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ili ini aa daa eigen ad Cantos Ress professor da Faculdade de Letras de Coimbra | updo aoe esos Merri IN 972800824 capa: AGEXPP FAMECOS-PUCRS Impress « acaba ; © CONHECIMENTO DA LITERATURA Ras INTRODUCAO AOS ESTUDOS LITERARIOS 2 edigio pRESSAO) MILHAR) ALMEDINA | | ‘ceeeemmammmnsnnanennaumsieemennsisnngeenemneis tenis tia tensaaemtininstantuinmuniansis caPiTULO 1 A LITERATURA COMO INSTITUICAO 1. © campo literario e as fronteiras da literatura Let. Qualquer reflexio preambular sobre a literatura e a sua existéncia enfrenta, de inicio, a questio de saber se € possivel (ou Sré que ponto € possivel) estabelecer as fronteiras que delimitam fendmeno litera ‘por outras palavras, indagar o que cabe f¢ 0 que nio cabe dentro do campo literario, Note-se, entretanto fe descle j3, que quando falamos em fronteiras da literatura ou em campo literirio, utilizamos expresses metaforica ertamente sugestivas, mas m algo imprecisas; de certa forma, € 1880 mesmo que qualquer recurso a metiforas ¢ também, naturalment wguagem cientifica, 0 . na metalinguagem. iterarios("). Por outro lado, pela inclusio de certos sntro desse campo literirio e pela exclusio de outros, néo se anula a possibilidade de existirem situagées hibridas; sio essas situacées hibridas que desvanecem a fixidez com que eventual: mente poderia postular-se a existéncia de um campo literario com margens rigidamente determinadas. Se é indubitavel que o romance Madame Bovary de Flaubert ou 6 livro de poemas Clepsidra de Camilo Pessanha se inscrevem no campo di textos ratara, jé uma narrativa como a Peregrinaso de Fern (ct Existence of (© CONHICIMENTO DA LITERATURA Mendes Pinto pode ser lida ¢ entendida como uma obra hibrida, nna medida em que nela se mesclam eventos e situagdes ficcionais, jcas, a par de uma acentuada indo ainda com eventos © situagdes iogrifica e confessional, inc! rojecsio de indole 0 precedes tn Noutras corréncias, certamente muito pouco frequentes, pode verifi- ‘corse uma verdadeira mudanga de estatuto, determinada por idenies de ordem contratual que interferem no modo como juando, em 1870, foram publicadas pela jas, as cartas que compoem inc reconheci -orporadas. Diversa das situ ) Note se que flecionaidade, s6 por si, no indi rirlo de wm texto" a uma anedota reconhece-se facilme esa dimensio sm Colbquio/ Lets, 97 snstnonUcKo AOS ESTUDOS LETERARIOS estes (¢ outros) autores recorrerem, nos scus textos, a proced!- ments técnico-estlisticos de ressonincia literéria; por exemplo, o Fe, Ant6nio Vieira utilizando uma imagistica frequente em tendendo por vezes a romancear a Histérla. Importa sublinhar, contudo, que esses procedimentos, podendo entender-se como I atitudes estilisticas no dmbito da oratéria sacra ou no da historiografia, sZo, contudo, insuficientes para determinarem uma integragdo no campo literario, © niio impede, porém, que, de um ponto de vista por assim dizer inverso, se aflrme o seguinte: que, nio raro, as obras ririas revestem-se de ral, em conexao directa com a Histéria, com a Sociedade ¢ com a Cultura que as envolvem e enviesadamente as motivam; por isso mesmo, é frequente as da Cultura ou em de escritores e obras literdrias, test uma leitura pertinente que postulemos a . como vasto dominio de fronteiras das. Assim, como sugere Laurence Lerner num Os estudos a seguir mencionados, fortemente marcados pela (0 CONHECAMENTO DA LITERATURA rabalho sobre esta questio, importa ter em conta que 4 literatura itvade e imbrica-se com. os term sendo certo que “as fronteiras sio efectivas”, também é certo que essas sobreposicées nio sio nada de assustador, mas antes enriquecedoras” () (outros aspectos ainda, para além dos mencionados, seria possivel alargar o debate acerca das fronteiras da literatura: por exemplo, quando procuramos determinar as frontelras de uma atura nacional, em confrontagio com outra literatura naconl «em relasdo directa com os movimentos da Historia je saber s tendo em atencio a independéncia rio, a Literatura Brasileira come- a fazerem recuar esse a tese defendida por An ratra nacional ck. Wak © pura, 1962 pp. 60-65 ©. 1360, pp. 9899 € coe ir smc eratura universal | ineTRODUCAO AOS HSTUDOS LITERARIOS novas vivéncias, que traduziu em cantos e contos populares, ger- minando uma nova literatura” (*). Proximo deste encontra-se 0 problema da integragio de escritores bilingues em literaturas nacionais, bem como certos fenémenos de transferéncia ou reajustamento de identidade cultural: € 0 caso de Rosalia de Castro, poetisa que comega por utilizar 0 castelhano, para depois escrever em galego, no momento em que se dé o chamado “Rexurdimento” da Literatura Galega; ou Samuel Beckett, escritor de nacionalidade irlandesa que adoptou 0 francés como lingua literéria. Por sua vez, Jean-Jacques Rousseau, tendo nascido em Genéve, num tempo de forte ascendente pol Conrad, tendo embora nascido na Polénia e vivido na Franca, vem a ser integrado no campo da Literatura Inglesa, enquanto autor de mportantes obras como Heart of Darkness e Lard ‘A ponderacio da rizarmos a component Propomo-nos neste caj a cab pp. 453-474 © C. Gu Commperaa, Barcelona, Plitano, 1989, pp. 200-2 [ (© CONHECIMENTO DA LTERATURA anilise dos virios aspectos deste problema, procurando saber se é adequado defintr a literatura sob um prisma institucional € ques- tiomando 0s factores que permitem essa definicio institucional, bem como a sua relevincia, em termos hist6ricos. Mas a indagacéo acerca da condigio institucional da literatura reparte-se, pelo menos, por tés imbitos auténomos, aqui enunciados sem preocupagdes de hierarquizacio: 1.2.1.4 literatura envolve uma dimensio sociocultural, directamente decorrente da importincia que, a0 longo dos tempos, ela tem tido nas sociedades que a reco- theciam (¢ reconhecem) como pritica ilustrativa de na certa consciéncla colectiva dessas sociedades; 1.2.2. Na literatura € possivel surpreender também uma dimensio historica, que leva 2 acentuar a sua ‘apacidade para testemunhar o devir da Histéria € do Homem ¢ os incidentes de percurso que balizam esse sratura_manifesta-se ainda uma dimensio estética que, sendo decerto a mais dbvia, conduz a (0 que teencontraremos em caf a encara fundamentalmente como agem ou, mais propriamente, \guagem literaria Estas trés dimensdes distinguem-se aqui umas das outras, por raaSes meramente operativas; por is50 mesmo, nio deve pensar-se que fais dimensées podem ser consideradas de forma absoh tamente isolada, como se entre elas nic existissem evidentes inte- rcqies. Que estas interacgSes sio efectivas, mostra-o 0 facto de, com frequéncia, estabelecermos relagées de complementaridade fentte aspectos diversos do fenémeno literério: assim, em Baudelaire reconhece-se a importancia prépria do poeta que abriu caminho, do ponto de vista estético-lite & moderna poesia eatopeia, Sem que isso nos impeca de articularmos essa renovagio com uma atitude sociocultural como o dandismo que ele tam- 4 } Ee Tees [IVTRODUGAO AOS ESTUDOS LITERARIOS bém protagonizou; atitudes similares podem ser observadas no nosso Garrett, cuja literatura, por outro lado, surge intensamente relacionada com 2 Histéria do seu tempo (e em particular com a do Liberalismo) ¢ com a evolugio estética que paralelamente conduziu 4 introdugio do Romantismo em Portugal. 1.3, Falar da literatura como instituig’o corresponde inevitavelmente a projectar, sobre o fenémeno literdrio, conota- (goes (nem todas positivas) que envolver o termo. De facto, a expressio instituigio (por exemplo, em instituigio militar, institnigao religiosa ou instituigao universitaria) pode sugerir mentalidades ¢ comportamentos eminentemente mente hierarquizados ¢ pouco propensos 4 E certo que a feigio inst forte- ovagio; por outro .cional de certas entidades confere-Ihes solidez histérica, bem como reconhecimento piiblico, factores decisivos para a sua afirmagio no plano social. E {sso acontece com mais 13230 quando aos actos institucionais é incutida uma feigio ritualizada, de reminiscéncia fundadora e de propésito legitimador (’). neno idade © de notoriedade publica ymente aceites pelos escritores: por alguma jum texto nao isento de controvérsia, falou ideia nova”. E acrescentor ‘em Portugal ¢ no Br: instituigio. Designo-o pelo nome ger ignoro se € uma nova arte, uma nova p ‘ou uma nova filosofia: nao sei mesmo se nao seré um novo clube ‘ou uma companhia de segut (OCONHECIMENTO DA LITERATURA Seja como for, a estabilidade e a notoriedade referidas esto {mplicitamente representadas nos termos em que Julia Kristeva postula o conceito de instituisio Literéria: “Teria tendéncia a ver nnele duas coisis: por um lado, a propria literatura, a pritica da escrita, 0 facto de querer inserir-se num cédigo que consiste em transpor preto no branco ¢ a partir de um certo mimero de Imposigaes um nirica ou real; por outro lado, centenderia por erdria’ todas as margens da prética literdria: as revistas, 05 jris, eventualmente as universidades, tudo fo que consagra a experiéncia literdria ¢ Ihe di uma posstbilidade mais ou menos grande de chegar ao piiblico; isto &, finalmente, transmissio" (") idental as academias € a mentalidade m ( 0 que delas resta itucionalizacio da literatura, na medida em que Ihe asseguram uma certa estabilidade e a notoriedade mencionadas. Se bem que o seu espirito remonte a tempos berm mais recuados (a designagio provém do nome prio Akademos, em cujo jardim Platio ensinava), é a partir do século XVIl, quando funda (em 1635) a Academia Francesa, que a8 #cademias se afirmam como espago selecto, de agregasio € disctssio do saber: nesse sen bem c em que 63 voraGio cient ‘© mesmo séeulo € especialmente fértil no que 4 constituigio de academias literarias diz respeito, designadamente ypontava a vocagio co desejo de um com p. $9, Ck ambém J, Dos, Ci [Nathan/dtions Labor, 1978, pp, See neraooUGKO AOS BSTUDOS LTERANOS as arcddias. Trata-se de uma época em que 0 escritor assume a condi¢io institucional da literatura em sintonla com uma consciéncia critica e autocritica que nio raro fez das arcddias teririos fechados sobre si mesmos ¢ também de autonomizacio relativa do escr Iiterérias traduzem muitas vezes um certo sentido de convivia- lidade inerente 4 vivéncia da literatura, definitivamente reconhe- ligio socialmente importante ('"). ‘mais formal ¢ nos nossos dias, as academias a Academia das Ciéncias portuguesa, com a sua que gozar ji de um prestigio e de inegavels, Funcionando como uma consagragdo ou, no dizer de luma linguagem bem peculiar, reconhecendo 0 escritor como imortal, a condicio de académico constitui uma distingio nio ada; e mesmo quando, muma atitude extrema, o escritor rejeita a consagracio académica ( Drummond de Andrade recusando entrar na Academia Brasileira ), Grane Diconério de Literatura Portaguesa ede *} Conforme notou Maria de Lourdes gamento dos esforgos de auronomizacio e | 10 empreendidos pelos ‘eos ércades ~ esforgos apotados agora na exsténcia de um pliblicolettor menos resrito ede um mercado lteréro que comeava a organiar-se(..]” (Unedectais portugues mu prima metde de citeentas, Lisboa, Ed. Presenga, 1988, p. 303). ” sm tal procedimento acaba por corresponder a0 de Letras), 0 pela via da refutagio, dessa capacidade de consa- reconheciment™ T” qesse ponto de vista negativo, como algo de fo, enced cards i Braco. fh eneior 20 estatuto estético da literatura artificial €& Uteratura, 0 mantismo, particularmente estimulante no que a testemunha (¢ certamente iz0 inicial extremamente nega- ss0 ndo impediu que, mais Ta desejasse ser aceite como 1852. Também na npo a PO se bela dit espe e de Garrett, um acadérico, age de pty emcostamos com até, de certa forma, mais agressivos: Dantas, mas sobretudo a mentalidade exc.) que, do se aro de Campos satirizou nalizagio Na ch PEAUEED-Me para ser social efi pa sicbegum todos, porque nasceram para Iso, ae cept 010 para que se nascen i degu todos Hane, acai, “atte ib sn Sb op Aes Pessoa, poet Fy | RSTRODUCKO AOS ESTUDOS LTERARIOS [As Musas vingoram-se com focos elétricos, meu velho, Puseram-te por fim na nibata da cave velha, a tua dinimica, sempre um bocado FEES 1.4, Em certas circunstincias, as academias reforgam 0 seu peso institucional, por exemplo, pela concessio de prémios iterdrios ("”). E na realidade, os prémios literarios constituem, um modo geral, mecanismos que 4 sua maneira procuram mbém exercer io institucional da ipio da consagracio nto, através da concessio de uma \ed0, tem, de facto, uma origem muito remota: na Grécia antiga, a5 coroas de louros premia dores de Kerdrios (dominados pela elaboragio da tragédi IDS, revestiu dade Média, obedeciam genericamente 2 um principio similar ~ 0 reconhecimento praticamente simbdlico do talent feratura passa ater também um certo valor de troca, 05 prémios literarios adquirem ansio e alcance. Com efeito, para além dos valores 4 partir de entio normalmente envolvem, os prémios literdrios podem ser entendidos como extensio das instituigdes que os concedem, (9 Aevano be Caxmos, Poemas; ed, critica por CLEONICE BERARDI Lsbos, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1950, p Sobre as Sobre este assunto ef, infa pp, 58-60. (@ CONHECIMENTO DA LITERATURA Ateibuidos por jéris que naturalmente para si relarmarn ums autoridade que se deseja aceite prémios literérios transcendem, nO 1310, fang: sgue em pri julgar ¢ decidir (por Jiri integram usualmente erarios ¢ estudiosos da ). por exemplo, qual 0 melhor romance do ane ou ave tor de umn conjunto de obras mais significativas, Todos os riscos ¢ dificuldades que isso implica e com o8 vosoe conhecidos e tantas vezes comentados ('"). Mas assim Se vn tambern. a relevancia cultural ¢ social de uma ‘e, indirectamente, da propria literatura, es Internat sabre. el, a consagracio de Academia, se 2 act eater = como aconteceu com Jean-Paul Sarure que de sou o Goncourt ~ ou até a negativa, o destaque insti- rarios se_revestem. E al de Propaganda, pot {por sua vez, José Saramago tardou saving ser contempiado com 0 Grande Prémio de Romance € tia uma obra como Memoria €o Convento, O tes os de qualidade ous adopeic, no quadro incvitivel ‘se pode dizer-se que todo 0 {sr rae algors modo, »anecpar a histo, cmb € verdad ae 1% pode ignoraro isco de ser por ela detmentido com maior ov e707 velocidate. B seo tlvez seja uma vantagem, pois significa que 2 {Qrsro Gea Movin, Vn vs, Lsbo, Presens, 1987, pp: 229-280) sp prTRODUCAO AOS ISTUDOS LITERARIOS considerivel 0 Tol de escritores, hoje mundialmente reconhecidos pelo seu Yalor, que nfo gamharam 0 Prémio Nobel: Antonio Rfachado, F. Garcia Lorca, James Joyce, Paul Valéry, André Mal- "Ezra Pound, Jorge Luis Borges e, ji agora, Fernando Pessoa Gque, mum tom algo ambiguo, 2 ele se refere ma famosa carta Sinobiogrifica a Adolfo Casais Monteiro (*). Do que parece nio haver diividas € de que os prémios titerdrios, pela sua abundancia, pela projeceio piiblica que confe- rem ao escritor € até pelos valores materiais que muitas vezes Cavolvem, constituem presenternente um instramento de afirma- (do instivucional da literatura ("). E se certos escritores ostentam, por vezes, alguma sobranceria em relagio 20s prémios Iiterartos (Gobranceria em muitos casos indissoctivel de aitudes de despeito ou inveja, muito correntes no mundo literério), a verdade & que ‘outros confirmam, com franqueza ¢ algum desassombro, ‘dncia: Vergilio Ferreira dedarou que “um pi para de varias outras compensa¢des, confere ao premiado um pouco de terteza sobre 0 qué Tealizou, Sem ditvida, a Hist6ria esta cheia de ferros, no que se refere a consagragdes, Mas nos limites do provavel, se um jéiri tem qualidade, uma consagracio sigmifica acentmada pelo facto de a ‘contemplada por cinco vezes. Sobre o Prémio Nobel 1 vejase a obra de Kya Ese, The Nobel i behind Choies, Boston, GK, Hall and Co,, tim diversas obras € possivel encontrar o elenco dos principals stentes ies lteraturas: JANE CLAPP, f Liteary Avatds, New York, The Scarecrow Press Inc. Cercle de la Librasie, 1966; * ed, New York/London, RR, Bowker C ‘Garman Langoags, New York/London, R CTS (© CONHECIAENTO DA LITERATURA alguma coisa, essa alguma coisa que importa a confianga em nés mesmos” ("). Isto no quer dizer, obviamente, que a atribuigio de prémios literérios nio deva ser relativizada, tendo-se em conta ado apenas equivocos e lacunas como os que ficaram apontados, ‘mas também a possibilidade de se verificarem, na esfera dos jiris © dos seus critérios de aogao, interferéncias esvaziadas de sentido verdadeiramente estético-lterdrio (#), . A par das academias e dos prémios literdrios, é possivel ainda reconhecer noutras entidades e manifestagbes uma certa capacidade de afirmagio institucional da literatura. Acontece im com a eritica literdria, sobretudo quando exercida em especialmente ajustados a essa in: aria entendida como acompa- nhamento regular da publicagdo de obras literirias, critica exer- cida usualmente em jornais, bem como em revistas propriamente A configuracio assumida pela critica literiria é «aso, a da recensio critica, apresentacio relativamente breve de uma obra literéria recente, no raro dominada por um discurso de pendor impressionista, de teor descritivo mais do que interpre lativo, nio obrigatoriamente dotada de instr ai ico literério que assim labora, dirige-se usualmente 2 um piiblico pouco especializado e relativamente alargado; mas 0 literério © a critica que pratica acabam por exercer alguma influéncia sobre o devir da literatura ', Fonnana, Um esctitr arena se; apresentagio, preficio ¢ M.04 Guowie Pando; Lisboa, (*) Num livro muito critico, Antonio Hernandez chama @ atengio, com slguma rao, para a frequente interferéncia de poderosas editoras se de prémios € no funcionamento de jrs, 0 que pode implicar uma certa “pudronizagdo" da criagio literiria, desenvolvida em fungio dos requisitos (expressos ou implicitos) a que obedece ex at {NTRODUCAO AOS ESTUDOS LTERARIOS riticada, sobretudo quando esse critico, pela autoridade e pelo peso institucional que entretanto ganha, é escutado com atenglo pelos escritores ( Esta é uma actividade relativamente recente, na historia da literatura, estabilizada a partir da altura em que os mecanismos de mercado comegaram a interferir na produgio literdria © na configuragio do gosto literirio; nao por acaso, René Wellek inicia 4a sua monumental obra A History of Modern Criticism precisamente por criticos de meados do século XVIII, isto é, a época em que figuras relevantes como Voltaire, o Dr. Johnson e Goethe comegam a exercer, sobre um pil io crescente, a influéncia mere- ‘ida pelos seus 05 € pelas suas reflexes doutrindias, Mas € no século XIX e ainda no século XX, que o mercado literério © 0 gosto dos leitores reagem de forma mais directa aos Juizos da eritica literéria. Avulta aqui, denire todas, a figura de Sainte-Beuve que, com os seus comentirios, com o seu prestigio € também com os seus equivocos, marcou indelevelmente. a n Franca e mesmo para s de mela fs; uma obra em que se destacam os célebres se procura levar a um ptiblico vasto ¢ diver. © pedagégico sobre a n sobre © ensaismo, a biografia, etc.) que aparecia em Franca ("*), Sobre Sainte-Beuve escrew uma reflex teratura (¢ ainda quando discordo valores, para os rectficar ou confirmae” ed. at, p. 85) produzidos. por Sainte-Beuve ido em Le Globe, er Le National, na Revue des Deux Monts, em Le Le M tendo depois sido reunidos nas series de ‘Nouveaux Lundis e Premiers Lunds, este de publicagio = de Sainte-Beuve pode ler-se em Gs re critique de Charles Augustin Sainte-Bane, 8 Editions Debresse, 1973, 3 (6 CONHEECIMENTO DA HTERATURA na obra ji citada, que “a clareza eo habil encanto dos seus escri- tos, a voz autorizada dos seus juizos, a impressionante erudicao € oo substanclal conhecimento que comunica, a bisica moderacio, ‘bom senso ¢ bom gosto, um certo pendor centralista, a descon- fianga em relagio a0 excéntrico € 20 extravagante, todas estas qualidades fizeram de Sainte-Beuve uma figura dominante na hhistéria intelectual da Europa” (”). Mas, ao mesmo tempo, Wellek notou também o que é conhecido em Sainte-Beuve (ou talvez até que hoje nele é mais conhecido), ou seja, 0s seus falhancos, 20 io se aperceber, por exemplo, da dimensio de personalidades sérias como Stendhal, Balzac e Baudelaire. Trata-se, afinal, de 0) que frenta esta critica exercida sobre 0 testemunha, sem dispor do distanciamento que co que é transitério do que é dur ‘As décadas que se seguiram a Sainte-Beuve assistiram a0 aparecimento de importantes criticos, nalguns casos articulando ‘essa actividade com a de historiadores da Hippolyte Sanctis na Itélia, Matthew Amold na I Lara em Espanha e, em Portugal, Teéfilo Brag Silva Pinto e Alexandre da Conceicio, sic riamente citados neste contexto, com presenga certa em pul ‘cages literirias ou genericamente culturais do seu tempo, ‘ado uma acgio em certos aspectos pedagdgica, sobre 0 Franga, Francesco De terra, Menéndez Pelayo Com a crescente especi nosso século, atingiu a critica literdria, em parte por (©) R Wain, A Hisory of Moder Criticism: 1750-1950, New Haven’ /ondon, Yale Univ. Press, 1966, vol II, p. 34, Sobre 2 obra e a prética crt de Sainte-Beuve podem consultar-se diversos estucs: A. G, Law, Sainte “Beave. A Prtt ofthe Cre, Oxford, Clarendon Press, 1962; Pinas Mona, Lo selon Sainte-Beuve, Pais, Soc. 'Easeignement Supérieur, 1964; Fucuao M. Cuabnounwe, Chales-Augustin Sainte-Beuve, Boston, Twayne Pubs 1977 4 _nerRODUCAO AOS ESTUDOS LITERARIOS interacsio do sistema de ensino (Sobretudo do universittio) com terdrios que nele se incorporaram, modificou-se feigao da actividade critica ¢ colocaram-se-lhe exigéncias novas Com alguma insistencia (¢ de forma crescentemente audivel, a partir dos anos 60), também entre nés se foi sentindo uma certa fesistincia em rela¢io ao peso institucional da critica literria ralmente que 0 nome que aqui avulta, antes de mais pela sua discurso ei Pigelimente viel uma orienado impressions einullonita, de pendor judicativo, mas escassamente interpretativo ("); a este, contudo, podem agregar-se outros nomes, de diversafor- mao «desig presen no nso ml teri: de ot Reso 2 Oscar Lopes, passand ario Sacramento, Joi 2 Ova Laps, pasando por Maro Sacer, Joo Pedro de iguesa deste século, que € 0 que vai dos anos 30 ao final dos anos 50(") qualidade, em que se exercia a de tudos de outra natureza © lade © a qualidade dessa colaboracio «1 fea dew lugar 3 uma com- as ‘o CONHECIMENSTO DA LTERATURA ca literiria no desempenba jé a mesma vumas décadas se Ihe reconhecia. Mas isso no ftica valorativa ve “através da Prese fo que hi alg! Ae auer ique se terha tornado desnecessiria a p icipio Ihe cabe; acontece, contudo, re te ds sro. db indstia cultural em que ans ade lrg ad er Bs ano pro peso nds”) ara além disso «= aa ea deslocacio, ovtras entidades, vieram, em Pars, Jesempenhar o papel de vaidagio institucional antes confiado ccitica teria as de ensino, 05 seus age! ogicos de que dispdem, tendem também s-se em instincias de validac: acional da literatura texo, 19 ‘aco coao, A noite do mundo, ed eno, hi lgo a jdade, a0 mundo: nies, na sua quase ‘peotestando contza 0 teor de wba rio Dacosta Os ifs, ums tl gesto (amentivel pelo tom #9 pO papel & vaio tsi Geserperbr peTRODUGAO AOS ESTUDOS UTERARIOS pode dizer-se que dois factores determinantes concorrem nesse sentido: em primeiro lugar, a escolaridade obrigatéria criou pectativas (¢ até 0 dever) de uma imtegragio cultural em que a rura ocuipa ou supostamente deve ocupar um lugar de destaque: tum destaque que pode ser entendido como longinquo prolon- gamento da importincia conferida, pela sociedade burguesa do século XIX, 4 leitura como instrumento de aculturagao € conse- gquente dignificacio social(""). Em segundo lugar, a essa escolaridade é usualmente inerente uma considerdvel preocupagio com o ensino da lingua, tanto numa perspectiva funcional ¢ comunicativa (porque a lingua é veiculo primordial de repre- sentagio ¢ comunicagio), como sob um ponto de vista ideo- al: no que a este diz respeito, o ensino da lingua -se com frequei 1 trata agora de saber se pert temente ou nio) na en- textos que, entendendo-se como sio também representativos de uma pretende apurar e aprofundar ) CE J. 00 Paavo Const (ed), Probleme socolgions & pedaggicos, 1.C., 1980; Rosa Esweves, "Gabineres de EL, Verbo, 1987. 8, em reg tencias que « pespectivas actus, Eeonémica © Social/Faculdade de Letras da 1986, vol. I, pp. 61-72. sobretudo em momentos de forte 129 politico colhe elementos de .Gi0.deol6gico- 10s (mas no em quaisquer) a Lieratura Portuguesa: por exemplo, em Cambes (em especial n’Os Herculano, em Fernando Pessoa (Sobrenido no da Mensagem) ou orga. Isto sem esquecermos a estafada utilizagio do passo “Minha lo Livro do Desasssgo de Bernardo Soares (mas téglas de citagdo como as que lcaram so propria do dia ” ‘0 CONHECIMERTO DA LITERATORA este modo, a literatura, em particular quando associada & participa, por uma espécie de relagio meto- ‘foto de contiguidade, numa dinamica institucional tes de mais, 20 sistema de ensino em que ela se pedagogicos € ideoldgicos que esse porta consigo. Esta questio relaciona-se, rectamente envolvida na fimensio sociocultural do fendmeno literdrio (”): ‘do do cénone, conceito que, por agora, defi- os genéricos utlizados por Carey Kaplan ¢ Ellen ‘elenco de autores € obras inclufdos em cursos presentam 0 n0sso forga norman 10s reveladores de opin rosin maid de palabra autor Soest dela nts, aed, Tas (Pc pp. 40 UC B14 Ros, The Can ante ConsonRe, noe (enneste Pres, 1990, p. XVI aparece en. convincente” 989, p. 158). the var 38 aa perRODUCAD AOS ESTUDOS LITERARIOS imagindrio cultural que alimentam; ¢ & possivel rastrear também, na filosofla e nas grandes opgdes que presidem ao ensino lores, mitos ¢ também fantasmas que remetem de novo para uma peculiar identidade cul fendmeno liter’ pritica institucionalizada ( Como quer que 5 dissociar 0 cardcter pedagégico-instituciona pura (também quando a sua ica se autonomiza em relagio 4 da lingua) de uma sua postulacio como corpo cultural canonizado. Por isso, Frank Kermode escreveu que “quer pensemos em cénones como sus- ceptiveis de objecgao porque formados ao acaso ou para servir uns juer suponhamos que 05 contetidos 8, Kenwone, His zea do valor pedagogico Nawoxanv eR. RO on Literary Play, Scholarly Choice, and Pop John Benjamins, 1991, especialmente pp. 29~ ‘srenmertireomsbrntr-tisrveametintettrepantetenmenht Hrmam tenet “Berth ntanhtronentioneaabinhinntd id fncentttdeutendttonns}ihinaesbitteess Le sean iin EE] ill CO CONHECIMENTO DA LITERATURA per 00CKO AOS ESTUDOS LITERARIOS sugere desde ji a necessidade de uma andlise 43 dimensio COrientamo-nos, deste modo, para 0 reconhecimento, em sovisculgural da Kteratura , Plerre Bourdieu observa que “0 wversos autores € €pocas, de interpretagées daquela possibilidade ¢ uma fungio de de intervencio, distribuidas por um amplo leque de matizes Quando Camées elogia, no canto VII d’Os Lasiadas, 0 expfrito de vamente através do efeito de dissimulagao, o arbitrari ‘quzada, enuncia um discurso que, sob a aparéncia de uma inter- formacio social apresenta pelo mero facto de existr e, de rogacdo, encerra uma proposta Ge acgdo: o estimulo 3 unio dos 20 reproduzit, pela delimitagio do que Cristios, favorecendo a defesa da Cristandade ¢ a conquista da merece set ttansmitido e adquirido e do que ndo merece, # ‘Teera Santa: jtimas e, 20 mesmo disingio entre as obras (0 miseros Crstios, pola ventura re maneira le Sois os dentes, de Cadmo desparades, . ‘Que uns aos outros se dio 4 morte dura, Sendo todos de um ventre produztdos? io vedes a divina Sey tema de ensino cumpre inevitavel 2. A dimensio sociocultural da literatura Noutras épocas, a defesa de un edade assume dimensdes ainda mais, durante 0 Re cerdvia virada para \cadas, do ponto de so, colocando-se numa posigio definida em fingdo de eritérios socials disso € até, de um ponto de vista h fincia apontavam no sentido da modificagio| weza através da literatura; e em épocas mais proximas de nés ~ particularmente entre os anos 30 pmo algo que so se que © poeta pudesse prestar 4 itante ¢ emocionalmente legitimnava comunidade: em vez de u desmesurada, 0 que a doutr ctiagio poética que estimule os S assim se postulando uma tcoria artstica de teor finalistico © socialmente motivada (’*) + modelo no que toca administacio © a je a regular toda a nossa vida, deves melhores pessoas que & pr 2 cidade hinos aos deuses e encémios aos va fe nots de M. H, da Rocus Pannna; 4 ed, 1983, p. 475). Cant, Os Lisodas, VT, 9: Ie Jpoa, ICALP/Min, da Educacio, 198. p. lo, Pers: Puaae Bovapicu, A economia das woces smbéliss, Si0 "As Lis © também no livro X da Repiblioa que € raads, "Por conseguinte, 6 Gliucon, quando encon- 1g Homero, a dizerem que esse poeta foo educador da doutring se encontra separ gepepana-rmtetunedenot boweshid| ‘cONEECIMENTO DA LITERATURA rnoDUGAO AOS ESTUDOS LITERARIOS ra marxistas presenga cultural marxista (a época do @ 06 anos 50 deste 0 ros de revolugio social € tstalinismo e do advento da IV Repabl associam as praticas Li econdmica, fazendo ent ‘motivaram pt juerra, da vigéncia do francesa), 0 texto de fatura um instrumento de Sartre defende teses © propde comportamentos que fortemente s literdrias empenhadas: trata-se, de un na auilise de alguns exemplos veal, de entender o escritor como intelectual militante, detentor Detehamo-sos beeen ee tea ie curin) fe uma palivra ~ que € a palavra lterdria -, por a ae Ht igo scendete do clero, na sociedade transparente, no sentido em que & caper de iraduzir€ he séeulo XIX, sobre a mulher afectada por uma representar situagGes socials que importa denuncia por iss0, espanhola do século in eniamente religiosa; isto num cendrio sartre afirma que "a fiungio do escritor € proceder de modo que \agio romanesca e doe! eae cmaplo (que € © ieratura europela), em que 08 ninguém possa ignorar o mund s, pelo menos a dois n aque foge & seca; assim sendo, as responsivel, abarcando nessa as personagens degradadas que as na sociedade sda ssa interven chegar-se 20 inguagem € mais propriamente de modo: ior comprometido adopta! adequado a uma acy ). Por isso, ac ‘comprometida com 2 soc i 2 sentido genérico, observar que, no plano hi yrmalmente predominante nio apenas & pi rosa narrativa A Hance (cf. Sur Nouvelle Critique Trata-se do mals Expanhola (@ de um dos mats a paixio de um padre, Don erin dt Ps, or rado, num cenirio 5% (2) Joos Pave Sanne, Qu’et-ce qu p. 31, Oensaio de Sartre fot de 2 epmememenemvesnineenneesieeeminietennbsrbiatinnaiesdiiiiantiatmbsesdunedice atasannisunscinesinatinsteee nem alhear-se del faram por a nu as contradigBes: moras Uma afirmagio deste upo implica consequé: i is: de um ponto de vista ideolégico r-se-i como ssponsabilidade se insere € procurando envolver \do-se ao extremo esta orientacdo, poderia de apenas se reconhecer leg 1e € aquela em que se entende ser possivel ratura um eficaz instrumento de representacio do real; ico, recorre de forma 1as_mais especificamente 4 Iicado entre 08 ‘0 cowtiscnsnar0 Da LITERATURA A predlecsio de Sarue pela prosa como instrumento de compro io nio deixa de ter alguma justificagio. De certa forma, €88justficagao conexiona-se com a valorizagio das potencilidades Pragmiticas da prosa e com a sua adequacio 20 cyerddio de Fongées injuntivas e persuasivas (“). Por um lado, essa poten salidades sio confirmadas pela utilizagao da prosa comunicativas quotidianas néo literdrias 3s, Teatérios, noticias, a propria comunicagio interindi- ), dominadas por um primordial propésito de funciona- fe ¢ ficicia; por outro lado, de um ponto de vista socto- mente dotada para € marcas da Su insergio social: “Para el artis ‘a chamada literatura de massas pre recido precio como Cesc DURES": © acresce saris enaram descobnir e explicar as novas forgas opostas 20 des ricwato do hemem. forgas que de incio nfo admitiam wma abordagem lirica (i Acorn, Dees do reais, Porto, Razio Acual, 1971, p. 81) « IvTRODUGAO AOS FSTUDOS LITERARIOS revela precisamente, en primer lugar, esa variedad social rilingiie de sus nombres, definiciones y valoraciones” (*). Sem prejuizo do que fica escrito, importa acrescentar 0 seguinte: a posicéc defendida por Sartre constitui a acentuacio, num cenério ideol6gico-cultural particular, de uma concepgio da sratura que néo é nova, conforme sugeriram os exemplos teriormente evocados. © que aqui a distingue € sobretudo 0 tom polémico com que ela é assumida, claramente manifestado na especifica atitude perfilhada em relagao a poesia; uma vez que a reduz 4 condigio de linguagem-objecto (de certa forma na esteira do que foi, na poesia europeia de finais do século XIX, a 7)), Jean-Paul Sartre nio io, através de uma eventual orientagio pedagigico: cial da poesia que, contudo, a, 2 poesia torna-se prosaca € ele perdeu o desafio’ (0) M. Barn, Teoria y também em B. Suki, Sartre Un philesophe, critique litrie, verstaires, 1971, sobretudo pp. 69 ss ‘© CONHECTMENTO DA LITERATURA sficado/discurso em pros. também notar que, se aceitissemos jana de compromisso, estariamos a formas, Por outto lado, com 2 raficaizagio da concepcio sar yecusand & palavra poética 2 sua condigao de sign: Toquecet que 3 poesa lirica também pode trazer & evidéncia um ceo envolvimento do poets nos problemas sociais e ideolégicos tempo: poetas tao diversos como Sé de Miranda, Cesirio jo disso. mesmo que a poesia que assume de forma arrisca-se a icamente pouco durav ica € capar de ct mas também vasta gama que ceder 20 © poeta no cancela necessa- yara com 08 4) este notivel soneto de Carlos de o rodeiam, E nesse ido que merece at a fcwam-me de migoa e desalenco, ‘camo se toda a pena dos meus verses no forse carne vosta, homens dispersos, exmuha dor 3 tua, pen nemoDUCKO AOS BTUDCS LTERARIOS seja a tiseza 0 vinbo da vingance ‘A minka vor de morte € a vor da lua le uma problematizagio dos valores a artistica (). E no contexto histérico em nte se desenrola, esses valores surgem como no dizer de Peter Kemp, que justamente analisa o problema tendo em atengio os namentos dessa inderrogivel historicidade: “O homem capaz de se comprometer e de instituir uma continuidade na mudanga porque pode ligarse a uma causa que trard bem-estar, nerentes a toda ap que ela necessari ‘condigbes reguladoras do compromiss (Os equivocos que afectam of di prometides foram argutamente deaunciados por Barthes, num cexco ainda merecedor de atencio, pelos termos em q expressamente € entender: que o escrit que ele assuma mats ou menos sua obs, sabulidade consiste em aceitar a sobre 2 Terra Prometida do real (& plo)" (Esaiseitigus, Pars, Ed. du Seu! da eras) da ques and Engg, Fouuss, ‘© CONHECIMETO Ds LITERATUR nTRODUCAO AOS ESTUDOS LTRARIOS verdae, tondade ou belez 20 mundo [..}. Os valores condl- opria linguagem, a convic¢io i P Sonam, pos, execuio da airmacio originarfa, como a histo prptade de os resolver do interio cidade condiciona o desejo de uma tal afirmas Deste modo, a definigdo da literatura como acto cultural que icages nem finalidades fora de si proprio pode ser que a formulagio de juizos de ino busca just jrio tome como referéncia obri- gntendida como uma reac¢do contra a tendéncia para afirmar a {cor do compromisso literario por ele relevincia de tais justificagdes e finalidades. Certamente por isso, eve pido, Por outras palavras: a constituigio do Geterminados momentos da histéria da literatura — designa ‘ampoliterdri ea inegraio nele das obras terdrias (@ mesh0 damente na segunda metade do século XIX, bem como 0 desen- fp apeigio da boa e da mi Hieratura) no dependem yolvimento de movimentos de indole modernista ~ foram parti- ve de wrllgio do compromisso literario, sob o signo de ularmente propicios a afirmagio da autonomia do fenémeno io de ordem politica, social, moral ou ririo, relativamente a solicitagbes de ordem social, Num con- de aburguesamento da arte, de acentuagao da sua utiidade ta como Luc social ¢ de exploracio do seu valor comercial, a literatura radi- se pueda juzgar el caliza mesmo essa autonom .do-se entio dos principios bre de clertas e valores da arte pela arte [Assim se recupera uma orientagio de facto ec) ¢ retomada por escritores como Théophile chamado nouveau roman), Alain Robbe-Grillet de _ “le compromisso para o plano da propria linguagem literaria © acima) de critérios de utilidade ex: 4 propria arte, O tema’ "Em vee de ser de natureza politica, © compromisso ¢. Pamasianismo, pelos termos em que contrapés a superioridade da rao exitor, a plen consciéncia dos problemas actuals da sua Itesatura que por si mesma se justifica (contra aquela, de teor realista e a ser socialme como ui ‘iuil), afirma-se "kon, Thi dlgagement— 1 Pahéaque de "nggemet, Pais, Ea autonomia do fendmeno literirio; e o célebre preficio de Made- pie oie de Maypin define-se como o texto em que programa- gear, “Crain itera, visibm el mundo y vida st programs: el), cay marta, 2 ed, México, Bra, 1975, Gur mesmo Laks (oo pensamento Colman “trees tenn, nfo taro, moderar 08 excesos de ma «ese enuncia essa concepgdo anti-burguesa, a teratura: depois de afirmar que botas sem costura; um soneto, uma seringa de (©) A Rowe Guuzr, Four un nove oman, Paris, Les ations de Minuit, 1975, p39 a ° sssaanetemmantianmenevenuesenanyensbinuemnasrtedenuaintedemnae oguntannteseaiiumunsiaintomadeas som ‘9 costEcIMENTO DA LTERATURA Jno de ferro”, Gautier um drama nao é um camin! todo 0 texto: mesmo tom pokémico que atravess@ jacto cont acrescenta, com a telagio de tod a busca de auto-conhe' culto de temas ¢ formas de indole esteticista (como cura que & tributiria dos valores: dz deixaré. que os Oat o de exibir a su talhante Lisboa, Lumen, reios, a imprensa iacidade” (preficlo de Oarists, Obris val, p29) 0 erm onUCKO AOS RSTUDOS ITERARIOS ccio por cenirios e situagbes idealizados (no taro Titeratura de massas(")), revelam-se formas artfidais de cultivar no leitor uma outra identidade, gesligando-o dos que sao 0s seus ‘efectivos problemas. A literatura Teclama de uma vocagio sociocultural desalienante +a missio de trazer o homem (o escritor, antes Be mals, e, em segunda instincia, 0 leitor a quem ele apela) de ora a0 conhecimento da realidade ideologica e socal que & sua, Tuperando as contradigdes que o afectam. Por isso os periodos € generos Bterdrios de propensio critica reformista ow mesmo .cionaria (0 romance realista € m: romance neo- tc.) colocam-se, em principio, numa posicio socio | declaradamente anti-alienante {© que fica dito refere-se a uma concepgio por assimn dizer concelto de alienagio. Essa concepcio tende a superar de certa forma mais exigente; ¢ a partir dela que firma que “o real humano néo pode ser tratado 4s regras da epistemologia logica, jancia da histéria e da sociedade. Neste arte), a prediles Emengentes na chamada que se poderi, entio, cabe restrita uma ou Alberto Ferreira pelo imaginario desobedi da indugio cientifica e da sas praticas shea, Moraes Fd., 1970; Comme poursrs); Andis, Quaderns de camunicai i culture, fa de comunicaco de masts); US. Eco. Apoclipias rerspectva, S/d; id, O super-hamem das mess nagdo, contraposta 40 principio do com- ida de Forma especialmente critica por um dows (ef, sp, nota 40), nas origens do Realsmo soc tses plekhanovianas, urn dos mentOres 1939, a separacio dos problemas da prom rador como Plekhanov sta esta separagio com aparéncias a ¢ a prova cabal da impo encderer a realidade (koonio Sovuss “A calrore © a vids ©. Ras (od), Texas teres do Neve liso pot s. He (0 CONTRERMENTO DA LITERATURA grave e tinico sentido toda a arte pode deve ser considerada como aiena- dom”, Mas se, por outro lado, se entender que o real “se apresenta ado, desconhecido, estranho € espesso de véus de entio pode, sem diivida, aceitar- jura seja entendida “como desalienadora desde que do do -se que a Ii ‘sta se proponha formar uma representagio do ern” (*) 2A. Como quer que seja, qualquer reflexio sobre a ral da literatura deverd atentar em diversos WF, no que toca 3 responsabilidade na ¢ aos deveres que 0 configura « ralmente que nos referimos aq} ainda o decorrente das rizaram a passage do século XVIII para o XIX) em que a liber- dade de expressio © 0 direito de propriedade (incluindo a dautoral) assumem um destaque considerivel. Noutros termos: se e de censura ¢ a gue 0 r nio podia ignorar, n Balzac, ele dispunha jf, € de uma latitude e de um poder de ntervengio social bem diversos. ‘A primeira questio que aqui cabe analisar ¢ a da autoria. © nome do autor ¢ 2 sua inscrigio em locals proprios (capa, frontispicio) cumprem uma funcio de identificacéo formal (”), ‘mas nao dizem tudo acerca da complexidade do estatuto autoral: de facto, desde que, na literatura europeia do fim do século XIX, s¢ dew a jf aqui mencionada revolugio da linguagem poética (com consequente valorizagio da escrita, como acto estruturador do is que caracte- CE, AusERTO Fema, artigo “Al J, Jost Cocnorm. (ed). pTRODUCAO AOS ESTUDOS LTERABIOS 0), a situasio do autor teve que ser reequacionada. E posstvel tno flar em eclipse do autor © mesmo em morte do autor, expresses que exactamente tendem a de ° poramente cxpressiva e biografista da es ‘Na decorréncia desse processo, Michel Foucault péde repen- sar o conceito de autor, entidade em quem, reconhecendo sem- pre a vinculagdo a uma instincia de poder, procurou desvanecer a condicéo de entidade estivel e imutavel: para Foucault, o autor @ um construto social, em quem se reconhecem certas fungdes, ts producer, but rather by a series of specific and i does not refer purely and simply to a ously (0 several be occupied by pessoa concreta do escritor —que se nos afigura mais relevant, no presente contexto. A autori lar-se da pessoa palpivel do escritor, que, por as irecgio a um extratexto [..} O que The eu vida, mas sim o que ele d Greiseh nota: "A obra de Gadamer ( rpides a questio do autor, Este deixa um va i fragmentagio do texto. O que garante a unidade de um (Hermeneutiqu et grammateloge, Paris, Ed. du CNRS. ef também Davo Suss, The Search of Semiotics, Sydney, Croom Helm, 1986, pp. 74 ss. )) M. Foueaunr, "What Is an Author?", in Josue V. Hataai (ed.), Textual ca, Cornell Univ. Press, 3 Convém notar, no entanto, que este € um fenbmeno relati- recente; cle nio deve levar-nos a esquecer que, com frequencia, o escritor enftentou ¢ enfrenta obsticulos por vezes consideriveis, em boa parte capazes de coarctar a sua liberdade jtada por censuras de ordem moral ¢ ideologica. lores, em todas as €pocas, insurgiram-se contra essas Impedir adultos de pensar de uma forma madura judica incomparavelmente mais a sociedade a uma crianga que pense acerca 1us Huxley; e John Steinbeck: lar pessoas, pode mergulhar em jas quando se expressiva, Grandes escr 'B. Downs (ed), The Fst Freedom; Liberty and sn Library Association, 196 the Cour, Westport, ci), They Shoot Wt poimentos de esritores);Cesur y Ierauras peninsulas, Amsterdam, Rodapl, 1987; SC. Jase, Conerhip aot tht Binds Power and Koowldge, New York, Oxford Univ. Press, 19 soar Gran, The Encyclopedia of Cesoship, New York, Facts on Fe, 19 Inquiry 17, 3, 1981 (8. genérco: Art and Ceri) Defending tntletwal 80; Groat Faber and Faber, itr DUGAO AOS STUDOS LITERARIOS ceria notoriedade, também ¢ verdade que a componente forte- ‘mente religiosa e clerical desse tempo cultural foi responsavel pela vigincia de apertados mecanismos de censura; eram esses ecanismos que, dependendo do poder religioso, do poder politico ou de ambos articuladamente, fiscaizavam a ortodoxia das priticas culturais, incluindo, naturalmente, as préticas lite- rarias. Para mais, os séculos XV ¢ XVI comheceram profundas (por vyezes conflituosas) translagdes ideolégicas, em boa parte estimuladas pela recém-inventada imprensa, que obviamente ace- oF isso, que encontremos escritores importantes es dos mencionados 4 de censura foram visados pelo zelo censério da s— que, se tanto tivesse vivido, teria to a edigio de 1584 d’Os Lusiadas desfigurada pela censura ~ ncia (corrente, allis, em muitos de certos assuntos que convinha ar um Outro processo 1988, pp. 19-30. [Na essincia 119 do canto X, Camdes referiu-se 20s misstonirios do lente estes termos visivelmente criticos vsurpais/De mandados de Deus, cestals/Sem irdes a prégar Santa logo depois, acrescenia: “Mas passo perigoss” (X. 120: of Os Lusiadss, ed. cit, pp. 276-277). A estudos Mossinaa, Repro meat do A, 1972; Geaca A. ‘OCONHECRIENTO DA LITERATUR, censério, certamente mais insidioso, que € 0 da auto-censura cxercida pelo escritor sobre a sua propria escrita que em vérias épocas 0 aft ; compelido a procurar a protecgio do poder; essa prorecgio ‘emvolvia também, com frequéncia, uma componente econémica, antes do tempo em que foi efectivo 0 reconhecimento da electual e das suas consequent rmodo geral, em mecenatismo fem que uma personalidade com de: fo: per conservare un jori, deve promuovere un farbos & Xavier, 1982; R. Rego, Os indices expaytéies ¢ a celtuwe portuguese, Lisboa, CALP/MEC., 1982; A, Monana ne 8, indices dos tivo preibids em Portugal nosis XVT, Lisboo, LNI.C,, 1983; L. Cannan, O testo ea censra er Portugal no lo XVII, Lisbos, Imp. Nacional-Casa da Moeda, 1988, ") A expressio mecenatismo provém do nome proprio Caius Mzece ruecenitiea; ¢ 0 proprio Estado freqn fang, etimolando-2 através de beneficics de ordem fiscal. smente confirma a importincia dessa st SS ome ane NeamOenLIneeDNA Ne Heenan hehe teen nenuens eur citemernntomecunetinmene ITRODUGAO AS ESTUDOS UTERARIOS principio, uma relagdo fundada na generosidade e na liberdade, sem impor obrigagdes explicitas a0 escritor, a verdade é que nem sempre assim acontece; com efeito, nio é raro abservar-se que, de ‘uma forma ou outra, o mecenas recolhe uma cerca notoriedade, quando nio mesmo outros beneficios, a partir dessa sua atitude protectora, A situagio de Gil Vicente é, de novo, a este propésito, muito eressante: escrevendo e representando virias das suas obras na conte dos Manuel Ie D, Jodo Ill, Gil Vicente desempenhou uma espécie de equilibrio. instavel, muitas vezes culivado por eseritores em situagdo seme- a que devia alguma Yor outro lado, exerceu com o seu teatro uma actividade critica (de costumes, de mentalidades, de tipos sociais), tanto quanto possivel com o peso e a medida necessérios para nio centrat rece: € 0 C480, por ex f@ ao Duque de Bi we hace Vuestra Excel 34 n'Os Lusiadas, a dedicatoria a D. Sebastiio (canto I, 6-18) trata de implicar na narrativa esse que se entende ser o herdeiro de figuras ¢ eventos épicos. Castelo Branco, na dedicatéria do Amor de Perdigéo (escrito, note-se, quando o escri Parece consciente de que, no seu tempo, uma um pt homenagem a ico destacado (Fontes Pereira de Melo) M. br Coates, Et ingsiow hidalgo Don Quijote dele Mancha, Made, 968, p. 176 9 = (OCONHECIMENTO DA LITERATUR o que explica a referéncia a razdes puramente culturais jes dese seu gesto ‘Com o evoluir das sociedades e com a re que mks ocupa & Hteratur, também © €s Sew, podendo dizerse que modernamente ela gera direitos Jere especificos. Antes de mais, o direito de propriedade jé wamente recente, consagrada em me onjugacio com outros. di sequina da Revolgio Francesa”). Em fangio desse dieito, 2 ivoria de uma obra literdria passa a conférir a0 escritor = eu labor em Portugal, a Sociedade fa vigincia do direito de de 51219, respectvamente; ALDONDRE HEK more fria e da recente convengio com Franga’’ ii Prsenea, 1982, pp. 227-263); no seu liveo i a odigus Lopes su tos de autor, como dor qe, juntamente com a sNeRODUCAO AOS ESTUDOS LITERARIOS obrigatoriamente que o escritor, por auferir essa remuneragio, nio ‘enfrente dificuldades e limitagdes de outra ordem: se € certo que as regalias econ6micas podem assegurar uma certa independéncia, também € certo que essa independéncia muitas vezes € corroida pela insinuacio de interesses © de poderes diffceis de tornear. Conforme observa Pierre Bourdieu, “a ruptura dos vinculos de dependéncia em rela¢io a um patrio ou a um mecenas e, de um modo geral, em relacio as encomendas directas [..], propicia 20 eseritor e ao artista uma liberdade que logo se Ihes revela formal, sendo apenas a condigao de sua submissio as leis do mercado de bens simbélicos, vale dizer, a ura demanda que, feita sempre com atraso em surge através dos indices de venda e das as ou difusas, dos detentores dos instrumentos de ras, diretores de teatro, marchands de quadros” (”). odernamente, a ocorréncia do pligio nie envolve apenas componentes de ordem estética, como quando Rodrigues Lobo glosava a cantiga de Camées “Descalca vai para a ‘ou quando Quevedo imitava outro texto camoniano, 0 so em hteratar, ed. ct. p. 124) . Bounoie, A ecnomia das toca simblias, ed cit, pp. 103-104. Que cos escrtares nem sempre encsram de forma pacifica a componente econémnica \dade, & 0 que revelam estas palavras de Emesto Sibato: “Se ganha fo coma nossa obra, esté ber, Mas escrever yar ganbar di uuma abominagio 0. pagacse com 0 abominével pri assim se engendr2 Y sus fntasmes, Barcelona, Seix Barra, 1979, 1.98), Sobre a sitagao eco veja-se Femanno Gutoes, O *) Sobre 2 questio do re des plagas, Pais, A. Fayard, 1922; ALEXANDER LINDE, New York, Harper, 1952; Mican, Scunioen, Volurs de “ ‘-CONIECINENTO DA LETERATURA grou nos eseritores a responsabilidade de uma clara indi- vidualizagdo da sua criagio Iter pressio consagrada por Harold Bloom, uma ansiedade da influéncia, Isso nio impede, como é dbvio, que, num outro contexto de reflexio a que mais tarde chegaremos, se reconheca a legitimidade ‘cas literarias intertextuais, Diferentemente desse reconhe- Cimento, a acusagio de plagio arrasta, explicita ou imy ‘umente, um juizo sobre a intengio fraudulenta do escri mente, etc.) 0 labor artistico res tiveram que se defender de secu com Fya de acusou de, n'O La Faute de a {oDUCKO AOS ISTUDOS LITERAROS 2.6. Curiosamente, 2 identificagio da autoria € a instituigio ga autoridade nem sempre decorrem em linha directa do nome do autor. Referimo-nos aqui 4 possibilidade de o escritor far um nome literirio, ou seja, o nome falso que o pseu- dénim« aconteceu € acontece assim, em Portugal, com into Elisio, Jilio Dinis, José Régio, Jodo Falco, Miguel Torga, ‘AntGnio Gedeio, Fugénio de Andrade ou Bernardo Santareno, ‘nomes literirios de personalidades que, na sua vida quotidiana e profissional, usaram ou usam 0 que é o seu nome de registo civil. ‘Os motivos de utilizagio de um pseudénimo (e os exemplos apontados sio escassos relativamente a efectiva dimensio de um sno que pode considerar-se bastante corrente(”)) sio 30 arcidica (como no caso de acontecia com 0 $s ignor TTorga inscreve no seu pseudk cendrio transmonta ua a sua relagao iberista com Miguel 1 pseudénimos: ¢, por exer \dnumes; compilado por Manis TERS VIOWGL, Lisboa, Imp. Nacional foeda, 1980; P. P, ROGERS ¢ F. A. Larue, Diccionario de sedonimas -y, 1982; ainda ALvaro Neves, "Pseudénimos. Achegas para um dicionério de pseudénimos de eseritores edtados em Portugal”, in Boltim do Biblotce ds Uniteside de Coimbra, vo. XV, 1962, pp. 395-409. Sobre a pseudoniaa vea-se a obra fundamental de MAURICE LAUCAA, la penis du pewlonyne, Pars, PU. 1986; idem, "Autobiographies d'un ecudonyme", in az (ed), lugs de Vein, Pas, LURR, Sciences des textes ct Documents", 1989; ¢ ainda, conjuntamente com de ocultagi da identidade auroral, Mao Nomaca, face da eutoria (lo encima eo nome ovaleza, Uni. a as Circunstincias ¢ ocorréncias da pseudoni que, contudo, arasa importantes consequencias s0cioc pelo menos a dois niveis: actividade especifica (que é a da criagac ral, o da autoria ¢ 0 da respon- ; num plano recepcional, porque © leitor nao ‘aro desconhece o nome civil do autor e até, nalguns casos, ignora ‘oponimo através do qual conhece esse autor ¢, fem que Adolfo Rocha (que rego. Chama-se Miguel Torga © temos a mesma riqueza. Mas ha dias reparin isa simples: para que aos vossos olhos um de nds surgisse mite o outro tinba de fazer de Judas. E ew toma-se dbvio que a pseudonimia & dara- ¢ aqui se nos revela & \cidindo &: que serve também como situasio paradigmitica, neste caso, € a de Fernando Pessoa que, enguanto orténimo, é um autor literdrio reconhecido como tal (@ com esse nome que assina a Mensagem), autor que, entretanto, ssubelece uma relaedo dialogica com outras individualidades literirias, os heterénimos, distintos dele pela acgio conjugada de, sant TOR A Tein Vr, Cosmin, s/e., 1934, Bp. 5-6. Cutie unit € 2 simag3o peeudonimics de ArvTén0 Geoako, nome literério que iu 0 do professor tamt ;mas de livros centificos) Rémulo de Caran, Diversa di : a pseu por razoes psicol6gicas) € a sopsio por Almeida Ga i prRODUCKO AOS TUDES LTERARIOS pelo menos, trés factores: a determinacio de um nome préprio {Ricardo Reis, Alvaro de Campos, Alberto Caeiro); a configurasio ge uma identidade aut6noma, no plano estético-cultural (com biografla atribuida, formagio, idelas préprias, etc); a enun- ciagio de um estilo especifico que, em titima instincia, permite Gistinguir um heterdnimo dos restantes e também do onténimo (") Note-se, portanto, que a heteronimia envolve componentes estético-culturais mais complexas do que a pseudonimia e tem ugar num tempo proprio ~ que é 0 da passagem do século XIX para o século XX--, tempo propicio a questionagio da unidade do das fronteiras da identidade; 0 que torna desajustada uma a a, por exemnplo, a nas cantigas de amigo medievai especifico contexto que 0 5 E, portanto, naquele = sobretudo 0 poeta ~ se acha por vezes dividido em personalidades auténomas, que entre si estabelecem ¢los de didlogo, com forte implicagio, num tal didlogo, de uma concepcio e de uma pritica pluridiscursivas da arta sobre a génese dos heterdnimos, a Adolfo Casais Monteiro, Tarmbém em 10s textos ~ sobretudo nos que resultaram da preparagio da poesia ‘para publicagio em livre ~ Pessoa deixou IndicagSes muito da esséncia da heteronimia: cf Pigines intimas ¢ de auto- jentagio de J. 00 Paano Como e G. RUDOU LIND; CO CoNtIECMSETO DA UETERATURA ampo ficcional, a uma linguagem, extensiva_ mesmo, elaboracio polifénica do romance ( (0 fendmeno nao é, pois, exclusivo de Pessoa (que Ihe deu, no enlanto, reconhecidamente, uma dimensio e uma prof didade Ginicas) e 08 seus limites nem sempre sio claros: na relagéo FerFradique Mendes, no teatro e na novelistica de Pirandello, na poesia de Evra Pound, na constituicio por Antonio Machado de “poetas complementares” € também na atribuigio a Bernardo do estamto de semi-heterénimo, observamos tentativas, ‘images € estados intermédios que tornam a relagio 0 dialégico de fronteiras por ingio mio apenas © wtvas, desenvolvimentos e antecedent poticos e mesmo ficcionals veja-se: A. Cutchaano Cxawonso, “He kas: Fernando Pesso “lays”, in Homene 18, 1984, pp. 45-60; Joe. Seamko, O Horizonte, 1985; Baugue J. NoouEeas,“ dd ft. Pesioanos, 1985, pp. 447-485 € 459-475; ]. Paua & Carmo, 7. S. Blot, Femando Pessoa”, in Coloquo/Lets, 1987, pp. 26-37. “ erereenennemmrr reser tpaassaemsneneassnnsrenennmeeanmmsnmemnamnIE Emenee pernobiJCKO AOS BSTUDOS LITERARIOS 2.7. A configuragio da imagem do escritor, bem como a consolidacio sociocultural dessa sua imagem sio realidades que, fos n0ss05 dias, nio decorrem apenas da qualidade das obras publicadas. Por forga do que sio os mecanismos ¢ circutos de publicasio e difusio da literatura na sociedade actual, 0 escritor Envolve-se quase sempre num processo que conta, pelo menos, ‘com a interaccio de trés elementos: 0 escritor propriamente dito, responsivel estético por uma criagio literéria que deseja ver difundida € mesmo materialmente recompensada; 0 editor a {quem cabe produziro livro, em termos técnicos ¢ econdmicos, €, depois disso, assegurar a sua distribuicio ("); 0 piiblico, termo de chegada de uma dinimica de producdo cultural por ele em certa medida condicionado, em fungio das “respostas” que designadamente os indices de vendas que propicia e a consagragio, por diversas vias, da notoriedade do escritor(*). tases ob ro quadro de uma acividade que deixa agora pouca margem para o risco de ‘autores € géneros de aceitagio problemitica (autores jovens, poesia, rigaram 0 editor + 1: "Depois, numa manhi de Julho tomou-te a Bastlha. [..] Tudo se comecou a fazer por meio de vapor e de rodas dentadas =e para as grandes massas. Bsa co 10s, de um mecanismo tio delicado, chamada © indvituo, d far dele o homer de lerras viu diante de sia urba que se cama o piblico, que Ié alto e& pressano rumor das rus.” (Notas Contenpordnass, Lisboa, Livros do Brasil, s/d., pp. 97-98: v. inte, “Textos dourrindric o CO COMHECIMENTO DA LTERATURA sta breve descrigio no deve induair no erro de se pensar que a inserrdo socio ratura se limita aos elementos invocados. Com efeito, importa ter em conta que outros elementos € atiudes podem também condicionar a referida insereio sociocultural: por exemplo, a edigio de autor, encarada como forma de tomear a relevncia sociocultural do editor. Sendo sna adtvidade quase marginal, nio raro em inicio de carreira am de uma substan- de que facul- yramente movas; para além ago da escri soba foma de arquivo informatica, 4 ‘SemAEANOTERRROPTRENErTSrIO rt ONAN tNEPUPReTNNN EERO PH Wi sana ene nrmopucho 40s No momento em que se escreve isto, é ainda dificil antecipar 6s termos em que os modernos desenvolvimentos tecnol6gicos, viabilizando e wivializando a comunicagio interactiva, poderio interferir no trabalho do escritor e na sua difusSo, Mas sabe-se jé que, numa sociedade em que as possibilidades de circulagio da informagio sio um estimulo a internacionalizagdo dos bens culkurais, o escritor depende também de intermediérios, por vezes com amplitude transnacional; é assim que presentemente se torna muito dificil fazer divulgar © impor além-fonteiras uma deter- minada obra ou conjunto de obras sem se recorrer ao apoio de agentes literdrios. Resultando também de uma certa tendéncia ara a profissionalizagao do escritor (“E a 08 literérios, jornais tores, departamentos ios de literatura, etc., etc., viabilizam a publicagio e 0 reconhecimento rtuguest, 0 Estdo, anavs de diversos apoios fem sempre de forma isenta de controvérsia), pode ser levado a empenhar uma fungio que em certa medida corresponde 4 do agente Ineréria convencionsl, ef. supra, Wreanto, no depoimento de Vergilio Ferreira, acerea nefasta aczio exercida por grupos de pressio sobre a opiniio publics ‘De um modo geral, ni tive grandes dificuldades em encontrar editor para os livos. O mesmo jé mio aconteccu para os impor ao piblico. Porque entra Fangdo 0 grupo’ ou a ‘capela’. Sio eles que manobram no Scio dos cafés arts 2 opiniio a aprovar sobre um livo, a inspiram a alguns eileos que ‘grupo’ tém mandato, exaltam hoje, por estatégia, uma obra (,~]e amanbl ‘o CONHECIMEATTO DA AFTERATURA Encontramo-nos, pois, no centro daquilo a que se pode chamar a definigao social da literatura; disso mesmo se ocupa tum sugesivo texto de Richard Ohmana, precisamente intitulado "The Social Definition of Literature”, texto decerto nio isento de gropésto polémico, Traa-se, pera Obmans, de sublinhar que, no {jusdro de uma dindmica contratualista do fenémeno literétio, 2 teatura depende fundamentalmente, no que respelta a validagio sociocultural que busca, de mecanismos de natureza social ¢ eco nomica; “em resumo", escreve Ohmann, “ com maitiscula, € um processo social”. E acrescen os processos socials, certos grupos’ participam jpam nada. O vo observar como a atencéo le peso social € jo0ks ou o New York Times Book Review), & que ver com uma complexa tela de publiagdes € as casas editoras (eventualmente pertencentes 20 ‘); entre estas e os autores das recensoes as fo: hum regime muito similar a0 da fexéncas, debates, etc.) da chamada garcta Lorca, Rafael Alberti, Gerardo Diego, Dimaso Alonso € out of Literature”, in P. HEW) vondon, Indiana Univ. Press, 19) peTnoDUCKO AOS ESTUDOS LITERARIOS certos autores e obras, e inspiram a seguinte conclusio: “Nio secessério aderir a teorias conspirativas para se ver, quase por toda 2 pare, no meio da edisio e da critica de livros, elos de amizade de interesse comum” ("') 2,8. Nio é alheia 4 questio que acabémos de analisar, uma outra, de dimensio histérica mais ampla: a questio do cinone. “Trata-se de um tema jd aqui aflorado, a propésito de aspectos ;nstitucionais do fenémeno literirio (designadamente ao nivel do nsino (”)), mas agora merecedor de atencéo mais demorada, por forca da sua relevan dos de interaceio a enquanto manifestagdo de peculiares mo- cultura CE supra, pp. 36-40. A questio do cénone, estudada ainda em Portugal, fei objecto de abordagem m “rganizado pelo Grupo de Estudos Anglo-Americanos da Faculdade de Letras de Coimbra, em Fevereiro de 199 Estdes-Anglo- Americanos, Coimbra, Liv, Minerva, 1994) (©) P Laser, Canons and Contexts, New York/Oxford, Oxford Univ. tress, 1991, p. IK. O temo ednone provém do grsgo “koa” (‘Wega ‘norma") ¢ remete primordialmente para 0 conjunto de priucipios doutri- f devidamente codificados, que fixa tultos politicos, e distinguinda-se assim da palavra dos profetas, que s¢ n ‘© CONHECIMENTO DA LTERATURA se a outros dominios da consciéncia cultural juma rede textual relativamente heterogénea 40 falarmos, pois, no canone de uma determinada literatura, favolvemos nele nio apenas um conjunto de autores ¢ obras as canénicas, mas também outras obras (filoséficas, ‘oriogrificas, religiosas, pedagOgicas, ensafsticas, etc.) que com ‘quelis de alguma forma se relacionam: é assim que aquilo que podereros rério portugués engloba ator e do tas de Era, 0 ete, Assim se ica ou programad, as obra ¢ autores que corresponder uma ide mi Permanéncia, ao longo de um tempo historico alargado, de obras ¢ Gutores que fundam nessa permanéncia a sua autoridade vectamente derivada de Deus (cf. Gets 1. Burs, "Canon and the Hebrew Seripeures”, in Rosser Vow Hause (ed,), Cans Univ. of Chicago Press, 1984, pp. 65-83). © conceito de eissico e 2 natures efangies da antologia foram T.. Euor, ex On Pots and Petry. New York, Farrar, Stas and Cutis, 1957, pp. 35-40 © 52-74; of umbém: F Kmosooe, The Clas, Joule, Faber & Faber, 1975; J. ScHtaNcaR, “Quel Age ont les casiques?” alge, 88, 1991, pp, 487-497 n |NTRODUGHO AOS STUDS UTERARIOS também ideolégica, que leva a reter no cinone aquelas obras € autores que se entende serem reprodutoras de uma certa (¢ algo estivel) ordem social e cultural, que se deseja insiuada no sistema de ensino, Assim se tende a estabilizar uma doxa c designadamente pela subsisténcia de um gosto truido a partir dos valores que emanam do cinone. Sio esses, valores que, por sua vez, podendo remeter para uma determinada identidade colectiva (°*) (que naturalmente é susceptivel de sublinhando a cumplicidade entre canone ¢ poder, Frank Kermode nota que. desde que certas obras s« as afectam. Pr pletamente encerradas no seu tempo, os seus textos sio conge- lados tanto quanto 0 podem fazer estudiosos reverentes, a sua linguagem torna-se cada vez mais remota. Segundo, slo paradoxalmente e por esse facto, libertadas do tempo” (””). Dagui decorrem duas consequéncias de sinal oposto: a valorizagio do dlissico e a subalternizagio do contemporineo, na constituicio do cinone, no cinone da Literatura lerculano ou Fea de Queirés tem que ver com 7 rio culeura, da Lingua como lugar de projecgio da Cultura Poruguesa, da Histria como instincia de aprofundamento da nossa idemtidede, do Renascimento © da Romantismo de afirmaci (0 CONHECMMENTO DA LTERATURA (Por Althusser) aparelhos ideolégicos de Estado, sobretudo os que directamente interferem no sistema de ensino: nas escolas, mas também em certos discursos politicos, na imprensa, etc. encontram.se representados, de uma forma que em principio se Pretende activa, as obras e autores que integram 0 cénone. De acordo com uma concepeio eminentemente formativa da leitura literdria em contexto esc dependéncia directa ou ii tes de tudo procura corroer ocidental candnica, 20s ores, as obras © até Ocupando lugar por natureza pre itario em relacao ao centro dominado pelo cinone, esses autores ¢ obras beneficiam agora de uma dinimica de valorizagio que naturalmente solicit um tido negative atribui He, entetanto, nem sempre ‘mas apenas comentadas, Fesumidis, esquematizadis, etc. O facto de, entretan’o, esas obras sobre: ca provavelmente que o que elas representam, brio, mat anes de nes pas, de nizadas, m ” pemnopUCKO AOS ESTUDOS LTERARIOS posicionamento axiolégico-literério maleivel; nesse sentido, Michael G. Cooke referiu-se nestes termos a uma tal mudanga de estatuto: “Se no estivermos a atacar ¢ a defender posigdes fixas, a margem e 0 centro vém a ser encarados como posigées em incessante e elaborada negociagao, ndo apenas ent 0s textos € os espiritos criticos mo campo da instrugio, mas uma negociagio também com tempo, a que um poeta roméntico chama destrutivo e preservador, e outros simultaneamente corrector, aformoseador e (0 que é importante) vingador” (”) Pode afirmar-se que a revalorizacdo em causa € directamente suscitada, entre outros, por dois fenémenos entre si relacionados: estudo de mensagens verbo-icénicas € audiovisuais (banda desenhada, cinema, video, miisica popular, etc.); em segundo 10 das possibilidades de acesso aos bens vasto processo de democratizagio do a crise de uma concepcdo elitista da cultura (a chamada alta cultura) Se nos paises europeus este processo deve muito ionais — visando sobretudo os respectivo: ensino ~ ocorridas na década de 60, numa sociedade como a americana as causas da contestagio do cinone séo, além da invocada, também outras, 0 que explica 0 cardcter muito vivo (°) Micnas. G. Coons, “Marginality: Stickball, Narcissus, and the Demand of Faith”, in V. NevOIANU € R, ROYAL (eds ty Ploy, Scholarly Choice, and Popular Pressures, ed. cit, p. 62; exemplo de uma posigio conservadk, elagio a esta questio & a assumida por Roger Shattuck: "Uma cultura dinimica precisa de um centro sélido. Depois de ” (© CONTIEEIMENTO DA LITIRATURA (€ de cera forma agresivo) do fenémeno. De facto, trata se de tuma sociedade em que 0s grupos tradicionalmente minoritarios, ‘os cultural, social ¢ ético ~ mulheres, homossexuais, lo a possibilidade negro: de contestar uma matriz culty : proveniéncia europeia, conquistando, com essa contestagfo, vm eectivo reconhecimento académico: dai a tentativa (em muitos tacos conseguida) de reconstrucio curricular, em torno da post: tiva postulagdo da diferenga, como atitude vilida, do ponto de {a ético, moral e também (por aquilo que nos interessa) Jo. Decorte daqui a importincia hoje assumida, parti- estudos fer ses (#8), a reconstrugio No caso dos studos smo na pos-modernidade”, 1988, pp. 93-106, Cf. também o ree ico Discursos feminine) TRoDUCKO AOS ssTUDOS LETERARIOS pacifico; fundado numa existéncia multissecular e gerando mecanismos de poder que resistem a mudanca e 3 perda de influéncia, o canone literdrio, ao ser subvertido, obriga a uma uta em varias frentes: “contra o esforgo reaccionirio para impor em tudo uma visio limitada as tradigdes ocidentais; contra a pritica do formalismo académico, que habitualmente evita essas aquestdes candnicas, porque ‘pedagogicas’; com o provincianismo daqueles que simplesmente substi n conjunto local ou individual de textos por um qualquer cinone; com o processo [...] que leva as reconstrugées a fortalecerem novos c&nones; € mesmo com episédicos aliados, quando o seu labor parece reforyar defi- centes do que & significativo e, desse modo, pode- Por outro lado, a questio do cénone tem que ver também, na sua condigio de factor de condicionamento, com a valoragio a que as obras literdrias sio sujeitas e com as mudancas que por vezes nessa valoracdo se observam, Exemplos muito sugestivos de mudangas desse tipo, obyiamente inspiradas por um reajust mento do canone, podem encontrar-se nas Literaturas Expanhola ¢ Portuguesa, relativamente a Géngora ¢ a Ferndo Mendes Pinto: reapreciado ¢ valorizado pela chamada Geragdo de 27, em confe- réncias de Lorca e em estudos de Démaso Alonso, 0 poeta de Las Soledades no canone literario espanhol; por sua vez, a Peregrinasdo de Ferndo Mendes Pinto ilustra uum aspecto importante da Cultura e da Literatura Portuguesa do século XVI ~ a componente anti-he ica © as experiéncias de rio portugués ¢ europen, lltura esqualificadora. (0 CONHECIMENTO DA LITERATURA 6 que se tornow por assim dizer mais aceitavel, desde que se superou uma visio épica ¢ triunfalista que, por raz6es natural mente ideolégicas, era colhida n’Os Lusiadas. 3. A obra literdria como cosmovisio e signo ideolégico 3.1. A referéncia que fizemos a Os Lusiadas, a Peregrinagio © & sua capacidade para ilustrarem certos aspectos do tempo histérico conduz-nos agora 2 um outro campo de trata de indagar a capacidade da literatura para visio e, em fungao dessa cosmo: no ep lole primordialmente estética (aspecto fundame téncia a desenvolver no préximo bricos, de ideias ou de fendmenos socia sido cometidos, em ps ra das incluindo neles, por exemplo, problemas autor. Nao se ignora, conforme ficou jé di socidlogos ¢ estudiosos da cultura e das mentalidades surpre: Jirias elementos de andlise muito impor rantes(' uma tendéncia frequentemente presente em trabalhos de matriz marxista, avalizada pel Marx e Engels atrib rérias como Teposi representativos; de acordo com uma tal perspectiva, Carlo Salin declara que “a arte que a [Hist lecte ~ € reflectindo-a introduz-se como elemento dessa dialéctica ~ no pode ser senio historica, estreitamente ligada ao momento e 3s condigdes em que Cf. supa, p. 21. TRODUGAO AOS STUDOS UTERARIOS ge”. E acrescenta: “A arte é determinada hic et nunc e tira a sua jidade € 0 seu valor universal do facto de ser uma realidade ar um momento Acrescente-se, insuprimivel da experiéncia humana” (' centretanto, que fais anilises no deverio nunca esquecer que os modos de representagio da obra literiria recorrem a proce- dimentos de ordem estético-literéria de natureza ficcional, metaforica, simbélica, etc., que inviabilizam uma leitura pura- tos representados. je forma necessariamente breve, os les, aperceber-nos. sses textos, desde logo ela surge orientada para (eririos: 0 problema dos im poesia © em prosa hi uma espécie que é toda de i [--] que & a tragédia e a comédia; outra de narragio pelo préprio poeta é nos ditirambos que pode encontrar-se de preferén ques: longamente es, 1985; Antu Davo, Le Uonsfiguration du banal. Une t ‘at, Paris, 1989; Groncr Lev (ed), Relism and Reremtaton. Escyson the Problem of Reals in Relation to Scene, Literature, end Culture, Madison, Univ. of Wisconsin Press, 1993 Co cose rsENTO DA UTERATURA _petROpUGAO AOS BSTUDOS UTERARIOS hugares conhecidos; tudo, no entanto, & al sujelto a condigio Freional de tum romance, mediador artistico que pode recorrer, ano muitas vezes acontece, a solugbes técnico-“literrias (pontos ‘procedimentos simbélicos ¢ imagfstcos, descrigio de figuras tipicas, etc.) que de certa forma desvanscem perfeigio tjeativa de que falava Aristteles a propésito da tragédla. O que eontece no romance de Clarin La Regenta é, neste aspecto, rnuito significativo: xe parece evidente que o expagorepresentado comes, ponde, no mundo tea, 3 cidade de Oviedo que o romancista tio perm conheceu, a representagso trata, contudo, de operar uma Cspécle de refiguragao ficcional, 2 comecar pelo nome da cidade, tno romance designada como Vetusta contra ainda constituida por ambas, que 56 Us! Dt composisio da “rc muitos outros géneros” (‘™). Por sua Yet # Poética gue “espécies da poesia ~ termo que qui deve ler-se uma acepeao que englaba 2 criagio itera, de wa odo geral -, em funcao da wtlizagéo da “forma narrativa’ var do recurso a“todas a5 pessoas imitadas, operando e agindo elas on mas”, como aconrece na representacso dramitica soe, entetanto, que, para além de uma PRET aife senga dbvia entre a andlise plaonica € 3 as slica ~ aquela consi- vrrdades de representacio, esta apenas duas “0 re ambas, neste contexto especialmente flexio um dito pode reforcar-se através de duas reflexes yma que se tagio pode existir de radical- vrente imitative € outra que considera a congénita inauten- icidade dos proced Mi eficientemente 56 q1 de valor, dramitica onadas fas a tragedia é superior ave os elementos da epopela (chega tea S627 “demals, © que nao pouco, 2 idade dos prazeres que ma represt os representatives, Declara F “ Bonati: “A representagio ou imagem funci & confundida com o seu objecto. A ao é uma entidade cuja eficiente actualidade, parado Fincide com o seu colapso. Quando uma representaga0 ela nfo € entendida como ‘Repare-se: 0 que aqui se €! uma concep¢io especular ou transparente da represemtaio; © Martinez Bonati sublinha & qui wrtgaio artistico mais perfeito, por assim dizer, dissolve as suas marcas representativas (@ sua vertente de representante), na oeréncla que € a da harmoniosa sintese artistca entre Fepre> Sentante e representado, De forma mais densa ¢ em termos mais Complexos ~ que sio os de uma abordagem fenomenologica da ‘osamente descritiva, de coisas € literatura, de que Martinez Bonati é também tribut warden chama a atencio para o facto de a representacio suscitar a tragedia resolve © que pode 4 toda a representagio tata de figura eornte. 4 presensa de umn ausente, ensencide fo: a cidade de Rouen de que fesse ausente representado, (OF Mannisez Bona, "Represent 13-14, 1989, p24 {., introd., comentitio € 1986, p. 147 in Disposition ¥. 30 LL CO CONHECIMENTO DA LITERATURA uma evidente inautenticidade, termo que, como parece Sbvio, nio deve ser aqui entendido numa acepcio pejorativa; 20 mesmo tempo € por outro lado, relaciona essa inautenticidade com a ulasio (poder-se-ia dizer com o cardcter Hidico ou ainda, em terms pesoanos, com o fingimento) proprio da representagio estética Naspalavras de Ingarden, “‘representar’ é, portant ‘dar ac algo, mas é radicalmente distinto de "a o objeco por meio das respectivas relagBes objectivas”; € logo 10 diferente do elemento repre- ‘um ‘dar a conhecer’ epresentante em que o apresentante & 40 mesmo tempo aa aos exemplos evacados: original Rouen ¢ Vetusta, rerte-se entio em autentici condicio de e tutlva ~com isso a que Ingarden chama © 3.2. Deste modo, a obra Ii mmodos de representagio sinuosos, no perde, por isso, a sus ligagio com a sociedade e com a Historia. De facto, vivendo num tempo € num espaco concretos, dialogando de com a cultura € com o imaginirio em que se 2d ‘sctitor representa uma cosmovisio que de certa forma traduz tata sua relacio com o seu tempo ¢ espago histéricos; uma relagao sas formas ') R. Incanoes, A obs de arte liter Lisboa, F.C, Gulbenkian, 1973, nmmoDusAa Ads STUDOS LTERARIOS que envolve uma reacgio emocional perante temas, valores ¢ solu- cBes expressivas. Escreve Carlos Bousofio que “por causa da cosmovisio, como resultado dela, umas coisas entusiasmam-nos, foutras entristecem-nos, desdenhamos algumas; se somos poetas, sentiremos predilecgao por certas visdes artisticas, por certos mé- dulos expressivos, par certas modalidades da sentimentalidade ou ") mundividéncia © nat pois, do ponto de vista do escritor, com uma certa forma de reagir perante 0 mundo, os seus problemas e contradigdes, desen- amente elaborada a esti- das pela sociedade, nea € anterior ao escritor. ficagio com temas e formas que iteririo ¢ sobretudo com um deter- minado sistema ideolégico, capaz a cosmovisio. Provindo da reflexio de Karl M: do conhecimento ¢ podend concepgio da linguagem da fem que ver, sa £ isso que se quando observam mos em que Mannheim se refere 20 conceito em apreco, em duas das suas obras fundamentals: [deo- logic e Utopia (1929) € Enssios sobre a siciologia do conkecimento portante texto "Sobre a 923). Na abordagem de Mannheim, a cosmovisio (Weltanschauung) surge designada através de expressdes gen global outlook ns, such os t ') Casuos Bousoso, Epoas paca comtempornea, Madrid, Gred CO conmuciaETo BA LITERATUR of an epoch” ('"). A partir daqui, explicita-se a que éa tarela iria na analise da Weltanschauung “To evalve concepts applicable (like a coordinate system) to every sphere of cultural act git possible to ask meaningful questions regarding art as well as philosophy as well as political ideology and so on’ Para além do significado metodolgico das palavras citadas (relacionado com o estudo da ideologia, questéo que aqui nao smporta sublinhar nelas o seguinte: a arte (¢ naturalmente a literatura) & indissocidvel de dominantes de sentido que, sendo comuns 2 outras areas solidez © coeréncia epocal as priticas artisticas do conceito de cosmovisio, de surpreende 0 se cada uma delas uma esper estruturagio dos elementos representados Peregrinagio de Feendo Mendes Pinto ser trib de viagens, de o Don Quijote de Cervantes d textualmente com as novelas de cavalaria ou de Ricardo Rels Cy Ch. Masauans, London New Sicclogy of Knowledge, 4° ed 1968, pp. 33, 38, 42,73, pasim. logy, Berlin/ New York, ‘coma lingua q postulada na concepeio Kansiana do inguaggio eps sociale, Lecce, vigorosa do conceito de vi wand, no campo da inguagem, encontra-se em FesxvocO Ros Jogis of Linguistic Rdatvty, The Hague/Paris, Mouton, 1973, - erdrias ~ * alorativa ~ tem que ver direct FeermoDUuCKO ADS ISTUDOS LTERARICS © perilhar a ode de matriz clissica como forma estruturante da sua poesia, constituem, em todos 0s casos, aspectos fundamentals da fosmovisio modelada por cada um dos autores citados. Por isso, jucien Goldmann sublinhou que a qualidade artistica das obras jo apuramento requer naturalmente uma atitude re com a coeréncia que, em qelagio ao set tempo e espaco histéricos, bem como 4 consciéncia colectiva dominante, & prdpria da visio do mundo, assim definida: "Sistema de pensamiento que, en determinadas condiciones, se impone a un grupo de hombres que se hallan en aniloga situacion econémica y social, es decir, que pertenecen a céiertas clases sociales” ("°) 3.3, Um aspecto rel sariamente uma tal representacdo explicita. De facto, de acordo 40 bakhtiniana de cronétopo (do grego cronos, tempo", € topos, “espago”), pode afirmar-se que a obra literdria entra em interacgio com os dentemente das re ssas que a esse tempo possam ser feitas. No dizer de Bal cronotopo det unidad antistica de la obra en sus relaciones con la realidad [.... En el arte y en -temporales som inseparables, y siempre matizadas desde el punto p. 284. O fundamental do pensamento oldman no quadro t0érico Jc, in Lucien Goldmann etl scolg de Bruxelles, 1975, pp. 5 (© CONHEECISENTO DA LTERATURA de visa emotivo-valorativo” ('"8). Ora essa relagio com a realidade &possiel porque, através do discurso em que se enuncia, a obra ia retém ecos e matizes difusos de outros discursos, do seu tempo e do passado, que nela se projectam. Torna-se necessério recorrermos aqui a uma outra nogio bakhtinizna, a de pluridiscursividade. Entendendo a linguagem 2 como um sistema aberto a implicagdes hist6rico- gicas muito diversificadas, Bakhtine destaca nela_uma seja, a possibilidade de activagio de de incidéncia ideoldgico-social, que €l presente y el pasado, entre las pisado, entre los diferentes grupos socio-ideolégicos del presente, apo (dela historia), pero en cen deinitiva, como un croton” a nogio de ideolo- ideologeme, in entering wath the i ethical of the author's artistic WN. Meovipev/M. M. ema surge numa obra assinada por Medvedev: “Thi ‘he artistic work, enter a tdeology, Its ethical is absorbed by the fl Pots, al Tuba Kristeva a ‘inary, Pars, £4. du Seuil, 1969, pp. 60 © 114: 6 pROOUCKO ADS STUBOS LTERARIOS entre corrientes, escuelas, circulos, etc.” (""), Por isso, a obta Iiteriria, sendo cronétopo e procedendo de uma pritica pluri- discursiva, & capaz de traduzir uma consciéncia ideolégico- “social variavelmente aguda, mas por natureza insusceptivel de ser rasurada, Em. determinados casos, a interao¢io literatura/Histéria formula-se de modo explicito. Referimo-nos aqui, naturalmente, iquelas obras cm que se concretiza a incorporagio de temas histOricos; € © que acontece com a epopeia, com o romance exgota, contudo, as possibilidades de representaga vel também em obras litersrias de diferentes ga, em Barranco de cegos de Alves ‘Aluda-se a este propdsito ¢ de forma breve, a0 que encontramos n'Os Matas de Bea de Queirds, Se o romance centra da sua acgio no devir de uma intriga (que podemos riga do incesto) e na ilustracio de “epis6dios (tal como anuncia 0 subti inibe de privilegiar aspectos importantes da a emengéncia do vintismo, as lutas liberais, os exilios designar com entre ele e 0 Portugal Contemporineo de O! torna Os Maias uma obra a todos o ia € fhogdo: 0 pessoal das personagens (2 rebeldia ¢ 0 exilio do jovem Afonso da {lo rom: vivendo 0 tédio da Regeneracio) e. por outro lado, ‘0 que permite ler esse destino em chave simbélica, Ora o que logo entre, por um lado, o destino M. Bamix, op dt, p, 108. A edigo espanhola que temos vindo a citar apresenta, neste pisso, uma diferenca signific 4 edicdo italiana: nesta, comes es: “In tl modo, in ogni 1 momento della sua csistenza storia, la lingua & totalmente phur (M. Bacem, Estetica ¢ tomas, 2* ed., Torino, Einaudi 1 fragment O-CONECIMERTO DA LETERATURA, como tajecto que representa nio s6 a possivel extingio de uma mas também a decadéncia de uma nagio. Denavo aqui, essa representacao nio obedece aos protocolos decomportamento do historiador propriamente dito, Nao esté em , nem n'Os Maias nem em nenbuma outra obra de personalidades ¢ cenérios histé- is com essas ia/ficgio quase sempre muito complexa; consciente isso mesmo ¢ sublinhando as prerrogativas do escritor em reconhecimento enquanto ent de Manuel de Sousa Cor sequlas da entio, recomados no \dades ficcionais ou de ica (Telmo Pais, 0 regresso de D. Joio de Portugal, a morte de Maria, etc.). Assim se respeitam, ainda no aspecto da época” ("), sem prejuizo de reajustamentos do tempo necessérios para a intensificagio de certas atmosferas € |A. Gaaserr, “Ao Conservatério Real”, in Obms de Almeide Gar 1085. prmoDUGKO ADS ESTUDOS LITERARIOS para a acentuagio de determinados sentidos, com considerivel relevincia estética; que ¢ como quem diz: por néo agir como joriador, o escritor permite-se lidar com a Historia com uma considerivel desenvoltura (""), Esta é uma condigio genérica, no que diz respeito aos modos de relacionamento da literatura com a Histéria, mesmo quando esse relacionamento constitui um elemento dominante na obra iterdria. Deste modo, Flaubert, visando o tempo € o espago de Cartago, em Solommbi, ou José Saramago fixando-se na construgio do convento de Mafra, no Memorial do Convento, acabam por fazer cidir o essencial da acgio romanesca em figuras que a Histéria 0 dispensa 0 convencional ni nucioso da época ou épocas que escolhe, consul- tos, visitando lugares, estudando obras historio- ‘Alexandre Herculano, que desenvolveu a sua actividade de romancista a par da de historiador, revelou uma consciéncia ue era a responsabilidade do a 1 a0 prélogo do Eurico pres ludiu nos seguintes termos &s em pormenor a vida dos visigodos: “O romance hi 0 concebeu Walter Scott, s6 € possivel aquém di aquém do décimo século; porque s6 aquém dessa data a vida da ficuldades sentidas para conhecer (22) Cha este propésito o comentirio de W, Kayser ac Frei Luis de Sousa, fem Anilise © interpretajdo da obrs litera, 5* ed., Coimbra, Arménio Amado, 970, 1 vol, pp. 285-300. Em cermos genéric Historia y la nee, 2+ ed., Madrid, Bd. Tecnos, 1975; RH. Couke e H. Korea: CO CONHECIMENTO DA LITERATURA familia, o homer sinceramente homem, ¢ no ensaiado e trajado para apurecer na praca piiblica, se nos vai pouco a pouco reve. 0 ledo, deve acrescentar-se que a imagem da grafla con- 1a fiogio portuguesa contemporinea tem-se verificado 'sso mesmo com a obra do ji mencionado José Saramago e em ticular com os romances Memorial do Convento e Histéria do Cerco entendimento do nosso pres a, provada © comprovada do que rica. O que assim se sugere é a necessidade de 4 a cfeetiva propensio para ser uma mensagem, A este 3 ‘ate Wessling: “A ficgdo histérica post-moderista con dpostios de contraditoria conjecture ¢ auto-reflexividade, de modo 1 ‘um ponto de visa story as a Prophet ermenéuco como de um ponto de vista politico” (Wi Fstmdenistlanvatons of the Historical Nove, ed. cit. p ” iprRoDUGAO AOS sSTUDOS LITERARIOS do passado,” escreve Martinez Bonati, “é uma mensagem nio s6 difusa, mas também duradoura. Numa das suas intenges cons- titutivas, dirige-se, como outras formas da alta cultura, a todos os homens de todos os tempos ~ embora a este desfgnio se junter € até se oponham outros, mais restritos. A resposta que pode naquelas obras em que a Histéria se acha expressamente inscrita — ¢ as palavras de Martinez Bonati nio péem em causa a histori- idade relativa da obra literiria -, deve ser possivel surpreender mensagem transhistérica. ssa mensagem transhistérica fase em funcio dos grandes temas valores que a ura tem regularmente reafirmado (o amor e 0 tempo, a opressio, a rebeldia e a liberdade, a paz e a guerra, o al, a vida e a morte), em conexio estreita com aquilo a a Ingarden chamou essenc a, de novo no dizer d inicago de sentido datada ou gesto urgemte de persuasio para uma accio stérica pontual” (') (°F Masaieee Bow, “Mensajes podemos, War cada novo texto como um elemento necessirio para a construsio, ada, do sistema tora”; 2 partir desta integragio outras slo tema da poesia nacional (p, ex.: da poesia espanhola), no -eaemceeneauataanieaam (0 CONTIEEMENTO DA LITERATUR ‘Bactamente por ndo se encerrar num “sentido estreitamente t € a pledade, tem por efe ), Aristoteles abre caminho a "como vasa orgunizacio em 1 (ef. "EL pocma br » a semis: kaguaes y genics, ed. ct petulant Pp, 50-51), A posigio defendica por Lazaro Carreter remonta 2 Mularonty ¢d wu concepsto da “arte como facto semiologico”, concepsio salads por M, Cove em “The Literary Work a a Sig ‘Oosane (ei) ua, Lew od Meri 980, pp. 1-25. Fund. Calouste 4a dimensio sociocultural da literatura € das fangbes que ip pp. 40 ss mRoOUCKO AOS BSTUDOS LFTERARIOS sentam, mais pertinente e actuante se revela essa fungio catértica, entendida aqui numa acep¢io muito ampla. Se, ao lermos certos textos da lirica camoniana, somos afectivamente tocados pela preméncia do sentimento amoroso; se, perante o desenrolar da aotio do Frei Luis de Sowa, somos sensiveis 4 pequenez humana petante 0s arbitrios do Destino; se, por tltimo, lendo um romance de Vergilio Ferreira, somos atingidos pelo sentido da fugacidade do abilidade da morte, ento podemos dizer que essas a8) obras desempenham uma fungio catartica que € cialmente & purificagio das estringe as suas potencialidades repres «dos conffitos ¢ dos época localizada ~ como tantas da propensio realista ou neo- remediavelmente aria € a capacidade que a caracteriza que a0 conceito de imagindrio culeural subjaz constituido e difundido a partir das obras, a « G. Bacitann, Lair ls songes; esa sur «du mouvement, Paris, J. Cort, 1943; i, La psychanalyse du eu, Paris, Gallimard, ” vv ee TRODUCKO AOS ESTUDOS LITERARIOS aprofunda os poderes de ressonincia poética das realizagées, Iterérias anteriores, consolidadas na sua dimensié de mitos portanto, uma forma de poesia com absoluto no sentimento da propria tradigio estética a, originadas © tr ratura e pelo mito. No espaco do texto que integra a obra literaria confluem, pois, o mundo das coisas representadas e o mundo das pulsdes do sujeito que as representa: por isso Jean Burgos refere- se 4 escrita como “lugar de emergéncia do antropos e de inflexio do cosmos e que, longe de poder definir o texto como um mundo fechado ou votado apenas is estruturas da linguagem, apenas toma forma e significacio através da relagio com 0s dois mundos que nele vém trocar forgas¢ de onde retira primordialmente a sua significados que a capacidade de referéncia a mitos culturais reiteradam fixagio a propri Bertio, “a poesia se auto-allmenta da imag Jizada em ‘momentos privilegiados do mito”; € mais adiante, em palavras ‘que aqui valem como conclusio adequada: “O imaginério cultural ") A. 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