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Em árabe, Farah quer dizer "alegria". E é com alegria e encantamento que Elias Farah se dedica à
Advocacia e à preservação dos valores éticos da profissão. Advogado há 54 anos, Farah diz que é
mais fácil saber as áreas em que ele não atua; "Não faço tributário, criminal e eleitoral. Consigo
fazer isto porque em 1957, quando comecei, não havia especialidades. Como passei a ser
advogado de empresas, fui obrigado a atender quase todas as áreas, pois uma empresa tem
problemas societários, trabalhistas, civis, comerciais, então, não pude ficar preso a
especialidades."
Da Turma de 1956 da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (Fadusp), lembra-se até
hoje da primeira aula ministrada pelo professor Goffredo da Silva Telles Júnior: "Ele apresentou
uma tese, muito bem fundamentada, que me convenceu completamente. Depois, apresentou a
tese contrária, e também fiquei absolutamente convencido. Foi minha primeira grande lição. Ali,
descobri que não basta a ideia ser boa, é preciso saber expô-la, pois o argumento, quando bem
exposto, convence."
Admitido na Academia de Letras da faculdade em 1952, dela foi presidente em 1956, época em
que publicou o primeiro livro: Na Academia. Muitos anos mais tarde viriam as demais obras, todas
dedicadas ao exercício da profissão e aos seus valores éticos, como Caminhos Tortuosos da
Advocacia e Ética do Advogado, publicadas pela Editora LTr. Em Caminhos Tortuosos da
Advocacia Farah sintetiza o que é a profissão. Defende a indispensabilidade do advogado como
forma de dar segurança jurídica aos cidadãos; a inviolabilidade dos atos e manifestações contra
qualquer ato ou decisão que possa cerceá-lo na missão social; a independência técnica e
intelectual no cumprimento da profissão; e a plena consciência do direito de defesa e da liberdade
de atuação profissional. "Estou preparando uma nova edição atualizada desse livro, incorporando
novas questões", revela.
Depois vieram Cidadania, onde aborda temas relevantes como direitos humanos, moralidade
pública, urbanização, violência urbana, proteção legal do cidadão, entre outros, e Ética Profissional
do Advogado, ambos editados pela Editora Juarez de Oliveira. E, por fim, Advocacia no Novo
Milênio, pela Lex Editora, cujos direitos autorais foram doados ao Instituto dos Advogados de São
Paulo (Iasp), onde é conselheiro e diretor da revista da entidade. Nele, Farah ensina: "A
consciência que o advogado forma dos princípios e das normas de ética profissional muito lhe
facilita o exercício da Advocacia (...) As invocações do advogado na defesa dos direitos e
prerrogativas estão intimamente comprometidas com a observância dos princípios éticos e
disciplinares. Aquele que os desconhece ou não os respeita decai naturalmente do direito de
invocá-los em sua defesa. A ética profissional se relaciona, de alguma forma, com a tecnologia de
cada profissão."
Farah diz que procura ser claro e conciso quando escreve. "Uso sempre frases curtas, para que o
leitor possa respirar quando lê. A leitura tem de ser agradável. Concisão dá trabalho. Tem de reler,
cortar, tirar repetições, verificar se as palavras utilizadas são as mais adequadas. A releitura é
muito importante. Essa preocupação deve estar presente também quando se escreve os pareceres
e petições, pois a demonstração de clareza do advogado faz com que o juiz se interesse pelo que
ele pleiteia."
TD - É por isso que suas obras denotam uma grande preocupação com os valores
humanistas que regem a Advocacia?
Farah - Sempre admiti que a respeitabilidade decorre do grau de confiabilidade que o advogado
inspira, que o sucesso profissional é profundamente dependente do grau de respeito que ele passa
e que faz o cliente ver nele o profissional desejado. E como percebi na Advocacia deficiências
nesta parte, resolvi fazer uma certa pregação moral para que os meus colegas dêem atenção a
esta faceta da profissão, que é a qualidade, e da qual depende a conquista da confiança e a
permanência dos clientes. E isso se faz com gestos. Essa respeitabilidade percebe-se que existe
quando o advogado, dentro do processo, se comporta com respeito ao adversário, ao cliente do
adversário, ao juiz, à veracidade das suas informações. Quando o advogado não tem formação
cultural em grau desejado, não tem sensibilidade para compreender isto. Às vezes a má formação
do indivíduo (formação em sentido geral: familiar, social, profissional) o torna impermeável à visão
desses aspectos. Na Justiça hoje vê-se uma série de atitudes de advogados absolutamente
incompatíveis com a dignidade da profissão, como o uso do processo com finalidade
ostensivamente fraudatória, uso do Judiciário como forma de protelar o pagamento de dívidas, de
cumprir deveres. Tudo isso revela má formação profissional.
TD - Entre essas causas está também o fato de o Poder Público ser o maior litigante do
País?
Farah - Claro. Estatística feita pelo Conselho Nacional de Justiça diz que 80% dos processos vêm
do Poder Público. Um País onde todo o cidadão precisa ir à Justiça para buscar o que é seu de
direito é um País que vai mal. Os processos que estão na Justiça hoje contra o Poder Público são
tentativas de reparar um dano sofrido por uma legislação lesiva ao cidadão. Quem não se lembra
do empréstimo compulsório, que nunca foi devolvido ao povo? Os fóruns estão lotados de
processos pedindo o compulsório de volta. E as diferenças de correção monetária apropriadas
indevidamente? E as diferenças de Previdência Social? A Justiça Federal está lotada de pedidos
de aposentados. O governo sabe que lesa o cidadão. E o faz conscientemente, o que leva as
pessoas a descrer da eficácia da lei.
Elias Farah nasceu em Guaxupé (MG), filho de pai e mãe libaneses. O pai, um próspero
comerciante, ficou muito triste quando o mais novo dos sete filhos disse que não de dedicaria ao
negócio da família pois seguiria a carreira diplomática. "Tinha uma grande paixão pela vida
diplomática. Desde mocinho achava que o Brasil era um País grandioso e desconhecido e que, na
carreira diplomática, alguma coisa poderia fazer para melhorar isso", revela.
E foi com esse propósito que, aos 16 anos, viajou sozinho para São Paulo. Fez o ensino médio no
Colégio Paulistano com os olhos na Faculdade de Direito na Universidade de São Paulo (Fadusp),
que era o caminho natural para realizar o sonho de ser diplomata. Enquanto estudava, arrumou
emprego num consulado para se familiarizar com a vida diplomática, e ali permaneceu alguns
anos, como secretário de assuntos brasileiros. Porém, a convivência com a vida diplomática
provocou-lhe uma grande decepção. "Cheguei à conclusão de que o que os diplomatas deveriam
fazer, não faziam. Percebi que a Diplomacia resumia-se quase que apenas a carimbar
passaportes, a participar de banquetes, a ostentar imunidades e nada fazer de importante pelo
País. Desisti", declara.
Quando estava no 4° ano de Direito, em uma festa, conheceu Eunice, que viria a ser a esposa e
com quem teve quatro filhos: Renê (falecido aos 33 anos), Ivan, Kátia e Elias Júnior. O casal tem
também duas netas. Já no 5° ano de Direito, Farah assumiu a presidência da Academia de Letras
da faculdade, onde sucedeu a Fernando Whitaker e onde foi sucedido por Dalmo de Abreu Dallari.
Data dessa época o primeiro livro, intitulado Na Academia. Da Turma de 1956, montou a primeira
banca em 1957, no centro da cidade. No começo dos anos 1960, com cinco anos de Advocacia,
resolveu mudar o escritório para Pinheiros. Foi presidente da Associação dos Advogados de
Pinheiros e, quando foi criada a subseção de Pinheiros, da secional Paulista da Ordem dos
Advogados do Brasil, também foi escolhido para presidi-la, oportunidade em que se dedicou com
afinco à criação do Fórum Regional de Pinheiros.
Na época, começou a escrever artigos para o "DCI" e para o "Diário do Comércio" "Tive de fazer
muitos pesquisas para escrevê-los, pois abordava os mais diversos assuntos para não ser
monótono. Não queria entediar os leitores", diz, informando que contabiliza mais de 400 textos
publicados. Data também desse tempo a ligação com a Associação Comercial de São Paulo, onde
exerceu a presidência dó Conselho Jurídico e, hoje, é conselheiro nato.
Em meados da década de 1960, foi procurado por Mário Covas e Ulisses Guimarães, que o
convidaram a candidatar-se a deputado estadual pelo MDB. Aceitou o convite em parte, pois quis
ser candidato a vereador. A eleição aconteceu em 1968 e Farah não foi eleito. "Foi um equívoco
não ter aceitado candidatar-me a deputado, mas achei que, para começar uma carreira política,
deveria ser primeiro vereador. Resultado: tive 10,5 mil votos e os deputados estaduais foram
eleitos com 6 mil votos. Desisti. Nunca mais me candidatei. E acho que tomei a decisão mais
acertada, pois não seria um bom político", afirma.
Na década de 1990, foi convidado para integrar o Tribunal de Ética e Disciplina (TED) da OAB-SP
e, por nove anos, participou da Turma Deontológica, que responde às consultas éticas dos
advogados.
Entre uma coisa e outra ao longo dos 54 anos de Advocacia, Farah tornou-se membro do Instituto
dos Advogados de São Paulo (Iasp), onde está há mais de 20 anos. Hoje, é conselheiro e diretor
da revista do instituto, que é editada pela Editora Revista dos Tribunais. Também participa do
Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa), onde é conselheiro honorário.
Sempre que pode, Farah viaja com sua mulher pelos mais diferentes lugares. Em fevereiro, por
exemplo, o casal foi para Santiago, capital do Chile. Dela, pegou um carro e seguiu para
Valparaíso, onde embarcou num navio que desceu a costa chilena, passou pelo estreito de
Magalhães, contornou o Cabo Horn, subiu pela costa argentina em direção ao Brasil, onde
desembarcou em Santos. (Eunice Nunes)