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AONDE ISTO VAI PARAR?

Peça de Ulisses Sanches

PERSONAGENS
Anhangá (62 falas)
Pai (Senhor X) (29 falas)
Mãe (Senhora X) (24 falas)
Filha Y (25 falas)
Filho Z
Mau elemento (3 falas)
Mau caminho (3 falas)
Má Influência (3 falas)

CENÁRIO:
Uma cadeira no centro do palco onde está sentado um personagem na posição clássica de
Rodin. A cena está completamente escura, somente há uma luz sobre o personagem.

PRÓLOGO:

Anhangá (levanta –se da cadeira) - Eu sou Anhangá! Ou se preferir pode me chamar de


Cali ou de Mefistófeles, ou Amadeus, ou mesmo de Belzebu, ou seja, pode me chamar de
Demônio, de Satanás. Também sou conhecido como canhoto, o coisa ruim, o adversário, o
outro, o Mal, enfim!!!

Anhangá (exaltado) - Muitas coisas são atribuídas a mim, porém parece que os aprendizes
superaram o mestre! O homem tem sido a síntese da maldade. Hoje sou apenas o Bode.
Não o Bode como metáfora da maldade, e sim o bode expiatório.

Anhangá (gritando) – Todos atribuem a mim coisas que não fui eu quem fiz. Estamos na
era da propaganda, da mídia, da comunicação de massa. Todo o Mal é exposto em sessões
religiosas de todas as religiões da Terra como criações minhas. Fico lisonjeado. Desde uma
guerra, às coisas mais corriqueiras com o mais medíocres dos mortais. Quanta pretensão!!!
(irônico)

Anhangá – Retomarei então agora o meu verdadeiro caráter! O meu verdadeiro valor! A
minha verdadeira função! A minha vingança! Se até ontem era acusado sem ser o arquiteto
da Maldade, hoje serei a própria! Mesmo que não a inicie, serei eu quem vai aumentá-la,
potencializá-la, direcioná-la! Retomarei a minha atribuição de senhor da Maldade e das
Coisas Perversas e não serei mais um mero coadjuvante!!! Ação!!! (sai de cena)

ATO I

CENÁRIO:
Anhangá volta à cena e chama a família X ao palco.
A família X entra cada um carregando sua cadeira.
Após se sentarem cada um em sua cadeira, montam suas estátuas como se estivessem
comendo à mesa.

Pai – Maldito emprego! Tenho que levantar tão cedo para nada!

Mãe (exaltada) – Você ainda sai de casa! Eu tenho que ficar aqui enfurnada. Da pia para o
fogão, do fogão para o tanque, do tanque para tábua de passar.

Filho Z – Pai, preciso de dinheiro. Tenho uma conta a pagar.

Filha Y – Pois se ele receber, eu também quero!

Pai (furioso) – Ora calem-se! (todos à mesa se calam)

Anhangá (aparece dançando) – Eis o Sr. X digno representante de nossa sociedade


individualista. Esta é esposa do Sr. X, a Sr.a. X, sua companheira na alegria, na tristeza, na
saúde, na doença, e blá blá blá.

Anhangá – Esta é a Filha Y, cabeça oca que só ela mesma. Este é Z, o filho, o destemido Z
que pensa que tudo sabe, mas que realmente nada sabe! Aqui está a família X, uma família
como qualquer outra. Qualquer semelhança com a realidade não passa de mera
coincidência. (sai de cena)

Pai (sai do transe) – Ora calem-se! Seus sanguessugas! Suas baratas! Seus parasitas! Vão
trabalhar! (começa a chorar)

(Todos se viram para o pai no mesmo instante, atentos a maneira que este fala e age.)

Pai (chorando) – Não sei como contar. (enxuga as lágrimas)

Mãe (preocupada) – Por que está chorando? Comece a falar por que está chorando?

Pai (tentando se acalmar) – Estou tentando, mas não consigo. Todos os dias eu saio de
casa...

Mãe (inquieta) – Sim, Sim continue...

Pai (mais calmo) – Todos os dias eu saio de casa e não tenho para onde ir, fico vagando
pelas ruas…

Mãe (confusa) – Mas como? Você vai trabalhar, não vai?

Pai (exasperado) – É isto que não consigo falar. Estou desempregado há vários meses.
Este café da manhã saiu da última parte do que restou de meu acerto de contas com a
firma…

Mãe (entre o sorriso e choro) – Por que você não disse antes?
Filha Y (desesperada) – Não, pai! E meus amigos? E a minha escola?

Pai – Eu não sei o que fazer. Não queria que vocês passassem necessidades. Enganei a
todos porque não tive coragem de encará-los, de enfrentá-los, de confrontá-los com minha
situação.

Filho Z (de perplexo, passa a raivoso) – E a minha conta. Como poderei pagá –la . Você
tem que arrumar um emprego né pai?! (com mais raiva ainda) Você vai, num vai?! (levanta
o pai e o sacode) Diga-me. Vai, num vai?!

Pai (estourando) – BASTA! Parem com esta bagunça!


Chega! Cansei de ser burro de carga desta família! Se virem!

(Anhangá dança e toca na cabeça de cada personagem e ao toque entram em transe,


pegam cada um sua cadeira e saem de cena)

ATO II

CENÁRIO:
Anhangá está no centro do palco, fumando.

Filho Z (suando frio) – Chefe, não deu para trazer o dinheiro que lhe devo.

Anhangá (sarcástico) – Não me importa! Você precisa me pagar até amanhã!

Filho Z (muito preocupado) – Mas…mas…

Anhangá (mais irônico) – Chega de tanto mas! Cumpra seu compromisso comigo. Amanhã
traga aqui qualquer coisa para me pagar sua dívida. Senão…

Filho Z (treme) – Senão?…

Anhangá (furioso) – Senão?!!! (faz um sinal como se cortasse a cabeça e o filho sai
transtornado)

Mau caminho– (“abraça” calmamente mas ligeiramente Filho Y) – Olá meu bom senhor!
Procura algo?

Filha Y– (com desdém) Sim… mas o que eu procuro você não pode me dar, obrigado!

Má Influência– Certamente não, mas o nosso patrão pode te dar tudo o que precisar por
um baixíssimo preço…

Filha Y (em um tom de ironia) – Duvido muito que seu mestre me ofereça fama!

Mau caminho– Ele pode sim! E até mais do que isso por um preço quase inexistente…

Mau elemento– E ainda com desconto e sem juros!


Má Influência – Aliás você nem vai precisar de dinheiro! Tudo o que precisa é ir até ele e
estar disposta a fazer tudo o que ele pedir.

Filha Y (tom agressivo) – Pois duvido muito! O que me garante que o seu patrão é tudo isso
que vocês estão dizendo?

Mau elemento – Você só vai saber se for vê-lo… (estende a mão com um cartão contendo
o endereço do mestre)

(Filho Y pega com agressividade e olha mau caminho, mau elemento e má influência com
desdém e se vira de costas pra eles e lê o cartão enquanto mau caminho, mau elemento e
má influência comemoram silenciosamente por trás da Filha Y)

Entra o Filho Y em cena, olha para trás, foge de algo enquanto mau caminho, mau
elemento e, má influência saem de cena devagar e cautelosamente com malícia nos rostos)

Anhangá (finge fumar) – O que você quer?

Filha Y (alegre) – Passei no teste! Me disseram que você estava aqui.

Anhangá (secamente) – Continue falando…O que você quer?

Filha Y (eufórica) – Eu quero arrumar um trabalho como modelo! Depois daquele dia que
passei no teste disseram que iam me ligar, mas até agora nada…

Anhangá (segura num dos braços da menina) – Vê se você me entende. Você é menor,
não posso te arrumar trabalho. Você não vai poder viajar, largar a escola, se separar da
família, vai?! (fala isto com um sorriso irônico nos lábios)

Filha Y (ajoelha aos pés de Anhangá e chora) – Não me fale isto! Eu faço tudo o que você
quiser. Eu tenho que fazer algo para sair de casa!

Anhangá – Está bem. Você aceita qualquer emprego?

Filha Y (ansiosa) – Aceito! A coisa que mais quero é sair de casa! Não aguento mais meus
pais!

Anhangá (finge fumar) – Então me leve seus documentos. Vamos dar um jeito de você ficar
mais velha. Vamos arrumar uma autorização falsa de seus pais. Me traga até amanhã!

(a Filha Y sai de cena toda eufórica)

(Entra o pai todo preocupado, contando nos dedos da mão.)

Mau elemento – Olá camarada! Precisa de algo? Podemos te ajudar.

Pai (estressado e exaltado) – Olha só não tenho esmola não viu! E fique sabendo que esse
golpe é velho, ninguém mais cai nisso!
Má influência – Não é golpe meu senhor! Estamos apenas te oferecendo essa
oportunidade de ter uma renda extra e uma grana generosa sem ter nenhum gasto…

Pai (desconfiado mas cedendo aos poucos) – É claro que vocês tem…mas o todo mundo
quer algo em troca, o que vocês querem?

Mau caminho – Claro que querem, porém meu mestre tem algo promissor e o que ele quer
não vai te custar nada, você ainda vai perguntar “mas como você me garante isso?” (em
tom de deboche) Isso não posso te responder, você terá que ir até ele para saber e não
custa nada tentar, certo?

(Mau caminho entrega o cartão ao Pai e este pega devagar e vai a procura de Anhangá
enquanto mau elemento, mau caminho, e má influência batem um na mão do outro pelas
costas de Pai e saem sorrateiramente)

Pai (fala com dificuldade) – Preciso arrumar algum dinheiro. Me disseram que você poderia
me arranjar algo.

Anhangá – É claro. Em que posso ajudá-lo?

Pai – Bem…Eu precisava de uma quantia de dinheiro para montar uma empresa para
sustentar a mim e a minha família.

Anhangá (impaciente) – Está bem, Está bem, eu empresto. Mas por que não procurou os
bancos, instituições financeiras normais? Por que me procurou?

Pai – Eu não tenho mais crédito! Não tenho mais dinheiro! Não tenho mais vida!

Anhangá (sarcástico) – Está bem, Está bem... Mas lembre-se…agora sua vida me
pertence! Agora você é meu devedor eterno!

(o pai sai de cabeça baixa)

(Entra a mãe sorridente, muito contente, parecendo ter visto alguém muito querido.)

Mãe (insinuante) – Estou precisando de dinheiro, querido.

Anhangá (provocador) – Você somente vem me ver para pedir dinheiro! Vai pedir dinheiro a
seu marido. Afinal não é ele o titular? Sou apenas o reserva, o regra três.

Mãe (mais insinuante) – Você, só você é meu titular! Aquele inútil perdeu tudo o que
tínhamos. É um bagaço-humano. Uma planta que anda, fala, respira, mas não pensa!

Anhangá (mordaz) – Está muito bem. A partir de hoje então todas as vezes que eu quiser
falar com você, largue tudo que você estiver fazendo e venha me ver. Agora você é minha!
Entendeu?

Mãe (sucumbe e demonstra toda sua angústia) – Bem, está bem, está muito bem...
(sai consternada com tudo que tinha escutado)

Anhangá (sai da posição em que estava e vai até a platéia e faz a posição do homem
perfeito de Da Vinci) – O Poder. Eu tenho o Poder. Eu sou o Poder. Esta coisa maravilhosa
que todos os homens almejam, desejam, cobiçam. O poder atrai porque possibilita tudo que
o homem gosta. Comida em quantidade, luxúria em abundância e a decisão sobre a vida ou
a morte do mais reles dos mortais. Oh, Criatura mentirosa! Falsa! Hipócrita! Ainda se diz o
ser mais perfeito da criação! Acha-se Deus encarnado! Colocarei no seu devido lugar.
Voltará à lama da qual nunca deveria ter saído, afinal Eu sou o Poder!

ATO III

CENÁRIO:
(As quatro cadeiras estão no centro do palco, viradas umas pras outras e que forma o
desenho de uma cruz. A mãe está virada de cara para a parede direita, o pai no centro do
palco com a cara virada para o público, a Filha Y virada para a parede esquerda e o Filho Z
virado para o fundo do palco, todos de costas uns para os outros. Todos estão como
estátuas.)

Mãe (puxando o marido para a plateia) – O que você me diz conseguiu resolver o problema
de dinheiro? Não aguento mais! Minha beleza não aguenta essas modinhas, essas
rasteirinhas que não são pra mim. Mereço peças de grife!

Pai (falando olhando para o infinito, fugindo com os olhos) – Claro! Consegui o dinheiro!
Montei uma firma de empreitada, vou contratar a mão de obra e em pouco tempo com os
meus contatos e com a minha ambição, estaremos bem de vida novamente.

(A mãe volta para sua cadeira e senta olhando para o chão, tal qual Narciso da mitologia
grega)

Pai (faz seu monólogo virado para o público) – Mal sabe ela que estamos falidos de novo!
Afinal tenho que bancar todos os luxos dela e de meus filhos. Ela com suas roupas de grife
e suas saídas inesperadas todos os dias.

(o pai desce do palco e pega a sua cadeira e coloca-a no centro entre o palco e plateia e
começa a fingir que está conferindo os papéis, e destila todo seu ódio, e rancor).

Pai (enfurecido e preocupado) – Até quando esses vermes irão me sugar? Até quando,
serei obrigado a ir ao agiota vender a minha alma para satisfazer o desejo de status e
prazer de cada um dos vermes que crio? Até quando?

(o pai sobe com a cadeira na mão coloca-a no local de origem, ou seja, no centro do palco
onde estava sentado, depois disto vai até a Filha Y e a levanta como estivesse levantando
uma princesa e a menina sai da posição de estátua e vai ao centro do palco para o diálogo
entre ela e o pai.)

Filha Y – O que foi pai? Estou com muito sono. Ontem cheguei muito tarde! A agência não
para de me chamar para os mais variados trabalhos! Preciso ganhar muito dinheiro, meu
sonho é desfilar em Paris e minha agência garantiu que neste ano, se tudo der certo, eu
firmarei um contrato com um agência francesa e poderei desfilar em Paris.

Pai (revoltado) – Vejo você trabalhar que nem escrava, não te encontro mais em casa,
inclusive nos fins de semana! Não vi até agora qualquer contribuição sua com o orçamento
de casa. O que acontece?

Filha Y – Pai, não faça isso comigo! Estou tentando juntar dinheiro para poder me manter
em Paris, um lugar em que tudo é caro! Tenho que investir na minha carreira para que eu
seja contratada cada vez mais e com isto ganhe mais dinheiro. Então, paizinho
querido…não faça isso comigo!

(ao dizer estas últimas palavras, a Filha Y vai para o centro do palco para realizar seu
monólogo, enquanto isso o pai senta no seu lugar olhando diretamente para o público
fazendo a posição do grito de Edvard Munch)

Filha Y (aflita) – Mal sabe minha família o que eu fiz e o que fizeram comigo! Tudo que tive
que realizar. Não sabem que não fico com dinheiro algum, metade do que eu ganho com o
meu trabalho tenho que dar a ele. E depois não sobra quase nada de dinheiro!

(ao terminar o monólogo, a Filha Y volta segurando a cadeira e a coloca no lugar e vai
pegar o irmão pelo braço e o arranca agressivamente da cadeira dele e leva-o até o centro
do palco a fim de os dois realizarem diálogo deles).

Filha Y (vociferando) – E você? Levei uma bronca agora por não contribuir com as
despesas de casa. E você? No que você está trabalhando?

Filho Z (olhando no infinito, como não se notasse a irmã) – O quê? O que você está
falando?

Filha Y (nervosa) – O nosso pai me cobrou ajuda para pagar as despesas da casa. Eu não
posso ajudar, todo meu dinheiro está comprometido com minha carreira. E você? Qual é o
seu trabalho?

Filho Z (desligado) – Eu não trabalho. Faço vários “bicos”, mas nada regulamentado,
portanto não tenho como contribuir com a casa!

Filha Y (inconformada) – Nem pensar! Arrume um emprego e rápido!

(o filho Z vaio para o seu diálogo no centro do palco e a Filha Y volta para sua cadeira)

Filho Z (calmo e conformado) – De todos nesta casa só eu vivo com o Mal, suporto o Mal,
trabalho com o Mal, obedeço e conheço o Mal. Todos vocês que trabalham, consomem,
também são empregados do Mal, mas um torpor impede que vejam todo este papel de
tolos! Já eu não faço tudo o que pede, porque a minha vida está em suas mãos e nas suas
mãos que pego o elixir da minha falsa razão. Sem isto como viver? Sem isto como
sobreviver?
(o filho Z ao terminar vai até a cadeira de sua mãe e a pega pelas duas mãos e a levanta
como se fosse tirá-la pra dançar.)

Filho Z – Mãe, o que é isto do papai cobrar agora? Não tenho dinheiro nem pra mim e ele
quer que eu ajude com despesas de casa?

Mãe (confusa) – O que você está falando? Seu pai está pedindo dinheiro pra você? Justo
pra você que só gasta e não ganha nada!

Filho Z – Não, não…ele cobrou a minha irmã, mas ela alegou que não tinha dinheiro, então
eu serei cobrado com certeza.

Mãe – Mas pediu dinheiro, por quê? Afinal ele não havia conseguido dinheiro para construir
uma empresa? Ele vai ter que explicar tudinho para mim!

Filho Z – Mas ele está transtornado... muito transtornado…ele está muitíssimo


transtornado!

(o filho Z caminha para sua cadeira e se senta, olhando com olhar parado, quase como
Zumbi. A mãe fica no palco discutindo com o público)

Mãe (impondo-se) – Não dá pra confiar no inútil, ainda bem que tenho quem banque meus
desejos, meus prazeres, minha vida. Ainda bem que eu não dependo mais do inútil, da
barata que um dia já chamei de marido! Vou encontrá-lo só ele me completa! (sai)

ATO IV

CENÁRIO:
(Uma mesa no centro do palco. As personagens entram carregando cada qual sua cadeira
feitos zumbis.)

Pai – Eu tenho que arrumar mais dinheiro. A família precisa de mais dinheiro. A fábrica
precisa de mais dinheiro. Nós precisamos de mais dinheiro. Eu preciso de mais dinheiro!

Mãe (fala provocativamente) – Preciso ficar jeitosa. Vou ficar bonita.Vou ficar linda. Vou ficar
maravilhosa. (grita e se abraça, levanta-se completamente e sai de cena)

Filha Y (levanta-se e faz poses) – Eu sou famosa. Eu sou almejada. Eu sou adorada. Eu
sou a meta de qualquer um. (sai de cena fazendo pose de modelo)

Filho Z (levanta-se de súbito apoiando nas suas mãos cerradas) – Eu quero minha alegria.
Eu quero minha paz. Eu quero minha vida. Eu quero tudo que era meu de volta. (dá um
soco na mesa e se retira, pisando firme, saindo com muita raiva).

Pai (desolado) – Eu não tenho mais esposa. Eu não tenho mais filhos. Eu não tenho mais
minha Liberdade. Eu já não tenho mais nada…

(Anhangá entra dançando, dando passe nas costas do pai, gesticula e aponta para o pai)
Anhangá– Alguns são feitos de lama, outros são feitos de aço. Alguns são fracos, outros
são fortes. Alguns são vermes, outros são a própria essência divina. São o poder!

ATO V

CENÁRIO:
(Apenas uma poltrona no centro do palco virado para o público. Anhangá entra no palco
como Sua Majestade, o Rei e senta-se na poltrona.)

Anhangá (soberbo) – Entre o cliente!

Pai (preocupado) – Eu preciso de mais prazo! E preciso de mais dinheiro! (implora).

Anhangá (ri a plenos pulmões) – Eis aí um capacho! Um capacho falante. Um capacho


repugnante. Mas não um capacho pensante!

Pai (chora) – Senhor, por favor, senhor, me dê mais dinheiro. Por favor senhor, me dê mais
algum prazo!

Anhangá (se acabando de rir) – Você quer mais prazo? Te dou até amanhã! Você quer
mais dinheiro? Te dou a quantia necessária para você tomar a condução até a sua
residência hoje e depois retornar até aqui amanhã. Agora vá embora, seu verme! E apareça
amanhã com dinheiro ou algo que possa ser transformado em dinheiro. Senão…

Pai (apavorado) – Senão o quê? (desesperado)

Anhangá – Senão!.. (faz o sinal de cortar o pescoço) Caia fora seu verme! E somente volte
aqui com dinheiro!

(O pai sai de cabeça baixa, mostra toda sua passividade diante do fato como um homem
sem alma, sem desejo, sem vida.)

Anhangá (sorridente) – Que entre o próximo infeliz!

Filho Z (entra todo largado) – Não tenho mais como arranjar dinheiro. Já vendi tudo o que
era meu em casa. Roubei outras casas. Assaltei pessoas na rua. Pedi esmolas. O que mais
você quer que eu faça? Me fale? O que mais você quer que eu faça?

Anhangá (fala cavernosamente) – Você vai ter que matar!

Filho Z (amedrontado) – Matar? Mas quem? Eu nunca matei uma barata. Eu não sei matar!
Eu não quero matar! Eu não devo matar!

Anhangá (cruel) – Pois você vai aprender! É como andar de bicicleta, quando se aprende
jamais se esquece e quando se toma gosto pelo ofício aí não quer desaprender mesmo!
(entrega uma arma ao filho). Tome sua credencial para o ritual de amanhã!
Filho Z – Que ritual de passagem?! Eu não quero matar ninguém. Eu não sei matar
ninguém. Eu não vou matar ninguém.

Anhangá (vociferando) – Aqui se segue a lei da selva. Ou você mata, ou é morto. Não tem
meio termo! Agora volte aqui amanhã com a arma e faça sua escolha…ou mate, ou morra!
(grita raivosamente)

(O filho sai pelo lado contrário que entrou e olha para arma que segura de modo delicado
com as duas mãos.)

Anhangá (demonstra contentamento) – Que entre a próxima representante da escória!

Filha Y – Patrão, quando irei para Europa, desfilar em Paris? Não sobrou quase nada do
pouco que ganhei, o Senhor ficou com a maior parte. Fiz tudo o que o Senhor pediu. Tudo
porque o Senhor me falou que se eu fizesse o que mandasse, eu iria para a Europa desfilar
para grandes marcas! Então quando será?

Anhangá – Nunca! Você é o minha escrava! Nunca sairá de minhas barbas! Só irá para a
Europa quando eu morrer! Entendeu? Só quando eu morrer!

Filha Y (quase chorando) – Mas eu fiz tudo o que você pediu! Me vendi! Perdi o direito à
liberdade!

Anhangá (em pé, anda ao redor da Filha Y, irritado) – Ora não me venha com suas
reclamações! Você para mim não tem desejo, perdeu este quando assinou seu
compromisso comigo, querendo ser uma modelo renomada. Você para mim é uma boneca
sem vontade e que tem que fazer todas as minhas vontades! Você para mim não é nada, só
serve para satisfazer meus desejos!!! Entendeu garotinha?

Filha Y (coloca as mãos sobre os seus olhos e começa a chorar) – Mas eu fiz tudo o que
você pediu! Eu fiz tudo!

Anhangá – Você não fez nada, não fez nada mais que sua obrigação, nada mais do que
qualquer escrava. Porém amanhã fará muito mais! Quero que sacrifique um cordeiro!

Filha Y (confusa) – Sacrificar um cordeiro?

Anhangá – Você sacrificar um cordeiro em minha homenagem! Leve este punhal. Você
cortará a garganta do cordeiro. Vá minha boneca! Vá e volte amanhã para o sacrifício.

(Filha Y sai feito zumbi, carregando o punhal)

Anhangá (sarcástico) – Entre a próxima representante da ralé! Mais uma barata que
esmagarei.

Mãe (entra decidida, indo segura até Anhangá) – Preciso comprar outro vestido! Tenho que
estar linda ao seu lado! É um vestido lindo! É maravilhoso! É a própria essência da beleza,
da perfeição e do divino. É quase um manto sagrado!
Anhangá (horrorizado) – NÃO! Não quero uma Santa! ! Não quero uma Freira! Não quero
uma mulher estéril!!

Mãe (muito confusa e entristecida) – O que eu disse de errado? O que eu fiz de errado? O
que devo dizer? O que devo fazer? Para agradar você, como devo ser?

Anhangá (horrorizado) – Você deve se contentar com as migalhas lançadas pelo seu dono.
Você deve ser feliz com a lavagem oferecida pelo seu Senhor. Você deve se entusiasmar
com os trapos dados pelo seu chefe.

Mãe (indignada) – Querido continuo sem entender. Você não quer me ver linda? Fantástica?
Maravilhosa?

Anhangá (apóia-se com a mão direita e oferece a mão esquerda para ser beijada) - Beije a
mão de seu Suserano! Do seu Senhor Feudal! Barão! Conde! Ou até mesmo de seu Rei! E
você minha vassala, deverá se contentar a partir de hoje em ser aia de minha nova amante!

Mãe (muito insatisfeita) - O que devo fazer para não ser apenas uma empregada em sua
vida? Ser uma simples figura de decoração?

Anhangá (muito sarcástico, andando, gesticulando muito) -Nada! Minha Ovelha! Minha
prenda! Minha oferenda! Você deve aparecer aqui vestida de branco. (vai até a cadeira e
pega um vestido branco colocado sobre o assento). O branco vai representar toda sua
devoção a mim. Toda sua emoção. Todo seu amor. Só deste jeito saberei que você me ama,
se emociona e se devota por mim, e só assim poderei fazê-la eternamente linda,
eternamente maravilhosa! Vá e volte amanhã com este manto branco: Manto da Pureza,
Manto da Inocência! Manto do Sacrifício!

Mãe (vociferando) – Nenhuma menina tomará meu lugar. Sem luta não terá minha
aceitação. Não deixarei o meu homem nas mãos de uma qualquer. Ainda mais uma
franguinha! Não deixarei (Sai pisando firme)

ATO VI

CENÁRIO:
(Os personagens voltam ao palco e formam estátuas de suas emoções, todos entram com
suas respectivas cadeiras)

Pai (entra com a cadeira e a coloca no canto dianteiro-direito e conversa consigo mesmo e
com a cadeira, sentando e levantando toda hora) – Eu não tenho prazo. Eu não tenho mais
dinheiro. Se for até lá, morrerei, se não for serei caçado e morrerei também. Devo morrer
agora ou depois? (senta-se na cadeira e faz uma estátua de doente)

Filho Z (coloca sua cadeira no canto posterior-direito, e se posiciona atrás da cadeira,


move-se constantemente em torno desta, também está segurando a arma com as duas
mãos, fica olhando para esta, acariciando-a e toda hora a coloca e a tira do assento da
cadeira) – Devo matar! Serei sujeito! Quero o sabor da morte! Quero a visão da morte!
Quero o barulho da morte! Quero o toque da morte! Ela é a responsável pela vida! Pela
continuação das espécies. Pela evolução. Pela mudança. Portanto eu sou o senhor da
morte, ou a própria morte! (sai da cadeira e faz uma estátua de alguém atirando na plateia)

Filha Y (coloca sua cadeira no canto posterior-esquerdo e faz suas falas como se estivesse
catatônica, sentada na cadeira virada e de pernas entre os pés traseiros, com os braços
apoiados nos encosto) – Não, não sou escrava. Só queria ser conhecida, ser vista, ser
almejada, ser desejada. Mas não desejo sacrificar a um outro ser, quando matamos
morremos na morte do outro. Não quero me envenenar, não quero o sangue, tingindo
minhas mãos. Tenho que fazer mas não posso, não quero! Mas se não fizer o que
acontecerá comigo? (dá um pulo e sai da cadeira, faz uma estátua de alguém pedindo
esmola, usando da mesma posição inicial)

Mãe (por fim coloca sua cadeira no canto dianteiro-esquerdo, sobe nesta e começa a gritar
suas falas) – Nenhuma fedelha, tomará meu lugar! Estou disposta a tudo! Ninguém manda
em mim! Eu determino meu destino! Eu sou minha cultura. Sou minha meta. Sou meu
poder. Influenciando a todos! À minha família, às outras pessoas que nos rodeiam, à Nação!
Por Bem ou por Mal! Tudo que quero, consigo. Serei a vencedora! Serei cruel com meus
inimigos! Serei eu a caçadora, não a caça! (pula da cadeira e faz estátua de caçadora)

(Anhangá entra dançando como se descesse um santo sobre, dá passes em todas estátuas
que saem em transe da cena)

ATO VII

CENÁRIO:
(As personagens voltam ao palco com suas cadeiras e sentam nas seguintes posições: o
pai no canto dianteiro-direito sentado na cadeira virado para o centro do palco com o rosto
de medo e as mãos como se defendesse de algo, Filha Y no canto posterior de centro
sentada com as duas mãos fechadas apoiando o queixo como estivesse perdida nos seus
pensamentos, o Filho Z sentado na ponta do palco sentado como uma ostra com a cabeça
entre as pernas e as mãos grudadas cobrindo a cabeça e por fim a mãe em posição altiva
como se enfrentasse alguém com seu busto está me pé em cima da cadeira. Todas as
personagens estão congeladas em suas posições e só vão sair destas quando Anhangá
ordenar. Anhangá volta ao palco e vem para o canto dianteiro-esquerdo e vai circular por
todo o palco acompanhando a personagem quando esta estiver fora do transe para os quais
voltarão depois de terminarem seus monólogos.)

Anhangá (curioso) – Quero ver como age e como pensa cada um dos vírus que combato.
Venha Medusa e destile seu veneno neste palco.

(A medida que for falando, Anhangá estará do lado da personagem controlando-a como se
fosse um manipulador de bonecos)

Mãe (furiosa) – Não entendo este vestido simples e branco dado por ele a mim. Pedi-lhe
muito mais que isto, mas agora pra ele não sou nada, nada além da aia da outra. Isto não
ficará assim... (congela)
Anhangá (sorrindo) – E você não sabe que nem Aia será! Que a sua real utilidade será ser
o sacrifício a mim, para que eu domine definitivamente a sua família e que não reste nada
de bem nela!

(Anhangá mexe com ela, tirando a do transe)

Mãe (explodindo) – Não, não, não, nããããããããããoooooo! Quem ele pensa que sou? Uma
qualquer? Apenas mais uma em sua vida? Não, eu sou mais eu, sou a melhor de todas as
que já teve e não tolerarei em ser apenas e tão somente uma Aia de sua nova diva.

Anhangá (desafiador) – Você não é ninguém! Você é apenas e tão somente a carne do
meu churrasco! Contente-se com este destino que te pertence! Não reclame! Vista o teu
manto e aguarde!

(Anhangá manipula os cordões e a mãe veste a roupa destinada a ela e volta marchando
manipulada pelo Anhangá até o seu canto e congela na sua estátua inicial)

Anhangá (bravo) – Entre em cena, Anúbis! Fale porque apesar de ser muito velho, tão
velho quanto ELE e mais inteligente que o conjunto de todos vocês, não sou onipresente,
nem onipotente, muito menos onisciente como ELE, portanto fale! (Gritando)

Filho Z (se abre e sai da cadeira) – Não irei realizar os desejos dele. Basta tudo que já fiz
em seu nome! Tudo que me envergonho de ter feito. Agora entendo! Entendo! Nada
acalmará minha consciência!

( Filho Z congela com a mão direita na testa como se tivesse uma dor de cabeça profunda)

Anhangá (Trovejando) – Você irá matar sim em meu nome! (mexe os cordões e o filho se
move como se estivesse incomodado) Faça e não se fale mais nisto!

Filho Z (tentando arrancar os cordões imaginários que lhe prende) – Não, não vou, não
quero, não posso, não devo… (fica em posição fetal virado para o público, então Anhangá
começa a manipulá-lo)

Anhangá (Cheio de raiva) – Quem você pensa que é para querer algo? Você é um Nada!
Digo mais você é menos que um Nada, porque que um nada é uma possibilidade de ser e
nem isto você é. Então vai fazer o que eu mandei! E se não for na razão que seja no torpor,
mas faça!

(enquanto estiver falando vai manipulando o personagem até retorná-lo até a cadeira dele e
congelar-se na posição de ostra novamente)

Anhangá (entusiasmado) – Aproxime-se, garotinha! Aproxime-se, minha estrela em


ascenção! (a Filha Y sai da posição e vai na direção de Anhangá)

Filha Y (perdida em pensamentos, cada vez menos racional) – Não sei porque trouxe este
instrumento de transição entre dois mundos! (olha para o punhal) Não quero brincar com a
vida, não quero ser responsável pela morte!
Anhangá (move os cordões como se acariciasse a Filha Y) – Minha boneca não diga mais
isto. Você tem que passar por este teste, para merecer o seu destino! Me obedecendo terá
tudo que sempre quis: fama, dinheiro e prazer! Não pense! Não enlouqueça! Continue o que
sempre foi, meu fantoche!

(manipula-a e a Filha Y pula e salta com se fosse pegar flores imaginárias)

Filha Y – Vou ou não vou? Mato ou não mato? Quero matar ou tenho medo de morrer?
Dúvidas, dúvidas e mais dúvidas…

(Vai se agachando com as mãos na cabeça até ficar completamente abaixada com a
cabeça sobre os joelhos e as mãos segurando os cabelos)

Anhangá (delicado) – Boneca minha…Não tenha medo! Sei que que tomará a decisão
correta! A dúvida não leva a caminho algum, somente a certeza leva a Ordem e a Ordem
nos mantém no caminho certo. Aja na Vertigem! Pratique a Vertigem! Viva a VERTIGEM!
(Gritando)

(Anhangá depois de dizer isto, manipula a Filha Y que continua a pular e saltar com se
caçasse borboletas até que esta volte a sua cadeira e se congele na estátua original.)

Anhangá (Extremamente irado) - Que entre agora, Anfitrião! Quero te ver! Quero te escutar!
Aproxime-se!

(o pai sai sua cadeira e em poucos passos está perto de Anhangá)

Pai (andando com se estivesse encostado numa parede, olhando para os lados, pro fundo,
pra frente, pro alto, cada vez mais rápido) – Eu não vou a este encontro macabro... Eu não
vou ficar mais uma vez na presença Dele... Sinto arrepio de pensar nos seus olhos... Não
quero mais nada Dele... Pra que dinheiro? Pra que prazer ? Pra que luxo? Pra que poder?

(Anhangá começa a rodear o pai)

Anhangá (sarcástico) – Pra que dinheiro? Pra não ser tratado como um animal! Pra que
prazer? Pra pode apreciar a um bom vinho, um belo lugar, uma obra de arte, um excelente
prato de comida! Pra que luxo? Pra ostentar e com isto ser invejado por todos! Pra que
poder? Pra determinar quem vive ou quem morre! Quem trabalha ou vive no ócio!

Pai – Quem foi o maior, foi um carpinteiro... quem foi seu maior discípulo, foi aquele que o
renegou por três vezes... o seu maior divulgador, foi aquele que mais perseguiu a ele e aos
seus, portanto aquilo que aparentemente era poderoso, rico e luxuoso de nada serviu aos
propósitos da verdade, da luz e da vida!

Anhangá (vociferando) – Ninguém supera Anhangá! Ninguém tem mais poder do que eu!
Com o dinheiro tenho Luxo, riqueza e poder e com tudo isto tenho a você!!! Volte a tua
insignificância, sua lesma, sua bactéria, seu micróbio. Fique calado, seu vácuo!
EPÍLOGO

CENÁRIO:
(Anhangá volta ao palco e faz reverência para que as estátuas entrem em cena que voltam
à cena na seguinte ordem: primeiro a mãe, depois a Filha Y, em seguida o Filho Z e por
último o pai e se posicionam em cada canto, sendo que o pai é o primeiro no canto dianteiro
esquerdo e a mãe é última no canto posterior esquerdo, quando Anhangá começar a falar
as personagens saem do transe e das estátuas que se encontram)

Anhangá (em posição de homem-perfeito) – Bastam dois sentidos aos humanos. A audição
para me escutar e o tato para me fazerem aquilo que eu desejo. Entendeu seus vermes,
ratazanas, micróbios? Vocês me escutaram. Cada um a seu canto, cada um com seu
destino. Cumpram seu destino. Movam-se!

(repentinamente as estátuas começam a se mover com o pai grudado na parede,


demonstrando muito medo, com o filho Z se agachando e levantando e apontando a arma
ao público, a Filha Y corta o espaço com uma faca e a Mãe se move apontando o rifle para
cima, para baixo, para todos os lados, de maneira bastante viril.)

Anhangá– Movam-se seus moloides! Incompetentes! Servem apenas para serem meus
fantoches!

(Todos sem exceção não param, avançam para outras posições, ou seja continuam a fazer
seus gestos e percorrendo os cantos do palco.)

Anhangá (exaltando-se) – Me escutem! Eu controlo vocês! Vocês devem me obedecer!

(de repente todos se tornam estátuas.)

Anhangá (gritando e apontando para cada uma das personagens, grita exaltado para cada
uma delas) – Você me deve sua vida. Não conseguiu manter sua palavra. Não conseguiu
pagar quanto me devia. Não teve condição de criar seus filhos, sua esposa e manter sua
fábrica, seus status. Hoje é inútil. Parece um mendigo esfomeado (aponta para o pai).

Anhangá – E você será o matador se quiser dinheiro para manter seu vício. Você que
depende do Mal para tentar fingir estar bem. Você é a própria doença. (aponta para o Filho
Z).

Anhangá – Você deseja a Fama, para consegui-la deverá sacrificar. Só a morte justifica o
Poder, dando-lhe significado, intensificando-o. Sua sombra vai pairar sobre o altar do
sacrifício, você se transformará na síntese da Morte (vira para a Filha Y).

Anhangá – E por último você que nunca se sacrificou, nunca se despojou, nunca quis
enfrentar dificuldades. Para continuar viva deverá lutar, senão se tornará mais uma
oferenda nesta área de sacrifício. Vá à luta! Lute! Guerreie! Façam todos agora o que lhes
ordenei fazer! (aponta para mãe)
(As personagens saem de suas posições, do mesmo jeito que estavam se comportando,
fazendo gestos característicos e se arrastarem pelo palco até chegarem em suas posições
iniciais, então param.)

Anhangá (aos berros pega o pai e encosta o peito deste o cano do revólver do Filho no
canto dianteiro direito e pega a Filha Y encostando sua faca no pescoço da Mãe no canto
posterior esquerdo) –Pronto, está resolvido! Ajam! Apenas ajam seus medíocres!

Pai (faz a posição de coragem e enfrenta seu destino, passa a mão sobre os olhos como se
retirasse uma venda dos olhos) – Chega! Se tiver que morrer! Que eu morra!

Filho Z (faz o mesmo gesto de retirar a venda) – Pai, o que eu ia fazer?! (joga a sua arma
fora)

(Mãe e Filha Y retiram as vendas simultaneamente)

Mãe – O que é isto? Não pode ser!

(a Mãe se desarma e a Filha Y deixa cair a faca)

Anhangá (muito enfurecido) - Por que pararam? Vocês não queriam Dinheiro, Luxúria,
Fama, e Poder? Pois então vocês têm que fazer o que eu mandei!

Pai (demonstra coragem) – Eu não vou mais fazer o que você quer! Você tem minha
riqueza! Minha fábrica! Minha prosperidade! Mas nunca mais terá minha consciência. Minha
potencialidade. Minha vida. Nunca mais!

Filho Z (demonstra estar controlado, fala pausadamente) – Por mais que você peça. Não
mais o escutarei. Não dependo mais de você! Não preciso mais de você! Não desejo mais
você! Eu quero a partir de hoje sorrir, porque desejo. Sonhar o que preciso. Não há mais a
doença. Há apenas a Saúde.

Mãe (demonstra mansidão) – Mesmo que você grite, lute, e se vingue. Não farei o que me
obriga. Não sou mais rica! Não sou mais poderosa! Não sou mais onipotente! Mas estou
calma. Estou contente. E estou em paz. O sossego está presente nos meus melhores
momentos.

Filha Y (demonstra calma, serenidade) – Embora você respire a destruição, coma a


degradação, beba degeneração! Sei que ficarei para sempre desconhecida! Ficarei para
sempre escondida! Ficarei para sempre esquecida! Mas não me tornarei um instrumento de
seu capricho mortal. A vida me pertence!

Anhangá (fecha os pulsos e grita) – Vocês têm a coragem de me enfrentar? Seus piolhos!
Projetos de seres humanos! Portanto todos irão morrer!

(abre os braços e as mãos ao máximo e começa a se mexer com se estivessem em transe,


as luzes começam a piscar)
(Todas as personagens se voltam para Anhangá e começam a se mover em direção a este,
sem prestar atenção naquilo que Anhangá diz. Caminham até Anhangá que está no centro
do palco até sufocarem Anhangá.)

Anhangá (desesperado) – Não, vocês não são nada! Eu tenho o poder! Sou o contraponto
de Deus. Sou a antítese divina. Vocês não são nada. Não passam de poeira!

Pai, Mãe, Filho Z e Filha Y – Se você é a antítese, nós somos a presença. Se você é o
contraponto, nós somos a própria encarnação divina! Se você é a maldade, nós somos a
bondade!

(vão sufocando Anhangá cada vez mais)

Anhangá (vai se definhando, enquanto que as demais personagens vão se dando as mãos
e fechando mais o cerco) – Vocês não vão me vencer!!! Vocês não vão me vencer!!! Vocês
não vão me vencer!!!

(fecha-se em posição fetal e todas as personagens levantam os braços com as mãos juntas
e posteriormente abaixam a cabeça e os braços então as luzes se apagam)

FIM

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