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PERSONAGENS

Anhangá

Pai (Senhor X)

Mãe (Senhora X)

Filha (FILHO Y)

Filho (Z)

Mau elemento

Mau caminho

AONDE

ISTO VAI PARAR?

Peça de Ulisses Sanches

TURMAS E F –Quintas e Sextas das 13h50 às 14h50 – cinco alunas destes grupos

Cenário – Uma cadeira no centro do palco onde está sentada uma personagem na posição
clássica de Rodin. A cena está completamente escura, somente há uma luz sobre a
personagem.
PRÓLOGO

Anhangá (levanta –se da cadeira) - Eu sou Anhangá! Ou se preferir pode me chamar de Cali ou
de Mefistófeles, ou Amadeus, ou mesmo de Belzebu, ou seja, pode me chamar de Demônio, de
Satanás. Também sou conhecido como canhoto, o coisa ruim, o adversário, o outro, o Mal,
enfim!!!

Anhangá (exaltado) - Muitas coisas são atribuídas a mim, porém parece que os aprendizes
superaram o mestre! O homem tem sido a síntese da maldade. Hoje sou apenas o Bode. Não o
Bode como metáfora da maldade, e sim o bode-expiatório. (grita) – Todos atribuem a mim
coisas que não fui eu quem fiz. Estamos na era da propaganda, da mídia, da comunicação de
massa. Todo o Mal é exposto é exposto em sessões religiosas de todas as religiões da Terra
como criações minhas. Fico lisonjeado. Desde uma guerra, às coisa mais corriqueiras com o
mais medíocres dos mortais. Quanta

pretensão!!! (irônico)

Anhangá (melífluo) – Retomarei então agora o meu verdadeiro caráter! O meu verdadeiro
valor! A minha verdadeira função! A minha vingança! Se até ontem era acusado sem ser o
arquiteto da Maldade, hoje serei a própria! Mesmo que não a inicie, serei eu quem vai
aumenta –lá, potencializa –lá, direciona –lá! Retomarei a minha atribuição de senhor da
Maldade e das Coisas Perversas e não serei mais um mero coadjuvante!!! Ação!!! (sai de cena)

ATO I

Cenário – Anhangá volta a cena e chama a família X ao palco. A família X entra cada um
carregando sua cadeira. Após se sentarem cada um em sua cadeira, montam suas estátuas
como se estivessem comendo à mesa.

Pai (Amaldiçoa sua vida) – Maldito emprego! Tenho que levantar tão cedo para nada!
(enquanto mastiga um pão)
Mãe (exaltada) – Você ainda sai de casa...Eu tenho que ficar aqui enfurnada. Da pia para o
fogão, do fogão para o tanque, do tanque para tábua de passar. (fala sem olhar para os outros

componentes da mesa e mastiga seu pão enquanto fala)

Filho (escuta uma música em seu Walkman) – Pai, preciso de dinheiro. Tenho uma conta a
pagar.

FILHO Y – Pois se ele receber, eu também quero. Quero! Quero!

Quero!!!

Pai (furioso) – Ora calem –se! (todos à mesa se calam)

Anhangá (aparece dançando) – Eis o Sr. X digno representante de nossa sociedade


individualista. Esta é esposa do Sr. X, a Sr.ª. X, sua companheira na alegria, na tristeza, na
saúde, na doença, Bal., Bal., Bal., Bal. Este é FILHO Y o Filho Y, cabeça oca que só ele mesmo.
Este é Z, o filho, o destemido Z que pensa que tudo sabe, mas que realmente nada sabe! Aqui
está a família X, uma família como qualquer outra. Qualquer semelhança com a realidade não
passa de mera

coincidência. (sai de cena gritando) – AAAAAAAAAAhhhhhhhhhh!!!!!!!

Pai (sai do transe) – Ora calem -se! Seus sanguessugas! Suas baratas! Seus parasitas! Vão
trabalhar! Vão trabalhar!

(começa a chorar)

Todos se viram para o pai no mesmo instante, atentos a maneira que este fala e age.

Pai (chorando) – Não sei como contar. (enxuga as lágrimas)

Mãe (preocupada) – Por que está chorando? Comece a falar por que está chorando?

Pai (tentando se acalmar) – Estou tentando, mas não consigo.

Todos os dias eu saio de casa... (as crianças prestam atenção)

Mãe (inquieta) – Sim, Sim continue... (cada vez mais

nervosa)
Pai (puxa o ar como se fosse o último suspiro) – Todos os dias eu saio...

Mãe (inquieta) – Sim, Sim, você já disse isto, e daí? (os filhos com

os olhos vidrados no pai)

Pai (mais calmo) – Todos os dias eu saio de casa e não tenho para onde ir, fico vagando pelas
ruas .

Mãe (sem entender) – Mas como? Você vai trabalhar, não vai? Você vai até seu emprego, não
vai? (os filhos com os olhos vidrados no pai)

Pai (exasperado) – É isto que não consigo falar. Estou desempregado há vários meses. Este café
da manhã saiu da última parte do que restou de meu acerto de contas com a firma...

Mãe (entre o sorriso e choro) – Não, Não, por que você não disse antes?

Filho Y (desesperando) – Não, pai! E meus amigos? E a minha escola?

Pai (coloca a mão na cabeça, despenteia o cabelo, caça alguma conclusão) – Eu não sei o que
fazer. Não queria que vocês passassem necessidades. Enganei a todos porque não tive coragem
de encará–los, de enfrentá–los, de confrontá-los com minha situação.

Filho (de perplexo, passa a raivoso) – E a minha conta. Como poderei pagá –la . Tenho que
arrumar, não vai, pai?! (vira para o pai e segura na lapela deste, como se fosse o estrangular)
Você vai,, num vai?! (levanta o pai e sacode –o) Diga-me. Vai, num vai?!

Pai (estourando) – BAAASSSTAAA! Parem com esta bagunça!

Chega! Chega! Cansei de ser burro de carga desta família! Virem – se! (Anhangá dança e toca
na cabeça de cada personagem e ao toque entram em transe, pegam cada um sua cadeira e
saem de cena)

ATO II
Cenário – Anhangá está no centro do palco, fumando.

Filho (sua frio) – Chefe, não deu para trazer li o dinheiro que lhe devo.

Anhangá (sarcástico) – Não me importa! Amanhã você me paga!

Filho (muito preocupado) – Mas, mas, mas...

Anhangá (mais irônico) – Chega de tanto mas, cumpra seu compromisso comigo. Amanhã traga
aqui qualquer coisa para me pagar sua dívida. Senão?!

Filho (treme) – Senão?!

Anhangá (furioso) – Senão?!!! (faz um sinal como se cortasse a cabeça e o filho sai
transtornado)

Mau caminho– (“abraça” calmamente mas ligeiramente Filho Y)olá meu bom senhor procura
algo?

Filho Y– (desdém) sim mas o que procuro você não pode me dar obrigado.

Mau elemento– certamente não mas nosso amo irá lhe dar tudo o que precisar por um
baixíssimo preço.

Filho Y– (em um tom de ironia) dúvido muito que seu mestre me ofereça fama.

Mau caminho– ele pode sim e até mais por um preço quase inexistente.

Mau elemento– e ainda com desconto e sem juros aliás você nem vai precisar de dinheiro tudo
o que precisa é ir até ele disposto a fazer o que ele requerir.

Filho Y– (tom agressivo) pois duvido muito! O que me garante que o seu patrão é tudo isso que
vocês estão dizendo hein.
Mau caminho– (dissimulado) só vai saber se for vê-lo (estende a mão com um cartão contendo
o endereço do mestre)

(Filho Y pega com agressividade e olha mau caminho e mau elemento com desdém e com
traços de superioridade se vira de costas pra eles e lê o cartão enquanto mau caminho e mau
elemento comemoram silenciosamente por trás de Filho Y)

Entra o Filho Y em cena, olha para trás, foge de algo enquanto mau caminho e mau elemento
saem de cena devagar e cautelosamente com malícia nos rostos)

Anhangá (finge fumar) – O que você quer?

Filho Y (alegre) – Passei na teste. Me disseram que você estava aqui.

Anhangá (secamente) – Continuo falando. O que você quer?

Filho Y (eufórico) – Eu quero arrumar trabalho de modelo . Depois daquele dia que passei na
teste disseram que ia me ligar e até agora não me ligou.

Anhangá (segura num dos braços do menino) – Vê se você me entende. Você é menor, não
posso arrumar trabalho. Você não vai poder viajar, largar a escola, se separar da família, vai?!
(fala isto

com um sorriso irônico nos lábios)

Filho Y (ajoelha aos pés de Anhangá e chora) – Não me fale isto.

Eu faço tudo o que você quiser. Eu tenho que fazer algo para sair de casa.

Anhangá (muito suave, sussurra em seus ouvidos, segurando ainda no seu braço) – Está bem.
Você aceita qualquer emprego?

Filho Y (ansiosa) – Aceito. A coisa que mais quero é sair de casa. Não aguento mais meus pais.

Anhangá (finge fumar) – Então me leve seus documentos. Vamos dar um jeito de você ficar
mais velho. Vamos arrumar uma autorização falsa de seus pais. Leve-me amanhã! (a Filho Y sai
todo eufórico)
Entra o pai todo preocupado, contando nos dedos da mão.

Mau elemento–(faz a mesma coisa que mau caminho fez com Filho Y) olá camarada precisa de
algo podemos te ajudar.

Pai–(estressado e exaltado) olha só não tenho esmola não viu e fique sabendo que esse golpe e
velho ninguém mais cai nesse golpe!

Mau caminho–(chega sorrateiramente) não é golpe meu senhor estamos apenas te oferecendo
essa oportunidade de ter uma renda grana generosa sem ter nenhum gasto.

Pai–(desconfiado mas cedendo aos poucos) q claro que vocês tem mas o todo mundo quer
algo em troca o que vocês querem?

Mau elemento– claro que querem, porém meu mestre tem algo promissor e o que ele quer
não vai te custar nada, você ainda vai perguntar ‘mas como você me garante isso’(em tom de
deboche)e não posso você terá que ir para saber e não custa nada tentar certo?

(Mau elemento entrega o cartão ao Pai e este pega devagar e vai a procura de Anhangá
enquanto Mau elemento e Mau caminho batem um na mão do outro pelas costas de Pai e
saem sorrateiramente)

Pai (fala com dificuldade) – Preciso arrumar algum dinheiro.

Disseram –me que você poderia. Pode?

Anhangá (lava imaginariamente suas mãos com um ar de ganancioso) - É claro. Em que posso
ajudá –lo?

Pai (resignado) – Bem...Bem...Eu precisava de uma quantia de dinheiro para montar uma
empresa para sustentar a mim e a minha família.

Anhangá (impaciente) – Está bem, Está bem, eu empresto. Mas por que não procurou os
bancos, instituições financeiras normais? Por que me procurou?
Pai (mais resignado) – Eu não tenho mais crédito. Não tenho mais dinheiro. Não tenho mais
vida.

Anhangá (sarcástico) – Está bem, Está bem. Mas se lembre, agora sua vida me pertence. Agora
você é meu devedor eterno. (o pai sai de cabeça baixa)

Entra a mãe sorridente, muito contente, parecendo ter visto alguém muito querido.

Mãe (insinuante) – Estou precisando de dinheiro, querido.

Anhangá (provocador) – Você somente vem me ver para pedir dinheiro. Vai pedir dinheiro a
seu marido. Afinal não é ele o titular.

Sou apenas o reserva, o regra três.

Mãe (mais insinuante) – Você, só você é meu titular. Aquele inútil perdeu tudo o que tínhamos.
É um bagaço-humano. Uma planta que anda, fala, respira, mas não pensa.

Anhangá (mordaz) – Está muito bem. A partir de hoje então todas às vezes que eu quiser falar
com você, largue tudo que você estiver fazendo e venha me ver. Agora você é minha! Eu sou a
matriz! Seu chefe! Sou o seu mantenedor! O outro é apenas o outro, entendeu?

Mãe (sucumbe e demonstra toda sua angústia) – Bem, está bem, está muito bem... (sai
consternada com tudo que tinha escutado)

Anhangá (sai da posição em que estava e vai até a platéia e faz a posição do homem perfeito de
Da Vinci) – O Poder. Eu tenho o Poder. Eu estou com o Poder. Eu sou o Poder. Esta coisa
maravilhosa que todos os homens almejam, desejam, cobiçam. O poder atrai porque
possibilita tudo que o homem gosta, e todavia faz cara de desdém. Comida em quantidade,
luxuria em abundância e de todas as maneiras possíveis e a decisão sobre a vida ou a morte do
mais reles dos mortais. Oh, Criatura mentirosa! Falsa! Hipócrita! Ainda se diz o ser mais
perfeito da criação! Acha-se Deus encarnado! Colocarei no seu devido lugar. Voltará à lama da
qual nunca deveria ter saído, afinal Eu sou o Poder!

ATO III

Cenário – As quatro cadeiras estão no centro do palco, viradas umas pras outras e que forma o
desenho duma cruz. A mãe está virada de cara para a parede direita, o pai no centro do palco
com a cara virada para o público, a Filho Y virada para a parede esquerda e o filho virado para o
fundo do palco, quer dizer todos de costas uns para os outro. Todos estão como estátuas.

Cada dois conversará entre si em formato de diálogo, mas alguns deles e enquanto estão
conversando, os interlocutores saem da posição central e vai ou para palco dianteiro esquerdo
ou palco dianteiro direito para fazerem seus monólogos que contradizem suas conversações.

Mãe (puxando o marido para a plateia) – O que você me diz conseguiu resolver o problema de
dinheiro? Não aguento mais! Minha beleza não aguenta estas modinhas, estas rasteirinhas que
não são pra mim. Mereço roupas de alta costura e sapatos, bolsas e carteiras de marca, de
profissional de assina a grife do produto.

Pai (falando olhando para o infinito, fugindo com os olhos) – Claro! Consegui o dinheiro!
Montei uma firma de empreitada, vou contratar a mão de obra e em pouco tempo com os
meus contatos e com a minha ambição, estaremos bem de vida novamente. (A mãe volta para
sua cadeira e senta apesar da cadeira virada par a parede, ela não, faz uma estátua como se
estivesse admirando,

olhando para o chão, tal qual Narciso da mitologia grega) *1

Pai (vai até o palco dianteiro-esquerdo e faz seu monólogo virado para o público) – Mal sabe
ela que estamos falidos de novo! Afinal tenho que bancar todos os luxos dela e de meus filhos.
Ela com suas roupas de grife e suas saídas inesperadas todos os dias. (o pai desce do palco e
pega a sua cadeira e coloca-a no centro entre o palco e plateia e começa a fingir que está
conferindo os papeis, e destila todo seu ódio, rancor e pequenez).

Pai (enfurecido, ensandecido ainda sentado e depois se levantando, andando de lado a outro e
sentando novamente, demonstrando estar muito preocupado ) – Até quando, estes vermes
irão me sugar! Até quando, serei obrigado a ir a o agiota vender a minha alma, não para
construir meu empreendimento ou o sustento desta casa, mas para comprar objetos
desnecessários e para satisfazer o desejo de status e prazer de cada um dos vermes que crio!
Até quando? (o pai sobe com a cadeira na mão coloca-a no local de origem ou seja no centro
do palco em estava sentado, depois disto vai até a Filho Y e levanta-a como estivesse
levantando uma princesa e a menina sai da posição

de estátua e vai ao proscênio para o diálogo entre ela e o pai.)

Filho Y (como estivesse levando de um sono revigorador) – O que foi pai? Estou com muito
sono. Ontem cheguei muito tarde! A chefia não para de me chamar pra os mais variados
trabalhos, nos mais variados lugares com os períodos de horário cada vez mais longo. Preciso
ganhar muito dinheiro, meu sonho é jogar em Paris e meu patrão garantiu que neste ano, se
tudo der certo, eu firmarei um contrato com um agência francês e poderei jogar em Paris.
Pai (revoltado) – Vejo você trabalhar que nem escravo, não te encontro mais em casa, inclusive
nos fins de semana, pra quê? Não vi até agora qualquer contribuição sua com o orçamento de
casa. O que acontece?

Filho Y (dissimulado) – Pai, não faça isto comigo! Estou tentando ajuntar dinheiro para poder
me manter em Paris, um lugar em que tudo é caro, pelo menos por um ano, a fim de que eu
possa investir na minha carreira. Tenho que comprar esteroides para que eu seja contratado
cada vez mais e com isto ganhe mais dinheiro. Então, paizinho querido (como se comprasse a
consciência do pai) não faça isto comigo! (ao dizer estas últimas palavras, a Filho Y vai para o
palco dianteiro-direito para realizar seu monólogo, enquanto a Filho Y caminha para o seu
monólogo o pai senta no seu lugar olhando diretamente para o público fazendo a posição do
grito de Edvard Munch ) *2

Filho Y (aflito)- Mal sabe minha família o que eu fiz e o que fizeram comigo! Tudo que tive que
realizar. Não sabem que não fico com dinheiro algum, metade do que eu ganho com meu
TRABALHO (revoltado) tenho que dar a ele. Ele não me disse isto e tudo que eu iria enfrentar, e
enfrentar logo no primeiro dia de TRABALHO (revoltado), e depois o que sobra de dinheiro
tenho que comprar esteroides para continuar trabalhando, não sobra nem pra um cafezinho.
(O Filho Y desce com sua cadeira e a coloca no meio entre o palco e a plateia, virada para o
lado esquerdo do palco)

Filho Y (desesperado, cobrindo o rosto como se estivesse chorando e levanta de sopetão) –


Não, não, mil vezes não! Não foi pra isto que vim aqui! Meu chefe disse que eu iria a uma festa
com o empresário, no caso você! Mas não me disse que era uma festa particular somente com
nós dois Eu quero ser jogador! Não vim aqui pra isto... (chorando, gritando e se protegendo
com as mãos como se tentassem segurá-la com gestos cada vez mais agressivos de defesa) Não
vim aqui pra isto... Não vim aqui pra isto... Não vim aqui pra isto... Não vim aqui pra isto... (ele
vai andando pra trás se defendendo e ao encostar na cadeira deixa o corpo cair e abre os
braços e as pernas como se entregasse. Ao terminar o monólogo, a Filho Y volta segurando a
cadeira par o palco, cabisbaixo, andando muito devagar como sentisse um peso incrível na
cadeira e mastigasse os passos e ao chegar, ao subir coloca sua cadeira no lugar e vai pegar o
irmão pelo braço e o arranca agressivamente da cadeira dele e leva-o até o proscênio a fim de
os dois realizarem diálogo deles).

Filho Y (vociferando) – E você? Levei uma bronca agora por não contribuir com as despesas de
casa. E você? E você? No que você está trabalhando?

Filho (olhando no infinito, como não se notasse a irmã) – O quê? O que você está falando? Ai,
minha cabeça! Você fica gritando aí, todo histérico! Vamos pergunta de novo?
Filho Y (nervoso, falando entre os dentes de tão nervoso) – O nosso pai me cobrou a ajuda para
pagar as despesas da casa. Eu não posso ajudar, todo meu dinheiro está comprometido com
minha carreira. E você? Pergunto novamente, e você? Qual é o seu trabalho? Se você ganha
algum dinheiro, por que não contribui com a casa. Até vejo você com dinheiro, mas as suas
roupas estão imprestáveis. No que você trabalha mesmo?

Filho (desligado) – Eu não trabalho. Faço vários “bicos”, mas nada regulamentado, portanto
não tenho como contribuir com a casa e nem posso comprar nada pra mim. Já você, maninho,
compra tantos anabolizantes pra si que poderia comprar uns “panos” novos pra mim?

Filho Y (inconformada) – Nem pensar! Arrume um emprego e consiga tudo que deseja! Se
pudesse ajudaria a casa, se não posso ajudar a casa, vou ajudar você um ser tão imprestável. (o
filho sai o seu diálogo no palco dianteiro direito e a Filho Y volta para sua cadeira e faz uma
estátua de revolta)*3

Filho (calmo e conformado) – De todos nesta casa só eu vivo com o Mal, suporto o Mal,
trabalho com o Mal, obedeço e conheço o Mal. Todos vocês que trabalham, consomem,
subsistem, também são empregados do Mal, mas um torpor impedem que vejam todo este
papel de TOLOS, já eu não faço tudo o que pede, porque a minha vida está em suas mãos e nas
suas mãos que pego o elixir da minha falsa razão. Sem isto como viver? Sem isto como
sobreviver? (O filho, então desce com a cadeira e a coloca no meio entre o

palco e plateia virada para trás e fica atrás dela como se escondesse)

Filho (num salto sai de trás) – Perdeu , Playboy! Passando tudo que tem! Dinheiro, celular,
relógio tudo na minha mão! Rápido, rápido, não demore senão te dou uns” tecos” aqui
mesmo, Playboy playboy, rápido! Agora pode ir embora, bundão e não olhe pra trás senão será
a última coisa que irá fazer. (numa mão segura o revólver imaginário e balança-o como se com
o cano deste coçasse –lhe a cabeça e na outra mão segura o produto de seus roubos e ao
mesmo tempo olha pro lado esquerdo perdido como se visse o assaltado fugindo). Corra,
bundão! Fique quieto, bundão! Deu muita sorte hoje, bundão!

Filho (sentasse no chão na frente da cadeira, virado para o público e joga a arma e o produto
do roubo no chão na sua frente) – Vamos ver! Vamos ver! Vamos ver! (angustiado, falando
muito rápido e mesmo tempo desconexo com o que está acontecendo). O chefe deve gostar do
produto deste roubo, vai ter me bancar nas paradas por um bom tempo. Quero fantasia!
Quero sonho! Quero uma vida sem muros! Sem prisões! Sem regras! Sem doutrinação! Sem
compromisso! Pra isto preciso delas! Por isto preciso dele! Preciso cada vez mais! Vivo cada vez
menos sem elas! Vivo cada vez mais na dependência dele! Não sei porque ainda faço isto,
afinal não passo de um micróbio para ele, de um pano sujo sem serventia? Não sei porque
aguento isto ainda? Vamos ver! Vamos ver! Vamos ver! (angustiado, falando muito rápido e
mesmo tempo desconexo com o que está acontecendo). Está aqui mil
reais, um iphone 11 e um smart watch tudo vale muito dinheiro, tudo vale muita porção de
meu elixir , não vou deixar por menos... não vou deixar por menos... não vou deixar por
menos... não vou deixar por menos... não vou deixar por menos... (o filho ao terminar pega a
cadeira e a carrega nas costas como fosse um retirante carregando um saco de roupas e a leva
até o seu lugar e em seguida vai até a cadeira da e a pega pelas duas mãos e a levanta como se
fosse tirá-la pra dançar.)

Filho (entorpecido) – Mãe, mãe o que é isto do papai cobrar agora? Não tenho dinheiro nem
pra mim e ele quer que eu ajude com despesas de casa? Mãe, mãe fala com ele. Não dá pra
ajudar.

Você vai conversar com ele vai, não vai?

Mãe (como se não entendesse que está acontecendo) – O que você está falando? Seu pai está
pedindo dinheiro pra você? Justo pra você que só gasta e não ganha nada.

Filho (contrariado) – Não, não, ele cobrou o meu irmão, mas ela alegou que não tinha dinheiro,
então eu serei cobrado com certeza.

Mãe (conjecturando) – Mas pediu dinheiro, por quê? Afinal ele não havia conseguido dinheiro
pra construir a sua empresa? Ele vai ter que explicar tudinho... explicar
tudinho...tudinho...tudinho...

Filho (mais entorpecido) – Mas ele está transtornado... Mas ele está muito transtornado... Mas
ele está muitíssimo transtornado...mas ele...mas...(o filho caminha para sua cadeira e deita
virado pra público, olhando com olhar parado, quase como Zumbi. A mãe fica no proscênio
discutindo com o público)*4

Mãe (impondo-se) – Não dá pra confiar no inútil, ainda bem que tenho quem banque meus
desejos, meus prazeres, minha vida. Inda bem que eu não dependo mais do inútil, da barata
que um dia já chamei de marido. Inda bem que esta casa já não é minha. Inda bem que esta
família já não me pertence (veste a cadeira como uma se fosse uma bolsa). Vou encontrá-lo só
ele me completa! (sai), então o marido se levanta e coloca a cadeira na frente do rosto e fica
colocando-a e tirando-a como se estivesse escolhendo (sai), a Filho Y é próxima e sai rodando a
cadeira como se fosse um pião e por último o filho que arrasta a cadeira até sair de cena como
se estivesse puxando um saco pesado.

ATO IV

Cenário – Uma mesa no centro do palco. As personagens entram carregando cada qual sua
cadeira feitos zumbis.
Pai (come e fala mecanicamente depois de acordar de seu sono profundo) – Eu tenho que
arrumar mais dinheiro. A família precisa de mais dinheiro. A fábrica precisa de mais dinheiro.
Nós precisamos de mais dinheiro. Eu preciso de mais dinheiro.

Mãe (sentada ao lado direito do pai, fala provocativamente) – Preciso ficar jeitosa. (arruma a
roupa) Vou ficar bonita. (levanta-se devagar) Vou ficar linda. (abre os braços, louva alguém)
Vou ficar maravilhosa. (grita e se abraça, levanta-se completamente e sai de cena)

Filho Y ( levanta-se e faz poses de manequim e mulher fatal) – Eu sou famoso. Eu sou almejado.
Eu sou adorado. Eu sou a meta de qualquer um. (sai de cena fazendo poze de jogador)

Filho (sentando no canto esquerdo da mesa, enquanto os outros falam come mecanicamente,
não presta atenção a ninguém, na sua vez, levanta-se de súbito apoiando nas suas mãos
cerradas) – Eu quero minha alegria. (exaltado, gesticula enquanto anda) Eu quero minha paz.
(anda e fala). Eu quero minha vida. (mais exaltado anda até o final do palco e volta). Eu quero
tudo que era meu de volta. (dá um soco na mesa e se retira, pisando firme, saindo com muita
raiva).

Pai (desolado) – Eu não tenho mais esposa. Eu não tenho mais filhos. Eu não tenho mais minha
Liberdade. Eu já não tenho mais nada (a cada frase o pai se fecha até demonstrar o seu
desconsolo).

Anhangá (entra dançando, dando passe nas costas do pai, gesticula e aponta para o pai) –
Alguns são feitos de lama, outros são feitos de aço. Alguns são fracos, outros são fortes. Alguns
são vermes, outros são a própria essência divina. São o poder. São o poder!!!

ATO V

Cenário – Apenas uma poltrona no centro do palco virado para o público e uma passadeira
vermelha. Anhangá entra no palco como Sua Majestade, o Rei e senta-se na poltrona.

Anhangá – (soberbo) – Entre o cliente!

Pai (arrasta-se ajoelhado até chegar próximo a Anhangá) – Eu preciso de mais prazo. E preciso
de mais dinheiro (suplica).
Anhangá – (ri a plenos pulmões) – Eis aí um capacho! Um capacho falante. Um capacho
repugnante. Mas não um capacho pensante

Pai (chora) – Senhor, por favor, senhor, arrume-me mais dinheiro.

Por favor senhor, dê-me algum prazo.

Anhangá – (esfalfa-se de rir) – Você quer mais prazo? Dar-te-ei até amanhã. Você quer mais
dinheiro? Dar-te-ei até a quantia necessária para você tomar a condução até vossa residência
hoje e depois retornar até aqui amanhã. Agora retire-se, seu verme! E apareça amanhã com
dinheiro ou algo que possa ser transformado em dinheiro. Senão!

Pai (apavorado) – Senãããõoo o quê? (desesperado)

Anhangá (ri aos borbotões) – Senão! (faz o sinal de cortar o pescoço) Caia fora seu verme! E
somente volte com dinheiro!

O pai sai de cabeça baixa, mostra toda sua passividade diante do fato como um homem sem
alma, sem desejo, sem vida.

Anhangá (sorridente) – Que entre o próximo infeliz!

Filho (entra todo largado, arrasta os pés, olha para baixo) – Não tenho mais como arranjar
dinheiro. Já vendi tudo o que era meu em casa. Roubei outras casas. Assaltei pessoas na rua.
Pedi esmolas. O que mais você quer que eu faça? Me fale? O que mais que você quer que eu
faça?

Anhangá (fala cavernosamente) – Você vai ter que matar!

Filho (amedrontado) – Matar? Mas quem? Eu nunca matei uma barata. Sei matar? Quero
matar? Devo matar? Não, não eu não sei matar! Eu não quero matar! Eu não devo matar!

Anhangá (cruel) – Pois você vai aprender! É como andar de bicicleta, quando se aprende jamais
se esquece e quando se toma gosto pelo ofício aí não quer desaprender meeesssmmmooo
(entrega uma arma ao filho). Tome sua credencial para o ritual de amanhã!
Filho (não sabe segurar a arma, quer devolve-la, sua frio) – Que ritual de passagem?! Eu não
devo matar ninguém. Eu não quero matar ninguém. Eu não sei matar ninguém. Eu não vou
matar ninguém.(exaltado)

Anhangá (vociferando) – Aqui se segue a lei da selva. Ou você mata, ou é morto. Não tem meio
termo (pega o filho pelo colarinho e soergue-o). Ou você é caça ou o caçador. O que você
prefere ser quem tem os olhos injetados de sangue pela ganância de matar ou as nódoas dos
olhos amarelas pelo medo de morrer? Você quer ser o sujeito, o objeto? Quem pratica a ação,
ou quem se sujeita a esta? Quem tem o poder ou quem se submete a este? (fala estas últimas
palavras como se fosse estrangular o filho). Agora volte aqui amanhã com a arma e faça sua
escolha (abaixa o filho ao solo).

Ou mate, ou morra! (grita raivosamente)

O filho sai pelo lado contrário que entrou e olha para arma que segura de modo delicado com
as duas mãos.

Anhangá (demonstra contentamento) – Que entre a próxima representante da escória!

Filho Y (insinuando-se para Anhangá) – Patrão, quando irei para Europa, jogar em Paris? Já
joguei em bairros perigosos que para sair do local tive que pagar tributo. Quase não fiquei com
nada do pouco que ganhei, o Senhor ficou com a maior parte. Já acompanhei empresários,
artistas e políticos que me viam como um corpo. Várias vezes fui usado e abusado e fingi
gostar. Já fiz fotos nus em poses das mais ousadas. Tudo porque o Senhor pediu. Tudo porque o
Sr falou que se eu fizesse o que o Senhor mandasse, eu iria para a Europa jogar para um
grande clube. Então quando será?

Anhangá (segura a cadeira com as duas mãos e soergue seu corpo e vocifera) – Nunca! Você é
o meu escravo! Nunca sairá de minhas barbas! Só irá para Europa quando eu morrer!
Entendeu?

Só quando eu morrer!

Filho Y (quase chorando) – Mas, mas, nas... Eu fiz tudo o que você pediu! Me vendi! Perdi o
direito a liberdade! Tornei-me um robô de seus desejos. Para quê?

Anhangá (em pé, anda ao redor da Filho Y, irritado) – Ora não me venha com suas reclamações!
Você para mim não tem desejo, perdeu este quando assinou seu compromisso comigo,
querendo ser um modelo renomado (grita no ouvido da Filho Y) Você para mim é um boneco
sem vontade e que tem que fazer todas as minhas vontades (abaixa o tom de voz, sendo
melífluo). Você para mim não é nnnnnaaaaaaadaaaa, só serve para satisfazer meu prazer e
meus desejos!!! Entendeu escravo. Entendeu boneco. Entendeu Pinóquio, que é bonitinho mas
não é livre e muito menos de verdade

Filho Y (coloca as mãos sobre os seus olhos e começa a chorar) – Mas eu fiz tudo o que você
pediu! Eu fiz tudo! Eu fiz !

Anhangá (foge para boca de cena) – Você não fez nada, não fez nada mais que sua obrigação,
nada mais do que qualquer escravo. Porém amanhã fará muito mais! Quero que sacrifique a
um cordeiro!

Filho Y (sem entender a proposta de Anhangá) – Sacrificar a um cordeiro, o que é isto?

Anhangá (melífluo) – Você será meu sacerdote! Vai sacrificar um cordeiro na ara de sacrifício
em minha homenagem! Leve este punhal. Você cortará a garganta do cordeiro. Vá meu
Pinóquio! Vá e volte amanhã para o sacrifício.

Filho Y (sai feito zumbi, carregando o punhal) – Eu fiz tudo que

meu chefe pediu! Eu faço tudo que meu patrão pede! Eu farei tudo que meu amo pedirá! (sai
transtornado, segurando o punhal entre com as duas mãos)

Anhangá (sarcástico) – Entre a próxima representante da ralé! Mais uma barata que esmagarei.

Mãe (entra decidida, indo segura até a cadeira, faz cafuné em Anhangá) – Preciso comprar
outro vestido! Tenho que estar linda a seu lado! É um vestido lindooo! É maravilhoso! É a
própria essência da beleza, da perfeição e do divino. É quase um manto sagrado!

Anhangá (horrorizado) – NÃO! Não quero uma Santa! ! Não quero uma Freira!! Não quero uma
mulher estéril!!

Mãe (muito confusa e entristecida) – O que pensei de errado? O que disse de errado? O que fiz
de errado? Diga-me o que devo pensar? O que devo dizer? O que devo fazer? Para agradar
você, como devo ser?

Anhangá (horrorizado) - Você deve se contentar com as migalhas lançadas pelo seu dono. Você
deve ser feliz com a lavagem oferecida pelo seu Senhor. Você deve se entusiasmar com os
trapos dados pelo seu chefe.
Mãe (indignada) - Querido continuo sem entender. Você não quer me ver linda! Fantástica!
Maravilhosa! Eu que não vivo mais com meu marido! Eu lhe acompanho a todos seus
compromissos! Cedo a todos os seus caprichos!

Anhangá (apóia-se no cetro com a mão direita e oferece a mão esquerda para ser beijada) -
Beije a mão de seu Suserano! Do seu Senhor Feudal! Barão! Conde! Ou até mesmo de seu Rei!
E você minha vassala, deverá se contentar a partir de hoje em ser aia de minha nova amante!

Mãe (muito insatisfeita) - O que devo fazer para não ser apenas uma empregada em sua vida?
Ser uma simples figura de decoração? Ser uma caftina?

Anhangá (muito sarcástico, andando, gesticulando muito) -

Nada! Nada! Minha Ovelha! Minha prenda! Minha oferenda! Você deve aparecer aqui vestida
de branco. (vai até a cadeira e pega um vestido branco colocado sobre o assento). O branco vai
representar toda sua devoção a mim. toda sua emoção. Todo seu amor. Só deste jeito saberei
que você me ama, se emociona e se devota por mim, e só assim poderei fazê-la eternamente
linda, Eternamente maravilhosa! Vá e volte amanhã com este manto branco: Manto da Pureza,
Manto da Inocência! Manto do Sacrifício!

Mãe (vociferando) – Nenhuma menina tomará um lugar. Sem luta não terá minha aceitação.
Não deixarei o meu homem nas mãos de uma qualquer. Inda mais uma franguinha! Não
deixarei (Sai pisando firme)

ATO VI

Cenário – As personagens voltam ao palco e formam estátuas de suas emoções, todos entram
com suas respectivas cadeiras

Pai (entra com a cadeira e a coloca no canto dianteiro-direito e conversa consigo mesmo e com
a cadeira, sentando e levantando toda hora) – Eu não tenho prazo. Eu não tenho mais dinheiro.
Se for morrerei, se não for serrei caçado e morrerei também. Devo morrer agora ou depois?
Devo morrer aqui neste lugar ou num local incerto? Devo morrer pela mão do meu algoz ou de
outrem? (senta-se na cadeira e faz uma estátua de doente)

Filho (coloca sua cadeira no palco posterior-direito, e se posiciona atrás da cadeira, move-se
constantemente em torno desta, também está segurando a arma com as duas mãos, fica
olhando para esta, acariciando-a e toda hora a coloca e a tira do assento da cadeira ) – Devo
matar! Serei sujeito! Quero o sabor da morte! Quero a visão da morte! Quero o barulho da
morte! Quero o toque da morte! Ela que é responsável pela vida! Pela continuação das
espécies. Pela evolução. Pela mudança. Portanto eu sou o senhor da morte, ou a própria
morte! (sai da cadeira e faz uma estátua de alguém atirando na plateia)
Filho Y –(coloca sua cadeira no canto posterior-esquerdo e faz suas falas como se estivesse
catatônica ,sentada na cadeira virada e de pernas entre os pés traseiros, com os braços
apoiados nos encosto) – Não, não sou escrava. Não sou Medusa. Não sou Morgana. E
principalmente não sou Afrodite. Só queria ser conhecida, ser vista, ser almejada, ser desejada.
Mas não desejo sacrificar a um outro ser, quando matamos morremos na morte do outro. Não
quero me envenenar, não quero o sangue, tingindo minhas mãos. Tenho que fazer mas não
posso, posso fazer mas não quero. Mas se não fizer o que acontecerá comigo? (dá um pulo e
sai da cadeira, faz uma estátua de alguém pedindo esmola, usando da mesma posição inicial)

Mãe (por fim coloca sua cadeira no canto dianteiro-esquerdo, sobe nesta e começa a gritar
suas falas) – Nenhuma fedelha, tomará meu lugar! Estou disposta a tudo! Ninguém manda em
mim! Eu determino meu destino! Eu sou minha cultura. Sou minha meta. Sou meu poder.
Influenciando a todos! À minha família, às outras pessoas que nos rodeiam, à Nação! Por Bem
ou por Mal! Tudo que quero, consigo. Pois venha meu destino, meu prazer, minha glória. Serei
a vencedora! Serei cruel com meus inimigos! Serei eu a caçadora, não a caça! (pula da cadeira
e faz estátua de caçadora)

Anhangá entra dançando como se descesse um santo sobre, dá passes em todas estátuas que
saem em transe da cena.

ATO VII

Cenário – As personagens voltam ao palco com suas cadeiras e sentam nas seguintes posições:
o pai no canto dianteiro-direito sentado na cadeira virado para o centro do palco com o rosto
de medo e as mãos como se defendessem de algo, Filho Y no palco posterior de centro sentada
com as duas mãos fechadas apoiando o queixo como estivesse perdida nos seus pensamentos,
o filho sentado na plateia ou proscênio sentado como uma ostra com a cabeça entre as pernas
e as mãos grudadas cobrindo a cabeça e por fim a mãe em posição altiva como se enfrentasse
alguém com seu busto está me pé em cima da cadeira. Todas as personagens estão congeladas
em suas posições e só vão sair destas quando Anhangá ordenar. Anhangá volta ao palco e vem
para o palco dianteiro-esquerdo e vai circular por todo o palco acompanhando a personagem
quando esta estiver fora do transe para os quais voltarão depois terminarem seus monólogos.

Anhangá (curioso) – Quero ver como age e como pensa cada um dos vírus que combato. Venha
Medusa e destile seu veneno neste palco. (A medida que for falando, Anhangá estará do lado
da personagem controlando-a como se fosse um manipulador de bonecos)

Mãe (furiosa) – Não entendo este vestido simples e branco dado por ele a mim. Pedi-lhe muito
mais que isto, mas agora pra ele não sou nada, nada além da aia da outra. Isto não ficará
assim... (congela com os pulsos em riste)

Anhangá (sorrindo) – E você não sabe que nem Aia será! Que a tua real utilidade será ser o
sacrifício a mim, para que eu domine definitivamente a tua família e que não reste nada de
BEM nela e que se houve que neste momento seja completamente esquecido! (Mexe os
cordões e a Mãe se mexe com eles como se dançasse um rock bem pesado)
Mãe (explodindo) – Não, não, não, nããããããããããoooooo! Quem ele pensa que sou? Uma
qualquer? Apenas mais uma em sua vida? Não, eu sou mais eu, sou a melhor de todas as que
já teve e não tolerarei em ser apenas e tão somente uma Aia de sua nova diva. (as mãos
fechadas e tensas para baixo com os braços para trás e o peito para frente como se enfrentasse
algo ou alguém com muita coragem)

Anhangá (desafiador) – Você não é ninguém! Você é apenas e tão somente a carne do meu
churrasco! Aquela carne, aquela oferenda, que será saboreada por mim, Anhangá! Contente-se
com este destino que te pertence! Não reclames! Vista o teu manto e aguarde! (Anhangá
manipula os cordões e a mãe veste a roupa destinada a ela e volta marchando manipulada pelo
Anhangá até o seu canto e congela na sua estátua inicial)

Anhangá (bravo) – Entre em cena, Anúbis! Fale porque apesar de ser muito velho, tão velho
quanto ELE e mais inteligente que o conjunto de todos vocês, não não sou onipresente, nem
onipotente, muito menos onisciente como ELE, portanto fale! (Gritando)

Filho (se abre e sai da cadeira) – Não irei realizar os desejos dele. Basta tudo que já fiz em seu
nome! Tudo que me envergonho ter feito. Agora entendo! Entendo! Nada me acalmará minha
consciência! (congela com a mão direita na testa como se tivesse uma dor de cabeça profunda)

Anhangá (Trovejando) – Você irá matar sim em meu nome! É só agir com torpor próprio seu
que você nem notará o que fez. (mexe os cordões e o filho se move como se estivesse
incomodado) Faça e não se fale mais nisto!

Filho (tentando arrancar os cordões imaginários que lhe prende) – Não, não vou, não vou, não
vou...não quero, não quero, não quero...não posso, não posso, não posso...não devo, não devo,
não devo, nãããooooo devoooooooooooo... (fica em posição fetal virado para o público, então
Anhangá começa a manipulá-lo)

Anhangá (Cheio de raiva) – Quem você pensa que é para querer algo? Você é um Nada! Digo
mais você é menos que um Nada, porque que um nada é uma possibilidade de ser e nem isto
você é. Então vai fazer o que eu mandei se não for na razão que seja no torpor, mas faça!
(enquanto estiver falando vai manipulando a personagem até retorná-la até a cadeira dela e
congelar-se na posição de ostra novamente)

Anhangá (entusiasmado) – Aproxime-se, Pinóquio! Aproxime-se, minha estrela em ascenção!


(a Filho Y sai da posição e vai pro proscênio ou pra plateia)

Filho Y (perdido em pensamentos, cada vez menos racional) – Não sei, porque trouxe este
instrumento (olha pra faca) de passamento entre dois mundos! Não quero brincar com a vida,
não quero ser responsável pela morte! Sei que todos vivemos porque matamos e se não
matamos a morte acaba nos alcançando. Mas não serei eu o juíz de quem deve morrer e de
quem merece continuar vivendo. Penso em até deixar que a morte me alcance, ao invés de
leva-la até ao encontro de outrem (diz estas palavras de maneira deveras transtornadas,
olhando para o teto, para as paredes, nunca para o público e andando por todo o palco)

Anhangá (move os cordões como se acariciasse o Filho Y, e esta começa a dançar como fosse
Ofélia perseguir a sua consciência) – Meu boneco não diga mais isto (melífluo). Você tem que
passar por este teste, para merecer o seu destino e os meus favores merecendo os meus
favores terá tudo que sempre quis: fama, dinheiro e prazer! Não pense! Não enlouqueça! Não
enlouqueça! Não pense! Continue o que sempre foi, meu fantoche! (manipula-a e a Filho Y
pula e salta com se fosse pegar flores imaginárias)
Filho Y – Vou ou não vou? Mato ou não mato? Sacrifico ou não sacrifico? Exerço meu
sacerdócio ou não exerço meu sacerdócio? Sou um sacerdote ou sou uma oferenda? Sou um
sujeito ou sou objeto? Quero matar ou tenho medo de morrer? Dúvidas, dúvidas e mais
dúvidas...(Vai se agachando com as mãos na cabeça até ficar completamente abaixada com a
cabeça sobre os joelhos e as mãos segurando os cabelos)

Anhangá (delicado) – Pinoqui, meu! Não tenha medo! Sei que que tomará a decisão correta! A
dúvida não leva a caminho algum, somente a certeza leva a Ordem e a Ordem nos mantém no
caminho certo. Não conjecture! Não duvide! Não que seu existencialismo aflore! Viva na
Vertigem! Aja na Vertigem! Pratique a Vertigem! Viva a VERTIGEM! (Gritando)

Anhangá depois de dizer isto, manipula a Filho Y que continua a pular e saltar com se caçasse
borboletas até que esta volte a sua cadeira e se congele na estátua original.

Anhangá (Extremamente irado) - Que entre agora, Anfitrião! Quero te ver! Quero te escutar!
Quero te Cheirar! Aproxime-se! (o pai sai sua cadeira e em poucos passos está na plateia)

Pai (andando com se estivesse encostado numa parede, olhando pros na lados, pro fundo, pra
frente, pro alto, cada vez mais rápido) – Eu não vou a este encontro macabro... Eu não vou ficar
mais uma vez na presença Dele... Sinto arrepio de pensar nos seus olhos... Me gela os ossos,
sua voz...meu coração dispara, quando sinto seu cheiro... Não há dúvida que ele não me traz
nada de bom...não quero mais nada Dele... Pra que dinheiro? Pra que prazer ? Pra que luxo?
Pra que poder? Pra que ambiçãooooooooo????!!!! (Anhangá começa a mexer os cordões e o
pai começa a virar sobre o próprio eixos numa parede imaginária ficando colado de frente com
as mãos viradas para a plateia e depois colado na parede imaginária com as mãos viradas para
a parede e vai virando até terminar o monólogo.)

Anhangá (sarcástico controlando os cordões como se chicoteasse ao pai e este girando no


próprio eixo) – Pra que dinheiro? Pra não ser tratado como um animal! Pra que prazer? Pra
pode apreciar a um bom vinho, um belo lugar, uma obra de arte, um excelente prato de
comida! Pra que luxo? Pra ostentar e com isto ser invejado por todos! Pra que poder? Pra
determinar quem vive ou quem morre! Quem trabalha ou vive no ócio! Pra quem aprecia
comer, beber, procriar e ou faz uso de cada uma destas coisas somente por instinto de
sobrevivência! Pra determinar os caminhos a seguir e o que deve ser obedecido! E pra que
ambição? Concordo com você, no teu caso pra que ambição? Afinal você não sabe fazer nada
produtivo com ela! (continua chicoteando ao pai)

Pai (forçando o corpo na tentativa de sair da posição de grudado na parede, consegue apenas
tirar um pouco do peito para fora para continuar seu monólogo) – Quem foi o maior, foi um
carpinteiro... quem foi seu maior discípulo, foi aquele que o renegou por três vezes... o seu
maior divulgador, foi aquele que mais perseguiu a ele e aos seus, portanto aquilo que
aparentemente era poderoso, rico e luxuoso de nada serviu aos propósitos da verdade, da luz e
da vida! (ao pai dizer estas palavras Anhangá fica muito irritado e começa a chicoteá-lo mais
forte e o pai começa a virar5 mais rápido).

Anhangá (vociferando) Ninguém supera Anhangá! Ninguém tem mais poder do que eu! O Filho
do homem não se compara a mim! Com o dinheiro tenho Luxo, riqueza e poder e com tudo
isto tenho a você!!! Volte a tua insignificância, sua lesma, sua bactéria, seu micróbio. Fique
calado, seu vácuo! ... (continua a repetir e chicotear ao pai até que o pai volte a sua cadeira não
sem percorrer todo o palco virando no próprio eixo numa parede imaginária) –
VOOOLLLLLLLLLLLL
TTTTTTTTTTTTTTTEEEEEEEEEEEE!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Epílogo

Cenário – Anhangá volta ao palco e faz reverência para que as estátuas entrem em cena que
voltam à cena na seguinte ordem: primeiro a mãe, depois a Filho Y, em seguida o Filho e por
último o pai e se posicionam em cada canto, sendo que o pai é o primeiro no canto dianteiro-
esquerdo e a mãe é última no canto posterioresquerdo, quando Anhangá começar a falar as
personagens saem do transe e das estátuas que se encontram.

Anhangá (em posição de homem-perfeito) – Bastam dois sentidos aos humanos. A audição
para me escutar e o tato para me fazerem aquilo que eu desejo. Entendeu seus vermes,
ratazanas, micróbios? Vocês me escutaram. Cada um a seu canto, cada um com seu destino.
Cumpram seu destino. Movam-se! (repentinamente as estátuas começam a se mover com o
pai grudado na parede, demostrando muito medo, com o filho se agachando e levantando e
apontando a arma ao público, a Filho Y corta o espaço com uma faca e a Mãe se move
apontando o rifle para cima, para baixo, para todos os lados, de maneira bastante viril.) –
Movam-se seus moloides! Incompetentes! Servem apenas para serem meus bonecos que se
movem ao meu belprazer!

Todos sem exceção não param, avançam para outras posições, ou seja continuam a fazer seus
gestos e percorrendo os cantos do palco.

Anhangá (exaltando-se) – Escutem-me! Eu controlo vocês! Vocês

devem me obedecer! (de repente todos se tornam estátuas.)

Anhangá (gritando e apontando para cada uma das personagens, grita exaltado para cada uma
delas) – Você me deve sua vida. Não conseguiu manter sua palavra. Não conseguiu pagar
quanto me devia. Não teve condição de criar seus filhos, sua esposa e manter sua fábrica, seus
status. Hoje é inútil. Parece um mendigo esfomeado (aponta para o pai). E você será o matador
se quiser dinheiro para manter seu vício. Você que depende do Mal para tentar fingir estar
bem. Você é própria doença. (aponta para o Filho). Você deseja a Fama, para consegui-la
deverá sacrificar. Só a morte justifica o Poder, dando-lhe significado, intensificando- o Sua
sombra vai pairar sobre o altar do sacrifício, você se transformará na síntese da Morte (vira
para Filho Y). E por último você que nunca se sacrificou, nunca se despojou, nunca quis
enfrentar dificuldades. Para continuar viva deverá lutar, senão se tornará mais uma oferenda
nesta ara de sacrifício. Vá à luta! Lute! Guerreie! Façam todos agora o que lhes ordenei fazer!
(aponta

para mãe)
As personagens saem de suas posições, do mesmo jeito que estavam se comportando, fazendo
gestos característicos e se arrastarem pelo palco até chegarem em suas posições iniciais, então
param.

Anhangá (aos berros pega o pai e encosta o peito deste o cano do revólver do Filho no canto
dianteiro-direito e pega a Filho Y encostando sua faca no pescoço da Mãe no canto
posterioresquerdo) – Pronto, está resolvido! Ajam! Apenas ajam seus medíocres!

Pai (faz a posição de coragem e enfrenta seu destino, passa a mão sobre os olhos como se
retirasse uma venda dos olhos) – Chega! Se tiver que morrer! Que eu morra!

Filho (faz o mesmo gesto de retirar a venda) – Pai, o que eu ia fazer?! (joga a sua arma fora)

Mãe e Filho Y (retira as vendas simultaneamente) O que é isto?

Não pode ser! ( a Mãe se desarma e o Filho Y deixa cair a faca)

Anhangá (muito enfurecido) - Por que pararam? Vocês não queriam Dinheiro, Luxúria, Fama, e
Poder. Pois então vocês têm que fazer o que eu mandei!

Pai (demonstra coragem) – Eu não vou mais fazer o que quer! Você tem minha riqueza! Minha
fábrica! Minha prosperidade! Mas nunca mais terá minha consciência. Minha potencialidade.
Minha vida. Nunca mais!

Filho (demonstra estar controlado, fala pausadamente) – Por mais que você peça. Não mais o
escutarei. Não dependo mais de você! Não preciso mais de você! Não desejo mais você! Eu
quero a partir de hoje sorrir porque desejo. Sonhar o que preciso. Não há mais a doença. Há
apenas a Saúde.

Mãe (demonstra mansidão) – Mesmo que você grite, lute, e se vingue. Não farei o que me
obrigas. Não sou mais rica! Não sou mais poderosa! Não sou mais onipotente! Mas estou
calma. Estou contente. E estou em paz. O sossego está presente nos meus melhores
momentos.

Filho Y (demonstra calma, serenidade) – Embora você respire a destruição, coma a degradação,
beba degeneração! Sei que ficarei para sempre desconhecido! Ficarei para sempre escondido!
Ficarei para sempre esquecido! Mas não tornei um instrumento de seu capricho mortal. Não
me tornei o carrasco às suas ordens. Não serei o algoz para seus desejos inconfessáveis. A vida
me pertence!

Anhangá (fecha os pulsos e grita) Vocês têm a coragem de me enfrentar. Seus piolhos! Projetos
de seres humanos! Portanto todos irão morrer! (abre os braços e as mãos ao máximo e começa
a se mexer com se estivessem em transe, as luzes começam a piscar)

Todas as personagens se voltam para Anhangá e começam a se mover em direção a este, sem
prestar atenção naquilo que Anhangá diz. Caminham até Anhangá que está no centro do palco
até sufocarem Anhangá.

Anhangá (desesperado) – Não, não vocês não são nada! Eu tenho o poder! Sou o contraponto
de Deus. Sou a Antítese divina. Vocês são nada. Não passam de poeira!

Pai, Mãe, Filho e Filho Y – Se você é a antítese, nós somos a presença. Se você é o contraponto,
nós somos a própria encarnação divina! Se você é a maldade, nós somos a bondade! (vão
sufocando a

Anhangá cada vez mais)

Anhangá ( vai se definhando, enquanto que as demais personagens vão se dando as mãos e
fechando mais o cerco) – Vocês não vão me vencer!!! Vocês não vão me vencer!!! Vocês não
vão me vencer!!! (fecha-se em posição fetal e todas as personagens levantam os braços com as
mãos juntas e posteriormente abaixam a cabeça e os braços então as luzes se

apagam)

CAI O PANO

*1 - Narciso

*2 – Edvard Munch
*3 – Estátua de Revolta – Liberdade guia um povo

*4 – Zumbi

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