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APRENDENDO E

ENSINANDO COM
NATIVOS DIGITAIS
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Catalogação na fonte – Editora Telesapiens
Bibliotecária Responsável: Luzenira Alves dos Santos - CRB9/1506

C749

Congresso Nacional de Educação 5.0 – Aprendendo e ensinando com


nativos digitais (6: 2022: Poços e Caldas, MG). [Anais do] VI Congresso
Nacional de Educação 5.0 – Aprendendo e ensinando com nativos
[recurso eletrônico] / Jocyare Cristina Pereira de Souza, Helena Longhi
(orgs.) – Recife: Telesapiens, 2023.
388 p.; Livro digital.

Inclui referências
ISBN: 978-65-5873-459-8

1. Educação 2. Educação digital – inclusão 3. Jogos digitais – educação


4. Metodologias ativas 5. Mulheres negras – ciência I. Souza, Jocyare
Cristina Pereira de. II. Longhi, Helena. III. Título IV. Anais de Congresso,
2022.

CDU 37(81) CDD 370.0981

Índice para catálogo sistemático

1. Educação – Anais – 370.0981


CORPO EDITORIAL

Fabricio Santos Rita – IFSULDEMINAS CAMPUS MUZAMBINHO

João Fabio Diniz – UNIFEOB

Jocyare Pereira de Souza – UNINCOR

Richard Brunel – UNIVERSIDAD NACIONAL DE CÓRDOBA –

ARGENTINA
6° CNE
COMISSÃO ORGANIZADORA:
GISELE CORREA FERREIRA
LIGIA SANCHES
KEILA CORNETES
HELENA LONGHI
CAMILA OLIVEIRA
CAMILA BRUNO

COMISSÃO TÉCNICO CIENTÍFICA:


Adilson Ventura da Silva – UESB
Ana Cecilia Perez - Universidad Nacional de Córdoba – Argentina
Cera Pacheco – UESB
Cristiana de Muylder – FUMEC/Unincor
Cristiane Baquim – UFV
Debora Masmann – UFAL
Fabiana Costa Dias – Kroton Educacional
Fábio Brazier - IFSULDEMINAS Campus Machado
Fabricio Santos Rita – IFSULDEMINAS Campus Muzambinho
Fernanda Suely Muller – UFC
Isadora Machado – UFBa
João Fabio Diniz – UNIFEOB
Jocyare Pereira de Souza – Unincor
Lorena Temponi Boechat - IFSULDEMINAS Campus Poços de Caldas
Luiz Francisco Dias – UFMG
Maria Cristina O`Relley – PUC Minas
Renata Mantovani - Inincor
Renata Pamplim – UEMG
Richard Brunel – Universidad Nacional de Córdoba – Argentina
Rosimar Regina Rodrigues de Oliveira – UNIFESSPA
Taisir Mahmudo Karim - UNEMAT
Wellington Lima Amorim – UFRGS

REALIZAÇÃO: GSC EVENTOS

APOIO:
TORRE DE BABEL
ABED
GRUPO EDITORIAL RECORD

APOIO INSTITUCIONAL:
INSTITUTO ALCOA

PATROCÍNIO:
UNIFEOB
TELESAPIENS
LUMIAR
ROTA IMAGINÁRIA
SUMÁRIO
A educação em Portugal na idade média (séc. XIV e XV);.................. 14

A formação superior e a importância das bibliotecas....................... 14

A face do feminino na herança medieval entre Brasil e Portugal...............32

A importância da abordagem do direito constitucional na educação

básica..................................................................................................... 66

Aforismo 57, de as minima moralia: exumação................................. 79

Artpreneur - uma proposta diferenciadora para a introdução........ 87

Ao empreendedorismo no ensino das artes...................................... 87

Base nacional comum curricular e a formação de sujeitos leitores.96

Desafio hacker: proposta de criação de um ARG educacional............ 116

Educação além dos muros da escola: Uma perspectiva docente em

educação básica.................................................................................. 144

Ensino por meio de metodologias ativas no curso de eletricista

predial: vivências na educação profissional..................................... 171

Gestão pedagógica na atualidade: uma reflexão sobre a prática.. 178

Mapeamento de competências profissionais docentes em escolas

públicas de educação básica............................................................. 185

Método enunciativo de leitura (MEL): uma proposta de estudo da

cultura e história local....................................................................... 203


Mulheres negras na ciência: ............................................................. 240

Um diálogo afrofuturista................................................................... 240

O que aconteceu? – Proposta de jogo didátio para produção de

relatórios no curso técnico................................................................ 251

Ensino na pandemia, uma pesquisa com alunos da educação infantil

e ensino fundamental, em 2020........................................................ 263

O uso de jogos digitais para o ensino da química na educação básica

educação básica.................................................................................. 286

Permanência e êxito: um olhar sobre políticas educacionais perante

a pandemia do covid-19..................................................................... 315

Qualidade de vida no trabalho em escolas públicas de educação

básica: uma abordagem a partir do questionário BPSO................. 338

Um estudo semântico enunciativo da cidade de cristais – mg,

utilizando o método enunciatvo de leitura (MEL) ........................... 357


PREFÁCIO
Neste livro, a educação constitui-se como o centro das
abordagens. Estão publicados na obra um conjunto de trabalhos
apresentados no 6.º Congresso Nacional de Educação, ocorrido
em Poços de Caldas, em junho de 2022.

Os textos publicados abordam a educação sob diversas


perspectivas, que vão desde o prisma da legislação, passando
pelo olhar da gestão pedagógica e alçando em metodologias de
ensino nos mais variados recortes temáticos.

Esta vasta gama de perspectivas sobre a educação resulta em


uma publicação de largo interesse, não somente para educadores
stricto sensu, mas também para legisladores, historiadores,
assistentes sociais, administradores, profissionais de arte,
linguistas, pesquisadores da informação etc.

A Educação Básica recebeu atenção especial na obra. Com efeito,


em uma sociedade cada vez mais complexa do ponto de vista
da integração da comunidade ao ambiente escolar, as relações
que a escola adquire com os diversos setores sociais se ampliam
significativamente. As novas diretrizes nacionais da educação já
sinalizam essas novas formas de pensar a escola.

A massificação da cultura digital atinge fortemente diferentes


setores do trabalho. Da mesma forma, permeia relações
familiares e relações de amizade. Ultimamente, tem sido
polêmica a intensa circulação de textos digitais na formação de
opiniões políticas, influenciando decisivamente no voto.

Tendo isso em vista, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC),


principal documento normativo para as redes de ensino no
país, publicada em 2018, formula o perfil de um aluno na
contemporaneidade: “alguém que toma algo que já existe

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(inclusive textos escritos), mescla, remixa, transforma, redistribui,
produzindo novos sentidos” (BRASIL, 2018, p. 70). Dessa maneira,
a escola não seria mais um local de transmissão de conhecimento,
mas de inserção do aluno nas redes de recepção, reelaboração e
produção do saber.

Por isso, as práticas de leitura e produção de textos têm sido


abordadas de forma incisiva nas novas diretrizes para o ensino
de língua. A leitura, ao longo do desenvolvimento escolar, deve
progressivamente fomentar o olhar crítico, buscando as razões,
compromissos e filiações sociais daquilo que se enuncia nos
textos trabalhados pelo professor.

Por sua vez, a sociedade inclui e integra cada vez mais as vozes
da diversidade. Essa participação mais consistente dos outrora
excluídos socialmente se deu por meio de conquistas gradativas
de espaço iniciadas no século XX e intensificadas no presente
século.

Trata-se do espaço conquistado pelo reconhecimento dos


povos originários como participantes plenos dos direitos da
cidadania, incluindo o direito à formação escolar na língua e na
cultura original, e na língua e na cultura implantada aqui pelos
portugueses.

Esse reconhecimento das vozes da diversidade também inclui os


povos oriundos de outras nações, como ciganos, judeus, árabes,
que hoje não recebem mais tratamentos discriminatórios como
no passado.

Temos assistido a reações à inclusão social por parte de setores


reacionários da sociedade, os quais insistem na manutenção
primordial ou exclusiva de direitos sociais para setores
historicamente privilegiados. No entanto, felizmente, cresce
proporcionalmente a condenação contra os atos discriminatórios.

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 9


Os meios de comunicação têm demonstrado que os responsáveis
por discriminações recebem prontamente a reprovação social,
da própria imprensa, e também de boa parte do judiciário, com
punições aos envolvidos.

Destaca-se, também, o importante papel das políticas de Estado


voltadas para a implementação de cotas raciais nas instituições
universitárias. Da mesma forma, a instituição de critérios que
favoreçam a entrada de estudantes de escolas públicas na
universidade também adquire papel decisivo nesse quadro. Essas
políticas favorecem o equilíbrio social na participação no ensino
superior, em prol de uma sociedade cada vez mais inclusiva.

Por sua vez, a abertura para os diferentes modos de vestir-se,


para os diversos modos como os cabelos se manifestam, seja
pelas suas variadas origens raciais, seja pela idade, são traços da
aceitação social da diversidade.

Não menos importante, são as novas concepções na diversidade


sexual, em diferentes visões sobre o corpo e sobre os modos
de sua apresentação em sociedade. Essas aberturas, as novas
concepções do corpo, as novas configurações familiares,
proporcionam uma saudável naturalização da convivência e
aceitação da diversidade.

Nesse mesmo terreno, as novas concepções de família alteram a


visão excludente em relação às pessoas que não se situavam no
quadro canônico “pai-mãe-filhos” que integravam o núcleo social
historicamente constituído. Novas uniões, novas parcerias de
vida, são aprovadas juridicamente, e novos modos de integração
e de nucleação social são incorporados ao ideário familiar dos
novos tempos.

A complexidade na constituição dos espaços sociais exige


uma compreensão mais espessa da relação entre sociedade e

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escola. Com efeito, a complexidade da sociedade entra na sala
de aula. A escola não é mais um espaço de recepção de um
saber “filtrado”. Estamos cada vez mais distantes da figura da
escola como transmissora de um conhecimento, até porque,
esse conhecimento “armazenado” e “disciplinado” não faz mais
sentido, nem para alunos, nem para professores.

Isso não significa que os conhecimentos formulados pelos


grandes historiadores sobre a constituição das sociedades
ao longo do tempo não sejam mais úteis, muito menos que o
corpo de conhecimentos sobre a geografia terrestre ou sobre
a constituição biológica dos seres vivos não deva mais ser
estudado.

O que está em mudança, então?

Trata-se de uma visão desse conhecimento por outros ângulos,


a partir de novas conexões. Nesse sentido, novas indagações
tornam-se legítimas e essenciais. Como esses conhecimentos
podem explicar a vida do homem atual? Como os acontecimentos
históricos e as configurações geográficas explicam o nosso lugar
social no mundo de hoje? Como o conhecimento biológico
e psíquico explicam os nossos embates com o corpo e com a
nossa mente? Essas são algumas das indagações que se impõe
ao ensino contemporâneo.

No âmbito do ensino de língua estrangeira, como constituir


um ambiente de aprendizagem em sala de aula, aproveitando
os conhecimentos que os alunos já trazem do meio familiar, ou
social, de forma mais ampla, tendo em vista que os modos de
contato com línguas estrangeiras, principalmente o inglês, estão
cada mais amplos?

No âmbito do ensino de língua materna, os novos estudos sobre


a diferença entre língua padrão e língua culta, bem como as

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 11


pesquisas sobre as variações linguísticas em seus diversos níveis
e aspectos indicam importantes alterações na forma de ensinar a
normatização da língua materna nas escolas. Em que condições
se deve usar a norma culta? Como se deve conceber as variações
linguísticas na convivência social?

Nesse aspecto, a escola também se encontra envolvida no cerne


da questão da diversidade, e frente aos desafios de levar aos
alunos os modos de convivência nela e com ela.

A questão da escola sem partido, tão polêmica e mal


compreendida, entra no próprio conceito de política, tendo em
vista que o político é inerente à diversidade de concepções sobre
o mundo. A política nasce das diferenças de concepção e das
diferentes inserções, gerenciamentos e participações sociais, isto
é, no posicionamento que tomamos no espaço do viver social e
da forma como lidamos com o outro, com o diferente.

A BNCC foi produzida tendo em vista todos esses desafios da


educação moderna. Trata-se do desafio de preparar o aluno para
essas novas configurações dos espaços sociais.

Por isso, a importância de se produzir trabalhos acadêmicos


sobre as novas conexões que se impõem às configurações
escolares no mundo contemporâneo.

Os textos do presente livro estão sintonizados com esses


desafios. Encontramos nele, por exemplo, novos modos de
conceber a leitura, com viés enunciativo, buscando relações com
as formulações históricas das cidades. Encontramos também
reflexões sobre o desafio da compreensão dos espaços “hacker”
e das formas de lidar com eles. Da mesma forma, temos no
livro reflexões sobre o crescimento do espaço de atuação das
mulheres negras na ciência.

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Enfim, são apenas alguns exemplos que fazem fundamental a
leitura desse livro para os atores da educação.

Trata-se de uma obra afetada pelas novas concepções do espaço


social, e que contribui positivamente para situar a escola frente
aos desafios que esse novo panorama impõe à educação.

Prof. Dr. Luiz Francisco Dias

(UFMG)

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 13


A EDUCAÇÃO EM PORTUGAL NA IDADE MÉDIA (SÉC. XIV E XV)
A FORMAÇÃO SUPERIOR E A IMPORTÂNCIA DAS BIBLIOTECAS

Teresa Maria Martins Sousa Oliveira

Instituto de Estudos Medievais- FCSH/Universidade Nova de Lisboa

CIAC-Centro de Investigação em Artes e Comunicação/Universidade


Aberta

RESUMO: Atendendo ao dinamismo e à rápida expansão do meio


universitário, não causa estranheza que as universidades (Estrangei-
ras e Portuguesa) e, por conseguinte, a formação superior, tenham
sido os grandes mananciais abastecedores de massa critica do reino.

Assim, em relação ao ensino, a rede escolar da Idade Média portugue-


sa nos séculos XIV e XV, registou significativas alterações em compara-
ção com o pré-existente, sem que tenham desaparecido as tipologias
das escolas clericais tradicionais. Constatamos também que as deslo-
cações académicas para fora de Portugal, verificadas entre os escola-
res da idade média tardia mantiveram-se muito coerentes com práti-
cas anteriores. Em todo este processo evolutivo do ensino, a biblioteca
teve uma importância fundamental. Nos seculos XIV e XV o gosto pelo
livro e a constituição de bibliotecas estendeu-se de forma mais vigoro-
sa do que antes aos paços senhoriais e à corte régia, promovendo de
forma determinante a expansão do conhecimento e da cultura.

ABSTRACT: Given the dynamism and rapid expansion of the university


environment, it is not surprising that universities (Foreign and portu-
guese) and, consequently, higher education, have been the great sour-
ces of critical mass in the kingdom. So, in terms of teaching, the school
network of the Portuguese Middle Ages in the 14th and 15th centuries,
registered significant changes compared to the pre-existing one, wi-

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thout the typologies of traditional clerical schools having disappeared.

We also noticed that academic trips outside Portugal, observed among


students from late medieval times, remained very consistent with pre-
vious practices.

In all this evolutionary process of teaching, the library had a funda-


mental importance. In the 14th and 15th centuries, the taste for books
and the establishment of libraries spread more vigorously than before,
to the manor houses and the royal court, decisively promoting the ex-
pansion of knowledge and culture.

CULTURA LETRADA EM PORTUGAL: A ORIGEM

Em Portugal a consolidação militar e política do reino teve tam-


bém uma dimensão cultural, apoiada, como não podia deixar de
ser, por um conjunto de instituições eclesiásticas que serviram de
base à construção gradual de uma identidade cultural portuguesa.

A arquidiocese de Braga, o mosteiro de Santa Cruz de Coimbra,


pertencente à ordem dos cónegos regrantes de Santo Agostinho e
a abadia da Santa Maria de Alcobaça da Ordem de Cister, foram as
peças essenciais neste percurso.

A primeira (Arquidiocese de Braga) onde funcionou desde muito


cedo uma escola diocesana foi fundamental para a teorização da
legitimidade do reino português junto do papa, através do arce-
bispo João Peculiar, um homem muito próximo de D. Afonso Hen-
riques.

O mosteiro de Santa Cruz na cidade de Coimbra fundado pelo


mesmo rei e escolhido para sede do monarca, por sua vez, tornou-
-se o mais importante centro de conhecimento do reino no século
XIII, e a comunidade monástica produziu importantes textos his-
toriográficos que deu substância à unidade política portuguesa.
Quanto à abadia cisterciense substituiu, em parte, no século XIII o

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 15


papel cultural desempenhado na centúria anterior por Santa Cruz
de Coimbra enquanto luminária do reino.

1 - Abadia Santa Maria de Alcobaça

Do ponto de vista cultural este era um princípio promissor, mas


incipiente. O reconhecimento desta lacuna levou à necessidade de
melhor formar os quadros eclesiásticos e régios, numa altura em
que as universidades europeias davam os seus primeiros passos e
não havia nada comparável no reino.

O caminho era um único para os poucos letrados existentes no


reino de Portugal; sair para aprender. Ir em busca do conhecimen-
to onde ele podia ser encontrado. Iniciar uma peregrinação aca-
démica.

ENSINO SUPERIOR- UNIVERSIDADES

Os novos desafios educativos levaram a um aumento da repre-


sentação dos estudantes portugueses nas escolas universitárias
da primeira geração e nas restantes escolas entretanto estabeleci-
das. Assim começaram muitos deles a rumar a Paris e a Bolonha, a
principio; a Montpellier e Toulouse, logo de seguida; a Salamanca,
Paléncia e Pádua, numa terceira vaga; a Oxford e Cambridge, num
quarto momento, coincidente com a fundação do estudo geral do
reino criado no final do século XIII, que passou a atrair também
uma parte dos escolares Portugueses interessados em obter pre-
paração superior mas que não dispunham do tempo ou das con-
dições económicas para rumar a outras paragens.

16 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


Assim, a escolha dos universitários portugueses seguiu geralmen-
te a conhecida tendência das universidades europeias para uma
certa especialização funcional; Paris como centro de teologia e de
artes liberais; Bolonha como centro de direito, área em que Sala-
manca também exibiu qualidades; e com Montpellier a destacar-
-se no domínio da medicina.

Entre algumas universidades ativas, Paris e Bolonha que são ao


mesmo tempo as universidades mais antigas e prestigiadas, sem
dúvida dominaram as preferências. Só mais tarde vêm Montpe-
llier e Salamanca, com fundações muito mais recentes e conside-
rável apelo local. (Por exemplo, Salamanca oferecia aos alunos
portugueses interessados no​​ ensino jurídico a vantagem de esta-
rem perto do reino numa altura em que os custos com a educação
eram muito onerosos). Sabe-se que as universidades se tornaram
importantes centros no século XIII atraindo jovens de toda a Eu-
ropa. No passado quem queria aprender precisava não apenas
de tempo e oportunidades, mas também de meios para viajar em
busca de mestres espalhados em mosteiros ou escolas catedrais.
Com a universidade os mestres estavam reunidos todos no mes-
mo lugar.

Entre 1200 e 1400 foram fundadas na Europa 52 universidades, e


29 delas foram erguidas pelo papado. A origem das universidades
era diversa. Umas como Paris surgiram de escolas das catedrais
pré-existentes. Outras foram fundadas por reis ou pela igreja. Ha-
via também as universidades que surgiram de divisões internas e
conflitos. A universidade de Cambridge nasceu de um cisma da
universidade de Oxford em 1209.

O ensino é apanágio da Igreja, mesmo universidades fundadas


por reis e imperadores precisam da permissão da autoridade re-
ligiosa, a licentia docendi (permissão para ensinar). Esta exigência
foi estabelecida no Terceiro Concílio de Latrão, em 1179. Era uma
forma da Igreja continuar tendo o controle sobre a educação mes-

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 17


mo quando uma universidade era fundada por um rei. A pala-
vra “universitas”, que deu origem ao termo universidade poderia
significar “universalidade, conjunto, totalidade, companhia, cor-
po, comunidade, colégio, associação, corporação”. A Universida-
de Medieval era, portanto, uma corporação de ofício especial nas
quais os doutores eram os mestres e os estudantes os aprendizes.

Os alunos da universidade pagavam as aulas ministradas pelos


mestres. Muitos estudantes eram apoiados por suas famílias.
Aqueles que não tinham como se sustentar no meio acadêmico
recorriam à população citadina a qual necessitava de serviços de
contabilidade realizados pelos alunos ou então faziam doações
a título de pagamento de penitências, doando àqueles que pos-
suíam o dom divino do saber. Existiam ainda aqueles alunos que
trabalhavam como copistas para os livreiros locais, colegas estu-
dantes mais ricos, ou aqueles que recebiam bolsas de estudos da-
das pela igreja, pelos reis, ou outros nobres.

Com a criação das ordens mendicantes no século XIII franciscanos


e dominicanos passaram a lecionar nas universidades.

A presença das mulheres nas universidades é controversa. A lei


eclesiástica proíbe as mulheres de se matricularem nos cursos,
pois todos os graduados eram considerados sacerdotes e podiam
cumprir alguns deveres eclesiásticos. No entanto, há evidências
de várias mulheres que se formaram em medicina curso de menor
prestígio, especialmente, na universidade de Salerno (Itália) e até
em Direito. Há também relatos de mulheres que se disfarçaram de
homens para estudarem na universidade. De qualquer forma, a
maioria das mulheres educadas estudavam em casa ou nos mos-
teiros, o espaço universitário era um espaço de poder, seus diplo-
mas abriam portas para a ascensão social e portanto, excluir as
mulheres era uma regra.

18 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


2 – Trotula de Salermo a mais importante médica medieval

ENSINO EM PORTUGAL SÉC. XIV E XV

Ao nível da educação os séculos XIV e XV viram mudanças signifi-


cativas no parque escolar medieval português em relação ao pas-
sado, sem perder as tipologias das escolas clericais tradicionais.
Como resultado as escolas diocesanas monásticas, conventuais e
paroquiais permaneceram em funcionamento, mas a educação da
igreja perdeu parte de sua importância anterior devido ao declínio
do seu ensino.

As exceções foram as escolas dos conventos de franciscanos de


dominicanos e da mais tardia congregação dos cónegos de São
João Evangelista, vulgarmente designados por frades loios funda-
da em 1425. O ensino Franciscano conhecido em várias cidades do
reino foi mesmo bastante apreciado, ao ponto de ser concedida
ao estudo de São Francisco de Lisboa a prerrogativa de se ensinar
no seu interior a cadeira de Teologia anexando-o, por essa via, à
universidade. O ensino dominicano também beneficiou de uma
apreciável respeitabilidade e de uma ampla implantação territo-

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 19


rial. Estes casos de sucesso não mascaram a realidade maior de
que a rede de estabelecimentos escolares ligados à igreja decres-
ceu em importância.

No entanto, a grande e fundamental diferença na rede de estabe-


lecimentos escolares que funcionaram na baixa idade média em
Portugal, foi a fundação da universidade portuguesa por iniciativa
de D. Dinis, no final do século XIII. As razões invocadas do ponto
de vista formal, para a criação do estudo geral português foram
variadas.

A Súplica assinada por 27 casas religiosas dirigidas ao papa, re-


querendo a fundação do estudo geral, elenca essas motivações:
o crescimento da ciência; o governo do reino na paz e na guerra;
o fortalecimento e a exaltação da fé; o aumento do culto divino;
o combate às heresias; a formação de eclesiásticos. A todas estas
boas razões talvez se possam acrescentar mais duas razões que
não são referidas, mas que também contribuíram para a promo-
ção da iniciativa da coroa; o simbolismo e o estatuto associados à
existência da universidade no reino. Mas a principal razão entre as
invocadas na súplica ao pontífice, foi certamente, a vontade de dar
resposta às dificuldades sentidas pelos escolares portugueses que
estavam inibidos de sair por razões económicas, mas que deseja-
vam ter acesso a estudos de tipo superior.

Assim, as principais características do estudo geral portuguesa


de finais do século XIII a meados do século XVI altura em que fi-
nalmente se instalou em Coimbra, podem resumir-se em traços
muito genéricos. Sobre a sua fundação já se disse que começou
por assentar na vontade régia, no que foi suportada nas suas in-
tenções pelos principais mosteiros e igrejas portuguesas, cujos re-
presentantes assinaram a súplica ao papa.

De fato, a monarquia estabeleceu os privilégios concedidos ao es-


tudo geral, editou estatutos e regulamentos que regem a vida uni-
versitária, forneceu as instalações e edifícios em que funcionavam

20 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


as aulas, interveio na seleção de professores e determinou em
grande parte a política financeira apoiado pela venda de igrejas
outrora sob o patrocínio real.

Tendo acabado por se fixar em 1537 em Coimbra, a universidade


começou, todavia, a sua existência em Lisboa ao que se seguiram
várias itinerâncias. Entre os séculos XIII e XVI conheceu três es-
tâncias na cidade de Lisboa e duas em Coimbra até finalmente
se instalar nesta última. Foi uma originalidade portuguesa pois
tratou-se sempre da mesma universidade a ser sucessivamente
transferida entre cidades, e não de segundas ou terceiras funda-
ções criadas por separação do estabelecimento original. Apenas a
exiguidade da sua estrutura lhe permitiu um constante vaguear.
Não obstante as suas sucessivas localizações e deslocalizações,
foi apesar de tudo em Lisboa (1290-1308, 1338-1354,1377-1537)
e não em Coimbra (1308-1338, 1354-1377) que a universidade
funcionou por maior número de anos. No tocante aos professo-
res que exerceram atividade docente na universidade do reino,
tiveram uma origem predominantemente local, apesar do esforço
feito pela tutela para atrair professores estrangeiros.

No início do século XIV ensinava-se na universidade do reino direi-


to canónico, direito civil, medicina, lógica e gramática. A meio do
século surgem referencias ao ensino da Teologia e da Filosofia. A
análise aprofundada aos universitários portugueses que, ao que
tudo indica, terão frequentado o estudo geral português, mostra
o citado interesse endémico pelo direito sem paralelo noutro cam-
po de estudos.

Os graus conferidos internamente pela instituição foram; o bacha-


relato, a licenciatura e o doutoramento, por ordem crescente de
relevância, que eram rodeados de cerimoniais específicos, como
era próprio da vida universitária muito ritualizada onde avultavam
as procissões, os atos solenes, e a celebração de festividades re-
ligiosas.

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 21


Os anos de estudo dos alunos variaram de acordo com os níveis
de estudo e as cátedras frequentadas. Muitos dos que estudaram
numa universidade portuguesa nunca terminaram os seus estu-
dos (a taxa de desistência era muito elevada, como em todas as
universidades suas contemporâneas), mas a passagem pelos ban-
cos universitários deu-lhes conhecimentos consideráveis ​​que se-
riam úteis nas suas carreiras futuras.

3 - Aula numa universidade medieval

Não obstante a fundação da universidade portuguesa e as ten-


tativas desenvolvidas no sentido de fixar mestres e escolares na
instituição, mais os esforços envidados para atrair uns e outros
desde paragens mais distantes, os estudos gerais existentes fora
do reino continuaram a ser destinos muito atrativos para os estu-
dantes portugueses mais abonados do ponto de vista financeiro,
favorecidos com mantimentos ou dispondo de benefícios eclesiás-
ticos estimáveis.

No final da Idade Média o ingresso dos estudantes portugueses

22 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


no ensino superior era largamente apoiado por soberanos como
D. Afonso V ou D. Manuel I, que doavam bolsas de estudo e atri-
buíam valiosas quantias aos alunos das escolas, reconhecendo as
vantagens que trazia, entre os seus quadros, universitários bem
treinados para responder aos afazeres do reino.

Em suma, os estudantes portugueses envolvidos na circulação


académica no decurso da Idade Média tardia tiveram por destino
três pontos focais: as universidades hispânicas, notavelmente Sa-
lamanca, por razões de proximidade e de prestígio regional, e as
universidades gaulesas e itálicas, com um grande ascendente de
Paris, entre as primeiras, e uma sólida preferência por Bolonha,
entre as segundas, por razões de prestígio universal.

Menos evidente ou pouco testemunhado pelos documentos, os


escolares do reino parecem ter-se alheado das novas universida-
des germânicas fundadas nesses séculos e mesmo das britânicas,
bem mais antigas.

O principal objetivo dos estudantes do Reino que vinham para


universidades estrangeiras baseava-se, como na maioria dos ca-
sos e épocas, na possibilidade de obter importantes posições so-
ciais e importantes benefícios financeiros. Nos séculos XIV e XV o
maior empregador de toda esta elite bem escolarizada passou a ser
predominantemente a coroa, numa diferença substancial face aos
dois séculos anteriores em que os graduados pelas universidades
se repartiram entre os serviços da coroa e da igreja, ou acumula-
vam ambos, quando não privilegiavam a entrada nos meios ecle-
siásticos.

A IMPORTÂNCIA DAS BIBLIOTECAS; BIBLIOTECAS SENHORIAIS


E UNIVERSITÁRIAS

Nos séculos XIV e XV o gosto pelo livro e a constituição de bibliote-


cas estendeu-se de forma mais vigorosa do que antes, aos paços

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 23


senhoriais e sobretudo à corte régia.

Sem escaparem inteiramente ao controlo eclesiástico, os livros


começaram a afluir mais livremente às mãos laicas sem prejuízo
de subsistirem no reino bolsas bibliográficas muito relevantes na
posse eclesiástica, como o denota a extraordinária livraria do Mos-
teiro de Santa Maria de Alcobaça com quase cinco centenas de
códices.

No gosto pelo livro não era apenas o conhecimento que tinha um


papel importante. A raridade do objeto conjugada com o valor ar-
tístico dos exemplares, a qualidade das iluminuras e as luxuosas
encadernações convergiam em significativos valores reputacio-
nais que investiam de valor simbólico os seus proprietários.

A este respeito devemos falar do livro como objeto de conheci-


mento, mas também de reconhecimento e estatuto como foi nos
séculos anteriores.

Dos inventários das bibliotecas do século XV sabe-se efetivamen-


te que os grandes apreciadores, colecionadores e utilizadores de
livros em Portugal provinham do mundo régio e senhorial, a co-
meçar pelas livrarias recolhidas e mantidas pelos inevitáveis reis
​​ e
príncipes de Avis.

A livraria de João I fundador da dinastia, continha mais de vinte


volumes de tratados de vários gêneros.

24 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


4 - Livro de Montaria de João I

Entre os livros da sua biblioteca houve três saídos do seu próprio


punho: um tratado de caça, muito ao estilo de tempo, conhecido
por Livro de Montaria, e dois livros devocionais, não sobreviven-
tes, mas referidos em fontes da época que terão sido uns certos
Salmos para Finados, cuja feitura se inscreve, sem dúvida, na tra-
dição dos livros dos mortos medievais e um Livro de Horas de San-
ta Maria uma típica compilação de orações escolhidas para uso
laico, acompanhado de um calendário litúrgico das festas do ano.

Considerando os géneros literários colecionados, a biblioteca


Joanina não sendo particularmente numerosa, mostra uma rela-
tiva amplitude atendendo à representatividade de estilos, épocas
e autores.

A maior concentração literária foi feita, todavia, nas áreas da his-


toriografia e do direito. Para além disso a Bíblia foi uma peça cen-
tral de livraria. Estão enumerados dois exemplares completos e
alguns livros do novo testamento nomeadamente os Evangelhos,
os Atos dos Apóstolos e as Epistolas Paulinas.

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 25


Depois da morte de D. João I, a sua biblioteca foi desmembrada
e repartida pelos príncipes em função dos respetivos interesses
bibliográficos.

Vários livros da coleção Joanina afluíram à livraria do rei D. Duarte


o seu sucessor. È muito conhecido e amplamente referido o catá-
logo dos seus livros de uso. A biblioteca do malogrado Infante D.
Fernando, o infante Santo, revelou uma grande componente mís-
tica na sua estrutura condizente com os factos da sua curta vida
e a premonição do seu destino. Os exemplares por ele guardados
ou adquiridos constam de um testamento escrito antes da sua
partida para a funesta expedição a Tânger. Nele se evidenciam
em grande número as obras de pendor religioso, em especial de
espiritualidade.

De data mais tardia uma outra livraria régia que foi possível re-
constituir, ainda que de forma algo parcial, foi a do rei D. Afonso
V. A base para a reconstituição foram os indícios deixados pelo
cronista Gomes Eanes de Zurara em duas das suas obras, a Cróni-
ca do Conde D. Pedro de Menezes e principalmente, a Cronica da
campanha da Guiné.

A reconstituição conseguida do acervo remete para cerca de meia


centena de escritos de um armário que foi monopolizado pelas
obras teológicas e históricas.

Muito diferentes entre si e denotando naturalmente as idiossin-


crasias dos respetivos proprietários, as bibliotecas senhoriais do
século XV apresentam alguns pontos evidentes de contato quan-
do se procede a uma comparação dos seus núcleos.

Na literatura religiosa, as convergências centraram-se nas peças


bíblicas, nas obras litúrgicas e nos tratados de espiritualidade e de
doutrina cristã.

Em relação à literatura laica, a comunhão de interesses estabele-


ceu-se em redor dos escritos pedagógicos da historiografia e da

26 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


poesia e em menor número, no direito, na retórica, nos tratados
militares e nas novelas de cavalaria.

A junção dos interesses literários revelados por estes núcleos bi-


bliográficos régios e senhoriais permite-nos propor uma definição
cultural da monarquia e da alta aristocracia letrada portuguesa
como profundamente católicas e conservadoras, com a devoção
e a espiritualidade a desempenharem um papel importante não
seus espólios literários.

Consequentemente, este ambiente literário tendencialmente con-


servador e pouco original geralmente não ilustra algumas das ten-
dências mais importantes identificadas nas cortes portuguesas
nos séculos XIV e XV.

BIBLIOTECAS UNIVERSITÁRIAS

Além destes acervos bibliográficos mantidos por indivíduos da es-


fera da corte e senhorial, merece sublinhado a existência de ou-
tras bibliotecas privadas formadas por universitários.

Alguns testamentos existentes atestam esse influxo de livros aos


círculos estudantis e docentes, dando continuidade e expressão a
práticas testemunhadas em disposições clericais dos séculos XII e
XIII.

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 27


5- Biblioteca Joanina -Universidade de Coimbra

Por exemplo para o seculo XV, há notícias de livrarias mantidas


por letrados com ligações ao estudo geral do reino, como Mem Pe-
res de Oliveira, Diogo Afonso de Mangancha ou Pero Nunes, cujos
testamentos previram empréstimos bibliográficos, a cedência de
livros a estudantes universitários ou doações à alma mater univer-
sitária.

A raridade e o interesse dos livros sobressaem das elevadas cau-


ções, cuidados de manutenção, multas e exigências de fiadores de
que os rodeou em caso de dano, perda ou desaparecimento.

Tão ou mais notório do que os cuidados postos pelo doador na


conservação dos livros era o hábito de os acorrentar aos armários
ou paredes onde estavam alojados, usando correntes e cadeados
que prevenissem roubos – uma prática conhecida como Livros en-
cadeados, que foi muito habitual no período – cuja utilização se
encontra, por exemplo, instituída pelo Dr. Mangancha em relação
à coleção de volumes cedidos à universidade.

28 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


6- Biblioteca de Zutphen, Holanda, Século XVI (livros acorrentados)

Sobre o conteúdo da livraria universitária há a reter alguns fatos.


Primeiro, o número de obras; cerca de centena e meia de volumes,
divididos entre numerosos manuscritos e alguns incunábulos
(obras impressas antes do século XVI) o que é um pecúlio interes-
sante de livros considerando a pequena estrutura da universidade
portuguesa.
Mais especificamente a listagem completa inclui 151 volumes que
estavam distribuídos por 24 estantes de uma das alas do edifício
universitário utilizado especificamente como biblioteca.
A lista incluía como seria de esperar, livros de direito, teologia, me-
dicina e artes liberais, fazendo jus à divisão escolástica do conhe-
cimento.
Das obras jurídicas mantidas nos armários da universidade quase
uma centena, a maior coleção diz respeito ao direito canônico, um

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 29


número menor ao direito civil.
Os livros de prática e doutrina religiosa ultrapassam embora li-
geiramente, as duas dezenas, repartidos entre peças litúrgicas e
tratados teológicos, com destaque entre os últimos para algumas
obras de São Tomás de Aquino.
A medicina e as artes liberais encontraram nesta época muito
pouco espaço nas estantes universitárias. No conjunto não che-
gam a perfazer uma dezena de volumes.
Do ponto de vista autoral não há tanto quanto se consegue divisar
presenças portuguesas no elenco de nomes associados à livraria
do estudo geral. Em contrapartida, abundam os autores italianos,
alguns franceses e um único castelhano. Considerando as épocas,
olhando apenas aos livros de direito, são notórias as menções a
autores dos séculos XIV e XV.
Estas considerações gerais fornecidas pela biblioteca do estudo
geral Português, evidenciam a modernidade da universidade por-
tuguesa no tocante ao direito, mas mostram um grave défice em
relação a vários outros assuntos em particular no respeitante às
artes liberais.
Houve que esperar pelas propostas humanistas do século XVI para
que as artes liberais aumentassem a sua importância no currículo
universitário. Não obstante foi muito curto o tempo do Humanismo
literário em Portugal. Tais intentos e projetos rapidamente se ex-
tinguiram pela ação de D. João III, com a fundação do Tribunal do
Santo ofício corria o ano de 1536.
Contudo, afirmar que o humanismo não teve uma expressão inte-
lectual visível no Portugal medieval tardio não equivale a dizer que
o humanismo se ausentou do reino no período. Ele simplesmente
não se expressava através da alta cultura ou da grande literatura
da época.

Foi por intermédio de uma outra dimensão também cara ao saber


e ao gosto humanista: a dimensão da experiência.

30 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


O humanismo dos séculos XIV e XV em Portugal ao contrário do
XVI, não veio do mundo dos letrados, mas da praticidade; deve
pouco ao conhecimento literário, mas quase tudo ao conhecimen-
to empírico.

REFERÊNCIAS
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Esfera dos Livros
GONÇALVES, IRIA. (1988). Imagens do Mundo Medieval, Lisboa: Li-
vros do Horizonte
LAUAND (org), LUIZ JEAN. (1998). Cultura e Educação na Idade Mé-
dia, São Paulo: WMF Martins Fontes
LE GOFF, JACQUES. (1993), Os Intelectuais na Idade Média, São Pau-
lo: Brasiliense
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Lisboa: Esfera dos Livros
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antiguidade aos nossos dias, São Paulo: Cortez autores associados.
MATTOSO, JOSÉ. (2011). História da Vida Privada em Portugal; Idade
Média, Lisboa: Temas e Debates
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Média, São Paulo: EDUSP
OLIVEIRA, ANA RODRIGUES. (2015). O Dia-a-Dia em Portugal na Ida-
de Média, Lisboa: Esfera dos Livros
PRICE, B.B. (1996). Introdução ao Pensamento Medieval, Lisboa: Edi-
ções Asa

Palavras Chave - Educação, Universidade, Biblioteca

Keywords - Education, University, Library

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 31


A FACE DO FEMININO NA HERANÇA MEDIEVAL ENTRE
BRASIL E PORTUGAL
THE FACE OF THE FEMININE FACE AND THE SHARED MEDIEVAL
LEGACY IN BRAZIL AND PORTUGAL

Wellington Lima Amorim1

Renan de Araujo Rodrigues2

RESUMO: Este projeto, dividido em quarto partes, pretende realizar


a pesquisa através da colaboração da «Universidade de Algarve/
PT». Logo, se busca analisar a utopia luso brasileira que pode ser
compreendido a partir do pensamento de Joaquim de Fiore e Anto-
nio Vieira. Para Joaquim de Fiore, a História possui uma positividade
que irá inevitavelmente nos conduzir a uma síntese final. O Espírito
irá superar e guardar o carnal, expressão do feminino, a um estágio
superior, que consiste no reino do Espírito Santo onde todos os de-
uses seriam aceitos: o retorno do politeísmo. Os deuses retornariam
depois de seu longo exílio, atingindo a unicidade e o presenteísmo
do Espírito. Natalia Correia defende a tese da desconstrução de uma
religião triste e cruxificada, somente possível se fossemos capazes
de realizar uma descruxificação, sempre em nome da alegria e lu-
cidez, recuperando a imagem dos amantes que se reconhecem no
corpo do outro descrito no livro de Salomão: o Cântico dos Cânticos
e na intepretação feminina de Bernardo de Claraval.

Palavras-chaves: Joaquim de Fiore, feminino, Antonio Vieira, Es-


pirito Santo, Utopia

1 Dr. Em Ciências Humanas. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: wellington.amorim@
gmail.com
2 Msc. Em Filosofia. Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: raraurodrigues@gmail.com

32 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


ABSTRACT: This project, divided into four parts, intends to accom-
plish the research carried out through the collaboration of the
«Universidade de Algarve/PT». Therefore, it seeks to analyze the
Luso-Brazilian utopia that can be understood from the thought of
Joaquim de Fiore and Antonio Vieira. For Joaquim de Fiore, History
has a positivity that will inevitably lead us to a final synthesis. The
Spirit will overcome and keep the carnal, expression of the femi-
nine, to a higher stage, which consists of the realm of the Holy
Spirit where all gods would be accepted: the return of polytheism.
The gods would return after their long exile, reaching the oneness
and presenteeism of the Spirit. Natalia Correia defends the thesis
of deconstructing a sad and crucified religion, only possible if we
were able to perform a decruxification, always in the name of joy
and lucidity, recovering the image of lovers who recognize them-
selves in the body of the other described in the book of Solomon:
the Song of Songs and in the feminine interpretation of Bernardo
de Claraval

Keywords: Joaquim de Fiore, female, Antonio Vieira, Holy Spirit, Utopia

I - Desde Platão, a relação entre corpo e espírito é colocada como


sendo conceitos que se opõem. No caso do cristianismo canônico
e formalizado por Paulo de Tarso, o abismo entre corpo e espírito
se aprofunda e chega ao seu ápice quando considera uma sepa-
ração radical entre eles, considerando o corpo como corrompido
pelo pecado. Este pensamento vai estar presente no século XVIII,
quando se inicia a Modernidade, que tem por base o pensamento
cartesiano. Todavia, observaremos uma inflexão com o surgimen-
to do romantismo alemão, em especial no pensamento de Hegel,
onde o espírito se apresenta como sendo o próprio Deus que se
move e se desvela na História. Porém, Karl Marx e o materialismo
histórico se posicionam contra o Espírito, colocando-o em suspei-

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 33


ta. Enfatizando a matéria, Marx acaba por sugerir a eliminação da
noção de espírito como entidade presente e que comanda a His-
tória do Homem, para assumir a produção das condições objeti-
vas da vida. No entanto, mesmo oculto, o espírito permanece na
História como uma entidade sempre presente, sufocada, oculta
ou velada. Importante dizer que este é um dos pontos presentes
na Confissão Augustana (1530) de Carlos V, o Imperador do Sacro
Império Germânico, na qual a experiência interior e oculta do Espí-
rito Santo se manifesta em nossos corações, independentemente
dos sacramentos Cristãos do Sacro Império de Roma.

E ainda, pode-se dizer que a tradição do pensamento ocidental


apresenta três estruturas do pensar, que podem ser enumeradas,
sempre respeitando seu desvelamento/desenvolvimento históri-
co: 1. Lógica do mesmo: na antiguidade com Parmênides, ou sujei-
to lógico ou transcendental, ou ainda, na Modernidade: Descartes,
Kant e Husserl; 2. Lógica dialética: pensar o movimento com Pla-
tão ou a lógica da História em Hegel, idealista, Marx, materialista;
3. Lógica clássica: aristotélica/terceiro excluído ou formal. Todavia,
as três estruturas do pensar na Filosofia ocidental reconhecem
a contradição ou a diferença. No entanto, ignoram-na como se a
mesma não existisse, deixando-a velada ou expulsando-a de seu
pensamento, considerando-a como um pensar bárbaro. Por isso,
o pensamento luso-brasileiro de cunho político-religioso pode ser
compreendido a partir do pensamento milenarista de Joaquim de
Fiore. Para o pensador franciscano, a História possui uma positi-
vidade que irá inevitavelmente nos conduzir a uma terceira idade,
uma síntese final. O Espírito irá superar e guardar o carnal, ex-
pressão do feminino, a um estágio superior que, segundo Natalia
Correia3, escritora e pensadora portuguesa, consiste no reino do
Espírito Santo onde todos os deuses seriam aceitos: o retorno do
politeísmo.

Nesse sentido, os deuses retornariam depois de seu longo exílio,


3 Nasceu em Ponta Delgada, nos Açores, a 13 de setembro de 1923, e faleceu a16 de março de 1993,
em Lisboa.

34 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


eliminando dicotomias, atingindo a unicidade e o presenteísmo
do Espírito. Importante dizer que a doutrina joaquimita influen-
ciou historicamente, mesmo que recebida e reinterpretada pela
reforma protestante, o romantismo alemão, ou ainda a Hegel e
Marx, que proclamam um fim último de todo o longo processo
histórico agônico do homem. Estes estariam em posição contrária
ao que afirma Natalia Correia, que defende a tese de que a des-
construção de uma religião triste e cruxificada, somente seriam
possíveis se fôssemos capazes de realizar uma descruxificação,
sempre em nome da alegria e lucidez, recuperando a imagem dos
amantes que se reconhecem no corpo do outro descrito no livro
de Salomão: o Cântico dos Cânticos e na intepretação feminina de
Bernardo de Claraval. O arquétipo desta Nova Era se anuncia me-
taforicamente por meio do andrógino de Platão, representando
a idéia de plenitude, uma Fátria, segundo Natália Correia. Nesta
nova realidade, Pátria e Mátria são superadas e guardadas no Es-
pírito Santo. É sob esta inspiração que emerge o período colonial
brasileiro, influenciando de forma decisiva o projeto político-reli-
gioso luso-brasileiro:

Após o legado de Joaquim de Flora o


mundo deixou de ser interpretado da
mesma maneira. Desde a evangelização
da América que em certos aspectos rei-
vindica uma matriz joaquimista, passan-
do por várias interpretações no domínio
da História, da Filosofia, da Literatura, ou
mesmo da Música, até aos movimentos
mais próximos de nós ligados à emanci-
pação da mulher, ao laicismo, à ideia de
um paraíso terreal, aos novos movimen-
tos evangélicos, aos movimentos da New
Age… reclamam a herança do frade cala-
brês. Desta forma, a herança joaquimista

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 35


mantém-se actual pois a discussão acer-
ca das suas propostas de interpretação
da história continuam a animar os deba-
tes intelectuais sobre o messianismo e a
Idade do Espírito Santo. (MANSO, 2005, p
586.)

E ainda,

Voltemos ainda à influência de Joaquim


de Flora na cultura portuguesa que é evi-
dente, embora desconhecida do grande e
do pequeno público, do público curioso e
do público informado. Lembrem os des-
cobrimentos e a ideia de plenificação da
história que alguns lhe associaram. Lem-
bremos o impulso dado pelo rei D. Dinis e
sua mulher D. Isabel, profundamente in-
fluenciada por Arnaldo de Villanova, mé-
dico distinto e seguidor confesso do mile-
narismo joaquimista, à difusão das festas
populares do Espírito Santo. Estes são os
factos mais salientados por dois concei-
tuados estudios os do século XX no que
respeita à história da Idade do Espírito
Santo, Jaime Cortesão e António Quadros,
que Agostinho da Silva, o mais conhecido
divulgador deste ideário no século XX,
em carta datada de 8.3.1993, considerou
como seus mentores: “Devo dizer-vos, com
toda a franqueza e sinceridade possíveis,
que, ao contrário do que às vezes se julga,
nunca pensei nada de completo, de coeren-
te e de algum futuro, senão depois de ter

36 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


reencontrado, por Jaime Cortesão e António
Quadros, o chamado Culto Popular do Es-
pírito Santo, ou Culto do Divino”. (MANSO,
2005, p. 586)

É neste contexto que pode ser observado o surgimento das diver-


sas festividades que envolvem o culto popular do Espírito Santo
no Brasil. Por exemplo, é possível observar até os dias atuais es-
tas manifestações religiosas na História dos imigrantes açorianos.
Estas festas são construídas a partir de dois personagens da rea-
leza portuguesa: D. Dinis e a rainha Isabel de Aragão que durante
as festividades se encenam a coroação deste padroado. E ainda,
as festividades do divino Espírito Santo estão ligadas ao culto de
agradecimento à boa colheita, que podem representar sincre-
ticamente cultos anteriores ao cristianismo, como é o caso dos
cultos dionisíacos ou báquicos: “Com o advento do cristianismo,
tais solenidades receberam nova roupagem: a Igreja determinou
dias que fossem dedicados ao culto divino, considerando-os dias
de festa, os quais formaram em seu conjunto o ano eclesiástico”.
(DEL PRIORE, 2000, p.13). Existem ainda outros exemplos que de-
vem ser citados. Entre eles estão as festividades do divino Espírito
Santo na Ilha de Alcântara, em São Luis, no Estado do Maranhão,
onde se faz presente o sincretismo afro-brasileiro nas suas diver-
sas formas de culto ao cristianismo e a cultura africana e indígena.
Como se sabe, estas festividades surgem onde ocorreu a imigra-
ção açoriana no território brasileiro e está intimamente ligada aos
movimentos sebastianistas e ao culto de Santa Bárbara que é sin-
cretizada no Orixá Iansã, a deusa dos ventos, trovões e tempesta-
des e representada pela pomba, a encarnação do Espírito Santo.

É curioso compreender como o excesso está presente nestas fes-


tividades, em que comensalidade, ou melhor, o comer em toda
a sua plenitude4 é a pedra angular desta manifestação religiosa,
4 O significado da comensalidade “é no verbo comer que se expressa nossa filosofia. Se Platão pensa
a filosofia em um banquete, no Brasil a originalidade está no matagal. É neste locus específico, nesta
alcova, que o verbo comer ou ainda, devorar, se torna uma expressão do ato sexual, uma redescrição

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 37


onde o sagrado e o profano se intercambiam. No Maranhão a prin-
cipal festa religiosa, que acontece em aproximadamente em cem
cidades do Estado, sempre no mês de Maio, no segundo domingo
de Pentecostes, homenageando o Império português que repre-
senta o governo do Espírito Santo e que possui como arquétipo
o sagrado feminino, representado pelos Terreiros de Mina, onde
a maioria destes espaços sacros são comandados por mulheres,
bem como, a presença das caixeiras, que durante a solene mani-
festação, são consideradas como sacerdotisas do Espírito: “no Ma-
ranhão, Piauí, Pará e Amazonas, assim como outros Estados, sobre-
tudo da Região Norte. Religião fortemente influenciada pela cultura
Jeje, pela encantaria, pajelança e por traços da cultura mediterrânea
(Europa, Turquia e Terra Santa)” (PORTUGUEZ, 2015, p. 63).

As caixeiras ou sacerdotisas do divino Espírito Santo tem o papel


de servir a todos os comensais, transmutando o ato profano do
comer em uma prática sacra, que está no uso comum dos ho-
mens, em uma orgia alimentar sagrada, que segue a lógica dos
cultos das Ménades, sacerdotisas de Dionísio que dançavam livre
e lascivamente, levadas pelo êxtase das forças mais primitivas da
natureza, representando um matriarcado atuante e presente. A
tradição religiosa e festiva do Divino Espírito Santo se entrelaça
com a chegada em Portugal dos franciscanos por volta de 1215, e
o reinado de D. Dinis e a rainha Isabel de Aragão, que receberam
da coroa portuguesa a doação do convento de Alenquer. Como se
dá este entrelaçamento? O confessor de D. Dinis era franciscano.
Por sua vez, a rainha Isabel de Aragão, esposa de D. Dinis, ao se
tornar viúva se torna membro da Ordem Terceira de São Fran-
cisco, introduzindo em Portugal, o culto ao Divino Espírito Santo,
além de manter contato muito próximo e regular com a Ordem de
Cristo. Segundo Silva (2013) com a morte de São Francisco duas
genuinamente brasileira. Isto se dá porque o ato de devorar no Brasil colônia acontecia entre as fruteiras,
pomares, e por isso o verbo comer assumiu um novo sentido: copular. É importante frisar que foi Tarsila
do Amaral, companheira de Oswald Andrade, a caipirinha, a responsável por ter conseguido captar em
tela a centralidade de nosso pensar na clássica pintura “Abaporu”, que significa “homem que come
gente”, uma junção dos termos “aba” (homem), “pora” (gente) e “ú” (comer)”.

38 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


correntes opostas do pensamento do religioso entraram em con-
flito: os zeladores e os espirituais. Os primeiros defendiam a po-
breza extrema, enquanto os segundos estavam sob a influência
da teologia milenarista de Joaquim de Fiore. Estes últimos pare-
cem ter influenciado profundamente o império português. É neste
cenário que o filósofo Raimundo Lúlio redescreve o conto arturia-
no em Portugal na obra A Demanda do Graal. Como diria o filósofo
romeno Emil Cioran:

“O filósofo, desiludido dos sistemas e das


superstições, mais ainda perseverante
nos caminhos do mundo, deveria imitar o
pirronismo de trottoir que exibe a criatura
menos dogmática: a prostituta. Despren-
dida de tudo e aberta a tudo; esposando
o humor e as idéias do cliente; mudando
de tom e de rosto em cada ocasião; dis-
posta ser triste ou alegre, permanecendo
indiferente; prodigando os suspiros por
interesse comercial; lançando sobre os
esforços do seu vizinho sobreposto e sin-
cero um olhar lúcido e falso, ela propõe
ao espírito um modelo de comportamen-
to que rivaliza com o dos sábios. Não ter
convicções a respeito dos homens e de si
mesmo: tal é o elevado ensinamento da
prostituição, academia ambulante de lu-
cidez, à margem da sociedade como a fi-
losofia. “Tudo o que sei aprendi na escola
das putas”, deveria exclamar o pensador
que aceita tudo e recusa tudo, quando,
a exemplo delas, especializou-se no sor-
riso cansado, quando os homens são,
para ele, apenas clientes, e as calçadas

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 39


do mundo o mercado onde vende sua
amargura como suas companheiras seu
corpo”. (CIORAN, 2003, p.6).

É muito importante documentar que, no Arquivo de Açores, as


Festas do Divino são: “as folias ao Espírito Santo, conquanto pare-
çam ter tido uma origem pagã no druidismo, ou na superstição grega,
todavia elas foram introduzidas em Portugal e nas ilhas dos Açores
com maior devoção e piedade” (BARBOSA, 2010, p.183) e ainda:

Antes de estabelecidos entre nós os Im-


périos do Espírito Santo, tínhamos as fo-
lias denominadas do Bispo Innocente; as
quaes também foram solemnisadas em
França, e eram anualmente com esplen-
dor festejadas em S. Martinho de Tours
(...) tudo o que conhecemos a respeito
dos druidas vem de alguns textos roma-
no - sobretudo do De bello gallico, de
Júlio César - referentes à Gália; sabe-se
que houve druidas na ilha britània , mas
os textos que falam deles são muito tar-
dios (Idade Média avançada) ou poucos e
curtos; nem a história da igreja de Beda,
nem as crônicas dos saxões citam os drui-
das. Do restante mundo céltico - Europa
mitologia sobre os gauleses, mas alguns
documentos atestam essa possibilidade
de introdução da festa nas ilhas. Sobre as
primeiras inserções das festividades em
Portugal, há também apontamentos que
se referem acontecimento dessa nature-
za na França: “Antes de estabelecidos entre
nós os Impérios do Espírito anto, tínhamos

40 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


as folias denominadas do Bispo Innocente;
as quaes também foram solemnisadas em
França e eram anualmente com esplendor
festejadas em S. Martinho de Tour”.(BAR-
BOSA, 2006, p.13)

Por isso, se busca, neste ensaio, apresentar a narrativa teológi-


ca, mística, filosófica e histórica do imaginário político-religioso
brasileiro, provocando um verdadeiro Apocalipse5, ou ainda, uma
grande e irrefutável revelação como diria Michel Maffesoli (2010).
É preciso, antes de tudo, entender a versão anti-moderna, a saber
pode ser conceituado como sendo o envolvimentismo profético
no Brasil herdado do multiculturalismo português. Isto acontece
no Brasil porque somos movidos por uma razão sensível como
diria Michel Mafessoli em seu trabalho Elogio da Razão Sensível
(1998). Por consequência se recusa a qualquer tipo de formalis-
mo, buscando uma intimidade ou interioridade que coloca o con-
tato pessoal acima de qualquer legalidade jurídica: “cada indivíduo
afirma-se ante os seus semelhantes indiferentes à lei geral, onde esta
lei contrarie suas afinidades emotivas, e atento apenas ao que o dis-
tingue dos demais, do resto do mundo”. (HOLANDA, 1996a -1996b,
p.155). Reconhecer esta nossa vocação é antes de tudo pensar em
outro modelo de civilização que não tem mais por referência o de-
senvolvimento, mas, o envolvimentismo, ou melhor, o projeto polí-
tico brasileiro não pode ser concebido somente pelo pensamento
técnico e científico, mas antes um envolvimento, enrodilhamento
cultural, herança do medievalismo português. Religião é cultura,
sendo a pedra fundamental para compreender a civilização bra-
sileira.

Afinal, estamos em pleno século XXI diante de um projeto de ci-


vilização ocidental que se deparou com seus limites, um modelo
sistemático que se esgotou, saturou-se. É preciso pensar o novo, e,
5 Apocalipse do grego apokalypsis, que contém kalyptô (cobrir, encobrir, ocultar) e o prefi xo apó
(avna-, avpo-, dia-, evk-), com o signifi cado fi nal de “descobrir, desvendar, revelar”.

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 41


antes de tudo, entender o que é o desenvolvimentismo moderno
caracterizado pelo movimento retilíneo se coloca em oposição a
sua versão anti-moderna, a saber: o envolvimentismo profético no
Brasil. A base desta compreensão é o pensamento de Joaquim de
Fiore em Portugal. As grandes navegações sempre tiveram ligadas
simbolicamente ao Espírito Santo. Será a utopia de uma idade de
ouro conduzida pelo Espírito Santo que encontrará terreno fértil
no Novo Mundo. Esta influência do pensamento joaquiniano se
deu através de Raimundo Lúlio que: “por volta de 1365, Pedro Rosell
dizia que a doutrina de Llull era a do Espírito Santo e que propagava
os ideais de Joaquim de Flora”.(CASTILHO, 2010, p.4). O Franciscano
Joaquim de Fiore, sempre teve em mente que uma idade do Espíri-
to era condição necessária para superar e guardar a idade do Pai e
do Filho, introduzindo no século XII a noção de progresso que nos
faria retornar a um estágio inocente e festivo, sempre representa-
do por uma pomba:

A disposição vectorial da pomba indica


direção, sentido, movimento. Umberto
Eco recorda-nos que o vector é um sig-
no ratio difficilis, a par com as marcas e
as congruências, quando, à falta de um
tipo expressivo pré-formado ele é molda-
do segundo o tipo abstracto do conteú-
do. É assim que podemos admitir que a
pomba representa o pensamento, ou um
seu correlato, a força de vontade, deter-
minação, potência, em qualquer caso in-
dica transmissão de força e de sentido.
Na medida em que a Trindade subsume
uma totalidade concebida como unidade
- Deus, apresentado em três facetas ou
instâncias de enunciação -, não é suposto
haver algo que acrescente mais sentido

42 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


do que aquele que lá está; os contextos
situam, mas a imagem tende a bastar-se
a si própria. (CASTILHO, 2010, p.5-6).

II - O Espírito Santo, no cristianismo, é aquele que conduz as ações


dos indivíduos. Como descrito em: “Então foi conduzido Jesus pelo
Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo. E, tendo jejuado qua-
renta dias e quarenta noites, depois teve fome” (Mateus 4: 1,2), ou,
“Jesus, cheio do Espírito Santo, voltou do Jordão e foi levado pelo Espí-
rito ao deserto, onde, durante quarenta dias, foi tentado pelo diabo.
Não comeu nada durante esses dias e, ao fim deles, teve fome”. (Lucas
4:1, 2), e ainda, “Logo após, o Espírito o impeliu para o deserto. Ali
esteve quarenta dias, sendo tentado por Satanás”. (Marcos 1: 12,13).
Compreender o protagonismo que o Espírito Santo, exerce na lite-
ratura e filosofia medievais, bem como no cristianismo como um
todo, é necessário regressarmos aos estoicos e compreender as
origens do culto maternal a partir de Zenão e seus discípulos:

Foi com eles que começou o influxo de


ideias orientais em grande escala [...] Um
bom exemplo que ilustra este problema
de dupla interpretação é o da ideia de
igualdade entre os homens, atribuída aos
estoicos (...) tocamos em um elemento im-
portante da ideia de igualdade, se recor-
darmos que os estoicos semitas vieram
de civilizações que mantiveram vivo o cul-
to maternal (...) continuadora de Platão e
de Diógenes, da desejabilidades de uma
comunidade de mulheres, com a qual
sentiremos uma afeição paternal, por to-
das as crianças (...) Todas as crianças são
iguais à mãe que as trouxe ao mundo e

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 43


a mãe não dá tudo apenas a uma, mas a
cada uma a sua parcela. Não é acidental
que os princípios da igualdade e liberda-
de estejam tão frequentemente ligados
aos fatos do nascimento e da procriação
nas fórmulas “nascido” ou “criado” igual.
(VOEGELIN, 2012, p.130-131)

É muito importante dizer como nos adverte Voegelin (2012) que


serão os estoicos que desenvolverão o argumento de que a vida
deve estar de acordo com logos universal e divino, que se funda-
menta na natureza, sendo o homem um coparticipante, em frag-
mento, desta centelha divina: “a teoria influenciou fortemente o
pensamento europeu ocidental e transformou-se, no século XIII, numa
perigosa construção rival da ideia cristã de personalidade” (VOEGE-
LIN, 2012, p.132). Logo, serão os estoicos que prepararam o ca-
minho para a revolução cristã, por outro lado, rivalizaram com as
doutrinas cristãs que terão por base o Espírito Santo no século
II d.c. que colocavam a mulher em uma relação de igualdade e
liberdade ao homem, inclusive com o dom da profecia, como por
exemplo, se observa no surgimento do pentecostalismo de Mon-
tano, denominado como “Heresia Frígia”:

O movimento denominado Montanismo


surgiu em uma vila chamada Ardaba na
região da Mísia na Frigia (Ásia Menor), no
II século da Era Cristã (por volta do ano
170). Este movimento é muitas vezes ne-
gligenciado pelos historiadores do mo-
vimento pentecostal. A justificativa para
esta negligência é simples. O Montanis-
mo percorreu um caminho extremista,
cometeu vários equívocos e seu funda-
dor, Montano, foi considerado herético.

44 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


Conforme a História Eclesiástica, o surgi-
mento de novas heresias contra a Igreja
“insinuaram-se como répteis venenosos
na Ásia e na Frigia, alegando que Monta-
no era o Paracleto, e que duas mulheres
que o seguiam, Priscila e Maximila, eram
profetisas de Montano”. Montano ao se
intitular porta-voz do Espírito Santo afir-
mava que sua missão era inaugurar a
“Era do Paracleto” e com uma mensagem
apocalíptica anunciava a volta iminente
de Cristo. (BAPTISTA, 2017, P.17-35) (Grifo
nosso)

Veremos que no livro de Atos dos Apóstolos, Novo Testamento, são


36 referências ao Espírito Santo que assumem um papel de lide-
rança e de princípio fundamental da Igreja primitiva, como para-
cleto ou paraclito6:

Escrevi o primeiro ó Teófilo, sobretudo


que Jesus começou a fazer e ensinar, até
o dia em que, depois de ter dados ordens
pelo Espírito Santo aos Apóstolos que
6 1) “Sereis batizados” (At 1:5). 2) “... e todos ficaram cheios” (At 2:1-4). 3) “... derramou isto que
vedes e ouvis” (At 2:33). 4) “... e recebereis o dom” (At 2:38,39). 5) “... então Pedro cheio do Espírito
Santo”(At 4:8). 6) “... e todos ficaram cheios do Espírito Santo” (At 4:31). 7) “... homens cheios do
Espírito Santo” (At 6:3,5). 8) Estevão morrendo, “cheio do Espírito” (At 7:55). 9) “Oraram para que
recebessem o Espírito Santo” (At. 8:15-17). 10) A oração de Ananias: “... para que sejas cheio” (At 9:17)
11) “... caiu o Espírito Santo sobre todos” (At 10:44-47). 11) “... caiu sobre eles o Espírito” (At 11:15-
17). 12) “... cheios de fé e do Espírito Santo” (At 6:5). 13) “Paulo, cheio do Espírito Santo” (At 13:9).
14) “e os discípulos transbordavam de alegria e do Espírito Santo” (At 13:52). 15) “... concedendo-lhes
o Espírito Santo” (At 15:8). 16) “Recebestes, porventura, o Espírito Santo quando crestes?” (At 19:2-
6). 17) Deus mandamento aos discípulos (At 1:2). 18) Julgou os mentirosos (At 5:3,9). 19) Mandou
que Filipe se ajuntasse ao carro do eunuco (At 8:29). 20) Arrebatou a Filipe (At 8:39). 21) O Espírito
disse (At 10:19; 11:12). 22) Chamou, separou e enviou Barnabé e Paulo (At 13:2,4). 23) “Pareceu bem
ao Espírito Santo...” (At 15:28). 24) “Tendo sido impedidos pelo Espírito Santo...” (At. 16:6,7). 25)
Constituiu bispos para apascentarem o rebanho (At. 20:28). 26) O Espírito Santo falou pela boca de Davi
(At 1:16). 27) Ágabo profetizou inspirado pelo Espírito (At 11:28). 28) De cidade em cidade o Espírito
revelava a Paulo (At 20:23). 29) Pelo Espírito, diziam a Paulo que não subisse a Jerusalém (At 21:4). 30)
“Isto diz o Espírito”, falou o profeta (At 21:11). 31) Paulo cita Isaías (At 28:25-27). 32) Profetas, mestres
e profetizas que jejuavam, ouviam e profetizavam pelo Espírito (At 13:1,2; 21:9). 33) Testemunhando
(At 5:32). 34) Confortando, consolando (At 9:31). 35) Muitos resistiam ao Espírito Santo (At 7:51). 36)
Deus, o Pai, ungiu a Jesus com o Espírito (At 10:38).

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 45


escolhera, foi elevado ao alto. Depois da
paixão, apresentou-se vivos a eles, dan-
do-lhes muitas provas, aparecendo du-
rante quarenta dias e falando das coisas
referentes ao reino de Deus. Enquanto
estava comendo entre eles, mandou-lhes
que não se afastassem de Jerusalém mas
esperassem a promessa do Pai, “que de
mim ouvistes”, disse ele. “Porque João Ba-
tizou com água, mas vós sereis batizados
com o Espírito Santo daqui a poucos dias.
(At 1:5).

O principal objetivo deste livro evangélico é registrar a presença


e ação condutora do Espírito Santo na criação das primeiras co-
munidades cristãs. Isto fica claro quando se observa a seguinte
afirmação: “de ter dados ordens pelo Espírito Santo”, ou ainda,
“batizados com o Espírito Santo”. Logo, o protagonista deste livro é
o Espírito Santo, que está conduzindo e orientando as ações apos-
tólicas. Todavia, o que é isto, o Paraclêto? É aquele que conduz e
acompanha as pessoas nos colocando diante da experiência pre-
senteísta da vida, em um instante eterno como nos advertiria Mi-
chel Maffesoli (2010). Esta experiência é mais bem descrita no livro
de João, o quarto evangelho, o qual o Paraclêto se apresenta como
sendo o ‘Espírito da Verdade’, uma espécie de advocatus dos após-
tolos de Cristo como pode ser lido em Jo 14,15-17; Jo 15, 26-27, Jo
16, 13. Mas o que é isto o ‘Espírito da Verdade’? É aquele que inter-
cede, conduz, advoga em nome da Verdade, reivindicando justiça
em um mundo que cometeu um pecado. O ‘Espírito da Verdade’ é
capaz de expor este pecado e reivindicar a sua redenção. É possí-
vel supor que a redenção deste pecado foi cometida pela tradição
judaico-cristã no momento em que se vem a irrupção da força fla-
mejante do entendimento, expresso pelas diversas profetisas nos
textos sagrados, tanto aquelas presentes na Antigo Testamento

46 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


quanto no Novo Testamento: Sarah7, Miriam8, Deborah9, Hannah10,

Abigail11, Ester12, Hulda13 Maria Madalena14 ou Junia15. Ditos são ex-


postos todos os argumentos desenvolvidos até o momento, fica
claro que o Espírito Santo é a força motriz de toda a tradição judai-
ca e cristã. O Espírito Santo se manifestou através das lideranças
carismáticas, representado pelos Juízes e depois pelos profetas,
por fim, na comunidade cristã.

7 Sara é identificada como sendo a esposa de Abraão em Gênesis 17:15, seu nome pode ser traduzido
como sendo princesa. Sua História envolve a aliança realizada com Deus através da gestação de um
filho improvável de um homem com idade extremamente avançada, que somente foi possível a partir da
intervenção divina.
8 Identificada como sendo irmã de Moisés. Ela é responsável pelo acompanhamento de
Moisés, enquanto recém-nascido, e por indicar a própria mãe de Moisés como sua babá, após
a criança ser encontrada em um cesto de betume pela família real egípcia, como pode ser
constatado em Êxodo 2:7; Números 12; Êxodo 15:20; Números 20:1. Aparentemente tinha
um perfil arredio e considerado rebelde, punida pela lepra.
9 Débora é considerada e identificada como sendo uma mulher flamejante, intimamente ligada à
representação do fogo e ao culto de Aserá, ou ainda, a prostituição sagrada.
10 Identificada como uma mulher estéril. Por isso, seu marido Elcana tinha uma segunda esposa. Após
uma intervenção divina veio a conceber Samuel. Conforme descrito 1 Samuel l, 1.20; 1 Samuel, 1.2; 1
Samuel, 1.3; 1 Samuel, 1.6; 1 Samuel, 1.10; 1 Samuel, 1.13; 1 Samuel, 1.11; 1 Samuel, 1.24; 1 Samuel,
2.1-10.
11 Identificada como sendo esposa do Rei David, após a morte de seu primeiro marido considerado um
casamento infeliz: Nabal, o insensato ou estúpido. Representa o espírito sensato diante das adversidades.
Gerou um filho, descendente da casa do Rei David. Seu nome quer significar alegria do meu pai. Tem
como variante o nome Gail, uma redução do nome Abigail. Que se aproxima da palavra Ga’al que pode
significar proteger ou redimir. Ou do hebraico Gah-el. Que pode nos remeter ao nome Gael de origem
irlandesa que originou a língua gálica, falada no país de Gales. Gael pode significar protegido ou o que
protege, do bretão Gwrnäel, significando belo e generoso, muito próximo da palavra Graal, que pode
significar vaso sagrado.
12 Identificada como filha de Abigail e esposa do Rei persa Xerxes I, é atribuída a Ester a capacidade
de ter influenciado a anulação do decreto, em sua época, que permitia a perseguição contra os Judeus.
Seu nome pode significar estrela da manhã. Mas chamava-se Hadassa que está associada à planta
mirta. A madeira da mirta dá origem à mirra, incenso utilizado em cerimônias religiosas. Seu licor tem
propriedades curativas de doenças no sistema bucal e digestivo. Já, na mitologia grega é associada a
Afrodite ou Vênus em Roma sempre presente em rituais e cerimônias, e ainda, é uma planta utilizada
para adornar as noivas. No judaísmo é considerada uma das plantas sagradas que pode representar o poder
fálico. Na cabala é vinculada a Sefirot Tiféret.
13 Seu nome significava doninha. Assim como a profetiza Débora, quer dizer abelha, pode nos parecer
nos remeter a termos pejorativos. Ela responsável para ser a mensageira de más notícias ao reino de
Israel. Uma vez que o povo judaico teria se contaminado pelo politeísmo, ou ainda, adoração de vários
deuses. Ela anuncia a destruição do Templo de Jerusalém mesmo que estes eventos proféticos iriam
apenas ocorrer com a destruição do templo sagrado aproximadamente 200 anos da era cristã. Conforme
narrado em 2 Cr 34:23-28; 2 Cr 34:24; 2 Cr 34:25.
14 Identificada como proveniente de Magdala é considerada a mais devota do discipulado
cristão. O Papa Gregório I vincula sua imagem de uma prostituta ou a uma adultera citada
em Lucas 8:2. Inclusive defende a tese que Maria de Betânia, irmã de Lazaro, também seria a
mesma pessoa. A moderna teologia desmente. O correto aparentemente é distinguir as três
Marias, a partir da argumentação do filósofo cristão Orígenes.
15 É identificada como uma apostola acompanhada de seu marido Andrônico da Panônia. São
reconhecidos por Paulo de Tarso como aqueles que vieram antes dele.

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 47


Determinado por um investimento de longa duração em práticas
de sincretismo cultural, e tendo por base de construção civilizató-
ria uma lógica assim apresentada, podemos, com efeito, afirmar
que o imaginário político e religioso luso-brasileiro conserva uma
natureza estética fundada em elementos marcantes da cultura
medieval portuguesa., românica, cristã e germânica; esta vem,
então, assumir nos tempos inaugurais da chamada modernida-
de um decisivo caráter místico de tipo monoteísta, judaico-isla-
mo-cristão, cujos traços foram mutuamente assimilados a partir
da experiência da conquista e controle muçulmano na Península
Ibérica entre os séculos VIII e XV. Fecunda síntese que deita suas
raízes nesse encontro cultural plurisecular, encontramo-la em sua
forma mais elaborada na imagem do Quinto Império do Mundo,
concebida nas obras História do Futuro, e sobretudo na Clavis Pro-
phetarum, do padre jesuíta português Antônio Vieira.

Embora de modo inconcluso, nestas obras de teor místico pro-


fético Vieira desenvolve uma peculiar teoria do acontecimento e
da experiência do tempo que pode ser pensada a partir daquilo
que Michel Foucault (1994) chama de ontologia do presente. Segun-
do a maneira com que o filósofo francês trabalha este conceito, a
ontologia do presente refere-se especificamente a uma reflexão
filosófica que tem por base a experiência da atualidade, à qual
vincula-se a questão colocada — aparentemente pela primeira vez
— por Kant em seu artigo de 1784 Was ist Aufklärung? De acordo
com Foucault, o que torna a questão da atualidade responsável
por uma forma inaudita de reflexão filosófica é o fato de ela pro-
porcionar uma “ontologia de nós mesmos”, isto é, a concepção de
uma totalidade histórica e política que não recorre a causas exter-
nas ou longínquas ao próprio meio vivido pelos homens. Temati-
zando a si própria, esta totalidade revelar-se-ia por meio de uma
disposição geral, individual e coletiva, a abarcar os sentidos que
direcionam racionalmente o progresso humano rumo à sua con-
dição essencial de liberdade.

48 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


A ontologia do presente de Kant vincula este projeto de autonomia
humana ao conceito de Aufklärung, responsável por determinar e
exibir o movimento autoconsciente de uma totalidade ético-políti-
ca plenamente racional, e, no entanto, ainda em aberto segundo a
perspectiva da sua atualidade e de um “a fazer” histórico. Tal como
foi concebida por Foucault — isto é, em torno de uma semiótica e
de um sentido próprios —, a ontologia kantiana do presente con-
teria, portanto, um duplo aspecto, ao mesmo tempo ético e estéti-
co, associado ao movimento da Aufklärung.

De um modo bastante semelhante — mas que antecipa em pelo


menos cem anos a perspectiva kantiana —, a construção da ima-
gem do Quinto Império por Vieira tem por princípio a mesma
articulação entre estética e ética, a fim de ressaltar uma concep-
ção do tempo como atualidade, e que se projeta, portanto, como
uma experiência individual e coletiva singular. É precisamente nos
meandros desta singularidade temporal, transposta ao plano da
história e de seus efeitos estéticos e políticos — isto é, ao campo
do imaginário que dela brota como de uma fonte — que a bus-
ca de um sentido alternativo do moderno pode estar alicerçada.
Isto se dá sobretudo pelo fato de que, enquanto singularidade, tal
experiência do tempo significa antes de tudo a possibilidade de
reorganização e reorientação dos valores ligados à narrativa histó-
rica da Modernidade tal como a conhecemos: pensamos aqui na
vinculação privilegiada e quase imediata que se faz entre Moder-
nidade e “ruptura”, onde a razão — asseguradora de um “nova”
realidade em identidade consigo mesma, na mesma medida em
que é contrária a um passado medieval e obscuro — fornece a
lógica das diferenças.

No entanto, no que toca à questão filosófica da atualidade, o pró-


prio pioneirismo de Vieira em face a Kant já representa, em nossa
perspectiva, um aspecto crucial da reorganização e reorientação
dos sentidos e dos valores a que nos referimos; e ainda, tal rear-

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 49


ranjo da racionalidade histórica vem apontar para novos centros
de atuação, conturbando assim a linearidade do desenvolvimen-
to com que estamos habituados na história do pensamento e de
seus resultados práticos: não mais o norte da Europa logra ser
o continuador da marcha da razão que “renasce” no pós-medie-
vo — isto é, nações como a Inglaterra, a França, os Países Baixos
e, sobretudo, a Alemanha, cuja evolução cultural, marcada decisi-
vamente pelo Reforma Protestante, adotou um ou mais aspectos
de uma sistemática lógica de ruptura —, mas o pequeno, “arcai-
co” e “retrógrado” reino português, que, todavia, mira o mundo
com ambiciosas pretensões universais. Universalidade, totalidade,
atualidade: são estes três aspectos problematizados pioneiramen-
te por Vieira em seu tratado histórico-profético o que nos permite,
então, retraçar o plano de entedimento da Modernidade, e, assim,
associar-lhe outros signos e valores que, permeados pelo imagi-
nário medieval, mostram-se destoantes da imagem histórica do
desenvolvimento.

Portanto, ao elegermos o tema da herança e da tradição do ima-


ginário político-religioso luso-brasileiro, gostaríamos de chamar a
atenção para este recurso estético de conformação cultural, social
e política em uma atualidade que ainda é a nossa, propondo as-
sim uma crítica histórica, antropológica e filosófica ideia da Mo-
dernidade, onde um imaginário que lhe seja próprio possa surgir
como contrapartidade de uma tal investigação. Se nos referimos
ao Quinto Império a partir da sua “imagem”, é justamente por-
que cabe à investigação por nós proposta tratar de elucidar o seu
elemento estético, e, ao mesmo tempo, determinar o seu estatuto
de verdade, na medida em que, enquanto imagem de um deter-
minado tipo, ela visa um sentido de realidade que é plenamente
racional e totalizante.

De que tipo de razão estamos falando nesse estudo? Certamen-


te uma razão que, sem negar a sua atuação no campo da lógica

50 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


ideal/conceitual, não se resume a ele, vindo a se expressar — isto
é, assumir positivamente o seu elemento estético — por outras
vias: através de símbolos, metáforas, alegorias e mitos. A partir des-
te campo estético ampliado, surge, em sua relação com o universo
dos conceitos e com a verdade, todo um conjunto de problemas
epistemológicos que dá origem a profundas questões de ordem
ética e política. Temos aqui em mente a célebre separação entre
mythos e logos, cuja ideia de “corte” distintivo alimenta continua-
mente imagens totalizadoras (unidades e diferenças) a respeito da
formação de culturas, povos, sociedades, civilizações, etc., assim
como do valor de verdade a elas atribuídas parcialmente, e, princi-
palmente, à imagem organizada de todo o conjunto.

Que este episódio central da História da Filosofia alimente uma


concepção generalizada da História (e vice-versa), fica patente na
construção conceitual, e, consequentemente, nos efeitos políti-
cos atrelados a noções capitais como “Ocidente” e “Modernida-
de”, bem como do valor universal do progresso e do desenvolvi-
mento enquanto fins em si mesmos, conduzidos através de uma
mesma lógica. É precisamente a crítica de uma tal teleologia que
pretendemos apresentar com a ressignificação simbólica, alegó-
rica, metafórica e mítica do télos desenvolvimentista, o que torna
a questão da ontologia vieiriana do presente acima mencionada
igualmente uma crítica cultural e política, na medida em que ela
vislumbra uma experiência alternativa do tempo e do espaço de
atuação, das suas imagens constitutivas e do seu sentido histórico
mais amplo. A título de hipótese inicial de uma pesquisa que ense-
ja fôlego no tratamento de elementos histórico-culturais e arrojo
conceitual, gostaríamos de nomear tal experiência como envolvi-
mento, em alternativa, portanto, ao modelo histórico-político do
desenvolvimento.

Diante da exigência de originalidade e brasilidade, a questão que


se impõe é pensar a capacidade de superação da decadência e do

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 51


niilismo que surgiu no baixo medievo, e que retorna tragicamen-
te com a emergência da pós-modernidade. Embora, Dom Quixote
possa ser considerado o primeiro romance moderno, é importan-
te ressaltar que Miguel de Cervantes Saavedra viveu no espaço-
-tempo compreendido entre 1547 e 1616. Importante lembrar que
Jacques Le Goff afirmava que o medievo se estendeu até o século
XVIII e começo do XIX, se permitindo inclusive a afirmar a existên-
cia de uma longa Idade Média (LE GOFF, 2015, p.12). Desta forma,
Cervantes (1547-1616) estaria inserido na baixa Idade Média. E por
isso, pode-se dizer que a Modernidade é um conceito construído
em gelo fino. Isto se deu com o intuito de superar o contexto his-
tórico em que Cervantes viveu, ou seja, imerso na profunda deca-
dência e niilismo, o cenário era marcado por inquietações sociais,
fracassos, peste, corrupção generalizada, desilusão, desencanta-
mento do mundo, alienação, etc. Isto é corroborado por Cervantes
quando o mesmo afirma em Dom Quixote: “Ditosa idade e afortu-
nados séculos aqueles a que os antigos puseram o nome de dourados,
não porque nesses tempos o ouro, que nesta idade do ferro tanto se
estima, se alcançasse sem fadiga alguma, mas sim porque então se
ignoravam as palavras teu e meu”.(CERVANTES, 2012, cap.11-20)

Observa-se, claramente, que Cervantes tem a consciência de uma


existência humana que está em queda livre! Em seu tempo a cri-
se demográfica atingiu proporções gigantescas devido a peste.
A Península Ibérica somente voltou a crescer demograficamente
no século XVIII. Foi também um período de derrotas militares in-
tensas para a Espanha acompanhadas por crises financeiras com
uma dívida pública impagável. Decadência e niilismo eram as ca-
racterísticas do espírito do tempo de Cervantes. Sendo assim, foi
possível conceber, criada pela imaginação literária de Cervantes,
a construção de uma nova utopia que buscou superar o niilismo
e a decadência da baixa Idade Média, representada por Quixote,
prenunciando o individualismo na Modernidade e que teremos
por referência histórica, a emergência da Revolução Americana

52 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


e a ruptura do mundo medieval realizada pelos revolucionários
franceses. Porém, isto aconteceu através de uma lógica identitária
e clássica que denominamos de liberalismo. Esta lógica é marca-
damente cartesiana e tem por expressão o cogito, a cabeça, um
projeto lógico-transcendental, na compreensão de um mundo
que foi imposto, através da dedução geométrica e calculativa, ló-
gico-formal e científica da realidade. Todavia, recalcou a utopia de
uma época em que o desejo fosse sempre o desejo pelo Outro,
impedindo que nos colocássemos em envolvimento.

Com isso, foi empreendida a caça às bruxas, institucionalizada


pela Santa Inquisição Espanhola, contra Judeus, Mulçumanos e
mulheres e que se estendeu no período de 1481 a 1826, mas que
inconscientemente irá preparar o terreno para o surgimento do
sujeito liberal na Modernidade no século XVIII se estendendo até
as guerras napoleônicas no começo do século XIX, uma tentativa
desesperada, e até certo ponto com sucesso, de recalcar a lógica
do envolvimento dialético e da pura diferença, representada pelo
desejo inconsciente pelo Outro. A consequência direta desta ação
é o esgotamento de todas as possibilidades culturais universalis-
tas que possam pensar em um terceiro incluído. E se apresenta na
constante tentativa de abolir os Mitos e a Filosofia, que poderiam
pensar a superação da decadência e do niilismo, impedindo o sur-
gimento de uma nova cultura movida por uma vontade utópica de
inspiração feminina.

Enfim, Racionalização e Capitalização são representações cultu-


rais e o papel da Inquisição foi colocar a representação utópica de
uma Nova Era movida pelo arquétipo do feminino no submundo,
submisso, preparando o terreno para o desenvolvimento racio-
nal, lógico-transcendental e formal, que se iniciaria no século XVIII,
através do transcendentalismo cultural judaico, reescrito em ves-
tes cristãs protestantes, particularmente calvinistas, dando lugar
a revolução liberal burguesa. A Modernidade se iniciou no século

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 53


XVIII e se estende com as guerras napoleônicas no século XIX, mas
para isso foi necessário subsumir, através da Inquisição, o envolvi-
mento dialético, a diferença, representada pelo desejo inconscien-
te pelo Outro.

É imperioso lembrar que por detrás desta argumentação está a


questão da cultura. Uma vez que a Modernidade foi construída
a partir de uma tese materialista, expressa no liberalismo econô-
mico, consumista, ou por outro lado na infraestrutura econômica
planificada. O econômico se torna o novo deus que transforma
todos em servos e que precisa ser sadicamente profanado, igno-
rando impondo a idéia de que a cultura não conta. Eles precisam
acender a fogueira inquisitória que irá matar todos aqueles nas-
cidos tardes demais e que buscam romper com esse mecanismo
diabólico que foi constituído na Modernidade, empreendendo
uma guerra de extinção contra uma nova cultura que não tenha
uma base materialista. Ou seja, se constituiu como sendo um pro-
jeto de conquista, desvirginando, desnaturando, submetendo e
recalcando a Utopia da Era do Feminino anunciada pela Filosofia da
História de Joaquim de Fiore, que se pode compreender através
do processo dialético do envolvimento profético no Brasil que tem
carrega tradicionalmente as heranças do medievalismo português
e que agrega sincreticamente a religião afro-brasileira, especifica-
mente a Umbanda.

III - Diante deste cenário é possível especular e compreender um


tema quase sempre onipresente no imaginário teológico e filosó-
fico cristão, mas que se faz presente nas festas litúrgicas e sin-
créticas do divino Espírito Santo presentes no Brasil e Portugal:
a temática da noiva perdida. Por isso, o imaginário medieval nos
convoca a refletir e pensar a representação iconográfica de um
feminino arquetípico perdido na religiosidade cristã. Este imaginá-
rio se inicia na cidade de Betânia, Palestina, região semiárida, um

54 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


declive, que fica entre Jerusalém e Jericó, denominada Azariveh ou
Lazariveh que em árabe significa “lugar de Lázaro”, mas pode sig-
nificar em grego a partir do hebraico bét nîyyah, contração de bét
nanîyah significando “casa de Ananias”, e ainda, “casa ou lugar dos
figos verdes”, “casa das tâmaras”, ou ainda, “casa dos pobres”. Esta
toponímia pode indicar “fósseis” linguísticos. Por isso pergunta-se:
Qual o simbolismo da casa dos figos verdes? Casa das tâmaras? Por-
que casa dos pobres? Quem foi Ananias? Na tradição teológica cristã
descrita no evangelho de Mateus (1:21) Jesus veio com a missão de
salvar seu povo. Mateus, discípulo direto, testemunha ocular dos
acontecimentos, foi o único discípulo que implicou Jesus em uma
dimensão política/religiosa, associando Jesus ao velho testamento
e as profecias de Isaías (7:14).

Segundo Mateus (2:1-12) o local de nascimento de Jesus é Belém,


conforme foi revelado aos magos ou sábios que visitaram Jesus
após seu nascimento, vindos do Oriente. Belém (casa do pão) fica
aproximadamente 20 km de Betânia (casa dos figos verdes ou
casa das tâmaras). Importante informar que Betânia pertence ao
território benjamita que fica aproximadamente 15 km de Jerusa-
lém, 30 km de Jericó e aproximadamente 10 km de Betel (casa da
luz) dentre outras cidades importantes na época. Lembremo-nos
que o primeiro Rei dos antigos Hebreus foi Saul, um benjamita.
Embora a proximidade geográfica da cidade de Betânia seja rele-
vante, é importante lembrar que Belém pertence a tribo de Judá e
que havia uma estreita aliança com os benjamita desde os tempos
do Rei Davi, que formou a nação dos antigos Hebreus, como pode
ser constatado em 2Samuel 19:16-17; 1Reis 11:13; 12:20; Esdras
1:5; 10:9. Após a perseguição empreendida por Herodes, conhe-
cido como o massacre dos inocentes, devido a informação que
foi antecipada pelos sábios ou magos orientais de que o Rei dos
Judeus nasceria em Belém, a família foge para o Egito: José, o pai,
Maria, a mãe, o filho, Jesus. Somente retornando após a morte de
Herodes, o Grande, se instalando no centro do poder político dos

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 55


antigos Hebreus, na Galileia em Nazaré, próximo à Tiberíades, que
segundo Mateus (2:23) confirma mais uma vez a profecia, ou seja,
de que o messias seria conhecido como Nazareno. É possível per-
ceber a construção de uma narrativa política/religiosa neste relato
atribuído à Mateus.

Como sabemos o domínio romano na região, hoje conhecida como


a Palestina, se deu na época de Jesus com o governo de Herodes,
o Grande, até o ano 4 d.c., marcado pelo despotismo, crueldade e
ambição. Por sua vez Betânia é a região dos amigos de Jesus, Láza-
ro, Maria de Betânia e Marta, e ainda, parentes próximos. Inclusive
é importante perceber que foi nesta região, próximo a Jericó, que
Jesus jejuou, sendo possível falar de Betânia como o local onde
ocorria os batismos de João Batista, primo de Jesus. Inclusive foi a
vila onde Jesus passou seus últimos dias, como é confirmado em
Mateus (21:17) e provavelmente realizou a última ceia. Parece-nos
que Betânia é local de formação espiritual e política de um perso-
nagem histórico que reivindicou o título de messias anunciando o
Reino de Deus. Enfim, pretende-se demonstrar que o imaginário
deste projeto político/religioso tem como pedra angular: o arqué-
tipo do feminino representado por Maria de Betânia que muitos
identificam com a mulher do vaso de alabastro, ou seja, como
Maria Madalena. Sendo assim, qual a simbologia política/religio-
sa para Betânia, representada etimologicamente como a casa do
figos verdes ou casa das tâmaras ou casa dos pobres?

“Estando Jesus em Betânia, reclinado à


mesa na casa de um homem conhecido
como Simão, o leproso, aproximou-se dele
certa mulher com um frasco de alabastro
contendo um perfume muito caro, feito de
nardo puro. Ela quebrou o frasco e derra-
mou o perfume sobre a cabeça de Jesus.
Alguns dos presentes começaram a dizer

56 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


uns aos outros, indignados:

- “Por que este desperdício de perfume?

Ele poderia ser vendido por trezentos de-


nários, e o dinheiro dado aos pobres”. E a
repreendiam severamente.

- “Deixem-na em paz”, disse Jesus.

- “Por que a estão perturbando? Ela


praticou uma boa ação para comigo.
Pois os pobres vocês sempre terão con-
sigo, e poderão ajudá-los sempre que o
desejarem. Mas a mim vocês nem sem-
pre terão. Ela fez o que pôde. Derramou o
perfume em meu corpo antecipadamen-
te, preparando-o para o sepultamento. Eu
lhes asseguro que onde quer que o evan-
gelho for anunciado, em todo o mundo,
também o que ela fez será contado em
sua memória”. (Marcos 14:3-9);

Parece-nos que o evento envolvendo Maria de Betânia, identifica-


do no período medieval como Maria Madalena, nos coloca diante
das origens fundamentais da narrativa cristã muitas vezes negli-
genciada e esquecida! A narrativa apresenta um conflito entre
duas correntes políticas religiosas distintas que são apresentadas
em posições opostas. De um lado está a austeridade, controle das
emoções e sentimentos, representada na defesa dos menos fa-
vorecidos e como casa dos pobres, de outro, o excesso, entendido
como fartura, abundância ou desperdício.

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 57


Maria de Betânia, identificada como sendo Maria Madalena e Marta 1620. Por Rubens,
atualmente na Gemäldegalerie do Kunsthistorisches Museum, em Viena.

Este excesso é amplamente encontrado entre as sacerdotisas ou


caixeiras nas festividades do Espírito Santo no Brasil e Portugal
promovendo comensalidade, colocando-se no uso comum dos
homens, em sua profanidade sacra representado pelo ato de co-
mer, orgia alimentar sagrada, onde as suas representantes são as
antigas Ménades, discípulas de Dionísio, lascivas, que se deixam
levar pelo seus desejos mais primitivos, promotoras do êxtase,
como já foi lembrando no decorrer deste texto e que tem por
arquétipo o erotismo, proporcionado por alimentos e perfumes
afrodisíacos como o puro nardo (lavanda), tâmaras ou figos ver-
des, arquétipo do órgão sexual feminino:

58 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


“Ela fez o que tinha (o que podia)...” (v.
8a). É interessante a composição grega
do verbo no aoristo. O verbo “ter” usado
no sentido aramaico: “para mim” igual a
“eu tenho”, então “eu posso”. Há pleni-
tude nesta ação, a mesma abundancia
plena, viva, escancarada, consoladora e
recriadora do perfume derramado. Ela
fez tudo o que tinha e podia. Ha desejo
e poder nesta ação. Há reconhecimento
do erotismo. “ A partilha da alegria física,
emotiva, psíquica ou intelectual, coloca
uma ponte entre as pessoas que a par-
tilham, uma ponte que pode ser a base
para compreender quanto entre elas não
é compartilhado, e para reduzir a ameaça
da diferença (...)” (BUSCEMI, 2022, p.58).

Não pode-se esquecer de Débora, a profetiza abelha e flamejante,


doce como a tâmara, fogosa, que cultuava a deusa da fertilidade
denominada por Aserá. Débora praticava a prostituição sagrada
enquanto julgava toda na Judéia anunciando a destruição do Tem-
plo de Jerusalém por suas iniquidades e que ocorreria dois sécu-
los depois conforme é profetizado em 2 Cr 34:23-28; 2 Cr 34:24;
2 Cr 34:25: “E Débora, mulher profetisa, mulher de Lapidote, julgava
a Israel naquele tempo. Ela assentava-se debaixo das tamareiras de
Débora, entre Ramá e Betel, nas montanhas de Efraim; e os filhos de
Israel subiam a ela a juízo” (Juízes 4:4,5). Este imaginário político e
religioso se dá através de uma erótica que se faz presente no terri-
tório benjamita entre Ramallah e Betel que anuncia o fim de uma
era e o início de um novo reino. Existe uma linha vermelha entre
Débora e Jesus: “Jesus tinha saído do templo e estava indo embora
sozinho, quando seus discípulos se aproximaram dele para lhe mos-
trar as construções do templo. Jesus, porém, lhes disse: — vocês estão

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 59


vendo tudo isto? eu lhes digo que não ficará uma pedra sobre outra,
que não seja derrubada.” (Mateus 24;1-25). Talvez por isso são as
tamareiras que serviram de abrigo para Maria, mãe de Jesus, após
o nascimento do messias, conforme é descrito no Corão:

E menciona Maria, no Livro, a qual se


separou de sua família, indo para um
local que dava para o leste […] Explicou-
-lhe: Sou tão-somente o mensageiro do
teu Senhor, para agraciar-te com um
filho imaculado. Disse-lhe: Como pode-
rei ter um filho, se nenhum homem me
tocou e jamais deixei de ser casta? […] E
quando concebeu, retirou-se, com um
rebento a um lugar afastado. As dores
do parto a constrangeram a refugiar-
-se junto a uma tamareira. Disse: Oxalá
eu tivesse morrido antes disto, ficando
completamente esquecida […] E sacode
o tronco da tamareira, de onde cairão
sobre ti tâmaras madura e frescas. […]
Regressou ao seu povo levando-o (o filho)
nos braços. E lhes disseram: Ó Maria, eis
que fizeste algo extraordinário! – (Surata
19, 16:27).

Parece-nos salutar afirmar que Betânia, o lugar de Lázaro ou casa


dos figos verdes, ou ainda, casa das tâmaras, seja a origem ou fun-
damento deste imaginário político e religioso cristão, que é movi-
do por uma promessa de abundância e opulência através de uma
representação erótica, comensal, orgíaca e excessiva em que os fi-
gos podem suscitar a promessa de renascimento. Porque casa das
tâmaras? As tamareiras possuem a capacidade de renascimento,
rebrotando, caso seja derrubada. Importante dizer que o radical

60 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


tamar nos remete a uma personagem bíblica. Tamar era nora de
Judá, que por sua vez era filho de Jacó. O significado do radical
tamar, etimologicamente, quer dizer permanecer ereto. Por ou-
tro lado, Tamar era uma mulher viúva que fora casada com Er, o
primeiro filho de Judá. Após a morte de Er, Tamar casou-se com
Onã. Conforme (Gênesis 38:9): “Onã, porém, soube que esta des-
cendência não havia de ser para ele; e aconteceu que, quando pos-
suía a mulher de seu irmão, derramava o sêmen na terra, para não
dar descendência a seu irmão.” Teólogos e historiadores da religião
argumentam que a morte de Onã por Deus se deu porque ele se
recusou a dar uma descendência a ER, seu irmão morto. Assim, o
radical linguístico da personagem no antigo testamento conhecida
como Tamar e que constitui a palavra tâmara está nos remetendo
a continuidade de uma descendência. Logo, quando na casa das
tâmaras Jesus diz: “Mas a mim vocês nem sempre terão. Ela fez o que
pôde. Derramou o perfume em meu corpo antecipadamente, prepa-
rando-o para o sepultamento”, ele não estaria evocando a idéia de
renascimento de um novo reino na Judéia? Esta especulação pode
ser fundamentada pelo simbolismo do radical linguístico tamar?
Da mesma forma, não estaria em jogo um imaginário político/reli-
gioso que busca dar continuidade a linhagem de Davi e que tinha
como alicerce uma mulher viúva, como Tamar esposa de ER e Onã,
mas que agora é representada pela mulher do vaso de alabastro?
Esta especulação pode se fundamentar na importância do ato de
ungir o corpo de Jesus? Importante dizer que Maria de Betânia é
identificada como Maria Madalena pelos medievalistas e que se-
gundo o evangelho apócrifo de Felipe discípulo de Jesus:

“A companheira de Cristo é Maria Madale-


na. O Senhor amava Maria mais do que
todos os discípulos e a beijava frequen-
temente na boca. Os discípulos viram-no
amando Maria e lhe disseram:

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 61


- “Por que a amas mais que a todos nós?

O Salvador respondeu dizendo:

- Como é possível que eu não vos ame


tanto quanto a ela?” (Filipe 63, 34-64,5) (...)
“Eram três que acompanhavam o Senhor:
sua mãe Maria, a irmã dela, e Madale-
na, que é chamada de sua companheira.
Com efeito, era ‘Maria’ sua irmã, sua mãe
e a sua esposa” (Filipe 32).

A Festa de Simão, o Fariseu. Uma obra que também pode ser sobre a Parábola dos Dois
Devedores e que ilustra o debate sobre a quantidade de vezes que Jesus foi ungido. 1618-
20. Por Rubens, atualmente no Museu Hermitage, em São Petersburgo, na Rússia.

62 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


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APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 65


A IMPORTÂNCIA DA ABORDAGEM DO DIREITO
CONSTITUCIONAL NA EDUCAÇÃO BÁSICA

Nataniele Augusta de Oliveira16

Letícia Rodrigues da Fonseca

UNINCOR

RESUMO

Considerando a importância do ensino do Direito Constitucional


para uma formação democrática, desenvolvimento do indivíduo e
construção de uma sociedade preparada para o exercício da cida-
dania, esse estudo discorre, por meio de uma pesquisa bibliográfica,
sobre a importância da abordagem desta disciplina na educação
básica. O ensino do Direito Constitucional na educação básica pas-
sa a ser extremamente relevante na efetivação dos direitos funda-
mentais, inclusive ao próprio direito à educação, expresso no artigo
205 da Constituição da República Federativa do Brasil, sendo dever
do Estado e da Família. O dispositivo legal, destaca que a educação
deve preparar o indivíduo para o exercício da cidadania e para o
trabalho, sendo assim, entende-se como preciso que os princípios
fundamentais, os direitos e garantias fundamentais e a organização
do Estado sejam objeto de aprendizado no ensino básico.

ABSTRACT
Considering the importance of teaching Constitutional Law for a de-
mocratic formation, development of the individual and construction
of a society prepared for the exercise of citizenship, this study discus-
ses, through a bibliographic research, the importance of approaching

16 Mestranda em Gestão, Planejamento e Ensino. Universidade


Vale do Rio Verde.

66 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


this discipline in basic education. The teaching of Constitutional Law
in basic education becomes extremely relevant in the realization of
fundamental rights, including the very right to education, expressed
in article 205 of the Constitution of the Federative Republic of Brazil,
being a duty of the State and the Family. The legal provision empha-
sizes that education must prepare the individual for the exercise of
citizenship and for work, therefore, it is understood as necessary that
the fundamental principles, the fundamental rights and guarantees
and the organization of the State are object of learning in the basic
education.
Keyword: Constitution of the Fed+erative Republic of Brazil. Demo-
cracy. Basic education. Fundamental rights.

INTRODUÇÃO

Dentro da área de ciências sociais aplicadas, tem-se o Direito que


envolve o conhecimento do Direito Constitucional, estando elen-
cado ao ramo do Direito Público (CSA) - CNPq.

O Direito resguarda, defende, ampara, regula as relações dos indi-


víduos em sociedade indicando sua dependência pois onde existe
sociedade, existe o Direito (PALAIA, 2020). O Direito não pode ser
concebido fora da sociedade, refere-se a um fato ou fenômeno
social, sendo uma das características da realidade jurídica, como
se vê a sua socialidade a sua qualidade de ser social (REALE, 2002).

O Direito Constitucional consiste em uma ramo do Direito Públi-


co, fundamental para a organização do Estado e tem por objeto a
constituição política do Estado, em sentido amplo para estabele-
cer estrutura, organização, limitar o poder e prever diversos direi-
tos e garantias fundamentais. (MORAES, 2005).

O objeto de estudo desta disciplina é a Constituição Federal. Ca-


notilho (1991) traz o conceito de Constituição Federal como sendo
o ato de constituir, estabelecer e firmar a Constituição. É a lei fun-

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 67


damental e suprema de um Estado.

No entanto, embora a Constituição Federal seja a Lei Maior do


Estado, que regula e delimita todas as demais normas do país,
estabelce os direitos e garantias fundamentais, abrange diversas
questões importantes acerca da República Federativa do Brasil, é
ainda desconhecida por grande parte da sociedade.

Deste modo, faz-se necessário a adoção de mecanismos que en-


curtem a distância entre a norma maior e a sua maior destinatá-
ria, que é a população. O indíviduo que, no contexto social, tem
consciência responsável de que é sujeito de direitos, tutelado pelo
Estado Democrático de Direito, protegido por direitos e garantias
fundamentais inerentes à condição de ser humano, é um agente
direto na construção de uma sociedade efetivamente cidadã, que
luta por resguardar a dignidade da pessoa humana, o respeito à
diversidade e ao coletivo, na busca de igualdade material e dimi-
nuição da igualdade social.

Neste aspecto, tem-se que o melhor caminho e mais eficaz para


que o indíviduo tenha noções básicas do exercício da cidadania,
prepará-lo para ser um cidadão atuante e consciente dos seus di-
reitos e deveres, é através da educação básica, sobretudo no ensi-
no médio, já que o adolescente já possui certo discernimento para
entender temas políticos, haja vista que a própria Constituição
Federal prevê o direito ao voto aos dezesseis anos.

De acordo com a Resolução n.º 03, do Ministério da Educação,


de 21 de novembro 2018 que atualiza as Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio, é necessário o pleno desenvolvi-
mento da pessoa e o exercício da cidadania. No entanto, observa-
-se que a educação vai além da formação profissional, haja vista
que busca a construção da cidadania. A legislação mencionada
nos mostra que no ensino médio os jovens precisam ter conhe-
cimento dos seus direitos e deveres, o que reforça a necessidade
da introdução do Direito Constitucional, já que na Constituição da

68 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


República Federativa do Brasil encontra-se as normas primárias
de todo ordenamento jurídico brasileiro.

Conforme já mencionado anteriormente, o direito ao voto, tam-


bém chamado de sufrágio universal, pode ser exercido facul-
tativamente a partir dos 16 (dezesseis) anos. Sendo assim, se é
permitido ao jovem cidadão a realização de tão importante ato,
participando diretamente da vida política da nação escolhendo
seus governantes, tal exercício deve ser feito de forma consciente
que pode ser conduzido através da educação.

Sendo assim, este estudo discorre sobre a importância da abor-


dagem do direito constitucional na educação básica, objetivando
contribuir com o desenvolvimento pleno da cidadania e instrução
dos jovens para lidar com situações rotineiras relacionadas aos
seus direitos e deveres fundamentais.

MATERIAL E MÉTODO

Com o intuito de atender o objetivo que norteia esta pesquisa que


consiste em descrever a necessidade da inclusão do ensino do
direito constitucional na educação básica, fez-se uso da pesquisa
bibliográfica que conforme Marconi e Lakatos(2003), consiste no
levantamento de bibliografia já publicada, em forma de livros, re-
vistas, publicações avulsas e imprensa escrita, fazendo com que o
pesquisador entre em contato com todo material escrito sobre um
determinado assunto.

BREVE ANÁLISE HISTÓRICA: O ENSINO PREPARATÓRIO AO


EXERCÍCIO DA CIDADANIA NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Em uma perspectiva história, observa-se que a proposta que se


objetiva não é exatamente nova. Em fases anteriores da história
do jovem Estado de Direito brasileiro – que perpassou por vários

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 69


momentos políticos com as mais variadas diretrizes, a busca pelo
ensino preparatório à atividade cidadã esteve presente, ainda que
de forma tímida na mente dos que lidaram com os temas educa-
cionais.

Para se falar no exercício da cidadania na educação brasileira, fa-


z-se necessário entender o que significa a expressão “cidadania”.
Por Dalmo Dallari (2004, apud SILVA, 2019, p. 8), “cidadania se refe-
re a um conjunto de direitos que possibilitam a pessoa participar
ativamente da vida e do governo na sociedade a que pertence”.
Assim, se tal princípio educacional estivesse, desde os tempos pri-
mários, efetivado na educação, a sociedade pátria estaria em um
melhor contexto social.

No Brasil Colônia, quanto ao próprio exercício direto da cidada-


nia, não é possível se dizer em amplo exercício de direitos civis,
políticos e sociais, já que esta fase foi marcada pela escravidão e
outros problemas sociais. Não há muito que se falar desta fase,
a começar pelo próprio direito à educação básica: a Constituição
Imperial de 1824, que previa a intenção de “educação primária
a todos”, teve a referida previsão oportunamente afastada pela
Constituição Republicana de 1891, que se preocupava com outros
enfoques (SANTOS, 2017).

Alguns anos depois, já em 1934, o período em que o Brasil iniciou-


-se a fase dos direitos sociais, ocorreu uma considerável mudança
constitucional em todos os sentidos, regulamentando-se uma sé-
rie de direitos ainda não reconhecidos. Após, com o fim do Estado
Novo, segundo a lição de Santos (2017, s. p.), “no período denomi-
nado Intervalo Democrático, [...] o principal embate educacional
se deu em torno da edição de uma Lei de Diretrizes e Bases para
a Educação Nacional, o qual perdurou por longos treze anos”. O
anteprojeto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, então, foi
lançado em 1948 pelo então Ministro da Educação, Clemente Ma-
riani (SANTOS, 2017).

70 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


Sendo assim, a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação
foi a de nº 4.024/1961. Conforme ensinam Cunha e Xavier (2009),
esta foi “debatida e elaborada no contexto de redemocratiza-
ção [...] e duas vezes reformulada: pela Lei nº 5.692/1971 e pela
Lei nº 9.394/1996”.

A primeira versão da legislação de ensino, em seu art. 1º, previa


que a educação nacional, inspirada em liberdade e solidariedade
humana, possuía como finalidade a compreensão de direitos e de-
veres da pessoa humana, do cidadão, do Estado, da família e da
comunidade; o respeito à dignidade e liberdades fundamentais, o
desenvolvimento integral da personalidade humana e a participa-
ção social, bem como o repúdio ao preconceito (BRASIL, 1961). A
Lei foi sancionada pelo então Presidente João Goulart, que assu-
miu logo após a renúncia da Jânio Quadros.

É possível conectar tais ideários à Declaração de Direitos do Ho-


mem, de 10 de dezembro de 1948; em seu art. 26, o referido diplo-
ma internacional previu que a instrução seria orientada ao pleno
desenvolvimento da personalidade humana, do fortalecimento do
respeito pelos direitos do ser humano e pelas liberdades funda-
mentais (ASSEMBLEIA GERAL DA ONU, 1948).

Observa-se que, até a referida menção, por mais que houvesse


objetivos legais visando melhor preparar o estudante brasileiro
para o exercício da cidadania, na prática não havia muita efetivi-
dade. O ensino das normas constitucionais não era efetivado , até
chegar a fase política de 1964.

Então, já durante o período militar, o Decreto-Lei nº 869, de 12 de


setembro de 1969, instituiu como matérias obrigatórias Educação
Moral e Cívica e, no “grau médio” (além desta), a disciplina de Or-
ganização Social e Política Brasileira (OSPB). Dispunha o referido
decreto que as matérias possuíam caráter obrigatório nas escolas
de todos os graus e modalidades no País, apoiando-se naquelas
tradições nacionais.

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 71


Estas disciplinas fizeram parte do currículo escolar até 1993. Ape-
sar de que sua finalidade em muito se aproximava do objetivo do
ensino constitucional no ensino básico, infelizmente o contexto
histórico em que o Brasil vivia não permitiu a concretização do fim
outrora almejado; o que era para ser a formação cidadã e cons-
cientização de direitos dos brasileiros, em mais se parecia com ins-
trumento de doutrinação do referido momento político.

Ressalta-se que, ainda nesta fase histórica, foi editada a segunda


Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei nº 5.692, de 11 de agos-
to de 1971, assinada pelo General Médici, que assim dispunha:
“O ensino de 1º e 2º graus tem por objetivo geral proporcionar
ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas
potencialidades como elemento de auto-realização, [...] e preparo
para o exercício consciente da cidadania” (BRASIL, 1971, s. p.).

Por fim, uma verdadeira mudança de paradigma histórico-político


inaugurou-se no Brasil: o Estado Democrático de Direito, através
da Constituição de 1988, de direitos e garantias fundamentais,
inclusive a própria educação, no rol dos direitos sociais. Ante a
nova realidade pátria, as leis anteriores já não correspondiam aos
novos propósitos: é promulgada, então, a nova Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/1996, também conheci-
da como Lei Darcy Ribeiro, sancionada pelo então presidente Fer-
nando Henrique Cardoso. Já em seu art. 2º, a nova Lei expressa: “A
educação, dever da família e do Estado, [...], tem por finalidade o
pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercí-
cio da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1996,
s. p.).

Ocorre que esta diretriz educacional, até a atualidade se traduz ba-


sicamente como um princípio programático, carecendo de maior
efetividade. O preparo do aluno do ensino básico para o exercício
da cidadania melhor se aperfeiçoa na sua conscientização como

72 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


sujeito de direitos e obrigações, indivíduo ativo na democracia
participativa e contribuidor direto de um futuro sustentável. To-
dos estes apontamentos se aperfeiçoam no ensino qualificado de
direito constitucional, devidamente direcionado à fase de desen-
volvimento do estudante.

DIREITO CONSTITUCIONAL NA EDUCAÇÃO BÁSICA

De acordo com DIAS(2015), o acesso às informações jurídicas no


ensino regular seria relevante para o cidadão, no sentido de con-
tribuir para o exercício da cidadania e instrução das pessoas para
lidar com situações rotineiras que estão ligadas ao Direito, uma
vez que o direito faz parte da vida do cidadão, além de contribuir
para o crescimento intelectual, humanístico e incentivo à justiça.

De fato, o direito está a regulamentar a vida da pessoa desde a


concepção, quando, o direito civil, sob a égide do constitucional,
prevê que estão resguardados os direitos do nascituro. Ao nascer,
os demais direitos que se seguem, como ao nome, à filiação, ao
registro civil, à família, à moradia, à convivência digna, decorrem
todos da dignidade da pessoa humana, que se trata de um fun-
damento da República (art. 1º, inc. III, CF) e da própria garantia à
vida, como direito fundamental, prevista no art. 5º. Por mais que
esta análise pareça óbvia e simplista, a questão é que o Brasil, de
dimensões continentais, possui muitas regiões precárias, em que
há locais que os indivíduos crescem e vivem sem ter consciência
de direitos básicos que lhe são inerentes.

O ensino do Direito Constitucional na educação básica, nos dias


atuais, é de suma importância para que os jovens tenham uma
aprendizagem significativa, contribuindo para a formação de ci-
dadãos mais comprometidos e conhecedores de seus direitos. A
necessidade desta abordagem vai de encontro com o desconheci-
mento em massa dos indivíduos do texto constitucional que está

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 73


diretamente relacionado com a sociedade, com os direitos funda-
mental, social e com a própria democracia política.

A formação cidadã dos indivíduos é uma necessidade que sempre


foi presente na educação. Por mais que, de algum modo, ao longo
dos anos isso foi pensado, a verdade é que nenhum instrumento
efetivo conseguiu alcançar os resultados almejados. Entretanto,
nos tempos atuais, esta condição é ainda mais urgente; na cha-
mada era digital, em que tudo é informatizado e a velocidade das
informações são infinitamente superiores aos efeitos que causam,
a ausência da consciência de direitos por parte dos usuários pode
causar um cenário de violações irreparáveis, capazes de ameaçar
o próprio Estado Democrático.

Portanto, o conhecimento do Direito Constitucional de forma sim-


ples e acessível é fundamental para a efetividade dos direitos e
garantias fundamentais, quanto mais o indivíduo conhece o seu
que direito, mais ele o exigirá da sociedade e do poder público.A
educação e o direito são fatores potencializam o desenvolvimen-
to e o exercício dos direitos de cidadania. Sendo assim, o ensino
de noções do Direito Constitucional na educação básica tem por
escopo auxiliar na formação de pessoas mais conscientes do prin-
cípio da dignidade da pessoa humana, das garantias e direitos fun-
damentais, da justiça social e da democracia participativa (ALVES
et al, 2020).

No entanto, não se olvida que o ensino da matéria constitucio-


nal de forma simples e acessível é o primeiro grande desafio a
ser vencido. Isso porque o tema aqui comentado, quanto à for-
mação responsável de cidadãos conscientes, requer professores
qualificados para lidar com o tema. É uma questão simples, mas
não simplória. Assim como os alunos, muitos destes profissionais
também não tiveram contato anterior com o assunto; porém, a
interdisciplinariedade com disciplinas do currículo básico, como
história, filosofia, sociologia, geografia e outras ciências sociais

74 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


permitem uma abertura ampla à disciplina. A jornada do direi-
to constitucional pode tanto partir do individual para o coletivo
quanto o caminho inverso; o importante é, ao final, a abordagem
perpassar pelos direitos fundamentais e os políticos, individuais e
coletivos. Noção de cidadão e Estado; território, povo e governo
soberano.

O aluno preparado para o exercício da cidadania desde a idade


mais tenra, conforme já pontuado, será crucial para a formação de
uma sociedade mais consciente quanto a direitos, atuante quanto
ao senso coletivo e mais enérgica na repressão das desigualdades.
Novas dimensões de direitos fundamentais presentes a nossa era,
como solidariedade, fraternidade, informação, paz, bioética, direi-
to cibernético, água potável e segurança pública, dentre outros,
rogam cidadãos mais atuantes e conscientes.

Ainda quanto à importância da abordagem do direito constitu-


cional na educação básica, a inserção destes valores de cidadania
desde cedo no indivíduo contribuirá, também, para a formação de
sua própria identidade como brasileiro. O estudante que já cresce
sabendo quem é, e qual o seu papel no cenário nacional, a longo
prazo, propiciará bons resultados. Cabe até dizer que é uma boa
iniciativa no combate à corrupção; quem aprende desde cedo a
importância do bem comum e dos valores políticos pátrios não
cederá facilmente a sobrepor seus interesses privados a qualquer
custo sobre o público.
A Constituição Federal, deixa claro em seu artigo 1º, “Todo o Poder
emana do povo, portanto, deve ser pontuado, que o Brasil vive
uma democracia semidireta, que é aquela em que os interesses
nacionais são representados pelos políticos eleitos, bem como é
efetivado os instrumentos de consultas públicas, como plebiscito
e referendo. Saber a devida relevância destes temas, bem como a
grande importância de se escolher os representantes que serão
gestores da coisa pública, deve ser viabilizado a todos os cidadãos
e iniciar este processo na fase educacional é uma medida que im-

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 75


plicará significativos resultados no contexto nacional.
Para Dias (2018), o cidadão só é cidadão quando participa da vida
social do seu país, não só votando, mas também cobrando dos
seus eleitos as posições necessárias para o aparelhamento estatal
e estruturas institucionais para o gozo de seus direitos. O autor
esclarece que o cidadão apenas irá participar desta forma, ten-
do conhecimento da legislação, todavia, este conhecimento não
é abordado na escola. Considerando que é responsabilidade do
Estado a preparação para a cidadania e sem educação de quali-
dade não tem cidadania, justifica-se o ensino básico do direito na
educação básica

CONCLUSÃO
Por meio deste estudo, acredita-se que foi possível expor a neces-
sidade de introduzir na educação básica noções do Direito Cons-
titucional, que tem por objeto a nossa Lei Maior, que delimita e
regula todas as demais normas do país. Logo, este estudo faz-se
importante diante da necessidade de preparar os jovens para o
exercício da cidadania, sendo assim, deve ser objeto de análise os
princípios fundamentais, os direitos e garantias fundamentais, a
organização do Estado, dentre outros temas importantes inseri-
dos na Constituição Federal.
Como pesquisa futura desta investigação vinculada à um trabalho
maior de conclusão de curso de um Mestrado Profissional da área
de Ensino, pretende-se desenvolver uma sequência didática vol-
tada para docentes do ensino básico que possibilite aproximar os
alunos dos conteúdo básicos do Direito Constitucional para favo-
recer a construção de uma sociedade preparada para o exercício
da cidadania.

76 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


REFERÊNCIAS
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Gurgel et al.(2020) Educação Jurídica e Formação da Cidada-
nia no Ensino Médio. In: CONGRESSO NACIONAL DE EDUCA-
ÇÃO,2020, Maceió. Disponível em: https://editorarealize.com.
br/editora/anais/conedu/2020/TRABALHO_EV140_MD1_S A11_
ID7299_01102020141014.pdf. Acesso em 13 novembro de 2021.
ASSEMBLEIA GERAL DA ONU.(1948). Declaração Universal dos
Direitos Humanos (217 [III] A). Paris. Disponível em: <https://
www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-huma-
nos>. Acesso em: 26 junho de 2022.
BRASIL.(1988). Constituição da República Federativa do Brasil:
promulgada em 5 de outubro de 1988. 4.
BRASIL. (1969) Decreto-lei nº 869, de 12 de setembro de 1969. Dis-
põe sobre a inclusão da Educação Moral e Cívica como disci-
plina obrigatória, nas escolas de todos os graus e modalida-
des, dos sistemas de ensino no País, e dá outras providências.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
-lei/1965-1988/del0869.htm>. Acesso em: 27 jun. 2022.
BRASIL. (1971) Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa Dire-
trizes e Bases para o ensino de 1° e 2º graus, e dá outras pro-
vidências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/l5692.htm>. Acesso em: 27 jun. 2022.
BRASIL. (1996) Lei n.º 9.394, de 20 de abril de 1996. Estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União,
seção 1, Brasília, DF, p. 27833, 23 dez.1996.
BRASIL. (2018) Ministério da Educação. Resolução n.º 03, de 21 de
novembro de 2018. Atualiza as Diretrizes Curriculares Nacio-
nais para o Ensino Médio. Disponível em: http://portal.mec.gov.
br/docman/novembro-2018-pdf/102481-rceb003- 18/file#:~:tex-
t=2%C2%BA%20As%20Diretrizes%20Curriculares%20Nacionais,-
Federal%20e%20dos%20Munic%C3%ADpios%20na. Acesso em 25
mai 2022

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 77


CANOTILHO, J.J. Gomes, MOREIRA, Vital. (1991) Fundamentos da
Constituição. Coimbra: Coimbra Editora.
CUNHA, Luiz Antônio; XAVIER, Libânia.(2009) LEI DE DIRETRIZES E
BASES DA EDUCACIONAL NACIONAL (LDBEN). In: FGV CPDOC.
Disponível em: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/ver-
bete-tematico/lei-de-diretrizes-e-bases-da-educacao-nacional-l-
dben>. Acesso em: 25 jun. 2022.
DIAS, L. S.; OLIVEIRA, L. B. de.(2015). Acesso à Educação Jurídica:
pela inclusão do ensino jurídico na grade curricular do ensino re-
gular. Revista Digital Constituição e Garantia de Direitos, [S.
l.], v. 8, n. 1, p. 03–20. Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/
constituicaoegarantiadedireitos/article/view/8159. Acesso em: 26
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MARCONI, M. A; LAKATOS, E. M. (2003) Fundamentos da Metodo-
logia Científica. SãoPaulo: Editora Atlas.
MORAES, Alexandre de. (2005).Direito Constitucional. Editora
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SANTOS, Fernando Nunes dos.(2017) Educação e cidadania no
Brasil: análise histórico-legislativa do direito equânime ao acesso
e permanência. In: XXIX Simpósio Nacional de História, Brasília/DF.
Anais do XXIX Simpósio Nacional de História. Brasília: UNB. S. p.
SILVA, Carolina Thadeu Mello.(2019) A construção da cidadania
no Brasil: histórico, desafios e caminhos. 66f. Trabalho de Con-
clusão de Curso (Graduação em Direito) - Instituto de Ciências da
Sociedade de Macaé, Universidade Federal Fluminense, 2019.

Palavras-chave: Constituição da República Federativa do Brasil.


Cidadania. Educaçãobásica

Keyword: Constitution of the Federative Republic of Brazil. Citizenship.


Basic education.

78 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


AFORISMO 57, DE AS MINIMA MORALIA: EXUMAÇÃO

Angelina Cortelazzi Bolzam*

UNIMEP / Faculdade PECEGE

RESUMO
Este trabalho corresponde a parte de uma pesquisa relacionada à
análise de uma das obras de Theodor Adorno, as Minima Moralia,
em disciplina cursada em âmbito de doutoramento, na disciplina
Tópicos Especiais em Filosofia da Educação: ÉTICA E EDUCAÇÃO, na
Universidade Metodista de Piracicaba- UNIMEP, sob a orientação do
Prof. Bruno Pucci. Para tanto, metodologicamente, realizou-se uma
pesquisa bibliográfica desta obra, especificamente.

ABSTRACT

This work corresponds to part of a research related to the analysis


of one of Theodor Adorno’s works, the Minima Moralia, in a subject
studied in the scope of a doctorate, at the Methodist University of Pi-
racicaba-UNIMEP, under the guidance of Prof. Bruno Pucci. Therefore,
methodologically, a bibliographic research of this work, specifically,
was carried out.

INTRODUÇÃO

O aforismo no qual detivemos nosso estudo, denominado Exuma-


ção, de número 57, apesar de datado de 1945, e fazer menção
a duas obras de Henrik Ibsen, Espectros, escrita e publicada em
1881 e Casa de Bonecas, de 1879, guarda intensa relação com os
tempos hodiernos.

A persona a qual Adorno faz referência a suas obras trata-se do

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 79


dramaturgo norueguês, Henrik Ibsen, nascido em 20 de março de
1828 e falecido em 23 de maio de 1906, aos 78 anos. Um dos cria-
dores do teatro realista moderno, foi considerado um dos grandes
retratistas de seu tempo, por suas obras desnudarem a sociedade
da época, mostrando o lado obscuro da sociedade e da família.
Seus escritos, considerados escandalosos para o momento, são
caracterizados pelo estudo psicológico dos personagens, princi-
palmente da mulher, por analisar a realidade contida por trás das
convenções, costumes e a moralidade da época.

Nesse sentido, o objetivo deste trabalho é tecer singelas conside-


rações sobre a figura do feminino desenvolvidas por Adorno neste
aforismo 57 denominado Exumação.

A crítica produzida por Adorno, especificamente, no aforismo 57,


mostra-se instigante para se pensar as imagens associadas às mu-
lheres, à identidade e sua subjetividade, construída dentro de uma
sociedade patriarcal. Neste contexto, negarmos a reflexão sobre
as mulheres, neste contexto, significaria mascarar a violência so-
bre a qual a sua figura se submete a todo o tempo.

A forma com que o autor maneja o tema, acaba por integrar a


opressão vivida pelas mulheres de uma violência mais geral, que
acomete a sociedade como um todo. Diante disso, apesar de a
violência não ser marca exclusiva da repressão feminina, a abor-
dagem assumida por Adorno, conforme vimos durante alguns afo-
rismos, ultrapassa os limites do gênero, atingindo, desta forma,
todos os modos pelos quais a dominação se expressa.

Da escrita, a imagem da mulher é duplamente negativada: uma,


porque Adorno reconhece que tal imagem existe por uma relação
de subordinação e dominação da perspectiva masculina e duas
pelo fato de que, ofertar a mulher o mesmo poder que é ligado ao
homem, não significaria uma forma de justiça, uma vez que este
também é avaliado negativamente.

80 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


Desta forma, se houver alguma forma de liberação feminina, ela
perpassa pela superação de todas as formas em que a violência e
a dominação se apresentam exigindo a abolição da distinção en-
tre feminino e masculino, em favor da perspectiva do “humano”,
isto porque, enquanto houver a contraposição de figuras, seja ela
entre ‘feminino’ e ‘masculino’, haverá a marca do poder e, conse-
quentemente, da opressão.

A forma pela qual a emancipação feminina deve ocorrer, não pode


acontecer pela reivindicação de poder praticado pelo masculino;
passa pela recusa em participar da violência que permite que al-
guns exerçam a dominações e que outros sejam oprimidos.

Metodologicamente, realizou-se uma pesquisa bibliográfica da


obra Minima Moralia, de Theodor Adorno.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Adorno descreve que, na época retrata por Ibsen em suas obras,


‘a maioria das mulheres que atingiam alguma posição na socieda-
de burguesa estava sempre pronta a atacar suas irmãs histéricas
que, ao contrário daquelas, empreendiam a tentativa desespera-
da de evadir-se da prisão da sociedade, que de maneira tão en-
fática encerrava a todas as suas quatro paredes’, enquanto que,
‘suas netas, porém, reservariam um sorriso indulgente para essas
histéricas, sem sequer se sentirem atingidas, e as enviariam, e as
enviariam aos bons cuidados da assistência social.’ Todavia, bem
como nosso autor afirma, de forma acertada, digamos, não é ape-
nas a mera distância temporal que explica essa atuação das gera-
ções, mas o julgamento da história.

Sob outros dizeres, ações tomadas em tempos passados por


aquelas que o autor denominou de histéricas, porque não mais se
reconheciam perante a dominação, podem até serem esquecidas,
mas sempre estarão preservadas no presente. “Não é sem razão

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 81


que as mulheres de Ibsen são chamadas de ‘modernas’” (ADOR-
NO, 1992, p. 81).

Por mais que nosso autor seja duro com as críticas feitas à ima-
gem do feminismo elas traduzem a sua mais limpa e ampla crítica
à sociedade pela qual aquela primeira se apresenta. Por tal fato, é
impossível isolar a opressão feminina, a qual aparece no contexto
de uma sociedade predominante masculina, em que o princípio
de dominação se manifesta.

Mais uma vez, enquanto houver expressão de dominação e injusti-


ças injustificáveis na sociedade, inviável se tratar de emancipação
feminina, mesmo que as mulheres caminhem com a conquista de
direitos.

Prova disso é que no aforismo de número 57, intitulado por Exu-


mação, Adorno argumenta que mesmo com a integração das mu-
lheres na economia por meio do trabalho assalariado, com o “de-
sencantamento da família” ou com uma liberação sexual, ainda
que superficial, a emancipação feminina não ocorre efetivamente,
uma vez que essas mudanças acontecem dentro de uma socieda-
de tradicional, em que a dominação persiste como princípio.

Ah... “desde que lhes seja concedida um acerta abundância de mi-


mos, adornos, presentes, as quais são aceitas com entusiasmo”
(ADORNO, 1992, p. 80), aos homens é outorgada a tarefa de pen-
sar; admitindo/tolerando e aceitando a não-liberdade, que con-
sideram como a realização do seu sexo. E, novamente, a burrice
neurótica continua a perpetuar esse estado de coisas.

Vivemos em um mundo em que as conquistas são mera aparência,


em que a conquista da mulher no ambiente do trabalho se torna
uma autorização masculina, isso porque, apesar de estar incluída
no mundo do trabalho, exercendo atividades mal remuneradas
em comparação com as exercidas pelos homens, sendo-lhes ne-
gado cargos de liderança e comando, deve, ainda, dar conta do lar,

82 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


filhos e maridos.

É preciso pensar nas próprias mulheres; espontaneamente, sem


impulso em sentido contrário, elas são um reflexo da dominação
e identificam-se com ela (ADORNO, 1992, p. 80).

Como fazer qualquer avaliação de situações experimentados por


outros que não por nós mesmos? Como sentir a discriminação
quando nunca se sofreu qualquer uma? Como é ser reconhecido
apenas pela sua beleza e não pela sua competência? Como é ser
pré-julgada por sua tenra idade em um ambiente universitário?
Como é se colocar em um ambiente profissional predominan-
temente masculino? Como agir em uma situação quando a sua
educação, cordialidade e sorrisos espontâneos são interpretados
erroneamente e respondidos com investidas que te fazem a re-
pensar o seu jeito de trato com os outros? Por qual razão a sua
escolha pela priorização de sua vida profissional deve ser objeto
de valoração pelo outro, quando você opta pela sua carreira em
detrimento da formação de uma família? Ou, quando a sua reali-
zação pessoal perpassa por qualquer ação ou atividade, por que
ela deveria ser questionada?

Todas aquelas que sofrem qualquer dessas atitudes de opressão


sabem mais a seu respeito do que aquelas que se sentem bem
porque se adaptaram ao papel que delas é exigido pela sociedade.
E sabe por qual razão? Pelo fato de que aquelas que reconhecem
a sua histeria percebem a sua própria condição, isto é, de que se
afasta de si mesma, uma vez que aquilo que ela sabe ser de sua
essência, entra em choque com aquilo que é esperado pela socie-
dade.

Assim, mais do que uma violência quando da construção da iden-


tidade feminina, colocando-as em papel de vítimas, excluídas do
poder, acabam por torná-las objetos.

Neste contexto, questionamos: o que impossibilita que os meca-

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 83


nismos de dominação sejam derrubados e a opressão seja dis-
sipada? É difícil resistir, mas o primeiro passo é dado quando se
reconhece a própria condição, isto é, se a tendência é a dissolução
do indivíduo à condição de subordinado, deve-se voltar para o for-
talecimento do eu.

Em Casa de Bonecas, obra dramática escrita em três atos, Ibsen,


narra o cotidiano de uma família burguesa da época que, apesar
de passar por problemas econômicos tenta manter a boa aparên-
cia. Casada com um advogado, Nora é uma mulher que vive para a
casa e o marido, submissa e serviçal, impregnada no seu papel de
dona-de-casa exemplar, adota a conduta que vai de acordo com
a forma que a sociedade acha que deve ser. Apesar disso, Nora
esconde uma vida mentirosa e até delitiva, isso porque quando
seu marido estava à beira da morte, para pagar a viagem de tra-
tamento, Nora solicitou empréstimo em dinheiro de um antigo
conhecido, falsificando a assinatura do pai na nota promissória, o
que configurou à época, um crime gravíssimo.

Com a descoberta do delito por seu marido, Nora acaba por rea-
valiar toda a sua vida e reconhece a nulidade da sua identidade,
sendo apenas um espelho do que a sociedade disse que ela devia
ser. Ao descobrir-se uma boneca, um objeto inanimado, primeiro
na casa do pai, depois na casa de seu marido, Nora se rebela con-
tra uma sociedade completamente machista e carrasca, partindo
de sua casa, abandonando casa, filhos e marido, em busca de sua
liberdade pessoal.

Quero dizer que das mãos de papai passei para as suas. Você ar-
ranjou tudo ao seu gosto, gosto que eu partilhava, ou fingia par-
tilhar, não sei ao certo; talvez ambas as coisas, ora uma, ora ou-
tra. Olhando para trás, agora, parece-me que vivi aqui como vive
a gente pobre, que mal consegue ganhar o seu sustento. Vivi das
gracinhas que fazia para você, Torvald; mas era o que lhe convi-
nha. Você e papai cometeram um grande crime contra mim. Se eu

84 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


de nada sirvo, a culpa é de vocês. (IBSEN, 2007, p. 96)

Assim, ao renunciar ao seu papel de boneca para se assumir como


mulher enquanto ser humano, atende a seus desejos, ambições e
liberdade pessoal, desistindo do seu papel imposto pela socieda-
de de esposa e mãe devotada.

Não somente as mulheres possuem sua subjetividade e identida-


de formada a partir das imagens estabelecidas pela sociedade; to-
dos os indivíduos, de uma forma genérica, sofrem desse mesmo
processo, contra o qual somente a força do eu, do individual seria
capaz de opor resistência. Isto é, a dialética e busca incessante do
verdadeiro eu, por meio de contradições e embates subjetivos e
particulares.

Helmer– Antes de mais nada você é esposa e mãe.

Nora– Já não creio nisso. Creio que antes de mais nada sou um
ser humano, tanto quanto você…ou pelo menos, devo tentar vir
a sê- lo. Sei que a maioria lhe dará razão, Torvald, e que essas
ideias também estão impressas nos livros. Eu, porém, já não pos-
so pensar pelo que diz a maioria nem pelo que se imprime nos
livros. Prefiro refletir sobre as coisas por mim mesma e tentar
compreendê- las.

[...] Eu preciso tentar educar a mim mes-


ma. E você não é o homem que pode me
ajudar nisso. Eu tenho que fazer isso sozi-
nha [...]. (IBSEN, 2007, p. 97)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Talvez o título do aforismo 57 justifique a escolha do seu conteú-


do e das obras nele referenciadas: Exumação, a transferência da
figura de uma mulher anulada pela sombra da opressão, subordi-
nação e superioridade para a busca da sua emancipação pessoal.

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 85


De fato, Ibsen e Adorno tem muito em comum, o culto ao indivi-
dualismo é fundamentado na necessidade de realização pessoal,
possível apenas da sinceridade para consigo mesmo.

REFERÊNCIAS

ADORNO, T. W. (1992). Minima Moralia. São Paulo: Ática.

IBSEN, H. (2007). Casa de bonecas. São Paulo: Editora Veredas.


Trad.: Maria Cristina Guimarães Cupertino.

Palavras-chave: Theodor Adorno, Filosofia da educação, Feminino.

Keywords: Theodor Adorno, Philosophy of education, Feminine.

86 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


ARTPRENEUR -
UMA PROPOSTA DIFERENCIADORA PARA A INTRODUÇÃO
AO EMPREENDEDORISMO NO ENSINO DAS ARTES

Mesa Internacional - “Educação sem fronteiras: estudos inter-


disciplinares”

Isabel Cristina Carvalho17

Pedro Alves da Veiga18

José Bidarra19

RESUMO
Este trabalho apresenta o processo de conceção e desenvolvimen-
to de um currículo inovador, baseado numa metodologia de lógica
de Dinâmica de Sistemas e ferramentas digitais, instigador de com-
petências empreendedoras e resilientes do aluno. Este currículo
foi desenvolvido no âmbito do projeto “4ArtPreneur – Innovative
Thinking Competences for Creative Art Entrepreneurship” e promove
a educação de competências para o empreendedorismo artístico
e cultural. São abordadas temáticas relativas aos diferentes tipos
de artes e meios de comunicação, ao valor da arte, à proprieda-
de intelectual e direitos de autor, às estratégias de comunicação,
marketing e financiamento mais apropriados aos diferentes negó-
cios culturais e artísticos.

Palavras-chave: Currículo artístico; Economia Criativa; Empreen-


dedorismo; Pedagogia da arte;

17 Isabel Cristina Carvalho é Artista e Investigadora no Centro de Investigação em Artes e


Comunicação da Universidade Aberta (CIAC-UAb), Lisboa, Portugal. Doutorada em Média-arte
Digital. Email: isabel.carvalho@uab.pt
18 Pedro Alves da Veiga é Professor Auxiliar Convidado na Universidade Aberta, onde
é Subdiretor do Doutoramento em Média-Arte Digital. Artista e Investigador no Centro de
Investigação em Artes e Comunicação da Universidade Aberta (CIAC-UAb), Lisboa, Portugal.
Doutorado em Média-arte Digital. Email: pedro.veiga@uab.pt
19 José Bidarra é Professor Associado com Habilitação no Departamento de Educação e
Ensino à Distância da Universidade Aberta. Investigador no Centro de Investigação em Artes e
Comunicação da Universidade Aberta (CIAC-UAb), Lisboa, Portugal. Email: Jose.Bidarra@uab.pt

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 87


INTRODUÇÃO

O impacto económico e social das indústrias criativas e culturais


não é linearmente quantificável. No seu trabalho “Sociedade Pós-
-Capitalista”, Peter Drucker (1993) discute o modelo económico
pós-capitalista centrado no conhecimento sobre o capital finan-
ceiro. Destaca o papel da educação na sociedade, na definição
e criação de novos modelos, novas capacidades e competências
dos futuros profissionais, geradores de novos conhecimentos, e
capazes de aumentar a produtividade (Drucker, 1993). Isto requer
ajustamentos criativos e inovadores, quer ao nível do conteúdo,
quer da forma de produção, quer dos meios utilizados para atingir
o público-alvo.

Em Junho de 2016, o relatório do Parlamento Europeu sobre a po-


lítica da União Europeia (UE) para as indústrias culturais e criativas
recomendou a criação de programas conjuntos relevantes entre
artes, cultura, empresas e tecnologia, para o desenvolvimento de
percursos de aprendizagem no ensino superior. Realça-se que as
indústrias culturais e criativas representam empresas altamente
inovadoras com grande potencial económico e são um dos secto-
res mais dinâmicos da UE, contribuindo com cerca de 4,5% para o
PIB da UE. Contudo, ao mesmo tempo, existe uma aparente falta
de educação empresarial inovadora para estudantes e profissio-
nais da cultura e das artes criativas em toda a UE.

Este importante papel poderia e deveria ser reforçado pelas in-


dústrias culturais e criativas na recuperação pós-COVID. Neste
contexto, a ONU designou 2021 como o Ano Internacional da Eco-
nomia Criativa para o Desenvolvimento Sustentável para expandir
as contribuições da economia criativa global e cultivar parcerias
para a cultura20.

O contexto atual que estamos a viver pós-COVID coloca desafios


competitivos, salientando-se a necessidade de ações resilientes,
20 https://news.un.org/en/story/2021/05/1092522

88 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


novas competências, e mudanças comportamentais e sociais. Es-
tes são os motes de partida para a abordagem desenvolvida no
âmbito do projeto 4ArtPreneur - Competências de Pensamento
Inovador para o Empreendedorismo Artístico Criativo e cofinan-
ciado pelo Programa Erasmus+ da União Europeia (Ref: 2020-1-ES-
01-KA203-081947).

Apresenta-se de seguida o programa curricular em empreende-


dorismo no ensino das artes, do projeto 4ArtPreneur. O currículo
desenvolvido combina uma abordagem de Dinâmica de Sistemas
de desenvolvimento empresarial, adaptada às indústrias criativas
e culturais, com competências de pensamento inovador e que vi-
sam um modelo de empreendedorismo consciente da comunida-
de para o mundo das artes.

4ArtPreneur – COMPETÊNCIAS DE PENSAMENTO INOVADOR


PARA O EMPREENDEDORISMO ARTÍSTICO CRIATIVO

Um dos problemas que se coloca no ensino das artes criativas e


culturais é a falta de estratégias para capacitar alunos formados
em artes com competências criativas e empreendedoras, capazes
de gerar empregabilidade e viabilizar o seu projeto artístico e/ou
cultural.

4ArtPreneur – Innovative thinking competences for Creative Art Entre-


preneurship21 resulta de um consórcio internacional, composto por
instituições de Portugal, Espanha, Alemanha, Chipre e coordenado
por Mydocumenta, uma empresa sedeada em Barcelona e espe-
cializada no desenvolvimento de e-portfólios de aprendizagem ao
longo da vida.

4ArtPreneur abordou ao longo de dois anos (2020/2022), o em-


preendedorismo nas artes, com foco na aquisição de competên-
cias fundamentais para a criação de um negócio, capaz de se posi-
21 http://www.4artpreneur.eu

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 89


cionar no sistema atual de rede em contínua evolução.

METODOLOGIA

Os materiais de ensino e aprendizagem foram desenvolvidos com


a metodologia de Dinâmica de Sistemas, capaz de proporcionar
um ambiente de aprendizagem experimental e capaz de ligar o
mundo das artes com o mundo dos negócios. A metodologia de
Dinâmica de Sistemas permite o estudo e análise de sistemas de
feedback com recurso a ferramentas e simulação computacional.
Contudo, esta metodologia mais direcionada para negócios pos-
sui uma abordagem pouco relacionada com linguagens artísticas
e criativas, consequentemente pouco atrativa para este público-
-alvo.

O currículo modular inovador aborda temas significativos e rele-


vantes na compreensão, definição e construção de competências
empresariais nas artes, tais como: compreensão dos impactos
empresariais dos diferentes tipos de artes e meios de comunica-
ção; competências de valorização da arte; propriedade intelectual;
modelos curatoriais na economia da experiência; estratégias de
comunicação e marketing para as artes na economia da atenção;
pesquisa de mercado (concorrentes e oportunidades) e estraté-
gias de financiamento, entre outros. Os modelos de negócios ar-
tísticos foram estruturados em torno de: serviços (espetáculos de
apoio, exposições e eventos); produtos (físicos ou digitais) e ex-
periências, (que podem combinar tanto serviços como produtos).

Foi feito um esforço significativo na seleção dos tópicos, uma vez


que o currículo equivale a 2 ECTS (Sistema Europeu de Transferên-
cia de Créditos) e tem de obedecer e respeitar limites de tempo e
esforço indicados por lei. O que implicou que a maioria dos tópi-
cos tivessem de ser tratados de forma concisa, garantindo sempre
aos alunos o aprovisionamento de referências e indicações para

90 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


um aprofundamento posterior. Com estes parâmetros definidos,
foram então considerados apropriados para este curso dois mo-
delos económicos: o de economia da atenção e o da economia da
experiência. Foram também identificados temas comuns a várias
indústrias culturais e artísticas, considerados mais relevantes para
este currículo e organizados em 6 módulos.

Como previamente referido, o currículo foi também estruturado


segundo a metodologia de Dinâmica de Sistemas, desenvolvida
na década de 50 por Jay Forester na Sloan School of Management
do Massachusetts Institute of Technology - MIT22. Em 1961, Fores-
ter (1961) publicou o livro “Industrial Dynamics” que se tornou um
marco na modelação e compreensão de sistemas complexos em
variadas áreas do conhecimento. Este suporte teórico é importan-
te para o reconhecimento de que a estrutura de qualquer sistema
como um todo, é tão importante na determinação do comporta-
mento do sistema quanto os próprios componentes individuais.
Esta relação entre o todo e as partes é abordada recorrendo ao
pensamento sistémico utilizado em economia, através de repre-
sentações gradualmente detalhadas de um sistema: Business Mo-
del Canvas; Rich Picture; Mapas Conceptuais; Mapas de Sistema;
Mapa de Associações; Diagrama de Influências relacionado com
Diagrama de Laços Causais (Causal Loops).

Ao longo do programa são apresentadas uma série de ferramentas


digitais para que os alunos possam criar esquemas simples de um
sistema, com todos os seus componentes e respetivas interações.
Esta visualização das interações e suas influências, conduzirá a
uma compreensão mais completa da estrutura do sistema e a ve-
rificação do seu comportamento durante um determinado perío-
do, o que permitirá simulações de negócios.
22 https://mitsloan.mit.edu/faculty/academic-groups/system-dynamics/about-us

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 91


PROGRAMA CURRICULAR EM EMPREENDEDORISMO PARA CUR-
SOS DE ARTES CRIATIVAS E CULTURAIS

O programa curricular é constituído por seis módulos.

Módulo 1 – Introdução ao empreendedorismo no mercado da


arte.
Neste módulo são abordados aspetos teóricos relacionados com
os diferentes tipos de arte que determinam diferentes modelos de
negócio; as suas implicações empresariais e as dependências no
valor da arte e da sua construção; e a propriedade intelectual en-
quanto variável de negócio numa empresa. Do ponto de vista da
Dinâmica de Sistemas é introduzido o business model canvas (Joyce
& Paquin, 2016) como forma de estruturação inicial de ideias, e
as rich pictures (Bell, Berg, & Morse, 2019) e a sua utilização na
definição de abordagens empreendedoras para ideias de negócio
relacionado com as artes (Robinson & Novak-Leonard, 2021).

Módulo 2 - Introdução à economia da experiência e sua rela-


ção com negócios de arte.
Aqui são abordados conceitos teóricos relacionados com a econo-
mia da experiência (Pine & Gilmore, 2013), e os diferentes modelos
de curadoria na economia de experiência que implicam diferen-
tes modelos empresariais. De forma mais prática são introduzi-
dos os mapas conceptuais, é ilustrada a sua utilização dentro da
abordagem da dinâmica de sistemas, e sugeridos trabalhos práti-
cos com a aplicação de todos os conhecimentos.

Módulo 3 - Introdução à economia da atenção.


Este módulo abordada conceitos relacionados com a economia da
atenção e a forma como nela são enquadrados os diferentes ti-
pos de comunicação e estratégias de mercado (Carton, 2020) que

92 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


resultem na seleção e abordagem mais adequada a cada tipo de
negócio. Do lado prático são introduzidos os mapas de sistema
e a sua utilização no desenvolvimento de pensamento sistémico
e na modelação de dinâmica de sistemas, através da análise de
exemplos e da criação de modelos próprios por cada estudante.

Módulo 4 - Pesquisas de mercado, concorrentes e oportunidades.


Neste módulo são abordados conceitos relacionados com pes-
quisa e análise de mercado (Jarrar, 2020); a identificação de con-
correntes e nichos de negócio, bem como formas de identificar
ameaças e oportunidades. São ainda introduzidos os mapas de
associações, através de uma sua cuidada definição, e exemplifi-
cada a sua função na dinâmica de sistemas através de estudos
de caso e aplicações criativas, modeladas à medida dos exemplos
fornecidos por cada estudante.

Módulo 5 - Estratégias de financiamento público e privado.


Chegados a este módulo serão abordados conceitos relacionados
com estratégias de financiamento e fornecidos exemplos de pro-
gramas de financiamento, patrocínios, subsídios, crowdfunding
e financiamento privado. São ainda apresentados os mapas de
influência e exemplificada a sua utilização prática no desenvolvi-
mento do pensamento sistémico e modelação de dinâmicas de
sistema (Papageorgiou & Demetriou, 2019).

Módulo 6 - Projeto final


Neste módulo final cada estudante deve conceber e criar o seu
próprio projeto de empreendedorismo artístico. Para isso irá
apoiar-se nos conhecimentos adquiridos nos módulos anteriores
e demonstrar o domínio do pensamento sistémico, utilizando to-
das as ferramentas de forma cumulativa para apresentar o seu
projeto.

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 93


Os trabalhos desenvolvidos ao longo do curso são realizados
num e-portfólio, que recolhe evidências e apresenta a evolução
das competências do aluno. O curso já está disponível e pode ser
acedido no seguinte link: https://portal.uab.pt/alv/en/cursos_alv/
empreendedorismo-para-as-artes-criativas-3/

NOTAS FINAIS
O objetivo final deste currículo é proporcionar aos estudantes
de qualquer área artística conhecimentos suficientes para
enfrentarem as fases iniciais de conceção e criação de um projeto
de empreendedorismo, bem como estar conscientes da sua
complexidade, desafios e oportunidades.
Propusemos um sistema de ensino inovador e diferenciador para
a introdução ao empreendedorismo no ensino das artes. O curso
desenvolvido teve como objetivos: instigar questões desafiantes,
experimentar novas aplicações, plataformas e ferramentas digi-
tais inovadoras, dotar os alunos de ferramentas básicas de análise
e detalhe de eventuais ideias de negócio que queiram desenvol-
ver, simular comportamentos de negócios, bem como promover o
trabalho em rede.
O projeto 4ArtPreneur apresenta uma proposta diferenciadora
para a introdução ao empreendedorismo no ensino das artes, que
permite: aos alunos de cursos nas áreas das indústrias culturais e
criativas adquirirem um conjunto de competências que os auxi-
liem no financiamento e criação dos seus próprios negócios; aos
professores adquirirem um acervo de materiais educativos inova-
dores na área do empreendedorismo nas artes; às instituições de
ensino reforçarem a sua ligação com o mercado de trabalho.

REFERÊNCIAS

Bell, S., Berg, T. & Morse, S. (2019). Towards an Understanding of


Rich Picture Interpretation. Syst Pract Action Res 32, 601–614.

94 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


Carton, A. (2020). Artist’s Digital Marketing Guide: How To De-
velop An Effective Art Marketing Strategy? https://www.design-
hill.com/design-blog/artists-digital-marketing-guide-how-to-devel-
op-an-effective-art-marketing-strategy/

Drucker, P. (1993). Post-Capitalist Society. New York: HarperCollins.

Forrester. J.W. (1961). Industrial Dynamics. MIT Press, Cam-


bridge, MA.

Jarrar, Y. (2020). The changing face of the art market: A Khal-


duni approach. İbn Haldun Çalışmaları Dergisi, 5(1), 69-82. ss.

http://openaccess.ihu.edu.tr/xmlui/handle/20.500.12154/1069

Joyce, A., & Paquin, R. L. (2016). The triple layered business mod-
el canvas: A tool to design more sustainable business models.
Journal of cleaner production, 135, 1474-1486.

Papageorgiou, G., & Demetriou, G. (2019). Developing a System


Dynamics Model for Creating a Learning Sustainable Mobility
Culture. In 2019 International Conference on Control, Artificial In-
telligence, Robotics & Optimization (ICCAIRO), pp. 189-194. IEEE.

Pine, B. J., & Gilmore, J. H. (2013). The experience economy: past,


present and future. In Handbook on the experience economy.
Edward Elgar Publishing.

Robinson, M. & Novak-Leonard, J. (2021). Refining Understand-


ings of Entrepreneurial Artists: Valuing the Creative Incorpo-
ration of Business and Entrepreneurship into Artistic Practice.
Artivate: A Journal of Entrepreneurship in the Arts, 10(1), 47-60.

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 95


BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR E A FORMAÇÃO DE
SUJEITOS LEITORES

Letícia Moraes Esposto 23

Profa. Dra. Filomena Elaine Paiva Assolini

FFCLRP-USP

RESUMO

Este trabalho apresenta resultados de análises discursivas que busca-


ram compreender como a Base Nacional Comum Curricular conceitua
os processos de alfabetização e letramento. O interesse por esses con-
ceitos se deu pois consideramos que o trabalho pedagógico dos pro-
fessores está sujeito à BNCC, que orienta a formação dos currículos de
todo o país. Com isso, a formação de sujeitos leitores está diretamente
ligada às concepções do documento. Nosso corpus é constituído de
recortes da própria BNCC e também de entrevistas realizadas com os
professores, coordenadores e professores coordenadores do núcleo
pedagógico. Fundamentamo-nos na Análise de Discurso de matriz
francesa pecheutiana, na teoria discursiva do letramento e nas Ciên-
cias da Educação. As análises apontam que as orientações contidas na
BNCC não apoiam a formação de um sujeito leitor crítico, que produz
sentidos e interpretações polissêmicas, mas sim, sustentam a divisão
social do trabalho de leitura e de dominação política (PÊCHEUX, 1982).

23 Mestranda do Programa de Pós Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia,


Ciências e Letras de Ribeirão Preto - USP.

96 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


ABSTRACT

This work presents results of discursive analyzes that sought to unders-


tand how the National Curricular Common Base conceptualizes the
processes of literacy and literacy. The interest in these concepts arose
because we consider that the pedagogical work of teachers is subject
to the BNCC, which guides the formation of curricula throughout the
country. As a result, the formation of reading subjects is directly linked
to the conceptions of the document. Our corpus consists of clippings
from the BNCC itself and also from interviews with teachers, coordi-
nators and coordinators of the pedagogical nucleus. We are based
on the Pecheutian French Discourse Analysis, on the discursive theory
of literacy and on Educational Sciences. The analyzes show that the
guidelines contained in the BNCC do not support the formation of a
critical reader subject, who produces polysemic meanings and inter-
pretations, but rather support the social division of reading work and
political domination (PÊCHEUX, 1982).

INTRODUÇÃO

O trabalho aqui apresentado traz o recorte de uma pesquisa que


nasceu através da inquietação das pesquisadoras com a forma-
ção de sujeitos leitores. O objetivo principal dessa investigação foi
compreender, através de análises discursivas, quais influências os
ideias neoliberais causaram na construção da Base Nacional Co-
mum Curricular e como isso impacta o processo de alfabetização
dos anos iniciais do Ensino Fundamental e a formação dos sujeitos
leitores.

Atualmente, o documento norteador de todos os currículos bra-


sileiros é a BNCC. Trata-se de um documento elaborado pelo Mi-
nistério da Educação (MEC) que se constitui como um documento
normativo que serve de diretriz para escolas públicas e privadas,
desde a instância municipal até a federal. O documento consiste

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 97


em orientações para a Educação Infantil, Ensino Fundamental e
para o Ensino Médio.

De acordo com o MEC, a BNCC é um projeto normativo que tem


como produto um documento prescritivo de competências, habi-
lidades e conteúdos. Segundo a própria BNCC, sua função é pro-
mover a equidade educacional, determinando o que todos os alu-
nos brasileiros têm o direito de aprender. Com isso, define-se um
conjunto de aprendizagens essenciais, juntamente com as compe-
tências e habilidades vinculadas aos conteúdos que deverão ser
desenvolvidos pelos professores em cada etapa de ensino.

Por se tratar de um documento normativo e nacional, as práti-


cas pedagógicas dos professores brasileiros estão submetidas
às orientações contidas na Base. Com isso, a formação de sujei-
tos leitores está intimamente ligada às concepções de leitura,
alfabetização e letramento contidas na BNCC. Temos como hipó-
tese que o ensino da leitura e da escrita através de práticas signifi-
cativas criam sujeitos leitores críticos que questionam os sentidos
pré-estabelecidos e criam seus próprios sentidos, de acordo com
seu interdiscurso (ASSOLINI, 2020).

Já ao contrário, práticas que consideram a leitura e a escrita como


mera decodificação e aprendizagem de um código, formam leito-
res conformados com os sentidos cristalizados e tidos como os
únicos possíveis. Nossas reflexões se aproximam do que Pêcheux
(1982, p. 57) denominou como “divisão social do trabalho da leitu-
ra”. De acordo com o pesquisador, há nas sociedades essa divisão
social do trabalho da leitura, onde somente alguns sujeitos são au-
torizados a ler, falar e escrever em seus nomes que são denomina-
dos como intérpretes; enquanto todos os outros praticam a cópia,
a transcrição, a codificação e são denominados como escreventes.
Essa forma de ler impõe ao sujeito-leitor um apagamento de si em
função da instituição que o emprega, praticando-se assim, uma
leitura consagrada ao serviço de uma Igreja, de um rei, de um Es-

98 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


tado, ou de uma empresa.

Essa divisão social do trabalho de leitura, inscreve-se em uma re-


lação de dominação política, pois os leitores que produzem sen-
tidos e interpretações polissêmicas podem sustentar ou afrontar
o Estado, enquanto os demais sujeitos leitores permanecem na
paráfrase e no tratamento literal dos textos (PÊCHEUX, 1982).

Amparamo-nos nas contribuições da Análise de Discurso de ma-


triz francesa (PÊCHEUX, 2014), assim como na teoria Sócio Histó-
rica do Letramento (TFOUNI, 1996) e nas Ciências da Educação.
Salientamos que a Análise de Discurso nos ampara teórica e meto-
dologicamente. Com isso, os pressupostos da AD guiarão nossas
análises.

REFERENCIAL TEÓRICO

Quando tratamos da Análise de Discurso (AD), teoria na qual nos


filiamos teórica e metodologicamente, fazemos menção a um
campo de estudos que nasceu na França, sendo seu marco inicial
a publicação de Michel Pêcheux “Análise Automática do Discurso”
em 1969. As construções teóricas da AD se sustentam sobre uma
tríade: psicanálise, marxismo e linguística. De acordo com Chuffi
(2016, p. 20)

Essa teoria instaurou novos gestos de leitura, marcando o sujeito


(psicanálise), a história (marxismo) e a linguagem (linguística) pe-
los nós dos fios discursivos, afirmando que o sujeito não é fonte
do seu dizer e o sentido se faz nas e pela rede de memória sócio-
-histórica.

Com isso, inaugura-se uma teoria que rompe com o esquema ele-
mentar de comunicação onde o emissor transmite uma mensa-
gem para o receptor, e essa mensagem é entregue e compreen-
dida pelo receptor, tal como foi gerada pelo emissor. Salientamos

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 99


que a AD não se ampara nessa perspectiva, pois segundo Pêcheux
(2014) “o termo discurso implica que não se trata necessariamen-
te de uma transmissão de informação entre A e B mas, de modo
mais geral, de um ‘efeito de sentidos’ entre os pontos A e B” (p. 81,
grifos do autor). Diante disso, não tratamos apenas de transmis-
são de informações, mas sim de um complexo processo de produ-
ção de sentidos (ORLANDI, 2009).

Pêcheux (2014), ao acentuar que o discurso é um objeto sócio-his-


tórico, e ainda, uma das materialidades da ideologia, isto é, lugar
onde se materializam as representações ideológicas, “concretiza-
das” em material linguístico, cria uma relação entre ideologia, lín-
gua e história. Assim sendo, “(...) o discurso não se confunde com
o texto, nem com a gramática, nem com a língua, nem com a fala
(parole saussuriana)” (ASSOLINI, 2020, p. 25).

Nesse sentido, o discurso não se dá apenas como um encaixa-


mento de palavras e frases produzidas pelos sujeitos, e sim, como
um objeto teórico que carrega em sua constituição as marcas dos
atos falhos, dos deslizes e brechas que nos levam a refletir sobre
seu funcionamento. Os analistas do discurso realizam essa refle-
xão levando em conta o que Maldidier (2020, p. 61) considera uma
“tríplice tensão” que envolve a sistematicidade da língua, a histori-
cidade e a interdiscursividade.

Um aspecto importante do discurso é que ele não se constrói li-


vremente, nem é totalmente controlado pelos sujeitos. De acordo
com Orlandi (2009, p. 43) nós sempre nos filiamos a uma formação
discursiva, ou seja, há “(...) aquilo que numa formação ideológica
dada (...) a partir de uma posição dada em uma conjuntura sócio-
-histórica dada - determina o que pode e deve ser dito”. Assolini
(2015, p. 70) complementa que “(...) uma formação discursiva, que
é o lugar da constituição do sentido (sua matriz), está em constan-
te movimento e ininterrupta (trans)formação, (re)produzindo-se
por meio do interdiscurso”.

100 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


As formações discursivas, portanto, dizem respeito ao que pode
ser pensado e dito, em determinadas circunstâncias e estão inti-
mamente ligadas às formações ideológicas que constituem

(...) um conjunto complexo de atividades


e representações que não são nem indi-
viduais nem universais, mas se reportam
mais ou menos diretamente às posições
de classe em conflito umas com as ou-
tras. Dessas Formações Ideológicas, fa-
zem parte, enquanto componentes, uma
ou mais Formações Discursivas interli-
gadas” (HAROCHE, 1971, apud ORLANDI,
2011, p. 27).

Dessa forma, o discurso e os sentidos não podem ser neutros,


pois estes sofrem influências diretas da ideologia e do contexto
sócio histórico de determinado sujeito (PÊCHEUX, 1990, p. 146).
Com isso, destacamos que o conceito de alfabetização a que nos
filiamos postula que “não se deve privilegiar a mera codificação e
decodificação de sinais gráficos no ensino de leitura/escrita, mas
sim respeitar o processo de simbolização - e este a criança vai per-
cebendo que a escrita representa, na medida do próprio desen-
volvimento da alfabetização” (TFOUNI, 1996, p. 19).

Assim sendo, nos distanciamos de concepções de alfabetização


que privilegiam a codificação e decodificação da escrita e leitura,
ou ainda, concepções que não consideram a função social dessas
práticas. Concordamos com Tfouni (1996, p. 19) quando a pesqui-
sadora afirma que as práticas escolares devem considerar a alfa-
betização como uma prática social ampla, onde a leitura e a escrita
serão efetivamente colocadas em uso.

Um outro aspecto importante sobre a alfabetização diz respeito


ao fato de que esse é um processo sempre incompleto se conside-
rarmos a sociedade contemporânea, pois estamos sempre apren-

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 101


dendo e interagindo com a leitura e a escrita de novas maneiras
(TFOUNI, 1996). Nesse ponto, encontramos um embate com as
políticas públicas em geral e com a BNCC especificamente, pois
essas acreditam que a alfabetização se dá apenas nos anos iniciais
do Ensino Fundamental.

Assim sendo, é impossível pensar no processo de alfabetização


descolado do letramento. Ressaltamos, pois, que o letramento
aqui não é entendido como sinônimo de alfabetização, nem mes-
mo como aquisição de leitura e escrita, mas sim como “(...) um
processo, cuja natureza é discursiva” (TFOUNI, 1996, p. 31, grifo da
autora).

Tendo apresentado brevemente os principais conceitos utilizados


nesse artigo seguiremos para a seção de material e métodos.

MATERIAL E MÉTODOS

O corpus deste trabalho é composto por recortes da própria BNCC,


que tratam da alfabetização, leitura e letramento. Esses recortes
se detiveram na faixa dos primeiros anos do Ensino Fundamental
I, onde se dá o ciclo de alfabetização. Além disso, também compõe
nosso corpus entrevistas com professores alfabetizadores, coor-
denadores pedagógicos e professores coordenadores do núcleo
pedagógico (PCNP). As entrevistas foram realizadas a fim de com-
preender como a Base vêm amparando as práticas pedagógicas
com a alfabetização, a leitura e o letramento.

Todas as entrevistas foram gravadas em áudio com o consenti-


mento dos participantes e, posteriormente, transcritas na íntegra.
Após essa etapa, foram selecionados recortes que, de acordo com
a AD, são entendidos como “(...) fragmentos correlacionados de
linguagem e situação” (ORLANDI, 2011, p.139). Durante as análises
detivemo-nos nesses recortes e, especificamente, nas sequências
discursivas de referência, “enquanto manifestação da realização

102 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


de um intradiscurso - como ponto de referência a partir do qual
o conjunto de elementos do corpus receberá sua organização”
(COURTINE, 2016, p. 25). Destacamos que a fim de preservar o
anonimato dos sujeitos participantes da pesquisa, substituímos os
nomes dos participantes por nomes fictícios inspirados em nome
de flores.

Salientamos que o trabalho do analista consiste em relacionar


as situações de enunciação, o sujeito, as formações discursivas e
ideológicas a uma determinada conjuntura sócio histórica (COUR-
TINE, 2016, p. 25). Outro aspecto importante para AD, é o fato de
que não é necessário que se acumule uma quantidade mínima
aceitável de dados – amostragem significativa – para chegar a al-
guma conclusão válida, pois o dado não é uma realidade que tem
valor por conta do tamanho de sua incidência ou repetição, mas
por aquilo que ele indicia (GINZBURG, 1980), ou seja, pela realida-
de a que ele pode dar acesso. (PAULA e TFOUNI, 2013, p. 196)

É necessário assinalar que a AD trabalha com o paradigma


indiciário, inaugurado por Carlo Ginzburg (1980). O paradigma por
ele proposto nos ensina a considerar e valorizar também os in-
dícios e vestígios que podem parecer insignificantes, à primeira
vista. No nosso caso, atentamo-nos aos indícios linguístico-discur-
sivos nos dizeres dos professores e coordenadores.

Por fim, destacamos que a metodologia, para a AD, se estabele-


ce num movimento contínuo entre teoria e a própria análise, em
um ir e vir constante entre o corpus e os fundamentos (ORLANDI,
2011).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para iniciar as análises trazemos um recorte da BNCC que expli-


ca como estão organizados os eixos do componente curricular
de Língua Portuguesa. Temos, segundo o documento, cinco eixos

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 103


que serão trabalhados da seguinte maneira:

No Ensino Fundamental – Anos Iniciais, no eixo Oralidade, apro-


fundam-se o conhecimento e o uso da língua oral, as caracte-
rísticas de interações discursivas e as estratégias de fala e es-
cuta em intercâmbios orais; no eixo Conhecimentos linguísticos
e gramaticais, sistematiza-se a alfabetização, particularmente
nos dois primeiros anos, e desenvolvem-se, ao longo dos três
anos seguintes, a observação das regularidades da língua e a
aprendizagem de regras e processos gramaticais básicos; no
eixo Leitura, amplia-se o letramento, por meio da progressiva
incorporação de estratégias de leitura em textos de nível de
complexidade crescente, assim como no eixo Escrita, pela pro-
gressiva incorporação de estratégias de produção de textos de
diferentes gêneros textuais; no eixo Educação literária, desen-
volve-se a formação do aluno para conhecer e apreciar textos
literários, orais e escritos, com textos e livros de crescente grau
de literariedade (BRASIL, 2017, p. 87).

Recorte 1

Conforme o recorte acima, a BNCC divide a área de Língua Portu-


guesa em cinco eixos: oralidade, leitura, escrita, conhecimentos
linguísticos e gramaticais e educação literária.

Essa fragmentação em diferentes eixos demonstra como a BNCC


busca instrumentalizar o processo de ensino e aprendizagem
da Língua Portuguesa, criando um passo a passo do que, como
e quando se deve aplicar cada estratégia de ensino. Na primeira
sequência discursiva de referência destacada temos: “no eixo Co-
nhecimentos linguísticos e gramaticais, sistematiza-se a alfabeti-
zação”; o significante “sistematizar” estipula a alfabetização como
um processo que se finda ao final do segundo ano e, ainda, es-
tabelece o trabalho com a aprendizagem da leitura e da escrita
de uma forma metódica, ordenada e coerente. Concordamos com

104 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


Tfouni (1996), quando esta afirma que a alfabetização e o letra-
mento são processos que não se findam, uma vez que estamos
sempre interagindo com a escrita/leitura de diferentes maneiras
ao longo de nossas vidas.

Concordamos com Pêcheux (1982) quando este afirma que lidar


somente com a literalidade da língua (e da leitura) se mostra “per-
feitamente insuficiente” (PÊCHEUX, 1982, p. 59). Com isso, faz-se
necessário na alfabetização um “(...) trabalho sobre a plurivocidade
do sentido como condição mesma de um desenvolvimento inter-
pretativo do pensamento” (Ibid., p. 59, grifo do autor).

Essa divisão em eixos gera alguns equívocos teóricos do ponto de


vista da teoria discursiva do letramento como, por exemplo, acre-
ditar que o letramento só se amplia no eixo da leitura, ou que a
alfabetização se dá apenas no eixo dos conhecimentos linguísticos
e gramaticais.

Há nessa separação a divisão entre o eixo leitura e o eixo de edu-


cação literária como se os dois não fossem parte de um mesmo
contexto. Como é possível trabalhar a leitura sem trazer a educa-
ção literária? De que forma o professor pode ler uma história para
seus alunos e não ensiná-los a desfrutar da leitura? Um trabalho
pedagógico organizado dessa maneira retira todo o potencial hu-
manizador que a literatura pode causar na vida dos sujeitos (CÂN-
DIDO, 2004).

De acordo com Cândido (2004, p. 122) a literatura “(…) correspon-


de a uma necessidade universal que deve ser satisfeita sob a pena
de mutilar a personalidade, porque pelo fato de dar forma aos
sentimentos e à visão do mundo ela nos organiza, nos liberta do
caos e, portanto, nos humaniza”. O que observamos na BNCC,
através desse recorte, é que o trabalho com a leitura acontecerá
enquanto “incorporação de estratégias de leitura”, ou seja, apren-
der a ler fica restrito a decodificação das letras, palavras, frases e
textos, descolada da fruição e criação de sentidos e interpretações

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 105


próprias.

Outro ponto que nos chama a atenção é o eixo da escrita. De acor-


do com a Base, nesse eixo serão trabalhadas as “estratégias de
produção de textos”, isto é, escrever textos se torna estritamente
uma tarefa escolar, descolada de qualquer função social, pois a
função da escrita na escola passa a ser o trabalho com a ortografia
e a avaliação da aprendizagem (ASSOLINI, 2020).

Para encerrar as análises desse recorte chamamos atenção para


os significantes que aparecem repetidas vezes: “progressiva e
crescente” remetendo-nos a uma formação discursiva positivista,
que acredita que o ensino e a aprendizagem podem e devem se
dar de maneiras tão seriadas e segmentadas. Já a formação ideo-
lógica que se faz presente é a da lógica neoliberal aligeirada.

Outro aspecto que influencia fortemente na formação dos sujeitos


leitores é a maneira como a BNCC conceitua os processos de alfa-
betização e letramento. Abaixo trazemos recortes de professores
e coordenadores que relatam quais foram as mudanças observa-
das nas práticas pedagógicas de alfabetização, após a implemen-
tação da Base.

106 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


P. Hortênsia: É... uma coisa que eu entendi, é o que eu observei,
eu não não sei, talvez possa ser um equívoco meu, eu acho que
houve aí um um pequeno retrocesso, eu me lembro disso du-
rante a análise das habilidades propostas pela BNCC e eu não
sei se o termo que eu tô usando... um retrocesso é... mas cê vai
me entender o que eu tô querendo dizer, principalmente no que
diz respeito também a alfabetização de voltar algumas coisas
é… da prática é... de alfabetização que até então, pelo menos
da minha experiência dentro da rede estadual, é... eram práti-
cas que eram consideradas ultrapassadas, então houve um res-
gate de algumas coisas que até então nós, durante a formação
que recebíamos éramos alertados de que aquilo o alfabetização
não deveria ser trabalhada mais daquela forma. Então o que eu
tô querendo te dizer é que eu... que eu percebi alguns resgate,
resgates de algumas práticas do passado, não que isso viesse
sobrepor.

Recorte 2

Nesse recorte, Hortência inicia sua fala com certa insegurança, co-
locando a sua análise em xeque: “talvez possa ser um equívoco
meu” “é o que eu entendi… eu observei… eu não sei”; porém logo
em seguida assume seu posicionamento argumentando que hou-
ve “retrocessos” que foram percebidos através de suas análises,
de sua prática pedagógica e durante as formações continuadas
oferecidas pela Secretaria Estadual de Educação (SEE).

Com isso, podemos notar um deslize de FD. No início percebemos


a filiação a uma FD que desvaloriza a opinião do professor, porém,
logo em seguida Hortênsia desliza de FD e assume a argumenta-
ção, defendendo a sua opinião/percepção sobre os métodos de
alfabetização na BNCC e os retrocessos observados. Através des-
ses deslizes percebemos que “(...) o sujeito não é uma entidade ho-
mogênea exterior à linguagem, mas o resultado de uma estrutura
complexa, de efeito da linguagem” (AUTHIER-REVUZ, 1990, p. 28).

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 107


Além disso, notamos que há uma tentativa de imprimir literalidade
à sua fala na SDR “eu não sei se o termo que eu tô usando... um re-
trocesso”, o sujeito se mostra indeciso sobre qual termo escolher
para se expressar, demonstrando a ação do esquecimento núme-
ro dois, que produz a ilusão de que é possível definir a forma e as
palavras mais adequadas para se expressar, colar seu pensamen-
to às palavras e controlar todos os sentidos de sua enunciação.

Pêcheux (2014, p. 161) afirma que “(...) todo sujeito-falante ‘sele-


ciona’ no interior da formação discursiva que o domina, isto é, no
sistema de enunciados, formas e sequências que nela se encon-
tram em relação de paráfrase”, isto é acredita-se que aquele enun-
ciado é idêntico ao pensamento, e que os sentidos produzidos só
poderiam se dar de uma única forma. Destacamos que esse es-
quecimento é inerente ao discurso.

Durante as entrevistas percebemos que ocorreram retornos de


práticas de alfabetização que até então eram consideradas ultra-
passadas. Essas práticas estão amparadas em métodos sintéticos
de alfabetização. Segundo Frade (2005) esses métodos se baseiam
no mesmo pressuposto o de que a compreensão do sistema de
escrita se faz sintetizando/juntando unidades menores, que são
analisadas para estabelecer a relação entre a fala e sua represen-
tação escrita, ou seja, a análise fonológica. Dependendo do méto-
do, essas unidades de análise podem ser escolhidas entre letras,
fonemas ou sílabas, que se juntam para formar um todo (FRADE,
2005, p. 23).

Dentro desse grupo de métodos sintéticos temos comumente o


método alfabético, o silábico e o fônico. Quando a aprendizagem
é sustentada através desses métodos, muitas vezes, leva-se a um
trabalho com a decodificação ou decifração, já que há uma ex-
cessiva preocupação com a estrutura da língua, não considerando
que esta é também acontecimento (PÊCHEUX, 2014).

Alguns pesquisadores como Zen (2018), Gasparin (2018) e Bunzen

108 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


(2021) reiteraram que a BNCC privilegia o processo de alfabeti-
zação em bases fonéticas, contudo durante as entrevistas perce-
bemos que houve também um retorno de práticas pedagógicas
ligadas ao método silábico, como veremos ao longo das análises.

Fernandes e Colvero (2019, p. 289) afirmam que a BNCC “(...) ex-


plicita o viés dos defensores do método fônico, renegando o cons-
trutivismo”. Esse favorecimento do método fônico na BNCC causa
alguns embaraços na rede estadual paulista, uma vez que o mate-
rial didático utilizado para o ensino da Língua Portuguesa do esta-
do de São Paulo possui bases construtivistas, gerando assim uma
miscelânea de métodos que o professor deve acatar.

Esse material utilizado na rede estadual paulista é nomeado como


Programa Ler e Escrever (PLE). Seu referencial teórico é sustenta-
do pelas pesquisas de Ferreiro e Teberosky (1988) e, consequen-
temente, na teoria construtivista de Piaget. Sawaya (2012, p. 158)
afirma que pouco se sabe sobre como essas concepções foram
“‘(...) lidas’ e ‘apropriadas’ pelos legisladores e técnicos das Secre-
tarias da Educação responsáveis pela transformação dessas con-
cepções em propostas e práticas pedagógicas na formação dos
professores”.

Trata-se então de um programa que visa alfabetizar alunos nos


primeiros anos do EF-I que conta com formação continuada,
acompanhamento, elaboração e distribuição de materiais peda-
gógicos e outros subsídios. O material didático “Ler e Escrever” (LE)
possui uma base teórica sustentada pelo trabalho de Ferreiro e
Teberosky (1988), conhecido como construtivismo. Com isso, nos
últimos anos os métodos tradicionais perderam espaço nas salas
de aula paulistas, como o professor afirma “durante a formação
que recebíamos éramos alertados de que aquilo… o alfabetização
não deveria ser trabalhada mais daquela forma” remetendo-se
aos métodos de base sintética.

Nessa mesma SDR, Hortênsia afirma que os professores eram

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 109


“alertados”, esse significante causa um efeito de sentido de que
os métodos sintéticos de alfabetização apresentam um certo risco
à prática pedagógica, pois é preciso estar alerta, prevenir de um
possível perigo.

Por meio desse recorte, percebemos o resgate de práticas do


passado e como os documentos curriculares privilegiam algumas
formas de alfabetizar enquanto interditam outras. Muitos pesqui-
sadores afirmam que a BNCC, em si, é um atraso, um retrocesso
para a educação brasileira, principalmente pelo fato de se filiar
a um discurso intensamente mercadológico e empresarial. Pietri
(2021, p. 22) reitera que a Base não opera

segundo regras democráticas, dialógicas,


ou dialéticas, mas conforme as bases
ideológicas dos grupos políticos e eco-
nômicos que se apoderaram do Estado,
com as rupturas institucionais que patro-
cinaram, e, portanto, com a interdição da
historicidade dos processos sociais e po-
líticos em favor dos interesses do capital
financeiro/rentista.

Ao final do recorte o professor afirma que “isso não vai se sobre-


por”, ou seja, os métodos tradicionais não vão se sobrepor ao
construtivismo, gerando o entendimento de que esses diferentes
métodos serão trabalhados concomitantemente. Seguindo com
essa temática apresentamos outro recorte:

PCNP Camélia: Principalmente porque nós... muito no caso da


alfabetização... com textos, né? Nós não trabalhávamos assim
com a forma tradicional, né? E o currículo ele trouxe essa parte...
trabalhar muito com essa parte tradicional, com a parte da gra-
mática, sabe? Era tudo de uma forma bem diferenciada.

Recorte 3

110 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


Nesse recorte, a PNCP Camélia afirma que o trabalho com a alfa-
betização se dava com métodos que se aproximam das formas
analíticas, “no caso da alfabetização… com textos, né?”. Pois a uni-
dade de que se partia para ensinar a leitura e a escrita é o tex-
to (FRADE, 2005). Podemos observar que, ao tratar dos métodos
tradicionais, o verbo utilizado é conjugado no passado: “nós não
trabalhávamos”; indicando que após a implementação da BNCC já
ocorreram mudanças.

Quando Camélia menciona que a alfabetização é trabalhada a par-


tir de textos, ela está se referindo às atividades do material didá-
tico LE que comumente alfabetizava com textos de memória, par-
lendas e cantigas, como veremos em recortes posteriores. Ribeiro
(2013, p. 97) afirma que esse trabalho através de textos é destituí-
do de sua função social e passa a servir meramente como pré-tex-
tos para aprender gramática, uma vez que “(...) o que o material
nos mostra é uma visão fragmentada da língua, pois trabalha de
forma mecânica com partes aleatórias das músicas com intuito
meramente ortográfico”.

Então, ao mesmo tempo que o tradicional é negado, ele é reto-


mado pelo currículo atual e não deixa escolhas para o trabalho do
professor. Com isso, fica-nos o questionamento: até que ponto é
possível resistir a esse “regresso”? A partir dessas ideias, Libâneo
(2016, p. 48) “tais políticas levam ao empobrecimento da escola e
aos baixos índices de desempenho dos alunos e, nessa medida,
atuam na exclusão social dos alunos na escola, antes mesmo da
exclusão social promovida na sociedade”.

CONCLUSÕES

Após a realização das análises, percebemos que a formação dis-


cursiva e ideológica que a BNCC se filia possui fortes influências
dos ideais neoliberais. Esses ideais consideram a aprendizagem

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 111


da leitura e da escrita como uma “(...) ferramenta, cuja utilização
cotidiana em sala de aula instrumentaliza a mesmice, a padroniza-
ção e a formação de um sujeito repetidor, capaz apenas de obser-
var sentidos literais” (ROMÃO; PACÍFICO, 2006, p. 17).

Dessa forma, observamos que as concepções de leitura, escrita e


letramento da BNCC visam formar um sujeito leitor que perma-
neça nos sentidos cristalizados e institucionalizados. A BNCC vem
fundamentando o trabalho pedagógico com a alfabetização atra-
vés de métodos sintéticos e de muitas contradições teóricas. Acre-
ditamos que as escolhas teórico-metodológicas do documento re-
fletem o sujeito leitor que se deseja formar. Com isso, atividades
que privilegiam a codificação e decodificação indicam um sujeito
leitor que permaneça sempre no âmbito da paráfrase.

Destacamos ainda, que as questões levantadas nos levam a perce-


ber a influência, cada vez mais forte, do neoliberalismo no contex-
to educacional. Sendo assim, as orientações para a alfabetização
não buscam em seu cerne a formação de um sujeito leitor que
produz sentidos e interpretações polissêmicas, mas sim, susten-
tam a divisão social do trabalho de leitura e de dominação política.

Defendemos, assim, que um trabalho pedagógico fundamentado


na AD e na abordagem sócio-histórica do letramento “(...) contri-
buiria para desenvolver o senso crítico do educando, conduzindo-
-o a ocupar posições discursivas que lhes possibilitasse produzir
sentidos, instaurar diferentes gestos de interpretação e realizar
leituras outras” (ASSOLINI, 2008, p.144).

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APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 115


DESAFIO HACKER: PROPOSTA DE CRIAÇÃO DE UM ARG
EDUCACIONAL

Sam Adam Hoffmann Conceição

UTFPR

Fábio Anastácio de Oliveira

SEED

Arandi Ginane Bezerra Júnior

UTFPR

Resumo

Jogos de Realidade Alternativa, ou ARGs (do inglês alternate reality ga-


mes), estão na fronteira entre os jogos e a gamificação. Por serem
uma experiência ativa, social e baseada em problemas, os ARGs se
relacionam com teorias de aprendizagem construtivistas, e podem ser
excelentes ambientes de aprendizagem ativa. Este trabalho é um re-
lato da construção de uma aula baseada em ARG, bem como de sua
aplicação e impressões. A aula foi criada com ferramentas online gra-
tuitas, e aplicada com estudantes do nono ano do Ensino Fundamen-
tal. A utilização de um jogo de realidade alternativa se mostrou alta-
mente engajadora e foi muito bem recebida pelos estudantes, mesmo
no contexto não presencial.

Abstract

Alternative Reality Games, or ARGs (alternate reality games), are on the


border between games and gamification. As an active, social, problem-
-based experience, ARGs relate to constructivist learning theories, and
can be excellent active learning environments. This work accounts for

116 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


the construction of an ARG-based class, as well as its application and
impressions. The class was created with free online tools and applied
to students in the ninth grade of Elementary School. The use of an
alternative reality game proved highly engaging and was very well re-
ceived by students, even in a non-face-to-face context.

INTRODUÇÃO

Na busca por metodologias inovadoras que ajudem a vencer os


obstáculos para uma aprendizagem mais significativa, os edu-
cadores têm encontrado nos jogos, e em seus elementos, fortes
aliados para aumentar a motivação dos estudantes e promover o
aprendizado.

É natural que professores e educadores estejam prestando aten-


ção aos jogos, especialmente quando analisamos o perfil dos es-
tudantes que encontramos, hoje, nas escolas. Segundo a Pesquisa
Game Brasil (2021), realizada com mais de doze mil participan-
tes, cerca de 72% dos brasileiros têm o costume de jogar jogos
eletrônicos, independentemente da plataforma, reforçando este
hábito diariamente. Quando analisamos dentro deste grupo, en-
contramos que muitos deles estão em idade escolar, sendo que o
público de 16 a 19 anos representa 10,3% dos jogadores do país,
isso considerando que a cultura dos jogos deixou de ser uma ca-
racterística apenas de jovens. Por questões éticas, não foram en-
trevistados menores de 16 anos, mas certamente encontraríamos
entre eles uma quantidade expressiva de jogadores.

Ainda segundo esta pesquisa, pode-se vislumbrar a eficácia dos


jogos em sala de aula também por sua generalidade. O hábito de
jogar não tem relação com o sexo do jogador, por exemplo, sendo
as mulheres uma presença um pouco mais expressiva entre os
jogadores do que os homens. Entretanto, a quantidade de jogado-
res brasileiros é tão grande que isso representa as características

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 117


demográficas do país. Outra questão importante de ser levantada
é que o perfil socioeconômico dos jogadores tem se modificado. O
consumo dos jogos digitais historicamente é algo relacionado com
as classes sociais de maior poder aquisitivo, uma vez que os inves-
timentos necessários para se jogar em plataformas como Console
e PC costumam ser altos. Com o advento dos Smartphones, é pos-
sível identificar o crescimento de Classes Sociais de menor poder
aquisitivo, que chegam a representar 66,4% dos consumidores de
jogos digitais.

Visto que os jogos estão tão presentes na vida dos estudantes, é


lógico imaginar que podem ser usados como ferramentas pedagó-
gicas úteis para o processo de ensino e aprendizagem. Entretan-
to, o que, de fato, é um jogo? Como se pode conceituar um jogo?
Como defini-lo e diferenciá-lo de outras atividades humanas como
brincar ou trabalhar?

Um dos primeiros pesquisadores preocupados em compreender


o que são os jogos foi o filósofo Johan Huizinga, e segundo ele po-
demos entender os games como:

[...] uma atividade ou ocupação voluntá-


ria, exercida dentro de certos e determi-
nados limites de tempo e espaço, segun-
do regras livremente consentidas, mas
absolutamente obrigatórias, dotado de
um fim em si mesmo, acompanhado de
um sentimento de tensão e alegria e de
uma consciência de ser diferente da vida
cotidiana (HUIZINGA, 2007, p. 33).

Embora hoje esta definição seja considerada ultrapassada por al-


guns, traz elementos importantes de serem considerados sobre
os jogos. A primeira delas, no que se refere ao caráter voluntário
dos games. A priori, uma pessoa não pode ser coagida a jogar,
este sentimento deve partir voluntariamente. Outro ponto impor-

118 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


tante são as regras, e é aqui que o “jogar” se diferencia do “brin-
car”, uma vez que devem existir regras rígidas, que embora sejam
aceitas de forma espontânea, devem ser obrigatoriamente segui-
das até o final.

Para Jesper Jull (2003), líder da perspectiva “ludologista” de encarar


os games, os jogos podem ser definidos de uma forma diferente:

Um jogo é um sistema formal baseado


em regras com um resultado variável e
quantificável, onde diferentes resultados
são atribuídos a diferentes valores, o jo-
gador exerce esforço para influenciar o
resultado, o jogador se sente apegado
ao resultado e as consequências da ati-
vidade são opcionais e negociáveis (JULL,
2003).

Neste caso, é possível notar que para Jull o ponto fundamental dos
games são os resultados. Esta é uma visão “ludologista” típica, em
contraponto à visão “narratologista”, que entende os jogos como
uma forma de contar histórias. Chris Crawford, um dos grandes
nomes do design de jogos de computador, pode ser considerado
um “narratologista”, e segundo ele “jogos são um subconjunto do
entretenimento, limitados a conflitos em que os jogadores traba-
lham para frustrar os objetivos uns dos outros, apenas uma das
muitas folhas de uma árvore que inclui brinquedos, desafios, his-
tórias, competições e muito mais” (CRAWFORD, 2003).

Sid Meier, o designer de um dos mais famosos games para com-


putador, o Civilization, oferece uma definição bastante sucinta: “jo-
gos são uma série de escolhas significativas” (MEIER, 2020). Talvez
esta seja a ideia mais elegante para se usar quando se pretende
utilizar jogos como ferramentas de ensino e aprendizagem. A pos-
sibilidade de realizar escolhas que sejam significativas possibilita
ao estudante um envolvimento com o conteúdo, e com a aula em

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 119


si, que seria muito difícil de se conseguir com a utilização de meto-
dologias tradicionais ou excessivamente expositivas.

É neste contexto que o uso dos jogos surge como uma metodologia
ativa própria, a qual conhecemos como Game-Based Learning,
ou Aprendizagem Baseada em Jogos. Contudo, a utilização desta
metodologia pode ser mais complicada do que aparenta. Os jogos
de aprendizagem podem ser considerados únicos, pois o objetivo
de facilitar a aprendizagem cria uma tensão no processo de design,
que requer um equilíbrio cuidadoso da necessidade de cobrir o
assunto e o desejo de promover a jogabilidade (Plass, Perlin, &
Nordlinger, 2010). Isso quer dizer que ao se descuidar, o professor
pode tornar um jogo demasiadamente teórico, deixando-o tedioso
e desinteressante, ou, por outro lado, focar tanto na diversão que
o game se torna altamente engajador, mas completamente vazio
do ponto de vista pedagógico.

Essencialmente existem três formas pelas quais professores po-


dem utilizar o Game-Based Learning em suas práticas docentes:
(1) se valer da utilização de um jogo pronto, seja ele educativo ou
de entretenimento; (2) adaptar um jogo existente para determina-
do objetivo pedagógico; (3) utilizar das mecânicas e dos elementos
de jogos para construir um jogo completamente novo, tendo por
base os objetivos pedagógicos desejados (KALMPOURTZIS, 2019).

Para além da criação de jogos de aprendizagem inéditos e custo-


mizados, outra opção possível aos professores e educadores é a
utilização isolada das mecânicas dos jogos, em um processo cha-
mado de Gamificação.

Embora atualmente muito seja discutido sobre técnicas como a


Gamificação, muitas vezes este assunto é tratado de maneira su-
perficial e reducionista, diminuindo toda a metodologia a poucas
técnicas (como pontos, medalhas e ranks) ou ao simples uso de
aplicativos, como Kahoot, Quizizz, Socrative e afins.

120 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


Mas afinal de contas, o que vem a ser a Gamificação? Como o ter-
mo “Gamification” é relativamente recente, não se existe uma con-
cordância sobre o seu significado. Ao longo das últimas décadas,
diversos autores e profissionais da área têm buscado explicar o
que é e como utilizar a Gamificação a fim de gerar resultados. Em-
bora seja um pensamento comum, a Gamification não é a trans-
formação de qualquer atividade em um game, mas sim aprender a
partir dos games, encontrar os seus elementos que podem melho-
rar uma experiência sem desprezar o mundo real (ALVES, 2015).

Para a dupla de referência em gamification corporativa, Werbach &


Hunter (2012) a Gamificação consiste da utilização e elementos de
game-design em contextos de não-jogo. Dois pontos bem impor-
tantes nesta proposta: “elementos de game-design” e “contextos
de não-jogo”. O game design é o processo de criação do conteúdo e
das regras de um jogo. Um bom game design é o processo de criar
objetivos que um jogador se sente motivado a alcançar e regras
que um jogador deve seguir enquanto toma decisões significativas
em busca desses objetivos (BRATHWAITE & SCHREIBER, 2009).

Quando os autores se referem a “elementos de game-design”, es-


tão pontuando os componentes utilizados no processo de cons-
trução de um jogo, tais como aqueles que foram abordados an-
teriormente: conflitos, escolhas, objetivos, regras e afins. A ideia
de “contextos de não-jogo” indica, literalmente, qualquer situação
que não se enquadre com um jogo. Para isso pode-se valer das
definições de jogos elencadas no início desta seção. Sendo assim,
é possível entender que situações como trabalho, ensino, ativida-
des domésticas e outros representam exemplos destes contextos.
Nesse sentido, os autores entendem ser possível usar elementos
isolados, como por exemplo a inserção de regras e conflitos, em
um contexto como o educacional.

Muitas das definições propostas apresentam um enfoque na fun-


ção dos processos de gamificação, ou seja, no quesito de para

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 121


que serve. Segundo um dos maiores nomes atuais da área, Marc-
zewski ( 2013), a Gamificação consiste da aplicação das metáforas
dos games em tarefas da vida real, para influenciar comportamen-
tos, melhorar a motivação e elevar o engajamento. Para Merino
de Paz (2013), é possível entender a Gamificação como a aplicação
dos elementos e teorias dos jogos em contextos de não-jogo, com
a intenção de modificar comportamentos, aumentar a fidelidade
ou motivar e engajar usuários. Kotini & Tzelepi (2015) indicam que
o termo se refere a uma poderosa estratégia que influencia e mo-
tiva grupos de pessoas. Para Klock & Cunha (2015), gamificação é o
uso de elementos de jogos para propósitos não relacionados a jo-
gos a fim de deixar pessoas estimuladas e engajadas em alcançar
um objetivo específico. É possível perceber que todas estas defini-
ções orbitam sobre a ideia de engajamento e motivação. Embora
alguns autores proponham outras funções para a Gamificação,
esta é a principal.

O objetivo de se utilizar elementos de games para atividades em


outros contextos, é fazer com que as pessoas se dediquem a estas
atividades com o mesmo comprometimento que oferecem aos jo-
gos. No contexto educacional, embora aconteça com frequência,
a gamificação não deveria ser considerada uma metodologia ativa
de aprendizagem, uma vez que de fato não atua no aprendizado.
De maneira particular, os autores deste artigo preferem se referir
à metodologia como uma catalizadora de outras metodologias, no
sentindo de que ao usar os elementos de jogos, outras técnicas
de aprendizagem como sala de aula invertida, aprendizagem ba-
seada em problemas, aprendizagem baseada em times e tantas
outras, acabam sendo potencializadas.

Ao contrário do que muitos acreditam, a Gamificação não ocorre


apenas quando é possível o uso de tecnologia. O que conta é como
se desenha e não qual será o meio de entrega de um projeto, que
pode ou não depender da tecnologia digital (ALVES, 2015). Man-

122 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


rique (2013) propõe que a Gamificação deva ser entendida como
um design de experiências baseada na felicidade e na motivação.
Este é um lado particularmente interessante para se refletir, pois
insere um elemento mais humanizador para o processo. Alguns
críticos apontam que a gamificação é muito próxima de uma for-
ma de manipulação, em que pessoas são levadas a tomarem de-
cisões e executarem tarefas que não necessariamente querem.
Nesse cenário, uma definição que proponha usar as ferramentas
de design para gerar felicidade deve ser memorada.

Outra maneira de enxergar a Gamificação é através da forma de


se pensar. Para Liu & Santhanam (2015) a metodologia consiste na
aplicação do pensamento baseado em jogos para tornar tarefas
do dia-a-dia mais engajadoras. Segundo Nah et. al. (2014) a Ga-
mificação pode ser entendida como o processo de gamethinking e
uso de mecânicas de jogos para engajar usuários a resolver pro-
blemas. De um ponto de vista voltado para o contexto educacio-
nal, Baldeon, Rodriguez, & Puig (2016) definem gamification como
um pensamento baseado em jogos e uso de mecânicas de jogos
em sala de aula, com o propósito de motivar e engajar estudantes
durante o processo de aprendizagem. O gamethinking, ou o ato
de pensar como se em um jogo, é uma proposta originalmente
apresentada por Amy Jo Kim (2018) como um próximo nível da Ga-
mificação, um degrau acima do que se é pensado hoje. Segundo
a autora, é possível encarar situações do dia-a-dia a partir de um
pensamento organizado como em um jogo, seguindo um protoco-
lo de alguns passos para a resolução de problemas.

A partir de todas estas definições é possível se ter uma noção bas-


tante completa sobre do que se trata a Gamificação e o Game-Based
Learning, ou Aprendizagem Baseada em Jogos. Entretanto, existem
estratégias que de tão peculiares não podem ser classificadas nem
como um e nem como outro, ou ainda que se enquadram como
qualquer uma das duas, como por exemplo, os jogos pervasivos.

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 123


Esta é uma categoria de jogos que tende a ser cada vez mais popu-
lar, especialmente com o aumento da adoção das tecnologias. O
termo foi provavelmente cunhado em meados do ano 2001, com o
lançamento de “The Beast, Majestic, and BotFighters”. Desde então,
muitos jogos pervasivos, tanto experimentais como comerciais,
surgiram em todos os lugares, e hoje formam um panorama bem
variado (MONTOLA, 2009).

Enquanto as definições de jogos sugerem uma diferenciação do


game com a realidade, como pontuado na definição de Huizinga
(2007), “[...] uma consciência de ser diferente da vida cotidiana”,
ou a “uma estrutura interativa de significado endógeno [...]” de
Greg Costikyan (2013), os jogos pervasivos subvertem esta lógica
e tornam essa separação muito mais tênue. A ideia é que o jogo
aconteça na vida do jogador, no seu dia-a-dia, sem uma separação
do momento em que se está no jogo e o momento em que se está
“fora” do jogo. Segundo Montola (2009):

A família de jogos pervasivos é diversifi-


cada, incluindo jogos individuais que va-
riam desde simples games single-player
para celular até eventos artisticamente
e politicamente ambiciosos de realidade
mista (MR). Alguns desses jogos servem
para passar o tempo por alguns minutos
enquanto se espera por um ônibus, en-
quanto outros criam mundos persisten-
tes que duram meses, onde os jogadores
podem adotar identidades alternativas
e se envolver em uma jogabilidade com-
plexa. Alguns jogos usam tecnologia de
ponta, enquanto outros podem ser reali-
zados sem nenhuma tecnologia (MONTO-
LA, 2009).

124 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


Um grande exemplo deste tipo de jogo é o Pokémon Go (Niantic,
Inc., San Francisco, CA), um jogo baseado em Realidade Aumen-
tada, desenhado especificamente para ser utilizado em disposi-
tivos móveis, e que alcançou uma popularidade sem preceden-
tes desde o seu lançamento internacional em julho de 2016 (ICO,
2017). O game utiliza o Sistema de Posicionamento Global (GPS)
do aparelho mobile para localizar, capturar e treinar personagens
virtuais do Pokémon (LEE, 2021). É possível notar as característi-
cas de pervasividade deste jogo, uma vez que o game acontece na
vida real do jogador. Pode ser na escola, no trabalho, no caminho
para algum lugar, o jogador encontra um Pokémon, o captura, de-
pois segue para um ginásio que fica numa rua próxima dali, bata-
lha para assumir a liderança, e em seguida continua com os seus
afazeres normais. Muitos estudos têm sido conduzidos sobre o
Pokémon Go desde o seu lançamento, uma vez que pela nature-
za do jogo, ele encoraja não somente um aumento da realização
de atividades físicas e um decréscimo do sedentarismo, já que os
jogadores precisam caminhar pelo mundo real para encontrar os
pokémons, mas também estimula comportamentos de interação
social ao permitir que jogadores possam lutar juntos contra poké-
mons mais fortes (SERINO et al., 2016).

Uma classe de jogos pervasivos são os Jogos de Realidade Alterna-


tiva, ou ARGs (do inglês alternate reality games). Pode-se dizer que
os ARGs se encontram na exata fronteira entre os jogos e a gami-
ficação. Por um lado, os jogos de realidade alternativa podem sim
ser considerados jogos uma vez que contam com elementos como
regras, resultados quantificados e conflitos artificiais; mas por ou-
tro, diferente de outros jogos, acontecem também na vida real, no
dia-a-dia dos jogadores. De fato, uma das características principais
dos ARGs é negar e disfarçar o fato de ser um jogo (SZULBORSKI,
2005).

Por ser uma experiência ativa, social e baseada em problemas, os

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 125


ARGs se relacionam com teorias de aprendizagem construtivistas,
e por esse motivo podem ser excelentes ambientes de aprendi-
zagem ativa, que acontece por meio da interpretação de pistas,
resolução de puzzles, conclusão de cenários e envolvimento em
atividades extras relacionadas ao problema que se procura solu-
cionar (PALMER&PETROSKI, 2016).

Levando-se em consideração os desafios que os professores e


educadores enfrentam na árdua tarefa de motivar e engajar os
seus aprendizes, especialmente no que se refere à modalidade re-
mota de ensino, este trabalho tem por objetivo relatar a criação e
produção de uma aula baseada em ARG, para trabalhar conteú-
dos de ciências, história e geografia, além de competências socioe-
mocionais como resolução de problemas complexos, trabalho em
equipe e criatividade, com estudantes do Ensino Fundamental II.
Desta forma, espera-se que mais professores poderão se apro-
priar das metodologias de ARGs nas suas práticas docentes. Além
disso, será exposto o resultado da aplicação desta aula com uma
turma de estudantes do nono ano do Ensino Fundamental.

DA CRIAÇÃO DO ARG: DESAFIO HACKER

Afim de tornar a descrição do processo de criação e produção da


aula baseada em ARG mais linear e organizada, optou-se por se-
parar a metodologia em 3 seções distintas. A primeira, destina-
da a tratar dos aspectos educacionais, ressalta o ponto de vista
pedagógico da criação, bem como os objetivos de aprendizagem
a serem alcançados. Em seguida, discute-se a criação da narrati-
va, elemento essencial em qualquer jogo de realidade alternativa.
A terceira seção aborda a questão estética do jogo do ponto de
vista da produção gráfica dos elementos narrativos e apresenta
as ferramentas digitais utilizadas na criação e aplicação da aula
proposta.

126 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


Da Intencionalidade Pedagógica

O primeiro passo para a criação de uma abordagem educacional


baseada em jogos é pensar na intencionalidade pedagógica, ou
seja, que tipo de transformação se deseja estimular nos estudan-
tes do início para o término da atividade proposta. Nesse sentido,
optou-se por utilizar a aula baseada em ARG para introduzir con-
teúdos das disciplinas de ciências, história e geografia, bem como
para propiciar o trabalho com competências e habilidades socioe-
mocionais.

Com relação ao aspecto curricular, por ocasião do momento pan-


dêmico e das desinformações presentes diariamente nas redes
sociais, optou-se por trabalhar com conteúdos de epidemiologia,
na disciplina de ciências, política internacional na disciplina de
geografia e guerra fria na disciplina de história.

Do ponto de vista das competências socioemocionais, priorizou-se


o desenvolvimento de práticas que visassem o fortalecimento do
trabalho em equipe e da capacidade de resolução de problemas
complexos.

Da Criação Narrativa

Há que se prestar atenção na peculiaridade da criação de uma


narrativa para um jogo de realidade alternativa, uma vez que ela
precisa se misturar à realidade de tal forma que seja muito difí-
cil perceber onde a realidade acaba e a ficção começa. Optou-se
por utilizar uma narrativa conspiracionista, que costuma chamar
bastante a atenção dos estudantes, e é muito utilizada em divulga-
ções de pseudociência e negacionismos.

Um ARG geralmente se inicia com o rabbit hole, uma abertura que


vai convidar o jogador a ingressar no novo mundo (SZULBORSKI,
2005). Para a aula, o rabbit hole escolhido foi um vídeo, de autoria
de um suposto hacker anunciando que estava próximo de des-
cobrir uma grande conspiração envolvendo componentes virais,

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 127


grandes indústrias farmacêuticas e políticos corruptos. Ainda no
vídeo fica claro para os estudantes que o hacker foi descoberto e
eliminado, de modo que cabe aos alunos concluir as investigações.

Foram criados 7 “nós” dentro da trama, para que pudessem ser


descobertos pelos estudantes em suas investigações. O professor
assumiu o papel de “mestre das marionetes”, termo que define
aquele que influencia o mundo ficcional dentro de um ARG (SZUL-
BORSKI, 2005). Para pautar a realidade da narrativa, foi utilizado o
livro Biohazard, de Ken Alibek (2008) a fim de possibilitar, após o
término da atividade, uma discussão acerca dos elementos reais
da história criada.

Da Produção Gráfica e dos Recursos Digitais

A partir do que se estabeleceu previamente, foram criados os


componentes que ajudariam os estudantes a reconstruírem esta
narrativa e descobrirem o que aconteceu com o suposto hacker.
Foram produzidos 52 arquivos digitais, entre vídeos, arquivos de
áudio, imagens e textos. Todos os materiais foram produzidos e
editados com ferramentas gratuitas: Inkscape para os arquivos em
texto, GIMP para a edição das imagens, Audacity para a produção
dos arquivos em áudio e Movie Maker para os vídeos.

Para a distribuição destes materiais, foram utilizadas ferramentas


online gratuitas, como o criador de sites Wix, o Google Drive e o
Google Formulários. Depois de criados os 52 arquivos (entre ví-
deos, extratos bancários, notícias, artigos científicos, documentos
secretos e outros), todos foram disponibilizados para os estudan-
tes a partir de uma conta do Google Drive.

No site do Wix foi ainda inserido um cronômetro com contagem


regressiva, que anunciava o final da atividade após 24 horas. A
comunicação com os estudantes se deu através do WhatsApp, para
tirar dúvidas ou corrigir arquivos fora do ar.

128 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


RESULTADOS E DISCUSSÃO

A aula baseada em ARG foi aplicada com alunos do 9º ano do En-


sino Fundamental, de duas escolas diferentes, uma em Curitiba,
sendo uma escola da rede particular, e outra em São José dos Pi-
nhais, fazendo parte da rede pública de ensino. A aplicação seguiu
as mesmas estratégias em ambas as escolas, e os estudantes fo-
ram divididos em times de até 4 integrantes, que tiveram 24 horas
para solucionar o desafio. É importante frisar que a aplicação da
atividade ocorreu durante o período de aulas remotas, ocasiona-
do pela pandemia de Covid-19.

Como ressaltado anteriormente, ao longo do período de realiza-


ção da atividade os professores estiveram disponíveis via WhatsA-
pp para eventuais dúvidas ou problemas técnicos. Ao final da con-
tagem das horas, o site em que os conteúdos estavam disponíveis
foi retirado do ar, e as respostas dos estudantes foram recebidas
na forma de arquivos em word ou vídeos.

Sete equipes foram capazes de encontrar todos os “nós” da narra-


tiva, e todas as equipes encontraram pelo menos um “nó”.

Um resultado que chamou atenção foi a complexidade nas res-


postas oferecidas pelos estudantes. No contexto do ensino remo-
to, muitos alunos das turmas em questão se habituaram a res-
ponder questões optativas ou com respostas curtas. Aliando este
hábito à desmotivação generalizada com as atividades remotas,
foi surpreendente notar respostas na forma de textos maiores,
como o exemplo abaixo, entregue por uma das equipes da escola
da rede pública.

Em 1990, a KGB (agência de inteligência


URSS) iniciou testes em não humanos com
armas microbiológicas em várias regiões,
sendo uma delas Yantianhezhen, localizada
na China. Os testes envolviam mutações no

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 129


genoma de determinados vírus, sendo que
alguns foram bem sucedidos. Entretanto, o
teste denominado “cobra” teve suas amos-
tras perdidas durante o processo (MAPA
KGB, CIÊNCIA KGB 03 e RELATÓRIO KGB 01)
e, como todo o projeto, foi acobertado pela
agência e esquecido. Esse projeto da KGB
apresentou consequências apenas em 2019,
quando ocorreu um alagamento em Lokou-
zhen (China). A população desse vilarejo se
refugiou em Yantianhezhen, o que acarre-
tou na contaminação com vírus utilizado
no teste “cobra”. Macao, o único enfermeiro
entre os refugiados, iniciou exames na po-
pulação e enviou cartas ao governo chinês
pedindo ajuda no combate a esse agente
patogênico desconhecido (análise das assi-
naturas das cartas e do doutor responsável
pelos exames dos pacientes do vilarejo).
Todavia, os pedidos foram desviados por
Li-Ming Mayleen (documento email 02), pro-
fissonal da secretaria da saúde do governo
chinês, que viu uma oportunidade de lucrar
com o desastre que estava ocorrendo. May-
leen entrou em contato Grieg Ventor, dono
da XPharmaCorp - instituição que domina
as ações das empresas Monsato, XPharma,
PharmaPlus e GenCorp. Foi criada, então,
uma aliança entre Mayleen e Ventor, sendo
que Grieg pagava um salário mensal para
Mayleen (depósito 04 e “depósito estra-
nho”) afim de omitir as informações sobre
a doença (o que explica os depósitos reali-

130 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


zados todo final de mês). Ventor aumentou
a produção de equipamentos hospitalares
produtos de higiene pessoal, além de iniciar
testes para uma vacina contra esse agente
patológico. Com a posterior disseminação
desse vírus, houve um aumento no lucro
das empresas comandadas por Grieg Ven-
tor. As informações sobre a doença não
foram divulgadas, pois, Li-Ming não repas-
sou as informações para o governo e Ma-
cao foi assassinado de maneira suspeita. A
teoria é que Grieg contratou um assassino
de aluguel para matar o enfermeiro. Esse
assassino, Loonie Franklin Junior, foi ante-
riormente preso por ser suspeito de assas-
sinar o filho de um grande empresário chi-
nês (“notícias mercenário” e ficha criminal)
apesar de ter recorrido para ser julgado
em solo americano (documento “notícias
mercenário”). Misteriosamente, sua libera-
ção e advogado foram pagos pouco antes
da morte de Macao - o qual foi decretatado
morto a facadas por causa de um assalto
mal sucedido. Uma possível conclusão seria
que Grieg após pagar suas dívidas contra-
tou Franklin para matar Macao (“depósito
estranho” e “depósito investigar”), e assim,
encobrir as descobertas do enfermeiro e as
possíveis consequências da negligência com
os refugiados de Lokouzhen, visto que o en-
fermeiro era o único sobrevivente da Vila
contaminada (documento “carta aberta”).
A situação estava controlada abaixo da su-

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 131


perfície até a intervenção de Formoso, que
possivelmente encontrou a carta de Macao
enviada aos meios de comunicação interna-
cionais. Ao descobrir diversas informações
sobre o caso, o hacker notou que estava
sendo perseguido e que tentaram invadir
seu computador. Ele gravou um vídeo que
seria disponibilizado caso ele fosse raptado
ou morto. Concluímos que Grieg contratou
novamente Franklin para matar formoso e
assim ter novamente o controle da situação,
porém ele não contava com a programação
feita pelo hacker, o que possibilitou nossa
investigação.

É possível notar, a partir deste exemplo, o cuidado que os


estudantes tiveram em oferecer a sua interpretação da narrativa,
sempre justificada com base nas evidências oferecidas, colocadas
entre parênteses, como pode ser observado em alguns fragmentos
como: “o teste denominado “cobra” teve suas amostras perdidas du-
rante o processo (MAPA KGB, CIÊNCIA KGB 03 e RELATÓRIO KGB 01)”
ou “Uma possível conclusão seria que Grieg após pagar suas dívidas
contratou Franklin para matar Macao (“depósito estranho” e “depó-
sito investigar”)”.

É possível, também, perceber a tentativa do grupo em apresen-


tar uma linearidade para a narrativa. Esta característica também
foi encontrada na resposta de outros grupos. O exemplo a seguir
apresenta a resposta da equipe que apresentou maior organiza-
ção quanto a linearidade histórica da narrativa.

1987-URSS começou os estudos com os


agentes microbiológicos, pois achavam que
os Estados Unidos iam usar isso como arma
de massa (relatório kgb.01)

132 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


1988- descoberta do covid (ciência kgb3)
1990- ogiva perdida em wuhan, durante
testes da URSS na área 09, área desabitada
(relatório kgb.01)

1994/95- macacos e morcegos apresentam


sintomas de covid na mesma área onde foi
perdido a ogiva (artigo1 e artigo2)

12/2018- alagamento em Lukouzhen, que


forçou a relocalização para Yantinhezhen,
uma área desabitada (notícias desastre01 e
carta01)

31/01/2019- construção da vila e da horta


em Yantinhezhen (carta01)

07/06/2019- depois de irem buscar madeira


na mata dois homens ficam doentes, possi-
velmente por covid (carta03)

08/12/2019- Macao realiza exames que


apresentam sintomas parecidos com o do
covid (exames médicos01/02/03/04)

11/06/2019- pedido formal de ajuda, a vila


de Yantinhezhen está com 37 mortos (pedi-
do de ajuda formal)

14/12/2019- Li-Ming envia e-mail para


o Grieg com os exames e os resultados
(e-mail02)

14/12/2019- Grieg paga Li-Ming. Aparece


uma transferência no valor de 75.123,89
yens na conta de Li-Ming (depósito04)

15/12/2019- Macao envia uma carta aberta


para vários jornais e avisa que todos seus

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 133


pedidos de ajuda não tiveram respostas
(carta aberta)

16/12/2019- Grieg deposita dinheiro na


conta do mercenario (deposito investigar)

16/12/2019- Mercenario é liberado por um


advogado estadunidense (noticia mercena-
rio)

18/12/2019- Macao é encontrado morto


esfaqueado e há teorias de ter sido os pró-
prios policiais (notícias da morte)

18/12/2019- Depósitos foram feitos na con-


ta de Li-Ming (depósito 01/02/03/04/05)

18/12/2019- Saque no valor de 5.000 dóla-


res da conta do Mercenario (deposito inves-
tigar)

24/01/2020- Parlamentares vendem suas


ações em turismo e lazer e investem todas
em farmácia (notícia senadores 01/02 e
mp.4)

30/05/2020- Começou a investigação dos


parlamentares (notícia senadores02)

22/06/2020 - Richard Salles manda as pes-


soas investirem no fundo

NOTA01: O mercenario estava preso em do-


micilio, todas suas prisões foram feitas nos
estados unidos exceto a última que foi na
china. Existe um possível suborno pelo mer-
cenario ou pela Li-Ming (ficha criminal)

NOTA02: Grieg era o diretor financeiro de

134 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


todas as empresas farmacêuticas que foi
apresentado o faturamento (faturamento
/genocorp/ monstato/ pharmaplus/ solu-
tion/ xpharma)

NOTA03: Richard Salles fala para investir no


fundo XPharm.Corp.Capital (noticia merca-
do.03)

NOTA04: As empresas Xpharman e Geno-


corp tem um acelerado avanço nas pesqui-
sas que dar a entender que elas começaram
antes que as outras (noticia mercado02)

A URSS achava que o governo estaduni-


dense poderia usar armas microbiológicas
para atacá los, foi aí que eles começaram
a fazer experimento para poder estar pre-
parados antes, foi usado três diferentes
agentes microbiológicos onde nenhum foi
forte o bastante para causar grandes da-
nos, após algumas tentativas modificaram
alguns agentes até obterem o coronavírus,
durante um teste uma ogiva foi perdida na
chamada área 9 (China). Em um local não
habitado macacos e morcegos começaram
a surgir com sintomas do coronavírus. Al-
gum tempo depois aconteceu um grande
desastre alagando a vila de Lukouzhen e
obrigando os moradores se relocalizar na
vila Yantinhezhen, na qual era desabitada.
Mal sabia eles que esse lugar era onde a
ogiva se perdeu, um certo dia após terem
uma horta e começo de algumas casa dois
homens entram na mata para buscar ma-

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 135


deira e voltam contaminados por um virus
nao conhecidos por eles. Macao então faz
alguns testes e resolve pedir ajuda formal-
mente ao governo, pois estava lidando com
algo desconhecido. Li-Ming trabalhava com
a logística de correspondência e em vez
de mandar as cartas com pedido de aju-
da manda um e-mail com os exames para
Grieg, que paga ela para nao mandar as
cartas com o pedido de socorro de Macao.
Quando Macao percebe que suas cartas
não tinham respostas fez uma carta aberta
falando sobre tudo que estava acontecendo.
Grieg então começou a fazer alguns depósi-
tos na conta de um mercenário. Três dias
depois de mandar a carta aberta Macao é
encontrado morto esfaqueado em um beco
no centro de Wuhan.Após ser suspeito de
matar o filho do empresário Shei Fa Long, o
mercenário sai em prisão domiciliar acom-
panhado de um advogado estadunidense.
No mesmo dia em que Macao é encontrado
morto foi feito um saque no valor de cinco
mil dólares da conta do mercenário. Alguns
parlamentares venderam todas suas ações
em turismo e lazer e fizeram um grande in-
vestimento nas ações de farmacia, algum
tempo depois de suas ações começarem a
crescer disparadamente com a pandemia do
coronavírus os parlamentares começaram a
ser investigados

O padrão de organização pode ser observado na medida em


que os alunos primeiro organizaram as informações provenientes

136 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


das pistas em ordem cronológica, em seguida apoiaram com no-
tas sobre o que julgaram mais importante para, por fim, descrever
a narrativa da maneira como imaginaram que teria acontecido.

A repercussão da atividade foi bastante positiva, gerando fee-


dbacks inclusive por parte de alguns pais, que participaram de
maneira indireta das investigações dos estudantes. Durante as
discussões posteriores a atividade foi possível constatar que os
estudantes estiveram imersos nos conteúdos das disciplinas se-
lecionadas, mas que também foram capazes de desenvolver com-
petências socioemocionais, o que já era esperado tendo por base
outras experiências com ARGs (GOSNEY, 2005). Para assegurar
sobre a opinião dos estudantes com relação a este tipo de ativi-
dade, que se configurou como uma novidade nas duas escolas,
foi solicitado que ao término os alunos respondessem a um for-
mulário para expressar suas opiniões com relação a este tipo de
metodologia.

Uma preocupação muito grande nas duas escolas de aplicação foi com
a questão do trabalho em equipe. Devido as peculiaridades do ensino
remoto, não se sabia o que esperar com relação ao trabalho a ser
desenvolvido em times. Entretanto, neste tópico o resultado foi bastante
positivo. Os estudantes foram solicitados a avaliar, com valores de 0 a
10, sobre a qualidade com que o trabalho em equipe ocorreu, e 85% das
respostas indicaram um trabalho com satisfação acima de 9.
Imagem 1 – Satisfação dos estudantes com relação à atividade baseada em ARG

Fonte: autoria própria

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 137


Além disso, foi solicitado também que expressassem o que acha-
ram deste tipo de metodologia, e algumas respostas deixaram cla-
ro o peso que o componente “equipe” teve sobre o engajamento
dos estudantes, como pode ser observado nos seguintes relatos:

Aluno 02: achei uma proposta bem legal,


uma ideia diferente e divertida. Uma das
coisas que eu mais gostei foi poder escolher
os grupos, se nn pudesse acho que não seria
tão legal

Aluno 03: Gostei muito de participar do de-


safio foi muito legal o trabalho equipe deu
muito certo a gente conseguiu desvendar
todo juntos gostei muito e faria de novo

Aluno 04: Foi uma experiência muito legal,


em podemos trabalhar em equipe para re-
solver algo difícil.

Aluno 09: Achei muito legal. Nosso grupo


trabalhou bem e a gente se divertiu muito
resolvendo. Ficamos bastante tempo anali-
sando os documentos, anotando e solucio-
nando o desafio, mas não foi muito difícil.
Eu faria muito mais desafios como esse com
a minha equipe!

Além disso, algumas respostas sugerem a apreciação dos estu-


dantes por este tipo de desafio, o que valida a utilização de meto-
dologias de ensino baseadas em ARGs:

Aluno 01: Achei uma experiência muito dife-


rente e legal, principalmente agora na qua-
rentena. Me senti uma agente do FBI

Aluno 06: Foi muito bom, eu acho que ani-

138 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


mou todo mundo (principalmente eu, que
adoro enigmas), o desafio proporcionou um
trabalho em equipe ótimo.

Aluno 07: foi incrível, não tenho nenhuma


reclamação, achei o sentido logico e as re-
ferencias (tipo nome de cientistas e sobre-
nomes engraçados) realmente bem feito, é
possível ver a quantidade de tempo usado
para fazer a atividade.

Aluno 12: Participar desse desafio foi muito


estimulante pra mim, pois eu gosto muito
dessas coisas de investigação. Vejo muitos
vídeos no youtube de resolução de enigmas
e mistérios e sempre tive vontade de tentar
algo assim. Fiquei muito animada com o
projeto e aprendi muito. Mesmo o meu gru-
po não estar tão focado, foi muito divertido
fazer com os meus amigos. Foi muito legal
perceber que eu descobri coisas importan-
tes para a resolução do caso e ver que con-
segui entender. Adorei fazer o desafio <3

A utilização de jogos de realidade alternativa possibilita, também,


unir os conteúdos curriculares e as competências socioemocio-
nais a elementos e narrativas da cultura cotidiana dos estudantes,
tornando a aprendizagem ainda mais significativa e interessante.

CONCLUSÃO

Jogos de realidade alternativa podem ser uma excelente forma de


atrair a curiosidade e o interesse dos estudantes, além de possi-
bilitarem discussões significativas, uma vez que tratam de realida-
des ficcionais que despertam o interesse dos alunos. Entretanto,

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 139


o maior momento de aprendizagem, segundo os autores, se deu
após a atividade, quando foi pontuado o que se tratava de infor-
mações reais e o que era parte da ficção criada para a narrativa.
Esta foi uma grande surpresa, já que este momento não contou
com elementos de jogos, e se baseou em uma abordagem exclu-
sivamente tradicional, e mesmo assim contou com grande partici-
pação dos estudantes, que estavam ávidos por discutir a atividade.

Muito dos elementos reais usados na narrativa, e do que fora re-


latado na obra de Ken Alibek (2008), pareceu para grande parte
dos estudantes assunto de filmes de ficção científica, e foram fer-
ramentas bem valiosas para discutir como a produção de armas
biológicas se dá na realidade, e consequentemente, resgatar os
conteúdos curriculares.

Outra potencialidade deste tipo de abordagem se refere à prática


das competências socioemocionais, como o trabalho em equipe e
a resolução de problemas, que inclusive foram ressaltados pelos
próprios estudantes no questionário pós aplicação.

Embora tenha sido possível tornar a atividade, bem como a aula


subsequente, muito proveitosas e nitidamente mais interessantes
para os estudantes (mesmo com as dificuldades do ensino remo-
to), não foram realizadas avaliações apropriadas para quantificar
o ganho de aprendizagem que eles adquiriram. O maior objetivo
desta aula era encontrar uma forma de aumentar a participação
dos estudantes nas atividades remotas, e questões estritamente
relacionadas a aprendizagem serão levantas em estudos poste-
riores.

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APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 143


EDUCAÇÃO ALÉM DOS MUROS DA ESCOLA:
UMA PERSPECTIVA DOCENTE EM EDUCAÇÃO BÁSICA

Moema Rocha Quintão

Secretaria de Educação/MG

RESUMO: Este trabalho é um fragmento da tese doutoral que inves-


tigou como as representações socias ligam-se as práticas de ensino,
no que se refere ao uso de espaços educativos diversificados, em ati-
vidades na área das Ciências Naturais, na Educação Básica. Portanto,
foi analisado o discurso docente da professora K. L. G., com objeti-
vo de problematizar como as representações sociais reproduzem ou
subvertem as práticas de ensino. Assim, na entrevista, as perguntas
relacionavam-se a seis categorias de análise: formação docente, prá-
tica docente, recursos didáticos, documentos pedagógicos, vantagens
das atividades em espaços educativos diversificados e dificuldades em
trabalhar em espaços educativos diversificados. A partir do software
Atlas.ti., foi possível sistematizar e triangular os dados, os quais mos-
tram que o docente reconhece a importância do usode espaços diversi-
ficados, mas salienta a falta de incentivo à interdisciplinaridade, entre
outras afirmações.

Palavras-chave: ensino das ciências naturais, espaços educativos di-


ferenciados, representações sociais, prática docente.

ABSTRACT: This work is a fragment of the doctoral thesis that investi-


gated how social representations are linked to teaching practices, with
regard to the use of diverse educational spaces, in activities in the area
of Natural Sciences, in Basic Education. Therefore, it was analyzed the
teaching discourse of professor K. L. G., in order to problematize how
social representations reproduce or subvert teaching practices. Thus,

144 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


in the interview, the questions were related to six categories of analy-
sis: teacher training, teaching practice, didactic resources, pedagogical
documents, advantages of activities in diverse educational spaces and
difficulties in working in diverse educational spaces. From the software
Atlas.ti., it was possible to systematize and triangulate the data, which
show that the teacher recognizes the importance of the use of diverse
spaces, but stresses theneed for lack of incentive to interdisciplinarity,
among otherstatements.

Key words: teaching of natural sciences, differentiated educational


spaces, social representations, teaching practice.

INTRODUÇÃO

Este trabalho baseou-se na segunda fase da investigação de cam-


po da tese de doutoramento sobre o uso de espaços educativos
diversificados no ensino das Ciências Naturais. A entrevista com
a professora K. L. G. compôs o corpus de pesquisa, destacando
que foi a única que advertiu alguns pontos chave das práticas do-
centes neste contexto, como questões relacionadas ao projeto
político pedagógico, à concepção de estágios e às avaliações de
admissão universitária, entre outros. A entrevista foi realizada na
Escola Estadual Maria Josefina Sales Wardi, em Nova Lima (Brasil).
A instituição oferece desde a Ensino Fundamental II até o Ensino
Médio, contando com treze salas de aula, dois campos esportivos
cobertos e uma biblioteca. Nessa escola, foi realizada a entrevista
em profundidade com a professora K.

L. G. que dá aulas no Ensino Fundamental e Ensino Médio. De


modo geral, foram apresentadas duas secções de perguntas aber-
tas, num total de vinte e quatro perguntas relacionadas à forma-
ção e à prática docente, considerando a relação dessas categorias
com o uso de espaços educativos diversificados. Para Sampieri et
al. (2006), os estudos explicativos vão muito além da descrição de

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 145


conceitos ou das relações entre eles, mas procuram dar resposta
às causas através do estudo das características e condições pelas
quais se manifestam as suas variáveis e aspectos socioeconômi-
cos. O questionário é, portanto, a base para a análise discursiva
direcionada por temas-chave denominados“códigos”.

No contexto dos códigos, é importante levar ao debate a referência


do entrevistado ao processo de discussões que orientam o Projeto
Político Pedagógico (PPP) das escolas. Constata-se, portanto com
base na experiência adquirida em diferentes instituições que as
reflexões e os debates suscitados pelos documentos pedagó-
gicos são frequentemente dominados por uma distância entre a
realidade social dos estudantes e a necessidade da comunidade, o
que produz resultados que não são frutíferos para a mudança de
pautas que os próprios documentos defendem em teoria. Nesse
sentido, segundo Vygotsky (apud NUÑEZ e RAMALHO, 2004, p. 51):

[...] a aprendizagem é uma atividade so-


cial, uma atividade de construção e re-
construção da cultura, mediante a qual
o indivíduo assimila os modos sociais de
atividade e, quando na escola, os conhe-
cimentos científicos, sob condições de
orientação, mediação, interação social e
cultural. Nas relações sociais, mediadas
pela história, produz-se a cultura, objeto
de conhecimento e ponto de partida para
a sua construção.

Nesse sentido, reunir escola e sociedade não é um trabalho fácil,


já que também é necessário desconstruir um sistema de formas,
hábitos e práticas educativas já arraigadas na nossa cultura, reco-
nhecendo a importância de um novo formato de ensino que sa-
tisfaça as exigências do século XXI. Principalmente, porque ainda
estamos presos em modelos que já não oferecem o resultado es-

146 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


perado, promovendo um ensino que não prepara adequadamen-
te os alunos para as novas demandas sociais.

MARCO TEÓRICO

Esse trabalho teve como ponto de partida a análise das posições


discursivas do docente K. L. G., que ensina as disciplinas Ciências e
Sociologia. E, a partir da reflexão dos valores e crenças que orien-
tam o discurso da entrevistada, foi observado como as relações
entre pensamento/ideologia e prática docente. O ponto de vista
da docente chamou a atenção por problematizar questões que
envolvem a prática docente, como a contextualização dos Proje-
tos Políticos Pedagógicos de acordo com a realidade das escolas
e comunidades que delas dependem, além de defender a promo-
ção da interdisciplinaridade nas avaliações de ingresso à univer-
sidade, que deveriam “cobrar” conteúdos de livros sem deixar de
contemplar as práticas que envolvem sair para ambientes naturais
e diversos. Nesse sentido, essa investigação analisou as posições
discursivas de uma professora que lecciona disciplinas de Ciên-
cias Naturais, a partir do reflexo dos valores e crenças que guiam
os discursos para observar como se produz a relação entre pensa-
mento/ideologia e a prática do ensino. E, nesse caso, a linguagem
é o espaço no qual se marcam as posições discursivas, porque, se-
gundo Bakhtin (1999, p. 108), o sujeito está inscrito na linguagem
e “a linguagem não é transmitida”. Segundo o autor, a linguagem
nunca é uma atividade neutra e imparcial, seu funcionamento
depende do fluxo da comunicação verbal e quando isso acontece
toma-se consciência de si mesmo e do mundo que nos rodeia. A
forma em que a docente se expressa e como leva a cabo suas prá-
ticas docentes mostra a linguagem como um produto social, que
atravessa relações dentro da sala de aula da escola cotidiana.

Nesse sentido, a pesquisa baseia-se em referências bibliográficas


nas quais o marco teórico reforça a perspectiva bakhtiniana da

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 147


linguagem, que a entende como um produto social, no qual o su-
jeito toma consciência de si mesmo e do outro. Neste sentido, é
notável que o apoio teórico oferecido pelos textos de Paulo Frei-
re (2002) (2011), Vygotsky (1989) (1999), Moscovici (2007) (2009),
Bakhtin (1999) e Morin (2013) como os debates produzidos por
Trilha (2008), Gohn (2006) e Rockwell (2000) contribuem para que
a pesquisa se expanda na interface entre sujeito e subjetividade.
Ou seja, na relação estabelecida com as diferentes práticas educa-
tivas que formam, modificam, educam, transformam, mostrando
que o sujeito, a subjetividade e o discurso são produzidos, fabrica-
dos, atravessados pela cultura que sempre se constrói simbólica e
arbitrariamente.

A perspectiva da linguagem como produto social, o lugar de inscri-


ção dos sujeitos em História e ideologia, é o ponto centrala partir
do qual surgem as outras reflexões desta investigação, apoiadas
pela base teórica sócio histórica cultural da educação nas contri-
buições dos processos de ensino e aprendizagem elaborados por
Vygotsky (1989) e (1999) e Freire (2002) e (2011). Portanto, parti-
mos da concepção da linguagem como um lugar de inscrição do
indivíduo no social, porque “cada enunciado, inclusive na forma
imobilizada de escritura, é uma resposta a algo e se constrói como
tal. É apenas um elo na cadeia de atos de fala” (BAKHTIN, 1999, p.
98). (QUINTÃO, 2021, p.42).

Portanto, a investigação apresentada nesse trabalho baseou-se na


entrevista com uma docente – a qual faz parte de um estudo de
caso mais abrangente, envolvendo diferentes docentes da Edu-
cação Básica, portanto, apresenta carácter científico, sendo que o
objetivo foi investigar como os espaços educativos diversificados
são utilizados na educação formal e como essas situações relacio-
nam-se às posições discursivas da docente entrevistada, segundo
a noção de representação social de Sergi Moscovici (2007). Segun-
do o autor citado, é importante considerar o carácter simbólico e

148 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


histórico das representações, com o objetivo de extrair as infe-
rências dos valores e crenças que orientam os docentes do Ensino
Básico, as percepções e declarações sobre o ensinotransversal e a
utilização de espaços educativos diversificados no ensinodas disci-
plinas das Ciências Naturais. O conceito de representação social
necessita uma aproximação profunda com a realidade, já que não
se pode ignorar as relações de poder inscritas no saber, ressaltan-
do as influências ideológicas que atravessam as relações educati-
vas.

METODOLOGIA

Esse trabalho foi elaborado a partir da entrevista em profundidade


aplicadas à professora durante a pesquisa de campo do trabalho
de tese de doutorado. A questão central foi analisar as posições
discursivas da docente no que se refere ao ensino das Ciências
Naturais em diversos espaços educativos e as formas em que es-
sas posições se materializam (ou não) nas representações sociais
do ensino. Ou seja, serão analisadas as seguintes preocupações,
com base nas entrevistas realizadas com a professora seleciona-
da: quais são as posições discursivas construídas; que posições
discursivas são verificáveis ou não nas representações sociais da
docente; e como são aplicadas (ou não) as posições e representa-
ções na prática docente do ensino das Ciências Naturais em espa-
ços diversificados.

A pesquisa de campo apresentou duas fases de perguntas em


aberto. A primeira parte foi uma abordagem sobre “formação do-
cente”, que tem temas relacionados com as características profis-
sionais, atuação e desempenho profissional, regime de trabalho,
modalidade de trabalho da escola estatal em questão e as rela-
ções entre essas características e os espaços educativos diversifi-
cados. A opinião da docente sobre as interações entre os profes-
sores, as políticas educativas, a instituição de ensino, a sociedade

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 149


e a participação dos docentes nos cursos de educação contínua
foi igualmente posta em causa, considerando o desempenho de
um ponto de vista crítico em relação ao ensino das Ciências Natu-
rais e outros aspectos. Nesse sentido, faz-se importante ressaltar
que a entrevista, segundo Marconi e Lakatos (2010, p. 178), é “um
encontro entre duas pessoas, a fim de que uma delas obtenha in-
formações sobre determinado assunto, através de uma conversa
de natureza profissional”.

Na segunda parte da entrevista, os aspectos abordados são a


prática docente e a relação com a docência em espaços educati-
vos diversificados. As perguntas, dessa fase, desenvolvem temas
como a teoria e a prática relacionada às diretrizes curriculares, o
uso de espaçoseducativos diversificados na prática docente, a des-
crição de experiências, a opinião do docente em relação ao papel
do professor de Ciências Naturais para o exercício da cidadania e
outros. Segundo Ameigeiras (2006, p. 130), a entrevista “constitui
uma ferramenta fundamental para aprofundar o conhecimento
da trama sociocultural, mas muito especialmente para aprofun-
dar a compreensão dos significados e pontos de vista dos atores
sociais”. Outrossim, os questionários servem como uma forma de
desenvolver análise dos discursos docentes baseados em “códi-
gos”. Esses códigos são termos que expressam significado, que
servem para esclarecer questões relacionadas com as práticas do-
centes em espaços educativos diversificados. Dos questionários,
extraíram-se seis códigos, enumerados a seguir: formação docen-
te, prática docente, recursos didáticos, documentos pedagógicos,
vantagens das atividades em espaços educativos diversificados e
dificuldades em trabalhar nesses espaços.

A entrevista foi gravada e transcrita e os processos de análise


foram realizado com base em observações de campo, planos de
ensino, projetos políticos pedagógicos e pesquisa bibliográfica.
A partir desses materiais, foi possível triangular os dados com a

150 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


ajuda do software Atlas.ti, que consiste em um recurso facilitador
no processo de manipulação, organização e sistematização, o qual
apresenta de forma otimizada os dados da pesquisa de campo. En-
tre suas principais funções estão analisar dados de multimídia di-
versos (imagens, áudios e vídeos), realizar tratamento estatístico
de dados, codificar uma base de dados que possibilite uma análise
textual, entre outras.

Para a utilização do software Atlas ti, foram selecionadas categorias


de análise denominadas códigos. Com respeito ao código “edu-
cação docente”, a informação indica que a professora se graduou
em Ciências Biológicas, com licenciatura em Teologia, diploma em
Psicologia e Pedagogia, e completou estudos de pós-graduação
em Administração Hospitalar e outro em Supervisão, Orientação
e Gestão Escolar. A professora também argumenta que em sua
carreira acadêmica não teve capacitação específica para trabalhar
com espaços diversificados na educação, conforme indicam os tre-
chos: (43: 1), (43: 2), (43: 3), (43: 4) e (43: 5).
Figura 1 - Página inicial para uma entrevista aprofundada com K. L. G

Fonte: pesquisa própria, Atlas ti.

Sobre a “formação docente”, é possível compreender que a tra-


jetória da entrevistada não incluiu debates e práticas de projetos
transversais, que conectam a escola com a sociedade, a prática

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 151


educativa e a prática social do “ser” no mundo, do “tornar-se” cida-
dão. E isso, quando se trata de ensinar Ciências Naturais, é ainda
mais urgente, porque o meio ambiente, no seu aspecto natural e
cultural, é inseparável da educação escolar, já que as disciplinas
são sempre parte do tempo histórico no qual vivemos e da for-
ma como se vive, como nos relacionamos com o meio ambiente.
Portanto, as ações são as marcas dos valores que regem nossa
conduta. Nesse ínterim, embora os documentos pedagógicos já
apresentem esta perspectiva integradora do ensino, as brechas
criadas pela formação incipiente na área ainda produzem desajus-
tes na prática docente, que atualmente enfrenta diferentes dificul-
dades para fortalecer e inverter o modelo de ensino fragmentado,
predominante nas escolas em diferentes fases de aprendizagem.
Mesmo com respeito ao código “formação docente”, pode-se ver
nos trechos destacados a professora enfatizando que a forma-
ção acadêmica não é consistente, em sua maioria, com a prática
docente, pois “então, vemos teóricos, tanto fora do Brasil quanto
brasileiros, que falam como a educação deveria ser, mas, na práti-
ca, quando vamos executar a realidade, nem sempre, mas muitas
vezes, é diferente da teoria (43:10).

Ou seja, a professora argumenta que a falta de direção de disci-


plinas e práticas específicas nos cursos de pós-graduação refle-
te, consequentemente, na falta de preparação dos docentes que
sofrem também as limitações estruturais das escolas, porque a
maioria deles não têm espaços diversificados, sendo raros os re-
cursos didáticos como: laboratórios, salas de informática, obser-
vatório, etc. Somado a isso, segundo a entrevistada, destaca-se a
redução dos planos de estudo, a dificuldade de articular temas e
horários, a falta de fundos para viajar etc.

No caso das ciências, nós administramos aulas de ciências e bio-


logia, só que, na teoria, o máximo que fazemos é ter um espa-
ço externo fora da classe, mas não tem um laboratório, não tem

152 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


nenhum tipo de mecanismo concreto que você pode fazer a de-
monstração de uma classe expositiva. Por exemplo, vou explicar
o corpo humano, como vou explicar partes internas se não tiver
nenhum laboratório, não tem nada de borracha, nada de gesso,
experiências com água, água nos alimentos, água nos seres vivos.
Com o que se faz se não tem nenhum material? Ele só permanece
na teoria, ou algum tipo de demonstração de slides, de filme, es-
sas coisas (43:12).

A professora chama a atenção, na citação anterior, para as dificul-


dades estruturais que inibem um ensino mais integrado e dinâmi-
co. Ela cita a falta de materiais e espaços adequados para trabalhar
dentro do limite físico da escola, mas fora das salas de aula tradi-
cionais. Também menciona que outros obstáculos acompanham
o trabalho didático como: negociações com as famílias, falta de
recursos e logística para a viagem dos estudantes. Portanto, além
das deficiências produzidas pela “formação docente”, os docentes
ainda enfrentam dificuldades estruturais e de gestão, que se refe-
rem à falta de “recursos didáticos” e os obstáculos para organizar
datas e horários compatíveis com a agenda escolar. A entrevistada
também menciona o papel do supervisor, que deve ser desem-
penhado de forma construtiva e eficiente, para não se tornar um
ponto negativo para a implementação de um modelo de ensino
global e cidadão.

Sim, na parte da supervisão escolar, a supervisora como facilita-


dora, pois a função da supervisão é facilitar a educação, que ajuda
na aprendizagem e tem o acompanhamento do professor e da
instituição. Na prática, vemos o supervisor apenas lidando com
notas, cobranças e em muitas escolas não tem nem acompanha-
mento de planos de classe. Nós fazemos porque temos a cons-
ciência que precisamos fazer bem-feito, mas eu vejo esse vazio de
modo terrível. Além da falta de comunicação, na qual a pedagogia,
por exemplo, ensina muito a ter um planejamento, a comunicação

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 153


para ter um sucesso educativo. E, na prática, muitas supervisoras,
ou, a maioria, não lê isso. Não se lê talvez porque se sobrecarrega,
mas não tem um seguimento diretivo, e o professor faz o que é
de sua competência. Fica apenas com as questões disciplinares
e notas, não verifica realmente se houve aprendizagem, ou a ad-
ministração de classe, de fato, como a pedagogia ensina. Então,
nesse aspecto, vejo esse grande vazio (43:11).

Ou seja, a partir desses excertos, é possível inferir que o código


“formação docente” tem uma relação direta com o código “práti-
ca docente”, sendo um ponto importante para o desenvolvimento
efetivo de atividades de ensino, nas quais os estudantes estejam
plenamente capacitados, centrados no autoconhecimento e no
respeito pelo outro, fundamentos importantes para a constru-
ção da cidadania. Sobre isso, a entrevistada afirma: “o princípio
é que o aluno não está informado só nessa área do conhecimen-
to, está informado de forma integral, pois são todas as disciplinas
que estão juntas para ter uma aprendizagem integrada. Porque o
aluno vai vivendo a própria realidade, vai vivendo aquilo e todas
as disciplinas que aprende são para a própria formação crítica e
intelectual” (43:13). Nesse sentido, é possível afirmar que a docen-
te aponta o excesso de burocratização como um desafio para as
escolas desenvolverem projetos interdisciplinares, que fomentem
a utilização de espaços educativos diversificados.

ANÁLISE DE DADOS

Tendo em conta os pressupostos acima expostos, a triagem “edu-


cação docente”, “prática docente” e “recursos didáticos” deveman-
ter-se em sintonia no processo educativo, uma vez que o atraso
numa parte influencia as outras e altera o resultado final, dificul-
tando a realização de objetivos educativos em diferentes espaços.
No quadro aseguir, elaborado a partir do discurso da entrevistada,
é possível notar que suas declarações reafirmam a interdependên-

154 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


cia entre as diferentes etapas do processo de ensino produtivo.
Figura 2 - Organograma das declarações da professora da Escola MJSW

Fonte: pesquisa própria, Atlas ti.

A partir do organograma anterior, é possível observar como os


discursos produzidos pela entrevistada sobre as principais “difi-
culdades do ensino em espaços educativos diversificados” estão
vinculados aos vazios criados durante a própria formação dos do-
centes, o que contradiz as exigências da prática docente, quando
isso projeta a necessidade de professores criativos e preparados
para trabalhar de forma integrada e transdisciplinar, envolvendo
as etapas do ensino em experiências práticas e interativas, pois “o
vazio está na prática que é incoerente à teoria, já que os documen-
tos apontam para uma situação ideal de acesso e de qualidade à
educação, mas que não é a realidade do nosso país,” (43:10).

Em outras palavras, para a entrevistada, a falta de preparação du-


rante a formação de um professor está associada às dificuldades
que surgem durante a prática docente, já que os objetivos da ca-
pacitação não apoiam um desempenho seguro e eficiente através
de ações transversais e interdisciplinares. A professora também
assinala que as “dificuldades” não se esgotam nesse tema, porque,

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 155


além dos vazios causados por uma capacitação que não inclui essa
área, ainda há uma falta de recursos didáticos e financeiros para
o desenvolvimento de atividades diferenciadas, que se convertem
em “parte” das barreiras a serem superadas no trabalho docen-
te. Portanto, para ela, os bons resultados do trabalho educativo
em espaços diversificados dependem inevitavelmente de boas
condições de “formação” e da disponibilidade de “recursos didáti-
cos”, entendidos como a estrutura física adequada das escolas e o
apoio orçamental e logístico para o deslocamento de estudantes
durante as atividades.
Figura 3 - Lista de citações da entrevistada sobre o código “dificuldades_ espaços_
educativos_diversificados” e a frequência com que aparecem

Fonte: pesquisa própria, Atlas ti.

Na imagem acima, podemos ver o número de citações, dadas


pela entrevistada, que se referem ao código “dificuldades_espa-
ços_educativos_diversificados” e sua ligação direta com o código
“formação docente”, que aparecem numerados como: (43: 3), (43:
4), (43: 5), (43:10), (43:11) (43:14), (43:22) e (43:27), considerados
no organograma mencionado acima. Portanto, analisa-se que as
declarações sobre as perguntas 2 e 3, do roteiro da entrevista,
que se referem ao código “educação docente” são: “na monogra-
fia, dissertação ou tese que você desenvolveu, o uso de espaços

156 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


diversificados de ensino foram temas desses trabalhos?” e “Você
participou de algum curso de formação contínua orientada para
a educação em espaços não formais de aprendizagem”. A entre-
vistada respondeu com frases como: “Também não, apenas no
trabalho de ensino” (43:3), “Não, em formação não. Na graduação
não” (43:4) e “também” (43:5). Portanto, é explícito no discurso da
entrevistada a existência dessa lacuna, o que permite-nos relacio-
nar as críticas feitas em relação ao modelo de avaliação de con-
teúdo vigente no país, no qual os estudantes ainda são avaliados
por “memorizar o conteúdo”, pela acumulação de informação que
armazenam na memória e, geralmente, esquecidos pouco depois
dos testes.

Portanto, a professora questiona a relação paradoxal entre o mo-


delo educativo pregado pelos documentos pedagógicos (que en-
fatizam o ensino interdisciplinar, transversal e de cidadania) e o
modelo tradicional de avaliação aplicado aos estudantes (no qual
o sucesso individual, marcado por altas qualificações), os quais,
segundo ela, não correspondem necessariamente à formação crí-
tica:

Não estou descartando que você não tem


que visitar, mas eu estou fazendo esta crí-
tica, que há uma taxa de conteúdo atual
e ao mesmo tempo há um incentivo fora
do conteúdo que vai ter um aumento
para o aluno, mas que não é acadêmico
e, sim, pessoal.Mas eu estou dizendo, cla-
ro, se você vai fazer uma visita no museu,
em uma instituição natural, por exemplo,
uma instituição que trabalha as Ciências
Naturais, isso é muito bom porque o alu-
no vê para concretizar o que aprende. O
que estou questionando e criticando é,

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 157


ao mesmo tempo, um exame de seletivi-
dade, que cobra o conteúdo de livro, en-
quanto ocorre também um incentivo ao
ensino prático, do que se vê no museu ou
em uma instituição que trabalha com o
natural. Por isso, preocupa-me: vou fazer
um investimento externo no espaçoesco-
lar ou vou investir mais no livro escolar?
Então quer dizer, há um incentivo para
uma coisa, mas cobra-se outra (43:26).

A última frase da citação anterior resume a reflexão da mestra,


pois ao declarar que “há um [...] incentivo para uma coisa, mas se
cobra outra” (43:26), a entrevistada deixa claro a desaprovação ao
modelo de avaliação que prevalece nas escolas, as provas de se-
leção pública e os exames de admissão à universidade. E, assim,
conclui que há um “esvaziado” de significado na prática do ensino
em espaços diversificados, porque - apesar de ser algo defendido
em teoria (por meio de documentos que guiam o conhecimento
pedagógico e o fazer) não são úteis para os estudantes no mo-
mento em que enfrentam um modelo avaliativo composto por
provas e competições. Embora as críticas formuladas pelo entre-
vistado sejam compreensíveis, é importante ressaltar que o seu
juízo não desconsidera os aspectos positivos do desenvolvimento
de práticas docentes em espaços diversificados, especialmente
quando se trata de temas de Ciências Naturais, pelo meio do qual
se contribua de diferentes formas para a aprendizagem dos alu-
nos, inclusive num sistema de avaliação baseadoem conteúdo. É a
relação da vivência produzida pela experiência prática que faz com
que a interface entre a escola, a vida e a sociedade tenhamsentido,
sendo uma forma de estimular o interesse diante do conhecimen-
to e mostrar a relação sempre inseparável entre os conteúdos
do currículo e a realidade. De acordo com Armstrong e Barboza
(2012, p. 24), “o ensino das ciências vai promover mudanças con-

158 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


ceituais, pois, ao estudar os conteúdos das disciplinas de ciências,
o aluno terá a oportunidade de compreender e discutir conceitos
científicos”.

Por conseguinte, num contexto no qual o sistema de avaliação exi-


ge,sobretudo, uma elevada capacidade de memorização e acumu-
lação de informações, considera-se, ao contrário da entrevistada,
que o uso de espaços de ensino diversificados se torna ainda mais
importante e urgente. Nesse sentido, defende-se que essas prá-
ticas funcionem como uma ferramenta de conexão entre o estu-
dante e a realidade que o rodeia, o que contribuiu para subverter
a lógica do conteúdo em si mesmo e fomentar um olhar mais
empático dos estudantes para a escola, as classes e os pro-
fessores. Portanto, a fragmentação do modelo de ensino deveria
ser uma força impulsionadora para o desenvolvimento de práticas
educativas integradoras e não o seu oposto, como diagnosticado
pela professora. Embora as dificuldades apresentadas por K. L. G.
sejam legítimas, o uso de diversos espaços de ensino é sobretudo
um “antídoto” para a situação.

Portanto, destacam-se quatro citações que conectam diretamente


com o código “dificuldades ...”, mas somente indiretamente com o
código de “formação docente”, a saber: críticas ao papel do super-
visorescolar quando não é realizado corretamente (43:11), falta de
espaços diversificados dentro da escola como laboratórios (43:27),
falta de diálogo entre a escola, a família e a comunidade duran-
te as discussões sobre documentos pedagógicos e objetivos de
ensino para cada região (43:14), bem como a falta da disposição
de alguns docentes para promover atividades educativas em es-
paços diversificados, já que estas são mais laboriosas e requerem
uma melhor preparação acadêmica e disciplinar que o ensino em
classes convencionais (43:22). Essas afirmações são corroboradas
pela citação a seguir:

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 159


Em primeiro lugar, vejo a falta de interes-
se dos professores em fazer algo integral.
Em segundo, a falta de organização insti-
tucional. E vejo também, em terceiro lu-
gar, que os professores de diversas áreas
desconhecem a importância de uma inte-
gração entre os conteúdos. Estes são os
três pontos básicos. (43:22)

Entretanto, a respeito do código “documentos pedagógicos”, é no-


tável que K. L. G. cita a necessidade de fortalecer os laços entre a
escola e a comunidade mediante o fortalecimento do diálogo com
as famílias dos estudantes.

Primeiro é na formação do PPP, que é o Projeto Político Pedagó-


gico, que deveria ser levado mais a sério, porque eu percebi nas
escolas que eu já passei quando faz uma convocatória para uma
reunião não há uma dedicação nem uma convocação mais séria
na reunião desses pais para a informação do PPP (continuação,
43:14).

Em contraste, considerando o código “vantagens de atividades


em espaços educativos diversificados”, marcado pelas citações:
(43:13), (43:18), (43:19), (43:20), (43:21), (43,24), (43:25), (43:26),
(43:28), (43:30) e (43:31) e registrado no organograma abaixo; no-
ta-se que a professora reconhece a importância de desenvolver
projetos em diversos espaços de ensino (43:30), (43:31) (43:26),
especialmente, em disciplinas como as Ciências Naturais. A entre-
vistada também menciona atividades que funcionaram, como: vi-
sitas de estudantes a uma marmoraria (43:18) e uma instituição
filantrópica (43:20); no qual, respectivamente, aprenderam sobre
as rochas e a formação do solo e, também, discutiram sobre as
desigualdades sociais, o consumo, o capitalismo e a importância
da humanização escolar através da comunidade.

160 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


Figura 4 - Lista de declarações e código “vantagens ...”

Fonte: pesquisa própria, Atlas ti.

Também em relação às citações da entrevistada, mencionadas no


organograma anterior, destacamos os comentários sobre os resul-
tados positivos de não abandonar práticas de ensino em ambien-
tes fora da escola, alegando que os alunos respeitam o professor
fora do ambiente escolar mais do que na sala de aula, “[...] porque
eu te adverti antes que você está em uma instituição diferenciada,
e sempre olham para o professor e veem sua conduta correta, se
é assim” (43:25). Outros destaques incluem:

Acho que são muitos. Em primeiro lugar


vejo é conscientizar o aluno sobre o am-
biente onde vive, porque ali está qual é
a importância dos seres vivos ao redor
dele, qual é a função dele e dos seres vi-
vos, qual é a necessidade que um tem de
estar integrado um com o outro [...]. Qual

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 161


é o papel da ecologia? o que o ambiente
pode favorecer as pessoas e vice-versa,
porque todos os seres vivos, independen-
temente do ser humano ou não, formam
uma rede. Sendo assim, precisamos um
do outro e o outro precisa de nós. Nós
somos integrados, somos dependentes
do meio e o meio necessita também dos
seres vivos, tanto humano como animal,
plantas etc. Então todos somos uma in-
tegração e a questão social, que eu acho
que sublinha mais é uma conscientização
da importância dessa integração entre o
meio e o ser vivo (43:24).

K. L. G. também assinala que as poucas práticas realizadas por ela


em ambientes extracurriculares foram boas e não houve inciden-
tes, já que sempre houve uma preocupação por guiar os estudan-
tes com regras de respeito e boa convivência. Conforme pode ser
observado na declaração a seguir:

As poucas práticas em ambientes fora da


escola foram boas e não teve nenhum in-
cidente. No caso da criança fora da escola
precisarde mais responsabilidade, do que
fazem, como o fazem, em que vão mover-
-se, em que vão tocar [...] Então, nós da-
mos uma instrução na sala, dando alguns
conselhos, mas, graças a Deus, não houve
nenhum tipo de incidente (continuação,
43:24).

Tendo em conta o que precede, a entrevistada também afirma


que sempre busca relacionar os conteúdos trabalhados na sala de
aula com as saídas para espaços diversificados (43:21), pois:

162 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


Os espaços que têm na cidade, se exis-
tem, são porque não estão à vista e têm
algum tipo de proveito. Como mencionei
anteriormente, as poucas aulas que te-
nho vão pouco e talvez eu possa explo-
rar mais. Vejo uma falta em mim mesmo,
neste sentido, poderia explorar mais.
(43:26)

A docente também menciona o Exame Nacional de Ensino Médio


(ENEM) como um modelo de avaliação que não leva em conta os
pressupostos da educação integradora, já que ainda é um proces-
so conteudista que busca nivelar o conhecimento de diferentes
pessoas e contextos. Essa postura nem sempre é adequada para
o ensino emancipador que se procura construir para o século XXI.

Mas o professor se preocupa em conseguir fazer sua obrigação


bem-feita, transmitir o conteúdo, inclusive porque os alunos
serão cobrados no futuro através de provas, através do ENEM,
através de exames de seletividade. Este estudo fora do espaço
organizacional é muito importante, mas é uma crítica que eu
gostaria de levantar: porque então há um incentivo tão grande
nestas visitas em espaços fora da escola. Já na hora de um ENEM
isso não inclui, pois cobra literalmente o conteúdo do livro. Então,
claro que as provas do ENEM hoje são muito contextualizadas
e trazem a realidade política, mas nem sempre o espaço
diversificado que vou com meus alunos estará incluído na
cobrança, não literalmente. Eu digo a importância que houve da
integração do aluno em fazer uma visita no museu, por exemplo,
em uma instituição filantrópica, mas no momento de realizar
um exame de seletividade ou do ENEM, esse tipo de abordagem
não é contemplada, pois eles recebem o conteúdo literal. Então,
percebo os exames do ENEM e questiono: Foi importante para
a vida pessoal do aluno fazer a visita? Claro, você o adicionou

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 163


bastante na vida pessoal, mas na vida acadêmica? O fato é que
o governo ou os próprios promotores de concursos recebem
o conteúdo literal do livro. Então me pergunto, valeu a pena
academicamente esta visita ao museu por exemplo? Sendo que
na hora da prova eles não vão cobrar o aprendizado de um
museu, mas o aprendizado do livro (43:26).
Em outras palavras, no que se refere ao código “vantagens das
atividades em espaços educativos diversificados”, podemos obser-
var que mesmo face às barreiras de “formação” e de “recursos di-
dáticos” ainda busca-se enfrentar e desenvolver experiências po-
sitivas em diferentes espaços educativos, estimulando o diálogo
entre as áreas do conhecimento.

RESULTADOS

Verifica-se, por conseguinte, que os espaços educativos diversifi-


cados são locais com grande potencial de integração entre a esco-
la e a comunidade, estimulando a aprendizagem prática dos estu-
dantes, pois estimulam a vivência de diferentes experiências com
oambiente, seja ele natural ou cultural:

Respeitam. Digo mais, respeitam mais o


professor fora do ambiente da classe que
no ambiente da sala de aula, porque já
se advertiu antes que está em uma insti-
tuição diferenciada. Eles sempre olham
para o professor e veem se a sua conduta
é certa, se é assim. Se chamarmos a aten-
ção eles acatam na hora, ao menos as ex-
periências que tive. Por exemplo, quando
fomos em um espaço de preservação na-
tural, fiz as orientações sobre cuidados
que deveríamos ter no local. Quando

164 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


chegou o guia, ele também falou que não
podiam tocar as plantas de preservação e
não podiam se mover. Os alunos respei-
taram fielmente. Não houve nenhum tipo
de falta, nem incidente nem atrevimento.
Acredito nisso por nossa realidade, mas
imagino que em outras escolas oriundas
de realidades diferentes tenham alunos
que se atrevam a burlar o limite (43:25).

Ainda no trabalho que se desenvolve em espaços educativos diver-


sificados, a entrevistada enfatiza a seguinte experiência positiva:

A saída à loja ocorreu porque nós estuda-


mos a formação das rochas, e estas estão
presentes dentro da casa, como um már-
more mesmo, uma ardósia, etc. Então, o
aluno vai na loja e vai visualizar e associar
ao que tem dentro de casa: “no banheiro
de casa tem isso... no chão tem isso...”.
Ele vai associar o que ele viu na sala com
o que ele está literalmente vendo na loja,
somando o discurso do orador do esta-
belecimento com o ensino do professor
teoricamente. Então, isso é genial para
ele associar o que se está oferecendo no
contexto externo com que se vê na sala e
no lar (43:19).

Por conseguinte, embora existam diferentes obstáculos a


considerar num processo dinâmico extracurricular, é importante
que a direção da escola incentive e apoie os professores no
desenvolvimento de atividades em espaços de aprendizagem
diversificados, racionalizando o exercício pedagógico e permitindo
aos estudantes experimentarem novas práticas de ensino.

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 165


Desde a interdisciplinaridade e inclusive a transversalidade entre
os conteúdos trabalhados na sala de aula e os projetos fora
das paredes da escola, é possível fazer com que as aulas sejam
mais interessantes e comprometidas, conseguindo assim uma
maior adesão dos estudantes, como observada pela docente:
“sempre se dá a oportunidade ao aluno relacionar os conteúdos
trabalhados em sala com a visita aos espaços diversificados
(43:21)”. Nesse contexto, é possível afirmar que a docente
relaciona os conteúdos administrados com as visitas, salientando
que costuma ministrar o conteúdo principal na classe para,
posteriormente, usar o espaço diversificado como um acréscimo
que amplie o conhecimento dos alunos e as explicações e debates
produzidos em sala.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base na análise efetuada, é possível apresentar algumas con-


clusões. Primeiro, mesmo diante das limitações da “educação de
professores” e dos “recursos didáticos”, a docente ainda buscou
promover algumas atividades em espaços extracurriculares. Es-
sas atividades poderiam ter sido transformadas em projetos de
extensão mais elaborados, com a participação de diferentes pro-
fessores e disciplinas, mas as “dificuldades...”, informadas pela
mestra, atuam como forças que inibem ações interdisciplinares,
revelando uma práticadocente que ainda é “tímida” em relação ao
tema. Por outro lado, cabe destacar que a entrevistada reconhece
a importância da promoção de atividades em ambientes diversifi-
cados, principalmente porque os “espaços que têm na cidade, se
existem, são porque não estão à vista e têm algum tipo de bene-
fício. Como mencionei anteriormente, as poucas aulas que tenho
vamos pouco e talvez poderia explorar mais” (43:26). Portanto,
quando questionada se deve seguir ou não as pautas da escola,
justifica: “não fujo deste esqueleto da rede curricular [...] mas se

166 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


o aluno apresentar outro tipo de demanda, vou explorar esta de-
manda, porque é necessário ser ensinado, abordado e orientado
nessa área” (43:16).

Portanto, tendo em conta a declaração anterior, pode-se


concluir que o código “prática docente” está vinculado ao
código “documentos pedagógicos”, mas não para reafirmar
a apresentação dos primeiros aos últimos, porque conforme
declarado pela entrevistada, os documentos, como os PPPs,
deveriam servir como uma forma de orientar os comportamentos
de ensino, adaptando a realidade das escolas às necessidades
das comunidades que deles se beneficiam. Apenas dessa
maneira, é possível escapar do engessamento das premissas
teóricas para convertê-las em práticas efetivas frente às
diferentes necessidades de cada contexto. Para a entrevistada,
é preciso ensinar de maneira contextualizada, pois “se eles
não têm saneamento básico, qual é o sentido de falar de uma
fonte de águas cristalinas na cidade? Não faz sentido, eles estão
precisando é de saneamento básico em casa, na pia, no banheiro”
(43:15).

Finalmente, o código de “vantagens de realizar atividades em


espaços educativos diversificados” teve uma grande recorrência
ao longo da entrevista, inclusive com a professora citando
as deficiências de sua “formação docente”, na qual salienta a
importância de estimular a relação entre estudantes, o contexto
histórico e o ambiente natural e social em que vivem. Portanto,
as análises indicam que a entrevistada reconhece a importância
da experiência do professor fora do espaço organizacional.
No entanto, reflete sobre a necessidade desse tipo de prática
docente, afirmando que a visita a espaços diversificados é mais
relevante para a vida pessoal do estudante do que para sua
trajetória acadêmica. Para a docente, a visita a museus e espaços
naturais é bom na medida em que isso pode influenciar bons

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 167


resultados, como em exames de admissão. Essas atividades em
ambientes externos poderiam ser ampliadas e transformadas
em projetos de extensão mais elaborados e em perspectiva
interdisciplinar. Segundo a professora, as atividades em
ambientes extracurriculares devem estar vinculadas ao Projeto
Político Pedagógico e devem servir como uma forma de orientar
as práticas de ensino de acordo com as diferentes necessidades
de cada contexto. Nesse sentido, esse trabalho é um marco
pedagógico sugestivo para o uso de práticas didáticas criativas
em espaços diversificados de ensino, que despertem o interesse
dos estudantes por temas relacionados ao conteúdo dos livros,
os quais podem ser trabalhados de forma lúdica e interativa,
tornando a aprendizagem mais palpável e interdisciplinar,
permitindo o intercâmbio de saberes in situde alunos e docentes
no processo de construção do conhecimento.

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170 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


ENSINO POR MEIO DE METODOLOGIAS ATIVAS NO CURSO
DE ELETRICISTA PREDIAL: VIVÊNCIAS NA EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL

Eixo temático: Educação Tecnológica e Profissional

Forma de apresentação: Relato de vivência

Lucas Portela Moraes24

RESUMO

Este artigo tem como objetivo relatar as vivências educacionais do


Curso de Eletricista Predial realizado no Centro Vocacional Tecno-
lógico - CVT, no município de São Mateus do Maranhão, eviden-
ciando as metodologias ativas utilizadas nas práticas pedagógicas
como ferramentas do ensino profissional. A metodologia do estu-
do caracteriza-se como relato de experiência, tendo em considera-
ção que houve a descrição das vivências dos alunos proporciona-
das pelas metodologias ativas utilizadas no contexto profissional e
tecnológico. A conclusão do estudo, por fim, mostrou que o uso de
metodologias ativas integradas no ensino da educação profissio-
nal tecnológica proporcionou, segundo os professores e coorde-
nadores do curso, o desenvolvimento e a motivação para os estu-
dantes na aprendizagem participativa, as aulas se tornaram mais
exultantes, tendo participação frequente dos alunos nas aulas.

Palavras-chave: educação tecnológica; educação 4.0; protagonis-


mo; inovação.

24 Gestor Educacional e Pós-Graduado em Docência para a Educação Profissional e


Tecnológica – IFES.

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 171


INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, um dos principais objetivos pedagógicos tem


sido garantir que os alunos assumam um papel mais significativo
em todo o processo educacional e, assim, tornem-se agentes ati-
vos na configuração de sua educação (ANDRADE; FERRETE, 2019).

À vista disso, as metodologias ativas surgem como um dos cami-


nhos que os professores percorrem em sala de aula, não apenas
para a disseminação do conhecimento, mas também para o in-
centivo da participação dos alunos no contexto de construção do
conhecimento (INOCENTE; TOMMASINI; CASTAMAN, 2018).

Algumas pesquisas, em especial utilizando metodologias ativas


na educação profissional e tecnológica, têm sido publicadas na li-
teratura. Como o trabalho de Braga, Melo e Martins (2020), que
em sua revisão bibliográfica citaram que a educação precisa rein-
ventar-se por meio de metodologias ativas, ou seja, aprendizagem
centrada no aluno e aprendizagem autodirigida como alternativas
de parceria, com práticas educativas voltadas ao desenvolvimento
de aprendizagens significativas para os alunos.

Nesse cenário, este trabalho tem como objetivo relatar as vivên-


cias educacionais do Curso de Eletricista Predial realizado no Cen-
tro Vocacional Tecnológico - CVT, no município de São Mateus do
Maranhão, evidenciando as metodologias ativas utilizadas nas
práticas pedagógicas como ferramentas do ensino profissional.

METODOLOGIA

Esta seção apresenta a metodologia e os procedimentos adota-


dos, destacando como estes contribuíram para se alcançarem os
objetivos do estudo. Este relato de experiência refere-se ao Curso
de Eletricista Predial ofertado pelo Instituto de Educação, Ciência
e Tecnologia do Maranhão - IEMA, em parceria com o Centro Vo-

172 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


cacional Tecnológico – CVT, Unidade Vocacional do IEMA, situada
em São Mateus do Maranhão – MA.

Quanto a descrição das atividades, o curso foi dividido em três


etapas, nas quais por meio do uso das metodologias ativas, como:
Aprendizagem Baseada em Problemas, Sala de Aula Invertida, Ga-
mificação e Aprendizagem Baseada em Projetos, foi possível rea-
lizar o processo de ensino-aprendizagem, comtemplando o prota-
gonismo do cursista do início ao fim do curso.

No escopo da sua aplicação, o curso de Eletricista Predial, em sua


carga horária, possui 20 (vinte) horas semanais, distribuídas em 05
(cinco) dias de atividades e definidas em 04 (quatro) aulas diárias,
em um tempo mínimo de 50 minutos por hora/aula.

Na primeira parte do curso, foi apresentado o material a ser tra-


balhado, o modo como o curso seria conduzido e a forma de ava-
liação. Em seguida, a turma era organizada em forma de “U” para
que a dinâmica e a fluência dos diálogos fosse desenvolvida de
maneira a contemplar todos os cursistas. Nesta primeira parte,
foram explicados os métodos de trabalho, como o método ativo
de Sala de Aula Invertida; para melhor fixação dos conteúdos foi
utilizada a Gamificação por meio de jogos de lógica e ligação de
circuitos e aplicativos.

Na segunda parte do curso, a avaliação formativa do conteúdo


trabalhado, para saber se os alunos assimilaram os assuntos mi-
nistrados anteriormente. Nesta etapa do aprendizado, utilizava-se
como metodologia ativa a Aprendizagem Baseada em Problemas,
o circuito elétrico residencial era montado no painel elétrico pre-
viamente pelo professor antes da aula, com até três erros de liga-
ção. Dessa forma, os alunos, para encontrar as ligações erradas,
teriam que utilizar de instrumentos de medição para analisar as
causas.

Na terceira etapa do curso, foi utilizado o método ativo de Apren-

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 173


dizagem Baseada em Projetos, em que estes foram divididos
em 05 grupos de 04 cursistas, que atenderam gratuitamente às
demandas locais por instalações elétricas em residências da co-
munidade local, ou até mesmo de alunos do próprio curso. Esta
atividade proporcionou estágio prático e envolveu os cursistas no
trabalho social.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Durante o curso, foi observado maior engajamento dos alunos,


principalmente no quesito prático, levando-os a compreenderem
os conceitos elétricos por meio de situações do dia-a-dia.

Braga, Melo e Martins (2020) corroboram ao afirmar que, com o


uso de metodologias ativas, os alunos aprendem engajando-se
diretamente no material que estão estudando, de forma prática
e dinâmica, de modo que, ao mesmo tempo em que o conheci-
mento técnico é adquirido, o aluno desenvolve outras habilidades.

Para Rodrigues e Duarte Filho (2021), durante o processo de ensi-


no-aprendizagem, o aluno aprende a promover integração e mo-
tivação para as práticas educacionais a partir do uso integrado de
métodos colaborativos, ou seja, as metodologias ativas emprega-
das no decorrer do curso de Eletricista, quando integradas, ele-
vam a participação dos alunos e colaboram com o aprendizado
eficaz das temáticas exploradas durante o curso.

Desta maneira, é importante que a prática da aula esteja ligada


ao desenvolvimento social do aluno, e que o conteúdo abordado
em sala de aula contextualize o mundo exterior. Nesse contexto, a
presença da tecnologia também deve ser levada em consideração,
pois ela faz parte constante do cotidiano dos aprendizes (CARDO-
SO et al., 2021). Mediante os métodos utilizados, a metodologia de
Sala de Aula Invertida possibilitou o desenvolvimento dos alunos
tanto quanto aos componentes técnicos do curso, como também

174 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


em temáticas sociais do dia-a-dia.

Além do conteúdo do curso, a Aprendizagem Baseada em Proble-


mas promoveu o desenvolvimento de habilidades, pensamento
crítico, habilidades de resolução de problemas e habilidades de
comunicação. De outra forma, a gamificação, permitiu combinar
o conteúdo do curso, aplicativos e tecnologia, com o objetivo de
motivar a experiência de aprendizagem em sala de aula. Esta me-
todologia possibilitou melhorar a experiência de aprendizagem do
aluno, apresentando uma alternativa para aula, diferenciando-se
de métodos tradicionais de avaliação, chamando a atenção dos
alunos por meio de atividades gamificadas, com atividades e de-
safios em um ambiente colaborativo.

CONCLUSÕES

Os resultados apontaram que o uso de metodologias ativas inte-


gradas no ensino da educação profissional tecnológica proporcio-
nou, segundo os professores e coordenadores do curso, o desen-
volvimento e a motivação para os estudantes na aprendizagem
participativa, comunicação oral, interação e socialização, e capaci-
dade de liderança.

Este artigo pode ser considerado como um guia essencial para fu-
turos leitores que desejam utilizar metodologias ativas na educa-
ção profissional tecnológica. Os resultados propostos podem ser
usados ​​como base para a concepção de outras estratégias de en-
sino relacionadas com a educação profissional, assim como para
estudos específicos de metodologias ativas para diversas áreas
profissionais.

Apesar das dificuldades apresentadas pelo contexto da educação


no âmbito nacional, quanto à inclusão digital e ao número limita-
do de formações específicas na área de tecnologias educacionais
para professores, o artigo alcançou seus objetivos apresentando

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 175


as metodologias ativas como forma de elevar a qualidade do en-
sino, beneficiando tanto os educadores da área da educação pro-
fissional, como também professores de outras áreas que utilizam
metodologias ativas e que visam promover resultados de aprendi-
zagem, pois podem adotar as práticas correspondentes propostas
neste artigo.

REFERÊNCIAS
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Metodologias ativas e a educação profissional e tecnológica: in-
vertendo a sala de aula em vista de uma aprendizagem significa-
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176 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


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so em: 15 abr. 2022.

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 177


GESTÃO PEDAGÓGICA NA ATUALIDADE: UMA REFLEXÃO
SOBRE A PRÁTICA

Shirlei Alexandra Fetter25

Andréia Santos da Costa26

RESUMO:
Este estudo propõe-se indagar sobre gestão educacional na atual
realidade escolar. Tomamos como objetivo evidenciar e discutir esta
temática mais profundamente, pelo fato da pandemia exigir aborda-
gens pedagógicas diferenciadas. A gestão educacional envolve todos
os processos de uma instituição escolar, porém, o percurso, em es-
pecifico neste estudo, apresenta as evidencias da gestão pedagógica.
Como método, destacamos uma narrativa pedagógica realizada por
uma gestora de escola pública, na região do Vale do Paranhana/RS,
durante a pandemia. A prática disruptivas, a mediação e o processo,
que proporcionam momentos de aprendizagem significativas resul-
tam na educação integral que exige da gestão pedagógica um amplo
esforço. Por fim, a reflexão sobre a gestão pedagógica está carac-
terizada por ideias, concepções e representações desconstrutivas de
práticas pedagógicas.

ABSTRACT:
This study proposes to inquire about educational management in the
current school reality. We aim to highlight and discuss this issue more
deeply, because the pandemic requires differentiated pedagogical
approaches. Educational management involves all the processes of a
school institution, however, the path, specifically in this study, pres-
ents the evidence of pedagogical management. As a method, we high-
light a pedagogical narrative carried out by a public school manager,

25 Professora/coordenadora pedagógica. Doutoranda em Educação UNILASALLE, Bolsista Capes.


26 Professora de língua portuguesa.

178 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


in the Vale do Paranhana/RS region, during the pandemic. Disrup-
tive practices, mediation and the process, which provide significant
learning moments, result in comprehensive education that requires a
broad effort from pedagogical management. Finally, the reflection on
pedagogical management is characterized by ideas, conceptions and
deconstructive representations of pedagogical practices.

INTRODUÇÃO

O texto, aqui expresso, tem por objetivo articular práticas expe-


riências que se constituem na identidade profissional docente,
[enquanto gestora de escola pública] isto é, a práxis. Para Freire
(1996), há uma dimensão humana, ética e estética, que não pode
ficar à margem da profissionalização docente, por isso, à identida-
de pessoal e profissional do(a) professor(a) é construída na rela-
ção com outros profissionais, ou seja, outras pessoas, outras me-
todologias pedagógicas.

O contexto em que se desenvolvem as atividades práticas, a con-


templar o objetivo, é em uma escola municipal de ensino funda-
mental, na região do Vale do Paranhana/RS. Atualmente a institui-
ção conta com aproximadamente oitocentos estudantes, desde a
pré-escola I a 9º ano do ensino fundamental. As atividades peda-
gógicas desenvolvidas integram estudantes dos bairros próximos
e das comunidades do interior, devido a sua localização geográfica.

A proposta aqui descrita está organizada por quem a escreve, a


mesma apresentará as vivências de se trabalhar a formação in-
tegral do(a) estudante, de acordo com a Base Nacional Comum
Curricular – BNCC, com abordagem ao planejamento integrado e
interdisciplinar.

Entretanto, não menos importante, e como relevância ao trabalho


pedagógico aqui descrito se entrelaça a Gestão, abertura à partici-
pação integrada de profissionais da educação, pais, alunos, entre

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 179


outros, nas decisões em torno do bom andamento das atividades
escolares. Mas que também a sua relação em facilitar a interação
dos envolvidos o com meio social circundante.

Neste caso, a decisão de abordar estes aspectos referidos, justifi-


ca-se pelo fato dessas regras, ao que tudo indica, não serem cum-
pridas em sua totalidade, causando desgaste para educação como
um todo.

MATERIAL E MÉTODOS

O procedimento metodológico adotado para dialogar com esse


estudo de experiência educativa, relatado na sequência, está mar-
cado pelo compromisso com a produção de uma epistemologia
da prática. Para então, estabelecer a relação com a constituição
da identidade docente no âmbito escolar; inicialmente, foi utili-
zada uma revisão bibliográfica, a qual contou com a inclusão de
estudos que discorrem a cerda da problemática, abordando os as-
pectos fundamentais sobre o envolvimento da gestão escolar, por
meio de artigos científicos e livros; optou-se por trabalhar com a
abordagem qualitativa sobre uma narrativa.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Ao discutir Gestão Democrática nas escolas brasileiras do presen-


te, torna-se indispensável, considerando a qualidade do ensino,
alertar para necessidade de novas formas de tratar este tema. O
que significa, além de autonomia, mais investimento financeiro e
profissionais atualizados continuamente, condizente com a reali-
dade vivenciada pela educação.

Neste sentido, acrescenta-se a abrangência do sistema educativo,


que não é uma mera transmissora de conteúdo, mas uma forma-
dora de cidadão para o convívio social, político, econômico entre

180 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


outros. Com isso, as ideias se traduzem na forma de que todos
os envolvidos se reconheçam como pessoa. “Parece justo que a
escola [...] deva pautar-se pela realização de objetivos numa dupla
dimensão: individual e social” (PARO, 2007, p. 16). Pois a educação
pensada para crescimento pessoal e profissional do aluno, tam-
bém possibilita melhoras na sua vida em sociedade. Com isso, os
Gestores também devem pensar democraticamente, trabalhando
a dificuldade docente em agregar a realidade do estudante, de
acordo com a sua comunidade escolar

As atitudes diante do ensino, traz para Gestão Escolar o compro-


misso com todos os aspectos cotidianos da vida em sociedade.
Onde o estudante, além receptor de informações, através de suas
experiências pessoais, também pode contribuir com a educação
pelo viés da protagonização. Neste sentido, as amplitudes das re-
lações tornam-se evidentes, e todos saem ganhando. Proporcio-
nando a oportunidade de descontruir a educação bancária, tanta
destacada por Freire (1996), que atrofia os educandos e destaca a
prática pedagógica autoritária, docente.

Freire (1996), também deixou um legado de ideias sobre a forma


de tratar o educando, para esse, o professor deve principalmente
respeitar os saberes com que os educandos socialmente foram
construindo sua identidade.

As experiências de liberdade pedagógicas, isso exige do professor


e demais funcionários da escola, entre eles coordenação pedagógi-
ca, direção, entre outros, como já indicado anteriormente, entendi-
mento e preparo contínuos, para estes requisitos. Onde os cargos
de trabalho ocupados, tornam-se recursos não só para democrati-
zar a educação, mas para desenvolvendo autonomia intelectual e
de trajetória de vida dos alunos (MARTINS, 2002). O que também
é facilitado pelos recursos tecnológicos (internet), disponíveis para
atuação docente, diante da Gestão Escolar Democrática.

Nesta perspectiva, o desafio da gestão pedagógica é reverter esse

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 181


modelo tradicional e possibilitar relações democráticas, acessí-
veis, tanto internamente, quanto externamente a escola. “A gestão
deve envolver todos os segmentos interessados na construção de
propostas coletivas de práticas educacionais efetivas, para que o
processo de ensino aprendizagem seja resultado de um conjunto
de ações” (SILVA, 2017, p. 178). Para isso, as tecnologias cada vez
mais modernas e diversificadas, vieram facilitar o acesso às infor-
mações neste contexto pandêmico.

Sendo assim, as mesmas tecnologias, exigem preparo e qualifica-


ções profissionais para o trabalho. E assim, surgem cursos cada
vez mais completos, para essa nova realidade. “Esses devem dotar
o aluno de habilidades requeridas por um trabalho mais comple-
xo” (BRZEZINSKI, 1996, p.199). Com isso, verifica-se também que
aumenta o interesse do aluno nas atividades pedagógicas ofere-
cidas.

Pode-se evidenciar inclusive que, a discussão sobre a Gestão De-


mocrática nas escolas contemporâneas, faz parte de aspirações
de grupos com perspectivas político-pedagógicas distintas. Com
diferenças, voltadas para o envolvimento da sociedade nas pro-
postas e decisões da escola. Mas que tem como princípio, a par-
ticipação de toda a comunidade escolar na construção e no de-
senvolvimento do Projeto Político Pedagógico (PPP). Também na
autonomia financeira, e na descentralização do poder, das tarefas
relativas à organização e funcionamento da escola, “cujo objetivo
principal é a qualidade da educação, tendo em vista que para fun-
cionar com qualidade, é preciso que haja a participação da comu-
nidade” (SANTOS, SALES 2012, p. 174).

Sendo assim, Gestão corresponde ao processo de gerir a dinâmica


do sistema de ensino como um todo e de coordenação das escolas
em específico, afinado com as diretrizes e políticas educacionais
públicas. Nesta perspectiva “a gestão democrática é, atualmente,
vista como o caminho a seguir pelos gestores/professores para

182 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


fazer a escola funcionar de forma a atender às expectativas da
formação adequada dos alunos-cidadãos” (FERNANDES; PEREIRA,
2016, p. 452).

Finalmente, a implementação das políticas educacionais e pro-


jetos das escolas, compromissada com os princípios da demo-
cracia necessita mobilizar toda comunidade. E com os métodos
que organizem e criem condições para o ambiente educacional
autônomo (soluções próprias, no âmbito de suas competências)
de participação e compartilhamento (tomada de decisões conjun-
ta e efetivação de resultados), autocontrole (acompanhamento e
avaliação com retorno de informações) e transparência (demons-
tração pública de seus processos e resultados), a educação e as
pessoas saiam ganhando (LÜCK, 2014).

CONCLUSÕES

Ao concluir, por mais desafiador que tem sido esse período, do-
centes não desistiram de sua missão. Pensando, juntamente com
a gestão em nossas crianças que são a maior prioridade. É da
experiência vivida que emergem temas e perguntas, a partir das
quais se elegem as referências teóricas com os quais se irá dialo-
gar e que, por sua vez, fazem emergir as lições a serem aprendi-
das. Assim, narrativas de experiências educativas são pesquisas
e formação continuada. Pois, forma-se pesquisando e pesquisa –
educando.

Por fim, a reflexão sobre a constituição da identidade docente está


caracterizada pelo imaginário, por ideias, concepções e represen-
tações de pensamentos abstratos; ela também se contempla no
real e efetivo que, por vezes, apresenta raízes culturais, através
das histórias pessoais e sociais anteriores ao contexto.

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 183


REFERÊNCIAS

BRZEZINSKI, Iria. Pedagogia, pedagogos e formação de profes-


sores: Busca e movimento. Campinas, SP: Papirus, 1996.

FERNANDES, Sergio Brasil; PEREIRA, Sueli Menezes. Gestão escolar


democrática: Desafios e perspectivas, Santa Maria. V. 41, n. 2, p.
451-474, mai./ago. 2016.

FERREIRA- ALVES, J; GONÇALVES, O. F. Educação narrativa do


professor.Coimbra: Quarteto. Editora. 2001.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à


prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

LÜCK, Heloisa. Gestão educacional: uma questão paradigmática.


11. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli E.D.A. Pesquisa em educação: abor-


dagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

MARTINS, Angela Maria. Autonomia da escola: a (ex)tensão do


tema nas políticas públicas. São Paulo: Cortez, 2002.

PARO, Vitor Henrique. Gestão escolar, democracia e qualidade


de ensino. São Paulo: Ática, 2007.

SANTOS, Maria do Carmo Gonçalo; SALES, Mônica Patrícia da Silva.


Gestão democrática da escola e gestão do ensino: a contribuição
docente à construção da autonomia na escola. Revista Ensaio,
Belo Horizonte. V. 14, n. 02, p. 171-183, ago./nov. 2012.

SILVA, Adriana Escobar da. Gestão Democrática Escolar: Desafios


da Ação Democrática. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do
Conhecimento, São Paulo, Ano 2, v. 16. p. 177-187, Março de 2017.

184 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


MAPEAMENTO DE COMPETÊNCIAS PROFISSIONAIS
DOCENTES EM ESCOLAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO BÁSICA

Tânia Cristina da Silva

Antônio dos Santos Silva

UNINCOR

RESUMO: O presente trabalho apresenta uma pesquisa em desen-


volvimento e busca contribuir na discussão da qualidade do ensino a
partir do conceito de competência. Para isso, propõe-se um mapea-
mento das competências profissionais em relação aos professores de
Ensino Fundamental Anos Iniciais. Este é um estudo de cunho qualita-
tivo e descritivo de múltiplos casos em escolas públicas de educação
básica, utilizando-se das categorias de análise que emergem da lite-
ratura de mapeamento de competências com base nas competências
profissionais docentes estabelecidas nas BNCs (Base Nacional Comum
de Formação Docente) de acordo a BNCC (Base Nacional Comum Cur-
ricular). Acredita-se que a partir do desenvolvimento deste trabalho o
diretor escolar terá um importante instrumento para o mapeamento
de competências docentes. A expectativa, é gerar um instrumento prá-
tico para traçar estratégias efetivas que levem ao melhor aproveita-
mento das potencialidades do professor em relação às competências
profissionais docentes, convergindo em entregas de melhores resulta-
dos educacionais.

ABSTRACT: The present work presents a research in development and


seeks to contribute to the discussion of the quality of teaching from the
concept of competence. For this, a mapping of professional compe-
tences in relation to Elementary School teachers is proposed. This is a
qualitative and descriptive study of multiple cases in public schools of

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 185


basic education, using the categories of analysis that emerge from the
competence mapping literature based on professional teaching com-
petences established in the BNCs (Common National Base for Teach-
er Training) according to the BNCC (Common National Curriculum
Base). It is believed that from the development of this work, the school
director will have an important tool for mapping teaching skills. The
expectation is to generate a practical instrument to devise effective
strategies that lead to the best use of the teacher’s potential in relation
to professional teaching skills, converging in the delivery of better ed-
ucational results.

INTRODUÇÃO

Os estudos organizacionais revelaram que o modelo de gestão


por competências é o mais adequado para os novos desafios a
que estão submetidos os diversos modelos de organizações, sen-
do o mapeamento de competências um importante instrumento
para esse tipo de gestão. Estruturalmente, esses estudos se com-
põem de modelo para o diagnóstico de competências externo e
interno, a verificação do gap (lacuna) de competências e iniciativas
de solução do gap e de manutenção, recrutamento, seleção ou de-
senvolvimento de competências para que os funcionários possam
atender aos objetivos organizacionais (FLEURY e FLEURY, 2001a;
DUTRA, 2008).

O objetivo desta pesquisa é realizar um mapeamento de compe-


tências profissionais docentes. Sendo que até o momento não se
conhece nenhum modelo específico para mapeamento de compe-
tências profissionais de professores da educação básica, por isso
será necessária uma adequação do mapeamento de competências
realizado nas organizações privadas, nas instituições públicas
financeiras ou de pesquisa, tomando-se como base a BNCC (Base
Nacional Comum Curricular), as BNCs (Base Nacional Curricular -
Formação Inicial e Continuada) de Formação e outros documentos

186 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


norteadores.

A partir da reforma gerencial do estado na década de 90, o


conceito de gestão por competência ganhou notoriedade em todo
setor público. Na educação pública brasileira a adoção da gestão
por competências como uma forma de gestão estratégica de pes-
soas, concentrava-se principalmente nas Universidades Federais.
Com a homologação da BNCC, em 2018 e das BNCs (Base Nacional
Curricular de Formação Inicial e Continuada de Professores) em
2019 e 2020, o ensino da educação básica e os cursos de licen-
ciatura passaram a ser organizados com base em habilidades e
competências fazendo com que a abordagem das competências
também estivesse muito presente em todo meio educacional (DA
SILVA e DE MELLO, 2013).

Assim, este trabalho tem como problema o seguinte questiona-


mento: Como mapear as competências profissionais de profes-
sores de Ensino Fundamental Anos Iniciais considerando-se a
perspectiva de competências utilizada na BNCC? Supõe-se que o
mapeamento de competências profissionais de professores do
Ensino Fundamental Anos Iniciais em escolas públicas, oferecerá
aos gestores escolares subsídios para implantação da gestão por
competências nessas escolas, por meio de um guia e do seu uso
prático nas atividades diárias dos docentes, podendo identificar
lacunas existentes e propor ações corretivas, conduzindo o pro-
fessor ao desenvolvimento das Dez Competências Gerais Docen-
tes propostas pela BNCC, convergindo em entregas de melhores
resultados educacionais.

Esta pesquisa se justifica pela necessidade de compreender me-


lhor o conceito de competência aplicado na educação. Na BNCC o
conceito competência é definido como “a mobilização de conheci-
mentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cogni-
tivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver deman-
das complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 187


e do mundo do trabalho” (Brasil, 2018, p.8).

A pesquisa justifica-se, também, pela possibilidade de desenvolver


um trabalho relacionado com a BNCC (2018) ampliando o escopo
de pesquisas com professores e pela possibilidade de prática com
ferramentas e técnicas na área de gestão de pessoas, nas escolas
públicas de educação básica.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O conceito de competência

O conceito de competência surgiu já faz algum tempo, entretanto


se mantém atual e se encontra em evolução. Para Foucault a aná-
lise de um conceito deve ser feita num campo pré-conceitual, pois
há vários fatores discursivos que levam a definição de um concei-
to. Assim sendo, um conceito é inacabado está sempre em cons-
trução. Portanto, se o conceito está em constante transformação
e se reconstrói na contradição, não se pode dizer o que de fato ele
é, sem analisar o campo enunciativo e a relação existente entre os
elementos que o compõe. Não há um único discurso, a divergên-
cia de pensamentos e ideias faz um conceito contestar o outro e a
partir de aí nascem novas proposições num percurso contínuo de
descobertas e construções (FOUCAULT, 2008).

Em relação ao conceito de competência, como não há uma de-


finição única o que pode ser feito é buscar termos semelhantes
descritos nos enunciados para traçar a simbologia e significado do
mesmo. Nesse sentido, o termo competência se apresenta como
características que descrevem a capacidade de uma pessoa em
mobilizar conhecimentos, atitudes, habilidades e valores para en-
frentar situações inesperadas levando ao desenvolvimento pes-
soal e melhoria dos resultados das organizações (MCCLELLAND,
1973; BOYATZIS, 1982; FLEURY e FLEURY, 2001; ZARIFIAN, 2001;
DUTRA, 2008)

188 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


Na iniciativa privada o conceito está voltado para capacida-
de, desempenho e produtividade. Já na educação o conceito de
competência possui uma abordagem mais ampla que envolve a
mobilização de conceitos, atitudes, valores e procedimentos inter-
-relacionados que permitam ao indivíduo agir de maneira asserti-
va em todos os aspectos da vida (ZABALA e ARNAU, 2010; MACE-
DO e FINI, 2018).

Na BNCC, importante documento que norteia a construção dos


currículos de toda a educação básica brasileira e preconiza os di-
reitos de aprendizagem, o conceito de competência é retratado
como: “a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimen-
tos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes
e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana,
do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho” (BRASIL,
2018, p. 8).

Entende-se que o conceito de competência na educação pode ser


melhor aplicado e mais bem aproveitado quando compreendido
na sua amplitude. Pois, o ensino por competência não pode ser
desvinculado de situações práticas que integrem e mobilizem re-
cursos em diferentes contextos de aprendizagem. Por isso, o en-
sino estruturado em competências requer dos professores o en-
tendimento pedagógico do conceito de competência, bem como o
domínio de uma didática que possibilite o trabalho com metodo-
logias ativas, como a aprendizagem baseada em situações proble-
mas e desenvolvimentos de projetos. Tais metodologias colocam
o aluno no centro do processo ensino aprendizagem, permitindo
que organize suas ideias, se comunique, argumente, busque so-
luções e elabore suas próprias concepções sobre o mundo que
o cerca, possibilitando o seu desenvolvimento integral (MONEO,
2018; COLL, 2018).

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 189


MAPEAMENTO DE COMPETÊNCIAS

O conceito de competência alicerça as formas mais avançadas de


gerenciamento de pessoas na contemporaneidade. A gestão por
competência é um modelo de gestão que abarca políticas e práti-
cas organizacionais orientadas ao planejamento, captação, desen-
volvimento e avaliação, nos diferentes níveis da organização (indi-
vidual, grupal e organizacional), das competências necessárias à
consecução de seus objetivos (MAXIMIANO, 2006).

Nesse sentido, a técnica de mapeamento de competência pode


ser um importante instrumento adotado nesse modelo de gestão.
Pois através da aplicação da técnica de mapeamento de compe-
tências o gestor conseguirá coletar informações suficientes para
identificar o gap (lacuna) entre as competências requeridas e as
competências apresentadas pelos colaboradores e a partir desses
dados viabilizar formações para desenvolver competências e cor-
rigir as lacunas, levando a equipe a alcançar as metas da organiza-
ção (CARBONE et al., 2009).

Caso os gaps entre as competências não forem identificados e cor-


rigidos com ações de desenvolvimento da equipe, elas tendem a
aumentar, pois as exigências dos empreendimentos mudam cons-
tantemente tornando-se mais complexas e exigindo novas com-
petências por parte das pessoas que ocupam os postos de traba-
lho. Com isso, a organização poderá ter dificuldade em atingir os
objetivos e metas projetadas. Por isso, o mapeamento de com-
petências deve ser realizado sempre que o gestor identificar um
declínio nos resultados almejados (CARBONE et al., 2009). A Figura
1 representa a identificação do gap, ou lacuna, existente entre as
competências necessárias ao alcance do desempenho esperado e
as competências já disponíveis na organização.

190 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


Figura 1 - Identificação do gap (lacuna) de competências

Fonte: Ienaga, adaptado por Brandão e Guimarães (2001)

A gestão por competências possibilita às organizações acompa-


nharem as mudanças as quais estão sujeitas devidos as exigências
sociais, políticas e econômicas, que se remodelam a todo momen-
to. No meio educacional também não é diferente, a cada dia novas
demandas são exigidas dos profissionais que exercem as funções
pedagógicas e administrativas. Por isso, a prática da gestão por
competência também pode ser um contributo para este setor,
tendo em vista que a BNCC já estruturou todo o ensino da educa-
ção básica em termos de competências.

Sem contar que diante da proposta de ensino com base em com-


petências estabelecida pela BNCC se faz necessário repensar o pa-
pel do professor, bem como os procedimentos, métodos e atitu-
des adotados pelo mesmo. Pois o ensino por competências busca
promover o desenvolvimento integral do indivíduo, por meio de
práticas inovadoras que motive e instigue o aluno a aprender de
modo que não se adquira apenas o conhecimento teórico, mas
também o conhecimento que possa ser aplicado em todos os
âmbitos de sua vida: acadêmica, profissional e pessoal (MONEO,
2018).

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 191


Portanto, a gestão por competência e a aplicação do mapeamen-
to de competências pode contribuir para a melhoria do processo
ensino aprendizagem, pois o diretor escolar conseguirá identificar
as lacunas existentes entre as competências profissionais docen-
tes requeridas e apresentadas. Com base nisso, adotar estraté-
gias com vistas ao desenvolvimento das competências docentes
necessárias para a consecução de um trabalho de qualidade.

Entretanto, em se tratando especificamente do mapeamento de


competências profissionais docentes não foi encontrado nenhum
modelo acurado que possibilite a aplicação da técnica em escolas
públicas de educação básica tendo em vista as competências pre-
conizadas pelas BNCs de Formação Docente estabelecidas através
da homologação das resoluções: CNE/CP Nº 2 de 20 de dezembro
de 2019 e CNE/CP Nº 1 de 27 de outubro de 2020. Nesse sentido,
como no setor privado há vários modelos de questionários e ou-
tros instrumentos de pesquisa que especificam as competências
profissionais requeridas de modo que possa mensurar o nível de
desempenho dos colaboradores, será realizada uma adaptação
dos mesmos para que possa realizar um mapeamento de compe-
tências profissionais docentes em escolas públicas de educação
básica com vistas a assegurar que todos os professores desen-
volvam as competências profissionais necessárias para o exercício
da docência e para a concretização de um ensino de qualidade
(BRASIL, 2019ª, 2019b, 2020).

MATERIAL E MÉTODOS

A pesquisa que se pretende possui abordagem de um estudo qua-


litativo e descritivo de múltiplos casos em escolas públicas de edu-
cação básica, utilizando-se das categorias de análise que emer-
gem da literatura de mapeamento de competências profissionais
docentes. O primeiro passo no desenvolvimento da pesquisa foi a
definição de um referencial teórico relatando trabalhos para todas

192 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


as etapas do mapeamento de competências, para só depois lan-
çar-se à confecção e aplicação dos instrumentos (BARDIN,2016).
As categorias analíticas tomarão como base as competências pro-
fissionais docentes, gerais e específicas descritas nas BNCs. Como
unidades sociais de análise, a opção foi por escolas públicas de
educação básica mais especificamente que atendam o Ensino Fun-
damental Anos Iniciais. Serão sujeitos da pesquisa os diretores e
professores do Ensino Fundamental Anos Iniciais das escolas pú-
blicas de educação básica, referenciados pela sua unidade de aná-
lise (BARDIN, 2016).
Pretende-se realizar uma pesquisa com vistas a mapear as compe-
tências profissionais docentes em 5 (cinco) escolas municipais de
educação básica do estado de Minas Gerais. Os instrumentos de
pesquisa adotados serão: entrevista, observação e questionário.
Serão entrevistados todos os diretores das 5 (cinco) escolas envol-
vidas com vistas a levantar dados que apontem para as caracterís-
ticas e competências profissionais docentes almejadas pelas insti-
tuições pesquisadas, traçando-se um perfil para que um professor
seja considerado competente. A entrevista é uma técnica de pes-
quisa bastante utilizada para o mapeamento de competências. Ela
serve de subsídios para comparar os dados da análise documental
com a percepção dos entrevistados, visando identificar as compe-
tências mais importantes para as organizações (CARBONE et al.,
2009).
Já em se tratando dos questionários de pesquisa destinados aos
professores estes têm a característica de uma autoavaliação onde
os professores deverão considerar nível de importância e domínio
das competências tomando como referência a escala de Likert. Os
questionários serão aplicados à professores dos Anos Iniciais do
Ensino Fundamental totalizando uma média de 100 (cem) profes-
sores envolvidos.
As competências referendadas no questionário de pesquisa do
professor fazem parte das resoluções CNE/CP Nº 2 de 20 de de-

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 193


zembro de 2019 e CNE/CP Nº 1 de 27 de outubro de 2020, que re-
gulamentaram as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Forma-
ção Docente, inicial e continuada. No Quadro 1 estão descritas as
Competências Específicas e no Quadro 2 as Competências Gerais
Docentes que foram utilizadas na íntegra para compor o questio-
nário de pesquisa do professor.
Quadro 1 - Competências Específicas vinculadas às dimensões do conhecimento, da prática
e do engajamento profissionais

Competências Específicas
1.Conhecimento 2. Prática 3. Engajamento
Profissional Profissional Profissional
1.1. Dominar 2.1. Planejar as 3.1. Comprometer-
os objetos de ações de ensino que se com o próprio
conhecimento e saber resultem em efetivas desenvolvimento
como ensiná-los. aprendizagens. profissional.
3.2. Comprometer-se
com a aprendizagem
1.2. Demonstrar
2.2. Criar e saber dos estudantes e
conhecimento sobre
gerir ambientes de colocar em prática
os estudantes e como
aprendizagem. o princípio de que
eles aprendem.
todos são capazes de
aprender.
3.3. Participar do
2.3. Avaliar o
Projeto Pedagógico
desenvolvimento
1.3. Reconhecer os da escola e
do educando, a
contextos. da construção
aprendizagem e o
dos valores
ensino.
democráticos.
2.4. Conduzir
as práticas
1.4. Conhecer 3.4. Engajar-se
pedagógicas
a estrutura e a profissionalmente,
dos objetos
governança dos com as famílias e
conhecimento,
sistemas educacionais. com a comunidade.
competências e
habilidades.
Fonte: (BRASIL, 2019a, p. 7)

194 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


As competências descritas no Quadro 1 dizem respeito as com-
petências profissionais específicas que integral as dimensões
do conhecimento profissional, da prática profissional e do en-
gajamento profissional e contemplam as seguintes áreas: Área
do Conhecimento e de Conteúdo Curricular, Área Didática-
Pedagógica, Área de Ensino e Aprendizagem para todos os Alunos,
Área sobre o Ambiente Institucional e o Contexto Sociocultural e
Área sobre o Desenvolvimento e Responsabilidades Profissionais.
É importante destacar que as dimensões de competência profis-
sionais se complementam, portanto não há uma mais importante
do que a outra (BRASIL, 2020).
Quadro 2 – Denominação das Competências Gerais Docentes

Denominação das Competências Gerais Docentes


1. Conhecimento
2. Pensamento científico, crítico e criativo
3. Repertório Cultural
4. Comunicação
5. Cultura Digital
6. Trabalho e Projeto de Vida
7. Argumentação
8. Autoconhecimento e Autocuidado
9. Empatia e Cooperação
10. Responsabilidade e Cidadania
Fonte: (BRASIL, 2020, p. 6) [adaptado pelos autores]

As competências gerais docentes são


compatíveis com as competências ge-
rais dos alunos. Elas foram elaboradas
tomando como referências as compe-
tências dos discentes descritas na BNCC,
sendo que o diferencial está na finalidade
das mesmas. As competências dos alu-

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 195


nos têm como objetivo levá-los à forma-
ção integral, já as dos professores é quali-
ficá-los para o exercício da docência para
que consigam desenvolver nos alunos as
competências necessárias para seu de-
senvolvimento pleno.

Também fazem parte do questionário de


pesquisa do professor perguntas voltadas
para aspectos profissionais que dizem
respeito a formação, tempo de atuação
e participação em cursos de aperfeiçoa-
mento profissional, buscando se levantar
dados que viabilizem traçar o perfil dos
profissionais pesquisados.

Além da realização da entrevista com os diretores escolar e o


questionário dos professores, espera-se utilizar o método da ob-
servação na atuação profissional. Segundo Marconi e Lakatos,
“Nas investigações, em geral, nunca se utiliza apenas um méto-
do ou uma técnica, e nem somente aqueles que se conhece, mas
todo os que forem necessários ou apropriados para determinado
caso” (MARCONI e LAKATOS, 2003, p. 164).

Pretende-se observar os professores na prática docente com vis-


tas a identificar características que estejam de acordo com as des-
crições relatadas pelos diretores e também avaliadas pelos pró-
prios professores. “A observação é uma técnica de coleta de dados
para conseguir informações e utiliza os sentidos na obtenção de
determinados aspectos da realidade. Não consiste apenas em ver
e ouvir, mas também em examinar fatos ou fenômenos que se
desejam estudar” (MARCONI e LAKATOS, 2003, p. 190).

Com os dados da pesquisa em mãos será feito um trabalho de se-


leção e codificação dos resultados, realizando uma análise crítica
com intuito a abstrair as informações mais relevantes e realizar o

196 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


mapeamento das competências profissionais docentes de modo
sistematizado.

RESULTADOS ESPERADOS

Esta pesquisa está em momento inicial de coleta de dados. A mes-


ma foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa. Foi escolhida
uma escola pública que conta com 24 professores do Ensino Fun-
damental Anos Iniciais, para o pré-teste dos instrumentos da pes-
quisa no intuito de averiguar a viabilidade e os ajustes necessários
para dar prosseguimento ao trabalho de forma assertiva.

Nesse sentido, Marconi e Lakatos reafirmam:

Elaborados os instrumentos de pesquisa,


o procedimento mais utilizado para ave-
riguar a sua validade é o teste-preliminar
ou pré-teste. Consiste em testar os instru-
mentos da pesquisa sobre uma pequena
parte da população do “universo” ou da
amostra, antes de ser aplicado definiti-
vamente, a fim de evitar que a pesquisa
chegue a um resultado falso. Seu obje-
tivo, portanto, é verificar até que ponto
esses instrumentos têm, realmente, con-
dições de garantir resultados isentos de
erros (MARCONI e LAKATOS, 2003, p. 165)

Espera-se que haja uma participação considerável do público alvo


da pesquisa para que a mesmo passe maior confiabilidade e cre-
dibilidade.

Após a finalização da análise dos dados da pesquisa, anseia-se


conseguir informações suficientes para realizar um mapeamento
de competências docentes de modo sistematizado identificando

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 197


as lacunas entre as competências observáveis, requeridas e ofer-
tadas pelos professores das instituições pesquisadas.

A expectativa é que a aplicação de técnicas de mapeamento de


competências profissionais dos professores do Ensino Fundamen-
tal Anos Iniciais ofereça subsídios para a implantação da Gestão
por Competências nas escolas participantes e leve à construção de
um Produto Técnico Tecnológico que permita ao diretor escolar
realizar o mapeamento de competências profissionais docentes
em escolas públicas de educação básica. Para Carbone et al.,“-
Gerenciar competências, por sua vez, de maneira geral, significa
planejar, captar, desenvolver e avaliar, nos diferentes níveis da
organização, as competências necessárias à consecução de seus
objetivos” (CARBONE et al.,2009, p. 77)

Como Produto Técnico Tecnológico (PTT), será desenvolvido um


guia voltado para dirigentes escolares para o mapeamento de
competências profissionais de professores de escolas públicas de
educação básica. Com as seguintes etapas previstas:

1. Roteiro para diagnóstico de competências e identificação


dos gaps

2. Roteiro de tratamento de dados

3. Sugestões de estratégias corretivas para cada compe-


tência (boas práticas)
Espera-se que esse instrumento possibilite aos diretores escolares
identificar os gaps entre as competências essenciais à instituição e
aquelas que são apresentadas pelos professores. A partir destes
dados os diretores poderão juntamente com suas equipes, traçar
estratégias para o desenvolvimento das competências profissionais
que o corpo docente possui pouco domínio, mas que são necessá-
rias à consecução dos objetivos educacionais. Para tal poderão ser
desenvolvidas oficinas, trilhas de aprendizagem, seminários, pales-
tras, cursos e etc. A escolha da ação corretiva dependerá da neces-

198 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


sidade da competência que se pretende desenvolver, do desejo da
equipe e das condições da instituição em ofertá-la.

Os modelos de gestão baseados em competências geram impac-


tos positivos nos processos de gestão de pessoas, podendo ser
a linha condutora para tomada de decisões, estabelecimentos de
ações e planos estratégicos para o desenvolvimento das compe-
tências profissionais necessárias para um melhor desempenho da
organização (CARBONE et al, 2009).

CONCLUSÕES

Este trabalho abre perspectivas para estimular a pesquisa e pu-


blicações voltadas para o tema da gestão por competências em
escolas públicas de educação básica, aplicando a técnica do ma-
peamento de competências profissionais docentes. O mapeamen-
to de competências profissionais docentes, aqui, diferentemente
daquela que parte da visão dos estudantes, se baseará nas com-
petências descritas nas BNCs de Formação Docente que estão
detalhadas de acordo com a BNCC. Na análise da literatura ficou
evidente a necessidade de produções cientificas que tratem do as-
sunto, pois há poucos relatos sobre esta temática. Endente-se que
o ensino estruturado em competências é um tema polêmico e que
causa discordância quanto suas finalidades, entretanto há de se
considerar que todo modelo que se configura como uma tentativa
de melhoria do processo ensino aprendizagem deve ser examina-
do e aplicado para que possa tirar conclusões definitivas quanto a
sua viabilidade. Desse modo, acredita-se que esta pesquisa possa
contribuir tanto para o mundo acadêmico quanto para a melhoria
da percepção da qualidade do ensino em toda a educação básica.

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 199


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Palavras-chave: Competência, Mapeamento de Competência,


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Keywords: Competence, Competency Mapping, BNCC.

202 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


MÉTODO ENUNCIATIVO DE LEITURA (MEL): UMA PROPOSTA
DE ESTUDO DA CULTURA E HISTÓRIA LOCAL

Eixo Temático: : Linguagem e Educação

Forma de Apresentação: RESULTADO DE PESQUISA OU RELATO


DE VIVÊNCIA

Raquel Luciana de Aquino Faria Pereira27

Jocyare Souza 28

Fabiana Aparecida Tavares de Paiva29

RESUMO

Esta pesquisa reflete a Educação Básica Brasileira. Embasa-se na Se-


mântica do Acontecimento, de Guimarães (2018). Propõe um diálogo
entre a linguística e o ensino. Parte-se da análise dos documentos que
norteiam a Educação Básica e mostras de livros didáticos adotados
em escolas estaduais. Busca-se averiguar a contemplação do estudo
da CULTURA HISTÓRIA LOCAL/REGIONAL DE ITAÚNA. Problematiza-
-se como incentivar os estudantes a lerem textos que identifiquem
a CULTURA HISTÓRIA LOCAL/REGIONAL, assegurados nos documentos
norteadores da educação. Hipotetiza-se uma Metodologia de Ensino
de Leitura da Cultura e História Local, fundamentada na teoria da Se-
mântica do Acontecimento, de Guimarães (2018), propondo um MÉ-
TODO ENUNCIATIVO DE LEITURA (MEL), desenvolvido pelo Grupo Atlas
dos Nomes que Contam História das Cidades Brasileiras Mineiras. O
MEL se apresenta como uma ferramenta pedagógica contextualizada,
27 Mestranda Raquel Luciana de Aquino Faria Pereira – Mestrado Profissional em Gestão,
Planejamento e Ensino - UninCor
28 Profa. PhD Jocyare Souza - Mestrado Profissional em Gestão, Planejamento e Ensino -
UninCor
29 Mestranda Fabiana Aparecida Tavares de Paiva Mestrado Profissional em Gestão,
Planejamento e Ensino - UninCor

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 203


eficaz para trabalhar de maneira multidisciplinar, a deficiência de
leitura enunciada pelos avaliadores externos como o PISA, favorecen-
do assim, o trabalho pedagógico. Hipotetiza-se preencher a lacuna
existente no ensino da Educação Básica, sobre a história que marca o
processo de ocupação, exploração e formação dos territórios nacio-
nal/local brasileiro.
Palavras-chave: 1. Semântica do Acontecimento. 2. Educação Básica.
3. Cultura e história local. 4. Método Enunciativo de Leitura. 5. Educa-
ção Básica

ABSTRACT

This research reflects the Brazilian Basic Education. It is based on the


Semantics of the Event, by Guimarães (2018). It proposes a dialogue
between linguistics and teaching. It starts from the analysis of do-
cuments that guide Brazilian Basic Education, as well as samples of
textbooks adopted in schools, in the state network. It seeks to verify
the contemplation of the study of the local/regional history culture of
Itaúna. It is problematized how to encorBasic Education students to
read texts that identify the LOCAL/REGIONAL HISTORICAL CULTURE, as
ensured by the guiding documents of education. A Methodology for
teaching Reading of CULTURE AND LOCAL HISTORY is hypothesized,
based on the theory of Semantics of the Event, by Guimarães (2018),
which proposes AN ENUNCIATIVE READING METHOD (MEL), developed
by the Atlas dos Nomes que Contam História Group. of Brazilian Mi-
ning Cities. The MEL presents itself as a contextualized pedagogical
tool, effective to work in a multidisciplinary way, the reading deficiency
enunciated by external evaluators such as PISA, thus favoring the pe-
dagogical work. It is hypothesized to fill the existing gap in the teaching
of Basic Education, on the history that marks the process of occupa-
tion, exploration and formation of Brazilian national/local territories

Keywords: 1. Semantics of the Event. 2. Basic Education. 3. Culture


and local history. 4. Enunciative Method of Reading. 5. Basic Education

204 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


INTRODUÇÃO

O Grupo Atlas dos nomes que Contam História das Cidades Bra-
sileiras Mineiras, está sob a coordenação da Profa. Dra. Jocyare
Souza, em Minas Gerais, desde 2018, considerando a perspectiva
teórica Semântico-Enunciativa de Guimarães (2018), propõe um
Método Enunciativo de Leitura (MEL).

Dessa forma, estabelece um diálogo entre a Linguística, ten-


do como aporte a base teórica da Semântica do Acontecimento
(Guimarães, 2005) e o Ensino, área de concentração do Mestra-
do Profissional em Gestão, Planejamento e Ensino - espaço onde
essa pesquisa se desenvolve., na Universidade Vale do Rio Verde
– UninCor.

O MEL se materializa como real ferramenta pedagógica de tra-


balho inter e multidisciplinar, objetivando tornar-se suporte aos
profissionais da Educação Básica, no desenvolvimento de com-
petências que viabilizem, concretamente, habilidades leitoras em
quaisquer áreas do conhecimento. Inicialmente, tendo como ob-
jeto o estudo textos que circulam nas esferas sociais. O corpus do
trabalho se dará com textos específicos cuja temática seja aborda-
gens à cultura e história local/regional dos municípios brasileiros
mineiros. O trabalho com textos orais e escritos, em circulação
nas cidades brasileiras mineiras, os quais enunciam suas histórias
e culturas locais, assim como os seus processos de nomeação/re-
nomeação, ocupação e formação dos municípios, marca um lugar
dentro de quaisquer escolas, uma vez que dizer essas histórias,
sob uma perspectiva semântico-enunciativa é fazer significar as
identidades dos cidadãos que vivem nesses diversos municípios
brasileiros mineiros.

A fim de enfrentar o problema rotineiramente apontado pelos


avaliadores externos, sobretudo o Programa Internacional de Ava-
liação de Estudantes (PISA) e Indicador de Alfabetismo Funcional
(INAF) como uma deficiência da Educação Básica, o MEL estabele-

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 205


ce em suas bases metodológicas, diretrizes para o desenvolvimen-
to de competências e habilidades de leitura e, consequentemente
de escrita, oralidade e escuta.

O QUE DETERMINAM OS DOCUMENTOS QUE NORMATIZAM A


EDUCAÇÃO NO BRASIL/MINAS GERAIS SOBRE A ABORDAGEM
DA CULTURA E HISTÓRIA LOCAL/REGIONAL NA ESCOLA

Atualmente, a Educação Brasileira utiliza documentos os quais


norteiam os processos de reflexão, planejamento e prática peda-
gógica em todas as instituições escolares do país. Entre os princi-
pais documentos norteadores, encontram-se: a Lei nº 9.394, que
estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB); os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs); a Base Nacional Co-
mum Curricular (BNCC) e o Currículo Referência de Minas Gerais
(CRMG).

Estes documentos reformulam-se de acordo com a evolução so-


cial, e reúnem referenciais teóricos para a organização do traba-
lho pedagógico, objetivando direcionar o estado, o município, as
escolas e os professores, para a consolidação de uma educação
de qualidade.

Refletem a pluralidade e a diversidade sociocultural, contemplan-


do o estudo da cultura história regional/local, evidenciando a ne-
cessidade das instituições escolares de Educação Básica incluírem
em seus currículos conteúdos próximos da vivência dos estudan-
tes. Esses conteúdos devem ser significativos e partir das carac-
terísticas regionais/locais, da cultura, da história, do tempo e do
espaço em que as instituições escolares estão inseridas.

Entretanto, nenhum destes documentos normativos aborda como


comtemplar esse estudo da cultura história regional/local , deixan-
do a cargo das instituições escolares, a adequação de seus currícu-
los, considerando suas regiões e especificidades culturais/históricas,

206 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


através da elaboração de seus Projetos Políticos Pedagógicos (PPP).

Inicia-se a análise dos documentos normativos da Educação Bá-


sica, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).

A Lei 4.042 de 1961, foi a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Edu-


cação Nacional. Ficou conhecida como LDB e tinha como um de
seus objetivos, assegurar uma educação igualitária como direito
de todos. Sofreu reformulações e em 1996, novamente foi sancio-
nada pelo então presidente da República da República, Fernando
Henrique Cardoso, como Lei 9.394/96. Também ficou conhecida
como Lei Darcy Ribeiro, em homenagem a esse importante edu-
cador e político brasileiro, que foi um dos principais formuladores
dessa lei.

Abaixo, algumas das suas últimas reformulações:

a. alteração de 10 de junho de 2021, através da Lei nº


14.164/2021: a LDB passa a incluir o conteúdo sobre a
prevenção da violência contra a mulher, nos currículos
da Educação Básica e institui a Semana Escolar de
Combate à Violência contra a Mulher;

b. a alteração de 03 de agosto de 2021, através da Lei


nº 14.191/2021: a LDB acrescenta a modalidade de
Educação Bilíngue de surdos, incluindo essa modalidade
à Educação Básica;

c. a última alteração, publicada no Diário Oficial da


União, no dia 13/07/2022, através da Lei 14.407/2022,
oriunda do Projeto Lei (PL) 5.108/2019. Essa alteração
foi aprovada pelo Senado em 21 de junho, do ano de
2022. Foi sancionada como norma, sem vetos, pelo
presidente Jair Bolsonaro e define a leitura como
prioridade na Educação Básica Nacional. Essa lei
ainda acrescenta a alfabetização plena e a capacitação
gradual para a leitura, ao longo da Educação Básica,

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 207


como requisitos indispensáveis para a efetivação dos
direitos de aprendizagem e para o desenvolvimento
dos indivíduos (SITE NOTÍCIAS SENADO FEDERAL).
Dentre as determinações da LDB (1996) está o reconhecimento de
que a Educação deve abranger os processos formativos desenvol-
vidos na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas
instituições de ensino, instituições de pesquisa, nos movimentos
sociais, nas organizações da sociedade civil e nas manifestações
culturais.

Segundo este documento, a Educação articular-se com as famílias


e a comunidade, criando processos de integração da sociedade
com a instituição escolar.

A LDB estabelece, ainda, que a Educação deve vincular-se ao mun-


do do trabalho e à prática social, inspirada nos princípios de liber-
dade e nos ideais de solidariedade humana, preparando o estu-
dante para o exercício da cidadania e o qualificando para trabalho.

Ela determina a composição da Educação Escolar como:

a. Educação Básica: formada pela Educação Infantil,


Ensino Fundamental e Ensino Médio;

b. Educação Superior.
A Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional incumbe aos esta-
dos a elaboração e a execução de políticas e planos educacionais,
em consonância com as diretrizes e planos nacionais de educação.
Determina que os estabelecimentos de ensino devem elaborar e
executar suas propostas pedagógicas, integralizando-as à socieda-
de a qual está inserida. As escolas devem administrar o seu pes-
soal, os seus recursos de material e financeiros e velar pelo cum-
primento do plano de trabalho de cada docente, articulando-se
com as famílias e a comunidade.

Aos docentes, a LDB determina que participem da elaboração

208 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino no qual
atuam. Determina que eles elaborem e cumpram o seu plano de
trabalho, segundo a proposta da instituição à qual estão inseridos
e colaborem com as atividades de articulação entre a instituição,
as famílias e a comunidade.

A LDB estabelece que a parte diversificada do currículo escolar


deve harmonizar-se à Base Nacional Comum Curricular e articu-
lando-se com o contexto histórico, econômico, social, ambiental e
cultural, apresentados nas características regionais/locais da so-
ciedade da qual a instituição escolar faz parte.

Reconhece como finalidade da Educação Básica o desenvolvimen-


to integral do educando, assegurando-lhe uma formação nos as-
pectos físicos, cognitivos e socioemocionais, indispensáveis para
o exercício da cidadania e o fornecimento de meios para a sua
progressão no trabalho e em estudos posteriores.

Compreende a obrigatoriedade do Estado com a Educação Escolar


Pública, mediante a garantia do acesso aos níveis mais elevados
do ensino, pesquisa e criação artística, de acordo com a capaci-
dade individual e com padrões mínimos de qualidade no ensino.
Incube a União de coletar, analisar e disseminar informações so-
bre a Educação Básica, assim como elaboração e a execução das
políticas e planos educacionais, em consonância com as diretrizes
e planos nacionais de educação.

Em síntese, a LDB propicia a todos uma formação básica para a


cidadania, a partir da criação de condições de aprendizagens nas
instituições escolares para:

“I - o desenvolvimento da capacidade de
aprender, tendo como meios básicos o
pleno domínio da leitura, da escrita e do
cálculo;

II - a compreensão do ambiente natural e

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 209


social, do sistema político, da tecnologia,
das artes e dos valores em que se funda-
menta a sociedade;

III - o desenvolvimento da capacidade de


aprendizagem, tendo em vista a aquisi-
ção de conhecimentos e habilidades e a
formação de atitudes e valores;

IV - o fortalecimento dos vínculos de famí-


lia, dos laços de solidariedade humana e
de tolerância recíproca em que se assen-
ta a vida social” (LDB, Art. 32).

O segundo documento norteador analisado foram os Parâmetros


Curriculares Nacionais.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) constituem um refe-


rencial de qualidade para a Educação Básica brasileira.

Possuem a função de orientar e garantir a coerência dos investi-


mentos no sistema educacional. Socializa discussões, pesquisas,
recomendações. Subsidia a participação de técnicos e professores
brasileiros que possuem menor contato com a produção pedagó-
gica atual.

OS PCNs constituem-se diretrizes elaboradas pelo Governo Fe-


deral, respeitando as diversidades regionais, culturais e políticas
existentes no país.

Surgiram no ano de 1997, para o Ensino Fundamental e no ano de


2000, para o Ensino Médio, após a implementação da LDB..

Nasceram da necessidade de se construir uma Referência Curricu-


lar Nacional para a Educação Básica, a qual pudesse ser discutida
e traduzida em propostas regionais, nos diferentes estados e mu-
nicípios brasileiros, através de projetos educativos, nas escolas e
nas salas de aula.

210 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


Os PCNs objetivam orientar os educadores por meio da norma-
tização de alguns aspectos fundamentais concernentes a cada
disciplina, objetivando criar condições, nas escolas, as quais per-
mitam aos jovens o acesso a uma educação de qualidade, e a um
conjunto de conhecimentos adequados às suas necessidades e
realidades sociais, políticas, econômicas e culturais.

Garante aos estudantes aprendizagens essenciais para a sua for-


mação como cidadãos autônomos, críticos, participativos e capa-
zes de atuar com competência, responsabilidade e dignidade, em
sua sociedade e, em consequência, adquirirem prosperidade no
mundo do trabalho.

Através deles, professores reveem objetivos, conteúdos, formas


de encaminhamento das atividades, expectativas de aprendiza-
gem e maneiras de avaliar. Os PCNs auxiliam o educador a refle-
tir uma prática pedagógica coerente aos objetivos propostos para
uma Educação Básica de qualidade e igualitária.

Além disso, eles estabelecem que os conteúdos a serem trabalha-


dos nas isntituições escolares devem adequar-se às características
locais, sociais e econômicas dos educandos, objetivando a forma-
ção de cidadãos conscientes de seu papel na sociedade e atuantes
(BRASIL, 1997, p. 54).

Os PCNs garantem ao educando de qualquer região do país, fre-


quentar cursos nos períodos diurno ou noturno, inclusive aqueles
portadores de necessidades especiais, garantindo-lhes o direito
ao acesso aos conhecimentos indispensáveis para a construção
de sua cidadania.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais se dividem em seis volu-


mes, os quais se apresentam por áreas de conhecimento (Língua
Portuguesa, Matemática, Ciências Naturais, História, Geografia,
Arte e Educação Física) com o objetivo de facilitar o trabalho das
instituições, principalmente na elaboração de seus Projetos Políti-

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 211


cos Pedagógicos (PPP).

Por estarem divididos em áreas de acordo com a sua função ins-


trumental, os PCNs possibilitam uma maior integração entre os
conteúdos curriculares e a abordagem de alguns temas, como:
ética, saúde, meio ambiente, orientação sexual e pluralidade cul-
tural. A incorporação desses temas ao currículo, apresentam-se
de forma transversal, nas áreas dos componentes curriculares.

Ressalte-se que para cada uma das áreas e cada um dos temas
referidos, há um documento específico, que apresenta uma pro-
posta detalhada em objetivos, conteúdos, avaliações e orienta-
ções didáticas

Uma característica dos Parâmetros é a organização da escolaridade


em ciclos, predominante nas propostas atuais. Os ciclos são dividi-
dos em: Ciclo I : Educação Fundamental a qual corresponde aos
cinco primeiros anos de estudo que vão do 1º ao 5º ano. Segun-
do ciclo, conhecido como Ciclo II, é o que ocorre entre 6º e o 9º
ano do Ensino Fundamental, e o terceiro e último ciclo da Educa-
ção Básica é o Ensino Médio, que congrega o 1º, 2º e 3º anos des-
sa modalidade. A divisão das séries em ciclos objetiva superar a
segmentação produzida pelo regime seriado e busca princípios de
ordenação, que possibilitem maior integração do conhecimento.

O PCNs determinam que as avaliações considerem o ensino ofer-


tado pela instituição escolar, a atuação do professor, o desempe-
nho do educando, a estrutura escolar, as ferramentas auxiliares
promovidas no ensino e a metodologia utilizada.

De acordo com eles, não se pode pensar apenas em uma avaliação


voltada para a medição dos conteúdos trabalhados. Uma avalia-
ção da aprendizagem deve considerar características contextuais
embasadas em temas transversais como: pluralidade cultural, éti-
ca, trabalho, entre outras.

O PCNs apontam a necessidade de o aluno sentir segurança em rela-

212 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


ção ao trabalho da instituição, para alcançar resultados satisfatórios.

Com uma estrutura flexível, os PCNs possibilitam uma proposta


pedagógica voltada às decisões regionais e locais sobre currículos,
assim como programas de transformação da realidade educa-
cional empreendidos pelas autoridades governamentais, escolas
e educadores. Eles objetivam garantir o respeito às diversidades
culturais, regionais, étnicas, religiosas e políticas e à valorização
a pluralidade cultural. Objetivam levar a educação a participar do
processo de construção da cidadania de seus estudantes, com
base na igualdade de direitos.

Através dos PCNs, a prática escolar consegue favorecer o desen-


volvimento de habilidades nos alunos para que eles, além de
aprenderem os conteúdos, compreendam a realidade, participem
ativamente da sociedade, respeitem as culturas diversificadas e
exerçam efetivamente, a cidadania.

Os Parâmetros abrangem o diálogo como forma de mediar confli-


tos e tomar decisões coletivas. Enfatizam o desenvolvimento de
confiança nas capacidades afetiva, física, cognitiva, ética, estética.
Dedicam-se ao fortalecimento da Educação Básica e apontam con-
tribuições para o processo de elaboração e desenvolvimento do
projeto educativo escolar (PPP).

Apontam a necessidade de conhecer melhor os alunos.

Analisam o uso das Tecnologias da Comunicação e da Informação,


visando apresentar uma concepção geral, a qual é retomada de
maneira específica, nos documentos de áreas e temas transver-
sais.

Em linhas gerais, os Parâmetros Curriculares Nacionais se carac-


terizam por apontarem a necessidade da união de esforços entre
as diferentes instâncias governamentais e a sociedade, em prol
de apoiarem a escola na complexa tarefa educativa. Suas deter-
minações apontam uma prática escolar comprometida com a in-

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 213


terdependência escola-sociedade. Eles evidenciam o sentido e o
significado da aprendizagem, durante toda a escolaridade, como
forma de estímulo aos estudantes para o compromisso e a res-
ponsabilidade com a sua própria aprendizagem (protagonismo).
Explicitam a necessidade de os alunos desenvolverem diferentes
capacidades.

Os PCNs ressaltam a importância de cada instituição ter clareza


quanto ao seu projeto educativo, de forma que todos possam se
comprometer em atingir as metas a que se propuseram e à ne-
cessidade de tratar de temas sociais necessários - os chamados
Temas Transversais, reconhecendo a diferença e a necessidade
de haver condições diferenciadas para o processo educacional,
garantindo assim, uma formação de qualidade para todos, com
características diferenciadas, a qual não desvalorize as peculiari-
dades culturais e regionais.

Os Parâmetros valorizam os trabalhos dos docentes como sendo


produtores, articuladores, planejadores das práticas educativas e
mediadores do conhecimento socialmente produzido.

De acordo com o portal do MEC, como se disse, os PCNs apontam


a importância de se atuar com a diversidade existente entre os es-
tudantes e os seus conhecimentos prévios, como fonte de apren-
dizagem de convívio social e como meio para a aprendizagem de
conteúdos específicos. Eles recomendam que as políticas educa-
cionais sejam diversificadas e concebidas de modo que a educa-
ção não seja um fator suplementar da exclusão social (http://por-
tal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/introducao.pdf).

OS PCNs fundamentam a Educação em quatro pilares:

• “aprender a conhecer, que pressupõe saber selecionar,


acessar e integrar os elementos de uma cultura geral,
suficientemente extensa e básica, com o trabalho
em profundidade de alguns assuntos, com espírito

214 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


investigativo e visão crítica; em resumo, significa ser
capaz de aprender a aprender ao longo de toda a vida;

• aprender a fazer, que pressupõe desenvolver a compe-


tência do saber se relacionar em grupo, saber resolver
problemas e adquirir uma qualificação profissional;

• aprender a viver com os outros, que consiste em de-


senvolver a compreensão do outro e a percepção das
interdependências, na realização de projetos comuns,
preparando-se para gerir conflitos, fortalecendo sua
identidade e respeitando a dos outros, respeitando va-
lores de pluralismo, de compreensão mútua e de busca
da paz;

• aprender a ser, para melhor desenvolver sua persona-


lidade e poder agir com autonomia, expressando opi-
niões e assumindo as responsabilidades pessoais” (PA-
RÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS).
Além de orientarem os professores, coordenadores e diretores
os PCNs estabelecem que os conteúdos a serem trabalhados nas
isntituições escolares devem adequar-se às características locais,
sociais e econômicas dos educandos objetivando a formação de
cidadãos conscientes de seu papel na sociedade e atuantes, como
já dito (BRASIL, 1997, p. 54).

O terceiro documento norteador da Educação Básica Nacional


analisado foi a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

A BNCC iniciou-se em 2015, a partir de uma análise aprofundada


dos documentos curriculares brasileiros, realizada por especialis-
tas indicados pelas secretarias municipais e estaduais de educa-
ção e universidades. Passou por várias homologações até à sua
edição vigente, homologada em 14 de dezembro de 2018, pelo
ministro da educação Rossieli Soares.

A Base Nacional Comum Curricular aplica-se exclusivamente à

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 215


Educação Escolar, tal como a define o § 1º do Artigo 1º da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº 9.394/1996).

É também um documento de caráter normativo. Define o conjunto


de aprendizagens essenciais progressivas para os estudantes de-
senvolveram ao longo das etapas e modalidades da Educação Bá-
sica, assegurando-lhes o direito a uma aprendizagem e um desen-
volvimento, em conformidade com o que instrui o Plano Nacional
de Educação (PNE).

A BNCC se configura em um conjunto de orientações complemen-


tares, que direcionam e orientam as equipes pedagógicas. Suas
orientações garantem o acesso e a permanência dos estudantes
na escola e o desenvolvimento de competências gerais para a Edu-
cação Básica.

Os marcos legais que embasam a BNCC são a Constituição de


1988 ( que em seu artigo 205, o qual reconhece a educação como
direito fundamental de todos); a Carta Constitucional (que em seu
Artigo 210, que reconhece a necessidade da fixação dos conteú-
dos mínimos para o Ensino Fundamental, de maneira a assegurar
formação básica comum e respeito aos valores culturais e artís-
ticos, nacionais e regionais); a LDB ( que em seu Inciso IV de seu
Artigo 9º, aponta que cabe à União estabelecer, em colaboração
com os Estados, Distrito Federal e Municípios, competências e di-
retrizes para a Educação Básica, as quais nortearão os currículos
e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica
comum) (BRASIL, BNCC, 2017).

A BNCC estrutura-se explicitando os conhecimentos/competên-


cias e habilidades as quais devem ser desenvolvidas ao longo da
Educação Básica, em cada etapa da escolaridade, como expressão
dos direitos de aprendizagem e desenvolvimento de todos os es-
tudantes.

Orienta-se pelos princípios éticos, políticos e estéticos visando à

216 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


formação humana integral e à construção de uma sociedade justa,
democrática e inclusiva, como fundamentado nas Diretrizes Curri-
culares Nacionais da Educação Básica (BRASIL, BNCC, 2017). E, se
constitui um documento completo e contemporâneo, elaborado
por especialistas de todas as áreas do conhecimento, que, ao in-
tegrar a Política Nacional da Educação Básica Brasileira contribuiu
para o alinhamento de outras políticas e ações educacionais, em
âmbito federal, estadual e municipal.

Em síntese:

“A Base Nacional Comum Curricular é um


documento de caráter normativo que de-
fine o conjunto orgânico e progressivo de
aprendizagens essenciais que todos os
alunos devem desenvolver ao longo das
etapas e modalidades da Educação Bá-
sica, de modo que tenham assegurados
seus direitos de aprendizagem e desen-
volvimento, em conformidade com o que
preceitua o Plano Nacional de Educação”
(BRASIL, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO GO-
VERNO FEDERAL 2017, P. 07).

A BNCC garante que aos alunos compreendam as características


naturais e culturais nas diferentes sociedades, assim como os
lugares do seu entorno, incluindo a noção de espaço-tempo e a
identificação dos grupos populacionais que formam sua cidade,
município, região. Regulamenta as aprendizagens essenciais a se-
rem trabalhadas no sistema de ensino brasileiro e objetiva pro-
mover a igualdade do sistema educacional em prol da construção
de uma sociedade inclusiva, justa e democrática. Reconhece os
patrimônios históricos e culturais e garante um diálogo com as
realidades locais (BRASIL, BNCC, p. 472).

Ela também se refere à formação de educadores, à avaliação, à

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 217


elaboração de conteúdos educacionais e aos critérios para a ofer-
ta de infraestrutura adequada para o plano desenvolvimento da
educação.

As competências gerais apontadas pela BNCC voltadas para a


Educação Básica foram definidas a partir dos direitos éticos, esté-
ticos e políticos, assegurados pelas Diretrizes Curriculares Nacio-
nais (DCNs).

As DCNs são normas obrigatórias para orientar o planejamento


curricular das escolas e dos sistemas de ensino. São definições
doutrinárias sobre princípios, fundamentos e procedimentos da
Educação Básica. Elas orientam as instituições escolares sobre
como montar suas grades curriculares e auxiliam na organização,
articulação, desenvolvimento e avaliação de propostas pedagógi-
cas. São fixadas e definidas pelo Conselho Nacional de Educação
(CNE) e se originam da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB)
do ano de 1996.

A BNCC determina habilidades, atitudes e valores essenciais para


a vida do século XXI. Essas habilidades não devem ser interpreta-
das como um componente curricular, mas devem ser tratadas de
forma transdisciplinar e devem estar presentes em todas as áreas
de conhecimento e etapas da educação. Elas orientam as escolhas
curriculares.

Abaixo, alguns exemplos das competências apontadas pela BNCC:

a. valorização e utilização dos conhecimentos historica-


mente construídos sobre o mundo físico, social, cultu-
ral e digital objetivando entender e explicar a realidade,
aprender e a colaborar para a construção de uma so-
ciedade mais justa, democrática e inclusiva;

b. a valorização e o fruir das diversas manifestações


artísticas e culturais, desde as locais às mundiais, e a

218 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


participação de práticas diversificadas da produção
artístico-cultural;

c. a valorização da diversidade de saberes e vivências


culturais e apropriação de conhecimentos e experiên-
cias que possibilitem o entendimento e as relações do
mundo do trabalho as quais possibilitem aos estudan-
tes a fazerem escolhas alinhadas ao exercício da cida-
dania e ao seu Projeto de Vida com consciência crítica,
responsabilidade e autonomia;

d. levar o aluno a ter o conhecimento de si mesmo, saber


se auto apreciar e cuidar de sua saúde física e emocio-
nal, compreendendo-se na diversidade humana e reco-
nhecendo suas emoções e as dos outros, com autocríti-
ca e capacidade para lidar com elas;

e. objetiva que estudante exerça a empatia, o diálogo, sai-


ba resolver conflitos e ser cooperativo, faça se respeitar
e promova o respeito ao outro e aos direitos humanos,
valorize a diversidade de grupos sociais, os seus sabe-
res, as identidades, as culturas e as potencialidades,
sem preconceitos de qualquer natureza;

f. promover a ação subjetiva e coletiva do aluno com au-


tonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e
determinação;

g. levar o estudante a saber tomar decisões com base em


princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis
e solidários. (BRASIL, BNCC, 2017 - Adaptado).
Nota-se que as competências da BNCC objetivam a mobilização de
conhecimentos, habilidades, atitudes e valores os quais buscam
auxiliar a resolver as demandas da vida cotidiana dos estudantes,
o exercício da cidadania e atendimento ao mundo do trabalho.
Elas se inter-relacionam e desdobram-se no tratamento didático

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 219


proposto para as três etapas da Educação Básica: Educação Infan-
til, Ensino Fundamental e Ensino Médio. Além disso, essas compe-
tências se articulam na construção de conhecimentos, no desen-
volvimento de habilidades e na formação de atitudes e valores,
nos termos da LDB.

A BNCC compromete-se com a Educação Integral e reconhece que


a Educação Básica deve visar à formação e o desenvolvimento hu-
mano global. Assume uma visão plural, singular e integral do es-
tudante e os considera como sujeitos de aprendizagem. Promove
uma educação voltada ao acolhimento, reconhecimento e desen-
volvimento pleno, nas suas singularidades e diversidades. Aponta
que a escola deve ser um espaço de aprendizagem democrática
e inclusiva, e que deve ser fortalecida na prática coercitiva de não
discriminação e não preconceito, respeitando às diferenças e di-
versidades.

A Educação Integral à qual a BNCC se compromete, se refere à


construção intencional de processos educativos, os quais promo-
vam nos estudantes aprendizagens sintonizadas com as suas ne-
cessidades, interesses e desafios da sociedade contemporânea.
Ela reconhece as diferentes infâncias e juventudes, diversidade
cultural e potencial jovem, de criar novas formas de existir.

É através da BNCC que se contextualiza os conteúdos dos


componentes curriculares e os torna significativos as aprendizagens
necessárias aos estudantes na contemporaneidade.

É a Base Nacional quem decide as formas de organização


interdisciplinar dos componentes curriculares e fortalece a
competência pedagógica das equipes escolares para adotar
estratégias dinâmicas e interativas em relação à gestão do ensino e
da aprendizagem dos educandos (BRASIL, Ministério da Educação
Governo Federal, BNCC, 2017).

De acordo com a BNCC a avaliação escolar deve ter o objetivo de

220 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


fazer uma análise global e integral do aluno. Deve ser formativa
e considerar os contextos e as condições de aprendizagem dos
estudantes.

Nota-se que a implementação dessa avaliação global, contribui de


forma direta para o desenvolvimento e protagonismo do estudan-
te. Nesse processo de aprendizagem, adaptativa, o professor deve
atuar como orientador e não mais aquele que detém o conheci-
mento.

A BNCC determina ainda que se façam registros com o objetivo de


referenciar a progressão/melhora no desenvolvimento escolar do
estudante, o considerando o centro do processo de ensino-apren-
dizagem.

Nesse sentido, as metodologias devem favorecer ao protagonismo


do educando, sua personalização e o processo de aprendizagem,
deve analisar as diferentes culturas e os desafios da sociedade a
qual o aluno está inserido

Ressalta-se que a BNCC não elimina os planos estaduais, o Projeto


Político Pedagógico da Escola (PPP) ou o plano de aula do profes-
sor. Pelo contrário, ela vem acrescentar competências e habilida-
des que devem ser trabalhadas durante toda a Educação Básica,
de forma contínua e gradual.

O quarto documento norteador a ser analisado é Currículo Refe-


rência de Minas Gerais (CRMG).

O CRMG é um importante documento orientador para a Educação


Básica Mineira. Foi elaborado a partir dos fundamentos educacio-
nais expostos na nossa Constituição Federal (CF/1988), na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/96), no Plano
Nacional de Educação (PNE/2014), na Base Nacional Comum Cur-
ricular (BNCC/2017) e a partir do reconhecimento e da valorização
dos diferentes povos, culturas, territórios e tradições existentes
em nosso estado.

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 221


Destaca-se que é um documento resultante de estudos da Secre-
taria da Educação de Minas

Gerais (SEE) junto a União Nacional dos Dirigentes Municipais de


Educação de Minas Gerais (UNDIME/MG) inspirado em documen-
tos curriculares presentes em diferentes redes de ensino.

Fortaleceu-se através da parceria com outros campos da política


educacional e, em dezembro de 2018, foi homologado, substituin-
do o Currículo Básico Comum (CBC) que até então, era a única
fonte de embasamento sobre o que deveria ser oportunizado aos
estudantes da Educação Básica no Estado de Minas Gerias.

O CRMG objetiva garantir um ensino de qualidade diversifican-


do oportunidades de formação e transformação social, as quais
zelem pelo direito à aprendizagem integralizada. Ele orienta a
elaboração dos planos e ações educacionais em Minas Gerais,
garantindo aos estudantes, o direito à aprendizagem em todo o
território mineiro, a partir do reconhecimento e da valorização
dos diferentes povos, culturas, territórios e tradições existentes
em seu meio. Ele garante a isonomia e a igualdade através de uma
educação de qualidade, seguindo os preceitos estabelecidos no
Plano Nacional de Educação (PNE).

Sua estrutura respeita a BNCC e ao contrário da maioria dos ou-


tros estados brasileiros, o CRMG já é normatizado voltado para
o desenvolvimento de Competências e Habilidades desde 2005,
propondo a construção e percepção de espaços, tempos, quanti-
dades e transformações presentes no dia-a-dia, motivando o estu-
dante a ter um olhar crítico e criativo do mundo.

O Currículo Referência de Minas Gerais aponta a necessidade de


trabalhar conteúdos iguais em todo o território mineiro, objeti-
vando resguardar o estudante que, por ventura, mude de escola
ou região para que o seu estudo não seja prejudicado e as insti-
tuições escolares preservem as aprendizagens contextualizadas e

222 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


significativas para o educando.

O CRMG estabelece que os municípios trabalhem no educando a


curiosidade e o conhecimento do local em que vive, adequando,
revisando e construindo um currículo o qual valorize às diversas
manifestações artísticas e culturais de seu contexto regional/local,
garanta a isonomia e igualdade, promova uma educação de qua-
lidade a qual atenda os preceitos estabelecidos no Plano Nacional
de Educação (PNE), reconheça e valorize os participantes do pro-
cesso educativo e as múltiplas dimensões de formação humana.

Ele cria a possibilidade de resgatar valores, rever teorias, ressig-


nificar experiências. Promove aprendizagens contextualizadas e
significativas. Estabelece o exercício da empatia, do diálogo, da
cooperação e prioriza a parceria escola/família.

Estabelecem uma educação integralizada promovendo a inclusão


e o acesso, reconhecendo e valorizando as diversidades da comu-
nidade a qual a instituição escolar se situa.

O CRMG determina que cada instituição escolar deve estar atenta


as suas culturas distintas, as diversidades de sua formação e as
vivências dos estudantes para assim, buscar vencer com sucesso,
os propósitos e desafios educativos.

As instituições escolares devem valorizar o patrimônio científico,


tecnológico, histórico, artístico e cultural, conhecer e respeitar as
histórias e culturas indígenas, afro brasileiras entre outras, perceber
os diversos grupos sociais e suas organizações, identificar a família
como um grupo social importante e respeitar sua ancestralidade.
Elas devem ainda reconhecer as tradições mineiras, costumes e
brincadeiras de outras épocas e de ouras civilizações. Sendo assim,
as escolas devem promover experiências diversas para que os edu-
candos construam a percepção de espaços, tempos, quantidades,
relações e transformações presentes no seu dia-a-dia, motivando-
-os a terem um olhar crítico e criativo do mundo (CRMG, p.54, 2018).

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 223


A concepção de Educação Integral estabelecida pelo CRMG permi-
te organiza-la desconsiderando a hierarquização dos saberes e ga-
rantindo a construção de um conhecimento a partir das diversas
dimensões humanas. Ele possibilita o exercício dos quatro pilares
da Educação, segundo a Comissão Internacional sobre Educação
da UNESCO, que são: o aprender a conhecer, o aprender a ser, o
aprender a fazer e o aprender a viver. Associa à formação básica
os outros conteúdos e experiências que garantam a melhoria das
aprendizagens em todas as áreas do conhecimento, a promoção e
o desenvolvimento de habilidades as quais ampliem o letramento
em leitura, escrita e a aprendizagem de matemática, oportunizan-
do uma educação de qualidade para todos.

A construção coletiva do Projeto Político Pedagógico (PPP) de cada


instituição escolar é reconhecido pelo CRMG como um instrumen-
to de participação democrática, no qual cada escola deve conside-
rar seu contexto e singularidades, tornando-se indispensável para
a efetivação de um Currículo o qual contemple as especificidades
de cada comunidade e trabalhe as culturas plurais, dialogando
com a riqueza/diversidade das contribuições familiares, das co-
munidades, de suas crenças e manifestações culturais.

O CRMG aponta pressupostos os quais precisam ser construídos


em cada instituição escolar mineira, na organização de seus Proje-
tos Políticos Pedagógicos (PPP):

• “A concepção de que a educação deve envolver a supe-


ração da organização escolar em turnos;

• A constituição de componentes curriculares que pro-


movam diálogos abertos com o território e que aco-
lham as realidades das comunidades locais;

• O debate e articulação entre os saberes acadêmicos e


os saberes populares;

224 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


• Práticas curriculares organizadas como ambiências
criativas que acolham a participação dos estudantes,
que reconheçam e promovam seu envolvimento polí-
tico-comunitário;

• A ampliação do espaço escolar para além dos muros da


escola, desenvolvendo a perspectiva do território edu-
cativo;

• A ampliação da conceituação de qualidade para além


dos resultados das avaliações externas e internas, mas
para a formação integral do sujeito, criando condições
para o desenvolvimento do seu Projeto de Vida”(CRMG,
2018, p.18 e 19).
O CRMG enfatiza a necessidade de as práticas pedagógicas serem
planejadas considerando as culturas plurais dialogando com a
diversidade dos grupos, as contribuições familiares e da comuni-
dade. Assegura que, quando se é capaz de perceber o passado
histórico, tem-se condições de agir sobre a realidade. Aponta que
o passado impulsiona a dinâmica ensino-aprendizagem e dialoga
com presente na Educação, uma vez que percebendo o passado
histórico, tem-se condições de agir sobre a realidade contemporâ-
nea (CRMG, p.734, 2018).

Ressalta que o direito de aprender deve se materializar no currícu-


lo escolar uma vez que é ele quem define o que ensinar, o porquê
ensinar e o quando ensina. Estabelece que o currículo escolar deve
estar conectado às aspirações, expectativas e diversidade cultura
na qual a escola está inserida. Fortalece as formas de atendimento
escolar articulando os saberes às especificidades regionais/locais.

O Currículo de Minas não pode ser proposto a partir da lógica da


padronização, ou, a partir de uma organização pautada em este-
reótipos ou preconceitos sobre os sujeitos, tempos ou espaços da
educação. Um de seus princípios é a integralidade. Entende-se por

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 225


integralidade aqui, o sinônimo de trocas de experiências no pro-
cesso educativo, onde o encontro de saberes permite a qualidade
da educação.

Em síntese o CRMG enfatiza os documentos norteadores da edu-


cação nacional e promove o respeito ao próximo e aos direitos
humanos. Enfatiza o acolhimento e a valorização da diversidade
de indivíduos e de grupos sociais, assim como seus saberes, iden-
tidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer
natureza (CRMG, p. 10, 2018). Tem o papel de tornar a instituição
escolar um lugar para a busca de uma sociedade mais justa e so-
lidária.

É fato que o estado de Minas Gerais, ao contrário da maioria dos


outros estados brasileiros, já possuía um currículo normatizado
voltado para o desenvolvimento de Competências e Habilidades
desde 2005, intitulado como Conteúdo Básico Comum (CBC) com
normativas que fundamentavam a Educação Básica Mineira como
já dito. O CBC foi uma proposta curricular, desenvolvida pela Se-
cretaria de Educação do Estado de Minas Gerais (SEEMG), voltada
para as escolas da rede pública mineira. Eles já contemplavam e
instituíam a necessidade de um estudo contextualizado com a re-
gionalidade, particularidades dos estudantes e a relação da diver-
sidade cultural regional existente.

Através da análise dos documentos norteadores da Educação Bá-


sica Brasileira/Mineira conclui-se que eles remetem à necessidade
do estudo contextualizado sobre a cultura história local/regional
do educando, assim como suas particularidades/individualidades
e a relação com a diversidade cultural regional/local.

Nesse sentido, aponta-se a necessidade de estudar o sentido de


cultura, sob a perspectiva de Michel de Certeau, por considera-la
de relevância para uma educação libertadora, a qual atenda a rea-
lidade da diversidade cultural e considere a voz de todos.

226 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


O SENTIDO DE CULTURA E HUMANIDADE, UMA PERSPECTIVA
FUNDAMENTADA NOS PRINCÍPIOS DE MICHEL DE CERTEAU
(1995)

Michel de Certeau é um escritor/historiador que se destaca como


referência nos estudos sobre a cultura, a escola e a educação. Re-
conhece a cultura numa perspectiva voltada para a experiência
dos povos e suas práticas sociais. Vê a história através da antro-
pologia, filosofia, sociologia e ciência política, incorporando a ela
uma análise psicanalítica. Esse autor destaca a cultura como cons-
titutiva da experiência dos sujeitos e das práticas sociais.

Em sua obra, “A Cultura no Plural” (1995), Certeau especifica a “cul-


tura no singular” e a “cultura do plural”.

Atualmente, pode-se reconhecer a “cultura do plural” relevante


para uma educação brasileira libertadora a qual objetiva atender
a diversidade cultural e considere a voz de todos de forma iguali-
tária.

Certeau (1195) buscava compreender de onde uma sociedade ob-


tinha a base de sua compreensão e foi assim, que escreveu uma
série de artigos que diziam respeito da vida social e da inserção da
cultura nessa vida. Em sua perspectiva, toda cultura requer uma
apropriação, uma transformação pessoal e um intercâmbio ins-
taurado em um grupo social.

Em sua obra, “A Cultura no Plural”, Certeau (1995) quebra a ideia


da cultura de um grupo de “eleitos”, a chamada “cultura letrada/
singular”. Ele mostra que não há uma cultura monolítica, mas sim,
uma pluralidade de culturas.

Segundo esse autor, a “cultura singular” é desigual, dá voz e lu-


gar apenas à elite representada por pessoas que têm acesso aos
livros, ao conhecimento acadêmico/universidade, ou seja, as pes-
soas consideradas autoridades e silencia as outras tantas pessoas,
as quais poderiam defender e lutar por seus direitos. É uma cul-

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 227


tura injusta, capitalista, onde apenas alguns possuem acesso ao
saber e as oportunidades são voltadas apenas para eles. A clas-
se que não possui acesso a esta cultura é silenciada e dominada.
Entretanto é essa classe que trabalha e faz girar o mercado da
sociedade.

A concepção de cultura de Certeau (1995) ignora a ideia da cul-


tura no singular, a qual ele critica por sempre ser traduzida como
“singular de um meio” e aponta sua substituição pela concepção
de cultura centrada na “cultura no plural”.

Sob o seu ponto de vista, toda cultura requer uma apropriação de


um grupo social. E é essa apropriação que constitui a cada época,
um sistema cultural entre uma situação histórica e o instrumento
intelectual que lhe é adequado. Nesse sentido:

“(...) a cultura não é nem um tesouro a ser


protegido dos danos do tempo, nem um
conjunto de valores a serem defendidos;
ela significa simplesmente um trabalho
que deve ser realizado em toda a exten-
são da vida social. (CERTEAU, 1995, p. 10).

De acordo com Certeau (1995) pensar em cultura é falar de histó-


ria, é encontrar com o passado desconhecido, o passado de his-
tórias vividas para assim, compreender a cultura. Para Certeau
história é:

“Faço história” no sentido em que não


só produzo textos historiográficos, mas
tenho acesso, por meu trabalho, à cons-
ciência de que algo se passou, atualmente
morto, inacessível como vivo. A estrutura
[do passado, por meio dos documentos]
defende e exprime esta aquisição da ex-
periência histórica; ela diz que houve algo

228 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


diferente. [...] A “estrutura” é um concei-
to-ferramenta que exprime, à semelhan-
ça de uma resistência, a diferença que
o trabalho histórico faz aparecer entre
um presente e “seu” passado” (CERTEAU,
2011, p. 166-167).

Entretanto, é fato que historicidade privilegia e valoriza a cultura gra-


focênterica, o que acaba com qualquer possibilidade de desenvolvi-
mento e crescimento igualitário, reprimi e coloca barreiras, maquia-
das por um “suposto rigor acadêmico” (FERREIRA, SOUZA, 2022).

Certeau (1995) lutava pelo rompimento de barreiras e o reconhe-


cimento da cultura no plural fundamentando-se na ideologia de
que todos os que quisessem ou necessitassem, deveriam poder
ter acesso à condições de estudo, pois, somente assim, haveria
justiça ao direito do acesso ao conhecimento e consequentemen-
te, o acesso às oportunidades, o que a “cultura no singular” aponta
como acesso ao poder.

Ele sempre lutava contra a prática da cultura de poder que silen-


cia, amedronta e manipula. Para ele, quando se pratica a cultura
no singular, a verdade cultural é sufocada, silenciada.

Certeau conceitua a sociedade como:

“Uma sociedade resulta, enfim, da res-


posta que cada um dá à pergunta sobre
sua relação com uma verdade, sobre sua
relação com os outros. Uma verdade sem
sociedade é apenas um engodo. Uma
sociedade sem verdade é apenas uma ti-
rania. Assim como a dupla relação – com
os outros e com uma verdade – mede o
alcance “filosófico” do trabalho social”
(CERTEAU, 1995, p. 38-39).

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 229


Segundo Certeau (1995) a cultura em um sentido amplo classifi-
ca-se em:

“O termo cultura ocorre em “difusão da


cultura”, “cultura de massa”, “política da
cultura” etc. Pode-se distinguir vários de
seus empregos, característicos de abor-
dagens diferentes. Ele designará assim:
a. Os traços do homem “culto”, isto é, se-
gundo o modelo elaborado nas socieda-
des estratificadas por uma categoria que
introduziu suas normas onde ele impôs
seu poder. b. um patrimônio das “obras”
que devem ser preservadas, difundidas
ou com relação ao qual se situar (por
exemplo, a cultura clássica, humanista,
italiana ou inglesa etc.). À idéia de “obras”
que devem ser difundidas acrescenta-se
a de “criações” e de “criadores” que de-
vem ser promovidos, em vista de uma
renovação do patrimônio. c. a imagem, a
percepção ou a compreensão do mundo
próprio a um meio (rural, urbano, nativo
etc.) ou a uma época medieval, contem-
porânea etc.(...) d. comportamentos, insti-
tuições, ideologias e mitos que compõem
quadros de referência e cujo conjunto,
coerente ou não, caracteriza uma socie-
dade como diferente das outras (...) e. a
aquisição, enquanto distinta do inato.
A cultura diz respeito aqui à criação, ao
artifício, à ação, em uma dialética que se
opõe e a associa à natureza. f. um siste-
ma de comunicação, concebido segundo

230 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


os modelos elaborados pelas teorias da
linguagem verbal. Enfatizam-se sobretu-
do as regras que organizam entre si os
significados, ou, em uma problemática
próxima, a mídia (cf. A. Moles) (CERTEAU,
1995, p. 195-196)

Para Certeau (1195) a cultura é algo que se reinventa, se ressigni-


fica e se transforma. De acordo com ele era necessário combater
conceitos históricos, políticos e até mesmo morais estabelecidos
forçadamente, através da conscientização. Ressaltava a “cultura
plural” e a ressignificação do que meio social oferecia. Ele enfatiza-
va a busca pela riqueza da diversidade.

Segundo este autor/historiador uma educação que produz uma


visão capitalista, excludente, desigual e uma política que não luta
pelo seu povo, mas o emudece e o imobiliza de defender e exercer
os seus direitos, precisa ser questionada e repensada pois gera
frustação e instabilidade à população. Ele não defendia a cultura
letrada ou monolítica, mas a no plural, a reinventa, ressignifica e
transforma.

Michel de Certeau (1995) acreditava também que o elitismo e o


papel da universidade necessitavam ser questionado e repensado
nas estruturas sociais. De acordo com as práticas existentes, não
podia se falar em igualitarismo cultural porque a hierarquizações
sociais se apoiavam na “cultura no singular” predominante.

Neste sentido, Certeau (1995) defendia a luta através do terreno


da cultura, objetivando impactar as formas de pensamento e pro-
dução intelectual daquela época. Essa luta se assemelha com a
luta contemporânea uma vez que ainda se busca a finalização des-
sas estruturas desiguais:

“Porque a atividade científica ou governa-


mental é sempre elitista, ela depara com

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 231


a cultura silenciosa da multidão como um
obstáculo, uma neutralização ou uma dis-
função dos seus projetos. O que nela é
perceptível é, portanto, uma inércia, das
massas com relação à cruzada de uma
elite. É um limite. O “progresso” dos le-
trados ou dos executivos detém-se nas
bordas de um mar. Essa fronteira móvel
separa os homens do poder e “os outros”
(CERTEAU, 1995, p. 240).

Para Certeau (1995), necessitava-se trazer à tona o conjunto


cultural silenciado/apagado, mas que existe ou que já existiu no
passado. Se continuasse o desprezo por aquilo que não tem voz,
aquilo que não é revelado, isso implicaria em consentir no silencia-
mento de uma cultura a qual poderia ser ressignificada e se tornar
igualitária.

Nesse sentido, a escola precisa cumprir seu papel social transfor-


mador e deixar de exercer um papel de seleção social. Deveria dar
prosseguimento à luta pela visibilidade e voz de uma cultura que
vinha sendo silenciada.

Certeau (1995) defendia que através de uma educação cultural,


o povo poderia entender que tem o poder de “criar culturas” e
o poder de manifestar sobre questões e problemas filosóficos.
Segundo ele a ação cultural liga os sujeitos a seus objetivos e al-
vos. Nesse sentido esses sujeitos passam a agir e a se posicionar
gerando uma política cultural e consequentemente, geram uma
política cultural coerente.

De acordo com este historiador, as instituições escolares deve-


riam fomentar esse espaço de linguagem em prol do equilíbrio
social, uma vez que a saída para as desigualdades e apagamentos
culturais e sociais não era a permanência na neutralidade:

232 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


“Permanece o fato de que, mesmo sob
essa forma, uma reflexão ou um texto
sobre a cultura deixa em suspenso uma
interrogação decisiva: quem fala e para
quem? Todo discurso é definido por um
emissor e um destinatário. Supõe um
contrato tácito entre eles. [...] Parece-me
que uma análise ou um discurso instala-
-se no “não-lugar” da utopia quando não
delimita seus destinatários e, por isso
mesmo, sua própria condição” (CERTEAU,
1995, p. 224).

O livro de Certeau (1955) interroga a função do ensino na socie-


dade midiática. Este autor defendia e acreditava que a escola não
detinha mais o monopólio da transmissão da cultura e nem era
mais o centro distribuidor da ortodoxia em matéria da prática so-
cial (CERTEAU, 1995, p. 129).

Segundo este autor a universidade também transmitia uma cultu-


ra de elite, estável e homogênea. entre universitários previamente
selecionados, onde a cultura era um bem proibido, própria de um
grupo de “eleitos”.

Para Certeau (1995) era necessário que as instituições universitá-


rias mudassem e trabalhassem a partir de sua nova realidade plu-
ral, assumindo a necessidade de uma cultura de massa. Ele sugere
que as universidades se tornem laboratórios produzindo uma cul-
tura de massa, adequando os métodos às questões e às necessi-
dades sociais. É necessário que as instituições universitárias con-
siderem o significativo qualitativo, diante do número quantitativo
de seus universitários.

Diante da entrada em massa de jovens na universidade, ela se per-


deu e fragmentou-se em tendências contrárias, fechando-se em
si. . Se apoiou numa mistura da cultura, resultando em sua incom-

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 233


petência. Essa instituição passou a ser vista como um obstáculo a
ser superado até se chegar a uma profissão.

A divisão entre universidade e mundo, segundo Certeau (1995),


gera desqualificação. Nesse sentido, necessita-se conscientizar de
que a relação da cultua com a sociedade modificou-se e se modi-
fica. A cultura não se reserva a um grupo social e nem é definida
por um código aceito por todos (CERTEAU, 1970, p. 104).

Nesse sentido, conclui-se como já dito, que a instituição escolar


passa a não possuir mais o monopólio cultural e surge uma multi-
plicação cultural, com diversas fontes de cultura e vários tipos de
referências culturais. Necessita-se que escolas enfrentem o pro-
cesso de democratização do ensino que substitui seu processo de
massificação adotado. É necessário que elas trabalhem a partir
de sua nova realidade plural, assumindo a necessidade de uma
cultura de massa, a “cultura no plural”.

Assim, Certeau (1995) propõe:

Nessa linha, o ensino teria por princípio


menos um conteúdo comum do que um
estilo. Não seria incompatível com a he-
terogeneidade dos conhecimentos e das
experiências entre estudantes (como
entre estudantes e docentes), uma vez
que seria, a cada vez, definido por uma
atividade na qual o professor seria o en-
genheiro-consultor e pela focalização de
métodos que delineiam possibilidades
técnicas por meio da cultura de massa
(DE CERTEAU, 1974, p. 115).

Certeau (1995) defendia uma escola no plural, onde não existisse


o aluno padrão ou o lugar fixo do saber. Sabia que para uma gran-
de transformação, a escola necessitava ser para todos, reconhecer

234 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


as diversas inteligências e culturas e oportunizar a diversidade. Ele
propõe que as instituições escolares mudem, aceitem o homem
de seu tempo, sua diversidade e sua cultura histórica. Propõe que
elas saiam do sistema pedagógico tradicional e se integrem à “cul-
tura do plural” e reconhecendo as mais diversas inteligências e
culturas e proporcione oportunidades igualitárias. Que os espa-
ços de aprendizagens sejam um lugar de ser, de aprender e de
fazer.

É nítido como a educação, a história e a cultura se apontam como


sendo um caminho norteador para se repensar as ideologias nas
instituições estabelecidas como as detentoras do saber, do poder
e das decisões. Necessita-se que as instituições escolares sejam
um lugar iminentemente social, de pesquisa , de diálogos, um lu-
gar que respeite às múltiplas culturas, a história local/regional, as
múltiplas inteligências e que oportunizem um lugar de pertenci-
mento a seus estudantes. É necessário que elas deem voz aos su-
jeitos dentro das comunidades e sejam um lugar, que vai além dos
conhecimentos acadêmicos e dos conteúdos. Necessita-se que as
escolas reconheçam os diversos saberes, sejam um lugar iminen-
temente social, um lugar de pesquisa e diálogos. As instituições
escolares precisam falar das histórias locais, do memorável para
os povos que ali estiveram ou estão.

Sendo assim, infere-se que os educadores precisam ser agentes


de transformação, buscando fugir do “fixismo nostálgico” como
chamava Certeau. Este fixismo nostálgico é o que muitos educado-
res vivenciam, querendo manter os valores e práticas acadêmicas
de um passado de silêncios culturais, um passado que se recusa
a viver a cultura da pluralidade. Necessita-se que as escolas ou as
universidades lancem mão da cultura singular (comum) trabalhem
a integralidade, o equilíbrio, a liberdade, enfim delineie as formas
possíveis de uma invenção social igualitária.

Diante de todas essas constatações, verifica-se que os objetos tra-

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 235


tados por Certeau (1995) ainda estão no centro das preocupações
contemporâneas, mesmo que os modos de situá-los tenham mu-
dado um pouco. As análises deste autor/historiador suportaram o
tempo e pode-se perceber que a sua concepção de cultura, aponta
a necessidade das práticas sociais terem significado para aquele
que a realiza uma vez que a cultura ““não consiste em receber,
mas em realizar o ato pelo qual um marca aquilo que os outros lhe
dão para viver e pensar” (CERTEAU, 1995, p.09 e p.10).

MATERIAL E MÉTODOS
Este projeto se ocupa do Município de Itaúna, que faz parte da 12a
Superintendência Regional de Ensino (SRE), de Divinópolis. Através
de uma pesquisa bibliográfica, seguirá os seguintes passos:

I. Estudos dos documentos que normatizam o Ensino


no Brasil, sobretudo, em Minas Gerais: LDB, BNCC,
Currículo Referência do Estado de Minas Gerais.
Objetiva-se reconhecer a proposta de estudo dessas
normativas que contemplam o Estudo da História
Regional/Local (tempo e espaço);
II. Análise dos livros didáticos adotados em larga escala
na 12a SRE Divinópolis, na Educação Básica Estadual,
especificamente na primeira série do Ensino Médio, de
uma instituição escolar da rede estadual, da cidade de
Itaúna. Objetiva-se observar como livros contemplam o
estudo da cultura e história local/regional e o processo
de nomeação e renomeação deste município, o que o
torna apropriado e que/quem determina a escolha;
III. Estudo semântico- enunciativo do Município Itaunense,
a fim de evidenciar a história que marca o seu processo
de ocupação, exploração e formação;
IV. Resultado da análise dos livros didáticos: há o
cumprimento ou não, do que se determina nas

236 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


normativas estudadas referente ao estudo da história
cultura loca/regional;
V. A importância da elaboração do Produto Técnico
Tecnológico MEL, como forma de atender as normativas
estudadas, buscando evidenciar/compreender a cultura
e a história local/regional, determinada nos documentos
que normatizam a Educação Básica Brasileira/Mineira
(Lei de Diretrizes e Base Nacional (LDB), Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN), Base Nacional Comum
Curricular (BNCC), Currículo Referência de Minas
Gerais (CRMG), objetivando desenvolver habilidades
leitoras de textos orais e escritos, cuja temática seja a
cultura e a história local/regional dos educandos do
município de Itaúna;
VI. Sustentar considerando as análises realizadas, como o
MEL atende as determinações da BNCC , uma vez que,
ancorado na teoria e procedimentos enunciativos de
Guimarães (2015, 2018) se apresenta como ferramenta
pedagógica multidisciplinar, eficaz para trabalhar
a deficiência de leitura denunciada por avaliadores
externos como o PISA, INAF.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Concluiu-se que os documentos que normatizam o Ensino da Edu-
cação Básica no Brasil/Minas Gerais, reconhecem a proposta de
estudo da cultura e história local/regional (tempo e espaço). Entre-
tanto, as análises dos livros didáticos apontaram não haver, como
hipotetizado, esse estudo e, quando o tem, apresenta-o apenas de
maneira superficial e ou geral.
Neste sentido, evidencia-se a importância da elaboração do MEL,
produto técnico tecnológico, criado pelo Grupo Atlas dos Nomes
que Contam História das Cidades Brasileiras Mineiras, como for-
ma de atender as normativas do ensino brasileiro estudadas, a

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 237


respeito do estudo da cultura e história local/regional, uma vez
que ele se torna uma ferramenta pedagógica eficaz, para traba-
lhar a deficiência de leitura denunciada pelos avaliadores externos
PISA, INAF. Objetiva-se preencher a lacuna existente do estudo da
cultura e da história local/regional, no ensino da Educação Básica
brasileira/Mineira.

CONCLUSÕES
Conclui-se que o desenvolvimento do produto técnico tecnológico
do Grupo Atlas dos Nomes que Contam História das Cidades Bra-
sileiras Mineiras: Método Enunciativo de Leitura (MEL): uma pro-
posta de estudo da cultura e história local, surgiu para preencher a
lacuna existente do estudo da cultura e história local que marca o
processo de ocupação, exploração, formação e nomeação/reno-
meação dos municípios mineiros, como norteado nas normativas
do ensino nacional, para a Educação Básica e não são abordados
nos livros didáticos adotados pelas instituições escolares e nem
nos Projetos Políticos Pedagógicos (PPP) como apontado nas nor-
mativas.
Consta-se sua importância como uma ferramenta pedagógica
multidisciplinar, a qual objetiva preencher a lacuna existente do
estudo da cultura e da história local/regional, no ensino da Edu-
cação Básica Mineira se tornando uma metodologia eficaz, para
trabalhar a deficiência de leitura denunciada pelos avaliadores ex-
ternos PISA, INAF.
Ressalta-se que o Método Enunciativo de Leitura (MEL) estabelece
um diálogo entre a Linguística e o Ensino, uma vez que está funda-
mentado em princípios teóricos da Semântica do Acontecimento,
de Eduardo Guimarães (2005/2018), sendo uma teoria essencial-
mente enunciativa e eficaz para o fomento da leitura e o estudo da
história regional/local e culturas instituídas.

238 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


REFERÊNCIAS
BRASIL - Ministério da Educação. Governo Federal. Base
Nacional Comum Curricular: BNCC, 2017. Disponível em: http://
basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em 23/10/2021.
BRASIL, Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais
para o Ensino Fundamental. Brasília,: MEC/SEF, 1997.
CERTEAU, M. de. A Cultura no Plural. São Paulo: Papirus, 1993.
DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS. Disponível em:
https://www.gov.br/mec/pt-br/media/seb/pdf/d_c_n_educacao_
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FERREIRA, T.C.M. C.; SOUZA, J. C. P. A cultura sob o viês de Michel
de Certeau. Revista Recorte, v.18, n. 2, 2022.
LDB - Lei de Diretrizes e Bases. Lei no 9.394, 1966. Disponível
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GUIMARÃES, E. Semântica do Acontecimento: um estudo
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http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_
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13/011/2021.
NOTÍCIAS SENADO FEDERAL. Disponibilizado em:https://www12.
senado.leg.br/noticias/materias/2022/06/21/senado-inclui-
na-ldb-compromisso-de-alfabetizacao-no-ensino-basico-vai-a-
sancao. Acesso em 20/09/2022
PARAMETROS CURRICULARES NACIONAL. Disponível em: http://portal.
mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/blegais.pdf. Acesso em 18/09/2022.

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 239


MULHERES NEGRAS NA CIÊNCIA:
UM DIÁLOGO AFROFUTURISTA
Janaína da Conceição Santos Dias Almeida

GEPLET-UEFS/CJCC FEIRA

Katyuscya Ferreira Barreto

CJCC FEIRA

Maura Evangelista dos Santos

CJCC FEIRA

Mateus Dumont Fadigas

CJCC FEIRA

RESUMO: O presente relato intenta apresentar o processo pedagó-


gico desenvolvido na oficina “Mulheres Negras na Ciência”, a fim de
contribuir para uma educação das relações étnico-raciais, no contex-
to do ensino de Ciências na educação básica. Para isso, teceu-se um
diálogo afrofuturista descortinado por meio de uma prática de ensino
planejada, em parceria, por duas escolas estaduais da Bahia.

ABSTRACT: This report intends to present the pedagogical process de-


veloped in the workshop “Black Women in Science”, in order to contri-
bute to an education of ethnic-racial relations, in the context of tea-
ching Science in basic education. For this, an Afrofuturist dialogue was
created through a teaching practice planned, in partnership, by two
state public schools of Bahia.

INTRODUÇÃO

Ao longo da história, tivemos um papel expressivo da mulher na


ciência e as contribuições legadas por elas na construção desse

240 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


saber se manifestaram nas mais diversas áreas do conhecimento.
Contudo, por vezes, essa participação ativa, de autoras do proces-
so, lhes foi negada, colocando-as à sombra de uma figura autoral
masculina.

Se levarmos em conta toda a invisibilização imposta às mulheres,


especialmente às cientistas, perceberemos um movimento exclu-
dente ainda maior daquelas que são negras. Além de toda dispa-
ridade no direito de acessar o conhecimento e construir saberes,
aquelas que abriam fendas no sistemas e conseguiam romper as
barreiras eram silenciadas e completamente desvalorizadas no
meio acadêmico.

O fato é que mulheres negras foram duplamente apagadas da


história da ciência e das narrativas criadas pelas “indústrias do fu-
turo”, por serem mulheres e por serem negras. Esse processo de
apagamento e de omissão das conquistas de cientistas negras ini-
biu “as possibilidades de um futuro negro para a ciência” (FADIGAS
et al, 2019).

Ainda que, nos últimos anos, seja crescente o movimento de re-


paração às injustiças praticadas contra o povo negro, a educação
das relações étnico-raciais, garantida por meio de políticas antir-
racistas brasileiras, raramente é praticada nas aulas de disciplinas
científicas da educação básica sob a alegação de que seus minis-
trantes não se sentem preparados ou não encontram orientações
específicas e materiais didáticos adequados (VERRANGIA; SILVA,
2010).

Para superar tais alegações, propõe-se “o uso de narrativas afro-


futuristas, articuladas a conteúdos da história das ciências, como
plataforma para promover o pertencimento étnico-racial positivo
e reeducar as relações étnico-raciais, no âmbito do ensino de ciên-
cias da educação básica” (FADIGAS et al, 2019, p. 2). O afrofutu-
rismo é um movimento que cria narrativas de ficção especulativa
feitas por pessoas negras, protagonizadas por elas e que têm a

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 241


negritude ou afrocentricidade como temáticas principais (SOUZA,
2019), e possibilita recuperar histórias e culturas negras perdidas
e pensar sobre como elas podem inspirar novos futuros (YASZEK
apud FADIGAS et al, 2019).

Dito isto, o objetivo deste relato é apresentar o processo pedagó-


gico que foi desenvolvido na oficina “Mulheres Negras na Ciência”,
a fim de contribuir para uma educação das relações étnico-raciais,
no contexto do ensino de ciências, na educação básica.

UM PRESENTE AFROFUTURISTA

O Afrofuturismo é considerado “movimento estético-político que


produz ficções especulativas visando criar novas possibilidades
de futuros para as pessoas negras” (SOUZA; ASSIS, 2019, p. 66).
Tendo como seu primeiro expoente o escritor e intelectual negro
W. E. B Dubois, o Afrofuturismo conta com representantes como
as cantoras Janelle Monaè e Ellen Oléria, e os escritores Octavia
Butler e Fábio Kabral. Algumas obras audiovisuais afrofuturistas
também ganharam bastante destaque recentemente como o fil-
me “Pantera Negra”.

Embora nasça numa perspectiva de movimento artístico que dia-


loga com diferentes meios, utilizando a música, a política, a moda
e o cinema, no resgate à cultura e às histórias africanas atreladas
a elementos da ciência, o afrofuturismo o transcende por se cons-
tituir, atualmente, como possibilidades futurísticas de um povo, in-
fluindo na vida real para a liberdade de expressão, a autoconfian-
ça e o empoderamento negro (ESHUN, 2015); contribuindo, dessa
forma, para o rompimento de um ciclo de silenciamento imposto
ao povo que teve relegado todo o seu poder científico-cultural
(NASCIMENTO, 2016).

Tecer o diálogo afrofuturista, cirandado no “chão da escola”, des-


cortina-se como uma potência, uma força motriz, que reacende

242 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


o passado invisibilizado, inviabilizado e subalternizado pelo colo-
nizador, ressalta a imaginação para além das convenções pré-es-
tabelecidas da realidade, possibilita questionar o presente e criar
novas perspectivas e expectativas para pessoas negras (ROCHA;
VAZ, 2021); nesse sentido, o espaço educacional revela-se como
uma estação em que o estudante, norteado pelas paisagens dia-
lógicas apresentadas, pode traçar caminhos, refutar/escolher vias
sendo protagonista de sua própria história.

VOZES SILENCIADAS ECOAM

Ao revisitar a história da ciência, não é difícil perceber que, muitas


vezes, as vozes femininas e seus legados foram silenciados em/por
um cenário científico majoritariamente constituído por homens,
legando as contribuições femininas a uma situação de apagamen-
to, tendo nomes, trajetórias e contribuições científicas ignorados.

Ainda que todas as mulheres, nesse processo de construção do


conhecimento, sofram dentro de uma estrutura machista que ten-
ta subjugá-las, a mulher negra enfrenta maior dificuldade de ser
visualizada e representada na Ciência, visto que ainda persiste o
mesmo olhar sobre as mulheres negras construído no período da
escravidão (COSTA, 2006; ROSA, 2015).

O processo colonizador reduziu as mulheres negras – anulando-


-as da sua condição de mulher, como força de trabalho escravo,
equivalentes em força e resistência física aos homens negros, e,
portanto, convenientemente, passíveis de serem exploradas até
seus limites. A sua feminilidade era “revisitada” apenas quando
lhes cabiam punições e repressões severas de modo a subjuga-las
e reduzi-las à sua condição feminina; nesse sentido, sendo pro-
priedade, carregavam em si a possibilidade de terem seus corpos
violados pelo estupro ou outros abusos convenientes a seu pro-
prietário. Mesmo após décadas do fim da escravidão, desconstruir

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 243


esse retrato da mulher negra segue sendo desafiador (BERNAR-
DO, 2021).

No tocante à carreira científica, enquanto as mulheres brancas li-


davam para superar o direcionamento/confinamento das suas vi-
das a atividades ditas “femininas”, as mulheres negras esbarravam
também em outras barreiras como a difícil escolha entre prover
seu sustento por meio de atividades “braçais”, ter uma família, por
vezes, sendo a única provedora dela, conciliar a maternidade com
os desafios e as solitudes que ser mãe-negra traz, acessar/firmar-
-se numa carreira “não-doméstica” e ser respeitada/reconhecida
pelo conhecimento que produzia. Na maior parte das vezes, por
um longo tempo, mesmo as que venciam as barreiras, não foram
“legitimadas” como parte da construção do conhecimento cientí-
fico e filosófico.

Ainda que, nas últimas décadas, o número de mulheres negras


cientistas tenha aumentado, estas mulheres continuam na invisi-
bilidade, em decorrência, principalmente, de uma ideologia ma-
chista e racista que prevalece (COSTA, 2006). Se tomarmos como
base a referência de Chassot (2003) ao quantitativo de mulheres
cientistas laureadas pelo Prêmio Nobel, atualizando-o para o ano
de 2021, perceberemos que a discrepância ainda é gigantesca.
Segundo dados disponibilizados no site oficial da Fundação No-
bel, em 120 anos de premiação, 608 homens foram contemplados
pelo prêmio no campo das Ciências (química, física, fisiologia ou
medicina), enquanto apenas 23 condecorações foram concedidas
a mulheres - nenhuma mulher negra figura entre elas.

Mirando o olhar para os contextos escolares, percebe-se a per-


sistência tanto do silenciamento das mulheres quanto da exclu-
são das mulheres negras. Ao investigar a presença de mulheres
negras na História da Ciência, por meio da análise de duas cole-
ções de livros didáticos de Ciência e Biologia, Pereira e Elias (2021)
apontaram a perpetuação da invisibilidade das mulheres negras

244 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


dentro da Ciência e, como sugestão para uma prática docente re-
flexiva e desconstrutiva no ensino de Ciências e Biologia, ela-
boraram uma relação com nomes de mulheres negras presentes
nas diferentes áreas da biologia a serem “introduzidas” nas aulas,
“quer seja através de um plano de ensino, planos de aula, suges-
tões de leituras, ou de qualquer outra forma que o professor jul-
gar apropriado” (PEREIRA; ELIAS, 2021, p. 497).

Face ao exposto, urge - e é possível - pensar ações didáticas que


extrapolem tanto os grilhões escravagistas, colonizadores de cor-
pos e mentes quanto as cadeias machistas que aprisionam e in-
visibilizam mulheres, e potencializem jovens-estudantes a conhe-
cer, reconhecer, analisar, refletir e reescrever histórias e contextos
em que o protagonismo negro se revele e se rebele todos os dias,
a fim de garantir a sua (re)existência.

UMA OFICINA AFROCENTRADA

A oficina “Mulheres Negras na Ciência” fez parte de uma ação, pen-


sada por meio de parceria firmada entre o Colégio Estadual José
Antonio de Almeida, localizado em Santanópolis-BA, e o Centro
Juvenil de Ciência e Cultura de Feira de Santana-BA, a fim de esti-
mular a construção de identidades negras positivas e engajadas
com a criação de um novo futuro para negras e negros na ciência
(GOMES, 2012).

A proposta desse diálogo afrocentrado nasce consoante ao pensa-


mento das autoras Rocha e Vaz (2021), refletindo o Afrofuturismo
como “uma forma de rever o passado para além da escravidão,
trazendo à tona uma história esplêndida que deve ser contada
pelo presente para que existamos no futuro, encharcadas de em-
poderamento” (ROCHA; VAZ, 2021, p.13).

A ação, dividida em seis sessões de oitenta minutos cada, aconte-


ceu em dois dias, e obteve participação de, aproximadamente, 90

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 245


estudantes da 2ª série do Ensino Médio, subdivididos em grupos
de doze pessoas que se revezavam em outras ações que aconte-
ciam concomitantemente a essa aqui relatada.

A atividade foi planejada tematizando narrativas afrofuturistas,


associando-as à produção científica e tecnológica de mulheres ne-
gras no passado, no presente e no futuro, de modo a levar os estu-
dantes a adotarem uma atitude mais reflexiva face às discussões e
aos conhecimentos trabalhados, transformando-os em prática-re-
flexão. Para isso, fez-se uso de jogo, dinâmica de grupo e “pales-
tra” enquanto atividades pedagógicas mobilizadoras do diálogo.

No primeiro momento da oficina, os estudantes foram convidados


a responder ou advinhar, a partir de nomes de cientistas sugeri-
dos – representamos o primeiro nome apenas pela inicial, seguido
pelo sobrenome – quais eram homens ou mulheres, negros ou
brancos, e se os feitos atribuídos a eles eram verdadeiros ou fal-
sos. Para os estudantes, a maioria dos nomes eram de homens
brancos; as mulheres apareceram poucas vezes e, majoritaria-
mente, brancas.

Ainda nesse processo, no tocante às descobertas científicas, após


o reconhecimento dos nomes como de cientistas negras, houve o
movimento, da parte deles, de correção das respostas dadas ante-
riormente, levando a boa parte das descobertas serem considera-
das falsas. No entanto, todas elas eram verdadeiras.

Em seguida, depois de refletirmos a respeito da atividade anterior,


dialogamos sobre o papel das mulheres negras na ciência sob três
contextos: o da exploração, em que foram usadas como “experi-
mentos científicos”; o da invisibilidade, tendo os seus trabalhos atri-
buídos a outros; e o do reconhecimento, um movimento de valori-
zação dessas mulheres e suas contribuições ao campo da Ciência.

No tocante à exploração, falamos sobre o caso de Sarah Baart-


man, “A Vênus Hotentote” - exibida na Europa como um animal

246 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


exótico por causa do formato avantajado do seu corpo, especial-
mente de seus órgãos genitais; e de Henrietta Lacks, a mulher de
células imortais, teve material biológico colhido sem autorização.
As células desse material vêm crescendo e se multiplicando até
hoje, tendo bilhões delas em laboratórios do mundo todo usadas
em estudos - As células de Henrietta eram vendidas por altos va-
lores, mas a família não teve acesso a eles até lutar, por anos, ju-
dicialmente.

No que diz respeito à invisibilidade, foram trazidas histórias de


mulheres negras que, embora tenham contribuído com seus es-
tudos científicos, não foram reconhecidas como autoras deles na
época; assim, conhecemos a história de Alice Ball, Katherine John-
son, Valerie Thomas e Jane Wright.

Em relação ao reconhecimento, dialogamos sobre o processo de


reconhecimento dessas mulheres e de seus trabalhos e da im-
portância desse movimento para as gerações. Além disso, fomos
conhecendo outras cientistas negras, reconhecidas por seus tra-
balhos e as mudanças que estes trouxeram à sociedade: Kizzekia
Corbett, Wangari Maathai, Patricia Bath e Jaqueline Gees de Jesus.

Como itinerário final da oficina, os jovens estudantes participaram


de um jogo no qual precisavam reconhecer, nominalmente, aque-
las mulheres e os seus feitos.

BREVE OLHAR PARA A PRÁTICA


A construção de narrativas acerca de si e as possibilidades de
representação e autorrepresentação foram identificadas como
forças mobilizadas nas/nos participantes. A ressignificação da
imagem e lugar de poder ocupado pelas mulheres na história da
Ciência, sobretudo a mulher preta, foram perspectivas criadas e
circunstancialmente supridas durante a oficina.

A oportunidade de olhar livre e descolonizado para o presente e

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 247


as realidades pessoais e coletivas alcançou a turma e colaborou
para a ampliação das perspectivas sobre si e o “mundo preto”,
impulsionando um caminho afrofuturista. A garantia de acesso a
códigos científicos decolonizadores e a narrativas afrofuturistas
colaborou para a mobilização de posicionamentos e ideias em tor-
no da importância e do papel da mulher nas produções científicas
durante a história da humanidade e, sobremaneira, da contempo-
raneidade.

Os desafios impostos por estruturas patriarcais e racistas são per-


ceptíveis nos discursos e aparecem, muitas vezes, como ferramen-
tas limitadoras de sonhos e desejos e de acesso, inclusão e parti-
cipação das mulheres jovens pretas no mundo da Ciência. Ainda
assim, houve deslumbre, reconhecimento e perceptíveis sinais de
desmistificação diante do panorama científico apresentado com a
participação e engajamento de mulheres.

O fato é que nós somos os sonhos de pessoas negras escraviza-


das que ouviram que era muito “irreal” imaginar que, um dia, elas
não seriam chamadas de propriedade. Essas pessoas negras se
recusaram a limitar seus sonhos ao realismo e, em vez disso, nos
sonharam (IMARISHA, apud SOUZA, 2019). Precisamos dar-lhes e
igualmente ocupar, nessa busca por romper padrões e combater
preconceitos, um lugar de honra, legando às gerações futuras a
oportunidade de vivenciar uma realidade outra.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As mulheres sempre escreveram sua própria história e contribui-


ção dentro da Ciência; contudo, esse direito de autoria na escrita
lhes foi, muitas vezes, negado. Se o contexto social machista silen-
ciou mulheres, brancas, fez muito pior às “pretas” – objetificadas,
exotizadas e marginalizadas. A invisibilidade das mulheres negras
na Ciência ainda é assustadoramente grande.

248 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


Pensar mulheres negras num contexto outro, de protagonismo e
de autoria, é quebrar o estigma social, recriar o passado, tentar
transformar o presente e projetar um futuro em que mais estu-
dantes, negras e negros da periferia, possam se perceber como
potenciais cientistas.

É de fundamental importância que discussões reflexivas como essa


deixem de ser pontuais, adentrem o ambiente escolar, ocupem
espaços e comecem a possibilitar/criar não apenas lugares de
fala, mas também de escuta, visto que momentos em que são
oportunizadas discussões/ações reflexivas ajudam a desenvolver
não apenas um olhar mais sensível para si mesmo, mas também
para o outro e para o mundo.

REFERÊNCIAS
BERNARDO, P. O. (2021). O futuro é uma mulher negra: Afrofutu-
rismo e (r)existência na série 3%. 110f. TCC (Bacharelado em Co-
municação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda.)
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deral do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Disponível em: https://
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d=S0104-83332006000200018&lng=pt&tlng=pt. Acesso em: 25 de
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ESHUN, K. (2015). “Mais considerações sobre o Afrofuturismo”. In:
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pora Intergaláctica. São Paulo: Caixa Econômica Federal - CAIXA

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 249


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FADIGAS, M. et. al. (2019). Afrofuturismo como plataforma para
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VERRANGIA, D.; SILVA, P. B. G. (2010). Cidadania, relações étnico-
raciais e educação: desafios e potencialidades do ensino de
ciências. Educação e Pesquisa, v. 36, n. 3, p. 705–718.

Palavras-chave: Afrofuturismo, mulheres negras, ciência.


Keywords: Afrofuturism, black women, science.

250 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


O QUE ACONTECEU? – PROPOSTA DE JOGO DIDÁTIO PARA
PRODUÇÃO DE RELATÓRIOS NO CURSO TÉCNICO

Fábio José Dias Negrelli30

SENAI SÃO PAULO

RESUMO

O relato aqui apresentado vincula-se com a comunicação em multi-


meios desenvolvida nas unidades do SENAI São Paulo. O objetivo é
relatar a atividade estruturada para a elaboração de relatórios em
uma turma de ensino técnico de fabricação mecânica. A metodologia
se deu baseada na pesquisa bibliográfica para levantamento de in-
formações referentes ao protagonismo estudantil na relação ensino
e aprendizagem e na metodologia descritiva para apresentação da
atividade proposta. Por fim, foi possível perceber que a atividade “O
que aconteceu?” propiciou o engajamento de estudantes e resultou
em um trabalho imaginativo e colaborativo, culminando na produção
e apresentação de relatórios em grupos.

ABSTRACT

The report presented here is linked to the communication in multime-


dia developed in the units of SENAI São Paulo. The objective is to report
the structured activity for the elaboration of reports in a mechanical
manufacturing technical teaching class. The methodology was based
on bibliographic research to gather information regarding student
protagonism in the teaching and learning relationship and on the des-
criptive methodology for presenting the proposed activity. Finally, it

30Licenciado em letras, pedagogia e química, é professor de comunicação


em multimeios e ciências do SENAI São Paulo, na cidade de Botucatu.

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 251


was possible to perceive that the activity “What happened?” provided
student engagement and resulted in imaginative and collaborative
work, culminating in the production and presentation of reports in
groups.

INTRODUÇÃO

O ensino de redação é uma prática constante em quase todas as


modalidades de ensino. A utilização de jogos didáticos muda o
cenário, transformando a relação de ensino e de aprendizagem
em algo dinâmico. Ele é o meio pelo qual o conteúdo didático es-
pecífico é conduzido (KISHIMOTO, 1998). Assim, o jogo didático
apresenta objetivos relacionados à cognição, afeição, socialização,
motivação e criatividade, as quais podem ser desenvolvidas (MI-
RANDA, 2001). Esse tipo de recurso vai para além de característi-
cas de simples entretenimento (CUNHA, 1988).

Na modalidade de ensino técnico, no curso de fabricação Mecâni-


ca do SENAI SP (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial de
São Paulo), uma das produções abordadas é o relatório. Tendo
isso em mente, o objetivo desse relato de experiência é descrever
a aplicação do jogo “O que aconteceu?”.

Para que isso acontece, foram apresentadas como metodologia a


pesquisa bibliográfica sobre a temática do protagonismo estudan-
til e jogos didáticos. Além disso, a metodologia descritiva foi usada
a fim de detalhar os passos de criação e aplicação do jogo.

Visando que o fazer docente apresente significação, ele deve ser


um trabalho que faz bem, tanto do ponto de vista técnico-estético,
quanto do ponto de vista técnico-político (RIOS, 2001). Nesse con-
texto, a aplicação de jogos didáticos promove o fazer educacional
com qualidade técnica, estética e política uma vez que propicia mo-
mentos de reflexão e posicionamento presente ao contexto com
que se deparam no decorrer do jogo educativo aqui apresentado.

252 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


A aprendizagem por meio de questionamento e experimentação
se torna relevante à medida que permite a compressão mais am-
pla e mais profunda (BACICH & MORAN, 2018). Autores como Frei-
re (2016), Piaget (2006), Vygotsky (1998) e FERNÁNDEZ (1990) são
alguns dos estudiosos que abordam a temática da aprendizagem
ativa. O jogo “O que aconteceu?” dá voz e vez a estudantes. Isso faz
com que eles saiam da ingenuidade e da passividade e percebam
o lugar de ativo que devem ocupar no contexto em que se encon-
tram (FREIRE, 2019). O protagonismo estudantil deve ser o foco da
educação.

Tendo isso como fio condutor, algumas questões se fizeram pre-


sentes: como tornar a produção de relatórios de ocorrência e de
atividade e de pesquisa em um jogo lúdico? Como desenvolver
recursos que estimulem o raciocínio e o diálogo de estudantes?
Como traduzir a aula voltada para relatórios em um jogo didático?
A resposta a essas perguntas deu origem ao relato que segue.

Os seres humanos são constituídos NAS e PELAS relações que es-


tabelecem com o meio social, sendo ao mesmo tempo produto e
promotor de influências permeadas pela linguagem que organiza
e desenvolve processos de pensamento e de aprendizagem (VY-
GOTSKY, 1987). O jogo didático é um promotor disso.

Para Piaget, o conhecimento é uma construção que se dá pela


interação de um sujeito ativo com o meio circundante, gerando
processos de desequilíbrio e busca constante por novo equilíbrio
(KINCHELOE, 1997). As situações de ensino e de aprendizagem se
desenvolvem em contextos sociais triangulares, sendo seus vérti-
ces o ensinante, o aprendente e os objetos do conhecimento (FER-
NÁNDEZ, 1990). Espera-se que a utilização do jogo didático aqui
proposto possa promover isso.

Cabe à escola o papel de promoção da mudança pedagógica e não


aos estudantes, a educação deve ser pensada para todos, partin-
do do pressuposto de que todos têm seu tempo, estão presentes

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 253


em diversidade e demonstram suas diferenças. Isso é o que guia
a construção das estratégias objeto de estudo deste trabalho aqui
apresentado. Pensar nas relações de ensino e de aprendizagem
se torna verdadeiro, quando pensamos no indivíduo, em como ele
é, que caminho faz para pensar, assim, conseguimos com que ele
aprenda (MANTOAN, 2005).

As situações de ensino e de aprendizagem se dão por meio de


quatro aspectos indissociáveis que se definem como: o organis-
mo, traduzindo-se pelos processos biológicos do ser humano; o
corpo, constituído nas relações estabelecidas com um Outro (ter-
mo da psicanálise representando tudo o que é o não-eu), que se
formam na particularidade que cada um faz no uso do organismo
que detém; a inteligência, ou seja, o nível cognitivo, autoconstruí-
do e autorreconstruído pelas interações com o não-eu; e o desejo,
caracterizado pelo investimento de energia e sentido FERNÁNDEZ
(1990).

Jogos didáticos possibilizam o desenvolvimento de habilidade vi-


suais, motoras, promovem a autoestima, responsabilidade e in-
terpretação de textos, dentre outros fatores (Kashiwakura, 2008).
Existe uma diferença entre jogos puramente lúdicos e os jogos di-
dáticos, esses últimos são planejados para o desenvolvimento de
conteúdo específico, é importante ter um equilíbrio entre as fun-
ções lúdica e didática na elaboração de um jogo para a educação
(KISHIMOTO, 1998). Nesse contexto, um jogo didático vai além das
características de entretenimento, por propiciar aprendizagens
específicas, indo para além de um material pedagógico (CUNHA,
1988).

O jogo didático não é utilizado apenas para entretenimento. Ele


se traduz como um recurso pelo qual um conteúdo didático espe-
cífico é conduzido (KISHIMOTO, 1998). Por assim ser, com o jogo
didático, objetivos relacionados à cognição, afeição, socialização,
motivação e criatividade podem ser desenvolvidos (MIRANDA,

254 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


2001). Esse tipo de estratégia tem como finalidade a construção
do conhecimento por meio de indução do raciocínio de estudan-
tes, baseado na reflexão sobre o que é abordado. (FREITAS, 2012).

Com isso, a proposta do jogo didático “O que aconteceu?” vai ao


encontro do protagonismo estudantil. Assim, a intenção é a pro-
moção de interação, socialização e uso da criatividade para de-
senvolvimento de um relatório. Isso ocorre de um modo lúdico,
podendo tornar a abordagem da aula em algo mais satisfatório.

O DESENVOLVIMENTO DO JOGO DIDÁTICO E APLICAÇÃO DELE


EM SALA DE AULA

O jogo nasce pelo desejo de tornar a aula destinada à produção


de relatórios algo mais dinâmico. Assim, foi pensado no estímulo
de estudantes durante as aulas de comunicação em multimeios,
voltadas para língua portuguesa. Nesse contexto, o foco se deu
para turmas cursos técnicos compostas, em sua maioria, por ado-
lescentes.

O jogo se baseia nos seguintes conhecimentos:

Relatório técnico:

Estrutura;

Elementos textuais:

Introdução;

Desenvolvimento;

Conclusão.

Tipos:

De atividade;

De ocorrência;

De pesquisa.

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 255


Quanto ao público alvo, ao longo do tempo de atuação com ele, é
possível perceber que é formado por pessoas ativas que se insti-
gam pela curiosidade, possuem necessidade de manusear itens,
se mostram ativos e dispostos a encarar desafios. Considerando
esse contexto, o produto educacional em formato de jogo didático
“O que aconteceu?” surgiu, como uma forma de atrair a atenção
de estudantes dessa modalidade de ensino mencionada, buscan-
do a condução de uma aula mais dinâmica e com foco no protago-
nismo estudantil.

Tendo esse recorte em mente, foi dado corpo ao produto educa-


cional. O jogo “O que aconteceu?” é constituído por oito caixas
coloridas de madeira, cujas temáticas são: três de ocorrência, três
de atividade e duas de pesquisa. Elas servem de introdução ao
tema e são o primeiro contado dos grupos de estudantes com a
atividade. A curiosidade nasce aí, uma vez que cada grupo recebe
uma caixa e não sabe o que tem dentro dela. A imagem a seguir,
representa as caixas utilizadas nessa estratégia de ensino e de
aprendizagem.
Imagem 01 – Caixas para o jogo didático “O que aconteceu?”

Fonte: autor

256 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


Dentro dessas caixas estão os 10 cartões, cada um com uma per-
gunta sobre o tema apresentado na tampa da caixa. Essas questões
servem como guia para a busca por informação sobre a temática
do relatório, a fim de serem juntados dados para o entendimento
do contexto e a posterior redação do relatório conforme instruções
passadas em sala pelo docente. A imagem que segue, representa
uma dessas perguntas que, quando acionada pelo grupo de estu-
dantes, conduz às respostas para a descoberta do contexto a ser
utilizado no relatório. Veja as cartas frente e verso:
Imagem 02 – Cartas da caixa 01 do jogo “O que aconteceu?”, frente.

Fonte: autor

Imagem 03 – Cartas da caixa 01 do jogo “O que aconteceu?”, verso.

Fonte: autor

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 257


As imagens anteriores são apenas uma amostra das cartas do
jogo. A carta da primeira pergunta estimula estudantes a formula-
rem questões e à medida que isso acontece, a ou o estudante me-
diador fornece as cartas respostas que podem conter desenhos,
fotos, instruções, ou seja, dados para a formação do contexto. A
pessoa que ocupar o papel de mediador do grupo terá informa-
ções que poderão ser utilizadas, se necessário, para auxiliar o gru-
po na formação do contexto.

Ao todo, cada caixa possui dez questões e para cada uma dessas
perguntas, uma carta ou um grupo de cartas de respostas. As co-
res dessas cartas são conforme a cor usada na confecção das cai-
xas. Isso facilita na hora de organizar o material para ser guardado
novamente.

Para a execução do jogo, o ideal é que sejam formados grupos


com, no mínimo, três pessoas. Assim, uma delas será a mediadora
e os demais serão aqueles que solicitarão as perguntas, uma por
vez, obterão os cartões respostas e juntarão os dados na tentativa
de decifrar o contexto. O trabalho é em grupo, participativo e in-
vestigativo, estimulando a curiosidade e participação de estudan-
tes. Cada um dos grupos recebe uma caixa, é definido o papel do
mediador e o jogo pode ser iniciado.

De modo geral, as dez perguntas presentes em cada caixa estimu-


lam estudantes a pensarem acerca de:

1. O que aconteceu?

2. Qual o contexto?

3. Quem estava envolvido?

4. Qual a função dessas pessoas?

5. Como as informações foram obtidas?

6. Qual o objetivo do relatório?

258 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


7. Por que o relatório tem que ser feito?

8. Quais fotos evidenciam o acontecido?

9. Quais informações foram colhidas?

10. Qual o resultado alcançado?


Os cartões trazem cada um, um estilo de chamamento para a rea-
lização das perguntas ao mediador do grupo. Conforme as cartas
respostas são reveladas, a discussão acontece na tentativa de de-
cifrar o contexto abordado.
A ideia é juntar esses cartões informativos e construir o enredo do
relatório a ser elaborado. Cabe ao docente o papel de orientação
dos grupos, se necessário, e acompanhamento dos mediadores de
cada grupo. Ao final da atividade, espera-se que os grupos tenham
o enredo desvendado e informação suficiente para a estruturação
do relatório. Caso queiram, estudantes podem tomar notas sobre
as informações para uso futuro na redação do relatório.
Depois de terminada a etapa de levantamento de dados, estudan-
tes redigem o relatório utilizando computadores como recursos e,
com essa tecnologia, seguem as normas de estruturação forneci-
das pelo docente. Além disso, é fornecido a estudantes as imagens
para que compõem o corpo do texto redigido, enriquecendo o re-
lato apresentado.
Por último, os grupos apresentam aos demais o relatório cons-
truído. Como cada grupo possui um tema diferente dos demais,
cada apresentação se torna única e é fortalecida pela dinâmica
de descoberta de dados, promovendo maior familiaridade com a
temática e facilitando a condução da apresentação oral, a qual po-
derá ser feita com simples utilização de aplicativo de apresentação
oral como, por exemplo, o PowerPoint e afins, ou a produção de
uma apresentação por meio de vídeo ou no estilo de podcast, de-
pendendo da preferência do grupo. Cabe ao docente o papel de
instrução sobre como essas apresentações podem ser montadas.
Essa atividade foi aplicada em uma turma de curso técnico do SE-

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 259


NAI de Botucatu, em São Paulo. Durante o desenvolvimento dela,
a participação de estudantes foi constante. Foi possível perceber
a motivação na tentativa de desvendar aquilo que precisa ser re-
latado, interação com os demais para juntar as dicas e captar o
contexto apresentado. Isso facilitou a redação do relatório e a
apresentação final do texto produzido.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A atividade aqui proposta instigou o processo de perguntas e res-
postas, provocadas pela mediação de um dos participantes de
cada grupo e pela socialização dos dados conseguidos. Assim, foi
possível perceber que a intenção de protagonismo estudantil foi
efetivada.
A produção desse jogo, apesar de simples, promove uma educa-
ção que se faz de qualidade melhor que aquela bancária tradi-
cional. Com ele, foi possível a condução de uma aula envolvente,
estreitando laços entre docente e estudantes e entre os próprios
estudantes. Pensar em jogos educacionais vai ao encontro com a
proposta de uma educação que se demonstra moderna e voltada
para o desafio, estimulando o fazer educacional.
A utilização de jogos é algo que deve ser pensado e estruturado
quando o assunto é prática de ensino e as relações estabelecidas
com a aprendizagem. A busca pela produção de um jogo didático
se deu na tentativa de elaborar e planejar uma aula sobre a produ-
ção de relatórios técnicos para o curso técnico, em uma condução
que fizesse dela algo fora do convencional, diferente de uma sim-
ples leitura e exposição oral ou estratégias afins, que promovem
uma aula mecânica, monótona e pouco envolvente.
Foi possível perceber, durante a aplicação do jogo didático, o enga-
jamento de estudantes e a vontade de desvendar o contexto pre-
sente em cada uma das caixas. As pessoas se mostraram abertas
ao novo e para cooperação dentro do grupo e até com os demais
grupos, pela curiosidade de saber sobre a temática dos demais.

260 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


O jogo didático, mesmo sendo simples, usado como estratégia
e recurso educacional permitiu o protagonismo estudantil bem
como fez de estudantes pessoas ativas na busca de informação e
solução de problemas, características necessárias para ingressão
em qualquer ramo de trabalho. Colocar estudantes como protago-
nistas é enriquecedor. Como isso, é promovido o estreitamento de
relações entre docentes e estudantes.
A observação docente deve ser constante durante a utilização des-
se jogo e, principalmente, durante os momentos de discussão nos
grupos. Com isso, é possível fazer a avaliação diagnóstica, perce-
bendo-se o que estudantes trazem de conhecimentos prévios, a
avaliação formativa sobre como estruturam as informações para
produzir o relatório e avaliação somativa na apresentação do rela-
tório já terminado.

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APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 261


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Conviver com as diferenças. In Nova Escola, maio.
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misso político: mapeando o pós-moderno. Porto Alegre, RS: Artes
Médicas.

Palavras-chave: Redação. Relatório. Curso técnico.

Keywords: Writing. Report. Technical course.

262 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


ENSINO NA PANDEMIA, UMA PESQUISA COM ALUNOS DA
EDUCAÇÃO INFANTIL E ENSINO FUNDAMENTAL, EM 2020

EDUCATION IN THE PANDEMIC, A SURVEY WITH STUDENTS OF


EARLY CHILD EDUCATION AND ELEMENTARY EDUCATION, IN 2020

*Tatiana Campos Vasconcelos”

RESUMO

Em meio à veloz propagação do SARS-CoV-2, cujo tratamento de-


safiava cientistas do mundo inteiro, decidiu-se pelo isolamento so-
cial, em nível mundial. Estava decretada a pandemia. A educação
brasileira viu-se diante de vários desafios, e optou-se pela edu-
cação a distância. A novidade trouxe diversos questionamentos
sobre como fazê-la, de forma a não prejudicar a educação de no-
vos jovens. Objetivando conhecer como se dava a percepção das
crianças sobre o ensino remoto, fez-se uma pesquisa através de
entrevistas semiestruturadas, com trinta crianças de três a doze
anos de idades, para entender como elas percebiam o ensino nes-
se momento de isolamento escolar. A partir de uma meta análise
elencadas na entrevista, envolvemos famílias e alunos sobre a ex-
periência do ensino remoto, através das experiências das crianças
e suas respectivas consequências no ambiente familiar, social e
escolar. Constatou-se variadas formas emergenciais de ensino,
como resposta imediata à pandemia. Essas dinâmicas impacta-
ram o significado do estudo, bem como as escolas e os conceitos
de ensino até então ofertados pelas experiências das crianças nes-
sa situação.

Palavras-chave: Educação à distância, isolamento social, ensino


remoto, infância, pandemia

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 263


ABSTRACT

Amid the rapid spread of SARS-CoV-2, whose treatment chal-


lenged scientists around the world, social isolation was decided on
a global level. The pandemic was decreed. Brazilian education was
faced with several challenges, and distance education was chosen.
The novelty brought several questions about how to do it, so as
not to harm the education of new young people. Aiming to know
how children perceived remote teaching, a research was carried
out through semi-structured interviews, with thirty children from
three to twelve years old. From a meta analysis listed in the in-
terview, we involved families and educators about the experience
of remote teaching, through the children’s experiences and their
respective consequences in the family, social and school environ-
ment. Various forms of teaching were found as an immediate re-
sponse to the pandemic. These dynamics impacted the meaning
of the study, as well as the schools and the teaching concepts of-
fered until then.

Keywords: Distance education, social isolation, remote learning, child-


hood, pandemic

INTRODUÇÃO

Devido à pandemia do SARS-CoV-2 em 2020, as crianças brasileiras


vivenciaram a situação inédita de receber aulas e atividades edu-
cacionais por vias remotas e/ou digitais. No primeiro semestre, as
escolas mobilizaram-se para aprender a lidar com variadas formas
de ensino a distância, alterando o modo de ensinar e de promover
a interação entre professores e alunos, para a continuidade desse
ano letivo. Diante de um cenário totalmente inesperado, algumas
questões foram suscitadas: O que fazer com as crianças em casa?
Como garantir a aprendizagem? Que meios surgiriam na tentativa

264 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


de levar o espaço escolar para o ambiente familiar e como se esta-
beleceriam as relações família/aluno/escola? As mudanças exter-
nas e internas resultantes desse novo contexto mundial exigiam
uma nova relação entre tecnologia, educação e família. A relação
instalada nos lares, por meio do ensino a distância, promoveu di-
ferentes tipos de interação, o que levou a uma ressignificação dos
espaços educacionais.

A inesperada experiência do ensino remoto, vivenciada pelas


crianças da educação infantil e dos anos iniciais e finais do ensino
fundamental, mostrou-se perfeitamente viável. Diante dos pou-
cos resultados que surgiam, sentimos necessidade de perceber e
conhecer como as crianças se situavam nesse imenso cenário de
caos social e de inovações dos processos educacionais de ensino
e de aprendizagem. Nosso propósito foi avaliar como as crianças
com idade entre 3(três) e 12(doze) anos percebiam as atividades
educativas recebidas por meios digitais e/ou remotos, em plena
pandemia do SARS-CoV-2, e toda a realidade, sentimentos, sensa-
ções, advindos dela. Elaborou-se, então, um projeto de pesquisa
exploratório, aplicada entre estudantes de instituições públicas e
privadas de ensino, localizadas, em sua maioria, na Região Metro-
politana de Belo Horizonte e em cidades do interior do Estado de
Minas Gerais.

Alguns pesquisadores notabilizaram-se na busca para melhor co-


nhecer alternativas de ensino e a diversidade da prática docente
de modo a reconhecer novas modalidades de ensino, por meios
digitais, e suas apropriações por professores e estudantes, desta-
cando os resultados alcançados, em plena Era pandêmica.

O presente artigo objetiva analisar e expor, por meio de entre-


vistas, como as crianças percebem e organizam, dentro de uma
conduta psicológica complexa, as informações que recebem so-
bre a realidade externa, e como constroem representações, sen-
timentos e avaliações sobre os reflexos dos acontecimentos, em

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 265


sua vida. Jean Piaget denomina esse processo “representação do
mundo na criança”, ou seja, a maneira como a criança elabora sua
compreensão das relações entre os objetos físicos, sobre as pes-
soas com quem interage, os sentimentos e emoções que vivencia
nessas interações (PIAGET, 2013). Investigaram-se subjetivamente
os relatos de percepções, sentimentos e vivências de crianças em
relação ao ensino remoto e a pandemia do SARS-CoV-2.

Maria Lúcia Zanesco & Diego Kenji de Almeida Marihama (2021),


no capítulo três do livro O professor mediador e as metodologias
ativas, esboçam o contexto educacional vivido em 2020, pela pan-
demia, e a transformação do ensino presencial em virtual, cuja
imposição levou os envolvidos a se reinventarem e se adaptarem
à nova realidade, sem perder a qualidade do ensino e da apren-
dizagem. Segundo as autoras, o mero modelo de transmissão de
informação foi posto à prova, e os desafios que surgiram eram fru-
tos de um modelo educacional tradicional, obrigando a educação
a rever seus preceitos e conceitos. Um novo sol surgia no céu da
Educação. Artigos diversos davam luz às reflexões sobre essa nova
forma de educar, principalmente no que se refere ao aspecto psi-
cológico do saber ensinar e do saber aprender. O quadro que se
redesenhava apresentava tipos de enfrentamento adaptativo ou
desadaptado quanto à saúde física e mental de todos os envolvi-
dos, nessa experiência adversa da contemporaneidade (LINHARES
e ENUMO, 2020). Da Silva at al (2021) evidenciam os sentimentos
de medo, insegurança, raiva e tédio entre as crianças, durante a
pandemia, e a necessidade de uma assistência maior por parte
dos pais e do corpo docente e pedagógico das escolas, a fim de
se evitar transtornos em nível mental e físico, nas crianças. Inten-
sificaram-se, também, exclusões e desigualdades no período da
pandemia (LINS, CABELLO E BORGES, 2020). Abordado o uso das
tecnologias, amplamente difundidas, como forma de interação
entre as crianças e os conteúdos de comunicação sobre a pande-
mia, alargando o alcance das ferramentas digitais.

266 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


MÉTODO

A pesquisa utilizou o método clínico proposto por Jean Piaget (PIA-


GET, 2013; PARRAT-DAYAN, 2003; PALÁCIOS & CASTORINA, 2014).
Nesse método, o pesquisador coloca questões problema para a
criança e acompanha seu raciocínio na construção do pensamen-
to, evitando antecipar respostas às questões colocadas. A coleta
dos dados foi feita através de entrevistas semiestruturadas, com
crianças de 3 a 12 anos, matriculadas em escolas de educação
infantil e séries iniciais do ensino fundamental, públicas e priva-
das da Região Metropolitana de Belo Horizonte, em Campo Belo
e Governador Valadares, cidades do interior de Minas Gerais, e na
cidade do Rio de Janeiro.

As entrevistas abordaram as seguintes questões a respeito do en-


sino remoto:

• Em relação ao acesso: a) Você está recebendo aulas


remotas de sua escola? b) Como você está recebendo
os materiais das suas aulas? c) Você tem acesso ao(à)
professor(a) para ter mais informações, tirar dúvidas?
Caso a resposta seja sim, como?

• Em relação aos sentimentos: a) O que você mais


gosta nas aulas remotas e o que você menos gosta? b)
Do que você mais sente falta de quando as aulas eram
presenciais?

• Em relação às regras do ensino à distância: a)


Existe horário específico para você participar dessas
aulas remotas? b) Quem orienta as aulas? c) Você já
as conhecia? d) As aulas são gravadas? e) As matérias
estão difíceis, ou você está achando mais fácil aprender
do que no ensino presencial? f) Precisa da ajuda de
um adulto para conseguir acessar ou acompanhar as

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 267


aulas? g) Como está sendo o processo de avaliação do
desempenho nesse modelo de aula?
Os dados coletados foram submetidos à análise do conteúdo, uti-
lizando-se as temáticas exploradas na entrevista, incluindo outras
que surgiram no decorrer da pesquisa. Nesse primeiro momen-
to, a pesquisa alcançou uma amostra de 30 (trinta) crianças de
3(três) a 12 (doze) anos, todas elas estudantes matriculadas em
instituições públicas e particulares, nas 4 (quatro) cidades brasilei-
ras, citadas no primeiro parágrafo desse tópico, conforme mostra
Tabela 1:
Tabela 1 – Crianças entrevistadas por gênero, idade e tipo de escola, Brasil, 2020

Escola Escola
Escola
Crianças Entrevistadas Pública Pública Total
Particular
Estadual Municipal
E. Infantil Meninos (3-5 anos) 2 2
E. Infantil Meninas (3-5 anos) 1 3 4
E. FUNDAMENTAL
3 6 5 14
Meninos (6-12 anos)
E. FUNDAMENTAL
1 4 5 10
Meninas (6-12 anos)
Total 4 13 13 30
Fonte: entrevistas realizadas em Belo Horizonte (28), Campo Belo (1), Governador Valadares
(1) e Rio de Janeiro (1)

Foram entrevistados 2 (dois) meninos e 4 (quatro) meninas, com


idades entre 3 (três) e 5 (cinco) anos, sendo 3 (três) deles matricu-
lados na educação infantil, em Escolas Municipais, e 3 (três), em
Escolas Particulares. Os entrevistados, matriculados nas séries ini-
ciais do Ensino Fundamental, com idades entre 6 (seis) e 12 (doze)
anos, somam 24 (vinte e quatro) alunos, 14 (catorze) meninos e 10
(dez) meninas, sendo 4 (quatro) matriculados em Escolas Públicas
estaduais; 10 (dez), em Escolas Municipais; e 10 (dez), em insti-

268 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


tuições particulares. Consideramos essa amostra representativa
por expor diferentes vivências e condições de estudo, durante a
pandemia.

A fonte dos dados pesquisados teve como suporte os relatórios


de 30 entrevistas realizadas pelos alunos da disciplina “Estudos da
Infância”, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de
Minas Gerais, setembro/outubro de 2.020. A totalidade de amos-
tras é superior ao número de entrevistados porque alguns deles
apresentaram mais de uma forma de interação e recepção de ma-
teriais.

RESULTADOS

As primeiras questões investigadas dizem respeito à maneira


como as escolas disponibilizaram as atividades aos alunos e famí-
lias, e em quanto tempo conseguiram estabelecer essa interação.

Os dados demonstram que as Escolas Municipais tiveram maior


dificuldade em enviar para seus alunos, em tempo hábil, instru-
ções de acesso aos estudos de forma remota, resultando em um
atraso na continuidade dos estudos; apenas um aluno relatou o
recebimento das instruções de acesso às aulas on-line, síncronas.
Quanto às Escolas Públicas estaduais, os estudantes relataram
que receberam de suas escolas apenas indicações de links de con-
teúdos disponíveis no Youtube, ou que poderiam adquirir apostilas
que seriam disponibilizadas pela escola. O procedimento de envio
das atividades adotado pelas demais escolas municipais, também
foi o de incluírem aulas de acesso público na internet, e envio de
atividades por meios eletrônicos, para impressão em casa. Quatro
(4) estudantes de Escolas Municipais não receberam nenhuma in-
dicação de atividades até a data desta pesquisa, seis meses após
a suspensão das aulas presenciais, e uma delas, de 11 anos, há 3
(três) anos na educação infantil.

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 269


No caso dos 14 (catorze) alunos e alunas de Escolas Particulares,
11 (onze) receberam aulas síncronas on-line, por meios virtuais,
ministradas por professores da própria escola. Em um caso, hou-
ve aula assíncrona, sem interação, previamente gravada por pro-
fessor da escola. Em outro caso, houve indicação de conteúdos
disponíveis na internet, também sem qualquer interação com o
professor ou com a escola. Entre as atividades escritas indicadas
pelas escolas particulares, algumas foram enviadas por e-mail ou
por outros meios eletrônicos de interação, a serem impressas em
casa. Esses dados indicam que houve um predomínio de aulas re-
motas com interação professor- aluno-família, sendo que, em al-
guns casos, o tempo de duração das aulas permaneceu o mesmo
das aulas presenciais; em três escolas houve uma redução da car-
ga horária das aulas presenciais para 3 horas-aula on-line, diárias.

As outras situações de aprendizagem somam metade do grupo


entrevistado, e trataram do acesso a conteúdos curriculares, via
indicação de links com vídeos explicativos das matérias, por um
profissional externo, já disponível na internet, em plataformas
gratuitas. Essa metodologia foi utilizada como alternativa emer-
gencial, sem mediação direta com o professor. Ficou demonstrada
uma grande dificuldade, por parte das famílias, em acessar as au-
las síncronas, por computador individualizado, como se espera de
uma aprendizagem eficiente, com interação entre professor-alu-
no. Muitos alunos relataram que assistiram às aulas pelo celular,
em sua maioria, o celular dos pais. Ficou, assim, evidenciada a difi-
culdade de algumas famílias em adquirir um computador, mesmo
com o auxílio emergencial ofertado pelo Governo, utilizado para
fins de “sobrevivência” das famílias. Ainda no quesito acesso, cons-
tatou-se maior dependência do adulto para uso do recurso digital,
por parte das crianças de menor idade; entretanto, as crianças de
maior idade desenvolveram o senso de autonomia na resolução
dos exercícios escolares.

270 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


*Quanto à autonomia e dependência, o ensino remoto evidenciou
a necessidade de algumas crianças terem os pais por perto, seja
para acompanharem seus filhos durante as aulas (7 crianças) ou
facilitarem o acesso deles aos materiais fornecidos pelas escolas
(6 crianças). Outras 13 (treze) crianças, com idade entre 9 a 12
anos, disseram não sentirem necessidade da ajuda dos pais, mos-
trando uma maior independência e segurança para realizarem as
tarefas escolares. Uma das EMEIs, Escola Municipal de Educação
Infantil, lançou atividades somente em outubro daquele ano, ou
seja, 6 (seis) meses após o isolamento social.

A situação remete à elevada importância da interação como


meio necessário e fundamental para a ampliação das experiên-
cias lúdicas, espontâneas ou imitativas, e de contato com outras
crianças, ainda que de forma virtual, propiciando a cada criança e
professor, vivenciar as realidades e momento do seu aprendizado
de forma coletiva. Também, integrar a realidade de cada família,
com suas diversidades, dificuldades ou facilidades, formadoras de
base moral e educativa, para sua percepção de mundo e estímu-
lo à atividade criadora. É inegável que uma criança de 5 (cinco)
anos de idade, desde os 3 (três) anos privadas desse convívio por
2 (dois) anos, não sentirem falta das atividades coletivas, a ponto
de perceberem com clareza as suas escolhas, desejos e vontades.

A presença do alfabetizador muito dificil-


mente pode ser substituída por um adul-
to não formado para essa ação educativa
[...]. Os pais estão se descobrindo em um
novo papel, para o qual não foram pre-
parados. Daí a importância de os profes-
sores orientarem também os pais para
apoiarem a criança na aprendizagem a
distância. (SOARES, M. Como fica a alfa-
betização e o letramento durante a pan-

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 271


demia - Entrevista concedida a Emy Lobo.
Futura, p.5-6, 8 set. 2020).

O distanciamento obrigatório, exigido como segurança e preser-


vação da vida, também obrigou pais/familiares a se envolverem
no processo de ensino e aprendizagem de seus filhos ou depen-
dentes, e tiveram a oportunidade de aprender e rever conceitos
de como se dá a aprendizagem. Nem todos possuíam proximi-
dade ou afinidade com os instrumentos de auxílio para o ensi-
no, sendo fator de transformação nos lares. Ensinar vai além do
disponibilizar conteúdos, é o que comprovamos com as respostas
das entrevistas. Sem dúvida, trouxe-nos o lado da ruptura social:
uma readaptação e reinvenção no âmbito familiar e escolar, cujo
aprendizado atingiu a todos, mesmo que em menor grau. Tam-
bém despertou-nos com o isolamento social a importância de se
manterem sempre bem informados e atualizados no corpo do-
cente, diretores e pedagogos das escolas, principalmente no que
se refere a novas formas de ensinar e de aprender. E quem sabe
serviu de revisão dos conceitos àqueles que educar crianças não
requer quantidade de conteúdo, e sim, o manejo da mediação
desse.

O QUE DIZEM AS ENTREVISTAS SOBRE A PERCEPÇÃO, SENTI-


MENTOS E VIVÊNCIAS DAS CRIANÇAS EM RELAÇÃO AO ENSINO
REMOTO DURANTE A PANDEMIA SOBRE O ACESSO, INTERAÇÃO
COM AS ATIVIDADES ESCOLARES E APRENDIZAGEM

Apresentaram-se variados meios de acesso às atividades escola-


res, em sua maioria impressos pela família, que demandava custo,
como também a retirada do material nas escolas, deslocamento
para sua busca, esses custos ficavam a cargo dos responsáveis
pela criança. As crianças recebiam e devolviam as atividades, de
forma bastante escassa de interações, sem possibilidades de de-
bates ou de esclarecimentos de dúvidas. Uma queixa que apare-

272 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


ceu repetidamente. Essa escassez e distanciamento também se
faziam presentes na interação professor-aluno, uma vez que o re-
torno do professor às dúvidas do alunado dava-se em momentos
distintos à necessidade deles. Na maioria dos casos, a família su-
pria essa necessidade, na tentativa de substituir o professor, cuja
presença tornava-se cada vez mais distante, esfriando a relação
e referência com a escola. É possível que essa lacuna criada pela
falta de interação entre aluno/professor/escola seja manifestada
a partir da retomada das atividades presenciais, sendo, por sua
vez, mais um desafio a ser enfrentado por pedagogos, docentes
e discentes.

No caso da educação especial, não foi apresentado às crianças


entrevistadas, nenhum planejamento que atendessem às adapta-
ções necessárias. Foram entrevistadas duas alunas surdas-mudas,
uma de 5 (cinco) anos, e outra de 8 (oito) anos, alunas de Escolas
Municipais de Contagem, Minas Gerais. As duas mostraram-se
bem dispostas a participarem da entrevista, compreendendo o
que lhes foi perguntado, desde que se faça uma boa leitura labial.
A mãe da aluna de 8(oito) anos é intérprete de Libras, daí o bom
retorno da aluna quanto às respostas das perguntas, apesar de
meio tímida. A aluna de 5 (cinco) anos é muito solta e consegue
sinalizar um pouco, em Libras, o que quer falar. Adora conversar,
é alfabetizada e quer ser escritora quando crescer. Elas preferem
ir à escola que ficar em casa; sentem falta das colegas e das pro-
fessoras. Possuem excelente compreensão sobre o porquê de não
estarem indo à escola. A família das duas crianças são bastante
presentes, mas infelizmente nenhum material organizado peda-
gogicamente chegou até elas, até o momento da entrevista, para
o seu desenrolar cognitivo.

Segundo relatos dos alunos com mais de 7 anos com o ensino re-
moto o aprendizado deixou-os mais autônomos, devido à neces-
sidade de buscar soluções sozinhos para as atividades escolares,

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 273


já que os professores não se faziam presentes nos momentos de
trocas e ajudas diárias para esclarecimentos das dúvidas. Muitos
deles passaram a conduzir sua própria aprendizagem. Muitos, de
maneira positiva e saudável, passaram a utilizar os meios eletrôni-
cos como forma de ampliação de seu conhecimento.

Mesmo reconhecendo o caráter transformador das tecnologias,


elas não se sobrepõem à interação humana, no processo de ensi-
no-aprendizagem, se comparado a resoluções pontuais presentes
na aula presencial. Queixas levantadas por alguns dos relatos das
entrevistas, o desaparecimento da ação do professor também no
momento dos retornos das atividades.

As crianças já possuem contato com tecnologias, acesso a celula-


res e computadores, principalmente as de classe economicamen-
te mais favorecida. O aluno entrevistado não pareceu ter dificul-
dades no acesso às aulas virtuais, nem necessidade de ajuda ou
acompanhamento nos estudos. A criança mora na cidade do Rio
de Janeiro, onde o início das aulas deu-se de forma relativamen-
te rápida, em abril de 2020, se considerarmos a data de início do
cumprimento do isolamento social. Quando questionada sobre os
materiais que recebe da escola, respondeu receber videoaulas ex-
tras e trabalhos de fixação do conteúdo ensinado, além de partici-
par de aulas “em tempo real”, por meio de internet.

O relato a seguir é de Lucas, uma criança de 6 (seis) anos, aluno


da 1ª ano do Ensino Fundamental de uma escola particular, ao ser
perguntado como estavam sendo as aulas remotas: “Tá’ sendo no
computador e no celular da minha mãe. Eu sou do 1º ano e eu estu-
do muito. Um dia eu estudei de tarde até de noite”. Lucas é um alu-
no privilegiado por poder assistir às aulas ao vivo, todos os dias,
com participação ativa dos professores e contato com os colegas,
mas a falta da interação direta com os colegas, coloca-o no mes-
mo patamar de igualdade da maioria dos alunos entrevistados,
conforme outro relato dele: “Sinto falta dos meus amigos! Eu tenho

274 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


saudade da diretora, porque a minha diretora nunca briga comigo”.

O meio digital para uns tornou-se um mundo a ser explorado de


aprendizagem, para outros, um embate, provocando desinteresse
pela aprendizagem, reforçado pelo pouco auxílio em casa e dificul-
dades em buscar conhecimentos.

Apesar de manter contato com os professores, outra aluna en-


trevistada relatou dificuldades em conciliar seus horários aos de
seu professor: “As dúvidas não são esclarecidas na hora, como no
ensino presencial”. Relata a queixa da aluna do 7º ano do ensino
fundamental, de uma escola particular do Rio de Janeiro, com 12
anos de idade, manifesta insatisfação por não ter suas dúvidas
amplamente resolvidas, mesmo tendo acesso a aulas ao vivo, de
segunda a sexta, valorizando com isso a aula presencial. Também
apresenta uma consciência sobre a função dos professores du-
rante a pandemia, reconhecendo suas atividades fora do tempo e
do trabalho usual, humanizando o trabalho destes profissionais.

As questões de natureza técnica como, instabilidade da conexão,


meio utilizado para acessar as aulas (site do colégio), interferên-
cia da família no momento de estudo, revelam um possível des-
contentamento com o modo utilizado para acessar as aulas, se
destacarmos a inexistências desses problemas em aula presen-
cial. Confundindo as crianças, suas conclusões sobre a educação à
distância e o modo de receber tal educação.

Comparando a realidade das duas crianças entrevistadas acima,


em relação às aulas remotas, ser a plataforma Classroom, a mes-
ma utilizada, tanto na instituição particular quanto na instituição
pública de ensino. No entanto, a forma como se dá o ensino e
a aprendizagem, difere-se em material utilizado e disponibilida-
de de aulas. Enquanto uma criança possui 8 professores para as
matérias e dispõe de aulas online, previamente agendadas, com
duração de no mínimo 3 horas, a outra criança conta com apenas
duas professoras para todas as disciplinas e dispõe de vídeos já

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 275


gravados pelo YouTube, inseridos na plataforma pelas professoras,
nem aulas gravadas ou ao vivo, nem interação com os professo-
res, nem horários para a confecção das atividades. Diante desse
quadro, as famílias sentiram-se na “obrigação” de se organizarem
em um cenário de total desorganização social.

A escola em que este aluno estuda ofertou atividades remotas, so-


mente em junho de 2020, e as enviou para serem feitas de forma
assíncrona, por meio de questionários e roteiros de estudo, não
havendo encontros online com a turma, nem com as professoras.
Para os alunos que não possuíam impressoras em casa ou sem
condições de arcar com os custos das impressões faziam a cópia
integral e manuscrita dos textos e das atividades: “A professora
manda, só que quem não imprime tem que copiar tudo. Aí minha
madrinha imprime lá no trabalho dela mesmo.” Este é o relato de
Guilherme, 8 anos, aluno da 3ª série de uma Escola Municipal de
Contagem.

Esses movimentos envolvendo condições de ensino fez surgir


uma nova ordem de hierarquia escolar: como resultado da falta
de interação entre docentes, discentes, pais sendo a tecnologia a
mediadora do processo ensino-aprendizagem, por atender e su-
prir as necessidades imediatas dos alunos diante do isolamento
necessário, impedindo que uma lacuna maior se formasse entre
aluno/conhecimento/aprendizagem.

É importante ressaltar que os responsáveis pelas crianças, de for-


ma particular as mães, propunham-se em ajudar os filhos, mesmo
com a sobrecarga de trabalhos fora e dentro de casa. A realidade
caótica imposta pela pandemia expôs a dificuldade das famílias
em conciliar trabalho, afazeres domésticos e apoio pedagógico
aos filhos, levando a desestrutura social para dentro de suas pró-
prias casas. Relatos assim fizeram-se presentes em grande parte
das entrevistas realizadas, sobre a vivência de cada um:

Antes da pandemia, a rotina de Rita durante os dias de aula era mui-

276 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


to bem delimitada. Durante o período da manhã brincava dentro de
casa enquanto sua avó exercia as tarefas domésticas com auxílio da
tia. No período da tarde, Rita estava na EMEI e ao chegar podia brincar
com as outras crianças na rua até sua avó fechar o empreendimento
da família. Ao anoitecer, sua mãe voltava do serviço e lhe dava banho,
assistiam televisão na sala, depois iam dormir. Com a suspensão das
aulas, Rita passou a ficar todos os dias aos cuidados da avó e da tia.
Sua mãe, inicialmente, teve o trabalho suspenso, mas logo voltou a
realizar as atividades. Ao ser questionada sobre o motivo por que es-
tava impossibilitada de ir à escola, Rita respondeu: “A professora falou
que eu não vou ficar na escola porque vai ter coronavírus”. Não en-
tendendo sobre o que se tratava, questionou o motivo de não poder
ir para a escola utilizando a máscara. Afirmou que não estava com
saudades da escola, mas, sim, de sua professora que fazia slime - Um
tipo de massa gelatinosa e colorida similar ao que é popularmente
conhecido no Brasil como “amoeba - e a deixava brincar com tinta.
Ao ser perguntada sobre outros espaços de diversão na escola, falou
sobre o “parquinho”. A criança lembrou do escorregador e confirmou
a existência de uma balanço que gostava de brincar também, mas,
em outro momento, negou sua existência. Uma mudança “positiva”
na rotina de Rita, foi ter ganhado um celular velho para assistir vídeos
no Youtube, sendo esse o modo de distração mais útil encontrado pela
família para entreter a criança durante o dia, pois a avó e a tia pos-
suem outras ocupações e não podem brincar ou conversar com ela
constantemente. No segundo dia de entrevista, Rita disse que quando
retornarem as aulas, ela irá ensinar a sua professora a fazer TikTok e
irá “trollar” ela dizendo que viajou, sendo que isso não é uma situação
verídica.

“Guilherme, 8 anos, aluno da 3ª série de uma Escola Municipal de


Contagem mais gosta nas aulas são os vídeos de dança, circo e
esportes, enviados pelos professores do Centro de Apoio (CEPA).
Ele associa o vírus e o isolamento, a um castigo divino, já que o
homem não está cuidando bem da natureza e está desmatando

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 277


muito. Ele recebe o apoio de sua madrinha para realizar as ativi-
dades enviadas pela escola. A escola em que ele estuda não está
tendo encontros on-line com os alunos, a professora apenas envia
atividades para os familiares imprimirem e responderem com as
crianças. Pode-se dizer que suas expectativas com as aulas remo-
tas foram frustradas, já que ele imaginou que teria encontros on-
-line para a professora explicar as matérias.” Para ele, a relação
com a família se modificou, já que agora eles não podem passear:
“A gente não tá mais saindo pra passear, nem pra ir no shopping... Em
nada”. Ele também sente muitas saudades dos colegas os quais
ele não tem contato desde o início do isolamento social: “(...) brin-
car com os amigos, poder abraçar as pessoas... Só”. A família se orga-
niza para que ele possa realizar as atividades enviadas pela escola,
ele conta o apoio de sua madrinha que imprime e os ajuda com os
trabalhos. Guilherme está ansioso para que as aulas presenciais
voltem, assim ele poderá conversar com os colegas, jogar bola e
ter recreio.

Na situação da escola infantil pública localizada no município de


Contagem, MG, os professores utilizaram a plataforma de ensi-
no para interação e disponibilização de vídeos gravados por eles
mesmos ensinando o conteúdo, facilitando a aproximação desse
modo de aula ao gosto da criança.

Para Carla, de 12 anos, da 6º série do ensino fundamental, em


uma escola particular de Belo Horizonte, o uso das tecnologias
não mostrou ser uma novidade, uma vez que fazem parte da sua
rotina escolar. Carla relatou ter vivido um alívio poder acessar as
aulas de casa, por não estar na obrigação do cumprimento as exi-
gências de vestimenta, tipo de cabelo e outras características de
comportamento que lhe são cobradas para a entrada no colégio
não confessional de Belo Horizonte: “Teve um dia que meu uniforme
não estava passado e tive que voltar para casa. Minha mãe teve que ir
me buscar (...) tem que usar uma roupa pra fazer educação física que

278 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


eu odeio. Prefiro a aula assim, pelo computador”.

Esse ambiente ao qual fomos expostos nos remeteu a um des-


locamento do tempo, pois, quando o aluno diz que parece ser
um grande período de férias, está aí representada a flexibilidade
de horários sem rotina, sem disciplinas, sem local para estudar.
Ao passo que esse meio proporciona maior maleabilidade e au-
tonomia, a falta da descontração, dos encontros e de conversas
pessoais com os amigos fez em pouco tempo desaparecer a sen-
sação de estar sem rotina, substituída pela apatia e pelo tédio.
Essa inversão acontece ao serem deixadas de lado as trocas que
só em um convívio social equiparado aos pares e em sua faixa
etária e sua realidade promovem. Também se explica por que os
alunos receberam a parte teórica das atividades escolares, e não
meios sociais de interação virtual. A socialização marca, registra
bons e difíceis momentos, entretanto é uma necessidade huma-
na e necessária para concretizar as experiências de aprendizagem
vividas. A ausência é sentida de formas variadas pelas crianças,
amenizada apenas pela esperança de poderem reencontrar os co-
legas, muito em breve, livres para juntos partilhar das atividades
lúdicas. Esse depoimento expõe como a impossibilidade desse
reencontro desorganiza o imaginário das crianças, a ponto de elas
não mensurarem a quantidade de atividades com os momentos
de descontração com amigos e colegas.

“Também sinto falta dos meus colegas, pois, apesar de termos


meios de comunicação para nos falarmos, acabamos perdendo
contato pela falta de convivência, muitas vezes nos falando ape-
nas para fazer trabalho em grupo. Observa-se, nessa situação com
os mais novos, o adiamento da maior independência. O entrevis-
tado Paulo relata: ‘eu e a mamãe podemos fazer só uma atividade
e depois ir dormir”. Ele fala sobre ter, à noite, a atenção total da
mãe e um prolongamento da posição autocentrada. Tal situação
adia por mais tempo seu processo de autonomia e independência

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 279


da direção do adulto, proporcionadas pelas atividades coletivas do
convívio escolar.

Nessa pequena amostra, é possível observar como está funcio-


nando a dinâmica do ensino remoto emergencial. Questões como
a avaliação, interação social, rotina dos estudantes, matérias ofer-
tadas foram diretamente prejudicadas.

Observa-se que a dinâmica de acesso ao ensino remoto difere-


-se entre os estabelecimentos de ensino. As escolas particulares
procuraram manter uma dinâmica que mais se aproximasse do
ensino presencial, com interação entre professores, alunos e fami-
liares, com atividades escolares constantes, inclusive em viabilizar
momentos de interação social entre os alunos, mesmo nos meios
virtuais, demonstrando uma realidade mais homogênea, enquan-
to que as escolas públicas municipais e estaduais adaptaram-se
conforme a realidade de cada uma, ou seja, as realidades são bas-
tante distintas. O acesso ao ensino remoto nessas escolas deu-se
de forma mais superficial, ou seja, não houve uma preocupação
em manter uma interação entre professores e alunos, na maioria
das vezes, ficando a cargo das próprias famílias esse papel, inclusi-
ve nos casos de atividades escolares e pesquisas que se basearam
no acesso ao YouTube e Google. Um ponto comum observado foi a
necessidade de interação entre os colegas e amigos, uma vez que
a maioria dos alunos relataram sentirem “saudades” dos amigos.
Em contraponto, questões como a facilidade de utilização das pla-
taformas sem o auxílio de um adulto pode ser um aspecto posi-
tivo. A partir dessas conclusões, pôde-se afirmar que muito ainda
se têm a aprender e colocar em prática para que o ensino remoto
seja eficiente e não prejudique, em nenhuma instância, o processo
de ensino-aprendizagem dos discentes.

280 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


INTERAÇÃO COM OS COLEGAS

Quanto à participação dos colegas no ensino remoto, as respostas


mostram-se ambíguas. Da mesma forma que existe uma colabo-
ração por parte de alguns, “outros entrariam apenas para atrapa-
lhar”, o que poderia ser uma consequência do cansaço causado
pela interação digital, ou mesmo da falta de atrativos das aulas
por esse meio, uma vez que também é um campo novo para a
maioria dos professores da educação básica.

A adaptação a uma nova rotina também é um problema para a


criança em questão, ela apontou estar se sentindo solitária e com
saudades de ir à escola, além de mencionar a ausência de con-
tatos menos formais com os colegas. Devido ao distanciamento,
essas crianças não possuem mais a mesma convivência diária, que
possuíam, como o momento de recreação, para falar entre si so-
bre outros assuntos que não envolvessem a escola, e esportes co-
letivos. Com isso, as noções de amizade e intimidade perderam-se
um pouco, restando o contato apenas para a realização de ativida-
des escolares. Deduzindo assim, que o playground do prédio ou o
parquinho do bairro não substituem o ambiente escolar.

SOBRE A PERCEPÇÃO E SENTIMENTOS EM RELAÇÃO AO ENSINO


REMOTO

Quando questionados sobre do que mais sentiam falta nas aulas


presenciais, responderam enfaticamente: “Dos amigos”, e atrela-
do a essa falta, o sentimento de solidão. Mesmo que uma boa par-
cela dos estudantes estivesse tendo aulas on-line, e que houvesse
interação ainda que virtual, não é comparável ao contato físico, à
interação direta com o meio escolar e com os amigos. Esse senti-
mento de pertencimento ao meio e vice-versa é um sentimento
uníssono entre os alunos. O período de isolamento, a solidão e
a saudade do convívio social e escolar evidenciaram sentimentos

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 281


que os alunos talvez nunca tenham se dado conta da importância
deles.

Segundo Vygotski (2009), os interesses das crianças diferem dos


adultos; o imaginário infantil sistematiza-se de forma diferenciada;
o novo materializa a imaginação, passando a existir e influenciar
no real vivido, por processos de criação que nas crianças passam
a existir em suas brincadeiras. Esse tempo com poucos momentos
de brincadeiras também lhes foi tirado, em virtude do isolamento
e das condições diferentes de acesso ao lúdico.

Descortinar as relações entre expectativas e práticas no processo


da escolarização dessas crianças, na tentativa de entender como
e se as desigualdades na escolarização estão relacionadas à socia-
lização, advindas do âmbito familiar, e a incentivos e perspectivas
presentes na vida cotidiana de meninas e meninos.

Se a socialização propicia contato com o pensar e o agir do outro,


significa que o pensamento infantil reveste-se maciçamente da vi-
são centrada no “eu”, em contraposição à descentralização que a
socialização propicia, ou seja, a criança perde a oportunidade de
ampliar seu mundo, anexando a ele as visões fora do seu próprio
eu. O isolamento social da pandemia diminuiu em nossas crianças
essa capacidade de vivenciar formas diferentes sobre as mesmas
ações. O meio social é campo a ser explorado para enriquecimen-
to do arcabouço moral, cognitivo e afetivo de nossas crianças e a
escola exerce um papel importantíssimo para essa ampliação de
mundo delas.

A ausência do visto no caderno ao vivo deixou os alunos com


maior sentimento de sua responsabilidade e independência a
princípio, porém com ganho de solidão com o passar dos meses
do aprendizado nesse formato, sem a proximidade relacional do
professor-aluno como de costume.

A tecnologia, sem dúvida, antecipou certas colaborações e a pro-

282 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


moção do saber nos estudos; porém, ainda não consegue subs-
tituir o olhar, o nivelamento da linguagem, pela proximidade e
fazeres adequados a cada etapa do desenvolvimento, quando
seguidos de uma orientação qualificada, e nem consegue fazer a
mediação adequada às condições e situação do estágio em que
cada aluno se encontra.

Dadas às devidas proporções, a autonomia que os alunos adqui-


riram durante o ensino remoto, fez deles senhores de seu pró-
prio processo de aprendizado; a figura do professor e o papel da
escola fizeram com que a sociedade voltasse seus olhos para a
importância da educação na vida das pessoas, valorizando o pro-
fessor, percebendo a sua importância como mediador do ensino e
da aprendizagem. É chegado o momento de colocar os estatutos
escolares sobre uma mesa redonda e reavaliar o que de bom se
pôde tirar desse aprendizado forçado e tão necessário para remo-
delar a escola e o papel do professor dentro e fora da sala de aula
na aprendizagem. O mundo de pensar como aprender se abriu
como uma imensa nova escola, de novas oportunidades, novas
ideias e revisões urgentes que todos os envolvidos no processo de
aprender demostraram ser uregntes. Mãos à obra!

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APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 285


O USO DE JOGOS DIGITAIS PARA O ENSINO DA QUÍMICA NA
EDUCAÇÃO BÁSICA EDUCAÇÃO BÁSICA

Rander Silva Morais31

Letícia Rodrigues da Fonseca

UNINCOR

RESUMO

A atual sociedade é caracterizada pelo desenvolvimento contínuo e


concorrência acirrada em seus diversos setores, o que exige dos indiví-
duos a capacidade de compreender e resolver problemas de maneira
ágil, bem como, atender de modo inovador as contínuas demandas
apresentadas por um mercado de trabalho em constante evolução.
Considerando esse contexto, esta pesquisa do tipo aplicada possui,
como objetivo principal, o desenvolvimento de um jogo digital para o
ensino de Química na Educação Básica de acordo com os princípios
do Design Thinking, especificamente, a partir das cinco fases desta
abordagem: descoberta, interpretação, ideação, experimentação e
evolução. Ao final, constatou-se que o jogo digital desenvolvido possui
potencial como método para o ensino de Química, conforme relatos
dos alunos que foram convidados a utilizar este artefato computacio-
nal na fase de experimentação.

ABSTRACT

Today’s society is characterized by continuous development and fierce


competition in its various sectors, which requires individuals to be able
to understand and solve problems in an agile way, as well as to meet in
an innovative way the continuous demands presented by a constantly
31 Mestrando em Gestão, Planejamento e Ensino. Universidade Vale do Rio Verde.

286 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


changing job market. evolution. Considering this context, this applied
research has, as main objective, the development of a digital game
for teaching Chemistry in Basic Education according to the principles
of Design Thinking, specifically, from the five phases of this approach:
discovery, interpretation, ideation, experimentation and evolution. In
the end, it was found that the digital game developed has potential as
a method for teaching Chemistry, as reported by students who were in-
vited to use this computational artifact in the experimentation phase.

INTRODUÇÃO

A atual sociedade é caracterizada pelo desenvolvimento contínuo


e pela concorrência acirrada em seus diversos setores, o que exige
dos indivíduos a capacidade de compreender e resolver proble-
mas de maneira ágil, bem como, a de atender, de modo inovador,
as contínuas demandas apresentadas por um mercado de traba-
lho em constante evolução. Nesse ambiente, o conhecimento hu-
mano é aplicado a tudo que se produz e à forma como se produz,
sendo considerado o elemento mais importante dos processos
relativos a produtos e serviços, desde o seu desenvolvimento até
a entrega e apoio na utilização. Sendo assim, o valor agregado das
organizações será adquirido por meio da inteligência humana em
vez do esforço físico de trabalhadores, o que torna a formação
escolar, que é a base para a formação profissional, ainda mais re-
levante. (ALBERTIN, 2000).

Devido a essa conjuntura, cabe aos educadores identificar ou de-


senvolver métodos de ensino que desconstruam a visão paradig-
mática tradicional, com o objetivo de possibilitar o aprendizado, de
modo significativo e inovador, dos conteúdos que são, atualmen-
te, aquele considerados como essenciais no âmbito profissional e
social. Destacam-se, nesse contexto, novas habilidades cognitivas
e operativas, pensamento autônomo, criatividade, proatividade,
capacidade tecnológica e flexibilidade para analisar, confrontar e

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 287


aplicar conhecimentos para atender demandas de distintas situa-
ções. (LIBÂNEO et al., 2005). Logo, a inovação pedagógica torna-se
uma competência necessária aos educadores de forma que eles
possam atender a este propósito utilizando-se de métodos de en-
sino que propiciem a transformação de atitudes, ideias, culturas,
conteúdos e modelos a partir da ruptura das lógicas que orientam
o ensino tradicional. (CARBONELL, 2002).

Observa-se que a atual geração de alunos possui necessidades e


expectativas distintas das gerações passadas. Por terem acesso
fácil à informação essa geração tende a ser mais questionadora
e espera atuar ativamente no processo de aprendizagem. Ainda,
por serem caracterizados como “nativos digitais”, os alunos deste
recorte geracional apresentam grande aceitação quanto ao uso de
tecnologias para abordagem e aprendizagem de conteúdos das
disciplinas do currículo escolar (PRENSKY, 2012).

Os métodos de ensino que têm a possibilidade de atender às ex-


pectativas dos alunos, muitas vezes, estão tolhidos em propostas
pedagógicas “prontas” que podem não se adequar à realidade da
escola e às necessidades do docente. Sendo assim, oferecer ao
educador a possibilidade de criar os seus próprios métodos de
ensino conforme as suas necessidades e realidade de unidade
escolar é pertinente. Essa necessidade torna-se ainda mais rele-
vante devido ao atual momento do mundo decorrente da pande-
mia ocasionada pela Covid-19, em que professores e alunos estão
utilizando diferentes tipos de recursos para dar continuidade às
atividades acadêmicas.

Diante do exposto, este estudo propõe como objetivo principal


descrever descrever como o Design Thinking - uma abordagem hu-
manista de inovação, centrada no trabalho colaborativo e em uma
perspectiva multidisciplinar (CAVALCANTI, 2014) - pode vir a contri-
buir para o desenvolvimento de jogos digitas destinado ao ensino
de Química, considerando as necessidades dos educadores que

288 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


ministram esta disciplina e a realidade na qual estão inseridos.

A justificativa deste trabalho baseia-se, primordialmente, no de-


sinteresse dos estudantes por esta disciplina. Entre as disciplinas
que compõem a matriz curricular, a Química é reportada como
uma das mais difíceis e complexas, visto que, muitas vezes, en-
contra-se arraigada a concepções tradicionais que compreendem
o ensino e aprendizagem como um processo de memorização de
fórmulas, conceitos e equações, não contextualizando os seus
conteúdos com o ambiente em que os alunos estão inseridos (OLI-
VEIRA; SOARES, 2005).

Exemplificando as dificuldades dos alunos em compreenderem os


conteúdos de Química, Mol e Silva (1996) citam a simples transmis-
são de conhecimentos, a apresentação de conteúdos fragmenta-
dos e a falta de motivação dos estudantes - um conjunto que torna
mais difícil a relação dos alunos com a disciplina. Logo, pesquisas
que venham propor ou dar direcionamentos para a identificação
e desenvolvimento de novas metodologias de ensino que venham
sanar estes problemas, são pertinentes.

Sendo assim, acredita-se que a inserção das tecnologias, especi-


ficamente de jogos digitais que possuam aderência com o perfil
das novas gerações de alunos, poderá possibilitar um ensino di-
nâmico, motivacional e significativo, facilitando a absorção dos
conteúdos, seja por meio de cenários que retratam como estes
conteúdos serão aplicados na realidade do aluno ou por meio da
proposição de problemas que deverão ser resolvidos (TEIXEIRA,
2018). Além disso, os jogos têm a perspectiva de desenvolver a
capacidade cognitiva dos alunos, favorecendo a compreensão e
a intervenção dos educandos em fenômenos sociais e culturais,
incitando a criatividade e promovendo o desenvolvimento das
áreas afetiva, social, linguística, motora, entre outras. (FERNAN-
DES, 2010).

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 289


MATERIAL E MÉTODO

Este estudo trata-se de uma pesquisa aplicada por permitir, por


meio de fundamentações teóricas e de determinadas ferramentas
tecnológicas, desenvolver um produto técnico-tecnológico para
atender determinados necessidades no âmbito do ensino da Quí-
mica na Educação Básica (YIN, 2005).

A NECESSIDADE DE CONSTRUÇÃO DE UM NOVO PARADIGMA


EDUCACIONAL

A concepção de educação bancária nega o diálogo a medida que,


na prática pedagógica, prevalecem poucas discussões e reflexões
entre professores e alunos, já que “[...] o educador é o que diz a
palavra; os educandos, os que a escutam docilmente; o educador
é o que disciplina; os educandos, os disciplinados” (FREIRE, 2005,
p. 68). O termo “bancário” significa que, nessa abordagem, o pro-
fessor vê o aluno como um “banco” no qual “deposita” o conheci-
mento. Na prática, quer dizer que o aluno é comparável a um cofre
vazio em que o professor acrescenta conceitos para “enriquecer” o
seu repositório individual de conhecimentos. Logo, após a escola,
espera-se que os alunos “enriquecidos” sejam replicadores daque-
le conhecimento adquirido.

O paradigma de ensino tradicional foi um dos principais a influen-


ciar a prática educacional formal e serviu de referencial para os
modelos que o sucederam através do tempo. No entanto, perce-
be-se que a escola tradicional continua em evidência até os dias
de hoje. (LEÃO, 1999).

É necessário situar no tempo a escola tradicional que surgiu a par-


tir do advento dos sistemas nacionais de ensino que datam do
século passado, mas que só atingiram maior força e abrangência
nas últimas décadas do século XX. Com o início de uma política
estritamente educacional foi possível a implantação de redes pú-

290 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


blicas de ensino na Europa e América do Norte (PATTO, 1990). A
organização desses sistemas de ensino inspirou-se na emergente
sociedade burguesa, a qual apregoava a educação como um direi-
to de todos e dever do Estado.

No entanto, a história da educação demonstrou que o seu prin-


cipal propósito não foi atendido em totalidade. Percebe-se que
a universalização da educação é uma realidade na maioria dos
países ocidentais; porém, segundo Gadotti (1995), uns receberam
mais educação do que outros e as características da escola tradi-
cional continuam se mantendo presentes na maioria das Institui-
ções de Ensino, igualmente, como foi no seu início (LEÃO, 1999).

O ensino tradicional fundamentou-se na filosofia da essência, de


Rousseau, passando pela pedagogia da essência de Saviani (1991)
que acredita na igualdade essencial entre os homens: a de serem
livres. Essa igualdade serviria de base para estruturar a pedagogia
da essência e para respaldar o surgimento dos Sistemas Nacionais
de Ensino, que, por sua vez, foram fundamentais para proporcio-
nar a escolarização para todos.

A universalização da escola, em grande parte no Ocidente, é uma


conquista que precisa ser reconhecida. Entretanto, não se pode
dizer o mesmo dessa igualdade entre os homens que caracteriza
a escola tradicional. Não se sabe por quanto tempo ainda haverá
uma educação para os pobres e outra para os ricos, porém, acre-
dita-se que a escola, por si só, não é a redentora da humanida-
de. Logo, pode-se adentrar no terceiro milênio com uma escola
tradicional nada revolucionária se comparada às suas origens. A
abordagem tradicional do ensino parte do pressuposto de que a
inteligência é uma faculdade que torna o homem capaz de arma-
zenar informações, das mais simples às mais complexas.

Nessa perspectiva, é preciso decompor a realidade a ser estudada


com o objetivo de simplificar o patrimônio de conhecimento a ser
transmitido ao aluno que, por sua vez, deve armazenar somente

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 291


os resultados do processo. Desse modo, na escola tradicional, o
conhecimento humano possui um caráter cumulativo (MIZUKAMI,
1986).

Acredita-se que a escola tradicional ora se utiliza do inatismo - que


tem origem no essencialismo do século XVII; ora do ambientalismo
originado do fenomenismo do século XVIII como suporte episte-
mológico, não importando, inclusive, o fato de serem contraditó-
rios. Sendo assim, esta abordagem acredita que o aluno aprende
os conteúdos escolares por ser portador de uma inteligência inata
ou devido a sua experiência escolar (MIZUKAMI, 1986), onde tam-
bém descreve o método expositivo como sendo o que caracteriza,
essencialmente, a abordagem de ensino tradicional. A metodolo-
gia expositiva privilegia o papel do professor de transmissor de
conhecimentos e o resultado fundamental desse processo será o
produto da aprendizagem (a ser obtido pelo aluno). Nesse senti-
do, acredita-se que, se o aluno for capaz de reproduzir os conteú-
dos ensinados, ainda que de forma automática, houve aprendiza-
gem. A autora acrescenta que outros fatores envolvidos no ensino
e aprendizagem, como os elementos da vida emocional ou afetiva
do sujeito, são negligenciados e, por que não dizer, negados por
esta abordagem, por supor-se que eles poderiam comprometer
negativamente o processo.

Ao se analisar a realidade brasileira surge o questionamento em


relação à qualidade do ensino das escolas que adotam a aborda-
gem tradicional, pois muitos alunos que se formaram nestas Ins-
tituições de Ensino ainda não compreenderam como e quando
deverão ser aplicados os conteúdos vistos durante o seu processo
formativo. Ou seja, as escolas não foram capazes de promover, de
fato, uma aprendizagem significativa.

Essa significação almejada somente será obtida a partir do mo-


mento que o educador considerar os conhecimentos prévios dos
alunos no processo de ensino e aprendizagem, utilizando metodo-

292 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


logias que busquem relacionar os conteúdos com a realidade de
seus educandos. Para isso, o professor necessita favorecer o po-
sicionamento ativo de seus alunos durante a aprendizagem para
que possam refletir, estabelecer relações e questionamentos que
os levem a entender a importância dos conteúdos abordados pelo
educador para as suas vidas (AUSUBEL, 1982).

Nesse âmbito, favorecer a aprendizagem da nova geração de


alunos torna-se um desafio para o professor que deverá buscar
atender três requisitos: (1) planejamento; (2) foco na pesquisa e
no desenvolvimento de projetos; (3) uso das tecnologias. Em re-
lação ao primeiro requisito, duas situações não podem ocorrer:
o planejamento sem flexibilidade e a criatividade desorganizada
(MORAN, 2012).

O planejamento deve ser flexível para se adaptar às necessidades


dos alunos; já a criatividade desorganizada, implica no fato de que
aulas improvisadas fazem os alunos perderem o foco, comprome-
tendo a assimilação e a compreensão do que está sendo ensina-
do. O segundo aspecto, foco na pesquisa e no desenvolvimento
de projetos, possibilita conexões dos conteúdos com a realidade
dos educandos. Por fim, a tecnologia poderá ser utilizada como
um importante recurso para a efetivação de projetos e pesquisa,
como também, para o desenvolvimento de metodologias de ensi-
no que favoreçam a aprendizagem significativa dos alunos. (MO-
RAN, 2012).

O debate acerca do ensino tradicional, centrado na racionalidade


técnica e na simples transmissão de saberes em que o professor
é o único detentor do conhecimento e o aluno um ser passivo no
processo de ensino e aprendizagem, perde lugar diante das de-
mandas da sociedade contemporânea, que são impulsionadas
pela globalização e pelas Tecnologias da Informação e Comuni-
cação - TICs (FREIRE, 2008). As TICs, vistas sob o prisma da teoria
histórico-cultural vigotskiniana (KURTZ; VARGAS; MOURA, 2018)

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 293


inserem-se como instrumentos/ferramentas culturais presentes
no cotidiano e que possibilitam diferentes relações entre as pes-
soas, transformando o modo de interagir, o pensamento cognitivo
dos seres humanos e constituindo novas características, valores
sociais, culturais e educacionais.

Diante do exposto, é preciso repensar a visão paradigmática que


orienta educadores e alunos com o intuito de atender as neces-
sidades da sociedade. Ressalta-se que as soluções para os pro-
blemas cotidianos, seja no âmbito do trabalho ou nos diferentes
grupos sociais, somente poderão ser estabelecidas por meio do
conhecimento. É ele que permitirá o desenvolvimento de ações e
inovações com mais assertividade, desde que os indivíduos consi-
gam compreender como o seu repertório de conhecimento parti-
cular poderá ser utilizado para esse propósito. (KUHN, 1998).

BASE NACIONAL CURRICULAR DA EDUCAÇÃO BÁSICA

A Base Nacional Curricular (BNCC) é um documento de caráter


normativo que define o conjunto de aprendizagens essenciais
que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas da
Educação Básica para assegurar o direito à aprendizagem e de-
senvolvimento aos indivíduos conforme preconizado pelo Plano
Nacional de Educação (PNE). Esse documento normativo aplica-se
exclusivamente à educação escolar, assim como a define o § 1º do
Artigo 1º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB,
Lei n.º 9.394/1996) e está orientado por princípios éticos, políticos
e estéticos que visam à formação humana integral e à construção
de uma sociedade justa, democrática e inclusiva (BRASIL, 2020).

Sendo referência nacional para a formulação de currículos e sis-


temas das redes escolares dos estados, do Distrito Federal e dos
municípios; e para a formulação de propostas pedagógicas, a
BNCC integra a política nacional da Educação Básica e vem con-

294 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


tribuir para o alinhamento de outras políticas e ações, em âmbito
federal, estadual e municipal, referentes à formação de professo-
res, à avaliação, à elaboração de conteúdos educacionais e aos
critérios para a oferta de infraestrutura adequada para o pleno
desenvolvimento da educação.

Assim, além de garantir o acesso e a permanência na escola, é


necessário que os sistemas, as redes e escolas garantam um pata-
mar comum de aprendizagens a todos os estudantes, tarefa para
a qual a BNCC é instrumento fundamental (BRASIL, 2020).

De acordo com a BNCC, o termo competência refere-se à mobiliza-


ção de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores para resol-
ver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da
cidadania e do mundo do trabalho, embasado pela Constituição
Federal de 1988, reconhecendo a educação como um direito fun-
damental compartilhado entre o estado família e sociedade.

Portanto, diante do exposto, percebe-se que a BNCC privilegia um


paradigma de ensino que supere a abordagem tradicional e que
possibilite aos estudantes da Educação Básica uma aprendizagem
significativa, com o intuito de formar cidadãos que sejam capazes
de contribuir para o desenvolvimento da sociedade. Acrescenta-
-se que o período pandêmico vivenciado atualmente comprovou
o quanto é necessário repensar as atuais práticas de ensino, pois
os recursos utilizados na abordagem tradicional, como o quadro
e giz, não se apresentaram eficientes para este momento. Sendo
assim, muitos recursos tecnológicos provenientes da modalidade
de ensino a distância foram identificados como a única alternativa
para a continuidade das atividades escolares e que já poderiam
ser utilizados pelos professores em suas aulas, com o intuito de se
promover uma aprendizagem mais dinâmica e significativa.

No entanto, devido ao desconhecimento acerca da sua utilização


no âmbito de suas disciplinas, esses recursos tecnológicos não fo-
ram incluídos pelos educadores em seus planos de aprendizagem

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 295


como recursos e práticas pedagógicas. Logo, acredita-se que no
paradigma de ensino pós-Covid não haverá “modalidades de ensi-
no”, como presencial e a distância, mas sim o “ensino” que poderá
ocorrer presencialmente, conforme uma abordagem tradicional
ou a distância, por meio de recursos tecnológicos. Isso será devido
à comprovação de que o aprendizado não é comprometido pela
distância geográfica entre professores e alunos. O Ensino remoto
utilizado atualmente em caráter emergencial no Brasil, asseme-
lha-se a EAD apenas no que se refere a uma educação mediada
pela tecnologia; mas os princípios seguem sendo os mesmos da
educação presencial (COSTA, 2020). É preciso ressaltar que este
período ocasionou um outro tipo de exclusão: a “digital”, já que
muitos professores e alunos não dispõem dos recursos tecnológi-
cos necessários. Cita-se, também, a precariedade da conexão de
internet do país que também pode ser um dificultador, compro-
metendo o processo. Logo, investimentos no ensino mediado por
tecnologias precisam ser tratados como política pública para que
seja possível explorar o potencial dos recursos tecnológicos utili-
zados durante o período de ensino remoto (MARTINS, 2020).

O USO DE TECNOLOGIAS NO PROCESSO DE ENSINO E


APRENDIZAGEM

O aprendizado com o apoio de tecnologias baseia-se na confiança


e colaboração entre professores e alunos, aspecto fundamental
da aprendizagem significativa e transformadora. “Se as pessoas
são aceitas e consideradas, tendem a desenvolver uma atitude de
mais consideração em relação a si mesmo” (ROGERS, 1992, p. 65).

A utilização de tecnologias no processo de ensino possibilita pla-


nejar diferentes atividades, inclusive, apresentando cenários que
retratem a realidade do aluno como forma de facilitar a sua com-
preensão em relação à aplicabilidade dos conteúdos. (SIEMENS,
2005).

296 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


As pesquisas sobre como inserir a tecnologia no currículo escolar
iniciaram-se na década de 90 com uma significativa evolução nos
anos 2000, quando, efetivamente, focou-se no universo escolar
(VALENTE et al., 1993). Em um estudo relacionado à esta temáti-
ca, Coll, Monero (2010) apresentou três aspectos relacionados ao
professor e o utilização de tecnologias digitais: (1) Utilização da
tecnologia como como resultado efetivo no aprendizado do aluno;
(2) Professor como mediador desse processo interativo do aluno
com a informação, já que ele deverá dominar as ferramentas; (3)
Construção do conhecimento para aprendizagem virtual, na qual
o professor junto à programadores e designers trabalham para o
desenvolvimento de ferramentas de ensino.

Segundo uma visão tecnológica e considerando a teoria histó-


rico-cultural e o sociointeracionismo de Vygotsky, a partir do
que está posto por neo-vigotskinianos como Wertsch (2002),
as ferramentas digitais são parte da cultura humana e foram cria-
das a partir do pensamento humano e, não obstante, são me-
diadoras dos processos de interação entre as pessoas, umas
com as outras e entre elas com o conhecimento, modificando
os seres não só biologicamente, mas também psicologica, inte-
lectual e cognitivamente.

Assim, de acordo com Wertsch (2002), Kurtz, Vargas e Moura


(2018), as TICs são consideradas ferramentas cognitivas de
pensamento que implicam em novas formas de pensar dos
alunos, não lhes cabendo mais o nome de “auxiliares de ensino”.
Por isso, a ideia não é simplesmente “mascarar” uma nova forma
de ensinar, mas realmente compor práticas efetivas que cons-
tituam a base para uma formação crítica e cidadã a partir dessas
ferramentas.

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 297


JOGOS DIGITAIS COMO ESTRATÉGIA DE ENSINO E APRENDIZA-
GEM NA EDUCAÇÃO BÁSICA

O uso de jogos em sala de aula trata-se de uma prática pedagógica


para tornar as atividades mais atrativas e divertidas (KIM, 2010).
Kapp (2007) define os jogos digitais na educação de forma seme-
lhante, mas enfatiza o uso da mecânica, estética e raciocínio nos
jogos, como forma de engajar as pessoas, conduzi-las à solução de
problemas e promover a aprendizagem.

Ressalta-se que determinados elementos dos jogos, como o fee-


dback em tempo real, a evolução em relação aos seus objetivos e
as diferentes fases de rendimento, mobilizam o aluno a realizar
exercícios, acompanhar seu progresso e obter melhor desempe-
nho. Essa mobilização, inclusive, pode se estender à outras dis-
ciplinas que utilizem práticas pedagógicas com abordagem se-
melhante à dos jogos educativos. Assim como este, há inúmeros
outros aplicativos com esta mesma finalidade (ALVES, 2014).

Diferentes métodos de ensino podem favorecer a aprendizagem


dos alunos, principalmente, aqueles que tornam a participação
dos estudantes nas aulas mais ativa. Logo, acredita-se que os
jogos podem ser utilizados como importantes ferramentas para
o ensino de química, minimizando a falsa percepção dos alunos
acerca da dificuldade em se aprender os seus conteúdos devido a
sua complexidade.

Segundo Cunha (2012), os jogos didáticos são uma solução para


minimizar a postura passiva em que o aluno se encontra ao atuar
apenas como um mero ouvinte do professor. Os jogos didáticos,
ao envolverem os alunos em desafios e reflexões, tornam-se im-
portantes ferramentas para a construção do conhecimento em
sala de aula.

298 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


O USO DO DESIGN THINKING NO DESENVOLVIMENTO DE JOGOS
EDUCATIVOS DIGITAIS

O Design Thinking é notado como uma metodologia de inovação


desenvolvido pela D. School, um Instituto da Universidade de Stan-
ford, localizado no vale do Silício na Califórnia. É uma abordagem,
uma forma de pensar e encarar problemas, focada na empatia,
colaboração e experimentação (SIMON, 1969).

Segundo Brown (2010), o Design Thinking, não é um termo recente,


entretanto trata-se de uma forma abstrata do modelo que é utili-
zado pelos designers para consolidação das ideias e fazer com que
seus conceitos possam ser interpretados e utilizados por qualquer
indivíduo interessado e possam ser aplicados em uma gama de
cenários de negócios.

Entretanto, entende-se também por Design Thinking, um método


que tem comportamento criativo e prático quando utilizado para
resolução de gargalos ligados a concepção de projetos, que tem
sido investida por diversas organizações. Tudo com o objetivo de
buscar implementar inovação nos negócios e/ou processos, por
meio dos produtos e serviços (GRANDO, 2011).

De acordo com Desconsi (2012), o Design Thinking tem o poder de


estimular, de promover a inovação e de transformar organizações
e, até mesmo, sociedades por meio de seus métodos. Para isso, é
necessário entender o papel do design e seu efeito por intermédio
do pensamento multidisciplinar, a fim de se delinear o campo do
design e suas relações com os negócios, a gestão, a inovação e,
com isso tudo, a cultura material do qual se inclui. O design parece
ter deixado de ser uma competência de profissões enraizadas em
economias industrializadas para se tornar algo que todos podem
praticar.

Na ótica de Brown (2010), a missão do Design Thinking é traduzir


observações em insights, e estes em produtos e serviços para me-

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 299


lhorar a vida das pessoas. Com isso, dado que esta metodologia
atenta para criação de soluções que têm a preocupação de aten-
der às necessidades dos usuários e além de suas fases de apli-
cação assemelharem-se à algumas etapas pertinentes ao ciclo de
vida de um software (engenharia de requisitos, por exemplo) tor-
na-se relevante a análise de sua aplicabilidade no universo de de-
senvolvimento de software. Brown (2010) afirma que, nos últimos
anos, o Design Thinking tem se tornado uma tendência em diferen-
tes áreas para solucionar problemas complexos, desde obesidade
pediátrica (medicina) à prevenção de crimes (segurança pública) e
mudanças climáticas (meteorologia). Para o autor, a abordagem
do Design Thinking vem estimulando um crescimento de mercado
em diversos setores por meio do desenvolvimento de produtos e
de novas tecnologias, que vão além do design tradicional.

Apesar de tudo, o termo em questão levanta diversas discussões.


O Design Thinking consiste, basicamente, em construir um contex-
to real do problema, ou seja, como ele é. Assim, sua abordagem
baseia-se no pensamento abdutivo (PEIRCE, 1983). Contudo, Vian-
na et al. (2012) complementam dizendo que esta metodologia tem
a possibilidade de testar os padrões já estabelecidos, aprimoran-
do, assim, a inovação pensada.

Na ótica de Brown (2010), a metodologia é definida como útil ten-


do em vista a capacidade de abordar problemas complexos, cha-
mados de wicked problems. Além disso, nesta tem-se o desenvolvi-
mento de abordagens práticas direcionadas para resolvê-los. Para
o autor, estas abordagens seriam representadas por protótipos
tangíveis, para transformar o processo de solidificação da inova-
ção e o tornar mais realista (BROWN, 2010)..

Além disso, o Design Thinking se inicia com a formalização de ideias


novas que não podem sofrer preconceitos e/ou julgamentos pré-
vios. Com isso, a falha é reduzida e estimula-se a aprendizagem
dos atores envolvidos no processo.

300 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


O Design Thinking é uma ferramenta que se popularizou como uma
abordagem diferenciada para ajudar os indivíduos e as organiza-
ções a serem inovadores em seus produtos e serviços. O termo
pode ser traduzido como “pensar como um designer pensa”, não
configurando, contudo, uma abordagem exclusiva para solução de
problemas da área de design. O conceito é melhor representado
como “[...] um conjunto de princípios que podem ser aplicados por
diversas pessoas a uma ampla variedade de problemas” (BROWN,
2010, p. 6). Significa adotar tal ferramenta, nas diversas áreas do
conhecimento, para resolver problemas de natureza simples ou
mais abrangente.

Na concepção de Brown (2010), o Design Thinking é uma aborda-


gem sistemática que permite a inovação e vai além da necessida-
de de se produzir um produto ou serviço, pois é assertivo a ponto
de entrar diretamente na vida do consumidor, podendo até ditar
certos comportamentos futuros, adicionando valor ao negócio.
Os designers thinkers baseiam-se em observações de como utilizar
os espaços, assim como os objetos e os serviços que os ocupam.
Isso permite a descoberta de padrões onde outros veem comple-
xidade e confusão, além de possibilitar a sintetização de novas
ideias, com base em fragmentos aparentemente discrepantes e
converter problemas em oportunidades (BROWN, 2010). O Design
Thinking tem, em sua abordagem, os conceitos de multidisciplina-
ridade, colaboração e tangibilização de pensamentos e processos
com vistas à inovação de negócios. A definição de Design Thinking
tem como foco o bem-estar das pessoas e, por meio de pesquisas
relacionadas aos fatores que afetam esse bem-estar, procura so-
luções inovadoras para os problemas encontrados (VIANNA et al.,
2012).

De acordo com Lockwood (2010), o Design Thinking é a reunião de


três qualidades: pensamento, raciocínio e pesquisa, cujo objetivo
é envolver os consumidores, os designers e os empresários em

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 301


um processo de integração, o qual pode ser aplicado a produtos,
serviços e projetos de negócio. É uma credencial para imaginar
futuros estados e trazer produtos, serviços e experiências para
o mercado. Conforme o autor, o Design Thinking é a aplicação da
sensibilidade de um designer e de métodos para a resolução de
problemas, não importando quais sejam, com finalidade de inova-
ção, esclarecendo frentes difusas, encontrando sentido para reso-
lução de problemas.

Desconsi (2012) contribui para o entendimento do Design Thinking,


descrevendo que, ao trabalhar com a referida ferramenta, devem
ser consideradas algumas diretrizes, como:

a. Transferir métodos, ferramentas e processos para


outras áreas;

b. Concentrar-se na resolução de problemas capciosos;

c. Envolver os participantes do Design Thinking - que são


multidisciplinares e não somente designers;

d. Utilizar, no Design Thinking, certa metodologia do design


como ferramenta e processos que foram feitos de forma
explícita e disponível também para não designers.

e. Criar inovação, principal objetivo do Design Thinking.


Partindo dos pressupostos elencados anteriormente, verifica-se
que um dos principais aspectos que diferencia o Design Thinking
de outras abordagens para gerar inovação é a capacidade de des-
cobrir o que as pessoas desejam e satisfazer essas necessidades,
ou seja, achar soluções para os problemas colocando as pessoas
em prioridade.

O primeiro ponto é identificar e compreender as necessidades dos


envolvidos, sendo que, para alcançar tal objetivo, é indispensável
utilizar ferramentas de pesquisa, empregadas por outras áreas,
além da do design. As fases deste estudo foram baseadas nas eta-

302 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


pas do Design Thinking propostas por Vianna et al. (2012), que são:
Imersão, Ideação e Prototipação, além da Análise e Síntese - que
podem ser realizadas em todas as etapas. No entanto, destaca-
-se que as referidas fases possuem uma natureza versátil e não
linear, ou seja, podem ser moldadas e configuradas de modo que
se adaptem à natureza do projeto e do problema em questão.

Nesse sentido, o Design Thinking pode ser compreendido como


uma metodologia de comportamento criativo e prático, utilizado
para resolução de problemas e desenvolvimento de projetos, com
o objetivo de buscar implementar inovação nos negócios e/ou
processos, por meio de produtos e serviços (GRANDO, 2011).

PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DO JOGO EDUCATIVO DIGI-


TAL POR MEIO DO DESIGN THINKING

Assim como no ambiente corporativo em que, muitas vezes, é pre-


ciso reavaliar os objetivos e redefinir a estratégia de negócio, no
meio acadêmico também é necessário repensar a efetividade do
processo de ensino continuamente.

Diante deste desafio, foi realizado uma primeira reunião com a


Diretora da escola foco para desenvolvimento do projeto e a mes-
ma sugeriu a criação de um grupo de trabalho, com o objetivo
de conhecer, aplicar e avaliar o processo do Design Thinking no
contexto de um problema educacional, por meio de um brainstor-
ming com a utilização da ferramenta Kanban (palavra de origem
japonesa que significa “sinalização” ou “cartão) para determinar
as principais causas prováveis para rejeição ao aprendizado da
disciplina Química.

Participaram deste processo o professor responsável por minis-


trar a disciplina de Química no Ensino Médio na escola investigada,
a Coordenadora orientação Educacional e o Mestrando em Gestão
em planejamento de Ensino, atuando como mediador.

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 303


Além de se fazer uso de métodos de análise e desenvolvimento de
sistemas e de ferramentas tecnológicas para a produção de um
artefato computacional, um jogo educativo digital destinado ao
ensino de Química que foi idealizado pelo envolvidos neste pro-
jeto por meio das cinco etapas do Design Thinking descritas ante-
riormente: descoberta, interpretação, evolução, experimentação
e ideação.

Na fase descoberta foi apresentada para a equipe a ferramenta


Design Thinking, para que todos estivessem o mesmo nível de co-
nhecimento e pudessem colaborar com a necessidade cada um.

Após a primeira abordagem destinada ao nivelamento do conhe-


cimento, o time iniciou a imersão na fase interpretação. Nela, os
integrantes revisaram o desafio e compartilharam informações
sobre o tema entre os membros do próprio grupo de forma a nive-
lar o entendimento do problema e identificar dúvidas e barreiras
relacionadas ao tema. Nesse momento foram levantadas diversas
hipóteses sobre a falta de interesse na aprendizagem da disciplina
Química, deixando a educação fadigada e distanciando a possibi-
lidade de interação. A ferramenta utilizada nesse momento foi o
Brainstorming.

Brainstorming é uma palavra da língua inglesa que pode ser tradu-


zida como tempestade de ideias, processo este que objetiva che-
gar ao melhor resultado, que reflete o mundo competitivo no qual
inovar é preciso. Essa técnica é importante para as organizações
visto que ela busca por soluções de forma conjunta possibilitando
uma perspectiva ampla de ideias e maneiras de se resolver um
problema facilitando a escolha da melhor decisão. Quando se tra-
ta de brainstorming, é importante destacar que essa técnica é uma
das ferramentas que potencializam o processo criativo. Assim, é
necessário contextualizar a criatividade e entender quais fatores
estão associados a ela, a fim de compreender todo o processo em
uma perspectiva mais ampla e clara (PAROLIN, 2001).

304 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


Destacaram-se os pontos abaixo, levantados neste primeiro
brainstorming:

• Falta de interesse no assunto;

• Assimilação de conteúdo;

• Estudantes tratados como nativos digitais, mas com


interesses específicos;

• Conteúdo teórico excessivo;

• Obrigatoriedade de requisitos;

• Baixa carga horária;

• Falta de correlação da disciplina com o cotidiano.


Na sequência, os tópicos levantados, foram colocados em ordem
cronológica para estratificar quais a(s) causa(s) mais provável(eis)
para o desinteresse relacionado ao ensino/aprendizagem da dis-
ciplina química.

Destacam-se, então, os seguintes fatores:

1. Falta de correlação com o cotidiano;

2. Dificuldade de assimilação de conteúdo causando a


falta de interesse na disciplina;

3. Conteúdo teórico excessivo;

4. Nativos digitais com informação disponível todo o


tempo, mas com interesse específico em assuntos que
conseguem relacionar em seu cotidiano;

5. Carga horária baixa;

6. Não ser possível cumprir com a obrigatoriedade dos


requisitos.
Diante do exposto, a Orientadora Educacional enfatizou a dificul-
dade de compreensão e interpretação de conteúdo por grande

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 305


parte dos alunos, destacando que eles leem, mas não assimilam,
nem compreendem o que está escrito.

Trabalhou-se, em um segundo brainstorming que enfatizou o


conteúdo, o material aplicado. Nele, chegou-se à conclusão que
a quantidade informacional era a causa raiz para o inicio de difi-
culdade de aprendizagem, por ser excessivo e obrigatório, porém
com baixa carga horária destinada ao seu ensino.

Relacionado ao conteúdo, neste segundo brainstorming foi des-


tacado o raciocínio lógico, visto que os alunos têm dificuldade em
relacionar o conteúdo teórico com os acontecimentos inseridos
no cotidiano. Neste momento o professor trouxe um tópico consi-
derado o mais difícil para o ensino da Química: a “Estequiometria”.
Segundo o professor, o maior problema apresentado para assimi-
lar este conteúdo foi a falta de domínio nas matérias básicas de
Português e Matemática. Este quesito teve concordância por parte
da Coordenação Orientacional.

Na fase evolução, iniciou-se a 3ª fase do brainstorming utilizan-


do, como base, a Estequiometria, relacionando conteúdos básicos
dentro deste tópico:

• Pureza;

• Rendimento;

• Reações sucessivas;

• Limitante e Excesso.
Os conteúdos básicos apresentados estão inseridos no dia a dia
das pessoas, sendo que a falta dessa compreensão na interpreta-
ção - seja ela textual ou numérica -, as impede de correlacionar a
teoria com a aplicação dos problemas no cotidiano.

Neste momento, o grupo concordou que, se não houver interação


entre o novo conhecimento adquirido com algum aspecto específi-
co, ele será armazenado mecanicamente - e não de forma cognitiva.

306 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


Nesta fase, a equipe concluiu que os estudantes não necessitam
somente do conteúdo de Química para aprender a matéria. Em
consenso, destacou-se que seria necessário um jogo interativo
que prendesse a atenção e despertasse o interesse dos estudan-
tes para que eles buscassem alternativas capazes de ajudá-los a
compreender as transformações Químicas que ocorrem no mun-
do de forma abrangente e integrada.

Diante do exposto, foi consentido e decidido pela equipe de traba-


lho gerar um Quiz digital. Idealizou-se que ele contivesse dez per-
guntas de múltipla escolha, com quatro alternativas de respostas,
sendo apenas uma alternativa correta, relacionadas à disciplina de
Química utilizando o conteúdo de Química Geral. Sua referência
seria o PET, que segue o Currículo Referência de Minas Gerais, já
que este estuda a matéria, as transformações que ocorrem com
ela e as energias envolvidas nesses processos, tendo uma primeira
visão da Química e fornecendo suporte para prosseguir em seus
estudos. Tudo isso, contudo, sem cálculos, mas com perguntas
que pudessem despertar o conhecimento cognitivo dos alunos,
ou seja, aquele adquirido no seu dia a dia, na internet, na TV, no
cinema etc.

Logo, o jogo desenvolvido trata-se de um Quiz, elaborado com


perguntas da disciplina química, com o objetivo de propor ques-
tões contextualizadas de química geral que apresentem situações
que possam ser vivenciadas pelos alunos em seu cotidiano.

A equipe optou por não dividir o Quiz por temáticas, já que a pro-
posição é de algo lúdico, que possa avaliar, diagnosticar e ensinar
este ou qualquer outro conteúdo, colaborando com o desenvolvi-
mento intelectual e social, e potencializando a aquisição de conhe-
cimento cognitivo.

Destaca-se que é muito importante que os educadores tenham


uma mínima noção de princípios de uso dos recursos lúdicos no
ensino, com o objetivo de desenvolver atividades que venham a,

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 307


verdadeiramente, atender as necessidades de formação de seus
estudantes. Assim, o intuito por trás da criação deve ser o de ini-
ciar uma abordagem educativa, no que se refere a elaborar esses
jogos e brincadeiras (MESSEDER NETO; MORADILO, 2016).

Na elaboração, estabeleceu-se que, para cada pergunta proposta,


apenas uma resposta deveria ser selecionada. Após fornecer uma
resposta, o jogo apresentava um feedback que descreve se o alu-
no escolheu ou não a resposta correta, inclusive, informando qual
era a resposta correta.

Segue um exemplo de pergunta elaborada para o Jogo:

Uma árvore, quando é exposta à luz do sol, começa um processo


denominado:

a. Eletrolise

b. Solubilidade

c. Saturação

d. Fotossíntese
SAIBA MAIS: Fotossíntese é um processo realizado pelas plantas
para a produção de energia necessária para a sua sobrevivência.
Como acontece? ... Então a clorofila e a energia solar transformam
os outros ingredientes em glicose. Essa substância é conduzida
ao longo dos canais existentes na planta para todas as partes do
vegetal.

Na sequência do jogo, após as dez (10) questões respondidas -


independentemente se o aluno acertou ou não as respostas - o
jogo retornava com as perguntas, respostas corretas e um campo
denominado “Saiba Mais”, detalhando com mais exemplos ou com
uma definição sobre o assunto abordado.

O “Saiba Mais” ou exercício de fixação visa auxiliar o processo de


ensino, reforçando e explicando o que foi perguntado, partindo da

308 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


concepção de que os estudantes necessitam desenvolver pensa-
mento crítico e reflexivo. Neste espaço as informações são com-
plementadas, dando mais sentido ao cotidiano atrelado à discipli-
na/teoria estudada.

Trata-se de um jogo com uma aplicação Web desenvolvida em


MySQL, que é, atualmente, um dos sistemas de gerenciamento de
banco dados mais utilizado e popular. A modelagem do banco de
dados tem a função de entender e desenhar as relações entre o
usuário e o sistema.

O jogo está disponível em um site particular no endereço web:


www.quimicanavida.com.br , com custos operacionais pagos
anualmente, em uma máquina virtual com o sistema operacional
Linux com 100 GB disponíveis para armazenamento.

As fases da criação do jogo, conhecida também como Guildeline


de construção iniciou-se com a ideia e escolha do tema. Posterior-
mente, escolheu-se a plataforma web, onde foram utilizadas as
linguagens de front-end: CSS, HTML e JavaScript, linguagem back-
-end: PHP (regras de jogo) e o banco de dados MySQL. No proces-
so de prototipagem, desenvolveu-se a produção visual, ou seja, o
esboço do Jogo Educativo e a sua representação de interface. Em
seguida, iniciou-se a fase de testes, momento em que foi possível
realizar ajustes visando a um melhor desempenho.

CONCLUSÃO

Ao final desta investigação, constatou-se que os educandos visua-


lizam os jogos educativos como ferramentas inovadoras que tem
a capacidade de promover a aprendizagem significativa e ativa.
Logo, infere-se que os jogos educativos digitais apresentam po-
tencial como método para o ensino de diversos conteúdos do en-
sino básico, além daqueles referentes à Química, por priorizarem
os princípios da aprendizagem significativa e ativa.

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 309


Acrescenta-se, ainda, que explorar as possibilidades tecnológicas
no âmbito do contexto dos processos de ensino e aprendizagem
deveria ser uma política educacional. Esta afirmação justifica-se
pelo falo dessas tecnologias virem ao encontro das necessidades
de um mercado de trabalho que, cada vez mais, requer profissio-
nais que saibam como utilizar a tecnológica para a melhoria de
desempenho no âmbito do trabalho.

Além disso, os jogos são vistos como uma metodologia de ensino


envolvente para a atual geração de alunos, os quais são caracte-
rizados como nativos digitais. Esse processo ocorre de modo efi-
caz, impactando no processo de ensino e aprendizagem. Os jogos
ainda podem ser utilizados como ferramentas de diagnóstico de
modo a evidenciar os conhecimentos e as habilidades de cada dis-
ciplina que ainda não foram aprendidos por cada aluno.

REFERÊNCIAS

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314 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


PERMANÊNCIA E ÊXITO: UM OLHAR SOBRE POLÍTICAS
EDUCACIONAIS PERANTE A PANDEMIA DO COVID-19

Caroline Martins Ojeda

IFMT

Danúbia Bertan

IFMT

RESUMO: O estudo aqui apresentado levanta indagações sobre os


desafios enfrentados pelas instituições de ensino públicas no Brasil
no decorrer do isolamento social causado por COVID-19, tendo como
base de pesquisa o Instituto Federal de Mato Grosso – Campus Alta
Floresta. Para tanto, buscamos compreender como a comunidade
acadêmica desta instituição procurou sanar as demandas que encon-
traram ao longo do caminho, lidando com o isolamento social gerado
pela pandemia nos anos de 2020 e 2021. Por meio de análise docu-
mental e bibliográfica foi realizado um levantamento que concerne às
concepções de permanência e êxito e a relação que tais conceitos têm
na atuação das instituições para com seus estudantes, não somente
no intuito de contribuir com o bom desempenho acadêmico destes
alunos, mas também buscando a diminuição das vulnerabilidades
advindas de situações de cunho emocional e de desigualdades sociais.

ABSTRACT: The study presented here raises questions about the


challenges faced by public education institutions in Brazil during the
social isolation caused by COVID-19, based on the Instituto Federal
de Mato Grosso – Alta Floresta Campus. In this sense, we seek to un-
derstand how the academic community of this Institution sought to

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 315


respond to the demands they encountered along the way, so that they
could deal with the social isolation generated by the pandemic in 2020
and 2021. Through documental and bibliographic analysis a survey
was carried out concerning the conceptions of permanence and out-
come and the relationship that such concepts have in the involvement
of institutions towards their students, not only in order to contribute
to their good academic performance, but also seeking to reduce vul-
nerabilities arising from emotional situations and social inequalities.

INTRODUÇÃO

Os desafios enfrentados pela escola, ao longo da crise sanitária,


causada pela contaminação em massa da população mundial pelo
coronavírus, demonstraram para os brasileiros que uma nova
conjuntura seria estabelecida para o ensino no país. Novos tem-
pos e novos formatos de ensino emergiram ao longo de um novo
contexto social imposto pela pandemia no início do ano de 2020.
Estudantes e professores foram transportados para um novo for-
mato de interação, no qual ocorreria o processo de ensino-apren-
dizagem. Mas é preciso ressaltar: um processo que exigiu de toda
a comunidade escolar um alto nível de adaptabilidade, muitas ve-
zes causando o esgotamento físico e mental dos envolvidos (SA-
RAIVA et al., 2020).

O distanciamento afetou a dinâmica do processo de ensino- apren-


dizagem que se estabeleceu por meio das Tecnologias Informação
e Comunicação (TICs) no formato que ficou conhecido como “En-
sino Remoto” (HODGES et al., 2020), criando uma nova dinâmica
que ressaltou os problemas psicossociais e econômicos enfrenta-
dos pelos estudantes em todo o Brasil (RIBEIRO et al., 2020; PIERI,
2018).

E dentro deste contexto de pandemia no Brasil, em relação ao


padrão histórico do país em manter desigualdades de acesso ao
conhecimento e a recursos, só podemos supor que o problemas

316 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


sociais - assim como pedagógicos – aumentaram significativamen-
te dentro do âmbito escolar e, consequentemente, consideramos
necessária a disseminação ao redor das soluções encontradas
para lidar com os maisdiversos problemas socioeducativos encon-
trados no decorrer da pandemia.

Em volta deste contexto de ações que buscam contemplar a per-


manência e êxito de estudantes, as Instituições de ensino enfren-
tam hoje um novo desafio: como promover o êxito acadêmico e
garantir a permanência de estudantes em meio à pandemia? Pro-
fessores, alunos, gestores e diversos outros agentes ligados à edu-
cação no Brasil viram- se paralisados diante da crise pandêmica e
das mudanças de condições de oferecimento de ensino no país.
Para responder a tal questionamento recorremos à análise das
políticas e práticas de permanência e êxito no âmbito da educação
pública no Brasil. O ponto focal do estudo foi o Instituto Federal de
Mato Grosso, Campus Alta Floresta. Trata-se de um instituto pú-
blico de educação, dedicado principalmente ao desenvolvimento
do ensino técnico e tecnológico nos níveis de ensino básico e su-
perior. Localiza- se no interior do Brasil, no estado de Mato Gros-
so, em uma região caracterizada por uma economia hegemonica-
mente orientada pelo agronegócio e que possui uma população
com marcadas diferenças relacionadas à cultura, poder aquisitivo,
interações sociais, entre diversas outras diferenças (SOUZA, 2008).

Nesse sentido, os Institutos Federais, em geral, foram criados para


consolidar e fortalecer os arranjos produtivos, sociais e culturais
locais (BRASIL, 2008). Assim, espera-se que essas instituições al-
cancem, por meio da interiorização de seus campi em todas as
regiões do país, parcelas da população brasileira que no passado
não teriam acesso ao ensino público superior ou técnico (MUNIZ
et al., 2019).

É preciso considerar ainda que os Institutos Federais participam de


um processo de democratização do ensino, que visa alcançar a

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 317


universalização da educação básica no país e o aumento expres-
sivo de acesso de jovens e adultos à educação superior (BRASIL,
2014). Com o objetivo de promover o oferecimento de uma edu-
cação profissional etécnica para a população brasileira, a Rede Fe-
deral de Educação Profissional, Científica e Tecnológica consegue
abarcar hoje 38 Institutos Federais, caracterizados pela pluricurri-
cularidade e estrutura multicampi. Devido a estas características,
tais Institutos possuem uma gama diversa de cursos, tanto no En-
sino Médio quanto no Ensino Superior.

Todavia, a ampliação do número de estudantes no Brasil não


significa, necessariamente, que a diversa gama de pessoas que
constituem este público possua entre si as mesmas condições
socioeconômicas, o mesmo ambiente familiar ou ainda idênticas
condições psicossociais. Neste sentido, para atender às mais di-
versas situações de vulnerabilidade - e ainda pensando em mo-
mentos de crise, como se trata a Pandemia iniciada em 2020 -, viu-
-se necessária a criaçãode políticas institucionais e ações ligadas à
Assistência Estudantil e de cunho pedagógico dentro do ambiente
escolar (OLIVEIRA, 2021).

É dentro deste contexto que apresentamos como problema de


pesquisa a indagação de como se deram os desafios enfrentados
pelo Instituto Federal de Mato Grosso – Campus Alta Floresta, no
decorrer da pandemia, para promover a permanência e êxito de
seus estudantes.A partir de uma análise documental e bibliográfi-
ca, e amparados nas ações e políticas institucionais de permanên-
cia e êxito realizadas pela instituição, procuramos compreender
como foram sanados alguns dos problemas relacionados à crise
pandêmica.

Neste sentido, acreditamos ser importante a discussão em torno


do que se compreende por políticas institucionais de permanência
e êxito, que possui um ente catalisador no processo de concreti-

318 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


zação de ações: a Assistência Estudantil. Compreender sua impor-
tância dentro de uma conjuntura de crises sociais e econômicas,
assim como as decisões de gestão frente às dificuldades, é primor-
dial para darmos corpo a uma escola que não somente possui o
tripé ensino, pesquisa e extensão para sua consolidação científica
e cultural, mas que também entende que seu papel social é de
extrema relevância (BARBOSA, 2004).

A IMPORTÂNCIA DA ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL NO CONTEXTO


ESCOLAR

Para iniciarmos nossa discussão, compreendemos ser necessária


as referências dos conceitos de evasão/retenção atrelados à per-
manência/êxito são imprescindíveis, na medida em que - para que
possamos evitar o primeiro processo - se faz necessário um olhar
sensível sobre como promover ações de permanência e êxito.
Compreender as ações de permanência e êxito como parte essen-
cial da estrutura de políticas institucionais aponta, portanto, para
um processo de ensino-aprendizagem que seja capaz de “discutir
questões que abranjam o interior das salas de aula, os diversos
espaços e os tempos acadêmicos, além da formação docente e
do seu exercício, as práticas avaliativas e a gestão da educação,
suas práticas e tomadas de decisão” (OLIVEIRA, 2021, p. 51).

Já na Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 conseguimos


identificar aspectos essenciais para o desenvolvimento da educa-
ção no país, como a igualdade de condição para o acesso e perma-
nência na escola, a garantia do padrão de qualidade, a valorização
do profissional da educação escolar e a vinculação entre educação
escolar, trabalho e práticas sociais. Diante disso, compreendemos
que ações e práticas no combate às desigualdades são o cerne
do que se compreende por permanência e êxito escolar no Brasil
(KARASINSKI,2019).

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 319


Como apontam Oliveira (2021) e Jucá et al. (2019), a complexida-
de dos conceitos de permanência e êxito vão tão longe quanto as
formas em que são pensadas as políticas nacionais e institucio-
nais para a promoção do bom desempenho do estudante na ins-
tituição de ensino. Uma pesquisa realizada por Rumberger e Lim
(2008), com o intuito de buscar compreender porque estudantes
desistem da escola, aponta para possíveis fatores, os quais consi-
deramos caros ao estudo aqui apresentado: a relação que estes
estudantes têm com suas famílias - seus costumes, sua estrutura
familiar, os recursos financeiros -, e a relação que estes estudan-
tes possuem com a escola.

Esta relação com a escola, ainda conforme Rumberger e Lim


(2008), pode afetar a performance estudantil quando analisados
(1) os fatores estruturais da escola (pública ou privada, urbana ou
no campo, entre outros), (2) as características particulares a cada
estudante, que envolve maior ou menor entrosamento deste estu-
dante com os demais colegas da escola, (3) os recursos manejados
pela escola, pensando na melhoria do ensino, e finalmente (4) a
efetividade das práticas de ensino-aprendizagem.

Quando pensamos nesta miríade de fatores, que podem ou não


se tornarem benéficos para o êxito acadêmico e a continuidade
do estudante em sala de aula, conseguimos compreender o quão
significante é o papel da Assistência Estudantil dentro de uma ins-
tituição de ensino. Conforme estudo realizado por Renata Eusébio
dos Santos, é possível depreender que a

[...] AE como programa nacional ain-


da é recente, porém já ganha status de
política pública devido sua necessidade
como uma intervenção estatal diante das
expressões das desigualdades advindas
do capital em crise estrutural. Por isso, ela
apresenta indefinições, no cotidiano das
instituições, que mostram uma política

320 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


em construção e cheias de possibilida-
des. (SANTOS, 2017, p. 124)

E neste contexto, com o surgimento do Programa Nacional de As-


sistência Estudantil - PNAES, a partir do Decreto 7.234/2010, as ins-
tituições de ensino passam a trabalhar as questões relacionadas à
permanência e êxito dos estudantes de forma orgânica, buscando
mitigar ou mesmo eliminar causas de vulnerabilidade e evasão es-
colar.

Conforme o decreto, o PNAES tem por objetivo democratizar as

[...] condições de permanência dos jovens


na educação superior pública federal;
minimizar os efeitos das desigualdades
sociais e regionais na permanência e con-
clusão da educação superior; reduzir as
taxas de retenção e evasão, e contribuir
para a promoção da inclusão social pela
educação (BRASIL, 2010, Art. 2).

O Programa fornece aparato legal para as instituições de ensino


agirem nas frentes ligadas à moradia, alimentação, transporte,
atenção à saúde, inclusão digital, cultura, esporte e outros aces-
sos. Portanto, é possível verificar que se cria na educação formal
- pública da esfera federal - uma cultura de assistência estudantil,
sob a qual são gerenciadas as políticas estudantis que regem as
ações de gestores e educadores, visando o bem-estar dos alunos
na escola.

Numa perspectiva de inclusão e direito social, as ações da Assis-


tência Estudantil promovem a saúde, acesso aos instrumentos e
apoio pedagógicos e psicossociais necessários à formação pro-
fissional e cidadã, acompanhamento às necessidades educativas
especiais, contribuição no provimento dos recursos básicos para
o estudante, tais como moradia, alimentação, transporte e recur-

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 321


sos financeiros mitigando situações de retenção, evasão escolar e
promovendo condições de permanência e êxito do estudante no
percurso formativo.

Ao pensarmos em permanência e êxito no contexto educacional


não podemos deixar de entender a evasão e a retenção como fenô-
menos que envolvem fatores multidimensionais (culturais, sociais,
institucionais e individuais), e relacionar esse entendimento à com-
plexidade da Rede Federal no cumprimento da sua função social.
Implica-se, neste sentido, na articulação de ações que ofereçam o
“atendimento a um público diversificado que, em sua maioria, é
socioeconomicamente vulnerável e egresso de sistemas públicos
de ensino em regiões com baixo índice de desenvolvimento edu-
cacional” (BRASIL, p. 28, 2014).

No Instituto Federal de Mato Grosso – Campus Alta Floresta, a Po-


lítica de Assistência Estudantil dispõe de um Regulamento que
foi aprovado no ano de 2020 a partir da Portaria nº 070/2020. De
acordo com a Política Institucional da de Assistência Estudantil1 e
Regulamento Geral da Política de Assistência Estudantil do IFMT2
e demais legislação vigente, há um foco no suporte aos discentes
por meio de um conjunto de ações com vistas à auxiliar para a
superação de obstáculos que atinjam o bom desempenho acadê-
mico.

A Política está baseada em diretrizes que possibilitam o acessodos


alunos a uma educação pública, que busca oferecer condições
de igualdade, permanência e êxito à trajetória do estudante. Já
o Programa de A.E versa sobre ações voltadas em atender as ne-
cessidades dos discentes. Tais ações de Assistência Estudantil são
executadas pela equipe multiprofissional, formada por assistente
social, psicólogo, enfermeiro, técnico em assuntos educacionais,
assistentes de alunos, assistente em administração e pela equipe
pedagógica, formada por professores, coordenadores de curso e
coordenação de ensino.

322 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


Os serviços e ações de Assistência Estudantil encontram-se organi-
zados em duas modalidades de programas desenvolvidos naInsti-
tuição de ensino: o Programa Universal e o Programa de Incentivo
à Permanência. O primeiro é destinado a todos os estudantes re-
gularmente matriculados no IFMT - Campus Alta Floresta, poden-
do ser desenvolvido por meio de ações e projetos conduzidos pelas
equipespedagógica e/ou multiprofissional do Campus.

Como ações que fazem parte deste programa, é possível citar:


acolhimento e acompanhamento social, psicológico e pedagógi-
co; prevenção e promoção à saúde e qualidade de vida; incentivo
às atividades esportivas, de lazer e culturais; seguro escolar; in-
centivo ao desempenho escolar e acadêmico – Monitoria Didáti-
ca; incentivo ao desempenho escolar e acadêmico – por meio de
participação em eventos técnico-científicos e de formação política
estudantil; assim como apoio aos estudantes com deficiência e/ou
necessidadeseducacionais específicas.

Quanto ao Programa de Incentivo à Permanência, tem como pú-


blico alvo os alunos, prioritariamente, com renda bruta familiar
per capita de até um salário-mínimo e meio por pessoa da famí-
lia. Dentre os programas encontram-se o auxílio moradia; auxílio
transporte; auxílio alimentação; auxílio creche; auxílio permanên-
cia e, finalmente, auxílio emergencial.

Na medida em que compreendemos a organização da Assistência


Estudantil dentro de uma instituição de ensino, podemos afirmar
que sua importância se faz evidente no cotidiano escolar,enquan-
to núcleo promulgador de ações de permanência e êxito (SANTOS,
2017). Entendemos, então, a indispensável ação deste setor no
processo conhecido como Ensino Remoto, perpetrado no decor-
rer do distanciamento social da pandemia de 2020-2021. Neste
sentido, tomamos as considerações de Hodges et al. (2020) para
compreender oconceito de Ensino Remoto, que é entendido como
uma mudança emergencial temporária na estrutura do ensino de-

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 323


vido às circunstâncias de crise. O objetivo não seria, conforme os
autores, a recriação de todo o modelo educacional, mas sim, for-
mas de ensino completamenteremotas que pudessem auxiliar no
acesso temporário a conteúdos, instruções e dinâmicas, até que o
ensino híbrido ou presencial fosse viável novamente.

É importante notar que o processo de adaptação do ensino pre-


sencial para o ensino remoto deixou transparecer as dificuldades
perante as diferentes formas de ensinar e aprender. Como aponta
Alves,“[…] cada aluno é uma “entidade” sui generis, portador de um
nome, também de uma “estória”, sofrendo tristezas e alimentando
esperanças. E a educação é algo para acontecer neste espaço in-
visível e denso, que se estabelece a dois” (1980, p. 13). E uma vez
que a escola é este espaço em que se englobam as diferenças e se
propõe a superação dos desafios, o período de crise causado pela
COVID-19 se mostrou como mais um momento em que a escola
deveria juntar todos seus aparatos humanos e de infraestrutura
para conseguir ultrapassar os obstáculos do isolamento social e
a remodelagem da sua estrutura didático- pedagógica.

Essa nova organização nos leva a pensar em diversos questões


quase impossíveis de serem totalmente mensuradas, mas que
acabaram por afetar todo o sistema educacional brasileiro com o
advento da pandemia em 2020, como: a autonomia dos alunos,
a necessidade de professores e alunos se adaptarem ao ensino
remoto e, sobretudo, à pressão social e até econômica sobre a es-
cola (SARAIVA et al., 2020). Neste sentido, a escola se vê mediante
um cenário completamente diferente do qual estava habituada e,
diante de uma crise mundial, acabou por determinar a implanta-
ção do modelo de Ensino Remoto Emergencial.

324 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


PERMANÊNCIA E ÊXITO DURANTE A PANDEMIA: DESAFIOS NO
ÂMBITO DAESCOLA PÚBLICA

Passados os primeiros impactos do doloroso processo do isola-


mento social, começamos a encontrar muitas discussões que gi-
ram em torno do conceito do “novo normal”. Se se trata de um
futuro ao qual estamos fadados ou não, ainda não sabemos res-
ponder. Contudo, é fato que a pandemia causada pelo COVID-19
nos obrigou a revermos nossos parâmetros de vida, de interação
social, e até mesmo de como educar. Conforme afirma Reis et al.
(2020), existe uma tentativa de previsão sobre aquilo que está por
vir, como que para ter controle sob estes novos olhares e novas
práticas, que estão sob a égide do “novo normal”, mas ao mesmo
tempo tal conjuntura gera “a aceleração e a busca acirrada por
adaptação, podendo redundar, por vezes, em formas patológicas
de vida” (2020, p. 227).

Neste sentido, à luz das discussões realizadas por Raic e Brito de


Sá (2021) não podemos deixar de lado a relação intrínseca que
as sociedades contemporâneas possuem com a utilização de ins-
trumentos tecnológicos, as mídias e redes sociais, relacionadas à
concepção (ou concepções) do “novo normal:

No contexto da pandemia e com a emergência das atividadesremo-


tas, parece que a escola viu ameaçada a sua normalidade. Em um
primeiro momento, resistimos e colocamos em xeque a qualida-
de da educação, como se a normalidade a garantisse; falamos da
desigualdade social e dos impedimentos de uma prática equita-
tiva, como se já tivéssemos conquistado a pretendida justiça so-
cial. Depois,com o avançar das semanas sem atividades na escola,
nos arriscamos, voluntária ou forçosamente, no mundo digital,
ampliando os contatos entre professores e alunos. Vimos iniciar
as atividades educativas por diversas plataformas de videoconfe-
rências, ambientes virtuais de aprendizagem (AVA), as lives com
diversos temas. (RAIC; SÁ, 2021, p. 21)

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 325


É dentro desta nova realidade - virtual - que se estabelece a cons-
tante necessidade de renovação do indivíduo, contando com suas
habilidades de interação social, adaptação ao novo e, mais, à
constante renovação de habilidades. Deste modo, consideramos
ser necessário pensarmos no propósito da tecnologia em nossas
vidas.

As tecnologias de informação entraram em nosso meio social num


ritmo ainda mais vertiginoso ao longo do século XXI, para nos fa-
zer crer que – sem dúvida –, seres humanos são seres adaptáveis
e munidos de uma característica muito peculiar: a constante bus-
ca por transformação. Entendemos, assim, que somos compos-
tos por sociedades mutáveis, líquidas, de acordo com o conceito
cunhado por Zygmunt Balman (2001). O que, neste sentido, refor-
ça a ideia de que o

[...] desenvolvimento das tecnologias


pode criar um ambiente cultural e edu-
cativo suscetível de diversificar as fontes
do conhecimento e do saber. Por outro
lado, as tecnologias caracterizam-se pela
sua complexidade crescente e pela gama
cada vez mais ampla de possibilidades
que oferecem. (DELORS, 1998, p. 186-187)

E ao lançar mão da utilização de tecnologias para instigar compe-


tências e novas habilidades, a escola se torna um espaço de eman-
cipação, tanto humana quanto social (BELLONI, 2003). Mais do que
um aparelho do Estado (ALTHUSSER, 1987), as instituições escola-
res são dotadas de um poder motivador, de realização de sonhos
através da síntese e renovação dos saberes e do saber fazer.

Já no que tange a inclusão digital, a escola passa a ter o papel de


idealizadora de uma sociedade que prima pelo “[...] processo edu-
cativo, no interior do qual se deve pensar o computador, é aquele
que prevê uma educação para todos, em todos os níveis” (ALMEI-

326 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


DA, 2005, p. 63). Não podendo deixar de pensar, ainda, na demo-
cratização da educação e no exercício da cidadania. A educação,
de acordo com a Constituição Federal, é um direito de todos, sen-
do dever do Estado e da família, e ainda promovida e incentivada
com a participação da sociedade, “visando ao pleno desenvolvi-
mento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1990).

Trata-se, portanto, da disseminação de uma educação inclusiva e


de qualidade, proporcionando oportunidades de construção de
uma educação global, levando em consideração o que Moraes
(2000) discorre sobre educação e informática, em que o papel da
escola se destaca na construção de uma cidadania global. A inte-
ração de atores sociais e o processo educativo na construção da
coletividade se manifesta aqui dentro de um propósito de diálogo
entre a instituição educacional e a sociedade civil. Assim,

À escola cabe acolher a todos e partindo


de uma visão sincrética de suas vidas e
necessidades e sonhos organizar- lhes es-
tas demandas com valores e com as habi-
lidades cognitivas e com a sistematização
das ciências. O uso dos computadores
neste contexto tem o significado de aju-
dar a fazer os diagnósticos da realidade
e facilitar o cruzamento entre as neces-
sidades locais e os conteúdos da ciência,
da arte e da cultura disponíveis em suas
enormes redes [...] (ALMEIDA, 2005, p. 15)

Neste sentido, ao pensarmos o contexto da escola durante o pe-


ríodo pandêmico iniciado no ano de 2020, compreendemos que
as instituições de ensino passam a priorizar ainda mais as ações
que contemplem a permanência e o êxito de seus estudantes e
que lutam contra os fenômenos de evasão e retenção de seus alu-

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 327


nos. É de nosso entendimento que o novo cenário moldado pela
pandemia ressalta muitos fatores que são causa de distanciamen-
to do estudante com relação ao ambiente escolar.

Como já mencionado, o público de alunos atendidos pelo Insti-


tuto tem um caráter heterogêneo, refletindo as diferenças cul-
turais, econômicas e até geográficas que definem o Brasil (PIERI,
2018). Portanto, é plausível supor que o ensino remoto revelou
ainda mais as dificuldades enfrentadas pelas diferentes formas de
aprender e, consequentemente, a necessidade de adaptação da
instituição para atender essa gama de alunos.

A partir da concepção de ensino remoto (HODGES et al., 2020) e


permanência e êxito (OLIVEIRA, 2021; JUCÁ et al., 2018; SANTOS,
2017) foi possível analisar as etapas de trabalho para o início das
atividades remotas com os alunos do Instituto Federal de Mato
Grosso - Campus Alta Floresta. O relatório do Departamento de
Educação aponta duas frentes de atuação. A primeira preocupa-
ção da equipe foi compreender, como aponta Ribeiro et al. (2020),
qual era a situação de professores e alunos da instituição com re-
lação ao acesso às TICs.

Dessa forma, relatórios da instuição, elaborados pelas equipes do


Departamento de Ensino, apontam que foi realizado um levanta-
mento de contexto de acesso às TICs entre professores e alunos;
qual sistema operacional, plataformas e aplicativos utilizar duran-
te o ensino remoto; metodologias de ensino a serem aplicadas,
bem como entender como iniciar a preparação de professores e
estudantes para o novo formato de ensino, que foi denominado
“Regime de Exercício Domiciliar”3.

Esse teria sido o roteiro de trabalho organizado pela equipe peda-


gógica e multidisciplinar do Instituto. Por meio de reuniões e apli-
cação de questionários, as equipes puderam obter um panorama
do acesso às TICs de professores e alunos, bem como compreen-
der os maiores medos sentidos por esse público - tanto materiais,

328 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


quanto emocionais - relacionados ao ensino remoto.

As primeiras ações que propunham a permanência e êxito dos es-


tudantes foram realizadas por meio de prestação de assistência
para acesso à internet na forma de auxílio financeiro, conforme
Relatório da Assistência Estudantil do Campus. Através do levan-
tamento de informações de acesso às TICS, a gestão de ensino
verificou grande disparidade de acesso entre os estudantes, o que
originou nas primeiras publicações de editais de auxílio internet.
Segundo dados do relatório citado, foi possível contribuir com 300
alunos da instituição no ano de 2020.

Para os casos em que os alunos residiam em locais sem sinal de


internet ou que não dispunham de aparelhos eletrônicos, como
celulares ou computadores, foram entregues materiais impressos,
seguindo um protocolo de biossegurança estabelecido no “Plano
de Contingência contra contaminação por Covid-19”4.

Através do levantamento realizado, a equipe da Assistência Es-


tudantil relatou que o estabelecimento de interação com os dis-
centes perpassou por diversos problemas, interferindo, conse-
quentemente, no desempenho destes estudantes. Tais problemas
incluíram: (1) alunos com falta de acesso à internet ou internet
limitada (2) problemas econômicos que poderiam acarretar na di-
minuição do envolvimento do aluno nas atividades escolares (3)
desistência de alunos para que pudessem ajudar no sustento de
seu núcleo familiar (4) problemas de cunho psicológicos como an-
siedade e depressão, entre vários outros fatores que poderiam
contribuir para o desgaste do processo educacional.

Neste viés, notou-se, por meio do acompanhamento pedagógico


da equipe multidisciplinar da instituição no decorrer das ativida-
des remotas, um certo distanciamento de muitos alunos, que não
interagiam com seus professores e colegas, bem como não desen-
volviam as atividades propostas pelos professores. Para tentar mi-
tigar essa situação, foi criada uma comissão de acompanhamen-

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 329


to dos alunos, buscando auxiliar os professores na comunicação
com os estudantes.

A equipe de acompanhamento observou questões pedagógicas


- como a dificuldade em realizar alguma atividade ou disciplina
específica -, bem como a análise das particularidades da vida do
aluno, analisando situações que pudessem dificultar ou interrom-
per seus estudos. Como forma de trabalhar estas questões, tanto
pedagógicas quanto emocionais, foram propostos atendimentos
pedagógicos e psicossociais, seguidos de levantamento de diag-
nósticos e nivelamento (a depender do caso em questão).

Nesse viés, abordar questões relacionadas à inteligência emocio-


nal e fragilidade psicológica dos alunos diante das constantes in-
certezas decorrentes da crise pandêmica mostrou-se de extrema
importância (SCHORN; SEHN, 2020). Assim, além de oferecer cur-
sosde formação continuada para professores, a equipe multidisci-
plinar do Instituto realizou, ao longo de 2020 e 2021, atendimento
psicossocial e acompanhamento dos alunos, dentro de uma pers-
pectiva humanizada do processo ensino-aprendizagem.

Criou-se, então, uma rede de apoio, inicialmente com os profissio-


nais de psicologia e serviço social que disponibilizaram o número
de celular para facilitar o contato inicial, em que ocorria a identi-
ficação do contexto do aluno e, então, realizando os encaminha-
mentos.

Essa aproximação com o aluno tinha como objetivo principal o


combate à evasão, seja por transferência do aluno, trancamen-
to e/ou desistência de alunos. Assim, criou-se uma nova organi-
zação, onde o registro escolar encaminhava o discente ao setor
de Assistência Estudantil para que os profissionais de psicologia e
serviço social pudessem entender os motivos da solicitação. Feita
esta identificação, buscou-se rever a situação do aluno através do
apoio às dificuldades encontradas.

330 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


Ligado ao fator de evasão, cabe dizer, estava a necessidade dos
alunos do instituto começarem a trabalhar, pois um dos aspectos
marcantes dessa pandemia foi a crise econômica e social, acen-
tuando as desigualdades sociais em todo o mundo (COSTA, 2020).
Neste enfrentamento à crise econômica enxergamos o papel so-
cial da escola, em que se cogitou que o Instituto passasse a atuar
frente à vulnerabilidade financeira dos alunos e suas famílias.

Assim, de acordo com o Relatório do Departamento de Ensino


e planilha de acompanhamento da Assistência Estudantil, entre
2020 e 2021, foram disponibilizadas aos estudantes 909 bolsas de
auxílio financeiro, tanto para alimentação, moradia, e em muitos
casos diretamente vinculadas ao acesso à internet.

Sobre este aspecto de vulnerabilidade financeira consideramosim-


portante destacar o trabalho com o recurso do Programa Nacional
Alimentação Escolar - PNAE. O Campus disponibilizou aos discen-
tes do ensino médio 370 kits alimentação. Foram lançados 02 edi-
tais entre os meses de agosto e setembro de 2021, processo em
que os alunos interessados preenchiam um questionário on-line e
a seleção ocorria mediante o preenchimento do formulário. Neste
processo foram obtidas 126 inscrições, sendo disponibilizados 02
kits para os alunos quepossuíam 05 pessoas na família. Respeitan-
do os protocolos de distanciamento social, a distribuição foi feita
por agendamento com a retirada no Campus ou entrega feita pelo
motorista, com agendamento quinzenal.

Vale ressaltar que, antes da pandemia, o Campus Alta Florestadis-


punha somente de auxílio transporte e alimentação, considerando
a realidade da cidade. E, no período de pandemia, o trabalho da
A.E se pautou em buscar alternativas para atender, com urgência,
as novas realidades. O auxílio para acesso digital foi muito impor-
tante ao considerar o isolamento social. Neste ponto a instituição
promoveu ainda o empréstimo de notebook e computadores visto
a necessidade dos alunos a partir da mediação dos coordenado-

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 331


res, professores, ou demanda espontânea.

A equipe da Assistência Estudantil trabalhou ainda na frente de


conscientização sobre a importância dos cuidados contra CO-
VID-19, a partir da criação dos Kits higiene, contendo: 01 bolsa; 04
máscaras de tecido; 01 litro de álcool em gel; 01 litro de álcool líqui-
do e 01 panfleto com orientações de prevenção à COVID-19. Para
a entrega deste material criou-se pontos de encontro pela cidade
para facilitar o acessodos estudantes, uma vez que existia a neces-
sidade de manter-se o distanciamento social.

Compreendemos, desta forma, que ao longo dos anos de 2020


e 2021 ocorreram muitas situações adversas, que acabou por re-
definir diversos conceitos e práticas ligados ao processo ensino-
-aprendizagem. Assim, se faz necessário estabelecer o papel da
gestão - com destaque às equipes multidisciplinar e pedagógica
- na superação das dificuldades enfrentadas.

Para efetivar as políticas de permanência e êxito, além de políticas,


gostaríamos de ressaltar a articulação e empenho dos profissio-
nais da educação no cotidiano escolar, sob a égide de um olhar
sensível sobre as deficiências apresentadas pelo ambiente escolar
mediante a crise pandêmica.

CONCLUSÕES
Considerando os principais obstáculos enfrentados por professo-
res e escolas ao longo dessa pandemia, acreditamos ser neces-
sária uma discussão sobre as rupturas abruptas no processo de
ensino-aprendizagem, trazendo à tona questões relacionadas ao
processo de adaptação de educadores, alunos, equipes pedagó-
gicas e multidisciplinares às um novo formato de ensino. Assim,
buscamos colaborar com discussões recentes que têm evidencia-
do a escola e os constantes problemas pedagógicos e administra-
tivos enfrentados em torno da pandemia, bem como elucidar o
papel social que a escola temjunto a sua comunidade.

332 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


Tratamos aqui de um momento único vivenciado pelas institui-
ções de ensino, no que diz respeito às dificuldades e decisões en-
frentadas durante a pandemia do COVID-19. Quando estudamos
as etapas desse processo através do Instituto Federal de Mato
Grosso, Campus Alta Floresta, vimos que existem muitos desafios,
mas que também existem muitas alternativas para superar essas
dificuldades. Também é importante destacar que o estudo aqui
apresentado possui um lugar de fala, com características sociocul-
turais específicas, que busca elucidar as práticas educativas rea-
lizadas em uma instituição pública brasileira em um contexto de
crise global.
Outro fator que consideramos relevante é o compromisso dos
governos, em conjunto com as escolas, em lidar com as desigual-
dades no acesso dos alunos às TICs e à assistência estudantil. É
preciso que reconheçamos o grande reflexo das desigualdades
sociais, que impactam o contexto escolar e a permanência e êxito
dos estudantes. Entendemos que a escola é um espaço que deve
buscar promover a igualdade de acesso ao conhecimento e, por-
tanto, lutar contra a precariedade da educação pública deve ser
um compromisso de todos os cidadãos brasileiros.
O retorno das atividades presenciais é um processo que tem le-
vado estudiosos e instituições de ensino a refletirem sobre como
voltar ao convívio presencial nas escolas. O ensino híbrido tem
se mostrado como uma solução possível de ser implementada.
O retorno gradual pode ser compreendido como uma estratégia
viável para que se possa evitar que a ambientação do retorno seja
sentida de forma penosa, tanto para professores quanto para os
estudantes.
É preciso que ocorra o incentivo às discussões em torno da adap-
tação escolar de estudantes, professores e técnicos para a dinâ-
micado novo normal. Neste sentido, cabe destacar o papel social e
formativo da escola e de setores como a Assistência Estudantil na
vida de seus estudantes em momentos ímpares, como demons-
trado neste estudo ao que concerne a permanência e êxito estu-

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 333


dantil num contextopandêmico.
Percebe-se, portanto, que a pandemia da covid-19 exigiu uma re-
formulação das relações humanas, em termos de comunicação,
construção de conhecimento e formas de acompanhamento da
comunidade acadêmica como um todo. Assim, os dados aqui
apresentados corroboram para que possamos entender as insti-
tuições deensino como um organismo vivo, dinâmico e diverso.
Consideramos, neste sentido, que o olhar sobre o estudante e
suas necessidades deve levar em conta aspectos concernentes às
mais diversas vulnerabilidades que o corpo discente pode apre-
sentar, principalmente quando consideramos momentos de cri-
se. Somenteassim, a nosso ver, é possível pensarmos numa escola
que efetivamentedesenvolva ações que evidenciam a importância
da permanência e do êxito estudantil.

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Palavras-chave: Permanência. Êxito. Pandemia.

Keywords: Permanence. Outcome. Pandemic.

1
Trata-se da Resolução CONSUP/IFMT nº 094/2017, a qual aprova a Política de Assistência
Estudantil no Instituto Federal de Mato Grosso, enquanto conjunto de princípios e diretrizes
que devem nortear ações que buscam o acesso, a permanência e o sucesso acadêmico dos
estudantes na instituição.

2
Aqui tratamos da Resolução CONSUP/IFMT nº 095/2017, aprovando o Regulamento Geral da
Política da Assistência Estudantil no Instituto Federal de Mato Grosso.
3 A existência do Regime de Exercício Domiciliar no IFMT precede o advento da pandemia
de 2020. O modelo foi por muito tempo aplicado no Instituto no intuito de oferecer a
continuidade dos estudos àqueles alunos que se viam impedidos de participarem das atividades
presenciais na escola, devido condições adversas, como por exemplo problemas de saúde.
Contudo, no decorrer do processo de isolamento social, tal modelo foi readaptado para uma
nova conjuntura, estabelecendo padrões quepudessem contribuir para a construção de novas
metodologias de trabalho, implementadas por meio das TICs. O objetivo desse novo conceito
foi oferecer alternativas para que professores e alunos pudessem desenvolver atividades de
ensino 100% online.

4
Este Plano, elaborado por membros da comunidade acadêmica do Campus, visou estabelecer
protocolos de biossegurança para todas as pessoas que adentrassem as instalações prediais
da instituição. Versou também quanto às necessidades materiais e pedagógicas para o retorno
das aulas presenciais.

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 337


QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO EM ESCOLAS PÚBLICAS
DE EDUCAÇÃO BÁSICA: UMA ABORDAGEM A PARTIR DO
QUESTIONÁRIO BPSO

Antônio dos Santos Silva32

UNINCOR

*Júlio César Toledo Ribas 33

UNINCOR

RESUMO

Esse relato abordará a construção de uma pesquisa sobre qualida-


de de vida no trabalho e o bem-estar dos professores da rede pú-
blica de educação básica a partir da aplicação do Diagnóstico BPSO
(BioPsicoSocial e Organizacional). O questionário que foi construí-
do originalmente para o meio empresarial, será aqui adaptado
para captar dimensões do ambiente de trabalho da escola pública.
Assim, este estudo irá se utilizar de uma abordagem quali-quan-
titativa para entender a percepção dos servidores públicos (em
especial os professores), contando com uma das escalas de QVT
(Qualidade de Vida no Trabalho) mais citadas no meio acadêmico,
já com validação para o contexto empresarial brasileiro. A contri-
buição que se espera desta pesquisa é a aplicação de uma escala
validada de qualidade de vida no trabalho com profissionais da
educação básica, e assim, participar da discussão da qualidade no
trabalho docente da rede pública.

Palavras-chave: Qualidade de Vida no Trabalho. Questionário


BPSO. Educação Básica. Ensino.
32 Doutor em Administração. Professor do Mestrado em Gestão, Planejamento e Ensino do
Centro Universitário Vale do Rio Verde - Unincor; e-mail: prof.antonio.silva@unincor.edu.br
33 Mestrando do Curso de Mestrado Profissional em Gestão Planejamento e Ensino,
Unincor; e-mail: julio.ribas@aluno.unincor.edu.br

338 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


ABSTRACT

This report will address the construction of a research on quality of life


at work and the well-being of teachers in the public basic education
network from the application of the BPSO Diagnosis (BioPsicoSocial e
Organizacional). The questionnaire that was originally built for the bu-
siness environment will be adapted here to capture dimensions of the
public school work environment. Thus, this study will use a qualitative-
-quantitative approach to understand the perception of public servan-
ts (especially teachers), with one of the most cited QVT (Quality of Work
Life) scales in academia, already validated for the Brazilian business
context. The expected contribution of this research is the application
of a validated scale of quality of life in the work with professionals of
basic education, and thus, to participate in the discussion of the quali-
ty in the teaching work of the public network.

Keywords: Quality of Life at Work. BPSO Questionaire. Basic educa-


tion. Teaching.

INTRODUÇÃO

O conceito de Qualidade de Vida no Trabalho - QVT foi desenvolvi-


do por John Kenneth Galbraith em 1958, levando em consideração
o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) que mede a qualidade
de vida da população de todos os países, através de comparações
que consideram principalmente a riqueza, a qualidade do proces-
so de alfabetização, a educação, a expectativa média de vida, o
índice de natalidade e o índice de mortalidade.

Entretanto, quando se fala na aplicação do conceito, alguns auto-


res consideram que a QVT ainda não tem uma definição consoli-
dada, pois existem várias definições que variam de acordo com
os autores e fases das pesquisas, o que sugere que QVT deve ser
tratado como construto e que num estudo aplicado deve-se con-
siderar as características das dimensões abordadas pelos diferen-

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 339


tes autores. Esta discussão (sobre QVT) ganhou relevância nas or-
ganizações modernas a partir de 1990 e, de acordo com Menezes
(2001), por exemplo, entende-se que se refere ao nível das condi-
ções básicas e suplementares de cada ser humano, envolvendo
o seu bem-estar físico, psicológico, emocional e seus relaciona-
mentos, caracterizado por ações que pretendem que as relações
trabalhistas sejam humanizadas, mantendo uma relação estreita
entre satisfação com seu ambiente de trabalho e sua produtivi-
dade. A abordagem que se pretende desse trabalho considera o
diagnóstico realizado por meio do questionário BPSO.

O diagnóstico BPSO foi criado por Ana Cristina Limongi-França em


1996. A teoria que sustenta o diagnóstico, estabelecia que, para
analisar o quadro de saúde de qualquer pessoa, não se poderia
apenas considerar se a mesma tinha ausência de doenças, mas,
também, o seu bem estar psicológico, biológico e social num con-
texto organizacional, ou seja, o diagnóstico BPSO é um estudo
estratificado dos indicadores utilizados para coleta, análise e re-
gistro de dados que utilizam significados operacionais que foram
validados no meio empresarial levando em consideração as di-
mensões Biológica, Psicológica, Social e Organizacional. A pesqui-
sa proposta nesse artigo parte de uma adaptação do questionário
BPSO para aplicação em escolas públicas de educação básica.

Assim, o objetivo geral deste artigo é descrever a construção da


pesquisa e a preparação de sua aplicação para propor um instru-
mento prático para lidar com os efeitos das evidências ressalta-
das de uma análise a partir do questionário BPSO em relação à
qualidade de vida dos professores da educação básica de ensino
público. A relevância do trabalho se justifica, pois até o presente
momento, não se tem conhecimento de pesquisas relacionadas à
QVT dos professores da rede pública relacionados ao Diagnóstico
BioPsicoSocial e Organizacional e estudos utilizando dados quan-
titativos através da Análise Multivariada de Dados descritas por

340 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


Joseph Hair (HAIR et al., 2009).

Nesse sentido, a ênfase maior de artigo é dada na metodologia


de construção da pesquisa, tanto no que diz respeito ao entendi-
mento do conceito, quanto da sua aplicação a partir da adaptação
de um instrumento originário do meio empresarial. Propõe-se um
estudo qualitativo-quantitativo, pois se pretende, após a estrutu-
ração e testes dos instrumentos e das análises expandi-lo para
todo o Estado de Minas Gerais.

Além desta introdução, compõem esse artigo uma seção sobre


qualidade de vida no trabalho, a apresentação do questionário
BPSO, a metodologia proposta para a pesquisa e as expectativas
dos resultados.

DISCUSSÃO TEÓRICA

Qualidade de vida no trabalho

Qualidade de Vida no Trabalho tem sido tema de estudo para cur-


sos de Administração, Saúde e Psicologia do Trabalho, mas mesmo
assim ainda não se tem um conceito definitivo do que é realmen-
te a QVT, pois cada autor a define de acordo com seu ponto de
vista, mas com pontos em comum, portanto o que se tem é uma
noção sobre o que é QVT. Entretanto, alguns elementos parecem
ser adequados para delimitar o seu estudo, onde se pode citar o
nível das condições básicas e suplementares de cada ser huma-
no, que envolvem o seu bem-estar físico, psicológico, emocional
e seus relacionamentos, caracterizado por ações que pretendem
que as relações trabalhistas sejam humanizadas, mantendo uma
relação estreita entre satisfação com seu ambiente de trabalho e
sua produtividade (MENEZES, 2001).

Os estudos relacionados à QVT tiveram início ainda na década de


1950, sendo considerado como uma extensão da Qualidade Total
(QT). Embora não se tenha uma definição especifica, o consenso é

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 341


que ela se refere ao bem-estar do trabalhador e ao mesmo tem-
po satisfaz as suas necessidades e melhora a produtividade nas
organizações.

A QVT pode ser defina como a abrangência de todas as relações


trabalhistas, podendo incluir saúde física e mental, vida social, se-
gurança, capacitação, energia gasta para a realização das tarefas,
entre outras atividades que serão abordadas neste estudo. A OMS
(Organização Mundial de Saúde) estabelece que o bem-estar do
profissional, está ligado diretamente com os aspectos físicos, psi-
cológicos, relações sociais, nível de independência e crenças pes-
soais

Para se estudar a QVT ao longo do tempo, foram definidos perío-


dos de evolução do estudo, onde pode observar diferentes pers-
pectivas do contexto organizacional, conforme identificado abai-
xo.
Quadro 1: Evolução da Qualidade de Vida no Trabalho

Fonte: Elaborado a partir de Andrade (2016, p.30)

Pode se afirmar que a QVT evoluiu para as questões estratégicas


partindo das questões legislativas, já que envolve a qualidade pes-
soal, o planejamento, as qualificações profissionais, a comunica-
ção, a produção e o mercado. Através das discussões do bem-estar

342 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


das pessoas, dos grupos, da comunidade e do planeta de acordo
com sua imersão no universo (LIMONGI-FRANÇA et al. 2007, p. 4).

Entre os maiores estudiosos internacionais com mais influência


no Brasil podemos citar Richard Walton que iniciou seus estudos
em 1973, avaliando a motivação, a autoestima, as necessidades,
os anseios e a responsabilidade social de cada indivíduo. Ele des-
creve seus estudos da seguinte forma a partir de 8 dimensões:
Compensação Justa e Adequada, Condições de Segurança e Saúde
no Trabalho, Oportunidade Imediata para Utilização e Desenvol-
vimento da Capacidade, Oportunidade Futura para Crescimento
Contínuo e Segurança, Integração Social na Organização do Traba-
lho, Constitucionalismo na Organização do Trabalho, O Trabalho e
o Espaço Total na Vida e a Relevância Social da Vida no Trabalho.

Walton (1973) através de seu modelo trata da responsabilidade


social das empresas em três das oito dimensões, Integração Social
na Empresa, Constitucionalismo nas Organizações de Trabalho
e Relevância Social da Vida no Trabalho, sendo que na primeira
dimensão ele descreve que o ambiente de trabalho tem que ser
igualitário e sem preconceito, ter um senso comum e predisposto
à mobilidade social. Na segunda dimensão ele descreve que as
relações sociais devem ser lícitas dentro do ambiente de trabalho,
devendo cumprir as leis, as normas os regulamentos e todos os
direitos trabalhistas. E finalmente na terceira dimensão descreve
que os trabalhadores que atribuem um maior significado ao tra-
balho, considerando-o socialmente relevante são mais satisfeitos
e compromissados.

Modelo BPSO - Ana Cristina Limongi-França

Ana Cristina Limongi-França teve como base os estudos de Walton.


Em seu trabalho Limongi utiliza o modelo BPSO, que estuda os as-
pectos Biológicos, Psicológicos, Sociais e Organizacionais, além de
estudar o IDS (Índice de Desenvolvimento Social) e o IDH (Índice de
Desenvolvimento Humano). (LIMONGI-FRANÇA et al., 2015, p.437).

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 343


Para Limongi-França:

O conceito de biopsicossocial originou-


-se da Medicina Psicossomática que pro-
põe uma visão integrada, holística do
ser humano, em oposição à abordagem
cartesiana, que divide o ser humano em
partes. (...) “toda pessoa é um complexo
biopsicossocial, ou seja, tem potencialida-
des biológicas, psicológicas e sociais que
respondem simultaneamente às condi-
ções de vida” (LIMONGI-FRANÇA et al.,
2015, p.436).

Neste estudo ela leva em consideração os indicadores predomi-


nantes no IDS que são: alimentação, seguro de vida, segurança,
lazer, segurança econômica, saúde, cultura e política. Considera
também os índices que compõe o IDH, que são a esperança de
vida, o grau de alfabetização e a distribuição de renda. Estas afir-
mações estão muito bem visualizadas na figura a seguir:

Os estudos de QVT estão diretamente relacionados com as la-


cunas deixadas pelos estudos de motivação. Através de análise de
pesquisas em QVT, fica enfatizado que após o movimento iniciado
por Elton Mayo, Abrahan Maslow, Frederick Hezberg, Douglas Mc-
Gregor e Kurt Lewin e outros, que estudaram motivação no traba-
lho, foram abertas lacunas de estudos relativos às discussões que
englobam a saúde física e metal de todos os profissionais, indife-
rente da sua área de atuação, onde se observa que a produtivida-
de está ligada não somente aos processos de produção propria-
mente ditas, mas também com a satisfação dos profissionais que
estão ligados aos processos produtivos (LIMONGI-FRANÇA, 2004,
p 27). Assim, os estudos de QVT tendem a lidar com aspectos de
motivação e satisfação no trabalho, mas de um modo ampliado,
tangendo aspectos antes não abordados por investigadores da

344 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


motivação para o trabalho.

Limongi-França descreve as dimensões de seus estudos da se-


guinte maneira: 1- Biológicas - estas dimensões se referem a to-
das as características que constituem todo homem, podendo ser
herdadas e congênitas que estão relacionadas à sua saúde, a sua
alimentação, às atividades físicas praticadas e à sua assistência
médica que possui; 2- Psicológicas – estas dimensões estão rela-
cionadas ao estado afetivo, ao estado intelectual, que pode ser
inconsciente ou consciente e ao seu jeito de ser de interagir com
os membros de sua sociedade; 3- Sociais – estas dimensões estão
relacionadas aos valores e expectativas que as pessoas têm com
relação aos grupos sociais e com a comunidade a que pertencem,
onde pode se citar a família, a cidade, o bairro, a igreja, a empresa,
enfim está relacionada com todos os ciclos de convivência que o
indivíduo se relaciona; 4- Organizacionais – estas dimensões estão
relacionadas ao próprio trabalho na empresa, tendo como ques-
tões principais a imagem, as tecnologias, os processos, a burocra-
cia e o desenvolvimento pessoal de cada um dentro da empresa.

Segundo a abordagem BioPsicoSocial e Organizacional, todos os


profissionais, antes de tudo, são indivíduos que possuem valores
individuais, uma família que o acolhe e uma história de vida que
o define como ser humano único. Já os níveis Biológicos, Psico-
lógicos e Sociais, em separado interagem entre si para definir as
relações trabalhistas de acordo com vários indicadores.

Qualidade de Vida nas Escolas Públicas

Este estudo abordará o ambiente de trabalho dos professores das


escolas públicas de educação básica por meio dos parâmetros a
seguir: carga de trabalho, insegurança, baixos salários, falta de
reconhecimento, violência e tráfico de drogas e, assim estabele-
cer um parâmetro entre a QVT e a saúde dos professores, já que
foi exposto que o método considera que o ambiente e o modo
de trabalho influenciam diretamente na saúde física e mental do

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 345


professor, levando-o ao absenteísmo ou ao afastamento. Segun-
do estudos sobre QVT, pode se afirmar que, o bem-estar subjeti-
vo e o bem-estar objetivo, são constituintes importantes da QVT,
referindo ao estudo científico da felicidade sendo a sua principal
diferença (LIMONGI-FRANÇA, 1996).

Uma das categorias de profissionais que mais tem despertado in-


teresse nos estudos relacionados à QVT é a dos professores, pois
a qualidade de vida desta classe é apresentada como muito preo-
cupante, devido à desvalorização, a pressão por qualificação, à fal-
ta de interesse por parte dos jovens, pelos cursos de licenciatura,
a falta de interesse por aprender por parte dos alunos, à crescente
onda de violência, o que aumentam os pedidos de demissão dos
docentes e licenças médicas relacionadas à CID. Estudos relacio-
nados às doenças do trabalho revelam que a profissão de pro-
fessor é que sofre maior estresse e com síndromes que advêm
condições de QVT, onde pode destacar os baixos salários, falta de
recursos didáticos, excesso de burocracia, baixa infraestrutura.
Sabendo que a educação é o principal pilar para o crescimento
de uma nação, analisar a Qualidade de Vida no Trabalho de um
professor, é contribuir diretamente para o constante crescimento
do país (SANTANA et al, 2012)

A QVT tem influência direta na vida profissional de todo ser hu-


mano e muitas vezes o excesso de trabalho, a rotina, o sub-apro-
veitamento e condições inadequadas, são fatores de insatisfação
do professor, afetando o rendimento e a qualidade do ensino,
refletindo diretamente no aumento do absenteísmo e causando
efeito negativo para a saúde mental e física do professor (LIMON-
GI-FRANÇA, 1996).

Deve se lembrar que o ato de lecionar é uma tarefa complexa, que


requer muito dos professores, pois eles são considerados como
referência para os alunos e para a sociedade em geral. Relaciona-
da com a QVT dos professores e profissionais, pode se destacar a

346 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


legislação vigente de acordo com o Decreto Nº. 7.602/2011 relati-
vo à Política Nacional sobre a Saúde e Segurança do Trabalhador
(PNSST), onde se objetiva a saúde e a qualidade de vida dentro
dos parâmetros da universalização, assistência, integridade, pre-
venção, reparação e reabilitação do profissional.

2.4 Adaptação do Modelo do Questionário BPSO para a reali-


dade escolar

A elaboração do questionário que será utilizado nesta pesquisa


tem como base referencial o questionário BPSO elaborado por Li-
mongi-França em 1996, através de uma adaptação para atender
à realidade desta pesquisa, tendo como principais vantagens de
utilização a facilidade de se avaliar o esforço ao qual as escolas
(empresas) tem se submetido para implantarem programas que
possam contribuir para a melhoria da QVT de seus profissionais
e, consequentemente avaliar o quão satisfeitos os colaboradores
estão após as medidas estabelecidas pelo governo para melho-
rar e manter a QVT dos professores, através da LDB, do PNE, da
BNCC, do FUNDEF, do FUNDEB e do CONAE, que descrevem e de-
terminam algumas ações que podem ser utilizadas, implantadas
e utilizadas nas pelas escolas para melhorarem o nível da QVT
dos professores (estas normas estão descritas no subtítulo 3.1.1 –
Reestruturação do Ensino Básico no Brasil).

Para este estudo deve se levar em consideração a amplitude con-


tingencial do conceito de QVT, olhando por este contesto pode se
utilizar a definição de Vieira Hanashiro mencionada a seguir:

(…) melhoria nas condições de trabalho –


com extensão a todas as funções de qual-
quer natureza e nível hierárquico, nas
variáveis comportamentais, ambientais e
organizacionais que venham, juntamente
com políticas de Recursos Humanos con-
dizentes, humanizar o emprego de forma

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 347


a obter-se um resultado satisfatório, tan-
to para o empregado como para a organi-
zação (VIEIRA e HANASHIRO 1990, p 45).

Para este estudo em questão será utilizado um questionário de


simples respostas, dividido em quatro partes de acordo com o
diagnóstico BPSO para melhor se adaptar à realidade encontrada
dentro das instituições de ensino no que diz respeito à QVT dos
professores, esta divisão se dará da seguinte maneira:

A primeira parte estará ligada diretamente ao aspecto organiza-


cional, a segunda ao aspecto biológico, a terceira ao aspecto psi-
cológico e finalmente a quarta parte ligada aos aspectos socias.
Além destas quatro partes haverá mais duas partes, uma para de
descrever outras ações que as escolas estão implantando para
melhorar a QVT e a outra para que possam ser descritas algumas
ações que os professores julguem importantes e que não fazem
parte das ações que a instituição de ensino está implantando.

O modelo original do questionário BPSO de Limongi-França que


foi descrito da sua tese de doutorado. A adaptação do questioná-
rio seguirá seu roteiro original, excluindo-se questões que não se
relacionam com a realidade da educação pública. Assim, a adap-
tação se composta de 06 (seis) perguntas relacionadas ao aspecto
organizacional, 08 (oito) perguntas relacionadas ao aspecto bioló-
gico, 06 (seis) perguntas relacionas ao psicológico e 06 (seis) rela-
cionadas ao aspecto social, bem como alguns campos em branco
que serão preenchidos pelos professores de acordo com aspec-
tos que julguem necessários para que ocorra uma melhoria da
QVT nas escolas. As questões consideram que o trabalho é mul-
tidimensional e tudo está interligado ao dia a dia no trabalho. A
pesquisa levará em consideração todos os aspectos captados no
diagnóstico BPSO a que todos os trabalhadores são submetidos
dentro das organizações.

348 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


Para este estudo será utilizada uma escala de análise baseada na
Escala de Likert. A escala escolhida irá variar entre 1 (um) e 7 (sete),
de acordo com o seu grau de satisfação. Nesta escala será o nível 1
(um) será considerado como extremamente insatisfeito, o 4 (qua-
tro) será o nível neutro de satisfação, ou seja, é o nível onde você
não está nem satisfeito e nem insatisfeito, já o nível 7 (sete) será
considerado como o nível de satisfação máxima, neste caso, de
extremamente satisfeito. A ETAPA 1 será dividida em 6 (seis) Itens,
onde os 4 (quatro) primeiros estão diretamente ligados ao diag-
nóstico BPSO; o Item 1.1 se relaciona com ações ligadas direta-
mente ao diagnóstico biológico, o Item 1.2 se relaciona com ações
ligadas diretamente ao diagnóstico psicológico, o Item 1.3 ligado
diretamente ao diagnóstico social e o Item 1.4 ligado diretamente
ao diagnóstico organizacional. Será pedido aos respondentes que
de acordo com os temas pontue sua percepção de acordo com a
escala mencionada anteriormente.
Quadro 2: Exemplo de adaptação de aspectos biológicos do BPSO

Fonte: adaptação do questionário BPSO.

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 349


A pesquisa contará também com blocos de opiniões pessoais so-
bre a QVT na escola. Esse aspecto pode ser visualizado no quadro
a seguir.
Quadro 3: Exemplo de adaptação de opiniões individuais do BPSO para escolas públicas.

Fonte: Adaptação do questionário BPSO.

No caso deste projeto, além de levar em consideração os estudos


feitos pela Medicina Psicossomática da década de 70, tendo como
foco a coleta de dados utilizando respostas simples, que levam
em consideração a produtividade, legitimidade, o perfil do gestor,
as práticas e os valores estabelecidos pela escola, assim como a
satisfação ou insatisfação de cada professor, também serão consi-
derados os aspectos legais a que estão sujeitos os trabalhadores
da educação pública.

Limongi-França utiliza de dois questionários para elaborar sua


tese, um direcionado aos empregados, que dão o seu ponto de
vista com relação a sua satisfação dentro da empresa e outro dire-
cionado à gerência de recursos humanos, ambos fáceis de serem
respondidos. No caso desta pesquisa, pretende-se utilizar apenas
a versão aplicada aos funcionários para captar a visão dos profes-
sores. Pretende-se captar a visão de diretores e demais cargos ad-
ministrativos das escolas a partir de entrevistas semiestruturadas.

MATERIAL E MÉTODOS

O estudo proposto é descritivo de natureza quali-quantitativa

350 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


quanto à pesquisa e conclusivo quanto à apresentação de um ins-
trumento de intervenção social. Na pesquisa de campo busca-se
analisar a relação entre as variáveis do modelo a ser utilizado por
métodos estatísticos multivariados (modelagem de equações es-
truturais ou análise fatorial combinatória) de acordo com indica-
ções de amostra não probabilística. Para construção das catego-
rias analíticas, inicialmente, realizou-se uma pesquisa exploratória
documental que sustentará as análises de resultados (GIL, 2002).

Como técnica de pesquisa será realizado um estudo de caso no Es-


tado de Minas Gerais, mais precisamente na cidade de Nova Lima.
Para atender a demanda educacional o município conta com um
total de 1.094 professores, sendo 794 professores do ensino fun-
damental, 300 professores do ensino médio, 34 escolas do ensino
fundamental e 14 escolas do ensino médio (GIL, 2003; IBGE, 2022).

A coleta de dados será realizada pela aplicação de uma adaptação


do questionário de diagnóstico BPSO (LIMONGI-FRANÇA, 1996).
Serão elaborados questionários segundo o modelo BPSO para que
os Professores e Funcionários das referidas escolas de referências
respondam, e através deles possam ser estabelecidas melhorias
para o QVT de profissionais e professores da educação básica em
escolas públicas.

A análise multivariada é composta por todas as técnicas de esta-


tística que analisam várias medidas ou aspectos dos indivíduos ou
objetos de pesquisa, sendo assim sempre que se utilizar mais que
duas variáveis em um estudo (HAIR et al, 2009, p.23).

Segundo Hair (2009) não existe uma regra clara para se definir
uma hipótese, mas para cada alternativa de estudo do problema
deve haver uma hipótese relacionada. Deve se lembrar que não
há apenas uma hipótese para um problema, ou seja, para cada
problema estudado há várias hipóteses a serem consideradas e o
autor deve verificar quais são as melhores hipóteses a serem tra-
balhadas durante o estudo para se ter um estudo que expresse da

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 351


melhor maneira possível os dados a serem pesquisados. Por isso,
as hipóteses as serem testadas serão decorrentes das dimensões
do BPSO, baseadas nas percepções dos respondentes. Sendo as-
sim, propõe-se as seguintes hipóteses:

• H1: Os aspectos biológicos percebidos no diagnóstico


BPSO das escolas de educação básica são preditores
de QVT.

• H2: Os aspectos psíquicos percebidos no diagnóstico


BPSO das escolas de educação básica são preditores
de QVT.

• H3: Os aspectos sociais percebidos no diagnóstico BPSO


das escolas de educação básica são preditores de QVT.

• H4: Os aspectos organizacionais percebidos no


diagnóstico BPSO das escolas de educação básica são
preditores de QVT.

• H5: As atividades e políticas de gestão internas perce-


bidas nas escolas de educação básica são preditores de
QVT.
O nível de confiança dos testes será de 90% com margem de erro
amostral de 5%.

A amostragem será gerada pela aplicação da fórmula de cálculo


de amostra com população conhecida. Utilizará como referência a
população do município fornecida pelo IBGE (2022), apresentada
como sendo 1.094 professores.

Utilizando se esta fórmula, serão necessárias 69 pessoas para res-


ponder esta pesquisa.

RESULTADOS ESPERADOS

Após a coleta dos dados espera-se poder relacionar os resultados

352 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


com os principais fatores que impactam na vida profissional dos
professores de educação básica do município. Os contrapontos
serão as terias que compõe o referencial teórico proposto, a sa-
ber: 1- A reforma do ensino público ocorrida em 1996 no Brasil
teve como marco principal o surgimento da nova Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (LDB), através da qual ocorreu um
importante incremento quantitativo para as redes de ensino; 2- As
principais propostas que incidem diretamente sobre a QVT dos
professores da educação básica estão descritas nos artigos 25 e
artigo 67, ambos pertencentes à LDB/96; 3- Os fatores motivado-
res que geram a satisfação e os fatores higiênicos que geram a
insatisfação dos professores, fatores descritos por Frederick Her-
zberg (HERZBERG, 2011); 4- As teorias motivacionais (teorias X e Y)
descritas por Douglas MacGregor (CHIAVENATO, 2009).

A partir desta discussão pretende-se construir um instrumento


prático no formato de Produto Técnico Tecnológico, utilizado em
mestrados profissionais para propor melhorias no cenário diag-
nosticado. A proposta de produto recai sobre dois artefatos: plano
de ações corretivas para as dimensões do BPSO com escores bai-
xos e uma manual de boas práticas redigido a partir das experiên-
cias de gestão das escolas.

Acredita-se que de posse do conteúdo deste estudo os dirigentes


escolares poderão conceber ações de melhoria da QVT em esco-
las, mesmo considerando o modelo de ensino público como pré-
-estabelecido por legislações dos três níveis de governo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse trabalho apresentou uma pesquisa em andamento. Contu-


do, a pesquisa exploratória documental utilizada para dar suporte
à teorização já apontou pontos importantes que podem nortear
as questões mais fundamentais na temática QVT de professores

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 353


de educação básica municipal: 1- salários defasados; 2- condições
insalubres de trabalho; 3- carreira; 4- impactos na vida social e psi-
cológica do trabalho.

A escolha de um método qualitativo-quantitativo aponta para um


diagnóstico com triangulação de evidências, convergindo com os
estudos mais influentes da área de Estudos Organizacionais.

A expectativa de contribuição que se espera desta pesquisa é a


aplicação de uma escala validada de qualidade de vida no trabalho
com profissionais da educação básica, e assim, participar da dis-
cussão da qualidade no trabalho docente da rede pública, abrindo
agendas de pesquisas para alunos de graduação e pós-gradua-
ções.

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356 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


UM ESTUDO SEMÂNTICO ENUNCIATIVO DA CIDADE DE
CRISTAIS – MG, UTILIZANDO O MÉTODO ENUNCIATVO DE
LEITURA (MEL)

Luciana Teixeira de Souza34

Dra. Jocyare Cristina Pereira de Souza35

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A história oficial do processo de ocupação/fundação das cidades


brasileiras mineiras fala do surgimento dessas cidades como algo
mágico e sagrado, tendo suas (re)nomeações, quase sempre, li-
gadas a nomes de santos. Todavia, nos questionamos quantos si-
lenciamentos de povos e de culturas ocorrem nessas narrativas e
que, muitas vezes, não são percebidas por seus leitores.

Assim, este artigo busca refletir sobre os efeitos dos significados


que se constituem a partir do dizer oficial dos sites das cidades
sobre as histórias e a cultura que marcam determinado municí-
pio. Interessa as especificidades que se formam a partir das his-
tórias desses nomes instigando, sobretudo, a questionar que po-
vos ali estiveram e que ali estão e que culturas instituíram e ainda
se instituem nesse lugar. Considerando o sentido produzido na
enunciação como um acontecimento de linguagem, sendo o acon-
tecimento de (re)nomeação, considerado em virtude de estar num
certo momento do tempo, antes de outro acontecimento também
no tempo.

Nota-se que a história oficial dos municípios é contada por um lo-


cutor oficial, aquele que está autorizado a dizer em nome de todos
os outros cidadãos. E assim, sua fala traz a enunciabilidade propí-

34 Profa. Msa. Luciana Teixeira de Souza, Universidade Vale do Rio Verde, lucianateixeirasou-
za84@gmaillcom;
35 Profa. Phd. Dra. Jocyare C. Pereira de Souza, Universidade Vale do Rio Verde – UninCor,
prof.jocyare@unincor.edu.br

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 357


cia para aquela ocasião/situação, ou seja, acontecimentos que não
convém para aquele tempo/espaço são silenciados.

Trazemos para conhecimento neste artigo o Método Enunciativo


de Leitura (MEL) desenvolvido no decorrer do Mestrado em Ges-
tão, Planejamento e Ensino da UninCor (Três Corações – MG). É um
método que intenciona desenvolver a capacidade leitora do aluno
e preencher a lacuna da Educação Básica no estudo da cultura lo-
cal. Cultura essa que é reflexo de todo um processo de fundação,
ocupação e exploração.

Ademais, este método traz como artefato um documentário de


curta metragem como forma de dar voz aos cidadãos do municí-
pio e de valorizar as memórias que não podem se perder no tem-
po. É de grande importância identificar a diversidade cultural pre-
sente na localidade do aluno em termos sociais, étnico-culturais
e de procedência regional, oriundos da forma de fundação desse
município, as quais muitas vezes não são mostradas de uma for-
ma nítida no livro didático e nem no texto oficial da cidade.

No MEL, o documentário tem como intuito promover nos alunos


uma valorização da sua cultura local e, ao mesmo tempo, se en-
xergarem como parte dessa diversidade.

Nossas predisposições e experiências


não podem, nem devem, ser totalmente
rejeitadas. Os documentários trabalham
intensamente para extrair de nós as his-
tórias que trazemos, a fim de estabelecer
ligação e não repulsa ou projeção. Eles
podem apelar para nossa curiosidade ou
para nosso desejo de uma explicação.
(NICHOLS, 2005, p. 96)

Este Método Enunciativo de Leitura (MEL) tem por base a teoria de


Guimarães (2018), com a Semântica do Acontecimento com seus

358 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


dispositivos de leitura, análise e escrita, como uma maneira de de-
senvolver o conhecimento enunciativo. Conhecimento este que se
baseia nas condições de uma enunciabilidade sócio-histórica para
produzir diferentes significações, portanto “a semântica, enquan-
to semântica da enunciação, é a disciplina que analisa os sentidos
dos enunciados enquanto enunciados que integram textos nos
acontecimentos que os produzem.” (GUIMARÃES, 2018, p. 22).

Nosso corpus se constituiu inicialmente do levantamento/análises


das histórias de surgimento do nome dos 12 municípios que com-
põem a Superintendência Regional de Ensino de Campo Belo. Ao
iniciar nossa pesquisa, começando pelo texto oficial encontrado
nos sites dessas prefeituras e fazendo várias buscas pela internet,
o município de Cristais, localizado no oeste de Minas Gerais, nos
chamou a atenção pelo monumento com cristais construído na
praça central.

Então, dentro deste corpus, tomamos para nosso movimento de


análise a história de surgimento do nome do município de Cristais,
nossa cidade piloto para a aplicação do MEL. Aqui consideramos
as histórias de formação do seu nome para a compreensão do
seu processo de ocupação/fundação, ressaltando os povos que,
ali, estiveram/estão e que culturas instituíram/instituem em terras
cristalenses.

Para o desenvolvimento deste estudo, foi realizada pesquisa bi-


bliográfica, documental, e qualitativa e com histórias orais, uma
vez que ocorreram entrevistas, depoimentos para a construção
do documentário e montagem dos DSDs (Domínio Semântico de
Determinação), método de leitura desenvolvido por Guimarães
(2007).

Assim, objetivamos compreender os processos de ocupação/fun-


dação dos municípios da Superintendência Regional de Ensino de
Campo Belo - MG, mais especificamente de Cristais como forma
de identificar que povos, ali, estiveram/estão e que culturas ins-

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 359


tituíram/instituem nesse lugar. Ademais, buscamos um conhe-
cimento enunciativo daquele momento histórico social do dizer,
para embasar nosso produto educacional – Método Enunciativo
de Leitura - como ferramenta eficiente no desenvolvimento da ca-
pacidade leitora e no estudo da cultura local.

UM POUCO DA SEMÂNTICA DO ACONTECIMENTO

Como nosso estudo se embasou na Semântica do Acontecimento


(Guimarães, 2018) para o entendimento do processo de fundação/
ocupação, dos municípios da Superintendência Regional de Ensi-
no de Campo Belo – MG trazemos aqui um pouco dessa semântica
para conhecimento e entendimento.

Para Guimarães (2018) a Semântica é a disciplina que estuda a


significação da linguagem. Significação essa que é produzida pelo
funcionamento das línguas em um espaço de enunciação. “E a se-
mântica, enquanto semântica da enunciação, é a disciplina que
analisa os sentidos dos enunciados enquanto enunciados que
integram textos nos acontecimentos que os produzem.” (GUIMA-
RÃES, 2018, p. 22)

Desta forma a Semântica do Acontecimento ou da Enunciação


é uma teoria que dialoga com Foucault (1996) na perspectiva de
dar vez e voz aos silenciados, de tal forma, discursos, instituições,
arquiteturas, formam a rede que interliga todos esses elementos
por meio dos dispositivos de poder. Assim, o político, aquele que
tem a palavra, pode enaltecer o lugar social ou até deixar em ofus-
camento certas enunciações, desde que seja viável para aquele
momento.

Suponho que em toda sociedade a pro-


dução do discurso é ao mesmo tempo
controlada, selecionada, organizada e re-
distribuída por certo número de procedi-

360 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


mentos que têm por função conjurar seus
poderes e perigos, dominar seu aconteci-
mento aleatório, esquivar sua pesada e
temível materialidade. (FOUCAULT, 1996,
p. 8-9)

Guimarães (2011) nos traz um estudo e análise textual a partir da


perspectiva de funcionamento e articulações argumentativas em
relação ao texto e nos apresenta a Semântica do Acontecimento
como uma questão textual que contém significado e que produz
sentido numa relação de leitura. Esse tipo de análise textual, no
nosso caso, a partir da história de nomeação das cidades, consi-
dera o sentido produzido na enunciação como um acontecimento
de linguagem, sendo o acontecimento de nomeação, considerado
em virtude de estar num certo momento do tempo, antes de ou-
tro acontecimento também no tempo.

A Semântica do Acontecimento, Guimarães (2018), com seus pro-


cedimentos de análise mostrados a seguir, nos revela os sentidos
polissêmicos das palavras e/ou termos numa perspectiva históri-
co-social, pois os sentidos se constituem na enunciação, no acon-
tecimento do dizer, assim:

i. Designação: palavras que fazem signi-


ficar, produzem sentidos a partir de rela-
ções enunciativas de uma palavra ou de
uma expressão que significam por esta-
rem em um enunciado. “A designação faz
parte do modo de a linguagem significar o
mundo, tornando possível falar dele, tor-
nando possível, inclusive, fazer referência
às coisas.” (GUIMARÃES, 2018, p. 7).

A designação, de alguma maneira, constitui uma relação com o


real pela qual podemos falar dele, em uma relação entre a lin-
guagem e o mundo. “O mundo tomado não enquanto existente,

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 361


mas enquanto significação pela linguagem.” (GUIMARÃES, 2018, p.
154).

E nesta medida, a questão é saber o que


significa uma palavra no enunciado em
que é enunciada enquanto elemento de
um texto. Ou dito de outro modo, é pre-
ciso tratar as palavras nas relações que
suas enunciações constroem. E assim se
pode observar a designação enquanto
modo de significar o que aparece mostra-
do como existente. (GUIMARÃES, 2018, p.
156)

Ii. Enunciação: Algo que se caracteriza por ter ocorrido porque al-
guém disse (falou, escreveu, desenhou...). “A enunciação é o que
ocorre quando alguém diz algo, quando um falante de uma língua
diz uma sequência que é, de alguma maneira, reconhecida pelos
falantes desta língua.” (GUIMARÃES, 2018, p. 14). A enunciação
é um acontecimento que produz sentido e produz sentido pelo
acontecimento de funcionamento da língua no espaço de enun-
ciação, que não é um espaço físico, mas um espaço de línguas e
seus falantes e que está aberto a diferentes mudanças. “O espa-
ço de enunciação é o espaço de relações de línguas no qual elas
funcionam na sua relação com falantes. Assim não há línguas sem
outras línguas, e não há línguas sem falantes e vice-versa.” (GUI-
MARÃES, 2018, p. 23)

A língua se caracteriza como um conjunto de elementos linguís-


ticos (sons, palavras, formas, todo tipo de expressão) que cons-
tituem suas regularidades com as quais é possível dizer algo. “A
língua não é algo abstrato, é algo histórico, se apresenta pela prá-
tica humana, por ter relações que fundamentam o funcionamen-
to desta prática cuja característica é a de produzir significações: a
linguagem.” (GUIMARÃES, 2018, p. 23).O espaço de enunciação é

362 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


um espaço das línguas e seus falantes e este torna-se um domínio
político, no qual o agenciamento dos falantes ocorre de maneira
desigual. É um espaço no qual as relações entre línguas vão sendo
modificadas pelo fato de que os falantes de línguas díspares falam
de modo único e característico. Podemos observado, na história
do Brasil, por exemplo, o domínio do país pela língua, uma vez que
o português se torna a língua oficial e domina outras línguas com
as quais se relacionava.

iii. Falante: não é uma pessoa física, é um lugar de enunciação de-


terminado pela relação com a língua. “O falante não é uma figura
empírica ou psicológica, o falante é constituído pelas línguas do
espaço de enunciação e é assim uma figura linguística.” (GUIMA-
RÃES, 2018, p. 23).

O falante não é, portanto, uma pessoa fí-


sica. É uma figura linguística constituída
por essa relação de línguas, que tomam
os falantes, que se distribuem desigual-
mente para os falantes ao constituí-los.
Em outras palavras, o falante não é uma
pessoa, enquanto tal, um ser físico, bio-
lógico, psíquico. O falante é um “ser” de
linguagem, constituído por uma relação
de línguas. (GUIMARÃES, 2018, p. 25).

iv. Político: é aquele que está autorizado a dizer, representa um


conflito de interesses na disputa pela palavra, ele instala o conflito
no centro do dizer. O político aqui não está relacionado a algo que
pertence ou está relacionada à política. Nesse sentido o aspecto
político é constitutivo do espaço de enunciação e do acontecimen-
to do funcionamento das línguas, ou seja, a enunciação.

O político se caracteriza pela oposição en-


tre a afirmação da igualdade em conflito
com uma divisão desigual do real produ-

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 363


zida enunciativamente pelas instituições
que o organizam: organizam os lugares
sociais e suas relações identificando-os
(ou seja, atribuindo-lhes sentido), e recor-
tam o mundo das coisas, significando-as.
Por este conflito o real se divide e redivi-
de, se faz incessantemente em nome do
pertencimento de todos no todos. (GUI-
MARÃES, 2018, p. 50)

v. Cena enunciativa: é formada pelo agenciamento do falante de


dizer. Ela se caracteriza pela divisão que afeta o falante quando
ele é agenciado a falar. A cena enunciativa é estabelecida por uma
divisão dos lugares de enunciação (locutor, alocutor e enunciador)
que se apresenta no acontecimento como uma projeção da rela-
ção línguas e falantes do espaço de enunciação.

Como indica o autor, “A cena enunciativa se constitui pelo agen-


ciamento do falante a dizer. O agenciamento do falante o divide
na cena em lugares de enunciação: o daquele que diz (Locutor),
o lugar social de dizer (alocutor), e o lugar de dizer (enunciador).”
(GUIMARÃES, 2018, p. 71-72).

O locutor (L), ao ser agenciado, institui


um Locutário (LT) (L é o lugar que diz (eu)
para alguém (tu); o alucotor (al-x) ao ser
agenciado,institui um locutário (at-x) (al-x
é o lugar social de dizer que se apresenta
para um at-x, o lugar social para o qual
um certo al-x diz); o enunciador, o lugar
de dizer, que se apresenta como quem diz
de um lugar coletivo, individual, universal
ou genérico. O enunciador não projeta
um tu, é o modo de o eu se apresentar na
sua relação com o que se diz (o que se diz

364 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


por quem diz). (GUIMARÃES, 2018, p. 62)

Para estar no lugar de Locutor (L) é necessário estar afetado pelos


lugares sociais autorizados a falar de um certo modo e em cer-
tas línguas, ou seja, para o Locutor se representar como origem
do que se enuncia é preciso que ele seja agenciado por um lugar
social de alocutor por exemplo, alocutor-historiador, alocutor-pro-
fessor, alocutor-jornalista.

vi. Memorável: enunciações ditas em outros acontecimentos, sen-


tido em outro momento, pois o sentido não é estável. O dizer é um
acontecimento de linguagem que traz uma historicidade própria
e forma um memorável. “Ao recorte do passado, produzido pelo
acontecimento, chamo de memorável, e esta projeção de enuncia-
ções futuras, de futuridade” (GUIMARÃES, 2018, p. 41). Memorável
não é a memória, mas um recorte do passado, o sentido que se faz
presente no acontecimento do dizer.

vii. Temporalidade: se sustenta no acontecimento do dizer e não


como tempo cronológico. A enunciação é um acontecimento que
temporaliza, e assim produz sentido. “A diferença que constitui a
especificidade do acontecimento é uma temporalidade de senti-
dos: um passado, um presente e um futuro. Nesta medida o acon-
tecimento não está no tempo, o acontecimento constitui sua tem-
poralidade.” (GUIMARÃES, 2018, p. 38)

Não se trata de pensar um acontecimento no tempo ordenado. O


acontecimento determina o que é retomado do passado, o que é
presente e define o futuro. E o presente e o futuro só significam
porque há um passado que os faz significar. Isto porque, o acon-
tecimento é constituído sócio historicamente na relação entre lín-
gua, história e sujeito que enuncia.

viii. Transversalidade: são movimentos de análise de determinado


texto e consistem em contextualizar os conteúdos e resgatar os
acontecimentos, interessando-se por suas origens, causas, conse-

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 365


quências e significações. Pode ser endógena – dentro do próprio
texto analisado - e exógena – fora do texto analisado.

ix. Articulação: como a palavra estabelece relação com outras pa-


lavras; não é meramente uma relação interna ao enunciado, mas
uma relação de contiguidade linguística que faz do enunciado um
elemento que se integra ao texto. “A articulação é um modo de
relação enunciativa que dá sentido às contiguidades linguísticas,
é então, uma relação local entre elementos linguísticos que signi-
ficam pela relação com os lugares de enunciação agenciados pelo
acontecimento.” (GUIMARÃES, 2018, p. 80)

x. Reescrituração – como determinado nome está reescrito no


texto com outras palavras, ou seja, uma expressão pode retomar
outra, pode negá-la, pode redizê-la em outros termos, marcadas
por todo um acontecimento social do dizer. “A reescrituração é o
modo de relação pelo qual a enunciação rediz o que já foi dito. Há
reescrituração quando um elemento Y de um texto (uma palavra,
uma expressão, por exemplo) retoma um outro elemento X do
texto. Neste caso Y reescritura X” (GUIMARÃES, 2018, p.85).

Assim, a Semântica do Acontecimento propõe uma análise linguís-


tica mais profunda buscando os sentidos dos textos muito além
do referencialismo estático dos dicionários, uma vez que para Gui-
marães (2011) o texto é uma unidade de significação, de sentidos
que integra os enunciados no acontecimento de enunciação, ou
seja, “o texto é integrado por enunciados. E é isto que faz com que
o texto seja texto e faça sentido”. (GUIMARÃES, 2011, p. 19).

A enunciação invoca uma temporalização do aconteci-


mento que marca uma significação/ressignificação que se cons-
titui por um memorável (história de enunciações, enunciações
ditas em outros acontecimentos) de práticas sociais recorrentes
de determinado tempo. Para Souza (2017) essa prática enunciati-
va, que acontece pelo modo de dizer, pela linguagem, formando
a memória, se constitui como todo ato de linguagem, a partir de

366 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


polêmicas e de disjunções. “São conflitos que se materializam nos
sentidos em um funcionamento da memória se dá por regularida-
des e deslocamentos, que a (re)constituem e a (re)organizam, (re)
significando acontecimentos, a partir de outros construídos em
determinadas práticas enunciativas” (SOUZA, 2017, p. 50)

Segundo Guimarães (2002), tratar do processo de designação é


considerá-lo como acontecimento enunciativo, ou seja, contextua-
lizado histórica e socialmente, a partir de seu funcionamento, na
relação instável entre a linguagem e o objeto. Designar é fazer sig-
nificar, é produzir sentido. De tal forma, percebe-se que o sentido
de um texto está na sua enunciação, no seu acontecimento social
do dizer. Por isso uma leitura enunciativa não se retém apenas em
um texto, mas busca o diálogo com outros textos para a análise
de determinado acontecimento. Foucault (1996) nos mostra que
o dispositivo dominante pode acender holofotes para abrilhantar,
bem como, deixar no breu certos momentos, desde que seja útil
para aquela ocasião. Então, o texto nada mais é que uma relação
histórico-social, uma vez que os sentidos não se fecham na sua se-
quência, mas estão dentro de todo um contexto de determinada
época.

Importante observarmos, conforme Oliveira e Moreno (2019), no


PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), na sua edi-
ção mais recente de 2018, aplicada no Brasil, apenas 2% dos es-
tudantes atingiram o nível 5 e 6 de proficiência em leitura. São
estudantes que compreendem textos longos, sabem lidar com
conceitos abstratos e contraintuitivos, e diferenciam fato de opi-
nião, enquanto os demais sabem apenas identificar a ideia geral
de um texto de tamanho moderado e encontrar informações ex-
plícitas. Desse modo, a partir dessa observação, percebemos que
a leitura e a escrita no ambiente escolar não são trabalhadas em
patamar semântico enunciativo, pois traz forma referencialista
apenas ao texto que está sendo estudado naquele momento. Não

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 367


cultiva a curiosidade de buscar em outras fontes a enunciabilidade
deste texto, pois é preciso questionar o que está escrito, buscar con-
versa com outros textos para que ocorra, de fato, uma compreensão.

A Semântica do Acontecimento propõe a adoção de métodos de


leitura e escrita numa perspectiva enunciativa, tão mencionada
na BNCC (Base Nacional Curricular Comum): “Compreender as lin-
guagens como construção humana, histórica, social e cultural, de
natureza dinâmica, reconhecendo-as e valorizando-as como for-
mas de significação da realidade e expressão de subjetividades e
identidades sociais e culturais”. (BRASIL, 2018, p. 65).

Por isso o Método Enunciativo de Leitura (MEL) utiliza os procedi-


mentos de análise da Semântica do Acontecimento, como o dis-
positivo de leitura DSD (Domínio Semântico de Determinação).
O DSD é um método eficaz de leitura, proposto por Guimarães
(2007), uma vez que emprega uma relação de um texto com ou-
tros textos de uma forma simples e suscinta. Como, há os gráficos
matemáticos que vem para facilitar a leitura e a compreensão de
um texto, o DSD é um gráfico linguístico, composto por sinais, ca-
paz de provocar uma leitura eficiente e coerente de determinado
texto e/ou acontecimento.

Em uma análise de DSD, são as relações


que constituem o sentido de uma palavra,
ou seja, suas determinações e estas são
apresentadas por uma escrita específica,
constituída de sinais: ├ ou ┤ ou ┴ ou ┬
(que significam determina; por exemplo,
y ├ x significa x determina y, ou x ├ y sig-
nifica igualmente x determina y); ▬ que
significa sinonímia; e um traço como ____,
dividindo um domínio, significa antonímia.
(GUIMARÃES; MOLLICA, 2007, p. 81).

Para construção do DSD faz-se necessário um trabalho

368 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


com recortes de determinado acontecimento em vários formatos
textuais. “O recorte é um fragmento do acontecimento da enun-
ciação. [...] Pelo recorte as formas linguísticas aparecem como
correlacionadas em virtude de terem uma mesma relação com
o acontecimento, independentemente da posição na sequência.”
(GUIMARÃES, 2018, p. 76)
Assim sendo, o MEL com seu artefato, o documentário, po-
dem ser formas de propiciar ao educando a posse da leitura e es-
crita de maneira prazerosa e competente, partindo da sua cultura
local, da história de sua cidade.

CONHECENDO O MÉTODO DE ENUNCIATIVO DE LEITURA (MEL)

Método é o processo para se atingir um determinado fim ou para


se chegar ao conhecimento. “Assim, o método é o conjunto das
atividades sistemáticas e racionais que, com maior segurança e
economia, permite alcançar o objetivo - conhecimentos válidos e
verdadeiros -, traçando o caminho a ser seguido, detectando erros
e auxiliando as decisões do cientista.” (LAKATOS; MARCONI, 2003,
p. 83)

Podemos dizer, então, que os métodos


de ensino são as ações do professor pelas
quais se organizam atividades de ensino
e dos alunos para atingir objetivos do tra-
balho docente em relação a um conteúdo
específico. Eles regulam as formas de in-
teração entre ensino e aprendizagem, en-
tre professor e alunos, cujo resultado é a
assimilação consciente dos conhecimen-
tos e o desenvolvimento das capacidades
cognoscitivas e operativas dos alunos.
(BARBOSA, 2006, p. 95)

Existem as metodologias passivas e ativas que se fazem bem pre-

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 369


sentes no ambiente escolar. As metodologias passivas são as mais
tradicionais e os estudantes são receptores do conhecimento
transmitido pelo docente, ocorrendo uma memorização de con-
teúdos. Já as metodologias ativas compreendem novas formas de
ensino, sendo o aluno o centro do processo ensino aprendizagem.
Garofalo (2018) nos diz que o principal objetivo das metodolo-
gias ativas é incentivar os alunos para que aprendam de forma
autônoma e participativa a partir de problemas e situações reais.
Por isso, busca-se a interdisciplinaridade, os recursos tecnológi-
cos e o desenvolvimento de competências e habilidades, fazendo
dos estudantes protagonistas no processo ensino aprendizagem.
A proposta é que o estudante esteja no centro do processo de
aprendizagem, participando ativamente e sendo responsável pela
construção de conhecimento.

Fonseca (1995) aponta que para aprender é necessário que exista


uma relação integrada entre o indivíduo e o seu meio, pois o pro-
duto aprendizagem é fruto de uma relação de condições externas
e condições internas.

O Método Enunciativo de Leitura (MEL) é uma metodologia ativa


de leitura que permite a participação do aluno nesta busca dinâ-
mica pela cultura e pelas histórias de sua cidade. O MEL tem como
complemento um documentário e/ou vídeo que pode ser produ-
zido pelos próprios alunos, com a orientação do professor, como
maneira de ouvir as histórias e conhecer a cultura de sua cidade,
contada/mostrada pelos gentílicos. Dessa forma, o aluno torna-
-se protagonista nesta descoberta/redescoberta das histórias que
envolvem sua cidade, podendo observar que povos, ali, estiveram
ou estão e que culturas se instituíram e se instituem nesse lugar,
apropriando-se desse saber cultural e linguístico. Então, o gentí-
lico enuncia a identidade que temos como cidadãos; de acordo
com Guimarães (2018) essa noção de pertencimento se constitui
da (re)nomeação dos lugares, pois o acontecimento que enuncia o

370 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


nome da cidade e suas reescriturações recorta como memoráveis
outras enunciações já ditas em outro lugar. Isto porque, os senti-
dos de um termo não são unívocos e nem sinonímicos, eles são
múltiplos, contraditórios muitas vezes e isso se deve ao fato de os
sentidos serem construídos no acontecimento do dizer. (GUIMA-
RÃES, 2018).

Este método de leitura, o MEL, veio unir o útil ao agradável, tra-


balhando a leitura de uma forma ativa e compreensiva, enquan-
to realiza, simultaneamente, este estudo da história/cultura local
(tempo e espaço), que envolvem o (re)nomear da cidade que o
educando vive ou da cidade que ele queira pesquisar.

Não é um método de leitura comum, mas uma leitura da cultura


e da história local de determinada cidade, mostrando que povos
estavam e que povos estão neste local. Que culturas foram insti-
tuídas e que culturas ainda se instituem. Que povos foram silen-
ciados no processo de fundação/ocupação desse município. E que
nomes essas culturas, esses povos determinaram e/ou determi-
nam para este local.

Para utilizar este método de leitura você pode desenvolver os se-


guintes passos:

1. Fazer uma leitura reconhecimento do texto oficial que


conta o processo de fundação/ocupação da cidade
encontrado no site da prefeitura. Quando, por acaso,
não houver este texto no site da prefeitura, buscar
outros textos oficiais como no site do IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística), o hino da cidade,
dentre outros.

2. Partir para uma leitura analítica: retomada do texto ob-


servando as transversalidades, enunciações, reescritu-
rações, articulações;

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 371


3. Registrar e definir as designações – reescrituras dos
nomes das cidades - tempo/espaço;

4. Registrar e definir as apresentações nas tabelas e


gráficos das observações;

5. Migrar para outros textos buscando compreender,


especificamente, sobre as relações culturais ainda
presentes no município que marcam a presença de
distintos povos;

6. Propor uma transversalidade exógena deste texto


trabalhado, fazendo uma busca ativa nessa cultura local
com coleta de depoimentos, entrevistas, filmagens,
vídeos ou até mesmo um documentário de curta
metragem junto aos moradores, monumentos, relíquias
materiais e imateriais como formas de perpetuar toda
cultura/história que envolve este lugar. É uma maneira
de dar voz e vez aos silenciados pela enunciabilidade de
determinada época e perceber que povos instituíram e
que povos instituem esse lugar;

7. Montar os DSDs (Domínio Semântico de Determinação);

8. Considerando os gráficos, analisar e discutir o processo


designativo de reescrituras dos nomes dos municípios,
seus significados e suas significações;
Neste artigo, mostramos como o MEL proporciona um estudo
designativo de determinada cidade, isto é, mostra o sentido que
está posto em todo esse processo histórico, social e cultural que
reveste esse município. Por isso, é um método de leitura que de-
senvolve habilidades de análise e compreensão, pois acontece
uma relação de memoráveis, mostrando que os sentidos postos
em um texto não são estáveis, mas cheios de sentidos. “Com isso,
queremos dizer que os sentidos que a fala e a escrita carregam
não são configurados apenas pelas suas formas linguísticas, mas

372 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


pelos contextos em que são realizados” (SILVA, 2006, p. 22).

Para montarmos os DSDs, faz-se necessário o movimento de


transversidade endógena e exógena que envolve o acontecimen-
to social do dizer para nossa busca pelos povos que ali estiveram/
estão e que culturas se instituíram/instituem naquele lugar. Nesse
sentido, podemos dizer que o documentário vem como forma de
dar voz aos munícipes que tem a história de seu município conta-
da por um Locutor (L) oficial que, enquanto alocutor (al-x), fala em
nome de todos eles. Então, o documentário vem ouvir e mostrar a
história e a cultura deste lugar contada por seus cidadãos que se
tornam protagonistas neste acontecimento do dizer.

Tomamos para análise o corpus que se constituiu das doze cida-


des que compõem a S.R.E (Superintendência Regional de Ensi-
no) de Campo Belo: Aguanil, Camacho, Campo Belo, Cana Verde,
Candeias, Cristais, Lavras, Perdões, Ribeirão Vermelho, Santana
do Jacaré, Santo Antônio do Amparo e São Francisco de Paula.
Este trabalho consistiu, especificamente, em um estudo semânti-
co enunciativo sobre as nomeações e renomeações, procurando
entender a designação constante num dinamismo de reescritura
que compreende o nomear e o renomear desses municípios. E no
estudo de todo esse processo, saber que povos que ali estiveram e
que povos ali ainda estão mostrando as culturas que se instituem
nesses locais como reflexos de todo esse processo de ocupação/
fundação.

Para esta análise da cultura e história local, objetivando conhecer


que povos passaram e que povos estão e que culturas se insti-
tuíram nos municípios da S.R.E (Superintendência Regional de En-
sino) de Campo Belo, consultamos os textos oficiais do site das
prefeituras. Nesses textos nos foi possível conhecer o surgimento
dessas cidades, envolvidas em um processo de ocupação, funda-
ção e (re)nomeação.

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 373


Tabela 1 – Endereço dos sites das prefeituras da S.R.E de Campo Belo

CIDADE SITE DA PREFEITURA


Aguanil https://aguanil.mg.gov.br/portal/servicos/1002/historia/
http://www.camacho.mg.gov.br/pagina/5301/Sobre%20a%20
Camacho
cidade
https://www.campobelo.mg.gov.br/portal/servicos/1003/
Campo Belo
historia-de-campo-belo/
Cana Verde https://www.canaverde.mg.gov.br/cont_pag1.asp?pag=41
https://www.candeias.mg.gov.br/portal/servicos/1001/
Candeias
candeiasmg/
https://www.cristais.mg.gov.br/portal/servicos/1005/historia-
Cristais
do-municipio/
https://www.lavras.mg.gov.br/artigo/historia-de lavras/
Lavras
MTUwOA
Perdões https://www.perdoes.mg.gov.br/historia
Ribeirão http://www.ribeiraovermelho.mg.gov.br/cont_pag1.
Vermelho asp?pag=41
Santana do http://www.santanadojacare.mg.gov.br/pagina/7147/
Jacaré Hist%C3%B3ria
Santo Antônio
http://stoamparo.web21f10.uni5.net/cont_pag1.asp?pag=41
do Amparo
São Francisco de http://www.saofranciscodepaula.mg.gov.br/pagina/11362/
Paula Hist%C3%B3ria

Fonte: sites das prefeituras municipais das cidades da S.R.E de Campo Belo

Nestas análises notamos que a história oficial dos municípios é


contada por um locutor oficial, aquele que está autorizado a
dizer em nome de todos os munícipes. E assim, sua fala traz a
enunciabilidade propícia para aquela ocasião/situação, ou seja,
acontecimentos que não convém para aquele tempo/espaço são
ofuscados. Portanto, “o acontecimento da enunciação se dá pelo
funcionamento da língua num espaço de enunciação. Assim o
acontecimento de enunciação toma o falante, agencia o falante
como lugar de enunciação.” (GUIMARÃES, 2018, p. 75).

Ao iniciar nossa pesquisa, começando pelo texto oficial encon-

374 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


trado nos sites das prefeituras das cidades da S.R.E (Superinten-
dência Regional de Ensino) de Campo Belo - MG e fazendo várias
buscas pela internet, o município de Cristais, localizado no oeste
de Minas Gerais, nos chamou a atenção pelo monumento com
cristais construído na praça central.
Figura 1 – Monumento localizado na praça central de Cristais - MG

Fonte: https://images.uncyc.org/pt/thumb/4/45/Cristais.jpg/300px-Cristais.jpg

Construído com cristais com as pontas voltadas para cima para


representar toda harmonia e energias positivas que pairam sobre
o lugar, o cristal da região, o quartzo hialino, é conhecido como
cristal purificador, pois é capaz de limpar a aura e acalmar o siste-
ma nervoso. Para os antigos, o quartzo simbolizava a pureza e a
liberdade. Os cristais para decoração geralmente possuem pontas
que ficam voltadas para cima, se conectando com energias supe-
riores, um jeito de purificar o ambiente e eliminar a negatividade.
(ISIMA, 2020)

De fronte a todas essas vibrações positivas, houve um grande en-


cantamento pela fundação de Cristais. Portanto, para nosso mo-
vimento de análise de que povos passaram e que povos ali estão,

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 375


que culturas se enraizaram nesse lugar, escolhemos essa cidade
para entender seu processo de ocupação, fundação e (re)nomea-
ção.

Então, começamos a analisar de forma endógena o texto oficial do


site da prefeitura que conta a história de fundação e ocupação do
município. Depois buscamos fazer uma análise exógena, migran-
do para outros textos, a começar pelo texto do site da Câmara
de Vereadores do Município, onde essa história muda bastante. E
continuando esta transversalidade exógena com outros textos, to-
mando a programação da festa típica da cidade e narrativas orais
dos cidadãos cristalenses (2021) através do documentário produ-
zido por conta deste trabalho. (DOCUMENTÁRIO: CONHEÇA A HIS-
TÓRIA DE CRISTAIS, 2021) percebemos como a história oficial de
Cristais coloca em silenciamento certas culturas.

E para não deixar essa voz do cidadão se perder no tempo, a cria-


ção de um documentário de curta metragem torna-se comple-
mento importantíssimo no Método Enunciativo de Leitura.

Neste artigo apresentamos apenas um DSD, o da descendência


negra em Cristais, para o entendimento do funcionamento do Mé-
todo Enunciativo de Leitura.

No texto oficial da prefeitura o alocutor-autor (al-x) silencia a pre-


sença do negro. Ele agencia enunciador coletivo que fala em nome
de todos os cristalenses e enquanto alocutor-autor (al-x) ele está
autorizado a dizer em nome dos demais cidadãos. Porém, a pre-
sença negra aparece nas narrativas orais coletadas durante o do-
cumentário e nos textos que circulam na cidade de Cristais.

376 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


Figura 2 - Festa de Nossa Senhora do Rosário

Fonte: https://www.cristais.mg.gov.br/fotos/90729febe16ec9f391316ecd8596dde5.jpg

Trouxemos para nosso recorte 1 (R1), o cartaz da programação de


2019 da Festa de Nossa Senhora do Rosário, também conhecida
na cidade como Festa do Reinado, uma vez que não aconteceu nos
anos de 2020 e 2021 devido à pandemia da Covid 19.

R1

Pontuando nossa visita a Cristais para a montagem do docu-


mentário, o qual pode ser acessado pelo seguinte link: <https://
drive.google.com/file/d/1I0ndsjDIKqPYH1efFzVnmP5AvUQ-4CsQ/
view?usp=sharing>, encontramos o Professor Mestre Antônio
Carias Frascoli, professor de História, pesquisador e membro do
projeto “Tambores do Quilombo” e “Protetores do Quilombo” que
muito nos contou sobre o Quilombo do Ambrósio em Cristais, e
assim compomos nosso recorte 2 (R2):

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 377


R2
“[...] Entre o Morro da Vigia e a cidade de Cristais, temos a fa-
zenda da Lagoa. A fazenda da Lagoa, foi onde fez a lavratura da
sesmaria aos sesmeiros que vieram tomar posse depois das três
grandes guerras do Quilombo do Ambrósio. [...] Por que Mor-
ro da Gurita? Porque os negros do Ambrósio se comunicavam
com espelho entre esses morros de vigia, tendo um olhar para
proteção do quilombo. Gurita, porque quando desciam os cami-
nhos que eram pelos rios, desciam das minas de São João Del
Rei, de Lavras. Quando descia pelo rio, quem estava na gurita
vigiava quem descia pelo Rio Grande[...] A festa do Reinado traz
nomenclaturas que tem tudo a ver com o Quilombo: rei, rainha,
guardas, vigia[...] No Quilombo, paiol não representava paiol de
milho, mas sim de armas. [...]” (DOCUMENTÁRIO: CONHEÇA A
HISTÓRIA DE CRISTAIS, 2021)

Nosso recorte 3 (R3), é um pouco da fala de Marcos Antônio Mar-


ques, Secretário do Turismo, pesquisador e membro dos “Tambo-
res do Quilombo/Protetores do Quilombo”.

378 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


R3
“[...]Houve aqui, em meados de 1729, a criação de um grande
Quilombo por parte do Ambrósio que depois de certo tempo
tornou-se rei da região onde se situa hoje o município de Cris-
tais. Ele veio se torna rei, devido a que? No período de 1729,
houve por parte do governo de Minas, Gomes Freire, a busca do
pagamento da capitania. Então, houve aqui, por parte dos pro-
prietários de terra, dificuldade de se pagar esse imposto de ouro
ao rei. Então, muitos proprietários de terra fugiam junto aos es-
cravos. Concediam a eles o direito de fuga, desde que levasse ele
e a família para dentro do quilombo. Não era um quilombo com-
posto só de escravos, mas tinha uma miscigenação entre bran-
cos e negros[...] Era um quilombo forte que enfrentou 3 guerras,
até ser derrotado em 1746. [...]” (DOCUMENTÁRIO: CONHEÇA A
HISTÓRIA DE CRISTAIS, 2021)

Nosso recorte 4 (R4) é um trecho do depoimento de dona Denice


Cassiana Pimenta, rainha perpétua do Reinado, em Cristais.

R4
“[...]O Reinado é uma manifestação religiosa de escravos, nós,
cristalenses, descendentes do Quilombo do Ambrósio. Além
dos reis e rainhas, temos ternos, grupos de pessoas com tarefas
específicas. [...] Reis perpétuos cuidam dos mastros de abertura
da festa, da coroação dos reis da coroa grande. São os únicos
que se passa de geração para geração. Tenho conhecimento
comprovado que a coroa está aqui em casa há mais de 70 anos,
pois passou de minha avó para minha mãe e agora para mim.
Ela está comigo há 28 anos. [...] (DOCUMENTÁRIO: CONHEÇA A
HISTÓRIA DE CRISTAIS, 2021)

Mediante a estes recortes textuais construímos o DSD a seguir so-


bre a presença negra em Cristais.

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 379


DSD – DESCENDÊNCIA NEGRA

├ Quilombo do Ambrósio ___ miscigenação Cristal

├ Negro

├ Festa de Nossa Senhora do Rosário

├ Descendentes do Quilombo do Ambrósio (cristalenses)

├ Reinado ___ Manifestação religiosa de escravos

Lê-se: Negro determina Cristais. Miscigenação está em sinonímia


com Quilombo do Ambrósio e determina negro. Festa de Nossa
Senhora do Rosário determina negro. Descendentes do Quilombo
do Ambrósio (cristalenses) determina negro. Manifestação religio-
sa de escravos está em sinonímia com Reinado e determina negro.

Pelo processo de reescrituração, Quilombo do Ambrósio deter-


mina negro. Ambrósio por articulação determina Quilombo. Não
era qualquer quilombo, era o Quilombo do Ambrósio situado em
terras cristalenses e que incomodava e muito o Governador Go-
mes Freire de Andrada. Miscigenação está em sinonímia com Qui-
lombo do Ambrósio, nos mostrando que no quilombo não havia
somente escravos, mas diferentes moradores, cada qual com sua
necessidade que ali se refugiava e eram bem acolhidos pelo rei
Ambrósio. Essa miscigenação já trazendo como memorável o sur-
gimento do povo brasileiro.

Ambrósio era negro, filho de rei africano,


cuja história é permeada de exemplo de
dignidade e de altivez. Reconhecido pelos
jesuítas como homem purificado e bom.

380 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


Escravizado, traficado para o Brasil e pos-
to à venda no mercado do Valongo, Rio de
Janeiro. Jesuítas o compraram juntamen-
te com Cândida, sua companheira até a
morte. A localização do Quilombo do Am-
brósio, que na verdade era uma rede de
quilombos do sertão de Campo Grande,
que começava em Ajuda dos Cristais en-
tre o rio Grande e rio Parnahíba, passava
por Arcos (Corumbá), Bambuhy e termi-
nava na Serra da Marcela (Campos Altos).
O rei Ambrósio era respeitado pelos de-
mais moradores, quer fossem quilombo-
las ou índios. Era adorado. Todos, espe-
cialmente, os africanos, mesmo longe da
pátria mãe a África, tratavam Ambrósio e
Cândida com homenagens próprias re-
servadas ao rei e a rainha. (LÓ, 2020a)

Ló (2020), ao enunciar a sinonímia entre Quilombo do Ambrósio e


rede de quilombos, mencionando Ambrósio como rei, credencia
os lugares de fala do alocutor - Secretário de Turismo (al-x) e do
alocutor - professor de História-pesquisador (al-x) que agenciam
enunciadores coletivos, ou seja, a história documentada.

Descendentes do Quilombo do Ambrósio pelo processo de rees-


crituração determina negro. Por elipse, cristalenses, gentílicos da
cidade de Cristais, são descendentes do Quilombo do Ambrósio.
Um quilombo que enuncia resistência deixando seus descenden-
tes, em terras cristalenses, até os dias atuais, mostrando que esse
presente significa porque há um passado que o fez significar.

Festa de Nossa Senhora do Rosário determina negro. Nossa Se-


nhora do Rosário é considerada a santa protetora dos negros.
Reza a lenda que a virgem do Rosário apareceu sobre as águas do

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 381


mar. Os caboclos e marujos, já devotos da santa, rezaram, dança-
ram e cantaram para que ela viesse até eles, mas a santa não foi
até eles. Por último, os negros foram até a praia e, após louvarem
a santa, conseguiram que ela viesse até eles. A partir de então, a
Virgem do Rosário tornou-se a protetora dos negros (Peron, 1998).
Festa de Nossa Senhora do Rosário em Cristais é um memorá-
vel religioso de Virgem do Rosário, santa que apareceu sobre as
águas do mar, ouviu e atendeu os negros.

O cartaz da programação da Festa de Nossa Senhora do Rosário


(R1) ao trazer os versos: “Trazemos a memória dos/ nossos an-
cestrais. / Nós somos da matriz do/ Rei Ambrósio.” enuncia toda
reverência prestada aos antepassados, como forma de orgulho.
A palavra matriz designa a primeira e mais forte formação do
Quilombo do Ambrósio, situado em Cristais, que só foi derrotado
após a terceira guerra. Brasileiro (2017) nos confirma esses versos
ao dizer que havia dois quilombos do Ambrósio: um na região de
Formiga - Cristais e outro na região de Campos Altos – Ibiá, para
onde, na verdade, se mudaram os quilombolas após a destruição
do quilombo de Cristais, conhecido como Ambrósio I, em 1746,
pelo capitão Antônio João de Oliveira. Assim, notamos a sinonímia
entre matriz e Ambrósio I, ou seja, o Quilombo do Ambrósio foi
gerado em Cristais.

Manifestação religiosa de escravos está em sinonímia com Rei-


nado e determina negro. Reinado é uma manifestação religiosa
de escravos, mostrando por articulação que se trata de uma festa
religiosa, mas de escravos. Não sendo uma festa comum, mas a
manifestação de um povo que teve sua história silenciada. Rei-
nado, enquanto manifestação religiosa de escravos, enuncia um
Quilombo que foi grande e forte em terras cristalenses.

O alocutor-Rainha Perpétua do Reinado de Cristais (al-x) agencia


enunciador individual que fala em nome da tradição herdada da
sua família a condição de rainha perpétua do Reinado. Sua fala

382 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


qualifica o lugar de fala do alocutor-professor de História-pesqui-
sador (al-x) que agencia enunciador coletivo, a história documen-
tada, da relação das nomenclaturas do Reinado com nomes utili-
zados no Quilombo.

E negro, com todas suas tradições festivas herdadas do Quilombo


do Ambrósio, determina a cidade de Cristais. Mediante a este DSD
percebemos a presença negra em terras cristalenses. Descendên-
cia essa, que se mantém viva na festa do Reinado, nos lugares que
existiu o Quilombo e nos relatos de seus moradores.

Designar o negro é revigorar sua memória silenciada e as suas


contribuições para a formação do povo cristalense. É analisar o
que essa cultura retoma nas suas tradições e o que instaura na
atualidade, criando uma relação entre passado e presente.

Com isso percebemos que o MEL é um método capaz de propor-


cionar aos os estudantes conhecerem a história de seu povo e as
culturas que formam sua atual identidade, uma vez que todos nós
estamos sempre em construção e marcados pela história.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embasados na Semântica do Acontecimento de Guimarães (2018),


nos foi possível perceber que o texto oficial que conta a história
dos municípios da S.R.E de Campo Belo - MG, muitas vezes, dei-
xa certos povos e culturas silenciadas. Então foi pertinente essa
busca pela compreensão dos processos de (re)nomear desses
municípios como forma de identificar que povos ali estiveram/
estão e que culturas se instituíram/instituem nestes lugares. De
tal modo, notamos que o processo de (re)nomear essas cidades
são marcadas pelo acontecimento enunciativo, ou seja, por uma
temporalidade própria naquele espaço/tempo.

O Método Enunciativo de Leitura (MEL) torna-se uma maneira de

APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 383


conhecer e dar voz aos silenciados pelo o alocutor-autor do texto
oficial (al-x) das cidades. A história e cultura da cidade se fazem
com pessoas e por isso dar voz a essas pessoas é uma forma de
conhecer mais desse lugar e valorizar toda cultura presente ali.

Neste estudo analítico da cidade de Cristais, como cidade piloto


para aplicação deste método de leitura, o qual nos permitiu iden-
tificar nessa cidade a presença negra e cujas marcas culturais são
muito presentes no lugar. Observamos que, no texto oficial, ocor-
re um silenciamento da presença negra em terras cristalenses.
Porém, nas narrativas orais mostradas neste artigo, nos lugares
cheios de histórias e nos textos que circulam na cidade, consegui-
mos identificar a presença negra nesse município. Presença negra
marcada, principalmente pela festa do Reinado, considerada festa
tradicional da cidade e que traz todo memorável do Quilombo do
Ambrósio, que ali existiu.

No decorrer deste trabalho de busca e compreensão no (re)no-


mear das cidades estudadas da S.R.E de Campo Belo - MG e dos
povos que fizeram/fazem parte deste processo, acontece um
grande envolvimento e prazer por descobertas das histórias si-
lenciadas. Isso se dá, pois a Semântica do Acontecimento, que dá
suporte à Metodologia, mostra o sentido que está posto em todo
esse processo histórico, social e cultural que reveste determina-
do município, já que acontece uma relação de memoráveis, mos-
trando que os sentidos postos em um texto não são estáveis. E
tudo isso aumenta nossa adrenalina, nos dando a sensação de
detetives, que buscam pistas, depoimentos dos moradores, como
forma de conhecer as culturas e povos silenciados na história de
determinado lugar.

Após este estudo, que resultou com o desenvolvimento deste


Método Enunciativo de Leitura (MEL), sem dúvida contribuirá bas-
tante para o estudo da cultura local reconhecendo que povos ali
estiveram/estão e que culturas ali se instituíram/instituem. Acre-

384 APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS


ditamos que este método será uma ferramenta capaz de ajudar
a preencher essa lacuna existente na Educação Básica, quanto ao
estudo da cultura local, além de desenvolver a capacidade leitora
nos alunos de forma prazerosa e competente.

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APRENDENDO E ENSINANDO COM NATIVOS DIGITAIS 387


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