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Ultraje A Rigor - Nos Vamos Inva - Andrea Ascencao
Ultraje A Rigor - Nos Vamos Inva - Andrea Ascencao
Sobre a obra:
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ULTRAJE
a rigor
A todas as pessoas que, de alguma forma, ajudaram a
contar aquilo tudo que a gente sente e em memória de
Palmyra e Angelina.
© 2011 Andréa Ascenção Editor
Gustavo Guertler Revisão
Andrey do Amaral
Marcele Brusa Maciel Capa e projeto gráfico
Celso Orlandin Jr.
Foto capa
Arquivo pessoal Leôspa/Fotógrafo não identificado Tratamento de fotos
Anderson Fochesato
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (Biblioteca Pública
Municipal Dr. Demetrio Niederauer – Caxias do Sul)
Ascenção, Andréa
A811u
Ultraje a Rigor: Nós Vamos Invadir Sua
Praia/Andréa
Ascenção._Caxias do Sul, RS: BelasLetras, 2011. 352 p.
ISBN 978-85-60174-74-4
[2011]
Todos os direitos desta edição reservados à EDITORA BELASLETRAS LTDA.
Rua Coronel Camisão, 167
Cep 95020-420 – Caxias do Sul – RS
www.belasletras.com.br
Sumário
Prefácio: O Show Vai Começar
Capítulo 1: Em Direção ao Rock n’ Roll
Capítulo 2: É Agora!
Capítulo 3: Doscencre, Doscencre
Capítulo 4: Uma Outra Raiz Punk
Capítulo 5: Era um Garoto que Como Eu Amava os Beatles
e o Ultraje a Rigor
Posfácio: O Show Não Para
Letras
Genealogia
Agradecimentos
Bibliografia
Prefácio
Paulistas Organizados
Algumas bandas de São Paulo, como o Ultraje a Rigor e Titãs do
Iê-Iê combinam de se reunir na casa do guitarrista dos Titãs, Marcelo
Fromer.3 Lá é montado uma espécie de “sindicato improvisado” em
que, uma vez por semana, os músicos estipulam quanto vão cobrar
nas suas apresentações a fim de evitar que os donos de bares os
explorem, além de discutirem sobre os tipos de contrato mais viáveis.
A primeira fita demo gravada pelo Ultraje, para levar nos bares e
casas onde querem tocar, tem repertório basicamente feito com
Beatles, mas ganha voz própria com o incentivo de Edgard
Scandurra. Ele tem importância deci-siva neste momento.
− Musicalmente, os rapazes queriam tocar Beatles, Beatles e
Beatles. Eu, que já tocava músicas próprias no Ira e Mercenárias e
via o potencial criativo do Roger, insistia para que eles criassem
também as próprias músicas. Então, eles me mostraram que já
tinham alguma coisa, como Mauro Bundinha. Levei alguns discos da
new wave ao Roger, como The Police, Clash e Sex Pistols e isso
gerou uma leva de composições próprias do Ultraje que os levou ao
sucesso.
A fita gravada é encaminhada para o programa do jornalista
Maurício Kubrusly, na Excelsior FM, na tentativa de conseguir uma
brecha na rádio. Parte do programa é reservada a divulgar as fitas
demo de bandas que estão começando. Ainda não é dessa vez que
o Ultraje a Rigor consegue, e Roger lastima. Mas não chegou a tocar
porque ele colocava por ordem de chegada.
Contudo, essa mesma demo teria um destino mais propício, no
Teatro Lira Paulistana. Em 1983 acontece o Projeto Boca no
Trombone, que é amplamente divulgado e recebe inúmeras
inscrições de todas as bandas undergrounds da época. Entre várias
fitas, a do Ultraje a Rigor é selecionada.
O disputado prêmio é uma semana de apresentações, de 11 a 17
de abril, no porão do antigo sobradinho. Além disso, a presença da
mídia e um público maior do que o dos bares é um grande estímulo
para Roger. Pela primeira vez, o repertório do show só tem músicas
próprias.
− Nós ficaríamos com a bilheteria, mas isso era irrisório.
Dividíamos o palco com outras 28 bandas escolhidas.
Um dos jurados é Peninha. Maurício crê ser a melhor coisa que
poderia acontecer. Lembro como se fosse hoje. Foi graças ao Miguel
Barella. Ele quem levou o Peninha lá.
Mas, antes disso, acontece um ensaio do Ira. O guitarrista
camarada avisa o Ultraje a Rigor: − O Peninha vai na casa do
Charles Gavin assistir ao ensaio.
Roger conhecia o produtor desde quando ele era técnico de som
nos shows dos Mutantes, na década de 1970, e no dia do ensaio
espera pelo momento oportuno, dizendo a Peninha:
Arquivo pessoal de Leôspa
− Eu também tenho uma banda que vai tocar tal dia…
Convite feito, até o dia da apresentação, o Ultraje criaria outras
músicas e tocam:Inútil, Mim Quer Tocar, O Chiclete, Zoraide,
Independente Futebol Clube, Marylou e Ricota. Peninha assiste, e
Roger relembra as palavras do produtor: Comprei, comprei…5
É a primeira vez que Peninha vê o Ultraje a Rigor. Ele encontra
uma harmonia de motivos para encaminhar um contrato.
− O Ultraje era mortal no palco, tudo funcionava, letra, música,
timing, as piadas internas e externas, o confuso amontoado de
referências e citações que juntavam numa cacofonia de paródias e
pastiches, puro sarro, um modo de ver o mundo pronto para o tombo,
disposto a dar risadas fartas. Quem não quer um ídolo assim?
O primeiro hit
A gente não sabemos escolher presidente
A gente não sabemos tomar conta da gente
A gente não sabemos nem escovar os dente
Tem gringo pensando que nóis é indigente
Inútil
A gente somos inútil
A gente faz carro e não sabe guiar
A gente faz trilho e não tem trem pra botar
A gente faz filho e não consegue criar
A gente pede grana e não consegue pagar
Inútil
A gente somos inútil
A gente faz música e não consegue gravar
A gente escreve livro e não consegue publicar
A gente escreve peça e não consegue encenar
A gente joga bola e não consegue ganhar
Inútil
A gente somos inútil
Composição de Roger,Inútil surge em 1982 e concentra várias
inspirações em um hit quase instantâneo. A primeira delas vem do
pai, quando ele chama o filho de inútil. Um dia no chuveiro, comecei
a cantarolar, explorando a sonoridade da palavra “inútil”6, e a música
foi nascendo.7 A isso, muito oportunamente, junta uma declaração do
rei do futebol, Pelé, que na época diz: os brasileiros não estão
preparados para votar. A terceira inspiração vem de uma matéria lida
por Roger. Esta afirmava que 90% dos brasileiros tinham cáries e
não tinham dentes. Irônico? O “a gente somos”, ele ouviu da boca de
um homem muito rico, cliente de Leôspa, que também era arquiteto.
O último verso se deve a derrota da seleção brasileira na Copa do
Mundo de 1982. Por 3 a 2, os italianos desclassificam “o melhor
futebol do mundo”, num jogo suado em que o Brasil chega a ficar na
frente do placar.
Com a música quase pronta, Roger pede a Edgard que faça um
solo curto no início. Ele cria o inesquecível riff que abre Inútil.
O presidente da WEA começa a divulgação do primeiro trabalho
da banda, distribuindo cópias em fitas cassete. Uma delas passa
pelas mãos de um publicitário de renome.
“Washington Olivetto recebeu uma, tocou numa festa para seus
amigos descolados, e, como lembra, a maioria ignorou, muitos se
incomodaram e ninguém gostou especialmente. No dia seguinte,
entretanto, o publicitário enviou a fita para o radialista Osmar Santos,
que a incluiu em seu programa Balancê, na Rádio Excelsior. Em 27
de novembro de 1983, Osmar foi um dos mestres de cerimônia do
primeiro comício pró-eleições diretas, em São Paulo, e tocou Inútil no
sistema de som, para 10 mil pessoas, com enorme impacto.”8
Em 1983 a sociedade brasileira se divide em a favor ou contra a
liber-dade. O país passa por uma fase de transição política e a
população começa a lutar por seus direitos, fazendo de Inútil o tema
das Diretas Já. Passeatas e comícios ganham força em abril de
1984, quando os brasileiros tomam as ruas nas campanhas que
acabam com o regime militar. Inicialmente, alguns ouvintes até
pensam que o refrão os ofende, como se significasse chamar o povo
de ignorante. Na realidade o a gente somos inútil é muito perspicaz.
Significa que as autoridades tratam os brasileiros como inúteis,
porque estes não têm o direito de escolher os seus representantes
através de voto direto. A volta das eleições diretas para presidente
acontece em 15 de janeiro de 1985 e o candidato eleito é Tancredo
Neves. Nesse meio tempo, Inútil entra para a história do rock
nacional.
“Uma crítica à Velha República que ganhou os palanques de
comícios pelas eleições diretas e chegou a ser usada pelo deputado
Ulysses Guimarães numa farpa lançada ao ex-porta voz da
Presidência, Carlos Átila. Ele que compre o disco com Inútile fique
ouvindo, aconselhou Ulysses”.9
Quando é gravada a frase a gente não sabemos escolher
presidente, há uma outra percepção política do Brasil. No entanto, a
música ainda é considerada atual, porque o inútil (não a música)
passou a se referir a um novo contexto político, no qual o povo se
torna conformado diante de governantes que optam pela corrupção.
− Foi um lance legal essa música pintar no rádio. No início ficou
todo mundo naquela de pô, qualé, será que os caras estão xingando
a gente? Mas nós, que pelo menos temos acesso aos meios de
comunicação, podemos fazer esse alerta. Rock n’ roll é diversão, é
energia, e as letras são divertidas. Temos um certo cinismo nas
letras, uma ousadia, um ultraje − analisa Roger.10
O Instrumento Óptico do
submarino Ultraje a Rigor
Para desenvolver a capa do disco, Roger conta com a ajuda de
seu irmão.
− Eu passei para ele que o nome do disco seria Nós Vamos Invadir
Sua Praia.
Imediatamente Régis imagina um periscópio com expressão
sacana saindo da água para invadir uma praia. O céu aparece ao
mesmo tempo inter-ligado a um oceano. Predomina o azul e a
Warner Bros orgulhosamente apresenta… Ultraje a Rigor.
Na contracapa, os ultrajes inicialmente querem uma foto deles
chegando, invadindo uma praia deserta que remeta ao
descobrimento do Brasil.
Entre dois coqueiros, eles armam duas cadeiras de praia. Há
frango, revista, uma bola colorida, um guarda-sol azul de bolinhas
brancas e um ambulante ao fundo. O vento bagunça um pouco os
cabelos de Carlinhos, que veste um casaco de estampa militar com
munição, além de short rosa. Leôspa calça uma bota preta no pé
direito: no esquerdo apenas uma meia branca e se divide entre tentar
acender um cigarro e segurar uma raquete de pingue-pongue. Roger
dança com uma coxinha de frango na mão que compõe o cenário e
usa um chapéu também com estampa militar, que deixa parte de seu
cabelo loiro à mostra. Maurício mantém sua franja de lado, mesmo
com o capacete, e aparece com cinto branco e uma pulseira de
tachinhas tipicamente punk, assim como sua gargantilha. E clique. O
fotógrafo oficial da banda, Paulo Fridman, tira uma foto da cena que
acontece bem perto da calçada entre Ipanema e Leblon. Roger
recorda que as pessoas passavam e viam a gente pagando mico lá.
O presidente da companhia (WEA), André Midani, exige que a
capa tenha os rostos dos integrantes da banda. O Ultraje não quer,
pois já tinha o periscópio com um cenário. E Roger conta: aí nós
chegamos naquela ideia de colocar as escotilhas com as nossas
fotinhos. Eles também querem um pôster no interior do disco, mas
isso sairia muito caro, então optam só por um encarte em preto e
branco com as letras de música e mais uma foto na praia. Na época,
existe uma crise de papel e só os primeiros discos saem com esse
encarte, quem quisesse tê-lo, deveria retirá-lo na gravadora.
No dia da foto, Carlinhos se entretém e lembra que o clipe Nós
Vamos Invadir Sua Praia foi feito pelo produtor da Rede Globo, José
Bonifacio de Oliveira Sobrinho, o famoso Boninho, seu amigo de
infância. Ele se aproveitou da nossa intimidade e fez todo o roteiro
baseado em nos colocar em situações um tanto desconfortáveis,
mas Maurício e Carlinhos revidam. E Boninho é jogado no mar com
roupa, sapato e carteira.
A galinha e a vaquinha
No começo de 1986, o Ultraje a Rigor lança seu único compacto
triplo, Liberdade para Marylou. A metafórica Marylou, em ritmo de
marchinha de carnaval, tem as partes censuradas substituídas por
sons de trombone.
Mainstream algoz
Muitas vezes eles não estavam procurando um trabalho
artístico de qualidade. Eles queriam música comercial, para
vender. Toda gravadora procura isso. Se, às vezes, você
apresentava um trabalho que eles achavam que
comercialmente não seria tão vendável quanto o disco
anterior, eles abandonavam mesmo e iam atrás de outros
grupos que dessem esse lucro. Esse é o problema de todas
as gravadoras, até hoje. Elas procuram sucesso imediato.
Não existe a preocupação da qualidade. Hoje, por exemplo,
pra resolver esse assunto, muitos grupos resolveram ser
alternativos, independentes, pra não depender de uma
grande gravadora e ter que fazer sucesso obrigatoriamente.
Então, por isso, acho que no final dos anos 80 começavam
a aparecer os selos independentes para aqueles artistas
que queriam fazer um trabalho de qualidade e não iriam
ficar presos à ditadura das gravadoras.
Kid Vinil
Mas na época, a diretoria da WEA muda e Roger sente um grande
impacto: − A gravadora perdeu o interesse total em nós e até hoje
não sabemos nem explicar bem o porquê. Apesar de nós estarmos
vendendo cada vez menos disco, ainda vendíamos muito disco de
platina e segundo eu soube depois, gente graúda na gravadora não
esperava nem que nós fizéssemos um segundo disco de sucesso.
Com o início dos anos 1990, uma nova leva musical chega às
rádios. Grupos de axé, duplas sertanejas e a lambada ganham mais
espaço. Bandas como a Blitz, RPM e Magazine já não existem, mas
marcam a década anterior e fazem parte do rock intitulado de Anos
80. Automaticamente, as bandas remanescentes do rock brasileiro
têm que se renovar. Os anos de ouro, a euforia, a aposta de
gravadoras e a atenção do público estão passando. Muitos decretam
a morte do rock. O Ultraje a Rigor não faz esforço para se adaptar ao
novo mercado e sofre as consequências. Roger declara: − Porque
não era a nossa intenção, nós continuamos tocando para aquele
público enorme que a gente tinha conquistado desde 1983 e até hoje
vivemos praticamente da nossa integridade, do nosso idealismo. E a
gente tinha esse espírito debochado, zoneávamos com tudo.
O entrosamento
Baterista, baixista e guitarrista escolhidos a dedo, é hora de
ensaiar. Serginho Petroni e Flávio já eram amigos, fora isso, ninguém
ali se conhece. Roger está com 34 anos, não tem amizade com
nenhum dos três. Heraldo entende que está vivendo uma relação
profissional que tem que funcionar.
− Mas eram pessoas muito diferentes umas das outras. O Roger é
um cara assim, muito metódico, sistemático e ele quer fazer as
coisas com muita previsão. Então, ele ficava um pouco tenso.
Será que eu tô fazendo a coisa certa? Peguei um bando de
moleque pra tocar comigo, como é que vai ser o bom senso, a
maturidade? Heraldo imagina que essas perguntas devem ter
passado pela cabeça de Roger, mesmo sendo sempre muito
brincalhão, Roger é um cara tímido. Ele se reserva.
Até Roger começar a ficar mais à vontade, mais brother, demorou
mais ou menos dois anos. E Heraldo entende que isso é normal, por
causa da fama, que não permite que o músico saia na rua sem
causar alvoroço. Eu acho que isso deixou o cara mais desconfiado.
Durante três meses, eles ensaiam três vezes por semana. Heraldo
lembra, tirando música que não acabava mais. Parecia Ultraje cover
com o Roger cantando.
Serginho Petroni faz uma comparação para explicar como as
coisas funcionam: − É uma coisa engraçada, uma banda não nasce
assim: vamos juntar quatro pessoas e, a partir de amanhã, é uma
banda. Demora. É como num time de futebol, é preciso um tempo
para haver aquele entrosamento entre os jogadores, quando um toca
a bola, o outro já sabe que vai receber ali na frente.
O baixista não sabe precisar quanto tempo leva para eles ficarem
afiados, mas no mínimo uns seis meses, para começarmos a tocar
sem precisar olhar um para a cara do outro. Enquanto isso, Roger
grava a música e o clipe Encoleirado, também título do quarto álbum
de Supla. Produzido por João Barone no estúdio Voz do Brasil e
lançado pela EMI.
A consolidação do Lider
Com essa nova formação, nasce um marco no Ultraje a Rigor. Até
1991, Roger é o principal letrista, costuma ser quem responde as
entrevistas (pelo menos seriamente, dentro do rigor da banda), lida
com a gravadora e peneira todas as sensações, ideias, brincadeiras,
visões dos integrantes e transforma em músicas. A partir do
recrutamento dos novos integrantes, ele assume de vez a função de
líder.
Por ser o vocalista, Roger tem um ângulo de aparição central e
maior que os demais músicos. É comum o público identificá-lo como
o líder da banda. Assim como acontece com Herbert Vianna, Frejat,
Paula Toller, Renato Russo e tantos outros. Para Cacá Prates, a
reformulação dentro do Ultraje é um rumo que ele tenta, mas não
aceita.
− O Roger era o divisor de águas. As pessoas lembram dele
porque sempre aparecia na frente, mas o Ultraje sempre foi todo
mundo pensando. O Roger achou que queria fazer uma coisa
diferente, que eu acho que foi um erro, a atitude dele foi impensada,
talvez. A essência do Ultraje é toda ela, são os quatro: Leôspa,
Roger, Maurício, Carlinhos ou Serginho. Essa era a formação que
tinha que perpetuar. O nome é de todos. Eles abriram mão… eu não
sei por que também. Se fosse eu, não abriria, não compactuaria com
mudanças.
A primeira aparição do novo Ultraje a Rigor acontece no Domingão
do Faustão, da Rede Globo, em abril de 1992. Roger está uma pilha.
Em breve, eles entram ao vivo para fazer a estreia. Heraldo lembra
esse show.
− O Roger tava nervosaço. Imagina a responsa do cara. A banda
simplesmente desmonta, ele monta outra banda, vai no Faustão
mostrar se ele acertou ou errou. Difícil, né?
Durante a passagem de som, Flávio está mexendo na bateria,
Serginho Petroni regulando o baixo e Heraldo acertando a guitarra
quando Roger puxa Sexo!! Embora o vocalista ache que os três
estão em atenção máxima com ele, como relata Heraldo, eles não
estão. No momento em que percebem, começam a tocar, mas daí já
haviam são pegos de surpresa. Iiih, o cara tá tocando e a gente saiu
tocando atrás. E ficou uma merda. Roger vira-se para os três: − Que
vocês estão fazendo? Vocês estão amarelando? Pô, a gente tem
uma apresentação marcante daqui a pouco.
Serginho Petroni, Flávio e Heraldo não entendem nada. Roger diz
que ensaiaram tudo e que eles não podem deixá-lo na mão. Passou
o maior recibo, percebe Heraldo. Calma, vamos começar de novo
que vai dar certo. Roger puxa novamente a música, e eles
acompanham perfeitamente.
Mas o nervosismo não acaba aí. Já no palco, Faustão pede para
relembrar os velhos sucessos. Roger começa Marylou e, na hora que
deveria cantar, ele meio que assopra no microfone eu tinha uma
galinha…
O erro é engraçado e serviria para que os outros músicos da
banda zombassem dele toda vez que demonstrasse uma ponta de
nervoso. Durante um close, percebe-se tremer o rosto de Roger.
Heraldo conta que depois da apresentação-teste, aí, pronto. Agora o
pessoal curtiu. Coitado, né? Muita responsa, não sabe com quem tá
tocando, é foda. Na estrada, o vídeo da primeira apresentação no
Faustão seria assistido muitas vezes, só pra ver ele errando, revela
Flávio.
A caminho de Ourinhos
O primeiro show acontece em Ourinhos, interior de São Paulo.
Flávio sente um certo medo, ansiedade com relação ao público. Ele
fica em dúvida se vai haver uma boa receptividade e tem medo de
que os fãs de Leôspa não se importem se ele é ou não um bom
baterista, mas aconteceu ao contrário. Foi o maior susto que eu levei
na minha vida. Ao saírem do hotel em direção ao local do show,
Flávio acha estranho. Eles têm de ser transportados dentro de um
camburão da polícia. Conforme vão se aproximando do lugar onde
se apresentariam, milhares de pessoas vão aparecendo, gritam e
começam a bater no vidro. Aquilo pra mim foi uma coisa absurda. Ele
pensa que vai morrer ali.
Próximo ao palco, existe uma cabine de acrílico de uma rádio que
está fazendo transmissão ao vivo. Os ultrajes entram. Em volta,
cerca de 10 mil pessoas cantam todas as músicas. Esse momento é
tão impressionante que Flávio não lembra detalhes do show, só da
multidão e fica imaginando.
Roger, Flávio e Serginho Petroni descansam no hotel de
Ourinhos, SP, para o primeiro show da nova formação,
1991.
Arquivo pessoal de Serginho Petroni/Fotógrafo não identificado − Muita gente passa a
carreira inteira, a vida inteira tentando tocar, e fica tocando em barzinho e é músico bom e
nunca sentiu isso que eu tô sentindo agora com 21 anos. Quer dizer, não tinha uma carreira
de músico, tinha uma banda, de repente entrei no top e vendo aquela galera, cantando e
gritando, foi indescritível. Fiquei meio bobo.
Para Roger a sensação é oposta. É normal tocar para grandes
públicos, mas não estava acostumado à calmaria. Depois do show,
eles vão a uma churrascaria recarregar as energias. De repente,
Roger nota: − Nossa, que coisa estranha!
− O quê? − pergunta Heraldo.
− Não, é que está tudo bem… não tem ninguém vomitando,
ninguém passando mal, ninguém quebrando vidro, ninguém lutando
espada com espeto de… nossa, tudo tão… eu consigo ouvir minha
voz, está tudo bem.
Aqui talvez seja a primeira vez que Roger descansa no sucesso. E
parece que ele gosta, pois esse novo clima perdura. A fase anterior
do Ultraje foi responsável por todas as conquistas, por trazer um
reconhecimento que ninguém da banda tinha experimentado. Agora,
Heraldo, Serginho Petroni e Flávio chegam com um espaço já aberto
e, como analisa Heraldo, numa pegada diferente. O que não inspira
aquelas atitudes típicas de uma banda de rock, como ocorria antes.
Como medida preventiva, Cacá Prates organiza os próximos
shows fora da capital de São Paulo. O receio de Flávio não é sem
fundamento. O empresário assume que administrar e expor a banda
se torna complicado. Porque parecia como se tivesse acabado. A
mudança foi drástica, um só ficou e eu, por trás. Eles tocam em
lugares mais afastados na intenção de ganhar uma blindagem
chamada Ultraje a Rigor para os novos integrantes até que a
adaptação estivesse completa.
Flávio e Serginho Petroni, principalmente, têm na face a nítida
expressão adolescente. Flávio ainda mais, quando usa um macacão
jeans. Serginho Petroni usa franjinha. Heraldo parece um pouco mais
maduro. Eles costumam vestir camisetas com o logotipo Ultraje a
Rigor em várias cores diferentes, assim como as formações
anteriores fizeram. Flávio, o mais alto, entrega que Heraldo ganha o
apelido de gnomo. Agora, ele não gosta desse apelido não, fica
bravo se falar isso pra ele. E não era só esse, os integrantes brincam
com o nome de Heraldo: então tem 50 mil variações antes do aldo,
Everaldo, Aguinaldo, Ronaldo, todos os aldos possíveis. Roger é o
único que está com os cabelos compridos, os outros estão a
caminho e o apelidam de Champion, em inglês.Era meio pejorativo,
no sentido de que era o chefe, mas eu não ligava.
Eles vão se conhecendo, trocando ideias, pegando confiança e ao
mesmo tempo uma fase inesperada se apresenta de 1991 até o final
do ano seguinte, quando o Ultraje faz cerca de 30 shows. Quando
Heraldo entra na banda, deixa de dar aula e tocar com Carlinhos
Borba Gato, na ilusão de que não teria mais tempo para continuar
tocando outros projetos.
− Achei que eu ia arrebentar. Cinco meses depois, eu liguei pra
todos os meus alunos. Liguei pro Borba. A gente só foi descobrir que
estava tendo um problema com o empresário dois anos depois. Foi
meio decepcionante.
Fobia vencida ?
Março de 1995. O Ultraje a Rigor é convidado pelo segundo ano
consecutivo para fazer uma temporada de shows no Japão e nos
Estados Unidos. Devido ao longo percurso, Roger rejeita de cara. É
comum em casos como esse, artistas nacionais tocarem para
colônias brasileiras, receberem comissões inferiores. Como se só o
fato de ir para fora já fosse um prêmio, aliás o brasileiro, de maneira
geral, vê assim a coisa, opina Roger. Até que um dia recebe “a
proposta”.
O contratante argumenta; mas eu estou te oferecendo o espaço
para divulgação… e Roger volta com um riso irônico, sei, além disso,
eu quero um cachê!
Ele rebate que nos Estados Unidos os atores fazem um filme e
cobram cachê para dar entrevista, como se fosse parte da carreira.
Mas de qualquer forma, nos ofereceram para fazer a turnê lá,
queriam que nós levássemos menos gente, ganhássemos menos. O
líder do Ultraje blefa: como não queria ir mesmo, disse não, só se
oferecessem tudo igual, vai a equipe inteira. A gente quer o hotel
igual, o dinheiro igual e o cara topou. Eu tive que ir, né?
É tão inusitado que Heraldo duvida.
− Só acredito vendo. Flávio, não vamos!
− A gente vai.
− Não vamos! O Roger não vai pegar o avião nem a pau, o cara
não anda de avião.
− Então você me faz um favor, quando a gente estiver andando na
Times Square em Nova York, você me belisca, tá?
Flávio concorda com o pedido de Heraldo .
Para conseguir driblar a fobia de avião, Roger apela para alguns
tratamentos, como hipnose e simulação de voo da Varig, no Galeão,
no Rio de Janeiro, me cerquei de uma série de coisas, mas mesmo
assim no dia de ir eu quase desisti.
Heraldo ressalta que quando Roger sentiu que poderia vencer a
síndrome de pânico, foi só agendar, fechar, marcar e fomos embora.
No dia da viagem, um ônibus fretado leva a trupe até o aeroporto
de Cumbica, em São Paulo. Todos estão ansiosos na porta do
condomínio onde mora Roger. De repente, ele diz que não vai.
Tentam acalmá-lo e convencê-lo a embarcar. O baterista decide ficar
esperando, pois se fosse falar com Roger, o deixaria mais nervoso.
Inclusive, Flávio não acompanha o tratamento de Roger pelo mesmo
motivo, provavelmente faria uma pressão.
− Eu brigava muito com o Roger. A gente discutia muito. Às vezes,
eu não concordava com o negócio e falava, não tinha medo, acho
até que por isso a gente se dava tão bem. Às vezes, ele não gostava
de falar coisa comigo, porque eu retrucava no ato ou questionava
coisas que ele precisava de alguém pra ajudar, não era eu o cara.
Então falei, não vou subir, porque se o cara tá em pânico e eu for lá,
começo a gritar na orelha dele, aí ele não vai mesmo.
Júnior revela que é difícil falar sério com Roger, ele o define como
um (nem sempre) mal-humorado mais humorado e engraçado que
eu conheço. É extremamente educado e mesmo nas situações mais
críticas, em que está mal-humorado ou estressado, tira sempre as
coisas de forma engraçada e irônica. O empresário relata que uma
das situações mais marcantes acontece na madrugada que antecede
a viagem aos Estados Unidos. O psicólogo que fazia o tratamento
ligou para ele e o convenceu a voltar atrás (acho que hipnotizou ele
pelo telefone…), enfim, isso foi um grande susto, virou uma lenda.
É por um triz, mas o Ultraje embarca. Dentro do avião, Roger leva
o laptop para se distrair. Ele joga paciência e fica cada vez mais
impaciente. Está na hora de Flávio dar uma mãozinha, chega com
uma conversa fiada na aeromoça, aproveitando a fama de Roger: −
Olha, você conhece o Roger, né? É o seguinte, o cara tá nervoso pra
caramba, a gente precisa fumar, arruma um lugar, porque senão o
cara vai ter um treco aqui dentro.
Sabe aquela história de jeitinho brasileiro? Flávio chama: − Roger,
vamos fumar um cigarro.
− Não pode fumar aqui dentro.
− Pode. Já falei com a aeromoça.
Assim que desce do avião, Flávio reconhece que Roger está feliz
pra caramba, acabado, porque ele não dormiu, oito horas direto. Mas
ele conseguiu, né?
Eles passam 15 dias fazendo shows no país onde Roger sonhou
morar desde a infância. Na primeira vez em que andam na Times
Square, Flávio belisca Heraldo, que xinga o amigo.
− Por que você fez isso?
− Você pediu pra te lembrar, tá aí, ó. Você está na Times Square.
Eu não falei que a gente vinha?
Heraldo sente essa oportunidade como o auge de sua carreira e
fica maravilhado com a possibilidade de sair de seu país para
trabalhar. Nesse astral, o Ultraje faz shows em cinco dos 50 estados
dos EUA: Flórida (Miami e Fort Lauderdale), Massachussets (Boston
e Framingham), Connecticut (Danbury), New Jersey (Elizabeth e
Newark) e New York, onde a banda se apresenta no Queens.
Serginho Petroni e Flávio listam os shows de Miami como os
melhores, por causa da estrutura.
− O equipamento de som que foi alugado foi de americano mesmo
e a equipe de som era um casal e carregavam tudo, montavam tudo,
chegava lá, estava tudo passado. Caras de uma eficiência fenomenal
e os técnicos de som começaram a aprender, foi bom pra caramba
pra eles e os shows foram bons porque o som foi legal.
Em Massachusetts, o equipamento de som do contratante é um
problema, a caixa de som está prestes a estourar. Em um dos
últimos shows, em Boston, o baixista lembra quemetade de um lado
do som já não funcionava, daí o show não foi muito legal. Teve uns
dois shows em Boston e um em Danbury que o som estava ruim.
Mas para compensar, os da Flórida foram ótimos.
Saldo da viagem superpositivo, os brasileiros que moram no
exterior matam a saudade do Ultraje a Rigor, que transpõe mais uma
barreira.
Algumas historinhas
internacionais
O pai de Heraldo está prestes a abrir um escritório de
contabilidade em São Paulo. Na passagem por Danbury, o guitarrista
compra um fax. Quando chega em Framingham, percebe que
esqueceu o presente. Por sorte, alguns amigos que fez
recentemente, ou como ele diz, “anjos”, se mobilizam até a casa
onde está hospedado e lhe entregam o aparelho.
Enquanto o Ultraje toca seus grandes sucessos na Flórida, um
show da banda dos irmãos holandeses, Van Halen, está prestes a
acontecer. Eles querem aproveitar a oportunidade para assisti-los,
mas não é possível. Heraldo lamenta. Aí uns amigos do roadie do
batera que estavam lá, não só foram no show, como passearam de
limousine com os caras, foram no camarim, conversaram com os
caras e a gente perdeu tudo isso.
As apresentações do Ultraje a Rigor chegam ao fim, Roger e
Serginho Petroni decidem ficar por mais 15 dias a passeio. Flávio
volta para casa, com saudades de André. Preciso ver meu filho,
acabou de nascer. Heraldo também retorna ao Brasil. Na ocasião,
ele havia começado a cursar Faculdade de Artes Alcântara Machado
(FAAM), da Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), em São Paulo
e não poderia perder mais aulas.Meus amigos de sala levavam um
gravadorzinho, gravaram todas as aulas em 15 dias pra mim, pra eu
não perder nada. O outro motivo tem a ver com o fato de Serginho
Petroni e Roger terem mais afinidade na época. Heraldo demonstra
sinceridade: − Apesar de a gente já ter muita amizade, eu sentia que
ia incomodar um pouco a liberdade de Roger. Mas esse não foi o
fator determinante, se o Flávio falasse vamos ficar, estava em casa,
no final eu acabei ficando mais próximo do Flávio.
Para os que permaneceram nos Estados Unidos, uma grande e
feliz coincidência. Passeando por Nova York, Roger e Serginho
Petroni passam pelo Central Park. E o acaso faz com que encontrem
Julian Lennon, o filho mais velho de John Lennon. Roger chama a
atenção de Serginho Petroni para o homem que se aproxima:
Serginho Petroni e Roger passeiam de limusine pelos
Estados Unidos, em 1995.
Serginho Petroni e Roger voltam para pedir uma foto com o
filho de Jonh Lennon, Julian Lennon, em 1995.
Arquivo pessoal de Serginho Petroni
− Nossa, meu! É o cara, vamos pedir um autógrafo, que custa?
Eles conseguem o autógrafo e vão embora. Aí deu um estalo: pô,
meu, vamos tirar uma foto. A gente voltou só pra isso. Roger se
lembra dos detalhes de como o super simpático Julian estava
vestido: uma roupa muito parecida com a do John Lennon, com
óculos, talvez até tivesse sido do pai dele, redondo, azul e um
casaco meio peludo.
Um feliz reenconTro
Maurício aparece em São Paulo. Dia 18 de março de 1997, a
passagem do amigo na cidade reúne Leôspa, Carlo Bartolini e Roger
em um barzinho em Santo Amaro, o Black Jack. Sem ensaio, eles
relembram os velhos tempos. Nos juntamos de farra e tocamos sem
aviso, juntamos para sei lá, umas 50 pessoas talvez que estavam lá
e viram a gente tocar junto, conta Roger, que se diverte muito junto
com os ex-ultrajes; e Carlo Bartolini revela um pouco mais da farra.
Nos anos 90, a imprensa invade o ônibus do Ultraje a Rigor
em São Sebastião, SP.
Arquivo pessoal de Serginho Petroni/Fotógrafo não identificado − Eu gosto de tocar, por isso
sempre me divirto no Black Jack, o bar do meu grande amigo Murilo. Foi muito astral, nossa
performance foi cômica, mas o astral superou a performance.
No mesmo ano, mais uma parceria é registrada no álbum Músicas
para tocar em elevador(Sony), de Jorge Ben Jor. O Ultraje a Rigor
toca em A cegonha me deixou em Madureira, composição do
sambista e de Augusto de Agosto, que ganha a produção de Carlo
Bartolini.
Mas, no que diz respeito a atual formação, a situação do Ultraje
não é das melhores. Com um disco ao vivo nas mãos, eles passam
cerca de três anos sem gravadora. O guitarrista conta: era
desesperador e acabou acontecendo do Roger pedir uma diminuição
inacreditável da quantidade de shows, era o inferno na Terra. Por
conta disso, os músicos têm que se virar. Heraldo passa a tocar
bateria em uma banda de country, não tinha mais o que fazer.
Novamente ele é julgado antecipadamente quando tenta dar aulas,
mas todo mundo achava que eu era rico. Eu estava tocando no
Ultraje, então ninguém me ligava pra nada. Eu devendo
mensalidades na faculdade…
Por trás dos bastidores, a empreitada segue com Roger correndo
atrás de uma gravadora para lançar 15 anos Sem Tirar!. Ele tenta a
sorte pessoalmente. Quando vai negociar com a Sony, liga do Rio de
Janeiro, sei lá, acho que vai rolar, e ligava pra todo mundo, porque
ele estava preocupado também com tudo isso, explica Heraldo. Mas
com as desilusões, o clima dentro da banda sofre até o ponto em
que Heraldo estabelece um prazo para ele mesmo, se até junho de
99 não acontecer nada, eu vou seguir o meu caminho, porque três
anos de espera já é muito tempo. Um dia, conversando com
Serginho Petroni, conta desse prazo. O baixista indaga: cara, mas
você vai sair?
Heraldo chega a um ponto em que conclui que não pode mais
adiar uma definição em sua vida profissional e Serginho Petroni,
tentando fazer a minha cabeça pra eu não pensar desse jeito.
Tempos depois, Roger diz, em entrevista ao apresentador da MTV
João Gordo, que está com um trabalho pronto, por conta própria, e
todas aquelas pessoas que viviam atrás dele elogiando lhe viram as
costas quando ele precisa, afinal, está sem gravadora.
Um belo dia, Rafael Ramos lê uma matéria na revista Bizz sobre
essa procura de Roger para lançar um novo trabalho. Fã do Ultraje a
Rigor desde que frequentava festinhas em playground, Rafael
conversa com João Augusto, agora dono da novata gravadora
Deckdisc, que se interessa de imediato e telefona para Tom Gomes a
fim de saber como pode fazer para contatar o Ultraje.
− Eu disse a ele que estava falando com a pessoa certa, pois eu
era o representante da banda.
− A banda toparia gravar um disco ao vivo?
− Este disco já estava pronto e estávamos esperando que alguma
gravadora mostrasse interesse pelo mesmo para lançamento.
João Augusto embarca do Rio de Janeiro para São Paulo,
conversa com Júnior e Roger. Antes que o Ultraje a Rigor seja
contratado pela Abril Music, Roger vai até a WEA junto com o
empresário para tentar uma última cartada. Flávio recorda: ele botou
na parede pra dizer: a gente lança ou eu tô fora. Sem acordo,
providenciam a rescisão de contrato naquele momento. Mas as
músicas gravadas ao vivo são versões das que pertencem à WEA,
então João Augusto precisa pagar para lançá-las, por isso, para valer
a pena para a Deckdisc, é preciso também algumas músicas inéditas
no 15 Anos Sem Tirar!, que agora está prestes a se chamar 18 Anos
Sem Tirar!, afinal, essa trama toda dura até o início de 1999.
Quando o contrato com a Deckdisc se torna real, Roger liga para
Heraldo e avisa não só da novidade da gravadora, mas também
comunica que Serginho Petroni deixou a banda. O guitarrista fica
sem entender, pois há pouco o próprio baixista o tinha incentivado a
permanecer no Ultraje. Fiquei chocado. A última pessoa que eu
imaginava que ia querer sair da banda era ele, porque tinha muita
admiração pelo Roger. Heraldo liga para Serginho Petroni: − Cara, a
gente vai pegar a caneta e assinar, agora a coisa vai rolar.
− Não, não, mas não quero mais, vou seguir a minha carreira
como engenheiro químico.
O remanejamento
Para que se tenha dimensão da importância do Ultraje a Rigor na
vida de um músico, é preciso voltar à sua infância e apresentá-lo.
Seu nome é Marco Aurélio Mendes da Silva. Ele nasce em Brasília a
27 de junho de 1971 e cresce ouvindo muita música.
Seu pai, Osvaldo, ouve desde o camaleão do rock, David Bowie,
até o paraibano Zé Ramalho; já o gosto da mãe, Maria, vai da
cantora de MPB, Elis Regina, à banda alemã precursora da música
eletrônica, Kraftwerk.
Marco é uma criança quando Brasília começa a concentrar os
jovens que, sem mais nada para fazer, formam as turmas no final
dos anos 1970. Em poucos anos, a capital federal apresenta suas
primeiras bandas de rock.
Aos 11 anos, Marco entra no Colégio Dom Bosco e conhece sua
turma de amigos: Alf, Lui, Beto e Gustavo Rosa. Eles começam a
montar algumas bandinhas. Em função de eu ser brasiliense, a
vivência musical lá é muito forte e era muito comum isso na época,
não sei por quê. Além da cidade, dos pais e do espírito contagiado
por música dos amigos, Marco é influenciado pelo irmão mais velho,
Maximiliam, que toca baixo. Às vezes, ele ia ensaiar em casa, ouvia
o baixo, me interessei inclusive inicialmente a tocar baixo, depois é
que fui tocar bateria.
No mesmo ano, 1982, Marco está andando no pátio do colégio e,
de repente, escuta: − Bacalhau! Bacalhau!
Num é comigo, né?, ele pensa.
− Bacalhau! Bacalhau!
Caramba, esse Bacalhau não vai olhar não?, imagina Marco.
Curioso, o garoto olha para trás e se depara com três amigos que
estudam na mesma sala de aula.Só lembro de dois: Badalhoca e o
Marcelo de Paula. Ah, e tem outro, o Zé, primo do Beto (que seria o
baixista do Rumbora). Depois desse dia, Marco fica mais conhecido
como Bacalhau. Sei lá porque Bacalhau, ou para os amigos mais
chegados, Baca .
Logo, Bacalhau quer aprender a tocar baixo. Pede o instrumento
de presente para a mãe. Ele insiste tanto, que um dia Maria
concorda em ir a uma loja ver quanto custa esse tal baixo com que
seu filho sonha.
− Pô, mãe. Tá aqui o baixo, um Giannini Sonic azul, igual do Steve
Harris, do Iron Maiden.
A mãe pergunta ao vendedor o valor e acha meio caro. Mas
Bacalhau pede: − Mas, poxa, vamos ver como é que é.
E o vendedor ainda acrescenta o amplificador à compra. O garoto
lembra da interrogação de sua mãe: am-pli-fi-ca-dor?
Com o novo preço, Maria vira-se para o filho: − Pô, meu filho,
deixa pra próxima. Agora não vai dar.
No caminho de volta para casa, Bacalhau está frustrado e acaba
indo parar na casa do amigo Alf, onde costuma ouvir música. Lá ele
encontra um par de baquetas velhas, inclusive uma das baquetas era
diferente da outra. Brincando, ele começa a batucar numas
almofadas e no encosto do sofá. Isso aqui é maneiro demais.
Bacalhau começa a estudar sozinho. Digo que meu professor de
bateria foram as duas canetas bic, um sofá e o meu walkman. E aí
aprendi de observar e de ouvir, de tentar, tentativa e erro.
Mais ou menos um ano depois, Bacalhau está no colégio. É hora
do recreio, ele corre… repentinamente escuta uma música, ele fica
estático. Foi instantâneo o efeito que causou em mim. Eu tive que
parar tudo, ouvir a música até o final pra pensar assim, pô, que
banda é essa? Quem é essa galera?
A música é Eu Me Amo. A banda se torna uma de suas grandes
influências. Aí, com 14 anos mesmo, eu pilhei, comecei a correr atrás
e arranhar alguma coisa. Aos 16 anos, Bacalhau entra na sua
primeira banda, o Little Quail and the Mad Birds, com o vocalista e
guitarrista Gabriel Thomaz (hoje na banda Autoramas) e o baixista
Zé Ovo preenchem diversos espaços alternativos. O baterista
adolescente sabe o que deseja de seu futuro. Estudava por estudar,
trabalhava por trabalhar, mas eu sabia que uma hora eu cairia de
cabeça na música. A primeira bateria, comprada anos depois, é uma
Saema preta com pratos Ziltanann e vem de um amigo, que ficou
sabendo de um outro amigo que tinha o instrumento para vender. Ele
enche a boca para dizer: − Comprei com a minha grana, com o meu
trabalho de office boy do Banco do Brasil. Juntei cada centavo. Ainda
tenho algumas peças dela: o bumbo, o ton ton e a caixa que não
funciona, mas guardo como relíquia.
Durante a adolescência, Bacalhau lembra que nas festinhas que
frequentou, era obrigatório tocar o disco Nós vamos invadir sua
praia, lados A e B. Ai daquele que ousasse chegar perto da vitrola
para mudar o disco. Era ejetado da festa. E, assim, ele aprende o
repertório dos ídolos.
O tempo passa e o Little Quail chega a São Paulo para divulgar
uma demo. O jornalista e produtor Carlos Eduardo Miranda convida a
banda para entrar na coletânea A vez do Brasil, da rádio 89 FM. Em
1994 eles lançam o Lírou quêiol en de méd brás, pelo selo Banguela
Records. Apesar das dificuldades, o Little Quail encontra amigos em
São Paulo. A gente veio morar na casa do Bernardo Ri Cupero e do
Luis Bernardo Pericás, duas figuras extremamente gentis e fraternas.
Nessa ocasião, Bacalhau se muda definitivamente de Brasília, busca
realizar seu sonho de músico e acaba aprendendo muito. Uma
verdadeira escola de lidar com gravadora, produtor, televisão, jornal,
público. Foi demais.
Dois anos mais tarde, o Little Quail lança o segundo álbum: A
Primeira Vez que Você Me Beijou, depois Bacalhau sai da banda
para integrar o Rumbora, com os antigos amigos de Brasília: Alf
(guitarrista e vocalista) e Beto (baixista), mais o guitarrista Biu.
Contratados pela Trama, o Rumbora estreia em 1999 com 71, título
que faz referência ao ano de nascimento de todos os integrantes. No
ano seguinte, sai Exército Positivo Operante. Em 2001, o Rumbora
abre o show dos ingleses The Mission no Via Funchal, onde
Bacalhau ainda é convidado a substituir o baterista Scott Garrett, que
havia quebrado o braço dias antes. Também tocam na Tenda Brasil
do Rock in Rio III, e no final desse ano, Bacalhau deixa a banda. Por
várias vezes ele encontrara com o Ultraje a Rigor nos camarins dos
shows. Em uma delas, topa com Roger e tem a oportunidade de
tocar com ele. Tudo por causa de um projeto que sua turma trouxe
de Brasília.
− Num longínquo ano, eu, o Digão [guitarrista] e o Alf não
tínhamos nada para fazer no Natal e combinamos de nos encontrar
na chácara do Alf, para tocar depois da ceia.
Cada um levaria seu instrumento e fariam um showzinho
despretensioso, mas pouco antes de chegar a hora de se
encontrarem, Digão liga e muda os planos, marcando o encontro na
casa do Renatão, no lago. Eles topam. Quando chegam ao local
combinado, tomam um susto, pois avistam umas 500 pessoas na
frente da piscina, churrasqueira, equipamento montado e todo
mundo esperando a gente tocar.
O show começa por volta de 1h e termina às 8h sem parar. Rock,
rock, rock, pô, foi demais! Eles se divertem tanto que combinam de
tocar no ano seguinte. E nessa a gente fez o “Papai Nóião”, que
durou pra lá de 10 anos. Todo Natal, a mesma galera se encontrava
em Brasília depois da ceia.
O público aumenta a cada ano, até que os músicos decidem
estipular o máximo de 700 pessoas, mas várias outras ficam do lado
de fora. Rock n’ roll até o último falar não aguento mais, aí para 9, 7,
10 da manhã.
Quando esses músicos se mudam para São Paulo, por volta de
1997, a ideia vem junto e eles chamam mais amigos. Assim, juntam-
se várias bandas: Ira!, Ultraje a Rigor, Raimundos, Charlie Brown Jr.,
Natiruts, Rumbora, Tihuana, Inocentes, RPM e outros.
Em uma das vezes, sobem ao palco Bacalhau, Digão, Alf e Roger,
tocando Ultraje a Rigor no KVA e eu lembro que, na época, o Roger
pirou, falou: porra, vocês sabem mesmo e fica muito bom com vocês.
Vocês tocam a fim mesmo.
Fora do Rumbora, Bacalhau passaria os próximos meses sem
tocar, só estudando. Pirei em música brasileira. Ele começa a
estudar percussão e ouve muito candomblé, além disso, também cria
e desenvolve pratos de bateria da fábrica Orion Cymbols.
Um belo dia, depois que Mingau e Rafael indicam o nome de
Bacalhau para assumir a vaga de baterista, Roger se lembra: pô, é
mesmo. Já toquei com ele algumas vezes, foi demais, mas será que
ele vai topar?
Não, né? Bobagem!, pensa ironicamente Bacalhau.
O baterista acredita que Roger guardou na memória o show em
que tocaram juntos. Eu tenho certeza que ele se lembrou dessa
oportunidade e falou, eu acho que vai funcionar sim, porque eu já
tive a prova dos sete.
Uma noite, Roger liga para Bacalhau e pergunta: − E aí? Tá a fim
de entrar na banda?
− Lógico, velho. É uma honra.
Nesse instante, uma cena volta à cabeça de Bacalhau: − Foi
incrível receber esse telefonema do Roger… Ouvir aquele timbre de
voz que eu ouvi com 14 anos lá em Brasília no pátio do Dom Bosco,
um cara que também foi responsável por eu estar correndo na hora
do recreio e ouvir Eu me amo, aquilo mexeu comigo. Mexeu com
aquele adolescente que se transformou no músico que eu sou… 30
anos depois praticamente. Não, mentira! Não sou tão velho assim,
20 anos praticamente. O cara me chama e fala, vamos nessa? Foi
demais!
Quando entra para o Ultraje, Bacalhau sabe de cor o repertório,
menos as inéditas, que ele tem uma semana para aprender.
Enquanto isso, outro telefonema dá origem ao que Roger chama
no site da banda de “A volta dos que não foram”. Para empunhar a
guitarra solo, ele pensa em Serginho Serra, guitarrista com o qual
nunca perdeu contato.
− Algumas vezes que eu vinha em São Paulo, encontrava o Roger
e, quando ele ia no Rio, dava canja.
Em 2002 Serginho Serra está tocando com o Arnaldo Brandão e o
Plano D no Rio de Janeiro. Um dia recebe um telefonema muito
surreal de Roger. O líder do Ultraje explica o que está acontecendo,
diz que tem um disco pronto e pergunta se ele topa gravar Os
Invisíveis.
− É lógico! Responde imediatamente Serginho Serra, eu fiquei
muito contente, com a possibilidade de voltar para a banda.
Roger entrega uma demo para os dois novos membros. E diz: − Ó,
é mais ou menos isso daí, vai ouvindo…
Em uma semana, acontecem dois ensaios para sentir o espírito da
nova formação. O fotógrafo Marcos Hermes registra esses ensaios,
que acabam virando material para divulgação da banda. Bacalhau
conta que, quando Roger está inspirado, ele desce até seu estúdio e
com uma bateria eletrônica faz uma guia, as bases da música, os
refrões, os prováveis arranjos da harmonia e da melodia,depois a
banda em estúdio se reúne pra arranjar mesmo, dar a cara pra coisa.
Bacalhau deixa tudo de lado e dedica-se 24 horas por dia à guia
de bateria que Roger fez.
− Quando você toca numa banda espontânea como o Ultraje a
Rigor, também não tem muito mistério, não. Era entrar em estúdio,
experimentar, dois, três takes e gravando. Matou assim. E é o que eu
acho que você sente nesse disco, que é totalmente urgente,
espontâneo e impetuoso.
Os Invisíveis ganha corpo nos Estúdios Tambor, no Rio de Janeiro,
e no Estúdio Anonimato em São Paulo, em junho de 2002. O nome
do disco é uma referência à falta de repercussão do Ultraje a Rigor
na grande mídia nos últimos anos. Bacalhau comenta: − Mais uma
vez a mídia, como sempre, vem se transformando com o passar dos
anos. Os valores vão se invertendo e se esquece um pouco de se
respeitar a história que se vem escrevendo. Então não foi muito
levado em conta, não. Tocou até bem, não como deveria – eu acho.
Ele revela como rola o entrosamento dos invisíveis durante as
composições. O Roger é super aberto, um cara incrível. É lógico que
ele é o grande mentor, mas ele está muito aberto a ouvir, de repente
a gente corta essa parte, se permite improvisar.
Em agosto, o Ultraje cai na estrada novamente, com as inéditas.
Esta canção, composição de Roger, conta com o apoio de três vozes
femininas: Tatiana Parra, Cida de Souza e Ângela, além da atenção
direcionada para o violino de Helena Piccazio e a harpa de Marcelo
Penido. A próxima faixa do álbum é de Gabriel Thomaz e Renato,
Miss Simpatia. Na sequência a alto-astral que puxa o disco, sendo
uma das mais executadas no Brasil no dia do seu lançamento,
Domingo eu vou pra praia ganha um clipe produzido por Cristian
Targa e Cristiano Martins, em que os ultrajes tocam sem
malabarismo, a não ser pela imitação de surf em terra firme de
Serginho Serra e Roger. Bacalhau aprova: acho demais esse clipe, é
mais a cara da banda, estúdio mesmo tocando, cenas de surf. Rafael
Ramos revela que todos queríamos a banda tocando. Corri atrás de
uma galera que fazia umas imagens em película, de surf, e comprei
um minuto de fita pra colocar no clipe. O disco também inclui I’m
Sorry, a preferida de Mingau.
− Eu acho que é bem mais a minha cara, é um skazinho bem
bacana. O Velho Surfistaé uma instrumental da dupla Roger e
Mingau. Eles compõem A Gente É Tudo Igual. As cinco últimas
faixas são todas do líder: Me Dá, Me Dá um Olá, que vira trilha
sonora da novela Malhação e rende um clipe caricatural. Bacalhau
compara os desenhos dos músicos aos clipes da banda Gorillaz.
− Acho bem legal. Se eu tivesse mais autonomia no momento,
dinheiro pra poder parar e dizer: não tá bom. Volta. Mas essa coisa é
muito difícil no Brasil. Eu mudaria algumas coisas. No clipe, não acho
os personagens tão parecidos assim com os membros, mas o clipe
ajudou bastante a divulgar a banda.
Imprensa elétrica
Durante a turnê do Acústico MTV, o Ultraje realiza um show em
Brasília. Os músicos estão no saguão do hotel, uma repórter chega
para entrevistá-los e pede para Roger dar uma canja com o violão no
final da matéria que irá ao ar com o intuito de divulgar o show da
banda. Roger diz que concede a entrevista, mas que não dá a canja.
Bacalhau recorda da resposta: − A banda não é violão e voz, eu não
faço bossa nova. É acústico, mas é acústico com o Manito no
saxofone, o Paulinho na voz, o Ricardinho na voz e violão, o
Osvaldinho no piano, mais a banda toda. Eu não vou traduzir o que é
a banda, eu não vou fazer. Vocês peguem do acervo de vocês, do
DVD, é até mais interessante inserir pra divulgar o DVD pras
pessoas terem uma noção mais real do que é o show.
A repórter insiste dizendo que ele não está entendendo, que é
importantíssimo porque será exibido em horário nobre.
− Não, moça, você que não está entendendo, eu não vou fazer.
Roger diz que ela peitou: − Se não tiver palhinha, não tem
entrevista. É Rede Globo, melhor pra vocês…
− Mas é o Roger, é o Ultraje a Rigor e eu não vou fazer.
Roger revela o que se passa em sua cabeça.
− Melhor pra mim não, melhor para o contratante. A gente ganha
cachê e não gosto desse tipo de coação. Tem muito dessa folga
aqui, as pessoas acham que estão me ajudando e sinceramente eu
tenho uma carreira consoli-dada e não tô buscando mais nada.
− Não vai fazer? Então, não tem entrevista.
− Então, boa noite… tudo de bom.
Bacalhau narra a cena: a mulher saiu toda indignada, falou: vocês
vão ver o show… E ele conta como foi o show: Bombado, velho! Não
me lembro de nenhuma música que neguinho não tenha cantado.
Teve canja do Philippe Seabra, [ vocalista da Plebe Rude ], a gente
tocou Até quando esperar, foi demais.
Ao presenciar essa atitude de Roger, o baterista diz ter aprendido
muito. Ele acredita ser uma questão de respeito com o trabalho do
jornalista, da emissora, que deve ser recíproco com o trabalho do
músico.
− Essa é uma história que eu acho bem legal, porque não é medir
força. Acho que é uma troca o que está acontecendo aqui, então não
tenha essa postura, me escuta. Se você me escutar acho que vai
ficar melhor o resultado final do seu trampo. Coisa chata, né? No
saguão de hotel, coisa mais mico, sem propósito.
Mas esse tipo de desentendimento acontece há muito tempo.
Roger se lembra de uma outra ocasião em Bauru . Os integrantes
chegam ao hotel às 6 horas, tomam café da manhã e caminham para
o quarto para dormir, por volta das 7 horas, quando chega uma
repórter.
− Estamos aqui embaixo pra fazer a matéria.
Roger avisa: nós chegamos de viagem, vamos dormir agora.
Ela indaga: mas é a Rede Globo.
− Nem que fosse a BBC. Meu, estamos chegando de viagem, não
dá pra você entender? Passamos a noite em claro, tô indo dormir
agora. É uma questão de respeito humano.
O líder do Ultraje reclama do tratamento destinado aos artistas
brasileiros.
− Você tem que estar disponível, artista é lixo. Hoje em dia, até
talvez seja porque muitos se sujeitam a isso, fazem qualquer
negócio, mas a gente nunca fez e pretende continuar não fazendo, a
gente se dá o valor. Não que tenha um valor sensacional, mas tem
coisas que eu faço e que eu não faço, é escolha.
Até meados de 1989, durante a terceira turnê, o Ultraje tira 15 dias
de férias por ano, no restante do tempo o empresário procura por
locais que têm o interesse de contratar a banda. Dessa época em
diante, são os contratantes que buscam o Ultraje a Rigor. Roger
explica que ligam para o escritório interessados nos shows. A banda
cobra um valor fixo e o contratante é que deve se preocupar em
fazer a divulgação e cuidar para que todos os processos burocráticos
se cumpram. Trabalhamos assim. Hoje em dia, quase todo mundo,
nós ficamos aqui esperando, diz ele em tom de deboche, como se
ficasse literalmente sentado esperando.
Vovô ?
Roger nasce em 12 de setembro de 1956. E ganha o apelido de
vovô. E eu odiava esse vovô, porque foi numa época em que eu
estava tendo uma crise mais de idade e agora já passou também.
Hoje em dia, eles me chamam de vovô e tudo bem. Ele conta que,
na época, começou a perceber que realmente estava envelhecendo.
− Acho que algumas pessoas da banda às vezes estranham, pô,
mas você está parando? O cara olha para mim e acha que eu estou
com a idade dele, 35, mas não tô. Pô, para mim, dói as costas, ou é
cansativo. Não só me sinto, como eu fiz um check-up há pouco
tempo e estava realmente ótimo, mas porque eu me cuido. Não vou
ficar me desgastando porque isso vai fazer mal para mim e se eu
estivesse precisando, mas graças a Deus eu soube administrar na
época. Porque eu sempre tive a consciência, também, que o Ultraje
durou muito mais do que eu imaginava. Então, quando eu estava
ganhando muito dinheiro duma vez, eu não fui oba, vou comprar um
Mustang. Eu vou viver de acordo com o que eu sou, classe média,
porque eu não sei quanto isso vai durar.
O culpado pelo “vovô” é Mingau. Depois que Serginho Serra
começa a chamar também, daí eu vi que estava… e falei, não quero
mais ouvir esse apelido. Foi uma das poucas vezes que eu fiquei…
mas eu costumo levar tudo na brincadeira.
Roger chama o empresário de tio, que também o chama da
mesma forma. Mingau é o Digão, por causa da semelhança com o
guitarrista dos Raimundos. Mingau também chama o líder do Ultraje
de Mastiga, porque ele fica com aquela mania de morder a língua,
enquanto tá tocando. Acho que quem mais tem apelido que eu botei
é o Roger. É uma figura.
Sexo!!
Hoje vai passar um filme na TV que eu já vi no cinema
Êpa!? Mutilaram o filme, cortaram uma cena E só porque
aparecia uma coisa que todo mundo conhece E se não
conhece ainda vai conhecer E não tem nada de mais Se a
gente nasceu com uma vontade que nunca se satisfaz
Verdadeiro perigo na mente dos boçais Corri pro quarto,
acendi a luz, olhei no espelho, o meu tava lá Ainda bem que
eu não tô na TV, senão iam ter que cortar!
(Ui!) Sexo! Como é que eu fico sem sexo!
Eu quero sexo! Me dá sexo!
Sexo! Como é que eu fico sem sexo!
Eu quero sexo! Vem cá sexo!
Bom, vá lá, vai ver que é pelas crianças Mas quem essa
besta pensa que é pra decidir?
Depois aprende por aí que nem eu aprendi Tão distorcido
que é uma sorte eu não ser pervertido Voltei pra sala, vou
ver o jornal Quem sabe me deixam ver a situação geral E é
eleição, é inflação, corrupção e como tem ladrão e
assassino e terrorista e a guerra espacial!
Socorro! Eu quero sexo! Me dá sexo!
Como é que eu fico sem sexo! Sexo!
Me dá sexo! Eu quero sexo! Senta Sexo! Solta Sexo!
Teimoso Não implique por eu ser teimoso
já que a minha teimosia não é como a do
burro que empaca e faz valer sua vontade
usando força bruta e é teimoso justamente
porque é burro!
Não, apesar de eu também ser teimoso não sou um animal
de rabo e de orelha comprida e quando a coisa tá difícil é
que eu sou mais teimoso porque eu quero fazer tudo o que
eu quiser da vida Não, a minha teimosia é diferente a minha
teimosia é o que me faz seguir em frente é aquela teimosia
típica de brasileiro que insiste em continuar vivendo sem
ganhar dinheiro Por isso não critique por eu ser teimoso já
que a minha teimosia não é como a do burro que vai
continuar empacando e atravancando o caminho e nunca
vai evoluir porque vai ser sempre burro!