábrica de
comunistas fez com que Shaull fizesse relatórios periódicos para a COEMAR relatando o que
se passava aqui. Em um deles, ele relata o que havia ouvido de um amigo:

Nessa viagem fiquei sabendo mais de perto da sua situação no Seminário de Campinas.
Sua situação lá não é boa. Conversei bastante com o Rev. Américo e com outros. Parece
que a sua permanência no seminário é problemática. O assunto vai ser discutido na reunião
do Supremo Concilio em Lavras. O Américo acha que é muito provável que você não volte
a Campinas ou que volte com muitas restrições nas suas atividades como professor em
relação aos alunos e aos seus métodos. O que o Americo me disse, os pontos que citou
sobre a sua pessoa, creio que não preciso repetir porquanto você já deve saber. No fundo o
que ele quis dizer e que é a opinião do rev. Júlio é que você é um professor desajustado
dentro do seminário não somente quanto ao ambiente, mas quanto aos métodos e a tradição
histórica. Não sei o que poderá resultar do assunto debatido no Supremo Concílio, mas sei
que a maioria é a favor de sua permanência lá26.

Richard Shaull também assessorou a União Cristã de Estudantes do Brasil (UCEB),


causando grande impacto no movimento estudantil protestante. A UCEB “organizava e provia
um ambiente de apoio aos jovens acadêmicos de procedência protestante. Shaull era o profeta,
o inspirador, o companheiro e o patriarca dos estudantes" segundo testemunho de Jovelino
Ramos. Para Edin Sued Abumanssur, a UCEB e a CEB “deram o contexto e criaram a situação

26
Correspondência de Richard Shaull a Richard Waddel, 26 de maio de 1957 - Acervo Presbyterian Historical
Society – The National Archives of the PCUSA, Filadélfia, EUA
37
que originou a ‘Tribo Ecumênica’, grupo de pessoas que articulavam o movimento ecumênico
nas décadas de 1960 e 1970 e se opunham ao regime militar de 1964” (DASÍLIO, 2012).
A saída de Shaull, de fato, veio. Mas o seu trabalho em Campinas deixou como legado
uma geração de teólogos importantes que, já naquele momento, estavam participando de
iniciativas que dariam fôlego para um movimento ecumênico na América Latina e não apenas
no Brasil. Jovelino Ramos foi parte desse grupo. Depois de alguns meses trabalhando nas
fábricas e vivendo na Vila Anastácio, ele segue para o Rio de Janeiro com o objetivo de dar
assistência cristã teológica a alunos daquela cidade. É quando conhece o sociólogo protestante
Waldo César, que pouco tempo depois, desenvolverá um trabalho de destaque na Confederação
Evangélica do Brasil, como secretário executivo do Setor de Responsabilidade Social.

O SETOR DE RESPONSABILIDADE SOCIAL DA IGREJA E A CONFERÊNCIA DO


NORDESTE

A criação do Setor de Responsabilidade Social da Igreja se concretizou em 1955. O


líder da União da Mocidade Presbiteriana, Waldo César, era um forte articulador de ações entre
diversas igrejas e, depois, tornou-se presidente da Confederação da Mocidade Presbiteriana,
quando o trabalho ecumênico se intensificou, inclusive em âmbito internacional. Waldo
também teve seu caminho cruzado com o de Richard Shaull. Foi em 1954, ao retornarem da II
Assembleia do Conselho Mundial de Igrejas, realizada em Everston, nos Estados Unidos, que
eles começaram a trocar reflexões sobre responsabilidade social e igreja27. Shaull articulou
recursos para que o grupo se estabelecesse e, em 1955, com o apoio do Conselho Mundial de
Igrejas, realizaram o Primeiro Encontro da chamada Comissão Igreja e Sociedade, primeiro
nome dado ao grupo. A ideia era que fosse um grupo ecumênico para estudar a realidade
brasileira.
Ao longo daquele ano, o grupo organizou o primeiro encontro da Comissão sob o tema
“Responsabilidade da Igreja”. Depois disso, decidiram entrar para a Confederação Evangélica
do Brasil, como parte de um Departamento de Estudos organizado posteriormente , e depois
passou a se chamar Setor de Responsabilidade Social da Igreja. A partir daí, foram 10 anos de
trabalho intenso, sendo realizadas a II Conferência, em 1957, com o tema “A Igreja e as rápidas

27
CÉSAR, Waldo Lenz. O itinerário de vida de um coração ecumênico. In: DIAS, Zwinglio Mota (Org.).
Memórias ecumênicas protestantes – Os protestantes e a Ditadura: colaboração e resistência. Rio de Janeiro:
KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço, 2014
38
transformações sociais", e a III Conferência, em 1960, sob o título "A Igreja e a nacionalidade
brasileira”, ambas de grande repercussão interna e externa. "A gente estava mais do que
convencido que o Ecumênico passa pelo social. Não tinha como fazer ecumenismo só dentro
da Igreja. Isso é uma fraqueza que até hoje perdura porque você tem essa dimensão ou não
tem”, escreveu César ao contextualizar o momento em que viviam aqueles jovens
protestantes28.
No ano de 1961 o Setor de Responsabilidade Social da CEB iniciou os preparativos para
aquela que viria a ser a mais polêmica de suas conferências, denominada Conferência do
Nordeste. Em seu plano de realização da IV Reunião, o Setor enfatizava que ela seria orientada
no sentido de ação e resposta a problemas concretos. A Conferência fez com que a Comissão
Organizadora envolvesse outros departamentos da CEB para “reformular constantemente o seu
próprio pensamento no confronto com os fatos políticos, econômicos e sociais que dia a dia
oferecem novas perspectivas à situação nacional”29.
Em relação à organização geral da Conferência, ela se realizou no primeiro ano de
funcionamento de uma nova estrutura da CEB, proposta pelas Igrejas filiadas em outubro de
1961, e que tornou, segundo o Plano, a participação das Igrejas mais representativa e a sua
responsabilidade mais definida. “A reestruturação da CEB também permitiu maior
entrosamento entre os seus vários Departamentos e Setores, principalmente através do
Conselho Executivo, onde a Conferência do Nordeste está sendo focalizada como uma
oportunidade para a expressão da obra ecumênica na sua totalidade.”30
No documento de planejamento, os objetivos da conferência são assim definidos:
1) Tomar consciência dos graves problemas sociais do Nordeste e das suas implicações para
o desenvolvimento do país e para a unidade nacional;
2) Esclarecer até que ponto e em que sentido as Igrejas evangélicas, especialmente as do
nordeste, estariam conscientes desses problemas, sofrendo as suas consequências e
estariam dispostas e preparadas para enfrentá-los com realismo, competência e em
companhia de pessoas e instituições não evangélicas;

28
CÉSAR, Waldo Lenz. O itinerário de vida de um coração ecumênico. In: DIAS, Zwinglio Mota (Org.).
Memórias ecumênicas protestantes – Os protestantes e a Ditadura: colaboração e resistência. Rio de Janeiro:
KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço, 2014
29
Plano para a realização de uma Conferência do Nordeste, 22 a 29 de julho, 1962. IV Reunião de Estudos
sobre a Responsabilidade Social da Igreja. Setor de Responsabilidade Social da Igreja, Confederação Evangélica
do Brasil. Acervo Presbyterian Historical Society – The National Archives of the PCUSA, Filadélfia, EUA
30
Idem
39
3) Colher e retransmitir o máximo de informações sobre as diversas tentativas
governamentais ou não, para compreender os problemas sociais e econômicos do Nordeste
e de planejar adequadamente a sua solução;
4) Estabelecer, dentro de bases teológicas, direção de estudos e ação que sirvam para nortear
os esforços futuros das igrejas evangélicas - tanto através da CEB como no nível
denominacional e local - no sentido de um cumprimento bem fundamentado da
responsabilidade social da Igreja.

Ao tratar do tema para a conferência, o documento trazia a observação de que uma


reunião de estudos sobre responsabilidade social da Igreja deveria ter a tríplice tarefa de estudar
as dúvidas e dificuldades dos elementos da região; irradiar entre as igrejas e seus membros o
senso de responsabilidade social; e tentar uma ajuda responsável, que respondesse “às
perplexidades do momento” e que constituísse “base para participação e ação no momento
atual”. A coordenação destacava, nesse sentido, que esses pontos só seriam alcançados se a
conferência fosse parte de um processo de conscientização cristã, que envolvesse estudo e ação.
O tema geral adotado para o encontro foi “Cristo e o processo revolucionário brasileiro”.
Assinado por Waldo César, secretário executivo do Setor de Responsabilidade Social
da Igreja, e Carlos Cunha, secretário executivo da Comissão Organizadora, o plano traz como
conclusão que a Conferência do Nordeste se constituía em um compromisso e oferecia
oportunidade “sem paralelo, neste momento, para a continuidade dos estudos feitos até aqui e
para uma ação realista a partir de um evento sério da Igreja com o mundo”. Enfáticos, eles
registram que aquela oportunidade não poderia se adiar, já que se tratava de uma encruzilhada
na história do Brasil e da Igreja. “Parece que a Conferência do Nordeste nos está obrigando
(…) a uma total revisão de nossas posições como indivíduos e como Igreja frente à situação
revolucionária”31.
Todo esse movimento na preparação e realização da Conferência fez crescer a tensão
com a Confederação Evangélica, tendo em vista o contexto conservador da Igreja Presbiteriana
do Brasil. A conferência teve grande repercussão e contou com a participação de Gilberto
Freyre, Censo Furtado, Paul Singer, Juarez Brandão Lopes e do ator Nelson Xavier - uma outra
porta que Waldo César e seu grupo abriram foi a do vínculo com a área cultural e alguns
intelectuais importantes. Na conferência, Nelson Xavier apresentou uma peça de teatro e
promoveu um debate acalorado após a apresentação. (CÉSAR, 2014) "Nunca antes ou depois

31
Plano para a realização de uma Conferência do Nordeste, 22 a 29 de julho, 1962. IV Reunião de Estudos
sobre a Responsabilidade Social da Igreja. Setor de Responsabilidade Social da Igreja, Confederação Evangélica
do Brasil. Acervo Presbyterian Historical Society – The National Archives of the PCUSA, Filadélfia, EUA
40
desta conferência se viu o protestantismo brasileiro tão engajado na discussão da realidade
social brasileira e tão consciente da necessidade de participação na construção de tal realidade",
afirmaria o historiador Raimundo Barreto, professor da Universidade Princeton, 60 anos depois,
em entrevista à BBC News32.
Em um relatório de ações e avaliações do biênio 1961-1962 para Setor de
Responsabilidade Social, Waldo César comentou a respeito das críticas recebidas:

Se é verdade que a Conferência do Nordeste ainda arca sob o passo de crítica de várias
fontes, também é fato que o seu impacto sobre o evangelismo brasileiro foi muito mais
positivo do que negativo. O fato é que um encontro real com a situação brasileira naquele
momento jamais estaria isenta de crítica. Era uma hora bastante difícil, carregada de
problemas facilmente explorados pelas correntes extremistas. Mas omitir o nosso
testemunho em momento assim seria abafar a voz profética da Igreja33.

É importante observarmos esta fotografia religiosa, social e política do Brasil nesse


momento, porque foi neste cenário de ebulição que a crise na CEB se acirra e ocorre a
consequente dissolução da instituição poucos anos depois. E Jaime Wright terá uma presença
forte nesse contexto, especialmente dando apoio àqueles que foram colocados à margem da
CEB e, posteriormente demitidos, como foi o caso de Waldo César e Jether Ramalho. Além
disso, junto à perseguição dentro da própria Igreja, esses protestantes serão alvo da truculência
do regime militar que se instalaria pouco depois no país, e as redes de apoio internacionais terão
um papel importante para preservar a integridade física deles.

ISAL: O SAL DA TERRA NO MUNDO LATINO-AMERICANO

No rodapé das folhas timbradas onde eram escritos ofícios e cartas de sua direção, o
movimento Igreja e Sociedade na América Latina (ISAL) se apresentava brevemente, mas com
ambição de participar de forma ativa do que acontecia no país do ponto de vista social: "A
Comissão de Igreja e Sociedade da Confederação Evangélica do Brasil tem por objetivo

32
BRAUN, Julia. Os evangélicos que se reuniram há 60 anos no Nordeste para discutir revolução social.
BBC News, 22 de julho de 2022. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62273483. Acesso em 2
de agosto de 2022.
33
Relatório de 1961/1962 - Confederação Evangélico do Brasil - Departamento de Estudos - Setor de
Responsabilidade Social da Igreja. Acervo Presbyterian Historical Society – The National Archives of the PCUSA,
Filadélfia, EUA
41
estudar, à luz da fé cristã, os problemas da sociedade brasileira e opinar sobre eles, proclamando
o seu pensamento comum e planejando a sua ação. Para tanto, promove reuniões de consultas
entre elementos de diferentes igrejas e especialistas de reconhecida competência, divulgando
os estudos feitos e procurando exercer a sua ação através de setores especializados."
Os primórdios do movimento ISAL remontam ao estudo sobre A Responsabilidade
Cristã nas áreas de Mudança Social Rápida, lançado pelo Conselho Mundial de Igrejas em
1954. Em 1956 e 1957, comissões de estudo sobre o assunto foram criadas no Brasil, Argentina
e Uruguai. Um ano depois, surgiu o boletim sobre problemas sociais no Uruguai. A publicação,
mimeografada, circulou por diversos países e foi a base para a primeira Consulta Latino-
Americana sobre Igreja e Sociedade, conhecida como "Consulta Huampani", que aconteceu no
Peru, em julho de 1961, e que teve como tema A responsabilidade social da Igreja Evangélica
em relação a mudanças sociais rápidas34.
A inspiração para a formação deste grupo não início dos anos 1960, porém, vem mais
de uma década antes. Em um encarte preparado para circular junto com o boletim do Centro
Ecumênico de Informação, sob o título Un intento de "encarnación", em 1966, destaca-se que
para descobrir as origens de ISAL devemos nos voltar para o movimento juvenil evangélico
latino-americano e seu olhar para o tema da responsabilidade social cristã, sendo a referência
mais concreta, segundo o documento produzido pelas lideranças de ISAL, o Primeiro
Congresso Latino-Americano de Juventude Evangélica, realizado em Lima, no Peru, em
fevereiro de 1941. Entrando na década de 1950, temos a criação do Setor de Responsabilidade
Social da Confederação Evangélica do Brasil, considerada uma iniciativa visionária e
precursora de ISAL, sob a coordenação de Jether Ramalho e Waldo César. O grupo de teólogos
e sociólogos que integravam o ISAL, sob a perspectiva protestante, é considerado precursor da
teologia da libertação. Essa questão polêmica entre católicos e protestantes - a origem da
teologia da libertação -, porém, não será aprofundada aqui. Apenas a título de contextualização,
para melhor entendimento do assunto, recorro ao trabalho de Zózimo Antônio Passos Trabuco,
À direita de Deus, à esquerda do povo: Protestantismo, esquerdas e minorias em tempos de
ditadura e democracia (1974-1994)35:

A maior parte da historiografia considera o livro Teologia da Libertação de Gustavo


Gutiérrez (1928-), publicado em 1971, o marco de fundação de uma teologia latino-

34
Church and Society in Latin America - Isal. Executive Secretary. Montevideo, Uruguay. 1962-1964
35TRABUCO, Zózimo Antonio Passos. À direita de Deus, à esquerda do povo: Protestantismo, esquerdas e
minorias em tempos de ditadura e democracia (1974-1994). Tese (Doutorado em História Social) - Programa de
História Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015, p. 57 e 58
42
americana pensada a partir da dialética opressão/libertação e no pobre como sujeito de sua
própria emancipação, embora reconheçam em Richard Shaull, na tese de Rubem Alves e
na formação do ISAL precedentes deste pensar teológico.
A existência de tais cronologias e disputas de memória, entretanto, indica a complexidade
de um processo marcado por convergências e divergências entre os campos católico e
protestante. Como bem salientou Michael Löwy, a nova corrente teológica foi a expressão
intelectual de um amplo movimento social e religioso: o Cristianismo da Libertação.
Seguindo a trilha weberiano sobre as afinidades eletivas entre protestantismo e capitalismo,
o autor teorizou sobre as afinidades eletivas entre o ethos católico e o espírito anticapitalista
do marxismo na formação do Cristianismo da Libertação. Na diferenciação que fez da
abordagem de Rubem Alves e de Gustavo Gutiérrez, apontou as divergências entre
católicos e protestantes: “Rubem Alves não fala como um teólogo brasileiro ou latino-
americano, nem usa conceitos marxistas tais como dependência, capitalismo ou luta de
classes. No entanto, sua obra pioneira foi um ponto de partida para a Teologia da Libertação
e teve uma influência significativa, sobretudo entre a juventude protestante.”
A referência de Löwy à ausência de uma fala brasileira ou latino-americana no pensamento
de Rubem Alves corresponde à conjuntura de escrita da tese de doutoramento em Princeton
(EUA). Quanto a não utilização dos conceitos marxistas, o próprio Rubem Alves, ao
comentar a recepção do seu livro Tomorrow’s Child (1971) publicado nos EUA, referiu-se
à sua heterodoxia: “Também os teólogos da libertação não gostaram. Nem todos, é bem
verdade. Alguns disseram que eu havia me vendido ao público norte-americano. Acho que
tiveram dificuldades de ler nas entrelinhas, desejosos que estão de ideias claras e distintas.
Faltavam também as palavras-chave, marcas de uma ortodoxia, como dialética, luta de
classes e outras do mesmo estilo. De fato, tenho horror ao ventriloquismo. E faltava
também uma certa raiva - o que sugeria que eu tivesse me sentindo feliz junto aos rios da
Babilônia. Talvez não tenham percebido que, com frequência, a busca da beleza e a tristeza
caminham juntas.”

De acordo com Rosa (2019, p. 4), ISAL foi fundada pela Confederação Evangélica do
Brasil, Federação Argentina de Igrejas Evangélicas, Federação de Igrejas Evangélicas do
Uruguai, Igreja Presbiteriana da Venezuela, e pelos Concílios Evangélicos do Chile, do México
e de Cuba. Mas logo o movimento abarcou religiosos e intelectuais católicos. Conforme nos
mostra Rosa, ISAL era um espaço no qual cristãos ecumênicos “refletiam sobre o melhor
caminho político-teológico para o enfrentamento das estruturas sócio-político-econômicas que
açoitavam o Continente”. As atividades do movimento incluíam cursos de capacitação
oferecidos em diferentes partes da América Latina, a edição de uma revista (Cristianismo y
Sociedad Tierra Nueva). As atividades, escreve Rosa, tonaram as ideias de ISAL conhecidas
43
“entre os grupos de jovens, de intelectuais e entre os líderes evangélicos do continente, que logo
transcendeu os setores progressistas do catolicismo, que começava a se abrir ao diálogo
ecumênico (…)”.

Jaime Wright mantinha-se atento a todo o movimento latino-americano que buscava


uma linha ecumênica de atuação das igrejas. Em seus detalhados relatórios, propostas, cartas e
memorandos, ele defendia o ecumenismo como forma de atuação cristã. Alguns dos principais
projetos que virá a incentivar têm, todos, a palavra “ecumênico” no título e em seus principais
objetivos. Um desses exemplos será abordado no próximo capítulo: trata-se da criação da
Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), importante rede de apoio a organizações sociais
no Brasil. Essas iniciativas provocarão, em escalada, a ira da cúpula da Igreja Presbiteriana do
Brasil.

CAÇA ÀS BRUXAS: A RELAÇÃO COM A IPB

As relações conflituosas entre a IPB e a Missão Presbiteriana Brasil Central datam, pelo
menos, do início dos anos 1960. Memorandos e cartas de Jaime Wright e João Dias de Araújo
com membros da Commission on Ecumenical Mission and Relations of the United Presbyterian
Church in the USA, como o secretário regional para a América Latina, John H. Sinclair, traziam
discussões acaloradas sobre esse assunto nesse período. Jaime reportava periodicamente tudo
o que acontecia e suas impressões a Sinclair. “A exclusão dos missionários resulta do medo de
sua influência libertadora dentro da Igreja, especialmente antes das reformas constitucionais
propostas”, dizia Wright em um memorando escrito no dia 2 de maio de 1964 a Sinclair, em
clima de indignação. Informado por membros da Comissão Executiva do Supremo Concílio
sobre a realização da reunião da Comissão que havia sido realizada, ele reclamava que nem ele
- representante da Missão Presbiteriana do Brasil Central, subordinada à COEMAR, de Nova
York - nem Milton Daugherty - secretário executivo da Missão Presbiteriana do Brasil,
subordinada ao Board of World Missions, de Nashville - foram convidados a participar do
encontro, assim como haviam participado dos anteriores.

O grupo ‘adversário' - chamado por Jaime na missiva de ‘facção’ - era liderado por
Amantino Adorno Vassão, presidente do Supremo Concílio entre 1962 e 1966. Outro ponto
44
apresentado na carta foi a saída de Domício de Mattos do cargo de editor do jornal Brasil
Presbiteriano, veículo da IPB, cujo período como editor marcou a inserção de pautas mais
progressistas. Jaime escreveu: “Amantino disse sem rodeios: ‘Ou ele se demite ou eu faço’. Foi
de um Domício amargurado que eu peguei esses fatos principais.” Na segunda parte da carta,
Wright busca resumir suas conclusões a respeito dos acontecimentos entre os missionários e a
IPB. Ele faz isso em forma de pontos e finaliza suas sugestões propondo atingir a IPB no
coração de sua fragilidade para cessar o processo de caça às bruxas: que a igreja americana
adiasse indefinidamente o envio de recursos para o Brasil, enquanto o cenário na IPB não
mudasse.

O status quo continuará a menos que tomemos medidas drásticas. Por status quo quero dizer: sendo
esbofeteado com uma mão enquanto o outro está sendo esticado para receber mais e mais fundos.
Algumas medidas possíveis:

a. Colocar uma moratória para todos novos pedidos de fundos de capital da IPB até o momento
em que a Igreja reconhece que os missionários são colegas de trabalho da IPB e não simples
fontes de fundos.

b. Reconsiderar a maneira pela qual a CBM36 está contribuindo ao orçamento da IPB. Nossas
ações, por exemplo, ao contribuir para a Confederação, CAVE, JMC37 e os seminários, através
do tesoureiro da IPB, não são necessariamente pensados em termos de um desejo da nossa parte
de cooperar mais estreitamente ou de endireitar algumas anomalias. Mais frequentemente
foram interpretadas como concessões, como sinais de fraqueza de nossa parte. A ideia de
montante fixo, então, seria adiada indefinidamente.

c. Não fazer concessões à JME38 além daquelas que são baseadas em lidar com justiça com
compromissos passados. Para Adauto, quaisquer subsídios justificarão ainda mais a atitude que
ele tomou e darão mais garantia de seu poder e influência (ele já é candidato a moderador em
1966).

Um item ajudará a ilustrar a situação atual dentro da IPB. Durante a primeira semana da “revolução”,
os alunos do Seminário de Campinas ameaçaram uma greve se fossem obrigados a frequentar as
aulas. A reação de Adauto: ‘Deixe-os ir em frente; isso provará que há influência comunista dentro
do seminário.’

É como ver as rachaduras aparecendo e se alargando nas paredes de um edifício da igreja: a sessão
está convencida de que não há perigo e não fará nada a respeito; os diáconos são assim forçados a
ficar de fora da discussão e assistir, de forma agonizante, a igreja desmoronar; a menos que os
diáconos estejam dispostos a seguir em frente por conta própria, independentemente das
comodidades apropriadas39.

36
Central Brazil Mission
37
Referindo-se a Confederação Evangélica Brasileira, Centro Audiovisual Evangélico e Instituto José Manoel da
Conceição.
38
JME era a Junta de Missões Estrangeiras, nomeada diretamente pela Comissão Executiva do Supremo Concílio.
39
Memorando de Jaime Wright a John H. Sinclair, 2 de maio de 1964, número 64-59. Acervo Presbyterian
Historical Society – The National Archives of the PCUSA, Filadélfia, EUA
45
Outro memorando de Jaime para John Sinclair dias depois, em 11 de maio de 1964,
tinha como assunto "IPB (outra tentativa de avaliar)" e chamava a atenção para a ascensão do
terrorismo político, aqui tratando da situação política do Brasil, sob a ditadura militar, e o
cenário com a IPB. Ele mostrava preocupação com a centralização de poder dentro da IPB e
fazia uma relação direta desse cenário com o quadro político do Brasil, ou seja, nos intramuros
da IPB se replicava o que estava acontecendo no quadro político do país. “As recentes ações da
CE/SC para excluir missionários de suas reuniões devem ser vistas e avaliadas neste contexto
mais amplo”, dizia. Jaime recorreu a um artigo de João Dias de Araújo então professor de
teologia no Seminário de Recife (chamado, a partir da década de 1960, de Seminário
Presbiteriano do Norte), no Brasil Presbiteriano para dar uma "perspectiva adequada” à
compreensão daquela situação. Wright referia-se a um artigo publicado na edição no. 6, de
março de 1964, do qual tirou algumas citações para exemplificar a Sinclair sobre o que falava.
Vale a pena reproduzir os trechos destacados por Jaime, pois eles traduzem os ânimos que
tomavam conta da IPB naquele momento:

A maioria dos presbitérios está se rebelando contra a ‘famosa’ proposta para a reforma da
Constituição. A reação a esse documento foi espontânea, o que mostra que os presbitérios não são
inocentes o suficiente para engolir os absurdos que aparecem na proposta.

Eu era presidente de um dos comitês encarregados de propor mudanças na Constituição - Esta


comissão reuniu-se várias vezes e enviou suas conclusões à CE/SC. Devido ao fato de que a maioria
de nossas sugestões não constavam da proposta, tenho a obrigação de explicar aos leitores de B.P.
os pontos defendidos pelos representantes do presbiterianismo no Norte:

I. Maior participação da Igreja - Há uma tendência dentro da IPB pensar que a Igreja nada tem a
ver com os problemas que afligem a vida social brasileira… Fizemos uma declaração para
deixar claro que a Igreja de Cristo está no Brasil para ser o meio para a implantação do Reino
de Deus. Em outras palavras: que Cristo é o senhor de toda a ‘realidade brasileira’.

II. Maior participação do leigo - Nosso Comitê sugeriu um parágrafo que garantisse a participação
não só dos anciãos nas comissões da Igreja, mas também diáconos e outros leigos competentes.
(…) Nenhuma dessas sugestões foi usada. (…) Eles foram arquivados como embaraçosos,
talvez (…) Enquanto o Brasil avança, a IPB caminha para trás.

III. Descentralizações - O que consta na proposta é um clericalismo inoportuno que bate a porta na
cara do leigo. Um dos maus efeitos do clericalismo é a centralização política e administrativa,
que é antidemocrática. Nosso comitê sentiu este problema porque somos mais sensíveis, talvez,
não só aos aspectos econômicos e monopólios políticos do Sul, mas também ao monopólio
eclesiástico do Sul. (…) Mas a proposta, no entanto, tenta a maior centralização possível. Os

46
“órgãos do topo” tornam-se muito poderosos, mas os presbitérios perdem responsabilidades e
oportunidades em determinadas fases do trabalho.

Em vez de uma reforma, estamos diante de uma contra-reforma… que não abre oportunidades para
a operação dinâmica da vida cristã dentro dos cinco propósitos principais da igreja40.

No documento, Wright dizia a Sinclair que a Central Brazil Mission era acusada de
encobrir esquerdistas na Igreja havia muito tempo, e que João Dias era considerado um desses
pelos direitistas da Igreja. E que foi por meio da ação dos pastores e professores Paul Pierson e
Thomas Foley - professores do Seminário Presbiteriano do Norte - que João Dias foi mantido
fora da prisão, depois que Israel Queirós o chamou publicamente de comunista durante dois de
seus programas de rádio. Por sua vez, comentou Jaime, "tanto Paul como Tom foram chamados
de ‘agentes do comunismo internacional’”. Na opinião de Jaime, estava evidente que os
missionários em geral - e os membros da Central Brazil Mission, em particular - eram
“naturalmente simpáticos a indivíduos e grupos que lutavam por uma aplicação mais ampla do
genuíno sistema presbiteriano, bem como pelo conceito ecumênico da Igreja”. Ele alertava que
esses indivíduos e grupos seriam contra quaisquer propostas que limitariam e restringiriam
esses ideais. Segundo Jaime, a oposição àquele grupo que controlava a IPB havia tomado
tamanhas proporções que um refrão era ouvido com frequência cada vez maior entre os
presbiterianos considerados progressistas. “Esses homens não representam mais a Igreja.
Missionários - bem como a geração de ministros ‘pró-Shaull’ são, portanto, considerados
ameaças ao status quo da Igreja.”

A eleição da nova diretoria da Confederação Evangélica do Brasil, em 1963, ajudou a


intensificar essa crise, uma vez que a postura da Missão Brasil Central - e, portanto, de Jaime -
era contrária à linha conservadora que assumira a instituição. Entre os que foram afastados da
CEB estavam Domício Pereira de Mattos, responsável pelo Departamento de Educação Cristã;
Waldo César, do Setor de Responsabilidade Social; Jether Ramalho, que dirigia o
Departamento de Ação Social; e Francisco de Paulo Pereira, do Departamento de Juventude.
Com esse racha, a CBM deu apoio institucional e financeiro aos membros demitidos de seus
cargos de direção da CEB. Em carta escrita a Jaime, datada de 2 de setembro de 1964, Jether
agradece ao representante da CBM pela solidariedade, e explana sobre o difícil momento que
passava:

40
Memorando de Jaime Wright a John H. Sinclair, 11 de maio de 1964, número 64-74. Acervo Presbyterian
Historical Society – The National Archives of the PCUSA, Filadélfia, EUA
47
“(…) quando as desilusões marcam nosso espírito, as frustrações querem destruir os ideais, o
exercício de uma vocação cristã é tolhido, as incompreensões alcançam e obliteram os que estão em
poder, Deus vem das maneiras mais surpreendentes mostrar que o Seu cuidado e carinho estão
presentes nas horas de circunstâncias adversas.

Tem sido essa a nossa experiência nestes últimos dias. O aproveitamento de nossas possibilidades
pela Junta Latino-Americana, o apoio e solidariedade de toda a família e de amigos, e mais o tão
extraordinário ato de amor e compreensão humana de que o irmão foi instrumento. São atitudes
assim que nos seguram nas horas de encruzilhada. Não saberemos o que dizer: somente a graça de
Deus, agindo tão surpreendentemente, poderá ser responsável por bençãos que, por serem tão
grandes, nos deixam perplexos e atônitos.

Nossas orações têm subido aos céus pelas bençãos recebidas e Deus recompensará os seus servos
pelas suas atitudes de amor e compreensão.

Que a sua vida, Rev. James, continue a ser um motivo de inspiração como tem sido. São os votos
de Jether Ramalho.”41

Outro pastor presbiteriano que fazia parte do grupo de Jether, Zwinglio Mota Dias, foi
beneficiado com esses gestos de Jaime em meio ao turbilhão que vivia a CEB. Sessenta anos
depois, além de relembrar a importância da presença de Wright no início de sua trajetória na
IPB, Zwinglio pontuou que o contexto de perseguição na IPB se mantinha, sem mudanças.

Em 1962 foi o auge da crise do Seminário de Campinas, sob pena de sermos expulsos e isso nos
colocaria numa situação muito complicada com as nossas regiões eclesiásticas. Não havia nem o
que dizer nem o que pensar. Nós tratamos de buscar outra faculdade de teologia onde pudéssemos
terminar o nosso curso. E nós fomos parar na antiga Facultad Evangelica de Teologia de Buenos
Aires, que não existe mais. Mas pudemos fazer isso graças ao apoio que recebemos naquela ocasião
- nós, jovens estudantes - do cuidado pastoral do Jaime Wright conosco, porque ele estava vendo o
que estava acontecendo na Igreja do Brasil e percebeu que não tinha volta, e não teve até hoje. De
vez em quando eu pego alguma documentação noticiosa da vida da Igreja Presbiteriana do Brasil e
cada vez eu me escandalizo mais, porque há pastores e comunidades que estão sendo processados
até hoje, 50 anos depois, pelos mesmos pecados. Eu fui expulso da Igreja e a desculpa era que eu
estava contrariando a posição da Igreja, porque estava realizando casamentos ecumênicos. É
engraçado porque eu nunca realizei nenhum casamento ecumênico enquanto pastor da IPB, mas essa
foi a acusação. Então, o Jaime está lá, no começo da minha história como pastor42.

Em sua análise sobre o autoritarismo instaurado na Igreja Presbiteriana do Brasil no


período da ditadura militar, Valdir Gonzales Paixão Júnior escreve que “os perseguidos e

41
Carta de Jether Ramalho a Jaime Wright, 2 de setembro de 1964. Acervo Presbyterian Historical Society – The
National Archives of the PCUSA, Filadélfia, EUA
42
Comentários de Zwinglio Mota Dias na banca de qualificação do projeto desta tese, em 18 de dezembro de 2020.
48
estigmatizados neste período receberam rótulos com os quais foram identificados e que faziam
por criar para os mesmos o que foi descrito por Goffman (1988) de identidade virtual”. Essa
identidade virtual, explica o autor, tinha o objetivo de "deslegitimar uma postura teológica e
política que estava surgindo na igreja com vista à preservação da uniformidade teológica e
manutenção do governo que estava à frente da Igreja”. (PAIXÃO JR, 2014, p. 25) O testemunho
de Zwinglio Mota Dias se encaixa nesse esforço que a IPB fazia para desacreditar os seus
membros non gratos. Conforme Paixão Jr, ao citar Goffman: "A identidade visual, aquela
relacionada ao estigmatizado e, via-de-regra, depreciativa de sua identidade social, tem como
efeito afastar o indivíduo da sociedade e de si mesmo de tal modo que ele acaba por ser uma
pessoa desacreditada frente a um mundo não receptivo.” (GOFFMAN, 1988 apud PAIXÃO
JR, 2014, p. 240)

A demissão do grupo de diretores da CEB e de outros nomes naquele período rendeu


uma série de reações contrárias por parte de linhas mais progressistas do âmbito protestante.
No início de 1965, a Junta Geral das Igrejas Cristãs e Congregacionais do Brasil se reuniu e
enviou um protesto unânime à Assembleia da CEB, relativo à demissão de Jether Ramalho e
do reverendo Carlos Cunha, ambos da Igreja Congregacional, do quadro de funcionários da
Confederação, conforme noticiava o Boletim do Centro Ecumênico de Informação43. Em sua
pesquisa sobre o Centro Ecumênico de Informação e a construção da identidade do
Protestantismo Brasileiro, Magali do Nascimento Cunha destacou que a suspensão do grupo,
bem como a postura conservadora da nova diretoria, acabou desembocando no início do fim
das atividades da CEB, tendo em vista a falta de apoio das instituições que a sustentavam, como
as igrejas-membro, as juntas missionárias e as agências ecumênicas. O protesto destas veio
acompanhado da suspensão de envio de recursos e, ao final, ao encerramento das atividades da
Confederação (CUNHA, 1997 apud SOUZA, 2020, p. 195)44. Segundo Darli Alves de Souza,
esse movimento finalizou o ciclo da CEB, “protagonista da revolução ecumênica “, mas
também “reorganizou-se e fortaleceu a Isal, que foi criada no ciclo final de existência desta
organização e gerou outras iniciativas dignas de nota, como foi caso do Centro de Informação”.
(SOUZA, 2020, p.195)

43
Boletim CEI, 10 de abril de 1965, p. 6
44
Para saber mais sobre esse assunto, ver também: SOUZA, Darli Alves de. A revolução ecumênica: do
proselitismo ao compromisso de transformação social. Doutorado (Tese de doutorado) - Programa de Ciências da
Religião. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2020
49
APOIO AO GOLPE DE 1964

O apoio da Igreja Presbiteriana do Brasil ao golpe civil-militar de 1964 foi efetivo, e


não apenas Wright destacou isso em seus documentos. João Dias, entre outros pares da Igreja
presbiteriana, abordou essa dinâmica em Inquisição sem fogueiras, ao mostrar as manifestações
públicas de representantes de pastores, como os que representavam o Sínodo Oeste de São
Paulo. O pastor reproduz publicações feitas no jornal Brasil Presbiteriano em maio de 1964.
Uma delas dizia:

“Todos os verdadeiros cristãos estão se regozijando com os resultados da gloriosa revolução de


março-abril: o expurgo de comunistas simpatizantes da administração do nosso querido Brasil. (…)
Deus agiu na hora certa, usando a coragem e o patriotismo das Forças Armadas e civis. A raiz da
erva daninha, porém, será difícil de ser extirpada.” (ARAÚJO, 1982, p. 64)

De acordo com Araújo, o entrosamento era tamanho que, conforme publicado no Brasil
Presbiteriano, pastores e presbitérios da IPB eram convidados a frequentar os cursos e ciclos de
estudos da Associação dos Diplomados e Escola Superior de Guerra. Depois, a CE/SC sugeriu
que ministros da IPB fossem aproveitados no curso intensivo da Escola Superior de Guerra.
Assim como Jaime havia tratado em um de seus memorandos ao secretário regional para a
América Latina da COEMAR, Araújo destacou em sua obra que a influência maior do golpe
de 1964 na IPB foi “imitar os métodos político-militares na vida interna da Igreja”. Além disso,
Araújo tratou de outro assunto abordado como preocupante por Jaime: a saída de Domício
Pereira de Mattos do cargo de editor do jornal Brasil Presbiteriano, sob o argumento de que “a
orientação do Rev. Domício, à frente do BP, não representava o pensamento da Igreja”.
(ARAÚJO, 1982, p. 66)

O substituto de Domício no jornal foi o conservador Boanerges Ribeiro, que, dois anos
depois, seria eleito presidente do Supremo Concílio da IPB, por meio de uma campanha que
falava em “salvar a Igreja da infiltração do ‘evangelho social’”, ou seja, tratar para que a IPB
seguisse a situação imposta pelo golpe de 1964. Como nos apresenta João Dias Araújo, a
propaganda para eleger Boanerges fazia uma crítica contundente ao grupo de pastores próximos
a Jaime Wright, como Richard Shaull, Rubem Alves e Domício de Mattos. Dois meses antes
da reunião em Fortaleza, que elegeu Boanerges, o jornal Brasil Presbiteriano publicou uma
ficha para os delegados na qual constava ,“em letras garrafais”, uma propaganda baseada no
livro O Evangelho Social e a Igreja de Cristo, de Alcides Nogueira, que dizia:

50
“Está em circulação o livro O Evangelho Social e a Igreja de Cristo que o Rev. Alcides acaba de
publicar e no qual faz uma análise documentada sobre novas tendências ideológicas dentro do
protestantismo brasileiro. Graves e surpreendentes revelações vêm a lume naquelas páginas, que
precisam ser conhecidas e meditadas, a fim de que se tenha ciência da atuação socialista que,
consciente ou não da extensão do mal, vem anunciando um ‘evangelho social’, um ‘outro evangelho’
que abre ala para infiltração sócio-comunista nos meios evangélicos do Brasil.” (ARAÚJO, 1982,
p. 67)

Ao longo do ano de 1964, Jaime seguiu em diálogo permanente com executivos do


COEMAR - em especial John Sinclair e Donald Black, secretário geral adjunto da Comissão -
reportando os andamentos e a postura do grupo à frente da IPB e as autoridades políticas do
Brasil sob o regime militar. Em muitas das passagens ele usava o seu poder de executivo para
atingir o grupo adversário frente à IPB cortando os fundos dos quais a Igreja no Brasil tanto
dependia daquela dos Estados Unidos, cuja representante no Brasil era a Missão Brasil Central,
tendo Jaime à testa da instituição. Na carta de 22 de setembro de 1964, endereçada a Donald
Black, ele traduz o último parágrafo de uma publicação ‘tipo manifesto’ que Domício Pereira
de Mattos estava distribuindo e que tratava das reformas na IPB que vinham sendo reclamadas
pelo grupo composto por Wright, Shaull, Domício, entre outros. Dizia o trecho destacado:

“Lutarei pelas reformas e pela atualização da Igreja. Há duas coisas que nem a liderança da Igreja
Presbiteriana do Brasil nem de qualquer outra Igreja pode evitar: o espírito ecumênico e as mudanças
nas estruturas eclesiásticas. Sua atitude revela os suspiros moribundos de um ‘poder' que está
apodrecendo. As focinheiras serão em vão, nem as proibições da vinda ao Brasil de homens como
John Mackay, nem as ‘pressões' para mandar embora missionários como Richard Shaull ou Floyd
Sovereign, nem as reservas sobre COEMAR… A nova geração está se levantando contra você e não
aceitará mais os delírios desta liderança. Você passará, e eu passarei com você, mas a Igreja de Jesus
Cristo ressuscitará triunfante, renovada, ecumênica, atualizada para a honra e glória de Deus!”45

No mesmo documento, Wright expressa sua preocupação de que a contribuição da


Missão Brasil Central para a Confederação Evangélica Brasileira, por meio da IPB, se
configurava em um instrumento importante para a ascensão de Amantino ao poder e controle
dentro da CEB. Em outubro, numa outra comunicação a Donald Black46, ele disse que tudo
deveria ser feito para manter os canais de comunicação abertos, mas que o grupo que buscava
se manter no poder frente à IPB não queria que a Igreja “fosse como Wright, como Shaull…”

45
Carta de Jaime Wright a Donald Black, 22 de setembro de 1964. Acervo Presbyterian Historical Society – The
National Archives of the PCUSA, Filadélfia, EUA
46
Carta de Jaime Wright a Donald Black, 24 de outubro de 1964. Acervo Presbyterian Historical Society – The
National Archives of the PCUSA, Filadélfia, EUA
51
Por isso, escreve Jaime, “estou disposto a tornar-me ainda mais impopular…”, referindo-se ao
fato de que sua opinião era de adiar o apoio previsto para a instituição no Brasil.

Ao citar as reformas, Jaime e Domício falavam das propostas de reforma estrutural que
os setores progressistas estavam propondo para a Igreja Presbiteriana nos anos 1960. Em
fevereiro de 1965, pouco antes da realização da reunião da CE/SC em Brasília, um grupo de
pastores e leigos reunidos no Rio de Janeiro - e aqui incluídos os pares de Jaime, como Waldo
César e Jether Ramalho - prepararam um documento em forma de carta, de caráter urgente,
como colaboração para que a Igreja “reencontrasse os seus verdadeiros rumos históricos”. Nele
o grupo começa afirmando que o crescimento da Igreja Presbiteriana sequer acompanhava, em
proporção, o aumento demográfico do Brasil. Entre os principais problemas detectados e
destacados na carta, estavam47:

1. O divórcio entre cúpula e povo. “Não se pode negar que a chamada cúpula da Igreja está
se desgastando com problemas muito gerais, pessoais e irrelevantes, os quais não estão
representando as preocupações e interesses da Igreja realmente.” Essa tendência
centralizadora e absorvente de um grupo representativo, dizia a carta, estava se fazendo
sentir também nos escalões menores. “Urge uma descentralização de poder e funções. É
preciso participação efetiva do povo nas resoluções das cúpulas, tanto locais como gerais.”

2. Grave situação econômico-financeira. O grupo alertava para um "terrível déficit” na


tesouraria geral da igreja. "Carecemos de uma análise, em profundidade, de nossa
conjuntura, em confronto nossa estrutura eclesiástica. Algo anda desajustado.
Incompreensível, numa época como esta, não termos um planejamento neste setor.
Inclusive estudando-se meios de promover nossa independência econômica em relação ao
estrangeiro (de modo nenhum somos xenófobos).”

3. Desigualdade flagrante entre os crentes. O grupo chamava a atenção para o fato de que o
mundo caminhava num esforço para que houvesse maior justiça social e, enquanto isso, na
Igreja, “ao lado de um crente abastado, um infeliz à míngua”. Por que os diáconos não são
convocados para resolver esta terrível situação, perguntavam, no documento. “Nenhum
crente deve ganhar menos que o mínimo indispensável para a subsistência de sua família.
A Igreja tem que zelar por isso.”

47
Carta no. 4 - URGENTE, Reforma na Igreja Presbiteriana, Rio, fevereiro de 1965. Acervo Presbyterian
Historical Society – The National Archives of the PCUSA, Filadélfia, EUA

52
Além de listar aqueles que consideravam os mais importantes problemas para serem
tratados na reunião, o grupo também fez sugestões práticas para a CE/SC48:

a) Elaborar um novo catecismo. O que era usado, diziam eles, estava desatualizado, pois foi
feito “num outro bem diferente contexto que o que ora vivemos”.

b) Promover estudos bíblicos mais sérios e metódicos do que o permitido pelos programas
eclesiásticos. “Talvez a Escola Dominical fosse o melhor lugar, desde que reformulada sua
organização e sistema.”

c) Catecismo social. “Já temos um ‘pronunciamento social’; precisamos, agora, de um


‘catecismo social’, que instrua nosso povo acerca dos assuntos sociológicos, com vistas
notadamente à problemática brasileira.”

d) Estudos sobre métodos evangelísticos. O grupo dizia no documento que a Igreja precisava
conquistar as massas. “E usar processos de penetração nos lares, seja pessoalmente, seja
infiltração, ali, por meio da imprensa, rádio, TV, literatura. Provável que o mais inteligente,
nesse ponto, seja um trabalho inter-denominacional”.

e) Tornar públicas as reuniões do Conselho na reforma da Constituição da Igreja. O grupo


defendia que devia ser permitido aos diáconos e presidentes de sociedades internas
tomarem assento, embora sem direito a voto. “A propósito, temos de acoroçoar o interesse
e participação dos crentes nos concílios todos da Igreja, facultando a palavra a presbíteros
e diáconos, mesmo que não sejam delegados oficiais e não votem.”

Na última parte da carta, o grupo faz uma série de perguntas a respeito do que poderia
modernizar a Igreja. Entre esses questionamentos estão por que não substituir os diáconos por
senhoras na manutenção da ordem dos cultos, ou criando as diaconizas? Não podemos ter pastor
de tempo parcial e leigo de tempo integral, em particular para funções especializadas? Se a
época é de cooperação, não seria mais viável e econômico pensarmos em criar seminários inter-
denominacionais? Por que o Supremo Concílio não constitui uma Comissão de Finanças,
permanente, convocando os leigos e pastores entendidos no assunto? E o mesmo não fazem os
presbitérios e os conselhos?

48
Carta no. 4 - URGENTE, Reforma na Igreja Presbiteriana, Rio, fevereiro de 1965. Acervo Presbyterian
Historical Society – The National Archives of the PCUSA, Filadélfia, EUA
53
Além desses questionamentos, o grupo ressaltava na carta que a Igreja deixou de
estimular maior espírito ecumênico intra-confessional, e tinha profundo preconceito contra os
católicos. O documento foi finalizado, afirmando que as ideias ali expostas tinham o objetivo
de dinamizar a Igreja Presbiteriana do Brasil, pois a hora não era "de questiúnculas nem
personalismo, ou de atendermos a vaidades feridas”.

A relação conflituosa entre Jaime Wright e o Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana


do Brasil é bastante evidente nos documentos preparados por Jaime ao longo das décadas de
1960 e 1970. E se tornou ainda mais complexa a partir de 1966, quando Boanerges Ribeiro
assumiu a presidência da instituição, conduzindo-a a partir de um olhar reacionário. Boanerges
se manteve na presidência por três mandatos consecutivos (1966-1970, 1970-1974 e 1974-
1978). Foi no segundo mandato que o Supremo Concílio pediu a expulsão de Jaime e outros
missionários do Brasil, e talvez tenha sido o ponto mais nevrálgico desse período todo, e será
abordada mais adiante.

As relações entre os missionários e a Igreja Presbiteriana do Brasil naquele momento


preocupava a cúpula da COEMAR nos Estados Unidos. Em 1967, o secretário Donald Black
enviou um memorando confidencial para a equipe executiva, com o assunto “Discussões de
política com a CBM”, no qual tratava da pressão que os missionários estavam sofrendo por
parte da IPB, inclusive quanto à sua liberdade de participação no movimento ecumênico. Black
defendia que a Igreja Presbiteriana Unida dos Estados Unidos não encorajasse uma dissidência
com a IPB.

A Assembleia Geral da qual Boanerges Ribeiro é agora moderador é a IPB e, em caso de cisão,
continuará sendo ele o moderador. Somente uma nova Assembleia Geral devidamente constituída
poderia mudar esse quadro. (…) Embora sejamos livres para nos relacionarmos com qualquer Igreja
que desejarmos, um uso responsável dessa liberdade significa que não reconheceríamos uma Igreja
cindida. (tradução nossa)

Black encerrou o memorando dizendo que os missionários que simpatizassem com esse
grupo cindido e quisessem trabalhar com ele não seriam apoiados pelo COEMAR.

Jaime não estava interessado em trabalhar com o grupo dividido, também porque o
cargo que exercia exigia que estivesse alinhado com o que pensava a cúpula da COEMAR. Mas
ele se mantinha atento aos passos dados pelo grupo dominante na IPB e em como isso estava
interferindo na vida dos missionários no Brasil. Exemplo disso foi a perseguição sofrida pelo
54
pastor alemão Gerd Wenzel, que foi detido para prestar depoimento em março de 1969, acusado
pelo Departamento de Polícia Federal. O jornal Brasil Presbiteriano trouxe uma página inteira
sobre o fato, cuja matéria foi intitulada “Suposto pastor interrogado na polícia”, e afirmando
que a detenção de Wenzel “resultou no desmantelamento de uma vasta rede subversiva que tem
ligações com o Norte e o Sul do país”49. A matéria dava conta de que Gerd Wenzel era um
falso pastor e que estava sendo perseguido havia mais de um ano antes de ser detido. “Para
reforçar a tese, os federais acrescentam que ele foi expulso da Igreja Presbiteriana, do Rio Doce,
há alguns meses, exatamente por desvirtuar o culto protestante. Gerd estava utilizando o próprio
templo para suas pregações subversivas aos jovens, diz o DPF.” Wright e Rubem Alves foram
dois presbiterianos que prestaram solidariedade a Wenzel.

À publicação da matéria, Rubem fez os seguintes comentários e os enviou a Jaime: a


pessoa referida no artigo transcrito como “falso pastor” foi realmente ordenado pela IPB;
devido ao fato de que Gerd Wenzel não concordou com as políticas seguidas pela estrutura de
poder do IPB nem com sua “teologia”, ele estava “desordenado”, ou seja, sua ordenação foi
declarada nula e sem efeito; embora a IPB não tenha feito nada para ajudar esse jovem em sua
provação, a IPB ajudou imensamente a causa daqueles que o acusaram, como indica a
transcrição deste artigo no jornal oficial da IPB. Rubem finaliza seus comentários com a frase
“Abençoados são aqueles que são perseguidos por causa da justiça”. Como nos mostra Elizete
da Silva (2011), na publicação de um artigo que relatava a deposição de Wenzel, no jornal
evangélico Cristianismo, em 1969, a acusação de que o pastor alemão assumira posição
contrária à IPB nunca foi provada, “nem tampouco denunciada, como manda o artigo 42 § 2
do Código de Disciplina”. A perseguição da ditadura militar, inclusive com prisões e tortura,
contra outros militantes protestantes será abordada no próximo capítulo. Aqui, no entanto, o
objetivo é mostrar como foi a postura da IPB em relação aos missionários que também estavam
sendo perseguidos pelo governo brasileiro.

Nesse sentido, a documentação disponível sobre esse período sequente dá conta de que
a perseguição da IPB contra missionários - e Jaime era uma das principais vitrines, dado o seu
cargo estratégico na Missão - só se intensificou. Em uma carta de 28 de fevereiro de 1971,
assinada pelo secretário executivo do Supremo Concílio da IPB, Fuad Miguel, enviada ao
presidente Boanerges Ribeiro, trazia como resoluções da Comissão Executiva quanto ao
documento de número 34 que trata de informação do presidente Boanerges sobre atitudes hostis
de missionários da COEMAR, no trato de interesse da IPB, que Boanerges relatasse à

49
Suposto pastor interrogado na polícia. Brasil Presbiteriano, 1 a 15 de maio de 1969, Ano XI, Ns. 9 e 10
55
COEMAR os incidentes e solicitasse providências enérgicas; e que Boanerges pedisse à Missão
Presbiteriana do Brasil Central, por meio do Conselho Inter Presbiteriano, a substituição de
Jaime Wright, Carl Joseph Hahn Jr., Paul Pierson e Charles Harken nos campos missionários
do Brasil. Um mês depois, oito protestantes - Walmir Soares, Elder Torquato Marques dos
Santos, João Dias de Araújo, Elder Inaldo Ivo Lima, Severino Lima, Elder Antonio Ferreira de
Bragança Filho, Áureo Bispo dos Santos e Edijéce Martins Ferreira - subscreveram uma carta
enviada a Donald Black, então secretário geral da COEMAR, avaliando que a retirada dos
missionários significaria "uma completa subordinação da Missão Brasil Central ao poder da
atual administração da Igreja Presbiteriana no Brasil”. Paul Pierson - que atuava na Missão
Presbiteriana Brasil Central - encerrou sua relação com a IPB e voltou aos Estados Unidos
naquele mesmo ano, onde finalizou a sua pesquisa de doutorado sob o título, em tradução livre,
Uma igreja mais jovem em busca de maturidade, sobre a Igreja Presbiteriana do Brasil no
período de 1910 a 1959. (PAIXÃO JR, 2008, p. 290)

Muitos foram os nomes que estavam dentro quadro de perseguição. Entre eles
figuravam Rubem Alves e Joaquim Beato, conforme nos mostra Paixão Jr (2014). Rubem Alves
era professor do Seminário Presbiteriano do Sul, em Campinas, que foi acossado intensamente
pela IPB, mas renunciou ao cargo em carta datada de 15 de setembro de 1970.

Ninguém pode indefinidamente contrariar suas convicções e valores espirituais sem que o próprio
espírito sucumba. Estou convencido de que a Igreja Presbiteriana do Brasil hoje é uma grotesca
ressurreição dos aspectos mais repulsivos do Catolicismo Medieval. Continuar fiel a ela, continuar
a ser contado como um dos seus ministros, é compactuar com uma conspiração contra a liberdade e
o amor. Por isto tomei hoje, 15 de setembro de 1970, a decisão de romper com ela. ‘Como andarão
dois juntos se não tiverem de acordo?’. Solicito, por tanto, do POMN (Presbitério Oeste de Minas
Gerais), de forma irrevogável, que o meu nome seja cortado tanto do rol dos pastores quanto do rol
de membros da IPB. (ARAÚJO, 1985 apud PAIXÃO JR, 2008, p. 287)

Jaime já havia se desligado definitivamente da IPB em 1968, quando o Presbitério do


Vale do São Francisco foi anulado, e ele seguiu para viver em São Paulo. De acordo com Paixão
Jr. (2008, p. 205), a partir de entrevista realizada com Wright dois meses antes deste falecer,
em Vitória, o presbitério havia sido organizado pelo Conselho Inter-Presbiteriano - “composto
por representantes das Igrejas do Norte e do Sul dos Estados Unidos e da IPB com o objetivo
de articulação da expansão missionária e evangelização”. Na reunião do Supremo Concílio em
Garanhuns, não foi aceita a representação dos pastores daquele presbitério,

56
sob a alegação de Boanerges Ribeiro de que a organização do mesmo tinha sido irregular e que, por
isso, ‘os delegados não tomariam assento no Supremo Concílio, até que uma Comissão Especial
pudesse relatar sobre o assunto’. O parecer de tal Comissão foi pela dissolução do presbitério. (…)

Tanto para Wright quanto para Araújo50, tal medida de dissolução do Presbitério do Vale do São
Francisco tinha como objetivo político a diminuição de 04 votos contrários à reeleição de Boanerges
Ribeiro ao SC/IPB, pois os pastores do presbitério dissolvido, não podendo tomar assento na
Assembleia, automaticamente seriam vetados de todo processo decisivo e de votação. (PAIXÃO JR,
2008, p. 206)

A saída de Joaquim Beato ocorreu nos mesmos termos. Ao voltar ao Brasil com a
família, em 1971, depois de quatro anos estudando em Oxford, ele foi demitido. “Em janeiro
de 1971, eu estava desempregado. Procurei com meus filhos fixar aqui uma escola de inglês, e
quando eu estava no fundo do poço, tendo apenas ovo e feijão para comer com a família, devo
dizer que neste meio tempo também os amigos tinham feito reserva de uma casa pra mim em
Jales da Penha; então, a casa foi a nossa salvação51.” (PAIXÃO JR, 2008)

Nos anos seguintes, acirrou-se a postura conservadora da IPB. Boanerges Ribeiro


escreveu para a moderadora da Igreja Presbiteriana Unida dos Estados Unidos (UPCUSA), Lois
Stair, em 1 de julho de 1971, quando o Brasil estava sob a presidência do general Emilio
Garrastazu Médici - considerado o período de maior repressão política no país durante a
ditadura militar de 1964 a 1985 -, na qual se mostra indignado com o fato de a UPCUSA ter
decidido de manifestar contra a tortura de presos políticos no Brasil. A carta era para afirmar o
“completo e enérgico repúdio da Igreja Presbiteriana do Brasil a tal tipo de manifestações por
uma Igreja com a qual a Igreja Presbiteriana do Brasil vinha mantendo relações fraternas”.
Ribeiro afirma na carta que a IPB sabia que a UPCUSA tinha estabelecido um grupo de trabalho
com o objetivo de estudar a situação política e social latino-americana, e que havia se
manifestado algumas vezes sobre a preocupação que tinham com o fato de que esse grupo de
trabalho era organizado sem consulta à IPB para informá-lo sobre a situação brasileira.
Contudo, diz Ribeiro,

o mesmo grupo de trabalho era orientado pelas informações de pessoas, do Brasil e dos Estados
Unidos, que já haviam antes demonstrado mais interesse em combater o governo estabelecido no
Brasil como resultado de nossos sentimentos anti-comunistas e de nossa decisão de eliminar a

50
Referindo-se a João Dias Araújo
51
Entrevista de Joaquim Beato concedida a Valdir Gonzales Paixão Júnior em 27 de março de 1999.

57
corrupção política do que em esclarecer a Assembleia Geral da Igreja Presbiteriana Unidas dos
Estados Unidos da América52.

A carta era uma ode à ditadura militar instaurada no país, e um documento que nos
mostra em qual clima os protestantes não conservadores estavam atuando para buscar se manter
nas discussões sobre a situação social e política crítica que o Brasil vivia, uma vez que o período
é considerado o mais violento da repressão. Vale a pena transcrevermos mais dois trechos da
missiva, dada à visão distorcida que Boanerges procurava mostrar em seu relato à moderadora
americana:

A intenção de desinformar sua Igreja tornou-se clara, para nós no Brasil, quando a revista
Presbyterian Life trouxe notícia de reunião particular entre representantes da Igreja Presbiteriana do
Brasil e da COEMAR (de sua Igreja) e não mencionou, sequer, as claras e enérgicas afirmações
feitas por toda a delegação brasileira, de completa liberdade de consciência e de culto, no Brasil,
sob o atual governo, bem como a satisfação do povo brasileiro com o atual regime. Na mesma
ocasião lembramos a seus representantes a declaração do Presidente da República Brasileira, de que
não há ‘presos políticos’ no Brasil.

Não tendo sido consultados pela Igreja Presbiteriana Unida dos Estados Unidos, surpreendidos com
o noticiário de decisões injustas contra nosso governo, da Assembleia Geral de sua Igreja; decisões
que não resultam de informações verdadeiras, venho, sr. Moderador, dizer-lhe que a Igreja
Presbiteriana do Brasil totalmente se dissocia de decisões que sua Igreja haja tomado, sobre suposta
tortura de ‘presos políticos’ no Brasil.

A resposta da moderadora americana foi no sentido de tentar manter um mínimo de


diálogo com o Brasil. Ela não negou que o grupo ligado à COEMAR estava de fato preocupado
com a situação dos presos, mas também não entrou em polêmica com Boanerges. “Nossa
preocupação é a verdadeira justiça e liberdade em nossa nação e no mundo. Vivemos um
momento em que tomar posição sobre questões cruciais criará fortes divergências entre os
amigos”, finalizou.

As notícias nos meios de comunicação da IPB e UPCUSA, bem como da grande


imprensa brasileira, neste período são bastante interessantes porque traziam olhares opostos
sobre os mesmos fatos. Exemplo disso é a publicação, pelo jornal O Estado de S. Paulo de 28
de maio de 1971, de notícia sobre a solicitação que a Assembleia Geral da UPCUSA fez à ONU
para investigar supostas torturas de prisioneiros políticos no Brasil. O título da matéria nO

52
Arquivo pessoal de Jaime Wright
58
Estado era “Os presbiterianos pedem investigação”. O Brasil Presbiteriano replicou a nota na
íntegra, mas deu como manchete “Ecumenistas contra o Brasil”53. Wright arranjou em uma
única folha as duas notas coladas e, entre elas, desenhou, de forma irônica e crítica, pontos de
interrogação e de exclamação.

Como pudemos ver anteriormente, Jaime já estava absorto no movimento ecumênico


junto com seus pares. A influência do seu irmão Paulo Wright - como veremos no próximo
capítulo - colaborou deveras para que sua visão de mundo se tornasse cada vez mais voltada
para a necessidade de uma igreja compromissada com a justiça social. Essa forma de ser igreja
seguia rumo oposto ao que adotava a IPB.

No capítulo intitulado “Expurgos e Isolacionismo”, João Dias Araújo (1985, p. 117)


considerou, em seu livro Inquisição sem fogueiras, que a tendência inquisitorial estava levando
a IPB a um "isolacionismo provinciano”. Para subsidiar tal afirmação, o autor cita alguns fatos
históricos a respeito de declarações e ações do Supremo Concílio da IPB, sendo um deles a
publicação, em março de 1973, na primeira página do jornal Brasil Presbiteriano, da seguinte
notícia assinada pelo presidente do Supremo Concílio, Boanerges Ribeiro:

A Comissão Executiva do Supremo Concílio confiou à Junta de Missões Nacionais a


responsabilidade dos campos antes ocupados pela Missão do Brasil Central. A Missão do
Brasil Central foi dissolvida pela Coemar (Igreja do Norte); dela resta no país uma
sociedade civil, à qual nosso governo concede isenção no pagamento do INPS/ Por outro
lado, a COEMAR é diretamente representando, sem Missão, para promoção do
ecumenismo, por um escritório dirigido por ex-missionário que nossa Igreja solicitara fosse
retirado dos campos missionários do Brasil.

Nossa Comissão Executiva, na reunião de fevereiro em Brasília, pelo voto unânime de seus
membros, declarou terminadas nossas relações com a ‘Igreja do Norte’. Uma série de
incidentes e desacordos que data dos inícios do século, e se agravou seriamente após o
Supremo Concílio de Fortaleza, assinalou a presença da Igreja do Norte entre nós. Ao
registrarmos o encerramento das relações (de fato já há algum tempo inexistentes, após o
ato unilateral, sem consultar conosco, da dissolução da Missão), registramos também a
apreciação de nossa Igreja pelas centenas de verdadeiros missionários que de lá nos vieram.

53
Brasil Presbiteriano, Ano XIV, junho de 1971, n. 6
59
Ultimamente, a COEMAR deixava de reenviar ao Brasil dedicados evangelistas e amigos
de nossa Igreja, alegando falta de fundos.

Os Revs. Pemberton e Jennings, para voltar, foram aceitos pela Junta de Nashville (Igreja
do Sul) e, graças a Deus, continuam sua missão no Brasil.

A essa publicação, Jaime Wright, que era o representante da Igreja Presbiteriana Unida
dos Estados Unidos no Brasil, respondeu, no boletim interno da IPU, Brazil Notes,
escancarando o conflito que perpassava as relações entre IPB e IPU:

1) Como é notório, estrangeiros não podem trabalhar no Brasil a não ser que estejam contratados
por uma sociedade civil, legalmente constituída e reconhecida pelo governo brasileiro. Além
de dar essa cobertura legal ao pessoal da IPU, a Missão Presbiteriana do Brasil Central (MPBC)
tem responsabilidades legais para com as instituições mantidas pela IPU e para com as
propriedades que ainda estão em nome da IPU.

2) É verdade que o escritório da IPU em São Paulo tornou-se lugar de encontro para alguns grupos
não pertencentes a IPB. O artigo está tecnicamente correto quando me apelida de ‘ex-
missionário' porque, para ser designado representante da IPU, tive de me desvincular da MPBC,
embora o salário e benefícios que recebo se enquadrem dentro do mesmo padrão de todos os
meus colegas missionários no Brasil.

3) Não foi ‘voto unânime’, pois os presidentes dos seguintes sínodos votaram contra essa decisão:
Sínodo Bahia-Sergipe, Sínodo Espírito-Santense e Sínodo Guanabara.

4) Na reunião de 1966, em Fortaleza, o Rev. Boanerges Ribeiro foi eleito para o seu primeiro
quadriênio na presidência da IPB.

5) Por causa da crise, de nível mundial, nas finanças da IPU, onze missionários no Brasil foram
retirados para outros trabalhos ou campos, no final do ano de 1972. Chalmers e Polly Browne,
Bob e Becky Dodson, George e Helena Glass, Janet Graham, Charles e Hazel, Harken, Bill e
Fern Jennings. Os únicos evangelistas são Dodson e Jennings. Todo mundo sabe que Dodson
teve de ser removido de Santa Catarina, devido ao virtual veto da CE/SC à continuação de seus
trabalho no Presbitério de Florianópolis. Ninguém pode negar que Bob era não somente um
dedicado missionário, mas também um amigo da IPS. Milton Daugherty, antes de ser aposentar,
já estava sondando a possibilidade de Jennings ser cedido pela IPU para trabalhar no Brasil,
sob os auspícios da IPS. Este interesse fortuito da IPS facilitou a indicação de Bill e Fer pela
Junta de Nashville. O que poucas pessoas sabem é que já estava programada a volta dos
Jennings para o Brasil, mantidos pela IPU. Sua indicação pela IPS evitou que outro casal saísse
do Brasil e assim não entrasse na lista dos onze que iam transferidos do Brasil. (A presença
deles nos Estados Unidos, na época em que estavam sendo tomadas as decisões para as
transferências, sem dúvida contribuiu para a inclusão dos Jennings no grupo dos onze.)

60
6) Apesar das cartas de Olson Pemberton no Brasil Presbiteriano, ele foi advertido que saísse de
férias, que seu regresso ao Brasil, sob os auspícios da IPU, poderia não ocorrer, caso obtivesse
uma licença para tratar de assuntos particulares nos EE.UU. da A. Esta era uma política geral
tanto em Nova York como em Nashville, naquela época, mesmo antes que o processo drástico
de remoção se iniciasse em todo o mundo. Não somente Olson foi uma ‘vítima' dessa política
como também outros ex-missionários da IPU no Brasil, tais como Mark Moore e Bill Read.
Apesar de dedicado amigo da IPB, Olson não é agora um evangelista.

Eu, sinceramente, desconheço qualquer missionário que tenha sido impedido de retornar ao Brasil
pela estúpida razão de que era amigo da IPB. Diante dessas circunstâncias, pode-se muito bem fazer
as seguintes perguntas: ‘O que significa ser amigo da IPB? Pode-se manter uma atitude indiferente
quando está em jogo a integridade moral, ética e teológica? Deve a amizade com a IPB excluir a
amizade com outros membros do Corpo de Cristo?

Para João Dias Araújo, dois fatores levaram ao corte de relações entre a IPB e os
missionários da IPU. O primeiro, segundo o autor, foi a participação desses missionários no
movimento ecumênico, tão efervescente naquele momento. O segundo, avalia Araújo, era o
apoio que os missionários deram ao movimento mais progressista que aconteceu dentro da IPB,
em especial nos seminários e entre a juventude. “A COEMAR procurou se afastar dos reais
problemas que comprometiam o futuro do presbiterianismo no Brasil, seguindo as diretrizes do
seu Advisory Study (1961) que preconizavam uma política de permanecer fora das lutas internas
das igrejas nacionais e ter contatos apenas com os “órgãos oficiais” dessas igrejas. Com isso a
COEMAR apoiava, às vezes, talvez sem querer, a politicagem suja e nojenta da cúpula da IPB,
e não olhava com bons olhos os missionários que eram simpáticos aos grupos renovadores que
combatiam o obscurantismo, o sectarismo e o anti-ecumenismo.” (ARAÚJO, p. 119)

João Dias e Jaime Wright eram próximos desde os anos 1950, quando Jaime
acompanhava as atividades do pastor. Foi Wright quem traduziu, em 1982, o livro Inquisição
sem fogueiras para o inglês, sob o título Inquisition Without Burnings, incluindo o subtítulo Vinte
anos de história da Igreja Presbiteriana no Brasil: 1954-1974. A situação dos protestantes no
Brasil continuaria arriscada, e irá tocar Jaime profundamente em 1973, quando o seu irmão
Paulo Stuart Wright é assassinado pela ditadura e entra para a lista de desaparecidos políticos
do Brasil, permanecendo até hoje nesta situação.

61
Capa do boletim O Caos, do Centro Acadêmico Oito de Setembro, em homenagem a Richard
Shaull.

Fonte: Presbyterian Historical Society - The National Archives of the PCUSA

62
Carta de Boanerges Ribeiro à Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos, reclamando do fato de
a PCUSA denunciar torturas no Brasil.

Fonte: Presbyterian Historical Society - The National Archives of the PCUSA

63
Brasil Presbiteriano, junho de 1971

Fonte: Presbyterian Historical Society - The National Archives of the PCUSA

64
Capítulo 2
O MARTÍRIO DE JAIME

A realização da Conferência do Nordeste foi o estopim de uma crise na CEB com a ala
progressista protestante e que só se agravou com o golpe militar deflagrado em 31 de março de
1964 no Brasil. A IPB apoiou o governo e perseguiu seus integrantes que discordavam do rumo
político, colaborando, inclusive, nas prisões de alguns, como veremos. Mas esse momento de
apoio à ditadura fez com que as agências ecumênicas que financiavam a CEB não
concordassem em manter o envio de recursos para uma instituição que apoiava prisões
arbitrárias e perseguição a religiosos. Esse processo desencadeou uma grave crise de
subsistência da CEB, e acabou por minar de tal forma as suas ações, até o desaparecimento
desta. E a demissão de Jether Ramalho e Waldo César do Departamento de Ação Social e do
Setor de Responsabilidade Social da Igreja, respectivamente, foi ponto central nesse contexto.

O secretário executivo da CEB, Luiz Carlos Weil, num memorando confidencial de 2


de julho de 1964, endereçado ao secretário geral, Rodolfo Anders, “que não tinha viés
ecumênico”, trazia o relatório da viagem que havia realizado naqueles dias a Genebra, durante
a qual havia se reunido com o secretário geral do Conselho Mundial de Igrejas e representantes
de outras igrejas no exterior. “Estavam ansiosos para receber notícias do Brasil, especialmente
dos acontecimentos na Confederação Evangélica do Brasil, que redundaram na demissão de
diversos secretários executivos. (…) Antecipando-se às minhas explicações, verifiquei que
estavam sob a impressão que as demissões eram o resultado de pressão do novo governo”54,
ponderava.

Preocupado, Weil contava a Anders que, enquanto tentava esclarecer a situação, notou
que havia “um certo esfriamento” por parte do grupo e deduziu que a sua missão ali, de buscar
pela manutenção dos apoios à CEB, seria árdua. “Cumpre-se esclarecer que a revolução
brasileira não é compreendida, não somente nos meios da Igreja, seja evangélica ou seja
católica, mas também nos meios oficiais.”55 No caso específico da Igreja Evangélica, relatava,

54
Correspondência de Luiz Carlos Weil a Rodolfo Anders - DIC 1013/129, 2 de julho de 1964. Acervo
Presbyterian Historical Society – The National Archives of the PCUSA, Filadélfia, EUA
55
Correspondência de Luiz Carlos Weil a Rodolfo Anders - DIC 1013/129, 2 de julho de 1964. Acervo
Presbyterian Historical Society – The National Archives of the PCUSA, Filadélfia, EUA
65
os interlocutores estavam com a imagem de que muitos pastores estavam presos e que a
Confederação Evangélica do Brasil não só se omitiu, como, para agradar ao governo, entrou na
linha do expurgo.

Verifiquei ainda que durante a minha presença em Genebra chegaram várias informações
do Brasil (…); senti que as várias agências ecumênicas que colaboram com projetos ou
Departamentos da Confederação Evangélica do Brasil estavam perplexas - diante das
modificações que lhes pareciam bastante incompreensíveis.

A demissão de nomes respeitados como os de Waldo César e Jether Ramalho e a


suspensão do reconhecido trabalho que o Setor de Responsabilidade Social e o Departamento
de Ação Social estavam fazendo era relatado no documento como ponto nevrálgico na relação
da CEB com os financiadores estrangeiros. Weil destacou que as agências ecumênicas frisaram
que a CEB tinha autonomia para fazer o que bem entendesse, mas que os projetos que
financiavam eram recomendados pelo seu valor, pela liderança garantida e pelo endosso
denominacional e interdenominacional que recebiam, “que agora foram suspensos e os seus
líderes, afastados”.

Weil defendeu que o secretário da CEB deveria convocar uma mesa redonda para que
os líderes das Igrejas-membro debatessem o problema e os representantes das agências
acompanhassem como observadores, a fim de buscar uma solução para o problema.

Na incompreensão total do problema brasileiro (…) torna-se difícil restaurar confiança


necessária para programação da Confederação Evangélica do Brasil, especialmente quando
tive que explicar que as Igrejas ainda terão que estudar a reestruturação e, somente após
esta e conhecendo as vagas nos diversos Departamentos, poderemos saber quem são os
novos secretários e quais os programas que as Igrejas brasileiras desejam executar em
conjunto.

Diante deste quadro é evidente que as organizações internacionais, as quais pedimos ajuda
econômica, resolvam aguardar a nova orientação para conhecer os novos planos pois só
conseguem levantar fundos junto às Igrejas para projetos concretos.

No mesmo dia, Weil enviou uma correspondência telegráfica “estritamente


confidencial” a Jaime Wright, dizendo que a organização da reunião com observadores de
Genebra e Nova York era fundamental e que estava tentando convencer o secretário geral da

66
CEB a aceitar tal reunião. Weil reclamava com Jaime que a Confederação vinha de uma crise
a outra desde que AAV (referindo-se a Amantino Adorno Vassão) se tornara presidente do
Supremo Concílio da IPB - Amantino ficou no cargo de 1962 a 1966. Ele pontuou a Wright
que a reunião com as agências tinha que acontecer o mais rápido e enquanto Amantino estivesse
na Europa, porque a situação financeira da CEB era preocupante. “A não ser que algum dinheiro
não previsto entre, não vejo como as contas podem ser pagas após agosto de 1964.” A
correspondência era um pedido de ajuda a Jaime com a articulação dos financiadores com os
líderes das igrejas.

O apoio da CEB ao golpe de 1964 foi escancarado, por exemplo, por meio de um
telegrama de Amantino Adorno Vassão ao marechal Castelo Branco, que foi publicado nos
jornais O Estandarte e Expositor Cristão (ALMEIDA, 2020, p. 79). Como nos mostra Adroaldo
José Silva Almeida em sua pesquisa sobre os evangélicos e a ditadura militar no Brasil, os
“dirigentes da CEB apresentavam a instituição como ‘uma entidade de representação pública e
ação conjunta de igrejas evangélicas’, e que empenhava todo seu apoio moral, lealdade e
cooperação dos cristãos evangélicos ao novo governo”56. A sequência dos fatos no âmbito da
IPB será a perseguição da ditadura militar aos mesmos personagens que estavam na pauta do
dia na CEB, que será tratado num próximo tópico.

Naquele cenário de uma igreja conservadora, além de Jaime, outro membro da família
Wright estava descontente com o que via: era Paulo Stuart Wright.

Paulo foi uma influência maiúscula na trajetória de Jaime Wright como intransigente
defensor dos direitos humanos. Esta é a lembrança mais marcante naqueles que conviveram
com o irmão de Jaime. Jovelino Ramos o conheceu muito de perto:

Era praticamente impossível não gostar do Paulo. Era um homem que realmente vivia para
os pobres. Totalmente. Eu estive algumas vezes na casa dele, e era uma casa de pobre
também. Era um cara com preparo universitário, filho de americanos, mas completamente
identificado com os pobres. Eu nunca vi nenhum outro americano como Paulo Wright.
Uma capacidade de identificação com a situação dos humildes impressionante. Paulo daria
a última camisa para um pobre. Se você pensar na descrição de um santo, era Paulo Wright.
Ele dava muita importância ao poder, mas poder para ajudar aos pobres, aos necessitados.
Sempre identificado com os pobres. Eu conheço muita gente assim, mas Paulo era
exageradamente assim. Revolução para ele não era por causa da revolução, ele realmente

56
ALMEIDA, Adroaldo José Silva. Pelo Senhor, marchamos. Os evangélicos e a ditadura militar no Brasil
(1964-1985). São Luís: EDUFMA/Editora IFMA, 2020
67
achava injusta a situação em que os pobres viviam no Brasil. Ele estava certo. E ele agia
com essa paixão. Era apaixonado por essa causa.

Sobre a origem dessa consciência cristã tão presente na vida de Paulo, Jaime declarou
que um dos exemplos que teve foi o da mãe, dona Bela (Maggie Belle), que foi de trem até o
Rio de Janeiro buscar recursos para a instalação do primeiro posto de puericultura na região de
Herval, onde moravam, durante o governo Vargas. “Sentou-se na sala de espera de dona Darcy
Vargas, presidente da LBA (Legião Brasileira de Assistência), informando que dali não sairia
até ser atendida. Voltou triunfante para casa (o posto funciona até hoje).” Foi vivendo
iniciativas assim que Paulo tornou-se “um leigo cristão irrequieto, inconformado e, sobretudo,
corajoso.” Nos Estados Unidos, Paulo experimentara a condição de operário. “Sua preocupação
com a condição dos operários levou-o a trabalhar na construção civil em Los Angeles, nas férias
dos seus estudos de pós-graduação. Fundou, nos Estados Unidos, um grupo contrário à
discriminação."57

Paulo estudou Sociologia no Arkansas e, em dezembro de 1956, se casou com Edimar


Rickli, a Edi, com as bênçãos matrimoniais dadas pelo irmão Jaime. Em São Paulo, resolveu
repetir a experiência de viver como operário. Pouco tempo após o casamento, o casal foi
participar da experiência da Vila Anastácio, proposta por Richard Shaull, e então trabalharam
em fábricas numa região considerada periférica em São Paulo. Ao voltar dos Estados Unidos,
Paulo se engajou na União Cristã dos Estudantes do Brasil, sendo o seu secretário geral durante
o I Encontro Sul-Americano e Estudos sobre Calvinismo. Paegle (2006), em seu trabalho sobre
a oposição política da Igreja Presbiteriana do Brasil nos anos de chumbo, nos apresenta um
trecho do que disse Paulo ao longo do evento:

É certamente possível à obra humana acabar com a fome, a miséria e o analfabetismo.


Nossa maneira de amar o nosso próximo deve, certamente, ir além da ajuda que possamos
dar a indivíduos necessitados; deve levar a sério nossa responsabilidade de fazer acabar
com a miséria e a fome, pois estas forças não têm mais poder e foram destronadas por Jesus
Cristo. (WRIGHT, 1993 apud PAEGLE, 2011)

Shaull também nutria grande admiração por Paulo, e registrou suas impressões no livro
Surpreendido pela graça, relembrando a experiência de Vila Anastácio:

57
A declaração de Jaime Wright consta no Dossiê Paulo Stuart Wright enviado à Comissão Especial de Mortos e
Desaparecidos Políticos por João Paulo Wright, filho de Paulo Wright. Disponível em:
http://comissaodaverdade.al.sp.gov.br/mortos-desaparecidos/paulo-stuart-wright. Acesso em: 13 de julho de 2022
68
No final dos anos 50 Paulo retornou ao Brasil, depois de abandonar os seus estudos
universitários nos Estados Unidos. Logo depois, procurou-me para expressar a sua visão e
compromisso; e busca meu conselho em como cumprir o seu chamado do Brasil de então.
Desde o nosso primeiro encontro percebi que estava diante de alguém apaixonadamente
comprometido a seguir com Jesus com absoluta certeza de uma total dedicação à luta pelos
pobres. De fato, não havia visto antes ninguém que levasse tão a sério os ensinamentos de
Jesus e se dedicasse a pô-los em prática. Também ficou evidente para mim que havia muito
poucas pessoas, mesmo entre as que mais se relacionavam com ele, que entendessem ou
honrassem a sua vocação e se dispusesse a apoiar e acompanhar essa caminhada de
absoluto discipulado. Decidi fazer o possível para encorajá-lo e apoiá-lo, quando o projeto
de Vila Anastácio deslanchou, ele e a sua esposa estavam entre os primeiros a tomar parte
neste tipo de comunidade. (SHAULL, 2003 apud PAEGLE, 2006)

Paulo aceitou o convite para se filiar ao Partido Trabalhista Brasileiro e concorreu à


prefeitura de Joaçaba em 1960. Não foi eleito por 11 votos. Deixou o PTB e ingressou no
Partido Social Progressista (PSP), elegendo-se deputado estadual por Santa Catarina, na
legislatura de 1963-1967, com 2.144 votos. Em sua declaração para o Dossiê Paulo Stuart
Wright enviado à Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, Jaime escreveu que
Paulo denunciou o controle de grupos oligárquicos do Estado sobre a pesca, e que organizou
27 cooperativas de pescadores em todo o litoral catarinense, reunindo estas na Federação das
Cooperativas de Pesca (FECOPESCA), para que os pescadores controlassem a pesca. De
acordo com Jaime, essa ação inspirou Dias Gomes na primeira novela em cores da Globo: O
Bem Amado.

Com o golpe de 1964, sob a pressão do governo militar, a Assembleia Legislativa


passou a perseguir Paulo, e acabou por cassar o seu mandato. "Ele conseguiu sair de
Florianópolis, driblando assim os policiais corruptos que ele denunciara na tribuna e que
aguardavam sua perda de imunidade parlamentar para vingança”58. Com a situação de ameaça,
Paulo se refugiou na embaixada do México do Rio de Janeiro. Asilou-se no México e depois
foi para Cuba, onde aprendeu a manejar armas e desenvolveu disciplina militar. Voltou ao
Brasil um ano depois e tornou-se um dos principais líderes da Ação Popular, movimento ligado
à Juventude Universitária Católica e à Associação Cristã de Acadêmicos, surgido em 1962.
"Começavam seus dias de atividades subterrâneas como líder do movimento Ação Popular (…)

58
A declaração de Jaime Wright consta no Dossiê Paulo Stuart Wright enviado à Comissão Especial de Mortos e
Desaparecidos Políticos por João Paulo Wright, filho de Paulo Wright. Disponível em:
http://comissaodaverdade.al.sp.gov.br/mortos-desaparecidos/paulo-stuart-wright. Acesso em: 13 de julho de 2022
69
Viveu oito anos na clandestinidade”, rememorou Jaime. O martírio de Jaime começou nesse
momento, especificamente no dia 1 de setembro de 1973, como veremos adiante.

FRUTOS ADVINDOS DA TEIA DE SOLIDARIEDADE

As redes de solidariedade formadas durante as ditaduras militares na América Latina


podem ser identificadas em ambientes distintos, ainda que interligados. Em sua dissertação de
mestrado Memórias da ditadura: redes de solidariedade e a luta pela democracia, Marilda
Ferri sintetiza as redes em religiosa, familiar, de formação política, jurídica e cidadã. Algumas
dessas categorias serão aqui utilizadas para descrever brevemente a formação e o papel dessa
teia de solidariedade. Aqui serão abordadas, de forma resumida, o Centro Evangélico de
Informação (CEI) - que depois vem a ser Centro Ecumênico de Documentação e Informação
(CEDI), a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), o Instituto de Estudos da Religião
(ISER) e a revista Paz e Terra, que são redes que podemos caracterizar como religiosas, de
formação política e cidadã, e nas quais Jaime Wright atuava diretamente ou indiretamente.
Antes dessas, no capítulo anterior, já foi destacada outra dessas redes, o movimento
ISAL, cujas ideias encantaram Luiz Odell, secretário da Junta Latino-Americana de Igreja e
Sociedade, que tornou-se o primeiro secretário-executivo da ISAL e que arregimentou Julio de
Santa Ana e Richard Shaull para aplicá-las em âmbito latino-americano. Como nos lembra
Jether Ramalho, o ISAL “representou uma renovação teológica” e foi a base para a Teologia
da Libertação. Ademais, no próximo capítulo será abordado o grupo Clamor, outra rede de
apoio fundamental durante a ditadura militar e da qual Jaime foi personagem central.

O CEI teve início em 1965, após a deflagração do golpe de 1964. Richard Shaull havia
saído do Seminário de Campinas e passou a atuar no Mackenzie, em São Paulo. O CEI surgiu
num momento de extrema hostilidade, no qual apenas o cumprimento entre as pessoas poderia
levá-las à prisão por associação à desobediência civil. Waldo César recuperou essa memória do
ambiente em que viviam na entrevista que deu ao livro organizado por Zwinglio Mota Dias:

Nós tínhamos que reunir as pessoas e criar um veículo de comunicação que pudesse
articular e dar notícias às pessoas que viviam ecumenicamente no mundo. Começamos com
um boletim modesto, letras miúdas, barato, porém procurando fazer estas duas coisas. (…)
Nós tivemos alguns apoios de pessoas fora do grupo, recebíamos mensalmente

70
contribuições e informações que não estavam disponíveis em outras áreas. Rapidamente
fizemos os contatos, arrumamos a verba e o trabalho começou59.

A respeito desta coletânea de artigos e entrevistas organizados por Zwinglio em


Memórias ecumênicas protestantes, é importante fazer um registro sobre a riqueza desse
material, que integra o projeto Memórias ecumênicas protestantes no Brasil, realizado pela
Koinonia no âmbito do projeto Marcas da Memória. Essa ação, realizada em 2014, pela extinta
Comissão de Anistia, foi fundamental para a realização de iniciativas como essa, coordenada
por Zwinglio, falecido recentemente, e que permanecerá como um rico acervo de memória
protestante para futuras pesquisas.

Para Derval Dasílio, o CEI "se mostrou uma verdadeira usina de informações, estudos
e contatos internacionais. A criatividade era a palavra de ordem na organização"60.

Jether Ramalho também integrava o grupo do CEI. "Nos reunimos na igreja do Domício
de Mattos, convidamos outras pessoas e surgiu a necessidade de fazer algo público. Assim
criamos o CEI”, rememorou Jether em sua entrevista "Encarnando a experiência ecumênica”61,
na mesma coletânea coordenada por Zwinglio. O CEI fazia uma releitura das notícias que saíam
na imprensa, imprimiam essas análises e distribuíam em formato de boletim. A iniciativa
chegou a ser noticiada no Jornal Nacional, televisivo que tinha - e tem - grande audiência, o
que fez com que missionários ingleses acusassem Jether de estar em contato com o Conselho
Mundial de Igrejas e editando um jornal subversivo62. A denúncia fez com que Jether perdesse
os cargos que tinha. Nesse início, não havia a participação de católicos. Mas, em 1968, um
grupo católico de peso passou a integrar o CEI: "Foi muito importante. Veio Luiz Eduardo
Wanderley, Luis Alberto63, Beatriz Bibiano, Frei Elizeu Lopes, Padre Dario e o luterano Breno
Schumann. Um grupo forte e maior então passou a ser Centro Ecumênico de Informações, que
foi progredindo”, relembrou Jether. O CEI passou ser uma rede importante em forma de

59
CÉSAR, Waldo Lenz. O itinerário de vida de um coração ecumênico. In: DIAS, Zwinglio Mota (Org.).
Memórias ecumênicas protestantes – Os protestantes e a Ditadura: colaboração e resistência. Rio de Janeiro:
Koinonia Presença Ecumênica e Serviço, 2014
60
DASÍLIO, Derval. Jaime Wright, o pastor dos torturados. Rio de Janeiro: Metanoia, 2020
61 RAMALHO, Jether Pereira. Encarnando a experiência ecumênica. In: DIAS, Zwinglio Mota (Org.). Memórias

ecumênicas protestantes – Os protestantes e a Ditadura: colaboração e resistência. Rio de Janeiro: KOINONIA


Presença Ecumênica e Serviço, 2014
62
RAMALHO, Jether Pereira. Encarnando a experiência ecumênica. In: DIAS, Zwinglio Mota (Org.). Memórias
ecumênicas protestantes – Os protestantes e a Ditadura: colaboração e resistência. Rio de Janeiro: KOINONIA
Presença Ecumênica e Serviço, 2014
63
Referindo-se ao sociólogo Luiz Alberto Gomes de Souza
71
notícias, e marcou outras iniciativas de peso do grupo. Jether registrou essa memória no livro
Memórias ecumênicas protestantes:

Por influência muito forte do Claudius Ceccon, que esteve no CMI (Conselho Mundial de
Igrejas) no período do Paulo Freire, avaliou-se que o boletim era algo pequeno. Decidimos
fazer uma revista. Terminamos o boletim e fizemos uma revista e as coisas foram até o
ponto em que foi possível institucionalizar-nos. Para isso alugamos um escritório em nome
da “Tempo e Presença Editora”, uma entidade comercial (então deixamos a igreja de
Botafogo – do Reverendo Domício Mattos), até a formação oficial do Centro Ecumênico.
Àquela altura pensou-se um centro de informação e de documentação, alternativa à
ditadura. A seção inaugural foi feita no Cenáculo, ali na rua das Laranjeiras, e a seguir foi
feita a primeira Assembleia, em 1974. Ali criou-se o Centro Ecumênico de Documentação
e Informação, o CEDI. Fui eleito primeiro presidente e o Paulo Ayres, ainda pastor, foi o
primeiro secretário geral. Assim, nos mudamos para o Colégio Sion, onde ficamos até
1989.

A revista Paz e Terra foi fundada em 1966 e seguiu até 1969. Waldo César e Luiz
Eduardo Wanderley eram sócios na publicação, que é considerada "como um lugar de memória
do grupo religioso que a produziu no período da ditadura militar no Brasil” (CUNHA, 2020, p.
522). Ambos procuraram o editor comunista Enio Silveira para que a publicação da revista
fosse feita pela Civilização Brasileira, e o periódico fez história na trajetória do grupo. Em
entrevista concedida ao projeto Memórias ecumênicas protestantes no Brasil, Waldo relembrou
como foi o início da publicação em termos de apoio.

O processo iniciou em 63, com o apoio de Enio Silveira, Moacir Felix e Luiz Eduardo
Wanderley - que foi buscar pessoas para comprar essa revista, como, por exemplo, o padre
Henrique Vaz e Eliseu Lopes. Tudo isso levou um tempo, até que saiu o primeiro número,
chegando até o décimo. Setores diversos, inclusive teólogos da libertação, nos apoiaram.

De acordo com Magali do Nascimento Cunha, "o nome Paz e Terra foi inspirado na
Encíclica do Papa João XXIII intitulada Pacem in terris, publicada em 11 de abril de 1963". O
papa trazia o apelo à contribuição da Igreja Católica com outras igrejas e religiões, e Magali
registrou a memória de Waldo César sobre a estratégia sugerida por Enio Silveira para que a
revista não fosse censurada:

[O Ênio Silveira] ficou encantado com a ideia e nos mandou procurar o Moacyr Félix, que
trabalhava com ele, e que vibrou com a ideia. Fizemos um projeto e dissemos a ele que
deveríamos ter nomes de peso da Igreja Católica e do mundo secular, para que ninguém
metesse a mão na revista. Com nomes como Alceu Amoroso Lima e D. Helder Câmara,
esquerda lúcida e combatente, [a censura] não barraria a revista tão facilmente. Era uma
estratégia. (CUNHA, 1997, p. 174 apud CUNHA, 2020).

72
O grupo de pessoas que colaboravam na Paz e Terra estava muito ligado ao Setor de
Responsabilidade Social da Igreja, com a proposta de difundir um olhar ecumênico fora da
estrutura das igrejas. "No bojo da proposta estava a promoção de um diálogo entre pensadores
cristãos destacados no Brasil e no exterior e entre esses pensadores e os leitores identificados
com o 'humanismo cristão’". (CUNHA, 2020, p. 528)

Logo que a revista começou a ser editada, Enio Silveira criou a Editora Paz e Terra, que
se especializou na tradução de teólogos progressistas e em filósofos europeus e americano
(ROSA, 2011, p. 121). A editora encampava, desde o início, projetos ousados e polêmicos, que
fizeram dela uma das mais importantes naquele momento - e que rendeu uma série de trabalhos
acadêmicos que se debruçam sobre seus membros, sua proposta editorial e seu lugar na história
de espaço de resistência. Conforme nos mostra Michele Rossoni Rosa:

A editora anunciou ao “público interessado em problemas sociais”, no primeiro número da


RPT (Revista Paz e Terra), seu “entendimento" com os organizadores da Conferência
Mundial sobre Igreja e Sociedade, realizada em julho de 1966, em Genebra, para a tradução
e publicação dos quadro documentos fundamentais do encontro (Ética Social Cristã num
mundo em transformação, Governo Responsável numa Era Revolucionária e Homem na
Comunidade), indicando a mesma disposição ao intercâmbio praticada pela ECB (Editora
Civilização Brasileira). A EPT (Editora Paz e Terra) também foi pioneira na publicação de
algumas obras que fundamentariam a chamada Teologia da Libertação, no Brasil, como
Educação como prática de liberdade, em 1967, e Pedagogia do oprimido, em 1970,
ambas escritas por Paulo Freire (…)64.

Jaime era leitor das edições de Paz e Terra e acompanhava com lupa os artigos e notas
que eram noticiadas no boletim CEI. Por carta, fazia comentários aos coordenadores, solicitava
divulgação de informações referentes à MPBC/COEMAR - esse era, inclusive, um pedido dos
editores: que notícias fossem enviadas para que figurassem no boletim - e apoiava, comprando
um número significativo de exemplares para distribuição interna na COEMAR. Em outros
organismos ecumênicos de resistência que surgiram nesse momento, porém, sua atuação foi
mais incisiva.

64
ROSA, Michele Rossoni. Esquerdisticamente afinados: Os intelectuais, os livros e as revistas das editoras
Civilização Brasileira e Paz e Terra (1964-1969). Tese (Doutorado em História). Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre, 2011
73
Este é o caso do Instituto Superior de Estudos Teológicos (ISET), criado em 1970, com
o apoio do Conselho Mundial de Igrejas, arregimentando pesquisadores e cientistas protestantes
e católicos, com o objetivo de desenvolver pesquisas interdisciplinares que contribuíssem para
a teologia. Três anos depois, O ISET tem o seu nome mudado para Instituto Superior de Estudos
da Religião (ISER), do qual Jaime era tesoureiro. Nessa mesma esteira do ISER, Jaime se
envolveu profundamente na constituição da Coordenadoria Ecumênica de Serviço. Era na casa
de Wright que se reuniam representantes de diferentes igrejas evangélicas para discutir a
organização e o estatuto da entidade nacional ecumênica que também incluiria a Igreja Católica.

Em carta de 4 de outubro de 1972 enviada ao reverendo João Parahyba Daronch da


Silva, pastor metodista que tornou-se importante funcionário do Conselho Mundial de Igrejas,
em Genebra, Jaime aparece entusiasmado com a montagem das regras de funcionamento da
CESE - então com o nome Comissão Ecumênica de Serviços - “da qual a CNBB faz questão
de participar oficialmente”, dizia. A Igreja Luterana, esclarecia Jaime na missiva, não quis
participar, o que levaria à seguinte formação, segundo Wright: Igreja Metodista, Igreja
Episcopal, Igreja Pentecostal, CNBB e MPBC. “Esteja certo que estamos firmes no bom
combate”, encerrou. Assim, a primeira diretoria da CESE eleita no final do primeiro semestre
de 1973 foi: Sady Machado da Silva (presidente, metodista), Mario Teixeira Gurgel (vice-
presidente, católico), Jaime Wright (secretário, presbiteriano), Arthur Kratz (tesoureiro,
episcopal) e Manoel de Mello (vogal, missionário da Igreja Evangélica Pentecostal “O Brasil para
Cristo”).

Em entrevista ao Suplemento CEI de dezembro de 1973, Manoel de Mello Silva,


missionário do movimento evangélico O Brasil Para Cristo, destacava a importância da CESE
para aquele momento:

A CESE está tendo uma grande repercussão no Brasil. Não entra em minúcias doutrinárias.
A CESE preocupa-se somente com a promoção do homem e sua integração na sociedade.
Constituíram a CESE a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), a Igreja
Episcopal do Brasil, a Igreja Metodista, a Missão Presbiteriana do Brasil Central e a nossa
Igreja. Tem o apoio do Conselho Mundial de Igrejas. Mas as portas estão abertas para as
demais Igrejas, basta aceitarem a filosofia da CESE, estampada em seus estatutos,
acessíveis a todos. Antes da CESE, diversos grupos receberam de várias organizações
mundiais somas fabulosas para projetos e esses fundos foram empregados, na sua maior
parte, em construções nas áreas mais ricas do sul. Eram templos, escolas, hospitais, mas
em lugares errados. Então as agências começaram a retrair-se. E se fez este admirável

74
esforço ecumênico nacional, isto é, a CESE com uma nova filosofia. A CESE é brasileira,
dirigida por brasileiros, sem ingerência de estrangeiros e esperamos que assim continue65.

Em outubro de 1974, Jether Ramalho escreveu a Jaime com a intenção de pedir a sua
parceria - “temos recebido constantemente seu apoio e entusiasmo à obra ecumênica que já
estamos efetuando há vários anos no Brasil” - para a montagem e o funcionamento do CEDI,
que eram uma ampliação do trabalho que estava sendo realizado com o CEI. Os objetivos do
CEDI eram organizar um serviço ecumênico de documentação, especialmente dos
pronunciamentos oficiais das diversas instituições ecumênicas nacionais e internacionais; servir
às Igrejas e instituições ecumênicas com documentação e material necessário ao exercício do
seu ministério cristão; oferecer às Igrejas, organizações ecumênicas e pessoas interessadas
informação através de notícias, estudos e documentos; patrocinar estudos e pesquisas com
finalidade de aprofundar temas e oferecer subsídios aos trabalhos promovidos por Igrejas e
instituições afins; e oferecer assessoramento ao planejamento e execução de projetos
ecumênicos. Na ocasião, Jether pediu a Jaime que a MPBC apoiasse a iniciativa com 2 mil
dólares.

O Boletim Mensal do Cedi cobria o campo religioso, mas também o social e político.
“Muitos lêem como alimento mensal numa área de ação onde a imprensa religiosa e secular
têm estado ausentes; outros o lêem, apesar de não o aceitarem integralmente, mas mesmo assim
o divulgam.”66 Em relação aos documentos que o grupo preparava, “geralmente trazem
posições e resoluções de órgãos ecumênicos e têm servido para criar uma nova imagem da
Igreja Universal”. Quanto à Revista Trimestral que mantinham, a preocupação era de formação
de mentalidade ecumênica e de abertura política. Em 1974, 1975 e início de 1976,
respectivamente, os temas da publicação foram missão profética, libertação, pastoral,
religiosidade popular e direitos humanos. Demonstra a concreta participação de Jaime no
trabalho do Cedi o convite recebido por Jether para que participasse de um restrito grupo que
se reuniria nos dias 26 e 27 de novembro de 1977 com o objetivo de realizar o planejamento
dos trabalhos do setor de pastoral do Centro em 1978. A reunião foi centrada em três eixos de
reflexão: as transformações do sentido da ação pastoral nos grupos católicos e evangélicos

65
Suplemento CEI n. 6, dezembro de 1973 - Entrevista Missionário Manoel de Mello Silva - Evangelho com pão
66
Relatório de atividades do Centro Ecumênico de Documentação - Cedi - Rio de Janeiro, Brasil, 1975. Acervo
Presbyterian Historical Society – The National Archives of the PCUSA, Filadélfia, EUA
75
naqueles últimos anos; análise da conjuntura brasileira; e as práticas pastorais concretas vividas
numa realidade urbana-rural e nas zonas chamadas de periferia e no mundo operário.

Em 1975, os responsáveis pelo Cedi eram Jether Ramalho (presidente), Paulo Ayres
Mattos (secretário executivo), Délcio Hilton da Silva Campante (tesoureiro), Domício Pereira
de Mattos (responsável pelo Boletim Mensal), Carlos Cunha (responsável pela Revista
Trimestral) e Anna Victório Toledo de Barros (Centro de Documentação).

Jaime foi grande incentivador do CEDI, assim como foi da CESE, do ISER e da Agência
Ecumênica de Notícias (AGEN), dos quais participou da formação e cuidou para que as
entidades se mantivessem em atividade67. O seu envolvimento com essas instituições mostrava
que Jaime entendia aquele Brasil e tinha a compreensão da necessidade de sua participação
como protestante. A importância que dava ao sentido ecumênico daquelas iniciativas mostrava
isso. Em todos os projetos que se envolvera naquele período não deixava de reforçar a
importância de que fossem ações colaborativas entre igrejas ou religiões. Curioso também
observar que, apesar de a memória de Jaime estar registrada nos livros e nas matérias de jornais
como defensor dos direitos humanos - o que, de fato, foi -, o termo “direitos humanos” só virá
aparecer em seus escritos e correspondências a partir do início dos anos 1970. Antes disso, o
conceito que utilizava para tratar da justiça social no âmbito da Igreja era o do ecumênico. Em
nenhum documento mencionara antes a defesa de direitos humanos.

A DITADURA BATE À PORTA: PROTESTANTES COMO PERSEGUIDOS


POLÍTICOS

O Movimento da Juventude Metodista, do qual participava Anivaldo Padilha, tinha


caráter ecumênico. Anivaldo se relacionava com a juventude de outras igrejas protestantes e
desses contatos surgiu, mais tarde, uma articulação ecumênica de juventude no Brasil. Nesta
época, porém, a organização União Latino-Americana de Juventude Evangélica já reunia jovens
de todas as igrejas. Foi a partir do Concílio Vaticano II (1962-1965) que a Igreja Católica aderiu,
de fato, ao ecumenismo. Até então as iniciativas ecumênicas eram circunscritas aos protestantes
especialmente, apesar de algumas iniciativas de católicos - jovens, inclusive - de tentarem
romper com esse isolamento, como é o caso dos dominicanos. Nesse sentido, Anivaldo se

67
Comentários de Zwinglio Mota Dias na banca de qualificação do projeto desta tese, em 18 de dezembro de
2020.
76
recorda dos contatos com o frei Carlos Josaphat, que, em 1963, retornou ao Brasil, após 10 anos
de estudos na França, para ser regente de estudos dos frades dominicanos, aproximando-se da
Juventude Universitária Católica e da organização Ação Popular68, e editando o semanário
Brasil Urgente. “Por volta de 1960 a gente já começou a ter contato com setores católicos que
estavam preocupados com as questões brasileiras, e com a necessidade de uma atuação mais
efetiva na sociedade. A partir daí começamos a ampliar esse movimento. No meu caso, por
exemplo, inicialmente com a Juventude Católica, e depois, a partir de 1962 ou 1963, apesar de
ainda não estar na universidade, já tinha contato com a JUC, a Juventude Universitária Católica.
Acompanhei a fundação da Ação Popular naquele momento; não era militante, mas
acompanhei. Foi quando conheci o Betinho, nesse momento da fundação da Ação Popular.”69

Os passos do jovem metodista, porém, estavam sendo acompanhados de perto pela ala
conservadora de sua igreja e pela repressão militar. Anivaldo estava envolvido, principalmente,
com os movimentos de alfabetização e de reformas de base. Era contato direto entre o mundo
sindical e os trabalhadores ligados à igreja. Em 1967 entrou para a Ação Popular e tornou-se
amigo de nomes como Paulo Wright e Herbert de Souza, o Betinho, mantendo-se também como
diretor do Departamento de Juventude da Igreja Metodista. Uma das atribuições que assumiu
na AP foi a de organizar apoio financeiro junto à classe média para sustentar outros militantes
que estavam na clandestinidade, sendo perseguidos, sem condições de trabalhar.

Esse ofício desenvolvido por Anivaldo também era clandestino e ele não era um
membro visado da organização. Costumava andar com uma bíblia na pasta para o caso de ser
parado pela polícia, pois percebeu que, quando os policiais notavam que era da igreja,
deixavam-no seguir sem muitos questionamentos. No entanto, por uma denúncia de um bispo
e um pastor de sua própria igreja aos militares, Niva foi preso. Anivaldo questionava a postura
dos bispos da Igreja Metodista naquele momento. Assim, José Sucasas Junior e Isaías Fernando
Sucasas, respectivamente pastor e bispo metodistas, entregaram Anivaldo para a repressão
militar. Niva foi preso no dia 28 de fevereiro de 1970 e permaneceu cerca de cinco meses entre
o Deops e o Doi-Codi em São Paulo. Foi barbaramente torturado. Em maio de 1971, depois de
quase um ano de uma semi-clandestinidade, vivendo entre casas de amigos e parentes, seguiu
para o exílio, em maio de 1971. A saída foi dolorosa porque sua companheira estava grávida e
não podia acompanhá-lo, sob o risco de também ser presa. Anivaldo, então, passou por Uruguai,
Argentina, Chile até chegar aos Estados Unidos, onde permaneceu por oito anos,

68
BETTO, Frei. Frei Carlos Josaphat, um dominicano exemplar. Comissão Arns. Disponível em:
https://comissaoarns.org/blog/2020-11-10-frei-carlos-josaphat-um-dominicano-exemplar/. Acesso em 6/2/2022
69
Entrevista de Anivaldo Padilha à autora, 27/3/2019
77
desenvolvendo trabalho importante de apoio aos perseguidos políticos do Brasil, atuando,
inclusive, no Conselho Mundial de Igrejas.

A socióloga Eliana Rollemberg, que integrava a Ação Popular também sofreu as agruras
da ditadura militar. Ela foi presa junto com Anivaldo Padilha, a partir da delação do bispo e do
pastor de sua igreja. Eliana foi presa pela Operação Bandeirantes (OBAN), em São Paulo, e
durante 20 dias foi sistematicamente torturada, entre idas e vinda à OBAN e ao Deops, até
chegar ao Presídio Tiradentes. Ainda na Operação Bandeirantes conheceu Damaris Lucena,
militante operária, filiada à Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), que foi libertada em
troca de Nobuo Okuchi, cônsul-geral do Japão em São Paulo sequestrado pela VPR. Damaris
foi banida do país e assim que chegou no Mèxico denunciou a prisão de Eliana. No Presídio
Tiradentes, Eliana dividiu a vida no cárcere com outras mulheres combativas, entre elas a ex-
presidente Dilma Rousseff. Saiu da prisão em 1971, exilou-se na França, onde reencontrou o
marido e a filha70.

Cheguei em São Paulo bem próximo do assassinato de Marighella71, não esqueço porque
foi bem o momento da chegada lá. E um momento difícil, bem difícil. Eu fui presa em 28
de fevereiro de 70. Aí a militância chegou nesse ponto aí. Prisão, torturas, fiquei 20 dias.
Fui presa com o Anivaldo Padilha. Ficamos sendo torturados 20 dias no Deops, na
Operação Bandeirantes. Só depois é que, hoje é difícil falar o nome, mas era um nome para
mim, e é, até hoje, um nome muito querido, é a pessoa que estava nessa cela quatro da
Operação Bandeirantes, chamava-se Damaris. Mas era uma pessoa que teve um marido
assassinado na frente das crianças dela. Ela estava em uma situação bastante difícil, muito
dura. Convivemos ali alguns dias. Ela, inclusive, um pouco aliviada porque eu era chamada
para as torturas, não era mais ela. Conversamos muito, sobretudo a questão das crianças e,
naquele momento, a Operação Bandeirantes era conhecida como prisão ilegal, as pessoas
que eram levadas para lá eles podiam desaparecer com a pessoa e tal. Teve o dia em que a
gente percebeu que tinha algo estranho. Eu fui chamada duas vezes e sempre em função de
alguma coisa na rua que eu tinha sido presa, tal. E eu ouvia comentários também lá de baixo
e percebi que tinha alguma coisa com japoneses. E tinha o Mário Japa72 que estava preso

70
Entrevista de Eliana Rollemberg à autora, 16/5/2019
71
Carlos Marighella, militante político, foi um dos fundadores da Aliança Libertadora Nacional (ALN), uma
dissidência do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que assumiu a luta armada como resistência à ditadura militar.
No período em que integrou o PCB, entrou e saiu da clandestinidade, foi perseguido, preso e torturado em diversos
momentos da história. Em 1969, foi morto pela polícia política chefiada pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury.
72
Mario Japa é o codinome de Shizuo Osawa, militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), que foi
preso em 1970 após dormir ao volante e provocar um acidente de carro. No veículo foram encontrados panfletos
da VPR e armas. Levando à delegacia de polícia, foi disputado entre o Departamento de Ordem Política e Social

78
na época. Eu o vi vomitando sangue em uma situação já bem difícil. Falei para ela, falei,
olha Damaris, eu acho que deve ser um sequestro e eles vão tirar você, vão tirar Mário Japa.
Ela achava que não, mas começou a ficar muito claro isso, de repente chega lá na nossa
cela um dos torturadores, senta ali no colchão e diz: “se a situação mudasse no Brasil, o
quê que vocês iam fazer comigo?” Aí já achamos estranho. A gente falou, a gente ia querer
que você fosse condenado em função de tudo que vocês fazem. Ele disse: “mas vocês não
iam me torturar?” A gente falou, não somos a favor de tortura, pelo contrário. E a gente,
conversando com ele percebeu que tinha alguma coisa, e era mesmo o sequestro do cônsul
japonês73, e ela foi então levada nesse sequestro. As crianças também foram. Foram para o
México. E quando ela chegou no México ela denunciou a minha prisão, denunciou
internacionalmente. E o pessoal da Operação Bandeirantes se apavorou. Então foi
rapidamente lá tentar ver onde é que eu tinha mancha, onde eu tinha alguma coisa, marcas
para tentar tirar porque tinha que transferir. Aí transferiram não só eu, o Anivaldo, e tinha
dois companheiros da Igreja Metodista que também foram presos. Fomos levados para o
Deops.

Como parte do processo de tortura, os militares destacaram os companheiros metodistas


como testemunhas de acusação de Eliana.

Waldo César também foi um protestante que sofreu as consequências de lutar no Brasil
contra a ditadura militar. Waldo já estava na mira do Deops, em São Paulo, no início dos anos
1960, quando foi procurado por um agente para saber sobre o que falavam nas reuniões. Nesse
período ele já sofria a repressão dentro de sua própria igreja, e acabou se desvinculando dela,
para, na sequência, estudar sociologia. Jaime Wright viabilizou um apoio, por meio da Missão
Brasil Central, para ajudar Waldo naquele momento sem trabalho remunerado.

Nessa época, como falamos acima, ele já desenvolvia a revista ecumênica Paz e Terra,
que reunia marxistas, protestantes e católicos74. A revista passou a ser vista como “perigosa”
aos olhos dos militares e da ala conservadora das igrejas, e tornou-se uma das mais importantes

(DOPS) e Operação Bandeirantes (OBAN), sendo torturado. Foi trocado pelo cônsul-geral do Japão em São Paulo,
Nobuo Okuchi, sequestrado pela VPR. Banido do pais, seguiu para o México.
73
Nobuo Okuchi, cônsul-geral do Japão em São Paulo sequestrado pela Vanguarda Popular Revolucionária (VPR,
em 1970, e trocado pelos presos políticos Mario Japa, Damaris Lucena, Otávio Ângelo, madre Maurina Borges da
Silveira e Diógenes Carvalho de Oliveira.
74
Idem

79
publicações no âmbito intelectual-religioso-político. Perseguido pela repressão, Waldo viveu
escondido durante alguns meses no final dos anos 1960.

Waldo relembra que foi quase preso duas vezes. A primeira, em 1966, quando cursava
Sociologia. “Fiquei um ano na Justiça Militar. Não podia viajar, não podia sair.”75 Por meio de
duas possíveis viagens pelo Conselho Mundial de Igrejas, ele pretendia sair do país, dada a
possibilidade de prisão. "A proposta era sair por Ijuí, estrategicamente, através do Benhur
Mafra. Ele chegou a libertar muita gente. Porém, achei melhor ficar até quando fosse possível,
por causa da necessidade pessoa e familiar.” Em 1968, ao ser decretado o Ato Institucional no.
5, Waldo estava na casa dei advogado Lysaneas Maciel, que também era protestante, junto com
Luiz Eduardo Wanderley. Após ouvirem a notícia do Ato Institucional, Lysaneas e Luiz
Eduardo avisaram a Waldo que deveriam sair do Rio, mas ele não queria e só aceitou depois de
muita insistência.

No dia seguinte, pela manhã, chegou um carro com Maria Luisa, o pai dela e minha
cunhada. Eu perguntei: "O que houve?" Eles responderam: "Foram te buscar, ontem à noite.
Cinco caras do Exército examinaram a casa toda.” Ana Cristina estava se formando no
curso e recebia a visita de alguns colegas: todos foram interrogados. Eu tinha recomendado
que se alguém perguntasse por mim, era pra dizer que eu estava em São Paulo, no Hotel
Pão de Açúcar. Eu teria sido preso e a coisa seria mais séria. Nós ficamos três meses no
sítio, telefonando com outro nome. Era todo um esquema, uma vida muito difícil. Quando
voltei, tomava todo o cuidado; realmente eu fui procurado muitas vezes. Essa coisa se
prolongou de uma maneira brutal. Depois fui anistiado.76

Com Jovelino Ramos não foi diferente. Ele saíra do Brasil em direção aos Estados
Unidos em 1962, justamente porque sua situação em relação à IPB era de perseguição. Muito
próximo ao movimento estudantil e de Richard Shaull, a Igreja o via como um problema.
Depois de dois anos nos Estados Unidos, Jovelino retorna ao Brasil em pleno ano de 1964. Veio
de navio cargueiro de Nova York - viagem durante a qual escreveu a sua tese de ordenação.
Para sua surpresa, ao chegar ao Rio, o porto estava cheio de estudantes para recebê-lo. Eram

75
CÉSAR, Waldo Lenz. O itinerário de vida de um coração ecumênico. In: DIAS, Zwinglio Mota (Org.).
Memórias ecumênicas protestantes – Os protestantes e a Ditadura: colaboração e resistência. Rio de Janeiro:
Koinonia Presença Ecumênica e Serviço, 2014
76
CÉSAR, Waldo Lenz. O itinerário de vida de um coração ecumênico. In: DIAS, Zwinglio Mota (Org.).
Memórias ecumênicas protestantes – Os protestantes e a Ditadura: colaboração e resistência. Rio de Janeiro:
Koinonia Presença Ecumênica e Serviço, 2014

80
pessoas que Jovelino já havia liderado tempos antes. Ele, então, questionou a recepção. Queria
saber por que todos aqueles estudantes o esperavam na chegada. A resposta: “Nós precisamos
de um lugar onde pudéssemos nos reunir.”77 O Brasil havia se radicalizado e aquelas pessoas -
estudantes com os quais Jovelino trabalhava, bem como pessoas que frequentavam a igreja aos
domingos - não tinham mais como se manifestar e estavam preocupados com a situação política
do país.

Eu respondi que não tinha casa, estava chegando de viagem (…) Então, nós tínhamos uma
sala que era metade desta, mas ficava cheia de estudantes e todos eles radicalizados, mas
esquerda mesmo, esquerda avançada. Era o Brasil daqueles tempos. O Brizola estava no
rádio constantemente fazendo discursos incríveis, uma força poderosíssima, mas
estimulando gente a sair pela rua, preparar para a briga. Porque ele tinha salvado o Brasil,
não queria que o cunhado dele, que era o vice-presidente, assumisse o poder, mas ele
arranjou um exército e veio até o Rio e forçou a tomada de poder pelo seu cunhado Jango.

O Brasil estava radicalizado em direita e esquerda de uma maneira, que, interessante,


parece que os Estados Unidos estão agora nessa situação. Esse país agora é direita e
esquerda, que são inimigos. Era o Brasil naquela época. E finalmente arranjamos um lugar
e eles vinham todo sábado para minha casa.

A tônica das conversas era igreja e sociedade. Jovelino havia organizado a Igreja
Presbiteriana de Ipanema, uma igreja de esquerda que se separou da IPB. "Até hoje é uma igreja
de esquerda. Chegou ao ponto em que a organização das igrejas presbiterianas não a quis mais
porque estava muito à esquerda. Eu acho que é a única igreja que você pode dizer que é igreja
de esquerdistas ainda hoje.” Os estudantes procuravam por Jovelino na própria igreja, e ele
passou a ter problemas com o presbitério.

Primeiro que quem era conservador no grupo que estabeleceu a igreja de Ipanema
começou a desaparecer. Mas não apenas desaparecer. Um deles insistiu, numa
reunião do presbitério, para me julgar. Eu só soube da finalidade da reunião quando
cheguei lá. Eu não tinha sido ordenado ainda, estava simplesmente trabalhando
como assistente dessa igreja que estava organizando. Ele acusava que eu era pastor
por conveniência, político por convicção e ateu por profissão, alguma coisa assim.
O presbitério passou horas discutindo se eu era cristão, se eu era ateu, se eu era
comunista. Chegou um momento em que perguntaram se eu queria responder. Mas
estava tão irritado que não sabia o que fazer, e disse que não sabia o que fazer.
Resolveram que a única solução que eles tinham era ou não me aceitar ou me
aceitar. Se me aceitassem teriam que me ordenar imediatamente, e me ordenaram,
marcaram e me ordenaram.78

Os anos seguintes foram dramáticos para o teólogo. Os militares tomaram o poder e


muitos de seus amigos foram presos.

77
Entrevista de Jovelino Ramos à autora, 21/2/2022
78
Entrevista de Jovelino Ramos à autora, 21/2/2022
81
Eu sabia que eu estava na mira, mas o fato de eu ser pastor, de certa forma, me
protegia. Mas chegou um dia, era mais ou menos cinco da manhã, estava na minha
casa dormindo. Minha esposa tinha ido ao banheiro e, quando ela estava saindo do
banheiro, a campainha tocou. Eram cinco horas da manhã. Eu estava a me levantar,
mas ela disse “não, eu já estou aqui, eu vou atender”. Foi lá, abriu a porta, voltou e
disse que tinha quatro (homens) dizendo que tinham um material para entregar para
mim, e que só podiam entregar a mim, não quiseram entregar a ela. Ela disse "eu
acho que é policia". Eu disse que ia lá. Resolvi fazer o seguinte: eu estava de pijama,
tirei o pijama e fiquei só de cueca. Eles estavam lá e disseram:“ Seu Jovelino, nós
temos um mandado de busca de material subversivo na sua casa, e estamos aqui
para fazer essa inspeção”. Eu disse “Olha, sejam bem-vindos, sentem-se e deixem
eu colocar um roupa decente”. Aí fui e disse a Myra79: “É a polícia, eles vieram aqui
me pegar e eu vou fugir.” Aí saí pelas portas dos fundos, isso em plena Santa Teresa,
no Rio de Janeiro. Saí pela porta da cozinha. No lugar onde eu morava era uma vila,
e se você nunca tivesse ido lá, você não saberia como ir. Eu fui e me escondi na
casa de um amigo. Eles ficaram horas pegando livros, eu tinha muitos livros.
Pegaram muitos documentos e coisas incríveis. Eu tinha algumas medalhas que
tinha ganhado como bom estudante, tudo isso, pegaram tudo. Como eu não
aparecia, depois de duas horas, eles disseram a Myra:“ Diga ao senhor Jovelino que
ele pode ir a esse lugar aqui pegar os seus documentos”.

Myra ligou o chuveiro para que os policiais pensassem que estava no banho, e para que
o barulho da água em cima da cortina de plástico o ajudasse a sair sem ser percebido pelos
fundos. Ofereceu café aos militares e ganhou tempo para que Jovelino saísse. Logo que os
policiais foram embora, Myra ligou para avisar Waldo César. Atendeu a esposa do sociólogo,
a quem contou a história, e ouviu como resposta “que coincidência”, desligando o telefone em
seguida. Foi assim que Myra soube que os policiais também estavam na casa de Waldo.
Jovelino, então, voltou aos Estados Unidos, sabendo que sua vida no Brasil não estava segura.
(GREEN, 2009)

Jaime também estava na mira dos militares, mas não sofreu perseguição nesses moldes,
talvez respaldado pelo cargo executivo que exercia na Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos.
Ainda assim, membros da IPB - assim como ocorria em outras igrejas, como no caso de
Anivaldo Padilha - denunciaram Jaime aos militares brasileiros por diversas vezes. Ele chegou
a ouvir de um delegado que não levava a sério as denúncias que protestantes faziam de
protestantes porque esses “tinham problemas em suas igrejas e vem aqui denunciar para a gente
resolver esses problemas que eles tem lá dentro”. Sobre essa situação, Jaime dizia80:

[...] fui contemplado com várias denúncias feitas pelos companheiros deles [Boanerges e
aqueles que diretamente estavam relacionados a ele] e isso eu tenho de fonte muito limpa,
porque um amigo que eu tive durante muito tempo foi o Coronel Teodoro de Almeida

79
Myra, esposa de Jovelino à época
80
PAIXÃO JÚNIOR, Valdir Gonzalez. Poder, memória e repressão: a Igreja Presbiteriana do Brasil no período
da ditadura militar (1966-1978). Revista Interdisciplinar de Direitos Humanos, Bauru, v.2, n. 2, p. 20-40, jun. 2014
82
(Pupo) que por sua vez tinha um cunhado Coronel, também. [...] Coronel [Renato]
Guimarães. E o Coronel Guimarães, claro, passava as notícias para o cunhado, Coronel
Pupo, e eu ficava sabendo de antemão dos planos, as estratégias da IPB com relação à
repressão, a tentativa da repressão da Missão Presbiteriana Brasil Central, e as denúncias
que eles pretendiam fazer. Razão porque, nesse período, eu preparei um dossiê com o nome
de todos os membros da Missão Presbiteriana, com os seus RGs, os seus endereços, e fui
quase de porta em porta, nas agências de repressão oferecendo uma cópia, me
apresentando, dizendo que eu era responsável por este grupo e que eu sabia das denúncias
que estavam sendo feitas contra mim e contra a Missão Presbiteriana. E, as denúncias eram
feitas, mais ou menos, no seguinte estilo: eles sempre faziam questão de dizer que: “Jaime
Wright não é da nossa Igreja Presbiteriana, ele é de outra Igreja Presbiteriana, é de uma
Igreja Americana ecumenista - e, eles usavam o tom pejorativo para falar de ecumenismo;
é membro do Conselho Mundial de Igrejas- que, notoriamente, é um órgão subversivo; e
que, sendo esta Igreja membro do Conselho Mundial de Igrejas e, Jaime Wright sendo
membro desta igreja, Jaime Wright, então, é, também, subversivo e perigoso. Era mais ou
menos este estilo que eles usavam para me denunciar. Quem me falou especificamente
sobre isso foi o delegado titular do DOPS, em São Paulo, que eu fui visitar, levar um dossiê.
A conversa saiu que ele era “mackenzista” e ele me contou das tentativas periódicas, no
Mackenzie, de reprimir pessoas, professores, estudantes (Entrevista, 26 mar. 1999).

PAULO, O CAMINHO

Jaime contava com detalhes como eram os encontros com o irmão mais novo no período
em que os movimentos de Paulo eram acompanhados de perto pelos órgãos de repressão no
Brasil.

Nós nos encontrávamos sempre que ele vinha à cidade (de São Paulo). Ele nem precisava
se identificar porque eu reconhecia a voz dele e, então, tínhamos uma combinação: vamos
nos encontrar hoje à tarde, às 15h, na Praça da República. Isso significava que às duas horas
nós nos encontraríamos na Praça da Sé. Esse tipo de coisa... A gente conversava sobre
família, mas nunca sobre o trabalho dele. Por questão de segurança dele, ele não queria
compartilhar comigo para não me colocar na situação de eu saber alguma coisa; eu não
tinha treinamento para resistir à tortura, sei lá... eu podia ser preso e torturado e contar
alguma coisa sobre o Paulo. Então, ele nunca me contava nada, absolutamente nada sobre
a atividade dele. Conversávamos sobre teologia, conversamos muito sobre isso, família...
até lá um filme onde o Antônio Fagundes faz o papel de Paulo e recebeu o prêmio em
Gramado e quem fez o meu papel foi o Antônio Abujamra81. Então, ele mostra o Paulo e
eu nos encontrando na escadaria da Sé, fomos até a Praça da República, conversamos sobre
João Caldino, coisas que tais, muito interessante82.

81
Trata-se do curta-metragem Na calada da noite, de Luiz Arnaldo Campos e Paulo Halm, vencedor do Rio Cine-
Festival de 1986
82
Entrevista de Jaime Wright à autora, 8/8/1997
83
Paulo sabia que o cerco se fechava em torno de seu nome e suas ações, e os
companheiros passaram a alertá-lo sobre o risco que corria se permanecesse no Brasil. A eles,
respondia: “Quanto ao meu compromisso com a classe operária, a cuja vida e luta me liguei há
mais de 15 anos, tenho inteira tranqüilidade que ele será cumprido, até as últimas
conseqüências, enquanto me restar algo de sopro neste corpo.”83

As participações em coletivos e proposições de Paulo não passaram despercebidas pelos


militares. O seu nome ocupava páginas e mais páginas de relatórios do Deops. Os militares
possuíam uma ficha completa do deputado, seus codinomes (João, Antonio, Pedro João Tim,
Tio, Jô, Brum, Francisco de Paulo Martins), pessoas com as quais poderia ter contato, suas
andanças por São Paulo, Cuba e China, além das atividades como dirigente nacional da Ação
Popular. Em setembro de 1973, a ditadura deixou de registrar em papel a perseguição e
concretizou a sanha de sua virulência: sequestrou, matou e desapareceu com o corpo do
protestante. Para Jaime, inicia-se um tempo de trevas.

No livro Dom Paulo, um homem amado e perseguido, biografia do cardeal Arns


que contou com muitas horas de entrevista com Jaime Wright, tratei do desaparecimento de
Paulo. Havia uma ação em curso na semana da pátria, em 1973, chamada Operação Cacau, por
meio da qual seriam capturados 38 chamados “terroristas-guerrilheiros-subversivos” que eram
membros da Ação Popular Marxista-Leninista - dissidência da AP à qual Paulo era ligado. Esses
perseguidos seriam presos nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Recife e Salvador. A
hipótese é de que Paulo estivesse entre eles, dado o seu papel de protagonismo no grupo.

Paulo saiu de casa para encontrar um companheiro na Estação da Luz. Mal sabia ele que
este seria seu último encontro com um companheiro de luta. O deputado, juntamente com
um estudante e o companheiro baixinho, entraram no trem em direção a Santo André,
região do Grande ABC. Dentro do vagão perceberam que estavam sendo observados e
decidiram descer do trem separadamente: primeiro o baixinho, depois o estudante e por
último Paulo.
A partir desse dia o deputado nunca mais foi visto. O baixinho, preso ao chegar em casa,
esperava ver Paulo na OBAN, mas não o viu. Na sala de tortura viu uma blusa e uma
papeleta receitando colírio. Paulo desapareceu. (SYDOW; FERRI, 1999)

Jaime recebeu três telefonemas que traziam informações telegráficas e não conclusivas:
“Paulo caiu”. “João caiu”. “Paulo caiu”. Foi depois dessas ligações que Jaime resolveu procurar

83
SYDOW, Evanize; FERRI, Marilda. Dom Paulo Evaristo Arns: Um homem amado e
perseguido. Petrópolis: Vozes, 1999
84
o tenente-coronel Theodoro de Almeida Pupo, que era um presbiteriano amigo. Os dois foram
ao DOI-CODI, então sob o comando do hoje famoso torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra.
Mas não conseguiram nenhuma informação sobre Paulo. As informações posteriores, a partir
da busca incessante da família, deram conta de que Paulo havia sido, de fato, levado àquele
local, onde foi torturado tal qual Vladimir Herzog, e não resistiu às torturas84. Mas até chegar
aí, Jaime percorreu todas as instâncias que conseguiu.

No Brasil, nenhuma informação era conclusiva. E assim ele se utilizou do fato de Paulo
ser filho de americanos para pedir auxílio mos Estados Unidos, na esperança de que forças
internacionais pudessem interceder e acessar alguma informação sobre o paradeiro de Paulo.
Fez denúncia sobre a situação e pediu ajuda à Comissão Internacional Interamericana dos
Direitos Humanos da OEA, à Anistia Internacional, ao Latinamerica Press, à Common Front
for Latin America (COFFLA), ao College of the Ozarks, a EMBRASCOS, à Latin American
Working Methodist - United Presbyterian ORICK, ao Northern California Ecumenical Council,
ao National Council of the Churches of Christ in the USA, ao Presbytery of Baltimore, à United
Presbyterian Church in the USA ao Religious News Service85. Também insistiu com apelos à
embaixada do Brasil nos Estados Unidos, onde a informação fez com que o embaixador
buscasse uma alternativa interna para responder.
Foram pelo menos dois longos telegramas entre Brasil e Estados Unidos. Em um deles,
de 11 de fevereiro de 1974, se apresentava a informação de que José Carlos Dias, “proeminente
advogado criminal de São Paulo”buscou, sem sucesso uma ação judicial com o objetivo de
obrigar as autoridades militares a apresentar Paulo Wright ou revelar o seu paradeiro.

Embora declarando falta de informações sobre o destino de Wright, Dias afirmou


que uma série de fatores circunstanciais o levaram à conclusão de que Wright
morreu por resultado de torturas em algum momento de outubro ou novembro.
Dentre os diversos fragmentos de informações reconhecidamente subjetivas que
ele disse que o impeliu a essa visão, Dias citou a opinião de que Wright era um
indivíduo excepcionalmente obstinado e dedicado, preparado para suportar, sem
revelar a informação que está sendo exigida dele - procedimentos padrão de
interrogatório do regime empregado nesses casos, além do ponto a partir do qual a
recuperação ainda seria fisicamente possível. Outro fator circunstancial foi a
maneira pela qual a cortina oficial do silêncio foi desenhada sobre o caso Wright.

Segundo Dias, as autoridades começaram a se calar algum tempo após a captura de


Wright de uma forma parecida com outros casos no passado em que mais tarde foi provado

84
SYDOW, Evanize; FERRI, Marilda. Dom Paulo Evaristo Arns: Um homem amado e
perseguido. Petrópolis: Vozes, 1999
85
SYDOW, Evanize; FERRI, Marilda. Dom Paulo Evaristo Arns: Um homem amado e
perseguido. Petrópolis: Vozes, 1999
85
que os prisioneiros morreram em mãos oficiais. Dias afirmou ainda que a família Wright,
que havia contratado seus serviços jurídicos, estava bem ciente de sua opinião sobre o fim
malfadado de Paulo Stuart.

Dias afirmou que era seu palpite era que Wright foi o indivíduo supostamente conhecido
como "Antonio" que participou de um tiroteio entre agentes do governo e suspeitos
subversivos em Recife em julho ou agosto do ano passado. Dias acreditava que Wright,
ferido naquele episódio, escapou por pouco da captura, apenas para ser seguido para São
Paulo, onde foi detido pelas autoridades militares em algum momento entre 1º e 5 de
setembro.

Dias especulou ainda que o interesse do governo em Wright decorreu do fato de Paulo
Stuart ter assumido o manto de liderança nacional do Movimento Popular ACAO, seguindo
o exílio no exterior do chefe dessa Organização. Na época da captura, Wright, junto com
outros membros da AP, tinha acusações pendentes contra ele como subversivo e fugitivo
da justiça. Dias descreveu a AP como um movimento clandestino, originalmente cristão
em inspiração, que o governo brasileiro considerou como ser dominado pelos comunistas
e subversivo86.

A autoridade que escreve o telegrama menciona que as informações de Dias são


consideradas “especulativas”, pois, segundo o documento, não havia evidências para contestar
a visão dele e nem as demais versões sobre o destino de Paulo. “Depois de semanas de
investigação frustrante sobre esse assunto, os oficiais políticos de ConGen não descobriram
nenhuma fonte que tenha alguma esperança de que Paulo Stuart Wright ainda possa estar vivo”,
conclui. Ao final, ainda menciona que Jaime e a família "provavelmente" tiraram a mesma
conclusão.
O segundo telegrama, de 18 de setembro de 1974, dava conta que Jaime permitiu às
autoridades americanas ler o arquivo que ele mantinha de Paulo, incluindo cópias de
correspondência entre vários senadores dos Estados Unidos e seus eleitores, correspondência
entre esses senadores e o Departamento, recortes de notícias brasileiras e norte-americanos,
cópia de carta que o reverendo enviou ao presidente Geisel (de 28 de maio de 1974) e diversas
cartas de apoio de várias organizações religiosas. O reverendo Wright também apresentou um
resumo legal elaborado pelo professor da Faculdade de Direito da USP Goffredo Da Silva
Telles Júnior e a advogada de São Paulo Maria Eugenia Raposo da Silva Telles, argumentando
que Paulo não havia perdido sua cidadania americana em virtude de ter exercido os seus direitos
políticos no Brasil como cidadão brasileiro.

86
"Disappearance of Paulo Stuart Wright" (1974). Opening the Archives: Documenting U.S.-Brazil Relations,
1960s-80s. Brown Digital Repository. Brown University Library.
https://repository.library.brown.edu/studio/item/bdr:1169176/
86
Na medida em que algumas das cartas dos senadores (…) e outros recortes contêm
referências a supostos avistamentos de Paulo Stuart após sua prisão em setembro de 1973,
revisamos novamente os eventos após a prisão de Wright com o reverendo Wright e o
advogado José Carlos Dias, na tentativa de separar fato de boato.
Os comentários do Reverendo Wright e Dias podem ser resumidos do seguinte modo: Paulo
Stuart Wright foi visto pela última vez por uma fonte amiga em 5 de setembro de 1973 na
identificação sala do DOI (Operação Bandeirantes) em São Paulo. Após a sua libertação,
ela voltou diariamente ao DOI para deixar comida para Paulo Stuart com o guarda. Não
pôde ver Paulo Stuart ou entregar comida a ele pessoalmente. Essa prática continuou até a
semana seguinte, em setembro de 1973, quando foi informada de que Paulo Stuart não
estava mais preso lá.
(…) Outra informação, que o reverendo Wright acredita que tende a se confirmar é que
Paulo Stuart foi detido no DOI São Paulo. Vem de um metodista seminarista em São Paulo
que visitou o chefe do DOI (naquela vez), Major Carlos Alberto Ulstra, algum tempo
depois da prisão de Wright, a fim de perguntar sobre o bem-estar de Wright. O major teria
mostrado ao seminarista cartão de cidadão de Paulo Stuart, que o reverendo Wright acredita
que Paulo Stuart teve em sua posse no momento de sua prisão.
O reverendo Wright afirmou que ele e Dias tentaram (e presumivelmente são esforços
contínuos) rastrear alguns dos onze outros membros da AP, que teriam sido capturados em
São Paulo ao mesmo tempo que Paulo Stuart e que teriam sido posteriormente libertados,
a fim de obter mais pistas possíveis sobre o destino de Paulo Stuart. Suas tentativas até
agora não foram bem sucedidas: alguns indivíduos, temendo represálias, e outros sendo
difíceis de localizar. Os onze indivíduos alegadamente presos em São Paulo em setembro
passado evidentemente estão entre os listados no jornal O Estado de São Paulo artigo de
22 de agosto de 1974, como tendo sido julgados, juntamente com Paulo Stuart Wright, pelo
Conselho permanente de Justiça Militar da Primeira Auditoria em São Paulo.

O Reverendo Wright também nos deu novas informações que pode lançar mais luz sobre
o Cardeal Arns sobre o atual paradeiro de Paulo Stuart Wright. Confirmando uma breve
notícia que apareceu recentemente na imprensa local, o reverendo Wright afirmou que o
bispo James S. Rausch, Secretário da Conferência Católica dos Estados Unidos, e padre
Bryan Hehir, chefe da Comissão de Justiça e Paz dos EUA, visitaram o Brasil de 23 a 28
de agosto, a convite do cardeal Arns. O bispo Rausch teria aconselhado o Dept. com
antecedência dos planos de visita ao Brasil. Durante sua escala em São Paulo (23 a 25 de
agosto), padre Hehir declarou verbalmente ao reverendo Wright que pouco antes de viajar
para o Brasil, ele recebeu a seguinte mensagem para transmitir ao reverendo Wright: havia
um brasileiro exilado recém-chegado aos EUA, na sequência de sua libertação da prisão no

87
Brasil que havia afirmado que tinha visto Paulo Stuart Wright "um mês antes”. Reverendo
Wright disse que o Padre Hehir foi incapaz de dar qualquer maiores esclarecimentos na
ocasião. Reverendo Wright perguntou se a ConGen puder ajudar a obter mais
esclarecimentos do padre Hehir87.

Os encaminhamentos foram pedir o contato do padre Bryan Hehir por meio da


Conferência Católica dos EUA, para tentar obter mais informações sobre o paradeiro de Wright.
Além disso, o documento alertava para o fato de que se Jaime fizesse contato com a embaixada,
ele deveria ser avisado de que, embora as informações disponíveis davam conta de que Paulo
provavelmente tivesse perdido os seus direitos de cidadania americana, uma decisão mais
definitiva dependeria de Jaime se apresentar em um escritório consular dos Estados Unidos para
preencher alguns documentos.
Ao mesmo tempo, Jaime buscou informações no Ministério das Relações Exteriores, que
se limitou a dizer que ele não estava sob a custódia dos órgãos de segurança e nem havia dados
sobre o seu destino. Também destacou o ministério que considerava o deputado um cidadão
brasileiro e que não reconheceriam o direito dos Estados Unidos de intervirem a seu favor.
(SYDOW; FERRI, 1999, p. 230). A conclusão a que Jaime chegara a partir de informações
colhidas pelas últimas pessoas que viram Paulo com vida era cruel: "o meu irmão foi
sequestrado pelo Segundo Exército numa das ruas aqui de São Paulo e levado para a prisão do
Segundo Exército lá na Rua Tutóia. Ali, ele foi torturado e morto dentro de umas 48 horas"88.
A menção ao cardeal Arns no referido telegrama abre uma nova aba temática deste
trabalho. Trata-se da aproximação de Jaime e do cardeal arcebispo de São Paulo, dom Paulo
Evaristo Arns, no momento em que Paulo desaparecera - dom Paulo tornou-se arcebispo de São
Paulo em 1970, vindo como bispo-auxiliar da região norte de São Paulo e recebeu o chapéu
cardinalício em março de 1973.
Quando Paulo caiu, imediatamente Jaime procurou por dom Paulo. Antes, havia tido um
breve contato com o cardeal para, junto com representantes de outras igrejas, preparar um
material comemorativo da Declaração Universal dos Direitos Humanos - essa é uma das
primeiras ações de Jaime em que ele se refere diretamente ao conceito de direitos humanos em
sua documentação. "Socorri a dom Paulo Evaristo Arns pois eu sabia que ele vinha dando

87
Crimmins, John Hugh, "Whereabouts Paulo Stuart Wright" (1974). Opening the Archives: Documenting U.S.-
Brazil Relations, 1960s-80s. Brown Digital Repository. Brown University Library.
https://repository.library.brown.edu/studio/item/bdr:1168730/
88
Entrevista de Jaime Wright à autora, 8/8/1997

88
assistência às famílias de outras pessoas que também estavam sofrendo repressão. Eu queria
que ele me desse umas dicas do que eu deveria fazer para socorrer o meu irmão.”89
Jaime não conseguiu mais saber do paradeiro do irmão. Sua vida, porém, foi marcada a
partir daí pelo registro de todo tipo de notícia relacionada aos desaparecimentos durante a
ditadura, bem como ao desrespeito dos direitos humanos. Jaime guardava tudo
sistematicamente e de forma organizada, de modo que seu arquivo pessoal era um arsenal de
informações sobre a ditadura militar no Brasil e no Cone Sul. Para além disso, ele buscava estar
presente na imprensa para que o assuntando morresse. São centenas de matérias de jornais onde
constam as cobranças de Jaime em relação ao que foi feito de Paulo até sua morte, em maio de
1999. Em uma matéria do Jornal do Brasil de 30 de julho de 1995, a respeito de um projeto
do governo Fernando Henrique Cardoso que reconhecia como mortos 136 desaparecidos
políticos, ele reclamava o paradeiro de Paulo. Os parentes não queriam apenas o atestado de
óbito e a indenização, e o projeto foi polêmico: “É um dever que o Estado tem com a história.
Nossos parentes foram assassinados pela ditadura, mas diz-se que eles eram bandidos e
morreram em tiroteios. (…) Os militares sabem que circunstâncias essas mortes aconteceram e
a única forma de esclarecer isso é forçá-los a revelar o que sabem”90, reclamava Jaime.
A amizade que vai unir o pastor presbiteriano e o bispo católico, no entanto, tornou-se
uma força tremenda no enfrentamento aos desmandos da ditadura militar a partir daquele
momento, e é o que poderemos ver nos dois próximos capítulos. Aqui, não abordarei o culto
ecumênico em memória de Vladimir Herzog, em 31 de outubro de 1975, realizado por dom
Paulo, Jaime e o rabino Henry Sobel, por entender que este é um momento bastante referenciado
tanto nas pesquisas acadêmicas como na imprensa. Mas é importante registrar que, no contexto
do ecumenismo, o culto foi um evento fundamental para entender a força das três
representações ali presentes.

Até hoje nós não sabemos o que ele fizeram com os restos mortais do Paulo. Ele está
desaparecido até hoje. Esse primeiro contato com dom Paulo estabeleceu não só uma
amizade, mas uma relação de confiança em que passamos a nos reunir com alguma
frequência, a tentar denunciar o que estava acontecendo para que outras famílias não
sofressem este mesmo drama. Houve uma série de eventos que nós participamos juntos e
está naquele capítulo que eu escrevi 91e, depois, na leitura que eu fiz daquele capítulo, me
ocorreu uma coisa muito interessante e estranha até. Parecia que o capítulo era

89
Entrevista de Jaime Wright à autora, 8/8/1997
90
MARQUES, Fabrício. Famílias rejeitam projeto. Jornal do Brasil, 30/7/1995
91
Trata-se de um capítulo que Jaime Wright escreveu para o livro: RIBEIRO, Helcion (Org). Paulo Evaristo
Arns - Cardeal da Esperança e Pastor da Igreja de São Paulo. São Paulo: Edições Paulinas, 1989
89
autobiográfico, parecia que eu estava escrevendo sobre mim mesmo, apesar da intenção
inicial ser escrever sobre dom Paulo. Mas é que aí mostra a identificação que nós tínhamos
nos programas... Foram, realmente, anos de muito trabalho, confiança mútua a ponto de ele
me apresentar às pessoas como seu bispo-auxiliar honorário, encarregado de direitos
humanos e relações internacionais. É a brincadeira que ele fazia.92

No dia 29 de outubro de 1977, dom Paulo enviou ao presidente americano, Jimmy Carter,
uma carta e a lista de 23 desaparecidos políticos no Brasil, incluindo Paulo Stuart Wright - a
ideia de mandar a carta para Jimmy Carter surgiu de Jaime. Ele lançou a ideia ao cardeal, que
não só assentiu como considerou muito oportuna. Arns escreveu a Carter na correspondência:
“Não peço sua interferência, mas acredito que o senhor deva ser informado.” Pouco tempo
depois, Carter visitou o Brasil e Wright, numa articulação com o jornalista Ricardo Carvalho,
da Folha de S. Paulo, lançou mão de uma estratégia de comunicação para que o encontro
acontecesse. Pediu a Ricardo que plantasse uma notícia na Folha, dizendo que o presidente
americano estava muito interessado em se encontrar com o cardeal de São Paulo. Ricardo o fez
e, diante da notícia, a equipe de Carter não teve como recusar ao ser procurada pelo próprio
Wright, que dizia ter tido conhecimento pela imprensa que o presidente gostaria de encontrar o
cardeal e que ele estava, em nome do cardeal, à disposição para articular a reunião, que, de fato,
aconteceu93. E dom Paulo entregou pessoalmente a Carter uma grande lista com os
desaparecidos políticos pela ditadura brasileira.

92
Entrevista de Jaime Wright à autora, 8/8/1997
93
SYDOW, Evanize; FERRI, Marilda. Dom Paulo Evaristo Arns: Um homem amado e
perseguido. Petrópolis: Vozes, 1999
90
Fonte: Jornal do Brasil, 28 de janeiro de 1992

91
Fonte: Diário da Noite, 14 de março de 1974

92
Fonte: Folha de S. Paulo, 30 de março de 1978

93
Telegrama sobre o desaparecimento de Paulo Stuart Wright do governo dos EUA para a
Embaixada dos EUA no Brasil.
Fonte: "Disappearance of Paulo Stuart Wright" (1974). Opening the Archives: Documenting
U.S.-Brazil Relations, 1960s-80s. Brown Digital Repository. Brown University Library.
https://repository.library.brown.edu/studio/item/bdr:1169176/

94
95
96
97
98
99
100
Parte II – Os direitos humanos atravessam Jaime Wright

Capítulo 3
A CONSPIRAÇÃO VITORIOSA

O desenho de uma chama que brilha atrás da grade de uma prisão, feito pelo preso
político Manoel Cirilo de Oliveira Neto em um cartão de Natal, do ano de 1974, chegou até o
pastor Jaime Wright e a jornalista Jan Rocha pelas mãos do advogado Luiz Eduardo
Greenhalgh. A imagem – que representaria a Igreja em São Paulo como uma chama de
esperança a clarear a dor dos atingidos pelo arbítrio do regime militar94 – caiu como uma luva
e logo foi definida como logotipo do Comitê de Defesa dos Direitos Humanos nos Países do
Cone Sul, o Clamor.
Após diversas ideias para nomear o grupo, Clamor, sugerida por Jan, soou perfeita para
Jaime: além de ter o mesmo significado em inglês, espanhol e português, o que facilitaria a
comunicação com a comunidade internacional, fazia referência ao Salmo 88,2 que Jaime logo
tratou de ler para Jan e Luiz Eduardo. “Ó senhor, Deus da minha salvação, diante de ti clamo
de dor de dia e de noite. Chegue minha oração perante a tua face; inclina os teus ouvidos ao
meu clamor.” (LIMA, 2003)
O Clamor, criado em março de 1978, foi o que podemos chamar de uma rede ecumênica
brasileira de solidariedade que atuou nos países do Cone Sul, inclusive com o apoio de
organizações sediadas na Europa. Para Samarone Lima, o Clamor foi “uma conspiração pela
defesa dos direitos humanos no Cone Sul da América Latina” que se saiu vitoriosa (LIMA,
2003)
A história do comitê se confunde com a de Jaime, Jan e Luiz. A experiência marcou
suas trajetórias de modo que, diante de movimentos e instituições de defesa de perseguidos
políticos durante as ditaduras dos anos 1970 e 1980 em países como Argentina, Chile, Uruguai
e Paraguai, seus nomes são evocados sempre que o assunto é o apoio que a ala progressista das
igrejas no Brasil deram aos seus vizinhos.
Jan Rocha, jornalista inglesa que chegou ao Brasil em 1969 como correspondente da
rádio BBC e do jornal The Guardian, passou a ter contato próximo com denúncias sobre
violações de direitos humanos e fez delas pautas importantes com repercussão internacional.
Conheceu refugiados argentinos no Brasil que a procuravam para contar o que estava ocorrendo

94
Carta de encerramento do Clamor, Clamor: um história de solidariedade, escrita em 10 de dezembro de 1991
101
no país vizinho que também vivia sob uma terrível ditadura. Eles reclamavam dizendo que a
situação na Argentina não era divulgada e o mundo pouco sabia do que acontecia por lá95.
Foi pensando em como formar uma espécie de organização para tratar o tema que os
argentinos levaram Jan para se encontrar, de forma clandestina, em um endereço secreto de São
Paulo – depois ela veio a saber que tratava-se de uma casa localizada na Rua Turiassu, no bairro
de Perdizes – com o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, que já era conhecido pelo trabalho
desempenhado junto a perseguidos políticos. Após esse primeiro encontro, os argentinos
entenderam que seria importante incluir mais um nome que também vinha se destacando pelo
trabalho em prol dos refugiados. Este era Jaime Wright, cujo trabalho em receber refugiados do
Cone Sul que procuravam a Arquidiocese de São Paulo havia se intensificado deveras desde
que o pastor passou a trabalhar como braço direito de dom Paulo Evaristo Arns. O encontro
também aconteceu de forma clandestina. Jaime não sabia para onde estava sendo levado e nem
com quem se encontraria. Foi até o local com os olhos vendados e só descobriu do que se tratava
ao chegar à casa onde estavam Jan e Luiz Eduardo.
A essa altura, Jaime já era conhecido como bispo-auxiliar honorário de dom Paulo
Evaristo Arns, encarregado de direitos humanos e relações internacionais. Com seu amplo
trânsito internacional, especialmente nos Estados Unidos e na Europa, tendo em vista sua
proximidade com o Conselho Mundial de Igrejas, o pastor presbiteriano tornou-se eficiente em
relações internacionais não apenas para denunciar a situação brasileira, mas de outros países,
como Argentina, Chile, Uruguai e Paraguai. Era considerado uma ponte com a Igreja
progressista do Brasil por militantes dos direitos humanos nestes lugares. Foi assim que chegou
a Jan e Luiz Eduardo pelas mãos dos argentinos refugiados em São Paulo. Jaime trabalhava
numa sala ao lado de dom Paulo na Cúria Metropolitana e o grande movimento de perseguidos
políticos do Cone Sul no conhecido endereço do cardeal de São Paulo – Avenida Higienópolis,
890 – também atingia Jaime. Ele passou a se envolver diretamente no trabalho de apoio aos
refugiados, por meio da Comissão Arquidiocesana de Pastoral dos Direitos Humanos e
Marginalizados de São Paulo e era quem conseguia boa parte do recurso financeiro necessário
para a ajuda aos latino-americanos em São Paulo, pelos seus contatos com organismos de
cooperação internacional. Além disso, quando não era ele mesmo o foco dos convites para
ajudar a criar estratégias de apoio a militantes políticos, Jaime era quem representava o cardeal
em boa parte das vezes em que era solicitado apoio para casos mais extremos de perseguições
nos países vizinhos.

95
Entrevista de Jan Rocha à autora, 06/11/2014
102
Foi assim, por exemplo, no caso de Guilhermo Escolástico Ovando, que já havia
cumprido 21 anos de prisão no Paraguai, apesar de ter sido condenado a 15 e sendo de 20 anos
de reclusão a pena máxima permitida pela lei paraguaia. Em dezembro de 1983, Jaime foi a
Asunción acompanhado por Charles Harper, pastor, amigo de longa data que ocupava o cargo
de diretor do Programa de Recursos para Direitos Humanos para a América Latina no Conselho
Mundial de Igrejas, para entregar uma carta de solidariedade do cardeal Arns à esposa de
Ovando, Sofía Torres, e tentar sensibilizar o governo a respeito do caso de Escolástico Ovando.
Dizia a carta:

Estimada Señora,
Paz y Bien!
Por diversos medios hemos sabido del dramático caso de su esposo,
Escolástico Ovando, privado de su libertad desde hace 21 años.
Sabemos que ha sido torturado, que el processo judicial fué totalmente
irregular y que en los últimos 6 años há estado a disposición del Poder
Ejecutivo.
La injusta situación que desde hace tantos años atravesa, lo há llevado a tomar
una medida extrema en demanda de su libertad, iniciando una huelga de
hambre, com motivo de la cual nos dirigimos a usted y familia para hacerle
llegar nuestra voz de aliento, com los nuestros deseos de una pronta solución.
Tenga usted la seguridad de nuestro interés en el caso de su marido, por quien
seguiremos expresando nuestra preocupación y oraciones, y haciendo cuanto
esté a nuestro alcance para colaborar com la recuperación de su libertad.
A la luz de lo expresado recientemente por el Santo Padre sobre la Familia,
esperamos que en breve su familia sea, luego de tantos años, reconstituída
com la presencia de su esposo Escolástico Ovando.

Harper sublinhava nas reuniões que fizeram no Paraguai que sua presença era para levar
a representação das Igrejas em âmbito mundial ao caso. Ovando estava havia 25 dias em greve
de fome quando Wright e Harper o visitaram. Na viagem, à imprensa, Jaime dizia que “ceder e
tornar-se flexível não é jamais, não deve jamais ser tomado como sinal de fraqueza, mas sim
de força; porque somente os fortes podem ceder algo”96. Oscar, um dos filhos de Ovando,
refletiu junto a Wright e Harper: “Esperamos que com a visita de vocês isto possa ter
transcendência mundial porque, como se sabe aqui, dentro do país o limite se acabou. Pedindo
justiça estamos todos os dias, mas esta justiça não se vê. Com a vista de vocês, esperamos que
o meu pai esteja conosco na festa de Natal.”97

96
Jornal ABC Color, 09/12/1983
97
Jornal ABC Color, 09/12/1983
103
Charles Harper, em parceria com Wright, alertava que o caso seria denunciado em
âmbito internacional. “Vamos levar relatórios dos familiares de Ovando para várias instâncias
internacionais que estão por dentro do caso, para que saibam de sua situação atual, de sua saúde,
de sua situação carcerária.”98 Wright chegou a assinalar em entrevista ao jornal paraguaio ABC
Color: “Te digo com segurança que hoje pessoas de todos os países do mundo estão
pressionando por meio de telegramas ao presidente e ao ministro do interior daqui. Estão vindo
milhares de telegramas de vários países, de várias entidades religiosas, civis, sindicais. Tudo
para fazer com que o governo paraguaio veja que a comunidade internacional está
escandalizada com esse assunto, de uma pessoa que cumpriu sua sentença e tem que esperar
quem sabe quanto tempo para receber sua liberdade.”99
Junto com o amigo, Jaime utilizou-se da estratégia que o acompanhou a vida inteira para
pressionar o governo paraguaio: concedeu uma série de entrevistas para veículos de
comunicação de várias origens, no Paraguai, no Brasil e nos Estados Unidos; escreveu artigos
e ajudou a desencadear o movimento que levou à libertação de Ovando em 1984.
A estratégia de levar a carta de dom Paulo para Sofía Ovando em Asunción e chamar a
atenção dos meios de comunicação para o caso repercutiu na imprensa paraguaia. A carta foi
publicada na íntegra, em página inteira, no jornal ABC Color, com direito a foto de Wright
entregando a carta para Sofía. Por outro lado, o jornal Patria, do partido do governo, fez duras
críticas ao cardeal de São Paulo. “O cardeal Arns cometeu o mesmo erro fanático de um ataque
indiscriminado e irracional, ao invés de apelar ao único digno e possível: a invocação não da
justa condenação já cumprida, mas sim da regeneração do condenado pela aceitação da justiça
do castigo.”100
Wright e Harper foram a Asunción munidos de vasta documentação. O arquivo pessoal
de Jaime sobre esse assunto inclui ofícios e relatórios – alguns confidenciais – que tratam do
drama de Ovando. São cartas do Comite de Iglesias para Ayudas de Emergencia, assinadas pelo
padre José María Blanch, com dados sobre a situação de direitos humanos no Paraguai; um
“dossiê especial sobre o caso Escolastico Ovando” da Asociación de Abogados
Latinoamericanos por la Defensa de lós Derechos Humanos; cópias de ofícios da Anistia
Internacional para o presidente do Paraguai à época, Alfredo Stroessner, denunciando a greve
de fome de Ovando e outros presos; carta de apelo do Instituto de Estudios Politicos para
America Latina e Africa, para Charles Harper “con el ruego de que El Consejo se interesse por

98
Jornal ABC Color, 09/12/1983
99
Idem
100
O Clamor, dezembro de 1983, no. 15

104
la situación de dichos presos e interceda por su amnistía”101; notas confidenciais feitas por
membros do Comitê de Igrejas para difundir informações entre os amigos da instituição; além
de uma série de reportagens.

Quando Jan, Luiz Eduardo e os argentinos expuseram para Jaime que precisavam criar
um grupo para dar visibilidade ao que estava ocorrendo nos países do Cone Sul, imediatamente
o pastor aceitou participar. E ele rapidamente propôs que o grupo funcionasse sob o guarda-
chuva da Arquidiocese de São Paulo, como uma forma de proteção. Dom Paulo Evaristo Arns
concordou em incluir o Clamor como órgão da Arquidiocese. Dada à sua amizade desde a
infância com Charles Harper, Wright também buscou a parceria do Conselho Mundial de
Igrejas com o Clamor. Foi prontamente atendido, uma vez que o CMI já havia expressado sua
preocupação com os refugiados da América do Sul102. “O CMI já estava profundamente
envolvido em ajudar refugiados da América Latina. No início de 1978, Chuck (Charles Harper)
veio para São Paulo e nos encontramos para almoçar no restaurante preferido de Jaime, o Scotch
Bar, alguns andares abaixo de seu escritório. Chuck gostou da ideia do Clamor, e a partir dali
o CMI se tornou um aliado e financiador.” (ROCHA, 2018)
O primeiro objetivo do Clamor era dar assistência aos refugiados que não poderiam ser
ajudados pelo Acnur – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados103. Segundo
Jan Rocha, naquele período, o governo brasileiro não permitia que refugiados políticos do Cone
Sul ficassem permanentemente aqui. Eles não eram protegidos pelo Estatuto dos Refugiados.

Se fossem reconhecidos como refugiados pelo Acnur, eles tinham que ir para
outro país, geralmente um país europeu, principalmente França, Suécia,
Holanda, Suíça e Noruega, e também para o México. Mas muita gente não
queria sair para a Europa, queria ficar aqui; e também o Acnur não aceitava
como refugiado quem tivesse participado da luta armada. Muita gente que
chegava aqui eram ex-montoneiros104, então, não eram pessoas elegíveis para
serem refugiados. E havia pessoas que, por um motivo ou outro, não queriam
ser reconhecidas como refugiadas oficialmente. Precisavam de ajuda, não
tinham onde morar, não tinham emprego, estavam clandestinas.105

101
Carta del Comite Ejecutivo de Iepala, 16/12/1983
102
Entrevista de Jan Rocha à autora, 06/11/2014
103
Idem
104
Grupo guerrilheiro argentino vinculado ao peronismo
105
Entrevista de Jan Rocha à autora, 06/11/2014
105
Dessa forma, a primeira meta do Clamor foi ajudar essas pessoas e depois denunciar o
que estava acontecendo, especialmente, na Argentina – quando o grupo foi criado, a Argentina
era o foco das denúncias devido ao grande número de casos de perseguições e
desaparecimentos. Assim, foi estabelecida uma sólida parceria com instituições como Madres
e Abuelas de la Plaza de Mayo, Assembleia Permanente pelos Direitos Humanos, Serviço Paz
e Justiça do Uruguai, Igreja Metodista Evangélica Argentina, Alto Comissariado das Nações
Unidas para os Refugiados, Fundación de Ayuda Social de las Iglesias Cristianas, Igreja
Metodista no Uruguai, Associação dos Advogados Latino-Americanos pelos Direitos
Humanos. Entidades e mais entidades do Chile, Uruguai, Paraguai, além das argentinas,
passaram a mandar representantes para a Cúria, afim de trazer informações e denúncias para o
Clamor disparar em suas redes internacionais. Pouco tempo depois, após o golpe militar de
julho de 1980 na Bolívia, incluíram também o trabalho com refugiados bolivianos.

O BOLETIM CLAMOR

Para dar vazão a tantas denúncias, e com o objetivo de usar a Copa do Mundo de 1978,
que aconteceu na Argentina, para chamar a atenção de todos para o que estava acontecendo
naquele país, a jornalista, o advogado e o pastor criaram o boletim Clamor em junho de 1978,
exatamente durante o campeonato mundial de futebol. Essa era uma forma de atuar própria de
Jaime Wright, de valorização dos diversos meios de comunicação para fazer denúncias em
momentos estratégicos. Wright era um comunicador nato e se definia como jornalista, além de
pastor, quando se apresentava. “O papel do reverendo Jaime Wright como pastor presbiteriano,
representando uma importante igreja protestante dos Estados Unidos e colaborando
intensamente e de forma ecumênica com a Arquidiocese de São Paulo, nessa incipiente
campanha de informação mundial, por meio do Conselho Mundial de Igrejas, sobre os efeitos
desastrosos de uma política repressiva do regime militar, conferiu peso e credibilidade a este
esforço. O seu talento como comunicador – presença como jornalista e articulador direto e
incisivo em eventos – fez com que Jaime e os seus colegas colocassem o Clamor como
necessário na comunidade ecumênica internacional, para reportarem sobre o que estava
acontecendo no Brasil e no Cone Sul”, refletiu Charper Harper após a morte de Wright106.

106
Entrevista de Charles Harper à autora, 08/07/2000
106
Jaime era meticuloso e profundamente organizado, o que o levou a ser o responsável
pela correspondência do grupo. Ele separava e arquivava tudo, por assuntos, nomes e datas. No
caso do boletim Clamor, ele era um dos responsáveis por boa parte da redação e tradução da
publicação para o espanhol e o inglês, junto com Jan, para que as denúncias chegassem à
comunidade internacional. Contava com a ajuda de refugiados para fazer a tradução dos textos
e também das denúncias que chegavam. E assim foi apresentado o primeiro número da
publicação ao público:

Com o presente damos início às atividades do Comitê de Defesa dos Direitos


Humanos no Cone Sul CLAMOR – órgão vinculado à Comissão
Arquidiocesana de Pastoral dos Direitos Humanos e Marginalizados de São
Paulo.
CLAMOR tem por objetivo a defesa dos direitos humanos na América Latina,
especialmente nos países do Cone Sul. Com a finalidade de dar a conhecer
suas atividades, periodicamente editará o presente boletim com informações.
É interesse do CLAMOR estreitar vínculos com órgãos congêneres para
cooperação mútua.
A perspectiva do CLAMOR é cristã, ecumênica, sem filiação partidária e seus
objetivos são humanitários.
Este primeiro número do boletim, saindo às vésperas da Copa do Mundo,
quando a atenção do mundo está voltada para a Argentina, é dedicado
exclusivamente àquele país.107

O boletim era pequeno – tinha quatro páginas mimeografadas – e foi especialmente


dedicado às denúncias recebidas da Argentina, como onde estavam localizados os campos de
detenção, relatos de refugiados sobre as condições de degradação e terror dos presos,
perseguição a sindicalistas, crianças desaparecidas, entre outras notícias. Traziam também
pequenos informes sobre o México e o Uruguai. Tudo muito vivo e com detalhes que não
passariam despercebidos por quem lesse. Abaixo estão dispostas as quatro páginas desse
primeiro boletim, pesquisadas no Centro de Documentação e Informação Científica –
CEDIC/PUC, onde está localizado o acervo do Clamor.
A publicação impressa era enviada pelos correios para Igrejas, associações e indivíduos
na Europa e nos Estados Unidos. Anita Wright, filha de Jaime e moderadora da Igreja
Presbiteriana Unida do Brasil, lembrou, em entrevista ao livro Memórias Protestantes, que essa

107
Boletim Clamor, Ano I, no. 1, junho 1978
107
era uma forma de conseguir proteção. “Meu pai sempre falava que a melhor proteção é você
botar a boca no trombone, porque aí eles não têm coragem de mexer com você. Quando eles
sabem que você tem gente fora do pais, acompanhando o seu trabalho, é mis difícil eles
desparecerem com você.” (DIAS, 2014)
O boletim Clamor foi se tornando conhecido e chegou a ser mandado para mais de 50
países, sendo que, de janeiro a dezembro de 1978, foram publicados quatro números, todos
traduzidos (ROCHA, 2018). Foi nessa época que dois novos membros foram convidados a
entrar para o grupo: a irmã Michael Mary Nolan108 e o padre Roberto Grandmaison109, da
Congregação Santa Cruz e membros da Comissão Arquidiocesana de Direitos Humanos. A
partir de então, as reuniões do Clamor passaram a acontecer na paróquia de São José do Jaguaré,
onde Grandmaison atuava. Antes, os três se reuniam aos sábados à tarde na casa de Jan.
Nos anos seguintes, outros nomes entraram e deram peso ao trabalho do Clamor – a
professora Tereza Brandão, que atuava na Comissão Justiça e Paz de São Paulo e mais tarde
tornou-se a representante da Igreja Católica junto ao Comitê Brasileiro pela Anistia110; o
advogado Fermino Fecchio, membro da Comissão Arquidiocesana de Pastoral de Direitos
Humanos que acompanhou de perto o caso do assassinato do operário Santo Dias e atuou em
casos emblemáticos do Clamor, especialmente no Paraguai e Uruguai; Maria Aparecida Horta,
que havia participado do movimento estudantil, foi militante de esquerda, ficou exilada no Chile
e em Cuba; Inge Schilling, que já havia atuado no Acnur com contato próximo a refugiados
latino-americaanos; Maria Auxiliadora Arantes, psicóloga, esposa de Aldo Arantes e que havia
sido presa logo após a decretação do AI-5, em dezembro de 1968; Lilia Azevedo, que fez parte
da Ação Católica, er formada pelo Instituto Sedes Sapientiae, fazia traduções, atuava em
diversos projetos de solidariedade, inclusive na Comissão Justiça e Paz de São Paulo e na
Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil; e João Xerri, frade dominicano maltês que
chegou ao Brasil em 1974, atuando nas Comunidades Eclesiais de Base e próximo a teólogos

108
Michael Mary Nolan, da Congregração de Santa Cruz, é advogada americana, de Washington DC, que chegou
ao Brasil em 1968. Vem de uma família de ativistas sociais. Pouco tempo depois de chegar ao Brasil, passou a
trabalhar na Paróquia de São José do Jaguaré, em São Paulo, junto com o padre Roberto Grandmaison,
especialmente nos anos de regime militar. Foi ali que teve os primeiros contatos com a Arquidiocese de São Paulo
e com dom Paulo Evaristo Arns. Logo, passou a atuar na Comissão Arquidiocesana de Direitos Humanos.
Envolveu-se na defesa de militantes que estavam sendo perseguidos e denunciou amplamente a morte do operário
Santo Dias. Em contato com o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, passou a atuar no Clamor e a ajudar os
refugiados políticos vindos para o Brasil.
109
Roberto Grandmaison, missionário canadense e reconhecido defensor dos direitos humanos, chegou ao Brasil
em 1968. Foi assistente eclesiástico da Ação Católica Operária, membro e coordenador da Comissão
Arquidiocesana de Direitos Humanos. Abriu sua igreja, no bairro do Jaguaré, para movimentos sociais e passou a
ser uma referência na região para denúncias contra os direitos humanos, inclusive durante a ditadura militar.
110
FRAGA, Guilherme Barboza de. Clamor: reação cidadã às violações dos direitos humanos nas ditaduras do
Cone Sul. XIV Encontro Estadual de História – ANPUH RS, 18 a 21/07/2018
108
da libertação como Leonardo Boff, Clodovis Boff, João Batista Libânio. Para Jaime, no entanto,
a ampliação do grupo não caiu bem. Esse será um dos motivos que o levará a se desligar do
grupo em 1984. Sobre esse assunto, falarei mais adiante, ainda neste capítulo.
Os números do boletim Clamor não tinham uma periodicidade fixa. Com exceção de
Jaime, que foi liberado de suas atividades na igreja para se dedicar ao Clamor, Jan e Luiz
Eduardo continuavam atuando como jornalista e advogado, respectivamente, e os três atuavam
como voluntários no Clamor. Os materiais eram feitos no tempo livre e a pressão foi
aumentando com o grande número de refugiados procurando por ajuda e denunciando diversas
atrocidades. De modo que, para conseguir atender as pessoas, muitas vezes o boletim ficava em
segundo plano e sua produção foi diminuindo com o passar do tempo. Entre 1978 e 1985, foram
produzidos 17 boletins111.

Para se ter ideia da importância de uma iniciativa aparentemente simples como essa em
plena ditadura – a de imprimir um boletim de quatro páginas, mimeografar e encaminhar para
tantos endereços fora do Brasil – vale registrar um dos casos destacados em um dos números
do Clamor, o das crianças Anatole e Vicky.

ANATOLE E VICKY: O MILAGRE

Em julho de 1979, o Clamor viveu o seu auge. O caso mais importante de sua história,
pela repercussão e o simbolismo. Duas crianças sequestradas na Argentina por policiais
uruguaios foram encontradas em Valparaíso, no Chile, pela atuação do Clamor112. Anatole e
Vicky foram “levadas de volta ao Uruguai após o assassinato de seus pais e depois transportadas
por superfície do Uruguai, atravessando a Argentina, entrando no Chile e atravessando os
Andes, e descendo até a cidade costeira de Valparaíso. Na noite de 23 de dezembro de 1976,
elas foram abandonadas na praça O'Higgins daquela cidade, de onde foram levadas a um
orfanato.” (WRIGHT, 1989)
A história de Anatole e Vicky parece o roteiro de um filme emaranhado de fatos. O
Clamor recebeu a carta da avó das crianças e Jaime, impressionado, apresentou o caso a Jan e
Luiz Eduardo em uma das reuniões. A avó dizia que as crianças tinham sido escondidas elos

111
Entrevista de Jan Rocha à autora, 06/11/2014
112
Para mais detalhes sobre o caso ver: RIBEIRO, Helcion (organização). Paulo Evaristo Arns - Cardeal da
Esperança e Pastor da Igreja de São Paulo. São Paulo: Edições Paulinas, 1989
109
pais dentro de uma banheira, num banheiro, que foi coberta por uma tábua. Logo depois teve
início um tiroteio e os pais foram mortos. A polícia entrou no banheiro, descobriu as crianças e
elas foram levadas. A carta trazia esses detalhes e duas fotos.
Em Dom Paulo, um homem amado e perseguido, detalhei a história de Vicky e Anatole.

As crianças eram filhas de um casal que morava em Buenos Aires e era filiado
ao Partido Victoria del Pueblo (PVP), do Uruguai. A polícia uruguaia
atravessou o Rio do Prata em busca dos militantes do PVP, invadiu a casa
onde estavam e os assassinou. Anatole, 4 anos, e Vicky, 1 ano e meio, foram
levados pelos soldados. Atravessaram os Andes e chegaram à cidade de
Valparaíso, no Chile, no dia 23 de dezembro de 1976. Os policiais
abandonaram as crianças na praça O’Higgins durante a madrugada. Elas
foram encontradas por chilenos que logo perceberam, pelas roupas que
vestiam e pelo sotaque, tratar-se de estrangeiros. Os dois foram entregues a
um orfanato e lá ficaram, até serem adotados pelo casal Larrabeit, um dentista
e uma professora, que se encantaram com Vicky. Como a garota se recusou a
ir sem o irmão, resolveram adotar os dois. (SYDOW; FERRI, 1999)

Greenhalgh defendeu que o caso fosse divulgado no boletim Clamor, inclusive com as
duas fotos que a avó havia mandado para o grupo. “Vamos publicar: ‘Crianças uruguaias
desaparecidas na Argentina’. Fizemos um boletim e publicamos, aliás, publicamos não só
dessas duas crianças, mas de outras crianças que a gente tinha recebido. Publicamos no Clamor
e mandamos. Nós tínhamos 500, 500, 500 exemplares em português, espanhol e inglês,
respectivamente”, conta Greenhalgh113.
Esse boletim foi lido por uma assistente social que passava férias em Caracas, na
Venezuela, e havia visto as crianças em Valparaíso. Ao observar as fotos no Clamor, ela as
reconheceu e fez contato com refugiados do PVP em Caracas.

Estes fizeram com que a notícia chegasse a refugiados uruguaios em São


Paulo e, depois, ao Clamor. Os coordenadores do Clamor resolveram checar
a veracidade da informação. Eles consideravam que, se a história fosse
verdadeira, estariam diante de um milagre. Uma uruguaia do PVP que se
refugiara no Brasil e conhecia os pais das crianças se ofereceu para ir incógnita
a Valparaíso. O Clamor pagou a viagem, e ela retornou dias depois com a

113
Entrevista de Luiz Eduardo Greenhalgh à autora, junho/1998
110
confirmação. De fato, estavam diante de um milagre. (SYDOW; FERRI,
1999)

A notícia chegou ao Clamor cerca de um mês e meio depois de o caso ser publicado no
boletim. Jaime foi quem anunciou o milagre aos demais. Os três decidiram falar com o cardeal
Arns, e disseram que gostariam de ir ao Chile checar a história. Dom Paulo se preocupou em
saber com qual contato eles contariam, e a resposta de que Belela Herrera, do Acnur Chile, seria
um ponto focal, uma vez que Belela já considerava haver um colégio de adoção de crianças
sequestradas no país. Informaram que o escolhido para ir era Luiz Eduardo, ao que dom Paulo
respondeu: “por que não vai um jornalista junto, um jornalista brasileiro?” O aspecto
divulgação era uma preocupação também para dom Paulo. Arns e Wright entendiam que a
imprensa era sempre um braço importante no trabalho de realizar as denúncias de violação de
direitos. Faziam questão de incluir um jornalista sempre que possível para documentar e depois
escrever matérias ou releases para veículos de comunicação.
O escolhido para acompanhar Greenhalgh ao Chile foi Ricardo Carvalho, repórter da
Folha de S. Paulo que vinha cobrindo a Cúria de São Paulo e se tornou um jornalista de
confiança do cardeal. Wright vai articular outras ações de divulgação com Ricardo Carvalho ao
longo dos próximos anos, dentro da estratégia da Teologia das brechas. Luiz Eduardo e Ricardo
chegaram a Santiago em meio à tensão da ditadura de Augusto Pinochet. Greenhalgh relembra
o quanto era pesado o clima no país e como custou aos dois aquela estada. “Chegamos à noite.
Tinha toque de recolher, tudo policiado. Fomos para o hotel e ficamos em quartos contíguos.
Meia hora depois, alguém bate na minha porta e é o Ricardo. Ele disse: ‘Luiz, vamos dormir
juntos, no mesmo quarto, porque, se acontecer alguma coisa com um, o outro fica sabendo.”114
Esse conflito acompanhou os dois brasileiros ao longo do dia seguinte, quando foram a
Valparaiso, junto com Belela Herrera, até o colégio onde estavam as crianças. O que se viu
depois foi uma sucessão de fatos que levaram o caso a ser considerado um prodígio.

Eu nunca mais vou esquecer isso, a fisionomia das crianças no pátio, nós lá
em cima. Era um colégio quadrado de dois andares, então aqui tem um
corredor em toda a volta do colégio, como se fosse um mosteiro. Em baixo as
crianças brincando. Eu, o Ricardo Carvalho e a Belela Herrera e o diretor do
colégio, um padre. As crianças são aquelas lá. Eu nunca esqueço, os dois
irmãos. Não tinha dúvida de que eram as crianças que nós tínhamos recebido
a denúncia. Por mim, já teria pegado as crianças ali. Mas aí tinha um problema.
Essas crianças estavam sendo adotadas por um casal cujo marido, o homem,

114
Entrevista de Luiz Eduardo Greenhalgh à autora, junho/1998
111
era dentista. Elas estavam no processo de adoção e você tem um tempo para
contestar a adoção. Nós chegamos lá numa quinta-feira à noite. Nós vimos as
crianças na sexta e o prazo de contestação da adoção terminava na segunda-
feira. Você acredita em milagre? Eu estou descrevendo um milagre. Isso é um
milagre. Como é que uma avó no Uruguai manda uma carta para São Paulo
com as fotos dos dois netos, um grupo em São Paulo publica num boletinzinho
e espalha 1.500 cópias no mundo, e uma moça na Venezuela vê, manda uma
resposta para São Paulo dizendo estão no Chile?

Aí nós vamos interromper o processo da adoção. Problema: eu sou advogado


brasileiro, eu não posso advogar no Chile. Então nós compramos livros da lei
de menores em espanhol e fomos para o escritório de um advogado chileno.
Pedimos para o advogado chileno fazer uma petição para o juizado de menores
interromper a adoção. O advogado não quis. Eu fui obrigado a ditar para o
advogado, o advogado aquiesceu de assinar. Eu, que nunca tinha ido ao Chile,
não conhecia o direito chileno nem nada, sentado ali, isso levou horas, cinco,
seis horas, uma petição de duas folhas, eu lendo a legislação sobre a adoção,
sobre o direito de família, sobre o pátrio poder, sobre o código de menores em
espanhol. Fiz uma petição que eu ditei em português e a Belela Herrera
soletrava em castelhano e quando o advogado chileno não concordava ele
queria mudar e a Belela me explicava... Então, a gente preparou a petição para
dar entrada na segunda-feira de manhã no juizado de menores para dizer que
a avó quer interromper a adoção. Fomos no domingo na casa do dentista,
vimos as crianças de perto. O dentista e a mulher dele era um casal que não
podia ter filho e o dentista e a mulher agressivos. Vocês vieram aqui e querem
interromper essa adoção. Nós amamos as crianças e vocês são todos
subversivos, nós vamos resistir a isso. Foi uma conversa desagradabilíssima.
A Belela era uma pessoa diplomática, dizia que a petição era apenas para não
se operar definitivamente a adoção, mas não era interesse da avó recuperar as
crianças, vamos depois fazer um acordo, mas as crianças têm avó.

Na segunda-feira picamos a mula para São Paulo. Vamos embora que nós já
estamos fazendo hora-extra aqui. Nos arrumamos e subimos no avião. Porque
a gente podia ser preso e desaparecia mesmo115.

Ao chegarem em São Paulo, os dois se dirigiram diretamente à casa do cardeal e


contaram o que havia acontecido. Jaime, Arns e Jan se iluminaram diante dos fatos. Os dois
brasileiros foram ao centro do furacão, mexeram com o processo, chegaram até o casal e
voltaram sem ser pegos. Era a adrenalina à qual os membros do Clamor passaram a viver. Jaime,
especialmente, do alto de seus dois metros aparentes de calma, vibrava ao pensar em
estratagemas para burlar a ditadura. Jan Rocha sugeriu que fosse feita uma entrevista coletiva
da avó para a imprensa. Jaime sugeriu coletivas simultâneas em São Paulo e Santiago do Chile
sobre a localização das crianças. Ele recebeu um telefone do cardeal de Santiago, Raúl Silva

115
Entrevista de Luiz Eduardo Greenhalgh à autora, junho/1998
112
Henriquez, querendo que Wright fosse ao Chile para conversarem sobre as entrevistas.
(WRIGHT, 1989) A coletiva na própria sala do cardeal na cúria foi concorrida, com a presença
em peso dos integrantes da Comissão Justiça e Paz, altamente respeitada por seus juristas
renomados, e de toda a imprensa nacional e de correspondentes estrangeiros.
O caso Anatole e Vicky tornou o Clamor conhecido no mundo inteiro quando o assunto
era defesa de direitos humanos no Cone Sul. Imaginava-se que, para alcançar tal feito, a
instituição tivesse uma grande estrutura, com muitos funcionários e um grande prédio para
guardar tal acervo. À época, o Clamor resumia-se a cinco pessoas e um espaço improvisado
para reuniões na casa de Jan ou na paróquia do Jaguaré.
Para Greenhalgh, o Clamor foi a mais efetiva entidade latino-americana de direitos
humanos nesse período. “Nós fomos os primeiros a divulgar uma lista de torturadores, nós
fomos os primeiros a localizar uma lista de desaparecidos, nós tínhamos trabalho, nós tínhamos
criatividade.” A criatividade aliada ao trabalho pode ser uma das definições da chamada
teologia das brechas propagada por Wright.

DESAPARECIDOS NA ARGENTINA

Em artigo que integra o livro Paulo Evaristo Arns - Cardeal da Esperança e Pastor da
Igreja de São Paulo, organizado por Helcion Ribeiro em 1989, o reverendo Jaime Wright
analisou, de forma bastante crítica, a atuação da Igreja na Argentina, ao mesmo tempo em que
trata do contexto de publicação do livro Desaparecidos na Argentina, outro projeto ousado sob
a responsabilidade do Clamor que divulgou, em dezembro de 1982, uma lista com os nomes de
7.291 pessoas desaparecidas naquele país por razões políticas, e cuja divulgação teve
repercussão internacional. O livro indicava o nome completo da pessoa desaparecida, a data de
nascimento, profissão, o local onde tinha sido presa, onde tinha desaparecido e onde,
possivelmente, tinha sido morta. Em seu texto, Wright reproduz uma reportagem da revista
Veja, com a qual o pastor mantinha relação cordial, especialmente com alguns de seus
repórteres e editores, de quem, inclusive, era fonte para reportagens sobre Igreja e ditaduras
militares.
A revista semanal Veja, normalmente hostil a dom Paulo, abriu o setor
internacional de sua edição de 26/1/83 com um alentado artigo sobre ‘O dossiê
dos horrores’.

113
Relata a Veja: 'Ao receber o arcebispo de São Paulo, cardeal Paulo Evaristo
Arns, na primeira audiência da manhã da última segunda-feira, o papa João
Paulo II poderia estar agindo de maneira rigidamente protocolar. Afinal, os
cardeais, príncipes da Igreja, levam regularmente ao monarca católico notícias
do seu rebanho. Mas quando o cardeal dom Paulo entrou na biblioteca do
apartamento pontifício, onde aconteceu a audiência, trazia nas mãos um
volumoso e delicado problema diplomático. O livro ‘Desparecidos na
Argentina’ referia-se a ovelhas desgarradas de rebanhos de outros príncipes -
mais especificamente, da conservadora Igreja Católica argentina. Pelos rituais
da rigorosa diplomacia da Santa Sé, teria havido uma intromissão de dom
Paulo em assuntos com os quais nada tinha a ver. Mas o Vaticano claramente
optou por apoiar o cardeal brasileiro, numa querela até então mantida em
sigilo com a ala majoritária da Igreja argentina.
O surdo atrito com dom Paulo, agora revelado, vem de setembro de 1979 e se
confunde com a história da preparação do dossiê dos 7291 desaparecidos, na
verdade pessoas assassinadas por diversos serviços de repressão política - a
maioria deles argentinos. Naquele mês, atendendo a pedidos de familiares de
desaparecidos argentinos, o cardeal Arns e o pastor presbiteriano Jaime
Wright celebram um culto ecumênico. "Porque a Igreja entende que os direitos
humanos são universais", disse o reverendo Wright no culto, "repele a ideia
de que haja direitos humanos 'nacionais' e exclusivos a um determinado país".
Essa homilia lida na Igreja da Consolação, no centro de São Paulo, acabou
sendo ouvida também na Argentina. Imediatamente, o cardeal Raúl
Primatesta, o mais popular dos três cardeais argentinos, mandou uma carta a
dom Paulo, descrita por aqueles que a viram como 'malcriada'. Primatesta
protestava pelo fato de o culto ter sido realizado 'sem prévia anuência do
episcopado argentino' e de ter sido lida uma homilia 'cheia de distorções e
exageros'.
Essa reação era esperada. Na Argentina, um dos raros países onde o
catolicismo ainda é religião oficial de estado, boa parte do clero silenciou ante
flagrantes violações dos direitos humanos e, em alguns casos, até mesmo
absolveu completamente os militares de crimes notórios. No final do ano
passado (1988), por exemplo, o cardeal Aramburu, primaz da Argentina,
declarou, contra evidências públicas, que em seu país não existiam cemitérios
clandestinos e que 'muitos dos chamados desaparecidos vivem tranquilamente
na Europa'.

114
(...) Em julho do ano passado, numa reunião ecumênica em Caxias do Sul, no
Rio Grande do Sul, um argentino explicou como o acanhado escritório do
CLAMOR, na Cúria Metropolitana de São Paulo, no bairro de Higienópolis,
acabou se transformando no destino mais confiável para as denúncias de
desaparecimento: 'Na Argentina, quando temos uma denúncia desse tipo,
daquelas que é preciso procurar o bispo para reclamar, procuramos o nosso
cardeal, que é dom Paulo'." (RIBEIRO, 1989)

Para divulgar o audacioso livro Desaparecidos na Argentina, além de chamar a


imprensa para uma entrevista coletiva, Wright e Arns organizaram um culto ecumênico na
igreja da Consolação em memória dos desaparecidos no país vizinho, inclusive, a pedido dos
familiares das vítimas. A homilia lida no culto em São Paulo também foi lida em igrejas na
Argentina, o que levou os bispos conservadores daquele país a reagirem fortemente contra a
Igreja de São Paulo. “O cardeal Arns recebeu uma carta muito brava do cardeal Raúl Primatesta
sobre esse culto ecumênico. Eu vi a carta. Ela mostra porque os refugiados procuravam dom
Paulo. O bispo dos argentinos era dom Paulo, não era nenhum argentino, porque as portas da
cúria aqui estavam sempre abertas”116, lembrou Wright 20 anos depois.

A homilia foi publicada n íntegra no boletim Clamor e distribuída para o mundo inteiro
em inglês, espanhol e português. Um exemplar da revistinha chegou à Divisão de Informações
do Departamento de Ordem Política e Social (Deops) e foi objeto de relatório dos agentes da
repressão, registrando que o culto foi dirigido por dom Fernando Penteado, bispo-auxiliar de
São Paulo, e por Jaime Wright – responsável também pela adaptação e leitura do Pai Nosso da
América Latina, originalmente escrito pela exilada guatemalteca Julia Esquivel. O chamado
Culto Ecumênico da Esperança trazia uma homilia forte.

Milhões de lares latino-americanos estão vazios de familiares sequestrados


pelas forças da repressão. Tais familiares “desapareceram”, em consequência
da diabólica tecnologia repressiva aperfeiçoada por tiranos blasfemos que
desrespeitam os mais simples princípios humanitários, quebrando
repentinamente a própria Palavra de Deus.

116
Entrevista de Jaime Wright à autora,, abril de 1998
115
Centenas desses desaparecidos são crianças. Algumas sequestradas com seus
pais; outras nascidas nas prisões. Todas com o direito inalienável de
conviverem com seus legítimos familiares.
O presépio montado nesta Igreja pretende representar a realidade de milhares
de famílias espalhadas pela América Latina que choram a ausência de seus
filhos. A ausência do Menino Jesus neste Presépio nos convida a refletir sobre
a degradação moral que se abateu sobre o nosso continente. É triste, sim. Mas
o Natal nos faz lembrar nossa fidelidade ao Deus que, na pessoa de Jesus
Cristo, venceu a morte, legando-nos, para sempre, a Esperança de Vida117.

A liturgia Vamos andando, preparada pelo Clamor em espanhol e lida ao final do culto
era um choro emocionado pelas crianças que perderam os pais nas mãos dos agentes de
repressão na Argentina, e representava um ato de coragem no enfrentamento ao que vinha
ocorrendo no Cone Sul, incluindo o Brasil.

Por todos los chicos que sueñan y cantan


Por todos los chicos que esperan
Por los que recuerdan
Por todos aquellos que un día
Despertan solos
En un mundo extraño
Por la mano tierna que busca otra mano
Y que no la encuentra
Por los grandes ojos que aprenden la angustia
De las madrugadas
Por los cuentos de hadas
Que ya nadie cuenta
Por los solitarios de las calles tristes
Por los que se quedan de pronto em silencio
Mirando una puerta
Junto a una ventana
Y hay una pelota olvidada y quieta
Y hay una muñeca dormida en la falda
Por los que interrogan com toda mirada
A la vieja abuela

117
Relatório da Divisão de Informações do Departamento de Ordem Política e Social (Deops), 27/12/1981
116
O a la dulce hermana
Por los que conversan com mamá en secreto
y le inventan juegos
como si estuviera
o se ponen serios y dicen las cosas
que papá diría
Por los que recorren semana a semana
un itinerario
de muros hostiles, de gestos extraños
com una sonrisa que tiembla en los labios
y aplastan la ñata contra un vidrio helado,
contra un duro vidrio que solo atraviesan
las voces del alma
la luz de los ojos que encuentran otros ojos
la palabra viva que enciende y renueva
su flor, su esperanza
Por todos los chicos que sueñan y cantan
Por todos los chicos que buscan
De noche una estrella
En el alto cielo
Por todos los chicos que esperan
La hora del sol
Por todos ustedes SEGUIMOS ANDANDO.

O prefácio de Desaparecidos en la Argentina foi rascunhado por Jaime Wright, e


revisado e assinado por dom Paulo Evaristo Arns. Foi um texto incisivo, carregado de
indignação e que chamava a atenção para a realidade de violação de direitos humanos presente
nos países do Cone Sul.

A reunião Internacional sobre Política de desaparecidos, realizada em Paris


no começo de fevereiro de 1981 chegou às conclusões que trata-se de um
crime sem prescrição, uma prática genocida, um delito contra a humanidade,
o desaparecimento de pessoas por motivos políticos. Tal prática exige uma
colaboração internacional para a identificação de seus autores e o rechaço
absoluto dos países que praticam a morte presumida. A política de
desaparecimento é um método de tortura que alcança não só as vítimas, como
também suas famílias. Quando as organizações internacionais indagam sobre
casos de desaparecidos, os países que praticam essa política não podem alegar
ingerência em seus assuntos internos.

117
Homens e mulheres, desconfiados da capacidade que as nações têm de
relembrar o passado, estão se reunindo repetidas vezes para reiterar os
princípios morais e éticos que fundamentam o relacionamento entre povos
civilizados.

Motivados pelo temor de um novo “holocausto” (como aquele ocorrido na


Alemanha de Hitler), destes encontros surgiram, em menos de duas gerações,
doze instrumentos universais de caráter tanto geral quanto específico.

Os países do Cone Sul da América se colocaram entre os que mais infringem


pactos, declarações e convenções internacionais sobre direitos da pessoa
humana, de acordo com a ONU, em suas sessões em Genebra.

Os governos militares que controlam nosso continente passaram à


especialidade de ignorar compromissos assumidos diante das comunidades
nacionais e internacionais, proclamando que a doutrina de segurança nacional
é mais importante que qualquer instrumento internacional que vise o respeito
e a proteção da pessoa humana. Reafirmando cinicamente tradições
humanitárias-liberais-democráticas e cristãs que levaram seus países a
firmarem os acordos.

As contemporâneas encarnações de Hitler passaram a menosprezar os acordos


internacionais e a história vai se repetindo consequentemente e drasticamente.

Os governos no Cone Sul passaram a seqüestrar pessoas de seus lugares, de


suas casas e de seus trabalhos; a usar a tortura como política repressiva, a
negar a familiares e amigos qualquer possibilidade de assistência ou defesa; a
ocultar ao público os nomes dos prisioneiros; a engendrar artimanhas
diabólicas para fazer desaparecer seus prisioneiros depois de serem
assassinados seus verdugos; a mentir a nação a Deus e ao mundo sobre o
destino dos prisioneiros. A prática do Evangelho, os sentimentos de
humanidade e os acordos internacionais foram abandonados pelos governos
da América Latina.

O Clamor - Comitê de Defesa dos Direitos Humanos no Cone Sul - publica


em edições especiais as violações dos direitos humanos na Argentina, no
Paraguai, Bolívia e Chile.

Torna-se necessário dar ao público o conhecimento da realidade, não


necessariamente para que nos horrorizemos com a constatação da frieza a que
se rebaixaram os homens que abandonaram princípios, mas para que
reforcemos nossa firme disposição de fazer todo o possível para que essa
ignomínia não se repita jamais em tão sofridos países do nosso Cone sul.

A solidariedade e a defesa dos direitos humanos eliminam todos os tipos de


fronteiras - geográficas, políticas, ideológicas, religiosas, sociais, econômicas,
raciais...- buscamos pois a soberania da paz e da justiça para todos.
(CLAMOR, 1982)

118
Pela importância histórica do livro-denúncia, é possível entender tamanha repercussão
que a obra alcançou em âmbito internacional, com reportagens feitas em diversos países. Além
disso, o livro e sua lista de desaparecidos serviu de fonte para os documentos oficiais da
Comisión Nacional sobre la Desaparición de Personas – Conadep, criada por Raúl Alfonsín em
15 de dezembro de 1983, após assumir a presidência da Argentina118.

OUTRAS BRECHAS

A teologia das brechas seguia sendo praticada e disseminada por Jaime e seus
companheiros. O padre canadense Roberto Grandmaison passou a utilizar a estratégia de forma
sistemática para ajudar pessoas perseguidas que chegavam em sua paróquia procurando ajuda.
Ele captava a lógica utilizada pelo Clamor em suas ações e aplicava nas situações que apareciam
para resolver.

Foi assim que Grandmaison, ao saber da visita do ex-primeiro ministro do Canadá,


Pierre Elliot Trudeau, ao Brasil, em janeiro de 1981, resolveu buscar uma forma de conseguir
um encontro para fazer denúncias. Em entrevista que fiz com Grandmaison em 1998, ele contou
que corria um boato no Canadá de que Trudeau queria ser secretário das Nações Unidas e estava
fazendo uma viagem pela America Latina para conhecer melhor a realidade de países do Cone
Sul, sendo São Paulo uma de suas paradas. À época Trudeau era um político de destaque
internacional e Grandmaison conseguiu fontes que o informara sobre o interesse dele em
discutir a situação dos direitos humanos com setores da sociedade brasileira. Numa reunião do
Clamor, sugeriu que abrissem uma brecha para falar com o político. O grupo entendeu que não
conseguiriam, mas Grandmaison insistiu e soube que haveria um almoço com Trudeau no Hotel
Hilton, para o qual bastava comprar convites. Ele e os colegas do Clamor compraram seis
convites, e escolheram uma mesa ao centro, próxima daquela onde ficaria o canadense.
“Pretendiam entregar um documento no qual definiam a concepção do Clamor sobre os direitos
humanos e qual diálogo queriam travar: a exploração dos países da América do Norte sobre os
países do Sul.” (SYDOW; FERRI, 1999)

118
Para mais informações e documentos relativos à Conadep, ver Archivo Nacional de la Memoria, disponível
em https://www.argentina.gob.ar/anm/fondosdocumentales
119
Quando retiraram os pratos para servir a sobremesa, o padre falou para os
companheiros que era a hora. Levantou-se, passou ao lado da mesa, ficou bem
à frente do canadense e o cumprimentou em francês. Os seguranças ficaram
atentos, mas quando o padre se identificou como membro da Ordem de Santa
Cruz [Grand-Maison sabia que ele conhecia a Ordem e aproveitou a
oportunidade], eles se retiraram. Conversaram quase cinco minutos sobre a
importância daquele documento.
– Estou aqui para entregar um documento para o senhor. Esta é a nossa
concepção do diálogo norte-sul. O senhor faça o que bem entender com isto.
O ex-primeiro ministro leu o texto no instante em que o recebeu. Ao final do
almoço, ao discursar, Trudeau mencionou o conteúdo da carta. Depois, Grand-
Maison recebeu um comunicado da embaixada do Canadá, agradecendo a sua
presença no encontro. (SYDOW; FERRI, 1999)

Assim como fez com Trudeau, Grandmaison resolveu aceitar uma outra brecha, desta
vez inusitada. Ele recebeu o telefonema de um inglês responsável pela preparação da agenda
do príncipe Charles ao Brasil. Sem saber quem o indicou, o homem dizia que o nome de
Grandmaison foi apontado por alguém do Rio de Janeiro e que Charles gostaria de encontrá-lo.
Pensou que fosse um trote. Afinal, por que motivo o príncipe de Gales poderia se interessar por
um padre do Jaguaré? Fato é que meia hora depois dois homens apareceram no endereço em
que ele indicou que estava escutando o que Grandmaison fazia, o que pensava e sobre a situação
no Brasil. Além disso, fez uma visita com os visitantes até a favela onde morava e trabalhava.
E parece que os ingleses gostaram do que viram: um mês depois, o padre canadense recebeu
uma carta do Palácio de Buckingham, dizendo que ele estava convidado a almoçar no iate
Britania, em Belém do Pará, para discutir o que o empresariado poderia fazer para a sociedade
brasileira. Mas, por medida de segurança, ele não podia contar a ninguém. Grandmaison
resolveu abrir uma exceção para os amigos do Clamor. Expôs o convite e foi encorajado a
aceitar. A equipe do Clamor queria saber o que se falava no meio empresarial sobre o Brasil.
Só colocou uma condição aos enviados do príncipe: “vou como estou; nada de gravata e paletó”.

A notícia acabou sendo divulgada pelos jornais: seriam quatro banqueiros, executivos
de algumas empresas e um padre os convidados de Charles. Grandmaison concedeu diversas
entrevistas para contar o que aquele padre, com os seus pés de sandálias, pretendia falar durante
o almoço. Ele respondia que falaria sobre a realidade do povo e da realidade da Igreja do Brasil.
A bordo do avião particular do Banco Safra, todos tinham curiosidade para saber quem era o

120
padre que estava no grupo. Ao longo do almoço, questionado sobre diversos temas,
Grandmaison pontuava:

– Nós estamos vivendo numa sociedade capitalista, então, sejam capitalistas civilizados.
Sejam capitalistas que façam produzir a sociedade, e não capitalistas especuladores. O
capitalista que investe na produção ajuda, realmente, a fazer progredir um país. O capitalista
que bota o dinheiro na bolsa especula, perde os anéis, os dedos e o braço. (SYDOW; FERRI,
1999)

Quando disse isso, o inglês que esteve na favela escutou e lhe fez um sinal
positivo. Grand-Maison continuou, explicando que o empobrecimento da
população estava aumentando e que isso estava criando muitas dificuldades
para a justiça e fraternidade. O príncipe Charles pediu para que o padre
repetisse no final o que havia dito. Grand-Maison fez, então, um apelo para
que “realmente criassem condições de o capitalismo ser mais civilizado”. E
acrescentou: “Dar mais valor ao lucro do que à pessoa humana é uma atitude
condenável”.

UM POÇO DE MÁGOA

Jaime Wright deixou o Clamor em abril de 1984 de forma dolorosa. Para ele e para os
demais integrantes do grupo. De 1978 a 1984, ele pôde exercitar, junto aos companheiros de
Clamor, diversas possibilidades da teologia das brechas. “Há uma série de coisas que a gente
fez, em termos de estratégia, dentro da teologia das brechas, para promover a democratização,
não só no Brasil, mas nos países vizinhos.”119 Ao deixar a entidade, reconheceu: “Foi dificílimo
deixar o Clamor, porquanto suas atividades foram, para mim, uma escola permanente sobre a
realidade latino-americana.”120

O Clamor, na visão de Wright deveria ter uma preocupação pastoral não paternalista, e
deveria desaparecer por completo o mais cedo possível, pois isso significaria uma ou ambas as
coisas: 1) a vigência plena dos direitos humanos nos países do Cone Sul; ou 2) a existência de
grupos em cada país que já estavam tendo plena liberdade de lutar contra as violações desses

119
Entrevista de Jaime Wright à autora, abril de 1998
120
Jornal O São Paulo, 27 de abril a 3 de maio de 1984

121
direitos121. Em abril de 1984, segundo Wright, grupos afins ao Clamor estavam em plena
atividade na Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai, o que justificaria o encerramento
de suas atividades, de acordo com Jaime.

Não se sabe se essa convicção pesou na saída um tanto inesperada de Jaime do grupo.
O fato é que o argumento usado por ele para se desligar do Clamor pareceu um pouco
exacerbado diante de tantas passagens significativas que aquele coletivo havia experimentado.
Mas Jaime era um apaixonado pelas causas que abraçava. E o Clamor tornou-se, certamente,
uma das mais importantes delas. Dito isso, vamos contextualizar o que houve a partir da
documentação disponível no arquivo de correspondência do próprio Jaime.

Segundo a carta assinada por Jan Rocha, Luiz Eduardo e Michael Mary, datada de 12
de julho de 1983, a desavença começa com críticas duras de Jaime ao fato de o grupo ter retirado
de sua casa, sem comunicá-lo, o acervo de documentos do Clamor. Na ocasião, Jaime estava
nos Estados Unidos para uma temporada de quatro meses, onde ajustaria parcerias
internacionais e a continuidade das atividades de sua Igreja. Na carta, eles dizem que precisaram
retirar os documentos do Clamor para ocupar uma sala que haviam conseguido. Além disso,
citam os convites feitos para Fermino Fechio e Thereza Brandão integrarem o Clamor, uma vez
que o “Clamor precisava ser ampliado”, deixando entender que Jaime não gostou por não ter
sido consultado. E também citam a realização de um congresso, afirmando que estão ansiosos
pelo retorno de Jaime. Ao final, escrevem: “Jaime, irmão querido, pedimos que você volte em
breve. De bem. E sem nos ‘puxar as orelhas’.”122

A resposta de Wright veio no dia 7 de agosto, repleta de críticas. Respondendo ao


comentário de que o pastor os havia magoado, Jaime comentou: “Fiz, nas referidas cartas, duas
constatações: (a) Vocês levaram as coisas do CLAMOR da minha casa sem um ‘Dá licença?’;
(b) Vocês escolheram e convidaram dois novos membros para a equipe do CLAMOR sem um
‘Que acha você?’ Magoados, vocês? E eu?! Chorei, admito, ao constar que, apesar de ter-lhes
dado a cada um o meu endereço e telefone nos EE.UU., vocês nem sequer se deram ao trabalho
de me consultar – telefonando, ou telegrafando, ou escrevendo.” A respeito dos convites feitos
a Fermino e Thereza, Wright foi enfático: “Tanto o Fermino quanto a Thereza são sobejamente
conhecidos pelo seu espírito prestativo e serviço desinteressado sem segundas intenções. Eles
estariam prontos a cumprir tarefas – assim como Marco Aurélio Ribeiro e Fernando de Morais
o fizeram – sem ser membros do CLAMOR. Aceitando o argumento, porém, de que a

121
Entrevista de Jaime Wright à autora, abril de 1998
122
Carta do Clamor, de 12 de julho de 1983
122
integração deles no CLAMOR não podia esperar quatro meses, repito: onde o espírito de equipe
para me telefonar, mesmo que fosse uma consulta pro forma? Vocês não tinham o direito de
criar entre eles e mim esta situação extremamente desagradável e totalmente desnecessária.”123

Além de pontuar as respostas aos companheiros do Clamor, Wright elenca uma série de
assuntos que seriam pauta de uma conversa sua com o cardeal Arns. Primeiro, sobre sua
situação profissional – Jaime fora cedido pela Igreja Presbiteriana para desempenhar suas
atividades na Arquidiocese, mais especificamente junto ao Clamor e deveria decidir junto a
dom Paulo como ficaria a sua situação se deixasse o grupo, mesmo continuando a ser o
procurador no Brasil da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos; o que ele chamou de
“compromisso ecumênico”, pontuando que nos quatro meses que havia passado nos Estados
Unidos deu diversos testemunhos sobre o que o grupo estava fazendo, por meio da Igreja
Católica, na América Central e no Cone Sul; e, por último o seu trabalho no Clamor. Nesse
ponto, as suas colocações são mais voltadas para as questões de sustentabilidade do grupo:

(...) Direi a ele que continuaremos a evitar qualquer estruturação ou


contratação de pessoal que nos leve a usar fundos para administração em vez
de projetos concretos. Na minha pessoa, em última análise, o CLAMOR já
tem um funcionário de tempo integral;

Lembrarei a ele que o segredo de jamais nos faltarem verbas para nossos
projetos tem sido a diminuta despesa administrativa, maior atrativo para as
agências, entidades e pessoas que nos apoiam;

Vou sugerir a necessidade de mudar o tesoureiro do CLAMOR (...)

A carta era um poço de mágoa. E em 15 de janeiro de 1984 veio outro golpe pela pena
de Wright. Ele escreveu o texto O fracasso ecumênico – reflexão inédita a propósito do
quinquenário do CLAMOR. Jaime começa o documento sem firulas – como era o seu estilo –,
dizendo que o bom relacionamento entre os membros do Clamor já andava comprometido pelo
“mandonismo confesso de uma religiosa norte-americana, cujas atitudes subvertem o espírito
ecumênico mais bem intencionado”. Jaime observa que, “por ironia do destino”, fora ele
próprio quem indicou o nome dela para substituí-lo durante o seu trabalho fora do Brasil, entre
janeiro e junho de 1979. Referia-se à irmã Michael Mary Nolan. Na sequência, desfia uma série
de descontentamentos com o modo como o Clamor vinha desenhando a sua forma burocrática

123
Carta de Jaime Wright, de 7 de agosto de 1983
123
de organização – e para qual, segundo Jaime, ele não estava sendo consultado. As brigas entre
Wright e os demais integrantes do Clamor passaram a ser insolúveis. Ele termina o texto
afirmando-se decepcionado e obstinado e dizendo que “não descarta a possibilidade de que seu
‘desconfiômetro’ esteja quebrado e que seja ele, na realidade, o maior responsável pelo
fracasso” do Clamor.

Jan Rocha escreve sua “Carta aos companheiros da equipe do Clamor”, de 8 de fevereiro
de 1984, em que faz diversas críticas ao documento O fracasso ecumênico. Ela diz que Jaime
fez a reflexão dominado pela raiva e amargura. Ele responde dizendo que foi pela tristeza e
decepção. Na resposta que escreveu à jornalista, fica subentendido que ele entendia que o grupo
deveria ter conhecimento dos balancetes anuais e que os doadores deveriam receber
informações sobre como eram empregados os recursos, entre outros assuntos. São 15
comentários ácidos. No penúltimo deles, Jaime se despede do grupo de forma dolorosa: “Para
mim não sobrou outra alternativa senão a de pegar o meu boné e procurar, com a graça de Deus,
outra freguesia onde eu possa exercer minha vocação pastoral ecumênica com maior
autenticidade.”124

Em 31 de março de 1984, Wright fez um documento no qual responde a duas perguntas


a respeito da doação do acervo do Clamor que serviu de base para o livro Desaparecidos en la
Argentina para a Conadep, que também tornou-se polêmica entre ele e os demais membros.

A.Por que sou a favor da transferência imediata do nosso fichário e respectivo


acervo para a “Comisión Nacional sobre la Desaparición de Personas”:

1.Porque é um pedido feito pela própria “Comisión Nacional”;

2.Porque D. Paulo está a favor;

3.Porque tal fichário e tal acervo não nos tem sido de nenhuma utilidade
prática desde a publicação do nosso livro em dezembro de 1982;

4.Porque – nas raras vezes em que nos solicitaram informes complementares


– as fichas não continham nenhuma informação além das que já constavam no
nosso livro;

124
Carta de Jaime Wright, de 18 de fevereiro de 1984
124
5.Porque tal fichário e tal acervo será de maior utilidade para os argentinos na
Argentina, os quais poderão conferir e corrigir com dados e informações mais
atualizados do que nós possuímos;

6.Porque a imediata transferência incondicional para a Argentia poderá


comprovar, aos que ainda pensam ao contrário, que inexiste, na realidade, a
pretensão hegemônica contida em nosso nome original: “Comitê de Defesa
dos Direitos Humanos PARA OS PAÍSES do Cone Sul”.

B. Porque sou contra fotocopiar o fichário e respectivo acervo:

1.Porque o nosso projeto terminou, não com a sua publicação do nosso livro
como também pelas novas circunstâncias na Argentina;

2.Porque não somos um centro de documentação;

3.Porque é mais correto que as entidades argentinas assumam inteiramente


esta tarefa específica;

4.Porque serão inúteis os gastoscom fotocopiadora, com móvel apropriado, e


com funcionário qualificado – porquanto resultarão em nenhum benefício
prático.

Em 13 de abril de 1984, Wright entrega oficialmente ao grupo Clamor o que ainda


restava com ele de seu trabalho como tesoureiro, como talões de cheque, além de uma versão
do livro Desaparecidos en la Argentina com correções feitas, e alguns outros documentos. Com
essa entrega, considerou-se “definitivamente desligado do grupo Clamor como membro”,
salientando que informaria o fato às agências financiadoras, grupos e pessoas que os apoiavam
financeiramente. Isso viria a gerar um problema com os apoiadores, uma vez que era Jaime o
responsável por grande parte dos apoios internacionais.

Com esse desfecho, estava encerrada, sem volta, aquela relação. Jaime faleceu em maio
de 1999, sem que o assunto fosse retomado. Em recente entrevista, Greenhalgh falou desse mal
estar: “Isso foi um arrependimento meu e da Jan também. O Jaime ficou de mal, conversei com
ele duas vezes depois sobre isso. Mas morreu de mal. Esse é um sentimento ruim meu, porque
é um dos meus melhores amigos. É uma coisa ruim, porque ele acabou falecendo sem a que a

125
gente tivesse podido voltar a ter uma amizade como tinha. É meu irmão. Senti muito, mas acho
que ele se arrependeu, mas não deu o braço a torcer também.”125

Para Samarone Lima, algo havia se rompido na relação de confiança que sustentava o
grupo (LIMA, 2003). “Naquele momento, vinham à tona pequenas desavenças que já estavam
se acumulando havia algum tempo. Frases não ditas, ressentimentos contidos, os inevitáveis
problemas internos de um grupo humano que agia no calor da hora.” (LIMA, 2003)

Lima, estudioso da história do Clamor, ponderou em sua obra que o conflito teve início
mesmo com a entrada de novos integrantes, sem que ele tivesse sido consultado. “Intimamente,
sentia-se como relegado ao segundo plano, mesmo estando à frente da ideia desde o primeiro
momento.” O fato desencadeou uma mágoa profunda e o pastor não conseguiu lidar com ela.

Para Derval Dasílio, o papel de Jaime Wright em iniciativas como as desenvolvidas pelo
Clamor foi fundamental para os protestantes. Wright, em suas palavras, é o “mais destacado
personagem da recente história do presbiterianismo ecumênico” e “amava o presbiterianismo e
o ecumenismo proféticos”126. De fato, Wright era um apaixonado pelas ações ecumênicas que
se mostravam possíveis e que ele arquitetava sozinho ou em parceria. O Clamor era uma dessas
iniciativas e teve de Jaime a sua mais profunda dedicação. E a sua saída em situação tão tensa
teve uma grande dose de paixão. A partir dali, ele se jogaria de cabeça em um outro projeto de
importância crucial para a história do seu país: o Brasil Nunca Mais.

125
Entrevista de Luiz Eduardo Greenhalgh à autora, 29/03/2019
126
DASÍLIO, Derval. Sobre a legitimidade presbiteriana da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil – de Ashbel
Green Simonton a Jaime Wright). Disponível em: https://eclesiasticos.files.wordpress.com/2018/12/sobre-a-
legitimidade-presbiteriana-unida-do-brasil-2.pdf. Acesso em 02/04/2019
126
Fonte: Jornal ABC Color, 09/12/1983

127
Fonte: Centro de Documentação e Informação Científica – CEDIC/PUC

128
129
130
131
Cartões distribuídos para divulgar o desaparecimento de crianças na Argentina durante a
ditadura militar. Neste, a pequena Clara Anahi Mariani, arrancada da família aos três meses.

Fonte: Serpaj/Argentina

132
Jaime Wright (em pé) e dom Paulo Evaristo Arns (de óculos) participam de evento dos cristãos pelos
direitos humanos na América Latina.
Fonte: Serpaj/Argentin

133
A menina Paula Logares é uma das crianças encontradas – e que haviam desaparecido durante
a ditadura militar na Argentina – com a ajuda da equipe do Clamor.
Fonte: Serpaj/Argentina

134
Matéria de O Estado de S. Paulo destaca que dom Paulo Evaristo Arns lançou uma campanha
em 1979 para a localização de 100 crianças que desapareceram em decorrência das ditaduras
militares nos países do Cone Sul. A campanha também divulgou a lista de crianças
sequestradas.

Fonte: O Estado de S. Paulo, 18/08/1979

135
Capítulo 4
PARA QUE A MORTE NÃO TENHA A ÚLTIMA PALAVRA

Com seu trânsito internacional fortemente estabelecido e a capacidade de articulação


de redes, o papel de Jaime Wright foi fundamental na organização do projeto Brasil: Nunca
Mais127. Wright passou os seis anos de realização clandestina da iniciativa entrando no Brasil
com dinheiro na cintura, trazido de Genebra, por meio do apoio que conseguiu do Conselho
Mundial de Igrejas, sem ser pego. Foram 350 mil dólares. Nada mal para um casal de
missionários protestantes – Jaime, em geral, viajava com a esposa, Alma Wright, uma
americana delicada e elegante, de fala mansa e sorriso largo. Com o vasto material já
disponível sobre a realização do Brasil: Nunca Mais (BNM), a proposta deste capítulo não é
esmiuçar o processo por meio do qual foi produzido o dossiê, mas tratar de forma mais
aprofundada a atuação de Wright na coordenação e divulgação do BNM em âmbito nacional
e internacional, e a articulação feita por ele para que o projeto fosse acolhido em diferentes
universidades, como a Universidade Estadual de Londrina, assim como tivesse repercussão
em âmbito internacional.

Em 1979, com os sutis sinais de uma mudança de cenário político no Brasil – ainda
sob a direção dos militares, mas com uma forte campanha pela “anistia ampla, geral e
irrestrita”, realizada pelo Comitê Brasileiro pela Anistia –, setores da sociedade entendiam que
a memória do que estava ocorrendo no país desde 1964, com o golpe militar, não poderia se
perder. Os processos localizados nos arquivos do Superior Tribunal Militar (STM) continham
grande número de informações sobre pessoas presas, torturadas e mortas e alguns advogados
que já atuavam na defesa de presos políticos se atentaram para isso. Escrevi sobre esse
processo com detalhes na biografia de dom Paulo Evaristo Arns:

Para o STM, em Brasília, eram enviados e arquivados todos os processos dos


12 tribunais estaduais espalhados pelo país. Os militares tinham o registro
sistemático de tudo o que faziam. Anexavam aos processos tudo que dizia

127
Sobre a produção do projeto Brasil Nunca Mais há amplo material. Uma das principais fontes é o livro de
Lawrence Weschler, jornalista norte-americano que fez um dossiê sobre os bastidores do BNM: WESCHLER,
Lawrence. Um milagre, um universo. São Paulo: Companhia das Letras, 1990
136
respeito ao prisioneiro: fichas, material de panfletagem apreendido,
declarações e confissões. Para seguir o protocolo e criar uma situação de
legalidade e dever cumprido as autoridades submetiam as declarações aos
presos para que eles as assinassem. Aproximadamente um terço dos
processos instaurados eram julgados.
Foi graças a esse meticuloso trabalho de registro que uma grande parte do
que aconteceu nos porões da ditadura militar foi preservada. Os advogados
de presos políticos tinham acesso aos processos, que podiam ser retirados e
devolvidos no prazo de 24 horas. Muitos recorriam ao arquivo em busca de
informações complementares para a elaboração de petições de anistia para
seus clientes. (SYDOW; FERRI, 1999)

Ao ter acesso a esses processos, os advogados Eny Raimundo Moreira e Luís Eduardo
Greenhalgh procuraram por Jaime Wright para pensarem em como aproveitar esses dados.
Jaime ouviu e ficou de pensar. Logo após, foi ao aeroporto junto com Charles Harper receber
o educador Paulo Freire, que retornava do exílio após 15 anos. Wright contou a Harper sobre
a conversa com Eny e Luiz Eduardo, e que os processos poderiam ser utilizados como memória
viva das atrocidades cometidas pelo regime militar. (SYDOW; FERRI, 1999) Resolveram
conversar com dom Paulo Evaristo Arns e pedir que ele fosse a retaguarda para aquela
iniciativa. Antes, porém, de dentro do Fusca onde se encontravam, escreveram a carta que
solicitava ao Conselho Mundial de Igrejas recursos financeiros para o trabalho. Quando
chegaram à Cúria, já apresentaram ao cardeal a carta que ele deveria assinar, pedindo apoio
ao CMI, bem como a ideia da construção do dossiê. Jaime conhecida bem dom Paulo, que era
um homem prático e objetivo. Se a carta já chegou pronta à reunião é porque ele tinha
segurança de que dom Paulo aceitaria ser o guarda-chuva para a iniciativa e também já iria
querer saber quais eram os próximos passos da estratégia. Arns leu a carta, endereçada ao
secretário-geral do CMI, Philip Potter, e assinou de imediato. Harper levaria a missiva a
Genebra.

Saudações e melhores votos ao Sr. e seu staff acompanham esta carta. Foi
enorme o prazer de conhecer e conversar com o Sr. durante sua recente visita
a São Paulo.
O assunto desta carta deve permanecer confidencial, dadas as suas
implicações.
Através do Brasil, nos tribunais militares, há uma abundância de material que
consubstancia 15 anos de repressão, contidas em centenas de processos.

137
Além disso, existem muitas outras declarações informais em meu poder e
com outros grupos de Igreja.
Uma equipe profissionalmente competente está sendo montada para reunir,
cotejar e publicar esse material.
A atual “abertura democrática” poderá oferecer a única oportunidade de
acesso ao referido material e para a sua preservação. Isto significa,
naturalmente, que deveríamos realizar este projeto o mais breve possível.
Achamos que as Igrejas precisam tomar a iniciativa para assegurar que,
através da publicação desse material, tais coisas não aconteçam nunca mais.
Instamos ao Conselho Mundial de Igrejas, por conseguinte, que aceite a
tarefa de levantar a proporção maior dos fundos necessários, através dos seus
membros, numa base confidencial.
Após a conclusão do projeto, esperamos usar quaisquer equipamentos
comprados para atividades similares na Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo. (SYDOW; FERRI, 1999)

Rapidamente, Potter respondeu que a arquidiocese poderia contar com o apoio do CMI
e logo chegaram os primeiros U$ 25 mil para o projeto que recebeu, inicialmente, o nome de
Testemunhas Pró Paz (TPP). Contando com essa parceria, foi contratada equipe e uma sala
em Brasília, próxima ao edifício onde funcionava o Superior Tribunal Militar. O pequeno
espaço só dispunha de três máquinas fotocopiadoras e, naturalmente, não possuía nenhuma
placa de identificação. (SYDOW; FERRI, 1999)
Foi nesse espaço que os advogados do TPP - Luís Carlos Sigmaringa Seixas, Luís
Eduardo Greenhalgh e Eny Raimundo Moreira – fotocopiavam os processos em um prazo de
até 24 horas. Depois passaram a pedir ajuda para outros advogados amigos, que também
retiravam os processos para cópia.

Sigmaringa Seixas era responsável pelo trabalho em Brasília. Coordenava a


retirada das pastas do arquivo e a fotocópia delas. Durante três anos pegaram
os processos do Superior Tribunal Militar. Os administradores do arquivo
estavam desconfiados e resolveram cancelar a licença de retirada de material,
informando que os processos tinham sido devolvidos para os arquivos
estaduais de origem. A essa altura já haviam copiado cerca de 90% do
material e, como não tinham cancelado as licenças dos arquivos estaduais,
puderam concluir o trabalho enviando pessoas aos estados onde se
encontravam os processos e lá fizeram as fotocópias.
Por segurança, acharam conveniente não deixar nada em Brasília. Todas as
138
fotocópias seguiram para São Paulo. Essa tarefa ficava sob a supervisão de
Luís Eduardo Greenhalgh. O material era encaixotado e enviado de ônibus à
noite. Alguém se encarregava de pegá-lo na estação rodoviária. Depois
passaram a enviar de avião, utilizando companhias aéreas diferentes. Era
mais rápido e mais seguro.
Com a chegada de todas as fotocópias a São Paulo – mais de um milhão de
páginas, cópias de todos os processos existentes no arquivo do Superior
Tribunal Federal -, o projeto entrou em uma outra fase. (SYDOW; FERRI,
1999)

O grupo conseguiu emprestada uma máquina de microfilmagem com uma professora


da Universidade de São Paulo e as cópias foram microfilmadas uma a uma. O grupo conseguiu
um espaço no Instituto Sedes Sapientiae. Madre Cristina, que apoiava a causa dos perseguidos
políticos e era responsável pelo Sedes, abriu espaço para o grupo, mesmo sem saber
inteiramente do que se tratava. Ela confiava no trabalho de Luiz Eduardo e aquiesceu. Ficaram
por lá até que passaram a desconfiar de um segurança noturno que os observava trabalhando.
Diante do receio de que os rolos poderiam ser localizados pela repressão, Jaime levou esse
acervo, em seguidas viagens, para Genebra, afim de ficarem sob a guarda do Conselho
Mundial de Igrejas. Em sua mala, Wright transportava cerca de cem rolos por viagem, assim
como voltava com cerca de U$ 20 mil dólares em notas de cem para sustentar a continuidade
da pesquisa no Brasil. Utiliza-se de um voo que saía do aeroporto de Viracopos, em Campinas,
sem conexão no Rio de Janeiro, para a Suíça128.
Foi contratado um rapaz da área de processamento de dados, que criou um programa
com uma espécie de questionário com dados como idade, sexo, profissão, atividades, lugares
onde esteve preso, nomes de agentes de segurança, investigadores, juízes, promotores e
julgamento. Para preencher o formulário a partir dos processos foi contratado um grupo de
pessoas, e uma mulher em especial era quem retirava dos processos os depoimentos sobre
tortura. Nenhuma dessas pessoas sabia para que serviria todas aquelas informações. Por
sugestão do jornalista Paulo Vannuchi, esses dados foram separados por tópicos, em 12
volumes e 6 tomos, num total de 6.891 páginas, e foram intitulados “Projeto A”. Vannuchi foi
o responsável por fazer um breve resumo de cada um dos 707 processos que abarcava a
pesquisa. Mas tudo era feito de forma que ninguém na equipe sabia, por exemplo, de onde
vinha o recurso, ou no que aquele trabalho resultaria e tampouco quais eram as outras pessoas

128
Entrevista de Jaime Wright à autora, abril de 1998
139
envolvidas. A regra era ninguém perguntar nada, e a qualquer pergunta a resposta pronta era:
só sabemos que isso está sob responsabilidade de dom Paulo. Essa era, inclusive, a resposta
que Jaime dava ao grupo ao ser questionado. (SYDOW; FERRI, 1999)
Toda a coordenação do projeto ficava a cargo de Wright. A equipe, sob a batuta de
Luiz Eduardo Greenhalgh. Foram cerca de 35 pessoas no grupo. Jaime tinha os detalhes na
ponta da língua:

Tínhamos preocupações. Justamente quando esses jovens estavam fazendo


esse serviço de digitação, nós descobrimos a falta de um dos processos.
Alguém foi lá nas estantes procurar esse processo e não encontrou.
Descobrimos que um dos funcionários que estava trabalhando com alguns
papéis descobriu que ele ou um parente estava nesse processo e, sem falar
com ninguém, levou esse processo para casa. Quando descobrimos isso, foi
uma decisão rápida. No mesmo dia, nós mudamos outra vez de local e
quando esse funcionário voltou, no dia seguinte, descobriu que não estava
mais ninguém lá e que ele estava despedido. Aconteceu três vezes por
problemas de segurança e nós tomamos ações drásticas. Graças à
Arquidiocese de São Paulo, que tem, em termos imobiliários, opções
fantásticas, nós conseguimos de um dia para o outro com dom Paulo um novo
local para irmos.
Alugávamos um caminhão, enchíamos o caminhão com tudo e, de
madrugada, nos instalávamos em outro lugar. Aconteceu três vezes: a
primeira vez porque nós vimos um policial nas cercanias do local onde a
gente estava trabalhando e não sabíamos se era por isso ou por aquilo, mas
não esperamos para descobrir; simplesmente, saímos de lá e fomos para um
outro lugar. Depois, aconteceu esse caso do processo que sumiu e no terceiro
lugar a gente comprou telefone para utilizar só de dentro para fora, mas um
dia o telefone tocou de fora para dentro do nosso número e o pessoal levou
um susto tão grande que, naquela noite, mudamos outra vez. Fomos terminar
o projeto lá no seminário do Ipiranga. Utilizamos umas salas que dom Paulo
nos ajudou a conseguir e nem o diretor do seminário e os estudantes ficaram
sabendo o que é que estávamos fazendo lá.
Até hoje tem algumas pessoas não querem que o nome seja divulgado. Eles
ainda estão com o que eu chamo de "paranóia remanescente". Eles ainda têm
medo, desconfiam que os militares estão nos bastidores querendo voltar e, se
voltarem, eles serão os primeiros a ser reprimidos. Nós só divulgamos alguns
nomes com a licença das pessoas. Por exemplo, tem uma professora da USP

140
que tomou emprestado da USP o aparelho de microfilmagem. A USP não
ficou sabendo, mas esse aparelho de microfilmagem ficou à nossa disposição
o tempo todo. Nós utilizamos isso para microfilmar todo o material, todo o
acervo; somou 538 microfilmes e só depois que terminamos a
microfilmagem ela devolveu o aparelho para a USP. Pessoas que assumiram
riscos desse tipo para não ter que explicar para ninguém. A USP nunca se
deu conta. Ninguém estava precisando fazer microfilmagem naquela
época...129

OS PROJETOS “A” E “B”

No projeto A existem seis tomos. O Tomo I é intitulado “O regime militar”, e traz


dados introdutórios para compreender a repressão política do período estudado. Está
distribuído entre os seguintes temas: 1) antecedentes do regime militar; 2) a ruptura; 3) as
instituições jurídico-políticas no regime militar; 4) a doutrina do regime militar; 5) estrutura
do aparelho repressivo; 6) a legislação de segurança nacional; além dos nomes dos políticos
cassados em ordem alfabética. O Tomo II abordou a pesquisa Brasil Nunca Mais, com seus
instrumentos de pesquisa e fontes, e foi dividido em dois volumes, sendo no primeiro as
relações de nomes dos denunciados, indiciados, testemunhas e declarantes; e no segundo as
relações de nomes dos envolvidos em torturas, em prisões e cercos, e com participação em
repressão a movimentos de massa; com participação em diligências, investigações e dos
membros de escolta; daqueles que atuaram como médicos legistas e declarantes de óbitos; dos
que atuaram como encarregados de IPMs e escrivãos de IPMs; colaboradores e informantes;
membros dos órgãos de repressão e dos Conselhos de Justiça. No Tomo III é apresentado o
perfil dos atingidos. No IV, são apresentadas as leis repressivas, ou a repressão excedendo a
lei e a estrutura repressiva. O Tomo V é dividido em quatro volumes. Três deles em torno do
tema “tortura” – o que é, como evoluiu na história, pessoas que denunciaram tortura,
modalidades nos processos, população atingida, caracterização dos torturados, tipos de tortura
e dependências onde ocorreram, números por estado e as transcrições de 1.843 depoimentos
com denúncias sobre torturas. O quarto, com informações sobre mortos e desaparecidos
políticos desde 1964. O último tomo traz um inventário dos anexos.
Na apresentação do material do Projeto A, Wright - que não assina o texto, embora o
acervo do BNM traga o rascunho que ele escreveu – procura informar que aquele material,

129
Entrevista de Jaime Wright à autora, abril de 1998
141
envolvendo o período de abril de 1964 a 15 de março de 1979, ao contrário de muitos outros
sobre a repressão política em diversos países, não se baseava em material subjetivo. E usou a
análise de Michel Foucault em Vigiar e punir para referenciar o trabalho baseado em
documentos oficiais.

No Brasil, assim como em outros países, a questão da repressão política é,


quase sempre, levantada, debatida e estudada a partir das denúncias dos
atingidos ou de relatos das entidades que se voltam para a defesa dos direitos
humanos. Apaixonados ou serenos, objetivos ou emocionais, unilaterais ou
equilibrados, são testemunhos que contribuem expressivamente para a
revelação de uma história oculta. Causam impacto e concorrem para
imprimir mudanças na realidade envolvente.
Mas esbarram quase sempre na resistência daqueles que levantam sua
suspeição como relatos não isentos.
A presente pesquisa teve um suporte distinto.
O PROJETO TESTEMUNHOS PRÓ-PAZ procurou estudar a repressão
militar-policial desencadeada nos 15 anos transcorridos entre as posses dos
generais Castello Branco e João Batista Figueiredo na Presidência da
República, a partir de fonte documental produzida pelas próprias autoridades
envolvidas na empresa.
A investigação de Michel Foucault sobre a relação entre processo penal,
punição mediante sevícias e vigilância carcerária ao longo da história, em
Vigiar e Punir, serviu também para sugerir uma pista extraordinária – e
inexplorada, no caso brasileiro – de estudos sobre a repressão oficial do
Estado. O pensador francês conseguira reconstruir a sistemática de repressão
de toda um época, na Europa, por intermédio da análise minuciosa de seus
registros judiciais130.

O imenso conteúdo de toda a pesquisa precisava chegar ao conhecimento da sociedade


no Brasil e no exterior. Para tanto, foi pensado um livro com as informações condensadas, mas
que davam uma significativa ideia do que havia sido apurado nos processos do STM. Esse
livro foi denominado Projeto B. Como bem escreveu Wright no que chamou de “Plano Geral
de Redação”, ao obra deveria ser uma espécie de avant- première do projeto A em linguagem
acessível. A orientação que Jaime deu nesse plano foi: “o trabalho de redação do livro ‘B’
deve se ater, basicamente, a resumir, na linguagem mais simples possível, os copiões que serão

130
Projeto Brasil: Nunca Mais. Apresentação do Projeto A, Jaime Wright - Acervo Conselho Mundial de Igrejas
142
produzidos pelo projeto TPP. Será, mais ou menos, como reduzir um filme épico de dez horas
de duração num documentário de vinte minutos, acompanhando o roteiro original.”131 Para
escrever os capítulos, foram chamados o frade dominicano escritor Frei Betto e o jornalista
Ricardo Kotscho. A obra foi intitulada Brasil: Nunca Mais, baseada em um outro livro
argentino, Nunca Más.
O desafio seguinte foi distribuir as cópias do projeto A para instituições brasileiras e
estrangeiras, bem como conseguir uma editora que aceitasse publicar o livro Brasil: Nunca
Mais. Dom Paulo entendia que a editora deveria ser leiga para descolar a iniciativa da Igreja.
Jaime, então, procurou por algumas editoras, entre elas a Brasiliense. Caio Graco Prado, o
editor, mesmo reconhecendo a importância do trabalho, não aceitou publicar, avaliando
represálias. (SYDOW; FERRI, 1999) Foi assim que Arns pediu uma reunião com o frei
Ludovico Gomes de Castro, diretor da Vozes, portanto, uma editora religiosa. Após ouvir todo
o relato sobre o que envolvia o livro, resolveu conversar com o frei Leonardo Boff, que ainda
era frei e editor da Vozes. Todas as conversas foram feitas sob sigilo. Boff ficou exultante:
– Este não só se transformará em um dos livros mais importantes da história brasileira
como também passará a haver uma história antes da publicação e outra depois. (WESCHLER,
1990)
Só colocaram uma condição: que dom Paulo assinasse um documento se
responsabilizando pela obra em caso de algum incidente, o que ele fez sem titubear. Depois
de cinco anos servindo de apoio a uma iniciativa tão arriscada, dom Paulo considerava uma
vitória terem conseguido chegar àquele momento de tornar público tamanho acervo sobre a
repressão militar no Brasil. Logo ele que era conhecido como um dos principais inimigos do
regime militar. O Brasil: Nunca Mais serviu para que a ira sobre o cardeal só aumentasse por
parte dos agentes da repressão.

TORTURE IN BRAZIL

Como bom articulador que era, Jaime Wright passou a atuar em duas frentes quando
todo o projeto estava pronto e a Vozes preparava a obra para lançamento no Brasil. Ele se
preocupava em distribuir cópias do Projeto A para instituições de reconhecida trajetória
acadêmica e de pesquisa. Ao todo, foram reproduzidas 25 coleções de 12 volumes cada do
Projeto A, para serem doadas a entidades de direitos humanos, pesquisa e documentação. Em

131
Documento datilografado e assinado de Jaime Wright, com o título Proposta para o livro “B” doprojeto
TPP, de 21/6/1984
143
carta endereçada a dom Paulo no dia 1 de junho de 1987, portanto pouco tempo depois da
redemocratização, Jaime dava conta da entrega dos acervos para as seguintes instituições:

No Brasil
1) Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisas em Ciências Sociais
(ANPOCS), Campinas;
2) Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI), São Paulo;
3) Centro de Pastoral de Comunicação (PACOM), Santo André;
4) Centro Salesiano de Documentação e Pesquisa, Barbacena;
5) Cúria Metropolitana de São Paulo;
6) Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo;
7) Grupo Tortura Nunca Mais, Belo Horizonte;
8) Grupo Tortura Nunca Mais, Recife;
9) Grupo Tortura Nunca Mais, Rio de Janeiro;
10) Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Estado do Rio de Janeiro;
11) Universidade Estadual de Londrina;
12) Universidade Federal Fluminense, Niterói.

No exterior
13) Abuelas de Plaza de Mayo, Buenos Aires;
14) Asamblea Permanente de Derechos Humanos, La Paz;
15) Columbia University, Nova York;
16) Conselho Mundial de Igrejas (Genebra);
17) Library of Congress, Washington.

Logo depois foram entregues para: Arquivo Metropolitano de São Paulo, Assembleia
Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, Servicio Paz y Justicia, Stanford University,
Texas University, Wisconsin University, Florida University e Toronto University.
Jaime mantinha o cardeal de São Paulo rigorosamente informado sobre tudo o que
acontecia em torno do Brasil: Nunca Mais. Enviava cartas periodicamente, em formato de
relatório, relatando todos os passos que eram dados em termos de preparação, divulgação e
trâmites administrativos acerca dos projetos A e B. Em âmbito internacional, ele era o principal
protagonista no processo de tornar o Brasil: Nunca Mais conhecido. Para isso, contava com
um forte rede de contatos, especialmente facilitada pelo Conselho Mundial de Igrejas. Wright

144
abria espaços para que dom Paulo aparecesse como porta-voz do BNM, ainda que ele mesmo,
Jaime, preparasse tudo, inclusive os discursos de dom Paulo. Arns confiava em Wright, na sua
perspicácia, na sua parceria e amizade. O cardeal assentia para as sugestões de Jaime em
âmbito internacional porque entendia o talento do pastor para as questões estratégicas de
divulgação. E quem conhece a trajetória de Arns sabe que não houve, ao longo de todos os
anos de convivência, nenhuma desavença nesse sentido. Quando Jaime propunha um evento a
dom Paulo, já convidava sabendo que seria aceito. Os dois tornaram-se irmãos ao longo da
vida. Arns e Wright falavam a mesma língua.
Foi assim, por exemplo, que ele apresentou ao cardeal uma proposta de viagem à China
para falar aos cristãos chineses. O portador do convite foi Eric Weingartner, uma das três
pessoas que acompanhavam o projeto TPP no Conselho Mundial de Igrejas, e que recebeu na
China a proposta dos cristãos chineses, que gostariam badly da presença de Arns naquele país
e ficariam terribly happy se ela acontecesse132. As palavras em inglês eram a forma como
Wright frequentemente se dirigia a dom Paulo, quando tratavam dos assuntos internacionais.
Curioso que, na sequência da palavra em inglês, Jaime sempre colocava a tradução em tom
bem humorado – ele sabia que dom Paulo dominava o idioma inglês, mas dava ao conteúdo
pesado das cartas um tom sempre espirituoso. O convite para falar na China veio de três
instituições: Center of Religious Studies/Nanking University, Institute for the Study of World
Religious e Chinese Academy of Social Sciences, e Wright sugeriu que o tema da fala de dom
Paulo fosse “A realidade da América Latina e o papel da Igreja”. O pastor comunicou que as
despesas para o cardeal e um acompanhante seriam pagas pelo CMI.
Outro resultado de suas articulações no âmbito internacional foi viabilizar a publicação
do livro Brasil: Nunca Mais em inglês pela editora Random House, com sede em Nova York.
Wright tratou com Robert Bernstein, um ativista dos direitos humanos e presidente do
Conselho de Diretores da editora, que pediu a Jaime apresentar os originais a Alfred Stepan.
O renomado cientista político norte-americano recomendou a publicação a Bernstein. Assim
o próprio Jaime ficou encarregado pela tradução do livro, revisado por Bill Wipfler, do CMI,
e editado por Joan Dassin. Com a publicação de Torture in Brazil, em 26 de setembro de 1986,
em Nova York, o objetivo era dar visibilidade internacional ao BNM e “assim neutralizar
qualquer ação de censura”, além de avisar ao mundo que o arquivo estava espalhado por várias
instituições e que seus microfilmes estavam guardados em local seguro na Europa.
A repercussão do BNM no Brasil e países vizinhos foi grande. O livro permaneceu na
lista dos mais vendidos da revista Veja por mais de 50 semanas consecutivas. Nos Estados

132
Carta de Jaime Wright a dom Paulo Evaristo Arns, em 02/05/1985
145
Unidos, o lançamento de Torture in Brazil foi tremendo. Existem nos arquivos guardados por
Jaime dezenas de reportagens realizadas pela imprensa americana sobre o projeto. A revista
New Yorker dedicou algumas de suas páginas, em artigo assinado por Lawrence Weschler, ao
processo como foi realizada a pesquisa no Brasil. O jornalista ficou tão impressionado que
depois preparou um livro sobre o processo de realização do BNM, sob o título Um milagre,
um universo, no Brasil publicado pela Companhia das Letras e, nos Estados Unidos, pela
Penguin Random House.
O pastor passou a ser o porta-voz do projeto mundo afora. Suas intervenções em
diferentes mídias – especialmente os jornais impressos e as publicações ligadas às igrejas –
passaram a fazer parte do seu trabalho diário. Jaime tornou-se um guardião daquele acervo e
fazia questão de consultá-lo sempre que o assunto era analisar o currículo de ocupantes de
cargos públicos com trajetórias suspeitas. Se o sujeito tivesse nos arquivos do BNM, Wright
vinha com unhas e dentes, sempre por meio de artigos ácidos, e expunha seu passado. Entendia
que, diante de tais dados, não podia se calar. E assim fazia. Tanto que seguiu sendo perseguido
pela repressão por muitos anos. A sua ficha no Deops mostra o quanto ficaram impressionados
os agentes com a divulgação do BNM.

No contexto de produção e lançamento dos livros Nunca Mais no Brasil, Uruguai e em


outros países da América Latina, Jaime escreveu o texto “O porquê e para quê do Nunca Mais”,
no qual faz um chamado ao não esquecimento do passado, bem ao seu estilo direto e de
linguagem acessível. O texto é uma ode à resistência.

Tomados na sua totalidade, os livros produzidos em cinco países do Cone


Sul nos dão uma série de razões motivadoras:
-é uma exigência elementar de injustiça por parte das vítimas;
- é nossa obrigação impedir por todos os meios que volte a acontecer o que
ocorreu nos períodos analisados;
- denunciar a “doutrina de segurança nacional” e o terrorismo do Estado;

- construir uma paz baseada não no esquecimento, mas sim na memória; não
na violência, mas sim na justiça;
- desarticular o mecanismo da impunidade;

- homenagem aos autênticos democratas que resistiram. Lutaram e


sofrearamnos confrontos com o totalitarismo;
- para que a morte não tenha a última palavra;

- para nos colocarmos em guarda contra um eventual retorno dessas etapas


146
horrorosas;
- criar uma consciência sobre a importância que tem o respeito à dignidade
das pessoas em qualquer situação;
- promover a defesa dos direitos humanos;

- restabelecer, pela verdade, os valores éticos de convivência social;

- denunciar, pela socialização da verdade, aqueles que cometeram crimes


contra a lei e contra a pessoa humana;
- afirmar que, através do julgamento de Deus, se produz a promessa de uma
fé libertadora e participativa;
- identificar, denunciar e eliminar as causas da pressão;

- servirá para fazer-nos compreender que unicamente a democracia é capaz


de preservar um povo de semelhante horror; que somente ela pode manter e
salvar os sagrados e essenciais direitos da criatura humana;
- manter a memória histórica do povo como um meio educativo permanente
para a humanização da sociedade nacional;
- fortalecer a rede de solidariedade internacional, especialmente no Cone Sul
das Américas;
- na véspera da celebração dos 500 anos de resistência, testemunhar que os
povos da América Latina continuam resistindo a todas as tentativas de tutela
e totalitarismo;
- “aqueles que não se lembram do seu passado estão condenados a repeti-lo”
(George Santayana)133

133
WRIGHT, Jaime. O porquê e para quê do Nunca Mais. In: ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO.
Projeto Brasil: Nunca Mais. São Paulo, 1995, 12 vol.
147
Fonte: Ficha de Jaime Wright no início dos anos 1980 - Arquivo Público do Estado de São
Paulo - Fundo Deops

148
Jaime Wright divulga o Brasil: Nunca Mais pelo mundo afora

149
Fonte: Acervo pessoal Jaime Wright

150
Fonte: Acervo pessoal Jaime Wright

151
Fonte: Acervo pessoal Jaime Wright

152
Parte III - A comunicação como estratégia de luta

Capítulo 5

O TEÓLOGO DAS BRECHAS

“Na luta pela justiça, aprendemos que a solidariedade não tem fronteiras - nem
geográficas, nem ideológicas, nem linguísticas, nem políticas, nem raciais, nem sexuais, nem
religiosas. E que entre os riscos que precisam ser tomados para demonstrar solidariedade está a
contestação do conceito de que a segurança nacional deve prevalecer acima das preocupações
humanitárias.” Com esta reflexão, Jaime Wright agradeceu por ter sido agraciado com o título
de doutor honoris causa pela Universidade de Dubuque, nos Estados Unidos, em 1988. A forma
como Jaime entendia o ecumenismo passava, necessariamente, pela ação prática. A
“solidariedade sem fronteiras”, que ele menciona, foi a tônica de sua atuação ao longo do seu
trabalho entre os anos de 1960 a 1999, quando faleceu. Jaime estabeleceu um eficiente trânsito
internacional e a sua capacidade de articulação de redes fez com que a sua participação fosse
fundamental em iniciativas ecumênicas estratégicas, especialmente durante as ditaduras
militares na América Latina.
Jaime tornou-se conhecido como bispo-auxiliar honorário de dom Paulo Evaristo Arns,
encarregado de direitos humanos e relações internacionais, tamanha a aproximação que o pastor
presbiteriano tinha com o cardeal da Igreja de São Paulo. Ele costumava dizer que esse era um
fato inédito. Com seu amplo trânsito internacional, especialmente nos Estados Unidos e na
Europa, tendo em vista sua proximidade com o Conselho Mundial de Igrejas, além de pertencer
à cúpula da Igreja Presbiteriana Unida dos Estados Unidos, Jaime tornou-se eficiente em
relações internacionais não apenas para denunciar a situação brasileira, mas de outros países,
como Argentina, Chile, Uruguai e Paraguai. Era considerado uma ponte com a Igreja
progressista do Brasil por militantes dos direitos humanos nestes lugares. Não à toa, o quadro
que enfeitava a parede da mesa onde trabalhava Adolfo Perez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz,
no Serviço Paz e Justiça da Argentina era uma foto de mais de um metro de Jaime Wright. Ele
passou a se envolver diretamente no trabalho de apoio aos refugiados, por meio da Comissão
Arquidiocesana de Pastoral dos Direitos Humanos e Marginalizados de São Paulo e era quem

153
conseguia boa parte do recurso financeiro necessário para a ajuda aos latino-americanos em
São Paulo, pelos seus contatos com organismos de cooperação internacional. Além disso,
quando não era ele mesmo o foco dos convites para ajudar a criar estratégias de apoio a
militantes políticos, Jaime era quem representava o cardeal em boa parte das vezes em que era
solicitado apoio para casos mais extremos de perseguições nos países vizinhos.
Foi assim, por exemplo, no caso de Guilhermo Escolástico Ovando, que já havia
cumprido 21 anos de prisão no Paraguai, apesar de ter sido condenado a 15 e sendo de 20 anos
de reclusão a pena máxima permitida pela lei paraguaia. Em dezembro de 1983, Jaime foi a
Asunción acompanhado por Charles Harper, pastor, amigo de longa data que ocupava o cargo
de diretor do Programa de Recursos para Direitos Humanos para a América Latina no Conselho
Mundial de Igrejas, para entregar uma carta de solidariedade do cardeal Arns à esposa de
Ovando, Sofía Torres, e tentar sensibilizar o governo a respeito do caso de Escolástico Ovando.

Harper sublinhava nas reuniões que fizeram no Paraguai que sua presença era para levar
a representação das Igrejas em âmbito mundial ao caso. Ovando estava havia 25 dias em greve
de fome quando Wright e Harper o visitaram. Na viagem, à imprensa, Jaime dizia que “ceder e
tornar-se flexível não é jamais, não deve jamais ser tomado como sinal de fraqueza, mas sim
de força; porque somente os fortes podem ceder algo”134. Oscar, um dos filhos de Ovando,
refletiu junto a Wright e Harper: “Esperamos que com a visita de vocês isto possa ter
transcendência mundial porque, como se sabe aqui, dentro do país o limite se acabou. Pedindo
justiça estamos todos os dias, mas esta justiça não se vê. Com a vista de vocês, esperamos que
o meu pai esteja conosco na festa de Natal.”135

Charles Harper, em parceria com Wright, alertava que o caso seria denunciado em
âmbito internacional. “Vamos levar relatórios dos familiares de Ovando para várias instâncias
internacionais que estão por dentro do caso, para que saibam de sua situação atual, de sua saúde,
de sua situação carcerária.” Wright chegou a assinalar em entrevista ao jornal paraguaio ABC
Color: “Te digo com segurança que hoje pessoas de todos os países do mundo estão
pressionando por meio de telegramas ao presidente e ao ministro do interior daqui. Estão vindo
milhares de telegramas de vários países, de várias entidades religiosas, civis, sindicais. Tudo
para fazer com que o governo paraguaio veja que a comunidade está escandalizada com esse

134
Jornal ABC Color, 09/12/1983
135
Idem
154
assunto, de uma pessoa que cumpriu sua sentença e tem que esperar quem sabe quanto tempo
para receber sua liberdade.”

Junto com o amigo, Jaime utilizou-se da estratégia que o acompanhou a vida inteira para
pressionar o governo paraguaio: concedeu uma série de entrevistas para veículos de
comunicação de várias origens, no Paraguai, no Brasil e nos Estados Unidos; escreveu artigos
e ajudou a desencadear o movimento que levou à libertação de Ovando em 1984.

A estratégia de levar a carta de dom Paulo para Sofía Ovando em Asunción e chamar a
atenção dos meios de comunicação para o caso repercutiu na imprensa paraguaia. A carta foi
publicada na íntegra, em página inteira, no jornal ABC Color, com direito a foto de Wright
entregando a carta para Sofía. Por outro lado, o jornal Patria, do partido do governo, fez duras
críticas ao cardeal de São Paulo. “O cardeal Arns cometeu o mesmo erro fanático de um ataque
indiscriminado e irracional, ao invés de apelar ao único digno e possível: a invocação não da
justa condenação já cumprida, mas sim da regeneração do condenado pela aceitação da justiça
do castigo.”136

Wright e Harper foram a Asunción munidos de vasta documentação. O arquivo pessoal


de Jaime sobre esse assunto inclui ofícios e relatórios – alguns confidenciais – que tratam do
drama de Ovando. São cartas do Comite de Iglesias para Ayudas de Emergencia, assinadas pelo
padre José María Blanch, com dados sobre a situação de direitos humanos no Paraguai; um
“dossiê especial sobre o caso Escolastico Ovando” da Asociación de Abogados
Latinoamericanos por la Defensa de los Derechos Humanos; cópias de ofícios da Anistia
Internacional para o presidente do Paraguai à época, Alfredo Stroessner, denunciando a greve
de fome de Ovando e outros presos; carta de apelo do Instituto de Estudios Politicos para
America Latina e Africa, para Charles Harper “con el ruego de que El Consejo se interesse por
la situación de dichos presos e interceda por su amnistía”137; notas confidenciais feitas por
membros do Comitê de Igrejas para difundir informações entre os amigos da instituição; além
de uma série de reportagens.

Jaime encontrou-se com o arcebispo de Assuncão e aproveitou para jogar a isca: "Eu
gostaria de levar de volta ao Brasil um convite do senhor para que dom Paulo venha aqui fazer
uma visita.” Assustado, o religioso paraguaio enviou o convite. No dia seguinte à sua chegada
ao Brasil, ao informar ao cardeal e São Paulo sobre o convite da Igreja de Assuncão, dom Paulo,

136
O Clamor, dezembro de 1983, no. 15
137
Carta del Comite Ejecutivo de Iepala, 16/12/1983
155
sozinho, pegou um avião para o país vizinho. Figura conhecida que era, ao passar pelo balcão
da companhia aérea, foi reconhecido e logo chegou ao Paraguai a notícia de que o cardeal Arns
estava a caminho de Assuncão. “Ao chegar no aeroporto, já tinha tapete vermelho e autoridades
para recebê-lo. Dom Paulo disse ‘estou aqui para conhecer os presos políticos que estão
sofrendo em tal lugar, há tantos presos... Nós tínhamos os dados e essas notícias não tinham
saído na imprensa; era a primeira vez que um cardeal visitava o Paraguai, por incrível que
pareça. Então, a imprensa se aproveitou da ocasião para divulgar, pela primeira vez, a situação
dos presos. A cadeia era a Emboscada.”138

Na visita, dom Paulo pediu uma lista com os nomes dos presos e o governo paraguaio
prometeu entregar, mas não cumpriu. Dom Paulo, com a ajuda de Jaime, então, resolver
denunciar. Sentindo a pressão da igreja de São Paulo e das embaixadas americana e alemã, com
a repercussão negativa na imprensa, o cárcere Emboscada foi fechado. Ovando foi libertado.
Essa era a forma que Jaime melhor entendia o ecumenismo: a solidariedade em ações concretas.

ABRE A TUA BOCA A FAVOR DO MUNDO, PELO DIREITO DE TODOS OS QUE


SE ACHAM EM DESOLAÇÃO (PROV.31:8) - A TÍTULO DE CONSIDERAÇÕES
FINAIS

A hipótese com a qual trabalho nesta tese é a de que a trajetória de Jaime Wright foi
erguida sobre o trinômio comunicador/mediador, articulador e teólogo das brechas. As duas
primeiras questões desencadeavam a terceira. Significa dizer que suas iniciativas no âmbito da
comunicação eram conjugadas com as de articulador ou mediador e, juntas, elas tornavam
possíveis as lacunas às quais ele denominava de teologia das brechas.

Não há trabalhos acadêmicos que trabalhem o conceito de teologia das brechas. Esta
definição de sua forma de atuação foi cunhada por Jaime para definir a sua trajetória de
intelectual da ação. Wright não era um homem de teoria, como podemos ver antes. Embora
tivesse uma formação acadêmica sólida, ele era um homem da prática. Era um articulador nato.
Um estrategista full time. Segundo Samarone Lima, para Jaime, a teologia das brechas se
definia como a ocupação de “brechas e lacunas deixadas pelas ditaduras, misturando ousadia,

138
Entrevista de Jaime Wright à autora, outubro, 1997
156
criatividade e uma percepção aguçada das oportunidades para denunciar as violações de direitos
humanos”. (LIMA, 2003). Nesse sentido, pode-se compreender a linha de atuação que Jaime
optou seguir dentro da Igreja.
Como comunicador, Wright pensava grande. Era articulista regular do jornal O São
Paulo, Folha de S. Paulo e Jornal do Brasil, além de ser fonte de informações da revista Veja
- grande parte das matérias de Veja entre os anos 1980 e 1990 tinham aspas de Wright, ou
tiveram pautas apuradas com sua colaboração. Mas mantinha publicações menos ambiciosas,
como os boletins do Clamor, da Agência Ecumênica de Notícias e da Fundação Samuel, da qual
se tornou diretor em 1990. Mas suas incursões nos meios de comunicação começaram muito
antes disso. Enquanto atuou no interior da Bahia, nos anos de 1950 a 1960, Wright era presença
frequente nos jornais locais, fosse em entrevistas ou artigos assinados. Jaime parecia se utilizar
da comunicação para que o ecumenismo se tornasse prática da Igreja. Magali Nascimento
Cunha trata em alguns de seus trabalhos da importância de a pastoral ganhar dimensão pública:

Anunciar os valores do Reino e sua justiça (que caminham na contramão de


todo individualismo, consumismo e exclusão), trabalhar em todas as frentes
para que a dignidade humana seja realidade (tendo como alvo a inclusão das
pessoas em todas as dimensões da vida pública) e viver e promover a
comunhão entre as pessoas e comunidades (desprezando toda a forma de
exclusão e discriminação de pessoas e grupos) são as formas de expressão da
fé pública e participação missionária. Crescimento numérico, presença na
mídia, representação parlamentar, hoje projetos tão caros a grupos cristãos na
América Latina, e outras formas de expressão na esfera pública, não estão
descartadas, podem ser consequência desse processo, mas não devem ser
condição ou finalidade para uma presença pública dos cristãos/cristãs139.

Para a autora, ganhar dimensão pública significa praticar a comunicação como plena,
abrangente, ecumênica e com olhos à inserção cristã nos espaços públicos plurais. (CUNHA,
2016) Pretendo utilizar a obra de Magali Cunha para contextualizar a importância da
comunicação na trajetória de Wright. Ele ajudou a pensar o lugar social da Igreja, por meio da
ocupação dos espaços públicos, por meio de diversos veículos, como fonte de informação,
artigos, cartas ou estratégias de comunicação para outros, e buscando a análise crítica de seus
passos e da Igreja da qual fazia parte.

139
CUNHA, Magali do Nascimento. Aproximações entre comunicação, ecumenismo e Teologia Pública: um
desafio pastoral. In: VON SINNER, Rudolf; PANOTTO, Nicolás (org.). Teologia Pública: um debate a partir de
América Latina. São Leopoldo: Faculdades EST, 2016
157
Assim foi, por exemplo, na série de artigos que escreveu em sua coluna “Conversando
sobre a América Central”, no jornal O São Paulo entre os anos de 1984 e 1985. Embora tenha
pautado os temas ligados às ditaduras em boa parte dos textos, Wright trazia colaborações
aprofundadas sobre o ecumenismo no mundo. Fez isso em todos os meios de comunicação que
ajudou a criar, como os boletins da Fundação Samuel, do Clamor e da Agência Ecumênica de
Notícias. Assim também fez em alguns relatórios e dossiês, como o que publicou na revista
Tempo e Presença, em dezembro de 1988, intitulado “Um roteiro para o futuro, agora”. Nele,
Jaime elenca e detalha uma série de ações que devem nortear o trabalho de entidades do
Primeiro Mundo para que os direitos humanos possam ser respeitados nos 40 anos da
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ele destacava a necessidade de as entidades do
Primeiro Mundo reconhecerem o direito de auto-determinação do Terceiro Mundo; de tomarem
passos concretos para a promoção da justiça no Terceiro Mundo; de reconhecerem que elas
contribuíram para a repressão no Terceiro Mundo, quando condicionaram os seus investimentos
e empréstimos a países, a “um clima político estável”; quando concordaram – pelo silêncio e
omissão - que esse “clima político estável” poderia ser alcançado pela repressão violenta,
especialmente dos trabalhadores, dos sindicatos, dos movimentos estudantis, dos partidos
políticos e das igrejas; entre outras.

É esse sentido de comunicação que é encontro, comunhão, verbal e não verbal,


interpessoal ou coletiva, que precisa se realizar plenamente (não pode se
resumir à transmissão de ideias), pois implica o outro e uma relação autêntica
com ele. Por isso, ao se relacionar comunicação, ecumenismo e fé pública se
faz emergir o desafio pastoral de trabalhar na formação de cristãos/cristãs
humanizados, que consigam desenvolver relacionamentos mais densos; que
busquem aquisição de conhecimento que valorize a diferença; que
reconheçam a diversidade como componente da vida em sociedade; que sejam
inter-ativos e produzam narrativas críticas e respeitosas, que não sejam meras
repetições do que é recebido. (CUNHA, 2016)

Como dito antes, Jaime cunhou e teve êxito em sua estratégia de utilizar os meios de
comunicação como instrumento de luta. Seu hábito de guardar, de forma altamente organizada,
todos os recortes que eram publicados sobre todos os assuntos que diziam respeito ao seu
trabalho, especialmente aqueles citavam o seu nome, formou um arquivo monumental: são
milhares de páginas com registro desde os menos conhecidos veículos até reportagens que

158
tiveram repercussão em âmbitos nacional e internacional. Apenas para ilustrar essa afirmação
destaco as duas grandes reportagens feitas pela revista norte-americana The New Yorker em
maio e junho de 1987, respectivamente, sendo apenas a primeira delas com 17 páginas, tendo
Jaime como personagem central. Juntas, somaram mais de 25 páginas. Um destaque que
mereceu nota da revista Veja, e que demonstra como foi bem-sucedida essa habilidade que
Jaime desenvolveu de manter a imprensa ao seu lado, sem desmerecer a importância que ele,
defensor de causas sociais, teve como sujeito das ações:

O pastor presbiteriano brasileiro Jaime Wright foi descrito na semana passada


como tendo a fisionomia impenetrável de um jogador de pôquer. Mesmo
assim, Wright ficou muito satisfeito com as descrições. Afinal, ele foi o
personagem central de uma reportagem de dezessete páginas publicada na
revista The New Yorker, uma das mais respeitadas dos Estados Unidos. Wright
é o tradutor da edição americana do livro Brasil: Nunca Mais, tema da
reportagem. “Fiquei impressionado com a precisão e o cuidado de The New
Yorker ao conferir os dados que passei ao jornalista Lawrence Weschler”, diz
o pastor. A revista também já pecou por excesso ao conferir dados de outros
artigos. Certa vez, um repórter escreveu que uma determinada pessoa havia
morrido. O encarregado da conferência descobriu que ele estava vivo, mas o
artigo demorou tanto a ser publicado que, quando saiu, a pessoa já havia
morrido140.

As matérias traziam um longo perfil de Jaime e destrincham o processo de produção do projeto


Brasil Nunca Mais, além do martírio de Jaime em busca de seu irmão Paulo Stuart. As longas matérias
foram um ensaio para o livro que posteriormente Lawrence Weschler lançou nos Estados Unidos e que
teve tradução pela editora Companhia das Letras no Brasil.

APÓS AS TREVAS, LUZ!141

Quando a Igreja Presbiteriana Unida do Brasil - organizada em 1978, com o nome de


Federação Nacional de Igrejas Presbiterianas (FENIP), em Atibaia, São Paulo, por presbíteros,

140
Gente, Revista Veja, 27/5/1987
141
Esse foi o título da matéria que o Jornal da FENIP trazia na edição de julho de 1979 para anunciar a instalação
da FENIP.

159
professores e professoras, pastores e teólogos presbiterianos que tinham o ecumenismo142 como
marca de suas trajetórias, entre eles, Jaime - criou, em sua V Assembleia Geral bienal, que
aconteceu em agosto de 1987, o cargo de secretário geral, Wright foi eleito o seu primeiro titular
para um mandato mínimo de quatro anos - e permaneceu até 1993. A sua presença na imprensa
não foi diferente. Hábil com os comunicadores, ele tratou de abrir espaço em diversos veículos
para falar da proposta da Igreja. O jornal O São Paulo, da Arquidiocese de São Paulo, deu uma
página de destaque quando Jaime se tornou secretário-geral da Igreja Presbiteriana Unida do
Brasil e teve que se transferir para a cidade de Vitória, no Espírito Santo, sede da instituição.
Ao assumir o cargo, Wright passou a assessorar o Conselho Coordenador - órgão diretivo da
Igreja Presbiteriana -; coordenar as linhas de evangelização; e promover o estreitamento das
relações com entidades parceiras no Brasil e no exterior143. Na ocasião, Jaime também era
presidente do Serviço Paz e Justiça na América Latina.
A Igreja Presbiteriana Unida era a única no país naquele momento, dentre os
agrupamentos presbiterianos, que havia assumido o ecumenismo e a defesa dos direitos
humanos como horizonte para sua ação. Na Assembleia de instalação da FENIP, que aconteceu
de 12 a 15 de abril de 1979, em Vitória, os representantes ali presentes estavam eufóricos e
João Dias de Araújo foi o pregador da reunião. Num dos documentos que marcaram a fundação
da Igreja Presbiteriana Unida, o Manifesto de Atibaia, o grupo explica as razões da necessidade
de se formar a FENIP. Entre elas - críticas aos rumos da Igreja Presbiteriana do Brasil - estavam:

A perseguição de pastores e membros que deram o melhor de sua vida para o


trabalho da Igreja, através de processos eclesiásticos, da imprensa oficial, com
publicações contendo meias-verdades, a fim de indispor com a comunidade
presbiteriana – tanto local como nacional – pastores honrados.

142
Conforme escreveu Zwinglio Mota Dias (1998), não é possível pensar e entender o movimento ecumênico
sem estudar o contexto latino-americano, em particular, e ao movimento ecumênico internacional, sob a influência
e inspiração do Conselho Mundial de Igrejas. “O movimento ecumênico começa a se desenvolver no Brasil e na
América Latina de modo mais intensivo especialmente a partir da década de cinqüenta. (…) As aspirações mais
antigas pela unidade da Igreja de Cristo nasceram do desejo de construção de um mundo solidário e fraterno.”
Jaime Wright e seus pares protestantes estavam imbuídos desse espírito ecumênico nas suas ações e intervenções.
E esse conceito de ecumenismo, para além do olhar da justiça social, estava relacionado à questão de ganhar espaço
e poder atuar dentro das missões estrangeiras, como mostra Zwinglio: “Não é de se espantar que tenha sido
justamente nos campos missionários que a perspectiva ecumênica começou a ser vislumbrada. Pois foi exatamente
lá que as diferentes denominações tiveram que se enfrentar umas às outras, e todas com os tremendos desafios
lançados por contextos culturais, sociais e religiosos os mais diferentes e estranhos (para os missionários
ocidentais). A partir da metade do século 19, os representantes das mais diferentes iniciativas missionárias
começaram a ser e unir para buscarem juntos um mínimo de unidade de propósitos.”
143
Jaime Wright vai para Vitória. O São Paulo, 14 a 20 de agosto de 1987
160
O uso tendencioso da Constituição da Igreja, que serve de norma apenas
quando favorece a cúpula da Igreja. As mais absurdas medidas têm sido
tomadas contra concílios, pastores e comunidades locais, com violação
clamorosa das leis e praxes presbiterianas.

O jornal oficial da Igreja [Brasil Presbiteriano], que deveria expressar o


pensamento da Igreja em geral, expressa as idiossincrasias da facção
dominante. Em tempos passados, o órgão oficial procurava edificar a Igreja.
Trazia artigos das expressões maiores do pensamento presbiteriano. Não era
jornal de um grupo. Agora, aqueles que realmente pensam não têm lugar no
jornal da Igreja. A pobreza do que é publicado seria tolerável não fora o
veneno do insulto misturado à clamorosa ignorância de um fanatismo
intolerante.

Quanto à alegação de que não há concordância doutrinária para a constituição


de nova denominação, e que tudo não passa de questões pessoais: não é
verdade. O que se condena na atual administração da Igreja é a sua
prepotência, falta de respeito à pessoa humana, veiculação de notícias
tendenciosas a respeito de igrejas locais e de respeitáveis ministros do
evangelho, cuja vida aí está patente perante a Igreja Nacional. E a politicagem,
a cobiça dos cargos, das vantagens pecuniárias, o fascínio do poder. Pergunta-
se: existem heresias mais graves do que causar divisões no seio da Igreja
devido a interesses pessoais144?

Jaime se desligou do presbitério de Vitória em 1993, e passou a seguir uma vida


independente de compromissos presbiteriais. Ele faleceu em 1999 sem nenhum cargo dentro da
igreja. O pastor Derval Dasilio considera que foi um período de amargar, porque a igreja não
foi o que se comprometeu a ser quando foi formada:
Foi um período de amargura. Ele morrer em amargor. Dizem que ele tinha
uma grande decepção aos que conviviam com ele, que ele tinha uma grande
decepção pelo que fizeram com ele. Ele deixou a cidadania americana, deixou
a Missão Central, onde tinha um cargo importantíssimo. Ele abandonou todos
esses privilégios e com possibilidade de aposentadoria fabulosa dentro da
igreja. Deixou tudo para dedicar-se a uma igreja nacional, uma igreja

144
Manifesto de Atibaia, 10 de setembro de 1978. Disponível em: http://ipu.org.br/manifesto-de-atibaia/
161
brasileira, uma igreja que seria para ele autêntica representante do
protestantismo libertário. E deu no que deu, ele morreu amargurado.

Se, por um lado, Jaime viveu os últimos anos magoado com os rumos da Igreja
Presbiteriana Unida do Brasil, o mesmo não se pode dizer do que ele viveu quanto ao
reconhecimento por parte dos que lutaram contra a ditadura militar e pelos defensores de
direitos humanos no Brasil. Jaime consta como um dos principais nomes de apoio neste período.
Em 22 de novembro de 2018, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara
dos Deputados aprovou o projeto de lei 1836/15, que inscreveu o nome de Jaime Wright no
Livro dos Heróis da Pátria.

Derval Dasílio define Jaime Wright como o “mais destacado personagem recente
história do presbiterianismo ecumênico”. É possível atribuir a Jaime a qualidade de intelectual
articulador ou mediador protestante. “Nunca, graças a líderes como Jaime Wright, se esquecerá
que a Igreja Presbiteriana Unida do Brasil é resultado de um parto doloroso que envolvia o
autoritarismo militar associado ao religioso, capaz de questionar as velhas e carcomidas
estruturas do protestantismo brasileiro, e a própria sociedade religiosa.”145 Para pensar esse
conceito de mediador, é interessante observar trabalhos como a de Angela de Castro Gomes e
Patricia Santos Hansen - Intelectuais mediadores: práticas culturais e ação política.

(...) os intelectuais seriam uma categoria sócio-profissional marcada, quer pela


vocação científica, no dizer weberiano, ou pela especialização que lhes
confere “capital cultural” e “poder simbólico”, nos termos de Bourdieu, quer
pelo gosto da polêmica, inclusive a política. Na acepção mais ampla que aqui
consideramos, são homens da produção de conhecimentos e comunicação de
ideias, direta ou indiretamente vinculados à intervenção político-social. Sendo
assim, tais sujeitos podem e devem ser tratados como atores estratégicos nas
áreas da cultura e da política que se entrelaçam, não sem tensões, mas com
distinções, ainda que historicamente ocupem posição de reconhecimento
variável na vida social. (GOMES; HANSEN, 2020)

145
DASÍLIO, Derval. Sobre a legitimidade presbiteriana da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil – de
Ashbel Green Simonton a Jaime Wright). Disponível em:
https://eclesiasticos.files.wordpress.com/2018/12/sobre-a-legitimidade-presbiteriana-unida-do-brasil-2.pdf.
Acesso em 02/04/2019
162
As autoras refletem sobre as implicações de se trabalhar com os intelectuais mediadores.
Uma delas é a diversidade de funções que cumprem ao longo de suas trajetórias. “Isto é, uma
mesma pessoa pode ser um cientista renomado e a figura principal de uma série de TV sobre o
tema de suas pesquisas, que, assim, são divulgadas para um amplo público, que aumenta seus
conhecimentos na matéria e põe em prática cuidados com a saúde, a alimentação, o meio
ambiente etc. Do mesmo modo, um autor de livros acadêmicos pode se dedicar a escrever livros
de divulgação cultural ou livros escolares/didáticos, que não deixam a dever ao rigor de sua
ciência, assumindo somente outros suportes e linguagens, por se dirigirem a outros leitores.”
Assim sendo, “um mesmo intelectual pode ser “criador” e “mediador”; pode ser só “criador” ou
só “mediador”; ou pode ser “mediador” em mais de um tipo de atividade de mediação cultural,
sendo seu valor conferido pelo reconhecimento de seu trabalho, quer pelo público, quer pelo
próprio campo intelectual com o qual dialoga”. (GOMES; HANSEN, 2020)

A trajetória de Jaime Wright, a partir dessa perspectiva, pode ser fortemente


compreendida como a de um mediador. A partir de sua inserção dentro dessa categoria situações
diversas foram modificadas direta ou indiretamente. No espectro da Igreja Protestante, “mudava
o protestantismo, mudava o catolicismo, mudava o presbiterianismo na direção do
ecumenismo”. (DASÍLIO, 2018)

163
Capas das revistas The New Yorker, nas quais Jaime Wright é personagem central em matérias
que ocupam cerca de 25 páginas.

164
Digite para introduzir texto

165
Pequenos cartazes distribuídos em campanha no Brasil com o apoio de Jaime em solidariedade
ao Paraguai

166
167
168
169
ANEXO

Cronologia de James Nelson Wright; da Igreja Presbiteriana no Brasil e nos Estados


Unidos; e de fatos relacionados aos presbiterianos ligados à trajetória de Jaime Wright

12 de agosto de 1859 Ashbel Green Siminton chega ao Rio de Janeiro, enviado pela
Igreja Presbiteriana dos EUA (PCUSA). Ashbel era missionário
americano e consolidou o presbiterianismo no Brasil1.

1862 Ashbel funda a Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro, auxiliado


pelo pastor Alexander Blackford2.

1865 Ordenação do primeiro pastor brasileiro da IPB, o ex-padre José


Manuel da Conceição 3.

1888 Organização do Sínodo do Brasil e o presbiterianismo no Brasil


torna-se autônomo em relação às missões dos EUA4.

1903 Criação da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil (IPIB),


tendo como principal liderança o pastor Eduardo Carlos Pereira.
Passa a coexistir no Brasil a Igreja Presbiteriana Independente
(IPI) - nacional e anti-maçom - e a Igreja Presbiteriana do Brasil
(IPB) - ligada ao Sínodo Nacional5.

1
LOPES, Guilherme Esteves Galvão. Igrejas evangélicas e partidos políticos na Nova República (1986-2018).
Material para quallificacào de tese de doutorado, CPDOC FGV
2
LOPES, Guilherme Esteves Galvão. Igrejas evangélicas e partidos políticos na Nova República (1986-2018).
Material para quallificacào de tese de doutorado, CPDOC FGV
3
LOPES, Guilherme Esteves Galvão. Igrejas evangélicas e partidos políticos na Nova República (1986-2018).
Material para quallificacào de tese de doutorado, CPDOC FGV
4
LOPES, Guilherme Esteves Galvão. Igrejas evangélicas e partidos políticos na Nova República (1986-2018).
Material para quallificacào de tese de doutorado, CPDOC FGV
5
ALMEIDA, Adroaldo José Silva Almeida. Pelo Senhor, Marchamos? Os evangélicos e a ditadura militar no
Brasil (1964-1985). EUFMA: São Luís, 2020

170
170 Type your text
1923 Latham Ephraim Wright, pastor norte-americano e pai de Jaime
Wright, chega ao Brasil (município de Castro, no Paraná), para
dirigir o Instituto Cristão.

12 de julho de 1927 Nasce James Nelson Wright, em Curitiba

1930 A família Wright se muda para a cidade de Herval, em Santa


Catarina, e sofre perseguição por parte de membros da Igreja
Católica. Os comerciantes locais foram proibidos de vender
comida para os Wright.

1940 É formada a Uceb, reunindo as Uniões de Estudantes para o


Trabalho de Cristo e as Associações Cristãs de Acadêmicos e
Fumec (1942). Richard Shaull vai assessorar a Uceb nas décadas
de 1950 e 19606.

1947 Jaime se forma em Sociologia pela Universidade de Ozarks, no


Arkansas

1948 Realizada a primeira assembleia do Conselho Mundial de Igrejas,


em Amsterdã, sob o tema “A desordem humana e oo desígnio de
Deus”. Os presbiterianos não se filiam ao CMI, sob a alegação do
Supremo Concílio de “não querer as ideias modernistas do
concílio mundial de igrejas”7.

6
DASÍLIO, Derval. Jaime Wright, o pastor dos torturados. Metanoia: Rio de Janeiro, 2012
7
SILVA, Elizete da. O Conselho Mundial de Igrejas e a Trajetória do Ecumenismo no Brasil. Trabalho
apresentado no XII Simpósio da ABHR, 31/05 – 03/06 de 2011, Juiz de Fora (MG), GT 02: Evangélicos
protestantes e o ecumenismo
REILY, Ducan. História documental do protestantismo no Brasil. São Paulo: Aste,1984.

171
1950 Jaime se forma em Teologia no Seminário de Princeton, em New
Jersey.

1950 Jim Wright casa-se com Alma Jane Cole, de East Stroudsburg, na
Pensilvânia, graduada pelo Seminário Teológico de Princeton.

1950 Jaime é nomeado procurador da Comissão de Missão e Relações


Ecumênicas da Igreja Presbiteriana Unida dos Estados Unidos
(Coemar), antes denominada Junta de Missões Estrangeiras da
Igreja Presbiteriana do Norte dos Estados Unidos, sediada em
Nova York, e designado para o Brasil.

1951-1960 Jaime se torna diretor do Instituto Ponte Nova, em Wagner, na


Bahia, iniciativa da Missão Brasil Central. O instituto é uma
instituição de formação de professores de escolas públicas do
estado da Bahia. Durante esse período também foi correspondente
não remunerado do jornal A Tarde.

1952 Richard Shaull chega ao Brasil.

1952 Jaime Wright se aproxima do missionário presbiteriano Richard


Shaull, que traz ao Brasil a Teologia do Evangelho Social. Shaull
também se aproxima de Rubem Alves.

Décadas de 1950 e 1960 Richard Shaull assessora a Uceb, causando grande impacto no
movimento estudantil protestante. A Uceb “organizava e provia
um ambiente de apoio aos jovens acadêmicos de procedência
protestante. Shaull era o profeta, o inspirador, o companheiro e o
patriarca dos estudantes" segundo testemunho de Jovelino
Ramos. Para Edin Sued Abumanssur, a Uceb e a CEB “deram o
contexto e criaram a situação que originou a ‘Tribo Ecumênica’,
grupo de pessoas que articulavam o movimento ecumênico nas
décadas de 1960 e 1970 e se opunham ao regime militar de
1964”8.

8
DASÍLIO, Derval. Jaime Wright, o pastor dos torturados. Metanoia: Rio de Janeiro, 2012

172
1954 Realizada a II Assembleia do CMI, em Evaston, EUA. Waldo
Cesar, presbiteriano, apesar de a Igreja Presbiteriana não querer
fazer parte daquele movimento, participa como presidente da
União Latino-Americano da Juventude Evangélica, escreve
artigos sobre os protestantes no Brasil, publicados na Revista
Cruz de Malta. A Assembleia reafirmou o compromisso
ecumênico e “a necessidade de contribuir para a formação de
democracias plenamente humanas”9.

1955 É criado o Setor de Responsabilidade Social da Igreja,


denominado Comissão de Igreja e Sociedade, vinculado ao
Conselho Mundial de Igrejas e depois ligado à Confederação
Evangélica do Brasil. O Setor era organizador pelo reverendo
Benjamin Mores, Waldo Cesar (secretário executivo) e
Richard Shaull10.

1955 Realizada a primeira conferência organizada pela Comissão de


Igreja e Sociedade, sob o tema "Consulta sobre a
Responsabilidade Social da Igreja”.

Dezembro de 1956 Jaime Wright dá a benção matrimonial ao irmão Paulo Wright e


sua esposa Edi (Edimar Rickli).

Fevereiro de 1957 Realizada a II Reunião de Estudos sobre a Responsabilidade


Social da Igreja, em Campinas, sob o tema "Implicações Político
Sociais do Amor Cristão”.

1958 Jaime resolve abrir mão da cidadania americana para ficar apenas
com a brasileira

9
SILVA, Elizete da. O Conselho Mundial de Igrejas e a Trajetória do Ecumenismo no Brasil. Trabalho
apresentado no XII Simpósio da ABHR, 31/05 – 03/06 de 2011, Juiz de Fora (MG), GT 02: Evangélicos
protestantes e o ecumenismo
SANTA ANA, Julio de H. Ecumenismo e libertação. Petrópolis: Vozes, 1987.
10
SILVA, Elizete da. O Conselho Mundial de Igrejas e a Trajetória do Ecumenismo no Brasil. Trabalho
apresentado no XII Simpósio da ABHR, 31/05 – 03/06 de 2011, Juiz de Fora (MG), GT 02: Evangélicos
protestantes e o ecumenismo

173
1958 A Igreja Presbiteriana do Norte dos EUA se une à Igreja
Presbiteriana Unida e assim surge a Igreja Presbiteriana Unida
dos Estados Unidos.

1958 A Junta de Missões Estrangeiras em Nova York é substituída pela


Comissão de Missão Ecumênica e Relacionamento. Igreja
Presbiteriana do Norte dos EUA se une à Igreja Presbiteriana
Unida e assim surge a Igreja Presbiteriana Unida dos Estados
Unidos11.

1959 Wright escreve o filme O Punhal, produzido pelo reverendo


Ricardo William Waddel em Itacira, município de Wagner, na
Bahia

1959 O reverendo Latham Wright volta aos EUA.

1959 Acontece o Seminário Latino-Americano de Estudos Bíblicos,


em Campos do Jordão, patrocinado pela Federação Mundial
Cristã de Estudantes e pela União Cristã de Estudantes do Brasil.
Estudantes da Uceb marcam o primeiro período da consciência
teológica e política no Brasil. Sobre o seminário, Paulina Steffen
fez uma síntese em que diz: “É indescritível o impacto que este
seminário causou em cada participante. Antes de Richard Shaull,
Susanne De Diétrich foi, seguramente, quem lançou as diretrizes
de uma Teologia da Libertação (Teologia do Êxodo Bíblico) para
a América Latina.”12

1960 Paulo Wright escreve carta a Waldo César, criticando a omissão


dos protestantes sobre os problemas sociais do Brasil13.

11
NASCIMENTO, Ester Fraga Vilas-Bôas Carvalho do. Educar, curar, salvar: Uma ilha de civilização no
Brasil Tropical. EdUFAL, Maceió, 2007.
12
DASÍLIO, Derval. Jaime Wright, o pastor dos torturados. Metanoia: Rio de Janeiro, 2012
13
SILVA, Elizete da. Protestantes no Brasil: entre a omissão e o engajamento político

174
1960 Paulo Wright é eleito secretário-geral da União Cristã de
Estudantes do Brasil.

Fevereiro de 1960 Realizada a III Conferência Sobre a Responsabilidade Social


da Igreja, organizada pela CEB. O evento teve como
Presença da Igreja na Evolução da Nacionalidade.
A Comissão de Igreja e Sociedade já havia decidido na II
Conferência convidar cientistas que não fossem evangélicos
para os debates. Foi assim que participaram nomes como
Florestan Fernandes14.

Final da década de 1960 COEMAR reduz drasticamente o número de missionários no


Brasil15.

1962 Zwinglio Mota Dias e mais oito colegas são expulsos do


Seminário Presbiteriano de Campinas16.

1962-1963 Jaime organizou uma nova igreja em Sobradinho, cidade satélite


de Brasília.

22 a 29 de julho de 1962 Realizada a IV Conferência do Setor de Responsabilidade Social


da CEB, realizada em Recife e chamada de Conferência do
Nordeste, sob o tema "Cristo e o Processo Revolucionário
Brasileiro”.

14
SILVA, Elizete da. O Conselho Mundial de Igrejas e a Trajetória do Ecumenismo no Brasil. Trabalho
apresentado no XII Simpósio da ABHR, 31/05 – 03/06 de 2011, Juiz de Fora (MG), GT 02: Evangélicos
protestantes e o ecumenismo
15
NASCIMENTO, Ester Fraga Vilas-Bôas Carvalho do. Educar, curar, salvar: Uma ilha de civilização no
Brasil Tropical. EdUFAL, Maceió, 2007.
16
DASÍLIO, Derval. Jaime Wright, o pastor dos torturados. Metanoia: Rio de Janeiro, 2012

175
1964 Jether Ramalho e Waldo César são demitidos da CEB, como
secretário executivo do Departamento de Ação Social e secretário
executivo do SRSI, respectivamente17.

8 de marco de 1964 Paulo Wright é eleito presbítero da Igreja Presbiteriana de


Florianópolis, mas foi impedido de assumir o cargo, além de ter
sido expulso do grupo de membros da Igreja. Um dossiê
produzido pela Comissão de Averiguacão Sumária do 5° Distrito
Naval, com acusações da Secretaria de Segurança Pública, e
recebido pelo Conselho da Igreja, tratando da “perigosa posição
política do deputado Paulo Wright” foi o estopim para a expulsão
e a cassação dos direitos políticos de Wright18.

9 de maio de 1964 Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina cassa os


direitos políticos de Paulo Wright.

12 de maio de 1964 Paulo Wright pede asilo político à Embaixada do México no Rio
de Janeiro e sai do país no dia 2 de junho seguinte19.

1965 Jaime retorna ao trabalho pastoral para organizar o presbitério no


Vale do Rio São Francisco 20.

1965-1969 Foi pastor da Igreja Presbiteriana de Caetité

1965 Paulo Wright volta de Cuba clandestinamente e se integra à Ação


Popular.

1965 O pastor Boanerges Ribeiro, presidente da Igreja Presbiteriana do


Brasil, inicia uma “depuracão interna” na Igreja21.

17
ALMEIDA, Adroaldo José Silva Almeida. Pelo Senhor, Marchamos? Os evangélicos e a ditadura militar no
Brasil (1964-1985). EUFMA: São Luís, 2020
18
VILELA, Márcio Ananias Ferreira. Religião e política em conflito: Paulo Stuart Wright e o golpe de 1964.
Revista de Pesquisa Histórica. ISSN: 2525-5649 – n°. 34.1 (2016)
19
VILELA, Márcio Ananias Ferreira. Religião e política em conflito: Paulo Stuart Wright e o golpe de 1964.
Revista de Pesquisa Histórica. ISSN: 2525-5649 – n°. 34.1 (2016)
20
OLIVEIRA, Nilton Emmerick. Jaime Wright (1927-1999). In: SINNER, Rudolf von; WOLFF, Elias; BOCK,
Carlos Gilberto (Orgs). Vidas ecumênicas: testemunhas do ecumenismo no Brasil. Editora Sinodal: São
Leopoldo, 2006
21
DASÍLIO, Derval. Jaime Wright, o pastor dos torturados. Metanoia: Rio de Janeiro, 2012

176
1965 Richard Shaull é expulso do Brasil, por intervenção da IPB à
Igreja Presbiteriana Unida, comandada por Boanerges Ribeiro 22.

1965 É publicado o primeiro boletim do Centro Evangélico de


Informação (CEI). O CEI recebeu apoio dos próprios
participantes, de um comitê criado por Shaull nos EUA e da Isal23.

1966 Jaime reencontra Charles Harper, depois de muitos anos, numa


conferência para missionários da Igreja Presbiteriana Unida, em
Indianápolis, EUA.

1966 Trinta pessoas de sete denominações protestantes vinculadas ao


extinto Setor de Responsabilidade Social da CEB criam o Isal-
Brasil. Waldo César é o diretor e Jether Ramalho, o secretário
executivo 24.

1966 Boanerges Ribeiro é eleito presidente do Supremo Concílio da


IPB. O tenente-coronel Renato Guimarães, ligado ao SNI, tinha
assento no Supremo Concílio25.

1967 39 estudantes matriculados no Seminário Teológico de Campinas


foram expulsos, de um total de 5426.

1967 Waldo César é preso pelo Dops, denunciado por membros da


IPB27.

22
DASÍLIO, Derval. Jaime Wright, o pastor dos torturados. Metanoia: Rio de Janeiro, 2012
23
DASÍLIO, Derval. Jaime Wright, o pastor dos torturados. Metanoia: Rio de Janeiro, 2012
24
DASÍLIO, Derval. Jaime Wright, o pastor dos torturados. Metanoia: Rio de Janeiro, 2012
25
DASÍLIO, Derval. Jaime Wright, o pastor dos torturados. Metanoia: Rio de Janeiro, 2012
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DASÍLIO, Derval. Jaime Wright, o pastor dos torturados. Metanoia: Rio de Janeiro, 2012
27
DASÍLIO, Derval. Jaime Wright, o pastor dos torturados. Metanoia: Rio de Janeiro, 2012

177
1967 A Igreja Metodista fecha a Faculdade de Teologia de São Paulo e
expulsa estudantes e professores28.

1968 É dissolvido o Presbitério do Vale São Francisco. A ação foi


considerada abusiva pelos líderes da IPB e Jaime Wright encerra
suas atividades na IPB29.

1968 Surgem a Igreja Cristã Presbiteriana (depois originando a Igreja


Presbiteriana Renovada do Brasil, em 1975) e a Igreja Maranata,
originada no Presbitério da IPB no Espírito Santo. Ambas são
dissidências da IPB30.

1968 Na loja maçônica de Caetité, Jaime fez a instituição aprovar uma


declaração que condenava a transgressão aos direitos humanos

1968 A Igreja Presbiteriana Independente expulsa 10 seminaristas31.

1968 Rubem Alves defende sua tese em teologia em Princeton, com o


título Towards a Theology of Liberation (A Caminho de uma
Teologia da Libertação, em tradução livre)32.

1969-1978 Jaime atua como executivo (diretor) da Missão Brasil Central,


pessoa jurídica no Brasil que administrava os bens da Igreja
Presbiteriana Unida nos Estados Unidos.

1969 Deposição do reverendo Gerd Wenzel do Presbitério de Rio


Doce, Minas Gerais, por “assumir uma posição contrária aos

28
DASÍLIO, Derval. Jaime Wright, o pastor dos torturados. Metanoia: Rio de Janeiro, 2012
29
PAIXÃO JUNIOR, VALDIR GONZALEZ. Poder, memória e repressão: a Igreja Presbiteriana do Brasil no
período da ditadura militar (1966-1978)
30
LOPES, Guilherme Esteves Galvão. Igrejas evangélicas e partidos políticos na Nova República (1986-2018).
Material para quallificacào de tese de doutorado, CPDOC FGV
31
DASÍLIO, Derval. Jaime Wright, o pastor dos torturados. Metanoia: Rio de Janeiro, 2012
32
DASÍLIO, Derval. Jaime Wright, o pastor dos torturados. Metanoia: Rio de Janeiro, 2012

178
princípios da IPB”. O fato foi relatado em artigo do jornal
evangélico Cristianismo33.

Dezembro de 1969 O historiador norte-americano Ralph Della Cava recebe em sua


casa, em Nova York, os evangélicos Domício Pereira, Rubem
César Fernandes e Jether Ramalho, que estavam sendo
perseguidos no Brasil e que levavam denúncias de práticas de
tortura e assassinatos no Brasil34.

1970 A Federação Luterana Mundial cancela a assembleia geral em


Porto Alegre, pois a igreja brasileira convidou o general Médici,
presidente da República, para a abertura do evento35.

1970 Zwinglio Mota Dias é preso por sua atuação no Isal e no


movimento ecumênico36.

15 de setembro de 1970 Rubem Alves apresenta carta-renúncia à Igreja Presbiteriana. Do


Brasil, após perseguição interna na IPB.

28 de fevereiro de 1971 A Comissão Executiva do Supremo Concílio da IPB pedia a


substituição dos missionários Carl Joseph Hahn Jr., Jaime
Wright, Paul Pierson e Charles Harken – missionários da Missão
Presbiteriana Brasil Central e membros da COEMAR dos campos
missionários do Brasil

1971 A COEMAR substitui a Missão Brasil Central pelo Brazil


Advisory Committee, terminando com a estrutura missionária da
UPCUSA no Brasil37.

33
SILVA, Elizete da. O Conselho Mundial de Igrejas e a Trajetória do Ecumenismo no Brasil. Trabalho
apresentado no XII Simpósio da ABHR, 31/05 – 03/06 de 2011, Juiz de Fora (MG), GT 02: Evangélicos
protestantes e o ecumenismo
34
ALMEIDA, Adroaldo José Silva Almeida. Pelo Senhor, Marchamos? Os evangélicos e a ditadura militar no
Brasil (1964-1985). EUFMA: São Luís, 2020
35
DASÍLIO, Derval. Jaime Wright, o pastor dos torturados. Metanoia: Rio de Janeiro, 2012
36
DASÍLIO, Derval. Jaime Wright, o pastor dos torturados. Metanoia: Rio de Janeiro, 2012
37
NASCIMENTO, Ester Fraga Vilas-Bôas Carvalho do. Educar, curar, salvar: Uma ilha de civilização no
Brasil Tropical. EdUFAL, Maceió, 2007.

179
1971 O presbiteriano e líder estudantil da União Cristã de Estudantes
no Brasil Ivan Mota Dias, irmão de Zwinglio, é preso no Rio de
Janeiro e assassinado. Ivan está na lista de desaparecidos políticos
no Brasil durante a ditadura militar38.

Setembro de 1973 Paulo Stuart Wright, irmão de Jaime, é sequestrado e morto pelo
Segundo Exército em São Paulo

1973 Jaime Wright conhece dom Paulo Evaristo Arns

1973 A Igreja Presbiteriana do Brasil corta vínculos com a Igreja


Presbiteriana Unida dos Estados Unidos39.

1973 Jaime prepara o folheto com os 30 artigos da Declaração


Universal dos Direitos Humanos, junto com um texto bíblico do
Antigo e do Novo Testamento, Foram publicados 1,8 milhão
desses folhetos.

1973 Fundação da Cese (Coordenadoria Ecumênica de Servico), com


ampla participação de Jaime Wright.
A diretoria era firmada por: Bispo Sady Machado da Silva
(presidente/metodista); Bispo Jesus Teixeira Gurgel (vice-
presidente/católico); Jaime Wright (secretário/pastor
presbiteriano); Bispo Arthur Kratz (tesoureiro/episcopal);
Manoel de Mello Silva pastor da Igreja Evangélica Pentecostal
“O Brasil para Cristo”/vogal missionário40.

38
DASÍLIO, Derval. Jaime Wright, o pastor dos torturados. Metanoia: Rio de Janeiro, 2012
39
NASCIMENTO, Ester Fraga Vilas-Bôas Carvalho do. Educar, curar, salvar: Uma ilha de civilização no
Brasil Tropical. EdUFAL, Maceió, 2007.
40
ALMEIDA, Adroaldo José Silva Almeida. Pelo Senhor, Marchamos? Os evangélicos e a ditadura militar no
Brasil (1964-1985). EUFMA: São Luís, 2020

180
Anos 1970 Jaime adota o pseudônimo “Roberto Barbosa” para assinar seus
artigos em jornais, afim de não ficar visado, dado que fazia
diversas denúncias de torturas e outras violações de direitos
humanos.

1975 Publicação do livro “Inquisicão sem fogueiras”, de João Dias de


Araújo. Jaime Wright traduz o livro para o inglês sob o título
Inquisition Without Burnings41.

Outubro de 1975 Jaime participa do culto ecumênico em memória de Vladimir


Herzog, ao lado de dom Paulo e do rabino Henry Sobel

1976 A Missão Presbiteriana do Brasil Central foi dissolvida e


liquidada

22 de dezembro de 1976 Criada a Fundação 2 de Julho, na Bahia, liderada por Jaime


Wright.

1977 Jaime participa da “Noite do Compromisso”, no Tuca, em


solidariedade a dom Paulo Evaristo Arns

10 de setembro de 1978 Organizada a Igreja Presbiteriana do Brasil, com o nome de


Federação Nacional de Igrejas Presbiterianas (FENIP)

1978 Surge a Igreja Presbiteriana Unida do Brasil, que buscava ser


aberta ao ecumenismo, participação feminina e contra a
interferência do regime militar no interior da IPB42.

41
DASÍLIO, Derval. Jaime Wright, o pastor dos torturados. Metanoia: Rio de Janeiro, 2012
42
LOPES, Guilherme Esteves Galvão. Igrejas evangélicas e partidos políticos na Nova República (1986-2018).
Material para quallificacào de tese de doutorado, CPDOC FGV

181
1977 a 1993 Jaime exerce o cargo de secretário-geral da Igreja Presbiteriana
Unida do Brasil

1977 Wright participa da organização do Ato da Penha, em defesa de


nomes da Igreja que estavam sendo ameaçados e perseguidos pelo
regime militar, representando os protestantes. Faz críticas aos
cristãos na ocasião. O ato foi organizado pelo Movimento pela
Justiça e Libertação, do qual Wright era um dos coordenadores

1977 Wright vai ao Paraguai, a pedido de dom Paulo, interceder por


oito presos que estavam entrando no 41º dia de greve de fome

Outubro de 1977 Wright participa, junto com Charles Harper, de uma delegação
ecumênica a São Félix do Araguaia para ajudar a providenciar um
“guarda-chuva” de proteção para o bispo dom Pedro Casaldáliga

1977 Jaime articula a ida de dom Paulo ao Paraguai – a primeira visita


de um cardeal ao Paraguai – para visitar o Comitê de Igrejas para
Ajudas de Emergência e com isso, dentro de pouco tempo, a
população carcerária foi reduzida e Emboscada (cárcere onde
estavam centenas de presos políticos) foi fechada

1978 O reverendo cria, junto com Jan Rocha e Luiz Eduardo


Greenhalgh, o Comitê de Defesa de Direitos Humanos no Cone
Sul (CLAMOR)

1978 Jaime articula o encontro entre dom Paulo e o presidente norte-


americano Jimmy Carter, este em visita ao Brasil, para que
pudessem ser feitas denúncias de violação de direitos no país

1978 Wright articula a divulgação da lista de desaparecidos políticos


no Brasil por meio do jornal Folha de S. Paulo

1979 Wright participa ativamente da localização das crianças Anatole


e Vicky, sequestradas na Argentina e encontradas no Chile, por
sua ação no Clamor

182
1979 Jaime acompanha, como guardião, caminhão de alimentos
entregues Às famílias dos operários em greve no ABC paulista a
pedido de dom Paulo

1979 a 1985 Jaime coordena o projeto Brasil: Nunca Mais

1980 O reverendo viaja com dom Helder para Nova York

1980 Criado o Centro Santo Dias de Direitos Humanos, do qual Jaime


Wright é um dos coordenadores

27 de dezembro de 1981 Jaime celebra, na Igreja da Consolação, culto ecumênico pelos


desaparecidos da América Latina

Janeiro de 1983 Junto com a esposa, Alma Wright, Jaime vai a Buenos Aires
entregar para as avós uma folhinha produzida pela Arquidiocese
de São Paulo, ilustrada com fotografias de crianças e a idade que
tinham quando desapareceram no Cone Sul. O material pegou os
militares de surpresa. Houve vários protestos. A população queria
respostas

Julho de 1983 A FENIP alterou sua razão social para Igreja Presbiteriana Unida
do Brasil

8 de dezembro de 1983 Jaime vai a Asunción para entregar uma carta de solidariedade de
dom Paulo para a esposa de Guilhermo Escolástico Ovando, Sofía
Torres de Ovando, preso havia 21 anos (já tinha cumprido a pena
de 20 anos, o máximo permitido pela lei paraguaia). Sua visita
tinha por objetivo sensibilizar o governo a respeito do caso de
Escolástico Ovando. Charles Harper acompanhou Jaime e
sublinhou que sua presença era para levar a representação das
Igrejas em âmbito mundial no caso. Ovando estava havia 25 dias
em greve de fome quando Wright e Harper o visitaram.

1984 Jaime Wright mantém a coluna semanal “Conversando sobre a


América Central” no jornal O São Paulo, que era acompanhada
por diplomatas norte-americanos

183
Abril de 1984 Wright sai do Clamor (Comitê de Defesa dos Direitos Humanos
no Cone Sul), entidade que ele ajudou a organizar em 1978

Junho de 1984 Wright foi ao Paraguai participar das comemoração do oitavo


aniversário do Comitê Ecumênico de Igrejas. Na ocasião, teve a
oportunidade de abraçar Guillermo Escolástico Ovando, então
livre e em companhia de sua família.

21 a 26 de junho de 1986 Jaime e Derek Winter estiveram à frente de uma delegação


ecumênica internacional, organizada pelo Conselho Mundial de
Igrejas (Jaime representava o CMI na delegação). A delegação
visitou o presidente de El Salvador, José Napoleon Duarte, devido
a prisões, ameaças e assassinatos de membros do arcebispado de
San Salvador e defensores de direitos humanos daquele país. A
visita teve ampla repercussão internacional e na mídia.

1987-1993 Jaime é secretário-geral da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil.

1987-1993 Jaime foi editor, redator, jornalista responsável, expedidor e


distribuidor dos 59 números do boletim Traço-de-União, da
Secretaria Geral da Igreja Presbiteriana Unida43

Junho de 1988 Jaime Wright e dom Paulo recebem doutor honoris causa pela
Universidade de Dubuque, nos EUA

1990 Jaime participa da direção da Fundação Samuel, na qual foi o


diretor responsável, redator e expedidor do Informativo.

1991 O Clamor é extinto

1991 Jaime representa a Igreja Presbiteriana Unida do Brasil no ato


multireligioso em comemoração aos seus 70 anos e pela Paz no
Golfo, organizado pela Folha de S. Paulo

31 de maio de 1993 Jaime Wright se aposenta na Igreja Presbiteriana dos Estados


Unidos

43
OLIVEIRA, Nilton Emmerick. Jaime Wright (1927-1999). In: SINNER, Rudolf von; WOLFF, Elias; BOCK,
Carlos Gilberto (Orgs). Vidas ecumênicas: testemunhas do ecumenismo no Brasil. Editora Sinodal: São
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184
Abril de 1994 a marco de 1995 Jaime foi editor, redator e expedidor dos 16 números do Boletim
Informativo do Presbitério de Vitória44.

5 de novembro de 1994 O reverendo recebe ameaças de morte pelo telefone

Fevereiro a maio de 1999 Jaime foi editor, redator e expedidor dos 16 números do Boletim
Informativo do Presbitério de Vitória45

29 de maio de 1999 Jaime Wright falece em Vitória

Setembro de 1999 Wright recebe o Prêmio Alceu Amoroso Lima de Direitos


Humanos

22 de novembro de 2018 A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara


dos Deputados aprova projeto de lei 1836/15, que inscreve o
nome de Jaime Wright no Livro dos Heróis da Pátria

44
OLIVEIRA, Nilton Emmerick. Jaime Wright (1927-1999). In: SINNER, Rudolf von; WOLFF, Elias; BOCK,
Carlos Gilberto (Orgs). Vidas ecumênicas: testemunhas do ecumenismo no Brasil. Editora Sinodal: São
Leopoldo, 2006
45
OLIVEIRA, Nilton Emmerick. Jaime Wright (1927-1999). In: SINNER, Rudolf von; WOLFF, Elias; BOCK,
Carlos Gilberto (Orgs). Vidas ecumênicas: testemunhas do ecumenismo no Brasil. Editora Sinodal: São
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185
Lista dos arquivos consultados

Acervo digital Conselho Mundial de Igrejas

Acervo Ditadura em Santa Catarina - UDESC, Florianópolis, SC

Arquivo Metropolitano de São Paulo - Acervo Dom Paulo Evaristo Arns - São Paulo, SP

Arquivo pessoal de Jaime Wright - Vitória, ES

Arquivo Público do Estado de São Paulo - Fundo DEOPS - São Paulo, SP

CEDIC – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – Fundo CLAMOR

Centro de Documentación de FASIC (Fundación de Ayuda Social de las Iglesias Cristianas -


Santiago, Chile

Opening the Archives Project - Brown University e Universidade Federal de Maringá

Presbyterian Historical Society – The National Archives of the PCUSA - Filadélfia, EUA

Serviço Paz e Justiça- Buenos Aires, Argentina

Vicaria de la Solidaridad (Centro de Documentación de Arzobispado de Santiago – Fundación


Archivos de la Solidaridad) - Santiago, Chile

186
Lista de revistas, jornais e boletins consultados

ABC Color

BBC

Boletim Clamor

Brasil Presbiteriano

Clarín

Folha de S. Paulo

Jornal do Brasil

O Estado de S. Paulo

O São Paulo

The New Yorker

Veja

187
Lista dos entrevistados

Adolfo Perez Esquivel

Afonso Heringer Lisboa

Aldo Etchegoyen

Anivaldo Padilha

Charles Harper

Claudio Gonzales

Derval Dasilio

Djalma Torres

Dom Paulo Evaristo Arns

Eliana Rollemberg

Estela de Carlotto

Fermino Fechio

Jaime Wright

James Green

Jan Rocha

Joan Dassin

Jovelino Ramos

Luiz Eduardo Greenhalgh

Ralph Della Cava

Roberto Grandmaison

Depoimento - banca de qualificação

Zwinglio Mota Dias

188
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