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Brasília, 2016 – 1a Edição

Inovação na Atenção
Ambulatorial Especializada

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© 2016 – 1a Edição
CONSELHO NACIONAL DE SECRETÁRIOS DE SAÚDE – CONASS

É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que citadas a fonte e a autoria.

Tiragem: 500 exemplares.

CONASS Debate 5a Edição


Brasília, abril de 2016.
ISBN 978-85-8071-036-6

Esta publicação é fruto de parceria entre a Organização Pan-Americana da Saúde e o CONASS,


com o apoio do Ministério da Saúde.

Brasil. Conselho Nacional de Secretários de Saúde.


CONASS Debate – Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada / Conselho Nacional
de Secretários de Saúde. – Brasília : CONASS, 2016.
116 p. – (CONASS Debate, 5)

ISBN 978-85-8071-036-6

Sistema de Saúde I. CONASS Debate – Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada

NLM WA 525
SECRETÁRIOS DE ESTADO DA SAÚDE 2016

AC Gemil Júnior PB Roberta Abath


AL Rozangela Wyszomirska PE José Iran Costa Júnior
AM Pedro Elias de Souza PI Francisco Costa
AP Renilda Costa PR Michele Caputo Neto
BA Fábio Vilas Boas RJ Luiz Antônio de Souza Teixeira Junior
CE Henrique Jorge Javi de Sousa RN José Ricardo Lagreca
DF Humberto Fonseca RO Williames Pimentel
ES Ricardo Oliveira RR Cesar Ferreira Penna de Faria
GO Leonardo Vilela RS João Gabbardo dos Reis
MA Marcos Pacheco SC João Paulo Kleinubing
MG Fausto Pereira dos Santos SE José Macêdo Sobral
MS Nelson Barbosa Tavares SP David Uip
MT Eduardo Bermudez TO Marcos Esner Musafir
PA Vítor Manuel Jesus Mateus

DIRETORIA DO CONASS 2015/2016

Presidente
João Gabbardo dos Reis (RS)

Vice-Presidentes
Região Centro-Oeste
Marco Bertúlio (MT) | Leonardo Vilela (GO)

Região Nordeste
Fábio Vilas Boas (BA)

Região Norte
Francisco Armando Melo (AC)

Região Sudeste
Fausto Pereira dos Santos (MG)

Região Sul
João Paulo Kleinubing (SC)
EQUIPE TÉCNICA DO CONASS
SECRETÁRIO EXECUTIVO
Jurandi Frutuoso

ASSESSORIA JURÍDICA
Alethele de Oliveira Santos

ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL


Adriane Cruz
Marcus Carvalho
Tatiana Rosa

COORDENAÇÃO TÉCNICA
René José Moreira dos Santos

COORDENAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL


Ricardo de Freitas Scotti

ASSESSORIA TÉCNICA
Alessandra Schneider
Ana Paula Soter
Eliana Maria Ribeiro Dourado
Fernando Cupertino
Haroldo Jorge de Carvalho Pontes
Lourdes Almeida
Maria José Evangelista
Maria Zélia Soares Lins
Nereu Henrique Mansano
Tereza Cristina Lins Amaral
Viviane Rocha de Luiz
ORGANIZAÇÃO DO LIVRO
Coordenação do livro
Adriane Cruz
Eugênio Vilaça Mendes
Regina Nicoletti
Renilson Rehem
Ricardo F. Scotti

Revisão
Seis Letras

Projeto Gráfico
Daniel Macedo

Diagramação
Marcus Carvalho
Sumário
APRESENTAÇÃO 08

INTRODUÇÃO 10

MINISTRO ARTHUR CHIORO 70

ATENÇÃO AMBULATORIAL ESPECIALIZADA NO PARANÁ: A EXPERIÊNCIA DA 15ª REGIÃO


DE SAÚDE MÁRCIA CECÍLIA HUÇULAK E MARISE GNATTA DALCUCHE 82

FUNDAÇÃO DR. JOSÉ MARIA DOS MARES GUIA INSTITUTO REGIONAL DE SAÚDE DA MULHER
– CENTRO INTEGRADO VIVA VIDA E HIPERDIA WILMAR DE OLIVEIRA FILHO E PRISCILA RABELO LOPES 96

PLANIFICAÇÃO DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE: A FÓRMULA ORGANIZADORA DO SISTEMA


DE SAÚDE EM TAUÁ PATRÍCIA PEQUENO COSTA GOMES DE AGUIAR 108
Apresentação
Desde 2012, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), reconhecendo o momen-
to delicado pelo qual vem passando a saúde pública no Brasil, estabeleceu uma linha de atuação
intitulada CONASS Debate, que fomenta a discussão de temas importantes para o setor.
Este livro é o registro do seminário CONASS Debate – Inovação na Atenção Ambulatorial Espe-
cializada, por meio do qual disseminamos as reflexões obtidas durante o evento a fim de contribuir
com a construção de um futuro sustentável para o Sistema Único de Saúde (SUS). Por isso, além
desta publicação, disponibilizamos no nosso site (www.conass.org.br) as versões eletrônicas, em PDF
e e-book, que poderão ser lidas em computadores, tablets e celulares.
A temática principal deste seminário foram as alternativas de enfrentamento dos problemas
vivenciados pelos gestores, bem como a apresentação de experiências exitosas e políticas de organi-
zação da Atenção Ambulatorial Especializada no Brasil.
O diagnóstico recorrente é de que esta atenção se configura um gargalo do SUS pela insuficiên-
cia de oferta, frequentemente chamada de “vazio assistencial da média complexidade. Mas quando a
decisão é melhorar o atendimento especializado de saúde, outros tantos desafios estão postos, assim
como alternativas de soluções que estão dando certo em diversos estados e municípios brasileiros.
Imagine um Centro de Especialidades para onde as pessoas portadoras de doenças crônicas
são encaminhadas, após a estratificação de risco feita pela Atenção Primária à Saúde (APS), para que
tenham sua situação avaliada por uma equipe multiprofissional. Após a avaliação, essas pessoas, hi-
pertensas e diabéticas, por exemplo, com um plano de cuidado traçado pela equipe de saúde, voltam
a ser acompanhadas pela APS. Neste modelo, o especialista e o generalista se comunicam rotineira-
mente, seja por telefone ou mensagens de WhatsApp, tratando conjuntamente destes cidadãos.
Agora, imagine que estes mesmos doentes crônicos se consultem com o cardiologista ou endo-
crinologista, graças a vagas ofertadas pela central de regulação. E que, quando precisarem novamen-
te de uma consulta, provavelmente ela não será com o mesmo profissional médico. Com uma receita
ou pedido de exame nas mãos, esses usuários, mais uma vez, entrarão na fila, seja para se consultar
com outro especialista, para pegar um medicamento ou para realizar algum exame.
De acordo com o especialista em Planejamento de Sistema de Saúde e coordenador Técnico do
CONASS Debate, Eugênio Vilaça, não é o “vazio assistencial” o principal problema da Atenção Espe-
cializada no Brasil, mas o vazio cognitivo, ou seja, o desconhecimento de práticas que comprovam a
possibilidade de um atendimento diferenciado aos que necessitam do especialista. “Mesmo havendo
carência na oferta de algumas especialidades, experiências demonstram que os ‘vazios’ podem ser

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superados com novas formas de organização das relações entre a APS e a Atenção Especializada sem
aumentar, necessariamente, a oferta de serviços”, argumenta.
O seminário que deu origem a este livro ocorreu no dia 6 de agosto de 2015, em Brasília/DF,
e contou com a exposição de Arthur Chioro, então ministro de Estado da Saúde; de Michelle Caputo
Neto, secretário de Estado da Saúde do Paraná e Marise Dalcuche, diretora geral do Núcleo de Des-
centralização do SUS na SES/PR; de Henrique Jorge Javi de Sousa, secretário de Estado da Saúde do
Ceará e Patrícia Pequeno Costa Gomes de Aguiar, prefeita de Tauá/CE; de Fausto Pereira dos Santos,
secretário de Estado da Saúde de Minas Gerais e Wilmar de Oliveira Filho, do Laboratório de Inova-
ções de Atenção às Condições Crônicas (Liacc) de Santo Antônio do Monte/MG; além de Ana Paula
Menezes, então secretária executiva do Ministério da Saúde.
O livro traz os textos assinados pelos palestrantes, responsáveis pelo sucesso e pela riqueza de
conteúdo do CONASS Debate – Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada.

João Gabbardo dos Reis


Presidente do CONASS

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 9


INTRODUÇÃO
A Atenção Ambulatorial Especializada (AAE) constitui problema muito importante nos sis-
temas de atenção à saúde em geral e no Sistema Único de Saúde (SUS) em particular.
As razões são várias, mas há de se ressaltarem duas dimensões fundamentais desse
problema: constitui, ao mesmo tempo, um vazio assistencial e cognitivo; e tem sido analisada e
operada na lógica dos sistemas fragmentados de atenção à saúde distante, portanto, das pro-
postas contemporâneas de constituírem-se como pontos de atenção das Redes de Atenção à
Saúde (RAS).
A AAE consiste em uma das áreas menos estudadas nos sistemas de atenção à saúde
e não é diferente no SUS. Quando se buscam pesquisas relevantes em AAE, encontram-se
poucos trabalhos comparativamente com a Atenção Primária à Saúde (APS) e com a atenção
hospitalar. Nesse sentido, há de se marcar que o campo da AAE constitui vazio cognitivo que
necessita ser superado, para que as soluções a ela relativas sejam conduzidas de forma efetiva
e eficiente. Essa constatação sugere que devem ser estimuladas as investigações relativas à
AAE em nossas instituições acadêmicas e de pesquisa.
Além disso, a AAE que se pratica está inserida em sistemas fragmentados de atenção à
saúde, como um espaço institucional sem comunicação e coordenação com outros serviços am-
bulatoriais e hospitalares. Essa (des)organização fragmentada da AAE é responsável por muitos
problemas de efetividade, eficiência e qualidade que afetam esse nível de atenção.
Em decorrência dos vazios cognitivos e da organização fragmentada, o diagnóstico recor-
rente, muitas vezes baseado em ideias de senso comum, é que a AAE constitui gargalo no SUS
pela insuficiência de oferta, o que, normalmente, se denomina de “vazios assistenciais da média
complexidade ambulatorial”.
Ainda que não se possa negar que haja déficit de oferta em algumas especialidades, uma
parte do problema parece residir nos vazios cognitivos. Aprofundamento do diagnóstico mostra-
rá que muitos problemas que se manifestam, fenomenalmente, sob a forma de vazios assisten-
ciais, podem ser solucionados por meio de novas formas de organização das relações entre a
APS e a AAE sem, necessariamente, aumentar a oferta de serviços ambulatoriais secundários.
Certas situações são fundamentais em causar desequilíbrios entre oferta e demanda por
AAE. Tomem-se, como exemplos, três delas.
Há evidências de que 70% a 80% dos portadores de condições crônicas apresentam qua-
dros de menor complexidade que devem ter sua atenção concentrada na equipe da APS e nas
ações de autocuidado porque, em geral, não se beneficiam da AAE. Não obstante, as unidades
de AAE, por falta da estratificação de riscos na APS, estão lotadas de pessoas portadoras de

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condições crônicas mais simples, por exemplo, portadores de hipertensão de baixo e médio
risco. Essa é uma das causas que pressionam, forte e indevidamente, a agenda das unidades
de AAE, gerando reclamações sobre as dificuldades de se conseguirem consultas com especia-
listas e alimentando as filas intermináveis. Isso pode ser resolvido com a introdução da estratifi-
cação de riscos na APS, o que reduziria significativamente a demanda por AAE.
Outro fator que pressiona a agenda das unidades de AAE consiste na vinculação definitiva
das pessoas referidas aos especialistas por generalistas, por esses profissionais especializa-
dos, o chamado efeito velcro. Em um município brasileiro de grande porte, verificou-se que 65%
das consultas médicas com especialistas eram de retorno e, apenas, 35% eram de casos novos
(ALBIERI, 2011). É certo que um pequeno percentual de pessoas pode se vincular definitiva-
mente aos especialistas. Contudo, uma AAE bem organizada está baseada no papel intercon-
sultor dos especialistas, o que, além de prover melhor atenção à saúde, reduz a pressão sobre
a agenda da unidade de AAE.
Outro fator de desequilíbrio entre oferta e demanda está na exagerada centralização da
AAE na consulta médica individual e presencial. Em geral, os centros de especialidades médi-
cas tradicionais não operam com equipes multiprofissionais envolvidas no cuidado especializa-
do interdisciplinar. Por outro lado, não há uma prática de introdução de novas formas de atenção
individual e coletiva que permitiriam aliviar, relativamente, a agenda dos médicos especialistas
e melhorar a qualidade da atenção.
Esses três fatores – há outros além deles –, se modificados, poderiam ter impacto signifi-
cativo na superação do desequilíbrio entre a demanda e a oferta por AAE. Isso implicaria, pre-
dominantemente, mudanças de processos nas unidades de AAE, sem grandes investimentos na
estrutura para incremento unilateral da oferta de serviços.
A proposta de organização da AAE que se apresenta neste trabalho assenta-se em novo
modelo cognitivo construído com base em evidências científicas, especialmente derivadas da
teoria das RAS e dos modelos de atenção às condições crônicas que foram desenvolvidos e
implantados em diferentes países.
Por isso, serão visitados alguns fundamentos da instituição da AAE, especialmente, a teo-
ria das RAS e os modelos de gestão, de atenção à saúde e de financiamento com ela coerente.
O foco deste trabalho está na atenção ambulatorial especializada de nível secundário, que
se institui para responder socialmente às condições não agudizadas e que no SUS, em geral, se
denomina de centro de especialidades médicas ou de policlínicas. Portanto, não se considera
nesse contexto a atenção ambulatorial especializada em relação aos eventos agudos, estrutu-
rada sob a forma de unidades de pronto atendimento.

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 11


1. A ATENÇÃO AMBULATORIAL ESPECIALIZADA NA PERSPECTIVA DAS
REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE
1.1. As Redes de Atenção à Saúde e a Atenção Ambulatorial Especializada

Quando se opera com o conceito de Redes de Atenção à Saúde (RAS), há mudanças


significativas nos sistemas de atenção à saúde. Com a superação da fragmentação e a insti-
tuição de RAS, os diferentes componentes dos sistemas de atenção à saúde transformam-se
qualitativamente. Assim, a Atenção Primária à Saúde (APS) nas redes é diferente da APS nos
sistemas fragmentados; e, também, a atenção hospitalar nas redes é diferente da atenção hos-
pitalar nos sistemas fragmentados. Por consequência, a Atenção Ambulatorial Especializada
(AAE) nas redes é muito diferente da AAE nos sistemas fragmentados.
A diferença fundamental está no fato de que, nas RAS, há comunicação e interdepen-
dência entre os diversos componentes e há coordenação exercitada pela APS. Disso decorre o
fato de que a organização da AAE não pode ser feita de forma independente, como nos siste-
mas fragmentados, mas de forma coordenada entre os cuidados especializados e a APS.

1.2. As Redes de Atenção à Saúde

A incoerência entre a situação de saúde e o sistema de atenção à saúde, praticado


hegemonicamente, constitui o problema fundamental do SUS e, para ser superado, envolve a
implantação das RAS.
As RAS são organizações poliárquicas de conjuntos de serviços de saúde, vinculados
entre si por uma missão única, por objetivos comuns e por uma ação cooperativa e interdepen-
dente, que permitem ofertar uma atenção contínua e integral à determinada população, coorde-
nada pela APS – prestada no tempo certo, no lugar certo, com o custo certo, com a qualidade
certa, de forma humanizada e segura e com equidade –, com responsabilidades sanitária e
econômica pela população adstrita e gerando valor para essa população (MENDES, 2011).
Dessa definição, emergem os conteúdos básicos das RAS: apresentam missão e obje-
tivos comuns; operam de forma cooperativa e interdependente; intercambiam constantemente
seus recursos; são estabelecidas sem hierarquia entre os pontos de atenção à saúde, organi-
zando-se de forma poliárquica; implicam um contínuo de atenção nos níveis primário, secun-
dário e terciário; convocam uma atenção integral com intervenções promocionais, preventivas,
curativas, cuidadoras, reabilitadoras e paliativas; funcionam sob a coordenação da APS; pres-
tam atenção oportuna, em tempos e lugares certos, de forma eficiente e ofertando serviços se-
guros e efetivos, em consonância com as evidências disponíveis; focam-se no ciclo completo de

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atenção a uma condição de saúde; têm responsabilidades sanitárias e econômicas inequívocas
por sua população; e devem gerar valor para a sua população.
Os objetivos das RAS constituem melhorar a qualidade da atenção, a qualidade de vida
das pessoas usuárias, os resultados sanitários do sistema de atenção à saúde, a eficiência na
utilização dos recursos e a equidade em saúde (ROSEN; HAM, 2008).
Nas RAS, a concepção de hierarquia é substituída pela de poliarquia, e o sistema organi-
za-se sob a forma de uma rede horizontal de atenção à saúde. Assim, nas RAS, não há hierarquia
entre os diferentes pontos de atenção à saúde, a APS e os sistemas de apoio, mas a conformação
de uma rede horizontal de pontos de atenção de distintas densidades tecnológicas, a APS e seus
sistemas de apoio e logístico, sem ordem e sem grau de importância entre eles. Todos os com-
ponentes das RAS são igualmente importantes para que se cumpram os objetivos dessas redes;
apenas se diferenciam pelas respectivas densidades tecnológicas que os caracterizam.
A concepção vigente na normativa do SUS consiste na de um sistema hierárquico, de
tipo piramidal, formatado segundo as densidades relativas de cada nível de atenção em atenção
básica, média e alta complexidade. Essa concepção hierárquica e piramidal deve ser substituída
por outra – a das redes poliárquicas de atenção à saúde –, em que, respeitando-se as diferen-
ças nas densidades tecnológicas, rompem-se as relações verticalizadas, conformando-se redes
policêntricas horizontais. Contudo, as RAS apresentam uma singularidade: seu centro de comu-
nicação situa-se na APS. É o que se vê na Figura 1.

Figura 1. A mudança dos sistemas piramidais e hierárquicos


para as Redes de Atenção à Saúde

ALTA
COMPLEXIDADE

MÉDIA APS
COMPLEXIDADE

ATENÇÃO BÁSICA

FONTE: MENDES (2011).

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 13


Somente a atuação de uma RAS pode gerar valor para a população adstrita. O valor da
atenção à saúde se expressa na relação entre os resultados econômicos, clínicos e humanísti-
cos e os recursos utilizados no cuidado da saúde (PORTER; TEISBERG, 2007).
Há evidências, obtidas em vários países, de que as RAS melhoram os resultados clíni-
cos, sanitários e econômicos dos sistemas de atenção à saúde (MENDES, 2007).
No Brasil, a concepção de RAS vem sendo discutida há algum tempo, mas foi incorpora-
da oficialmente ao SUS, por dois instrumentos jurídicos. A Portaria n. 4.279, de 30 de dezembro
de 2010, que estabelece diretrizes para a organização das RAS no âmbito do SUS e o Decreto
n. 7.508, de 28 de junho de 2011, que regulamenta a Lei n. 8.080/1990. Na Portaria Ministerial,
a RAS é definida “como arranjos organizativos de ações e serviços de saúde, de diferentes den-
sidades tecnológicas, que, integradas por meio de sistemas de apoio técnico, logístico e de ges-
tão, buscam garantir a integralidade do cuidado” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010). No Decreto
Presidencial, explicita-se que “a integralidade da assistência à saúde se inicia e se completa na
Rede de Atenção à Saúde” (BRASIL, 2011).

1.3. Os elementos constitutivos das Redes de Atenção à Saúde

As RAS constituem-se de três elementos fundamentais: a população e as regiões de saú-


de, a estrutura operacional e os modelos de atenção à saúde (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010).

1.3.1. A POPULAÇÃO

O primeiro elemento das RAS, e sua razão de ser, é uma população, colocada sob sua
responsabilidade sanitária e econômica. É isso que marca a atenção à saúde baseada na popu-
lação, uma característica essencial das RAS.
As RAS, nos sistemas privados ou públicos organizados pela competição gerenciada,
podem prescindir dos territórios sanitários. Mas não há possibilidades de as RAS, privadas ou
públicas, serem implantadas sem uma população adstrita. Assim, as RAS, nos sistemas públi-
cos como o SUS, exigem a construção social de territórios/população.
A população de responsabilidade das RAS vive em territórios sanitários singulares, or-
ganiza-se socialmente em famílias e é cadastrada e registrada em subpopulações por riscos
sociossanitários. Assim, a população total de responsabilidade de uma RAS deve ser totalmente
conhecida e registrada em sistemas de informação potentes. Não basta, contudo, o conheci-
mento da população total: ela deve ser segmentada, subdividida em subpopulações por fatores
de riscos e estratificada por riscos em relação às condições de saúde estabelecidas.
Na concepção de RAS, cabe à APS a responsabilidade de articular-se, intimamente, com
a população, o que implica não ser possível falar-se de uma função coordenadora das RAS ou

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em gestão da saúde da população se não se der, nesse nível micro do sistema, todo o processo
de conhecimento e relacionamento íntimo da equipe de saúde com a população adstrita, estra-
tificada em subpopulações e organizada em grupos familiares que habitam territórios de vida.

1.3.2. A ESTRUTURA OPERACIONAL DAS RAS

O segundo elemento constitutivo das RAS consiste na estrutura operacional constituí-


da pelos nós das redes e pelas ligações materiais e imateriais que comunicam esses diferen-
tes nós.
Em uma rede, conforme entende Castells (2000), o espaço dos fluxos está constituído
por alguns lugares intercambiadores que desempenham o papel coordenador para a perfeita
interação de todos os elementos integrados na rede e que são os centros de comunicação e por
outros lugares em que se localizam funções estrategicamente importantes que constroem uma
série de atividades em torno da função-chave da rede e que são os seus nós.
A estrutura operacional das RAS compõe-se de cinco componentes: o centro de comu-
nicação, a APS; os pontos de atenção à saúde secundários e terciários; os sistemas de apoio
(sistemas de apoio diagnóstico e terapêutico, sistemas de assistência farmacêutica, sistemas de
teleassistência e sistemas de informação em saúde); os sistemas logísticos (registro eletrônico
em saúde, sistemas de acesso regulado à atenção e sistemas de transporte em saúde); e o
sistema de governança da RAS. Os três primeiros correspondem aos nós das redes e, o quarto,
às ligações que comunicam os diferentes nós. É o que se observa na Figura 2.

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 15


Figura 2. A estrutura operacional das Redes de Atenção à Saúde

RT 1 RT 2 RT 3 RT 4

PONTOS DE PONTOS DE PONTOS DE PONTOS DE SISTEMA DE ACESSO


LOGÍSTICOS ATENÇÃO À ATENÇÃO À ATENÇÃO À ATENÇÃO À REGULADO
SAÚDE SAÚDE SAÚDE SAÚDE
SISTEMAS

SECUNDÁRIOS SECUNDÁRIOS SECUNDÁRIOS SECUNDÁRIOS

SISTEMA DE GOVERNANÇA
E TERCIÁRIOS E TERCIÁRIOS E TERCIÁRIOS E TERCIÁRIOS REGISTRO ELETRÔNICO
EM SAÚDE

SISTEMAS DE
TRANSPORTE EM SAÚDE

SISTEMAS DE APOIO
DIAGNÓSTICO E TERAPÊUTICO
SISTEMAS
DE APOIO

SISTEMAS DE ASSISTÊNCIA
FARMACÊUTICA

TELEASSISTÊNCIA

SISTEMAS DE
INFORMAÇÃO EM SAÚDE

ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE

POPULAÇÃO

FONTE: MENDES (2011).

A observação da Figura 2 mostra uma opção pela construção de redes temáticas de


atenção à saúde, como: as redes de atenção às mulheres e às crianças; as redes de atenção
às doenças cardiovasculares, às doenças renais crônicas e ao diabetes; as redes de atenção às
doenças respiratórias; as redes de atenção aos eventos agudos; e outras.
As RAS estruturam-se para enfrentar uma condição de saúde específica ou grupos
afins de condições de saúde, por meio de um ciclo completo de atendimento. Só se gera va-
lor para a população quando se estruturam respostas sociais integradas, relativas a um ciclo
completo de atenção. Como afirmam Porter e Teisberg (2007): “o valor na assistência à saúde
é determinado considerando-se a condição de saúde do paciente durante todo ciclo de aten-
dimento, desde a monitoração e prevenção, passando pelo tratamento e estendendo-se até o
gerenciamento da doença”.

1.3.3. OS MODELOS DE ATENÇÃO À SAÚDE

O terceiro elemento constitutivo das RAS são os modelos de atenção à saúde.


Os modelos de atenção à saúde são sistemas lógicos que organizam o funcionamento
das RAS, articulando, de forma singular, as relações entre os componentes da rede e as inter-

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venções sanitárias, definidos em virtude da visão prevalecente da saúde, das situações demo-
gráfica e epidemiológica e dos determinantes sociais da saúde, vigentes em determinado tempo
e em determinada sociedade (MENDES, 2011). Os modelos de atenção à saúde são diferencia-
dos por modelos de atenção aos eventos agudos e às condições crônicas.
Os modelos de atenção aos eventos agudos prestam-se à organização das respostas dos
sistemas de atenção à saúde às condições agudas e às agudizações das condições crônicas.
Os modelos de atenção aos eventos agudos não serão considerados neste trabalho por-
que a AAE que se discute é aquela destinada a responder socialmente às condições crônicas
não agudizadas.
Os modelos de atenção às condições crônicas são modelos muito mais complexos des-
tinados a responder socialmente às condições crônicas não agudizadas. Esses modelos serão
apresentados quando se discutirem os fundamentos do modelo de construção em redes da AAE.

2. OS GENERALISTAS E OS ESPECIALISTAS NA ATENÇÃO À SAÚDE


A existência de especialistas e generalistas obedece aos princípios da divisão técnica do
trabalho que exige competências e habilidades diferenciadas por tipos de profissionais.
O trabalho em RAS implica relações próximas e coordenadas entre os generalistas e os
especialistas.
No caso, os generalistas são os profissionais que atuam nas equipes da APS e os es-
pecialistas são os profissionais que fazem parte de equipes de AAE que constituem pontos de
atenção secundária das RAS.
A relação entre generalistas e especialistas é uma expressão temática das tendências
organizacionais em geral em que se observou a necessidade da especialização para lidar com
uma complexidade crescente, mas sob a supervisão e coordenação de gerentes generalistas
quando essa complexidade é muito alta (MOORE, 1992). As funções dos generalistas, em quais-
quer campos da atividade humana, são: enxergar a organização completa e suas relações com
o ambiente externo; atuar como centros de comunicação entre todas as partes da organização e
do ambiente externo; e ajudar a organização a adaptar-se às mudanças internas e externas. Os
problemas intraorganizacionais, ou entre a organização e o ambiente externo, são levados ao
generalista que pode tentar resolvê-lo ou encaminhá-lo para um especialista para solucioná-lo,
mas ainda assim cabe ao generalista garantir que o problema seja tratado conforme o interesse
geral da organização, o que é sua tarefa (MCWHINNEY; FREEMAN, 2010).
É preciso ter em mente que os especialistas da saúde não são somente os médicos. Nos
ambulatórios especializados, há outros especialistas como assistentes sociais, cirurgiões dentis-

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 17


tas, enfermeiros, farmacêuticos, fisioterapeutas, profissionais de educação física, nutricionistas,
psicólogos, terapeutas ocupacionais e outros que desenvolvem, nesses ambulatórios, trabalhos
especializados de nível secundário. Portanto, em ambulatório especializado em diabetes, pode
haver enfermeiros e farmacêuticos especialistas em diabetes e, em ambulatório especializado
em pessoas idosas, pode haver enfermeiros, farmacêuticos, fisioterapeutas e terapeutas ocupa-
cionais especializados em atenção às pessoas idosas.
A utilização de enfermeiros especialistas é crescente em vários países. Na Suécia é co-
mum a utilização de enfermeiros especializados em diabetes e em doenças respiratórias crô-
nicas (BOURGEAULT et al., 2008). Nos Estados Unidos da América (EUA), havia, em 2010,
aproximadamente 60 mil enfermeiros especialistas (clinical nurse especialists), boa parte deles
trabalhando em ambulatórios especializados (INSTITUTE OF MEDICINE, 2011). Há enfermei-
ros especialistas em uma condição crônica, como diabetes ou asma, e há enfermeiros especia-
listas em mais de uma condição crônica, os advanced practice nurses (SINGH, 2005).
Evidências demonstraram que o trabalho de enfermeiros especialistas é efetivo e eficien-
te. Uma revisão sistemática de sete ensaios clínicos randomizados mostrou que o trabalho de
enfermeiros especialistas em pessoas idosas portadoras de condições crônicas melhorou os
resultados da atenção e reduziu custos (RYDEN et al., 2000). Ensaio clínico randomizado, rea-
lizado na Holanda, demonstrou que o trabalho de enfermeiros especialistas com crianças porta-
doras de asma reduziu as consultas e os custos da atenção (KAMPS et al., 2004). Ensaio clínico
randomizado, feito na Escócia, verificou que as pessoas portadoras de insuficiência cardíaca
acompanhadas por enfermeiros especializados tiveram menores probabilidades de morrer e de
se internarem (BLUE et al., 2001).
No SUS há experiências relevantes de utilização de equipe multiprofissional, com traba-
lho interdisciplinar, em ambulatórios especializados. No Centro Integrado de Santo Antônio do
Monte, em Minas Gerais, ambulatório especializado microrregional para doenças cardíacas e
diabetes, vários especialistas trabalham em conjunto: médicos (endocrinologista, angiologista,
cardiologista), enfermeiro, farmacêutico, nutricionista, assistente social, fisioterapeuta e psicólo-
go (ALVES JÚNIOR, 2011). No Centro Mais Vida de Belo Horizonte, equipamento de AAE para
atenção às pessoas idosas, há diversos especialistas na equipe: médicos (geriatra, neurologis-
ta), enfermeiro, nutricionista, psicólogo, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional,
farmacêutico e assistente social (MORAES, 2011).
Em relação aos médicos, na perspectiva de sistemas de atenção à saúde estruturados em
RAS, é fundamental a presença equilibrada de médicos generalistas e especialistas, atuando
conjuntamente em benefício das pessoas usuárias e de suas famílias.
É o que sugerem McWhinney e Freeman (2010) quando afirmam que qualquer organiza-
ção depende do equilíbrio entre generalistas e especialistas, mas que, nas organizações de saú-

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de, até pouco tempo atrás, se questionava o valor dos médicos generalistas, com o argumento
de que a explosão do conhecimento impossibilitava uma atuação de generalistas e convocava
a fragmentação da medicina em especialidades. Esse posicionamento envolve um erro de ar-
gumento ao assumir que o conhecimento constitui uma porção material que cresce por adição.
Assim, se correto esse raciocínio, isso ocorreria com qualquer especialidade que, após a acu-
mulação de conhecimentos no tempo, teria de se fragmentar em subespecialidades. Com isso
se demonstra, por contradição, que não é real a suposição da impossibilidade do generalista.
As falácias sobre os médicos generalistas e os especialistas baseiam-se em seis con-
ceitos equivocados: o generalista tem de conhecer todo o campo do conhecimento médico;
em qualquer campo da medicina, o especialista sempre sabe mais que o generalista; ao espe-
cializar-se, a incerteza pode ser eliminada; é apenas por meio da especialização que se pode
atingir a profundidade do conhecimento; à medida que a ciência avança, a carga de informação
aumenta; e o erro em medicina é geralmente causado por falta de informação (MCWHINNEY;
FREEMAN, 2010).
Há de se reconhecer que generalistas e especialistas têm formações e competências
diferentes, especialmente quando os generalistas são médicos de família e comunidade, um
profissional imprescindível à APS.
Quanto à formação, os médicos generalistas devem ser formados e educados em unida-
des de cuidados primários e por educadores com conhecimento e experiência nesse nível de
atenção. Esta seria uma terminalidade a ser garantida pelas escolas médicas na graduação,
acrescida da formação de especialistas em medicina de família e comunidade, especialmente
em residências médicas. Já os médicos especialistas devem ser formados por pós-graduações
com ênfase em centros ambulatoriais e hospitalares especializados, o que, em geral, já ocorre.
As competências dos médicos de família e comunidade e especialistas são diferenciadas.
Os médicos que praticam a APS devem tolerar a ambiguidade porque muitos problemas
não podem ser codificados segundo uma nomenclatura padrão de diagnóstico; devem saber se
relacionar com as pessoas usuárias sem a presença de uma anomalia biológica; e devem ser
capazes de manejar vários problemas ao mesmo tempo, muitas vezes não relacionados com
uma etiologia ou uma patogênese. O médico da APS é orientado para os problemas e formado
para responder às manifestações mais frequentes desses problemas, em um contexto de aten-
ção centrada na pessoa e na família e com orientação comunitária. Ele deve ter competências
para a solução de problemas não diferenciados, competências preventivas, competências te-
rapêuticas e competências de gestão de recursos locais (MCWHINNEY; FREEMAN, 2010). O
papel do médico generalista é ilustrado por um dito espanhol que afirma: “o médico de família
do Rei da Espanha sabe menos cardiologia que um cardiologista, mas é o que mais sabe sobre
o Rei” (GUSSO, 2005).

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 19


Diferentemente, os especialistas geralmente veem uma doença em estágios mais avan-
çados ou após encaminhamento pelos generalistas; como seu treinamento ocorre em pontos
de atenção secundários e terciários, operam com estágios mais diferenciados dos problemas
e tendem a superestimar a probabilidade de ocorrência de enfermidades sérias na população
(STARFIELD, 2002). Os especialistas, ao lidar com maior frequência com determinados proble-
mas, podem produzir serviços de maior qualidade em sua especialidade, em virtude da escala.
Mas não estão tão bem preparados para lidar com sintomas e enfermidades vagos ou com ser-
viços preventivos ou autocuidado, o que significa, por outro lado, perda de qualidade da atenção
à saúde. Embora especialistas usualmente apresentem melhor adesão a diretrizes clínicas vol-
tadas para a atenção a doenças específicas, os desfechos gerais da atenção (especialmente,
mas não exclusivamente, desfechos relatados por pessoas usuárias) não são melhores e, fre-
quentemente, são piores, do que quando o cuidado é provido por médicos generalistas. Estudos
que comprovam a superioridade do cuidado oferecido por especialistas estão mais propensos a
serem metodologicamente frágeis, particularmente em relação a falhas de ajuste para o mix de
casos (STARFIELD, 2007).
Não obstante as diversidades entre médicos generalistas e especialistas, há de se reconhe-
cer que é falso o dilema colocado sobre esses profissionais. Um bom sistema de atenção à saúde
há, sempre, de operar com o trabalho conjunto desses médicos. O que pode ser considerado são
aspectos ligados à dimensão qualitativa e quantitativa dessas relações que devem ser equilibradas.
Do ponto de vista qualitativo impõem-se relações compartilhadas de trabalho entre os es-
pecialistas e generalistas, em virtude das evidências produzidas pelo modelo de atenção crônica
(WAGNER, 1998).
Do ponto de vista quantitativo deve ser buscada uma relação ótima entre médicos de
família e comunidade e especialistas, o que não ocorre no SUS, por falta de oferta de médicos
com formação em saúde da família e comunidade. Esse equilíbrio exigirá o incremento forte da
oferta desses últimos para atuarem na APS.
A utilização excessiva dos médicos especialistas é responsável pela descoordenação da
atenção à saúde. Por exemplo, nos EUA, 25% dos beneficiários do sistema Medicare, um pro-
grama público de atenção às pessoas idosas, que apresentam cinco ou mais condições crô-
nicas, fazem, em média, por ano, 13 consultas médicas a diferentes médicos que geram 50
prescrições diferentes e isso ocorre por causa da falta de coordenação da atenção à saúde por
médicos generalistas (CHRISTENSEN et al., 2009). Além disso, como mostrou uma clássica
pesquisa sobre variações regionais da atenção à saúde nos EUA, feita com beneficiários do pro-
grama Medicare, a presença excessiva de especialistas leva a resultados sanitários e econômi-
cos inferiores (WELCH et al., 1993). A comparação entre regiões de maiores e menores gastos
em saúde mostrou que as de maiores gastos, apesar de ofertarem mais serviços (aproximada-

20
mente 60% a mais que as de menores gastos), apresentavam menor satisfação das pessoas
usuárias em relação a serviços preventivos e o mesmo nível de acesso. O estudo reitera o que
se sabe: há associação entre mais dinheiro e mais serviços, mas não há associação entre mais
serviços e mais saúde. Uma das explicações para esses resultados foi a forte orientação para
especialistas que caracterizavam as regiões de altos gastos.
É fundamental que a relação entre médicos generalistas e especialistas seja coordenada
pelos generalistas.
Há evidências de que a introdução de médicos generalistas gera bons resultados: uma
maior proporção de médicos generalistas diminui as internações hospitalares; reduz o fluxo de
pessoas usuárias para os serviços secundários; diminui a demanda por serviços de urgência e
emergência; reduz os custos da atenção à saúde e produz bons resultados nos níveis de saú-
de da população (SHI, 1994; VOGEL; ACKERMAN, 1998; JARMAN et al., 1999; GULLIFORD,
2002; CAMPBELL et al., 2003; SHI et al., 2003; SHI et al., 2005). Há, também, evidências de
que o acesso regular à APS provida por generalistas, em relação àquela prestada por especia-
listas, leva à redução da mortalidade (WEINBERGER et al., 1996; FRANKS; FISCELLA, 1998;
VILLALBI et al., 1999); à melhoria dos níveis de saúde (O´MALLEY et al., 2005); a um maior
acesso a serviços preventivos e a uma cobertura maior de vacinação (REGAN et al., 2003); à
redução de internações por condições sensíveis à atenção ambulatorial (PARCHMAN; CUL-
LER, 1994); e a melhores resultados pós-cirúrgicos (ROOS, 1979). Uma revisão sistemática en-
controu que a continuidade do cuidado é mais provável de ocorrer com os generalistas que com
os especialistas e está associada com menores taxas de internação e de atenção em unidades
de urgência e emergência e com redução dos custos totais da atenção à saúde (PARCHMAN
et al., 2002).
Do ponto de vista econômico, os médicos generalistas, segundo estudo feito em 14 países
pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), custaram, em
média, em remuneração do trabalho, 50% menos que os especialistas (FUJISAWA; LAFORTU-
NE, 2008). Estudo realizado nos EUA mostrou que, no ano de 2005, o salário médio anual de
um médico de família foi de US$ 161 mil, o de um obstetra de US$ 247 mil, o de um anestesiolo-
gista de US$ 325 mil, o de um urologista de US$ 335 mil, o de um cirurgião ortopedista de US$
396 mil e o de um cirurgião cardíaco de US$ 427 mil (BODENHEIMER; GRUMBACH, 2007).
Há outros trabalhos que evidenciaram os menores custos dos generalistas (GREENFIELD et
al., 1992; DE MAESENEER et al., 2003). Países com maior proporção de médicos generalistas
tendem a apresentar menores gastos sanitários per capita em relação aos países com maiores
proporções de especialistas (STARFIELD, 2002).
A explicação dos maiores gastos com especialistas está na propensão desses médicos
em aumentar o volume dos procedimentos realizados (MEDICARE PAYMENT ADVISORY

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 21


COMMISSION, 2005). Mesmo quando o valor pago pelos procedimentos foi reduzido, tal como
ocorreu no programa Medicare, nos EUA, os especialistas compensaram essa redução pelo
incremento do volume de procedimentos (MEDICARE PAYMENT ADVISORY COMMISSION,
2005). No período de 1988 a 2002, enquanto o volume de procedimentos feitos por médicos
generalistas, por beneficiário/ano, cresceu 2,6%, o volume de procedimentos ofertados por car-
diologistas e dermatologistas aumentou 5,9%. Outros estudos mostraram que os especialistas
incrementaram sua produtividade, fazendo mais procedimentos por hora de trabalho; ao con-
trário, dada a natureza e a pressão da agenda dos médicos de APS, não é possível aumentar
a produtividade desses profissionais sem prejudicar a qualidade e diminuir a satisfação das
pessoas usuárias. Pode-se concluir que há uma associação forte entre o aumento do volume e
o aumento da renda dos especialistas, sugerindo que os aumentos em volume são mais signifi-
cativos que os aumentos nos valores dos procedimentos para determinar o crescimento da ren-
da dos médicos especialistas (BODENHEIMER; GRUMBACH, 2007). Mais uma manifestação
do princípio da indução da demanda pela oferta tão presente nos sistemas de atenção à saúde.
Do ponto de vista de outro objetivo dos sistemas de atenção à saúde, a equidade, cons-
tatou-se que médicos generalistas contribuem para a redução das iniquidades em saúde, o que
não acontece com os especialistas (STARFIELD, 2006).
Os médicos de APS variam segundo países: nos EUA, diferentes profissionais – internis-
tas especializados, internistas generalistas, médicos de família, obstetras e pediatras – estão
presentes na prestação de cuidados primários, mas, na Europa Ocidental e no Canadá, predo-
minam os médicos de família e os clínicos gerais.
Pesquisa feita nos EUA, comparando a APS prestada por internistas e médicos de família/
generalistas, mostrou que os internistas gastaram mais tempo com as pessoas usuárias; pedi-
ram mais exames laboratoriais (73% das consultas contra 34% dos médicos de família/gene-
ralistas); solicitaram mais radiografias (53% das consultas contra 19% dos médicos de família/
generalistas); por outro lado, os internistas tiveram maior probabilidade de oferecer orientações
referentes a problemas de saúde (17,8% dos internistas contra 12,4% dos médicos de família/
generalistas). Essa mesma pesquisa, comparando os pediatras e os médicos de família/ge-
neralistas, concluiu que os pediatras pediram mais exames laboratoriais, mas prescreveram
menos medicamentos para certas categorias de doenças (NOREN et al., 1980). Outra pesquisa
demonstrou que os pediatras realizaram mais testes diagnósticos, deram mais orientação para
o crescimento e desenvolvimento e realizaram mais imunizações, enquanto os médicos de fa-
mília orientaram mais sobre os problemas familiares, deram mais orientação sobre sexualidade
e apresentaram maior probabilidade de oferecer uma variedade mais ampla de serviços, espe-
cialmente em cirurgias menores. Essa pesquisa comparou, também, o trabalho dos médicos de
família e dos internistas generalistas, o que revelou que os internistas pediram duas vezes mais

22
exames de sangue, radiografias torácicas e eletrocardiogramas, gastaram mais tempo com as
pessoas, encaminharam mais a especialistas, internaram mais e o custo médio da consulta foi
duas vezes maior para os internistas (FERRIS et al., 1998; STARFIELD, 2002). Outro estudo
comparativo de médicos de família e internistas generalistas indicou que as pessoas atendidas
pelos médicos de família gastaram menos com medicamentos e fizeram menos consultas com
dermatologistas e psiquiatras, mas se utilizaram mais de consultas de urgência e emergência;
as taxas de hospitalização, de consultas ambulatoriais e os gastos com exames de laboratório
e radiológicos foram iguais para os dois tipos de médicos (STARFIELD, 2002). Em termos de
satisfação das pessoas usuárias, ela foi maior entre os que utilizaram os médicos de família em
relação aos que utilizaram internistas generalistas ou pediatras (OSTBYE et al., 2005). Uma
pesquisa verificou que maior oferta de médicos de APS está associada com menores taxas de
mortalidade, mas, ao desagregar os tipos de médicos, constatou que essa redução se deu com
os médicos de família, mas não com os internistas generalistas, nem com os pediatras (SHI et
al., 2003).
No que diz respeito às proporções entre especialistas e generalistas, estudos realizados
em áreas com presença maior de especialistas que de generalistas mostraram piores resulta-
dos: maiores taxas de consultas médicas desvinculadas das necessidades de saúde; os espe-
cialistas podem tratar exageradamente as pessoas de maneira superficial; e há maior frequência
de exames complementares falso-positivos (ENGEL et al., 1989; STARFIELD, 2005a). Os testes
falso-positivos apresentaram a probabilidade de levar a diagnósticos de doenças que não exis-
tem e, por consequência, a novos testes e a tratamentos desnecessários; a probabilidade da
acurácia de resultados positivos dos testes diagnósticos variou com o lugar em que é feito: é de
1:50 na APS e de 1:3 na atenção especializada (STARFIELD, 2005b); os médicos de APS estão
em melhores condições de evitar erros de diagnósticos porque conhecem melhor as pessoas
que atendem e as acompanham longitudinalmente, por longos períodos de tempo (STARFIELD,
2005b). Estudo mostrou que há uma associação entre maiores proporções de especialistas e
taxas de mortalidade mais altas. Em geral, os especialistas solicitam mais exames complemen-
tares porque são treinados em pontos de atenção secundários e terciários nos quais as pessoas
apresentam maior possibilidade de ter uma doença. Estudo feito no programa Medicare, nos
EUA, mostrou que as regiões com mais alta concentração de especialistas apresentaram gastos
maiores em saúde e propiciaram uma atenção menos efetiva e de menor qualidade (BAICKER;
CHANDRA, 2004).
Tem sido sugerido que a excessiva utilização da atenção especializada em relação à APS
nos EUA é uma das causas de o país, apesar de ter o maior gasto per capita em saúde no
mundo, apresentar níveis de saúde inferiores aos de países desenvolvidos que gastam muito
menos. Sabe-se, também, que, quanto maior a oferta de especialistas, maiores as taxas de

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 23


consultas aos especialistas, em virtude do princípio da indução da demanda pela oferta. Além
disso, sabe-se que a utilização dos especialistas fora de sua área de atuação principal produz
resultados piores que os médicos generalistas. Pode-se afirmar que os médicos de APS lidam
tão bem quanto os especialistas no cuidado das doenças específicas mais comuns e têm melhor
desempenho quando as medidas de qualidade são mais genéricas (STARFIELD, 2005b).
Há estudos que comparam a atenção às gestantes prestada por obstetras e médicos de
família. Um deles não encontrou diferenças nos riscos biológicos para as gestantes, mas con-
cluiu que aquelas cuidadas por médicos de família tiveram uma incidência significativamente
menor de cesarianas, de uso de fórceps, de diagnósticos de desproporção cefalopélvica e de
nascimentos prematuros (DEUTCHMAN et al., 1995). Outro estudo observou que as mulheres
atendidas por médicos de família, em relação àquelas atendidas por obstetras, apresentaram
menor probabilidade de receber anestesia peridural durante o trabalho de parto ou uma episio-
tomia e apresentaram taxas menores de cesarianas (HUETSON et al., 1995).
As proporções entre médicos generalistas e especialistas variam fortemente, mesmo em
países que adotaram os generalistas na APS: no Reino Unido: 60% de generalistas e 40% de
especialistas; em Portugal: 30% de generalistas e 70% de especialistas; na Espanha, 37% de
generalistas e 63% de especialistas; e nos EUA, 1/3 de generalistas e 2/3 de especialistas
(GUSSO, 2005; STARFIELD, 2005b). Com relação ao percentual de pessoas atendidas por
especialistas, há variação por países: 60% a 80% da população nos EUA, 31% da população
em Ontário, Canadá; 30% da população na Espanha e 15% das pessoas abaixo de 65 anos no
Reino Unido (GUSSO, 2005).
A análise de todas essas evidências permite supor que um bom sistema de atenção à
saúde, estruturado na perspectiva das RAS, deve buscar uma otimização das relações entre
os médicos especialistas e os médicos generalistas, tanto do ponto de vista quantitativo quan-
to qualitativo.
É oportuno que as evidências sobre médicos generalistas e especialistas sejam refletidas
na realidade do SUS. Algumas críticas realizadas de forma desinformada e sem base em evi-
dências tentam impingir à APS a pecha de uma solução simplista e obsoleta, sacralizada ideoló-
gica e corporativamente, e que se expande politicamente, sem ter a sua estratégia radicalmente
reformulada. E a reformulação radical proposta consiste em substituir o médico de família e
comunidade pela presença permanente, nas unidades de APS, de pediatras, clínicos gerais e
obstetras (PINOTTI, 2008).
Várias pesquisas realizadas no SUS, em diferentes partes do país, mostraram que a forma
de organizar a APS com base no Programa de Saúde da Família (PSF) superou os modelos
convencionais em todos os atributos dos cuidados primários; em nenhuma delas, observou-se
a predominância dos modelos convencionais sobre o PSF (HARZHEIM, 2004; MACINKO et al.,

24
2004; ELIAS et al., 2006; FACCHINIO et al., 2006; IBAÑEZ et al., 2006; STRALEN et al., 2008;
CHOMATAS, 2009).
Como se viu anteriormente, não existe evidência de que o uso desses especialistas na
APS produza melhores resultados sanitários do que a utilização dos médicos de família e co-
munidade. Além disso, essa alternativa seria inviável por causa da restrição da oferta desses
especialistas e pelo alto custo que essa proposta importaria.
Portanto, a solução médica para o SUS está em radicalizar a introdução dos médicos de
família e comunidade na APS, formando-os melhor, focando a graduação nos cuidados primá-
rios, expandindo as residências em medicina de família e comunidade e garantindo programas
de educação permanente efetivos, além de oferecer salários dignos e relações de trabalho de-
centes que garantam um mínimo de segurança aos médicos que optam por dedicar-se a um
novo modo de fazer medicina que lhes exige dedicação integral (MENDES, 2012).

3. O PROBLEMA: A ATENÇÃO AMBULATORIAL ESPECIALIZADA NOS


SISTEMAS FRAGMENTADOS DE SAÚDE OU A ORGANIZAÇÃO EM SI-
LOS (MODELO SILOS)
As evidências indicam que é fundamental operar, nas RAS, com relações produtivas entre
os generalistas e os especialistas para se obterem os melhores resultados sanitários. Isso é
fundamental para garantir o cuidado adequado das condições crônicas.
Contudo, nos sistemas fragmentados vigentes, essas relações dificilmente são constru-
ídas e desenvolvidas de forma consistente e coordenada. Como produto da fragmentação, a
AAE é desenvolvida como um ponto de atenção isolado e com baixo grau de comunicação com
outros pontos de atenção, especialmente com a APS. É o que se denomina de uma organização
em silos ou modelo SILOS.
Em geral, não há comunicação entre os generalistas e os especialistas, o que implica
baixa agregação de valor para as pessoas usuárias e insatisfação de profissionais e dessas
pessoas. É o que se relata no Box 1.

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 25


Box 1. O caso da Sra. G.

A Sra. G. é uma mulher de 58 anos de idade, já avó, com história há 15 anos de diabetes
tipo 2, complicada por hipertensão arterial e episódios recorrentes de depressão. Ela tem um ín-
dice de massa corporal de 37 e luta para fazer o controle de peso, desde jovem. Numa consulta
recente ao seu médico de família, queixou-se de fadiga e tristeza. No exame clínico, verificou-se
que ela estava com a hemoglobina glicada de 9,7%, com pressão arterial 190/106 e com sin-
tomas de depressão maior, apesar de estar tomando medicação antidepressiva. O médico de
família postergou o ajuste das medicações hipoglicemiante e anti-hipertensiva até que a depres-
são estivesse controlada e encaminhou-a ao ambulatório especializado de saúde mental para
revisão da depressão. A Sra. G. teve muita dificuldade em agendar uma consulta no ambulatório
de saúde mental. Depois de muito tempo, conseguiu uma consulta com um psiquiatra que nun-
ca tinha visto antes e que não conhecia seu médico de família. No dia da consulta psiquiátrica,
sua pressão arterial estava em 220/124 e ela se queixava de dor de cabeça e fadiga. O psiquia-
tra alarmou-se com sua pressão arterial e a referiu a um cardiologista que, também, ela não
conhecia. O cardiologista disse-lhe que sua medicação anti-hipertensiva era inadequada e que
ela necessitava de uma medicação mais poderosa. Receitou, então, dois novos medicamentos
anti-hipertensivos, mas nada lhe informou sobre o que fazer com os medicamentos que ela es-
tava tomando e qual médico ela deveria consultar em caso de algum problema.
Uma semana depois, a Sra. G. teve uma síncope, foi chamada a ambulância e ela foi in-
ternada num hospital. Constatou-se que ela tinha um déficit neurológico e fez-se o diagnóstico
de um acidente vascular encefálico (AVE). Com o ajuste da medicação no hospital, a pressão
arterial estabilizou-se e ela teve alta para ir para a casa, com a recomendação de que deveria
procurar o ambulatório de saúde mental porque sua depressão havia piorado. Em casa, ficou
mais deprimida e disfuncional, não tendo energia para solicitar atendimento no ambulatório de
saúde mental. Deixou de tomar a medicação e três semanas depois teve novo AVE grave.
A irmã da Sra. G. procurou o médico de família para orientação. Ele ficou consternado com
o ocorrido e disse que nada sabia do que havia acontecido com aquela senhora após a última
consulta. Ela ficou totalmente decepcionada com o tipo de cuidado que sua irmã recebeu da-
queles profissionais.

FONTE: ADAPTADO DE THE COMMONWEALTH FUND (S.D.).

O caso da Sra. G. revela uma forma de relação entre a APS e a AAE muitas vezes defi-
nida como relação em silos (THE COMMONWEALTH FUND, s.d.). É a forma mais encontrada
nos sistemas fragmentados de atenção à saúde e significa que não há coordenação do cuidado
às pessoas usuárias.

26
Esse caso ilustra a ausência de coordenação entre a APS e a AAE, característica da
atenção em silos, que teve efeitos devastadores para aquela senhora e para sua família. As ra-
zões da descoordenação estão sempre ancoradas nos problemas dos sistemas fragmentados
de atenção à saúde (MENDES, 2011). Ao lerem o caso da Sra. G., muitos hão de identificar
situações que são frequentes no SUS.
As relações descoordenadas ou com baixo grau de coordenação entre a APS e a AAE
trazem muita insatisfação às pessoas usuárias e suas famílias e aos profissionais de saúde.
Estudos realizados mostraram que 47% das pessoas entrevistadas reportaram estarem insatis-
feitas com a atenção especializada recebida; 63% dos médicos generalistas e 35% dos médicos
especialistas estavam muito insatisfeitos com a atenção prestada; e 68% dos médicos especia-
listas relataram não receberem as informações adequadas ou receberem referências inadequa-
das de parte dos generalistas. De sua parte, os generalistas reclamaram que não recebiam, de
volta, as informações dos especialistas e que não eram notificados quando as pessoas sob sua
responsabilidade eram atendidas nas unidades de urgência ou de especialidades ou eram in-
ternadas em hospitais (CUMINNS et al., 1980; GANDHI et al., 2000). Uma pesquisa entrevistou
4.720 médicos generalistas e especialistas, nos EUA, e verificou que 69,3% dos médicos gene-
ralistas relataram encaminhar as pessoas usuárias “sempre” ou “na maior parte das vezes” com
a história clínica e a razão da referência, mas somente 34,8% dos especialistas disseram que
“sempre” ou “na maior parte das vezes”, receberam esses relatórios (MCDONALD et al., 2010).
No SUS, nas relações entre a APS e a AAE, diferentes situações se manifestam: o gene-
ralista não conhece o especialista a quem refere a pessoa usuária e o especialista não conhece
o generalista a quem a contrarrefere (quando o faz); o generalista e o especialista nunca parti-
lharam atividades clínicas ou educacionais; o especialista não tem as informações adequadas
do generalista ao receber a pessoa encaminhada; o generalista não recebe as orientações do
especialista ao ter de volta a pessoa; a pessoa se queixa de que o especialista parecia não sa-
ber porque ela estava ali com ele; o especialista não resolve o problema para o qual o generalis-
ta encaminhou; o especialista se apossa definitivamente da pessoa na atenção especializada; o
especialista repete exames que já haviam sido feitos na APS; uma mesma pessoa adstrita a uma
equipe da APS é encaminhada por uma central de regulação, a diferentes especialistas de uma
mesma especialidade, em tempos diferentes, com o critério de onde tem vaga; o especialista
recebe pessoas que não deveriam ser referidas a ele; o especialista se queixa que o médico de
família encaminha errado porque tem poucos conhecimentos; as relações entre os generalistas
e os especialistas são impessoais e de desconfiança mútua; as relações entre os generalistas
e os especialistas estruturam-se muitas vezes em visões fantasiosas e míticas de cada qual em
relação ao outro; a consulta com especialista demora muito tempo para ser realizada, sendo fon-
te de insatisfação da população; as pessoas se sentem abandonadas quando chegam à unidade

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 27


de AAE por falta de apoio na transição; e a atenção especializada é concentrada no médico, sem
participação protagônica de outros profissionais de uma equipe multiprofissional com atuação
interdisciplinar. Tudo isso contribui para que haja pouca agregação de valor para as pessoas que
necessitam de cuidados especializados ambulatoriais, mesmo quando os recebem.
Essas situações têm várias causas, com o pano de fundo na fragmentação do sistema
de atenção à saúde: a APS não está estruturada para dar conta da coordenação da relação com
a AAE; os generalistas e os especialistas atuam em silos que não se comunicam; a APS não re-
gula a AAE, o que é feito por centrais de regulação impessoais e burocráticas; não há, em geral,
diretrizes clínicas baseadas em evidências que definam as situações em que as pessoas devem
ser encaminhadas aos especialistas; não há, em geral, diretrizes clínicas baseadas em evidên-
cias que orientem as intervenções dos especialistas; não há estratificação de riscos na APS que
permita os encaminhamentos de pessoas que efetivamente se beneficiam da AAE, segundo as
evidências produzidas pelo MPR; as centrais de regulação trabalham com as agendas livres, o
que faz que uma mesma pessoa possa ser referida, em tempos diferentes, a diversos especia-
listas de uma mesma especialidade, para um mesmo problema; as relações entre os médicos
de família e os especialistas são impessoais, não se permitindo o trabalho clínico conjunto; a
AAE é fortemente concentrada na consulta médica; em geral, não há sistema de referência e
contrarreferência estruturado com base em prontuários clínicos eletrônicos; em geral, os relató-
rios de referência e contrarreferência não são feitos sob a forma de planos de cuidados; não há
apoio efetivo das pessoas nos momentos da transição; e não há vinculação entre os médicos de
família e os especialistas, o que significa a inexistência da territorialização da AAE.
Nos sistemas de atenção à saúde, deve haver equilíbrio entre a estrutura da demanda e
a estrutura da oferta. Quando esse equilíbrio se rompe, o sistema torna-se de baixa efetividade.
Uma das razões determinantes dos problemas que se apresentam no modelo SILOS de
AAE constitui o desequilíbrio entre a complexa estrutura da demanda e a reduzida estrutura da
oferta, conforme se vê no Quadro 1.

Quadro 1. As relações entre a estrutura da demanda e da oferta


no modelo SILOS de Atenção Ambulatorial Especializada

ESTRUTURA DA DEMANDA ESTRUTURA DA OFERTA


Por condições crônicas não agudizadas Consulta médica.
altamente complexas. Eventuais atendimentos por outros profissionais.
Por condições crônicas não agudizadas Dispensação de medicamentos.
complexas.
Solicitação e/ou oferta de exames.
FONTE: MENDES (2012).

28
A demanda da AAE envolve a procura por serviços especializados relativos às condições
crônicas não agudizadas altamente complexas e por condições crônicas não agudizadas com-
plexas, definidas no processo de estratificação de risco.
Para responder a essa complexa estrutura de demanda, em geral, a AAE estruturada pelo
modelo SILOS oferta reduzida carteira de serviços composta principalmente de consultas médi-
cas, de eventuais atendimentos por outros profissionais, trabalhando sem interdisciplinaridade, de
dispensação de medicamentos e de solicitação e/ou realização de exames complementares.
Essa limitada estrutura de oferta não é suficiente para responder, com efetividade e efi-
ciência, à complexidade da demanda referida à AAE.
Essa forma de estruturação em silos das relações entre APS e AAE está na base dos
problemas da Sra. G, apontados no Box 1, e das evidências de fracasso desse modelo, explici-
tadas anteriormente.

4. UMA PROPOSTA DE SOLUÇÃO: A ATENÇÃO AMBULATORIAL ESPE-


CIALIZADA INTEGRADA EM REDES COORDENADAS PELA ATENÇÃO
PRIMÁRIA À SAÚDE OU A ORGANIZAÇÃO COMO PONTO DE ATEN-
ÇÃO SECUNDÁRIA AMBULATORIAL (MODELO PASA)
Os problemas que decorrem da organização em silos da AAE exigem resposta que implica
mudanças profundas que levem à sua integração em RAS coordenadas pela APS. Isso significa
instituir novo modelo organizativo da AAE que se denomina de organização em redes ou modelo
PASA e que se sustenta em dois pilares fundamentais: a coordenação do cuidado entre a AAE
e a APS e a construção da AAE como ponto de atenção secundária ambulatorial de uma RAS
coordenada pela APS.
Na prática social, estabelecem-se diferentes formas de relação entre a APS e a AAE, sen-
do as mais comuns a relação de referência e contrarreferência, a relação de visitas periódicas
e de trabalho conjunto de especialistas a generalistas (BODENHEIMER et al., 2002), a relação
mediada por gestor de caso (FRIEDMAN et al. 1998) e a relação da coordenação do cuidado
(KATON et al., 1995). Mais que formas distintas de relações, elas refletem, na realidade, dife-
rentes gradações da coordenação do cuidado entre a APS e a AAE que se move de uma total
ausência de coordenação (modelo SILOS) para forte coordenação (modelo PASA).
A forma mais efetiva e eficiente de relação entre a APS e a AAE, essência do modelo
PASA, consiste na coordenação do cuidado em que a tarefa do cuidado é responsabilidade
solidária de generalistas e de especialistas, sob coordenação da atenção primária. A forma

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 29


da referência e contrarreferência, a mais conhecida no SUS, é uma condição necessária,
mas não suficiente para a coordenação do cuidado, já que não envolve, necessariamente,
o apoio nos momentos de transição, as visitas periódicas e o trabalho conjunto entre espe-
cialistas e generalistas e a intermediação por gestores de caso. Todos esses elementos são
incorporados no modelo PASA que se diferencia, radicalmente, do modelo em silos, mas que
agrega, como partes suas, a referência e a contrarreferência, as visitas periódicas de espe-
cialistas a generalistas, o trabalho conjunto e a intermediação de gestor de caso em certas
circunstâncias.
A coordenação do cuidado é definida como a organização deliberada do cuidado entre
dois ou mais participantes envolvidos na atenção às pessoas para facilitar a prestação de ser-
viços de saúde eficientes, efetivos e de qualidade (THE COMMONWEALTH FUND, s.d.). A
coordenação do cuidado faz-se em diferentes dimensões, mas, nessa perspectiva, se foca na
dimensão da relação entre a APS e a AAE.
A coordenação do cuidado engloba um conjunto de atividades que têm importância para
atingir o cuidado coordenado, o que tem sido indicado como domínios da coordenação do cui-
dado. Esses domínios são estabelecidos em duas grandes categorias: a coordenação das ativi-
dades e os enfoques gerais (THE COMMONWEALTH FUND, s.d.).
Os domínios de coordenação das atividades são: estabelecer e negociar responsabilida-
des; garantir a comunicação interpessoal e de transferência de informações; facilitar a transição
por meio de transferência de responsabilidades e de informações entre a APS e a AAE; avaliar
as necessidades e metas, determinando as necessidades das pessoas usuárias em termos de
cuidado e de coordenação da atenção; elaborar planos de cuidados proativos feitos de forma
cooperativa pelas pessoas, suas famílias e equipe de saúde e definindo metas de saúde e de
coordenação a serem atingidas; monitorar o plano de cuidado feito sobre resultados sanitários e
de coordenação; apoiar o autocuidado das pessoas usuárias; estabelecer relações com a comu-
nidade para facilitar o alcance das metas definidas nos planos de cuidado; e alinhar os recursos
organizacionais com as necessidades das pessoas usuárias e de suas famílias.
Os domínios dos enfoques gerais são: equipes de saúde focadas na coordenação do
cuidado das pessoas usuárias; equipes de saúde capacitadas a prestar atenção centrada nas
pessoas e nas famílias, ou seja, constitui a necessidade das pessoas usuárias que organiza a
coordenação do cuidado, com um papel central de uma APS capaz de exercitar os seus princí-
pios e funções clássicos; a gestão do cuidado por meio de tecnologias de gestão da clínica; a
gestão de medicamentos; e a coordenação dos sistemas de informação clínica eletrônicos.
Com base nesses domínios, foram elaborados sistemas de avaliação da coordenação
do cuidado com diferentes questionários de avaliação, validados cientificamente, que têm sido
utilizados em relação a cada um dos domínios (MCDONALD et al., 2010).

30
A coordenação do cuidado pode ser analisada em diferentes perspectivas: a perspectiva
das pessoas usuárias e de suas famílias, a perspectiva dos profissionais de saúde e a perspec-
tiva do sistema de atenção à saúde (MCDONALD et al., 2010).
Na perspectiva das pessoas usuárias e de suas famílias, a coordenação do cuidado cons-
titui qualquer atividade que ajuda assegurar que as necessidades e as preferências dessas
pessoas por serviços de saúde e o compartilhamento de informações entre profissionais, pes-
soas e locais de atendimento sejam realizados de forma oportuna. As falhas na coordenação do
cuidado ocorrem, em geral, na transição de uma unidade de saúde para outra, no caso entre a
APS e a unidade de AAE, e manifestam-se por problemas de responsabilização e de quebra do
fluxo de informações.
Na perspectiva dos profissionais de saúde, há de se considerar que a coordenação do
cuidado consiste em uma atividade centrada nas pessoas e nas famílias, destinada a atender
às necessidades dessas pessoas, apoiando-as a se moverem, de modo eficiente e efetivo, por
meio do sistema de atenção à saúde. Isso implica a coordenação clínica que envolve determinar
a quem e onde referir as pessoas usuárias, que informações são necessárias transferir na re-
ferência e na contrarreferência e que responsabilidades são imputadas aos diversos membros
das equipes de saúde. Além disso, há uma coordenação logística que envolve sistemas de
apoio e de informação, de transportes e, até mesmo, sistemas financeiros (ANTONELLI et al.,
2009). As falhas na coordenação do cuidado na perspectiva dos profissionais surgem quando
as pessoas são referidas a um profissional não adequado ou a uma unidade de saúde errada
ou quando se atingem resultados ruins em virtude de um mau manejo clínico ou de fluxos de
informações inadequados.
Na perspectiva do sistema de atenção à saúde, a coordenação do cuidado tem como
objetivo integrar recursos humanos, materiais e informações necessários para dar suporte às
atividades dentro e entre os diferentes pontos de atenção à saúde, sistemas de apoio e sistemas
logísticos. As falhas na coordenação do cuidado na perspectiva do sistema de atenção à saúde
manifestam-se em serviços inefetivos e ineficientes que resultam de problemas clínicos resul-
tantes da fragmentação da atenção à saúde (MCDONALD et al., 2007).
A relação entre a APS e a AAE, no modelo PASA, tem dois elementos centrais. Um, o fluxo
das pessoas entre a APS e a AAE; outro, o apoio nos pontos de transição. É preciso ter claro
que os momentos de transição geram muita insegurança para as pessoas e são áreas críticas
para a segurança da atenção à saúde. As transições ocorrem quando as informações ou as
responsabilidades sobre as pessoas usuárias são transferidas entre duas ou mais unidades de
saúde, no caso, entre a unidade da APS e a unidade da AAE, ou ainda, quando é mantida, por
um bom tempo, por uma unidade de saúde. Um bom sistema de apoio à transição baseia-se
na transferência conjunta de informações e responsabilidades e, por isso, há dois tipos de tran-

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 31


sição: a transição entre unidades de saúde e a transição temporal (MCDONALD et al., 2010).
A transição entre unidades de saúde é feita transferindo-se informações e responsabilidades
intraunidade, por exemplo, entre diferentes profissionais de uma equipe, ou interunidades, por
exemplo, entre a APS e a unidade de AAE. A transição temporal é feita transferindo-se informa-
ções e responsabilidades entre episódios de cuidados, por exemplo, consulta inicial e consultas
de monitoramento, ou por ciclos de vida, crianças para pediatras, pessoas idosas para geriatras
etc. No caso, o ponto de transição mais importante a ser considerado consiste na transferência
de informações e responsabilidades entre a APS e a AAE.
A relação entre a Estratégia Saúde da Família (ESF) e a AAE, no modelo PASA, deve ter
alta qualidade, o que significa atingir os seguintes objetivos (INSTITUTE OF MEDICINE, 2001):
ser segura: planejada para evitar danos às pessoas; efetiva: baseada em diretrizes clínicas ba-
seadas em evidências; pronta: as pessoas recebem a AAE em tempo oportuno; centrada nas
pessoas: as pessoas recebem a atenção adequada às suas necessidades; eficiente: limitada a
referências necessárias segundo os riscos e evitando a duplicação de serviços; equitativa: in-
dependentemente das características sanitárias, econômicas ou sociais das pessoas; e coorde-
nada: os generalistas da APS e os especialistas da AAE se conhecem, sabem as necessidades
das pessoas e atuam conjuntamente, por meio de um plano de cuidado compartilhado, sob a
coordenação da APS.
Para que a relação entre a APS e a AAE seja de alta qualidade, ela deve garantir fluxos
e transição balizados por esses objetivos. Um dos modelos desenvolvidos para atingir esses
objetivos consiste no modelo da coordenação do cuidado, proposto pelo Tem Mac Coll Instituto
for Healthcare Innovation, o mesmo grupo que desenvolveu o CCM (THE COMMONWEALTH
FUND, s.d.). O modelo PASA convoca para si o modelo de organização do cuidado para estrutu-
rar a inserção da AAE nas RAS e para instituir novas relações com os outros pontos de atenção
à saúde, especialmente com a APS.
O modelo da coordenação do cuidado é proposto na perspectiva da APS. Ele considera
os pontos de atenção especializada e suas relações com a APS e sumariza os elementos que
contribuem para o alcance de fluxos de referência e transição de alta qualidade. São quatro os
elementos do modelo: assegurar a responsabilização (accountability); prover apoio à pessoa
usuária; desenvolver relações e acordos entre a APS e a AAE; e desenvolver conectividade pela
via de sistemas de informação clínica, preferivelmente eletrônicos, que propiciem informações
oportunas e efetivas entre a ESF e a AAE. Esses elementos, quando aplicados, permitem que
os prestadores recebam as informações de que necessitam em tempo oportuno, que os profis-
sionais saibam a situação de referência e transição das pessoas sob sua responsabilidade e que
as pessoas usuárias sintam que recebem atenção coordenada.
O modelo da coordenação do cuidado está representado na Figura 3.

32
Figura 3. O modelo da coordenação do cuidado

ESF
RESPONSABILIZAÇÃO
APOIO À PESSOA USUÁRIA

REFERÊNCIA E
RELAÇÕES E ACORDOS
TRANSIÇÃO DE
ALTA QUALIDADE
CONECTIVIDADE

AAE

ESF: ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA


FONTE: ADAPTADO DE THE COMMONWEALTH FUND (S.D.).

A descrição do modelo da coordenação do cuidado que se faz é uma adaptação da pro-


posta original a situações estabelecidas pela proposta de RAS e à realidade do SUS.
A responsabilização pela coordenação do cuidado, nesse modelo e na perspectiva das
RAS, é uma função da APS. É a equipe da APS que deve, com base nas orientações contidas
nas diretrizes clínicas, considerando a estratificação de riscos das condições crônicas, definir
que pessoas se beneficiam da AAE e referi-las. Para tal, é necessário que a APS desenvolva
infraestrutura, relações e processos que tornem possíveis referências e transições de qualidade.
Isso implica que os profissionais de saúde envolvidos no processo se conheçam e conheçam as
expectativas de cada qual e que a unidade da APS tenha pessoal preparado e infraestrutura de
informação adequada.
A existência de prontuários clínicos, preferivelmente eletrônicos, que interliguem a APS
e a AAE, é fundamental. A existência de um instrumento de referência padronizado, com dados
da pessoa e de sua história clínica, é imprescindível. A responsabilização pela transição é da

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 33


unidade de AAE que deve apoiar as pessoas que estejam sendo ali atendidas e que tem de
se comunicar com a APS sobre o que está sendo feito. Um relatório padronizado de contrar-
referência é importante para garantir a boa comunicação. A APS deve ser preparada para dar
conta de exercitar a coordenação do cuidado. Isso envolve a introdução ou mudança de muitos
processos como a estratificação de riscos das condições crônicas, a vinculação das pessoas
usuárias aos especialistas, a definição de critérios de referência e contrarreferência, a monta-
gem do prontuário clínico eletrônico ou em papel e outros. Para isso, a equipe da APS deve ser
capacitada por processos de educação permanente. O sistema deve ser programado por meio
de indicadores de qualidade do cuidado coordenado, por exemplo, garantir que 100% das pes-
soas enviadas de volta pelos especialistas tenham relatório de contrarreferência feito segundo o
sistema padronizado de plano de cuidado multiprofissional interdisciplinar. Há padrões de qua-
lidade para a coordenação do cuidado como os definidos pelo National Committee for Quality
Assurance (NCQA PATIENT-CENTERED MEDICAL HOME, 2011).
O apoio às pessoas usuárias existe por causa dos desafios que a referência e a transi-
ção determinam nas pessoas e nas famílias. Há questões que necessitam ser respondidas, há
agendamentos que precisam ser feitos e há ansiedades e problemas logísticos que carecem de
ser manejados. Por isso, sugere-se que haja, nas unidades da APS, profissionais da equipe que
se encarreguem do apoio às pessoas que necessitam de AAE. Essa não é uma função clínica
e pode ser exercida por um coordenador do cuidado que tem as seguintes funções: identificar e
ajudar a resolver barreiras logísticas à AAE; ajudar a fazer agendamentos oportunos; assegurar
a transferência das informações das pessoas para os especialistas; e monitorar a atenção e
apoiar as pessoas que apresentam dificuldades. Ainda que algumas equipes da APS tenham
dividido entre os profissionais as tarefas da coordenação do cuidado, outras optam por ter um
profissional específico encarregado de dar conta dos aspectos logísticos e de suporte associa-
dos com a referência, a contrarreferência e a transição do cuidado.
As relações e os acordos devem estar bem estabelecidos entre a APS e a AAE. As referên-
cias e as transições funcionam melhor se os generalistas, os especialistas e as pessoas usuárias
concordam com os propósitos da referência e se os papéis de cada profissional estão bem esta-
belecidos. Bons acordos derivam de certas relações entre os generalistas e os especialistas que
envolvem: assumir que todos os profissionais têm interesse em prover atenção de qualidade às
pessoas, estabelecer objetivos comuns e trabalhar cooperativamente neles e evitar confrontação.
As expectativas dos generalistas e dos especialistas devem ser orientadas pela definição de que
pessoas devem ser referidas, pelas informações que devem ser providas aos especialistas antes
do atendimento (plano de cuidado da APS), pelas informações que os generalistas desejam na
contrarreferência estruturadas em planos de cuidados multiprofissionais interdisciplinares e pelos
papéis dos generalistas e dos especialistas depois do atendimento especializado.

34
As informações essenciais de um plano de cuidado de referência são: nome da pessoa,
data de nascimento, informação de contato, nome do especialista e informação de contato,
razão da referência, breve descrição do problema, resultados de exames mais recentes, tra-
tamentos recomendados, sua duração e situação, perguntas de interesse do profissional que
refere, diagnósticos primário ou secundário, plano de autocuidado desenvolvido com a pessoa
(BERTA et al., 2009).
Ao longo do tempo, conforme os cuidados vão se coordenando, as relações entre os
generalistas e os especialistas deixam de ser de impessoalidade, desconfiança e de distância
para transformarem-se em parcerias e inter-relações próximas (PHAM et al., 2009). Essa aproxi-
mação vai se dando gradativamente e se aprofundando em diálogos que envolvem: a definição
conjunta de critérios para planos de cuidado de referência e contrarreferência; os acordos sobre
os exames complementares de forma a reduzir duplicações; e a discussão aberta sobre pontos
de conflito (por exemplo, os especialistas assumem as pessoas usuárias quando os generalistas
solicitaram uma interconsulta ou os especialistas referem as pessoas usuárias a outros espe-
cialista sem consultarem os generalistas). Em uma fase avançada da coordenação do cuidado,
os generalistas e os especialistas se conhecem pessoalmente, fazem atendimentos conjuntos,
compartilham planos de cuidado e discutem casos clínicos relativos a pessoas que foram refe-
ridas à AAE. Os especialistas devem se envolver em atividades educacionais de generalistas e
na teleassistência, com ações de atendimento à distância e de segunda opinião.
Para que a coordenação do cuidado alcance o patamar desejado do cuidado comparti-
lhado, há de se partilharem os planos de cuidados e discuti-los em algumas circunstâncias. A
função do plano de cuidado compartilhado consiste em garantir que os profissionais da APS e
da AAE estejam buscando os mesmos objetivos (CURRY; HAM, 2010).
Tudo isso pressupõe que as referências e as contrarreferências não sejam burocráticas
e impessoais, mas que sejam feitas entre pessoas que se conhecem e trabalham juntas em
algumas ocasiões. O sistema de regulação feito no SUS, por centrais de regulação, além de
retirar da APS a coordenação da atenção à saúde dos eventos eletivos (condições crônicas não
agudizadas), vai à contramão do modelo da coordenação do cuidado. Para superar esse proble-
ma, muitas vezes há que haver uma territorialização da AAE, de tal forma que haja vinculação
dos generalistas, num determinado território (distrito sanitário ou regional de saúde em grandes
municípios e microrregiões de saúde em municípios médios e pequenos), aos especialistas da
AAE. A vinculação não é somente interunidades, mas de equipes da APS com equipes da AAE.
O sistema tradicional, hegemônico no SUS, de referir a um especialista que tenha vaga, definida
pela central de regulação, em determinado dia, que provavelmente não será o mesmo que a
pessoa irá consultar em um segundo momento, e que não conhece os generalistas, conforme
mostram as evidências, é caro e não agrega valor para as pessoas.

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 35


A conectividade é um preditor crítico de sucesso da coordenação do cuidado entre os
generalistas e os especialistas e significa que os profissionais de saúde envolvidos dispõem da
informação que necessitam e de um sistema de comunicação fluido para prestar os cuidados
adequados. De um lado, os generalistas devem estar seguros de que os especialistas sabem
as razões das referências e tenham as informações necessárias para que possam desempe-
nhar suas funções (referência); de outro, os especialistas devem prover as informações de volta
que respondam às necessidades e às expectativas dos generalistas (contrarreferência). Isso
ocorre em um ambiente em que os profissionais mantenham as pessoas usuárias informadas
e confiantes de que eles estão comunicando entre si, em benefício dessas pessoas. Uma boa
conectividade implica: o sistema assegura que as informações requeridas são transmitidas aos
destinatários corretos; eventos críticos no processo de referência e contrarreferência são iden-
tificados e monitorados; e os generalistas e os especialistas podem se comunicar eficazmente
entre eles. A existência de um sistema de referência eletrônico, como parte de um registro ele-
trônico em saúde, assegura que essa informação crítica flui de forma oportuna. Esse sistema
deve incorporar os critérios de referência e de transição que estão estabelecidos em linhas-guia
baseadas em evidência. Na inexistência de sistemas eletrônicos, pode-se operar com papel e
usar telefone ou fax para a comunicação.
Além da incorporação pelo modelo PASA da coordenação do cuidado, deve-se ampliar a
planta de pessoal e a carteira de serviços da AAE.
A correta aplicação do modelo PASA, construído com base na coordenação do cuidado,
deve ampliar a sua carteira de serviços para dar conta da complexidade da demanda que lhe
chega. Portanto, o modelo PASA pressupõe um adensamento tecnológico da AAE para que
possa operar com efetividade e eficiência. É o que se mostra no Quadro 2.

36
Quadro 2. O equilíbrio entre a estrutura da demanda e da oferta
no modelo PASA de Atenção Ambulatorial Especializada

ESTRUTURA DA DEMANDA ESTRUTURA DA OFERTA


Por condições crônicas não agudizadas Consultas médicas.
altamente complexas. Consultas de enfermagem especializada.
Por condições crônicas não agudizadas Dispensação de medicamentos e farmácia clínica.
complexas.
Solicitação e oferta e/ou realização de exames
complementares.
Consultas com outros profissionais especializados.
Grupos operativos.
Grupos terapêuticos.
Atendimentos compartilhados a grupos.
Atendimentos conjuntos de especialistas e
generalistas.
Atendimentos contínuos por equipe interdisciplinar.
Atendimentos por pares.
Atendimentos à distância (teleassistência).
Apoio ao autocuidado.
Provisão de segunda opinião aos profissionais
da APS.
Educação permanente de profissionais da APS.
Supervisão clínica de profissionais da APS.
Pesquisa clínica.
FONTE: MENDES (2012).

O Quadro 2 aponta para uma necessária ampliação da oferta na AAE para responder,
com efetividade e eficiência, à complexidade da demanda que lhe chega.
Além dos serviços normalmente prestados pelo modelo SILOS, agregam-se outros que
são imprescindíveis para a construção social do modelo PASA. Essa carteira ampliada de
serviços inclui: consultas de enfermagem especializada; atendimentos individuais especializa-
dos com outros profissionais (farmacêutico clínico, fisioterapeuta, nutricionista, profissional de
educação física, psicólogo e outros de acordo com as condições crônicas específicas); grupos
operativos; grupos terapêuticos; novas formas de encontros clínicos como os atendimentos

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 37


contínuos por equipe interdisciplinar, os atendimentos compartilhados a grupo e os atendimen-
tos por pares; o apoio ao autocuidado; atendimentos à distância; provisão de segunda opinião
pelos especialistas aos profissionais da APS; a educação permanente dos profissionais da APS
por meio de atividades como cursos e discussões de caso; a supervisão clínica dos profissio-
nais da APS; e, especialmente quando esse modelo for aplicado em instituições acadêmicas,
a pesquisa clínica.
O modelo PASA é capaz de gerar valor para as pessoas usuárias da AAE, conforme se
indica no Box 2.

Box 2. O caso da Sra. H.

A Sra. H. é uma mulher de 59 anos de idade, avó, com 12 anos de história de diabe-
tes tipo 2, complicada por hipertensão arterial e episódios recorrentes de depressão maior.
Ela tem um índice de massa corporal de 36 e tem lutado para controlar seu peso desde o
início de sua idade adulta. Numa consulta recente com seu médico de família verificou-se
que ela estava com hemoglobina glicada de 8,9%, com pressão arterial de 148/88 e com
sintomas que sugeriam depressão. O Dr. M., médico de família, postergou o ajuste das
medicações hipoglicemiante e anti-hipertensiva até que a depressão estivesse controlada
e a encaminhou ao ambulatório especializado em saúde mental. O Dr. M. entrou em conta-
to com o Dr. P., psiquiatra de referência para aquela unidade da APS, que ele conhecia de
longa data e que, regularmente, se encontravam para discutir casos clínicos de interesse
comum. O Dr. M., usando o prontuário eletrônico que estava em rede com a unidade de
saúde mental, preencheu o campo concernente à referência para especialista e agendou
a consulta com o Dr. P., orientando Sra. H. que buscasse o comprovante do agendamento
com o coordenador de cuidado da unidade, um técnico em enfermagem. A Sra. H. teve
problemas com seus netos e não pode estar presente à consulta agendada. O técnico em
enfermagem verificou no sistema eletrônico que a Sra. H. não comparecera e fez um novo
agendamento com o psiquiatra e lhe comunicou a nova data e horário. Quando a Sra. H.
encontrou o psiquiatra ele já tinha, à sua frente, o formulário de referência enviado pelo Dr.
M. O Dr. P. fez a consulta e ajustou a medicação antidepressiva, mas verificou, também,
que a Sra. H. estava com pressão elevada, dor de cabeça e fadiga. Por isso, providenciou
para que ela fosse agendada, naquele mesmo dia, à tarde, com o Dr. M. na unidade de
APS. O Dr. M. a atendeu prontamente e ajustou a medicação anti-hipertensiva e pediu
que ela retornasse dias depois. Quando retornou, estava melhorando da depressão e sua
pressão estava se normalizando.

FONTE: ADAPTADO DE THE COMMONWEALTH FUND (S.D.).

38
Esse caso reflete alguns dos resultados positivos que se tem encontrado sobre o modelo
PASA de coordenação do cuidado entre a APS e a AAE.
Parafraseando J. Fry, pode-se afirmar que a coordenação do cuidado nas relações entre
a APS e a AAE é importante para proteger as pessoas usuárias dos especialistas inadequados
e os especialistas das pessoas usuárias inadequadas (GUSSO, 2005).
Há evidências de que a coordenação do cuidado entre os generalistas e os especialis-
tas melhora a atenção à saúde pela redução do uso de recursos (MCINNES; MCGHEE, 1995;
TEMMINK et al., 2001; KASPER et al., 2002; REA et al., 2004; SINGH, 2005); pela obtenção de
melhores resultados sanitários (EASTWOOD; SHELDON, 1996; GRIFFIN, 1998; DONOHOE,
2000; TEMMINK et al., 2001; KASPER et al., 2002; MAISLO; WEISMAN, 2004; CURRY; HAM,
2010; GOODWIN; LAWTON-SMITH, 2010; SANTOS, 2012); pela maior satisfação das pessoas
usuárias (BYNG et al., 2004; CURRY; HAM, 2010); e pela melhoria da comunicação (MALCOLM
et al., 2000; MORMAN et al., 2001; HYSLOP; ROBERTSON, 2004).
O modelo PASA ou da coordenação do cuidado pode ser aplicado ao SUS, como base
de uma nova forma de relação entre a APS e a AAE. Dessa forma, rompe-se com a forma he-
gemônica, a atenção em silos, fruto da fragmentação do sistema e que não gera valor para as
pessoas usuárias de nosso sistema público de saúde. Algumas experiências radicalizaram o
modelo da coordenação do cuidado entre os generalistas e os especialistas, colocando-os tra-
balhando juntos, em um mesmo espaço físico, como é o caso da Kaiser Permanente (PORTER;
KELLOGG, 2008).
A introdução da coordenação do cuidado entre a ESF e a AAE exigirá mudanças muito
profundas na relação atualmente predominante e isso repercutirá fortemente na organização
da APS.
Muitas mudanças, algumas na estrutura, mas a maior parte nos processos, deverão
ser feitas na APS para a construção social do modelo da coordenação do cuidado. Entre elas,
destacam-se: o fortalecimento da APS como coordenadora da relação com os especialistas; a
possibilidade de agendamento direto, pela equipe da APS, dos atendimentos especializados; o
fortalecimento do trabalho multiprofissional na APS; a existência de linhas-guia que definam os
parâmetros de referência aos especialistas; a introdução do manejo clínico das condições crôni-
cas por estratos de riscos, segundo o MPR; a instituição na APS de coordenadores de cuidado;
a existência de prontuários clínicos, preferivelmente eletrônicos, formatados para dar conta da
referência e da contrarreferência; a centralização da coordenação do cuidado em planos de
cuidados elaborados, cooperativamente, por generalistas e especialistas; um sistema padro-
nizado de informações para os especialistas; a vinculação dos membros da equipe da APS a
especialistas, preferivelmente com territorialização; a existência de relações pessoais entre os
generalistas e os especialistas; e a cultura de trabalho conjunto entre os profissionais da equipe

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 39


da APS e os especialistas, envolvendo atividades educacionais, de supervisão, de pesquisa, de
teleassistência e de segunda opinião.

5. OS MODELOS DE ORGANIZAÇÃO DA ATENÇÃO AMBULATORIAL


ESPECIALIZADA NO SUS
O modelo SILOS, característico dos sistemas fragmentados, constitui o modelo hegemô-
nico de organização da AAE no SUS.
Esse modelo pode aparecer, na prática social, de diferentes formas: uma unidade com
várias especialidades médicas que tem o nome de centro de especialidades médicas ou de
policlínica, ou, como é muito comum no sistema privado brasileiro, um médico especialista tra-
balhando sozinho em um consultório com o apoio de uma recepcionista.
Uma análise histórica da saúde pública brasileira mostra que o modelo SILOS consolidou-
-se na experiência do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps)
de trazer para o seguro social brasileiro os supostos da medicina liberal, gerados nos EUA. A
forma mais acabada deste foram os Postos de Assistência Médica (PAMs), grandes catedrais
flexnerianas, de baixa efetividade e de grande ineficiência, que, até hoje, teimam em permane-
cer nos centros urbanos brasileiros. Após o fim do Inamps, esses modelos de organização da
AAE em silos passaram a denominar-se, mais comumente, de centros de especialidades médi-
cas ou de policlínicas.
O modelo PASA dificilmente se encontra no SUS, a não ser em algumas experiências
pontuais e isso decorre da hegemonia da fragmentação em nosso sistema público de saúde.
Os dois modelos apresentam características muito distintas.
O que determina, fundamentalmente, esses dois modelos é se a APS e a AAE são parte
de um sistema fragmentado e atuam como silos independentes, ou se estão inseridos em RAS e
se comunicam organicamente, coordenadas pela APS. Por consequência, as unidades de AAE
nesses dois modelos estruturam-se e cumprem funções completamente distintas.
O modelo PASA é muito inovador e, por isso, confronta as ideias de senso comum que
sustentam o modelo SILOS. A implantação desse modelo implica mudanças significativas que
transpõem a dimensão técnica para atingir as dimensões política e econômica.
Politicamente, a implantação do modelo PASA significa, do ponto de vista dos profissionais
de saúde, uma redistribuição de poder entre os generalistas e os especialistas, o que modifica
a lógica flexneriana vigente desde o início do século XX quando se deu a hegemonização do
paradigma da medicina científica e que tem no especialismo um de seus elementos fundamen-
tais (FLEXNER, 1910; MENDES, 1985). Do ponto de vista dos gestores e dos prestadores de

40
serviços do SUS, coloca a gestão dos fluxos e contrafluxos na equipe da APS, criando cons-
trangimentos técnicos, com base em diretrizes clínicas, à livre ação das instituições de saúde,
dos prestadores de serviços e dos especialistas no ordenamento desses fluxos. Economica-
mente, incide fortemente sobre os prestadores de serviços, especialmente os especialistas, os
mais bem posicionados na arena política dos sistemas de atenção à saúde, em duas vertentes:
quando modelam os PASAs, com base nas evidências recolhidas nas linhas-guia e detalhadas
nos protocolos clínicos, reduzindo a variabilidade dos procedimentos de atenção à saúde, um
forte foco de ineficiência dos sistemas e de indução da demanda pela oferta (MENDES, 2011);
e quando muda o foco da gestão da saúde, retirando-o da gestão da oferta, muito sujeito à ação
de lobbies de interesses mais bem estruturados, para colocá-lo nas necessidades das popula-
ções beneficiárias do sistema de atenção à saúde por meio da gestão de base populacional.
Há de ficar claro que a proposta de RAS, por sua radicalidade, não é neutra; nela, os in-
teresses da população, expressos por suas necessidades de saúde, sobrepõem-se aos interes-
ses políticos, econômicos e tecnológicos dos atores sociais que estão presentes, em situação
vantajosa, na arena política sanitária. Por isso deve-se concordar com a afirmativa de que a
revolução nos sistemas de atenção à saúde só será possível quando o cerne da discussão se
deslocar dos prestadores de serviços para o valor gerado para as pessoas usuárias do sistema
de atenção à saúde (PORTER; TEISBERG, 2007).
A proposta de implantação da AAE, na perspectiva do modelo PASA, pode sofrer confron-
tação direta, quando constrange a liberdade de ordenamento do acesso dos gestores da saúde
ou impõe limitações técnicas à ação de especialistas, ou indireta e mais sutil, quando se apos-
sando da ideia inovadora desse novo modelo, faz uma releitura da proposta, transformando-a
em uma prática social conservadora que não agregará valor para as pessoas usuárias.
Há diferenças qualitativas significativas entre os modelos SILOS e PASA. As principais
diferenças entre esses dois modelos são apresentadas no Quadro 3.

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 41


Quadro 3. As características dos modelos de Atenção Ambulatorial Especializada
MODELO SILOS MODELO PASA
Gestão da oferta. Gestão de base populacional.
Unidade isolada sem comunicação fluida com Ponto de atenção à saúde com comunicação
outros níveis de atenção. em rede com os outros níveis de atenção.
Sistema aberto. Sistema fechado.
Autogoverno. Governo compartilhado com a APS.
Programação feita na própria unidade sem Programação feita na APS com estratificação
estratificação de risco. de risco.
Acesso regulado pelos gestores da saúde, di- Acesso regulado diretamente pela equipe de
retamente no complexo regulador. APS na unidade de AAE.
Atenção focada no cuidado do profissional Atenção focada no cuidado multiprofissional
médico especialista. interdisciplinar.
Relação entre generalista e especialista: ou Relação entre generalista e especialista: re-
inexiste ou faz-se por referência e contrarre- lação pessoal com trabalho clínico conjunto.
ferência sem conhecimento pessoal e sem
trabalho conjunto.
O produto da unidade é uma prescrição médi- O produto da unidade é um plano de cuidado
ca ou uma solicitação ou realização de exame feito por uma equipe interdisciplinar.
complementar.
Decisões clínicas não articuladas em diretri- Decisões clínicas articuladas em diretrizes
zes clínicas, construídas com base em evi- clínicas, construídas com base em evidên-
dências. cias e compartilhadas entre generalistas e
especialistas.
Prontuários clínicos individuais, não integra- Prontuários clínicos eletrônicos, integrados
dos em rede. em rede, especialmente com a APS.
Não utilização das ferramentas da gestão da Utilização rotineira das ferramentas da ges-
clínica. tão da clínica.
Atenção sem plano de autocuidado. Atenção com plano de autocuidado comparti-
lhados entre generalistas e especialistas.
Função meramente assistencial. Função assistencial, de supervisão, educa-
cional e de pesquisa.
Presença de efeito velcro. Ausência de efeito velcro.
FONTE: MENDES (2012).

42
Uma característica diferencial importante dos dois modelos está na forma de gestão. O
modelo SILOS funciona com o sistema convencional da gestão da oferta, fortemente ancorado
em um sistema de programação que, em geral, opera o planejamento da oferta, com base em
parâmetros populacionais gerais ou de séries históricas. Isso leva à determinação de tetos finan-
ceiros que definem uma quantidade de procedimentos a serem ofertados pelos diferentes gesto-
res da saúde. Esse sistema de gestão da oferta é muito sensível aos interesses dos gestores e
dos prestadores de serviços mais bem posicionados na arena política do sistema de atenção à
saúde. No modelo PASA, a gestão é de base populacional que se faz, tendo-se por fundamento
necessidades de saúde da população efetivamente cadastrada na APS, por meio de parâmetros
epidemiológicos que fazem parte das diretrizes clínicas baseadas em evidência.
O que marca, fortemente, as diferenças entre os dois modelos de organização da AAE são
as relações entre a APS e AAE. No modelo SILOS, essa relação não é orgânica; já o PASA é
referido pela relação da coordenação do cuidado.
O modelo SILOS é parte de um sistema fragmentado de atenção à saúde que, em geral,
pratica uma atenção especializada em silos, em que não existe comunicação fluida entre os
diferentes pontos e níveis de atenção, nem coordenação do cuidado pela APS. Funciona como
caixa preta. Chega-se, ali, algumas vezes diretamente ou por alguma referência, muitas vezes
da APS, mas não se conhece a história pregressa da pessoa usuária. Em geral, não se estabe-
lecem vínculos porque o agendamento, dependendo do dia, pode ser feito para diferentes profis-
sionais de uma mesma especialidade. Esse sistema é prenhe de retrabalhos e de redundâncias,
o que o torna, além de inefetivo, muito ineficiente. Histórias pessoais e familiares são retomadas
a cada consulta, exames são ressolicitados a cada atendimento. Tudo isso ocorre porque o sis-
tema é desintegrado, em virtude da ausência de sistemas logísticos potentes, manejados com
base na APS. O PASA é totalmente diferente porque está integrado em uma RAS, sob coorde-
nação da APS. A programação do PASA é feita na APS e, então, discutida, em oficina conjun-
ta, com a equipe da AAE. Dessa forma, cada equipe da APS sabe, antecipadamente, quem e
quantas pessoas devem ser referidas, por tipos de intervenções, ao PASA; consequentemente,
a unidade de AAE recebe, antecipadamente, essa programação, aumentando a previsibilidade
do sistema.
O modelo SILOS, muitas vezes, permite a demanda aberta com entrada direta e esse
nível de atenção. Esses centros são inaugurados e, imediatamente, as pessoas usuárias come-
çam a demandá-los, algumas vezes diretamente, são acolhidas e agendadas e reagendadas,
bloqueando, em pouco tempo, as suas agendas. Ao contrário, o modelo PASA consiste em um
sistema fechado, sem possibilidades de acesso direto das pessoas usuárias, a não ser em ca-
sos de urgência e emergência ou de intervenções, de pequena proporção, definidas nas diretri-
zes clínicas em que essa unidade constitui o ponto de atenção do primeiro contato.

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 43


O modelo SILOS tem a liberdade de se autogovernar, o que explica o grande número de
atendimentos de retorno com que eles operam. Isso decorre, em parte, do seu caráter de sis-
tema aberto, e, em parte, em virtude da fragmentação do sistema de atenção à saúde e da fra-
gilidade da APS em exercitar a coordenação do cuidado. O autogoverno, exercitado no modelo
SILOS, não tem a capacidade de garantir a continuidade da atenção e acaba por restringir as
intervenções na perspectiva do cuidado especializado, sem visão integrada das intervenções de
níveis primários e terciários. No modelo PASA, o governo dos fluxos e contrafluxos das pessoas
é da APS que é responsável pela coordenação do cuidado. Nenhuma pessoa usuária deve che-
gar a esse centro, à exceção dos casos de retorno, se não for referida pela APS.
O modelo SILOS elabora sua própria programação, especialmente com base em parâme-
tros da programação da oferta. Diferentemente, a programação do PASA é feita em oficinas de
programação, com participação conjunta de pessoal da APS e da AAE. A base dessa oficina são
os parâmetros epidemiológicos utilizados na APS, por estratos de risco, que permitem saber,
antecipadamente, quem e quantas pessoas devem ser referidas, por tipos de intervenções, e
que recursos humanos, materiais e financeiros são necessários para operar a unidade de AAE.
Essas formas singulares de governança dos dois modelos implicam que o modelo SILOS
seja acessado por uma central de regulação, acionada pelos gestores; diversamente, no mode-
lo PASA, o acesso regulado é realizado diretamente pelas equipes da APS, podendo utilizar a
infovia dos sistemas de informações clínicas ou do complexo regulador.
No modelo SILOS, o processo de atenção está centrado no cuidado profissional do mé-
dico especialista. Em geral, a unidade de AAE organizada nesse modelo não conta com um
trabalho de uma equipe multiprofissional, operando de forma interdisciplinar, o que empobrece
a atenção prestada e pressiona a agenda do médico especialista. Além disso, a forma de aten-
dimento é centrada na consulta médica individual face a face. No modelo PASA, há uma equipe
multiprofissional que se envolve na clínica de forma interdisciplinar, de forma planejada e sem
implicar redundâncias e retrabalhos entre os diferentes membros, cada qual agregando valor às
pessoas usuárias pelas vantagens comparativas que adicionam na atenção à saúde. Ademais,
os atendimentos vão além das consultas individuais face a face, incorporando novas formas de
atenção, como a atenção compartilhada a grupo, a atenção contínua, a atenção por pares e a
teleassistência.
No modelo SILOS, em geral, não há uma vinculação, territorial ou não, de generalistas
a especialistas. Por consequência, as relações entre esses profissionais são burocráticas e
impessoais, não havendo atividades conjuntas entre eles. Não havendo vinculação de gene-
ralistas a especialistas, não há vinculação das pessoas usuárias a especialistas, o que leva
a uma situação em que uma mesma pessoa, para um mesmo problema, possa ser atendida
por vários profissionais da mesma especialidade, com condutas distintas, em tempos dife-

44
rentes. Os sistemas de referência e contrarreferência são pouco estruturados, gerando fluxos
de informações inadequados, em ambos os sentidos, e problemas na transição. No modelo
PASA, há uma vinculação de generalistas a especialistas, preferivelmente com territoriali-
zação da AAE. Isso permite estabelecer relações pessoais entre esses profissionais que se
conhecem e trabalham juntos, em várias circunstâncias. Em decorrência disso, é possível ter
uma vinculação de uma pessoa usuária a um especialista, o que é muito importante. Os sis-
temas de referência e contrarreferência estão bem desenvolvidos, com fluxos de informações
padronizados, em dupla via. Os relatórios de referência e contrarreferência são, em geral,
constituídos por planos de cuidado. Há a preocupação em garantir apoio às pessoas usuárias
na transição.
No modelo SILOS, o produto final da unidade de AAE, em geral, consiste em uma pres-
crição médica e/ou a realização ou solicitação de exames complementares. No modelo PASA,
o produto da unidade de AAE é um plano de cuidado feito por uma equipe multidisciplinar que é
encaminhado à APS para aplicá-lo e monitorá-lo. Ou seja, no modelo PASA, a atividade clínica
dos especialistas é fundamentalmente de interconsultores.
No modelo SILOS, as decisões clínicas não são tomadas, em geral, tomando-se por base
as diretrizes clínicas com base em evidências científicas que normalizam a condição de saúde
ao longo dos diferentes serviços da RAS, por estratos de risco. Isso leva a uma enorme varia-
bilidade de procedimentos, mesmo entre diferentes especialistas que atuam em uma mesma
unidade, o que gera ações inefetivas e ineficientes. Como não há o manejo clínico por estratos
de risco, muitas vezes os especialistas atendem pessoas que não se beneficiam da atenção
especializada, o que pressiona a agenda desses especialistas. No modelo PASA, todo trabalho
clínico dessas unidades está definido em diretrizes clínicas baseadas em evidências, com es-
tratificação de riscos. Dessa forma, só chegam aos especialistas aquelas pessoas usuárias de
maiores riscos. Não se trabalha com gestantes, mas com gestantes de risco habitual, de risco
intermediário e de alto risco; não se trabalha com hipertensão, mas com hipertensão de baixo,
médio, alto e muito alto risco. Isso é fundamental porque ajuda a organizar o sistema de atenção
à saúde e a melhorar a qualidade da atenção.
Em geral, o modelo SILOS trabalha com prontuários clínicos individuais, muitas vezes
em papel, e que não estão integrados em RAS e, portanto, não permitem uma comunicação
fluida desse nível com a APS, nem um manejo eficaz das condições crônicas. A fragmentação
do prontuário clínico não permite a continuidade do cuidado. Além disso, esses prontuários
são individuais, o que empobrece a visão da saúde da família, uma proposta fundante do
SUS. Mais, não sendo eletrônicos, esses prontuários não permitem o registro das pessoas
usuárias por riscos relativos a cada condição, o que fragiliza a atenção prestada e gera redun-
dâncias e retrabalhos. O modelo PASA opera com prontuários eletrônicos que devem circular,

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 45


concomitantemente, em todos os níveis do sistema, especialmente on-line com a APS. Esses
prontuários são familiares, o que viabiliza a incorporação, nos cuidados, dos instrumentos
potentes da abordagem familiar. Eles permitem registrar todos os portadores de determinada
condição crônica, por riscos socioeconômicos e sanitários e enviar alertas e dar feedbacks
aos profissionais e às pessoas usuárias. Nesses prontuários, há campos específicos para as
informações de referência e contrarreferência e campo para o plano de cuidado que pode ser
acessado por generalistas e especialistas.
O modelo SILOS não trabalha com as ferramentas modernas da gestão da clínica. A razão
é simples: não havendo a normalização dos processos de trabalho em diretrizes clínicas basea-
das em evidência, não é possível utilizarem-se essas tecnologias. Já o modelo PASA estrutura,
tomando-se por base as diretrizes clínicas baseadas em evidências científicas, as tecnologias
de gestão de condição de saúde e de gestão de caso.
No modelo SILOS, normalmente, não há um plano de cuidado para cada pessoa atendi-
da. O coração de uma atenção de qualidade no atendimento especializado é esse plano, sem
o qual há muitas orientações conflitantes, além de nenhuma proatividade das pessoas usuárias
no seu autocuidado. No modelo PASA, toda pessoa tem seu plano de cuidado que é elaborado,
cooperativamente, entre generalistas, especialistas e pessoas usuárias e suas famílias, com
contratação de metas e com monitoramento periódico.
O modelo SILOS, em geral, ocupa-se estritamente de funções assistenciais. Já o modelo
PASA agrega outras funções imprescindíveis à unidade de AAE: função de supervisão das equi-
pes da APS; função educacional, a de participar de processos de educação permanente na AAE
e na APS; e função de pesquisa, especialmente no campo da pesquisa clínica.
No modelo SILOS, é frequente a presença do efeito velcro que é a propensão das pes-
soas usuárias encaminhadas à AAE permanecer ali por longo tempo, independentemente de
seu grau de risco. O modelo PASA ao operar com a estratificação de risco, planos de cuida-
dos compartilhados entre a AAE e a APS e com a função principal de interconsulta diminui
as chances de manifestação do efeito velcro, o que torna a atividade clínica mais efetiva e
eficiente.

6. OS FUNDAMENTOS DO MODELO PASA


O modelo PASA apresenta um conjunto de fundamentos como o princípio da suficiência,
a complementaridade entre APS e AAE, a estratificação de riscos das condições crônicas não
agudizadas, os modelos de atenção às condições crônicas e o princípio da coordenação.

46
6.1. O princípio da suficiência

O princípio da suficiência das Redes de Atenção à Saúde (RAS) é que garante a atenção
no lugar certo e com o custo certo.
O princípio da suficiência diz que, em uma RAS, não deve haver redundâncias ou retra-
balhos entre a APS, os pontos de atenção secundários e terciários e os sistemas de apoio. As-
sim, o que um ponto de atenção ou um sistema faz outro não fará. Este é, também, um princípio
muito aplicado nos programas de qualidade em saúde. Nesse sentido, o princípio da suficiência
convoca mecanismos de seleção de espaços ótimos da atenção à saúde, com repercussões
sanitárias e econômicas.
Do ponto de vista sanitário, ações típicas da APS, como o manejo de pessoas com con-
dições crônicas não agudizadas simples, não devem ser realizadas na atenção especializada
porque, em alguns casos, geram iatrogenias e porque atendidas nesses níveis de maior densi-
dade tecnológica são mais caras.
Em relação aos custos diretos, conforme se vê na Tabela 1, uma pessoa que pode ser
atendida por um médico na APS custará menos para o sistema de atenção à saúde do que se
for atendida, desnecessariamente, por um médico na atenção especializada.

Tabela 1. Custos da atenção em diferentes pontos de atenção de atenção à saúde


PONTO DE ATENÇÃO À SAÚDE CUSTO EM EUROS
Autocuidado 0
Consulta médica por telefone 10
Consulta de enfermagem na APS 25
Consulta médica na APS 35
Consulta médica especializada 50
Gestão de caso 100-150
Internação domiciliar 50-200
Internação hospitalar 400-900
FONTE: GOBIERNO VASCO (2010).

6.2. A complementaridade entre a Atenção Primária à Saúde e a Atenção Ambula-


torial Especializada

As naturezas intrínsecas das clínicas da APS e da atenção especializada são diferentes


entre si. Essa natureza singular de cada qual é que dá sentido à atenção que se presta em cada
uma dessas clínicas para que se possa gerar valor para as pessoas usuárias. É o que se mostra
no Quadro 4.

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 47


Quadro 4. As diferenças entre as clínicas da Atenção
Primária à Saúde e da atenção especializada
CAMPO APS ATENÇÃO ESPECIALIZADA
AMBIENTE DO • Foco na pessoa. • Foco no órgão ou sistema.
CUIDADO
• Foco na saúde. • Foco em doenças.

• Foco em problemas pouco es- • Foco em problemas bem defi-


truturados vistos no início. nidos vistos mais tarde.

• Ambiente pouco medicalizado. • Ambiente muito medicalizado.


FORMAS DE • Exames mais sensíveis que • Exames mais específicos que
ATUAÇÃO DOS específicos. sensíveis.
PROFISSIONAIS
• Aceitam-se falsos negativos • Aceitam-se sobrediagnóstico,
que podem ser minimizados mas não se aceitam falsos ne-
pela repetição de exames. gativos.

• Provas em série. • Provas em paralelo.

• Cuidado disperso em vários • Concentração do cuidado


problemas, mas com concentra- num único problema ou num
ção relativa num pequeno nú- número mínimo de problemas.
mero de problemas.
CONTINUIDADE • Continuidade sustentada. • Continuidade relativa.
DO CUIDADO
RESULTADOS • Menores custos e iatrogenias. • Maiores custos e iatrogenias.

FONTE: MCWHINNEY E FREEMAN (2010); CUNILLERA (2012); LOPES (2012).

O trabalho em RAS exige a atenção das pessoas usuárias no lugar certo e isso implica
distribuí-las entre a APS e a AAE, segundo as características dessas diferentes clínicas de modo
que se beneficiem sanitariamente.

6.3. A estratificação de riscos das condições crônicas não agudizadas

O processo de estratificação de riscos da população, em relação às condições crônicas


não agudizadas, é central na definição do modelo PASA porque permite identificar pessoas e
grupos com necessidades de saúde semelhantes que devem ser atendidos por tecnologias e
recursos específicos.

48
A estratificação de riscos das pessoas usuárias constitui elemento central da gestão da
saúde da população. A estratificação da população em subpopulações leva à identificação e ao
registro das pessoas usuárias portadoras de necessidades similares, a fim de colocá-las juntas,
com os objetivos de padronizar as condutas referentes a cada grupo nas diretrizes clínicas e de
assegurar e distribuir os recursos humanos específicos para cada qual.
A estratificação da população, em vez de ter atenção única para todas as pessoas usuá-
rias, diferencia-as, por riscos, e define, em diretrizes clínicas baseadas em evidências, os tipos
e lugares de atenção e a sua concentração relativa a cada grupo populacional. Dessa forma,
os portadores de condições crônicas de menores riscos têm suas condições centradas em tec-
nologias de autocuidado apoiado e com foco na APS, enquanto os portadores de condições de
alto e muito alto risco têm presença mais significativa de atenção profissional, com concentração
maior de cuidados pela equipe de saúde e com a coparticipação da APS e da AAE.
Quando uma população não é estratificada por riscos, pode-se subofertar cuidados ne-
cessários aos portadores de maiores riscos e/ou sobreofertar cuidados desnecessários aos por-
tadores de condições de menores riscos, produzindo, por consequência, uma atenção inefetiva
e ineficiente. Esse problema explica, em grande parte, as dificuldades de abrir a agenda na AAE
para atenção à saúde dos portadores de condições crônicas não agudizadas.

6.4. Os modelos de atenção à saúde nas condições crônicas

A proposição desses modelos é recente e fez-se como uma resposta à crise dos siste-
mas fragmentados de atenção à saúde para enfrentar o crescimento da prevalência das condi-
ções crônicas e, especialmente, das doenças crônicas.
Entre os modelos principais, destacam-se o modelo da atenção crônica (Chronic Care
Model - CCM) e o Modelo da Pirâmide de Risco (MPR).
O CCM foi desenvolvido nos EUA pelo MacColl Institute for Healthcare Innovation (WAG-
NER, 1998) e está representado na Figura 4.

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 49


Figura 4. O modelo da atenção crônica

FONTE: WAGNER (1998).

Esse modelo compõe-se de seis elementos, subdivididos em dois grandes campos: o sis-
tema de atenção à saúde e a comunidade. No sistema de atenção à saúde, as mudanças devem
ser feitas na organização da atenção à saúde, no desenho do sistema de prestação de serviços,
no suporte às decisões, nos sistemas de informação clínica e no autocuidado apoiado. Na co-
munidade, as mudanças estão centradas na articulação dos serviços de saúde com os recursos
da comunidade. Esses seis elementos apresentam inter-relações que permitem desenvolver
pessoas usuárias informadas e ativas e equipe de saúde preparada e proativa para produzir
melhores resultados sanitários e funcionais para a população.
Entre as evidências produzidas pelo CCM que influem a organização dos cuidados am-
bulatoriais especializados, está a forma de relacionamento entre equipes de APS e de AAE que
deve ser feita por elaboração e compartilhamento de planos de cuidado, por trabalho multiprofis-
sional interdisciplinar, por trabalho clínico conjunto de especialistas e generalistas, por relações
interpessoais entre especialistas e generalistas e pela importância do autocuidado apoiado.
O CCM tem sido aplicado a diferentes países, sempre com avaliações positivas. Uma
avaliação original foi feita pela Rand Corporation (2008). Essa avaliação durou quatro anos e
envolveu aproximadamente quatro mil portadores de diabetes, insuficiência cardíaca, asma e
depressão, em 51 organizações de saúde, mostrando resultados satisfatórios na redução do ris-
co cardiovascular, na redução das internações hospitalares, na melhoria da efetividade clínica e
na sustentabilidade das mudanças promovidas pelo CCM. Outros estudos avaliativos, feitos em
diferentes países chegaram a conclusões semelhantes (HARWELL et al., 2002; VANDERBIELT

50
MEDICAL CENTER, 2002; ENDINCOTT et al., 2003; SPERL-HILLEN et al., 2004; GLASGOW
et al., 2005; OUWENS et al., 2005; STROEBEL et al., 2005; HUNG et al., 2006; DORR et al.,
2007).
Outro modelo fundamental para a organização da AAE das condições crônicas não agu-
dizadas consiste no MPR, desenvolvido originariamente pela organização Kaiser Permanente
(KP) nos EUA e aplicado, posteriormente, em vários países. Esse modelo é essencial para ope-
racionalizar a estratificação de riscos das condições crônicas não agudizadas.
O MPR se assenta, fortemente, na estratificação dos riscos da população o que, por sua
vez, define as estratégias de intervenção em autocuidado e em cuidado profissional. O cuidado
profissional, em virtude dos riscos, define a tecnologia de gestão da clínica a ser utilizada, se
gestão da condição de saúde ou se gestão de caso.
O MPR está representado na Figura 5.

Figura 5. Modelo da pirâmide de riscos (MPR)

NÍVEL 3
1-5% de pessoas
GESTÃO com condições
DE CASO altamente complexas
NÍVEL 2
GESTÃO DA 20-30% de pessoas
CONDIÇÃO DE SAÚDE com condições complexas
NÍVEL 1
AUTOCUIDADO 70-80% de pessoas
APOIADO com condições simples

FONTE: DEPARTMENT OF HEALTH (2005); PORTER E KELLOGG (2008).

A Figura 5 mostra que uma população portadora de uma condição crônica pode ser es-
tratificada por níveis de complexidade: 70% a 80% estão no nível 1 e são pessoas que apresen-
tam condições simples; 20% a 30% estão no nível 2 e são pessoas que apresentam condições
complexas; e, finalmente, 1% a 5% estão no nível 3 e são pessoas que apresentam condições
altamente complexas.
No nível 1, está uma subpopulação com condição crônica simples e bem controlada e
que apresenta baixo perfil de risco geral. Essas pessoas têm uma capacidade para se autocui-
darem e constituem a grande maioria da população total portadora da condição crônica.

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 51


No nível 2, a subpopulação apresenta risco maior, porque tem fator de risco biopsico-
lógico ou condição crônica, ou mais de uma, com certo grau de instabilidade ou potencial de
deterioração de sua saúde, a menos que tenham o suporte de uma equipe profissional. A maior
parte do cuidado deve ser provida por uma equipe de APS com apoio de especialistas. O auto-
cuidado apoiado continua a ser importante para essa subpopulação, mas a atenção profissional
pela equipe de saúde é mais concentrada. Há, nessa população, um alto uso de recursos de
atenção à saúde.
Finalmente, no nível 3, está a subpopulação com necessidades altamente complexas e/
ou pessoas usuárias frequentes de atenção não programada de emergência, ambulatorial ou
hospitalar, e que requer gerenciamento ativo por parte de um gestor de caso. Há, nessa subpo-
pulação, um uso muito intensivo de recursos de atenção à saúde.
Os níveis de complexidade definem composições relativas entre os cuidados da APS e
da atenção especializada e dos cuidados de generalistas e de especialistas. Além disso, têm
influências na definição das coberturas de atendimentos pelos profissionais porque, à medida
que a complexidade aumenta, há maior concentração de cuidados profissionais especializados.
Por exemplo, no nível 1, o cuidado é provido, em geral, por profissionais da APS, seja como
apoiadores ao autocuidado, seja como provedores de cuidados profissionais. Nos níveis 2 e 3,
há a presença de profissionais especializados que atuam coordenadamente com os profissio-
nais da APS. No nível 3, há presença relativa forte de cuidados profissionais, coordenados por
um gestor de caso.
A aplicação do MPR no manejo das condições crônicas tem várias implicações práticas:
a distribuição relativa do autocuidado e do cuidado profissional; a distribuição relativa da aten-
ção profissional, por membros, na equipe multiprofissional; a distribuição relativa da atenção
geral e especializada; e a racionalização da agenda dos profissionais de saúde, generalistas e
especialistas.
Há evidências robustas de que o MPR, quando aplicado, aumentou a qualidade da vida
das pessoas, reduziu as internações hospitalares e a demanda por serviços ambulatoriais espe-
cializados, melhorou os resultados sanitários e diminuiu custos da atenção à saúde (HAM, 2003;
PARKER, 2006; SINGH; HAM, 2006; PORTER, 2007; PORTER; KELLOGG, 2008).
Os bons resultados da aplicação do MPR puderam ser sentidos quando se compararam
os dados da KP com as médias nacionais de organizações de saúde dos EUA (KELLOGG,
2007; PORTER, 2007; PORTER; KELLOGG, 2008). Da mesma forma, estudos mostraram que
os resultados obtidos pela KP são melhores que aqueles produzidos em sistemas públicos de
atenção à saúde da Dinamarca (FROLICH et al., 2008) e do Reino Unido (FEACHEM et al.,
2002; HAM et al., 2003).

52
6.5. O princípio da coordenação

A coordenação da atenção à saúde pode ser definida como a concertação das diferentes
atividades requeridas para atender às pessoas usuárias ao longo do contínuo assistencial ou
dos pontos de atenção de uma RAS (LAMB, 1997).
Para que haja coordenação nas organizações, é necessário ter um modelo de coordena-
ção organizacional. Um dos mais utilizados é proposto por Mintzberg (2003) e se estrutura em
cinco mecanismos básicos usados para obter a coordenação entre tarefas separadas: o ajusta-
mento mútuo, a supervisão direta, a padronização dos processos de trabalho, a padronização
dos resultados do trabalho e a padronização das habilidades dos trabalhadores.
A coordenação da atenção à saúde, em geral, faz-se utilizando uma combinação de ins-
trumentos destinados a harmonizar as intervenções sanitárias providas às pessoas usuárias.
As organizações de saúde têm utilizado vários mecanismos de coordenação. Mais
frequentemente utilizam os mecanismos de normalização das habilidades dos seus profissio-
nais. Em decorrência das pressões de custos e dos programas de melhoria de qualidade da
atenção à saúde, começaram-se a padronizar os processos e os resultados e em virtude da
especialização crescente e das interdependências entre as atividades sanitárias utilizaram-
-se estratégias de coordenação baseadas no ajustamento mútuo (LONGEST; YOUNG, 2000;
VARGAS et al., 2011).
Com base teórica no modelo de coordenação de Mintzberg (2003), Vargas et al. (2011)
propuseram um tipo de coordenação da atenção à saúde que é adaptado, pelo autor, no Qua-
dro 5.

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 53


Quadro 5. Tipos de mecanismos de coordenação da atenção à saúde
MECANISMOS TEÓRICOS DE MECANISMOS DE COORDENAÇÃO DA
COORDENACÃO ATENÇÃO À SAÚDE
Normalização de habilidades. Sistema de educação permanente.
Normalização de processos de trabalho. Diretrizes clínicas baseadas em evidências.
Gestão por processos.
Sistema de programação
Normalização dos resultados. Sistema de contratualização.
Ajustamento mútuo por comunicação informal. Correio eletrônico.
Telefone.
Correio.
Internet.
Reuniões informais.
Ajustamento mútuo por grupos de trabalho. Grupos de trabalho multidisciplinares, inter-
disciplinares e transdisciplinares.
Ajustamento mútuo por postos de enlaçamen- Central de regulação.
to. Gestão de caso.
Ajustamento mútuo por comitês permanentes. Comitês de gestão interníveis das RAS.
Ajustamento mútuo por matriciamento. Estrutura matricial.
Matriciamento entre profissionais.
Ajustamento mútuo pelo sistema de informa- Sistema de informação clínica vertical: pron-
ção clínica. tuário clínico.
Supervisão direta. Diretor assistencial.
FONTE: ADAPTADO DE VARGAS ET AL. (2011).

7. A IMPLANTAÇÃO DO MODELO PASA NA ATENÇÃO AMBULATORIAL


ESPECIALIZADA
A implantação do modelo PASA na Atenção Ambulatorial Especializada (AAE) exige, pela
profundidade das mudanças que convoca, uma estratégia bem estabelecida.
Para a formulação de um desenho estratégico alguns pontos-chave devem ser considerados.

7.1. Quem se beneficia da Atenção Ambulatorial Especializada?


Há uma ideia de senso comum que expressa uma convicção de que todas as pessoas
portadoras de condição crônica devem ser vistas por especialistas, especialmente por médicos
especialistas.

54
Para analisar essa ideia, duas questões, são fundamentais. A primeira: é possível aten-
der por meio de especialistas todas as pessoas portadoras de condições crônicas? A segunda:
se fosse possível fazê-lo, seria desejável atender por meio de especialistas todas as pessoas
portadoras de condições crônicas?
Para responder à primeira questão (é possível atender por meio de especialistas todas
as pessoas portadoras de condições crônicas?), verificou-se o caso da 20ª Região de Saúde
do Paraná em relação à hipertensão arterial. Essa região tem 358.000 habitantes, dos quais
250.600 (70% da população total) são totalmente dependentes do SUS na assistência à saú-
de. Definindo-se a prevalência da hipertensão arterial em 20% da população adulta, na região
existiriam 35.084 pessoas portadoras de hipertensão arterial. Se essa população portadora de
hipertensão arterial recebesse, em média, 1,5 consulta médica por ano por cardiologista, seriam
necessárias 52.625 consultas de cardiologistas por ano. Se os cardiologistas trabalhassem em
uma unidade de AAE com carga horária semanal de 20 horas, dedicando 1/3 de seu trabalho
somente às pessoas portadoras de hipertensão arterial, chegou-se a uma necessidade de 45
cardiologistas. A região não tem, nem terá nos próximos anos, nem a metade dessa força de tra-
balho médico especializado. O mesmo raciocínio aplicado aos portadores de hipertensão arte-
rial no município de Fortaleza, no Ceará, indicou necessidade de 260 cardiologistas vinculados
ao SUS na AAE para o controle dessa condição crônica, o que é impossível de se ter.
Portanto, a resposta à primeira questão é simples: não há a possibilidade de que todas
as pessoas portadoras de condições crônicas sejam atendidas por especialistas.
A segunda questão é: se fosse possível, ainda assim seria desejável que todas as pes-
soas fossem atendidas por especialistas? Essa questão remete a outra: quem se beneficia da
AAE?
A resposta vem dos princípios da organização da AAE, especialmente do princípio da
complementaridade das clínicas da Atenção Primária à Saúde (APS) e da AAE e da estratifica-
ção de risco feita segundo o Modelo de Pirâmide de Risco (MPR).
O exame do Quadro 4, que mostra as distinções entre as clínicas da APS e da AAE,
indica que nem todas as pessoas portadoras de condições crônicas devem ser referenciadas à
atenção especializada porque podem, pela natureza intrínseca da clínica especializada, serem
submetidas a procedimentos iatrogênicos e mais caros. Assim, em uma subpopulação portadora
de uma condição crônica, há segmento importante que não se beneficia da AAE.
Essa situação determinada pela natureza diferenciada das clínicas de APS e AAE leva
a uma definição de quem se beneficia e de quem não se beneficia da atenção especializada.
Essa questão intrigou os estudiosos dos modelos de atenção às condições crônicas e foi
respondida pelo MPR que gerou uma sistemática de estratificação de risco, articulando-a com
os níveis de atenção. No nível 1, estão os portadores de condições crônicas simples, 70% a 80%

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 55


do total, que devem ser atendidos pela APS com ênfase em medidas de autocuidado apoiado;
eventualmente, a critério dos profissionais da APS, podem ser referidas a especialistas para
interconsulta. No nível 2, estão os portadores de condições crônicas complexas que se benefi-
ciam do atendimento de especialistas que estabelecem planos de cuidados a serem aplicados
na APS. No nível 3, estão os portadores de condições crônicas altamente complexas que serão
colocados sob gestão de caso, com participação de especialistas e de profissionais da APS.
A utilização da estratificação de risco e do MPR tem, portanto, um papel importante no
aumento da efetividade da clínica. Além disso, ao definir a atenção no lugar certo, segundo o
princípio da suficiência, deixando para a atenção na APS da maioria das pessoas portadoras
das condições crônicas, diminui os custos da atenção. Mais ainda, como os níveis de risco esta-
belecem a concentração de cuidados profissionais, gera-se um efeito virtuoso sobre as agendas
de especialistas, diminuindo a pressão da demanda, e sobre as agendas dos profissionais da
APS, concentrando uma carga maior de atendimentos nas pessoas portadoras de condições
complexas em relação àquelas portadoras de condições simples. Cria-se, dessa forma, um am-
biente de eficiência em toda a RAS.
É comum verificar-se, em uma unidade de AAE, a presença significativa de pessoas
portadoras de condições crônicas simples, que não vão se beneficiar da atenção nela ofertada
e que aumenta a pressão da demanda por cuidados especializados. Nessa situação, o sistema
de atenção à saúde se ajusta de duas formas perversas, impondo cotas para a utilização da
AAE ou alimentando filas intermináveis. Quando se examinam as filas para AAE às condições
crônicas, verifica-se que, ali também, existem pessoas portadoras de condições simples que
não vão se beneficiar dos cuidados especializados, juntamente com outras pessoas portadoras
de condições complexas, sem uma hierarquia de atendimento entre elas. Sem a implantação
de um processo de estratificação é impossível administrar, de forma racional, as filas da AAE,
priorizando as pessoas que efetivamente se beneficiam desses cuidados especializados.

7.2. A vinculação entre a Atenção Ambulatorial Especializada e a Atenção Primária


à Saúde

O modelo PASA de AAE baseia-se em estreita vinculação desse nível de atenção com a
APS. É como se fossem duas faces de uma mesma moeda. Essa característica inerente a esse
modelo tem implicações na estratégia de sua implantação.
O modelo SILOS, em geral, implanta-se de forma autônoma, em coerência com o sistema
de atenção à saúde de que é parte. Assim, ao implantar o modelo SILOS considera-se, apenas,
a organização da estrutura e dos processos intrínsecos a esse nível de atenção, desconsideran-
do a necessidade de organizar a APS.

56
No modelo PASA, é diferente dado que sua essência está na organização da AAE em RAS
coordenadas pela APS. Em consequência, ao se organizar a AAE pelo modelo PASA, deve-se,
também, estruturar a APS. Para se fazer isso, três opções estratégicas são possíveis: organizar
primeiro a AAE e depois a APS, organizar primeiro a APS e depois a AAE e organizar concomi-
tantemente a AAE e a APS. A escolha de uma dessas possíveis opções será realizada com base
nas condições concretas que se encontrarem nas realidades das RAS.
Há que se enfatizar que a estratégia de implantação do modelo PASA exige, necessaria-
mente, ações organizacionais na AAE e na APS.
A importância da organização da APS decorre de suas funções nas RAS.
Nos sistemas fragmentados, a APS apresenta uma única função, a de constituir um nível
de atenção resolutivo. Nas RAS, além da função resolutividade, a APS deve cumprir as funções
de responsabilização e de coordenação.
A função de resolutividade, inerente ao nível de cuidados primários, significa que ela deve
ser resolutiva, capacitada, portanto, cognitiva e tecnologicamente, para atender à grande maio-
ria dos problemas mais frequentes das populações adstritas às RAS. A função de coordenação
expressa o exercício, pela APS, de centro de comunicação das RAS, o que significa ter condi-
ções de ordenar os fluxos e contrafluxos das pessoas, dos produtos e das informações entre os
diferentes componentes dessas redes. A função de responsabilização implica o conhecimento
e o relacionamento íntimo, nos microterritórios sanitários, da população adstrita, e exercício da
gestão da saúde da população e a responsabilização econômica e sanitária em relação a essa
população (MENDES, 2002).
A razão dessa opção estratégica dual é que não se pode organizar a AAE sem fazer o mes-
mo com a APS. Isso decorre dos princípios que regem a organização da AAE, como o princípio
da complementaridade, o princípio da coordenação e a estratificação de risco pelo MPR.
Para que se implante o modelo PASA de AAE, é imprescindível que a APS esteja prepara-
da para o cumprimento de algumas atividades essenciais para o funcionamento desse modelo
como: ter a população adstrita cadastrada e vinculada uma equipe de cuidados primários; fazer
o diagnóstico e a estratificação de risco das condições crônicas a serem atendidas na atenção
especializada; ser capaz de fazer o manejo clínico dos portadores de condições crônicas sim-
ples; ser capaz de executar e monitorar os planos de cuidados referidos pela equipe interdis-
ciplinar de especialistas; e ser capaz de operar as novas tecnologias de manejo de pessoas
portadoras de condições crônicas.
Ademais, o modelo PASA de AAE exige uma APS resolutiva, com capacidade para resolver
aproximadamente 90% dos problemas mais comuns que se apresentam nos cuidados primários.
As taxas de referência dos médicos de APS a outros especialistas variam consideravel-
mente, apresentando valores, em média, de 5% (CHRISTENSEN et al., 1989). Essas variações

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 57


podem ocorrer em virtude da idade (PECHANSKY et al., 1970); outras são determinadas pelo
tipo de organização de saúde (FRANKS; CLANCY, 1997). Em geral, os médicos de família enca-
minham menos que os clínicos gerais e, nas organizações que se articulam por sistemas de pré-
-pagamento, as referências da APS à atenção especializada são menores. Contudo, há uma im-
portante variabilidade nas taxas de referência, mesmo quando essas variáveis são controladas.
Estudos mostraram uma variabilidade de até quatro vezes maior nas referências por pro-
fissionais de APS, tanto nos EUA como na Inglaterra (WILKIN; DORNAN, 1990). Mas há uma
associação entre os números de referências a especialistas e os números de especialistas que
existem em uma região ou organização; contrariamente, os números de referências a espe-
cialistas estão apenas fracamente associados às taxas de doenças, medidas pela relação pa-
dronizada de mortalidade e pelo número médio de prescrições feitas por profissionais da APS
(ROLAND; MORRIS, 1988).
Na Dinamarca, verificou-se que a taxa de referência a especialistas em um condado estava
altamente relacionada aos números de especialistas em diferentes áreas desse condado (CHRIS-
TENSEN et al., 1989). Nos EUA, onde muitas pessoas podem buscar atendimento de outros espe-
cialistas sem um encaminhamento de um médico de APS, as taxas de consultas aos especialistas
são diretamente proporcionais à capacidade das pessoas irem e voltarem a um especialista sem
o aconselhamento ou orientação de um médico de APS (PERKOFF, 1978; STARFIELD, 1983).
Pesquisas feitas no Brasil sobre o porcentual de referências para a atenção especializada
demonstraram alta capacidade de resolução da APS: 12,5% em Florianópolis e 9% em Porto
Alegre (GUSSO, 2009; TAKEDA, 2012).
Os dados internacionais e nacionais demonstram que uma APS bem estruturada tem altís-
sima resolutividade e, dessa forma, pode racionalizar os fluxos de demandas à AAE, diminuindo
a pressão sobre esse nível de atenção secundária ambulatorial.
A implantação do modelo PASA de AAE exige uma APS com maior adensamento tecnológi-
co, o que implica oferecer uma carteira de serviços mais ampla que envolva consultas médicas,
consultas de enfermagem, consultas com outros profissionais, dispensação de medicamentos,
atenção domiciliar, solicitação/coleta/realização de exames complementares, farmácia clínica,
grupos operativos, grupos terapêuticos, educação popular, vacinações, rastreamento de doen-
ça, atendimentos compartilhados a grupos, atendimentos contínuos, atendimentos à distância,
atendimentos por pares, apoio ao autocuidado, gestão de casos, matriciamento de generalistas
e especialistas, acesso a segunda opinião e acesso a serviços comunitários (CONSELHO NA-
CIONAL DE SECRETÁRIOS DE SAÚDE, 2015).
Por tudo isso, ao estruturar o modelo PASA há que se fazer, também, a construção social
da APS (CONSELHO NACIONAL DE SECRETÁRIOS DE SAÚDE, 2015). Mesmo porque uma
AAE inovadora não poderá funcionar sem uma APS renovada e ampliada.

58
7.3. As mudanças para implantação do modelo PASA

A estratégia de implantação do modelo PASA de AAE está calcada na tríade estrutura,


processos e resultados (DONABEDIAN, 2003).
Usando-se esse modelo de Donabedian, a estratégia de implantação do modelo PASA
envolverá mudanças na estrutura e nos processos para produzir resultados sanitários e econô-
micos.
Ocorre que já existe rede importante de AAE no SUS, funcionando no modelo SILOS.
Essa rede já conta com razoável estrutura nos recursos físicos, humanos, materiais e financei-
ros. Portanto, não se deve partir do nada, mas de uma estrutura já existente. Essa estrutura é
tradicional e é operada com processos incoerentes com o novo modelo que se quer implantar.
Por consequência, a implantação do modelo PASA poderá exigir mudanças na estrutura
e nos processos da AAE. As mudanças fundamentais serão nos processos, mas poderá haver
necessidade de mudanças nos recursos físicos e humanos.
Uma estratégia racional não deve partir de propostas que envolvam, necessariamente, a
construção de novas unidades de AAE com uma iconização muito ao gosto dos marqueteiros
públicos. Sempre é melhor verificar as possibilidades de reformas físicas nas unidades já exis-
tentes. Somente quando for imprescindível, deve-se pensar na construção de novas unidades.
O mesmo raciocínio aplica-se aos recursos humanos. Deve ser aproveitada a planta de
pessoal que já exista na unidade de AAE e, se necessário, fazer a contratação de outros pro-
fissionais. Mas já se pode antecipar uma situação. O modelo SILOS está fortemente ancorado
no trabalho do médico especialista, existindo carência de equipe multiprofissional (assistentes
sociais, enfermeiros, farmacêuticos clínicos, fisioterapeutas, profissionais de educação física,
nutricionistas e outros conforme o objeto da unidade de AAE). Esses novos profissionais devem
ser incorporados à AAE para que o modelo PASA funcione.

7.4. O sistema de financiamento da Atenção Ambulatorial Especializada

Um bom sistema de financiamento da atenção à saúde consiste naquele que se faz de


forma mais equitativa, que incentiva os prestadores a prover serviços de modo eficiente e com
qualidade, que induz a que os serviços produzidos melhorem os níveis de saúde, gerando valor
para as pessoas e que permite aumentar o valor do dinheiro empregado.
Contudo, prevalecem, nacional e internacionalmente, sistemas de pagamento focados no
volume de recursos, ou seja, os incentivos financeiros estão dirigidos a prestar mais serviços a
mais pessoas, o que aumenta os custos do sistema de forma incontrolável (NRHI HEALTHCARE
PAYMENT REFORM SUMMIT, 2008).

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 59


Um bom modelo de financiamento deve estar alinhado com os modelos de atenção e de
gestão de um sistema de atenção à saúde. Por exemplo, de nada adianta fazer discurso sobre
a importância da promoção da saúde e da prevenção das condições de saúde, se o sistema de
pagamento está dirigido a remunerar os serviços por procedimentos, segundo as respectivas
densidades tecnológicas (KUTZIN, 2008).
Os sistemas de financiamento devem ser acompanhados por incentivos de desempenho.
Os incentivos de desempenho funcionam bem desde que seja acompanhado de um bom siste-
ma de monitoramento (FROLICH et al., 2007). Os estudos sobre os incentivos de desempenho
em relação às condições crônicas permitem concluir que: eles não devem se limitar aos resul-
tados, mas envolver metas em relação à estrutura e aos processos; eles devem ser contínuos
no tempo; e eles funcionam melhor quando dirigidos aos profissionais de saúde que estão dire-
tamente envolvidos na prestação de serviços. Os incentivos de desempenho devem, também,
estar alinhados com os objetivos dos sistemas de atenção à saúde.
O financiamento dos sistemas de atenção à saúde materializa-se por meio de formas
de pagamento distintas, expressas em tipos ideais: procedimentos ou unidades de serviços,
procedimentos definidos por grupos afins de diagnóstico, capitação, salário, elemento de des-
pesa orçamentário, orçamento global, pacotes de serviços, ano de cuidado e ciclo completo de
atendimento a uma condição de saúde. Essas formas de financiamento apresentam fortalezas
e debilidades.
Contudo, está se fixando uma posição de que o método de financiamento por procedi-
mentos deve ser evitado porque suas debilidades são muito superiores às suas fortalezas, em
quaisquer circunstâncias. Nos EUA, essa forma de financiamento tem sido considerada como
um reator descontrolado que abastece os custos do sistema de atenção à saúde, já que cerca
de metade dos serviços consumidos é resultado da orientação de médicos e de fornecedores e
não das necessidades da população (CHRISTENSEN et al., 2009).
De outro modo, vem se manifestando uma tendência para as formas de pagamento por
orçamento global, por capitação ajustada, por pacotes de serviços ou por ciclos completos de
atenção a uma condição de saúde por causa de seus efeitos positivos nas RAS como: o incre-
mento de ações de promoção da saúde e de prevenção das condições de saúde; o efeito indutor
sobre a organização de um sistema baseado na atenção contínua em vários pontos de atenção à
saúde e nos sistemas de apoio; o fortalecimento da APS; a capacidade de contenção de custos;
e a indução do rateio dos riscos financeiros e sanitários (WORLD HEALTH ORGANIZATION,
2000; TELYUKOF, 2001; CERCONE, 2007).
Um sistema de financiamento da AAE apresenta dois fluxos financeiros principais: o paga-
mento do gestor (Ministério da Saúde, Secretarias Estaduais de Saúde, Secretarias Municipais de
Saúde) às instituições prestadoras (unidades estaduais, municipais, consórcios intermunicipais,

60
organizações sociais, instituições filantrópicas, fundações e outras); e o pagamento dos profis-
sionais de saúde e de serviços terceirizados pelas instituições prestadoras de serviços de AAE.
Em ambos os sistemas de pagamento, predomina a forma de pagamento por procedi-
mentos. Os repasses de recursos para a AAE pelo Ministério da Saúde aos gestores estaduais
e municipais e, destes, para as instituições prestadoras, faz-se de acordo com uma tabela que
se constrói por procedimentos. O pagamento dos serviços terceirizados faz-se, predominante-
mente, por procedimentos. O pagamento dos profissionais, ainda que utilizando sistemas mistos,
muitas vezes, faz-se, também, por procedimentos.
Essas formas de pagamento desenvolvidas e operadas pelo modelo SILOS não são com-
patíveis com a proposta do modelo PASA de AAE, ou seja, os sistemas de pagamento da AAE
não estão alinhados com os objetivos do modelo PASA. Para a implantação do modelo PASA
será necessário mudar as formas de pagamento prevalentes, alinhando-as com os objetivos
desse modelo. A superação do modelo de pagamento por procedimentos é fundamental.
É importante que o sistema de pagamento dos gestores às instituições pagadoras deixe de
ser feito por volume de procedimentos e passe a ser feito por contratos de gestão que definam
uma carteira de serviços a ser realizada dos pontos de vista quantitativo e qualitativo, estabe-
leçam seus custos, explicitem o valor a ser pago periodicamente, estabeleçam um sistema de
monitoramento e avaliação e definam os sistemas de garantia e os incentivos.
O sistema de incentivos constitui um dos elementos mais decisivos em um contrato e deve
assegurar o equilíbrio entre as contribuições e as retribuições por meio de recompensas e pena-
lidades, coerentes e claras, para contratante e contratado (TROSA, 2001).
Para que as relações contratuais funcionem bem, algumas condições são necessárias:
a existência de cultura de resultados nas instituições; a clareza dos objetivos do modelo de
atenção que se vai praticar; a existência de um sistema de informações gerenciais que permita
monitorar e avaliar os produtos e indicadores acordados; a disponibilidade de recursos humanos
capacitados para gerenciar contratos nas instituições contratantes e contratadas; o sistema justo
de remuneração dos serviços para os prestadores; os serviços a serem contratados devem estar
disponíveis por parte dos prestadores de serviços; a autonomia de gestão dos prestadores de
serviços compatível com o alcance dos produtos contratados; e a capacidade dos prestadores
de assumir riscos (VÍA, 2001).
O pagamento dos profissionais de saúde pelas instituições prestadoras de serviços de
AAE, também, deve superar a forma de pagamento por procedimentos. Idealmente, poderia ser
feito por meio de contratos de gestão entre a instituição prestadora e a equipes de especialistas
com salários que tenham parte fixa, mas com parcela menor variável vinculada ao desempenho.
Essa parcela variável deve ser bem calibrada para que possa ser percebida como incentivo que
possa efetivamente estimular o desempenho das equipes.

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 61


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Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 69


MINISTRO ARTUR CHIORO
O Pacto Interfederativo é da essência do SUS. O espaço de diálogo entre os gestores é
essencial para que possa dar certo. A participação do ministro, do secretário de Estado ou do
secretário municipal no Conselho de Saúde e nos espaços Intergestores, seja a Comissão Inter-
gestores Regional, a Comissão Intergestores Bipartite ou a Comissão Intergestores Tripartite é
decisiva, porque é o espaço não apenas da construção e da pactuação, mas é também o locus
em que se assumem responsabilidades.
Não poderíamos conversar sobre a Atenção Ambulatorial Especializada (AAE) se não
tivéssemos produzido avanços significativos na Atenção Básica. Isso é um pressuposto, porque
o acesso desorganizado aos serviços especializados, se a a população estiver desassistida
pela Atenção Básica, fará com que continuemos a atribuir à população a responsabilidade por
“procurar o serviço de forma errada”, como já acontece com os serviços de Urgência, quando
não se garante perto de casa o acesso à Atenção Básica, resolutiva e qualificada. Estamos
agoras vivendo outro momento. Na solenidade de comemoração dos dois anos do Programa
Mais Médicos, fizemos um balanço muito exitoso da Atenção Básica. São 18.240 novas equipes
de Saúde da Família completas, com médicos, pelo Programa Mais Médicos; somam-se mais
18.000 equipes que estão compostas por profissionais que não pertencem ao Mais Médicos;
uma cobertura que já ultrapassa 130 milhões de brasileiros (só com o Mais Médicos são 63
milhões). Inegavelmente, uma mudança substantiva.
Claro que a ampliação da oferta por si só não garante qualidade, resolutividade e o com-
promisso das equipes. Mas os primeiros resultados são muito vigorosos. Nas cidades que têm
cobertura de Atenção Básica superior a 36%, identificamos redução de internação no primeiro
ano do programa na ordem de 8,4%. Nas cidades que têm cobertura menor, a média nacional
está na faixa de 4%, significando que 91.000 pessoas deixaram de internar, e isso com o número
de médicos que tínhamos em dezembro de 2014, bem menor do que o atual, já que a o Mais
Médicos ainda estava em implentação. Vamos, portanto, começar experimentar o impacto da
Atenção Básica ofertada para quem mais precisa; a diminuição das internações por causa sen-
síveis à Atenção Básica; a capacidade de proteger os rins das pessoas hipertensas e diabéticas,
para que a insuficiência renal crônica não ocorra ou não inicie tão precocemente, resultando
em menos sessões de hemodiálise, menos transplantes renais; um menor volume de acidentes
vasculares cerebrais (AVC), menos infartos agudos do miocárdio, enfim, o impacto que se pode
esperar quando o pré-natal é bem feito, o acompanhamento dos usuários é adequado, quando

70
a a Atenção Básica é efetivamente resolutiva. E isso está acontecendo no Brasil; e em regiões
e áreas em que jamais se imaginou que pudesse acontecer: nas pequenas cidades, na zona
rural, nas aldeias indígenas, nos quilombos, nos assentamentos rurais, mas tabém na periferia
das grandes cidades. Com Jorge Solla, ex-secretário da saúde da Bahia, escrevi um capítulo
de um livro, em 2007, sobre a AAE. Revendo essa publicação, percebo o quanto somos ainda
frágeis, débeis, em termos de formulação de políticas para a AAE. É uma lacuna no processo
de construção do SUS, na produção teórica e acadêmica, mas também denota a fragilidade que
temos na formulação de propostas para essa área entre os gestores do SUS. Dei uma entrevista
para o Canal Saúde e fiz uma síntese da AAE. Não superamos ainda o modelo que herdamos
do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps), que é centrado no
acesso ao especialista, no cuidado fragmentado, no pagamento por procedimento. A lógica do
acesso é marcada pelo valor remunerado e no procedimento e centrada apenas no ato médico.
Tome-se esse exemplo. Pesquisa que fizemos junto as centrais de regulação dos municípios e
dos estados que têm organização e atuação mais consistentes demonstram que algumas cen-
trais de regulação, por incrível que pareça, sequer conseguem identificar a fila de espera, o que
demonstra, por si só, uma fragilidade profunda. Quando se procura identificar quais são os princi-
pais problemas, na perspectiva dos reguladores, a demanda reprimida no campo da Ortopedia e
da Oftalmologia lideram nacionalmente. Fizemos uma pesquisa rápida , usando ferramentas de
EAD com os médicos que atuam na Atenção Básica, Programa Nacional de Melhoria do Acesso
e da Qualidade (PMAQ) e Mais Médicos, para ver qual era a principal demanda reprimida. Essas
duas especialidades também lideram a lista de problemas relacionados ao acesso à AAE.
Por meio de outra pesquisa, de opinião pública, que encomendamos à Secretaria de Co-
municação da Presidência da República, identificamos que a população também tem a mesma
percepção. Quando se olha qual é o principal problema de saúde da população brasileira, de
acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na Pesquisa Nacional de
Saúde que o Ministério da Saúde encomendou, “dor nas costas” aparece disparadamente como
o principal problema de saúde do brasileiro. Se vamos começar o programa Mais Especialida-
des ou reorganizaremos nossa AAE sem considerar o que será feito na Atenção Básica, explo-
diremos a agenda de todos os ortopedistas, reumatologistas, de todos os istas que puderem ser
colocados à disposição e não vamos dar conta de resolver a demanda dos brasileiros. Então,
torna-se necessário repensar qual é o modelo de cuidado; o novo modelo de cuidado que que-
remos implementar. Caso contrário, faremos mais do mesmo. Nós poderemos ampliar a oferta
e mesmo assim ela será ocupada por uma demanda imensa da população brasileira, sem que
haja uma definição clara do que deve ser resolvido, de um novo jeito de produzir o cuidado,

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 71


sem definir o que precisa ser resolvido na Atenção Básica, como manejar adequadamente os
pacientes com problemas crônico-degenerativos, como lidar com os problemas que são pas-
síveis de serem resolvidos com recursos tecnológicos de uma outra ordem de grandeza. Sem
isso, será impossível avançar.
Não há como produzir cuidado qualificado e resolutivo sem organizar o processo de regu-
lação e pensar a dimensão de escala. Esta tem sido a discussão que nós do Ministério da Saúde
estamos fazendo. Em breve, vamos abrir um processo de debates e consultas mais organizado
com os secretários municipais e estaduais de saúde. Vamos produzir um reconhecimento das
principais experiências nacionais e internacionais. O momento é de discussão e estruturação
da proposta interna, mas quero apresentar alguns princípios para orientar a discussão sobre a
Atenção Especializada.
O primeiro é romper com a ideia que, para mim, era muito forte e hoje foi superada, de
que a Atenção Especializada tem, de fato, uma divisão entre ambulatorial e hospitalar. Isso
ficará mais claro adiante. Quando iniciamos a discussão internamente no MS, partiu-se exa-
tamente disso: AAE. Mas quando se começa a analisar o que temos, onde os serviços são
ofertados etc., percebe-se que se trata de um artifício retórico dizer que a Atenção Especiali-
zada é feita apenas no Ambulatório. Ela é executada no Ambulatório, mas também ofertada,
em parte, na Atenção Básica, no ambiente hospitalar em vários outros espaços de cuidados.
Pode parecer que se trata apenas de uma questão semântica, mas não é, pois os provoca a
discutir Atenção Especializada em outras dimensões, para além do espaço da chamada Poli-
clínica ou do centro de especialidades. Se quisermos dar conta da integralidade, não existe
um espaço capaz de garantir a especialidade do cuidado ao usuário do SUS, que prescinda de
outros serviços especializados.
Quais são esses princípios com que temos trabalhado? Primeiro, mudar a forma de im-
plementar e organizar o cuidado, por meio de um conjunto de práticas articuladas que garantam
o atendimento integral das necessidades dos usuários, evitando-se fragmentação do cuidado
e garantindo-se efetividade. Assim, não adianta apenas instituir uma ficha de referência e con-
trarreferência, seja entregando-a nas mãos do usuário ou para a regulação, para que o usuário
e/ou a regulação construam o itinerário terapêutico necessário. Temos que pensar a oferta do
cuidado, de fato, de maneira integral. Resumidamente (porque não se restringe a isso): a con-
sulta do especialista; os exames complementares necessários; o suporte terapêutico, cirúrgico,
clínico, medicamentoso; a reabilitação; o cuidado psicossocial, enfim, o conjunto de práticas, o
conjunto de ofertas que precisam ser ofertados de maneira integral, executados, na medida do
possível, ao máximo no mesmo espaço. Se não forem ofertados no mesmo espaço, e isso po-

72
derá ocorrer em muitas circunstâncias, o arranjo produzido tem de estar garantido previamente
para garantir a integralidade, para não fragmentar o cuidado e para garantir efetividade, porque
o que mais se constata é a quantidade de exames que são feitos, mas não são sequer busca-
dos; a quantidade absurda de faltas de pacientes a consultas ou a procedimentos agendados,
quer dizer, em uma área onde falta tanto, há uma brutal irracionalidade e desperdício,. Essa é
uma questão para nós muito importante.
Um segundo princípio é a necessidade de promover um modelo de organização da aten-
ção que reconheça as necessidades dos usuários e que não parta da lógica dos especialistas,
claramente uma tendência observável em nosso sistema de saúde., Não podemos continuar
partindo das demandas impostos a partir de um equipamento ou do especialista, mas sim das
necessidades do usuário, que demandam tanto ações de cuidado permanente, acompanha-
mento longitudinal, quanto ações de cuidados mais imediatas e transitórias: condições crônicas
e condições agudas.
Vou dar o exemplo da traumo-ortopedia. Uma parte significativa dos casos que atualmen-
te aguardam atendimento em nossas filas vão desde os usuários que apresentam os chama-
dos eventos agudos, traumáticos, - com a necessidade de consultas, exames, procedimento
cirúrgico e de reabilitação para que possam voltar a viver normalmente sua vida -, como os
pacientes com cuidados crônicos, que exigirão cuidados ao longo de toda sua vida.
Ao observarmos o perfil de morbimortalidade que temos hoje, a mudança demográfica,
epidemiológica e nutricional que experimentamos, somos instigados a enfrentar novos pro-
blemas. Assim, , outra coisa que estamos claramente convencidos, é que a organização de
uma política de Atenção Especializada requer a produção de arranjos de cuidado que estamos
chamando de “módulos de cuidados resolutivos”, em que um conjunto de ofertas, um módulo
organizado de ofertas, com começo, meio e fim terá que ser ofertado ao usuário. Esse paciente
deixa de ser tratado como um objeto para o qual será meramente ofertado procedimentos. Pas-
sa a ser valorizado o vínculo com o projeto de cuidado, entre o usuário, a equipe multiprofissio-
nal e aquele serviço que faz a oferta de serviços especializados.
Mas temos reconhecidamente inúmeras condições crônicas, que vão exigir que, por toda
a vida daquele usuário, continuemos a ofertar cuidados integrais e especializados a eles. Em
um exemplo concreto, um paciente que tem diabetes extremamente grave, definir seu manejo,
o que na Atenção Básica é invariavelmente muito difícil; um paciente diabético que tem doença
renal crônica e vai precisar da hemodiálise ou transplante e de cuidados especializados por
toda sua vida. São várias as condições em que não teremos a possibilidade de garantir o aces-
so resolutivo em duas ou três semanas; em que em um mês, no máximo, é possível resolver o

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 73


problema do paciente e encaminha-lo para que volte para o cuidado na Atenção Primária. Essas
diferenças, portanto, exigem estratégias distintas, que não podem ser as mesmas, porque não
darão certo.
O terceiro princípio é o de garantir acesso aos serviços especializados, otimizando e
potencializando a rede existente, bem como contratando novos serviços com a reorganização
regional, considerando facilidade de acesso, escala, racionalidade, otimização de custos e, aci-
ma de tudo, equidade. Não é possível pensar que uma política de Atenção Especializada possa
ser construída exclusivamente a partir de novos investimentos, com a construção de novos pré-
dios e aquisição de novos equipamentos etc. desconhecendo que já temos uma rede que tem
uma grande capacidade potencial, que pode ser rearranjada – quer seja por meio dos serviços
públicos, filantrópicos e mesmo os privados já contratados, ou pela ampliação da oferta, se ne-
cessário, por parte dos serviços privados que não participam do SUS. Em três oportunidades a
direção da Unimed do Brasil, identificando em quais cidades do Brasil o sistema Unimed apre-
senta ociosidade, ou seja, capacidade de oferta adicional, fez sondagens junto ao Ministério da
Saúde demonstrando interesse no campo da atenção ambulatorial especializada, de participar
da oferta destes serviços. Ora, a própria Constituição já garante que, esgotada a capacidade
pública, pode-se promover a contratação do setor privado, com prioridade para o setor filantró-
pico, respeitadas as regras da administração pública.
É preciso, portanto, identificar quais são as regiões de saúde que apresentam vazios assis-
tenciais. Aí, sim, priorizar e fazer o investimento em ampliação da estrutura física, em equipamen-
to, em novas ofertas públicas de serviços, para poder garantir em todo o território nacional o direito
ao acesso necessário e equilibrado (produzir equidade de verdade). Podemos usar as emendas
parlamentares impositivas, que são fortemente indutoras do perfil de oferta de atendimento à po-
pulação brasileira e qualificar esta oferta. Iniciativas têm sido desenhadas por secretarias estadu-
ais de saúde ou por alguns municípios, fazendo a opção pelo investimento, na maioria das vezes
com recursos próprios, na construção de uma rede de policlínicas, de Ambulatórios Médicos de
Especialidades (AMEs), etc.. Cada gestor deve e vai ter a capacidade de analisar e identificar o
que for mais adequado para sua cidade, região ou estado, mas nós não pretendemos financiar
recursos para investimento no sentido de fazer toda uma substituição da rede já existente.
Não podemos atomizar recursos e esforços. Pelo contrário, temos que pensar na otimi-
zação da oferta quando se pensa em Atenção Especializada. Claro que temos situações muito
diferentes. Vou dar o exemplo da Oftalmologia, que tem custo muito elevado. Não faz sentido
concentrar em uma única cidade, de uma região, toda a oferta de Oftalmologia. Mas, quando
se fala em Atenção Especializada, o fator escala é decisivo para poder garantir racionalidade

74
e eficiência; então, mais do que nunca, se as secretarias estaduais de saúde não fortalecerem
sua capacidade de coordenação técnica, de construir e coordenar para valer o desenho de
regionalização, nas 438 regiões de saúde do país, não teremos uma política de Atenção Es-
pecializada. Teremos, novamente, um conjunto de ofertas insustentáveis e ineficientes. Essa é
uma questão muito importante.
Aponta, agora, algumas diretrizes como contribuição para o debate. Precisamos garantir
cuidado integral, tendo a Atenção Básica como ordenadora do cuidado, mas não avançaremos
se não contemplarmos a singularidade regional, olhando para as perspectivas das Redes de
Atenção à Saúde (RAS). O Brasil é muito diferente. Se for adotado o modelo de São Paulo no
resto do Brasil, não vai dar certo. Tão pouco o modelo do Ceará dará certo se for implantado
em todo o país. Precisamos delinear princípios e diretrizes nacionais, mas olhar para as ca-
racterísticas de cada região, para as suas singularidades e moldar a política de AE a partir do
respeito às diferenças regionais. Há características que têm a ver com capacidade de oferta
de especialistas, concentração tecnológica, distâncias, acesso… São muitos fatores a serem
considerados, porque todas as vezes que se produz uma política pausterizada, igualzinha para
todo o país, que amarra as condições de operacionalização para além dos princípios e diretri-
zes e que se fecha às necessidades regionais, deixamos essa realidade vazar entre os nossos
dedos. Simplesmente porque a realidade não se prende ao desenho que cabe no papel em que
é escrita a política ou a portaria.
Estamos procurando construir modelagens que permitam diferentes arranjos, consideran-
do a diversidade regional. Determinar desde o começo que cuidado e Atenção Especializada
se fazem de forma interdisciplinar e integrada, e não são objeto apenas do médico especialista.
Isso é decisivo. Como vamos cuidar? Quais são os protocolos e os padrões de uso que vamos
utilizar nas normativas? Que tipo de cuidado é feito na Atenção Básica pelas equipes de apoio
à Saúde da Família e pelas equipes de apoio matriciais? Como se envolverão? Voltemos ao
exemplo da “dor nas costas”. Vale mais a pena explodir de demanda nossos consultórios de
Ortopedia, de Neurologia e de Reumatologia com pacientes com “dor nas costas” ou valorizar
o trabalho dos fisioterapeutas no campo da Atenção Básica? Valorizar e implementar outras
práticas, como a ginástica postural, Tai-Chi-Chuan, o Lian Gong, a Acupuntura e outras práticas
que têm efetividade? Vários recursos hoje nao utilizados ou subutilizados podem responder à
parte significativa dos problemas que a população apresenta.
Será preciso, também, inovar no financiamento. Não podemos continuar financiando e
pagando por procedimentos. Claro que os procedimentos ajudam a construir a lógica de finan-
ciamento, mas se queremos instituir módulos de cuidados integrais resolutivos ou continuados,

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 75


teremos que pensar em modalidades de pagamento diferentes da que temos hoje. É a nossa
chance de superar definitivamente a lógica de pagamento por tabela de procedimentos do SUS.
Já fizemos em parte isso com os incentivos desde que foi criado o PAB fixo, PAB variado, Pisos
de Vigilância, até chegarmos aos incentivos de contratualização, mas nós temos possibilidade
de ir além; existem modalidades de pagamento praticadas mundo afora que são muito melhores
que a nossa tabela de pagamento por procedimentos, e temos hoje condição de implantá-las.
Entendo que é muito importante fazer a contratualização de forma consistente, para valer.
Por que estou afirmando isso? Este tema foi objeto da minha tese de Doutorado. Parte signi-
ficativa da contratualização virou meramente uma forma de repassar o recurso que não seja
pagamento de procedimento.
Muitos gestores estaduais e municipais não têm compromisso em fazer valer o que está
contratualizado – claro que estou generalizando, porque há os que fazem a gestão corretamen-
te – mas na maior parte das vezes não tem sequer noção do que está no contrato. Fazem trans-
ferência de recurso global e não fazem a gestão de nada do que esta no contrato. Vamos ter que
criar um processo de monitoramento e colocar o dedo na ferida. Se queremos mudar a modali-
dade de pagamento, fazer valer o processo de contratualização (que é muito mais do que uma
forma de transferência de recursos para o prestador), teremos que definir as responsabilidades
de cada ente que estará participando do jogo. Refiro-me não somente às responsabilidades
dos gestores, mas também a dos serviços, dos profissionais de saúde e dos próprios usuários.
Será preciso, portanto, um sistema de informação e registro que permita, o monitora-
mento a partir de uma linha de base, de acordo com cada problema, para cada especialidade.
Identificamos em nossos estudos que não há arranjo igual para todas as especialidades. Nesse
momento estamos trabalhando internamente a proposta para a Ortopedia e iniciando as dis-
cussões sobre Oftalmologia – como já antecipei – e é impressionante como cada uma delas
vai desenhando e exigindo a definição de regras de negócio – esse nome pode não ser o mais
adequado, mas é válido – que são absolutamente distintas de uma para a outra especialidade.
E quando entramos na discussão das especialidades mais clínicas, de cuidados mais conti-
nuados, já podemos perceber que exigirão outras modelagens. A informação, o registro e a
qualidade da informação vão ser fundamentais.
O foco na regulação é uma ferramenta fundamental para organizar o acesso, não apenas
com mecanismo de agendamento como hoje funciona, mas para a execução da gestão de fato,
tanto da fila como para priorização dos protocolos. A regulação tem de ter duas dimensões em
uma política de Atenção Especializada qualificada: a .regulação do acesso e a regulação do
cuidado (das práticas e da qualidade do cuidado).

76
Outra diretriz importante é utilizar o transporte eletivo como um dispositivo fundamental
para garantir o acesso em tempo oportuno e de forma humanizada, para os serviços de Atenção
Especializada e para garantir, de fato, o processo de regionalização. Não podemos dizer para
o município que está a 60 km de distância do lugar onde vai ser ofertado o atendimento ape-
nas que ele possui um certo número de vagas e que deve se virar para que a demanda possa
ser atendida. Ora, se queremos pactuar na região de Saúde um arranjo potente e organizado,
cujas ofertas vão estar divididas ou concentradas em uma cidade de referência, definir como
será o transporte coletivo, regulado, humanizado, com conforto, com respeito etc. é necessário
e possível. Mais, é imprescindível. Jamais imaginamos, até bem pouco tempo, que teríamos
hoje 75% do território nacional coberto com o SAMU. É outra lógica, mas nós já conseguimos
produzir arranjos para isso. Atualmente, apenas dois estados não participam do SAMU. Será,
possível, portanto, estruturar uma estratégia de transporte sanitário para o AAE.
Outro princípio: qualificar o cuidado utilizando ao máximo, de forma intensiva, as tec-
nologias de informação, o Telessaúde, para fazer teleconsultoria, segundo opinião formativa;
Tele-educação; Telediagnóstico… Quantas lesões dermatológicas podem, com uma câmera de
razoável resolução, serem apresentadas ao especialista, que ajudará a definir se deve ou não
antecipar a consulta do paciente, ou mesmo ajudar o clínico geral a resolver o caso? Quantos
casos podem ter o suporte dos especialistas, desde que tenham algum tempo na sua agenda
para apoio matricial? Que tenham, por exemplo, centrais que possam se especializar no supor-
te à Atenção Básica, que possam orientar o processo de formação desses profissionais? Isto
pode ser efetuado a partir de protocolos, das melhores evidências, as práticas mais adequadas,
porque esse é o “campo”, reconheçamos, da inovação e da criatividade desmedida. Então para
os gestores,, para segurança dos usuários e dos próprios profissionais, sem cercear as práticas
profissionais, poderemos organizar ao máximo possível o cuidado em saúde especializado a
partir de diretrizes e protocolos bem resolvidos.
Outra diretriz: ampliar a integração entre a Atenção Básica Especializada, já referida an-
teriormente, por meio de matriciamento, qualificando a capacidade de resolução dos problemas
na Atenção Básica. Ampliando os processos de educação permanente como recurso estraté-
gico para as ações e intervenções que possam responder às necessidades da população. E
se tivemos um bom registro de informações, uma boa capacidade de monitoramento, teremos
capacidade de orientar os esforços de educação permanente para resposta nesse sentido.
Outra diretriz é a participação por adesão e a da pactuação regional. Política em que
todos são obrigados a cumprir precisa ser bem discutida, porque não dá certo. A estratégia
de adesão e por região pode, de fato, construir um processo solidário de garantia de ofertas e

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 77


cuidados integrais e é extremamente importante. Agora, torna-se necessário, também, a insti-
tuição de um processo de gestão compartilhada, sem ferir o comando único, mas com gestão
compartilhada. Dificilmente se fecha um pacto regional se não houver um bom arranjo construí-
do solidariamente entre os gestores estaduais e municipais. Muitas circunstâncias envolvem re-
lações entre as fronteiras, entre as divisas, inclusive entre gestores estaduais também; porque
não são poucas as situações em que nossas regiões de oferta se complementam entre vários
estados, dois estados, três estados.
Para terminar, cabe registrar algumas questões adicionais. O processo regulatório tem
que garantir a integralidade do cuidado e que as ações sejam transversais e integradas entre
a rede de serviços: Básica, Especializada, Urgência e Emergência, Atenção Hospitalar. Será
decisivo o fortalecimento da regulação, portanto, porque não teremos política de Atenção Espe-
cializada se as nossas centrais de regulação não conseguirem sair da situação atual. Elas não
podem continuar a ser um mero espaço de marcação de consulta ou de parte das consultas. Ou
assumem e fazem regulação, de fato, ou não teremos atenção especializada.
A ordenação do cuidado deverá ser efetuada pela Rede Básica e o processo de regula-
ção também terá que alcançar o cuidado que é feito na Atenção Básica.
A gestão, como já afirmado, terá que ser compartilhada, porque temos municípios que têm
a regulação da sua oferta na região; temos o estado com regulação da oferta; e ainda serviços
que terão um novo arranjo de regulação. Então essa construção terá de ser feita com muitas
possibilidades. Identificamos mais de cinco tipologias de regulações, de modos de regulação,
hoje já praticados, cada um com suas vantagens e desvantagens, mas vamos ter de avançar
e definir se é possível chegar a um desenho que represente uma situação ideal, ou se também
teremos que trabalhar com arranjos distintos, que consigam colocar em prática tudo o que se
quer. Mas, de qualquer maneira, este é um tema decisivo. Não basta dizer que vai ter de ter
uma central de regulação que regule o acesso e a qualidade ou a execução dos protocolos etc.
A construção política desse arranjo de compartilhamento de responsabilidades intergestores é
fundamental.
Outra questão que nos parece ser muito importante – e aí já com algumas diretrizes
operacionais – é a seguinte: a contratualização tem de ser feita com todos os pontos de aten-
ção; com o estabelecimento de metas quantitativas, qualitativas e critérios de inserção no fluxo
regulado, mas comprometendo o conjunto de cuidados a serem ofertados. Não dá para, por
exemplo, contratualizar a Santa Casa ou o Hospital Universitário e ele não se responsabilizar
pelo conjunto de ofertas necessários, sob alegação de que não dispõe da totalidade de procedi-
mentos e atos necessários. Todos os pontos de contratualização, mesmo que os que não sejam

78
ofertados no mesmo serviço, devem estar na mesma regra do jogo, para que novamente não
se reproduza para o usuário a dispersão atualmente observada e não garantia da totalidade de
processos de cuidado exigidos. Não se pode aceitar a oferta apenas de “partes do cardápio”
de ofertas. O menu terá que ser oferecido e garantido de forma completa. A pactuação efetiva
de todos os fluxos assistenciais, de referência e de contrarreferência para integralizar a rede.
Será necessário a atualização de cadastros nacionais e estabelecimentos de usuários
para qualificar as informações prestadas pelo Sistema de Informação Ambulatorial Hospitalar;
se nós não tivermos um compromisso de todos os gestores com a atualização, não conseguire-
mos planejar a política de AAE.
Recentemente a presidenta Dilma assinou o decreto que cria o Cadastro Nacional de
Especialistas. Em 90 dias, o Conselho Nacional de Educação terá a responsabilidade de es-
tabelecer os critérios e teremos, até o final do ano, a base de dados do Conselho Federal de
Medicina (CFM), da Associação Médica Brasileira (AMB) e do Ministério da Educação (MEC)
unificadas. Isso é extremamente importante porque, pela primeira vez, saberemos quantos são
os especialistas, onde se formaram e onde estão atuando, tanto na área pública como privada.
Isso é decisivo e temos tido enormes dificuldades. Temos dialogado muito com CBO - o Colégio
Brasileiro de Oftalmologia e com a Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT).
Chegamos com uma informação do cadastro e eles apresentam outra. É completamente irracio-
nal a questão da informação. Chegou a hora de produzir uma atualização e faremos um esforço
imenso para criar uma linha de base e trabalhar essa informação. Vamos ter que adotar siste-
mas de informação para regulação integrados; não poderemos ter um sistema para a Atenção
Básica e outro para a Atenção Especializada. Teremos que garantir interoperabilidade com os
sistemas já existentes. Essa história de construir um sistema nacional de informações que vai
dar conta de tudo já não me engana. Precisamos integração e apoio para adoção de estratégias
de Telessaúde, matriciamento e para regulação. Serão necessárias também diretrizes operacio-
nais para regulação, do acesso no território, adoção de protocolos de regulação, de estratégias
de gestão das listas de acesso, como dar publicidade, como dar maior transparência.
Queremos a outorga de autoridade sanitária aos profissionais reguladores, avançando na
capacidade dos nossos reguladores poderem definir quem passa na frente da fila; e que não
seja pela carta do vereador ou do deputado. Os mecanismos de “pararregulação” governamen-
tal são os que imperam em boa parte do país. Não estou nem falando da regulação profissional,
aquela que envolve o comprometimento da equipe na solução dos problemas do usuário a partir
dos seus contatos e redes interprofissionais.. Estou me referindo aos mecanismos não republi-
canos, mas que permeiam e pressionam todos os gestores. Precisamos aproveitar esse ensejo

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 79


para criar um processo mais republicano, democrático, justo e mais civilizado para garantir
acesso às pessoas que mais precisam.
Quando me refiro a gestão de fila isso não se restringe a sequencia cronológica de en-
trada da demanda, mas na possibilidade de uma gestão clínica que permita, por exemplo, na
dermatologia, a partir de um protocolo, passar um caso de suspeita de melanoma na frente de
outro que se apresenta com hipótese diagnóstico de micose. Atender primeiro o idoso com fra-
tura de colo de fêmur, que poderá cursar, irremediavelmente, com embolia pulmonar e óbito, na
frente de um caso que pode esperar, por ser uma demanda de “dor nas costas” mais 15 dias ou
30 dias para consulta. Trata-se da gestão da fila, clínica e qualificada, trabalhando com critérios
objetivos.
Como fomentar, apoiar, integrar as práticas de microrregulação nas Unidades de Saúde?
E esse é um debate tão importante como o que já propusemos para a regulação do acesso
Normalmente os gestores não estão afeitos às discussões de microrregulação, mas esta
é uma questão essencial que diz respeito às relações de poder, à construção de interdiscipli-
naridade; de equipes, de fato, que tenham responsabilidade pelo cuidado. Entendo que neste
campo estão os desafios mais complexos. Podemos até conseguir produzir o arranjo sistêmico
e buscar o financiamento. A presidenta Dilma tem reiterado o compromisso com o Mais Espe-
cialidades (e se trata de um compromisso com recursos novos). Mas acho que o maior desafio
é no campo da microrregulação. Como fazer que aquele usuário que precisa de um conjunto de
cuidados, de ofertas, por vários profissionais de saúde, por vários serviços dentro da instituição,
não seja abandonado à sua própria sorte? Este tema terá que ser profundamente trabalhado,
Por fim, precisaremos definir prioridade e fazer a implantação da nova política de AE e a
regulação a partir das linhas de cuidados na lógica da integralidade e tempo oportuno. Estou
convencido que não adianta começar pôr tudo ao mesmo tempo. Teremos que fazer escolhas.
Temos uma proposta que nas próximas semanas, talvez no próximo mês, já seja apresentada
em reunião técnica com o CONASS e CONASEMS. Mas defendo uma política que seja imple-
mentada de forma incremental. E por que? Primeiro, porque não teremos os recursos neces-
sários para tudo ao mesmo tempo, para fazer todas as especialidades necessárias. Depois,
porque a ordem de grandeza dos problemas é distinta. Em algumas áreas temos arranjos de
Atenção Especializada que podem ser aprimorados, mas que não precisam ser efetuados no
primeiro tempo. Outros precisam ser enfrentados imediatamente. Como são, de maneira geral,
muito distintos, entendo que vale a pena começar por duas ou três especialidades inicialmente;
aprender com elas, antes de se produzir uma grande sistematização da política. Temos que nos
defrontar com os seus limites, com as suas impossibilidades, com a enorme complexidade que

80
significa fazer as mudanças, porque será uma política que terá que ser corrigida em ato, modi-
ficada e aperfeiçoada em ato, em processo.
De alguma maneira, os princípios e diretrizes que apresentei já começam a produzir
consensos, em particular nos interlocutores com quem temos conversado. Apresentá-las na
oficina do CONASS é um espaço para que agrega imenso o valor, pela qualidade, a crítica, a
informação qualificada e as muitas sugestões que recebermos. Esperamos fazer um processo
cuidadosamente construído, que seja capaz, de fato, de fazer que o país tenha uma política de
Atenção Especializada à altura do SUS e das necessidades da população brasileira.

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 81


1
ATENÇÃO AMBULATORIAL ESPECIALIZADA NO PARANÁ:
A EXPERIÊNCIA DA 15ª REGIÃO DE SAÚDE

MÁRCIA CECÍLIA HUÇULAK


Mestre em Planejamento e Financiamento em Saúde. Superintendente de Atenção à Saúde da Secretaria de Estado da
Saúde do Paraná.

MARISE GNATTA DALCUCHE


Mestre em Sociologia. Diretora do Núcleo de Descentralização do SUS da Secretaria de Estado da Saúde do Paraná.

O estado do Paraná, na década de 1990, incentivou a criação de Consórcios Intermunici-


pais de Saúde para assumirem os Centros Regionais de Especialidades gerenciados na época
pela Secretaria Estadual da Saúde e herdados do antigo Instituto Nacional de Assistência Médi-
ca da Previdência Social (Inamps).
Os Centros de Especialidades gerenciavam exclusivamente consultas médicas espe-
cializadas.
Os Consórcios foram se difundindo em todo o estado e hoje são 24 Consórcios que
gerenciam Ambulatórios de Especialidades, 20 das 22 regiões de saúde do estado. Em duas
regiões de saúde há mais de um Consórcio, sendo que nesses casos os Ambulatórios de
Especialidades atendem a uma microrregião. O tamanho do Ambulatório de Especialidade
depende do tamanho da região de saúde. As regiões de saúde do estado variam de 137.000
a 3.300.000 habitantes.

82
O fato de os Consórcios assumirem os Centros de Especialidade foi uma inovação na
época em que isso aconteceu. Outra inovação foi que os municípios começaram a financiar a
média complexidade. Com isso, criou-se nova instância administrativa que, aos poucos, foi se
distanciando do Sistema Único de Saúde (SUS), atuando de forma isolada e fragmentada.
Ao assumirem os Centros Regionais de Especialidades (CREs), a denominação CRE ex-
tingue-se e esses serviços passaram a ser denominados de Consórcios.
Ao longo dos anos, a Secretaria de Estado da Saúde (SESA), por definição da gestão, à
época, distanciou-se desses Consórcios, deixando de investir no atendimento ambulatorial es-
pecializado, e eles foram sobrevivendo conforme suas possibilidades. Alguns se transformaram
em agência de intermediação para contratação de consultas especializadas em consultórios par-
ticulares. O atendimento dos Consórcios foi crescendo de tal forma que hoje há Consórcios que
têm orçamento muito maiores que muitos municípios do estado. Porém esse crescimento não
alterou a forma de atendimento e reproduz o modelo hegemônico de organização da Atenção
Ambulatorial Especializada (AAE) no SUS, que é o modelo SILOS:
Uma análise histórica da saúde pública brasileira mostra que o modelo SILOS
consolidou-se na experiência do Instituto Nacional de Assistência Médica da
Previdência Social (Inamps) de trazer para o seguro social brasileiro os supos-
tos da medicina liberal, gerados nos Estados Unidos. Sua forma mais acabada
foram os Postos de Assistência Médica (PAMs), grandes catedrais flexnerianas,
de baixa efetividade e de grande ineficiência, que, até hoje, teimam em perma-
necer nos centros urbanos brasileiros. Após o fim do Inamps esses modelos de
organização da AAE em SILOS passaram a denominar-se, mais comumente, de
centros de especialidades médicas ou de policlínicas. (CONASS, 2015)

O Plano de Governo 2011-2014 apontou para a necessidade de se implementar esse ser-


viço e estabeleceu como diretrizes:
• a construção de Centros de Especialidades;
• a mudança do modelo de atenção; e
• o investimento com recursos financeiros para custeio e capital (aquisição de equipa-
mentos) e capacitação.
E, com isso, foi criado o Programa de Apoio aos Consórcios Intermunicipais de Saúde do
Paraná (COMSUS).
Em 2011, quando assumiu a nova gestão estadual, e de acordo com a Portaria Ministerial
n. 4.279, de 30/12/2010, e o Decreto Presidencial n. 7.508, de 28/6/2011, a SESA iniciou a im-
plantação de Redes de Atenção à Saúde (RAS), definindo em seu mapa estratégico que as Re-
des Prioritárias são: Rede Mãe Paranaense (materno-infantil), Rede de Urgência e Emergência,
Rede de Saúde Mental, Rede de Atenção ao Idoso, Rede de Atenção à Pessoa com Deficiência.

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 83


Para isso, o envolvimento das equipes de Atenção Primária à Saúde (APS) e das equipes da
AAE é imprescindível.
Para a implantação das RAS, definiu-se a implantação de três programas para dar sus-
tentabilidade às Redes: Programa de Qualificação da Atenção Primária à Saúde (APSUS),
COMSUS, HOSPUS.
APSUS: Para a implantação das RAS tem papel preponderante a Atenção Primária or-
ganizada em todos os municípios do Paraná, com definição de sua área de abrangência, co-
nhecendo o seu território e os seus determinantes sociais da saúde, atuando com ações de
promoção, prevenção e cuidado dos cidadãos em todo o seu ciclo de vida. Esta concepção de
Atenção Primária é baseada na experiência nacional e internacional que tem fortes evidências,
países que investiram na Atenção Primária têm melhores resultados sanitários que aqueles
que optaram por um sistema focado na atenção ao evento agudo, um sistema hospitalocêntrico
(MENDES, 2009).
Dessa forma, a SESA definiu como uma ação estratégica a implantação de um programa
de apoio aos municípios, o APSUS, que propõe a melhoria da APS em todo Paraná. O APSUS
tem três componentes, um componente de investimento na melhoria da estrutura das Unidades
de Saúde (construção, reforma e ampliação e equipamentos), um componente de custeio para
as equipes (incentivo estadual mensal) e o componente de educação permanente, que são as
oficinas do APSUS, e os cursos de capacitação para as equipes da APS. No período de 2012 a
2014 participaram mais de 30 mil profissionais que atuam na APS nas oficinas e nos cursos de
atualização que abordaram temas relativos à territorialização, estratificação de risco das ges-
tantes e crianças, hipertensão e diabetes, idoso, saúde mental, saúde bucal, monitoramento e
avaliação de indicadores, programação da atenção, entre outros.
HOSPSUS: Programa de Apoio e Qualificação de Hospitais Públicos e Filantrópicos do
SUS Paraná (HOSPSUS), implantado em 2011, modifica a lógica da relação entre o estado e os
hospitais públicos e filantrópicos que prestam serviços pelo SUS.
O HOSPSUS tem como objetivo oferecer à população paranaense atendimento hospita-
lar de qualidade e com resolubilidade o mais próximo possível de sua residência, otimizando a
eficiência dos hospitais e contribuindo para o desenvolvimento de um parque hospitalar público
e filantrópico no estado, social e sanitariamente essenciais para atender as necessidades da
população em todas as regiões de saúde.
Atualmente o HOSPSUS, compreende 3 fases:
Fase I – destinado aos hospitais públicos e filantrópicos e à consolidação da Rede Mãe
Paranaense (pré-natal e parto de alto risco) e Rede de Urgência.
Fase II – voltado para a Estratégia de Qualificação do Parto, voltado a hospitais públicos
e privados que realizam partos de risco habitual e risco intermediário.

84
Fase III – voltado para hospitais públicos, destinado a dar suporte à Rede de Urgência,
Rede de Saúde Mental e Rede de Cuidados Continuados.
COMSUS: Programa Estadual de Apoio aos Consórcios Intermunicipais de Saúde do
Paraná, implantado em 2012, nasceu com o propósito de qualificar a atenção ambulatorial se-
cundária do estado para atender as necessidades de saúde da população.

Objetivos Específicos do COMSUS


• Alinhar o modelo de atenção dos Consórcios Intermunicipais de Saúde (CIS) de acor-
do com as redes de atenção à saúde prioritárias – Rede Mãe Paranaense, Rede de
Urgência e Emergência, Rede de Atenção à Saúde do Idoso, Rede de Atenção à Pes-
soa com Deficiência e Rede de Atenção à Saúde Mental.
• Implantar incentivo de custeio para ampliar a oferta de serviços especializados.
• Implantar incentivo de investimento para a melhoria da estrutura e de equipamentos
dos Centros de Especialidades Regional.
• Inserir os CIS nas RAS, integrados com a atenção primária e atenção terciária.
• Operar com eficiência e efetividade.
• Preencher vazios assistenciais.
• Melhorar a qualidade da gerência dos consórcios.
Todos os Programas são criados com três componentes:
• Incentivos de custeio: valor destinado ao custeio das ações de nível primário, secun-
dário e terciário e utilizando critérios específicos para cada Programa de acordo com a
população de abrangência ou capacidade instalada.
• Incentivo de investimento: valor destinado a obras ou equipamentos médico-hospi-
talares e outros, sendo que os equipamentos indicados para aquisição devem estar
vinculados às redes de atenção à saúde prioritárias.
• Capacitação: ofertada de cursos de formação, aperfeiçoamento e especialização, des-
tinado a equipes de saúde, gerentes de hospitais e consórcios.
A implantação do COMSUS abriu um canal de comunicação entre a SESA e os CIS. E esse
canal possibilitou rever a forma de atendimento que vem sendo realizada. Foram realizadas duas
Oficinas, em 2013, sobre RAS e Modelos de Atenção. Os modelos de atenção são um dos três
elementos constitutivos das RAS.
Os modelos de atenção à saúde são sistemas lógicos que organizam o funcio-
namento das RAS, articulando, de forma singular, as relações entre os com-
ponentes da rede e as intervenções sanitárias, definidos em função da visão
prevalecente da saúde, das situações demográfica e epidemiológica e dos deter-

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 85


minantes sociais da saúde, vigentes em determinado tempo e em determinada
sociedade (MENDES, 2011).

Os modelos de atenção às condições crônicas destinam-se ao atendimento de portadores


de condições crônicas não agudizadas e diferenciam-se dos modelos de atenção às condições
agudas e agudizadas das condições crônicas que não serão tratados aqui.
A partir da apresentação e discussão do modelo de condições crônicas, a Direção do
Consórcio Intermunicipal de Saúde do Setentrião Paranaense (CISAMUSEP), com sede em Ma-
ringá, colocou-se à disposição para acolher um projeto-piloto de atenção às condições crônicas.
Em 2014, foi realizado o Curso de Aperfeiçoamento em Gerenciamento de Consórcios
Intermunicipais de Saúde, em uma parceria entre a SESA e a Associação de Consórcios Inter-
municipais de Saúde e Associações Regionais de Saúde do Paraná (ACISPAR), realizado pela
Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR). O Curso foi realizado pela PUC/PR, sendo
um curso In Company, organizado especificamente para esse público. Além das disciplinas tra-
dicionais esse Curso prevê a realização de várias oficinas que têm relação direta com as RAS e
Modelo de Atenção, sendo que nessas oficinas é permitida a participação de outros técnicos do
serviço, além dos inscritos no curso.

O Modelo de Atenção às Condições Crônicas (MACC)

A implantação de um novo modelo de atenção à saúde exige mudanças profundas da


equipe de saúde da SESA, dos Consórcios Intermunicipais de Saúde e das Secretarias Muni-
cipais de Saúde. As equipes de APS estavam sendo trabalhadas por meio do APSUS, como
já se relatou anteriormente, desde 2012, e o nível gerencial da atenção especializada estava
participando do Curso de Aperfeiçoamento em Gerenciamento de Consórcios Intermunicipais
de Saúde, em 2014. Havia, portanto, terreno favorável para se implantar um projeto piloto e
o interesse da SESA desde o início da gestão de transformar a AAEem um ponto de atenção
das RAS.
Os problemas que decorrem da organização em silos da AAE exigem uma res-
posta que implica mudanças profundas que levem à sua integração em RAS co-
ordenadas pela APS. Isso significa instituir um novo modelo organizativo da AAE
que se denomina de organização em redes ou modelo PASA e que se sustenta
em dois pilares fundamentais: a coordenação do cuidado entre a AAE e a APS
e a construção da AAE como um ponto de atenção secundária ambulatorial de
uma RAS coordenada pela APS. (CONASS, 2015)

86
Estratégias de Implantação do MACC

Ficou estabelecido que o projeto-piloto para implantação da atenção às condições crônicas


seria a região de saúde de Maringá que tem aproximadamente 750.000 habitantes e 30 municí-
pios vinculados ao CISAMUSEP que está situado no município de Maringá.

Mapa da 15ª Região de Saúde de Maringá, Paraná, 2015.

Os primeiros passos foram o contato direto com a equipe da 15ª Regional de Saúde de Ma-
ringá para exposição sobre o projeto e buscar identificar quais as Unidades de Atenção Primária
à Saúde (UAPS) fariam parte do projeto. Ficou definido que inicialmente duas UAPS participa-
riam: UAPS Tancredo Neves, de Munhoz de Melo, e a UAPS Céu Azul, de Maringá.

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 87


Foram realizadas visitas de conhecimento e apresentação do projeto nas duas UAPS. Foi
perguntado às equipes se elas aceitavam participar do projeto. As equipes das duas Unidades
aceitaram participar do projeto.
Foi realizada também visita ao CISAMUSEP e apresentação da proposta para a equipe de
trabalho que também aceitou participar do projeto.
Após a visita às equipes e às Unidades foi realizado um Seminário sobre Modelo de Aten-
ção às Condições Crônicas e apresentação da Linha Guia da Hipertensão Arterial e Diabetes, do
qual participaram as equipes das duas Unidades e do CISAMUSEP, após apresentação concei-
tual, na discussão dos temas foram identificadas as seguintes questões:
• as equipes da AAE e da APS não se conheciam;
• as equipes da AAE e da APS não trabalhavam com estratificação de risco dos usuários;
• o usuário era encaminhado da APS para a AAE através do agendamento de consultas,
conforme disponibilidade de horário dos médicos;
• não há vinculação do usuário ao médico ou à equipe;
• o usuário era agendado sempre para uma consulta médica;
• não há resolubilidade nas consultas;
• o usuário era devolvido para a APS sem contrarreferência ou Plano de Cuidados;
• o usuário era devolvido para a APS para fazer exames complementares.
Os generalistas são os profissionais de saúde que atuam na atenção primária e os espe-
cialistas são os profissionais que atuam na atenção especializada. Isso exige competências e
habilidades diferenciadas que muitas vezes não são observadas, nem tampouco aplicadas no
SUS, muitas vezes confundindo-se os papéis, inclusive pelo fato de que há muitos especialistas
que desempenham função na APS.
Os médicos que praticam a APS devem tolerar a ambiguidade porque muitos
problemas não podem ser codificados segundo uma nomenclatura padrão de
diagnóstico; devem saber se relacionar com as pessoas usuárias sem a pre-
sença de uma anomalia biológica; e devem ser capazes de manejar vários pro-
blemas ao mesmo tempo, muitas vezes não relacionados com uma etiologia ou
uma patogênese. O médico da APS é orientado para os problemas e formado
para responder às manifestações mais frequentes desses problemas, num con-
texto de atenção centrada na pessoa e na família e com orientação comunitária.
Ele deve ter competências para a solução de problemas não diferenciados, com-
petências preventivas, competências terapêuticas e competências de gestão de
recursos locais (McWHINNEy e FREEMAN, 2010). (CONASS, 2015)
Diferentemente, os especialistas geralmente veem uma doença em estágios
mais avançados ou após encaminhamento pelos generalistas; como seu trei-

88
namento ocorre em pontos de atenção secundários e terciários, operam com
estágios mais diferenciados dos problemas e tendem a superestimar a probabi-
lidade de ocorrência de enfermidades sérias na população (STARFIELD, 2002).
Os especialistas, ao lidar com maior frequência com determinados problemas,
podem produzir serviços de maior qualidade em sua especialidade, em função
da escala. Mas não estão tão bem preparados para lidar com sintomas e enfer-
midades vagos ou com serviços preventivos ou autocuidado, o que significa, por
outro lado, perda de qualidade da atenção à saúde. Embora especialistas usual-
mente apresentem melhor adesão a diretrizes clínicas voltadas para a atenção a
doenças específicas, os desfechos gerais da atenção (especialmente, mas não
exclusivamente, desfechos relatados por pessoas usuárias) não são melhores
e, frequentemente, são piores, que quando o cuidado é provido por médicos
generalistas. (CONASS, 2015)

Na prática atual, a equipe de especialistas e a equipe de generalistas não se conhecem


e não se relacionam, o que não agrega valor ao usuário do serviço além de gerar insatisfação
profissional. O usuário é encaminhado ao ambulatório de especialidades por meio de uma cen-
tral de agendamento de consultas, sendo que o agendamento pode ser feito para diferentes
profissionais dentro da mesma especialidade dependendo da oferta da agenda. O usuário não
tem vínculo com o profissional médico e na maioria das vezes não tem atendimento por equipe
multiprofissional. O atendimento ao usuário é fragmentado e isolado não havendo qualquer in-
terrelação entre as equipes.

A forma mais efetiva e eficiente de relação entre a APS e a AAE, essência do


modelo PASA, é a coordenação do cuidado em que a tarefa do cuidado é res-
ponsabilidade solidária de generalistas e de especialistas, sob coordenação da
atenção primária. A forma da referência e contrarreferência, a mais conhecida
no SUS, é uma condição necessária, mas não suficiente para a coordenação do
cuidado, já que não envolve, necessariamente, o apoio nos momentos de transi-
ção, as visitas periódicas e o trabalho conjunto entre especialistas e generalistas
e a intermediação por gestores de caso. Todos esses elementos são incorpo-
rados no modelo PASA que se diferencia, radicalmente, do modelo em silos,
mas que agrega, como partes suas, a referência e a contrarreferência, as visitas
periódicas de especialistas a generalistas, o trabalho conjunto e a intermediação
de gestor de caso em certas circunstâncias. (CONASS, 2015)

O segundo encontro com as equipes foi para pactuar um cronograma de atividades e a


data de início do projeto.

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 89


Cronograma de implantação gradual do Modelo de Atenção às Condições Crônicas –
15a Região de Saúde de Maringá – PR, 2014
Atividade Público-Alvo Data
Seminário para pactuação de compro- Gestores e equipes 28 de julho
missos e definição de prazos com os SMS, Gerentes e
gestores; pactuação do início da estratifi- equipes CIS
cação de risco, validação dos processos
para linhas de cuidado da hipertensão
arterial e diabetes
Inserir no processo de tutoria as UAPS
selecionadas
Capacitação das linhas / estratificação Equipes APS e CIS 18 de agosto
de risco / manejo da hipertensão arterial
Capacitação para o manejo da Diabetes Equipes APS e CIS 1o de setembro

Viagem a Santo Antonio do Monte/MG Regional de Saúde, 16,17 e 18 de setembro


Equipes APS e CIS
Início do encaminhamento de usuários Equipes APS e CIS 1o de outubro
com estratificação de risco
Capacitação para demais tecnologias Equipes APS e CIS 13 e 14 novembro
leves de manejo clínico – consulta
compartilhada, autocuidado apoiado,
grupo operativo

A Implantação do MACC

Às equipes da APS, das duas Unidades de Saúde Municipais, foi apresentado o formulário
referente ao processo de Qualificação da Unidade de Saúde, ao qual se tem denominado Tuto-
ria na Atenção Primária.
Para o desenvolvimento da tutoria, seguindo os fundamentos da APS e da gestão da qua-
lidade, foi estabelecido o Selo da Qualidade, como estratégia motivacional para as equipes. O
Selo da Qualidade é um instrumento que apresenta três níveis:
1. o selo bronze, que tem por objetivo aferir o gerenciamento de risco, para garantir se-
gurança ao cliente;
2. o selo prata, que visa aferir o gerenciamento dos processos, para garantir valor aos
clientes finais;
3. o selo ouro, que deve aferir os resultados, para garantir efetividade das ações desen-
volvidas pela equipe.

90
O instrumento de avaliação agrega itens constantes no Manual de Acreditação da Orga-
nização Nacional de Acreditação (ONA), no Programa de Melhoria da Qualidade do Ministério
da Saúde (PMAQ), nas Metas de Segurança da Qualidade da Organização Mundial da Saúde
(OMS) e nos Guias das Oficinas de Qualificação da Atenção Primária (APSUS), da SESA/Pa-
raná.
Em pouco tempo essas duas Unidades se adequaram para alcançarem o Selo Bronze.
A equipe do CISAMUSEP também começou a organizar-se para receber os usuários e
passou a ter vários contatos com as equipes da atenção primária e uma das primeiras coisas
que foi pactuado entre as duas foi a maneira de agendar esses usuários pela central de agenda-
mento de consultas de forma que fosse encaminhado para o atendimento e não mais agendado
para a consulta médica de um ou outro especialista. As equipes estabeleceram junto com a
central de agendamento um código diferente para esses usuários.
Outro fato importante da equipe da atenção especializada foi discutir e implantar os fluxo-
gramas, a seguir, de agendamento, atendimento e de atenção contínua:

Fluxograma de agendamento

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 91


Fluxograma de atendimento

92
Os usuários dão entrada no ambulatório apresentando-se ao guichê de cadastro onde são
identificados e recepcionados, de forma que sejam identificados para o projeto MACC, como a
equipe denominou o projeto. O usuário é identificado com a figura de um coração e segue um
caminho no prédio onde estão colocados corações nas paredes até a chegada no ponto de
apoio, onde tem uma técnica de enfermagem que está preparada para recepcioná-lo. O ponto
de apoio recebe e encaminha o usuário de acordo com a sua necessidade e de acordo com
o fluxograma. Não há uma ordem para o atendimento da equipe multiprofissional (os usuários
vão sendo encaminhados de acordo com a disponibilidade da equipe). Após cumprir o fluxo, o
usuário passa pelo ponto de apoio que verifica e orienta sobre o Plano de Cuidados.

O papel da Equipe Multiprofissional

A equipe do CISAMUSEP teve o cuidado de definir o papel de cada profissional para que
cada qual soubesse seu papel e que o papel de cada um não fosse confundido com o papel dos
profissionais dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), vinculados à UAPS.
O projeto conta ainda com um médico cardiologista e um endocrinologista. Há disponibili-
dade de outros profissionais que atendem os usuários, se necessário, como o oftalmologista e
angiologista.
Os exames necessários são agendados pelo próprio ambulatório. O ambulatório tem dis-
ponibilidade dos seguintes exames, no mesmo local da consulta: Holter, MAPA, teste ergomé-
trico, ecocardiograma.
Atualmente, faz parte da equipe um farmacêutico clínico que tem orientado os usuários
quanto ao uso adequado dos medicamentos. O ambulatório conta com um consultório para
atendimento a feridas que não é exclusivo desse projeto, mas atende aos usuários que fazem
parte do projeto.
A equipe utiliza um modelo de Plano de Cuidados que já passou por três alterações.
Na última alteração foi incluído espaço para anotações dos profissionais da Atenção Primária.
Quando o paciente retorna ao ambulatório especializado é possível saber quais foram os acom-
panhamentos e orientações realizados pela equipe da atenção primária.
Está sendo desenvolvido também o Grupo MACC, que é um atendimento mensal em
grupo dos usuários do projeto. Esse grupo desenvolve vivências em relação aos riscos da hiper-
tensão arterial e diabetes.
No início dos trabalhos já foi possível observar mudança no atendimento aos usuários.
Uma dessas mudanças pode-se verificar no depoimento de uma usuária, a seguir:

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 93


Hoje foi a primeira vez que eu vim e eu gostei de mais porque aqui a gente foi muito
bem acolhida, sem contar que você passa por vários médicos. Eu trabalho, então se eu
tivesse que vir um hoje, outro amanhã ou depois, ia ficar complicado. Eu não ia vir, com-
plicava minha vida no serviço. Então foi bom demais, eu sou diabética há 17 anos e nunca
ninguém tinha examinado meus pés, por exemplo. Então eu gostei demais, foi muito bom,
eu senti uma confiança muito grande nela quando ela falou que estava tudo bem, que o
resultado ainda estava bom, me explicou sobre o calçado que nunca ninguém tinha me ex-
plicado, o tipo de calçado que eu tinha que usar. Outra coisa que eu gostei demais também
é que eu tomo insulina há 13 anos e eu achava, por exemplo, que tomar insulina na barriga,
em qualquer parte da barriga eu podia aplicar que não ia ter problema nenhum. Hoje não,
ela me explicou, ela fez um desenho de como eu tinha que tomar esta insulina, como que
eu tinha que fazer com o frasquinho desta insulina, acondicionar, ela me explicou que não
tem a necessidade de deixar na geladeira, eu deixava por exemplo na porta, ela me disse
que não tem necessidade de deixar na geladeira e que se deixar o ideal não é na porta. Um
monte de coisa nova que eu há tantos anos estava fazendo errado e que ninguém nunca
parou para conversar e para explicar qual era a maneira certa. No psicólogo eu nunca tinha
passado, a gente sente meio assim, é meio impactante porque ela é bem verdadeira, só que
aí, cai sua ficha, que de repente você está dando mais atenção para o serviço, e não está
cuidando de você. Então foi um grande despertar e agora saber que eu também vou passar
no nefro que é uma coisa bem interessante, que eu estava bem ansiosa com o exame que
eu fiz, que deu meio alterado, então vai ser muito interessante também. Eu senti que vai
ser bom demais e que nossa vida vai melhorar muito, vai melhorar bastante, bastante, e
você fica motivada para voltar. Aí você vai ver tudo completo, o que tiver que melhorar, vai
melhorar. As mudanças que tiver que ser feita vai fazer e que isto vai reverter benefícios
para nossa vida. (Usuária, 2015)

Enquanto esse projeto se desenvolve, os demais atendimentos continuam sendo feitos da


forma tradicional. Hoje tem-se um entendimento de que esse modelo é perfeitamente aplicável
às gestantes e crianças de risco, idosos e hipertensos e diabéticos.
O que tem se observado nesse projeto é a motivação da equipe do CISAMUSEP, que
sempre se apresenta de forma envolvida e emocionada com os progressos e os resultados que
têm obtido dos usuários. O projeto atendeu, desde outubro de 2014 até o momento (agosto
de 2015), perto de 300 usuários. Atualmente está sendo ampliado esse atendimento para 11
Unidades de Saúde em oito municípios da região. Já há alguns dados de resultados do projeto,
tendo-se usuários com o diabetes compensado (hemoglobina glicosilada igual ou abaixo de 9%,
hipertensos com pressão arterial sistólica igual ou abaixo de 140 mmHg e com pressão arterial

94
diastólica igual ou abaixo de 90 mmHg. Também se identificaram usuários que reduziram o Ín-
dice de Massa Corporal (IMC).
O que contribuiu para o bom desempenho desse projeto:
• a implantação do COMSUS, que abriu a possibilidade de pensar-se em nova forma de
atendimento;
• o Programa de Qualificação da Atenção Primária por meio do alcance do selo bronze
no processo de Tutoria, nas UAPS/Unidades de Estratégia de Saúde da Família (ESF);
• o envolvimento simultâneo das equipes de atenção primária e de atenção especializa-
da no projeto-piloto;
• a participação da equipe do CISAMUSEP nas oficinas do Curso de Aperfeiçoamento
em Gerenciamento de Consórcios Intermunicipais de Saúde o Paraná;
• o acompanhamento dos consultores da SESA;
• o acompanhamento da equipe regional no desenvolvimento do projeto.
Nesse processo, o que ficou evidente é que não se pode organizar a atenção especializa-
da sem se organizar a atenção primária. Nessa experiência, a organização ocorreu simultanea-
mente, de forma complementar. Para que o ambulatório de atenção especializada seja um ponto
de atenção das RAS, é necessário que a atenção primária cumpra sua função resolubilidade,
ou seja, resolver grande parte dos problemas mais comuns que se apresentam nas UAPS e de
coordenação e ordenamento dos fluxos entre os pontos de atenção das redes.
A SESA do Paraná tem mais um projeto-piloto, dentro deste modelo que está desenvol-
vendo na 20ª região de saúde, em que o diferencial é o atendimento às gestantes de alto risco
e risco intermediário, além dos hipertensos e diabéticos. Outros ambulatórios de especialidades
têm mostrado interesse em implantar esse atendimento às condições crônicas. Espera-se que
essas equipes de trabalho possam se motivar para desenvolver ações de saúde que agreguem
valor aos usuários e que resultem em melhoria das condições de saúde e de vida da população.

Bibliografia

MENDES, E. V. As Redes de Atenção à Saúde. Brasília: Organização Pan-americana da Saúde,


2011.
____. Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada. Seminário CONASS, 2015.

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 95


2
FUNDAÇÃO DR. JOSÉ MARIA DOS MARES GUIA
INSTITUTO REGIONAL DE SAÚDE DA MULHER –
CENTRO INTEGRADO VIVA VIDA E HIPERDIA

WILMAR DE OLIVEIRA FILHO


Médico, Ex-Prefeito de Santo Antônio do Monte.

PRISCILA RABELO LOPES


Enfermeira, Coordenadora do Centro Integrado Viva Vida e HiperDia de Santo Antônio do Monte.

Histórico
Santo Antônio do Monte está localizado no Centro-Oeste Mineiro, bem no centro mes-
mo, próximo a Divinópolis. Fica a 194 km de Belo Horizonte. A população estimada para 2015
é de 27.752 habitantes. A economia do município é baseada na produção de fogos de artifícios
(maior produtor da América Latina e o segundo mundial).

96
A rede de saúde da Atenção Primária é composta por oito unidades de Saúde da Fa-
mília, com 97% de cobertura; uma equipe de Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), uma
farmácia municipal, um laboratório municipal. Na Atenção Ambulatorial Especializada (AAE) há
o centro de HiperDia – Viva Vida especializada em condições crônicas na Fundação de Saúde.
Dr. José Maria dos Mares Guia. Existe uma unidade de apoio à Saúde da Família, um serviço de
especialidade odontológica, um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e um centro de imagem
e diagnóstico também localizados na Fundação de Saúde. A Atenção Terciária do município é
composta por um hospital municipal de pequeno porte, o pronto-atendimento municipal atual-
mente sob gestão da fundação de saúde e uma unidade de ponto-atendimento (UPA), em fase
final de construção.
A Fundação Dr. José Maria dos Mares Guia presta serviços de saúde à macrorregião
do Centro-Oeste Mineiro e o Centro Integrado Viva Vida e Hiperdia prestam atendimento à mi-
crorregião Divinópolis/Santo Antônio do Monte.
A Fundação Dr. José Maria dos Mares Guia, criada no primeiro mandato do Dr. Vilmar
de Oliveira Filho, manteve-se na prestação de serviço especializado de exame e diagnóstico,
como mamografia, Raios X simples, contrastado, ultrassonografia, litotripsia extracorpórea, den-
sitometria óssea, endoscopia digestiva, eletrocardiograma, eletroencefalograma, teste ergomé-
trico e pequenas cirurgias.
Criada na década de 1990, a Instituição foi pioneira na adoção de políticas públicas
para a saúde da mulher tornando-se referência do primeiro Consórcio Intermunicipal de Saúde
de caráter descentralizado, alcançando 1grande notoriedade. No decorrer dos anos consolidou

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 97


sua cultura de excelência na assistência humanizada, inovação, gestão competente, obtendo
reconhecimento da região e no estado de Minas Gerais.
Em 2007, foi escolhida, pela sua série histórica, para acolher o primeiro Centro Viva Vida
de Minas Gerais. Em 2009, foi premiada como instituição modelo com o Prêmio Ênnio Leão. Em
2010, foi contemplada com o Centro Hiperdia, passando a constituir o Centro Integrado. Atualmen-
te, é referência nacional em saúde pública como modelo de gestão e de prestação de serviços.
Foi considerado em 2012 referência no cuidado das condições crônicas. Em 2013 ocor-
reu a instalação e gestão do pronto-atendimento municipal nessa instituição. Em 2013, em par-
ceria com a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), o CONASS, a Secretaria Estadual
de Saúde (SES) e a Prefeitura de Santo Antônio do Monte houve a implantação da participação
do Laboratório de Inovação de Atenção às Condições Crônicas (LIACC) de Samonte. E como
parte das atividades do LIACC, a Universidade Federal de Minas Gerais está realizando uma
Pesquisa de avaliação do laboratório de inovações no cuidado das condições crônicas na Aten-
ção Primária à Saúde (APS) de Santo Antônio do Monte/MG.
Qual que é o público-alvo desse laboratório? O público-alvo é a gestante e as crianças
de alto e muito alto risco, mulheres com alteração nos exames mamográficos, exames gineco-
lógicos, planejamento familiar, tratamento de lesões de DST e assistência à vítima de violên-
cia sexual. Os atendimentos são: Obstetrícia, Pediatria, Ginecologia, Mastologia, Enfermagem,
Nutrição, Serviço Social, Fisioterapia. Exames e procedimentos: Mamografia, ultrassom, car-
diotocografia basal, PAAF, core biopsy, Cirurgia de Alta Frequência (CAF), eletrocauterização,
colposcopia, inserção de Dispositivo Intrauterino (DIU).
Na rede do Hiperdia, o objetivo é a redução da mortalidade por complicações decorren-
tes da hipertensão e do diabetes. E o público-alvo são hipertensos e diabéticos de alto e muito
alto risco. Os atendimentos são de cardiologia, diabetologia, com foco em diabetes, angiologia,
retinologia, enfermagem, nutrição, serviço social, educador físico, farmácia clínica e fisiotera-
pia. E os exames realizados são: eletro, Router, Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial
(MAPA), teste ergométrico, a retinografia com e sem contraste e a fotocoagulação a laser para
tratamento das microlesões oculares, Doppler vascular manual para realização do índice tor-
nozelo/braço (ITB) e screen da neuropatia diabética da doença arterial periférica e os curativos
decorrentes do pé diabético.

DISCUSSÃO SOBRE O MODELO ASSISTENCIAL E SUA IMPLANTAÇÃO

Centro de Atenção Ambulatorial Especializada: são equipamentos regionais de saúde,


localizado preferencialmente em cidades polos, vinculados a Atenção Primário em Saúde (APS)
da área coberta.

98
Oferecem serviços ambulatoriais de média e alta complexidade, com assistência multi-
profissional e atuação interdisciplinar, possuem carteira de serviços definida baseada na neces-
sidade em saúde e população-alvo previamente estratificada pela APS.
Financiados com recursos públicos estaduais, com repasses de recursos de custeio
Fundo/Fundo, podendo ser gerido pelas secretarias municipais de saúde ou por consórcios e ou
fundações de gestão de saúde.
Qual a diferença entre este Centro de Atenção Ambulatorial Especializada em Con-
dição Crônica em relação ao centro de especialidade tradicional? As ações operacionais do
LIACC/Samonte tiveram na sua implantação como referencial teórico: o Modelo de Atenção às
Condições Crônicas (MACC) que foi construído a partir de três modelos: o Modelo da Atenção
Crônica, o Modelo da Pirâmide de Risco e o Modelo da Determinação Social da Saúde de
Dahlgren e Whitehead.

MODELO DE ATENÇÃO ÀS CONDIÇÕES CRÔNICAS (MACC)


SUBPOPULAÇÃO COM CONDIÇÃO NÍVEL 5:
CRÔNICA MUITO COMPLEXA GESTÃO DE
CASO DETERMINANTES
SOCIAIS INDIVIDUAIS
SUBPOPULAÇÃO COM CONDIÇÃO NÍVEL 4: GESTÃO COM CONDIÇÃO DE
CRÔNICA COMPLEXA DA CONDIÇÃO DE SAÚDE E/OU FATOR DE
SAÚDE RISCO BIOPSICOLÓGICO
ESTABELECIDO
SUBPOPULAÇÃO COM CONDIÇÃO NÍVEL 3:
CRÔNICA SIMPLES E/OU COM GESTÃO DA CONDIÇÃO RELAÇÃO
FATOR DE RISCO BIOPSICOLÓGICO DE SAÚDE AUTOCUIDADO/ATENÇÃO
PROFISSIONAL

SUBPOPULAÇÃO COM FATORES NÍVEL 2: DETERMINANTES SOCIAIS


DE RISCO LIGADOS AOS INTERVENÇÕES DE PREVENÇÃO DAS DA SAÚDE PROXIMAIS
COMPORTAMENTOS E ESTILOS DE VIDA CONDIÇÕES DE SAÚDE

DETERMINANTES SOCIAIS DA
NÍVEL 1: SAÚDE INTERMEDIÁRIOS
POPULAÇÃO INTERVENÇÕES DE PROMOÇÃO DA SAÚDE
TOTAL

MODELO DA PIRÂMIDE MODELO DE ATENÇÃO MODELO DA DETERMINAÇÃO


DE RISCOS CRÔNICA SOCIAL DA SAÚDE

As inovações fundamentais do laboratório de Santo Antônio do Monte concentraram-se


na implantação das redes de atenção às mulheres e às crianças e de atenção às pessoas com
condições crônicas. Essas Redes de Atenção à Saúde (RAS) foram concebidas com três com-
ponentes fundamentais: a população, a estrutura operacional e os modelos de atenção à saúde.
Os centros são equipamentos regionais de saúde localizados preferencialmente em
cidades-polo vinculados à Atenção Primária da área coberta e oferecem serviços ambulatoriais
de média e alta complexidade, com assistência multiprofissional e atuação interdisciplinar, pos-
suem carteira de serviços definidas segundo as necessidades de saúde da população-alvo e
previamente estratificados pela Atenção Primária, segundo critérios de riscos e acesso, financia-

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 99


dos por recursos de custeio públicos estaduais repassados fundo a fundo, podendo ser geridos
por secretarias municipais ou por consórcios, fundação ou Organizações Sociais.

ÁREA DE ABRANGÊNCIA DO CENTRO ATENÇÃO AMBULATORIAL ESPECIALIZADA


DE SANTO ANTÔNIO DO MONTE E SUAS RESPECTIVAS COBERTURAS DE APS

REGIÃO DE SAÚDE: DIVINÓPOLIS/SANTO ANTÔNIO DO MONTE


População: 456.263 habitantes
(DATASUS 2012).
• 13 municípios
• 74 Equipes de Saúde da Família
• 27 Unidades Modelos Tradicionais

Divinópolis, com 50,17% da população da região, é a sede da microrregião. A grande


dificuldade é que a atenção básica não está organizada e tem somente 31,74% de cobertura de
Estratégia de Saúde da Família (ESF).

100
A atuação do Centro Atenção Ambulatorial Especializado se faz por meio de ações
diferenciadas:
• Atendimento de casos de alto e muito alto risco que são encaminhados pela
APS já estratificados e com guia de referência com dados de ações da Unida-
de Básica de Saúde (UBS).
• “Seja bem-vindo” – primeiro acolhimento, primeira escuta, explicação de como
o Centro funciona.
• Nova estratificação de risco – realizada pelo Enfermeiro.
• Utilização de protocolos clínicos e linhas de cuidados.
• Atendimento multiprofissional e abordagem interdisciplinar.
• Atenção programada – agenda para 4 meses.
• Gestão do tempo de espera.
• Atenção Contínua.
• Plano de Cuidados Individualizado – sempre com pactuação do usuário e assi-
natura de termo de compromisso, Vinculação do Usuário ao Agente Comunitá-
rio da UBS.
• Autocuidado apoiado.
• Gestão de Caso: “Caso Alerta”.
• Atenção compartilhada.
• Grupo de Pares.
• Alfabetização sanitária – Plano de Cuidado Ilustrado com tecnologia de letra-
mento para analfabetos e analfabetos funcionais, leitura de rótulos de produtos.
• Auditoria Interna de Processos.
• Monitoramento de indicadores clínicos por indivíduo e do serviço.
• Interconsulta aos profissionais de outros pontos da rede.
• Responsabilização familiar no cuidado com os usuários.
• Monitoramento permanente de todas as etapas do processo assistencial.
• Monitoramento permanente dos usuários faltosos com busca permanente –
projeto “Cadê você”.
• Articulação com comunidade, com estímulo aos apoiadores locais do cuidado.

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 101


Fluxo dos usuários portadores de hipertensão arterial sistêmica e/ou diabetes mellitus

FLUXO DE ATENDIMENTO DOS USUÁRIOS PORTADORES DE HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA E OU DIABETES MELLITUS

ELABORAÇÃO DO PLANO DE CUIDADO

Atenção Primária do município de origem

Enfermeiro Psicologia Nutricionista Endocrinologista Educador Físico Farmacêutico Cardiologista


Clínico

Reencaminhamento para a
Atenção Primária
Assistente Social faz contato PL
AN
telefônico com a equipe Saúde O EXAMES
IN DE PONTO DE APOIO organizador da atenção contínua
da Família de origem. TE
GR CUI
AD DA
O D O

Centro de Atenção Secundária Teste Ergométrico


HIPERDIA

Assistente Social

Usuários não são público alvo


do Centro Hiperdia ECG
Retinografia

Baixo Risco
Holter
Não

ia
Médio Risco

rd
MAPA

pe
Hi
ro
Sem exames e

nt
m

Ce
Si

Projeto: “Seja bem vindo” ou prescrição do


Recepção dos usuários das medicações
s
ico

em uso.
bl

Atenção Compartilhada Angiologista Projeto: “De Pé Feliz” Retinologista


s

Fisioterapeuta
rio

Us

Alto Risco
ELABORAÇÃO DO PLANO DE CUIDADO
Muito Alto Risco

Técnico de Enfermagem Enfermeiro


Triagem verificação dados vitais e antropométricos Realiza a confirmação da Estratificação de Risco Fundação Dr. José Maria dos Mares Guia
e verificação de exames e medicações em uso. Santo Antônio do Monte – MG

A atuação do Centro Atenção Ambulatorial Especializada se faz em diferentes frentes:


• Mapeamento permanente da rede assistencial.
• Suporte aos municípios a implantar os agendamentos descentralizados nas ESF.
• Auxílio Organização pelos municípios do transporte Sanitário.
• Sistema de controle de agendamento, atendimento, monitoramento e estatística de
utilização; monitoramento do absenteísmo;
• Controle de encaminhamentos errôneos por parte das ESF.
• Educação Permanente dos profissionais do Centro e das Escolas Permanentes de
Saúde.
• Módulo de habilidades em serviço.
• Supervisão direta e indireta das ESF.
• Comunicação fluída entre centro com os outros pontos da rede.
• Contato permanente com as equipes ESF.
• Elaboração de Pesquisas Clínicas Operacionais.
• Pesquisa Avaliativa realizada por entidade educacional.
• Capacitação de outros serviços do estado e do país.

102
Percentual dos resultados da pesquisa de satisfação do usuário – aplicado período de
janeiro a dezembro 2014. Total de questionários respondidos: 1.394

FONTE: QUESTIONÁRIOS RESPONDIDOS PELOS USUÁRIOS DO CVVH NO PERÍODO DE JANEIRO A DEZEMBRO DE 2015. CONSO-
LIDADO PELO NEP/FDJMMG, 2014.

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 103


Percentual dos resultados da pesquisa de satisfação do usuário – aplicado período de
janeiro a dezembro 2014.Total de questionários respondidos: 1.525

FONTE: QUESTIONÁRIOS RESPONDIDOS PELOS USUÁRIOS DO CVVH NO PERÍODO DE JANEIRO A DEZEMBRO DE 2015. CONSO-
LIDADO PELO NEP/FDJMMG, 2014.

RESULTADOS

Abaixo alguns resultados alcançados pelo Centro (fonte FDJMMG)


2015
• Gestantes de alto risco acompanhadas no Centro Viva Vida que necessitaram de CTI
(2005 a fevereiro 2015): 02.
• Mortalidade materna entre as gestantes de alto risco acompanhadas no Centro Viva
Vida (2005 a fevereiro de 2015): 0.
• Mortalidade fetal das gestantes acompanhadas no Centro Viva Vida (2005 a fevereiro
2015): 07.
• Mortalidade Infantil em crianças até 2 anos acompanhadas no Centro Viva Vida (2005
a fevereiro de 2015): 01.
2014
• Foram realizadas 9 supervisões diretas a APS e SMS em municípios da região coberta
com apoio da SRS/Divinópolis.

104
• Foram realizadas 13 supervisões indiretas a APS e SMS em municípios da região
coberta.
• Foram realizadas 26 capacitações teóricas e prática com profissionais da APS dos 13
municípios.
• Foram capacitados 350 profissionais da APS municípios da região coberta.
• Foram capacitados 6 outros serviços de atenção secundária do estado.
• Recebidas 47 visitas técnicas orientadas de todo país.
2013
• 77% dos usuários diabéticos atendidos no Centro apresentaram melhoras nos valores
da hemoglobina glicada.
• 94% dos usuários hipertensos atendidos no Centro apresentaram melhoras nos valo-
res da pressão arterial.
• 97% dos usuários portadores de lesão nos pés e mãos em decorrência do diabetes
evoluíram para cicatrização.

FINANCIAMENTO DO CENTRO ATENÇÃO AMBULATORIAL ESPECIALIZADA

O estudo para o estabelecimento do custeio do centro de atenção ambulatorial deve ser


feito a partir do levantamento do componente da população vinculada às unidades de APS,
detalhando-se a necessidade em saúde da região coberta. Para isso, são utilizados parâmetros
epidemiológicos específicos, considerando-se os vazios assistenciais e pontos de atenção dis-
poníveis e também os atuais níveis de evidências disponíveis na literatura.
Exemplo de base cálculo para esse financiamento:
• Programação por necessidade em saúde a partir da população vinculada à APS e
estratificada por risco.
• Estabelecimento da diretriz clínica baseada em evidencias cientificas atuais para cada
condição de saúde.
• Estabelecimento da carteira de serviço.
• Financiamento por performance.

A remuneração do profissional do Centro Integrado é global. O MACC abole o pag-


amento de profissionais por produtividade. Prevê a remuneração por carga horária
trabalhada. No horário dedicado às atividades do Centro Integrado, o profissional deve
estar disponível para as atividades de atendimento aos usuários, educativas com profis-
sionais da APS e acompanhamento do módulo, prática de capacitação em serviço,
reuniões de equipe, discussões de casos clínicos, interconsulta com profissionais da
APS, estudos de atualizações específicas e elaboração de protocolos e treinamentos.

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 105


Para atender 100% da população-alvo, o custo per capita é de R$3,32 com meta estipula-
da pela SES/MG de 25% da população-alvo e o custo total mês de R$ 363.000,00.
Atualmente o Centro é financiado pela SES/MG com valor mensal de R$ 165.404,92 re-
passados por quadrimestre totalizando R$ 661.619,68.
O repasse é feito observando-se a performance do Centro, sendo que 70% da parcela
de custeio são fixos e 30% da parcela são variáveis, observando-se os seguintes indicadores
regionais (Sistema GEICOM) no quadrimestre:
• Taxa de Internação por diabetes mellitus e suas complicações; e
• Taxa de Internações por acidente vascular encefálico (AVE).
Além da supervisão anual in loco pela SES/MG e SRS/Divinópolis, foi aplicada guia de
supervisão que avalia 11 itens a que são atribuídas porcentagens que têm peso vaiável.
O crescimento do serviço é gradativo dos 25% da população-alvo dos 13 municípios da
região de saúde.
Em 2013, quando foi fixado o valor mensal do custeio, foram utilizados como base de cál-
culo dos valores da tabela do SUS.
Mas, o diferencial do Centro de Especialidades para que ele dê resultado assistencial é a
forma de remuneração dos profissionais, exames etc.
A remuneração de todas as equipes do Centro é diferenciada dos valores da tabela SUS,
já que todos os profissionais são especialistas com perfis diferenciados, atuam não só nos aten-
dimentos diretos aos usuários/família, mas suporte à ESF e à rede assistencial.
Outro diferencial de um Centro neste modelo é que a equipe de gestão está sempre rea-
valiando os custos financeiros juntamente com a equipe assistencial, para que o investimento
seja sempre em beneficio das necessidades de saúde do usuário e o alcance de resultados
assistenciais.

CONCLUSÃO

A grande questão colocada: o que é preciso para implantar esse novo modelo?
• Quebra de paradigma: mudanças na estrutura, nos processos da AAE, mudanças nos
recursos físicos e humanos.

• Sair da zona de conforto: enfrentamento do modelo ancorado no trabalho do médico


especialista, existindo uma carência de equipe multiprofissional: assistentes sociais,
enfermeiros, farmacêuticos clínicos, fisioterapeutas, profissionais de educação física,
nutricionistas e outros, conforme o objeto da unidade de AAE.

106
BIBLIOGRAFIA

MENDES, E. V. As redes de atenção à saúde. Brasília: Organização Pan-americana da Saúde,


2011.
____. A atenção à saúde coordenada pela APS: construindo as redes de atenção no SUS. Bra-
sília: [s.n.], 2011.
____. Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada. Seminário CONASS, 2015.

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 107


3
PLANIFICAÇÃO DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE:
A FÓRMULA ORGANIZADORA DO SISTEMA DE SAÚDE
EM TAUÁ

PATRÍCIA PEQUENO COSTA GOMES DE AGUIAR


Advogada, Mestranda em Ciência Política, Especialista em Direito Administrativo no Instituto Superior de Ciências Soci-
ais e Políticas da Universidade de Lisboa, em Portugal. Prefeita de Tauá/CE nos pleitos de 2000, 2004 e 2012.

1. INTRODUÇÃO
Visando organizar a Atenção Primária à Saúde (APS) para que exerça seu papel estra-
tégico, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) desenvolveu um arranjo de
capacitação executada nas Secretarias Estaduais de Saúde, denominada Planificação da Aten-
ção Primária à Saúde (PAPS). A expectativa é de reorganizar o sistema de saúde, integrando
as ações e serviços, fortalecendo a atenção primária e a implantação das redes de atenção
(BRASIL, 2011).
Sabe-se que a APS deve resolver a maior parte das demandas de saúde, cerca de 85%
dos casos. Nessa perspectiva, o município de Tauá, que conta com ampla Rede de Atenção à
Saúde, buscando novas opções que potencializem o sistema local de saúde, acessou o CO-

108
NASS, por meio da Secretaria de Estado da Saúde do Ceará, no intuito de conhecer o processo
de planificação. Vale aqui ressaltar que, após conhecer o referido, o CONASS acenou com in-
tenção de experimentação em nível municipal, apostando na gestão municipal como lócus onde
o SUS acontece no seu sentido mais real.
Planificar a Atenção Primária é planejar a atenção à saúde, levando em consideração to-
das as suas etapas, estendendo-se ao serviço de média complexidade, por meio das Redes de
Atenção à Saúde (RAS). Padronizando as condutas nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs),
desde a recepção até o fluxo percorrido pelo usuário na RAS.
A planificação produz os mecanismos e os arranjos para que o sistema local de saúde te-
nha uma plena conectividade entre si. Além de assegurar a qualidade e maior resolutividade nos
serviços prestados, otimiza os custos com saúde, já que existe uma demanda desordenada para
os serviços de média e alta complexidade que causa transtornos, como: longas filas de espera,
insatisfação do usuário e alto custo do sistema.
A experiência de planificar a APS de Tauá teve um formato diferenciado, com vistas à
Política Nacional de Educação. Todos os trabalhadores da saúde foram qualificados, as oficinas
foram adaptadas para um curso de especialização para os profissionais graduados e houve
curso de aperfeiçoamento em serviço para os demais.
O objetivo geral é transformar a realidade do Sistema Local de Saúde com ênfase na
Atenção Primária. Para o alcance do objetivo geral, busca-se reestruturar a RAS do município,
fortalecer as práticas de cuidado das equipes de saúde da família, promover o processo de
mudança da organização dos serviços e da resolutividade da APS, desenvolver habilidades e
competências na equipe de profissionais de saúde da APS, qualificar todos os trabalhadores da
APS e, por fim, realizar momentos de avaliação e planejamento das equipes.
O presente documento apresenta a experiência do município de Tauá no processo de
PAPS, como fórmula organizadora do sistema local de saúde. No desenvolvimento deste, apre-
sentamos a definição teórico-conceitual da Planificação, as estratégias de implantação utiliza-
das para o alcance dos objetivos do projeto; em seguida, é apresentado o modelo de gestão e,
por fim, os resultados obtidos até o momento, por meio da exposição dos impactos da PAPS nos
processos de trabalho.

2. PLANIFICAÇÃO DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE


A organização do Sistema Único de Saúde (SUS), no Brasil, está estruturada em três pi-
lares: rede, regionalização e hierarquização. Estes são os pilares que sustentam o modelo de
atenção à saúde, conforme dispõe o artigo 198 da Constituição Federal, definindo-se, dessa
forma, o modelo de atenção à saúde e o formato organizativo (SANTOS, 2011).

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 109


O modelo de atenção centrado na hierarquização, ou seja, nos níveis de complexidade
dos serviços e ações de saúde, como disposto na Lei n. 8.080/1990, é composto pela APS,
atenção secundária e terciária ou de média e alta complexidade. Devendo ser estruturado pela
APS, porta de entrada no sistema, coordenadora do cuidado.
Por ser compreendida como a porta de entrada do sistema, a APS deve resolver a maior
parte das demandas de saúde, cerca de 85% dos casos, dos usuários e ordenando a necessi-
dade por serviços de maior complexidade, estabelecendo os fluxos da continuidade do cuidado
(MENDES, 2012).
A APS como coordenadora das RAS é tida pela Organização Pan-Americana da Saúde
(Opas) como essencial para o enfretamento da complexidade do cenário atual das necessida-
des de saúde e para pôr fim à fragmentação que enfraquece o SUS (OPAS, 2011).
Na perspectiva de organizar a APS para que ela exerça de fato o seu papel estratégico, o
CONASS desenvolveu um arranjo de capacitação executada nas secretarias estaduais, deno-
minada Planificação da Atenção Primária à Saúde (PAPS). Planificar a APS é, portanto, buscar
reorganizar o sistema de saúde, promovendo a integração das ações e dos serviços, o fortale-
cimento da APS e a implantação das redes de atenção (BRASIL, 2011).
A atual gestão municipal de Tauá, no desejo de buscar novas alternativas que potenciali-
zem o sistema local de saúde, sobretudo, as mais focadas para a base estratégica do sistema
que é a APS - como destacado na literatura por Mendes (2011); Mendes (2012); Brasil (2011);
Opas (2011); Fernandes (2010); Rollo (2007) -, acessou o CONASS, por meio da Secretaria de
Estado da Saúde (SES) do Ceará, no intuito de conhecer melhor o processo de planificação em
implantação nos estados, atraída pela ideia de ressignificação na base estrutural do SUS.
A PAPS em Tauá teve início em janeiro de 2013, visando alcançar transformação na rea-
lidade do Sistema Local de Saúde com ênfase na APS. Trata-se de um projeto precursor, pois
essa é a primeira vez que este projeto está sendo trabalhado no nível municipal, contando com
adaptações das oficinas para um curso de especialização para os profissionais graduados, e
curso de aperfeiçoamento em serviço para os demais. Ao todo estão envolvidos 530 profissio-
nais da rede, que serão certificados pela Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP), contando
com a participação de todas as Equipes de Saúde da Família (EqSF), privilegiando-se todas as
categorias profissionais que compõem essas equipes.
O município de Tauá tem 57.755 habitantes distribuídos em 42,1% na zona rural e 57,9%
na zona urbana. É o segundo maior município em extensão territorial do Ceará, com densidade
demográfica 13,87 hab./km². A economia é majoritariamente da agricultura e da pecuária soma-
da a ao comércio e serviços.
Para atender as necessidades de saúde da população, o modelo de atenção à saúde
é organizado em rede, composta por: 18 Unidades de Atenção Primária à Saúde (UAPS), 25

110
EqSF, um Hospital Polo, uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), um Centro de Especia-
lidades Odontológicas (CEO), uma Policlínica, um Laboratório Central de Saúde Pública (La-
cen), uma Unidade de Atendimento da Farmácia Popular do Brasil, cinco Núcleos de Apoio à
Saúde da Família (NASF), dois Centros de Atenção Psicossociais; um CAPS II e um CAPS AD
e um Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) (CNES, 2015). Possui ainda o SAMU
e IMLA, rede de atenção especializada e secundária, estruturada para atender a 14 regiões
de saúde.
Em Tauá, a PAPS teve início com a reestruturação da RAS municipal, com ênfase na rede
materno-infantil, tendo em vista o comportamento dos indicadores da assistência materno infan-
til como o crescimento do número de partos cesarianos, a frequência da mortalidade maternal,
junto a outros indicadores. A experiência iniciou-se com a rede materno-infantil e os seus moldes
estão sendo replicados às demais redes.

2.1. ESTRATÉGIAS DE IMPLANTAÇÃO

A busca de experiências inovadoras e desafiadoras capazes de potencializar a política de


saúde pública local foi motivada pela constatação da insatisfação dos usuários, detectada em
pesquisa realizada no início da atual gestão. Outro fator que influenciou foi a extensa dimensão
que representa o SUS, cuja cobertura é de 97% da população de Tauá. Além disso, o município
é sede de uma microrregião de saúde, fato que amplia a responsabilidade em oferecer um sis-
tema de saúde pública que funcione e seja resolutivo, integral e que garanta o acesso.
Foi com esse propósito que se buscou, junto ao CONASS, por meio da SES do Ceará, co-
nhecer melhor em que consistia a PAPS, na época em processo de implantação nos estados. A
proposta seria capaz de produzir uma ressignificação densa na base estrutural do sistema local
de saúde e realinhar os demais níveis de atenção existentes no município.
A metodologia utilizada nesse processo foi desenvolvida por meio de oficinas teórico-prá-
ticas, que se realizavam em: trabalhos de grupos, leituras de textos de apoio, dramatizações,
exposições dialogadas, plenárias e roteiro de trabalho nos territórios ao final de cada oficina.
Essa metodologia permite a participação de todos os trabalhadores, em um único espaço.
A equipe com todos os seus membros, de distintas categorias profissionais, distintos níveis de
saberes e práticas, discutem, refletem e ressignificam seus processos de trabalho.
Os encontros presenciais eram realizados em torno de 30 a 40 dias. Ao final dos encon-
tros, os profissionais eram orientados a executarem atividades de dispersão, que possibilitaram
a análise do processo de trabalho das equipes de saúde e, consequentemente, a sua adequa-
ção. As demandas surgidas eram encaminhadas à gestão, sendo necessárias respostas para
viabilizar os processos de trabalho das equipes.

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 111


A PAPS prevê uma oficina mãe seguida de 10 oficinas. No caso de Tauá, em que a Planifica-
ção foi um curso, foram 12 módulos. Os módulos, descritos a seguir, possibilitam a reflexão sobre
a situação da APS no município desde o papel e os atributos, a revisão dos processos de trabalho,
como estão estruturados os sistemas de apoio e logístico, até a contratualização das equipes,
elementos fundamentais para a implantação da RAS. Os módulos que compõem a PAPS são:
• Módulo I: Redes de atenção à saúde;
• Módulo II: Metodologia da pesquisa;
• Módulo III: Atenção primária à saúde;
• Módulo IV: Territorialização em saúde;
• Módulo V: Organização dos processos de trabalho em saúde;
• Módulo VI: Vigilância em saúde;
• Módulo VII: Organização da atenção à saúde na Unidade Básica de Saúde;
• Módulo VIII: Organização da assistência farmacêutica;
• Módulo IX: Os sistemas de apoio diagnóstico, sistemas logísticos e monitoramento;
• Módulo X: Sistemas de informação e análise de situação de saúde;
• Módulo XI: A contratualização das equipes da APS;
• Módulo XII: Abordagem familiar e prontuário familiar.
Ao tempo em que os módulos aconteceram, foi selecionada uma UAPS, contemplando as
equipes das ESF Ana Alves de Lima, Alto Brilhante I e II, que serviu de laboratório para a implan-
tação de novas tecnologias, ferramentas e processos de trabalho, necessários à padronização
dos procedimentos operacionais, que ajudarão na organização e resolutividade dos serviços.
Essas equipes recebem assessoria técnica de consultores do CONASS, que também qua-
lificou tutores para desenvolver um trabalho nas unidades de saúde, “fazendo junto” com os
profissionais a implantação das ferramentas da qualidade, tecnologias da gestão da clínica e
micro e macroprocessos da APS.
A organização do serviço na unidade laboratório iniciou-se com o planejamento de reuniões
semanais para programação das ações da equipe. Hoje é disponibilizado um turno para reuniões,
oficinas e comemorações festivas. Nessas reuniões, acontece a definição de agenda mensal
com equipe e tutoria, possibilitando: integração entre os profissionais da equipe, readequação
dos servidores por setor, com suas responsabilidades e competências bem definidas, bem como
a implantação dos Procedimentos Operacionais Padrões (POPs), sendo implantados até o mo-
mento os POPs de Higienização e Limpeza, Recepção, Sala de Vacinas; estão em processo de
implantação os POPs de Esterilização, Protocolos Clínicos, Resíduos Sólidos e Farmácia.
Atualmente os processos implantados na unidade laboratório da APS estão sendo replica-
dos nas demais UAPS, obedecendo-se ao cronograma de metas de expansão com o monitora-
mento dos tutores, e previsão de implantação em todas as UAPS até novembro de 2015.

112
Visando à melhora do acompanhamento e monitoramento das 25 EqSF, o município foi
dividido em cinco macroterritórios de saúde. Cada macroterritório está sob a responsabilidade
de um tutor e são em média 5 EqSF por tutor.
Para determinar a extensão e os efeitos da PAPS de Tauá, a Universidade de Fortaleza
(Unifor) está desenvolvendo uma pesquisa quantiqualitativa com os usuários, profissionais e
gestão do município por meio de uma análise avaliativa da Rede Materno-Infantil.
A organização dos processos de trabalho almeja escuta qualificada, a criação de espaço
para o acolhimento, com território bem definido, vínculo estabelecido com a comunidade e o
acompanhamento do usuário ao longo do tempo durante o seu ciclo de vida.

2.2. MODELO DE GESTÃO

O CONASS é signatário da proposta da PAPS e, por isso, executa-a em Tauá por meio
de parceria do Governo Municipal com a SES do Ceará, CONASS, ESP e a Fundação Oswaldo
Cruz (Fiocruz).
A gestão do processo dá-se por meio dos grupos que conduzem a execução do projeto:
o Comitê Gestor, composto pelo CONASS, SES, ESP, Prefeitura Municipal de Tauá, Secretaria
Municipal de Saúde (SMS) e Fiocruz, que se reúne bimensalmente; o Grupo Condutor Estadu-
al, composto pela SES, CONASS e ESP, que também se reúne a cada dois meses; e o Grupo
Condutor Local composto pelos gestores da SMS e CONASS, que se reúnem mensalmente.
Para facilitação dos 12 módulos de oficinas, os facilitadores do CONASS tiveram apoio de
facilitadores e tutores locais, um total de 27 profissionais locais envolvidos: residentes da Resi-
dência em Saúde da Família e Comunidade da ESP e técnicos da SMS.
A qualificação técnica e pedagógica dos facilitadores locais foi realizada pelos facilitadores
do CONASS e pela ESP: a cada módulo estes se reuniam previamente, com os facilitadores
locais, explorando o Guia do Módulo e a abordagem pedagógica a ser utilizada. Esse acompa-
nhamento pedagógico originou o curso Prática Docente em Atenção Primária à Saúde, ofertado
a todos os facilitadores locais pela ESP.

2.3. IMPACTOS DA PAPS NOS PROCESSOS DE TRABALHO

Com a implantação da PAPS, as unidades de saúde estão passando por mudanças, a partir
de uma metodologia que permite a organização dos microprocessos e macroprocessos de saúde.
A unidade laboratório desponta como cenário onde todas as tecnologias inovadoras são testadas,
validadas e expandidas para as demais UAPS.
De acordo com as necessidades técnicas percebidas no decorrer do processo da PAPS e
das intervenções na organização das equipes, foram realizados cursos complementares, como

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 113


os de: pré-natal, parto e puerpério; estratificação de risco de gestantes e crianças; crescimento
e desenvolvimento infantil e atenção integral a saúde da criança; estratificação de risco de hiper-
tensos e diabéticos, classificação de riscos para agravos agudos e gestão em saúde.
Os processos que estão sendo trabalhados pela planificação estão em fase de implanta-
ção, não tendo atingido a totalidade na sua expansão, no entanto já podemos apontar resultados
obtidos nesse processo, a começar pelo envolvimento dos profissionais de saúde de todas as
categorias, que se encontravam desmotivados e com elevada descrença, todos os trabalhado-
res da Saúde da APS foram qualificados.
No que se refere aos resultados obtidos na rede materno-infantil, atualmente todas as
gestantes são estratificadas por risco, com garantia das consultas especializadas, vinculação à
maternidade antes do parto e agendamento da consulta puerperal na APS no momento da alta
hospitalar. Além disso, a gestante é incluída no projeto Amigas do Parto e Bebê Saudável, com
o objetivo de desenvolver ações de educação em saúde e fortalecer o vínculo mãe e bebê.
A PAPS favoreceu a adequação das equipes de saúde e, como resultado mais palpável
desta, o número de equipes da ESF aumentou de 22 para 25, todas com equipe mínima com-
pleta e apoio matricial do NASF. Esse processo foi relevante à medida que redefiniu as áreas
adscritas das EqSF e o número de pessoas, alcançando 100% de cobertura e média de 2.200
pessoas por ESF, além da construção do mapa dinâmico situacional do território, onde podemos
identificar barreiras geográficas, lideranças e equipamentos comunitários, enfim, fortalezas e
fraquezas do território vislumbrando, entre outros aspectos, a estratificação de risco das famílias
por grau de vulnerabilidade.
O fortalecimento da Participação Popular foi outro aspecto percebido no decorrer da im-
plantação do projeto e se deu por meio da estruturação de 19 Conselhos Locais de Saúde, um
em cada UAPS, em que se reúnem mensalmente para planejar, monitorar e avaliar junto com
a equipe.
Fez-se necessário realizar alto investimento na melhoria da infraestrutura e da densidade
tecnológica, garantindo-se adequadas condições de trabalho, crescentes melhorias na estrutu-
ração física e informatização das UAPS. Graças a esses investimentos, potencializamos o Nú-
cleo de Tecnologia da Informação, atualmente temos: Telessaúde em 100% das UBS e E-SUS
em 100% das equipes.
Todos os resultados obtidos supracitados permitiram maior integração entre APS, Média
Complexidade e Atenção Secundária. Essa integração com os demais serviços complementa-
res do sistema de atenção à saúde existente no município e com os profissionais de saúde que
hoje acreditam no processo leva-nos a concluir que a RAS de Tauá encontra-se em crescente
evolução, e nosso intuito é dar resolutividade às mais diversas situações enfrentadas pelos pro-
fissionais e usuários.

114
2.4. MODELO DE FINANCIAMENTO

O financiamento do SUS é um problema complexo em todo o país. Vivenciamos grave con-


dição de subfinanciamento que constitui fator limitante na procura por saídas efetivas para a crise
enfrentada no sistema e, consequentemente, para a implantação das RAS. Além das implicações
diretas decorrentes do insipiente volume de gastos em saúde pública, é notável o desalinhamento
dos incentivos econômicos com os objetivos de atenção integral e integrada (OPAS, 2011).
Para os municípios que são os executores das políticas de saúde, a responsabilidade com
as ações e metas têm aumentado sistematicamente. Dessa forma, os incrementos que são ofe-
recidos são insuficientes para cobrir os custos. Além disso, as despesas que são elevadas para
o que é captado obrigam a um maior comprometimento dos recursos municipais, dificultando-se
o desenvolvimento das ações.
No entanto, como salientado em Opas (2011), são imperativos novos recursos para o
SUS, porém é fundamental que, paralelamente, aconteça uma mudança do desenho organiza-
tivo do SUS, de um sistema fragmentado para um sistema integrado.
Nessa perspectiva de captar novos recursos e desenvolver soluções efetivas para a supe-
ração do modelo fragmentado para um modelo integrado, procuramos expandir a APS em um
mútuo caminho de fortalecimento e reorganização por meio da PAPS.
Por fim, para o alcance do volume de recursos necessários à implantação da PAPS, o
investimento da SESA foi essencial, assim como o apoio do CONASS disponibilizando toda sua
estrutura técnica para a execução desse projeto no nosso município, uma contribuição inaliená-
vel que, pelo que já se pode observar e quantificar, será capaz de fazer uma revolução no nosso
sistema de saúde.

3. CONCLUSÃO
Organizar um sistema local de saúde mostrou-se uma tarefa complexa, denotando a neces-
sidade do envolvimento de todos os atores: comunidade, trabalhadores e gestão. No entanto, o
desafio de transformar a realidade do sistema local de saúde nos impulsionou a alçar voos cada
vez mais altos, fazendo da experiência ocorrida em Tauá digna de ser apresentada em um relato
como esse, por denotar pioneirismo e despertando o interesse de diversas instituições que duran-
te esse processo de implantação fizeram de Tauá um cenário de estudos, de olhares curiosos e de
busca por respostas para a indagação que tantos se fazem: é possível fazer do SUS um sistema
que funcione? Que atenda as reais necessidades da população?
Por estar fazendo da Política de Atenção Básica o centro da reorientação do modelo de aten-
ção à saúde no município, Tauá tem buscado responder essas perguntas, e os resultados obtidos

Inovação na Atenção Ambulatorial Especializada 115


em curto prazo confirmam que é possível, embora alguns processos ainda estejam em implanta-
ção, demandando tempo para avaliarmos de modo mais exato os impactos da PAPS em Tauá.
De maneira geral, 97% da população tauaense é beneficiária do SUS e favorecida pelos
seus avanços nas diversas áreas de vigilância em saúde, da RAS e da melhoria dos indicadores
de saúde que possibilitam maior bem-estar social. É esperado que a reconfiguração da rede de
serviços de saúde mostre-se cada vez mais resolutiva, articulada e que proporcione o cuidado
integral a partir de cuidados primários.
Articulação, parceria e decisão política foram pontos fundamentais para a implantação
desse laboratório de PAPS. As mudanças no SUS de Tauá, decorrentes da planificação, são
inegáveis e perceptíveis, e cada vez mais produzem resultados concretos para a população e
possibilitam que Tauá legitime sua marca - que é a inovação – e possa ser modelo de inovação
na gestão da saúde pública.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS). Planificação da Atenção Pri-
mária à Saúde nos Estados. Brasília: CONASS, 2011.

FERNANDES, Afra Suassuna. O papel da esfera estadual na gestão descentralizada da atenção


básica em Pernambuco. Recife: A. S. Fernandes, 2010.

MENDES, Eugênio Vilaça. O cuidado das condições crônicas na atenção primária à saúde: o
imperativo da consolidação da estratégia da saúde da família. Brasília: Organização Pan-Ameri-
cana da Saúde, 2012.

_____. As redes de atenção à saúde. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2011.

ROLLO, Adail. Retos para la integración de la APS en el sistema de salud y para la intersectoria-
lidad. [s.l.]: ENSP/ FIOCRUZ, 2007.

SANTOS, Lenir. O modelo de atenção à saúde se fundamenta em três pilares: rede, regionaliza-
ção e hierarquização. Blogue Direito Sanitário: Saúde e Cidadania. Disponível em: <http://blogs.
bvsalud.org/ds/2011/09/15/o-modelo-de-atencao-a-saude-se-fundamenta-em-tres-pilares-rede-
-regionalizacao-e-hierarquizacao/>. Acesso em: 23 jun. 2015.

Organição Pan-Americada de Saúde (OPAS). A atenção à saúde coordenada pela APS: cons-
truindo as redes de atenção no SUS: contribuições para o debate. Brasília: Organização Pan-
-Americana da Saúde, 2011. (NAVEGADORSUS, 2).

116
Governança Regional das
Redes de Atenção à Saúde
Brasília, 2016 – 1a Edição

Governança Regional das


Redes de Atenção à Saúde

6
© 2016 – 1a Edição
CONSELHO NACIONAL DE SECRETÁRIOS DE SAÚDE – CONASS

É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que citadas a fonte e a autoria.

Tiragem: 500 exemplares.

CONASS Debate 6a Edição


Brasília, novembro de 2016.
ISBN 978-85-8071-039-7

Esta publicação é fruto de parceria entre a Organização Pan-Americana da Saúde e o CONASS,


com o apoio do Ministério da Saúde.

Brasil. Conselho Nacional de Secretários de Saúde.


CONASS Debate – Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde / Conselho Na-
cional de Secretários de Saúde. – Brasília : CONASS, 2016.
118 p. – (CONASS Debate, 6)

ISBN 978-85-8071-039-7

Sistema de Saúde I. CONASS Debate – Governança Regional das Redes de Atenção à


Saúde

NLM WA 525
SECRETÁRIOS DE ESTADO DA SAÚDE 2016

AC Gemil Júnior PB Roberta Abath


AL Rozangela Wyszomirska PE José Iran Costa Júnior
AM Pedro Elias de Souza PI Francisco Costa
AP Renilda Costa PR Michele Caputo Neto
BA Fábio Vilas Boas RJ Luiz Antônio de Souza Teixeira Junior
CE Henrique Jorge Javi de Sousa RN George Antunes de Oliveira
DF Humberto Fonseca RO Williames Pimentel
ES Ricardo de Oliveira RR Cesar Ferreira Penna de Faria
GO Leonardo Vilela RS João Gabbardo dos Reis
MA Carlos Eduardo de Oliveira Lula SC João Paulo Kleinubing
MG Luiz Sávio de Souza Cruz SE Maria da Conceição Mendonça Costa
MS Nelson Barbosa Tavares SP David Uip
MT João Batista Pereira da Silva TO Marcos Esner Musafir
PA Vítor Manuel Jesus Mateus

DIRETORIA DO CONASS 2016/2017

Presidente
João Gabbardo dos Reis (RS)

Vice-Presidentes
Região Centro-Oeste
Leonardo Vilela (GO)

Região Nordeste
Fábio Vilas Boas (BA)

Região Norte
Vítor Manuel Jesus Mateus (PA)

Região Sudeste
Ricardo de Oliveira (ES)

Região Sul
Michele Caputo Neto (PR)
EQUIPE TÉCNICA DO CONASS
SECRETÁRIO EXECUTIVO
Jurandi Frutuoso

ASSESSORIA JURÍDICA
Alethele de Oliveira Santos

ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL


Adriane Cruz
Marcus Carvalho
Tatiana Rosa

COORDENAÇÃO TÉCNICA
René José Moreira dos Santos

COORDENAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL


Ricardo de Freitas Scotti

ASSESSORIA TÉCNICA
Alessandra Schneider
Ana Paula Soter
Eliana Maria Ribeiro Dourado
Fernando Cupertino
Haroldo Jorge de Carvalho Pontes
Lourdes Lemos Almeida
Maria José Evangelista
Maria Zélia Soares Lins
Nereu Henrique Mansano
Tereza Cristina Lins Amaral
Viviane Rocha de Luiz
ORGANIZAÇÃO DO LIVRO
Coordenação do livro
Lourdes Lemos Almeida

Revisão Técnica
Lourdes Lemos Almeida
René José Moreira dos Santos

Revisão Ortográfica
Seis Letras Cada Um

Projeto Gráfico
Daniel Macedo

Diagramação
Marcus Carvalho
Sumário
APRESENTAÇÃO 08

INTRODUÇÃO 10

GOVERNANÇA COLABORATIVA ROSILEIA MILAGRES, SAMUEL A. G. DA SILVA E OTÁVIO REZENDE 14

A GOVERNANÇA REGIONAL DAS REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE EUGÊNIO VILAÇA MENDES 49

A GOVERNANÇA DA REDE MÃE PARANAENSE MÁRCIA CECÍLIA HUÇULAK 94


Apresentação
O Conselho Nacional de Secretários de Saúde – CONASS vem desenvolvendo desde 2012 uma
linha de atuação intitulada CONASS Debate, que fomenta a discussão de temas importantes para o
setor, na intenção de vocalizar para a sociedade as posições técnicas e políticas das Secretarias de
Saúde dos Estados e do DF, produzir e difundir conhecimento, além de disseminar informações, ino-
var e incentivar a troca de experiências e de boas práticas.
Este livro aborda, nos três capítulos que o compõem, o tema governança, a partir de diferentes
análises, sem a pretensão de encerrar a discussão sobre o tema, mas de contribuir trazendo elemen-
tos para o debate.
O primeiro capítulo apresenta uma análise da Governança que é realizada em um ambiente de
redes, com seus componentes que reúnem elementos políticos, jurídicos, socioeconômicos, níveis
de interdependência, compartilhamento de riscos e processos, e propõe um possível modelo analí-
tico sobre Governança Colaborativa, considerando os aspectos contratual, processual e relacional
para a obtenção do resultado esperado de evolução da rede e aplicação prática em redes já estabe-
lecidas. É o resultado de ampla pesquisa bibliográfica, para a qual o CONASS contou com o apoio da
Fundação Dom Cabral, realizada com foco na compreensão dos principais conceitos de governança,
seus componentes, e na evolução do tema como área de estudo, conforme a metodologia descrita
no seu anexo.
O segundo capítulo discorre sobre Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde, tema
bastante atual na agenda dos gestores do Sistema Único de Saúde (SUS) que procuram uma gestão
eficiente, organizando o modelo de atenção nas regiões de saúde para assegurar ao usuário a conti-
nuidade do cuidado em saúde. Apresenta o tema tratado em termos de modelos, de sua instituciona-
lidade, de seus sistemas gerenciais e de seu sistema de financiamento.
O terceiro capítulo apresenta a experiência do Laboratório de Inovação em Governança da Rede
Mãe Paranaense, uma parceria do CONASS com a Secretaria Estadual de Saúde do Paraná (SES/PR),
em curso na Macrorregião Noroeste onde se agrupam cinco regiões de saúde do estado (11ª – Campo
Mourão; 12ª – Umuarama; 13ª – Cianorte; 14ª – Paranavaí; e 15ª – Maringá). A Rede Mãe Paranaen-
se foi organizada em razão da necessidade de melhorar o acesso e a qualidade da atenção à saúde
prestada ao cidadão e enfrentar o fenômeno das condições crônicas que representam mais de 76%
da carga de doença no Paraná e tem produzido resultados importantes a partir da implantação de
ideias inovadoras como a organização do Comitê Executivo Macrorregional da Rede, mudança de
conceitos e processos de trabalho nas equipes de saúde.

8
Os temas desenvolvidos nos três capítulos serviram de base para as apresentações nas mesas
da 7ª edição do CONASS Debate, evento realizado em Brasília no dia 23 de novembro de 2016, reu-
nindo os secretários estaduais de saúde, equipes técnicas dos estados e autoridades do Ministério
da Saúde.
Dessa forma, apresentamos esta edição reafirmando nosso intuito de contribuir para a am-
pliação desse debate, ao trazer elementos que se articulam e cooperam para o trabalho urgente de
implantação e funcionamento das Redes de Atenção à Saúde em todas as regiões do país.

João Gabbardo dos Reis


Presidente do CONASS

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 9


INTRODUÇÃO
LOURDES LEMOS ALMEIDA
Mestre em Saúde Coletiva, Gerente do Núcleo de Gestão e Planejamento
do Conselho Nacional de Secretarias Estaduais de Saúde

O federalismo é uma das doutrinas mais importantes para se entender o Estado Moderno e
Contemporâneo. Um dos seus princípios é a união de estados autônomos formando um sistema na-
cional comum.
As tensões do federalismo contemporâneo, situadas basicamente entre a exigência da atuação
uniformizada e harmônica de todos os entes federados e o pluralismo federal, são resolvidas em boa
parte por meio da colaboração e atuação conjunta das diversas instâncias federais. A cooperação
se faz necessária para que as crescentes necessidades de homogeneização não desemboquem na
centralização. A virtude da cooperação é a de buscar resultados unitários e uniformizadores sem
esvaziar os poderes e competências dos entes federados em relação à União, mas ressaltando a sua
complementaridade (HESSE, 1991; ROVIRA, 1986).
A definição constitucional das competências comuns dos entes federados aponta para as deci-
sões partilhadas e para o planejamento/financiamento comuns das políticas públicas, ou seja, apon-
ta para a conjugação de esforços na prestação dos serviços públicos. As decisões partilhadas depen-
dem da cooperação que possibilita a gestão conjunta de interesses e serviços (ALMEIDA, 2013).
Os arranjos cooperativos estão particularmente vocacionados à prossecução dos dissensos
razoáveis (GARRIDO, 1996) ou das soluções discursivamente validadas e à transposição das assime-
trias regionais (HABERMAS, 2003).
Portanto, a composição do Estado Federativo brasileiro aumenta a importância da instituciona-
lização das relações intergovernamentais. Nesse contexto, em que a autonomia é permanentemente
negociada, o processo de consolidação de referenciais institucionais, que balizem as relações intergo-
vernamentais, torna-se particularmente relevante porque permite estabilizar essas relações.
O estudo das relações intergovenamentais tem despertado o interesse de vários autores que as
definem como “uma tentativa de superação das análises tradicionais acerca dos sistemas unitários e
federais” (AGRANOFF, 1962) e “um importante contingente de atividade ou interações que têm lugar
entre unidades de governo de todo o tipo e nível dentro do sistema federal” (ANDERSON, 1962).
Conforme Wright (1997), as relações de autoridade estabelecidas entre as esferas de governo
podem ser definidas em três tipos clássicos: a) autoridade coordenada, com grande autonomia e
independência entre as esferas de governo, mas com uma necessidade de coordenação conjunta;
b) autoridade igual (ou superposta), com equivalências na distribuição do poder institucional e uma
relação de negociação entre as esferas de governo; c) autoridade dominante (ou inclusa), com assi-

10
metrias na distribuição do poder institucional e com uma clara relação hierárquica entre as esferas
de governo (WRIGHT, 1997).
A Constituição Federal, nos seus artigos 196 a 200, estabelece os princípios, diretrizes e com-
petências do SUS, mas não aborda especificamente o papel de cada esfera de governo no SUS. Um
maior detalhamento da competência e das atribuições da direção do SUS em cada esfera – nacional,
estadual e municipal –, é apresentado na Lei nº 8.080, de 19/9/1990, que estabelece, no artigo 15,
as atribuições comuns das três esferas de governo de forma bastante genérica, além de abranger vá-
rios campos de atuação. Nos artigos 16 a 19, são definidas as competências de cada gestor do SUS,
ou seja, a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios (BRASIL, 1988).
Além disso, no art. 198, a Constituição Federal estabelece que as ações e serviços públicos de
saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organiza-
do de acordo com as seguintes diretrizes: descentralização; atendimento integral; e participação da
comunidade. O art. 7º da Lei nº 8.080/1990, que trata dos princípios do SUS, refere-se à descentra-
lização, mas também remete à regionalização, à conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos,
materiais e humanos dos três entes na prestação dos serviços à população (BRASIL, 1990).
O Decreto nº 7.508/2011 menciona a região de saúde como espaço que tem a finalidade de
integrar a organização, o planejamento e a execução de ações e serviços de saúde; será referência
para as transferências entre os entes; a Rede de Atenção à Saúde, onde se inicia e se completa a
integralidade da assistência será organizada na região de saúde (BRASIL, 2011).
No contexto da regionalização, as relações intergovernamentais devem ser analisadas como
um dos componentes de uma nova prática na gestão, denominada governança, considerada um fe-
nômeno mais amplo que governo ou que governabilidade, pois, além das instituições públicas, ela
é constituída também por mecanismos informais que não são governamentais, o que permite que
outros atores, como a sociedade e as organizações envolvidas, participem desse processo em que in-
teresses, embora muitas vezes divergentes, podem ser organizados e direcionados segundo objetivos
comuns, negociados, de modo a assegurar o direito ao acesso universal à saúde.
Nesse processo, há forte interdependência federativa – nos procedimentos de formulação e im-
plementação de políticas, na organização e gestão de redes de atenção à saúde –, sendo que as es-
tratégias e os instrumentos de coordenação intergovernamental assumem papel de destaque na re-
gionalização (CAMPOS, 2006; FLEURY e OUVERNEY, 2007; VIANA e LIMA, 2011; SANTOS e ANDRADE,
2011 apud LIMA et al., 2015). As relações de autoridade estabelecidas entre as esferas de governo
são de autoridade igual – ou superposta –, com equivalências na distribuição do poder institucional e
uma relação de negociação entre as esferas de governo.
A dinâmica política desse processo de regionalização está profundamente vinculada às rela-
ções intergovernamentais e interfederativas de três esferas de poder autônomas e requer a busca do
equilíbrio entre elas, pois, nos processos decisórios compartilhados, necessitam lidar com elementos

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 11


como solidariedade, cooperação, conflito e competição para efetivar a implantação do Sistema Único
de Saúde (SUS), em um contexto democrático, em uma realidade plural e marcada por desigualdades
regionais importantes.
Os acordos de cooperação, que produzem o bem público mediante a ação conjunta de vários
atores, devem expressar ganhos de escala, redução dos riscos e dos custos envolvidos no desenvolvi-
mento de novos conhecimentos e tecnologias.
Nesse modelo, deve ser enfatizada interdependência entre os atores envolvidos em termos de
recursos e capacidades e que, apesar disso, mantêm sua autonomia, ou seja, não estão, a princípio,
submetidos às mesmas estruturas características das hierarquias. As relações caracterizam-se por
sua horizontalidade, o que não implica dizer que os atores sejam iguais em termos de autoridade e/
ou alocação de recursos. Entretanto, dada a sua interdependência, possuem a consciência de que os
resultados só serão alcançados em parceria (TORFING, 2005).
A governança no SUS não se constitui apenas nos fóruns intergovernamentais, uma vez que
precisam fazer parte dela os atores governamentais e não governamentais situados em um território e
integrados em propósitos comuns; a intersetorialidade deve ser exercida, com a participação de vários
atores do território com a coordenação do estado; deve haver o exercício do controle social sobre os
agentes públicos para verificar a responsabilidade e eficácia da ação pública; devem ser observadas a
descentralização e a autonomia dos atores políticos e a formulação de políticas públicas por meio de
audiências, consultas públicas e conferências; é preciso maior transparência com a implantação de
mecanismos eficazes de prestação de contas; a sociedade deve participar na gestão pública.
A prática da governança no SUS precisa ser fortalecida, nessa lógica de inclusão de todos os
atores que estão atuando nas regiões de saúde, território que é referência para a organização das
ações e dos serviços de saúde e para a transferência de recursos entre os entes federativos, como
decorrência das normas do SUS.
Considerando a complexidade dessas relações, deve ser analisada a possibilidade de sua re-
gulamentação ou a promulgação de normas que as protejam, reduzindo o seu caráter casuístico, am-
parando-as em regras claras e diminuindo a incerteza e a instabilidade presentes (ALMEIDA, 2013).
Finalmente, na intenção de contribuir para a ampliação da discussão sobre o tema, este livro
reúne o resultado de estudos realizados sobre a evolução do tema Governança ao longo dos anos, na
intenção de colaborar para uma compreensão dos conceitos essenciais, dos pressupostos teóricos
sobre governança no âmbito do SUS, bem como apresenta experiência exitosa que está sendo desen-
volvida em uma região de saúde e que dá sustentação a esse debate.

12
Referências
AGRANOFF, R. Marco para el analisis comparado de las relaciones intergubernamentales. In: MERINO
HUERTA, M. (Org.). Cambio político y gobernabilidad. México: CONACYT, 1992.
ALMEIDA, L. L. O significado de governança para os gestores estaduais do Sistema Único de Saúde.
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva
pelo Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade de Brasília. 2013. Disponível
em: <http://repositorio.unb.br/handle/10482/13564>.
ANDERSON W. Intergovernamental relations in review. Minneapolis: University of Minnesota Press,
1960.
BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 7.508, de 28/06/2011. Dispõe sobre a organização do
Sistema Único de Saúde, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfedera-
ativa, e dá outras providências.
______. Presidência da República. Lei nº 8.080, de 29/09/1990. Dispõe sobre as condições para a
promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços corres-
pondentes e dá outras providências.
____. Presidência da República. Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de
1988.
GARRIDO, E. El Consorcio como instrumiento de cooperación administrativa. Revista Española de
Administración Local e Autonomica, p.270, 1996.
HABERMAS, J.; HÄBERLE, P. Sobre a legitimação pelos direitos humanos. In: MERLE, J.; MOREIRA, L.
(Org.). Direito e legitimidade. São Paulo: Landy, 2003.
HESSE, K. A força normativa da constituição. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1991.
LIMA, L. D.; ALBUQUERQUE, M. V.; SCATENA, J. H. G. Quem governa e como se governam as regiões e
redes de atenção à saúde no Brasil? Contribuições para o estudo da governança regional na saúde.
Novos Caminhos, n. 8. Disponível em: <www.regiaoeredes.com.br>.
ROVIRA, A. Federalismo y cooperación en la RFA. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1986.
TORFING, J. Governance network theory: towards a second generation. European Political Science, v.
4, p. 305-315, 2005.
WRIGHT, D. S. Para entender las relaciones intergubernamentales. Mexico: Fundo de Cultura Econó-
mica, 1997.

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 13


1
GOVERNANÇA COLABORATIVA

ROSILEIA MILAGRES
Pesquisadora e professora da Fundação Dom Cabral nas áreas de Estratégia, Redes Interorganizacionais e Governança
Colaborativa da Fundação Dom Cabral. Doutora em Economia pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de
Janeiro e Mestre em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais.

SAMUEL A. G. DA SILVA
Mestre em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais. Bolsista de pesquisa FAPEMIG do Centro de
Referência em Governança Social Integrada da Fundação Dom Cabral. Prestador de Serviços Técnico por Produto na
OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde) / CONASS (Conselho Nacional de Secretários de Saúde).

OTÁVIO REZENDE
Pesquisador e professor do Centro Universitário Una, Centro Universitário de Belo Horizonte – UNI-BH e IEC/PUC Minas nas
áreas de Negócios Internacionais, Estratégia Empresarial e Redes Interorganizacionais. Professor Convidado da Fundação
Dom Cabral. Prestador de Serviços Técnico por Produto na OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde) / CONASS
(Conselho Nacional de Secretários de Saúde). Doutor em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais.

A opção por estratégias colaborativas é uma realidade no mundo contemporâneo. Restam


poucas dúvidas que elas se apresentam como respostas a muitos, entre os diversos, desafios en-
frentados pelas organizações. Particularmente, em relação ao Estado, assistimos a um crescente
movimento que envolve a criação de uma administração pública diferente, inserida em um mundo
conectado, complexo, marcado por contornos difusos entre setores distintos, com múltiplas formas e
estilos de representação. Neste ambiente, valores como eficiência e efetividade continuam pautando
as relações, mas são percebidos por lentes variadas e levam em conta aspectos como democracia,

14
cidadania, participação, respeito às especificidades e singularidades das diversas comunidades que
compõem a sociedade moderna (DENHARDT; DENHARDT, 2015).
O Estado continua sendo percebido como o responsável pela geração de valores e bens públi-
cos, mas os cidadãos, as organizações, com e sem fins lucrativos, as universidades e outras institui-
ções são vistos como atores fundamentais e copartícipes na geração de soluções. Às agências gover-
namentais cabe tanto o papel de organizadoras, quanto o de catalisadoras e colaboradoras, que por
vezes conduzem, em outras se alinham, aliam, ou até mesmo ficam de fora de acordos colaborativos,
no gerenciamento do valor público (BRYSON; CROSBY; BLOMBERG, 2014).
A importância desse debate é central. Entender como os agentes se organizam para produzir
de maneira colaborativa, não apenas bens, mas também valores públicos, é o início do processo de
construção de respostas para os problemas vividos pelas sociedades contemporâneas. A orquestra-
ção de soluções para os desastres naturais, para o empobrecimento da população, para o cuidado
e promoção da saúde, para a promoção de educação, para o combate à corrupção da sociedade e
seus representantes desafiam a competência de cada um dos atores envolvidos nos problemas a
serem resolvidos.
Parece haver entendimento de que somente a partir da geração de consensos em torno da
compreensão dos problemas e do formato de suas soluções, que as saídas serão encontradas.
Mas, nem sempre foi assim. Em uma perspectiva histórica, a opção do Estado por intensificar sua
participação em parcerias colaborativas é recente. Desde os tempos feudais, o papel do Estado ca-
minha e se transforma com o desenvolvimento da sociedade. No Estado patrimonialista o príncipe e
sua corte eram os donos do poder e se apropriavam do excedente econômico, que era considerado
propriedade privada e sustentado por meio do poder patriarcal do príncipe. Com o desenvolvimento
do capitalismo comercial, o poder central do rei foi fortalecido, abrindo espaço para a constituição
do Estado absolutista. Sua centralidade foi o que garantiu à burguesia a apropriação do excedente
do trabalho e a acumulação do capital. Questionado por movimentos como as revoluções inglesa e
francesa, deu lugar ao Estado liberal. Caracterizado pela liberdade de comércio, esse Estado trans-
fere seu papel de regulador ao mercado, mantendo funções clássicas, como a de polícia, de arre-
cadação e de diplomacia. Entretanto, a crise dos anos 1930 revelou a incapacidade do mercado
em orquestrar as economias. Constituiu-se, naquela ocasião, o capitalismo monopolista de Estado,
abrindo espaço para sua atuação como regulador. A partir de então, o Estado, em associação com
os proprietários do capital e a tecnoburocracia, ampliou suas funções econômicas, sociais e de
regulação. Substituiu o mercado, definiu preços, salários e taxas de lucro, estabeleceu prioridades
para os investimentos, dirigiu o consumo e a produção, por meio de empresas estatais. Como resul-
tado das pressões sociais e sindicais, se assumiu como Estado do bem-estar social, atuando nas
áreas de educação, saúde, lazer, entre outras. No entanto, seu agigantamento abriu margem para
sua reforma nos anos 1980.

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 15


Anteriormente percebido como o motor da economia, passou a ser visto como entrave ao seu
crescimento, ao expulsar o setor privado de atividades produtivas, gerar condições para o desem-
prego e para o aumento da taxa de inflação. Ademais, o avanço das tecnologias da informação e
comunicação, a acentuação da internacionalização dos mercados financeiros e a queda dos custos
de transporte integraram as economias e expuseram as organizações a ambientes mais competi-
tivos, em que a busca pela eficiência se tornou condição de sobrevivência. Abriu-se, desse modo,
espaço para as reformas neoliberais que questionavam o papel Estado, atribuindo à excessiva re-
gulamentação e tributação o impedimento do livre funcionamento do mercado. Exigiu-se a saída do
Estado da economia, ficando suas funções restritas ao exercício de atividades típicas de governo.
Pregavam a desregulamentação, entendendo que o mercado era capaz de regular a produção e a
distribuição; criticavam o planejamento estatal que limitava as liberdades individuais. A crise ins-
talada manifestou-se também pela insatisfação da sociedade em relação à administração pública
burocratizada. Emergiu a administração pública gerencial, que teve início nos governos Thatcher
e Reagan. Nesse contexto, destacou-se o New Public Management, que se caracterizou pela pro-
fissionalização na gestão, pela criação de medidas de desempenho, pela busca de resultados e
redução de custos. Pregavam a reinvenção do governo e buscavam transferir para o âmbito público
as práticas do setor privado na gestão de seus negócios (BRESSER-PEREIRA, 1998; DENHARDT;
DENHARDT, 2000; GOLDSMITH; KETTL, 2009).
Visões alternativas ao New Public Management, entretanto, questionaram a ênfase do Estado
gerencial na “boa administração”. Advogavam que essa leitura não compreendia as contradições e os
conflitos sociais, o que resultava em um Estado distante dos problemas da sociedade, que não enfren-
tava a complexidade e os desafios da dinâmica sociopolítica. Esse Estado despolitizado se caracteriza
por restringir as decisões estratégicas apenas aos administradores das organizações públicas e pri-
vadas. O resultado, segundo essa leitura, é a “deslegitimação” do poder dos representantes políticos
e dos cidadãos no processo de formulação e execução de políticas públicas. Como alternativa a essa
perspectiva, propõe-se novo modelo baseado no reconhecimento da fragmentação do poder e no en-
tendimento de que a formulação e a implementação de políticas deveriam incorporar o resultado de
interações ocorridas entre a pluralidade de atores com distintos interesses, metas e estratégias (PAES
DE PAULA, 2005). Acredita-se que a formulação e a execução de políticas públicas são resultantes de
processos “governativos” não mais exclusivos aos governos, mas produto da negociação entre uma
gama de atores da sociedade. Para lidar com tal realidade, recomenda-se arranjos não hierárquicos
capazes de promover a interação entre atores públicos, semipúblicos e privados. Entra em cena outra
forma de governança, aquela que se organiza em redes, pautadas pela colaboração entre agentes
diversos (SØRENSEN; TORFING, 2007; KLIJN, 2008).
A formação desses arranjos justifica-se pelo reconhecimento de que cada uma das organiza-
ções envolvidas não possui as competências necessárias para sozinha responder às necessidades

16
dos consumidores e cidadãos que compõem a sociedade contemporânea (SØRENSEN; TORFING,
2007). No entanto, a opção do Estado por trabalhar em rede não pode ser vista como uma forma ex-
clusiva ou que substitui todas as outras maneiras de atuar. Ao contrário, é preciso considerar que ela
está mais afeita a determinadas áreas de atuação, assim como a determinados contextos políticos.
Áreas ligadas à defesa e aos impostos, por exemplo, podem não se adequar a esse tipo de governan-
ça, assim como países com baixa tradição na prática democrática (TORFING, 2012). De maneira geral,
a atuação do Estado em rede pode ser entendida como um fenômeno resultante de um movimento
histórico-político-social, em que os governos reconhecem a necessidade de atuar em conjunto com o
setor privado e a sociedade na solução de problemas públicos.
É nesse contexto que temos assistido ao crescente debate sobre como governar essa arti-
culação entre governos, cidadãos, entidades da sociedade civil, empresas e outras organizações
com ou sem fins lucrativos (KLIJN; SKELCHER, 2007). E é este o objetivo deste capítulo: discutir
e entender quais são os elementos que devem ser considerados na estrutura de governança das
redes colaborativas. Entretanto, antes é preciso entender alguns conceitos centrais, apresentados
e debatidos a seguir.

As Redes Colaborativas
Redes colaborativas (redes) configuram um arranjo estável, formado por atores que possuem
recursos complementares e, consequentemente, dependem uns dos outros para o alcance de objeti-
vos convergentes. Entretanto, apesar desta interdependência, permanecem funcionalmente autôno-
mos (THOMSON; PERRY, 2006; SØRENSEN; TORFING, 2009). Podem ser compostas por instituições
pertencentes ao Estado, por empresas, por organizações sem fins lucrativos e por outras organi-
zações da sociedade civil (SØRENSEN; TORFING, 2009; PROVAN; LEMAIRE, 2012). E mesmo que a
afiliação à rede seja formalizada, estabelecendo quem está “dentro” e quem está “fora”, nem sempre
seus limites são evidentes (PROVAN; LEMAIRE, 2012).
Elas interagem por meio de negociações recorrentes, marcadas por conflitos de interesses,
partem de uma definição ampla de problemas, visões, ideias, planos e regulamentações, e são re-
levantes para amplas camadas da população. O contexto em que operam é constituído por regras,
normas, conhecimento partilhado e entendimento coletivo da ambiência que as envolve. E são esses
elementos que permitem a elaboração de políticas e a produção de valor/bem público (SØRENSEN;
TORFING, 2009; PROVAN; LEMAIRE, 2012).
Sob a classificação de redes encontram-se diferentes formas de arranjo, com diversos tipos
de contratos, objetivos, composição entre vários atores e múltiplas formas de coordenação dos en-
volvidos. Podem ser, ainda, de curto ou longo prazo, envolver um único setor ou serem intersetoriais,

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 17


estarem preocupados com formulação de políticas ou sua implementação, entre outros (SØRENSEN;
TORFING, 2007). Uma característica, entretanto, marca esse tipo de arranjo: o fato de almejarem o
alcance de objetivo(s) convergentes(s) e serem pautados pela lente da colaboração. Envolvem, em
geral, pelo menos duas organizações independentes e, geralmente, nomeia-se este tipo de arranjo
por redes quando o número de parceiros ultrapassa duas organizações.
A rede, por princípio, não está submetida às mesmas estruturas características das organi-
zações tradicionais. Muitas delas se caracterizam por relações horizontais, o que não implica dizer
que os atores sejam iguais em termos de autoridade e/ou capacidade de alocação de recursos.
Por exemplo, embora o poder público possa impor decisões aos parceiros, esses últimos possuem
recursos, que agem como contrapeso – por exemplo informação, conhecimento específico, capital,
suporte político, interação com os cidadãos. Nessa arena de disputas, repleta de conflitos recorren-
tes, destaca-se a natureza colaborativa dos esforços dos parceiros e o uso de ferramentas que pro-
piciem o engajamento dos envolvidos. Embora os objetivos sejam convergentes, cada organização
possui seus próprios interesses e procura espaço para alcançá-los. Essa interação, consequente-
mente, acontece em um ambiente carregado por negociações, pela necessidade de construção de
confiança, pela abertura para o aprendizado e pela busca de entendimento comum. Tais aspectos
não autorizam afirmar, no entanto, que as escolhas ou deliberações sejam fruto de decisões unâni-
mes, – uma vez que acontecem em contextos que conformam diferentes perspectivas e visões de
mundo – mas que buscam o consenso (TORFING, 2005).
Uma das resultantes desse conjunto de características é a necessidade de se estabelecer
um estilo diferente de governança, específico para ambientes colaborativos.

Governança Colaborativa
É o conjunto de instrumentos que permitem a coordenação dos atores envolvidos em redes.
É também o resultado de um processo de barganha entre as organizações participantes da rede e
de seus respectivos gestores, cada um considerando os benefícios da cooperação no alcance dos
objetivos coletivos e individuais. Incluem um conjunto de processos de tomada de decisão e con-
trole que viabiliza a execução de políticas. Tem a ver com o exercício de poder e autoridade, mas,
principalmente, com o exercício da influência e da negociação. Define regras, normas, processos,
rotinas e outros procedimentos que estabeleçam os limites de autonomia, a divisão de respon-
sabilidades, o estabelecimento de bases para o compartilhamento de recursos e de resultados,
entre outros aspectos relativos ao funcionamento da rede. Usa diferentes tipos de instituições com
o intuito de garantir a coordenação e a execução das atividades compartilhadas pelos parceiros
(ROTH, A. L. et al., 2012).

18
Este conjunto de regras, procedimentos, normas – formais ou informais – são constituídos ao
longo do tempo, por meio de um processo de aprendizado incremental, que altera a percepção dos
atores em relação “ao problema”, suas identidades e a própria estrutura de governança. Ou seja,
trata-se de uma estrutura em mutação, que pode variar de acordo com o contexto que a cerca e com
a alteração da percepção dos agentes que dela fazem parte. Por outro lado, essa estrutura de gover-
nança também influencia a ação de seus componentes.
Diante da complexidade das relações estabelecidas entre os atores, a governança colaborativa
exige o estabelecimento de novos processos que medeiem as relações entre as pessoas e as orga-
nizações, o que pressupõe mudanças no comportamento dos agentes. Isto é, eles possivelmente
agiriam de forma diferente se estivessem atuando de maneira isolada em suas organizações. Além
disso, demanda o uso de tecnologia da informação e comunicação que permita organizar a informa-
ção que circula entre os atores e instituições. A disponibilidade e troca de informação, vale ressaltar, é
percebida como elemento central para o bom andamento da rede. Requer, ainda, modelos de gestão
de desempenho para acompanhamento das atividades individuais e coletivas que impactarão o resul-
tado pretendido. Para isso, há necessidade de envolver capital humano que, além de trazer recursos
para a rede, tenha habilidade de negociação, coordenação e facilitação de processos (PARKER, 2007).
Diferentemente das formas tradicionais de governança, a governança colaborativa convive com
processos de tomada de decisão que não são necessariamente hierarquizados, mas que visam pro-
mover a interação e o empoderamento dos envolvidos. Nesse sentido, podem ser mais efetivos, pois
esse maior envolvimento garante não apenas comprometimento, mas também soluções desenhadas
de forma mais adequada aos problemas a serem enfrentados. Na perspectiva do Estado, sua ação
não é marcada necessariamente por mudanças no conteúdo de suas políticas, e sim pela modificação
na sua forma de atuação.
Em resumo, é preciso fazer distinção entre a demanda pela atuação do Estado em rede, a parti-
cipação do Estado e de outros tipos de organizações em arranjos que buscam a solução de questões
coletivas (redes) e o trabalho de coordenação da rede constituída (governança colaborativa).
Nas próximas seções, apresentaremos as dimensões que compõem e influenciam a governan-
ça colaborativa. Esse resultado é fruto de um estudo que teve por intuito entender como o tema “go-
vernança colaborativa” vem sendo discutido ao longo dos anos. Sua operacionalização contou com a
busca dos descritores “collaboration”, “network” e ”governance”, em revistas da área de administra-
ção pública e estudos organizacionais, entre 2000 e 2014 na base de dados EBSCO. Foram encontra-
dos inicialmente 2.874 artigos. Desses, apenas 81 se adequaram aos objetivos desse capítulo, quais
sejam: entender os elementos a serem considerados no entendimento da governança colaborativa.
A seguir são apresentados os resultados da sistematização, acrescidos de outras referências consi-
deradas essenciais para a compreensão do tema e no Anexo a este capítulo está a metodologia do
estudo realizado.

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 19


Os Elementos da Governança Colaborativa

ANTECEDENTES

A decisão ou não por formar redes é influenciada pelo contexto em que elas emergem, que é
composto por um conjunto de elementos políticos, jurídicos, socioeconômicos, ambientais (EMERSON
et. al., 2012) regulatório e tecnológico. Esse ambiente conforma o entorno e, com isso, podem levar
os agentes a estabelecerem novos arranjos colaborativos, como também influenciar aqueles já esta-
belecidos. Ou seja, o contexto não é representado apenas como um conjunto de condições de partida,
mas sim como uma dimensão em constante movimento, que influencia a dinâmica e o desempenho
da colaboração na emergência, e em qualquer momento durante sua existência, ao abrir novas possi-
bilidades ou desafios imprevistos. Essa influência se estende ao tipo de parceiro, à estrutura escolhi-
da para o relacionamento e à governança colaborativa a ser estabelecida.
A constituição de uma rede depende também da percepção quanto aos níveis de interdepen-
dência e de complementaridade de recursos entre os futuros parceiros. Isto é, aceitar a impossibili-
dade de se alcançar os objetivos esperados de forma isolada é condição necessária, assim como a
identificação de quem possui os recursos indispensáveis. Soma-se a esses fatores as expectativas
quanto aos incentivos, tanto no que se refere aos resultados pretendidos, quanto em relação à sua
divisão. Quanto maior o número de motivadores presentes, e quanto mais eles forem reconhecidos
pelos participantes, maior será a probabilidade de que uma rede seja iniciada (EMERSON et. al.,
2012; THOMSON; PERRY, 2006).
Ademais, deve-se levar em conta o compartilhamento de riscos provenientes de diferentes fon-
tes, como aqueles resultantes da interdependência (CUMMINGS; HOLMBERG, 2012) e do vínculo
estabelecido entre as reputações dos parceiros e aqueles advindos de outras incertezas em relação
ao futuro.
Na análise dos antecedentes, um entre os elementos que podem mitigar riscos e incertezas é
a história prévia entre os prováveis membros, o nível de conflitos preexistentes, (BRYSON; CROSBY;
STONE, 2006; THOMSON; PERRY, 2006; EMERSON et. al., 2012) e a experiência em trabalhar em
arranjos colaborativos (LARSON, 1992). Acrescenta-se ainda o grau de aceitação, entendimento e le-
gitimidade que esse tipo de estratégia possui entre os possíveis parceiros (HEALEY, 2004; GONZALEZ
e HEALY, 2005).
Quando o arranjo ainda é uma intenção, é que se inicia a análise, o cortejo e o contato prelimi-
nar entre os parceiros. Nesse momento, a possibilidade de parceria é avaliada, podendo resultar em
uma identificação mútua entre atores (SAZ-CARRANZA; VERNIS, 2006). Contudo, cabe ressaltar que
a seleção dos parceiros é um fator que influencia não só a estruturação da rede, mas também sua

20
dinâmica e desempenho (BIERLY; GALLAGHER, 2007). Por esse motivo, esse processo é uma etapa
de extrema relevância e deve envolver o alinhamento dos objetivos estratégicos e a identificação de
alguns fatores críticos para o sucesso, como a capacidade de executar as tarefas que contribuem
para o alcance dos objetivos desejados (HOLMBERG; CUMMINGS, 2009).
Contudo, estar alinhado nem sempre é suficiente para se escolher um parceiro. É preciso que
exista confiança (BIERLY; GALLAGHER, 2007), seja essa influenciada pelas relações anteriores (con-
fiança pessoal) e/ou pela reputação (confiança econômica/baseada na competência reconhecida)
dos envolvidos (SAZ-CARANZA; VERNIS, 2006). Em linhas gerais, é preciso que os parceiros confiem
uns nos outros o suficiente para que estejam preparados para assumir o risco de iniciar a colaboração
(HUXHAM, 2003).
Por fim, destaca-se a importância de uma liderança que seja capaz de orquestrar os elementos
presentes na fase antecedente em direção à formação da rede colaborativa. Esse líder pode ser um
membro de uma das partes; mas, apesar disso, deve assumir papel imparcial tanto quanto à solu-
ção, quanto às preferências particulares. Deve também assumir os custos de transação inerentes
aos esforços iniciais de estabelecimento da colaboração e ser capaz de intermediar as negociações
(EMERSON et. al., 2012).
No Quadro 1 apresentamos os elementos antecedentes com os respectivos autores que os
discutem.

Quadro 1 – Antecedentes
ELEMENTO COMPONENTES AUTORES
Antecedentes Elementos Políticos, Jurídicos, Socioeconômicos, EMERSON et. al., 2012.
Ambientais, Regulatórios e Tecnológicos
Níveis de Interdependência e de THOMSON; PERRY, 2006; EMERSON et.
Complementaridade de Recursos al., 2012.
Compartilhamento de Riscos CUMMINGS; HOLMBERG, 2012.
História Prévia entre os Membros, o Nível de BRYSON; CROSBY; STONE, 2006;
Confiança e Conflitos Preexistentes THOMSON; PERRY,
2006; EMERSON et. al., 2012
Experiência em Trabalhar em redes colaborativas LARSON, 1992.
Grau de Aceitação/Legitimidade HEALEY, 2004; GONZALEZ; HEALEY,
2005.
Seleção de Parceiros HUXHAM, 2003; SAZ-CARRANZA;
VERNIS, 2006; BIERLY; GALLAGHER,
2007; HOLMBERG; CUMMIN-GS, 2009.
FONTE: ELABORADO PELOS AUTORES

A combinação de todos esses elementos influencia a emergência da rede. Caso o resultado da


conjunção desses fatores leve à sua constituição, torna-se necessária a estruturação das interações

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 21


entre os atores, para que se garanta o seu funcionamento. Assim, estabelecer uma estrutura de go-
vernança é condição indispensável para o alcance dos resultados pretendidos. Esse processo inclui
sua estrutura, contrato, processos e outros elementos intangíveis.
Na próxima seção, apresentaremos os elementos referentes a esses aspectos, denominando o
conjunto de Governança Colaborativa.

GOVERNANÇA COLABORATIVA – ESTRUTURA E CONTRATOS

As redes são arranjos que envolvem múltiplos parceiros com diferentes propósitos, tamanhos,
visões de mundo, e possuem dinâmica peculiar influenciada por mudanças no contexto, na alteração
dos objetivos estabelecidos e na possibilidade de entrada e saída de membros. O estabelecimento da
governança colaborativa, consequentemente, é fruto da necessidade de interação entre atores inter-
dependentes (AGGARWAL; SIGGELKOW; SINGH, 2011), que demanda a concepção de um conjunto de
mecanismos/instrumentos de coordenação e controle (HUXHAM, 2003).
No que se refere à sua estrutura formal, a governança colaborativa é composta por contratos e
pela definição de sua estrutura de coordenação.
Os contratos são vistos como facilitadores do processo de coordenação, já que sinalizam aos
parceiros o que é esperado deles, conformam expectativas, facilitam as decisões e previnem disputas
(REUER; ARINO, 2007). Podem apresentar também mecanismos de controle, visando, com isso, coibir
comportamentos oportunistas dos parceiros. Visam mitigar riscos e evitar mal-entendidos, promo-
vendo, assim, a colaboração (MALHOTRA; LUMINEAU, 2011). Podem abranger aspectos relativos à
divisão do trabalho (AGRANOFF, 2006), definição de responsabilidades, funções, objetivos, fronteiras
da rede (PARK, 2001; THONSON; PERRY, 2006), mecanismos de aferição de resultados e diversos ou-
tros tipos de regras que sejam entendidos como pertinentes. Luo (2005) considera os contratos como
importante guardião dos elementos que promovem a percepção de justiça auferida pelos parceiros
ao longo da colaboração. Essa percepção, segundo ele, é proveniente do estabelecimento de orien-
tações que conformam a estrutura, a forma de gestão, o compartilhamento de recursos, a execução
dos planos e as decisões.
De maneira geral, a literatura, principalmente aquela vinculada à teoria organizacional, inves-
tiga o papel dos contratos e sua relação com a confiança. Discutem os tipos de confiança baseados
em aspectos econômicos ou pessoais, e como se comportam ante os papéis dos contratos, para co-
ordenação ou controle, assim como as consequências dessas relações para o desempenho da rede
(maiores detalhes, ver DAS; TENG, 2001; KRISHNA; MARTIN; NOORDERHAVEN, 2006; FAEMS et. al.,
2008; GULATI; NICKERSON, 2008; PURANAM; VANNESTE, 2009; CONNELLY; MALHOTRA; LUMINEAU,
2011; MILLER; DEVERS, 2012). Para alguns, na presença de confiança entre os parceiros, o contrato
perde relevância, pois a primeira atuaria como mecanismo de controle em substituição ao segundo
(GULATI, 1995; PURANAN; VANNESTE, 2009; GULATI; NICKERSON, 2008). Outros afirmam que são

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complementares, isto é, a existência de cláusulas contratuais especificando objetivos e indicadores,
por exemplo, abre caminho para a confiança. Ao apresentar um modelo sobre o ciclo de evolução e
aprendizado vivido pelos parceiros em colaboração, Doz (1996) discutiu esta relação complementar.
A existência de contratos, entretanto, pode ser vista com cautela por aqueles que advogam que
as redes são estruturas horizontais, uma vez que a presença de regras pode refletir uma estrutura
hierarquizada. Apesar disso, a governança como um mecanismo de coordenação e monitoramento
das atividades é essencial para a sobrevivência das redes (BRYSON; CROSBY; STONE, 2006).
É nesse sentido que Provan e Kenis (2005) apresentam três possibilidades de estruturas de
coordenação: (1) estruturas de autogoverno, em que a tomada de decisão ocorre por meio de reuni-
ões periódicas dos membros ou por interações informais frequentes; (2) uma organização líder, que
concentra a tomada de decisões e as atividades de coordenação; e (3) a organização administrativa
da rede, uma agência independente, formada para supervisionar as questões e temas relativos à
rede. Contingências, tais como tamanho da rede e os graus de confiança entre os seus membros,
influenciam a decisão sobre a forma mais apropriada.
No Quadro 2 apresentamos os elementos estruturais e contratos com os respectivos autores
que os discutem.

Quadro 2 – Governança Colaborativa – Estrutura e Contratos


GOVERNANÇA COLABORATIVA – ESTRUTURA E CONTRATOS
Contratos DOZ, 1995; GULATI, 1995; DAS; TENG, 2001; PARK, 2001; HUXHAM, 2003; LUO,
2005; AGRANOFF, 2006; BRYSON; CROSBY; STONE, 2006; KRISHNA; MARTIN;
NOORDERHAVEN, 2006; THONSON; PERRY, 2006; REUER; ARINO, 2007; FAEMS et.
al., 2008; GULATI; NICKERSON, 2008; PURANAM; VANNESTE, 2009; MALHOTRA;
LUMINEAU, 2011; AGGARWAL; SIGGELKOW; SINGH, 2011; MILLER; DEVERS, 2012.
Estrutura PROVAN; KENIS, 2005.
FONTE: ELABORADO PELOS AUTORES

No entanto, o estabelecimento de contratos e da estrutura em si não garantem a colaboração.


A eles devem ser somados diferentes processos, que são construídos ao longo das interações diárias
entre os envolvidos e por meio de recorrentes ciclos de renegociação. Sofrem ainda a influência dos
relacionamentos pessoais, dos contratos psicológicos, compreensões e compromissos informais que
vão se formando ao longo da evolução da rede (THONSON; PERRY, 2006).
Na próxima seção abordaremos esses processos de maneira detalhada.

PROCESSOS

Os processos são mecanismos desenvolvidos para a operação diária das redes colaborativas.
São compostos por diferentes instrumentos, como as rotinas, por exemplo, que surgem de maneira

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 23


emergente ou deliberada, são formais ou informais, rígidos ou flexíveis, permanentes ou transitórios.
Podem advir dos acordos estabelecidos em contratos ou da necessidade dos envolvidos em operar
de maneira integrada. Alguns defendem a tese de que eles atuam como mediadores entre o contrato
e o desempenho (NIELSEN, 2010). Outros (DOZ, 1996; LARSON, 1992; RING; VAN DE VEN, 1994) afir-
mam que à medida que a confiança e familiaridade entre os atores se aprofundam, estes mecanismos
vão sendo aprimorados e assumem grande importância no funcionamento das redes colaborativas.
A literatura especializada aponta para diferentes tipos de processos que variam, inclusive, em
face dos objetivos estabelecidos para o arranjo colaborativo. Aqui destacamos os seguintes proces-
sos: administração/coordenação da rede; liderança; construção de legitimidade/mutualidade; cons-
trução de confiança; controle e aferição de resultados.

PROCESSO – ADMINISTRAÇÃO

Somada à capacidade social de construir relacionamentos, a administração da rede envolve


a definição de papéis e responsabilidades, as fronteiras (quem entra e quem sai), metas e objetivos
alcançáveis e canais de comunicação e disseminação de informações. Em alguns casos, há a necessi-
dade do estabelecimento de uma esfera central, que combine coordenação e elementos hierárquicos.
Sua função é manter os parceiros atentos para a determinação conjunta de regras que conduzam aos
resultados esperados (THONSON; PERRY, 2006).
A capacidade administrativa de uma rede envolve diversos elementos; aqui listamos coordena-
ção, comunicação, gerenciamento de conhecimento, gestão de conflito e tomada de decisão.
A coordenação promove a ação conjunta eficiente e se apoia no consenso estratégico e no
envolvimento de todos. Para tanto, é necessário haver entendimento comum quanto aos padrões de
comportamento adotados, levando à estabilidade e previsibilidade. É necessário, também, desenvol-
ver relacionamentos que facilitem a união e o senso de compromisso, bem como utilizar estruturas
como protocolos, modelos e acordos que organizem o processo de negociação (KUMAR, 2014).
Já comunicação reduz a assimetria de informação entre os parceiros e, com isso, contribui para a
confiança. Por fim, a ligação social é entendida como o relacionamento recíproco e confiante e pode se
constituir em um canal informal de conhecimento sobre o parceiro (SCHEREINER; KALE; CORSTEN, 2009).
O gerenciamento do conhecimento tácito e explícito também é uma importante atividade admi-
nistrativa nas redes (AGRANOFF, 2006). Esses devem ser aplicados a problemas complexos (wicked
problemsa), promovendo a interação e a construção de novas bases de conhecimento (WEBER; KHA-

a               VER WEBER E KHADEMIAN (2008). SEGUNDO OS AUTORES ELES SÃO ENTENDIDOS COMO PROBLEMAS DESESTRUTU-
RADOS, PARA OS QUAIS EXISTE POUCO CONSENSO SOBRE SUAS ESPECIFICIDADES, CAUSAS E SOLUÇÕES. SÃO FORMADOS
POR UM SUBCONJUNTO DE PROBLEMAS INTERCONECTADOS E QUE SE SOBREPÕEM. ENVOLVEM MÚLTIPLOS STAKEHOL-
DERS E SUAS DIFERENTES PERSPECTIVAS E VALORES, POR EXEMPLO. SÃO COMPLEXOS E FRAGMENTADOS ENVOLVENDO
ASPECTOS POLÍTICOS E SOCIAIS. DEMANDAM ESFORÇOS BASEADOS EM UMA AMPLA GAMA DE CONHECIMENTOS.

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DEMIAN, 2008). Para tanto, é preciso desenvolver a capacidade de transferir, receber e integrar o
conhecimento. No serviço público, em que múltiplas racionalidades se inter-relacionam, o uso de tec-
nologias da informação e comunicação (TIC) são essenciais, tanto para compreender como para for-
mular e gerenciar o processo de entrega e de renovação de serviços públicos (OSBORNE; STROKOS-
CH,2013; BRYSON; CROSBY; STONE, 2006).
A administração/coordenação da colaboração envolve também a gestão de conflito. Esses
emergem a partir dos diferentes objetivos e expectativas que os parceiros trazem para a colabora-
ção, dos diversos pontos de vista sobre estratégias e táticas, e de tentativas de proteger ou ampliar
o controle de um parceiro sobre o trabalho a ser realizado ou sobre os resultados (BRYSON; CROSBY;
STONE, 2006).
Acrescenta-se ainda a tomada de decisão, baseada em processos deliberativos voltados mais
para o alcance de acordos do que para decisões (EMERSON et al., 2012), já que se pressupõe que a
autoridade na rede é compartilhada (AGRANOFF, 2006) e as relações são horizontais (PROVAN; KE-
NIS, 2005). Esse aspecto aponta para outro processo da governança colaborativa, a liderança.

PROCESSO – LIDERANÇA

A liderança é o processo de influenciar outros para entender e concordar sobre o que precisa
ser feito, de maneira eficiente e de modo a facilitar esforços individuais e coletivos em prol do alcance
dos objetivos desejados (McGUIRE; SILVIA, 2009). Está presente antes da formação da rede e assume
diferentes papéis ao longo da governança colaborativa, alguns essenciais desde o início, outros mais
críticos durante momentos de deliberação ou conflito e outros na condução diária do dia a dia da rede
(EMERSON et al., 2012). Desse modo, é um elemento transversal que envolve interações complexas
entre a ação política e as estruturas sociais emergentes, o que tem reflexos diretos na constituição da
rede, no seu desenvolvimento, crescimento, maturidade e, se for o caso, declínio.
No início do relacionamento, algum grau de desconfiança pode estar presente entre os parcei-
ros, e os líderes devem identificar os potenciais participantes e influenciar os procedimentos e valores
que a rede adotará (AGRANOFF; MCGUIRE, 2001). Por esse motivo, é papel da liderança aglutinar
os parceiros antes que a confiança esteja totalmente presente, mesmo sem que tenham alcançado
acordos em direção a um objetivo comum. Nessa etapa, os mecanismos de formação da rede come-
çam geralmente a partir de relações formais. Por sua vez, a confiança, frágil em um momento inicial,
torna-se resiliente e fortalece as relações informais (SAZ-CARANZA; VERNIS, 2006). De maneira geral,
como nessa etapa, os fluxos de informação são elevados e os recursos fluem com menor intensidade,
o papel da liderança é preponderante para a constituição da rede.
Uma vez estruturada a rede, grande desafio da liderança é construir conexões entre os grupos
formais ou organizações no intuito de promover a colaboração entre eles a serviço de uma única vi-
são e propósito. Nesse sentido, o desempenho eficaz da rede se encontra na capacidade do líder em

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 25


construir uma identidade compartilhada entre os parceiros. Por isso, deve: 1) enfatizar como a cola-
boração é essencial para alcançar os resultados que são valorizados pelo grupo; 2) evidenciar como o
todo é significativamente maior do que o resultado das partes e depende das capacidades que cada
um oferece (HOGG; KNIPPENBERG; RAST, 2012).
Em ambientes de colaboração, a liderança é quase sempre atribuída ao Boundary Spanner/
coordenador de integração na rede (SHEPHERD; MEEHAN, 2012), também denominado construtor
de capacidade colaborativa (WEBER; KHADEMIAN, 2008). A ele são atribuídas as seguintes funções:
facilitar a comunicação entre os diferentes níveis; organizar reuniões e fóruns; familiarizar-se com
as políticas e os procedimentos das agências e dos prestadores de serviços e com os programas
interagência; coordenar o fluxo de informação entre as instituições e os prestadores de serviços e
identificar pessoas-chave na sua instituição e em outras. Por possuir uma posição estabelecida de
poder e legitimidade, pode propor uma abordagem participativa, se consubstanciar em um centro
de informações cruciais e ajudar na construção e manutenção de relacionamentos dentro e entre as
agências envolvidas (SHEPHERD; MEEHAN, 2012).
No setor público, essa figura é central, pois determina quem participa, o formato da participa-
ção e, consequentemente, a qualidade dos relacionamentos na rede. Portanto, deve ser capaz de
gerir/construir relacionamento entre as organizações participantes e desenvolver/sustentar relações
interpessoais efetivas entre parceiros (THOMSON e PERRY, 2006), ou seja, são responsáveis não só
por produzir resultados, mas também pela forma como esses são alcançados. Por isso, devem facilitar
a criação, o desenvolvimento e as mudanças de processos que promovam a realização de ações que
levem aos resultados pretendidos, muitas vezes voltados mais para os relacionamentos informais em
detrimento dos formais (FELDMAN; KHADEMIAN, 2002; WHELAN, 2011).
Geralmente, nas redes públicas, especialmente as que envolvem a solução de problemas com-
plexos, o “construtor de capacidade colaborativa” é aquele que resolve os problemas por meio da
autoridade legal, pelo reconhecimento das suas expertises, pela reputação como “mediador honesto”
ou pela combinação dos três elementos anteriores. Esse pressuposto é baseado no argumento de
que um gestor ou líder eficiente é aquele capaz de inspirar as organizações e seus membros por meio
de um conjunto de valores que guia a prática e os comportamentos. Esse ator toma suas decisões
com base em um modelo mental/conjunto de compromissos que facilita seus esforços para garantir
que o conhecimento na rede possa ser enviado, recebido e integrado entre as partes, com foco na
construção de ambientes que promova a colaboração, que auxiliará na definição de soluções para
problemas complexos (WEBER; KHADEMIAN, 2008). De maneira geral, o “construtor de capacidade
colaborativa” tem a responsabilidade de convencer uma vasta gama de atores, que têm seus interes-
ses afetados pela atividade da rede, a se comprometerem com a colaboração e esperarem ganhos
mútuos. Ao mesmo tempo, demonstram boa vontade em utilizar a autoridade e recursos à sua dispo-
sição para promover, reforçar e proteger os acordos feitos de modo colaborativo.

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Contudo, há que se recordar que as redes não são organizações, no sentido estrito do ter-
mo, por isso não estão submetidas a burocracia convencional, o que faz que os líderes tenham de
trabalhar essencialmente no fortalecimento dos relacionamentos, buscando agregar esforços no
sentido de reunir recursos em torno dos objetivos convergentes dos atores, ou seja, autoridade
ou liderança em redes é quase sempre uma característica emergente. Isso significa dizer que ela
não é legitimada apenas por meio de títulos formais ou posição na hierarquia organizacional. Ao
contrário disso, é conferida pelos stakeholders àqueles com acesso a recursos críticos ou que
possuem habilidade de captá-los e aplicá-los em prol da solução de problemas complexos (WEBER;
KHADEMIAN, 2008).
Outra característica da liderança em ambientes de colaboração é ser, geralmente, transitória e
poder ser exercida tanto por um indivíduo, uma organização ou por ambos. Isso quer dizer que diferen-
tes parceiros lideram e gerenciam a rede ao assumirem diferentes papéis por meio de uma liderança
compartilhada, geralmente baseada em suas habilidades e capacidades. Além disso, eles precisam
de energia para superar as resistências em sua organização, bem como nas organizações dos outros
participantes (WEBER; KHADEMIAN, 2008).
A efetivação desse processo, por sua vez, só é possível se a colaboração é entendida como um
movimento legítimo e benéfico para todas as partes. Portanto, o compromisso constante com o pro-
cesso colaborativo deve ser comum a todos e cabe ao líder propagar esta ideia.

PROCESSO CONSTRUÇÃO DE LEGITIMIDADE / MUTUALIDADE

A colaboração pressupõe interdependência entre as partes, que concordam em abdicar de


uma parcela dos seus interesses em benefício do coletivo. Quanto maior for o consenso construído,
tendo por base as necessidades de cada um, maior será a probabilidade da colaboração entre eles
(THOMSON; PERRY, 2006; EMERSON; NABATCHI; BALOGH, 2012). No geral, os atores demonstram
o interesse em interagir de forma colaborativa apenas quando se percebe a mesma disposição nos
parceiros. Portanto, a reciprocidade é entendida como um elemento chave para a colaboração, sendo
a reputação dos envolvidos seu recurso inicial. Nesse sentido, na medida que os parceiros interagem
de forma colaborativa e constroem uma reputação de terem um comportamento confiável ao longo
do tempo, eles evoluem da reciprocidade inicial para a institucionalização de contratos psicológicos
(THOMSON; PERRY, 2006), que servirão de base para o desenvolvimento do capital social.
Este, entendido como a construção conjunta de sentido sobre a colaboração, será mais fa-
cilmente estabelecido quando os atores produzirem discursivamente uma identidade coletiva por
meio de conversas que estabeleçam laços de ligação entre eles (HARDY; LAWRENCE; GRANT, 2003.
Abre-se caminho, para o estabelecimento da cultura da rede, definida como um conjunto de cren-
ças compartilhadas, valores e atitudes entre os membros. Ela oferece suporte às redes; pois, por
meio de seu compartilhamento, os membros estariam mais propensos a manter foco nos objetivos

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 27


comuns (KENIS; PROVAN, 2006). Contudo, será pouco provável que a identidade seja estabelecida
sem reciprocidade e confiança, uma vez que essas incidem na construção de capital social (GRUN-
DINSCHI et al., 2013).

PROCESSO CONSTRUÇÃO DE CONFIANÇA

A construção de confiança é percebida como central, enquanto preço e autoridade são os me-
canismos de controle aplicáveis aos mercados e hierarquias; o equivalente para redes é a confiança
(TENBENSEL, 2005). Sua relevância se deve ao fato de que ela facilita a governança e abre espaço
para que os parceiros trabalhem de maneira colaborativa (KALE; SING, 2009; EMERSON; NABATCHI;
BALOGH, 2012), reduz potenciais conflitos (GULATI; NICKERSON, 2008), facilita a troca de informa-
ções e influencia positivamente os resultados (MOHR; SPEAKMAN, 1994).
Contudo, por ser um conceito polissêmico, compreender o que é confiança é objetivo de vários
estudos científicos. Há quem a entenda por meio de duas abordagens: um componente estrutural,
que se refere a um tipo de expectativa de que o parceiro não vai agir de forma oportunista, mesmo
quando tiver a oportunidade de fazê-lo (ZAHEER; McEVILY; PERRONE, 1998; KRISHNA; MARTIN; NO-
ORDERHAVEN, 2006); e um componente comportamental, que se refere ao grau de confiança e inte-
gridade de seu parceiro (ZAHEER; McEVILY; PERRONE, 1998). Essa situação se confirma quando os
parceiros: (1) proveem segurança por meio da realização de suas promessas, (2) agem de forma justa
ao lidar uns com os outros; e (3) demonstram benevolência quando surgem contingências imprevistas
(KRISHNA; MARTIN; NOORDERHAVEN, 2006). Funcionando, ao mesmo tempo, como ‘lubrificante’ e
‘cola’, ela facilita o trabalho e mantém a colaboração.
É vista também como um estado psicológico que compreende a suspensão intencional e com-
portamental de vulnerabilidade, fruto da incerteza sobre o comportamento alheio, por parte de quem
confia com base nas expectativas positivas que se tem no confiado. Já a desconfiança é a rejeição
intencional e comportamental de vulnerabilidade por parte de quem confia, fundamentada em ex-
pectativas negativas, com base em comportamentos anteriores, em relação ao confiado (OOMSELS;
BOUCKAERT, 2014). Nesse conceito está implícita, portanto, uma visão de que o estabelecimento
das relações, bem como sua continuidade no futuro, é fundamentado na reputação construída e no
desempenho anterior (HUXHAM, 2003; PORRAS; CLEGG; CRAWFORD, 2004). Entende-se, portanto,
que a confiança se desenvolve por meio de um processo cíclico de negociação, interação, compro-
metimento e execução das promessas entre as organizações. Fundamenta-se, portanto, no compor-
tamento interpessoal, na competência interorganizacional, no desempenho esperado, nos vínculos
comuns e no senso de benevolência.
Geralmente, a rede se inicia com diferentes graus de confiança, mas a sua construção/desen-
volvimento é uma exigência permanente para uma colaboração bem-sucedida. Sua operacionalização
se dá pelo compartilhamento de informações e conhecimento, demonstração de competência, acom-

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panhamento dos processos (BRYSON; CROSBY; STONE, 2006) e o reconhecimento mútuo do alcance
de “pequenos ganhos” por meio da colaboração (HUXHAM; VANGEN, 2005).
Outra forma de estimular o aumento dos níveis de confiança entre os membros da rede é por
meio da demonstração de que a opinião de todas as organizações, em particular os participantes de
pequeno porte, será ouvida e considerada, ou seja, é importante para a realização do trabalho em
conjunto. É tarefa essencial da rede fazer que os membros se sintam seguros de que seu ponto de
vista será considerado. Também é importante deixar claro para os membros que as decisões tomadas
na rede nunca vão ter um efeito negativo sobre a sua organização em particular (PORRAS; CLEGG;
CRAWFORD, 2004).
A confiança também é um elemento que molda a forma ideal da estrutura das redes, ou seja,
aquelas que possuem alto grau de confiança podem ter menos controle formal; enquanto as que
têm confiança limitada possivelmente demandam um projeto de rede centralizada, devido ao maior
risco de conflito (PROVAN; KENIS, 2008). Como visto, o nível de confiança incide também nos contra-
tos, embora não seja vista como um mecanismo de governança alternativa a esses, mas sim como
condição que determina como eles são aplicados (FAEMS et al., 2008). Essa complementariedade é
ainda mais evidente quando é impossível especificar todas as contingências previamente (KRISHNA;
MARTIN; NOORDERHAVEN, 2006; PURANAM; VANNESTE, 2009). Além disso, a confiança agrega aos
acordos no sentido de criar cláusulas que não são aplicáveis apenas mediante a intervenção de um
tribunal, mas também por meio de relacionamentos (PURANAM; VANNESTE, 2009), o que não quer
dizer, necessariamente, que alto grau de confiança combinado com contratos brandos afete positi-
vamente o desempenho da rede (CONNELLY; MILLER; DEVERS, 2012). Em alguns casos, altos níveis
de confiança levam à baixa percepção de risco, o que pode afetar negativamente os resultados da
colaboração (DAS; TENG, 2001). Essa discussão levanta a necessidade de se avaliarem os elementos
e questões que envolvem o desempenho das redes.

PROCESSO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS E AFERIÇÃO DE RESULTADOS

A literatura não discute a importância desse processo; ao contrário, parte do entendimento que
redes eficazes são aquelas com capacidade de entregar solução para os problemas que as origina-
ram, de melhorar o desempenho das políticas públicas e de manter a accountability para a ação pú-
blica (WEBER; KHADEMIAN, 2008). As colaborações tendem a obter maior sucesso quando possuem
um sistema de prestação de contas capaz de rastrear insumos, processos e resultados; quando traba-
lham com variados métodos para coletar/interpretar dados; e utilizam um sistema de gerenciamento
de resultados que contemple a intensidade do relacionamento entre os políticos e técnicos da rede
(BRYSON; CROSBY; STONE, 2006).
Entretanto, embora haja consenso sobre a necessidade de se acompanharem e medirem os re-
sultados, há muitas discussões sobre: 1) quais são os indicadores a serem utilizados; 2) o que deve ser

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 29


considerado na aferição do desempenho e para quem; e 3) quando os indicadores devem ser estabe-
lecidos – no início ou ao longo do trabalho em rede – e se eles devem variar com a evolução da rede.
Especificamente em relação aos indicadores, discute-se, por exemplo, a diferença entre ou-
tputs/produtos (planos, projetos, entendimentos conjuntos, valores, visões de futuro, coordenação
de processos colaborativos etc) e outcomes/resultados (efeitos dos produtos sobre as condições am-
bientais e sociais). Para alguns o desempenho da rede deve levar ambos em consideração (KOONTZ;
THOMAS, 2006), assim como, aferir o desenvolvimento de relações e processos e seu impacto nos
resultados (MANDELL; KEAST, 2008).
Entretanto, estabelecer indicadores não é uma tarefa trivial. Os outputs, são formados por elemen-
tos intangíveis, e, para medir os produtos, é necessário levar em conta as fronteiras da rede. Isso porque
nem sempre ela é a única responsável pela produção final, que pode envolver outras organizações ou
agências governamentais, dificultando a aferição dos custos totais (SORENSEN; TORFING, 2009). Há
que se considerar também a tensão entre eficácia – medida de qualidade do produto – e eficiência –
medida de quantidade do produto –, e as distintas percepções dos atores que compõem a rede, acerca
desses dois conceitos (WHELAN, 2011; PROVAN; MILWARD, 2001; MANDELL; KEAST, 2008).
No caso das redes de saúde, por exemplo, alguns advogam que a eficácia reside na sua capaci-
dade de fornecer um conjunto amplo e adequado de serviços que possam ser combinados de forma
flexível para atender a uma gama de necessidades entre clientes, e para o mesmo cliente, ao longo
do tempo. Assim, a coordenação completa e eficiente só é alcançada por meio de três requisitos:
acessibilidade; compatibilidade (ajuste entre necessidade e serviço); e abrangência (quando todos os
recursos e serviços estão de fato presentes no sistema) (LINDENCRONA; EKBLAD; AXELSSON, 2009).
Outros consideram que a eficácia tem a ver com a obtenção de resultados positivos nos serviços pres-
tados pelas redes (PROVAN; KENIS, 2008) ou o grau em que ela atende às necessidades coletivas dos
participantes (McGUIRE; SILVIA, 2009).
Em relação aos envolvidos, deve-se estabelecer indicadores que contemplem a rede como um
todo, as organizações individuais e os demais stakeholders. Para tanto, a rede deve ser internamente
eficaz, ou seja, deve gerar maior recompensa para todos os atores e, no nível da rede, o trabalho deve
ser equitativo ou justo. A rede também deve ser eficaz externamente, ao prover bem-estar a todas as
partes interessadas e por ela afetadas. Este último é especialmente relevante para redes públicas
(SAZ-CARRANZA; VERNIS, 2006).
Outro dilema é o timing para o estabelecimento dos objetivos e indicadores. Uns afirmam que
metas e objetivos formulados ex ante são muitas vezes medidas inalcançáveis e podem se tornar
obsoletos, por exemplo. Isso porque os participantes vão modificando suas percepções e objetivos de
forma interativa e ao longo do tempo. Por outro lado, seu estabelecimento a priori permite monitorar
os atores, coletar, processar e avaliar informações, corrigir erros, criar incentivos, direcionar esforços
e estratégias (KLIJN; KOPPENJAN, 2000; KOPPENJAN, 2008).

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Há ainda que se observar o ciclo de vida da rede, diferentes fases implicam diferentes indicado-
res. Assim, os que devem ser considerados na formação são diferentes daqueles praticados quando
a rede já está estabelecida (MANDELL; KEAST, 2008; KUMAR, 2014). Isso porque, se os arranjos cola-
borativos são dinâmicos e evoluem com o aprendizado, os indicadores de resultados também o são.
Por fim, deve-se fugir da vinculação direta entre tempo de existência e bom desempenho, pois
uma rede pode ter longa duração e não alcançar os objetivos para os quais foi criada. Consequente-
mente, a longevidade não pode ser, de forma isolada, uma medida de desempenho da rede, ainda
que a sobrevivência seja necessária para o alcance dos objetivos (RAHMAN; KORN, 2014).
No Quadro 3 apresentamos os elementos processos com os respectivos autores que os discutem.

Quadro 3 – Governança Colaborativa – Processos


GOVERNANÇA COLABORATIVA – PROCESSOS
Administração PROVAN; KENIS, 2005; AGRANOFF, 2006; BRYSON; CROSBY; STONE, 2006; THONSON;
PERRY, 2006; WEBER; KHADEMIAN, 2008; SCHEREINER; KALE; CORSTEN, 2009;
EMERSON et al., 2012; OSBORNE; STROKOSCH, 2013; KUMAR, 2014.
Liderança AGRANOFF; McGuire, 2001; FELDMAN; KHADEMIAN, 2002; SAZ-CARANZA; VERNIS,
2006; THOMSON; PERRY, 2006; WEBER; KHADEMIAN, 2008; McGUIRE; SILVIA, 2009;
WHELAN, 2011; HOGG; KNIPPENBERG; RAST, 2012; SHEPHERD; MEEHAN, 2012.
Mutualidade / HARDY; LAWRENCE; GRANT, 2003; KENIS; PROVAN, 2006; THOMSON; PERRY, 2006;
Construção de EMERSON; NABAT- CHI; BALOGH, 2012; GRUNDINSCHI et al., 2013.
Legitimidade
Construção de MOHR; SPEAKMAN, 1994; ZAHEER; McEVILY; PERRONE, 1998; DAS; TENG, 2001;
confiança HUXHAM, 2003; PORRAS; CLEGG; CRAWFORD, 2004; HUXHAM; VANGEM, 2005;
TENBENSEL, 2005; KRISHNA; MARTIN; NOORDERHAVEN, 2006; FAEMS et al., 2008;
GULATI; NICKERSON, 2008; PROVAN; KENIS, 2008; KALE; SING, 2009; PURANAM;
VANNESTE, 2009; CONNELLY; MILLER; DEVERS, 2012; EMERSON; NABATCHI; BALOGH,
2012; OOMSELS; BOUCKAERT, 2014.
Controle e KLIJN; KOPPENJAN, 2000; PROVAN; MILWARD, 2001; SODA; USAI; ZAHEER, 2004;
Aferição de KOKA et al., 2006; SAZ-CARRANZA; VERNIS, 2006; CALLAHAN, 2007; BRYSON; CROSBY;
Resultados STONE, 2006; KOONTZ; THOMAS, 2006; KOPPENJAN, 2008; LUNNAN; HAUGLAND,
2008; MANDELL; KEAST, 2008; PROVAN; KENIS, 2008; WEBER; KHADEMIAN, 2008;
LINDENCRONA; EKBLAD; AXELSSON, 2009; McGUIRE; SILVIA, 2009; NESS, 2009;
SORENSEN; TORFING, 2009; AGGARWAL; SIGGELKOW; SINGH, 2011; WHELAN, 2011;
KUMAR, 2014; RAHMAN; KORN, 2014.
FONTE: ELABORADO PELOS AUTORES

A construção de um modelo
A governança colaborativa é elemento-chave nas redes colaborativas: sem o seu estabeleci-
mento os parceiros não conseguiriam alcançar os resultados pretendidos. Portanto, tendo por base

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 31


sua relevância, buscou-se entender seu funcionamento e, para tanto, as respostas à seguintes per-
guntas foram investigadas: Quais são as variáveis que compõem a governança colaborativa? Como
elas interagem? Por que elas são relevantes? O resultado desse percurso se configura em um modelo
analítico que foi construído considerando as contribuições da literatura investigada, mas também a
partir de proposições e entendimentos próprios. Portanto, não se trata de um resumo do que foi visto
na literatura, nem tem a pretensão de consolidar e agregar as diferentes visões apresentadas pelos
autores pesquisados. Ao invés disso, visa trazer uma contribuição própria para o entendimento da
governança colaborativa. Tal esforço se justifica pelo avanço do estabelecimento de arranjos colabo-
rativos em vários setores, mas particularmente no setor público, que cada vez mais se vê envolvido
com essa prática.
Entretanto, a construção de um modelo é sempre reducionista, pois, embora facilite a compre-
ensão do fenômeno, não dá conta de trabalhar / elaborar todas as variações possíveis vividas pela
realidade. Se por um lado se privilegia a facilidade de compreensão, o modelo pode se tornar sim-
plista e, se por outro lado, se tenta aproximá-lo da complexidade da realidade, ele se torna inoperável
e ininteligível. Consequentemente, sua construção reflete uma leitura possível, particularmente a do
autor, que escolhe entre inúmeras possibilidades do real, uma única representação. Ademais, um
modelo é quase sempre prescritivo, pois aponta caminhos e interpretações; e, na maioria das vezes,
suas ilações ainda carecem de comprovação empírica. Este último é um fato importante no mundo
das redes no ambiente público.
Apesar de suas limitações, a formulação de um modelo visa apontar e sistematizar variáveis,
criando relações de causa e efeito. Busca também avaliar e demonstrar os como e porquês, além
de oferecer um quadro em que os interessados no tema possam, ao ler, entender o funcionamento
daquele sistema.
Nesse sentido, é preciso prevenir o leitor que, apesar do entendimento sobre os perigos supraci-
tados, os autores desse e de outros artigos (BRYSON et al., 2006; THOMSON; PERRY, 2006; EMERSON
et al., 2012) se arriscam a apresentar um possível modelo para o entendimento da governança colabo-
rativa. Essas sistematizações abrem possibilidades para a verificação empírica das variáveis indicadas,
reformulação das proposições enunciadas e aplicação prática em redes nascentes e estabelecidas.

Um possível modelo?
Com base nos achados na literatura, sabe-se que a governança colaborativa é influenciada
pelos antecedentes. Dessa maneira, os elementos do contexto (EMERSON et. al., 2012) influenciam
os atores que irão compor a rede, tanto no que se refere à decisão de formá-la, quanto à sua estrutu-
ração em si. Assim, aspectos como a história pregressa de relacionamentos, o grau de familiaridade

32
que possuem uns com os outros e com a atuação em rede (SAZ-CARRANZA, 2006; THOMSON; PERRY,
2006), a existência de lideranças, de confiança, o grau de conflito, a percepção de interdependência
de recursos (WEBER; KADHEMINA, 2008; EMERSON et al., 2012) são, entre outros, aspectos a serem
considerados, tanto na decisão de formação ou não da rede, quanto no desenho da governança.
Uma vez que se opte pela formação da rede e se constate a presença de alguns princípios (in-
terdependência, compartilhamento de risco, complementariedade de recursos e objetivos convergen-
tes), ou pelo menos a disposição em construí-los, inicia-se a estruturação da governança colaborativa
propriamente dita. Essa é composta pela governança contratual, onde se situam elementos formais
de coordenação dos parceiros. O contrato é um deles e contém regras, normas, cláusulas, que esta-
belecem limites, responsabilidades e direitos (HUXHAN, 2003; PROVAN; KENIS, 2005; BRYSON et al.,
2006). A estrutura de coordenação é outra e estabelece como, com que responsabilidades e quem
ficará encarregado de gerir/coordenar a rede (THOMSON; PERRY, 2006; AGRANOFF, 2006)
Além da contratual, há a governança processual, na qual são estabelecidos os vários processos
e instrumentos que conduzirão a rede no seu dia a dia. Entre os vários apontados anteriormente,
como administração, liderança, construção de confiança e construção de legitimidade, aqui desta-
camos alguns. O processo que estabelece como a comunicação será feita com vistas a propiciar a
simetria de informação, coibindo comportamentos oportunistas (BRYSON et al., 2006; THOMSON;
PERRY, 2006; SCHEREINER et al., 2009; WHELAN, 2011). A gestão dos conflitos é inerentes às redes,
visto que elas são formadas por múltiplos atores, com variadas visões de mundo e diferentes culturas
(BRYSON et. al., 2006; THOMSON; PERRY, 2006; WHELAN, 2011). Além disso, a evolução dos objeti-
vos, que embora convergentes no seu estabelecimento, podem se alterar com o amadurecimento da
rede e com a mudança de contexto e, por isso, precisam ser renegociados (KALE, 2006; KOPPENJAN,
2008; MANDELL; KEAST, 2008; KLIJN; KOPPENJAN, 2009; McGUIRE; SILVIA, 2009; KUMAR, 2014). O
processo para a tomada de decisão, que embora não vise à unanimidade, deve privilegiar o consenso
e buscar o equilíbrio no exercício da autoridade, já que os atores possuem diferenças em relação a
poder e status (AGRANOFF, 2006; EMERSON et al., 2012). Nesse sentido, deve privilegiar e buscar o
estabelecimento de relações horizontais entre os parceiros (PROVAN; KENIS, 2005).
Decorrente desses aspectos, importante processo a ser observado é aquele que se ocupa da
liderança. Apontado como elemento-chave em ambientes de colaboração, sua influência é transver-
sal, pois se apresenta nas diferentes etapas. Antes da formação da rede, sua presença já é requeri-
da, uma vez que é preciso que existam líderes capazes de alinhavar interesses e acordos, buscar e
cooptar os parceiros necessários, e, por vezes, emprestar sua credibilidade e reputação para que as
condições iniciais necessárias sejam criadas (BRYSON et al., 2006; EMERSON et al., 2012). Ao longo
da existência da rede, cabe a esses atores o exercício de inúmeras tarefas na condução diária dos
trabalhos, o que exige amplo rol de capacidades e, particularmente, o entendimento de que a lideran-
ça em ambientes de colaboração é transitória e compartilhada (WEBER; KHADEMIAN, 2008; HOGG

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 33


et al., 2012; KUMAR, 2014). Não advém de estruturas hierárquicas, mas do reconhecimento das
competências nas soluções de problemas específicos que se conectam aos objetivos da rede, ou são
provenientes da capacidade desses líderes em criar uma ambiência pautada pela colaboração. São
responsáveis também pela criação da legitimidade das redes, seja internamente – junto aos parcei-
ros –, seja externamente junto à sociedade (BRYSON et al., 2006). Desse modo, é preciso diferenciar
o líder da rede – responsável pela criação da ambiência para o florescimento da colaboração –, do
gestor/coordenador – que é encarregado pela operação dos diferentes processos –, dos represen-
tantes legais, políticos ou sponsors da rede – aqueles que apoiam e por vezes criam condições para
sua existência, e que, embora possuam poder para impor decisões, não o fazem, pois reconhecem a
importância e poder da solução conjunta dos parceiros (FELDMAN; KHADEMIAN, 2002; THOMSON;
PERRY, 2006; WEBER; KHADEMIAN, 2008; WHELAN, 2011; SHEPHERD; MEEHAN, 2012). O líder pode
assumir diferentes funções, mas tem obrigatoriamente que saber diferenciar os papéis a serem assu-
midos em cada uma delas.
A complexidade desse ambiente, portanto, exige a presença de um terceiro componente na
composição da governança colaborativa, que é a governança relacional. Ela é formada por um con-
junto de elementos que trabalha com intangíveis. São eles: (1) a identidade da rede – formada por
elementos simbólicos e cognitivos – enunciados, sinais, valores estabelecidos e percebidos, códigos,
entendimentos, conceitos (HARDY; LAWRENCE; GRANT, 2003); (2) os contratos psicológicos – enten-
didos como expectativas e suposições não escritas que guiam o relacionamento (RING; VAN de VEN,
1994; THONSON; PERRY, 2006); (3) a visão coletiva – que inclui objetivos a serem alcançados, mo-
tivados por crenças, posições ideológicas (THOMSON; PERRY, 2006; EMERSON; NABATCHI; BALOGH,
2012; GRUNDINSCHI et al., 2013); (4) o sentimento de justiça, pertencimento e acolhimento; e (5) a
criação de ambiente seguro onde recursos, informações e conhecimentos possam ser compartilha-
dos (SAZ-CARRANZA; VERNIS, 2006).
A separação entre a governança relacional e a processual não tem a ver com algum tipo de
impossibilidade de se estabelecerem instrumentos ou processos para a sua construção e gestão. Ao
contrário, uma leitura mais minuciosa da governança processual revela em seus diferentes compo-
nentes essa intenção. Alguns autores, inclusive, apontam para processos de construção de confiança
(BRYSON et al., 2006; KALE, 2009), por exemplo, e se dedicam ao entendimento de suas relações
como os processos de controle e com o contrato (DAS; TENG, 2001; KRISHNA; MARTIN; NOORDERHA-
VEN, 2006; FAEMS et al., 2008; PURANAM; VANNESTE, 2009; CONNELLY; MILLER; DEVERS, 2012;
MALHOTRA; LUMINEAU, 2011). O critério para o corte aqui estabelecido tem a ver com a capacidade
dos itens que compõem a governança relacional em contribuir de maneira decisiva para a construção
do ambiente no qual a colaboração acontece e para o alcance de um resultado importante que é a ge-
ração de excedente colaborativo. Este é definido como a disponibilidade dos atores em estabelecerem
novas redes, seja com os parceiros envolvidos ou outros. Isso porque percebem a contribuição desse

34
tipo de arranjo para a solução de problemas complexos. Ademais, com as experiências adquiridas em
acordos passados, percebem que acumularam aprendizado sobre o trabalho em colaboração. Por-
tanto, desenvolveram habilidades necessárias para o trabalho em rede, já que ele pressupõe outras
formas de gestão e coordenação que precisam ser desenvolvidas. Esse resultado possui papel cen-
tral, uma vez que é a partir da superação das dificuldades e do aprendizado sobre as especificidades
desse tipo de arranjo que os resultados esperados serão alcançados.
O excedente colaborativo e a criação do ambiente no qual a colaboração acontece tem a ver
com a percepção construída ao longo do caminho que os interesses e objetivos específicos foram res-
peitados, muito embora tenham sido considerados e colocados em um nível secundário em relação
aos objetivos da rede. É fruto da construção de consensos, que foram possíveis a partir da criação de
espaços de conversação em que as diferentes visões e interpretações de mundo foram debatidas e
negociadas (THOMSON; PERRY, 2006; EMERSON et al., 2012).
A percepção da interdependência, da importância da participação de cada parceiro, seja no
desenho das soluções, na produção de consensos, entendimentos comuns e na construção dos re-
sultados da rede abre caminho para a formação do sentimento de pertencimento e acolhimento. A
manutenção dessa percepção precisa ser fomentada e reafirmada recorrentemente. Para tanto, há
que se criar espaços de conversação e negociação, onde sejam celebrados os avanços conquistados
no dia a dia, mesmo que pequenos. Aqui a liderança e a comunicação constante também exercem pa-
pel fundamental, pois contribuem para a suspensão de comportamentos oportunistas, desconfiança
e promoção de confiança. Particularmente, em relação à comunicação, vale salientar que ela requer
o estabelecimento de canais formais, mas também, e principalmente, a criação de uma linguagem
comum, formada por códigos, entendimentos, percepções e conceitos compartilhados (HARDY; LA-
WRENCE; GRANT, 2006).
Outro elemento importante se refere aos mecanismos estabelecidos para a resolução de confli-
tos, tais como processos, normas, regras e cláusulas contratuais (BRYSON; CROSBY; STONE, 2006). A
disponibilidade para abrir mão de entendimentos e objetivos particulares está vinculada aos ganhos
potenciais da parceria, e é preciso cuidar para que todos se sintam contemplados de maneira que
a avaliem como justa (PORRAS; CLEGG; CRAWFORD, 2004; THOMSON; PERRY, 2006). É também
nesses processos que as expectativas iniciais são revistas, reformuladas e adequadas, e se abrem
oportunidades para a criação de contratos psicológicos que assumem papel importante no estabele-
cimento de comportamentos e condutas.
O desenvolvimento de uma visão coletiva, que é influenciada por crenças e ideologias compar-
tilhadas, construídas nos repetidos processos de renegociação, possui relevância, ao criar ideal que
determine caminhos convergentes com o imaginário dos envolvidos. Acrescenta-se ainda a necessi-
dade de criação de um ambiente pautado por um senso comum e compartilhado de direção (HARDY;
LAWRENCE; GRANT, 2006). Nesse sentido, a construção de espírito de equipe é essencial. Ela é prove-

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 35


niente de diferentes aspectos que compõem a governança, destacando-se o estabelecimento de uma
identidade, no qual enunciados que promovam a colaboração, valores estabelecidos e, principalmen-
te, percebidos sustentam o comportamento dos atores na busca pelos objetivos da rede.
Perpassando os componentes da governança relacional está a confiança. Trata-se de um pano
de fundo que dá suporte à emergência do ambiente colaborativo, pois é por meio da crença de que
os parceiros possuem as competências necessárias para desempenhar conforme o esperado, e de
que se comportarão de maneira confiável (SAZ-CARANZA; VERNIS, 2006), que se abre espaço para a
construção do simbólico, imaginário e cognitivo, para a criação de contratos psicológicos e a formação
de visões coletivas (THOMSON; PERRY, 2006).
Muitos autores advogam que a confiança é central em ambientes de colaboração, já que in-
fluencia de maneira significativa a governança colaborativa estabelecida. Na ausência de confiança,
por exemplo, a formalização e o papel desempenhado pelos contratos – seja no que se refere ao
controle e à coordenação – aumentam. A confiança também interfere no tipo de estrutura de coor-
denação estabelecida. Conforme proposto por Provan e Kenis (2008), níveis limitados de confiança
demandam redes centralizadas. Já em relação à governança processual, na presença de confiança
a atuação dos atores no dia a dia da rede é facilitada. Isso porque acreditam que os demais cumpri-
rão suas promessas, são competentes o suficiente para atuar em direção ao alcance dos objetivos
estabelecidos e agirão de maneira benevolente quando surgirem contingências. Para além do que é
proposto na literatura, acrescentou-se aqui sua importância como elemento de suporte, como pano
de fundo que sustenta a constituição da governança relacional.
Esta é o lócus onde contratos, estruturas, processos e instrumentos se encontram para apoiar
a construção da ambiência em que o trabalho em colaboração será efetivado. A combinação entre
os elementos da governança contratual e processual, suportados pela construção e reafirmação da
confiança, abre espaço para a criação de contratos psicológicos, crenças, identidade, visão coletiva
etc. Isso porque, ao se constituírem como estruturas claras e tangíveis, diminuem as incertezas ine-
rentes à convivência entre múltiplos atores provenientes de contextos diferentes. Ao mesmo tempo,
por serem formados ao longo do tempo, pautados pelo aprendizado que se acumula com a evolução
e amadurecimento da rede, são caracterizados por sua incompletude e, com isso, garantem a flexibi-
lidade necessária à construção de um ambiente propício para a colaboração ocorrer.
Um último grupo a ser considerado no modelo proposto se refere aos princípios que devem ser
observados. São compostos de intangíveis inerentes ao funcionamento das redes: (1) a percepção de
interdependência – os parceiros ao se alinharem à rede o fazem por que reconhecem que o resultado
só será alcançado com a soma dos recursos disponibilizados, ou seja, têm plena consciência de sua
incapacidade de sozinhos chegarem à solução pretendida; (2) a convergência de objetivos – é fruto
de recorrentes rodadas de negociação e se constitui no elemento que mantém a rede viva, na sua au-
sência o arranjo se desfaz; (3) a consciência da autonomia – embora formem um arranjo colaborativo,

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os parceiros são organizações autônomas, com interesses diversos e legítimos; e (4) a percepção de
reciprocidade – os envolvidos se dedicarão à rede apenas se perceberem/confiarem ou suspenderem
sua desconfiança que os demais também o farão (BRYSON; CROSBY; STONE, 2006; THONSON; PER-
RY, 2006; EMERSON et. al., 2012). Estes princípios influenciarão e serão influenciados por todo o de-
senvolvimento da rede, incluindo sua governança e seus resultados. Trata-se de um ciclo interativo em
que o estágio inicial de amadurecimento desses princípios conforma os componentes da governança
colaborativa, em contrapartida, são impactados e reajustados pela execução desses componentes.
Portanto, a governança colaborativa ao longo do seu conjunto evolui e emerge de maneira in-
cremental, refletindo o resultado de um processo recorrente de learning-by-doing, que se origina da
percepção mutante dos atores em relação ao problema e à solução, mas também de si mesmos e
dos parceiros.
A seguir, apresentamos a representação gráfica do modelo analítico discutido no texto que se lê
sobre governança colaborativa.

Figura 1 – Modelo Analítico sobre Governança Colaborativa

FONTE: ELABORADO PELOS AUTORES

É preciso ressaltar, entretanto, que o equilíbrio entre os três componentes da governança – con-
tratual, processual e relacional – é fundamental, porém não é trivial. Uma governança contratual pe-
sada – que pode ser fruto de antecedentes não favoráveis, como uma história pregressa de conflitos e

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 37


desconfiança – pode se traduzir em pesados processos de controle, e, consequentemente, coibir o flo-
rescimento da confiança e do ambiente colaborativo. Estruturas muito centralizadas, autossuficientes
e autônomas podem limitar a participação dos parceiros e, em decorrência, não criar espaços para
o surgimento dos princípios que pautam a colaboração, como o comprometimento dos envolvidos
na definição e execução das tarefas. Processos muito engessados que não acompanhem a evolução
dos contratos psicológicos, as renegociações ao longo do caminho e a produção de novos consensos
e entendimentos (como o estabelecimento rígido de resultados, que privilegiem apenas as metas e
não considerem o caminho percorrido para alcançá-las; ou processos de comunicação burocratizados
que não consideram a importância da uniformidade de acesso e compartilhamento das informações)
afetarão o estabelecimento do ambiente colaborativo e poderão, consequentemente, interferir no
alcance dos resultados esperados.
Por outro lado, processos frouxos podem levar ao não comprometimento, isto é, ao perceberem
que o sistema de aferição das contribuições não está sendo realizado, os parceiros investem menos
tempo na dedicação à rede. Ou ainda, se sentem prejudicados, o que compromete sua percepção de
justiça. Sistemas de controle inadequados podem evitar a percepção de falhas e o estabelecimento
de rotas corretivas, levando à perda de legitimidade interna e externa da rede. Assim, o equilíbrio é
fundamental. Além disso, como as redes são arranjos que se desenvolvem de maneira incremental e
estão inseridas em um ambiente mutante, é importante que haja abertura e flexibilidade para a aná-
lise e adequação dos indicadores estabelecidos ao longo do caminho.

Considerações Finais
À medida que a sociedade se transforma, e diferentes paradigmas se afirmam, novos desafios se
impõem ao Estado. Na atualidade, presenciamos outra vez o debate acerca dos limites da sua atuação.
Muitos advogam a tese de que o Estado se mostra incapaz de resolver vários entre os problemas vivi-
dos pela sociedade contemporânea. Embora este não seja um debate recente, visto que em diferentes
épocas esta questão esteve no centro das discussões, algumas nuances merecem destaque.
Apesar da concordância sobre os limites desta atuação e do reconhecimento da incapacidade
do Estado, a literatura se divide quanto às bases e implicações desse diagnóstico. De um lado estão
aqueles que se alinham ao que os adeptos da escola liberal preconizam, ou seja, que afirmam que o
Estado deve se limitar às suas funções básicas, operar de maneira eficiente aos moldes das organi-
zações privadas e criar as condições para a atuação do mercado. Do outro, os que preconizam que
o Estado deveria trabalhar em rede, formar arranjos colaborativos que envolvam diferentes stakehol-
ders, que conjuntamente busquem soluções para problemas comuns. Esta última leitura parte do
entendimento de que, no atual contexto, os problemas são complexos, fragmentados, sua solução

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depende de diferentes tipos de conhecimentos e que, por isso, nem o Estado, nem os demais envolvi-
dos seriam capazes de encontrar soluções de maneira isolada. A combinação dos distintos recursos
e a busca por entendimentos compartilhados é condição indispensável para encontrar e sistematizar
a solução, assim como para implementá-la.
Entretanto, mesmo entre os adeptos dos arranjos colaborativos, podem-se encontrar dife-
renças quanto à interpretação do papel a ser desempenhado pelo Estado. Alguns entendem que
ele deveria ser o ator central e que, nesse sentido, caberia a ele a função de criar as condições,
formar as redes, conduzi-las e coordená-las. Isso porque entendem que é sua responsabilidade
encontrar a solução para os problemas-alvo dessas redes. Outros entendem a relevância do papel
do Estado, mas admitem outras formas para sua atuação e configuração. Não veem a necessidade
de se colocar como ator predominante em todos os momentos. Admitem, por exemplo, que a coor-
denação seja exercida por outros parceiros, aceitam e preveem situações em que o Estado apenas
abra espaço para a formação da rede, mas não faça parte da fase de execução em si (VANGEN et
al., 2015). Alguns enxergam essas redes como um mecanismo de democratização, pois, ao incluir
a sociedade, abrir-se-ia espaço para o aumento da participação dos cidadãos na definição de po-
líticas públicas (ANSELL; GASH, 2007). Outros, com base em estudos empíricos, questionam essa
afirmação (BLOCK; PAREDIS, 2013)
Apesar das diferentes posições ideológicas e considerações sobre qual é o grau de aproxima-
ção do Estado nas redes, não se pode ignorar que há aumento do número de redes formadas entre
governos, sociedade civil, empresas e outras organizações. Movimento este que se reflete no cres-
cente número de registros e estudos sobre diferentes experiências vivenciadas ao longo do mundo.
Nesse sentido, essa escolha não é marginal e, por isso, merece atenção e entendimento. Esses es-
tudos sinalizam alguns pontos, entre eles o fato de que a atuação em rede não pode ser vista como
uma panaceia, uma solução que se aplica a todos os casos. Ao contrário, algumas especificidades
devem ser observadas como, por exemplo, elementos antecedentes que apontem ou não para a
viabilidade de formá-las. Outros consideram que determinadas áreas de atuação do Estado não se
adequam à formação das redes – como a área fiscal, por exemplo (TORFING, 2012). A análise con-
junta desses estudos, entretanto, nos permite afirmar que não existem evidências definitivas que
comprovem que este caminho seja mais efetivo, que garanta os melhores resultados. Ainda faltam
estudos comparativos, consenso entre os diferentes conceitos aplicados, dados que permitam a
generalização de resultados, conclusões etc. Contudo, já se pode afirmar que um elemento central
na rede é sua estrutura de governança, que é reconhecida por sua capacidade de influenciar os
resultados e o alcance dos objetivos estabelecidos.
Nesse sentido, é plenamente justificável maior dedicação por parte dos gestores públicos quan-
to ao entendimento do funcionamento dessas redes, particularmente sua estrutura de governança. A
fim de contribuir com este entendimento listamos alguns pontos de atenção.

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 39


O entendimento das especificidades da governança das redes contribui de maneira significativa
para o alcance dos resultados pretendidos. Particularmente em relação aos resultados, chama-se a
atenção para a ampliação dos indicadores tradicionalmente propostos. Muito mais que acompanhar
e aferir os objetivos específicos estabelecidos pela rede, é fundamental que se avaliem os resultados
obtidos em face dos interesses dos diferentes stakeholders, seu grau de satisfação e o envolvimento
daqueles que participam diretamente da governança da rede.
Ao contrário do que comumente se pressupõe, as relações em ambientes colaborativos são
marcadas por conflitos e, consequentemente, o cuidado com a promoção de um ambiente colabora-
tivo é fundamental, uma vez que ele influencia ou até mesmo impede que se alcancem os resultados
pretendidos. Portanto, estabelecer critérios de mensuração de resultados intermediários e critérios
para avaliação dos intangíveis da rede é de grande relevância, ou seja, é importante que se avalie a
capacidade da rede em gerar excedente colaborativo e os custos políticos envolvidos.
Ainda vale a pena considerar que, embora muitos advoguem que o estabelecimento de redes
envolvendo a sociedade civil fomente a democratização das relações entre governos e cidadãos, não
existe consenso ou comprovação empírica que sustente essa interpretação. Estudos mais recentes,
inclusive, apontam para casos que contradizem essa afirmação. Afirmam que as relações não se alte-
raram e sim que houve um deslocamento da zona de poder, dos fóruns tradicionais do governo para
a arena da rede. Segundo essas evidências, os políticos assumiram este espaço como uma arena de
promoção de agendas individuais (BLOCK; PAREDIS, 2013).
Contudo, se é verdade que o Estado tende a utilizar redes colaborativas para entregar deter-
minados bens e serviços públicos, é fundamental que ele entenda os meandros da governança. Por-
tanto, é importante que o aprendizado acumulado e disperso em diferentes partes do governo seja
armazenado. Para tanto, é preciso sistematizar e organizar as informações e experiências das diferen-
tes instâncias de governo envolvidas em redes colaborativas. Nesse sentido, informações sobre par-
ceiros, registro de experiências passadas e capacidade de leitura de contexto podem ajudar a decisão
de onde, quando, como e por que formar redes. A redação de contratos, a análise de quais, quando e
em que circunstâncias as estruturas são mais adequadas, o desenho de processos e instrumentos e o
registro e análise dos elementos que compõem a governança relacional podem servir de experiência,
aprendizado e aprimoramento de futuras experiências de atuação em rede.
Como dito, redes são percebidas como arranjos em que se privilegiam relações horizontais,
onde a hierarquia é substituída pela busca de consenso e pela liderança compartilhada. Entretanto,
o Estado é uma instituição cujo poder e status não contribuem para a quebra de hierarquia. Além do
mais, muitas das instâncias governamentais são marcadas por forte burocratização e politização.
Cabe, portanto, a pergunta: como compatibilizar as expectativas por relações mais horizontais com
estruturas que apresentam essas características? Somando-se a esse ponto, tem-se a liderança da
rede, que é entendida como transitória e compartilhada. Os gestores públicos estão capacitados para

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trabalhar em contextos com essas características? Se a liderança é transitória e pautada em conhe-
cimentos e capacidades específicas para a solução dos diferentes problemas que surgem ao longo
da trajetória da rede, qual deve ser o posicionamento e as atitudes dos representantes do Estado? As
respostas a estas perguntas não foram alvo deste estudo e, possivelmente, ainda não foram formu-
ladas. Mas, é um ponto de atenção para os gestores públicos envolvidos nas redes e um importante
espaço para novos estudos.

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Anexo
Metodologia

Com o intuito de entender como o tema ‘governança colaborativa’ vem sendo discutido ao longo
dos anos, deu-se início a uma pesquisa bibliográfica com foco na compreensão dos conceitos essen-
ciais, em seus componentes e na evolução da temática como área de estudo.
Na primeira etapa, realizou-se uma pesquisa na base de dados EBSCO concentrada exclusiva-
mente em textos publicados em periódicos relacionados à Administração Pública.
Como descritores, foram utilizados os termos: “Governance”, “Network” e “Collaboration”. Para
refinar a busca, limitou-se os achados a textos completos, publicados entre 2000 e 2014, em revistas
acadêmicas na área de administração pública que abordassem o tema governança em rede no resu-
mo. Com as características descritas acima, foram encontrados 1.546 arquivos. Após a retirada dos
duplicados, esse número caiu para 960 artigos.
A segunda fase da pesquisa bibliográfica foi composta por três etapas (exclusão de temas,
exclusão de artigos e distribuição por macrotemas). A exclusão de temas consistiu na averiguação
dos 960 artigos, seguida pela exclusão dos artigos que não continham no título nenhum dos termos
seguintes: governança, rede e colaboração. Em seguida foi feita a leitura dos resumos e a retirada
dos artigos que tratavam de temas não afins aos objetivos do trabalho, tais como: Análise de Redes
Sociais, ONGs, PPPs, Redes políticas, ERGM – Exponential random graph models e relação gestão
pública x democracia. Ao final dessa etapa, restaram 57 artigos.
Foi feita uma leitura minuciosa dos 57 artigos, seguida por seminários com os 3 pesquisadores
para a discussão de cada um deles, os elementos centrais identificados e a inter-relação entre eles.
No decorrer dessa fase alguns textos foram considerados pouco relevantes para a discussão propos-
ta, restando como base para análise 42 artigos.
Os 42 artigos selecionados foram publicados em revistas e periódicos reconhecidos pela sua
qualidade. Os 5 journals com maior número de artigos são respectivamente: Public Administration
Review, com 15 artigos; Public Administration, com 7; Public Management Review, com 5; Public
Performance & Management Review, com 4; e Journal of Public Administration Research and Theory,
com 3. A relação de todos os artigos encontrados por periódico pode ser vista na tabela 1.

46
Tabela 1 – Quantidade de artigos por Journal – Administração Pública
Periódico Quantidade de artigos
Public Administration Review 15
Public Administration 7
Public Management Review 5
Public Performance & Management Review 4
Journal of Public Administration Research and Theory 3
The Australian Journal of Public Administration 2
Journal of Public Administration Research and Theory 1
Urban Studies 1
International Journal of Public Sector Management 1
International Public Management Journal 1
The Innovation Journal: The Public Sector Innovation Journal 1
Administration & Society 1
FONTE: ELABORADO PELOS AUTORES

No segundo ano do levantamento foi utilizada a mesma sistemática de pesquisa e categorização


dos artigos encontrados na área de Teoria das Organizações. Os mesmos critérios foram adotados,
sendo que dos 1.328 encontrados inicialmente, restaram apenas 39 artigos que foram aglutinados
à análise do ano anterior. Desses, os 5 journals com maior número de artigos são respectivamente:
Strategic Management Journal, com 13 artigos; Academy of Management Review, com 8; Academy of
Management Journal, com 8; Long Range Planning, com 7; e Journal of Management Studies, com 5.
A relação de todos os artigos encontrados por periódico pode ser vista na tabela 2.

Tabela 2 – Quantidade de artigos por Journal – Teoria das Organizações


Journal Quantidade de artigos
Strategic Management Journal 13
Academy of Management Review 8
Academy of Management Journal 8
Long Range Planning 7
Journal of Management Studies 5
Organization Science 3
Asia Pacific Journal of Management 2
California Management Review 2
Journal of Management 1
Organization Studies 1
Academy of Management Perspectives 1
Management and Organization Review 1
FONTE: ELABORADO PELOS AUTORES

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 47


O objetivo inicial do levantamento bibliográfico era descrever os achados na literatura. Contudo,
as discussões entre os três pesquisadores se desdobraram em sistematizações, análises, insights e
em um modelo analítico sobre governança colaborativa. Todavia, cabe ressaltar que, embora a pro-
posta pareça conclusiva, representa apenas o levantamento de variáveis de análise sobre o tema, não
tendo em nenhuma medida a pretensão de encerrar a discussão nesse campo.

48
2
A GOVERNANÇA REGIONAL DAS
REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE

EUGÊNIO VILAÇA MENDES


É consultor em saúde pública tendo prestado consultoria a 20 países, 22 estados e mais de 250 municípios brasileiros.
Foi Secretário Adjunto da Saúde de Minas Gerais, consultor da Organização Pan-Americana da Saúde e professor da
Universidade Federal de Minas Gerais, da PUC Minas, da Universidade Estadual de Montes Claros e da Escola de Saúde
Pública de Minas Gerais. É consultor do CONASS.

A GOVERNANÇA EM REDE
Williamson (1985) identifica três tipos de governança segundo o modelo de coordenação: a
governança pelo mercado, a governança por hierarquia e a governança em rede.
Na governança pelo mercado, o mecanismo central de coordenação são os preços, com o pres-
suposto de que existe uma difusão espontânea de informações sobre os custos, produtos e inova-
ções. A motivação nos mercados é alcançada principalmente por meio de incentivos financeiros.
Na governança por hierarquia, a coordenação é feita principalmente pelo uso de planos, rotinas
e protocolos desenhados por aqueles que ocupam o topo da escala hierárquica da organização. Na
hierarquia, o meio para garantir a obediência é o uso do poder hierárquico efetivado pelos gestores.

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 49


Na governança em rede a coordenação é realizada por meio da interação entre gestores in-
terdependentes em processos de negociação e tomada de decisão coletiva sobre a distribuição e
conteúdo das tarefas. Os meios para realização da obediência nas redes são mais complexos que nos
mercados e nas hierarquias, pois as redes dependem fortemente de adesão voluntária às normas
sociais com base em confiança e reciprocidade. O conceito de governança de redes está associado
ao de políticas de redes.
A experiência internacional do final do século XX mostrou que os governos tinham limites para
a governança e que deveriam interagir com outros atores nos campos políticos em que operam. Isso
levou a um reposicionamento entre governos e sociedades que na ciência social levou ao conceito
de políticas de redes. Esse conceito conecta as políticas públicas com seus contextos estratégicos e
institucionais: as redes de atores públicos e privados participando em certos campos políticos.
Esse conceito de políticas de redes é novo no sentido de que combina contribuições da ciência
política que focam na análise de processos da ciência política e da teoria das organizações a res-
peito da distribuição de poder e interdependência e relações interorganizacionais (KICKERT; KLIJN e
KOPPENJAN, 1997). As políticas de redes são encontradas nos mais diversos campos como agricul-
tura, complexo militar, setor industrial, habitação e saúde. Podem ser definidas como os padrões de
relações sociais, mais ou menos estáveis, entre atores interdependentes que tomam forma em torno
de problemas ou programas políticos. Assim as políticas de redes configuram o contexto em que o
processo político opera. Na construção teórica de políticas de redes as teorias interorganizacionais e
os sistemas de políticas comunitárias são relevantes (KLIJN, 1999).
Em certo momento, propôs-se a teoria das organizações racionais como a teoria de Morgan
(1986) que compara as organizações a máquinas em que se estabelecem padrões precisamente
construídos de trabalho organizados hierarquicamente por meio de linhas de comando e comunica-
ção. O enfoque das organizações racionais vê as organizações destituídas de relações com seu am-
biente. A limitação desse enfoque manifesta-se na improbabilidade de uma política pública significati-
va resultar de um processo de escolha racional de um único ator. Diferentemente, o desenvolvimento
e a implantação de políticas resultam, inevitavelmente, da interação de uma pluralidade de atores
singulares portadores de interesses, metas e estratégias particulares (SCHARPF, 1978).
A teoria interorganizacional beneficiou-se das pesquisas da sociologia organizacional que mos-
traram crescente interesse no ambiente das organizações. Posteriormente, verificou-se que as orga-
nizações não operam singularmente, mas consistem de diferentes subsistemas que necessitam de
coordenação entre eles. Ao contrário, respondem estrategicamente aos seus ambientes e buscam a
coordenação entre e dentre seus diferentes subsistemas, de forma a adaptar suas necessidades aos
seus ambientes (MINTZBERG, 1979).
A teoria interorganizacional define o ambiente como um conjunto de organizações que guarda
relação com a organização formal. A análise organizacional foca-se nas relações entre organizações

50
que trocam recursos entre si e nos arranjos organizacionais que são constituídos para assegurar a
coordenação entre elas. Os padrões de relações se criam e se desenvolvem para assegurar a coorde-
nação entre elas (KLIJN, 1999).
Essa teoria admite diferentes enfoques. Em relação aos atores: as organizações como parte de
uma rede de organizações; em relação às decisões: os resultados de negociações entre as organiza-
ções; em relação ao poder: a ausência de autoridade central; em relação às informações: informações
constituem os recursos de poder dos diferentes atores; em relação aos valores: valores conflituosos
(KLIJN, 1999).
Há dois aspectos centrais na teoria interorganizacional que são dependência e troca. Por isso,
a análise interorganizacional envolve a verificação das relações entre as organizações e as condições
que influenciam esses processos.
Diferentes padrões de interdependência convocam formas singulares de coordenação. Se a
interdependência é de tipo compartilhado, em que cada parte faz sua contribuição à rede, a coor-
denação com base na padronização é mais apropriada. Se a relação de interdependência é de tipo
sequencial, em que as unidades são dependentes dos inputs ou outputs das outras, a coordenação
por planos é mais adequada. Se uma dependência mútua existe entre as unidades, em que os outpus
de cada parte constituem inputs para as outras, o ideal é uma coordenação por ajuste mútuo.
As principais características das redes são a dependência, a variedade de atores e as metas e
as relações (KLINJ, 1999).
As redes se desenvolvem e existem pela interdependência entre os atores e essa interdepen-
dência se dá porque os atores são dependentes uns dos outros e porque necessitam dos recursos dos
outros para atingir seus objetivos.
As redes são constituídas por uma variedade de atores que têm seus próprios objetivos e es-
tratégias. Nenhum ator dispõe de uma amplitude de poder para determinar ações estratégicas para
os outros atores. Não há um ator central em cada rede, do que resultam inter-relações complexas e
processos de barganha entre os atores. A interdependência entre os atores e as inter-relações que
resultam entre eles criam padrões de relações.
Na área pública, desenvolveu-se, na segunda metade do século passado, o movimento da nova
gestão pública que se caracterizou por: responsabilidades claras para a alta gestão, indicadores de
desempenho, comportamentos orientados para resultados, desagregação das grandes burocracias,
maior autonomia das unidades organizacionais, introdução da competição e de mecanismos de mer-
cado e disciplina orçamentária (HOOD, 1991).
Contudo, muitos pesquisadores mostraram que há grandes diferenças entre a gestão pública
e a gestão privada. Uma delas está nas características ambientais que, na gestão pública, conotam
noções tais como democracia, política e estado legal. Outra é que a gestão pública não trata, ape-
nas, de aumentar a eficiência e a efetividade. Os estados democráticos consideram três critérios

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 51


fundamentais que são democracia, eficiência e racionalidade. Esses critérios apresentam trade-off
entre si.
Nas sociedades modernas um enfoque consequente de gestão pública tem de levar em con-
sideração normas e valores que vão além dos critérios de efetividade e eficiência que dominaram o
debate sobre a nova gestão pública e que incorpore a complexidade do ambiente governamental.
Nesse sentido, a gestão pública constitui a governança de redes complexas, constituídas por
diferentes atores situados nos âmbitos nacional, estadual ou local, grupos políticos e sociais, grupos
de interesses e de pressão, movimentos sociais e organizações públicas e privadas. A governança
pública é a influência dos processos societários numa rede de muitos outros coatores de governança.
Esses atores têm interesses diversos e, muitas vezes, conflitantes. O governo não é um ator dominan-
te que pode impor unilateralmente seus desejos. Estruturas hierárquicas de centralismo impositivo e
de ações de cima para baixo não funcionam numa rede. Os estilos de gestão e coordenação mono-
cêntricos e monorracionais não se adequam às redes (KICKERT e KOPPENJAN, 1999).
Na perspectiva na nova gestão pública, o funcionamento interno das organizações constitui o
foco central. A governança em redes requer uma percepção diferente de gestão pública mais ligada
ao funcionamento externo do setor público e de sua legitimidade. A gestão em redes pode ser vista
como a promoção de ajustes mútuos dos comportamentos de atores com objetivos diversos para en-
frentar problemas dentro de um quadro de relações inter organizacionais. Há três fatores essenciais
na gestão em redes: intervenção em determinado padrão de relações para reestruturar as relações
em redes, construção de condições para a cooperação por meio da formação de consensos e solução
conjunta de problemas (KICKERT e KOPPENJAN, 1999).
Os fatores que mais influenciam a gestão em redes são: o número de atores, a diversidade
dentro da rede, a natureza da rede, os conflitos de interesse, o custo da gestão em redes, o contexto
político e social, a liderança e as habilidades (KICKERT e KOPPENJAN, 1999).

A GOVERNANÇA DAS REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE


Estabelecidos os conceitos de governança e de governança em redes há que se explorar a sin-
gularidade da governança das redes de atenção à saúde. E, para isso, é necessário, primeiro, enten-
der o que são as redes de atenção à saúde.

As Redes de Atenção à Saúde


O CONCEITO DE REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE

As redes de atenção à saúde são organizações poliárquicas de conjuntos de serviços de saúde,


vinculados entre si por uma missão única, por objetivos comuns e por uma ação cooperativa e inter-

52
dependente, que permitem ofertar uma atenção contínua e integral a determinada população, coor-
denada pela atenção primária à saúde – prestada no tempo certo, no lugar certo, com o custo certo,
com a qualidade certa, de forma humanizada e segura e com equidade –, com responsabilidades
sanitária e econômica pela população adstrita e gerando valor para essa população (MENDES, 2011).
As redes de atenção à saúde apresentam algumas características: apresentam missão e objetivos
comuns; operam de forma cooperativa e interdependente; intercambiam constantemente seus recursos;
são estabelecidas sem hierarquia entre os pontos de atenção à saúde, organizando-se de forma poliárqui-
ca; implicam um contínuo de atenção nos níveis primário, secundário e terciário; convocam uma atenção
integral com intervenções promocionais, preventivas, curativas, cuidadoras, reabilitadoras e paliativas;
funcionam sob coordenação da atenção primária à saúde; prestam atenção oportuna, em tempos e luga-
res certos, de forma eficiente e ofertando serviços seguros e efetivos, em consonância com as evidências
disponíveis; focam-se no ciclo completo de atenção a uma condição de saúde; têm responsabilidades
sanitárias e econômicas inequívocas por sua população; e devem gerar valor para a sua população.
Os objetivos das redes de atenção à saúde, são melhorar a qualidade do cuidado, a qualidade
de vida das pessoas usuárias, os resultados sanitários do sistema de atenção à saúde, a eficiência na
utilização dos recursos e a equidade em saúde (ROSEN e HAM, 2008).
Nas redes de atenção à saúde, a concepção de hierarquia é substituída pela de poliarquia,
conceito originário do campo da ciência política e desenvolvido por Dahl (1997), que constitui um
sistema político característico das sociedades contemporâneas modernas e que se expressa na des-
concentração de recursos de poder, na tomada das decisões por livre negociação de uma pluralidade
de atores sociais, ao mesmo tempo autônomos e concorrentes, ligados por pactos estabelecidos por
regras do jogo social e político.
Nas redes de atenção à saúde o sistema organiza-se sob a forma de uma rede horizontal de
atenção à saúde em que não há uma hierarquia entre os diferentes pontos de atenção à saúde, a
atenção primária à saúde, os sistemas de apoio e os sistemas logísticos, mas a conformação de uma
rede horizontal de pontos de atenção de distintas densidades tecnológicas, sem ordem e sem grau de
importância entre eles. Assim, todos os componentes das redes de atenção à saúde são igualmente
importantes para que se cumpram os objetivos dessas redes; apenas se diferenciam pelas respecti-
vas densidades tecnológicas que os caracterizam.
A concepção vigente na normativa do SUS é a de um sistema hierárquico, de tipo piramidal,
formatado segundo as densidades relativas de cada nível de atenção em atenção básica, atenção de
média complexidade e atenção de alta complexidade. Essa concepção hierárquica e piramidal deve
ser substituída por outra, a das redes poliárquicas de atenção à saúde, em que, respeitando-se as di-
ferenças nas densidades tecnológicas, rompem-se as relações verticalizadas, conformando-se redes
policêntricas horizontais. Contudo, as redes de atenção à saúde apresentam uma singularidade: seu
centro de comunicação situa-se na atenção primária à saúde. É o que se vê na Figura 1.

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 53


Figura 1: A mudança dos sistemas piramidais e hierárquicos para as
Redes de Atenção à Saúde

ALTA
COMPLEXIDADE

MÉDIA APS
COMPLEXIDADE

ATENÇÃO BÁSICA

FONTE: MENDES (2011)

A estruturação das redes de atenção à saúde permite gerar valor para as pessoas usuárias
adstritas a estas redes e o valor da atenção à saúde expressa-se na relação entre os resultados eco-
nômicos, clínicos e humanísticos e os recursos utilizados no cuidado da saúde (PORTER e TEISBERG,
2007).
Há evidências, obtidas em vários países, de que as redes de atenção à saúde melhoram os
resultados clínicos, sanitários e econômicos dos sistemas de atenção à saúde (GILBODY et al., 2003;
KATON et al., 2004; SMITH et al., 2004; SINGH, 2005; NUÑO, 2008).
No Brasil, a concepção de redes de atenção à saúde vem sendo discutida há algum tempo, mas
foi incorporada oficialmente ao SUS, por dois instrumentos jurídicos. A Portaria n. 4.279, de 30 de
dezembro de 2010, que estabelece as diretrizes para a organização das redes de atenção à saúde no
âmbito do SUS, e o Decreto n. 7.508, de 28 de junho de 2011, que regulamenta a Lei n. 8.080/1990.
O Ministério da Saúde define as redes de atenção à saúde como arranjos organizativos de ações
e serviços de saúde, de diferentes densidades tecnológicas, que integradas por meio de sistemas de
apoio técnico, logístico e de gestão, buscam garantir a integralidade do cuidado (BRASIL, 2010). No
Decreto Presidencial, explicita-se que a integralidade da assistência à saúde se inicia e se completa
na rede de atenção à saúde a ser constituída nas regiões de saúde (BRASIL, 2011).

OS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DAS REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE

As redes de atenção à saúde constituem-se de três elementos fundamentais: a população, os


modelos de atenção e a estrutura operacional (MENDES, 2011).

54
O primeiro elemento das redes de atenção à saúde e sua razão de ser é uma população coloca-
da sob sua responsabilidade sanitária e econômica. As redes de atenção à saúde nos sistemas priva-
dos ou públicos organizados pela competição gerenciada podem prescindir dos territórios sanitários.
Mas não há possibilidades de as redes de atenção à saúde, públicas ou privadas, serem implantadas
sem uma população adstrita. Assim, as redes de atenção à saúde, nos sistemas públicos como o SUS,
exigem a construção social de territórios/população.
A população de responsabilidade das redes de atenção à saúde vive em territórios sanitários
singulares, organiza-se socialmente em famílias e é cadastrada e registrada em subpopulações por
riscos sociossanitários. Assim, a população total de responsabilidade de uma rede de atenção à saú-
de deve ser totalmente conhecida e registrada em sistemas de informação potentes. Não basta, con-
tudo, o conhecimento da população total: ela deve ser segmentada, subdividida em subpopulações
por fatores de riscos e estratificada por riscos em relação às condições de saúde estabelecidas.
Na concepção de redes de atenção à saúde, cabe à atenção primária à saúde a responsabili-
dade de articular-se, intimamente, com a população, o que implica não ser possível falar-se de uma
função coordenadora das redes de atenção à saúde ou em gestão da saúde da população se não se
der, nesse nível micro do sistema, todo o processo de conhecimento e relacionamento próximo da
equipe de saúde com a população adstrita, estratificada em subpopulações e organizada em grupos
familiares que habitam territórios de vida.
O segundo elemento constitutivo das redes de atenção à saúde são os modelos de atenção à
saúde. Os modelos de atenção à saúde são sistemas lógicos que organizam o funcionamento das
redes de atenção à saúde, articulando, de forma singular, as relações entre os componentes da rede
e as intervenções sanitárias, definidos em função da visão prevalecente da saúde, das situações de-
mográfica e epidemiológica e dos determinantes sociais da saúde, vigentes em determinado tempo e
em determinada sociedade (MENDES, 2011).
Os modelos de atenção à saúde são diferenciados por modelos de atenção aos eventos agudos
e modelos de atenção às condições crônicas. Os modelos de atenção aos eventos agudos prestam-se
à organização das respostas dos sistemas de atenção à saúde às condições agudas, às agudizações
das condições crônicas e aos sintomas gerais e inespecíficos que se manifestam agudamente. Os
modelos de atenção às condições crônicas utilizam-se para a estruturação de respostas às condições
crônicas não agudizadas. É preciso dizer que o conceito de condição crônica não é igual à doença
crônica, porque são consideradas condições crônicas todas aquelas que exigem uma resposta proa-
tiva, contínua e integrada por parte do sistema de atenção à saúde. Nesse sentido, todas as doenças
crônicas são condições crônicas, mas há muitas outras condições que, também, são abarcadas por
esse conceito.
O terceiro elemento constitutivo das redes de atenção à saúde é a estrutura operacional cons-
tituída pelos nós das redes e pelas ligações materiais e imateriais que comunicam esses diferentes

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 55


nós. Em uma rede, conforme entende Castells (2000), o espaço dos fluxos está constituído por alguns
lugares intercambiadores que desempenham o papel coordenador para a perfeita interação de todos
os elementos integrados na rede e que são os centros de comunicação e por outros lugares onde se
localizam funções estrategicamente importantes que constroem uma série de atividades em torno da
função-chave da rede e que são os seus nós.
A estrutura operacional das redes de atenção à saúde compõe-se de cinco componentes: o
centro de comunicação, a atenção primária à saúde; os pontos de atenção à saúde secundários e
terciários; os sistemas de apoio (sistemas de apoio diagnóstico e terapêutico, sistemas de assistência
farmacêutica, sistemas de tele-assistência e sistemas de informação em saúde); os sistemas logísti-
cos (registro eletrônico em saúde, sistemas de acesso regulado à atenção e sistemas de transporte
em saúde); e o sistema de governança. Os três primeiros correspondem aos nós das redes e, o quarto,
às ligações que comunicam os diferentes nós. É o que se observa na Figura 2.

Figura 2: A estrutura operacional das Redes de Atenção à Saúde


RT 1 RT 2 RT 3 RT 4

PONTOS DE PONTOS DE PONTOS DE PONTOS DE SISTEMA DE ACESSO


ATENÇÃO À ATENÇÃO À ATENÇÃO À ATENÇÃO À REGULADO
LOGÍSTICOS

SAÚDE SAÚDE SAÚDE SAÚDE


SISTEMAS

SECUNDÁRIOS SECUNDÁRIOS SECUNDÁRIOS SECUNDÁRIOS

SISTEMA DE GOVERNANÇA
E TERCIÁRIOS E TERCIÁRIOS E TERCIÁRIOS E TERCIÁRIOS REGISTRO ELETRÔNICO
EM SAÚDE

SISTEMAS DE
TRANSPORTE EM SAÚDE

SISTEMAS DE APOIO
DIAGNÓSTICO E TERAPÊUTICO
SISTEMAS
DE APOIO

SISTEMAS DE ASSISTÊNCIA
FARMACÊUTICA

TELEASSISTÊNCIA

SISTEMAS DE
INFORMAÇÃO EM SAÚDE

ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE

POPULAÇÃO
RT: REDE TEMÁTICA 1, 2, 3...N.
FONTE: MENDES (2011)

A observação detalhada da Figura 2 mostra uma opção pela construção de redes temáticas
de atenção à saúde, como as redes de atenção às mulheres e às crianças, as redes de atenção às

56
doenças cardiovasculares, às doenças renais crônicas e ao diabetes, as redes de atenção às doenças
respiratórias, as redes de atenção às urgências e emergências e outras.
As redes de atenção à saúde estruturam-se para enfrentar uma condição de saúde específica
ou grupos homogêneos de condições de saúde, por meio de um ciclo completo de atendimento. Só
se gera valor para a população se estruturam respostas sociais integradas, relativas a um ciclo com-
pleto de atenção. Como afirmam Porter e Teisberg (2007), o valor na assistência à saúde é determi-
nado considerando-se a condição de saúde do paciente durante todo ciclo de atendimento, desde o
monitoramento e a prevenção, passando pelo tratamento e estendendo-se até o gerenciamento da
doença instalada.
Contudo, essa proposta de redes de atenção temáticas nada tem a ver com a concepção dos
programas verticais. Os programas verticais são aqueles sistemas de atenção à saúde dirigidos, su-
pervisionados e executados, exclusivamente, por meio de recursos especializados (MILLS, 1983). Por
exemplo, um programa vertical de tuberculose pode ter um dispensário de tuberculose, um sanatório
de tuberculose, um laboratório para exames de tuberculose, como ocorreu, no passado, na saúde
pública brasileira. Ao contrário, os programas horizontais são aqueles que se estruturam para resolver
vários problemas de saúde comuns, estabelecendo visão e objetivos únicos e usando tecnologias e
recursos compartilhados para atingir os seus objetivos (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1996). Há
estudos que mostram que os programas verticais parecem ter benefícios como a clareza dos objeti-
vos, mas que isso só ocorre no curto prazo e, especialmente em situações de sistemas de atenção à
saúde muito pouco desenvolvidos (CRUZ et al., 2003). Os programas verticais, por outro lado, fragi-
lizam os sistemas de atenção à saúde, desperdiçam recursos escassos e apresentam problemas de
sustentabilidade (ATUN, 2004).
Por isso, recentemente, vem se consolidando, na saúde pública, posicionamento favorável à su-
peração da dicotomia entre programas verticais e horizontais, estendendo essa metáfora geométrica
para os programas diagonais, em que se combinam os objetivos singulares de determinadas condi-
ções de saúde com uma estrutura operacional que organize, transversalmente, os sistemas de apoio,
os sistemas logísticos, o sistema de governança e a atenção primária à saúde (FRENK, 2006; OOMS
et al., 2008). A forma mais adequada de se organizarem, diagonalmente, os sistemas de atenção à
saúde, parece ser por meio das redes de atenção à saúde.
A organização diagonal dos sistemas de atenção à saúde pelas redes de atenção à saúde
manifesta-se, em uma parte temática restrita, exclusivamente, nos pontos de atenção secundários e
terciários. Isso se impõe em razão da divisão técnica do trabalho que exige, nesses pontos, a espe-
cialização. Todos os demais componentes das redes de atenção à saúde, como se vê na Figura 2, a
atenção primária à saúde, os sistemas de apoio, os sistemas logísticos e o sistema de governança são
transversais a todas as redes temáticas, sendo, portanto, comuns a todas elas.

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 57


A GOVERNANÇA DE REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE E A MUDANÇA DO MODELO DE GESTÃO DOS SIS-
TEMAS DE ATENÇÃO À SAÚDE: A GESTÃO DA SAÚDE DA POPULAÇÃO

Uma mudança fundamental para a implantação da governança de redes de atenção à saúde é


a mudança do modelo de gestão atualmente hegemônico, tanto no Brasil quanto internacionalmente.
O modelo de gestão é um marco de referência para a administração de uma organização com a
finalidade de desenvolver políticas e ações que levem aos resultados desejados. Assim, em organiza-
ções públicas como o SUS, os modelos de gestão devem levar, necessariamente, à geração de valor
para seus beneficiários, em termos econômicos, sanitários e de equidade.
Um problema que dificulta a implantação da governança de redes de atenção à saúde é o mode-
lo de gestão praticado: o modelo de gestão da oferta. E há uma percepção que esse modelo exauriu-
-se internacionalmente convocando sua substituição pelo modelo da gestão da saúde da população,
tal como manifestado por Porter e Teisberg (2007) quando dizem que a revolução nos sistemas de
atenção à saúde só será possível quando o cerne da discussão se deslocar dos prestadores de servi-
ços para o valor gerado para as pessoas usuárias desses sistemas.
O modelo de gestão da oferta é incompatível com a geração de valor para as pessoas usuárias
porque tem seu foco na oferta de serviços e não nas necessidades da população usuária. Isso decorre
do fato de que o modelo da gestão de oferta tem uma preocupação fundamental na organização dos
serviços de saúde, com foco nas instituições prestadoras e não nas pessoas usuárias. Esse modelo
opera com indivíduos não estratificados por riscos. Além disso, é estruturado por parâmetros de ofer-
ta, construídos, em geral, por séries históricas que refletem os mecanismos políticos de conformação
dos padrões de capacidade instalada ao longo do tempo.
O modelo da gestão da oferta não tem ligação com as reais necessidades das pessoas usuárias
e leva a uma espiral de crescimento da oferta porque desconsidera a mudança do modelo de atenção
à saúde e a importância dos mecanismos de racionalização da demanda. Isso leva à ineficiência do
sistema de atenção à saúde.
Um problema do modelo da gestão da oferta é o critério populacional. Nesse modelo a po-
pulação é um somatório de indivíduos e é normalmente definida pelas projeções demográficas do
IBGE. Além disso, essa população é artificialmente homogeneizada, o que significa desconhecer as
diferenças entre subpopulações nos campos dos riscos sanitários e do acesso aos serviços de saúde.
Portanto, na prática social, não são estratificados os riscos sanitários, nem estabelecidas as desigual-
dades no acesso aos serviços.
O modelo da gestão da oferta opera com uma população que é uma soma de indivíduos, não
cria vínculos e responsabilidades entre profissionais de saúde e pessoas usuárias, não envolve in-
tervenções sobre determinantes sociais da saúde, não estabelece registros potentes das pessoas
usuárias e não estabelece parcerias entre profissionais de saúde e pessoas usuárias.

58
Outro problema é que esse modelo de gestão opera por meio de parâmetros de oferta, consti-
tuídos por valores médios estabelecidos com base em séries históricas e sem discriminar os diferen-
tes estratos de risco e os acessos diferenciados entre grupos de pessoas usuárias. Os parâmetros
de oferta, muitas vezes, expressam-se em número de atividades por população ou habitantes e não
guardam relação com as reais necessidades das pessoas usuárias. Em sua construção, parte-se de
um raciocínio equivocado: a oferta de serviços deve ser assim hoje porque foi assim no passado; e
deverá ser assim no futuro porque é assim no presente. Essa lógica equivocada de construção dos
parâmetros de oferta assenta-se em percursos históricos singulares, muitas vezes estruturados por
razões culturais, pelo poder político concentrado em determinados prestadores de serviços e/ou por
representações de interesses da indústria da saúde. De outra parte, os parâmetros são acolhidos na
premissa do ceteris paribus, ou seja, mantidas inalteradas todas as outras coisas, especialmente os
modelos de gestão e de atenção à saúde.
Como parâmetros de oferta, utilizados internacional e nacionalmente, podem ser citados: nú-
mero de leitos por mil pessoas, número de médicos por mil pessoas, número de enfermeiros por mil
pessoas, número de odontólogos por mil pessoas, número de exames de patologia clínica por pessoa,
número de consultas médicas de atenção primária à saúde por pessoa, número de consultas médicas
de especialistas por pessoa, número de consultas de enfermagem por pessoa, número de consultas
odontológicas por pessoa e outros tantos.
Como exemplo paradigmático de parâmetro de oferta tem-se o número de médicos por mil
habitantes, no que cabe a pergunta: que validade tem esse parâmetro para orientar a definição de
políticas de saúde? Os parâmetros de médicos por mil habitantes indicam que a Grécia tem mais que
o dobro de médicos por mil habitantes que o Reino Unido e quase o dobro que os Estados Unidos da
América (EUA) (OECD, 2014). É difícil associar esses números com os resultados sanitários e econômi-
cos dos sistemas de atenção à saúde, alcançados por esses diferentes países. Nos EUA, a Kaiser Per-
manente, uma operadora de planos de saúde que cobre aproximadamente 10 milhões de pessoas,
opera com uma relação de 1,8 médico por mil beneficiários, valor bem inferior à media daquele país
de 3,4 e muito próximo do valor prevalecente, hoje, no Brasil (KAISER PERMANENTE, 2013; OECD,
2014). Não obstante apresentar um valor próximo à metade da média nacional, a Kaiser Permanente
apresenta resultados sanitários e econômicos muito melhores em relação às médias nacionais das
operadoras privadas nos EUA (HAM et al., 2003; PORTER, 2007).
Com relação ao acesso, o modelo de gestão da oferta, além de desconsiderar as desigualda-
des no acesso, dificulta o balanceamento da demanda e da oferta porque pressupõe, erroneamente,
que esse desequilíbrio é determinado pela escassez de oferta, o que leva a desconsiderar as ações
imprescindíveis de racionalização da demanda. É certo que há problemas de restrições do lado da
oferta, mas, também, sempre há problemas de excesso de demanda que podem ser racionalizados
por diferentes estratégias.

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 59


O modelo de gestão da oferta é construído na lógica dos interesses dos prestadores de servi-
ços e não das necessidades da população. O esgotamento desse modelo convoca outro modelo de
gestão, denominado de gestão da saúde da população. Esse novo modelo estrutura-se com base no
conceito de saúde da população.
A Organização Mundial da Saúde expressa o conceito de saúde da população como um enfo-
que que conscientemente adota as perspectivas de indivíduos, famílias e comunidades e que os vê,
ao mesmo tempo, como participantes e beneficiários de sistemas de saúde que respondem às suas
necessidades e preferências de maneira humana e holística (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2015).
As populações podem ser expressas por regiões geográficas, como nações ou comunidades,
mas podem ser outros grupos como empregados de empresas ou categorias profissionais, grupos
étnicos, pessoas com deficiência, pessoas pertencentes a movimentos sociais, beneficiários de uma
empresa de saúde etc. Tais populações são de relevância para formuladores de políticas e podem ser
divididas em populações definidas geograficamente e populações discretas de abrangência de um
sistema de atenção à saúde. As populações discretas são grupos de indivíduos que recebem cuidados
de uma organização de atenção à saúde às quais estão filiadas, independentemente de sua locali-
zação geográfica; é o caso mais comum de populações vinculadas a sistemas privados de atenção à
saúde. As populações definidas geograficamente são populações inclusivas por seu pertencimento a
um espaço geográfico determinado como estado, município, região etc. São mais comumente usadas
em sistemas públicos de atenção à saúde e estão ligadas, nestes sistemas, à ideia da regionalização
da atenção à saúde (LEWIS, 2014).
O conceito de saúde da população implica algumas características: a população é mais que a
soma dos indivíduos que a compõem; tem como um dos focos a redução das desigualdades; considera
os determinantes sociais da saúde; reconhece a responsabilidade pelo alcance de resultados sanitários;
utiliza o enfoque epidemiológico na gestão da saúde, o que inclui medir estruturas, processos e resulta-
dos, compreender como se relacionam e estabelecer prioridades em consonância com as necessidades
da população; e supõe a estratificação da população por subpopulações de riscos (STOTO, 2013).
A aplicação do conceito de saúde da população gerou o modelo da gestão da saúde da popu-
lação. Esse conceito tem sido utilizado crescentemente nos EUA e Lewis (2014) o associa ao desen-
volvimento do modelo de atenção crônica de Wagner (1998). A Organização Mundial da Saúde utiliza
esse conceito articulado com os sistemas integrados ou redes de serviços de saúde.
O modelo da gestão da saúde da população move um sistema estruturado por indivíduos que
buscam atenção para um sistema que se responsabiliza, sanitária e economicamente, por uma popu-
lação determinada a ele vinculada, sendo fundamental conhecer essa população, captar suas neces-
sidades reais e discriminá-la segundo critérios de riscos e de acesso (DUBOIS et al., 2008).
A gestão da saúde da população tem este nome porque se faz sobre necessidades de uma
população adstrita a um sistema de atenção à saúde. Essa população é determinada, e não uma

60
população geral, que guarda, com o sistema de atenção à saúde, uma relação de vínculo perma-
nente e personalizado. Na perspectiva das redes de atenção à saúde, o seu elemento fundante
e sua razão de ser são essas populações determinadas, postas sob suas responsabilidades sa-
nitárias. As populações dessas redes têm um espaço de vinculação qualificado que é a atenção
primária à saúde. Nesse sentido, a população de responsabilidade das redes de atenção à saúde
não é a população dos censos demográficos, nem a população geral que tem direito ao SUS, mas
a população cadastrada e vinculada a uma equipe de cuidados primários. Essa população vive em
territórios sanitários singulares, organiza-se socialmente em famílias e é cadastrada e registrada
em subpopulações por riscos sociais e sanitários (MENDES, 2011). O conhecimento profundo da
população usuária de um sistema de atenção à saúde é o elemento básico que torna possível
romper com a gestão da oferta e instituir a gestão da saúde da população, elemento essencial das
redes de atenção à saúde.
A gestão da saúde da população é a habilidade de um sistema em estabelecer as necessidades
de saúde de uma população específica, segundo os riscos, de implementar e monitorar as interven-
ções sanitárias relativas a essa população e de prover o cuidado para as pessoas no contexto de sua
cultura e de suas necessidades e preferências (TUFTS MANAGED CARE INSTITUTE, 2000).
Esse modelo envolve várias dimensões: definir uma população de responsabilidade sanitária
e econômica; estabelecer um registro dessa população e de suas subpopulações; ter um centro de
comunicação na atenção primária à saúde; conhecer profundamente essa população nos seus riscos
sociais e sanitários; integrar em redes as ações dos diferentes pontos de atenção à saúde; operar
um modelo de gestão que inclua os elementos do conceito de saúde da população como ações so-
bre os determinantes intermediários e proximais da saúde e sobre os determinantes biopsicológicos
individuais; desenvolver e aplicar parâmetros de necessidades com base em evidências científicas;
dividir a população em subpopulações segundo estratos de risco; estabelecer metas de melhoria dos
indicadores sanitários e econômicos; definir estratégias para impactar a segurança, os custos e os
resultados clínicos; buscar a redução das desigualdades; monitorar os processos e os resultados em
termos de qualidade, eficiência e efetividade; implantar sistemas efetivos de informações em saúde;
operar com equipes multiprofissionais trabalhando de forma interdisciplinar na elaboração, execução
e monitoramento de planos de cuidados; e estabelecer parcerias entre profissionais de saúde e pes-
soas usuárias no cuidado (McALEARNEY, 2002; LEWIS, 2014).
A gestão da saúde da população exige a utilização de parâmetros assistenciais com ela coeren-
tes. Por isso, é necessário superar os parâmetros de oferta e instituir parâmetros construídos a partir
das necessidades reais das pessoas usuárias e das populações e subpopulações adstritas às redes
de atenção à saúde. É fundamental que esses parâmetros sejam construídos com base em evidên-
cias científicas. Abaixo podem ser verificadas as diferenças entre o modelo de gestão da oferta e de
gestão da saúde da população.

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 61


Quadro 1. Diferenças entre o modelo de gestão da oferta e o
modelo de gestão da saúde da população
Modelo de gestão da oferta Modelo de gestão da saúde da população
Tem foco nos prestadores de serviços. Tem foco na população adstrita a uma rede de
atenção à saúde.
Opera com indivíduos não estratificados por risco. Opera com a população vinculada a uma rede de
atenção à saúde estratificada por risco.
É estruturado para responder a demandas de É estruturado para responsabilizar-se, sanitária e
indivíduos isoladamente. economicamente, por uma população determinada,
vinculada à atenção primária à saúde.
Opera com parâmetros construídos por meio de Opera com parâmetros construídos a partir das
séries históricas. necessidades da população.
Os parâmetros são construídos com a premissa da Os parâmetros são construídos com a premissa da
manutenção dos modelos de atenção e de gestão incorporação de modelos de atenção e de gestão
convencionais. inovadores.
Não incorpora os determinantes sociais da saúde. Incorpora os determinantes sociais da saúde.
Enfrenta o desequilíbrio entre oferta e demanda dos Enfrenta o desequilíbrio entre oferta e demanda
serviços com um viés de aumento da oferta, gerando dos serviços buscando racionalizar a demanda,
ineficiência. racionalizar a oferta e, se necessário, aumentar a
oferta, gerando eficiência.
FONTE: MENDES (2012)

O CONCEITO DE GOVERNANÇA DE REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE

A governança de redes de atenção à saúde é o arranjo organizativo uni ou pluri-institucional que


permite a gestão de todos os componentes dessas redes, de forma a gerar excedente cooperativo en-
tre os atores sociais em situação, a aumentar a interdependência entre eles e a obter bons resultados
sanitários e econômicos para a população adstrita (MENDES, 2011).
Esse conceito coloca como ponto central da governança das redes de atenção à saúde, em
um ambiente decisório poliárquico, o incremento da interdependência entre todos os atores em si-
tuação para gerar excedente cooperativo que irá produzir os resultados econômicos e sanitários. É
importante entender esse conceito e essa dinâmica virtuosa da governança em redes para não cair
na tentação de substituir os mecanismos de decisão colegiada interfederativa, vigentes no SUS, por
propostas de organização de uma estrutura de governança hierárquica nas regiões de saúde. Isso
reflete um desconhecimento sobre o funcionamento em redes e isso poderá ser um desastre se for
operacionalizado.
A governança de redes de atenção à saúde é diferente da gerência dos pontos de atenção à
saúde, dos sistemas de apoio e dos sistemas logísticos (gerência hospitalar, gerência dos ambulató-
rios especializados, gerência das unidades de atenção primária à saúde, gerência do laboratório de

62
patologia clínica, gerência da assistência farmacêutica, gerência do transporte em saúde etc.), já que
cuida de governar as relações entre a atenção primária à saúde, os pontos de atenção secundária e
terciária, os sistemas de apoio e os sistemas logísticos, de modo a articulá-los em função da missão,
da visão e dos objetivos comuns das redes. A governança é um sistema transversal a todas as redes
temáticas de atenção à saúde.

OS OBJETIVOS DA GOVERNANÇA DE REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE

Os objetivos da governança de redes de atenção à saúde são garantir o cumprimento dos pac-
tos e acordos entre os atores, o aumento da interdependência entre eles, o manejo dos conflitos de
interesse, o direcionamento da ação segundo os princípios da transparência e prestação de contas, a
progressiva estabilização da rede baseada em resultados dos pactos consensados entre os atores, o
respeito às regras do jogo e os resultados da rede (FRANCESC et al., 2012).

OS PRINCÍPIOS E AS CARACTERÍSTICAS DA BOA GOVERNANÇA DE REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE

Os princípios da boa governança de redes de atenção são os seguintes: o princípio da prestação


de contas que implica a supervisão da atuação dos atores da rede; o princípio da transparência que
incrementa a legitimidade do processo de tomada de decisão e que permite concretizar o princípio
da prestação de contas; o princípio da participação segundo o qual os atores devem incorporar-se ao
processo de tomada de decisões estratégicas de acordo com as regras do jogo estabelecidas; o prin-
cípio da eficácia necessário para alcançar os objetivos das redes de atenção à saúde; e o princípio da
coerência segundo o qual os objetivos e ações das redes de atenção à saúde devem estar baseados
na visão e estar coordenados entre si (FRANCESC et al., 2012).
A boa governança das redes de atenção à saúde implica a existência das seguintes caracterís-
ticas: conhecimento das necessidades da população adstrita, cooperação e consenso como pauta
de interação entre atores, visão conjunta e valores compartilhados e liderança efetiva (FRANCESC
et al., 2012).
A população adstrita a uma rede de atenção à saúde é a população que vive em um território
sanitário e que está cadastrada em uma unidade de atenção primária à saúde. É fundamental conhe-
cer as necessidades dessa população e de suas subpopulações por estratos de riscos. Para isso, é
necessário mudar o sentido da gestão que deixa de ser uma gestão de oferta para ser uma gestão de
base populacional. A partir das necessidades concretas da população é que se definem parâmetros
epidemiológicos para o planejamento, o monitoramento e a avaliação das ações e serviços das redes
de atenção à saúde.
Uma boa governança de redes de atenção à saúde convoca a cooperação, a coordenação e a
corresponsabilização entre os atores que a integram, de tal forma que as relações internas estejam

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 63


baseadas em negociações entre iguais, no consenso e na confiança e não em diretrizes verticais e em
agendas ocultas. Por outro lado, devem vincular-se às redes de atenção à saúde atores de naturezas
diversas que aportem recursos e competências importantes para o conjunto, gerando excedente coo-
perativo e desempenho melhor de todos os atores. Isso implica um processo de aprendizagem mútua
dos diferentes atores em redes, fazendo-os entender os benefícios que derivam da participação sinér-
gica de todos e aceitando que os princípios da cooperação superam os da competição e do benefício
individual. Para que a cooperação floresça, é necessário estabelecer um marco de confiança entre os
atores por meio de vínculos jurídicos da relação como contratos, convênios ou acordos e estabelecer
a transparência por meio de sistemas de informação compartilhados. Outra forma de gerar confiança
entre os atores é por meio da utilização de técnicas de negociação e de solução de conflitos e de
construção de consensos.
O êxito da governança das redes de atenção à saúde depende da criação de uma identidade
grupal entre os atores estratégicos, o que significa o compartilhamento da visão e dos valores das re-
des. O compartilhamento dos valores significa que eles são utilizados correntemente como referência
das ações e como guias de conduta. Alguns mecanismos podem ser utilizados nas redes de atenção
à saúde como a socialização em atividades comuns, a criação de espaços participativos no trabalho
e o desenvolvimento de comitês de avaliação entre pares.
Uma liderança efetiva constitui uma característica indispensável para a governança das redes
de atenção à saúde, já que são os líderes que legitimam as redes. Essas lideranças contribuem para a
governança das redes nos seguintes elementos: proporcionam rumo, impulso ou direção às estruturas
de governança; mantêm um sistema de comunicações interno e externo; atuam como agentes sim-
plificadores reduzindo a complexidade por sua capacidade de tratar problemas e conflitos de forma
que sejam assimilados pelos outros atores; constituem referências simbólicas para os membros das
redes personalizando identidades coletivas e gerenciando conflitos; e conseguem o compromisso de
gestores e profissionais das diferentes organizações com as diretrizes das redes de atenção à saúde.

OS MODELOS DE GOVERNANÇA DE REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE

Francesc et al. (2012) identificam diferentes modelos de governança que podem ser adotados
pelas redes de atenção à saúde: o modelo burocrático, o modelo gerencialista, o modelo estratégico
e os modelos mistos.

O modelo burocrático

O modelo burocrático propõe que os processos de tomada de decisões, o controle interno e a


interação dos atores que compõem as redes de atenção à saúde devem ser guiados por regras do jogo
baseadas na racionalidade e na rigidez das normas e procedimentos. Nesse modelo, estabelece-se uma
hierarquia definida desde a autoridade formal que tende ao estabelecimento de uma governança cen-

64
tralizadora. Esse modelo apresenta como vantagens a focalização num conjunto de resultados previstos
e desejados, mas, por outro lado, por sua rigidez, tem pouca flexibilidade para lidar com a complexidade
dos entornos das redes de atenção à saúde e para adaptar-se às singularidades de diferentes territórios.
Ele se ajusta mais a cenários estáveis e ao alcance de objetivos por meio do cumprimento da norma.

O modelo gerencialista

O modelo gerencialista, derivado do movimento da nova gestão pública, critica as debilidades


do modelo burocrático e propõe uma forma de gestão pública com foco na eficácia e na eficiência do
processo de tomada de decisão baseada na flexibilidade e no critério profissional. Esse modelo carac-
teriza-se por se estruturar na busca de resultados, por ser flexível e adaptável a diferentes entornos, por
descentralizar as decisões e pela profissionalização dos quadros gerenciais. Esse modelo apresenta
como vantagens sua flexibilidade em face de entornos complexos e mutáveis, a descentralização das
decisões e responde às redes de atenção à saúde orientadas por resultados e pela melhoria contínua
dos processos. Sua desvantagem está em que pode gerar assimetrias de poder no ente de governança.

O modelo estratégico

No modelo estratégico de governança o processo de tomada de decisão é realizado com base


nas necessidades e nas expectativas dos atores estratégicos, analisando ameaças e oportunidades
externas para definir os objetivos a serem alcançados. Esse modelo caracteriza-se por uma tendência
à descentralização. As suas vantagens estão em sua capacidade de adaptação a entornos complexos
que são inerentes às redes de atenção à saúde. As suas desvantagens estão na possibilidade de per-
da de hierarquia no ente de governança e na fragilidade do controle interno devido ao mecanismo de
descentralização decisória.

Os modelos mistos

Em função das incertezas e complexidades que caracterizam as redes de atenção à saúde,


podem-se utilizar modelos mistos que se construam de forma a maximizar as vantagens e reduzir as
desvantagens de cada qual. Desse modo, poder-se-ia utilizar o modelo burocrático em decisões rela-
tivas a procedimentos totalmente regulamentados, o modelo gerencialista em decisões relacionadas
com os processos-chave na área assistencial e o modelo estratégico para as decisões relativas ao
planejamento das redes de atenção à saúde.

OS COMPONENTES DA GOVERNANÇA DE REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE

A governança das redes de atenção à saúde estrutura-se em vários componentes: atores estra-
tégicos e recursos de poder, regras do jogo e âmbitos de responsabilidade (FRANCESC et al., 2012).

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 65


Os atores estratégicos e recursos de poder

Os atores estratégicos são os indivíduos ou os grupos com recursos de poder suficientes para
influir no funcionamento das regras ou procedimentos de tomada de decisões e de solução de confli-
tos coletivos. Os recursos de poder que possuem os atores estratégicos provêm do exercício do con-
trole de cargos ou funções públicas, do controle de fatores de produção, do controle da informação, da
autoridade moral e da possibilidade de converterem-se em grupos de pressão. Os recursos de poder
podem ser implícitos ou explícitos ou manifestarem-se com diferentes intensidades.
A ferramenta que se usa para conhecer os atores estratégicos é o mapa de atores que permite
identificar os atores-chave da governança, seus interesses e sua importância e influência dentro da
rede de organizações.
Em geral, há uma assimetria de poder entre os atores sociais. Na prática social, os processos
de tomada de decisões se caracterizam por diferentes níveis de assimetria de poder entre os atores
(FLORES e GOMEZ-SANCHEZ, 2010). A importância relativa dos atores manifesta-se em sua capaci-
dade de influir nos processos de tomada de decisão da rede de atenção à saúde, de mudar as regras
do jogo, de mobilizar recursos e de interagir com os demais atores no plano estratégico. Essas capa-
cidades decorrem do controle de cargos e de informações, da autoridade moral e da possibilidade
de converter-se em grupo de pressão (PRATS, 2001). Os principais atores estratégicos das redes de
atenção à saúde são os gestores públicos de diversos âmbitos, os prestadores de serviços públicos e
privados, as instituições corporativas, as autoridades sanitárias, os representantes da sociedade civil
organizada e os movimentos sociais.

As regras do jogo

As regras do jogo referem-se a regulamentos, leis e outros procedimentos que regulam a forma
em que se fazem os debates, se alcançam os acordos e se dirimem os conflitos nos espaços públi-
cos de decisão. As regras do jogo incluem procedimentos formais e informais (FLORES e GOMEZ-
-SANCHEZ, 2010). As regras do jogo formais que regem o funcionamento da governança de redes de
atenção à saúde e o comportamento de seus atores estratégicos dependerão do desenho institucio-
nal estabelecido para a conformação dessas redes. Isso pode envolver várias formas como acordos
de colaboração entre os atores, alianças estratégicas, até a fusão completa das organizações que
compõem a redes de atenção à saúde.
O desenho institucional é entendido pelo modo como os grandes blocos estruturais das redes
de atenção à saúde – autoridade, responsabilidade, informação e incentivos –, são considerados
num arranjo organizacional (LEAT et al., 2000).
O desenho institucional pode ser feito de várias formas, desde um contínuo que vai da integra-
ção vertical de diferentes organizações, conformando um único ente gestor, até uma estrutura virtual
instituída por alianças estratégicas entre diferentes organizações que se associam para gerir as redes

66
de atenção à saúde. O que vai definir esse desenho mais macro é a natureza da propriedade das re-
des de atenção à saúde. Se for propriedade de uma única organização, totalmente integrada vertical-
mente, como a Kaiser Permanente nos EUA, a governança será única; se for constituída por diferentes
entes institucionais, como no SUS, que articula, como gestores, redes compostas por organizações
públicas federais, estaduais e municipais e, como prestadores de serviços, organizações públicas,
privadas lucrativas e não lucrativas, a governança será multi-institucional, constituída, portanto, por
meio de acordo ou aliança estratégica.
Há outros fatores que influenciam o desenho institucional: o ambiente regulatório, os interesses
e as expectativas dos diferentes atores sociais, a capacidade de cooperação, o grau de integração
gerencial e clínica, a valorização da promoção da saúde e da prevenção das condições de saúde, a
prestação de contas e a responsabilização (accountability) e a adaptabilidade a diferentes situações.
O desenho institucional deve ser feito de forma a facilitar um processo-chave nas redes de
atenção à saúde que é a coordenação das ações gerenciais e assistenciais. Vai se conformando uma
ideia de que a coordenação se faz melhor em sistemas de governança de redes de atenção à saúde
que favorecem a comunicação entre profissionais que intervêm em processos assistenciais comuns,
que operam com sistemas de informação integrados verticalmente e que adotam, rotineiramente, a
organização matricial (LONGEST e YOUNG, 2000).
A cultura organizacional é outro fator que influi no desenho institucional da governança de redes
de atenção à saúde. De um lado, porque a implantação de objetivos e estratégias dessas redes requer
que seus membros aceitem e compartilhem visão, missão e objetivos comuns; de outro, porque a
cultura de cada organização componente dessas redes deve estar alinhada com a missão e com os
objetivos. Valores presentes nas organizações como atitudes de cooperação, interdependência, tra-
balho em equipe e orientação para resultados são fundamentais. Além disso, é importante que haja,
na governança dessas redes, uma liderança orientada para a ação cooperativa e para a comunicação
de objetivos e de estratégias e seu aprendizado.
Qualquer que seja a forma de ente institucional adotada, há que se elaborar o desenho organi-
zacional das redes de atenção à saúde, o que pode ser feito de diferentes modos. Lega (2007) propõe
três diferentes desenhos. O desenho P, onde P significa produtos e se refere a estruturas e responsa-
bilidades centradas em dois tipos de produtos: doenças como diabetes, câncer, asma etc. e pessoas
usuárias, como mulheres, pessoas idosas e portadores de distúrbios mentais etc. Esse desenho P
busca uma integração multiprofissional em diferentes pontos de atenção à saúde. O desenho G, onde
G significa área geográfica, busca uma integração com base em uma população em determinado ter-
ritório sanitário (área de abrangência da atenção primária à saúde, município, microrregião e macror-
região). Finalmente, o desenho matricial envolve uma estrutura com um sistema de autoridade dual
em que se combinam os produtos e as áreas geográficas.

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 67


Estabelecida a natureza jurídica das redes de atenção à saúde, determinam-se as regras do jogo
formais que se compõem de um conjunto estável de normas consensadas e compartilhadas por todos
os atores da governança dessas redes. Essas normas devem estar institucionalizadas, mas devem ter
a possibilidade de serem modificadas quando conveniente aos atores (FRANCESC et al., 2012).

Os âmbitos de responsabilidade

A governança das redes de atenção à saúde implica a definição clara dos âmbitos de responsabi-
lidade que são assumidos, interna e externamente, pelo ente de governança. Esses âmbitos são: plane-
jamento territorial, planejamento estratégico, sistema de contratualização, sistema de monitoramento
e avaliação, participação social, prestação de contas, estratégias de comunicação interna e externa,
sistema de acreditação e sistema de financiamento (MENDES, 2011; FRANSCESC et al., 2012).
O planejamento territorial constitui-se na definição dos diferentes espaços de vida das popula-
ções e que dão a base territorial para a constituição das redes de atenção à saúde. Esses espaços
concretizam-se em Planos Diretores de Regionalização.
Os territórios sanitários consistem em espaços interorganizacionais cujas dinâmicas sociais
delimitam uma estrutura de interdependência entre atores autônomos que mantêm relações mais ou
menos estáveis de interdependência de recursos, constituindo a base de desenvolvimento das redes
de atenção à saúde (FLEURY e OUVERNEY, 2007).
Na dinâmica das redes de atenção à saúde, os territórios são, ademais, espaços de responsabi-
lização sanitária por uma população definida. Dado o princípio da cooperação gerenciada, é necessá-
rio que haja uma definição clara dos serviços que as redes de atenção à saúde daquele território irão
ofertar à sua população adstrita. Isso é que marca, com clareza, as redes construídas com base em
espaços/população e a gestão da saúde da população (DAWSON, 1964).
Por consequência, os territórios sanitários são recortados de forma a se compatibilizarem com
os princípios da construção das redes de atenção à saúde, especialmente para aumentar a interde-
pendência entre os atores participantes, e de propiciarem a imposição de uma responsabilização ine-
quívoca de uma autoridade sanitária em relação a uma população definida. Mais, eles constituem um
instrumento de ampliação da racionalidade sistêmica, pela possibilitação de incremento da eficiência
de escala e de aprofundamento da interdependência entre os atores sociais em situação.
O planejamento estratégico das redes de atenção à saúde é realizado por um processo que
envolve a formulação estratégica da qual resultam ações coordenadas de longo, médio e curto pra-
zos. A formulação estratégica implica uma análise do entorno político, institucional e sanitário. Pode
ser sustentada pela análise das fortalezas, debilidades, oportunidades e ameaças e deve levar à
definição da missão, da visão e dos valores compartilhados pelo ente de governança instituído, bem
como a definição do seu posicionamento estratégico no mercado público. Esse trabalho envolverá
ampla consulta a diferentes atores sociais que atuam, direta ou indiretamente, nas redes de atenção

68
à saúde, envolvendo os gestores, os prestadores, as pessoas usuárias e os órgãos representativos da
sociedade civil organizada.
O sistema de planejamento estratégico exigirá, para sua operação, a elaboração de contratos
de gestão entre os entes gestores das redes de atenção à saúde e os entes prestadores de serviços
envolvidos nessas redes.
O sistema de atenção à saúde é um sistema complexo, composto por diferentes atores sociais
em situação e portadores de diferentes objetivos, interesses e representações (MENDES, 2002). Uma
vez que a cooperação entre esses atores não é automática, eles devem negociar entre si e estabe-
lecer acordos que permitam obter vantagens que não seriam alcançadas na ausência de uma coo-
peração formalizada. Ou, segundo a teoria dos jogos, deve-se buscar uma solução cooperativa que
produza um excedente cooperativo (COOTER e ULEN, 1988). A melhor forma de negociar e acordar é
por meio de contratos firmados entre partes diferentes.
A participação social deve estar garantida na governança das redes de atenção à saúde. É sua
responsabilidade posicionar o cidadão e a comunidade como eixo dessas redes, transmitindo a toda
a organização o papel central que deve ter para todos os seus componentes, entendendo-se como
o mandato de orientar a organização e seus serviços para responder às necessidades, demandas e
preferências da população adstrita (FRANCESC et al., 2012).
A prestação de contas é um elemento central na governança de redes de atenção à saúde.
Essa prestação de contas deve ser ampla, envolvendo vários destinatários como gestores públicos,
os prestadores, os profissionais e a população vinculada à rede. Essa prestação de contas se faz
periodicamente e abrange resultados sanitários em termos de processos e resultados sanitários e os
resultados econômicos (FRANSCESC et al. 2012).
A governança de redes de atenção à saúde inclui a responsabilidade de definir as políticas de
comunicação a serem utilizadas, nos âmbitos interno e externo, para responder aos princípios da
transparência e dever de informação. As políticas de comunicação social consistem no estabeleci-
mento dos sistemas e dos canais que se utilizarão para comunicar-se com a organização e seu entor-
no e para realizar a prestação de contas (FRANSCESC et al., 2012).
A governança de redes de atenção à saúde implica um sistema de acreditação. A acreditação é
um sistema de verificação periódico, voluntário e reservado, para o reconhecimento da existência de
padrões previamente definidos na estrutura, nos processos e nos resultados, com vistas a estimular
o desenvolvimento de uma cultura de melhoria contínua da qualidade da atenção à saúde e da prote-
ção da saúde da população.
O sistema de acreditação das redes de atenção à saúde exige uma nova forma de acreditação,
diferente da que vem sendo praticada. Na perspectiva sistêmica que marca o funcionamento das
redes de atenção à saúde não é suficiente acreditar, isoladamente, cada um dos seus componentes,
pontos de atenção à saúde e sistemas de apoio porque é a operação harmoniosa e integrada de to-

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 69


dos os elementos das redes que possibilitam agregar valor para a população (PORTER e TEISBERG,
2007). Numa rede de atenção à saúde, a presença de um excelente hospital, acreditado num nível
superior, mas que não está organicamente articulado, em rede, com a atenção primária à saúde, com
a atenção ambulatorial especializada e com os sistemas de apoio, não garante que os seus serviços,
separadamente, irão melhorar os níveis de saúde da população. A acreditação das redes de atenção
à saúde impõe uma nova atitude acreditatória que implica a acreditação de todos os componentes da
rede e de suas relações, de forma a tornar imperativa a sistemicidade e a continuidade da atenção à
saúde (JOINT COMMISSION ON ACCREDITATION OF HEALTHCARE ORGANIZATIONS, 2004).
A governança de redes de atenção à saúde exige a implantação de sistemas de financiamento
adequados. Um bom sistema de financiamento de redes de atenção à saúde é aquele que se faz de
forma mais equitativa, que incentiva os prestadores a prover serviços de forma eficiente e com qua-
lidade, que induz a que os serviços produzidos melhorem os níveis de saúde gerando valor para as
pessoas e que permite aumentar o valor do dinheiro empregado.

O desenho institucional das redes de atenção à saúde

O desenho institucional das redes de atenção à saúde sustenta-se na cultura institucional e na


coordenação das ações gerenciais e assistenciais. Além disso, o federalismo brasileiro e a especifici-
dade do SUS impõem um modelo institucional singular.

A CULTURA ORGANIZACIONAL

A cultura organizacional é um fator fundamental que influi na governança das redes de atenção
à saúde. De um lado, porque a implantação de objetivos e estratégias das dessas redes requer que
seus membros aceitem e compartilhem visão, missão e objetivos comuns; de outro, porque a cultura
de cada organização componente dessas redes deve estar alinhada com a missão e com os objeti-
vos. Valores presentes nas organizações como atitudes de cooperação, interdependência, trabalho
em equipe e orientação para resultados são fundamentais. Além disso, é importante que haja, na
governança das redes de atenção à saúde, uma liderança orientada para a ação cooperativa e para a
comunicação de objetivos e de estratégias e seu aprendizado.
O imperativo da mudança é inegável e decorre do fato de o mundo em que se vive está em per-
manente mutação. Diante desse imperativo, há três opções: ignorar a mudança, mantendo-se na zona
de conforto; lutar contra a mudança; e aceitar a mudança e aderir a ela. As redes de atenção à saúde
apresentam grande complexidade que traz muitas inovações em relação ao sistema fragmentado vigen-
te. Por isso, a sua implantação envolve mudanças culturais profundas nos sistemas de atenção à saúde.
A cultura significa as atitudes, os valores e os comportamentos que caracterizam singularmente
uma dada organização. De certa forma, a cultura organizacional responde à questão: o que é real-

70
mente importante aqui? A resposta a essa pergunta permite uma compreensão melhor de como as
coisas funcionam, ou não, em uma organização e de como reforçar certas atitudes e comportamentos
para a consecução das mudanças desejadas (KEY, 2008).
No ambiente de uma organização de saúde convivem diferentes culturas, ou seja, há subcultu-
ras dentro de uma cultura. Por exemplo, os médicos estão concentrados nos diagnósticos e tratamen-
tos, os enfermeiros no cuidado das pessoas usuárias, o gestor na ordem burocrática, os assistentes
sociais na proteção social etc. Dentro das subculturas há modos tácitos, estabelecidos e aceitos, de
condutas e práticas que criam um ambiente seguro e familiar que promove o status quo e a noção de
afiliação grupal. Um sentido de pertencimento a um grupo social é inerente à necessidade humana
e se nutre por meio de complexos processos sociais e culturais em que o principal veículo é o uso do
ritual. O ritual é uma forma de ação simbólica que serve para comunicar informação sobre os valores
e os padrões culturais. Em momentos de mudança, os rituais que deram segurança já não são ade-
quados e surge a ameaça e a insegurança. Em uma organização que está inserida em um processo
de implantação de redes de atenção à saúde se poderia fazer um exercício por meio de perguntas
aos seus membros: Quantas culturas diferentes há na organização? Quais são os valores pessoais e
profissionais? Como os seus membros reagem a uma proposta de redes de atenção à saúde? Isso é
importante porque um dos maiores desafios de um processo de mudança cultural é o desenvolvimen-
to do respeito e do entendimento mútuo entre os profissionais. Esse processo requer que se invista
tempo e energia para desenvolver uma comunicação sólida e para conhecer o que pensam e que
papéis desempenham na atenção à saúde os diferentes profissionais (CHIN, 2010).
As culturas estabelecidas resistem às ameaças do novo até que chegue um momento em que
compreendem que a mudança é imperativa. A chave está em entender que o que uma vez foi novo se
tornou tradicional e precisa ser renovado. Há evidências de que a cultura organizacional não se auto-
melhora de forma natural, mas que é aberta a mudanças deliberadas, bem planejadas e realizadas
com liderança adequada. Handy (1978), na sua teoria da correção cultural, diz que o importante é
dispor da cultura correta, no lugar adequado e com o propósito oportuno.
A implantação das redes de atenção à saúde vai exigir mudanças deliberadas bem definidas
na proposta e forte liderança para responder aos desafios do cuidado dessa nova forma de organi-
zar os sistemas de atenção à saúde. Isso coloca uma questão fundamental: como mudar a cultura
organizacional?
Uma ferramenta interessante é a equação da mudança que diz que uma mudança só ocorre
quando: A+B+C>D, sendo: A: a insatisfação com a situação atual; B: a visão de futuro; C: a clareza a
respeito dos passos a serem adotados para a mudança; e D: as resistências naturais à mudança na
organização (BECKHARD e HARRIS, 1987).
Os líderes da mudança devem trabalhar de forma constante e simultânea em A, B e C para
superar as resistências existentes. Isso significará na implantação das redes de atenção à saúde:

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 71


destacar os problemas e as características da organização atual (os sistemas fragmentados) que
limitam ou dificultam a atenção à saúde (A); debater, identificar e propor uma cultura organizacional
que se mostre efetiva para viabilizar a implantação das redes de atenção à saúde e que permita cons-
truir uma visão comum, de aceitação ampla, que permita fazer avanços (B); e trabalhar com todos os
atores implicados no desenho e na implementação das redes de atenção à saúde para dar os passos
necessários, para consolidar os avanços e para conseguir, definitivamente, a transformação cultural
(KEY, 2008).
A essência da mudança cultural é construir capacidade para diagnosticar a situação presente,
a fim de propor um futuro melhor, as redes de atenção à saúde. Algumas ferramentas podem ser úteis
para conscientizar a insatisfação com o status quo (A) e para difundir a visão de futuro (B). Entre elas,
mencionam-se as tipologias de culturas organizacionais, como a dos deuses da gestão (BECKHARD e
HARRIS, 1978) e a tipologia de Harrison (HARRISON, 1983).
A análise das tipologias de mudanças culturais atua sobre os componentes A e B da equação,
mas não são suficientes para superar as resistências naturais à mudança, se não estão claros os pas-
sos a serem dados para a implantação das redes de atenção à saúde. Nesse aspecto, é fundamental
a construção de reforços positivos para a mudança que, partindo da liderança, lance uma mensagem
clara de compromisso com a mudança e de que é isso o que realmente importa.
Duas dimensões são fundamentais para a mudança cultural: as mudanças nas pessoas e os
aspectos sistêmicos (KEY, 2008). As mudanças nas pessoas envolvem: processos de seleção, de
integração, de gestão de competências, de incentivos e de gestão de desempenho alinhados com a
missão. Nos aspectos sistêmicos importam os sistemas de informação e comunicação e os progra-
mas de qualidade.
A liderança é essencial na mudança da cultura organizacional. Kouzes e Posner (1995) identifi-
caram cinco comportamentos-chave dos líderes na gestão da mudança: criar uma visão compartilha-
da do futuro (item A da equação); desafiar a situação atual, assumindo os riscos de experimentar e
inovar (item B da equação); modelar o caminho colocando-se como modelos de referência dos valores
que promovem e tendo clareza sobre os passos a serem dados para atingir a visão (item C da equa-
ção); facilitar a ação da equipe e criar capacidades para o desenvolvimento de um projeto comum; e
reconhecer os esforços de toda a equipe, estimulando-a a avançar e celebrando os êxitos.
Uma liderança de mudança cultural deve ser capaz de conseguir uma resposta sincrônica e
unívoca das pessoas da organização, à pergunta: “que é o que realmente importa aqui”? (KEY, 2008).
Outras perguntas são fundamentais: “por que mudar a cultura da organização”? Essa pergunta pode
ser seguida de outra: “é possível planejar essa mudança”? se for, cabe outra pergunta: “que tipo de
mudança se fará e com que finalidade”? Algumas perguntas, dirigidas aos colaboradores de uma or-
ganização, ajudam a iniciar um processo de mudança de implantação de redes de atenção à saúde:
“como descrevem a cultura atual da organização”? “como esta situação atual pode ser afetada pela

72
implantação das redes de atenção à saúde”? “é necessário mudar a cultura prevalente”? se for, “que
tipo de mudança deveria ser feita”? (ASHTON, 2010).
Uma cultura não existe no vazio, é uma entidade viva, estabelecida num contexto determinado e
enraizada em pessoas. As pessoas de uma organização de saúde apresentam diferentes valores, mi-
tos, rituais e experiências passadas que devem ser reconhecidas e aceitas. Por isso, é importante, nos
processos de mudança, respeitar o passado, viver o presente e trabalhar o futuro (BRIDGES, 1980).
A cultura organizacional deve estar atrelada à estratégia de mudança que oferece o contexto e a
direção do trabalho. Bates (1999) propõe quatro tipos de estratégias de mudança: conformista – per-
petua ou adapta a situação existente; deformadora – mina a situação existente; reformadora – busca
eliminar a situação existente; e transformadora – passa da situação existente para outra situação
que se quer implantar. Essas estratégias podem ser utilizadas isoladamente ou combinadas em um
processo de mudança cultural (ASHTON, 2010).
Há diferentes modelos de mudança como o modelo da transição, o modelo da mudança do
desenvolvimento, o modelo da mudança transformacional e o modelo dos sistemas adaptativos com-
plexos (ILLES e SUTHERLAND, 2001). O modelo da transição faz-se por etapas: a compreensão da
necessidade da mudança, o descongelamento; a transição que move os atores para um estado de
planejamento; e a institucionalização do novo, o recongelamento. O modelo da mudança do desenvol-
vimento em que há o surgimento de um potencial de mudança que pode ser processado ou planejado.
O modelo da mudança transformacional implica um passo desde a situação atual a algo totalmente
novo em termos de estrutura, processos, cultura e estratégia e faz-se em fases: nascimento, cresci-
mento, instabilidade estável, caos, morte e emergência. O modelo dos sistemas adaptativos com-
plexos consiste em redes de atores que interatuam e em sistemas interconectados que apresentam
como características a interdependência e a autonomia relativa.
A estratégia e os valores constituem as principais alavancas que sustentam um processo de
mudança cultural e, por essa razão, devem se complementar (HILL, 1997).
Uma pergunta se segue: “se há que mudar, como fazê-lo”? A resposta coloca a questão dos dife-
rentes enfoques de mudança: o agressivo, poder coercitivo, centrado no conflito, impositivo, unilateral
e com vencedores e vencidos; o conciliador, solução em grupo, atitude colaborativa e integrativa em
que todos ganham; o corrosivo, político, busca coalisões, não planejado, informal e incrementalista;
o doutrinador, normativo, reeducador, dirigido à formação (BATES, 1999). Esses enfoques podem ser
utilizados isoladamente ou combinados. Para muitos, a combinação desses enfoques está presente nas
organizações que aprendem, conjuntos de indivíduos que aprimoram, seguidamente, sua capacidade
criativa para desenvolver novas habilidades que levam a novas percepções que revolucionam crenças
e opiniões. Uma organização que aprende deve operar em um ambiente sem culpabilização, transpa-
rente, com boa comunicação entre seus membros, e com uma filosofia centrada nas pessoas, sejam os
membros da equipe, sejam, especialmente, as pessoas usuárias dos serviços de saúde (SENGE, 1990).

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 73


O processo de mudança implica a instituição de uma tensão criativa entre a situação atual em
que se está e aonde se quer ir, a visão. A liderança mediante a tensão criativa é diferente do estilo de
liderança por meio da resolução de problemas. Na resolução de problema a energia para a mudança
provém da intenção de modificar um aspecto da realidade atual que é indesejável. Na tensão criativa,
a energia para a mudança vem da força da visão do futuro, o que se quer criar justaposta com a re-
alidade atual (BRIDGES, 1980).
A liderança é um dos elementos mais importantes para conseguir a mudança em uma orga-
nização. A liderança estabelece a visão, dá a direção e influi no crescimento do pessoal de maneira
que possa aprender a aprender, a criar, a inovar e a assumir riscos para melhorar. Uma boa liderança
baseia-se no que ela faz, mais do que no que fala; trata as pessoas como adultas e responsáveis;
celebra e compartilha os êxitos; e considera os erros como oportunidades de aprendizado. A liderança
é uma função de dupla direção e transformadora (CHIN, 2010).
A liderança para a mudança organizacional deve exercer um conjunto de funções: a de de-
senhista significa antecipar a visão e os valores e compreender como as pessoas desejam ser; a
de maestro sugere estimular a equipe, incluindo-se nela, desenvolver uma visão mais profunda
da realidade atual; e a de gestor. Uma liderança desse tipo pode suscitar algumas questões que
podem ser colocadas para a equipe de saúde: “onde estamos agora em relação às redes de aten-
ção à saúde”? “onde deveríamos estar”? “como poderemos chegar às redes de atenção à saúde”?
(ASHTON, 2010).
A implantação das redes de atenção à saúde é uma mudança cultural que se dará em organiza-
ções complexas. Para concretizá-la é necessário geri-la por meio de uma eficaz gestão de mudança,
porque a intensa função homeostática vigentes nas organizações de saúde tende a mantê-las está-
veis e a conservar o status quo (ASHTON, 2010).
A gestão de mudança são processos, ferramentas e técnicas para gerenciar os vários aspectos
desenvolvidos em um processo de mudança, a fim de que os resultados positivos previstos sejam
atingidos e da forma mais eficaz possível. O objetivo da gestão de mudança é ter uma abordagem
equilibrada dos aspectos técnicos e organizacionais, visando a minimizar as possíveis resistências e
a obter uma transformação mais eficaz, completa e em menor tempo (RABELO, 2010).
Não obstante a existência de muita literatura sobre a gestão de mudança, predomina entre os
teóricos a opinião de que não existe nenhuma fórmula mágica para efetuar mudança. A chave para
manejar a mudança eficaz é compreender que os programas de mudança não têm um fim em si
mesmos e que devem levar em consideração os atores organizacionais e o contexto em que operam
(CHIN, 2010).
Kisil (1998), em um manual para mudanças organizacionais na saúde, dirigido a Secretarias
Municipais de Saúde, define um modelo de mudança organizacional que contém seis elementos:
conhecer as razões da mudança, gerenciar o processo de mudança, realizar um diagnóstico organi-

74
zacional, definir a direção da mudança, estabelecer um plano estratégico de mudança e monitorar e
avaliar o processo de mudança.
A mudança é um processo que necessita ser gerenciado. Em geral, é necessário montar uma
equipe para o gerenciamento da mudança que tenha as seguintes capacidades: usar eficientemente
seu conhecimento e suas informações; ser criativa; trabalhar em equipe; projetar o futuro; ser flexível
e adaptar-se facilmente aos novos processos; motivar as pessoas envolvidas; ter ótima comunicação;
e ser capaz de assumir riscos e solucionar conflitos (KISIL, 1998).

A coordenação das redes de atenção à saúde

A coordenação das redes de atenção à saúde exige que o sistema de governança deverá as-
sumir a responsabilidade de fazer que essas redes trabalhem de maneira articulada e coordenada
entre seus diferentes níveis e levando em consideração os atores que a compõem. Para isso, há que
se definirem os elementos-chave que devem orientar os acordos entre todos os atores das redes de
atenção à saúde e os sistemas de interação necessários para alcançar, de forma eficiente, os objeti-
vos operacionais com base em negociações e consensos (FRANCESC et al., 2012).
A coordenação da atenção à saúde pode ser definida como a concertação das diferentes ativi-
dades requeridas para atender às pessoas usuárias ao longo do contínuo assistencial ou dos pontos
de atenção de uma rede de atenção à saúde (LAMB, 1997).
A coordenação da atenção à saúde, em geral, faz-se utilizando uma combinação de instrumen-
tos destinados a harmonizar as intervenções sanitárias providas às pessoas usuárias, denominados
mecanismos de coordenação.
As organizações de saúde têm utilizado vários mecanismos de coordenação. Frequentemente
utilizam os mecanismos de normalização das habilidades dos seus profissionais. Em decorrência das
pressões de custos e dos programas de melhoria de qualidade da atenção à saúde, começaram-se
a padronizar os processos e os resultados e, em função da especialização crescente e das interde-
pendências entre as atividades sanitárias, utilizaram-se estratégias de coordenação baseadas no
ajustamento mútuo (VARGAS et al., 2011).
Com base teórica no modelo de coordenação de Mintzberg (2003), Vargas et al. (2011) propu-
seram um tipo de coordenação da atenção à saúde que é adaptado, pelo autor, no Quadro 2.

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 75


Quadro 2. Tipos de mecanismos de coordenação da atenção à saúde
Mecanismos teóricos de coordenação Mecanismos de coordenação da atenção à saúde
Normalização de habilidades Sistema de educação permanente
Normalização de processos de trabalho Diretrizes clínicas baseadas em evidências
Gerenciamento de processos
Sistema de programação
Normalização dos resultados Sistema de contratualização
Ajustamento mútuo por comunicação Informal Correio eletrônico
Telefone
Correio
Internet
Reuniões informais
Ajustamento mútuo por grupos de trabalho Grupos de trabalho multidisciplinares,
interdisciplinares e transdisciplinares
Ajustamento mútuo por postos de enlaçamento Central de regulação
Gestão de caso
Ajustamento mútuo por comitês permanentes Comitês de gestão interníveis das redes de atenção
à saúde
Ajustamento mútuo por matriciamento Estrutura matricial
Matriciamento entre profissionais
Ajustamento mútuo pelo sistema de informação Sistema de informação clínica vertical: prontuário
clínica clínico
Supervisão direta Diretor assistencial
FONTE: ADAPTADO DE VARGAS ET AL. (2011)

A normalização das habilidades faz-se por mecanismos de educação permanente dos profissio-
nais de saúde. Há tempos os processos de educação permanente têm demonstrado serem eficazes
para a incorporação de práticas definidas em diretrizes clínicas e, por consequência, são instrumen-
tos importantes para a coordenação por padronização de habilidades.
A normalização dos processos de trabalho faz-se por meio de diretrizes clínicas baseadas em
evidência. As diretrizes clínicas são recomendações preparadas, de forma sistemática, com o propó-
sito de influenciar decisões dos profissionais de saúde e das pessoas usuárias a respeito da atenção
apropriada, em circunstâncias clínicas específicas (INSTITUTE OF MEDICINE, 1990).
A normalização dos resultados pode se obter com um bom sistema de contratualização.
A coordenação das redes de atenção à saúde beneficia-se muito da utilização de mecanismos
de ajustamento mútuo. Em situações menos complexas, pode-se utilizar o ajustamento mútuo por
comunicação informal feita por mecanismos como correio eletrônico, telefone, correio, internet e reu-
niões informais. Pode-se utilizar o ajustamento mútuo por grupos de trabalho constituídos por um
pequeno número de pessoas com habilidades complementares e estruturados em torno de objetivos
comuns. Há situações em que a coordenação é feita por ajustamento mútuo por postos de enlaça-

76
mento quando os profissionais de saúde atuam como fonte de informação central que direciona a
comunicação e assegura a coordenação entre diferentes pontos de atenção à saúde. Em certas situa-
ções, pode-se utilizar o ajustamento mútuo por comitês permanentes que se caracterizam por contar
com profissionais em função de liderança em diferentes pontos de atenção das redes. A coordenação
pode ser realizada por ajustamento mútuo por matriciamento, seja na forma de estrutura matricial,
seja por matriciamento entre profissionais. O ajustamento mútuo pelo sistema de informação clínica
é muito efetivo na coordenação e faz-se pela integração vertical das redes de atenção à saúde por um
prontuário clínico eletrônico. Por fim, o ajustamento mútuo pela supervisão direta implica dotar uma
direção com autoridade formal para supervisionar a coordenação da atenção à saúde (VARGAS et al.,
2011; MENDES, 2015).

O modelo institucional para a governança do SUS

A governança das redes de atenção à saúde, no SUS, apresenta características especiais. Uma
delas é que deve se inserir em um quadro institucional mais amplo de um sistema especial de fede-
ralismo. O Brasil é um país federativo e, por essa razão, o modelo institucional do SUS foi construído
para ser operado cooperativamente pela trina federativa: União, estados e municípios.
Os entes federados mantêm, entre si, diretamente ou por meio da mediação de instituições de
gestão compartilhada e de controle social, complexas inter-relações. O federalismo sanitário brasileiro
implica uma forma de cooperação – o federalismo cooperativo –, em que todos os três entes federa-
dos são corresponsáveis pelas ações e serviços de saúde. Em outras palavras, ação sanitária é uma
responsabilidade compartilhada do Ministério da Saúde, da Secretaria de Estado de Saúde e das
Secretarias Municipais de Saúde, não importa onde se esteja executando esse programa.
É o que se vê na Figura 3.

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 77


Figura 3: O modelo institucional do SUS

ENTE INSTITUIÇÃO CONTROLE


GESTOR
FEDERADO DE PACTUAÇÃO SOCIAL

CONTROLE
UNIÃO MINISTÉRIO CIT NACIONAL
DA SAÚDE DE SAÚDE

SECRETARIA CONSELHO
ESTADO ESTADUAL CIB ESTADUAL
DE SAÚDE DE SAÚDE

SECRETARIA COLEGIADO CONSELHO


MUNICÍPIO MUNICIPAL MUNICIPAL
REGIONAL
DE SAÚDE DE SAÚDE

FONTE: CONASS (2006)

O federalismo cooperativo, com seu componente de cooperação entre atores públicos distintos,
manifesta-se, na institucionalidade do SUS, por meio das instâncias permanentes de governança, a
Comissão Intergestores Tripartite (CIT) e as Comissões Intergestores Bipartites (CIBs). No melhor es-
pírito federativo, as Comissões Intergestores funcionam como mecanismos de freios e contrapesos à
concentração de autoridade em determinados entes federativos, em especial, do Ministério da Saúde,
o ente concentrador da metade dos recursos financeiros e da maior parte do poder normativo.
Outro mecanismo cooperativo fundamental, criado pelo federalismo sanitário brasileiro, foi a
transferência de recursos fundo a fundo que permitiu liberar o sistema das amarras dos convênios e
dar agilidade às políticas públicas de saúde.
Os mecanismos institucionais das Comissões Intergestores Bipartites devem estar articulados
com uma dimensão territorial expressa no Plano Diretor de Regionalização (PDR). A razão é que a pro-
posta de redes de atenção à saúde, para funcionar bem, deve distribuir as unidades de saúde, no terri-
tório estadual, de forma a garantir eficiência e qualidade dos serviços, tal como se mostra na Figura 4.

78
Figura 4. A lógica da distribuição espacial dos componentes de
uma rede de atenção à saúde

Economia de escala

Acesso

Qualidade da atenção

FONTE: MENDES (2011)

Uma distribuição ótima das unidades de saúde deve se fazer em distintas regiões sanitárias,
numa relação em que as unidades mais complexas são relativamente concentradas e as unidades de
atenção primária à saúde sejam descentralizadas para a proximidade da residência dos cidadãos. A
razão disso é que as evidências científicas demonstram que unidades mais complexas, como as uni-
dades hospitalares, devem ter um número de leitos mínimo para operarem com eficiência e qualidade.
Por exemplo, hospitais que têm um número maior de leitos funcionam com um custo por paciente/dia
menor que hospitais de pequeno número de leitos. Da mesma forma, há evidências que demonstram
que hospitais que fazem muitos procedimentos, como cirurgias e partos, apresentam melhores resul-
tados clínicos e menores mortalidades institucionais que hospitais que fazem poucos procedimentos.
Essa distribuição ótima tem implicações na governança das redes de atenção à saúde que decorre
da aplicação dos conceitos de economias de escala e de escopo nos sistemas de atenção à saúde.
O desenho institucional que permite combinar a dimensão territorial e a distribuição espa-
cial ótima dos recursos de atenção à saúde, estruturados por níveis de atenção, é o das Comissões
Intergestores Bipartites: as Comissões Intergestores Bipartites Macrorregionais, instituídas nas ma-
crorregiões sanitárias para a governança das ações integradas de toda a rede, incluindo a atenção
terciária à saúde (“alta complexidade”), e as Comissões Intergestores Bipartites Microrregionais (CIBs
Microrregionais), instituídas nas microrregiões sanitárias para a governança das ações de atenção
primária à saúde e de atenção secundária (“média complexidade”). Portanto, os níveis de atenção
delimitam o foco gerencial do sistema de governança das redes de atenção à saúde. Alguns estados
brasileiros não operam com as Comissões Intergestores Bipartites Macrorregionais e suas atribuições
são desempenhadas pela Comissão Intergestores Bipartite Estadual.

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 79


Portanto, deve ficar claro que a governança das redes de atenção à saúde tem como espaço
privilegiado um espaço que é, ao mesmo tempo, subestadual e supramunicipal e que contenha o
conjunto de pontos de atenção à saúde dessas redes: atenção primária, atenção secundária e aten-
ção terciária. Portanto, a governança regional das redes de atenção à saúde só se exercita, plena-
mente, nas macrorregiões de saúde. Tome-se o caso de uma rede de atenção à mulher e à criança.
Em uma macrorregião, todos os municípios ofertarão a atenção primária à saúde, onde se fará, por
exemplo, o pré-natal das gestantes de baixo risco; nas microrregiões estarão concentrados os servi-
ços especializados de referência para o pré-natal das gestantes de alto risco; e nas macrorregiões
estarão concentradas as maternidades de alto risco para o parto das gestantes de maiores riscos.
Esse modelo se repete em todas as redes temáticas. Por isso, a Comissão Intergestores Bipartite
Microrregional não tem governança sobre essas unidades de alta complexidade, indispensáveis para
obter os resultados da rede de atenção à saúde. Ela só será exercida, em plenitude por um ente de
governança macrorregional.
O processo de instituição das redes de atenção à saúde, decorrente do Decreto n. 7.508/2011,
não levou em conta, em todos os estados, essa imposição da governança de redes de atenção à
saúde. Por essa razão, muitas regiões definidas são, em realidade, microrregiões que não contêm os
equipamentos de atenção terciária e, portanto, não são capazes de governar toda a rede. Consequen-
temente, é preciso fazer uma revisão nesses processos de regionalização.
A experiência recente de alguns estados brasileiros aponta para a necessidade de se organizar
a governança das redes de atenção à saúde nas macrorregiões de saúde. Contudo, o que se obser-
vou é que o mecanismo formal de operação das Comissões Intergestores Bipartite Macrorregionais
não é suficiente para a instituição de uma governança eficaz. É preciso instituir, subordinado a essas
comissões políticas, um ente de conformação técnica, específico para cada rede temática (por exem-
plo, um para a rede de atenção à mulher e à criança, outro para a rede de atenção às urgências e
às emergências etc.), constituído por representantes das regionais da Secretaria Estadual de Saúde,
das Secretarias Municipais de Saúde, dos Consórcios Intermunicipais, por representantes dos presta-
dores mais significativos, públicos e privados, envolvidos nas redes de atenção à saúde. O critério de
seleção desses representantes é o da expertise técnica no tema específico da rede. Esse mecanismo
tem sido denominado de Comitê Executivo ou de Comitê Gestor que funciona com vinculação a uma
Comissão Intergestores Bipartite Microrregional e que é específico para cada rede temática. Como
uma instância técnica, pactua e consensa, neste âmbito, proposições que são levadas, sempre, à de-
cisão política da comissão Intergestores Bipartite Macrorregional. Em algumas circunstâncias, outro
desenho pode ser feito. Quando não existem as Comissões Intergestores Bipartite Macrorregionais,
esse comitê técnico é descentralizado para a macrorregião, mas está subordinado politicamente à
Comissão Intergestores Bipartite Estadual.

80
Trabalhos de avaliação do funcionamento desse tipo de mecanismo do comitê executivo ou
comitê gestor indicam que ele facilita a formação e o desenvolvimento das redes de atenção à saúde
pelo reforço da comunicação e da coordenação entre vários serviços e instituições e que um elemento
importante é a participação dos prestadores de serviços (SOUSA, 2012, HUÇULAK, 2016).
Os Consórcios Intermunicipais de Saúde constituem instrumento importantes para a opera-
ção das redes de atenção à saúde nas regiões. Eles são importantes para a prestação de serviços,
especialmente na atenção secundária, no âmbito microrregional, como, por exemplo, os centros de
especialidades médicas de referência e os sistemas de transporte sanitário eletivo e de patologia
clínica. Os Consórcios Intermunicipais de Saúde deverão superar alguns problemas que se podem
apresentar como: as bases territoriais em desacordo com os planos diretores de regionalização; a não
observância a regramentos do SUS, em especial, às normas de pagamento dos serviços de saúde; e
a insuficiente capacidade gerencial com que, alguns deles, operam. Um processo de desenvolvimento
institucional dos Consórcios Intermunicipais de Saúde deve ser instituído com o objetivo de capacitá-
-los a exercitar a prestação, efetiva e eficiente, de serviços regionais. Uma experiência exitosa foi rea-
lizada pela Secretaria de Estado do Paraná que auspiciou um curso de especialização para dirigentes
e técnicos de Consórcios Intermunicipais de Saúde do estado.
A governança regional das redes exige o fortalecimento dos entes desconcentrados das Secre-
tarias Estaduais de Saúde. Para que essas representações regionais das Secretarias Estaduais de
Saúde funcionem adequadamente, as suas estruturas gerenciais devem ser muito reforçadas em
termos de infraestrutura física e de recursos humanos, materiais e financeiros.

O sistema gerencial na governança das redes de atenção à saúde


Uma das fragilidades das Comissões Intergestores do SUS está em sua baixa capacidade geren-
cial. Essas instituições operam bem na formulação de pactuações pelo mecanismo de consenso e nos
seus registros em atas. Contudo, essas pactuações não são acompanhadas por um sistema gerencial
efetivo. Assim, há de se estruturarem sistemas gerenciais potentes que garantam que as ações pac-
tuadas sejam efetivamente implementadas. Não basta pactuar ações e registrá-las em atas.
Entre os sistemas gerenciais, destacam-se o planejamento estratégico, o sistema de contratua-
lização e o sistema de financiamento.

O planejamento estratégico das redes de atenção à saúde

O planejamento estratégico é importante na institucionalização das redes de atenção à saúde


que têm, como características intrínsecas, a convergência dos diferentes atores para objetivos co-
muns, o que envolve a construção de estratégias, de percepções e de valores compartilhados. Além

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 81


disso, o planejamento estratégico permite aprofundar as interdependências entre os atores envolvi-
dos e imprimir maior racionalidade sistêmica pela ordenação dos fluxos e contrafluxos de pessoas,
produtos e informações ao longo das redes de atenção à saúde.
A formulação estratégica levará à construção dos projetos estratégicos de médio e longo prazos
que implicam a definição dos objetivos por áreas de desenvolvimento estratégico, as medidas estra-
tégicas que se vão adotar e os recursos que serão investidos. Os planos de médio prazo cobrem um
período governamental. Os planos de longo prazo são definidos a partir de uma visão que se deseja
alcançar e em uma temporalidade maior que, em geral, situa-se entre 15 e 20 anos. Eles devem ser
produzidos em função de diferentes cenários de longo prazo que dão os limites de possibilidades de
alcance da visão e dos objetivos estratégicos.
A situação presente, definida pela análise da situacional, mostra onde se está; a visão de fu-
turo, estabelecida no plano estratégico, aponta aonde se quer chegar. O caminho entre essas duas
situações que implica o como chegar preside a definição da estratégia e da carteira de projetos estru-
turadores e associados.
Coerentes com os planos de longo e médio prazos, instituem-se, anualmente, a partir das leis
de diretrizes orçamentárias, as leis orçamentárias anuais que definem os objetivos de curto prazo e
os limites orçamentários e estabelecem o detalhamento das despesas.
A estratégia de uma organização deve descrever como ela pretende criar valor para as pessoas.
Para isso, é necessário medir alguns poucos parâmetros críticos que representam sua estratégia para
a criação de valor, a longo prazo. Nas organizações públicas, o critério mais importante de sucesso é
o desempenho no cumprimento da missão (KAPLAN e NORTON, 2004).
O planejamento estratégico pode ser feito a partir de várias metodologias. Uma delas é a me-
todologia BSC (Balanced Scorecard). O BSC é um modelo de gestão que auxilia as organizações a
traduzirem suas estratégias em objetivos que orientam comportamentos e desempenhos das equipes
dessas instituições (SECRETARIA DE ESTADO DE SAÚDE DE MINAS GERAIS, 2009).
Uma forma de viabilizar o planejamento estratégico das redes de atenção à saúde é o mapa
estratégico. O mapa estratégico é a representação visual das relações de causa e efeito entre os
componentes da estratégia de uma organização (KAPLAN e NORTON, 2004). Esses objetivos e essas
medidas são extraídos da visão e da estratégia definidas pela instituição. Assim, esse mapa ilumina
o caminho escolhido para atingir os objetivos no longo prazo. Com base em uma visão integrada e
equilibrada da organização, o BSC permite descrever a estratégia de forma clara, por meio de obje-
tivos estratégicos balanceados em quatro perspectivas de análise (sociedade, processos, gestão e
financiamento). O BSC está ancorado em um princípio fundamental: o que se pode medir, se pode
gerenciar (KAPLAN e NORTON, 2004).
A perspectiva sociedade refere-se à população sujeita do plano estratégico e deve estar alinha-
da à visão e à estratégia da instituição e com foco nos produtos a serem entregues a essa população.
A perspectiva processos refere-se aos processos internos críticos que impactam os produtos a serem

82
entregues à sociedade. A perspectiva de gestão visa a oferecer a infraestrutura e os serviços que
possibilitem a consecução dos objetivos relativos às perspectivas sociedade e processos internos em
campos como o modelo de gestão pública, a gestão de pessoas e de insumos, a educação permanen-
te e outros. A perspectiva financeira, situada na base do mapa, refere-se ao financiamento da estraté-
gia, considerado nas dimensões da quantidade e da qualidade dos gastos públicos (SECRETARIA DE
ESTADO DE SAÚDE DE MINAS GERAIS, 2009).
Os objetivos das quatro perspectivas interligam-se uns aos outros, em uma relação de causa
e efeito. Por isso, cada perspectiva deve ser monitorada por indicadores específicos. Um conjunto de
indicadores, balanceados pelas quatro perspectivas, deve ser monitorado ao longo do tempo. Essa
é função do painel de bordo que é o instrumento fundamental de monitoramento e de avaliação das
redes de atenção à saúde e que se utiliza de indicadores que tenham evidência de que medem o que
se quer medir e que se expressa em indicadores estratégicos, táticos e operacionais. Cada indicador
contém a definição de como calcular o indicador, as fontes de informação, a periodicidade de medida
e o âmbito territorial de medida e ponderação.
Esse é um trabalho fundamental a ser exercido, cotidianamente, pelos Comitês Executivos ou
Comitês Gestores das redes de atenção à saúde.
O processo de monitoramento e avaliação implica o julgamento de valor sobre uma interven-
ção para racionalizar o processo decisório. Uma intervenção é constituída pelos recursos humanos,
físicos, financeiros e simbólicos estruturados para produzir bens ou serviços que possam modificar a
situação-problema (CONTANDRIOPOULOS et al., 1997).
O sistema de monitoramento e avaliação da governança de redes de atenção à saúde distancia-
-se daquele exercitado nas organizações burocráticas em que se apresenta com um foco fiscalizatório.
O objetivo central do monitoramento e da avaliação nessas organizações poliárquicas é criar comple-
mentaridades entre os atores, articulando as bases de suporte decisório para desenvolver atividades
sinérgicas, e deslocando o eixo do controle dos processos para o controle dos objetivos e das metas,
construídos coletivamente, e explicitados no planejamento estratégico (FLEURY e OUVERNEY, 2007).

O sistema de contratualização nas redes de atenção à saúde


O sistema de atenção à saúde é um sistema complexo, composto por diferentes atores sociais
em situação e portadores de diferentes objetivos, interesses e representações MENDES, 2002). Uma
vez que a cooperação entre esses atores não é automática, eles devem negociar entre si e estabe-
lecer acordos que permitam obter vantagens que não seriam alcançadas na ausência de uma coo-
peração formalizada. Ou, segundo a teoria dos jogos, deve-se buscar uma solução cooperativa que
produza um excedente cooperativo (COOTER e ULEN, 1988). A melhor forma de negociar e acordar é
por meio de contratos firmados entre partes diferentes.

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 83


O sistema de planejamento estratégico exigirá, para sua operação, a elaboração de contratos
de gestão entre os entes gestores das redes de atenção à saúde e os entes prestadores de serviços
de saúde envolvidos nessas redes. Esses contratos objetivam dar solidez jurídica aos gestores de
saúde por meio de contratos que gerem direitos e obrigações.
Com relação aos contratos entre os gestores e os prestadores de serviços, na administração pú-
blica, isso vem no bojo de profunda reforma da gestão pública. A introdução das relações contratuais
na gestão pública é fruto de reformas nas organizações estatais contemporâneas definidas por Kaul
(1997) como o movimento dos governos no sentido de deslocarem-se do fazer diretamente para do
garantir que as coisas sejam feitas.
As mudanças da administração pública vão além da separação das funções do Estado. Seus
principais elementos podem ser agrupados em três grandes blocos: a propositividade que visa a asse-
gurar uma clareza de visão e objetivos; a responsabilização (accountability) que pretende aumentar a
responsabilidade e a prestação de contas aos cidadãos; e o desempenho que implica criar incentivos
para melhorar o desempenho institucional.
A separação das macrofunções de regulação e financiamento da prestação de serviços exige a
instituição de mecanismos formais entre os entes reguladores/financiadores e os entes prestadores
de serviços que são os contratos de gestão.
O contrato coloca juntas duas ou mais entidades legais, entendidas como pessoas físicas, mo-
rais ou jurídicas. O contrato pode ser definido como o acordo entre dois ou mais agentes econômicos
por meio do qual eles se comprometem a assumir ou a renunciar, ou a fazer ou a não fazer, determina-
das coisas (PERROT et al., 1997). O contrato é, pois, uma aliança voluntária entre duas ou mais partes.
Trosa (2001), analisando a introdução dos mecanismos contratuais nas organizações es-
tatais, fala em espírito do contratualismo, algo que supera uma visão mais limitada do contrato
como mero instrumento jurídico e se consolida como uma nova cultura gerencial, cuja essência
está na mudança do sistema de relações entre entes contratadores e entes contratados que passa
a se reger pelo princípio da parceria. Os objetivos de uma parceria entre as partes de um contrato
são: um diálogo permanente entre o contratante e o prestador de serviços; uma retificação dos
problemas no momento em que surgem; uma troca de saberes e habilidades; uma partilha de
riscos, lucros e perdas; instituição de relações mais estáveis e mais longas; e a construção do
sentido de responsabilização.
Há várias razões que justificam a introdução dos contratos nos sistemas de atenção à saúde:
estimulam a descentralização da gestão dando mais responsabilidades aos gerentes locais; permi-
tem melhor controle sobre o desempenho quantitativo e qualitativo dos prestadores de serviços de
saúde; dão maior consequência ao planejamento estratégico das instituições ao exigir maior empe-
nho em atingir os produtos contratados; incentivam a criação e a utilização cotidiana dos sistemas de
informação gerenciais; melhoram a gestão da clínica; permitem melhor focalização nos interesses da

84
população; e tornam as instituições mais transparentes e mais permeáveis ao controle social (SAVAS
et al., 1998).
Os contratos de gestão devem obedecer a um ciclo que se origina no plano estratégico que leva
a um plano de contrato que deve ser monitorado e avaliado. É o que se vê na Figura 5.

Figura 5: O ciclo da contratação em saúde

MONITORAMENTO
E AVALIAÇÃO

PLANO
PLANO DO ESPECIFICAÇÃO
ESTRATÉGICO CONTRATO
CONTRATO DOS SERVIÇOS
DE SAÚDE

NECESSIDADES
DA POPULAÇÃO

FONTE: MENDES (2011)

O Decreto n. 7.508, de 28 de junho de 2011, propõe que o SUS utilize o Contrato Organizativo
da Ação Pública em Saúde (COAP) definido como o acordo de colaboração firmado entre entes fede-
rativos com a finalidade de organizar e integrar as ações e serviços de saúde na rede regionalizada
e hierarquizada, com definição de responsabilidades, indicadores e metas de saúde, critérios de
avaliação de desempenho, recursos financeiros que serão disponibilizados, forma de controle e fis-
calização de sua execução e demais elementos necessários à implementação integrada das ações
e serviços de saúde (BRASIL, 2011). Contudo, apesar de uma proposição oriunda de normativa
estabelecida no ano de 2011, apenas dois estados brasileiros chegaram a elaborar o COAP. Assim,
impõe-se uma avaliação rigorosa desse processo para identificar as causas dessa pouca adesão à
proposta do COAP.
A introdução dos contratos nas redes de atenção primária à saúde deveria ser formatada por
dois critérios fundamentais: o âmbito territorial deveria ser uma macrorregião de saúde; e o âmbito
da organização das ações e serviços de saúde deveria ser por redes temáticas de atenção à saúde.

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 85


O sistema de financiamento das redes de atenção à saúde

O sistema de financiamento é um dos elementos mais potentes com que conta o ente de go-
vernança das redes de atenção à saúde para alcançar seus objetivos de eficiência, qualidade e co-
ordenação da atenção, porque contém, em si, os incentivos econômicos que norteiam as ações de
gestores e de prestadores de serviços. Dessa forma, é fundamental que o sistema de financiamento
esteja alinhado com os objetivos das redes de atenção à saúde.
Para que as redes de atenção à saúde possam alcançar seus objetivos, é importante alinhá-los
com o sistema de financiamento e com os incentivos econômicos. A falta de alinhamento determina
a implantação de políticas inefetivas (KUTZIN, 2008). Somente se logrará enfrentar os problemas de
saúde no tempo certo, no lugar certo, com o custo certo e com a qualidade certa – a essência das
redes de atenção à saúde –, se os objetivos dessas redes estiverem alinhados com o sistema de pa-
gamento e com os incentivos econômicos. Por exemplo, de nada adianta fazer um discurso sobre a
importância das medidas de promoção da saúde e da prevenção das condições de saúde, se o siste-
ma de pagamento está dirigido a remunerar os serviços por procedimentos, segundo suas respectivas
densidades tecnológicas.
Os espaços-chave de financiamento das redes de atenção à saúde são dois: o financiamento das
redes e o financiamento dos seus componentes (LaFORGIA, 2007). O financiamento das redes envolve:
o custeio, a focalização em mecanismos de pagamento para a rede cobrir as necessidades e deman-
das de saúde da sua população; o investimento, a focalização na compatibilização da capacidade
física com as necessidades e as demandas da população; e a racionalização da estrutura operacional
segundo a capacidade fiscal e financeira, mediante planejamento estratégico de investimentos para
toda a rede. O financiamento dos componentes das redes de atenção à saúde engloba o custeio e o
alinhamento dos incentivos econômicos, de modo a favorecer uma responsabilização compartilhada
entre todos esses componentes; e o investimento, o direcionamento para os serviços de saúde, feitos
segundo o plano estratégico, contemplando os princípios de economia de escala e de escopo e bus-
cando a qualidade.
O sistema de pagamento materializa-se por meio de formas de pagamento distintas, expressas
nos seguintes tipos ideais: unidade de serviço, procedimentos definidos por grupos afins de diagnóstico,
diária, capitação, pagamento por performance, pagamento por pacotes, pagamentos por episódios com-
pletos, pagamentos por salários, elemento de despesa orçamentário ou orçamento global. Essas formas
de pagamento apresentam, todas elas, fortalezas e debilidades. Assim, o pagamento por capitação é
forte no incentivo de medidas promocionais e preventivas e na contenção de custos, mas pode induzir
os prestadores a não oferecerem certos serviços necessários; por outro lado, o pagamento por unidade
de serviços ou por procedimentos incentiva a sobreprestação de serviços, mas é o sistema que mais
satisfaz as pessoas usuárias. Contudo, está se fixando uma posição de que o método de pagamento por

86
unidade de serviço ou por procedimentos deve ser evitado, porque suas debilidades são muito superio-
res às suas fortalezas, em quaisquer circunstâncias (CHRISTENSEN et al., 2009).
O pagamento por procedimentos a diferentes organizações que compõem as redes de atenção
à saúde fomenta a competição entre os atores, porque nenhuma organização será incentivada a
reduzir suas atividades e aceitar que elas sejam realizadas por outras por motivos de eficiência ou
resolubilidade. Diferentemente, o pagamento por capitação pressupõe que as redes de atenção à
saúde, em seu conjunto, recebem o financiamento adequado para prestar serviços a uma população
determinada, independentemente de que organização preste o serviço. Esse sistema de pagamento
incentiva a cooperação entre os atores e favorece que as organizações consensuem qual é o nível
mais adequado para prestar cada tipo de atenção e que serviços cada uma delas presta, o que favo-
rece a boa governança (FRANCESC et al., 2012).
Alguns pontos parecem consensuais em relação aos sistemas de pagamento nas redes de
atenção à saúde: os prestadores de serviços respondem aos incentivos positivos e negativos conti-
dos em cada forma de pagamento; exige-se certo nível de capacidade gerencial para tornar qualquer
método eficaz; os métodos de pagamento que geram incentivos mais positivos tendem a apresentar
custos administrativos mais altos; os gestores estão se movendo das formas de pagamento por subsí-
dio à oferta para formas de pagamento por subsídio à demanda; a forma de pagamento deve induzir
a algum compartilhamento de riscos financeiros entre os gestores e os prestadores de serviços; e a
forma de pagamento deve fazer parte de um contrato de gestão com base em desempenho (WORLD
HEALTH ORGANIZATION, 2000).
Há uma tendência recente de mover do sistema de pagamento fee-for-service para um sistema
de pagamento fee-for-value (UNITEDHEALTHCARE, 2012).
O valor da atenção à saúde é medido pelos resultados obtidos pelas pessoas usuárias por uni-
dade do dinheiro investido. O valor não é o volume dos serviços prestados, porque mais serviços e
mais serviços caros não significa melhor atenção à saúde. Os resultados da atenção à saúde podem
ser medidos em múltiplas dimensões: habilidade de funcionamento, taxa de mortalidade, desfechos
clínicos e sustentabilidade da recuperação. Uma melhoria na medida dos resultados leva a uma me-
lhoria na geração de valor da atenção à saúde, porque o sentido dos incentivos financeiros muda da
remuneração por serviços mais caros para a melhoria do estado de saúde das pessoas usuárias ou
de uma população (PORTER, 2010; KAPLAN e PORTER, 2011).
O sistema de pagamento com base em valor constitui uma inovação porque facilita a obten-
ção de melhor qualidade dos serviços, menor custo, maior transparência e inovação. Esse sistema
de pagamento é virtuoso porque alinha os incentivos entre organizações de saúde, prestadores de
serviços e profissionais de saúde, melhorando os resultados clínicos, a experiência das pessoas usu-
árias e o custo/eficiência do sistema. Há evidências de que o sistema de pagamento hegemônico,
baseado no volume dos recursos aplicados, não contribui para a melhoria dos resultados sanitários.

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 87


Uma pesquisa mostrou que houve uma associação inversa entre o volume dos recursos aplicados
e a qualidade da atenção; piores resultados sanitários foram obtidos em regiões com maiores ofer-
tas de serviços e maiores gastos (JENKINS et al., 2003). Parece que a explicação está em que os
sistemas de pagamento focados no volume de procedimentos penaliza os prestadores que operam
com mais qualidade, já que manter as pessoas saudáveis, reduzir os erros médicos e evitar serviços
desnecessários geram menores receitas aos prestadores (NRHI HEALTHCARE PAYMENT REFORM
SUMMIT, 2008).
As principais mudanças que contribuem para a geração de valor para as pessoas, na experiên-
cia de uma operadora de services de saúde dos EUA, a UnitedHealthcare, foram: integração clínica
e fortalecimento da atenção primária à saúde como as experiências de Patient-centered Medical Ho-
mes e Accountable Care Organizations, introdução de profissionais como enfermeiros e farmacêuticos
clínicos na equipe de saúde, ênfase em medidas preventivas e uso de padrões construídos com base
em evidências científicas (UNITEDHEALTHCARE, 2012). Essa operadora tem como meta passar de
20% de pagamentos por valor em 2014 para 60% a 65% em 2017 (PARMAR, 2014).

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Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 93


3
A GOVERNANÇA DA REDE MÃE PARANAENSE

MÁRCIA CECÍLIA HUÇULAK


Enfermeira, mestre em planejamento e financiamento em saúde. Coordenadora da Rede Mãe Paranaense.

Introdução
A avaliação mais efetiva e de maior sensibilidade da qualidade de vida de uma sociedade é a
tendência temporal de queda da mortalidade materna e infantil. As evidências demonstram que paí-
ses que possuem bons indicadores, além de organizarem adequada assistência materno infantil, tam-
bém investiram fortemente na melhoria de fatores relacionados à escolaridade da mãe, às condições
de vida e ao acesso aos serviços de saúde em tempo oportuno. Portanto, a identificação dos fatores
de risco que interferem na mortalidade materna e infantil é fundamental para orientar o planejamento
das ações e interferir nesses indicadores.
Desde 2011, a Secretaria de Estado da Saúde do Paraná (SESA/PR) definiu, no seu planeja-
mento estratégico, a mudança do modelo assistencial no estado, por meio da implantação das Redes
de Atenção à Saúde. Em razão do perfil epidemiológico e demográfico do estado, foram definidas
inicialmente cinco redes prioritárias, a Rede Mãe Paranaense, Rede Paraná Urgência, Rede de Saúde
Bucal, Rede de Saúde Mental e a Rede de Condições Crônicas (hipertensão, diabetes e idoso).
A Rede Mãe Paranaense foi definida como uma rede prioritária no Plano de Governo para a
Saúde desde 2011. Essa prioridade foi baseada na análise dos indicadores de mortalidade infantil
e materna, que apresentava a estagnação dos indicadores, grande desigualdade entre as regiões

94
de saúde e a ausência de todos os pontos de atenção organizados para atender as gestantes e as
crianças. E, acima de tudo, o elevado percentual de mortes maternas (85%) e infantis (65%) evitáveis.
A Organização Pan-Americana de Saúde/Organização Mundial de Saúde (OPAS/OMS) considera
como baixa uma Razão de Mortalidade Materna (RMM) menor que 20 mortes por 100.000 Nascidos
Vivos (NV). A RMM no Paraná caiu de 90,5/100.000 NV em 1990 para 66,42/100.000 NV em 2000, o
que representou uma redução de 26,6% dos óbitos em 10 anos. No período de 2001 a 2010 a RMM foi
de 65,27/100.000 NV para 65,11/100.000 NV, indicando uma redução de apenas 0,2% em uma déca-
da. Ao analisar a causa desses óbitos, verificou-se alto percentual de evitabilidade, em média 85% dos
casos, sendo que 71% dos óbitos foram atribuídos à atenção pré-natal, puerpério e assistência hospita-
lar; 23% relacionados a causas sociais e 6% ao planejamento familiar e outros (SECRETARIA DE ESTADO
DA SAÚDE DO PARANÁ, 2014). Em parte, esta situação foi atribuída à concentração do atendimento às
gestantes em unidades centralizadas, o que afastou a gestante da realização do pré-natal nas unidades
de atenção primária nos municípios e do seu acompanhamento adequado pelas equipes.
O coeficiente de mortalidade infantil no Paraná demonstrava redução de 16,4 em 2002 para
12,15/1000 NV em 2010, porém com grande desigualdade entre as regiões de saúde, sendo que,
das 22 regiões, 14 apresentavam coeficientes acima da média do Estado. O componente neonatal (0
a 28 dias após o nascimento) representava 72% dos óbitos (BRASIL, 2009).
A partir da análise da mortalidade materna e infantil, no período de 2001 a 2010, era evidente
a necessidade de se adotarem novas medidas de intervenção para mudar esse quadro no Paraná.

A REDE MÃE PARANAENSE


A implantação da Rede Mãe Paranaense está fundamentada no marco conceitual das Redes
de Atenção à Saúde proposta por Mendes (2011), que adotamos no Paraná como modelo de aten-
ção, em razão da necessidade de melhorar o acesso e a qualidade da atenção à saúde prestada ao
cidadão e enfrentar o fenômeno das condições crônicas que representam mais de 76% da carga de
doença no Paraná.
A Rede Mãe Paranaense é um conjunto de ações que se inicia com a captação precoce da ges-
tante, o seu acompanhamento no pré-natal e puerpério, com no mínimo sete consultas, a realização
de toda a rotina de exames pré-natais, a estratificação de risco das gestantes e das crianças, o aten-
dimento em ambulatório especializado para as gestantes e crianças de risco, a garantia do parto por
meio de um sistema de vinculação ao hospital conforme o risco gestacional.
O público-alvo são as mulheres em idade fértil e crianças menores de um ano de idade que,
segundo população IBGE/2015, representa 3.428.706 mulheres. De acordo com dados do Sistema
de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC), em 2015 nasceram no Paraná 160.937 crianças e

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 95


estima-se 177.031 gestantes. Em 2015 cerca de 130 mil gestantes foram atendidas pela Rede Mãe
Paranaenses nos 399 municípios. Embora a Rede Mãe Paranaense tenha como público-alvo mulhe-
res e crianças, é importante destacar que ações implantadas promovem a qualidade de vida de toda
a família paranaense.

A Modelagem da Rede Mãe Paranaense

Na modelagem da Rede foi feita com base na análise epidemiológica e demográfica, na oferta dos
serviços de saúde nas regiões de saúde. A partir dessa análise, foi possível estabelecer os critérios para
a estratificação de risco das gestantes e crianças menores de um ano. A estratificação de risco é utili-
zada no manejo das condições crônicas e, baseada em análise epidemiológica, permite a organização
dos serviços para oferecer o recurso assistencial mais adequado e para quem mais se beneficia desses
recursos. Com base nesse estudo, definiram-se três graus de risco da gestante e da criança; risco habi-
tual, risco intermediário e alto risco (SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE DO PARANÁ, 2016).
• Risco Habitual: gestantes e crianças que não apresentam fatores de risco individual, socio-
demográficos, de história reprodutiva anterior, de doença ou agravo preexistente ou atual.
• Risco Intermediário: Gestantes e crianças que apresentam fatores de riscos relacionados
às características individuais (raça, etnia e idade), sociodemográficos (escolaridade) e de
história reprodutiva anterior, relacionados a seguir:
»» Raça e ou etnia da mãe – mães negras e indígenas
»» Idade da mãe – abaixo de 15 anos e maior de 40 anos
»» Grau de escolaridade da mãe – mães eram analfabetas ou com menos de 3 anos
de estudo.
»» Mães com pelo menos um filho morto em gestação anterior – mães com histórico
de abortamento, óbito feral ou filho anterior morto.
• Alto Risco: Gestantes que apresentam fatores de riscos relacionados a condição clínica
preexistente; intercorrências clínicas; doenças clínicas diagnosticadas pela primeira vez na
gestação; má formação fetal confirmada; macrossomia do concepto com patologias.
A estratificação de risco da gestante define a sua vinculação ao pré-natal e ao hospital para o
atendimento das suas intercorrências na gestação e no momento do parto. A estratificação de alto ris-
co na criança está relacionada por ocasião do nascimento e do seu desenvolvimento da identificação
de prematuridade, asfixia grave (apgar < 7 no 5.º minuto de vida), baixo peso ao nascer, desnutrição
grave, crescimento e/ou desenvolvimento inadequados, presença de doenças de transmissão vertical
(toxoplasmose, sífilis, Aids) e triagem neonatal positiva.
Para garantir a integralidade do cuidado para as gestantes e seus bebês a SESA desenvolveu
ações no sentido garantir o atendimento nos níveis primário, secundário e terciário de atenção. Men-
des considera que redes de atenção à saúde são arranjos organizativos de ações e serviços de saúde

96
de diferentes densidades tecnológicas, que, integradas por meio de sistemas de apoio técnico, logís-
tico e de gestão, buscam garantir a integralidade do cuidado (KAPLAN e NORTON, 1997).

O Mapa Estratégico

O mapa estratégico representa uma arquitetura genérica que permite a descrição das estraté-
gias para o alcance dos objetivos. Auxilia a organização ao dar visibilidade para suas estratégias de
forma coesiva, integrada e sistemática, ou seja, permite visualizar os diferentes itens necessários ao
mapa em uma cadeia de causa e efeito que conecta os resultados almejados com as ações e obje-
tivos. Kaplan e Norton (1997) criaram o conceito de mapa estratégico, a respeito do qual afirmam
que “representa o elo perdido entre a formulação e a execução da estratégia”. O Mapa deve prever a
identificação da missão do projeto, no caso Rede Mãe Paranaense, visão, valores, os resultados para
a sociedade, os processos e ações de gestão necessária para que a Rede aconteça e o aporte finan-
ceiro necessário. A seguir, a visão arquitetônica do Mapa construído especificamente para a Rede
Mãe Paranaense.

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 97


FIGURA 1. MAPA ESTRATÉGICO DA REDE MÃE PARANAENSE
(SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE DO PARANÁ, 2016)

Estratégias

1. Apoiar os municípios para melhoria da estrutura dos serviços de Atenção Primária à Saúde
(APS), investindo na construção, reforma, ampliação e em equipamentos para as unidades de
atenção primária;

98
2. Estabelecer incentivo financeiro, fundo a fundo, aos municípios para custeio das equipes de
saúde que atuam na APS com ênfase em critérios de vulnerabilidade epidemiológica e social;
3. Qualificar os profissionais que atuam nos pontos de atenção da rede por meio de programas
de educação permanente;
4. Implantar a segunda opinião e telessaúde para apoiar os profissionais das equipes de Aten-
ção Primária;
5. Garantir a oferta de pré-natal de qualidade (consultas e exames) para as mães paranaen-
ses, na atenção primária e na atenção secundária;
6. Garantir referência hospitalar para o parto, de acordo com o grau de risco da gestante;
7. Apoiar os municípios para a realização do acompanhamento das crianças de risco até um
ano de vida;
8. Estabelecer ambulatório de referência (Centro Mãe Paranaense) para as gestantes e crian-
ças de risco;
9. Padronizar a utilização da carteira da gestante e da criança em todo o estado;
10. Instituir Estratégia de Qualidade ao Parto (EQP) para os hospitais que atendem os critérios
para uma adequada atenção à gestante de risco habitual e risco intermediário e ao parto;
11. Ampliar as ações de incentivo ao aleitamento materno e garantir o leite humano para
crianças de risco, investindo na ampliação e melhoria dos bancos (postos de coleta de
leite humano).

OS PONTOS DE ATENÇÃO DA REDE MÃE PARANAENSE


(SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE DO PARANÁ, 2016)

ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE

A atenção primária é a porta de entrada da rede e ordena o cuidado nos outros níveis de aten-
ção. A Rede Mãe Paranaense tem adesão dos 399 municípios do estado, que desenvolvem as ativi-
dades de busca ativa precoce à gestante e às crianças menores de um ano; acompanhamento das
gestantes durante todo o pré-natal e das crianças; vincula as gestantes a serviços para que o parto
ocorra de modo seguro e solidário, o mais natural possível, e encaminha a gestante de risco intermedi-
ário e de alto risco para os Centros Mãe Paranaense. Toda a unidade de atenção primária organiza as
ações de pré-natal e acompanhamento, de forma que toda gestante tenha como referência a Unidade
de Atenção Primária (UAP) mais próxima da sua residência, organizada ou não por meio da Estratégia
de Saúde da Família (ESF). Estrutura-se, portanto, um processo de detecção precoce de gestação de
risco que estabelece a vinculação da gestante aos serviços de maior complexidade, contudo mantém
o seu acompanhamento e monitoramento pela equipe de saúde da UAP.

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 99


A melhoria da atenção primária é pressuposto para a organização da Rede Mãe Paranaense,
considerando que a captação precoce da gestante e o seu acompanhamento e o da criança são
elementos fundamentais para uma atenção de qualidade, assim como a estratificação de risco da
gestante e da criança, vinculando-os aos serviços especializados, que devem ser resolutivos e acessí-
veis em tempo adequado. Em razão disto, a SESA investiu fortemente na melhoria das condições de
infraestrutura e capacitação das equipes da APS. Foram repassados recursos financeiros aos municí-
pios para a construção, reforma e ampliação e equipamentos de 503 unidades de saúde no período
de 2011 a 2015.
Os municípios que aderiram à Rede Mãe Paranaense assinaram um termo de compromisso, no
qual o município se compromete a executar as ações e os indicadores previstos na linha guia da Rede
Mãe Paranaense.

NA ATENÇÃO SECUNDÁRIA/CENTRO MÃE PARANAENSE

A atenção secundária ambulatorial é um equipamento nas Redes de Atenção que enfrenta uma
condição de saúde específica e complementando a necessidade de atenção primária. Na Rede Mãe
Paranaense, os ambulatórios de especialidades são identificados como Centros Mãe Paranaense e
especificamente têm a competência de atender as gestantes e crianças estratificadas de risco pela
atenção primária
O território sanitário da Atenção Secundária Ambulatorial para a Rede Mãe Paranaense são as
22 regiões de Saúde, que dispõem de uma referência ambulatorial para atendimento à gestante de
alto risco e de risco intermediário, que pode estar localizado em um ambulatório do hospital de refe-
rência à gestante de alto risco e risco intermediário e/ou nos consórcios intermunicipais de saúde.
O modelo de atenção para o Centro Mãe Paranaense é o da integralidade do cuidado, onde a
gestante e a criança terão todos os recursos de atendimento multiprofissional e multidisciplinar, de
diagnóstico e terapêutico garantidos. Neste centro, estão disponíveis profissionais como: obstetras e
pediatras, cardiologistas, endocrinologistas, nefrologistas, nutricionistas, fisioterapeutas, enfermeiros
(preferencialmente enfermeiras obstétricas), farmacêuticos, entre outros.

NA ATENÇÃO SECUNDÁRIA E TERCIÁRIA HOSPITALAR

Para organizar a vinculação do parto, a Rede Mãe Paranaense estabeleceu uma tipologia hos-
pitalar. Foram definidas três tipologias: hospitais de baixo risco, hospitais de risco intermediário e
hospitais de alto risco. Para cada tipologia, foram definidas as condições de atendimento e a equipe
de profissionais necessários e o território de abrangência.
Na atenção secundária hospitalar, foram definidas as referências para atendimento das inter-
corrências e atenção ao parto das gestantes estratificadas de baixo risco e risco intermediário. Esses

100
hospitais foram contratualizados mediante um chamamento público, de acordo com a tipologia es-
tabelecida. A SESA definiu um valor de incentivo financeiro de qualidade ao parto, que é pago aos
prestadores contratualizados de acordo com a tipologia do hospital e a apresentação dos relatórios
de partos vinculados. Os hospitais de baixo risco são de abrangência municipal e/ou microrregional.
Os hospitais de risco intermediário de abrangência microrregional e/ou regional.
As gestantes de alto risco são vinculadas aos hospitais e maternidades de alto risco que têm
abrangência regional e/ou macrorregional. São hospitais e/ou maternidades que dispõem de leitos
de UTI adulto, UTI neonatal e pediátrica, ambulatórios para o pré-natal de alto risco. A estratificação
de risco da gestante realizada na atenção primária define a sua vinculação ao serviço hospitalar con-
forme a tipologia definida.

MATRIZ DOS PONTOS DE ATENÇÃO DA REDE MÃE PARANAENSE


(SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE DO PARANÁ, 2016)

A Governança das Redes de Atenção à Saúde


As Redes de Atenção à Saúde são uma forma de organizar a atenção à saúde de determinado
agravo ou condição de saúde e pressupõem a estruturação de pontos de atenção de diferentes den-
sidades tecnológicas que devem ser distribuídos em um determinado território de forma a atender os

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 101


princípios do acesso e da escala. Dessa forma, a integralidade da atenção, nos três níveis atenção
primária, secundária e terciária, se completa na macrorregião de saúde, o que justifica a criação de
uma instância de monitoramento e gestão que abrange o território sanitário macrorregional (MEN-
DES, 2011).
Nas redes de atenção, há, portanto, a necessidade de se estabelecer uma coordenação entre
gestores interdependentes e prestadores de serviços para que os processos de formulação, negocia-
ção e tomada de decisão coletiva ocorram de forma harmônica, objetivando o alcance de objetivos
comuns. A governança não é um processo de hierarquia: pressupõe confiança e cooperação entre
instituições autônomas e independentes.
As diferenças entre a governança das redes de atenção à saúde e a gerência de unidades de
saúde é que a governança é a gestão das relações entre a atenção primária à saúde, os pontos de
atenção secundários e terciários à saúde, os sistemas de apoio e os sistemas logísticos; a gerência é
a gestão de uma estrutura isolada: da atenção primária à saúde, de cada ponto de atenção secundá-
rio e terciário à saúde, de cada sistema de apoio e de cada sistema logístico.
No Paraná, a SESA desde abril de 2014 implantou um Laboratório de Inovação em Governança
da Rede Mãe Paranaense em parceria com a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), Funda-
ção Dom Cabral (FDC), Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (CONASS) (FUNDAÇÃO
DOM CABRAL, 2015). Essa experiência acontece na Macrorregião Noroeste onde se agrupam cinco
regiões de saúde do estado (11ª – Campo Mourão; 12ª – Umuarama; 13ª – Cianorte; 14ª – Paranavaí;
e 15ª – Maringá).
Figura 2. Mapa Político do Estado do Paraná – Divisão por Macrorregionais

102
Para organizar a Governança da Rede Mãe Paranaense, foi instituído um Comitê Executivo
Macrorregional que passou a ser um comitê assessor da Comissão Intergestores Bipartite (Delibe-
ração CIB n. 042/2014 – Anexo I do capítulo). Esse Comitê é composto por representantes da SESA
(nível gerencial e regional), representantes dos principais serviços de saúde: hospitais de referência
regional e microrregional e ambulatórios especializados de referência regional, representantes do
Conselho Estadual de Secretários Municipais de Saúde (COSEMS), que ao mesmo tempo represen-
tam municípios da macrorregião e representante do segmento dos usuários do Conselho Estadual
de Saúde e que tenha vínculo com a macrorregião. As reuniões são mensais e nessas reuniões são
realizadas avaliações, discussões sobre estratégias de melhoria da atenção materno infantil e defi-
nição de protocolos assistenciais, como também são debatidos os problemas relativos aos atendi-
mentos prestados nos diversos pontos de atenção dos pontos de atenção da Rede Mãe Paranaense
na macrorregião.
As atribuições do Comitê Executivo Macrorregional da Rede Mãe Paranaense são:
1. Reunir-se periodicamente ou quando necessário;
2. Acompanhar o funcionamento da Rede Mãe Paranaense nos diversos pontos de atenção
da rede;
3. Monitorar os objetivos e metas da Rede Mãe Paranaense que devem ser cumpridos a curto,
médio e longo prazo;
4. Monitorar os indicadores estabelecidos no painel de bordo da Rede Mãe Paranaense na
Macrorregião;
5. Recomendar novos arranjos, fluxos e organização da Rede Mãe Paranaense;
6. Recomendar capacitações e Educação Permanente para as equipes de saúde;
7. Recomendar medidas que favoreçam as articulações das políticas Interinstitucionais;
8. Encaminhar para a CIB Estadual as recomendações.
Essa experiência possibilita melhor arranjo interinstitucional da Rede, dando encaminhamento
aos problemas identificados nos diversos serviços que compõem a rede na macrorregião para o seu
bom funcionamento. Considerando o êxito nessa experiência, foi implantado o comitê na macrorre-
gião Norte, e já está em elaboração o painel de bordo da Rede Paraná Urgências para a implantação
da governança dessa rede também.
Para o acompanhamento, monitoramento e avaliação da Rede Mãe Paranaense, desenvolveu-
-se o painel de bordo. O painel de bordo é uma ferramenta de gestão que permite que todos os envolvi-
dos na prestação da assistência e na gerência de unidades de saúde e na gestão do sistema avaliem
rotineiramente os indicadores e a coerência entre os objetivos a serem alcançados; as metas; e a
missão definida no Mapa Estratégico. Ao verificar e refletir sobre os indicadores que o painel de bordo
definiu, observa-se que esses permitem obter as respostas ante as seguintes perguntas: Estamos
fazendo o que é certo? Estamos fazendo corretamente? Podemos fazer melhor?

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 103


O monitoramento possibilita o gerenciamento da atenção à saúde, por meio do acompanha-
mento do atendimento da mulher e da criança ao longo de toda a rede de atenção à Mãe Paranaense
e irá orientar o processo de decisão para a implementação de novas medidas.
No Anexo II deste capítulo pode-se verificar o Painel de Bordo para a Rede Mãe Paranaense,
que estabeleceu indicadores nas seguintes perspectivas: resultado para a sociedade, indicadores de
processo, indicadores de gestão e indicadores relacionados ao financiamento.

Resultados
Nesses quatro anos de trabalho de implantação das ações da Rede Mãe Paranaense, verifica-
mos a melhora em vários indicadores. Em 2015 tivemos uma redução de 23,5% dos óbitos maternos
em relação a 2010, a Razão de Mortalidade Materna (RMM) caiu de 65,11/2010 para 41,3/100.000
NV em 2014, ou seja, em 4 anos com a implantação das ações da Rede Mãe Paranaense a redução
da mortalidade materna foi maior que nos últimos 20 anos. Vale ressaltar que o Paraná possui, de
acordo com avaliação do Ministério da Saúde, bom sistema de investigação de óbitos, sendo que
100% dos óbitos maternos são investigados.
Outro dado importante nessa redução que verificamos foi a redução no número de óbitos mater-
nos em 50% por Doença Hipertensiva Específica da Gravidez (DHEG) e 40% por hemorragias em relação
a 2010. Entretanto, observamos um aumento nos casos de óbito por infecção. A mortalidade infantil
caiu 10,3% em relação a 2010, com uma redução dos óbitos por causas evitáveis de 80% para 60%.
As taxasa de cesariana, segundo dados do Sistema de Informação de Nascidos Vivos (SINASC),
têm variado entre 2010 e 2014, de 58,6% e 63,7%, respectivamente. Contudo, ao separarmos o per-
centual de cesarianas realizadas no SUS verificamos que em 2015 tivemos 55,4% de partos normais.
Esse dado elevado do Paraná é em razão do elevado percentual deste procedimento nas usuárias de
planos de saúde e particulares.
A proporção de pré-natal com sete ou mais consultas tem-se mantido desde a implantação da
Rede acima de 82%, e 83% das gestantes vinculadas ao hospital de acordo com o risco gestacional,
em 2015. E de acordo com a avaliação dos gestores e prestadores, a melhoria da atenção materno
infantil em todos os pontos de atenção da rede.
Um dos grandes avanços que observamos com a implantação da governança da Rede foi a in-
tegração dos serviços da atenção primária com a atenção secundária ambulatorial e dos hospitais, e
a melhoria nas relações entre os profissionais das instituições que compõem a rede. Esta integração
permite que o fluxo de encaminhamento das gestantes e de seus bebês ocorra de forma natural.

a               OS RESULTADOS FORAM OBTIDOS A PARTIR DO SISTEMA DE INFORMAÇÃO DE NASCIDO VIVOS (SINASC), DO BANCO ES-
TADUAL DO PARANÁ.

104
A Rede Mãe Paranaense tem ainda muitos desafios, tais como a manutenção e ampliação da
redução da mortalidade materna e infantil; a implantação de estratégias para a redução de cesáreas;
a implantação de especialização em enfermagem obstétrica; o monitoramento dos hospitais para a
melhoria da qualidade da atenção durante o trabalho de parto, parto e puerpério; a implantação dos
Centro Mãe PR nas regiões onde ainda não foram implantados; a ampliação da gestão de caso para
as gestantes para acelerar a redução da mortalidade infantil; a implantação do protocolo de qualifica-
ção dos pontos da Rede Mãe PR (monitoramento), entre outras que irão surgir a partir das discussões
do comitê executivo macrorregional.
Assista o vídeo sobre a Rede Mãe Paranaense pelo
QR Code ao lado ou pelo link https://goo.gl/9jsGFM
CONCLUSÕES
A melhoria dos indicadores da atenção materno infantil e em especial a queda da mortalidade
materna de forma rápida têm-se mostrado consistente, resultado das diversas mudanças que foram
introduzidas com a implantação da Rede Mãe Paranaense. A frequência do evento óbito materno é
cada vez menor em termos absolutos, e esse é grande desafio: reduzir cada vez mais. Essa realidade
aponta para necessidade de melhoria na qualidade da assistência, já que a maior parte dos casos
é decorrente de causas evitáveis, portanto a redução da RMM e Coeficiente de Mortalidade Infantil
(CMI) no Paraná ainda é um objeto a ser buscado constantemente.
Para a organização de Rede de Atenção, fomos desafiados cotidianamente em face da comple-
xidade de mudar conceitos e processos de trabalho nas equipes de saúde. Consideramos que o plane-
jamento das ações com base nas necessidades da população foi basilar para uma boa aceitação das
propostas. E, ainda, ressalta-se que a aplicação das ferramentas do planejamento com o alinhamento
dos objetivos estratégicos e a alocação dos recursos financeiros contribuíram para os resultados
alcançados. Além disso, o monitoramento constante dos indicadores, definidos no painel de bordo e
avaliados mensalmente no comitê executivo macrorregional, permitem-nos o acompanhamento e a
constatação dos problemas com uma intervenção rápida. Há, de acordo com Mendes, a geração de
excedente cooperativo entre gestores e prestadores e em especial com as equipes que atuam nesses
serviços, que dificilmente conseguiríamos sem o comitê executivo macrorregional. Há vários relatos
dos gestores municipais e das equipes regionais da SESA da melhoria na relação com os prestadores,
de uma melhor compreensão dos problemas e da busca de solução conjunta, e a pactuação dos flu-
xos e de protocolos nos pontos de atenção da Rede.
A ideia força da Rede Mãe Paranaense é “O Paraná nasce com Saúde” e consideramos que a
implantação do sistema de governança dessa rede tem contribuído para o alcance desse objetivo.

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 105


Anexo I

DELIBERAÇÃO N. 042 – 25/02/2014

A Comissão Intergestores Bipartite do Paraná, reunida em 25/02/2014, na cidade de Curitiba

CONSIDERANDO

• O Decreto nº 7.508, de 28 de julho de 2011, que regulamenta a Lei nº 8.080, de 19 de


setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde – SUS, o
planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa;
• O Plano Estadual de Saúde do Paraná, que tem, entre as suas estratégias para a organiza-
ção do Sistema Único de Saúde no Paraná, a implantação de Redes de Atenção à Saúde;
• A Deliberação n. 266 de 27 de agosto de 2012, que define as Diretrizes para implementa-
ção do COAP – Contrato Organizativo de Ação Pública da Saúde no Estado do Paraná;

APROVA

• Instituir o Comitê Executivo Macrorregional da Rede Mãe Paranaense, da Macrorregião No-


roeste do Estado do Paraná;
• O Comitê Executivo Macrorregional tem como objetivo monitorar, acompanhar e propor solu-
ções para o adequado funcionamento da Rede Mãe Paranaense na macrorregião;
• O Comitê Executivo Macrorregional será composto pelos seguintes membros:

DA COMPOSIÇÃO

Grupo Representação Quantidade


A Diretores das Regionais de Saúde 05
B Presidente dos Conselhos Regionais de Secretários Municipais de Saúde – CRESEMS 05 a 10
de cada região de saúde que compõe a macrorregião e mais o Secretário Municipal (variável)
de Saúde dos municípios sedes das regiões de saúde, desde que este não seja
presidente do CRESEMS
C Representante do segmento dos usuários do Controle Social que seja Integrante do 01
Conselho Estadual e que tenha vínculo com a macrorregião

106
D Prestadores de Serviços – Os diretores dos hospitais de referência Macrorregional: 06
Hospital Universitário de Maringá
Santa Casa de Maringá

Os diretores dos hospitais de referência regional:


Santa Casa de Campo Mourão
Hospital NOROSPAR
Hospital São Paulo
Santa Casa de Paranavaí

E Um representante dos Consórcios Intermunicipais de Saúde das regiões de Saúde 05


da Macrorregião
OBS.: O COMITÊ EXECUTIVO DEVERÁ DISPOR DE APOIO TÉCNICO DAS EQUIPES REGIONAIS DE SAÚDE.

São atribuições do Comitê Executivo Macrorregional:

• Reunir-se periodicamente ou quando necessário;


• Acompanhar o funcionamento da Rede Mãe Paranaense nos diversos pontos de atenção
da rede;
• Monitorar os objetivos e metas da Rede Mãe Paranaense que devem ser cumpridos a curto,
médio e longo prazo;
• Monitorar os indicadores estabelecidos no painel de bordo da Rede Mãe Paranaense na
Macrorregião;
• Recomendar novos arranjos, fluxos e organização da Rede Mãe Paranaense;
• Recomendar capacitações e Educação Permanente para as equipes de saúde;
• Recomendar medidas que favoreçam as articulações das políticas Interinstitucionais;
• Encaminhar para a CIB Estadual as recomendações.

Do funcionamento do Comitê Executivo Macrorregional:

• O Comitê reunir-se-á mensalmente de forma ordinária e extraordinária quando necessário.

Da alteração do regimento interno da CIB/PR

• O Comitê Executivo Macrorregional passa a fazer parte da composição e organização da


CIB/PR

René José Moreira do Santos Cristiane Martins Pantaleão


Coordenador Estadual Coordenadora Municipal

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde 107


Anexo II

108
PAINEL DE BORDO DO MAPA ESTRATÉGICO DA REDE MÃE PARANAENSE – SESA/PR SETEMBRO/2016
Periodicidade
a. análise do
responsável pela
Responsável pela
Objetivo Classificação do sistematização do
Perspectiva Indicador a. sistematização do indicador Fórmula/Fonte Parâmetro
Estratégico Indicador indicador
b. análise do indicador
b. análise pelo Comitê
Executivo da Rede
Mãe Paranaense
RMM = Total Verde
Mortes Ma- Abaixo do indica-
1.1 -
terna/Nº de dor do Estado ou
a) SMS, Comitê de Mortali-
nascidos Vivos Regional, consi-
1.1 - Razão de dade de Prevenção da Mor-
x 100.000 derar o indicador
morte mater- talidade Materna e Infantil
mais baixo.
na do municí- (CPMMI);
Fonte: SIM, Amarelo
pio, região e
SINASC Igual ao indica-
macrorregião b) SMS, Regional de Saúde 1.1 e 1.2 -
1 - Reduzir dor do Estado ou
1.1 - Estratégico e Comitê Executivo
mortalidade Regional, consi-
1.2 - Coe- a) mensal
materna e derar o indicador
ficiente de 1.2 - Estratégico 1.2 -
infantil TX MI = mais baixo
mortalidade a) SMS, Comitê de Mortali- b) semestral
Total de
Resultados infantil do mu- dade de Prevenção da Mor-
mortes em Vermelho
para a nicípio, região talidade Materna e Infantil
menores de 1 Acima do indica-
sociedade e macrorre- (CPMMI);
ano/ pelo nº dor do Estado ou
gião
de NV x 1000 Regional, consi-
b) SMS, Regional de Saúde
e Comitê Executivo derar o indicador
Fonte: SIM, mais baixo
SINASC
2 - Garantir Verde
o funciona- Pesquisa Acima de 80%
mento da 2.1 - Índice 2.1 - direta dos
2.1 - Amarelo
rede de aten- de satisfação a) mensal serviços que
2.1 - Estratégico a) e b) SMS, Centros Mãe de 79,9% a 60%
ção materno das usuárias b) semestral atendem a
Paranaense e Hospitais
e infantil da rede Rede Mãe
em todo o Paranaense Vermelho
Estado. Abaixo de 60%
PAINEL DE BORDO DO MAPA ESTRATÉGICO DA REDE MÃE PARANAENSE – SESA/PR SETEMBRO/2016
Periodicidade
a. análise do
responsável pela
Responsável pela
Objetivo Classificação do sistematização do
Perspectiva Indicador a. sistematização do indicador Fórmula/Fonte Parâmetro
Estratégico Indicador indicador
b. análise do indicador
b. análise pelo Comitê
Executivo da Rede
Mãe Paranaense

Nº de gestan- Verde
tes que inicia- Acima de 80%
3.1 - % de ram o pré-na-
3.1 -
mulheres que 3.1 tal antes das
a) APS/SMS
iniciaram o 3.1 - a) mensal 12 semanas/ Amarelo
b) APS/SMS; Comitê exe-
pré-natal até Operacional b) semestral Nº estimado de 79,9% a 60%
cutivo
12 semanas de gestantes
de gestação no mês e no
3 - Melhorar semestre x Vermelho
a qualidade 100 Abaixo de 60%
e a resolu-
bilidade na
Processo assistência Número
ao pré- Verde
de doses Acima de 95%
-natal parto, de vacinas
puerpério e aplicadas/nº
puericultura. 3.2 - Cobertu- 3.2 3.2 população-
ra vacinal em 3.2 - a) APS/SMS; a) mensal -alvo x 100 Amarelo
menores de Operacional b) APS/SMS, Regional de b) semestral no mês e no De 90% a 94,4%
um ano Saúde e Comitê executivo semestre
(por imunobio-
lógico)
Vermelho
Fonte: SI-PNI Abaixo de 90%

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde


109
PAINEL DE BORDO DO MAPA ESTRATÉGICO DA REDE MÃE PARANAENSE – SESA/PR SETEMBRO/2016

110
Periodicidade
a. análise do
responsável pela
Responsável pela
Objetivo Classificação do sistematização do
Perspectiva Indicador a. sistematização do indicador Fórmula/Fonte Parâmetro
Estratégico Indicador indicador
b. análise do indicador
b. análise pelo Comitê
Executivo da Rede
Mãe Paranaense
Nº de AIHS pa-
gas com pro-
cedimentos Verde
de cesarianas Abaixo de 40%
no período/nº
total de AIHs
pagas com
procedimen-
3 - Melhorar tos de parto
a qualidade no período x
Amarelo
e a resolu- 3.3 - 3.3 100 (SUS)
40% a 60%
bilidade na a) APS/SMS e Hospital; a) mensal
3.3 - Taxa de 3.3 -
Processo assistência Nº de partos
cesarianas Operacional
ao pré- b) Regional de Saúde e b) semestral cesarianas
-natal parto, Comitê executivo informados
puerpério e na DN/Nº de
puericultura. nascimentos
x 100 (Taxa
geral)
Vermelho
Fonte: SIH/ Acima de 60%
para SUS e
SINASC para
todas as ges-
tantes
PAINEL DE BORDO DO MAPA ESTRATÉGICO DA REDE MÃE PARANAENSE – SESA/PR SETEMBRO/2016
Periodicidade
a. análise do
responsável pela
Responsável pela
Objetivo Classificação do sistematização do
Perspectiva Indicador a. sistematização do indicador Fórmula/Fonte Parâmetro
Estratégico Indicador indicador
b. análise do indicador
b. análise pelo Comitê
Executivo da Rede
Mãe Paranaense
- Nº de gestan-
tes de risco
intermediário
atendidas na
referência Verde
ambulatorial/ Acima de 80%
Nº de gestan-
tes estratifica-
das de risco
intermediário
4.1 - % de
4 - Implantar para o período
gestantes
a estratifica- 4.1 - x 100
estratificadas
ção de risco a) APS/SMS e Centro Mãe
de risco de 4.1 -
em todos Paranaense; - Nº de
acordo com 4.1 - a) mensal Amarelo
Processo os níveis de gestantes
os critérios Operacional De 60% a 79%
atenção para b) APS/SMS; Centro Mãe de alto risco
estabelecidos b) semestral
a gestante Paranaense e Comitê exe- atendidas na
na linha guia
e para a cutivo referência am-
da Rede Mãe
criança bulatorial/Nº
Paranaense
de gestantes
estratificada
de alto risco
no período
x100
Vermelho
Abaixo de 60%
Fonte:

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde


Planilha de
estratificação
de risco

111
PAINEL DE BORDO DO MAPA ESTRATÉGICO DA REDE MÃE PARANAENSE – SESA/PR SETEMBRO/2016

112
Periodicidade
a. análise do
responsável pela
Responsável pela
Objetivo Classificação do sistematização do
Perspectiva Indicador a. sistematização do indicador Fórmula/Fonte Parâmetro
Estratégico Indicador indicador
b. análise do indicador
b. análise pelo Comitê
Executivo da Rede
Mãe Paranaense
- Nº de crian-
ças de risco
intermediário
atendidas na Verde
referência am- Acima de 80%
bulatorial/Nº
de crianças de
risco interme-
diário estratifi-
cadas de risco
4.2 - % de
4 - Implantar intermediário
crianças
a estratifica- 4.2 - no período
estratificadas
ção de risco a) APS/SMS e Centro Mãe x100
de risco de 4.2 -
em todos Paranaense; Amarelo
acordo com 4.2 - a) mensal
Processo os níveis de - Nº de crian- De 60% a 79%
os critérios Operacional
atenção para b) APS/SMS; Centro Mãe ças de alto ris-
estabelecidos b) semestral
a gestante Paranaense, Regional de co atendidas
na linha guia
e para a Saúde e Comitê executivo na referência
da Rede Mãe
criança ambulatorial/
Paranaense
Nº de criança
estratificada
de alto risco
no período
x100 Vermelho
Abaixo de 60%
Fonte:
Planilha de
estratificação
de risco
PAINEL DE BORDO DO MAPA ESTRATÉGICO DA REDE MÃE PARANAENSE – SESA/PR SETEMBRO/2016
Periodicidade
a. análise do
responsável pela
Responsável pela
Objetivo Classificação do sistematização do
Perspectiva Indicador a. sistematização do indicador Fórmula/Fonte Parâmetro
Estratégico Indicador indicador
b. análise do indicador
b. análise pelo Comitê
Executivo da Rede
Mãe Paranaense

- Nº de ges-
tante de risco
intermediário
atendidas na Verde
referência Acima de 80%
hospitalar/Nº
5 - Vincular
de gestantes
as gestantes
vinculadas
aos hos-
pela APS no
pitais de
5.1 - % de período x100
referência,
gestantes vin- 5.1 - - Nº de gestan-
conforme
culadas aten- a) APS/SMS, Centro Mãe 5.1 - te de alto risco
estratifica- Amarelo
didas pelo 5.1 - Paranaense e Hospital; a) mensal atendidas na
Processo ção de risco, De 60% a 79%
hospital de Operacional referência
promovendo
acordo com a b) Regional de Saúde e b) semestral hospitalar /Nº
a garantia
estratificação Comitê executivo de gestantes
do parto, es-
de risco vinculadas no
tabelecendo
período x100
padrões de
qualidade e
Fonte:
segurança.
Planilha de
estratificação Vermelho
de risco do Abaixo de 60%
município e
do hospital de

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde


referência

113
PAINEL DE BORDO DO MAPA ESTRATÉGICO DA REDE MÃE PARANAENSE – SESA/PR SETEMBRO/2016

114
Periodicidade
a. análise do
responsável pela
Responsável pela
Objetivo Classificação do sistematização do
Perspectiva Indicador a. sistematização do indicador Fórmula/Fonte Parâmetro
Estratégico Indicador indicador
b. análise do indicador
b. análise pelo Comitê
Executivo da Rede
Mãe Paranaense

Nº de ges-
tantes com Verde
acompanhan- Acima de 80%
te durante
5 - Vincular o pré-parto,
as gestantes parto e puer-
aos hos- pério /Número
pitais de de gestantes
referência, atendidas no
5.2 - % de
conforme 5.2 - hospital para
gestantes 5.2 -
estratifica- a) Hospital; realização do Amarelo
com acom- a) mensal
Processo ção de risco, parto no perío- De 60% a 79%
panhante no
promovendo b) Regional de Saúde e do x 100
pré-parto, par- b) semestral
a garantia Comitê executivo
to e puerpério
do parto, es- Fonte: Infor-
tabelecendo mação do
padrões de hospital e
qualidade e verificação
segurança. das condições
para a par- Vermelho
ticipação do Abaixo de 60%
acompanhan-
te no hospital
PAINEL DE BORDO DO MAPA ESTRATÉGICO DA REDE MÃE PARANAENSE – SESA/PR SETEMBRO/2016
Periodicidade
a. análise do
responsável pela
Responsável pela
Objetivo Classificação do sistematização do
Perspectiva Indicador a. sistematização do indicador Fórmula/Fonte Parâmetro
Estratégico Indicador indicador
b. análise do indicador
b. análise pelo Comitê
Executivo da Rede
Mãe Paranaense

Verde
Número de Acima de 80%
gestantes de
alto risco que
realizaram
o parto no
6 - Melhorar hospital de
assistência referência/
ao pré-natal 6.1- % de Número de
de alto risco gestantes 6.1 - 6.1 - gestantes
Amarelo
e acompa- de alto risco 6.1 - a) APS/SMS/CMP; a) mensal com alto risco
Processo De 60% a 79%
nhamento atendidas na Operacional identificadas
das crianças referencia b) Comitê executivo b) semestral na unidade de
de risco hospitalar saúde/ x 100
menores de
um ano Fonte: Relató-
rio do hospital
de partos de
AR e planilha
de vinculação Vermelho
do município Abaixo de 60%

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde


115
PAINEL DE BORDO DO MAPA ESTRATÉGICO DA REDE MÃE PARANAENSE – SESA/PR SETEMBRO/2016

116
Periodicidade
a. análise do
responsável pela
Responsável pela
Objetivo Classificação do sistematização do
Perspectiva Indicador a. sistematização do indicador Fórmula/Fonte Parâmetro
Estratégico Indicador indicador
b. análise do indicador
b. análise pelo Comitê
Executivo da Rede
Mãe Paranaense

Verde
Nº de partos Acima de 80%
de alto risco
realizados
nos hospitais
da Rede Mãe
7.1 - % de Paranaense
7 - Consoli- gestantes de AR/Nº total
7.1 -
dar sistema estratificadas de partos SUS
a) SMS, Regional Saúde, 7.1 -
de governan- de risco e realizados na
Centros Mãe PR e hospitais; a) mensal Amarelo
Gestão ça da Rede vinculadas ao 7.1 - Tático região e ma-
De 60% a 79%
de Atenção Centro Mãe crorregião no
b) Regional Saúde e Comitê b) semestral
Materno- Paranaense e período x100
executivo
-Infantil aos Hospitais
de Referência Fonte: AIH
emitidas nos
hospitais de
referência
para o Alto
Risco Vermelho
Abaixo de 60%
PAINEL DE BORDO DO MAPA ESTRATÉGICO DA REDE MÃE PARANAENSE – SESA/PR SETEMBRO/2016
Periodicidade
a. análise do
responsável pela
Responsável pela
Objetivo Classificação do sistematização do
Perspectiva Indicador a. sistematização do indicador Fórmula/Fonte Parâmetro
Estratégico Indicador indicador
b. análise do indicador
b. análise pelo Comitê
Executivo da Rede
Mãe Paranaense

Nº de crianças
atendidas no Verde
Centro Mãe Acima de 80%
Paranaense
(intermediário
e alto risco)/
Nº de crianças
estratifica-
das de risco
7 - Consoli- 7.2 - % de
7.2 - (intermediário
dar sistema crianças
a) SMS, Regional Saúde, 7.2 - e alto risco) x
de governan- estratificadas Amarelo
Centros Mãe PR e hospitais; a) mensal 100
Gestão ça da Rede de risco e 7.2 - Tático De 60% a 79%
de Atenção vinculadas ao
b) Regional Saúde e Comitê b) semestral Fonte: Própria
Materno- Centro Mãe
executivo – planilha de
Infantil Paranaense
estratifica-
ção e vincu-
lação dos
municípios e
relatório de
atendimento Vermelho
das gestantes Abaixo de 60%
do centro Mãe
PR.

Governança Regional das Redes de Atenção à Saúde


PAINEL REVISADO EM SETEMBRO/2016 PELA COORDENAÇÃO DA REDE MÃE PARANAENSE

117
Referências
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Análise de Situa-
ção de Saúde, Coordenação Geral de Informação e Análise Epidemiológica. Manual de Vigilância do
Óbito Infantil e Fetal e do Comitê de Prevenção do Óbito Infantil e Fetal. Brasília: Editora do Ministério
da Saúde, 2009.
FUNDAÇÃO Dom Cabral. Governança em Rede no SUS: o caso da Rede Mãe Paranaense. Relatório de
Pesquisa. Rosileia Milagres, fevereiro, 2015.
KAPLAN, R. S.; Norton, D. P. A estratégia em ação: Balanced Scorecard. 7. ed. Rio de Janeiro: Cam-
pus, 1997.
MENDES, E. V. As redes de atenção à saúde. Brasília: Organização Panamericana de Saúde, 2011.
SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE DO PARANÁ. Superintendência de Atenção à Saúde. Linha Guia da
Rede Mãe Paranaense. 2016.
____. Superintendência de Vigilância em Saúde. Perfil da Mortalidade Materna e Infantil no Para-
ná. 2014.

118
Brasília, 2014 –1a Edição

A crise contemporânea dos


modelos de atenção à saúde

3
© 2014 – 1a Edição
CONSELHO NACIONAL DE SECRETÁRIOS DE SAÚDE – CONASS

É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que citadas a fonte e a autoria.

Tiragem: 2 mil exemplares.

CONASS Debate 3a Edição


Brasília, novembro de 2014.
ISBN 978-85-8071-019-9

Brasil. Conselho Nacional de Secretários de Saúde.


CONASS Debate – A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde / Conselho
Nacional de Secretários de Saúde. – Brasília : CONASS, 2014.
171 p. – (CONASS Debate, 3)

ISBN 978-85-8071-019-9

Sistema de Saúde I. CONASS Debate – A crise contemporânea dos modelos de atenção


à saúde

NLM WA 525
SECRETÁRIOS DE ESTADO DA SAÚDE

AC Suely de Souza Melo da Costa PB Waldson Dias de Souza


AL Jorge Villas Boas PE Ana Maria Martins Cézar de Albuquerque
AM Wilson Duarte Alecrim PI Mirocles Campos Veras Neto
AP Jardel Adailton Souza Nunes PR Michele Caputo Neto
BA Washington Couto RJ Marcos Esner Musafir
CE Ciro Gomes RN Luiz Roberto Leite Fonseca
DF Marilia Coelho Cunha RO Williames Pimentel
ES José Tadeu Marino RR Alysson Bruno Matias Lins
GO Halim Antonio Girade RS Sandra Maria Sales Fagundes
MA Ricardo Murad SC Tânia Eberhardt
MG José Geraldo de Oliveira Prado SE Joélia Silva Santos
MS Antônio Lastoria SP David Uip
MT Jorge Araújo Lafetá Neto TO Luiz Antônio Ferreira
PA Hélio Franco de Macedo Júnior

DIRETORIA DO CONASS 2014/2015

Presidente
Wilson Duarte Alecrim (AM)

Vice-Presidentes
Região Centro-Oeste
Halim Antonio Girade (GO)

Região Nordeste
Jorge Villas Boas (AL)

Região Norte
Vanda Maria Gonçalves Paiva (TO)

Região Sudeste
Marcus Esner Musafir (RJ)

Região Sul
Michele Caputo Neto (PR)
EQUIPE TÉCNICA DO CONASS
SECRETÁRIO EXECUTIVO
Jurandi Frutuoso

ASSESSORIA DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS


Fernando Cupertino

ASSESSORIA JURÍDICA
Alethele de Oliveira Santos

ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL


Adriane Cruz
Marcus Carvalho
Tatiana Rosa

COORDENAÇÃO DE NÚCLEOS TÉCNICOS


Rita de Cássia Bertão Cataneli

COORDENAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL


Ricardo de Freitas Scotti

ASSESSORIA TÉCNICA
Alessandra Schneider
Eliana Maria Ribeiro Dourado
Gilson Cantarino
Lídia Tonon
Lore Lamb
Lourdes Almeida
Maria José Evangelista
Maria Zélia Soares Lins
Nereu Henrique Mansano
Tereza Cristina Amaral
Viviane Rocha de Luiz
ORGANIZAÇÃO DO LIVRO
Coordenação
Adriane Cruz
Eugênio Vilaça Mendes
Renilson Rehem
Ricardo F. Scotti

Relatoria
Flávio Goulart
Maria Francisca Moro
Elora Abritta

Revisão
Sem Fronteira Idiomas

Projeto Gráfico
Daniel Macedo

Diagramação
Marcus Carvalho
Sumário
Apresentação 08

Introdução 10

Rafael Bengoa 64

Luiz Augusto Facchini 88

Claunara Schilling Mendonça 107

Luis Fernando Rolim Sampaio 133

Frederico Guanais 151

Síntese dos Debates 166


Apresentação
Desde 2012, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), reconhecendo o momen-
to delicado pelo qual vem passando a saúde pública no Brasil, estabeleceu uma nova linha de atua-
ção intitulada CONASS Debate, que fomenta a discussão de temas importantes para o setor saúde na
busca de alternativas que nos façam avançar para a situação desejada, ou seja, saúde de qualidade
para todos.
Este livro é o registro do seminário CONASS Debate – A crise contemporânea dos modelos de
atenção à saúde, por meio do qual disseminamos as reflexões obtidas durante o evento a fim de
contribuir com a construção de um futuro sustentável para o Sistema Único de Saúde (SUS). Por isso,
além desta publicação, disponibilizamos no nosso site (www.conass.org.br) as versões eletrônicas,
em PDF e e-book, que poderão ser lidas em computadores, tablets e celulares.
A temática principal deste seminário foi a crise instalada nos setores públicos e privados de
saúde em todo o mundo, desencadeada por transições demográficas, tecnológicas, epidemioló-
gicas, nutricionais e ambientais que alteram a situação de saúde tanto de países ricos quanto de
países em desenvolvimento.
No Brasil, essa situação é agravada tendo em vista a tripla carga de doenças: a predominância
das doenças crônicas e a presença ainda importante das doenças infecciosas, somadas às causas
externas, que representam o terceiro maior fator de morbimortalidade no país.
Foi explicitada a necessidade de se estabilizarem as condições crônicas, controlando, por exem-
plo, a glicemia do diabético e a pressão arterial do hipertenso, tarefa impossível para o modelo de
atenção às condições agudas – de emergências, internações hospitalares e pronto atendimento –,
levando o sistema a falhas que seriam evitáveis se a atenção à saúde fosse dada devidamente de
acordo com as condições reais de saúde da população.
Esse modelo propõe a introdução e o fortalecimento de práticas mais coletivas, contínuas e in-
terdisciplinares, como o autocuidado apoiado e cuidado compartilhado, nos quais uma equipe forma-
da por diversos profissionais de saúde incentiva e ajuda o paciente a promover e qualificar o cuidado
consigo mesmo. Sugere ainda a implantação de prontuários clínicos informatizados, assim como de
outros fatores de organização da atenção.
O seminário que deu origem a este livro ocorreu no dia 13 de maio de 2014, em Brasília/DF,
e contou com a exposição de Rafael Bengoa, assessor do programa Obamacare e ex-ministro da
Saúde do país Basco; de Luiz Facchini, professor do Departamento de Medicina Social da Universi-
dade Federal de Pelotas e ex-presidente da Abrasco; de Claunara Schilling Mendonca, professora
de Medicina de Família da Universidade do Rio Grande do Sul e ex-diretora de Atenção Básica do

8
Ministério da Saúde; de Luis Fernando Rolim Sampaio, chefe do Escritório de Serviços de Saúde
da Unimed Belo Horizonte e ex-diretor de Atenção Básica do Ministério da Saúde; e de Frederico
Guanais – PhD, especialista Líder em Saúde da Divisão de Proteção Social e Saúde do Banco Inte-
ramericano de Desenvolvimento (BID).
Dividido em capítulos ordenados pela participação dos expositores e dos debatedores durante
o seminário, o livro traz os textos assinados pelos palestrantes, responsáveis pelo sucesso e pela ri-
queza de conteúdo do CONASS Debate – A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde. O
último capítulo, produto da relatoria do evento, traz a síntese dos debates.

Wilson Alecrim
Presidente do CONASS

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 9


INTRODUÇÃO1

1. A NATUREZA DA CRISE CONTEMPORÂNEA DOS MODELOS DE


ATENÇÃO À SAÚDE: A RUPTURA DO POSTULADO DA COERÊNCIA
Os sistemas de saúde são definidos pela Organização Mundial da Saúde como o conjunto de
atividades cujo propósito primário é promover, restaurar e manter a saúde de uma população para se
atingirem os seguintes objetivos: o alcance de nível ótimo de saúde, distribuído de forma equitativa;
a garantia de proteção adequada dos riscos para todos os cidadãos; o acolhimento humanizado dos
cidadãos; a provisão de serviços seguros e efetivos; e a prestação de serviços eficientes (WORLD HE-
ALTH ORGANIZATION, 2000).
Os sistemas de saúde constituem respostas sociais, deliberadamente organizadas, para res-
ponder às necessidades, às demandas e às preferências das sociedades em que se instituem. Nesse
sentido, eles devem ser articulados pelas necessidades de saúde da população que se expressam,
em boa parte, em situações demográficas, nutricionais, tecnológicas e epidemiológicas singulares.
Se os sistemas de saúde são respostas às necessidades e às demandas da população, logo
deve haver uma coerência entre necessidades expressas na situação de saúde e o sistema de saúde
que se pratica socialmente, em determinado tempo e em determinado local. Este é o postulado da
coerência que governa a organização dos sistemas de saúde.
Há, portanto, uma relação muita estreita entre a transição das condições de saúde e a transi-
ção dos sistemas de atenção à saúde, vez que ambas constituem a transição da saúde (SCHRAMM
et al., 2004).
A transição das condições de saúde, juntamente com outros fatores como o desenvolvimento
científico, tecnológico e econômico, determina a transição da atenção à saúde (FRENK et al., 1991).
Por essa razão, em qualquer tempo e em qualquer sociedade, deve haver uma coerência entre a situ-
ação das condições de saúde e o sistema de atenção à saúde.
Quando o postulado da coerência se rompe, como ocorre agora, no mundo e no Brasil, o siste-
ma entra em crise.
A crise contemporânea dos sistemas de saúde reflete, pela ruptura do postulado da coerência,
o desencontro entre uma situação de saúde determinada por transições demográfica, nutricional e
tecnológicas aceleradas e por uma situação epidemiológica dominada pelas condições crônicas –

1 DOCUMENTO PREPARADO PELO GRUPO DE COORDENAÇÃO DO CONASS DEBATES. O DOCUMENTO NÃO REFLETE POSICIO-
NAMENTO OFICIAL DO CONSELHO NACIONAL DE SECRETÁRIOS DE SAÚDE.

10
nos países desenvolvidos de forma mais contundente e no Brasil pela situação de tripla carga das
doenças –, e um sistema de saúde voltado predominantemente para responder às condições agudas
e aos eventos agudos decorrentes de agudizações de condições crônicas, de forma reativa, episódica
e fragmentada.
A crise global dos sistemas de saúde manifesta-se, de forma contundente, nos modelos de
atenção à saúde praticados universalmente que são inadequados para enfrentar com efetividade,
eficiência e qualidade às situações de saúde contemporâneas.
Essa crise tem sido caracterizada pelos propositores do modelo de atenção às condições crô-
nicas, como resultado da ditadura das condições agudas (COLEMAN e WAGNER, 2008). Isso não deu
certo nos países desenvolvidos, isso está dando certo no Brasil.

2. UMA NOVA TIPOLOGIA NA SAÚDE: AS CONDIÇÕES DE SAÚDE


As condições de saúde podem ser definidas como as circunstâncias na saúde das pessoas que
se apresentam de formas mais ou menos persistentes e que exigem respostas sociais reativas ou
proativas, eventuais ou contínuas e fragmentadas ou integradas dos sistemas de saúde.
A categoria condição de saúde é fundamental na atenção à saúde porque, conforme assinalam
Porter e Teisberg (2007), só se agrega valor para as pessoas nos sistemas de saúde quando se en-
frenta uma condição de saúde por meio de um ciclo completo de atendimento a ela.
Tradicionalmente, trabalha-se em saúde com uma divisão entre doenças transmissíveis e doen-
ças crônicas não transmissíveis. Essa tipologia clássica fundamenta-se na etiopatogenia das doenças
e tem sido largamente utilizada, com sucesso, no campo da epidemiologia, mas, por outro lado, ela
não se presta para referenciar a organização dos sistemas de saúde, como constatou a Organização
Mundial da Saúde (2003).
Há duas razões principais em relação a esta tipologia que limitam seu alcance para referenciar
a organização dos sistemas de saúde. Primeira, porque ela se limita a doenças e os sistemas de saú-
de têm de responder socialmente a muitas condições que não são doenças, como às fases do ciclo
vital e às condições gerais e inespecíficas, à gravidez e outras. Segunda, porque ela não é suficiente
para estruturar a organização dos sistemas de saúde. Tome-se o caso das doenças transmissíveis. Do
ponto de vista da resposta social aos problemas de saúde, certas doenças transmissíveis, pelo longo
período de seu curso natural, estão mais próximas da lógica de enfrentamento das doenças crônicas
que das doenças transmissíveis de curso rápido.
Essas limitações da tipologia clássica levaram à formulação de nova tipologia, as condições
de saúde, desenvolvida, inicialmente, por teóricos ligados aos modelos de atenção às condições
crônicas (WAGNER, 1998; VON KORFF et al., 1997), e depois acolhida pela Organização Mundial da
Saúde (2003).

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 11


Essa nova tipologia, centrada no conceito de condições de saúde, foi consagrada em livro pu-
blicado pela Organização Mundial da Saúde (2003). Ela não parte do fundamento da etiopatogenia,
mas da forma como se organizam as respostas sociais pelos sistemas de saúde para enfrentar as
condições de saúde.
As condições de saúde são definidas como as circunstâncias na saúde das pessoas que se
apresentam de formas mais ou menos persistentes e que exigem respostas sociais reativas ou proa-
tivas, episódicas ou contínuas e fragmentadas ou integradas (MENDES, 2011).
Essa tipologia está orientada, principalmente, por algumas variáveis-chave contidas no con-
ceito de condição de saúde: primeira, o tempo de duração da condição de saúde, se breve ou
longo; segunda, a forma de enfrentamento pelo sistema de saúde, se episódica, reativa e feita
sobre a queixa principal, ou se contínua, proativa e realizada por meio de cuidados, mais ou menos
permanentes, contidos em um plano de cuidado elaborado conjuntamente pela equipe de saúde e
pelas pessoas usuárias; e por fim, o modo como se estrutura o sistema de saúde, se fragmentado
ou integrado.
As condições de saúde são subdivididas em condições agudas e condições crônicas.
As condições agudas são aquelas condições de saúde de curso curto que se manifestam de
forma pouco previsível e que podem ser controladas de forma episódica e reativa e exigindo tempo
de resposta oportuno do sistema de saúde. Imaginava-se que essas condições agudas poderiam ser
manejadas por um sistema fragmentado, mas experiências com redes de urgência e emergência re-
alizadas em Minas Gerais demonstraram que as condições agudas convocam, necessariamente, sua
organização em sistemas integrados ou em redes de atenção à saúde (MENDES, 2011).
As condições agudas, em geral, apresentam curso curto, inferior a três meses de duração, e
tendem a autolimitar-se (VON KORFF et al., 1997; SINGH, 2008). O ciclo de sua evolução é singular.
As condições agudas, em geral, iniciam-se repentinamente, apresentam causa simples e facil-
mente diagnosticada, são de curta duração, e respondem bem a tratamentos específicos, como os
tratamentos medicamentosos ou as cirurgias. Existe, tanto para os médicos quanto para as pessoas
usuárias, incerteza relativamente pequena. O ciclo típico de uma condição aguda é sentir-se mal por
algum tempo, ser tratado e ficar melhor. A atenção às condições agudas depende dos conhecimentos
e das experiências profissionais, fundamentalmente dos médicos, para diagnosticar e prescrever o
tratamento correto. Tome-se, como exemplo de condição aguda, uma apendicite. Ela começa rapida-
mente, com queixas de náusea e dor no abdômen. O diagnóstico, feito no exame médico, leva a uma
cirurgia para remoção do apêndice. Segue-se um período de convalescença e, depois, a pessoa volta
à vida normal com a saúde restabelecida (LORIG et al., 2006).
Muitas condições agudas podem evoluir para condições crônicas. É o caso de certos traumas
que deixam sequelas de longa duração, determinando algum tipo de incapacidade que exigirá cuida-
dos, mais ou menos permanentes, do sistema de saúde.

12
As principais condições agudas são: condições gerais e inespecíficas que se manifestam aguda-
mente como tosse e febre; doenças transmissíveis de curso curto, como gripes; doenças infecciosas
ou inflamatórias, como apendicite e amigdalite; e os traumas.
Diferentemente, as condições crônicas são aquelas condições de saúde de curso mais ou me-
nos longo ou permanente que exigem respostas e ações contínuas, proativas e integradas do sistema
de atenção à saúde, dos profissionais de saúde e das pessoas usuárias para o seu controle efetivo,
eficiente e com qualidade.
As condições crônicas exigem necessariamente uma resposta social dos sistemas de saúde
que seja contínua, proativa e integrada, mas não somente de parte dos sistemas de saúde, mas
também dos profissionais de saúde e das pessoas usuárias. Dessa forma, a categoria paciente, tão
utilizada correntemente para nominar as pessoas usuárias dos sistemas de saúde, não se presta para
condições crônicas porque as condições crônicas exigem proatividade dessas pessoas, especialmen-
te no autocuidado (MENDES, 2012).
O Quadro 1 mostra as diferenças das respostas sociais em relação às condições agudas e crônicas.

Quadro 1 – Organização das respostas sociais às condições agudas e crônicas


pelos sistemas de saúde
CONDIÇÕES AGUDAS CONDIÇÕES CRÔNICAS
Episódicas Contínuas
Reativas Proativas
Integradas Integradas
FONTES: ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (2003); MENDES (2011).

As condições crônicas, especialmente as doenças crônicas, iniciam e evoluem lentamente. Usu-


almente, apresentam múltiplas causas que variam no tempo, incluindo hereditariedade, estilos de vida,
exposição a fatores ambientais e a fatores fisiológicos. Em geral, faltam padrões regulares ou previsíveis
para as condições crônicas. Ao contrário das condições agudas que, em geral, pode-se esperar uma re-
cuperação adequada, as condições crônicas levam a mais sintomas e à perda de capacidade funcional.
Cada sintoma pode levar a outros, em ciclo vicioso dos sintomas: condição crônica leva à tensão mus-
cular que leva à dor que leva ao estresse e à ansiedade que leva a problemas emocionais que levam à
depressão que leva à fadiga que leva à mais condição crônica (LORIG et al., 2006).
As principais características das condições crônicas são: apresentam causas múltiplas e com-
plexas; evoluem gradualmente ainda que possam se manifestar repentinamente e apresentar mo-
mentos de agudização; evoluem ao longo de todo ciclo de vida ainda que sejam mais prevalentes em
idades mais avançadas; podem comprometer a qualidade da vida por meio de limitações funcionais
ou incapacidades; são de curso longo ou persistentes e podem levar a uma deterioração gradual da
saúde; requerem cuidados de longa duração; apesar de não serem a ameaça mais imediata à vida,

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 13


constituem as causas mais comuns de mortalidade prematura; todas as doenças crônicas são condi-
ções crônicas, mas as doenças transmissíveis de curso longo são também condições crônicas; grande
parte das condições crônicas pode ser prevenida ou ter sua aparição prolongada ou ter suas compli-
cações reduzidas; a distribuição populacional das condições crônicas não é uniforme e elas tendem
a atingir mais fortemente os mais pobres; e, em geral, resultam de fatores de riscos não controlados
de forma apropriada e oportuna (GOBIERNO VASCO, 2010).
As condições crônicas vão, portanto, muito além das doenças crônicas (diabetes, doença car-
diovascular, câncer, doença respiratória crônica etc.), ao envolverem outras condições, como: fatores
de risco individuais biopsicológicos (colesterol elevado, depressão, hipertensão arterial, nível glicê-
mico alterado, sobrepeso ou obesidade); algumas condições gerais e inespecíficas mais duradouras;
doenças transmissíveis de curso longo como hanseníase, HIV/Aids e certas hepatites; condições ma-
ternas e perinatais como gravidez; manutenção da saúde por ciclos de vida (puericultura, hebicultura
e senicultura); enfermidades (illnesses) – sintomas medicamente não explicáveis, sofrimento difuso,
transtorno histerossomático, transtorno somatoforme, síndrome da não doença e poliqueixa; transtor-
nos mentais de longo prazo; deficiências físicas e estruturais contínuas (amputações e deficiências
motoras persistentes); e maioria das doenças bucais (MENDES, 2011).
Por fim, se, de um lado, as condições agudas manifestam-se inequivocamente por eventos
agudos, percebidos subjetiva e/ou objetivamente, as condições crônicas podem apresentar, em de-
terminados períodos, eventos agudos decorrentes de sua agudização, muitas vezes, causados pelo
manejo inadequado dessas condições crônicas pelos sistemas de saúde. Portanto, os eventos agudos
são diferentes de condições agudas e é comum que ocorram, também, nas condições crônicas. As
condições agudas manifestam-se, em geral, por eventos agudos; as condições crônicas podem se
manifestar, em momentos discretos e de forma exuberante, sob a forma de eventos agudos. Nesses
momentos tópicos de transformação em eventos agudos, as condições crônicas agudizadas devem
ser enfrentadas pelo sistema de saúde, na mesma lógica episódica, reativa e integrada das condições
agudas, ou seja, pela rede de atenção às urgências e emergências.
Dessa forma, as condições crônicas podem ser subdivididas em condições crônicas agudizadas
e em condições crônicas não agudizadas.
Um bom sistema de saúde é aquele que consegue, pela ação correta de seu modelo de aten-
ção, minimizar a ocorrência das condições crônicas agudizadas. As condições crônicas não agudi-
zadas, por seu turno, podem ser subdivididas em condições crônicas não agudizadas compensadas
(por exemplo, pessoas portadoras de diabetes com glicemia controlada e pessoas portadoras de
hipertensão arterial controlada) e em condições crônicas não agudizadas não compensadas (pessoas
portadoras de diabetes sem controle da glicemia e pessoas portadoras de hipertensão arterial não
controlada). Em razão da centralidade da compensação no manejo das condições crônicas, essas
divisões são fundamentais para a organização dos sistemas de saúde (MENDES, 2011).

14
O entendimento correto do conceito de condições de saúde e das diferenças entre condições
agudas e condições crônicas impõe-se para entender e solucionar a crise contemporânea dos sis-
temas de saúde. Nesse sentido, cabe ressaltar uma advertência da Organização Mundial da Saúde
(2003):

[...] quando as doenças transmissíveis se tornam crônicas, essa definição entre transmissível e não
transmissível se torna artificial e desnecessária. De fato, a distinção transmissível/não transmissí-
vel pode não ser tão útil quanto os termos agudo e crônico para descrever o espectro dos problemas
de saúde.

3. AS RAZÕES DA CRISE CONTEMPORÂNEA DOS MODELOS DE


ATENÇÃO À SAÚDE
A ruptura do postulado da coerência que constitui a base da crise contemporânea dos modelos
de atenção à saúde explica-se por um descompasso temporal entre os fatores contextuais e os fatores
internos dos sistemas de saúde.
A crise dos modelos de atenção à saúde justifica-se por fatores históricos, culturais e técnicos.
Uma análise histórica dos sistemas de saúde mostrou que, até a primeira metade do século XX,
eles se voltaram para as doenças infecciosas e, na segunda metade daquele século, para as condi-
ções agudas. E afirma que, nesse início de século XXI, os sistemas de saúde devem ser reformados
profundamente para dar conta da atenção à hegemonia das condições crônicas. As razões estão
resumidas em uma citação que faz:

O paradigma predominante da doença aguda é um anacronismo. Ele foi formatado pela noção do
século XIX da doença como uma ruptura de um estado normal determinada por um agente externo ou
por um trauma. Sob esse modelo a atenção à condição aguda é o que enfrenta diretamente a ameaça.
Mas a epidemiologia moderna mostra que os problemas de saúde prevalecentes hoje, definidos em
termos de impactos sanitários e econômicos, giram em torno das condições crônicas (HAM, 2007).

Na mesma linha, a Organização Mundial da Saúde afirma que, historicamente, os problemas


agudos, como certas doenças infecciosas e os traumas, constituem a principal preocupação dos sis-
temas de saúde. Os avanços da ciência biomédica e da saúde pública, verificados especialmente no
século passado, permitiram reduzir o impacto de inúmeras doenças infecciosas. Por outro lado, houve
aumento relativo das doenças crônicas. E adverte:

Pelo fato de os atuais sistemas de saúde terem sido desenvolvidos para tratar dos problemas agu-
dos e das necessidades prementes dos pacientes, eles foram desenhados para funcionar em situa-
ções de pressão. Por exemplo, a realização de exames, o diagnóstico, a atenuação dos sintomas e
a expectativa de cura são características do tratamento dispensado atualmente. Além disso, essas

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 15


funções se ajustam às necessidades de pacientes que apresentam problemas de saúde agudos
ou episódicos. No entanto, observa-se uma grande disparidade quando se adota o modelo de tra-
tamento agudo para pacientes com problemas crônicos. O tratamento para as condições crônicas,
por sua natureza, é diferente do tratamento dispensado a problemas agudos. Nesse sentido, os
sistemas de saúde predominantes em todo o mundo estão falhando, pois não estão conseguindo
acompanhar a tendência de declínio dos problemas agudos e de ascensão das condições crônicas.
Quando os problemas de saúde são crônicos, o modelo de tratamento agudo não funciona. De fato,
os sistemas de saúde não evoluíram, de forma perceptível, mais além do enfoque usado para tratar
e diagnosticar doenças agudas. O paradigma do tratamento agudo é dominante e, no momento,
prepondera em meio aos tomadores de decisão, trabalhadores da saúde, administradores e pa-
cientes. Para lidar com a ascensão das condições crônicas, é imprescindível que os sistemas de
saúde transponham esse modelo predominante. O tratamento agudo será sempre necessário, pois
até mesmo as condições crônicas apresentam episódios agudos; contudo, os sistemas de saúde
devem adotar o conceito de tratamento de problemas de saúde de longo prazo (ORGANIZAÇÃO
MUNDIAL DA SAÚDE, 2003).

A razão cultural para a crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde está nas con-
cepções vigentes sobre as condições crônicas, especialmente sobre as doenças crônicas, e sobre as
formas de enfrentá-las, o que implicam o seu negligenciamento. A Organização Mundial da Saúde
(2005) sintetiza em 10 enganos generalizados, as ideias equivocadas ou os mitos de que as doenças
crônicas são uma ameaça distante ou menos importante que as condições agudas.
Mito 1 – As doenças crônicas afetam principalmente os países de alta renda. Isso não é ver-
dade porque quatro de cada cinco mortes por doenças crônicas acontecem em países de baixa e
média renda.
Mito 2 – Os países de baixa e média renda deveriam controlar as doenças infecciosas antes
das doenças crônicas. Isso não é verdade porque esses países apresentam dupla ou tripla carga das
doenças e estão no centro de antigos e novos desafios de saúde pública.
Mito 3 – As doenças crônicas afetam principalmente as pessoas ricas. Isso não é verdade por-
que, em geral, as pessoas mais pobres, mais provavelmente que as ricas, irão desenvolver doenças
crônicas e é mais possível que morram em consequência disso.
Mito 4 – As doenças crônicas afetam as pessoas de idade. Isso não é verdade porque quase
metade das mortes causadas por doenças crônicas ocorre prematuramente, em pessoas com menos
de 70 anos de idade, e um quarto das mortes são em pessoas de menos de 60 anos de idade.
Mito 5 – As doenças crônicas afetam primordialmente os indivíduos do sexo masculino. Isso
não é verdade porque as doenças crônicas, até mesmo as doenças cardiovasculares, afetam mulhe-
res e homens de maneira quase igual.
Mito 6 – As doenças crônicas são resultados de estilos de vida não saudáveis. Isso não é verda-
de porque leva a uma vitimização das pessoas portadoras de doenças crônicas e a responsabilização
individual só pode ter efeito total quando as pessoas têm acesso igual a uma vida saudável e recebem
apoio para tomar decisões saudáveis.

16
Mito 7 – As doenças crônicas não podem ser prevenidas. Isso não é verdade porque as prin-
cipais causas das doenças crônicas são conhecidas e, se esses fatores de risco fossem eliminados,
pelo menos 80% de todas as doenças cardíacas e do diabetes de tipo 2 poderiam ser evitados e 40%
dos cânceres poderiam ser prevenidos.
Mito 8 – A prevenção e o controle das doenças crônicas são caros demais. Isso não é verdade
porque há uma gama de intervenções sobre as doenças crônicas que são economicamente viáveis e
propiciam ótimo retorno para os investimentos, mesmo nas regiões mais pobres.
Mito 9 – Meu avô fumou e viveu acima do peso até os 90 anos de idade. Isso não é verdade por-
que em qualquer população haverá certo número de pessoas que não demonstra os padrões típicos
observados na grande maioria, o que não significa que tabagismo e excesso de peso deixem de ser
fatores de risco importantes nas doenças crônicas.
Mito 10 – Todo mundo tem de morrer de alguma coisa. Certamente todos terão de morrer um
dia, mas a morte não precisa ser lenta, nem prematura, nem com sofrimento prolongado. A morte é
inevitável, mas o sofrimento desnecessário, não.
A razão técnica para a crise dos modelos de atenção à saúde consiste no enfrentamento das
condições crônicas na mesma lógica das condições agudas, ou seja, por meio de tecnologias desti-
nadas a responder aos momentos de agudização das condições crônicas – normalmente autoperce-
bidos pelas pessoas –, por meio da atenção à demanda espontânea, principalmente em unidades
de pronto atendimento ambulatorial ou hospitalar. E desconhecendo a necessidade imperiosa de
atenção contínua e proativa nos momentos silenciosos das condições crônicas quando elas, insidiosa
e silenciosamente, evoluem. É o que se vê no Gráfico 1.

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 17


Gráfico 1 – A lógica da atenção às condições agudas aplicada às condições crônicas

Y
UH

B
X
UPA

APS

UPS: Atenção Primária à Saúde


UPA: Unidade de Pronto Atendimento Ambulatorial
UH: Unidade Hospitalar

FONTE: ADAPTADO DE EDWARDS ET AL. (1998).

Esse gráfico mostra o curso hipotético da severidade de uma doença, em pessoa portadora de
condição crônica.
A região inferior, da base do gráfico até a linha A, representa, em determinado tempo, o grau
de severidade da condição crônica que pode ser gerido rotineiramente pelas equipes de Atenção
Primária à Saúde (APS); o espaço entre as linhas A e B representa, em determinado tempo, o grau de
severidade da condição crônica que pode ser respondido por uma Unidade de Pronto Atendimento
ambulatorial (UPA); e, finalmente, o espaço superior à linha B representa, em determinado tempo, o
grau de severidade da condição crônica que necessita de pronto atendimento em Unidade Hospitalar
(UH). Suponha-se que se represente a atenção a um portador de diabetes tipo 2. Pela lógica da aten-
ção às condições agudas, essa pessoa quando se sente mal, ou quando agudiza sua doença, busca
o sistema e é atendida na UPA (ponto X); em segundo momento, apresenta uma descompensação
metabólica e é internada em Unidade Hospitalar (ponto Y). Contudo, nos intervalos entre esses mo-
mentos de agudização de sua condição crônica, não recebe atenção contínua, proativa e integrada,
sob a coordenação da APS. Esse sistema de saúde atende às condições crônicas na lógica da atenção
às condições agudas, ao fim de um período mais longo de tempo, determinará resultados sanitários e
econômicos desastrosos. O portador de diabetes caminhará, com o passar do tempo, inexoravelmen-
te, por uma retinopatia, por uma nefropatia, por lesões vasculares graves. A razão é que esse modelo
de atenção só atua sobre condições de saúde já estabelecidas, em momentos de manifestações clíni-
cas exuberantes, autopercebidas pelos portadores, desconhecendo os fatores determinantes sociais

18
intermediários, os fatores de risco biopsicológicos ou ligados aos comportamentos e aos estilos de
vida e o gerenciamento da condição de saúde estabelecida, com base em APS de qualidade.
Essa forma de atenção voltada para as condições agudas, concentrada em unidades de pronto
atendimento ambulatorial e hospitalar, não permite intervir adequadamente nos portadores de dia-
betes para promover o controle glicêmico, reduzir o tabagismo, diminuir o sedentarismo, controlar o
peso e a pressão arterial, promover o controle regular dos pés e ofertar exames oftalmológicos regula-
res. Sem esse monitoramento contínuo das intervenções sanitárias, não há como controlar o diabetes
e melhorar os resultados sanitários e econômicos dessas subpopulações portadoras de diabetes.
Os resultados dessa forma de atenção das condições crônicas por meio de sistemas de saúde,
voltados para a atenção a eventos agudos, são dramáticos. Não obstante, são muito valorizados pelos
políticos, pelos gestores, pelos profissionais de saúde e pela população que é sua grande vítima.
Uma prospecção mais profunda sobre as razões da crise contemporânea dos modelos de aten-
ção à saúde mostra que ela decorre, em grande parte, de um descompasso temporal entre a evolução
acelerada dos fatores contextuais e dos fatores internos dos sistemas de saúde. É esse gap temporal
que conduziu à ruptura do postulado da coerência e à instalação da crise.
A causa fundamental dessa crise reside na discrepância temporal entre seus fatores contextu-
ais (a situação de saúde) e internos (a resposta social engendrada pelo sistema de saúde).
Os sistemas de saúde movem-se em relação dialética entre seus fatores contextuais (transição
demográfica, transição nutricional, transição tecnológica e transição epidemiológica) que determinam
a situação de saúde e os fatores internos (cultura organizacional, recursos, estrutura organizacional,
estilos de liderança e de gestão, modelos de atenção à saúde e sistemas de pagamento e incentivos).
Os fatores contingenciais que são externos ao sistema movem-se em ritmo extremamente rápido,
fora de controle pelos sistemas de saúde. Por outro lado, os fatores internos, sob governabilidade dos
sistemas de saúde, mudam lentamente fazendo que esses sistemas não tenham a capacidade de se
adaptarem, oportunamente, às vertiginosas mudanças contextuais. Nisso reside a crise contempo-
rânea dos modelos de atenção à saúde que foram desenvolvidos na presunção de continuidade de
uma atuação voltada para condições e eventos agudos e desconsiderando a “epidemia” moderna das
condições crônicas em geral e das doenças crônicas em especial (BENGOA, 2008).
O resultado é que temos, aqui e alhures, uma situação de saúde do século XXI sendo respon-
dida socialmente por um modelo de atenção à saúde desenvolvido no século XX que se volta, princi-
palmente, para as condições e eventos agudos, desconsiderando as mudanças que aconteceram na
situação de saúde. Rompeu-se, dessa forma, o postulado da coerência e instalou-se a crise.

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 19


4. AS TRANSIÇÕES CONTEXTUAIS E AS MUDANÇAS NA SITUAÇÃO
DE SAÚDE
As mudanças nos fatores contextuais dos sistemas de saúde se dão em quatro vertentes tran-
sicionais: a transição demográfica, a transição nutricional, a transição tecnológica e a transição epi-
demiológica. Essas transições ocorrem de forma concomitante e são profundas. A singularidade bra-
sileira é que, aqui, essas transformações dão-se com enorme velocidade, o que dificulta a adaptação,
a elas, em tempo oportuno, pelos sistemas de saúde.
Agregue-se a elas a transição tecnológica que afeta profundamente a resposta social dada pe-
los sistemas de saúde.

4.1 A TRANSIÇÃO DEMOGRÁFICA


No Brasil, a transição demográfica é muito acelerada. Como se observa no Gráfico 2, o efeito
combinado de redução dos níveis de fecundidade e de mortalidade resulta em transformação da pirâ-
mide etária da população. O formato triangular, com base alargada, do início dos anos 2000, irá ceder
lugar, em 2030, a uma pirâmide com parte superior mais larga, típica de sociedades envelhecidas.

Gráfico 2 – Pirâmides etárias da população brasileira, anos 2005 e 2030


Brasil: Pirâmide etária absoluta Brasil: Pirâmide etária absoluta
Brasil - 2005 Brasil - 2030
75 75
70 70
Homens 65 Mulheres Homens 65 Mulheres
60 60
55 55
50 50
45 45
40 40
35 35
30 30
25 25
20 20
15 15
10 10
5 5
0 0
2.000.000 1.500.000 1.000.000 500.000 500.000 1.000.000 1.500.000 2.000.000 2.000.000 1.500.000 1.000.000 500.000 500.000 1.000.000 1.500.000 2.000.000
População População

FONTE: IBGE (2004).

A população brasileira, apesar de baixas taxas de fecundidade, vai continuar crescendo nas
próximas décadas, como resultado dos padrões de fecundidade anteriores. Manifesta-se envelheci-
mento da população em decorrência da queda da fecundidade e do aumento da expectativa de vida.
O percentual de jovens de 0 a 14 anos que era de 42% em 1960 passou para 30% em 2000 e deverá
cair para 18% em 2050. Diversamente, o percentual de pessoas idosas maiores de 65 anos que era

20
de 2,7% em 1960 passou para 5,4% em 2000 e deverá alcançar 19% em 2050, superando o número
de jovens (BRITO, 2007).
Uma população em processo rápido de envelhecimento significa crescente incremento relativo
das condições crônicas e, especialmente das doenças crônicas, porque elas afetam mais os segmen-
tos de maior idade, conforme se vê no Gráfico 3.

Gráfico 3 – Proporção de pessoas que referiram doença crônica por idade,


Brasil 1998 e 2003

100,0
90,0 80,5
77,6
80,0
69,3
70,0 64,5
60,0 52,5
50,0 46,6 1998
40,0 31,6 2003
29,9 29,7
30,0 24,6
20,0 13,311,2
10,0 9,1 9,1 9,0 9,4

0,0
Total 0a4 5 a 13 14 a 19 20 a 30 40 a 49 50 a 64 65 anos
anos anos anos anos anos anos ou mais

FONTE: TRAVASSOS ET AL. (2005).

Os dados do Gráfico 3, provenientes de Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios


(Pnad/2003), mostram que, em 2003, 77,6% dos brasileiros de 65 ou mais anos de idade relataram
ser portadores de doenças crônicas, sendo que um terço deles, de mais de uma doença crônica. Os
resultados da Pnad 2008 mostraram que 71,9% das pessoas de 65 anos ou mais declararam ter, pelo
menos, um dos 12 tipos de doenças crônicas selecionadas. Do total de pessoas, 31,3% reportaram
doenças crônicas, o que significa 59,5 milhões de brasileiros; 5,9% da população declararam ter três
ou mais doenças crônicas (IBGE, 2010).
Pode-se presumir, portanto, que, no futuro, a transição demográfica muito rápida poderá deter-
minar elevação progressiva da morbimortalidade por condições crônicas no Brasil, tanto em termos
absolutos como relativos. Prospectivamente, pode-se dizer que a carga das doenças no Brasil está
sendo pressionada por doenças crônicas em razão da transição demográfica. O país terá mais velhos
e mais pessoas portadoras de doenças crônicas.

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 21


4.2 A TRANSIÇÃO NUTRICIONAL
A transição nutricional manifesta-se, nos países em desenvolvimento, em dupla carga: de um
lado permanece uma situação de subnutrição que afeta, especialmente, as crianças pobres: 60% das
10,9 milhões de mortes de crianças menores de cinco anos que ocorrem, anualmente, no mundo,
estão ligadas à desnutrição. Muitas crianças apresentam baixo peso e isso influencia negativamente
o desenvolvimento e o crescimento na infância e aumenta os riscos de desenvolvimento de doenças
crônicas na idade adulta (BARKER et al., 2001). Por outro lado, as mudanças que se dão na ordem
mundial aumentam a ocorrência de condições crônicas nesses países em desenvolvimento, em parte,
determinadas pelas dietas inadequadas e que afetam, predominantemente, os mais pobres. Essa du-
pla carga tem de ser enfrentada de forma integrada, uma vez que, nos países em desenvolvimento, a
subnutrição convive com as epidemias da obesidade e das doenças crônicas e, ambas, incidem mais
sobre as populações pobres.
As mudanças nos estilos de vida e nas dietas, em razão do desenvolvimento econômico, da
industrialização e da globalização, são profundas e rápidas. Isso tem causado impacto no estado
nutricional das populações do mundo, particularmente nos países em desenvolvimento. Os alimen-
tos tornaram-se commodities produzidas e comercializadas em escala planetária. A disponibilidade
de alimentos tem se expandido e se tornado mais diversificada, a par de determinar consequências
negativas nos padrões dietéticos, como o consumo crescente de alimentos com altos teores de gor-
dura, particularmente de gorduras saturadas, e baixos teores de carboidratos não refinados. Isso tem
implicações nas condições de saúde, especialmente nas condições crônicas.
As relações entre dieta e as condições crônicas estão bem estabelecidas. Há evidências das
relações entre dieta e doenças cardiovasculares, sobrepeso e obesidade, hipertensão, dislipidemias,
diabetes, síndrome metabólica, câncer e osteoporose (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2003; INSTI-
TUTE OF MEDICINE, 2008). A Organização Mundial da Saúde estima que o consumo insuficiente de
frutas e hortaliças é responsável por 31% das doenças isquêmicas do coração, 11% das doenças
cérebro-vasculares e 19% dos cânceres gastrointestinais ocorridos no mundo (WORLD HEALTH ORGA-
NIZATION, 2002).
No Brasil, vive-se uma transição nutricional que consiste na substituição de um padrão alimentar
com base no consumo de cereais, feijões, raízes e tubérculos por uma alimentação mais rica em gordu-
ras e açúcares, além da crescente ingestão de ingredientes químicos (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2008).
Por consequência, vem ocorrendo redução da prevalência de desnutrição e aumento do sobre-
peso e da obesidade de forma muito acelerada. Pesquisas demonstram que no período de 1974 a
2009, o percentual de adultos com excesso de peso variou, no sexo masculino, de 18,5% para 50,1%
e de obesidade de 2,8% para 12,4%; no sexo feminino, o excesso de peso variou de 28,7% para
48,0% e de obesidade de 8,0% para 16,9%. Em crianças de cinco a nove anos de idade, do sexo mas-

22
culino, o excesso de peso variou de 10,9% para 34,8% e a obesidade de 2,9% para 16,6%; no sexo
feminino, o excesso de peso variou de 8,6% para 32,0% e a obesidade de 1,8% para 11,8% (MALTA,
2011). Esses dados atestam que metade dos adultos brasileiros e um terço das crianças de cinco a
nove anos apresentam sobrepeso ou obesidade.
A transição nutricional brasileira é profunda e muito acelerada. Ela indica uma situação de saú-
de futura que tende a aumentar a participação relativa das doenças crônicas na carga de doenças.

4.3 A TRANSIÇÃO TECNOLÓGICA


A transição tecnológica não afeta diretamente a conformação da situação de saúde, mas, por
seu crescimento vertiginoso, incide sobre as possibilidades de organizar modelos de atenção à saúde
adequados, contribuindo significativamente para a crise.
A tecnologia de saúde apresenta muitas singularidades: há importante gap de tempo entre o
desenvolvimento das tecnologias médicas e de sua incorporação na prática clínica; parte da tecnolo-
gia médica é incorporada sem que haja evidência de sua efetividade; a ética hipocrática, a assimetria
de informações e a indução da demanda pela oferta tendem a levar à sobreutilização das tecnologias
médicas; a tecnologia médica não é substitutiva, mas acumulativa e, também, não é substitutiva de
mão de obra; é difícil obter informação oportuna em razão do grande volume e do crescimento expo-
nencial das tecnologias médicas; é difícil separar as fases de experimentação, de incorporação e de
esgotamento das tecnologias médicas; e as tecnologias médicas, especialmente as de alta densida-
de, exercem enorme fetiche sobre profissionais de saúde e população (MENDES, 2002).
Essas características, além de sua forma de incorporação e uso, conformam o que se tem de-
nominado de paradoxo da tecnologia médica que se expressa em uma contradição: os avanços na
ciência e na tecnologia têm melhorado a habilidade dos sistemas de saúde em diagnosticar e tratar
as condições de saúde, mas o alto volume das tecnologias desenvolvidas supera a capacidade desses
sistemas em aplicá-las de forma regular e racional (SMITH et al., 2013).
A produção científica e tecnológica, no campo biomédico, cresce exponencialmente, tendo sido
quadruplicada no período de 1970 a 2010, conforme se vê no Gráfico 4, passando de 200 mil a quase
800 mil artigos publicados por ano.

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 23


Gráfico 4 – Número de artigos publicados em revistas médicas, 1970/2010
800.000

Medical Journal Articles

600.000

400.000

200.000

0
1970 1980 1990 2000 2010
FONTE: SMITH ET AL. (2013). Ano

O grande número de artigos leva a situações como: a produção diária média dos pesquisadores
é de 75 ensaios clínicos e de 11 revisões sistemáticas por dia; uma pesquisa mostrou que professores
de uma faculdade de medicina conseguem ler, em média, 322 artigos por ano, o que corresponde a
0,1% da literatura médica produzida durante o ano da pesquisa; se um especialista em imagem cardí-
aca conseguir ler 40 artigos por dia ele gastará 11 anos para estar atualizado em seu campo temático
(TENOPIR, 2004; BASTIAN, 2010; FRASER e DUNSTAN, 2010).
O crescimento simultâneo do desenvolvimento, da incorporação e do uso da tecnologia médica
conduz ao aumento da complexidade clínica, o que significa que profissionais de saúde e pessoas
usuárias dos sistemas de saúde têm crescentemente mais informações a considerar e mais decisões
a tomar. Ademais, as decisões a tomar são difíceis em razão de variadas opções de benefícios, ris-
cos e trade-offs e as informações recebidas pelas pessoas usuárias são em geral insuficientes para
uma tomada racional de decisões. Como resultado, pesquisas demonstram que apenas metade das
pessoas usuárias recebe informações suficientemente claras sobre os benefícios e trade-offs dos
tratamentos propostos (SEPUCHA et al., 2010; ZICKMUND-FISHER et al., 2010).
A incorporação de novas tecnologias nem sempre se faz precedida de boas avaliações tecnoló-
gicas que se estruturem a partir da medicina com base em evidência e da avaliação econômica dos
serviços de saúde (GRAY, 2009). O resultado é a utilização de tecnologias sem base em evidências.
Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos mostrou que os americanos recebem, em média, somen-
te 50% dos cuidados agudos, crônicos e preventivos recomendados por pesquisas e diretrizes clínicas
com base em evidências (McGLYNN et al., 2003). Além dos problemas da efetividade, esse modo de
incorporação e uso de tecnologia médica tem levado a excessos de diagnóstico e de tratamento que
causam problemas às pessoas usuárias e pressionam fortemente os custos da atenção à saúde.

24
Estima-se que as intervenções médicas excessivas possam custar em torno de 400 bilhões de dólares
por ano e que possam provocar a morte de 30 mil pessoas a cada ano nos Estados Unidos (BROWN-
LEE, 2007; INSTITUTE OF MEDICINE, 2010; WELSH et al., 2011).

4.4 A TRANSIÇÃO EPIDEMIOLÓGICA


A transição epidemiológica que se fez no mundo desenvolvido e que vem se fazendo, de forma
muito acelerada, nos países em desenvolvimento, indica crescimento relativo forte das condições
crônicas, especialmente das doenças crônicas.
Entende-se por transição epidemiológica as mudanças ocorridas, temporalmente, na frequ-
ência, na magnitude e na distribuição das condições de saúde e que se expressam nos padrões de
morte, morbidade e invalidez que caracterizam uma população específica e que, em geral, aconte-
cem, concomitantemente, com outras transformações demográficas, sociais e econômicas (SAN-
TOS-PRECIADO et al., 2003).
Há, contudo, padrões diferenciados de transição epidemiológica, especialmente, verificáveis
nos países desenvolvidos e em desenvolvimento. Nos países desenvolvidos, a transição fez-se, classi-
camente, por etapas sequenciais, segundo o modelo de Omran (1971). Contudo, essa transição, nos
países em desenvolvimento, em geral, e no Brasil, em particular, apresenta características específicas
em relação aos países desenvolvidos, ao superporem-se uma agenda tradicional e uma nova agenda
da saúde pública.
Por isso, em vez de falar transição epidemiológica nos países em desenvolvimento, é melhor
dizer de acumulação epidemiológica ou modelo prolongado e polarizado (FRENK et al., 1991) ou de
dupla carga de doenças ou de duplo risco, caracterizada pela persistência de doenças infecciosas e
desnutrição e pela escalada rápida das doenças crônicas (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2003).
Essa situação epidemiológica singular dos países em desenvolvimento – que se manifesta cla-
ramente no Brasil –, define-se por alguns atributos fundamentais: a superposição de etapas, com a
persistência concomitante das doenças infecciosas e carenciais e das doenças crônicas; as contra-
transições, movimentos de ressurgimento de doenças que se acreditavam superadas, as doenças re-
emergentes como dengue e febre amarela; a transição prolongada, a falta de resolução da transição
em sentido definitivo; a polarização epidemiológica, representada pela agudização das desigualdades
sociais em matéria de saúde; e o surgimento das novas doenças ou enfermidades emergentes (MEN-
DES, 1999).
No Brasil, a transição epidemiológica faz-se de forma singular e muito acelerada.
A transição epidemiológica singular do país, observada pelo lado da mortalidade proporcional,
como se vê no Gráfico 5, indica que, em 1930, nas capitais do país, as doenças infecciosas respon-

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 25


diam por 46% das mortes e que este valor decresceu para um valor abaixo de 5% em 2000; ao mes-
mo tempo, as doenças cardiovasculares que representavam em torno de 12% das mortes em 1930
responderam, em 2009, por quase 30% de todos os óbitos. O que o gráfico demonstra é que, rapida-
mente, a participação relativa das condições de saúde modificou-se, indo de um predomínio claro das
doenças infecciosas e parasitárias na metade do século passado para o predomínio hegemônico e
crescente das doenças crônicas a partir da segunda metade do século passado.

Gráfico 5 – Evolução da mortalidade proporcional, segundo causas, Brasil, municípios de


capitais, 1930/2009
100%

90%

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%
1930 1935 1940 1945 1950 1955 1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2009

Outras doenças Aparelho circulatório Infecciosas e parasitárias


Causas externas Neoplasias

FONTE: MALTA (2011).

Outra forma de analisar a situação epidemiológica é pela carga de doenças.


A análise da carga de doenças no Brasil (SCHRAMM et al., 2004), medida pelos anos de vida
perdidos ajustados por incapacidade, exposta na Tabela 1, indica duas situações: de um lado, a situ-
ação de tripla carga de doenças e, de outro, o predomínio relativo forte das doenças crônicas.

26
Tabela 1 – Carga de doenças em Anos de Vida perdidos Ajustados por Incapacidade
(AVAIs), Brasil, 1998
GRUPOS DE DOENÇAS TAXA POR MIL HABITANTES %
Infecciosas, parasitárias e desnutrição 34 14,7
Causas externas 19 10,2
Condições maternas e perinatais 21 8,8
Doenças crônicas 124 66,3
Total 232 100,0
FONTE: SCHRAMM ET AL. (2004).

Essa complexa situação epidemiológica foi definida como tripla carga de doenças, porque en-
volve, ao mesmo tempo: uma agenda não concluída de infecções, desnutrição e problemas de saúde
reprodutiva; o desafio das doenças crônicas e de seus fatores de riscos, como tabagismo, sobrepeso,
inatividade física, uso excessivo de álcool e outras drogas e alimentação inadequada; e o forte cresci-
mento da violência e das causas externas (FRENK, 2006).
Em contrapartida, os dados da Tabela 1 mostram que 66,3% da carga de doença é por doen-
ças crônicas. Enquanto isso, as condições agudas, expressas nas doenças infecciosas, parasitárias e
desnutrição e nas causas externas, representam 25% da carga de doença. Contudo, deve-se observar
que, se considerando que as causas maternas e perinatais e parte significativa das doenças infeccio-
sas, aquelas de longo curso, devem ser consideradas como condições crônicas, a participação das
condições crônicas na carga de doença, provavelmente, chegará a aproximadamente 80%.
Esse predomínio relativo das condições crônicas tende a aumentar em razão da produção so-
cial de condições crônicas, a partir de prevalência significativa e, em geral, crescente, dos determinan-
tes sociais da saúde proximais ligados aos comportamentos e aos estilos de vida, como tabagismo,
inatividade física, excesso de peso, uso excessivo de álcool e outras drogas e outros (MINISTÉRIO DA
SAÚDE, 2013).

5. AS RESPOSTAS SOCIAIS ÀS SITUAÇÕES DE SAÚDE: AS FORMAS DE


ESTRUTURAÇÃO DOS SISTEMAS DE SAÚDE
A análise de sistemas comparados, em perspectiva internacional, permite verificar que as res-
postas sociais às situações de saúde pelos sistemas de saúde podem se apresentar em um contínuo
que vai desde a fragmentação até a integração. Por isso, pode-se falar de duas formas polares de
organização dos sistemas de saúde: os sistemas fragmentados de saúde e os sistemas integrados de
saúde ou as redes de atenção à saúde.

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 27


5.1 OS SISTEMAS FRAGMENTADOS DE SAÚDE
Os sistemas fragmentados de saúde são aqueles que se organizam por meio de um conjunto
de pontos de atenção à saúde, isolados e incomunicados uns dos outros, e que, por consequência,
são incapazes de prestar atenção contínua à população. Em geral, não há população adscrita de
responsabilização. Neles, a atenção primária à saúde não se comunica fluidamente com a atenção
secundária à saúde e, esses dois níveis, também não se articulam com a atenção terciária à saúde,
nem com os sistemas de apoio, nem com os sistemas logísticos (MENDES, 2011).
Nos sistemas fragmentados de atenção à saúde, vige uma visão de estrutura hierárquica, defi-
nida por níveis de “complexidades” crescentes, e com relações de ordem e graus de importância entre
os diferentes níveis, o que caracteriza uma hierarquia. Tal visão apresenta sérios problemas teóricos
e operacionais. Ela se fundamenta em um conceito de complexidade equivocado, ao estabelecer que
a atenção primária à saúde é menos complexa que a atenção nos níveis secundário e terciário. Esse
conceito distorcido de complexidade leva, consciente ou inconscientemente, a uma banalização da
atenção primária à saúde e a uma sobrevalorização, seja material, seja simbólica, das práticas que
exigem maior densidade tecnológica e que são exercitadas nos níveis secundário e terciário de aten-
ção à saúde. Isso além de desconstruir um lugar de coordenação dos sistemas de saúde, gerando
ineficiência e inefetividade.
Os sistemas fragmentados caracterizam-se por: organização por componentes isolados; orga-
nização por níveis hierárquicos; orientação para atenção às condições e aos eventos agudos; orienta-
ção para indivíduos; o sujeito é considerado paciente; atuação reativa e episódica; ênfase em ações
curativas e reabilitadoras; centralização no cuidado profissional, especialmente dos médicos; opera-
ção pela gestão da oferta; e sistemas de pagamento por procedimentos (MENDES, 2011).
Os sistemas fragmentados de saúde são fortemente hegemônicos no panorama da saúde inter-
nacional. Eles constituem as respostas sociais formuladas no século passado, principalmente na sua
primeira metade, para o enfrentamento de situações de saúde marcadas pelo predomínio relativo de
doenças infecciosas e pelas condições agudas decorrentes das agudizações de condições crônicas e
que opera por meio de um modelo de atenção à saúde reativo, episódico e descoordenado.
Os sistemas fragmentados de saúde parecem ter tido sucesso no enfrentamento dessa situa-
ção de saúde, tal como se vê no Gráfico 6.

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Gráfico 6 – Taxas de mortalidade por doenças infecciosas, não infecciosas e por todas
as causas. Estados Unidos – 1900 a 1996
Taxa de mortalidade por 100 mil habitantes por ano
2000
Todas as causas

Doenças crônicas
1500
Doenças infecciosas

1000

500

0
1900 1920 1940 1960 1980

Ano

FONTE: ARMSTRONG ET AL. (1999).

Verifica-se que nos Estados Unidos, no século passado, houve notável redução da mortalidade
por todas as causas, mas que essa redução explica-se pela queda da mortalidade das doenças infec-
ciosas. As taxas de mortalidade por doenças não infecciosas permaneceram estáveis.
A razão disso está em que o modelo de atenção praticado pelos sistemas fragmentados – ca-
racterizados por cuidados episódicos, reativos e descoordenados – não dão conta de enfrentar, com
sucesso, as condições crônicas que se tornaram fortemente predominantes. O que se observou nos
Estados Unidos ocorreu em escala mundial.
Tem razão Bengoa (2008) quando afirma:

O paciente está mudando, o padrão de enfermidades está mudando, as tecnologias mudaram; con-
tudo, o sistema de saúde não está mudando. Existe evidência crescente de que a forma atual de or-
ganização, financiamento e prestação de serviços de saúde não é compatível com um controle ótimo
das doenças crônicas.

O fracasso da fragmentação da atenção à saúde parece ser uma expressão temática desse
tipo de organização no conjunto dos sistemas econômicos e sociais. Há evidências de que a organi-

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 29


zação em silo, ou seja, um sistema de administração incapaz de operar reciprocamente com outros
sistemas com os quais se relaciona, tem sido um fracasso em todos os campos e em todos os países
(FRIEDMAN, 2007).
Os resultados de sistemas fragmentados de saúde, em relação ao manejo das condições crôni-
cas, são muito negativos. Tome-se o exemplo do diabetes nos Estados Unidos. Em 2007, havia 23,6
milhões de pessoas portadoras de diabetes, 17,9 milhões com diagnóstico e 5,7 milhões sem diag-
nóstico, o que correspondia a 32% do total (NATIONAL INSTITUTE OF DIABETES AND DIGESTIVE AND
KIDNEY DISEASES, 2007). Um estudo mostrou que: 35% dos portadores de diabetes desenvolveram
nefropatias, 58%, doenças cardiovasculares e 30% a 70%, neuropatias; os portadores de diabetes
tiveram cinco vezes mais chances que os não portadores de diabetes de apresentarem acidente
vascular cerebral; aproximadamente 15% dos portadores de diabetes sofreram algum tipo de ampu-
tação de extremidade; havia 144 mil mortes prematuras de portadores de diabetes, uma perda de
1,5 milhão de anos de vida produtiva e uma incapacitação total de 951 mil pessoas; a produtividade
anual era 7 mil dólares menor nos portadores de diabetes em relação aos não portadores de diabe-
tes; um portador de diabetes tinha o dobro de possibilidade de aposentar-se precocemente que um
não portador de diabetes; e um portador de diabetes custava, anualmente, ao sistema de atenção à
saúde, 11.157 dólares comparado com 2.604 dólares para não portadores de diabetes (BARR et al.,
1996). Um estudo do National Committee for Health Assurance (2006), sobre a atenção ao diabetes
pelos planos de saúde americanos, concluiu que, apesar dos altos custos do controle dessa doença,
a hemoglobina glicada era usada em menos de 90% das pessoas usuárias para controle glicêmico;
que 30% dos portadores de diabetes não são controlados; que menos de 70% dos portadores de dia-
betes apresentam valores de LDL inferiores a 130mg/dl; e que pouco mais de 50% dos portadores de
diabetes realizam o exame oftalmológico anual. Outros programas de controle de condições crônicas
norte-americanos apresentaram sérias deficiências. No controle da asma, 48% dos portadores da
doença tomaram medicação regularmente e 28% inalaram esteroides; 65% das pessoas que tiveram
infarto agudo do miocárdio fizeram uso de estatina e 33% conheceram o resultado de seu último exa-
me de colesterol; uma pesquisa com 16 mil pessoas mostrou que 27% tinham hipertensão, que 15% a
24% tinham a hipertensão controlada, que 27% a 41% não sabiam que tinham hipertensão, que 25%
a 32% estavam tratando a hipertensão, mas sem controlá-la, e que 17% a 19% sabiam que eram hi-
pertensos, mas não buscavam tratamento (IMPROVING CHRONIC ILLNESS CARE, 2008). Esses resul-
tados mostram uma situação ruim e custosa no controle das condições crônicas nos Estados Unidos.
Isso se dá no país que mais gastou recursos financeiros em saúde, em 2009: 17,6% do PIB e um
valor per capita anual de US $7.960 (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2012). Há nítido contraste entre
os recursos investidos em saúde e os resultados produzidos em relação às condições crônicas. Mesmo
em países que estruturaram sistemas públicos de cobertura universal, em razão dos modelos de aten-
ção à saúde praticados, os resultados em relação às condições crônicas são bastante insatisfatórios.

30
Tome-se o exemplo do Reino Unido, ilustrado no Gráfico 7, que retrata a lei da atenção às do-
enças crônicas e que pode ser denominada da segunda lei de Julian Tudor Hart porque já formulara,
anteriormente, a Lei da Atenção Inversa.

Gráfico 7 – A regra da metade na atenção às doenças crônicas

100
90
80
70
60
50 Série 1
40
30
20
10
0
1 2 3 4

LEGENDA:
1: CASOS TOTAIS ESPERADOS
2: CASOS DIAGNOSTICADOS
3. CASOS DIAGNOSTICADOS COMPENSADOS
4: CASOS DIAGNOSTICADOS E COMPENSADOS E COM ATENÇÃO PROMOCIONAL E PREVENTIVA
FONTE: HART (1992).

A lei da metade nos indica que de 100 casos epidemiologicamente esperados de uma doença
crônica, apenas metade (50) está com diagnóstico; dos 50 casos diagnosticados, apenas metade (25)
está compensada; e dos 25 casos compensados, apenas metade (12,5) está utilizando regularmente
serviços efetivos de promoção da saúde e de prevenção das doenças crônicas. Ou seja, em 100 pessoas
portadoras de doença crônica, apenas 12 ou 13 estão recebendo atenção efetiva e de qualidade.
Não é diferente no Brasil. A partir das experiências internacionais e nacional, pode-se afirmar
que o problema principal do SUS reside na incoerência entre a situação de condição de saúde brasi-
leira de tripla carga de doença, com o forte predomínio relativo das condições crônicas, e o sistema
de atenção à saúde praticado, episódico, reativo, fragmentado e voltado prioritariamente para as
condições e para os eventos agudos.

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 31


Os resultados do controle do diabetes não são bons no Brasil. Um levantamento realizado pela
Unifesp/Fiocruz realizou exames de hemoglobina glicada em 6.671 portadores de diabetes, na faixa
etária de 18 a 98 anos, de 22 centros clínicos localizados em 10 cidades. Os resultados mostraram
que apenas 10% dos 679 portadores do tipo 1 da doença estavam controlados e que somente 27%
dos 5.692 pacientes com o tipo 2 da doença mantiveram os índices glicêmicos normalizados; 45%
das pessoas com diabetes tinham sinais de retinopatia, 44% apresentaram neuropatia e 16% apre-
sentavam alteração da função renal (DOMINGUEZ, 2007).
Não parecem ser melhores os resultados do sistema privado brasileiro de saúde suplementar.
É o que se deduz de um caso-tipo do Sr. Sedentário, apresentado em livro editado por operadora
privada de plano de saúde, como elemento consistente com a atenção prestada por essa operadora.
Esse senhor aos 40 anos era obeso e tinha história familiar de diabetes. Aos 50 anos, teve diagnós-
tico de diabetes tipo 2, com níveis glicêmicos não controlados. Aos 60 anos, apresentou insuficiência
coronariana e fez uma cirurgia de revascularização do miocárdio. Não fez reabilitação cardiovascular
e manteve acompanhamento irregular e hábitos de vida inadequados. Aos 65 anos, apresentou insu-
ficiência renal crônica, com indicação de hemodiálise, um diagnóstico tardio, feito em hospital. Aos
70 anos, teve úlcera no pé que evoluiu para amputação do membro. Aos 75 anos, sofreu um acidente
vascular encefálico extenso e ficou hemiplégico e afásico, o que levou a internações hospitalares fre-
quentes. Pouco depois, foi internado no Centro de Terapia Intensiva e faleceu (CHAVES et al., 2010).
O fracasso das respostas sociais às condições crônicas por um sistema reativo, episódico e
fragmentado é, portanto, universal e deve ser enfrentado por mudanças profundas. É o que se propõe
em um clássico livro editado pelo Institute of Medicine (2001) sobre o abismo da qualidade da saúde
nos Estados Unidos: “O sistema de saúde atual não funciona. Fazer mais do mesmo não adiantará.
Mudar o sistema sim”.
Há de se reconhecer que os sistemas de atenção à saúde são muito resistentes às mudanças,
mas a situação é muita séria e clama por mudanças profundas e urgentes (SINGH, 2008). O preço de
não mudar será muito alto, seja econômica, seja sanitariamente.

5.2 AS REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE


Os resultados sanitários e econômicos insatisfatórios dos sistemas fragmentados vigentes,
como formas de respostas sociais a situações de saúde com predomínio de condições crônicas, têm
levado à proposição de formas alternativas de organização sanitária, aos sistemas integrados de saú-
de ou às redes de atenção à saúde.
A implantação de redes de atenção à saúde propiciará um formato organizacional que permita a
superação da atenção episódica, reativa e fragmentada por uma atenção contínua, proativa e integra-

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da, compatível com o manejo adequado das condições agudas e crônicas. Isso ocorre porque a concep-
ção de redes de atenção à saúde acolhe e redefine os novos modelos de atenção à saúde que estão
sendo experimentados e que têm se mostrado efetivos e eficientes no controle das condições crônicas.
As redes de atenção à saúde são arranjos organizativos de ações e serviços de saúde, de dife-
rentes densidades tecnológicas, que integradas por meio de sistemas de apoio técnico, logístico e de
gestão, buscam garantir a integralidade do cuidado (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010). As redes de aten-
ção são, portanto, organizações poliárquicas de conjuntos de serviços de saúde, vinculados entre si
por uma missão única, por objetivos comuns e por uma ação cooperativa e interdependente, que per-
mitem ofertar uma atenção contínua e integral a determinada população, coordenada pela atenção
primária à saúde – prestada no tempo certo, no lugar certo, com o custo certo, com a qualidade certa,
de forma humanizada e segura e com equidade –, com responsabilidades sanitária e econômica pela
população adscrita e gerando valor para essa população (MENDES, 2011).
Dessa definição emergem os atributos básicos das redes de atenção à saúde: apresentam
missão e objetivos comuns; operam de forma cooperativa e interdependente; intercambiam cons-
tantemente seus recursos; são estabelecidas sem hierarquia entre os pontos de atenção à saúde,
organizando-se de forma poliárquica; seu modelo de governança é baseado na cooperação e na inter-
dependência; implicam um contínuo de atenção nos níveis primário, secundário e terciário; convocam
atenção integral com intervenções promocionais, preventivas, curativas, cuidadoras, reabilitadoras
e paliativas; funcionam sob coordenação da atenção primária à saúde, em tempos e lugares certos,
de forma eficiente e ofertando serviços seguros e efetivos, em consonância com as evidências dis-
poníveis; focam-se no ciclo completo de atenção a uma condição de saúde; têm responsabilidades
sanitárias e econômicas inequívocas por sua população; e buscam gerar valor para a sua população.
As redes de atenção à saúde diferem dos sistemas fragmentados de saúde porque apresentam
as seguintes características: organizam-se por um contínuo de atenção; organizam-se por uma rede
poliárquica; orientam-se equilibradamente para a atenção às condições e aos eventos agudos e às
condições crônicas; voltam-se para uma população a elas adscrita; o sujeito deixa de ser paciente
para transformar-se em agente protagônico de sua saúde; o cuidado é proativo da parte do sistema de
saúde, das equipes profissionais e das pessoas usuárias; o cuidado é integral; o cuidado é ancorado
em equipes interdisciplinares; a gestão é feita com base populacional, a partir das necessidades e das
preferências das pessoas vinculadas às redes; e o financiamento faz-se por orçamento global, capta-
ção ajustada e/ou atendimento a um ciclo completo de uma condição de saúde (MENDES, 2011).
Os objetivos das redes de atenção à saúde são melhorar a qualidade da atenção, a qualidade
de vida das pessoas usuárias, os resultados sanitários do sistema de atenção à saúde, a eficiência na
utilização dos recursos e a equidade em saúde (ROSEN e HAM, 2009).
Nas redes de atenção à saúde, a concepção de hierarquia é substituída pela de poliarquia e
o sistema organiza-se sob a forma de uma rede horizontal de atenção à saúde. Assim, nessas redes

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 33


não há uma hierarquia entre os diferentes pontos de atenção à saúde, a atenção primária à saúde e
os sistemas de apoio, mas a conformação de uma rede horizontal de pontos de atenção de distintas
densidades tecnológicas, a atenção primária à saúde e seus sistemas de apoio, sem ordem e sem
grau de importância entre eles. Todos os componentes das redes de atenção à saúde são igualmente
importantes para que se cumpram os objetivos dessas redes; apenas se diferenciam pelas respecti-
vas densidades tecnológicas que os caracterizam.
Uma extensa revisão bibliográfica sobre redes de atenção à saúde, abrangendo centenas de
trabalhos realizados no Canadá, nos Estados Unidos, na Europa e na América Latina, mostrou evidên-
cias de que as redes de atenção à saúde melhoram os resultados clínicos, sanitários e econômicos
dos sistemas de saúde (MENDES, 2007).
No Brasil, a concepção de redes de atenção à saúde vem sendo discutida há algum tempo, mas
foi incorporada oficialmente ao SUS, recentemente, por meio de dois instrumentos jurídicos. A Por-
taria n. 4.279, de 30 de dezembro de 2010, que estabelece diretrizes para a organização das redes
de atenção à saúde no âmbito do SUS (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010) e o Decreto n. 7.508, de 28 de
junho de 2011, que regulamenta a Lei n. 8.080/1990 (GOVERNO FEDERAL, 2011).

5.3 OS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DAS REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE


As redes de atenção à saúde constituem-se de três elementos fundamentais: a população
e as regiões de saúde, a estrutura operacional e os modelos de atenção à saúde (MINISTÉRIO DA
SAÚDE, 2010).

5.3.1 A população das redes de atenção à saúde


O primeiro elemento das redes de atenção à saúde, e sua razão de ser, é uma população, colo-
cada sob sua responsabilidade sanitária e econômica. É isso que marca a atenção à saúde com base
na população, uma característica essencial dessas redes.
As redes de atenção à saúde, nos sistemas públicos, podem organizar suas populações em ter-
ritórios sanitários. Mas há experiências de sistemas públicos de cobertura universal que prescindem
da territorialização, em nome de competição entre profissionais de saúde na organização de suas
listas de pessoas usuárias. Nesses casos, há possibilidade de livre escolha dos profissionais de saúde
pelas pessoas usuárias. Nos sistemas privados, deve haver uma base populacional, mas, em geral,
ela não está organizada por territórios sanitários.
Na normativa do SUS, a população deve ser organizada por regiões de saúde que conformam
diferentes territórios sanitários: o território área de abrangência a uma equipe de atenção primária
à saúde, o território municipal, o território regional ou microrregional, o território macrorregional e o

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território estadual. Esses diferentes espaços de territorialização, construídos a partir da vinculação de
uma população a uma equipe de atenção primária à saúde, demarcam as possibilidades de estrutu-
rar redes de atenção à saúde segundo os critérios de economias de escala e escopo, disponibilidade
de recursos e garantia de acesso (MENDES, 2011).
A população de responsabilidade das redes de atenção à saúde, no sistema público brasi-
leiro, vive em territórios sanitários singulares, idealmente organiza-se socialmente em famílias e é
cadastrada e registrada em subpopulações por riscos sociossanitários. Assim, a população total de
responsabilidade de uma rede de atenção à saúde deve ser totalmente conhecida e registrada em
sistemas de informação potentes. Não basta, contudo, o conhecimento da população total: ela deve
ser segmentada, subdividida em subpopulações por fatores de riscos e estratificada por riscos em
relação às condições de saúde estabelecidas.
Na concepção de redes de atenção à saúde, cabe à atenção primária a responsabilidade de
articular-se, intimamente, com a população, o que implica não ser possível falar-se de uma função
coordenadora dessas redes ou em gestão de base populacional se não se der, nesse nível micro do
sistema, todo o processo de conhecimento e relacionamento íntimo da equipe de saúde com a popu-
lação adscrita, estratificada em subpopulações e organizada em grupos familiares.
O conhecimento profundo da população usuária de um sistema de saúde é o elemento básico
que torna possível romper com a gestão baseada na oferta, característica dos sistemas fragmenta-
dos, e instituir a gestão com base nas necessidades de saúde da população, ou gestão de base popu-
lacional, elemento essencial das redes de atenção à saúde.
A gestão de base populacional é a habilidade de um sistema em estabelecer as necessidades
de saúde de uma população específica, segundo os riscos, de implementar e monitorar as interven-
ções sanitárias relativas a essa população e de prover o cuidado para as pessoas no contexto de sua
cultura e de suas necessidades e preferências (TUFTS MANAGED CARE INSTITUTE, 2000).

5.3.2 A estrutura operacional das redes de atenção à saúde


O segundo elemento constitutivo das Redes de Atenção à Saúde (RASs) é a estrutura opera-
cional constituída pelos nós das redes e pelas ligações materiais e imateriais que comunicam esses
diferentes nós.
Em uma rede, conforme entende Castells (2000), o espaço dos fluxos está constituído por al-
guns lugares intercambiadores que desempenham o papel coordenador para a perfeita interação de
todos os elementos integrados na rede e que são os centros de comunicação e por outros lugares
onde se localizam funções estrategicamente importantes que constroem uma série de atividades em
torno da função-chave da rede e que são os seus nós.

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 35


A estrutura operacional das redes de atenção à saúde compõe-se de cinco componentes: o
centro de comunicação, a atenção primária à saúde; os pontos de atenção à saúde secundários e
terciários; os sistemas de apoio (sistemas de apoio diagnóstico e terapêutico, sistemas de assistência
farmacêutica, sistemas de teleassistência e sistemas de informação em saúde); os sistemas logísti-
cos (registro eletrônico em saúde, sistemas de acesso regulado à atenção e sistemas de transporte
em saúde); e o sistema de governança. É o que se mostra na Figura 1.

Figura 1 – A estrutura operacional das redes de atenção à saúde


RT 1 RT 2 RT 3 RT 4

Sistema de Acesso
PONTOS DE ATENÇÃO SECUNDÁRIOS E

PONTOS DE ATENÇÃO SECUNDÁRIOS E

PONTOS DE ATENÇÃO SECUNDÁRIOS E

PONTOS DE ATENÇÃO SECUNDÁRIOS E


LOGÍSTICOS

Regulado
SISTEMAS

Registro Eletrônico
em Saúde
Sistema de Transporte
em Saúde
TERCIÁRIOS

TERCIÁRIOS

TERCIÁRIOS

TERCIÁRIOS
Sistema de Apoio
Diagnóstico e Terapêutico

Sistema de Assistência
DE APOIO
SISTEMAS

Farmacêutica

Teleassistência

Sistema de Informação
em Saúde

ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE

POPULAÇÃO

RT1...RTN: REDES TEMÁTICAS DE ATENÇÃO À SAÚDE


FONTE: MENDES (2011).

A observação detalhada da Figura 1 mostra uma opção pela construção de redes temáticas de
atenção à saúde, como as redes de atenção às mulheres e às crianças, as redes de atenção às doen-
ças cardiovasculares, às doenças renais crônicas e ao diabetes, as redes de atenção às doenças on-
cológicas e outras. As redes de atenção à saúde estruturam-se para enfrentar uma condição de saúde
específica ou grupos homogêneos de condições de saúde, por meio de ciclo completo de atendimen-
to. Só se gera valor para a população se se estruturam respostas sociais integradas, relativas a um

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ciclo completo de atenção. Como afirmam Porter e Teisberg (2007): “O valor na assistência à saúde
é determinado considerando-se a condição de saúde do paciente durante todo ciclo de atendimento,
desde a monitoração e prevenção, passando pelo tratamento e estendendo-se até o gerenciamento
da doença”.
Contudo, essa proposta de estruturação por meio de redes temáticas nada tem a ver com a con-
cepção, vigente no passado, dos programas verticais. Os programas verticais são aqueles sistemas de
saúde dirigidos, supervisionados e executados, exclusivamente, por meio de recursos especializados
(MILLS, 1983). Por exemplo, o programa vertical de tuberculose tinha um dispensário de tuberculose,
um sanatório de tuberculose e um laboratório para exames de tuberculose, como ocorreu, no passa-
do, na saúde pública brasileira. Ao contrário, os programas horizontais são aqueles que se estruturam
para resolver vários problemas de saúde comuns, estabelecendo visão e objetivos únicos e usando
tecnologias e recursos compartilhados para atingir os seus objetivos (WORLD HEALTH ORGANIZATION,
1996). Há estudos que mostram que os programas verticais parecem ter benefícios como a clareza
dos objetivos, mas que isso só ocorre no curto prazo e, especialmente, em situações de sistemas de
atenção à saúde muito pouco desenvolvidos (CRUZ et al., 2003). Os programas verticais, por outro
lado, fragilizam os sistemas de saúde, desperdiçam recursos escassos e apresentam problemas de
sustentabilidade (ATUN, 2004). Por isso, recentemente, vem se consolidando, na saúde pública, um
posicionamento favorável à superação da dicotomia entre programas verticais e horizontais, esten-
dendo essa metáfora geométrica para os programas diagonais, em que se combinam os objetivos
singulares de determinadas condições de saúde com estrutura operacional que organize, transversal-
mente, os sistemas de apoio, os sistemas logísticos, o sistema de governança e a atenção primária à
saúde (FRENK, 2006; OOMS et al., 2008). A forma mais adequada de se organizarem, diagonalmente,
os sistemas parece ser por meio das redes de atenção à saúde.
A organização diagonal dos sistemas de atenção à saúde pelas redes de atenção à saúde mani-
festa-se, em parte temática restrita, exclusivamente, nos pontos de atenção secundários e terciários.
Isso se impõe em razão da divisão técnica do trabalho que exige, nesses pontos, a especialização.
Todos os demais componentes dessas redes, como se vê na Figura 1, a atenção primária à saúde, os
sistemas de apoio, os sistemas logísticos e o sistema de governança são transversais a todas as redes
temáticas, sendo, portanto, comuns a todas elas.

5.3.3 Os modelos de atenção à saúde


Os modelos de atenção à saúde são sistemas lógicos que organizam o funcionamento das re-
des de atenção à saúde, articulando, de forma singular, as relações entre os componentes da rede e
as intervenções sanitárias, definido em razão da visão prevalecente da saúde, das situações demo-

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 37


gráfica e epidemiológica e dos determinantes sociais da saúde, vigentes em determinado tempo e em
determinada sociedade (MENDES, 2011).
Os modelos de atenção à saúde são diferenciados por modelos de atenção aos eventos agudos
e modelos de atenção às condições crônicas.
Os eventos agudos são manifestações mais ou menos exuberantes, de ordem objetiva ou subje-
tiva, de uma condição de saúde. As condições agudas manifestam-se, em geral, por eventos agudos;
as condições crônicas, em certas circunstâncias, podem se manifestar sob a forma de eventos agu-
dos: as agudizações das condições crônicas; e algumas condições gerais e inespecíficas podem se
manifestar agudamente.
Os modelos de atenção aos eventos agudos prestam-se à organização das respostas dos siste-
mas de saúde às manifestações de condições agudas e de agudizações de condições crônicas.
Os objetivos de um modelo de atenção às condições agudas são prevenir a ocorrência de even-
tos agudos e de identificar, no menor tempo possível, com base em sinais de alerta, a gravidade de
uma pessoa em situação de urgência ou emergência e definir o ponto de atenção adequado para
aquela situação, considerando-se, como variável crítica, o tempo de atenção requerido pelo risco
classificado, ou seja, o tempo-resposta do sistema. Isso implica adotar um modelo de classificação de
risco nas redes de atenção às urgências e às emergências.
Assim, os modelos de atenção aos eventos agudos devem ser organizados por níveis de aten-
ção (MENDES, 2013). No nível 1, dão-se ações de promoção da saúde estruturadas intersetorial-
mente e que, segundo o modelo de determinação social da saúde (DAHLGREN e WHITEHEAD, 1991),
destinam-se aos fatores de risco distais. Como exemplo, pode-se indicar a política de visão zero sobre
acidentes de trânsito na Suécia (WILES, 2007). No nível 2, incorporam-se as intervenções de pre-
venção das condições de saúde, em subpopulações de riscos em relação aos determinantes sociais
proximais da saúde relativos aos comportamentos e aos estilos de vida. Inscrevem-se, neste nível,
ações sobre uso excessivo de álcool e outras drogas que devem ser aplicadas nos âmbitos macro,
meso e micro. Os programas de controle do álcool em motoristas que estão dirigindo são um exemplo.
Nos níveis 3, 4 e 5, dão-se ações do campo da clínica que se prestam, conforme a gestão da clínica
com a aplicação das tecnologias de gestão das condições de saúde e gestão de caso. Na gestão das
condições de saúde, inicia-se com a classificação de risco e, depois, no ponto de atenção certo, faz-se
o diagnóstico, segundo uma estratificação de riscos.
O enfrentamento da organização do sistema de atenção à saúde, para responder às necessida-
des colocadas pelos eventos agudos, na perspectiva das redes de atenção à saúde, implica a constru-
ção de uma linguagem que permeie todo o sistema, estabelecendo o melhor local para a resposta a
uma determinada situação. As experiências mundiais vêm mostrando que essa linguagem estrutura-
-se em diretrizes clínicas codificadas em sistema de classificação de risco, como base de uma rede de
atenção às urgências e às emergências.

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Os modelos de triagem em urgências e emergências apresentam grande variação, de acordo
com as várias experiências, mas têm em comum uma triagem de risco. Há modelos que utilizam de
dois a cinco níveis de gravidade, sendo os últimos os mais aceitos. Os modelos de triagem mais avan-
çados e que passaram a ter concepção sistêmica, ou seja, são utilizados por uma rede de serviços,
são: o modelo australiano (Australasian Triage Scale – ATS), modelo pioneiro e que usa tempos de
espera de acordo com gravidade; o modelo canadense (Canadian Triage Acuity Scale – CTAS) que é
muito semelhante ao modelo australiano, mas é mais complexo; o modelo americano (Emergency
Severity Index – ESI) que trabalha com um único algoritmo e que se foca mais na necessidade de re-
cursos para o atendimento; o modelo de Andorra (Model Andorrà del Trialge – MAT) que se baseia em
sintomas, discriminantes e algoritmos, mas é de uso complexo e demorado; e o Sistema Manchester
de Classificação de Risco que opera com algoritmos e determinantes, associados a tempos de espera
simbolizados por cores e que é usado em vários países da Europa (MARQUES et al., 2010). No Brasil,
tem sido usado, crescentemente, o Sistema Manchester de Classificação de Risco (MACKWAY-JONES
et al., 2010).
A classificação de risco é fundamental para organizar a rede de atenção às urgências e às
emergências porque define, em razão dos riscos, o local certo para a atenção e o tempo-resposta do
sistema de atenção à saúde.
Os modelos de atenção aos eventos agudos, conforme se viu anteriormente, podem operar com
efetividade quando aplicados às condições agudas e às agudizações das condições crônicas.
A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde manifesta-se quando sua lógica é
transplantada para o manejo das condições crônicas não agudizadas. Por essa razão, a superação
dessa crise implica a implantação de novos modelos de atenção às condições crônicas.
Os modelos de atenção às condições crônicas são modelos muito mais complexos, em que a
variável-chave não é o tempo-resposta em razão dos riscos. Eles serão considerados mais detalhada-
mente porque constituem o objeto central da crise que se analisa.
A discussão mais robusta, na literatura internacional, sobre os modelos de atenção à saúde,
está relacionada às condições crônicas. A razão é que, conforme assinala Ham (2007), a tradição dos
sistemas de atenção à saúde, pela própria evolução epidemiológica, tem sido de privilegiar a atenção
às condições e aos eventos agudos, mas esse modelo fracassou completamente na abordagem das
condições crônicas.

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 39


6. A SUPERAÇÃO DA CRISE CONTEMPORÂNEA DOS MODELOS DE
ATENÇÃO À SAÚDE: A IMPLANTAÇÃO DE NOVOS MODELOS DE
ATENÇÃO ÀS CONDIÇÕES CRÔNICAS
A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde tem saídas claras, ainda que com-
plexas e difíceis. A solução está em aplicar modelos de atenção às condições crônicas que tenham
evidências de que são efetivos e eficientes.
Há, na literatura internacional, proposições de diferentes modelos de atenção crônica, sendo
justo reconhecer que há um modelo seminal, o Modelo de Atenção Crônica (WAGNER, 1998).
Os modelos de atenção às condições crônicas têm sido desenvolvidos, aplicados e avaliados em
diferentes países e situações. Entre eles, merecem ser mencionados: o Modelo dos Cuidados Inova-
dores para as Condições Crônicas (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2003), o Modelo de Atenção
Crônica Expandido utilizado no Canadá (GOVERNMENT OF BRITISH COLUMBIA, 2008), o Modelo de
Atenção à Saúde e de Assistência Social utilizado no Reino Unido (DEPARTMENT OF HEALTH, 2005),
o Modelo da Continuidade da Atenção utilizado na Austrália (WALKER e HASLETT, 2001) e o Modelo
do Curso da Vida utilizado na Nova Zelândia (MINISTRY OF HEALTH, 2005). Nos Estados Unidos, têm
sido utilizados alguns modelos como o Modelo da Pirâmide de Riscos da Kaiser Permanente (PORTER
e KELLOGG, 2008), o Modelo Evercare (UNITED HEALTHCARE, 2007), o Modelo Pfizer (SINGH e HAM,
2006), o Modelo PACE (NADASH, 2004), o Modelo da Saúde Pública (CENTERS FOR DISEASE CON-
TROL AND PREVENTION, 2003) e o Modelo dos Veteranos de Guerra (MICHAELS e McCABE, 2005).
Vão se considerar, neste trabalho, com mais detalhes, dois modelos: o Modelo de Atenção Crô-
nica e o Modelo da Pirâmide de Riscos para, a partir deles e do Modelo de Determinação Social da
Saúde, construir uma proposição de modelo de atenção às condições crônicas para o SUS que seja
coerente com um sistema público universal.

6.1 O MODELO DA ATENÇÃO CRÔNICA (CCM)


O Modelo da Atenção Crônica, tradução literal de Chronic Care Model (CCM), constitui o modelo
mais fundamentado e que deu origem a diversos outros.

6.1.1 O histórico do CCM


O CCM foi desenvolvido pela equipe do MacColl Institute for Healthcare Innovation, nos Estados
Unidos, a partir de ampla revisão da literatura internacional sobre a gestão das condições crônicas.
O modelo inicial foi aperfeiçoado em projeto piloto apoiado pela Fundação Robert Wood Johnson e,

40
em seguida, submetido a um painel de expertos no tema. Posteriormente, foi testado nacionalmente
por meio de um programa denominado Improving Chronic Illness Care. Em 2003, esse programa, com
suporte de um grupo de consultores, atualizou o modelo com base em nova revisão da literatura in-
ternacional e nas experiências de sua implantação prática em várias situações. Posteriormente, cinco
novos temas foram incorporados ao CCM: a segurança das pessoas usuárias, a competência cultural,
a coordenação da atenção, os recursos da comunidade e a gestão de caso.
Apesar da ampla difusão do CCM, é bom estar atento à advertência de um de seus principais
criadores: “o modelo de atenção crônica não é uma panaceia, mas uma solução multidimensional
para um problema complexo” (WAGNER, 1998). É por essa razão que o modelo funciona, uma vez
que constitui solução complexa e sistêmica para um problema difícil como o da atenção às condições
crônicas.

6.1.2 A descrição do CCM


O CCM foi originariamente representado como se vê na Figura 2.

Figura 2 – O Modelo de Atenção Crônica

SISTEMA DE ATENÇÃO À SAÚDE


COMUNIDADE Organização da Atenção à Saúde

Desenho do
sistema de Sistema de
Recursos da Autocuidado Suporte às
prestação informação
Comunidade apoiado decisões
de serviços clínica

Pessoas Equipe de
usuárias saúde proativa
ativas e e preparada
informadas

RESULTADOS CLÍNICOS E FUNCIONAIS

FONTE: WAGNER (1998).

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 41


O modelo deve ser lido de baixo para cima. Para se obter bons resultados clínicos e funcionais
nas condições crônicas, devem se promover mudanças nos sistemas de saúde que estabeleçam
interações produtivas entre equipes de saúde proativas e preparadas e pessoas usuárias ativas e in-
formadas. Para isso, são necessárias mudanças em dois campos: no sistema de saúde e nas relações
desses sistemas com a comunidade.
No sistema de saúde, as mudanças devem ser feitas na organização da atenção à saúde, no
desenho do sistema de prestação de serviços, no suporte às decisões, nos sistemas de informação
clínica e no autocuidado apoiado. Na comunidade, as mudanças estão centradas em novas formas
de articulação dos serviços de saúde com os recursos da comunidade.
A descrição detalhada do CCM é feita abrangendo os seis elementos fundamentais do modelo.

AS MUDANÇAS NA ORGANIZAÇÃO DA ATENÇÃO À SAÚDE

Essas mudanças objetivam criar cultura, organização e mecanismos que promovam uma aten-
ção segura e de alta qualidade. Isso se faz por meio de:
• melhoria do suporte a essas mudanças em todos os níveis da organização, especialmente
com seus líderes seniores;
• introdução de estratégias potentes destinadas a facilitar as mudanças sistêmicas amplas;
• fortalecimento aberto e sistemático do manejo dos erros e dos problemas de qualidade
para melhorar a atenção à saúde;
• provisão de incentivos com base na qualidade da atenção à saúde;
• desenvolvimento de acordos que facilitam a coordenação da atenção à saúde, dentro e por
meio das organizações.

AS MUDANÇAS NO DESENHO DO SISTEMA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS

Essas mudanças objetivam assegurar uma atenção à saúde efetiva e eficiente e um autocuida-
do apoiado. Isso se faz por meio de:
• clara definição de papéis e distribuição de tarefas entre os membros da equipe multiprofis-
sional de saúde;
• introdução de novas formas de encontros clínicos que vão além da atenção presencial face
a face, como atenção compartilhada a grupo, atenção contínua, atenção por pares e aten-
ção a distância;
• busca do equilíbrio entre atenção à demanda não programada e atenção programada;
• uso planejado de instrumentos para dar suporte a uma atenção à saúde com base em
evidência;
• provisão de gestão de caso para os portadores de condições de saúde muito complexas;
• monitoramento regular dos portadores de condição crônica pela equipe de saúde;

42
• provisão de atenção à saúde de acordo com as necessidades e a compreensão das pessoas
usuárias e em conformidade com sua cultura.

AS MUDANÇAS NO SUPORTE ÀS DECISÕES

Essas mudanças objetivam promover uma atenção à saúde que seja consistente com as evi-
dências científicas e com as preferências das pessoas usuárias. Isso se faz por meio de:
• introdução de diretrizes clínicas com base em evidência na prática cotidiana dos sistemas
de atenção à saúde;
• compartilhamento das diretrizes clínicas com base em evidência e das informações clínicas
com as pessoas usuárias para fortalecer sua participação na atenção à saúde; uso de fer-
ramentas de educação permanente e de educação em saúde de comprovada efetividade;
• integração da atenção primária à saúde com a atenção especializada.

AS MUDANÇAS NO SISTEMA DE INFORMAÇÃO CLÍNICA

Essas mudanças objetivam organizar os dados da população e das pessoas usuárias para faci-
litar uma atenção à saúde mais eficiente e efetiva. Isso se faz por meio de:
• utilização rotineira de prontuários clínicos informatizados;
• provisão de alertas, de lembretes e de feedbacks oportunos para os profissionais de saúde
e para as pessoas usuárias;
• identificação de subpopulações relevantes, em razão de riscos, para uma atenção à saúde
proativa e integrada;
• elaboração de plano de cuidado individual para cada pessoa usuária;
• compartilhamento de informações clínicas entre os profissionais de saúde e as pessoas
usuárias para possibilitar a coordenação da atenção à saúde;
• monitoramento do desempenho da equipe de saúde e do sistema de atenção à saúde.

AS MUDANÇAS NO AUTOCUIDADO APOIADO

Essas mudanças objetivam preparar e empoderar as pessoas usuárias para que autogerenciem
sua saúde e a atenção à saúde prestada. Isso se faz por meio de:
• ênfase no papel central das pessoas usuárias no gerenciamento de sua própria saúde;
• uso de estratégias de apoio para o autocuidado que incluam a avaliação do estado de
saúde, a fixação de metas a serem alcançadas, a elaboração dos planos de cuidado, as
tecnologias de solução de problemas e o monitoramento;
• organização dos recursos das organizações de saúde e da comunidade para prover apoio
ao autocuidado das pessoas usuárias.

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 43


6.1.3 A avaliação do CCM
Há evidências, na literatura internacional, sobre os efeitos positivos do CCM na atenção às con-
dições crônicas, seja na sua avaliação conjunta, seja na avaliação de seus elementos separadamente.
O estudo avaliativo clássico do CCM foi realizado pela Rand Corporation e pela Universidade de
Berkeley, Califórnia (RAND HEALTH, 2008), e teve dois objetivos: avaliar as mudanças ocorridas nas
organizações de saúde para implementar o CCM e estabelecer o grau em que a adoção desse mo-
delo melhorou os processos e os resultados em relação às condições crônicas. Essa avaliação durou
quatro anos e envolveu aproximadamente 4 mil portadores de diabetes, insuficiência cardíaca, asma
e depressão, em 51 organizações de saúde. Mais de uma dezena e meia de artigos foram publicados
sobre essa avaliação, mas os principais resultados foram: as organizações foram capazes de apre-
sentar melhorias fazendo uma média de 48 mudanças em 5,8 dos seis elementos do CCM; os porta-
dores de diabetes tiveram um decréscimo significativo de seu risco cardiovascular; os portadores de
insuficiência cardíaca apresentaram melhores tratamentos e utilizaram menos 35% de internações,
medidas por leitos/dia; os portadores de asma e diabetes receberam tratamentos mais adequados
às suas doenças; e as mudanças produzidas pela implantação do CCM tiveram sustentabilidade em
82% das organizações estudadas e se difundiram dentro e fora dessas organizações.
Vários outros trabalhos de avaliação do CCM estão disponíveis na literatura. Alguns são de
avaliação geral da aplicação do modelo, parte deles publicada por autores que participaram ativa-
mente de sua concepção (GLASGOW et al., 2005). Há vários estudos avaliativos do CCM utilizando
ensaios clínicos randomizados (BATTERSBY et al., 2005). Outros estudos avaliativos voltaram-se para
a melhoria da qualidade da atenção às condições crônicas (NUTTING et al., 2007). Outros trabalhos
analisaram condições crônicas particulares e outras avaliações trataram de aspectos organizacio-
nais relativos à atenção às condições crônicas (SCHIMITTDIEL et al., 2006). Há outros estudos que
se fixaram na avaliação econômica da atenção crônica, especialmente estudos de custo-efetividade
(GILMER et al., 2006). Por fim, elaboraram-se trabalhos de avaliação da satisfação das pessoas usuá-
rias (VANDERBILT MEDICAL CENTER, 2002). O CCM funciona melhor quando se fazem mudanças que
envolvem o conjunto dos seus seis elementos porque eles se potenciam uns aos outros (HAM, 2007).

6.2 O MODELO DA PIRÂMIDE DE RISCOS (MPR)


O modelo da pirâmide de riscos é conhecido, também, como modelo da Kaiser Permanente por-
que que foi essa operadora de planos de saúde dos Estados Unidos que o desenvolveu e o implantou
na sua rotina assistencial.
O MPR transcendeu a organização que o criou e tem sido utilizado, crescentemente, em países
como Austrália, Canadá, Dinamarca, Estados Unidos, Nova Zelândia e Reino Unido. A aplicação desse

44
modelo em diferentes países e em sistemas públicos e privados vem enriquecendo sua utilização na
prática social. No Reino Unido, o MPR tem sido extensivamente adotado, com bons resultados, em
projetos realizados em várias regiões, em experimento denominado de Kaiser Beacon, conduzido pela
Agência de Modernização do Serviço Nacional de Saúde (HAM, 2006).

6.2.1 Os modelos de base do MPR


O MPR está em consonância com os achados de Leutz (1999). Para este autor, as necessida-
des das pessoas portadoras de condições crônicas são definidas em termos da duração da condição,
da urgência da intervenção, do escopo dos serviços requeridos e da capacidade de autocuidado da
pessoa portadora da condição. A aplicação desses critérios permite estratificar as pessoas portadoras
de condições crônicas em três grupos. O primeiro grupo seria constituído por portadores de condição
leve, mas com forte capacidade de autocuidado e/ou com sólida rede social de apoio. O segundo
grupo seria constituído por portadores de condição moderada. O terceiro grupo seria constituído por
portadores de condição severa e instável e com baixa capacidade para o autocuidado.
Além disso, o MPR está sustentado pela teoria do espectro da atenção à saúde, utilizada pelo
Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido (BROCK, 2005).

6.2.2 A descrição do MPR


O MPR se assenta, fortemente, na estratificação dos riscos da população o que, por sua vez, de-
fine as estratégias de intervenção em autocuidado e em cuidado profissional. Dessa forma, o cuidado
profissional, em razão dos riscos, define a tecnologia de gestão da clínica a ser utilizada, se gestão da
condição de saúde ou se gestão de caso. O MPR está representado na Figura 3.

Figura 3 – O Modelo da Pirâmide de Riscos

NÍVEL 3
1-5% de pessoas
GESTÃO com condições
DE CASO altamente complexas
NÍVEL 2
GESTÃO DA 20-30% de pessoas
CONDIÇÃO DE SAÚDE com condições complexas
NÍVEL 1
AUTOCUIDADO 70-80% de pessoas
APOIADO com condições simples

FONTE: PORTER E KELLOGG (2008).

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 45


A Figura 3 mostra que uma população portadora de condição crônica pode ser estratificada por
níveis de complexidade: 70% a 80% estão no nível 1 e são pessoas que apresentam condição sim-
ples; 20% a 30% estão no nível 2 e são pessoas que apresentam condição complexa; e, finalmente,
1% a 5% estão no nível 3 e são pessoas que apresentam condição altamente complexa.
O MPR evoluiu gradativamente desde um foco em portadores de condições de saúde mui-
to complexas até os seus três níveis atuais (FIREMAN et al., 2005). O foco foi, inicialmente, na
atenção às pessoas com necessidades altamente complexas (nível 3), à semelhança de outros
modelos, o modelo Evercare e o modelo Pfizer, mas evoluiu para incorporar a população inteira
de portadores de determinada condição crônica e atendê-la com intervenções próprias dos três
níveis de necessidades.
O MPR sofreu influência do CCM, mas apresenta algumas singularidades: a integração do sis-
tema de atenção à saúde; a estratificação da população por riscos e o seu manejo por meio de tec-
nologias de gestão da clínica; os esforços em ações promocionais e preventivas; o alinhamento da
atenção com as necessidades de saúde das pessoas usuárias; o fortalecimento da atenção primária à
saúde; a completa integração entre a atenção primária à saúde e a atenção especializada; e a ênfase
na tecnologia de informação voltada para a clínica.
Sua lógica está em promover a saúde de toda a população, de estruturar as ações de autocuida-
do apoiado para os portadores de condições de saúde mais simples, de ofertar a gestão da condição
de saúde para as pessoas que tenham condição estabelecida e de manejar os portadores de condi-
ções de saúde altamente complexas por meio da tecnologia de gestão de caso.
As características principais do MPR são estabelecidas nos campos dos princípios gerais e das
estratégias-chave.
Nos princípios gerais: alinhamento da atenção à saúde com as necessidades de saúde da po-
pulação situada nos diferentes estratos de riscos; as pessoas usuárias são parceiras na atenção à
saúde; as pessoas usuárias são consideradas autoprestadoras de cuidados; a informação de saúde
é essencial; a melhoria da atenção dá-se pela colaboração entre as equipes de saúde e as pessoas
usuárias; as pessoas usuárias são consideradas membros da equipe de atenção primária à saúde;
a atenção primária à saúde é fundamental, mas seus limites com a atenção secundária devem ser
superados; o uso intensivo de cuidado por internet (e-cuidado); e o uso não programado dos cuida-
dos especializados e das internações hospitalares é considerado uma falha sistêmica, portanto, um
evento-sentinela.
Nas estratégias-chave: a educação das pessoas usuárias em todos os níveis de atenção, presta-
da de forma presencial e a distância; a educação em saúde deve abranger todo o espectro da atenção
às condições crônicas; o sistema de saúde deve ter foco nas pessoas segundo riscos, ser proativo e
ofertar atenção integral; o plano de cuidado deve ser feito de acordo com diretrizes clínicas com base
em evidências que normatizem o fluxo das pessoas no sistema e em cooperação entre as equipes

46
e as pessoas usuárias; e a atenção deve estar suportada por sistemas de tecnologia de informação
potentes, especialmente por prontuários clínicos integrados (SINGH, 2005).
O MPR divide as pessoas portadoras de uma condição crônica em três níveis, segundo estratos
de risco definidos por graus de necessidades, conforme se vê na Figura 9.
No nível 1, está uma subpopulação com condição crônica simples e bem controlada e que apre-
senta baixo perfil de risco geral. Essas pessoas têm capacidade para se autocuidarem e constituem a
grande maioria da população total portadora da condição crônica.
No nível 2, a subpopulação apresenta risco maior porque tem fator de risco biopsicológico ou
condição crônica, ou mais de uma, com certo grau de instabilidade ou potencial de deterioração de
sua saúde, a menos que tenham o suporte de equipe profissional. A maior parte do cuidado deve ser
provida por equipe de atenção primária à saúde com apoio de especialistas. O autocuidado apoiado
continua a ser importante para esta subpopulação, mas a atenção profissional pela equipe de saúde
é mais concentrada. Há, nesta população, alto uso de recursos de atenção à saúde.
Finalmente, no nível 3, está a subpopulação com necessidades altamente complexas e/ou pes-
soas usuárias frequentes de atenção não programada de emergência, ambulatorial ou hospitalar,
e que requerem gerenciamento ativo por parte de um gestor de caso. Há, nesta subpopulação, uso
muito intensivo de recursos de atenção à saúde.
Os níveis de complexidade definem composições relativas entre os cuidados da atenção primá-
ria à saúde e da atenção especializada e dos cuidados de generalistas e de especialistas. Além disso,
têm influências na definição das coberturas de atendimentos pelos profissionais porque à medida que
a complexidade aumenta há maior concentração de cuidados profissionais especializados.
Por exemplo, no nível 1, o cuidado é provido, em geral, por profissionais da atenção primária à
saúde, seja como apoiadores ao autocuidado, seja como provedores de cuidado profissional. Nos ní-
veis 2 e 3, há a presença de profissionais especializados que atuam coordenadamente com os profis-
sionais da atenção primária à saúde. No nível 3, há presença relativa forte de cuidados profissionais,
coordenados por um gestor de caso.
Essa lógica de organização tem forte impacto racionalizador na agenda dos profissionais de
saúde. É comum que as equipes da atenção primária à saúde que não trabalham com a estratificação
de riscos das condições crônicas, ofertem, excessivamente, consultas médicas e de enfermagem,
comprometendo a sua agenda com cuidados que não agregam valor às pessoas. Além disso, não raro
essas pessoas são encaminhadas a especialistas, comprometendo a agenda desses profissionais
desnecessariamente e sem evidências de que a atenção especializada lhes agregue valor.

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 47


6.2.3 A importância da estratificação de riscos nos modelos de atenção
às condições crônicas
O processo de estratificação da população é central nos modelos de atenção às condições
crônicas porque permite identificar pessoas e grupos com necessidades de saúde semelhantes que
devem ser atendidos por tecnologias e recursos específicos, segundo estratificação de riscos. Sua
lógica se apoia em manejo diferenciado, pela atenção primária à saúde, de pessoas e de grupos que
apresentam riscos similares.
A estratificação das pessoas usuárias por estratos de riscos é um elemento central da gestão
com base na população. A estratificação da população em subpopulações leva à identificação e ao
registro das pessoas usuárias portadoras de necessidades similares, a fim de colocá-las juntas, com
os objetivos de padronizar as condutas referentes a cada grupo nas diretrizes clínicas e de assegurar
e distribuir os recursos humanos específicos para cada qual.
A estratificação da população, em vez de ter uma atenção única para todas as pessoas usuárias,
diferencia-as, por riscos, e define, nas diretrizes clínicas com base em evidências, os tipos de atenção
e a sua concentração relativa a cada grupo populacional. Dessa forma, os portadores de condições
crônicas de menores riscos têm sua condição centrada em tecnologias de autocuidado apoiado e com
foco na atenção primária à saúde, enquanto os portadores de condições de alto e muito altos riscos
têm presença mais significativa de atenção profissional, com concentração maior de cuidados pela
equipe de saúde e com coparticipação da atenção primária e especializada.
Quando uma população não é estratificada por riscos, pode-se subofertar cuidados necessários
a portadores de maiores riscos e/ou sobreofertar cuidados desnecessários a portadores de condi-
ções de menores riscos, produzindo, por consequência, atenção inefetiva e ineficiente.
A estratificação da população exige o seu conhecimento profundo pelo sistema de saúde. Isso
implica o cadastramento de todas as pessoas usuárias e de suas famílias, o que é tarefa essencial
da atenção primária à saúde que expressa o seu papel, nas redes de atenção à saúde, de responsa-
bilização pela saúde dessa população. Mas o cadastramento não pode se limitar a cada indivíduo.
Há de ir além: cadastrar cada pessoa como membro de uma família, classificar cada família por risco
sociossanitário e ter registro com informações de todos os portadores de cada condição de saúde,
estratificados por riscos.
Sem a estratificação da população em subpopulações de risco é impossível prestar a atenção
certa, no lugar certo, com o custo certo e com a qualidade certa, à essência das redes de atenção à
saúde e introduzir as tecnologias de microgestão da clínica.
As metodologias de estratificação de riscos de uma população podem envolver classificações
que coordenem, simultaneamente, dois tipos de variáveis: a severidade da condição crônica estabele-
cida (por exemplo, baixo risco, médio risco, alto risco, muito alto risco e/ou comorbidades) e o grau de

48
confiança e o apoio para o autocuidado (baixo, médio e alto). Disso resultam algumas situações-tipo:
pessoas que apresentam condições crônicas muito complexas e têm poucos recursos de autocuida-
do, um percentual muito pequeno das pessoas usuárias, convocam a tecnologia da gestão de caso;
pessoas que apresentam condições crônicas de alto e muito alto riscos e que têm certa capacidade
de se autocuidarem ou pessoas que apresentam condições crônicas de menor risco, mas sem capa-
cidade de se autocuidarem, são acompanhadas pela tecnologia da gestão de condição de saúde e
com ênfase relativa nos cuidados profissionais; e pessoas que são portadoras de condições de baixo
e médio riscos e que apresentam autocapacidade para se manterem controladas, a maior parte da
população, são atendidas pela tecnologia de gestão da condição de saúde, mas com base no auto-
cuidado apoiado.

6.2.4 As evidências da aplicação do MPR


Há evidências de que o MPR, quando aplicado, melhorou a qualidade de vida das pessoas usu-
árias, reduziu as internações hospitalares e as taxas de permanência nos hospitais (PARKER, 2006;
PORTER, 2007).
Os resultados da aplicação do MPR puderam ser vistos quando se compararam dados da Kaiser
Permanente (KP) com a média nacional dos Estados Unidos. A população fumante da KP, em termos
proporcionais, é a metade da população americana. As internações hospitalares são quase a metade
na clientela da KP em relação à média americana. A KP tem índices de cobertura muito favoráveis,
em geral superiores à média americana, em: rastreamento do câncer de mama, 79%; rastreamento
de clamídia, 64%; rastreamento de câncer colorretal, 51%; rastreamento de câncer de colo de útero,
77%; imunização de crianças, 86%; controle da pressão arterial variou de 33% em 2001 para 76% em
2006; controle da hemoglobina glicada, 89%; controle de colesterol, 94%; e controle oftalmológico do
diabetes, 81%. As consultas de emergência caíram, no período de 1996 a 2006, em 18% para doen-
ças coronarianas, 24% para diabetes e 17% para insuficiência cardíaca; 93% dos portadores de asma
recebem tratamento adequado; 85% das pessoas que apresentaram infarto agudo do miocárdio man-
tiveram regularmente a medicação com base em betabloqueadores, o que reduziu em 30% o risco de
um novo infarto em relação à média nacional. A mortalidade por doenças cardíacas na população KP
caiu 21% entre 1996 e 2005 e foi inferior à média americana. A mortalidade por HIV/Aids foi inferior a
1% por ano e 91% das gestantes fizeram teste para detecção de HIV/Aids (PORTER, 2007; KELLOGG,
2007; PORTER e KELLOGG, 2008).
Uma comparação internacional entre o sistema integrado de saúde da KP, em que se originou
o MPR, e o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido mostrou que: os custos dos dois sistemas são
próximos; as pessoas usuárias da KP têm acesso a uma carteira de serviços mais extensa; têm aces-

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 49


so mais rápido a especialistas e a hospitais; o sistema inglês usa muito mais leitos-dia que a KP; o
tempo de permanência média nos hospitais varia com a idade no NHS, mas não no sistema da KP; a
KP tem maior grau de integração; e a KP utiliza muito mais tecnologias de informação (FEACHAM et
al., 2002). Outro estudo, comparando as mesmas duas organizações, constatou que as internações
hospitalares, pelas 11 causas mais frequentes, foram três vezes maiores no NHS que na KP (HAM et
al., 2003).
Outro trabalho de comparação do sistema público de atenção à saúde da Dinamarca com o sis-
tema da KP verificou que: o sistema da KP diagnostica mais portadores de condições crônicas; a KP
opera com médicos e equipes de saúde menores, 131 médicos por 100 mil beneficiários na KP contra
311 médicos por 100 mil beneficiários no sistema dinamarquês; a KP opera com taxas de permanên-
cia hospitalar em eventos agudos de 3,9 dias contra 6,0 dias no sistema dinamarquês; as taxas de
permanência para derrame cerebral são de 4,2 dias na KP contra 23 dias no sistema dinamarquês;
93% dos portadores de diabetes da KP fazem o exame de retina anual contra 46% no sistema da Di-
namarca; e o gasto per capita na KP, em dólares ajustados pelo poder de compra, é de 1.951 dólares
na KP contra 1.845 dólares no sistema dinamarquês (FROLICH et al., 2008).

6.3 UM MODELO DE ATENÇÃO ÀS CONDIÇÕES CRÔNICAS PARA O SUS

6.3.1 As razões para um modelo de atenção às condições crônicas para


o sistema público de saúde brasileiro
Não há dúvida de que o CCM tem sido utilizado com sucesso em vários países. Por que, então,
não aplicá-lo em sua forma pura no nosso país?
Há várias razões para o desenvolvimento de um modelo de atenção às condições crônicas para
o SUS.
Este modelo, denominado de Modelo de Atenção às Condições Crônicas (MACC), proposto por
Mendes (2011), baseia-se, como tantos outros, no CCM, mas agrega, àquele modelo seminal, outros
elementos para ajustá-lo às singularidades do SUS. A razão é que o CCM foi concebido em um ambien-
te dos sistemas de saúde dos Estados Unidos fortemente marcados pelos valores que caracterizam a
sociedade americana, entre eles o autointeresse e a competitividade, e que se distanciam de valores
de solidariedade e cooperação que devem marcar os sistemas públicos universais como o nosso. A
base do MACC é o CCM, mas este modelo de origem foi expandido com a incorporação de outros dois
modelos – o MPR e o Modelo da Determinação Social da Saúde –, para se adaptar às exigências de
um sistema de saúde público e universal como o SUS.

50
O SUS é um sistema público de atenção à saúde com responsabilidades claras sobre territórios
e populações. Nesse aspecto, a gestão de base populacional convoca um modelo que estratifique a
população segundo riscos, o que implicou a incorporação, pelo MACC, do MPR.
Além disso, o SUS deve operar com perspectiva ampla de saúde que deriva de mandamento
constitucional e que implica a perspectiva da determinação social da saúde. Isso levou à incorpo-
ração, no MACC, do Modelo da Determinação Social da Saúde de Dahlgren e Whitehead. Assim, à
semelhança do modelo dos cuidados inovadores para condições crônicas da Organização Mundial da
Saúde, do modelo de atenção à saúde e assistência social do Reino Unido e do modelo de atenção
crônica expandido de British Columbia, Canadá, o MACC é um modelo que se expandiu para acolher
os diferentes níveis da determinação social da saúde.

6.3.2 O Modelo da Determinação Social da Saúde de Dahlgren e


Whitehead
Os determinantes sociais da saúde são conceituados como as condições sociais em que as
pessoas vivem e trabalham ou como as características sociais dentro das quais a vida transcorre; ou
seja, como a causa das causas (COMISSION ON SOCIAL DETERMINANTS OF HEALTH, 2007).
A determinação social da saúde está alicerçada em fundamento ético que é a equidade em
saúde, definida como a ausência de diferenças injustas e evitáveis ou remediáveis entre grupos po-
pulacionais definidos social, econômica, demográfica e geograficamente. Ou seja, as iniquidades em
saúde são diferenças socialmente produzidas, sistemáticas em sua distribuição pela população e
injustas (MARMOR, 2006).
Há, na literatura, diferentes propostas de modelos de determinação social da saúde: Modelo de
Evans e Stoddart, Modelo de Brunner e Marmot, Modelo de Diderichsen, Evans e Whitehead, Modelo
de Starfield, Modelo de Graham e Modelo de Solar e Irwin (VIACAVA et al., 2011). Apesar da existência
desses modelos que buscam explicar com mais detalhes as relações e as mediações entre os diver-
sos níveis de determinação social da saúde e a gênese das iniquidades, a Comissão Nacional sobre
Determinantes Sociais da Saúde escolheu o modelo de Dahlgren e Whitehead (1991) para ser utiliza-
do no Brasil, por sua simplicidade, por sua fácil compreensão para vários tipos de público e pela clara
visualização gráfica dos diversos determinantes sociais da saúde, como se vê na Figura 4.

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 51


Figura 4 – O Modelo da Determinação Social da Saúde de Dahlgren e Whitehead

FONTE: DAHLGREN E WHITEHEAD (1991).

O modelo de Dahlgren e Whitehead inclui os determinantes sociais da saúde dispostos em dife-


rentes camadas concêntricas, segundo seu nível de abrangência, desde uma camada mais próxima
aos determinantes individuais até uma camada distal em que se situam os macrodeterminantes. O
modelo enfatiza as interações: estilos de vida individuais estão envoltos nas redes sociais e comunitá-
rias e nas condições de vida e de trabalho, as quais, por sua vez, relacionam-se com o ambiente mais
amplo de natureza econômica, cultural e econômica.
Como se pode ver na Figura 4, os indivíduos estão no centro do modelo, a camada 1 dos deter-
minantes individuais, com suas características de idade, sexo e herança genética que, evidentemen-
te, exercem influência sobre seu potencial e suas condições de saúde.
Na camada 2, imediatamente externa, aparecem os comportamentos e os estilos de vida in-
dividuais, denominados de determinantes proximais. Essa camada está situada no limiar entre os
fatores individuais e os determinantes sociais da saúde de camadas superiores, uma vez que os com-
portamentos e os estilos de vida dependem, não somente do livre arbítrio das pessoas, mas também
de outros determinantes, como acesso a informações, influência da propaganda, pressão de pares,
possibilidades de acesso a alimentos saudáveis e espaços de lazer, entre outros. Aqui aparecem de-
terminantes como a dieta inadequada, o sobrepeso ou a obesidade, a inatividade física, o tabagismo,
o uso excessivo de álcool e outras drogas, o estresse, as práticas sexuais não protegidas e outros.

52
A camada 3 destaca a influência das redes sociais, cuja maior ou menor riqueza expressa o
nível de coesão social ou de capital social que é de fundamental importância para a saúde da socie-
dade como um todo. As redes sociais constituem-se por um conjunto finito de atores sociais e pelas
relações que se estabelecem entre eles. O capital social, por sua vez, são acumulações de recursos,
tangíveis e intangíveis, que derivam da participação em redes sociais e nas suas inter-relações. O
conceito de capital social implica possibilidades de fluxos de acumulação e desacumulação. Estudos
recentes consideram o capital social como relações informais e de confiança e de cooperação entre
famílias, vizinhos e grupos, a associação formal em organizações e o marco institucional normativo
e valorativo de determinada sociedade que estimula ou desestimula as relações de confiança e de
compromisso cívico. As relações entre capital social e saúde estão bem estabelecidas (SAPAG e KA-
WASHI, 2007).
Na camada 4, estão representados os determinantes intermediários, que são os fatores relacio-
nados às condições de vida e de trabalho, a disponibilidade de alimentos e o acesso a ambientes e
serviços essenciais, como saúde, educação, saneamento e habitação, indicando que as pessoas em
desvantagem social apresentam diferenciais de exposição e de vulnerabilidade aos riscos à saúde,
como consequência de condições habitacionais inadequadas, de exposição a condições mais perigo-
sas ou estressantes de trabalho e de menor aos serviços sociais.
Finalmente, na camada 5, estão situados os macrodeterminantes que possuem grande influên-
cia sobre as demais camadas subjacentes e estão relacionados às condições econômicas, culturais
e ambientais da sociedade, incluindo também determinantes supranacionais como o processo de
globalização. Esses são os determinantes sociais distais da saúde.
A análise do Modelo da Determinação Social da Saúde leva a opções políticas para intervenção
sobre os diferentes níveis de determinação.
Os fatores macro da camada 5, os determinantes distais, devem ser enfrentados por meio de
macropolíticas saudáveis que atuem a fim de reduzir a pobreza e a desigualdade, a superar as iniqui-
dades em termos de gênero e de etnicidade, a promover a educação universal e inclusiva e a atuar na
preservação do meio ambiente.
Os determinantes sociais da camada 4, os determinantes intermediários, convocam políticas de
melhoria das condições de vida e de trabalho. Isso significa melhorar essas condições de vida e de tra-
balho e o acesso a serviços essenciais, tais como educação, serviços sociais, habitação, saneamento
e saúde. Essas intervenções são fundamentais para promover equidade em saúde. A forma de inter-
venção mais adequada para enfrentamento desses determinantes sociais da saúde intermediários é
a organização de projetos intersetoriais.
Os determinantes sociais da camada 3 exigem políticas de construção da coesão social e de re-
des de suporte social que permitam a acumulação de capital social. As alternativas políticas no cam-
po desses determinantes sociais da saúde envolvem: a implementação de sistemas de seguridade

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 53


social inclusivos; o fortalecimento da participação social ampla no processo democrático; o desenho
de equipamentos sociais que facilitem os encontros e as interações sociais nas comunidades; e a pro-
moção de esquemas que permitam as pessoas trabalharem coletivamente nas prioridades de saúde
que identificaram. Essas opções devem discriminar positivamente as minorias étnicas e raciais, os
pobres, as mulheres, as pessoas idosas e as crianças.
Os determinantes sociais da camada 2, os determinantes proximais, tornam imperativa a ne-
cessidade de afastar barreiras estruturais aos comportamentos saudáveis e de criação de ambientes
de suporte às mudanças comportamentais. Isso significa reforçar a necessidade de combinar mudan-
ças estruturais ligadas às condições de vida e de trabalho com ações, desenvolvidas, no plano micro,
com pequenos grupos ou pessoas, de mudança de comportamentos não saudáveis (tabagismo, uso
excessivo de álcool e outras drogas, alimentação inadequada, sobrepeso ou obesidade, sexo não
protegido, estresse e outros).
Por fim, os determinantes individuais da camada 1, em geral considerados determinantes não
modificáveis, são enfrentados pela ação dos serviços de saúde sobre os fatores de risco biopsicológi-
cos (hipertensão arterial sistêmica, depressão, dislipidemia, intolerância à glicose e outros) e/ou so-
bre as condições de saúde já estabelecidas e estratificadas por riscos e gerenciadas por tecnologias
de gestão da clínica.

6.3.3 A descrição do Modelo de Atenção às Condições Crônicas


(MACC)
O MACC está representado, graficamente, na Figura 5.

54
Figura 5 – O Modelo de Atenção às Condições Crônicas

SUBPOPULAÇÃO COM CONDIÇÃO NÍVEL 5:


CRÔNICA MUITO COMPLEXA GESTÃO DE
CASO DETERMINANTES
SOCIAIS INDIVIDUAIS
SUBPOPULAÇÃO COM CONDIÇÃO NÍVEL 4: GESTÃO COM CONDIÇÃO DE
CRÔNICA COMPLEXA DA CONDIÇÃO DE SAÚDE E/OU FATOR DE
SAÚDE RISCO BIOPSICOLÓGICO
ESTABELECIDO
SUBPOPULAÇÃO COM CONDIÇÃO NÍVEL 3:
CRÔNICA SIMPLES E/OU COM GESTÃO DA CONDIÇÃO RELAÇÃO
FATOR DE RISCO BIOPSICOLÓGICO DE SAÚDE AUTOCUIDADO/ATENÇÃO
PROFISSIONAL

SUBPOPULAÇÃO COM FATORES NÍVEL 2: DETERMINANTES SOCIAIS


DE RISCO LIGADOS AOS INTERVENÇÕES DE PREVENÇÃO DAS DA SAÚDE PROXIMAIS
COMPORTAMENTOS E ESTILOS DE VIDA CONDIÇÕES DE SAÚDE

DETERMINANTES SOCIAIS DA
NÍVEL 1: SAÚDE INTERMEDIÁRIOS
POPULAÇÃO INTERVENÇÕES DE PROMOÇÃO DA SAÚDE
TOTAL

MODELO DA PIRÂMIDE MODELO DE ATENÇÃO MODELO DA DETERMINAÇÃO


DE RISCOS CRÔNICA SOCIAL DA SAÚDE

FONTE: MENDES (2011).

O MACC deve ser lido em três colunas: na coluna da esquerda, sob influência do MPR, está a
população total estratificada em subpopulações por estratos de riscos. Na coluna da direita, sob in-
fluência do Modelo de Determinação Social da Saúde de Dahlgren e Whitehead, estão os diferentes
níveis de determinação social da saúde: os determinantes intermediários, proximais e individuais. É
claro que se tratando de modelo de atenção à saúde, não caberia, aqui, incluir os macrodeterminan-
tes distais da saúde. Na coluna do meio estão, sob influência do CCM, os cinco níveis das interven-
ções de saúde sobre os determinantes e suas populações: intervenções promocionais, preventivas e
de gestão da clínica.
O MACC pode ser aplicado a diferentes espaços sociais.
O lado esquerdo da Figura 5 corresponde a diferentes subpopulações de uma população total
sob responsabilidade da atenção primária à saúde. Essa população e suas subpopulações são cadas-
tradas na atenção primária à saúde e são registradas segundo as subpopulações de diferentes níveis
do modelo: o nível 1, a população total e em relação à qual se intervirá sobre os determinantes sociais
da saúde intermediários; o nível 2, as subpopulações com diferentes fatores de riscos ligados aos
comportamentos e aos estilos de vida (determinantes sociais da saúde proximais): subpopulações de
pessoas tabagistas, com sobrepeso ou obesidade, sedentárias, usuárias excessivas de álcool, com
alimentação inadequada, sob estresse exagerado e outros; o nível 3, as subpopulações de pessoas
com riscos individuais biopsicológicos e/ou com condição crônica estabelecida, mas de baixo e mé-

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 55


dio riscos; o nível 4, as subpopulações de pessoas com condição crônica estabelecida, mas de alto e
muito alto riscos; e o nível 5, as subpopulações de condições de saúde muito complexas.
O lado direito da Figura 5 corresponde ao foco das diferentes intervenções de saúde em razão
dos determinantes sociais da saúde.
No nível 1, o foco das intervenções são os determinantes sociais da saúde intermediários, espe-
cialmente aqueles ligados às condições de vida e de trabalho: educação, emprego, renda, habitação,
saneamento, disponibilidade de alimentos, infraestrutura urbana, serviços sociais etc.
O meio da Figura 5 representa as principais intervenções de saúde em relação à população/
subpopulações e aos focos prioritários das intervenções sanitárias.
No nível 1, as intervenções são de promoção da saúde, em relação à população total e com foco
nos determinantes sociais intermediários. O modo de intervenção é por meio de projetos intersetoriais
que articulem ações de serviços de saúde com ações de melhoria habitacional, de geração de emprego
e renda, de ampliação do acesso ao saneamento básico, de melhoria educacional, melhoria na infra-
estrutura urbana etc. Os projetos intersetoriais geram sinergias entre as diferentes políticas públicas
produzindo resultados positivos na saúde da população (PUBLIC HEALTH AGENCY OF CANADA, 2007).
No nível 2, as intervenções são de prevenção das condições de saúde e com foco nos determi-
nantes proximais da saúde ligados aos comportamentos e aos estilos de vida. Utiliza-se a expressão
prevenção das condições de saúde e não prevenção das doenças porque se pode prevenir condições
de saúde, como gravidez nas mulheres e incapacidade funcional das pessoas idosas, que não são do-
enças. Esses determinantes são considerados fatores de risco modificáveis e são potenciados pelos
determinantes sociais intermediários e distais. Os mais importantes são o tabagismo, a alimentação
inadequada, a inatividade física, o excesso de peso e o uso excessivo de álcool (COMISSÃO NACIONAL
SOBRE DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE, 2008).
Até o segundo nível não há condição de saúde estabelecida ou a manifestação de fator de risco
biopsicológico, à exceção dos riscos por idade ou gênero. Somente a partir do nível 3 do MACC é que
se vai operar com fator de risco biopsicológico individual e/ou com condição de saúde cuja gravidade,
expressa na complexidade, convoca intervenções diferenciadas do sistema de atenção à saúde. Por
isso, as intervenções relativas às condições de saúde estabelecidas implicam a estratificação dos
riscos, segundo as evidências produzidas pelo MPR.
Os níveis 3, 4 e 5 do MACC estão vinculados aos indivíduos com suas características de idade,
sexo, fatores hereditários e fatores de risco biopsicológicos, a camada central do modelo de Dahlgren
e Whitehead. As intervenções são predominantemente clínicas, operadas por tecnologias de gestão
da clínica, a partir da gestão com base na população. Aqui é o campo privilegiado da clínica no seu
sentido mais estrito.
A partir do nível 3, exige-se a definição de subpopulações recortadas segundo a estratificação
de riscos da condição de saúde, definida pelo MPR. Nesse nível 3, estruturam-se as intervenções

56
sobre os fatores de risco biopsicológicos como idade, gênero, hereditariedade, hipertensão arterial,
dislipidemias, depressão, pré-diabetes e outros. Ademais, vai-se operar com subpopulações da popu-
lação total que apresentam condição crônica simples, de baixo ou médio risco, em geral prevalente na
grande maioria dos portadores da condição de saúde, por meio da tecnologia de gestão da condição
de saúde. A estratificação dos riscos de cada condição crônica é feita nas diretrizes clínicas respec-
tivas (por exemplo, hipertensão de baixo, médio, alto e muito alto risco ou gestante de risco habitual,
de risco intermediário e de alto risco).
Ainda que os níveis 3 e 4 sejam enfrentados pela mesma tecnologia de gestão da condição de
saúde, a lógica da divisão em dois níveis explica-se pela linha transversal que cruza o MACC, repre-
sentada na Figura 5 e que expressa uma divisão na natureza da atenção à saúde prestada às pes-
soas usuárias. Isso decorre de evidências do MPR que demonstram que 70% a 80% dos portadores
de condições crônicas de baixos ou médios riscos são atendidos, principalmente, por tecnologias de
autocuidado apoiado, com baixa concentração de cuidados profissionais. Assim, no nível 3, vai-se
operar principalmente por meio das intervenções de autocuidado apoiado, ofertadas por uma equipe
da atenção primária à saúde, com ênfase na atenção multiprofissional; já no nível 4, opera-se equili-
bradamente entre o autocuidado apoiado e o cuidado profissional e neste nível é que se necessita de
atenção cooperativa dos generalistas da atenção primária à saúde e dos especialistas.
Por fim, o nível 5 destina-se à atenção às condições crônicas muito complexas e que estão, tam-
bém, relacionadas nas diretrizes clínicas das respectivas condições de saúde. Essas condições muito
complexas são aquelas previstas na lei da concentração dos gastos e da severidade das condições de
saúde que define que parte pequena de uma população, em razão da gravidade de suas condições
de saúde, determina os maiores dispêndios dos sistemas de saúde (BERK e MONHEINT, 1992). Além
disso, e principalmente, são as pessoas que mais sofrem. Por isso, as necessidades dessas pessoas
convocam uma tecnologia específica de gestão da clínica, a gestão de caso. Há, aqui, alta concentra-
ção de cuidado profissional. Um gestor de caso (um enfermeiro, um assistente social ou uma pequena
equipe de saúde) deve coordenar a atenção recebida por cada pessoa em todos os pontos de atenção
à saúde e nos sistemas de apoio, ao longo do tempo.

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A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 63


1
RAFAEL BENGOA
CONFERÊNCIA DE ABERTURA

Introdução
Este texto sistematiza a transformação da Saúde no País Basco no período de 2009 a 2013.
O País Basco tem população de 2.230.000 e dispõe de modelo de serviços de saúde do tipo
sistema nacional de saúde financiado por impostos (Tipo Beveridge).
No País Basco, iniciou-se complexa transformação do setor da saúde m 2009. As razões para se
transformar o setor foram as mais importantes desde as transferências às Comunidades Autônomas
(CCAA).
Esse exemplo pode ser de utilidade em outros países que tenham estrutura política descentra-
lizada, na qual as regiões e os municípios disponham de autonomia na gestão da saúde.
A mudança profunda no sistema sanitário é indispensável para ser possível responder adequa-
damente às novas necessidades de saúde da sociedade de hoje, cada vez mais envelhecida e como
maior prevalência de doenças crônicas.1
O modelo assistencial que seguimos ofertando é adequado para os episódios agudos de en-
fermidade, mas é fragmentado, ineficaz e perigoso para as necessidades dos doentes crônicos que
precisam de continuidade de cuidados.2

1               FONTE: INE.
2               CHRONIC DISEASE MANAGEMENT. EVIDENCE OF PREDICTABLE SAVINGS; J. MEYER AND B. MARKHAM, 2008.

64
Além disso, seguir atendendo aos pacientes crônicos como se fossem pacientes agudos gera
muitas ineficiências, que aprisionam o sistema. Quer dizer, um paciente crônico com mais de nove
patologias consome 47 vezes mais que um paciente sem patologia crônica; 84% do custo de interna-
ções se devem à internação de pacientes crônicos.3 Essa situação poderia ser evitada se o modelo
de atenção fosse mais proativo, proporcionasse continuidade do cuidado aos pacientes crônicos para
mantê-los estabilizados e evitar descompensações que impliquem a sobrecarga dos serviços de ur-
gência e internações não programadas.

Custo das doenças crônicas para o sistema (em milhões de euros)

25.000
22.605
Consome 47 vezes mais
20.000 que um paciente
Custo Médio Anual

não crônico 17.496


15.261
15.000
12.621

10.000 9.485

6.586
5.000 4.181
2.538
1.426
485
0
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9+
N. de Doenças Crônicas
FONTE: BASE ESTRATIFICADA DE DADOS, OSAKIDETZA, 2011.

O que é mais caro não são os pacientes crônicos: é o modelo assistencial fragmentado que
oferecemos.

3               FONTE: BASE ESTRATIFICADA DE DADOS. OSAKIDETZA, 2011.

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 65


Proporção do custo total destinado aos pacientes com uma ou mais doenças crônicas

%
Total 1

Receita 1

Especializada
1
(sem receita)

Primária
1
(sem prescrição)

Prescrições de AP 1

0 0 1 1 1
FONTE: BASE ESTRATIFICADA DE DADOS, OSAKIDETZA, 2011.

À realidade da transição demográfica soma-se a situação econômica do País que não pode
assumir aumentos de gasto em saúde similares àqueles do ano de 2008, de 10% anuais4 e que com
a nova realidade terá um orçamento que, na melhor das hipóteses, se manterá ou cairá. Assim, terá
de “fazer mais com menos”.

Necessidade de eficiência por contexto econômico –


Cenários de previsão da evolução do orçamento da saúde

8.500.000

7.500.000

6.500.000
Os recursos cresceram quando muito 1%.
5.500.000
Demanda entre 7-10% ao ano.
4.500.000 A Saúde Pública Basca necessitará fazer
mais com o mesmo orçamento.
3.500.000

2.500.000

1.500.000
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017
2018
2019
2020
2021
2022

Cenário Realista Cenário Otimista Cenário Pessimista

4               FONTE: DEPARTAMENTO DE SAÚDE E CONSUMO DO GOVERNO BASCO.

66
Portanto, o desafio é o seguinte:
• A demanda assistencial crescerá em 20% nos próximos cinco anos.
• Em contraposição, o orçamento não crescerá nos próximos anos mais que 1%.
• A maior parte da demanda assistencial será causada por doenças crônicas.
• O sistema atual é organizado para enfermidades agudas. Não oferece continuidade de cui-
dados aos doentes crônicos.
• As melhorias de gestão já não são suficientes. Somente fazer uma boa gestão não transfor-
ma o setor para responder a essa demanda nem melhora suficientemente a sua sustenta-
bilidade.
As possíveis respostas a esse desafio:
São três as possíveis respostas a esses desafios:
A. Política de cortes e cofinanciamento: centrada na aplicação de cortes na prestação de ser-
viços, salários e incorporação de cofinanciamento. Esse modelo busca diminuir o gasto em
saúde por meio da redução da carteira de serviços e do financiamento dos serviços pelos
próprios pacientes. Ainda que possivelmente economize em alguns gastos, essa forma de
agir desloca os recursos para outros gastos. Por exemplo: quando se cortam os recursos
para cuidadores sociais e residências, isso significa que os pacientes não poderão receber
alta e permanecerão em um leito mais caro (hospitalar). Os serviços sociais e a saúde são
vasos comunicantes: quando se muda um, se afeta o outro.
Essa primeira opção tem grande problema: não muda o modelo assistencial. Logo se repe-
tirão os comportamentos tanto de usuários como de profissionais e, consequentemente, se
voltará a criar déficit.
O que se objetiva com essas ações é que os pacientes não tenham contato com o setor. A
consequência dessa linha de trabalho é perder os pacientes no sistema. Quando os pacien-
tes se perdem, a capacidade do Sistema de Saúde de mantê-los compensados baixa ver-
tiginosamente e aumentam as suas descompensações, forçando-se a entrada no sistema
pelas urgências e fazendo-se crescer a necessidade de internações de forma importante. O
resultado final desse processo é exatamente o contrário do que se esperava: há aumento
do custo da atenção, uma vez que os recursos necessários para estabilizar o paciente (ur-
gência e internação) são os mais caros do sistema.
Essa resposta não atenderá à melhoria dos crônicos nem fará o sistema mais sustentável.
Por outro lado, desmotivará todos os profissionais do setor.
No âmbito da gestão, a mudança proposta por essa linha de trabalho somente pode ser
alcançada por imposição, por decreto e com uma gestão direta de cima para baixo.
B. Privatizar a saúde. A segunda opção é privatizar a saúde. É perfeitamente possível organi-
zar a saúde sem intervenção do governo. Porém, ela será simplesmente muito mais injus-

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 67


ta e cara. As evidências mundiais assim demonstram.5 Apesar das evidências disponíveis
é provável que algumas Comunidades Autônomas sigam essa direção. Não é a opção
eleita pelo País Basco.
Em termos de gestão da mudança, essa linha de trabalho somente se faz por imposição, por
decreto e com gestão direta de cima para baixo.
C. Transformar o modelo rumo à integração e às necessidades do paciente.
Uma política baseada em conseguir responder às necessidades e aos riscos atuais da po-
pulação, estando em contato contínuo com ela por meio de medidas presenciais e não
presenciais. Esse modelo produz ganhos que resultam da transformação de um modelo
fragmentado com múltiplas ineficiências a um modelo integrado e mais eficiente.
O que se deseja é identificar os pacientes mais vulneráveis e com diferentes níveis de risco
por meio de sua estratificação e intervir em razão esse risco. A consequência dessa linha de
trabalho é manter os pacientes acompanhados. Nesse modelo, deseja-se estar em contato
com os pacientes para que assim se possa intervir antes que descompensem, se internem
menos e busquem menos as urgências.6
No País Basco, decidiu-se, em 2009, adotar essa terceira resposta. Quatro anos mais tarde
toda população está estratificada por risco e se iniciaram as intervenções específicas. Os
resultados começam a aparecer, confirmando que esse modelo melhora a atenção aos pa-
cientes crônicos e a sustentabilidade do sistema.
No âmbito da gestão da mudança, essa linha de trabalho se consegue por um processo de
gestão de lideranças participativas que cria condições para que o nível local seja motor das
transformações (ver o microssistema abaixo e o artigo “Empantanados”, Revista Risai, 2008).

A aposta do País Basco: um sistema de saúde diferente


O objetivo último do novo modelo de saúde basco é melhorar a saúde e a qualidade de vida de
pacientes e cidadãos bascos, respondendo às mudanças nas necessidades de saúde da população
mais envelhecida e com elevada incidência de doenças crônicas e garantindo a sustentabilidade do
sistema sanitário público em longo prazo.
O novo modelo supõe profunda transformação do atual modelo assistencial e de gestão, ainda
excessivamente fragmentado e que não oferece a continuidade de cuidados necessária para a boa
gestão dos doentes crônicos.

5               PFI AND “VALUE FOR MONEY” IN NHS HOSPITALS: A POLICY IN SEARCH OF A RATIONALE? VICKERS N, SHAOUL J, POLLO-
CK, A M; BMJ. 2002; 324:1205-1209.
6               RISAI, V. 1, N. 1. EMPANTANADOS; R. BENGOA. 2008.

68
As profundas mudanças que estão sendo realizadas no modelo sanitário buscam a continui-
dade do cuidado em nível sanitário e social, facilitando novas estruturas, processos e ferramentas,
que permitam atender às necessidades de saúde dos pacientes bascos de forma mais efetiva, mais
eficiente e mais coordenada por parte dos profissionais de saúde e sociais, com potencial de prevenir
hospitalizações desnecessárias e reduzir custos.
Além disso, a transformação iniciada pretende alcançar um sistema proativo e bem mais cen-
trado nos pacientes para que estes recebam todo o apoio necessário para fazer melhor autogestão
de sua patologia e para prevenir outras doenças.
Nesse sentido, a proatividade se traduz em ações dirigidas aos distintos grupos de pacientes
conforme seus fatores de risco, evitando-se o surgimento de enfermidades ou a piora em seu estado
de saúde, articuladas às ações e ferramentas para facilitar papel bem mais ativo de cada paciente na
gestão de sua patologia. Além disso, esse empoderamento dos pacientes reduzirá sua demanda em
saúde, contribuindo para a sustentabilidade do sistema.7

O novo modelo de saúde basco supõe transformar o modelo assistencial

De um modelo centrado na medicina de ... A um adaptado às necessidades dos


casos agudos... DOENTES CRÔNICOS
De um modelo reativo, que cura ... A um PROATIVO, que cura, cuida e
as doenças... faz prevenção dos fatores de risco

De um modelo com um paciente passivo ... A um centrado no PACIENTE ATIVO,


frente àquele que o atende... que participa da gestão de sua doença

De um modelo fragmentado, com ... A um que permita a CONTINUIDADE


ineficiências e descoordenação entre os DO CUIDADO, pela integração assistencial
níveis assistenciais e sociais... e de recursos sociais

... A estruturas que privilegiam


De uma distribuição de recursos que
as intervenções nos lugares mais
privilegie os hospitais para
adequados e eficientes (subagudos,
pacientes agudos...
telemedicina...)

FONTE: PAÍS BASCO: TRANSFORMANDO O SISTEMA DE SAÚDE. 2009-2012. DEZ. 2012.

7               VOGELI C, SHIELDS AE, LEE TA, GIBSON TB, MARDER WD, WEISS KB. MULTIPLE CHRONIC DISEASES: PREVALENCE, HEAL-
TH CONSEQUENCES, AND IMPLICATIONS FOR QUALITY, CARE MANAGEMENT AND COSTS. J GEN INTERN MED. 2007;22(SU-
PPL 3):391-5.

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 69


O novo Modelo de Saúde implica, também, transformação importante em suas estruturas e fer-
ramentas assistenciais, tirando dos hospitais de agudos as tarefas que podem ser desenvolvidas em
lugares mais adequados para o paciente e mais eficientes, bem como potencializando os hospitais de
subagudos, a telemedicina ou a hospitalização domiciliar.
Partindo da convicção de que a transformação do sistema de saúde deve ser gestada e ganhar
força a partir dos serviços, onde estão os profissionais de saúde, se produz a assistência e a intera-
ção com os pacientes, o novo Modelo de Saúde Basco se estrutura por meio de 11 Sistemas Locais
Integrados de Saúde (microssistemas).8,9 Os microssistemas se delimitam geograficamente e se con-
figuram por Organizações de Serviço que, contando com os apoios necessários, implementam uma
série de atividades no seu âmbito local para transformar a prestação de serviços de saúde de acordo
com as novas demandas da população, buscando maiores níveis de eficiência.

11 Sistemas Locais Integrados de Saúde – Microssistemas

Características H

H 2 H
H
H
Coordenação de provedores H
H H 9 7
de saúde (OS) com responsabilidade
1 6
compartilhada sobre resultados 4
em saúde e sociais 3 H H

10 8
11
Lógica populacional, com
objetivos estratégicos por grupo
H
populacional estratificado
5

Melhorias na atenção
e aumento de eficiência H

1 Microsistema Bilbao 4 Microsistema Interior 8 Microsistema Goierri - Alto Urola


2 Microsistema Uribe 5 Microsistema Araba 9 Microsistema Bajo Deba
3 Microsistema 6 Microsistema Gipuzkoa 10 Microsistema Alto Deba
Ezkerraldea-Enkarterri 7 Microsistema Bidasoa 11 Microsistema Donostia

8               ACORDO DE 9 DE NOVEMBRO DE 2012, DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DE OSAKIDETZA. CONSTITUIÇÃO DOS SISTE-


MAS LOCAIS INTEGRADOS DE SAÚDE – MICROSSISTEMAS.
9               NOVO MODELO DE PRESTAÇÃO DE EUSKADI: SISTEMAS LOCAIS INTEGRADOS DE SAÚDE – MICROSSISTEMAS E SUA GO-
VERNANÇA. NOV. 2012.

70
O conceito-chave é desenvolver um “sistema” local onde somente exista um grupo fragmen-
tado de instituições assistenciais. A nova unidade operativa no âmbito local deve ser um “sistema”
que integre os diferentes provedores de serviços interdependentes nesse âmbito. É a nova unida-
de funcional.
Os microssistemas não são compostos unicamente por atores do campo da saúde e áreas
de atenção primária, especializada ou a atenção à subagudos, saúde mental etc., mas também por
organizações de saúde pública e outros agentes da comunidade como escolas, ONGs, associações,
atores sociais etc.
Os microssistemas são orientados para o cumprimento de três objetivos: melhorar os resulta-
dos em saúde e sociais, pensar e planejar em termos populacionais; e identificar localmente eficiên-
cias. Para seu cumprimento, as organizações locais interdependentes deverão definir intervenções
conjuntas para assegurar a continuidade assistencial de seus pacientes, responsabilizando-se pela
saúde da população que atendem e buscando mais eficiência.

Três grandes objetivos para o sistema de saúde no nível local

2
Melhorar a atenção clínica e

1
Planejamento e desenvolvimento
social, favorecendo a saúde,
da atenção em uma lógica
o acesso, segurança e satisfação
populacional, com estratificação
dos cidadãos e respondendo às
de riscos
necessidades dos
doentes crônicos
Resultados
sanitários Visão
e sociais populacional

Eficiência

3
Incrementar os níveis de eficiência
no uso de recursos, favorecendo
a sustentabilidade dos sistemas
de saúde a longo prazo

O fato de compartilhar objetivos e responsabilidade sobre a população que atendem requer


que, no nível local e entre as organizações que integram o microssistema, defina-se instância de
governança que facilite o desenvolvimento das intervenções e a atenção do paciente em lugar mais
adequado e mais custo-efetivo. Isso significa, progressivamente, deslocar os recursos para o nível
comunitário e reduzindo o consumo hospitalar.

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 71


Vários estudos na Inglaterra estimam que 15% de internações ao ano podem ser transferidos
ao cuidado domiciliar. O que significa uma economia potencial de 1,7 bilhão de libras por oferecer
mais serviços na casa dos pacientes (HSJ, 2012).

Como se abordou a transformação do Sistema de Saúde em Euskadi?10


No início da legislatura do Departamento de Saúde e Consumo, desenvolveu-se a visão e os
objetivos que deveriam dirigir a organização. O objetivo principal que se estabeleceu desde o primeiro
momento foi a transformação do modelo de oferta para atender melhor a demanda crescente da po-
pulação com doenças crônicas de modo sustentável.
Dessa forma, em 2009, implementou-se a Estratégia para responder ao desafio da Cronicidade,
definindo 14 projetos considerados estratégicos.
Executar uma transformação dessa magnitude requer: liderança determinada e o estabeleci-
mento de que lugar é melhor para fazê-la, segundo que critérios e quem deve fazê-la.
Tão importante quanto a definição de uma Estratégia é a forma de liderança que se deseja desen-
volver na organização. Buscou-se novo equilíbrio entre o controle central e a ampliação da liderança local.
Por meio dessa liderança compartilhada se espera, pouco a pouco, ir dotando o nível local
(equipes profissionais e dirigentes locais dos Sistemas Locais Integrados de Saúde – microssistemas)
de capacidade para que assuma todas as decisões sobre a organização dos processos e a redistribui-
ção de recursos.
Enquanto os órgãos centrais devem definir as diretrizes e criar condições e capacidades na
organização para que no nível do Sistema Local Integrado de Saúde – microssistema se façam as
mudanças necessárias.
O nível central não deve microgerir nem decidir como se organizam os serviços no nível local.
Existem tensões evidentes nessa reconfiguração do modo como se tomam as decisões, mas
elas são passíveis de gestão e se está avançando com firmeza ao empoderamento do nível local.
Adicionalmente, promoveu-se uma cultura de inovação e de avaliação para poder avançar na
melhoria contínua, mas baseada em novas formas de fazer que sejam mais eficientes e que aportem
melhores resultados em saúde. Desse modo, todas as ações e políticas adotadas se guiaram pelas
premissas anteriormente enunciadas.
O Serviço Basco de Saúde/Osakidetza é uma organização de 30 mil pessoas. Essas organiza-
ções necessitam de apoio para fazer as mudanças culturais e organizativas desejadas. Para apoiar
essas mudanças e ajudar na geração de capacidades nos microssistemas se criam diferentes estru-
turas de apoio como: O+Berri (Instituto Basco de Inovação em Saúde); OEC (Oficina de Estratégia de

10               PAÍS VASCO: TRANSFORMANDO O SISTEMA DE SAÚDE. 2009-2012. DEZ. 2012.

72
Crônicos); Kronikgune (Centro de Investigação de Excelência em Cronicidade); Etoribizi (Centro Basco
de Inovação Sociossanitária).

Gerando novas capacidades e ferramentas alinhadas à Estratégia de


Crônicos11
Para avançar na transformação rumo ao novo Modelo de Saúde Basco, foi necessário trabalhar
em dois níveis. Por um lado, promovendo transformação cultural e nova forma de trabalho fundamen-
tada majoritariamente na cooperação e no trabalho em equipe dos diferentes atores do microssiste-
ma, proatividade na inovação e cultura avaliativa. Por outro, gerar novas capacidades e ferramentas,
processos definidos na Estratégia de Crônicos e que eram necessários para poder adaptar o sistema
de saúde às necessidades da demanda atual.

Projetos da Estratégia de Cronicidade

Estratificação O-Sarean História Financiamento Prescrição


Intervenções padronizadas

Clínica e contratação Eletrônica


Unificada
DE CIMA PARA BAIXO

Resultados
sanitários Visão
e sociais populacional
DE BAIXO PARA CIMA
Inovação local

Eficiência

Papel da Empodera- Prevenção e Coordenação Hospitais de Cuidados Inovação


Enfermagem mento promoção Socios- subagudos Integrados a partir dos
do paciente sanitária profissionais

11               ESTRATÉGIA PARA O ENFRENTAMENTO DO DESAFIO DA CRONICIDADE EM EUSKADI.

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 73


Uma estratégia clara de atuação facilitou o desenvolvimento de múltiplos projetos necessários
para promover as mudanças desde o ano de 2009, de maneira que hoje os 11 microssistemas dis-
põem de novas ferramentas para avançar na transformação do modelo assistencial que se pretende:

FERRAMENTAS

• Cada microssistema já dispõe da história clínica unificada (Osabide Global) que permite
acessar desde qualquer serviço à história clínica de um paciente e a prescrição eletrônica
em fase de implementação.
• Também se desenvolveu novo modelo de atenção aos pacientes: Osakidetza não presencial
– Osarean, que permite atender a população de cada microssistema sem que ela necessite
ir ao médico, seja melhorando a acessibilidade ao sistema de saúde ou por meio da incor-
poração de tecnologias que permitam a monitoração e o acompanhamento dos pacientes
com novas tecnologias (telemedicina).

Novo Modelo
de Notificação

Entorno Carteira de Serviços Processos


Colaborativo CSSM Administrativos

Acesso a
Serviços
Informação
Informais
Pessoal

Acompanhamento
Paciente
a Distância
de Pacientes Ativo

Conselho de
Saúde

74
• Os profissionais de saúde em cada microssistema, graças à estratificação dos riscos, têm
a população organizada em função dos seus riscos ou sua morbidade, o que lhes permite
planejar suas intervenções e ser proativos em vez de apenas reagir quando aparecem os
pacientes, podendo dessa maneira prevenir múltiplas internações e patologias.

Cenário do País Basco em razão da estratificação do risco: 100% da população estratificada

863.888 pacientes crônicos em Euskadi


Gestão do Caso
43.000

173.000 Gestão da doença

636.000 Suporte a autogestão

2.260.000 pacientes
População com patologia crônica 863.888
Prevenção e promoção
População sem patologia crônica 1.394.539

FONTE: BASE ESTRATIFICADA DE DADOS DO PAÍS BASCO 2010-2011.

• Também se trabalha no desenvolvimento de novos modelos de atenção em hospitais de


subagudos e em modelos de coordenação sociossanitária.
• Implementaram-se projetos de pesquisa para definir:
○○ As atribuições da enfermagem que são necessárias nesse novo modelo de saúde,
emergindo três papéis com funções diferenciadas e que objetivam maior controle do
paciente crônico, maior proatividade e maior capacidade de empoderar os pacientes.
Tais papéis estão se expandindo dentro do Sistema Sanitário Basco.

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 75


A enfermeira atua primeiro com foco nas necessidades
do paciente, evitando que as patologias se agudizem e
a situação se torne mais complexa.

A enfermeira conhece as necessidades físicas e sociais,


por realizar avaliação domiciliar, e identifica os
recursos necessários ao paciente (ajuda no domicílio,
materiais – colchão especial para evitar feridas,
camas, cadeira de rodas etc.
EGCA EGC EGEH
O paciente pode contatar a enfermeira e evitar
buscar as unidades de urgências ante as doenças.

A enfermeira educa os pacientes e familiares sobre sua


Enfermeira Gestora Enfermeira Gestora Enfermeira Gestora doença e os cuidados mais adequados.
de Competências da Continuidade da Articulação
Avançadas Hospitalar
A enfermeira cuida de agendar as consultas no menor
número de dias possível.
Dependência organizacional, Dependência organizacional,
localização física e nível de atuação: localização física e nível de
distrito sanitário A enfermeira prepara e planeja os recursos necessários
atuação: hospital para o retorno do paciente ao seu domicílio.

○○ Experiências de empoderamento do paciente: desenvolveu-se “Paciente Ativo” que


é um programa que aborda a parte clínica e emocional da patologia com base em
capacitações dadas por pacientes experts que depois de uma formação e apoio do
profissional de saúde ensinam a aceitar, conviver e fazer autogestão de sua patologia.
Essa iniciativa está sendo expandida e se está trabalhando na liberação da agenda
dos profissionais de enfermagem para que destinem parte de sua carga horária ao
empoderamento dos pacientes ante sua patologia.

Testemunhos de pacientes do Programa de Paciente Ativo do Euskadi

Os pacientes que fazem


a autogestão de sua
doença podem reduzir O paciente bem Cada um vive a
a mortalidade em 27% informado poderá cronicidade de forma
Não é um assumir maiores diferente, depende da
medicamento, nem responsabilidade e em gravidade da patologia,
uma intervenção consequência será mas em grande medida
cirúrgica; é a melhor melhor consumidor de da situação pessoal e
autogestão que impacta atenção em saúde. emocional do paciente.
na mortalidade.

76
○○ Fomentou-se a prevenção e promoção, a partir de estudos clínicos para avaliar o im-
pacto da intervenção, como é o projeto Deplan (Detecção de Pacientes com Risco de
Diabetes e Intervenção Educativa para a Mudança de Hábitos). Além disso, está se
investindo na área da Saúde Pública para que se definam, no âmbito da clínica, as
intervenções de prevenção e promoção que se articulem às comunidades.
• Foram implementados mais de 140 projetos de inovação pelos clínicos abordando diferen-
tes aspectos da integração assistencial para melhoria da atenção para os diversos tipos de
pacientes, experiências de autogestão e experiências de abordagem por meio da telemedi-
cina entre outros. A crescente evolução das experiências de inovação organizativa no âm-
bito local promove avanços na transformação do modelo, abertura a outras organizações e
novas formas organizacionais mais custo-efetivas.12

Distribuição dos 72 projetos bottom-up incluídos no contrato programa, segundo relação


com os projetos da Estratégias de Crônicos

40
35 38
30
25
20
15 17
10 14
12 12
5 8
5 5 3 1
0 2

o
ão

rio

em
s

os
e

s
o

tro

do
nt

çã
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ão

So

da
ç

ç
iva

en

is

ev
At

pa
Pr

s
vo
No

FONTE: DEPARTAMENTO DE SAÚDE E CONSUMO DO GOVERNO BASCO.


*ANALISADOS 72 PROJETOS DE 140 EXISTENTES

• Além disso, modificou-se o modelo de contratação e financiamento de serviços de saúde


com objetivo de dirigir as Organizações de Serviços a novo modelo de saúde, que introdu-
za o pagamento por resultados em saúde, que fomente a coordenação assistencial e que
permita espaço para a inovação e, consequentemente, que seja catalizador da criação de
microssistemas.13

12               INOVAÇÃO LOCAL COMO MOTOR DA TRANSFORMAÇÃO DO SISTEMA DE SAÚDE BASCO. 2009–2012.


13               CONSOLIDAOCAL COMO MOTOR DA TRANSFORMA DA TRANSFORMAIDTH:12141;HEIGHT:1486QUE AS PATOLOGIAS S.

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 77


Vinculação de 3% do orçamento às intervenções integradas, inovação e qualidade

Microsistema

Território Hospitais Subagudos


Atenção Primária Agudos

97%
Atividade Atividade Atividade

Plano de Intervenção Populacional 2%

Marco Avaliativo
3% Projetos Territoriais 0,5%
Qualidade 0,5%
Bottom-up 0,5%

Todas essas novas ferramentas, além de contribuir para o alcance dos três grandes objetivos
dos microssistemas (melhoria dos resultados em saúde e sociais, com enfoque populacional e maior
eficiência), estão desenvolvendo múltiplas capacidades no sistema, conseguindo maior integração e
maior protagonismo do paciente no modelo.
Cabe destacar elemento importante no processo de transformação do Sistema de Saúde no
País Basco: os Planos de Intervenção Populacional (PIP). Graças ao desenvolvimento dos projetos
da Estratégia para enfrentar o desafio da Cronicidade em Euskadi, pode-se avançar e por meio da
mudança do modelo de Financiamento e Contratação e da implementação da ferramenta de estrati-
ficação se introduziram os “Planos de Intervenção Populacional” com objetivos compartilhados entre
todos os agentes do microssistema, que apresentam as seguintes características:
• Atenção coordenada e adaptada às necessidades de um grupo de população com caracte-
rísticas de morbidade e patologia em comum.
• Definição por parte de todos os atores envolvidos na sua atenção de como, quando e onde
se dará a atenção aos pacientes e que mecanismos de comunicação serão estabelecidos
entre os diferentes atores que responsáveis por sua atenção.
• Proatividade na atenção, de modo que se definem processos de busca ativa dos pacientes
para mantê-los controlados e acompanhados em todos os momentos

78
Definir e desenvolver estratégias de intervenção por cada segmento ou
extrato populacional

Gestão do PIP Pluripatológicos


Caso Vacina antigripal
5%
População Crônica

PIP Diabetes PIP DPOC PIP IC


Gestão da Vacina Vacina Vacina
20% Enfermidade antigripal antigripal antigripal

Paciente Ativo Risco cardiovascular

Suporte a Vacina Antigripal


Atividade Física
autogestão
e Dieta
Cassação do hábito de fumar
75%
População
Saudável

Busca e aconselhamento antitabagismo


Prevenção e
promoção Vacinação Antigripal
100%

Os Planos de Intervenção Populacional constituem processos transversais dentro do micros-


sistema, com responsabilidade sobre eles e que afetam mais de uma organização. Essa ferramenta
introduz uma série de mudanças na organização de serviços e requer avançar rumo à definição de
um modelo de governança.9
A oferta de serviços coordenada no âmbito local não dependerá unicamente do modelo de go-
vernança descrito, mas da existência de ferramentas e processos integradores.
Todas as ferramentas descritas são integradoras, buscam de uma forma ou de outra facilitar a
trajetória do paciente pelo sistema assistencial sociossanitário.
Nesse sentido, todas estão alinhadas rumo à mesma meta. A força da transformação provê do
alinhamento, não da existência de uma ou outra.

Governança no âmbito local8,9


Conforme descrito na seção anterior, um microssistema é formado por todos os atores que de
alguma forma ofertam assistência em saúde a uma mesma população. Portanto, além dos atores sa-
nitários de todos os níveis assistenciais (atenção primária, atenção especializada, subagudos, saúde
mental, emergências) também devem-se integrar os atores de Saúde Pública, serviços sociais, prefei-
turas, empresas do terceiro setor e do setor privado.

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 79


Atores que devem fazer parte do modelo de governança do País Basco

2
Prefeitos Terceiro setor - associações Escolas

1
Serviços Sociais
Gerentes / dirigentes das OS
-Atenção Primária
-Atenção especializada
-Atenção subagudos
-Saúde Mental
-Emergências

Clínicos que participem nos processos transversais

Agentes Comunitários de Saúde

Meio Ambiente Participação cidadã

Setor privado

FONTE: DEPARTAMENTO DE SAÚDE E CONSUMO DO GOVERNO BASCO, 2012.

À primeira vista, parece que a modalidade mais simples para gerir a parte mais puramente
assistencial de um “microssistema” é a formalização de uma “gestão única” como foi feito nessa le-
gislatura em parte de Guipúzcoa com bons resultados. Porém, a integração estrutural não assegura a
integração clínica; é por isso que não se deve perder o objetivo primordial: o importante em qualquer
modelo é alcançar a integração clínica e não a integração funcional de gestão.
A implementação da gestão única poderia ser tomada como “a” solução, mas é importante
se dispor de alternativas já que a gestão única pode não ser generalizável. Esse modelo pode criar
resistências em certas organizações e por isso é conveniente dispor de alternativas para avançar na
construção e consolidação dos microssistemas.
Consequentemente, é preciso ter em mente que, quando alguém se refere a uma organização
integrada local ou microssistema, não se pensa em uma “entidade”.
É melhor interpretá-lo como um grupo de organizações que ofertam serviços de forma coorde-
nada, mas que não estão necessariamente unidas em uma entidade de gestão comum.
Nesses casos trata de se desenvolver uma organização matricial, em vez de uma hierarquia
simples. Uma matriz consiste em uma série de estruturas horizontais entre as quais flui informação
e capacidades. Os profissionais e dirigentes dessas estruturas interdependentes trabalham na defi-
nição e implementação de projetos comuns. Quer dizer, trata-se de definir modelos de gestão para o
desenvolvimento dos processos transversais e que, portanto, afetam mais de uma organização, man-
tendo a independência de gestão dos processos que somente competem a uma organização.

80
No País Basco dispomos de exemplos. Tais exemplos, entre outros são: os projetos elaborados
entre Basurto, Comarca Bilbao e Santa Marina ou o projeto integrado de DPOC entre as UAP Rioja,
Olaguibel, Leza e o HUA. Seguem sendo organizações independentes, mas com certos processos ou
projetos se formaliza um arranjo interdependente e consensual.

Esquema de Estrutura Matricial em um Microssistema

Atenção Hospital de Hospital de Serviços


Primária Agudos Média e Longa sociais
permanência
ou subagudos

PIP PP

PIP DPOC

PIP IC

*Não estão incluídos todos os agentes do microssistema. Essa é uma representação esquemática.

FONTE: DEPARTAMENTO DE SAÚDE E CONSUMO DO GOVERNO BASCO.

Essas organizações facilitam a tomada de decisões descentralizada, pooling ou colocação em


comum das capacidades técnicas entre organizações diferentes e melhorias de coordenação e de
comunicação entre organizações. Também permite a essas organizações diversificar seus serviços e
oferecer mais continuidade de cuidados.
Esse é passo importante para maior coordenação, mas se pode ir mais longe.
É possível desenvolver “linhas de gestão transversal” que façam a gestão de recursos prove-
nientes das diferentes organizações de serviço do microssistema adequando-se às necessidades do
processo assistencial, integrando, como premissa principal, a atenção do paciente em lugar mais
adequado (as linhas de gestão transversal podem ser de qualquer grupo: pluripatológico, ortopedia,
cardiovascular, câncer...).
Cada linha de serviço transversal poderia ter a própria estrutura de gestão, a qual funcionaria
de forma separada das estruturas que fazem a gestão de cada organização assistencial.

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 81


Conclusão
É evidente que a gestão operacional não pode ser desligada do processo de transformação; são
dependentes uma da outra e se retroalimentam. Enquanto se implementava toda essa transforma-
ção, foi necessário seguir fazendo gestão muito exigente em uma época de profunda crise.
Ao longo dessa legislatura, apostou-se em proteger e estimular um modelo público e otimizar os
recursos internos, introduzindo melhorias na eficiência do sistema (promovendo a prescrição de ge-
néricos, incrementando a produtividade interna e reduzindo a contratação externa, realizando melhor
gestão das compras e os recursos humanos etc.), e ampliando serviços e melhorando a qualidade
(com mais programas assistenciais, melhores tempos nas listas de espera e mais prevenção).
Entretanto, era consciente que uma gestão eficaz não era suficiente. Era necessário complemen-
tá-la com a evidente transformação do Sistema de Saúde para fazer frente às necessidades de atenção
e econômicas que lhe são exigidas, sem ter de fazer cortes ou fazendo cortes mínimos no futuro.
A aposta na Estratégia do Desafio da Cronicidade em Euskadi é a transformação do modelo
assistencial com o objetivo de melhorar a qualidade de cuidados e conseguir que o sistema de saúde
seja mais sustentável, porque estamos convencidos – e a evidência mostra isso – de que mudando o
modelo de atenção se consegue gerar mais eficiências que aplicando outras medidas como cortes ou
a introdução de cofinanciamento ou privatizar serviços.6,7
Sabemos o que fazer e em muitos casos como fazê-lo. Sabemos que essa transformação se
conseguirá onde se dão os serviços, no âmbito local.
Por isso a Estratégia nesses anos se concentrou em criar capacidades nesse âmbito e em dis-
tribuir o exercício de liderança para potencializá-lo.
Em grande medida, a inovação mais importante nos próximos anos não será uma tecnologia
nem um medicamento, mas sim a capacidade de exercer liderança nova e mais integradora.

Referências Bibliográficas14
1. INE.
2. ChronicDisease Management. Evidence of Predictable Savings; J. Meyer and B. Markham, 2008.
3. Fonte: Base Estratificada de Dados. Osakidetza, 2011.
4. Fonte: Departamento de Saúde e Consumo do Governo Basco.
5. PFI and “value for money” in NHS hospitals: a policy in search of a rationale? Vickers N, Shaoul J,
Pollock AM. BMJ. 2002; 324:1205-09.

14               FORMATAÇÃO ADOTADA PELO AUTOR.

82
6. RISAI, V. 1, N. 1. Empantanados; R. Bengoa. 2008.
7. Vogeli C, Shields AE, Lee TA, Gibson TB, Marder WD, Weiss KB. Multiple chronic diseases: prevalen-
ce, health consequences, and implications for quality, care management and costs. J Gen InternMed.
2007;22(suppl 3):391-5.
8. Acordo de 9 de novembro de 2012, do Conselho de Administração de Osakidetza. Constituição dos
Sistemas Locais Integrados de Saúde – Microssistemas.
9. Novo modelo de oferta de Euskadi: Sistemas Locais Integrados de Saúde – Microssistemas e sua
governança. Nov. 2012.
10. País Basco: transformando o Sistema de Saúde. 2009–2012. Dez. 2012.
11. Estratégia para enfrentar o desafio da cronicidade em Euskadi.
12. Inovação local como motor da transformação do Sistema de Saúde Basco 2009–2012.
13. Consolidação do projeto de Financiamento e Contratação em Saúde. Avanços ao longo do período
2009–2012.

Síntese da apresentação
Existe, de fato, uma crise na saúde, em todo o mundo e que ela é, acima de tudo., uma crise
de sustentabilidade, mas é possível uma solução para ela. Neste sentido, uma série de desafios hoje
se colocam no horizonte próximo dos sistemas de saúde, por exemplo, de índole demográfica, com o
aparecimento de cada vez mais pacientes portadores de condições crônicas, além de acometimento
dos mesmos por múltiplas patologias.
Do ponto de vista epidemiológico, tomando por base o caso do País Basco, demonstra-se uma
profunda mudança no padrão de adoecimento da população, com as doenças infecciosas e parasitá-
rias sendo radicalmente substituídas pelas condições crônicas, particularmente da doença cardiovas-
cular, além do trauma. Ao mesmo tempo, revelam-se cifras verdadeiramente espantosas em termos
do incremento da complexidade dos procedimentos clínicos.
Existe ainda o cortejo de problemas gerados pela extrema fragmentação assistencial vigente
nos sistemas de saúde contemporâneos, cuja consequência mais visível é pode ser traduzida por
uma metáfora mecânica: “como pode uma estrutura (chassis) dos anos 70 dar conta da medicina
necessária ao século XXI?”.
Também deve ser levada em consideração a mudança radical das expectativas dos cidadãos
face aos sistemas de saúde que lhe são oferecidos, bem como da escalada de custos verificada em
todo o mundo, distanciando cada vez mais os orçamentos restritos disponíveis e os gastos crescen-
tes reais.

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 83


Revelação impactante e altamente preocupante é a de que, nos sistemas de saúde atuais,
apenas 14% dos pacientes portadores de condições crônicas e complexas, ou algo próximo disso,
consomem nada menos de que 46% do gasto total.
Um quadro impressionante da medicina contemporânea, em termos de sua complexidadee de
suas cifras é a revelação de que o arsenal da mesma é constituído por nada menos do que mais de
13 mil possibilidades diagnósticas, cerca de quatro mil procedimentos cirúrgicos, seis mil variedades
de medicamentos, 20 milhões de atos clínicos, resultando no envolvimento de, em média, 22 profis-
sionais para cada paciente atendido.
Contrastam com este quadro as fortes evidências da ineficácia de muito do que se faz no
universo dos sistemas de saúde. Assim, por exemplo, a proporção de segundas consultas (para o
mesmo tipo de problema, em prazo curto definido) é muito expressiva, crescendo proporcionalmen-
te com o número de condições que o paciente apresenta, chegando aos 70% nos casos de mais de
seis patologias.
Questão associada é a da segurança clínica e qualidade dos atendimentos, também preocu-
pante e pouco desenvolvida nas organizações de saúde atuais, totalmente despreparadas ou plane-
jadas para enfrentar tal leque de desafios.
O que fazer? Existem caminhos e soluções viáveis, que devem partir, entretanto, da concep-
ção de que problemas complexos não se resolvem com medidas simplistas, ao contrário, que sejam
conduzidas de forma multidimensional, não havendo para tanto “varinhas de condão”. Assim, como
princípios de tais mudanças, em primeiro lugar, o enunciado de novos discursos e novas análises
dos cenários presentes, além do desenvolvimento de novas ferramentas, coerentes com os desa-
fios a enfrentar.
Questão considerada fundamental, ainda, é a de promover novos arranjos de liderança, com
poder mais distribuído, mediante estratégias participativase colaborativas, que envolvam decidida-
mente os profissionais de saúde.
O referido “novo discurso” envolveria não só uma definição de prazo, no exemplo presente, com
foco nas doenças crônicas no contexto da Euskadi (País Basco), cerca de três anos, bem como etapas
de definição das estratégias a serem utilizadas, de desenvolvimento e acompanhamento de projetos,
até que surjam resultados concretos a serem avaliados.
A gestão de tais processos de mudança deve contemplar duas agendas simultâneas, de-
monstradas através de uma metáfora com árvores frutíferas. No primeiro caso, a ênfase é em uma
cultura de resistência, que não altera substancialmente o status quo, resultando em frutos mais
facilmente alcançáveis, mas originados de plantas pouco produtivas. No segundo caso, em que
predomina uma cultura de mudança e transformação efetivas, com alterações mais profundas na
situação de base, os frutos serão de mais difícil colheita, porém gerados por plantas bem mais
produtivas.

84
Em outras palavras, trata-se de uma gestão simultânea das crises e das transformações ne-
cessárias nos sistemas de saúde. No primeiro caso (gestão de crise), cumpre antes de tudo produzir
ajustes, mediante estratégias de curto prazo, por exemplo, em termos de políticas de insumos, re-
cursos humanos e salários, bem como tecnologias, item em relação ao qual muitas vezes torna-se
preciso reverter o processo de financiamento habitual. O segundo caso implica em transformar, de
fato, mediante estratégias de médio prazo, o modelo assistencial vigente, envolvendo, entre outras
medidas a gestão proativa de crônicos, o desenvolvimento de estratégias integradas de cuidado e o
empoderamento decidido de pacientes.
Há que estar atento, também, aos múltiplos e potenciais pontos de intervenção ao logo do
continuum da doença. Por exemplo, nas etapas de prevenção, cuidado precoce e tardio, além da rea-
bilitação, tendo como substrato conceitual os determinantes sociais de saúde.
A análise deve contemplar, também, um horizonte mais amplo do que o da simples contenção
de despesas, elevando e qualificando o patamar das medidas a serem adotadas, como políticas efeti-
vas e não como simples programas. Abre-se, assim, espaço para uma visão de futuro, que contemple
não só os meios de se chegar lá, mas também as estruturas, com definições estratégicas de direção
das mudanças,estabilidade face ao ambiente de crise no qual se está trabalhando, além de coesão
na participação dos atores, dentro de um projeto comum.
A construção de estruturas lógicas (frameworks) possibilita, entre outros aspectos, o desenvol-
vimento de uma visão realmente sistêmica, englobando a ação pública e privada, utilizando como fer-
ramentas, por exemplo, a estratificação de risco e conceitos diversos como os de “paciente ativado”,
interações produtivas, proatividade das equipes de saúde, busca de resultados, inserçãocomunitária,
entre outros. Ciclos virtuosos, portanto, devem ser estabelecidos entre a saúde da população, a atu-
ação medica e a eficiência operacional.
Na situação presente no País Basco, a estimativa é de 100% de populaçãojá estratificada,
resultando em pouco mais de 43 mil pessoas em situação de gestão de caso; 173 mil em gestão de
enfermidade; 636 mil em apoio à autogestão e 2,26 milhões em prevenção e promoção de saúde.
Para ser de fato coerente e útil para a saúde da população, a estratégia de mudança deve se
originar não da lógica privada da gestão ou da simples contenção de gasto, mas deve estar, acima
de tudo, sintonizada com as necessidades dos pacientes. Neste aspecto, um apanhado de processos
de mudança recentes mostra, por exemplo, que no EUA (Obamacare) o foco é mais restrito em cobrir
apenas os não segurados; na Escócia, em segurança clínica; na província basca recai nas doenças
crônicas. Respostas de fato multidimensionais devem ser coerentes com a análise feita, envolvendo
intervenções tanto de cima para baixo como de baixo para cima.
No primeiro caso (de cima para baixo), o foco está em intervenções mais padronizadas, com
apoio em processos de estratificação e ações variadas, tais como, centro de cuidados “multicanal”,
unificação de histórias clínicas, receituário eletrônico, dentro de uma lógica de financiamento por

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 85


contratualização. No caso seguinte, o que mais importa é o empoderamento dos pacientes, com forte
apoio do pessoal de enfermagem, atividades de prevenção e promoção, criação de hospitais de suba-
gudos, mediante lógicas de coordenação social e sanitária e integração assistencial.
A principal alavanca para tais processos é o que se denomina de “ativação dos pacientes”,
mediante informação e empoderamento dos mesmos, o que resulta não só em maior qualidade do
serviço oferecido, como também em redução de custos assistenciais, da ordem de até 21%. Tal pro-
cesso de ativação de pacientes envolve uma escala de mensuração do sucesso obtido, variando de 1
a 13, ou seja, desde pacientes que não consideram sua atividade como um fator importante e outros
aos quais falta confiança e conhecimento para tomarem as rédeas da ação, até aqueles pacientes,
de pontuação mais elevada, já aptos a iniciar sua caminhada ativa e manter tal comportamento ao
longo do tempo.
Demonstra-se, através de estudos, como é o caso de um realizado pela Universidade do Oregon
(EUA) em 2004, que o grau de adesão aos planos terapêuticos, em relação a quatro condições crô-
nicas (diabetes, hipertensão, hipercolesterolemia e doença cardíaca), é substancialmente maior nos
pacientes que alcançam os níveis superiores da escala de ativação referida acima.
São necessárias, também,mudanças nos processos de pagamento e custeio em saúde, por
meio da procura da solução mais adequada, apontando-se quatro categorias principais de pagamento
(por ato, por capitação, por conjunto de procedimentos, além de globalizado).
Em suma, os sistemas de saúde atuais não atendemàs necessidades presentes no cenário, não
constituindo nem mesmo um real “sistema”, centrados que estão na gestão de estruturas e não na
gestão de sistemas”. Assim, o caráter fragmentado, reagente e paternalista vigente deve ser substituí-
do por outro, no qual exista continuidade dos cuidados, antecipação (proatividade), responsabilização
e capacitação de pacientes, além da total Integração entre hospitais e unidades de atenção primaria
a saúde (APS). Referência neste aspecto é o estudo realizado pelo Northern California ALL Program,
nos quais são visíveis os resultados referentes à redução significativa acidentes vasculares cerebrais
entre 1997 e 2008.
Há também o caso do Promic, no País Basco, de gestão de caso em doenças cardíacas, no qual,
mediante coordenação entre hospitais de agudos e unidades de atenção primaria a saúde, com forte
atuação de enfermeiros e grande foco na promoção do autoatendimento, ocorreu significativa melho-
ria de indicadores, por exemplo, nas taxas de incidência, no tempo de sobrevivênciae na redução no
risco de morte ou readmissãode pacientes, além de redução de custos.
A participação nas decisões dos profissionais do setor é aspecto essencial e deve ser obtida a
partir do pressuposto de que as respostas já podem estar presentes entre a própria comunidade la-
boral, não fora dela e de que é importante criar estruturas de trabalho que promovam a participação,
de baixo para cima, para o que processos de autodescoberta constituem aspecto essencial, mais do
que a realização de projetos piloto isolados.

86
Finalizando, existem, de fato, soluções para os problemas dos sistemas de saúde, embora algu-
mas vezes pareça que aquelas frutas doces mencionadas na metáfora das árvores estejam um pouco
mais altas, mas ainda assim alcançáveis.

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 87


2
LUIZ AUGUSTO FACCHINI
INIQUIDADES SOCIOECONÔMICAS NO ACESSO E NA QUALIDADE
DA ATENÇÃO AO DIABETES ENTRE IDOSOS BRASILEIROS

Autores: Luiz Augusto Facchini1,2,4, Bruno Pereira Nunesa1,2, Suele Man-


jourany Silva Duro1, Elaine Thumé3,4, Fernando Siqueira5, Julieta Carri-
conde Fripp4, Anaclaudia Gastal Fassa1,2, Elaine Tomasi1,2

Resumo
Introdução: O diabetes é um problema frequente e em aumento entre idosos no Brasil, porém
ainda são escassas as avaliações sobre o modelo de atenção à doença, com ênfase nas iniquida-
des socioeconômicas e na qualidade do cuidado. Objetivo: Avaliar as diferenças socioeconômicas no
acesso e na qualidade da atenção entre idosos com diabetes. Metodologia: Estudo transversal de
base populacional realizado em 2009 em áreas urbanas de 100 municípios das cinco regiões geopo-
líticas do país. O acesso aos serviços de saúde foi avaliado por meio de consulta médica, no último
ano, para o problema por idosos com diabetes. A qualidade foi mensurada pelos indicadores: o exame
laboratorial de sangue para glicemia de jejum, exame dos pés por profissionais de saúde e orienta-
ções para a alimentação saudável e a prática de atividade física. Associações bruta e ajustada, por
regressão de Poisson, foram realizadas entre os desfechos e a classificação econômica. Resultados:

1               DEPARTAMENTO DE MEDICINA SOCIAL, FACULDADE DE MEDICINA, UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS


2               PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EPIDEMIOLOGIA, UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
3               DEPARTAMENTO DE ENFERMAGEM, FACULDADE DE ENFERMAGEM, UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
4               PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM, UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
5               CURSO DE TERAPIA OCUPACIONAL, UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS

88
dos 6.582 idosos questionados, 16,9% (IC95%: 16,0; 17,8) referiram o recebimento de diagnóstico
de diabetes. Destes, em período de 12 meses, 77,8% (IC95%: 75,3; 80,2) consultaram com médico,
dos quais, 90,4% (IC95%: 88,4; 92,4) realizaram exame de sangue em jejum para medir a glicemia;
45,9% (IC95%: 42,6; 49,3) receberam orientação para a prática de atividade física; 37,9% (IC95%:
34,7; 41,2) receberam orientação para alimentação; e 36,6% (IC95%: 33,3; 39,9) tiveram seus pés
examinados. Não foram observadas diferenças na prevalência de consulta médica segundo a classe
econômica. Indivíduos mais ricos realizaram mais exame de sangue, receberam mais exames nos pés
e orientações para atividade física e alimentação saudável, quando comparados aos mais pobres.
Conclusões: o acesso à consulta médica foi similar entre os indivíduos de diferentes classes econômi-
cas. Todavia, iniquidades sociais foram evidenciadas em relação à qualidade da atenção, sugerindo
as limitações do modelo centrado em consultas e problemas agudos. O modelo de atenção à saúde
adequado às condições crônicas precisa ser rapidamente implementado no país.

Introdução
O diabetes é importante problema de saúde pública entre os idosos em razão de sua alta ocor-
rência, gravidade de suas complicações e grande demanda por recursos de saúde.1 Doença Crônica
Não Transmissível (DCNT), o diabetes caracteriza-se pelo aumento dos níveis glicêmicos, ocasionando
complicações micro e macrovasculares e neuropatias, que podem levar à cegueira e à insuficiência
renal. Entre as principais consequências do diabetes, destacam-se as amputações de extremidades,
principalmente dos pés, em razão da má circulação sanguínea gerada pela doença. No Brasil, acom-
panhando a tendência global de aumento da doença,2 a prevalência de diabetes em idosos3,4 passou
de 10,3% em 1998 para 16,1% em 2008.5 Em contexto global e nacional marcado por transições
demográfica, epidemiológica e nutricional, o aumento da obesidade, da hipertensão e da inatividade
física está associado com o incremento da prevalência e da incidência do diabetes e com dificuldades
em seu manejo adequado.6,7
O Sistema Único de Saúde (SUS) e a Estratégia Saúde da Família (ESF) possuem grande foco
na atenção prestada aos indivíduos com diabetes, facilitando o acesso ao atendimento médico e aos
medicamentos essenciais.4,8 Entretanto, a maior utilização de serviços de saúde por indivíduos com
diabetes8,9 não tem sido suficiente para o adequado manejo do problema, conforme sugere o aumen-
to da mortalidade, de hospitalização e de número considerável de amputações de extremidades.4
Entre as possíveis razões podem estar problemas relacionados ao modelo de atenção à saúde, emba-
sado no atendimento à livre demanda e a problemas agudos,10 mas também à qualidade da atenção
dispensada às DCNT.
O contato de indivíduos portadores de diabetes com profissionais de saúde é considerado im-
portante indicador de acesso aos serviços, pois todos os indivíduos com o problema devem ser acom-

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 89


panhados regularmente.11,12 No entanto, para o manejo adequado da enfermidade, é necessário um
conjunto mais amplo de cuidados, como, por exemplo, a verificação anual da glicemia de jejum, o
exame dos pés e o fornecimento de orientações para a alimentação saudável e para a prática de ati-
vidades físicas, considerados indicadores de qualidade da atenção prestada.11-14
No Brasil, há crescente disponibilidade de estudos sobre utilização de serviços de saú-
de pela população, contrastando diferenças conforme a presença de DCNT9,15 ou evidenciando
desigualdades em sua ocorrência entre grupos sociais.16 Apesar das melhorias observadas na
última década, ainda persistem iniquidades sociais na utilização de serviços de saúde no país. 4,16
Entretanto, informações sobre iniquidades no acesso e na qualidade da atenção ao diabetes em
idosos são escassas.
Buscando suprir parte da lacuna no conhecimento e contribuir para a avaliação do desempe-
nho do sistema de saúde, destacando o modelo de atenção às DCNT, o presente artigo analisa as
diferenças no acesso e na qualidade da atenção ao diabetes prestada a idosos no Brasil, segundo
condição socioeconômica.

Metodologia
Realizou-se em 2009 estudo transversal de base populacional em 100 municípios de diferen-
tes portes populacionais em 23 Unidades da Federação das cinco regiões geopolíticas brasileiras.
A amostra representativa da população urbana de idosos foi localizada por meio de um processo
em múltiplos níveis17,18 em que foram considerados o porte populacional dos municípios, os setores
censitários e os domicílios. Os municípios foram ordenados segundo o tamanho da população e, pos-
teriormente, foram sorteados aleatoriamente. Ao interior de cada município, os setores censitários
urbanos foram escolhidos aleatoriamente de acordo com a proporção de setores válidos e o tamanho
da população. Para essa estratégia foi utilizada a malha oficial do Censo Populacional do ano de
2000 (19). Ao fim, foram selecionados 100 municípios e 638 setores. Em cada um dos setores, 30
domicílios foram visitados, seguindo um “salto” sistemático entre as residências. Com essa estratégia
esperava-se encontrar aproximadamente 10 idosos por setor censitário, considerando que em cada
domicílio a proporção esperada era de 0,3 idoso.19
Os dados foram coletados por meio de computador de mão (PDA – personal digital assistant,
equipado com GPS), por 55 entrevistadores e armazenados em computadores portáteis e transferi-
dos, pela internet, à coordenação do estudo, compondo o banco de dados.
O controle de qualidade incluiu 5% das entrevistas, selecionadas aleatoriamente e refeitas em
até três dias. A comparação das coordenadas geográficas de cada domicílio com a sua localização no
setor censitário mapeado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) permitiu monitorar
a distribuição da amostra no setor, minimizando a possibilidade de viés de seleção.19

90
O questionário eletrônico foi padronizado e pré-testado, contendo variáveis socioeconômicas,
demográficas, antropométricas e características dos domicílios.
Para avaliar o acesso dos idosos com diabetes aos serviços de saúde, selecionou-se a realização
de consulta médica para o problema, no último ano, operacionalizada da pergunta: “O Sr.(a) consultou
com médico por diabetes (açúcar alto no sangue) desde <MÊS> do ano passado até agora?”. No caso
de resposta positiva, caracterizou-se o local do último atendimento. Na avaliação da qualidade da aten-
ção, utilizaram-se como indicadores o exame dos pés por profissionais de saúde, o exame laboratorial
de sangue para glicemia de jejum, o fornecimento de orientações para a alimentação saudável e para
a prática de atividade física, entre os idosos com diabetes que consultaram para o problema, operacio-
nalizados por meio das seguintes questões, respectivamente: “Algum profissional de saúde examinou
seus pés desde <MÊS> do ano passado até agora?”; “O Sr.(a) fez exame de sangue em jejum no labora-
tório para medir o açúcar desde <MÊS> do ano passado até agora?”; “O Sr.(a) recebeu orientação para
manter o seu peso ideal/ comer pouco sal/ comer pouco doce ou açúcar/comer pouca gordura e fritura
desde <MÊS> do ano passado até agora?”(as perguntas sobre orientações foram independentes, sen-
do classificado como caso o indivíduo que recebeu todas as orientações sobre alimentação); “Desde
<MÊS> do ano passado até agora, o Sr.(a) recebeu alguma orientação para fazer atividade física?”.
Todos os indicadores são considerados de processo, pois refletem ações dos serviços e dos pro-
fissionais de saúde, ou seja, expressam aspectos do processo de trabalho, definidos em protocolos,
ensaios clínicos ou por organizações governamentais. Ademais, o próprio acesso à consulta médica
tem sido utilizado como indicador de qualidade da atenção.14,20
Além disso, construiu-se indicador composto, ou sintético, de qualidade da atenção ao diabetes
avaliando a proporção dos indivíduos que receberam todos os desfechos acima citados. Estratégia
frequentemente utilizada na avaliação de qualidade da atenção, sua adequação é reforçada porque
todos os indicadores em estudo abordam aspectos do processo de trabalho, possuem o mesmo perí-
odo de recordação e avaliam a qualidade da atenção.14
A principal variável independente foi a classificação econômica da Associação Brasileira de Em-
presas de Pesquisa (Abep – http://www.abep.org) – (A ou B – mais ricos; C/ D ou E – mais pobres). As
demais variáveis foram: sexo (masculino/feminino); idade em anos completos (60 a 64; 65 a 69; 70
a 79; 80 ou mais); cor da pele autorreferida (branca/preta/parda ou morena/indígena ou amarela);
estado civil atual (casado/solteiro/separado ou divorciado/viúvo); escolaridade em anos completos
(nenhum; um a quatro; cinco a oito; nove ou mais); inatividade física no lazer em minutos por semana
mensurada por meio da versão longa do International Physical Activity Questionnaire (IPAQ) (<150/ ≥
150);21 Índice de Massa Corporal (IMC) em Kg/m2 (≤22/ >22 e <27/ ≥27) (12), sendo o peso corporal
(kg) mensurado por meio do Geratherm Perfect Fitness Digital 150Kg e a altura (cm) aferida por meio
da fita métrica T87-2WISO, a partir de técnicas padronizadas; diagnóstico médico de hipertensão ar-
terial (não/sim); e diagnóstico médico de problema de nervos (não/sim).

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 91


As análises incluíram o cálculo das proporções e seus respectivos intervalos de confiança de
95%. As prevalências de diabetes e dos indicadores de acesso e qualidade da atenção foram avalia-
das segundo as variáveis independentes. As prevalências dos indicadores de acesso e qualidade da
atenção foram apresentadas à semelhança do estudo de White, Williams e Greenberg.22 A prevalência
de consulta médica foi calculada para o conjunto dos idosos que referiram diagnóstico médico de
diabetes, enquanto as prevalências dos indicadores de qualidade da atenção foram estimadas em
relação aos idosos com diabetes que se consultaram. As análises bruta e ajustada foram realizadas
por meio da técnica de regressão de Poisson23 com ajuste robusto da variância. As significâncias
estatísticas foram avaliadas pelos testes de Wald para heterogeneidade e para tendência linear, con-
siderando significativas as associações com p-valor menor que 0,05. A análise ajustada foi realizada
“para trás”, a fim de verificar a associação entre classificação econômica e os desfechos, ajustando
no modelo 1 para as variáveis demográficas (sexo, idade, cor da pele, estado civil) e escolaridade e,
no modelo 2, para as variáveis do modelo 1 mais inatividade física no lazer, IMC, hipertensão arterial
e problema de nervos. Todas as análises foram feitas com o pacote estatístico Stata 12.0 (Stata Corp.,
College Station, EUA).
O protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina
da Universidade Federal de Pelotas (Número 152/07, de 23 de novembro de 2007) e o consentimen-
to informado foi obtido de todos os entrevistados. Os autores declaram não haver nenhum tipo de
conflito de interesses no presente estudo.

Resultados
Do total de 6.624 idosos questionados sobre o recebimento de diagnóstico médico de diabe-
tes, 6.582 informações foram obtidas e 16,9% (IC95%: 16,0; 17,8) referiram o problema, sendo a
prevalência maior entre as mulheres, os viúvos, com IMC ≥27 Kg/m2, hipertensos e com problema
de nervos (Tabela 1). Dos idosos com diabetes (n=1.110), 77,8% (IC95%: 75,3; 80,2) consultaram
com médico nos últimos 12 meses. Destes, 90,4% (IC95%: 88,4; 92,4) realizaram exame de sangue
em jejum para medir a glicemia, 45,9% (IC95%: 42,6; 49,3) receberam orientação para a prática de
atividade física, 37,9% (IC95%: 34,7; 41,2) receberam orientações para alimentação e 36,6% (IC95%:
33,3; 39,9) tiveram seus pés examinados (Figura 1). Avaliando o local do último atendimento médico
por diabetes, 58,7% ocorreram em unidades básicas de saúde, 18,4%, em consultórios por convênio,
9,1%, em ambulatório de hospital e 9%, em consultórios particulares.
A maior parte da amostra de idosos era do sexo feminino (59,0%) e de cor da pele parda (52,9%).
Um quarto da amostra tinha entre 60 e 64 anos e 15,8% tinham 80 anos ou mais. Metade da amostra
era casada e 31,2%, viúva. Em relação à escolaridade, três quartos tinham até quatro anos de estudo

92
e 12,4% tinham nove anos ou mais. As classes A/B e D/E representaram 17,0% e 41,2% da amostra,
respectivamente. Um quinto dos idosos tinha IMC ≤ 22Kg/m2 e 86,5% eram insuficientemente ativos
no lazer. Metade referiu diagnóstico médico de hipertensão e 14,6%, problema de nervos (Tabela 1).

Tabela 1 – Descrição das características demográficas, socioeconômicas,


comportamentais e de morbidade, e prevalência de diabetes em idosos. Brasil, 2009.
Variáveis N % % de diabetes*
Sexo (n=6.616) p<0,001
Masculino 2.714 41,0 14,0
Feminino 3.902 59,0 18,9
Cor da pele (n=6.456) p=0,771
Branca 2.604 40,3 16,5
Preta 376 5,8 18,2
Parda 3.412 52,9 17,2
Indígena/Amarela 64 1,0 15,0
Idade (em anos completos) (n=6.601) p=0,250
60 a 64 1.661 25,1 16,5
65 a 69 1.647 25,0 16,8
70 a 79 2.251 34,1 18,0
80 ou mais 1.042 15,8 15,3
Estado civil atual (n=6.613) p=0,001
Casado 3.384 51,1 16,7
Solteiro 685 10,4 12,8
Separado/divorciado 483 7,3 14,9
Viúvo 2.061 31,2 19,1
Escolaridade (anos completos) (n=6.538) p=0,802
Nenhum 2.470 37,8 16,8
Um a quatro 2.408 36,8 16,8
Cinco a oito 851 13,0 18,0
Nove ou mais 809 12,4 16,2
Classificação econômica (Abep) (n=6.346) p=0,300
A/B 1.079 17,0 18,5
C 2.650 41,8 16,5
D/E 2.617 41,2 16,7

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 93


Insuficientemente ativos (n=6.594) p=0,100
Não 887 13,5 14,9
Sim 5.707 86,5 17,2
IMC (Kg/m2) (n=5.383) p<0,001
≤ 22 1059 19,7 9,3
> 22 a < 27 2.188 40,6 14,8
≥ 27 2.136 39,7 22,7
Hipertensão (n=6.580) p<0,001
Não 3168 48,2 9,7
Sim 3.412 51,8 23,4
Problema de nervos (n=6.576) p=0,015
Não 5.619 85,4 16,4
Sim 957 14,6 19,6
* PREVALÊNCIA GERAL DE DIABETES = 16,9%, CALCULADA COM AS INFORMAÇÕES VÁLIDAS PARA A VARIÁVEL (N=6.582).

Figura 1 – Prevalências de indicadores de acesso e de qualidade da atenção em idosos


com diabetes. Brasil, 2009.

Idosos com diabetes


(n=1.110)

Consulta médica
(n=863, 77,8%)

Glicemia de jejum
(n=769, 90,4%*)

Orientação para
atividade física
(n=392, 45,9%*)

Orientação para
alimentação
(n=323, 37,9%*)

Pés examinados
(n=306, 36,6%*)

NOTA: *VALORES PERCENTUAIS REFERENTES AO TOTAL DE IDOSOS QUE REALIZARAM CONSULTA MÉDICA. PERDA DE INFORMA-
ÇÃO: PÉS EXAMINADOS = 27; GLICEMIA DE JEJUM = 12; ORIENTAÇÃO PARA ALIMENTAÇÃO = 11; ORIENTAÇÃO PARA ATIVIDADE FÍSICA = 9.

94
Na análise bruta, o atendimento médico por diabetes foi maior entre os idosos com hipertensão.
As prevalências de pés examinados e realização de exame de sangue foram maiores entre os indivíduos
mais ricos e com maior escolaridade. As orientações para alimentação e prática de atividade física foram
mais referidas entre mulheres, idosos de menores faixas etárias, com maior escolaridade, mais ricos,
com maior IMC e hipertensos. A orientação para a prática de atividade física também foi maior entre
aqueles ativos fisicamente no lazer e com problema de nervos. Receber todos os indicadores investiga-
dos foi maior entre aqueles com maior escolaridade, mais ricos, ativos fisicamente no lazer e hipertensos
(Tabela 2).
Na análise ajustada, a associação entre atendimento médico e classificação econômica manteve-
-se sem diferença estatística. Entretanto, no modelo 1, indivíduos das classes econômicas A/B em com-
paração aos da classe D/E tiveram 48% mais ocorrência de ter os pés examinados, 14% mais realização
de exame de sangue, receberam 37% mais orientações para alimentação, receberam 74% mais orienta-
ções para atividade física e tiveram 140% mais probabilidade de receber todos os indicadores avaliados.
No modelo 2, as associações foram semelhantes, com exceção do indicador orientações para alimenta-
ção que perdeu significância estatística.

Tabela 2 – Prevalências de indicadores de acesso e qualidade da atenção segundo as variá-


veis demográficas, socioeconômicas, comportamentais e de morbidades
em idosos. Brasil, 2009.
Variáveis Atendimento Pés Exame de Orientação para Orientação Recebimento
médico (%) examinados sangue glicemia alimentação (%) para atividade de todos os
(%) de jejum (%) física (%) indicadores (%)
Sexo p=0,879 p=1,000 p=0,143 p=0,036 p=0,035 p=0,267
Masculino 78,0 36,6 88,3 33,1 40,9 8,0
Feminino 77,6 36,6 91,4 40,4 48,5 10,4
Cor da pele p=0,056 p=0,089 p=0,628 p=0,609 p=0,281 p=0,521
autorreferida
Branca 73,1 40,6 91,3 36,8 48,2 9,6
Preta 80,9 36,5 88,9 46,3 54,6 9,6
Parda 79,8 33,6 89,4 37,4 44,0 9,3
Indígena/Amarela 88,9 62,5 100,0 37,5 62,5 25,0
Idade (anos p=0,292 p=0,810 p=0,518 p=0,029 p=0,002 p=0,052
completos)
60 a 64 80,2 36,8 91,1 38,1 49,1 12,2
65 a 69 76,5 34,6 91,8 43,8 45,9 9,8
70 a 79 78,9 36,6 90,2 37,9 49,7 10,2
80 ou mais 72,8 40,2 86,8 26,8 29,8 2,7

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 95


Estado civil atual p=0,671 p=0,410 p=0,741 p=0,342 p=0,231 p=0,051
Casado 78,1 36,3 91,2 37,2 48,5 11,4
Solteiro 73,6 41,3 92,2 33,3 48,4 4,8
Separado/divor- 74,7 26,9 88,7 49,0 49,1 16,0
ciado
Viúvo 78,8 37,8 89,1 38,1 41,2 7,0
Escolaridade p=0,923 p=0,011 p<0,001* p=0,051 p=0,003* p=0,005
(anos completos)
Nenhum 78,2 31,8 86,0 31,9 39,4 5,4
Um a quatro 77,9 37,6 91,9 40,3 47,9 11,2
Cinco a oito 75,7 34,8 92,2 43,5 49,6 9,8
Nove ou mais 78,5 50,0 97,0 41,6 54,5 16,5
Classificação p=0,985 p<0,001* p<0,001* p=0,007* p<0,001* p<0,001*
econômica
(Abep)
A/B 77,4 52,4 97,4 44,7 61,8 15,9
C 77,9 35,2 92,5 39,7 49,3 11,1
D/E 78,0 31,6 84,5 32,7 35,6 5,5
Insuficiente- p=0,997 p=0,341 p=0,323 p=0,300 p=0,001 p=0,046
mente ativos
Não 77,9 41,0 93,1 42,6 61,8 15,2
Sim 77,9 36,1 90,0 37,3 43,7 8,8
IMC (Kg/m2) p=0,233 p=0,985 p=0,182 p<0,001* p=0,002* p=0,056
≥ 22 71,4 33,3 95,7 24,3 40,0 8,7
> 22 a < 27 79,6 34,4 88,7 30,6 43,2 5,9
≥ 27 76,9 34,4 91,1 45,7 54,2 11,6
Hipertensão p=0,009 p=0,528 p=0,264 p<0,001 p=0,010 p=0,006
Não 72,4 38,4 88,5 25,4 38,5 4,7
Sim 79,7 36,0 91,1 42,0 48,5 11,3
Problema de p=0,230 p=0,635 p=0,348 p=0,850 p=0,016 p=0,275
nervos
Não 78,4 37,0 90,1 37,6 43,9 9,0
Sim 74,3 34,8 92,7 38,4 55,2 12,0
* Teste de tendência linear.

96
Tabela 3 – Análise bruta e ajustada entre indicadores de acesso e de qualidade da
atenção, e classificação socioeconômica em idosos. Brasil, 2009.
Variáveis Classificação econômica (Abep) Valor-p
A/B C D/E
Atendimento médico
Análise bruta 0,99 (0,91; 1,09) 1,00 (0,93; 1,07) 1 0,985
Modelo 1 1,02 (0,91; 1,14) 1,01 (0,93; 1,09) 1 0,966
Modelo 2 0,99 (0,87; 1,12) 0,98 (0,90; 1,07) 1 0,822
Pés examinados
Análise bruta 1,66 (1,33; 2,07) 1,11 (0,90; 1,38) 1 <0,001*
Modelo 1 1,48 (1,12; 1,96) 1,05 (0,84; 1,33) 1 0,015*
Modelo 2 1,39 (1,02; 1,91) 1,00 (0,77; 1,29) 1 0,052
Exame de sangue – glicemia de jejum
Análise bruta 1,15 (1,09; 1,22) 1,09 (1,04; 1,16) 1 <0,001*
Modelo 1 1,14 (1,06; 1,21) 1,08 (1,02; 1,15) 1 <0,001*
Modelo 2 1,15 (1,08; 1,22) 1,09 (1,03; 1,15) 1 <0,001*
Orientação para alimentação
Análise bruta 1,37 (1,08; 1,73) 1,21 (0,99; 1,48) 1 0,006*
Modelo 1 1,37 (1,03; 1,83) 1,13 (0,91; 1,40) 1 0,036*
Modelo 2 1,18 (0,87; 1,59) 1,00 (0,79; 1,25) 1 0,431
Orientação para atividade física
Análise bruta 1,74 (1,44; 2,10) 1,38 (1,16; 1,66) 1 <0,001*
Modelo 1 1,74 (1,38; 2,18) 1,33 (1,10; 1,60) 1 <0,001*
Modelo 2 1,65 (1,31; 2,09) 1,32 (1,08; 1,60) 1 <0,001*
Recebimento de todos os indicadores
Análise bruta 2,88 (1,61; 5,17) 2,02 (1,17; 3,48) 1 <0,001*
Modelo 1 2,40 (1,15; 5,02) 1,62 (0,93; 2,84) 1 0,018*
Modelo 2 2,32 (1,07; 5,04) 1,42 (0,79; 2,55) 1 0,037*
VALOR-P: TESTE DE WALD DE HETEROGENEIDADE. VALOR-P*: TESTE DE WALD DE TENDÊNCIA LINEAR. RP: RAZÃO DE PREVA-
LÊNCIAS. IC: INTERVALO DE CONFIANÇA. MODELO 1: ANÁLISE AJUSTADA PARA SEXO, IDADE, COR DA PELE, SITUAÇÃO CONJUGAL E ESCOLA-
RIDADE. MODELO 2: AJUSTE PARA MODELO 1 + INATIVIDADE FÍSICA NO LAZER, IMC, HIPERTENSÃO E PROBLEMA DE NERVOS.

Discussão
A prevalência de diabetes em idosos (16,9%) foi coincidente com achados da Pnad 2008
(16,1%) (5), reforçando a validade e a eficiência de nosso estudo, que abrangeu amostra muito menor

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 97


de municípios e indivíduos. Estimativas da prevalência do problema em idosos são relevantes para o
planejamento e a alocação de recursos diante do crescimento da população idosa e do diabetes no
Brasil e no mundo24 e das limitações do modelo de atenção à saúde para responder às necessidades
deste grupo populacional.10
A maior prevalência de diabetes em mulheres (18,9%) e em pessoas viúvas (19,1%), majorita-
riamente do sexo feminino, tornam o gênero elemento essencial no manejo do problema, não apenas
por seus aspectos biológicos, mas principalmente em razão de questões culturais e demográficas,
igualmente críticas para enfrentar as maiores prevalências de diabetes em idosos com hipertensão
(2,4 vezes) e com problemas emocionais (1,2 vez). Maiores prevalências de diabetes entre idosos
com múltiplas morbidades, como, por exemplo, sobrepeso e obesidade, hipertensão25 e problemas
emocionais, tornam mais complexo o manejo da doença. Indivíduos com diabetes possuem maior
risco de morbidade cardiovascular, especialmente de hipertensão e dislipidemia, aumentando em
consequência o risco de morte prematura por essas causas.2,26 Além disso, a depressão pode afetar
até dois terços dos indivíduos com diabetes e está associada às dificuldades de adesão ao tratamen-
to, controle glicêmico e piora da qualidade de vida, aumentando complicações, incapacidade, perda
de produtividade e uso de serviços de saúde.27
A maior esperança de vida das mulheres também é relevante diante do aumento linear da do-
ença entre os 60 (16,5%) e os 79 anos de idade (18,0%). A redução da prevalência em pessoas com
80 anos e mais (15,3%) pode ser decorrente de viés de sobrevivência dos mais saudáveis. Um estudo
longitudinal europeu sobre doenças crônicas28 destacou o aumento da incidência de diabetes com a
idade e uma prevalência ao redor de 20% em pessoas acima de 65 anos. Nos Estados Unidos da Amé-
rica (EUA), as estimativas sugerem prevalência de diabetes acima de 25% em idosos com 65 anos e
mais.1 Quanto à perspectiva epidemiológica para 2050, Sinclair, Conroy e Bayer (2008) projetaram
aumento de quatro vezes nos casos de diabetes em indivíduos acima de 70 anos.28
Não se observou a associação de diabetes em idosos com a variável atividade física,25 embora
a prevalência bruta da doença tenha sido maior naqueles inativos. Isso pode ser em razão da falta de
poder estatístico do estudo para identificar essa diferença como significativa. De qualquer maneira, a
atividade física é essencial para o adequado controle do diabetes, de outras DCNT e para a prevenção
de mortalidade. Nos EUA, o resultado de três grandes inquéritos nacionais continuados identificou
que adultos com diabetes tipo 2 com glicemia controlada e fisicamente ativos apresentavam risco de
mortalidade por todas as causas similar ao de adultos normoglicêmicos, e significativamente menor
que os adultos com diabetes não controlado e fisicamente inativos.29
O acesso à consulta médica foi bastante razoável (78%), sendo similar ao observado na Espanha7
e em Porto Rico.30 Ainda assim, 22% dos diabéticos não realizaram consulta médica no último ano, si-
nalizando a persistência de problemas de acesso e, portanto, de manejo adequado da enfermidade. Por
outro lado, a igualdade econômica observada no acesso à consulta médica para diabetes representa

98
um achado relevante, certamente relacionado aos avanços obtidos com a implantação do SUS e da ESF
no Brasil. Considerando que a maior parte dos atendimentos ocorreu em unidades básicas de saúde
(58%), pode-se inferir que a ampliação da cobertura pública e gratuita de consultas e de medicamentos
para diabetes, especialmente por intermédio da ESF, promoveu a equidade, particularmente por sua
maior presença em áreas pobres, nas quais vivem populações mais vulneráveis.4,31
Não obstante, os indicadores de qualidade da atenção foram marcados por iniquidade social.
Embora o percentual de idosos com diabetes que realizaram glicemia de jejum no ano anterior à en-
trevista tenha sido alto, sua frequência foi 14% maior entre os mais ricos, sugerindo maior dificuldade
de manejo adequado em indivíduos mais pobres, geralmente os mais propensos a enfrentar dificul-
dades de adesão e continuidade de tratamentos.10 Essas diferenças podem ser explicadas, em parte,
pela dificuldade de acesso a exames complementares no SUS, que atende majoritariamente às pes-
soas mais pobres.32 Este ainda é importante desafio para a consolidação do SUS e, particularmente,
da Saúde da Família como estratégia efetiva na atenção às DCNT.
Infelizmente, o exame dos pés foi o indicador de qualidade da atenção ao diabetes menos
referido pelos idosos (37%), o que pode explicar, em parte, a magnitude das amputações de extremi-
dades inferiores (dedos e pés) em nosso país,33 condição que afeta gravemente a qualidade de vida
do indivíduo e a economia.26 As evidências sugerem a ocorrência, em sujeitos diabéticos, de mais de
40 mil amputações por ano e de até 70% das amputações de membros inferiores.33,34 A dificuldade
em universalizar o exame dos pés de pessoas com diabetes tem sido relatada em outros países,
como, por exemplo, o Canadá, cuja prevalência anual registrada em monitoramento com pacientes de
Ontario foi de 51%.31 O exame dos pés foi 48% mais referido por idosos mais ricos de nosso estudo,
em comparação aos mais pobres, o que indica marcante iniquidade social na execução de um proce-
dimento simples, que não necessita de alta capacidade técnica ou tecnológica, mas exige motivação,
coordenação do cuidado e aproveitamento de oportunidades.
Nesse sentido, cabe questionar de quem é a responsabilidade por examinar os pés de um in-
divíduo com diabetes? Sem simplificações, ou proselitismo, e refletindo recomendações das políticas
nacionais de atenção básica11 e de atenção às condições crônicas,10 a realização deste procedimento
deve mobilizar uma grande gama de protagonistas, desde conjunto dos trabalhadores da ESF, in-
cluindo agentes comunitários de saúde, auxiliares e técnicos de enfermagem, enfermeiros, médicos
e mesmo os dentistas até os próprios portadores do problema e seus familiares, que necessitam de
capacitação para o autocuidado e o manejo do diabetes. Nessa perspectiva, se todos os contatos dos
portadores de diabetes com os serviços de saúde fossem aproveitados, na mesma medida que a so-
licitação de glicemia de jejum, o exame dos pés aumentaria em cerca de três vezes e as iniquidades
em sua realização seriam praticamente superadas.
As orientações para hábitos saudáveis de vida – alimentação e prática de atividade física – fo-
ram marcadas por baixas prevalências e iniquidades persistentes, representando grande desafio para

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 99


o desempenho do SUS e da ESF. Elementos essenciais na promoção da saúde deveriam alcançar to-
dos os usuários dos serviços de saúde, independentemente da presença de problema ou doença.35,36
Seu recebimento foi escasso entre idosos com diabetes, que deveriam ser alvo especial do aconse-
lhamento profissional.
A análise do conjunto dos indicadores avaliados sintetizou o problema da qualidade do modelo
de atenção ao diabetes em curso no país, expressando a magnitude das iniquidades sociais, uma
vez que seu relato foi 62% maior entre a classe intermediária e 140% maior entre os mais ricos, em
comparação aos mais pobres. Assim, os achados sinalizam que o SUS e a expansão da ESF foram
essenciais para melhorar o acesso ao cuidado de idosos com diabetes, mas não solucionaram os
problemas de qualidade da atenção, cujo enfrentamento é crucial para o adequado manejo do proble-
ma. Indicadores compostos de qualidade da atenção ao diabetes são úteis na avaliação longitudinal
de efetividade dos serviços, conforme destaca estudo de coorte que indica sua associação com um
menor risco de evento cardiovascular.14,37
Diversos autores destacam que o cuidado do diabetes requer um modelo de atenção continua-
da, ao longo da vida, por meio de abordagem multissetorial e multiprofissional, focada não apenas na
utilização de drogas para o controle dos níveis glicêmicos, mas também na prevenção e no manejo de
sequelas e de comorbidades, como, por exemplo, a obesidade, os agravos cardiovasculares e emocio-
nais, capazes de modificar com sucesso o curso da doença e a qualidade de vida.4,7,10,20
No Brasil, o fortalecimento do “modelo de cuidados crônicos” passa em boa medida pela uni-
versalização da ESF, pelo acesso ampliado a medicamentos custo-efetivos, por uma efetiva comuni-
cação entre profissionais das equipes de Saúde da Família e destes com colegas de outros níveis de
atenção. A superação do cuidado fragmentado e descoordenado depende do sucesso na integração
de ações programáticas dirigidas às DCNT como aquelas relacionadas à saúde da mulher, do homem,
do idoso, à atenção domiciliar e aos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf), entre outras. Para
isso, serão necessárias mudanças organizacionais que efetivem a coordenação do cuidado de indiví-
duos, famílias e comunidades entre os membros da ESF, Nasf e redes de atenção, a implantação de
centrais de regulação que ordenem os fluxos e a utilização de serviços a partir da rede básica e o uso
de recursos, como, por exemplo, o contato telefônico para reforçar a participação dos pacientes em
ações de controle da glicemia, exame dos pés, dieta e atividade física.4,38
Numerosas intervenções têm sido direcionadas à educação e ao apoio de pessoas com diabe-
tes, seus familiares e cuidadores. De modo geral, os estudos identificaram associação positiva, com
a melhoria do controle glicêmico, da pressão arterial e dos níveis de colesterol. Intervenções dirigidas
ao exame regular dos pés mostraram a redução de ulcerações, infecções e amputações de extremi-
dades inferiores em indivíduos que receberam a orientação e o apoio.20
Além da equipe mínima da ESF, há uma diversidade de profissionais de saúde atuando sem
coordenação efetiva do cuidado, no contexto de um sistema de saúde fragmentado e com muitos pro-

100
blemas estruturais.4,31 Os profissionais de saúde ainda são escassamente capacitados em Saúde da
Família e para a complexidade dos problemas crônicos e de multimorbidade manejados na atenção
primária à saúde.10,39 Na rede básica de saúde, mas também nos serviços especializados, há escas-
sez de registro eletrônico, computadores, internet e outros recursos de comunicação e informação,
mas também do uso regular de protocolos de cuidado integral e coordenado,10, 39 todos eles essen-
ciais para a adequada gestão clínica de DCNT.40
A qualidade do manejo do diabetes, com base em indicadores de processo, foi significativamente
maior em serviços que dispunham de registro/prontuário eletrônico do que naqueles sem este recurso
(40). O uso da internet foi valioso na qualificação do cuidado ao diabetes, tanto fornecendo suporte
aos profissionais da atenção básica, pelo telessaúde, quanto para transmitir informações aos usuários
sobre resultados do controle glicêmico, apoio ao tratamento e alertas sobre consultas.20 Na atualidade,
há crescente uso de áudio, vídeo e outros recursos eletrônicos e de telecomunicação para monitorar
a distância pessoas com diabetes, fornecendo-lhes orientação relacionada à doença, ao uso de medi-
camentos, à prática de atividade física e à dieta. A expansão do telefone celular facilita a realização de
chamadas, mas também o envio de mensagens, lembretes e alertas, fotos e vídeos, poupando tempo
e gasto com transporte, especialmente para pacientes vivendo longe do serviço, em áreas remotas e
nas periferias de grandes centros. Esse recurso é particularmente útil para idosos e indivíduos com
problemas de mobilidade, mas o custo dos aparelhos e das tarifas podem impossibilitar sua utilização
entre pessoas mais pobres, reforçando as desigualdades em favor dos mais ricos.41
Mudanças organizacionais, que promoveram a expansão e/ou a integração dos papéis dos pro-
fissionais de saúde no cuidado de pessoas com diabetes, incluindo manejo de medicamento, educa-
ção em saúde, marcação e alertas de consultas, monitoramento de parâmetros da doença e de suas
complicações, foram efetivas na melhoria do controle glicêmico, dos fatores de risco cardiovascular,
do colesterol e da pressão arterial.20 Para melhorar a qualidade e reduzir iniquidades tem sido reco-
mendada a utilização de protocolos que promovam a abordagem integrada do diabetes, combinando
prevenção, diagnóstico e tratamento, privilegiando a participação ativa dos usuários no autocuidado
e a coordenação multiprofissional ao interior dos serviços e entre os níveis de atenção.20,42
Todas as inovações instrumentais e organizacionais devem ser avaliadas contemplando indica-
dores intermediários de desempenho dos serviços,43 como, por exemplo, exame dos pés, orientações
para hábitos saudáveis de vida, glicemia de jejum, ou hemoglobina glicada (HbA1c), colesterol total e
de alta-densidade (HDL), tensão arterial, índice de massa corporal e albumina urinária. Igualmente é
recomendável a avaliação de indicadores finais de desempenho, ou de efetividade dos serviços,43 tais
como: retinopatia diabética, doença cardiovascular (AVC e infarto), ulcerações e amputações dos pés,
microalbuminuria e hospitalizações por níveis glicêmicos elevados.
Na Espanha, a adoção de estratégias inovadoras no cuidado de indivíduos com diabetes foi
positiva e mostrou melhoria progressiva dos indicadores mencionados anteriormente no período de

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 101


1996 a 2007. Parte do sucesso na melhoria da qualidade da atenção ao diabetes tem sido creditada à
ativa participação dos usuários, que contribui para a adoção de hábitos saudáveis de vida e a redução
de iniquidades. Os autores também atribuem o sucesso da iniciativa, especialmente em relação às
iniquidades, ao princípio da solidariedade social implementado pelo sistema universal de saúde da
Espanha e apoiado por equipes multidisciplinares.44,45
O estudo possui limitações que devem ser ponderadas. Primeiro, não temos informações sobre
o local da realização do exame de glicemia ou exame dos pés, tampouco sobre o profissional que reali-
zou este último exame. Segundo, não temos informação sobre o controle glicêmico dos entrevistados,
o que poderia aprofundar o debate sobre o manejo adequado dos idosos com diabetes e as iniquida-
des econômicas. Entretanto, o estudo avaliou aspectos importantes relacionados à atenção ao idoso
com diabetes no Brasil. Em amostra representativa do país com grande número de entrevistados, foi
possível avaliar associações de desfechos entre pessoas com determinada morbidade e uma cadeia
mais longa do cuidado ao indivíduo com diabetes, passando pelo acesso e pela qualidade da aten-
ção à saúde. Na análise de equidade econômica, o presente estudo considerou indivíduos com as
mesmas necessidades de saúde, idosos com diabetes, conforme recomendação da literatura para
verificar a ocorrência de iniquidades.46,47
Indicadores de processo da qualidade da atenção ao diabetes não garantem automaticamente
maior efetividade do manejo da doença e, assim, melhores resultados finalísticos, ou seja, redução
de agravos, sequelas e mortalidade, embora sejam fundamentais para isso. Logo, é recomendável
a realização de estudos de acompanhamento que articulem a qualidade da atenção e os resultados
obtidos a médio e longo prazo.14
O fortalecimento da capacidade de pesquisa sobre qualidade da atenção ao diabetes e da
capacitação dos trabalhadores de saúde para o cuidado integral e coordenado dos portadores do
problema são iniciativas essenciais para mudar o preocupante panorama identificado.4 Portanto, há
necessidade de se promover infraestrutura para registro criterioso de informações para monitoramen-
to contínuo de usuários com diabetes e outras DCNT. Igualmente, é preciso estimular a realização de
novas investigações com informações mais detalhadas sobre o cuidado ofertado aos indivíduos com
diabetes no marco do “modelo de atenção às condições crônicas”, destacando indicadores do pro-
cesso de trabalho dos serviços e da prática dos profissionais de saúde que são fundamentais para o
adequado enfrentamento deste grave problema de saúde pública.7,10,20
Além disso, os cursos de graduação e pós-graduação em saúde, em particular os cursos de
especialização em Saúde da Família por meio de Educação a Distância são recursos valiosos para
a preparação dos profissionais para a implantação do “modelo de cuidados crônicos” das DCNT,
incluindo a melhoria da qualidade da atenção ao diabetes. Isso implica não apenas a reforma dos
currículos dos cursos de graduação e pós-graduação, mas a efetivação do SUS como um sistema de
saúde-escola orientado para o novo modelo de atenção, capaz de viabilizar a educação permanente

102
de todos os seus trabalhadores, profissionais de saúde e gestores, ao tempo em que se constitui em
espaço de estágio e prática para estudantes de todos os níveis de formação.

Conclusão
A presente análise permitiu identificar importantes aspectos relacionados à atenção ao idoso com
diabetes no Brasil, contemplando tanto o acesso aos serviços de saúde quanto a qualidade do cuidado
ofertado. Considerando as projeções de aumento da população idosa e da prevalência de diabetes
no Brasil, o SUS enfrenta os mesmos desafios de outros sistemas de saúde no mundo, que requer a
superação da assistência centrada em consultas e o fortalecimento de sua qualidade com equidade
e eficiência, na perspectiva do “modelo de atenção às condições crônicas”.7,10,20 Existem evidências
consistentes de que intervenções que promovem a educação dos usuários, o apoio ao autocuidado, o
uso de telessaúde e de registro eletrônico, a atenção multiprofissional integrada e coordenada por meio
de protocolos criteriosos melhoram a qualidade e o desempenho dos serviços ofertados.20 Gestores,
trabalhadores de saúde e usuários precisam se apropriar das vantagens do novo modelo de atenção e
viabilizar sua aplicação a todos os indivíduos com diabetes e outras DCNT, ao longo da vida.

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106
3
CLAUNARA SCHILLING MENDONÇAa

ANÁLISE DO PROBLEMA
Para subsidiar o tema proposto – a crise no modelo de atenção à saúde –, torna-se necessária
reflexão prévia sobre os valores, os objetivos e as funções dos sistemas de saúde no mundo e as esco-
lhas que vão sendo adotadas pelos distintos atores – tomadores de decisão, profissionais de saúde,
gestores de saúde, instituições acadêmicas e a sociedade, a fim de indicar qualquer proposição que
venha a contribuir com a finalidade das organizações de saúde em responder às necessidades das
pessoas. Segundo Starfield,¹ há dois objetivos em um sistema de saúde: melhorar a saúde das pes-
soas e ser equânime na distribuição dos recursos.
Para alcançar esses objetivos, os sistemas de saúde devem enfatizar a importância da qualida-
de, equidade, custo-efetividade e relevância.²
A qualidade entendida como resultado de acesso adequado e efetividade do cuidado. As pes-
soas conseguem os cuidados que precisam? O cuidado é efetivo quando elas conseguem?³ A quali-

a PROFESSORA ASSISTENTE DO DEPARTAMENTO DE MEDICINA SOCIAL DA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE


FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL. MÉDICA DE FAMÍLIA DO SERVIÇO DE SAÚDE COMUNITÁRIA DO GRUPO HOSPITALAR
CONCEIÇÃO

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 107


dade pode ser avaliada por quatro componentes: 1. Financiamento adequado; 2. Oferta dos serviços;
3. Performance clínica; e 4. Resultados em saúde.
A equidade, como a busca incessante de redução das diferenças no acesso às ações e aos
serviços de saúde, a qualidade e os resultados em saúde relacionados a renda, classe social, raça/
cor, sexo, idade, escolaridade, incapacidades e localização geográfica. Os valores de qualidade e
equidade devem ser considerados em contexto de custo-efetividade, ou seja, as ofertas do sistema
de saúde são custo-efetivas quando alcançam os resultados em saúde com o menor custo possível.
A relevância significa prover atenção à saúde de forma coerente com as necessidades e as
prioridades de saúde de um país. Aqui podemos traduzir esse valor de um sistema de saúde como
o conceito utilizado por Barbara Starfield para definir um Sistema de Saúde orientado pela Atenção
Primária à Saúde: uma estratégia com base na população que necessita do empenho dos governos
para enfrentar a grande variedade de influências sobre a saúde e para atender às necessidades de
saúde das populações.1
Para alcançar suas finalidades, os Sistemas de Saúde têm funções que, conforme sua imple-
mentação, vão resultar em diferenças nos resultados de saúde em suas populações. São elas a oferta
dos serviços, os recursos humanos, o financiamento, os sistemas de informação para tomadas de
decisões e a liderança,2 definindo as diretrizes, as políticas, os padrões e a regulação e tomando de-
cisões baseadas nas melhores evidências.
A enorme variabilidade nos resultados em saúde, mesmo entre países com gastos em saúde
similares e semelhantes graus de escolaridade e condição socioeconômica de sua população,4 indica
a necessidade de se medirem essas funções, a fim de se comparar e se avaliar o gradiente de segui-
mento das orientações ora indicadas, o que poderá subsidiar a capacidade de se corrigirem rumos e
se apontarem soluções para a crise atual dos sistemas de saúde.
Os estudos que estão sendo realizados para se avaliarem as crises nos sistemas de saúde
partem de comparações entre sistemas de saúde públicos e sistemas de seguros ou privados, que
demonstram importantes diferenças nas estruturas, nos processos e nos resultados e, consequente-
mente, nos problemas (e nas soluções) que enfrentam.
Dito de outra forma, avaliam o “caminho” dos usuários na rede de serviços, com ações de re-
dução de custos que também dependem do modelo de atenção, ou seja, da forma como as pessoas
recebem as ações e os serviços de saúde. Portanto, a fim de sugerir propostas e soluções para o
Sistema de Saúde brasileiro, com base no que está sendo apontado como problema nos sistemas de
saúde no marco da crise financeira atual, que também é uma crise de modelo assistencial, vamos
analisar os problemas que prejudicam a funcionalidade do Sistema Único de Saúde (SUS).

108
OFERTA DOS SERVIÇOS
O Brasil segue uma lógica de condicionar a oferta de serviços pela sua forma de pagamento.
Tanto no sistema público de saúde, como na saúde suplementar, enfrenta o mesmo problema: custos
crescentes, rápida incorporação tecnológica, baixa capacidade regulatória, envelhecimento da popu-
lação e dificuldade de proporcionar atenção integral nesse contexto.
A oferta dos serviços na atenção especializada (atenção ambulatorial especializada e hospita-
lar) recebe pagamento por produção (fee for service), enquanto o funcionamento da APS é per capita.
Em que pese o enorme crescimento na atenção ambulatorial brasileira, desde as Ações Integradas de
Saúde (AIS), o Brasil saiu de aproximadamente mil unidades de saúde para mais de 33 mil unidades
no início da década de 1990,5 e o tipo de atenção prestada não tem respondido às necessidades de
acesso e qualidade das pessoas.5
Há clara ampliação do acesso às ações e aos serviços de saúde no Brasil, explícita por inúme-
ros estudos relacionados à Estratégia Saúde da Família (ESF), bem como nos resultados das Pesqui-
sas Nacionais por Amostras de Domicílio (Pnads), porém, se utilizamos pesquisas de opinião ou sobre
satisfação com os serviços de saúde, o acesso direto aos especialistas para a solução de “doenças”
é a principal demanda dos brasileiros.
A população de maior renda tem maiores taxas de consultas diretas aos especialistas, o
que não significa melhores resultados em saúde, pois acesso direto inadequado às especialida-
des médicas leva a uma maior frequência de exames e resultados falso-positivos. Se uma das
principais funções da atenção primária na rede de serviços é justamente assegurar o acesso
adequado à atenção especializada, a “porta de entrada” deve, obrigatoriamente, ser regulada na
organização do sistema. A maneira como os sistemas de saúde incorporam as características da
APS, como seu papel de “gatekeeper” (porta de entrada) nos sistemas de saúde, deve ser reco-
nhecida pela população e pelos trabalhadores e garantida pelos gestores, a fim de gerar mudança
na oferta dos serviços.
A APS deve responder ao modelo “ecológico” proposto por White, Green (na Inglaterra e Estados
Unidos da América, EUA) e Fachini (no Brasil), atendendo os problemas frequentes das pessoas que
experimentam algum sofrimento ao longo das suas vidas, com algumas características: acessibilida-
de, conveniência, proximidade, aceitabilidade e viabilidade. Esses padrões não necessariamente são
seguidos quando as pessoas são atendidas diretamente por especialistas.
De cada 1.000 adultos, 750 têm sintomas, 250 procuram serviços de saúde, 13 as emergên-
cias, oito são hospitalizados (um em hospital terciário). As pessoas que buscam a APS apresentam
múltiplos problemas, de diversas naturezas, e não são estritamente médicos. Estudo na Nova Zelân-
dia, na Austrália e nos EUA mostraram uma média de 1,4 problema por consulta (excluídas as orien-
tações de prevenção), e os médicos da APS devem manejar adequadamente quantidade frequente

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 109


de problemas: nos EUA, 75% das consultas devem-se a 46 diferentes problemas; na Austrália, 52; e
na Nova Zelândia 57.9
No Brasil, estudo de demanda em serviços de APS com mais de 30 anos de existência demons-
trou que 60% de toda a demanda ambulatorial concentravam 40 diferentes problemas de saúde,
ou seja, o manejo adequado de aproximadamente 50 diagnósticos permite a resolução de mais da
metade de toda a demanda médica em ambulatórios de atenção primária.10 A proporção de encami-
nhamentos aos serviços de atenção especializada, por sua vez, varia de acordo com a capacidade de
resposta do serviço de APS, mas também com a definição das políticas de oferta de bens e serviços
estabelecidas no país. Nesse serviço, variou de 22% para problemas oftalmológicos a 1% para proble-
mas respiratórios. A atenção aos problemas de refração, muito frequente na população, dependendo
de sua faixa etária, é uma demanda respondida somente pelos oftalmologistas no nosso país.
Estudos que comparam as estimativas de uso de determinados serviços de saúde por pessoas
filiadas a planos de saúde privados e usuários do SUS apresentam resultados variados e mostram
que a clientela dos planos privados tem percentuais de utilização de serviços ambulatoriais supe-
riores (de 57% a 168%) aos cobertos exclusivamente pelo SUS.11-16 apud 17 Essa desigualdade não foi
verificada para hospitalizações.

RECURSOS HUMANOS
Um Sistema de Saúde efetivo requer composição com número suficiente de profissionais de
saúde, com adequada formação, garantidas determinadas competências e com disponibilidade de
apoio diagnóstico e terapêutico. Os recursos humanos consomem dois terços do total de todo o orça-
mento nacional da saúde; portanto, investimentos na força de trabalho precisam garantir o número,
o tipo e a distribuição de profissionais adequados para responder a necessidades e prioridades em
saúde individuais e coletivas.
No Brasil, ao utilizarmos o perfil dos médicos em número, especialidade e distribuição geográ-
fica, bem como a filiação pública ou privada, vemos que temos grande número de profissionais mais
caros oferecendo acesso a uma pequena parcela da população. Há, segundo a pesquisa de demogra-
fia médica feita pelo Conselho Federal de Medicina, 7,6 postos de trabalho médico no setor privado e
1,95 no público, com um alto índice de desigualdade tanto entre as regiões como entre as capitais do
país. A razão de desigualdade público/privado, segundo Unidades da Federação, varia de 1,63 no Rio
de Janeiro a 12,09 na Bahia.18 O estudo de Starfield da década de 1990 que compara 12 países oci-
dentais desenvolvidos, a fim de analisar a orientação desses rumo à atenção primária, utilizou como
critério o tipo de profissional médico na APS, seus honorários em relação aos demais especialistas e o
percentual de médicos em atividade que são especialistas em relação aos que atuam na APS. Valores
menores que 50% são indicativos de uma maior orientação à APS; intermediário, entre 51 e 69%; e

110
acima de 70%, orientado à especialidade. Alemanha, Dinamarca, EUA e Suécia tiveram percentuais
acima de 70%, considerados com orientação à atenção especializada; os intermediários foram Espa-
nha, Finlândia e Holanda; e Áustria, Bélgica, Canadá, França e Reino Unido tiveram percentuais iguais
e menores que 50%. Em 30 países da OCDE, de 1990 a 2007, o número de especialistas aumentou
60% em relação ao crescimento de generalistas (na APS).
No Brasil, 44,9% dos médicos não têm nenhuma especialidade médica, conferindo uma razão
de 1,23 especialista para cada generalista. Porém, a fim de comparar com o critério utilizado por Star-
field, que leva em conta uma formação específica para o trabalho em APS, podemos adaptar os resul-
tados desse estudo e incluir os médicos internistas – Clínica Médica (5,2%), os pediatras (13,31%) e
os médicos de família e comunidade (1,3%) – e chegaremos à porcentagem de médicos em atividade
que são especialistas de 80,2%, ou seja, semelhante aos países com alta orientação à atenção espe-
cializada. Sete especialidades concentram mais da metade dos profissionais (52,3%). Pediatria, Gi-
necologia/Obstetrícia (11%), Anestesiologia (7,2%), Cirurgia Geral (6,6%), Medicina Interna, Ortopedia
e Traumatologia (4,6%), Oftalmologia (4,5%), Medicina do Trabalho (4,4%) e Radiologia (3,5%).13 Por
que justamente algumas dessas especialidades médicas estão entre os maiores gargalos do Sistema
Único de Saúde (SUS)? Porque para cada novo médico registrado no CFM:

[...] verifica-se o crescimento de 1,35 médico ocupando posto de trabalho no setor público e 1,86
no setor privado. Essa distância menor que uma unidade equivale a uma diferença abissal na dispo-
nibilidade de médicos para a população coberta por planos de saúde em relação à população que
depende exclusivamente do SUS.18

Desde 1995, na 48ª Assembleia Mundial da Saúde, a Organização Mundial da Saúde (OMS) su-
gere a seus países membros que reorientem a educação e a prática médica em busca de “Saúde para
Todos”, reformando as escolas médicas, formando médicos generalistas para trabalhar em serviços
de atenção primária, realizando pesquisas para definir o número e o tipo de especialistas necessá-
rios aos sistemas de saúde e colaborando com as associações profissionais, a fim de definir os perfis
dos futuros egressos das instituições formadoras.19 Na Assembleia Mundial da Saúde de 2009, com
a Resolução n. 62/2012, pela primeira vez a OMS, articulada com a WONCA (World Organization of
Family Doctors), indica quais são os profissionais e qual é a especialidade médica necessária para as
mudanças na formação médica:

[...] formar e fixar um adequado número de trabalhadores de saúde, com habilidades apropriadas, in-
cluindo enfermeiras de atenção primária à saúde, enfermeiras obstétricas, médicos de família, aptos
a trabalhar em contextos multidisciplinares, em cooperação com trabalhadores comunitários a fim de
responder efetivamente às necessidades de saúde das pessoas.

Em 2010, artigo na revista The Lancet20 convida as instituições de ensino em saúde a fazerem
parte de um processo de “aprendizagem transformadora”, com ênfase no aprendizado interprofissio-

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 111


nal, a fim de formar profissionais que não sejam somente bons “cientistas” ou “provedores de saúde”,
mas que também possam atuar como “agentes de mudança”, responsáveis pela melhoria contínua
na oferta do cuidado em saúde.
A WONCA, em seu último congresso, com apoio da OMS, lançou o livro “A contribuição do Mé-
dico de Família na melhoria dos Sistemas de Saúde” e a experiência brasileira foi contemplada, jun-
tamente com a da China, a dos países do Leste do Mediterrâneo, a da Tailândia e a do continente
africano. A Política Nacional de Atenção Primária é apontada como importante experiência de reforma
da APZ com base na comunidade com as equipes de saúde da família, que, mesmo com um número
limitado de trabalhadores qualificados nas equipes, têm claro impacto na saúde e em indicadores
socioeconômicos dos brasileiros atendidos.21
O Brasil tem modelo de APS abrangente, que compreende promoção e proteção de saúde,
prevenção de agravos, diagnóstico, tratamento, reabilitação e manutenção da saúde e desde sua
formação, a Saúde da Família apresenta três importantes características que a diferencia de outros
sistemas de saúde orientados pela APS:
1. Equipes multidisciplinares são responsáveis por territórios geográficos e população ads-
crita, tem as atribuições de reconhecer adequadamente problemas de ordem funcional,
orgânica ou social.
2. A presença singular dos agentes comunitários de saúde.
3. A inclusão da saúde bucal no sistema público de saúde.
A complexidade da tripla carga de doenças em um país em desenvolvimento, exige que equipes
multidisciplinares atuem de forma coordenada para proporcionar às pessoas o que elas necessitam e de
forma efetiva. Os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf), lançados em 2008 e compostos por profis-
sionais de diferentes áreas de conhecimento, tem a atribuição de apoiar as equipes de Saúde da Família
na rede de atenção (setorial e intersetorial), ampliando a abrangência e resolutividade das equipes.
O número e tipo de profissionais responsáveis por determinada população é um importante
desafio dos sistemas de saúde, a fim de reduzir seus custos crescentes. Faz-se necessária uma or-
ganização dos serviços com definição clara dos papéis dos diferentes profissionais de saúde e suas
competências na abrangência dos cuidados, na sua complementariedade ou substituição em busca
de melhor eficácia, eficiência e equidade.

O FINANCIAMENTO
A crise econômica de 2008 exacerbou a pauta da viabilidade dos sistemas de saúde no mundo.
Muitos estudos estão sendo feitos, a fim de se comparar aumento de custos e gastos, austeridade nos
gastos, reformas estruturais em tempos de crise, reformas nos hospitais, desigualdades socioeconô-

112
micas e acesso, o papel do dinheiro das empresas na área da saúde, com especial referência para a
indústria farmacêutica.22
Os resultados revelam que políticas de corte de gastos tem efeitos negativos na equidade,
eficiência, qualidade dos serviços de saúde e na piora dos resultados em saúde em tempos de crise
econômica.23 Países europeus propuseram reformas específicas nos hospitais, muito influenciados
pelo modelo dos Estados Unidos (DRGs), com copagamentos e premiações para redução de custos,
mas a maior parte deles aponta como insuficientes as mudanças de curto prazo, de contenção de
custos nas internações, e a necessidade urgente de que as soluções sejam reformas estruturais de
financiamento relacionado à organização do cuidado.24 Utilizar o hospital somente na prestação de
cuidados de alta densidade tecnológica e garantir acesso na atenção ambulatorial de tudo que pode
ser feito nesse lugar, sem duplicidade na prestação de serviços, é um dos apontamentos desses estu-
dos. Muitas internações hospitalares se estendem além do necessário, não por razões médicas, mas
pela incerteza de que os serviços baseados na comunidade (atenção primária, policlínicas, atenção
domiciliar) estão disponíveis e assumirão essa tarefa, com recursos adequados.
Uma série de tendências semelhantes surge nos diferentes países, principalmente da OCDE,
muito semelhantes ao que temos visto no Brasil. (1) política: a interferência do processo político e de
coalizões de governo se manifesta na formulação de políticas de saúde; (2) concorrência do modelo
público para o modelo de contrato público, tanto no sistema universal como nos de seguridade; (3)
privatização: o aumento do setor privado é incentivado em todos os países europeus por uma varieda-
de de mecanismos, tais como concessões fiscais ou redução de tarifas; (4) desigualdade: ganhos de
eficiência implicam diminuição da disponibilidade e acessibilidade dos cuidados de qualidade entre
os diferentes grupos populacionais; (5) custos de gestão: os esforços de contenção de custos levam
a um aumento dos custos de gestão, especialmente da informação de gestão, tanto em dinheiro real
como com recursos humanos; (6) mudanças de poder: há reorientação do fluxo de dinheiro em todo o
sistema com mudanças na autoridade para grupos de poder não tradicionais; e (7) déficits públicos:
preocupação com a redução dos déficits públicos prevalece sobre custo-efetividade, ou macroeficiên-
cia prevalece sobre microeficiência.25
No Brasil, Sonia Fleury fez um apanhado do aprendizado na literatura internacional e relacio-
nou com o que ocorre no Brasil. E aponta prejuízos públicos na contratualização, porque “contratos
longos tendem a fracassar na estimativa de preços, sendo o prejuízo assumido ou pelo governo, com
maior ônus financeiro, ou pelo paciente, quando o provedor reduz a qualidade”. Refere maior custo-
-efetividade nos hospitais públicos do Reino Unido em comparação com Parcerias Público-Privadas. O
gasto público aumentou nessas, sem impacto nas desigualdades em saúde. Ela encerra:

Por fim, a alegação maior de que as PPPs seriam uma solução para o setor da saúde não só por re-
solver o problema da gestão, mas também o do financiamento, ao injetar recursos privados, parece
ser uma grande falácia. Se os problemas começaram com a sistemática redução do financiamento

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 113


da União para a saúde – DRU, pagamentos indevidos, redução da porcentagem do PIB –, compro-
metendo a gestão e a qualidade dos serviços públicos, a solução encontrada parece acentuar tais
problemas... Não por acaso, as empresas vencedoras das parcerias são também as principais bene-
ficiárias de financiamento público subsidiado via BNDES, para o qual a União emite títulos públicos,
aumentando a dívida pública e reduzindo a capacidade de financiamento dos sistemas universais de
educação e saúde. Enfim, ao igualar o público e o privado em busca de crescente interação rumo a
um projeto de nacionalização do sistema de saúde, o que se está fazendo é reduzir progressivamente
o papel do Estado a financiador e comprador, o que seria decretar a morte progressiva do SUS.26

No gráfico abaixo, estudo que compara as opções dos países em tempos de crise demonstra
que a crise financeira resultou em variadas decisões políticas e que essas resultaram diferentes res-
postas na saúde.27 Em alguns países, com aumento de desemprego e sem financiamento de políticas
sociais, aumentaram taxas de suicídio. O caso da Irlanda, que rejeitou a orientação ortodoxa de redu-
ção de custos e de salvamento dos bancos envolvidos na crise, influenciada por protestos generaliza-
dos com alta participação da população, sugerindo alta coesão social, teve baixíssima consequência
na saúde no momento de crise, ao contrário, pesquisa nacional de saúde e bem-estar mostrou que a
crise teve pouco efeito no sentimento de felicidade dos irlandeses.28

104

102

100 USA
Germany
98 Eurozone
Change in GPD (%)

UK
96 Spain
Portugal
94 Ireland
Greece
92

90

88

0
Q1 Q2 Q3 Q4 Q1 Q2 Q3 Q4 Q1 Q2 Q3 Q4 Q1 Q2 Q3 Q4 Q1 Q2
2008 2009 2010 2011 2012
Year

GDP in Q1 2008 = 100%. Source: Organisation for Economic Co-operation and Development database.
GDP = Gross Domestic Product. Q = Quarter

No seu último relatório, a OMS coloca aos países membros o compromisso de propor mudanças
no financiamento dos sistemas de saúde, a fim de direcioná-los rumo à cobertura universal.

114
Oferecer a todas as pessoas acesso aos serviços de saúde de que necessitam, sem que corram o
risco de empobrecimento ou ruína financeira. Na 65ª Assembleia Mundial da Saúde, em maio de 2012,
Margareth Chan, Diretora da OMS, diz: “a cobertura universal é o conceito mais poderoso que a saúde
pública pode oferecer”. No relatório, duas propostas são apresentadas em relação ao financiamento:
1. Aumentar a captação de recursos da saúde e que os países cheguem a 2015 com, no míni-
mo, 60 dólares per capita anuais.
2. Promover a eficácia e eliminar as perdas: estima-se que se perdem entre 20% a 40% dos
recursos destinados à saúde; pode-se alcançar economia de cerca de 5% de gastos em
saúde reduzindo gastos desnecessários com medicamentos; deve-se utilizar corretamente
as tecnologias, principalmente as relacionais e de comunicação; os serviços devem motivar
seus trabalhadores; devem-se reduzir os erros médicos e aumentar a segurança dos usuá-
rios e eliminar a corrupção.29
O financiamento e a manutenção dos gastos em outros setores além da saúde são também
muito importantes e ajudam a proteger a saúde das pessoas. O desemprego está associado ao au-
mento de comportamentos de risco para a saúde, como aumento do consumo do álcool, aumento
de sofrimento psíquico, doenças mentais e suicídios. Estudo com duração de 25 anos em países da
OCDE demonstrou que, para cada cem dólares per capita por ano gastos em políticas de bem-estar
social, foi associada redução de 1,19% na mortalidade por todas as causas.30
Do ponto de vista do financiamento do SUS para atenção primária e sua capacidade de induzir
os municípios à implementação da Saúde da Família, ao se analisar a evolução dos incentivos fede-
rais, repassados aos municípios, há maior concentração nos incentivos dos Agentes Comunitários de
Saúde. Houve a criação da profissão, sua regulamentação e posterior necessidade de manutenção
de um piso salarial. Os incentivos previstos na Portaria n. 314, de 28/2/2014, elevam o custeio do
incentivo federal dos ACS para R$1.014,00, o que representa hoje 3,4 bilhões anuais do orçamento
federal, maior que os incentivos à manutenção das equipes de Saúde da Família (SF), na ordem de 3
bilhões anuais.
A entrada de milhares de trabalhadores no SUS (256.819 mil ACS, março 2014) permitiu à APS
brasileira participar na redução da desigualdade dos últimos dez anos, pela ampliação da renda pelo
trabalho, ou seja, os serviços de APS, por sua imensa capilaridade e expansão, proporcionaram au-
mento na produção, desenvolvimento, criação de empregos e de riqueza para o país.
Do total dos incentivos federais do PAB variável repassados em 2013, R$ 12,7 bilhões, 26,7%
representam os incentivos dos ACS, 23,3% os incentivos às equipes de SF, 5% à Saúde Bucal e 4,4%
aos Nasf.
Os principais problemas apontados nos estudos sobre crises nos sistemas de saúde que re-
sultam em piora dos indicadores de morbimortalidade estão relacionados a ERROS NA ALOCAÇÃO,
DISTRIBUIÇÃO INEQUÂNIME, INEFICIÊNCIA E CUSTOS CRESCENTES.

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 115


ERROS NA ALOCAÇÃO
Frequentemente se gasta muito com intervenções pouco efetivas e se gasta pouco com inter-
venções mais custo-efetivas. Em levantamento de intervenções médicas efetivas e que são subuti-
lizadas nos serviços de saúde podemos indicar: utilização de Inibidores da Enzima Conversora de
Angiotensina na Insuficiência Cardíaca, o uso de betabloqueador após Infarto Agudo do Miocárdio;
realização de preventivo de câncer de colo uterino, principalmente em mulheres que nunca fizeram o
exame, diagnóstico e tratamento da depressão; rastreamento para retinopatia diabética e glaucoma;
vacina para pneumococo; atenção pré-natal; vacinação da Hepatite B em crianças e adolescentes;
uso de trombolítico no Infarto Agudo do Miocárdio e Acidente Vascular Isquêmico; Manejo da Dor; e
Transplante de órgãos.31
Do ponto de vista das intervenções sobre os macrodeterminantes, por sua vez, o caso do taba-
gismo é exemplar. A intervenção mais eficaz é o aumento dos impostos sobre o fumo: essa tem sido
uma medida notadamente subutilizada, até mesmo, quando ajustado para o poder de compra (o pre-
ço dos produtos derivados do tabaco diminuiu na maioria dos países nos últimos anos32).
Alguns países gastam 20% de todo orçamento em saúde em hospitais terciários. Os recursos,
via de regra, insuficientes são utilizados na formação de especialistas e em procedimentos que não
coincidem com as necessidades da sociedade. Há inúmeros estudos que mostram que áreas com
atenção primária dentro dos países e entre os países, mesmo os que apresentam iniquidades, têm
melhores resultados em saúde, incluídas as taxas totais de mortalidade, taxa de mortalidade por do-
ença cardíaca, mortalidade infantil, detecção precoce de câncer colorretal, câncer de mama, câncer
cérvico-uterino e melanoma. O oposto ocorre quando o acesso é direto com os especialistas, o que
está associado a piores resultados.33
No Brasil, a evolução dos recursos federais, conforme gastos com atenção primária (PAB fixo e
variável) desde o primeiro ano de seu repasse e a atenção ambulatorial e hospitalar (MAC) pode ser
visto nos gráficos abaixo:

116
Evolução dos Recursos Federais – PAB e MAC Brasil – 1998-2013

40.000.000.000,00
35.000.000.000,00
30.000.000.000,00
25.000.000.000,00
20.000.000.000,00
15.000.000.000,00 PAB
10.000.000.000,00 MAC
5.000.000.000,00
0,00

2000

2002
2003
2004
2005
2006

2008
2009
1998
1999

2001

2012
2013
2007

2011
2010
Ano

FONTE: HTTP://APLICACAO.SAUDE.GOV.BR/PORTALTRANSPARENCIA/INDEX.JSF.

Segundo Vilaça, apesar dos recursos alocados para a APS terem crescido nos últimos anos, são
insuficientes para dar suporte ao novo ciclo da APS no SUS, em uma proposta de radicalizar a Estra-
tégia Saúde da Família como ordenadora do cuidado no SUS. Os gastos do Ministério da Saúde com
APS, após a publicação da Política Nacional de Atenção Básica, em 2006, eram um quarto do total dos
gastos em relação à atenção especializada (4,064 bilhões do total de 20 bilhões em 2007) e chegam
a um terço em 2012 (13,3 bilhões de um total de 35,5). O que Vilaça propõe para o enfrentamento
do subfinanciamento da APS é que qualquer recurso novo que entre no sistema aumente a eficiência
alocativa do SUS, sendo direcionado para a APS.

DISTRIBUIÇÃO INEQUÂNIME
A distribuição inequânime se dá quando, mesmo com aumento dos recursos para a saúde,
os resultados encontrados não são desejáveis justamente porque a oferta de serviços essenciais é
heterogênea entre diferentes grupos populacionais, principalmente associada à classe social. Os po-
bres recebem cuidados de menor qualidade.34 Segundo Victora, em apresentação para a Comissão
Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS) a pobreza determina maior morbimortali-
dade por maior exposição às doenças e agravos, 60,3% dos domicílios brasileiros tem acesso a água,
luz, rede de esgoto e coleta de lixo (PNAD, 2011); menor cobertura de intervenções preventivas, 54%
das mulheres maiores de 25 anos com até um quarto de salário mínimo nunca realizaram mamogra-
fia, comparado a 7,7% das mulheres com rendimento mensal per capita entre três e cinco salários;
maior probabilidade de adoecer, adolescentes masculinos com renda menor de um salário mínimo
tem duas vezes mais problemas psiquiátricos que os de renda maior que dez salários mínimos e a

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 117


gravidez na adolescência em meninas com renda familiar mensal de um salário mínimo é seis vezes
maior que as de renda maior que dez salários mínimos na mesma cidade (Coorte de 1982, Pelotas/
RS); menor resistência às doenças, a carga de doenças associadas a um Índice de Massa Corporal
(IMC) maior que 25 é maior que a carga de doenças associadas à subnutrição e 16% dos adultos tem
sobrepeso e obesidade nas capitais brasileiras; menor acesso a serviços de saúde, Pnad Saúde 2008
pior qualidade da atenção recebida em serviços de atenção primária, em estudo que avaliou acesso
e qualidade no pré-natal em mulheres com baixa renda, que recebiam Bolsa Família, 97,7% tiveram
consultas de pré-natal, mas somente metade delas (50,4%) teve suas mamas examinadas (Aquares,
2010); menor probabilidade de receber tratamentos essenciais, mais de 3 milhões de idosos neces-
sitam de prótese total e outros 4 milhões precisam usar prótese parcial, os adultos que já perderam
todos os dentes estão concentrados nas classes D e (SB 2010, PNAB, 2003); menor acesso a servi-
ços de nível secundário e terciário; diferentemente da utilização de serviços em geral, que apresentou
marcadas desigualdades sociais desfavoráveis aos mais pobres, no caso da internação hospitalar fo-
ram os mais pobres que internaram mais (Pnad Saúde 2003). Em Belo Horizonte, estudo verificou que
as mulheres moradoras de áreas de maior vulnerabilidade social apresentavam taxas de Internações
por condições sensíveis cinco vezes maior que as moradoras dos setores censitários de maior renda.
E que a presença da Estratégia de Saúde da Família gerou uma queda dessas internações nessas mu-
lheres 10 vezes maior que nas mais ricas (queda de 55,9/10.000 e de 5,9/10.000 em quatro anos)35.
Ao utilizar o esquema de Determinação Social da Saúde, proposto por Dahlgren e Whitehead36
com a sobreposição do estudo de Haskel37, que quantifica, para os resultados de óbito na população,
a influência dos diferentes determinantes, a assistência médica tem um impacto de 10%, um quinto
em relação aos determinantes intermediários, que são associados a comportamentos individuais,
capazes de criar oportunidades de adoecer em um contexto individual e social,38 ou seja, em face
vulnerabilidade individual, o peso da assistência médica pode ser considerado pequeno, razão pela
qual a organização dos serviços de saúde “não pode deixar de fazer a coisa certa” e garantir sua con-
tribuição na saúde das pessoas.

118
19%

51%
10%

20%

Os serviços de saúde têm papel na determinação social da saúde e contribuem na redução das
iniquidades em saúde,39 Particularmente nos sistemas em que os serviços de atenção primária são
explicitamente considerados.40 Estudos realizados em países industrializados indicam que a equida-
de é adquirida quando a provisão dos serviços é de atenção primária, mas não ocorre para serviços
de atenção especializada.41-42
É papel dos Sistemas de Saúde minimizar as disparidades entre subgrupos populacionais, re-
duzindo a desvantagem sistemática de determinados indivíduos em relação ao acesso aos serviços
de saúde e ao alcance de um ótimo nível de saúde, pelo emprego adequado do estado mais avançado
de conhecimento sobre as causas das doenças, seu manejo e a melhora da qualidade de vida.

INEFICIÊNCIA
A forma como os serviços de saúde se organizam é também determinante distal da saúde e tem
efeito nos resultados de saúde de uma população. A ineficiência se dá principalmente pela ausência
de coordenação do cuidado definida na rede de serviços, que resulta na fragmentação, redundância e
ineficiência dos recursos. Também surge quando há separação das ações preventivas (coletivas) das
ações clínicas individuais.
Os programas verticais, que se opõem à abrangência dos serviços oferecidos pela APS, têm
também se mostrado ineficientes.43

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 119


O número de eventos adversos evitáveis em hospitais é muito alto, cerca de 67%, juntamente
com os eventos decorrentes de uso inadequado de medicamentos e das infecções hospitalares.44 apud 45
Em relação a internações hospitalares, o Brasil tem taxas altas de Internações Hospitalares
por Condições Sensíveis à APS, nos adultos entre 20 e 79 anos, entre 1999 e 2007, as ICSAP foram
responsáveis por 25% do total das internações, cujo gasto foi de aproximadamente 405 milhões/
ano, 21% do total de gastos com internações hospitalares. E suas taxas foram maiores em municípios
com o maior número de leitos hospitalares privados e baixas coberturas de Saúde da Família (menor
que 25%).46 Já no caso dos menores de 20 anos de idade, em que pesem reduções importantes
nas taxas de internações por gastroenterites e asma (-12 e -31,8%, respectivamente) o mesmo não
ocorreu para as internações por pneumonias bacterianas, cujo incremento foi de 142,5%, no período
analisado (1999 a 2006), com diferenças regionais e nas faixas etárias.47 A ineficiência é óbvia.
Sendo problemas cujas tecnologias sabidamente são disponíveis na APS, não deveriam resultar na
exposição desnecessária de internações hospitalares.
A ineficiência pode significar 20 a 40% do total de gastos em saúde.49

CUSTOS CRESCENTES
Países como o Brasil e outros de renda intermediária têm de estar atentos à necessidade de
regular a incorporação tecnológica intensa, acrítica e abusiva do setor saúde, essencial para a susten-
tabilidade de sistemas universais de saúde.
O aumento de gastos se dá por inúmeros fatores, principalmente desproporcional crescimento nas
especialidades médicas, aumento na utilização da tecnologia biomédica, solicitação de exames, procedi-
mentos e tratamentos, não necessariamente com as melhores evidências ou com resultados positivos.
As pessoas e as populações diferem em sua vulnerabilidade individual e sua resiliência, ou
resistência às ameaças à saúde. Alguns acumulam risco, vulnerabilidade e carga de doenças (comor-
bidades ou morbidity mix). O cuidado a essas pessoas – a gestão clínica – se não levar em conta esse
mix, seguindo “cegamente” diretrizes clínicas ou protocolos dirigidos a problemas ou doenças, terá
grande impacto no gasto sem sucesso nos resultados.
A abordagem doença-doença tem sido uma maneira convencional de se pensar a saúde e suas
limitações estão se tornando bem reconhecidas.48
Quanto maior a carga de morbidade, maior a persistência de diagnósticos de doenças, e a base
das evidências para intervenções preventivas e terapêuticas de doenças específicas não são desen-
volvidas na atenção primária. O percentual de pessoas atendidas por especialistas é alto no mundo
todo, e países com maior oferta de especialistas não têm melhor qualidade de atendimento nem
melhores resultados nos cuidados em saúde. Se alguns estudos encontram qualidade superior dada
pelo contato direto aos especialistas, suas metodologias não levaram em conta a comorbidade.40

120
Os custos podem ser crescentes também por modelos diferenciados de pagamentos aos pro-
fissionais, que tanto podem partir da criação de incentivos inadequados para cuidar de pessoas com
determinadas condições de saúde, como para atividades de prevenção com interesses escusos.
Estudo comparando as reformas na saúde de quatro países europeus, dois com sistemas uni-
versais e dois com seguridade (Inglaterra/Dinamarca e Alemanha/Áustria), mostrou que a forma
como os usuários acessam aos serviços de saúde, escolhendo diretamente os especialistas e esses
recebendo pagamento por produção de serviços (diagnósticos ou terapêuticos), gera alto custo, baixa
continuidade no cuidado e menor adesão. A decisão, no caso do sistema de saúde alemão, foi cobrar
taxa extra dos pacientes que vão aos especialistas sem antes passarem pela atenção primária e por
um médico de família, o que não foi bem aceito pela população, pois foi interpretado como redução
de cuidados adequados às suas necessidades. No mesmo estudo, o número de tomografias compu-
tadorizadas (TC) por 100 mil habitantes está entre 0,6 e 0,9 na Grã-Bretanha e Dinamarca, enquanto
na Alemanha e na Áustria é, respectivamente, 1,7 e 2,5 por 100 mil habitantes. Qual a diferença entre
os países? Nos dois últimos os exames são realizados por especialistas na prática privada (e reem-
bolsados) e na Grã-Bretanha e Dinamarca as solicitações de TC são orientadas por diretrizes clínicas
pactuadas, que não obrigatórias nos outros países. Os possíveis efeitos sinérgicos entre a qualidade
do atendimento e seu custo efetividade são muito relevantes para procedimentos de alto custo. A
implementação e obrigatoriedade do uso de diretrizes para a prática não pode ser interpretada como
a redução da adequação dos cuidados prestados na área da saúde, porque o elevado número, nesse
caso de TC nos modelos de seguro de saúde, podem ser interpretadas como uso excessivo e, portan-
to, danoso para os usuários que se submetem aos exames, bem como aos que deixam de receber
outras intervenções mais custo-efetivas.49

AS MUDANÇAS QUE AFETAM OS SISTEMAS DE SAÚDE


O Brasil triplicou seu PIB nas duas últimas décadas e diminuiu seu coeficiente de Gini – indica-
dor referência na medição da distribuição de renda – de 0,607 em 1990 para 0,527 em 2011) (IPEA,
2010), o que pode ser atribuído a uma combinação de políticas sociais como a Seguridade Social, o
Bolsa Família – cujo orçamento supera os recursos do PAB – 13 bilhões em 2008) e aumentos no
salário mínimo.45
A “década inclusiva”, como foi chamada pelo Ipea, manteve importantes mudanças nas condi-
ções de vida da população brasileira:
• redução do número de pessoas que vivem em extrema pobreza, de 20% em 2004 para 7%
em 200929;
• o acesso à água nos domicílios, que passou de 79,6% em 1980 para 93,10% em 2010;

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 121


• o sistema de esgoto que passou de 39,8% em 1980 para 59,5% em 2010;
• domicílios com eletricidade, 67,4% em 1980 para 98,5% em 2010;
• redução das taxas de mortalidade infantil em 6,3% ao ano nos últimos 30 anos, fazendo o Bra-
sil alcançar antecipadamente a meta do quarto Objetivo de Desenvolvimento do Milênio (ODM);
• expectativa de vida aumentou 10,2 anos nos últimos trinta anos, passando de 62,6 anos
em 1980 para 72,8 em 2010.
Porém, ainda temos percentuais importantes de internações por diarreia e infecções respirató-
rias, transmissão vertical do HIV com variações de 5% (Sul) a 15% (Norte). A sífilis congênita com taxa
de 1,7/1.000 e responsável por mortes fetais (5,4% em estudo no Rio de Janeiro). Das mortes fetais
registradas no Brasil em 2007, 29,4% foram por asfixia intrapartum, em fetos com peso maior que
2,5Kg, em partos hospitalares, indicando mortes evitáveis.
A mortalidade materna representa aproximadamente 50 mortes por 100 mil nascidos vivos,
variando, dependendo das estimativas utilizadas, entre 42 (Sudeste) e 73 (Nordeste). De todas as
admissões hospitalares, 26,7% são por complicações obstétricas e 4% de todos os partos têm even-
tos graves, quase mortais, uma taxa quatro vezes maior que nos países desenvolvidos. Entre todas
as causas de morte materna, as mais subregistradas são as decorrentes de aborto. Em estudo de
2002, 11,4% das mortes maternas foram produzidas por complicações relacionadas ao aborto, sendo
distribuídas de forma desigual na população, se concentrando-se em mulheres jovens, negras, pobres
e residentes em áreas periurbanas.50

A CARGA DAS DOENÇAS


Mendes indicou a situação brasileira da tripla carga de doenças com a manutenção de doenças
infecciosas (10% das mortes), desnutrição e problemas de saúde reprodutiva (5% das mortes mater-
no-infantis), a predominância das doenças crônicas (72% das mortes) e o crescimento da violência e
das causas externas (12,5% das mortes). Coloca que não é possível a resposta do sistema de saúde
se dar de forma fragmentada, com os serviços operando de forma episódica e reativa, voltados prin-
cipalmente para a atenção às condições agudas e às agudizações de condições crônicas, enquanto
a situação de saúde combina transição demográfica acelerada e tripla carga de doença, com forte
predominância de condições crônicas.5
No Global Burden of Disease Study 2010,51 foi dada ênfase às incapacidades, principalmente
por distúrbios de saúde mental, uso de substâncias psicoativas, doenças muscoloesqueléticas, dia-
betes, doenças respiratórias, anemia e perda de visão e audição. Mais pessoas vão levar muitos anos
das suas vidas com um número maior de problemas de saúde – com multimorbidades. E esse é o
novo desafio para a atenção primária e seus profissionais.

122
A prática da APS é complexa e exige que as equipes de saúde, ao atuarem interdisciplinar-
mente, e os profissionais, na especificidade de suas disciplinas, estejam preparados para o cuidado
individual e populacional dos moradores dos territórios das unidades de saúde.
Esse conjunto de mudanças de diversas naturezas – demográficas (envelhecimento das popu-
lações); epidemiológicas (aumento das condições crônicas, diminuição das agudas, comorbidades);
socioculturais (vida em cidades grandes e suas consequências); tecnológicas (desenvolvimento de
novas tecnologias de diagnóstico e tratamento) – tem representado desafios complexos e força os
sistemas e serviços a se reorganizarem e desenvolverem novas tecnologias, buscando maior eficácia,
eficiência e efetividade. Um conjunto de “novas” tecnologias introduzidas nos serviços de APS vem
sendo avaliado e já há evidências da maior efetividade quando comparadas às tradicionais aborda-
gens dos problemas de saúde, predominantemente voltadas a lidar com condições agudas. Serão
apresentadas na sequência como propostas para as equipes.

PROPOSTAS E SOLUÇÕES

RECOMENDAÇÕES DE POLÍTICAS DE CURTO, MÉDIO E LONGO PRAZO

A implantação da APS como estratégia de organização dos sistemas de saúde tem relevância
inquestionável. Já existem evidências suficientes que os países cujos sistemas de saúde se organizam
a partir dos princípios da Atenção Primária alcançam melhores resultados em saúde, menores custos,
maior satisfação dos usuários e maior equidade mesmo em situações de grande desigualdade social
como é o caso do Brasil.
Todas as avaliações do impacto da atenção primária (e outros serviços de saúde) devem incluir
estratificação de subgrupos da população e avaliação do impacto individual, bem como o impacto
sobre as médias populacionais.
A qualidade da atenção deve então ser medida, segundo Starfield, por:
1. Profissionais: formação e distribuição.
2. Instalações e equipamentos: número e tipo.
3. Gama de serviços: o que está sendo coberto com o financiamento de APS hoje e quais são
as prioridades?
4. Organização: quais são os padrões de adequação.
5. Gestão: formação contínua.
6. Sistemas de Informação, não necessariamente eletrônicos, mas que registrem a história,
alergias, reconhecimento dos problemas, inclusive psicossociais, registrem cada contato,
os exames e procedimentos, medicamentos (para evitar prescrições desnecessárias ou

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 123


contraindicadas) e o fornecimento de informações para os pacientes. Além dos Planos de
Cuidado pactuados entre a equipe multiprofissional, o paciente e a família.
7. Acesso: requisitos mínimos, dependendo das necessidades da população.
8. Financiamento equitativo, público e regulado sem copagamento.
9. População sob responsabilidade: como é a população e as subpopulações identificadas
e incluídas.
10. Governança: não somente dos profissionais e experts, mas da gestão e sociedade.
Em 2011, com o Decreto n. 7.508, que regulamentou a Lei n. 8.080 e dispôs sobre a organização
do Sistema Único de Saúde – SUS, sobre o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articula-
ção interfederativa, e em seu artigo 11 expressa o papel da atenção primária no sistema brasileiro:

O acesso universal e igualitário às ações e aos serviços de saúde será ordenado pela atenção primária
e deve ser fundado na avaliação da gravidade do risco individual e coletivo e no critério cronológico, ob-
servadas as especificidades previstas para pessoas com proteção especial, conforme legislação vigente.

O futuro do SUS, com maior orientação para atenção primária e capaz de responder às neces-
sidades da população, depende de políticas que atuem sobre todos os níveis de determinação social
da saúde, inclusive na forma como os serviços estão organizados. Retomando as principais funções
dos sistemas de saúde e quais são as perspectivas para o SUS, algumas considerações.

DO FINANCIAMENTO

O Brasil precisa decidir a relação dual do Estado com os dois segmentos da sociedade, um
quarto de sua população desfrutando de duas vias de acesso, e a renúncia fiscal retroalimentando
o sistema privado de seguro de saúde, e a população que tem acesso exclusivamente aos serviços
prestados nos estabelecimentos e profissionais do SUS.
O Estado brasileiro deve garantir crescimento gradual do gasto público no SUS, atingindo,
nos próximos 20 anos, os níveis de gastos públicos dos países com sistemas universais de saúde e
apontar limitações gradativas dos benefícios tributários concedidos à compra de planos e seguros
privados.17
Relacionar a discussão do modelo de atenção com financiamento: trata-se de garantir que os
novos recursos sejam utilizados na organização dos serviços de atenção primária, permitindo-se sua
resolutividade para 85% dos problemas das pessoas, com o equivalente a 50% dos gastos em saúde,
e o financiamento dos outros 50%, regulados pelas necessidades da população adscrita à APS, aos
outros 15% que necessitam de atenção especializada.
Qual o valor necessário de financiamento público para que a APS brasileira responda a 60% dos
brasileiros HOJE sob sua responsabilidade e que esses brasileiros passem a defender a manutenção
do financiamento para esse modelo de atenção?

124
O Brasil gastou 8,9% do PIB (2,253 trilhões) em 2012, aproximadamente 200.517 bilhões.
Desse valor, somente 45,74% foram com despesas públicas, aproximadamente 92 bilhões. O Minis-
tério da Saúde, somando os recursos assistenciais, de assistência farmacêutica, vigilância em saúde
e investimentos, repassou aos estados e municípios 39.983 bilhões nesse ano, e 12 bilhões – dos
recursos federais (33%) para a atenção primária. O orçamento federal da atenção primária, que cobre
aproximadamente 112 milhões de brasileiros, tem valor per capita de R$ 107,14. Os 52 bilhões res-
tantes de recursos públicos do referido ano foram gastos estaduais e municipais, não sendo possível,
nessa análise, inferir a alocação desses recursos nas diferentes áreas assistenciais, a fim de calcular
um per capita real para atenção primária no país.
Em contrapartida, os Planos e Seguros de Saúde declararam ter arrecadado R$ 64 bilhões
(2009) para atender a cerca de 43 milhões de usuários o que resultaria em um valor per capita de R$
1.488. Por todo o exposto anteriormente, supondo que esses valores são baseados em um modelo
orientado para atenção especializada, podemos inferir que há percentual entre 20% a 40% de gastos
excessivos com iatrogenia, sobrediagnóstico, procedimentos, intervenções e internações desneces-
sárias. Portanto, poderíamos reduzir aproximadamente 500 reais desse hipotético valor per capita e
chegaríamos a um valor de aproximadamente R$ 1.000,00 per capita para os 198 milhões de brasi-
leiros. O valor per capita brasileiro de 2012 foi de U$ 1.120,56. A justiça redistributiva aqui proposta
visa diminuir as diferenças de assistência médica – e dos modelos dessa oferta – nos dois segmentos
da sociedade brasileira.
A eficiência alocativa aqui proposta somente será conquistada se a soma dos valores for
entre 40% e 50% para a APS, a fim de que esses recursos sejam capazes de garantir coesão so-
cial em torno de um modelo para toda a população brasileira, cujo interesse é ter certeza de ser
atendida, em um tempo razoável e mediante serviços realmente resolutivos em relação a seus
problemas de saúde.

DOS RECURSOS HUMANOS

Investir naquilo que custa aos sistemas de saúde: pessoas. As propostas são para as institui-
ções formadoras e para os gestores do SUS.

NAS INSTITUIÇÕES FORMADORAS

As Universidades devem-se adequar às novas diretrizes curriculares (Parecer CNE/CES n.


116/2014) e garantir o aprendizado na graduação com a ampliação da carga horária fora do hospital
– “30% da carga horária do internato médico serão desenvolvidos na Atenção Básica e em Serviço de
Urgência e Emergência do SUS”. Isso só será segurado, juntamente com a Universalização da Resi-
dência Médica, com a rede de serviços municipal.

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 125


Como sair de 300 vagas ocupadas na RMFC para 40% de todas as vagas nessa especialidade?
Somente com esforços conjuntos das instituições formadoras e da gestão do SUS. Todas as Unidades
Básicas de Saúde (UBSs) que estão recebendo recursos de qualificação de sua infraestrutura são
candidatas a se transformaram em Unidades Básicas Docente-Assistenciais. As bolsas pagas hoje
para a provisão de médicos no Programa de Valorização da Atenção Básica (Provab), aproximada-
mente 1.400 bolsas em 2014 e 200 milhões de reais/ano (http://provab.saude.gov.br/), tornam-se
desnecessárias para essa finalidade, tendo em vista a garantia de 100% de vagas para residências,
e podem passar a compor bolsas para residentes em serviço, e os atuais supervisores e Instituições
Supervisoras serão seus certificadores.

NA GESTÃO

A manutenção desses profissionais nos municípios “onde não há médico” dependerá de esfor-
ço das três esferas para o financiamento de carreiras regionais, com incentivos de provisão e fixação
em áreas rurais e periferias urbanas.
A garantia da continuidade da atenção nas 14 mil equipes que recebem médicos intercambis-
tas do Programa Mais Médicos (http://maismedicos.saude.gov.br/), bem como de todas as demais
equipes de APS que absorverão os médicos especialistas formados a partir de 2018, dependerá de
mais recursos, principalmente dos estados, o que permite que os municípios aumentem seus gastos
com recursos humanos sem incorrer no descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Se os planos de carreira regionais partirem de um piso de R$ 10.000,00, sabe-se que o custo
desse trabalhador é o dobro disso para a gestão municipal, portanto, tanto os recursos do Ministério
da Saúde hoje gastos com esse programa de provisão, da ordem de 2 bilhões quanto os recursos
de estados e municípios devem fazer parte de um financiamento suficiente para a contratação das
equipes com médicos. O financiamento federal atual, para uma população de 2.500 pessoas, é de
R$ 342.528,00 (R$ 28.544,00 mensais) com todos os profissionais da política contratados (quatro
ACS, ESF, ESB e Nasf). Esse valor deverá subir para R$ 48.500,00 mensais (R$ 582.000,00 anuais)
e garantir a permanência dos médicos e equipes completas nesses locais.

DA OFERTA DOS SERVIÇOS

Um dos processos mais complexos na construção dos sistemas de saúde é a articulação entre
os pontos de atenção. A integração e a coordenação da rede a partir da APS requer mecanismos de
gestão para que a Saúde da Família seja capaz de coordenar o cuidado na rede de atenção. Há a
necessidade de profissionalizar a gestão municipal para organizar sistemas de saúde orientados pela
Saúde da Família, bem como introduzir gerentes de unidades básicas de saúde capazes de imple-
mentar os mecanismos necessários para que a população adscrita às equipes usufrua dos quatro

126
atributos exclusivos da APS que são: acesso e utilização (primeiro contato), de forma integral, ao longo
do tempo e com coordenação na rede de atenção.

NA GESTÃO

Convém fazer referência à necessidade de formação de prefeitos e gestores do SUS relaciona-


da ao que é um modelo orientado pela APS. Vale lembrar que a provisão de médicos, estrangeiros e
brasileiros, do Programa Mais Médicos, financiados pelo Ministério da Saúde, desonerando os mu-
nicípios desse encargo, não fez aumentar, até o momento, o número de equipes de Saúde da Famí-
lia. Isso significa que esses profissionais estão trabalhando na atenção em um modelo de “queixa-
-consulta”, em UBSs tradicionais e em pronto atendimentos, sem população definida, sem agentes
comunitários e sem possibilidade de ofertar ações e serviços levando em conta as necessidades de
uma dada população.
Gestão orientada pela APS deve partir de um planejamento com base na população que contemple:

NOS SERVIÇOS

1. registrar a população por meio de sistemas informatizados e acesso conforme estratifica-


ção de risco e vulnerabilidade;
2. propiciar infraestrutura física e de equipamentos adequada, até mesmo de recursos humanos;
3. orientar os serviços para a oferta de uma distribuição aproximada da proporção de encon-
tros/consultas, tendo como meta 85% para motivos assistenciais previsíveis (35%) e impre-
visíveis (50%);52 Anexo1
4. disponibilizar diretrizes clínicas que levem em conta classificação de risco e vulnerabilidade
e, consequentemente, a definição da programação de exames diagnósticos e de consultas
especializadas, inclusive para a necessidade de atenção compartilhada, adscrevendo tam-
bém a população para cada especialidade. A comorbidade requer novos tipos de interfaces
entre atenção primária e a atenção especializada;
5. garantir acesso da população a consultas especializadas, exames e diagnóstico e leitos
hospitalares a partir das necessidades da população cadastrada e estratificada na APS;
6. implantar mecanismos de comunicação da APS como centro de comunicação da rede – sis-
temas eletrônicos de comunicação, prontuário eletrônico, listas de espera inteligentes (que
incorporem a classificação de risco/vulnerabilidade). Na própria APS, quando os pacientes
são vistos por vários membros da equipe e informações são geradas em diferentes lugares
(diagnóstico) ou com outros especialistas, para aconselhamento ou intervenções curtas ou
para pacientes específicos, por longos períodos.

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 127


NAS EQUIPES

Os profissionais na APS sofrem de grande pressão assistencial e frequentemente de esgota-


mento físico e mental, principalmente por lidar com questões complexas de violência, uso de drogas,
tráfico, gravidez na adolescência e negligência com idosos e também por não ter valorização do seu
desempenho e do resultado do seu trabalho.
Por isso, as equipes devem ser sistematicamente estimuladas a aprender uns com os outros e
inovar na oferta dos seus cuidados, aprendendo em serviço, a partir de suas próprias necessidades.
As tecnologias necessárias para melhor resposta às condições crônicas orientam essas mudanças.
As equipes de APS devem:53
1. trabalhar em equipe multidisciplinar com tarefas claramente definidas com novas formas
de atenção: atendimento em grupo, consultas em sequência, consultas coletivas, grupos de
pares e trabalho conjunto de especialistas e profissionais da APS;
2. utilizar rotineiramente diretrizes clínicas e manter regularidade na educação permanente
dos profissionais para a utilização dessas diretrizes e na educação em saúde das pessoas
usuárias, com base em teorias do campo da psicologia;
3. programar as agendas de consulta, com base nas necessidades estimadas, priorizando as
demandas assistenciais imprevisíveis (Anexo 1);
4. utilizar instrumentos de autocuidado apoiado construídos com base em evidências de sua
efetividade; plano de autocuidado elaborado e monitorado, conjuntamente, pelos profis-
sionais e pelas pessoas usuárias; monitoramento regularmente as metas de autocuidado;
5. manter ligação próxima entre os serviços de saúde e as organizações comunitárias para
prover recursos complementares;
6. garantir estratégias de abordagem mais integral, principalmente considerando a saú-
de mental.
Os desafios do SUS são de ordem política, pois, do ponto de vista técnico, temos construídas suas
bases legais, inclusive do modelo de atenção. Revisar as relações público-privadas e nova estrutura
financeira, que observe o que está sendo ofertado pelos serviços e avalie sistematicamente sua per-
formance, com critérios de adequação, tempo e segurança para os pacientes é o que precisa ser feito.
Avaliar a efetividade de um modelo de atenção só é possível por resultados gerais na popula-
ção: seu estado funcional, bem-estar e confiança na atenção que está recebendo.
O recurso mais importante para assegurar o direito à saúde será a capacidade dos governos,
das associações profissionais, das instituições formadoras, do Poder Judiciário e da mídia em se
aproximar da sociedade brasileira, que, na maior parte das vezes, desconhece os modos de receber
as ações e os serviços de saúde. Aquilo que não é conhecido não pode ser defendido pela população.
Entendemos a APS como capaz de conduzir a sociedade na definição dos seus direitos, incorporando

128
os conceitos de empoderamento e capital social, ou seja, toda a sociedade brasileira recebendo o
mesmo tipo de atenção à saúde.

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A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 129


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A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 131


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52. Zurro M. Atención Primária – Conceptos, Organización y Practica clínica. Vol. I, 6. ed.; 2008.
53. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Es-
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Saúde, Departamento de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde; 2014. (Cadernos de Atenção
Básica, n. 35)

ANEXO 1
Os quatro tipos básicos de consultas/encontros/visitas entre “pacientes” e equipes de saúde.
Zurro M. Atención Primária – Conceptos, Organización y Practica clínica. Vol. I, Sexta edição; 2008.
Necessidade clínica/assistencial Necessidade administrativa
MOTIVO PREVISÍVEL • Acompanhamento (controle) • Receitas a crônicos
de crônicos e participantes de • Atestados de incapacidade
programas temporária.
• Resultado de exames
• Seguimento clínico
MOTIVO IMPREVISÍVEL • Patologias agudas • Informes e atestados
• Reagudizações ou complicações • Encaminhamentos para serviços
de patologia prévias. (optometrista, obstetrícia...)
Exemplos de distribuição aproximada da proporção de encontros/consultas, em função do grau
de organização dos serviços de saúde (fonte: Casajuana, 2010).

A. A organização dos serviços é mínima:


Necessidade clínica/assistencial Necessidade administrativa
MOTIVO PREVISÍVEL • 30% • 48%
MOTIVO IMPREVISÍVEL • 20% • 2%

B. A organização dos serviços está implantada:


Necessidade clínica/assistencial Necessidade administrativa
MOTIVO PREVISÍVEL • 35% • 13%
MOTIVO IMPREVISÍVEL • 50% • 2%

132
4
LUIS FERNANDO ROLIM SAMPAIO

Introdução
Abordar a crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde é grande desafio, em especial
pela complexidade das dimensões e das variáveis de análise possíveis. Assim, este texto propõe-se
a destacar algumas questões relevantes a partir do cenário do sistema de saúde brasileiro, entre as
quais a dificuldade de definição das necessidades em saúde; os desafios da conformação e da im-
plantação de formatos racionais de redes de atenção à saúde e da Atenção Primária à Saúde (APS)
como orientadora do sistema de saúde; as racionalidades e as irracionalidades na oferta de serviços,
na incorporação tecnológica e na prevenção quaternária, entre outras. Essas questões tencionam o
cenário e o mercado da saúde pública e privada no Brasil e no mundo. Não se trata de texto de cunho
acadêmico e sim uma contribuição de um observador e ator do movimento de reforma do sistema de
saúde nos últimos 25 anos, com passagens pelas diversas esferas de governo, instituições interna-
cionais, academia e setor privado.
Entre os desafios de abordar o tema, destaco o momento efervescente do sistema de saúde no
qual, além do estigma de “um dos maiores problemas do país”, se vivenciam mudanças políticas sig-
nificativas, com surgimento de importantes atores no cenário setorial. As incongruências do marco le-
gal original aprofundaram-se incrementalmente à medida que as regulações complementares foram
sendo aprovadas e colocadas em prática, regulações essas que refletem momentos políticos distintos

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 133


no cenário nacional e mundial. Consequentemente, surgem contradições normativas que necessitam
ser discutidas e repensadas, buscando a construção de novo consenso para o futuro do sistema de
saúde brasileiro. Não iremos avançar sem enfrentarmos a realidade de que o SUS não é, na prática,
um sistema único de saúde nos moldes do National Health System (NHS) inglês. A viabilidade políti-
ca para um projeto de unificação dos subsistemas público e privado, na atual conjuntura brasileira,
não nos apresenta como uma opção realista, mesmo considerando a existência de insatisfação so-
cial importante com o setor saúde. Um documentário chamado NHS 60 years: a difficult beginning
(disponível no Youtube) mostra como foi difícil a instituição do sistema de saúde inglês e o próprio
documentário questiona: não fosse o momento pós-Guerra, em que estavam exacerbados princípios
de solidariedade social, o sistema não teria sido implantado. Mais que isso, o documentário, por meio
da opinião de atores relevantes no cenário político inglês, afirma que a Inglaterra de hoje não mais
iniciaria um sistema de saúde nos moldes do NHS. Assim, creio ser salutar discutirmos com base na
realidade atual de crescimento econômico e inclusão social no Brasil, considerando as ideias em dis-
puta, mas entendendo que essas ideias delimitam e constroem historicamente instituições, entre as
quais todo o arcabouco normativo existente1. Em especial, temos de estar atentos que essas ideias
e marcos instituídos transitam em grupos de interesse de diversas estaturas no cenário estratégico.
Considerar essas variáveis será essencial para construirmos algum grau de consenso para o futuro.
Assim, concluo que como atores setoriais temos a responsabilidade social de propor caminhos viáveis
para o sistema e para os serviços de saúde, pois esse é um componente cada dia mais importante no
desenvolvimento das sociedades modernas.
Creio que o CONASS, ao promover os encontros desse ciclo de debates e suas consequentes pu-
blicações, permite olhares setoriais sob diferentes prismas e nos faz um convite à reflexão. Agradeço
as contribuições ao texto do Dr. Gustavo Gusso e do Dr. Angelo Rodrigues.

1. ANÁLISE DO PROBLEMA
1.1 A temática das necessidades em saúde
Para iniciarmos esse diálogo com o leitor, podemos lançar a pergunta: para que serve um sis-
tema de saúde e um modelo de atenção? E a resposta necessariamente passa pelo tema das neces-
sidades de saúde.
Os modelos de atenção à saúde são combinações tecnológicas estruturadas para a resolução de
problemas e para o atendimento de necessidades em saúde individuais e coletivas. A determinação de
necessidades é um campo polêmico por representar interesses distintos e conflitivos, sendo evidentes
as dificuldades de se alcançar consenso sobre as necessidades de um grupo ou de uma comunidade

134
(PINEAULT e DAVELUY, 1987). Esses mesmos autores descrevem que a necessidade “expressaria o des-
vio ou a diferença entre o estado ótimo, definido de forma normativa e o estado atual ou real”. A questão
que se coloca é como atuar setorialmente no sentido da redução desse desvio ou diferença.
As necessidades em saúde são geradas pelas características dos indivíduos – sexo, idade e
situação de saúde – e levam ao uso da assistência médica, independentemente da disponibilidade
de serviços e recursos. As necessidades podem permanecer imperceptíveis, tanto para os pacientes
quanto para os médicos; podem ser conhecidas ou percebidas, e podem ou não gerar demanda por
atenção à saúde. A oferta de serviços pode, também, tornar-se instauradora de necessidades, criando
valores ou padrões de consumo para a sociedade (SCHRAIBER; MENDES-GONÇALVES, 2000).
Apesar da ampla gama de necessidades de saúde, as necessidades de serviços de saúde são
uma responsabilidade setorial e contribuirão para a redução das iniquidades sociais,2 mesmo consi-
derando que a atenção médica, segundo alguns autores, é limitada e poderia contribuir pouco para
melhorar a saúde da população, se comparada às contribuições dos avanços sociais, ou mesmo ser
prejudicial para a saúde.2-5 Esse entendimento, de algumas décadas atrás, vem sendo questionado
em virtude dos avanços tecnológicos setoriais. Por outro lado, persistem e se avolumam evidências
dos malefícios do uso inadequado de tecnologias em saúde.2, 6 Independentemente da polêmica so-
bre os pesos de cada setor nos resultados efetivos em saúde da população, o entendimento de líderes
mundiais sobre a relevância dos determinantes extrassetoriais nas condições de saúde desencadeou
movimentos como o da “Saúde em todas as políticas” durante a presidência Finlandesa na União Eu-
ropeia em 2006.7 Esse movimento, como também o movimento global dos determinantes sociais em
saúde, alerta-nos para a importância das políticas intersetoriais para que se atinjam bons resultados
em saúde8. Entretanto, temos de equilibrar os esforços de liderança de outros setores com o atendi-
mento mínimo das expectativas sociais com o próprio setor saúde. Sem esse reconhecimento social,
da capacidade de gestão setorial, parece difícil que a sociedade nos delegue a liderança de ações e
políticas intersetoriais.
Em sua dimensão operacional, além das características demográficas – sexo e idade –, a ne-
cessidade em saúde pode ser traduzida pela existência de diagnósticos prévios – principalmente do-
enças crônicas –, autopercepção de problemas de saúde, estado de saúde insatisfatório, referência
a sinais e sintomas e restrição de atividades rotineiras por motivo de saúde. Essas são característi-
cas que retratam dimensões diferentes das condições de saúde de determinado grupo populacional.
Há também a necessidade induzida pela detecção técnica de problemas que não eram sentidos
pelos indivíduos.
As necessidades expressadas, por sua vez, compõem em parte a demanda normativa e em par-
te a demanda espontânea, que, para os técnicos, nem sempre é considerada necessidade real. De-
monstra, entretanto, carecimento da população que deve ser escutado, “algo que o indivíduo entende
que deve ser corrigido em seu estado sócio-vital” (SCHRAIBER e MENDES-GONÇALVES, 2000, p. 29).

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 135


Todas essas são necessidades sociais, que podem ser, e muitas vezes o são, somadas e per-
passadas por outras necessidades advindas da pressão pelo consumo dos serviços de saúde. Nesse
sentido, a demanda pode ser induzida por oferta, expressando-se na observação de que um número
maior de cirurgiões por habitante corresponderá a um maior número de cirurgias per capita.9
Estudos dos motivos do não atendimento e da não procura de serviços mostram que as barrei-
ras de acesso são de natureza complexa e que são fortemente influenciadas pelas características dos
sistemas de saúde. Inversamente, por indução da oferta, existe o uso de serviços não relacionados
com as necessidades. Na verdade, segundo a Lei de Hart, os diversos mecanismos que interferem na
oferta de serviços fazem que os recursos sejam distribuídos inversamente às necessidades.10 Assim,
a forma como se organiza a oferta dos serviços de saúde influencia na sua utilização, pois pode faci-
litar ou dificultar o acesso e, consequentemente, o seu uso.
Pode-se citar como exemplo o caso da incorporação da tomografia por emissão de prótons (PET)
na prática privada. Estudo que visou avaliar a difusão de tecnologias médicas no sistema de saúde
privado no Brasil, utilizando esse exame como recorte, mostrou quais fatores foram associados à
adoção do PET: o pioneirismo da instituição; a presença de evidências científicas que justifiquem a
incorporação; o diferencial diante da concorrência; pressão do corpo clínico que demanda a aquisição
de inovações tecnológicas em suas respectivas especialidades; a viabilidade econômica; a presença
de parceria com o fabricante ou com o prestador nacional; e, por fim, o prestígio do médico ou da área
que solicita a aquisição da tecnologia. O estudo conclui que, portanto, as necessidades de saúde da
população ou as prioridades da política de saúde tiveram pouca influência na definição da incorpora-
ção de uma tecnologia em uma rede de saúde.11
Enfim, os fatores que determinam as demandas por serviços de saúde estão cada dia mais vin-
culados ao consumo, e como nos indica o filósofo Zygmunt Bauman em seu livro Vida para consumo: a
transformação das pessoas em mercadorias, a sociedade moderna de produtores foi gradativamente
se transformando em uma sociedade de consumidores, comprometendo toda a rede de relações
sociais com padrões moldados pelo mercado. Esse cenário traz evidentes consequências ao setor
saúde e nele devem se inserir as análises de nossas perspectivas futuras de sistemas de saúde.

1.2 A história um século depois: Redes de Atenção à Saúde (RAS)


A proposta de Redes de Atenção à Saúde (RAS) foi feita, pela primeira vez, no Relatório Daw-
son, publicado em 1920, e descreve como pontos essenciais a integração da medicina preventiva
e curativa, o papel central do médico generalista, a porta de entrada na APS, a atenção secundária
prestada em unidades ambulatoriais e a atenção terciária nos hospitais.12,13 Mesmo com as mudan-
ças evolutivas de alguns dos conceitos intrínsecos a essa proposta, esta continua atual, em especial

136
no Brasil, pois evoluímos não para uma rede articulada de serviços, mas para uma fragmentação com
menor grau de atomização no subsetor público e maior grau no subsetor privado. Essa atomização é
potencializada pela prática médica individualizada em consultórios desarticulados, bem como pelo
alto grau de autonomia de hospitais e serviços de alto custo na incorporação tecnológica sem a devida
base populacional para tal.
Assim, nas últimas décadas, surgiu a necessidade de superar a fragmentação existente nos
sistemas de atenção à saúde por meio da instituição de sistemas integrados de serviços de saúde
que configurassem um contínuo coordenado de serviços para uma população definida. Entre os fato-
res destacados como chave para a integração de sistemas fragmentados, encontram-se: aumento da
produtividade dos serviços hospitalares, integração e gestão da clínica, reforço da APS, eficácia dos
sistemas de informação e realinhamento dos incentivos financeiros com superação do pagamento por
procedimentos.13
A integração sistêmica dos serviços de saúde passa por polos de dispersão e concentração na
busca do acesso ótimo. Os polos de dispersão são os pontos de primeiro contato e porta de entrada,
como descrito pela APS, em que devem ser respeitadas as especificidades locais para alcance da
competência cultural. Esses pontos de primeiro contato são serviços de baixo adensamento tecno-
lógico e que pouco se beneficiam das economias de escala e escopo, bem como de grandes bases
populacionais para operação. No outro extremo, temos os locais que necessitam do adensamento tec-
nológico, pois concentram equipamentos e tecnologias duras de alto custo, com pessoal muito espe-
cializado que não obterá qualidade sem volume. Esse polo se beneficia imensamente das economias
de escala e escopo, com o máximo aproveitamento de larga gama de equipamentos e serviços, exigin-
do consequentemente ampla base populacional para sua sustentação. São exemplos deste polo: os
centros de referência ao atendimento a grandes queimados, os centros de transplantes, entre outros.
Entre os polos de dispersão e adensamento, temos uma variedade de pontos que têm sua
utilização dependente de variáveis inerentes a esse território geográfico14,15. Um item essencial na
utilização dos pontos é a acessibilidade, determinada entre outras pela mobilidade das pessoas, de
acordo com o sistema de transporte disponível. Esse tema sempre é lembrado quando falamos de
áreas remotas e de difícil acesso. Entretanto, na gestão local de redes de serviços em grandes centros
urbanos, tanto públicos como privados, é evidente que os corredores de tráfego são determinantes na
utilização de uma unidade ambulatorial de atenção primária ou de um pronto atendimento, mesmo
quando a distância geográfica da primeira per si seja menor que a da segunda. Assim, equipamentos
de saúde instalados em metrópoles, sem planejamento urbano, sofrerão com problemas para sua uti-
lização adequada. A recentemente propagada inovação do modelo indiano chamada Hub and spoke
é um exemplo de como fazer que os serviços de alta tecnologia dediquem-se à demanda realmente
necessária. Em contrapartida, exige grandes bases populacionais para sua construção.1

1               DISPONÍVEL EM: <HTTP://BLOGS.HBR.ORG/2013/10/INDIAS-SECRET-TO-LOW-COST-HEALTH-CARE/>.

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 137


1.3 A Atenção Primária à Saúde (APS) como orientadora do sistema de
saúde: um modelo liderado pela APS
O paradigma positivista que orientou a formação médica no último século formatou um modelo
de medicina que não tolera os graus variados de incerteza e a discordância, típicos do paradigma
complexo. O positivismo buscou a todo custo trazer a prática médica para o máximo de certeza e con-
cordância, buscando simplificar problemas complexos, muitas vezes sem benefícios reais no resulta-
do assistencial. Se no caso das operações de equipamentos e tecnologias duras e do adensamento
tecnológico de centros médicos e hospitais universitários temos as vantagens da padronização, no
campo da APS e das relações individuais imersas na comunidade a busca de certeza e da concor-
dância nos leva a intervenções muitas vezes desnecessárias para o indivíduo, mesmo considerando
que essas mesmas intervenções muitas vezes são tranquilizadoras aos médicos, que formados em
centros de busca da certeza, tem de lidar cotidianamente com o contrário: sintomas inespecíficos e
diagnósticos imprecisos. A complexidade foi originalmente discutida nas ciências físicas como “teoria
da complexidade”, mas caminhou para as ciências biológicas e mais tardiamente para as ciências
sociais e políticas16. O campo complexo pode ser entendido como campo entre o extremo do absoluto
com o máximo de acordo e certeza, e outro extremo de alta dispersão em que o volume de individua-
lidades e especificidades atomizam as relações chegando ao caos, sem possibilidade alguma de um
ordenamento coerente.2
Fazendo um paralelo ao que Gervas chama de ética da ignorância, somos formados para negar
nossa ignorância e trazer todo o campo da complexidade para os campos do simples ou do complica-
do, conforme proposto no diagrama proposto do Ralph Stacey (figura 1). O simples e o complicado são
campos em que equações cartesianas permitem predizer o resultado. Já a ética da negativa permitiria
a recusa cautelosa de intervenções, explicitando o “não” ao paciente17.

2               VÁRIOS AUTORES TÊM ABORDADO A COMPLEXIDADE NA SAÚDE E NA GESTÃO ENTRE OS QUAIS RECOMENDAMOS RALPH
STACEY, PAUL PLSEK, SHOLOM GLOUBERMAN E BRENDA ZIMMERMAN.

138
A Matriz da Complexidade de Stacey

Discordância
Caótico

Complexo
Complicado
Concordância

Simples Complicado

Certeza Incerteza
FONTE: ADAPTADO POR BRENDA ZIMMERMAN, SCHULICH SCHOOL OF BUSINESS, YORK UNIVERSITY, TORONTO, CANADÁ (2009)

A superioridade de modelos de atenção com base na APS, como desenhos de redes de ser-
viços, está cada dia mais evidente na literatura científica, como indicado por outros autores nesse
documento. Há mais de duas décadas, Starfield reafirma que a APS com seus princípios organizativos
aumenta a eficiência dos sistemas de atenção à saúde, diminui as referências a especialistas e aos
hospitais, melhora os resultados sanitários, produz serviços mais custo-efetivos, aumenta a satisfa-
ção dos clientes e melhora a qualidade percebida2,18.
Entretanto, a decisão de implantar esses modelos continua não acontecendo de forma ampla.
Mesmo nos sistemas de saúde construídos com essa orientação a pressão por mudanças existe de
forma significativa e crescente. Essa pressão vem em grande parte do que Bauman chama de “con-
sumerismos”, bem como na crença da capacidade de escolha e do discernimento do consumidor, e
na ausência de assimetria de informação para o consumo adequado, o que majoritariamente não
acontece no setor saúde. A interpretação cada dia mais forte, no Brasil, da regência do sistema de
saúde suplementar sob a égide do Código de Defesa do Consumidor é um exemplo disso. Não que os
serviços de saúde não tenham de ter “accountability” social, mas tratar a prestação de serviços de
saúde como vendas em atacado e varejo leva-nos a perdas significativas do potencial intrínseco do
sistema que está baseado nas relações de médicos e equipes com seus pacientes.

1.4 A irracionalidade na oferta de serviços e a prevenção quaternária


Os clássicos estudos de demanda por serviços de saúde realizados por White na década de
1960 e confirmados por Green 40 anos depois demonstram que em uma população acompanhada

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 139


ao longo de determinado período de tempo temos diferentes percepções da necessidade de utilização
desses serviços, bem como diferentes gradações de real utilização, desde o consultório de primeiro
contato até um hospital universitário.19,20
Uma das dificuldades nesse contexto é que a indução da utilização de serviços vem sendo feita
por diferentes mecanismos muitos deles técnicos e bem sustentados, mas também por estratégias
comerciais de benefício assistencial questionável. Em recente meta-análise sobre o uso inapropriado
de exames de laboratório nos Estados Unidos em que foram revistos 1,6 milhão de exames em 15
anos, chegou-se à conclusão de que em média 30% dos exames poderiam ser considerados desne-
cessários e outros 30% sequer deveriam ter sido solicitados.21
Os números referentes à capacidade instalada e à utilização de serviços nos setores públicos
e privados brasileiros dão a dimensão da gravidade da questão. Os cinco estados com maior número
de mamógrafos per capita – Rio de Janeiro, Goiás, São Paulo, Rondônia e Espírito Santo – possuem o
dobro de mamógrafos para 100 mil habitantes do Reino Unido. O estado do Rio de Janeiro, que possui
a maior capacidade instalada de mamógrafos, tomógrafos e ressonâncias magnéticas no país, tem
mais desses equipamentos para 100 mil habitantes que o Canadá ou a França.22
Nesse cenário, o conceito de prevenção quaternária definido como a proteção a intervenções
médicas desnecessárias e inapropriadas em indivíduos com risco de tratamento excessivo é o renasci-
mento de um dos fundamentos da medicina: primum non nocere.23 Esse conceito foi proposto por Marc
Jamoulle na década de 1980 para identificar o risco de supermedicalização, proteger pacientes e po-
pulações de intervenções médicas invasivas e sugerir métodos eticamente aceitáveis e cientificamente
embasados24, e avança na proposta original do modelo da prevenção em três níveis de Level e Clark.
Esses princípios não coadunam com a ideia de consumir serviços de saúde como um produto
de mercado. Um exemplo simples é o da regra de que o produto que não foi consumido não deve ser
pago. Nesse entendimento, o absenteísmo a consultas e exames entra na conta dos custos da saúde
e o consumidor que falta ao serviço marcado gera custos adicionais indiretamente pagos por todos.
Um problema adicional pouco debatido e de difícil abordagem é que alguns estudos já indicam que a
satisfação do paciente pode ser uma variável que aumenta a mortalidade25 ou o sobrediagnóstico.6
Assim, fica o paradoxo de satisfazer à população, vista como cliente pelo Código de Defesa do Consu-
midor, e apresentar resultados assistenciais economicamente sustentáveis.

2. A Crise na Saúde e o Cenário atual da Saúde Suplementar no Brasil


Grande número de estudos acadêmicos e análises de mercado vem sendo realizado em todo o
mundo acerca da crise dos sistemas de saúde. Esses estudos e análises foram especialmente poten-
cializados, nos últimos anos, pela reforma do sistema de saúde americano e a pela crise econômica
europeia, trazendo novos vetores em direção à revisão do modus operandi dos sistemas de saúde,

140
considerando, em especial, os constrangimentos orçamentários impostos e o potencial setorial de
geração de riqueza, mesmo em momentos de crise. Recente trabalho holandês que analisou 21 refor-
mas de privatização de facto do financiamento em uma amostra de 23 países da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) encontrou evidências robustas da vinculação dos
fatores desencadeantes dessas reformas à crise econômica, altos níveis de desemprego, altas taxas
de juros e dívida governamental. Ao contrário da teoria e do senso comum, a evidência não demons-
trou que fatores políticos, incluindo mudanças significativas dos gabinetes de governo, tenham im-
pacto importante na privatização do financiamento26. Isso nos sugere que a determinação econômica
no setor saúde, hoje um dos maiores setores econômicos nos países da OCDE, está suplantando até
mesmo a capacidade política dos governos, independentemente do seu espectro político.
Apesar de as questões econômicas serem fundantes nessa discussão, a crise do modelo as-
sistencial no seu amplo sentido é multifatorial e não deve ser analisada sob a perspectiva de uma
única dimensão. Entre essas dimensões, podemos citar o quadro epidemiológico de envelhecimento
populacional e o crescimento das doenças crônicas; a mudança da prática médica e a incorporação
de novas e caras tecnologias médico-hospitalares, gerando custos crescentes em proporção subs-
tancialmente maior que a economia geral; a baixa qualidade dos serviços e o excesso de utilização
que geram danos à saúde; as mudanças de hábito de cunho populacional, como alimentação, com
consequente obesidade epidêmica, sedentarismo, estresse etc.
A Constituição Federal de 1988 definiu entre os referenciais para o sistema de saúde brasileiro
um conceito ampliado de saúde, incluindo a saúde como direito do cidadão e dever do Estado e a
instituição de um Sistema Único de Saúde (SUS). Apesar do objetivo de se construir um sistema único
e universal de saúde, a legislação definiu também que o setor privado é complementar ao sistema
público. A existência, desde aquele período, de um setor privado tanto assegurador quanto prestador
de serviços, e de setores públicos que mantiveram asseguramento privilegiado com cobertura de
serviços fora do SUS, somado aos fatores intrínsecos ao próprio sistema público, como o subfinan-
ciamento crônico e a limitada capacidade de gestão descentralizada, levou o país a um mix público-
-privado complexo. Considerando a taxonomia para classificação do asseguramento do setor privado
em sistemas nacionais de saúde proposta pela OCDE, conclui-se que em razão da inserção peculiar
do setor de planos e seguros de saúde no Brasil, temos uma cobertura que pode ser entendida como
suplementar e duplicada.27 Na essência, temos efetivamente dois modelos-chave de asseguramento,
que são o modelo beveridgiano e o modelo bismarkiano. Alguns autores consideram subtipos desses
modelos, mas para fins dessa discussão usaremos somente os dois modelos centrais.
Sumariamente, podemos dizer que o modelo beveridgiano tem o Estado como garantidor do
asseguramento e da provisão de serviços. Isso pode ser feito de maneira centralizada como no NHS
Inglês ou como no Canadá em que as províncias garantem a contratação de serviços de saúde na
iniciativa privada, considerando que praticamente inexistem hospitais públicos estatais. Em ambos

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 141


existe um rol de benefícios para todos os cidadãos. O modelo cubano é o extremo desse modelo, com
asseguramento e prestação de serviços totalmente estatizados.
No modelo bismarkiano, por sua vez, o estado e os trabalhadores contribuem para a compra
do asseguramento para a população. A partir das asseguradoras, os serviços são contratados ou até
prestados por elas mesmas. Efetivamente, o usuário, cliente ou consumidor escolhe quem lhe presta
serviços e isso exige eficiência dos prestadores, sejam eles públicos ou privados. Esse modelo, sem
o financiamento direto do Estado, existe hoje no setor privado brasileiro. Empresas e trabalhadores
pagam asseguradores de benefícios diretamente e parte desse financiamento vem indiretamente do
Estado, consequente à renúncia fiscal. Também os trabalhadores do setor público, que mantiveram
privilégios de atendimentos em autogestões públicas, ou mesmo nos benefícios da contratação de
planos privados feito por órgãos públicos, estão dentro desse modelo.
Assim, convivemos efetivamente no Brasil com os dois modelos cobrindo, cada um, uma parcela
da população, e algumas vezes criando duplicações desnecessárias de serviços. Esses subsistemas
têm também regras diferenciadas e orientações da política de prestação de serviços distintas. Segu-
ramente, por trás desse cenário está uma disputa no plano político-ideológico que passa por temas
muito delicados, como os limites do direito à saúde em relação ao acesso a serviços e tecnologias
da indústria médico-hospitalar e o redesenho do mix público-privado no sistema de saúde brasileiro.
A provisão de serviços de saúde, por sua vez, tem modelos muito diferentes. O subsetor público
continua, como na década de 1980 e 1990, a debater se a prestação de serviços deve ser estatal
ou não, e a cada eleição sistemas municipais de saúde organizados em modelos de administração
pública indireta ou em parceria com o setor privado são desmontados por interesses eleitorais ou
purismos ideológicos. Nesse mesmo sentido, a falta de solução e a inviabilização política deliberada
de várias propostas de gestão para os hospitais públicos gera constante desgaste na imagem do SUS.
Para a população ser assistida por um funcionário público, por um trabalhador de uma Organização
Social, de uma entidade filantrópica ou privada, ou por um cooperado, uma cooperativa médica pouca
diferença faz. Esses embates menores, que interessam mais a grupos de interesse específicos que ao
projeto de saúde para o país, geram um descompasso entre as propostas de avanço de um sistema
de saúde realmente legítimo do ponto de vista social. A legitimação do sistema perante a sociedade
dá-se pela resposta deste às necessidades dessa sociedade. Foram essas as bases do NHS inglês
e a população o defende. No Canadá, a população coloca o sistema de saúde como um dos cinco
diferenciais que caracterizam o povo canadense. Isso definitivamente não se conseguiu no Brasil. No
Brasil, ter plano de saúde está entre os três maiores desejos da classe média e é nesse cenário que
serão construídas as propostas para o futuro do sistema de saúde.
Outro ponto importante é que no subsistema público temos regras de acesso aos serviços e
busca-se a efetivação da função de gatekeeper pelas equipes de Saúde da Família. Construiu-se nas
últimas duas décadas um desenho de sistema hierarquizado com a porta de entrada preferencial

142
feita pela atenção primária. No subsistema privado, a prestação de serviços tem semelhanças inequí-
vocas com o modelo de mercado dos Estados Unidos, um exemplo global de ineficiência. Esse modelo
encontra-se em processo de mudança incremental desde a publicação do Affordable Care Act, a
legislação específica da reforma negociada pelo governo Obama. Um exemplo dessa incoerência são
as regras regulatórias de livre provisão de qualquer especialidade médica de acordo com o desejo do
consumidor. Isso contradiz uma proposta de organização com base na APS e não é necessariamen-
te o melhor em relação aos resultados em saúde. Por outro lado, essas regras vão ao encontro das
expectativas de consumo da população. Assim, o desafio do Brasil está na qualificação da porta de
entrada para que esta consiga fazer um papel de filtro adequado, aumentando a eficiência do uso dos
especialistas, valorizando os profissionais vinculadores como acontece na Inglaterra, no Canadá, na
Espanha, na Holanda, entre outros, independentemente do modelo de asseguramento.
Questão também relevante no ordenamento da prestação de serviços está no campo das mo-
dalidades de pagamentos, em especial de médicos. Se o modelo de remuneração pode ser usado
para estimular ou desestimular algumas práticas e especialidades, deveria haver coerência entre
a remuneração e o quadro epidemiológico da população. Entretanto, cerca de 50% dos serviços de
saúde consumidos nos Estados Unidos resultam da orientação dos médicos e dos fornecedores de
hospitais, e não da necessidade ou da demanda dos pacientes. O atual sistema estimula os presta-
dores a oferecer não o cuidado necessário, mas o máximo de cuidado possível.28 No Brasil, o modelo
majoritariamente adotado de pagamento por produção provavelmente tem esses mesmos efeitos. O
quadro 1 indica os principais pontos positivos e negativos das diversas modalidades de remuneração
médica e a conclusão a que se chega é que a fórmula deve buscar os pontos fortes de cada modali-
dade, certamente evitando o pagamento exclusivo por produção.29

Quadro 1 – Principais pontos positivos e negativos das modalidades de


remuneração médica.
Pontos Positivos Pontos Negativos
Remuneração por captação • Estimula o atendimento não presen- • Referenciamento maior que o
cial. desejado.
• Estimula cuidado longitudinal e • Risco de evitar pacientes com
ações preventivas. potencial de hiperutilizar o sistema
(idosos e doentes crônicos).
Remuneração por produção • Estimula melhor manejo do tempo. • Risco de sobreutilizar os serviços e
• Informa o sistema sobre tendências. de diminuir o tempo de consulta.
• Papel de regulador sai do médico
e vai para a área financeira da
instituição.

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 143


Remuneração por salário • É administrativamente simples. • Não há incentivo para conter custo,
fixo • Não estimula comportamento de atrair pacientes ou ser sensível às
aumento de custo. suas necessidades, em especial
o acesso ao sistema (consultas
burocráticas).
• Incentiva o médico a diminuir
seu esforço pessoal e a reduzir o
número de consultas.
Remuneração por indica- • Estimula que todos os profissionais • A meta é o fim (não há incentivo
dores de qualidade trabalhem em sinergia por uma para ir além).
meta comum a ser alcançada. • Risco de focar apenas nas metas,
abandonando pacientes que não
ajudem a atingi-las.
FONTE: ADAPTADO POR GUSTAVO GUSSO DO AN OPTIMAL REMUNERATION SYSTEM FOR GENERAL PRACTITIONERS NEDERLAN-
DSE ZORGAUTORITEIT

Finalizando esse tópico, temos a discussão do financiamento global do sistema de saúde. Pare-
ce ser consenso que as sociedades, em especial nos países de média e alta renda, têm chegado a um
limite de gasto financeiro setorial em relação aos gastos do PIB que obrigam os governos a tomarem
medidas para garantir a atenção à saúde de suas populações sem subfinanciar outros setores. Assim,
a crise do financiamento nos países com alto nível de gasto passa por medidas internas ao setor, em
especial, relativas ao modelo de atenção. Similarmente, no Brasil, o gasto global em saúde é crescen-
te e a margem de crescimento estreita-se na medida em que nos aproximamos dos dois dígitos de
gastos do PIB. Isso exigirá obrigatoriamente maior eficiência setorial, em especial no setor privado em
que a competição pela ampliação do mercado está limitada à capacidade de pagamento, em especial
das empresas que hoje as maiores financiadoras do setor.
O fato de vivermos no Brasil o chamado bônus demográfico, quando a população economica-
mente ativa em idade produtiva é proporcionalmente o maior componente da população geral, é po-
sitivo se avaliamos sob o olhar do crescimento do mercado. Esse fenômeno tem a extensão estimada
até 2025, quando o envelhecimento populacional trará maior participação de idosos em relação à
população geral. Como consequência, haverá maior demanda por serviços de saúde e por recursos,
sendo o desenho organizativo do sistema de prestação de serviços crucial para a manutenção e o
aprimoramento da cobertura de toda a população. Devemos nos atentar também para o alerta de
Gervas de que o incremento da “intensidade de atenção” é vetor importante, e talvez o mais significa-
tivo, de aumento de custos. A intensidade da atenção está diretamente ligada ao modelo de organiza-
ção da prestação dos serviços e à prática médica.30 Segundo o autor, a incorporação de várias ações
preventivas e diagnósticas em escala populacional, com ganhos duvidosos, é um exemplo disso.

144
2.1 O cenário do mercado de saúde brasileiro
O setor de saúde brasileiro, segundo análises de mercado com base em indicadores macroeco-
nômicos e do complexo industrial setorial, tem sido colocado como um dos mais promissores e atrati-
vos do mundo. As mudanças no sistema de saúde do Brasil vêm chamando a atenção de investidores
internacionais. A McKinsey & Company dedicou ao Brasil um capítulo do seu relatório de 2011 sobre
as perspectivas dos sistemas de saúde na América Latina, intitulado Da quantidade à qualidade: a
saúde do sistema de saúde brasileiro, em que fatores como o crescimento da riqueza e dos investi-
mentos públicos e privados, até mesmo multinacionais, associado ao desejo de maior qualidade dos
serviços de saúde por segmentos da população, e a crescente demanda consequente ao aumento
das doenças crônicas são destacados31. Também são considerados como vetores de crescimento
desse mercado: o incremento do poder de compra, classe média emergente, consumidores dispos-
tos a pagar por melhores serviços e tratamentos, condições demográficas favoráveis, incremento da
população idosa, iniciativas governamentais para atrair investimentos e consolidação de vetores e
movimentos estratégicos setoriais (PRICE WATERHOUSE COOPER, 2013).3
Em março de 2013, o HSBC Global Research publicou o documento Saúde na América Latina,
identificando indústrias que vão liderar o próximo ciclo de crescimento, indicando que os investimen-
tos no Brasil são crescentes e merecem atenção dos investidores globais. O Brasil também foi incluído
na pesquisa mundial da consultoria Deloitte Touche Tohmatsu que fez pesquisa com adultos em 12
países para avaliar opiniões e expectativas sobre seus sistemas de assistência médica. Em todos
esses países existem muitas diferenças nas estruturas e nas operações dos sistemas de assistência
médica, relacionados aos estímulos políticos e econômicos das reformas dos sistemas de saúde.4
O documento Brasil Saúde 2015: a sustentabilidade do sistema de saúde brasileiro, da Associa-
ção Brasileira de Hospitais Privados (ANAPH) que congrega os mais representativos hospitais privados
do país, busca discutir um modelo de saúde que contribua para a sociedade brasileira.5 O documento
contempla 12 propostas para atuação integrada entre os setores públicos e privados, visando a uma
assistência com maior qualidade e eficiência. As propostas abordam a macro, meso e microgestão
do sistema de saúde, visando desenvolver modelo assistencial integrado com foco no paciente e na
continuidade dos cuidados. Entre as propostas, estão o fortalecimento do SUS por meio do estímulo,
da coordenação e da integração entre os setores públicos e privados e o desenvolvimento de modelo
assistencial com foco no paciente e na continuidade dos cuidados.

3               DISPONÍVEL EM: <HTTP://WWW.PWC.COM.BR/PT_BR/BR/PUBLICACOES/SETORES-ATIVIDADE/SAUDE/MERCADO-SER-


VICOS-SAUDE-BRASIL.JHTML>.
4               DISPONÍVEL EM: <HTTP://WWW.DELOITTE.COM/ASSETS/DCOM-BRAZIL/LOCAL%20ASSETS/DOCUMENTS/ESTU-
DOS%20E%20PESQUISAS/CONSUMIDORESASSISTENCIAMEDICABRASIL2011.PDF>.
5               DISPONÍVEL EM: <HTTP://ANAHP.COM.BR/LIVROBRANCO/IMPRENSA/2014/2_ABRIL/RELEASE_LIVRO_BRANCO_ET_
AP.PDF>.

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 145


Considerando a representatividade dos atores no âmbito hospitalar, as propostas de ganhos
de escala e qualidade a partir da especialização do cuidado são positivas. Entretanto, um desenho
organizativo para os serviços de saúde a partir de hospitais terciários e com alto adensamento de
tecnologias duras terá de ser precedido de uma rede ambulatorial com base em princípios da APS,
atenta em especial à prevenção quaternária, que permita a utilização necessária e oportuna das
tecnologias disponibilizadas. Sem esse cuidado, corre-se risco evidente de sobreúso de tecnologias
e incremento de custos desnecessários ao sistema pelo acesso direto a instituições que privilegiam
sua capacidade instalada.
Em síntese, as perspectivas para o setor de saúde brasileiro vêm sendo percebidas como pro-
missoras por atores representativos do mercado de saúde privado, e as perspectivas de investimento
como em qualquer setor econômico, com alta regulação estatal, vão depender das políticas governa-
mentais e da prioridade dada ao crescimento setorial dentro das macropolíticas do país.

3. Perspectivas para o futuro


Voltando ao início, as necessidades assistenciais de saúde devem ser respondidas por servi-
ços planejados e de distribuição equitativa, sendo esse um dos fatores que podem contribuir para
redução das iniquidades sociais. Portanto, o eixo principal do planejamento do futuro deverá centrar-
-se na demanda a partir de necessidades, e não exclusivamente da oferta. Essa mudança permitirá
aproveitar melhor os recursos disponíveis para as reais necessidades do objeto fim de um sistema
de serviços de saúde que é prestar assistência à saúde da população. A otimização da capacidade
instalada dos setores público e privado pode contribuir para evitar novas duplicações entre os dois
subsistemas de atenção à saúde instalados no país.
As mudanças no quadro epidemiológico, por sua vez, conjugado à intensificação do uso de tec-
nologias médico-hospitalares, em ambiente de recursos finitos, trazem a exigência de novo modelo
de atenção à saúde. Na saúde suplementar, existem movimentos, apesar de tímidos, de estímulo
da ANS para que as operadoras de planos implementem novas formas de atenção à saúde, visando
garantir a sustentabilidade a longo prazo do setor. Olhando para a reforma do sistema americano, e
suas semelhanças com a saúde suplementar brasileira, podemos ver claramente que o modelo atual
caminha para a insustentabilidade.
O crescimento da cobertura de planos de saúde tem gerado a necessidade de investimento em
instalação de infraestrutura para fazer face ao aumento de demanda. O problema novamente recai
sobre o modelo de atenção. Infelizmente, repetimos muitas vezes o modelo de consumo fácil para
casos agudos, ou seja, o modelo voltado ao hospital e ao pronto atendimento, muito bem aceito pela
clientela. Algumas operadoras têm realizados esforços para avançar em novos modelos de gestão
do percurso assistencial para seus clientes. Destaco aqui o sistema Unimed que tem hoje mais de

146
19 milhões de assegurados e que vem discutindo e implantando propostas de percurso com base
nos princípios internacionais da atenção primária. Vários pilotos estão em curso no país e em breve
espera-se ter resultados efetivos dessas iniciativas.
Em contrapartida, ainda existe um déficit efetivo de serviços hospitalares, que vem sendo res-
pondido com investimentos do setor privado. Apenas o sistema Unimed conta hoje com mais de 100
unidades hospitalares, sendo o segundo maior grupo de hospitais do Brasil sob a mesma marca,
atrás apenas das Santas Casas. Como se trata de sistema capilarizado em todo o território nacional,
um passo importante será a aproximação dos gestores públicos para avaliação de sinergias dessas
redes de serviços. A ampliação do diálogo entre os setores público e privado, otimizando a capacida-
de instalada e gerando escala para sustentabilidade de serviços, em especial de alto adensamento
tecnológico, surge como um caminho.
Nesse mesmo sentido, a harmonização das regras que direcionam o modelo de atenção nos
subsistemas público e privado, orientando investimentos futuros, poderá gerar bons resultados. Para
mensuração dessas iniciativas, bem como para uma correta análise da situação já existente, o traba-
lho conjunto com indicadores dos dois subsistemas nos possibilitaria uma avaliação mais fidedigna
da realidade.
Em outra vertente, as mudanças na formação dos profissionais de saúde, a fim valorizar a APS
precisam ser feitas alinhadas às expectativas desses novos profissionais no mercado de trabalho.
Nesse quesito e pensando um sistema de saúde para as próximas décadas, tornam-se imperativas
mudanças mais consistentes na formação dos profissionais de saúde. Mirando exemplos internacio-
nais, parece-nos importante valorizar a medicina de família como uma área de conhecimento espe-
cífica e complexa32, que é mais que um mosaico de pedaços de pediatria, clínica médica, cirurgia,
saúde coletiva. Voltando ao clássico quadrado do estudo de White, não podemos continuar formando
nossos profissionais preferencialmente no vértice desse quadrado em que somente um de cada mil
pessoas vai acessar e utilizar serviços. Temos de olhar os outros 999 que não vão ter sintomas, ou vão
ter sintomas na maioria inespecíficos, ou ainda vão precisar utilizar serviços de baixo adensamento
tecnológico, mas que preferencialmente não deveriam chegar, por exemplo, aos hospitais universitá-
rios. Não porque não devam ter acesso a esses hospitais, mas porque esse não é o lugar adequado
para oferecer o melhor cuidado a eles. Para isso, a institucionalização da medicina de família como
disciplina acadêmica voltada ao cuidado ambulatorial e comunitário, clinicamente competente e reso-
lutiva, como acontece em outros países, apresenta-se como passo necessário e urgente. Os avanços
setoriais alavancados pelo movimento sanitário brasileiro têm muitas fortalezas, em especial no que
tange à universalização do acesso aos serviços de saúde no Brasil. Por outro lado, a radicalidade da
negação da clínica e da hegemonia médica no sistema de saúde pode ter contribuído para reduzir a
percepção de legitimidade social do SUS.

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 147


1000 pessoas em um mês

800 têm sintomas

217 procuram um médico

8 são internadas em um hospital local

< 1 é internada em um hospital terciário

ADAPTADO DE: THE ECOLOGY OF MEDICAL CARE. N ENGL J MED 1961;265:885-892.

Concluindo, o futuro passa por um terreno complexo, em que diferentes graus de consenso e de
acerto podem ser alcançados. Vários são os desafios para uma mudança consistente em busca de um
horizonte de longo prazo para a crise do sistema de saúde brasileiro. A manutenção de alto grau de
tensão entre os atores políticos dos diversos grupos e matizes de interesse, sem análises realistas do
contexto atual do SUS e da Saúde Suplementar, associada à ausência de respostas e à construção de
consensos nesse cenário abrem espaço para decisões autocráticas, que podem gerar consequências
de difícil previsibilidade futura. Reforço que os ciclos de debate do CONASS tornam-se espaços-chave
para abertura de pontos de contato e interlocução qualificada no tema.

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A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 149


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150
5
FREDERICO GUANAISa
A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL E O DESAFIO DE PREPARAR O SISTEMA
ÚNICO DE SAÚDE PARA ENFRENTAR OS PROBLEMAS DO SÉCULO XXIb

Introdução
Parece haver consenso na literatura científica brasileira sobre a necessidade de níveis de finan-
ciamento substancialmente superiores aos atuais para que o Sistema Único de Saúde (SUS) possa
cumprir, de forma minimamente satisfatória, com os objetivos de uma política de saúde universal e
integral.1,2,3,4 O mesmo fato não pode ser dito a respeito da discussão sobre a organização e a eficiên-
cia técnica dos serviços de saúde no Brasil, que ocupa espaço muito mais reduzido na literatura. De
modo geral, a discussão da eficiência parece estar associada a uma defesa da redução do financia-
mento para a saúde pública, o que contamina e limita este debate de fundamental importância. No
entanto, para que seja exitosa, a discussão sobre maior financiamento para a saúde deveria estar as-
sociada a propostas para melhoria da eficiência técnica na organização e na prestação dos serviços.

a FREDERICO GUANAIS É PHD, ESPECIALISTA PRINCIPAL EM SAÚDE NO BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO.


AS OPINIÕES EXPRESSAS NESTE TEXTO SÃO DE INTEIRA RESPONSABILIDADE DO AUTOR E NÃO NECESSARIAMENTE REFLE-
TEM A POSIÇÃO DO BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO, DE SEU CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO OU DOS
PAÍSES NELE REPRESENTADOS.
b TEXTO PREPARADO PARA O TERCEIRO SEMINÁRIO CONASS DEBATE, REALIZADO EM BRASÍLIA-DF, EM 13 DE MAIO DE
2014, COM O TEMA “A CRISE CONTEMPORÂNEA DOS MODELOS DE ATENÇÃO À SAÚDE”.

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 151


A experiência internacional oferece alguns exemplos relevantes para ilustrar a importância des-
se debate. Na Espanha, país que conta com um modelo no qual o setor público é o principal segura-
dor e prestador de serviços, a profunda crise econômica ocorrida a partir do ano de 2008 limitou o
crescimento dos orçamentos anuais para a saúde e fez que os governos subnacionais fossem obri-
gados a buscar mecanismos de aumento da eficiência para preservar a qualidade e a acessibilidade
dos serviços, em um contexto de demandas crescentes de uma população em contínuo processo de
envelhecimento.5 Nos Estados Unidos, os esforços de aumento de cobertura populacional por meio
do incremento da participação pública no financiamento da saúde deram-se em contexto de elevada
participação dos gastos em saúde sobre o total da atividade econômica, juntamente com resultados
populacionais inferiores a outros países de renda semelhante.6 Possivelmente, por não haver espaço
para ampliação do financiamento global para a saúde, as propostas para a reforma do sistema de
saúde estadunidense tiveram como um dos temas centrais a ideia da tripla meta de atenção, saúde
e custo.7 Essa “tripla meta” busca colocar em evidência a necessidade de conciliar melhorias na ex-
periência dos usuários dos serviços de saúde, com melhorias nas condições de saúde da população
atendida e reduções nos custos totais da atenção à saúde.
Sem entrar na importante discussão sobre os reconhecidos méritos de um sistema de saúde
público, universal e integral – discussão, aliás, que ocupa crescente participação na agenda interna-
cional –8, o presente artigo tem como objetivo apresentar alguns argumentos e um princípio de agen-
da para melhoria da organização e da eficiência dos serviços de saúde, como caminho para preparar
o SUS para enfrentar os desafios do século XXI. O texto apresenta três vetores inter-relacionados e
orientados para o imperativo de seguir investindo na organização dos serviços: (1) a tendência históri-
ca de crescimento da participação dos gastos em saúde; (2) o crescente peso das condições crônicas;
e (3) a agenda inconclusa na atenção primária no Brasil.

Primeiro vetor: a tendência histórica


Empiricamente, observa-se que o crescimento econômico está acompanhado da tendência ao
crescimento na proporção dos gastos de saúde sobre o total da economia e essa associação foi des-
crita como “a primeira lei da economia da saúde”.9,10 Essa associação é surpreendentemente robusta
ao longo dos anos, e uma regressão com dados de 187 no ano de 2011 países sugere que para cada
1% de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) per capita, os gastos totais em saúde crescem
em média 1,06% (ver Figura 1).11 Portanto, segundo a experiência internacional, as perspectivas de
desenvolvimento econômico serão acompanhadas de participação crescente do setor saúde sobre o
total da atividade econômica.

152
Figura 1 – Associação entre variação do PIB per capita e gastos totais em saúde,
em 187 países, 2011.

FONTE: DADOS DA REFERÊNCIA 11, REPLICANDO FIGURAS APRESENTADAS NAS REFERÊNCIAS 9 E 10.

Para o caso do Brasil, não se espera que ocorra algo diferente, e um dado mais específico é
apresentado em um estudo que analisa as tendências de evolução dos gastos em saúde, nos cená-
rios extremos de contenção e pressão de custos, nos países membros da Organização para Coopera-
ção e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e os chamados países BRIICS (Brasil, Rússia, Índia, Indo-
nésia, China e África do Sul) no período entre 2010 e 2060.12 Os autores estimam a participação dos
gastos de saúde e dos cuidados de longa duração em relação ao produto interno bruto de 40 países
para os próximos 50 anos, o que corresponde ao incremento do peso do setor saúde em relação ao
total da atividade econômica. O cenário de contenção de custos corresponde à ampliação de políticas
públicas voltadas ao controle do crescimento de gastos em saúde, enquanto o cenário de pressão nos
custos corresponde à continuidade do modelo atual. Em 2060, a participação dos gastos em saúde
para o grupo de países analisados deverá chegar a 8,9% do PIB no cenário de contenção de custos e
13,3% no cenário de pressão de custos (ver Figura 2). Para os BRIICS, a projeção estimada para 2060
para os cenários de contenção e pressão de custos é de 5,3 e 9,8 pontos percentuais, respectiva-
mente. Para o Brasil, os autores estimam que em 2060 a participação no PIB dos gastos públicos em
saúde deverá alcançar, considerados os cenários de contenção e pressão de custos, 7,7% e 11,9%,
respectivamente. Como mostra a figura, os valores projetados para o Brasil são equivalentes aos dos
países de alta renda.

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 153


Figura 2 – Projeção do percentual dos gastos públicos em saúde e cuidados de longa du-
ração em relação ao PIB, em 2060, nos cenários de contenção de custos (valor inferior) e
pressão de custos (valor superior), por país.

FONTE: REFERÊNCIA 11.

Diante de tais perspectivas, parece difícil crer que a ampliação de cobertura de serviços com
qualidade por meio da adoção de reformas centradas na ampliação do financiamento para os siste-
mas de saúde seja uma estratégia suficiente. Essas tendências de crescimento histórico constituem
um primeiro vetor orientado a reformas que busquem aumentar a eficiência técnica dos serviços
como instrumento central para alcançar a equidade e os resultados sanitários desejados.

Segundo vetor: o peso crescente das condições crônicas


Um segundo vetor que impulsiona a necessidade de maior atenção à eficiência é a transição de-
mográfica e epidemiológica. O peso crescente das condições crônicas é reconhecido como obstáculo
aos objetivos de desenvolvimento tais como redução da pobreza, equidade em saúde, estabilidade
econômica e segurança humana. Mundialmente, observa-se importante mudança na carga total de
doenças em direção à maior participação das doenças não transmissíveis e essa tendência é, conse-
cutivamente, ainda mais acentuada para a América Latina e o Caribe e para o Brasil.

154
A Tabela 1 mostra a participação das doenças crônicas não transmissíveis sobre a carga total
de doença nos anos de 1990 e 2010 no mundo, América Latina e Caribe, e Brasil.14 Utilizando-se a
medida de anos de vida perdidos por incapacidade (DALY, por sua sigla em inglês), a participação
desse grupo de doenças entre 1990 e 2010 elevou-se em 11, 13 e 18 pontos percentuais no mundo,
América Latina e Caribe e Brasil, respectivamente. O incremento foi ainda maior para a população
feminina brasileira, para a qual a participação de doenças crônicas elevou-se 20 pontos percentuais
entre 1990 e 2010, alcançando um total de quase 80%. Como esperado, a maior parte desse aumen-
to ocorreu por aumento da incapacidade causada por doenças crônicas. No entanto, mesmo que se-
jam considerados apenas os dados de anos de vida perdidos em razão de mortalidade prematura, as
doenças crônicas já são a principal causa tanto para homens (52% do total) e mulheres (76% do total).

Tabela 1 – Participação das doenças não transmissíveis sobre a carga total de doença, em
1990 e 2010, para o mundo, América Latina e Brasil.
Anos de vida perdidos ajustados por Anos de vida perdidos
incapacidade
Global América Brasil Global América Brasil
Latina Latina
1990 Total 42,9% 47,4% 51,1% 33,4% 37,0% 37,9%
Homens 41,1% 42,7% 46,2% 33,1% 34,3% 35,3%
Mulheres 45,0% 53,6% 57,9% 33,7% 41,1% 42,2%
2010 Total 53,9% 60,3% 68,8% 42,8% 49,7% 56,9%
Homens 51,7% 53,8% 62,0% 42,4% 44,7% 51,1%
Mulheres 56,6% 69,0% 77,8% 43,3% 58,0% 67,1%
FONTE: DADOS DA REFERÊNCIA 13.

Para os próximos anos, espera-se que o aumento na exposição a fatores de risco para doenças
crônicas, especialmente a obesidade, associados ao envelhecimento populacional, venha a agravar o
problema. A prevalência de obesidade entre meados da década de 1970 e o fim da década de 2010
passou de 2,8% a 12,5% entre homens adultos e de 7,8% a 16,9% entre mulheres adultas.15 Em perí-
odo semelhante, a participação da população idosa cresceu aceleradamente (ver Figura 3). Em 1970,
para cada 100 jovens com menos de 15 anos no Brasil havia 12,2 pessoas com mais de 60 anos,
correspondente a um índice de envelhecimento de 12,2; já em 2010, tal índice alcançava os 44,8.16

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 155


Figura 3 – Evolução do índice de envelhecimento (razão entre população com mais de 60
anos e com menos de 15 de idade) do Brasil, 1970-2010

FONTE: REFERÊNCIA 15.

Cumulativamente, o envelhecimento da população e o aumento da exposição a fatores de risco


deverão impulsionar a crescente incidência e a prevalência de doenças crônicas não transmissíveis.
O vetor de crescimento das doenças crônicas irá requerer maior esforço de prevenção e controle, di-
retamente relacionado à noção de eficiência técnica, por parte de um sistema que ainda possui forte
orientação aos serviços curativos hospitalares.

Terceiro vetor: a agenda inconclusa da atenção primária


O terceiro vetor, orientado para a necessidade de aumento da eficiência, é a agenda inconclusa
da Atenção Primária de Saúde (APS) no Brasil. Há muito tempo, a APS é reconhecida como a espinha
dorsal de um sistema de saúde racional.17 O que é ainda mais relevante para o estágio atual de de-
senvolvimento do SUS, a experiência nacional e internacional mostram que uma perspectiva de redes
integradas de serviços de saúde, com foco na APS, é o principal instrumento da gestão dos serviços
de saúde para enfrentar o desafio da cronicidade crescente, e um desafio essencial a ser enfrentado
para a concretização dos objetivos de um sistema universal e integrado.18,19,20,21,22
No entanto, apesar das importantes conquistas da atenção primária nas últimas duas déca-
das no Brasil, com destaque especial para a Estratégia Saúde da Família, e mais recentemente, da
introdução da perspectiva de redes na gestão dos serviços do SUS, ainda há importante agenda
inconclusa na APS no Brasil. Esta seção apresenta dados preliminares descritivos que ilustram esse

156
ponto, obtidos de uma pesquisa em andamento sobre atenção primária e desempenho dos sistemas
de saúde na América Latina e Caribe.23
Uma análise de aspectos considerados relevantes para avaliar a capacidade da atenção primá-
ria para enfrentar as demandas trazidas pela cronicidade foi realizada a partir da comparação de re-
sultados de inquéritos populacionais com outros 14 países, financiados, de forma independente, pelo
Commonwealth Fund, um instituto de pesquisa não governamental com sede nos Estados Unidos, em
11 países de alta renda, e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em quatro países
latino-americanos, incluindo o Brasil.
A pesquisa segue um roteiro elaborado pelo Commonwealth Fund e que vem sendo aplicado em
número crescente de países desde 1998.6,24,25,26,27 O inquérito mais recente foi realizado em 2013 e in-
clui Austrália, Canadá, Nova Zelândia, Reino Unido, Estados Unidos, Alemanha, Holanda, França, Norue-
ga, Suécia e Suíça. Os questionários, com duração aproximada 20 minutos, seguem um roteiro comum,
traduzido e adaptado cada país, e incluem os seguintes temas: características de percepção do sistema
de saúde; acesso aos serviços; experiência na atenção primária, especializada e hospitalar; cobertura
de seguros de saúde; utilização e gastos com medicamentos; e qualidade da atenção. Em cada país, a
amostra inclui um mínimo de mil participantes para representatividade nacional, podendo chegar a até
5 mil, no caso em que se requeira algum tipo de representatividade para o nível subnacional.
Os inquéritos na América Latina, seguindo a mesma metodologia do Commonwealth Fund, com
algumas adaptações, foram financiados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), resul-
tando na aplicação de questionários na Colômbia, no México, no Brasil e em El Salvador em 2013,
com tamanhos amostrais de 1.500 participantes por país. As amostras foram ponderadas para es-
timar as características da população desses países. A coleta de dados foi conduzida pela empresa
Harris Interactive, parte do grupo Nielsen e associados locais.
Algumas variáveis do estudo foram selecionadas neste texto, apenas para demonstrar aspectos
da agenda inconclusa na atenção primária, especialmente para lidar com o desafio da cronicidade. As
variáveis apresentadas nos gráficos desta seção são medidas dos seguintes aspectos:
A avaliação de que o problema de saúde poderia ter sido evitado pela APS, entre participantes
que utilizaram o pronto-socorro nos últimos dois anos;
B avaliação da APS como muito boa ou excelente, entre os pacientes que possuem um local
usual para atenção primária (um mesmo médico ou um mesmo local);
C recebimento de explicações fáceis de entender do profissional de saúde na APS, entre os
pacientes que possuem um local usual para atenção primária (um mesmo médico ou um
mesmo local);
D conhecimento da história clínica pelo médico ou pelo enfermeiro que o atendeu na APS,
entre os pacientes que possuem um local usual para atenção primária (um mesmo médico
ou um mesmo local);

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 157


E informação sobre o paciente foi enviada pela APS ao especialista antes da consulta espe-
cializada, entre os pacientes que utilizaram um especialista nos últimos dois anos; e
F informação sobre o paciente foi enviada pelo especialista à APS após a consulta especiali-
zada, entre os pacientes que utilizaram um especialista nos últimos dois anos.
Como mostram os dados do Gráfico 1, em quase todos os países pelo menos um quarto dos
pacientes que utilizaram o pronto-socorro nos últimos dois anos acredita que seu problema poderia
ter sido resolvido pela atenção primária. Esse resultado é uma medida bastante preliminar de inefici-
ência, particularmente para as condições crônicas, tais como hipertensão e diabetes, e mostra que
quase todos os sistemas de saúde estudados necessitam de investimento adicional para fortalecer
a APS.

Gráfico 1 – Porcentagem de pessoas que utilizaram o pronto-socorro nos últimos dois anos
e afirmam que o problema de saúde poderia ter sido resolvido pela atenção primária,
por país, 2013.

FONTE: COMMONWEALTH FUND (AUSTRÁLIA, CANADÁ, NOVA ZELÂNDIA, REINO UNIDO, ESTADOS UNIDOS, ALEMANHA, HOLAN-
DA, FRANÇA, NORUEGA, SUÉCIA E SUÍÇA) E BID (COLÔMBIA, EL SALVADOR, MÉXICO E BRASIL).

O Gráfico 2, por sua vez, mostra a avaliação dos serviços de atenção primária entre os que
possuem um lugar regular de atenção. Os dados mostram que no Brasil, apesar de seu modelo de
atenção primária com comprovados impactos para a redução da mortalidade infantil e redução de
hospitalizações por condições crônicas e que cobre mais de 50% da população,28,29 a avaliação da
APS pelos usuários não difere de outros países latino-americanos com menor tradição ou experiência
mais recente na atenção primária.

158
É marcada a diferença na avaliação da atenção primária entre o grupo de países de alta renda
e o grupo de países latino-americanos, em desfavor deste último e particularmente do Brasil. No en-
tanto, deve-se observar que a figura não apresenta informações a respeito da cobertura populacional
da atenção primária em cada país. Portanto, é possível especular que alta porcentagem de pacientes
que reportam que seu problema não poderia ter sido resolvido pela atenção primária em determinado
país pode significar que o acesso à atenção primária é tão baixo que o paciente nem sequer considera
a possibilidade de ter seu problema resolvido pela APS.

Gráfico 2 – Porcentagem de usuários da atenção primária que avaliam os serviços de


como excelentes ou bons, por país, 2013.

FONTE: COMMONWEALTH FUND (AUSTRÁLIA, CANADÁ, NOVA ZELÂNDIA, REINO UNIDO, ESTADOS UNIDOS, ALEMANHA, HOLAN-
DA, FRANÇA, NORUEGA, SUÉCIA E SUÍÇA) E BID (COLÔMBIA, EL SALVADOR, MÉXICO E BRASIL).

O Gráfico 3 também mostra a existência de gradiente entre os países latino-americanos e os


países de alta renda no que diz respeito ao entendimento das explicações fornecidas pelo médico
ou pelo enfermeiro na atenção básica, e mais uma vez o Brasil encontra-se em situação bastante
desfavorável. Ainda que uma das prováveis causas das dificuldades de entendimento das instruções
médicas pelos latino-americanos seja o menor nível educacional desses comparados aos cidadãos de
países de alta renda, fica claro que os profissionais da atenção primária devem adaptar suas estraté-
gias de comunicação com os pacientes.
O crescimento da participação de doenças crônicas na região latino-americana torna ainda
mais relevante a questão da comunicação entre o profissional de saúde e o paciente. O autocuidado
de condições como hipertensão, diabetes ou doença pulmonar obstrutiva crônica requer a compre-

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 159


ensão de instruções relativas à medicação, a comparação de resultados e valores de referência em
exames, as escolhas nutricionais e a tomada de decisões em relação à busca de auxílio médico.

Gráfico 3 – Porcentagem de usuários da atenção primária que consideram as explicações


recebidas pelo médico ou pelo enfermeiro como sendo de fácil entendimento,
por país, 2013.

FONTE: COMMONWEALTH FUND (AUSTRÁLIA, CANADÁ, NOVA ZELÂNDIA, REINO UNIDO, ESTADOS UNIDOS, ALEMANHA, HOLAN-
DA, FRANÇA, NORUEGA, SUÉCIA E SUÍÇA) E BID (COLÔMBIA, EL SALVADOR, MÉXICO E BRASIL).

O grau de conhecimento da história clínica do paciente pelo profissional de saúde é um elemen-


to fundamental para evitar duplicações de exames diagnósticos, permitir a continuidade da atenção,
facilitar a referência e a contrarreferência e aumentar a eficiência da atenção. A esse respeito, o Grá-
fico 4 mais uma vez demonstra a situação desfavorável dos países latino-americanos, especialmente
o Brasil. Apenas 27% dos usuários da APS no país reportam que seu médico ou enfermeiro conhecem
sua história clínica no local usual de atenção, número bastante inferior aos países de alta renda.

160
Gráfico 4 – Porcentagem de usuários da atenção primária que reportam que seu médico
ou enfermeiro conhece sua história clínica, em 15 países, 2013.

FONTE: COMMONWEALTH FUND (AUSTRÁLIA, CANADÁ, NOVA ZELÂNDIA, REINO UNIDO, ESTADOS UNIDOS, ALEMANHA, HOLAN-
DA, FRANÇA, NORUEGA, SUÉCIA E SUÍÇA) E BID (COLÔMBIA, EL SALVADOR, MÉXICO E BRASIL).

Os Gráficos 5 e 6, seguidamente, mostram uma medida da coordenação entre a atenção básica


e a atenção especializada, outro aspecto de fundamental importância para a eficiência da atenção
para cuidar de condições que requerem a participação de vários profissionais em distintos níveis de
atenção. Observa-se novamente uma diferença importante entre países de alta renda e os países
latino-americanos em desfavor desses últimos. No caso do Brasil, apenas 15% das pessoas reportam
que o especialista recebeu informação da APS previamente à consulta especializada (sentido da re-
ferência) e 14% reportam que o médico ou o enfermeiro da APS recebeu informação do especialista
após a realização da consulta especializada (sentido da contrarreferência). De forma análoga à his-
tória clínica, o fluxo limitado de informações reduz a eficiência dos serviços de saúde, especialmente
para lidar com condições crônicas.

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 161


Gráfico 5 – Porcentagem de pessoas que consultaram um especialista nos últimos dois
anos e reportaram o envio de informações da APS para a atenção especializada prévia à
consulta, por país, 2013.

FONTE: COMMONWEALTH FUND (AUSTRÁLIA, CANADÁ, NOVA ZELÂNDIA, REINO UNIDO, ESTADOS UNIDOS, ALEMANHA, HOLAN-
DA, FRANÇA, NORUEGA, SUÉCIA E SUÍÇA) E BID (COLÔMBIA, EL SALVADOR, MÉXICO E BRASIL).

Gráfico 6 – Porcentagem de pessoas que consultaram um especialista nos últimos dois


anos e reportaram o envio de informações da atenção especializada para a APS após a
consulta, por país, 2013.

FONTE: COMMONWEALTH FUND (AUSTRÁLIA, CANADÁ, NOVA ZELÂNDIA, REINO UNIDO, ESTADOS UNIDOS, ALEMANHA, HOLAN-
DA, FRANÇA, NORUEGA, SUÉCIA E SUÍÇA) E BID (COLÔMBIA, EL SALVADOR, MÉXICO E BRASIL).

162
A resultante dos três vetores: mais e melhor APS para os próximos 25 anos
Em conclusão, este texto propõe, de maneira bastante preliminar, que, se os custos continuarão
crescendo e se as crônicas terão peso cada vez maior na demanda dos serviços de saúde, fortalecer
a APS parece ser a direção lógica a seguir e tal agenda segue inconclusa no Brasil. Os dados sugerem
que há importante agenda a ser cumprida para melhorar a qualidade dos serviços, tornar a atenção
mais próxima do usuário e reforçar os mecanismos de coordenação entre os níveis de atenção. No
momento em que o SUS completa seus 25 anos, este texto propõe que, a fim de prepará-lo para en-
frentar os desafios do século XXI, além da adequação do nível de financiamento à magnitude da tarefa
a ser cumprida (uma necessidade conhecida), é imperativo manter fortalecida a agenda de melhoria
da organização e da eficiência dos serviços (uma necessidade aparentemente esquecida).
Interessantemente, a necessidade de melhorar a organização e a eficiência dos serviços no
Brasil não é exclusiva do setor público. Ao contrário, o fortalecimento da atenção primária segundo
princípios de primeiro ponto de contato, longitudinalidade, acessibilidade e integralidade provavel-
mente têm expressão muito mais forte na Estratégia Saúde da Família que na maior parte dos servi-
ços com financiamento privado da saúde suplementar. Os princípios da APS são alguns dos principais
pilares da eficiência na experiência internacional, seja para o National Health System britânico ou
para a Kaiser Permanente estadunidense. Portanto, o contínuo fortalecimento da atenção primária
deve ser um dos pontos centrais da experiência de melhoria da organização e da eficiência dos ser-
viços de saúde, com o objetivo de preparar o SUS, se não para os próximos 100, pelo menos para os
próximos 25 anos.

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A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 163


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A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 165


6
SÍNTESE DOS DEBATES

QUESTÃO 01: ATÉ QUE PONTO O CONCEITO DE PACIENTE ATIVADO JÁ NÃO ESTÁ NA ESTRATÉGIA DA
SAÚDE DA FAMÍLIA, PORTANTO ATÉ QUE PONTO A ESSA ESTRATÉGIA JÁ NÃO TRAZ ALGUM TIPO DE
RESPOSTA PARA ESSA CRISE?

Claunara: A estratégia de saúde da família é o modelo brasileiro de atenção primária, já pres-


supões todas as questões, um cuidado ao longo do tempo integral, etc. Nós aumentamos muito o
acesso da população, mas ainda temos um gap enorme na qualidade, porque não temos profissionais
com formação adequada. Portanto não se consegue fazer essa mudança que é empoderar o usuário
para o próprio cuidado, porque os profissionais também precisam aprender isso. Como fazer isso é o
grande desafio.
Facchini: O grande desafio é articular as novas tarefas da atenção primária a saúde no país,
inclusive as da saúde da família, com todo o conjunto de desafios de transição demográfica, epidemio-
lógica, nutricional, tecnológica que estão colocadas aí. A concepção da saúde da família e bastante
inovadora, reconhecida fora do Brasil, traz uma série de elementos fundamentais, como a idéia de
território, da equipe multiprofissional, da lógica de você ter uma pessoa da própria comunidade arti-
culando a comunicação com o serviço de saúde. Todas as análises que se tem feito mostram que a
saúde da família é sempre vantajosa em relação àqueles modelos de atenção primária, que são mais
centrados no médico geralmente, no médico com especialidade, que tem a visão fragmentada do indi-

166
víduo, que não leva em conta a lógica do cuidado a partir da família. No entanto, quando observamos
a diferenças, elas são pequenas, mas a saúde da família sempre é vantajosa em relação ao modelo
tradicional. O desafio é aprofundar as potencialidades dessa estratégia.
Guanais: Na concepção original da saúde da família o modelo comunitário está muito presente,
de envolvimento da comunidade, da ação da comunidade, uso de agentes comunitários, mas eu vejo
o conceito de ativação do paciente como uma concepção mais anglo-saxônica, um pouco mais indi-
vidualista. A pessoa assume a corresponsabilidade pelo cuidado com a sua saúde. Não são antagô-
nicos os dois elementos, eu vejo como um desenvolvimento mais recente da importância do usuário,
e não vejo isso na concepção original da família. Inclusive a produção científica sobre a ativação do
paciente é muito mais recente. A partir daí vem se medindo os efeitos e o comportamento de pessoas
com diferente nível de ativação do usuário. É uma das agendas promissoras para se agregar a saúde
da família.

QUESTÃO 02: VOCÊS CONHECEM EXEMPLOS QUE ESTEJAM USANDO FERRAMENTAS TECNOLÓGICAS
PARA AJUDAR OS PACIENTES NO PROCESSO DE ALERTA DE CUIDADO, OU MESMO O GESTOR COM
BANDEIRA DE ALERTA, ESPECIALMENTE NESSE GRUPO DE GESTÃO DE CASO, PARA FACILITAR O
CONTROLE E O ACOMPANHAMENTO DESSES CASOS? E SOBRE A ESCOLHA DE QUEM É COLOCADO
COMO GESTOR, QUE TAMBÉM É RESPONSÁVEL PELAS PEQUENAS CRISES DO MODELO?

Guanais: Eu vejo muita coisa na literatura, não acho que haja evidência forte ainda. Porém a
tecnologia é uma ferramenta promissora. No Peru eu conheço um estudo de utilização de sms para
utilização de consultas pré-natais; ele funciona, mas claro que mediado pelo acesso e pelo nível edu-
cacional, o efeito é muito mais forte quando o acesso é maior e o nível educacional do usuário é maior.
Outra experiência que eu vi foi no Haiti, foi com a operadora de celular que era capaz de detectar onde
o usuário do serviço de celular estava, isso até pré-GPS, a partir daí a operadora mandava mensagens
quando havia casos reportados de cólera. Isso foi um caso muito importante porque mapeava os
dados epidemiológicos no problema que eles tiveram com a cólera, e a presença do usuário naquele
lugar. O potencial é enorme para ativação do paciente, mas a evidência ainda é fraca.
Facchini: A força de trabalho é crítica para o sucesso de qualquer sistema de saúde, evidente-
mente que para implantação de novos modelos de atenção. Nesse caso, não só a força de trabalho,
mas também pensando na profissionalização da gestão, esse é um problema que a gente carrega
desde a origem do SUS. Quando se teve êxito na implantação do SUS, a partir da constituição de
1988, não se logrou estabelecer de fato uma profissionalização da força de trabalho em saúde, ou
para o SUS nos seus diferentes âmbitos. Fomos constituindo um grande contingente de pessoas,
hoje se fala em mais de 300 mil agentes comunitários de saúde, mas de maneira precária, de modo
variável em diferentes localidades. Ela é problemática em atenção primária, se tem vários proble-
mas no âmbito especializado, a gente não teve uma profissionalização da gestão. E uma questão

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 167


fundamental é a formação, se a gente pensa no papel das universidades, estamos em uma situação
crítica, porque estamos formando profissionais para o século XXI em boa medida com estruturas
da universidade do século XX e muitas vezes com concepções do século XIX, isso não vai dar certo,
essa combinação é explosiva. A idéia dos velhos professores, especialmente nas escolas de medici-
na, formando seus alunos dentro do recorte mais fragmentado, não do indivíduo, mas do órgão, da
ação fisiológica, da característica fisiopatológica, assim não vamos ajudar a formar médico geral, nem
bons internistas, nem médicos de família. Boa parte dos professores tem preconceito em relação a
essas medidas fortes, baseadas no cuidado geral, longitudinal, de acompanhamento, de articulação
multiprofissional, de valorização de outros profissionais no cuidado, de delegação, de iniciativas, e na
gestão, que evidentemente é o espaço da política, mas tem um forte âmbito da gestão que precisa de
profissionalização.
Rolim: Não vamos conseguir montar modelos de atenção sem boa gestão. Nós temos no Brasil
um mix de um modelo basicamente bismackiano, com foco privado, porque nós temos contribuição,
a maioria dos planos de saúde são corporativos, são empresas e trabalhadores que pagam com
subsídios de impostos, então na realidade acaba havendo um financiamento. Temos do outro lado
um sistema beweridgiano. Essa confusão também é difícil, precisamos discutir com mais tranqüili-
dade, e procurar caminhos. Na hora que o gestor vai gerir um sistema numa cidade que tenha, por
exemplo, 50% de cobertura de plano, não dá para discutir os indicadores, resultados sem discutir
a população como um todo, e sem discutir a cobertura que está sendo feita pelo setor privado. Se
pensarmos em gestão e em gestão por resultados, que esses gestores devem se comprometer com
a comunidade, temos que prensar em olhar os indicadores de forma diferente, porque você pode ter
resultados muito bons sendo perdidos por causa de um jeito de organizar do sistema, de se coletar
ou juntar esses dados.

QUESTÃO 03: POR QUAL PORTA PODERÍAMOS INTEGRAR A SISTEMA COMPLEMENTAR AO SUS, POR
ONDE VOCÊS VÊEM O APROVEITAMENTO DE TUDO QUE É PÚBLICO QUE É MUITO SÓLIDO PARA O PRI-
VADO SEGUIR NA MESMA LINHA NUMA COMPLEMENTARIDADE, MANTENDO O SISTEMA DE SAÚDE
BRASILEIRO NUMA UNICIDADE.

Guanais: Quando a Barbara Starfield criou a escala de medida de atenção primária, ela fez isso
pensando no acesso universal, em sistemas públicos, nos valores que ela acreditava. Os primeiros
que adotaram o PCAT foi o setor privado, porque se reduz com isso, utilizar a atenção primária e evitar
que se tenha que arcar custos com uma consulta especializada. Um paralelo se aplica no Brasil, o
setor público sai com o conceito de prevenção, equipes multidisciplinares, integralidade do cuidado,
claro que com grandes dificuldades para a implantação disso, e o setor privado dentro de um modelo
que está ignorando totalmente esses conceitos, pagando por produção, fazendo um incentivo ao sub-
diagnóstico, ao subtratamento, tec. O setor privado tem muitas coisas a aprender com o setor público,

168
e o inverso também é verdadeiro, o setor público tem muito que aprender sobre gestão como privado,
como adoção de medidas empresariais, de uma gestão especializada. Há uma falta de visão de onde
vamos chegar, a nova classe média que se mantém dentro do SUS e ajuda a financiá-lo está disposta
a pagar mais por isso, a financiar o SUS da forma adequada, ou o caminho da nova classe média é a
saúde suplementar, ou os modelos alternativos. Tenho visto dentro do SUS uma abertura maior, por
exemplo, um hospital de subúrbio, lá na Bahia, é uma entidade com fins lucrativos prestando serviço
para população do SUS com excelência. São alguns caminhos intermediários, mas não exatamente o
caminho da saúde suplementar.
Rolim: É muito mais fácil discutirmos a prestação de serviço e as PPP na prestação de serviços;
São Paulo está fazendo isso, há vários hospitais filantrópicos ou privados trabalhando com territórios
da cidade, com equipes de saúde da família, UPA, AMA e toda a rede, e o hospital num território, e ele
é entregue a instituição e ela gerencia aquela carteira de pessoas numa lógica de asseguramento pú-
blico para prestação de serviço privado. Nós precisamos discutir se vamos instalar mais mamógrafos,
tomógrafos, ressonância no setor público, se nós temos uma overdose já instalada no país, precisa
discutir instalação e compra de mais medicamentos. Exame é feito hoje em larga escala, quanto
maior o volume, melhor, menor o custo, maior a efetividade, se consegue juntar um volume grande de
uma base populacional. Temos que trabalhar de uma forma que esse sistema de prestação de serviço
tenha canais de comunicação para ganho de escala, quando se tem adensamento tecnológico, quan-
do não tem em áreas distantes de dispersão, não tem saída. As equipes da saúde da família fizeram
uma contribuição gigantesca para o Brasil inteiro, de ampliar acesso em áreas sem nenhum tipo de
assistência. Existiu uma capilarização da rede de atenção para toda a população, os dados mostram
isso com clareza. Nós termos dois sistemas que não se comunicam e tentam produzir resultados
positivos, não se tem condição de utilizar a base de dados que são impossíveis de compartilhar por
questões de isso é meu isso é seu. Essas questões tem que ser trabalhadas.

QUESTÃO 04: QUANTO O NÍVEL DE EDUCAÇÃO INFLUENCIA O DÉFICIT DA QUALIDADE DO AUTO CUI-
DADO E DA ATIVAÇÃO DO PACIENTE?

Guanais: Eu não conheço estudos que quantifiquem o peso da educação sobre o impacto da
ativação do paciente, estudos que eu vejo são de medidas de ativação e compara isso em relação
aos resultados, aos custos, a porcentagem de paciente que mantém condições crônicas sobre con-
trole, etc. A confiança das pessoas, se são capazes ou não de controlar sua condições crônicas. Isso
é variável e eu não sou capaz de dizer até que ponto esse número é menor em países da América
Latina comparado com os de alta renda por causa da educação. É importante pensar em que tipos
de medidas podem ser tomadas para compensar o déficit educacional, por exemplo, a presença de
voluntários que acompanham pacientes nas consultas médicas para tomar notas, e depois ajudar o
usuário. Temos que pensar em algum mecanismo como esse.

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 169


Claunara: Do auto cuidado apoiado não necessariamente toda a população com condição crôni-
ca vai se beneficiar, por isso separamos e estratificamos os riscos. Um paciente com muita complica-
ção das suas condições crônicas tem baixa capacidade de se cuidar, ele vai depender mesmo de al-
guém que interprete, de um cuidador, de um vizinho, etc. Talvez um plano de cuidado dessas pessoas
deva ter um gestor do caso, porque o auto cuidado apoiado é importante nos níveis intermediários de
risco, onde se tem risco clínico e uma média de capacidade e autonomia que se vai investir conheci-
mento que o profissional tem, trocando, passando essa informação. O profissional tem que aprender
a se comunicar, tem alguns tipos de comunicação na relação médico paciente, que funcionam melhor
para estímulo do auto cuidado. Depende de várias mudanças que são importantes, todo pessoal que
vem da saúde mental, da entrevista motivacional, que estão estudando como não reforçar no outro
a dificuldade de mudança, temos que aprender a nos comunicar para apoiar as pessoas à mudança.
Facchini: Ainda não temos evidências em relação a esse tema, mas vale destacar que esco-
laridade como uma categoria que é um marcador das condições sociais está fortemente associada
com a qualidade da atenção recebida, com a prontidão da busca pela atenção, pela capacidade de
compreender as mensagens mais diversas do ponto de vista daquilo que é relevante para a saúde da
pessoa. São elementos importantes, pensando no delineamento de esforços que possam fazer com
que haja mensagens adequadas e motivação dos pacientes com menor nível de escolaridade.

QUESTÃO O5: UM MODELO COM FOCO NA ATENÇÃO PRIMÁRIA PRESSUPÕE UM FLUXO ORGANIZA-
DO COM OS OUTROS NÍVEIS DE ATENÇÃO, NO BRASIL EXISTE ESSA ARTICULAÇÃO, O QUE FAZER
PARA QUE ELA SEJA MAIS ORGANIZADA E EFETIVA?

Claunara: De todos os atributos da atenção primária, a coordenação é o mais frágil, nós temos
experiências localizadas. Fazer com que a atenção primária coordene o cuidado e defina qual a ne-
cessidade dos outros pontos da rede é uma decisão de gestão, isso não está na responsabilidade dos
trabalhadores daquelas equipes. Na construção do SUS, nos preocupamos muito com as questões
dos valores de saúde como um direito e bem menos com modelo de atenção. A política nacional é
de 2006, antes disso era um programa, nós temos pouco tempo de discussão de modelo de atenção
dentro desse sistema. Portanto essa discussão é de todos os atores, da academia para formar as
pessoas e dos gestores também que vão assumir. A saúde da família de uma maneira geral responde
os problemas das pessoas de uma forma ainda do modelo agudo, o que é crônico ainda muito como
modelo da ação programática vertical. A nova ou a velha classe média está disposta a financiar o
SUS, a colocar mais recurso nisso? Depende, se ela tiver resposta nas suas necessidades, acho que
sim. Hoje os serviços de atenção primária não respondem as necessidades, as pessoas têm muitas
barreiras de acesso, mesmo tendo melhorado o acesso da população, quando se faz perguntas de
satisfação, as pessoas tem muitas barreiras de acesso. A organização dos serviços deveria guarda
85% da oferta para as questões assistenciais, 50% assistenciais imprevisíveis, 30% previsível, e não

170
é assim que é a resposta que damos nos serviços. Nós temos que dar a resposta do que as pessoas
precisam com nosso conhecimento, aquilo que é prevalente, não ofertar atenção especializada para
aquilo que não é necessário.

QUESTÃO 06: COMO A ATIVAÇÃO DO AGENTE PODE SER FEITA COM O NOSSO MODELO DE FEDERA-
LISMO, E ESSA TECNOCRACIA BRASILEIRA, E QUEM QUER EMPODERAR QUEM?

Rolim: Há uma questão cultural no conceito de ativação que é marcante. Não podemos a ques-
tão da tecnologia no Brasil (SIC), dá para se trabalhar a questão de uma juventude que vai crescer
com outro desenho, com outro jeito de se relacionar. Há mudanças que estão acontecendo que fazem
parte uma nova cultura tecnológica que estamos vivendo de mudanças de percepção. Isso gera pos-
sibilidades de empoderamento diferentes das pessoas, dos grupos sociais, especialmente vinculado
a questão de renda, que o acesso de bens de consumo está ligado à questão de renda. São muitas
variáveis nesse processo.

QUESTÃO 07: COMO EU SAIO DA DESCENTRALIZAÇÃO PARA UMA REGIONALIZAÇÃO E UMA VISÃO
MAIS SISTÊMICA DO SUS?1

QUESTÃO 08: NÃO SERIA IMPORTANTE ABRIR MAIS ESSE DIÁLOGO PARA A SOCIEDADE, PARA OS
FORMADORES DE OPINIÃO, PARA O JORNALISTA, PARA CRIAR UM CONTEXTO EM QUE A SOCIEDADE
ENTRE NISSO E ENTENDA O INTERESSE QUE TEM?1

1               (NOTA DO RELATOR: O DEBATE TERMINOU SEM QUE FOSSEM DADAS RESPOSTAS A ESTAS DUAS ÚLTIMAS PERGUNTAS).

A crise contemporânea dos modelos de atenção à saúde 171

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