Você está na página 1de 8

The Sandbox – Edward Albee tradução Alexandre Tenório

A Caixa de Areia - The Sandbox


Uma peça curta em homenagem a minha avó (1876-1959)

de Edward Albee

Música de William Flanagan

Estreou em 15 de Abril de 1960. Na Jazz Gallery, Nova Yorque.

tradução Alexandre Tenório

Personagens

O RAPAZ 25 anos Um rapaz forte, bonito, usando calção de banho.

MAMÃE 55 anos Mulher de forte personalidade, bem vestida.

PAPAI 60 anos Homem baixo, magro, grisalho.

VOVÓ 86 anos Mulher pequena, encarquilhada, de olhos vivos.

O MÚSICO Sem uma idade definida, preferivelmente jovem.

Nota:
Quando na peça MAMÃE e PAPAI chamam um ao outro por esses nomes, não
deve haver referência a nenhum regionalismo. São nomes desprovidos de qualquer
significado especial que devem servir apenas para reforçar a vacuidade e o desabrochar da
senilidade dos personagens.

O cenário:
Palco vazio, com os seguintes itens: Próximo à ribalta bem à direita, duas cadeiras
comuns uma ao lado da outra, de frente para a platéia; próximo à ribalta, bem à esquerda
uma cadeira de frente para a direita com uma estante de música; mais ao fundo, ao centro
um pouco elevada e inclinada uma grande caixa de areia para crianças brincarem, onde há
um baldinho e uma pazinha; o céu ao fundo, que vai de uma clara manhã a uma noite
profunda.

No início é dia; O RAPAZ está sozinho em cena, atrás da caixa de areia. Ele faz
exercícios; faz exercícios quase até o final da peça. Esses exercícios, usando apenas os
braços, devem sugerir o bater de asas. O RAPAZ afinal, vem a ser o Anjo da Morte.

1
The Sandbox – Edward Albee tradução Alexandre Tenório

MAMÃE e PAPAI entram da esquerda. MAMÃE vem na frente.

MAMÃE (virando-se para PAPAI) Bem aqui estamos; na praia.

PAPAI (resmungando) To com frio.

MAMÃE (com desprezo e um risinho) Não seja estúpido; está quente como um forno.
Olhe só praquele rapaz ali: ele não está com frio. (Acena para O RAPAZ)
Olá.

O RAPAZ (Com um sorriso afetuoso) Oi!

MAMÃE (Olhando em volta) Isso vai ser perfeito... você não acha, Papai? Temos areia
ali... e o mar lá longe. O que você acha, Papai?

PAPAI (Vagamente) Você é que sabe, Mamãe.

MAMÃE (Com o mesmo risinho) Mas, claro... eu é que sei. Então, está tudo certo, não
está?

PAPAI (Sacudindo os ombros) A mãe é sua, não minha.

MAMÃE Eu sei que a mãe é minha. Quem você acha que eu sou? (Pausa) Muito bem,
então; vamos logo com isso. (Ela grita para a coxia, para a esquerda) Ei!
Você! Pode entrar agora.

(O MÚSICO entra, senta-se na cadeira da esquerda, coloca a partitura na


estante, está pronto para tocar. MAMÃE aprova balançando a cabeça)

MAMÃE Muito bem; muito bem. Papai, você está pronto? Vamos pegar a Vovó.

PAPAI Você que sabe, Mamãe.

MAMÃE (Saindo na frente em direção à esquerda) Claro que eu é que sei. (Para O
MÚSICO) Pode começar a tocar agora.

(O MÚSICO começa a tocar; MAMÃE e PAPAI saem; O MÚSICO continua


a tocar, cumprimenta O RAPAZ com a cabeça)

O RAPAZ (Com o mesmo sorriso afetuoso) Oi!

(Depois de um instante, MAMÃE e PAPAI voltam, carregando VOVÓ. Eles


a trazem cada um sustendo-a pelas axilas; ela tem o corpo rijo, as pernas
encolhidas, seus pés não tocam o chão; a expressão em seu rosto
envelhecido é ao mesmo tempo de medo e perplexidade)

PAPAI Onde a gente coloca ela?

2
The Sandbox – Edward Albee tradução Alexandre Tenório

MAMÃE (Com o mesmo risinho) Eu é que sei, é claro. Deixe-me ver... bem... tudo
bem, ali... na caixa de areia. (Pausa) Então, Papai, ta esperando o que? ...A
caixa de areia!

(Juntos levam VOVÓ até a caixa de areia e meio que largam ela lá)

VOVÓ (Ajeitando-se para ficar sentada; sua voz é algo entre um riso de bebê e um
choro) Ahhhhhh! Graaaaa!

PAPAI (Limpando-se) Agora a gente faz o que?

MAMÃE (Para O MÚSICO) Você pode parar agora. (O MÚSICO pára. Para PAPAI)
Como assim, o que a gente faz agora? A gente vai pra lá e se senta, ora.
(Para O RAPAZ) Olá, tudo bem.

O RAPAZ (Sorrindo mais uma vez) Oi!

(MAMÃE e PAPAI vão para as cadeiras à esquerda e se sentam. Pausa)

VOVÓ (Como antes) Ahhhhhh! Ah-haaaaaa! Graaaaaa!

PAPAI Você acha... acha que ela... está confortável?

MAMÃE (Impaciente) Como você quer que eu saiba?

PAPAI (Pausa) O que a gente faz agora?

MAMÃE (Como que se lembrando) A gente... espera. A gente... senta...e espera... é


isso que a gente faz.

PAPAI (Depois de uma pausa) A gente fala um com o outro?

MAMÃE (Com o mesmo risinho; tirando alguma coisa no seu vestido) Bom, se você
quiser, pode falar... se conseguir pensar em alguma coisa pra dizer... se tiver
algo novo a dizer.

PAPAI (Pensa) Não... acho que não.

MAMÃE (Com um riso de triunfo) É claro que não!

VOVÓ (Batendo com a pazinha no baldinho) Haaaaaa! Ah-haaaaaa!

MAMÃE (Cobrindo-a, para a platéia) Fique quieta, Vovó... fique quieta aí e espere.

(VOVÓ joga um balde de areia na direção de MAMÃE)

3
The Sandbox – Edward Albee tradução Alexandre Tenório

(Ainda se dirigindo à platéia) Ela está jogando areia em mim! Pare com isso,
Vovó; pare de jogar areia na Mamãe! (Para PAPAI) Ela está jogando areia
em mim.

(PAPAI vira-se e olha para VOVÓ, que grita para ele)

VOVÓ GRAAA!

MAMÃE Não olhe pra ela. Fique... só sentado aqui... sem se mexer... e espere. (Para
O MÚSICO) Você aí... ei... como é que é, anda, faça o que tem que fazer.

(O MÚSICO toca)

(MAMÃE e PAPAI imóveis, olhando para além da platéia. VOVÓ olha para
eles, olha para O MÚSICO, olha para a caixa de areia, joga a pazinha)

VOVÓ Ah-haaaaaa! Graaaaaa! (Olha procurando alguma reação; nenhuma.


Agora... diretamente para a platéia) Honestamente! Isso é jeito de se tratar
uma velha! Tiram ela de casa... enfiam ela num carro... levam ela pra longe
da cidade... jogam ela num monte de areia... e largam ela pra lá. Eu tenho
oitenta e seis anos! Casei aos dezessete. Com um fazendeiro. Ele morreu
quando eu tinha trinta. (Para O MÚSICO) Dá pra parar com essa música,
por favor?

(O MÚSICO pára de tocar)

Sou uma velha doente... como você quer que alguém me escute com você aí
com esse piiip! piiip! piiip! (Para si mesma) Aqui não se respeita ninguém.
(Para O RAPAZ) Não se respeita ninguém aqui!

O RAPAZ (O mesmo sorriso) Oi!

VOVÓ (Depois de uma pausa, um discreto double-take, continua, para a platéia)


Meu marido morreu quando eu tinha trinta anos (Aponta para MAMÃE), eu
tive que criar essa piranha velha aí completamente sozinha. Imaginem só
como foi. Cristo Rei! (Para O RAPAZ) Onde foi que eles arranjaram você?

O RAPAZ Ah... Já faz um tempo que to por aí.

VOVÓ Não duvido! Heh, heh, heh. Olha só pra você!

O RAPAZ (Flexionando os músculos) Não é impressionante? (Continua seus


exercícios)

VOVÓ Rapaz, oh puxa vida; olha. Que beleza.

O RAPAZ (Docemente) Então.

4
The Sandbox – Edward Albee tradução Alexandre Tenório

VOVÓ Você é da onde?

O RAPAZ Califórnia.

VOVÓ Eu sabia. Eu sabia. Como você se chama, meu bem?

O RAPAZ Eu não sei...

VOVÓ (Para a platéia) Ainda por cima, inteligente!

O RAPAZ Quero dizer... quero dizer, ainda não me deram um... o estúdio...

VOVÓ (Olhando-o da cabeça aos pés rapidamente) Não me diga... não me diga.
Bom... ahn, ainda tenho umas coisas pra falar... não vá embora.

O RAPAZ Ah, não.

VOVÓ (Voltando a se dirigir para a platéia) Ótimo; ótimo. (Novamente para O


RAPAZ) Você... então você é ator, hã?

O RAPAZ (Sorridente) É, sou, sim.

VOVÓ (Para a platéia; balançando os ombros) Assim fico sabendo quem é. Como
ia dizendo. Tive que criar... isso aí sozinha; e isso aí do lado dela... foi com
isso que ela se casou. Rico? Vou te contar... money, money, money. Eles me
tiraram da fazenda... o que foi até uma coisa decente... e me levaram pra
enorme casa deles na cidade... me ajeitaram um lugarzinho debaixo do
fogão... me deram um cobertor do exército... um prato... um prato só pra
mim! Então, do que que eu podia reclamar? Nada, claro. Não to reclamando.
(Olha para cima, para o céu, grita para alguém fora do palco) Não tava na
hora de ficar escuro agora, meu bem?

(As luzes caem; vira noite. O MÚSICO começa a tocar; fica noite profunda.
Focos em cada um dos atores, inclusive sobre O RAPAZ, que naturalmente
continua a fazer seus exercícios)

PAPAI (Se mexendo) Ta de noite.

MAMÃE Shhh. Fique quieto... espere.

PAPAI (Resmungando) Ta tão quente.

MAMÃE Shhh. Fique quieto... espere.

VOVÓ (Para si mesma) Assim é melhor. Noite. (Para O MÚSICO) Meu bem, você
tinha mesmo que estar tocando nessa hora?

5
The Sandbox – Edward Albee tradução Alexandre Tenório

(O MÚSICO afirma com a cabeça)

Bom, continua então, assim bem suave; bom menino.

(O MÚSICO concorda com a cabeça novamente; toca suavemente)

Que lindo.

(Há um barulho fora de cena)

PAPAI (Levando um susto) O que foi isso?

MAMÃE (Começando a chorar) Não foi nada.

PAPAI Isso foi... isso... um trovão... ou uma onda batendo... ou sei lá.

MAMÃE (Sussurrando, entre lágrimas) Isso foi um barulho fora de cena... e você sabe
o que significa...

PAPAI Esqueci...

MAMÃE (Quase sem poder falar) Significa que chegou a hora da Vovó... e eu não
agüento!

PAPAI (Vagamente) Eu... eu acho que você precisa ser forte.

MAMÃE (Caçoando) É isso aí, meu chapa; seja forte. Você vai superar; vai superar.

(Outro barulho fora de cena... mais forte)

MAMÃE Ohhhhhhhh... tadinha da Vovó... tadinha da Vovó...

VOVÓ (Para MAMÃE) Eu to bem! Ta tudo bem! Não aconteceu ainda!

(Um barulho violento fora de cena. As luzes se apagam, exceto o foco sobre
O RAPAZ; O MÚSICO pára de tocar)

MAMÃE Ohhhhhhhh... Ohhhhhhhh...

(Silêncio)

VOVÓ Não acendam a luz ainda... Eu não to pronta. Não to pronta ainda. (Silêncio)
Tudo bem, querido... To pronta agora.

(As luzes voltam a se acender, é dia claro novamente; O MÚSICO volta a


tocar. VOVÓ ainda na caixa de areia, deitada de lado, apoiando-se num dos

6
The Sandbox – Edward Albee tradução Alexandre Tenório

cotovelos, parcialmente coberta de areia, cobrindo-se com mais areia com a


pazinha)

VOVÓ (Resmungando) Como eles querem que eu faça isso com essa merda dessa
pazinha de brinquedo.

PAPAI Mamãe! Ta de dia!

MAMÃE Sim, e daí! Bom! A longa noite acabou. Temos que esquecer as lágrimas,
tirar o luto... e encarar o futuro. Esse é nosso dever.

VOVÓ (Ainda com a pá, imitando) ...tirar o luto ...encarar o futuro ...Cristo Rei!

(PAPAI e MAMÃE se levantam, se espreguiçam. MAMÃE acena para O


RAPAZ)

O RAPAZ (O mesmo sorriso) Oi!

(VOVÓ se faz de morta. (!) MAMÃE e PAPAI vão até ela; ela está coberta
de areia até mais da metade; a pazinha de brinquedo entre as mãos
cruzadas sobre o peito)

MAMÃE (Diante da caixa de areia; balançando a cabeça) Que linda! É... difícil ficar
triste... ela parece... tão feliz. (Com orgulho e convicção) Realmente
compensa fazer tudo direitinho. (Para O MÚSICO) Tudo bem, se quiser
pode parar agora. Quer dizer, se quiser dar um mergulho; por nós tudo bem.
(Dá suspiro profundo) Bom, Papai... hora de ir.

PAPAI Força, Mamãe!

MAMÃE Força, Papai!

(Eles saem para a esquerda)

VOVÓ (Enquanto eles saem; deitada sem se mexer) Compensa fazer tudo
direitinho... Puxa vida! (Tenta se sentar) bom, pessoal... (mas percebe que
não consegue) ...eu ...não consigo me levantar ...não consigo me mexer...

(O RAPAZ pára de fazer seus exercícios, faz um gesto de cabeça para O


MUSICO, caminha até a VOVÓ, ajoelha-se ao lado da caixa de areia)

VOVÓ Eu... não consigo me mexer...

O RAPAZ Shhhhh... quietinha...

VOVÓ Eu... não consigo me mexer...

7
The Sandbox – Edward Albee tradução Alexandre Tenório

O RAPAZ Hã... senhora; eu... eu tenho uma fala aqui.

VOVÓ Ah, me desculpe, meu bem; vá, pode falar.

O RAPAZ Eu sou... hã...

VOVÓ Não precisa ter pressa, meu bem.

O RAPAZ (Se prepara; dá sua fala como um perfeito amador) Eu sou o Anjo da Morte.
Eu vim... hã... vim buscar você.

VOVÓ Que... o qu... (Resignada então) ohhhh... ohhhh, entendo.

(O RAPAZ se curva, beija VOVÓ delicadamente na testa)

VOVÓ (De olhos fechados, mãos novamente cruzadas sobre o peito, segurando a
pazinha, um sorriso nos lábios)

Bem... isso foi muito bom, meu bem...

O RAPAZ (Ainda de joelhos) Shhhhh... quieta...

VOVÓ Só queria dizer... que você foi ótimo, meu bem...

O RAPAZ (Corando) ...oh...

VOVÓ Não; é verdade. Você tem... você leva jeito.

O RAPAZ (Com seu sorriso afetuoso) Oh... obrigado; muito obrigado... senhora.

VOVÓ (Lentamente; suavemente – enquanto O RAPAZ coloca sua mão sobre a


dela) Não tem de que... meu bem... não tem de que.

(Congela. O MÚSICO continua a tocar enquanto a cortina se fecha


lentamente)

Você também pode gostar