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DADOS DE ODINRIGHT

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ULTRAJE
a rigor
A todas as pessoas que, de alguma forma, ajudaram a
contar aquilo tudo que a gente sente e em memória de
Palmyra e Angelina.
© 2011 Andréa Ascenção Editor
Gustavo Guertler Revisão
Andrey do Amaral
Marcele Brusa Maciel Capa e projeto gráfico
Celso Orlandin Jr.
Foto capa
Arquivo pessoal Leôspa/Fotógrafo não identificado Tratamento de fotos
Anderson Fochesato
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (Biblioteca Pública
Municipal Dr. Demetrio Niederauer – Caxias do Sul)
Ascenção, Andréa
A811u
Ultraje a Rigor: Nós Vamos Invadir Sua
Praia/Andréa
Ascenção._Caxias do Sul, RS: BelasLetras, 2011. 352 p.

ISBN 978-85-60174-74-4

1. Ultraje a Rigor (Banda de Rock). 2. Música brasileira – Rock. 3.


Músicos brasileiros – Biografia. I. Título.
11/04 CDU 78 ULTRAJE A RIGOR
Ultraje a Rigor (Banda de
Rock)
78ULTRAJE A
RIGOR
Música brasileira – Rock 78.036(81)
Músicos brasileiros – Biografia 78-051(81): 929
Responsável pela catalogação: Bibliotecária Maria Nair Sodré Monteiro da Cruz
CRB10/904

IMPRESSO NA GRÁFICA COAN

[2011]
Todos os direitos desta edição reservados à EDITORA BELASLETRAS LTDA.
Rua Coronel Camisão, 167
Cep 95020-420 – Caxias do Sul – RS
www.belasletras.com.br
Sumário
Prefácio: O Show Vai Começar
Capítulo 1: Em Direção ao Rock n’ Roll
Capítulo 2: É Agora!
Capítulo 3: Doscencre, Doscencre
Capítulo 4: Uma Outra Raiz Punk
Capítulo 5: Era um Garoto que Como Eu Amava os Beatles
e o Ultraje a Rigor
Posfácio: O Show Não Para
Letras
Genealogia
Agradecimentos
Bibliografia
Prefácio

O SHOW VAI COMEÇAR


Quem é a banda, quem são os fãs? Um aperitivo do que
está por vir acontece numa São Paulo bastante
diferente de onde tudo começou.

Em um teatro relativamente pequeno, as cadeiras numeradas


estão ocupadas. Do lado esquerdo, um fotógrafo com sua jovem
filha. Em frente, três senhores aparentemente muito sérios já com
indícios de calvície. Na boca da cena algumas garotas. Atrás, a
inspiração da abertura do espetáculo, uma mulher. Junto a ela,
algumas crianças param para cumprimentá-la, talvez parentes dos
donos da festa. Em volta dessas pessoas, muitas outras de todas as
idades estão agitadas. Fãs de carteirinha que correram para a
avenida mais paulista de todas. O público já está acomodado e à
espera. São 20h. As luzes se apagam e oito homens fazem parte da
próxima hora na atração. No palco, à esquerda do público,
Osvaldinho e Paulinho; um pouco mais à frente, Mingau; no centro,
Roger e, mais ao fundo, Bacalhau. Continuando a panorâmica, à
direita estão Ricardinho e Manito. Na mesma direção, mais perto do
gargarejo, Serginho Serra.
Um pouco mais à direita, quase invisível aos olhos da plateia, o
homem que me entregou o convite para esse show no Teatro
Popular do Sesi, o Trovão, atento para que tudo esteja nos seus
lugares. Algumas outras pessoas estão com ele, são os funcionários
da casa. O show abre com a onipresente Zoraide, ou melhor,
Solange (a mulher sentada atrás de mim). O pequeno grupinho de
meninas bem próximas ao palco se levanta. Essas já não sentam
mais. Há a sensação de que as luzes foram meticulosamente
escolhidas. O resultado é uma sincronia perfeita entre o som e a
imagem da banda. Algumas pausas nas músicas dão espaço a um
colorido rítmico e os fãs são iluminados quando a banda joga para o
público a parte que lhe cabe cantar. Mas as pessoas presentes não
se contentam com apenas alguns trechos. Todos demonstram saber
tudo, de cor. O set list segue com ar de improviso. Bastam os
primeiros acordes, e quem ainda estava sentado levanta-se. Agora
sim, um característico show de rock, e o clímax daquela noite chega
comCiúme e num som único há pelo menos três gerações cantando
ainda mais alto, mas eu me mordo de ciúúúme… Daí em diante o
fotógrafo da banda tem a chance de mostrar à sua jovem filha o que
é o rock n’ roll dos anos 1980, tão perspicaz que vive como um
garoto que nunca envelheceu, tornando-se inrotulável. Até aqueles
três senhores já afrouxaram as gravatas e parecem três moleques
que fugiram da escola.
A festa ainda acontece neste teatro de São Paulo, mas existe uma
grande história por trás de cada um dos anfitriões. E para descobrir a
essência deles, é necessário voltar no tempo.
1
Primeira metade da década de 1960, na cidade de São Paulo o
garoto Roger Rocha Moreira, de oito anos, está em uma festa,
quando sua mãe decide colocar um disco para tocar. A-wop-bop-a-
loo-mop-alop-bam-boom! É a brincadeira dançante na voz de Elvis
Presley, o começo de Tutti-frutti, o primeiro rock que Roger ouve.
Na ocasião, o menino ganha um compacto de lados B dos Beatles
com as canções: Anna, Chains, Misery e I Saw Her Standing There,
o primeiro de sua coleção. Nessa época ele tem o costume de
assistir aos filmes do rei do rock Elvis Presley, mas é em 1965 que
ele vai ao cinema assistir ao segundo dos Beatles, Help!, e
realmente me apaixonei pelo repertório do filme e pelo lance todo, é
um filme bem bobinho, mas eu tinha oito pra nove anos. Dois anos
antes, o garotinho já ouvia no rádio os sucessos da banda inglesa
She Loves You e I Want to Hold Your Hand, que ficavam se
alternando no posto de primeira colocada.
A mãe do garoto chama-se Yaracy Maria Rocha Moreira, ela é
professora de inglês e gosta muito de cantar. Tentou seguir carreira
quando ganhou um concurso de música, porém na época o pai não
deixou, porque não era aceitável para os bons costumes da época,
uma moça participar desse tipo de arte. Em casa ela toca violão e
um pouco de piano, assim como a avó materna de Roger.
Ainda criança, Roger gosta de ver a mãe ao violão. Admira tanto
que resolve aprender a tocar o instrumento olhando o caderno dela.
E não é só isso. Yaracy também lhe ensina o inglês das letras das
músicas. Então, acho que esse lado de gostar de música vem muito
dela. Ao longo do tempo o filho passa a ter aulas de violão, comprar
discos, ouvir e tocar música.
Aos 12 anos, o futuro músico quer comprar uma guitarra com o
dinheiro que ganha fazendo comerciais para a televisão, mas o pai,
Celso, proíbe, por achar o instrumento muito barulhento. Roger
continua com o violão. Quatro anos depois, começa a tocar flauta
doce. Posteriormente, quer aprender a transversal. Daí meu pai me
deu; a flauta transversa ele me deixou ter.
Somente aos 18 anos, Roger compra uma guitarra Snake por
cinco mil cruzeiros. Sempre soube que queria fazer música. Ao
realizar um teste vocacional não deu outra, mas preocupado com a
carreira do filho, Celso diz que faculdade de música ele não paga. E
lá vai Roger, aos 21 anos, cursar a segunda opção de um teste
vocacional, Arquitetura, na Faculdade Mackenzie. De acordo com
esse teste, ele também tem aptidão para agronomia, diplomacia e
advocacia, além de um alto Quoeficiente de Inteligência (QI). Depois,
Roger faz outros testes, que continuam afirmando seu alto QI, até
que um dia lê uma matéria no jornal Folha de S. Paulo, que informa
sobre a Mensa, uma associação de pessoas com QI acima da média
da população. Ele resolve fazer pela Mensa um novo teste só pra
saber se entraria, se os outros exames estavam corretos. E entra,
com 172 pontos.
Troféu cérebro
Pergunta número 1: Qual destes números não é primo?
A) 15 B) 17 C) 19
Roger: 15
Pergunta número 2: De que maneira foi realizado o
milésimo gol do grande rei Pelé?
Roger: De pênalti. Contra o (Andrade) Vasco. Deu uma
paradinha e o goleiro quase pegou.
Pergunta número 3: Qual o nome do integrante mais
jovem dos Beatles?
Roger: George Harrison Pergunta número 4: Qual era o
nome do avião em que o brasileiro Santos Dumont voou
pela primeira vez?
Roger: 14 Bis Pergunta número 5: Ornitólogos são
pessoas que estudam o quê?
Roger: Pássaros Sem pestanejar e até dispensando as
alternativas da última pergunta, Roger tira o apresentador
Milton Neves do páreo no campeonato interno do programa
da Bandeirantes CQC (Custe o Que Custar) com 264
pontos, que lhe garantem o troféu CQteste em 2008.
Paralelamente ao curso de arquitetura, Roger dá aulas de inglês,
sempre acompanhadas de uma gaita, que o ajuda a ensinar outra
língua e o repertório dos Beatles para alunos. As aulas lhe
proporcionam algum dinheiro e aos poucos consegue cursar música
na Fundação das Artes em São Caetano.
O curso de arquitetura não vai bem. Era mau aluno, vivia em
dependências nas matérias, e meu pai, nas horas de bronca, dizia
que eu era um inútil. Depois de passar três anos na faculdade, em
1977, aos 21 anos, Roger carrega tantas dependências que
comunica ao pai que vai largar o curso, aí ele falou, então tranca. Só
que a decisão de ser músico já estava tomada há muito tempo e não
mais seria adiada.
A mãe, corujona, ia ver quando eu participava de algum
festivalzinho fuleiro, levava um gravadorzinho, tirava foto… O pai
ainda demoraria um pouquinho para perceber que o filho estava
levando a música mais a sério do que um hobby.
Ainda na faculdade, Roger confidencia a um amigo violonista, o
Palito, que seu pai não bota fé na sua vontade de ser músico. Palito
responde:Mas você não pode ficar no eu quero ser, você tem que
começar a ser mesmo, a sair arrumando emprego de músico. E é
isso que ele tenta fazer. Quer tocar rock, percebendo as dificuldades
logo. O cenário musical consolidava a MPB e a Jovem Guarda tão
em voga nos anos 1970 e, embora também existissem muitos
precursores do rock no Brasil, como os Novos Baianos, A Cor do
Som, O Terço, Os Mutantes, Som Imaginário, Bolha, Herva Doce,
Brylho, Hanói-Hanói, Veludo, O Som Nosso de Cada Dia, Made in
Brazil, Casa das Máquinas, Vímana, Os Brazões, Bixo da Seda,
Módulo Mil, O Peso, Os Incríveis, A Barca do Sol, Aero Blues e
outros, além do baiano Raul Seixas, que constroem a ponte para o
estilo que Roger quer tocar, ainda não há espaço reconhecido.
Desanimado, ele tem a ideia de tentar a sorte nos Estados Unidos.
Muda-se em 1979 para estudar música. Lá as coisas também não
acontecem exatamente como o planejado. Era muito difícil, não o
curso em si, mas era caro, longe e eu não tinha dinheiro.
No exterior, Roger se corresponde com um amigo em São Paulo,
Leonardo Galasso, e em pouco tempo combinam de se encontrar na
terra do Tio Sam.
Leonardo é conhecido como Leôspa, com um acento circunflexo
desnecessário se não fosse pela coroa que o representa no
autógrafo. Ele ganha o apelido aos 10 anos, no Clube Santa Paula.
Foi jogando vôlei que pintou. Nem sei como pegou. A família não tem
nenhuma ligação com música, mas no início da adolescência,
Leôspa se descobre na cozinha de casa.
− Tinha uma balança com duas bandejas na frente da gaveta de
talheres. Eu ficava batucando e batendo nos pratos. Realmente a
balança foi quem me influenciou.
O primeiro instrumento é comprado por seu pai, Luciano Galasso,
numa churrascaria, uma bateria Pinguim. Assim, por volta dos 14
anos, desperta a vontade de ser baterista. Luciano havia se livrado
das batucadas na balança, mas, logo em seguida, arrependido, o pai
jogou o instrumento no hall do prédio onde moravam e mandou-o
tocar em alguma garagem com outros amigos.1 Anos depois, Leôspa
faz um cursinho com Régis Rocha Moreira, irmão mais novo de
Roger. Aos 18 anos Roger conhece o futuro amigo e parceiro,
Leôspa, e passam a sair juntos.
Certo dia um baixista amigo de Leôspa convida os dois para
participarem de um festival. Roger aceita: tocando flauta junto com
ele, que tinha uma banda, mas só de farra.
A vida trata de manter Leôspa e Roger próximos, quando cursam
arquitetura na mesma faculdade, só que Leôspa chega à graduação
e ganha um presente.
− Quando me formei em arquitetura, meu pai me deu uma
passagem ou para os EUA ou para a Europa, a escolher, e mais uns
US$ 1.000. Como na Europa isso não daria para uma semana, optei
pelos Estados Unidos, onde o Roger já estava morando.
Chegando a São Francisco, Leôspa se hospeda na casa da irmã
de Roger e lá fica por 15 dias até arrumar um emprego numa
pizzaria, quando se muda. Fui morar com (outro amigo), o Cacá
Kamalakian.
Como entregadores de pizza e faxineiro, Leôspa fica seis meses
nos Estados Unidos, e Roger contabiliza um ano e meio, até que
percebe que com o tempo, lá sempre iria ser um estrangeiro. Ele só
consegue subemprego e o sonho de ser músico vai por água abaixo.
Roger decide voltar ao Brasil no final de 1980. Leôspa vem no
começo de 1981. E no final das contas o baterista confessa que nem
ele nem eu fizemos curso de música algum.

Mauro Bundinha e Roger Perninha


De volta ao Brasil, os dois amigos decidem montar uma banda.
Fãs dos Beatles, eles passam a ensaiar suas músicas com um já
conhecido amigo, o Cacá. Durante um mês, uma vez por ano, os
pais de Leôspa viajam e a casa do baterista fica à disposição para os
ensaios.
Um dia Roger recebe uma fita de um músico que conheceu nos
Estados Unidos. Eles tornaram-se amigos e Mauro Freitas Saldanha
gravou uma marchinha de carnaval para tirar sarro de Roger, que
conquistou o apelido de Roger Perninha. Segundo Mauro, é porque
eu era tão preguiçoso que era como se eu arrastasse a perninha. Em
resposta, surge a composição Mauro Bundinha,g ravada por
brincadeira e enviada para o amigo nos EUA. Assim surge a primeira
música do que viria a ser o Ultraje a Rigor.
Foi a amostra do espírito sarcástico desse trio. Gravada sem a
menor pretensão na casa de Leôspa, com a ajuda de Cacá. Roger
relembra: − Eu tocava violão elétrico e ele [Leôspa] uma bateria
coberta com um cobertor. O microfone era enfiado no amplificador de
guitarra, um negócio muito tosco mesmo.
Daí em diante, a diversão contagia Roger e Leôspa e os dois
decidem seguir carreira. Mais tarde Roger consegue uma guitarra,
como tanto queria: uma modelo Les Paul branca, mas já era
turbinada, com peças trocadas, algumas importadas. Presente de
sua mãe, seria usada nos shows durante anos.
Os ensaios continuam e, com o tempo, eles constroem um
repertório de covers da época: Jovem Guarda, Rolling Stones,
classic rock, punk, new wave e, principalmente, Beatles. Roger
novamente ganha um novo incentivo de Yaracy, que tinha me dado
um livro com todas as partituras dos Beatles, então era fácil.

A versão abaixo inclui uma segunda parte,


atualizada em 1989
Mauro Bundinha queria fazer um som Não deu jeito ele foi
ser garçom Em San Francisco seu som não fez sucesso
mas no namoro se deu bem, eu confesso Deu um
trambique naquele careca e agora ele é que come a
Rebeca
Jacaré, não dá pé
Dinheiro é bom
Mas ser garçom
Não dá pé

Mauro Bundinha voltou pro Brasil Mandou a Rebeca pra


puta que o pariu Seu casamento também não deu certo
Mas pelo menos ele ficou esperto Desencanou de vez de
ser cantor E trabalha com o Ultraje a Rigor
Jaca, Jaca, Jaca
Jaca, Jaca, Jaca
Já, Jacaré

De Wiscousin para o mundo


O nor te-americano Lester William Polfus nasce em 9 de
junho de 1915 e fica conhecido pelo pseudônimo Les Paul,
que em 1952 se torna também o nome do modelo de sua
criação, uma guitarra elétrica maciça com design
arredondado que depois de cer ta resistência é lançada pelo
fabricante Gibson. Les Paul é um amante incondicional de
música. Aos 33 anos, sofre um grave acidente de carro, que
poderia tirar o movimento de seu braço direito. Em vez de
amputá-lo, como recomendaram os médicos, Les Paul pede
que imobilizem o membro para poder continuar tocando
guitarra. E tocou com Bing Crosby, The Andrews Sisters,
montou as duplas Les Paul & Mary Ford (sua esposa) e
Chester & Lester e continuou tocando toda segunda-feira
num bar em Nova York, o Iridium Jazz Club, até os 94 anos,
quando faleceu em decorrência do avanço de uma
pneumonia.

Faça Você Mesmo


Do it yourself é o lema que impulsiona uma das vertentes mais
explosivas e irônicas da história do rock no mundo. A atitude e o
visual pretendem chocar e bater (por vezes, literalmente) de frente
contra o sistema, a sociedade e até a família. E enquanto algumas
cabeças engajadas pensam em romper com o que lhes parece
injusto ou “podre”, outras engrossam o movimento apenas
agressivamente contra tudo e todos sem muito comprometimento,
além do cabelo espetado, dos piercings, das roupas de couro ou
jeans rasgados com aspecto sujo, velho, com alfinetes e do símbolo
da anarquia estampado nas camisetas, nos broches e na pele.
A ideia simples e rápida do punk, de tocar apenas três acordes,
rasga a cena do progressivo em Nova York quando, em 1974, os
Ramones teriam surgido com o nome retirado do pseudônimo
adotado por Paul McCartney, o Phill Ramone, quando este se
hospedava em hotéis. Somente dois anos depois, a banda de punk
rock lança o primeiro disco prezando a diversão. Antes disso, na
Inglaterra, em 1959 nasce The Confederates, que se tornariam The
Detours e, por volta de 1964, finalmente se firmam como The Who,
mas não sem antes adotar o nome High Numbers por pouco tempo.
Banda Mod, de impecáveis ternos e fúria punk, tocando instrumentos
que custam muito trabalho e que são destruídos em cada show como
parte da performance. Investem pesado na compra de discos e
roupas, dentre outros desejos. Em princípio, apenas o baixista, John
Entwistle, tem conhecimento de teoria musical, consegue ler
partituras e, desde criança, sabe tocar piano e trompete. Em 1965
sai o primeiro single, I Can’t Explain, seguido por sucessos como a
ópera-rock Tommy. Também no velho mundo, nasce em 1976, outra
forte referência para o movimento, o Sex Pistols. A banda é
empresariada por Malcolm McLaren, sócio da também estilista
Vivienne Westwood. Em Londres eles têm uma butique, a Sex, que
vestiu o New York Dolls e, posteriormente, o próprio Sex Pistols.
Punk de butique, daí uma das primeiras ironias.
Em terras tupiniquins, o punk chega construindo redutos isolados
no final dos anos 1970. Em São Paulo, principalmente da região do
ABC e Vila Carolina, surgem os adolescentes que compram discos
numa das poucas lojas especializadas, a Wob-Bop, localizada no
centro, na rua 24 de Maio, 62, embora, devido aos preços salgados,
fosse mais comum entre eles o uso de cópias em fitas K-7.
Alternativa adotada também na recém-construída Brasília, quando os
filhos de políticos e diplomatas voltam de viagens ao exterior
trazendo as novidades musicais que aqui demorariam a chegar.
E já que é para fazer você mesmo, muitos jovens que nunca
tinham sequer tocado em um instrumento descobrem que podem e
começam a montar bandas. É o caso da brasiliense Aborto Elétrico −
que viria a se dividir em Legião Urbana e Capital Inicial; dos cariocas
Coquetel Molotov; dos paulistas Restos de Nada e AI-5; do mineiro
Banda do Lixo e tantas outras que vieram quase sempre do
subúrbio. Sobretudo, antes deles, em 1966, um prenúncio do punk
rock brasileiro bem humorado surge num festival do Colégio Rio
Branco na capital paulista, é o Joelho de Porco – nome inspirado no
prato degustado pelo guitarrista Fábio Gasparini. Sete anos depois, o
Joelho de Porco, que conta com Tico Terpins no violão de doze
cordas, Conrado Assis Ruiz no piano e voz, Rodolfo Ayres Braga no
contrabaixo, Gerson Tatini na guitarra e Próspero Albanese na
bateria e vocal, grava o primeiro compacto, Se você vai de xaxado
eu vou de rock and roll, lado A, e Fly América, lado B, produzido por
Arnaldo Baptista, que também toca Mini-Moog. Em 1976 sai o
primeiro LP, São Paulo 1554/Hoje, que traz a divertida crítica,
Andando nas ruas do centro/Cruzando o Viaduto do Chá/Eis que me
vejo cercado/Trombadinhas querendo me assaltar, me
assaltar/Glória, glória, aleluia, trombadinhas do Brasil, intitulada São
Paulo by day. Dois anos mais tarde, o argentino Billy Bond, que
poduziu Água do céu-pássaro (1975), de Ney Matogrosso, integra a
banda. O Joelho de Porco se dissolve pouco depois. Eles costumam
se apresentar vestindo smokings, mas quebrando a seriedade com
os rostos pintados com uma “máscara”.
Musicalidade simplicíssima e sem suporte empresarial, o punk se
torna breve. Paralelamente, a new wave amplia os horizontes. Ainda
que conservasse a mesma essência crítica, o som fica mais leve,
ganha apelo popular, refrões feitos sob medida atingem as rádios.
Visualmente também, ela traz um frescor colorido, como roupas
xadrez, quadriculadas, gel nos cabelos e topetes, embora cada
banda incorporasse seu próprio look.
Nova York, 8 de junho de 1975, o CBGB, célebre clube alternativo,
traz ao palco Ramones. Antes deles, a banda de abertura seria um
dos grandes nomes da new wave, Talking Heads. Três anos depois,
com o segundo álbum, More Songs About Building And Food,
lançado, a banda consegue reconhecimento da crítica americana e
londrina, embora não estivesse no topo das execuções radiofônicas.
Neste disco, com a produção de Brian Eno (que trabalhou com David
Bowie), o Talking Heads chega mais perto de soar como queria e
agrega diversos estilos como punk, country, soul, reggae e funk.
Outro expoente do gênero se vale do reggae e do ska para
incrementar o punk em 1976, quando o baterista Stewart Copeland
conhece Gordon Sumner, um baixista que ficaria conhecido como
Sting, numa apresentação num pub em Londres. Em pouco tempo,
eles formam o The Police, primeiro com o guitarrista Henry Padovani
e, posteriormente, com Andy Summers. Três anos e dois discos
depois, a banda insere hits nas paradas americanas e britânicas,
mas é o terceiro álbum, Don’t Stand So Close To Me, que os leva ao
lugar de número um no Reino Unido, em 1981 com De Do Do Do, De
Da Da Da.
Numa noite de 1976, o até então baterista e compositor, Keith
Strickland, sonha com uma gíria para um penteado gigantesco usado
no sul dos Estados Unidos, e daí sai a inspiração para batizar sua
banda, o B’52s. Inicialmente, as vocalistas Cindy Wilson e Kate
Pierson se apresentam com bufantes arranjos de cabelo, que
parecem uma colmeia no topo da cabeça. O B’52s tem influência do
rhythm and blues ao punk e o resultado é um som dançante e
divertido. Seus dois primeiros singles lançados pela Warner, Rock
Lobster e 52 Girls, vendem mais de 500 mil cópias. Em 1979 sai o
primeiro LP, com o nome da banda e, no ano seguinte, Wild Planet
traz mais hits para a new wave. Na mesma época, uma banda de
Ohio aposta no pioneiro recurso de videoclipe e desenvolve em suas
letras a teoria de involução. Em inglês, De-Evolution, abreviando,
Devo. Eles usam sintetizadores para expressar, na música, sua visão
de humanidade retraída pelo consumismo exagerado, levado ao
ponto de exaurir os valores sociais e os recursos da natureza. Em
1980, o terceiro álbum, Freedom of Choice, chega a 22 posição da
revista Billboard, e no ano seguinte, leva o clipe robótico Whip It à
recém-nascida MTV americana.
Enquanto isso, nas casas e bares brasileiros, a disco ainda é
fortemente tocada e reforçada pela exibição da novela Dancin’Days,
da Rede Globo, entre 1978/79. No início dos anos 1980, emergem
bandas de toda parte, que viriam a formar o primeiro time do rock
brasileiro, comumente chamado de Brock. Muitos deles se
encaixariam, sobretudo, num subgênero do punk, a new wave,
também conhecida como pós-punk, que em dezembro de 1980
começa a ditar as regras com a inauguração da primeira casa em
São Paulo, dedicada ao estilo, a Paulicéia Desvairada, do jornalista
Nelson Motta e seu primo Ricardo Amaral. No início do ano seguinte,
tendo à frente Júlio Barroso, a Gang 90 & Absurdettes apresentam
seu primeiro sucesso no Paulicéia Desvairada, Perdidos na Selva. A
música chega à final do festival da Rede Globo, MPB-Shell, e a Gang
90 se torna uma das bandas mais tocadas nas rádios, com canções
alegres e dançantes executadas por Wander Taffo (guitarrista),
Guilherme Arantes (tecladista), Gigante Brasil (baterista), Lee
Marcucci (baixista) e Alice Pink Pank, Denise Barroso, Luíza Maria e
May East (vocais).
Outro importante pontapé inicial da new wave é dado em outubro
de 1979. Na rua Teodoro Sampaio, 1091 (Pinheiros), o administrador
Valdir Galiano e o idealizador Wilson Souto Júnior encontram um
porão. O pequeno cenário é preenchido com um palco e três
arquibancadas e funciona como estacionamento durante o dia e
espaço alternativo para teatro e música à noite. Em pouco tempo,
contando com o espírito cooperativo de fomentadores da arte e do
jornalismo, o Teatro Lira Paulistana passa a exibir sessões de filmes,
teatro infantil nas manhãs de sábado e domingo, monta
apresentações musicais na Praça Benedito Calixto, que servem para
bancar um jornal com enfoque cultural na cidade, e ainda abrem uma
gravadora. Lá ganha vida a Vanguarda Paulistana, a começar com
Itamar Assumpção.
De 8 de julho a 23 de agosto de 1981, no palco do Lira Paulistana,
acontece o projeto da União Brasileira de Músicos, Virada Paulista,
sob a direção do músico Amilson Godoy. No total, 42 bandas se
apresentam entre quartas-feiras e domingos. Uma delas é voltada
para o lado mais escrachado da música independente, o Língua de
Trapo, batizado pelo vocalista Carlos Melo, que usa a antiga
expressão para “quem fala muito e não perdoa ninguém”. Mais tarde,
a banda viria a descobrir e adotar como prefixo para os shows a
gravação feita por Francisco Alves da música Dá nela(Fala, Língua
de Trapo, pois da tua boca eu não escapo), uma marcha
carnavalesca da década de 1930, composição do mineiro Ary
Barroso.
No Virada Paulista, o Língua de Trapo – que se formou em 1980
pelos estudantes da Faculdade Cásper Líbero Laert Sarrumor, Pituco
e Carlos Melo (vocalistas), Guca Domenico (violonista e vocais),
Lizoel Costa (violonista e guitarrista) e os músicos convidados Celso
Mojola (pianista), Tigueis (baixista) e Fernando Marconi (baterista e
percussionista) – toca composições próprias, como Xingu Disco,
Burrice Precoce, Tragédia Afrodisíaca e Romance em Angra. Dois
anos depois, eles lançam, através do Lira Paulistana, o seu primeiro
LP, Língua de Trapo, e ainda apresentam o show Obscenas
Brasileiras durante duas semanas no teatro.
No final de 1979, surge na capital paulista o radialista Kid Vinil.
Toda segunda-feira à noite, ele toca as novidades do punk e da new
wave internacional e divulga as bandas nacionais na rádio Excelsior,
no programa que leva seu pseudônimo. Já no início dos anos 1980,
o punk brasileiro se multiplica e conta com uma penca de bandas:
Olho Seco, Lixomania, Cólera, Fogo Cruzado, Punk SP, Ulters,
Condutores de Cadáver, Eutanásia, Ratos de Porão, Inocentes e
Psykoze. Mas o movimento começa a apresentar fraturas ideológicas
com as rixas entre as gangues, comuns na capital paulista, que de
um lado tinha os punks “metalúrgicos” da região do ABC e de outro,
os punks “não tão proletários assim”, que moram no município de
São Paulo. A imprensa aproveita os deslizes violentos, com direito a
quebra-quebra com a polícia, como ocorre durante os dois dias do
festival realizado no SESC Pompeia, O começo do fim do mundo,
para detonar todo o movimento punk, fazendo o que os acusados
chamam de sensacionalismo. Ironicamente, a maioria dos punks
também não aceita falar com a imprensa, até que Kid Vinil concede
uma entrevista à revista Veja explicando o que é o punk. Os mais
radicais entendem aquilo como uma traição ao movimento e, em
represália, invadem e distribuem pancadas num show do Verminose,
banda formada no bairro Bixiga pelo Kid Vinil (ex-guitar-rista do AI-5),
Trinkão (baterista) e Ted Gaz (guitarrista), que começou tocando
covers de Rolling Stones, Raul Seixas e, principalmente, punk.
Depois disso, Ted Gaz propõe mudar o estilo da banda para new
wave e, consequentemente, o nome, ou ele estaria fora. O
Verminose vira Magazine.
Roger e Leôspa apreciam The Clash, The Police, Ramones e The
Who. O baterista abre o leque: eu particularmente gosto das bandas
inglesas como Deep Purple, Yes, Gentle Giant, Black Sabbath, Pink
Floyd, Genesis, King Crimson, Jetro Tull, entre outras.
Assistindo a antigos concertos dos Beatles, eles descobrem que
os músicos nem eram tão bons assim no começo de carreira. O
resultado de estúdio não se equiparava à qualidade do ao vivo, até
porque o assédio em cima de John, Paul, Ringo e George abafava o
som que eles faziam, com a gritaria dos fãs. Então, eles pensam
que, se deu certo com o fenômeno mundial, por que não com eles?
Motivados pela inicial falta de perfeccionismo dos grandes ídolos e
pelo agora efervescente rock feito na cidade natal, encaram uma
oportunidade naquele clima do “faça você mesmo”.
Logo surge a primeira apresentação. Outubro de 1981, próximo da
comemoração do Halloween, numa terça-feira, e um amigo avisa: −
Ó, tão precisando de uma banda que toque Beatles…
Leôspa e Roger precisam correr atrás de outros integrantes. Isso
porque eles já tocam cover da banda inglesa, mas são apenas os
dois. Então, na quarta-feira, chamam um amigo baixista, Edu, e
ensaiam. Na quinta-feira, ainda não havia um guitarrista. Na noite
seguinte, se divertem em um boteco quando passa um rapaz
carregando uma guitarra. Leôspa vai atrás e pergunta: − Ô, você
gosta de Beatles?
Pronto! O cargo de guitarrista é preenchido por Fábio, que adora
uma fita cassete com treze músicas da dupla. Com a primeira
formação provisória, Roger recorda: Ensaiamos no sábado de
manhã e tocamos à noite. O pessoal gostou, daí nos animamos a
continuar…
A seguir, eles tentam tocar no bar Deixa Falar, na avenida Santo
Amaro. Chegando lá, a dona pergunta o nome da banda. Como
ainda não tinham escolhido, Leôspa olha em volta e avista um
pimenteiro. Lasca sem pensar: Pimenta-do-Reino. Até o dia do show,
o próprio Leôspa nomeia novamente a banda de The Littles.
Essa mesma formação ainda faz mais dois ou três shows, com
algumas mudanças de nome, que Roger hesitaria para confessar,
como O Fim da Picada e The Shitles.
Os primeiros shows continuam com ar de diversão. Eles tentam
tocar as canções mais simples e fáceis, pois ainda são inexperientes
com os instrumentos, mas acreditam que se ensaiassem
exaustivamente, esse probleminha passaria despercebido do
público. É a presença de palco que mais conta e ganham nisso.
Depois ficam novamente o vocalista e guitarrista base e o
baterista. Eles decidem construir um repertório maior, ensaiam cerca
de 80 músicas dos Beatles em uma garagem alugada e colocam um
anúncio no jornal Primeiramão, procurando um baixista. Aparece
Silvio Jansen, o novo integrante.
Em seguida, um amigo da dupla, Victor Leite, apresenta e indica o
guitarrista Edgard José Scandurra Pereira, com quem toca bateria
nos primeiros shows da banda Ira. O quarteto amante dos Beatles
está formado. Como na banda inglesa, a intenção é que os quatro
músicos sejam igualmente importantes perante o público.

Desde criança, Edgard Scandurra demonstra vocação para a


música. Em casa, seu irmão, Marco, toca guitarra e ensaia com sua
banda. Em 1967, aos cinco anos, Edgard Scandurra fila almoço e
jantar todos os dias no restaurante de seus pais. É no
estabelecimento que funciona embaixo de sua residência que
Edgard Scandurra ganha seu primeiro instrumento. Uma cliente ouve
falar que o menino sabe tocar violão. Um dia, desafia: – Se você
tocar alguma coisa nesse violão, ele é seu…
Edgard Scandurra toca uma música da Jovem Guarda e ganha o
presente. Logo ele começa a ouvir Beatles, Rolling Stones e The
Troggs. Depois Hendrix, Led e eu nunca mais parei. Em 1982, ao
integrar o Ultraje, ele costuma usar roupas pretas, o visual punk.
Depois, fascinado pelos ingleses do The Who, adotaria o movimento
mod (modernists). O novo guitarrista se divide entre diversas bandas
punks: o Ira, que nasceu um ano antes, com Charles Gavin
(baterista), Dino (baixista) e Nasi (vocalista) − que conheceu desde a
sua primeira banda, o Subúrbio, formada em 1977, na qual Nasi
tocou durante uma única apresentação no bar A Ponto, na Avenida
Ibirapuera −; o Cabine C, que também conta com Charles Gavin,
Gaspa (baixista) e Wania Forghieri (tecladista); as Mercenárias
(nesta, toca bateria), com Rosália Munhoz (vocalista), Ana Machado
(guitarrista) e Sandra Coutinho (baixista); e estava começando a
tocar com outra banda underground chamada Smack, também com
Sandra Coutinho, Pamps (guitarrista e vocalista) e Thomas Pappon
(baterista).

Durante seis meses, de segunda-feira a sábado, das 19h às 22h,


Leôspa garante que ensaiam na garagem de sua amiga, Valéria.
Logo eles conseguem colocação em alguns barzinhos. Em primeiro
de maio de 1982, alguém os avisa que haverá uma festa de
aniversário em pleno feriado, numa travessa da Marginal, um
pouquinho depois da Cidade Jardim, que ficaria na memória de
Roger.
Na época, eles ainda não eram pagos pelos shows. Às vezes
passávamos o chapéu, mas mesmo assim, não ganhávamos nada. A
essa altura ainda não entraram em consenso sobre o nome definitivo
da banda. Roger cogita “Ultraje”, mas acha o nome muito curto e
punk demais para o som que fazem, no entanto, comenta com
Leôspa e consulta Edgard.
− Ô, o que você acha de Ultraje?
Todos os integrantes da banda ainda estão na festa e discutem a
possibilidade. Edgard conta que a verdadeira histórianão se trata de
uma confusão, mas sim de um trocadilho. Alguém sugeriu o nome
“Traje a rigor” e eu, muito espirituoso brinquei:
− O quê, Ultraje a Rigor?
Imediatamente, todos sacaram que aquele era o nome, recorda o
guitarrista solo. Coincidência ou não, até a forma como surge o
Ultraje a Rigor tem a ver com as intenções da banda e o jeito como
envolve o público. O nome acontece assim, meio sem querer, e ao
mesmo tempo, como a definição perfeita.
É exatamente o que precisam: um nome que expressa a forma
escrachada que tocam as músicas de seus ídolos. Suas versões
covers não têm a intenção de ser cópias fiéis, mas algo para ultrajar
e ser divertido. Eles costumam dizer que vão destruir tal música, ao
anunciarem os covers. O que eles não imaginam, é o número de
vezes que teriam de responder por que Ultraje a Rigor?
Foto Rosely Tranjan/www.roselytranjan.blogspot.com
Espremendo Leôspa numa mesa do Parque Ibirapuera - 1982

Leôspa, Roger, Edgard Scandurra e Maurício. O Leôspa


estudou com meu irmão no Ensino Fundamental e era uma
turma de amigos, conta a fotógrafa Rosely Tranjan, que, em
algum dia de 1982, saiu com os ultrajes para fazer fotos
para divulgação da banda. Nós íamos aos shows,
dançávamos e fazíamos um auê, aplaudíamos e
entusiasmávamos as pessoas.
Foto Rosely Tranjan/www.roselytranjan.blogspot.com

Nos muros pinta-se: “Vem ai,í Ultraje a Rigor”


Com o nome definido, é hora de criar a marca. Régis e Roger
pegam um papel cartão grande. A ideia parte dos dois irmãos, mas é
o artista gráfico Régis quem acaba desenhando. O “Ultraje” é
pincelado com uma brocha em vermelho e o “a Rigor” vem escrito
com mais capricho num estilo de caligrafia. Está feita a máscara ou
molde que serve para se reproduzir em outros cartazes.
A banda começa a pichar os muros com esse molde para se
promover. Dá certo porque eles fazem isso nas paredes ao lado das
casas de show onde pretendem tocar e em alguns pontos
estratégicos, como paredões de ruas sem saída. Quando chegam
para vender uma apresentação, o contratante diz que já ouviu falar
da banda em algum lugar.
− Ah, acho que eu vi esse nome na Veja − diz o possível
contratante.
E Roger, é claro, concorda. E ainda brinca com o esquema de
marketing da banda.
− O logotipo Ultraje a Rigor ficou famoso antes da gente.2
A brincadeira tem um fundo de verdade. Antes mesmo de qualquer
registro em áudio, o produtor e caça-talentos da Warner (WEA),
Pena Schmidt, o Peninha, já ouve falar da banda.
− Havia um grafite deles espalhado pela cidade, aqui pela Paulista
e Pinheiros, eu já achava bacana como forma de se promover – o
grafitti não havia sido popularizado, era uma coisa rara e bem fácil de
notar. O nome era instigante, uma contradição, em termos, original.
O Ultraje a Rigor começa a desenhar sua história nos muros de
São Paulo e em algumas ruas como a Conselheiro Ramalho, a 13 de
Maio, a Oscar Freire e a Solon, onde estão o Madame Satã, o Centro
Cultural Carbono 14, o Rose Bom Bom e o Radar Tantã,
respectivamente. São algumas das casas de show que abrem
espaço para o rock do Ultraje e de outras bandas paulistas, entre
elas: o Ira, com forte influência de The Who; os Titãs do Iê-Iê,
formado pelos estudantes do Colégio Equipe Sérgio Britto (tecladista,
baixista e vocalista), Paulo Miklos e Nando Reis (baixistas e
vocalistas), Marcelo Fromer (guitarrista), Ciro Pessoa, Arnaldo
Antunes e Branco Mello (vocalistas), mais Tony Bellotto (guitarrista) e
André Jung (baterista). Uma banda com nove músicos e sem
nenhum líder, que se preocupa mais em criar uma estética que
chame a atenção, não se importando em serem tachados de bregas.
Há também o Agentss, que é Kodiak Bachine no vocal,
sintetizadores e teclados; Eduardo Amarante e Miguel Barella nas
guitarras, Lyses Pupo no baixo e Elias Glik na bateria. Eles trazem
elementos eletrônicos para a new wave brasileira, inclusive uma
referência a Ralf Hütter, fundador da banda alemã precursora da
música eletrônica, Kraftwerk. Na faixa Agentes, do primeiro
compacto, há uma conversa em alemão por telefone entre uma
garota e Ralf. O Azul 29, formado pelos amigos Thomas Bielefeld
(vocalista e tecladista) e o ex-Agentss, Eduardo Amarante
(guitarrista), tem as bandas gringas progressivas dos anos 70 como
maior influência, mas logo também adere aos teclados e
sintetizadores, misturando a música eletrônica. Fazem parte da
banda Malcolm Oakley (baterista) e Thomas “Miko” Susemihl
(baixista, ex-Agentss). E o Voluntários da Pátria, também com Miguel
Barella, Giuseppe Frippi (guitarrista), Ricardo Gaspa (baixista), Nasi
(vocalista) e Thomas Pappon (baterista) tem início em 1982 e em
dois anos lança seu único LP (Voluntários da Pátria) pelo primeiro
selo independente do país, Baratos Afins Records, produzido por
Luiz Calanca, que também produziria Fellini, As Mercenárias e
Smack. Calanca é dono da loja de discos Baratos&Afins, que se
estabelece no centro da cidade, na Galeria do Rock, ponto de
encontro de quem gosta do estilo musical.
São Paulo não está sozinho na construção do rock brasileiro. No
Rio de Janeiro emergem as primeiras bandas, como o Herva Doce,
que emplaca, em 1982, Erva Venenosa, uma versão de Poison Ivy,
dos Rolling Stones. Em março do mesmo ano, o time carioca ganha
uma força com a estreia da Maldita, como fica conhecida a rádio
Fluminense FM. É a sua programação pioneira de lados B de rocks
internacionais, além do Espaço Aberto, dedicado às bandas
iniciantes que deixam inúmeras fitas demo na rádio que revela a
Blitz. Comandada por Evandro Mesquita (vindo do grupo teatral
Asdrúbal Trouxe o Trombone), que empresta sua encenação à
música, tornando-a pop e dialogada em junho, quando lança Você
Não Soube Me Amar. O compacto chegaria a marca de 870 mil
cópias vendidas . Também completam a Blitz o baterista Lobão (ex-
Vímana), o tecladista William “Billy” Forghieri (ex-Gang 90
&Absurdettes), o baixista Antônio Pedro (ex-Mutantes) e as cantoras
Márcia Bulcão e Fernanda Abreu. O sucesso acontece rápido, em
três meses sai o primeiro LP, As Aventuras da Blitz (EMI-Odeon).
Incomodado com a direção estética que a gravadora impõe à banda,
o baterista Lobão abandona o barco e aproveita sua foto com a Blitz,
que estampara a capa da revista Isto É para assinar contrato com a
gravadora RCA e seguir em carreira solo com o LP Cena de Cinema.
Para assistir ao que toca na Maldita, é preciso esperar os sábados
chegarem e daí desfrutar da criação de Maria Juçá: o projeto Rock
Voador, que acontece embaixo de uma lona erguida na Praia do
Arpoador desde 15 de janeiro de 1982, com o nome de Circo Voador.
Em pouco tempo, o Circo Voador se muda para a Lapa e em
novembro do mesmo ano, o Kid Abelha e os Abóboras Selvagens
estreiam no Rock Voador com Paula Toller (vocalista), Beni
(baterista), Beto Martins (guitarrista), George Israel (flautista e
saxofonista) e Leoni (baixista), que também canta no João Penca e
seus Miquinhos Amestrados, banda edificada no rockabilly, nos
topetes dos anos 1950 e na surf music, com os vocalistas Bob Galo,
Avellar Love e Selvagem Big; o tecladista Cláudio Killer; o baixista
Maurício Del Rosa; os guitarristas Guilherme Hully Gully e Leandro
Verdeal e o baterista Mimi Erótico. Eles surgem como banda de
acompanhamento de Eduardo Dusek e gravam Cantando no
Banheiro.
Bandas de rock dosadamente mais agressivas também tocam no
Rock Voador. É o caso do Sangue da Cidade, formado em 1975 pelo
guitarrista e vocalista Dicastro, o baixista Ronaldo Jones e o baterista
Negão Vico. Eles começam se apresentando no Colégio Americano,
em Botafogo. No final de 1982 aparecem na programação da Maldita
com Hora do Rush e ganham passaporte nacional no ano seguinte,
com o lançamento da música Dá Mais Um com levada mais pop.
Com as caixas de som emprestadas pelo Sangue da Cidade, o
Barão Vermelho faz shows com Guto Goffi na bateria, Dé Palmeira
no baixo, Maurício Barros nos teclados, Roberto Frejat na guitarra e
Cazuza nos vocais. Rapidamente lança o primeiro LP, auto-intitulado,
pela Som Livre, fundada pelo pai de Cazuza, João Araújo. Mas o
primeiro apostador da banda vem do departamento artístico da
gravadora, o amigo e jornalista Ezequiel Neves.
Com forte influência de reggae e ska, o rock dos Paralamas do
Sucesso também é despontado ao tocar a demo Vital e Sua Moto na
rádio Fluminense FM. O trio, Herbert Vianna (vocalista e guitarrista),
Bi Ribeiro (baixista) e João Barone (baterista) dá uma força para
outras bandas entrarem no circuito de shows do eixo Rio-São Paulo,
como as brasilienses: Plebe Rude (com o baixista André X, o
guitarrista Philippe Seabra, o baterista Gutje Woorthmann e o
vocalista Jander “Ameba” Bilapha, formada em 1981, quando ainda
contava com as backing vocals, Ana e Marta), Capital Inicial (que
nasce um ano depois, com o guitarrista Loro Jones, o baterista Fê
Lemos, o baixista Flávio Lemos e a vocalista Heloísa, que em maio
de 1983 deixa o cargo para Dinho Ouro Preto) e a Legião Urbana (do
baterista Marcelo Bonfá, do vocalista Renato Russo, do baixista
Renato Negrete e de um amigo de infância de Bi Ribeiro – quando
brincavam nas ruas de Montevidéu, Uruguai –, o guitarrista Dado
Villa-Lobos). As primeiras bandas punks de Brasília constroem
turmas que vão se transmutando. Gutje e Loro tocaram na Blitz 64,
André e Bonfá no Metralhaz, Dado, Bonfá, Loro e Dinho no dado e o
reino animal (tudo em letra minúscula mesmo). Essa troca de
músicos é comum nesse início de carreira, também nas bandas de
São Paulo e do Rio de Janeiro, mais do que isso, é importante para
unir a classe e torná-la reconhecida como a primeira geração do rock
brasileiro. Subindo um pouco, o rock também chega à Bahia com
representantes como o Camisa de Vênus, que surge em 1982
apenas com uma versão de Total Control, do The Clash, em uma
demo. No mesmo ano, sob influência do rock inglês dos anos 70,
blues e rockabilly, lança o primeiro compactoControle Total/Meu
Primo Zé, com o vocalista Marcelo Nova, os guitarristas Karl Hummel
e Gustavo Mullem, o contrabaixista Robério Santana e o baterista
Aldo “Boi Tatá” Machado.

Roger, Leôspa e Edgard, em 1982.


Arquivo pessoal de Leôspa

Paulistas Organizados
Algumas bandas de São Paulo, como o Ultraje a Rigor e Titãs do
Iê-Iê combinam de se reunir na casa do guitarrista dos Titãs, Marcelo
Fromer.3 Lá é montado uma espécie de “sindicato improvisado” em
que, uma vez por semana, os músicos estipulam quanto vão cobrar
nas suas apresentações a fim de evitar que os donos de bares os
explorem, além de discutirem sobre os tipos de contrato mais viáveis.

Em setembro de 1982, o baixista Silvio sai do Ultraje a Rigor.


Chega a vez de Maurício Fernando Rodrigues, ou DeFendi, assumir
o baixo. Maurício já conhece Edgard Scandurra por conta de uma
demo que gravaram no Ira. O baixista também tocou com o
guitarrista Renato Nunes e Victor Leite numa banda cover de Jimi
Hendrix, o Transilvania Boogie, formada em 1980. E é por meio do
baterista que recebe o convite que o leva ao Ultraje a Rigor. O novo
integrante, gaúcho, foi criado em São Paulo e Ubatuba, com direito a
estadas na fazenda da família em Uberaba. Morou por dois anos em
Belo Horizonte, onde aos 17 anos começou a tocar contrabaixo
acústico e elétrico ao mesmo tempo em um Giannini branco e preto
comprado na cidade. Antes disso, estudara piano clássico, aos nove
anos, no Conservatório Musical Frederic Chopin.
− Toquei clássico por cinco anos e ganhei medalha de segundo
lugar no Teatro Municipal. Depois fui estudar contrabaixo com o
maestro Ary Vieira de Albuquerque, em Araçoiaba da Serra.
Roger conhece Maurício por causa dos barzinhos onde
coincidentemente se encontram em cima dos palcos, e Leôspa
também, mas por outros motivos. Ele veio me pedir um baseado. Aí,
fumamos juntos: o Silvio estava presente, não gostou e foi embora.
Aí eu e o Roger convidamos o Cloaca para fazer parte da banda.
Cloaca é o apelido que Maurício ganha. Todos da banda o
chamam assim, e Leôspa explica o porquê: Ele só falava merda.
Sobre o primeiro encontro com o Ultraje a Rigor, Maurício confirma
apenas que Victor o levou com Edgard Scandurra para conhecer a
banda.
Além de Beatles, Maurício tem vários outros grandes ídolos: Jimi
Hendrix, Jack Bruce, The Who, The Clash, Eric Clapton, The
Monkees, Rolling Stones e muito jazz, como Jacko Pastorius. No
entanto, acaba trazendo mais influências punk para o Ultraje a Rigor,
inclusive no visual.
Nessa época, o empresário do Ultraje, que por diversas vezes
seria chamado de “o quinto membro” da banda, começa a fazer
alguns trabalhos. Seu nome é Cacá Prates. Ele tem um amigo em
comum com Maurício, o Bola.
− Foi por intermédio do Bola que eu conheci o Ultraje. [Bola] Era
músico também, morava no mesmo bairro, trabalhava junto com
minha ex-esposa.
Cacá Prates se muda para São Paulo no final de 1982. Mas desde
a década anterior, trabalha com músicos, como 14 Bis, Beto Guedes,
Lô Borges, Cartola e outros.
Com nova formação em março de 1983, o Ultraje a Rigor e os
Titãs do Iê-Iê participam da estreia do primeiro programa de TV
sobre música alternativa, o Fábrica do Som. Com apresentação de
Tadeu Jungle, a TV Cultura transmite para São Paulo as gravações
que acontecem no Sesc Pompeia. Também é a estreia das duas
bandas paulistas na televisão. Em entrevista exibida no programa
Radiola, o diretor do extinto Fábrica do Som, Pedro Vieira, lembraria
da importância do espaço criado. Era o primeiro momento em que
oficialmente podia se tocar música jovem, podia se reunir pessoas.
Onde podiam ser faladas as coisas. A gente tentava ser um vetor de
divulgação de cultura também, onde desse brecha. Como a gente
abria o Fábricapara as pessoas pularem dentro foi por isso que eu
acho que ele pulou pra fora.4

A primeira fita demo gravada pelo Ultraje, para levar nos bares e
casas onde querem tocar, tem repertório basicamente feito com
Beatles, mas ganha voz própria com o incentivo de Edgard
Scandurra. Ele tem importância deci-siva neste momento.
− Musicalmente, os rapazes queriam tocar Beatles, Beatles e
Beatles. Eu, que já tocava músicas próprias no Ira e Mercenárias e
via o potencial criativo do Roger, insistia para que eles criassem
também as próprias músicas. Então, eles me mostraram que já
tinham alguma coisa, como Mauro Bundinha. Levei alguns discos da
new wave ao Roger, como The Police, Clash e Sex Pistols e isso
gerou uma leva de composições próprias do Ultraje que os levou ao
sucesso.
A fita gravada é encaminhada para o programa do jornalista
Maurício Kubrusly, na Excelsior FM, na tentativa de conseguir uma
brecha na rádio. Parte do programa é reservada a divulgar as fitas
demo de bandas que estão começando. Ainda não é dessa vez que
o Ultraje a Rigor consegue, e Roger lastima. Mas não chegou a tocar
porque ele colocava por ordem de chegada.
Contudo, essa mesma demo teria um destino mais propício, no
Teatro Lira Paulistana. Em 1983 acontece o Projeto Boca no
Trombone, que é amplamente divulgado e recebe inúmeras
inscrições de todas as bandas undergrounds da época. Entre várias
fitas, a do Ultraje a Rigor é selecionada.
O disputado prêmio é uma semana de apresentações, de 11 a 17
de abril, no porão do antigo sobradinho. Além disso, a presença da
mídia e um público maior do que o dos bares é um grande estímulo
para Roger. Pela primeira vez, o repertório do show só tem músicas
próprias.
− Nós ficaríamos com a bilheteria, mas isso era irrisório.
Dividíamos o palco com outras 28 bandas escolhidas.
Um dos jurados é Peninha. Maurício crê ser a melhor coisa que
poderia acontecer. Lembro como se fosse hoje. Foi graças ao Miguel
Barella. Ele quem levou o Peninha lá.
Mas, antes disso, acontece um ensaio do Ira. O guitarrista
camarada avisa o Ultraje a Rigor: − O Peninha vai na casa do
Charles Gavin assistir ao ensaio.
Roger conhecia o produtor desde quando ele era técnico de som
nos shows dos Mutantes, na década de 1970, e no dia do ensaio
espera pelo momento oportuno, dizendo a Peninha:
Arquivo pessoal de Leôspa
− Eu também tenho uma banda que vai tocar tal dia…
Convite feito, até o dia da apresentação, o Ultraje criaria outras
músicas e tocam:Inútil, Mim Quer Tocar, O Chiclete, Zoraide,
Independente Futebol Clube, Marylou e Ricota. Peninha assiste, e
Roger relembra as palavras do produtor: Comprei, comprei…5
É a primeira vez que Peninha vê o Ultraje a Rigor. Ele encontra
uma harmonia de motivos para encaminhar um contrato.
− O Ultraje era mortal no palco, tudo funcionava, letra, música,
timing, as piadas internas e externas, o confuso amontoado de
referências e citações que juntavam numa cacofonia de paródias e
pastiches, puro sarro, um modo de ver o mundo pronto para o tombo,
disposto a dar risadas fartas. Quem não quer um ídolo assim?

Com a gravadora Warner, logo em seguida gravam o primeiro


compacto com duas faixas: Inútil e Mim Quer Tocar. O
reconhecimento na grande mídia como um hit só chegaria com o
primeiro LP, mas o compacto se torna sucesso de crítica e Roger
reclama. Só não saiu logo no começo de 83, porque a censura ficou
segurando. O disco seria liberado seis meses depois, em outubro do
mesmo ano.
Pouco antes de assinar o contrato, Roger recusa um convite que
poderia mudar completamente o destino do Ultraje a Rigor. Parece
que alguém da Warner tinha sugerido que eu fizesse carreira solo, o
Peninha veio me contar e eu disse que não. Eu queria a banda.
Apesar de ter a intenção de viver de música, as expectativas do
Ultraje ainda são muito mais singelas. Roger guarda os discos de
seus ídolos e sonha em poder fazer a mesma coisa com o seu.
− Era um compacto, não era grande coisa, mas era o primeiro.
Nenhum de nós, naquela época, pensava muito que aquilo iria
estourar, nós queríamos ter o registro. Queria ver o compacto na
mão, pôr na vitrola e tocar. Não tinha essa ânsia de celebridade, era
muito mais no sentido de fazer arte. O som foi uma decepção total,
porque nós ouvíamos uma coisa no estúdio e na hora que saiu no
disco era completamente diferente. Menos pesado. Mas era demais
ver o disco.
Os ultrajes passam a maior parte do tempo que estão juntos rindo.
Edgard se sente uma criança perto dos demais. Quando, na
verdade, eles nem eram tão mais velhos que eu assim. Tinham um
humor sensacional, repletos de grunhidos, pegadinhas e piadas.
Algumas brincadeiras consistiam em “passar recibo”, quando você
ficava se justificando à toa. Também falavam alguma coisa
complicada de propósito para que alguém perguntasse: o quê? Daí
faziam um som de peido com a boca. Essa era uma brincadeira que
às vezes irritava, mas depois de alguns rabos de galo, dava até para
chorar de rir.
Edgard lembra que estava sempre duro. Quando sai com os
ultrajes para beber, eles pagam sua cerveja, mas algumas vezes a
diversão é sair dos botecos sem pagar, à francesa ou na correria.

O primeiro hit
A gente não sabemos escolher presidente
A gente não sabemos tomar conta da gente
A gente não sabemos nem escovar os dente
Tem gringo pensando que nóis é indigente
Inútil
A gente somos inútil
A gente faz carro e não sabe guiar
A gente faz trilho e não tem trem pra botar
A gente faz filho e não consegue criar
A gente pede grana e não consegue pagar
Inútil
A gente somos inútil
A gente faz música e não consegue gravar
A gente escreve livro e não consegue publicar
A gente escreve peça e não consegue encenar
A gente joga bola e não consegue ganhar
Inútil
A gente somos inútil
Composição de Roger,Inútil surge em 1982 e concentra várias
inspirações em um hit quase instantâneo. A primeira delas vem do
pai, quando ele chama o filho de inútil. Um dia no chuveiro, comecei
a cantarolar, explorando a sonoridade da palavra “inútil”6, e a música
foi nascendo.7 A isso, muito oportunamente, junta uma declaração do
rei do futebol, Pelé, que na época diz: os brasileiros não estão
preparados para votar. A terceira inspiração vem de uma matéria lida
por Roger. Esta afirmava que 90% dos brasileiros tinham cáries e
não tinham dentes. Irônico? O “a gente somos”, ele ouviu da boca de
um homem muito rico, cliente de Leôspa, que também era arquiteto.
O último verso se deve a derrota da seleção brasileira na Copa do
Mundo de 1982. Por 3 a 2, os italianos desclassificam “o melhor
futebol do mundo”, num jogo suado em que o Brasil chega a ficar na
frente do placar.
Com a música quase pronta, Roger pede a Edgard que faça um
solo curto no início. Ele cria o inesquecível riff que abre Inútil.
O presidente da WEA começa a divulgação do primeiro trabalho
da banda, distribuindo cópias em fitas cassete. Uma delas passa
pelas mãos de um publicitário de renome.
“Washington Olivetto recebeu uma, tocou numa festa para seus
amigos descolados, e, como lembra, a maioria ignorou, muitos se
incomodaram e ninguém gostou especialmente. No dia seguinte,
entretanto, o publicitário enviou a fita para o radialista Osmar Santos,
que a incluiu em seu programa Balancê, na Rádio Excelsior. Em 27
de novembro de 1983, Osmar foi um dos mestres de cerimônia do
primeiro comício pró-eleições diretas, em São Paulo, e tocou Inútil no
sistema de som, para 10 mil pessoas, com enorme impacto.”8
Em 1983 a sociedade brasileira se divide em a favor ou contra a
liber-dade. O país passa por uma fase de transição política e a
população começa a lutar por seus direitos, fazendo de Inútil o tema
das Diretas Já. Passeatas e comícios ganham força em abril de
1984, quando os brasileiros tomam as ruas nas campanhas que
acabam com o regime militar. Inicialmente, alguns ouvintes até
pensam que o refrão os ofende, como se significasse chamar o povo
de ignorante. Na realidade o a gente somos inútil é muito perspicaz.
Significa que as autoridades tratam os brasileiros como inúteis,
porque estes não têm o direito de escolher os seus representantes
através de voto direto. A volta das eleições diretas para presidente
acontece em 15 de janeiro de 1985 e o candidato eleito é Tancredo
Neves. Nesse meio tempo, Inútil entra para a história do rock
nacional.
“Uma crítica à Velha República que ganhou os palanques de
comícios pelas eleições diretas e chegou a ser usada pelo deputado
Ulysses Guimarães numa farpa lançada ao ex-porta voz da
Presidência, Carlos Átila. Ele que compre o disco com Inútile fique
ouvindo, aconselhou Ulysses”.9
Quando é gravada a frase a gente não sabemos escolher
presidente, há uma outra percepção política do Brasil. No entanto, a
música ainda é considerada atual, porque o inútil (não a música)
passou a se referir a um novo contexto político, no qual o povo se
torna conformado diante de governantes que optam pela corrupção.
− Foi um lance legal essa música pintar no rádio. No início ficou
todo mundo naquela de pô, qualé, será que os caras estão xingando
a gente? Mas nós, que pelo menos temos acesso aos meios de
comunicação, podemos fazer esse alerta. Rock n’ roll é diversão, é
energia, e as letras são divertidas. Temos um certo cinismo nas
letras, uma ousadia, um ultraje − analisa Roger.10

Lobão aparece com o Vímana. Aos 19 anos, começa a


trabalhar como músico freelancer. Toca com Luis Melodia,
Walter Franco, Zé Ramalho e Marina. Depois, nos anos
1980, se torna sócio-fundador da Blitz e antes de assinar o
primeiro trabalho cai fora, sozinho e impressionado com a
mudança de rumo que a new wave traz. As gravadoras
estavam achando que vinha uma nova Jovem Guarda e
elas estavam muito felizes, porque aquilo soava muito
inofensivo pra elas. Então, como o brasileiro já é um ser
barroco pela própria natureza, eles achavam que aquelas
circunvoluções harmônicas de Chico Buarque, aquilo é
levado a sério e a gente fazia uma coisa sintética. É
simplório. Houve um boom de tudo o que elas querem é
coisa simplória. Elas contrataram um monte de bandas
achando que todas eram [Meu] Ursinho Blau Blau [um hit de
Sylvinho Blau Blau], e não eram. E o que aconteceu? Essas
bandas tinham uma identidade própria. Acho que Inútil, a
maneira como o Roger compõe faz lembrar muito Adoniran
Barbosa. O Ultraje é uma banda de rock de ruptura. As
pessoas que estavam nos anos 80 queriam fazer ruptura
com a MPB. A gente não queria tocar Elis Regina,
Gonzaguinha, bossa nova. A gente tinha ojeriza. Tinha não,
nós temos ojeriza, acho o fim da picada. As bandas
entraram numa cena, tipo assim, nós queremos fazer outra
coisa. Teve gente que chamou new wave, nova jovem
guarda e tinha um balaio de gatos, porque havia pessoas
legais e havia pessoas horrorosas. Os anos 80 revelaram
uma das piores gerações que o Brasil podia ter, com
exceção do Cazuza, do Roger, do Júlio Barroso, do Ira e do
Evandro Mesquita, agora o resto eu não consigo ver sentido
de existir.

Mim Quer Tocar, o lado B do compacto, parte do jeito do reggae de


falar “Me Want to Play”.
Mim quer tocar
Mim gosta ganhar dinheiro
Me want to play
Me love to get the money
Mim é brasileiro
Mim gosta banana
Mas mim também quer votar
Mim também quer ser bacana
Mim quer tocar
Mim gosta ganhar dinheiro
Me want to play
Me love to get the money
Mim gosta tanto tocar
Mim é batuqueiro
Mas mim precisa ganhar
Mim gosta ganhar dinheiro
A mistura português-inglês explora uma mensagem que, em
primeiro plano, compara o músico brasileiro com o americano, em
segundo plano, compara o salário do trabalhador de um país
subdesenvolvido ao salário de um desenvolvido. A composição de
Roger reflete a influência dos Estados Unidos no Brasil, onde a
presença de seus produtos, seja na música, na moda, nos seriados
de TV, nos desenhos animados ou nos filmes é um sonho de
consumo. Assim como milhares de crianças em todo o mundo, Roger
cresce nutrindo esse sonho.
− Mim Quer Tocar era sobre querer trabalhar, mas por outro lado
querer ganhar o dinheiro que seria justo ganhar por aquela função. E
até hoje, quase todo trabalhador por aqui é sub-remunerado, ganha
menos que um trabalhador equivalente num país avançado.
Devido às críticas que as duas primeiras músicas trazem nas
entrelinhas de suas letras, o Ultraje a Rigor é rotulado de rock
político. Em entrevista à Roll, uma das primeiras revistas
segmentadas em rock e com abertura para as bandas nacionais,
Roger confessa que foi chato, mas todo mundo acaba se
interessando por política, mesmo que não queira. Você vê a crise, vê
essa palhaçada de eleição (…)Mas, na verdade, o público não cobra
essa posição política da gente, não.11 E Maurício reconhece o quanto
essas músicas são importantes para projetar a banda num momento
mais do que oportuno.
− A fama veio por causa da censura e posteriormente da mídia, a
gravadora aproveitou o buraco… o público nunca cobrou uma
postura, só gostavam do som e da gente… gostavam muito da
gente, até dormiam com a gente.

Algumas apresentações, logo no começo do Ultraje a Rigor, são


muito marcantes. Por exemplo, os shows que constantemente fazem
na boate Pierrot Lunar, localizada no Itaim, em São Paulo. Em plena
Copa do Mundo na Espanha, em 1982, um grupo de argentinos está
no bar e, não pela primeira vez, começa a gritar: − TA FLACO,
TCHÊ! TA FLACO TCHÊ!
Um dia após o jogo em que Brasil vence a Argentina por 3 a 1, o
Ultraje a Rigor toca no Pierrot Lunar e lá está o grupo de argentinos.
Edgard Scandurra conta que no primeiro “TA FLACO” que eles
gritaram, o Leôspa revidou:
− TA FLACO O QUÊ? FLACO É TU PAÍS, TU MONEDA, TU
FUTEBOL!!!
Em outra ocasião na mesma boate, Leôspa toma um choque
elétrico na bateria. No início todos pensam que se trata de uma
brincadeira, até que o baterista cai no chão, grudado no microfone,
com os dentes cerrados…
Numa outra casa no centro de São Paulo, o Ultraje a Rigor
também faz história. Eles tocam no Napalm, localizado no número
382, da rua Marquês de Itu. O ano é 1983, da esquerda para a direita
estão em cima do pequeno palco Edgard Scandurra, Roger, Maurício
e mais atrás, no lugar do baterista, Leôspa. Edgard e Maurício têm
21 anos, Roger, 27, e Leôspa, 28. São todos magros e de cabelos
curtos. Vestem jeans e camisas ou camisetas de manga curta.
Edgard é canhoto, toca a guitarra virada para a direita e inverte as
cordas; Roger usa óculos de armação preta e boné; Leôspa veste
uma camiseta com o nome da banda e fica meio escondido no fundo
do palco, que não permite muita locomoção e Maurício ainda tenta
dançar um pouquinho, balançando de um lado para o outro. A plateia
fica disposta muito, muito perto do palco e ouve Roger cantando: eu
não sou de plástico/eu não sou de cera/eu não fui fabricado/eu não
falo besteira/new wave! new wave! Ao fundo está o logotipo da casa,
Na-palm, com o primeiro “a” desenhado como o símbolo anarquia.
Depois do lançamento do primeiro compacto, os compromissos do
Ultraje aumentam e Edgard Scandurra tem de escolher, já não pode
se dividir entre as diversas bandas nas quais toca. Como Roger já
esperava, ele opta pelo Ira.
− Nós ficamos bem porque o Edgard era do Ira. Eu sempre soube,
então sabia que ele iria sair um dia. No começo a gente pensava e
criava junto.
Edgard Scandurra ganha o apelido de Horácio. O dinossaurinho
dos quadrinhos de Maurício de Sousa. Pela simpatia, timidez e
tamanho da cabeça… Ele diz que seuespírito musical combinava
mais com a seriedade do Ira do que com o humor do Ultraje. Apesar
de adorar tocar com Leôspa, Roger e Maurício, na época, todas as
músicas do Ira são de autoria dele.
Material de divulgação do lançamento do primeiro LP do Magazine.
Arquivo pessoal de Thomas Bielefeld (Azul 29) O rock brazuca se desenvolve rapidamente
e a Warner investe pesado, com o suporte necessário para que seus artistas passem ao
mainstream. Em fevereiro de 1983, Ritchie (ex-Vímana) estoura com o compacto Menina
Veneno, que alcança a marca de 800 mil cópias vendidas. A gravadora também convida o
Azul 29 para lançar seu primeiro compacto, Olhar/Metrópole. E depois do sucesso de Sou
Boy, o Magazine lança no dia 19 de novembro seu primeiro LP homônimo. Para a abertura
do show, que acontece no Clube das Bandeiras, são escalados Ultraje a Rigor e Azul 29.

O Ultraje já tinha a estrutura de uma grande gravadora (um


bom estúdio para gravar, os discos já tinham uma boa
distribuição nas lojas), era a garantia de uma vendagem. Eu
lembro que o Magazine foi um dos primeiros a ter uma boa
vendagem do primeiro compacto, depois veio Ultraje, o Ira,
os próprios Titãs. Então, acho que a aceitação,
principalmente dos grupos, tava sendo legal, e isso, claro,
revertia em vendas. O compacto era uma realidade. Vendia.
Muitos até 500 mil. Então, nessa época, as bandas até
faziam tarde de autógrafos em lojas daquela época, Mesbla
ou lojas do shopping.
Kid Vinil
Os espaços pelos quais o Ultraje passou continuam sendo
importantes também para outras bandas da Vanguarda Paulista.
Uma delas com proposta parecida é o Premeditando o Breque, que
se formou com os alunos de Composição da Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP)
Claus Petersen, Marcelo Galbetti e Manga, em 1976, tocando samba
de breque e choro. Pelo Lira Paulistana/Continental, lançam o
segundo LP, Quase Lindo. As sátiras são parte das composições,
como por exemplo, em São Paulo São Paulo (Não vá se incomodar
com a fauna urbana de São Paulo, de São Paulo/Pardais, baratas,
ratos na Rota de São Paulo/E pra você criança muita diversão e
poluição/Tomar um banho no Tietê ou ver TV), mas são os arranjos
elaborados que distinguem o Premê (como carinhosamente adotou).
Já o Língua de Trapo, com novos membros, Mário Campos (baixista)
e Nahame “Naminha” Casseb (baterista), ganha o prêmio Chiquinha
Gonzaga como melhor grupo independente em 1983, depois de um
show em que protestam contra a inutilidade (o voto indireto).
Fora de São Paulo, o Camisa de Vênus marca presença com Bete
Morreu. A Blitz avança com outra Bete, aFrígida, de Radio atividade
e shows em espaços importantes, como o Canecão, a Praça da
Apoteose (RJ) e um especial exibido pela Rede Globo, Blitz contra o
gênio do mal. Descolado, Cazuza ganha um empurrãozinho de um
amigo consagrado na MPB, e Barão Vermelho 2 cai nas graças das
rádios e público quando Caetano Veloso canta Todo o amor que
houver nessa vida durante show no Canecão e Ney Matogrosso
grava Pro dia nascer feliz (composição da dupla Cazuza e Frejat). No
Rio Grande do Sul, o rock também começa a se manisfestar. Nasce
a rádio Ipanema FM, com sede em Porto Alegre, que toca as demos
das bandas que estão começando. Se destacam: Replicantes (com
Nicotina) e Os Garotos da Rua (que logo viram banda fixa da casa
Rocket 88, em Porto Alegre).

Ainda em 1983, para substituir Edgard, Peninha indica o paulista


Carlos Bartolini Castello Branco, Carlinhos para os integrantes e fãs
do Ultraje. Logo de cara, ele tem de aprender as várias músicas que
já estavam prontas, seu teste tem acolhimento frio por causa dos
pedais que usa para distorcer o som da guitarra. Roger está
acostumado apenas com os amplificadores para conseguir o efeito.
Simplicidade, lema da banda. Mas Maurício adora a novidade. Com
o tempo, Carlinhos passa a imprimir seu próprio estilo como
guitarrista do Ultraje a Rigor. No final, Roger fica aliviado: − Pronto!
Agora somos uma banda que não tem quem sair. O Edgard era
coringa.
Em janeiro de 1984, Carlinhos integra oficialmente o Ultraje a
Rigor. O novo guitarrista vem de uma família apaixonada por música.
Seu pai, Sergio, é ligado com música, equipamento e qualidade de
som de alto nível, hi-fi, ele construía os próprios amplificadores.
Carlinhos cresce ouvindo muita música clássica por causa do pai,
que além de cantar, toca violão e piano. O avô, Carlos, foi fundador
da Odeon; a tia, Leniza Castello Branco, também toca violão e a avó,
Zelina Castello Branco, costuma cantar com os amigos e familiares,
nunca profissionalmente.
No seu aniversário de 11 anos, Carlinhos ganha uma guitarra de
seu pai. Uma Delvecchio azul clara, horrível… e começa a estudar
com um violonista chamado Celso, posteriormente tem aulas com
Ulisses Rocha. Com eles aprendi o básico, mais tarde estudei por
alguns meses com Lanny Gordin.
Com essa idade o guitarrista se arrisca como DJ nas festinhas dos
amigos. Pouco depois, com 12, 13 anos, o pai lhe ensina técnicas
para fazer reel-to-reel multi-layered mono recordings.

Reel-to-reel multi-layered mono recordings


Carlinhos explica a técnica: Reel-to-reel é gravador de fita,
dois rolos. Multi-layered mono recording foi uma técnica
criada por Les Paul, onde as cabeças de apagar e gravação
de um dos canais de uma máquina estéreo ficam
desligadas (canal 1), e a do outro canal ligadas (canal 2), o
som do canal 2 é enviado ao canal 1 e, junto com ele, um
novo som sendo gravado e mixado simultaneamente,
possibilitando assim o overdub.
− Na verdade aprendi mesmo a tocar guitarra com meu primo,
Marcelo Castello Branco e seus amigos. Eram muito mais velhos do
que eu, hoje muitos são profissionais, a turma toda do Sossega
Leão, os Titãs e muitos outros.
O novo integrante é fã de Beatles desde a infância, além disso,
tem como principal influência: música clássica (europeia e russa),
jazz, bebop, rock, punk, gótico, industrial, ska, reggae e metal. E traz
novas ideias para o Ultraje, das quais se orgulha: − O som do Ultraje
mudou completamente depois que eu entrei. Com muita luta
consegui modernizar o som, o Roger e o Leôspa eram
completamente contra pedais, efeitos, timbres diferentes. Consegui
isso com muita luta e a ajuda do Maurício.
Carlinhos vem das bandas Os Incoerentes e Os Perplexos . Meses
depois, em 1984, entra no estúdio Transamérica, no Rio de Janeiro,
com Maurício, Roger e Leôspa para gravar o segundo compacto do
Ultraje a Rigor: Eu Me Amo/Rebelde Sem Causa. E numa feliz
coincidência, um empurrãozinho chega sem querer.

Em dezembro de 1986, a revista Bizz, número 6,


publicaria uma denúncia de possível plágio, ao afirmar
a semelhança entre Rebelde Sem Causa e L’ Aventurier,
composição da banda francesa Indochine. O Ultraje a
Rigor desconhece a francesa.

O produtor da Blitz de repente escuta o Ultraje a Rigor tocando Eu


me amo e, pasmo, diz que o refrão é igual à música Egotrip. Vai
correndo avisar a Blitz, o cantor Evandro Mesquita muda a sua
canção, para Eu Me Amo, Eu Me Adoro, Eu Não Consigo Viver Sem
Mim.

Roger esclarece que não conhecia esse refrão da Blitz e, além


disso, Eu Me Amo já estava gravada,Egotrip não. De qualquer forma
a banda carioca já havia estourado e respingou um pouco dessa
atenção na banda paulistana. O Rio de Janeiro também começa a
querer saber quem é esse tal de Ultraje a Rigor. Ao mesmo tempo, o
empresário do Ultraje começa a marcar shows no interior de São
Paulo e em outros estados, como Minas Gerais.

Blitz 3 chega em dezembro de 1984, com Egotrip , que


sai da peça A Incrível História de Nemias Demutcha ,
criada em 1982 pelos atores que haviam trabalhado no
Asdrúbal Trouxe o Trombone , Evandro Mesquita e
Patrícia Travassos. Grande coincidência com a letra de
Eu Me Amo.
Em Eu Me Amo, o “eu”, às vezes metaforicamente, assume o
papel de uma segunda pessoa, por exemplo, quando Roger diz
sempre a meu lado bem feliz eu serei. Normalmente é costume dizer,
sempre a seu lado bem feliz eu serei.
Há tanto tempo eu vinha me procurando
Quanto tempo faz, já nem lembro mais
Sempre correndo atrás de mim feito um louco
Tentando sair desse meu sufoco
Eu era tudo que eu podia querer
Era tão simples e eu custei pra aprender
Daqui pra frente nova vida eu terei
Sempre a meu lado bem feliz eu serei
Eu me amo, eu me amo
Não posso mais viver sem mim
Como foi bom eu ter aparecido
Nessa minha vida já um tanto sofrida
Já não sabia mais o que fazer
Pra eu gostar de mim, me aceitar assim
Eu que queria tanto ter alguém
Agora eu sei sem mim eu não sou ninguém
Longe de mim nada mais faz sentido
Pra toda vida eu quero estar comigo
Eu me amo, eu me amo
Não posso mais viver sem mim
Foi tão difícil pra eu me encontrar
É muito fácil um grande amor acabar, mas
Eu vou lutar por esse amor até o fim
Não vou mais deixar eu fugir de mim
Agora eu tenho uma razão pra viver
Agora eu posso até gostar de você
Completamente eu vou poder me entregar
É bem melhor você sabendo se amar
Eu me amo, eu me amo
Não posso mais viver sem mim
O lado A do segundo compacto desmistifica o tom político da
banda e mostra outra face. Eu me amo nasce quando Roger está
lendo Solidão ou Medo do Amor, não me lembro direito do autor, é
um livro de psicologia, que aborda análise transacional. Era uma
coisa que estava na moda na época, foi um pouco antes dos livros
de autoajuda.
O livro foi um achado na casa de um amigo no Rio de Janeiro,
durante as férias. Roger utiliza a tese do livro que defende que as
músicas de amor são sempre autodepreciativas e compõe
justamente aquilo que não existe de acordo com o autor.
− Tudo bem, eu tenho um pouco de narcisismo, mas o lance da
música não é esse. (…) Há uma ligação da letra de Eu me amo com
a de Inútil, porque o lance de Inútilé dizer que a gente não é inútil…
O livro dizia que, na criança, é natural isso de se amar, de, por
exemplo, não emprestar seus brinquedos. E essas músicas do tipo
“não posso viver sem você”, “sem você a vida não vale nada”, são
uma mentira. O bom mesmo é gostar de você mesmo. Partindo
dessa ideia, tirei um sarro em cima desses clichês.12
Certa vez, durante uma entrevista para a revista Roll, o repórter
pergunta: Qual o conselho do Ultraje a Rigor pra quem ainda “não se
ama”? E não podia ser diferente, Roger responde cantarolando: −
Não se reprima, não se reprima… [Menudos mesmo? ou será mais
uma piada do Ultraje?]13.
O primeiro compacto consegue a atenção da crítica e faz sucesso
no meio underground. Mas é o segundo, com melhor qualidade de
gravação, que traz a primeira música a projetar o Ultraje. O lado B
teria a faixa Ciúme, mas Roger compõe Rebelde sem causa e
mostra para Liminha, o futuro produtor. Ele adora e decreta: não.
Vamos lançar essa. O autor da música recorda, um dia, um radialista
de São Paulo vira o disco, começa a tocar e estoura.
Os dois compactos lançados ganham a produção artística de
Peninha, que tenta aplicar seus conceitos sem descaracterizar os
ultrajes, nem deixar que outros profissionais envolvidos o façam sob
influência treinada pela indústria fonográfica.
− Eu tentava capturar a essência do momento, com um pouco de
critério técnico e método, só para não perder nada. Juro que não era
uma questão de afinação ou de harmonia, a técnica não era musical,
era performance no estado bruto. Meu ouvido pop já havia sido feito,
danem-se os padrões. Quando se ouve clássicos imortais como
Beatles, Stones, e quase tudo do pop dos 50 em diante, dentro do
estúdio, em condições clínicas, aparecem desafinações,
desencontros, erros que jamais se ouviram nem foram registrados
pelo público que consagrou estes hits – nem a crítica levantou essa
bola. O erro é humano e também faz parte do bom pop.
Maurício durante show em agosto de 1984.
Arquivo pessoal de Serginho Serra Antes de serem contratados pela WEA, os integrantes
do Ultraje a Rigor poderiam seguir uma carreira independente. Mas eles não têm pressa e
preferem esperar por um futuro mais concreto. Depois do contrato com a gravadora, Roger
continua tocando normalmente. Até o segundo compacto, os empresários vem e vão. Não
refrescava muito, continuamos nossa vida. Nós e as outras bandas não tínhamos essa
fissura de correr, porque alguém estava com disco pronto, não tinha esse tipo de
competição. Outro motivo que os levam a recusar a carreira independente, segundo
Maurício, é a falta de cacife para bancar a gravação e todo o processo musical. Na verdade,
gastamos o que tínhamos pra demo no estúdio do Placa Luminosa, o resto gastamos em
bebida. Além disso, Leôspa diz que o empresário, na época, tinha uma boa visão, mas
Roger não gostava dele. Para todas as decisões dentro do Ultraje, os membros fazem
votações. No caso de empate, optam pelo não, a fim de evitar dissabores entre eles.

Nos idos de 1984, um filme nacional coleciona alguns sucessos da


época. Bete Balanço, de Lael Rodrigues, conta a história de uma
jovem descobrindo o mundo e batalhando para realizar o sonho de
ser cantora. Para a trilha sonora, o Barão Vermelho é convidado a
compor a faixa principal, Bete Balanço. Entram também Amor,
amor,Vem comigo e Carente profissional. Vídeo game, do Azul 29,
Me chama, do Lobão, que se junta aos Ronaldos, Meditando, do
Brylho, Mecenas de Maizena, da Metralhatxeca, Blues motel, do
Celso Blues Boy, Sempre juntos, da Cristina Conrado, Nosso caso
de amor, do Ricardo Bomba e a homônima Vídeo game, do Sangue
da Cidade. No mesmo ano, os Titãs do Iê-Iê diminuem de tamanho e
de nome, sem Ciro Pessoa e sem o Iê-Iê, lançam o primeiro disco
Titãs, com Sonífera Ilha, que conquistou as rádios. Os Paralamas do
Sucesso chegam com o segundo LP, O passo do Lui(EMI Music).
Com uma front woman, o Kid Abelha e os Abóboras Selvagens lança
seu primeiro LP, Seu Espião, que tem participações especiais de
Liminha (também produtor), Lulu Santos e Herbert Vianna. E num
festival do colégio da colônia francesa em São Paulo, Liceu Pasteur,
surge a Gota Suspensa, que se torna Metrô, com o baterista Dany (o
Fernandinho do comercial da US Top – Bonita camisa, Fernandinho),
o tecladista Yann, o baixista Zavie, o guitarrista Alec e a vocalista
Virginie. Eles lançam o primeiro compacto,Beat Acelerado/Sândalo
de Dandy, pela CBS. O Magazine faz história com o compacto Tic
Tic Nervoso/Atentado ao Pudor. Parece que os ouvintes se
identificam a fundo com a crítica ao estresse metropolitano e com a
ousadia de faixas como Eu Não Matei Joana D’arc, do segundo LP
do Camisa de Vênus, Batalhões de Estranhos.
Depois de trabalhar com alguns empresários, Roger e Leôspa
convidam Cacá Prates para assumir o cargo definitivamente. Ele
produz, no promissor 1984, a primeira maratona de shows com o
Ultraje. A divulgação das lojas Riachuelo promete apresentações
gratuitas de várias bandas para atrair os consumidores nas
inaugurações das filiais no interior de São Paulo, como em
Araraquara, Ribeirão Preto e Araçatuba. O apresentador do
programa Balancê, da Rádio Excelsior (hoje CBN), Fausto Silva,
também apresenta os shows de Araraquara, realizados no Ginásio
do Gigantão. Cacá Prates escolhe o casting de trabalho: Lobão, Kiko
Zambianchi e Ultraje.
Lobão lembra esses shows como parte das suas primeiras
memórias com o Ultraje a Rigor.
− Eu estava com os Ronaldos. Aí a gente fez um mês mais ou
menos andando por todo o interior de São Paulo, e através dessa
excursão foi que eu solidifiquei minha amizade com eles e era muito
engraçado, porque a gente era um retrocesso à infância. Era briga
de pistolinha d’água, guerra de travesseiro. Os ônibus
emparelhavam, ficava todo mundo jogando coisinha um no outro, era
coisa de garotada. E o clima do Ultraje é um clima de molecagem,
então quando a gente se encontra é sempre um tirando sarro da cara
do outro.
Cacá Prates diz que o Ultraje sempre teve brincadeiras infantis e
por isso tinha a fama de que nenhum hotel queria hospedá-los, mas
era tudo folclore, sempre nós ficamos numa rede de hotel no Rio que
nós tínhamos até amizade com o gerente. O empresário arruma
shows fora do estado de São Paulo, onde a casa cheia é uma
realidade. A média de apresentações, por mês, varia entre seis e
oito. O Ultraje a Rigor diz-se sem compromissos com estilos. Quanto
ao humor tão marcante, Roger traça alguns paralelos.
− Em São Paulo, tem o Premê, se bem que suas músicas são
mais um veículo para a divulgação das letras. Nós temos, além
disso, uma proposta musical. Talvez os Miquinhos… o Lobão… mas
a irreverência do Lobão é diferente, mais ligada à pessoa dele. Rock
é irreverente por natureza.14
Kid Vinil assiste de perto e faz parte da história do rock
nacional. Primeiro com a banda Verminose/Magazine,
depois seu currículo ainda inclui as profissões de jornalista
(escreveu artigos para o jornal Folha de S. Paulo),
apresentador das rádios Excelsior AM e FM, Antena 1,87
FM e Brasil 2000, da TV Cultura e da MTV, DJ da 89 FM,
diretor artístico da gravadora Eldorado e da rádio Brasil
2000 e responsável pelo departamento internacional da
gravadora Trama. Em 2008 registra tudo no Almanaque do
Rock e hoje toca à frente do Kid Vinil Xperience. Ele faz um
resumo da atmosfera em que o Ultraje a rigor se cria. No
final dos anos 70, lá fora tinha os dois estilos, o punk que
era feito pelos Ramones, Sex Pistols e The Clash e o estilo
new wave, que era de bandas que tinham uma pegada
menos pesada, menos agressiva, digamos assim, B’52,
Pretenders, Devo e Police, talvez tivesse uma contestação
também, não tão agressiva e não tão social, politicamente
falando, engajada quanto ao estilo punk. Essa era a
diferença dos dois estilos da época. O Ultraje, na verdade,
tinha um pouco de cada coisa. Eu lembro que no começo os
punks gostavam do estilo deles, porque eles faziam um som
também pesado para aquela época. Tinha bastante
influência de Ramones, de rock dos anos 1960, que o
Roger gosta. Então, tudo aquilo era meio que o estilo do
Ultraje a rigor.

O Ultraje apresenta repertório para gravar um disco e conta com


certo prestígio do público, mas a Warner posiciona-se com um
espera mais um pouco e Roger manda: − Tem outras gravadoras
interessadas na gente.
Na tentativa de fazer pressão, o presidente da gravadora, André
Midani, responde: − Se vocês quiserem, a gente libera vocês.
Roger encerra a história: − Não, tudo bem, a gente espera mais
um pouquinho.
2
A TV Cultura é responsável pelo primeiro programa brasileiro a
exibir clipes de músicas. A partir de 1983, o Som Pop leva aos
telespectadores quase sempre artistas estrangeiros. No ano seguinte
estreia Shock, na extinta Rede Manchete, com entrevistas e críticas
do jornalista Jamari França para os lançamentos dos discos do mês,
além dos clipes. A propagação do rock no país através da TV seria
ainda mais significativa em 1985, quando Roberto Medina idealiza
um evento com transmissão nacional pela Rede Globo, que marca a
cena, em antes do Rock in Rio e depois do primeiro mega festival de
música, mesmo devendo shows de algumas bandas brasileiras de
rock que já despontam. De 11 a 20 de janeiro, 1,35 milhão de
pessoas assistem em Jacarepaguá às atrações internacionais:
Whitesnake, Iron Maiden, Queen, Al Jarreau, James Taylor, George
Benson, Nina Hagen, Go-Go’s, Rod Stewart, Scorpions, AC/DC,
Ozzy Osbourne, Yes e B-52’s e as atrações nacionais: Ney
Matogrosso, Erasmo Carlos, Baby Consuelo & Pepeu Gomes, Ivan
Lins, Elba Ramalho, Gilberto Gil, Os Paralamas do Sucesso, Lulu
Santos, Blitz, Moraes Moreira, Alceu Valença, Kid Abelha e os
Abóboras Selvagens, Eduardo Dusek, Barão Vermelho e Rita Lee.
Enquanto o Ultraje a Rigor se acostuma a tocar as próprias
músicas nos shows, incrementadas com alguns covers, como fazem
até hoje, Os Paralamas do Sucesso levam um cover da escrachada
banda paulista para o Rock in Rio.
A primeira apresentação paralâmica acontece no dia 13 de janeiro,
e o líder da banda, Herbert Vianna, aproveita a oportunidade para
expressar a sua opinião antes de tocar Inútil.
− A gente, se pensasse três anos atrás num evento como o Rock
in Rio, a gente sabe que não seria possível, que isso aqui está
acontecendo graças aos novos grupos brasileiros, que fizeram com
que essa música se tornasse conhecida. Então, essa música que a
gente vai tocar agora a gente dedica para Lobão e os Ronaldos,
Ultraje a Rigor, Magazine, Titãs e à rádio Fluminense FM.
O recado serve também para desabafar sobre a falta de atenção
dispensada para os artistas brasileiros, enquanto as atrações
internacionais têm regalias. Dia 16, o segundo show dos Paralamas
mantém a homenagem, e Herbert anuncia o cover. “Ontem foi
escolhido o novo presidente do Brasil [ Tancredo Neves] e a gente
vai ver aquela careca na TV por um bom tempo. Mas a gente espera
que alguma coisa de bom seja feita. Já que ‘a gente não sabemos
escolher presidente’, já que escolheram pela gente, a gente vai tocar
uma música de um grupo de São Paulo genial.” E emendou os
primeiros acordes de Inútil sem dizer o nome do grupo.15
Leôspa, Maurício, Carlinhos e Roger encontram Ulysses Guimarães no
aeroporto de Brasília.

Arquivo pessoal de Leôspa


O sucesso de Inútil é inegável, mas Carlinhos revela: Ulysses
Guimarães nunca falou para Carlos Átila comprar o compacto do
Inútil, esta velha história não é verdade, foi inventada por um
jornalista. Só vim a descobrir isso um tempão depois. Certa vez, a
caminho de um show, os ultrajes encontram o deputado na sala VIP
de um aeroporto em Brasília. Cacá Prates incentiva uma conversa. E
Carlinhos descobre que Ulysses Guimarães não tem conhecimento
da tal declaração. Já o empresário da banda vê a situação de outro
ângulo. Isso são coisas do folclore, que têm na política, na música,
no futebol. Como político, você pode num momento falar que não
disse nada disso, mas poderia ter dito. Porque, também, um
jornalista nunca vai dizer alguma coisa que não seja correta. O
Doutor Ulysses ponderou à maneira dele, político.
O Rock in Rio promete Dez dias de música e paz, mas vai muito
além. Os patrocinadores lucram alto, a Som Livre, também, com o
lançamento do LP do evento. A partir daí, se descobre um público
em potencial, o jovem. Meses depois, chega às bancas a revista
mensal Bizz, especializada em pop rock e que viraria item de
colecionador, os shows gringos passam a ocorrer com maior
variedade e intensidade. As pouquíssimas lojas de discos de heavy
metal (até então) ampliam o negócio, inclusive com camisetas,
broches e outros adereços. O Rock in Rio cria a Cidade do Rock e
ela transmite a mensagem para o Brasil inteiro.
O Ultraje a Rigor diz a que veio no dia 4 de julho, com o
lançamento do primeiro LP: Nós Vamos Invadir Sua Praia, que traz
11 faixas. Quatro delas conhecidas do público e lançadas nos dois
compactos antecedentes. As demais são Zoraide, que também sofre
censura. Versos como Fica com esse nhémnhém-nhém/Na minha
orelha/Me chateia/Eu já não aguento mais/Quero fazer o que me der
na telha/Zoraide, vê se não me pentelha!, têm de ser mudados para
Zoraide, vê se não me penteia!. Uma questão burocrática e a
alteração não muda a energia de Zoraide, que se chama Solange
Macedo Gonçalves, como reconhece Roger, anos depois casado
com a “personagem”.
− Zoraide foi muito espontâneo. Foi a primeira música que fiz,
(tirando Mauro Bundinha) era para uma namorada na época. Mas,
mesmo nessa, tem a coisa de pedir um fogão de Natal, juntar
enxoval, que já era coisa da namorada de um amigo meu. Tô falando
de uma menina chata. Então juntei as coisas chatas de uma e de
outra.
A primeira do disco a estourar nas rádios atende pelo sentimento-
que-ninguém-quer-admitir Ciúme. Na época, o presidente José
Sarney tem a aprovação do Congresso Nacional para a criação do
Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM). A sociedade
brasileira passa por uma transformação de costumes, tanto no
campo político como no econômico, em que as mulheres aos poucos
ganham espaço, como na vida social cotidiana, retratada por Roger,
que tomava o cuidado de fazer letras que fossem não sobre um fato
em si, mas sobre o espírito do brasileiro ou o espírito do ser humano.
Com Eu quero levar uma vida moderninha/Deixar minha menininha
sair sozinha/Não ser machista e não bancar o possessivo/Ser mais
seguro e não ser tão impulsivo/Mas eu me mordo de ciúúúme…
Roger assume parte de sua personalidade, contudo não imagina que
essa música puxaria nove grandes sucessos tocados à exaustão nas
rádios. Foi uma música que eu fiz meio despretensiosamente e
aconteceu como um dos maiores sucessos do Ultraje.
Outro tiro certeiro é Marylou, composição de Edgard, Roger e
Maurício. O disco traz o seguinte asterisco na música: Radiodifusão
e execução pública proibidas em virtude de a música ter sido vetada
pelo Departamento de Diver-sões Públicas da S.R do D.P.F. De
acordo com o artigo 77°, do regulamento aprovado pelo decreto
20.493, em vigor desde 24 de janeiro de 1946, fica proibida a
irradiação de trechos musicais cantados em linguagem imprópria à
boa educação do povo, anedotas ou palavras nas mesmas
condições. No caso, a rima no final, botava ovo pelo cu, logo é
mudada parabotava ovo pelo sul, mas ainda assim, a música feita
em ritmo carnavalesco, uma sugestão de Liminha, continua proibida.
O órgão censor não especifica qual trecho exato se encaixa no
decreto e os autores sempre têm que deduzir. Na sequência de Nós
Vamos Invadir Sua Praia vem Jesse Go, parceria entre Roger e
Maurício. A coautoria dessa e outras músicas variam, dependendo
do momento. De modo geral, funcionam com o polimento de
melodias do baixista e ideias de letras de Roger, o que poderia levar
vários dias ou poucas horas. Algumas músicas, segundo Maurício,
nascem com o refrão, às vezes letras, às vezes cerveja… às vezes
situações engraçadas. Um processo natural e instintivo, a gente não
sentava na mesa e começava a escrever. Era quase espiritual!
Jesse Go critica os artistas que não sabem lidar com a fama e por
isso, ainda que sejam bons profissionais, acabam sendo esquecidos.
O disco continua rodando no ritmo de Se Você Sabia e encerra
com Independente Futebol Clube(IFC), gravada ao vivo numa
discoteca localizada na Avenida Pedroso de Moraes, 1036
(Pinheiros), o Rádio Clube, durante o dia 6 de abril de 1985, um
Sábado de Aleluia, por Peninha e Liminha, que assinam a produção
de Nós Vamos Invadir Sua Praia. A música se deve ao fato de Roger
ser são-paulino roxo e ao uso de um bordão familiar. A mãe do
compositor dizia: − Eu prefiro ser independente!
Já o “futebol clube” foi um adendo, nas palavras de Roger.
A gravação do disco acontece em abril, no estúdio Nas Nuvens,
construído por Liminha, Gilberto Gil, Victor Farias e André Midani, no
Alto do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro. Nós Vamos Invadir Sua
Praia está praticamente pronto desde 1982, quando o Ultraje a Rigor
começa a incluir suas músicas nos shows. Em função disso, também
está muito bem ensaiado. A seleção de músicas para o disco
também acontece no Rádio Clube. O público conhece um vasto
repertório da banda, devido a suas constantes apresentações na
casa paulistana. E através de uma votação feita em papel são
escolhidas as oito músicas preferidas pelos frequentadores. A partir
daí, pela primeira vez, Roger, Leôspa, Carlinhos e Maurício entram
em um estúdio para ficar um mês. Durante esse tempo, quase todos
os dias eles vão gravar. O estúdio fica fechado para a banda, regalia
que não é comum, e a equipe tem o cuidado de escolher e preparar
o que há de melhor no Nas Nuvens para uso dos ultrajes.
Inexperientes, eles apenas curtem o momento. Roger se lembra do
descontraído dia a dia:
Tricolor X Alvinegro No estádio Altas Horas, o
cara ou coroa decide o início de uma partida entre
torcedores fanáticos. Em homenagem ao clássico
do Campeonato Brasileiro 2009, que aconteceria
entre Corinthians e São Paulo, músicos
torcedores montam dois times. Na madrugrada de
26 de novembro, entram em campo primeiro os
corinthianos, que ao longo do programa da Rede
Globo marcam cinco gols: Us manos e as minas,
O que é Bom Dura para Sempre/Não Quero
Dinheiro, Sou Fiel, Sou Ronaldo e o Hino do
Corinthians. Os são-paulinos encerram a partida
com um empate amistoso: Eu Sou Terrível,
Independente Futebol Clube, Cowboy Fora da Lei,
Nós Vamos Invadir Sua Praia e o Hino do São
Paulo com a pegada de We Are The Champions. A
escalação da banda do São Paulo conta com
Roger (vocal e guitarra), Zezé Di Camargo,
Thunderbird e Ana Cañas (vocais), Ivan Busic
(bateria), Edgard Scandurra e Andreas Kisser
(guitarras) e Liminha (baixo). Os adversários são:
Péricles (vocal e banjo), Thiaguinho, Xis, Negra Li
e Badauí (vocais), Japinha (bateria), Alemão e
Bonilha (percussão), DJ Negralha (pick-up),
Robinho Tavares (baixo), Beto Lee (guitarra) e
Brilhantina (cavaquinho). São-paulino de
nascença, Roger palpitou 2 a 0, mas na tarde de
domingo, o resultado no Morumbi imita o jogo
apresentado pelo corinthiano Serginho Groisman.
Empate, desta vez, por 1 a 1.
− Acordávamos, íamos para lá, quando cansávamos íamos
embora. Entramos em estúdio e era tudo novidade, supergostoso,
divertido, todos se davam bem, ficávamos recortando fotos e fazendo
montagens na parede, sacaneando. Na verdade, nós não nos
organizamos para gravar o disco, soubemos que iríamos gravar e
fomos vendo como é que acontecia.
“Quando o Ultraje adentrou o Nas Nuvens, tomou conta do
ambiente. Foi a coisa mais rock n’ roll que podia acontecer, lembra o
produtor [Liminha]. Aquilo se transformou num ginasial (…) O
quarteto ficou hospedado no Hotel Sol Copacabana. Quando
descobriram que o grupo Metrô estava dividindo quartos vizinhos,
desceram até a rua, compraram vários tubos de Super Bonder e
simplesmente colaram as portas, mantendo os colegas presos por
um bom tempo. Era impossível não se transformar num motivo de
piada estando por perto do Ultraje, diz Pena, sem detalhar o quanto
padeceu. Liminha lembra que, musicalmente, no entanto, o humor se
manifestava em outras direções. Era sempre algo muito inteligente,
uma crítica inspirada. A banda tinha muita personalidade e estava
num momento de crescimento, todo mundo se curtindo, sem
disputas de ego, um estado de espírito que duraria muito pouco”.16
Quando a gente começou, nos anos 80, não existia tanto
profissionalismo assim, a gente estava meio que fazendo
um laboratório para chegar ao resultado de gravação de um
disco mesmo, tudo foi da estaca zero. A partir disso, é claro
que as pessoas foram tentando se profissionalizar, ter seu
empresário, ter seu produtor na gravadora, uma pessoa
fixa. Então, começaram a aparecer os produtores, o Pena
Schmidt, o Liminha. O Liminha é uma figura-chave nessas
bandas, principalmente da Warner. Ultraje, Titãs, bandas do
Rio, Kid Abelha. Ele foi um dos primeiros produtores a meio
que organizar a coisa. As pessoas estavam tentando criar
uma estrutura, não existia.
Kid Vinil
Certa vez, em entrevista à MTV, Carlinhos conta que prepara com
Maurício uma armadilha para Liminha. Eles despejam água dentro
da lixeira do banheiro e a colocam em cima da porta do estúdio. O
produtor volta de uma reunião em São Paulo e toma um banho ao
abrir a porta, então decide passar em casa para trocar de roupa. No
caminho bate o carro, chega no estúdio nervoso, abre a porta e toma
outro banho. Peninha também não escapa. Durante um almoço,
Roger lembra-se de colocar pimenta num pedaço de carne. Peninha
dá a primeira mordida e a lágrima escorre pelo seu rosto. Mas
Peninha garante, podem acreditar que aprontei à altura, e recorda de
outros momentos divertidos.
− Que tal você estar morando por semanas num hotel, dividindo
praticamente todas as horas do dia com eles? Acho que incentivei
uma noite que tivemos guerra de extintores de incêndio, como
resposta a um balde de água colocado sobre a porta. E ainda tem
uma cena de filme, estávamos ali pelo quinto andar, embaixo da
janela havia mangueiras enormes, cujas folhas cobriam a vista da
rua. Por algum motivo, foi necessário abrir a mala de roupa − seria
do Carlinhos? − e despejar sobre a copa das árvores, aquele monte
de cuecas e camisetas. Nada que os moleques da rua não
resolvessem subindo nas árvores. A ideia era causar um “pânico”,
sacanas brincalhões.
Sobre todas essas pegadinhas, Peninha revela que os autores
ganham força ao agirem em conjunto.
− Como toda boa trupe, cada um tinha uma habilidade que
despertava os instintos dos outros, seja inventando apelidos,
explorando vulnerabilidades ou absurdando. Com certeza, sozinhos
não eram tão explosivos e contagiantes. Juntos, o processo era
literalmente interminável.
A faixa-título do disco, Nós Vamos Invadir Sua Praia, sugere as
várias intenções do Ultraje a Rigor. Uma delas se refere à facilidade
que os moradores do subúrbio carioca ganham com as novas linhas
de ônibus da zona norte para a zona sul do Rio de Janeiro. O
governador da cidade, Leonel Brizola, garantiu diversão na praia
para todos, mas enfrentava reações descontentes da elite bronzeada
que agora dividia a praia com outra laia.

Daqui do morro dá pra ver tão legal


O que acontece aí no seu litoral
Nós gostamos de tudo, nós queremos é mais
Do alto da cidade até a beira do cais
Mais do que um bom bronzeado
Nós queremos estar do seu lado

Nós tamos entrando sem óleo nem creme


Precisando a gente se espreme
Trazendo a farofa e a galinha
Levando também a vitrolinha
Separa um lugar nessa areia
Nós vamos chacoalhar a sua aldeia

Mistura sua laia (Big Abreu/Ritchie/Lobão/Leo Jaime)


Ou foge da raia (Ritchie/Lobão/Leo Jaime/Big Abreu)
Sai da tocaia (Lobão/Leo Jaime/Big Abreu/Ritchie)
Pula na baia (Leo Jaime/Big Abreu/Ritchie/Lobão)
Agora nós vamos invadir sua praia

Agora se você vai se incomodar


Então é melhor se mudar
Não adianta nem nos desprezar
Se a gente acostumar a gente vai ficar
A gente tá querendo variar
E a sua praia vem bem a calhar

Não precisa ficar nervoso


Pode ser que você ache gostoso
Ficar em companhia tão saudável
Pode até lhe ser bastante recomendável
A gente pode te cutucar
Não tenha medo, não vai machucar

Para cantar o refrão, que Roger sente dificuldades de compor,


devido à falta de rimas para praia, um coro de peso é chamado: Leo
Jaime, Ritchie, Lobão e Selvagem Big Abreu, além de Liminha,
imitando o que eles chamam de “submarino atômico”, com um
sintetizador na introdução da música. Eles formam os “Invasores”. O
produtor conta que no final, Lobão saiu com um papel colado nas
costas, com algo do tipo ‘Me chute’ ou qualquer coisa assim. As
brincadeiras não pararam nem um minuto.”17
A faixa Nós Vamos Invadir Sua Praia também inclui uma sacada
melódica, uma pausa (Agora…) antes da provocação (nós vamos
invadir sua praia!). O Ultraje já tem uma boa receptividade com os
dois compactos lançados e está em ascensão, prestes a ousar e
conquistar também o Rio de Janeiro, que sempre sai na frente, já
que a sede das grandes gravadoras e toda a sua estrutura se
concentram na cidade, como a própria gravadora do Ultraje, a
Warner. Isso sem contar com o recente furacão Rock in Rio. Talvez
por isso, em princípio, há uma rixa. As bandas paulistas sentem
alguma dificuldade em penetrar no gosto do público carioca e vice-
versa, como acontece com o Barão Vermelho em São Paulo. Mas o
Ultraje se dispõe a enfrentar isso com irreverência e com a intenção
de garantir um espaço próprio no cenário do rock nacional que ajuda
a criar.
De acordo com Ricardo Alexandre, em Dias de Luta, o Ultraje,
como diversas bandas paulistas, foi vaiado até a exaustão em sua
primeira performance carioca. Roger explica: na verdade, a gente
tocou no Circo Voador, depois do Sangue da Cidade, um grupo de
heavy metal, e subiu ao palco de sunga.18
Ultraje tocando de sunga… deviam estar biitos…, brinca o
vocalista e fundador do Sangue da Cidade, Dicastro.
− O Roger tem sacadas muito boas, mas essas ideias sempre
foram mais importantes que o som. Claro, depois de algum tempo
trabalhando, eles aprenderam a tocar, mas no começo é sempre
mais difícil. Nós já tínhamos um som pesado e a banda atacava com
vigor. O Circo Voador era a casa do “Rock Maldito”, o templo do rock.
O público que ia lá queria ouvir o rock que não tinha em outro lugar.
Qualquer coisa fora disso, não seria bem aceita.
Com o primeiro LP, Leôspa revela ter invadido o Rio onde eu,
Roger e Roberto (amigo nosso em comum) frequentávamos todo ano
novo. Maurício vê essa invasão de outro ângulo, muito próximo:
queríamos invadir a praia dos sambistas e da Bossa Nova.
Para a gravação da música Nós vamos invadir sua praia, não há
ensaio com os convidados especiais. Lobão chega no estúdio Nas
Nuvens e pergunta: − Tem que fazer o quê?
− Tem que zoar.
− Aí eu me lembro que eu fiz aquele óóóóó… dei o palpite pra
fazer aquele arranjo meio cafonão. Aí na hora não sei se foi o Roger
ou o Liminha que subdividiu o refrão. Cada frase um convidado, para
as pessoas inclusive poderem distinguir a voz de cada um. E dizia
assim: quando chegar agora nós vamos invadir sua praia, aí vocês
podem fazer o que vocês quiserem. No meio da coisa foi surgindo
aquelas… a vitrolinha, eu recomendo. Em 15 minutos, meia hora, a
gente fez tudo.
Arquivo pessoal de Maurício/Fotógrafo não identificado
Na época, tinha a coisa do rock carioca e do rock paulista.
O rock carioca era mais aquele rock praiano, a Blitz fazia
um rock mais praiano. Do Rio de Janeiro, vinha também
Lulu Santos, Barão Vermelho, então era meio que o estilo
do rock carioca, mais calmo. Acho que o rock de São Paulo
tinha muito a ver com a neura da cidade, cada banda tinha
seu estilo, porque a gente compara o estilo do Ultraje a
Rigor com o estilo dos Titãs, é bem diferente. Ou mesmo
com Ira, Magazine… As bandas de São Paulo tinham, cada
uma, a sua identidade. Isso também ajudou que o rock
paulista acontecesse. O Ultraje, por sua vez, também tinha
seu próprio estilo que era bem-humorado, que outros
tinham, mas era diferente. Funcionava muito bem nas
letras. Talvez, no começo, as pessoas até pensaram que
seria uma banda que teria conotação, engajamento político,
mas aí vieram outras músicas que eram bemhumoradas,
podiam até ter alguma contestação, mas de certa forma
elas tinham um certo bom humor, tipo Rebelde sem causa,
tratava um pouco da vida do adolescente da época.
Kid Vinil

Era previsível e quando se torna inevitável passar a tocar nos


espaços cariocas, o Ultraje a Rigor conquista mais uma cidade.
Peninha revela sua opinião: − Léo Jaime, Lobão, Miquinhos, Kid
Abelha, Paralamas, que iam convivendo com o Ultraje, ficavam
absolutamente convertidos pelo carisma cru, pelo humor devastador
que a banda despejava por onde andava. Os artistas cariocas, fãs do
Ultraje, fizeram a cabeça do público, explicando que, apesar de
raolis, estrangeiros na praia, eles eram da turma. Isso pode ter
levado algum tempo, mas, quando o Nós Vamos Invadir Sua Praia foi
lançado com eles participando do coro, foi a gota final.

Rivalidade entre o rock paulista e o rock


carioca
Eu lembro que as bandas não tinham isso, eu acho que
todo mundo se curtia, gostava do trabalho do outro. Eu ia
nos ensaios dos Paralamas, conhecia a galera do Barão
Vermelho, a gente tocava junto, em alguns shows dividia o
mesmo palco e era o mesmo caso do Ultraje. Pode ser que,
em princípio, tenha até havido alguma resistência no Rio de
Janeiro com relação às bandas paulistas, mas a partir do
momento em que as bandas começaram a aparecer na
mídia, isso acabou. E o Ultraje, com a brincadeira do Nós
Vamos Invadir Sua Praia, convidou o Lobão para cantar no
meio da música, como se fosse uma união entre paulistas e
cariocas, então, de certa forma, essa rivalidade foi meio que
dissipada.
Kid Vinil
Chega a hora de mixar o disco e os ultrajes também querem
participar do processo, mas Carlinhos lembra que a WEA não
pagaria hotel para nós ficarmos na mixagem, só para o Peninha, que
foi muito gentil e ofereceu para um de nós ficar no quarto dele.
Quem? Roger, que ganha com sorte no palitinho, mas Carlinhos não
abre mão. Dormi em um quartinho no estúdio durante toda a
mixagem. Leôspa e Maurício voltam para São Paulo.
Já na fábrica de vinil…
O processo começa com um disco branco, ou seja, sem as
faixas. Feito de cera de carnaúba, esse disco de textura
macia serve como molde, chamado de matriz ou madre.
Uma máquina com agulha de diamante ou safira “cava” os
sulcos do disco numa pressão de frequência que varia entre
40 her tz e 15 mil hertz (o mínimo que o ouvido humano
consegue captar e o máximo antes de se tornar
ensurdecedor). Junto à agulha, uma espécie de canudinho
com gás hélio faz a sucção simultânea do material que
sobra para não deixar impurezas no sulco. Roger acha
super interessante ver aquilo. Com a madre pronta, é feito
um disco invertido que recebe um banho de níquel e serve
para prensar as cópias. A prensagem é feita com duas
madres, uma para o lado A e outra para o lado B. No
“recheio” entra uma massa quente, o vinil (que no Brasil a
par tir dos anos 1980 passou a ter na composição PVC),
acompanhado de dois rótulos com o título da obra, faixas e
outras informações. O LP ganha um banho de água fria
pressurizada e, em seguida, as rebarbas são cor tadas.
Especialista, o produtor independente e dono da Baratos &
Afins, Luiz Calanca, aponta que o peso ideal é de 180
gramas, o que garante flexibilidade suficiente para
manusear o disco.

O Instrumento Óptico do
submarino Ultraje a Rigor
Para desenvolver a capa do disco, Roger conta com a ajuda de
seu irmão.
− Eu passei para ele que o nome do disco seria Nós Vamos Invadir
Sua Praia.
Imediatamente Régis imagina um periscópio com expressão
sacana saindo da água para invadir uma praia. O céu aparece ao
mesmo tempo inter-ligado a um oceano. Predomina o azul e a
Warner Bros orgulhosamente apresenta… Ultraje a Rigor.
Na contracapa, os ultrajes inicialmente querem uma foto deles
chegando, invadindo uma praia deserta que remeta ao
descobrimento do Brasil.
Entre dois coqueiros, eles armam duas cadeiras de praia. Há
frango, revista, uma bola colorida, um guarda-sol azul de bolinhas
brancas e um ambulante ao fundo. O vento bagunça um pouco os
cabelos de Carlinhos, que veste um casaco de estampa militar com
munição, além de short rosa. Leôspa calça uma bota preta no pé
direito: no esquerdo apenas uma meia branca e se divide entre tentar
acender um cigarro e segurar uma raquete de pingue-pongue. Roger
dança com uma coxinha de frango na mão que compõe o cenário e
usa um chapéu também com estampa militar, que deixa parte de seu
cabelo loiro à mostra. Maurício mantém sua franja de lado, mesmo
com o capacete, e aparece com cinto branco e uma pulseira de
tachinhas tipicamente punk, assim como sua gargantilha. E clique. O
fotógrafo oficial da banda, Paulo Fridman, tira uma foto da cena que
acontece bem perto da calçada entre Ipanema e Leblon. Roger
recorda que as pessoas passavam e viam a gente pagando mico lá.
O presidente da companhia (WEA), André Midani, exige que a
capa tenha os rostos dos integrantes da banda. O Ultraje não quer,
pois já tinha o periscópio com um cenário. E Roger conta: aí nós
chegamos naquela ideia de colocar as escotilhas com as nossas
fotinhos. Eles também querem um pôster no interior do disco, mas
isso sairia muito caro, então optam só por um encarte em preto e
branco com as letras de música e mais uma foto na praia. Na época,
existe uma crise de papel e só os primeiros discos saem com esse
encarte, quem quisesse tê-lo, deveria retirá-lo na gravadora.
No dia da foto, Carlinhos se entretém e lembra que o clipe Nós
Vamos Invadir Sua Praia foi feito pelo produtor da Rede Globo, José
Bonifacio de Oliveira Sobrinho, o famoso Boninho, seu amigo de
infância. Ele se aproveitou da nossa intimidade e fez todo o roteiro
baseado em nos colocar em situações um tanto desconfortáveis,
mas Maurício e Carlinhos revidam. E Boninho é jogado no mar com
roupa, sapato e carteira.

As roupas que os ultrajes usam no clipe e no dia da foto


foram emprestadas por Maurício. Apenas Roger usa
uma calça emprestada por Flavio Bartolini Castello
Branco, irmão de Carlinhos, que está com seu próprio
casaco. Flavio comprou a calça e o casaco em Londres,
à moda punk da época.

Está pronto o primeiro LP de rock nacional a conseguir um disco


de ouro e platina. Peninha lembra que nunca houve dúvida de que
isso fosse acontecer. Estávamos ali para dominar o mundo. E o
cinismo de Roger usado antes, por volta de 1982, para garantir aos
contratantes, que achavam que já tinham visto o Ultraje a Rigor na
Veja, deixa de ser uma balela quando o repórter Okky de Souza
estampa uma entrevista com Roger nas famosas páginas amarelas
da revista em 14 de agosto de 1985. O texto traz o seguinte dado:
“Há pouco mais de um mês nas lojas, o primeiro LP do Ultraje, Nós
Vamos Invadir Sua Praia, alcançou na semana passada a marca das
70.000 cópias vendidas”. Posteriormente chegaria a 500 mil.
No dia da entrega do disco de ouro por Nós Vamos Invadir Sua
Praia, a gravadora organiza uma festa. Roger, Maurício, Leôspa e
Carlinhos aparecem vestidos de fraque e cartola. Mas não contentes,
eles têm a ideia de chegar montados em um elefante. Roger recorda
a situação: − Era engraçado ver o nosso empresário tentando… nós
éramos uns moleques. Então precisávamos de dois elefantes porque
não iria caber todo mundo em um. Aí tinha que pedir licença da
prefeitura e foi o que enroscou.
Carlinhos, Roger, Maurício e Leôspa tocam no Rádio Clube em julho de 1985.
Roger, Maurício, Liminha, Carlinhos, Leôspa e Cacá Prates, no Hotel Maksoud
Plaza, exibem o primeiro disco de ouro do Ultraje a Rigor, em 01/10/1985.
Arquivo pessoal de Leôspa/Fotógrafo não identificado
Arquivo pessoal de Leôspa/Fotógrafo não identificado
Eles chegam a alegar que nem seria um grande percurso andando
em cima de dois elefantes, mas acabam contratando uma limusine
antiga. O Ultraje a Rigor é conhecido como escrachado, irreverente e
faz jus aos atributos até quando está fora do palco. Carlinhos
considera que as maiores maluquices foram as destruições de hotel
que ele, Maurício e Trovão, Ricardo Rocha Moreira, irmão de Roger,
fizeram .
Em meados de 1983, Trovão se oferece para ser o roadie de
Roger, que no início não aceita.
− Me parecia estranho eu ter que dar ordens para o meu irmão.
Mas se ofereceu e trabalhou um bom tempo de graça porque a gente
nem tinha dinheiro para pagar e foi ficando…
Posteriormente, Trovão também se torna roadie de Carlinhos.

Transformou-se num sucesso


nacional
Carlinhos recorda de um show em especial, o primeiro feito em
Porto Alegre, no Auditório Araújo Viana, onde eles se apresentam
com a vestimenta tradicional gaúcha (bombachas).
− Acredito que 3.000 pessoas, aproximadamente, e um “buzz”
muito grande acontecendo com a nossa popularidade, tudo no boca
a boca, pois nossa execução radiofônica estava medíocre.
O vocalista, guitarrista e compositor do Ultraje toma dimensão do
que se passa com sua carreira depois do lançamento do primeiro
disco, ainda em 1985, quando participa do programa do Velho
Guerreiro, José Abelardo Barbosa de Medeiros. O Cassino do
Chacrinha é um programa de auditório em que os artistas se
apresentam ao vivo no Teatro Fênix, mas cantam em playback.
Exibido aos sábados pela Rede Globo, a partir das 16 horas, desde
março de 1982, torna-se um ponto obrigatório de todas as bandas de
sucesso.
No dia seguinte à apresentação do Ultraje a Rigor, um fato se
repetiria sucessivamente: − Foi uma coisa rápida de sair na rua e as
pessoas, ah, te vi no Chacrinha!
O Ultraje a Rigor alça voos mais altos com a turnê de Nós Vamos
Invadir Sua Praia, que se estende por todo o território nacional, com
exceção de Rondônia, Acre, Amapá e Roraima. Do Sul vão para o
Centro-Oeste de ônibus, ficam 20 ou 25 dias. Voltam e passam uma
semana em casa. São Paulo e Rio de Janeiro são casos à parte pela
grande quantidade de cidades no interior. Depois, Centro-Oeste
subindo até o Pará. Para Manaus partem de avião e voltam pelo
meio de Goiás.
Rock é estrada, véio.É a expressão que Carlinhos lembra ouvir do
empresário Cacá Prates, o Cacá “rock é estrada” Prates.
− O sucesso dessa turnê se deve tanto ao Cacá Prates quanto a
nós. O Cacá nos levou aos lugares onde o rock nacional não havia
chegado ao vivo. Ele fez um trabalho realmente excepcional nessa
época.
À medida em que a banda faz shows em diversos lugares,
continuamente, ganha experiência e maturidade. Quanto à célebre
frase de Cacá Prates: É só conotação simples, que nem o Chacrinha
diz: nada se cria, tudo se copia, essa pra mim é a máxima que tá aí
até hoje, prevalece como rock é estrada.
Dos shows dessa turnê, Roger pincela os mais marcantes, como
um em Recife, era um show só e nós botamos 17 mil pessoas num
lugar, estava lotado. Em Vitória, os ingressos são todos vendidos e
fãs começam a cavar por baixo dos portões do estádio onde o Ultraje
se apresenta na tentativa de entrar a tempo de assistir ao show. Na
Bahia, em Ilhéus, ao descer do avião no aeroporto, os integrantes
têm uma grande surpresa. O público do show os aguarda gritando
histericamente.
− Todo mundo esperando a gente chegar, aí tiveram que fazer um
esquema especial para a gente sair. Corríamos para um portão,
corria todo mundo também. Achávamos tudo isso bacana e divertido
ao mesmo tempo. De uma hora para outra, nós viramos ídolos −
conta Roger.
Outra ocasião, desta vez em Porto Alegre, é recordada por Cacá
Prates. O Ultraje chega ao Shopping Iguatemi para uma tarde de
autógrafos. Há apenas um palanque montado no estacionamento.
− Nós pensamos, deve ter umas mil pessoas, 500 pessoas, sei
lá… Havia quase 10 mil pessoas fazendo uma fila monstruosa. Nós
não conseguimos ficar 10 minutos. Tivemos que entrar no carro e
saímos porque a multidão saía da fila e vinha em direção ao palco.
Foi uma loucura, uma coisa inesperada. Mas quem estava fazendo o
evento conosco é que deveria tomar as providências para ter um
pouco de segurança e proteção à própria banda. Isso era sempre
pedido no contrato, mas nós mesmos tínhamos um segurança só,
que viajava, que era mais para a gente dar risada com ele. Era o
Toinho Baiano, trabalhou com Paralamas também, eu o trouxe da
Bahia para trabalhar conosco e era um cara muito engraçado.
Protegia numa boa, ele estava lá pro que desse e viesse.
O empresário preocupa-se muito com as conquistas do Ultraje. As
pessoas têm que saber lidar com o sucesso, porque o sucesso às
vezes pode te engolir. Para evitar isso, ele incentiva a proximidade
com o público. Quando o ônibus do Ultraje para na estrada, os
músicos descem e têm contato direto com os fãs, conversam e dão
autógrafos. A tática também fortalece a imagem da banda. Todas as
turnês, nós íamos para os bares… não tem essa ah, vou levar o
segurança, quero 200 toalhas rosa… não existia isso, era rock n’ roll
e sem muita frescura. Porque rock n’ roll são três acordes e vamos
lá.
No que diz respeito ao rock nacional, ao considerar a primeira
meta-de dos anos 80, Peninha entende que não era a primeira
geração profissional do rock, mas a primeira que conquistou o
pedaço, a crítica, o mercado, tudo junto. A começar pelo Ultraje a
Rigor, que em 1985 ganha projeção nacional e também entra para a
trilha sonora do primeiro “filme-rock” do Brasil, juntamente com Ira!,
Capital Inicial, Titãs, Gang 90 & Absurdettes, Lulu Santos, Lobão e
os Ronaldos, Metrô e May East. Areias Escaldantes, de Francisco de
Paula, conta a história de um grupo de assaltantes que arrisca um
golpe impossível. Durante toda a trama, os atores emprestam humor
tipicamente brasileiro, como na cena em que Verônica, personagem
de Regina Casé, “doa” um maço de notas roubadas a uma refém
durante assalto a um banco. A refém idosa se indigna em voz alta
com a falta de sorte: ah, meu Deus, logo sexta-feira! E Verônica: Ih, é
mesmo, sexta-feira. A senhora ficou sem o dinheiro para o fim de
semana. Desculpa, minha senhora. Olha, eu vou dar esse aqui, eu
não tenho tempo de contar. A senhora conta direitinho, por favor.
Depois faz o cheque bonitinho e entrega para a moça no caixa. Para
ela não pensar que a senhora roubou. Tchau.

Trilha sonora de Areias Escaldantes (1985)


por ordem de entrada Inútil – Ultraje a
Rigor Areias Escaldantes – Lulu Santos
Não Vou Me Adaptar – Titãs Ciúme – Ultraje
a Rigor Núcleo Base – Ira!
Longe de Tudo– Ira!
Massacre – Titãs
Ronaldo Foi pra Guerra – Lobão e os Ronaldos Televisão
– Titãs
Babi Índio– Titãs
Leve Desespero – Capital Inicial Descendo o Rio Nilo –
Capital Inicial Melodix– Metrô
Nós Vamos Invadir Sua Praia – Ultraje a Rigor Fire in the
Jungle – May East Eu Sei, Mas Eu Não Sei – Gang 90 e
Absurdettes
O Capital Inicial aparece na Maldita com Leve Desespero e
Descendo o Rio Nilo, lançando o primeiro compacto com essas duas
músicas. A partir de janeiro, com a substituição de Charles Gavin por
André Jung na bateria e Dino por Ricardo Gaspa no baixo, o Ira
ganha um ponto de exclamação, segundo Edgard para diferenciar o
nome Ira! do significado da palavra e sai com Mudança de
comportamento. Os Titãs, agora com Charles Gavin, lançam
Televisão, produzido por Liminha. Em novembro, Arnaldo Antunes
passa 26 dias preso por traficar heroína para Tony Bellotto, que
inocentemente o delatou ao ser pego tentando se livrar da droga. Os
dois são condenados, mas cumprem parte da pena em liberdade. O
Magazine entra para a trilha da novela global A gata comeu, com a
composição de Caetano Veloso, Comeu. O Metrô lança o primeiro
LP, Olhar. Pela EMI, a Legião Urbana também grava o primeiro disco
homônimo. Logo aparecem nas rádios Ainda é cedo e Será. May
East (ex-vocal da Gang 90) inicia carreira solo com Remota
batucada. A Plebe Rude sai com O concreto já rachou, produzido por
Herbert Vianna, emplaca Até quando esperar tocada pela primeira
vez na abertura dos shows da Legião Urbana e do Ultraje a Rigor
durante um festival do Ginásio de Esportes em Brasília. O Kid
Abelha, agora com Bruno Fortunato na guitarra, também grava, no
Nas Nuvens, o LP Educação Sentimental, produzido por Liminha.
Batizado por Herbert Vianna, o carioca Biquíni Cavadão grava uma
demo com Tédio, que toca na Fluminense FM e, em seguida, a lança
pela Polygram. E mais uma banda surge com um LP, Revoluções por
Minuto(CBS), que chegaria à marca das 300 mil cópias vendidas.
Com o tecladista Luiz Schiavon, o guitarrista Fernando Deluqui, o
baterista Paulo “P. A.” Pagni e o vocalista, letrista e guitarrista Paulo
Ricardo, o RPM, que teve início um ano antes, conta inicialmente
com Moreno Júnior e, depois numa passagem meteórica, com
Charles Gavin na bateria. Eles misturam o rock progressivo com
elementos darks e muito pop, como em Louras Geladas. Começam a
tocar nas danceterias de São Paulo, como Rádio Clube, Radar Tan
Tan e Tífon, localizada em Moema, onde estreia abrindo um show do
Ultraje a Rigor em 1984.
Com som mais pesado e tendo inspirações como Deep Purple,
Led Zeppelin, Black Sabbath, Kiss, AC/DC e outros, em meados dos
anos 1980, o hardrock brasileiro ganha vida em espaços como o da
rádio 97 FM de Santo André, que entrou no ar há dois anos, ou o da
estreante 89 FM, a rádio rock de São Paulo, cidade do Inox, banda
que lança apenas um disco autointitulado pela CBS. No mesmo ano,
se forma o Golpe de Estado, com Paulo Zinner (baterista e
compositor) e Nelson Brito (baixista), que moraram em Londres
quando o evento que marca o dia mundial do rock acontece. Live
Aid, um festival beneficente às pessoas que passam fome na África,
reúne Beach Boys, Black Sabbath, Bob Dylan, David Bowie, Dire
Straits, Elton John, Led Zeppelin, Paul McCartney, Queen, Rolling
Stones, Santana, Sting e The Who, entre outros músicos de renome,
no dia 13 de julho de 1985. Vivemos a conscientização criada por
essa geração de músicos em torno de um fato tão sério como a
miséria na África. Nós conhecemos muito bem isso aqui no Brasil.
Vamos pensar no poder do rock quando resolve falar e agir com
seriedade19, afirma o baixista.
Na linha dos independentes, o heavy metal brasileiro aparece em
Minas Gerais através do selo Cogumelo Records, em 1985, que
convida a banda Overdose para gravar um disco. Mas eles não têm
músicas suficientes, então propõem ao baterista Igor Cavalera, ao
guitarrista Jairo Guedz, ao vocalista e guitarrista Max Cavalera e ao
baixista Paulo Júnior, o Sepultura, gravarem um split LP. É a estreia
do selo e das duas bandas, que dividem o disco. O lado A, Século
XX, é do Overdose e o lado B, Bestial Devastation, fica por conta do
Sepultura.
Já no Rio Grande do Sul, as bandas de rock iniciantes participam
de uma seleção do selo Plug (RCA) para gravarem a coletâneaRock
Grande do Sul. As que entram são: Engenheiros do Hawaii (Sopa de
letrinhas e Segurança), Replicantes (Surfista Calhorda e A
verdadeira corrida espacial), TNT (Entra nessa e Estou na mão),
Garotos da Rua (Sozinho outra vez e Tô de saco cheio) e De Falla
(Você me disse e Extinto sexual).
A segunda safra do rock brasileiro dos anos 1980 começa a
aparecer e conta com selos independentes, espaços alternativos,
casas de show e rádios segmentadas. A estrada ainda não é
asfaltada, mas a trilha já foi aberta.

A galinha e a vaquinha
No começo de 1986, o Ultraje a Rigor lança seu único compacto
triplo, Liberdade para Marylou. A metafórica Marylou, em ritmo de
marchinha de carnaval, tem as partes censuradas substituídas por
sons de trombone.

Eu tinha uma galinha que se chamava Marylou


Um dia fiquei com fome e papei a Marylou
Marylou Marylou
Tinha cara de babaca
Marylou Marylou
Botava ovo pela cloaca
Eu tinha uma vaquinha que se chamava Sara Lee
Um dia fiquei com fome e papei a Sara Lee
Sara Lee Sara Lee
Tinha cara de careta
Sara Lee Sara Lee
Botava leite pela teta
Marylou Marylou
Transava até com urubu
Marylou Marylou
Botava ovo pelo “Sul”
Nos divertíamos muito fazendo tudo isso, não era só música em si,
eram todas as ideias e, de novo, meu irmão [ Régis ] que bolou o
personagem da Marylou. Régis personifica a galinha: devidamente
caracterizada para se apresentar em um cabaré, Marylou estampa a
capa do compacto, que ainda traz, à moda da época, um remix
(versão comumente usada para tocar nas danceterias) de Nós
Vamos Invadir Sua Praia e a comédia irônica Hino dos Cafajestes,
também com trechos censurados e substituídos por frases de
trombone. A música inicia com um pedaço da valsa Danúbio Azul.
Leôspa durante show em maio de 1986 em Jundiaí, SP.
Maurício e Roger no show em Jundiaí.

Arquivo pessoal de Leôspa/Fotógrafo não identificado Entre 3 e 12 de janeiro de 1986, o


Ultraje a Rigor se apresenta no Canecão e quebra os recordes de público da casa, que
antes eram de Roberto Carlos. São mais de quatro mil pessoas por show. Depois a banda
sai por um tempo de circuito, para evitar as possíveis más consequências de uma
superexposição. O Ultraje tocou para aproximadamente quatro milhões de pessoas em todo
o Brasil, a vida pessoal e profissional dos quatro músicos sofreu grandes mudanças. Eles
necessitam de uma pausa para assimilar como manter a ideia inicial do Ultraje a Rigor de se
divertir e ser uma fonte de diversão para o público, renovar o repertório e não se desgastar.

Muita gente discutia essa coisa da superexposição. Dá um


cansaço nas pessoas e, inclusive, na época, era muita
coisa, milhões de programas de TV, tipo RPM. O Paulo
Ricardo é um cara que foi sugado muito pela mídia na
época. Muitas bandas sofreram esse desgaste de
superexposição, porque não era que nem hoje que tem só a
MTV e poucos programas de televisão. Na época, eram
muitos programas de televisão que iam pro Brasil inteiro, e
não tinha MTV ainda. Dava um certo desgaste, até a banda
às vezes cansava de estar tão exposta assim, meio que
virasse um alvo da própria mídia e do grande público. Era
uma opção, talvez esse tipo de cansaço representasse uma
certa longevidade na carreira do grupo. Acho que foi uma
opção correta deles dar um tempo da mídia e continuar
fazendo o trabalho deles sem se expor excessivamente.
Kid Vinil

É primavera de 1986. Em outubro, os ultrajes voltam das férias e


arregaçam as mangas. Os músicos passam uma nova temporada no
estúdio Nas Nuvens, desta vez com a tarefa de produzir um segundo
disco tão bom quanto o primeiro. A cobrança vem com Sexo!! e, de
repente, uma mudança significativa e permanente ocorre no Ultraje a
Rigor. Roger simplesmente para de viajar de avião, daí para frente,
as turnês só acontecem de ônibus. Ele tenta explicar: − Eu não tinha
medo antes e não sei dizer o motivo. Talvez, porque de 83 até 86 nós
estávamos praticamente todo dia no avião, mais ainda depois que
saiu o Nós vamos invadir sua praia. Então íamos para o Rio,
fazíamos um programa, por exemplo, e voltávamos. Os shows não
eram bem organizados em turnê, então podíamos fazer um show em
Salvador, outro em Porto Alegre e ficávamos quase todo o dia num
avião. Além de ser cansativo, aquilo foi me dando um medo.
Pegamos, sem dúvida, alguns voos mais complicados que outros,
mas não foi por um motivo, não foi depois de um determinado voo
que eu parei. Foi diminuindo em 86. Para o Rio e Belo Horizonte,
passei a ir de carro e depois falei chega. Não aguento mais, não vou
perder tempo.
Sem a agilidade de um transporte aéreo, o trabalho de Cacá
Prates é dificultado e as alterações refletem na trajetória da banda. O
empresário revela,em toda a história do Ultraje tem um show só em
Manaus, um só em Belém. As próximas turnês são programadas
com outro formato.

Sexo ! !, cruzados e guitarristas


Para o Nós Vamos Invadir Sua Praia, apenas a faixa-título do disco
é composta, as demais já estavam prontas e incluídas no repertório
de shows em barzinhos, danceterias e qualquer outro lugar onde
tocassem. Algumas delas seriam encaixadas nos próximos discos.
Roger revela: − Daí para frente, a minha média não era muito
grande. Fazia acho que umas quatro, cinco músicas por ano . E eu
fazia a maior parte, porque – apesar de eu fazer poucas por ano – os
outros faziam menos ainda. O Maurício era bom de música, mas as
letras eu normalmente tinha que dar uma ajudada e o Leôspa não
compunha, o Carlinhos não compunha.
Carlinhos se defende dizendo que não cantava, logo não poderia
compor. Talvez por uma questão de total autenticidade no momento
da execução das músicas.
− Eu não escrevo letras, e o Roger dizia que não colocaria letras
em música de outro e que não cantaria letras escritas por outro, que
se alguém escrevesse uma letra, esta pessoa teria de cantar.
Na época, Carlinhos tinha 22 anos e conta o que costumava fazer
no dia a dia como integrante do Ultraje.
− O Maurício e eu éramos muito ativos, estávamos diariamente na
gravadora, no escritório do empresário, nas passagens de som, onde
ficávamos à tarde com a equipe, 98% das vezes só nos dois. Eu me
lembro de facilmente praticar 6 a 10 horas seguidas nos dias de
folga. (…) Isso foi parte da causa da nossa frustração, tínhamos uns
10 anos a menos que os outros dois e fome de música, vontade de
fazer grandes discos, a prioridade dos outros integrantes não era a
mesma.
Bateria usada para a gravação de Sexo!! no estúdio Nas Nuvens.
Maurício registra Roger e Liminha durante gravação de Sexo!!, entre outubro de
1986 e janeiro de 1987.

Arquivo pessoal de Leôspa


Ele descreve momentos difíceis que passou na banda. As brigas, o
ridículo começo da Cantárida (dinheiro desaparecendo), sobretudo a
volta de uma viagem a passeio, em que o clima não voltaria a ser o
mesmo. Todos os membros passam um mês em Nova York e se
hospedam no mesmo hotel. O Maurício e eu só vimos a cara do
Roger e do Leôspa uma vez, depois disso eu não me importava
mais. Lidar com egos completamente despreparados.
Eles compram equipamentos musicais, mas não voltam juntos de
Nova York. Não sei se o Maurício voltou com o Carlinhos, mas eu
voltei depois, e o Leôspa também voltou depois, conta Roger .
Maurício é detido ao chegar ao Brasil. Em Brock: O Rock Brasileiro
dos Anos 80, Arthur Dapieve narra que no dia “5 de março de 1986,
Maurício foi preso em seu apartamento no Brooklyn, em São Paulo,
com 25 gramas de maconha. O baixista alegou que trouxera a droga
dos Estados Unidospara experimentar”. 20 Maurício reconhece esse
como um dos piores momentos.
Às vezes um Titã era pego com alguma coisa, eu acho que
essa coisa de droga faz te da época, do próprio jovem. Uma
opção de cada um, de cada banda. Talvez a gente
encarasse de uma maneira mais comum. É claro que, às
vezes, poderia haver algum escândalo com polícia, aí vinha
ao grande público. Talvez a gente até considerasse um
acontecimento corriqueiro e comum entre as bandas de
rock.
Kid Vinil
− Me prenderam depois de infiltrarem drogas no meu apartamento
para propaganda da polícia civil do antigo delegado Fleury Filho, que
acabou sendo expulso da força policial por corrupção de joias.
O músico é liberado e diz que a tentativa do delegado corrupto pra
ganhar fama não deu certo. Eu nunca usei drogas, só aspirina!

O Brasil do início dos anos 1980, ainda adormecido para o


mercado fonográfico, pois quase não há estúdios, lojas de discos ou
mesmo um esquema de marketing bem planejado, em 1986 vira do
avesso: a crise de papel continua e começa a faltar até material para
fabricar o vinil. O presidente José Sarney lança o Plano Cruzado. E a
chamada classe artística entra no caldeirão que impulsiona a
economia do país. O congelamento de preços permite significativo
aumento do poder de compra dos brasileiros, que gastam em muitos
discos, como Dois, da Legião Urbana, o álbum mais vendido em toda
a história da banda. O RPM aproveita a turnê de Revoluções por
Minuto e lança um disco que mescla canções já conhecidas ao vivo,
covers e inéditas emRádio Pirata ao Vivo, que ultrapassa os dois
milhões de cópias vendidas e rotula Paulo Ricardo, que já foi
correspondente internacional da revista Som Três, como símbolo
sexual. Os Titãs vêm com Cabeça Dinossauro, que lhes garante o
primeiro disco de ouro e uma faixa censurada (Bichos escrotos) que,
mesmo sujeita à multa, não deixa de tocar nas rádios. Os Paralamas
do Sucesso incorporam influências jamaicanas e trazem Selvagem?
com sucessos como Alagados e A novidade. O Camisa de Vênus
lança dois álbuns, Viva, gravado em março, ao vivo, no Caiçara
Music Hall (Santos) e Correndo o risco, um disco de estúdio feito
entre agosto e setembro, que traz Simca Chamboard, Só o fim, um
cover de Raul Seixas (de quem Marcelo Nova se tornaria parceiro),
Ouro de tolo e outras. Os Engenheiros do Hawaii estreiam com o LP
Longe demais das capitais(BMG). Cazuza sai do Barão Vermelho em
julho de 1985 para, enfim, fazer música como bem entende. No
Barão Vermelho, Frejat assume os vocais, entram Fernando
Magalhães (guitarrista) e Peninha (percussionista) e eles vêm com
Declare guerra. Em carreira solo, Cazuza aparece em seguida com
Exagerado (Som Livre). O Golpe de Estado se lança pela Baratos &
Afins, com um LP com o nome do grupo. O Ira! lança o segundo LP,
Vivendo e não aprendendo, que tem notoriedade melhor que o
anterior, com Flores em você, na abertura da novela global O Outro,
de Aguinaldo Silva.
É no meio desse turbilhão, dentro e fora da banda, que o Ultraje
grava Prisioneiro, composição de Roger e Maurício e A Festa, mais
uma de Roger. Carlinhos participa do segundo disco até aqui. Ele se
refere a Sexo!! como um péssimo trabalho e justifica dizendo que
faltou experiência, por ainda não conseguirem passar para o vinil
toda a energia e autenticidade que acontecem naturalmente ao vivo.
− Hoje sei que éramos todos (produtores, músicos, engenheiros)
muito inexperientes e sem conhecimento. A qualidade das
performances e áudio sofreu muito devido a isso. No Brasil, não tinha
produtores de rock, estávamos com um dos melhores times na
época (…) para o Kid Abelha, para as Frenéticas, Gilberto Gil,
funcionava muito bem, mas não para nós. Mas não foi de todo mau,
funcionou bem para Eu me amo, transformada em uma pseudocópia
do The Ventures, e para Mim quer tocar, pois o Liminha tinha uma
experiência com reggae e nós não, porém não foi bom para músicas
como Inútil, Rebelde sem causa, Ciúme, Nós vamos invadir sua
praia, Marylou, etc, que foram levadas para um lado new wave
brega. Porém, no segundo disco, o Liminha achou que deveria ser
tudo “The Ventures”, um grande erro, ele não conhecia bem as
músicas que ouvíamos, nem se interessava muito, ele é um
excelente produtor, mas não era um produtor de rock, e isso não
existia no Brasil.
Contra sua vontade, Carlinhos entra em estúdio para gravar as
músicas do segundo disco, que ele julga ainda estarem fracas. Um
erro primário, não tínhamos mais um diretor artístico para avaliar o
repertório, o Peninha havia sido enxotado por terceiros. O guitarrista
lembra em que ponto estava a produção de Sexo!! quando decide
sair da banda.
− Com um repertório muito mais fraco do que o primeiro disco,
arranjos péssimos e o astral entre nós, horrível, devido à divisão do
Ultraje em dois blocos, o Roger e o Leôspa, o Maurício e eu. A
produção não soube lidar com a situação e cometeu inúmeros erros
que levaram à gota final: a saída do Maurício era apenas uma
questão de tempo.
Peninha esclarece que não participa da gravação de Sexo!! porque
sua função na Warner é descobrir artistas com potencial.
− Acho que era competente nesse primeiro instante, mas em geral
havia uma vontade dos artistas de trabalhar com o Liminha, ele sim
um hitmaker consolidado, que trazia um acabamento musical,
desenvolvia os arranjos e a capacidade de se aproximar da corrente
comercial, do ouvido médio. Ficava um puta som, sempre que
possível trabalhei junto com ele. Não lembro de motivo para
afastamento, mas muito possivelmente estava cuidando de minha
ponta na cadeia produtiva, fazendo algum outro disco de alguém
recém-chegado, enquanto o Lima mandava ver com o Ultraje.
Maurício em fase heavy metal.
Arquivo pessoal/Fotógrafo não identificado
Ali termina a chamada primeira formação clássica. Vamos à
segunda formação clássica.
Para continuar a gravação de Sexo!!, Carlinhos deixa um amigo e
fã do Ultraje de sobreaviso e muda-se para Los Angeles, nos
Estados Unidos, com o pretexto de cursar o Guitar Institute of
Technology. O curso era apenas uma maneira de conseguir um visto
por um longo período, fui apenas na semana inicial, quando
começaram as aulas eu sumi. Ele se matricula em cursos de
guitarra, voz (duas vezes) e engenharia de áudio, mas percebe que o
nível é básico. O conhecimento de Carlinhos ultrapassou o ensino. O
guitarrista é reprovado por faltas em todos os cursos, menos o de
guitarra, por causa de um amigo que mora perto do instituto e
“marca” sua presença nas aulas. Só aparecia nas provas, que eram
muito fáceis. Mesmo assim, Carlinhos se dedica à música, por conta
própria. Ele revela que quando o Ultraje a Rigor ia ao Rio de Janeiro
fazer shows, tocava o dia inteiro no quarto do hotel, com Maurício e
mais dois amigos guitarristas: o Christian e o Serginho.
O Serginho chama-se Sérgio Henrique Figueiredo Serra, é carioca,
pratica surf e sonha ser cientista até os nove anos, quando muda-se
para Teresópolis, uma cidade serrana do Rio de Janeiro. A princípio
não queria ir, porque não iria poder pegar onda, acho que, a partir
disso, eu comecei a tocar mais, ficar mais envolvido com música. Por
volta dos 10, 11 anos, Serginho Serra descobre que quer ser um
artista e a música é o canal encontrado: − Eu avisei a família que se
eu não fosse músico, não iria fazer mais nada. De repente, até
venderia sanduíche na praia, mas jamais poderia pensar em outra
coisa.
Ainda com essa idade, influenciado por seu pai, José Ribamar de
Almeida Serra, que trabalha na gravadora Odeon, ele costuma ouvir
os discos que tem em casa: Beatles, Rolling Stones, Pink Floyd e
também gosta de ler sobre seus ídolos na revista Enciclopédia do
Rock (editora Som Três), que traz a biografia de diversas bandas.
− Na medida que eu ia lendo aquilo, por alguma necessidade
minha que na época ainda não sabia, eu fui criando um mundo
realmente particular. Eu queria ser o Syd Barret, [guitarrista] do Pink
Floyd, eu queria ser louco como ele, eu queria ser o Keith Richards
dos Stones, ficava viajando nisso e ouvindo muito. Eu ouvia o “Álbum
Branco” [Beatles − The White Álbum] e um amigo traduzia as letras,
então ficava querendo escrever que nem o John Lennon. Aí eu
escrevia umas coisas surreais… bem novinho e fui desenvolvendo a
composição ao longo do tempo.
Serginho Serra começa tocando bateria, mas esse não é seu
instrumento da alma. A mudança acontece quando ele ouve Band on
The Run, o disco solo de Paul McCartney, sob o nome da banda
Wings. Ele recorda de um bônus no disco: − Tinha um pôster com
várias fotos dele tocando guitarra, aí eu me apaixonei pelo
instrumento.
Na mesma época, um primo mais velho, Jorge Murilo de La Fuente
Serra, compra uma guitarra e, no dia, Serginho Serra vai visitá-lo
para ver o instrumento e chega a ficar nervoso, pois é a primeira vez
que toca em uma guitarra de verdade.
− Era uma guitarra nacional, acho que uma Felpa. Mas ela era
cheia de “botão”. E tinha uma pintura bonita, sunburst [degradê de
cores que vai do preto ao vermelho, passando pelo marrom]. Sei que
fiquei assim, amarradão.
Depois desse dia, ele passa a desenhar todas as guitarras que vê
nas fotos dos álbuns da época. Inclusive uma Gibson vermelha, do
BB King. Com a cabeça cheia de guitarras, ele chega à conclusão de
que se tocar bateria, ficará no fundo do palco e não irá aparecer,
então precisa tocar guitarra.
− Na hora que eu fiquei na frente… eu sou um tímido, mas um
tímido espalhafatoso. Eu queria aparecer e queria tocar também.
Talvez venha daí a sua performance até exagerada, como ele diz.
No ano de 1976, Serginho Serra tem 11 anos e está com sua mãe,
Regina Maria Alves Figueiredo, no cinema. Ele aguarda ansioso para
assistir ao filme do Led Zeppelin, The Song Remains The Same, que
no Brasil ficou conhecido como Rock É Rock Mesmo. Ele é
apaixonado pela banda inglesa, em especial pelo guitarrista.
Serginho Serra fica tão vidrado em Jimmy Page, que começa a
detalhar em sua mente os aspectos físicos de seu rosto, como os
olhos, que parecem ter, segundo o garotinho, umas bolsas d’água.
Ele volta para casa querendo ter os olhos do Sr. Page e
inocentemente pergunta ao pai: − Pai, pô eu queria ter os olhos
assim. Como faço para ter esses olhos?
− Ah, queima fumo, meu filho.
Após a sessão, Serginho Serra também quer a guitarra do ídolo,
uma Finch. Então, sua mãe lhe presenteia com sua segunda
guitarra, uma Les Paul. Com uma cor… um azul esquisitíssimo, mas
eu fiquei amarradão. A primeira guitarra que ganha dos pais é uma
Giannini Mini Musico, modelo Super Sonic, laranja, com o formato da
Fender Jaguar. Ao ganhar essa guitarra, Serginho Serra possui um
amplificador laranja, com um alto-falante pequeno. O problema é
plugar a segunda guitarra. Eu estourei o falante, porque ela era mais
potente. Mas vale a pena porque o som fica distorcido e ele curte. Aí
passa a ler também outra revistinha, chamada Violão e Guitarra, que
traz todos os acordes. Assim aprende a tirar as músicas.
Serginho Serra cresce e, por meio do trabalho de seu pai, tem a
oportunidade de conhecer muitos músicos que admira. Frequenta os
estúdios da Odeon e vê Beto Guedes gravando, conhece Toninho
Horta. Um guitarrista da pesada, que sempre quis conhecer e a
gente ficou muito amigo. Acaba fazendo amizade também com
Toninho Café, que o convida para acompanhá-lo numa série de
shows em barzinhos. Toninho Café no violão, Serginho Serra na
guitarra, mais um amigo no baixo. Ele tem 16 anos e também por
conta desses shows, que acontecem à noite, para de estudar.
Leôspa durante gravação de Sexo!!
Roger durante gravação de Sexo!!
Arquivo pessoal de Leôspa
− Não me sentia à vontade na escola. Gostava muito de literatura,
história, mas não conseguia, não queria estudar matemática,
química. Queria estudar música. Não conseguia acordar para ir à
aula e já estava com o ano perdido por falta.
Aos 17 anos, pouco menos de um ano depois, ele lê sobre o Barão
Vermelho numa coluna do Ezequiel Neves. Conhece Frejat no bar
Emoções Baratas e entra para a banda. Grava Manhã sem sono eO
que a gente quiser do disco Barão Vermelho 2 como músico
convidado, mas sai do Barão Vermelho por causa de uma
apresentação no Cassino do Chacrinha em que a banda tocou e não
o convidou. Eu queria ser da banda, queria aparecer, na verdade
rolou uma ciumeira, o Frejat era o guitarrista e ele não queria dividir
aquele espaço, o que eu entendi perfeitamente.
Mesmo tocando por pouco tempo, os shows com Barão Vermelho
servem de vitrine para que produtores, diretores artísticos e outros
músicos da época conheçam o trabalho de Serginho Serra. Um
deles, Leo Jaime (ex-Miquinhos Amestrados), convida o jovem
guitarrista para tocar na divulgação de seu primeiro LP, Phodas
C(CBS – 1984) , que teve duas músicas censuradas, Oras bolas e o
hit Sônia. No ano seguinte, Serginho Serra participa de Sessão da
Tarde, o segundo disco do cantor.
Em seguida, a banda de Leo Jaime se reúne para lançar um disco
com repertório feito durante as estadas nos hotéis, só que na
verdade nós não tínhamos tempo, não éramos uma banda ainda.
Esses músicos formam Os Melhores, com Serginho Serra, Edom
(guitarrista), Iuri (tecladista), Duda (vocalista), Paulo Henrique
(baixista, tecladista e vocalista) e Rodrigo (baterista) e, em setembro
de 1985, lançam um LP autointitulado, pela PolyGram, com produção
de Mariozinho Rocha. O disco autoral ainda conta com uma versão
de Live is life, dos alemães Opus, chamada Como é bom te amar.
Mas logo Serginho Serra cai fora. Ele não concorda com a capa do
álbum e percebe que ter feito esse trabalho foi um equívoco. Depois
disso, fica um tempo sem tocar com ninguém, até que participa dos
shows do João Penca e Seus Miquinhos Amestrados.
Mas antes disso, Serginho Serra conhece o Ultraje a Rigor em Juiz
de Fora, onde se apresentou com Leo Jaime. O Ultraje tocava antes
de nós e já tinha estourado… eu era o fã que estava junto dos ídolos.
Porque era uma febre. Foi uma coisa impressionante.
Assistente do estúdio, Liminha, Paulo Junqueiro, Carlinhos,
Maurício e Roger durante gravação de Sexo!!
Roger e Maurício durante a gravação de Sexo!!
Arquivo pessoal de Leôspa
Durante os shows do Ultraje, os músicos costumam chamar
algumas pessoas da plateia para cantar, como em um karaokê. Em
1986, durante uma apresentação, Carlinhos convoca Serginho Serra
para cantar Marylou.
− Eu puxei ele porque falava muita besteira, e quis colocar
Serginho em uma situação cômica.
Serginho Serra alega que é tímido: as pessoas acham que não,
dizem que não parece, mas eu sou e acho legal também assumir
isso, porque é melhor do que esconder, fica evidente. Ele fica sem
graça e o Ultraje aproveita. Serginho Serra pensa: não estou
aguentando ficar aqui, vou falar uma porrada de palavrão, fazer uma
versão pesada e sair fora.
E é isso que ele faz. A reação da banda? Segundo Serginho Serra,
eles ficaram amarradões. O fã, amigo de Carlinhos e Maurício,
acompanha de perto a carreira do Ultraje a Rigor. Eu sempre me
liguei nas letras inteligentes. Não eram uma piadinha, era um humor
mordaz, cínico, do Roger e da banda e era sensacional.
Algum tempo depois, em 1987, Carlinhos chama Serginho Serra,
fala que vai sair do Ultraje e que ele tem de entrar em seu lugar. O
produtor Liminha liga para Serginho Serra do Rio de Janeiro e pede
para ele ir ao estúdio tocar com a banda…
− E ao mesmo tempo não queria que parecesse que eu estava ali
para isso, mas eu estava ali e aconteceu. E aí os caras me
chamaram, no meio das gravações do Sexo!!.
O indicado para o posto de guitarrista sente um frio na barriga, liga
para o amigo Dé (baixista do Barão Vermelho) em busca de
conselho: − Caramba! Tem que ir no estúdio… Dé, não vou…
− Você vai lá… você é o Sérgio Serra − incentiva o amigo. −
Caralho! O que é o Sérgio Serra?
Ele vai, grava as inéditas Dênis, o que você quer ser quando
crescer? ePelado como teste. Resposta: Sérgio Serra é o novo
membro do Ultraje a Rigor.
A admissão dele na banda acontece quando executa o solo de
Pelado, que Roger filma. Serginho Serra pula e se joga no chão. Na
mesma hora, Liminha fala com um sotaque carioca puxado: É esse o
cara, Roger!
− E foi maravilhoso, porque acho que é um dos melhores solos
que já fiz com o Ultraje. Além do feeling e da técnica, também tinha
uma atuação que tinha a ver com o Ultraje, o lance de eu me jogar, o
lance do humor e, na mesma hora, o Roger conversou e vim para
São Paulo.
Acostumado ao Rio de Janeiro, quando chega em São Paulo,
Serginho Serra não consegue andar na cidade, hospeda-se por oito
meses em um flat e volta para sua cidade natal. Eu ficava trancado,
ia num shopping, voltava, para o meu jeito de ser na época, estava
complicado ficar em São Paulo, e tinha que ficar. O Roger pedia isso.
Devido aos compromissos da banda, ensaio, participações em
programas de TV, é indispensável que todos os integrantes morem
na mesma cidade. Um dia, Serginho Serra, agoniado, coloca suas
coisas dentro de uma kombi e volta para o Rio de Janeiro, no entanto
continua na banda.

Ôôôôô, eu gosto de mulher!


Em plena Avenida Paulista, Serginho Serra finge ser um repórter.
Ele entrevista Roger: − Ah, assim de improviso, sei lá meu, é difícil
falar…
− Não, não é difícil. O que você acha de mulher?
− Gosto, gosto muito.
− Você gosta de mulher? – indaga Serginho Serra a Maurício.
− Além de mulher, cara. Além de eu gostar de mulher, inclusive eu
já transei até com…
A resposta de Maurício é interrompida por uma vinheta: SEXOOO!
Depois o baixista continua a brincadeira: − Eu gosto de dois tipos:
nacionais e estrangeiras… hahahaha.
− Leôspa, mulher é moda? É pra sempre? Como que é?
− Vende umas assim pequenininhas que é só um negócio desse
tamanho… e Leôspa provoca mais risadas.
O microfone imaginário passa para as mãos de Maurício: − Pera
aí, Serginho, você gosta de mulher?
− Eu sempre gostei, não vou mudar. Mulher!
Roger dando autógrafos antes da partida do ônibus, em
1987.
Roger, caracteristicamente vestido, e Cacá Prates dentro do
ônibus, em turnê pelo Sul, em 1987.
Maurício tocando violino com antena de televisão num hotel
em Belo Horizonte, MG, em 1987.
Arquivo pessoal de Serginho Serra
O diálogo é uma brincadeira registrada para a abertura do clipe da
música Eu Gosto de Mulher. Outros homens que passam pela
avenida também são chamados a opinar sobre o sexo oposto. A
seguir, uma multidão vai se formando na esquina da Avenida
Paulista com a Joaquim Eugênio de Lima.
Roger, Leôspa, Maurício e Serginho Serra sobem em um palco
improvisado. Eles estão na marquise do Shopping Top Center. Ali
acontece o show de lançamento do álbum Sexo!!, no dia 19 de
março de 1987.
Uma noite antes, arma-se o palco. Tudo planejado para causar
alvoroço, fazer as pessoas pararem. Por volta das 11h30, os
estudantes do Colégio Objetivo estão prestes a sair e, na mesma
hora, os trabalhadores da região vêm à rua, em horário de almoço. O
prefeito de São Paulo, Jânio Quadros, não se encontra na cidade no
dia, lembra Serginho Serra: Nós fizemos uma coisa surpresa, porque
se fôssemos pedir para a prefeitura, provavelmente eles não
deixariam.

Roger, Maurício e Leôspa aguardam para participar de um


programa da TV Gazeta, localizada no número 900 da Avenida
Paulista, o ponto mais alto da cidade de São Paulo. Já que no set é
proibido fumar, eles sobem na laje do prédio da emissora e, lá em
cima, têm a ideia do show surpresa. Também se baseiam no filme
Let it be, dos Beatles (lançado em 1970, os quatro garotos de
Liverpool tocam no telhado da gravadora Apple). Serginho Serra
acha que o show na Paulista é até mais legal que o dos ídolos
porque o prédio não é tão alto, logo o Ultraje não fica tão distante do
público. Foi uma coisa gradativa, umas pessoas parando, nisso o
pessoal nos edifícios começou a jogar papel picado, juntou muita
gente. Roger reconhece posteriormente que o show causa um
congestionamento monstro:
− A nossa ideia era tocar num lugar aberto, como os Beatles
tinham feito. Não sei que altura tinha o prédio, mas não foi uma coisa
que atrapalhou o trânsito lá embaixo, como aconteceu no nosso. Na
verdade, nem contávamos com isso, foi até uma certa
irresponsabilidade, tem muito hospital naquela região.
Na ocasião, o Ultraje avisa Boninho que haverá um show surpresa
para gravar o clipe Eu Gosto de Mulher, a faixa introdutória do
segundo disco, que sai dia 25 de março de 1987, menos de uma
semana depois da peripécia na Paulista.
Lançamento de Sexo!! na marquise do shopping Top Center.
Multidão congestiona a Avenida Paulista para assistir ao
show surpresa do lançamento de Sexo!!
Arquivo pessoal de Leôspa
Cacá Prates se encarrega da organização do evento. Falei com o
Boninho, que ia fazer o Fantástico conosco no Rio. Avisamos pra ele
que íamos fazer em São Paulo, que ele viesse pra cá. Vendi ideia
pra agência DPZ, pro Sérgio Silva, que era o contato que tinha a
conta da Nestlé, do iogurte Bliss. O empresário conversa com a
empresa administradora do prédio Top Center. Eles não falavam
português, eram japoneses… tinha um intérprete que veio e falou,
tudo bem, tá cedido pela administradora do prédio. Falei que seria
bom pra eles em termos de marketing, daria uma visibilidade às
lojas. Cacá Prates também sugere que caiam dois banners grandes
com o nome Bliss no momento em que a banda aparece no palco e
consegue também patrocínio da marca para a turnê de 1987. Foi
demais, deu uma mídia imensa. Vieram todas as rádios me
entrevistar a respeito desse evento, quer dizer, um evento idealizado
por todos nós.
A inspiração para a música Eu gosto de mulher nasce a partir de
um comentário de Maurício, que teria dito algo que soou
preconceituoso contra os homossexuais. Roger recorda o episódio: −
Não sei nem exatamente o que é, mas foi qualquer coisa do tipo,ah,
melhor, sobra mais mulher pra gente. De qualquer forma, foi uma
piada de mau gosto, mas foi uma piada, né? Não representava o que
ele achava realmente, mas essas coisas na imprensa tomam uma
proporção exagerada e, ainda por cima, não ficou como se tivesse
sido ele que falou, ficou como se eu tivesse falado, e começaram a
ver como se a gente fosse machista, troglodita, uma série de coisas.
Então, eu fiz essa música Eu gosto de mulher. Foi meio uma
resposta ao incidente.
O disco traz também Dênis, O Que Você Quer Ser Quando
Crescer?, com letra de Roger eWill Robinson e Seus Robots,
composição de Maurício, Leôspa, Roger e Edgard, que também toca
na gravação para o disco, além da ambígua Pelado, que se torna
tema de abertura da novela da Rede Globo Brega & Chique, o que
causa para alguns a sensação de que o Ultraje se vendeu. Na
sequência, uma das preferidas de Maurício é Ponto de Ônibus.
Trabalhei duro nas linhas de baixo e vocal, gosto de tocá-la e cantá-
la. Composição dele e de Roger.

Tira a folha de parreira, põe a folha de


parreira A trama de Cassiano Gabus
Mendes gira em torno de duas esposas,
uma de origem simples e a outra de status
e riqueza, que têm em comum o mesmo
marido, o empresário Herbert Alvaray,
interpretado por Raul Cortez. Ele forja a
própria morte ao descobrir que está falido
e a situação das duas se inverte. A esposa
rica perde tudo, enquanto a esposa pobre
herda tudo. Na abertura de Brega & Chique,
criada pelo designer Hans Donner, o
modelo Vinícius Manne caminha de costas
para a câmera pelado e com a mão no
bolso (ou onde poderia ter um). A nudez
causa polêmica e a Censura Federal exige
uma mudança. Através de computação
gráfica, uma folha de parreira cobre o
bumbum de Vinícius. Antes de liberar a
versão original, o tamanho da folha de
parreira também seria censurado. Tiveram
que aumentar.

A terceira faixa de Sexo!! é Terceiro, composição de Roger que


satiriza o conformismo do brasileiro, além de aludir à nomenclatura
“terceiro mundo”, que se apega ao Brasil, e à falta de apoio e
patrocínio ao esporte na época. Hoje dizemos, eufemisticamente,
“países emergentes” ou “em desenvolvimento”.

Todo equipado, preparado na linha de partida


Daqui a pouco vai ser dada a saída
Todo mundo nervoso e eu não tô nem aí
O importante é competir
Então tá, vamo lá, nem vou me preocupar
Já tá tudo armado pr’eu me conformar
Eu vou tentar só pra não falar que eu nem sou atleta
Ia ser legal chegar junto na frente
Mas iam falar que quero ser diferente
Tá bom demais, pelo menos eu não saio da reta
Por isso eu sempre sou
Terceiro! Ôba-Ôba!
Terceiro!
Pra mim tá louco de bom!
Marcando passo vou seguindo sem ser muito ligeiro
Com cuidado pra não ser o primeiro
É bonito, eu imito mas o pódium não é pra mim
Eu não sou a fim!
Se eu me esforço demais vou ficar cansado
Já dá pra enganar eu ficando suado
Se reclamarem eu boto a culpa no patrocinador
Não botaram fé porque não ia dar pé
Não ia dar pé porque não botaram fé
De qualquer forma eu pego um bronze
porque eu gosto da cor
Por isso eu sempre sou
Terceiro! Ôba-Ôba!
Terceiro!
Pra mim tá louco de bom!

No clipe de Terceiro, Roger usa duas trancinhas no cabelo. Uma


de cada lado, presas com fitas pink. Aliás, não é só ele que deixa as
madeixas crescerem. Leôspa exibe franja enrolada, Serginho Serra,
um franjão e Maurício é o mais cabeludo.
O disco imprime também uma outra brincadeira: a participação
especial de Sting no coro de Terceiro. Na realidade Sting é o nome
do cachorro de Liminha e não o cantor do The Police. Roger
confessa: tudo que a gente fazia tinha muita piada interna.
A penúltima música de Sexo!! é Maximillian Sheldon. O
personagem criado por Roger representa uma análise dele mesmo.
Era muito travado, então precisava. Pô, vou matar Maximillian
Sheldon e viver mais à vontade. Maximillian Sheldon é uma coisa do
superego, a figura do pai; na psicologia, o repressor.
A faixa-título, Sexo!!– assim como as demais – ganha uma
explicação feita por Roger no release distribuído à imprensa. Ele diz
que essa música não fala propriamente de sexo, mas de censura e
daquele moralismo besta tão comum em nossa cultura. Se antes,
durante os shows, o público empolgado com Mim quer tocar
arremessava moedas no palco, daqui em diante, são preservativos
cheios de ar que as pessoas fazem questão de jogar para cima
durante Sexo!!
Leôspa, Roger, Serginho Serra e Maurício aproveitam a
piscina da Pousada Rio Quente, em Caldas Novas, GO, em
1987.
O lugar mais frio do mundo, recorda Roger ao ver o registro
de show em Caxias do Sul, RS, em 1987.

Arquivo pessoal de Serginho Serra


Para ilustrar a capa do novo álbum, uma cena familiar. Um casal
observa um recém-nascido nos braços de uma enfermeira através do
vidro da maternidade.
− O lance da criança é para mostrar que a cegonha não existe.
Todo mundo faz sexo e, se estamos aqui, é porque alguém transou
com alguém. Sexo é uma coisa normal. Abaixo a hipocrisia. Essa é a
nossa proposta.21
Leôspa, Serginho Serra, Roger e Maurício se divertem durante os
intervalos da gravação deSexo!! Na mesa de pingue-pongue do Nas
Nuvens, Roger joga pelo prazer da competição. O lance é jogar entre
amigos. Se fosse em algum clube, ia encanar de aprender e aí
perderia a graça.22 Serginho Serra começou a jogar aos dez anos, na
hora do recreio da escola, mas ainda não consegue vencer Leôspa,
que joga desde os 14 anos e cultiva o hábito de apostar dinheiro no
pingue-pongue, no pôquer e no palitinho. Antes de trabalhar com
música, eu era arquiteto. Como ganhava mal, gostava de fazer uma
fezinha.23 Maurício chegou a ser expulso do Clube de Campo
Castelo, onde jogava. Talvez o fato de os demais ultrajes terem
escolhido ele como o pior jogador explique o porquê. O baixista
costuma perguntar: e aí, tá a fim de perder um tempo comigo?24
Quando estão em São Paulo, a disputa fica mais acirrada na casa do
baterista. Leôspa prefere Roger quando a partida é individual, pois
ele é do meu nível25.

Talvez os fãs e a crítica esperassem por um disco com tom mais


político, mas a intenção do Ultraje é surpreender. Nem todos
compreendem. No dia 7 de abril, enquanto Tony de Marco publica no
jornal O Estado de S. Paulo, Ultraje: cara nova, mesmo som, Leão
Serva escreve na Folha de S. Paulo, “‘Sexo!!’do Ultraje não dá
prazer”.
Mesmo com o release de Roger, há quem ache Sexo!! brega, ou
mesmo uma apelação. O sexo explícito nas faixas acaba enjoando
qualquer parceiro, afirma Serva Leão.
Serginho Serra conta que, nessa época, Maurício atende ao
telefone da casa dele e fala: − Sexoo!
É o Alô de Maurício para quem quer que fosse. E não é só isso,
reza a lenda que outra história inspirou o nome do segundo LP. Certa
vez, Roger e Maurício estavam no Rio de Janeiro. Eles olham as
garotas quase nuas na praia pela janela do hotel e o baixista
pergunta: − O que será que esse pessoal todo está pensando?
− Sexo! − responde imediatamente Roger.
Ele continua sendo o principal letrista. Não há reuniões planejadas
para compor o disco, conta Serginho Serra: era o Roger quem fazia
as músicas e a partir do momento que tivesse um número legal, ele
nos chamava e come-çávamos a tocar.

Serginho Serra, Roger e Maurício durante show em Belo


Horizonte, MG, em 1987.
Serginho Serra passa o tempo com seu violão no quarto do
hotel em Belo Horizonte.

Arquivo pessoal de Serginho Serra


Maurício compõe Prisioneiro, Roger não gosta, mas o baixista
também torce o nariz para as novas músicas de Roger.
Aparentemente sem saída, a banda quase se dissolve. Na
contracapa do disco, fica registrada essa divisão, o começo de uma
ruptura de interesses no Ultraje a Rigor. Uma foto dos quatro
“ultrajes” com os cabelos esvoaçantes é uma prova do que acontece:
Maurício veste estampa de oncinha da cabeça aos pés, com uma
regata e lenço no pescoço. Leôspa usa roupas coladas, calça
listrada de preto e prata. Roger e Serginho Serra trajam calças jeans,
o primeiro com uma blusa branca manchada de colorido e o segundo
com uma jaqueta de couro preta. De qualquer forma, eles parecem
estar se divertindo muito, pelo sorriso estampado no rosto de cada
um, mas Serginho Serra assume que há uma crise no Ultraje: − O
Leôspa e o Maurício queriam levar o grupo para uma coisa mais
heavy metal e pesada, tanto que eles aparecem na capa do Sexo!!
com aquelas roupas ridículas. E na época, o Roger não achou legal,
nem eu, (mas eu estava chegando…) o visual do grupo ficou
comprometido e ficou uma coisa ligada ao heavy metal também.
O primeiro compacto do Ultraje a Rigor fez a cabeça
também do público punk, que costuma ter postura mais
radical. Conforme a banda cresce, se torna cada vez mais
abrangente no caminho trilhado ao sucesso. O fato de você
ir para uma Rede Globo, estar na abertura de uma novela,
significa que vai ganhar um novo público também e, talvez,
até perder os mais radicais ou deixar eles meio que
torcendo o nariz, foi o que aconteceu. Mas isso aconteceu
com uma grande maioria dos grupos dos anos 1980. A não
ser aqueles grupos que realmente tinham uma postura de
banda que não ia se envolver com a grande mídia. Mas não
era a postura do Ultraje, a mesma coisa que o Ira! quando
entrou com Flores em Você na novela. Os fãs radicais
podem achar que era um absurdo se vender para uma
novela da Globo, mas isso não afetou em nada o trabalho
do Ira!. Da mesma forma o Ultraje.
Todo mundo fazia programas de TV, tipo Chacrinha, que
eram programas populares. Tocava em todas as FMs.
Então, o rock dos anos 80, de certa forma, era uma coisa
popular, todo mundo era meio que vendido a esses
programas. Assim como o Ultraje, o RPM, os Titãs, a Blitz,
os Paralamas, Lulu Santos, o Ritchie eram pessoas que
tocavam direto no rádio, estavam o tempo todo na TV, e
isso, claro, revertia em vendas de disco. Foi uma época em
que não existia nada de novo na música brasileira. A
música brasileira tradicional dos cantores tipo Bethânia,
Caetano, Gil, Gal foi uma época em que eles estavam
produzindo, mas não com todo aquele gás que eles
produziam nos anos 1960 e 1970. Então, abriu-se as portas
para o rock brasileiro nos anos 80, isso foi bom, o rock
tomou um tamanho, uma dimensão popular. E a partir do
momento que você atinge o povão, isso significa que vai
vender bastante.
Kid Vinil
Leôspa reconhece as tendências de heavy metal de Maurício e
Carlinhos, que já deixara a banda. Quanto a mim, sempre fui
roqueiro como o Roger e só usei aquelas roupas porque achei legal.
As mudanças de vertentes internas e o aumento de um novo
público com a veiculação de Pelado na novela global faz Serginho
Serra observar: era como se o Ultraje tivesse se vendido. Uma coisa
complicada, o Roger queria levar para um lado mais rock n’ roll, que
está na capa do Sexo!!, está expresso na forma como nós dois
estávamos vestidos. Aí começaram as coisas lá dentro, as brigas. No
entanto, ele diz que a relação era boa. Na verdade, os caras
brincavam comigo o tempo inteiro e eu ficava alugado. Apesar de
Serginho Serra ter um temperamento bem parecido com o dos
demais integrantes do Ultraje, ele também tem um outro lado que é
mais quieto, mais reservado e mais encanado até. Ele gosta de ficar
lendo, pensando.
− Eu achava um saco aquilo. Mas amava aqueles caras. Quando
me vi tocando na banda, tive a sensação dos primeiros shows de
olhar e falar, caramba! É o Roger ali, o Maurício, o Leôspa, como
ídolos mesmo. Depois que eu acostumei da pilha que eu tomava, aí
só curti.
Serginho Serra ganha o apelido de Carica, por ser carioca, e um
outro, por causa da personagem alcoólatra de Renata Sorrah em
Vale Tudo, novela da Rede Globo exibida em 1988. Eles me
chamavam também de Heleninha. Ela era histérica. Eu tava numa
fase meio histérica no Ultraje.

A primeira música de Sexo!! a tocar nas rádios é Eu Gosto de


Mulher. Apesar dela ter sido escolhida para isso, há um vazamento
em fevereiro de 1987. Ao narrar a chegada da banda para uma
entrevista, a repórter Sônia Maia revela o caso. “A primeira pessoa a
chegar ao estúdio para a segunda entrevista foi Serginho. Os caras
(o resto do pessoal do Ultraje) estão lá no bar, disse ele. Vamos lá,
então.
No bar do Geraldo estavam Maurício (baixo), Leôspa (bateria) e
Roger (vocal/flauta e guitarra). Maurício vai logo contando,
entusiasmado, que está produzindo o novo disco dos Garotos
Podres, que deve sair pela Continental. Roger está no carro, ouvindo
Eu Gosto de Mulher, que acaba de aparecer na rádio Cidade em
uma fita pirata, sem permissão. Tudo bem! Só que a gravadora teve
de correr em tudo que é rádio para distribuir o material, para ninguém
ficar com dor de cotovelo.26

Uma participação no programa do Chacrinha, durante o carnaval,


inclui a execução de Eu Gosto de Mulher. Eles têm a face pintada
com batom, sombra e bochechas exageradamente rosa, usam
vestidos e tênis. Leôspa ajeita os enchimentos no peito, troca as
baquetas por um leque e faz questão de mostrar a sunga verde
como a de Maurício, que dança can-can e manda beijos. Roger usa
um arranjo de flores para prender os cabelos e se joga ao chão, mas
não larga a guitarra. Serginho Serra dança com as chacretes,
usando um vestido preto com franjinhas. Os ultrajes se vestem como
mulheres. Seus rostos jovens estão sempre cheios de riso, a
diversão impera e transborda, os quatro músicos se espalham por
toda a plateia, predominantemente feminina, que é só gritos.

Serginho Serra, Roger e Maurício depois da apresentação


no Chacrinha, no Rio, em 1987.
Arquivo pessoal de Serginho Serra
Arquivo pessoal de Serginho Serra
A turnê de Sexo!! começa dia 8 de maio de 1987, no Palácio das
Convenções do Anhembi, em São Paulo. Em seguida, passa pelo
Canecão, no Rio de Janeiro, em 9 de junho. No dia 17 de junho, eles
deixam a marca de suas mãos na Calçada da Fama do Rio de
Janeiro. Os integrantes do Ultraje a Rigor inauguram um espaço em
frente ao Canecão, onde o cimento garante o registro da história,
assim como nos Estados Unidos.

A viagem a Nova York, enquanto Carlinhos ainda é o guitarrista


solo, reserva uma outra surpresa em 1987. Cerca de um ano depois
da compra de instrumentos, Roger insinua que conseguiu passar
pela alfândega se valendo de suborno, durante entrevista ao
programa Perdidos na Noite. Leôspa lembra que: Faustão fez uma
pergunta que não deveria, principalmente porque o superintendente
da Receita Federal encontrava-se no mesmo programa e o Roger
respondeu que entraram de “jabá” por brincadeira e os instrumentos
foram apreendidos no Anhembi após o último show de lançamento
do disco Sexo!!.
Maurício se refere ao caso dizendo que esta é outra tramoia a fim
de sabotar o sucesso da banda.
− Tinha muita gente com inveja. O equipamento estava legal, eu
fui o maior prejudicado na história, tinha mais de 40 mil dólares, bem
que o Lula podia me ressarcir aquela grana…
Na época, Luiz Inácio Lula da Silva era eleito o deputado federal
mais votado do país para a Assembleia Constituinte.
O Ultraje compra aparelhagem de som em 1986 nos Estados
Unidos. Antes da viagem, Roger vai à Consultoria e Assessoria de
Comércio Exterior (Cacex), com o recorte da Lei Sarney dizendo que
o músico poderia importar aparelhos que não fossem encontrados no
país.27
− (…) ficaram me empurrando de um lugar para o outro. Resolvi
trazer no risco. Metade passou no sinal verde, e a outra metade
ficou. Eu paguei todas as taxas. Eu trouxe pro meu uso, não estou
vendendo, não estou fazendo contrabando. Agora, o juiz se queimou
e ficou uma coisa pessoal. A gente tem a quarta via de um monte de
instrumentos que estão apreendidos. O problema é que o motorista
do caminhão que transportava os instrumentos não estava com elas.
Essa história de similar de instrumentos é uma brincadeira. Não tem
similar nenhum. Tem similar de presidente?28
Tempos depois, o Ultraje recupera os aparelhos pagando impostos
régios.

A repercussão do Ultraje a Rigor, agora em turnê com o segundo


disco, faz cair por terra o costume da indústria fonográfica de esperar
que depois de um primeiro sucesso arrebatador, como o Nós vamos
invadir sua praia, o segundo trabalho não consiga atingir o mesmo
patamar, condenando a banda ao ostracismo. O Ultraje a Rigor
ganha disco de ouro e platina por Sexo!! São quase 400 mil cópias
vendidas.

Em 1987, Biquini Cavadão (A Era da Incerteza), Capital


Inicial (Independência), Plebe Rude (Nunca Fomos Tão
Brasileiros), Cazuza (Só Se For a 2) e Engenheiros do
Hawaii (A Revolta dos Dândis) também passam pela
provação do segundo LP. Até hoje, tem bandas que
acontecem no primeiro disco e aí as pessoas ficam se
perguntando: o que vai ser o segundo? A própria gravadora
quer um sucesso atrás do outro. Então, existe uma grande
cobrança e uma responsabilidade muito grande para o
próprio grupo, porque às vezes você não está num
momento tão inspirado para fazer um disco tão bom quanto
aquele primeiro. Mas o Roger é um ótimo compositor, isso
também vale. O Ultraje sempre teve à frente o Roger, que
sempre foi o líder da banda, então é a garantia de que a
banda iria continuar fazendo sucesso.
Kid Vinil

No decorrer de 1987, um desastre envolve o Ultraje, mas nada tem


a ver com o trabalho musical. No final de maio, no interior de São
Paulo, em Araçatuba, um comerciário briga com alguém e morre
durante um show. Edmilson Nogueira tem 22 anos e faz parte do
público. Roger não sabe explicar o que aconteceu.
− Pode ter sido até por mulher. Acho que ele estava subindo na
grade para tentar escapar, e o outro acertou nas costas dele com a
faca. Era chato para nós, mas não posso dizer que fomos culpados
por aquilo ou por causa da nossa música o cara brigou. Ao contrário,
nós não passamos essa imagem.
O vocalista, guitarrista e letrista do Ultraje escutou muitas vezes os
fãs depois dos shows falarem para ele: − Ô, cê tava muito louco e
tal…
Roger nega a suposição de algumas pessoas da plateia. Me
davam baseado de presente. Eu não, obrigado, não fumo. No
entanto, ele é consciente sobre algumas normalidades dentro de um
show de rock. Em algumas apresentações, buscando a diversão, o
público joga latinha para cima ou dança chutando uns aos outros, o
que pode acabar machucando alguém. Quando acontece alguma
briga séria a banda adverte, pede ao público que pare, mas não é
algo que se possa fazer bruscamente, pontua Roger: − Não pode
parar total ao mesmo tempo porque, se não, cria um clima ruim, tem
que dar meio que um toque e continuar tocando para ficar tudo
normal.
Ao longo das turnês, algumas outras histórias poderiam ter
terminado mal. Durante um show em Sergipe, um homem que está
na plateia tira da calça um revólver, aperta o gatilho e uma roda
enorme se abre em volta dele. Pouco depois, ele guarda o revólver e
volta a dançar como se nada tivesse acontecido. Roger vê tudo: sei
lá, faz parte da cultura deles andar armado, dar tiro. Outras vezes, os
fãs jogam objetos no palco. Um isqueiro atinge a guitarra, quebra e
começa a liberar o gás. Roger se assusta: − É gelado, podia ter
acertado a minha mão. Tacaram uma moeda na minha testa,
sangrou. Tacaram um rojão, a bomba veio e parou perto de nós, nos
afastamos e estourou. Nós também estamos muito expostos.
Até um garrafão de vinho jogam para cima do palco.
− Era festa do vinho, né? Fazer o quê? O povo está bêbado, não é
culpa nossa. Festa de universidade, está todo mundo cheirando
cheirinho da loló, nós estamos lá tocando, não é porque o rock que
atrai droga, atrai violência. Aconteceu em show de sertanejo, de
lambada, aconteceu em tudo quanto foi tipo de show, ou em
aglomerações, passeata.
Roger, Maurício, Trovão, Serginho Serra e Leôspa num
barzinho em Natal, RN, 1987.
Arquivo pessoal de Serginho Serra
Em Santa Catarina, um longo e grave episódio ainda está por vir.
Dia primeiro de setembro, 11 dias antes de Roger completar 31 anos,
acontece um show em Chapecó, no Ginásio Silveirão.
Na época, ainda mais do que hoje, é comum e rotineiro os fãs
terem acesso aos músicos logo após os shows para conhecê-los,
pedir autógrafo e tirar fotos. Depois, alguns costumavam ir até o
hotel, hoje em dia, dificilmente. Na ocasião, entram quatro meninas.
Roger lembra como foi: − Eu subi, depois elas bateram à porta.
− Ah, como é que vai?
Papo vai, papo vem, e Roger preocupado por causa do negócio do
Grêmio.
Horas depois, o músico pede para elas irem embora, mas as
garotas respondem: − Não, tá tudo bem, minha avó não liga…
− Moro com a minha tia…
− Meu pai…
O tempo passa e três delas decidem que é hora de ir. Dessas
quatro meninas, uma ainda insiste e fica madrugada adentro. Ela tem
15 anos.
Roger acompanha o que ficou conhecido como caso Berna. Em
setembro de 1987, quatro jogadores do Grêmio (Henrique Etges,
Fernando Castoldi, Eduardo Hamester e Alexi Stival), que disputam a
Copa Philips em Berna, Suíça, são acusados de estuprar uma
menor, Sandra Pfãffi, de 14 anos. A garota foi até o hotel da cidade e
bateu à porta do apartamento onde estavam os jogadores, a fim de
pedir uma camisa do time. Eles foram liberados após pagamento de
fiança, mas o caso continuou repercutindo.29
Dia 6 de setembro, o Ultraje está em Maringá, no Paraná,
continuando a turnê pelo sul do Brasil e Roger recebe uma carta
intimando-o a prestar depoimento. A mãe da garota de Chapecó,
Ana Maria Stinghen, acusa o músico de estupro.
Roger reconhece depois que também foi ingênuo, mas eu fui
liberado do processo. Acho que a mãe dela queria ganhar um
dinheiro, era meio louca. Quando recebe a intimação, Roger tem de
voltar a Chapecó. Ele quer falar com a mãe, que estava chorando e
gritando. O delegado aconselha que não o faça.
− A menina depois me inocentou, o pai me inocentou e a mãe
perdeu o processo. Ela tentou me processar por estupro, daí não era
possível, a me-nina fez o exame, não tinha nada de estupro, daí
tentou sedução, também não conseguiu, daí mudou para corrupção
de menores e também não conseguiu.
O processo se encerra quatro anos mais tarde. Perante as
acusações, Roger sente-se constrangido de sair às ruas e as
pessoas encararem: − Foi muito chato. E na época, ainda no Paraná,
eu entrava num lugar e tinha gente que… ah, e aí, comilão? Umas
coisas meio assim… Olha, o cara estuprou! Estupro é realmente um
crime horroroso, com violência. E deu um certo baque na
popularidade do Ultraje.
Quando Roger recebe a intimação, a banda está passando som.
Serginho Serra assiste ao incidente de perto: aí eu comecei a chorar.
Não conseguia acreditar. Depois, o acusado tem de ir até a
delegacia e prestar depoimento. Por conselho do advogado, ele diz
que prestará depoimento em juízo, termo que ele desconhecia, mas
foi o que eu falei, aí me liberaram. Significa depor ou declarar
perante a justiça o que se sabe. Se a declaração fosse falsa, Roger
estaria cometendo perjúrio.
Serginho Serra opina sobre o ocorrido e defende a integridade do
amigo: − Foi uma armação da mãe dela pra ganhar uma grana. Saiu
no Jornal Nacional… Roger estupra menor em festa de embalo. O
Roger não toma nada mesmo, há muitos anos que ele só bebe água.
Um copo de cerveja no último show da turnê de 89. O cara não bebe,
não toma droga. As pessoas se surpreendem. Uma vez, um cara
chegou pra mim e disse: Pô, passei a noite inteira com o Roger,
muito louco, cheirando com o Roger. E eu, o Roger não cheira, você
tá enganado.
Roger, Leôspa, Maurício e Carlinhos posam para a revista
Manchete.
Arquivo pessoal de Leôspa/Fotógrafo não identificado A turnê do Ultraje a Rigor continua.
Dessa vez, só de ônibus, era uma loucura, afirma Serginho Serra, que às vezes pega um
avião com Leôspa para fugir da cansativa viagem nas estradas. O guitarrista diz que, na
época, a maioria dos lugares onde tocam não são adaptados para shows e os hotéis são
muito ruins. Eles passam, no mínimo, 20 dias fora de casa e convivendo juntos em dois
ônibus. Um deles transporta um telão mais uma equipe de 30 pessoas, o outro leva os
integrantes da banda. Por outro lado, a estrada também é fonte de inspiração e
divertimento: − Eles viviam rindo. Era muito alegre. Nós ficávamos muito juntos naquele
momento, a parti daí, na verdade o que eu via era que muitas das ideias do Roger vinham
da convivência com a banda e da visão da banda sobre determinados assuntos. Então ele
canalizava essa energia, esses pontos de vista diferentes, muitas vezes, e focava. Fazia
uma música e perpetuava o conceito da banda de tocar rock n’ roll, se divertir, ser uma
banda alegre e sacanear todo mundo.

Serginho Serra e Leôspa voltando do Mato Grosso de


avião, em 1987.
Arquivo pessoal de Serginho Serra
Entre 1987 e 1989, Cacá Prates explica que as turnês são
realizadas por regiões, chegando a ficar quase 50 dias na estrada.
Essa é a maneira encontrada para driblar a fobia de Roger. Certa
vez, após tocarem em Marília, a oeste da capital de São Paulo, o
Ultraje segue de ônibus para o Rio de Janeiro, onde fechariam o
Cassino do Chacrinha. Como a gravadora não reservou hotel para os
músicos, o empresário tenta arrumar um em cima da hora. Depois de
contactar todos os hotéis possíveis, se hospedam no Copacabana
Palace. Ele avisa André Midani por telex: vocês esqueceram de
reservar hotel para nós, o único que eu consegui foi o Copacabana
Palace. E, antes de irem embora, fazem uma festa na piscina .
No Nordeste, as 36 pessoas da equipe do Ultraje aproveitam para
andar em 33 buggies alugados. Como Trovão é muito parecido com
Roger, as pessoas costumam se confundir. Como dessa vez, quando
ele bate o buggy e os funcionários pensam que é Roger. Os caras
ligavam pros donos da empresa querendo cobrar, com polícia,
armado, querendo prender, recorda Cacá Prates. No palco, a turnê
de Sexo!! traz uma novidade para a abertura dos shows. Ao som de
Bolero, de Ravel, dois telões exibem no palco momentos anteriores,
como a chegada da banda à cidade, a montagem do palco e
aparelhagem, os bastidores e uma homenagem, o nome da cidade.
O clima para a entrada do Ultraje a Rigor está pronto.
O clima também é favorável para Os Paralamas do Sucesso, que
participam pela primeira vez do Montreux Jazz Festival (na Suíça) e
com o material gravado, lançam o disco ao vivo D. A Legião Urbana
faz uma música com nove minutos, Faroeste Caboclo, cair na boca
do povo, assim como Camila, do primeiro disco dos porto-alegrenses
Nenhum de Nós.
Em janeiro de 1988, o Ultraje a Rigor encerra a turnê de Sexo!!
com a participação no Hollywood Rock. O festival tem início no
Sambódromo da Praça da Apoteose, no Rio de Janeiro, onde o
Ultraje se apresenta no dia 8. Na noite paulista do Hollywood Rock,
em 15 de janeiro, a banda toca no estádio Cícero Pompeu de Toledo,
o Morumbi. Roger lembra que houve uma pinimba(que já foi
resolvida) com a rádio FM Jovem Pan, divulgadora do evento, que
omite o show do Ultraje. Falavam só do Simply Red e do Duran
Duran, o nosso era o primeiro show, então teve gente que perdeu por
não saber que ele aconteceria. Para atrapalhar, na ocasião a chuva é
tanta, que provoca até enchentes na cidade e Roger fala que a rádio
deu informações do tipo: Podem ficar tranquilos, os shows ainda não
começaram. Mas mesmo assim, foi superbacana para nós. E era a
primeira vez que tocávamos com essas condições importadas. O
melhor equipamento e palco que já tínhamos visto. O público
enorme.
Na noite anterior ao show, Serginho Serra está super nervoso. A
pedido da organização, ele leva um amplificador para o hotel e toca
durante toda a noite. No dia seguinte, os gringos levam vantagem no
tempo das apresentações. Para poder tocar um repertório maior, o
Ultraje toca tudo acelerado. Muito acelerado, fizemos quase que o
show inteiro em 40 minutos em São Paulo e no Rio. O guitarrista solo
gosta de tocar em locais grandes, mas prefere quando é menor. Ao
se colocar no lugar do público, ele acha mais complicado. Eu fui ver
o Red Hot30 lá no Rock in Rio 3 e vi os caras longe. Mó calor e o
tempo inteiro a iminência de ter um troço, de ter uma briga, o som
ruim, eu não vou em show assim.
Serginho Serra e Maurício passeando de buggy em Natal,
RN, 1987.
Arquivo pessoal de Serginho Serra
O Hollywood Rock ainda conta com a participação de Ira!, Titãs –
que aproveitam para realizar o show de lançamento do disco Jesus
Não Tem Dentes no País dos Banguelas −, Pretenders, Os
Paralamas do Sucesso, UB 40, Simple Minds, Lulu Santos, Marina e
Supertramp. Com festivais como esse, a cena musical brasileira
cresce. Os equipamentos de som se tornam mais sofisticados, os
estúdios com alta tecnologia começam a ter mais acessibilidade. Os
shows ganham cenários mais elaborados, pirotecnias e o
reconhecimento internacional chega com o significativo aumento dos
shows das bandas estrangeiras em solo brasileiro e a penetração do
rock nacional mundo afora, como ocorre no decorrer do ano com os
Titãs. Seguindo os passos dos Paralamas, partem para carreira
internacional tocando no Montreux Jazz Festival no dia 8 de julho de
1988, quando aproveitam para gravar seu álbum ao vivo, Go back.
Quanto ao Ultraje a Rigor, os próximos meses aconteceriam
novamente longe dos palcos. Serginho Serra diz que isso é um
critério de Roger para preservação da imagem: por vontade de que a
coisa andasse num ritmo mais natural.
3
Em 3 de outubro de 1988, o Ultraje a Rigor se reúne novamente
no estúdio Nas Nuvens a fim de gravar o terceiro disco, sob a
produção de Paulo Junqueiro e direção artística de Liminha.
A capa do álbum se baseia na obra de Burne Hogarth, o ilustrador
do personagem Tarzan. O Ultraje tenta levar para a capa do disco o
mesmo desenho, mas os detentores dos direitos autorais não
consentem.
− Era uma gravura muito mais bonita do que aquela [da capa], com
um traço realista e parecia uma coisa de vitória, porque era o Tarzan
naquela pose mesmo e não sei por que na época a gente achou que
era apropriada − confirma Roger.

Então, eles pedem para o artista gráfico Luiz Stein, marido da


cantora Fernanda Abreu, modificar o desenho sem alterar a
mensagem. E para não perder o costume, o nome do disco é
também o título da música: Crescendo, composição de Roger que
leva para o estúdio uma de suas piadas internas. A letra diz apenas:
Que que taês docentecon-a?/Eu touês doscencre, doscencre!
Significa: que que está acontecendo?/Eu estou crescendo,
crescendo!, de trás para frente com as sílabas. Roger e seus irmãos
conversam dessa maneira desde crianças, depois Leôspa e alguns
outros amigos, também aderem à “linguagem secreta”.
No encarte do disco, aparece a foto de um convidado especial que
grita em Crescendo. Roberto Pires Messenberg é mais conhecido
pelo apelido, Bob Fucker, um amigo de infância de Roger. Ele
sempre andou com a gente e a gente o considerava como um quinto
membro do Ultraje, embora ele não tocasse nada. Desde antes de
gravarem o primeiro compacto, Bob Fucker costumava subir ao palco
gritando, preso numa forca ou pelourinho.
A segunda faixa de Crescendo é a primeira do disco a chegar às
rádios, em 5 de janeiro de 1989. Filha da Puta, também chamada de
Filha Daquilo, ganha duas versões.
Arquivo pessoal de Serginho Serra
Serginho Serra, Roger e Roberto Pires, o Bob Fucker do álbum
Crescendo.
O Ultraje grava, para o disco, a versão sociedade e, para a
divulgação nas rádios, a versão família. As duas interpretações são
necessárias, porque depois da promulgação da Lei de Imprensa de
1967, do AI-5, decretado no ano seguinte, e da nova Lei de
Segurança Nacional, de 1969, o regime militar empurra garganta
abaixo a censura no Brasil. Logo, quando a música é lançada, faz
poucos meses que os órgãos censores deixaram de proibir
manifestações artísticas que se encaixam nos conceitos subversivos,
e o Ultraje a Rigor resolve testar se, na prática, a liberdade de
expressão está valendo. Eles sabem que a maioria das rádios não se
atreveria a tocar a versão sociedade com o palavrão. Por isso,
atendem ao pedido da gravadora e fazem uma alternativa, a versão
família com uma buzina no lugar do filha da puta. Roger ironiza,
também colocamos esse nome para avacalhar com a coisa. A
sociedade tudo bem, a família que é diferente. O compositor ainda
brinca, dizendo que junto à Legião Urbana e mais alguns outros
músicos, deu origem ao piii, usado para censurar trechos como o de
Faroeste Caboclo, em que Renato Russo canta, olha para cá filha da
puta, sem vergonha (…).
Se não é bom as rádios acatarem a versão que sozinha se
censura, outras mídias fazem valer a pena, como uma participação
no programa do SBT, Jô Soares Onze e Meia, conforme Serginho
Serra: − Ele chamou a gente para tocar essa música e falar sobre a
censura dela no programa dele, em 89, e aí, na hora de nós
tocarmos, perguntamos: − Jô, mas nós tocamos a música na versão
família ou a versão com o palavrão?
Ele deixa a banda à vontade para escolher.
− Nós tocamos com o palavrão. E isso foi o máximo.
Ao emplacar Filha da Puta, fica claro o quanto a censura ainda é
enraizada no país. No entanto, é por esse motivo que a música
prevalece com uma das características mais fortes do Ultraje a Rigor,
Roger confessa, era mais gostoso provocar, implicar, do que poder
falar abertamente as coisas. Apesar de Filha da puta fazer sentido
até hoje, cada vez que vem à tona um caso de corrupção, um
assassinato ou qualquer outra falcatrua na sociedade brasileira, o
fato de se usar um palavrão já não causa mais espanto como na
época em que foi feita a música.
Crescendo ainda traz as composições de Roger: Volta Comigo,
Secretários Eletrônicos, Maquininha, Coragem eOs Cães Ladram
(Mas Não Mordem) e a Caravana Passa, que conta com a
participação especial de Rex, Duque, Fido, Katucha e a cadelinha
A.S. ou Leôspa, Maurício, Roger e Serginho Serra representando os
cães.
A Constituinte é domínio público, mas ganha versão de arranjo do
Ultraje a Rigor. Serginho Serra inclui duas músicas nesse
disco:Laços de Família e Querida Mamãe. Ele fica feliz quando o
público responde que Laços de Família é uma das prediletas. No
entanto, quando se ouve cantando, ele pensa: não tinha nada a ver
com o Ultraje, para mim a cara do Ultraje é o Roger, é a voz dele,
são as músicas dele. A ideia original da banda era ter quatro músicos
cantando, como nos Beatles. Os quatro com peso igual dentro da
banda, mas Roger acaba se destacando.
− A gente ficou focado no Roger, por ele ser o autor e ter aquela
voz inusitada, aquela figura dele. Mas a cara do Ultraje era com
essas pessoas que estimulavam ele: o Maurício, o Leôspa e eu.
Edgard Scandurra participa com a letra de Ricota e O Chiclete.
Esta última é tocada até hoje nos shows para apresentar a banda
com o bordão, (que na época continuava assim) na bateria Leôspa,
daí o Leôspa, Bum bum bundão… na guitarra Serginho, daí o
Serginho, Bum bum bundão… no baixo Maurício, daí o Maurício,
Bum bum bundão… na guitarra Roger, daí o Roger, Bum bum
bundão… esse é o Ultraje a Rigor… daí todos, Bum bum bundão…
O Chiclete é a primeira composição de Edgard, ele tem entre 14 e
15 anos. É uma letra infantil com um pouco de malícia, quase
carnavalesca. Um punk forte com uma letra tosca. Se quisesse fazer
uma análise mais profunda diria que “o chiclete” seria o mesmo que
“atitude”. A atitude do sistema faz “ploc” e a minha atitude faz “bum”.
As demais músicas assinadas pelo ex-guitarrista, lançadas em
discos posteriores a sua saída do Ultraje, surgiram no tempo de sua
permanência na banda (1982 a 1984). Todas dentro do espírito
humorístico e crítico do Ultraje.
Para o terceiro LP, Maurício contribui com Ice Bucket. Ele diz que
essa música significa o futuro do planeta… incerto e frio… global
warming… tudo dentro de um balde de gelo! Roger conta sua longa
saga e compartilha sua visão sobre alguns “processos” no reggae
Crescendo II – A Missão (Santa Inocência). Em princípio a música
faz um alerta ao ser humano, que à medida que se torna adulto,
junto com a infância tende a perder a inocência. Depois Roger acaba
incluindo a acusação sobre a menina de Chapecó, já que a fama
come-ça a lhe trazer problemas mais graves, gente de má-fé. Foi
meio uma época que eu comecei a perder esse tipo de inocência. A
letra fica comprida e Roger não consegue decorar, por isso Santa
inocência não entra no repertório de shows, mas, em Santa Catarina,
tocá-la se torna ponto de honra cobrado pelo público.
Leôspa e Serginho Serra após show em São Paulo, em
1989.
Arquivo pessoal de Serginho Serra/Fotógrafo não identificado Em 15 de janeiro de 1989, o
Ultraje a Rigor repete a dose de show surpresa para lançar Crescendo, só que desta vez o
palco fica no Leblon, no Rio de Janeiro, e pela primeira vez em cima de um trio elétrico.
Como o palco é muito alto, os músicos e a equipe são obrigados a se abaixarem, de
sopetão, para desviarem dos semáforos. As lembranças das cenas trazem riso ao rosto de
Roger, que afirma não ter dado certo, porque as pessoas começavam a andar junto com o
trio e, depois de um tempo, voltavam para a praia.
− Nós não contávamos que fosse tão cansativo e o sol na
cabeça… eu tive um princípio de insolação depois disso, mas foi
divertidíssimo.
Na ocasião, o guitarrista paulistano Wander Taffo31 está na cidade
gravando seu disco solo com os irmãos Andria (baixista) e Ivan Busic
(baterista), que aproveitam para assistir ao show do Ultraje a Rigor.
Andria se lembra que Roger passa mal.
− Compramos remédio pra ele, o Trovão e eu. A gente sempre foi
bastante amigo. Quando rolava show, a gente ia sempre zoar.
Crescendo é uma referência à própria banda que, há sete anos na
estrada, afirma sua evolução com um disco audacioso, experimental.
Ideia que vem mais uma vez da influência direta dos Beatles. A
banda modelo, que durante certo período começa a desenhar o
caminho do experimentalismo com discos como Revolver (1966) e
Sgt. Pepper’s(1967). Roger acha que o público irá acompanhar o
desenvolvimento do Ultraje, que explora outras sonoridades,
inclusive músicas instrumentais, diferentes e com diversas
influências como no início da carreira, mas não é bem isso o que
acontece. No mais, a experiência serve para fazer eles crescerem.
Cai a ficha com relação à WEA. Eles não controlavam muito o que
fazíamos, porque já entregávamos um trabalho que era
potencialmente bom para vender. O primeiro LP foi moldado pela
escolha do público. Lembram da votação no Rádio Clube para
escolher o repertório? No segundo, a gravadora não se importou em
deixar entrar uma música instrumental. Agora, pela primeira vez, o
Ultraje coloca a mão na massa e assina a produção de Crescendo
com Paulo Junqueiro. Sobre seu disco preferido, Roger revela: − Nós
tínhamos essa ingenuidade, inocência de artista de achar que o
público estava preparado para ouvir músicas instrumentais ou
esquisitas. Tem fãs, aqueles de carteirinha do Ultraje, que adoram,
mas nós vimos que não era só isso, que tinha também essa parte do
mercado e que, na verdade, nós achávamos que a gravadora nos
adorava como pessoas. Eles nos adoravam porque nós vendíamos
muito. Então foi o primeiro baque. Depois do Crescendo, nós
notamos que a gravadora já não achava a gente tão bacana. E não é
só uma coisa artística, tinha principalmente a parte de vender e o
disco vendeu bem, mas vendeu menos que o anterior.
Serginho Serra seleciona Crescendo como o disco que contém
seu melhor trabalho como guitarrista. E foi complicado quando ele
não aconteceu, nós ficamos, pô, que chato, né? Mas hoje em dia,
tem muitos fãs que falam que é o disco predileto.
Ainda em 1989, o Ultraje a Rigor faz uma participação especial no
disco Trem da Alegria(BMG). O trio infantil Juninho Bill, Amanda e
Rubinho é produzido por Michael Sullivan, que ao lado do também
compositor, Paulo Massadas, manda a música Jandira para Roger e
o deixa à vontade para adaptá-la ao seu estilo. Eu modifiquei a letra
e a música, então acho que é uma parceria dos três. Jandira é uma
divertida sequência de duplo sentido: Jandira, Jandira, menina
bovina/Eu sou doido varrido por você, meu bem/Jandira, Jandira,
menina bovina/Pareço um bezerrinho quando você vem.

Por que Ultraje a Rigor?


Entre julho de 1988 e dezembro de 1989, os ultrajes usam as
sessões de Crescendo no Nas Nuvens e o estúdio Transamérica em
São Paulo para gravar um disco de covers. É feita uma seleção de
tudo o que tocavam no início da carreira e aproveitam o ensejo para
explicar o nome da banda, com o disco Por quê Ultraje a Rigor?.

As influências são muitas e se torna difícil escolher o repertório,


que fica assim: Os Monstros, Barbara Anne, I Wanna Be Your Man,
Slow Down, NoBody But Me, I Found that Essence Rare, El
Cumbanchero, Runaway, Twist, and Shout, Walk Right Back/Volta
Já, Vem Quente que Eu Estou Fervendo, Let’s Twist Again, Boys,
Dizzy Miss Lizzy, Os Quatro Cabeludos (Os Sete Cabeludos), You
Wondering Now, Slow Down – Versão Gripada, e a primeira
composição do Ultraje, finalmente lançada em um disco: Mauro
Bundinha.
Eles procuram condensar suas influências até no encarte, que traz
os acordes das músicas e, como de costume, todas as letras. A capa
segue a mesma linha dos discos antigos que os músicos guardam de
seus ídolos, apenas com uma foto da banda e, atrás, um texto com
fundo branco . O título,Por quê Ultraje a Rigor? se não fosse pelo
fato de todos perguntarem o porquê do nome da banda,
gramaticalmente estaria errado com o acento, mas, por quê?
Roger recorda que perguntavam muito: “Por que Ultraje a Rigor?”.
− E a gente sempre respondia, mas aí enchia o saco e daí nós
montamos um disco chamado Por quê Ultraje a Rigor? e atrás tinha
a história dessa dú-vida do nome. Nós tínhamos a vã esperança de
que ninguém mais perguntasse.
Rindo para não chorar, ele confirma que até hoje continuam
fazendo a mesma pergunta. Serginho Serra deixa escapar que, na
época, ficava brincando: cada um contava o que quisesse, falava
qualquer coisa para se divertir. Ele e Maurício cortam os cabelos e o
álbum sai em 1990 com uma foto de Paulo Fridman. As expectativas
são superadas e uma parcela de fãs maior do que Roger espera,
aprecia o novo álbum. São vendidas pouco mais de 50 mil cópias,
que para a WEA saíram uma bagatela.
Como o Ultraje lança disco a cada dois anos, eles tentam diminuir
o intervalo para que a banda tenha mais evidência e a gravadora,
maior lucro de vendas. O plano é lançar um disco de covers em
1990; no ano seguinte, lançar um com músicas inéditas; em 1992,
um ao vivo; e em 1993, mais um inédito . Mas compor boas músicas
em quantidade suficiente para preencher um álbum leva tempo e,
para Roger, o fato de estar na estrada fazendo shows também não
ajuda. Já um disco de covers ou ao vivo não traz esses empecilhos.
Acontece que o plano só foi até esse disco de cover, aí o próximo
disco de inéditas não saiu, a gravadora resolveu lançar uma
coletânea que a gente não queria.

Mainstream algoz
Muitas vezes eles não estavam procurando um trabalho
artístico de qualidade. Eles queriam música comercial, para
vender. Toda gravadora procura isso. Se, às vezes, você
apresentava um trabalho que eles achavam que
comercialmente não seria tão vendável quanto o disco
anterior, eles abandonavam mesmo e iam atrás de outros
grupos que dessem esse lucro. Esse é o problema de todas
as gravadoras, até hoje. Elas procuram sucesso imediato.
Não existe a preocupação da qualidade. Hoje, por exemplo,
pra resolver esse assunto, muitos grupos resolveram ser
alternativos, independentes, pra não depender de uma
grande gravadora e ter que fazer sucesso obrigatoriamente.
Então, por isso, acho que no final dos anos 80 começavam
a aparecer os selos independentes para aqueles artistas
que queriam fazer um trabalho de qualidade e não iriam
ficar presos à ditadura das gravadoras.
Kid Vinil
Mas na época, a diretoria da WEA muda e Roger sente um grande
impacto: − A gravadora perdeu o interesse total em nós e até hoje
não sabemos nem explicar bem o porquê. Apesar de nós estarmos
vendendo cada vez menos disco, ainda vendíamos muito disco de
platina e segundo eu soube depois, gente graúda na gravadora não
esperava nem que nós fizéssemos um segundo disco de sucesso.
Com o início dos anos 1990, uma nova leva musical chega às
rádios. Grupos de axé, duplas sertanejas e a lambada ganham mais
espaço. Bandas como a Blitz, RPM e Magazine já não existem, mas
marcam a década anterior e fazem parte do rock intitulado de Anos
80. Automaticamente, as bandas remanescentes do rock brasileiro
têm que se renovar. Os anos de ouro, a euforia, a aposta de
gravadoras e a atenção do público estão passando. Muitos decretam
a morte do rock. O Ultraje a Rigor não faz esforço para se adaptar ao
novo mercado e sofre as consequências. Roger declara: − Porque
não era a nossa intenção, nós continuamos tocando para aquele
público enorme que a gente tinha conquistado desde 1983 e até hoje
vivemos praticamente da nossa integridade, do nosso idealismo. E a
gente tinha esse espírito debochado, zoneávamos com tudo.

Talvez se a gente pegar como base os melhores anos para


vendas e divulgação de discos, pro rock básico dos anos
80, foram de 83 até 86. Na segunda metade da década de
1980, começaram a aparecer novas bandas,
principalmente, de Brasília. Plebe Rude, Legião Urbana,
eram bandas que vinham de uma segunda geração. Ultraje,
Titãs, Ira!, Magazine, Blitz eram de uma primeira geração do
rock dos anos 80. Essa segunda geração que veio, talvez, a
partir de 85, mesmo no Rio Grande do Sul, Engenheiros do
Hawaii, Nenhum de Nós, era uma outra geração que fazia
um rock diferente do rock de São Paulo e do Rio de Janeiro.
E, de repente, começavam a conquistar um novo público,
ficar famosos. As bandas que eram da primeira geração dos
anos 80 já tinham feito o trabalho delas, o público já
conhecia. Queria conhecer coisas novas. A Warner já
procurava investir em outra banda que tivesse o mesmo
peso das bandas de Brasília. Todo mundo tava procurando
uma coisa diferente. Talvez, isso acabou prejudicando o
Ultraje, que de certa forma, dava espaço para outros
grupos. Isso é meio que um processo natural que iria
acontecer, também não dava pra manter sempre. Seria
interessante manter, mas pro tipo de rock que o Ultraje
fazia… os Titãs, talvez, foi mais fácil pra eles porque eles
mudavam de estilo a cada disco, os Paralamas também
conseguiam mudar de estilo e manter de certa forma. O
Ultraje já fazia uma coisa que é o rock básico, que não tinha
como mudar muito, e também não era o que o Roger
pretendia fazer. Por uma opção, eles talvez não tivessem
tido o mesmo resultado, porque coisas novas estavam
aparecendo, quando você tem mais opções, alguém tem
que sair perdendo.
Kid Vinil

Uma baixa importante


Antes do lançamento de Sexo!!, Maurício passa um tempo com
Carlinhos em Los Angeles, onde assiste à cena metaleira e convive
com ela. Animado, adere ao estilo de roupas heavy metal e cabelos
longos. De volta ao Brasil, no show do Hollywood Rock, Cacá Prates
conta que Maurício é imprevisível: − Ele ficou com uma amiga da
namorada do Leo Jaime na época, e ela era americana. Ele desceu
no outro dia na recepção do hotel e falou: − Cacá Prates, eu vou
mudar pros Estados Unidos .
O empresário se espanta, da noite pro dia ele visualizou a menina,
ir morar com ela, casar, pegar o greencard e ficar nos Estados
Unidos que nem o Carlinhos. Mas também conhece o temperamento
do baixista e brinca: o que o Maurício fala, não se escreve. Ele subiu
no quarto, desceu pro hall do hotel, você não sabe o que vai sair.
Maurício se casa com a americana e decide deixar o Ultraje a
Rigor em julho de 1989. Mas a esposa não é o único motivo que o
leva embora do Brasil. Ele diz estar de saco cheio das perseguições,
discriminações, abusos das autoridades e a ignorância do governo. A
situação era uma merda, aí fui embora puto. O baixista chega a citar
expressões como: músicas censuradas e a velha democracia militar,
para explicar sua mudança de vida.
Roger não quer contradizer Maurício e tenta explicar suas
reclamações tão veementes: para nós, o apelido interno dele era
‘Boca’ porque víamos que a boca falava mais rápido do que ele
pensava. O vocalista ri ao lembrar que o amigo exagerava coisas ou
inventava. Seu comportamento, no início da banda, era típico de
roqueiro. Eu não era tanto desse estilo, mas ele e o Carlinhos eram.
Eles bagunçavam tudo. Quebravam objetos dos hotéis onde ficavam
hospedados e, em vez de responderem às perguntas feitas durante
entrevistas, ficavam rindo. Como quando o Ultraje participa do
Programa TV Mix 4, da TV Gazeta, apresentado por Serginho
Groisman. Durante a entrevista, a banda responde às perguntas
normalmente. Até que Maurício começa a interferir falando besteiras.
Roger conta que o apresentador passou um pito nele e esse fato
pode ter gerado uma repressão em Maurício.
No entanto, o público e, inclusive, os jornalistas que os entrevistam
acham engraçado esse comportamento. Roger pondera: − Era até
aceitável e característico de um bando de jovens roqueiros. E depois
de uma certa época, passou a ser mais… pô, vocês já não são tão
jovens, que tanto vocês dão risada? E eu me lembro de realmente
ter acontecido que os caras já não têm mais a mesma disposição
para aceitar as nossas brincadeiras, porque passou de ser
irreverente para ser grosseiro .
Maurício aparenta ter ficado inquieto com a situação . Ele sempre
teve ideias de fazer coisas esquisitas e, anos mais tarde, Roger diz
que pode revelar uma delas, sob o pretexto de que ele melhorou. O
baixista resolveu tirar todas as marcações de referências para os
tons, os trastes do baixo. Quando ele tocava, não colocava o dedo
no lugar exato e a nota saía outra, mas durante os shows, banda e
público não percebiam. Tudo ia muito bem até o dia em que chegam
ao estúdio e vão separar canal por canal. A gente rolava de rir,
contou Roger, em entrevista ao programa Discoteca MTV, em 2007.
O baixista se defende dizendo que, por algum tempo, usou um
Fretless, baixo que vem sem os trastes. Gravou Mim Quer Tocar com
ele, depois:voltei pros trastes, estava confuso nas notas no escuro e
com a fumaça nos shows.
Cacá Prates descreve Maurício como o tipo brincalhão e credita a
eleuma grande parte da alegria do Ultraje. O empresário revela que o
motivo para sua saída da banda começa com uma divergência no
Hotel Quitandinha, localizado em Petrópolis, no Rio de Janeiro, onde
o Ultraje a Rigor se apresenta.
− Ah, porque não pode levar mulher na turnê, não pode não sei o
quê… eu acho que cada um faz o que quer. Todo mundo é adulto
suficiente pra saber se quer levar esposa, todo mundo tem direitos
iguais. Isso foi onde surgiu uma desavença entre Roger e Maurício.
E outras divergências bobas. Depois eu falei com ele, Maurício,
vamos continuar? Mas ele tomou uma posição depois de querer ir
morar nos Estados Unidos, tinha casado. Criou um mundo Estados
Unidos na cabeça dele. Era muito aventureiro, ainda é.
A saída de Maurício representa uma grande mudança no Ultraje a
Rigor. Roger vê a banda se desfazer. Foi um baque muito grande
porque era o tripé inicial. No começo, por ser mais extrovertido que
Roger, Leôspa era o encarregado de divulgar as fitas nos bares e
casas de show, Maurício se fazia notar pelo jeito engraçado e Roger
lidava com a imprensa, dava mais entrevistas, embora os outros
sempre participassem com um pitaco, uma piada ou apenas rindo.
Então eram os três juntos, fazia parte dessa coisa engraçada, um
apoiava o outro, era a turminha mesmo. Foi uma perda muito grande,
além de gostar muito dele. Nós somos amigos até hoje.
Para o ex-integrante Carlinhos, as funções de cada um dos
membros do Ultraje a Rigor também iam além de compor e tocar,
mas eram outras: − O papel que o Maurício exercia, e eu também,
não tinha só a ver com música. O Ultraje, quando estourou, se tornou
uma máquina com uma equipe grande, que era comandada por mim
e pelo Maurício. É o que faz o bom show, o Roger nunca nem viu
isto, ele não saía de casa e não passava o som, nem o Leôspa. Saiu
o Maurício e a equipe não mais funcionou, aí vai tudo por água
abaixo.
Maurício fora, Leôspa casado e com filho, Roger aponta que
estava começando a ficar um pouco diferente. O espírito da banda
foi se perdendo. Serginho Serra tem consciência do tamanho da
perda: − O Maurício era o grande parceiro do Roger. Ele era uma
figura, falava coisas sensacionais. Era a pessoa que mais
influenciava o Roger e tinha mais ideias, acabou uma época, um
período daquelas pessoas, Leôspa, Maurício, o Roger e eu.
Para o lugar vago de baixista, chamam o amigo Andria Busic, que
já tinha participado do Por quê Ultraje a Rigor? cantando e tocando
baixo em algumas canções.
O envolvimento com música do novo integrante começa por
influência do pai, André, que tocou na Traditional Jazz Band,
Brazilian Jazz Stompers e Blue Gang. Por volta dos nove anos,
Andria assiste ao ensaio da Blue Gang e se encanta com o jeito com
que o baixista, Nenê, toca. Eu fiquei louco com o som e falei pro meu
pai:
− O que é aquilo?
− É baixo elétrico.
− Eu quero tocar esse!
Até então, Andria só conhecia o baixo de pau. Mas, a partir desse
dia, peguei o baixo e não troquei por mais nada. Ele tem apenas
cinco aulas com Otávio Fialho, que era um baixista maravilhoso
também. Foi o único professor que eu tive de baixo, depois ele
começou a fazer mais coisas, não deu tempo. A iniciação ao
instrumento está feita, e Andria passa a tocar por conta própria.
Presta atenção na técnica de todos os baixistas que tocam com seu
pai e conta com a ajuda de seu irmão.
Em 1985, com Ivan, Andria entra em sua primeira banda, Prisma,
que depois se torna Platina. Por incentivo do guitarrista Daril Parisi,
começa a dividir os vocais com Sergio Seman. Apesar de cantar
jazz, blues e rock com o pai e o irmão foi meio sem querer que
comecei a cantar. Posteriormente, Andria toca na banda Cherokee,
realiza participações com The Key e com o guitarrista Kiko Loureiro.
Em 1989 ele toca com Taffo, mas topa passar um mês no Ultraje a
Rigor para substituir Maurício. O que juntou mesmo foi o Trovão. Eu
já conhecia o Serginho, o Leôspa, eles são muito engraçados. A
gente morria de rir no show…
Roger pede para Andria fazer a turnê. Eu achei legal pra caramba.
O baixista pergunta: − Como é que vai ser? Passa pra mim o
repertório.
− Ah, não esquenta, não esquenta…
E foi nesse não esquenta até o dia da turnê, quando o novo
baixista recebe os discos, uma lista com as músicas que serão
executadas e um escuta aí e vamos. Ele indaga: Nem um ensaio?
− Não, não precisa.
O primeiro show com o baixista acontece no Espírito Santo, os
ultrajes chegam atrasados ao local. Enquanto Andria está pensando
como será sua performance e como saber o momento certo de entrar
na música, de repente a banda começa a tocar Filha da Puta. Ele
estreia no susto.
Durante a turnê no Nordeste, um show em especial marca Andria,
e Serginho Serra conta o que acontece com o amigo: − Era tão
violento, andar de ônibus e ficar na estrada, fora de casa tanto tempo
que ele ficou doente na primeira semana. Ele caiu de cama, nós já
estávamos vacinados.
O baixista esclarece que não era só ele que não estava
“vacinado”. O Ultraje a Rigor está em Salvador, prestes a tocar na
Concha Acústica, do Teatro Castro Alves. E todo mundo tirando um
barato, porque eu já estava começando a passar mal das comidas
de lá.
− Ééé, num tá aguentando o Ultraje, né?
Andria não responde à provocação, deixa quieto, aí, dito e feito,
parece que foi a boquinha deles.
A apresentação daquela noite acontece em meio a um temporal.
Andria toma muita chuva. Ao final do show, está com 40 graus de
febre e é imediatamente levado ao pronto-socorro. Logo a seguir, o
Ultraje segue para Ilhéus. Durante todo o percurso feito de ônibus,
Andria é medicado. Todo mundo cuidando de mim e tirando barato,
né?
− Falei que você não ia aguentar?
No dia do próximo show, Andria já está se recuperando, e chega a
vez de Leôspa começar a passar mal. O baixista revida: − Nem você
aguenta, tá falando o quê?
Apesar da preocupação com a saúde durante o caminho, hoje
Andria sorri e lembra com saudades que o show foi superlegal. Boas
lembranças também ficaram com seu irmão Ivan, que às vezes ia ao
encontro dos ultrajes e acabava dando canja na bateria. Ele se
diverte com a história da seriema, e diz que não tem mais costas
para encená-la. A banda costuma chamar ao palco Ivan, para
encerrar os shows. Ele estufa o peito, empina o traseiro e sai
correndo como se estivesse batendo asas para imitar uma seriema.
Serginho Serra e Andria num elevador em Salvador, em
1989.
Arquivo pessoal de Serginho Serra/Fotógrafo não identificado Certa vez, Andria volta para
São Paulo a fim de ensaiar com Taffo e convence Leôspa a viajar de avião com ele. Na
retomada à turnê do Ultraje, eles embarcam rumo a Belém. E Andria abre o jogo: − Mas foi
uma coisa muito engraçada porque ele morre de medo, como todos os outros da banda. O
Roger não anda mesmo de avião. Eu também não sou assim um fã de ficar andando de
avião. Prefiro ir de ônibus, mas quando tem que viajar para fora não adianta, senão de navio
leva 15 dias, de ônibus não tem como ir. Então, tem que pegar avião, acho até legal às
vezes, mas tem dia que fico cabreiro.
Quando chegam no aeroporto de Congonhas, a chuva anuncia
que o tempo fechará. Eles entram no avião. São seis horas da tarde
e já estava como se fosse meia-noite, escuro demais. Durante a
decolagem, dentro do avião, um grande silêncio cria um clima de
tensão. Os comissários estão sentados, não à vista dos passageiros.
De repente o avião começa a chacoalhar. Leôspa imediatamente
pede uísque a Andria, que já não tem mais a bebida.
− Eu esqueci o uísque que ele me deu pra guardar. Eram as
garrafinhas que ele pegava um monte, me dava, e pegava mais, aí
eu guardava pra ele, só que eu deixei na outra jaqueta, aí ele ficou
puto.
A turbulência continua e o pânico aumenta com um raio que quase
atinge o avião. Andria se lembra de ouvir uma explosão e muitos
gritos, além de um relâmpago que toma conta do espaço com um
azul claríssimo, como se fosse um flash.
Leôspa segura a mão do amigo e volta a perguntar: − Pô, cadê o
uísque?
− Eu não tenho, acabou!
− Eu vou te matar!
Andria procura alguma aeromoça. Queria perguntar o que estava
acontecendo. E tinha que ser justo na viagem dele. Leôspa começa
a suar, fica inquieto e quer descer.
− Eu preciso de alguma coisa, eu quero um anestésico, qualquer
coisa…
Mesmo assustado, Andria tem um acesso de riso ao olhar para o
amigo, que pensa que o avião pode cair a qualquer momento. Eu já
estava falando, você também só traz mau agouro, né? Eu comecei a
ficar preocupado. Chamei a aeromoça, nenhuma aparecia, eu falei,
pronto! Deu merda. Aí eu não falei nada, senão o cara morria de um
ataque do coração do meu lado.
De repente tudo volta ao normal e aparece a aeromoça avisando
que um raio caiu. Foi um raio que caiu, e você está falando assim,
normal?
A viagem continua e Leôspa só consegue pedir uísque para a
aeromoça.
Andria nunca mais se esquece dessa viagem e conta a promessa
do baterista quando eles chegam em terra firme novamente.
− Agora sim, eu nunca mais viajo de avião.

Com essa formação, o Ultraje a Rigor entra em estúdio, no Rio de


Janeiro, para imortalizar O Chiclete com um clipe, sob a direção de
Boninho. Durante a gravação, nenhum deles consegue ficar sério,
cada ideia que surge é motivo para um zombar do outro. Andria se
diverte: a gente lançava umas ideias imbecis, mas acabava rolando,
porque a maioria das ideias imbecis são engraçadas. Uma delas é
quando editam a cena gravada ao contrário. Quando os ultrajes
pulam da mesa para o chão aparece de trás para frente, como se
tivessem voando para cima da mesa.
Outro motivo que traz riso à face do baixista é lembrar do
comportamento de Serginho Serra.
− Cada show, ele acabava muito louco, jogando garrafa no chão.
Vou sair da banda! Daí, o Roger: então, sai. Era sempre igual, aí
começava aquela briga, de repente tava tudo bem. Era muito louco.
E não se tratava de uma brincadeira, Serginho Serra explica que
fa-lava sério. Em 2008 ele analisa que era imaturo e, na ocasião,
morava longe de casa, em São Paulo, por isso, passava muito tempo
longe da família e dos amigos mais íntimos.
− Era muito novo e eu tinha esse conflito de que fazia músicas que
não tinham nada a ver com o Ultraje. Então, ficava muito insatisfeito
de não dar vazão a isso, mas eu sabia que a banda não era o canal
pra essas músicas que eu fazia. Hoje em dia eu percebo, poderia ter
resolvido isso numa boa. Coisa de garoto mesmo e muito
desgastado pelas viagens e birita.
Um mês passa e Andria quer continuar no Ultraje, porque estava
curtindo fazer shows, mas o tempo combinado é em função de
conciliar os compromissos com as duas bandas em que toca, pois
nesse período há poucos shows com Taffo. Eu não queria pisar na
bola do outro lado, em que já tem apresentações agendadas, mas
que depois não acontecem. Acabei sendo prejudicado pelo Taffo no
Ultraje, porque eu deixei de fazer vários shows pra voltar na
incerteza. Mas isso acontece na vida de qualquer músico, é normal.

Para continuar na estrada, chega um outro amigo, o baixista


Osvaldo Luiz Fagnani, mais conhecido como Osvaldinho, que recebe
um ultimato de Leôspa para integrar o Ultraje a Rigor. A dupla Roger
e Leôspa já o conhece desde 1972, quando eles se esbarram no
Festival Interno do Colégio Objetivo (FICO) e no Som dos Alunos do
Colégio Objetivo (SACO). Roger sempre foi popular, desde criança.
Osvaldinho tocava nesses festivais. Posteriormente, o Ultraje
encontra com o baixista nos bastidores.
Osvaldinho nasce em 9 de novembro de 1956. Além da idade, tem
uma história parecida com a de Roger. Desde os três anos, ele ouve
música clássica, influência de sua mãe, Maria Augusta Fagnani, que
toca piano. Em 1965 ele ouve Beatles e ainda não consegue
compreender a grandeza do movimento musical que existe no
mundo na época. Mas, daí em diante, se envolve com o som
definitivamente.
Ele quer tocar bateria, e o pai, Osvaldo, proíbe. Então, começa a
aprender piano com a mãe. Aos 14 anos, também estuda baixo para
poder participar de alguma banda, pois não sabe violão, tampouco
guitarra.
Suas influências aumentam com Rolling Stones, Animals, Led
Zeppelin, Grand Funk Railroad e Beach Boys. Este último, só foi
começar a conhecer melhor e comprar os discos depois da década
de 1970.
Em 1972, Osvaldinho já compõe. Participa do Premê, com Mario
Manga, Wandi, Claus, Marcelo Galbetti e Azael, além tocar com Raul
Seixas e com a cantora Célia. Fiz trocentos bailes, bares.
Em 1977, após sair do Premê, Osvaldinho monta um dos primeiros
estúdios de gravação em São Paulo. Depois, em 1987, monta o
segundo estúdio. Quando Maurício sai do Ultraje, Leôspa liga para
Osvaldinho: − Você vai entrar, não tem jeito, pode vir aqui…
E ele fica em dúvida. Teria que se dividir entre o estúdio e a banda,
mas aceita a intimação. Como já se conhecem há um bom tempo, há
um entrosamento espontâneo, lembra Osvaldinho: − Não teve
nenhum ensaio. Falaram: as músicas são tais, dia tal tem show.
Roger, Leôspa, Serginho Serra e Osvaldinho caem na estrada por
cerca de mais de um ano. Até que os interesses dos músicos deixam
de ter a mesma prioridade. Serginho Serra quis sair da banda
quando Maurício partiu, mas acabou ficando. Sentia falta do
Maurício. E esse é um dos momentos mais difíceis para o guitarrista:
− Conversei com o Roger. O Leôspa ficou mais chateado no último
show, mas o Roger deu a maior força, ele até falou: olha, eu fiz o
Ultraje com 28 anos, faz o teu trabalho. Ele queria que eu ficasse,
mas daí eu saí e estava com 25 anos.
Serginho Serra quer formar uma outra banda, o Telefone Gol, com
o amigo Dé (baixista), Nani Dias (guitarrista) e Kadu Menezes
(baterista) e volta para o Rio de Janeiro, sem perder contato com o
Ultraje a Rigor.
Em 1990, Osvaldinho prefere voltar a trabalhar no seu próprio
estúdio.
− Nessa época, tinha muito show e a exposição na mídia era muito
forte. A gente fazia muito SBT… saía 25 dias… era muito puxado,
ficava fora do mundo. E pra dizer a verdade, a minha esposa fez
uma certa pressão também para mim… sabe como é que é? Ficava
totalmente fora do estúdio, fora da família.
A história do Ultraje a Rigor volta ao ponto de partida, à dupla
Leôspa e Roger: o meu próprio cérebro bloqueava a informação de
que na verdade eu não tinha outra opção. Mas eu preciso continuar
com a banda e o Leôspa estava a fim, mas meio que empurrando
com a barriga. Algumas vezes, começa o bis do show, Roger olha
para trás e o roadie está tocando bateria. Leôspa já está no carro a
caminho de São Paulo para ficar com o filho.
Roger sente a necessidade de abrir o jogo com o batera, que além
de ser um membro fundador da banda, era meu amigo. Há a
possibilidade de chamar um guitarrista e um baixista e continuar,
mas, apesar da dificuldade, ele encara a conversa: − Ó, vou
continuar sozinho ou, se você não concordar, vou sair da banda,
você vai ficar com o nome.
Não há muitas opções para Leôspa que, cansado, resolve se
aposentar.
− Conversando com o Roger, achei legal ele montar outra
formação e seguir adiante. Ele disse que queria continuar com o
nome Ultraje a Rigor que era de nós três. Concordei e disse para
falar com o Maurício, que naturalmente também concordou.

Roger, Osvaldinho e Serginho Serra durante show em Belo


Horizonte, MG, 1989.
Arquivo pessoal de Serginho Serra/Fotógrafo não identificado Roger expõe que a falta de
responsabilidade dos músicos se tornou um problema irritante, que comprometia a
qualidade do som.
− Os nossos shows podiam ser bons ou não, porque um podia ter
bebido, o outro podia ter passado a noite em claro. Começamos a
ficar cada um num clima. Então, chamei pessoas que eram muito
profissionais nesse sentido.

À caca da nova formação


Em 20 de outubro de 1990, o Grupo Abril e a Viacom trazem a
versão nacional da emissora pioneira, dedicada 100% à música.
Nasce a MTV Brasil – uma grande aliada das bandas de garagem
aos artistas já consagrados pelo público. Os anos 1990 ganham o
plus da imagem em movimento e o Ultraje a Rigor, novos membros.
Roger toma uma das duas decisões mais difíceis em toda a sua
carreira e também parte em busca de uma renovação. Ele passa
meses frequentando diversos bares à procura de músicos de bandas
undergrounds. Certa vez, Roger sai de casa disposto a assistir à
banda de seu irmão, Trovão, e aproveita para conhecer o trabalho de
um baixista, Mano, indicado a ele por Cacá Prates.
O show acontece em 1991 na Barra Funda, no consagrado Projeto
SP. Como o vocalista chama muito a atenção, ele prefere ficar num
cantinho. Quando termina o show da banda de seu irmão, começa a
apresentação da banda Nem. Roger acaba gostando, mas do
baterista. A seu pedido, Cacá Prates fala com o músico depois do
show, conta que Roger está à procura de novos integrantes e pede
para que ele vá à casa do vocalista do Ultraje para conversarem.
O baterista em questão é Flávio Soares Suete, ele tem 20 anos.
Fui lá na casa do Roger, aí ele me convidou pra entrar no Ultraje. O
pai de Flávio, Clóvis Soares Suete, é músico, daí a primeira ligação
desde criança. Ele o ensina a tocar piano e, aos oito anos, leva o
filho ao seu estúdio de gravação. Flávio vê um baterista tocando e se
encanta com o som.
Esse mesmo baterista começa a ensiná-lo o básico do
instrumento. Com nove, eu tinha a minha bateria, meu pai teve que
montar, não teve jeito. Clóvis compra uma bateria nova para o
estúdio e Flávio fica de olho na velha: aí eu fiquei enchendo o saco
do meu pai. Até que ele decide reformar o instrumento para o filho.
− Ela estava meio ruinzinha, mas os meus tios, Cláudio e Clomildo,
me ajudaram. Colocamos fórmica em volta dela, compramos pele
nova, arrumamos a bateria inteira.
A primeira banda de Flávio é a Paradoxo, em que tocam covers,
inclusive do Ultraje a Rigor, em festas de aniversário. No início da
adolescência, ele conhece um futuro amigo e integrante da
Paradoxo, Sérgio Luís Graciano Petroni, ou Serginho. Os
adolescentes ensaiam na garagem da casa de Flávio. Moleque,
assim de brincadeira.
Aos 16 anos, o baterista entra na banda Nem, a primeira de som
próprio, quando alguns amigos do bairro o chamam para ocupar o
lugar vago. Como ele ainda é menor e os outros integrantes são
maiores de 18 anos, ele não pode tocar em barzinhos. Eu me
escondia, porque sempre tinha juizado na época, até a hora do cara
ir embora pra eu poder tocar de noite.
Posteriormente, o baterista entra para uma banda especializada
em covers de Frank Zappa, o The Central Scrutinizer Band, que
existe até hoje.
O novo baterista também é fã dos Beatles e recorda que esse é
um dos quesitos para entrar no Ultraje, mas seu grande ídolo na
adolescência. Ele sonha ser como o baterista da banda britânica,
Stewart Copeland. Tocava igual a ele, com a baqueta virada, aí mais
pra frente, Frank Zappa, que é até hoje, pra mim, uma influência não
só musical, mas a ideologia dele como músico é o que me guiou
desde que eu era moleque.
Flávio faz o primeiro ensaio na casa de Roger. Só os dois no
porão, onde existe um estúdio de gravação. Eu conhecia todas as
músicas do Ultraje, ele ficou impressionado. Não precisa nem
ensaiar, só botar no palco que já sabia todas, porque eu fazia cover
desde moleque.
Para ajudar a completar o time, Flávio indica um baixista: − Olha,
tem um cara que é amigo meu de infância, a gente toca junto há
muito tempo.
Como Roger também gosta muito de Frank Zappa, assiste ao
show do Scrutinizer, num tradicional espaço de São Paulo, o
AeroAnta, em 1991. Quando acaba o show, Roger sobe ao palco e
convida Serginho Petroni para integrar o Ultraje a Rigor. Aos 20
anos, o baixista fica em dúvida, pois no momento está envolvido com
sua carreira acadêmica, e música é só um hobby. Responde que vai
pensar na proposta.
Flávio não aceita que ele recuse: − Como assim, não? Lógico que
você quer, vai tocar junto comigo, vamo tocar no Ultraje!
Serginho Petroni reconhece, ninguém acredita que eu falei isso na
hora. Duas semanas depois, ele liga para Roger: − Aquela proposta
ainda está de pé? Acho que eu vou aceitar.

O recém-chegado Serginho Petroni começa a tocar violão junto


com o irmão, José Cláudio Petroni, quando são crianças. O músico e
tio, Gabriel Petroni, ensina os dois. Serginho Petroni também
aprende um pouco de bandolim e chorinho com o tio.
Aos 10 anos, o irmão ganha uma guitarra. Para acompanhá-lo,
Serginho Petroni toca baixo, um Rickenbacker preto, presente do pai.
Nós fazíamos uma dupla em casa, na brincadeira. E assim, os
irmãos vão se desenvolvendo, sempre ouvindo muita música.
Beatles são seus grandes ídolos, e o músico que mais o inspira é o
baixista do Red Hot Chilli Peppers, Flea.
Além da banda Paradoxo, Serginho Petroni toca com uma turma
de amigos que até hoje são músicos, alguns deles são de sua
formação no Scrutinizer, sua primeira banda profissional: Flávio,
Mano, Bauer, Cadu, Juliano Becari, Iugo Rori e Rainer.

A impressionante profecia e uma


coincidencia metaleira
Com a “cozinha” completa, começam os ensaios e a procura por
um guitarrista solo. Depois de alguns testes, Roger decide colocar
um anúncio na rádio Brasil 2000, que alguém nunca mais
esqueceria.
O guitarrista Heraldo Veridiano dos Santos, que assina
artisticamente como Heraldo Paarmann, está em casa ouvindo a
rádio. De repente, o locutor anuncia: − Atenção, guitarristas! Depois
do comercial, nós temos uma notícia fantástica pra vocês!
Heraldo imagina que a Brasil 2000 provavelmente sorteará uma
guitarra. Ele está indo tomar banho, mas espera para ouvir a
novidade. Quando o locutor volta, informa que o Ultraje a Rigor está
procurando por um guitarrista. Heraldo se espanta: Caraca! o Sérgio
Serra saiiu? Ele começou a prestar mais atenção no Ultraje quando o
guitarrista carioca entrou. Porque aí eu falei, agora o Ultraje tem um
guitarrista que tem a ver com a banda.
Até esse anúncio, não foi divulgado que o Ultraje estava passando
por uma reformulação quase total. Heraldo chega a cogitar que a
banda está acabando, porque até então, só sabe que Leôspa e
Maurício também saíram. O locutor anuncia um número para que os
interessados possam entrar em contato. Heraldo anota e vai tomar
banho. Mas, ah, o mundo vai ligar lá.
Pouco depois, Heraldo tenta ligar. Chamou de prima. Ele pensa:
eu tenho uma puta sorte ou ninguém tá ligando, né? Do outro lado da
linha, o produtor atende, um cara mó durão:
− Quem é você? Que que você gosta? Que que você tem? Que
que você faz? Quanto tempo você toca? e blá blá blá…
Heraldo responde a tudo e aguarda um possível retorno de Roger,
caso o vocalista gostasse das respostas. O candidato à vaga de
guitarrista ainda avisa alguns amigos que estudam com ele da
oportunidade, pois se um deles conseguisse entrar, já seria ótimo,
mas um acha que não tem a ver com a banda, outro não gosta do
Ultraje, outro está trabalhando, conclusão: um mês depois, Roger
liga. A mãe de Heraldo, Miriam Paarmann dos Santos, atende. Ela se
vira para o filho tampando o bocal do telefone e sussurra: É o Roger!
É o Roger!
Heraldo atende. Conversa vai, conversa vem, ele fica sabendo que
Roger está produzindo em seu estúdio a banda de trash metal
Korzus. Por coincidência, o vocalista do Korzus, Marcelo Pompeu, é
amigo de infância de Heraldo. A mãe dele trabalha na Mesbla,
mesma empresa em que seu pai, Gerson, era gerente administrativo.
Puta ironia a gente conhecer o mesmo cara. O telefonema continua e
Heraldo diz que gosta do Led Zeppelin, que é sua banda de
cabeceira. Roger responde: é difícil encontrar guitarrista que gosta
do Led Zeppelin.
− Eu tinha acabado de fazer 21 anos, então ele achava muito
estranho moleque gostar disso, e eu já gostava há muito tempo,
desde os 13 anos que eu ouvia Led, todo dia.
Roger convida o guitarrista para ir ao estúdio assistir à gravação
do disco Mass Illusion, do Korzus. Chegando lá, eles aproveitam e
um fica analisando o comportamento do outro. Combinam de marcar
um ensaio com algumas músicas do Ultraje a Rigor. Roger se
surpreende quando Heraldo avisa que está pronto: − Nossa, já?
− É, meu, vamo que vamo.
− Não. Pera aí, tem uns caras que tem que testar, depois eu te
ligo.
Quando Roger retorna para marcar o ensaio, Heraldo fica
imaginando que se o baterista e o baixista tocam Zappa, deve ser
legal tocar com eles, que o Ultraje vai ser outra banda e vai para o
teste com esse foco: pelo menos se não rolar nada, eu toquei com os
caras, né? Ele termina o ensaio e Roger avisa: − Se rolar alguma
coisa, conforme for, eu te ligo, mas não fica se enchendo de
expectativa…
Isso já estava nos planos de Heraldo e ele acha que essa história
acaba ali. Eu sempre fui muito pé no chão, eu aprendi a ficar com o
pé no chão. Então, ele não liga mais para Roger para não causar má
impressão, pode parecer uma cobrança e acabar irritando o líder da
banda. Mais de um mês depois, Roger retorna: − Então, a gente
queria fazer um segundo ensaio, só pra ver um pouco melhor, e a
gente queria gravar esse ensaio.
Heraldo está ansioso e pergunta se houve muitos testes com
outros guitarristas. Aí que bateu, porque ele falou:
− É, a gente tá meio na dúvida entre você e um cara.
Caramba, eu sou finalista!, pensa Heraldo. E novamente ele vai
sem pretensão alguma: se não rolar nada, eu toquei duas vezes com
os caras.
A essa altura, muitas pessoas já sabem que o Ultraje precisa de
um guitarrista e chovem telefonemas de pretendentes. Depois de
testar muitos deles, Roger está cansado. Ao todo, foram testados 40
guitarristas, um por um. Está na hora de decidir.
Após os ensaios, os candidatos vão embora e os três integrantes
costumam trocar impressões sobre as performances. No momento
em que Heraldo chega ao teste, eles percebem. Ele tocava muito
bem, tinha agilidade e uma habilidade na guitarra que impressionava
mesmo, lembra Serginho Petroni. E depois do segundo ensaio de
Heraldo, assim que ele sai, baixista e baterista viram para Roger e
falam: meu amigo, esse é o cara! Roger lembra que tem outro
candidato que é bom… Eles insistem: esquece dos outros, é ele.
Quando chega em casa, o pai de Heraldo pergunta: − Cadê meu
fone?

Ele leva junto com um pedestal para o ensaio na casa de Roger e


esquece lá. Dias depois, o colega de trabalho, Carlinhos Borba Gato,
liga para o guitarrista perguntando sobre o pedestal.
Heraldo fica muito preocupado imaginando que Roger vai achar
que ele esqueceu de propósito. Ai cacete, quer ver que o cara vai
achar que eu manipulei a situação só pra voltar lá?
Para resgatar o equipamento, ele pede ajuda à namorada, Simone
Carneiro. O plano é ligar para Roger, avisar que precisa buscar o
fone e o pedestal. Eu vou passar assim como um furacão, avisaria
Heraldo . Logo após entrarem, Simone deve ficar atrás dele
insistindo para irem embora porque ela ainda precisa passar na casa
de uma tia. Eu entro, pego e saio fora pra ele não achar que eu tô
forçando uma barra. Porque com você do meu lado me enchendo o
saco, ele vai entender que aquilo é de verdade mesmo.
Simone concorda: Ah, tá bom. Eu tenho que encher o saco?
− Tem.
Chegando à casa de Roger, eles descem até o estúdio, Heraldo já
sabe onde tinha deixado o equipamento. Pega suas coisas e Simone
começa: Meu, vamo embora, vamo embora! Vamo embora! O
guitarrista agradece e pede desculpas pelo incômodo. E Simone
representando: Meu, vamo! Vamo! Vamo! E sai correndo em direção
ao carro.
São entre 23h e 23h30. Heraldo está quase se despedindo nessa
noite de fevereiro de 1991, quando Roger indaga: − Mas você tem
que ir embora mesmo?
− Tenho!
− Pô, precisava conversar com você.
Heraldo para. E muda o discurso: Simone, espere um pouco!
Roger não percebe o que eles estão tramando.
− Não, queria conversar… uns assuntos aí a respeito do ensaio…
− Então, eu preciso levar ela na casa da tia dela. Aí, na hora que
terminar o lance, eu volto. Você dorme tarde?
− Ah, eu vou dormir quatro horas da manhã.
Heraldo volta para a casa de Simone e fica roendo as unhas: será
que já deu o tempo? Quanto tempo será que a gente vai ficar na
casa da sua tia? Quando é meia-noite e meia, ele liga para Roger: −
Posso ir aí?
Roger pergunta se já terminou o compromisso. E eu lá mordendo a
testa, né? De desespero.
Heraldo volta à casa de Roger, entra novamente no estúdio e
recebe a notícia de que é o escolhido. O novo integrante do Ultraje a
Rigor pergunta onde é o banheiro e tenta se conter até estar com a
porta fechada. Lá dentro, com o coração a milhão, ele solta um grito
contido por uma toalha de rosto: Yes, entrei pro Ultraje! Imagina o
estado de choque. Nossa, e agora, o que eu faço com isso? Fiquei
meio doido. Em seguida, ele se recompõe e se inteira com Roger
como as coisas funcionam dali para frente.
Além do fato de entrar para uma banda famosa da qual ele gosta,
Heraldo tem um outro motivo para ficar em estado de choque. Como
ele mesmo diz: a coisa mais louca disso tudo.
Há seis anos, dois amigos de Heraldo que não se conheciam,
falam que ele é bom guitarrista e deveria tocar em alguma banda de
rock nacional. Acho que isso o Roger nem sabe. Em 1985 uma
amiga, Tereza Szcypula, costuma dar pequenas aulas de violão para
Heraldo. Ela também o incentiva a tocar na igreja para aprender a
encarar um público grande. Ela diz: pô, você tinha que tocar no
Ultraje, mas Heraldo ironiza.
− Como é que eu vou tocar no Ultraje? Eu ligo pro Sérgio Serra lá
e falo: sai da banda porque eu quero entrar. Porque a minha amiga
falou que eu tenho que entrar pra banda…
Ela nega e diz que Heraldo tem que dar um jeito. E ele brinca.
− Ah, vou lá na casa do Roger e digo: oi, Roger. Sou guitarrista, ó,
tira o Sérgio Serra e põe eu, porque a minha amiga falou que eu
tenho tudo a ver com vocês.
Passados alguns meses, Heraldo está andando na rua e o vizinho
Alvaro o encara, chama e diz: eu estava aqui pensando, você tinha
que entrar pro Ultraje.
Os profetas acertam na mosca. Aí, eu entro no Ultraje, esses dois
vieram na cabeça na hora, né?

A maior influência musical de Heraldo começa em casa, muito


cedo. Seu pai gosta de rock, veste roupas pretas, usa topete, anda
em gangue nos anos 1960 e ouve música romântica: Nelson
Gonçalves e Paul Anka. Até o dia em que conhece sua esposa, a
futura mãe de Heraldo lhe mostra o disco Rock Around the Clock, do
Bill Haley and the Comets, em 1969. Heraldo lembra de dormir ao
som de Beatles, Elvis e Bill Haley quando criança. Então, com três
anos, eu já estava acertando umas panelas da minha mãe.
Posteriormente, o pai de Heraldo consegue instrumentos através
da Mesbla e forma uma banda de covers que toca nas festas da
empresa. Ele canta Creedence Clearwater Revival, Beatles, Elvis,
Chuck Berry e outros. Um dia aparece uma bateria abandonada no
trabalho de Gerson. Ele fez um rolo, pegou a batera, eu sentei e
comecei a brincar, quando fui ver comecei com seis anos, recorda
Heraldo, que já tocava em fanfarra como spalla (instrumentista
principal de uma orquestra ou banda), eu era o cara que dava aula
de caixa, já com sete, oito anos.
Por causa do punk rock, aos 12 anos Heraldo começa a tocar
guitarra. Tinha mais ou menos a mesma filosofia, pega um
instrumento, monta uma banda e toca.
A primeira banda chama-se Raios de Sol, um mimo. Depois toca
na Seda Fina, que muda para Seda Pura. Eu era um moleque de 12
anos no meio de uns marmanjos de 18 anos. Ingênuo, depois que eu
fui entender que era tudo relacionado com maconha. A seguir,
Heraldo tocou numa banda psicodélica, a Cristal Azul e em uma
outra de covers do Led Zeppelin e do Queen, Ello Cover Rock Show.
Essas eram todas bandas de bairro. A primeira banda mais
profissional é a Axis, produzida por Carlinhos Borba Gato, que
posteriormente o chamaria para participar da Banda de Rodagem,
em 1989, quando Heraldo tem a oportunidade de tocar com Netinho,
Manito e Nenê dos Incríveis, Tony Campello, Wanderléa e Rosemary.
− Eu estava participando de tocar ativamente tudo que eu ouvi,
porque eu sabia tocar, mas não nessa profundidade. Estava
tecnicamente mais adiante, e dei uma pulada numa etapa, conhecia
tudo, nunca tinha tocado intensamente, foi muito louco. Aí, quando
chegou a oportunidade de fazer o teste lá no Ultraje, parece que eu
estava domado assim, porque parece que eu tive que dar uns
passos para trás para entender um monte de coisa.
Ainda em 1989, passeando pela Expo Music, Heraldo se depara
com Roger no estande da Dolphin. E nesse estande estava
passando um outro guitarrista que eu admirava, fui lá conversar com
ele e o Roger passava pra lá e pra cá e todo mundo em cima do
cara. Estava muito próximo e ao mesmo tempo muito longe, pois não
tinha assunto para chegar e conversar, não o conhecia. Quando que
eu ia imaginar que eu ia tocar com o cara?

O entrosamento
Baterista, baixista e guitarrista escolhidos a dedo, é hora de
ensaiar. Serginho Petroni e Flávio já eram amigos, fora isso, ninguém
ali se conhece. Roger está com 34 anos, não tem amizade com
nenhum dos três. Heraldo entende que está vivendo uma relação
profissional que tem que funcionar.
− Mas eram pessoas muito diferentes umas das outras. O Roger é
um cara assim, muito metódico, sistemático e ele quer fazer as
coisas com muita previsão. Então, ele ficava um pouco tenso.
Será que eu tô fazendo a coisa certa? Peguei um bando de
moleque pra tocar comigo, como é que vai ser o bom senso, a
maturidade? Heraldo imagina que essas perguntas devem ter
passado pela cabeça de Roger, mesmo sendo sempre muito
brincalhão, Roger é um cara tímido. Ele se reserva.
Até Roger começar a ficar mais à vontade, mais brother, demorou
mais ou menos dois anos. E Heraldo entende que isso é normal, por
causa da fama, que não permite que o músico saia na rua sem
causar alvoroço. Eu acho que isso deixou o cara mais desconfiado.
Durante três meses, eles ensaiam três vezes por semana. Heraldo
lembra, tirando música que não acabava mais. Parecia Ultraje cover
com o Roger cantando.
Serginho Petroni faz uma comparação para explicar como as
coisas funcionam: − É uma coisa engraçada, uma banda não nasce
assim: vamos juntar quatro pessoas e, a partir de amanhã, é uma
banda. Demora. É como num time de futebol, é preciso um tempo
para haver aquele entrosamento entre os jogadores, quando um toca
a bola, o outro já sabe que vai receber ali na frente.
O baixista não sabe precisar quanto tempo leva para eles ficarem
afiados, mas no mínimo uns seis meses, para começarmos a tocar
sem precisar olhar um para a cara do outro. Enquanto isso, Roger
grava a música e o clipe Encoleirado, também título do quarto álbum
de Supla. Produzido por João Barone no estúdio Voz do Brasil e
lançado pela EMI.

A consolidação do Lider
Com essa nova formação, nasce um marco no Ultraje a Rigor. Até
1991, Roger é o principal letrista, costuma ser quem responde as
entrevistas (pelo menos seriamente, dentro do rigor da banda), lida
com a gravadora e peneira todas as sensações, ideias, brincadeiras,
visões dos integrantes e transforma em músicas. A partir do
recrutamento dos novos integrantes, ele assume de vez a função de
líder.
Por ser o vocalista, Roger tem um ângulo de aparição central e
maior que os demais músicos. É comum o público identificá-lo como
o líder da banda. Assim como acontece com Herbert Vianna, Frejat,
Paula Toller, Renato Russo e tantos outros. Para Cacá Prates, a
reformulação dentro do Ultraje é um rumo que ele tenta, mas não
aceita.
− O Roger era o divisor de águas. As pessoas lembram dele
porque sempre aparecia na frente, mas o Ultraje sempre foi todo
mundo pensando. O Roger achou que queria fazer uma coisa
diferente, que eu acho que foi um erro, a atitude dele foi impensada,
talvez. A essência do Ultraje é toda ela, são os quatro: Leôspa,
Roger, Maurício, Carlinhos ou Serginho. Essa era a formação que
tinha que perpetuar. O nome é de todos. Eles abriram mão… eu não
sei por que também. Se fosse eu, não abriria, não compactuaria com
mudanças.
A primeira aparição do novo Ultraje a Rigor acontece no Domingão
do Faustão, da Rede Globo, em abril de 1992. Roger está uma pilha.
Em breve, eles entram ao vivo para fazer a estreia. Heraldo lembra
esse show.
− O Roger tava nervosaço. Imagina a responsa do cara. A banda
simplesmente desmonta, ele monta outra banda, vai no Faustão
mostrar se ele acertou ou errou. Difícil, né?
Durante a passagem de som, Flávio está mexendo na bateria,
Serginho Petroni regulando o baixo e Heraldo acertando a guitarra
quando Roger puxa Sexo!! Embora o vocalista ache que os três
estão em atenção máxima com ele, como relata Heraldo, eles não
estão. No momento em que percebem, começam a tocar, mas daí já
haviam são pegos de surpresa. Iiih, o cara tá tocando e a gente saiu
tocando atrás. E ficou uma merda. Roger vira-se para os três: − Que
vocês estão fazendo? Vocês estão amarelando? Pô, a gente tem
uma apresentação marcante daqui a pouco.
Serginho Petroni, Flávio e Heraldo não entendem nada. Roger diz
que ensaiaram tudo e que eles não podem deixá-lo na mão. Passou
o maior recibo, percebe Heraldo. Calma, vamos começar de novo
que vai dar certo. Roger puxa novamente a música, e eles
acompanham perfeitamente.
Mas o nervosismo não acaba aí. Já no palco, Faustão pede para
relembrar os velhos sucessos. Roger começa Marylou e, na hora que
deveria cantar, ele meio que assopra no microfone eu tinha uma
galinha…
O erro é engraçado e serviria para que os outros músicos da
banda zombassem dele toda vez que demonstrasse uma ponta de
nervoso. Durante um close, percebe-se tremer o rosto de Roger.
Heraldo conta que depois da apresentação-teste, aí, pronto. Agora o
pessoal curtiu. Coitado, né? Muita responsa, não sabe com quem tá
tocando, é foda. Na estrada, o vídeo da primeira apresentação no
Faustão seria assistido muitas vezes, só pra ver ele errando, revela
Flávio.

A caminho de Ourinhos
O primeiro show acontece em Ourinhos, interior de São Paulo.
Flávio sente um certo medo, ansiedade com relação ao público. Ele
fica em dúvida se vai haver uma boa receptividade e tem medo de
que os fãs de Leôspa não se importem se ele é ou não um bom
baterista, mas aconteceu ao contrário. Foi o maior susto que eu levei
na minha vida. Ao saírem do hotel em direção ao local do show,
Flávio acha estranho. Eles têm de ser transportados dentro de um
camburão da polícia. Conforme vão se aproximando do lugar onde
se apresentariam, milhares de pessoas vão aparecendo, gritam e
começam a bater no vidro. Aquilo pra mim foi uma coisa absurda. Ele
pensa que vai morrer ali.
Próximo ao palco, existe uma cabine de acrílico de uma rádio que
está fazendo transmissão ao vivo. Os ultrajes entram. Em volta,
cerca de 10 mil pessoas cantam todas as músicas. Esse momento é
tão impressionante que Flávio não lembra detalhes do show, só da
multidão e fica imaginando.
Roger, Flávio e Serginho Petroni descansam no hotel de
Ourinhos, SP, para o primeiro show da nova formação,
1991.
Arquivo pessoal de Serginho Petroni/Fotógrafo não identificado − Muita gente passa a
carreira inteira, a vida inteira tentando tocar, e fica tocando em barzinho e é músico bom e
nunca sentiu isso que eu tô sentindo agora com 21 anos. Quer dizer, não tinha uma carreira
de músico, tinha uma banda, de repente entrei no top e vendo aquela galera, cantando e
gritando, foi indescritível. Fiquei meio bobo.
Para Roger a sensação é oposta. É normal tocar para grandes
públicos, mas não estava acostumado à calmaria. Depois do show,
eles vão a uma churrascaria recarregar as energias. De repente,
Roger nota: − Nossa, que coisa estranha!
− O quê? − pergunta Heraldo.
− Não, é que está tudo bem… não tem ninguém vomitando,
ninguém passando mal, ninguém quebrando vidro, ninguém lutando
espada com espeto de… nossa, tudo tão… eu consigo ouvir minha
voz, está tudo bem.
Aqui talvez seja a primeira vez que Roger descansa no sucesso. E
parece que ele gosta, pois esse novo clima perdura. A fase anterior
do Ultraje foi responsável por todas as conquistas, por trazer um
reconhecimento que ninguém da banda tinha experimentado. Agora,
Heraldo, Serginho Petroni e Flávio chegam com um espaço já aberto
e, como analisa Heraldo, numa pegada diferente. O que não inspira
aquelas atitudes típicas de uma banda de rock, como ocorria antes.
Como medida preventiva, Cacá Prates organiza os próximos
shows fora da capital de São Paulo. O receio de Flávio não é sem
fundamento. O empresário assume que administrar e expor a banda
se torna complicado. Porque parecia como se tivesse acabado. A
mudança foi drástica, um só ficou e eu, por trás. Eles tocam em
lugares mais afastados na intenção de ganhar uma blindagem
chamada Ultraje a Rigor para os novos integrantes até que a
adaptação estivesse completa.
Flávio e Serginho Petroni, principalmente, têm na face a nítida
expressão adolescente. Flávio ainda mais, quando usa um macacão
jeans. Serginho Petroni usa franjinha. Heraldo parece um pouco mais
maduro. Eles costumam vestir camisetas com o logotipo Ultraje a
Rigor em várias cores diferentes, assim como as formações
anteriores fizeram. Flávio, o mais alto, entrega que Heraldo ganha o
apelido de gnomo. Agora, ele não gosta desse apelido não, fica
bravo se falar isso pra ele. E não era só esse, os integrantes brincam
com o nome de Heraldo: então tem 50 mil variações antes do aldo,
Everaldo, Aguinaldo, Ronaldo, todos os aldos possíveis. Roger é o
único que está com os cabelos compridos, os outros estão a
caminho e o apelidam de Champion, em inglês.Era meio pejorativo,
no sentido de que era o chefe, mas eu não ligava.
Eles vão se conhecendo, trocando ideias, pegando confiança e ao
mesmo tempo uma fase inesperada se apresenta de 1991 até o final
do ano seguinte, quando o Ultraje faz cerca de 30 shows. Quando
Heraldo entra na banda, deixa de dar aula e tocar com Carlinhos
Borba Gato, na ilusão de que não teria mais tempo para continuar
tocando outros projetos.
− Achei que eu ia arrebentar. Cinco meses depois, eu liguei pra
todos os meus alunos. Liguei pro Borba. A gente só foi descobrir que
estava tendo um problema com o empresário dois anos depois. Foi
meio decepcionante.

Em 1992, a WEA lança a primeira coletânea da banda: O mundo


encantado do Ultraje a Rigor. A contragosto, os músicos aceitam. O
líder do Ultraje afirma que, na ocasião, a banda acha que deveria
haver um disco de inéditas. Só que ao mesmo tempo não estávamos
com material preparado.
Ele explica para os novos membros do Ultraje o que se passa.
Serginho Petroni ressalta que, assim como Heraldo e Flávio, não
tinha conhecimento de como funcionam as relações com uma grande
gravadora: − Eu lembro que, na época, ele estava insatisfeito com a
atenção que a Warner dispensava para o Ultraje em relação a outros
artistas da gravadora. Na verdade, nós não tínhamos pertencido a
nenhuma outra gravadora antes de estar no Ultraje. Então
percebíamos muito sob os olhos dele.
A capa do novo álbum foi novamente uma invenção de Régis. Ele
brinca com personagens de historinhas infantis, como Alice no País
das Maravilhas. Roger faz uma conotação com o título do disco.
− Bolamos esse nome: O mundo encantado do Ultraje a Rigor,
esse mundo encantado no sentido de o negócio está encantado ali,
não anda. Está travado. E o Régis fez também uma coisa meio de
conto de fadas.
A coletânea traz duas músicas inéditas: Vamos virar japonês, que
conta com a participação especial da dupla sertaneja Tonico e
Tinoco, e uma versão para Rock das Aranha, de Raul Seixas e
Cláudio Roberto. A primeira, de acordo com Roger, sofre uma
censura que nem as músicas dos anos 1980 sofreram, porque as
rádios colocavam algum artifício e acabavam veiculando.
− Acho que a única censura de rádio que nós tivemos foi quando
lançamos uma música que era com Tonico e Tinoco e a música não
tinha palavrão, é que a rádio de rock achava que não podia tocar
aquilo, porque tinha um pedaço que era música caipira, quer dizer,
censura de estilo é uma coisa muito mais feia, preconceituosa
mesmo.
No mais, O mundo encantado do Ultraje a Rigor apresenta as já
conhecidas do público: Nós Vamos Invadir Sua Praia, Sexo!!, Pelado,
Inútil, Rebelde Sem Causa, Filha da Puta, Mim Quer Tocar, Eu Me
Amo, Marylou, IFC e Ciúme. O CD ainda vem com sete bônus: Eu
gosto de mulher, Terceiro, O chiclete, A festa, Volta comigo, Zoraide
e Crescendo II – A Missão.
No estúdio BeBop, na Vila Madalena, Roger, Heraldo, Serginho
Petroni e Flávio gravam por conta própria Ah, se eu fosse homem,
ainda em 1992. Parece que uma cutucada na gravadora acontece,
não só porque eles bancam a gravação e a produção mas porque
são homens de seguir adiante sozinhos. Além disso, a música exalta
uma continuação de Ciúme. Se antes se fingia engolir que a mulher
ganha poder e liberdade, agora é cada vez mais difícil ser um
homem moderninho, porque as virtudes de um verdadeiro homem
são igualadas às de uma mulher. Serginho Petroni recorda que o
saldo foi positivo, ela[Ah, se eu fosse homem]deu um frescor nas
nossas apresentações. Foi um rock bem direto. Valeu ter feito.
A produção independente sai em um CD promocional para ser
divulgado nas rádios. Ah, se eu fosse homem se torna parte da trilha
sonora da novela O Mapa da Mina (1993), da Rede Globo. É a
novidade que o Ultraje a Rigor precisava para chamar a atenção
novamente. Na época, outra notícia, desta vez vinda de Cacá Prates,
também agita o Ultraje a Rigor. Ele acompanha todos os trabalhos de
gravação do Ultraje desde o início, é muito presente. O empresário
se sente como pai, mãe e babá em muitos momentos, o que resulta
em conflitos. Houve milhões de coisas, mas foram resolvidas até
onde imperou o bom senso. Cacá Prates afirma não ter brigado com
Roger. Mas, desde o início de 1993, eles não se falam. O “quinto
elemento” diz que um começou a interferir além da conta na vida do
outro: − Nós tivemos uma divergência pessoal, não profissional, que
fique claro isso. Eu passei muito tempo cuidando muito do Roger. Eu
que via cheque, banco, cuidava de coisa de mãe, de pai, mandaram
até pra contador, advogados, eu que resolvia pra ele. Tudo dele
ficava comigo no escritório. Era uma dependência de muitas coisas.
Talvez foi esse o erro de agregamento de valores, de vida pessoal.
Interferiu na minha vivência com ele e outros fatores também que
não vêm ao caso, mais pesados.

Antes de falar qualquer coisa: ó !


A gravadora começa a morder os calcanhares da banda e,
correndo, o Ultraje a Rigor lança o quarto álbum de estúdio, Ó! A
ideia do título é para mostrar para quem estava reclamando (leia-se
Warner) o que eles são capazes de fazer. Heraldo conta: − Agora tá
aqui, ó! Foi uma sugestão que eu dei de fotografar a letra o porque
não tinha a fonte daquela letra de máquina de escrever.
Sem empresário, a banda se une. Não há mais intermediários e os
integrantes ficam mais próximos. Musicalmente, pela primeira vez
experimentam criar sonoridades juntos para a gravação de um álbum
inédito. Heraldo relembra, a gente ficou mais amigo e pra fazer
oÓ!foi mais tranquilo. Aconteceram alguns problemas operacionais
que deram uma unida, todos esses não-me-toque começaram a ir
por terra.
Algum tempo depois, o produtor de shows no Paraná, Rubens de
Oliveira, sugere um nome para Roger. Tom Gomes passa a
empresariar o Ultraje a Rigor. Na mesma época, Airton Valadão
Júnior é contratado como gerente de vendas da Tom Gomes
Eventos. Comecei a encarregar-me do Ultraje desde que eles vieram
trabalhar com o Tom.
A música Ah, Se Eu Fosse Homem entra para o novo álbum, que
também apresenta (Acontece Toda Vez que Eu Fico) Apaixonado,
escolhida para ser a música de trabalho do CD. É a preferida de
Heraldo e nasce com um riff dele, de Flávio e de Serginho Petroni. O
guitarrista reconhece a oportunidade.O Roger gostou e falou: vamos
gravar isso aí. A letra é dele, o principal. Mas foi um trabalho bem em
conjunto, eu fiquei contente por isso.
(Acontece Toda Vez que Eu Fico) Apaixonado ganha maior
repercussão com a gravação do clipe feito em dois dias no recém-
inaugurado estúdio Alphaville. Serginho Petroni explica como, e
ressalta mais um motivo da insatisfação de Roger para com a WEA.
Nós tínhamos o dinheiro de divulgação da gravadora que dava para
gravar tipo um clipe e meio, mas um clipe barato e meio. O Ultraje
tenta fazer milagre e grava dois, o outro é da música O Seu
Universozinho, que também é bastante executado na MTV.
Ó! continua com Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas
(Política), Teimoso, A Inveja É Uma Merda, Inútil, em versão bossa
nova, Oh Carol, do cantor e pianista nova-iorquino Neil Sedaka, O
Fusquinha do Itamar (ou “Uns Gostam do Olho, Outros da ramela”),
uma crítica ao poder econômico da sociedade brasileira e ao tapa-
sol-com-a-peneira do governo, através dos modelos dos carros.
Roger coloca-se como mais um brasileiro de classe baixa, que
sempre sonhou em ter carro próprio, babava nos carros importados e
quando pode comprar um, foi por causa do presidente Itamar Franco,
que pediu para a Volkswagen voltar a produzir o fusca (lançado em
31 de outubro de 1986), que em pouco tempo deixa de ser tão
admirado e passa a introduzir a gama de carros populares no Brasil.
Novos modelos chegam e substituem o então arcaico fusquinha. A
música ainda tem uma levada de comédia, com Roger parodiando o
cantor Roberto Carlos. E para encerrar o álbum,Oração.
Há também uma instrumental de Serginho Petroni e Heraldo,
Tuaregue, além de Fuck the World! e Êta Sonzinho Fuleiro, que
rendem boas risadas no estúdio, lembra Heraldo.
− Quando eu fiz aquele tantanrantanrantan [estilo desenho
animado no final de Fuck the World], meu, se você entrasse no
estúdio a hora que a gente tava passando ela… eu lembro assim: o
Roger, o Flávio caindo no chão, todo mundo caindo no chão de
passar mal de rir. Quando a gente foi cantar aquela Êta, Sonzinho
Fuleiro, tem umas horas lá que eu dou umas gargalhadas, que eu
não aguento. Ouvindo a música, não é tão engraçado, mas se
tivesse um making of disso, todo mundo ia achar engraçado por
causa da papagaiada que a gente ficava falando lá. Eu acho que é
um disco que não foi bem aproveitado.
A versão em CD ainda traz o Ultraje com This Boy, dos Beatles.
Roger não se esquece do jogo de cintura, mesmo vestido de super
Ó!, quer dizer, de super-herói no clipe (Acontece Toda Vez que Eu
Fico) Apaixonado. Lançamos oÓ!sob condições muito ruins, com a
banda recém-modificada, pouco dinheiro e o cara da nova diretoria
da Warner deu um ou dois meses para nós fazermos o disco, tive de
compor tudo rapidinho.
Ó! não passa de 30 mil cópias vendidas, mas rende uma maratona
de shows, que preservam os mesmos hits. Apenas algumas músicas
do último álbum de inéditas, cerca de 20% são acrescentadas no set
list. Serginho Petroni conta que a turnê de Ó! dura mais de um ano
com 80% do antigo repertório.
− O show do Ultraje vinha sem bula. Às vezes, tocávamos em
lugares que as pessoas não tinham a oportunidade de conhecer as
músicas novas. Por exemplo, é difícil o Ultraje ir para o interior do
Mato Grosso e nós sabíamos, por e-mails e cartas, que tem fãs do
Ultraje na cidade. Então, chega lá e não vai tocar Inútil?
Covers de que a banda gosta também continuam incluídos nos
shows, como Ramones, We can work it out, do Beatles, Surfin’
Safari, dos Beach Boys e surf music.
De 1991 até o final de 1992, o Ultraje a Rigor faz uma média de 15
shows por ano. Com o lançamento de Ó!, eles sobem para cerca de
100 a 110 shows, o que duraria até o final de 1995. Isso reflete
diretamente na relação dos músicos .
Heraldo revela que a proximidade os tornou uma família. Era um
por todos e todos por um. Eles passam muito tempo dentro do
ônibus, onde brincam, contam piadas, assistem a filmes, tocam e
jogam vôlei. Parecia uma sala de aula gigantesca em excursão.
Nego ficava doente, um vinha, ficava cuidando. Se ficava mal, ia lá
bater papo.
Nessa formação, Roger ganha outro apelido. Ele pede para ser
avisado com antecedência antes de deixar o hotel para tomar banho
e arrumar a mala sossegado. Quando se atrasa, Heraldo e os
demais integrantes perguntam: cadê a princesa? Flávio explica a
ironia: − Tinha que chamar ele uma hora antes de todo mundo. Ele é
demo-rado, então ele já reclamava: − Não adianta você me chamar
na hora, porque na hora eu não vou descer.
E às vezes, o atraso ultrapassa uma hora. Ao entrar no ônibus,
Roger ou o último que aparece leva travesseiradas dos outros que
estão cansados de esperar. Quando o líder fica bravo, a banda o
chama de pop star. Aí ele ficava mais bravo, declara Heraldo, que
ainda lembra que Flávio também apelida Roger de Mister Holiday
(Senhor Férias).

Enquanto a Warner coloca o Ultraje a Rigor na geladeira, em


janeiro de 1994, os Titãs ganham aval da gravadora para distribuir a
nova tendência do rock brasileiro. Uma parceria que conta com o
crítico da revista Bizz, Carlos Eduardo Miranda. Eles são os
responsáveis pelo selo Banguela. Miranda ouve a demo da banda
Raimundos, um hardcore vindo de Brasília. Mais um subgê-nero do
punk, mas que não tem compromisso selado com o engajamento
político e melodicamente pega mais pesado que a new wave. Os
Raimundos são repletos de sacanagens que misturam forró, como
em Selim, a porta de entrada para o primeiro disco de ouro da banda
e de um selo independente no Brasil. Um feito histórico. O Banguela
também lança Mundo Livre s/a, Little Quail and The Mad Birds,
Pravda, Graforreia Xilarmônica, Maskavo Roots e Kleiderman.
Com cada vez mais novos flertes, o rock incorpora estilos
regionais e pop. De Belo Horizonte, emergem Pato Fu (Rotomusic de
Liquidificapum− 1993), pelo selo Cogumelo, com música eletrônica
sempre presente e o Skank (Calango − 1994), que ultrapassa um
milhão de cópias com o dancehall jamaicano lançado pelo selo
Chaos, da Sony, que também aposta no mangue beat de Recife,
Chico Science & Nação Zumbi (Da lama ao caos – 1993), uma
mistura do bloco afro Lamento Negro com o rock Loustal.
A partir de 1995, a WEA inicia o lançamento de diversas
coletâneas do Ultraje a Rigor. A primeira é Geração Pop. A banda
não aprova, apesar de o contrato garantir esse direito. Não fazíamos
ideia, desabafa Roger. Todas as músicas gravadas pertencem à
gravadora e ela pode lançar e relançar como bem entender, por
exemplo, em coletâneas ou em edições especiais para outros
países. Mas Roger acha que seria de bom tom consultarem a banda,
pelo menos quanto ao repertório e capa do álbum. Além disso, ele vê
o produto como um caça-níqueis. Não é de todo mal que tenha
coletâneas, tem gente que compra todas, até eu, para o acervo dos
meus discos. Tem uma ou outra que saiu, nem fiquei sabendo. Só
acho chato que as coletâneas entrem no lugar do próprio disco.
E foi sem cortesia que os anos se seguiram com Coletânea 2 é
Demais! − O Melhor do Ultraje a Rigor(1996), Pop Brasil (1997),
Coletânea 2 é Demais! − O Melhor do Ultraje a Rigor 2, Coletânea
Música! − O Melhor da Música do Ultraje a Rigor(1998), e-collection
Ultraje a Rigor (2000), coletânea dupla que traz uma versão ao vivo
deAtirei o Pau no Gato, O Melhor do Rock do Ultraje a Rigor (2001),
Nova Série Ultraje a Rigor(2006) e Warner 30 anos Ultraje a Rigor
(2007). Serginho Petroni lembra que, num determinado momento,
eles ficam sabendo por acaso: Nós até andando junto dentro de um
shopping, olha, saiu a coletânea do Ultraje!

Rock no carnaval da Bahia


Fevereiro de 1995, o carnaval eclode na Bahia e o Ultraje a Rigor
está lá na capital do axé. Em São Paulo, um garotinho nasce. Seu
nome é André, filho de Flávio. Passei a noite inteira em claro, porque
fiquei lá no berçário, que nem um idiota. No dia seguinte, às 7h30,
ele embarca para Salvador ao encontro dos demais ultrajes.
Uma banda de rock em pleno cenário atípico cai de paraquedas e
não é que funciona? Embora alguns estejam sem entender muito
bem o que se passa. Heraldo se surpreende com a intensidade
musical na cidade, muitos estudam durante o ano inteiro para tentar
fazer parte de um trio elétrico em que tocam apenas alguns dias.
− Dá até vergonha de ser paulista. Em qualquer lugar da cidade
tinha gente tocando, nunca vi um negócio desse. E São Paulo
deveria ser assim. A gente ficou chocado, primeiro porque deu certo,
uma banda de rock, pegada meio punk, irônico, e ver essa atividade
musical, e essa receptividade foi surreal.
Foi meio estranho, admite Serginho Petroni, que se divertiu, mas
chama a atenção para parte do público, que torceu o nariz.
O piso do trio elétrico em que o Ultraje toca é convexo. E de todos,
o maior encrencado é Flávio, o único que toca sentado, ou quase
isso. Ele apoia a bateria eletrônica numa perna. Foi ridículo. O chão
era torto. Imagina, os caras no meio do carnaval, entra o Ultraje a
Rigor. Não teve vaia e nada disso. Chamaram pra ir de novo e eu me
recusei, sem chance. Uma semana depois, ele volta para São Paulo,
curte o recém-nascido por duas semanas e viaja novamente, desta
vez para muito mais longe.

Fobia vencida ?
Março de 1995. O Ultraje a Rigor é convidado pelo segundo ano
consecutivo para fazer uma temporada de shows no Japão e nos
Estados Unidos. Devido ao longo percurso, Roger rejeita de cara. É
comum em casos como esse, artistas nacionais tocarem para
colônias brasileiras, receberem comissões inferiores. Como se só o
fato de ir para fora já fosse um prêmio, aliás o brasileiro, de maneira
geral, vê assim a coisa, opina Roger. Até que um dia recebe “a
proposta”.
O contratante argumenta; mas eu estou te oferecendo o espaço
para divulgação… e Roger volta com um riso irônico, sei, além disso,
eu quero um cachê!
Ele rebate que nos Estados Unidos os atores fazem um filme e
cobram cachê para dar entrevista, como se fosse parte da carreira.
Mas de qualquer forma, nos ofereceram para fazer a turnê lá,
queriam que nós levássemos menos gente, ganhássemos menos. O
líder do Ultraje blefa: como não queria ir mesmo, disse não, só se
oferecessem tudo igual, vai a equipe inteira. A gente quer o hotel
igual, o dinheiro igual e o cara topou. Eu tive que ir, né?
É tão inusitado que Heraldo duvida.
− Só acredito vendo. Flávio, não vamos!
− A gente vai.
− Não vamos! O Roger não vai pegar o avião nem a pau, o cara
não anda de avião.
− Então você me faz um favor, quando a gente estiver andando na
Times Square em Nova York, você me belisca, tá?
Flávio concorda com o pedido de Heraldo .
Para conseguir driblar a fobia de avião, Roger apela para alguns
tratamentos, como hipnose e simulação de voo da Varig, no Galeão,
no Rio de Janeiro, me cerquei de uma série de coisas, mas mesmo
assim no dia de ir eu quase desisti.
Heraldo ressalta que quando Roger sentiu que poderia vencer a
síndrome de pânico, foi só agendar, fechar, marcar e fomos embora.
No dia da viagem, um ônibus fretado leva a trupe até o aeroporto
de Cumbica, em São Paulo. Todos estão ansiosos na porta do
condomínio onde mora Roger. De repente, ele diz que não vai.
Tentam acalmá-lo e convencê-lo a embarcar. O baterista decide ficar
esperando, pois se fosse falar com Roger, o deixaria mais nervoso.
Inclusive, Flávio não acompanha o tratamento de Roger pelo mesmo
motivo, provavelmente faria uma pressão.
− Eu brigava muito com o Roger. A gente discutia muito. Às vezes,
eu não concordava com o negócio e falava, não tinha medo, acho
até que por isso a gente se dava tão bem. Às vezes, ele não gostava
de falar coisa comigo, porque eu retrucava no ato ou questionava
coisas que ele precisava de alguém pra ajudar, não era eu o cara.
Então falei, não vou subir, porque se o cara tá em pânico e eu for lá,
começo a gritar na orelha dele, aí ele não vai mesmo.
Júnior revela que é difícil falar sério com Roger, ele o define como
um (nem sempre) mal-humorado mais humorado e engraçado que
eu conheço. É extremamente educado e mesmo nas situações mais
críticas, em que está mal-humorado ou estressado, tira sempre as
coisas de forma engraçada e irônica. O empresário relata que uma
das situações mais marcantes acontece na madrugada que antecede
a viagem aos Estados Unidos. O psicólogo que fazia o tratamento
ligou para ele e o convenceu a voltar atrás (acho que hipnotizou ele
pelo telefone…), enfim, isso foi um grande susto, virou uma lenda.
É por um triz, mas o Ultraje embarca. Dentro do avião, Roger leva
o laptop para se distrair. Ele joga paciência e fica cada vez mais
impaciente. Está na hora de Flávio dar uma mãozinha, chega com
uma conversa fiada na aeromoça, aproveitando a fama de Roger: −
Olha, você conhece o Roger, né? É o seguinte, o cara tá nervoso pra
caramba, a gente precisa fumar, arruma um lugar, porque senão o
cara vai ter um treco aqui dentro.
Sabe aquela história de jeitinho brasileiro? Flávio chama: − Roger,
vamos fumar um cigarro.
− Não pode fumar aqui dentro.
− Pode. Já falei com a aeromoça.
Assim que desce do avião, Flávio reconhece que Roger está feliz
pra caramba, acabado, porque ele não dormiu, oito horas direto. Mas
ele conseguiu, né?
Eles passam 15 dias fazendo shows no país onde Roger sonhou
morar desde a infância. Na primeira vez em que andam na Times
Square, Flávio belisca Heraldo, que xinga o amigo.
− Por que você fez isso?
− Você pediu pra te lembrar, tá aí, ó. Você está na Times Square.
Eu não falei que a gente vinha?
Heraldo sente essa oportunidade como o auge de sua carreira e
fica maravilhado com a possibilidade de sair de seu país para
trabalhar. Nesse astral, o Ultraje faz shows em cinco dos 50 estados
dos EUA: Flórida (Miami e Fort Lauderdale), Massachussets (Boston
e Framingham), Connecticut (Danbury), New Jersey (Elizabeth e
Newark) e New York, onde a banda se apresenta no Queens.
Serginho Petroni e Flávio listam os shows de Miami como os
melhores, por causa da estrutura.
− O equipamento de som que foi alugado foi de americano mesmo
e a equipe de som era um casal e carregavam tudo, montavam tudo,
chegava lá, estava tudo passado. Caras de uma eficiência fenomenal
e os técnicos de som começaram a aprender, foi bom pra caramba
pra eles e os shows foram bons porque o som foi legal.
Em Massachusetts, o equipamento de som do contratante é um
problema, a caixa de som está prestes a estourar. Em um dos
últimos shows, em Boston, o baixista lembra quemetade de um lado
do som já não funcionava, daí o show não foi muito legal. Teve uns
dois shows em Boston e um em Danbury que o som estava ruim.
Mas para compensar, os da Flórida foram ótimos.
Saldo da viagem superpositivo, os brasileiros que moram no
exterior matam a saudade do Ultraje a Rigor, que transpõe mais uma
barreira.

Algumas historinhas
internacionais
O pai de Heraldo está prestes a abrir um escritório de
contabilidade em São Paulo. Na passagem por Danbury, o guitarrista
compra um fax. Quando chega em Framingham, percebe que
esqueceu o presente. Por sorte, alguns amigos que fez
recentemente, ou como ele diz, “anjos”, se mobilizam até a casa
onde está hospedado e lhe entregam o aparelho.
Enquanto o Ultraje toca seus grandes sucessos na Flórida, um
show da banda dos irmãos holandeses, Van Halen, está prestes a
acontecer. Eles querem aproveitar a oportunidade para assisti-los,
mas não é possível. Heraldo lamenta. Aí uns amigos do roadie do
batera que estavam lá, não só foram no show, como passearam de
limousine com os caras, foram no camarim, conversaram com os
caras e a gente perdeu tudo isso.
As apresentações do Ultraje a Rigor chegam ao fim, Roger e
Serginho Petroni decidem ficar por mais 15 dias a passeio. Flávio
volta para casa, com saudades de André. Preciso ver meu filho,
acabou de nascer. Heraldo também retorna ao Brasil. Na ocasião,
ele havia começado a cursar Faculdade de Artes Alcântara Machado
(FAAM), da Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), em São Paulo
e não poderia perder mais aulas.Meus amigos de sala levavam um
gravadorzinho, gravaram todas as aulas em 15 dias pra mim, pra eu
não perder nada. O outro motivo tem a ver com o fato de Serginho
Petroni e Roger terem mais afinidade na época. Heraldo demonstra
sinceridade: − Apesar de a gente já ter muita amizade, eu sentia que
ia incomodar um pouco a liberdade de Roger. Mas esse não foi o
fator determinante, se o Flávio falasse vamos ficar, estava em casa,
no final eu acabei ficando mais próximo do Flávio.
Para os que permaneceram nos Estados Unidos, uma grande e
feliz coincidência. Passeando por Nova York, Roger e Serginho
Petroni passam pelo Central Park. E o acaso faz com que encontrem
Julian Lennon, o filho mais velho de John Lennon. Roger chama a
atenção de Serginho Petroni para o homem que se aproxima:
Serginho Petroni e Roger passeiam de limusine pelos
Estados Unidos, em 1995.
Serginho Petroni e Roger voltam para pedir uma foto com o
filho de Jonh Lennon, Julian Lennon, em 1995.
Arquivo pessoal de Serginho Petroni
− Nossa, meu! É o cara, vamos pedir um autógrafo, que custa?
Eles conseguem o autógrafo e vão embora. Aí deu um estalo: pô,
meu, vamos tirar uma foto. A gente voltou só pra isso. Roger se
lembra dos detalhes de como o super simpático Julian estava
vestido: uma roupa muito parecida com a do John Lennon, com
óculos, talvez até tivesse sido do pai dele, redondo, azul e um
casaco meio peludo.

De volta para o Brasil


A capacidade de absorver novas influências e se reinventar talvez
seja o maior trunfo do rock, como acontece em 1995, quando o filho
do diretor artístico da EMI-ODEON prevê um fenômeno. Ao estilo
engraçadinho, marca que frequentemente remeteria a comparações
com o Ultraje a Rigor, Rafael Ramos leva aos ouvidos do pai, João
Augusto, uma banda de Guarulhos que muda de Utopia para
Mamonas Assassinas. Com apenas um único álbum, eles
conseguem quase dois milhões de cópias vendidas. O sucesso vem
rápido com um hardcore que permite versões escrachadas de
pagode à heavy metal, apresentações com fantasias de super-
heróis, presidiários ou coelhinhos e muitos palavrões. Uma farra total
que atinge também grande público infantil, mas que termina
tragicamente em 2 de março do ano seguinte, quando o avião que
leva os Mamonas Assassinas se choca com a Serra da Cantareira.
Nenhum sobrevivente, a não ser a música que faz frente à
característica predominante no Ultraje. Em Rock Brasil: Um Giro
pelos Últimos 20 Anos do Rock Verde e Amarelo, Roger expõe que o
humor do Ultraje a Rigor está em segundo plano, o compromisso
primordial é com a música em si.
− As pessoas nos entenderam mal, na verdade. (…) Tanto que as
nossas músicas que fizeram mais sucesso são as divertidas, mas
nós também temos músicas sérias. Quando os Mamonas
estouraram, muita gente veio me falar que nós inventamos aquele
estilo e que eles eram cópias da gente. Mas não é bem assim, eles
tinham influências nossas, mas não eram cópias do Ultraje. Existem
outras bandas que aparecem por aí todo dia, mas essas eu acho que
vieram mais atrás dos Mamonas Assassinas que do Ultraje a Rigor.
Na minha opinião, os Raimundos têm uma coisa parecida com o
Ultraje, que é o lance da irreverência, o deboche meio ginasial que
nós temos muito.32
Um legado do Ultraje a Rigor, numa outra configuração. Era mais
uma brincadeira generalizada, tanto que a molecada adorava. É
como Heraldo vê os Mamonas Assassinas. O Ultraje era para uma
faixa etária que já pegava figura de linguagem e aí, quando
aconteceu aquela fatalidade com os Mamonas, eu até tive a
ingenuidade de achar que o público ia se voltar para o Ultraje. Ao
contrário, a partir do início de 1996, a quantidade de apresentações
diminui drasticamente. Meses sem shows e nenhuma outra novidade
para invadir os anos 90, como na década anterior, dão a impressão
de que o Ultraje a Rigor desapareceu.
A demora de Roger para compor músicas inéditas agrava a falta
de investimento da Warner, que pressiona o lançamento de material
a cada ano. Mas o processo de criação é complexo, nem sempre é
igual e a banda também tem um nome e uma história a preservar.
Hoje, Flávio concorda com Roger, mas lógico que na época a gente
brigava:
− Porque eu achava que a gente tinha que fazer música, renovar,
mas é que eu estava lá dentro, tinha que lutar por alguma coisa e
ajudar a banda a andar. Acho que ele está certo, não adianta você
fazer porcaria. Por exemplo, Vamo Virar Japonês, a gente nunca
deveria ter gravado, mas é que foi a pressão da gravadora e saiu
errado, não ficou legal. Ele estava certo de demorar três anos pra
lançar um disco, tem que esperar juntar um material que valha a
pena. Acho que queimou muito o nome do Ultraje com algumas que
a gente fez até na minha época mesmo, não que isso tenha sujado
demais o nome, mas as pessoas começaram a acreditar menos e
isso atrapalhou o Roger também.
O impasse com a WEA leva o Ultraje a Rigor a procurar outra
gravadora para lançar um disco ao vivo. E foi um sufoco para sair
também, ninguém queria e nós chegamos a bancar a gravação do
disco em 96, revela Roger . A banda produz 15 anos sem tirar!, o
registro dos melhores momentos de dois shows realizados no
AeroAnta de Curitiba. Serginho Petroni chama a atenção para o forte
da formação atual, que são os shows, mais até do que as gravações.
Um motivo de orgulho para o baixista.
Serginho Petroni passa o som antes da gravação do disco
18 Anos Sem Tirar! no Aeroanta de Curitiba, PR, em 1996.
Arquivo pessoal de Serginho Petroni/Fotógrafo não identificado Para gravar o 15 anos Sem
Tirar! num estúdio móvel, chamam o ex-guitarrista, Carlinhos, que desde 1987, quando se
mudou para Los Angeles, encurta o nome para Carlo Bartolini. Achei que Bartolini
funcionaria melhor em inglês, também prefiro o Bartolini, é um nome só, mais simples, Carlo
(sem o s) foi porque meus avós italianos e minha mãe em certas épocas, me chamavam
assim, eu sempre gostei. No dia 31 de agosto e 1° de setembro de 1996, acontecem os dois
shows que entram para o disco. Desde que saiu do Ultraje, Carlo se especializou em
produção fonográfica e engenharia de áudio, trabalhou com diversas bandas e fez turnês
pelos Estados Unidos, Europa e México. A produção é uma extensão disso, uso todo meu
conhecimento musical ao extremo (…) Aconteceu muito em poucos anos.

O set list fica por conta dos clássicos: My Bonnie, do compositor


britânico Tony Sheridan, Filha da Puta, Zoraide, IFC, Ciúme, Volta
Comigo, Eu Me Amo, Mim Quer Tocar, Sexo!!, Pelado, Eu Gosto de
Mulher, Inútil, O Chiclete e Marylou. Em uma das ocasiões em
Curitiba, quando Ciúme acaba, um coro grita pedindo Terceirooo… e
a esse coro cresce outro que pede Inútil, Marylou… Roger diz que
atenderá a todos os pedidos, brinca, pergunta se já chega, se está
bom, e outro coro: nãããooo. Então eles tocam Nós Vamos Invadir
Sua Praia, Rebelde Sem Causa e o disco encerra com o aguardado,
Pra Mim Tá Louco de Bom! de Terceiro.
O ônibus-casa do Ultraje, há 15 anos na estrada com banda,
equipamento e muitas histórias é a ideia de ilustração para a capa do
álbum, que parte de um esboço em preto e branco feito por Roger.
Posteriormente, Régis dá cor e anima mais o desenho com alguns
detalhes. O resultado final é aquele ônibus de excursão com a cara
do periscópio viajando dia e noite.
Carlo termina a gravação e decide deixar a produção. Acredito que
este disco foi um erro também, (…) no começo acreditei que poderia
ajudar, mas depois vi que não tinha salvação. E a partir daí, começa
uma fase que Heraldo chama de terrível. Tudo que a gente teve de
glória em 93, 94, 95, a gente pagou os pecados em 96, 97, 98. O
Ultraje está prestes a rescindir contrato com a Warner. As grandes
gravadoras tentam sobreviver ao prelúdio da pirataria de CDs,
apostando em bandas novas, que até tocam em rádios de rock, mas
são frequentemente associadas a outros estilos, como o Planet
Hemp, Raimundos, Skank, Cássia Eller, Jota Quest, Pato Fu e
muitas outras, consequentemente, o rock dos anos 1980 que
sobreviveu chega a meados dos anos 1990 de escanteio. Isso sem
contar com a ascensão dos selos independentes que, cada vez mais,
trazem novas sonoridades para o mercado fonográfico. Heraldo
sente na pele essa estranheza. A gente estava num ritmo muito
legal. Eu estava com 25, 26 anos, com um padrão de vida legal e
realizado, eu cheguei lá em cima. O Flávio e o Serginho também, de
repente, meu, mudou tudo.
Nesse meio tempo, o Ultraje ganha um site oficial, em 1996. Uma
gentileza de um fã, Marcos Leonel Leal, um garoto que entra em
contato com Roger através do sistema BBS, um precursor da
internet, que serve para enviar recados para todos que estão
conectados ao mesmo tempo. Marcos conta a Roger que sabe fazer
sites e pergunta se ele quer um para a banda. O músico se interessa
e eles começam a trocar e-mails.
− Ele me mandava os desenhos, os protótipos, vamos dizer assim,
e me ensinou a colocar no servidor, a instalar e botar o site no ar. E o
primeiro modelo foi o dele, dali pra frente a gente foi aprendendo a
fazer, o Flávio começou a se interessar por isso, aí a gente fazia
meio em dupla.
Na época, o site era elaborado em linguagem html, feito a mão,
não tinha frame, apenas os logos repetidos e um menu na entrada.
Era simples, comparado aos recursos disponíveis hoje em dia. Roger
não chega a conhecer pessoalmente Marcos e depois acaba
perdendo contato. Mas o líder do Ultraje gosta de tecnologia e
começa a se dedicar cada vez mais à interação com os fãs através
do ciberespaço.
− Sou eu que faço tudo. No começo, nós sempre líamos cartas de
todo mundo, mas não respondíamos pelo trabalho. Carta também
você não pode falar, legal, obrigado e mandar a carta. Tem que
escrever um certo texto, ir aos Correios, selar, mas hoje com e-mail,
costumo responder todos os e-mails.
Com o tempo, Roger cria um blog33, com atualizações esporádicas
do que se passa na banda e algumas fotos, mas ele não gosta de
ficar falando de si mesmo. Talvez até tenha interesse para o fã saber
o que eu faço todo dia, mas eu não tenho paciência de ficar
atualizando. O blog serve principalmente como agenda para divulgar
as datas e locais de shows, mas depois Roger passa a usar um
recurso mais moderno, pois antes, a agenda do nosso site era feita a
mão, agora tem um site do Google que faz, então você só tem que
botar o link daqui para lá e eu gosto de ficar fuçando. Mais
recentemente, também cadastra a banda no ning34, um site de rede
social, como o orkut, com membros, opção de disponibilizar fotos,
vídeos e arquivos de áudio.
− Já vem com várias coisas prontas, mas fui eu que incluí a rádio,
fui lá pesquisar como é que fazia para ter um applet [software] que
tocasse música. Aí fuço no site dos outros, procuro entender como
faz e ponho vídeo com You Tube ajudando, então só põe o link. Hoje
em dia é legal que tenha isso, se tivesse naquela época, certamente
teria feito também.
Outra ferramenta, talvez a que mais permita estreitar a relação
entre o músico e o fã, é a lista de discussão do Yahoo!35. Criada por
Roger, abriga muitos membros. Alguns são fãs que acompanham a
trajetória da banda desde o início e participam com frequência,
inclusive trocando informações entre si, o que poupa Roger de
responder à mesma pergunta inúmeras vezes. Outros pertencem à
população flutuante. Eles entram na lista, mas não são ativos ou
acabam saindo depois de algum tempo.
− Até do ponto de vista comercial, não chegam nem a ser um
número suficiente para impulsionar a minha carreira, por exemplo, o
fã que ficasse ligando para a rádio pedindo para tocar música, nunca
foi esse tipo de fã. É o cara que gosta mesmo, quer conhecer e vai
ao show, e a gente, ô, como vai? E vai tanto que você acaba
conhecendo e é um número que ainda dá para dar uma atenção.

Me chama que eu vou


Ainda em 1996, a pedido do Ira!, Roger faz uma versão em
português de I Can’t Explain, do The Who, sob o título de Eu não sei,
com produção de Carlo Bartolini. Além disso, ele aceita participar do
programa RockGol, da MTV, regado a piadas “totalmente excelentes”
do narrador Paulo Bonfá e do comentarista Marco Bianchi. Os
campeonatos de futebol internos da emissora surgem em 1995 e
Roger é cotado como um dos músicos que não podem ficar de fora.
Eu sempre gostei e daí pra frente, fui aceitando todas. Enquanto
isso, durante as turnês do Ultraje, os integrantes realizam o que
Heraldo denomina de vários simpósios.
Roger e Jão (guitarrista do Ratos de Porão) são os únicos
jogadores que participaram de todas as edições do RockGol
Campeonatos. O líder do Ultraje a Rigor veste a camisa do
Los Irados a Rigor (2000 e 2001), S.U.K.O. (2002),
Eléctrons (2003), Gaivotas (2004), Estressados (2005),
Peperônia (2006), Semsunga Bluewings (2007) e
Sociedade Esportiva Roger (2008). Os times anteriores não
tinham um nome definido.

− Tinha o Simpósio da Intel. Então vamos discutir a respeito de


tudo que a Intel é legal, mas o Atlon. Será que o Atlon é bom?
E os assuntos tecnológicos vão até o desenvolvimento dos raios
laser. Era impressionante, formas assim de blá blá blá gigantescas.
Cansados, todos vão dormir e como se a mente ficasse trabalhando
a noite toda… tec tec tec tec. No dia seguinte: − Estive observando
algumas coisas ontem… Era assim. Isso que é? É família, meu.

Um feliz reenconTro
Maurício aparece em São Paulo. Dia 18 de março de 1997, a
passagem do amigo na cidade reúne Leôspa, Carlo Bartolini e Roger
em um barzinho em Santo Amaro, o Black Jack. Sem ensaio, eles
relembram os velhos tempos. Nos juntamos de farra e tocamos sem
aviso, juntamos para sei lá, umas 50 pessoas talvez que estavam lá
e viram a gente tocar junto, conta Roger, que se diverte muito junto
com os ex-ultrajes; e Carlo Bartolini revela um pouco mais da farra.
Nos anos 90, a imprensa invade o ônibus do Ultraje a Rigor
em São Sebastião, SP.
Arquivo pessoal de Serginho Petroni/Fotógrafo não identificado − Eu gosto de tocar, por isso
sempre me divirto no Black Jack, o bar do meu grande amigo Murilo. Foi muito astral, nossa
performance foi cômica, mas o astral superou a performance.
No mesmo ano, mais uma parceria é registrada no álbum Músicas
para tocar em elevador(Sony), de Jorge Ben Jor. O Ultraje a Rigor
toca em A cegonha me deixou em Madureira, composição do
sambista e de Augusto de Agosto, que ganha a produção de Carlo
Bartolini.
Mas, no que diz respeito a atual formação, a situação do Ultraje
não é das melhores. Com um disco ao vivo nas mãos, eles passam
cerca de três anos sem gravadora. O guitarrista conta: era
desesperador e acabou acontecendo do Roger pedir uma diminuição
inacreditável da quantidade de shows, era o inferno na Terra. Por
conta disso, os músicos têm que se virar. Heraldo passa a tocar
bateria em uma banda de country, não tinha mais o que fazer.
Novamente ele é julgado antecipadamente quando tenta dar aulas,
mas todo mundo achava que eu era rico. Eu estava tocando no
Ultraje, então ninguém me ligava pra nada. Eu devendo
mensalidades na faculdade…
Por trás dos bastidores, a empreitada segue com Roger correndo
atrás de uma gravadora para lançar 15 anos Sem Tirar!. Ele tenta a
sorte pessoalmente. Quando vai negociar com a Sony, liga do Rio de
Janeiro, sei lá, acho que vai rolar, e ligava pra todo mundo, porque
ele estava preocupado também com tudo isso, explica Heraldo. Mas
com as desilusões, o clima dentro da banda sofre até o ponto em
que Heraldo estabelece um prazo para ele mesmo, se até junho de
99 não acontecer nada, eu vou seguir o meu caminho, porque três
anos de espera já é muito tempo. Um dia, conversando com
Serginho Petroni, conta desse prazo. O baixista indaga: cara, mas
você vai sair?
Heraldo chega a um ponto em que conclui que não pode mais
adiar uma definição em sua vida profissional e Serginho Petroni,
tentando fazer a minha cabeça pra eu não pensar desse jeito.
Tempos depois, Roger diz, em entrevista ao apresentador da MTV
João Gordo, que está com um trabalho pronto, por conta própria, e
todas aquelas pessoas que viviam atrás dele elogiando lhe viram as
costas quando ele precisa, afinal, está sem gravadora.
Um belo dia, Rafael Ramos lê uma matéria na revista Bizz sobre
essa procura de Roger para lançar um novo trabalho. Fã do Ultraje a
Rigor desde que frequentava festinhas em playground, Rafael
conversa com João Augusto, agora dono da novata gravadora
Deckdisc, que se interessa de imediato e telefona para Tom Gomes a
fim de saber como pode fazer para contatar o Ultraje.
− Eu disse a ele que estava falando com a pessoa certa, pois eu
era o representante da banda.
− A banda toparia gravar um disco ao vivo?
− Este disco já estava pronto e estávamos esperando que alguma
gravadora mostrasse interesse pelo mesmo para lançamento.
João Augusto embarca do Rio de Janeiro para São Paulo,
conversa com Júnior e Roger. Antes que o Ultraje a Rigor seja
contratado pela Abril Music, Roger vai até a WEA junto com o
empresário para tentar uma última cartada. Flávio recorda: ele botou
na parede pra dizer: a gente lança ou eu tô fora. Sem acordo,
providenciam a rescisão de contrato naquele momento. Mas as
músicas gravadas ao vivo são versões das que pertencem à WEA,
então João Augusto precisa pagar para lançá-las, por isso, para valer
a pena para a Deckdisc, é preciso também algumas músicas inéditas
no 15 Anos Sem Tirar!, que agora está prestes a se chamar 18 Anos
Sem Tirar!, afinal, essa trama toda dura até o início de 1999.
Quando o contrato com a Deckdisc se torna real, Roger liga para
Heraldo e avisa não só da novidade da gravadora, mas também
comunica que Serginho Petroni deixou a banda. O guitarrista fica
sem entender, pois há pouco o próprio baixista o tinha incentivado a
permanecer no Ultraje. Fiquei chocado. A última pessoa que eu
imaginava que ia querer sair da banda era ele, porque tinha muita
admiração pelo Roger. Heraldo liga para Serginho Petroni: − Cara, a
gente vai pegar a caneta e assinar, agora a coisa vai rolar.
− Não, não, mas não quero mais, vou seguir a minha carreira
como engenheiro químico.

Quando é convidado a integrar o Ultraje, Serginho Petroni está no


primeiro semestre da faculdade de engenharia. Em 1990 tranca o
curso. Embora fosse puxado, com o tempo ele percebe que é
possível conciliar as duas atividades.

− Os compromissos às vezes são de quinta à noite, sexta à noite e


sábado. Dá para ir de manhã à faculdade e ir matando as matérias,
né? Vou fazendo. O máximo que pode acontecer é eu me formar
engenheiro.
Durante a gravação do Ó! e a turnê para os Estados Unidos,
Serginho Petroni pausa os estudos, ao todo tranquei três semestres,
tinha professor que não queria dar a prova para mim em horário
diferente. Ele também acaba bancando, por sua conta, muitas
viagens de avião para dar tempo de acompanhar os shows. Foi uma
luta, eu gastei muito dinheiro. Mas eu percebi que se não fosse
assim, eu teria largado. E depois que eu me formei, não queria largar
essa atividade.
Por indicação de uma tia que trabalha no Instituto de Pesquisas
Energéticas Nucleares (IPEN) na USP, Serginho Petroni encara o
mestrado. A orientadora sugere um trabalho sobre tratamento de
água. Ele topa. Quando está terminando, quase para defender a
tese, Serginho Petroni percebe a que ponto chegou seu
envolvimento com a engenharia. Ao mesmo tempo, surge a gravação
das músicas inéditas para o 18 Anos Sem Tirar! e a promessa da
turnê de divulgação do disco.
− Aí o Roger apresentou as composições: Nada a declarar e mais
algumas. Eu vi todo aquele trabalho sério chegando e eu tô quase
para defender meu mestrado. O que eu vou querer da minha vida?
Acho que eu preciso tomar uma decisão, vai me doer, não sei nem
se vai dar certo o negócio de eu voltar a estudar e dar aula, mas
tenho que ser forte agora.
Roger chega a propor ao baixista para ele ficar mais um ano na
banda. Mas Serginho Petroni acha melhor começar o trabalho novo
com um músico que possa ir até o final da turnê.
− O Roger tem muito claro na cabeça que o Ultraje é ele. Ele é a
figura principal. E ele é um cara muito experiente, seguro e
inteligente. Então, ele tinha plena consciência de que eu saindo, não
ia acontecer nada de muito grave para o Ultraje. Ele ia chamar outro
cara e tentar encontrar uma pessoa legal. Eu tenho certeza de que
ele ficou muito satisfeito com o trabalho que eu fiz no Ultraje, ele já
me falou isso.
Apesar de não se ver abandonando todo o ideal de profissão que
construiu paralelamente ao Ultraje, a decisão deixa surpresa até a
família de Serginho Petroni. Por outro lado, ele garante, eu segui
mais o meu coração. Heraldo se convence, sente que quando o
amigo fala da engenharia o olho dele brilhava mais. Do Ultraje a
Rigor, Serginho Petroni leva boas oportunidades, alguns lugares que
foram inesquecíveis. Sejam pelas pessoas famosas que conheceu
ou pelas viagens que fez por ser baixista da banda. Em especial, a
memória guarda um show realizado no litoral de São Paulo, na Praia
Grande. Não sei quantas pessoas havia, mas estava lotada. Eu olhei
para aquele palco enorme e aí nós começamos a tocar, a galera
pulando e aquilo era um mega show mesmo. Isso é uma lembrança
muito forte.

Quando Serginho Petroni sai, Heraldo comenta com um amigo,


Márcio Alvez (guitarrista que depois acompanharia o cantor
Leonardo) que o Ultraje está precisando de um baixista. Este por sua
vez: − Pô, tem o Mingau que tá aí sem fazer nada, o cara tá numa
boa.
− Mingau?
− É, ele tocou no 365, no Ratos de Porão, acho que ele tem tudo a
ver com vocês.
Heraldo chega com o nome do baixista para Roger, que
imediatamente se recorda dele, um garoto que trabalhava no Napalm
em 1983, e também tocava na banda Ratos de Porão. O guitarrista
consegue o telefone, Roger liga e o convida para entrar na banda.
− Eu chamei o Mingau porque era um cara que eu conhecia desde
os anos 80, não chegava a ser um amigo porque não tinha muito
contato com ele, mas já era um cara com quem eu simpatizava.
O novo baixista fica tão feliz por entrar no Ultraje, banda que faz
parte de suas influências musicais, que de antemão sabe tocar
quase todo o repertório, aí tinha umas que eu não conhecia, que
foram dos últimos discos e Serginho Petroni se oferece para ensinar.
Mingau vai até a casa dele porque eu queria fazer direitinho.
− Passei as músicas para ele, dei uns toques… e ele não
acreditava. Na ocasião, Serginho Petroni gosta de um relógio da
MTV que Mingau está usando.
− Cara, toma o relógio.
O ex-baixista nunca se desfez do presente.
4
Depois do Napalm, Roger e Mingau se cruzam muitas vezes em
shows realizados na Universidade de São Paulo (USP) e em
diversos outros palcos.
− Eu era fanzão, ia aos shows, ouvia Beatles. Acho que as letras
que o Roger escreve são atuais até hoje. Inútil tem tudo a ver com o
momento.
Aos dez anos, Rinaldo Oliveira Amaral começa a tocar bateria
sozinho. Eu via as bandas punks e falei, quero fazer isso também.
Com um violão emprestado de um vizinho, ele começa a tirar
músicas de ouvido. Depois passa a tocar guitarra e, aos 14 anos,
entra para o Ratos de Porão, sua primeira banda. Nela, como
integrante mais jovem, ganha o apelido de Mingau. Na época em que
tinha as gangues de punk, eu era o mascote do Ratos. Em julho de
1982, gravam o pau-de-sebo SUB, pelo selo independente Devil
Discos, que além do Ratos de Porão, reúne Cólera, Psykóze e Fogo
Cruzado . Em novembro, participam do festival O Começo do Fim do
Mundo, que – além da punkadaria – rende um LP com o registro ao
vivo de uma música de cada banda. Do Ratos de Porão, entra na
coletânea Novo Vietnã. No ano seguinte, gravam Crucificados pelo
Sistema(Devil Discos). Em 1984, Mingau tem uma passagem
meteórica pelos Inocentes. Em pouco tempo, descobre o instrumento
de que realmente gosta. Me interessei pelo baixo, aí eu me
encontrei. Como baixista, ele toca no 365, banda que através da
Continental lança apenas um álbum autointitulado com o grande
sucesso São Paulo. Mais tarde a Legião Urbana cogita a entrada do
baixista, que não passa de alguns ensaios com Dado Villa-Lobos. Os
anos 1990 começam com Mingau de volta aos Inocentes (Estilhaços,
1992 – Came-rati eSubterrâneos, 1994 – Eldorado) e com a
construção de seu estúdio de ensaio. Em 1993 forma a banda
Vertigo com o vocalista Dinho Ouro Preto (ex--Capital Inicial), o
guitarrista Kuaker (ex-Yo-Ho-Delic) e o baterista Arnaldo. Eles
gravam um álbum autointitulado no ano seguinte pela independente
Rock it!, de Dado Villa-Lobos e André Mueller. Também em 1995,
Mingau grava com o Olho Seco (Haverá futuro – Decontrol). Três
anos depois, Dinho é convidado para voltar ao Capital Inicial e
Mingau, que também havia participado da banda de apoio da fase
solo do cantor, fica sem banda, mas contente pelo amigo.
− Puta, que legal, vai lá e vou correr atrás de outras coisas.
No início de 1999, ele resolve se mudar para o Rio de Janeiro,
onde sempre tem trabalhos para fazer. Uma semana antes da
viagem, Roger liga para Mingau. Foi legal porque eu ia ter que deixar
minha filha aqui e mudar para o Rio. Foi na hora certa.
O novo baixista é canhoto e autodidata. Ele não inverte as cordas
do baixo, apenas troca de lado o instrumento. No início, isso lhe
causava um probleminha, pois acabava esbarrando a mão nos
botões de ajuste de volume do baixo, mas ele resolve colocando fita
crepe para impedir prováveis desajustes. A iniciação à música ainda
muito jovem e a experiência adquirida com o passar do tempo
fizeram com que o fato de não saber ler partituras, somente cifras,
não o prejudicasse. Mingau revela que só perde um pouco de
velocidade ao fazer slap (técnica que consiste em bater nas cordas
com o dedão e puxar com o indicador produzindo um som
“estalado”)36, pois usa a mão direita. Talvez, por isso, no palco ele é
sério e concentrado. Tem um semblante fechado e não é de falar
muito e, quando está à vontade, seu sorriso é cativante. Ou talvez
seja apenas a timidez confessada diante da câmera, com sua voz
que parece ter a metade de sua idade.
Há cerca de 20 anos, Mingau ganha um baixo do luthier da Craft,
Tico, que se tornou seu fiel escudeiro, uso até hoje. O pessoal do
Ultraje costuma chamá-lo carinhosamente de “podrão”, por causa de
seu visual bem detonado.37
− Já tive vários, mas desse eu não me desfaço, de jeito nenhum,
porque o som dele é impressionante.
Com Mingau, o Ultraje a Rigor entra no estúdio Midas e grava
quatro músicas inéditas, compostas por Roger. Uma delas é Nada a
declarar, uma crítica a certos compositores brasileiros.
− Falava sobre essa falta de assunto da época, que também tinha
muito palavrão gratuito, baixaria nas letras das músicas, pagode,
axé, até o rock mesmo. Então nós fizemos essa música que falava
“cu” e houve rádios que fizeram sua própria censura. A gravadora
lançou uma versão que tinha a buzininha em cima.
Entre rosquinhas, sorvetadas na testa e as letras C e U
posicionadas para formar o desenho de margaridas, Roger, Heraldo,
Flávio e Mingau gravam o clipe de Nada a declarar, canção que
inclui duas participações especialíssimas para os papais. Uma delas
é a voz do pequenino André, filho de Flávio.
− Eu pedi pra ele falar e aí ele cantou: eu vou enfiar um palavrão e
eu gravei. Mostrei pro Roger e ele falou, vamo botá. Aí o Mingau já
veio e falou: então vou gravar minha filha.
Isabella, na ocasião com dois anos e meio, estava no estúdio
Midas com o pai, Mingau. A tia fica com ela no colo tentando fazê-la
falar.
− Minha irmã ficou: fala cu, fala cu.. ela falou várias vezes e a
gente pegou e aproveitou uma. Ela nem sabia o que estava falando.
Mingau comenta que o cachê de sua filha foram umas balinhas.38
A próxima faixa é O Monstro de Duas Cabeças, que alterna os
dois sentidos possíveis de “cabeça” na anatomia masculina de forma
sutil, sem nenhum palavrão. A gravadora recebe muitas reclamações
sobre a música, no sentido de que seria muito pesada, mas Roger
não compreende.
− Até hoje ficou esquisito de a gente saber. Não fazia sentido,
porque tocava na época Raimundos, por exemplo, na rádio, mas a
gravadora pediu… ok, então vamos fazer uma versão mais leve. Não
a letra, a instrumentação mais leve, fizemos e eles não tocaram
também.
Ele remete essa recusa a um possível jabá nas rádios, muito
recorrente a partir dos anos 1990.
− Não importava se a música tinha chance de fazer sucesso. Para
eles era: quero 30 mil para tocar na rádio e a gravadora dá. Se vão
tocar duas, três músicas de um disco no Brasil inteiro, isso chegava
a 600, 800 mil. Então, o que aconteceu, e está acontecendo nesse
momento, ainda mais com a concorrência da internet e MP3, é que
as rádios não têm como manter isso nem as gravadoras. As
gravadoras e as rádios começaram a quebrar. Eles próprios se
enredaram nessa sacanagem, nessa falcatrua que eles inventaram.
E o artista no Brasil nunca teve força de falar: ah é? Então não
vamos tocar. Tem sempre uma leva nova vindo, que não quer nem
saber ou, às vezes, nem sabem o que está acontecendo.
Na sequência de 18 Anos Sem Tirar! vemPreguiça. Quase um
autorretrato de Roger, segundo Flávio.
− O Roger deve ter até hoje, ele sempre teve umas crises assim
de não conseguir escrever nada, ele fala assim, meu, eu começo a
escrever, apago e não consigo continuar e um dia…
Eles estão dentro do ônibus e Roger aparece com a letra de
Preguiça. Flávio lê, acha demais e pede para ele cantar a melodia. E
por incrível que pareça ele é envergonhado, mas pega o violão e
começa a cantar.
− Eu achei horrível a melodia, falei putz grilo. Óbvio, por quê? Ele
já tinha imaginado essa música, é 100% dele. O arranjo, tudo.
Estava na cabeça dele, saiu pronta. Só que eu não consegui ouvir
aquilo no ônibus, falei: vai ficar uma droga. Quando ela foi sendo
gravada e colocando as guitarras e eu fui ouvindo aquilo, falei, cara,
essa música tá demais, é uma música feliz assim. Foi feita inteira por
ele, quer dizer, o que mostra mais a capacidade que ele tem mesmo
de fazer. É que a Preguiçaé a cara dele. Ele é preguiçoso.
Para completar as quatro inéditas pedidas por João Augusto,
Giselda. Finalmente 18 Anos Sem Tirar! está pronto em 1999.
Mingau ri ao lembrar de Nada a declarar: estourou aquela música lá
do palavrão. E pô, a gente fez muitos shows, foi bem bacana.
O baixista se enturma rápido e logo os demais integrantes
percebem que ele é o rei de inventar apelidos. Flávio ganha o de
Gasparzinho, pela falta de bronzeado .
− A equipe, principalmente o técnico de som, Fernandinho,
costumava chamar-me de Flavão. Eu não sei quem inventou
Jotalhão, eu era o grandão, mas eu achava engraçado, aí acho que
não pegou por causa disso.
Em agosto, o álbum atinge as 100 mil cópias vendidas. O Ultraje a
Rigor ganha disco de ouro. Em poucos anos, Heraldo se orgulharia
ainda mais pelo feito. A partir de 2004, a Associação Brasileira dos
Produtores de Discos (ABPD) corta pela metade as classificações. É
um dos últimos de 100 mil cópias, atualmente o disco de ouro é 50
mil, e tende a cair. A diretoria da Deckdisk comparece em peso para
a entrega do dourado no palco do Tom Brasil. Júnior ressalta que era
o início da Abril Music, éramos o primeiro CD de ouro deles,
prioridade total na empresa. Heraldo recorda que umas garotas de
biquíni vieram entregar, eu corri e peguei o meu, só havia dois. Eu
peguei um e o Flávio o outro. Os outros tiveram que esperar!
O 18 Anos Sem Tirar! demora tanto para sair, que Heraldo começa
a duvidar que o álbum ainda pode dar certo. Eu não bebo, mas eu
prometi que quando rolasse um disco de ouro, eu ia tomar todas. Ele
entra no camarim e avista uma garrafa de Red Label lacrada a sua
espera. Eu tomei aquilo tudo em 1h30. Fiquei bêbado até as 5 horas
da tarde do dia seguinte.
18 Anos Sem Tirar! ultrapassa a marca das 200 mil cópias. Na
fase “ao vivo”, Heraldo aparece de cavanhaque, Roger tem os
cabelos mais curtos e presos para trás, Mingau está com um de seus
inseparáveis bonés, Flávio emagreceu e raspou os cabelos. Desse
jeito, eles colocam o pé na estrada e começam uma nova turnê.
Em setembro de 1999, Roger recebe um convite há muito ansiado
pela revista G Magazine. “Nós queríamos porque queríamos ele na
revista! Era uma espécie de sonho materializar a letra da música
Pelado: “Pelado, pelado! Nu com a mão no bolso!”39
Um dia ligam para o escritório do Ultraje a Rigor, o empresário
atende e às gargalhadas repassa a oferta para Roger. Para surpresa
geral, o músico responde que topa fazer o ensaio fotográfico. Mim
gosta ganhar dinheiro também na capa da revista daquele mês.
− Bom, eu não tenho nenhum problema em posar, mas eu quero
um bom dinheiro. Daí eu fiz a proposta, eles aceitaram eu falei ok,
então vamo aí.

A volta do pelado & cia


Com o lançamento de 18 Anos Sem Tirar! a média de shows sobe
para cinco a oito apresentações por mês. Nesse momento, o público
começa a perguntar sobre a volta do Ultraje a Rigor e descobre que
a banda nunca acabou. Flávio explica a sensação: − A gente estava
fazendo show todo fim de semana, não era show pra duas mil
pessoas, era de casa cheia pelo Brasil. Só que a gente não tocava
em São Paulo, essa é a diferença. É que se você não está na mídia,
você não existe. Só que o Ultraje, mesmo não estando na mídia,
sempre tinha show. O fato de começar a ter menos show era porque
o Roger não queria. Ele começou uma época a falar, cara, não quero
ficar viajando todo fim de semana e ficar dois dias em casa, ele
decidiu isso, agora eu quero fazer um show por semana, só. Ele
diminuiu, porque vender show, sempre vendeu.
Para o Ultraje a Rigor, a década de 1990 se encerra com o álbum
ao vivo. Eles competiram com a popularização dos grupos de axé,
pagode e as duplas sertanejas, além do rock contemporâneo que
permitia tudo transitar. Entre a MPB, como fez Cássia Eller ou entre o
hardcore, o ska, o funk e as pistas de skate, como faz o Charlie
Brown Jr. Em 1999, a banda santista é responsável por algumas das
canções mais executadas no país, como Zóio de lula de seu
segundo álbum (Preço curto… Longo prazo – EMI MUSIC). Dessa
safra, invadem as rádios também, Anna Júlia, dos Los Hermanos,
música de disco homônimo que também traz uma participação
especial de Roger nos vocais de Bárbara. Minha alma (a paz que eu
não quero) do Rappa e o auge dos Raimundos (Só no forevis –
Warner), comMulher de Fases, A mais pedida eMe lambe também
encabeçam a lista das mais tocadas. Assim como o Ultraje a Rigor,
os Engenheiros do Hawaii continuam com apenas um membro
remanescente, Humberto Gessinger. A Legião Urbana se dá por
encerrada com a morte de Renato Russo, em 1996, vítima da Aids,
que também levou Cazuza seis anos antes. Paulo Ricardo, Arnaldo
Antunes e Fernanda Abreu investem na carreira solo.
Se existe alguém que não engole sapo no Ultraje, esse posto tem
que ser dividido entre Roger e Flávio. Se bem que nada nunca foi tão
sério assim, a ponto de terminar mal, a não ser no início de abril de
2000. E Flávio admite: − Eu e o Roger, a gente argumentava,
discutia, nunca nada muito sério, mas eloquente. Batia de frente às
vezes, quer dizer, cabeça dura minha também, cabeça dura dele. A
gente se dava bem, tanto que quando viaja, um senta ao lado do
outro, então não era problema de relacionamento, era mais um
problema de ideias. Quando eu queria uma coisa, brigava por aquilo,
nunca desrespeitei ninguém.
Mas um dia eles estão em Uberlândia, Minas Gerais. Descem dos
ônibus e sobem ao palco para a passagem de som. O clima parece
não muito bom entre os dois, a equipe percebe, conta Flávio. O
pessoal não gostava porque a gente estava sempre rindo e era muito
legal. Quando ficava um clima um pouco ruinzinho, o pessoal ficava
meio chateado. Eles começam a ensaiar como de costume. De
repente, Roger manda parar a música no meio e reclama: pô, Flávio,
você está fazendo um negócio diferente aí.
− Para chutar o pau da barraca, falei: ah, você não vai pegar no
meu pé hoje, né, cara?
É o bastante para os presentes começarem a desviar o olhar para
baixo, para o lado, para cima, como quem não quer dar importância
ao que pare-ce ser o início de uma séria briga. Roger volta a tocar e
começa a rir. Ninguém consegue encará-lo. E novamente ele para a
música. Irritado, Flávio joga as baquetas no chão, começa a falar um
monte de palavrão. Ele se levanta e grita: não vou tocar nessa
merda. Um dos roadies, Fernandinho, senta no chão, coloca as
mãos sobre a cabeça e dá por certo o fim da banda. Roger fala de
um lado, Flávio sai gritando de outro e chega o produtor, correndo,
tentando amenizar a situação: não, pera aí, pelo amor de Deus!
Porém, Flávio não para. Caminha em direção à mesa de som na
frente do palco e a equipe vai atrás: calma Flávio, vamos
conversar…
O baterista é irredutível: eu não vou tocar, eu vou embora, quero
saber onde é que é a rodoviária… Roger coloca mais lenha na
fogueira: é, vai embora mesmo, não vai fazer falta… e mais gente
tentando segurar as palavras do líder da banda. Até que Flávio dá a
cartada final: pega o microfone e ameaça despejar frases que
destruiriam qualquer relação. O outro técnico, Bill, tenta tomar-lhe o
microfone e diz para ele não se manifestar. Tudo em vão, Flávio vai
em frente e manda: Escuta aqui seu bando de bunda mole, primeiro
de abril.
Na confusão, ninguém percebe que Roger, desde o início, tentava
disfarçar o riso e Flávio, para não entregar o jogo, encena muito
bem. Os caras queriam me matar. De tão provável que era a briga, a
gente ainda brincou com isso. Hoje, Roger, assim como Flávio,
continua às gargalhadas quando lembra da peça que pregaram, mas
o vocalista confessa: até eu estava me sentindo mal, ele não parava
com a brincadeira e estava ficando mal pra mim porque eu que
estava criando caso.
O plano foi arquitetado dentro do ônibus, enquanto os outros não
subiam. Flávio é quem dá a ideia: − Pô, a gente podia pegar os caras
em alguma coisa hoje, primeiro de abril.
Roger: é.
− E se insinuasse uma briga em cima do palco? Na passagem de
som?
− Pô, pode crer, eu vou falar que você está tocando errado.
Combinados, os caras de pau sabem que é uma brincadeira, mas
ao mesmo tempo: a gente já falando, um tocando na ferida do outro
ali, que eram coisas que podiam acontecer realmente, não que
tinham acontecido, mas que podiam pegar pesado.
Ainda em 2000, o Ultraje a Rigor é convidado a entrar na
coletânea Todas as Garotas de Ipanema (Abril Music) com uma
versão da quase homônima canção criada em 1962 por Tom Jobim e
Vinícius de Moraes. E Roger participa do álbum de estreia da banda
gaúcha Bidê ou Balde, Se Sexo É o que Importa, Só o Rock É Sobre
Amor! (selo Antídoto, distribuído pela Abril Music) com a música
Melissa.

Uma só voz numa canção


No final de 2000, os shows diminuem novamente e se estabilizam
por volta de quatro ao mês. Neste mesmo ano, o empresário Tom
Gomes abandona a carreira de empresário. Para me dedicar à minha
editora[Espetáculo] e ao Grammy Latino. Júnior passa a cuidar
sozinho do Ultraje. Inicia-se 2001 com o que Heraldo chama de a
coroação máxima. A terceira edição do festival Rock in Rio acontece
“por um mundo melhor”, de 12 a 14 de janeiro, retomando de 18 a
21. O Ultraje a Rigor entra no “Palco Mundo”, o principal, às
20h40min do dia 14, depois do Ira!, com direito a Should I stay or
should I go, do The Clash, tocada pelas duas bandas ao mesmo
tempo. Antes as atrações são: Pato Fu e Carlinhos Brown (que, mal
posicionado, leva latinha na cabeça). Esse domingo tipicamente
roqueiro continua com shows das bandas Papa Roach e Oasis,
fechando a noite com Guns n’ Roses.
E para Heraldo, talvez a sensação de “coroação máxima” deva-se
também ao fato de ver em cima do palco, assistindo ao show, sua
esposa, Ana Paula Olinto Niederauer, grávida de seu primeiro filho,
Patrick.
De acordo com o site Folha Online, Roger dedica a músicaFilha da
Puta “aos lalaus do Brasil que, felizmente, estão começando a ir para
a cadeia.”40 Toma grande repercussão um dos maiores escândalos
de corrupção no Brasil. Trata-se do juiz aposentado Nicolau dos
Santos Neto, foragido há mais de 200 dias, acusado de desviar
169,5 milhões da verba total da construção do Fórum Trabalhista de
São Paulo (TRT-SP). Ele se entrega à Polícia Federal no Rio Grande
do Sul, dia 8 de dezembro de 2000. Permanece durante sete meses
em prisão especial, depois consegue direito a prisão domiciliar, mas
Roger talvez tenha cantado vitória antes do tempo: em maio de
2006, Lalau é condenado a 26 anos e meio de prisão, pelos crimes
de peculato, estelionato e corrupção em regime fechado inicialmente,
porém no dia seguinte já cumpre a pena em regime domiciliar.
Flávio assiste ao primeiro Rock in Rio em 1985. Ele guarda na
memória as apresentações das bandas Queen, Yes, AC/DC e volta
para casa com lama até os joelhos. Quando chega à Cidade do Rock
para se apresentar, ele tem 31 anos e nota tudo muito diferente:
arrumaram um monte de coisa, então não parecia nada igual ao que
eu lembrava.
Roger, Heraldo, Mingau e Flávio estão no camarim,
acompanhando os shows por um telão. Eles poupam as energias,
bebem água, vão ao banheiro e aguardam a vez. Até que alguém
avisa: ó, 15 minutos para subir. Não há escada, para chegar ao palco
têm de subir uma rampa. Quando se dão conta da dimensão
gigantesca do “Palco Mundo”, a boca de Mingau fica seca. São 250
mil pessoas na plateia, as luzes se acendem e no momento em que
Flávio vê a legião de fãs, ele se lembra de quando tinha 16 anos e
estava no andar de baixo, o gramado. A adrenalina demora a passar,
só depois cai a ficha.
− Na hora que eu tô na bateria tocando, eu entro meio num transe,
num sei explicar como que é, some, eu não penso em nada, nem na
música. A música vai mais automático. Eu fico vendo cores e
formatos diferentes, às vezes eu não consigo nem reparar no
público, só que nesse show eu consegui fazer as duas coisas: eu
entrei no transe do show, mas ao mesmo tempo eu ficava abismado
de ver aquele mar de gente, era uma coisa absurda, pulando e
gritando e cantando todas as músicas. O próprio Roger também era
assim, ele entrava num transe, às vezes falava no palco com ele
entre uma música e outra, ele nem lembrava depois o que tinha
acontecido. E neguinho achava que a gente subia no palco drogado,
sempre falaram: você tava doidão. Eu falava: cara, você não vai
acreditar, deve ser a única banda de rock do mundo que ninguém
bebe, ninguém fuma, ninguém cheira, ninguém faz nada. A gente
subia totalmente com a cara limpa.
Essa formação do Ultraje a Rigor tem um comportamento muito
mais tranquilo do que as anteriores. Certas rebeldias adolescentes,
que num primeiro momento fizeram parte do espírito do Ultraje a
Rigor, são deixadas de lado por Roger e os demais integrantes
chegam com outros ideais e numa época diferente. Heraldo
confirma: − A gente era meio tudo sossegado. Ninguém usava droga.
Eu não bebo, nunca usei droga, o Roger já estava careta há bastante
tempo. O Flávio tomava uma cervejinha, vez por outra tomava um
uísque e só, o que mais bebia era o Sérgio Petroni, que bebia
cerveja e depois ia dormir.
Ao participarem do Rock in Rio 3, Heraldo indaga: que porra de
banda de rock é essa? A gente é muito comportado. Para tirar essa
impressão, os ultrajes saem de cena mostrando a bunda com
transmissão pela Rede Globo. Mais tarde no camarim, Roger fala
sobre o evento carioca como algo que faltava no currículo do Ultraje
a Rigor e brinca com a atitude da cantora Cássia Eller, que levantou
a blusa durante apresentação um dia antes. Foi inspirado nela,
inclusive, nós falamos que legal, vamos fazer igual? Só que ao invés
de mostrar os peitos…41 e ele cai na gargalhada ao lado de Nasi e
Edgard Scandurra.

Desde antes de Serginho Petroni deixar a banda, um certo


desânimo rodeia os integrantes. O ex-baixista revela: nessa época,
também tinham algumas divergências com o Heraldo e o Flávio em
relação ao Roger, estava começando uma coisa que foi explodir na
saída dos dois. Heraldo confessa que depois de tanto ansiar para o
lançamento de 18 Anos Sem Tirar!, sentia como se tirasse um peso
das costas e qualquer coisa que acontecesse depois do disco ao
vivo, eu aceitava, inclusive sair.
Roger começa compor para um novo álbum, Os Invisíveis, e leva
as primeiras letras para todos os integrantes ouvirem. Uma atitude
que leva tempo e confiança.
− Ele demorou, mas depois de uma época, começou a pegar as
letras antes de ficarem prontas e mostrar pra gente. Começar a
trocar as ideias pra poder fazer as letras de música, mas é aquela
história, eu via e falava, não vou fazer melhor do que isso. É do jeito
que você fez e tá bom.
Contudo, dessa vez o baterista avisa ao líder que não está no
pique para participar dessa nova produção. Porque eu não tô
entendendo ainda aonde é que você quer chegar e eu vou te
atrapalhar, então, cara, manda bala e a gente vê depois.
Heraldo e Flávio começam a se afastar do Ultraje, e Roger acaba
encontrando o apoio que esperava em Mingau. O baixista traz ideias
que se ajustam ao perfil do novo trabalho, como a simplicidade do
punk. Flávio e Heraldo caminham numa direção mais elaborada, ou
como o guitarrista define, mais instrumentista, de arranjo.
− E eu sou mais maluco ainda, porque gosto de ensaiar, o Roger
não gosta, o Flávio não gosta, mas faz porque sabe que é
importante. Então, tem um disparate, começou a ter esse tipo de
problema.
Roger e Mingau gravam as primeiras demos, fazem testes e,
quando terminam o material do disco, chamam a outra metade da
banda para ouvir e ensaiar. Durante esse processo, Heraldo e Flávio
ficam de fora e não tinha problema nenhum isso de eu não querer ir
lá e participar, nunca cobrou nada disso. Mas quando chega a hora
do Ultraje se reunir por completo, Flávio revela: − Eu comecei a ouvir
as músicas e eu não consigo fingir que tô gostando de alguma coisa
e ele [Roger] já me conhece.
Roger para tudo, tira a fita e por alguns instantes fica quieto.
Depois começa uma conversa sincera com Flávio.
− Você não gostou, né?
− Não, mas tá cru ainda e tal.
− Não tá cru não, é isso mesmo que vai ser…
− Cara, se você acredita nisso que você tá fazendo vai em frente.
Eu vou até onde der, porque eu não vou largar a banda do nada, não
de bobeira, eu gosto do Ultraje.
Daí em diante, várias outras conversas acontecem. Flávio está
cansado de viajar, quer passar mais tempo ao lado do filho. Todavia,
ele também acha que deve haver uma divulgação maior da banda,
Roger quer o oposto, mas até então, são questões que podem entrar
em um denominador comum, o que pesa mesmo são as novas
composições.
− Quando a gente começou a ensaiar as músicas pro disco, eu
não me senti bem tocando, é embaçado.
Preocupado, Roger pede a Rafael Ramos para dar uma força a
Flávio, porque ele também é baterista e poderia ajudar com algumas
ideias. Flávio recusa.
− Quando o Rafael veio falar comigo, eu já imaginei que fosse
isso, eu virei pra ele e falei, cara, não é nada contra você, mas o
problema aqui você não vai conseguir resolver. Então, deixa a gente
ver até onde vai, dá suas opiniões como produtor, ali na hora do
ensaio, e deixa a gente seguir porque o problema é maior.
Rafael Ramos conta o que presencia ao chegar aos ensaios: −
Realmente, percebia-se de cara que o Heraldo e o Flávio não
estavam familiarizados com o estilo proposto. Tentamos muito, por
horas a fio, no estúdio de ensaio, só que não estava rolando
musicalmente. Nunca teve clima ruim com a turma do Ultraje. Todo
muito se respeitava muito. Sempre.
Roger quer que Flávio toque uma coisa e ele quer tocar outra e, ao
mesmo tempo, não consegue achar uma terceira alternativa que os
dois aceitem. Roger não cede e com toda a razão, pensa Flávio.
O problema se resolve assim que Roger se enche de coragem
para novamente tomar uma das decisões mais difíceis de sua
carreira. (A primeira foi a conversa com Leôspa).
− A segunda foi falar com o Heraldo e com o Flávio, que eram
pessoas com quem eu me dava bem e gostava. Olha, vocês me dão
licença, mas não está indo bem do jeito que está e não era nem uma
coisa de… aliás nunca foi de dinheiro. Eu vou chamar outros caras.
Ainda no estúdio de ensaio, o baterista, que já tinha a intenção de
deixar o Ultraje, concorda e sente até um alívio.
− A ideia começou a ficar muito longe, a forma de falar e de
pensar. Não que ele esteja errado ou que eu não concorde, é que foi
até melhor assim, porque ele seguiu o caminho que ele queria e eu
acabei seguindo outro que eu queria, mas enquanto eu estava lá,
concordei com tudo que ele estava dizendo.
Já a saída de Heraldo é para evitar um possível futuro problema
igual. Ele admite que a gota d’água é quando falta liberdade. Roger
começa a ficar incomodado, porque ele estava falando nota por nota
do que deveria ser tocado nas novas composições. A gente chegou
a essa conclusão de que, naquele momento, o encanto não estava
mais virando. O líder conta: eu notei que a coisa estava meio assim,
uma certa má vontade ou uma falta de interesse talvez. Flávio
acrescenta mais um motivo: a gente se entendia brigando e com o
Heraldo não. Então ele não queria brigar com o Heraldo exatamente
pra não deixar a coisa chata.
Marcos Kleine em show realizado no Anhembi, SP, em 02/02/2010.

Foto Rafael Rezende/www.assuntodigital.com

Roger e Marcos Kleine no show no Anhembi, SP, em


02/02/2010.
Foto Rafael Rezende/www.assuntodigital.com

É muito difícil você manter uma banda na sua formação


original. Há exemplo de bandas lá de fora ou até daqui. O
Ultraje é um exemplo em que as formações mudaram
bastante, mas eu acho que quando você tem um front como
o Roger, tudo bem. Desde o início já estava meio que
definido. Ele compunha, ele que fazia praticamente tudo, ele
era o cara que direcionava. Então, de certa forma, o mérito
é dele. O Leôspa tinha a sua identidade, o Maurício
também, quer dizer, são músicos que trabalhavam com ele
há muito tempo. Os outros integrantes tinham o seu
carisma, mas o carisma maior estava na figura do Roger, as
pessoas sempre identificaram o Ultraje pela figura do Roger
e não necessariamente pelos outros componentes. Com
todo respeito aos músicos… mas de certa forma, tem
sempre um líder que se destaca, então é a mesma coisa o
Dinho e o Capital Inicial. O Dinho é o front da banda, como
o Roger também. Aquele fã mais radical pode até achar,
poxa vida, o Maurício era melhor, o Leôspa era melhor ou
era mais legal, mas acho que com o tempo, ele acaba se
acostumando com essa mudança. Se ele gosta do Roger e
do trabalho do Roger, ele vai se acostumar com outros
músicos, porque foram substituídos por músicos tão bons
quanto aqueles que saíram.
Kid Vinil
Os ex-integrantes são unânimes quando se referem ao momento
exato em que saem da banda, pois, se gravassem Os Invisíveis, tudo
leva a crer que a relação entre os músicos desandaria. Flávio ainda
completa: ia acabar virando uma coisa pessoal. Fecha-se mais um
ciclo da história do Ultraje a Rigor. Flávio e Heraldo tocam na banda
por 11 anos. O guitarrista lembra com saudades da liberdade que
tinha. O Roger me deu a oportunidade de experimentar uma nova
sonoridade nas próprias músicas do Ultraje. Antes de entrar para a
banda, Heraldo ficava imaginando outras formas de tocar as mesmas
composições que ele já achava legais na essência. E apesar desse
espaço aberto para novas ideias, observa que essa mesma essência
é o tesouro de Roger, que ele segura até hoje com mão de ferro.
− Foi um processo de transformação natural, porque eram três
músicos diferentes da formação anterior e o Roger segurava a onda.
Não deixava a gente influenciar demais, por exemplo, em
composição, isso ficou centralizado com ele, mas quando entrava a
questão do arranjo, por exemplo, dois, três solos que ele imaginava e
pedia pra eu fazer, mas o resto eu tive a oportunidade de tocar
Ultraje do jeito que eu quis.
Quando Roger comunica que está pensando em chamar outros
músicos, falta uma semana para o início das gravações definitivas do
quinto álbum de inéditas do Ultraje a Rigor.

O remanejamento
Para que se tenha dimensão da importância do Ultraje a Rigor na
vida de um músico, é preciso voltar à sua infância e apresentá-lo.
Seu nome é Marco Aurélio Mendes da Silva. Ele nasce em Brasília a
27 de junho de 1971 e cresce ouvindo muita música.
Seu pai, Osvaldo, ouve desde o camaleão do rock, David Bowie,
até o paraibano Zé Ramalho; já o gosto da mãe, Maria, vai da
cantora de MPB, Elis Regina, à banda alemã precursora da música
eletrônica, Kraftwerk.
Marco é uma criança quando Brasília começa a concentrar os
jovens que, sem mais nada para fazer, formam as turmas no final
dos anos 1970. Em poucos anos, a capital federal apresenta suas
primeiras bandas de rock.
Aos 11 anos, Marco entra no Colégio Dom Bosco e conhece sua
turma de amigos: Alf, Lui, Beto e Gustavo Rosa. Eles começam a
montar algumas bandinhas. Em função de eu ser brasiliense, a
vivência musical lá é muito forte e era muito comum isso na época,
não sei por quê. Além da cidade, dos pais e do espírito contagiado
por música dos amigos, Marco é influenciado pelo irmão mais velho,
Maximiliam, que toca baixo. Às vezes, ele ia ensaiar em casa, ouvia
o baixo, me interessei inclusive inicialmente a tocar baixo, depois é
que fui tocar bateria.
No mesmo ano, 1982, Marco está andando no pátio do colégio e,
de repente, escuta: − Bacalhau! Bacalhau!
Num é comigo, né?, ele pensa.
− Bacalhau! Bacalhau!
Caramba, esse Bacalhau não vai olhar não?, imagina Marco.
Curioso, o garoto olha para trás e se depara com três amigos que
estudam na mesma sala de aula.Só lembro de dois: Badalhoca e o
Marcelo de Paula. Ah, e tem outro, o Zé, primo do Beto (que seria o
baixista do Rumbora). Depois desse dia, Marco fica mais conhecido
como Bacalhau. Sei lá porque Bacalhau, ou para os amigos mais
chegados, Baca .
Logo, Bacalhau quer aprender a tocar baixo. Pede o instrumento
de presente para a mãe. Ele insiste tanto, que um dia Maria
concorda em ir a uma loja ver quanto custa esse tal baixo com que
seu filho sonha.
− Pô, mãe. Tá aqui o baixo, um Giannini Sonic azul, igual do Steve
Harris, do Iron Maiden.
A mãe pergunta ao vendedor o valor e acha meio caro. Mas
Bacalhau pede: − Mas, poxa, vamos ver como é que é.
E o vendedor ainda acrescenta o amplificador à compra. O garoto
lembra da interrogação de sua mãe: am-pli-fi-ca-dor?
Com o novo preço, Maria vira-se para o filho: − Pô, meu filho,
deixa pra próxima. Agora não vai dar.
No caminho de volta para casa, Bacalhau está frustrado e acaba
indo parar na casa do amigo Alf, onde costuma ouvir música. Lá ele
encontra um par de baquetas velhas, inclusive uma das baquetas era
diferente da outra. Brincando, ele começa a batucar numas
almofadas e no encosto do sofá. Isso aqui é maneiro demais.
Bacalhau começa a estudar sozinho. Digo que meu professor de
bateria foram as duas canetas bic, um sofá e o meu walkman. E aí
aprendi de observar e de ouvir, de tentar, tentativa e erro.
Mais ou menos um ano depois, Bacalhau está no colégio. É hora
do recreio, ele corre… repentinamente escuta uma música, ele fica
estático. Foi instantâneo o efeito que causou em mim. Eu tive que
parar tudo, ouvir a música até o final pra pensar assim, pô, que
banda é essa? Quem é essa galera?
A música é Eu Me Amo. A banda se torna uma de suas grandes
influências. Aí, com 14 anos mesmo, eu pilhei, comecei a correr atrás
e arranhar alguma coisa. Aos 16 anos, Bacalhau entra na sua
primeira banda, o Little Quail and the Mad Birds, com o vocalista e
guitarrista Gabriel Thomaz (hoje na banda Autoramas) e o baixista
Zé Ovo preenchem diversos espaços alternativos. O baterista
adolescente sabe o que deseja de seu futuro. Estudava por estudar,
trabalhava por trabalhar, mas eu sabia que uma hora eu cairia de
cabeça na música. A primeira bateria, comprada anos depois, é uma
Saema preta com pratos Ziltanann e vem de um amigo, que ficou
sabendo de um outro amigo que tinha o instrumento para vender. Ele
enche a boca para dizer: − Comprei com a minha grana, com o meu
trabalho de office boy do Banco do Brasil. Juntei cada centavo. Ainda
tenho algumas peças dela: o bumbo, o ton ton e a caixa que não
funciona, mas guardo como relíquia.
Durante a adolescência, Bacalhau lembra que nas festinhas que
frequentou, era obrigatório tocar o disco Nós vamos invadir sua
praia, lados A e B. Ai daquele que ousasse chegar perto da vitrola
para mudar o disco. Era ejetado da festa. E, assim, ele aprende o
repertório dos ídolos.
O tempo passa e o Little Quail chega a São Paulo para divulgar
uma demo. O jornalista e produtor Carlos Eduardo Miranda convida a
banda para entrar na coletânea A vez do Brasil, da rádio 89 FM. Em
1994 eles lançam o Lírou quêiol en de méd brás, pelo selo Banguela
Records. Apesar das dificuldades, o Little Quail encontra amigos em
São Paulo. A gente veio morar na casa do Bernardo Ri Cupero e do
Luis Bernardo Pericás, duas figuras extremamente gentis e fraternas.
Nessa ocasião, Bacalhau se muda definitivamente de Brasília, busca
realizar seu sonho de músico e acaba aprendendo muito. Uma
verdadeira escola de lidar com gravadora, produtor, televisão, jornal,
público. Foi demais.
Dois anos mais tarde, o Little Quail lança o segundo álbum: A
Primeira Vez que Você Me Beijou, depois Bacalhau sai da banda
para integrar o Rumbora, com os antigos amigos de Brasília: Alf
(guitarrista e vocalista) e Beto (baixista), mais o guitarrista Biu.
Contratados pela Trama, o Rumbora estreia em 1999 com 71, título
que faz referência ao ano de nascimento de todos os integrantes. No
ano seguinte, sai Exército Positivo Operante. Em 2001, o Rumbora
abre o show dos ingleses The Mission no Via Funchal, onde
Bacalhau ainda é convidado a substituir o baterista Scott Garrett, que
havia quebrado o braço dias antes. Também tocam na Tenda Brasil
do Rock in Rio III, e no final desse ano, Bacalhau deixa a banda. Por
várias vezes ele encontrara com o Ultraje a Rigor nos camarins dos
shows. Em uma delas, topa com Roger e tem a oportunidade de
tocar com ele. Tudo por causa de um projeto que sua turma trouxe
de Brasília.
− Num longínquo ano, eu, o Digão [guitarrista] e o Alf não
tínhamos nada para fazer no Natal e combinamos de nos encontrar
na chácara do Alf, para tocar depois da ceia.
Cada um levaria seu instrumento e fariam um showzinho
despretensioso, mas pouco antes de chegar a hora de se
encontrarem, Digão liga e muda os planos, marcando o encontro na
casa do Renatão, no lago. Eles topam. Quando chegam ao local
combinado, tomam um susto, pois avistam umas 500 pessoas na
frente da piscina, churrasqueira, equipamento montado e todo
mundo esperando a gente tocar.
O show começa por volta de 1h e termina às 8h sem parar. Rock,
rock, rock, pô, foi demais! Eles se divertem tanto que combinam de
tocar no ano seguinte. E nessa a gente fez o “Papai Nóião”, que
durou pra lá de 10 anos. Todo Natal, a mesma galera se encontrava
em Brasília depois da ceia.
O público aumenta a cada ano, até que os músicos decidem
estipular o máximo de 700 pessoas, mas várias outras ficam do lado
de fora. Rock n’ roll até o último falar não aguento mais, aí para 9, 7,
10 da manhã.
Quando esses músicos se mudam para São Paulo, por volta de
1997, a ideia vem junto e eles chamam mais amigos. Assim, juntam-
se várias bandas: Ira!, Ultraje a Rigor, Raimundos, Charlie Brown Jr.,
Natiruts, Rumbora, Tihuana, Inocentes, RPM e outros.
Em uma das vezes, sobem ao palco Bacalhau, Digão, Alf e Roger,
tocando Ultraje a Rigor no KVA e eu lembro que, na época, o Roger
pirou, falou: porra, vocês sabem mesmo e fica muito bom com vocês.
Vocês tocam a fim mesmo.
Fora do Rumbora, Bacalhau passaria os próximos meses sem
tocar, só estudando. Pirei em música brasileira. Ele começa a
estudar percussão e ouve muito candomblé, além disso, também cria
e desenvolve pratos de bateria da fábrica Orion Cymbols.
Um belo dia, depois que Mingau e Rafael indicam o nome de
Bacalhau para assumir a vaga de baterista, Roger se lembra: pô, é
mesmo. Já toquei com ele algumas vezes, foi demais, mas será que
ele vai topar?
Não, né? Bobagem!, pensa ironicamente Bacalhau.
O baterista acredita que Roger guardou na memória o show em
que tocaram juntos. Eu tenho certeza que ele se lembrou dessa
oportunidade e falou, eu acho que vai funcionar sim, porque eu já
tive a prova dos sete.
Uma noite, Roger liga para Bacalhau e pergunta: − E aí? Tá a fim
de entrar na banda?
− Lógico, velho. É uma honra.
Nesse instante, uma cena volta à cabeça de Bacalhau: − Foi
incrível receber esse telefonema do Roger… Ouvir aquele timbre de
voz que eu ouvi com 14 anos lá em Brasília no pátio do Dom Bosco,
um cara que também foi responsável por eu estar correndo na hora
do recreio e ouvir Eu me amo, aquilo mexeu comigo. Mexeu com
aquele adolescente que se transformou no músico que eu sou… 30
anos depois praticamente. Não, mentira! Não sou tão velho assim,
20 anos praticamente. O cara me chama e fala, vamos nessa? Foi
demais!
Quando entra para o Ultraje, Bacalhau sabe de cor o repertório,
menos as inéditas, que ele tem uma semana para aprender.
Enquanto isso, outro telefonema dá origem ao que Roger chama
no site da banda de “A volta dos que não foram”. Para empunhar a
guitarra solo, ele pensa em Serginho Serra, guitarrista com o qual
nunca perdeu contato.
− Algumas vezes que eu vinha em São Paulo, encontrava o Roger
e, quando ele ia no Rio, dava canja.
Em 2002 Serginho Serra está tocando com o Arnaldo Brandão e o
Plano D no Rio de Janeiro. Um dia recebe um telefonema muito
surreal de Roger. O líder do Ultraje explica o que está acontecendo,
diz que tem um disco pronto e pergunta se ele topa gravar Os
Invisíveis.
− É lógico! Responde imediatamente Serginho Serra, eu fiquei
muito contente, com a possibilidade de voltar para a banda.
Roger entrega uma demo para os dois novos membros. E diz: − Ó,
é mais ou menos isso daí, vai ouvindo…
Em uma semana, acontecem dois ensaios para sentir o espírito da
nova formação. O fotógrafo Marcos Hermes registra esses ensaios,
que acabam virando material para divulgação da banda. Bacalhau
conta que, quando Roger está inspirado, ele desce até seu estúdio e
com uma bateria eletrônica faz uma guia, as bases da música, os
refrões, os prováveis arranjos da harmonia e da melodia,depois a
banda em estúdio se reúne pra arranjar mesmo, dar a cara pra coisa.
Bacalhau deixa tudo de lado e dedica-se 24 horas por dia à guia
de bateria que Roger fez.
− Quando você toca numa banda espontânea como o Ultraje a
Rigor, também não tem muito mistério, não. Era entrar em estúdio,
experimentar, dois, três takes e gravando. Matou assim. E é o que eu
acho que você sente nesse disco, que é totalmente urgente,
espontâneo e impetuoso.
Os Invisíveis ganha corpo nos Estúdios Tambor, no Rio de Janeiro,
e no Estúdio Anonimato em São Paulo, em junho de 2002. O nome
do disco é uma referência à falta de repercussão do Ultraje a Rigor
na grande mídia nos últimos anos. Bacalhau comenta: − Mais uma
vez a mídia, como sempre, vem se transformando com o passar dos
anos. Os valores vão se invertendo e se esquece um pouco de se
respeitar a história que se vem escrevendo. Então não foi muito
levado em conta, não. Tocou até bem, não como deveria – eu acho.
Ele revela como rola o entrosamento dos invisíveis durante as
composições. O Roger é super aberto, um cara incrível. É lógico que
ele é o grande mentor, mas ele está muito aberto a ouvir, de repente
a gente corta essa parte, se permite improvisar.
Em agosto, o Ultraje cai na estrada novamente, com as inéditas.
Esta canção, composição de Roger, conta com o apoio de três vozes
femininas: Tatiana Parra, Cida de Souza e Ângela, além da atenção
direcionada para o violino de Helena Piccazio e a harpa de Marcelo
Penido. A próxima faixa do álbum é de Gabriel Thomaz e Renato,
Miss Simpatia. Na sequência a alto-astral que puxa o disco, sendo
uma das mais executadas no Brasil no dia do seu lançamento,
Domingo eu vou pra praia ganha um clipe produzido por Cristian
Targa e Cristiano Martins, em que os ultrajes tocam sem
malabarismo, a não ser pela imitação de surf em terra firme de
Serginho Serra e Roger. Bacalhau aprova: acho demais esse clipe, é
mais a cara da banda, estúdio mesmo tocando, cenas de surf. Rafael
Ramos revela que todos queríamos a banda tocando. Corri atrás de
uma galera que fazia umas imagens em película, de surf, e comprei
um minuto de fita pra colocar no clipe. O disco também inclui I’m
Sorry, a preferida de Mingau.
− Eu acho que é bem mais a minha cara, é um skazinho bem
bacana. O Velho Surfistaé uma instrumental da dupla Roger e
Mingau. Eles compõem A Gente É Tudo Igual. As cinco últimas
faixas são todas do líder: Me Dá, Me Dá um Olá, que vira trilha
sonora da novela Malhação e rende um clipe caricatural. Bacalhau
compara os desenhos dos músicos aos clipes da banda Gorillaz.
− Acho bem legal. Se eu tivesse mais autonomia no momento,
dinheiro pra poder parar e dizer: não tá bom. Volta. Mas essa coisa é
muito difícil no Brasil. Eu mudaria algumas coisas. No clipe, não acho
os personagens tão parecidos assim com os membros, mas o clipe
ajudou bastante a divulgar a banda.

Já o clipe de Agora É Tarde Bacalhau considera um fiasco. Eu


detesto, acho a produtora dele uma mala sem alça, encheção de
linguiça. Foi um verdadeiro cano na banda e na gravadora.
Desculpa, não é nada pessoal. É só uma opinião.
A música Onda representa a capa de Os Invisíveis, com um
conceito baseado no equilíbrio do símbolo chinês yin yang.
Encerrando o álbum, a quase declamação-afirmação Todo Mundo
Gosta de Mim, que também entra para uma novela da
Globo,Belíssima.
Na cabeça de Serginho Serra não há a menor possibilidade de
voltar a ser o guitarrista do Ultraje e de repente, após um telefonema
de Roger, eles se encontram no Rio de Janeiro. Mingau tocou com
Serginho Serra. Bacalhau gravou o projeto Combat Rock, com Dado
Villa Lobos, Dinho, Herbert Vianna, João Barone e Mingau em 2001.
O baixista conta: então foi fácil, rolou um entrosamento natural.
A turnê do Ultraje a Rigor continua com as limitações de espaço
devido à fobia de Roger, mas às vezes ele abre exceções. Bacalhau
lembra que Brasília se enquadra nesse caso. Porque o público lá é
sempre muito receptivo, muito caloroso com o Ultraje,
impressionante! O baterista não se esquece de um show que assistiu
na sua terra natal, com Plebe Rude, Legião Urbana e Ultraje para
fechar o dia no estádio Nilson Nelson.
Uma pausa para entender o que
mudou
Serginho Serra é o único integrante que participa do Ultraje de
1987 até 1990. Ele volta mais de uma década depois, em 2002, e
percebe que o próprio Roger mudou. Não era mais aquela farra. E eu
achei até legal que fosse assim, tocar bem nos shows e conviver
com essa formação nova deu supercerto. Ele vê que a principal
diferença é o amadurecimento da banda.
− Você não vai quebrar o apart-hotel, não vai encher a cara e
ficar… não tem nada a ver isso. Inclusive, na época, o Ultraje era
conhecido por uma banda que fez um montão de loucuras. Você sai
do show, vai para o hotel, meio que ou você faz uma festa no hotel e
vai de manhã para outro lugar, ou você dorme e acorda cedo aí
aaaaaaa! [imita a gritaria dos fãs] o tempo todo aquela coisa, muita
gente, sucesso, luzes. É uma vida que não tem nada a ver com a
vida real.
Durante uma entrevista para a VJ da MTV, Didi, em 2002, Roger,
rode-ado pelos demais integrantes, diz: − A gente viu uma crítica
falando… ah, os caras… as músicas não são tão engraçadas, quer
dizer, na verdade não é a nossa ideia que elas sejam engraçadas,
são divertidas. [Faz uma breve pausa e continua] E nós somos
engraçados.
Todos riem, comprovando a piada e o baixista brinca: Os Invisíveis
ficou invisível mesmo. Júnior revela que o álbum passou pouco mais
de 25 mil cópias vendidas.
O Ultraje a Rigor não perde a essência bem-humorada, mas deixa
para trás a rasa intimidade inicial com os instrumentos, a intensa
convivência nas estradas, as aparições constantes na grande mídia
e todas as consequências que isso acarreta numa banda de rock,
inclusive as festas que podiam transportá-los para um mundo quase
irreal, longe dos problemas ironizados nas canções. Entretanto,
Roger comenta que a formação atual do Ultraje conserva um pouco
de todas as fases da banda: − Nos anos 90, foi um grupo
superestável, mas o pessoal não era tão divertido, vamos dizer
assim. Era mais músico mesmo e isso também colaborou para que o
Ultraje fosse se firmando, não só como uma banda engraçada, mas
os caras realmente tocam bem e hoje em dia nós temos uma
formação que é um pouco dos dois, mas não é a mesma época, não
é o mesmo espírito.
Ele admite que, num determinado momento, começa a sentir falta
de ter realmente aquela criatividade, a parte mais artística de todo
mundo. Existe uma linha a ser seguida por todos os músicos, o que
não garante que na hora do show todos façam o que Roger chama
deum xerox de um negócio bonitinho. Ao vivo, Serginho Serra,
Bacalhau e Mingau são músicos que chamam a atenção do público –
que Roger ressalta, o público gosta não só do líder da banda, mas
tem as suas preferências.
No ano seguinte, 2003, o Ultraje participa do Brasília Music
Festival. Quando se fala em shows especiais, Serginho Serra e
Bacalhau concordam em destacar este. Há cerca de 60 mil pessoas
esperando para vê-los fechar a noite de 27 de setembro. O
guitarrista garante: − Foi o melhor show que eu fiz com o Ultraje a
Rigor, desde que eu entrei. Nós tocamos superbem nessa noite,
depois ouvimos a gravação, foi um puta show mesmo. Todo mundo
achou isso, tinha uma banda chamada Live, eles adoraram o show
da gente e o equipamento da gente chegou numa van pequenininha,
enquanto os outros chegavam em caminhão e nós com um
equipamento bem simples. Alguém comentou, os caras chegaram
aqui numa Kombi, nada de mais, e foi o melhor show. Agora isso
aconteceu porque não estávamos pensando, pô, vamos fazer um
puta show. A gente pensou, vamos tocar à vontade…
É a terceira e última noite de shows, que começa com Móveis
Coloniais de Acaju, segue com Tihuana, Os Pelicanos da Lua,
Charlie Brown Jr., 10Zer04, Live, PontoCom, Khallice e Hapax.
O baterista reclama da prioridade que a organização do Festival dá
às bandas gringas, pois dão pouca importância, estrutura para banda
nacional, e joga o Ultraje para um dia ruim e fica essa dança de
horário. No final, o Ultraje fecha o último dia do festival.
− A gente entrou e engoliu o Live e a galera veio ao delírio, a
poeira levantou, todo mundo cantando todas as músicas. Sérgio
Serra quebrando guitarra, eu jogando bateria pra baixo do praticável
[estrutura ou palco que se monta embaixo da bateria]. A gente lavou
a alma.
E mais um músico destaca esse show no Distrito Federal como o
melhor que fez com o Ultraje a Rigor. Meu primeiro show em Brasília
marcou muito! Não conhecia ninguém da banda além do Roger (fui
apresentado a todos no palco!), recorda Ricardo Aparecido dos
Santos Júnior, o Ricardinho.
Ele passa a acompanhar o Ultraje a Rigor, desde então, como um
reforço dos vocais. Nascido em 1983, o goiano tem à flor da pele o
principal requisito para integrar a banda: basta olhar para trás. Ainda
criança, fez um comercial em Goiânia interpretando o Ringo dos
Beatles, foi assim que tive meu primeiro contato com um
instrumento! Aos sete anos, monta sua primeira banda, a Revolution,
com Hilton Júnior, um dos garotos que também participa do
comercial. A banda toca covers dos Beatles. Ricardinho começa a
estudar violão.Fiz umas 6 aulas pra aprender os acordes básicos e
comecei a tocar baixo, tive de me desenvolver sozinho. Em 1995, a
Revolution passa a se chamar Bitkids e assina contrato com a
Polygram. O baixista ainda toca na banda Os Bizarros e acompanha
a cantora Valéria Costa. Quatro anos depois, Ricardinho se muda
para São Paulo, onde entra para a banda Itariri. Em 2002, participa
como substituto temporário da banda-tributo Beatles 4ever!, no papel
de Paul McCartney. No ano seguinte, com a banda Beat Soul Ever,
ganha um festival de bandas covers dos Beatles e, como prêmio,
toca no bar Cavern Club42, em Liverpool, onde os próprios Beatles
começaram a carreira.
Em um dos shows dos Beatles 4ever!, Ricardinho conhece Roger.
Ele disse que precisava de alguém pra cantar na banda, já que o
Mingau e o Sérgio Serra não cantavam. Trocamos telefone. Meses
depois, Roger liga: − Temos um show depois de amanhã em Brasília
e gostaria que você participasse.
Ricardinho se identifica com o Ultraje desde criança. Sempre tive
mais ligação com o rock dos anos 50, 60 e 70 e o Ultraje tem esse
estilo. Ele também tocava o repertório nos bares e afirma que se
trata de uma das mais importantes bandas do rock nacional,
influenciou muita gente por aí (inclusive eu!).
Serginho Serra costuma brincar com os possíveis pais de
Ricardinho. Talvez o corte de cabelo ou o seu rosto de traços finos
seja o motivo de algumas pessoas da plateia levarem a sério.
− O Serginho sempre diz nos shows que eu sou filho da Luciana
Gimenes com Paul McCartney.

Ainda em Brasília, Bacalhau consegue realizar um sonho. Ele


assiste a todos os seus ídolos do rock nacional tocarem na clássica
casa de shows AABB e, por isso, quer muito tocar lá. Até que um dia,
assim como Legião Urbana, Escola de Escândalo, Plebe Rude,
Capital Inicial e Ira!, o Ultraje a Rigor toca na AABB e Bacalhau está
em cima do palco.
Ainda em 2003, o Ultraje quase vira história em quadrinhos. Ota, o
editor da revista Mad, quer usar caricaturas dos integrantes da banda
para fazer humor. Roger acha uma boa ideia, se o caricaturista
acompanhar os músicos e expressar a personalidade e a história de
cada um. Mas…
− Não eram as nossas histórias, se fossem, eu até teria
concordado. E nós queríamos ver o desenho.
Os quadrinhos apenas teriam a cara e o nome do Ultraje a Rigor,
não seriam sobre os ultrajes. Daí eu não deixei. E Roger também
não deixa usar o nome da banda para produtos oferecidos,
principalmente, na década de 1980.
− Era figurinha do Ultraje a Rigor, brinquedo do Ultraje a Rigor e
tudo isso eu achava até que podia render dinheiro, mas que não
tinha a ver com música. Eu consegui manter a integridade, podia ter
vergonha, não de ter um bonequinho com a minha cara que ia ser
bonitinho, mas sei lá, Ultraje a Rigor virar uma coisa que seria mais
apropriado para Xuxa.
No ano seguinte, 2004, um primo do Ultraje amadurece e ganha a
oportunidade de se mostrar ao vivo e em cores. Roger e Mingau
nutrem a vontade de montar uma big band para tocar grandes
clássicos do rock dos anos 1950. O baixista conta: a gente teve a
mesma ideia. Aí eu falei pô, vamo montar esse time, eu fiquei
agulhando ele pra gente fazer. Até que um dia, Roger consegue o
espaço que falta.
− O dono do antigo Rádio Club falou que estava querendo fazer
um projeto lá que era parecido com o que eu tinha. Eu falei: eu
penso em fazer esse outro.
O Rádio Club é um espaço multicultural que surge na década de
1980. Atualmente, chama-se Avenida Club e continua sob o
comando de Telmo Cortes de Carvalho e Silva. É ele quem garante o
espaço em Pinheiros toda quarta-feira para Roger e Mingau tocarem
como integrantes da Fabulosa Orquestra de Rock n’ Roll, mais um
cachezinho quase que simbólico, porque pra dividir em 12… e Roger
queria mais músicos no projeto, mas você tem que oferecer alguma
coisa pra esses músicos: dinheiro, prestígio, sei lá, ou só o gosto
pela música já é meio caminho andado, mas mesmo assim, é difícil.
Mingau trata de chamar um parceiro, Mário Fabre, baterista com
quem toca na banda de Leo Jaime e no DVDGeração 80 (produzido
pelo canal a cabo Multishow), além do guitarrista Marcos Kleine, que
o acompanha em sua outra banda, a Vega. Roger convida um ex-
baixista do Ultraje, Osvaldinho, para integrar o time. Desde que saiu
da banda, sempre esteve por perto. Num show realizado no SESC
Pompeia, Roger e ele tocam covers dos Beatles. Mas Osvaldinho
prefere ver a banda pronta para assumir o teclado e, a pedido de
Roger, indica alguns cantores de estúdio: Ringo, Ângela Márcia e
Maria Diniz.Como eu já conheço eles no estúdio e eles abrem a voz
na hora, nunca desafinam, dei o fone deles. Eles toparam e foram.
Mas ainda falta uma voz, a de Paulo Campos, o Paulinho. − O
Roger me foi apresentado por uma cantora de jingles, Ângela Márcia.
Ainda em 2003, Paulinho é convidado a integrar A Fabulosa, além
do cantor Rubinho e um saxofonista que Roger encontra.
− Eu conhecia um outro, ele não podia e me indicou o [Octávio]
Bangla e acabou. A banda era isso. A ideia é tocar por bilheteria,
todo mundo topou e foi nessa.
Os ensaios acontecem durante cerca de três semanas. A Fabulosa
estreia, Osvaldinho entra. Eles tocam por três meses no Rádio Club
e gravam um CD ao vivo.
O repertório inclui canções covers, algo de que Roger sempre
gostou e fez no início do Ultraje, mas, como ele mesmo diz, com
outra abordagem.
− Eu não queria simplesmente tocar alguns clássicos manjados
como uma nostálgica banda de baile costuma fazer em casamentos
e outras festas caídas. Minha ideia era garimpar aquelas verdadeiras
pepitas esquecidas no tempo, aquelas que até hoje deveriam servir
de inspiração, seja pela riqueza, pelo inusitado ou pela beleza.
Depois da gravação do CD, em primeiro de setembro de 2004, A
Fabulosa se desfaz. Mingau lamenta o fim da experiência.
− Eu achei até que fosse dar continuidade nisso, mas aí pra juntar
todo mundo era aquela coisa, então foi ficando complicado. Aí parou.
Infelizmente.
Roger conta que até hoje tem convites. Porém, os problemas que
impedem a continuidade da Fabulosa vão além de conseguir reunir
todos os músicos, que desenvolvem outros trabalhos: tem que ter
transporte, comida, hotel pra 12. O palco tem que ser maior. Sem
falar que não existe mais a banda. Osvaldinho ainda analisa que
esse não é um problema só da Fabulosa: − Não tem um lugar que
comporte. O Brasil é radical, é tudo ou nada. Tava falando com um
amigo meu que é executivo e ele falou :o Brasil não tem classe
média. O que eu achei estranho, porque ele cuida disso, de grandes
empresas, e ele analisar isso, achei engraçado, porque eu penso
isso. Falei, olha só, então quer dizer que eu tenho a sensação certa.
O Brasil não tem um lugar que você possa tocar e dê alguma grana.
Você faz um show para milhares de pessoas, ou você tem que tocar
você e um violão num barzinho.
5
Cabelos longos, eles não usam mais e só não tocam suas
guitarras no Acústico MTV. Em 1992, a MTV Brasil importa da versão
americana o conceito unplugged. Desconectar. Criar uma nova
roupagem das músicas.
Programas gravados com Marcelo Nova e Barão Vermelho servem
de piloto, depois o Acústico MTV coloca em evidência muitos outros,
como Legião Urbana (1992), Titãs (1997), Paralamas do Sucesso
(1999), Capital Inicial (2000), Cássia Eller (2001), Kid Abelha (2002),
Charlie Brown Jr. (2003), Ira! e Engenheiros do Hawaii (2004). Em
2005, chega a vez do Ultraje a Rigor. Embora o convite já tivesse
sido feito anteriormente, logo que a MTV começou a realizar
acústicos de bandas famosas, Roger ainda demoraria algum tempo
para ter certeza de que o projeto daria certo.
− É lógico que as gravadoras queriam sempre. Nós pegamos meio
o declínio do acústico e a ascensão do disco pirata. Foram duas
coisas que mudaram muito o mercado, mas a gravadora queria e
insistia com a MTV para fazer o convite. Sabia que ia ser bacana. Eu
não batalhei nada, nem a banda. E nós tínhamos dúvidas até se
nosso tipo de som iria funcionar na forma acústica.
Serginho Serra entrega que a primeira resposta de Roger foi
negativa. E volta e meia ele sempre estava procurando um motivo
para não fazer. O guitarrista lembra que, há cinco anos, o Capital
Inicial fez o Acústico MTV, o que lhe rendeu a volta à mídia. Ficou
como programa que alavanca bandas conhecidas que estão
esquecidas e na verdade, o Roger não estava nem aí para isso. Mas
Bacalhau, Mingau e o próprio Serginho Serra gostam da proposta e
dos programas feitos antes por outras bandas, além disso,era uma
forma de colocar essa formação em evidência. E os três passam a
conversar possibilidades e insistir com Roger… eu acreditava, todo
mundo acreditava nisso, só o Roger que não.
Um dia, no estúdio de Roger, o Ultraje ensaia nesse formato para
ver o que acontece. As músicas não se descaracterizam, os arranjos
originais são realçados e Roger está confortável para cantar. O
convite é aceito. Bacalhau fica maravilhado com o novo trabalho. Ele
se recorda de todos os passos, desde o dia em que foi para a casa
de Roger começar os ensaios,vamos para o estúdio do Mingau
gravar as primeiras músicas, só o quarteto. Agora vamos para um
estúdio maneiro mesmo, ensaiar a banda toda. Estúdio pé direito
alto, tudo microfonado. Algumas questões ainda soam na sua
cabaça: qual que é a bateria? Qual que é o kit que vai ser para o
acústico? O PA [ torres de som posicionadas no palco] que eu vou
usar ali?
São três semanas no porão da casa de Roger ensaiando e surge a
ideia de reunir para esse projeto todos os que já haviam passado
pelo Ultraje a Rigor. É a primeira vez que o líder cogita a
possibilidade de um revival ou algo parecido.
− Mas teria que ser todos ou nenhum, porque achava que ia ficar
esquisito convidar uns e não convidar outros. E logo de cara, o
Maurício não ia poder, depois Leôspa disse que não queria, então já
nem fiz o convite para o Flávio, Heraldo, Serginho Petroni.
Um dia Heraldo encontra Roger no aniversário da sobrinha do
vocalista.
− Ele me cobriu de desculpas, olha eu não vou te convidar pra
fazer, porque tem muita gente, se eu for chamar um, tem que chamar
o outro, não quero criar problema diplomático. Espero que você
entenda.
− Tudo bem. Se bem que, por 11 anos de casa, eu tinha esse
direito. O Flávio e eu merecíamos, mas tá tudo certo.
− Pô, obrigado, valeu.
Heraldo se conforma com a decisão de Roger: − No final das
contas, é o trabalho dele. Ele deve saber o que é melhor pra ele. Era
uma banda, mas é tipo o Aerosmith, Steven Tyler é o cara e a banda
endossa o que ele faz. O Ultraje era isso. A gente endossava o que o
Roger tinha na cabeça, aí quando esse endosso começou a ficar
meio estranho, foi procurar gente que tinha mais a ver com essa
história, que é a banda que tá lá agora.
Mais tarde, o ex-guitarista assiste ao show acústico.
De qualquer forma, o Ultraje a Rigor precisa de um reforço e acaba
duplicando de tamanho. Um dos convidados é Paulinho, que
participou da Fabulosa. Ele inicia a carreira aos 17 anos, cantando e
tocando contrabaixo na banda The Lovers, depois na Alpha Centaury
e no The Clevers, por último, canta na Express. Sua grande
influência vem da família: minha mentora e digníssima irmã, Vera
Veríssimo, que à exceção da última banda, sempre atuou comigo.
Paulinho admira muitos ídolos: Ray Charles, Stevie Wonder, Al
Jarreau, Little Richard, Tony Bennett, Gladys Knight, Anita Baker,
Chaka Khan, James Brown, Elis Regina, João Bosco, Ivan Lins e
Milton Nascimento. Com os dois últimos, ele cantou na década de
1990, além de Edu Lobo e Jazz Sinfônica, Tom da Terra, Simone,
Vanessa, Zezé de Camargo e Luciano, Raça Negra, Leonardo, Gal
Costa, Amado Batista, Fábio Jr., Roberto Carlos, Nelson Gonçalves e
Rita Lee. Também trabalhou com artistas internacionais, como Alice
Cooper e John Anderson (vocalista do Yes).
Outro recrutado para o Acústico MTVé Antonio Rozas Sanchez, o
Manito, que se encarrega dos saxofones, clarinete, flauta e
percussão. Um dia, Manito está tomando café num bar da Rua
Teodoro Sampaio, ao lado da loja de instrumentos onde trabalha, a
Ébano Music, quando encontra Roger. Acho que foi onde surgiu a
ideia dele me chamar. Porque até então, a gente conversou, mas
não falamos nada a respeito da banda.
Manito nasce em Galiza, na Espanha, em 1943. Seu pai Marcelino
Rozas, tinha uma orquestra e daí surgiu seu envolvimento com
música. Aos quatro anos, Manito já toca bateria, o primeiro de muitos
instrumentos que fariam parte de sua vida. Depois, com dez anos,
comecei a estudar acordeão, violino. Aí, depois de moço, comecei a
estudar saxofone, flauta e, profissionalmente, fiquei mais como
saxofonista. Eu tenho uma queda muito grande por saxofone. Eu
toco, começa a aparecer coisa legal.
A Guerra Civil Espanhola (1936 até 1939) faria Marcelino lutar no
posto de cabo de canhão antiaéreo. Em seguida, com a Segunda
Guerra Mundial e a depressão europeia, ele fica desgostoso. Manito
se recorda: ele não aguentou mais, falou chega, vamos embora! E
vêm para o Brasil pai e filho em 1951. Durante três anos, meu pai
trabalhando e eu tocando e estudando, até que nós conseguimos
trazer minha mãe e minhas irmãs. Foi quando nós montamos Los
Hermanitos. Essa é a primeira banda de Manito e suas irmãs:
Esperanza, Maria e Margarita. Elas o chamam carinhosamente de
Manito/maninho/irmãozinho. Depois, elas se casaram e dos
Hermanitos, ficou só Manito.
Quando toca bateria, Manito se inspira no norte-americano Gene
Krupa, que era um baita baterista. No acordeão, seus preferidos são
Oswaldinho do Acordeon e Toninho Ferragucci. E ao falar dos ídolos
do sax, olha para trás onde estão pendurados na parede da loja
Ébano, quadros de John Coltrane, Charlie Parker e John Anderson.
Na flauta,Altamiro Carrilho, por exemplo, só posso me inspirar nele
também.
O multi-instrumentista é chamado de lendário e não é só por todos
os membros do Ultraje a Rigor, pelo público também. Em 1962, ele
toca com Mingo (vocalista e guitarrista), Risonho (guitarrista),
Netinho (baterista) e Nenê (baixista) na banda The Clevers, a qual,
após dois anos, se torna Os Incríveis. Eu acredito que eu faço parte
da formação deles [atuais integrantes do Ultraje] como músicos e
como banda. Por causa dos Incríveis, foi um conjunto popular
também que fez muito sucesso por muitos anos. Um dos mais
expressivos deles Era um Garoto que Como Eu Amava os Beatles e
os Rolling Stones.
Em 1973, Manito forma o Som Nosso de Cada Dia, com Pedrinho
(baterista e vocalista), Marcinha (vocalista), Egídio (guitarrista), Dino
Vicente (tecladista) e Rangel (percussionista). No mesmo ano, eu
mesmo me emprestei do Som Nosso para os Mutantes, substituindo
Arnaldo Baptista no teclado até 1974. No Som Nosso de Cada Dia,
Manito continua até pouco antes dos anos 1980. Tudo que eu ganhei
dos Incríveis eu perdi no Som Nosso de Cada Dia, porque era uma
banda que trabalhava muito pouco e eu tinha que sustentar os
músicos, mas eu sustentei os músicos até a última gota. Quando não
deu mais, eu falei ó, acabou a banda. Vamos cada um cuidar da sua
vida, porque a minha reserva já foi. Daí em diante, Manito torna-se
um músico freelancer. Participa das gravações de discos em estúdio
com Garotos da Rua, Engenheiros do Hawaii, Camisa de Vênus e Zé
Ramalho. Até que o Roberto Carlos me convidou para programar a
orquestra dele. Fiquei dois anos e meio lá.
Manito também dá esporádicas aulas particulares de música, toca
no quinteto de saxofones, Saxomania, em que toca sax-alto com
Walter Pinheiro, mais Chico Filho e Daniel Leicand (sax-tenor), João
Cuca (sax-barítono), Ivan Decloedt (contrabaixo) e Nestor Gomes
(bateria).
Pouco antes de ser chamado para integrar o Ultraje a Rigor, em
junho de 2004, Manito volta à Espanha. Fui pra dar um passeio,
acabei ficando cinco meses. E quem conhece o Brasil e sai do país,
com certeza, vai sentir saudade, quer voltar. Não existe país melhor
no mundo. Por isso, ele regressa. Pouco depois, o convidam para
trabalhar na temporada de inverno na Espanha. Ele passa mais dois
meses no país de origem. Manito diz que foi sorte. Quando eu voltei,
recebi o convite do Roger.
Para o piano e voz, é convidado o antigo parceiro Osvaldinho. E
agora, além da voz, Ricardinho toca violão de 12 cordas. Grande
apoio reunido, é hora de ensaiar mais 15 dias com a orquestra. Em
seguida, o Ultraje passa a realizar os ensaios no Estúdio Lokall em
São Paulo, onde acontece a gravação do Acústico MTV em 22 e 23
de junho de 2005.

Faltam cinco dias para o primeiro dia de gravação. A pedido de


João Augusto e Rafael Ramos, Roger compõe uma inédita de
presente para o Acústico MTV: Cada um Por Si. Depois ele fala
sobre a nova canção:me surpreendeu até, não parece muito comigo,
mas talvez pareça e eu que não saiba. 43
Rafael Ramos explica a importância de Cada um por si.
− Meu pai, eu, todos insistiam com o Roger que aumentaria as
chances de um bom trabalho do Acústico se tivéssemos pelo menos
uma inédita. Roger batalhou muito pra fazer essa música.
Apresentou no estúdio mesmo. Todos gostaram de cara. Alívio total.
Somos muito gratos a ele por isso.
A banda consulta a MTV sobre se pode deixar alguns fãs mais
assíduos assistirem ao ensaio um dia antes, já no local onde
aconteceria a gravação. E a organizadora concorda. Roger conta por
que os ensaios anteriores não puderam ser assistidos: acho que isso
iria nos atrapalhar. No ensaio, a não ser que seja só nós que nos
conhecemos, dá uma certa tensão. Ninguém quer ficar errando em
público. Mas, antes dessa exceção, um outro show que funciona
para testar a resposta do público acontece na escola de música
EM&T, onde os fãs tiveram de correr atrás de poucos ingressos. E
esse era o ensaio para nós, para vermos se estava mesmo
funcionando antes de gravar o Acústico.
O repertório é escolhido, em parte, privilegiando as canções que
ganham com o novo formato. Roger explica as diferenças: − Era uma
característica forte do Ultraje ter vozes, porque o Maurício, o Leôspa
e o Edgard cantavam, então nós procurávamos dividir as vozes e
como o nosso modelo, mais uma vez, os Beatles, Beach Boys etc…
e isso foi se perdendo nos anos 90. O Flávio cantava, mas aí ficavam
só duas vozes. Depois que o Flávio saiu, ninguém cantou.
Eles também resgatam uma ou outra música, porque achávamos
que não tinha sido bem aproveitada na época. E alguns clássicos
como O chiclete, Marylou e Sexo!!, que Roger diz ter ficado vazia,
acabam sendo excluídos porque não cabia, fazer o quê? Alguma
tinha que dançar, né? Em compensação, Pelado, por exemplo,
ganha com o arranjo de flauta. Mesmo assim, o Ultraje não as deixa
de tocar durante os ensaios e na gravação. Quem esteve presente
pôde conferir. É o caso de um dia a gravadora poder chegar e lançar
sei lá o quê ou lançar na internet porque tão lá e ela é dona do
material.
Até uma velha história é cogitada para entrar no Acústico MTV. A
me-nina de Chapecó continua mandando durante muito tempo
cartões de aniversário para Roger. Até 1995 talvez, depois foi a um
show mais tarde, em Curitiba. Depois, não sei, perdi o contato. Não
sei se casou, o que foi, mas eu nunca mais ouvi falar.
No entanto, na época em que está gravando o Acústico MTV, o
líder do Ultraje, por coincidência, encontra com uma parente dela
num bar. Ele fica sabendo que a mãe da garota faleceu, o pai
também, um pouco depois do episódio em Chapecó. A menina
também ficou superconstrangida na época de ter que passar por
isso, mas agora estava tudo bem. Roger relembra que teve de voltar
a Chapecó exclusivamente para prestar o depoimento total, com
advogado. E hoje pode rir da situação: tirei foto com todo o pessoal
da delegacia, quer dizer, nem o pessoal lá acreditava, mas tinha que
seguir com o processo. Mas, lá em Santa Catarina, toda vez que eu
ia, tinha que tocar a música.
Na primeira parte de Santa Inocência, principalmente, nós
chegamos a pensar em fazer mais curta para o Acústico . Isso
porque no início se fala sobre ter de crescer, ganhar
responsabilidades de um adulto.
− Então, criei a música falando sobre isso. Não perca sua
inocência, cuidado com o que você vai ser. Senão vai acabar sendo
o contrário do que você podia ser. E essa é uma das coisas que eu
me orgulho, consegui levar uma vida sem ter que me contaminar,
tanto assim, com esse tipo de coisa.
No fim das contas, Crescendo II fica de fora do Acústico MTV, que
reúne o seguinte repertório: Zoraide, Ah, Se Eu Fosse Homem…,
Filha da Puta, Inútil, IFC, Eu Não Sei, Jesse Go, Rebelde Sem
Causa, Cada Um Por Si, Me Dá um Olá, Mim Quer Tocar, A Festa,
Maximillian Sheldon, Ciúme, Ponto de Ônibus, Agora É Tarde, Nada
a Declarar, Eu Gosto de Mulher, Pelado, Giselda, Terceiro e Nós
Vamos Invadir Sua Praia. E Roger revela quem esteve na balança da
decisão: − A escolha do repertório foi meio uma luta, mas numa boa.
Um pouco entre o que eu queria, um pouco entre o que a gravadora
queria e precisava também para divulgar o disco, mas foi um
consenso bom.
O Acústico MTV Ultraje a Rigor, além de uma seleção de 22
músicas, traz mais três faixas bônus: Johnny B. Goode, Great Balls
of Fire e Slow Down. Há também extras como o making of dos
ensaios e um minidocumentário sobre a história da banda, contada
pelo próprio Roger e alguns dos integrantes que passaram pelo
Ultraje, com direito a trechos dos ensaios para Nós Vamos Invadir
Sua Praia, a música que continua sendo a predileta de Roger.
− É uma música que eu gosto muito da concepção melódica. Tem
a letra muito bem construída e é uma das únicas músicas que eu
posso dar uma soladinha. Eu gosto de solar, mas ainda estou
aprendendo e jamais vou solar como o Sérgio Serra. Eu gosto de
fazer base, é a minha especialidade realmente. Mas me orgulho
muito de praticamente todas: Pelado, Terceiro, Inútil, até Ciúme. Eu
digo até Ciúme, porque eu não esperava. Foi uma música que eu fiz
meio despretensiosamente e aconteceu. É um dos maiores sucessos
do Ultraje. Tem algumas dessas músicas que ficaram também temas.
Pelado, cada vez que repórter e fotógrafo mostravam alguém que
ficou pelado. Aí tem Mim quer tocar, dinheiro, Sexo!!, quando fala de
sexo. Ficaram assim o refrãozão, serve para ilustrar a matéria,
engraçado… é a gíria, né?
Enquanto a banda se prepara de um lado, de outro a equipe da
MTV arruma o cenário. A primeira ideia é passada para o Ultraje por
meio de esboços. São quadrados em preto e branco que formam um
xadrez nas paredes do estúdio. Mas Roger não gosta e contesta.
O Acústico MTV revigorou, de certa forma, o Ultraje, mesmo
para as novas gerações. Eu acho que o rótulo banda dos
anos 1980 é uma coisa que não dá para fugir, se é uma
banda que apareceu nos anos 80. O próprio Ira! atinge uma
nova geração graças ao acústico, assim como o Ultraje, e
não está tão rotulado assim, mas todo mundo sabe que a
banda começou na década de 1980. A mesma coisa os
Titãs, são bandas que fizeram sucesso, marcaram a década
de 80, então é inevitável que as pessoas lembrem. Apesar
de que eles nunca pararam, eles sempre continuaram
gravando. Mas é que as coisas mudam. Hoje tem outros
estilos de bandas. O próprio Lobão, hoje, está atingindo
uma outra geração que nem viveu a década de 80 e está
conhecendo o trabalho dele graças ao acústico. Acho legal
atingir um público bem variado. Quando essas bandas
começaram, elas atingiam de criança a adulto, então não
existia uma barreira de público. Hoje também acaba
acontecendo muito disso. Essa forma da MTV divulgar as
bandas através de um acústico é justamente pra ganhar o
jovem e o público adulto.
A ferramenta MTV é muito importante, porque divulgou na
MTV, as pessoas passam a prestar atenção.
Kid Vinil
− Até vieram conversar conosco. Mas, na verdade, não foi só eu.
Ninguém gostou. Tinha achado que remetia muito aos anos 80, que
era uma coisa que nós sempre tentávamos nos livrar, principalmente
porque as músicas fazem um sentido até hoje. Nós temos umas
características dos anos 80. Mas, se alguém nunca tivesse ouvido a
banda e visse um show agora, não dá para saber que é uma banda
dos anos 80. Aí falaram, mas vai ficar legal.
Em seguida, Bacalhau revela que chega a maquete do cenário e
teve uma noção melhor. Conforme um jogo de luzes vai mudando, os
quadrados brancos vão ganhando inúmeras cores diferentes e o
cenário ganha movimento.
− Tons de verde, azul, vermelho, então fica preto e branco, azul e
preto, vermelho e preto, laranja e preto, verde e preto, muito
maneiro. Quando a gente chegou no ambiente mesmo, no galpão,
que a gente olhou e falou: porra, que demais, velho!
Mas um detalhe ainda incomoda. Até o último dia de ensaio,
algumas bolas de plástico vermelhas e azuis encaixadas em
armações quadradas fazem parte da decoração. Ficou meio show da
Xuxa, opina o baterista que conta a resposta de Roger: − Não vai
rolar essas bolinhas aí, não, meu. Não tem nada a ver com a banda.
Roger e Mingau na gravação do Acústico MTV.
Foto Kelly Fuzaro/www.kellyfuzaro.com.br
Sem as bolinhas no palco, fica aquela coisa mais limpa mesmo, de
valorizar a luz, que eu adorei. Eu achei que a MTV, como vários
outros projetos dentro do Acústico MTV, bota muito pra quebrar.
Bacalhau atenta para a falta de documentação musical no país e
acredita que deveria haver mais registros e divulgação desse tipo de
material que algumas emissoras possuem.
− No Brasil, se faz muito pouco isso. Lá nos Estados Unidos se
gasta mais de dois milhões. Tem imagem de 1900, os primeiros
negros arranhando jazz. Eles têm isso, valorizam, respeitam e
ganham dinheiro com isso, criam um mercado.
Ele exemplifica sua opinião por meio de uma de suas grandes
influências: − A grande massa não sabe que a Elis Regina se lançou
através do Zimbo Trio, que é um dos mais importantes trios de
samba-jazz e música instrumental da história do planeta. É um trio
que eu tenho um carinho profundo. É um representante da música
brasileira que passou por mais de 42 países, 36 cidades só na
Alemanha e a gente não sabe disso, porque não tem documento. Eu
digo rock como música brasileira porque existe esse preconceito, ah,
rock é música estrangeira até a hora que o cara vira um puta poeta,
aí as rádios querem se apropriar para fazer direito. Aqui se toca
música popular brasileira, agora vamos ouvir Legião Urbana: Será.
Há 15, 20 anos esses punks loucos de Brasília tocam essa música
americana.
E na véspera da gravação, mais um pormenor faz parte daquele
consenso que Roger menciona. Ao longo dos ensaios, a gravadora e
a MTV querem que a banda use o ponto de retorno por uma questão
de hábito e a MTV, também, porque melhora o som. Mas o Ultraje
não está acostumado a usar esse recurso. O baterista conta que:é
igual você correr com coleira. Tem muita gente que se adapta, mas a
gente quer ver a pancada da caixa. Os dias passam, o Ultraje tenta
se ajustar. A MTV pressiona, mas chega num ponto em que eles
percebem que com o earphone não tava rolando.
− Aí, o Roger pegou a tromba dele, deu uma desenroladinha assim
ruaummm. Não vai dar pra tocar com isso. O rendimento do músico
vai ser pior, a música vai sair pior, então é o barato que sai caro.
A gravadora rebate: Ah, o earphone é melhor, porque não vaza.
− Nada contra, mas no caso não houve adequação da banda e
quem pode ver o acústico da MTV tá lá, né? Sem earphone, é
demais. Banda quente, solta tocando, rindo, aquele nervosismo
gostoso.
Ai, caralho, não pode errar… pensa o baterista, que quando revê o
trabalho consegue até sentir o cheiro do estúdio.
O produtor Rafael Ramos entende a situação e conclui que o
Ultraje atinge um ponto de equilíbrio.
− A turma se incomodou muito com o ponto. Depois de 20 anos
tocando com retornos do tamanho de geladeiras, é realmente difícil
se adaptar com um fonezinho minúsculo. Seria melhor pro som
trabalhar com os pontos, mas mudamos tudo a tempo e eles tocaram
alto o bastante pra curtir o show e baixo o bastante pra não
atrapalhar a gravação ao vivo.
Muito antes de ser parte do Ultraje a Rigor, Bacalhau, ainda um fã,
assiste aos acústicos da MTV de seus ídolos e fica imaginando como
seria o do Ultraje a Rigor. Eu tinha certeza que ia ser um Acústico
foda. No dia da gravação, ele veste a roupa escolhida para o show e
parece acordar de um sonho, que se torna real. Entra no estúdio e
pode falar: quem vai fazer sou eu!
O baterista liga o Ultraje à raiz do rock n’ roll e se orgulha de poder
fazer parte da banda: − Eu acho que a canção é canção quando ela
funciona violão e voz. Só pegar qualquer canção do Ultraje que você
canta na hora, numa fogueira, numa roda de amigos mesmo. Eu
sempre tive certeza, acho que o que ficou na dúvida na cabeça dele
[do Roger] foi de como formatar isso, sem entrar nessa onda que
todo mundo entra de ficar botando cordas e backing vocals e lálálás
e não se preservar o que é Ultraje mesmo, uma banda de rock
urgente e instantânea, sem firula. Algumas pessoas reclamam que
não fez o arranjo diferente… eu acho que isso nada mais faz do que
reafirmar uma coisa clara do que é o Ultraje, uma banda de rock n’
roll, e quanto mais você vai pras raízes, mais se remete a blues, a
rock a billy, a country music, a bluesmen e vai se voltando na história.
As guitarras elétricas vão ficando semiacústicas. De semiacústicas
pra guitarras, violões de aço pra violão, que é o blues.
Em 22 e 23 de junho, um presente para os fãs que participam da
lista de discussão no grupo do Ultraje no Yahoo!, com Roger. São fãs
assíduos que nós praticamente conhecemos todos pessoalmente,
vão muito a shows. Eles são convidados a participar da plateia do
Acústico MTV.
− Como é uma plateia bem pequena, seria melhor que fossem
primeiro os nossos fãs para ficar animado e convidados de cada
músico, acho que deve ter alguns convidados da MTV, da gravadora.

Ricardinho, Serginho Serra, Roger, Mingau e Manito durante gravação do


Acústico MTV.
Roger na gravação do Acústico MTV.
Fotos Kelly Fuzaro/www.kellyfuzaro.com.br
A plateia está acomodada e instantes antes de pisarem no estúdio,
Roger espia o palco e o público por uma pequena abertura na
parede. Eles entram e ali sucedem dois dias de gravação, mas a
maioria do material usado na edição final é do segundo dia. Serginho
Serra revela o clima: − Foi um dia melhor realmente, nós estávamos
mais à vontade. Porque você fica nervoso, todo mundo fica. O Roger,
mesmo. Nós assistimos depois do primeiro dia e ele falou, dá pra se
soltar mais, dá pra fazer mais besteira.
O Acústico MTV Ultraje a Rigor é um projeto recheado e coberto
com grandes hits. Bacalhau analisa o resultado: nada mais fez do
que abrir o que é o Roger, a pedra bruta. O projeto supera as
dúvidas iniciais do líder e ele fica muito contente.
− Achei legal para a nossa parte também, porque – por incrível que
pareça – não tinha um vídeo do Ultraje, DVD muito menos. Então,
passou a ter um registro numa mídia mais moderna, mais durável,
porque seria uma pena não ter, é uma pena ainda a gente não ter
nenhum registro daquela época.
Além de a Warner ter parado de investir no Ultraje, vários clipes da
banda são da Rede Globo e as tentativas de fazer um registro
daquela época esbarram em autorizações da Globo.
Acústico MTV lançado, o Ultraje, pela primeira vez com oito
integrantes fixos, começa a turnê. Com o formato acústico, são
realizados cerca de seis shows e depois eles desistem de manter
esse aspecto, por vários motivos, como revela Roger: − Dificuldades
técnicas, o violão dá mais microfonia. O fato de a gente ficar
sentado, não gostávamos, e o que nós mantivemos foi a formação
do acústico, com os músicos, só que tudo com instrumento elétrico.
Eles resolvem continuar com todos os integrantes, porque ficava
bacana, dava para fazer tudo. Cresceu. Ficou mais rico o show do
Ultraje. E o lançamento do novo trabalho rende um presente sem
preço a alguns fãs, participar do Fanático MTV.
Em agosto de 2005, a produção da MTV entra em contato com
alguns fãs do Ultraje a Rigor por meio de perfis no Orkut e encontram
Thomas Missfeldt, um engenheiro, na época com 30 anos. Ele faz
uma redação sobre a influência da banda em sua vida e é o primeiro
selecionado para participar do programa, depois disso, indica outros
dois amigos fanáticos pelo Ultraje: Luiz Augusto Dantas Catugy
Junior e Juliana Eliezer.
O Fanático MTV vai ao ar em setembro em duas edições: a
primeira relembrando a fase WEA e a segunda com a Deckdisc.
Quatro equipes são montadas pela própria MTV, cada uma delas
com três pessoas, têm que provar que sabem tudo sobre sua banda
favorita.
Para o primeiro programa, as equipes que vão competir são
divididas assim: Thomas, Mislene e Júnior sob o título de Inúteis sem
causa, do outro lado do palco, Dantas, sua então noiva Lydia Bosco
Teixeira dos Santos e Ronaldo do Carmo Fernandes, que usam o
mesmo nome do fã-clube do Rio de Janeiro, onde Dantas é o
presidente, Amantes de Marylou. O consultor de RH montou o fã-
clube há mais ou menos dez anos, acompanha os shows desde a
turnê do primeiro disco e até seu trabalho final de pós-graduação é
sobre o Ultraje. O tema foi “Relação interpessoal entre artistas e fãs:
o artista como empresa e o fã como consumidor final”. A influência
começa aos 10 anos, quando passa a assistir aos shows do Ultraje
com o pai. Atualmente, acumulaum histó-rico de quase 100 shows. E
ainda continua o efeito dominó, com Lydia. Posso dizer que me tornei
muito mais fã devido ao Dantas.

Dantas e Lydia são casados e têm uma filha. Quando


Dantas conta às pessoas da lista do Ultraje que será
pai, Roger solta uma das tradicionais piadinhas:
“Parabéns! Pelo menos essa parte do seu corpo está
funcionando”.

Quando se fala no que leva alguém a gostar do Ultraje, se não


fosse um fã, Dantas cairia no exagero: − Pelo mesmo motivo que
bebo água. Ultraje pra mim é um marco no rock nacional. Foi e é
junto com a Blitz, uma das maiores influências musicais que eu tive.
Se hoje eu tenho uma banda e toco guitarra, me inspirei neles. Hoje
sou fã e me dou ao luxo de dizer que me tornei amigo deles. Tenho,
inclusive, contato com ex-membros.
Ronaldo é professor de informática e inglês e não fica atrás.
Começa a ouvir Ultraje em 1985, quando um vizinho empresta uma
fita cassete. E eu não consegui parar de ouvir até hoje.
− O Roger me cativou ao cantar Inútil numa época em que
ninguém podia dizer muita coisa na mídia, e isso fez com que eu
começasse a ser assim também, dizer as coisas verdadeiras com um
tom de brincadeira, e aprendi muito com coisas que ele chegou a
dizer em entrevistas. Sempre divulgo a banda a todos, faço meus
alunos ouvirem os CDs sempre. Aonde vou, as pessoas me chamam
de Ultraje.
No time de Thomas, um quase desfalque, já que Júnior
“carinhosamente” chamado de Samambaia, estava na equipe só
para fazer número. As provas começam: o primeiro desafio é acertar
perguntas relacionadas ao começo da história da banda. Depois, os
participantes têm de continuar cantando algumas músicas quando o
próprio Ultraje para de tocá-las ao vivo no palco. O Inúteis Sem
Causa está tomando uma lavada, mas chega a prova da
Memorabília, em que as equipes devem trazer alguma raridade de
fã, colecionador. Amantes de Marylou mostra alguns vídeos
gravados nos camarins dos shows, neles Roger faz algumas
demonstrações de mágica. O vocalista explica que sempre achou
interessante: − Uma vez estava lendo o jornal e vi um anúncio que
tinha um curso de iniciação a mágico. Acabei conhecendo outros
mágicos professores. Aí, fiz outros cursos e uma vez que você tá no
mundo da mágica, quando encontra com algum mágico, você troca
truques e começa a entender como funciona, pelo que você
conhece, já imagina como faz. E tem que praticar sempre.
Roger se especializa nas mágicas de close up. É mágica que você
faz de perto, mais pra diversão minha, faço mágica com moeda,
cigarro, baralho. Depois do vídeo de Dantas, o apresentador do
Fanático MTV, Edgard Piccoli, pergunta se ele tem alguma mágica
guardada na manga. Então, Roger faz sumir a palheta e a seguir a
tira de trás da orelha.
Sem perder a oportunidade de boas risadas, Mingau faz uma
observação sobre os truques de Roger: − Ele faz a cobra sumir
também.
− Como que é?
Mingau e Edgard Piccoli ocupados em rir da piada não repetem,
mas Serginho Serra: − Ele falou que você faz a cobra subir, Roger.
− Sumir − corrige Mingau.
− É, mas eu preciso de um assistente sempre. O Mingau costuma
colaborar.
Risadas gerais e o apresentador decreta: 30 pontos pro Roger!
Mágicas à parte, Thomas consegue reverter o placar para o Inúteis
sem causa, quando mostra um gibi do Pato Donald de 1986. No
interior, lê-se uma matéria sobre o Ultraje a Rigor, na seção Rock in
Pato. Edgard Piccoli acha a revistinha inusitada. E a plateia concorda
votando a favor.
Durante os intervalos do programa, para a alegria dos fãs, o Ultraje
não para de tocar. Lydia conta, o tempo todo os funcionários da MTV
comentavam que era raro ver isso nas bandas que iam ao programa.
Eles ficaram improvisando e tocando várias músicas. É com essa
descontração que acontece a prova O fã faz o clipe, em que cada
equipe apresenta a sua versão para uma música e em seguida a
última prova, em que Dantas e Thomas dividem o vocal de Inútil com
Roger.
Um dia antes da gravação do programa, Thomas, Dantas e Juliana
combinam de ir ao restaurante Na Mata Café assistir ao show de Léo
Jaime. Lá encontram Edgard Piccoli, que aparece para uma canja.
Depois da apresentação, Thomas conversa um pouco com Mingau,
que toca na banda de Leo Jaime e logo diz que vai embora. Mingau
responde: Pô, Thomas, tá cedo ainda…
− Tenho que ir para casa porque ainda não decorei a letra de
Inútil.Acho que eu estava prevendo algo naquela noite.
Durante a prova, Thomas erra a letra, em vez de cantar a gente
pede grana e não consegue pagar, ele se adianta e manda: a gente
joga bola e não consegue ganhar.
− Não sei como, acabei vencendo a prova, mesmo errando a
letra… até hoje não me perdoo por isso.
No segundo programa Fanático MTV, as equipes são: Pelados
invisíveis, com a amiga de Thomas, Juliana, seu namorado Fernando
Bandeira e Ariett contra Ah, se eu fosse inútil, com Marcelo, Wilson e
Théo.
As provas são as mesmas, só que desta vez, com base de 1990
em diante. Os fãs que participam também são mais jovens, inclusive
um deles, menor de idade, é o responsável pela relíquia na prova
Memorabília. Ele conta que teve de dar “um perdido” na mãe para
poder ir ao show Geração 80, em que o Ultraje participa, e ele
consegue gravar um pedaço de Ciúme. Em contrapartida, Juliana
leva uma palheta que ganhou de Roger, algo até comum, se não
fosse pela representação do presente em sua vida.
Ela conta que é uma fã muito tímida, então sempre ia aos shows,
conversava com Roger pela lista de discussão na internet, mas não
tinha coragem de conversar pessoalmente. Até que um dia,
Fernando não deixa ela perder mais oportunidades e a força a ir
atrás do líder de sua banda favorita. Para sua imensa surpresa,
quando Juliana fala seu nome e diz que faz parte da lista, Roger
pergunta: − Ah, você que é a Juliana Eliezer?
Resultado: ela não consegue dormir naquela noite. Depois Roger
ainda manda um e-mail perguntando se pronunciou seu sobrenome
corretamente. A palheta é guardada numa caixinha de joias, como
um tesouro. E Pelados invisíveis ganha a segunda fase do Fanático
MTV.
No final de 2005, Roger sai em férias e a turnê do Acústico MTV é
inter-rompida. Júnior conta que o CD já passou de 50 mil cópias
vendidas e o DVD 20 mil, por aí… e revela mais sobre Roger: − Ele
sempre sai em férias no final do ano. Também, mais do que nos
outros discos, decidiu ficar mais recolhido… um disco deste tinha
também que andar com as próprias pernas, visto que a MTV sempre
faz um belo marketing, o que neste caso, não aconteceu tanto…

Imprensa elétrica
Durante a turnê do Acústico MTV, o Ultraje realiza um show em
Brasília. Os músicos estão no saguão do hotel, uma repórter chega
para entrevistá-los e pede para Roger dar uma canja com o violão no
final da matéria que irá ao ar com o intuito de divulgar o show da
banda. Roger diz que concede a entrevista, mas que não dá a canja.
Bacalhau recorda da resposta: − A banda não é violão e voz, eu não
faço bossa nova. É acústico, mas é acústico com o Manito no
saxofone, o Paulinho na voz, o Ricardinho na voz e violão, o
Osvaldinho no piano, mais a banda toda. Eu não vou traduzir o que é
a banda, eu não vou fazer. Vocês peguem do acervo de vocês, do
DVD, é até mais interessante inserir pra divulgar o DVD pras
pessoas terem uma noção mais real do que é o show.
A repórter insiste dizendo que ele não está entendendo, que é
importantíssimo porque será exibido em horário nobre.
− Não, moça, você que não está entendendo, eu não vou fazer.
Roger diz que ela peitou: − Se não tiver palhinha, não tem
entrevista. É Rede Globo, melhor pra vocês…
− Mas é o Roger, é o Ultraje a Rigor e eu não vou fazer.
Roger revela o que se passa em sua cabeça.
− Melhor pra mim não, melhor para o contratante. A gente ganha
cachê e não gosto desse tipo de coação. Tem muito dessa folga
aqui, as pessoas acham que estão me ajudando e sinceramente eu
tenho uma carreira consoli-dada e não tô buscando mais nada.
− Não vai fazer? Então, não tem entrevista.
− Então, boa noite… tudo de bom.
Bacalhau narra a cena: a mulher saiu toda indignada, falou: vocês
vão ver o show… E ele conta como foi o show: Bombado, velho! Não
me lembro de nenhuma música que neguinho não tenha cantado.
Teve canja do Philippe Seabra, [ vocalista da Plebe Rude ], a gente
tocou Até quando esperar, foi demais.
Ao presenciar essa atitude de Roger, o baterista diz ter aprendido
muito. Ele acredita ser uma questão de respeito com o trabalho do
jornalista, da emissora, que deve ser recíproco com o trabalho do
músico.
− Essa é uma história que eu acho bem legal, porque não é medir
força. Acho que é uma troca o que está acontecendo aqui, então não
tenha essa postura, me escuta. Se você me escutar acho que vai
ficar melhor o resultado final do seu trampo. Coisa chata, né? No
saguão de hotel, coisa mais mico, sem propósito.
Mas esse tipo de desentendimento acontece há muito tempo.
Roger se lembra de uma outra ocasião em Bauru . Os integrantes
chegam ao hotel às 6 horas, tomam café da manhã e caminham para
o quarto para dormir, por volta das 7 horas, quando chega uma
repórter.
− Estamos aqui embaixo pra fazer a matéria.
Roger avisa: nós chegamos de viagem, vamos dormir agora.
Ela indaga: mas é a Rede Globo.
− Nem que fosse a BBC. Meu, estamos chegando de viagem, não
dá pra você entender? Passamos a noite em claro, tô indo dormir
agora. É uma questão de respeito humano.
O líder do Ultraje reclama do tratamento destinado aos artistas
brasileiros.
− Você tem que estar disponível, artista é lixo. Hoje em dia, até
talvez seja porque muitos se sujeitam a isso, fazem qualquer
negócio, mas a gente nunca fez e pretende continuar não fazendo, a
gente se dá o valor. Não que tenha um valor sensacional, mas tem
coisas que eu faço e que eu não faço, é escolha.
Até meados de 1989, durante a terceira turnê, o Ultraje tira 15 dias
de férias por ano, no restante do tempo o empresário procura por
locais que têm o interesse de contratar a banda. Dessa época em
diante, são os contratantes que buscam o Ultraje a Rigor. Roger
explica que ligam para o escritório interessados nos shows. A banda
cobra um valor fixo e o contratante é que deve se preocupar em
fazer a divulgação e cuidar para que todos os processos burocráticos
se cumpram. Trabalhamos assim. Hoje em dia, quase todo mundo,
nós ficamos aqui esperando, diz ele em tom de deboche, como se
ficasse literalmente sentado esperando.

Terminada a gravação doAcústico MTV, Osvaldinho está indo


embora e Roger pergunta: − Você vai continuar, né?
O tecladista não sabia nem quanto ganharia… depois que eu falei
com o Júnior, que toma conta das finanças, foi meio… a gente é
amigo mesmo. Então, as coisas vão indo, depois a gente vai vendo.
Em princípio Manito é um dos convidados para fazer o trabalho
acústico, como músico freelancer. Mas o entrosamento que houve
entre nós foi muito grande, me casei muito com o Roger de ponto de
vista e com a banda toda. A gente se dá muito bem, é uma banda
forte justamente por isso. Mas a ideia de eu continuar na banda
surgiu decorrente da gravação do Acústico, porque o produtor
gostou, a gravadora gostou, o Roger gostou, a banda gostou e eu
fiquei! Após uma contagiante risada rouca, ele completa, eu também
gostei!
Bacalhau explica que o Acústico MTV já passou, a banda voltou a
tocar com as guitarras, mas… como é que vai dizer adeus pra
Manito? Nosso mestre. Osvaldinho, Paulinho, Ricardinho. Eu mesmo
não consigo.
Quem decide isso é o líder da banda, mas independente de sua
vontade, há fatores a serem considerados, como a economia do
país, que pode favorecer ou não para se manter uma estrutura maior,
com mais músicos, roadies, despesas de estrada e hotéis. Mas até
então tamo aí, os shows são animadíssimos, relata Bacalhau. Prova
disso é que, às vezes, o show tem previsão de 1h30, quando os
músicos se dão conta, já extrapolaram quase o dobro do tempo. Aí já
vira festa. Eles tocam covers, Paulinho (costuma cantar Mustang
Sally, do falecido norte-americano Wilson Pickett) e Ricardinho
assume os vocais em uma música ou outra. Vamos tocar
instrumental só para o Manito solar. Sola Manito! Aí a banda inteira
vira para o Manito para ver o Manito tocar. A plateia reage igual,
alguns reverenciam o veterano abaixando e levantando os braços…
Manitoo! Manitoo!
Bacalhau se sente honrado por ter a chance de cruzar com o
caminho de Roger, tocar no Ultraje a Rigor e receber um bônus disso
tocando com Manito.
− Todo show é uma aula. A figura que ele é, a maneira com que
ele encara a vida de músico, ou a maneira com que ele encara ser
um rocker e sempre dando aula e sempre um sorriso na cara,
tocando pra fora, um mestre. Me sinto escolhido, com muita história
para contar e relembrar e muita história para viver ainda, Manito está
aí mandando brasa, graças a Deus.
Outro show realizado durante a turnê do Acústico MTV reúne a
variação do público habitual. Bacalhau recorda dele.
− A gente tocou no SESC São Carlos, foi muito legal, por tudo: a
estrutura que o SESC dá para a banda, o profissionalismo, são
sempre ambientes ótimos.
O Ultraje se apresenta no ginásio de voleibol, a arquibancada está
lotada.Via garoto de nove anos, senhoras de 50 e tantos anos, todo
mundo feliz, cantando.
Manito não consegue dizer que houve algum show ruim. Para ele,
todos foram bons.
− Em decorrência do próprio público, alguns tiveram mais vibração
que outros. Tava mais quente, mais cheio o lugar, mas a banda tem
uma performance muito boa. Ela entra para levantar o público
mesmo. Todo mundo participa, canta, conhece as músicas, então
fica uma festa, uma alegria. Você faz um show de duas horas, por
exemplo, e não sente passar.
Um detalhe para entender daqui
para frente
O principal letrista do Ultraje a Rigor estudou poesia e literatura na
escola, depois as aulas de música lhe deram base para criar
composições, mas o principal nesse processo consiste na
observação.
− Nem tinha um modelo para seguir no caso de fazer rock em
português, foi meio intuitivo. Eu peguei palavras que encaixam, para
não ficar soando esquisito. Então, passar a acentuação dá um
trabalho extra e, ao mesmo tempo, não pode parecer para o cara
que está ouvindo que está complicado de cantar, porque é uma
música popular, então tem que soar espontâneo.
Normalmente, Roger desenvolve uma música partindo de um
refrão, ou de um tequinho de letra, às vezes junta um trecho de
música também. Ele acha mais fácil fazer a melodia. Dificilmente
começo só a música e depois eu vou pensar numa letra, quando eu
começo uma música é porque ela já tem pelo menos um refrão. Por
isso, quando começa a compor, Roger já sabe qual será o tema da
nova canção, a partir daí, ele escolhe palavras que se encaixem
naquela métrica.
− Tenho muito cuidado com a letra e coisas que a gente vê que
principalmente no rock hoje em dia ninguém presta atenção:
acentuação, métrica, para não falar palavras como, sei lá,
cadeiraaaaaaaaa. Você tem que botar o acento da música no “cadei
ra” para encaixar a palavra na música. Eu procurei fazer isso desde o
começo. Como o rock é uma adaptação da música estrangeira,
escolher palavras que ficassem com essa cadência do rock, que é
em inglês, então, isso é um pouco técnico, mas a língua portuguesa
não se presta muito para isso, porque a língua inglesa tem muitas
palavrinhas curtas e você pode encaixar várias palavras e fazer uma
frase pequena ter um sentido grande e rima mais fácil. A língua
portuguesa é mais parabadábadábadá… é muito melhor para
samba, bossa nova.
Roger busca uma proximidade com o ouvinte e aponta que 99%
das minhas músicas são na primeira pessoa. Seja no singular ou no
plural, os dois principais motivos para isso são: porque parte de
observações minhas e faz com que o cara que vai cantar a música
depois também se identifique com ela, porque ele está cantando
como se fosse para ele. Exemplificando: a gente somos inútil, no
caso eu e todo mundo; Nós vamos invadir sua praia, eu e o povo; Eu
me amo, eu me mordo de ciúmes, os jovens ou quase todos. Ele
brinca dizendo que funciona como um tipo de análise para si mesmo,
baseado nas coisas ridículas que eu falo.
Osvaldinho também gosta de compor, mas tem uma certa
dificuldade em criar a letra sozinho. No entanto, esse tipo de
contribuição acontece em outras bandas das quais ele fez parte,
como em São Paulo São Paulo, do Premê. Ele analisa Roger e a
banda, agora que está de volta ao Ultraje: − Acho que o Roger
evoluiu bastante nesse tempo. Ele é um tremendo de um letrista e
musicalmente ele foi evoluindo. Hoje eu sinto que é mais fácil tocar
com ele, por outro lado, não tem uma gravadora forte por trás. Isso
faz toda a diferença, uma gravadora grande impulsiona. E também é
difícil você conseguir manter essas letras incríveis, compor alguma
coisa muito marcante porque, como ele tem um nível muito alto do
que vai ser um hit, é difícil pra ele se superar, ele tem um patamar
muito alto.
Desde 1988, Roger tem um estúdio em casa, primeiro era com fita
de rolo, depois com fita digital e mais recentemente, eu comprei um
pro tools [ software para edição musical] semiprofissional já com
computador. Então, sempre que compõe, ainda que seja apenas um
trecho, uma música inacabada, deixo lá para se precisar. Como fiz
com Cada um por si, quando precisava de uma música nova para o
Acústico.

Existe sempre um amadurecimento no que uma banda faz,


mas eu acho que a essência é sempre mantida. O Ultraje, a
cada disco novo que eles lançam, tem sempre a essência
do bom humor, isso eles sempre mantiveram. Acho que isso
que é importante. Uma banda bemhumorada, sempre
bemhumorada. Qualquer disco que você pegue do Ultraje,
você não vai ouvir nada que fuja da proposta do que é o
Ultraje a Rigor.
Kid Vinil

O líder do Ultraje admite ser centralizador. Eu quero fazer, gostaria


muito de ter um parceiro que encaixasse, que me ajudasse nisso. O
que chega a acontecer com Maurício, mas ainda assim, Roger
elabora a maioria das composições. Com o passar do tempo, diz que
tanto a gravadora como os fãs começaram a criar uma expectativa
em torno de um estilo de composição característico dele. É uma
música minha, eles querem ouvir com a minha voz. Roger seleciona
o que se parece com ele, ou seja, com o Ultraje a Rigor. E é muito
limitador. Em outras bandas, a situação é inversa. Nos Titãs, por
exemplo, todo mundo compunha. Se cada um compõe uma música
por ano, tem um disco. Eu gostaria de ter tido isso, ou ter
futuramente, mas acho que é um estilo muito característico, acabou
não funcionando.
É claro que se você viaja o Brasil inteiro, divulga seu
trabalho, é melhor. Se torna mais abrangente. O Brasil é um
país muito grande, então você tem que se locomover, sair e
ir à luta. Eu sempre morri de medo de avião, mas eu viajo.
No caso do Roger, é uma opção dele não querer viajar.
Então, fazer coisas mais curtas, estados mais próximos,
mas isso dificulta bastante, porque hoje em dia o Norte e o
Nordeste são um grande mercado de música. Então, pra
uma banda é importante sair tocando. Por exemplo, a Blitz
voltou e eles viajam pro Norte, Nordeste direto e são
sempre requisitados e eles têm um grande público lá em
cima, bandas tipo Biquíni Cavadão dependem muito do
Norte e Nordeste. Eles podem não ser tão famosos aqui no
Sul, mas no Norte e Nordeste, o Biquíni Cavadão hoje é rei.
Fazem shows em estádios, lugares grandes. Acho que o
Ultraje perdeu bastante nesse sentido. O Acústico poderia
ter tocado em muito mais lugares, ter divulgado mais o
trabalho e vendido mais também, amplia. Essa coisa do
Roger não viajar de avião é uma opção dele, é válido, todo
mundo respeita, mas de certa forma, prejudica.
Kid Vinil
Durante o Fanático MTV, o apresentador chega a perguntar como
o Ultraje fará para divulgar o Acústico MTV pelo Brasil inteiro se eles
têm a limitação de Roger, que não anda de avião. O líder responde:
Não vamos! Edgard Piccoli pensa que os demais integrantes da
banda ficam putos e Serginho Serra pare-ce responder por todos: −
A gente fica puto, mas é uma honra tão grande tocar no Ultraje que a
gente tem que aguentar isso e ir com ele. Mas é divertido.
A dinâmica dos shows, apesar do improviso, conserva os clássicos
do repertório do Ultraje a Rigor e isso não muda. Bacalhau revela: −
Eu não me enjoo de tocar o repertório do Ultraje. Quando uma banda
é realmente atemporal, acho que… os Beatles estão aí até hoje e as
pessoas adoram ouvir. Acho que o Roger e o Ultraje têm
importância, autenticidade e veemência que torna uma coisa sempre
prazerosa.
No entanto, ele não se acomoda e acha que Roger poderia fazer
muito mais.
− Eu queria coisas novas no Ultraje, porque sei que o Roger é uma
pessoa extremamente iluminada e inspirada, mas respeito isso. Ele
construiu a carreira que todo mundo sonha pra si. Então, como é que
você vai criticar? Ele conseguiu montar uma banda que toca quando
quer e viaja para onde quer e sempre tem o público. Eu como fã
lamento, porque eu sei que ele tem muito mais pra dizer, mas cada
um tem o seu tempo. Se ele funciona melhor assim, fico muito
orgulhoso de estar ajudando da maneira que ele acha que é a
correta. Ele é um coração enorme, tão grande que disfarça. É uma
pessoa humilde, generosa, que poderia muito bem chegar para
qualquer pessoa e falar, você quer tocar no Ultraje a Rigor? Você
entra para a minha banda, vai ganhar esse salário e um abraço, e
não. Ele me chamou para ser um membro da banda. Guardadas as
devidas porcentagens, que eu acho incrivelmente justas, porque ele
é o Roger e está há 25 anos numa banda, onde não era nada e ele
ajudou a transformar em tudo e eu entrei na banda 20 e tantos anos
depois. O Roger é um cara bom. E consigo entender esse
movimento dele, esse ritmo que ele impôs pra ele que realmente é
mais lento, é mais sossegado, não se preocupa tanto com mídia.
Serginho Serra não pensa diferente: − Nós ficamos dando “mo”
pilha no Roger, mas ele tem um tempo lá dele para fazer as canções.
O Roger é a esfinge, é o vovô, é um mistério. Acho que ele pensa
nisso, que ele não sabe mais o que é o Ultraje, até porque ele não
está naquela época, ele mudou como pessoa e tudo mais e acho que
ele sente uma dificuldade, mas sempre foi assim. No primeiro disco,
tinha um acúmulo de canções, já no segundo, acho que para
escrever, para ter uma continuidade no conceito do que é Ultraje a
Rigor ele demora, mas eu espero que tenha esse disco autoral,
enquanto isso, nós estamos fazendo shows.

Vovô ?
Roger nasce em 12 de setembro de 1956. E ganha o apelido de
vovô. E eu odiava esse vovô, porque foi numa época em que eu
estava tendo uma crise mais de idade e agora já passou também.
Hoje em dia, eles me chamam de vovô e tudo bem. Ele conta que,
na época, começou a perceber que realmente estava envelhecendo.
− Acho que algumas pessoas da banda às vezes estranham, pô,
mas você está parando? O cara olha para mim e acha que eu estou
com a idade dele, 35, mas não tô. Pô, para mim, dói as costas, ou é
cansativo. Não só me sinto, como eu fiz um check-up há pouco
tempo e estava realmente ótimo, mas porque eu me cuido. Não vou
ficar me desgastando porque isso vai fazer mal para mim e se eu
estivesse precisando, mas graças a Deus eu soube administrar na
época. Porque eu sempre tive a consciência, também, que o Ultraje
durou muito mais do que eu imaginava. Então, quando eu estava
ganhando muito dinheiro duma vez, eu não fui oba, vou comprar um
Mustang. Eu vou viver de acordo com o que eu sou, classe média,
porque eu não sei quanto isso vai durar.
O culpado pelo “vovô” é Mingau. Depois que Serginho Serra
começa a chamar também, daí eu vi que estava… e falei, não quero
mais ouvir esse apelido. Foi uma das poucas vezes que eu fiquei…
mas eu costumo levar tudo na brincadeira.
Roger chama o empresário de tio, que também o chama da
mesma forma. Mingau é o Digão, por causa da semelhança com o
guitarrista dos Raimundos. Mingau também chama o líder do Ultraje
de Mastiga, porque ele fica com aquela mania de morder a língua,
enquanto tá tocando. Acho que quem mais tem apelido que eu botei
é o Roger. É uma figura.

Também em 2005, o Ultraje ganha um disco-tributo, oAinda Somos


Inúteis!, lançado pela Monstro Discos. São 21 bandas do cenário
independente que participam com versões dos clássicos do Ultraje a
Rigor. O álbum ganha o prêmio London Burning de Música
Independente. Roger comenta que gosta de ouvir outras roupagens
para suas canções: Eu adorei a maioria delas, não vou dizer quais.
Acho legal que tenha gente que gosta do Ultraje, saber que eu
influenciei outras bandas e principalmente ouvir.
Depois de Os Invisíveis, acontece uma composição isolada em
2006. Inspirado pela desclassificação do Brasil na Copa do Mundo,
quando a seleção perde para a França, Roger cria PQP, Brasil.
− A música não tinha nada a ver com o Ultraje e resolvi gravar de
farra. Por cortesia e para ver se eles estavam interessados, avisei à
gravadora e eles resolveram lançar a música pela internet e vendeu
sei lá quanto, um pouquinho de nada.
O líder do Ultraje considera a possibilidade de lançar outras
canções pela internet, caso tenha apenas uma ideia de composição
e não queira compor para um disco inteiro. Hoje em dia, você pode
vender música de uma em uma.

Agora, também é cada um por si


Os integrantes do Ultraje a Rigor se veem somente para tocar.
Eles se falam por telefone, trocam e-mails, mas apenas
esporadicamente. Bacalhau reflete que a vida de cada um dos oito
ultrajes é cheia de compromissos diferentes.
− Não temos mais 14 anos, nem vivemos com os pais com o dia
livre pra estudar, ir pra escola e passar o resto do tempo ouvindo
música e tocando. Todo mundo tá na correria, mas rola um nível de
consideração e amizade muito grande.
O baterista também toca em outra banda, Orgânica, em que pode
ousar mais, aflorar e experimentar seu próprio estilo, com a vocalista
Candyda, o guitarrista Ortega (ex-Pavilhão 9) e o baixista Cyro (ex-
Sudaca). Bacalhau enxerga uma falta de incentivo ao músico no
país, tirando raras exceções, é muito difícil você viver só da sua
banda. O Orgânica existe desde março de 2005, a gente tá com dois
EPs com quatro músicas e tá aí, nessa cena independente e árdua
luta por espaço pra música nova no Brasil, que é cruel. Em 2009, o
Orgânica lançaria, por conta própria, seu primeiro CD, Fé ou revolta,
com mixagem feita por Beto Machado, também disponível no
Reverbnation44 e MySpace45. Bacalhau ainda faria um show de
reencontro do Little Quail no Centro Cultural de São Paulo, durante o
festival Power Trio DeLuxe, dia 1° de fevereiro de 2009.
Mingau toca no Combat Rock, um tributo à sua banda de
cabeceira, The Clash, com o guitarrista Ari Baltazar (365), o vocalista
Clemente (Inocentes), o guitarrista Redson (Cólera) e o baterista
Alonso (Marsh Gás). E tem mais duas outras bandas, a pop rock
Vega, com a vocalista Cláudia Gomes, o guitarrista Marcos Kleine e
o baterista Caio Mancini. Vega tem dois álbuns lançados: Flores no
Deserto (2002) e Novos Tempos (bm! – 2007) e diversas gravações
em trilhas de novelas desde 2003. O baixista também faz parte de
uma banda “de apoio” para diversos cantores, como Luciana Spedo.
Os Impossíveis são: Marcos Kleine, o baterista Mário Fabre e o
tecladista Zé Ruivo. Atrás da mesa de som, Mingau ainda atua como
produtor de outras bandas no seu próprio estúdio, o F&M, junto a
Flávio Decaroli.
Osvaldinho, assim como Mingau, também passa bastante tempo
do dia a dia dentro de seu estúdio, o Corda Toda, em que produz
diversos artistas. Manito continua como sócio na Ébano Music e faz
trabalhos como freelancer, mas algo parece entristecer seus olhos
azuis.
− A única coisa que está acontecendo é que nós estamos tocando
pouco e isso está sendo um pouquinho prejudicial para os músicos
que estão trabalhando pouco. Eu não sei como que está, não sei se
é mercado, se é empresário, porque eu não cuido, não me meto
nessas partes de infraestrutura. Eu fico na minha, porque tô lá para
ficar na minha. Mas é a única coisa que eu sinto, pena, pelos
músicos e pela banda. É uma banda muito boa que, se não pegar
um pique de trabalho, vai se dissolver, um vai ter que passar a tocar
em outro lugar, outro vai ter que assumir compromisso em outro
lugar.
Desde janeiro de 2006, Ricardinho toca no Rock in History, que
home-nageia grandes bandas da década de 1950, 1960 e 1970, com
Fabio Colombini (vocalista e guitarrista), Marcus Rampazzo
(guitarrista), Ricardo Felício (baterista) e Edson Issamu (tecladista).
É a mesma formação da banda Beatles 4ever!, que o convida cerca
de dois meses depois, para integrar os covers, desta vez
definitivamente. Em junho de 2007, Ricardinho passa pelo
Faichecleres. No ano seguinte, lança um trabalho solo, Ricardo
Júnior (selo Unsigned). Por enquanto, independente! Para conferir o
som, basta acessar o site da Trama Virtual,46 Reverbnation47 ou
Myspace48. Nos shows, acompanham Ricardinho os guitarristas
Hilton Junior e Fridinho Borges, o baterista Alê Alves, o tecladista
Renato Rigon e o violinista Julio César.
Serginho Serra em show realizado no Anhembi, SP, dia 28/01/2007.

Roger no show realizado no Anhembi.


Fotos Rafael Rezende/www.assuntodigital.com
Paulinho continua cantando em gravações de estúdio. Isso sem
contar as constantes participações que cada um faz como músico
convidado. Eles têm outros empregos paralelos também, porque
Roger não deixa dúvidas: − Não há muito futuro criativo para o
Ultraje e o pessoal que está comigo sabe disso. É criativo no palco,
nós continuamos tocando e é uma fonte de renda e de diversão.
Nos shows mais recentes, Bacalhau afirma que, algumas vezes,
nem o próprio Roger sabe o que vai acontecer e o improviso do
espírito do rock n’ roll toma conta da atmosfera. Eu sei que a primeira
música é Zoraide. Só, aí, bicho, seja o que o Roger quiser.
Ultimamente tem sido Zoraide e Ah, se eu fosse homem…, aí vai. O
baterista compara a história e a maneira de encarar a música que
Roger tem à do cantor e guitarrista do Missouri, Chuck Berry.
− Quando viaja em turnê, é ele sozinho, a guitarra, um estojinho
com a escova de dente, um palitozinho, um abraço! E ele exige só
uma banda que saiba tocar músicas do Chuck Berry. E o Roger é
assim. Um cara totalmente roqueiro, na essência mais pura da
palavra. Um cara muito inteligente, que soube conduzir a carreira
dele pra fazer o que quiser, nada mais rock do que isso. Acho isso de
tirar o couro cabeludo. Tem que estudar, tentar entender, pois tem
todo um sentido por trás, mesmo que seja uma coisa sem pensar e
espontânea. O Ultraje é engraçadinho porque a vida tem que ser
bemhumorada, tem que ser bem vivida, mas se você for avaliar, as
letras do Roger são incríveis, extremamente bem escritas,
articuladas, argumentadas, atemporais. É uma percepção de
sociologia muito profunda, sensível e sarcástica. Ele não é
panfletário e consegue ser extremamente esclarecedor e explicitar
mesmo as coisas que estão aí na cara, mas a gente finge que não
vê.
Ricardinho em show realizado no Anhembi, SP, em
28/01/2007.
Manito no show do Anhembi.
Fotos Rafael Rezende/www.assuntodigital.com
Mingau em show realizado no Anhembi, SP, dia 28/01/2007.
Bacalhau no show do Anhembi.
Fotos Rafael Rezende/www.assuntodigital.com
Bacalhau acredita que as obras de alguns compositores como
Chico Buarque, Gilberto Gil, Renato Russo e Roger deveriam ser
estudadas na escola, porque quando a gente entende eles melhor,
acaba entendendo a gente mesmo, porque eles nada mais são do
que um reflexo de todos nós.
Às vezes tem música que é atemporal. Não existe essa
coisa assim tão datada. O próprio Inútil todo mundo acha
que é uma música atual, porque nada mudou, tudo continua
igual de certa forma. E mesmo as músicas mais simples,
tipo Ciúme, são músicas que se encaixam perfeitamente, a
qualquer momento. É como você pegar uma música antiga
do Roberto ou do Erasmo, da Jovem Guarda, que ela tem a
sua razão de ser, então ela sempre vai continuar. É a
mesma coisa uma música do Caetano na época da
Tropicália, também. Acho que música não tem prazo de
validade. Se fosse assim, a gente não ouviria mais Chico
Buarque, uma série de coisas. E da mesma forma, ouvir
Ultraje, Ira!, Titãs. Acho que todas as músicas são
atemporais, elas se encaixam a qualquer… porque são
músicas boas, bem feitas. Um rock muito bem feito que vai
passar por várias décadas, como a gente ouve Beatles até
hoje.
Kid Vinil
Roger se orgulha não só de ter conseguido levar seu objetivo até o
fim e formar o Ultraje a Rigor, como também de ter ultrapassado
muito seu propósito inicial ao criar uma banda em que não fiz nada
de que eu me envergonhe. Ele nunca imaginou que suas
composições fossem durar tanto tempo.
− O próprio disco Nós Vamos Invadir Sua Praia já foi considerado
um clássico por diversos meios de comunicação. Pela revista Zero, o
maior clássico de rock de todos os tempos, na revista MTV em outra
colocação, a própria rede de TV MTV está com essa série de discos
clássicos, e é certamente indiscutível, pode até alternar qual deles é
o melhor. Foi realmente um disco influente e eu fiz tudo isso sem ter
que ter vergonha de nada, de me vender. A Folha de S. Paulo
escolheu Inútil como uma das 10 músicas do século passado. Foi o
único rock que entrou.

Discoteca MTV, programa que sob o slogan “Alguns


discos merecem entrar para a história”, conta como foi
feito o Nós Vamos Invadir Sua Praia, além de Os
Mutantes, de 68; Aventuras da Blitz e Tempos
Modernos, ambos de 82; Ronaldo Foi pra Guerra, de 84;
Revoluções por Minuto , de 85; Selvagem , Cabeça
Dinossauro , Dois e Vivendo e Não Aprendendo, todos
de 86; Da Lama ao Caos, de 94, e Usuário, de 95.

Manito observa a evolução do Ultraje a Rigor e acha graça ao


explicar que seria inevitável o efeito do tempo.
− Eu vejo o Ultraje hoje melhor do que nos anos 80. Tem mais
destaque hoje. Nos anos 80, se destacou legal, mas também teve
outras bandas que se destacaram. O Ira! era uma, no caso, Legião,
Titãs, eram outras. Mas hoje eu vejo o Ultraje como o maior de todos,
do que Titãs inclusive, que é um conjunto que considerei muito. Mas,
em termos de pegada de show, a banda do Roger tem mais força.
Claro, eles aprenderam mais.
Roger passa a sensação de ter tocado e falado tudo o que
desejou, de ter sentido o gosto de ser apreciado e aplaudido por
muito mais plateias do que poderia imaginar e por fim, de manter
uma reputação para o Ultraje sem arranhões, digna de entrar para a
história do rock no Brasil. Em 2007 ele não tem intenção de produzir
outro trabalho. Pode ser que mais tarde eu queira fazer um disco
solo ou lançar outro disco do Ultraje, mas por enquanto eu não estou
pensando nisso.
O ex-baterista, Flávio, mantém contato com Roger até hoje e
acredita com muita plenitude que uma hora ele vai falar chega!
Ele acha que o Ultraje a Rigor acabará por cansaço do próprio
líder.
− Eu falei isso já pra ele uma vez: cara, por que você não para?
Você não precisa mais tocar. Você já fez uma história, tem uma
banda que tem um nome, a banda não vai morrer simplesmente, faz
parte da história do rock do país, não tem como. Qualquer lugar que
você vai, tem referência, tá lá o teu nome.
Pensativo, Roger fala um mas… eu gosto.
− Eu sei que você gosta, mas você tá cansado, bicho. Dá um
tempo.
Osvaldinho em show realizado no Anhembi, SP, dia 28/01/2007.
Paulinho em show realizado no Anhembi.

Fotos Rafael Rezende/www.assuntodigital.com


Mingau, Ricardinho, Roger e Serginho Serra em show
realizado no Anhembi, SP, dia 28/01/2007.
Foto Rafael Rezende/www.assuntodigital.com
Flávio revela que pouco depois dessa conversa, eles acabaram
montando a Orquestra, aí ele começou a se divertir, porque aí não
tem essa responsabilidade. Para a alegria dos fãs, ele disse na
ocasião: eu não vou parar. Talvez seja falta de coragem de encerrar
não só um projeto, mas a família que se tornou o Ultraje a Rigor, ou
falta de vontade de parar essa brincadeira de gente grande. Mas eu
acho que uma hora ele vai falar: não dá mais. Não acredito que
nunca mais vai fazer nada. Ele vai acabar inventando outras coisas.
O primeiro produtor artístico do Ultraje, Peninha, afirma que um dia
o artista poderá ficar mais tranquilo, pois não precisará gravar
músicas novas para ter que fazer seu disco do ano.
− Se o Ultraje se dedicasse a tocar apenas suas “melhores”
músicas forever, haveria público em todos os shows. Acho que ouvir
Eu Me Amo pode ser atual nos próximos 100 anos. Parece e se
confunde, mas a carreira de um artista não necessariamente é a sua
carreira fonográfica, como veremos daqui pra frente.
Ao falar de Ultraje a Rigor, o último produtor até então, Rafael
Ramos, concorda com Peninha.
− O Ultraje nunca deixou de fazer shows, mesmo depois do auge
dos anos 1980, eles continuaram a ganhar público em várias cidades
do Brasil. Quem ouve se rende. A banda é demais, as letras são de
altíssimo nível. Acho que o Ultraje deve o público que tem à musica
que eles fazem, não a um disco ou outro.
Com o término do Acústico MTV, encerra também o contrato com a
Deckdisc. Rafael Ramos admite não conhecer os planos futuros de
Roger, mas acredita que o relacionamento entre a banda e a
gravadora tenha ultrapassado qualquer barreira contratual, se ele
tiver alguma coisa na cabeça e procurar a gente, ouviremos com o
carinho que sempre tivemos. Carinho esse que ele expressa ao dizer
que trabalhar com o Ultraje a Rigor foi uma das coisas mais
maneiras que já fiz na vida.
Eu acho que o Roger é quem decide se a banda continua.
Mas dependendo dele, a banda sempre vai existir. Não
existe razão para ele encerrar com a banda ou tentar uma
carreira solo. Ele sabe que funciona muito mais como
banda, eu não vejo um final assim tão imediato.
Kid Vinil
Roger continua categórico ao dizer que não tem a intenção de
acabar o Ultraje, mas as aparições, apesar de não deixarem de
acontecer, são cada vez mais escassas. Estou muito mais seletivo
com programas de TV. Depende se vai me dar trabalho, se vai me
encher o saco, se eu gosto do programa. Então, alguns programas
eu faço, se não for me atrapalhar. Ele explica que ao lançar um disco
por contrato, é necessário fazer dois meses de divulgação. Tem que
ir lá e fazer aquela via sacra de ir em tudo quanto é rádio, programa
de TV. Eu não tenho mais vontade, paciência, não acredito nessas
coisas, acho chato. Além disso, não há mais disposição para fazer
16 shows por mês.
− A minha garganta não aguenta, as minhas costas não aguentam
de ficar andando de ônibus, dormindo mal, comendo mal. É uma
coisa que eu não preciso mais e não estava dentro do meu objetivo
inicial, que era justamente de viver bem fazendo o que eu queria.
Então, não é para eu ficar estragando a minha saúde.
A banda pode continuar por anos a fio, com uma média de cinco
shows por mês, às vezes um. Júnior revela que a todo momento
recusamos convites para apresentações.
− Mas não por capricho e, sim, pelas distâncias, que normalmente
não agradam ao Roger, pois ele não viaja de avião e isso limita muito
nosso raio de ação. Antes era assim também, mas ele gostava mais
de ficar na estrada ralando, hoje está naturalmente mais seletivo.
Manito, assim como Bacalhau, vê que Roger toca quando e onde
quer e, apesar de não discutir sobre isso, pois julga não ser de sua
alçada, ele pensa diferente.
− O que ele [Roger] gostaria, de repente, é de não tocar mais, não
cantar mais, o que acho muito estranho, porque eu acho que a veia
do artista e do músico está no palco. Não está só no dinheiro.
Porque eu estou bem, então eu não preciso. Não é isso. Eu preciso
sim, preciso estar no palco, tocar, falar alguma coisa pro pessoal,
fazer entender o valor que tem a música: o que significa uma banda,
uma união de forças? A luz que isso tudo pode dar para 10, 20 mil
pessoas?
Peninha não tem dúvidas quanto à vida longa do Ultraje a Rigor.
Acho que o Ultraje agora vai ser o Roger, com aquele sorriso e
risada até o último instante e espero que ele morra aos 127 anos,
graças à medicina e à paranoia dele de avião e o seu último set
listvai ser com suas “melhores”, tenho certeza.

Ao vivo é a Alma do negócio


A caminho do show, Trovão liga para todos: − Aê, aê. Pode descer,
e vão descendo… os oito ultrajes mais a equipe.
E a van começa a ficar lotada. Todo mundo falando merda, rindo
pra caralho, o Roger fazendo mágica e a equipe junto.
Bacalhau conta que quando chega na Barra Funda, os ultrajes
entram no ônibus, que Mingau chama de casa. Aí, é tipo colônia de
férias. A vida que eu pedi a Deus. Viajar com os amigos, rir pra
caramba, tocar. Um traz o DVD que havia comentado na semana
anterior, todos param e assistem, outro traz uma revista… Num
determinado momento, o ônibus para na estrada para que eles se
alimentem. Aí já viu. Vira aquela molecaaada, marmanjo-moleque,
todo mundo comendo. Nunca vi ninguém da equipe do Ultraje brigar,
velho. Não existe isso. São inúmeras brincadeiras, Manito se diverte
com Roger. É muito engraçado. Ele tem umas tiradas assim, geniais.
Quando chegam ao local do show, eles esperam o chamado de
Trovão. O produtor chega batendo palmas: − Opa! opa! opa! Vamos
lá, tá na hora, tá na hora…
Antes de entrar no palco, Serginho Serra e Bacalhau costumam se
alternar para repetir o bordão que resume todo o período
preparatório para os shows: − Ah, agora tudo faz sentido…
O baterista explica que é hora de extravasar, de imprevistos e
improvisos. É divertido pra caramba. Roger também se realiza com
os shows, mais do que compor: − Me dá muito prazer na hora de
compor, de ser uma espécie de quebra-cabeça. Você vai achando
soluções, daí quando acha, olha que legal, a palavra encaixou
direitinho. Mas é meio… ah, pronto, acabou! Dá até aquela
depressão pós-parto. No show, não. Sempre é divertido estar lá
tocando. Na passagem do som também, porque nós podemos tocar
o que quisermos ou ficar improvisando horas. No show, você vai
cansar o público.
O improviso e as brincadeiras que o Ultraje cria na hora garantem
que cada show seja diferente e único. E eles já estão tão treinados
para tocar o set list que dificilmente vai ficar ruim ou dar tudo errado.
Roger confirma: isso daí é o que dá gosto para nós na verdade. Se
tivéssemos que tocar igualzinho há 25 anos, pô, não dá para
aguentar.
Serginho Serra observa a plateia. É hilário! Em um dos shows
realizados no primeiro semestre de 2007, tinham umas meninas
assim de 15, 16 anos, uns coroas, tudo que é tipo de gente. Isso que
eu acho muito legal no Ultraje, é abrangente. Mingau percebe que
são os pais dos anos 80, que hoje têm os filhos. Então, eles vão com
os filhos. O que é muito engraçado. Todo mundo ali curtindo.
Ao vivo é a alma do negócio, como prova o show durante a Virada
Cultural 2008, na Praça da República, centro de São Paulo. No dia
27 de abril, por volta das 14 horas, uma multidão se aglomera nas
redondezas embaixo de um sol forte. Alguns tentam se arranjar
pendurados nas árvores em busca de uma vista melhor e, enquanto
alguns desistem de chegar mais perto e ficam circulando ao fundo,
outros não abrem mão de desgrudar da grade. O entardecer traz um
clima mais refrescante e o final da tarde se aproxima pacífico e
alegre. O tempo que transcorre nas últimas 24 horas traz um festival
de rock que começou com O Terço e continua com Terreno Baldio,
Casa das Máquinas, Harppia, Paul Di’Anno, Andreas Kisser e Brasil
Metal Stars: Derrick Green, Hugo Mariuti e convidados, Overdose,
Vulcano, Vodu, Korzus, Bando do Velho Jack, Los Goiales All Stars,
Cachorro Grande, Arnaldo Antunes, Lobão e com a responsabilidade
de fechar a Virada Cultural, Ultraje a Rigor no palco principal.
Mesmo antes da apresentação de Lobão acabar, atrás de um telão
no fundo do palco, os roadies do Ultraje começam a trabalhar. Azedo
monta a bateria, Jason afina as guitarras e as deixa em seus
suportes prontas para os músicos.
Em breve, os ultrajes começam a chegar. Trovão está por lá de
véspera. A todo instante, ele sobe e desce a rampa que leva aos
fundos do palco. Fala com os roadies e os técnicos do evento e não
desgruda do celular. Serginho Serra é o primeiro a subir até o palco.
Ele dá uma olhada, cumprimenta o pessoal do Cachorro Grande, que
não arreda o pé dos bastidores durante os shows, e logo volta para a
área destinada aos camarins e à imprensa. Minutos depois, Manito
também aparece com um sanduichinho do camarim nas mãos.
O show de Lobão acaba e os instrumentos do Ultraje são levados
para frente do palco. Perto dali, na porta do camarim feito de lona
branca em formato de tenda, Roger dá entrevistas. Paulinho
conversa com os filhos, André e Flora. Osvaldinho e Bacalhau estão
por perto. Logo chega Mingau.
Roger entra no camarim e lá aguarda o horário marcado para o
show. Os demais ultrajes ora estão conversando com fãs, amigos ou
outros músicos dentro do camarim, ora estão circulando do lado de
fora.
Nesse meio tempo, Lobão passeia por ali. Aproveito para
perguntar se ele ficará para o show do Ultraje e se rola fazer uma
foto da turma. Ele diz que sim, e quanto a uma canja? Lobão faz
graça, diz que depois perguntará a Roger se pode tocar na banda
dele.
O show começa, logo Bacalhau empresta seu banquinho para
Lobão, que toca e cantaNós Vamos Invadir Sua Praia. Na diversão
do momento, mais uma vez ganha força sua frase, eu recomendo!
A participação especial é só o começo da noite embalada por
todas as prometidas faixas do disco Nós Vamos Invadir Sua Praia e
ainda muitos outros clássicos.
O público presente confere uma versão hilária de Sexo!!, quando
Roger começa a cantar créééu49 e anuncia que Serginho Serra
engatará a veloci-dade 3. O carioca aproveita para emendar Que não
é o que não pode ser que/Não é o que não pode/Ser que não é/O
que não pode ser que não/É o que não/Pode ser/Que não/É…50 o
público continua cantando junto e Sexo!! acaba.
Desta vez, Roger não faz gargarejo como de costume. Mas,
depois do primeiro gole, joga o que sobra da água na plateia, que
delira com os covers. Hey ho, let’s go!… e o restante de Blitzkrieg
Bop, dos Ramones, é cantada só assim, nananananá… depois um
clássico dos anos 1970, Paranoid, do Black Sabbath.
Atrás de Serginho Serra existe um espaço vazio. O time ainda não
está completo. Assim que os ultrajes chegam à Praça da República,
Trovão cuida de lhes entregar uma pulseirinha que os identifica como
músicos. Ricardinho se atrasa para o show e não recebe a sua.
Quando aparece, o segurança diz que não o conhece e barra sua
entrada. Ricardinho liga para Trovão, mas o celular está fora de área.
Uma hora chamou, aí chamou e desligou, acho que ele viu… Trovão
vai buscar Ricardinho, que sobe ao palco, cumprimenta os músicos e
pega a guitarra de Roger emprestada para o último gole de rock n’
roll daquela noite, com Long tall Sally, do Little Richard, ou como o
líder anuncia, ele vai cantar uma música que ele fez hoje de manhã,
enquanto eu fazia aquela outra… nessa música Roger toca pandeiro
meia lua.
Fotos Andréa Ascenção

Roadie Azedo passa o som da bateria de Bacalhau na


Virada Cultural 2008.
Guitarra de Serginho Serra.

Guitarra de Ricardinho, que não teve tempo de ser usada


na Virada Cultural 2008.

Antes de deixar o palco, o líder do Ultraje a Rigor agradece. Ele


repete a sensação que o público causa nele.
− Arrepiou!
De volta ao camarim, alguns fãs conseguem entrar graças a quem
eles chamam de o “paizão”, Paulinho. Num cantinho, sentado em
uma cadeira, o agora pálido Bacalhau recupera o fôlego, depois de
tocar à exaustão.
Há gente entrando e saindo. Os fãs pedem autógrafos, um deles
na capa do LP Crescendo e tiram fotos com seus ídolos. Os ultrajes
são muito atenciosos, tentam atender a todos que se aproximam,
inclusive os fotógrafos. Os oito se abraçam e não perdem a
oportunidade de saírem com chifrinhos nas fotos.

Bacalhau, Osvaldinho, Serginho Serra, Roger, Paulinho,


Ricardinho, Manito e Mingau.

Mais tarde, eles começam a ir embora, um a um se despedem.


Bacalhau vai de encontro ao Serginho Serra, estende a mão e diz: −
É sempre uma honra tocar no Ultraje e com você.
− Aaah, você também. Não só tocar, como estar perto de ti.
Minutos depois, o roadie está indo embora, Serginho Serra grita: −
Tchau, Jason. Cuida da minha bichinha [a guitarra] aí!

A mesma Virada Cultural traz de volta o Som Nosso de Cada Dia e


Manito também se reúne atualmente com Os Incríveis, em shows
esporádicos.
No final de 2008, uma banda brasiliense que tem o Ultraje a Rigor
como fonte de inspiração tenta a sorte através da internet. Por um
desses e-mails do site do Ultraje, nunca pensei que o próprio Roger
responderia, recorda o vocalista e guitarrista do Gonorant$, Eder
Gonorant. A banda envia um link com algumas músicas que estão
prestes a gravar para seu primeiro CD homônimo e explica que seria
uma honra imensa ter uma participação de Roger nele. O Ultraje
adorou e topou no ato, garante Eder, que junto ao baterista Rafael
Gonorant e a baixista Vanessa Gonorant vieram a São Paulo gravar
a faixa Gaivota Manca. Eder revela que registra muito material da
participação de Roger, que pretende usar no clipe da música: − O
Roger já chegou fazendo mágica dentro do estúdio, conversamos
muito sobre selos independentes x grandes gravadoras, falamos das
participações que ele já tinha feito no Los Hermanos, Bidê ou Balde,
Jorge Ben e finalmente Gonorants. Ele brincou o tempo todo, falou
piadas, não parava de fazer mágicas e cobrava de si mesmo a
perfeição. Gravou várias vezes sua parte, comentou como foi o início
da carreira do Ultraje e de seus tempos de escola. O mais engraçado
foi que ele precisou ficar lendo pra conseguir gravar. Foi ótimo, ele se
mostrou mais legal do que achávamos.

Testando… música esquisita a


Troco de nada !
O Ultraje a Rigor entra em 2009 com a promessa de testar
novidades. Roger grava algumas demos em casa e as divulga no
MySpace oficial da banda. Dias depois, em 5 de março, ele se reúne
com Mingau e Bacalhau e gravam as bases definitivas no estúdio
F&M. As partes de Serginho Serra, Manito, Osvaldinho, Ricardinho e
Paulinho são o próximo passo. Flávio Decaroli, o técnico de som, fica
responsável pela mixagem. A intenção do Ultraje a Rigor é
disponibilizar gratuitamente, inclusive para download, músicas
inéditas através do próprio MySpace e do Reverbnation. Daí o nome
do projeto Música Esquisita a Troco de Nada! Sem gravadora, a
divulgação conta com a ajuda dos fãs pela internet e eventuais
participações da banda na mídia. No site do Ultraje a Rigor, o
internauta encontra a opção de doar um valor a seu critério como
forma de “pagamento” pelos downloads, algo semelhante ao que o
grupo britânico Radiohead fez em 2007 com o álbum In Rainbows.
Um encarte digital ainda traz o termo No Sale, uma referência irônica
ao LP Beatles for Sale (1964) .
Usar a internet para se desvencilhar do mercado é um caminho
adotado principalmente pelas bandas de garagem, mas, apesar de
estar próximo dos 30 anos de estrada, Roger indica que em andar na
contramão nos tempos de hoje, quase que só há pontos positivos.
− É claro que contamos com um nome construído também com
ajuda de gravadoras, mas será mais ou menos da forma que
começamos, com o público conhecendo as músicas aos poucos e
gostando (ou não) por sua própria escolha, sem artifícios
marqueteiros. Se tudo correr bem, podemos lançá-las mais tarde em
CD, como foi com o nosso primeiro disco, quando as músicas já
eram conhecidas em shows. Muito mais liberdade. Não tenho que
dar satisfação nem aos compradores, já que estou dando as músicas
de graça. Teremos mais tempo e sossego. Vamos gravar uma de
cada vez.
Tudo nos conformes até que no dia 18 de março, Roger declara no
ReverbNation: Ele disse adeus… O que parecia não fazer sentido
ganha desdobramento três dias depois por meio da lista do fã-clube.
Serginho Serra não chega a comparecer ao estúdio para as
gravações do novo projeto. Segundo Roger, a posição de ex-
guitarrista parece definitiva. Minha opinião é que um integrante do
grupo deve estar disponível para compromissos com o grupo,
incluindo aí a gravação de um disco ou uma faixa. Tenho certeza de
que uma banda é uma sociedade e que cada membro deve poder
ser encontrado e estar presente quando solicitado. Já ele, acha que
eu devo dar esse suporte. Eu o considerava um sócio, mas ele se
considerava um empregado (vale dizer que, embora eu não
concorde, esse suporte foi oferecido para que ele viesse de
Teresópolis, onde mora, a São Paulo, onde o resto da banda mora).
O líder do Ultraje a Rigor escreve sobre o assunto, mas sem entrar
em detalhes, lamenta o ocorrido e anuncia que as gravações
continuarão.
De volta ao estúdio F&M, Edgard Scandurra se junta à trupe e
quatro canções ficam prontas. Retirada do baú, Nossa, Que Cabelo
Bonito! permanecia inédita desde que Roger a compôs para uma
banda, segundo o músico, com adolescentes donos de cabeleiras
por demais esquisitas, mas pareciam achar que seus penteados
eram lindos (como, aliás, a maioria de nós!)51. Amor soma quatro
anos guardada. Faria parte do Acústico MTV, mas sem um arranjo
adequado para o formato, o bolero de Gabriel Ruiz e Ricardo Lopez
Méndez ficou esperando uma oportunidade de vir à tona. Estilizado
ganha a participação especial de uma amiga de Roger, a cantora
paulistana Klébi Nori, com quem o líder do Ultraje tocou flauta nos
idos de 1977. Vida de bebêé mais uma inédita e pode ter sido feita
em homenagem a Mingau, que pensou se tratar de uma brincadeira.
O autor da música diz que não estava brincando e confunde tudo. O
que também não quer dizer que eu estivesse falando sério. De
qualquer forma, it’s only rock and roll, but I like it! No mais, Vida de
bebê desenha as atividades debastante gente, segundo Roger. A
música ganha um clipe totalmente digital do ilustrador Fábio Biondo,
que sugere a falta de responsabilidades e o cotidiano repetitivo de
políticos em Brasília, como se levassem uma vida retroativa, “vida de
bebê”.
Material inédito remanescente das gravações de Os Invisíveis,
uma versão de Can’t Help Falling In Love, que ficou conhecida na
voz de Elvis Presley, também é disponibilizada nas páginas oficiais
do Ultraje a Rigor. Rafael Ramos abre o jogo sobre Eu Não Consigo
Deixar de Amar Você. Não saiu no disco por causa da editora gringa
que nunca autorizou uma versão dessa música. O produtor ainda
revela que outras canções são ensaiadas para o Acústico MTV, mas
caem fora do repertório. Temos ensaios e passagens de som
gravados com essas músicas. Nenhum plano por enquanto.

Apenas 30 segundos de Eu Não Consigo Deixar de


Amar Você são disponibilizados em dezembro de 2008
no link http://www.deckdisc.com/presente/index.html. A
título de presente de Natal, a Deckdisc lançaria músicas
inéditas de alguns de seus artistas. Além da versão
punk rock do Ultraje a Rigor para Can’t Help Falling In
Love, o internauta também pode baixar para celular Vivo
uma versão da baiana Pitty para Nós Vamos Invadir Sua
Praia .

Outra novidade é um cover dos Beatles,One After 909, que entra


para o volume. 01 Get Back – De Volta aos Beatles, da coleção
Beatles’69, do selo Discobertas. Convidado pelo produtor musical
Marcelo Fróes, o Ultraje a Rigor é uma das primeiras bandas a
entregar o material concluído. Eles aproveitam as sessões do projeto
Música esquisita a troco de nada! para a gravação.

Marcelo Fróes é dono do selo Discobertas. Em 2008,


quando o álbum branco dos Beatles completa 40 anos,
ele monta um projeto com a releitura de The Beatles.
Muita gente me cobrou que comemorasse, em 2009, os
40 anos dos discos derradeiros Let It be e Abbey Road .
Diversos artistas se apresentaram para gravar e eu
convidei o Ultraje, sabendo que Roger sempre foi um
grande fã da banda. Sugeri que fizesse a faixa The One
After 909 e, por coincidência, soube por ele que, de
alguma forma, já fazia parte do repertório da banda.
Empunhando a guitarra do ultraje a
rigor, o guitarrista… ?
Faço parte da lista há uns quatro anos, sempre acompanhei à
distância. Quando vi a preferência das pessoas, fiquei muito
lisonjeado. Sérgio Serra é um grande guitarrista, o Ultraje sempre
teve excelentes músicos, fiquei muito contente mesmo por ter meu
nome lembrado por pessoas que sempre acompanharam a banda.
Foi um dos momentos mais gratificantes da minha carreira, com
certeza. A lista mencionada é a do fã-clube da banda no Yahoo e lá,
extraoficialmente, um dos nomes sugeridos para o posto de novo
guitarrista do Ultraje a Rigor é Marcos Fernando Mori Kleine.
Músico paulistano, aos 10 anos Marcos Kleine aprende sozinho a
tocar bateria. Cinco anos mais tarde, ele passa para a guitarra.
Comentei com o Roger recentemente que a única banda nacional
que gostava nos anos 1980 era o Ultraje. Meu irmão é fã assumido e
ouvia muito em casa. Sempre admirei a banda. Isso porque, desde o
início, todos os amigos de Marcos Kleine gostam de heavy metal,
inclusive seus vizinhos da banda Viper, que entra para seu currículo.
Lembro do dia que peguei uma guitarra na mão. Acho que era a
guitarra do Felipe Machado ou do Yves Passarel, guitarristas do
Viper. Foi paixão instantânea, pirei na hora. Tive algumas aulas, mas
basicamente estudei sozinho. Suas influências vem de guitarristas de
peso como: Randy Rhoads, Eddie Van Halen, David Gilmour e Jeff
Beck. Aos 15 anos, Marcos Kleine estreia como guitarrista. Ele
monta sua primeira banda, o Darkness, com o baixista Fernando
Machado. Dia 10 de março de 1985, virei guitarrista. Em três anos, o
Darkness se tornaria Exhort e Marcos Kleine também passa a dar
aulas de guitarra.
Dos palcos de colégios, o Exhort alcança, em 1991, casas com
cerca de três mil pessoas por show e lança o primeiro LP, Attitude
(Rock Brigade Records). Em 1995 a banda se desfaz. Somente em
2002, retoma as atividades. Quatro anos depois, sai o segundo
álbum, p.r.a.Y. Nesse meio tempo, o guitarrista, que é fã de filmes e
seriados famosos, se dedica ao Kleine Project, em que sola os temas
exibidos na televisão e no cinema. Esse trabalho teve mais
repercussão fora do Brasil. Por causa desse projeto, fiz a trilha de
uma paródia de Jornada Nas Estrelas, feita por um cartunista
australiano (John Cook).
Sev Trek-Pus In Boots. Em 2006 o baterista Rick Verreschi convida
Marcos Kleine para produzir seu CD. E acabei me envolvendo no
projeto com músicas e tocando vários instrumentos. Daí nasce o Duo
Vision. Eles lançam o álbum High Dive, com músicas instrumentais.
Ao longo do tempo, Marcos Kleine se especializa na técnica musical.
Alguns dos artistas que ganham sua produção são OskMaradas,
Luís Carlini, Maestro Briamonte e Celso Cardoso. Fui sócio do
estúdio [ Groove-Total ] por 3 anos e ajudei com muitas gravações.
Me tornar produtor foi algo natural. Sempre gravei minhas músicas
em todas as fases de gravação, em fita, digital, em gravadorzinho.
Dou consultorias de um software de gravação, o Sonar, o que lhe
rende um convite em 2009, do site da revista Cover Guitar para
escrever uma coluna. Entre outros temas, Marcos Kleine dá dicas
sobre como utilizar o Sonar.
Em abril de 2009, Marcos Kleine é convidado a tocar nos shows do
Ultraje a Rigor. Antes disso, o Vega e a Fabulosa Orquestra de Rock
n’ Roll aproximam os músicos. Mingau é praticamente meu irmão.
Sempre troquei mensagens e conversei com o Roger. Antigamente,
ajudei o Bacalhau com um home studio que ele estava montando. Já
nos conhecíamos antes, e fora de campo, o elenco é unido. Como de
costume, não há ensaios, mas Marcos Kleine garante: fiz a lição de
casa. O convite não tem caráter definitivo, deixo eles bem à vontade,
mas estou muito feliz de estar tocando com eles. Só saio se me
despedirem! Sobre Música esquisita a troco de nada!, Marcos Kleine
apoia o formato: − Creio que a internet está revolucionando o contato
artista-público, mas ainda o formato ideal não apareceu. Acho a ideia
de músicas gratuitas sensacional, o artista nunca ganhou dinheiro
com vendagem de CD mesmo, não tem feito diferença, já que se
ganha mais com shows. Ultraje tem uma força incrível, fico
impressionado, pois todos os shows que fiz com a banda foram
lotados e com uma receptividade incrível do público. Tenho certeza
que ano que vem será um ano marcante na carreira da banda.
Enquanto 2010 não chega, uma versão de Ciúme, desta vez
gravada pela apresentadora mirim, Maísa, entra no CD Tudo Que Me
Vem na Cabeça(Universal). Roger também participa da música Ô,
Tio. Ele incorpora um adulto com dificuldades para aprender a mexer
em um computador enquanto Maísa: Ô tio, eu não aguento mais/Ter
que ensinar de novo como é que faz/Ô tio, vê se aprende/É muito
fácil só você que não entende. Em agosto, o Ultraje a Rigor volta às
telinhas interpretando a música de abertura da novela Bela, a Feia,
de autoria da dupla Mauro e Maurício Gasperini. Uma versão
brasileira exibida pela TV Record, baseada na comédia colombiana
Yo Soy Betty La Fea. E as aventuras do Ultraje a Rigor continuam…
Em 13 de maio de 2010, Marcos Kleine posta uma foto via Twitter
que se espalharia rapidamente pela internet. Pouco antes, o Ultraje
está a caminho de Campos do Jordão, interior de São Paulo, quando
ouvem um estouro no andar de baixo do ônibus. Os músicos e
equipe se abaixam rapidamente. O motivo, provavelmente uma bala
perdida que atinge a janela do ônibus. Boletim de Ocorrência
registrado, ficou o susto.
Registro do estrago feito pela bala perdida no vidro do ônibus do
Ultraje a Rigor, postado no Twitter por Marcos Kleine
Por um triz, quase um ultraje de
ricota
Uma outra viagem no ônibus do Ultraje se torna engraçada. Mas
há cerca de cinco anos, quando ela aconteceu, também foi perigosa.
Após um show realizado numa cidade no interior do Paraná,
equipe e músicos estão cansados dentro do ônibus, que percorre
uma estradinha sem iluminação no breu da noite. De repente, o
ônibus para e parece preso em alguma coisa.
O motorista não consegue enxergar direito e não sabe a
localização exata. Ele tenta fazer o ônibus pegar.
Os passageiros são vencidos pela preguiça ou pela fome…
Um deles pergunta:
− Alguém trouxe sanduichinho do camarim?
Outro:
− Tem refrigerante aí?
E o ônibus demorando para voltar a andar. Até que num
determinado momento, o veículo chacoalha, anda e consegue se
estabilizar. Vruammmmm… um barulho muito alto pertíssimo.
Por acaso, o motorista resolve descer e, então, eles se dão conta
de que há minutos o ônibus quebrou em cima da linha do trem.
Bacalhau conta que era um lugar tosco mesmo, no meio do nada.
Não tinha as cancelas e blim blim blim…
O ônibus do Ultraje poderia ter sido partido ao meio por um trem
no fim do mundo, sacou?
− E pior que eu costumo sentar estrategicamente no meu
lugarzinho marcado que é no meio do ônibus, o lugar que menos
chacoalha. Então, teoricamente, eu lá ia levar uma beijoca da
locomotiva.
Roger, Marcos Kleine e Mingau em show realizado no
Anhembi, SP, dia 02/02/2010.
Fotos Rafael Rezende/www.assuntodigital.com
Bacalhau e Ricardinho em show realizado no Anhembi, SP,
dia 02/02/2010.
Fotos Rafael Rezende/www.assuntodigital.com

Felizmente nada aconteceu com a banda que não cansa de tocar


e ultrapassa a duração estimada dos shows, mesmo quando uns
homens marrentos apontam para o relógio, querendo dizer que o
tempo acabou. Por quê?
Porque o chiclete que eles mastigam não é igual ao seu.
O meu chiclete faz ploc. O seu chiclete faz bum. O meu chiclete
faz ploc. O seu chiclete faz bum. Bum bum bundão. Bum bum
bundão. Bum bum bundão. Bum bum bundão, na bateria Bacalhau.
Bum bum bundão, no baixo Mingau. Bum bum bundão, na guitarra
Marcos Kleine. Bum bum bundão, nos violões e vocais Ricardinho.
Bum bum bundão, nos vocais Paulinho. Bum bum bundão, nos
teclados Osvaldinho. Bum bum bundão, na guitarra Roger. Bum bum
bundão, na percussão, sax e flauta, Manito. Bum bum bundão… Eles
são o Ultraje a Rigor.
Bacalhau, Mingau, Roger, Marcos Kleine e Ricardinho no
camarim de show realizado no Anhembi, SP, dia
02/02/2010.
Foto Rafael Rezende/www.assuntodigital.com
Posfácio
As pessoas percorrem caminhos distintos, descobrem que também
são boas em outras profissões, ou até melhores, aprendem a
enxergar o passado com mais clareza e o usam para evoluir, fazem
muitas curvas, tropeçam, caem, se levantam e, às vezes, com sorte,
acabam se encontrando novamente.
Não por acaso, em uma das visitas de Maurício ao Brasil, o ex-
baixista do Ultraje a Rigor dá o ar da graça no casamento de um
amigo, Jefferson Mucciolo. Na ocasião da cerimônia, Maurício chama
Roger, Carlinhos, Serginho Serra e Leôspa, que improvisam um som.
Depois que sai do Ultraje, Maurício monta uma banda de heavy
metal nos Estados Unidos, a Emerald Steel. Lança dois álbuns
independentes com Wagner Canteras (vocalista), Ed Peterson
(guitarrista) e John Beers (baterista). Três anos se passam.
− Não vendemos muito, na verdade não vendemos nada… umas
cinco mil cópias… Fizemos uma turnê de merda no Brasil e não foi
pra frente. Desde então, só toco com amigos e em casa.
Como num domingo à noite. É 9 de novembro de 2008, o ex-
baixista passa alguns dias em São Paulo e aproveita para
comemorar seu aniversário no Café Piu Piu, bar localizado no Bixiga.
A jam session reúne Leôspa, Roger, o guitarrista Renato Nunes (ex-
Transilvania Boogie) e seu irmão, também guitarrista, Walter Nunes,
o baixista do Get Back e primo de Maurício, Carlo Fernandes, e os
Garotos Podres: Sukata (baixista), Leandro Capitão Caverna
(baterista) e Carlos Soffiotti (guitarrista), que se revezam nos
instrumentos e tocam clássicos do rock internacional, blues e Ultraje
a Rigor. A ocasião também reúne Cacá Prates, que volta às boas
com Roger.
Entre uma música e outra, Roger e Maurício recordam numa piada
a produção que fizeram da banda Garotos Podres. Em 1988, o
baixista produziu Pior Que Antes(Continental). O próximo álbum,
Canções para Ninar (Radical Records) foi produzido por Roger em
1993. Por meio de Cacá Prates, Maurício tem contato com a banda
punk e passa quase 100 horas no estúdio Transaméria.
Posteriormente, Roger encara a função no estúdio RAC. Os Garotos
Podres fazem parte do underground, em detrimento disso, não
contam com a estrutura que uma grande gravadora pode
proporcionar. O vocalista e membro-fundador do Garotos Podres,
Mao, absorve: carecíamos de recursos técnicos e experiência de
estúdio. Neste sentido, tanto o Maurício quanto o Roger contribuíram
significativamente na produção destes dois álbuns. Foram, acima de
tudo, fiéis intérpretes entre a linguagem musical de uma banda de
garagem e a, por nós desconhecida, linguagem técnica de estúdio. A
festa de aniversário acaba cedo, mas deixa engatilhada a
possibilidade de um disco reunion para, quem sabe, no ano seguinte.
Jam session no Café Piu Piu para comemorar o aniversário
de 46 anos de Maurício. Renato Nunes (ex-Transilvania
Boogie), Roger, Leôspa e Maurício. Abaixo, Leôspa.
Fotos Andréa Ascenção
Roger na Jam session no Café Piu Piu.
Renato Nunes, Roger e Maurício, também na Jam session.

Fotos Andréa Ascenção


Com o fim da Emerald Steel, Maurício se torna mergulhador
profissional, treina policiais e militares dos quatro cantos do mundo.
Diante da pergunta como você mudou de profissão, Maurício
simplesmente mostra que o espírito engraçadinho do Ultraje a Rigor
ainda faz parte dele.
− Longa história, marinha brasileira, escola de mergulho comercial
Aquamaster (extinta) no Rio… tem assunto militar confidencial…
contra gorila e terrorista na Amazônia… melhor não mexer.
Ok, então vamos ao que aconteceu com o ex-guitarrista e ex-
produtor do Ultraje, Carlinhos. Ele foi padrinho de casamento de seu
irmão à distância, Maurício, e é padrinho de sua filha, Alyssa, que
também toca contrabaixo.
Carlinhos especializou-se nos diversos processos da produção de
música. No currículo, estão discos dos Paralamas do Sucesso,
Cássia Eller, Nando Reis, Herbert Vianna, Dado Villa Lobos, Legião
Urbana, Sepultura, Pavilhão 9, Charlie Brown Jr., Otto, Ira!, Nasi, Los
Hermanos, Sheik Tosado, Jorge Benjor, Autoramas, Dibob, Darvin,
EMO., Zebrahead, Tianastácia, Planet Hemp, Tolerância Zero,
Cajamanga, Tribo de Jah, Vícios da Era, Cabeçudos, Human Drama,
Bleed, Calibre Zero e Rumbora. Em virtude desta última, Carlinhos
mantém contato com Bacalhau e com os outros menos do que
gostaria.
Em 2005, também compõe, toca, grava, mixa e produz a trilha
sonora do filme Casa de Areia, de Andrucha Waddington. No ano
seguinte, trabalha com o mesmo diretor no filme Pedrinha de
Aruanda, em que faz a mixagem, sound design e toca em uma
música de Raul Seixas, Gitã.
− Hoje divido minha carreira profissional entre a produção
fonográfica e o mar, no momento [31 de agosto de 2007] estou em
Bodrum, na Turquia, com um amigo, levando o barco dele para
Rhodes, na Grécia. Não posso reclamar.
Carlinhos esbarra em Serginho Serra no Rio de Janeiro,
quando produz o primeiro disco do Tolerância Zero
(Ninguém Presta), em 1997.
Arquivo pessoal de Serginho Serra Ainda criança, Carlinhos aprendeu a navegar e está no
comando do San Marino, o barco construído por seus pais. Estou mais saudável do que
quando tinha 20 anos, mais feliz. Longe de terra firme, ele ouve o disco Nós vamos invadir
sua praia e reflete: − Nossa, é muito tosco, muito ruim comparado com o que estava se
fazendo nos EUA, Inglaterra ou Austrália na mesma época e, tristemente, era um dos
melhores que tínhamos no Brasil, (eu e o Maurício sabíamos disso e queríamos mudar, mas
era uma luta impossível). O Brasil está muito melhor hoje neste lado, mas ainda muito,
muito atrasado e preguiçoso. Me cansei da luta por tentar fazer discos de padrão 1° mundo
em um país 3° mundo. Os que lutam para isso existem sim, mas são uma minoria.
San Marino, além de baratear o custo de vida e impor uma rotina
saudável a Carlinhos, abriga um pequeno estúdio a bordo. Lá o ex-
ultraje produz seu próprio disco, toca a maioria dos instrumentos e
não se preocupa em estabelecer um prazo curto para terminá-lo.
Carlinhos contará com a participação de amigos músicos que
encontrar pelos ancoradouros do Brasil. No que ele chama de mundo
urbano, faz discos que escolhe a dedo, pois ainda pontua outro
problema no Brasil, que contribuíra para sua escolha pelo mar.
− Frustração com o governo, que só taxa, demasiadamente,
impostos de importação absurdos (equipamento de gravação não é
nacional), uma economia fraca, onde o povo não tem verba para
comprar discos. Em um país de 190 milhões, é difícil de vender 150
mil discos, não adianta tentar culpar a pirataria e a internet, não é por
aí.
O ex-baterista, Leôspa, parte para algo parecido ao montar um
estúdio de gravação e ensaio, onde continuara tocando
esporadicamente. Estuda música com partitura, pois na época do
Ultraje, não tinha tempo. Ele também abre dois restaurantes. Em
junho de 2005, muda-se provisoriamente com sua esposa e filho
para o Jari, no Pará, onde monta uma pizzaria delivery.
− Pois aqui não tinha uma pizza decente. Embora dê dinheiro, faço
mais por hobby e para comê-las.
Ele relembra os tempos em que trabalhou com Roger numa
pizzaria em São Francisco. A diferença é que agora mora no meio do
mato, em busca de uma qualidade de vida melhor. Em fevereiro de
2008, Leôspa volta para São Paulo, onde decide retomar a profissão
de arquiteto.
Somente em 2010, Serginho Serra decide comentar brevemente
que saiu do Ultraje para fazer meu trabalho solo, sobreviver e evoluir.
Foi por amor: eu me amo, eu me amo! Estou mais feliz pessoalmente
e profissionalmente agora do que quando estava na banda, mas o
futuro pertence a Deus. O ex-guitarrista reúne a participação especial
de Frejah, Fernandão, Rodrigo Santos, Maurício Barros e Toninho
Horta no seu recém-lançado álbum, Labirinto Vertical, que leva
produção de Kadu Menezes. Atualmente, além de divulgar seu
trabalho solo, ele também toca com Toninho Horta e Rodrigo Santos.
Em 1990, o ex-guitarrista Edgard Scandurra inicia sua carreira solo
e mostra habilidade com todos os instrumentos tocados no disco
Amigos Invisíveis, que surgiu da necessidade de eu mostrar minha
voz, minha visão de produção musical e minha paixão pela bateria.
Aos poucos, ele cria uma música que não consegue rotular, paralela
ao Ira!. Assim nasce Aka Benzina52 (um rock eletrônico?), com
Sandra Coutinho (baixista e backing vocal) e Michelle Abu (baterista
e percussionista). Em 2007, após lançar o 13° álbum, Invisível DJ, o
Ira! não conta mais com o vocalista Nasi e torna-se O Trio, para, logo
em seguida, encerrar suas atividades. Edgard Scandurra ainda diz: −
Estou lutando pra ficar em um só projeto, assim como no tempo do
Ultraje. Mais de 20 anos depois, ainda toco com um monte de gente.
Influenciado por Serge Gainsbourg, Edgard Scandurra faz uma
série de pocket shows em homenagem ao compositor francês, que
tem início com tom intimista no seu restaurante Le Petit Trou – que
significa buraquinho, um trecho do refrão de uma das canções de
Gainsbourg –, para depois ganhar palcos maiores. Arnaldo Antunes,
Fausto Fawcett, Guilherme Arantes e Eduardo Beu são alguns dos
amigos convidados, além da banda Les Provocateurs, que o
acompanha. Edgard Scandurra e Arnaldo Antunes também se
dedicam a outro projeto com Antonio Pinto, Taciana Barros e os
filhos dos quatro músicos. É o Pequeno Cidadão. A banda faz
músicas para crianças e tem uma única influência, o amor.
Multiatarefado, Edgard Scandurra revela que não sabe dizer como
está o Ultraje a Rigor, mas sua visão sobre a época em que tocou na
banda é sólida:
Eu acho que o Roger é uma espécie de Adoniran Barbosa do rock n’
roll. É uma figura genial, uma pessoa que eu adoro e é praticamente
o Ultraje. Eu gostava muito da primeira formação também: o Leôspa,
o Carlinhos, o Maurício. Todos meus grandes amigos mesmo.
Esses caras juntos formavam uma unidade. Por isso que o Roger é o
Ultraje, porque ele ficou. Ele é o cabeça, mas a primeira formação
realmente é a que tinha mais a ver com… se bem que na verdade
mesmo, a primeira vez que eu vi o Ultraje a Rigor foi ainda com
Edgard Scandurra na guitarra, tocando num porão de uma casa. Eu
estava no Madame Satã, isso em 1983, 1984. Quando olhei, a coisa
que mais me chamou a atenção foi o próprio Edgard.
Porque eu vi um cara canhoto tocando, eu falei, esse cara vai ser
uma lenda do rock n’ roll. Fiquei impactado. Aí, quando vi o Ultraje a
Rigor novamente, já não era o… aí eu falei, pô, cadê aquele cara?
Aquele cara é espetacular! Comecei a prestar atenção no que era o
Ultraje mesmo a partir da saída do Edgard.
Lobão
− Sei que nos anos 1980 eles eram muito fortes. Faziam parte do
primeiro time do rock nacional. Fizeram um hino político na época da
abertura (Inútil) historicamente tão importante quanto uma
composição de Chico Buarque ou alguém desse porte. Tinham
shows muito bons que se pecavam em técnica, superavam na
energia.
Energia que ele coloca novamente à prova no Grandes Encontros,
realizado no Shopping Anália Franco dia 8 de junho de 2008. Não
poderia fazer mais jus ao título do evento a apresentação que
acontece a partir das 12h30. A canja no show do Ultraje a Rigor
reúne Ricota, O chiclete, Eu não sei, Envelheço na cidade – a qual
fez o chão daquele andar do shopping tremer – e outras.
A passagem do baixista Andria pelo Ultraje é rápida. Depois de
botar o pé na estrada novamente com Taffo, ele segue carreira com
Supla, Wreckage, e monta o trio Dr. Sin, com Ivan e Edu Ardanuy
(guitarrista) em 1993, a partir do entrosamento adquirido dois anos
antes, ainda como a banda que acompanhava Supla. Bravo, o mais
recente álbum do Dr. Sin, tem uma versão alternativa em formato
envelope, que pode ser adquirida nos shows. À preocupação em ter
essa opção e à pouca exposição do Ultraje na mídia, Andria atribui
os mesmos problemas.
− São outros tempos. Hoje não tem mais a facilidade que tinha de
gravadora na época. Pirataria está estragando tudo pra todo mundo.
Quando alguém lança um disco hoje, é quase um preju pra
gravadora, na hora que lançou, todo mundo já baixa de graça na net.
Com isso, diminui a mídia, a exposição e o dinheiro que eles têm pra
colocar na banda. Eles não têm o mesmo lucro em CD.
Andria tocou com Silvinha Araújo, Shining Star, Zoom e grava com
Casa das Máquinas canções para o Festival Psicodália de Carnaval
2008. Ele não reencontra os ultrajes de sua formação há tempos,
mas repara que Roger tem outro foco. Ele também já está mais
sossegado, não precisa mais daquilo tudo, já está estabelecido. A
diferença determina o rumo da banda. Andria acredita que o Ultraje a
Rigor será sempre marcado pelo humor, mas faz uma distinção
baseada em duas outras vezes que tocou no Ultraje após sua saída.
− O baixista [Serginho Petroni] não podia ir. Acho que foi em 1992.
Era diferente, porque não era mais aquela coisa engraçada. Todo
mundo queria fazer um negócio mais técnico na época. Mais normal.
Mas, com certeza, o Ultraje verdadeiro é o original. Até antes de eu
entrar. Se bem que, na época que eu entrei, a gente conservou
bastante, porque eram três ainda da banda, então estava ainda no
mesmo clima que era no começo, engraçado pra caramba.
E por falar em Serginho Petroni, dos membros da década de 1990,
ele toma um rumo bastante diverso, optando pela engenharia.Eu
pastei um pouco no lado profissional, demorei a me assentar, mas
graças a Deus deu tudo certo, hoje eu tenho emprego, gosto do que
eu faço. Em 2004, ele termina o doutorado em Tecnologia Nuclear
pela Universidade de São Paulo (USP). Trabalha no Centro Técnico
Aeroespacial (CTA) do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e
mora de segunda a sexta-feira em São José dos Campos.
− A maneira como eu trabalho hoje, com pesquisa, a liberdade que
eu tenho para pensar e desenvolver projetos, eu gosto dessa vida,
de receber o meu salário e não depender… eu sou um cara que não
gosta de inconstância. É uma característica minha. Eu vivo melhor
assim, é melhor para a minha saúde, para a minha estabilidade
emocional.
Deixar o Ultraje foi uma decisão muito difícil para Serginho Petroni,
eu fiquei em dúvida, óbvio, eu não estava de saída da banda de
garagem da esquina, eu estava saindo do Ultraje. Para conseguir
buscar uma nova profissão, ele teve que se desprender da música e
acabou trancando-a em algum lugar bem longe. Passou anos sem
tocar um baixo, mas, com o tempo, começou a me fazer uma falta
física.
− Uma coisa engraçada isso. Você não consegue abafar uma
coisa que existe dentro de você, por muito tempo. Isso é uma coisa
que eu aprendi na prática.
Quando volta a São Paulo nos finais de semana, Serginho Petroni
sente falta de alguma coisa. É o rock. Então, ele se junta ao
engenheiro e guitarrista André, também primo de sua esposa, Ana
Cristina Dell’Aquila Santos, e monta a banda Klaxon com outros
músicos que querem tocar por diversão: Manuela Perez (vocalista) e
Tales (baterista). Eles ensaiam todo fim de semana na Vila Mariana e
Serginho Petroni conta: está me dando muita alegria. Sobre os
membros da sua formação no Ultraje, mandei um e-mail para os
amigos, daí o Heraldo me ligou, nós conversamos, eu falei com o
filho dele pelo telefone. Eu ainda não conheço o filho dele.
Flávio tinha um projeto paralelo antes de sair do Ultraje. Ele
produzia uma banda chamada Bajolo, mas, no final de 2000, o
baterista Teco acaba saindo e o, até então, produtor, é convidado a
substitui-lo. Flávio aceita, mas deixa claro: a minha primeira banda é
o Ultraje. Ao mostrar o som hardcore que estava fazendo para
Roger, diz: Ele gostou pra caramba, ele sabia que eu estava fazendo
isso, não era nada escondido. No dia em que Flávio se torna ex-
ultraje, por coincidência, o empresário liga no seu celular e pede para
ele levar o CD do Bajolo. O baterista está a caminho de casa e fica
sabendo que Roger havia comentado com Júnior sobre sua outra
banda.
− Eu aproveito que vou aí e já te conto o que aconteceu hoje, que
saí do Ultraje.
− Tá brincando comigo. Não, pera aí…
E desligou o telefone na cara de Flávio, deve ter ligado para o
Roger.
Dias depois, Júnior pergunta a Flávio: pô, como é que você me
esconde uma banda dessa?
Bajolo passa a se chamar Flint e depois Houdini, que grava com a
produção de Rick Bonadio pela Sony. Em 2003, a gravadora
rescinde contrato, pois passa a ser integrada à BMG. A Universal se
interessa pelo Houdini, mas os integrantes Dani (vocalista), Bina
(baixista) e Fish (guitarrista) querem seguir carreira independente.
Flávio não se interessa. Aí, eu resolvi o que eu queria ter feito há
muito tempo, trabalhar com computação gráfica. Ele faz rotação para
TV e cinema, vende a bateria para não cair na tentação de voltar a
tocar e recusa todos os convites para a profissão de músico.
− Não pretendo voltar com banda nenhuma, nunca mais. Já fiz o
que eu precisava, já toquei desde um… Madame Satã que é o lixo
do lixo e já toquei no Rock in Rio. Tá bom, participei de todos os
níveis que um músico pode estar e estou realizado nessa parte
[olhando para a bateria eletrônica em sua casa]. Lógico que não tem
jeito, tem que ter pra brincar de vez em quando, mas agora ele toca
[diz observando o filho André].
Certa vez, o Houdini abre um show do Ultraje. No camarim, Flávio
e Roger se cruzam: aí abraça e conversa, mas assim só, ele não vai
ligar pra mim e eu… Tem uma hora que eu, ah, vou ligar pro Roger,
vou ligar pra falar o que? Ele é assim:
− Oi, Roger. Tudo bem?
− Opa! Pois não, que você quer?
Há uma certa distância. Ele é meio… fechado, mas nada de
maldade, eu conheço aquela figura. Pessoalmente, ele não tem a
defesa do telefone. Quando chega o dia do aniversário, eles trocam
parabéns por e-mail, além de piadas.
Em algum mês entre 2004 e 2005, Bacalhau viaja para a Europa.
Roger liga para Flávio.
− Quebra o galho?
− Claro.
É o primeiro show que Flávio faz com Roger, Mingau e Serginho
Serra. Foi muito legal, porque foi diferente. Eu não tinha a
responsabilidade, fui lá e foi engraçado. Roger está preocupado: −
Cara, faz dois anos que você não toca as músicas, você lembra de
tudo?
− Eu acho que sim…
− Como “acho” que sim? − Ah, Roger, toquei 12 anos o mesmo
repertório, duas músicas novas que eu já tirei ouvindo, deixa comigo.
− Tá bom, confio em você.
Durante o show inteiro, não errei nenhuma nota. O Mingau errou, o
Sérgio Serra errou, o Roger errou. Flávio faz mais dois shows com o
Ultraje, mas para ele desse mesmo jeito, uma brincadeira
espontânea. Veio assim ó, acho que até hoje se subisse pra tocar
sairia de tão que ficou aqui dentro.
Do lado oposto, está Heraldo. Desde que saiu do Ultraje, ele
nunca parou de tocar guitarra, muito pelo contrário, chegou a se
dividir entre sete bandas.
Em 1997, quando se forma na FAAM, Heraldo monta um quarteto
de guitarras com os amigos da faculdade, o Quadrivium. A gente
fazia guitarra com distorção, tocava Mozart, Vivaldi, como se fosse
um quarteto de cordas. Até conseguimos um sucessinho sem lançar
nada. Eles tocam Flores em você com o Ira! e participam de alguns
shows de lançamento do álbum Você não sabe quem eu sou (1998)
e dos programas de TV: Bem Brasil, Vídeo Show e Jô Soares. O
quarteto dura até metade de 1999. No mesmo ano, Heraldo monta o
Quarteto Kroma53, que existe até hoje e segue os passos do
Quadrivium com Alexandre Spiga, Igor de Bruyn e Alexandre de
Orio. Em 2008 a empresa paulista Cast fabrica dois modelos de
guitarras (de seis e de sete cordas), a Cast Suprema Kroma,
desenhadas pelo Luthier Josino.
Com a inspiração dos estudos, eu fiquei mais deslumbrado com a
música erudita. Em 1999, com pouquíssimos shows do Ultraje,
Heraldo termina de montar seu estúdio, o Kromaton, para produzir
alguns músicos, e passa pelo mesmo tipo de problema de antes: − O
trabalho ficou escasso, porque tinha banda que queria que eu
tocasse, mas não me chamava, e tinha cara querendo ter aula
comigo e não fazia porque achava que eu cobrava uma fortuna.
Então fiquei um tempo até convencer todo mundo que eu precisava
trabalhar e não fiquei rico tocando no Ultraje. De 2003 a 2004, foi
complicado.
Até que no final de 2004 a situação se inverte, as pessoas
começaram a me conhecer por causa do Kroma e descobriram que
eu tinha tocado no Ultraje. Um mérito, considera Heraldo, por não
ficar com o eterno rótulo de “ex-guitarrista do Ultraje”. Não seria uma
coisa que eu iria gostar muito. Tocar no Ultraje foi maravilhoso, mas
findou em 2002.
Em setembro de 2003, Heraldo monta outra banda, um tributo ao
Led Zeppelin, com o baterista Fred Barion, o vocalista Abdalla Kilsam
e o baixista e tecladista Mário Della Nina (seu roadie no Ultraje a
Rigor entre 1993 e 2002). Eles formam a Ledness. Uso guitarra de
dois braços, arco de violino, toco there-min (instrumento melódico
criado na década de 20 que utiliza rádio frequência), a gente faz todo
aquele misancene do Led.
− Então, eu tenho uns trabalhos que são um disparate, porque tem
o Kroma, todo mundo lê partitura, os ensaios são super rigorosos,
tudo caretinha, bonitinho. Realizamos um trabalho de pesquisa,
totalmente experimental. Tecnicamente somos o primeiro quarteto de
guitarras elétricas que lançou um CD [Kroma – Quarteto de
Guitarras, Abril Music, 2001] com esse tipo de abordagem
camerística. Aí tem a Ledness, que são quatro fãs do Led Zeppelin,
que escutam Led Zeppelin há mais de 20 anos.
E não para por aí. Heraldo monta com o vocalista e guitarrista
Miguel de Laet uma banda de pop rock chamada Karmanguia, com
músicas disponíveis no MySpace54. A outra banda é o Kaleidoscope
(2006-2009), em que toca cover diversificado. Em 2007 produz o
primeiro disco do Over C, uma banda de pop rock em inglês, com o
baterista da Ledness, a vocalista Bia Lombardi e o baixista Alexandre
Puga. No ano seguinte, Heraldo integra a banda e grava Grow Up
(selo Azul Music e distribuição Music Delivery). Além dessas, existe
um projeto engavetado, o Syntax. Trata-se do último trabalho musical
que Flávio se dispôs a fazer. Eles começaram em 1994, terminaram
de compor dois anos depois e tá vindo assim, bem devagar. É um
trabalho meio de trilha sonora, agora ele não anda por minha culpa.
Eu não terminei de gravar as guitarras por falta de tempo, confessa
Heraldo, que promete em breve vou terminá-lo de uma vez por todas
e lançá-lo na internet, falta pouco.
E haja fôlego, porque desde 1994 ele dá aulas de guitarra.
Anualmente tem produzido pelo menos três bandas independentes.
Começou a fazer workshop. Trabalho muito com patrocínio,
consultoria para desenvolvimento de produtos, escrevo artigos para
revistas impressas e virtuais [Cover Guitarra 1997-1998, Guitar Class
2002-2003,Backstage Produção Musical 2003-2006 e Editora Escala
em edições de cursos] . Junto ao Kroma, desenvolveu
encordamentos para guitarras de sete cordas da Giannini.
Dia 8 de agosto de 2007, Roger liga para Heraldo, que ao atender,
pensa: ele vai me perguntar alguma besteira qualquer pra gente dar
risada, ou vai me dar uma notícia ruim, por que o cara me ligar
assim…? Da mesma maneira que Flávio, Heraldo não tem uma
comunicação intensa com Roger. O líder do Ultraje a Rigor pergunta:
− Ô, que você vai fazer quarta-feira?
Neste momento, o ex-guitarrista imagina que deve rolar um show
do Ultraje aqui em São Paulo, ele deve me convidar pra ver, né?
− Não, que o Sérgio não vai poder tocar, tal… se você pudesse ir
lá dar uma força…
− Eu transfiro as minhas aulas para quinta-feira.
− Ô, que bom, eu não vou precisar ensaiar.
O show acontece em Araraquara. É a primeira vez que Heraldo
toca com Roger, Mingau e Bacalhau. Foi um revival absurdo. Tanto
tempo longe e você fica assim. Nossa, faz tanto tempo que eu não
toco essas músicas e rola, né? Tá na mão. Ele conclui que depois de
11 anos ensaiando, se eu não tocar, dá uma cabeçada na parede. O
reencontro lhe dá a oportunidade de trocar figurinha dentro do
ônibus, a caminho para o show.
− Ele [Roger] ficava perguntando as coisas e o cara tocando bem,
eu falei caramba! O cara fazendo solo de Jimmy Page, me
surpreendi. O clima super tranquilo, foi muito prazeroso.
Heraldo fala aliviado porque, na época em que saiu do Ultraje, as
coisas estavam tensas pela circunstância. Mas quando dá tudo certo,
até o término dá tudo certo. Quando você faz uma parada dessa, fica
melhor que a encomenda. Fomos rindo, tocamos rindo e voltamos
rindo. Eu sinto falta dessa brincadeira toda e tudo mais.
Agora eles trocam e-mails. Heraldo descobriu um site que
proporciona ao internauta se caracterizar igual aos personagens
dosSimpsons, animação que Roger adora.
− Eu fiz minha cara de Simpson, aí eu mandei pro Roger. E lógico
que ele fez o dele… fez um pra mim.
− Olha, eu acho que esse tá mais parecido com você.
Em 2009, Heraldo termina o curso de pós-graduação, Docência
Superior em Música pela FMU/SP, continua investindo no segmento
docente, finaliza a produção da banda Next Fix e, com o Kroma, se
prepara para lançar mais um álbum em 2010.
Em entrevista para o making of do Acústico MTV, Roger desabafa
dizendo que as pessoas esperam algo dele que não é mais possível,
porque o tempo passou, ele e o mundo mudaram.
No final dos anos 1980, Filha da Puta causou um espanto por se
tratar de uma época em que se tinha pudor com palavrões. Hoje em
dia, a música perde esse efeito, pois de acordo com os costumes
dos jovens dessa geração, não há mais essa preocupação e mesmo
o país já não é censurado, pelo menos não da maneira como era.
Ainda que denúncias de corrupção ou cafajestagens das mais
variadas continuem acontecendo e as pessoas encontrem filhos da
puta para justificar a música quase todos os dias nas páginas dos
jornais, por isso não é mais exatamente a mesma coisa. Inclusive a
versão Filha Daquilo se torna sem sentido, porque o palavrão tornou-
se comum.
Assim como a música, Roger conserva sua essência, mas não é
mais o mesmo e usa Filha da Puta para explicar a correlação.
− Hoje em dia virou meio assim, ah, somos políticos, a gente tem
alguém em quem por a culpa e pronto. Mas a bandalheira é geral, o
brasileiro se acostumou a viver dessa forma. É uma luta o tempo
inteiro. Você pondo a culpa no governo por a situação ser essa e o
governo pondo a culpa no cidadão, ou seja, tem que cobrar mais
imposto porque todo mundo evita pagar e o cara evita pagar porque
vocês roubam o meu dinheiro. No fundo, os dois têm razão. O certo
seria que todo mundo agisse direito. Nós não temos essa noção de
cidadania. E está muito escancarado, todo mundo sabe que existe e
pronto. Então não tem mais você ir lá e provocar.
Outro exemplo acontece quando Roger escreve Santa Inocência e
começa a perceber uma mudança que não se trata só de seu ponto
de vista sobre sua vida, mas de valores e fatos da sociedade
brasileira.

O Ultraje não dá para classificar, comparar com bandas


atuais. As bandas atuais são atuais e acabou. Você tem
que pensar em bandas clássicas. É uma banda clássica
do rock brasileiro. É a mesma coisa que você falar de
um Deep Purple, de uma banda lá de fora que continua
em atividade, um Aerosmith. Aerosmith é Aerosmith,
Ultraje a Rigor é Ultraje a Rigor. Não dá para você
comparar com CPM22 ou com qualquer outra banda
dessas. Ultraje tem seu nome, assim como Ira!, o
Capital Inicial. Então, diria que seria uma banda
atemporal.
Kid Vinil

− Na época, a gente vinha de uma ditadura, então tinha um inimigo


comum a todos, era a ditadura contra o povo. Essa vontade de todo
mundo se expressar porque tinha censura, tinha o próprio fato de eu
ser um jovem na época, apesar de ter 30 anos. O fato de todo
mundo estar querendo mudança, por ser jovem há uma vontade
maior de me expressar, de falar, de ser irreverente e de até fazer
shows e ficar viajando. Então, o público nosso de hoje em dia, às
vezes, é gente que não tinha nascido em 1985. Então, mudou tudo.
Eu não vou ficar agora fazendo música… tentando adivinhar o que o
povo quer e não sei o quê. Não tenho mais a necessidade de me
expressar. O ambiente mudou, o gosto de todo mundo pelo rock
mudou, quer dizer mudou tudo, o que eu faço é, na verdade, tocar
como se fosse uma banda cult.
Roger reconhece que por ironia muitas das letras minhas fazem
sentido até hoje. Então, para retratar o que ele observa, como
sempre fez, acabaria se repetindo.
− Acho que eu fui muito sintético nas análises que eu fiz, nas
crônicas, sei lá… então eu não vou fazer outra Inútil. Porque eu já fiz
uma e assim por diante.
Quanto aos antigos integrantes, não foi possível reuni-los para o
Acústico MTV, mas nada impede que eles toquem juntos um dia.
− Por coincidência ou se quisermos tocar juntos numa festa, mas
acho muito difícil se juntar e fazer um disco. Mas também não é
impossível, do jeito que as coisas são, sei lá, de repente um dia está
todo mundo aí no Brasil de novo, tem uma ideia ou vontade, pode
fazer sim.
Nunca se sabe o que está por vir. De repente um guitarrista,
compositor e cantor fanático pelos Beatles e que tem alto QI fica com
medo de viajar de avião, ou um adolescente que sonhava ter um
baixo azul igual ao do Steve Harris do Iron Maiden, encontra em
suas mãos as baquetas de sua profissão, ou um baterista aposenta
as baquetas para se dedicar à arquitetura.
Mas e se um baixista tímido ficar com a boca seca ao tocar para
250 mil pessoas num único show? Há outros dois que largariam o
instrumento, um para se tornar mergulhador e o seguinte para ser
engenheiro?
De repente, um guitarrista escolhe o mar como quintal de casa,
enquanto um cantor se veste igual ao Paul McCartney e toca no
Cavern Club.
Seria ainda mais inusitado um multi-instrumentista trocar os óculos
de grau por um escuro e enorme para cantar “bum bum bundão” ou
um guitarrista ganhar o apelido de Horácio? Ou um cantor, um
tecladista e um guitarrista passearem do Ultraje à Fabulosa
Orquestra com pleno domínio do rock n’ roll?
Talvez faltasse um guitarrista cumprir a profecia ou um baterista
abandonar a música para fazer rotação para TV e cinema.
De repente, um surfista que queria ser cientista e se torna
guitarrista ou um baixista cai no riso enquanto um raio atinge um
avião.
LeTras

As músicas estão organizadas em ordem alfabética.


(Acontece Toda Vez Que Eu Fico)
Apaixonado
Acontece toda vez que eu fico apaixonado existe uma parte
da anatomia da gente que os médicos chamam de corpo
cavernoso é um tecido erétil que quando tá cheio de sangue
fica logo visível, fica mais volumoso mas parece que o
sangue que enche o tal do tecido vem logo do cérebro que
fica um pouco perdido nem raciocina mais, o tecido agora é
que dita e a gente começa agir de forma esquisita o
primeiro sintoma é uma leve bobeira no momento seguinte
cê já tá fazendo besteira cê resolve ligar só pra dizer “oi”
já era, meu chapa, quando cê vai ver já foi mas a gente nem
liga porque é tão gostoso nem tem importância fazer papel
de bobo é tudo culpa do corpo cavernoso então vamo nessa
eu quero tudo de novo!
Acontece toda vez que eu fico apaixonado e nem é questão
de ter a cabeça dura é que a vida não tem graça sem
nenhuma aventura eu meto a cara, eu faço e depois eu
penso eu me declaro, eu troco juras de amor intenso às
vezes brigo, às vezes fico selvagem às vezes choro e
sempre falo bobagem mas eu nem ligo porque é tão
gostoso tô indo nessa vou fazer tudo de novo!
Meu amor não há saudade sem tristeza, não há amor sem
saudade. Eu te amo Te amo mais do que ontem e menos
que amanhã é a maior e mais bonita história de amor que
alguém possa viver, eu sempre te amarei, jamais te
esquecerei gostaria de poder ficar com você para sempre
Acontece toda vez que eu fico apaixonado Acontece toda
vez que eu fico apaixonado Acontece toda vez que eu fico
apaixonado Acontece toda vez que eu fico apaixonado
A Festa Eu esperei o mês inteiro O dia da
festa chegar Ensaiava no banheiro
Muxoxos só pra te agradar Em frente ao
espelho eu decorei Mil trejeitos pra te
excitar Fiz roupinhas, me embonequei Só
pra te conquistar Eu sabia tudo tudo que
eu tinha a dizer Que língua falar, aonde
alisar, como me comportar Eu preparei
tudo tudo que eu tinha a fazer Eu só podia
abafar Ela gostou do meu jeito de falar
Dando um gemidinho Se amarrou no meu
olhar E no meu beicinho Eu fiz tudo
direitinho Deu tudo certo Mas quem que eu
vou ser, e o que eu vou fazer Quando a
festa acabar Uauaua Uauaua Uauaua

A Gente É Tudo Igual De todas as mulheres


que eu já tive Acho que só duas ou três
Que eu não desejei foi que sumissem Logo
depois da primeira vez Será que acontece
só comigo Acho que não, isso deve ser
normal Eu já perguntei pros meus amigos
E eles me confirmaram Homem é tudo
igual!
De todas as mulheres que eu já tive Acho que só duas ou
três Que não foram ciscar noutro terreiro Nem que fosse só
uma vez Será que acontece só comigo Acho que não, isso
deve ser normal Eu já perguntei pros meus amigos E eles
me confirmaram Mulher é tudo igual!
De todas as besteiras que eu já disse Acho que só duas ou
três Que eu preferia não ter dito E acho que essa é uma das
três Uou!

AGORA É Tarde O risco de eu me


machucar era pequeno e mesmo assim
Não consegui me convencer que aquilo era
bom pra mim Minha cabeça paranoica não
deixou eu me mover Fiquei ali, paralisado,
sem saber o que fazer Agora é tarde, como
eu fui bobo em vacilar Mas não vou mais
deixar passar aquilo que eu quiser fazer
Ainda é cedo pra uma outra chance
aparecer E dessa vez, eu vou fazer de tudo
pra ela acontecer Eu tive a chance e só o
que eu tinha que fazer era ir lá Me
apresentar, nada de mais, era tão fácil de
fazer Eu tive medo e agora eu sei que é
melhor se arrepender Do que se fez do que
não ter tido a coragem de fazer Agora é
tarde, como eu fui bobo em vacilar Mas não
vou mais deixar passar aquilo que eu
quiser fazer Ainda é cedo pra uma outra
chance aparecer E dessa vez eu vou fazer
de tudo pra ela acontecer
Ah, Se Eu Fosse Homem…
Ah, se eu fosse homem de ouvir meu coração e dar vazão
não à razão, mas à vontade de mudar a situação e me
arriscar, me machucar mas mandar tudo para o ar só pra
ficar com uma mulher ou pra fazer o que eu quiser abrir
meu peito, é meu direito, se eu tivesse peito Ah, se eu fosse
homem…
Ah, se eu fosse homem de aguentar que uma mulher é
como um homem e também pensa como um homem e quer
sair com outros homens e, apesar de todas as explicações
antropológicas, na prática não tem explicação para o tesão
e aí, meu chapa, cê só pode ir reclamar pro bispo Ah, se eu
fosse homem…
Ah, se eu fosse homem de parar de me portar feito um
rochedo indestrutível, infalível, inabalável, imutável
previsível e impossível, um computador com músculos, um
chefe, um pai, um homem com “H” maiúsculo eu seria o
homem certo pra você Ah, se eu fosse homem…

A Inveja É Uma Merda Ô neném, não foi


assim que eu te ensinei pô neném, agora
eu me decepcionei torcer pra que o meu
sucesso acabe pra quê, acho que nem
você sabe eu sei, cê não pôde ser o que
sempre quis então não suporta ver
ninguém feliz Meu bem eu sei que o
sucesso nem sempre dura mas a
mediocridade não tem cura Chato, prá você
poder se conformar você ficar tentando se
enganar dizer que tá bom o que sempre
achou ruim meu Deus, que miséria existir
gente assim triste, cê não ter coragem pra
mudar pior, cê achar melhor me invejar
Meu bem eu sei que o sucesso nem
sempre dura mas a mediocridade não tem
cura

Amor Amor, amor, amor… (amor, doce


amor) Nació de ti, nació de mi, una
esperanza Amor, amor, amor… (amor, doce
amor) Nació de Dios para los dos, nació del
alma Amor, amor, amor… (amor, doce
amor) É tão difícil de aprender como
funciona Amor, amor, amor… (amor, doce
amor) É tão bonito, é tão gostoso, é tão
cafona O amor é uma loja de
departamentos Com artigos diversos nas
várias seções Não tem garantia e é fácil
quebrar Difícil de usar e vem sem
instruções Amor, amor, amor… (amor, doce
amor) É tão sublime quando escrito num
poema Amor, amor, amor… (amor, doce
amor) Devia ser a solução, mas é problema
O amor é uma loja de departamentos Com
artigos diversos nas várias seções Não tem
garantia e é fácil quebrar Difícil de usar e
vem sem instruções Amor, amor, amor…
(amor, doce amor) Nació de ti, nació de mi,
de la esperanza Amor, amor, amor… (amor,
doce amor) Nació de Dios para los dos,
nació del alma Amor, amor…

Cada Um Por Si Eu não estou entendendo


nada Do que você quer dizer Você me diz
que é pra eu ficar quieto depois diz pra eu
me mexer Eu não estou fazendo nada, mas
também o que é que eu vou fazer Eu não
estou sabendo nada, mas também não
quero nem saber Eu não estou sentindo
nada, mas eu acho bem melhor assim
Porque eu sofreria por você, mas eu não
vou sofrer por mim

Ciúme Eu quero levar uma vida


moderninha Deixar minha menininha sair
sozinha Não ser machista e não bancar o
possessivo Ser mais seguro e não ser tão
impulsivo
Mas eu me mordo de ciúme Mas eu me mordo de ciúme
Meu bem me deixa sempre muito à vontade Ela me diz que
é muito bom ter liberdade Que não há mal nenhum em ter
outra amizade E que brigar por isso é muita crueldade Mas
eu me mordo de ciúme Mas eu me mordo de ciúme
Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas
(Política) Eu não gosto nada disso mas eu
deveria dedicar um certo tempo pra sair
com o pessoal da gravadora já tenho
namorada mas talvez fosse melhor se eu
namorasse com uma das divulgadoras
talvez mudar pra perto do escritório só pra
ouvir o falatório e controlar minha carreira
tenho que ir na rádio e na TV e falar bem de
todo mundo pra não ir pra geladeira (ô ô ô)
Política é assim Política Política (ô ô) pra
você e pra mim Política Deve ter alguma
coisa errada, não é possível que a gente
tenha que viver assim eu não acho bom ter
que viver lustrando o ego de alguém só pra
esse alguém gostar de mim precisamos um
do outro mas não é desse jeito que a gente
tem que se relacionar viciados em levar
vantagem não podemos ser alguém em
quem se possa confiar (ô ô ô) Política é
assim Política Política (ô ô) pra você e pra
mim Política Mas se você acha que é legal
viver fingindo pra ninguém poder falar mal
de você se você não pode se mostrar então
você não é ninguém que valha a pena
conhecer você se dá bem com todo mundo
mas não é nada tão profundo como ter uma
amizade distribui abraços e sorrisos mas
não vai poder sentir o que é um abraço de
verdade (ô ô ô) Política é assim Política (ô
ô)

Coragem Só porque você não tem futuro


Não é motivo pra ficar inseguro Já que a
gente tá todo mundo nessa barca furada
Melhor aproveitar pra dar uma nadada Só
porque agora cê tá duro Não é motivo pra
ficar inseguro Já que a gente tá todo
mundo na beira do abismo Boa hora pra
aprender paraquedismo Você precisa ter
coragem, coragem, coragem Coragem pra
reagir Coragem pra crescer Coragem pra
decidir Coragem pra viver Não adianta ir
pro analista Nem adianta ir pro aeroporto
Não tem como fugir, a vida é dura
Ansiedade, depressão, insegurança, isso
tudo é frescura!
Chega de culpar alguém por tudo Enfrente o medo e abaixe
o seu escudo Cê já chorou bastante, agora para Vê se cria
vergonha nessa cara Você precisa ter coragem, coragem,
coragem Coragem pra cair Coragem pra levantar Coragem
pra discutir Coragem pra ganhar

Crescendo II − A Missão(Santa Inocência)


Não se preocupe em crescer De qualquer
jeito você vai crescer E não se preocupe
em permanecer Jovem, você vai crescer
Sem perceber, mas não vá se esquecer De
tudo aquilo que você Queria ser (Santa
Inocência!) Jovem, não vá se esquecer dos
seus ideais E não vá ser tudo aquilo que
você criticava E tudo aquilo que você
odiava (Santa inocência!) Todo jovem quer
mudar o mundo Vai fundo e se acha tão
profundo E num segundo cresce e
envelhece E se esquece…
E não consegue nem mudar esse país E não consegue ser
o que ele sempre quis E se troca por dinheiro feito uma
meretriz E não consegue nem ser feliz (Santa inocência!)
Enquanto você é criança Ainda é uma esperança Em que
os românticos como eu podem acreditar (Santa inocência,
santa inocência!) Só você pode nos tirar desse círculo
viciado Quando você crescer (Se você não tiver mudado…)
(Santa inocência!) Você vai acabar crescendo e
amadurecendo E é bom amadurecer, mas tome muito
cuidado Pra não se misturar com aqueles que já estão
Apodrecendo Uma criança é o que você é Que pode vir a
ser o que você quiser Dependemos de você E quando você
crescer Nunca perca a sua essência de criança Nunca
esqueça a inocência de criança (Santa inocência!) Mesmo
quando os inocentes Justamente por serem diferentes
Estão sujeitos a todo tipo de injustiça Como eu que fui
acusado, por uma vigarista, De ser corruptor de menores
em Chapecó E a mãe dessa menor, vejam só Me pediu um
automóvel pra retirar a acusação E como sou inocente eu
disse não Porque também não sou corruptor de maiores
Aliás, como corruptor seria dos piores [(Santa inocência!)
Uma coisa tão corriqueira como um suborno Transformou-
se há pouco tempo num transtorno Por eu não querer fazer
a coisa errada E não saber ficar de boca calada Vendo
meus direitos serem usurpados Agora vivo entre advogados
(Santa inocência!) E como dói perder a inocência E o pouco
que me sobrava da adolescência Eu sim fui estuprado sem
vaselina Pela mãe de uma menina em Santa Catarina
(Santa inocência!) Você também vai crescer mas não fique
[preocupado Eu estou crescendo mas estou sempre ligado
(Santa inocência, santa inocência…!)

Dênis, O Que Você Quer Ser Quando


Crescer?
Cê não responde quando eu quero saber Fica me olhando
com essa cara de pau Mas não parece preocupar você Cê
dá a impressão que nunca vai se dar mal Eu me interesso
pelo seu futuro Cê não parece nem ligar pra dinheiro Será
que sempre você vai ficar duro Será que um dia você vai se
casar ou será que vai ficar solteiro?
O que você quer ser quando crescer?
Só quer saber de farra todos os dias É até bom cê ser
assim sociável Mas fique atento com as más companhias
Você precisa ser mais responsável Você não pode ser tão
relaxado Que a vida às vezes é uma competição Eu sempre
te tratei com todo cuidado Eu confio em você, não vá me
deixar na mão O que você quer ser quando crescer?
Eu nunca soube o que você queria ser Mas eu sabia que
não tinha o que temer Você me dá tanta alegria, eu tenho
muito orgulho de você O que você quer ser quando
crescer?
Dênis
Domingo Eu Vou Pra Praia Todo dia essa
minha labuta Eu trabalho feito um filha da
puta Se pelo menos eu ficasse mais rico
Mas, que nada, eu tô pedindo penico
Domingo eu vou pra praia Domingo eu vou
pra praia Pode parar tudo, eu vou pra praia
Porque na praia eu não tenho que trabalhar
Na praia eu não tenho que me vestir Na
praia eu só tenho que descansar Na praia
eu só tenho que me divertir

Esta Canção Esta canção, esta canção,


esta canção…
Esta canção tá uma merda Desculpe, eu tenho que viver Se
é de cocô que o povo gosta Taí, cocô eu sei fazer Faço
cocô bem direitinho No vaso ou no peniquinho Mas posso
fazer meu cocô Direto no ventilador É um sintoma perigoso
Se não tratar, vira doença O que era coisa do intestino
Parece que foi pra cabeça A coisa tá meio esquisita Tá todo
mundo achando bom A coisa já não é bonita E a coisa
agora tá marrom Vai, cocô Segue o seu caminho Navegue
nas ondas do ar E nunca estará sozinho Ah!

Êta Sonzinho Fuleiro Êta sonzinho fuleiro!


Êta sonzinho fuleiro!
Êta sonzinho fuleiro!
Êta sonzinho fuleiro!
é fuleiro o sonzinho é fuleiro yeah, what a fuler sound yeah,
what a fuler sound yeah, what a fuler sound yeah, what a
fuler sound é fuleiro é fuleiro ê paisinho fuleiro ê dinheirinho
fuleiro êta povinho fuleiro êta sonzinho fuleiro

Eu Gosto de Mulher Vou te contar o que me


faz andar Se não é por mulher não saio
nem do lugar Eu já não tento nem disfarçar
Que tudo em que eu me meto é só pra
impressionar Mulher de corpo inteiro Não
fosse por mulher e eu nem era roqueiro
Mulher que se atrasa, mulher que vai na
frente Mulher dona de casa, mulher pra
presidente Mulher de qualquer jeito Você
sabe que eu adoro um peito Peito pra dar
de mamar E peito só pra enfeitar Mulher faz
bem pra vista Tanto faz se ela é machista
ou se é feminista Cê pode até achar que é
um pouco de exagero Mas eu sei lá, nem
quero saber, eu gosto de mulher, eu gosto
de mulher Ô Ô Ô Ô
eu gosto é de mulher Nem quero que você me leve a mal
Eu sei que hoje em dia isso nem é normal Eu sou assim
meio atrasadão Conservador, reacionário e caretão Pra que
ser diferente Se eu fico sem mulher eu fico até doente
Mulher que lava roupa, mulher que guia carro Mulher que
tira a roupa, mulher pra tirar sarro Mulher eu já provei Eu sei
que é bom demais, agora o resto eu não sei Sei que eu não
vou mudar Sei que eu não vou nem tentar Desculpe esse
meu defeito Eu juro que não é bem preconceito Eu tenho
amigo homem, eu tenho amigo gay Olha eu sei lá, eu sei
que eu não sei, Eu gosto é de mulher Eu gosto é de mulher
ÔÔÔÔ
eu gosto é de mulher

Eu Não Sei Não consigo explicar (eu não


sei) O que às vezes me dá (eu não sei)
Sinto frio e calor (eu não sei) Uma espécie
de dor (eu não sei) Eu sei que (eu não sei)
Tô me sentindo bem, mas (eu não sei) Eu
caminho tonto pela cidade O que você me
diz pode ser verdade Não quero nem
pensar em tudo que sonhei Eu acho que eu
sei mas…
Eu não sei…
Acho que é amor Quero te contar Mas não sei explicar Eu
não sei explicar (eu não sei) Eu tô tentando dizer mas (eu
não sei) A cabeça gira e eu me sinto mal O que você me
disse não bateu legal Não quero nem pensar em tudo que
sonhei Eu acho que eu sei, mas…
Eu não sei…
Acho que é amor Quero te contar Mas não sei explicar Eu
não sei explicar (eu não sei) Vê se desculpa aí mas (eu não
sei) Eu sei que eu não sei Eu não consigo falar Você me
deixa mal Eu sei que eu não sei

Filha da Puta Morar nesse país É como ter


a mãe na zona Você sabe que ela não
presta E ainda assim adora essa gatona
Não que eu tenha nada contra
Profissionais da cama Mas são os filhos
dessa dama Que você sabe como é que
chama Filha da puta É tudo filho da puta É
uma coisa muito feia E é o que mais tem
por aqui E sendo nós da Pátria filhos Não
tem nem como fugir E eu não vi nenhum
tostão Da grana toda que ela arrecadou Na
certa foi parar na mão De algum maldito
gigolô Filha da puta É tudo filho da puta
Cês me desculpem o palavrão Eu bem que
tentei evitar Mas não achei outra definição
Que pudesse explicar Com tanta clareza
Aquilo tudo que a gente sente A terra é
uma beleza O que estraga é essa gente
Filha da puta É tudo filho da puta

Fuck the World!


Fuck the world!
Fuck the world!
Fuck the world!
Fuck the world!
Fuck the world!
Fuck the world!
˜!@#$%^&*(™£¢∞§§ œ’®¥¨ˆØπß∂©
Fuck the world!
Fuck the world!
Fuck the world!
Fuck the world!
Fuck the world!
Fuck the world!
Fuck the world!
Fuck the world!
Fuck the world!
Fuck the world!
Fuck, fuck the world!
Fuck, fuck, fuck!
Fuck the universe!

Giselda Você tá dando sopa e eu não


ganho nem uma colherinha Só quero um
pedacinho, mas você me dá uma
migalhinha Eu nem sou de comer tanto
Mas você eu almoço e janto
Ououououououo Giselda Cê fica dando
bola, mas na hora de jogar não rola Tá
sendo egoísta, eu tô livre e cê não passa a
bola Para de jogar sozinha Vamos fazer
uma tabelinha Ououououououo Giselda Cê
tá jogada às traças, mas não quer a minha
naftalina seu tanque tá vazio e cê regula a
minha gasolina olha o salgadão que eu
trouxe prá combinar com esse seu doce
Ououououououo Giselda Giselda cê não tá
querendo entender Que eu tô pagando
sapo pra você Mas se você achar que ainda
é pouco É só você falar que eu te pago o
brejo todo!
Giselda!

Hino dos Cafajestes Nós, os cafajestes do


Brasil temos como missão cafajestar
queremos nossas esposas pra chifrar e o
povo pra enganar Filhos nos quatro cantos
do Brasil pensões que nós deixamos de
pagar contamos com o respaldo popular
em qualquer lugar Canalhas!
em qualquer posto dessa nossa sociedade os cafajestes do
Brasil podem viver com toda liberdade

Ice Bucket − Esta música chama-se Ice


Bucket.
− Por quê?
− Porque… sim.
− Hi, hi, hi…

I’m Sorry I’m sorry, I’m sorry But I don’t


think you could possibly understand me O
que eu sinto é o que você sente Parecido,
mas diferente Simples, mas você nunca vai
entender Fomos feitos do mesmo jeito
Perna esquerda, braço direito Mesmo
assim você não quer entender I’m sorry,
I’m sorry But I don’t think you could
possibly understand me (really don’t care, I
don’t give a damn) O que eu faço é por um
só motivo Afinal, é por ele que eu vivo É
uma pena você não me entender Corre,
pula, fica cansado Especula, fica agitado
Mas acho que você não pode entender I’m
sorry, I’m sorry But I don’t think you could
possibly understand me (really don’t care, i
don’t give a damn)

Independente Futebol Clube (ICF) Eu não


sou seu Eu não sou de ninguém Você não
é minha Eu não tenho ninguém Nós somos
livres Independente Futebol Clube Você
não manda em mim Eu não mando em você
Eu só faço o que eu quero Você só faz o
que quer Nós somos livres Independente
Futebol Clube Se a gente tá assim
Comendo capim É porque a gente quer E
se não quiser Nós somos livres
Independente Futebol Clube
Jandira No sítio da vovó eu conheci
alguém E fez meu coração bater be-lem,
be-lem A vaca mais bonita lá da região
Também era a mais braba de botar a mão
Ela me provocava quando ia pastar Levava
seu sininho só pra badalar Me olhava toda
hora e eu me achando o bom Mexendo com
o rabinho, que filé mignon!
Jandira, Jandira, menina bovina Eu sou doido varrido por
você, meu bem Jandira, Jandira, menina bovina Pareço um
bezerrinho quando você vem Forrei o pasto de capim pra te
agradar Mas você só pensa em me avacalhar Eu sou
vaqueiro, mas eu vou me entregar Me chama de bezerro e
me dá de mamar Eu quero muito mesmo ser o seu cowboy
Me animo todo e tento ser o seu herói Mas pra você eu
acho que eu tô parecido Com o cocô da mosca do cavalo
do bandido Jandira, Jandira, menina bovina Eu sou doido
varrido por você, meu bem Jandira, Jandira, menina bovina
Pareço um bezerrinho quando você vem

Jesse Go Não passava de um imbecil Até


que um produtor o descobriu Até que o
imbecil não era de todo mau E
transformou-se num sucesso nacional
Apesar do discutível valor (Jesse Go)
Adotou um ar superior (Jesse Go) Se
babava quando ouvia o seu grito (Jesse
Go) Pensou na ideia de tornar-se um mito
(Jesse Go) Cê não podia deixar que a fama
lhe confundisse Cê não podia ficar com
tanta babaquice Cê não podia deixar o
sucesso lhe deformar Cê não podia nem
raciocinar Jesse Go, Jesse Go, Jesse Go
(Refrão) Do nosso herói que era um tanto
inseguro Ninguém pensava que tivesse
futuro Sua personalidade maleável Acabou
ficando insuportável (Refrão) Essa é a
triste história de Jesse Go (Jesse Go) Que
em sua rápida trajetória (Jesse Go) Se
atrapalhou com a própria glória (Jesse Go)
E sumiu da nossa memória (Jesse Go)

Laços de Família Em um apartamento Com


estranhos labirintos E confusões
Contusões machucam cada músculo De
cada coração Cada gesto disfarça uma
emboscada Paira no ar a triste piada Mas
se alguém riu, também não viu Que toda
comédia tem no fundo uma tragédia Em
cada canto de cada boca Escorre um
pouco de veneno As expressões nada tem
de sereno Pais e filhos encurralados
Sufocados em laços de família Quase toda
família É uma orquestra desafinada Num
álbum velho Estão eternizadas Numa
fotografia desfocada As convergências, as
divergências A emergência de cada um Em
procurar uma saída Que não leve de volta
Ao ponto de partida Qualquer deslize pode
ser crucial E transformar cada membro Em
um feroz animal

Maximillian Sheldon Maximillian Sheldon


era um detetive Patrulhando casos que eu
nunca tive Maximillian Sheldon me fazia
andar na linha Maximillian Sheldon me
investigava Maximillian Sheldon me
incomodava Maximillian Sheldon era um
problemão que eu tinha Maximillian
Sheldon Maximillian Sheldon Maximillian
Sheldon Maximillian Sheldon era tão
consciente Maximillian Sheldon era muito
exigente Maximillian Sheldon nunca tinha
se divertido Maximillian Sheldon se achava
perfeito Maximillian Sheldon era um tipo
suspeito Maximillian Sheldon era um
pouco pervertido Eu vou matar Maximillian
Sheldon Eu vou matar Maximillian Sheldon
Eu vou matar Maximillian Sheldon

Me Dá Uô, me dá, me dá, me dá, me dá…


Nada a Declarar Eu tô sentindo que a
galera anda entediada não tô ouvindo nada
e não tô dando risada Aí, qualé ? Vamos lá
moçada!
Vamo mexer, vamo dar uma agitada!
Esse nosso papo anda tão furado É baixaria, dor-de-corno e
bunda pra todo lado Eu quero me esbaldar, quero lavar a
alma Quem sabe, sabe e quem não sabe bate palma E pra
celebrar a nossa falta de assunto Vamos todo mundo cantar
junto (uêba!) Eu não tenho nada pra dizer Também não
tenho mais o que fazer e só pra garantir este refrão eu vou
enfiar um palavrão Cu!
Mas eu tô vendo que a galera anda entediada não tá
fazendo nada e eu não tô dando risada Aí, qualé ? Vamos lá
moçada!
Vamos agitar, vamos dar uma detonada!
Esse nosso povo anda tão chutado Quando não é um
vereador roubando, é um deputado Eu quero me esbaldar,
quero lavar a alma Quem sabe, sabe e quem não sabe bate
palma E pra coroar nossa falta de assunto Vamos todo
mundo cantar junto Eu não tenho nada pra dizer Também
não tenho mais o que fazer e só pra garantir este refrão eu
vou enfiar um palavrão Cu!

Me Dá um Olá Me dá um olá Me manda um


“oi”
Onde cê está?
Onde é que foi?
Que eu estou no ar Sem saber Como cê está Cadê você?
Cê não podia ter sumido assim cê sabe onde eu estou liga
pra mim quem sabe um dia desses sua autoestima baixa
nossas agendas batem e a gente se encaixa

Nossa, Que Cabelo Bonito!


Nossa, que cabelo bonito!
Nossa, que cabelo bonito!
Nossa, que cabelo bonito!
Nossa, que cabelo bonito!
Quando eu acordo e me olho no espelho, eu digo: Nossa,
que cabelo bonito!
Eu fico me olhando, eu não acredito: Nossa, que cabelo
bonito!
Eu acho que as meninas quando me veem, dizem: Nossa,
que cabelo bonito!
E até os meus amigos ficam incomodados Nossa, que
cabelo bonito!
Eu despenteio o meu cabelo Eu passo tinta no meu cabelo
Eu me expresso com o meu cabelo Eu digo quem sou com
o meu cabelo Nossa, que cabelo bonito!
Nossa, que cabelo bonito!
Nossa, que cabelo bonito!
Nossa, que cabelo bonito!
Todo dia eu me olho no espelho, e digo: Nossa, que cabelo
bonito!
É muito lindo eu não acredito Nossa, que cabelo bonito!
Todo mundo quando me vê, diz: Nossa, que cabelo bonito!
Mas apenas um ou outro acha esquisito Nossa, que cabelo
esquisito!
Eu despenteio o meu cabelo Eu passo tinta no meu cabelo
Eu converso com o meu cabelo Eu digo quem sou com o
meu cabelo Nossa, que cabelo bonito!
Nossa, que cabelo bonito!
Nossa, que cabelo bonito!
Nossa, que cabelo bonito!
Eu despenteio o meu cabelo Eu passo tinta no meu cabelo
Eu faço chapinha no meu cabelo Eu digo quem sou com o
meu cabelo

O Chiclete O chiclete que você mastiga não


é igual ao meu O chiclete que você mastiga
não é igual ao meu O chiclete que você
mastiga não é igual ao meu O chiclete que
você mastiga não é igual ao meu Enche a
boca de ar Depois dá um assoprão Faz
bem pro seu Mané do bar Mas pra sua
dentadura não O chiclete que você mastiga
não é igual ao meu O chiclete que você
mastiga não é igual ao meu O chiclete que
você mastiga não é igual ao meu O chiclete
que você mastiga não é igual ao meu O
meu chiclete faz ploc O seu chiclete faz
bum O meu chiclete faz ploc O seu chiclete
faz bum Bum bum bundão Bum bum
bundão Bum bum bundão Bum bum
bundão

O Fusquinha do Itamar (ou “Uns Gostam


doOlho, Outros da Ramela”) Essa é uma
das muitas histórias que acontecem
comigo primeiro, foi o fusca do Juscelino
depois veio o DKW, o Simca Chambord,
tudo isso sem falar no tremendo tapa que
eu levei com a história da carroça do Collor
e agora, isso!
Não vai dar pra compensar com o fusquinha do Itamar o
carrão último tipo que era o que eu ia comprar eu pensei
que dando um trato pondo nele uns vidro bolha uns pneu de
tala larga ia ser uma boa escolha mas o fusca se eu equipo
ainda assim não chega aos pés do modelo último tipo que
no fusca dá de dez vrruum, um um um um vrruum, um um
um um e agora, o que fazer? (e agora o que fazer?) foi uma
escolha suicida (foi sim, foi sim) não vou conseguir vender
(bem feito, bem feito) é um carro pra toda vida (se fudeu, se
fudeu) é seguro, mas é feio é mais simples, mas é lento não
é nem bela viola ainda é pão bolorento e o carro que eu
queria ainda é o top da linha dá vontade de matar só de
olhar pro meu fusquinha Bye bye fusca Bye bye fusca

O Monstro de Duas Cabeças Tem uma que


é tensa tem uma que pensa tem uma que é
louca outra é careta Tem uma que é chata
tem uma pontuda uma é careca outra é
cabeluda Tem uma que puxa tem uma que
empurra tem uma que é grande tem uma
que é burra Eu sou um monstro de duas
cabeças uma cabeça de bagre, uma cabeça
de teta uma é só trabalho, outra é só
alegria uma me enche o saco e a outra
esvazia Tem uma que manda outra
obedece tem uma que sobe tem uma que
cresce Uma cabeça falha a outra também
falha uma cabeça ajuda a outra atrapalha
Uma tá cansada outra tá no pique uma quer
que eu vá outra quer que eu fique Num dia
eu tô pra cima e noutro eu tô pra baixo mas
eu não posso cortar nenhuma cabeça Se
pelo menos elas duas concordassem Mas
uma é séria e a outra só pensa em
sacanagem Tem uma que manda tem uma
que cresce tem uma que sobe tem uma que
desce Tem uma que puxa tem uma que
empurra tem uma que é grande tem uma
que é burra

Oração Ó todo poderoso, vós que estais no


poder Dizei por que não vem a nós o nosso
reino?
Cuidai que seja feita sempre a nossa vontade Parai de vos
julgar ser o pai nosso no céu Não tendes medo de Deus?
Por que vos colocais tão acima de nós?
Por que julgais que vos queremos onipresente?
Olhai para nós que somos vossos irmãos Antes de tomar
qualquer decisão Se tendes medo de Deus Ó todo-
poderoso, vós que estais no céu Livrai-nos de todo mal,
amém

O Seu Universozinho O seu universozinho


é tão pequenininho basta qualquer
telescopiozinho para desvendar ele
todinho só uns quatro ou cinco planetinhas
giram em torna da mesma estrelinha nem
ao menos passa um cometinha para
iluminar o sisteminha e a gravidade é tão
potente nada conseguiu sair do chão
também não tem vida inteligente não existe
comunicação joga sua vida na privada sua
vida assim não vale nada pena que o mau
cheiro não te larga você não consegue dar
descarga O seu universozinho O seu
universozinho O seu universozinho O seu
universozinho

Pelado Uau! Que legal nós dois pelados


aqui Que nem me conheceram o dia em
que eu nasci Que nem no banho, por baixo
da etiqueta É sempre tudo igual, o curioso
e a xereta Que gostoso, sem disfarce, sem
frescura, sem fantasia Que nem seu pai,
sua mãe, seu avô, sua tia Proibido pela
censura, o decoro e a moral Liberado e
praticado pelo gosto geral Pelado todo
mundo gosta, todo mundo quer (Ah, é? É.)
Pelado todo mundo fica, todo mundo é
Pelado, pelado, nu com a mão no bolso
Pelado, pelado, nu com a mão no bolso
Pelado, pelado, nu com a mão no bolso nu
com a mão no bolso nu com a mão no
bolso nu com a mão no bolso, nu com a
mão no bolso nuzinho, pelado, nu com a
mão no bolso Indecente é você ter que
ficar despido de cultura Daí não tem jeito
quando a coisa fica dura Sem roupa, sem
saúde, sem casa, tudo é tão imoral A
barriga pelada é que é a vergonha nacional
Vai!

Ponto de Ônibus Ônibus − não!


Ônibus − não!
Que é que eu tô fazendo aqui nesse ponto de ônibus Essas
pessoas paradas aqui, nesse ponto de ônibus; Quando eu
tiver dinheiro Quando eu tiver dinheiro eu prometo a mim
mesmo que eu só vou andar de táxi Ainda se o tempo não
tivesse mudado Ainda se o ônibus tivesse parado e esse
cara, aqui do meu lado, Fica me olhando com cara de
tarado Quando eu tiver dinheiro Quando eu tiver dinheiro eu
prometo a mim mesmo que eu só vou andar de táxi O
motorista não foi nada educado Passou na poça e me
deixou encharcado Parou à frente, superlotado E o cobrador
que nunca tem trocado Quando eu tiver dinheiro Quando eu
tiver dinheiro eu prometo a mim mesmo que eu só vou
andar de táxi

PQP, Brasil Brasil, meu coração Pena que


só tem ladrão Mas tem a seleção Nosso
orgulho e paixão Se o resto da nação
merecesse a mesma atenção Daí sim, daí
sim a gente ia ser campeão Puta que pariu,
Brasil Onde é que a gente vai parar Puta
que pariu, Brasil Quando é que a gente vai
começar Brasil, meu coração Pena que só
tem ladrão Mas tem a seleção Nessa
ninguém mete a mão (ou não) Se o resto da
nação merecesse a mesma atenção Daí
sim, daí sim a gente ia ser campeão Puta
que pariu, Brasil Onde é que a gente vai
parar Puta que pariu, Brasil Quando é que
a gente vai começar Puta que pariu, Brasil
Brasil Puta que pariu

Preguiça Eu tenho preguiça de acordar


Preguiça de me levantar Eu tenho preguiça
de ter que me esforçar Preguiça de ir
trabalhar Preguiça Moleza Eu tenho
preguiça de pensar Preguiça de raciocinar
E eu tenho preguiça de estudar E me
formar Eu tenho uma preguiça Gigantesca
Gigante pela própria natureza Eu tenho
uma preguiça Gigantesca Gigante pela
própria natureza Eu tenho uma preguiça
Gigantesca Gigante pela própria natureza
Eu tenho uma preguiça Gigantesca Mas se
for pra jogar bola Me chama que eu vou Me
chama que eu vou (go!) (gol!)

Prisioneiro Nunca soube o que era


constituição Cresci sem mãe, sem pai e
sem patrão Comecei desde cedo a roubar o
meu pão E o café e o licor pra ajudar a
digestão Prisioneiro, prisioneiro,
prisioneiro não Se você me pegar eu vou
chamar meu irmão Com tanta gente
roubando ninguém vai me pegar Sigo
tranquilo no meio ninguém vai me dedar
Vivo bem com o tráfico e com a corrupção
Se o negócio sujar é só tomar um avião
Duvido que um dia isso possa mudar Tem
pra todos ninguém irá tentar Me tirar o
apoio e a posição Me colocar enfim numa
prisão

Querida Mamãe Sempre achei que você Me


tratava de uma forma diferente Desde
pequeno até hoje Como se eu fosse uma
pessoa deficiente Se eu caía de cama
doente Você dormia do meu lado E eu me
sentia menos mal Quando seus cuidados
iam além do normal Mas por favor, eu te
peço Não esquece que sou seu filho Eu
também quero ser seu amigo Mas mãe não
posso ser seu marido Não posso ser o seu
marido Pare de me proteger assim Não
posso ser o seu marido Larga do meu pé,
sai de cima de mim Não posso ser o seu
marido Não posso não Não posso ser o
seu marido…
Mãe eu gosto muito de carinho Fico contente por ser o
preferido Mas quando a gente fica sozinho Teu jeito
estranho me deixa inibido Não eu não tô mais engatinhando
Não se preocupe eu já posso ir andando Você tem que
tentar entender Que eu preciso me afastar, eu preciso
crescer

Rebelde Sem Causa Meus dois pais me


tratam muito bem (O que é que você tem
que não fala com ninguém?) Meus dois
pais me dão muito carinho (Então por que
você se sente sempre tão sozinho?) Meus
dois pais me compreendem totalmente
(Como é que cê se sente, desabafa aqui
com a gente!) Meus dois pais me dão apoio
moral (Não dá pra ser legal, só pode ficar
mal!)
MAMA MAMA MAMA MAMA
(PAPA PAPA PAPA PAPA) Minha mãe até me deu essa
guitarra Ela acha bom que o filho caia na farra E o meu
carro foi meu pai que me deu Filho homem tem que ter um
carro seu Fazem questão que eu só ande produzido Se
orgulham de ver o filhinho tão bonito Me dão dinheiro pra eu
gastar com a mulherada Eu realmente não preciso mais de
nada Meus pais não querem Que eu fique legal Meus pais
não querem Que eu seja um cara normal Não vai dar, assim
não vai dar Como é que eu vou crescer sem ter com quem
me revoltar Não vai dar, assim não vai dar Pra eu
amadurecer sem ter com quem me rebelar

Ricota Sanduíche de ricota Panetone de


ricota Esfiha de ricota Canelone de ricota
(Hmmm…!) Sorvete de ricota Feijoada de
ricota Strogonoff de ricota Limonada de
ricota (Hmmm…!)

Secretários Eletrônicos Isto é uma


gravação Deixe seu recado

Se Você Sabia Se você sabia Que não


podia naquele dia Por que é que não me
contou?
Por que é que não me avisou?
Por que é que não me falou?
Você me sacaneou Se você sabia Que não podia naquele
dia O que seu pai vai dizer Quando ele perceber sobre você
Vai se aborrecer Vai querer me bater Vai querer me prender
Vai querer me morder O que seu pai vai dizer Quando ele
perceber sobre você Quase que a gente dança Seu pai não
é mais criança E você com essa pança Ah, se ele me
alcança Se ele não se cansa Se ele não se amansa Acorda
a vizinhança Quase que a gente dança Seu pai não é mais
criança E você com essa pança

Sexo!!
Hoje vai passar um filme na TV que eu já vi no cinema
Êpa!? Mutilaram o filme, cortaram uma cena E só porque
aparecia uma coisa que todo mundo conhece E se não
conhece ainda vai conhecer E não tem nada de mais Se a
gente nasceu com uma vontade que nunca se satisfaz
Verdadeiro perigo na mente dos boçais Corri pro quarto,
acendi a luz, olhei no espelho, o meu tava lá Ainda bem que
eu não tô na TV, senão iam ter que cortar!
(Ui!) Sexo! Como é que eu fico sem sexo!
Eu quero sexo! Me dá sexo!
Sexo! Como é que eu fico sem sexo!
Eu quero sexo! Vem cá sexo!
Bom, vá lá, vai ver que é pelas crianças Mas quem essa
besta pensa que é pra decidir?
Depois aprende por aí que nem eu aprendi Tão distorcido
que é uma sorte eu não ser pervertido Voltei pra sala, vou
ver o jornal Quem sabe me deixam ver a situação geral E é
eleição, é inflação, corrupção e como tem ladrão e
assassino e terrorista e a guerra espacial!
Socorro! Eu quero sexo! Me dá sexo!
Como é que eu fico sem sexo! Sexo!
Me dá sexo! Eu quero sexo! Senta Sexo! Solta Sexo!
Teimoso Não implique por eu ser teimoso
já que a minha teimosia não é como a do
burro que empaca e faz valer sua vontade
usando força bruta e é teimoso justamente
porque é burro!
Não, apesar de eu também ser teimoso não sou um animal
de rabo e de orelha comprida e quando a coisa tá difícil é
que eu sou mais teimoso porque eu quero fazer tudo o que
eu quiser da vida Não, a minha teimosia é diferente a minha
teimosia é o que me faz seguir em frente é aquela teimosia
típica de brasileiro que insiste em continuar vivendo sem
ganhar dinheiro Por isso não critique por eu ser teimoso já
que a minha teimosia não é como a do burro que vai
continuar empacando e atravancando o caminho e nunca
vai evoluir porque vai ser sempre burro!

Todo Mundo Gosta de Mim Todo mundo


gosta de mim Todo mundo gosta de mim
Todo mundo gosta de mim Todo mundo
gosta de mim Eu sei que eu sou bonito,
divertido e inteligente Só não sei como é
que eu pude conquistar toda essa gente É
uma coisa tão gostosa e todo dia eu
agradeço É tão bom sentir-se amado mas,
no fundo, eu mereço Todo mundo gosta de
mim Todo mundo gosta de mim Todo
mundo gosta de mim Todo mundo gosta de
mim E, conforme eu vou andando, eu vou
parando e dando a mão Pras pessoas que
me chamam e confessam sua paixão É
polícia, é bandido, é bacana, é fudido Todo
mundo dá um sorriso e me olha
enternecido Todo mundo gosta de mim
Todo mundo gosta de mim Todo mundo
gosta de mim Todo mundo gosta de mim E
até a roupa que eu uso, todo mundo quer
usar Mesmo a que está no meu corpo, às
vezes tenho que tirar Alguns vêm me dar
dinheiro, alguns querem me tocar As
meninas pedem beijo e sempre querem me
abraçar Eu não sei se é o meu cheiro, que é
gostoso pra danar Até quando eu solto um
peido, todo mundo quer cheirar Pode ser
minha simpatia, o meu corpo, ou o meu
olhar Mas o fato é que eu não encontro
quem não canse de me amar Todo mundo
gosta de mim Todo mundo gosta de mim
Todo mundo gosta de mim Todo mundo
gosta de mim 343

Vamos Virar Japonês Somos todos um


bando de caipiras adorando o que vem do
estrangeiro comparando também não me
admira basta ver o produto brasileiro
Imitando também tamo atrasado copiando
um modelo decadente até nisso nós tamo
ultrapassado até nisso nós fomo
incompetente Vamos esquecer los
americanos Vamos esquecer los
americanos vamos progredir de vez vamos
virar japonês!
japa, japa, japa!
Essa lenga-lenga de crise é coisa antiga é coisa de gente
que quer o poder quanto tempo eu ouço essa cantiga é
melhor você mesmo se mexer pra não ser mais o país da
esperança pra não ter fama de coitado eu sinto pena do
meu povo que dança só dá desculpas e espera sentado
Japonês é joia, japonês é quente japonês apoia o projeto da
gente japonês tem ódio de americano americano é bobo,
japonês é crânio japonês estuda, japonês trabalha japonês
não falha, também não avacalha o mundo vai ser deles, já
estão quase lá essa é a nossa chance, vamo aproveitar!

Vida de Bebê Mama mama mama mama


mama [mama mama mama Chupa chupa
chupa chupa Come come Dorme dorme
Mama, chupa, come, dorme (chora/caga)

Volta Comigo Eu bem que pedi pra você me


esperar Mas mesmo assim você resolveu
casar Preferiu a segurança de uma vida
“certa”
Ponderou que bom marido não estava em oferta Hoje você
está casada e cheia de filho Mas não quero acreditar que
isso seja empecilho De qualquer forma eu vou te fazer uma
proposta E vou esperar ansiosamente a sua resposta Será
que você não quer dar uma voltinha comigo?
Pra gente se lembrar daquele nosso amor antigo Se você
quiser que eu use camisinha eu não ligo Tirando seu marido
cê não corre perigo!
Eu realmente espero que você seja muito feliz Mas você
pensa bem e vê o que é que você me diz Você bem que
podia liberar esse galho Garanto pra você que ia ser legal
pra cara…
Faço esse pedido porque eu gosto de você Naquele tempo
a gente nem sabia o que fazer Pode ser que eu ainda tenha
alguma chance Talvez você sinta falta de um pouco de
romance

Will Robinson e Seus Robots Perigo,


Perigo!
Perigo, Perigo!
Perigo, Perigo!
Perigo, Perigo!
Cuidado Will!
Cuidado Will!
Cuidado Will!
Cuidado Will!

Zoraide Já não sei se te quero Acho que


não quero Me cansei de namorar Essa
história de uma só Zoraide, tenha dó Eu
quero mais é variarFica com esse nhem-
nhem-nhem Na minha orelha Me chateiaEu
já não aguento maisQuero fazer o que me
der na telha Zoraide, vê se não me
“penteia”!
Para com essa história chata Que coisa mais chata Eu não
quero me casar Só porque já foi legal E etc. e tal Não quer
dizer que eu vou encarar Fica juntando enxoval Pede um
fogão de Natal Diz que eu me visto mal Que eu sou um cara
chulé Que mulher!Eu já não aguento mais Quero fazer
aquilo Que eu quiserZoraide, larga do meu pé!
Indice de Musicas
(Acontece Toda Vez Que Eu Fico) Apaixonado
A Festa
A Gente É Tudo Igual
Agora É Tarde
Ah, Se Eu Fosse Homem
A Inveja É Uma Merda
Amor
Cada Um Por Si
Ciúme
Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas (Política)
Coragem
Crescendo II − A Missão
Dênis, O Que Você Quer Ser Quando Crescer?
Domingo Eu Vou Pra Praia
Esta Canção
Êta Sonzinho Fuleiro
Eu Gosto de Mulher
Eu Não Sei
Filha da Puta
Fuck the World!
Giselda
Hino dos Cafajestes
Ice Bucket
I’m Sorry
Independente Futebol Clube
Jandira
Jesse Go
Laços de Família
Maximillian Sheldon
Me Dá
Me Dá um Olá
Nada a Declarar
Nossa, Que Cabelo Bonito!
O Chiclete
O Fusquinha do Itamar
O Monstro de Duas Cabeças
Oração
O Seu Universozinho
Pelado
Ponto de Ônibus
PQP, Brasil
Preguiça
Prisioneiro
Querida Mamãe
Rebelde Sem Causa
Ricota
Secretários Eletrônicos
Se Você Sabia
Sexo!!
Teimoso
Todo Mundo Gosta de Mim
Vamos Virar Japonês
Vida de Bebê
Volta Comigo
Will Robinson e seus Robots
Zoraide
FAMÍLIA A RIGOR
As chamadas formações clássicas, mencionadas pelos
integrantes da banda, equivalem á terceria e á quarta
formações.
GENEALOGIA
As formações foram separadas a cada troca de integrante,
totalizando doze.
Agradecimentos
Agradeço ao Mingau, Serginho Petroni, Maurício,
Serginho Serra, Roger, Bacalhau, Osvaldinho, Leôspa,
Flávio, Heraldo, Carlinhos, Paulinho, Ricardinho, Manito,
Edgard Scandurra, Andria e Marcos Kleine pela paciência,
atenção, incentivo, confiança, por toparem compartilhar um
pedacinho de suas vidas e pela honra que me deram.
Ao Ricardo Neves pelo primeiro incentivo, a Tânia
Sandroni por me lembrar das figuras de linguagem, ao
Eduardo “Rochinha” pelas dicas e por me dizer para confiar
em mim diante da longuíssima pauta, ao Trigo pelos e-mails
e scraps respondidos mesmo durante as férias, a Tânia
Trajano pelos livros emprestados.
A Denise Casatti e Patrícia Patrício pelos constantes
conselhos e amizade.
Ao Kid Vinil por ser tão prestativo e esclarecedor. Ao
Lobão e ao Peninha Schmidt (pelo “colosso”) que, da
mesma forma, compartilharam sobre as brincadeiras e a
amizade.
Ao Júnior (Agência Produtora), Rafael Ramos (Deckdisc),
Cacá Prates, Tom Gomes, Luiz Calanca (Baratos & Afins),
Thomas Bielefeld (Azul 29), Dicastro (Sangue da Cidade),
Laert Sarrumor (Língua de Trapo), Mao (Garotos Podres),
Eder (Gonorant$), Marcelo Fróes (Discobertas) e aos fãs:
Dantas Catugy, Lydia Bosco, Ronaldo Fernandes, Thomas
Missfeldt, Fernando “Bandeirinha”, Val, Michel (Dr. Sin),
Alexandre Zacarelli e Marcelo Paradela pelas entrevistas
e/ou gentis colaborações que ajudaram a reconstruir espaço
e tempo.
Ao Trovão pelo ingresso, ao Azedo por facilitar a entrada
nos shows, ao Roberto por garimpar as relíquias, ao Renato
Seixas por proporcionar a experiência de uma palestra e
pelos esclarecimentos burocráticos, ao Ygor Mathias pela
boa vontade e pelo gravador, a Elaine Gomes, a Larissa
Mussatto, ao Carlão, a Eliane Veronezzi, Paula e Candy
pela força.
Aos fotógrafos Rafael Rezende, Rosely Tranjan e Kelly
Fuzaro, por capturarem o rock n’ roll.
Aos amigos Regiane, Juliana, Luciana, Hellen, André e
Paolla pela força e por todas as vezes que me emprestaram
suas câmeras.
Ao Andrey do Amaral, meu agente literário, pela
confiança e entusiasmo contagiantes.
Aos meus pais, Marco e Margarete, pelo apoio e pela
base moral sólida que uso em todos os âmbitos da vida.
Aos meus tios Celso, Gi e Beto, pela força. E a Deus,
sempre por tudo.
Bibliografia
ALEXANDRE, Ricardo. Dias de Luta. São Paulo: Editora
DBA, 2002.
ALVES JUNIOR, Carlos e MAIA, Roberto. Rock Brasil, o
Livro: um Giro Pelos Últimos 20 Anos do Rock Verde e
Amarelo. São Paulo: Editora Esfera, 2003.
ALZER, Luiz André e CLAUDINO, Mariana. Almanaque
Anos 80: Lembranças de Uma Década Muito Divertida. Rio
de Janeiro: Ediouro, 2004.
ALZER, Luiz André e MARMO, Hérica. A Vida Até Parece
Uma Festa: Toda a História dos Titãs. 3 ed. Rio de
Janeiro: Editora Record, 2003.
BAHIANA, Ana Maria. Almanaque Anos 70: Lembranças e
Curiosidades de Uma Década Muito Doida. Rio de Janeiro:
Ediouro, 2006.
BUENO, Eduardo. Brasil: Uma História – 2 . ed. rev. – São
Paulo: Editora Ática, 2003.
CAMARGO, Maurício Brito. Elvis. São Paulo: Editora Lira,
2005.
COELHO, Teixeira. O Que É Indústria Cultural. 16. ed. São
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DAPIEVE, Arthur.Brock: o Rock Brasileiro dos Anos 80. São
Paulo: Editora 34, 2005.
DAVIES, Hunter. A Vida dos Beatles. Tradução de Henrique
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ESSINGER, Silvio. Almanaque Anos 90: Lembranças e
Curiosidades de Uma Década Plugada. Rio de Janeiro:
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FRANÇA, Jamari. Os Paralamas do Sucesso: Vamo Batê
Lata. São Paulo. Editora 34, 2003.
LEAF, David e SHARP, Ken. Kiss: Por Trás da Máscara. São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 2006.
MARCHETTI, Paulo. Diário da Turma 1976-1986: a História
do Rock de Brasília. São Paulo: Conrad Editora do Brasil,
2001.
MELO, José Marques de. Teoria da Comunicação:
Paradigmas Latino-Americanos. Rio de Janeiro: Editora
Vozes, 1998.
MONTANARI, Valdir. História da Música: da Idade da Pedra
à Idade do Rock. 2. ed. São Paulo: Editora Ática, 1993.
NEVES, Ezequiel. Barão Vermelho: Por que a Gente É
Assim/Ezequiel Neves, Guto Goffi, Rodrigo Pinto. São
Paulo: Globo, 2007
STEWART, R.J. Música e Psique: as Formas Musicais e os
Estados Alterados da Consciência. Tradução de Carlos
Afonso Malferari. São Paulo: Círculo do Livro S.A., 1987.
TABORDA, Felipe. A Imagem do Som do Rock-Pop
Brasileiro. Volume V. Rio de Janeiro: Editora Globo, 2002.
VILAS, Sergio Boas. O Estilo Magazine: o Texto em
Revista.São Paulo: Summus, 1996.
WHITE, Charles. A Vida e a Época de Little Richard.
Tradução de Leila de Souza Mendes e Paulo Henriques
Britto. Porto Alegre: L&PM, 1987.
Créditos das Imagens
Todos os esforços foram feitos no sentido de identificar a
origem e a autoria das fotografias usadas nesta obra. Nem
sempre isso foi possível, porque algumas imagens
pertenciam a arquivos particulares ou não tinham nenhuma
informação que pudesse indicar sua autoria. Teremos o
maior prazer em creditar esses fotógrafos nas próximas
edições, caso se manifestem.
1 SERAPICOS, Mário. Sexo!! Agora em disco. Crics, ed. 07, abril de 1987, p.
10.
2 Programa Discoteca MTV, exibido em 4 de maio de 2007.
3 Marcelo Fromer morre em junho de 2001, um dia depois de ser atropelado
enquanto praticava corrida na zona sul de São Paulo.
4 Entrevista com o diretor do programa Fábrica do Som, Pedro Vieira,
veiculada no quadro Arquivo, do programa Radiola.
5 Making of do DVD Acústico MTV Ultraje a Rigor, lançado em 2005.
6 De acordo com Arthur Dapieve, a melodia nasceu cantando debaixo do
chuveiro, “algo como ‘Why don’t you’, (…) que por associação sonora (…) foi
dar no Inútil”. DAPIEVE, Arthur. Brock: o Rock Brasileiro dos Anos 80. Rio de
Janeiro: Editora 34, 1995, p. 107.
7 A recompensa do rebelde. Veja, 14 de agosto de 1985, p. 5.
8 ALEXANDRE, Ricardo. Dias de Luta. São Paulo: DBA, 2002, p. 164.
9 A recompensa do rebelde. Veja, 14 de agosto de 1985, p. 5.
10 Rock é irreverente por natureza. Roll, 1984, p. 42 – 43.
11 Rock é irreverente por natureza. Roll, 1984, p. 43.
12 Rock é irreverente por natureza. Roll, 1984, p. 43.
13 Idem.
14 Rock é irreverente por natureza. Roll, 1984, p. 43.
15 FRANÇA, Jamari. Os Paralamas do Sucesso – Vamo Batê Lata. São Paulo: Ed. 34,
2003, p. 74
16 ALEXANDRE, Ricardo. Dias de Luta. São Paulo: DBA, 2002, p. 224.
17 ALEXANDRE, Ricardo. Dias de Luta. São Paulo: DBA, 2002, p. 224.
18 ALEXANDRE, Ricardo. Dias de Luta. São Paulo: DBA, 2002, p. 225.
19 Rossi, Marcelo. Ao Vivo: O Livro do Rock: 89 A Rádio Rock, 2002, p. 77
20 DAPIEVE, Arthur. Brock: O Rock Brasileiro dos Anos 80. Rio de Janeiro: Editora 34,
1995, p. 110.
21 RAMOS, Carlos. Depois da praia, eles agora invadem as camas. O Globo, 06/04/1987.
22 ATC, Ultraje grava LP e joga pingue-pongue. Folha de S. Paulo, 01/02/1987.
23 Idem.
24 Ibidem.
25 Ibidem.
26 MAIA, Sônia. O Que Eu Vou Fazer Sem Sexo?. Bizz, número 21, abril de 1987, p. 41.
27 RODRIGUES, Apoenan. Um Roqueiro a Rigor. Jonal do Brasil, 01/04/1989, Caderno B,
p. 5
28 GAIO, Ana. O Rock Está Nu (com a mão no bolso). Manchete, 1987, s/p.
29 Arquivo do Memorial do Grêmio – Jogadores, livres e de volta à casa. Zero Hora,
29/08/87, p. 38.
30 A banda californiana Red Hot Chili Peppers participa do Rock in Rio 3 em janeiro de
2001.
31 O guitarrista Wander Taffo falece em maio de 2008, aparentemente por causa de um
infarto. Ele marcou presença nas bandas Rádio Táxi, Made in Brazil e Secos &
Molhados.
32 ALVES JUNIOR, Carlos; MAIA, Roberto. Rock Brasil, O Livro: Um Giro pelos Últimos 20
Anos do Rock Verde e Amarelo. São Paulo: Editora Esfera, 2003.
33 http://roxmo.sites.uol.com.br/blog/index.html
34 http://ultrajearigor2.ning.com/
36 Matéria publicada na Revista Guitar Class-Mar/03, por Mario Della Nina e publicada no
site http://www.mingaubass.hpg.ig.com.br/, uma página desenvolvida pelo fã de Mingau,
Richard Ivan Assumpção, em 2003.
37 Idem.
35 http://launch.groups.yahoo.com/group/ultraje/
38 Making of do DVD Acústico MTV Ultraje a Rigor, lançado em 2005.
39 Site: http://gonline.uol.com.br/site/arquivos/estatico/memorias.htm. Acesso em
19/09/2007.
40 http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u9056.shtml. Acesso em 17/06/2007.
41 Entrevista exibida pela Rede Globo durante cobertura do Rock in Rio 3.
42 Site: http://www.beatles4ever.com.br/home.htm. Acesso dia 23/09/007.
43 Making of do DVD Acústico MTV Ultraje a Rigor, lançado em 2005.
44 www.reverbnation.com/organicarock
45 www.myspace.com/organicarock
46 http://tramavirtual.uol.com.br/artista.jsp?idp=979091
47 http://www.reverbnation.com/ricardojunior
48 http://www.myspace.com/ricajunior
49 Trecho da música Dança do Créu, do MC Créu.
50 Trecho da música O Que, dos Titãs.
51 http://roxmo.sites.uol.com.br/mesquisita.html
52 http://www.edgardscandurra.com.br/
53 http://palcomp3.com/kroma/
54 www.myspace.com/karmanguia
Para saber mais sobre o nosso catálogo, acesse:
www.belasletras.com.br
Impresso pela Gráfica Coan no verão de 2011.
Table of Contents
Capa
Dedicação
Página de Direitos Autorais
Sumário
Prefácio: O Show Vai Começar
Capítulo 1: Em Direção ao Rock n’ Roll
Capítulo 2: É Agora!
Capítulo 3: Doscencre, Doscencre
Capítulo 4: Uma Outra Raiz Punk
Capítulo 5: Era um Garoto que Como Eu Amava os Beatles e o
Ultraje a Rigor
Posfácio: O Show Não Para
Letras
Genealogia
Agradecimentos
Bibliografia

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