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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO

CAMPUS III - BACABAL


COORDENAÇÃO DE LETRAS

JADNA DA SILVA DE MOURA

O FEMININO E AS RELAÇÕES PATRIARCAIS NA OBRA MENINO DE


ENGENHO

BACABAL-MA
2021
JADNA DA SILVA DE MOURA

O FEMININO E AS RELAÇÕES PATRIARCAIS NA OBRA MENINO DE


ENGENHO

Monografia apresentada ao Curso de Licenciatura em


Letras/Português, da Universidade Federal do Maranhão
– UFMA, como requisito obrigatório para obtenção do
título de Licenciada em Letras/Português.

Orientador: Prof. Dr. Rubenil da Silva Oliveira.

BACABAL – MA
2021
Ficha gerada por meio do SIGAA/Biblioteca com dados fornecidos pelo(a) autor(a).
Núcleo Integrado de Bibliotecas/UFMA

Moura, Jadna da Silva de.


O Feminino e as relações patriarcais na obra Menino de
Engenho / Jadna da Silva de Moura. - 2021.
49 f.

Orientador(a): Rubenil da Silva Oliveira.


Monografia (Graduação) - Curso de Letras - Português,
Universidade Federal do Maranhão, Bacabal - MA, 2021.

1. Feminino. 2. Relações patriarcais. 3. Submissão.


I. Oliveira, Rubenil da Silva. II. Título.
JADNA DA SILVA DE MOURA

O FEMININO E AS RELAÇÕES PATRIARCAIS NA OBRA MENINO DE


ENGENHO

Monografia apresentada ao Curso de Licenciatura em Letras/Português, da


Universidade Federal do Maranhão – UFMA, como requisito obrigatório para obtenção do
título de Licenciada em Letras/Português.

Aprovada em 15 de janeiro de 2021.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________
Prof. Dr. Rubenil da Silva Oliveira (UFMA)
ORIENTADOR

__________________________________________________
Profa. Me. Regilane Barbosa Maceno (UnB)
1ª Avaliadora

______________________________________________________
Profa. Me. Almiranes dos Santos Silva (UAB/UFPI)
2ª Avaliadora
AGRADECIMENTOS

Ao meu Deus por todas as graças concedidas durante essa longa caminhada. Em cada
detalhe dessa trajetória suas mãos me seguraram forte para eu não desistisse.
Aos meus pais, José Lima e Maria Dalvani, por todo apoio e incentivo que me deram
para que eu pudesse chegar até aqui e por me acalentarem nos momentos de dificuldade. Eles
foram e sempre serão essenciais em minha vida.
Ao meu irmão, Jerson Moura por toda ajuda no que foi preciso, principalmente por
acordar mais cedo do que era necessário para poder me levar ao estágio.
Ao meu namorado, Wendel Oliveira, que sempre acreditou que eu seria capaz, esteve
comigo nos momentos difíceis e me ajudou a superá-los.
Às minhas amigas, Adriele Silva, Deyse Brito, Eline Eduarda e Janaína Lima por me
ajudarem a carregar o fardo pesado em busca da graduação. Graças a elas tudo se tornou mais
leve e divertido.
Ao meu professor/Orientador Dr. Rubenil da Silva Oliveira, por me aceitar como
orientanda e me auxiliar desde a escolha do tema até a concretização deste trabalho.
Aos professores que me acompanharam durante esse curso, compartilharam
conhecimentos e me impulsionaram a pesquisar.
A todos que de uma forma direta ou indireta me ajudaram na realização desse sonho.
RESUMO

O presente trabalho trata-se de um estudo feito sobre a obra de José Lins do Rego – Menino
de Engenho (2017), na qual buscamos entender as personagens femininas e as relações
patriarcais tão peculiares a região nordestina nos anos finais do século XIX e início do século
XX. Partindo desse contexto, temos como pergunta de pesquisa: Como se dá as relações do
feminino em contraste com o masculino na obra Menino de Engenho (2017), de José Lins do
Rego? Nesse sentido nos propomos a analisar as relações do feminino em contraste ao
masculino na referida obra, e especificamente identificar os espaços ocupados pelas mulheres
dentro da casa grande, e como esses espaços corroboram para sua submissão; verificar como o
fator sexual articula-se com as relações de poder na obra selecionada como corpus dessa
investigação; e perscrutar como a obra Menino de Engenho (2017) se relaciona com o
contexto histórico do século XX, especificamente com os dogmas patriarcais. Na busca de
atingir nossos objetivos, optamos por uma pesquisa de caráter analítico/explicativo de cunho
bibliográfico, apoiada no método dedutivo, pois partimos da hipótese de que as mulheres da
obra são passivas em vários aspectos. Como apoio teórico, utilizamos Candido (1972, 1989,
2007) que aborda sobre a relação entre homem e sociedade, ficção e realidade; Pateman
(1993) que aborda a questão do patriarcado relacionado ao fator sexual, envolvendo
dominação/submissão; Saffioti (2011), a qual discute a questão de dominação do homem,
incluindo a questão de gênero e relações de poder, entre outros autores. A partir desse estudo
foi possível perceber a relação que a literatura estabelece com o contexto histórico, o que
acaba sendo refletido nas obras. Portanto, percebemos que as mulheres na obra em que
tomamos como corpus, são mulheres vítimas de um sistema patriarcal vigente na época em
que o romance foi escrito, são submissas e silenciadas, e acabam ocupando um espaço
desprivilegiado pelo fato de ser mulher, e que apesar de algumas tentarem ir contra esse
sistema, não obtém êxito.

Palavras-chave: Feminino; Relações patriarcais; Submissão; Menino de Engenho.


ABSTRACT

The present work is a study made on the work of José Lins do Rego – Menino
de Engenho (2017), in which we seek to understand the female characters and patriarchal
relations so peculiar to the northeastern region in the late nineteenth and early twentieth
centuries. Starting from this context, we have as a research question: How is understood the
relationships of the feminine in contrast to the masculine in the work Menino de Engenho
(2017), by José Lins do Rego? In this sense, we propose to analyze the relationships of the
feminine in contrast to the masculine in this work and specifically identify the spaces
occupied by women within the large house, and how these spaces corroborate for their
submission; to verify how the sexual factor is articulated with the power relations in the work
selected as a corpus of this investigation; and to look at how the work Menino de
Engenho (2017) relates to the historical context of the twentieth century, specifically with
patriarchal dogmas. In the search to achieve our objectives, we opted for an
analytical/explanatory research of a bibliographic source, supported by the deductive method,
because we start from the hypothesis that the women of the work are passive in several
aspects. As theoretical support, we used Candido (1972, 1989, 2007) that addresses the
relationship between man and society, fiction and reality; Pateman (1993) who addresses the
issue of patriarchy related to sexual factor, involving domination/submission; Saffioti (2011),
which discusses the issue of male domination, including the issue of gender and power
relations, among other authors. From this study, it was possible to perceive the relationship
that literature establishes with the historical context, which ends up being reflected in the
work. Therefore, we realize that the women in the work in which we take as a corpus, are
women victims of a patriarchal system in force at the time when the novel was written, are
submissive and silenced, and end up occupying an underprivileged space for the fact of being
a woman and that although some try to go against this system, they are unsuccessful.

Keywords: Female; Patriarchal relations; Submission; Menino de Engenho.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................09
2 LITERATURA, SUJEITO E SOCIEDADE: notas sobre o modernismo literário.........12
2.1 Por uma tessitura sobre o regionalismo e o projeto literário de 1930 ......................... 15
2.2 José Lins do Rego: um prosador do Nordeste ................................................................... 18
2.3 A sociedade nordestina na obra Menino de Engenho de José Lins do Rego .............. 20
3 MULHER E LITERATURA: representações sociais nas primeiras décadas do século
XX ........................................................................................................................... ...........23
3.1 A Casa Grande e os espaços destinados às mulheres em Menino de Engenho ........... 27
3.2 Poder e patriarcado em Menino de Engenho ................................................................. 29
4 A PASSIVIDADE DO SUJEITO FEMININO EM MENINO DE ENGENHO:
análise e crítica....................................................................................................................33
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................45
REFERÊNCIAS................................................................................................................47
9

1 INTRODUÇÃO

Cada época é demarcada por valores e ideais diferentes. Para pensarmos a figura
feminina, é necessário que entendamos o contexto em que ela está inserida, pois os espaços
ocupados pelas mulheres são estabelecidos a partir de períodos históricos, e a depender da
sociedade, uma vez que cada civilização e culturas distintas pensam e percebem a mulher
sobre diferentes óticas – do matriarcado ao patriarcado. O contexto em específico
representado na obra Menino de Engenho (2017), de José Lins do Rego, é uma época
marcada pelo patriarcado, na qual a submissão da mulher em relação ao homem é notória,
como afirma Fischer (2012, p. 21) “historicamente, a dominação/submissão se apresenta
como característica que permeia a relação homem/mulher”.
Conforme Fischer (2012, p. 21) é “o pensar silenciado pela ideologia estribada no
patriarcado, que alimenta o pensar e agir feminino na sociedade”. Com base nisso, as
sociedades patriarcais são marcadas pela passividade da mulher, a qual recebia uma educação
diferente dos homens, ela era educada para casar, ser mãe e doméstica. Dessa forma,
ideologicamente, não era vedada a educação para a mulher, no entanto, deveria restringir-se
somente ao considerado como conveniente para o homem, assim, a mulher estaria
predestinada a ocupar espaços submissos e a ter a sua voz silenciada. Fisher (2012) explica
que a educação que caberia a figura feminina seria aquela que a “preparasse para viver na
aparência", de forma que estaria sujeita a aceitar os dogmas patriarcais e esconder as opiniões
que fugissem desse padrão.
Na obra Menino de Engenho (2017) o protagonista Carlinhos retrata o engenho do
seu avô, o qual se localizava no interior da Paraíba. Ao longo da narrativa percebemos que há
uma predominância do poder masculino em relação à mulher, principalmente na figura do
Senhor de Engenho. Nessa obra, as personagens femininas são inseridas em contextos
periféricos, o que pode ser reflexo do período em que se passa a história, que foi um momento
histórico centrado no patriarcalismo, época marcada pela soberania masculina. A partir do
exposto, nossa pesquisa parte de um viés sociológico, uma vez que para a crítica sociológica:

[...] a literatura não é um fenômeno independente, nem a obra literária é


criada apenas a partir da vontade e da “inspiração” do artista. Ela é criada
dentro de um determinado país e numa determinada época, onde se pensa de
uma certa maneira; portanto, ela carrega em si marcas desse contexto.
Estudando essas marcas dentro da literatura, podemos perceber como a
sociedade na qual o texto foi produzido se estrutura, quais eram seus valores
etc. (SILVA, 2005, p. 141).
10

Dessa maneira a obra a ser analisada neste trabalho se torna reflexo da sociedade do
século XX, especificamente relacionada à figura da mulher. Partindo desse contexto, busca-se
analisar o romance, centrando a análise nas personagens femininas. Para isso temos como
pergunta de pesquisa: Como se dá as relações do feminino em contraste com o masculino na
obra Menino de Engenho (2017), de José Lins do Rego?
Vários pesquisadores na área da literatura buscam entender a figura feminina em
diversas obras, pontuando como ela é apresentada e a sua função dentro das diferentes
sociedades e épocas. Optou-se por estudar esse romance de José Lins do Rego, por essa obra
nos permitir fazer uma reflexão acerca do papel feminino.
Nascimento, Freire e Costa (2017) fazem um estudo sobre as vozes femininas dentro
de Menino de Engenho, abordando que apesar das mulheres serem subjugadas, às vezes, elas
tornam-se protagonistas, como por exemplo, tia Maria comandava a casa, Zefa Cajá tinha
poderes sobre Carlinhos. Nossa pesquisa parte de outra perspectiva que difere da analisada no
artigo apresentado pelas autoras, pois partimos da hipótese de que as mulheres são passivas
em vários aspectos, por exemplo, casam porque os seus pais pagam um dote aos noivos,
podem até mesmo sofrer violências como a morte pelas mãos do marido tal qual ocorre com a
mãe do protagonista.
Analisar a figura feminina torna-se essencial, porque fornece dados importantes acerca
de como se pensava a mulher na sociedade patriarcal, embora pudesse ser notado um ou outro
traço da diferença nas outras mulheres. Por isso, ainda é de grande importância estudar o
espaço que essas mulheres ocupam e o que essas mulheres representam no ambiente da casa
grande, sobretudo em obras que abordam a região nordestina brasileira, espaço em que se nota
um predomínio do pensamento machista amalgamado nos valores do patriarcado.
Neste sentido, esta pesquisa torna-se pertinente por buscar analisar as relações entre os
elementos que pertencem à realidade social do início do século XX com a obra ficcional
Menino de Engenho (2017), de José Lins do Rego, relacionados ao patriarcalismo e aos
espaços destinados a mulher, traçando assim um paralelo entre o que é ficcional que reflete de
fato o que uma sociedade/época pensa, tornando esse assunto propício e necessário por
dialogar com questões atuais relacionados ao gênero feminino.
Como um meio de delinear nossa pesquisa, traçamos alguns objetivos. Como objetivo
geral desse estudo, temos: analisar as relações do feminino em contraste com o masculino na
obra Menino de Engenho (2017). Dentre os objetivos específicos, temos: Identificar os
espaços ocupados pelas mulheres dentro da casa grande, e como esses espaços corroboram
para sua submissão; verificar como o fator sexual articula-se com as relações de poder na obra
11

selecionada como corpus dessa investigação; perscrutar como a obra Menino de Engenho
(2017) se relaciona com o contexto histórico do século XX, especificamente com os dogmas
patriarcais.
Com intuito de alcançar os objetivos elencados na pesquisa, recorremos ao estudo da
crítica literária, com abordagem sociológica, para buscar entender a obra e o contexto em que
ela está inserida. Nosso estudo parte de uma pesquisa baseada no método dedutivo, pois se
tem a hipótese de que as mulheres da obra são passivas em vários aspectos. Também nos
apoiamos em uma pesquisa bibliográfica, baseada em artigos e teses feitas na área, com temas
semelhantes, para auxiliar e validar as análises (XAVIER, 2010, p.48).
Para análise dos dados, recorremos a uma pesquisa explicativa, pois temos o intuito de
“detalhar os registros realizados por meio da análise meticulosa, divisão do objeto investigado
em diversas partes, interpretação fina das possíveis motivações e suas consequências,
procurando relacionar os fatores determinantes para tais” (XAVIER, 2010, p. 46). Assim, os
fragmentos analisados foram escolhidos de acordo com a categoria temática abordada nesse
estudo, que no caso é a subalternidade feminina nas relações patriarcais.
Nosso estudo é dividido em três capítulos. O primeiro trata da relação entre Literatura,
Sociedade e Sujeito, abordando alguns traços do Modernismo (escola literária em que José
Lins do Rego está inserido). Nesse capítulo discutimos sobre a relação da literatura com a
sociedade, bem como essa influencia na escrita. Também abordamos aspectos do
Regionalismo que faz parte de “uma tradição literária”, e que começou no Romantismo, na
busca pela nacionalidade e valorização de aspectos locais. Discorremos sobre o projeto
regionalista de 30, e as características do regionalismo nessa década. Apresentamos também
nesse capítulo a sociedade nordestina através do romance selecionado como corpus.
O segundo capítulo trata sobre Mulher e Literatura, em que abordamos a associação
dos espaços da Casa Grande com personagens femininas; tratamos também sobre a educação
recebida pelas mulheres e como essas eram representadas socialmente nas primeiras décadas
do século XX, bem como a relação de poder e patriarcado.
O terceiro capítulo trata-se da análise e crítica da subalternidade da mulher na obra
Menino de Engenho (2017). Após executada a análise, trazemos as considerações sobre o
estudo realizado.
12

2 LITERATURA, SUJEITO E SOCIEDADE: notas sobre o modernismo literário

Quando se trata de Literatura é interessante falar da relação que essa estabelece com a
sociedade, seja por meio da escrita coletiva, por meio das vivências de escritores, por meio da
recepção das obras pelo público. As formas de a literatura se relacionar com a sociedade são
diversas; o contexto social e histórico acaba por influenciar na escrita, servindo como um
estímulo para a criação, por isso muitas obras literárias, para serem compreendidas é
necessário que se conheça o contexto de produção (CANDIDO, 2010).
A literatura acaba por retratar um contexto de uma região, mostrando os valores, os
pensamentos, e caracterizando uma determinada época. Antonio Candido (2010, p.31)
exprime esse fato, elencando quatro momentos de produção, que de acordo com ele seria: “a)
o artista, sob impulso de uma necessidade, interior, orienta-o segundo os padrões de sua
época, b) escolhe certos temas, c) usa certas formas e d) a síntese resultante age sobre o
meio”. Na descrição dos quatro momentos de produção, observa-se a relação do meio e do
artista com a obra em si.
No livro Literatura e Sociedade, Antonio Candido demonstra como artista, obra e
público estão sujeitos a influências sociais. Segundo ele “todos nós sabemos que a literatura,
como fenômeno de civilização, depende, para se constituir e caracterizar, do entrelaçamento
de vários fatores sociais” (2010, p. 21). Com base nisso, a obra literária não tem como ser
desvinculada do contexto em que foi escrita.
A obra a qual tomamos como objeto desse estudo é a obra Menino de Engenho, que
se enquadra na corrente literária do Modernismo. Esse movimento literário se iniciou no
Brasil no ano de 1922, com a Semana de Arte Moderna, que pretendia modificar o modo de
fazer arte, vinculando-se a propostas das vanguardas europeias, e pretendendo evidenciar
traços nacionais dentro da literatura e outras artes.
Os artistas modernistas visavam criar uma arte essencialmente nacional, que levasse
em consideração os aspectos da realidade brasileira. Havia nesse sentido, uma busca pela
identidade nacional e uma renovação estética.
O modernismo brasileiro é apresentado a partir de três fases. A obra Menino de
Engenho se enquadra na segunda, que é a fase regionalista, a qual irá ser apresentada na
próxima seção.
João Ribeiro (1982, p. 214) descreve o livro Menino de Engenho da seguinte
maneira:
13

Este livro pungente é de uma realidade profunda. Nada há que não seja o
espelho do que se passa na sociedade rural e nas sociedades do Norte e do
Sul. E de todo o Brasil e um pouco de todo mundo. O seu realismo pode
acaso desagradar a algumas pessoas que não amam a verdade senão colorida,
engalanada em eufemismos convencionais. É a tal como ela é: por isso
mesmo, empolga a atenção e curiosidade do leitor.

A partir da descrição de João Ribeiro, pode-se afirmar que o livro Menino de


Engenho é reflexo do contexto histórico e social em que a obra é escrita, porque retrata a
questão do patriarcalismo e a decadência dos engenhos de açúcar.
De acordo com Antonio Candido (2010, p. 63):

A arte, e portanto a literatura, é uma transposição do real para o ilusório por


meio de uma estilização formal, que propõe um tipo arbitrário de ordem para
as coisas, os seres, os sentimentos. Nela se combinam um elemento de
vinculação à realidade natural ou social, e um elemento de manipulação
técnica, indispensável à sua configuração, e implicando uma atitude de
gratuidade.

Levando em consideração o que Antonio Candido expõe sobre a literatura, pode-se


dizer que ela corresponde até certa medida à realidade, mas também abre espaço para a
imaginação, podendo, portanto, ser um entrecruzamento de ficção e realidade. Candido
acrescenta que: “o ato criador aparece como uma espécie de operação, de ação adequada
sobre a realidade, possibilitada pela ilusão” (2010, p. 73, grifos do autor).
Para a discussão de realidade versus ficção, é interessante também trazer à tona o que
Antonio Candido expõe sobre a personagem ser um ser fictício. Segundo ele esse fragmento
se torna paradoxal, pois:

O problema da verossimilhança no romance depende desta possibilidade de


um ser fictício, isto é, algo que, sendo uma criação da fantasia, comunica a
impressão da mais lídima verdade existencial. Podemos dizer, portanto, que
o romance se baseia, antes de mais nada, num certo tipo de relação entre o
ser vivo e o ser fictício, manifestada através da personagem, que é a
concretização deste (CANDIDO, 2007, p. 55).

A partir disso, podemos afirmar que a produção literária não se dá de forma


independente, pois ela estabelece relação com a sociedade, com o que se passa na realidade,
ela não resulta apenas da capacidade artística do autor, uma vez que “o que se passa na
sociedade é o que se relata no romance. Tal abordagem busca fundamentar-se na premissa de
que um indivíduo não estabelece, isoladamente, um aparato mental e ideológico divorciado da
sociedade” (MARQUES; ROCHA, 2004, p.185). Relacionado a isso Teixeira reitera que
14

A obra ficcional se alimenta do mundo real no qual atua, refletindo-o e


interpenetrando-o e, assim, influenciando ideias. A ficção literária é
concebida e produzida em um contexto cultural e, nessa medida, atende a
certas necessidades de representação do mundo que são articuladas e
atreladas aos rituais e aos símbolos da prática social ou aos conceitos
vigentes sobre o objeto, o dado referencial (2009, p. 87-88).

Candido (2007, p. 63) apropria-se da concepção de Foster (1949) para estabelecer uma
diferenciação entre a personagem fictícia e a pessoa real. Segundo ele “O Homo fictus é e não
é equivalente ao Homo sapiens, pois vive segundo as mesmas linhas de ação e sensibilidade,
mas numa proporção diferente e conforme avaliação também diferente” (2007, p. 63, grifos
do autor), ou seja, as semelhanças dos personagens a pessoa viva, depende também do
romancista, e da relação que ele estabelece com a realidade, entrando também os limites da
criação. Teixeira (2009, p. 85) afirma que

O discurso literário comporta, também, a preocupação com a


verossimilhança. A ficção não seria, pois, o avesso do real, mas uma outra
forma de captá-lo, em que os limites de criação e fantasia são mais amplos
que aqueles permitidos ao historiador. É este, ao que parece, o verdadeiro
papel social da literatura: agir por vias sinuosas. O discurso ficcional seria
uma quase história, não precisa comprovar nada ou se submeter a testes, mas
guarda relações com uma certa refiguração temporal, partilhada com a
história.

Candido (2007) direciona-se através da ideia de Mauriac (1952) para explicar a


relação entre personagem e autor, o qual segundo ele baseia-se na vida para fazer o romance,
incluindo ou modificando algumas características, pois o romance acaba por transfigurar a
vida. Candido (1972, p.81) ainda afirma que “A fantasia quase nunca é pura. Ela se refere
constantemente a alguma realidade: fenômeno natural, paisagem, sentimento, fato, desejo de
explicação, costumes, problema humanos etc” (grifos do autor).
Candido (2007, p. 70) apresenta alguns modos de personagens a partir de dois eixos,
aqueles que são “uma transposição fiel de modelos, ou é uma invenção totalmente
imaginária”. Ele coloca que há: “Personagens transpostas com relativa fidelidade de modelos
dados ao romancista por experiência direta, - seja interior, seja exterior. O caso da experiência
interior é o da personagem projetada, em que o escritor incorpora a sua vivência, os seus
sentimentos” (CANDIDO, 2007, p. 71). Nesse contexto, Candido fornece como exemplo a
obra Menino de engenho, de José Lins do Rego, a qual é objeto do presente trabalho.
15

2.1 Por uma tessitura sobre o regionalismo e o projeto literário de 1930

O movimento regionalista não surgiu com o Modernismo. O Regionalismo faz parte


de uma “tradição literária” que vem desde o Romantismo, que prezava pela nacionalidade,
valorização do índio e da natureza. Mas o Regionalismo no Modernismo é diferente do
Regionalismo no Romantismo. Ambos partiam da descrição de uma determinada região,
porém

Até os contistas do início do século, o regionalismo se caracterizava,


sobretudo, enquanto projeto ideológico de representação das regiões,
afirmando a literatura brasileira pela via do nacionalismo romântico. Já no
romance de 1930, o regionalismo busca representar as regiões não como
forma de apresentá-las ao restante do país ou evidenciar seus tipos, mas de
empreender uma crítica sociológica por meio de uma representação cunhada
na elaboração de uma estética que desse conta das relações entre homem e
estrutura social (FERREIRA, 2012, p.62).

Em vista disso, o regionalismo de 30 se diferencia do regionalismo romântico, pois se


volta não só para o descritivismo, mas para a criticidade das tensões entre o homem e o meio.
Por isso:
[...] à década de 30 coube a consciência de desenvolvimento em que relação
entre homem e estrutura social tornou-se o foco de uma escrita regionalista
engajada, com finalidade explícita de desmascaramento e protesto das
relações sociais vividas fora do eixo Rio/São Paulo e, sobretudo, no
Nordeste (FERREIRA, 2012, p. 16).

O Modernismo no Brasil iniciou-se em 1922 com a realização da Semana de Arte


Moderna em São Paulo. Em meio à estética modernista surgem várias revistas e diversos
manifestos são publicados, entre um deles está o Manifesto Regionalista, escrito por Gilberto
Freyre, o qual fundamenta a segunda geração do modernismo no Brasil.
Os regionalistas se reuniam para debater os problemas que a região Nordestina estava
enfrentando, entre os quais a fome, a seca e as mudanças decorrentes da mudança na produção
econômica. Eles discutiam sobre os problemas do Nordeste, mas não queriam colocar essa
região acima das outras, pois não pregavam o separatismo, pelo contrário, eles eram contra o
separatismo desenvolvido pela República, que tinha “olhos” somente para os Estados,
enquanto as regiões iam ficando no esquecimento (FREYRE, 1996).
Segundo Gilberto Freyre, o movimento Regionalista:
16

[...] não pretende senão inspirar uma nova organização do Brasil. Uma nova
organização em que as vestes em que anda metida a República - roupas
feitas, roupagens exóticas, veludos para frios, peles para gelos que não
existem por aqui - sejam substituídas não por outras roupas feitas por
modista estrangeira mas por vestido ou simplesmente túnica costurada
pachorrentamente em casa: aos poucos e toda sob medida (1996, p.02).

A partir de Freyre, podemos afirmar que o projeto regionalista defendia uma arte
nacional, deixando de lado as influências estrangeiras, as quais não se “adequavam” a
literatura brasileira. O Modernismo brasileiro foi bastante influenciado pelas Vanguardas
Europeias, buscava-se nesse movimento uma renovação estética, mas era uma renovação
influenciada por essas vanguardas. No entanto, o que o projeto regionalista almejava era o
distanciamento dos modelos europeus, uma literatura que fosse totalmente nacional, que
abordasse temáticas brasileiras e a realidade nordestina. Via-se a necessidade de abordar a
região nordestina para preservar a tradição que poderia ser perdida em meio às influências
externas. O que os regionalistas queriam era “dar-se, antes de tudo, atenção ao corpo do
Brasil, vítima, desde que é nação, das estrangeirices que lhe têm sido impostas, sem nenhum
respeito pelas peculiaridades e desigualdades da sua configuração física e social;” (FREYRE,
1996, p.02).
No Manifesto Regionalista, Freyre aborda a necessidade de se preservar a culinária, a
fauna, a flora, os frutos medicinais nordestinos, que se perdem por causa da influência
estrangeira. Ele ainda afirma que “Os romancistas, contistas e escritores atuais têm medo de
parecer regionais” (FREYRE, 1996, p. 08), perdendo-se em meio estéticas e temas abordados
por outros países, deixando de tratar os temas regionais. Em razão disso, Freyre expõe no
Manifesto, que o “Congresso de Regionalista definir-se a favor de valores assim
negligenciados”, por conta de um “falso modernismo” (1996, p. 11).
A primeira geração modernista estava fincada a valores e estéticas inspiradas nas
Vanguardas Europeias. Foi uma geração intensamente ligada à modernização e
industrialização, influenciada pelos ideais da vanguarda Futurista. Como afirma Chiappini “a
primeira geração modernista saudou a modernização endossando o gosto e os valores
daqueles que lucravam com ela, sem se atentar para as dores, desvalores e desgosto dos que
com ela perdiam” (1995, p. 155), ou seja, a primeira geração estava mais preocupada com os
avanços tecnológicos, que favoreciam o burguês, do que com a dimensão social dos que
sofriam com isso, ou seja, o povo das áreas rurais. Em meio a essa geração, o projeto literário
de 1926 (que é base para a segunda geração), almeja se atentar para as comunidades rurais e
regiões esquecidas em meio à modernização. Por conta desse contexto, Chiappini afirma que
17

“a história do regionalismo mostra que ele sempre surgiu em conflito com a modernização e a
urbanização” (1995, p. 155).
No livro História Concisa da Literatura Brasileira, Alfredo Bosi (2015) expõe que
Gilberto Freyre e José Lins do Rego não admitiam que houvesse a presença modernista
anterior a eles, mas apesar desse pensamento, houve contato do Nordeste com o grupo de São
Paulo.
Segundo Bosi (2015, p. 232) “o Modernismo do Nordeste foi uma realidade poderosa
com facies próprio da região e deu o tom ao melhor romance dos anos de 30 e de 40. Mas não
se pode sustentar sem arbítrio que haja sido esteticamente autônomo em relação às poéticas
pregadas na Semana”.
O grupo dos Regionalistas do Nordeste não admitia a relação do Modernismo
nordestino com a estética Modernista debatida na Semana de 1922. Como os regionalistas não
consideravam os fundamentos modernistas anteriores a eles, não havia o interesse em uma
“revolução literária” (BOSI, 2015). “Mas o tempo foi depois aproximando poetas radicados
no Sul ou aqui nascidos, como Bandeira e Mário de Andrade, dos nordestinos até se formar,
na década de 30, um clima em que se fundiriam as conquistas do modernismo estético e o
interesse pelas realidades regionais” (BOSI, 2015, p. 232). É então nesse momento que surge
a segunda geração do Modernismo brasileiro, que concilia tanto os ideais modernistas quanto
a importância da temática regional.
A obra que introduz o romance regionalista moderno no país é A Bagaceira, de José
Américo Almeida, publicado no ano de 1928. Nessa obra já percebemos que a figura do
senhor de engenho (Dagoberto) já detém um poder autoritário, e que há uma força patriarcal
sobre os corpos das mulheres, por exemplo, Soledade passa por diversas situações, ela foge da
seca e se abriga no engenho de Dagoberto, nesse espaço ela é violentada (tendo o seu corpo
deteriorado), seu pai mata o seu suposto sedutor e vai preso. Depois Soledade fica sobre os
cuidados do capataz. Tem-se então a figura dessa mulher subordinada aos homens, há essa
ideia de uma mulher que depende o tempo inteiro de cuidados. A princípio está sobre os
cuidados do pai, depois tem a figura do coronel que lhe dá abrigo, e do capataz.
José Lins do Rego é um dos representantes do Modernismo no Brasil, ele faz parte da
segunda geração, a qual se caracteriza pelo regionalismo, chamado regionalismo de 30, que
funcionou como um importante instrumento para denunciar os problemas sociais em que
viviam a região nordestina, e abordar temáticas brasileiras, representando uma busca pela
identidade nacional. Sobre o Regionalismo, Candido (1972, p.86) afirma que
18

[...] foi uma busca do tipicamente brasileiro através das formas de encontro,
surgidas do contacto entre o europeu e o meio americano. Ao mesmo tempo
documentário e idealizador, forneceu elementos para a auto-definição do
homem brasileiro e também para uma série de projeções ideais (grifos do
autor).

As obras que marcam essa fase abordam temas como a seca, o cangaço, o
coronelismo, a crise dos engenhos de açúcar e o patriarcalismo. Os romances escritos na
década de 30 foram influenciados pelas mais variadas situações políticas e sociais que o
Brasil estava vivenciando.

2.2 José Lins do Rego: um prosador do Nordeste

José Lins do Rego é um dos mais importantes representantes da segunda fase do


Modernismo no Brasil. Ele nasceu no Engenho do Corredor, localizado na Paraíba, no dia 03
de julho de 1901. Teve como pais João do Rego Cavalcanti e Amélia Lins Cavalcanti.
José Lins do Rego frequentou o Internato Nossa Senhora do Carmo, em Itabaiana.
Também estudou em Recife, no Colégio Carneiro Leão e Osvaldo Cruz. No ano de 1919
passou a estudar Direito, na Faculdade de Direito de Recife, e se formou em 1923. No ano
seguinte, casou-se com D. Filomena Massa Lins do Rego.
Desde muito cedo teve gosto pela literatura. Ainda adolescente, teve contato com
obras de Raul Pompéia e Machado de Assis. José Lins do Rego passou uma temporada de sua
vida em Alagoas, onde teve contato com escritores como Graciliano Ramos e Rachel de
Queiroz. Em Recife, teve contato com Gilberto Freyre, autor do Manifesto Regionalista, e
junto com ele, se opunha ao movimento do Modernismo de São Paulo. Em recife, além do
contato com Gilberto Freyre, também se aproxima de José Américo de Almeida e Olívio
Montenegro.
José Lins do Rego manteve uma amizade forte com Gilberto Freyre. Eles trocaram
diversas cartas, e conversavam sobre os mais diversos assuntos, e um deles era sobre a escrita
de José Lins, o qual era inseguro com a sua escrita. Quanto aos estudos que ambos
desenvolviam, havia uma ajuda mútua. Em uma carta, já morando em Minas Gerais, José Lins
do Rego fala sobre a vida triste que leva, longe do que ele realmente gosta, a Literatura, e
exercendo uma profissão, que segundo ele sente “nojo”, que é a de Advogado (DANTAS,
2015).
19

Além de Romancista, José Lins do Rego trabalhou como jornalista, colaborando no


Jornal de Recife e no Jornal de Alagoas. E ao residir em Minas Gerais, trabalhou como
promotor público.
As obras de José Lins do Rego são marcadas por memórias e carregadas de expressões
regionais. Ele passou a infância no Engenho do seu avô (por conta da morte precoce de sua
mãe), e conheceu de perto a realidade nordestina, experiências essas que posteriormente
seriam relatadas em suas obras1. Os engenhos são cenários que estão presentes em muitas de
suas obras (em razão da convivência com o mundo dos senhores de engenho), principalmente
as que fazem parte do ciclo cana de açúcar, como Menino de Engenho, Doidinho, Banguê e
Fogo Morto.
Além de escrever sobre os engenhos, José Lins do Rego almejava ser também
proprietário de engenho (DANTAS, 2015, p.110). Ele foi um importante romancista, que
demonstrou em suas obras o Nordeste em decadência com o declínio dos engenhos de cana de
açúcar, e sendo

Descendente de senhores de engenho, o romancista soube fundir numa


linguagem forte e poética oralidade as recordações da infância e da
adolescência com registro intenso da vida nordestina colhida por dentro,
através dos processos mentais de homens e mulheres que representam a
gama ética e social da região (BOSI, 2015, p. 270).

Nas obras de José Lins do Rego é perceptível o uso de uma linguagem simples, oral,
como Bosi expõe acima. Por meio delas, ele relata experiências vividas, carregadas de
nostalgia tendo sua produção uma forte vinculação com a realidade. Como Bosi (2015, p.
271) explica:

A riqueza no plano do relacionamento com o real trouxe consigo maior força


de estruturação literária. Assim sendo o “espontaneísmo”, apontado nas
palavras do próprio José Lins como caráter inerente a seu trabalho de
escritor (“o dizer das coisas como elas surgem na memória”), vem da ênfase
em um momento limitado da sua história criadora.

1
José Lins do Rego dispõe de uma memória tanto individual quanto coletiva. Suas obras são permeadas de
recordações do que ele viveu em meio ao ciclo da cana de açúcar. Para escrevê-las ele recorre as suas
lembranças, tendo assim a partir dessas lembranças sua “intuição sensível” (enfoque individual que tem sobre
uma determinada lembrança), mas isso só é possível porque “seus pensamentos e seus atos se explicam pela sua
natureza de ser social, e que em nenhum instante deixou de estar confinado dentro de alguma sociedade”
(HALBWACHS, p.36-37, 1990).
20

A obra de José Lins do Rego é dividida em três ciclos, que são eles: Cana de açúcar,
Cangaço e Ciclo dos romances independentes. Nesse primeiro ciclo, “A região canavieira da
Paraíba e de Pernambuco em período de transição do engenho para a usina encontrou [...] sua
mais alta expressão literária” (BOSI, 2015, p. 270).
No dia 15 de setembro de 1955, ele é eleito para Academia Brasileira de Letras. E na
Academia Paraibana de Letras é patrono da cadeira 39.
Menino de Engenho é a obra de estreia de José Lins do Rego, pela qual recebe o
prêmio da Fundação Graça Aranha. O romance relata a história do personagem Carlinhos, que
tem uma infância difícil, marcada pela morte precoce de sua mãe, e sua mudança para viver
no Engenho do avô José Paulino. Vivendo no Engenho, Carlinhos passa por muitas
experiências, como a descoberta da sexualidade. Na casa do seu avô, ele passa a ser cuidado
pela sua tia Maria. Depois de um tempo tia Maria se casa, e logo depois, Carlinhos vai para o
colégio interno.
No ano de 1957, 12 de setembro, no Rio de Janeiro, morre um dos representantes do
Regionalismo no Brasil, que dedicou parte de sua vida em abordar a questão social do Brasil,
e principalmente da região Nordeste, o romancista José Lins do Rego, o qual foi enterrado no
Cemitério São João Batista.

2.3 A sociedade nordestina na obra Menino de Engenho de José Lins do Rego

Como já discutido em seções anteriores, sabemos que a produção Regionalista


mantém forte vínculo com a realidade, e muitas obras acabam sendo inspiradas por
experiências vividas no cotidiano. Um exemplo de obras desse tipo é a obra Menino de
Engenho, que tem como inspiração as experiências que o escritor José Lins do Rego passou
vivendo nos engenhos do Nordeste.
O século XX no Brasil é marcado por intensas mudanças no âmbito político,
econômico e cultural. O desenvolvimento do capitalismo estava em progresso. Houve vários
eventos que marcaram esse século, um deles foi a Semana de Arte Moderna em 1922.
O Regionalismo de 30 marcou essa década e trouxe aos escritores a necessidade de
desnudar o Brasil, principalmente as regiões rurais. É exatamente nesse contexto que a obra
Menino de Engenho se encaixa. A referida obra vem a abordar a região da Paraíba, e a
realidade dos engenhos com o declínio da produção açucareira, ocasionada pela intensa
industrialização.
21

O cenário político brasileiro girava em torno da política do café com leite, onde o
poder ficava centrado nas mãos do estado de São Paulo e de Minas Gerais. Por conta dos
avanços tecnológicos, resultantes da Revolução Industrial,

O quadro geral da sociedade brasileira dos fins do século vai se


transformando graças a processos de urbanização e à vinda de imigrantes
europeus em levas cada vez maiores para o centro-sul. Paralelamente,
deslocam-se ou marginalizam-se os antigos escravos em várias áreas do país.
Engrossam-se, em consequência, as fileiras de pequena classe média, da
classe operária e do subproletariado. Acelera-se ao mesmo tempo o declínio
da cultura canavieira no Nordeste que não pode competir, nem em mão-de-
obra, com a ascensão do café Paulista (BOSI, 2015, p. 209-210).

É propriamente essa realidade que José Lins do Rego capta ao escrever Menino de
Engenho, a realidade da crise da cana de açúcar no Nordeste, o Nordeste em decadência.
Região essa que tinha pouca influência na política nacional, que era liderada ora por São
Paulo, ora por Minas Gerais.
É na década de 30 que “surgem então os primeiros livros brasileiros de orientação
marxista [...] o marxismo repercutiu em ensaísta, estudiosos, ficcionistas que não eram
socialistas nem comunistas, mas se impregnaram da atmosfera ‘social’ do tempo”
(CANDIDO, 1989, p. 189). É nesse momento então, que os escritores regionalistas voltam
seus interesses para o aspecto social do Nordeste, representando sua realidade através da
literatura.
O livro também retrata uma sociedade que acabara de sair do regime escravocrata, mas
que ainda carrega traços da escravidão, como se pode verificar no trecho “As negras do meu
avô, mesmo depois da abolição, ficaram todas no engenho [...] E elas trabalhavam de graça
com a mesma alegria da escravidão” (REGO, 2017, p. 75-76). Além disso, a obra mostra uma
sociedade baseada na aristocracia rural, sendo uma sociedade patriarcal, onde os poderes
centram-se nas mãos de um homem – José Paulino – O Senhor do Engenho, como vemos no
trecho da obra “O velho José Paulino gostava de [...] dar os seus gritos de chefe, ouvir queixas
e implantar ordem. Andávamos muito nessas suas visitas de patriarca” (REGO, 2017, p. 57).
O processo industrial foi tardio na região Nordeste, e a economia e os trabalhos eram
resultantes apenas do engenho, com a produção da cana de açúcar. “Nesse contexto, a figura
do coronel se destacou [...]. Comandante da vida econômica e social de grande parte da
população” (SILVA, 2014, p.20).
José Lins do Rego escreve a obra Menino de Engenho, demonstrando também o
vocabulário Regional, utilizando-se de expressões tipicamente nordestinas, como as palavras
22

– Aceiros, adjutório, aperreios, eito, obrando, ouças, pai-d’égua, purgar, rojão, touceira etc. o
que permite a nós conhecermos as peculiaridades do falar nordestino. Com o regionalismo,
José Lins abre espaço para uma Literatura menos conservadora, pois

Até 1930 a literatura predominante e mais aceita se ajustava a uma ideologia


de permanência, representada sobretudo pelo purismo gramatical, que tendia
no limite de cristalizar a língua e adotar como modelo a literatura
portuguesa. Isto correspondia às expectativas oficiais de uma cultura de
fachada, feita para ser vista pelos estrangeiros, como era em parte na
República Velha (CANDIDO, 1989, p, 186).

Além da divulgação de ideias marxistas, “houve nos anos 30 uma espécie de convívio
íntimo entre a literatura e as ideologias políticas e religiosas [...] houve penetração difusa das
preocupações sociais e religiosas nos textos” (CANDIDO, 1989, p.188). Esse fato pode ser
observado na obra Menino de Engenho, onde há certo grau de religiosidade. O capítulo 17 de
Menino de Engenho é repleto de menções que se referem à religião, como podemos observar
mais precisamente no fragmento abaixo:

A religião dele não conhecia a penitência e esquecia alguns dos


mandamentos da lei de Deus. Não ia às missas, não se confessava, mas em
tudo que procurava fazer lá vinha um ‘se Deus quiser’ ou ‘tenho fé em nossa
senhora’. A minha tia Maria cuidava de ensinar a mim e os moleques as
rezas que até hoje sei (REGO, 2017, p. 60-61).

Então, é perceptível que a partir da crônica de memórias de José Lins do Rego,


podemos conhecer particularidades da região nordestina, uma região rica em vários aspectos,
e muitas das vezes esquecida e vítima de preconceitos.
23

3 MULHER E LITERATURA: representações sociais nas primeiras décadas do século


XX

Ao olharmos a história do período colonial no Brasil, observamos que a sociedade


nordestina era demarcada pela autoridade paterna, as famílias eram caracterizadas pela figura
do senhor do Engenho, o chefe que comandava a todos. Nessa caracterização da sociedade
nordestina rural, havia uma primazia social masculina, as mulheres eram colocadas em
condição inferior, a elas cabia o cuidado da casa e dos filhos, atividades estritamente
domésticas.
Com o fim do período Colonial, o Brasil, e também a organização familiar passa por
transformações. No final do século XIX e início do século XX as relações sociais se
transformam: as mulheres já poderiam escolher com quem casar, não era mais o casamento
arranjado etc. Mas é importante destacar que essas transformações não ocorrem no Brasil
como um todo e que por mais que tenha havido mudanças, ainda se perpetuara até o século
XX a ideia do casamento como sendo a coisa mais importante na vida de uma mulher, e
também ainda havia casamentos arranjados pelos pais visando um acordo econômico, se
perpetuando também o modelo de família patriarcal, tão típico nas áreas rurais do Nordeste.
Kessamiguiemon (2002, p. 02) utiliza-se de (HAHNER, 1978; FONSECA, 2000; MÜLLER,
1999) para expor que:

Sem identidade e/ou autonomia, mesmo nos anos iniciais do século XX, o
fim último da existência da mulher ainda era constituir família – através do
casamento – e nela expandir seus atributos morais e espirituais, pois,
segundo o pensamento majoritário da época, a mulher seria a guardiã da
moral pela sua essência pura, desprovida de instintos sexuais.

A partir disso, podemos observar que desde muito cedo as mulheres sofrem repressão,
sendo obrigadas a inibir os seus desejos sexuais, e tendo como única escolha trilhar o caminho
do matrimônio, estando confinada ao ambiente doméstico. Segundo Mestre (2004, p.35)

Em revista da época, textos acompanhados de ilustrações sugestivas


evidenciam quais eram as representações do que se entendia como papel e
função das mulheres na família: ser dócil ao que delas esperava a sociedade
e responsáveis pela constituição, manutenção e aderência dos membros ao
seu núcleo central: pai-mãe, como cuidadores da prole. Isto para uma
camada social média.

Ser mulher sempre foi um desafio, tanto historicamente como na literatura. Ao


observarmos a história da busca das mulheres por espaço na sociedade, percebemos o quanto
24

foi uma trajetória de luta que se perpetua até os dias atuais. Se as mulheres em geral eram
submissas, silenciadas, vítimas de preconceito por conta do gênero, havia aquelas que sofriam
ainda mais por conta de sua cor. As mulheres negras eram estigmatizadas pelo gênero e pela
cor da pele, sendo vítimas da servidão, e tendo seus corpos como objetos de prazer dos seus
senhores. Spivak (2010) enfatiza que a situação da mulher como subalterna é mais difícil “se
é pobre, negra e mulher, está envolvida de três maneiras” (2010, p.85).
No Período Colonial, as mulheres eram guiadas à luz dos princípios bíblicos regidos
pela Igreja Católica, como preservar sua virgindade, o que era sinônimo de pureza, de mulher
honesta e obediente. Ao passar dos anos, esses princípios foram assegurados pela medicina,
no que diz respeito à maternidade. Por razões biológicas, a medicina social atribuía às figuras
femininas as seguintes características: fragilidade, modéstia, capacidade emocional superior à
capacidade intelectual, e estava designada a ser mãe. Ao contrário, ao homem é atribuída à
força física, natureza autoritária, age mais pela razão e tem desejos sexuais irrestritos. Vimos
então que as características da mulher são suficientes para comprovar sua submissão. A ela
era proibido se envolver em atividades sexuais antes do casamento (SOIHET, 2012). Em
Menino de Engenho vemos isso explicitamente, a personagem tia Maria casa de branco
trazendo a ideia de virgindade, pureza, já o menino Carlinhos possui liberdade sexual ainda na
infância. Vemos então como há diferença na relação feminino/masculino.
A mulher deveria dedicar-se somente ao lar e a família. Até mesmo “nas décadas de
1960 e 1970, ainda imperava o conceito de que a maternidade era um exercício mais que
obrigatório – quase a única – ou uma das únicas formas de alcançar a felicidade” (MESTRE,
2004, p.125).
A maioria das mulheres era analfabeta, pois a maior parte das instruções que recebiam
era em relação aos trabalhos domésticos. No século XX, as mulheres “embora tendo acesso à
educação, esta deveria ser diferente daquela recebida pelos homens” (MESTRE, 2004, p.15).
Perrot (2012, p. 93) relata que era necessário “instruí-las apenas no que é necessário para
torná-las agradáveis e úteis: um saber social, em suma. Formá-las para seus papéis futuros de
mulher, de dona de casa, de esposa e mãe”.
No Brasil, na virada do século XIX para o século XX, houve uma restrição no que diz
respeito à educação das mulheres, pois com o modelo de nova mulher que estava vindo à
tona, sucedeu-se recusa quanto ao casamento, e acreditava-se que era devido a muitas leituras
feitas pelas mulheres, então, a educação delas devia se limitar ao molde da sociedade
(KESSAMIGUIEMON, 2002), ou seja, sua instrução devia ser relacionada a atividades
domésticas.
25

Somente a partir do final do século XIX e início do XX que as mulheres puderam


trabalhar fora de casa, sendo professora. Mas longe de atribuir esse fato como uma conquista,
pois esse era mais uma forma de aceitar sua submissão. “Permitir” que as mulheres
trabalhassem como professora foi mais um meio de preconceito velado, pois apesar da
reivindicação por educação, as mulheres ainda são comandadas, e colocadas como
professoras, por ser instituído pelos homens que é um serviço de mulher, e o exercício dessa
profissão reforça ainda mais o caráter maternal. Pois, “No caso do modelo materno, repete-se
o estereótipo atribuído à mulher: esta devia ser mais que dócil e submissa, abnegada e atenta
às necessidades dos filhos. Suas opiniões e desejos pessoais não tinham importância, pois
existia para servir” (MESTRE, 2004, p.39). Assim também era o papel da professora, cuidar
do aluno como se fosse mãe, dando total atenção e apoio no que fosse necessário, realizando
sua função que era “servir”.
Apesar de poderem trabalhar fora de casa, como professora, enfermeira, costureira
(atividades consideradas femininas), não eram bem vistas, pois ainda havia o pensamento que
a mulher deveria apenas cuidar do lar, dessa forma tinham que lutar constantemente para não
serem julgadas como prostitutas, pois estavam sempre submetidas aos olhares críticos de uma
sociedade com preceitos bem demarcados do que era ser mulher.
Ser mulher no século XX “era não passar as raias da moralidade dominante. Era não
desviar-se, mas submeter-se; pois, na época, insubmissão e insanidade mental eram
consideradas sinônimos ou consequências mútuas; uma resvalando ou conduzindo à outra.”
(KESSAMIGUIEMON, 2002, p. 05).
A partir do exposto, podemos ver que as mulheres deviam seguir regras impostas e se
submeter aos princípios da época. Por exemplo, em relação ao casamento, restava as mulheres
a “aceitar que o seu único recurso era aderir ao casamento como opção ‘natural’ e acreditar
que seriam felizes” (MESTRE, 2004, p. 58), ou acreditar “que esse fosse o único caminho de
vida disponível para elas em face do discurso ao qual estavam submetidas, pelas mais diversas
instituições sociais: Estado, Igreja, família, escola e até pela medicina” (MESTRE, 2004, p.
57).
É sabido através da história da literatura no ocidente, que as mulheres não tinham
espaço para tornar conhecidos os seus escritos, e que a realidade feminina era descrita por
homens. Os trabalhos realizados pelas mulheres não deviam ser intelectuais, e sim trabalhos
que giravam em torno de cuidar do lar e do marido.
No que diz respeito à literatura, restringia-se o ato de escrever aos seres masculinos, “o
sujeito feminino era conhecido, apenas, a partir do imaginário masculino, pelo qual era
26

representada, através de discursos que o definiam e instituíam regras do que as mulheres


deviam dizer ou fazer e como deveriam ser” (NASCIMENTO, 2015, p. 292). A figura
feminina é descrita sobre a ótica masculina, e a educação que elas recebiam era voltada para
instrução de como serem boa dona de casa, boa mãe e boa esposa.
Eram poucas as mulheres que tinham acesso à escrita, é por isso que “ao passar os
olhos em qualquer manual de História da Literatura, nota-se uma tímida presença de mulheres
escritoras, ou, em alguns manuais, uma completa ausência” (NASCIMENTO, 2015, p.284).
Mesmo não sendo permitida a escrita de mulheres, há aquelas que transgrediam ao modelo
imposto em sua época, e acabam escrevendo e publicando, mas utilizando-se de pseudônimos,
prática muito empregada no início do século XX (KESSAMIGUIEMON, 2002), o que acaba
revelando a subalternidade feminina, que não podendo publicar com o seu nome por ser
mulher, utilizava de nomes masculinos para tornar público os seus escritos.
Destarte “As mulheres deixam poucos vestígios diretos, escritos ou materiais. Seu
acesso à escrita foi tardio” (PERROT, 2012, p. 17). Por isso, é comum encontrar obras
escritas por homens descrevendo as mulheres sobre sua ótica, sendo difícil encontrar obras de
mulheres falando delas mesmas. Algumas mulheres ainda escreviam em diários, sobre seu dia
a dia, mas,

[...] suas produções domésticas são rapidamente consumidas, ou mais


facilmente dispersas. São elas mesmas que destroem, apagam esses vestígios
porque os julgam sem interesse. Afinal, elas são apenas mulheres, cuja vida
não conta muito. Existe até um pudor feminino que se estende à memória.
Uma desvalorização das mulheres por si mesmas (PERROT, 2012, p. 17).

Devido todo esse cenário em que a mulher não tem acesso à educação e está
determinado que suas tarefas tenham que ser no meio privado, trabalhando na ordenação do
lar “não é de causar admiração, que o acesso à produção literária seja, ainda, difícil para
autoras mulheres: seu lugar social, que as radica ao cotidiano e a praticidade doméstica, é
francamente antitético com a ideia socialmente veiculada de criatividade” (SCHWANTES,
2006, p. 10,). Segundo Teixeira (2009, p. 88-89) “Na literatura, a representação dos homens e
das mulheres e das relações entre eles, tem, há séculos, o caráter de reservar à mulher a
condição de inferioridade”.
Acredita-se que as mulheres são frágeis, possuem menos inteligência, agem muito
mais pela emoção, não têm capacidade de ocupar o domínio público. Por isso, tornam-nas
espectadoras do seu próprio viver, são regradas e ocupam sempre uma posição de
inferioridade comparada ao homem.
27

No que diz respeito à escrita e o saber “estiveram, em geral, ligados ao poder e


funcionaram como forma de dominação ao descreverem modos de socialização, papéis sociais
e até sentimentos esperados em determinadas situações” (TELLES, 2012, p. 401, 402). Como
até o início do século XX grande parte das mulheres brasileiras era analfabeta, e em relação a
todos os pontos discutidos nessa seção, podemos inferir que a história das mulheres com a
educação e acesso aos espaços públicos em geral foram bem difíceis.

3.1 A Casa Grande e os espaços destinados às mulheres em Menino de Engenho

Este tópico está ligado intrinsecamente com a discussão feita na seção anterior, pois
nele demonstramos que tanto na literatura quanto na história os espaços designados às
mulheres são sempre inferiores, e o cuidar da casa era o destino final.
A obra Menino de Engenho como já fora discutido no capítulo anterior, estabelece
um vínculo com o contexto em que a obra foi produzida. Portanto, os espaços ocupados pelas
mulheres dentro da obra, não seria diferente da realidade do século XX.
Diante disso, a mulher é apresentada em posições diferentes das dos homens, e
relacionado ao seu gênero, é atribuída a elas as tarefas domésticas, a procriação, bem como o
cuidado dos filhos e do marido. Portanto, o local destinado às mulheres era do domínio
privado, ser mulher era ficar restrita as ocupações do lar.
A obra Menino de Engenho faz parte da “literatura nordestina de 1930”, em que:

[...] temos o predomínio da temática sertaneja, com sua economia açucareira,


e seu pensamento, inegavelmente patriarcal. Diante disso, percebemos que
esta literatura regionalista mantém um padrão, ainda muito arraigado à visão
masculina acerca do mundo e dos acontecimentos. A realidade social dos
engenhos, seus senhores e funcionários (ou, seria melhor dizer criados).
Sendo as mulheres, em suas diversas posições sociais, sempre submissas e
dependentes do homem (SILVA, 2014, p. 16).

Em Menino de Engenho, vemos que o lugar da mulher é em casa cuidando das


tarefas domésticas. Há algumas que transgridem a esse espaço, mas estão de uma forma ou de
outra sujeitas a ordem vigente na época.
Vemos no espaço da casa grande que as mulheres ocupam em especial a cozinha e
comandam a casa em geral. Por exemplo, a personagem tia Sinhazinha era quem cuidava da
casa grande de José Paulino, era ela quem regia os serviços que as negras deviam fazer. E
dona Generosa era quem “cozinhava para a casa grande” (REGO, 2017, p. 79). Longe de
atribuir essas tarefas como demonstrativo de superioridade, pois o trabalho de ambas as
28

personagens envolvem o lar, local que a história do início do século XX destina às mulheres.
Espaço esse que acaba corroborando ainda mais para a sua submissão.
José Paulino era o patriarca, mas não se metia a nada que se relacionasse a cozinha,
pois somente às mulheres eram responsáveis por esse espaço. “Apenas as mulheres se tornam
donas-de-casa e prestam ‘serviços domésticos’, apesar de todos os senhores requererem os
‘serviços’ de seus subordinados” (PATEMAN, 1993, p. 188). Elas apenas tinham voz dentro
do ambiente doméstico, eram sempre confinadas a esse espaço. A condição da mulher é
sempre inferior em relação aos homens.
Ainda havia as mulheres que sofriam ainda mais por conta dessa submissão, eram as
mulheres negras. Elas eram responsáveis pelas tarefas mais duras, e além de deverem
obediência aos seus senhores, deviam também às mulheres brancas, pois eram suas criadas.

Embora ambas sejam discriminadas no eixo do gênero, mulheres brancas e


negras ocupam espaços sociais diferentes: de um lado estão as mulheres
brancas, desempenhando o papel de esposas e mães; do outro, as negras,
desempenhando funções subalternas, não raro atreladas à objetificação
sexual (ROSSINI, 2016, p.13).

Quando o menino Carlinhos chegou ao engenho de seu avô, levaram ele para a
cozinha, pois “As negras queriam ver o filho de d. Clarisse. Vemos então que essas mulheres
‘pertencem’ sempre à cozinha ou à rua, dois condicionantes sociais que caracterizam a
experiência social de milhares de mulheres negras, no começo do século vinte” (BORA;
OLIVEIRA, 2011, p. 235-236). As mulheres negras serviam os senhores de duas formas:
tanto na cozinha, quanto na cama para procriar, sendo assim objeto sexual. As mulheres
brancas eram “para casar”, as negras eram apenas para o divertimento. Elas eram
estigmatizadas pela cor e pelo gênero (COSTA, 2020).
Outra tarefa atribuída às mulheres era a de costureira. Elas cozinhavam e cosiam. No
preparatório do casamento de tia Maria “Não sei quantas costureiras cosiam as suas camisas e
as suas saias brancas. Bordavam letras nas fronhas”. (REGO, 2017, p.94).
Podemos ver que o protagonista da obra passa sua infância na fazenda. Depois de um
tempo é levado à escola para estudar. Pelo contrário não vemos mulheres que residiam na
fazenda sendo enviada para a escola, pois esse ambiente não era para mulheres, que sendo
educadas poderiam representar uma ameaça para as regras da sociedade vigente. No livro cita
que a filha de seu Lula foi educada em colégios de Recife, mas era uma educação voltada para
o aspecto comportamental para ser uma boa moça.
29

3.2 Poder e patriarcado em Menino de Engenho

A obra Menino de Engenho foi escrita em um período em que a sociedade era regida
pelo sistema patriarcal. E como toda sociedade, tem suas divisões hierárquicas, ao ler o livro,
podemos ver isso refletido. Homens brancos mandam, homens negros obedecem e há também
nisso as mulheres que de uma maneira geral são submissas aos homens, mas há aquelas que
sofrem mais por conta da cor da sua pele. Essas são as mulheres negras.
Por isso, neste estudo, é imprescindível que se discuta poder e patriarcado. Pateman
(1993, p.17) explana que “Patriarcado geralmente é interpretado como regime paterno (no
sentido literal do termo)”, porém ele explica que o patriarcado abrange mais que a dominação
no sentido familiar, pois se relaciona também ao elo marido e mulher a partir do “contrato
sexual”.
Pateman (1993, p. 17) aborda que a relação de dominação homem/mulher gira em
torno de um pacto original, que “é tanto um contrato sexual quanto social: é sexual no sentido
de patriarcal – isto é, o contrato cria o direito político dos homens sobre as mulheres –, e
também sexual no sentido do estabelecimento de um acesso sistemático dos homens aos
corpos das mulheres”.
O conceito de Pateman (1993) sobre o patriarcado nos permite entender que a
dominação abarca também a relação da sexualidade das mulheres, por isso esse conceito
torna-se pertinente em nossa pesquisa, para entendermos o que acontece com as personagens
femininas na obra Menino de Engenho (2017), em especial a personagem Zefa Cajá, que é
retratada na obra como “a grande mundana dos cabras do eito” (REGO, 2017, p. 134). Desse
modo, vê-se na descrição da personagem a submissão daquela que está no mundo e precisa
carregar as suas dores e as do meio onde vive, era a mulher de uso, pertencia aos cabras.
O fato de Pateman (1993) abordar a questão do “contrato sexual” torna o conceito
dele sobre patriarcado significativo nesse estudo, pois ao falar sobre contrato sexual, acaba
incluindo nesse aspecto a questão do casamento, fator que será analisado levando em conta a
personagem tia Maria, que é apresentada no dia do seu casamento como “toda de branco, bem
triste, olhando para o chão” (REGO, 2017, p. 126). Pateman (1993, p.18) ainda acrescenta que
“o contrato sexual é transformado em contrato matrimonial”.
De acordo com Saffioti (2011, p. 128) “Focalizar o contrato sexual, colocando em
relevo a figura do marido, permite mostrar o caráter desigual deste pacto, no qual se troca
obediência por proteção. E proteção, como é notório, significa, no mínimo a médio e longo
30

prazos, exploração-dominação”. Além disso, a autora apresenta que o casamento “une um


indivíduo a uma subordinada” (SAFFIOTI, 2011, p. 128). A perspectiva de Saffioti contribui
para compreendermos que o contrato sexual parte de uma visão patriarcal, que mostra de
forma notória a subalternidade da mulher.
Segundo Saffioti (2011, p. 54) “as relações patriarcais, suas hierarquias, sua estrutura
de poder contaminam toda a sociedade”. Tomando por base o que define o patriarcalismo, que
no caso é a submissão da mulher ao homem, existe nesse ínterim a hierarquização, onde há
uma supremacia masculina, figura que dispõe de espaços mais privilegiados, sendo
considerado o detentor do poder.
Ademais, Saffioti (2011, p. 71) retrata que “A desigualdade, longe de ser natural, é
posta pela tradição cultural, pelas estruturas de poder, pelos agentes envolvidos na trama de
relações sociais”. A desigualdade entre homens e mulheres se apresenta de diversas maneiras,
uma delas diz respeito aos lugares ocupados pelas mulheres, que muitas vezes são periféricos,
onde não se dá muita visibilidade e reconhecimento no trabalho desenvolvido. No sistema
patriarcal, as mulheres deveriam ser educadas a agir conforme a vontade dos homens,
devendo assim empenhar-se nas tarefas de casa. Os homens estavam envolvidos nos negócios
e relações políticas, enquanto o espaço da mulher era restrito ao território domiciliar.
Dalcastagnè (2005) faz um estudo sobre alguns romances modernos, mostrando que há
uma ausência de personagens que fazem parte de grupos marginalizados, como negros e
mulheres. Além disso, ela explica que quando esses personagens fazem parte do romance, sua
voz é silenciada.
Conforme Dalcastagné (2005, p.15):
O silêncio dos grupos marginalizados – entendidos em sentido amplo, como
todos aqueles que vivenciam uma identidade coletiva que recebe valoração
negativa da cultura dominante, sejam definidos por sexo, etnia, cor,
orientação sexual, posição nas relações de produção, condição física ou
outro critério – é coberto por vozes que se sobrepõem a ele, vozes que
buscam falar em nome desses grupos.

No regime patriarcal havia esse ato de silenciar, especialmente quando se trata das
mulheres que tinham o seu lugar de fala suprimido, pois havia a centralização do falar, que
era restrita somente a figura masculina. Pois,
[...] devido à tradição patriarcal em nossa cultura, a maior parte dos
preconceitos ainda recai sobre as mulheres. O patriarcalismo, enquanto um
conjunto de normas elaboradas pelos homens brancos e heterossexuais,
sempre esteve calcado em práticas autoritárias, pois exclui certos grupos
sociais do seu centro de interesse. Os negros, os sujeitos homossexuais e as
mulheres, por ameaçarem a ordem das leis, eram sempre ideologicamente,
minimizados pela sociedade (TEIXEIRA, 2009, p 88).
31

Regina Dalcastagné (2005, p.17) ainda acrescenta que “o fundamental é perceber que
não se trata apenas da possibilidade de falar, mas da possibilidade de ‘falar com autoridade’,
isto é, o reconhecimento social de que o discurso tem valor e, portanto, merece ser ouvido”. O
poder de ter voz muitas vezes é negado aos grupos que estão à margem, mas é importante
destacar que não é apenas ter um lugar de fala, mas ter essa voz como importante dentro da
narrativa, pois no que diz respeito aos grupos marginalizados, às vezes até tem liberdade para
falar, mas somente o que é permitido expressar.
O conceito de Dalcastagné (2005, p. 21-22) sobre a literatura, nos permite entender
melhor, as relações de poder que se estabelecem dentro das obras. A autora expressa que:

A literatura é um artefato humano e, como todos os outros, participa de jogos


de força dentro da sociedade. Essa invisibilização e esse silenciamento são
politicamente relevantes, além de serem uma indicação do caráter excludente
de nossa sociedade (e, dentro dela, de nosso campo literário).

A partir de análises de diversos romances brasileiros, a autora destaca que: “Às


mulheres, cabe à esfera doméstica, o mundo que a ficção lhes destina” (DALCASTAGNÉ,
2005, p. 43), mostrando que em diversas obras literárias, cabe às personagens femininas,
apenas as tarefas domiciliares.
Baseado no que foi exposto acima, podemos ver que assim como na vida real, a ficção
também é permeada de relações hierárquicas de poder, em que há o grupo que detém o poder,
e há aqueles que pertencem à margem.
Em uma sociedade Patriarcal como é abordada em Menino de Engenho, quem detém
o poder é o Patriarca. Todas as pessoas ficam abaixo e sujeito aos mandos desse ser. Saffioti
(2011, p. 31) expressa que “O poder é macho, branco e, de preferência, heterossexual”. Ela
ainda explica que “O poder apresenta duas faces: a da potência e a da impotência. As
mulheres são socializadas para conviver com a impotência; os homens sempre vinculados à
força – são preparados para o exercício do poder. Convivem mal com a impotência”
(SAFFIOTI, 2011, p. 84). Sobre essa questão da potência atribuída aos homens, e impotência
às mulheres, Bourdieu (2014) afirma que a construção social atribui ao masculino o “habitus
viril” que difere ao feminino, atribuindo ao homem a virilidade, que é sinônimo de potência,
força, coragem e é isso que evidencia a masculinidade, por isso é explicado por ele que é
necessário separar o menino de sua mãe, para que ele possa adquirir experiências de como
viver em sociedade como “um homem”. À filha não passa por isso, pois vai perpetuar a
vivência da mãe.
32

No ambiente familiar, as mulheres estão sujeitas ao mando dos pais, irmãos ou


qualquer figura masculina presente na casa. Ao casar permanecem tendo que obedecer aos
mandos de uma figura masculina que é o marido. Pateman (1993, p.42) evidencia que “O
poder conjugal não é paterno e sim parte do direito sexual masculino, o poder que os homens
exercem enquanto homens e não enquanto pais”.
Por conta desse poder que os homens detém em uma sociedade patriarcal, se acham no
direito de poder violar o corpo das mulheres, por achar que lhes pertencem. “A satisfação dos
impulsos sexuais masculinos tem que ser obtida por meio do acesso a uma mulher, mesmo se
o seu corpo não for utilizado de uma forma direta” (PATEMAN, 1993, p. 293), o que acaba
resultando em atos de violência sexual contra as mulheres.
33

4 A PASSIVIDADE DO SUJEITO FEMININO EM MENINO DE ENGENHO: análise e


crítica

A ideia que o homem é o detentor de poder é perpassada em meio a sociedade, essa é


uma visão que se perpetua e que acaba se fixando através de instituições pelas quais somos
regidos, como a escola, a família, a igreja, dentre outras. Então podemos dizer que a questão
da dominação masculina não é algo que vem do biológico, mas é uma “construção arbitrária
do biológico”. Para que o poder exista, é preciso de alguém que o exerça (dominador/ativo) e
de outro que seja refém desse poder (dominado/passivo). E é isso que se interpõe na relação
homem/mulher, por meio da “violência simbólica”, que se dá de maneira natural, devido às
construções sociais (BOURDIEU, 2014).
A narrativa do livro Menino de Engenho já começa com uma cena trágica e
“clássica” em relação às mulheres que são seres enraizados na ideia de submissão. Nas
primeiras páginas do romance vimos o trágico fim da mãe do protagonista da obra, ela é
morta pelo marido, dentro de sua própria casa. O protagonista Carlinhos retoma em sua
memória essa cena trágica da seguinte maneira:

O quarto de dormir de meu pai estava cheio de pessoas que eu não conhecia.
Corri para lá, e vi minha mãe estendida no chão e meu pai caído em cima
dela como um louco. A gente toda que estava ali olhava para o quadro como
se estivesse em um espetáculo. Vi então que minha mãe estava toda banhada
de sangue [...] O criado, pálido, contava que ainda dormia quando ouvira uns
tiros no primeiro andar. E, correndo para cima, vira meu pai com o revólver
na mão e minha mãe ensanguentada. “O doutor matou dona Clarisse!” Por
quê? Ninguém sabia compreender (REGO, 2017, p.25).

Ao observarmos a trajetória da mulher na história, é comum vermos aquelas que foram


vítimas de violência física, e até aquelas que são vítimas do “extremo”, são mortas pelos seus
companheiros – o chamado crime passional, que se faz em nome do amor. Homens que
cometiam esses crimes, muitas vezes eram absolvidos, pois se associava a eles a loucura, ou
seja, cometiam esses crimes por terem algum problema psicológico, ou até mesmo se
justificavam através de algo que a mulher fazia, não a considerando como vítima.
Naturalizam-se esses crimes, “Na França, por exemplo, psicólogos e juristas
empenharam-se para demonstrar que o chamado crime passional era uma mera expansão
brutal do instinto sexual, que cabia a civilização controlar, sendo esse instinto ativo no
homem, enquanto na mulher ele se manifestava pela passividade” (SOIHET, 2012, p. 381),
34

então se entendia que essa brutalidade era algo comum ao ser masculino, e isso era mais uma
forma de demonstrar que a força e o poder era designado ao homem.
Voltando ao caso inicial do romance, vimos a personagem Clarisse sendo vítima de
um crime cometido pelo próprio esposo. Ao longo da narrativa, percebemos que Clarisse era
vítima de um relacionamento abusivo, onde o seu marido exercia poderes sobre sua vida e a
controlava. Segundo Saffioti (2011, p.74) “O gênero, a família e o território domiciliar
contêm hierarquias, nas quais os homens figuram como dominadores-exploradores”. Portanto,
as dominadas, silenciadas são sempre as mulheres. No patriarcado essa “sujeição das
mulheres deriva do fato de ser mulher” (PATEMAN, 1993, p. 200), ou seja, o simples fato de
pertencer ao gênero feminino já as colocava em posições de inferioridade e sujeição, e é o que
acontece com a personagem Clarisse dentro da obra.
Ela é uma personagem vítima de um sistema patriarcal ainda forte, e acaba sendo
representada na obra de forma resignada ao esposo. Portanto, “As representações do feminino
no discurso literário têm sua constituição calcada em apreciações de ordem moral e valorativa
e em modelos de comportamentos presos ao espírito da nossa cultura, sendo,
indubitavelmente, regidas pela lógica patriarcal” (TEXEIRA, 2009, p. 87). Desse modo,
inferimos que a obra Menino de Engenho acaba nos fornecendo como eram vistas as mulheres
nos anos finais do século XIX e início do XX, carregando assim projeções de uma realidade
vivenciada na região Nordeste.
No capítulo dois do livro, vemos que ao rememorar sua história, Carlinhos exprime
algumas características de seu pai e relata o seguinte sobre ele: “discutia muito com minha
mãe. Gritava, dizia tanta coisa, ficava com uma cara de raiva que me fazia medo. [...] O amor
que tinha pela esposa era um amor de louco.” (REGO, 2017, p. 27). Nessa passagem vimos
que há uma visão distorcida de amor. Era um amor doentio, que resultava em “cuidados”
exacerbados, mas que era naturalizado por Clarisse, que sempre perdoava o marido.
Há, portanto, uma suavização do que fora cometido pelo marido de Clarisse, pois se
justificava em nome do amor – “amor de louco” –, sendo isso fruto do patriarcado, em que o
homem tem sempre razão naquilo que faz. A partir disso, podemos inferir que o pai de
Carlinhos tinha total poder sobre Clarisse, se achando no direito de tirar até sua vida, como
acontece no romance. Observamos então que as mulheres sempre foram sujeitas aos mandos
dos seus companheiros, pois “a construção ideológica de gênero mantém a dominação
masculina” (SPIVAK, 2010, p.66-67). E é uma dominação em todos os aspectos, pois,
35

Em se tratando de sociedade brasileira, desde os primórdios de nossa


formação sociocultural, verificamos a prevalência de um sistema de
dominação exclusivamente masculino, que constantemente negou à mulher
seus direitos, um sistema de domínio e dependência imposto tanto pela força
física, quanto financeira (SILVA, 2014, p.12).

Ainda em relação à personagem Clarisse, vimos que ela era uma mulher enclausurada
aos moldes patriarcais, e era exemplo de uma mulher modelo para a época em que o livro foi
escrito. Do comportamento dela diz-se:

Falava para todos com um tom de voz de quem pedisse um favor, mansa e
terna como uma menina de internato. Criara-se em colégios de freiras, sem
mãe, pois o pai ficara viúvo quando ela ainda não falava. Filha de senhor de
engenho, parecia mais, pelo que me contavam de seus modos, uma dama
nascida para a reclusão (REGO, 2017, p. 28).

A partir desse fragmento, podemos notar que ela recebeu uma educação direcionada
para ser uma boa moça, uma mulher respeitável, restrita aquilo que o período lhe impunha,
adaptando-se aos costumes esperados para uma mulher no início do século XX.
Carlinhos relembra a convivência com sua mãe da seguinte maneira: “passava o dia
inteiro comigo. Era pequena e tinha os cabelos pretos. Junto dela não sentia necessidade dos
meus brinquedos [...] Horas inteiras eu fico a pintar o retrato dessa mãe angélica, com as cores
que tiro da imaginação, e vejo-a assim, ainda tomando conta de mim, dando-me banhos e me
vestindo” (REGO, 2017, p. 27-28). Percebe-se que Clarisse também além de ser uma esposa
voltada para o seu marido, também era um exemplo de mãe que supria todas as necessidades
do filho. Portanto, era uma mulher que obedecia ao modelo de mulher imposto no
patriarcalismo, que devia ser boa esposa e mãe, e abdicar de sua própria vida para cumprir seu
dever como mulher em uma sociedade patriarcal, tendo assim uma conduta que se esperava
socialmente.
Mesmo sendo vítima das intemperanças do seu marido, ela continua nesse
relacionamento, pois “O casamento ainda era visto como indissolúvel, e a elas cabia mantê-lo
desse jeito” (MESTRE, 2004, p.130). Por isso, ela segue obedecendo aos mandados de seu
esposo, o qual tinha divergências com o seu pai, e por causa disso ela nunca fora passar um
tempo no engenho, por estar submetida ao poder de seu marido. A este respeito Mestre (2004,
p.63) apresenta em seu estudo que “O sentimento de abnegação, carinho, desvelo e sacrifícios,
não somente era esperado, mas incentivado a ser desenvolvido como virtudes femininas”.
Observamos então que Clarisse faz o que é esperado dela, desenvolve essas virtudes e se
sacrifica em nome de sua família.
36

O menino Carlinhos acrescenta que “sempre que perguntava a minha mãe por que não
me levava para o engenho, ela se desculpava com o emprego de meu pai. Daí a impressão
extraordinária que me iam causando os mais insignificantes aspectos de tudo o que estava
vendo” (REGO, 2017, p. 33). Entendeu-se, portanto, que Clarisse não ia ao Engenho, porque
era sujeita aos domínios de seu marido, o qual não a deixava ir visitar o seu pai, pois o local
de mulher era em casa, exercendo o papel de esposa e mãe. “Não só as mulheres se tornam
trabalhadoras, mas o contrato de casamento estabelece a dona-de-casa como uma trabalhadora
no lar conjugal” (PATEMAN, 1993, p. 195-196). Portanto, esse é o local em que as mulheres
devem permanecer. “Elas atuam em família, confinadas em casa, ou no que serve de casa. São
invisíveis” (PERROT, 2012, p.16).
Com a morte da mãe de Carlinhos, o menino é levado para o Engenho de seu avô
materno para ficar sobre os cuidados de tia Maria, irmã de Dona Clarisse. Ao chegar no
engenho, Carlinhos é apresentado às negras da casa, e começa a chorar quando tia Galdina diz
que ele se parece muito com a mãe. Nesse espaço de tempo, tia Maria diz ao Menino: “Agora
vou ser sua mãe. Você vai gostar de mim. Vamos, não chore. Seja homem”. (REGO, 2017, p.
31). Nessa fala de tia Maria pode-se ver que ela carrega em sua vida esse instinto materno,
que é algo exigido para as mulheres dessa época, ela é envolvida pelo espaço onde vive,
carregando em si os ideais patriarcais sobre a figura feminina. Mesmo não sendo mãe
biológica, trilha o caminho da maternidade ao cuidar de seu sobrinho. A personagem tia
Maria era uma verdadeira mãe para os meninos do engenho, até quando a velha Sinhazinha
trancava a despensa, ela roubava frutas para dá a eles, sendo assim uma forma de cuidado, de
servir.
Analisando a sua personagem, ela também é exemplo de mulher modelo dentro da
obra, tendo os “atributos” que eram esperados do ser feminino em uma sociedade patriarcal.
Ao falar ao seu sobrinho para ser homem e não chorar, vimos que está internalizado nela que
ao homem não cabe emoção, sentimentos, que ele não pertence ao “sexo frágil”, e devem agir
somente pela razão (o que se refere a uma construção social), o que nos leva a apreender que
se trata de uma frase machista proferida por ela. Pois, acreditava-se que somente a mulher
cabia à fragilidade das emoções. Em vista disso, Bourdieu (2014, p. 46) expõe que: “Os
dominados aplicam categorias construídas do ponto de vista dos dominantes às relações de
dominação, fazendo assim ser vistas como naturais”. E é isso que a personagem tia Maria faz,
específica que Carlinhos não pode chorar, pois esse ato resulta no “ferimento” de sua
masculinidade, pois ser homem é sinônimo de força e homem de “verdade” não chora. Ela
37

profere esse pensamento que é decorrente das relações de poder e que acabam sendo
inculcado em sua vida.
Tia Maria é a personagem que nos faz notar como o matrimônio é algo importante em
uma sociedade patriarcalista. O capítulo 16 do livro Menino de Engenho relata desde os
preparativos do casamento até a sua realização, como vemos no fragmento abaixo:

No Engenho, os preparativos da festa tomavam conta de todas as atividades.


Os pintores já tinham terminado a limpeza da casa-grande. Tudo estava
cheirando ao óleo novo das portas; os marceneiros envernizavam a mobília
preta da sala; recendia o ouro-banana das molduras remoçadas. [...]
Começavam a chegar as gentes dos outros engenhos para a grande festa de
são Pedro [...] E na beira dos rios começavam a matança dos porcos e dos
carneiros (REGO, 2017, p. 123-125).

Toda essa preparação para festejar o casamento era habitual, pois “Os costumes
sociais e as tradições de festejos que acompanham a realização do matrimônio são atos
consagrados pela comunidade e que manifestam a aprovação do casamento” (MESTRE, 2004,
p. 56). Portanto, a noiva não tinha o direito de aprovar ou não aprovar o casamento. A
sociedade aprovando já era o suficiente. Pois as mulheres estavam sempre rodeadas de
normas que regiam como deviam ser, se comportar e o que deviam aceitar, internalizando
nelas o silenciamento. Tia Maria aceita todas as dominações que lhe são impostas.
O casamento de tia Maria fora um casamento arranjado, pois “a presença da mulher
solteira em casa – em particular nos sertões – era um perigo para a família, cuja honra era um
peso a ser carregado; assim, a grande preocupação era arranjar-lhe um ‘bom’ matrimônio”.
(KESSAMIGUIEMON, 2002, p.02), ou seja, era um perigo ter mulher solteira em casa, pois
era necessário estar com os olhos atentos a essa mulher, que deveria ter respeito ao seu corpo
e preservar sua virgindade até o casamento, isso era sinônimo de ser uma boa moça, “mulher
de família”; as que fugiam a esse padrão, eram vítimas do julgamento da sociedade. E se
observa que

[...] a pressão social para as mulheres se tornarem esposas é tão forte quanto
a econômica. As mulheres solteiras não têm uma situação social definida e
aceitável; torna-se a esposa de um homem ainda é o principal meio pelo qual
a maioria das mulheres obtém uma identidade social definida (PATEMAN,
1993, p. 198).

A personagem tia Maria acaba sendo vítima dessa pressão social, e casa-se com seu
primo. Ela é completamente direcionada pelos comportamentos e condutas sociais que se
esperava de uma mulher de sua época e se ajusta aos moldes de sua sociedade. Perpetuando
assim o modelo de família patriarcal.
38

No relato do casamento de tia Maria, ela é descrita da seguinte forma: “toda de


branco, bem triste, olhando para o chão” (REGO, 2017, p. 126). Em contraste a figura dela
triste, vemos o seu noivo descrito da seguinte maneira: “contente, respondendo às pilhérias
dos rapazes” (REGO, 2017, p. 126). Ao analisarmos a forma que tia Maria é apresentada
durante a festa de seu casamento, podemos então perceber que ela não estava feliz com o
casamento, mas o aceitara para cumprir o seu papel de mulher em um sertão marcado pelo
poder patriarcal. Vimos que esse poder impera tanto nesse romance, pois todos elogiavam
José Paulino pelo casamento, pois aos olhos da sociedade, ele cumprira o seu papel de pai,
passando os “cuidados” dela para outro homem, agora seu esposo, representando assim uma
troca de poderio, que diz respeito ao contrato sexual abordado por Pateman (1993), não se
trata mais apenas de apenas um poder político, mas um poder também sobre o seu corpo. A
cor do vestido que tia Maria usa também é carregada de significados, ela se casa de branco
para representar a pureza, associada à virgindade.
O casamento era, portanto, o fim único de uma mulher, e era o que determinava se era
uma boa moça. E “assim, quando ‘aceitam’ casar, estar aí, implícita, uma troca, uma permuta
entre o aceitar o que não seria sua escolha e aquilo que julgam estar ganhando, ou pelo menos
deixando de perder. O que talvez, não estava ao seu alcance era saber que trocariam uma
tutela por outra” (MESTRE, 2004, p. 57), ou seja, deixaria de estar sujeita aos mandos do pai,
para agora se sujeitar as vontades e ordens do marido. O casamento acaba unindo assim um
indivíduo a uma subordinada (SAFFIOTI, 2011).
Em meio às personagens femininas, temos a figura do patriarca, o Coronel José
Paulino. Ele representa a força e o poderio masculino. É ele que dá ordens aos seus
subordinados. Na sala de jantar Carlinhos fala que ele “ficava do lado direito e a minha tia na
cabeceira” (REGO, 2017, p.33). Apesar do lado da cabeceira ser o lugar normalmente
ocupado pelos chefes das famílias, vemos que nesse caso quem ocupa esse local é uma
personagem feminina – tia Maria –, e José Paulino nesse caso ocupa o lado direito. É
importante esclarecer que não associamos esse fato como uma maior representatividade
feminina, já que segundo Bourdieu (2014, p. 36), a direita é o lado masculino, sendo assim o
lado que representa a força. Baseado nisso, podemos inferir que esse lado direito acaba por
denotar o seu poderio, um lugar na mesa que a partir de Bourdieu (2014) podemos concluir
que representa o lado da potência, e é ocupado pelo Patriarca. A partir do lugar ocupado por
José Paulino na mesa de jantar, vemos a relação de poder estabelecida entre homem e mulher.
No Sistema patriarcal, a primazia é sempre masculina, a quem o feminino deve
“obediência” (SAFFIOTI, 2011). Como prova dessa primazia masculina, é que Carlinhos
39

expõe: “O meu avô andava vestido num grande e grosso sobretudo de lã, falando com uns,
dando ordens a outros” (REGO, 2017, p. 32). Era seu avô o “Senhor” do Engenho. Nesse
caso, as vestimentas funcionam como designação do poder. Vestir a lã era sinônimo de poder
pois era um tecido nobre e indicava a posição social.
Outra personagem que Carlinhos rememora é a tia Sinhazinha. Ele a descreve da
seguinte maneira:

A minha tia Sinhazinha era uma velha de uns setenta anos. Irmã de minha
avó, ela morava há longo tempo com o seu cunhado. Casada com um dos
homens mais ricos daqueles arredores, o dr. Quincas, do Salgadinho, vivia
separada do marido desde os começos do matrimônio. Era um temperamento
esquisito e turbulento. Conta-se que um dia amanhecera num engenho do seu
pai amarrada num carro de boi. Com uma carta do marido fazendo voltar ao
sogro a sua filha (REGO, 2017, p.36).

Conforme notamos através dessa descrição, podemos compreender que Sinhazinha é


mais uma personagem vítima de uma sociedade patriarcal, mas o tempo todo resiste a essa
ideia de submissão, não obedece aos desejos e poder do marido, por isso é devolvida ao pai.
Ao falar do seu casamento, exibe-se logo que seu marido era um homem rico, pois os
casamentos comumente eram baseados no poder financeiro e não no amor, casamentos eram
arranjados e negociados entre famílias de poder equivalentes: era uma forma de negócio, e por
ser uma forma de negócio, as mulheres acabam por serem tratadas como mercadorias, objetos.
Podemos verificar isso no seguinte trecho “conta-se que um dia amanhecera num engenho do
seu pai amarrada num carro de boi. Com uma carta do marido fazendo voltar ao sogro a sua
filha” (REGO, 2017, p.36). A respeito de sua devolução, podemos pressupor que ela foi
devolvida por resistir à submissão, por ter um gênio forte não aceitou a ideia de submissão ao
marido. Outro pressuposto que podemos lançar, mas que não é descrito no livro, é que
Sinhazinha pode ter sido pega em traição, o que era intolerável na época, pois apesar de ser
devolvida ao pai, ela vai para a casa do cunhado, possivelmente por seu pai não a aceitar, por
ter desfeito o casamento, e isso ser motivo de desonra, já que para o pai ter uma filha casada
era motivo de reconhecimento e honra.
Vimos a humilhação que ela sofrera, sendo amarrada no carro de boi com uma carta de
devolução, como se fosse um produto que se comprou, experimentou e não gostou. O “status
de sujeito, que efetivamente define a mulher como objeto de um marido”. (SPIVAK, 2010, p.
108). Então percebemos que quem procura opor-se as normas, de manter um casamento, de
resguardar o corpo, entre outras vigentes, acaba por sofrer punições.
40

Ainda sobre Sinhazinha se expõe: “Era ela quem tomava conta da casa do meu avô,
mas com um despotismo sem entranhas. Com ela estavam as chaves da despensa, e era quem
mandava as negras no serviço doméstico. Em tudo isso, como um tirano” (REGO, 2017,
p.36). Pode-se associar aqui que essa personagem detinha algum poderio, mas vimos em
Sinhazinha características de uma mulher da época do patriarcalismo, que apesar de tentar
driblar esse sistema, ao assumir a função de comandar a casa, acaba se sujeitando a ele, pois
nessa função exercida por ela, é como se tivesse exposto que é dever dela, por ser mulher
cuidar da casa, por isso não vimos esse “comandar a casa”, como uma supremacia da mulher
na obra. O poder de cuidar da casa é invisibilizado, associa-se sempre que o trabalho está para
o homem (no espaço público), e a mulher que fica em casa (espaço privado) não faz nada. O
único espaço que devia ser ocupado pela mulher era esse, uma vez que “sob a ordem
patriarcal de gênero as mulheres não detêm nenhum poder” (SAFFIOTI, 2011, p.118).
Por ter um casamento desfeito, ela acaba tendo uma vida solitária, pois é “odiada” por
todos da casa, e não é reconhecida por um nome, não tem uma identidade própria, já que se
acreditava que a mulher só teria uma identidade reconhecida somente através de um
casamento e só poderia ser feliz estando casada. “Assim, é estabelecido para as duas metades
do gênero humano uma maneira de a personagem feminina ocupar o lugar de objeto nos
discursos, cujos conteúdos se encarregam de expor como justas as causas de sua submissão”
(TEIXEIRA, 2009, p. 86).
O romance destaca outro grande nome masculino na trama, o cangaceiro Antônio
Silvino. Ele era temido por muitas pessoas. Um dia ele fora visitar o Engenho Santa Rosa, e
fora um alvoroço na cozinha para preparar o jantar, e tia Maria ficava a rezar no quarto por
temer a visita do cangaceiro. Conta-se que ele fizera uma velha “dançar nua, dando
umbigadas num pé de cardeiro” (REGO, 2017, p, 41).
Ao buscarmos entender as imagens que esse fragmento acima nos traz, podemos
indagar o seguinte: o porquê da mulher nua? O porquê de fazer dançar? Essas escolhas para
castigar essa mulher acabam por caracterizar o uso – mesmo que de uma forma indireta – do
corpo da mulher de uma forma não consentida, já que representava um castigo. Ela fora
obrigada a ficar nua e dançar, satisfazendo assim Antônio Silvino. E isso se torna
representativo, pois “os homens exercem a lei patriarcal do direito sexual masculino, e de
acesso aos corpos das mulheres” (PATEMAN, 1993, p. 292). E isso mais uma vez mostra as
relações de poder instituídas através da condição sexual. Há também outra relação que
podemos estabelecer através desse fragmento, que diz respeito a forma de defesa das
mulheres. Tia Maria, com medo de Antônio Silvino, usa o quarto (espaço privado) para rezar,
41

em contraste Antônio Silvino para se defender porta armas, esse aspecto acaba denotando a
subalternidade feminina.
Antes de Carlinhos ir para o colégio interno, ele teve alguns mestres para lhe ensinar
as primeiras letras, um deles foi o dr, Figueiredo. Só que na verdade quem ensinava o menino
era a esposa de Figueiredo, a chamada Judite. Essa situação tem grande relação com o
contexto em que são colocados os personagens dessa trama. Sabemos que durante os
primeiros anos do século XX, o patriarcado estava em voga. O lugar da mulher era em casa,
mas voltada para o cuidado do lar e trabalhos fora desse contexto não eram vistos com bons
olhos pela sociedade. “Lecionar era ‘descer’ na escala social, pois o discurso oficial
masculino burguês apresentava como mulher ‘elevada’ aquela dedicada aos filhos e
sustentada pelo marido” (KESSAMIGUIEMON, 2002, p.02). Judite ensinava, mas quem
recebia o nome de mestre era seu marido, pois não caía bem a sociedade saber que sua esposa
trabalhava como professora, mesmo que dentro de casa. Ela desempenhava esse trabalho, mas
por trás da figura do marido. E apesar do trabalho feminino não ser visto com bons olhos, o de
professora era o único ainda “mais aceitável”, pois trazia por detrás a ideia do cuidado, assim
como na maternidade, aspecto que demonstra a feminilidade. Judite tinha esse cuidado com
Carlinhos, o qual ver em Judite uma feição materna e tem empatia pelo seu sofrimento.
Ainda no que diz respeito à personagem Judite, vimos que ela é vítima de violência
física e psicológica por parte de seu marido. O menino Carlinhos conta que:

Uma vez a vira chorando, com os olhos vermelhos, e o dr. Figueiredo saindo
de casa batendo a porta. E doutra, enquanto eu ficava sozinho na sala com a
minha carta na mão, ouvi no interior da casa um ruído de pancadas e uns
gritos de quem tivesse apanhando. Compreendi então que a minha bela
Judite apanhava do marido. Tive mesmo ímpeto de correr para a rua e
chamar o povo para acudi-la. Mas fiquei quieto na cadeira, escutando-lhe o
soluço abafado. Mais tarde ela chegou para me ensinar, e me abraçou e me
beijou como nunca. Fiquei a pensar no que sofria a minha amiga, na
convivência daquele homem magro e alto. E o meu coração sentiu-se cheio
de uma afeição estranha pela sua mulher. Era tão terna pra mim, me punha
no colo para me agradar, para me dizer que me queria um bem de mãe. Eu
sentia o seu sofrimento como se fosse o meu (REGO, 2017, p. 54).

A partir do fragmento acima, vimos que Judite é violentada dentro da sua casa. É
dominada e subjugada em todos os aspectos. E apesar da violência de que é vítima, continua
terna, dócil, passiva, como se espera de uma mulher nesse contexto do patriarcado.
Segundo Perrot (2012, p. 77) Acreditava-se que “bater na mulher e nos filhos era
considerado um meio normal, para o chefe de família, de ser o senhor de sua casa - desde que
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o fizesse com moderação” (PERROT, 2012, p.77), ou seja, era uma forma de legitimar sua
masculinidade e seu poderio, de provar que era o chefe do lar, bater na mulher era uma forma
de torná-la obediente. “Efetivamente, a questão se situa na tolerância e até no incentivo da
sociedade para que os homens exerçam sua força-potência-dominação contra as mulheres, em
detrimento de uma virilidade doce e sensível” (SAFFIOT, 2011, p.75). A respeito disso
Foucault (1987) discute em seu livro Vigiar e punir sobre a docilidade dos corpos. Segundo
ele, “É dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser transformado e aperfeiçoado”
(1987, p. 163), ou seja, um corpo docilizado está sujeito à dominação e deve obediência.
Portanto, podemos inferir que Judite passa por essa docilização, o que acaba sendo uma forma
de dominação, ela deve ser submissa às ordens de seu marido, pois essa docilização gera uma
relação de obediência, é imposto preceitos que delimitam seu comportamento. Desse modo,
vimos também que Judite está cercada pelas condutas esperadas socialmente, que atribui à
mulher uma condição inferior – sendo passiva e terna mesmo em meio à violência –, enquanto
ao homem é atribuída a força.
O romance é permeado por exemplos do uso dos corpos das mulheres. Zefa Cajá é
uma das personagens conhecida como a “mundana dos cabras do eito” (REGO, 2017, p. 134).
Descrição que já denota que ela era uma mulher de uso sexual. Em vista disso, Pateman
(1993, p.285) expõe que “a prostituição faz parte do exercício da lei do direito sexual
masculino, uma das maneiras pelas quais os homens têm acesso garantido aos corpos das
mulheres”. O casamento, portanto, acaba sendo apenas uns dos meios de ter acesso sexual.
Como as mulheres negras ou mulatas não eram tidas para casarem, eram usadas apenas para a
diversão, o que mostra sua submissão duplicada. Carlinhos narra sobre Zefa Cajá o seguinte:

Ficou comigo uma porção de vezes. Levava as coisas do engenho para ela –
pedaços de carne, queijo roubado do armário; dava-lhe o dinheiro que meu
avô deixava por cima das mesas. Ela me acariciava com uma voracidade
animal de amor: dizia que eu tinha gosto de leite na boca e me queria comer
como uma fruta de vez (REGO, 2017, p. 134)

Podemos observar no trecho acima a submissão da personagem Zefa Cajá a


Carlinhos. Ele tinha desejos sobre o corpo dela, e ela saciava os seus desejos em troca de
alimentos e dinheiro, o que faz com que ela seja tratada como uma mercadoria que se possa
comprar ou trocar por algo, sendo assim só um objeto de prazer. Carlinhos expõe no seguinte
trecho que “conversando com ela, olhando para a mulata com vontade mesmo de fazer coisa
ruim” (REGO, 2017, p.134). Vimos então que é como se o corpo da mulher negra funcionasse
como um convite ao uso sexual. Pois se acreditava que era o corpo de pele escura que
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despertava tentações nos homens. (ROSSINI, 2016). É através do domínio sexual que os
homens afirmam sua masculinidade (PATEMAN, 1993). Podemos falar que a posição de
Zefa Cajá é incerta. Ela é mulher e mulata, e acaba tendo que se sujeitar a prostituição, talvez
por questões econômicas. Ela não se submete aos moldes de uma sociedade patriarcal, não se
resguardando ao sexo e não impondo limites quanto seu corpo, mas acaba tendo que se
submeter também aos homens com quem se relaciona, pois para a prostituta não há uma troca
de amor, não há um prazer mútuo, ela estar somente para satisfazer os desejos do homem em
troca de algo (PATEMAN, 1993). O que há é apenas uma exploração do corpo da mulher. De
forma consciente ou inconsciente há uma sujeição feminina.
As negras como já discutimos anteriormente eram duplamente estigmatizadas, pela cor
e por ser mulher. Elas não ocupavam os lugares das mulheres brancas, e sim pertencia a
cozinha e também servia como diversão para os seus patrões. Em um dos trechos do livro, o
personagem Zé Guedes diz o seguinte a Carlinhos: “Aquela ali já foi passada. Quem manda
nela é o doutor Juca”. E Carlinhos narra: “E eu ia sabendo que o meu tio Juca tinha mulatas
em quem mandava” (REGO, 2017, p.56). Segundo Pateman (1993, p. 299) “Na prostituição,
o corpo da mulher e o acesso sexual ao seu corpo são objetos do contrato”. Portanto, os
homens detêm de uma liberdade que dá o direito de comandar a vida das mulheres, e ter
acesso ao seu corpo, mesmo de maneira não consentida, sendo assim por obrigação.
Durante a narração do livro, vimos que diversas vezes o narrador fala “das negras”
sem haver uma nomeação das mesmas. São tratadas como um todo, sem haver diferenciação.
É narrado o seguinte trecho sobre elas: “Não conheci marido de nenhuma, e no entanto
viviam de barriga enorme, perpetuando a espécie sem previdência e sem medo” (REGO,
2017, p. 76). Outras tinham filhos dos mais variados homens, como é o caso da negra
Avelina. Outras engravidavam e nem sabem quem é o pai, como é o caso da negra Luísa em
sua primeira gravidez. Diante disso vemos como o corpo de mulheres negras eram utilizados
apenas para o divertimento dos homens.
Ao falar das negras de José Paulino, Carlinhos narra o seguinte:

As negras de meu avô, mesmo depois da abolição, ficaram todas no


engenho, não deixaram a rua, como elas chamavam a senzala. E ali foram
morrendo de velhas. Conheci umas quatro: Maria Gorda, Generosa, Galdina
e Romana. O meu avô continuava a dar-lhes de comer e vestir. E elas a
trabalharem de graça, com a mesma alegria da escravidão. As suas filhas e
netas iam-lhes sucedendo na servidão, com o mesmo amor à casa-grande e a
mesma passividade de bons animais domésticos (REGO, 2017, p. 75-76).
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Vimos aqui que as mulheres negras eram tidas como propriedades, e mesmo após a
abolição ainda continuam servindo ao antigo senhor, não buscam mudar essa realidade.
Podemos inferir que isso acontece por estar internalizado nelas a ideia de submissão, por
viverem em um ambiente rodeado por regras tradicionais ainda continuam com as práticas
submissas.
Percebemos ainda que elas são comparadas a animais domésticos, por continuar
prestando serviços para a casa grande. “A velha Generosa cozinhava para a casa grande.
Ninguém mexia num cacareco da cozinha a não ser ela. E viesse se meter nos seus serviços,
que tomavam gritos, fosse mesmo gente da sala” (REGO, 2017, p. 79). Diante disso
verificamos que as mulheres, particularmente as negras, se submetem de forma natural a
prestar os serviços domésticos, pois como Pateman (1993, p. 188) evidencia, isso “faz parte
do significado patriarcal da feminilidade, do que é ser mulher”.
Assim, notamos que as mulheres que vivem em meio ao regime do patriarcado, são
silenciadas, vítimas das mais diversas humilhações e são usadas das mais diversas maneiras,
seja sexualmente, ou através do trabalho em ambientes domésticos, restando a elas sempre o
espaço privado.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante a elaboração do presente trabalho foi possível compreendermos a relação que


a obra Menino de Engenho tem com o contexto em que foi produzida. Vimos que apesar de
ser uma obra ficcional, ela acaba sendo permeada por preceitos que estavam em vigor no final
do século XIX e início do século XX. O autor José Lins do Rego rememora parte de sua
infância que viveu em meio aos engenhos, por isso que na obra analisada esse espaço se torna
tão presente. A partir disso podemos dizer que o romance traz como se dá a relação entre
homem e mulher em uma sociedade patriarcal.
Dessa forma, foi possível percebermos como a relação entre homem e mulher é
permeada por tratamentos desiguais, as mulheres são passivas e ocupam lugares inferiores,
tendo acesso somente ao espaço privado, enquanto a vida pública cabia aos homens. Sendo
assim confirmamos a nossa hipótese inicial – que as mulheres em Menino de Engenho eram
passivas em vários aspectos –. Enquanto aos homens exigia-se a força, as mulheres exigia-se
que fossem obedientes, ternas, sendo assim submissas as ordens dos homens.
De um modo geral as mulheres da obra estavam confinadas a ficar dentro de casa,
cuidando dos filhos, do marido, cumprindo assim o que se esperava delas. Mas apesar de
cumprirem com o papel que lhe é imposto, muitas vezes são vítimas de violência, tanto física
quanto psicológica. A exemplo disso vimos a personagem Clarisse e Judite.
Mais do que compreender que as mulheres são submissas, apontamos também que há
uma diferenciação entre as mulheres brancas e as negras. Elas estão enclausuradas dentro de
costumes, regras e modelos patriarcais, mas as mulheres brancas tem certo privilégio em
detrimento das negras, elas são as moças que se destinam ao casamento, já que fazem parte de
famílias com mais poder aquisitivo, às negras cabe à cozinha, desempenhando trabalhos
domésticos, e servem para a diversão dos seus patrões, utilizadas como objetos sexuais. Essas
últimas são duas vezes mais subalternas, por conta de sua cor e por ser mulher. Elas são
utilizadas apenas como objetos para satisfazer as necessidades dos homens. A exemplo disso,
vimos que o livro é permeado por mulheres negras que engravidam sem ao menos saber quem
é o pai.
Percebemos então que o fator sexual funciona como uma forma de poder. Em meio ao
patriarcalismo, os homens acreditam ter o direito de usar o corpo da mulher de forma direta
ou indireta, mesmo que não seja de maneira consentida, como ocorre com a personagem que
Antônio Silvino faz dançar nua.
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Através desse estudo mostramos que as mulheres de Menino de Engenho, apesar de


todas estarem inclusas em um regime que as coloca como submissas, há aquelas que lutam
contra essas normas sociais, a exemplo disso, a personagem Sinhazinha, que desfaz o
casamento, mas que mesmo assim, não deixa de estar sujeita, pois vive em um ambiente
privado. Há também aquelas que são usadas sexualmente, e que apesar de não resguardar o
seu corpo (o que é esperado), se submetem dando prazer aos homens em troca de algo, não
havendo uma relação prazerosa para ambos, e sim um controle sobre os corpos das mulheres,
Portanto, vimos que mesmo aquelas que tentam se opor e transgredir, acabam caindo em outra
forma de submissão.
Diante disso, foi possível responder a pergunta a qual nos propomos nesse trabalho,
vimos que há uma diferença característica na relação homem e mulher. Às mulheres reservam
o silêncio e a subalternidade, estando à penumbra. Já os lugares de destaque são ocupados
pelo ser masculino. Há uma primazia masculina, a esse respeito, encontramos como exemplo
a figura do coronel José Paulino, o qual ocupa um lugar notório.
Diante do que foi exposto, vimos também que a dominação masculina não está apenas
restrita ao poder paterno, mas também ao marido, concedido pelo matrimônio. E quando não
se está sujeita as ordens dos pais e do marido, estão sujeitas as ordens dos senhores e
“cabras”. Portanto, independente da posição que é ocupada pelas mulheres, há uma primazia
masculina, sendo elas sempre submissas e estando à margem.
O romance nos mostra, portanto, que a posição do ser masculino já é consolidada em
meio às relações sociais. Dessa forma, cumprimos com os objetivos a que nos propomos,
vendo como a relação masculino/feminino é permeada por um privilégio masculino, que
acaba dando o direito de posse do corpo feminino, sendo assim o fator sexual um meio para
utilização do poderio.
Nesse sentido, a obra nos permitiu ver como as mulheres eram representadas na época,
mesmo que houvesse alguns traços que as diferenciava, mas mesmo assim, eram todas
vítimas do regime patriarcal. Há desse modo um predomínio de ideias machistas ancoradas no
patriarcado, fazendo pensarmos não somente no século XX, mas também em nossa
atualidade, pois mesmo que as mulheres tenham ganhado espaço, ainda há a propagação de
concepções patriarcais.
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