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ANTONIO CANDIDO VARIOS ESCRITOS 4 edigdo, reorganizada pelo autor Duas Cidades | Ouro sobre Azul | Sao Paulo | Rio de Janeiro 2008 Instituto Superior de Educacao vera Lruz Biblioteca A Brailio Moura, grande poeta eg ope. de amigo, © DIREITO A LITERATURA assunto que me foi confiado nesta série € aparentemente CO) wisi mre ncn literatura” As maneiras de abordé-lo sd0 muitas, mas nio | Foss0 comecar a falar sobre tema especifco sem fazer algumas re- fiexbes prévias a respeito dos propris direitos humans. E impressionante como em nosso tempo somos contraditérios reste capitulo, Comego observando que em comparacio a eras pas- | ssdas chegamos a um méximo de rcionalidade ténica de domi- rio sobre a natureza. Isso permite imaginar a possibilidade de resol- ver grande niimero de problemas mateiais do homem, quem sabe inclusive o da alimentagao. No entanto, a irracionalidade do com- portamento é também méxima, servida freqientemente pelos mes- mos meios que deveriam realizar 0s designios da racionalidade. As- sim, com a energia atémica podemos 20 mesmo tempo gerar foxy criadora ¢ destrur a vida pela guerra; com o incrivel progress in- | aus dos, mas exc aumentamos o conforto até alcangar niveis nunca sonha: 108 dele as grandes massas que condenamos & misé- sia; em certos paises, como o Brasil, quanto mais cresce a riqueza, mais aumenta a péssima distribuigao dos bens. Portanto, podemos dizer que os mesmos meios que permitem 0 progresso podem pro- vocar a degradagio da maioria. (Ora, na Grécia antiga, por exemplo, teria sido impossivel pensar uma distribuigio equitativa dos bens materiais, porque a técnica tinda nao permitia superar as formas brutais de explorasio do yomem, nem criar abundancia para todos. Mas em nosso tempo é >dossivel pensar nisso, ¢ no entanto pensamos relativamente pouco, Essa insensibilidade nega uma das linhas mais promissoras da his séria do homem ocidental, aquela que se nutriu das idéia amadure- sidas no correr dos séculos XVIII e XIX, gerando oliberalismo e tendo vamos escxrros 10 zo socialismo a sua manifestagéo mais coerente. Elas abriram pers- pectivas que pareciam levar & solugio dos problemas dramaticos da vida em sociedade. E de fato, durante muito tempo acreditou-se ‘que, removidos uns tantos obstéculos, como a ignoraincia € 0s sis- temas despoticos de governo, as conquistas do progresso seriam ca- nalizadas no rumo imaginado pelos utopistas, porque a instrugio, 0 saber e a técnica levariam necessariamente tfelicidade coletiva. No entanto, mesmo onde estes obsticulos foram removidos a barbie continuou entre os homens. Todos sabemos que a nossa época é profundamente barbara, em: bora se trate de uma barbarieligada ao méximo de cvilizagso. Penso «que 0 movimento pelos direitos humanos se entronca ai, pois somos 4 primeira era da histéria em que teoricamente é possivel entrever uma solugdo para as grandes desarmonias que geram a injustica contra a qual lutam os homens de boa vontade & busca, nio mais do estado ideal sonhado pelos utopistas racionais que nos antecederam, ‘mas do maximo viavel de igualdade e justica, em correlacio a cada ‘momento da histéria. ‘Mas esta verificagdo desalentadora deve ser compensada por ou- ‘ra, mais otimista: nds sabemos que hoje os meios materiais neces- sérios para nos aproximarmos desse estigio melhor existem, e que muito do que era simples utopia se tornou possiilidade real. Se as possibilidades existem, a luta ganha maior cabimento € se torna ‘ais esperanjosa, apesar de tudo o que 0 nosso tempo apresenta de negativo. Quem acredita nos direitos humanos procura transformar « possibildade tesrica em realidade, empenhando-se em fazer eoin- cidir uma com a outra. Inversamente, um traco sinistro do nosso tempo é saber que é possivel a solusao de tantos problemas e no en- tanto nao se empenhar nela. Mas de qualquer modo, no meio da si ‘tuagdo atroz em que vivemos ha perspectivas animadoras. F verdade que a barbsrie continua até crescendo, mas nio se vé mais o seu elogio, como se todos soubessem que ela é algo a ser ocul tado e nao proclamado. Sob este aspecto, os tribunais de Nuremberg, foram um sinal dos tempos novos, mostrando que jé nao é admissivel a um general vtorioso manda fazer inscrigbes dizendo que construi m fo vinatro A irenarons ‘uma piramide com as cabegas dos inimigos mortos, ou que mando cobrir as muralhas de Ninive com as suas peles escorchadas. Fazem- se coisas parecidas e até piores, mas elas nao constituem motivo de celebragao. Para emitir uma nota positiva no fundo do horror, acho que isso é um sinal favordvel, pois se o mal é praticado, mas nio proclamado, quer dizer que c homem nao acha mais tio natural ‘No mesmo sentido eu interpretaria certas mudangas no compor- tamento quotidiano e na fraseologia das classes dominantes. Hoje no se afirma com a mesma trangiilidade do meu tempo de menino que haver pobres ¢ a vontade de Deus, que eles nao tem as mesmas necessidades dos abastados, que os empregados domésticos ndo pre- cisam descansar, que s6 morrede fome quem for vadio, e coisas assim. Existe em relagdo ao pobre uma nova atitude, que vai do sentimento de culpa até o meda, Nas caricaturas dos jornais ¢ das revistas 0 es- farrapado e o negro nao sio mais tema predileto das piadas, porque «a sociedade sentin que eles podem ser um fator de rompimento do estado de coisas, eo temor é um dos caminhos para a compreensio. Sintoma complementar eu vejo na mudanca do discurso dos po- liticos e empresérios quando aludem a sua posigio ideolgica ou aos problemas sociais. Todos eles, comear pelo presidente da Repiblica, fazem afirmagoes que até pouco tempo seriam consideradas subver- sivas e hoje fazer parte do palavreado bem-pensante. Por exemplo, ue nfo é mais possvel tolerar as grandes diferencas economicas, sendo necessério promover uma distrbuigdo equitativa.E claro que ninguém se empenha para que de fato isto aconteca, mas tais ati tudes e pronunciamentos parecem mostrar que agora a imagem da injustca social constrange, e que a insensibilidade em face da misé- ria deve ser pelo menos disiargada, porque pode comprometer 2 imagem dos dirigentes. Esta hipocrisia generalizada, tributo que a iniqhidade paga 3 justiga, € um modo de mostrar que o sofrimento jdindo deixa to indiferente amédia da opiniao. Do mesmo modo, 0s politicos e empresirios de hoje ndo se deca- ram conservadores, como antes, quando a expressio clases conser- vadoras era um galardio. Todos sio invariavelmente de centr, e até de centro-esquerda, inclusive os francamente reacionéris. E nem poderiam dizer outra cosa, num tempo em que atelevisio mostra a cada instante, em imagens cujo intuito é mero sensacionalismo, mas cujo efeito pode ser poderoso para despertar a consciéncias, er- ancas nordestinas raquiticas, populagées inteiras sem casa, posseiros rmassacrados, desempregados morando na rua, Deum Angulo ofimista, nada isso poderia ser encarado come ma- nifestacao infusa da consciéncia cada vex mais generalizada de que a desigualdade € insuportavele pode ser atenuada consideravelmente no estigio atual dos recursos téenicos ede organizagao. Nesse sent- 40, talvez se possa falar de um progresso no sentimento do préximo, ‘mesmo sem a disposicio cozrespondente de agirem consonncia. E a‘ entra o problema dos que lutam para que isso acontega, ou sea entra o problema dos direitos humanos. 2 Por qué? Porque pensar em direitos humanos tem tum pressuposto: reconhecer que aquilo que consideramos indispensivel para nés & também indispensével para o préximo. Esta me parece a esséncia do problema inclusive no plano estritamente individual, pos ¢ necessirio tum grande esforgo de educacao e auto-educagio a fim de reconhecer- 'mos sinceramente este postulado, Na verdade, a tendéncia mais funda € achar que 0s n0ss0s direitos sio mais urgentes que os do proximo. esse ponto as pessoas so freqentemente vitimas de uma curiosa ‘obnubilagdo. Elasafirmam que o proximo tem direto, sem divida, a certos bens fundamentais, como casa, comida, instrugio, sade, coisas que ninguéin bem formado admite hoje em dia que sejam privilégio de minorias, como s40 no Brasil. Mas sera que pensam que o seu semelhante pobre teria diteito a ler Dostoievski ou ouvir (5 quartetos de Beethoven? Apesar das boas intengoes no outro setor, talvez isto nao lhes passe pela cabeca. E nao por mal, mas so ‘mente porque quando arrolam os seus direitos nao estendem todos eles a0 semelhante. Ora, 0 esforgo para incluir semelhante no mesmo elenco de bens que reivindicamos esta na base da reflexao sobre os direitos humanos. A este respeito ¢ fundamental o ponto de vista de um grande so cidlogo francés, o padre dominicano Louis-Joseph Lebret, fundador do movimento Economia e Humanismo, com quem tive a sorte de conviver e que atuou muito no Brasil entre os anos de 1940 e 1960. Penso na sua distingao entre “bens compressiveis”e “bens incom: pressive’ que esta ligada a men ver com o problema dos direitos hhumanos, pois a maneira de conceber a estes depende daguilo que classificamos como bens incompressiveis, isto é, os que nao podem ser negados a ninguém. Certos bens sio obviamente incompressiveis, como 0 alimento, «asa, a roupa, Outros so compressiveis, como os cosméticos, os en feites, as roupas supérfluas. Mas a fronteira entre ambos é muitas, vvezes dificil de far, mesmo quando pensamos nos que sio conside- rados indispensiveis, O primeiro litro de arroz de uma saca é menos importante do que otltimo, e sabemos que com base em coisas como «sta se elaborou em Economia Politica a teoria da “utilidade marginal’, segundo a qual o valor de uma coisa depende em grande parte da ne- cessidade relativa que temos dela. O fato & que cada época e cada cul ‘tira fixam 0s crtérios de incompressibilidade, que estio ligados adi visio da sociedade em classes, pois inclusive a educagao pode ser instrumento para convencer as pessoas de que o que ¢ indispensével para uma camada social nio o€ para outra. Na classe média brasileira, 6s da minha idade ainda lembram o tempo em que se dizia que os «empregados nao tinham necessidade de sobremesa nem de folga aos domingos, porque nao estando acostumados a isso, nao sentiam falta Portanto, é preciso ter critérios seguros para abordar o problema dos bens incompressiveis,seja do ponto de vista individual, seja do ponto de vista social. Do ponto de vista individual, ¢ importante a consci- éncia de cada um a respeito,sendo indispensével fazer sentir desde a Infancia que os pobres e desvalidos tém direito aos bens materiais (e ue portanto nao se trata de exercer caridade), assim como as mino rias tém direito a igualdade de tratamento. Do ponto de vista social preciso haver leis especificas garantindo este modo de ver. Por isso, a luta pelos direitos humanos pressupée a consideracio de tais problemas, e chegando mais perto do tema eu lembraria que so bens incompressiveis ndo apenas os que asseguram a sobrevi- vvencia fisica em nfveis decentes, mas os que garantem a integridade spiritual. Sao incompressiveis certamente a alimenta¢ao,a moradia, © vestusrio,a instrus3o, a sade, a liberdade individual, o amparo da justiga publica, a resisténcia & opressao etc. e também o direito & ‘renca, 4 opinigo, a0 lazer ¢, por que ndo, a arte ¢& literatura, Masa fiuisio da arte e da literatura estaria mesmo nesta categoria? Como noutros casos, a resposta s6 pode ser dada se pudermos res- ponder a uma questio prévia, isto , elas s6 poderao ser consideradas bens incompressiveis segundo uma organizacao justa da sociedade se corresponderem a necessidades profundas do ser humano, a necessi- dades que ndo podem deixar de ser satisfeitas sob pena de desor- ‘ganizacio pessoal, ou pelo menos de frustragio mutiladora. A nossa {questi bisica, portanto, é saber sea literatura é uma necessidade des- te tipo, S6 entao estaremos em condigtes de concluir a respeito. 3 CChamarei de literatura, da maneira mais ampla possivel, todas as criagies de toque postico, ficcional ou dramatico em todos os niveis de uma sociedade, em todos os tipos de cultura, desde 0 que cha- ‘mamos folclore, lenda, chiste, até as formas mais complexas e dif- czis da produsdo escrita das grandes civilizagdes. Vista deste modo a literatura aparece claramente como manifes- tagdo universal de todos os homens em todos os tempos. Nao ha 1povo € no ha homem que possa viver sem ela, isto é sem a possi- bilidade de entrar em contacto com alguma espécie de fabulag Assim como todos sonham todas as noites, ninguém é capaz de pas- sar as vinte e quatro horas do dia sem alguns momentos de entrega a0 universo fabulado. O sonho assegura durante o sono a presenga indispensavel deste universo, independentemente da nossa vontade. E durante a vigila a criagdo ficcional ou pottica, que é a mola da li teratura em todos os seus niveis € modalidades, esté presente em cada um de nés, analfabeto ou erudito, como anedota, causo, historia ‘em quadrinhos, noticiério policial, cang2o popular, moda de viola, samba carnavalesco, El se manifesta desée o devaneio amoroso ou. econdmico no énibus até a atengio fixada na novela de televisio ou na leitura seguida de um romance ra, se ninguém pode passar vinte e quatro horas sem mergulhar ro universo da fcsao e da poesia, a literatura concebida no sentido amplo a que me referi parece corresponder a uma necessidade uni- versal, que precisa ser satiseitae cuja stislacao consttui um dieito, Alterando um coneeito de Otto Ranke sobre o mito, podemos dizer que a literatura é 0 sonho acordado das civilizagbes. Portanto, assim como nao € possivel haver equlibrio psiquico sem 0 sonho durante 0 sono, talvez nao haja equilfbrio social sem a literatura, Des- te modo, ela é fator indispensével de humanizagio e, sendo assim, confirma 0 homem na sua humanidade, inclusive porque atua em grande parte no subconsciente ¢ no inconsciente. Neste sentido, ela pode ter importincia equivalent & das formas conscientes de incul- camento intencional, como @ educacao familia, grupal ou escolar. Cada sociedade cri as suas manifestacbes ficcionais, poéticas e dra- -maticas de acordo com os seus impulsos suas crengas, os seus sen- ‘imentos, as suas normas,a fim de fortalecer em cada um a presenga eatuacio dees. Por isso ¢ que nas nossas sociedades a teratura tem sido um ins trumento poderoso de instrugio ¢ educacdo, entrando nos curricu- Jos, sendo proposta a cada um como equipamento intelectual ¢afe tivo. Os valores que a sociedade preconiza, ou os que considera pre~ jdiciais estio presentes nas diversas manifestagbes da ficgao, da poesia e da acio dramética A literatura confirma e nega, propoe € denuncia, apdia e combate, fornecendo a possibilidede de vivermos dialeticamente os problemas. Por iso ¢indispensivel tanto alitera- turasancionada quanto a literatura proscita; que os poderes suge rem € a que nasce dos movimentos de negagao do estado de coisas predominante A respeito destes dois lados da literatura, convém lembrar que ela rio é uma experiéncia inofensiva, mas uma aventura que pode causar problemas psiquicos e moras, como acentece com a propria vids, da qual é imagem e transfiguracdo. Isto significa que ela tem papel tomes v6 formador da personalidade, mas ndo segundo as convengdes; seria antes segundo a forca indiscriminada e poderosa da propria reali- dade. Por isso, nas mis do leitor o livro pode ser fator de pertur: baydo e mesmo de risco. Daf a ambivaléncia da sociedade em face dele, suscitando por vezes condenagées violentas quando ele veicu- la nogoes ou oferece sugestées que a visio convencional gostaria de proscrever. No ambito da instrugao escolar o livro chega a gerar con Altos, porque o seu efeito transcende as normas estabelecidas. ‘Numa palestra feita ha mais de quinze anos em reunido da Socie dade Brasileira para o Progresso da Cigncia sobre o papel da lite- ratura na formagao do homem, chamei a atencio entre outras coisas para os aspectos paradoxais desse papel, na medida em que os edu- cadores a0 mesmo tempo preconizam ¢ temem o efeito dos textos literdrios. De fato (dizia eu), ha “conflito entre 2 idéia convencional de uma literatura que eleva e edifica (segundo os padrbes oficiais) e a sua poderosa forga indiscriminada de iniciagao na vida, com uma variada complexidade nem sempre desejada pelos educadores. Ela ‘no corrompe nem edifica, portanto; mas, trazendo livremente em si ‘© que chamamos o bem ¢ o que chamamos 0 mal, humaniza em sen- tido profundo, porque faz viver" 4 A funao da literatura estéligada & complexidade da sua natureza, «que explica inclusive o papel contraditério mas humanizador(talvez humanizador porque contradit6rio). Analisando-a, podemos dis- tinguir pelo menos trés faces: (1) ela é uma construcio de objetos autdnomos como estrutura ¢ significado; (2) ela € uma forma de expresso, ito ¢, manifesta emogGes ¢ a visio do mundo dos indivi- duos e dos grupos; (3) ela € uma forma de conhecimento, inclusive como incorporasao difusae inconscente. Em geral pensamos que a literatura atua sobre nés devide a0 ter «iro aspecto isto é porque transmite uma espécie de conhecimento, ue resulta em aprendizado, como se ea fosse um tipo de instrucao. Mas nao é assim. O efeito das producoesliterdrias ¢ devido & od 0 pinerto sirenarura simultanea dos tés aspectos, embora costumemos pensar menos no primeito, que corresponde a mancira pela qual a mensagem & cons ‘rufa; mas esta maneira é 0 aspecto, senéo mais importante, com certeza crucial, porque € 0 que decide se uma comunicacao é literéria ‘ou nao, Comecemos por ee. Toda obra literaria € antes de mais nada uma espécie de objeto, de ‘objeto construidos e & grande o poder humanizador desta constru- 40, enquanto construsao, De fato, quando elaboram uma estrutura, 0 poeta ou o narrador nos propdem um modelo de coeréncia, gerado pela forga da palavra organizada, Se fosse possivel abstrairo sentido e pensar nas palavras como tijolos de uma construgzo, eu diria que esses tijolos represen- tam um modo de organizar a matéria,e que enquanto organizacio eles exercem papel ordenador sobre a nossa mente. Quer percebamos claramente ou no, o caréter de coisa organizada da obra literéria torma-se um fator que nos deixa mais capazes de ordenar @ nossa propria mente ¢ sentimentos; ¢, em conseqiiéncia, mais capazes de ‘organizar a visio que temos do mundo, Por isso, um poema hermético, de entendimento dificil, sem ne- nhuma alusio tangivel a realidade do espirito ou do mundo, pode funcionar neste sentido, pelo fato de ser um tipo de ordem, suge- rindo um modelo de superagao do caos. A produgao literria tira as o primeiro palavras do nada e as dispde como todo articulado. Est nivel humanizador, a0 contrario do que geralmente se pensa. A or- ganizagio da palavra comunica-se 20 nosso espirito ¢ 0 leva, pri- ‘meiro, a se organizar; em seguida, a organizar 0 mundo. Isto ocorre desde as formas mais simples, como a quadrinha, 0 provérbio, a his- 16ria de bichos, que sintetizam a experiéncia e a reduzem a sugestio, norma, conselho ou simples espeticulo mental “Mais vale quem Deus ajuda do que quem cedo madruga” Este provérbio é uma frase solidamente construfda, com dois membros de sete silabas cada um, estabelecendo um ritmo que realga 0 con- ceito, tornado mais forte pelo efeito da rima toante: “a-U-

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