Você está na página 1de 11

O MUNDO DA LUA

(Tarcio Costa)

CENA l

(Foco central. Aparece um jovem agradecendo os aplausos que recebe de


uma fictícia plateia. Blackout)

(Luz de plateia. Filho chegando pela porta lateral do teatro chamando pelo
pai)

Filho
Pai! Cheguei! Onde você está? Pai?

(Acende-se o foco central e o pai vestido de pirata grita para o filho)

Pai
Ai, meu São José, digo... Tubarões me mordam! Onde você esteve esse tempo
todo marujo! Ande rápido, nosso navio está sendo atacado pelo cruel capitão
Barba Rosa e temo que essa será uma batalha de vida ou morte!

Filho
Sim senhor Pai..., digo, sim senhor Capitão! Mas onde diabos deixei minha
espada? Aqui, achei!

Pai
Marujo?

Filho
Sim capitão!

Pai
Aconteça o que acontecer, estaremos sempre juntos?

Filho
Mas é claro pai, digo capitão!

Pai
Ao seu lado eu não temo mal algum! Que comece a batalha!!

Pai e filho
Ai, meu São José!

(Pai e filho correm em direção no palco em direções opostas, param por


um segundo e de repente, o palco é invadido por piratas e outras figuras
fruto da imaginação de ambos. Uma grande batalha começa, até que a
brincadeira é interrompida por um barulho de campainha. As
personagens se retiram assustadas)
Filho
Mas quem pode estar tocando uma campainha em alto-mar?

Pai
Ora quem! O mundo meu filho, o mundo! Eu não sei quando foi que isso
começou, mas o mundo virou um lugar feito de campainhas, buzinas, roncos
de motores e falação, muita falação... sem falar do funk, aí o funk!

(Soa novamente a campainha)

Pai
Já vai, já vai! Mundinho sem imaginação

Filho (Retomando a brincadeira sozinho)


Harr! Cuidem-se seus porcos do mar, minha espada não terá piedade e...

(Pai retorna com expressão de preocupação)

Filho
O que houve papai? Você parece preocupado!

Pai (Recompondo-se)
Boletos e mais boletos! Veja que falta de imaginação! Não poderiam entregar
borboletas para variar?

Filho
Capitão! Vamos procurar aqueles vermes do mar e...

Pai
Fazer tarefa?

Filho
O que?

Pai
Tomar banho?

Filho
Mas pai!

Pai
Almoçar?

Filho
Mas eu queria...

Pai
Não necessariamente nessa ordem!... Eu acho!
Filho
Chato!

Pai
Desculpe amigão, mas não conheço ninguém realmente criativo que não
cumpra com essas obrigações... pode até existir, mas... eu não conheço!

(Filho corre para os braços do pai)

Filho
Eu te amo papai! Mesmo que digam que você vive no mundo da lua!

Pai
Ora! E existe lugar melhor para um pai estar com seu filho? Agora vá! A vida
guarda muitas aventuras e quero que você esteja preparado para elas

Filho (Dando um salto)


Que assim seja! Que venham todos os números, frases e mapas! Esse marujo
está pronto para dominá-los! Arrrrr!

(Pai observa o filho sair de cena)

Pai
Aí meu São José! Ser pai não é nada fácil... mas sei que posso contar contigo
nas horas mais difíceis, não é? (Olhando para o boleto). Por que não
borboletas?

CENA II

(Filho tenta se relacionar com os amiguinhos no pátio da escola,


enquanto é observado pelo faxineiro)

Menino 1
Eu fui dormir muito tarde ontem, estou com um sono de matar... mas consegui
vencer aquele jogo idiota! Já mandei mensagem para o meu pai dizendo que
se ele não me comprar um PlayStation®5 + Horizon Forbidden West eu não
falo mais com ele.

Menino 2
Você tem sorte! Meu pai nunca está em casa e na última vez que nos
encontramos ele tomou meu Galaxy S23 Ultra por causa das minhas notas
baixas! O que eu vou fazer sem meu celular? A vida é muito injusta!

Filho
Divertir-se no mundo da lua?

Os dois meninos
O que?
Filho
Digo... usar a imaginação, a criatividade! Sabe eu e meu pai sempre vivemos
grandes aventuras e...

Menino 1
Quem te chamou aqui garoto estranho?

Menino 2
Aposto que seu pai te deu um jogo de xadrez de presente de Natal

(Os dois garotos riem)

Filho
Não, claro que não! O xadrez ele me deu de aniversário quando vencemos
juntos o exército da Dinamarca!

Menino 2
Você está me tirando é?

Filho
O que?

Menino 1
Sai fora garoto estranho!

(Garotos jogam o filho no chão e são advertidos pelo faxineiro. Garotos


saem correndo de cena. Faxineiro se aproxima do filho)

Faxineiro
Saiam daqui! Está tudo bem?

Filho
Acho que sim... você me acha estranho?

Faxineiro
Estranho... um pai que compra um brinquedo caro para aliviar a culpa de não
ter tempo para seu filho, não lhe parece estranho? Um filho que chantageia seu
pai para ganhar o que deseja, não lhe parece ainda mais estranho? Um celular
cuja função é ser babá?

Filho
Muito estranho! Obrigado Sr...

Faxineiro
José, meu nome é José.

Cena III

(Filho acorda procurando por seu pai)


Filho
Pai... Pai? Onde você está?

(Pai aparece vestindo uma roupa improvisada de astronauta)

Filho
Agora? Assim, tão cedo?

Pai
E existe hora para ser feliz ao lado do seu filho?

Filho
Pai, você vive mesmo no mundo da lua!

Pai
E vivo mesmo! E hoje vou levar você para conhecer de perto o meu mundo!

Filho
Jura?

(Pai coloca adereços no filho transformando-o em um astronauta


também)

Pai
Meu amado filho! Bem-vindo ao mundo da lua!

(Abre-se a cortina preta no fundo do palco revelando o fundo branco.


Adentram personagens todos de branco carregando bolas coloridas de
todas as cores)

(Música)

Filho
O seu mundo é lindo pai

Pai
E eu dedico esse mundo a você meu filho!

Filho
Como assim pai?

Pai
Ora! Eu cuido do mundo da lua a muito tempo e acho que está na hora de
alguém mais criativo cuidar dele. E não conheço ninguém com uma imaginação
mais fértil que a sua, para manter esse mundo em ordem!

(Desce um balanço do teto do palco. Pai e filho se sentam e começam a


se balançar lentamente)
Filho
Pai?

Pai
Diga meu filho!

Filho
Por que somos assim... Digo, eu você... comparado a outras pessoas, você
não se acha estranho?

Pai
Aí meu São José! Por sermos eu e você, verdadeiramente pai e filho? Isso não
é estranho. Nos dias de hoje... está mais para... milagre!

Filho
Nós somos, não somos?

Pai
Sim, somos... e pais e filhos que se amam verdadeiramente... são feitos da
matéria dos sonhos!

(Luzes se apagam de repente)

Filho
O que houve?

Pai (acendendo uma vela)


Não se preocupe. O amor é luz!

Filho
Ai meu São José! Você não pagou o boleto, né?

Pai
Por que não mandam borboletas para variar? (Pai sopra a vela e os dois
riem)

(Blackout)
Cena IV

(Filho encontra os meninos de bicicleta na volta para casa)

Menino 1
Olha só! Se não é o menino estranho

Menino 2
A gente estava mesmo te procurando!

Filho
Me procurando, serio?
Menino 2
Claro! Afinal, a gente é amigo. Não é?

Filho
Se você está dizendo

Menino 1
Sim! E amigos verdadeiros não escondem segredos uns dos outros, não acha?

Filho
Não estou bem certo disso...

Menino 2
É claro que é! E foi por isso que viemos rapidinho lhe contar que seu pai é um
mentiroso!

Filho
O que?

Menino 1
O maior dentre todos os mentirosos da cidade

Filho
Meu pai não é um mentiroso!

Menino 2
Bom, de certa forma você está certo, afinal...

Os dois meninos
Ele não é o seu pai!

Filho
O que vocês estando dizendo? Vocês são loucos ou o que?

Menino 1
O homem que diz ser seu pai nunca foi seu pai, ele é um mentiroso!

Menino 2
Eu ouvi minha vó contando para minha mãe. Você é só um órfão, um garoto
que foi abandonado por ser estranho!

Menino 1 (Debochando)
Um órfão estranho que não tem papai!

Os dois meninos
Você não tem pai, você não tem pai!

Filho
Calem a boca!
(Pai entra em cena)
Pai
O que está acontecendo aqui?

Menino 1
Sujou! Vamos cair fora daqui!

Pai
Filho, o que houve?

(Filho corre desesperado deixando o pai sozinho)

CENA V

(Luz penumbra. Pai e filho se encontram)

Pai
Filho, o que está acontecendo?

Filho
Não me chame assim

Pai
Filho?

Filho
Você mentiu para mim

Pai
Mas...

Filho
Eu não sou seu filho! Por que você não diz logo, por que você mentiu para
mim!

Pai
O que disseram a você? Eu posso explicar...

Filho
Diz!

Pai
Porque... eu tive medo

Filho
Eu não sou seu filho, não de verdade... sonho, lua, mundo, tudo é só uma
grande mentira! Sou apenas um maldito garoto sem pai e... estranho

Pai
Não diga isso, eu sou seu pai! Posso não ser seu pai biológico, mas...
Filho
Não, não é! Você é só um homem tolo, estranho, tão estranho que fica me
iludindo com brincadeiras idiotas, me enganando de que sou um menino
especial!

Pai
Mas você é! Somos... e pai e filho unidos...

Filho
O que? Somos matéria dos sonhos? Besteira! Você é só um monstro que
transformou minha vida em um pesadelo. Eu odeio você! (Filho sai de cena)

Pai
Ai, meu São José... por que? Por que as coisas têm que ser tão complicadas?
Eu só quis ser tão bom pai quanto... São José... E agora, meu santo? Será que
Deus pai, que também é filho, pode acalentar essa dor?

Cena VI

(Faxineiro encontra o filho chorando)

Faxineiro
O que houve meu rapazinho?

Filho
Me deixa em paz! Não tem nada para você limpar aqui

Faxineiro
Entendo... As manchas do coração são sempre mais difíceis de sair

Filho
Você não entenderia...

Faxineiro
Não se você não me contar

Filho
O homem que achei ser meu pai é na verdade um mentiroso. E agora não faço
ideia de quem eu sou. Se não sou filho dele, não tem como ser como ele! E se
não sou como ele, sou feito da matéria... de nada... eu perdi tudo! Não me olhe
assim, eu disse que não entenderia

Faxineiro
Na verdade, isso faz muito sentido. Talvez eu não saiba quem você é, mas
creio conhecer, ao menos em parte, o homem que até pouco tempo atrás você
chamava de pai.

Filho
Como você poderia...
Faxineiro
Houve a muito tempo atrás, um jovem marceneiro que recebeu a maior de
todas as missões. As condições eram desfavoráveis. Inseguranças, dúvidas...
e nem mesmo o imenso amor que ele tinha por sua amada esposa, impediu
que ele fosse tomado por uma grande vontade de fugir daquele desafio.
Porém, foi num sonho que um anjo lhe trouxe a maior de todas as revelações

Filho
Por que você está me contando a história de São José? Não tem nada a ver,
José foi escolhido para ser o pai de Jesus, o Nosso Senhor! Eu não sou Jesus!

Faxineiro
E ainda assim, seu pai adotivo não pensou duas vezes em amá-lo como a um
filho enviado por Deus... Pense: Se o imenso amor de um pai adotivo, permitiu
a chegada do filho de Deus ao mundo, o que pode esse mesmo amor fazer por
um simples garoto que diz não ter nada?

Filho
Estou tão confuso...

Faxineiro
Bem, poderíamos perguntar aos dois garotos chatos o que é ter um pai de
verdades, mas... algo me diz que eles não saberiam a resposta. Talvez você
deva perguntar ao seu coração

Filho
Ai... meu São José? José!

Faxineiro
Não olhe para mim. Posso até chamar José, mas nunca fui santo! Mas sei que
um pai de coração divino, lhe sua espera de braços abertos nesse exato
momento.

(Filho olha emocionado para o faxineiro)

Faxineiro
E então? Vai ficar parado aí, perdido no mundo da lua?

Filho (Correndo de volta para casa)


Aí meu São José!

(Faxineiro vai saindo lentamente de cena pelo corredor saindo pela porta
dos fundos do teatro)

CENA VII

(Pai está em cena de costas para a coxia de onde o filho entra lentamente)
Pai
Eu não sabia o que fazer... você estava ali, embrulhado em uma manta toda
suja sob o vento frio... por um segundo, egoisticamente pensei em fugir. Tive
medo, mas... eis que por algum motivo você parou de chorar e... olhando para
mim... Sorriu! Soube naquele momento, que minha vida finalmente ganharia
sentido. Soube ser uma missão divina. Descobri naquele exato momento, que
sonhos podem ser materializados... entendi que meu sagrado destino era ser...

Filho
Pai?

Pai
Sou, não sou?

Filho
Eu te amo meu pai (Pai e filho se abraçam)

Pai (Com voz de sussurro)


Obrigado São José, padroeiro das famílias!

(Pai e filho se olham)

Filho
Pai e filho...

Pai
Unidos verdadeiramente...

Pai e Filho
São feitos da matéria dos sonhos

(Blackout. Faíscas no escuro? Repete-se a cena de abertura com um


jovem no centro do palco recebendo aplausos)

Filho adulto
Agradeço a todos por receberem de forma tão carinhosa minha obra. O mundo
da lua é um livro inspirado no meu velho pai, um pai que me amou da mesma
forma que José amou Jesus, seu filho. Um pai que me ensinou que pai e filho,
juntos verdadeiramente, tornam-se matéria dos sonhos. Bom, fiquem agora
com um presente que ele me deixou antes de partir para sua última e maior
aventura. No mais.... Obrigado meu pai!

(Vídeo de pai e filho)

Fim

Você também pode gostar