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Psicologia e Saber Social, 3(2),191-206, 2014 191

Representações sociais e cognição social

Social representations and social cognition

Anderson Pereira Mendonça1


Marcus Eugênio Oliveira Lima2

RESUMO: Neste artigo se discutem duas das perspectivas mais importantes da psicologia social.
A perspectiva da cognição social (CS) e a perspectiva da sociocognição, representada pela sua
teoria mais emblemática, a Teoria das Representações Sociais (TRS). Adotando como postulado
fundamental a necessidade de articulação dos diversos níveis de análise dos fenômenos,
consideramos os planos intrapsíquico, interpessoal, posicional e ideológico das explicações das
duas perspectivas referidas. Nosso objetivo é colaborar para a discussão de um novo campo de
pesquisa, centrado no estudo da articulação entre o funcionamento cognitivo e as regulações
sociais. Para tal, discorreremos sobre a TRS e a CS, apresentando alguns dos seus princípios
fundamentais e limitações analíticas, para propor uma integração/tensionamento entre as
perspectivas que permita, por um lado ampliar a teoria das representações sociais, dando conta
de algumas das limitações apontadas por seus críticos, especialmente sua fraqueza conceitual e
por outro, complementar vários aspectos da cognição social, especificamente mostrando a
importância das ancoragens sociais.
Palavras-chave: representações sociais; cognição social; atitudes; estereótipos.

ABSTRACT: In the present article we discuss two of the most important social psychology
perspectives: social cognition (SC) perspective and socio-cognition perspective. Represented by
its most emblematic theory, the Social Representations Theory (SRT). Embracing as fundamental
postulate the need to link phenomena analyses several levels, we consider the intrapsychical,
interpersonal, positional and ideological plans of both perspectives explanations. Our aim is to
assist in a new research field discussion, centered at the link between the cognitive process and
social regulations researches. For that we will discourse about SRT and SC, presenting some
fundamental principles and analytical limitations, to propose an integration/tension between
possible perspectives, on one hand broaden the Social Representations Theory, realizing some
limitations pointed by its critics, especially its conceptual weakness and on the other hand
complement several social cognition aspects, specifically showing the social anchors importance.
Keywords: social representations; social cognition; attitudes; stereotypes.

Neste artigo se discutem duas das perspectivas mais importantes da psicologia social,
tão importantes que até se pode dizer que são emblemáticas dos dois paradigmas
dominantes no campo; de um lado a psicologia social psicológica,; de outro a psicologia
social sociológica, considerando as inter-relações entre os níveis de análise intrapsíquico,
interpessoal, posicional e ideológico entre as duas orientações referidas (Doise, 1982),
Pretende-se verificar as possibilidades do estudo da teoria das representações sociais (TRS)
em articulação com outras áreas da psicologia social, especialmente os modelos cognição
social e suas análises sobre as atitudes e os estereótipos.
Como refere Valentim (2013) a ideia de um novo campo de pesquisa, centrado no
estudo da articulação entre regulações sociais e funcionamento cognitivo, não encontra

1 Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Rio de
Janeiro, Brasil. E-mail: anderson.p.mendonca@hotmail.com.
2 Professor Associado do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Sergipe - Sergipe, Brasil.
Mendonça, A. P. & Lima, M. E. O. 192

expressão, nem espaço, nos atuais modelos dominantes de pesquisa, o que muito prejudica
o desenvolvimento das teorias.
As análises da cognição social, especificamente dos conceitos de crenças e atitudes,
podem ser muito úteis para ampliar a teoria das representações sociais, dando conta de
algumas das limitações apontadas por seus críticos, especialmente sua fraqueza conceitual.
Por outro lado, a TRS complementa vários aspectos da cognição social, especificamente
mostrando a importância das ancoragens sociais. Não podemos perder de vista que o solo
onde se formam as representações e as cognições é o mesmo: o dos julgamentos sociais
(Doise, 1972). Com efeito, representações e cognições se formam nos e para os julgamentos
sociais.
A partir do entendimento de Doise (1984), o estudo das representações sociais
envolve diferentes níveis de análise, o que facilita essa articulação. Segundo Cabecinhas
(2004) é justamente a articulação desses níveis de análise que constitui o objeto próprio da
psicologia social, orientando o seu projeto de desenvolvimento. Corroborando com a ideia,
Vala (2004) sugere que a articulação entre os conceitos de representação social e cognição
social pode ser muito positiva, segundo ele, os mesmos atribuem um papel determinante às
estruturas cognitivas na produção do conhecimento social, formando estruturas de
conhecimento que guiam e facilitam o processamento da informação social, ressaltando que
esta articulação não deve ser confundida com uma submissão da teoria das representações
sociais aos modelos da cognição social e sim uma complementação vislumbrando um maior
entendimento dos fenômenos psicossociais.
Destaca-se também a construção do conhecimento socialmente compartilhado,
considerando a relação com as atitudes e estereótipos na formação do pensamento social,
partindo dos conteúdos mais explícitos até os menos acessíveis das representações sociais
construídas, reforçando a importância do estudo do fenômeno por parte da Psicologia, mais
precisamente a Psicologia Social Cognitiva, entendendo que a mesma tem como domínio
privilegiado o estudo da interação do sujeito com o meio que se insere.
A separação ou mesmo cisão entre as abordagens cognitivistas e as sociocognitivistas
tem uma história recente na psicologia social. Como refere Fraser (1994), a teorização sobre
atitudes na psicologia social começa no livro “The Polish Peasant” de Thomas e Znaniecki
ainda na segunda década do século XX (1918-20). Para estes autores a atitude seria a
internalização por parte dos indivíduos de algo socialmente valorizado, tornando-se
largamente compartilhada nos grupos sociais. A partir da década de 1930, no entanto, a
psicologia social começa a passar nos Estados Unidos por um processo de individuação (Farr,
1991), ocorre um amplo desenvolvimento de escalas de atitudes, o conceito passa por um
processo de revisão a fim de referir não mais as visões compartilhadas de um grupo sobre
um fenômeno, e sim as visões diferentes de cada indivíduo dentro de um grupo sobre o
fenômeno (Fraser, 1994).
Serge Moscovici formula sua teoria na década de 1960 tomando como contraste o
conceito de atitudes individualizado da psicologia social norte-americana. A TRS começa a
ter impacto na década de 1970 e, sobretudo, nos anos 80. No texto “O início da era das
representações sociais”, Moscovici (1982) afirma o caráter complementar da TRS em relação
às abordagens cognitivistas. Para ele o problema central da psicologia a partir da segunda
metade do século XX foi a redescoberta da mente social. Três fases ou períodos conceituais
ocorrem na psicologia para responder a esse problema: as atitudes sociais, a cognição social

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e as representações sociais. O que muda nestas fases é a ênfase nos conceitos e abordagens,
o que era periférico numa poderia se tornar central na outra. Quando propõe fases,
Moscovici de alguma maneira aceita os postulados gerais do positivismo que afirma a
superação de uma forma de pensar por outra, numa espécie de cadeia evolutiva do
conhecimento. Contudo, não é isso que ocorre e neste texto procuramos mostrar que as
duas abordagens, da cognição social e das representações sociais, ganham mais com a
articulação dos seus níveis de análise que com a ideia de superação.
As representações sociais surgem da necessidade de ajustamento das pessoas, que
precisam identificar, conduzir e resolver problemas que lhes são apresentados,
transformando o desconhecido em conhecido: “surgem do nosso desejo de familiarizar o
não familiar” (Moscovici, 2003, p, 203). Nesse processo de ajustamento, de superação do
“vago” os sujeitos desenvolvem modos de promover a compreensão sobre os grupos
externos aos seus grupos de pertença, realizando uma “economia” cognitiva. Segundo
Torres (2010), em um contexto social mais amplo, torna-se mais comum o comportamento
intergrupal (baseado nas afiliações) do que o comportamento interpessoal (baseado nas
características individuais), estimulando o desenvolvimento de estereótipos, que orientam
as atitudes e comportamentos dos grupos. Tanto as representações sociais quanto os
estereótipos referem-se ao saber elaborado pelos indivíduos, e em ambos os casos, as
cognições permeiam a compreensão e avaliação, participando da construção da identidade
das pessoas (Moliner & Vidal, 2003; Tajfel & Turner, 1979).
A integração e/ou o tensionamento entre os níveis de análise dos fenômenos é a cada
dia uma necessidade mais premente na psicologia social. Tanto que, até os olhares externos
à nossa disciplina são capazes de perceber essa urgência, a exemplo do antropólogo Clifford
Geertz que, comentando a obra de Jerome Bruner, refere:
O trajeto de nossa compreensão da mente não consiste numa marcha decidida em direção a um
ponto ômega onde tudo enfim se encaixa alegremente; consiste na exposição repetida de
investigações distintas, de tal modo que, vez após outra, de maneira aparentemente interminável,
elas imponham reconsiderações profundas umas às outras. (...) o que parece necessário é o
desenvolvimento de estratégias que permitam as diferentes construções da realidade mental, nas
palavras de Bruner, confrontar, decompor, energizar e desprovincializar umas às outras levando a
empreitada erraticamente adiante (Geertz, 2001, p. 176).

Neste texto defendemos a ideia em desenvolvimento de um modelo teórico


integrado e tensionado entre cognições e representações. Para tanto, nos baseamos na
Teoria das Representações Sociais e nas relações mais próximas com os conceitos de
Estereótipos e Atitudes.

A teoria das representações sociais e o pensamento social


O estudo das representações sociais se constitui como um grande campo de
investigação em diferentes abordagens nas Ciências Sociais e Humanas e segundo Silva,
Trindade e Silva Junior (2012), tem se mostrado um instrumento teórico e metodológico
interessante para estudos no âmbito da abordagem psicossocial. Nesse contexto, Bomfim
(2004), entende que tais estudos ocupam um lugar importante e buscam explicar a relação
entre as produções mentais e as dimensões materiais e funcionais da vida dos grupos,
acrescentando ainda que a representação social é parte do cotidiano e um produto da
comunicação e da linguagem, constituindo-se numa organização de imagens. Logo, a teoria
enfatiza e simboliza atos e situações cujo uso os torna comum. Sendo, portanto, uma

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modalidade particular do conhecimento, que tem por função a elaboração de


comportamentos e a comunicação entre indivíduos. Realçando também, que a
representação social tanto fala quanto mostra, tanto comunica quanto exprime.
De acordo com a TRS as origens do pensamento social dependem das relações entre os
grupos. Nesta linha argumentativa, grupos e indivíduos estão sempre num campo de forças
definido pela ideologia dominante (Moscovici, 1984). Três anos antes da obra que
inauguraria a TRS, Fritz Heider já havia formulado uma psicologia voltada para o pensamento
social do cidadão comum. Heider (1958) procurava entender, assim como Moscovici, como
as pessoas comuns construíam um conjunto de teorias sobre a vida social, a partir das quais
poderiam interpretar os acontecimentos sociais e reagir a eles (Camino & Torres, 2011).
Ainda na década de 1960, Berger e Luckmann (1966/1985) publicam o livro “A construção
social da realidade”, no qual também discutem os fundamentos do conhecimento na vida
cotidiana. A intenção destes autores, assim como foi a de Moscovici e a de Heider, era
entender os processos que fazem com o conhecimento do “homem da rua” ou do senso
comum possa ser socialmente estabelecido como realidade operativa.
As três perspectivas se aproximam em vários aspectos; contudo se diferenciam num
ponto crucial, que diz respeito à origem do pensamento social, ao seu fundamento. Para
Moscovici (1982) o conhecimento é social, enquanto produto e enquanto processo.
Enquanto processo é social na medida em que é compartilhado nas interações sociais.
Enquanto produto ele é social porque são representações de um sujeito sobre um objeto
marcadas pelas referências ao pertencimento grupal; sendo parte integrante das
identidades sociais (Wagner, 1998). De forma que produto e processo não se distinguem
nesta perspectiva (Semin, 1985). Já nos modelos dominantes da cognição a origem do
conhecimento está centrada nas estratégias individuais para lidar com a realidade,
preservando os recursos cognitivos. Esses modelos põem ênfase na ideia de erro ou
enviesamentos mentais: “As operações do conhecimento, no entanto, estão sujeitas a erros,
embora estes possam ser corrigidos.” (Pereira, 2011, p. 169).
As representações sociais se referem a uma reprodução mental, por meio da
construção ou da transformação, de um objeto. É através dessa representação mental que o
objeto se apresenta ou é substituído, torna-se presente e restaura-se simbolicamente. A
representação mental caracteriza o sujeito e sua atividade (Doise, 2002). Segundo Jodelet
(1989, p. 37), “não há representação sem objeto”, não há dualidades entre o sujeito que
representa e o objeto representado, porém, de acordo com Moliner (1996, p. 3), “alguns
objetos do campo social não suscitam a emergência do processo representacional”, ele pode
ser representado em razão das características ou em razão de seu aparecimento na
sociedade.
Flament (1987) destaca que uma representação é inicialmente constituída de
cognições relativas a um objeto. As cognições são conhecimentos simples relativos ao
objeto, tais conhecimentos provêm de três fontes: as experiências e as observações do
sujeito (eu vi, eu fiz), as comunicações às quais ele está exposto (eu ouvi, disseram-me) e as
crenças que ele elaborou (eu penso, eu acredito). Qualquer que seja a fonte, estes
conhecimentos têm valor e evidência para os sujeitos, formando assim os elementos de uma
base de uma Representação Social.
Para Moscovici (1978), as representações sociais se organizam de acordo com as
proposições, reações ou avaliações de cada classe, cultura ou grupo, mediante três

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dimensões: A informação designa o conjunto de conhecimentos relativos ao objeto, quanto


maior for a quantidade de informação, mais elaborada é a representação. O campo
corresponde à organização subjacente destes conhecimentos, ressaltando que os indivíduos
não dispõem da globalidade de informações, eles dispõem apenas de informações relativas a
certos aspectos do objeto, sendo o conjunto destes aspectos que constituem o campo da
representação. A atitude, correspondendo à orientação global dos indivíduos (favorável ou
desfavorável) em relação ao objeto.
Para Silva (2009), os estudos em Representações Sociais apresentam três diferentes
vertentes, todas elas compatíveis com a teoria mais geral e ao mesmo tempo, cada uma
delas com uma forma particular de analisar o processo representacional. Essas vertentes
focariam: 1) o processo de formação e transformação das representações sociais; 2) os
elementos constituintes da representação social de um objeto; 3) as representações sociais
como orientadoras de práticas. Acrescentando ainda que estas possibilidades podem
relacionar possíveis diferenças em grupos com contextos sociais diferentes,
consubstanciando as principais abordagens da TRS: a processual ou dinâmica, a estrutural e
a societal.
A abordagem dinâmica ou processual, difundida por Jodelet (1989), propõe que as
representações sociais configuram-se como uma modalidade de conhecimento prático,
estando orientadas para a comunicação e para a compreensão do contexto social, material e
ideativo em que vivemos. São por conseguinte, formas de conhecimento que se manifestam
como elementos cognitivos (imagens, conceitos, categorias, teorias), mas que não se
reduzem jamais aos componentes cognitivos. Sendo socialmente elaboradas e
compartilhadas, contribuem para a construção de uma realidade comum, que possibilita a
comunicação. Nessa perspectiva, para Almeida (2009) a TRS atua como guias de
interpretação e organização da realidade, possuindo uma orientação prática que leva o
indivíduo a se situar no mundo e o dominar. Trindade (1996) enfatiza a importância do
conhecimento do senso comum e das relações cotidianas, a partir das experiências dos
sujeitos e suas relações com a realidade. Para a autora, tais experiências, advêm das formas
de inserção social e como os indivíduos apreendem e interpretam a realidade.
A abordagem estrutural entende as representações sociais como estruturas de
conhecimento sobre temas da vida social, que são compartilhadas por grupos e que se
formam a partir de elementos cognitivos ligados entre si (Wachelke & Wolter, 2011). Nessa
perspectiva, toda representação social é dividida em elementos centrais e periféricos, sendo
os primeiros mais resistentes à mudança. O núcleo central de uma representação social é
composto por elementos normativos (padrões sociais e ideologias) e funcionais
(características descritivas e condutas sociais), considerando que quanto maior a
aproximação do sujeito com o objeto da representação mais o núcleo central dessa
representação se torna funcional.
Abric (1994) destaca que uma representação só se transforma a partir do momento
em que o próprio núcleo central é transformado. Portanto entende-se que o sistema central
é estável, coerente, consensual e historicamente definido, enquanto que o sistema
periférico constitui o complemento indispensável do sistema central do qual ele depende,
isto porque se o sistema central é essencialmente normativo, o sistema periférico, é, por sua
vez, funcional, devido a ele, a representação pode se ancorar na realidade do momento.

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A abordagem societal proposta por Doise (2002) adota uma perspectiva mais
sociológica, enfatizando a inserção social dos indivíduos como fonte de variação dessas
representações. Nesta direção, de acordo com Almeida (2009) o objetivo dessa abordagem é
conectar o individual ao coletivo, na tentativa de articular explicações de ordem individual
com explicações de ordem societal, entendendo que os processos de que os indivíduos
dispõem para funcionar em sociedade são orientados por dinâmicas sociais (interacionais,
posicionais ou de valores e de crenças gerais).
Doise (1982) entende que uma representação é formada através dos julgamentos de
um grupo sobre os outros. Desse modo o posicionamento do sujeito em relação ao meio
social interfere na forma como o indivíduo compreende a realidade. Para Camino (1996, p.
24), esse tensionamento torna-se importante para a compreensão da sociedade,
considerando as interações entre dois níveis (o psicológico e o sociológico) como fenômenos
de mão dupla. Com isso, “formações sociais são construídas dinamicamente pelo conjunto
de representações e ações dos indivíduos que as constituem”.
Farr (1991) sustenta que a teoria das representações sociais não privilegia nenhum
método de pesquisa em especial. Para Sá (1998), a adoção de diferentes quadros teóricos de
referência nas teorias complementares resulta em opções preferenciais por diferentes
métodos, de modo que o campo como um todo não se vincula exclusivamente a nenhum
deles, esquematizando da seguinte forma: para a abordagem processual correspondem,
sobretudo, os métodos qualitativos e: para as abordagens estrutural e societal predominam
os métodos quantitativos, com destaque para a pesquisa experimental no caso da primeira.
Para explicar o processo de formação das representações, Moscovici (1978) salienta
dois aspectos importantes: ancoragem e objetivação. A ancoragem refere-se ao fato de tudo
o que se pensa sobre alguma coisa ter um embasamento na realidade. Quando pensa sobre
um objeto, o sujeito usa como referência experiências e esquemas de pensamento já
estabelecidos, assemelhando-se a um processo de categorização, uma vez que atribui aos
objetos um local dentro de uma malha de significados (Moscovici, 1978; Vala, 2004).
Portanto, permite integrar o objeto da representação em um sistema de valores próprios
aos indivíduos, denominando-o e classificando-o em função da inserção social dos mesmos.
Assim, Almeida e Santos (2011) entendem que um novo objeto é ancorado quando ele passa
a fazer parte de um sistema de categorias já existentes mediantes alguns ajustes. A
objetivação corresponde à forma como se organizam os elementos de uma representação
social e o percurso através do qual adquirem materialidade, processo que envolve três
momentos. Primeiramente as informações, ideias e crenças acerca de um objeto são
selecionadas e descontextualizadas e estes são reorganizados em torno de um esquema
estruturante. A última etapa deste processo consiste na naturalização, de modo que as
relações estabelecidas se constituam como categorias naturais e adquiram materialidade, ou
seja, a objetivação torna concreto aquilo que é abstrato. Ela transforma um conceito em
imagens, retirando-o de seu marco conceitual científico, trata-se de privilegiar certas
informações em detrimento de outras, simplificando-as e dissociando-as de seu contexto
original de produção (Almeida & Santos, 2011).
O desenvolvimento da TRS resulta, como vimos, da renovação dos interesses pelos
fenômenos coletivos, especificamente pelas regras que regem o pensamento social. Com
isso, o “senso comum” aparece como essencial, sendo a identificação da “visão de mundo”
que os indivíduos ou os grupos têm e utilizam para tomar posição, indispensável para
compreender a dinâmica das interações e práticas sociais (Abric, 1998).

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Modelos de cognição e o pensamento social


A cognição social pode ser entendida como o conhecimento acerca de qualquer
“objeto humano”, seja indivíduo, si próprio, grupos, papéis ou instituições (Troccoli, 2011). O
autor acrescenta que são estruturas e processos mediante os quais os sujeitos selecionam,
interpretam, recordam e usam a informação social para fazer julgamentos e tomar decisões.
Para Pereira (2011), os estudos sobre a cognição dependem da aceitação de uma
premissa básica: “o conhecimento sobre o mundo é um elemento essencial para a
sobrevivência”. (p. 101) Acrescentando que as cognições sociais envolvem formas de
explicação sobre algum evento ou circunstâncias em que o sujeito está envolvido, desse
modo, toda cognição social é compartilhada pelos grupos sociais.
Pensando na perspectiva de um sujeito ator com a noção de um sujeito indissociável
do social, a cognição será entendida como uma atividade não só individual, mas social, uma
vez que os indivíduos se encontram ligados aos outros em todos os planos (Vala, 1993).
Considerando as semelhanças de conteúdo, apesar das diferenças teóricas, deve-se
reconhecer as limitações das teorias psicossociais e complementar com outra, para um
entendimento maior e mais consistente dos fenômenos sociais. Portanto entendemos que
um caminho possível se dá a partir da seguinte relação:

As atitudes têm sido por muito tempo foco de vários estudos desenvolvidos no
contexto da Psicologia Social (Greenwald, et al., 2002; Krüger, 2011; Neiva & Mauro, 2011,
Reich & Adcock, 1976; Rodrigues, Assmar & Jablonski, 1999; Salesses, 2005; Visser &
Rosnick, 1998). Para Lima (1996), por ser um dos mais antigos e mais pesquisados conceitos
em Psicologia Social, o mesmo se mostra bastante flexível, pois sobrevive a diferentes
paradigmas e níveis de explicação dos mais diversos.
Alguns autores (Ibañez, 1988; Álvaro & Garrido, 2007) apresentam alguma
dificuldade em estabelecer uma diferença entre o conceito de representação social e o
conceito de atitude. Tais autores acreditam que um conceito agrega valor ao outro, de modo
que são indissociáveis. De fato, as semelhanças entre os conceitos são muitas, já que,
historicamente, pesquisadores recorrem ao conceito de atitude para dar conta de contextos
bem próximos aos que invocam hoje os teóricos das representações sociais, posto que as
atitudes segundo Ibañez (1988, p. 61), “fazem referência a disposições cognitivas adquiridas
pelas pessoas em relação a certos objetos sociais”, sugerindo que as atitudes se exprimem
em relação ao objeto da representação. O conhecimento das atitudes permite saber como
os indivíduos pensam, sentem ou reagem a certos eventos.
Segundo Neiva e Mauro (2011) as definições sobre o tema existem desde 1920 e
desde então tem gerado várias implicações para as medidas e seu desenvolvimento teórico.
Allport (1935) entendia a atitude como as maneiras que um organismo reage, enfatizando as

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implicações comportamentais que podiam ser extensivas a todas as situações ou objetos


com os quais esse organismo se relaciona. Para Thurstone (1931), numa definição que até
hoje influencia o campo de construção de medidas psicológicas, a atitude é um afeto pró ou
contra um objeto psicológico.
Corroborando com o conceito, Torres (2010) considera que as atitudes são
organizações duradouras de crenças e cognições, geralmente dotadas de carga afetiva pró
ou contra um objeto de julgamento, que predispõe a uma ação coerente com as cognições e
afetos relativos ao mesmo. Elas possuem a função de permitir a obtenção de recompensas,
protegerem a auto-estima, evitar a ansiedade, ordenar e assimilar informações complexas,
refletir sobre convicções e valores e estabelecer a identidade social.
Olson e Zanna (1993) definem atitude a partir de quatro elementos, a saber: 1)
avaliação, que corresponde a tendência psicológica que é expressa pela avaliação de uma
entidade particular com algum grau de favorabilidade ou desfavorabilidade; 2) afeto, que se
associa a um objeto mental; 3) cognição, entendida como um tipo especial de conhecimento
notadamente conhecido, cujo conteúdo é avaliativo ou afetivo; e finalmente 4) conação ou
predisposições comportamentais, que predispõe o organismo a uma resposta favorável ou
desfavorável quanto a um objeto, pessoa ou ideia.
Dessa forma nota-se uma concordância geral de que atitude representa uma
avaliação de um objeto psicológico capturado em suas características dimensionais como
bom-ruim, nocivo-positivo, prazeroso-desagradável, gostável-não (Ajzen & Fishbein, 2000).
Rodrigues, Assmar e Jablonski (1999) ressaltam que as atitudes se constituem a partir
de um processo de socialização, como derivativos da aprendizagem, sendo consequência de
características individuais de personalidade ou de determinantes sociais, mediante seus
componentes cognitivos, afetivos e comportamentais. O componente cognitivo (crenças,
preconceito, conhecimento) refere-se a representação cognitiva anterior de um objeto, para
a existência de evocação de atitudes relacionadas a este objeto. O componente afetivo
indica características claras das atitudes sociais, porque implica em sentimento pró ou
contra. O componente comportamental é definido como uma decorrência da interação
entre o cognitivo e o afetivo, prevendo a ação do indivíduo na intenção de adotar um
comportamento.
Verifica-se a partir deste conceito que as atitudes são fomentadas pelas crenças do
indivíduo, o que indica que uma mudança de atitude requer necessariamente uma
transformação nas crenças, principalmente em relação às consequências de um
comportamento.
As crenças produzem consequências na cognição, nas emoções e na conduta.
Segundo Krüger (2011) as crenças têm sempre sua origem em experiências pessoais
podendo se formar tanto no campo da percepção, bem como no pensamento, raciocínio e
imaginação. De acordo com o autor existem também as crenças externas, provenientes da
percepção e alimentadas por sensações, nesse caso envolve apena um formador de opinião
com características importantes para o avaliador da informação, ou um tema não muito
interessante para a pessoa, em ambos os casos, não existe a necessidade de grande
elaboração cognitiva.

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No processo de construção e de mudança de atitudes, a necessidade de facilitar a


compreensão da mensagem com o mínimo de elaboração cognitiva proporciona uma
situação fértil para a formação de estereótipos.
O conceito de estereótipo está intimamente ligado ao conceito de crenças. O
fenômeno do estereótipo segundo Pérez-Nebra e Jesus (2011) se configura como uma
atribuição de crenças que se faz a grupos ou pessoas. Essas crenças compartilhadas são
generalizações que se fazem sobre grupos, pois segundo Allport (1954/1979), a estereotipia
é uma tendência cognitiva a supergeneralizar e deformar os fatos a partir de similaridades
percebidas. Pelo fato de o sujeito ter de reagir de maneira diferente, o mesmo baseia-se no
que lhe é comum e a partir daí faz suas generalizações. Ressaltando que os estereótipos
podem ser positivos, negativos ou neutros e apresentar intensidades diferentes.
Para Techio (2011) os estereótipos podem ser concebidos como crenças ou
representações cognitivas simplificadas da realidade, pois os mesmos dão significado às
ações intergrupais, incorporando diversas características tais como: interesses, metas,
papéis sociais e imagens. Trata-se de crenças sobre atributos típicos de um grupo,
compartilhados no interior de outro grupo social. Desse modo, estereótipos possuem a
função de simplificar a demanda do percebedor, facilitando o processo de informação
(Pereira, 2002).
Semin (1994) define como principal característica dos estereótipos a redução da
complexidade do ambiente social, que segundo o autor diferencia-se das representações
sociais principalmente pelo seu conteúdo constituído por estruturas de processos cognitivos
internos. Os estereótipos podem estar localizados segundo Menin (2006) nas zonas mudas
das representações sociais, por serem espaços que embora sejam comuns a um
determinado grupo e nele partilhadas, não se revelam facilmente nos discursos diários,
muito menos nos questionários de investigação, pois são vistas como não adequadas em
relação às normas sociais vigentes.
Segundo Torres (2010) alguns estudos buscaram identificar o papel das atitudes
(Doise, 2002; Salesses, 2005) e dos estereótipos (Menin, 2006; Smith et al., 2006) no
processo de estruturação das representações sociais e nas relações entre grupos (Waldzus,
Mummendey, Wenzel & Weber, 2003). Nesse contexto, torna-se possível articular um
modelo integrado entre as três abordagens. Além de interdisciplinar, a teoria das
representações sociais possui uma intenção integradora, o que facilita essa articulação, pois
a mesma considera os pressupostos de não ruptura entre interno e externo, sujeito e objeto
da representação, necessita frequentemente da utilização de uma abordagem múltipla e da
inovação de estratégias metodológicas (Camargo, 2005).

Possíveis articulações entre os modelos da cognição e a TRS


Os Modelos de Cognição Social (MCS) e a Teoria das Representações Sociais (TRS) são
duas abordagens nas quais a articulação e o tensionamento podem ser muito profícuos, por
várias razões: a) o solo onde se formam as representações e as cognições é o mesmo: o
campo dos julgamentos sociais (Doise, 1972) e dos processos de construção da realidade
social e psicológica; b) o contexto de formação e difusão das cognições e representações é
também o mesmo: o das relações intergrupais (Almeida, 2009); c) os principais conceitos
dessas duas perspectivas são intercambiáveis e complementares: atitudes, crenças e

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representações sociais (Fraser, 1994) e d) os métodos de pesquisa predominantes nas duas


abordagens (experimentais e descritivos) podem ser utilizados de modo integrado,
ampliando poder de análise dos fenômenos (Gergen, 2002) e reconduzindo os estudos
experimentais para o contexto das normas e das representações construídas nas relações
sociais.
Acrescentamos ainda que as principais diferenças entre os MCS e TRS são: 1) Na TRS
a articulação do pensamento social com os contextos históricos e culturais é uma questão
central; 2) Nos MCS os problemas fundamentais são os processos internos de conhecimento;
3) Na TRS há maior ênfase em articular os planos cognitivo, avaliativo e emocional; 4) Nos
MCS adota-se uma orientação molecular dos fenômenos, ou seja, intenta-se reduzir o
complexo ao simples; na TRS a orientação é mais molar (Cabecinhas, 2004; Vala, 2003).
Nessa mesma perspectiva Wachelke (2013) destacou a possibilidade de aproximar as
tradições de pesquisa do pensamento social e cognição social, ressaltando da necessidade
de estudos enfocando a origem social dos processos estudados e apontando alguns
caminhos de articulação, mais especificamente a partir de uma visão estruturalista seguindo
um esquema de arquitetura do pensamento construído através da relação: estrutura,
cognição e representação, privilegiando a noção de estereótipos como elo entre o modelo.
Esta aproximação entre os MCS e a TRS permitiria colmatar algumas das principais lacunas
das duas perspectivas, com destaque para às críticas à delimitação e análise conceitual na
TRS.
Jahoda (1988) questiona a falta de clareza na distinção entre representações sociais e
representações coletivas, se as RS são variáveis dependentes ou independentes, o quão
geral e o quão específico são as RS, e a relação entre representações sociais, cultura,
ideologia e mente grupal. Jahoda (1988) sugere então duas soluções para o problema, uma
soft outra hard. A solução soft propõe que não sendo possível dar conta de todos os
problemas as representações sociais possam ser tratadas como um conceito genérico de
largo espectro que permite analisar diversos fenômenos. O conceito de RS teria assim
apenas uma força descrita similar à do conceito de “desenvolvimento”, por exemplo (Räty &
Snellman, 1992). A solução hard propõe, por outro lado, mudanças de impacto nas
formulações conceituais e nas abordagens metodológicas associadas a elas a fim de alcançar
uma maior consistência na Teoria; uma vez que, por causa da sua obscuridade conceitual, a
TRS nunca pode ser testada e revisada empiricamente (Jahoda, 1988). Efetivamente,
desconhecemos estudos que tenham adotado a TRS e que, como base nos resultados
encontrados, critiquem os pressupostos da teoria, à exceção do Litton e Potter (1985). De
forma que, a fluidez teórico-metodológica ao mesmo tempo em que enriquece a TRS a
impede de se desenvolver.
Billig (1988) afirma que a TRS apresenta duas noções de representação, uma universal
e outra particular. A universal seria aquela mais comum à toda a sociedade, um tipo de
senso comum e conhecimento prático usado para tornar o mundo compreensível. A
particular se refere às representações das sociedades modernas, que diferem das
sociedades antigas. Como a ciência é importante fonte do conhecimento na
contemporaneidade, o senso comum seria agora a apropriação folk da ciência, de forma que
para Billig apenas se pode falar das representações no sentido particular (Räty & Snellman,
1992).

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Potter e Litton (1985) discutem inicialmente a falta de um conceito bem definido de


RS. O próprio Moscovici (1983), segundo estes autores, defende o caráter vago ou a
imprecisão conceitual como uma virtude da teoria. De forma que, cada autor usa ou define
como entende o fenômeno, o que gera dificuldades para utilizar a TRS em pesquisas
empíricas (Potter & Litton, 1985).
Outra crítica desses autores se dirige à noção genérica de grupo adotada na TRS. Os
grupos e categorias sociais não podem ser tratados como um fenômeno que ocorrem
naturalmente e que possam ser usados como uma base não problemática para as
conclusões de uma pesquisa. Por exemplo, quando citamos um estudo sobre as
“representações sociais da bebida para alcoolistas”, podemos nos perguntar em que medida
“alcoolistas” são um grupo para os que responderam à pesquisa; e mesmo satisfazendo ao
critério de pertencimento, ainda posso indagar em que medida os participantes se
identificam com essa categorização.
Potter e Litton (1985) criticam ainda a noção de consenso, tão cara à TRS. Os autores
comentam que os recursos metodológicos adotados nos estudos sobre representações
sociais muitas vezes conduzem à pressuposição do consenso entre os participantes e à
negligência das diferenças ou dissensos intragrupo. De tal modo que, não basta afirmar que
as representações sociais implicam no compartilhamento de imagens, crenças, ideias, ou
atitudes, sem antes especificar que nível e intensidade do consenso são requeridos para
estar efetivamente falando de uma representação social (de um grupo) sobre o um objeto
(Potter & Litton, 1985).

Atitudes e estereótipos no campo das representações sociais


Não obstante sua importância, as críticas apresentadas não propõem um tratamento
dos problemas que permita avanços teóricos à psicologia social (Semin, 1985). A ideia
central do texto é a de que as análises da cognição social, especificamente dos conceitos de
atitudes e estereótipos podem ser muito úteis para ampliar a teoria das representações
sociais, especialmente no que se refere à sua fluidez conceitual.
A atitudes e os estereótipos são dois temas que têm sido muito pesquisados pelos
Modelos de Cognição Social. Ambos podem se definidos como crenças ou representações
cognitivas, frequentemente chamadas de protótipos ou esquemas, que se compõem de
redes entre traços personalísticos ligados a membros de categorias sociais (Stangor &
Schaller, 1996), portanto a representação dos grupos sobre o outro está na base dos dois
fenômenos, seja quando entendida como uma representação cognitiva (mental), seja
quando concebida como uma representação social.
Os estereótipos e as atitudes são, portanto, uma área de pesquisa que permite
integrar os MCS com a TRS, ampliando o poder heurístico das duas abordagens em
comparação ao seu uso isolado. Destaca-se que na análise desses fenômenos é possível
vislumbrar as limitações e possibilidades dessas abordagens com mais clareza porque a
construção e expressão do pensamento social mobilizam os quatro níveis de análise
referidos neste texto: intrapessoal, interpessoal, posicional e ideológico; níveis que marcam
os pontos de contraste e de intersecção entre as teorias ou abordagens em tela e permitem
entender melhor a relação indivíduo sociedade e as relações sociais (Doise, 1982).

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No campo da cognição, o Modelo Dissociativo (Devine, 1989) considera que as


pessoas têm crenças pessoais e crenças coletivas, e que em contextos de pressão normativa
as crenças pessoais podem se dissociar das crenças coletivas. Na teoria das representações
sociais a abordagem societal de Willem Doise propõe que: 1) há uma partilha de crenças
comuns, entre os diferentes membros de uma população, acerca de um dado objeto social;
2) é preciso entender e explicar como o porquê dos indivíduos se diferenciarem entre si nas
relações que eles mantêm com os objetos de representação e 3) as RS são caracterizadas
por ancoragens sociais que explicam as tomadas de posição, devendo estas ser identificadas
(Doise, Clémence & Lorenzi-Cioldi, 1992).
Propondo a integração destes dois modelos de análise no entendimento das atitudes
e dos estereótipos, o modelo dissociativo com a abordagem societal, pode definir melhor a
relação indivíduo-sociedade na TRS; esclarecer mais precisamente o fenômeno do consenso
e destacar o dissenso; tornar salientes as ancoragens ou solo histórico e cultural das crenças;
fazendo assim avançar as duas abordagens e, sobretudo, a compreensão dos fenômenos
estudados.
Alguns poucos estudos já foram realizados com o intuito de articulação entre as
referidas abordagens: Moliner e Vidal (2003) realizaram uma pesquisa centrada na relação
entre a categorização social e representação social, visando estabelecer as diferenças e
semelhanças entre estes dois tipos de estruturas cognitivas que dizem respeito a um grupo
social.
Os autores partiram do pressuposto que os elementos centrais de uma
representação de um grupo são idênticos aos elementos estereotipados desta categorização
do mesmo grupo, para tal eles utilizaram como grupo social, idosos para verificar como os
mesmos são vistos por outro grupo que eram adultos jovens. Foram feitos dois estudos: no
primeiro, foram mensuradas algumas características relacionados ao idoso, verificando uma
forte correlação entre a centralidade e a estereotipia. No segundo estudo, os sujeitos foram
expostos a informações contrárias as crenças observadas nas respostas às características
relacionadas aos idosos. Como resultado foi possível verificar uma maior resistência dos
elementos centrais que não se modificaram, enquanto houve uma transformação nos
estereótipos. Os autores concluem ainda que não se possa afirmar uma correspondência
estreita entre estereótipo e núcleo central, a tentativa de articulação dos conceitos traz
inegável ampliação no entendimento das investigações sobre os processos de categorização
social.
Na mesma direção, Rateau, Moliner, Guimelli e Abric (2011) ressaltaram a
importância do desenvolvimento da TRS no sentido de aprofundar o conhecimento do
funcionamento psicossocial do indivíduo e do grupo, principalmente na relação entre
atitudes e representações sociais.
Neste texto procuramos, de forma introdutória, estabelecer uma agenda de pesquisa
que foque a integração de modelos de análise das duas perspectivas no estudo dos
fenômenos das relações intergrupais, dialogando com diferentes orientações teóricas e
metodológicas a exemplo dos estereótipos e atitudes. A maioria dos estudos encontrados,
que buscam articular as análises da TRS com as da Cognição Social tem proposto que este
exercício é uma forma de estimular o desenvolvimento da Psicologia Social, a fim de
superarmos a lógica da raposa e do ouriço predominante na pesquisa em ciências sociais e
humanas.

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Representações sociais e cognição social 203

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Apresentação: 02/08/2014
Aprovação: 02/10/2014

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