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Aline Vieira Scarlatelli-Lima
Jaime Lin
Leticia Domingos Ronzani

Neuro em Cena
Aprendendo Neurologia
Através do Cinema
Brazil Publishing Autores e Editores Associados Associação Brasileira de Editores Cien�ficos
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Comitê Editorial
Editora-Chefe: Sandra Heck
Editor-Coordenador: Nicole Kollross
Editor-Comercial: Diego Ferreira dos Santos Vieira
Diagramação e Projeto Gráfico: Samuel Hugo
Arte da Capa: Bruno Veríssimo Hingst
Revisão de Texto: Os autores

DOI: 10.31012/978-65-5861-597-2

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Bibliotecária: Maria Isabel Schiavon Kinasz, CRB9 / 626

Scarlatelli-Lima, Aline Vieira


S286n Neuro em cena: aprendendo neurologia através do cinema /
Aline Vieira Scarlatelli-Lima, Jaime Lin, Letícia Domingos Ronzani
–1.ed. - Curitiba: Brazil Publishing, 2021.
[recurso eletrônico]

Vários colaboradores
ISBN 978-65-5861-597-2

1. Neurologia. 2. Cinema. I. Lin, Jaime. II. Ronzani, Letícia Domingos. III.


Título.
CDD 616.8 (22.ed)
CDU 616.8

[1ª edição – Ano 2021]


www.aeditora.com.br
Abstract

The mystery and impact related to pathologies of the human brain are com-
monly reported in cinematographic works. In this sense, there are movies
well-founded in the scopes of medicine, and there are movies lost in the
translation of Neurology to art. In “Neuro em Cena” Neuroliga Unisul, assisted
by Neurologists, Neuropediatrics, Psychiatrics and Geneticists, brings scien-
tific reviews of neurological and neuropsychiatric diseases accompanied
by film critics about the clinical veracity of those disease’s representations.
Aiming to spread neurological knowledge, “Neuro em Cena” will demystify the
cinematographic representations of human brain diseases and review the
pathologies mentioned during the process.
SUMÁRIO

Capítulo 1 - AFETO PSEUDOBULBAR. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9


Isabella Paes Angelino; Ana Paula Goulart, M.Sc

Capítulo 2 - AMNÉSIA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
Daiana Gomes de Sousa; Aline Vieira Scarlatelli-Lima, M.Sc

Capítulo 3 - AUTISMO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
Thainy Côrrea Beluco; Jaime Lin, M.Sc

Capítulo 4 - ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL ISQUÊMICO . . . . . . . . . . . . . 29


Leticia Domingos Ronzani; Gabriela Costa Bernades; Ana Caroline Benin

Capítulo 5 - CEFALEIA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
Daniel Fontelles; Linério Ribeiro de Novais Júnior; Thalita Martinelli

Capítulo 6 - COMA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
Gabriela Costa Bernades; Andreia Bittencourt Rodrigues

Capítulo 7 - DEMÊNCIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
Gabriela Costa Bernades; Aline Vieira Scarlatelli-Lima, M.Sc

Capítulo 8 - DOENÇAS DO NEURÔNIO MOTOR. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69


Taís Luise Denicol; Jaime Lin; Louise Lapagesse de Camargo Pinto, PhD

Capítulo 9 - DISTÚRBIOS DO SONO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76


Laíse Koenig de Lima; Linério Ribeiro de Novais Júnior; Aline Vieira Scarlatelli-Lima, M.Sc

Capítulo 10 - DOENÇA DE ALZHEIMER. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86


Linério Ribeiro de Novais Jr.; Aline Vieira Scarlatteli-Lima, M.Sc

Capítulo 11 - DOENÇA DE HUNTINGTON . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94


Laíse Koenig de Lima;Andréia Bittencourt Rodrigues, Esp.
Capítulo 12 - DOENÇA DE LYME . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98
Linério Ribeiro de Novais Jr.; Aline Vieira Scarlatteli Lima, M.Sc

Capítulo 13 - DOENÇA DE PARKINSON . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103


Laíse Koenig de Lima
Andréia Bittencourt Rodrigues, Esp.

Capítulo 14 - ENCEFALITES. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111


Lia Zumblick Machado; Thalita Martinelli

Capítulo 15 - ESCLEROSE MÚLTIPLA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117


Daiana Gomes de Sousa; Aline Vieira Scarlatelli-Lima, M.Sc

Capítulo 16 - ESQUIZOFRENIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 126


Hannah Bang; Ana Paula Goulart, M.Sc

Capítulo 17 - MENINGITE. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135


Taís Luise Denicol; Andréia Bittencourt Rodrigues

Capítulo 18 - NEUROGENÉTICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 140


Tuany Batista Santos; Louise Lapagesse de Camargo Pinto, PhD

Capítulo 19 - PARALISIA CEREBRAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147


Ricardo Souza Cabral; Jaime Lin, Esp.

Capítulo 20 - POLIOMIELITE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 156


Laíse Koenig de Lima; Jaime Lin, M.Sc

Capítulo 21 - SÍNDROME DE TOURETTE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 160


Taís Luise Denicol; Ana Paula Goulart, M.Sc

Capítulo 22 - SÍNDROME DO ENCARCERAMENTO . . . . . . . . . . . . . . . . 167


Linério Ribeiro de Novais Jr.; Andréia Bittencourt Rodrigues, Esp.

Capítulo 23 - TRANSTORNO AFETIVO BIPOLAR. . . . . . . . . . . . . . . . . 172


Daiana Gomes de Sousa; Jaime Lin

Capítulo 24 - TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO. . . . . . . . . . . . . . 179


Hannah Bang; Ana Paula Goulart, M.Sc

Capítulo 25 - TRANSTORNO DO DÉFICIT DE ATENÇÃO COM HIPERATIVIDADE . . . . 190


Leticia Domingos Ronzani; Jaime Lin

Capítulo 26 - TRANSTORNOS POR USO DE SUBSTÂNCIAS . . . . . . . . . . . . . 199


Isabella Paes Angelino; Ana Paula Goulart, M.Sc
Capítulo 27 - TRAUMA RAQUIMEDULAR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 208
Leticia Domingos Ronzani; Andréia Bittencourt Rodrigues, Esp.

ÍNDICE REMISSIVO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 215

SOBRE OS AUTORES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 216


Capítulo 1
AFETO PSEUDOBULBAR

Isabella Paes Angelino1


Ana Paula Goulart, M.Sc2

Paciente masculino, cerca de 40 anos, solteiro, tabagista,


trabalha como palhaço e sonha em ser comediante. Apresenta episódios
de riso sem motivo aparente e riso exagerado em situações em que não
há algum estímulo para tal. Não tem controle sobre a risada, apesar
de estar deprimido na maioria das vezes em que ela ocorre. Sente-se
constrangido quando essas crises acontecem em ambientes públicos,
por isso anda com um folheto com os dizeres: “Perdoe meu riso. Tenho
uma doença. É uma condição médica que causa risos repentinos,
frequentes e incontroláveis, que não correspondem à maneira como me
sinto. Pode acontecer em pessoas com lesões cerebrais ou em certas
doenças neurológicas”.
Vítima de abandono paterno e com passado de internação
psiquiátrica, comparece semanalmente a encontros com agente social
para acompanhamento. Vive em situação precária e necessita de auxílio
governamental para manter sua saúde. Mora com a mãe, que também
é portadora de doença mental e precisa de cuidados diários, que são
prestados pelo filho.

1 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), médica formada pela Universidade do Sul de Santa Catarina,
Unisul – Tubarão/SC.
2 Médica Psiquiatra Especialista em Psiquiatria da Infância e Adolescência. Professora e Mestre do curso
de Medicina pela faculdade de medicina da Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/SC.

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Aprendendo Neurologia Através do Cinema

O afeto pseudobulbar é caracterizado por descontrole emocional,


de curta duração, manifestando-se por choro e/ou riso desproporcional ou
inapropriado no contexto em que o indivíduo está inserido. A diferença entre
humor e afeto se torna importante para compreensão do transtorno, uma
vez que ambos são incongruentes nessa situação. Cheniaux define “humor”
como um somatório de vivências afetivas, sendo um elemento mais dura-
douro e que não se relaciona a um determinado objeto. Já o afeto, trata-se
de um elemento de curta duração, uma vivência momentânea relacionada
a um objeto (uma representação), sendo, portanto, mais específica. Ou,
ainda, o afeto corresponde a uma resposta emocional de alguém a eventos,
pensamentos, ideias, memórias e reflexões.
A terminologia é variável e até mesmo confusa, por isso são adotados
sinônimos como: transtorno da expressão emocional involuntária, labilidade
emocional, desregulação emocional, riso e choro patológico e emocionalismo.
A condição ocorre por consequência de um distúrbio neurológico ou lesão
cerebral, tais como esclerose lateral amiotrófica, desordens extrapiramidais e
cerebelares, esclerose múltipla, traumatismos cranianos, síndromes demen-
ciais, acidente vascular encefálico (AVE) e tumores cerebrais. A terminologia
é considerada uma manifestação clínica subjacente e, por essa razão, não
consta no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5)
e no Código Internacional de Doenças (CID 10).
O afeto pseudobulbar impacta diretamente na funcionalidade do
paciente, prejudicando sua interação social e qualidade de vida, predis-
pondo-o a doenças psiquiátricas, como ansiedade e depressão. O estudo
PRISM obteve taxas de prevalência do transtorno de 36,7% em uma po-
pulação com seis desordens neurológicas (esclerose lateral amiotrófica,
doença de Parkinson, esclerose múltipla, traumatismo craniano, doença
de Alzheimer e acidente vascular encefálico), utilizando escala específica
para mensuração de sintomas de afeto pseudobulbar, chamada Center for
Neurologic Study – Lability Scale.
Dados na literatura mostram que a condição prevalece em 5% a
11% dos pacientes no primeiro ano após um traumatismo craniano. Sabe-se
também que a moléstia pode ter instalação tardia, a exemplo de pacientes
vítimas de acidente vascular encefálico.

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Aprendendo Neurologia Através do Cinema

O mecanismo do afeto pseudobulbar parece ser a perda do controle


voluntário, também conhecido como desinibição, mas as vias neurais ainda
não foram totalmente elucidadas. Estudos de neuroimagem e neurofisio-
lógicos vêm demonstrando que o cerebelo apresenta importante função
de modulação das respostas emocionais, de modo que a interrupção
dos circuitos corticopontino-cerebelares causa comprometimento dessa
atividade e estaria envolvido na gênese do afeto pseudobulbar por meio da
redução do limiar para a expressão motora da emoção. Acredita-se que os
principais neurotransmissores envolvidos sejam serotonina e glutamato.
Critérios diagnósticos foram propostos por Cummings et al. (2006)
de maneira mais estruturada do que existia previamente. Fazem parte dos
critérios necessários para o diagnóstico: episódios frequentes e breves de
choro ou riso incontroláveis e incongruentes com o humor ou ainda con-
gruentes, mas excessivos, demonstrando uma inabilidade de controlar o
afeto; há doença ou dano encefálico estrutural e se pode estabelecer uma
relação de temporalidade entre esse dano e a alteração de comportamento;
há comprometimento funcional ou social do indivíduo e os episódios não
podem ser explicados por outra condição neurológica, psiquiátrica ou mes-
mo por uso de substâncias.
O principal diagnóstico diferencial a ser considerado é o transtorno
depressivo maior. Os transtornos de humor se caracterizam por um estado
emocional subjetivo sustentado, durando um longo período (vários dias,
semanas ou meses). Deve-se salientar, ainda, entre outras características,
que na depressão o humor e o afeto são sempre congruentes. Além disso,
alterações do sono e do apetite estão mais relacionadas à depressão e
sinais e sintomas pseudobulbares (disartria, disfagia, disfonia e deficiência
dos músculos voluntários da língua) estão associados ao afeto pseudo-
bulbar. Outros diagnósticos diferenciais são crises epilépticas dacrísticas
e gelásticas, distonias faciais, tiques, discinesias faciais, mania e psicose.
O objetivo do tratamento é a redução da frequência e intensidade
dos episódios. Para tal, utiliza-se antidepressivos tricíclicos, inibidores
seletivos da recaptação da serotonina (ISRS) ou a combinação de dextro-
metorfano e do antiarrítmico quinidina, aprovada em outubro de 2010 pela
Food and Drug Administration (FDA). Para a escolha do medicamento, deve

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Aprendendo Neurologia Através do Cinema

ser considerado o perfil de tolerância do paciente, bem como os efeitos


adversos do composto.
Os antidepressivos atuam ampliando a disponibilidade da seroto-
nina em vias corticolímbicas e cerebelares. No entanto, a eficácia desses
medicamentos não parece estar relacionada ao tratamento da depressão,
já que as doses necessárias são menores e o início da ação para o trata-
mento do afeto pseudobulbar é mais rápido, ao contrário do que ocorre no
transtorno depressivo. Antidepressivos tricíclicos (nortriptilina e amitriptili-
na), devido sua ação anticolinérgica, podem causar boca seca, constipação,
hipotensão ortostática, sedação e potencial cardiotoxicidade, e por isso
devem ser utilizados com parcimônia em idosos. Os ISRS (fluoxetina, cita-
lopram e sertralina) apresentam menos efeitos colaterais e, por isso, menor
chance de descontinuação do tratamento.
Já o dextrometorfano é um inibidor glutamatérgico que exerce
ação em receptores N-metil-D-aspartato e sigma-1. A quinidina, por meio
da inibição do metabolismo hepático do dextrometorfano pelo citocromo
P-450, eleva o nível sérico da droga. A experiência é ainda limitada devido
aprovação recente, mas os efeitos adversos descritos foram: tontura, náu-
sea, fadiga, diarreia, nasofaringite, cefaleia, constipação e disfagia.

Fluoxetina e citalopram → Dose de 20mg/dia.


Sertralina → Dose de 50mg/dia.
Amitriptilina e nortriptilina → Dose varia de 20 a 100 mg/dia e deve ser utilizada em dose única, à noite,
para redução de efeitos adversos.
Nuedexta ® (20mg dextrometorfano + 10 mg quinidina) → A dose aprovada pelo FDA é de 1 cápsula
ao dia por 7 dias, seguida por 1 cápsula de 12 em 12 horas.

Quadro 1 – Medicações em dose padrão no tratamento do afeto pseudobulbar.


Fonte: Elaborado pelas autoras (2021).

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Imagem 1 – “Coringa”/“Joker”.
Fonte: Cartaz do filme “Joker” (2019).

O paciente do caso apresentado é Arthur Fleck, do filme estadu-


nidense “Coringa”/“Joker”. Arthur leva uma vida difícil e, paradoxalmente à
sua profissão de palhaço, não tem muitas alegrias. Mora com a mãe em
um apartamento pequeno em Gotham City e depende do governo para ter
acesso a seus medicamentos e cuidados em saúde mental. Seu sonho é
ser reconhecido como comediante e ser “visto” pela sociedade que o cerca.
Após ser demitido da agência em que trabalhava, Arthur atira em três pas-
sageiros do metrô, que o agrediram. Os assassinatos geram uma onda de
protestos contra a elite da cidade, em que os manifestantes se fantasiam
de palhaço, em homenagem ao assassino não identificado. [SPOILER
ALERT] As coisas só pioram para Arthur: o programa de assistência social
é cortado, seu fracasso como comediante é exibido em um programa de
televisão, ele descobre que sua mãe permitia que o antigo companheiro
o abusasse e que é adotado. O filme desvenda a origem do famoso vilão
dos quadrinhos e permite que o telespectador o enxergue de uma maneira
totalmente diferente.

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Aprendendo Neurologia Através do Cinema

Filme Nota

“Coringa”/“Joker” 9,5

Quadro 2 – Ranking de veracidade dos filmes que abordam o afeto pseudobulbar e a sua
repercussão na vida dos pacientes de acordo com a Neuroliga/Unisul-SC.
Fonte: Elaborado pelas autoras (2021).

“Coringa”/“Joker” – 9,5

Um filme riquíssimo, digno de Oscar 2020 nas categorias: melhor


ator e trilha sonora original. Levanta a questão da desassistência em saúde
mental, exclusão social, violência doméstica e discriminação que os pa-
cientes com transtornos neuropsiquiátricos sofrem e suas consequências.
As características do personagem principal preenchem todos os
critérios diagnósticos para afeto pseudobulbar e o ator Joaquin Phoenix
consegue brilhantemente expressar extrema melancolia e sofrimento emo-
cional enquanto ri. A possível causa seriam as agressões que Arthur sofreu
pelo companheiro de sua mãe, que teriam causado traumatismo craniano
durante a infância.
Não demos 10 pontos pois a patologia de base do personagem não
é explicitada durante o filme, o que foi categorizado como infração leve (des-
contamos 0,5 pontos). Ficamos em dúvida sobre seu diagnóstico principal.
Seria um transtorno bipolar grave com sintomas psicóticos? Esquizofrenia?

REFERÊNCIAS

AHMED, Aiesha; SIMMONS, Zachary. Pseudobulbar affect: Prevalence and management.


Therapeutics and Clinical Risk Management, [s. l.], v. 9, n. 1, p. 483-489, 2013.

BENJAMIN, Rix B. et al. PRISM: A novel research tool to assess the prevalence of pseudobul-
bar affect symptoms across neurological conditions. PLoS ONE, [s. l.], v. 8, n. 8, p. 1-8, 2013.

CHENIAUX, Elie. Manual de Psicopatologia. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008.

CUMMINGS, Jeffeey L. et al. Defining and diagnosing involuntary emotional expression


disorder. CNS Spectr, [s. l.], v. 11, n. 6, p. 1-7, 2006.

14
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

MILLER, Ariel; PRATT, Hillel; SCHIFFER, Randolph B. Pseudobulbar affect: The spectrum of
clinical presentations, etiologies and treatments. Expert Review of Neurotherapeutics, [s. l.],
v. 11, n. 7, p. 1077-1088, 2011.

SARTORI, Helga Cristina Santos; BARROS, Tomas; TAVARES, Almir. Transtorno da expressão
emocional involuntária. Revista de Psiquiatria Clínica, São Paulo, v. 35, n. 1, p. 20-25, 2008.

WORK, Susan S. et al. Pseudobulbar affect: An under-recognized and under-treated neurologi-


cal disorder. Advances in Therapy, [s. l.], v. 28, n. 7, p. 586-601, 2011.

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Capítulo 2
AMNÉSIA

Daiana Gomes de Sousa3


Aline Vieira Scarlatelli-Lima, M.Sc4

Feminino, 26 anos, professora, há um ano sofreu acidente auto-


mobilístico que resultou em amnésia anterógrada. A paciente acredita
que todos os dias são o dia do acidente. Não apresenta outros sintomas.

“Amnésia” é o nome que se dá à perda parcial ou total das me-


mórias já adquiridas ou a não fixação de novas informações. Ela pode ser
dividida nos subtipos anterógrada e retrógrada e pode acontecer os dois
tipos simultaneamente. Amnésia anterógrada é a mais comum, o paciente
sofre um problema físico (por exemplo, um trauma cerebral) e a partir disso
não consegue fixar novas memórias, preservando a lembrança de aconte-
cimentos anteriores ao acidente. Pode ocorrer também por traumas físicos,
emocionais e fatores não traumáticos (uso de medicamentos ou drogas
ilícitas). A memória pode ser formada, no entanto, ela não é consolidada.
Esse efeito pode acontecer de forma temporária, como em um blecaute
causado por excesso de álcool, ou ser permanente (quando acontece um
dano na região do hipocampo, área cerebral que exerce papel na conso-
lidação das memórias). O subtipo amnésia retrógrada acontece quando
o paciente não se recorda dos eventos anteriores ao problema de saúde.

3 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/SC.
4 Médica Neurologista Neurofisiologia Clínica. Professora e Mestre do curso de Medicina pela faculdade
de medicina da Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul. Além disso, faz parte da Liga Acadêmica de
Neurologia (Neuroliga) na Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/SC.

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Aprendendo Neurologia Através do Cinema

Dessa forma, consegue lembrar dos acontecimentos após o trauma, porém


não se lembra de fatos que lhe eram familiares antes do distúrbio aconte-
cer. A duração dos episódios de amnésia é variável e os esquecimentos não
costumam ir além de seis meses antes do trauma.
A amnésia pode acontecer por causa traumática, como um
traumatismo craniano devido a um acidente automobilístico. Esses
indivíduos podem apresentar amnésia de ambos os tipos e geralmente a
perda de memória é temporária. Quando a perda de memória ocorre por
alto consumo de álcool e por carência de vitamina B pode ser chamada
de síndrome de Korsakoff (encefalopatia induzida por álcool), a doença
possui característica progressiva. Nessa síndrome, além das alterações
de memória podem existir outros sinais e sintomas neurológicos, como
falta de coordenação e alterações de sensibilidade.
A amnésia global transitória (AGT) é um acontecimento neuroló-
gico de perda repentina de memória e orientação em tempo e espaço. O
sintoma principal é a desorientação, sem apresentar outras alterações neu-
rológicas. O quadro pode durar horas em alguns casos e, quando o paciente
recupera a memória, ele não se recorda do acontecimento. O paciente não
vai possuir alterações cerebrais e os exames estarão adequados. Doenças
degenerativas também podem desencadear amnésia quando o paciente
possui recordações do passado, porém apresenta dificuldades de fixar
novas memórias, exemplo disso é a doença de Alzheimer. A diferença entre
as síndromes demenciais com as outras alterações de memória é que na
demência o paciente apresenta prejuízo funcional e dificuldade na realiza-
ção de atividades diárias. A causa psicológica ocorre por estresse intenso,
que gera uma perda de memória parcial ou total, acontecendo, geralmente,
de forma transitória.
O indivíduo com amnésia vai apresentar problemas em recordar
novas informações ou em lembrar fatos do passado. Memórias falsas, to-
talmente criadas ou feitas com base em lembranças pré-existentes podem
estar presentes. Em alguns casos é visto desorientação e até alterações
neurológicas, como movimentos descoordenados e tremores. O grau de
alteração na memória pode variar desde um problema com a memória de

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Aprendendo Neurologia Através do Cinema

curto prazo, uma perda parcial ou total e até existir uma incapacidade de
reconhecer rostos e lugares.
Com o objetivo de esclarecer o tipo e a causa dessa disfunção, é
necessário realizar uma história clínica detalhada com a ajuda de familiares,
diferenciar se a dificuldade é lembrar de eventos recentes ou passados,
tempo de início, se houve melhora ou piora desde o início do quadro, quais as
possíveis etiologias desse déficit e se o paciente possui familiares com algum
tipo de alteração de memória ou doenças neurológicas e psiquiátricas. Sobre
a história pregressa, questionar sobre o consumo de álcool, medicações ou
drogas ilegais, histórico de câncer, depressão ou convulsões. Importante
definir se os sintomas alteram a capacidade funcional e de autocuidado do
paciente. Essa avaliação permitirá compreender a extensão da perda de me-
mória e definir qual a etiologia da queixa. Para avaliação de lesões cerebrais,
podem ser solicitado exames como: ressonância magnética (RM), tomogra-
fia computadorizada (TC), eletroencefalograma e exames laboratoriais para
investigação de infecções ou deficiências nutricionais.
A maioria dos casos de amnésia não necessitam de tratamento.
Quando existem disfunções físicas ou mentais deve ser feito o tratamento
específico. Ferramentas podem ser usadas para que o paciente estimule
sua memória, como: apoio familiar, terapia ocupacional (para auxiliar no
consumo de novos informações) e utilizar uma agenda ou lembretes. Não
existe um tratamento farmacológico para restauração da memória em pa-
cientes com amnésia. Um exemplo de tratamento específico é o realizado
na síndrome de Korsakoff, com o uso de tiamina.

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Aprendendo Neurologia Através do Cinema

Imagem 1 – “Como se Fosse a Primeira Vez”/“50 First Dates”.


Fonte: Cartaz do filme “50 First Dates” (2004).

Henry Roth é um veterinário que conhece Lucy, uma professora de


arte, em um café. Eles iniciam a conversa e marcam um encontro para o dia
seguinte, porém, quando Henry volta no local, Lucy não o reconhece. A dona
do café explica a Henry que Lucy sofre de síndrome de Goldfield, nome fictício
para a amnésia anterógrada. Lucy sofreu um acidente de carro e agora possui
essa disfunção e, para evitar a dor de Lucy, sua família finge que todos os dias
são o dia do acidente. Henry, apaixonado por Lucy, inventa novas formas de
se aproximar. Lucy então começa a anotar em seu diário informações sobre
eles para conseguir lembrar dos fatos e os dois se apaixonam. No final, o
casal sai em uma viagem de barco e Henry produziu um vídeo contando a
história deles para Lucy assistir todos os dias ao acordar.

Filmes/Séries Notas

“Dinastia”/“Dynasty” 10,0

“Como se Fosse a Primeira Vez”/“50 First Dates” 9,0

“Amnésia”/“Memento” 9,0

Quadro 1 – Ranking de veracidade dos filmes/séries que abordam a amnésia e sua


repercussão na vida dos pacientes de acordo com a Neuroliga/Unisul-SC.
Fonte: Elaborado pelas autoras (2021).

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Aprendendo Neurologia Através do Cinema

“Como se Fosse a Primeira Vez”/“50 First Dates” – 9,0

Interessante a maneira como o filme aborda a amnésia, tornando


essa alteração, que é extremamente séria, em algo mais leve. Com a de-
monstração do filme é possível compreender com mais clareza como essa
amnésia acontece e como afeta a vida do indivíduo. O filme criou uma do-
ença fictícia para chamar a amnésia anterógrada, entretanto, isso não era
necessário, pois poderiam usar a oportunidade para mostrar uma doença
real que afeta muitas pessoas, servindo como fonte de informação para o
público (infração moderada – houve o desconto de 1,0 ponto).

“Amnésia”/“Memento” – 9,0

O filme começa com um acidente automobilístico. No carro estavam


um casal e uma menina. Após isso, ocorre uma mudança de cena e surge
um homem acamado sendo cuidado pela esposa. Ele acorda sem lembrar
de nada e a mulher conta que ele sofreu um acidente. O caso do filme é uma
amnésia retrógrada pós-traumática, o paciente possui remotas lembranças
dos acontecimentos após o acidente, como imagens e gritos, porém não se
recorda de mais nada, nem seu nome. Filme monótono e nada empolgante,
mostra a amnésia, porém poderia explorar mais a doença, por exemplo: como
é feito o diagnóstico correto e mais detalhes dos sintomas apresentados pelo
paciente (infração moderada – perde 1,0 ponto). O filme não expõe a história
com clareza, o problema está com a direção em geral e não apenas por não
terem explorado a alteração neurológica.

“Dinastia”/“Dynasty” – 10,0

A série americana, em sua terceira temporada, abordou o tema


com um episódio de trauma. Após o evento, o personagem Liam apre-
senta uma amnésia retrograda pós-traumática, na qual não se lembra de
nada e, ao longo do tempo, começa a se recordar de lugares e pessoas.

20
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

A série abordou bem o processo da amnésia, apresentando o trauma, a


internação com um período de coma e a tentativa dos personagens de
fazer Liam melhorar sua memória com estímulos visuais, gustativos e
olfativos, e sua lenta recuperação.

Referências

CHAVES, Márcia L. F. Memória humana: aspectos clínicos e modulação por estados afetivos.
Psicologia USP, São Paulo, v. 4, n. 1-2, p. 139-169, 1993.

NEVES, Maila de Castro L. et al. Amnésia retrógrada funcional grave: relato de caso. Revista
de Psiquiatria Clínica, São Paulo, v. 35, n. 1, p. 26-30, 2008.

SILVA, Silvia Cristina Fürbringer e; SETTERVALL, Cristina Helena Constanti; SOUSA, Regina
Marcia Cardoso de. Amnésia pós-traumática e qualidade de vida pós-trauma. Revista da
Escola de Enfermagem da USP, São Paulo, v. 46, n. especial, p. 30-37, 2012.

21
Capítulo 3
AUTISMO

Thainy Côrrea Beluco5


Jaime Lin, M.Sc6

Paciente masculino, 18 anos, solteiro, estudante, diagnóstico


de transtorno do espectro autista há 14 anos, vem para consulta de
acompanhamento psicológico inicial pós-crise sensorial em transporte
público. Paciente relata dificuldade de interação social e controle de cri-
ses sensoriais após sofrer quebra de acompanhamento psicológico com
terapeuta anterior. Segundo os pais do paciente, o jovem teria desenvol-
vido afeto romântico voltado para sua terapeuta, o que impossibilitou a
continuação do acompanhamento. Os pais relatam ainda exacerbação
de movimentos estereotipados, piora de interação no convívio social e
dssificuldade para manejo e controle de crises. Houve regressão alimen-
tar no período, episódios de agressividade e aumento no hiperfoco de
assuntos relacionados aos pinguins da Antártida.

O transtorno do espectro autista (TEA) se caracteriza por padrões


comportamentais repetitivos em conjunto com dificuldades de interação
social, sendo capaz de afetar o desenvolvimento pessoal do indivíduo. His-
toricamente, embora tenha sido relacionado à esquizofrenia, em 1911, pelo
psiquiatra Eugene Bleuler, foi Léo Kanner, também psiquiatra, que, mais

5 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/SC.
6 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/SC.
É pesquisador no Laboratório de Pesquisa em Autismo e Neurodesenvolvimento, Programa de Pós-Gradua-
ção em Ciências da Saúde, Universidade do Extremo Sul Catarinense – Unesc.

22
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

de 30 anos após essa menção, publicou relatos utilizando a terminologia


“autista” ao se referir a uma série de achados de pacientes, cujos casos
possuíam sintomatologia comum. Seguido dos estudiosos, o pediatra
Hans Asperger também passou a estudar a síndrome em 1944.
A sintomatologia a qual Kanner se referia é, como descrito por ele,
“resistência à mudança” associada à “insistência nas mesmas coisas”,
considerando indispensável para seu diagnóstico a presença de isolamento
social somados a comportamentos atípicos. A definição de seu primeiro
conceito veio com Michael Rutter, em 1978, pontuando critérios relaciona-
dos à interação social e problemas de comunicação associados a movi-
mentos estereotipados, considerando o início do quadro sendo anterior aos
30 meses de idade.
No ano de 1980, o autismo passou a ser reconhecido e definido
como Transtorno Pervasivo do Desenvolvimento – chamados transtornos
invasivos do desenvolvimento (TIDs) – apresentado na terceira edição das
diretrizes diagnósticas oficiais da American Psychiatric Association (Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais; DSM-3). Dentro dessa
definição, foram decompostos cinco diferentes diagnósticos, estando
entre eles: autismo clássico, síndrome de Asperger, transtorno invasivo do
desenvolvimento, síndrome de Rett e transtorno desintegrativo da infância.
Em sua última edição, o DSM-5 definiu o autismo como sendo
um transtorno de definições exclusivas, passando os déficits de interação
social e de comunicação a pertencerem a um único critério, sendo clas-
sificados como TEA. Ou seja, diferentes apresentações clínicas, mas que
compartilham das mesmas características principais, foram agrupadas no
mesmo segmento, com exceção da síndrome de Rett, que passou a ser
considerada uma entidade própria.
Segundo a classificação do DSM-5, o TEA consiste no conjunto de
anormalidades qualitativas de interação social associadas a comportamentos
e interesses restritos, repetitivos e estereotipados, sendo eles motores ou
verbais, ou ainda percepções sensoriais incomuns somadas a distúrbios de
comunicação verbal e não verbal, apresentando notoriedade ao quadro por vol-
ta dos 3 anos de idade. As características essenciais são o prejuízo persistente
na comunicação social recíproca e na interação social e padrões restritos e

23
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

repetitivos de comportamento. Interesses e atividades variam tanto por conta


do grau de comprometimento inicial quanto pelas intervenções apresentadas e
mecanismos compensatórios utilizados para minimização clínica.
Com base em dados da Organização Pan Americana da Saúde
(Opas), estudos epidemiológicos apontam um aumento no número de pre-
valência de TEA nos últimos 50 anos. Conforme a rede de monitoramento de
deficiências no desenvolvimento do autismo (ADDM), afere-se que cerca de
1 em cada 59 crianças apresenta diagnóstico de TEA nos Estados Unidos da
América. No Brasil, por conta da falta de dados epidemiológicos concretos, o
Congresso Nacional alterou a Lei nº 7.853 com o objetivo de incluir as especi-
ficidades inerentes ao TEA nos censos demográficos. Já em Santa Catarina,
estima-se que há 3,94 diagnósticos para cada 10 mil habitantes.
Diversos fatores de risco e mecanismos biológicos vêm sendo es-
tudados em relação à neurofisiopatologia do TEA, dentre eles as relações
estruturais, disfunções do sistema imunológico, alterações genéticas e
intervenções ambientais. Embora estudos de imagem tenham encontra-
do alterações de conectividade cerebral e um crescimento acelerado em
algumas regiões cerebrais, tais achados podem estar relacionados como
consequência do transtorno.
Dentre as diversas hipóteses apresentadas, as hipóteses de anor-
malidades inflamatórias, neuroquímicas e de hipoperfusão cerebral asso-
ciadas a achados genéticos e ambientais são as mais apontadas quanto à
viabilidade de estudos. Em estudos recentes, foram encontradas evidências
referentes à ativação de micróglia no líquor, podendo fazer a associação
entre sistema imunológico e sistema nervoso central (SNC), assim como
foram encontradas relações entre a via de sinalização de Notch, atuante no
desenvolvimento embrionário, e a fisiopatologia do autismo. Os achados
recentes de diversas frentes de estudos reforçam a hipótese da pluralidade
de causas, porém semeiam um norte para novos estudos e discussões.
Correlacionando o uso de citocinas como sinalizadores pelas
células neurais e não neurais em desenvolvimento com a função modula-
dora imunitária delas, sugere-se a hipótese da neuroinflamação intraútero,
resultado de uma ativação imune materna (AIM), como responsável por
uma desregulação imune, acarretando alterações no crescimento e desen-

24
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

volvimento fetal. A presença de processos neuroinflamatórios em cérebros


post mortem de pacientes autistas confirmam a validade dessa hipótese,
mesmo que o mecanismo pelo qual essas alterações acontecem ainda
permanece incerto.
Dessa maneira, a administração de substâncias pró-inflamatórias
administradas antes do fechamento do tubo neural em modelos animais
simulam o comportamento apresentado pelo espectro, resultando em
alterações similares. O uso de lipopolissacarídeo (LPS) mimetiza infecções
pré-natais, baseado no conhecimento prévio de que a ativação imune
materna tem influência sobre o SNC da prole. Estudos apontam que, após
a indução, os roedores apresentam comportamentos estereotipados, ativi-
dade exploratória desregulada, além de atraso do crescimento.
Existem muitas abordagens terapêuticas disponíveis buscando
obter melhora clínica nos pacientes com diagnóstico de TEA, porém, até o
momento, nenhuma delas se mostrou eficaz para reverter completamente
os sintomas. A análise do comportamento aplicada (ABA) é uma das práticas
comportamentais com foco no desenvolvimento da comunicação, compor-
tamento e habilidades adaptativas. Intervenções farmacológicas também
fazem parte do aparato disponível para o tratamento dos achados clínicos
do TEA, dentre elas, pode-se citar o uso da risperidona para controle de agres-
sividade e indução do sono. O tratamento se dá de forma combinada, asso-
ciando formas de intervenção comportamental, cognitiva, desenvolvimento
da linguagem e da comunicação, acrescidas de terapia medicamentosa
quando indicado. Torna-se importante ressaltar que o uso de medicações
enfrenta resistência dos cuidadores tanto por apresentação de efeitos cola-
terais quanto pela possibilidade de dependência. Considerando as hipóteses
da neuroinflamação, o uso de substâncias capazes de inibir a via inflamatória
se apresentam como uma estratégia terapêutica em potencial.
A busca por tratamentos ainda é incerto, mas promissora. O que
se mostra indispensável e mostra resultados positivos, sem dúvidas, ainda
é o estímulo constante ao desenvolvimento desses indivíduos. Para isso, a
rede familiar de acompanhamento precisa ser bem estruturada, o diagnós-
tico deve ser precoce e o trabalho multidisciplinar é indispensável, sempre
voltado para as características daquele indivíduo em específico, sempre

25
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

considerando que as formas de apresentação de cada indivíduo do espec-


tro são únicas, apresentando limitações e necessidades diferenciadas, no
mais variado grau.

Imagem 1 – “Atypical”.
Fonte: Cartaz da série “Atypical” (2017).

O paciente do caso apresentado é Sam Gardner, um jovem de 18


anos que teve seu diagnóstico aos 4 anos. A série retrata as dificuldades
de um adolescente na fase do colegial, somadas às dificuldades de um
indivíduo dentro do espectro. Durante as três temporadas da série, é pos-
sível acompanhar o progresso de Sam em diversos meios, tanto buscando
entender a dinâmica dos relacionamentos interpessoais como na busca
da sua própria independência. A série enfatiza diversas dificuldades reais
enfrentadas por pacientes que se encaixam no que se chama síndrome
de Asperger, classificação que está inserida no espectro. Esses pacientes
são os chamados “autistas de alto funcionamento”, sendo aqueles que
possuem intelecto sem alterações, apresentando como maior dificuldade
a interação social e a comunicação, porém podendo ser capazes de desen-
volver uma rotina que se assemelha muito ao dito “normal”. Com humor e
leveza, “Atypical” foi capaz de introduzir o tema e gerar visibilidade para uma
população em crescimento que, muitas vezes, não recebe o devido amparo

26
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

social por falta de recursos ou ainda falta de conhecimento da população


geral sobre o assunto.
Uma das cenas que demonstra a incapacidade social da população
de lidar com tais indivíduos é a que retrata uma intervenção policial em
que o profissional interpreta Sam como um usuário de drogas e, por meio
de uma abordagem incorreta, causa uma crise sensorial no garoto. Outro
aspecto interessante da série é o desenvolvimento do conflito familiar,
relatando as dificuldades de gestão da condição tanto pelos pais quanto
pelos demais membros que fazem parte da rotina do portador de TEA. A
partir do momento do diagnóstico a rotina familiar passa a ser voltada para
o bom funcionamento de Sam, o que traz as atenções da mãe Elsa para o
filho mais velho, em detrimento da atenção e cuidado que a filha mais nova,
Casey, necessita, sem falar no conflito do próprio casal, Elsa e Doug. No
decorrer das temporadas, o amadurecimento dos personagens para lidar
com tais experiências é o foco principal da narrativa.

Séries Notas

“Atypical” 10,0

“O Bom Doutor”/“The Good Doctor” 8,5

Quadro 1 – Ranking de veracidade das séries que abordam o TEA e sua repercussão na vida
dos pacientes de acordo com a Neuroliga/Unisul-SC.
Fonte: Elaborado pelas autoras (2021).

“Atypical” – 10,0

Apesar de representar apenas 20% dos pacientes com diagnóstico


de TEA, “Atypical” cumpriu sua missão de informar e gerar visibilidade para
a questão. Em diversos momentos são retratadas dificuldades reais apre-
sentadas por grande parte desses pacientes. Um desses comportamentos
são os movimentos estereotipados, usados por esses pacientes como uma
forma de “reorganizar as ideias”. Outro ponto bem retratado na série é a
questão do hiperfoco, que no caso de Sam é voltado para os pinguins. A
ecolalia (repetir diversas vezes a mesma palavra) é algo também retratado
na série, momento em que o portador de TEA relata como “insistência da

27
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

palavra em aparecer da sua mente e saltar da sua boca”. Características


como conflitos sociais, desorganização por excesso de estímulos, reações
espontâneas não reprimidas, questões sensoriais e de relacionamentos
são bem exploradas na série. Por esse motivo e por retratar a rede de apoio
que Sam necessita, não encontramos motivos para retirar pontos da série.

“O Bom Doutor”/“The Good Doctor” – 8,5

Emocionante em diversos momentos, porém romantizada. A série


se passa em ambiente hospitalar, onde o personagem principal Shaun
Murphy – também portador de síndrome de Asperger – é residente do
serviço de Cirurgia Geral do hospital. A série teve tal decréscimo de pontos
por romantizar as questões sociais e comportamentais de um portador
de TEA, mostrando o personagem principal como um gênio capaz de lidar
perfeitamente bem com a rotina diária. Faz-se necessário pontuar que esse
tipo de personagem não representa, por exemplo, autistas que apresentam
grave dificuldade de fala e de alterações sensoriais, o que pode levar a uma
desinformação social sobre a verdadeira natureza das dificuldades apre-
sentadas por pessoas que vivem dentro do espectro.

REFERÊNCIAS

ARAFAT, E. A.; SHABAAN, D. A. The possible neuroprotective role of grape seed extract on the
histopathological changes of the cerebellar cortex of rats prenatally exposed to Valproic Acid:
animal model of autism. Acta Histochem, Almançora, v. 121, n. 7, p. 1-11, 2019.

BARKER, J. H.; WEISS, J. P. Detecting lipopolysaccharide in the cytosol of mammalian cells:


lessons from MD-2/TLR4. Journal of Leukocyte Biology, Iowa City, v. 106, n. 1, p. 1-6, 2019.

DEPINO, A. M. Molecular and Cellular Neuroscience Peripheral and central in fl ammation in autism
spectrum disorders. Molecular and Cellular Neuroscience, Buenos Aires, v. 53, p. 69-76, 2013.

GOEL, R. et al. International Review of Psychiatry An update on pharmacotherapy of autism


spectrum disorder in children and adolescents.
International Review of Psychiatry, Baltimore, v. 30, n. 1, p. 1-18, 2018.

LUNA, B. et al. Neocortical system abnormalities in autism an fMRI study of spatial working
memory. Neurology, Pitsburgo, v. 59, n. 6, p. 834-840, 2002.

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Capítulo 4
ACIDENTE VASCULAR
CEREBRAL ISQUÊMICO

Leticia Domingos Ronzani7


Gabriela Costa Bernades8
Ana Caroline Benin9

Paciente feminina, 80 anos, foi submetida à angioplastia de ar-


téria carótida interna esquerda, consequente de um episódio de acidente
vascular cerebral isquêmico – AVCI lacunar (1,5cm) em coroa radiada
esquerda, causando hemiparesia direita com força grau 4. No transope-
ratório, evoluiu com piora de déficit motor puro proporcionado à direita,
hemiparesia grau 2, e escala funcional modificada Rankin 2. Após alta hos-
pitalar, recebeu cuidados domiciliares do marido de 82 anos. De manhã,
comparece à unidade de pronto atendimento devido à hemiparesia facial
à direita, afasia e disartria. A paciente foi vista bem na noite anterior, e teve
os déficits percebidos ao despertar no dia seguinte. Tomografia compu-
tadorizada (TC) de crânio evidenciou nova e extensa área hipodensa em
território de artéria cerebral média esquerda.

O acidente vascular cerebral isquêmico (AVCI), ou acidente vascu-


lar encefálico (AVE), faz parte das doenças cerebrovasculares e representa

7 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/SC.
8 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/SC.
9 Departamento de Neurologia, Instituto de Ensino e Pesquisa – Hospital Santa Catarina em Blumenau/SC.
Pós-Graduanda em Neurointensivismo pelo Hospital Israelita de Ensino e Pesquisa Alberta Einstein (2020)
com atuação em Neuro-Hospitalismo.

29
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

cerca de 80% dos AVCs, sendo os 20% restantes representados pelo AVC
hemorrágico (AVCH). O AVCI é definido por um déficit neurológico devido à
lesão aguda e focal causada por restrição de fluxo sanguíneo cerebral (FSC).
Pode ocorrer no encéfalo, na retina ou na medula espinal. É considerado a
segunda principal causa de morte em adultos no Brasil e no mundo e a
terceira principal causa de incapacidade, em que sete a cada dez pacientes
acometidos não irão voltar ao trabalho. Diferencia-se do acidente vascular
isquêmico transitório (AIT), pois este apresenta recuperação total do déficit
em até 24 horas e ausência de sinais de infarto cerebral em exames de
imagem, no caso, ressonância magnética.
A incidência estimada de AVC é de 750 mil casos ao ano e, de acor-
do com o Global Burden Disease de 2016, estima-se que uma a cada quatro
pessoas irão sofrer um AVCI durante o curso de sua vida. Após os 65 anos,
observa-se maior incidência de AVCI, dobra a cada década a partir dos 55
anos de idade e é mais prevalente no sexo feminino.
Tratando-se da etiologia de AVCI, três principais subtipos de isque-
mia cerebral são explorados: trombose, embolia e hipoperfusão sistêmica.
Entre as principais etiologias, destacam-se as doenças ateroscleróticas,
cardioembólicas, doença de pequenos vasos e causas raras, como vas-
culites, dissecção arterial cervical, síndrome do anticorpo antifosfolípide e
trombose de seio venoso. Considera-se como principal etiologia do AVCI
a doença aterosclerótica de grandes vasos, estenose carotídea ou ruptura
de placa ateromatosa aórtica e desenvolvimento de trombo, ou chamado
mecanismo ateroembólico. Mas não devemos esquecer que a doença
aterosclerótica de artérias intracranianas também se faz presente.
Dentre as causas cardioembólicas, destacam-se a fibrilação atrial,
endocardite, trombose de válvulas cardíacas, miocardiopatias dilatadas e fo-
rame oval patente (FOP). A presença de FOP não é suficiente para gerar meca-
nismo trombótico, mas possibilita que trombos oriundos de outras partes do
corpo, como de uma trombose venosa profunda, alcancem o átrio esquerdo
e, consequentemente, a artéria carótida interna e o sistema nervoso central,
causando isquemia transitória ou infarto cerebral. As alterações e patologias
da microcirculação e do parênquima cerebral são a base da doença de pe-
quenos vasos, caracterizada por angiopatia e microinfartos. Entre as causas

30
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

raras, destacam-se as dissecções arteriais cervicais, mais comuns em terri-


tório de artérias carótidas e vertebrais e com maior incidência em pacientes
jovens, bem como sua possível relação com histórico de traumas cervicais e
doenças do colágeno como displasia fibromuscular. Nesses casos, exames
como angiotomografia e angiografia por ressonância magnética auxiliam no
diagnóstico etiológico. A investigação etiológica do AVCI é fundamental para
determinação da etiologia do evento e para prevenção secundária e terciária,
prevenindo eventos recorrentes a partir de modificação de fatores de risco
identificados com metas terapêuticas estabelecidas.
Os fatores de risco para AVCI se dividem em modificáveis e não mo-
dificáveis e seu conhecimento é o pilar da prevenção primária, fundamental
ao tratamento e reabilitação. Entre os fatores modificáveis, identificam-se
hipertensão arterial sistêmica, fibrilação atrial, diabetes mellitus, estenose
carotídea, AIT, dislipidemia, tabagismo, etilismo, sedentarismo, obesidade,
síndrome da apneia e hipopneia obstrutiva do sono (Sahos) e migrânea com
aura. Entre os fatores de risco não modificáveis, são identificados: idade
acima de 50 anos, sexo feminino, etnia negra e asiática e hereditariedade
(histórico de AVCI em parentes de primeiro grau). Aproximadamente 90%
dos AVCI são atribuídos a fatores de risco modificáveis, sendo o principal
deles a hipertensão arterial sistêmica.
A apresentação clínica do AVC varia de acordo com o acometimento
topográfico, segmento e hemisfério acometido. Em geral, as diferentes apre-
sentações de um AVCI compartilham dois aspectos: instalação súbita de
déficit neurológico, ou ictus, e lesão isquêmica em neuroimagem, por TC de
crânio sem contraste e por vezes exigindo análise por ressonância magnética.
Dentre as escalas validadas para avaliação clínica emergencial e
sequencial do AVCI, a mais famosa e comumente utilizada é a do National
Institutes of Health Stroke Scale – NIHSS (quadro 2). Essa escala utiliza 11
itens para avaliar, de forma global, o status neurológico pós-ictal do paciente,
bem como sua evolução antes, durante e após a terapia trombolítica, com
intuito de facilitar a comunicação entre a equipe de saúde e o time AVC. Sua
pontuação não tem relação absoluta com indicação ou contraindicação de
trombólise, e também não se relaciona diretamente com a gravidade, pois,
por exemplo, pode subestimar acidentes isquêmicos de fossa posterior, por

31
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

ser mais direcionada aos sinais de sintomas de território de artéria cerebral


média. No entanto, considera-se na prática que maiores pontuações se rela-
cionam a eventos mais graves. Quanto à incapacidade funcional após AVCI,
utiliza-se a graduação pela escala de Rankin modificada – MRS (quadro 3),
sendo que o rápido e adequado reconhecimento e tratamento são fundamen-
tais para reduzir a incapacidade após AVCI e aumentar a sobrevida.
Os estudos em neurologia vascular estão em constante avanço,
possibilitando maior efetividade dos protocolos de atendimento ao AVC
isquêmico agudo, bem como maior janela terapêutica de acordo não ape-
nas com tempo mas também com o tamanho da área de core isquêmico,
colateralidade de vasos e mismatch clínico e radiológico. Nem todos os
serviços no Brasil contam com terapia endovascular, representada pela
trombectomia no cenário do AVCI. A maioria dos centros aplica protocolos,
baseados no estudo Ecass III, de janela terapêutica para o uso do trombo-
lítico de 4h30 a partir do ictus, com tempo porta-agulha ideal inferior a 60
minutos. Durante esse tempo, deve-se:
- Identificar o paciente com AVCI e definir o tempo “zero” do ictus.
A pergunta ideal ao paciente ou familiar deve ser: “Quando foi visto bem
pela última vez?”.
- Realizar controle de glicemia capilar, e excluir “camaleões” ou stroke
mimickers (hipoglicemia, embriaguez e comas infecciosos/metabólicos).
- Estabelecer dois acessos venosos periféricos calibrosos e ofertar
cateter de O2 de saturação < 95%.
- Realizar exame neurológico direcionado em caso de clínico
sem expertise em neurologia e cálculo periódico do NIHSS em caso de
clínico experiente.
- Realizar TC de crânio não contrastada para diferenciar lesões
isquêmicas de lesões hemorrágicas, ou ressonância magnética de acordo
com protocolo institucional, preferencialmente dentro dos dez minutos
da entrada do paciente no serviço. Sequências sugeridas: gradiente Eco,
difusão (DWI), Flair e perfusão.
- Manter monitorização eletrocardiográfica.
- Avaliar indicações e contraindicações de trombólise.

32
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

- Manter pressão arterial dentro da meta terapêutica, sendo indica-


do tratar pressões sistólicas maiores que 185mmHg ou diastólicas maiores
que 110mmHg em pacientes candidatos a trombólise, e pressões sistólicas
maiores que 220mmHg ou diastólicas maiores que 120mmHg naqueles
com contraindicação a trombólise.
Em cenário ideal, o NIHSS deve ser calculado periodicamente
desde a admissão hospitalar até a alta do paciente. Na ausência de clínico
experiente, deve-se realizar exame neurológico de admissão direcionado
identificando: alterações do nível de consciência, presença de desvio de rima
labial, alterações da mímica facial, fluência verbal, resposta a comandos e
força dos compartimentos flexores e extensores dos quatro membros. A
realização de neuroimagem deve ser rápida a fim de afastar sangramento
e estimar o tamanho da lesão e risco de complicações. Frente a AVCI,
áreas hipodensas na TC são denominadas áreas de core, em que o fluxo
sanguíneo cerebral (FSC) já é menor que 8ml/100g de parênquima e há
dano irreversível com morte neuronal. Mas, em áreas de penumbra com
FSC entre 10-20ml/100g, há possibilidade de reperfusão. Utiliza-se o escore
de Alberta Stroke Program Early CT Score (Aspects) para avaliar alterações
precoces do parênquima encefálico antes do desenvolvimento de área de
core e predizer risco de complicações como sangramento. Nesse sentido,
escores de Aspects iguais ou abaixo de sete são considerados equivalentes
ao “sinal de um terço” do core isquêmico, que se relaciona a um maior risco
de transformação hemorrágica e contraindica a trombólise.
Um dos marcos da terapia trombolítica foi o estudo Ecas-III, que
estendeu a janela terapêutica de 3h para 4h30 pós-ictus. Além do tempo
de janela, há critérios de elegibilidade dos pacientes, como: idade acima
de 18 anos, ausência de sangramento em neuroimagem, ausência de con-
traindicações ao trombolítico (quadro 4), pressão arterial (PA) menor que
185:110mmHg sustentada e acesso à neurocirurgia dentro de 30 minutos.
No caso de trombectomia mecânica/stent retriever, após o estudo
Dawn, possibilita-se janela terapêutica de até 24h devido ao benefício observa-
do em pacientes com ictus entre 6 e 24 horas com mismatch definido, isto é,
desproporção entre déficit clínico e extensão da área isquêmica em neuroima-
gem. A trombectomia é indicada formalmente em pacientes que se enquadram

33
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

nos seguintes critérios elegíveis: escala Rankin modificada (MRS) prévia ao


evento de zero a um, oclusão proximal com trombo em artéria carótida interna
ou no segmento M1 de artéria cerebral média, idade acima de 18 anos, NIHSS
após evento ≥ 6 e TC com Aspects ≥ 6. Apesar dos benefícios reconhecidos
da trombectomia mecânica, esta ainda não se encontrava oficialmente no rol
de procedimentos oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). No entanto,
com auxílio do estudo brasileiro de Martins et al. (2020), adjunto do projeto
Resilient, evidenciou-se custo efetividade do procedimento e, no dia 22 de
fevereiro de 2021, a trombectomia foi finalmente incorporada ao SUS.
Como dito anteriormente, a neurovascular contemporânea está em
constante refinamento científico, progredindo sobre a era da janela de tempo
e adentrando a era da janela tecidual. Cada vez mais, não só o tempo menor
entre o ictus e o atendimento contam, mas também a avaliação individu-
alizada do paciente e da sua perfusão tecidual. Nesse contexto, a seleção
de pacientes que podem se beneficiar de janelas terapêuticas estendidas
para tratamento do AVCI agudo considera dois fatores: a progressão rápida
ou lenta da injúria isquêmica em oclusões proximais e o recrutamento de
circulação colateral.
O progressor rápido é dito como o paciente que sofre AVCI com
oclusão proximal e cuja área isquêmica progride rapidamente, denotando
rápida necessidade de intervenção. Em contrapartida, o progressor lento é
aquele que, frente a uma oclusão isquêmica proximal, consegue recrutar e
manter a circulação colateral por mais tempo, estendendo áreas de penum-
bra e possibilitando benefícios mesmo em intervenções mais tardias.
A circulação colateral intracraniana pode ser amplamente dividida
em segmentos curtos de desvio do polígono de Willis e rotas anasto-
móticas leptomeníngeas. Pacientes acima de 50 anos e com síndrome
metabólica tendem a ter baixo recrutamento de circulação colateral por
haver maior acometimento microvascular sistêmico prévio. Frente a AV-
CIs agudos há diferentes protocolos e exames para avaliação do status
de recrutamento da circulação colateral, como: doppler transcraniano,
angiotomografia computadorizada, tomografia por emissão de pósitrons
(PET-CT), angioressonância magnética e angiografia por subtração digital,
considerada o padrão-ouro.

34
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

Apesar da extensão de janela com base na viabilidade tecidual,


a janela de tempo segue sendo fator importante, com evidências de que
trombectomias realizadas em até 8h pós-ictais se relacionam a um aumen-
to de até três vezes na chance de o paciente permanecer independente,
como observado no grande estudo brasileiro Resilient. Ou seja, “tempo é
cérebro”, mas a “quantidade” de cérebro perdida é variável entre pacientes e
essa variabilidade deve ser avaliada frente a decisões terapêuticas.
No contexto da trombólise, sabe-se que o benefício com o uso do
trombolítico é mais expressivo naqueles com intervenção mais precoce e que
tenham déficits moderados. Quando a trombólise é realizada antes das 3h
pós-ictais, aproximadamente um a cada quatro pacientes terá taxa de incapa-
cidade reduzida, melhorando sua performance no NIHSS. Quando é realizada
após 3h e antes de 4h30, esse número cai para um a cada sete pacientes.
A droga indicada é a alteplase na dose de 0,9mg/kg, em dose má-
xima de 90mg (10% bolus e 90% na hora seguinte). Durante a trombólise,
deve-se permanecer ao lado do paciente monitorando sua frequência car-
díaca e PA, bem como avaliando seu status neurológico e possíveis compli-
cações. Como complicação, pode haver sangramento em área isquêmica.
Nos cuidados pós-trombólise, deve-se seguir com monitoramento da PA e
glicemia, evitar hipertermia (pois hipertermia e hiperglicemia são deletérios
à área de penumbra), e repetir a TC após 24 horas. Além disso, nas primeiras
24 horas também se evita uso de antiagregantes e anticoagulantes, punção
venosa em sítio não compressível ou cateterização arterial, bem como uso
de dispositivos invasivos como sondas nasoenterais e urinárias devido ao
risco de sangramento.
Quando contraindicado o uso de trombolítico, devem-se ado-
tar medidas como hipertensão permissiva, tolerando pressões de até
220:120mmHg nas primeiras 24 horas, iniciar AAS de 300mg, estatinas e
considerar profilaxia de trombose venosa profunda com heparina de baixo
peso molecular.

35
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Alteplase → 0,9mg/kg de peso, 10% da dose em bolus e 90% em bomba de infusão em uma hora,
com dose máxima de 90mg. O kit virá com dois frascos e um conector, sendo um frasco de 50ml, o
diluente, e outro de 50mg, em pó. Deve-se fazer cuidadosa emulsificação com o diluente até se obter
solução homogênea. Não se deve agitar o frasco, pois as moléculas de alteplase podem ser quebradas
e inutilizadas. Se o seu paciente pesa acima de 50kg (como a maioria dos adultos), já solicite 2 kits.
Nitroprussiato de sódio → Iniciar infusão endovenosa contínua em dose de 0,5mcg/kg/minuto (frasco
de 50mg + 2ml de soro glicosado à 5%), ajustar velocidade se necessária a cada dez minutos. Dose
máxima 8mcg/kg/minuto.
Tartarato de metoprolol → Dar bolus endovenoso de 5mg, frasco de 5ml com 1mg/ml, e repetir bolus
de 5mg a cada dez minutos se necessário.

Quadro 1 – Medicamentos utilizados para trombólise e manejo da pressão arterial em


pacientes vítimas de AVE.
Fonte: Elaborado pelas autoras (2021).

0 = Acordado
1 = Sonolento (responde a pequeno estímulo)
1A – Nível de Consciência
2 = Estupor (responde a estímulo intenso ou doloroso)
3 = Comatoso (sem resposta verbal)

1B – Nível de Consciência/Questões 0 = Ambas corretas


- Qual sua idade? 1 = Apenas uma correta
- Em que mês estamos? 2 = Nenhuma correta

1C – Nível de Consciência/Comandos 0 = Ambas corretas


- Abra e feche os olhos 1 = Apenas uma correta
- Abra e fecha a mão 2 = Nenhuma correta

0 = Normal
2 – Olhar conjugado 1 = Paresia do olhar conjugado
2 = Desvio do olhar conjugado

0 = Normal
1 = Hemianopsia parcial
3 – Campos Visuais
2 = Hemianopsia completa
3 = Hemianopsia bilateral ou cego

0 = Normal
1 = Paralisia facial minor
4 – Paralisia Facial
2 = Paralisia facial central completa
3 = Paralisia facial periférica

0 = Sem queda em 10s


5 – Força de membros superiores 1 = Queda parcial antes de 10s, sem encostar na cama
- MSD 2 = Queda antes dos 10s, encostando na cama
- MSE 3 = Não vence gravidade, mas possui movimento no plano
4 = Nenhum movimento

36
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

0 = Sem queda em 10s


6 – Força de membros inferiores 1 = Queda parcial antes de 10s, sem encostar na cama
- MID 2 = Queda antes dos 10s, encostando na cama
- MIE 3 = Não vence gravidade, mas possui movimento no plano
4 = Nenhum movimento

0 = Ausente
7 – Ataxia *para pontuar, deve haver
1 = Presente em 1 membro
ataxia desproporcional ao déficit motor.
2 = Presente nos 2 membros

0 = Normal
8 – Sensibilidade 1 = Hipoestesia ao toque
2 = Anestesia ao toque

0 = Normal
9 – Linguagem 1 = Afasia leve a moderada
2 = Afasia grave

0 = Normal
10 – Disartria 1 = Disartria leve a moderada
2 = Disartria grave

0 = Normal
11 – Extinção e Desatenção 1= Desatenção (1 modalidade sensorial)
2 = Extinção/Heminegligência (2 modalidades sensoriais)

Quadro 2 – National Institutes of Health Stroke Scale.


Fonte: Adaptado de National Institute of Health Stroke Scale (NIHSS) (1989).

Pontuação Descrição

0 Sem qualquer sintoma.

Sem incapacidade significante apesar dos sintomas, capaz de realizar todos os deveres
1
e atividades usuais.

Incapacidade leve, incapaz de realizar todas as atividades prévias, mas é capaz de


2
cuidar de si próprio sem auxílio.

Incapacidade moderada, necessita de alguma ajuda, mas é capaz de caminhar sem


3
assistência (com bengala ou andador).

Incapacidade moderadamente grave, incapaz de caminhar sem assistência e incapaz


4
de atender às suas necessidades físicas sem assistência.

Incapacidade grave, acamado, incontinente, requer constante atenção e cuidados de


5
enfermagem.

6 Óbito.

Quadro 3 – Escala modificada de Rankin.


Fonte: Adaptado de The Modified Rankin Score (MRS) (2002).

37
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

CONTRAINDICAÇÕES ABSOLUTAS

TCE ou AVC nos últimos 3 meses.

Punção em sítio arterial não compressível.

História de sangramento intracraniano prévio.

Neoplasias intracranianas, MAV ou aneurismas.

PA >185:110mmHg sustentada.

Cirurgia intracraniana ou medular recente.

Sangramento interno ativo.

Plaquetopenia conhecida ou anticoagulação nas últimas 48h.

Glicemia <50mg/dl.

TC de crânio com >1/3 da artéria cerebral média comprometida.

CONTRAINDICAÇÕES RELATIVAS

Melhora rápida dos sintomas.

Melhora rápida dos sintomas.

Cirurgia de grande porte nos últimos 14 dias (ex.: colocação de prótese de quadril).

Sangramento do trato gastrointestinal ou do trato genitourinário nos últimos 21 dias.

Crise convulsiva na instalação com ictus prolongado.

Quadro 4 – Contraindicações absolutas e relativas ao uso do trombolítico.


Fonte: Adaptado de Hacke et al. (2008).

Imagem 1 – “Amor”/“Amour”.
Fonte: Cartaz do filme “Amour” (2012).

38
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A paciente descrita no caso clínico é Anne, do filme francês “Amour”.


Logo no início do filme Anne tem seu primeiro ictus enquanto toma café
com seu marido George, ficando afásica e torporosa por 3 minutos, depois
retomando a fala sem lembrar do ocorrido, confusa. Tanto ela quanto seu
marido não percebem o quadro imediato como grave até que Anne mostra
extrema incoordenação ao tentar servir uma xícara de chá. Ao procurarem
o hospital, diagnosticou-se AVCI devido à estenose suboclusiva de artéria
carótida interna esquerda. Por isso, Anne passou por cirurgia para coloca-
ção de stent. Foi alertada dos riscos, que eram pequenos, e que se não
operasse poderia sofrer outro evento mais grave. Porém, Anne evoluiu den-
tro da prevalência estimada para complicações de 5%, sofrendo embolia
de artéria cerebral média esquerda durante a operação. O filme foca suas
lentes nas nuances da reabilitação pós-AVC, seu ritmo de vida, mudanças
do ambiente residencial, frustrações, impactos psicológicos e sociais e o
estresse do cuidador... Acima de tudo é um filme sobre a vida de um casal
de idosos, que se ama muito, na ótica de um AVCI.

Filmes Notas

“Amor”/“Amour” 10,0

“Lendas da Paixão”/“Legends of the Fall” 5,0

Quadro 5 – Ranking de veracidade dos filmes que abordam o AVEI e sua repercussão na
vida dos pacientes de acordo com a Neuroliga/Unisul-SC.
Fonte: Elaborado pelas autoras (2021).

“Amor”/“Amour” – 10,0

Logo no início do filme, a atriz interpreta muito bem a hemiparesia


direita, a rigidez e a marcha hemiparética. Após ocorrência de novo evento, a
afasia, o discurso sem sentido e o desvio de rima também são bem encena-
dos. Além disso, as fraldas, as enfermeiras, a alimentação líquido-pastosa,
o hand-feeding, os banhos, os grunhidos, a recusa alimentar, a ecolalia, a
frustração familiar com a irreversibilidade da morte neuronal... o estresse
do cuidador. São muitos os detalhes e pontos fidedignos dessa obra, há
inclusive insinuações de afeto pseudobulbar também presentes em certos

39
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quadros de AVC. Retrato impecável, talvez por isso um filme tão aclamado
e doloroso de se assistir.

“Lendas da Paixão”/“Legends of the Fall” – 5,0

O relato de AVCI aparece no personagem Coronel William Ludlow,


que após uma discussão calorosa com o filho tem um evento encefálico
isquêmico. Pelo relato e pela cena, subentende-se que o Coronel tem
um pico hipertensivo que desestabiliza uma placa de ateroma e leva ao
acidente vascular, fato que condiz com o principal fator modificável res-
ponsável pela ocorrência dos AVCI: a hipertensão arterial. Porém, o filme
comete duas infrações gravíssimas, perdendo 5,0 pontos devido à forma
como o déficit neurológico é encenado. O ator Anthony Hopkins interpreta
bem a hemiparesia à direita, a espasticidade, o mutismo e a incoordenação
motora do acometimento de hemisfério esquerdo, mas encena a paralisia
facial de forma errada. O primeiro erro ocorre quando o ator fecha com
força o olho direito, dando a entender que o andar superior da face também
é acometido em paralisias faciais centrais, o que sabemos que é mentira.
O segundo erro é o desvio de rima para a direita, dando a entender que
a hemiface paralisada é à esquerda, o que também é incoerente com o
déficit. Tanto o hemicorpo quanto o andar inferior da face acometidos em
um AVCI cortical ou subcortical acima da decussação das pirâmides são
do lado contralateral ao da lesão. Logo, se o hemicorpo paralisado era o
direito, a hemiface paralisada deveria ser também a direita.

REFERÊNCIAS

BÉJOT, Y. et al. Epidemiology of stroke in Europe and trends for the 21st century. La Presse
Médicale, Paris, v. 45, n. 12, p. 391-398, 2016.

BROTT, T. et al. Measurements of acute cerebral infarction: a clinical examination scale.


Stroke, Waltham, v. 20, n. 7, p. 864-870, 1989.

CAMPBELL, B. C. V.; KHATRI, P. Stroke. Lancet, Londres, v. 396, n. 10244, p. 129-142, 2020.

40
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

HACKE, W. et al. Thrombolysis with alteplase 3 to 4.5 hours after acute ischemic stroke. New
England Journal of Medicine, Massachucetts, v. 359, n. 13, p. 1317-1329, 2008.

KIM, J. S.; CAPLAN, L. R. Clinical Stroke Syndromes. Frontiers of Neurology and Neuroscien-
ce Home, Lausanne, v. 18, n. 13, p. 352-354, 2016.

MARTINS, S. O. et al. Thrombectomy for Stroke in the Public Health Care System of Brazil.
New England Journal of Medicine, Massachucetts, v. 328, n. 4, p. 2316-2326, 2020.

NOGUEIRA, R. G. et al. Thrombectomy 6 to 24 hours after stroke with a mismatch between deficit
and Infarct. New England Journal of Medicine, Massachucetts, v. 378, n. 1, p. 11-21, 2018.

POWERS, W. J. et al. Guidelines for the Early Management of Patients with Acute Ischemic
Stroke. Stroke, Waltham, v. 49, n. 3, p. 46-110, 2018.

WILSON, J. T. L. et al. Improving the assessment of outcomes in stroke: Use off a structured
interview to assign grades on the modified rankin scale. Stroke, Waltham, v. 33, n. 22, p.
2243-2246, 2002.

41
Capítulo 5
CEFALEIA

Daniel Fontelles10
Linério Ribeiro de Novais Júnior11
Thalita Martinelli12

Paciente masculino, 28 anos (idade estimada), solteiro, teórico


matemático. Possui diagnóstico de esquizofrenia paranoica, transtorno
de ansiedade social e cefaleia em salvas. Apresentou a primeira crise de
cefaleia aos 6 anos de idade, enquanto se recuperava de lesão fótica das
retinas que ocorreu ao olhar fixamente para o sol. Suas crises ocorrem em
salvas constantes, com períodos superiores há um ano de duração e com
intervalos sem crises com duração menor que um mês, classificada como
cefaleia em salvas crônica. Durante a crise, o paciente apresenta intensa
cefaleia unilateral dilacerante associada à fotofobia, fonofobia, náuseas,
vômitos, rinorreia e alucinações visuais e auditivas. É refratário à terapia
com sumatriptano, betabloqueadores, bloqueadores de canal de cálcio,
anti-inflamatórios não esteroides (Aines), corticosteroides, opioides, vaso-
pressores e metisergida. Apresenta crises mais intensas em períodos de
sobrecarga cognitiva. Recentemente, apresentou ingurgitamento da artéria
temporal direita (ipsilateral à cefaleia) e, em meio ao desespero de sua
última crise, realizou uma trepanotomia improvisada com uma furadeira.
“Cefaleia” é o termo técnico para dores localizadas em qualquer
região da cabeça: face, região orbital, couro cabeludo, crânio e interior da

10 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/SC.
11 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/SC.
12 Médica formada UCPel, Residência em Neurologia pelo Hospital Santa Isabel, em Blumenau/SC, resi-
dente em Neurofisiologia Huap/UFF.

42
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

cabeça, relacionada a uma ampla série de patologias e condições. As cefa-


leias podem se apresentar de forma primária ou secundária à outra doença.
Cefaleias primárias são entidades que cursam com dores de cabeça epi-
sódicas ou crônicas na aparente ausência de outra condição ou processo
patológico que as justifique. De acordo com a International Classification
of Headache Disorders (ICHD), as cefaleias primárias incluem: migrânea,
cefaleia tensional, cefaleia trigêmino-autonômica e outras formas de cefa-
leia primária. Já as cefaleias secundárias ocorrem na presença de alguma
condição subjacente como causa provável ou com forte relação temporal
ao início da dor, podendo ter origem em processos de somatização, absti-
nência ou uso de substâncias, traumas, infecções, neoplasias, distúrbios
homeostáticos, acidentes vasculares, entre outros.
Um dos pontos mais importantes ao nos depararmos com uma
queixa de cefaleia é verificar a presença de sinais de alarme, a fim de excluir
ou considerar causas mais graves de cefaleia secundária. Tanto pacientes
com cefaleia primária quanto com cefaleia secundária podem aparecer na
emergência em busca de alívio imediato da dor, sem descrever qualquer ou-
tro sintoma. Por isso, é necessária uma busca ativa por sinais de alarme a
fim de estratificar adequadamente cada paciente em alto ou baixo risco. Os
principais sinais de alarme podem ser abordados por meio do mnemônico
SSNOOPP (Systemic Symptoms, Secondary Risk Factors, Neurologic Symp-
toms, Onset, Older Age Onset, Pattern Change, Previous Headache History):

S: Systemic Symptoms
Sinais e sintomas sistêmicos.
S: Secondary Risk Factors
Fatores de risco associados às condições subjacentes.
N: Neurologic Symptoms
Sinais e sintomas neurológicos.
O: Onset
Início abrupto, súbito, “pior cefaleia da vida”.
O: Older Age Onset
Cefaleia com início após os 50 anos.
P: Pattern Change

43
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

Alteração de padrão da dor.


P: Previous Headache History
Alteração de frequência, severidade e progressão das crises.

Na presença de algum sinal de alarme, deve-se atentar para eventos


potencialmente graves. Os pacientes de baixo risco são, portanto, aqueles
que: não apresentam mudanças no padrão das crises, não possuem sinto-
mas sistêmicos, sem alterações no exame neurológico, sem comorbidades
que impliquem em alto risco e com padrão típico de cefaleias primárias.
As cefaleias possuem grande importância no campo da saúde
pública pela sua alta incidência e comprometimento funcional, podendo ter
uma prevalência anual superior a 50%, em que 40% se manifesta na forma
de cefaleia tensional, 10% a 14% se apresenta na forma de enxaqueca, e,
aproximadamente, 2% a 3% na forma de cefaleia trigêmino autonômica.
Cerca de 3% da população mundial sofre com cefaleias por mais de 15
dias ao mês, tendo grande prejuízo funcional. A fisiopatologia das cefaleias
é muito variada e complexa, ficando além do escopo desta publicação
discutir esse aspecto com a profundidade merecida. As principais formas
de cefaleia primária serão brevemente apresentadas neste capítulo.
Migrânea/enxaqueca → Condição neurológica crônica e debilitante
com alta carga global de doença (GBD), ficando atrás apenas da lombalgia
em anos vividos com incapacidade (YLD). Acredita-se que sua fisiopatolo-
gia se baseia em uma série de fenômenos centrais envolvendo alteração
da excitabilidade cerebral, originando-se em diversas áreas cerebrais e se
expressando, predominantemente, no sistema trigêmino-vascular. A migrâ-
nea típica se apresenta com dor unilateral em pulsação de moderada ou
forte intensidade, com piora ao estresse físico e ao movimento e associada
à fonofobia, náuseas e/ou vômitos; ocorrendo de forma episódica, com
ataques que duram entre 4 e 72 horas, ou crônica (ocorrendo ao menos
15 dias no mês, por no mínimo 3 meses, com característica migranosa em
pelo menos 8 dias no mês). A migrânea pode ocorrer com ou sem auras:
sintomas visuais, sensitivos, de fala/linguagem, retinianos, motores ou ba-
silares, plenamente reversíveis, com acometimento gradual e duração entre
5 e 60 minutos, acompanhados ou seguidos pela fase álgica da migrânea

44
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

dentro de 60 minutos. O início das crises pode ser precedido por sintomas
premonitórios (pródomo), como alterações de humor, fadiga, bocejos,
rigidez nucal e dificuldade de concentração. Sintomas similares podem
suceder a fase álgica (epílogo).
O tratamento da migrânea envolve terapias abortivas e profiláticas.
O objetivo primário é reduzir a dor e reestabelecer a qualidade de vida, o
objetivo secundário é evitar a progressão da migrânea episódica para a
crônica. Dentre as estratégias de tratamento, é fundamental a educação
do paciente, incluindo orientações quanto às mudanças de estilo de vida e
manejo de fatores ambientais de gatilho e de agravo. Opções não farmaco-
lógicas para manejo da migrânea crônica ou episódica incluem terapia cog-
nitivo-comportamental, biofeedback, acupuntura, técnicas de relaxamento
e práticas integrativas.
Quanto ao tratamento farmacológico nas unidades de urgência, a
sociedade brasileira de cefaleia recomenda a administração de dipirona 1g
endovenoso associada à cetoprofeno 100mg endovenoso em soro fisioló-
gico 0,9% ou intramuscular para casos em que a dor tiver duração inferior
a 72 horas, em caso de refratariedade se deve administrar sumatriptano
6mg subcutâneo (podendo repetir a dose em duas horas). Pacientes não
responsivos à terapia devem ser encaminhados para hospital terciário por
meio da central de regulação para avaliação por médico neurologista. Para
casos em que a dor apresenta duração superior a 72 horas (estado migra-
noso), deve-se associar dexametasona 10mg endovenoso à terapia inicial
com dipirona e cetoprofeno, em caso de refratariedade deve se administrar
clorpromazina nas doses de 0,1–0,25mg/kg via endovenosa. Se houver
remissão do quadro, o paciente deve ser encaminhado ambulatorialmente
para avaliação por médico neurologista.
Quanto à terapia profilática para migrânea episódica, pode-se
utilizar betabloqueadores como metoprolol (50–200mg/dia), ácido val-
proico (500–2000mg/dia) e topiramato (50–200mg/dia). A amitriptlina
(50–100mg/dia) também é uma opção, apesar de apresentar menor nível
de evidência. Quanto à profilaxia para migrânea crônica, pode ser acres-
centada a terapia com a toxina botulínica e a acupuntura. Os anticorpos
monoclonais, especialmente tendo como alvo o peptídeo relacionado ao

45
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

gene da calcitonina (CGRP), despontam como alternativa terapêutica para


casos refratários e crônicos, no entanto, seu elevado custo ainda é um pro-
blema. A neuromodulação invasiva e não invasiva também vêm galgando
espaço como alternativa terapêutica a casos refratários e de difícil controle.
Cefaleia tensional → É a mais prevalente das cefaleias primárias,
caracterizada por uma dor tipicamente leve à moderada, intensidade e ca-
ráter opressivo, holo craniana, não associada a náuseas e vômitos, mas,
ocasionalmente, associada a foto ou fonofobia. Pode ser classificada
como infrequente episódica (menos de 1 episódio ao mês em média, pelo
menos 10 episódios no total), frequente episódica (entre 1 a 14 episódios
ao mês por pelo menos 3 meses) e crônica (mais de 15 episódios ao
mês por pelo menos 3 meses). Mecanismos periféricos de sensibilidade
pericraniana, hiperalgesia mecânica à pressão e aumento de tônus mus-
cular desempenham papel importante no desenvolvimento da cefaleia
tensional. A sensibilização central provavelmente é um fator importante
em alguns pacientes, assim como fatores psicológicos, em especial nos
pacientes com cefaleia tensional crônica. O diagnóstico diferencial entre
cefaleia tensional e migrânea sem aura pode ser um desafio na prática
diária, por isso é importante uma anamnese cuidadosa a fim de estudar,
detalhadamente, o padrão da dor. No exame físico, a palpação manual
dos músculos da mastigação e cervicais deve ser realizada, os trigger
points e tônus muscular aumentado podem estar presentes.
Anti-inflamatórios não esteroidais como ibuprofeno, dipirona e pa-
racetamol são a primeira linha de tratamento farmacológico para cefaleia
tensional episódica, podendo ser associados à cafeína para maior eficácia.
Tricíclicos como a amitriptilina (50–100mg/dia) são uma opção de trata-
mento, bem como a estimulação elétrica do nervo supraorbitário. Diversas
alternativas não farmacológicas, como terapia cognitivo comportamental,
biofeedback, massoterapia, acupuntura e práticas integrativas se mostram
efetivas como adjuvantes ou agentes principais de tratamento, reduzindo
frequência e intensidade das crises e aprimorando a qualidade de vida.
Cefaleias trigêmino autonômicas (CTA) → São um grupo de
desordens neurológicas caracterizadas por uma sintomatologia unilateral
nas regiões orbital, supra orbital e temporal (podendo incluir outros sítios

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Aprendendo Neurologia Através do Cinema

do território trigeminal) associadas a sinais autonômicos ipsilaterais, como


injeção conjuntival, edema periorbital, flushing facial, rinorreia, lacrimeja-
mento e síndrome de Horner parcial. As principais cefaleias desse grupo
incluem a cefaleia em salvas, a paroxística hemicraniana, a hemicraniana
contínua, a cefaleia neuralgiforme unilateral de curta duração com injeção
conjuntival e lacrimejamento e a cefaleia neuralgiforme unilateral de curta
duração com sintomas autonômicos. Elas se distinguem entre si pela
duração dos ataques, frequência, resposta ao tratamento e sinais associa-
dos. Um diferencial importante em relação a outros grupos de cefaleias
primárias é a unilateralidade de sintomas, como foto e fonofobia. Pacientes
com cefaleias trigêmino autonômicas costumam apresentar agitação,
possivelmente por ativação do hipotálamo posterior.
Com a utilização de técnicas avançadas de neuroimagem, a im-
portância do hipotálamo na fisiopatologia das CTAs ficou mais evidente.
Acredita-se que essa região regula a duração dos ataques, e a variação de
respostas intra e interindividual é responsável pelas nuances nas apresen-
tações. Ademais, toda a matriz central da dor (córtex cingulado anterior,
tálamo posterior contralateral, núcleos da base ipsilaterais, ínsula bilateral,
substância cinzenta periaquedutal, bulbo rostral ventromedial e hemisfério
cerebelar) possibilita estados álgicos mais permissivos.
A cefaleia em salvas é a forma mais clássica de CTA, tipicamente se
apresentando com dor retro orbital (70%) de caráter lancinante, dilacerante,
perfurante ou esmagador de fortíssima intensidade, sendo uma das dores
mais fortes que um ser humano é capaz de sentir. Ela ocorre em ciclos de
fase ativa (surtos) e inativa da doença, podendo ser episódica (surtos com
duração de sete dias a um ano, período de remissão de pelo menos um mês)
ou crônica (surtos com duração superior a um ano e/ou período de remissão
com duração inferior a um mês). Pelo seu caráter debilitante, o tratamento
da cefaleia em salvas é mandatório. Em serviços de urgência, a sociedade
brasileira recomenda a utilização de O2 a 100%, 10–12l/min em máscara
sem recirculação ou sumatriptano 6mg via subcutânea, se o paciente for
refratário deverá ser encaminhado para hospital terciário e ser avaliado
por médico neurologista; já em caso de boa resposta, o paciente deverá
ser encaminhado para avaliação neurológica a nível secundário dentro do

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Aprendendo Neurologia Através do Cinema

sistema de referência e contrarreferência. Como terapia profilática pode se


usar, principalmente, o verapamil (240–480mg/dia). O lítio, topiramato, ácido
valproico e melatonina também podem ser adicionados à terapia.
As cefaleias neuralgiformes de curta duração são crises de forte
intensidade e curta duração (1–600 segundos), associadas a sinais autonô-
micos. No geral possuem péssima resposta à medicação, restando como
opção terapêutica intervenções cirúrgicas que vão desde a lesão do nervo
trigeminal à descompressão microvascular, passando por procedimentos
menos agressivos, como neuroestimulação do nervo vago, nervo occipital
maior, gânglio esfenopalatino e hipotálamo.
A cefaleia hemicraniana contínua e a hemicraniana paroxística têm
resposta absoluta à indometacina (150–225mg/dia). A hemicraniana contínua
é caracterizada por uma dor contínua, unilateral em região periorbital ou tempo-
ral, que varia em intensidade sem alcançar resolução completa. Já a hemicra-
niana paroxística é caracterizada por ataques curtos, geralmente espontâneos,
de dor unilateral em região orbital ou temporal, especialmente periauricular, de
forte intensidade e associada principalmente ao lacrimejamento.
Para mais informações a respeito da classificação das cefaleias,
o leitor interessado pode acessar o link da International Classification of
Headache Disorders (ICHD)13.

Fluoxetina e citalopram → Dose de 20mg/dia.


Sertralina → Dose de 50mg/dia.
Amitriptilina e nortriptilina → Dose varia de 20 a 100 mg/dia e deve ser utilizada em dose única, à noite,
para redução de efeitos adversos.
Nuedexta ® (20mg dextrometorfano + 10 mg quinidina) → A dose aprovada pelo FDA é de 1 cápsula
ao dia por 7 dias, seguida por 1 cápsula de 12 em 12 horas.

Quadro 1 – Medicações em dose padrão no tratamento dos diferentes tipos de cefaleia.


Fonte: Elaborado pelos autores (2021).

13 OLESEN, Jes. The International Classification of Headache Disorders 3rd edition. IHS Classification
ICDH-3, s.d. Disponível em: https://ichd-3.org/. Acesso em: 26 maio 2021.

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Aprendendo Neurologia Através do Cinema

Imagem 1 – “Pi”.
Fonte: Cartaz do Filme “Pi” (2012).

O paciente do caso apresentado é Maximilian Cohen, personagem


principal do filme de estreia do diretor Darren Aronofsky intitulado “Pi”. Max
é um jovem matemático que acredita Piamente ser possível compreender
a natureza e a totalidade da existência por meio de padrões matemáticos.
Suas pesquisas chamam a atenção de grupos interessados em descobrir
padrões na bolsa de valores e grupos cabalísticos que querem dar início à
Era Messiânica. Max é um gênio que evita o contato social e sofre fortís-
simas dores de cabeça desde os 6 anos de idade. O filme é um suspense
psicológico intenso e bastante desconfortável de assistir, que nos mergu-
lha no descenso cínico do homem que ao buscar a ordem da natureza é
engolfado pelo caos.

Filmes Notas

“Pi” 9,0

“Motorista de Táxi”/”Taxi Driver” 8,0

Quadro 2 – Ranking de veracidade dos filmes que abordam a cefaleia e sua repercussão na
vida dos pacientes de acordo com a Neuroliga/Unisul-SC.
Fonte: Elaborado pelos autores (2021).

49
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

“Pi” – 9,0

O filme fez um interessante trabalho ao tomar como peça central para


o desenvolvimento da trama as cefaleias trigêmino autonômicas (CTAs). Apesar
de tomar algumas liberdades artísticas, principalmente ao misturar característi-
cas de diferentes tipos de CTAs, o filme consegue ser bastante fiel à realidade
cruel da condição e seu impacto ostensivo e constante na vida do paciente.

“Motorista de Táxi”/“Taxi Driver” – 8,0

A migrânea com aura é o menor dos problemas que acomete


Travis Brickle, personagem principal do filme, que sofre de sérios distúrbios
comportamentais, compatíveis com transtorno de personalidade limítrofe.
Em pacientes psiquiátricos, é comum observarmos a presença de migrâne-
as como comorbidades; além disso, o personagem está sobre constante
estresse emocional e privação de sono, ambos fatores importantes para o
desencadeamento das crises. A aura olfativa apresentada no filme como
um odor fétido característico que o personagem relaciona à presença de
flores também é algo que encontra base na neurologia.

REFERÊNCIAS

AMERICAN HEADACHE SOCIETY. The American Headache Society Position Statement on


Integrating New Migraine Treatments into Clinical Practice. Headache: The Journal of Head
and Face Pain, v. 59, n. 4, p. 1-18, 2018.

BORDINI, Carlos Alberto et al. Recommendations for the treatment of migraine attacks – a
Brazilian consensus. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, São Paulo, v. 74, n. 3, p. 262-271, 2016.

INTERNATIONAL HEADACHE SOCIETY. Headache Classification Committee of the Interna-


tional Headache Society (IHS) The International Classification of Headache Disorders, 3rd
Edition. Cephalalgia, Londres, v. 38, n. 1, p. 1-211, 2018.

MANZONI, Gian Camillo; STOVNER, Lars Jacob. Epidemiology of Headache. Handbook of


Clinical Neurology, [s. l.], v. 97, p. 3-22, 2010.

MILLSTINE, Denise; CHEN, Christina Y.; BAUER, Brent. Complementary and Integrative
Medicine in the Management of Headache. BMJ, Londres, v. 305, 2017.

50
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

SPECIALI, José Geraldo et al. Protocolo nacional para diagnóstico e manejo das cefaleias
nas unidades de urgência do Brasil. Barra Mansa: Academia Brasileira de Neurologia: Depar-
tamento Científico de Cefaleia: Sociedade Brasileira de Cefaleia, 2018. Disponível em: https://
sbcefaleia.com.br/images/protocolo%20cefaleia%20urgencia.pdf. Acesso em: 19 mar. 2021.

TASSORELLI, Cristina et al. Guidelines of the International Headache Society for Controlled
Trials of Preventive Treatment of Chronic Migraine in Adults. Cephalalgia, Londres, v. 38, n. 5,
p. 815-832, 2018.

51
Capítulo 6
COMA

Gabriela Costa Bernades14


Andreia Bittencourt Rodrigues15

Paciente feminina, aproximadamente 40 anos, divorciada, edu-


cadora, ativista, membro do partido comunista da Alemanha Oriental
e identificada com o regime de orientação soviética. Em 1978, após
grande trauma psicológico devido ao abandono do marido, desenvolveu
mutismo seletivo e foi internada em um hospital psiquiátrico durante
oito semanas, onde permaneceu até melhorar. Em 7 de outubro de 1989,
durante as comemorações pelos 40 anos da Alemanha Oriental socia-
lista, flagra seu filho entremeado a manifestantes protestando contra o
governo socialista – o choque culminou em um infarto agudo do mio-
cárdio (IAM) e parada cardiorrespiratória (PCR). A reanimação foi tardia
e infrutífera, evoluindo com estado de coma. Durante os oito meses em
que esteve em estado de coma, recebeu suporte ventilatório e cardíaco
avançado, além de amparo familiar a estimulando.

O coma é um transtorno da consciência, no qual o paciente


apresenta comprometimento acentuado da percepção de si e do meio
ambiente, associado a redução do nível de alerta ou despertar, com baixa
ou nenhuma reatividade aos estímulos externos. Um comprometimento

14 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/SC.
15 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/SC.
Departamento de Neurologia, Hospital Nossa Senhora da Conceição (HNSC).

52
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

agudo da consciência é considerado uma emergência, com necessidade


de avaliação e manejo imediato.
A título de revisão, é importante lembrar que a consciência possui
dois componentes: quantitativo (se refere ao grau de excitação ou nível de
alerta) e qualitativo (se refere ao grau de percepção de si e do meio), e que,
no coma, ambos devem estar comprometidos. Sabe-se que o coma pode
ser resultado de alterações corticais difusas bilaterais, alterações graves na
função diencefálica ou do tronco encefálico.
Há diversas causas de disfunção cerebral grave que leva ao coma,
a citar: anóxia cerebral; eventos cerebrovasculares (infarto hemisférico
massivo ou hematoma, acidente vascular cerebral isquêmico ou hemor-
rágico em tronco cerebral por oclusão de artéria basilar, hemorragia em
tronco cerebral, infarto cerebelar ou hematoma com efeito de massa,
hemorragia subaracnoidea aneurismática, trombose do seio venoso dural);
traumática (injúria axonal aguda, edema cerebral e hipertensão intracra-
niana, hematoma subdural ou epidural, contusões hemorrágicas cerebrais
com efeito de massa, embolia gordura); infecciosa (meningite bacteriana
aguda, encefalite viral aguda, meningoencefalite fúngica ou bacteriana, abs-
cesso cerebral, empiema); inflamatória (encefalite autoimune, síndrome da
encefalopatia posterior reversível, vasculite, desmielinização disseminada
aguda); neoplásica (apoplexia pituitária, tumor infiltrativo, tumor cerebelar
com efeito de massa, tumor de tronco encefálico, tumor hemisférico
extenso com edema e efeito de massa); hidrocefalia aguda; convulsões;
intoxicações (overdose de droga prescrita ou recreacional, interações entre
drogas, envenenamento); distúrbios endócrinos e metabólicos (hipona-
tremia, hipercalcemia, acidose, falência renal e uremia, falência hepática
e hiperamonemia, mixedema, insuficiência adrenal); sepse e hipotermia.
Inicialmente, o principal objetivo é diferenciar coma estrutural de coma não
estrutural (sepse, hipoglicemia etc.).
A abordagem se inicia com a estabilização das vias aéreas, respira-
ção e circulação. Após, coleta-se de familiares/amigos uma história clínica
breve (questionar ativamente sobre evolução súbita/gradual, injúria recente,
histórico médico prévio – diabetes mellitus, doença pulmonar obstrutiva,
epilepsia, lesão ou tumor cerebral, neurocirurgia recente, imunossupressão

53
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

–, incontinência urinária, respiração prejudicada, história psiquiátrica prévia,


acesso a drogas), exame físico geral (sinais vitais, evidências de trauma ou
ingestão de drogas, pesquisa de rigidez nucal) e exame neurológico dirigido
e minucioso (é a chave diagnóstica, pois apesar de raramente dar o diag-
nóstico por si só, pode oferecer informações úteis por meio da avaliação de
respostas verbais, abertura palpebral/ocular, fundo de olho, reações pupi-
lares, movimentos oculares espontâneos, resposta oculocefálica, resposta
oculovestibular, resposta corneal, padrão respiratório, reflexos tendinosos
profundos e tônus muscular esquelético).
É de extrema importância utilizar escalas validadas para categori-
zar objetivamente o grau de coma do paciente e a extensão do dano à cons-
ciência, monitorar a longo prazo e avaliar prognóstico. A escala de coma
de Glasgow (GCS) foi validada inicialmente para avaliação de transtornos
de consciência por traumatismo cranioencefálico, mas foi posteriormente
aplicada às demais etiologias de coma. A GCS é amplamente utilizada e,
de acordo com a responsividade à abertura ocular, as respostas motoras
e verbais geram uma pontuação que pode ser expressada por meio da
somatória geral (3 a 15 pontos), sendo classificada como responsividade
máxima (15 pontos), comatoso (8 ou menos) e totalmente irresponsivo (3
pontos); ou por meio dos elementos individuais. Todavia, apresenta algumas
falhas: como depende da resposta verbal, ela perde o componente verbal se
o paciente está intubado ou inconsciente e não avalia os reflexos do tronco
encefálico ou do padrão respiratório. É por isso que existem outras escalas
de coma que podem suplantar a resposta verbal da GCS, como a escala de
Four (Full Outline of UnResponsiveness), muito utilizada em ambiente de
terapia intensiva para pacientes em ventilação mecânica trazendo dados
adicionais ao exame neurológico (como midríase, oftalmoparesia e ptose).
Essencialmente, como primeira linha, todos os pacientes em
coma fazem alguns exames de sangue para excluir distúrbios metabóli-
cos primários ou secundários (hemoglicoteste, hemograma, bioquímica,
coagulograma, gasometria, função hepática e renal, toxicológico, níveis
de anticonvulsivantes) e uma tomografia computadorizada de crânio para
excluir lesão estrutural. Além disso, outras investigações laboratoriais e
de neuroimagem devem ser individualizadas (por exemplo, ressonância

54
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

magnética, exame de líquor, eletroencefalograma, exame toxicológico,


nitrogênio da ureia sanguínea e amônia sérica).
A avaliação investigativa da etiologia é fundamental para identi-
ficar causas tratáveis de coma (como oclusão da artéria basilar, estado
de mal epiléptico, meningite bacteriana fulminante, encefalite por herpes
simplex grave, hidrocefalia, trombose do seio venoso, algumas intoxi-
cações e herniação cerebral) e as tratar o quanto antes, a fim de evitar
desfechos desfavoráveis.
O manejo terapêutico é dirigido à etiologia conhecida ou suspeita
do coma. O paciente deve ser mantido em unidade de terapia intensiva,
com a cabeceira centralizada e reta a 30° (salvo em hipertensão intracra-
niana), via aérea permeável (se GCS < 8, intubação orotraqueal e ventilação
mecânica), acesso venoso, soro fisiológico isotônico (com exceção em hi-
poglicemias e alguns casos de hipertensão intracraniana). Outros princípios
gerais incluem: repor tiamina 100mg endovenoso (dose de ataque) antes
de administrar dextrose em pacientes alcoólicos, desnutridos, em diálise
renal ou causa de coma desconhecida; tratar quaisquer estímulos que pos-
sam aumentar a pressão intracraniana e levar a lesão cerebral secundária
(como constipação, convulsão prolongada, dor, hipoglicemia e hipertermia
prolongada); proteção ocular e gástrica; heparina 5.000 unidades (UI) via
subcutânea (salvo contraindicações); mobilização passiva para prevenir
úlceras de decúbito. O manejo específico dependerá da causa-base: coma
metabólico infeccioso, neuropatologia cirúrgica (ressecção cirúrgica se in-
dicado), hipertensão intracraniana (em alguns casos pode ser tratada com
manitol ou solução salina), hidrocefalia aguda (ventriculostomia, derivação
ventricular externa, terceiroventriculostomia), intoxicação por opioides
(naloxone endovenoso), coma benzodiazepínico (flumazenil endovenoso
até 3mg em 5 minutos), edema cerebral vasogênico secundário a lesões
tumorais e meningoencefalite (corticoterapia endovenosa). O prognóstico
do coma depende da causa e da duração.
Pacientes em coma têm maior risco de evoluírem com complica-
ções sistêmicas múltiplas, principalmente infecções (pneumonia aspirativa
associada à ventilação, infecções urinárias relacionadas à sonda vesical
de demora e bacteremia relacionada a cateteres venosos centrais), trom-

55
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

boembolismo venoso por imobilidade, úlcera por pressão, lesão ocular por
exposição e desnutrição, entre outros.
Tentativas de neuroestimulação para melhorar o estado de alerta
(como amantadina, agentes dopaminérgicos, estimulação cerebral profun-
da) é um assunto controverso e ainda não comprovado.

Imagem 1 – “Adeus, Lenin!”/“Good Bye, Lenin!”.


Fonte: Cartaz do filme “Good Bye Lenin!” (2003).

A paciente do caso clínico apresentado inicialmente é Christiane


Kerner, do filme alemão “Adeus, Lenin!”/“Good Bye, Lenin!”. Christiane era
uma mulher “casada com a pátria socialista e idealista do comunismo”,
como ela mesma se definia. Após um forte trauma emocional seguido de
IAM, permaneceu em estado de coma durante oito meses. Nesse período,
perdeu o colapso do comunismo na Europa Central e Oriental, a queda do
muro de Berlim e a reunificação das Alemanhas (novembro de 1989), as pri-
meiras eleições livres e o triunfo do capitalismo. Certo dia, ao se despertar,
o médico orienta aos seus filhos:
- Não sabemos até que ponto o cérebro foi danificado, há uma
série de possibilidades incertas, visto que ela ainda se encontra em perigo
e pode não sobreviver às próximas semanas. Assim, deve permanecer
monitorizada em ambiente hospitalar, longe de qualquer motivo que leve
à excitação e outro infarto.

56
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

Em meio às incertezas, seus filhos a levam para sua casa se


esforçando para preservar sua “cultura do socialismo” (como se a Repú-
blica Federal existisse). Inicialmente, apresenta amnésia e dificuldade para
deambular. Realiza repouso adequado e sessões regulares de fisioterapia
motora. [SPOILER ALERT] Alguns meses após, evolui com novo IAM e óbito.

Filmes Notas

“A Vida Sonhada dos Anjos”/“The Dreamlife of Angels” 10,0

“Adeus, Lenin!”/“Good Bye, Lenin!” 9,5

“Kill Bill” (Volume 1) 8,5

Quadro 1 – Ranking de veracidade dos filmes que abordam o coma e sua repercussão na
vida dos pacientes de acordo com a Neuroliga/Unisul-SC.
Fonte: Elaborado pelas autoras (2021).

“A Vida Sonhada dos Anjos”/“The Dreamlife of Angels” – 10,0

Um ponto interessante do filme é que, após Isabelle ter curiosidade


em visitar Sandrine Val (que entrou em estado de coma após um acidente
automobilístico) na ala neurológica, Isa é encorajada por uma enfermeira
a conversar com Sandrine (disse-lhe: “ela está dormindo, mas lhe ouve”).
A partir dessa ocasião, a curiosidade se transformou em empatia e, então,
Isa passou a visitar Sandrine regularmente, inclusive retomou as escritas no
diário da moça. É controverso cientificamente se conversar com o paciente
em estado de coma é válido e assimilado, todavia, na dúvida, Isa o fez com
Sandrine no intuito de não deixar as memórias de Sandrine se perderem.
Isa cuidou, decifrou e interpretou possíveis sensações de Sandrine. Outro
ponto instigante do filme foi ter retratado a evolução incerta do paciente
em coma, que ora está sujeito a complicações (tal como Sandrine teve uma
grave infecção respiratória), ora incita esperança (ao apresentar primeiros
sinais de comunicação). [SPOILER ALERT] O filme termina de forma sensata
e real – a evolução a longo prazo é incerta, porém, a moça ainda tem chance
de retomar a vida.

57
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

“Adeus, Lenin!”/“Good Bye, Lenin!” – 9,5

Retrata bem as nuances do seguimento de um paciente em estado


de coma. Mostra com sutileza a sensatez do médico ao explicar à família
acerca da etiologia (coma pós-ataque cardíaco com reanimação tardia) e
da durabilidade indefinida do coma, bem como a disponibilidade de equipe
multiprofissional tendo em vista o prognóstico mais reservado – já que a
personagem estava no leito há oito meses. Além disso, o filme também
retrata pontos importantes na rotina do paciente em coma, como a necessi-
dade de suporte respiratório e cardiovascular avançado, bem como atenção
adicional a complicações (a exemplo da grave infecção que a personagem
evoluiu). Não pontuamos 10 pois, após a retomada da consciência, apesar de
a paciente apresentar amnésia transitória e mistura entre memória recente
e passada, conseguiu deambular de maneira quase perfeita muito rapida-
mente – ou seja, apesar de sabermos que é possível voltar à “vida normal”
após um coma prolongado, levando em consideração a atrofia muscular e
a individualidade do paciente, o processo de readaptação é a longo prazo, e
não tão rapidamente como o filme deu a impressão.

“Kill Bill” (Volume 1) – 8,5

Filme dirigido por Tarantino, entremeado por uma história de vin-


gança sangrenta, muitas lutas perfeitamente coreografadas e um roteiro
inteligente que alterna entre o passado e o presente de Black Mamba. Esta
retoma a consciência após quatro anos de coma (o qual foi desencadeado
por uma lesão traumática cerebral) e percebe não ter movimentos nos
membros inferiores – o que é, de fato, esperado, tendo em vista a perda de
massa muscular e consequente enfraquecimento. Entretanto, apesar de a
recuperação pós-coma ser um aspecto extremamente variável e individual, o
fato de a personagem escapar do hospital se arrastando pelo chão e, depois
de 13 horas, retomar completamente os movimentos e logo após estar
apta a correr/lutar foi muito fictício, visto que o mais provável seria ela se
recuperar gradativamente. Esse foi um erro grave! O filme retrata também um

58
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

aspecto controverso, porém muito curioso: após a retomada da consciência,


a personagem tinha flashbacks de situações que presenciou durante o esta-
do de coma; apesar de não haver comprovação científica, alguns cientistas
e neurologistas defendem a teoria de que os pacientes em coma podem,
apesar de minimamente, ouvir e perceber o mundo ao seu redor. O filme
ignora completamente a necessidade de fisioterapia motora e outros cuida-
dos para estímulo pós-coma, transmitindo a errônea ideia de que, quando a
pessoa “retorna”, imediatamente está apta para interpretar cenas de muita
ação, força e criatividade, assim como aconteceu com Black Mamba – outra
infração grave.

REFERÊNCIAS

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consciousness: Report of the Guideline Development, Dissemination, and Implementation
Subcommittee of the American Academy of Neurology; the American Congress of Rehabilita-
tion Medicine; and the National Institute on Disability, Independent Living, and Rehabilitation
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consciousness. Seminars in Neurology, New York, v. 33, n. 2, p. 121-132, 2013.

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SALOTTOLO, K. et al. The epidemiology, prognosis, and trends of severe traumatic brain injury with
presenting Glasgow Coma Scale of 3. Journal of Critical Care, London, v. 38, p. 197-201, 2017.

TRAUB, S. J.; WIJDICKS, E. F. Initial Diagnosis and Management of Coma. Emergency


Medicine Clinics of North America, Baltimore, v. 34, n. 4, p. 777-793, 2016.

59
Capítulo 7
DEMÊNCIA

Gabriela Costa Bernades16


Aline Vieira Scarlatelli-Lima, M.Sc17

Paciente feminina, aproximadamente 65 anos, casada, apo-


sentada. Em consulta para acompanhamento neurocognitivo, foi diag-
nosticada com doença de Alzheimer. Queixa principal: piora da perda
de memória. Seu marido relata que a paciente tem apresentado afasia,
agnosia para faces e objetos, além de episódios de perda topográfica.
Também relata sintomas depressivos, desorientação e irritabilidade fren-
te ao distúrbio amnéstico. Casal afirma estar cogitando possibilidade de
a internar em uma instituição de longa permanência para idosos, que
preste cuidado sistematizado às suas necessidades especiais.

A síndrome demencial é caracterizada pelo desenvolvimento de


múltiplos déficits cognitivos, cuja etimologia é multifatorial. A suspeita diag-
nóstica se dá a partir do surgimento de prejuízo funcional (a depender da ca-
pacidade prévia do paciente), ocupacional e social do paciente, com evolução
progressiva, quando há a ausência de delirium ou doença psiquiátrica maior.
Os comprometimentos cognitivos ou comportamentais afetam
no mínimo dois dos seguintes domínios: memória; funções executivas
(raciocínio, realização de tarefas complexas e julgamento); habilidades

16 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/SC.
17 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/
SC. Médica neurologista Neurofisiologia Clínica. Professora, Mestre do curso de Medicina, Faculdade de
Medicina da Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/SC.

60
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

visuoespaciais; linguagem (expressão, compreensão, leitura e escrita) e


personalidade ou comportamento (alterações do humor, agitação, apatia,
desinteresse, isolamento social, perda de empatia, desinibição, comporta-
mentos obsessivos, compulsivos ou socialmente inaceitáveis).
O diagnóstico sindrômico é eminentemente clínico, suportado na
avaliação objetiva do desempenho cognitivo e de funcionalidade. A partir do
diagnóstico sindrômico, é necessário realizar investigação complementar da
etiologia da demência com exames laboratoriais (hemograma completo, pai-
nel químico ou metabólico que inclua eletrólitos, creatinina, glicose, função
tireoidiana, função hepática, níveis de cobalamina – vitamina B12 – e ácido
fólico – vitamina B9 –) e de neuroimagem estrutural (tomografia computado-
rizada – TC – e ressonância magnética – RM –). Outros exames podem ser
solicitados de acordo com a especificidade da situação, como laboratoriais
(análise de urina ou plasma para drogas ou metais pesados, teste para o vírus
da imunodeficiência humana – HIV – e sífilis), punção de líquor, eletroence-
falograma (EEG) e neuroimagem funcional (TC por emissão de fóton único
– Spect/CT – e TC por emissão de pósitrons – PET/CT –). Tais exames são
fundamentais para afastar causas de demências tratáveis potencialmente
reversíveis, como hidrocefalia de pressão normal, hematoma subdural crôni-
co, neoplasia em sistema nervoso central (SNC), hipotireoidismo, deficiência
de vitaminas B9 e B12, neurossífilis (sífilis terciária), hipercalcemia e drogas
(antipsicóticos, anticolinérgicos e benzodiazepínicos).
Após a coleta de história clínica com o paciente e/ou cuidador, a
avaliação cognitiva inicial de um paciente com hipótese diagnóstica de
síndrome demencial é baseada em testes de rastreio. Entre os diversos
disponíveis, destaca-se o miniexame do estado mental (Meem), que avalia
orientação têmporo-espacial, memória imediata e evocada, atenção e cál-
culo, linguagem e habilidades construtivas, pontuando de 0 a 30, a depen-
der da escolaridade do avaliado. Alternativas adicionais incluem o montreal
cognitive assessment (MoCA test, teste refinado que avalia principalmente
funções executivas) e a bateria breve de rastreamento cognitivo. Avaliação
neuropsicológica ampla com profissional especializado pode ser necessá-
ria quando a anamnese e o exame cognitivo breve realizado pelo médico

61
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

não forem suficientes para permitir diagnóstico confiável ou naqueles que


tiverem um mau desempenho no Meem.
A demência da doença de Alzheimer (DA) é a demência mais
preva¬lente no mundo e no Brasil, correspondendo a 60 a 80% de to-
das as demên¬cias, portanto, haverá um capítulo especial para tal. Na
sequência: demência por corpúsculos de Lewy, demência vascular e
demência frontotemporal.
Demência por corpúsculos de Lewy (DCL): apesar de frequentemen-
te subdiagnosticada e diagnosticada incorretamente (particularmente nos
estágios iniciais da doença), é a segunda forma mais comum de demência
neurodegenerativa em idosos (depois da Fronto temporal). Histopatologica-
mente, caracteriza-se pelo acúmulo progressivo da proteína sináptica alfa-
-sinucleína como corpos e neurites de Lewy, nas regiões do tronco cerebral,
límbica e neocortical. A tríade clínica é constituída por declínio cognitivo flu-
tuante, alucinações (especialmente visuais vívidas) e parkinsonismo motor
(sinais extrapiramidais espontâneos como rigidez e bradicinesia, tremor em
repouso, lentificação bilateral e simétrica). Também são frequentes: transtor-
no comportamental do sono REM (Rapid Eye Movement), grave reação adver-
sa cognitiva e motora a agentes antipsicóticos, quedas repetidas e síncope,
perda transitória de consciência, delírios sistematizados, alucinações em
outras modalidades, preservação relativa do lobo temporal medial na TC ou
RM scan, captação diminuída generalizada de marcadores na imagem Spect
ou PET nas regiões occipitais; atividade proeminente de ondas lentas no EEG
com ondas agudas transitórias do lobo temporal. Geralmente, a síndrome
motora e a síndrome demencial ocorrem dentro de 12 meses. Compartilha
sintomas sobrepostos com a DA e a doença de Parkinson (DP). O manejo da
DCL é complexo e multidisciplinar, centrado na apresentação da doença em
cada paciente, bem como a educação do cuidador. Quando ao manejo dos
sintomas cognitivos, são utilizados inibidores da colinesterase (donepezila
5–10mg/dia 1x/dia e rivastigmina 6–12mg/dia 2x/dia), tendo em vista que
a melhora da atividade colinérgica é o tratamento mais satisfatório. Levo-
dopa pode ser utilizada para prevenção de quedas e sintomas motores – é
necessário evitar agonistas dopaminérgicos (pioram sintomas psicóticos e
exacerbam confusão)! Melatonina é uma opção eficaz e bem tolerada para

62
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

o transtorno comportamental do sono, outras alternativas são clonazepam,


pramipexol, rivastigmina e memantina. O tratamento de primeira linha de
sintomas neuropsiquiátricos é feito com intervenções não farmacológicas
(treinamento do cuidador, atividades físicas, estimulação social, modificação
ambiental e identificação de gatilhos). Quetiapina é a opção preferida nos
distúrbios neuropsiquiátricos graves; donepezila pode ser benéfica para
alucinações ou delírios.
Demência vascular (DV): é o segundo tipo de demência mais comum
(caso não se considere apenas as neurodegenerativas). Caracteriza-se pelo
comprometimento cognitivo vascular e 34% dos pacientes com demência
têm patologia vascular significativa. Demência mista (DA + DV) é o padrão
mais frequente. Critérios diagnósticos do Diagnostic and Statistical Manual
of Mental Disorders (DSM-4) para demência vascular são: a) desenvolvimen-
to de múltiplos déficits cognitivos manifestados por comprometimento da
memória e uma (ou mais) das seguintes perturbações cognitivas: afasia,
apraxia, agnosia e perturbação do funcionamento executivo; b) os déficits
cognitivos no critério “a” causam, cada qual, um prejuízo significativo no
funcionamento social ou ocupacional e representam um declínio significa-
tivo em relação a um nível anterior de funcionamento; c) sinais e sintomas
neurológicos focais (exagero dos reflexos tendinosos profundos, resposta
extensora plantar, paralisia pseudobulbar, anormalidades da marcha, fra-
queza em uma das extremidades) ou evidências laboratoriais indicativas
de uma doença cerebrovascular (múltiplos infartos envolvendo o córtex e
a substância branca) são consideradas etiologicamente relacionadas com
a perturbação. Caso clínico exemplificando: paciente com antecedentes
de diabetes mellitus tipo 2, hipertensão arterial sistêmica e doença arterial
coronariana apresenta declínio progressivo de memória, sintomas depres-
sivos, apatia e afeto pseudobulbar (risos e choros espasmódicos); no exa-
me neurológico somático apresenta hiperreflexia global, Hoffman bilateral,
reflexos palmo-mentonianos bilateral e marcha lentificada; RM de crânio
com microangiopatia (Fazekas 3). Na DV, estratégias de prevenção primária
e secundária são mais eficazes. O manejo farmacológico é dificultoso, uti-
lizando-se anticolinesterásicos associados ou não à memantina (nível de
evidência C – menor evidência científica de benefício clínico quando com-

63
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

parado ao uso na DA); e também há o uso de outras medicações (como


antidepressivos) se indicado. É importante salientar que os antipsicóticos
aumentam o risco de doença cerebrovascular e sempre se deve associar
medidas não farmacológicas (como o estabelecimento de rotina, prática de
exercício físico, ambiente e cuidador fixos).
Demência frontotemporal (DFT): é uma doença heterogênea com
fenótipos clínicos distintos e associação com diferentes entidades neuropa-
tológicas. Predomina em pessoas mais jovens do que em outras demências,
maior incidência familiar, igual incidência em homens e mulheres. Carac-
teriza-se por alterações neuropsicológicas de funções relacionadas com o
córtex frontal (principalmente) e o temporal – distúrbios no comportamento
(mudanças precoces na conduta social, desinibição, rigidez, inflexibilidade,
hiperoralidade, comportamento estereotipado e perseverante, exploração
incontida de objetos no ambiente, desatenção, impulsividade, falta de persis-
tência e perda precoce da crítica), linguagem (afasia progressiva e demência
semântica), controle executivo e, frequentemente, sintomas motores. O
diagnóstico por imagem mostra atrofia focal assimétrica das áreas frontais
e/ou temporais. O diagnóstico confirmatório é firmado por meio de exame
histopatológico. Infelizmente, ainda não há tratamento específico voltado
para DFT. Os tratamentos aprovados para a DA não mostraram benefícios na
DFT, inibidores da acetilcolinesterase podem inclusive piorar os sintomas da
DFT. Inibidores seletivos da captação de serotonina (ISRS) podem melhorar
sintomas comportamentais. Antipsicóticos atípicos devem ser evitados
devido à maior vulnerabilidade aos efeitos colaterais extrapiramidais. Inter-
venção não farmacológica deve ser empregada (exercícios físicos, técnicas
comportamentais, ambientais e físicas).

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Aprendendo Neurologia Através do Cinema

Imagem 1 – “Longe Dela”/“Away From Her”.


Fonte: Cartaz do filme “Longe Dela”/“Away From Her” (2006).

A paciente do caso clínico apresentado inicialmente é Fiona Ander-


sson, do filme canadense “Longe Dela”/“Away From Her”, de 2006, dirigido e
escrito por Sarah Polley, baseado no conto “The Bear Came Over The Mou-
ntain”, de Alice Munro. Fiona é uma aposentada serena e bem-humorada,
que evidentemente sofre perda de memória, com posterior diagnóstico de
demência de DA. Grant Andersson, no papel de marido e cuidador, enfrenta
a doença de sua amada (com quem é casado há 44 anos) dia após dia e...
[SPOILER ALERT] a vê (sem julgamento) se apaixonando por outro homem.
Ambos enfrentam a transição complexa e inevitável de amantes para estra-
nhos e, apesar de todas as circunstâncias, Grant sempre toma decisões em
prol da felicidade de Fiona.

Filmes Notas

“Longe Dela”/“Away from Her” 10,0

“Coco (Viva – A Vida É Uma Festa)” 9,0

“Num Lago Dourado”/“On Golden Pond” 9,0

Quadro 1 – Ranking de veracidade dos filmes que abordam a demência e sua repercussão
na vida dos pacientes de acordo com a Neuroliga/Unisul-SC.
Fonte: Elaborado pelos autores (2021).

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Aprendendo Neurologia Através do Cinema

“Longe Dela”/“Away from Her” – 10,0

Obra espetacular! Fiona Andersson tem diagnóstico confirmado de


doença de Alzheimer e faz acompanhamento para tal. O filme tece as caracte-
rísticas da demência da doença de Alzheimer com maestria e realismo. Fiona
transita entre opiniões duais acerca da doença: “às vezes há algo delicioso
no esquecimento, pois posso conhecer várias primeiras vezes aquilo que me
dá prazer” e “sinto que, conforme minhas memórias esvaem-se, eu desapa-
reço e morro, antes mesmo da chegada da minha própria morte”. O quadro
da personagem é clássico – durante o filme é possível perceber o declínio
cognitivo gradual e contínuo, afasia, agnosia para face e objetos, alteração
de raciocínio e julgamento, repetição das mesmas frases por várias vezes.
Também é possível observar a personagem com depressão nos estágios
mais avançados, confirmando o quanto é comum pacientes com Alzheimer
apresentarem distúrbios comportamentais conforme a evolução da doença.
Ademais, a trama traz uma reflexão sobre o papel do cuidador do paciente
com síndrome demencial que, de certa forma, passa a viver secundaria-
mente ao seu ente querido e inclusive estudar com afinco a fisiopatologia/
tratamento da doença e, ao ser esquecido, sofre intensamente.

“Coco (Viva – A Vida É Uma Festa)” – 9,0

Apesar de o filme não mencionar especificamente qual é o diagnós-


tico da vovó Coco (infração moderada – 1,0 ponto), a personagem transmite
ao público seus déficits cognitivos. A família assiste o avançar da doença
da avó que, ao longo da trama, apresenta memória episódica e retrógrada
prejudicadas, agnosia para faces e disfunção executiva. Apesar das limita-
ções físicas e psicológicas da avó, há um respeito e amparo familiar para
com ela – o que é nobre e, também, pode ser estressante ao cuidador do
paciente com demência. O filme suscita uma importante reflexão acerca
das demências: como se trata de uma doença cuja evolução é progressiva,
juntamente ao tratamento sintomático, é vantajoso associar um tratamento
não farmacológico, como a musicoterapia (que, além de estimular conexões

66
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

neuronais, pode trazer memória afetiva, visual e/ou motora). Em uma cena
emblemática do filme, vovó Coco está apática e sem nenhuma reação, sen-
tada em sua cadeira de rodas, quando seu neto se aproxima e, com muita
ternura, toca um violão e a convida para cantarem juntos uma melodia car-
regada de memória afetiva. Nesse momento, a musicoterapia desperta na
senhora um semblante sorridente e calmo, a reconecta com uma memória
passada e traz uma reorganização de memória e orientação tempo-espaço,
além de diminuir a sensação de isolamento social e afetivo. Dessa forma,
a musicoterapia mostra que adiciona qualidade de vida aos pacientes com
demência, atuando sobre o estado cognitivo, atenção, memória, sono e
alimentação, bem como auxiliando no combate à depressão.

“Num Lago Dourado”/“On Golden Pond” – 9,0

O filme não menciona especificamente qual é o diagnóstico de


Norman Thayer Júnior (infração moderada – 1,0 ponto) e, embora nunca
mencione a palavra “demência”, é possível perceber que o personagem pos-
sui deficiência cognitiva. O filme retrata muito bem as nuances de uma de-
mência em estágios iniciais, demonstrando sutilmente o comprometimento
da memória episódica do personagem. Entretanto, não fica claro se de fato
há prejuízo funcional para realizar a diferenciação entre demência em estágio
inicial ou transtorno cognitivo leve amnéstico múltiplos domínios. Norman
parece estar assustado com as circunstâncias de seu envelhecimento, ora
se sentindo agraciado com os anos felizes na casa de lago, ora se sentindo
impotente e agitado frente à desorientação topográfica e tamanha dificulda-
de em realizar atividades que outrora eram simples. A trama também relata
um dos aspectos mais marcantes da doença: o momento decisivo em que
o cuidador percebe que o paciente com demência não é mais capaz de se
manter seguro ao realizar atividades sozinho. Norman quase incendia sua
casa e, ao mesmo tempo que sente remorso e culpa por colocar sua família
em perigo, também se vê com “raiva da vida”, por estar se tornando tão
dependente. É uma história emocionante.

67
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

REFERÊNCIAS

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diagnosis and management. Australian and New Zealand Journal of Psychiatry, Thousand
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bosis, and Vascular Biology, Greenville, v. 39, n. 8, p. 1542-1549, 2019.

68
Capítulo 8
DOENÇAS DO NEURÔNIO MOTOR

Taís Luise Denicol18


Jaime Lin19
Louise Lapagesse de Camargo Pinto, PhD20

Paciente masculino, 21 anos, solteiro, doutorando em física na


Universidade de Cambridge, natural de Oxford e procedente de Cambri-
dge, refere queda da própria altura. Tinha alguns sintomas posteriores,
como dificuldade para pegar alguns objetos, subir escadas ou correr e
fadiga. Após busca de auxílio médico por episódio de queda, diagnos-
ticou-se a esclerose lateral amiotrófica (ELA) com uma expectativa de
vida de no máximo três anos – informação fornecida pelo profissional
que o atendeu. Progressivamente apresenta diminuição da força e da
coordenação motora com necessidade de usar uma bengala para
manter a marcha. A fala é mais lentificada (disartria). Depois de cinco
anos do diagnóstico precisa de cadeiras de rodas. Aos poucos tem perda
de funcionalidades, engasgos frequentes e evolui com pneumonia. Na
internação hospitalar por doença pulmonar é optado pela realização da
traqueostomia com a perda da fala em razão do procedimento cirúrgico.
Mesmo com inúmeras adversidades, o paciente continuou estudando e
se comunicando com ajuda de um computador e voz eletrônica. Aos 76
anos, o paciente vem a óbito devido a complicações da ELA.

18 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/SC.
19 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Sul de Santa Catarina – Unisul, Liga Acadê-
mica de Neurogenética (Lang), Universidade do Sul de Santa Catarina – Unisul, Pesquisador em Laboratório
de Pesquisa em Autismo e Neurodesenvolvimento, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde,
Universidade do Extremo Sul Catarinense – Unesc. Professor do Curso de Medicina – Ambulatório Materno
Infantil, Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/SC.
20 Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, Universidade do Extremo Sul Catarinense – Unesc.
Professora do Curso de Medicina – Ambulatório Materno Infantil, Universidade do Sul de Santa Catarina,
Unisul – Tubarão/SC.

69
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

Nas doenças do neurônio motor ocorre uma deterioração progres-


siva das células nervosas, que dão início ao movimento muscular. Dessa
maneira, os nervos deixam de estimular os músculos que se deterioram,
perdendo força e funcionalidade, sendo a ELA uma das doenças mais
comuns dos neurônios motores.
A doença do neurônio motor superior pode ser subdividida em
quatro distintas síndromes clínicas, tal como: atrofia muscular primária,
paralisia bulbar progressiva, esclerose lateral primária e ELA. A maioria dos
casos de ELA são esporádicos, porém existindo uma porcentagem pequena
de caráter hereditário, ambas com clínica e fisiopatologia semelhantes. Dos
casos de ELA, cerca de 10% são hereditários e podem apresentar um padrão
de herança autossômico dominante ou recessivo. Dos casos familiares,
alguns estudos relatam que o tipo mais frequente é a do tipo 8 com herança
autossômica dominante, mutações no gene VAPB (localizado 20q13.32), que
pode parecer entre a quarta e a quinta década e em geral tem progressão
lenta. Existe uma mutação comum c.166C>T (p.Pro56Ser), que geralmente é
pesquisada inicialmente. Existem diversos painéis moleculares na literatura
que são sugeridos de serem realizados. De maneira importante, um resultado
negativo não exclui a doença geneticamente determinada tendo em vista a
heterogeneidade genética que envolve essa doença. Do ponto de vista gené-
tico, chama atenção a realização do diagnóstico precoce tendo em vista as
novas terapias específicas que estão surgindo.
O aconselhamento genético está indicado para as famílias em
risco que apresentam mais de um afetado em sua família, mesmo que ra-
ramente seja herdada de maneira autossômica dominante de um de seus
pais. Do ponto de vista ético, a testagem de indivíduos assintomáticos
com familiares sintomáticos e mutação diagnostica pode ser desafiador.
Para uma doença que não existe uma terapia preventiva e curativa e com
expressividade variável, deve ser discutido qual o benefício da testagem
com o aconselhamento genético. A expectativa de vida de vida dos pa-
cientes, no geral, é cerca de três anos após o diagnóstico e a evolução da
doença é pouco flexível.
Pode ser difícil diagnosticar o paciente no início da doença se os
sintomas forem mais focais. Pode demorar em média de 10–13 meses en-

70
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

tre a suspeita até a confirmação diagnóstica da ELA. Faz-se o diagnóstico


na presença de sinais de comprometimento simultâneo do neurônio motor
inferior (NMI) e neurônio motor superior (NMS) em regiões distintas.

Critérios de El Escorial (diagnósticos em vários subtipos):

ELA definitiva: Sinais de NMS e NMI na região bulbar, assim como


no mínimo 2–3 sinais em regiões cervical, torácica ou lombossacral.
ELA provável: Sinais de NMS e NMI em duas das regiões bulbar,
cervical, torácica ou lombossacral, associado a algum sinal de NMS rostral
aos sinais de NMI.
ELA possível: Sinais de NMS e NMI em uma região somente; ou dois
ou mais sinais apenas no NMS; ou ainda sinais de NMI rostrais aos de NMS.
ELA suspeita: Sinais de NMI ou de NMS em uma ou mais das
regiões bulbar, cervical, torácica ou lombossacral.
ELA provável com suporte laboratorial: Sinais de NMS e NMS em uma
região ou de NMS em uma ou mais das regiões associados à evidência de de-
nervação aguda na eletroneuromiografia (ENMG) em dois ou mais segmentos.
Sempre ocorrerá a progressão da doença e ausência de sinais
sensitivos, independentemente do subtipo.
— Tratamento medicamentoso da ELA é feito com riluzol 50mg VO de
12/12 horas, sendo o tempo de uso dependente da tolerabilidade de
cada paciente.
— É necessária uma abordagem multidisciplinar: fisioterapia/terapia res-
piratória, foniatria/fonoaudiologia, terapia ocupacional, neurologista,
psiquiatria, gastroenterologista, assistentes sociais e demais profis-
sionais que forem necessários – sempre individualizando cada caso.
— A dificuldade de deglutição deve ser avaliada tanto para a suplemen-
tação de dietas calóricas e com proteínas concentradas, quanto para
a necessidade de gastrostomia.
— Outras abordagens são importantes conforme sintomas: sialorreia
– amitriptilina 10–100mg VO; muco espesso – betabloqueadores;
espasticidade – baclofeno 5mg VO 3x por dia em dose inicial poden-

71
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

do chegar em 80mg/dia; afeto pseudobulbar – antidepressivos em


pacientes com transtornos depressivos posteriores ao diagnóstico
de ELA e amitriptilina até 100mg ao demais.
— Insuficiência respiratória: uso de suporte ventilatório será necessário;
se for desejo do paciente, pode ser necessária uma traqueostomia.
— Dor: fisioterapia, mudanças de decúbito, medicamentos antiespas-
ticidade ou antidepressivos, analgésicos simples até opioides, se
forem necessários.

Imagem 1 – “A Teoria de Tudo”/“The Theory of Everything”.


Fonte: Cartaz do filme “The Theory of Everything” (2014).

O caso clínico ilustrado no início do capítulo diz respeito ao filme


“A Teoria de Tudo”, uma obra baseada em fatos reais que aborda a vida do
admirável físico Stephen Hawking. O filme aborda não apenas o diagnósti-
co da esclerose múltipla amiotrófica (ELA), como também a triste evolução
natural dessa doença. Entretanto, cabe lembrar que a expectativa de vida
dessa doença no caso do cientista foi muito maior do que a vista na maioria
dos pacientes com ELA.

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Aprendendo Neurologia Através do Cinema

Filmes Notas

“A Teoria de Tudo”/“The Theory of Everything” 10,0

“Um Momento Pode Mudar Tudo”/“You’re Not You” 8,5

“Hugo Pool” 7,5

“Getting up: The TEMPT One Story” 10,0

Quadro 1 – Ranking de veracidade dos filmes que abordam distúrbios do neurônio motor
superior e sua repercussão na vida dos pacientes de acordo com a Neuroliga/Unisul-SC.
Fonte: Elaborado pelos autores (2021).

“A Teoria de Tudo”/“The Theory of Everything” – 10,0

O filme retrata bem a evolução da doença com a perda progressiva


dos movimentos e as necessidades de auxílio do personagem. Entretanto,
existe toda uma romantização da longa expectativa de vida do persona-
gem que, infelizmente, não é o que ocorre na maioria dos casos, pois os
pacientes têm uma expectativa de vida de no máximo dois anos após o
diagnóstico e também há uma romantização da inegável genialidade do
físico em questão. Ainda é válido citar o quanto a ELA pode impactar na
vida das pessoas que vivem junto ao doente, o que também é muito bem
mostrado pela obra cinematográfica. Não leva nenhuma infração.

“Um Momento Pode Mudar Tudo”/“You’re Not You” – 8,5

A protagonista do filme é diagnosticada com ELA e sua “perfeita”


vida muda completamente. Ela fica aos cuidados de uma garota pouco
experiente como cuidadora e que a faz se sentir bem por não a tratar dife-
rente pela doença. Assim constroem uma relação de descobertas e cres-
cimentos pessoais. O filme aborda sintomas iniciais, como fasciculações
musculares nas mãos, fraqueza muscular, dificuldades na marcha, disartria
e a progressiva evolução da doença. Leva uma infração grave pelo jeito que
a paciente acaba sendo cuidada, pois por mais que seja importante ocorrer

73
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

uma inclusão desses indivíduos na sociedade, o uso de substâncias ilícitas


e a maneira de manejar a atenção deles requer maior prudência.

“Hugo Pool” – 7,5

O filme utiliza do diagnóstico de ELA para tornar o protagonista


como alguém com deficiências e fazer comédia com a situação, sem levar
em conta a progressão da doença em si. O personagem apresenta, por
exemplo, a incapacidade de falar, mas consegue se alimentar com colher, o
que é inconsistente com a evolução da doença. Leva uma infração gravís-
sima, não apenas pela questão da incoerência da progressão da ELA, mas
por usar a doença como algo cômico, sendo um filme não aconselhado aos
que querem saber mais sobre a patologia em si.

“Getting up: The TEMPT One Story” – 10,0

Documentário que aborda sobre a vida de um grafiteiro norte-ame-


ricano, Tony “Tempt”, com diagnóstico de ELA. A doença é apresentada na
sua face como ela realmente é. A obra mostra também o quanto a tec-
nologia pode ajudar pacientes com doenças neurodegenerativas a terem
atividades e continuarem se comunicando com o mundo, no caso de Tony
isso se dá pela arte de seus grafites. O filme não leva nenhuma infração.

REFERÊNCIAS

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Aprendendo Neurologia Através do Cinema

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the Lambert and the El Escorial criteria. Journal of the Neurological Sciences, Cleveland, v.
160, n. 1, p. 25-29, 1998.

75
Capítulo 9
DISTÚRBIOS DO SONO

Laíse Koenig de Lima21


Linério Ribeiro de Novais Júnior22
Aline Vieira Scarlatelli-Lima, M.Sc23

NARCOLEPSIA

Paciente masculino, jovem, solteiro, garoto de programa, desi-


ludido da vida, possui inúmeras lembranças da infância que aparecem
como gravações. Quando recorda de fortes emoções, possui episódios
de cataplexia, mas a doença não o impede de viver perigosamente.

É definido por ser um transtorno neurodegenerativo crônico, geral-


mente com início na adolescência e segundo pico de início por volta dos
35 anos. Caracterizado por sonolência excessiva diurna (SED) e manifesta-
ções que demonstram um estado de dissociação do sono REM, que serão
abordadas a seguir:

1. Cataplexia: mais específico e patognomônico da narcolepsia


com deficiência de hipocretina-1 no líquor (LCR). Apresenta-se
como episódios de perda bilateral de tônus muscular desenca-

21 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/SC.
22 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/SC.
23 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão.
Médica neurologista Neurofisiologia Clínica. Professora, Mestre do curso de Medicina, Faculdade de Medi-
cina da Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/SC.

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Aprendendo Neurologia Através do Cinema

deado por emoções repentinas (o riso alegre é um dos gatilhos),


com reflexos tendinosos profundos abolidos temporariamente
durante os episódios (podendo estar preservados se for um
evento parcial ou leve). Os eventos duram em média até 10
minutos e o término se dá de maneira súbita, com retorno do
tônus muscular e sem confusão mental ou amnésia.
2. Paralisia do sono: incapacidade total para se mover, ocorrendo
ao adormecer ou ao despertar. O tema será mais abordado
ainda neste capítulo.
3. Alucinações hipnagógicas: geralmente são visuais ou so-
matossensoriais, mas também auditivas, vestibulares ou
multissensoriais.
4. Sono noturno fragmentado.

A SED é a incapacidade de se manter alerta durante o dia e a


necessidade de múltiplos cochilos ao longo do período de vigília. Os
quatros sintomas descritos anteriormente associados à SED, formam a
pêntade clássica da doença, porém, podem não ser as únicas manifes-
tações da doença. Outros sintomas associados à narcolepsia são: epi-
sódios de comportamento automático, pesadelo, transtorno de déficit
de atenção e hiperatividade (TDAH), desempenho cognitivo diminuído,
obesidade, parassonia, diabetes mellitus tipo 2, déficit olfativo, síncope,
disfunção erétil e hipotensão.
A doença envolve a interação entre fatores ambientais e genéticos
que, dependendo do gatilho ambiental, podem alterar o funcionamento
do sistema imunológico e, então, desencadear uma resposta que leva à
destruição de neurônios produtores de hipocretina.
A hipocretina A e B são pequenos neuropeptídios que atuam ati-
vando os neurônios-alvo por meio dos receptores hipocretinergicos A e B
que participam da manutenção do estado de vigília. A perda desse sistema
irá interromper o funcionamento de redes frontais, límbicas, diencefálicas
e do tronco cerebral, resultando, então, nos sintomas da narcolepsia. Logo,
a deficiência de hipocretinas irá gerar um estado de desorganização e
instabilidade do padrão sono-vigília.

77
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

A hipótese autoimune da doença é fundamentada no princípio da


associação de narcolepsia com o alelo DQB1*0602 de complexo maior de
histocompatibilidade. A identificação desse alelo está mais comumente
associada à narcolepsia com cataplexia, podendo também ser encontrada
na narcolepsia sem cataplexia.
A narcolepsia pode estar associada à depressão e ansiedade,
transtorno comportamental do sono REM, obesidade e síndrome da apneia
obstrutiva do sono, sendo que a coexistência pode estar vinculada à obesida-
de. Dessa forma, para realizar diagnóstico diferencial, tem-se o auxílio da boa
anamnese, polissonografia e o teste de latências múltiplas do sono (TLMS).
O diagnóstico da doença é baseado na identificação dos sintomas
clínicos e sustentado por biomarcadores e pelo TLMS. Os níveis de hipocretina
no LCR menores que 110pg/ml sugerem o diagnóstico de narcolepsia com ca-
taplexia, mas também podem ser encontrados na narcolepsia sem cataplexia.
A narcolepsia tipo 1 é definida pela presença de SED por mais de
três meses associada a níveis baixos de hipocretina no LCR (< 110pg/ml)
ou cataplexia e teste de latência múltipla do sono menor que oito minutos.
Já a tipo 2 é definida pela presença de SED por mais de três meses, sem
associação com cataplexia e com latência média de sono menor que oito
minutos no TLMS.
O tratamento é multifatorial e baseado em apoio psicossocial, abor-
dagem comportamental, drogas estimulantes do SNC e antidepressivos
para tratamento dos eventos de cataplexia. Os sintomas comportamentais
são baseados em rotina com horários estabelecidos para dormir e acordar,
associados a alteração de alguns hábitos como: evitar ingerir bebida alcoó-
lica, sedativos e cafeína.
As drogas estimulantes têm o papel de melhorar a sonolência ex-
cessiva diurna, melhorando, dessa forma, a qualidade de vida do paciente.

— Dextroanfetamina/anfetamina: até 100 mg/dia.


— Metilfenidato: até 100 mg/dia.
— Metilfenidato de liberação lenta: até 60 mg/dia.
— Selegilina: até 50 mg/dia.
— Modafinila: até 800 mg/dia.

Quadro 1 – Agentes estimulantes utilizados na narcolepsia.


Fonte: Elaborado pelas autoras (2021).

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Aprendendo Neurologia Através do Cinema

— Tricíclicos: clomipramina (25–200 mg/dia); imipramina (10–100 mg/dia).

— Inibidores da receptação de serotonina e noradrenalina: venlafaxina (75–225mg/dia);


duloxetina (30–90 mg/dia); reboxetina (2–10 mg/dia).

Quadro 2 – Antidepressivos utilizados na narcolepsia.


Fonte: Elaborado pelas autoras (2021).

Para o sono fragmentado, pode-se usar zolpidem ou triazolam.

Imagem 1 – “Garotos de Programa”/“My Own Private Idaho”.


Fonte: Cartaz do filme “Garotos de Programa” (1991).

O jovem descrito no caso clínico é Mike Water, do filme “My Own


Private Idaho” (“Garotos de Programa”). Mike sofre de narcolepsia e logo
no início do filme já relatam que “é uma doença caracterizada por breve
ataque de sono profundo” e, então, mostram uma crise do protagonista de-
sencadeada por lembranças de uma estrada que volta a aparecer ao longo
do filme. Em algumas das crises, Mike é ajudado por Scott. O protagonista
vive uma vida de garoto de programa homossexual, residente em um hotel
abandonado e, em algumas cenas, na rua, junto com outros personagens
viciados em álcool e drogas. Dentre os personagens, destaca-se Bob, que
seria o tutor do grupo por ser mais experiente, e Scott, que vive essa vida
para provocar o pai, que é o prefeito da cidade. No desenrolar da trama,
percebemos que as cenas gravadas são lembranças da sua infância com

79
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

sua mãe, e, então, Scott ajuda Mike a ir procurá-la. [SPOILER ALERT] Mike é
apaixonado por Scott. Durante a busca pela mãe do protagonista, Scott se
apaixona por Carmela e abandona todos que sempre o ajudaram, vivendo
uma vida de glamour e seguindo os passos do pai. Bob e o pai de Scott
falecem e seus enterros são próximos. Scott e Mike, à distância, trocam
olhares como um adeus. Mike, então, antes de sua última crise mostrada
no filme, reflete: “Sou um conhecedor de estradas. Tenho experimentado
estradas por toda a minha vida. Esta estrada nunca tem fim. Talvez ela dê a
volta em todo o mundo”.

Filme Nota

“Garotos de Programa”/“My Own Private Idaho” 9,0

Quadro 3 – Ranking de veracidade dos filmes que abordam narcolepsia e sua repercussão
na vida dos pacientes de acordo com a Neuroliga/Unisul-SC.
Fonte: Elaborado pelas autoras (2021).

“Garotos de Programa”/“My Own Private Idaho” – 9,0

Apesar de o filme mostrar a cataplexia, sinal típico da doença, não


mostra como foi realizado o diagnóstico da doença, nem a procura por um
profissional da saúde. Ademais, não mostra a importância de realizar o
tratamento, já que o paciente com narcolepsia quase sempre está exposto a
eventos de risco com crises imprevisíveis desencadeada por fortes emoções.

PARALISIA DO SONO ISOLADA RECORRENTE

Paciente masculino, solteiro, idade aparente de 30 anos. Há cerca de


dez anos apresentou episódios de parestesia (“corpo formigava”), alucinações
auditivas (ouvia sons dentro de sua cabeça e barulho de batidas) e visuais
(enxergava diferentes cores e faixas de laser, como um “túnel do tempo”),
perdia o controle de seu corpo, ataques de pânico com a percepção de morte
iminente, dispneia e permanecia atônito (tentava se mexer para acordar, mas

80
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

não conseguia). Após um mês de início do quadro clínico, consultou-se


com um neurologista realizando uma tomografia computadorizada e um
eletroencefalograma, os quais estavam normais. Foi diagnosticado com
paralisia do sono isolada recorrente causada por estresse e foi orien-
tado a modificar seu estilo de vida. Passou a ter medo de adormecer e
resistia a se deitar na cama. Em seguida, começou a apresentar fadiga,
episódios de perseguição e sua qualidade de vida foi afetada. Os eventos
passaram a ser frequentes e assustadores. Acredita que estes possuem
origem sobrenatural/extraterrestre.

A paralisia do sono isolada recorrente (PSIR) é um distúrbio clas-


sificado como uma parassonia do sono REM, sendo caracterizada pela
ocorrência de atonia típica do sono REM, porém, presente no estado de
vigília, associado a um estado de consciência parcial, com movimento ocu-
lar e respiratório preservados. Pode ocorrer tanto no início do sono (estado
hipnogógico) como no despertar (estado hipnopômpico) e, normalmente,
são breves e interrompidos espontaneamente ou por estímulos externos.
A atonia presente no estágio do sono REM é causada pela ação
dos neurotransmissores inibitórios ácido gama amino-butírico (Gaba) e
glicina na formação reticular ascendente pontina e nos neurônios motores
alfa da medula espinal. Entretanto, nos episódios de paralisia do sono (PS),
a inativação desses mediadores químicos ao passar para a fase de vigília
não ocorre e, assim, o indivíduo fica incapaz de se movimentar ou falar. O
paciente permanece em um estado de semiconsciência e com parte das
modalidades sensitivas preservadas, o que possibilita experimentar sonhos
vívidos e multissensoriais, inclusive com alucinações intensas que podem
ser visuais, sonoras e táteis.
Frequentemente, parte dessas experiências sensoriais são descri-
tas como aterrorizantes. O paciente pode presenciar estranhos no quarto,
ver sombras, ouvir ruído de passos, sentir o toque na pele e dispneia. Uma
hipótese fisiológica para tais ilusões se baseia em um distúrbio funcional
na região temporoparietal direita, responsável pela formação da imagem
corporal. Também é comum que, nesses episódios, o paciente tenha a sen-

81
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

sação de estar fora do corpo e se observar. Neste caso, acredita-se que há


uma associação entre o sistema de neurônios em espelho e as aferências
sensoriais do corpo e da área pré-frontal, o que pode resultar na percepção
de dualidade experimentada pelo indivíduo.24
Estima-se que cerca de 7,6% da população já experimentou um
episódio de PS. Entre jovens e pacientes psiquiátricos, presume-se que essa
taxa alcance 30%. É mais comum em pessoas do sexo feminino e não cauca-
sianos, com idade entre 20 e 30 anos, além de estar frequentemente associa-
do a doenças, como: distúrbios do sono, hipertensão, ansiedade e transtorno
do estresse pós-traumático. Além disso, é importante ressaltar que traços
de personalidade, como tendência a dissociação, imaginação exacerbada e
crenças paranormais/sobrenaturais, aliados à influência cultural e religiosa
podem ser fatores de risco para desenvolver episódios de PS.
Para realizar o diagnóstico, primeiramente é preciso estabelecer a
presença de episódios isolados de PS caracterizados como: atonia mus-
cular no início ou no término do sono com preservação dos movimentos
dos olhos e persistência de algum controle sobre a respiração. Essas
experiências devem ser breves (normalmente em torno de dois minutos).
É necessário avaliar a presença de outros distúrbios do sono (como nar-
colepsia) e se há influência de medicamentos ou substâncias nos eventos
de paralisia. A seguir, é necessário caracterizar a síndrome como PSIR, na
qual há ao menos dois episódios nos últimos seis meses, com presença
de medo e/ou ansiedade relacionado ao sono ou ao ambiente de dormir e
sofrimento clínico significativo. Instrumentos específicos de avaliação são
utilizados para facilitar o diagnóstico da PSIR, como questionários sobre
experiências de sono incomum e triagens de parassonias. É importante
também estar atento aos diagnósticos diferenciais, principalmente àqueles
relacionados aos transtornos do sono, sendo os mais comuns a síndrome
da cabeça explosiva, transtorno do pesadelo, terror noturno e ataques de
pânico noturnos, além de transtornos psiquiátricos como ansiedade, esqui-
zofrenia e outros delírios.

24 Há uma perturbação nos circuitos inibitórios dos neurônios-espelhos, os quais são estimulados e
originam os fenômenos extracorpóreos percebidos.

82
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

A abordagem terapêutica não farmacológica para a PSIR é reali-


zada por meio de psicoeducação, higiene do sono e terapia cognitiva com-
portamental. Em relação ao tratamento medicamentoso, administra-se
antidepressivos tricíclicos (clomipramina e imipramina), inibidores seletivos
de recaptação de serotonina (ISRS – fluoxetina e sertralina) e inibidores
seletivos de recaptação de serotonina e noradrenalina (ISRSN – venlafaxina
e duloxetina). A razão para o uso dessa classe de medicações é que esses
dois neurotransmissores estão envolvidos pela inativação do sono REM, di-
minuindo os eventos de PS. É importante, também, tratar as comorbidades
associadas que afetam de forma negativa a qualidade do sono do paciente,
principalmente a insônia e a síndrome do sono insuficiente.25

Antidepressivos Tricíclicos
- Clomipramina 🡪 25–200mg – 1x/dia, via oral.
- Imipramina 🡪 10–100mg – 1x/dia, via oral.
Antidepressivos ISRS
- Fluoxetina 🡪 20–80mg – 1x/dia, via oral.
- Paroxetina 🡪 20–40mg – 1x/noite antes de dormir, via oral.
- Sertralina 🡪 50–150mg – 1x/dia, via oral.
Antidepressivos ISRSN
- Venlafaxina 🡪 75–225mg – 1x/dia, via oral.
- Duloxetina 🡪 30–90mg – 1x/dia, via oral.
Indutores do Sono
- Mirtazapina 🡪 15–45mg – 1x/noite antes de dormir, via oral.
- Trazodona 🡪 75–150mg – 1x/noite antes de dormir, via oral.

Quadro 4 – Medicações utilizadas no tratamento da paralisia do sono isolada recorrente.


Fonte: Elaborado pelos autores (2021).

25 Importante ressaltar que agonista gabaérgicos são contraindicados nos transtornos do sono REM, com
a capacidade de piorar o quadro clínico.

83
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

Imagem 2 – “O Pesadelo”/“The Nightmare”.


Fonte: Cartaz do documentário “The Nightmare” (2015).

O documentário “The Nightmare” apresenta a história de oito pesso-


as com o distúrbio da paralisia do sono. De cunho jornalístico, a metragem
aborda a visão dos pacientes acerca da doença, suas experiências frente
aos episódios de paralisia e a perturbação causada em suas vidas. Grande
parte dos relatos salienta o quanto é aterrorizante estar impossibilitado de
se movimentar nos episódios de delírio durante o despertar e o adormecer.
Momentos de tensão, sufocamento e perseguição são compartilhados
entre os pacientes e a crença de que os fenômenos possam ter origem
sobrenatural é fortemente sugerida.

Filme Nota

“O Pesadelo”/”The Nightmare” 8,0

Quadro 5 – Ranking de veracidade dos filmes que abordam a paralisia do sono isolada
recorrente e sua repercussão na vida dos pacientes de acordo com a Neuroliga/Unisul-SC.
Fonte: Elaborado pelos autores (2021).

84
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

“O Pesadelo”/“The Nightmare” – 8,0

O documentário retrata bem a sensação subjetiva frente aos episó-


dios de paralisia do sono e o transtorno mental e físico que isso causa na
vida dos pacientes. Entretanto, há uma abordagem tendenciosa em relação
à etiologia da doença e o longa sugere, constantemente, o possível caráter
sobrenatural dos episódios de PS, como se fossem eventos extraterrestres
ou espirituais. Por conseguinte, a natureza científica da patologia acaba
sendo deixada em segundo plano. Diante disso, a nota é 8,0.

REFERÊNCIAS

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nos Mentais. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.

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SLOWIK, J. M.; COLLEN, J. F.; YOW, A. G. Narcolepsy. StatPearls, Treasure Island, 2020.

85
Capítulo 10
DOENÇA DE ALZHEIMER

Linério Ribeiro de Novais Jr.26


Aline Vieira Scarlatteli-Lima, M.Sc27

Paciente masculino, viúvo, idade aparente de 70 anos, professor


universitário aposentado. Apresentou leve declínio cognitivo em atividades
habituais (lentidão para resolver problemas matemáticos associado a
lapsos de memória) e procurou serviço médico. Foi diagnosticado com
doença de Alzheimer.
Durante a evolução da doença, manifestou episódios de delírio e
desorientação temporal e espacial, incapacidade de realizar contas, amné-
sia anterógrada, esquecimento de nomes de pessoas e objetos conhecidos,
distanciamento da realidade e tentativas de fuga.
Já com a doença em estágio avançado e com a capacidade funcio-
nal debilitada, passou a relembrar apenas de fatos remotos, não reconhecia
sua filha, falava frases sem sentido, gritava, ficou agressivo, já não conse-
guia se alimentar sozinho, estava apático e totalmente dependente.
Foi internado em uma casa de repouso, onde passou os últimos
anos de sua vida.
A doença de Alzheimer (DA) é uma patologia neurodegenerativa
causada pela formação de placas amiloides (extracelulares), emaranhados
neurofibrilares (intracelulares), degeneração sináptica e perda neuronal hi-

26 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/SC.
27 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/
SC. Médica neurologista Neurofisiologia Clínica. Professora, Mestre do curso de Medicina Faculdade de
Medicina da Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/SC.

86
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

pocampal no sistema nervoso central (SNC). O processo de amiloidogêne-


se é natural no cérebro, entretanto, quando ocorre o acúmulo excessivo ou
depuração insuficiente da proteína beta-amiloide pode se iniciar o processo
de lesão neuronal e hiperfosforilação da proteína tau, com consequente
formação de neurofibrilas. A lesão neuronal afeta, principalmente, o núcleo
basal de Meynert, área com grande atividade colinérgica no sistema lím-
bico. Há outras hipóteses que também podem corroborar com o apareci-
mento da doença: disfunções mitocondriais que afetam a cascata amiloide,
alterações vasculares precoces em regiões temporais-mesiais (capazes
de causar respostas inflamatórias), estresse oxidativo, perda neuronal e
formação de placas senis.
A DA é a principal causa de demência no mundo, corresponde de
50% a 60% das síndromes demenciais, e se estima que, no Brasil, a preva-
lência seja entre 5% a 12% entre os indivíduos com idade igual ou superior
65 anos.28 É necessário pontuar que, nos países em desenvolvimento, a
falta de conhecimento sobre a doença leva a menor procura ao atendimen-
to básico de saúde, baixa prevenção, atraso nos diagnósticos e cuidados
insuficientes ao paciente com demência.
É caraterizada pela presença de sintomas cognitivos e não cogni-
tivos. Dentre os sintomas cognitivos, vale destacar: perda de memória, dis-
túrbios de linguagem, distúrbios de atenção e funções executivas, apraxia,
desorientação temporal e espacial, distúrbios perceptivos e anosognosia.
Já os sintomas neuropsiquiátricos mais prevalentes são: apatia, depressão,
agressividade, ansiedade, distúrbios do sono, irritabilidade, distúrbios do
apetite, comportamento motor alterado e delírios.
É importante que a anamnese seja ampla e detalhada, direcionada
a algum acompanhante do paciente que se atente para o tempo de início
e os tipos dos sintomas, modo de instalação, evolução do quadro, história
familiar e uso prévio de medicamentos. Também é crucial avaliar os fatores
de risco para o desenvolvimento da doença, que são: menor nível socio-
econômico, hipertensão arterial, obesidade, diabetes, dislipidemia, níveis

28 Esse número varia de acordo com as características sociodemográficas da região abordada. Em um


estudo de prevalência realizado no município de Catanduva/SP, em uma população de 1.656 indivíduos com
idade igual ou superior a 65 anos, a taxa de prevalência foi de 7,1%.

87
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

elevados de homocisteína, tabagismo, traumatismo cranioencefálico e a


presença da apolipoproteína E4.
O início da doença é lento e insidioso. O paciente apresenta perda
de memória anterógrada, dificuldade em realizar ações habituais (como
comer, vestir-se) e de nomear coisas ou pessoas conhecidas, não recorda
onde guardou objetos do dia a dia e há prejuízo de noção espacial (se
perde na cidade, não encontra o caminho de casa) e temporal (dificuldade
em relacionar fatos cronologicamente). Por conta desses aspectos, é im-
prescindível que o médico avalie periodicamente o impacto da doença na
realização de atividades diárias. Com a evolução da DA, o indivíduo se torna
totalmente dependente, com distúrbios cognitivos graves, debilidade física,
dificuldade para se localizar dentro da própria casa, incapacidade para
reconhecer objetos e pessoas, incontinência urinária e fecal e alterações
comportamentais graves (como agressão e agitação). O tempo médio de
sobrevida varia de 8,3 anos, quando a DA é diagnosticada próxima dos 65
anos, a 3,4 anos, quando é diagnosticada próxima dos 90 anos.
A National Institute on Aging (NIA) e a Alzheimer´s Association (AA)
classificam a DA em três fases: fase pré-clínica, assintomática; pré-demên-
cia, fase sintomática; e fase da demência. A primeira está reservada apenas
para pesquisas, sem utilidade clínica. Já os estágios de pré-demência e
demência são abordados na prática médica.
O diagnóstico é realizado conforme a presença de alterações
cognitivas, as quais podem ser mais perceptíveis aos examinadores com
a aplicação de testes padronizados, como o miniexame do estado mental
(Meem)29 e o montreal cognitive assessment (MoCA)30. Em relação aos
exames laboratoriais, marcadores no líquido cefalorraquidiano (LCR) são
capazes de avaliar a redução nos níveis da proteína beta-amiloide e aumen-
to na expressão da proteína tau. Exames de imagem (tomografia compu-
tadorizada, ressonância magnética, tomografia por emissão de pósitrons e
tomografia por emissão de fóton único) também podem ser utilizados a fim
de observar atrofia de estruturas temporais-mesiais e dilatação do corno

29 Escore menor que 24 pontos sugere declínio cognitivo. Em analfabetos, a linha de corte é de 18 pontos.
30 Apresenta maior sensibilidade em relação ao Meem, entretanto, o uso na experiência clínica com a DA
não está bem consolidado.

88
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

temporal do ventrículo lateral. A dosagem de proteínas no LCR e as técnicas


de exame de imagem neurofuncional apresentam maior sensibilidade e
especificidade para o diagnóstico da DA, inclusive na fase de pré-demência.
A exclusão de outras causas potencialmente tratáveis para demência é
importante, por isso se deve realizar hemograma completo, creatinina, hor-
mônio estimulante da tireoide (TSH), albumina, transaminases hepáticas,
vitamina B12, ácido fólico, cálcio, Venereal Disease Research Laboratory
(VDRL) e teste do vírus da imunodeficiência adquirida (HIV) em pacientes
com menos de 60 anos.
O tratamento farmacológico atual da DA é sintomático e tem por
finalidade o aumento da atividade colinérgica no SNC por meio da ação dos
anticolinesterásicos (donepezila, rivastigmina e galantamina). A terapia é
instituída já nos quadros prodrômicos/pré-demenciais a fim de causar uma
desaceleração na progressão dos sintomas, com esperada queda anual do
escore do Meem em até 3 pontos. Nas fases moderadas e graves, pode-se
associar a memantina ao tratamento (inibidor dos receptores de ácido
n-metil-D-aspartato – NMDA), proporcionando melhora cognitiva e funcio-
nal, além de redução do grau de dependência do paciente. Novas terapias
que buscam modificar o curso da doença estão em desenvolvimento, e a
maioria desses fármacos visam alterar os mecanismos de formação e de-
pósito da proteína beta-amiloide e evitar a hiperfosforilação da proteína tau.
Importante estar atento aos sintomas não cognitivos que acompa-
nham a patologia e tratá-los: em casos de transtorno de humor, utiliza-se
antidepressivos inibidores de recaptação de serotonina. Em quadros de agi-
tação, utiliza-se antipsicóticos atípicos. Caso houver diagnóstico concomi-
tante de epilepsia, o levetiracetam e a lamotrigina são mais tolerados. Nos
casos de distúrbios do sono, é possível utilizar mirtazapina ou trazodona.
A boa relação entre o médico/paciente/familiar é importante para a
adesão ao tratamento não farmacológico da DA. O médico deve estimular
um estilo de vida mental e fisicamente ativo e propor uma alimentação que
possa reduzir fatores de riscos cardiovasculares. O tratamento multiprofis-
sional, com terapeuta ocupacional, neuropsicólogo, fisioterapeuta, fonoau-
diólogo e enfermeiro é fundamental para a melhora efetiva da qualidade de
vida do paciente.

89
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

Antagonista do Receptor NMDA


- Memantina → Dose de 5–10mg – 2x/dia, via oral.
Anticolinesterásicos
- Donepezila → Dose de 5–10mg – 1x/dia, via oral.
- Rivastigmina → Dose de 1,5–6mg – 1x/dia, via oral.
- Galantamina → Dose de 8–24mg – 1x/dia, via oral.
Antidepressivos Inibidores Seletivos de Recaptação de Serotonina
- Citalopram → Dose de 20–40mg – 1x/dia, via oral.
- Sertralina → Dose de 50–150mg – 1x/dia, via oral.
Antiepilépticos
- Lamotrigina → Dose de 100–200mg, 2x/dia, via oral.
- Levetiracetam → Dose de 250–500mg, 2x/dia, via oral.
Antipsicóticos
- Risperidona → Dose de 1–3mg – 2x/dia, via oral.
- Quetiapina → Dose de 50–200mg – 1x/noite antes de dormir, via oral.
Indutores do Sono
- Zolpidem → Dose de 5–10mg – 1x/noite antes de dormir, via oral.
- Mirtazapina → Dose de 15–45mg – 1x/noite antes de dormir, via oral.
- Trazodona → Dose de 75–150mg – 1x/noite antes de dormir, via oral.

Quadro 1 – Medicações em dose padrão no tratamento da DA.


Fonte: Elaborado pelos autores (2021).

Imagem 1 – “Viver Duas Vezes”/“Vivir Dos Veces”.


Fonte: Cartaz do filme “Vivir Dos Veces” (2019).

A evolução da doença de Alzheimer é retratada na vida de Emílio,


um professor de matemática aposentado, personagem do relato de caso, e
sua família. Logo no início do filme, ele é diagnosticado com a DA ainda em

90
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

estágio inicial, apresentando apenas alguns lapsos de memória. No decorrer


da história, Emílio vê sua vida mudar e os sintomas demenciais avançarem.
Então, decide sair em busca de seu amor de infância, Margarita, antes que
a esqueça. A trama mostra as atrapalhadas da família durante a viagem e
o difícil convívio com o Alzheimer, tudo isso aliado a uma pitada de humor
e drama. Fica o convite para o leitor assistir ao filme e matar a curiosidade:
será que Emílio conseguiu encontrar Margarita?

Filmes Notas

“Viver Duas Vezes”/“Vivir Dos Veces” 9,0

“Para Sempre Alice”/”Still Alice” 9,0

“Diário de uma Paixão”/”The Notebook” 6,0

Quadro 2 – Ranking de veracidade dos filmes que abordam a doença de Alzheimer e sua
repercussão na vida dos pacientes de acordo com a Neuroliga/Unisul-SC.
Fonte: Elaborado pelos autores (2021).

“Viver Duas Vezes”/“Vivir Dos Veces” – 9,0

A progressiva neurodegeneração provocada pela doença de


Alzheimer é cinematografada de forma muito didática na obra. O declínio
cognitivo e a redução da capacidade funcional de Emílio se tornam eviden-
tes ao longo do filme, e a dependência de sua família é bem exemplificada.
Entretanto, os diversos episódios de lucidez durante a fase avançada da DA
não condizem com a evolução natural da patologia e, desse modo, a nota
final proposta é 9,0.

“Para Sempre Alice”/“Still Alice” – 9,0

O filme é baseado no livro homônimo de Lisa Genova, neurocien-


tista e representada pela personagem Alice, o qual aborda a doença de
Alzheimer de início precoce. O rápido declínio cognitivo, a luta pela manu-
tenção das atividades habituais do cotidiano e a percepção e incertezas
acerca da doença são bem retratados no longa-metragem. Entretanto, a

91
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

devida importância à rede de apoio ao paciente não foi abordada e o papel


dos cuidadores foi colocado em segundo plano, atividade essencial para o
acompanhamento ao indivíduo com Alzheimer. Portanto, há o decréscimo
de um ponto e a nota final é 9,0.

“Diário de uma Paixão”/“The Notebook” – 6,0

Embora seja um filme romântico, emocionante e agradável de


assistir, o drama falha em diversos aspectos ao tentar retratar a doença
de Alzheimer. Logo na fase inicial da doença, Allie apresenta a memória de
longo prazo já prejudicada, fato que ocorre em estágios mais avançados da
doença, e a memória de curto prazo parcialmente preservada, a qual é a pri-
meira a ser afetada. Ainda, em alguns episódios de lucidez, é sugerido que
Allie tenha consciência sobre a doença e tal consciência esteja sobreposta
pela DA, o que de fato não é verdade, pois o verdadeiro eu está presente
a todo momento e não é dissociado da patologia. Por fim, ao término do
filme, Allie está tão saudável quanto no início, fato que romantiza a doença
e ignora os desgastes físicos e mentais causados à paciente. Portanto, o
filme perde alguns pontos e a nota final é 6,0.

REFERÊNCIAS

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tion. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, São Paulo, v. 76, n. 11, p. 775-782, 2018.

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epidemiologia e diagnóstico. Revista da Sociedade Brasileira de Clínica Médica, São Paulo,
v. 7, n. 1, p. 27-35, 2009.

FARIA, L. R.; MASSA, D. B. Para Sempre Alice. Revista Eletrônica de Comunicação, Informa-
ção e Inovação em Saúde, Manguinhos, v. 9, n. 2, p. 1-6, 2015.

HERRERA, J. E.; CARAMELLI, P.; NITRINI, R. Estudo epidemiológico populacional de demência


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NETO, P. B.; TAKAYANAGUI, O. M. Tratado de neurologia da Academia Brasileira de Neurolo-


gia. 1. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013.

92
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

NORBERTO, A. F. et al. Neurologia cognitiva e do envelhecimento: do conhecimento básico à


abordagem clínica. 1. ed. São Paulo: Omnifarma, 2016.

TEIXEIRA, J. B. et al. Doença de Alzheimer: estudo da mortalidade no Brasil, 2000-2009.


Cadernos de Saúde Pública, Manguinhos, v. 31, n. 4, p. 1-12, 2015.

93
Capítulo 11
DOENÇA DE HUNTINGTON

Laíse Koenig de Lima30


Andréia Bittencourt Rodrigues, Esp.31

Paciente 1: Masculino, após análise genética descobre que pos-


sui histórico familiar de doença de Huntington. Sua curiosidade sobre a
genética foi sustentada pela vontade de ter filhos, então, após ter conheci-
mento de que possuía o gene, decide juntamente com sua esposa realizar
o diagnóstico genético pré-implantação para se certificar que seus filhos
não herdariam o gene.
Paciente 2: Masculino, com análise genética positiva para doen-
ça de Huntington. Iniciou com depressão severa, coreia. Seus dois filhos
não possuíam o gene de Huntington.
Paciente 3: Feminino, histórico de doença de Huntington co-
nhecidamente na família. Não possui sintomas da doença e os seus
resultados da análise se mostraram negativos para o gene da doença.

A doença de Huntington (DH) é neurodegenerativa de caráter


hereditário autossômico dominante. Possui instalação tardia e sua maior
incidência é entre a quarta e a quinta década de vida, sendo chamada de
juvenil quando se inicia antes dos 20 anos.
Causada por uma expansão de repetição anormal de CAG (cito-
sina-adenina-guanina) no gene huntingtina, localizado no braço curto do

31 30
Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/SC.
Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/SC.
Departamento de Neurologia, Hospital Nossa Senhora da Conceição (HNSC).

94
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

cromossomo 4p16.3. A proteína codificada, chamada huntingtina, está pre-


sente em muitos tecidos do corpo e é muito prevalente no sistema nervoso
central. As estruturas mais prejudicadas pela perda neuronal são o corpo
estriado, seguido do córtex cerebral.
Alelos intermediários, com 27 a 35 repetições de CAG, podem ser
portadores da doença, porém ter fenótipo normal. Já quando possuem en-
tre 36 e 39 repetições, descreve-se como zona de penumbra ou penetrância
incompleta, e podem gerar fenótipos normais ou com a doença. Acima
de 39 repetições se tem a DH de penetrância completa e quanto maior a
expansão de CAG, mais precoce é o início e maior a gravidade da doença.
A DH é uma síndrome coreica que pode estar associada a alterações
motoras (bradicinesia, alterações de tônus, motricidade ocular extrínseca,
distúrbios do equilíbrio, disartria, disfagia) e alterações mentais (alterações
de humor, psicoses, declínio cognitivo, depressão, ansiedade).
O tratamento da DH é multidisciplinar e não há medicação especí-
fica que possa impedir ou diminuir a progressão dos sintomas. Logo, o tra-
tamento sintomático tem a intenção de manter a homeostase bioquímica
já que contém uma diminuição na atividade gabaérgica e colinérgica com
predomínio da atividade dopaminérgica.
O tratamento da coreia deve ser instituído quando houver prejuízo
funcional ou constrangimento social. Pode-se utilizar benzodiazepínicos
(clonazepam ou diazepam), ácido valproico, agente depletor de dopamina
(reserpina, tetrabenazina, deutetrabenazina) e neurolépticos (risperidona,
olanzapina, haloperidol), sendo que, muitas vezes, a utilização do halope-
ridol é necessária para o controle mais eficaz dos movimentos coreicos.
A tetrabenazina é uma medicação via oral, utilizada até três vezes
ao dia, na dose máxima diária de 200mg. Ela atua inibindo a receptação de
monoaminas nos terminais nervosos sinápticos por meio de ligações ao
transportador vesicular de monoamina (VMAT) e possui uma maior afinida-
de para o VMAT2 que atua, principalmente, no transporte de monoaminas
nos neurônios periféricos e centrais.
Os pacientes que apresentarem bradicinesia e rigidez acentuada
podem se beneficiar do uso de levodopa ou agonistas da dopamina, po-
rém, deve-se levar em consideração que a levodopa pode piorar a coreia

95
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

ou até mesmo desencadeá-la. Já a depressão pode ser tratada com


inibidores seletivos da receptação da serotonina (ISRS) considerados pri-
meira linha, inibidor seletivo da receptação da serotonina e noradrenalina
(venlafaxina), bupropiona que atua como inibidor da receptação da do-
pamina e noradrenalina. Os antipsicóticos como olanzapina, risperidona
e quetiapina são indicados para pacientes com alucinações, delírios ou
síndromes semelhantes à esquizofrenia. Além disso, para irritabilidade,
pode-se prescrever o antidepressivo ISRS e estabilizadores de humor
(ácido valproico, carbamazepina).

Imagem 1 – “Do You Really Want to Know?”.


Fonte: Cartaz do documentário “Do You Really Want to Know?” (2012).

O documentário baseado em fatos reais aborda principalmente a


parte de testes genéticos da DH e relata a história de três famílias e o que
o teste significou para elas. O primeiro paciente relatado é Jeff Carrol, que
resolve investigar sua parte genética antes de ter filhos. O segundo é John
Roder, que ao realizar o teste para a DH descobre que possui o gene, como
relatado anteriormente. A última paciente é Theresa Monahan, que possui
um vasto histórico da doença na sua família, tendo até históricos de mortes
devido à DH. Alguns membros de sua família decidem não aderir ao teste,
mas Theresa o conclui e seu resultado vem negativo para a doença.

96
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

Filme Nota

“Do You Really Want to Know?” 9,5

Quadro 1 – Ranking de veracidade dos filmes que abordam a doença de Huntington e sua
repercussão na vida dos pacientes de acordo com a Neuroliga/Unisul-SC.
Fonte: Elaborado pelos autores (2021).

“Do You Really Want to Know?” – 9,5

O documentário aborda bem a parte dos testes genéticos e de


como cada paciente pode lidar ao receber o diagnóstico. Por ser um filme
baseado em fatos reais, o acesso deveria ser mais fácil.

REFERÊNCIAS

HUNTINGTON STUDY GROUP. Effect of deutetrabenazine on chorea among patients with


huntington disease: a randomized clinical trial. Jama, Chicago, v. 315, n. 1, p. 40-50, 2016.

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n. 1, p. 43, 2020.

NETO, J. P. B. Tratado de Neurologia da Academia Brasileira de Neurologia. 1. ed. Rio de


Janeiro: Elsevier Editora Ltda, 2013.

REVILLA, J. Fredy et al. Huntington Disease Treatment & Management: Surgical Care – Appro-
ach Consideration. Medscape, 2019.

SANDY, S.; RICHARD, A. Is Huntington’s disease on the threshold of a new era in treatment?
Neurodegenerative Disease Management, Londres, v. 9, n. 5, p. 255-258, 2019.

97
Capítulo 12
DOENÇA DE LYME

Linério Ribeiro de Novais Jr.32


Aline Vieira Scarlatteli Lima, M.Sc33

Paciente masculino, 30 anos, solteiro, músico. Após estresse em sua


carreira profissional passou a apresentar descargas adrenérgicas durante o
sono, cefaleias intensas e fadiga. Com o decorrer do tempo, houve piora do
quadro de saúde, com sintomas adicionais de vertigem, mialgia e artralgia,
distonia cervical, astenia física e mental e depressão. Dessa forma, tornou-
-se apático, com episódios de despersonalização e desrealização. Referiu
também hipersensibilidade ao som e a luz, ficando a maior parte do tempo
recolhido em quarto escuro e longe das atividades habituais e costumeiras.
Durante o primeiro ano da doença, recebeu diagnósticos diversos
(infecção otológica, doenças psiquiátricas), até que foi diagnosticado com
a doença de Lyme crônica, após um ano do início dos sintomas.
Fez uso de diversos remédios e tratamentos (antibioticoterapia,
antidepressivos, analgésicos) sem melhora clínica. Optou por tratamento
homeopático com a utilização de luz infravermelha, exercícios, escovação
da pele e suplementação (magnésio, vitamina D3, zinco, detox). Por fim,
relatou se sentir muito mal com o tratamento. Possui total apoio dos pais
nas tarefas cotidianas e finanças.
A doença de Lyme (DL), ou borreliose de Lyme (BL), é uma patologia
infecciosa não contagiosa causada por bactérias espiroquetas do comple-

32 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/SC.
33 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/
SC. Médica neurologista Neurofisiologia Clínica. Professora, Mestre do curso de Medicina Faculdade de
Medicina da Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/SC.

98
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

xo Borrelia burgdorferi sensu lato e transmitida pela picada de carrapato dos


gêneros Lxodes e Amblyomma, os quais habitam áreas florestais. É carac-
terizada por manifestações articulares, cardíacas, cutâneas e neurológicas.
Conforme a International Lyme and Associated Diseases Society
(ILADS), a doença pode ser classificada como: doença de Lyme aguda
(DLA), de duração menor de seis meses, com apresentação inicial de
eritema migratório no local da picada do inseto ou disseminado pela pele,
acompanhado de adenopatia, artralgia, mialgia, astenia, cefaleia, fadiga,
febre, esplenomegalia e sinais de irritação meníngea. Há envolvimento
neurológico em torno de 15% a 25% dos casos, sendo mais comum a
apresentação de encefalite, meningite, mielite e acometimento de pares
cranianos, especialmente o nervo facial. A doença de Lyme crônica (DLC)
tem duração maior que seis meses, com encefalomielite de curso lento e
progressivo, ataxia espástica de marcha, distúrbios autonômicos urinários
e fecais, polineuropatia, diminuição na performance funcional diária, fadiga,
irritabilidade, variabilidade emocional, distúrbios do sono, concentração e
atenção, bem como acrodermatite crônica atrófica. Alguns especialistas
consideram, ainda, a existência da síndrome pós-tratamento da doença de
Lyme (PTDL), em que pode haver recorrência ou persistências dos sintomas,
principalmente neuropsiquiátricos, após seis meses do tratamento. Em
2020, a Sociedade Americana de Doenças Infecciosas (IDSA), a Academia
Americana de Neurologia (AAN) e o Colégio Americano de Reumatologia
(ACR) publicaram um guideline sobre a DL e incluíram a categoria “sintomas
prolongados após o tratamento da DL”, a qual considera a recorrência ou
persistência de qualquer dos sintomas após os seis meses do tratamento.
O vetor responsável por transmitir a doença é mais comum nos
Estados Unidos da América (EUA) e na Europa, e se estima que a incidência
anual da DL nos EUA exceda 329 mil pessoas34. No Brasil, apesar de a en-
fermidade ser recorrente, não foram encontrados carrapatos do complexo
Ixodes rucini nas áreas de risco, as espiroquetas Borrelia burgdorferi não
foram isoladas e os testes sorológicos específicos exibem positividade bai-
xa e oscilantes. Desse modo, a zoonose recebeu o nome de síndrome Bag-
gio-Yoshinare e é definida como uma enfermidade infecciosa e emergente

34 Levantamento feito no ano de 2018 pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC) dos Estados
Unidos, o qual prevê um aumento do número de casos nos próximos anos.

99
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

brasileira, transmitida por carrapatos não pertencentes ao complexo Ixodes


ricinus, causada por espiroquetas na sua morfologia atípica e latente, que
originam manifestações clínicas semelhantes às observadas na DL, exceto
pela recidiva clínica e desordens autoimunes.
Diante do quadro clínico e das possíveis complicações da DL, é fun-
damental que os indivíduos adotem medidas para a prevenção do desenvolvi-
mento da moléstia, como: ter maior cuidado durante os meses mais quentes
do ano, pois há maiores chances de infecção, principalmente em áreas com
vegetação; tratar botas, roupas e equipamentos de acampar com permetrina
0,5%; usar repelentes aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária;
cuidar dos animais de estimação, especialmente os cães, e manter o quintal
limpo a fim de evitar um ambiente propício para os carrapatos.
O diagnóstico é feito a partir dos sintomas clínicos, epidemiologia
e exames sorológicos. Quanto à sorologia, no Brasil, utiliza-se o método En-
zyme Linked ImmunonoSorbent Assay (Elisa), seguido pelo método Western
Blot para confirmação. No entanto, pode haver falso-positivo na presença
de sífilis, artrite reumatoide, mononucleose infecciosa em pacientes que
receberam a vacina OpsA (vacina composta por gene derivado do Borrelia
burgdorferi), bem como falso-negativo em grande parte dos casos. Os
pacientes também podem apresentar alterações nos exames laboratoriais:
anemia, leucocitose, velocidade de hemossedimentação (VHS) elevado,
trombocitopenia e aumento de enzimas hepáticas. Quanto ao diagnóstico
diferencial, é necessário excluir a fibromialgia, a paralisia de Bell e a encefa-
lite secundária à sífilis.
O tratamento farmacológico é realizado com antibioticoterapia de
duas formas: em pacientes com DL sem sintomas focais, com afecção em
sistema nervoso periférico, nos nervos cranianos, artrite e acrodermatite crô-
nica atópica, utiliza-se doxiciclina via oral e, como alternativa, amoxicilina. Em
pacientes com DL e sintomas de cardite e instabilidade hemodinâmica ou
com afecção do sistema nervoso central, utiliza-se ceftriaxona endovenoso e,
como alternativa, pode ser considerado o uso de doxiciclina via oral.
O paciente precisa ser acompanhado e, após o tratamento, o médi-
co deve ficar atento a possíveis apresentações de sintomas recorrentes e/

100
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

ou persistentes – dor crônica, depressão, ansiedade, fadiga e distúrbios do


sono – e estar devidamente preparado para o manejo destes.35
Doxiciclina → Dose de 200mg, 2x/dia via oral – 21 dias.
Amoxicilina → Dose de 1g, 3x/dia via oral – 21 dias.
Ceftriaxona → Dose de 2g, 2x/dia via endovenosa – 21 dias.

Quadro 1 – Antibioticoterapia em dose padrão no tratamento da DL.


Fonte: Elaborado pelos autores (2021).

Filme Nota

“Doenças Emergentes do Século 21”/”Afflicted – Ep. 03: Identify/Identidade” 8,5

Quadro 2 – Ranking de veracidade dos filmes que abordam a doença de Lyme e sua
repercussão na vida dos pacientes de acordo com a Neuroliga/Unisul-SC
Fonte: Elaborado pelos autores.

Imagem 1 – “Doenças Emergentes do Século 21”/“Afflicted” – Episódio 3: Identidade/Identify.


Fonte: Cartaz da Série “Afflicted” (2018).

A série “Afflicted” (Doenças Emergentes do Século 21) traz à tona


casos difíceis, sintomas inespecíficos e variados e diagnósticos polêmicos.
No episódio em questão, ocorrem três histórias paralelas: o jovem Jake
(personagem do caso apresentado), portador de doença de Lyme; Star, que
sofre de distonia cervical, astenia física e mental e acometimento de lesão
em nervo facial, e após diversos anos de sintomas recebeu o diagnóstico,

35 Remeter aos capítulos que tratam dessas patologias.

101
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

também, de doença de Lyme; e Carmen que, por sua vez, foi diagnosticada
com hipersensibilidade eletromagnética. Nota-se a complexidade dos três
casos, em que os diversos sintomas se entremeiam e dificultam estabelecer
um diagnóstico preciso, trazendo aflição aos pacientes diante da condição
de sua doença crônica e da impossibilidade ao tratamento efetivo.

“Doenças Emergentes do Século 21”/“Afflicted” – Episódio


3: Identidade/Identify – 8,5

Retrata de forma fidedigna a dificuldade na vida dos pacientes


sujeito às doenças com sintomas variados e inespecíficos e de difícil
diagnóstico. Enfatiza a aflição, a luta e a perseverança do sujeito diante da
doença e a busca de alternativas por um tratamento que alivie sua situação.
Entretanto, não aborda o manejo terapêutico adequado do paciente ao
focar em métodos alternativos de tratamento e deixar em segundo plano
a terapia farmacológica convencional preconizada. Diante disso, perde
alguns pontos e recebe a nota 8,5.

REFERÊNCIAS

CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION. Lyme Disease, 2019. Disponível em:
https://www.cdc.gov/lyme/index.html. Acesso em: 1 set. 2020.

LANTOS P. M. et al. Clinical Practice Guidelines by the Infectious Diseases Society of America,
American Academy of Neurology, and American College of Rheumatology: 2020 Guidelines
for the Prevention, Diagnosis, and Treatment of Lyme Disease. Neurology, 2020.

NATIONAL INSTITUTE FOR HEALTH AND CARE EXCELLENCE. Doença de Lyme: Diretriz Nice
[NG95], 2018. Disponível em: https://www.nice.org.uk/guidance/ng95. Acesso em: 15 ago. 2020.

RIBEIRO, J. P. Revisão bibliográfica da síndrome de Baggio-Yoshinari. 2016. Trabalho de


Conclusão de Curso (Técnico em Vigilância em Saúde) – Suvis Parelheiros e Santo Amaro,
São Paulo, 2016.

SHOR, S. et al. Chronic Lyme Disease: An Evidence-Based Definition by the ILADS Working
Group. Antibiotics, [s. l.], v. 8, n. 4, p. 279, 2019.

SUMMER, G.; RUPPRECHT, T. A. Neurologic manifestations of Lyme Borreliosis. Revista


Brasileira de Neurologia, Rio de Janeiro, v. 16, n. 8, p. 417-419, 2019.

102
Capítulo 13
DOENÇA DE PARKINSON

Laíse Koenig de Lima36


Andréia Bittencourt Rodrigues, Esp.37

Masculino, viúvo, músico, inicia um quadro de tremor, mencio-


nado pelo paciente, após perda da sua esposa. Procura auxílio médico e
diz: “acredito que esteja experimentando os sintomas iniciais da doença
de Parkinson”. Solicita exames laboratoriais e ressonância magnética
para excluir outras possíveis causas de parkinsonismo. Inicia tratamento
medicamentoso, fisioterapia e grupo de apoio aos pacientes com a
doença, tendo uma leve melhora na evolução dos sintomas.

A doença de Parkinson (DP) é uma doença progressiva crônica,


neurodegenartiva e multissistêmica do sistema nervoso. Ocorre a degene-
ração de neurônios dopaminérgicos nos gânglios da base, principalmente
na substância negra, e ocasiona uma redução na quantidade de dopamina
no corpo estriado. Caracterizada, também, por depósitos intraneurais de
alfa-sinucleína, que irão formar os corpos de Lewy.
Possui sintomas motores que estão caracterizados a seguir:
- Tremor: caracteriza-se por ser de repouso, inicialmente assimé-
trico, com uma frequência de quatro a seis ciclos por segundo (baixa), em
prono-supinação, do tipo “pill-rolling” (contar moedas) e que responde a
drogas dopaminérgicas e anticolinérgicas.

36 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Extremo Sul Catarinense, Unisul – Tubarão/SC.
37 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Extremo Sul Catarinense, Unisul – Tubarão/
SC. Departamento de Neurologia, Hospital Nossa Senhora da Conceição (HNSC).

103
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

- Bradicinesia: dificuldade em iniciar e manter amplitude e velocida-


de dos movimentos alternados e repetidos. Pode apresentar micrografia,
hipofonia e hipomimia.
- Rigidez muscular plástica: extrapiramidal. Sinal da roda denteada
que se evidencia como resistência da movimentação passiva do membro
afetado, independentemente da velocidade do movimento.
- Instabilidade postural/alteração da marcha: marcha lenta, base
estreita, passos curtos e baixos, podendo apresentar “freezing of gait”
(congelamento da marcha) e festinação (passos rápidos e curtos, como se
o paciente fosse atrás do próprio centro de gravidade).
Também há a presença de sintomas não motores:
- Neuropsiquiátricos: deterioração cognitiva (disfunção da atenção,
memória de trabalho e funções executivas), depressão, ansiedade, psicose,
apatia, fadiga. Sendo que a prevalência de demência em pacientes com DP
pode ser de até 80%.
- Autonômicos: constipação, náuseas, gastroparesia, retenção ou ur-
gência urinária, disfunção sexual, sialorreia, diaforese, hipotensão ortostática.
- Alterações sensitivas: hiposmia, dor.
- Visuais: alteração da percepção do contraste, ilusão, alucina-
ção visual
- Distúrbios do sono: insônia, distúrbio comportamental do sono
REM, sonolência diurna excessiva, síndrome das pernas inquietas. Vale a
pena ficar muito atento a esses sintomas, pois há relatos de que hiposmia
e distúrbios do sono REM podem aparecer antes dos sintomas motores.
O diagnóstico é baseado nos sintomas clínicos e a confirmação do
início de um parkinsonismo é caracterizada pela presença de bradicinesia e
pelo menos um dos outros dois sinais cardinais (tremor e rigidez). O diag-
nóstico clínico é sustentado pela boa resposta ao uso de levodopa (terapia
dopaminérgica por seis meses). A presença de instabilidade postural em
fases iniciais da doença deve ser percebida como um alerta para formas
atípicas de parkinsonismo.
Na DP juvenil os primeiros sintomas aparecem antes dos 40 anos
e pode estar relacionado com mutações autossômicas recessivas do
gene PRKN. Nesse caso hiperreflexia osteotendinosa, distonia precoce e

104
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

progressão motora lenta podem estar presentes. No entanto, não é porque


a doença possui um componente genético que se deve rastrear pacientes
assintomáticos. O rastreio não deve ser feito em pacientes que não pos-
suem sintomas motores associado aos não motores.
O diagnóstico da DP se baseia na anamnese, exame neurológico
e acompanhamento do paciente, porém podemos utilizar exames de
imagem, como a ressonância magnética e a tomografia computadorizada
do encéfalo no auxílio e exclusão de outras formas de parkinsonismo, que
serão abordadas ao longo do capítulo.
Os exames de neuroimagem funcional, como a tomografia com-
putadorizada de emissão de fóton único (Spect), que demonstra uma
degeneração neuronal dopaminérgica pré-sinaptica no estriado, auxiliam
na diferenciação da DP de quadros psicogênicos, medicamentosos e do
tremor essencial, no entanto, não auxiliam na diferenciação de outras for-
mas de parkinsonismo degenerativo.
O parkinsonismo secundário é geralmente causado por drogas,
intoxicações exógenas, infecções, doença vascular cerebral, traumatismo
cranioencefalico, hidrocefalia e distúrbios metabólicos.
O parkinsonismo atípico se manifesta, principalmente, por bradi-
cinesia e rigidez, não havendo a presença do tremor e apresenta pouca
ou nenhuma resposta às medicações antiparkinsonianas. Além disso,
podem ser caracterizadas por depósito de proteína α-sinucleína (assim
como ocorre na DP), comumente chamadas de “sinucleinopatias”, que
são compostas pela atrofia de múltiplos sistemas (AMS), e demência dos
corpos de Lewy ou por depósito da proteína tau, as chamadas “taupatias”,
caracterizadas pela paralisia supranuclear progressiva (PSP) e a degene-
ração córtico basal (DCB).
Para auxiliar no diagnóstico diferencial, há os “Red Flags” como
evidências do parkinsonismo atípico ou secundário: instalação bilateral e
simétrica ou aguda; assimetria acentuada e persistente; ausência de tre-
mor de repouso; instabilidade postural no início dos sintomas; demência
ou distúrbios autonômicos graves na fase inicial da doença; paralisia do
olhar supranuclear para baixo; sinais piramidais; sinais cerebelares; mio-
clonias; acometimento do neurônio motor inferior; parkinsonismo afetando

105
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

exclusivamente a marcha e pouca ou nenhuma resposta à levodopa. Na


ressonância magnética, podemos observar alguns sinais sugestivos de
parkinsonismo atípico, como a diminuição do diâmetro anteroposterior do
mesencáfalo na PSP em estágio avançado, a atrofia do tronco cerebral e
cerebelo na AMS, bem como a hipointensidade putaminal com hiperinten-
sidade semelhante a uma fenda na margem externa do putâmen.
O tratamento da doença é especifico para cada paciente e deve ter
uma abordagem multidisciplinar. As medicações melhoram os sintomas da
doença e atuam mais nos sintomas motores. A levodopa possui meia-vida
de 90 minutos e é uma das principais drogas utilizadas no tratamento
da deficiência dopaminérgica. É particularmente eficaz no tratamento da
bradicinesia e da rigidez, com efeitos variáveis no tremor.
Nas fases iniciais da doença o uso de levodopa de duas a quatro
vezes ao dia é eficiente. Fracionamento das doses, usar a medicação longe
das refeições e associar com um inibidor da descarboxilase periférica como
a benserazida ou carbidopa são opções para melhorar o efeito da medicação.
Outras opções terapêuticas seriam:
- Agonistas dopaminérgicos: apresentam maior meia-vida do que
a levodopa, porém mais efeitos colaterais psiquiátricos, como alucinações
e impulsividade. Posologia dos medicamentos: pramipexol (0,375–4,5mg/
dia três vezes ao dia); ropinirol de liberação imediata (0,25–5mg três vezes
ao dia) ou de liberação prolongada (2–8mg quatro vezes ao dia); rotigotina
(adesivo transdérmico na apresentação de 4,5mg, 9mg, 13,5mg e 18mg a
cada 24 horas).
- Inibidores da monoamina oxidade (IMAOs): previnem a degrada-
ção da levodopa no cérebro e diminuem sua receptação. Posologia dos me-
dicamentos: selegilina (5mg/dose duas vezes ao dia inicialmente, podendo
ajustar para 20mg/dia) e rasagilina (1mg ao dia se usada em monoterapia,
se associada a levodopa 0,5mg/dia).
- Inibidores da catecol-O-metiltransferase (ICOMT): diminuem a de-
gradação da levodopa, aumentando sua meia-vida e podendo ser utilizado
em conjunto da levodopa para prolongar sua ação, apesar de aumentar o
risco de discinesia. Posologia dos medicamentos: entacapona (200mg/
dose de duas a quatro vezes ao dia) e tolcapona (utilizado geralmente

106
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

quando parkinson já é refratário a outros tratamentos, usa-se 100mg/dose


três vezes ao dia).
- Anticolinérgicos: podem ser utilizados em pacientes jovens com
tremor importante, mas sem bradicinesia relevante ou alteração da marcha.
Deve ser evitado em pacientes >65 anos pelo risco de comprometimento
cognitivo. Posologia dos medicamentos: cloridrato de biperideno (1–4mg/
dose três a quatro vezes ao dia); triexifenidil (5–15mg/dia divididos em três
a quatro vezes ao dia).
- Antiglutamatérgicos: podem ser utilizados no tratamento da
discinesia induzida pela levodopa. Posologia do medicamento: amantadina
(100mg/dose duas vezes ao dia).
Na depressão se pode usar antidepressivos tricíclicos ou inibidor
seletivo da receptação da serotonina. A demência pode ser tratada com
anticolinesterasicos, como rivastigmina (até 6mg/dose duas vezes ao dia),
donepezila (5mg/dia e se caso grave até 20mg/dia), galantamina (12mg/
dose duas vezes ao dia e se comprimido de liberação prolongada até 16mg/
dia). Quando há presença de alucinações e delírios se pode prescrever que-
tiapina (50–200mg/dia) ou clozapina (12,5 a 100mg/dia).
O tratamento cirúrgico pode ser utilizado em pacientes que res-
pondem bem a levodopa, porém apresentam flutuações motoras e/ou
discinesias que prejudicam a qualidade de vida. Geralmente não auxilia na
cognição e nos sintomas que não respondem à levodopa, com exceção do
tremor. É realizado por meio de uma cirurgia ablativa (talamotomia, palido-
tomia e subtalamtotomia) ou com estimulação cerebral profunda.

107
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

Imagem 1 – “O Último Concerto”/“A Late Quartet”.


Fonte: Cartaz do filme “O Último Concerto” (2012).

O paciente do caso apresentado é Peter, do filme “O Último Concer-


to”. Peter é um músico ativo que, após a perda da sua esposa, fica desolado
com a vida, mas seus amigos do quarteto tentam o ajudar a elaborar o luto.
No primeiro ensaio, Peter já demonstra que não consegue tocar com tanta
habilidade, pois o tremor o atrapalhava, não conseguindo acompanhar a
velocidade que a música exigia. Com certa resistência em comentar com
os colegas, procura auxílio médico e logo recebe diagnóstico de doença de
Parkinson. No momento que Peter anuncia para Daniel, Robert e Julliete
que está doente, já diz que o primeiro show da próxima temporada da
peça “Opus 131 String Quartet in C# Minor de Beethoven” será seu “último
concerto”. A trama se dá além da doença de Peter, trata também de intrigas
entre o quarteto e do romance entre a filha (Alex) de Robert e de Julliete
com Daniel [SPOILER ALERT], mas aqui o clichê não acontece: Alex e Daniel
não ficam juntos para não prejudicar a continuidade do quarteto. O último
concerto com Peter ocorre com uma linda música e melodia, mostrando
emoção e encantando a todos que assistem.

108
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

Filmes Notas

“O Último Concerto”/“A Late Quartet” 9,5

“Amor e Outras Drogas”/“Love and Other Drugs” 9,5

Quadro 1 – Ranking de veracidade dos filmes que abordam a doença de Parkinson e sua
repercussão na vida dos pacientes de acordo com a Neuroliga/Unisul-SC.
Fonte: Elaborado pelas autoras (2021).

“O Último Concerto”/“A Late Quartet” – 9,5

O filme retrata a doença desde o início até o tratamento. No entanto,


o filme comete uma infração leve, perdendo 0,5 pontos, pois o tratamento
que o paciente faz não é mencionado. Apesar de mostrar Peter fazendo uso
das medicações, não traz os resultados dos exames solicitados, descartan-
do as outras possibilidades de parkinsonismo.

“Amor e Outras Drogas”/“Love and Other Drugs” – 9,5

O filme retrata uma paciente de 26 anos com o diagnóstico pronto,


fazendo uso das seguintes medicações: carbidopa + levodopa 50mg 2x/dia;
domperidona 10mg 3x/dia; trexifenidil 2mg 3x/dia; fluoxetina 20mg 1x/dia.
Apresenta a doença de maneira fidedigna e, além dos tremores, mostra epi-
sódios de bradicinesia, representado pela micrografia. Salienta a importância
de ver a realidade de outros pacientes com a doença e como lidar com ela. O
filme não obteve nota máxima por não mostrar como foi feito o diagnóstico
da paciente e não retrata a necessidade de fazer acompanhamento com
especialista. Além disso, para reflexão, ficam essas mensagens: “Ninguém te
diz que essa doença roubará tudo que ama na pessoa: corpo, sorriso, mente”
e “Você encontra milhares de pessoas e nenhuma delas te tocam. E então
encontra uma pessoa e sua vida muda. Para sempre”.

109
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

REFERÊNCIAS

ARMSTRONG, M. J.; OKUN, M. S. Diagnosis and Treatment of Parkinson Disease: A Review.


Jama, Chicago, v. 323, n. 6, p. 548-560, 2020.

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Motor Complications in Parkinson’s Disease: Updated Clinical Review. Drugs, Suíça, v. 79, n. 6,
p. 593-608, 2019.

NETO, J. P. B. Tratado de Neurologia da Academia Brasileira de Neurologia. 1. ed. Rio de


Janeiro: Elsevier Editora Ltda, 2013.

110
Capítulo 14
ENCEFALITES

Lia Zumblick Machado38


Thalita Martinelli39

Paciente masculino, 34 anos, solteiro, profissão não informada.


Vem à consulta com queixa de cefaleia e episódios de amnésia dissocia-
tiva, com início há três meses e piora gradual dos sintomas desde então.
Paciente relata, ainda, estar sofrendo com sonambulismo e se queixa
de alucinações visuais e auditivas. Acompanhante refere episódio em
que o paciente teve perda súbita da consciência, tendo ficado “quieto
e olhando para o espaço” por cerca de dez segundos, recuperando a
consciência sem lembrar do ocorrido. Encontra-se em bom estado geral,
hidratado e sem edema. PA 120:60mmHg, FC 72 bpm, FR 18 ipm, SatO2
98%, temperatura 38°C. No exame neurológico, paciente está vigil, con-
tactante e orientado temporo-espacialmente. Sem alterações em pares
cranianos, sensibilidade, coordenação e motricidade. Sinais meníngeos
ausentes. Após teste do relógio alterado (resultado a seguir), paciente é
encaminhado para o setor de imagem para realização de ressonância
magnética (RM), que demonstrou presença de anormalidades do sinal
nos lobos temporais mediais nas imagens ponderadas em T2 e Flair,
sem captação significativa de contraste. Paciente interna para realização
de punção liquórica e demais exames laboratoriais.

38 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/SC.
39 Médica formada pela UCPel, Neurologista pelo Hospital Santa Isabel, em Blumenau/SC, residente em
Neurofisiologia HUAP/UFF.

111
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

Imagem 1 – Teste do relógio.


Fonte: Elaborada pelas autoras (2021).

A encefalite é uma síndrome neurológica causada pela inflamação


do parênquima encefálico. É caracterizada, primordialmente, pela alteração
do estado mental, na vigência de febre e cefaleia, muitas vezes acompanha-
do de déficits neurológicos focais. Essa síndrome pode ser desencadeada
por diversos fatores. Entre as etiologias possíveis, destacam-se: causas
infecciosas e pós-infecciosas, autoimunes e, até mesmo, manifestação de
síndrome paraneoplásica.
Estima-se que a incidência anual de todos os tipos de encefalite
seja de cinco a oito casos por 100 mil indivíduos, sendo que em até 50% dos
casos a etiologia não é esclarecida. Nos casos de etiologia conhecida, de
20% a 50% das vezes se trata de infecção viral, sendo herpes simples vírus
(HSV) em até 75% das vezes.
A fisiopatologia depende da etiologia, podendo ser dividida entre
lesão direta e indireta. A lesão direta pode se dar por via hematogênica (por
meio dos plexos coroides), por difusão (a partir de nervos periféricos) ou
por via olfativa. A lesão indireta ocorre por meio de mecanismos imunológi-
cos, mediados por autoanticorpos que reconhecem antígenos de superfície
neuronal, proteínas sinápticas ou intracelulares.
Quanto à clínica, o quadro clássico cursa com alteração do nível
de consciência, como já mencionado, com instalação aguda ou subaguda,
além de déficits neurológicos focais ou difusos, como fotofobia, letargia,

112
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

distúrbio de linguagem, confusão mental, sintomas psiquiátricos, estado


de amnésia e crises epiléticas. Ademais, dependendo da etiologia, há a
apresentação de sintomas mais específicos. No caso das encefalites virais,
o paciente pode apresentar erupções cutâneas, linfonodomegalias e hepa-
toesplenomegalia. Apesar do envolvimento primário ser cerebral, é comum
que haja acometimento de meninges (meningoencefalite) e nesses casos
há a presença de sinais meníngeos.
O paciente com encefalite geralmente se apresenta no pronto aten-
dimento com confusão mental. O desafio é diferenciar se é uma encefalo-
patia qualquer ou se, de fato, trata-se de uma encefalite. Para isso, deve ser
colhida uma boa anamnese, incluindo histórico de viagem recente e fatores
conhecidos de imunossupressão. Ao exame físico, deve-se estabelecer o
nível de consciência e localizar a presença de déficits neurológicos.
O ponto-chave no diagnóstico, além da clínica, está na análise do
líquor. Exames de imagem nem sempre são necessários, mas quando rea-
lizados permitem a exclusão de diagnósticos alternativos, além de verificar
a patência das cisternas basais e a ausência de efeito de massa para que
possa se seguir a punção liquórica. Nas encefalites virais, os achados no
líquor consistem em pleocitose com predomínio linfocítico, proteína normal
a moderada e glicose normal. A definição da etiologia é possível por meio
de PCR. Quando não é identificada uma causa viral, encefalite autoimune
deve ser considerada.
O tratamento é feito de forma direcionada conforme etiologia.
Contudo, os pacientes geralmente necessitam de monitoração e tratamen-
to suportivo para assegurar oxigenação, proteção de via aérea e aporte
circulatório. A etiologia viral, por HSV-1, é a mais comum e potencialmente
fatal, porém, por sorte, potencialmente tratável. Nesse caso, o tratamento
de escolha é com aciclovir EV, 10mg/kg de 8/8h por 14–21 dias.
Já na encefalite autoimune, o tratamento deve ser feito com corti-
coterapia. Como primeira linha, tem-se metilprednisolona endovenosa em
1g/dia por 5 dias, associado a um destes seguintes: imunoglobulina huma-
na endovenosa (400mg/kg/dia por 5 dias) ou plasmaférese (1 vez a cada
2 dias por 10–14 dias). Para os casos refratários ou recorrentes se orienta
tratamento com ciclofosfamida 750mg/m2 endovenosa, em ciclos mensais
ou rituximabe 2g divididos em 2 doses, administradas em um intervalo de

113
aprendendo neurologia através do cinema

15 dias, a cada 6 meses. O controle das crises epiléticas deve ser feito com
fenitoína IV. Os pacientes com encefalite podem cursar com aumento da
pressão craniana, sendo necessário monitoramento.
Existe uma forma atípica de encefalite, conhecida como encefali-
te letárgica, cuja causa exata é desconhecida, apesar da possível relação
com autoimunidade. A grande prevalência da encefalite autoimune ocor-
reu durante a epidemia da gripe espanhola. Ficou conhecida por provocar
letargia, tremores e sonolência incontrolável na fase aguda, podendo
evoluir para parkinsonismo.

Imagem 2 – “Hannibal”.
Fonte: Cartaz da série “Hannibal” (2013).

O paciente do caso apresentado é Will Graham, da série de televi-


são americana “Hannibal”. Will trabalha para o FBI, utilizando seus talentos
para a captura de assassinos em série. Por meio de análises da ciência do
comportamento, o investigador tem a habilidade de se colocar no lugar do
assassino e desvendar suas ações. Com o passar das investigações, Will
começa a se queixar de cefaleia e sonambulismo. As queixas vagas logo
dão lugar a episódios de alucinação, que pioram com o passar do tempo,
ao ponto de Will se questionar se havia cometido um homicídio, levando
até o espectador a acreditar nessa hipótese. O roteiro é incrível e envol-

114
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

vente, com diálogos interessantes acerca da psique humana, sobretudo


na temática do psicopatismo.

Filmes/Séries Notas

“Hannibal” 9,0

“Awakenings” 9,5

Quadro 1 – Ranking de veracidade dos filmes/séries que abordam a encefalite de acordo


com a Neuroliga/Unisul-SC.
Fonte: Elaborado pelas autoras (2021).

“Hannibal” – 9,0

Os episódios retratam com detalhes todo o curso da encefalite


autoimune no paciente, desde o surgimento dos primeiros sintomas até o
diagnóstico. Em relação às alucinações, pode-se colocar que há uma certa
incoerência dos fatos no tempo e espaço, porém creditamos isso a uma
“licença poética” utilizada para que o espectador possa partilhar da sensação
de dissociação têmporo-espacial sentida por Will. Há uma perda de 1,0 ponto
devido uma infração relativamente importante, cometida no episódio dez, no
qual o neurologista de Will fecha o diagnóstico de encefalite antirreceptor
de NMDA apenas pelo exame clínico e pela RNM alterada. Sabemos que a
RNM do encéfalo não é um exame sensível e nem específico das encefalites
autoimunes e que o diagnóstico de encefalite anti-NMDA depende não só do
quadro clínico, como também de um eletroencefalograma alterado ou líquor
com pleocitose além da exclusão adequada de outras causas.

“Awakenings” – 9,5

Filme interessantíssimo, baseado em fatos reais, por mais incrível


que possa parecer. O filme retrata o período ocorrido alguns anos após a
epidemia de uma doença complexa e misteriosa: a encefalite letárgica. Aque-
les que sobreviveram à encefalite desenvolveram parkinsonismo pós-ence-
falítico, apresentando-se com rigidez generalizada dos membros, distonia

115
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

e afasia, verdadeiras “estátuas humanas”. Nesse contexto, um neurologista


descobre um potencial tratamento com levodopa, que faz com que os pa-
cientes “voltem à vida”. Contudo, a resposta é fugaz e, com tempo, retornam
os sintomas. O filme é baseado com fidedignidade no livro do Dr. Oliver Sa-
cks, que foi o neurologista responsável pelo experimento. O filme perdeu 0,5
pontos em veracidade, devido à rápida transformação dos pacientes com o
tratamento. Rápida demais para ser verdade. Porém, é compreensível devido
ao tempo limitado de um filme, o que justifica a nota 9,5.

REFERÊNCIAS

DUBEY, D. et al. Autoimmune encephalitis epidemiology and a comparison to infectious


encephalitis. Annals of Neurology, Mount Laurel, v. 83, n. 1, p. 166-177, 2018.

ELLUL, M.; SOLOMON, T. Acute encephalitis: diagnosis and management. Clinical Medicine,
Londres, v. 18, n. 2, p. 155-159, 2018.

TYLER, K. L. Acute Viral Encephalitis. New England Journal of Medicine, Waltham, v. 379, n.
6, p. 557-566, 2018.

VYAS, A.; JESUS, O de. Von Economo Encephalitis. StatPearls, 2021. Disponível em: https://
www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK567791/. Acesso em: 20 maio 2021.

116
Capítulo 15
ESCLEROSE MÚLTIPLA

Daiana Gomes de Sousa40


Aline Vieira Scarlatelli-Lima, M.Sc41

Masculino, 35 anos, sedentário, sem comorbidades. Iniciou com


dificuldades para amarrar o cadarço dos sapatos e com parestesia nas
mãos. Algumas semanas depois, ocorreu episódio de afasia e fraqueza que
o impedia de levantar da cadeira. Após realização de ressonância nuclear
magnética (RNM) e punção lombar, foi diagnosticado com esclerose múlti-
pla (EM), e o episódio relatado anteriormente era seu primeiro surto. Iniciou
tratamento domiciliar, no entanto, apresentou novo surto. Então, foi iniciado
tratamento hospitalar mensal com anfetaminas.
A doença de mil caras, esclerose múltipla (EM), é uma patologia
do sistema nervoso central (SNC) inflamatória, autoimune, desmielinizante
e com degeneração axonal. Ela ainda não possui uma etiologia definida,
apesar de existir uma relação com a genética e com o ambiente. A doença
afeta mais frequentemente mulheres jovens entre 20 a 40 anos, com média
de aparecimento aos 30 anos. O perfil mundial de aparecimento da EM é
variável, existem relações raciais e com a exposição solar. Pouco contato
com radiações solares é um fator de risco. Com isso, a doença é mais pre-
valente em áreas de maior latitude, como Europa, Estados Unidos e Japão.
No Brasil, existem 10 casos para cada 100 mil habitantes.

40 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/SC.
41 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/
SC. Médica neurologista Neurofisiologia Clínica. Professora, Mestre do curso de Medicina Faculdade de
Medicina da Universidade do Sul de Santa Catarina- Unisul – Tubarão/SC.

117
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

Como a doença se apresenta de forma heterogênea, pode aconte-


cer por diversas vias de lesão tecidual. A teoria mais aceita para o início do
quadro é devido a uma reação autoimune inflamatória realizada por linfóci-
tos autorreativos, com ativação de micróglias e neurodegeneração crônica.
Além dessa inflamação, também existem mecanismos desmielinizantes e
de degeneração axonal. Com a progressão da doença, o sistema nervoso
vai sofrendo perda axonal e, consequentemente, atrofia cerebral. Existe uma
tríade clássica da EM: fala escandida (lesão cerebelar), tremor de intenção
(tremor de final de movimento) e nistagmo. Essas são as alterações que
podem caracterizar EM:
Neurite óptica: muito frequente, escotomas (manchas no campo
visual), dor à movimentação ocular, diminuição do reflexo fotomotor e
papiledema observado no exame de fundo de olho.
Síndrome cerebelar: sintomas apendiculares (disdiadococinesia,
decomposição de movimento e dismetria) e axiais (marcha ebriosa, fala
escandida e nistagmo).
Fadiga: uma sensação de fadiga mental e física intensa que inter-
fere na rotina diária.
Disfunção cognitiva: compreensão, uso da fala, memória, per-
cepção visual. Não apresenta relação com alterações físicas, pode estar
presente desde o início da doença.
Diplopia: visão dupla devido à alteração de motricidade ocular.
Mielite transversa aguda: inflamação da medula espinhal, dimi-
nuindo a sensibilidade e a força associada a hiperreflexia. De acordo com
o nível em que foi afetada, vai causar prejuízo para todos os membros ou
apenas para os membros inferiores.
Espasticidade: aumento do tônus muscular e resistência ao
movimento. Esse sintoma pode ser uma das explicações para o cansaço
referido por muitos pacientes, pois é necessário desprender maior força
para realizar os movimentos.
Dor: pode ser primária com relação ao processo de desmieliniza-
ção (queixas de queimação) ou secundária pela espasticidade.
Sintomas urinários: urgência miccional, aumento da frequência,
incontinência e noctúria.

118
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

Constipação: acontecem por diversas causas, como intestino


neurogênico, falta de mobilidade e desidratação.
Intolerância ao calor: também chamado de fenômeno de Uhthoff.
Quando os indivíduos acometidos são expostos a temperaturas elevadas,
realizam exercícios ou apresentam febre aumentam os sintomas de can-
saço e fraqueza.
Os indivíduos com EM podem apresentar sinal de Lhermitte (ca-
racterizado por choque ou formigamento que piora com a flexão da coluna
cervical), parestesias (comum no início da doença), tríade de Charcot
(disartria, ataxia, tremor), neuralgia do trigêmeo e outros sintomas oculares
(oftalmoplegia, adução incompleta do olho, nistagmo no olhar horizontal). É
importante sempre prestar atenção aos sinais de alerta, como: início antes
dos 10 anos e depois dos 50 anos, alterações cognitivas graves e precoces,
déficit de instalação súbita e crises convulsivas.
A EM é caracterizada por sua evolução em surtos (disfunções que
ocorrem agudamente e atingem seu pico em dias ou semanas). Podem
remitir total ou parcialmente, a depender da apresentação clínica da do-
ença. O surto possui duração mínima de 24 horas, quando duram menos
que isso, geralmente, não apresentarão novas lesões ou não irão piorar as
pré-existentes.
As formas de apresentação clínica da EM são:
Recorrente-remitente (surto-remissão): apresentação mais
comum, com surtos definidos que evoluem para remissão completa ou
retornam para situações pré-existentes. A maioria dos pacientes inicia com
essa apresentação e evolui para a forma secundariamente progressiva.
Primariamente progressiva: o paciente apresenta um declínio das
funções neurológicas desde o início do aparecimento da doença. Os surtos
não estão presentes.
Secundariamente progressiva: geralmente é uma evolução da
forma recorrente-remitente que pode apresentar surtos ou não. Após o
indivíduo portador de EM evoluir para a forma progressiva começa a apre-
sentar significativas disfunções.
Recorrente progressiva: progressiva desde o início, com surtos
bem estabelecidos e progressão contínua durante o intercrise.

119
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

São necessários achados que demonstram a disseminação no


tempo e espaço. O paciente precisa apresentar evidências clínicas e em
exames complementares de duas lesões no SNC que tenham surgido em
momentos diferentes. Em alguns casos, também pode ser realizado o diag-
nóstico com apenas uma lesão em um paciente com alto risco. A história e
o exame físico são fatores importantes a serem considerados. Os exames
mais usados são a ressonância nuclear magnética e o líquor com pesquisa
de bandas oligoclonais e potenciais evocados.
A EM possui cinco regiões típicas de lesão cerebral: periventricular,
justacortical, cortical, infratentorial e medular. Como dito anteriormente, para
classificação é importante que as lesões no SNC apresentem disseminação
em tempo e espaço. A disseminação no espaço pode ser vista na RNM por
meio de uma ou mais lesões em T2 em pelo menos duas das cinco regiões.
A disseminação no tempo é vista na RNM pela presença simultânea de
lesões realçadas com gadolínio e outras sem realce (o realce ou não das
lesões reflete sua diferença cronológica). Dos exames complementares que
podem ser solicitados, a RNM é considerada padrão-ouro. As alterações com
hipersinal, associadas ao corpo caloso, permitem, em T2, a visualização do
edema e lesões mais cronificadas. Em T1, observa-se atrofia cerebral e bu-
racos negros. As lesões que serão visualizadas são, em sua maioria, ovoides
e se localizam nas regiões periventriculares, subcorticais, tronco encefálico
e cerebelo. Outro exame é a análise do líquor para os casos em que a RNM
é normal ou inconsistente. O achado de pleocitose linfocítica ocorre em 25%
dos casos, e a presença de duas ou mais bandas oligoclonais (BOC) sem
evidência de bandas no sangue é usada como critério adjuvante, ajudando
a fazer o diagnóstico diferencial. Após cuidadoso exame clínico, aplica-se os
critérios diagnósticos de McDonald revisados em 2017.

NÚMERO DE LESÕES NA RMN NECESSIDADE DE


CLÍNICA
COM EVIDÊNCIA CLÍNICA COMPLEMENTO

2 ou mais que coincidem com


2 ou mais surtos Não
a clínica

2 ou mais surtos 1 coincide com a clínica Não

120
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

NÚMERO DE LESÕES NA RMN NECESSIDADE DE


CLÍNICA
COM EVIDÊNCIA CLÍNICA COMPLEMENTO

Disseminação no espaço
2 ou mais surtos 1 coincide com a clínica demonstrando por RNM ou
líquor

Disseminação do espaço
2 ou mais coincidem com a
1 surto demonstrado por um surto
clínica
com RM ou líquor

Disseminação no espaço
demostrado por surto, em RM
1 surto 1 coincide com a clínica ou líquor e disseminação em
tempo demostrada por surto
ou RM ou líquor

Quadro 1 – Critérios diagnósticos de McDonald revisados em 2017.


Fonte: Adaptado pelas autoras de McDonald (2021).

Podem ser realizados outros exames para investigação de diagnós-


tico diferencial, tais como: hemograma, velocidade de hemossedimentação,
proteína C reativa, vitamina B12, TSH, T4 livre, líquido cerebrospinal, anti-LA,
anti-RO e sorologia (HIV, sífilis, hepatite, botulismo e doença de Lyme).
Lesões medulares da EM costumam ser pequenas, menor que três corpos
vertebrais. Lesões mais extensas devem levantar a suspeita de diagnós-
ticos diferenciais de mielopatia longitudinal extensa, como: deficiência de
B12, infecções e neuromielite ótica.
O tratamento vai ser realizado no surto, na fase aguda e na de
manutenção. Existem drogas modificadoras da doença que diminuem
a dor e também reduzem a quantidade de surtos. Na fase aguda, o tra-
tamento do surto vai ser feito com metilprednisolona 1g/d IV durante 3
a 7 dias. A plasmaférese poderá ser utilizada para surtos graves se os
esteroides forem ineficazes ou contraindicados. O tratamento dos surtos
acelera sua resolução, mas não modifica a evolução da doença. Na fase
crônica, o tratamento de manutenção é realizado com imunomoduladores
ou imunossupressores. A forma de apresentação recorrente-remitente
possui benefício no tratamento e as formas progressivas também podem
ter resultados positivos. Os imunomoduladores são como interferon beta
(betaferon) e acetato de glatirâmer (copaxone). O interferon é primeira

121
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

linha de tratamento, mostrou efeito benéfico nas formas remitentes-recor-


rentes, pois reduzem a frequência dos surtos, a progressão da doença e
quantidade de lesões acumuladas na RNM. Pode ser utilizado o intramus-
cular avonex ou o subcutâneo rebif. Além disso, os imunossupressores
não são mais utilizados.
Os anticorpos monoclonais são usados no caso des falha na
primeira linha de tratamento ou abertura do quadro com sinais de mau
prognóstico (surto inicial com manifestações cerebelares ou motoras, re-
cuperação incompleta após surtos ou surtos frequentes); é recomendado
utilizar fingolimode e depois natalizumabe, sendo esse de terceira linha
de tratamento para formas clínicas graves. O fingolimode é aprovado no
Brasil como primeira linha para formas recorrente-remitentes por reduzir
a exacerbação clínica e a frequência das limitações físicas. Para melhorar
a qualidade de vida do paciente, outras medicações podem ser ofertadas.
Para espasticidade usar baclofeno, diazepam ou injeções de toxina botulí-
nica. Na fadiga, usa-se amantidina. Na bexiga neurogênica o tratamento vai
prevenir infecções de repetição e permitir a independência funcional. A dor
é reduzida com carbamazepina, amitriptilina ou gabapentina.
A evolução da doença vai variar de acordo com o paciente. Existem
casos de sequelas progressivas e irreversíveis mesmo com tratamento
precoce e outros que respondem bem ao primeiro medicamento usado e
não apresentam mais lesões. A eficácia do tratamento está ligada ao perfil
do paciente e a rápida mudança de conduta após falha terapêutica. Os
pacientes podem apresentar o grau de degeneração a seguir:

122
aprendendo neurologia através do cinema

Quadro 2 – Diagrama de evolução da doença.


Fonte: Elaborado pelas autoras (2021).

Imagem 1 – “100 Metros”.


Fonte: Cartaz do filme “100 Metros” (2016).

O filme “100 metros” relata a história real de Ramón Arroyo, um pu-


blicitário, sedentário, que foi diagnosticado com esclerose múltipla aos 35
anos. O longa-metragem mostra o início da presença dos sintomas, como
dificuldade de amarrar o cadarço dos sapatos e segurar objetos, queixas de
parestesia nas mãos e de “pedrinhas nos sapatos”. Foi mostrado o primeiro
surto do paciente com afasia e miastenia, que limitava o movimento. Exibiu
o processo de primeiro atendimento médico, com realização dos exames de

123
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

RNM e punção lombar, além da abordagem médica de transmitir a notícia


do diagnóstico, suas explicações sobre a doença, possíveis complicações
e prognóstico. Após o diagnóstico, inicia-se uma jornada de superação,
mostrando a luta incessante de Ramón para conviver com a esclerose.

Filmes Notas

“Quando Eu Caminho”/“When I Walk” 10,0

“100 Metros” 9,5

“Hilary e Jackie” 9,5

Quadro 3 – Ranking de veracidade dos filmes que abordam a EM e sua repercussão na vida
dos pacientes de acordo com a Neuroliga/Unisul-SC.
Fonte: Elaborado pelas autoras (2021).

“100 Metros” – 9,5

O filme exibe como é realizado a adaptação do tratamento do


paciente, com início da medicação e o manejo de acertar o tratamento
até a diminuição da frequência dos surtos. Mostra também o contato com
outros portadores da doença e o contraste de como cada um convive com
o diagnóstico. É interessante a superação do personagem, que depositou
sua esperança no pensamento de que 70% dos afetados não possuem
prejuízos significativos e que a doença é heterogênea e nem sempre vai
impedir a prática de esporte. Com esse pensamento minimizou as ad-
versidades e conseguiu concluir o Ironman, maior circuito de triathlon do
mundo. O filme poderia ter contado com mais detalhes a rotina de vida do
personagem, não focando apenas nos desafios de treinar para maratona
(infração leve – perde 0,5).

“Quando Eu Caminho”/“When I Walk” – 10,0

Documentário feito pelo diretor Jason Da Silva que conta sobre


seu diagnóstico de esclerose múltipla em 2006, relatando sua vida com

124
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

a doença. O diretor expõe como vai acontecendo seu processo de incapa-


cidade durante a doença, como conheceu sua mulher, como lidou com a
EM, o que aconteceu com sua carreira profissional e a dificuldade de lidar
com simples atividades do dia a dia. O vídeo relata de uma forma bem
realista o processo de incapacidades da doença, mostrando a progressão
das deficiências até uma completa dependência nas simples atividades da
rotina. Interessante observar como Jason criou ferramentas para continuar
desenvolvendo áreas de sua vida apesar das incapacidades.

“Hilary e Jackie” – 9,5

O filme conta a história de duas irmãs Hilary, flautista, e Jakie, vio-


loncelista. Jakie era uma violoncelista renomada e se tornou uma estrela
de fama internacional. No entanto, foi diagnosticada com EM. As irmãs,
que possuíam diversas rivalidades, tentam se aproximar. O filme é muito
interessante, mostra o medo de Jakie em parar de tocar e perder sua fama
por conta da doença. O filme exibe os sintomas que incapacitam cada dia
mais a personagem, porém deveria mostrar a doença e suas adversidades
com mais enfoque (infração leve – perde 0,5).

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretária de Atenção à Saúde. Portaria conjunta nº 10, de 2


de abril de 2018. Aprova o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Esclerose Múltipla.
Brasília: Ministério da Saúde, 2 abr. 2018. Disponível em: http://conitec.gov.br/images/
Protocolos/ESCLEROSE-MLTIPLA.pdf. Acesso em: 11 ago. 2020.

MARQUES, Vanessa Daccach et al. Brazilian Consensus for the Treatment of Multiple
Sclerosis: Brazilian Academy of Neurology and Brazilian Committee on Treatment and
Research in Multiple Sclerosis. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, São Paulo, v. 76, n. 8, p.
539-554, 2018. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
d=S0004-282X2018000800539&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 11 ago. 2020.

125
Capítulo 16
ESQUIZOFRENIA

Hannah Bang42
Ana Paula Goulart, M.Sc43

Feminina, 28 anos, solteira, bailarina. Paciente infantilizada,


inibida, perfeccionista e com dificuldade de interação social. Apresenta
episódios de indução de vômito, emagrecimento excessivo, recusa
alimentar e automutilação. A partir de uma cobrança excessiva em âm-
bito profissional, começa a manifestar delírios e alucinações visuais,
auditivas e sensitivas que se tornam cada vez mais recorrentes e gran-
diosas, sendo o uso de drogas um fator de agravo para os episódios
psicóticos. Dentre os episódios alucinatórios estão a visualização de
si mesma e de pessoas próximas em situações que não ocorreram,
audição de vozes e sussurros, sensações táteis, como crescimento de
penas em seu corpo, entre outros. Como principal exemplo delirante
está a certeza da personagem de que suas colegas bailarinas estão
decididas a tomar seu papel na peça.

A esquizofrenia consiste em uma síndrome psiquiátrica carac-


terizada por sintomas psicóticos, como alucinações, delírios e discurso
desorganizado. Também podem ocorrer sintomas negativos, a exemplo da
expressão emocional diminuída e déficits cognitivos. Por ser considerada

42 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/SC.
43 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/SC.
Médica Psiquiatra Especialista em Psiquiatra da Infância e Adolescência. Professora do curso de Medicina
da Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/SC.

126
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

um espectro, engloba um grupo de transtornos com diversas apresenta-


ções clínicas e curso variável.
Os sintomas da esquizofrenia iniciam caracteristicamente ao final
da adolescência ou início da vida adulta, próximo aos 20 anos de idade.
Apesar disso, antecedendo o surgimento da psicose, geralmente ocorre
um período prodrômico com comportamentos como isolamento social e
deterioração do desempenho acadêmico. No entanto, é a partir do momen-
to em que o paciente relata crenças excêntricas e anomalias perceptivas,
como ouvir vozes murmurando, que é buscada assistência médica.
A esquizofrenia afeta aproximadamente 1% da população mundial
e está entre as dez principais causas de incapacidade, sendo considerada
uma das doenças mais comuns entre os transtornos mentais graves.
Devido à cronicidade do curso da doença e início de apresen-
tação predominante em jovens adultos, a prevalência da esquizofrenia é
relativamente elevada, com 7,2 casos a cada mil indivíduos, enquanto sua
incidência é menor, de 15,2 em 100 mil.
Dentre os gêneros, no entanto, os homens são mais acometidos
(1,4:1) e costumam manifestar a doença em idades mais precoces em
relação às mulheres, além de comumente experienciarem formas mais
severas de esquizofrenia, incluindo maior volume de sintomas negativos,
menor chance de recuperação e pior desfecho.
As idades de pico para o início da doença são entre 10 e 25 anos
para homens e 25 e 30 anos para mulheres, sendo extremamente rara a
apresentação do quadro antes dos 10 ou após os 60 anos de idade.
Notavelmente, a influência genética contribui de forma significativa
para a quase totalidade das formas de esquizofrenia, estimando-se que
fatores hereditários possam explicar 80% do risco para o espectro na po-
pulação. Parentes biológicos de primeiro grau possuem risco elevado em
dez vezes de desenvolver a doença quando comparados com a população
geral. Alguns dados ainda apontaram que pacientes afetados possuíam
pais com idade paterna superior a 60 anos, sugerindo dano epigenético
durante a espermatogênese.
Fatores ambientais também foram associados à etiologia do
distúrbio, bem como complicações obstétricas, exposição a doenças infec-

127
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

ciosas durante a gestação, nascimentos nos períodos de inverno e início da


primavera, abuso de cannabis e residência em regiões urbanas. A natureza
de alguns desses fatores pode estar associada a um processo de neurode-
senvolvimento anormal, mas a fisiopatologia exata é ainda desconhecida.
Pacientes esquizofrênicos possuem uma redução volumétrica de
substância cinzenta em exames de imagem quando comparados à popu-
lação controle de mesma faixa etária. Outros achados neuropatológicos
indicam simetria alterada em algumas áreas cerebrais e baixa densidade
de células dendríticas, além de dissidências em regiões do sistema límbico,
ventrículos cerebrais, córtex pré-frontal, tálamo, gânglios da base e cerebelo.
O diagnóstico, de acordo com o DSM-5, publicado pela Associação
Americana de Psiquiatria, requer a presença mínima de dois dos cinco itens
a seguir, havendo a obrigatoriedade de ao menos um dentre os três primei-
ros listados: delírios, alucinações, discurso desorganizado, comportamento
grosseiramente desorganizado ou catatônico e sintomas negativos.
Além disso, o paciente deve apresentar nível de funcionamento
em áreas como trabalho, relações interpessoais ou autocuidado inferior ao
alcançado antes do início da doença.
Um período mínimo de seis meses é necessário para avaliação da pre-
sença de sinais contínuos de perturbação, e estados psicóticos que mimetizam
a doença devem ser afastados, como: transtornos esquizoafetivo, depressivo
ou bipolar. Da mesma forma, é necessário excluir outras possíveis causas
sintomáticas, como o uso de substâncias ou outras condições médicas.
Por fim, caso o paciente apresente histórico de transtorno do es-
pectro autista ou transtorno de comunicação iniciado na infância, critérios
adicionais devem ser considerados.
Os medicamentos antipsicóticos constituem a base para o tra-
tamento da esquizofrenia, tendo sido uma das principais descobertas da
psiquiatria moderna. Além do controle de sintomas psicóticos em quadros
agudos, a administração contínua desses medicamentos demonstrou
eficácia em reduzir as taxas de recaída.
O tratamento da esquizofrenia ocorre, portanto, em duas formas:
tratamento da psicose aguda e fases de estabilização e manutenção.
Diante de um episódio psicótico agudo, o uso combinado de antipsicóticos

128
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

via intramuscular e benzodiazepínicos é benéfico, uma vez que os benzo-


diazepínicos auxiliam a agitação e reduzem a quantidade de antipsicótico
necessária para o controle desses pacientes.
O tratamento de manutenção, por sua vez, realizado com antipsi-
cóticos típicos ou atípicos – sem diferença terapêutica entre as gerações
–, possui o intuito de prevenir as recaídas. Deve-se atentar, no entanto, aos
eventos adversos associados às drogas antipsicóticas, possivelmente mais
relacionados às drogas de primeira geração, como eventos extrapiramidais,
discinesia tardia e necessidade de monitorização acerca do metabolismo
de insulina (IMC, glicose sanguínea de jejum e perfil lipídico).
É importante ressaltar que o tratamento não deve ficar limitado
à farmacoterapia e estratégias psicossociais (psicoterapia). Suporte em
áreas como trabalho, lazer e convívio familiar são essenciais à otimização
clínica desses pacientes.

Medicação Dose recomendada

Risperidona 2–8mg/d

Olanzapina 5–20mg/d

Quetiapina 300–400mg/d

Clozapina 200–500mg/d

Clorpromazina 300–800mg/d

Haloperidol 5–15mg/d

Quadro 1 – Medicamentos antipsicóticos mais usuais na prática clínica.


Fonte: Elaborado pelas autoras (2021).

129
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

Imagem 1 – “Cisne Negro”/“Black Swan”.


Fonte: Cartaz do filme “Black Swan” (2010).

O caso clínico apresentado é referente ao filme “Cisne Negro”,


cujo enredo consiste em uma jovem bailarina que almeja realizar com
perfeição seu papel como intérprete principal em uma apresentação de
dança de sua companhia. Pressionada por seu diretor manipulador e mãe
controladora, Nina Sayers, em meio a diversas fraquezas psicológicas, su-
cumbe a delírios e alucinações cada vez mais violentos. O filme consegue
captar de forma bastante impactante o medo e a confusão entre realidade
e psicose experienciados inicialmente pelos pacientes esquizofrênicos,
tornando difícil a diferenciação até mesmo para o espectador enquanto
assiste à perspectiva da personagem. Outras disrupções psicológicas
apresentadas por Nina, como a anorexia, automutilação, infantilização,
retração e descoberta tardia da sexualidade trazem complexidade ao pa-
pel. Indiretamente, isso indica a importância da singularidade e contexto
psicossocial de cada indivíduo como elementos ambientais de influência
para a gênese dos transtornos mentais.

130
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

Imagem 2 – “Clube da Luta”/“Fight Club”.


Fonte: Cartaz do filme “Fight Club” (1999).

O filme, narrado em primeira pessoa, conta a história de um solitá-


rio cidadão comum insatisfeito com a sociedade de consumo e limitado a
uma rotina de trabalho e insônia. A anedonia do narrador é apenas confron-
tada a partir do momento em que conhece Tyler Durden, um personagem
destemido e perspicaz que representa aquilo que o narrador idealiza. Tyler,
por meio da violência e promoção de revoluções contra o sistema, insere o
narrador em um mundo paralelo, de forma que ele abandona seus antigos
hábitos e passa a vivenciar essa nova realidade.
Percebe-se com o decorrer da trama que apenas o narrador é
capaz de ver e ouvir Tyler, ou seja, uma alucinação. Da mesma forma, o
narrador se torna cada vez mais desleixado, abatido, confuso e com um
discurso desorganizado, que acabam por acarretar em prejuízo laboral e
em seu relacionamento com Marla Singer.
A partir desse contexto, de certa forma hiperbólico, o longa
retrata a ruptura de realidade do narrador como metáfora de uma luta
constante consigo mesmo. O narrador vive inteiramente sua psicose e

131
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

se dá conta disso apenas ao final do filme, quando descobre que ele e


Tyler são a mesma pessoa.

Imagem 3 – “Uma Mente Brilhante”/“A Beautiful Mind”.


Fonte: Cartaz do filme “A Beautiful Mind” (2002).

Baseado na história real de John Forbes Nash, o filme conta a his-


tória de um matemático excêntrico e genial, que manifesta os primeiros
sinais de esquizofrenia ainda na faculdade. A dificuldade de relacionamen-
tos interpessoais e reclusão já poderiam ser considerados pródromos da
doença, mas, apesar disso, John se casou e com a esposa ainda grávida
passou a ter delírios e alucinações que repercutiram significativamente
na vida do casal.
O enredo se baseia em três principais alucinações de John, um
amigo supostamente colega de quarto de Nash na universidade de Prin-
ceton, a sobrinha de seu amigo e William Parcher, um homem misterioso
que contrata John para desvendar mensagens codificadas enviadas por
russos. Além disso, o personagem principal delira acerca de sua partici-
pação nessa missão confidencial de espionagem e acredita estar sendo
perseguido pelos russos.

132
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

Dentre os pontos altos do filme estão a sensibilidade com que é


representado o sofrimento e dedicação de Alícia, esposa de John, eviden-
ciando a difícil realidade entre os cuidadores de pacientes esquizofrênicos.
Da mesma forma a visão de Nash, que se vê solitário quando percebe que
a maior parte de sua vida fora baseada em alucinações e delírios e sua con-
sequente luta contra a própria mente para diferenciar o real do imaginário.
A dificuldade de adesão aos medicamentos, tratamentos tormento-
sos, institucionalização e a forma como a doença psiquiátrica era manejada
na época também trazem reflexões importantes acerca da necessidade de
inclusão desses pacientes no meio social e de uma rede de apoio familiar.

Filmes Notas

“Cisne Negro”/”Black Swan” 9,5

“Clube da Luta”/”Fight Club” 9,0

“Uma Mente Brilhante”/”A Beautiful Mind” 9,5

Quadro 2 – Ranking de veracidade dos filmes que abordam a esquizofrenia e sua repercussão
na vida dos pacientes de acordo com a Neuroliga/Unisul-SC.
Fonte: Elaborado pelas autoras (2021).

“Cisne Negro”/“Black Swan” – 9,5

O filme retrata de forma bastante sensível o sofrimento e a insegu-


rança da paciente que está descobrindo seus sintomas e ainda não possui
diagnóstico de transtorno mental. Apesar disso, alguns pontos extrapolam
a realidade (infração leve – perde 0,5). Nina aparentemente se encaixa nos
critérios do DSM-5 e está dentro da faixa etária esperada para o início dos
sintomas em mulheres. Na maioria dos casos, dentre os sintomas mais pre-
valentes da esquizofrenia estão as alucinações auditivas, e não visuais. Além
disso, a ocorrência simultânea de ambas, como é o caso dos personagens
que Nina supostamente interage (vê e ouve), é incomum.

133
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

“Clube da Luta”/“Fight Club” – 9,0

Pontos a serem exaltados na representação no longa são a deteriora-


ção do narrador com o decorrer do filme, o que faz com que o discurso passe
a ficar desorganizado, a aparência desleixada e a redução de funcionalidade
em áreas como trabalho e relacionamento se tornam evidentes. Essas são
importantes características da esquizofrenia, no entanto, as alucinações repre-
sentadas também envolvem várias modalidades sensoriais ao mesmo tempo,
o que não condiz de forma fiel aos sintomas da doença (infração leve – perde
0,5). O fato de ambos os personagens representarem a mesma pessoa, apesar
da possibilidade de ser considerada uma forma metafórica de representação,
causa uma impressão errônea do episódio psicótico (infração leve – perde 0,5).

“Uma Mente Brilhante”/“A Beautiful Mind” – 9,5

Semelhantemente aos outros filmes que retratam a esquizofrenia, a


interação entre as alucinações e os personagens acabam representado uma
forma fantasiosa da doença (infração leve – perde 0,5). Curiosamente, diferente
do representado no filme, na vida real, John, como a maioria dos pacientes
esquizofrênicos, possuía apenas alucinações auditivas e não visuais, além dos
delírios grandiosos. Apesar disso, o filme, de forma leve e elegante, consegue
demonstrar a luta diária sofrida por esses pacientes e seus familiares, além da
possibilidade de controle da doença com tratamento adequado e rede de apoio.

REFERÊNCIAS

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diagnostic and statistical manual of mental


disorders. 5. ed. Washington: American Psychiatric Association, 2013.

MARDER, S. R.; CANNON, T. D. Schizophrenia. New England Journal of Medicine, Massachu-


setts, v. 381, n. 18, p. 1753-1761, 2019.

PICCHIONI, M. M.; MURRAY, R. M. Schizophrenia. BMJ, London, v. 335, n. 7610, p. 91-95, 2017.

SADOCK, B. J.; SADOCK, V. A.; RUIZ, P. Compêndio de Psiquiatria: Ciência do Comportamen-


to e Psiquiatria Clínica. 11. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.

134
Capítulo 17
MENINGITE

Taís Luise Denicol44


Andréia Bittencourt Rodrigues45

Mulher, jovem, moradora de campo de trabalho forçado na


Alemanha, chega ao hospital confusa, agitada e com comportamento
agressivo. Passou os últimos dias em uma floresta, em tentativa de fuga,
com contato com carrapatos. Ainda tem o histórico de inúmeras inter-
nações por simulação de doenças. No exame neurológico apresenta
rigidez de nuca. Então, prossegue-se investigação com punção lombar
da qual confirma diagnóstico de meningoencefalite viral.

A meningite é causada pela inflamação das meninges decorrente


de infecção por bactérias, vírus ou fungos, por vezes, por situações não
infecciosas ou por drogas. Sintomas apresentados pelos pacientes são:
febre, cefaleia, rigidez de nuca (o que é mais difícil de avaliar em bebês),
letargia e mudança do estado mental, entretanto, em imunossuprimidos
ou idosos podem ter outras manifestações. O diagnóstico é feito pela clí-
nica associada à coleta do líquido cefalorraquidiano para análise, porém,
se houver suspeita de meningite bacteriana aguda e não for possível a
realização de punção lombar no momento, o início da terapia antimicro-
biana empírica não deve ser adiado. Em algumas situações, a punção

44 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Extremo Sul Catarinense, Unisul – Tubarão/SC.
Liga Acadêmica de Neurogenética (Lang), Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul –Tubarão/SC.
45 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Extremo Sul Catarinense, Unisul – Tubarão/
SC. Departamento de Neurologia, Hospital Nossa Senhora da Conceição (HNSC) em Tubarão/SC.

135
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

lombar está contraindicada sem um exame de neuroimagem prévio,


como na alteração do nível de consciência, na presença de sinais neuroló-
gicos focais, papiledema, imunodepressão e crise convulsiva. Além disso,
é importante solicitar exames laboratoriais, principalmente hemograma
completo e hemocultura. O tratamento da meningite bacteriana deve ser
iniciado antes do resultado dos exames.
O quadro de meningite bacteriana aguda é normalmente grave e
evolui de forma rápida, já a de etiologia viral ou não infecciosa pode durar
poucas semanas. Ainda existe a subaguda e a crônica com um avanço len-
to e gradativo, em que ambas podem ser difíceis de diagnosticar a etiologia
e orientar o melhor tratamento. Em países desenvolvidos as bactérias que
mais causam meningite comunitária são o Streptococcus pneumoniae e
a Neisseria meningitidis. Podemos normalmente denominar de meningite
asséptica quando se refere a uma causa viral.

Tratamento:
Medidas gerais e medicações sintomáticas para todas etiologias.
Meningite bacteriana:
Tratamento empírico com Ceftriaxona 2g EV de 12/12horas por 7–14
dias (adultos). Após resultados das culturas se pode direcionar o tratamento.
O uso de corticoide é discutível, pode ser associado para reduzir
a perda auditiva e complicações neurológicas relacionadas à meningite
pneumocócica. Deve ser administrado antes ou ao mesmo tempo do início
do antibiótico dexametasona 10mg IV de 6/6 horas por 4 dias (adultos).
Meningite viral:
Na maioria dos casos serão necessárias medidas de suporte e
controle da dor.
O tratamento antiviral específico não é muito usado.
Na meningite herpética (HSV1 e 2; VZV) se pode optar por aciclovir
EV 10mg/kg de 8/8 horas por 10–14 dias, mas não é uma abordagem
totalmente padronizada.
A causa mais comum de encefalite é a de etiologia viral, sendo
responsável por altas taxas de morbidade, como sequelas neurológicas
permanentes e, dependendo do vírus, de mortalidade. Ela é causada pela

136
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

inflamação do parênquima cerebral, que é diagnosticada normalmente pela


apresentação clínica e evidências na neuroimagem (tomografia computa-
dorizada ou ressonância magnética) e na análise do líquido cefalorraquidia-
no (LCR). Os sintomas incluem sinais e sintomas de disfunção neurológica,
como cefaleia, diminuição do nível de consciência, convulsões, déficits
focais, papiledema e modificações comportamentais unidos a presença de
febre, linfadenopatia palpável, erupções cutâneas, dores articulares e mus-
culares, sintomas respiratórios ou gastrointestinais, devendo ser investiga-
do uma história de exposição a fatores de risco, como viagens para áreas
endêmicas, acidentes com animais, contato com insetos ou carrapatos.

Imagem 1 – “Bárbara”.
Fonte: Cartaz do filme “Bárbara” (2012).

O filme não se trata especificamente sobre meningite, mas mostra


um diagnóstico perdido pelos outros médicos e bem feito pela Dra. Barbara
em uma paciente com fatores de risco à exposição de carrapatos e cuidados
desumanos em campo de trabalho forçado. O centro do filme é a médica
que busca sinais meníngeos de forma correta na menina ao desconfiar da

137
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

patologia e a confirma. A paciente fica em observação e faz tratamento que,


na realidade, seria apenas de suporte e se recupera recebendo alta.

Filme Nota

“Bárbara” 8,5

“Na Mira do Inimigo”/“In Enemy Hands” 7,5

Quadro 1 – Ranking de veracidade dos filmes que abordam meningites e sua repercussão
na vida dos pacientes de acordo com a Neuroliga/Unisul-SC.
Fonte: Elaborado pelas autoras (2021).

“Bárbara” – 8,5

Apesar do diagnóstico bem feito pela Dra. Bárbara, unido a uma


boa representação da irritação meníngea, o filme fala sobre tratamento
específico como se ele existisse para a meningoencefalite viral do caso em
questão, sendo que apenas seria de suporte para amenizar os sintomas.
Vale ressaltar que existe a vacina como forma de prevenção da doença
apresentada no filme, da qual também não fora citada. O filme recebe uma
infração grave por citar um tratamento sérico inexistente, mesmo tendo
demonstrado ter feito o necessário para tratar a paciente.

“Na Mira do Inimigo”/“In Enemy Hands” – 7,5

Filme que se passa durante a Segunda Guerra Mundial e seus confli-


tos. Retrata uma epidemia de meningite meningocócica em um navio alemão
que tem prisioneiros americanos a bordo. Os tripulantes apresentam erupções
na pele, tosse e vômitos. Leva uma infração gravíssima por apresentar um rash
cutâneo diferente do encontrado na infecção causada pela Neisseria meningi-
tidis e também pelo primeiro caso se negar a fazer quarentena.

138
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Coordenação-Geral de


Desenvolvimento da Epidemiologia em Serviços. Guia de vigilância em saúde. 3. ed. Brasília:
Ministério da Saúde, 2019. p. 33-53.

COSTA, B. K. da; SATO, D. K. Encefalite viral: uma revisão prática sobre abordagem diagnósti-
ca e tratamento. Jornal de Pediatria, Porto Alegre, v. 96, n. 1, p. 12-19, 2020.

KNEEN, R. et al. Management of suspected viral encephalitis in children – Association of


British Neurologists and British Paediatric Allergy, Immunology and Infection Group National
Guidelines. Journal of Infect, Liverpool, p. 64, n. 5, p. 449-477, 2012.

LANDRY, M. L.; GREENWOLD, J.; VIKRAM, H. R. Herpes simplex type-2 meningitis: presenta-
tion and lack of standardized therapy. The American Journal of Medicine, New Haven, v. 122,
n. 7, p. 688-691, 2009.

MCGILL, F. et al. The UK joint specialist societies guideline on the diagnosis and management
of acute meningitis and meningococcal sepsis in immunocompetent adults. Journal of
Infection, UK, v. 72, n. 4, p. 405-438, 2016.

SAMUELS, M. A. et al. Manual de Neurologia: Diagnóstico e Tratamento. 7. ed. Rio de Janeiro:


Livraria e Editora Revinter, 2007.

TUNKEL, A. R. et al. Practice guidelines for the management of bacterial meningitis. Clinical
Infectious Diseases, Philadelphia, v. 39, n. 9, p. 1267-1284, 2004.

TUNKEL, A. R. et al. The Management of encephalitis: clinical practice guidelines by the


infectious diseases society of America. Clinical Infectious Diseases, New Jersey, v. 47, n. 3,
p. 303-327, 2008.

VAN DE BEEK, D. et al. ESCMID guideline: diagnosis and treatment of acute bacterial meningi-
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WANG, I-J. et al. The correlation between neurological evaluations and neurological outcome
in acute encephalitis: a hospital-based study. European Journal of Paediatric Neurology,
Taipei, v. 11, n. 2, p. 63-69, 2007.

139
Capítulo 18
NEUROGENÉTICA

Tuany Batista Santos46


Louise Lapagesse de Camargo Pinto, PhD47

Paciente masculino, 5 anos, sem comorbidades prévias, flu-


ência em três idiomas. Começou a ter comportamentos inadequados
de irritabilidade e agressividade na escola, apesar de ter sido sempre
uma criança amável e educada. Passou a ter déficits auditivos, ouvindo
música extremamente alta, e déficits de incoordenação motora, apre-
sentando desequilíbrio e quedas frequentes. Após se consultar com
profissionais de diferentes especialidades e realizar diversos exames,
recebeu o diagnóstico de adrenoleucodistrofia. A terapêutica inicial foi
dieta sem alimentos com ácidos graxos de cadeia muito longa (VLCFA),
como amendoim, espinafre, queijo, carne vermelha e azeite. Após, reali-
zou imunossupressão experimental com quimioterápicos. Ambas sem
resultados. Dez semanas após o diagnóstico apresentou hemianopsia,
disartria e paresia. Sete meses após o diagnóstico se tornou imóvel,
afônico e com paroxismos por broncoaspiração de saliva. Seus pais
introduziram na dieta um óleo com derivados de colza e azeite de oliva e
Lorenzo passou a ter diminuição dos níveis séricos de VLCFA.

46 Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/SC.


47 Departamento de Genética, Ambulatório de Especialidades Médicas, AME, Universidade do Sul de Santa
Catarina, Unisul – Tubarão/SC. Liga Acadêmica de Neurogenética (Lang), Universidade do Sul de Santa
Catarina, Unisul – Tubarão/SC.

140
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

ADRENOLEUCODISTROFIA LIGADA AO X

A adrenoleucodistrofia (ADL) é uma doença da substância branca


do sistema nervoso central (SNC), chamada leucodistrofia, de curso
neurodegenerativo. É uma doença genética cuja forma mais frequente é a
recessiva ligada ao cromossomo X, com prevalência de 1 para 15 mil a 25
mil. As mulheres podem ser heterozigotas quando possuem a mutação,
mas ainda assim serão assintomáticas.
A X-ADL é a doença peroxissomal mais comum, causada por mu-
tação no gene ABCD1 que codifica a proteína de membrana peroxissomal
ALDP, envolvida no transporte transmembrana de ácidos graxos de cadeia
muito longa (Very Long Chain Fatty Acid – VLCFA). Os VLCFA se acumulam
principalmente no SNC e nas glândulas adrenais. Com o acúmulo desses
ácidos graxos no encéfalo ocorre destruição da bainha de mielina e do
axônio dos neurônios, levando também a um processo inflamatório peri-
vascular e quebra da barreira hematoencefálica.
Os sintomas da doença iniciam entre 4 e 5 anos de idade, com
dificuldades auditivas e visuais, sinais de insuficiência adrenal, perda de
memória, comprometimento da fala, distúrbios de marcha, irritabilidade,
dificuldades de relacionamento e involução neuropsicomotora.
O diagnóstico é confirmado pela demonstração elevada de níveis
séricos de VLCFA e/ou testes genéticos moleculares. A ressonância mag-
nética (RM) de crânio possui alta sensibilidade para avaliar a substância
branca e evidencia a desmielinização progressiva de diferentes tratos de
mielina, como vias ópticas, motoras, sensitivas, lobo parietal e occipital,
tronco cerebral e cerebelo. As lesões na RM, em geral, precedem os sin-
tomas clínicos.
O diagnóstico precoce permite a indicação do transplante de
medula óssea (TMO) como opção terapêutica, sendo o melhor tratamento
disponível até o ano de 2020, caso realizado no início dos sintomas neuro-
lógicos. A importância do diagnóstico precoce diz respeito à possibilidade
de intervenção precoce e do aconselhamento genético.

141
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

PORFIRIA

Porfiria constitui um grupo heterogêneo de doenças genéticas e


distúrbios metabólicos causados por deficiência enzimática da biossíntese
do heme, que levam a uma superprodução e acumulação de seus precur-
sores metabólicos em diversos compartimentos. O termo deriva da palavra
grega porphura, que significa pigmento roxo, pois em alguns casos o acú-
mulo de heme secretado na urina pode mudá-la para uma cor púrpura. A
prevalência da doença é de 1 em 2 mil pessoas. Tem um padrão de herança
autossômica dominante e se manifesta principalmente em mulheres entre
20 a 40 anos.
As porfirias agudas são classificadas como porfiria ala desidratase,
porfiria aguda intermitente, porfiria variegata e coproporfiria hereditária.
Dentre os tipos de porfiria, a mais frequente é a porfiria aguda intermitente.
Sua causa é a deficiência da enzima desaminase do porfobilinogênio. As
porfirias agudas se manifestam por crises que duram horas até dias. Dor
abdominal é o sintoma mais comum, mas também podem ocorrer náuse-
as, vômitos, confusão mental, ansiedade, depressão, alucinações, paranoia
e convulsões. Algumas variações de porfiria podem causar sintomatologia
cutânea, como a porfiria eritropoética congênita, porfiria cutânea tardia,
porfiria hepatoeritropoética e protoporfiria eritropoética.
O diagnóstico é feito por espectroscopia e exames bioquímicos no
sangue, urina e fezes, no entanto, conforme o tipo de porfiria, somente por
meio de análise molecular o diagnóstico poderá ser realizado. O primeiro
exame a ser feito na suspeita de porfiria nos sintomas agudos é a dosagem
de porfobilnogênio urinário.
A terapia consiste no uso de hematina ou arginato de heme, os
quais inibem a ação da síntese do heme, bloqueando a produção e acú-
mulo das porfirinas. Ambas as medicações têm custo elevado e não são
produzidas no Brasil. Além disso, a terapêutica consiste em suspender
medicamentos porfirinogênicos, como anticonvulsivantes, bloqueadores
do canal de cálcio, metoclopramida, alguns sedativos, antibióticos, anti-
fúngicos e hormônios. Durante as crises de porfiria aguda, a hospitaliza-
ção geralmente é necessária. Para a prevenção de novas crises, deve-se

142
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

manter uma dieta adequada, evitar drogas porgirinogênicas, álcool, taba-


co, atividade física extenuante e estresse.

EXPERIÊNCIA GENÉTICA

No século XX, a genética humana foi dominada pelos eugenistas,


os quais procuravam aplicar às sociedades a “melhoria da raça humana”.
Agora, no século XXI, com a expansão da tecnologia para o estudo do
material genético, tem-se conhecimento de mecanismos genéticos dos
cânceres, diabetes, hipertensão, obesidade e até mesmo da “nova psiquia-
tria”, baseada nos estudos dos genes das psicoses.
Com tantos avanços nos estudos dos genes, surge o aconse-
lhamento genético, em que se garante a autonomia dos indivíduos e das
famílias que recebem o aconselhamento, tendo o aconselhador sempre
uma postura neutra e não diretiva.
A evolução tecnológica também tem sido aplicada à reprodução
humana. Embriões congelados e testes pré-natais são temas manejados
atualmente. A seletividade genética pode gerar uma nova forma de discri-
minação, chamado na língua inglesa de expressivist argument, uma forma
de discriminar pessoas com deficiências. Traduz-se como uma mensagem
sobre o caráter indesejado da presença de pessoas com algum tipo de
deficiência, julgando suas vidas como menos dignas de serem vividas, em
que sua existência não deveria ser permitida ou valorizada. Surge também
o termo geneoismo, uma discriminação justificada pela genética.
Todavia, desconsidera-se a interação com o ambiente e se deduz
a incapacidade dos seres humanos de forma determinística. Um cenário
em que tudo é ditado pelo determinismo científico não significa dizer que o
resultado é exclusivo do conhecimento genético.
Cada vez mais diante das novas tecnologias se retorna aos
questionamentos éticos e princípios da bioética na prática clínica diária.
Pontua-se questões como exames que identificam doenças genéticas de
início tardio em crianças sem tratamento efetivo, identificação de crian-
ças heterozigotos para mutações de futuras gestações, identificação de

143
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

falsa paternidade, diagnóstico pré-natal de anomalias congênitas com


sobrevida reduzida, entre outros.

Imagem 1 – “O Óleo de Lorenzo”/“Lorenzo’s Oil”.


Fonte: Cartaz do filme “O Óleo de Lorenzo” (1994).

Lorenzo, um garoto de 7 anos, leva uma vida normal até que passa
a ter estranhos sintomas neurológicos, como perda de memória e apagões.
Ele é diagnosticado com uma doença genética extremamente rara chamada
“adrenoleucodistrofia”, sendo esta de curso neurodegenerativo, caráter here-
ditário e ligada ao cromossomo X. Os pais de Lorenzo se sentem frustrados
com os médicos e com a falta de tratamento adequado para a doença, não
aceitando que em tão pouco tempo vão perder seu filho. Por conta disso,
começam a estudar e pesquisar sozinhos tratamentos alternativos
Assim, passam a utilizar por conta própria um óleo composto por
extratos de ácidos de azeite de oliva, o qual não cura a doença, porém torna
mais lenta sua evolução. “Algumas pessoas fazem seus próprios milagres”.

Filmes Notas

“O Óleo de Lorenzo”/“Lorenzo’s Oil” 10,0

“As Loucuras do Rei George”/“The Madness of King George” 8,5

“Gattaca” 10,0

Quadro 1 – Ranking de veracidade dos filmes que abordam doenças neurogenéticas e sua
repercussão na vida dos pacientes de acordo com a Neuroliga/Unisul-SC.
Fonte: Elaborado pelas autoras (2021).

144
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

“O Óleo de Lorenzo”/“Lorenzo’s Oil” – 10,0

Baseado em fatores reais, o filme retrata de forma fidedigna a


doença adrenoleucodistrofia, enfatizando sua deterioração inexorável e
progressiva, o sofrimento do paciente e a repercussão familiar. A idade
média do início dos sintomas é a mesma idade que iniciou a sintomatologia
de Lorenzo. O exame mais importante para diagnóstico e monitorização
da doença é a dosagem sérica de VLCFA, que durante a história é avaliado
constantemente por seus pais para avaliar a resposta da dieta com óleo de
Lorenzo. Testes genéticos foram realizados nos familiares do sexo feminino
para se ter conhecimento de portadora do gene. O pai de Lorenzo, criador
do óleo, recebeu o grau honorífico de medicina. Apesar do prognóstico
reservado, Lorenzo viveu até os 30 anos.

“As Loucuras do Rei George”/“The Madness of King George”


– 8,5

O filme retrata os sintomas apresentados por George III, rei que subiu
ao trono da Grã-Bretanha em 1970. Ele apresentava dores abdominais, urina
de coloração azulada, poucas horas de sono, labilidade pressórica, lesões
cutâneas, fala eloquente, amnésia, distúrbios visuais, delírios e alucinações.
O filme perde 1,0 ponto por não afirmar explicitamente o diagnóstico na
obra e 0,5 pontos por, apesar de a sintomatologia retratada condizer com a
doença porfiria, necessitar de melhor avaliação por possuir diagnósticos di-
ferenciais. Todavia, sabe-se que na época não havia conhecimento suficiente
para elucidar o caso do rei. A medicina moderna sugere que a insanidade de
George III era atribuída à porfiria intermitente aguda, que, por ser uma doença
hereditária, acometeu muitos da família real inglesa devido à endogamia. No
entanto, pesquisadores sugerem que seus sintomas psiquiátricos poderiam
ser atribuídos à mania do transtorno bipolar.

145
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

“Gattaca” – 10,0

Por se tratar de um filme futurista, o qual retrata uma realidade


imaginável, porém possível, não perdeu pontos. A história se passa em uma
época em que os humanos são criados geneticamente em laboratórios e as
pessoas que foram concebidas naturalmente são consideradas inválidas.
Os genes dos bebês são examinados ao nascer, em que já se sabe as
doenças que terão e até mesmo a causa e hora da morte, e isso estabelece
o seu lugar na sociedade. A discriminação dos genes substitui a religiosa,
de raça ou de gênero. O filme conta a história de Vincent, um “inválido”, que,
apesar da discriminação, sonha em ser astronauta e consegue realizá-lo
com muita dedicação, mas apenas ao assumir a identidade de um homem
programado geneticamente.

REFERÊNCIAS

ABRAPO. Associação Brasileira de Porfiria, 2016. Página inicial. Disponível em: http://www.porfiria.org.
br/porfirias.htm. Acesso em: 23 fev. 2021.

BUSTOS, J.; VARGAS, L.; QUINTERO, R. Porfiria intermitente aguda: reporte de caso. Biomédica, Bogotá, v.
40, n. 1, p. 14-19, 2020.

DINIZ, D. Admirável Nova Genética: Bioética e Sociedade. 1. ed. Brasília: UnB: Letras Livres, 2005.

ENGELEN, M. et al. X-linked adrenoleukodystrophy: clinical presentation and guidelines for diagnosis,
follow-up and management. Orphanet Journal of Rare Diseases, [s. l.], v. 7, n. 51, 2012.

FURLAN, F. L. S. et al. X-linked adrenoleukodystrophy in Brazil: a case series. Revista Paulina de Pediatria,
São Paulo, v. 37, n. 4, p. 465-471, 2019.

GOLDIM, J. R.; MATTE, U. Bioética e Genética. Florianópolis: UFSC, 2002. Disponível em: https://www.
ufrgs.br/bioetica/biogenrt.htm. Acesso em: 28 fev. 2021.

SANTOS, A. C. X-linked adrenoleucodystrophy: diagnosis and progression quantification. Radiologia


Brasileira, São Paulo, v. 47, n. 6, p. 7-8, 2014.

146
Capítulo 19
PARALISIA CEREBRAL

Ricardo Souza Cabral48


Jaime Lin, Esp.49

Masculino, 22 anos, solteiro, escritor e pintor, natural de Dublin/Irlan-


da. Portador de paralisia cerebral desde o nascimento, evoluiu com disartria
e paralisia espástica em todo o corpo, com exceção do membro inferior es-
querdo distal, que manteve a motricidade preservada. Apesar de não possuir
declínio cognitivo grave, apresentou um desenvolvimento tardio da fala (após
a primeira infância) e, com auxílio de fisioterapia, aprimorou a destreza em seu
membro inferior esquerdo e a articulação da fala. Em associação, manifesta
um quadro de atetose e episódios de dependência alcoólica.

A síndrome clínica intitulada por paralisia cerebral (PC) é provenien-


te de uma lesão que ocorre durante o desenvolvimento cerebral fetal ou
infantil, de característica não progressiva. O dano neurológico em pacientes
acometidos, definido pelo consenso internacional em 2005, é descrito por
comprometimento no desenvolvimento intelectual e distúrbios motores,
como defeitos permanentes que causam limitações no movimento, nas
atividades e na postura dos afetados. Além disso, também podem ocorrer

48 Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/SC


49 Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/SC. Laboratório de Pesquisa em Autismo
e Neurodesenvolvimento, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, Universidade do Extremo
Sul Catarinense – Unesc.

147
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

distúrbios associados de sensação, percepção, cognição, comunicação,


comportamento, epilepsia e desordens musculoesqueléticas secundárias.
A PC é catalogada como espástica, discinética, atáxica ou mista,
porém, a espasticidade é, dentre essas categorias de movimentos muscu-
lares, a condição mais prevalente, apresentando-se em 80% das crianças
portadoras da doença. A esse respeito, o reconhecimento clínico dessa
patologia pode acontecer entre 3 e 5 anos de idade, no entanto, o apareci-
mento antecipado dos sinais e sintomas supracitados enfatiza as suspeitas
e o diagnóstico precoce.
Correspondendo ao déficit motor mais comum na infância, a PC
apresenta uma prevalência global de dois a três em cada mil nascidos vi-
vos. Apesar disso, é possível observar variações na relação de prevalência e
causalidade conforme a localização geográfica e qualidade da assistência
pediátrica perinatal. A prematuridade, por sua vez, é o fator de risco mais
relevante, com registro de predomínio entre 40 a 100 por mil nascidos
vivos, aumentando consideravelmente a probabilidade de manifestação
dessa síndrome heterogênea quando comparada aos nascimentos a
termo. Sobre isso, estudos verificaram um maior predomínio de PC em
descendentes afro-americanos nos Estados Unidos, relacionado ao maior
número de partos prematuros em mulheres da mesma origem, indicando
uma problemática social na qual o maior risco para manifestação de PC
está em países de baixa e média renda.
Além disso, a epidemiologia das distintas subclassificações da PC
é de difícil interpretação, uma vez que vários são os fatores etiológicos as-
sociados. A exemplo: a hemiplégica pode derivar de um acidente vascular
isquêmico perinatal ou em consequência de uma lesão de substância bran-
ca; a diplegia espástica está correlacionada à prematuridade e ao atraso
do crescimento fetal; a discinesia é o subtipo originado por altos índices de
bilirrubina; e a PC atáxica, que representa a classe mais rara, está associada
à má-formação cerebelar.
As causas de PC perinatais compreendem infecção intra-amniótica
ou inflamações que transcorrem até o período pós-natal, níveis baixos do
hormônio tireoidiano materno e redução dos níveis de dióxido de carbono
em decorrência do uso da ventilação mecânica. Por outro lado, em as-

148
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

sociação com o desenvolvimento em crianças nascidas a termo, o baixo


índice na escala proposta pela médica norte-americana Virgínia Apgar,
em 1952, que consiste na pontuação graduada de 0 a 10 para aparência,
pulso, irritabilidade, atividade e respiração em recém-nascidos, amplifica o
risco de se gerar a doença, acompanhado por anormalidades placentárias,
defeitos congênitos, baixo peso, aspiração de mecônio, cirurgia cesárea de
emergência e convulsões neonatais. A hiperbilirrubinemia neonatal tam-
bém pode contribuir para a paralisia cerebral do tipo discinética, no entanto,
com a implementação de medidas profiláticas, raramente é evidenciada em
países desenvolvidos.
O estabelecimento da injúria pode ocorrer durante o estágio de
vida intrauterina – que representa 80% dos casos de PC –, no decorrer do
nascimento, pós-natal ou posteriormente, durante a primeira infância, que
compreende as crianças até os dois anos de idade. As manifestações clínicas
da doença divergem dependendo do estágio de desenvolvimento cerebral
quando o indivíduo apresentou as lesões. Nos casos de perda de habilidades
previamente adquiridas pelas crianças de maior faixa etária, há a possibili-
dade de recuperação dessas habilidades mediante o auxílio de reabilitação.
Ademais, em 90% dos casos, a PC danifica o tecido cerebral em vez
de acarretar anomalias no desenvolvimento deste, no entanto, caso isso
ocorra antes das 20 semanas de gestação, há prejuízo na migração celular
e desenvolvimento incorreto do cérebro. Em injúrias que ocorrem durante
o período da 24ª a 32ª semana, a substância branca periventricular é sen-
sibilizada, comprometendo, dessa forma, a mobilidade dos membros, as
radiações ópticas e a função oromotora. No caso de danos de ocorrência
mais tardia, como no periparto, os gânglios da base são frequentemente
afetados. Além disso, com relação aos acidentes vasculares cerebrais,
o infarto de artéria cerebral média se manifesta com padrão distônico
espástico unilateral, comprometendo em maior intensidade os membros
superiores em comparação aos inferiores.
Também, as imperfeições motoras vinculadas à PC decorrem do
bloqueio do circuito cortico-estriado-tálamo-cortical e de conexões intra-
cerebelares, danificando planejamento, coordenação, força e habilidade
motora do portador da PC. Além disso, é devido ao acometimento nas vias

149
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

motoras descentes que os pacientes apresentam reflexos repetitivos e in-


controláveis, posicionamento postural inadequado, tônus muscular elevado,
espasticidade e, consequentemente, anormalidades musculoesqueléticas.
Diante desse contexto, determinar o diagnóstico e a causa é funda-
mental para permitir ações médicas precisas na gestão e no prognóstico
da doença, em virtude de a PC possuir um reconhecimento tipicamente
clínico, como a análise de marcha. Desse modo, é possível elaborar uma
interpretação qualitativa de todos os movimentos analisando o paciente
por um período entre 5 a 20 minutos, a fim de qualificar os movimentos
naturais observados. Contudo, o Subcomitê de Padrões de Qualidade da
Academia Americana de Neurologia e o Comitê de Prática da Sociedade de
Neurologia Infantil preconizam que o diagnóstico deve ser certificado com
o auxílio de exames de neuroimagem.
O diagnóstico, desse modo, é fundamentado na constatação e
classificação dos distúrbios do movimento, podendo ser mais evidente após
uma avaliação a partir de cinco meses de vida. Apesar disso, o diagnóstico
usualmente é formulado no segundo ano da criança, à medida que os si-
nais físicos se tornam mais consistentes e os exames de imagem estejam
disponíveis. A PC atáxica é um subtipo raro e uma exceção no método de
diagnóstico, em razão de apresentar neuroimagem normal, sendo conceitu-
ada por médicos neurologistas pediátricos como diagnóstico de exclusão e
rastreamento de possibilidades alternativas. No século XXI, com a aplicação
da tecnologia avançada para o aprimoramento dos diagnósticos médicos,
estão disponíveis exames de observação por vídeo biplanar, sistemas de
marcadores passivos 3D com câmeras infravermelhas e sistemas de marca-
dores ativos 3D com diodos emissores de luz e com sensores inerciais, todos
os três capazes de calcular a cinemática articular da marcha.
De maneira geral, as intervenções clínicas no tratamento de PC são
fundamentadas em evidências científicas fracas e de curto prazo, em virtude
da complexidade de se realizarem pesquisas na população debilitada. Ape-
sar disso, a estrutura do tratamento dessa patologia consiste na participação
de equipe multidisciplinar para assessorar os atos médicos, psicológicos e
terapêuticos, cuja finalidade é promover a maior independência social para o
indivíduo. Com base nesse propósito, a fisioterapia contribui quando subme-

150
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

te o paciente à execução de seriados exercícios, direcionando o propósito da


evolução para deslocamentos e movimentos específicos.
Ainda, a capacitação de familiares e cuidadores proporciona um
maior conforto aos enfermos, em razão de facilitar as manobras exigidas
para alimentação, utilização de banheiro e assistência durante o banho. A
terapia medicamentosa via oral, de outro modo, apresenta-se com ação
sistêmica no organismo, sendo indicado o uso de benzodiazepínicos, ba-
clofeno (lioresal) e tizanidina (sirdalud) para pacientes com espasticidade
generalizada. Entretanto, esses medicamentos implicam diversos efeitos
colaterais, como sedação, tontura, confusão mental, náusea, redução do
limiar de convulsão e depressão do sistema nervoso central.
Assim, agregando as possibilidades de tratamento, as diretrizes do
consenso europeu recomendam a aplicação de toxina botulínica do tipo A
(BTX-A) em crianças portadoras de PC. Quando administrada nos múscu-
los sensibilizados, essa toxina promove a quimiodenervação, que consiste
em inibir a liberação de acetilcolina pré-sináptica nas placas motoras. Esse
medicamento injetável, contudo, pode provocar nos usuários sintomatolo-
gia adversa de fraqueza muscular generalizada, dificuldade de deglutição e
comprometimento respiratório.
Também, há a possibilidade de se diminuir a espasticidade mus-
cular e se maximizar o controle motor na terapia cirúrgica, uma vez que a
rizotomia dorsal seletiva (SDR) consiste em dividir seletivamente as raízes
lombossacrais dorsais da medula espinhal, interrompendo, com isso, a via
aferente do arco reflexo sensorial. Evidências de longo prazo comprovam
que os pacientes submetidos a essa cirurgia necessitaram menos de cirur-
gias ortopédicas corretivas e de injeções de BTX-A no decorrer dos anos e
demonstraram um avanço sutil nos resultados de marcha.
A esse respeito, um estudo realizado em crianças acometidas com
PC no Reino Unido entre 1980 e 1996 identificou que a sobrevida de 20 anos
oscilou de 87% a 94%, sendo assim, a maior parte dos indivíduos alcança a
vida adulta. Contudo, o prognóstico é variável dependendo do tempo em que
ocorre o desenvolvimento de algumas habilidades motoras. Por exemplo,
crianças que não conseguem equilibrar a cabeça em torno dos 20 meses
dificilmente desenvolverão a habilidade de caminhar, bem como as que mani-

151
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

festam ausência de reflexos primitivos não possuirão reações posturais aos


24 meses e não conseguirão engatinhar até os 5 anos de idade. Em contra-
partida, o prognóstico se mostra positivo quando o paciente senta aos 2 anos
e engatinha antes dos 30 meses. Ademais, se a capacidade de caminhar não
for adquirida aos 9 anos de idade, o paciente de modo algum conseguirá
reverter essa limitação. Além do intervalo de tempo em que a criança adquire
as competências motoras supraditas, fatores externos, como financeiros e
atendimento médico especializado, contribuem significativamente para o
melhor prognóstico sobre o futuro da doença.
O conjunto de doenças neuromusculares retratadas pela PC, por-
tanto, corresponde à causa mais comum de inabilidades motoras e sociais
na infância, sendo que a asfixia no decorrer da transição prematura do
recém-nascido para a vida extrauterina representa o maior fator de risco
para o desenvolvimento da doença. Logo, é evidente a importância da
clínica com métodos de exames físicos tradicionais para o diagnóstico e
tratamento desse distúrbio. Além disso, a conciliação com a tecnologia tem
se mostrado promissora em virtude de promover diagnósticos precoces e
precisos, com a possibilidade de avaliação matemática do progresso da
doença e reabilitações mais efetivas, oferecendo ao paciente a oportuni-
dade de comunicação via dispositivos eletrônicos e uso de cadeiras de
rodas motorizadas. Dessa forma, a contribuição da ciência para a PC não
consiste em apenas amenizar a dor e reduzir as contraturas musculares
do paciente, mas também em ampliar as capacidades físicas e permitir a
reintegração social dele.

152
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

Imagem 1 – “Meu Pé Esquerdo”/”My Left Foot”.


Fonte: Cartaz do filme “Meu Pé Esquerdo” (1989).

“Meu Pé Esquerdo” consiste em uma produção cinematográfica


hiberno-britânica, dirigida por Jim Sheridan em 1989. O filme se esquadra
no gênero drama biográfico, uma vez que é baseado na autobiografia de
Christy Brown, um pintor e escritor irlandês, nascido em 1932, que utilizava
apenas o pé esquerdo para produzir suas obras, em razão de ser portador
de paralisia cerebral (PC) desde o seu nascimento.
A obra cinematográfica é embasada na história real do escritor e
artista plástico Christy Brown, retratando o esforço dele para superar suas
limitações físicas e os estigmas existentes na sociedade da época. Ainda
sobre as dificuldades a serem superadas, o filme narra o nascimento de
Christy em uma família carente de operários em Dublin, composta por
muitos irmãos, sendo Christy o mais solitário dentre eles, visto que era
completamente dependente da mãe durante o início da vida e não se tornou
capaz de partilhar as mesmas atividades que eles;
Conforme narrado pelo filme, aos 19 anos, Christy foi convidado por
uma médica a frequentar uma clínica especializada em PC, onde realizou
fisioterapia, exercícios de fonoaudiologia e aprimoramento da mobilidade
de seu pé. Devido a isso, o personagem potencializou suas habilidades
artísticas, que lhe concederam o reconhecimento social de sua compe-

153
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

tência. Além disso, mesmo Brown possuindo diversos amores platônicos


não recíprocos e dificuldades de relacionamentos em sua juventude, após
adquirir sua independência, casou-se aos 40 anos de idade.
Considero que a produção do filme atingiu o êxito ao refletir as
problemáticas enfrentadas por pacientes portadores da doença, principal-
mente pelo excelente desempenho do protagonista em reproduzir os fenó-
tipos da PC. Com um olhar médico contemporâneo, o diretor Sheridan foi
coerente com os estudos de tratamentos hodiernos. Uma vez que dialoga
com o trabalho do ano de 2016 de Graham e colaboradores, que atribuem
a fisioterapia como fator preponderante na evolução da atividade motora
funcional a qual, a exemplo do filme, capacitou Christy Brown a escrever a
própria história com seu pé esquerdo.

Filmes Notas

“Meu Pé Esquerdo”/”My Left Foot” 10,0

“De Porta em Porta”/“Door to Door” 9,0

Quadro 1 – Ranking de veracidade dos filmes que abordam a paralisia cerebral e sua
repercussão na vida dos pacientes de acordo com a Neuroliga/Unisul-SC.
Fonte: Elaborado pelos autores (2021).

“Meu Pé Esquerdo”/“My Left Foot” – 10,0

Atribuo nota máxima ao filme, em consequência da precisão do


enredo – construído em volta de um personagem portador de PC grave – ao
retratar essa condição médica tão fielmente à realidade. Constato a preocu-
pação do diretor em corresponder à vida dos pacientes com PC quando exibe
o preconceito, advindo da própria família do personagem, sofrido por este na
época, e retrata o quanto a sociedade considera o doente um fardo para quem
dele cuida. Evidencio, também, a desesperança em relação à efetividade dos
recursos terapêuticos naquele tempo, visto que, ao nascerem, as crianças com
PC eram rotuladas como incapazes física e cognitivamente. Enalteço, por fim,
a excelente atuação de Daniel Day-Lewis como intérprete de Christy Brown, es-

154
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

pecialmente em seus movimentos atetóticos, disartria e espasticidade, motivo


pelo qual inclusive recebeu premiação com o Oscar de melhor ator em 1990.

“De Porta em Porta”/“Door to Door” – 9,0

O drama, que se passa entre 1955 e 1997, baseia-se na história real


de Bill Porter e comove o telespectador devido ao retrato de superação do
personagem com PC em um longo período de sua vida. Averiguo, a esse
respeito, que Bill apresenta um grau leve da doença, visto que não é incapaz
de realizar atividades diárias e de comunicação, e constato a importância do
apoio familiar aludido na obra, um elemento significante na paciência e per-
sistência do personagem. No entanto, o fato de o filme ter atrelado a etiologia
da PC ao uso de fórceps, um instrumento cirúrgico que auxilia o parto, pode
gerar uma problemática social, uma vez que provavelmente o dano cerebral
está correlacionado com adversidades durante o período expulsivo do parto
(infração média – perde 1). Logo, avalio esse filme com um equívoco na fide-
dignidade à realidade vivida por portadores de PC, situação não adequada à
gravidade da temática abordada.

REFERÊNCIAS

AMERICAN ACADEMY OF PEDIATRICS et al. The Apgar score. Pediatrics, Itasca, v. 117, n. 4,
p. 1444-1447, 2006.

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GULATI, S.; SONDHI, V. Cerebral Palsy: An Overview. The Indian Journal of Pediatrics, New
Delhi, v. 85, n. 11, p. 1006-1016, 2017.

IKEUDENTA, B. A.; RUTKOFSKY, I. H. Unmasking the Enigma of Cerebral Palsy: A Traditional


Review. Cureus, San Francisco, v. 12, n. 10, 2020.

MATHEWSON, M. A.; LIEBER, R. L. Pathophysiology of muscle contractures in cerebral palsy.


Physical Medicine and Rehabilitation Clinics of North America, Maryland Heights, v. 26, n. 1,
p. 57-67, 2015.

VITRIKAS, K.; DALTON, H.; BREISH, D. Cerebral Palsy: An Overview. Am Fam Physician,
Leawood, v. 101, n. 4, p. 213-220, 2020.

WIMALASUNDERA, N.; STEVENSON, V. L. Cerebral palsy. Practical Neurology, London, v. 16,


n. 3, p. 184-194, 2016.

155
Capítulo 20
POLIOMIELITE

Laíse Koenig de Lima50


Jaime Lin, M.Sc51

Paciente masculino, casado, jovem, inicia com paresia que evolui


para uma paralisia, não conseguindo realizar nenhum movimento do pescoço
para baixo, nem mesmo respirar sem o auxílio de um aparelho. Logo no início,
o paciente desenvolve uma depressão por estar confinado no hospital. Sua
esposa consegue levá-lo para casa revertendo o quadro depressivo.

A poliomielite ou paralisia infantil é uma doença contagiosa aguda


que pode atingir crianças ou adultos e provocar ou não a paralisia. A doença
é causada pelo poliovírus, RNA, e possui 3 subtipos, sendo eles: 1, 2 e 3.
Possui um período de incubação entre 5 e 35 dias e a doença pode ser
transmitida via fecal-oral, objetos contaminados e gotículas.
A infecção por poliovírus é, na maioria dos casos, subclínica (90%
a 95%), causando doença febril inespecífica em 5% dos casos e meningite
asséptica com ou sem doença paralítica em 1% a 3% dos casos. Os sinto-
mas iniciais são febre, mal-estar, tosse, coriza, mialgia, odinofagia, vômitos,
diarreia e cefaleia por dois a seis dias. Após esses sintomas iniciais, a do-
ença pode evoluir com uma síndrome meníngea (não paralítica) ou plégica
(forma paralítica).

50 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/SC.
51 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/
SC. Curso de Medicina – Ambulatório Materno Infantil, Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul –
Tubarão/SC. Pesquisador em Laboratório de Pesquisa em Autismo e Neurodesenvolvimento, Programa de
Pós-Graduação em Ciências da Saúde, Universidade do Extremo Sul Catarinense – Unesc.

156
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

Em menos de 10% dos casos, vários dias livres de sintomas são


seguidos por febre recorrente e sinais de meningite asséptica: cefaleia,
rigidez de nuca e náuseas (forma meníngea).
Na forma paralítica o paciente evolui com paralisia flácida assimé-
trica com arreflexia do membro acometido e geralmente a sensibilidade
está preservada. Os músculos proximais dos membros são mais afetados
que os distais e o comprometimento de membro inferior é mais comum
que o superior. A fraqueza pode adotar um caráter ascendente, levando à
paralisia respiratória intercostal ou bulbar. Nesses casos o doente pode
ficar dependente de ventilação respiratória e esse comprometimento é
responsável pela maioria dos óbitos.
O diagnóstico da doença é baseado nos sinais clínicos e exames
laboratoriais, como cultura em amostras de rinofaringe, fezes ou líquor (LCR).
A reação de cadeia da polimerase (RT-PCR) e sequenciamento nucleotídeo
deve ser coletado a partir de duas ou mais amostras de fezes na fase aguda
da doença (até o 14º dia do início dos sintomas). O LCR se apresenta com
uma pleocitose, que no início podem predominar neutrófilos, mas posterior-
mente a série linfocitária se sobressai, característicos de uma meningite viral.
Não há tratamento específico para a doença, apenas sintomáticos.
Todo caso de paralisia flácida é doença de notificação compulsória e o
paciente deve ser internado. Deve-se sempre enfatizar a necessidade de
vacinar as crianças. As primeiras doses são realizadas com 2, 4 e 6 meses,
sendo a vacina pólio inativada (VIP) e posteriormente duas doses da vacina
pólio oral, atenuada aos 15 meses e 4 anos de idade.
As complicações resultam em efeitos agudos e permanentes da
paralisia. Comprometimento respiratório, faringeano, vesical e intestinal
englobam as consequências mais críticas. Membros lesionados (injeções
intramusculares, uso anterior excessivo ou trauma) próximo ao tempo da
infecção tendem a ser os mais gravemente acometidos, dessa forma, nenhu-
ma injeção intramuscular deve ser aplicada durante a fase aguda da doença.
A atrofia muscular pós-pólio ocorre em 30% a 40% dos membros,
decorridos de 20 a 30 anos, e é caracterizada pela ocorrência de enfraque-
cimento progressivo e fasciculações nos membros acometidos.

157
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

Imagem 1 – “Uma Razão para Viver”/“Breathe”.


Fonte: Cartaz do filme “Uma Razão para Viver” (2017).

O paciente do caso apresentado é Robin Cavendish, do filme “Uma


Razão para Viver”. Já inicio dizendo que é um filme baseado em fatos reais
e que irá lhe causar muitas lágrimas e alguns risos. Durante sua viagem
na África, Robin está acompanhado de sua esposa Diana e descobrem
que irão ter um filho. Pouco tempo depois, Robin inicia com os sintomas
descritos do caso e então recebe o diagnóstico que contraiu o vírus da
poliomielite com a seguinte explicação: “o vírus está nas gotículas do ar
e então é inalado, depois alastra pela corrente sanguínea, chegando ao
sistema nervoso central e ataca células na medula espinal”. Ao voltarem
para Inglaterra, Robin desenvolve uma depressão por viver somente no am-
biente hospitalar e se questiona o por que sua esposa continua o visitando.
Até que, certo momento, Diana consegue tirá-lo daquele lugar e constroem
sua própria vida. Robin possui um bom relacionamento com amigos e con-
segue ver seu filho Jonathan crescer. Um dos ápices do filme se dá com o
desenvolvimento de uma cadeira de rodas com um respirador acoplado,
permitindo que Robin pudesse sair de casa e até mesmo viajar; este equipa-
mento permitiu que outros pacientes pudessem ter uma melhor qualidade
de vida. [SPOILER ALERT] Sim, viajar. Robin voltou para África pois seu filho
gostaria de conhecer, visitou Espanha e Alemanha, onde participou de um

158
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

congresso mostrando que pacientes com alto grau de deficiência não pre-
cisam ficar “escondidos” em hospitais. Com o desenrolar da história, Robin
vai piorando ao longo dos anos e os poucos meses de vida que lhe deram
após o diagnóstico transcorreram em 36 anos.

Filme Nota

“Uma Razão para Viver”/“Breathe” 10,0

Quadro 1 – Ranking de veracidade dos filmes que abordam a Poliomielite e sua repercussão
na vida dos pacientes de acordo com a Neuroliga/Unisul-SC.
Fonte: Elaborado pelos autores (2021).

“Uma Razão para Viver”/“Breathe” – 10,0

Filme baseado em fatos reais, retrata muito bem como o paciente e


a família lidaram com a doença.

REFERÊNCIAS

NETO, J. P. B. Tratado de Neurologia da Academia Brasileira de Neurologia. 1. ed. Rio de Janeiro: Elsevier
Editora Ltda, 2013.

SILVEIRA, B. et al. Atualização em poliomielite. Revista Médica de Minas Gerais, [s. l.], v. 29, p. 74-79, 2019.
Disponível em: http://www.rmmg.org/artigo/detalhes/2628. Acesso em: 2 jun. 2021.

WHO. Poliomyelitis (polio). World Health Organization, 2020. Disponível em: https://www.who.int/topics/
poliomyelitis/en/. Acesso em: 2 jun. 2021.

159
Capítulo 21
SÍNDROME DE TOURETTE

Taís Luise Denicol52


Ana Paula Goulart, M.Sc53

Paciente masculino, na faixa etária de 30 anos, solteiro, aplicador


de golpes, natural e procedente de Los Angeles. Refere ter compulsões
por limpeza, comportamentos ritualísticos de fechar três vezes a porta e
preocupações excessivas que o levam a sentir náuseas. Relata ainda que
não gosta de ambientes públicos e abertos; possui apenas um amigo que
é seu sócio de trabalho e na maior parte do tempo prefere ficar só. Ainda
alega ter tiques como piscar, franzir a testa, movimentar bruscamente a
cabeça, espasmos hemifaciais, vocalizações, além de irritabilidade. Diz
que suas queixas interferem na sua vida social, profissional e pessoal.
O paciente em questão pode ter a associação de transtorno ob-
sessivo-compulsivo (TOC) com síndrome de Tourette (ST) e agorafobia,
necessitando de um acompanhamento multidisciplinar, principalmente
um psiquiatra e uma psicóloga.

Com início na infância, a síndrome de Tourette (ST) é um distúrbio


neurológico que se apresenta por tiques motores e vocais. Tiques podem
ser caracterizados por breves movimentos motores ou vocalizações rápidas
que são realizados normalmente vinculados a desejos premonitórios irresis-

52 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/SC.
Liga Acadêmica de Neurogenética (Lang), Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/SC.
53 Médica Psiquiatra Especialista em Psiquiatria da infância e Adolescência. Professora, Mestre, do curso
de Medicina Faculdade de Medicina da Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/SC.

160
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

tíveis. É proposto que a produção de tiques envolva disfunção na região dos


núcleos da base, em particular da transmissão dopaminérgica nos circuitos
córtico-estriado-talâmicos. A causa da ST parece ter vínculo com a interação
entre fatores sociais e ambientais, unido a várias variações genéticas.
Tem prevalência de 3 a 8 a cada mil crianças em idade escolar, que
acomete de 2–4 vezes mais indivíduos do sexo masculino do que os do
sexo feminino. Os tiques surgem dos 5 aos 10 anos e, em inúmeros casos,
diminuem em frequência e gravidade após os 10 ou 12 anos. Entretanto, a
prevalência vitalícia desse transtorno é estimada em aproximadamente 1%.

EXAMES COMPLEMENTARES:

Ressonância magnética funcional (RMF) demonstra envolvimento


de áreas de associação paralímbica e sensorial dois segundos antes e de-
pois de um tique. Já as supressões voluntárias de tiques parecem envolver
a ativação do putame e do globo pálido, junto com a ativação de regiões do
córtex pré-frontal e do núcleo caudado.
Existem evidências indiretas do envolvimento do sistema dopami-
nérgico em transtornos de tique; essas evidências incluem a supressão dos
tiques com o uso de agentes farmacológicos que antagonizam dopamina
(haloperidol, pimozide e flufenazina) e o aumento dos tiques com agentes
de atividade dopaminérgica central (metilfenidato, anfetaminas e cocaína).
Os sistemas neurotransmissores e sua relação com os tiques são
ainda pouco compreendidos, não só em alguns casos o haloperidol não é
eficaz na diminuição desses sintomas, mas também há casos em que o
início do transtorno de Tourette se dá após o começo do tratamento com
medicamentos antipsicóticos.
A espectroscopia por ressonância magnética (MRS) é utilizada na
maior parte das análises diretas da neuroquímica do transtorno. Já em
neuroimagem com fluxo sanguíneo cerebral em tomografia por emissão
de pósitrons (PET) e tomografia por emissão de fóton único (Spect) mos-
tram que as modificações da atividade ocorrem em inúmeras regiões do
cérebro desses pacientes, tal como em córtices frontal e orbital, o corpo

161
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

estriado e o putame. Já o exame da neuroquímica celular de portadores


do transtorno de Tourette, utilizando MRS do córtex frontal, do núcleo cau-
dado, do putame e do tálamo, constatou diminuição da quantia de colina e
N-acetil-D-aspartato no putame esquerdo e níveis reduzidos bilateralmente
no putame. Ainda no córtex frontal apresentam quantidades mais baixas
de N-acetil-D-aspartato bilateralmente, níveis diminuídos de creatina no
lado direito e mioinositol no lado esquerdo. Tais achados demonstram que
déficits na densidade de células neuronais e não neuronais podem estar
presentes nesses pacientes.
Com a redução dos tiques com uso de clonidina, implicou-se em
anormalidades no sistema não adrenérgico, assim, esse medicamento que
é agonista adrenérgico diminui a liberação de norepinefrina no sistema
nervoso central e reduz a atividade no sistema dopaminérgico.
As anormalidades no gânglio basal resultam em vários transtornos
do movimento, tal qual a doença de Huntington, e são locais prováveis de
acometimento nos distúrbios no transtorno de Tourette.
O diagnóstico é feito por meio do conjunto de achados clínicos,
conforme os critérios contidos no DSM-5, sendo eles:
— Presença de múltiplos tiques motores e um ou mais tiques vo-
cais presentes em algum momento durante o quadro, embora
não necessariamente simultaneamente.
— Os tiques podem aumentar e diminuir em frequência, mas
persistem por mais de um ano desde o início do primeiro tique.
— O início ocorre antes dos 18 anos de idade.
— Não sendo atribuível a efeitos fisiológicos de uma substância
ou a outra condição médica.
Muitos distúrbios neuropsiquiátricos podem estar associados à
ST, especialmente o transtorno do déficit de atenção com hiperatividade
(TDAH) e TOC.
É fundamental diferenciar os tiques de outros movimentos e
transtornos do movimento, tal qual movimentos distônicos, atetoides,
mioclônicos e hemibalísmicos e de doenças neurológicas, como doença
de Huntington, Parkinson, coreia de Sydenham e doença de Wilson. Ainda
se deve distinguir os tiques de tremores, maneirismos e transtorno do

162
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

movimento estereotipado, dos quais incluem movimentos como balançar,


olhar as mãos e outros comportamentos autoestimulantes que podem ser
voluntários e com frequência produzem um conforto, opostamente aos
transtornos de tique que não produzem bem-estar. Pode ser complicado
diferenciar compulsões de tiques complexos, já que elas podem se apre-
sentar na mesma faixa etária. Além disso, os transtornos de tique ocorrem
muitas vezes associados com perturbações do humor, sendo que, quanto
maior a gravidade dos tiques, maior as chances de coexistir com sintomas
agressivos e depressivos nas crianças. O comportamento e sintomas de
humor se exacerbam quando a criança tem maior presença dos tiques.
É importante a avaliação de outros distúrbios neuropsiquiátricos
comórbidos, os quais são muito comuns em pacientes com ST, particu-
larmente transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) e
TOC. É importante examinar esses pacientes para transtorno de ansiedade
generalizada, transtornos de humor e transtornos de comportamento per-
turbadores, e indagados sobre ideação suicida e tentativas de suicídio.
Tratamento:
— Comportamentais: Terapia cognitivo comportamental para
tiques, ansiedade e redução do estresse.
— Farmacológicos: Agonistas alfa-adrenérgicos – os agonistas
alfa-adrenérgicos guanfacina e clonidina (em crianças, a dose
inicial é de 0,05mg ao dia – podendo ser aumentada para
0,3mg ao dia em doses dividida e necessários até 3 meses para
que se tenha os efeitos benéficos da clonidina) são eficazes
no tratamento dos sintomas de TDAH e podem ser úteis em
pacientes com ST que têm TDAH ou sintomas comportamen-
tais predominantes, particularmente problemas de controle de
impulso e ataques de raiva.
— Antipsicóticos típicos ou atípicos: caso não tolerem os agonis-
tas alfa-adrenérgicos ou não tenham melhora na sintomatolo-
gia, tal qual o haloperidol (iniciar com 0,1mg a cada 3kg de peso
por dia) e a risperidona (2,5mg/dia, podendo variar conforme
literatura de 1–6mg/dia), sendo esta a primeira escolha dentre
os antipsicóticos por apresentar menos efeitos colaterais.

163
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

Imagem 1 – “Os Vigaristas”/“Matchstick Men”.


Fonte: Cartaz do filme “Matchstick Men” (2003).

O filme conta a história de um vigarista que tem agorofobia, trans-


torno obsessivo compulsivo e síndrome de Tourette. [SPOILER ALERT] O
trama se baseia em golpes, no reencontro de uma filha que na verdade é
uma golpista e em uma tentativa de melhora dos sintomas dessas doen-
ças com um falso psiquiatra. O personagem principal passa por diversas
situações em que é enganado, entretanto, no fim, decide mudar de vida e
encontra a melhora de seus sintomas.

Filmes Notas

“Os Vigaristas”/“Matchstick Men” 7,5

“O Primeiro da Classe”/“Front of the Class” 8,5

“Niagara, Niagara” 8,5

Quadro 1 – Ranking de veracidade dos filmes que abordam síndrome de Tourette e sua
repercussão na vida dos pacientes de acordo com a Neuroliga/Unisul-SC.
Fonte: Elaborado pelas autoras (2021).

164
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

“Os Vigaristas”/“Matchstick Men” – 7,5

O filme mostra a síndrome de Tourette. Os sintomas são bem


representados pelo ator e as próprias dificuldades na vida de um paciente
também podem ser encontrados. Entretanto, leva uma infração gravíssima,
pois o tratamento do paciente com uma terapia sem um profissional quali-
ficado e com uso de placebos não pode ser aceita.

“O Primeiro da Classe”/“Front of the Class” – 8,5

O filme é baseado em fatos reais e trata sobre a vida de um homem


tentando encontrar uma escola em que aceite um professor com síndrome
de Tourette para realizar seu sonho de ensinar. O personagem principal,
Brad, retrata bem os tiques de um paciente com a síndrome e demonstra
as dificuldades encontradas na inclusão social e nos inúmeros preconceitos
sofridos. Embora levante esse importante tema, leva uma infração grave por
não apresentar o tratamento adequado para a doença.

“Niagara, Niagara” – 8,5

“Niagara, Niagara” é um filme que traz o amor entre dois jovens que
não se enquadram na sociedade. Ambos se conhecem ao tentarem furtar
uma loja e iniciam um intenso relacionamento. Marcy é a personagem com
a síndrome de Tourette, que é bem interpretada na questão dos tiques, tanto
a ecolalia quanto a coprolalia; o filme ainda sugere a doença como uma
possível causa para um comportamento violento. Todavia, leva uma infração
grave por não abordar de forma clara o tratamento para a doença.

165
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

REFERÊNCIAS

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION DSM-V. Manual Diagnóstico e Estatítico de


Transtornos Mentais. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.

GANOS, C. et al. Tics and functional tic-like movements: Can we tell them apart? Neurology,
Berlin, v. 93, n. 7, p. 750-758, 2019.

JANKOVIC, J.; KURLAN, R. Tourette syndrome: evolving concepts. Movement Disorders,


Houston, v. 24, n. 6, p. 1149-1156, 2011.

KAPLAN, H. I.; SADOCK, B. Compêndio de Psiquiatria. 11. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2017.

KURLAN, R. Clinical practice. Tourette’s Syndrome. New England Journal of Medicine,


Summit, v. 363, n. 24, p. 2332-2338, 2010.

PRINGSHEIM, T. et al. Practice guideline recommendations summary: Treatment of tics in


people with Tourette syndrome and chronic tic disorders. Neurology, Alberta, v. 92, n. 19, p.
896-906, 2019.

ROBERTSON, M. M. et al. The Tourette syndrome diagnostic confidence index: development


and clinical associations. Neurology, London, v. 53, n. 9, p. 2108-2112, 1999.

166
Capítulo 22
SÍNDROME DO ENCARCERAMENTO

Linério Ribeiro de Novais Jr.54


Andréia Bittencourt Rodrigues, Esp.55

Masculino, 43 anos, solteiro, jornalista. Sofreu um acidente vas-


cular cerebral (AVC) na região ventral da ponte, irrigada pela artéria basilar,
e permaneceu em estado de coma por aproximadamente três semanas.
Quando despertou do coma, apresentou-se tetraplégico e anártri-
co, com a capacidade de piscar os olhos, olhar horizontal e vertical pre-
servados, consciente do meio interno e externo, com estímulos dolorosos,
visuais e auditivos intactos. Apresentou também paralisia periférica facial
à direita associada à lagoftalmia e, por conta disso, necessitou passar
por um procedimento de tarsorrafia. Não apresentava a sensibilidade so-
mática da face. Também foi submetido à traqueostomia. Encontrava-se
deprimido. Recebeu o diagnóstico de síndrome do encarceramento.
Iniciou terapia de reabilitação com fisioterapeuta, fonoaudiólogo
e psicólogo em hospital. Em seguida, houve melhora da postura, o pacien-
te já conseguia apoiar a cabeça e não apresentava mais espasmos. Por
isso, foi permitido iniciar o uso de cadeira de rodas.

54 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Extremo Sul Catarinense, Unisul


55 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Extremo Sul Catarinense, Unisul
Departamento de Neurologia, Hospital Nossa Senhora da Conceição (HNSC), Tubarão/SC.

167
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

Aprendeu a se comunicar por meio de técnicas fonoaudiólogas


aplicadas na terapia e utilizava o piscar dos olhos para escolher palavras
específicas e formar frases. Com o avanço da reabilitação, iniciou leves
movimentos com a boca, língua, cabeça e passou a emitir grunhidos. O
humor do paciente melhorou, bem como sua disposição, e ele iniciou a
confecção de um livro que, por fim, foi lançado.
Após um ano e três meses de sofrer o AVC, faleceu em virtude de
uma pneumonia.

A síndrome do encarceramento, também conhecida como locke-


d-in syndrome (LIS)56, é uma rara condição neurológica associada à lesão
da parte ventral da ponte, normalmente causada por um acidente vascular
nos ramos ventrais da artéria basilar, por trauma cranioencefálico ou por
doenças neurodegenerativas, como a esclerose lateral amiotrófica (ELA).
É classicamente caracterizada pela interrupção do trato corticoes-
pinal e corticobulbar de forma bilateral na área do pedúnculo cerebral e, por
conseguinte, lesão no neurônio motor superior e nos núcleos dos nervos
cranianos situados na ponte e no bulbo. O paciente, então, apresenta te-
traplegia, anartria e disfagia. Como a porção dorsal do mesencéfalo não é
atingida, há preservação do olhar vertical e do movimento das pálpebras
superiores. A sensibilidade, a consciência e a memória também se mantêm
preservadas, pois os lemniscos, o sistema reticular ascendente e o córtex
não sofrem alterações. Logo, o paciente acaba tendo uma experiência
vívida e lúcida.
Duas outras formas foram estabelecidas: LIS incompleta, em que,
além dos sintomas presentes na forma clássica, existe movimentação
remanescente de músculos; LIS completa, em que é caracterizada pela
imobilidade total do paciente, inclusive com paralisia do olhar vertical.
O paciente costuma apresentar um estado de coma inicial que evo-
lui, após um tempo variável, para a síndrome do encarceramento. Quando o
paciente fica em estado responsivo, o diagnóstico é feito a partir do exame
físico, o qual permite observar sinais de lesão do trato corticoespinal e cor-

56 Também denominada de estado de encarceramento, estado de deeferentação, pseudocoma e


desconexão cérebromedulaespinal.

168
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

ticobulbar, além da preservação do olhar vertical. Em relação aos exames


complementares, a ressonância magnética é dada como o padrão-ouro por
ser capaz de detectar a lesão ventral na estrutura pontina.
O tratamento na fase aguda prevê a manutenção das vias aéreas,
oxigenação adequada e o correto manuseio da causa base57 da condição
locked-in. A fisioterapia pulmonar deve ser iniciada com rapidez e a equipe
de cuidados intensivos precisa realizar frequentes mudanças na posição
do paciente à beira do leito. Procedimentos como traqueostomia, gastros-
tomia, cateteres urinários e tarsorrafias (para evitar úlceras de córnea), em
muitos casos, são necessários.
É essencial que ocorra acompanhamento integral e multidisciplinar
ao paciente. Psicólogos, fisioterapeutas e fonoaudiólogos são imprescin-
díveis na retomada de algumas funções físicas e mentais e na melhora da
qualidade de vida. Deve-se também garantir o conforto e tomar algumas
medidas, a fim de evitar possíveis complicações decorrentes da situação
de quadriplégico: terapia ocupacional; elevação de membros para prevenir
edemas; aspiração de secreções brônquicas, a fim de evitar pneumonia;
monitoramento dos parâmetros vitais e treinamento da contração de es-
fíncteres, da motricidade, da respiração, da deglutição e da fala.
Por conta de tantas necessidades especiais, a transferência do
paciente para um centro especializado se faz crucial para um melhor prog-
nóstico. Um programa de reabilitação e cuidados especiais intenso, logo no
primeiro mês do evento, aumenta significativamente a taxa de sobrevida58,
embora 14% dos pacientes falecerem após cinco anos.
Vale ressaltar que, apesar da crença comum de que o portador
da LIS seja mais triste ou propenso às doenças psíquicas e ao desejo da
morte, pesquisas realizadas apontam que a maior parte dos pacientes
anseiam pela vida. O método de Comunicação Aumentativa e Alternativa
(CAA) pode ser visto como um fator responsável por esse sentimento, pois
permite que a comunicação ocorra por meio do contato visual. Algumas
ferramentas, como pranchas coloridas e com diferentes letras do alfabeto,
foram formuladas para este propósito, bem como softwares de alta tecno-

57 Remeter ao capítulo do AVC e ELA.


58 Diminui a taxa de mortalidade em torno de 60%, nos próximos cinco anos, após o evento
desencadeador da LIS.

169
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

logia que acompanham os mínimos movimentos oculares do paciente e


os traduzem em palavras e frases. Com esses adventos, a interação social
entre o paciente e seus entes queridos se mantém preservada.

Imagem 1 – “O Escafandro e a Borboleta”/“Le Scaphandre et le Papillon”.


Fonte: Cartaz do filme “Le Scaphandre et le Papillon” (2007).

“Le Scaphandre et le Papillon” (“O Escafandro e a Borboleta”)


conta a história de superação de Jean-Dominique Bauby (personagem
principal do filme e do relato de caso ora apresentado). Redator de uma
revista reconhecida, bem-sucedido, 43 anos e pai de três crianças, sofreu
um AVC ao passear de automóvel com seu filho. Ao acordar no hospital,
estava imobilizado da cabeça aos pés, exceto pelo movimento dos olhos,
porém estava consciente de tudo o que se passava ao seu redor. A partir da
analogia do escafandro e a borboleta define sua situação: a de estar preso
em seu próprio corpo, ser refém de suas memórias e pensamentos, e ainda
assim viver com coragem e amor. Detentor de uma força interior descomu-
nal, Jean-Dominique supera a desesperança e o sofrimento impostos pela
doença e escreve um livro apenas com o movimento dos olhos sobre sua
história de resistência e luta para permanecer vivo.

170
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

Filme Nota

“O Escafandro e a Borboleta”/“Le Scaphandre et le Papillon” 10,0

Quadro 1 – Ranking de veracidade dos filmes que abordam a síndrome do encarceramento


e sua repercussão na vida dos pacientes de acordo com a Neuroliga/Unisul-SC.
Fonte: Elaborado pelos autores (2021).

“O Escafandro e a Borboleta”/“Le Scaphandre et le Papillon”


– 10,0

Digno de nota dez! O filme foi baseado no livro homônimo e autobio-


gráfico escrito por Jean-Dominique Bauby. Reflete, de maneira detalhada, a
situação do paciente frente à síndrome do encarceramento, o quadro de
imobilidade e a impossibilidade de fala e realça os aspectos subjetivos ao
apresentar suas impressões, percepções e reflexões acerca da condição
patológica que se encontra. Emocionante e inspirador!

REFERÊNCIAS

ANGELIN, A. C. et al. Abordagem interdisciplinar na síndrome do encarceramento: relato de


caso. Revista Brasileira de Neurologia e Psiquiatria, Salvador, v. 24, n. 1, p. 54-73, 2020.

CASANOVA, E. et al. Locked-in syndrome: improvement in the prognosis after an early


intensive multidisciplinary rehabilitation. Archives of Physical Medicine Rehabilitation, [s. l.],
v. 84, n. 6, p. 862-867, 2003.

LANDAURO, V. L. et al. Neurology: locked-in syndrome in The Diving Bell and the Butterfly
(2007). Journal of Medicine and Movies, Salamanca, v. 15, n. 4, p. 249-253, 2019.

SMITH, E.; DELARGY, M. Locked-in syndrome. BMJ, Londres, v. 330, n. 7488, p. 406-409, 2005.

171
Capítulo 23
TRANSTORNO AFETIVO BIPOLAR

Daiana Gomes de Sousa59


Jaime Lin60

Masculino, 35 anos, com diagnóstico de transtorno afetivo bipolar


(TAB) após episódio de delírio e agressão, internado em clínica psiquiátrica
durante oito meses. Paciente ainda com humor instável e com resistên-
cia no uso das medicações, porém mãe solicitou sua alta mesmo sem
indicação médica. Apresenta-se em fase de mania, com hiperatividade,
demonstrando episódios de impulsividade, prática intensa de exercícios
físicos e poucas horas de sono. Pai com características de transtorno
obsessivo-compulsivo (TOC).
O transtorno afetivo bipolar (TAB) é uma alteração psiquiátrica na
qual o paciente apresenta alternância de estados de humor normal (euti-
mia) e anormal (mania, depressivo, hipomaníacos ou mistos). No estado
de humor normal é possível encontrar leves flutuações dos níveis de neu-
rotransmissores, porém no humor bipolar existem grandes oscilações que
causam prejuízo psicossocial.
O TAB aparece mais frequentemente em torno de 20 a 30 anos e
não existem diferenças significativas entre os sexos. Não estão presentes
associações com escolaridade e variações étnicas, mas indivíduos casados
possuem probabilidade menor de desenvolver TAB. A genética é um fator

59 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Extremo Sul Catarinense, Unisul – Tubarão/SC.
60 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/SC.
Pesquisador em Laboratório de Pesquisa em Autismo e Neurodesenvolvimento, Programa de Pós-Gradua-
ção em Ciências da Saúde, Universidade do Extremo Sul Catarinense – Unesc.

172
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

muito importante na etiologia da doença; sempre questionar se o paciente


tem histórico de doença psiquiátrica na família e qual era a patologia.
O paciente com TAB, em sua maioria, passa maior parte do tempo
em estado depressivo. O alto índice de suicídios diminui a expectativa de
vida, isso devido a intensa impulsividade desses pacientes.
O TAB está relacionado aos genes e à suscetibilidade dos pacien-
tes. Pode acontecer por deficiência ou por aumento da degradação dos
genes: transportador da serotonina (5HTTR), catehol-O-methyltransferase
(COMT), monoamina oxidase (MAOA), fator neurotrófico derivado do cé-
rebro (BDNF).
Outra possível causa é devido ao aumento do nível de dopamina e
aumento de nível glutamatérgico, causando estresse oxidativo, formação
de radicais livres, dano ao DNA e apoptose. Alterações estruturais também
estão presentes com a diminuição de neurônios extrapiramidais, causando
atrofia cerebral, aumento da amígdala, núcleo estriado e dos ventrículos.
O paciente pode abrir o quadro com episódios maníacos ou depres-
sivos. Para caracterizar bipolaridade é preciso a presença da fase maníaca,
pois a depressão do TAB é idêntica à depressão comum, o que vai mudar
é a forma de tratamento. Quadros mistos acontecem quando depressão e
a mania estão presentes ao mesmo tempo, causando uma dificuldade de
diagnóstico ainda maior. Para a avaliação clínica inicial do paciente é preci-
so realizar a história médica geral e psiquiátrica, exames do estado mental,
exame físico, exames laboratoriais e RM de crânio. Questionar depressão,
mania ou hipomania, pensamento suicida. Perguntar sobre episódios pré-
vios, detalhando número de vezes, frequência, intensidade, duração.
A fase maníaca é caracterizada por um humor em elevação,
com muita alegria ou muita irritação, autoestima elevada, sentimento de
grandiosidade, aumento das capacidades físicas, diminuição do sono,
hiperatividade, fuga de ideias e episódios de delírio. Paciente não consegue
ficar parado e se concentrar, não se incomoda em situações de perigo e
tem atitudes sexuais desinibidas.
Pelo DSM-5 a caracterização se dá por meio de humor anormal e
persistentemente elevado, expansivo ou irritado, aumento da energia por
no mínimo uma semana e presente na maior parte do dia ou qualquer du-

173
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

ração se tiver internação com prejuízo psicossocial. Na fase hipomaníaca,


o DSM-5 caracteriza por período de elevação do humor, fazendo com que
o paciente fique mais irritável, com aumento de energia e da realização de
atividades por no mínimo quatro dias consecutivos e presença na maior
parte do dia; também devem estar presentes três ou mais sintomas da
fase maníaca. A diferença de mania e hipomania é que na fase maníaca
os episódios causam prejuízo acentuado na vida do indivíduo, tanto nas
relações sociais quanto profissionais, e muitas vezes necessita de hospi-
talização. Na hipomania o prejuízo psicossocial é mais leve, sem psicose
ou hospitalização. Existem diferenças na duração, a hipomania dura quatro
dias e a mania sete dias.
De acordo com o DSM-5, na depressão devem estar presentes ane-
donia e/ou humor deprimido e cinco ou mais critérios, como: hiperfagia ou
perda do apetite, agitação ou lentificação psicomotora, perda de energia/
fadiga, insônia ou hipersonolência, sentimento de inutilidade ou de culpa,
pensamentos de morte ou ideação suicida. Os sintomas devem ter duração
de no mínimo 14 dias. A ciclotimia é a flutuação por mais de dois anos,
com intervalos longos de sintomas hipomaníacos ou depressivos que não
condizem com os critérios hipomaníacos e nem de transtorno depressivo
maior. A sintomatologia não possui expressividade suficiente para ser
caracterizado como TAB.
O TAB pode ser dividido em tipo 1 (forma padrão clássico, episódios
de mania alternados com depressão) e tipo 2 (o paciente vai apresentar
períodos de hipomania e outros de depressão, com ausência de mania).
Existe TAB induzido por substâncias como cocaína, corticoides, anfetami-
nas. Antes de realizar diagnóstico de TAB, excluir: induzido por antidepres-
sivos, período de intoxicação, persistência sintomática após interrupção
da medicação, história anterior de episódios de humor e delirium. Também
existe transtorno bipolar induzido por condições médicas como esclerose
múltipla, acidente vascular cerebral, trauma cranioencefálico, lúpus erite-
matoso sistêmico.
Não existe cura para o transtorno, porém há controle. O tratamento
é realizado com estabilizadores de humor e, se o paciente apresentar psi-
cose e agitação, pode ser usado antipsicóticos. Opções: carbamazepina,

174
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

oxcarbazepina, carbonato de lítio, ácido valproico, divalproato de sódio, la-


motrigina, gabapentina e topiramato. Em episódios maníacos, o mais reco-
mendado é o uso de carbonato de lítio e ácido valproico. Não é indicado uso
de lamotrigina, pois possui antidepressivos e essa classe medicamentosa
está associada a um aumento do risco de indução de mania, devido a isso
nunca se deve usar antidepressivos. Para episódios depressivos, pode ser
utilizado carbonato de lítio, quetiapina e lamotrigina (anticonvulsivante que
deve ser usado junto com um estabilizador de humor). Nessa fase pode
ser usado antidepressivo na menor dose possível e sempre junto com um
estabilizador de humor.
Na manutenção, usar carbonato de lítio, lamotrigina ou antipsicó-
tico atípico; se vivenciou episódio maníaco recentemente, evitar antide-
pressivo ou lamotrigina. Para manutenção da medicação, saber que cada
medicamento vai se adequar a um tipo de paciente.
Carbonato de lítio é o medicamento de primeira escolha no início
do quadro e possui ainda mais indicação se o diagnóstico for de mania.
Possui metabolização renal, demora cerca de uma a três semanas para
começar a reagir e o pico sérico acontece após aproximadamente uma
hora após a ingestão. As reações adversas que podem aparecer são: pola-
ciúria, polidipsia, tremor nas mãos, taquicardia, pulso irregular, dispneia aos
esforços, sonolência e confusão.
Antes e durante do tratamento devem ser realizados exames de:
função renal, contagem de leucócitos, eletrocardiograma (com mais de 40
anos), lítio sérico, função tireoide (paciente em uso de lítio fazer exame a cada
6 meses, pois pode causar hipotireoidismo) e hemograma. As precauções
com lítio são a amamentação (é excretado no leite materno), idosos (menor
dose porque não possuem o clearance renal adequado), no sistema nervoso
(tóxico para o SNC), renal (não usar em pacientes desidratados devido à ex-
creção renal e toxicidade). Pode causar toxicidade em doses terapêuticas. As
contraindicações são insuficiência renal grave, bradicardia sinusal, arritmias
ventriculares graves, insuficiência cardíaca congestiva e gravidez.
A prescrição de lítio são comprimidos de 300 a 450mg; iniciar com
600 a 900mg por dia e realizar exames de litemia. A faixa de litemia que es-
tabiliza o humor é 0,6 a 1,2mEq/l; esse exame que irá mostrar a dose certa

175
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

para o paciente. Menor que 0,6 não está tratando o paciente e maior que 1,2
é uma intoxicação. Em paciente que não utiliza lítio o valor normal é menor
que 1,2, porém esse exame só é feito em pacientes que utilizam lítio. Após
início do uso, esperar 5 dias e coletar o exame após 12 horas da última vez
que utilizou o comprimido, não necessita jejum. A litemia deve ser repetida
a cada 6 meses ou na presença de sintomas atípicos. A intoxicação por lítio
pode se apresentar com os sintomas: náusea, vômito, diarreia, tremores
grosseiros, disartria. Uma intoxicação grave, com litemia maior que 2, pode
causar turvação da consciência, hipertonia muscular, fasciculações, hiper-
reflexia, convulsões e coma. No caso de intoxicação, usar soro fisiológico e
diuréticos osmóticos para estimular a excreção renal.
A carbamazepina possui atividade anticonvulsivante, antidepressi-
va e antineurálgica. Doses terapêuticas são de 200 a 400mg. Pode causar
alteração de função hepática e rash cutâneo. Ácido valproico é um estabili-
zador de humor, anticonvulsivante. Utilizado na dose de 250 a 500mg.

Imagem 1 – “O Lado Bom Da Vida”/“Silver Linings Playbook”.


Fonte: Cartaz do filme “Silver Linings Playbook” (2012).

Pat Solitano Jr. foi diagnosticado com TAB após um episódio de


agressão, que o levou a ser internado em um hospital psiquiátrico, porém,
depois de 8 meses, retornou para família. É possível observar no paciente
vários sintomas de bipolaridade. O delírio é marcante, quando é submetido a

176
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

um estresse intenso começa a perder as noções da realidade. Pat mostrou


seu primeiro delírio quando ligou para a polícia acusando a sua esposa e o
professor da escola que trabalhavam de estarem tramando contra ele; esse
ato pode ter acontecido pela suspeita de traição vinda da mulher. A mania
pode ser observada em episódio misto com depressão quando Pat compul-
sivamente procura a filmagem de seu casamento com extrema exaltação,
gritando e acordando sua família e vizinhança. Esse extremo estresse serviu
de gatilho para um novo delírio. A hipomania aparece quando Pat se mostrou
extremamente produtivo, com uma enorme disposição para ler livros, correr
e se recusava a utilizar os medicamentos por acreditar que estava bem. Pat
sai da internação com excesso de otimismo e, com o lema excelsior (sempre
para cima), tenta se adequar à sociedade, até que encontra Tiffany, uma
mulher igualmente complicada que tem compulsão por sexo.

Filmes Notas

“O Lado Bom da Vida”/“Silver Linings Playbook” 10,0

“Sentimentos que Curam”/“Infinitely Polar Bear” 10,0

“Por Lugares Incríveis”/“All the Bright Places” 9,0

Quadro 1 – Ranking de veracidade dos filmes que abordam o TRM e sua repercussão na
vida dos pacientes de acordo com a Neuroliga/Unisul-SC.
Fonte: Elaborado pelas autoras (2021).

“O Lado Bom Da Vida”/“Silver Linings Playbook” – 10,0

Parentes próximos aos que sofrem de TAB estão mais predispos-


tos a desenvolver a patologia que a média das pessoas. No filme, o pai
de Pat também é impulsivo e demonstra sinais de TOC. Foi interessante
como os sintomas foram abordados; o filme mostrou episódios de mania e
hipomania bem característicos.

177
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

“Sentimentos Que Curam”/“Infinitely Polar Bear” – 10,0

Cameron Stuart, homem com diagnóstico de bipolaridade, casado


e com duas filhas. O personagem sofria colapsos nervosos e isso fez com
que fosse internado, porém sua esposa precisou fazer um curso em outra
cidade com duração de 18 meses. Com isso, Cameron volta a morar com
as filhas e precisa lidar com as adversidades das alterações de humor, dos
colapsos nervosos e a responsabilidade de cuidar das meninas. O filme
mostra os sintomas característicos de TAB e o diagnóstico de doença.

“Por Lugares Incríveis”/“All The Bright Places” – 9,0

Dois adolescentes, Violet e Fint, se conhecem quando Violet está


com a intenção de pular de uma ponte (ponte onde sua irmã sofreu um
acidente e faleceu). Após isso, eles começaram a se relacionar. Fint possuía
um passado de agressões na escola e com Violet se mostrava muito em-
polgado, porém o garoto começa a ter oscilações de humor, às vezes sumia
por dias e voltava dizendo que ia para lugares sombrios, quando retornava
voltava com flores para ela, ressaltando seus momentos de alternância de
humor. Ao longo do filme, Fint apresenta mais um episódio de agressividade.
No longa é reportado que o pai do garoto também era um homem agressi-
vo. No final do filme, Fint comete suicídio. Apesar de mostrar nitidamente
as alterações de humor do personagem, em nenhum momento é relatado o
diagnóstico de TAB, por isso perde 1,0 ponto (infração moderada).

REFERÊNCIAS

ALDA, Martin. Transtorno bipolar. Revista Brasileira de Psiquiatria, São Paulo, v. 21, n. 2, p.
1417, 1999. Doi: https://doi.org/10.1590/S1516-44461999000600005. Acesso em: 1 set. 2020.

ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA. Manual diagnóstico e estatístico de transtor-


nos mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.

LASKY-SU, J. A. et al. Meta-analysis of the Association between two Polymorphisms


in the Serotonin Transporter Gene and Affective Disorders. Archives of Clinical
Psychiatry, São Paulo, v. 32, suppl. 1, 2005, Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0101-
60832005000700004. Acesso em: 1 set. 2020.

178
Capítulo 24
TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO

Hannah Bang61
Ana Paula Goulart, M.Sc62

Masculino, 35 anos, solteiro, empresário, aviador e produtor de


cinema. Paciente cuja infância ocorreu durante a epidemia de cólera,
havendo sofrido rituais de higienização e manipulação verbal por parte
materna. Aos 20 anos, aproximadamente, apresentou obsessões relacio-
nadas à contaminação e presença de compulsões, como sistematização
na forma de se alimentar. Além disso, situações de estresse emocional
funcionavam como gatilho ao comportamento de lavar as mãos excessi-
vamente, chegando a causar lesões e sangramento. Evitava ainda tocar
em maçanetas ou apertar as mãos de seus colegas, no entanto, sua
característica mais evidente e incapacitante era o perfeccionismo desco-
medido. Com o passar do tempo, o paciente apresentou o surgimento de
tiques faciais, repetição de frases, pensamentos persecutórios e rituais
de alimentação e higienização cada vez mais extravagantes.

O transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) é representado por um


grupo diverso de sintomas que incluem pensamentos intrusivos, rituais,
preocupações e compulsões. Essas obsessões ou compulsões recorrentes
causam sofrimento grave ao acometido, uma vez que consomem tempo e

61 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/SC.
62 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/SC.
Médica Psiquiatra Especialista em Psiquiatra da Infância e Adolescência. Professora do curso de Medicina
da Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/SC.

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Aprendendo Neurologia Através do Cinema

interferem significativamente em sua rotina normal, funcionamento ocupa-


cional, atividades sociais ou nos relacionamentos. Um indivíduo com TOC
pode ter uma obsessão, uma compulsão ou ambos.
A obsessão consiste em pensamentos, sentimentos, ideias ou sen-
sações recorrentes e intrusivos. Diferentemente das obsessões, que são
eventos mentais, as compulsões consistem em atos comportamentais. De
forma específica, uma compulsão é um comportamento consciente, pa-
dronizado e recorrente, como contar, verificar ou evitar. Um indivíduo com
TOC percebe a irracionalidade da obsessão e sente que tanto ela quanto a
compulsão são egodistônicas (isto é, comportamentos indesejados).
A forma de apresentação das obsessões e compulsões é heterogê-
nea. Os sintomas individuais de um paciente podem se sobrepor e mudar
com o tempo. Dentre os sintomas mais comuns está a obsessão por con-
taminação, na qual o paciente acredita estar infectado por microrganismos.
Rituais de limpeza e/ou evitação compulsiva do objeto que se presume
contaminado são característicos nesses casos. O medo de contaminação
não necessariamente precisa ser atrelado a fatores ambientais, podendo
estar também relacionado ao contágio por atitudes, como más influências
e companhias imorais.
Caracteristicamente, o TOC estruturado em dúvidas patológicas
faz com que o paciente acredite realizar de forma incompleta ou incorreta-
mente suas ações, de forma que checagens copiosas e sistematização da
ordem de execução de certas atividades se tornam rituais amenizadores.
Um outro subtipo se manifesta por pensamentos obsessivos intru-
sivos, sem que haja uma compulsão associada. Tais obsessões costumam
ocorrer como pensamentos repetitivos de um ato agressivo ou sexual
repreensível ao paciente. Como exemplo, pensamentos sexuais intrusivos,
relacionados à pedofilia, ou até mesmo atitudes sexuais indesejadas em
ambientes públicos. Da mesma forma, fantasias agressivas, como a visu-
alização recorrente de imagens violentas, estão comumente associadas a
comportamentos de busca ativa por crimes em noticiários e necessidade
constante de certificação quanto ao próprio caráter.
Já obsessões de cunho religioso, algumas vezes vinculadas ao am-
biente cultural onde o indivíduo está inserido, caracterizam-se pelo receio

180
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

de atitudes imorais e punições divinas. Tais pacientes costumam ritualizar


preces excessivamente na busca por indulgência. De modo similar, há
ainda o receio da perda de autocontrole, a exemplo do medo de realizar
comentários inapropriados em ambientes públicos, fazendo com que o
paciente permaneça recluso e evite situações sociais.
Existem ainda obsessões supersticiosas, nas quais o paciente
evita certas cores ou números, resultando em contagens demasiadas,
do mesmo modo que a obsessão por simetria ou exatidão pode levar o
paciente a ordenar objetos compulsivamente.
O TOC representa um problema de saúde pública significativo, uma
vez que na maior parte dos casos interfere no funcionamento social e está
associado a um risco em até quatro vezes maior de desemprego. Ademais,
apresenta uma prevalência ao longo da vida de 1% a 3%, embora, devido a seu
curso crônico, seja identificado com muito mais frequência na prática clínica.
Entre adultos, homens e mulheres são igualmente afetados, no
entanto, em adolescentes, o acometimento maior é para o sexo masculino.
A idade média de início do distúrbio é por volta dos 20 anos, porém os
sintomas podem se manifestar ainda durante a infância ou adolescência,
em torno dos 10 anos de idade, sendo o início sintomático após os 30 a 40
anos considerado pouco usual.
Certas comorbidades neuropsiquiátricas coexistem em porção
significativa dos pacientes. Distúrbios do humor, como depressão e mania,
distúrbios ansiosos, como fobias e pânico, além de distúrbios de personali-
dade e esquizofrenia são os diagnósticos psiquiátricos mais encontrados em
consonância com o TOC. Tratando-se de condições neurológicas, desordens
do movimento, especialmente os tiques, demência frontotemporal e doença
de Huntington, estão frequentemente associados a obsessões e compulsões.
A remissão espontânea do TOC ocorre em apenas 5% a 10%
dos pacientes com diagnóstico da doença, enquanto o mesmo percentil
numérico dos acometidos pode progressivamente apresentar piora dos
sintomas. Alguns casos que ocorrem na infância, no entanto, seguem um
curso episódico.
Dentre as possíveis etiologias do TOC, foram aventadas alterações
de padrão em sistemas neuroquímicos, como desregulações de serotonina,

181
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

glutamato e dopamina. Anatomicamente, acredita-se que os sintomas não


necessariamente decorrem de disfunção em uma região cerebral específi-
ca, mas por um desequilíbrio na interação entre diferentes estruturas.
Estudos neuropsicológicos e de neuroimagem evidenciaram que
a amígdala pode estar associada com a modulação afetiva comporta-
mental do indivíduo com TOC. Devido aos sintomas comportamentais de
questionamentos excessivos e ações repetitivas, áreas como os circuitos
em alça corticoestriado-talamocorticais também podem estar implicadas
no planejamento e verificação de ações. Dentre essas alças, os circuitos
que possivelmente estão associados são o circuito pré-frontal dorsolate-
ral – responsável pelo planejamento e execução de estratégias compor-
tamentais, bem como pela memória operacional – e circuito pré-frontal
orbitofrontal, cuja atribuição é a de manutenção atencional e supressão de
comportamentos socialmente indesejáveis.
Em termos diagnósticos, conforme a quinta edição do Manual de
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), as obsessões
e compulsões apenas são consideradas patológicas quando consomem
tempo (por exemplo, despendem mais de uma hora diária da rotina) do
paciente e causam sofrimento importante ou prejuízo em áreas sociais,
ocupacionais ou funcionais. É especificado, ainda, que os indivíduos com
TOC possuem diferentes níveis de insight sobre suas crenças, sendo esse
bom/razoável, pobre ou ausente.
Clinicamente, os limites imprecisos entre o TOC e outros distúrbios
dificultam o diagnóstico. A intersecção tênue entre obsessões e fobias ou
delírios, compulsões e atos impulsivos ou estereotipias é um fator a ser
considerado. À vista disso, diagnósticos diferenciais entre síndromes ob-
sessivas, síndromes ansiosas e até mesmo distúrbios neurológicos devem
sempre ser aventados durante o processo investigativo.
O tratamento de primeira linha para o TOC consiste em terapia me-
dicamentosa, com uso de inibidores seletivos da receptação de serotonina
(ISRS) e psicoterapia. Estudos randomizados demonstram que a terapia
de exposição e prevenção de resposta apresentam resultados altamente
satisfatórios para indivíduos com TOC, mesmo cinco anos após a descon-
tinuação do tratamento. Nessa abordagem, o indivíduo é incentivado a se

182
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

expor ao estímulo gerador de ansiedade e evitar a realização do comporta-


mento compulsivo a seguir. A terapia cognitivo comportamental também
pode ser uma alternativa no intuito de corrigir o pensamento disfuncional
responsável pelos distúrbios comportamentais.
Dentre os diferentes medicamentos da classe ISRS, todos possuem
equivalência terapêutica no tratamento do TOC, com nível 1 de evidência.
Deve- se atentar ao fato de que o efeito benéfico do medicamento ocorre,
em geral, a partir de seis a dez semanas do uso. Dessa forma, qualquer
avaliação de resposta ou alteração de dose precisa ser considerada somen-
te após esse período. Recomenda-se ainda que a duração do tratamento
seja de, ao menos, um ano, uma vez que altos índices de recidiva foram
relatados com a descontinuação precoce do tratamento.
Na prática, a abordagem padrão consiste em iniciar o tratamento
com uso de ISRS ou clomipramina e, em caso de insucesso, utilizam-se outras
estratégias farmacológicas frente à falta de efetividade das medicações sero-
toninérgicas. Apesar de não haver diferença de eficácia entre os diversos ISRS
e a clomipramina, os ISRS são considerados primeira escolha no tratamento
medicamentoso do TOC, em razão da maior segurança e tolerabilidade.
Por outro lado, cerca de 40% a 60% dos pacientes não respondem de
forma satisfatória aos tratamentos de primeira linha. Devido a isso, algumas
opções de potencialização ao tratamento com ISRS são a associação com
antipsicóticos e o uso da terapia cognitivo comportamental. No entanto, as
taxas de remissão completa dos sintomas em estudos de acompanhamento
são baixas, ocorrendo em apenas 10% a 20% dos portadores.
Para pacientes refratários, ou seja, que não respondem aos
tratamentos convencionais, existe ainda a possibilidade de realização de
procedimentos neurocirúrgicos, como a estimulação cerebral profunda e a
radiocirurgia com raios gama (gamma-knife).

Dose inicial
Medicação Dose máxima recomendada
recomendada

Fluoxetina 20mg/d 20–80mg/d

Fluvoxamina 50mg/d 150–300mg/d

183
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

Dose inicial
Medicação Dose máxima recomendada
recomendada

Sertralina 50mg/d 100–200mg/d

Paroxetina 20mg/d 20–60mg/d

Citalopram 20mg/d 20–80mg/d

Escitalopram 10mg/d 10–40mg/d

Quadro 1 – Medicamentos de primeira linha no tratamento do TOC.


Fonte: Elaborado pelas autoras (2021).

Medicação Dose inicial recomendada Dose teto recomendada

Clomipramina 50mg/d 150–250mg/d

Venlafaxina 37,5mg/d 75–325mg/d

Desvenlafaxina 50mg/d 100–200mg/d

Mirtazapina 30mg/d 30–45mg/d

Duloxetina 60mg/d 120mg/d


Quadro 2 – Medicamentos de segunda linha no tratamento do TOC.
Fonte: Elaborado pelas autoras (2021).

Imagem 1 – “O Aviador”/“The Aviator”.


Fonte: Cartaz do filme “The Aviator” (2004).

184
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

O caso clínico apresentado é referente ao filme biográfico “O Aviador”,


que retrata a história de Howard Hughes, um aviador, empresário e cineasta de
renome, nascido em 1905. Por trás da genialidade, grandiosidade e perfeccio-
nismo de Hughes, características que o levaram a se tornar um dos homens
mais ricos do mundo, coexiste uma extrema dificuldade do personagem em
manejar seus problemas de saúde mental. O TOC, inicialmente leve e pouco
incapacitante, com o passar do tempo e com o aumento de complexidade
nas relações profissionais e amorosas de Howard, converteu-se em um pro-
blema grave. É notável que a negligência do personagem e daqueles que com
ele conviviam em reconhecer a presença de um verdadeiro transtorno mental
e não apenas de uma personalidade excêntrica foi um fator preponderante
ao agravamento da situação. O filme consegue, de forma detalhista e im-
pactante, representar as nuances, anseios, crises, remissões e até mesmo a
intolerância aos quais pacientes com distúrbios neuropsiquiátricos precisam
enfrentar. Um ponto muito positivo do longa foi de, ao exibir 20 anos da his-
tória do personagem, captar distintas fases do desenvolvimento da doença,
desde a gênese do distúrbio, associada a uma criação materna protetiva, até
o total desequilíbrio e perda extrema de sanidade de Howard.

Imagem 2 – “TOC TOC”.


Fonte: Cartaz do filme “TOC TOC” (2017).

185
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

O filme ocorre no ambiente da sala de espera de um renomado


terapeuta com abordagem em transtorno obsessivo compulsivo. De forma
leve e divertida, diversas personalidades com variados subtipos do transtor-
no chegam ao consultório e passam a conhecer uns aos outros durante o
longo tempo em que aguardam por suas consultas. A edição do filme per-
mite que a complexidade de cada personagem seja abordada tanto em seu
comportamento dentro desse ambiente, inicialmente desagradável, quanto
em rápidos flashbacks para situações cotidianas de suas vidas pessoais.
O primeiro personagem a ser apresentado na trama é Emílio, um
motorista de táxi com transtorno de acumulação e aritmomania. De forma
espirituosa e prolixa, expõe cálculos excessivos acerca de tudo que o rodeia,
no entanto, é perceptível que os passageiros de seu táxi usualmente se
incomodam com seu hábito inevitável de contar carros, viagens e clientes.
Federico, o segundo personagem com o qual nos deparamos, por-
tador da síndrome de Tourette, apesar da clara percepção e conhecimento
acerca de seu diagnóstico, não consegue conter a involuntariedade de seus
gestos e tiques verbais de conteúdo obsceno.
A jovem Blanca, cujas obsessões estão relacionadas à contami-
nação e compulsões a métodos de limpeza, é a principal personagem que
evidencia a incapacitação do TOC na vivência de seus portadores. Os rituais
excessivos de higienização fazem com que ela realize idas e vindas ao
banheiro inúmeras vezes, além da quebra de qualquer tentativa de contato
interpessoal pelos colegas.
Ana Maria, personagem de meia idade, apresenta compulsão de
checagem e obsessões relacionadas a pensamentos proibidos e tabus.
Sua religiosidade marcante faz alusão a essas obsessões de modo que,
ao ouvir ou pensar em algo inapropriado, compulsivamente realiza o sinal
da cruz. Além disso, a procura constante pelas chaves de casa e preocu-
pações incessantes relacionadas a um possível vazamento de gás em sua
residência são características marcantes de Ana Maria.
Otto evita pisar em quaisquer linhas existentes em tapetes, ladri-
lhos e ruas. Possui ainda um fascínio por simetria e organização. Já Lili, seu
par romântico no filme, após a morte de seu pai, passou a repetir tudo o que
fala, fazendo com que suas frases e expressões sejam sempre duplicadas.

186
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

A morte de algum familiar é relatada na literatura como um evento comu-


mente associado ao início do TOC.
Uma reflexão relevante que pode ser inferida sobre a simbologia de
cada papel no filme é a de que os indivíduos com TOC possuem inúmeras
limitações diárias, o que os leva a remodelar seu modo de viver frente a
isso, tanto em âmbito profissional, quanto conjugal e cultural. A maioria
dos personagens possui empregos e estilos de vida que permitem a coe-
xistência entre as compulsões e a vida profissional. A personagem Blanca,
por exemplo, atua como assistente de laboratório, uma situação que exa-
cerba, mas ao mesmo tempo permite que seu distúrbio esmaeça frente à
necessidade de higienização exigida pelo ambiente em que trabalha. Lili,
por sua vez, é uma instrutora física, possibilitando que suas repetições na
fala sejam toleradas como inerentes ao processo de ensino.
Indiretamente, os personagens também expressam seus distúr-
bios no modo de vestir, agir e se apresentar. Blanca, de forma intuitiva,
veste-se com roupas claras, enquanto Ana Maria utiliza vestes mais sóbrias
e comedidas. Ressalta-se ainda o fato de que a maioria dos personagens
não é capaz de manter relacionamentos estáveis devido à dificuldade de
convivência com seus hábitos e aceitação por parte dos cônjuges. Muitos
ainda afirmam ser escravos de seus rituais de tal forma que a vida passa
despercebida, além de saudosa, diante de seus olhos.

Filmes Notas

“O Aviador”/“The Aviator” 10,0

“TOC TOC” 9,5

Quadro 3 – Ranking de veracidade dos filmes que abordam o TOC e sua repercussão na vida
dos pacientes de acordo com a Neuroliga/Unisul-SC.
Fonte: Elaborado pelas autoras (2021).

“O Aviador”/“The Aviator” – 10,0

A maneira como o sofrimento psíquico e o desenvolvimento da


doença mental como um processo, e não mero acaso, foram representa-

187
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

dos no filme trouxe veracidade ao roteiro. Da mesma forma, fica evidente


a necessidade de acompanhamento médico (exaltada ao final do longa),
permitindo com que sejam inferidas reflexões relevantes acerca da impor-
tância de valorização dos transtornos neuropsiquiátricos. Por fim, o fato
de o personagem principal ser extremamente inteligente e bem-sucedido
em muitos de seus delírios quebra o estigma de inaptidão e insipiência que
muitos pacientes psiquiátricos sofrem ao longo da vida.

“TOC TOC” – 9,5

Pela forma leve e divertida como retrata o dia a dia e o sofrimento


intrínseco desses indivíduos, o filme recebe uma boa qualificação! No
entanto, os casos apresentados são bastante severos, podendo causar
a impressão de que todos os pacientes se apresentam de formas exube-
rantes, e quase que totalmente incapacitantes (infração leve – perde 0,5).
Fora da ficção, os pacientes com TOC, apesar de serem capazes de obter
sucesso profissional e pessoal, possuem sintomas na maioria das vezes
menos evidentes, mas, da mesma forma, angustiantes.

REFERÊNCIAS

ABRAMOWITZ, J. S.; TAYLOR, S.; MCKAY, D. Obsessive-compulsive disorder. Lancet, London, v. 374, n.
9688, 491-499, 2009.

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Washington: American Psychiatric Association, 2013.

DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais. 3. ed. Porto Alegre:


Artmed, 2018.

DRUBACH, D. A. Obsessive-Compulsive Disorder. Continuum: Lifelong Learning in Neurology, Minneapolis,


v. 21, n. 3, p. 783-788, 2015.

GOODMAN, W. K. et al. Obsessive-Compulsive Disorder. Psychiatric Clinics of North America, Philadelphia,


v. 37, n. 3, p. 257-267, 2014.

GRANT, J. E. Obsessive-Compulsive Disorder. New England Journal of Medicine, Massachusetts, v. 371, n.


7, p. 646-653, 2014.

MACHADO, A. B. M. Neuroanatomia funcional. 2. ed. São Paulo: Atheneu Editora, 2007.

188
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

MCKAY, D. et al. Efficacy of cognitive-behavioral therapy for obsessive-compulsive disorder. Psychiatry


Research, Amsterdam, v. 225, n. 3, p. 236-246, 2015.

RICHTER, P. M. A.; RAMOS, R. T. Obsessive-Compulsive Disorder. Continuum: Lifelong Learning in Neurolo-


gy, Minneapolis, v. 24, n. 3, p. 828-844, 2018.

SADOCK, B. J.; SADOCK, V. A.; RUIZ, P. Compêndio de Psiquiatria: Ciência do Comportamento e Psiquiatria
Clínica. 11. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.

189
Capítulo 25
TRANSTORNO DO DÉFICIT DE
ATENÇÃO COM HIPERATIVIDADE

Leticia Domingos Ronzani63


Jaime Lin64

Paciente masculino, 16 anos, estudante. Mãe relata que filho se


distrai facilmente por quaisquer estímulos ao seu redor na escola, tem
dificuldade em manter a atenção por muito tempo, frequentemente parece
não ouvir quando os professores o chamam e evita/antipatiza atividades
que sabe que irão lhe requerer atenção contínua e necessidade de leitura.
Associado ao quadro, paciente relata que “as letras se embaralham e saem
do papel” quando ele tenta ler. Em seu histórico escolar, apresenta notas
abaixo da média em todas as matérias, dificuldade para ler frases simples
e já foi expulso/trocado de seis colégios nos últimos seis anos devido seu
comportamento “impulsivo e inquieto” (SIC). Sua dificuldade em leitura
foi atribuída a quadro de dislexia quanto tinha 12 anos. Não faz uso de
medicações psicoestimulantes e nunca realizou terapia comportamental.

O TDAH é um distúrbio psiquiátrico do neurodesenvolvimento que


combina três principais fatores: desatenção, hiperatividade e impulsividade.
Essas alterações impactam significativamente as funções cognitivas e de
comportamento dos pacientes acometidos, e se relacionam a baixos índices

63 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/SC.
64 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul – Tubarão/
SC. Pesquisador em Laboratório de Pesquisa em Autismo e Neurodesenvolvimento, Programa de Pós-
Graduação em Ciências da Saúde, Universidade do Extremo Sul Catarinense – Unesc.

190
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

de desempenho escolar, maior risco de acidentes de trânsito, abuso de subs-


tâncias, criminalidade, desemprego, suicídio e procura por serviços de saúde.
Há três apresentações clássicas de TDAH, a primeira se refere ao
indivíduo predominantemente hiperativo e impulsivo, a segunda ao predo-
minantemente desatento e a terceira à combinação das duas primeiras. A
presença de outros distúrbios psiquiátricos e de neurodesenvolvimento é
comum. Entre eles, há a dislexia, que ocorre em associação ao TDAH em 25%
a 40% dos casos, os transtornos de conduta e opositor-desafiador, déficit
cognitivo, transtorno do espectro autista, esquizofrenia, transtorno do humor
bipolar, transtorno depressivo maior e transtorno de ansiedade generalizada.
A incidência da doença varia conforme a região estudada, mas em
média ocorre de 2% a 18% em crianças e adolescentes de 6 a 17 anos, e
em cerca de 2,5% dos adultos. Sabe-se que o subtipo hiperativo e impulsivo
é mais frequente em meninos, e que o subtipo predominantemente desa-
tento é mais comum em meninas. A doença possui predomínio no sexo
masculino, com relação de 3:1 para o sexo feminino. A discrepância entre
os sexos é ainda maior nas taxas de tratamento, em que seis a nove meni-
nos recebem tratamento em relação a uma menina. Acredita-se que essa
diferença se dá ao fato de um possível superdiagnóstico em meninos e um
subdiagnóstico em meninas, relacionado ao uso inadequado dos critérios
diagnósticos para TDAH e a valorização de um único protótipo de indivíduo
acometido: o menino hiperativo e impulsivo.
Além da tendência de superdiagnóstico no sexo masculino, a taxa
geral de diagnósticos de TDAH apresentou franco aumento nas últimas três
décadas, levantando a hipótese de um superdiagnóstico da doença como
um todo. De acordo com a literatura, esse fato se deve ao maior acesso
aos serviços de saúde e a maior atenção dada a doença na sociedade
contemporânea, ou seja, aumento da demanda dos pais pelo diagnóstico e
dos recursos para fazê-lo.
Quanto à etiologia da doença, fortes indícios apontam para uma
combinação de fatores genéticos e ambientais na gênese do TDAH. O
consenso, referente a mais de 30 estudos realizados com gêmeos, aponta
a existência de diferentes genes responsáveis por uma herdabilidade de

191
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

70% a 80% da doença ao longo da vida, com uma interferência de cerca de


20% de fatores ambientais.
O diagnóstico é clínico, baseado nos critérios A, B, C, D e E (quadro
1) da quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos
Mentais, o DSM-5, da Associação Americana de Psiquiatria (APA), e dividi-
dos em TDAH em crianças, quando abaixo de 17 anos, e em adultos.
O critério A é referente a uma lista de 18 sintomas das apresenta-
ções clássicas, sendo 9 de desatenção e 9 de hiperatividade/impulsividade,
em que o corte estabelecido em crianças/adolescentes é de ≥ 6 sintomas
de uma apresentação clássica por ≥ 6 meses de duração, em grau inconsis-
tente ao nível de desenvolvimento. O critério B define que a idade de início
dos sintomas deve ser ≤ 12 anos, o C exige a manifestação em pelo menos
2 ambientes diferentes, por exemplo, casa e escola, e o D requer impacto
na funcionalidade acadêmica e social do indivíduo. O critério E define que
os sintomas não devem ocorrer exclusivamente durante outros quadros
associados, por exemplo esquizofrenia e depressão, bem como não devem
ser melhor explicados por outro transtorno.
Alguns aspectos foram de fato mantidos, mas houve mudanças
importantes que devem ser frisadas no DSM-5 em relação a seu antecessor
(DSM-4). A tabela com os 18 sintomas permaneceu inalterada, bem como
o corte de ≥ 6 sintomas no TDAH em crianças/adolescentes com duração
≥ 6 meses, mas o corte para adultos passou para ≥ 5 sintomas. A idade de
início, anteriormente inferior a 7 anos, agora, como já foi citado, foi para ≤
12 anos. Essa alteração foi feita para facilitar o diagnóstico retrospectivo
de TDAH em adultos, baseado na lembrança de como o paciente era nesse
período. Tanto a manifestação em pelo menos dois ambientes distintos
quanto o impacto na funcionalidade, referentes aos critérios C e D, foram
mantidos. Também se manteve a exigência de que os sintomas não de-
vem ser melhor explicados por outro diagnóstico e não devem ocorrer
exclusivamente durante episódio de outra condição associada, mas agora
se permite o diagnóstico de TDAH na vigência de transtorno do espectro
autista. Outras mudanças importantes foram: possibilidade em classificar
o TDAH em leve, moderado e grave, o conceito de TDAH com remissão
parcial, e a substituição do termo “subtipos” por apresentações.

192
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

A remissão parcial foi caracterizada por indivíduos com diagnóstico


prévio pleno de TDAH que, no momento da avaliação, apresentam menor
número de sintomas, e a adoção de apresentações no local de “subtipos”
teve intuito de reforçar que os pacientes podem modificar suas característi-
cas ao decorrer do amadurecimento circulando entre as apresentações da
doença, o que é comum.
O tratamento se baseia em psicoeducação, terapia comportamen-
tal e terapia farmacológica. Há diferentes guidelines, que divergem sobre
quando iniciar a terapia farmacológica. A maioria das diretrizes sugere que
indivíduos com sintomas/impactos funcionais leves a moderados iniciem
tratamento com psicoeducação e terapia comportamental, enquanto ou-
tras diretrizes, como as americanas, sugerem que a terapia farmacológica
seja considerada como primeira linha. Há consenso na literatura quanto
a crianças menores de 6 anos, em que se recomenda iniciar tratamento
com terapia comportamental por meio do treinamento dos pais e reservar
medicação apenas em casos severos e irresponsivos.
A respeito da terapia farmacológica, ela consiste no uso de drogas
psicoestimulantes e não estimulantes, e tem como primeira linha o metil-
fenidato, dimesilato de lisdexanfetamina e a dextroanfetamina em prepa-
rações de curta e longa duração. Em geral, a medicação é bem tolerada,
mas seus efeitos colaterais mais comuns são: distúrbios do sono, como a
insônia, cefaleia, epigastralgia, taquicardia e elevação da pressão arterial,
perda do apetite e depressão. O benefício do tratamento a curto prazo já
está bem estabelecido e comprovado na literatura, enquanto ainda faltam
evidências que comprovem seu benefício a médio e longo prazo.

193
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

1. Seis (ou mais) dos seguintes sintomas de desatenção (duração mínima de seis meses):
a) Frequentemente deixa de prestar atenção aos detalhes ou comete erros por descuido em atividades
escolares, de trabalho, ou outras.
b) Com frequência tem dificuldade para manter a atenção em tarefas ou atividade lúdicas.
c) Com frequência parece não escutar quando lhe dirigem a palavra.
d) Com frequência não segue instruções e não termina seus deveres escolares, tarefas domésticas ou
deveres profissionais.
e) Com frequência tem dificuldade para organizar tarefas e atividades.
f) Com frequência evita, antipatiza, ou reluta em se envolver em tarefas que exigem esforço mental
constante.
g) Com frequência perde coisas necessárias para tarefas ou atividades.
h) É facilmente distraído por estímulos alheios a tarefa.
i) Com frequência apresenta esquecimento de atividades diárias.
2. Seis (ou mais) dos seguintes sintomas de hiperatividade (duração mínima de seis meses):
a) Frequentemente agita as mãos ou os pés ou se remexe na cadeira.
b) Frequentemente abandona sua cadeira em sala de aula ou em outras situações nas quais se espera
que permaneça sentado.
c) Frequentemente corre ou escala em demasia em situações nas quais isso é inapropriado.
d) Com frequência tem dificuldade para brincar ou se envolver silenciosamente em atividades.
e) Está frequentemente “a mil” ou muitas vezes age como se estivesse a “todo vapor”.
f) Frequentemente fala em demasia.
g) Impulsividade (duração mínima de seis meses).
h) Frequentemente dá respostas precipitadas antes de as perguntas terem sido completadas.
i) Com frequência tem dificuldade em aguardar sua vez.
j) Frequentemente interrompe ou se mete em assuntos de outros.
A) Alguns sintomas de hiperatividade/impulsividade ou desatenção que causam
prejuízo devem estar presentes antes dos 12 anos de idade.
B) Algum prejuízo causado pelos sintomas está presente em dois ou mais
contextos.
C) Há claras evidências de prejuízo clinicamente significativo no funcionamento
social, acadêmico ou ocupacional.
D) Os sintomas não ocorrem exclusivamente durante o curso de um transtorno
invasivo do desenvolvimento, esquizofrenia ou outro transtorno psicótico, e não são
melhor explicados por outro transtorno mental.

Quadro 1 – Critérios diagnósticos para Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade –


DSM-5.
Fonte: Adaptado de Academia Americana de Psiquiatria (2013).

→ Metilfenidato de liberação rápida: Iniciar com dose de 0,3mg/kg uma vez ao dia em VO, e
pode ser aumentada para duas ou três vezes ao dia ou de 4/4horas, com dose máxima de 60mg/dia.
→ Dextroanfetamina de liberação rápida: Iniciar com dose de 0,15 a 0,2mg/kg, uma vez ao
dia em VO, e que pode ser aumentada para duas ou três vezes ao dia ou de 4/4h.
→ Dimesilato de lisdexanfetamina: Iniciar com dose de 30mg uma vez ao dia pela manhã em
VO, com dose máxima diária de 70mg.

Quadro 2 – Medicações em dose padrão no tratamento do TDAH.


Fonte: Elaborado pelos autores (2021).

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Aprendendo Neurologia Através do Cinema

Imagem 1 – “Percy Jackson e o Ladrão de Raios”/“Percy Jackson and The Lightning Thief”.
Fonte: Cartaz do filme “Percy Jackson e o Ladrão de Raios” (2010).

O personagem do caso clínico é Percy Jackson, de “Percy Jackson


e o Ladrão de Raios”, e os dados foram retirados do filme e complemen-
tados pelo livro. Essa obra de ficção conta a história de um garoto com
diagnóstico de TDAH e dislexia que, aos 16 anos, descobre que na verdade
possui essas características por ser um semideus. Percy, filho de Poseidon,
não consegue ler os textos em inglês porque seu cérebro é projetado para
ler grego antigo e sua impulsividade associada a distrações frequentes são
suas habilidades em batalha, que o tornam sempre alerta e preparado para
quaisquer mudanças no ambiente. Baseado em uma série de livros, Percy
Jackson foi inspirado nas histórias que o autor contava a seu filho (que
possui TDAH e dislexia) antes de dormir, e representa um dos protagonistas
mais famosos a declarar abertamente seu diagnóstico de TDAH tanto no
filme quanto no livro.

Filmes Notas

“A Noviça Rebelde”/“The Sound of Music” 9,0

“Uma Babá Quase Perfeita”/“Mrs. Doubtfire” 5,5

“Percy Jackson e o Ladrão de Raios”/“Percy Jackson and the Lightning Thief” 5,0

Quadro 3 – Ranking de veracidade dos filmes que abordam o TDAH e sua repercussão na
vida dos pacientes de acordo com a Neuroliga/Unisul-SC.
Fonte: Elaborado pelos autores (2021).

195
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

“Percy Jackson e o Ladrão de Raios”/“Percy Jackson and


The Lightning Thief” – 5,0

O ponto relevante do filme é a representação de um protagonista/


herói com diagnóstico canon de TDAH, algo difícil de encontrar no cinema,
visto que a maioria dos personagens com traços da doença comentados pelo
grande público não possui de fato o diagnóstico nas obras. Mas, apesar de
ganhar pontos por essa representatividade, possui incongruências técnicas
bem importantes. A primeira delas é que Percy não fecha critérios diagnós-
ticos para TDAH no filme, infração gravíssima, custando à obra 2,5 pontos.
Ele se distrai facilmente com estímulos alheios, tem dificuldade para manter
a atenção, não ouve de prontidão quando é chamado pelo professor e evita
atividades que irão lhe requerer atenção contínua, ou seja: apenas quatro cri-
térios de desatenção com impacto apenas na escola. Apesar de atribuírem a
ele comportamentos hiperativos e impulsivos eles não são demonstrados na
tela, assim, o Percy do filme realmente não fecha critérios para nenhuma das
apresentações do TDAH e tem suas queixas melhor explicadas pela dislexia
(que na verdade era apenas parte da ficção do hemisfério esquerdo de um
semideus grego). A segunda infração gravíssima é que Percy não realiza,
nem nunca realizou, uso de medicações ou acompanhamento/terapia com-
portamental para controle da doença, mesmo tendo diagnóstico oficial na
obra. Ou seja, ignoraram o fato de que o TDAH é uma doença que necessita
de critérios diagnósticos e que possui sim tratamento.

“A Noviça Rebelde”/“The Sound of Music” – 9,0

“How do you solve a problem like Maria? How do you catch a cloud
and pin it down?”65 Provavelmente com metilfenidato! Maria, a famosa “no-
viça rebelde”, possivelmente não era rebelde, mas sim portadora de TDAH
de apresentação hiperativa/impulsiva. Não se fala do diagnóstico no filme,
mas vemos na tela os critérios d, e, f, g, h, i, j presentes na personagem

65 Em tradução livre: “Como resolver um problema como Maria? Como pegar uma nuvem e fixá-la ao chão?”.

196
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

desde o início de sua vida, em ambientes diferentes, com impacto em seu


desejo de virar freira. Maria, a protagonista, é uma jovem noviça a mil, que
não consegue se segurar para não cantar nos corredores do convento, que
fala em demasia e fora de hora – sem nem pensar duas vezes – tudo que
lhe vem à cabeça. O filme é um retrato fidedigno de uma moça portadora
de TDAH, mesmo que o diagnóstico não seja dito de forma explícita na
obra, fato este que constitui uma infração moderada e acarreta perda de 1,0
ponto na nota final da obra.

“Mrs. Doubtfire”/“Uma Babá Quase Perfeita” – 5,5

Daniel tem 42 anos, é um pai amoroso, presente e engraçado, e apre-


senta algumas características importantes de TDAH de apresentação hipe-
rativa/impulsiva no adulto. O protagonista está quase sempre a todo vapor,
fala em demasia, dá respostas e toma atitudes precipitadas e interrompe/se
mete em assuntos alheios. Essas atitudes afetam tanto seu trabalho quanto
seu casamento, e estão presentes há mais de 14 anos (comprovadamente
no filme). Mas, além de só preencher quatro critérios, não se sabe se al-
gum deles já estava presente antes dos 12 anos de idade, embora se dá a
entender que sim... Então, por não preencher os critérios adequadamente,
comete infração gravíssima e perde 2,5 pontos. Além disso, embora o filme
traga pontos relevantes sobre o TDAH em adultos, também não aborda de
forma explícita a doença, dando a entender que Daniel é assim apenas por
ser “palhaço”... Enfim, teríamos que avaliá-lo melhor em uma consulta. Por
essa confusão entre personalidade e doença, e pelo diagnóstico não ser dito
explicitamente, declaramos uma infração leve e outra moderada, com perda
de 0,5 e 1,0 pontos, respectivamente.

REFERÊNCIAS

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de atenção com hiperatividade. Residência Pediátrica, Niterói, v. 8, n. 1, 2018.

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Aprendendo Neurologia Através do Cinema

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Accord with Diagnostic Criteria? Overdiagnosis and Influence of Client Gender on Diagnosis.
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DEMONDIS, Ditte et al. Discovery of the first genome-wide significant risk loci for attention
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POSNER, Jonathan; POLANCZYK, Guilherme V.; BARKE, Edmund Sonuga. Attention-deficit


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SHARMA, Alok; COUTURE, Justin. A Review of the Pathophysiology, Etiology, and Treatment
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SHAW, Monica et al. A systematic review and analysis of long-term outcomes in attention
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10, n. 9, 2012.

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Darandina Revisteletrônica, Maringá, v. 5, n. 2, 2019.

198
Capítulo 26
TRANSTORNOS POR USO DE SUBSTÂNCIAS

Isabella Paes Angelino66


Ana Paula Goulart, M.Sc67

Paciente feminina, meia-idade, viúva, aposentada, é trazida por


terceiros à unidade de pronto-atendimento devido intensa agitação psi-
comotora, confusão mental e ideias delirantes sobre possível aparição
em um programa televisivo. A paciente dizia, na admissão, que estava
usando o vestido vermelho que seu marido gostava e os sapatos doura-
dos que utilizou na formatura do filho, para o tão esperado momento em
que apareceria na televisão e seria admirada pelas vizinhas do seu pré-
dio. Apresentava sudorese, tremores, anorexia e aparência envelhecida.
Tinha iniciado o uso de pílulas para emagrecer há cerca de seis
meses, com orientação médica. Seu objetivo era recuperar a aparência
da juventude. Teve alterações de comportamento e da sensopercepção,
com alucinações visuais e auditivas, em que objetos inanimados ga-
nhavam vida e os personagens de seu programa de televisão predileto
adotavam características assustadoras.
A paciente mostrou refratariedade ao tratamento medicamento-
so convencional e foi candidata à eletroconvulsoterapia, com um quadro
que parecia uma psicose irreversível.

66 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), médica formada pela Universidade do Sul de Santa Catarina,
Unisul – Tubarão/SC.
67 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), médica formada pela Universidade do Sul de Santa Catarina,
Unisul – Tubarão/SC.

199
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

O uso de substâncias psicoativas altera tanto as funções quanto a


estrutura do sistema nervoso central, podendo levar a problemas de ordem
física, psicológica, social e ocupacional. O dano a órgãos e sistemas pode
estar relacionado à toxicidade aguda e às complicações desenvolvidas a
longo prazo, com o uso repetido da droga, além da via de administração,
como ocorre na inflamação da mucosa respiratória, gerada pelo fumo, e pela
contaminação com o compartilhamento de agulhas e seringas, por exemplo.
A décima edição do Código Internacional de Doenças (CID-10)
categoriza o uso de substâncias em uso nocivo quando o padrão de uso
causa prejuízo ao usuário, com dano real à saúde física ou mental, corres-
pondendo ao abuso de substâncias. Dependência é definida quando 3 dos
seguintes critérios estiverem presentes em algum momento dos últimos 12
meses: forte desejo ou senso de compulsão para uso da substância, tam-
bém denominada fissura; dificuldade de controlar os níveis de consumo,
início e término; estado de abstinência quando uso da substância foi ces-
sado ou reduzido, bem como uso da substância para reduzir os sintomas
de abstinência; evidência de tolerância; abandono progressivo de prazeres
alternativos; persistência do uso da substância a despeito da evidência
clara das consequências nocivas. O Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais (DSM-5) une essas duas classificações em um con-
tinuum, chamado de transtornos por uso de substâncias, categorizados
como leves, moderados ou graves.
De acordo com o II Levantamento Nacional de Álcool e Drogas,
realizado em 2012, 54% dos adultos consumiam álcool uma ou mais vezes
por semana, 59% afirmaram beber de quatro a cinco doses em duas horas
(“beber em binge”) e 10% relataram que alguém já tinha se machucado por
conta do seu consumo de álcool. A mesma pesquisa mostrou que 5% dos
brasileiros já tentaram tirar a própria vida, sendo que 24% relataram estar
relacionado ao álcool. Quase 17% dos entrevistados eram tabagistas, com
média de 14 cigarros ao dia.
Em todo o mundo, o número de casos de transtornos por uso de
substâncias aumentou em 33,5% de 1990 a 2017. Houve destaque para
o consumo de opioides, principalmente entre homens, adolescentes e em
regiões com maior índice sociodemográfico. Segundo o Escritório das

200
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc), a maconha é a droga ilícita


mais utilizada no mundo, com prevalência de uso entre 3,3% e 4,4% da
população entre 15 e 64 anos.
A dependência química é um transtorno crônico e como tal apre-
senta tendência a recaídas, ou seja, abuso da substância após um período
de abstinência. Estudo realizado no município de São José, Santa Catarina,
com internos da unidade de dependência química, mostrou que a bebida
alcoólica era a droga preferida dos usuários e que 92% dos entrevistados
sabiam reconhecer o risco para recaídas e apontavam problemas familia-
res, conjugais e de ordem emocional, além do afastamento de grupos de
ajuda mútua, como fatores de risco para recaídas.
O fenômeno da drogadição tem influência multifatorial. Sabe-se
que as emoções impulsionam o desejo e o consumo de substâncias, sendo
que a tristeza aumenta o uso de substâncias que causam dependência.
A tristeza ainda tem como fatores de risco o início precoce da utilização
e transtornos mentais associados. Entende-se que há modificação no
sistema de recompensa do dependente, cujo principal neurotransmissor
envolvido é a dopamina, levando a um padrão de repetição do comporta-
mento de consumo da droga.
Apesar de que nem todos os indivíduos evoluem para um consumo
problemático após o primeiro contato com a substância, sabe-se que elas
estão relacionadas a cerca de 12,4% das mortes ao redor do mundo. O Cen-
tro de Atenção Psicossocial para Álcool e Drogas (Caps-AD) é o local mais
indicado para seguimento de indivíduos com uso nocivo de substâncias ou
dependência, seja após alta de um atendimento em pronto-socorro, inter-
nação hospitalar ou consulta em atenção primária a saúde. Além disso, o
tratamento de comorbidades psiquiátricas em pessoas com transtorno por
uso de substâncias pode reduzir potencialmente o risco de suicídio, que é
aumentado em indivíduos nessa condição.
No contexto das emergências psiquiátricas, dois conceitos são tri-
viais: intoxicação aguda e abstinência. Intoxicação aguda é uma condição
que se segue à administração de uma substância, resultando em altera-
ções psicofisiológicas (comportamento, cognição, consciência, percepção,
afeto, entre outros) que tendem a se resolver com a recuperação completa.

201
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

Abstinência seria uma síndrome caracterizada por sofrimento clinicamente


significativo relacionado à cessação ou redução do uso de uma substância.
No atendimento ao paciente com transtorno por uso de substância,
deve-se adotar uma abordagem multimodal, uma vez que esses psicotró-
picos podem mascarar ou exacerbar outras condições médicas gerais ou
mesmo comorbidades psiquiátricas. A assistência abrange uma avaliação
completa e tratamento da intoxicação aguda ou síndrome de abstinência,
se for o caso, na unidade de pronto-atendimento.
Os objetivos do manejo da intoxicação aguda são: monitoração e
controle de sinais vitais e nível de consciência, avaliando o risco de aspiração
e necessidade de intubação; reduzir a exposição aos estímulos externos;
entendimento de quais substâncias foram utilizadas, bem como a dose, via
de administração e seus efeitos; remover possíveis substâncias que tenham
sido ingeridas recentemente e/ou reverter com antídotos específicos.
Na intoxicação alcoólica, sugere-se o uso de soro fisiológico
apenas na presença de desidratação e de glicose hipertônica se houver
hipoglicemia. O álcool não é absorvido pelo carvão ativado e, portanto, a
sua utilização não se justifica no tratamento isolado desse tipo de intoxica-
ção. Hipertensão, taquicardia, isquemia miocárdica, convulsões e delírios
persecutórios podem ocorrer na intoxicação por cocaína e demandam
tratamentos específicos. Pacientes com ansiedade e com agitação psi-
comotora podem se beneficiar de sedação com benzodiazepínicos e/ou
uso de antipsicóticos, conforme gravidade, com preferência para via oral
quando for possível.
A síndrome da abstinência do álcool atinge seu pico em dois dias e
termina em quatro a cinco dias. Os sintomas em uma síndrome leve a mo-
derada são tremores, desconforto gastrointestinal, ansiedade, irritabilidade
e hiperatividade autonômica. Nos casos graves, observa-se convulsões,
alucinações e delirium. Em usuários crônicos com carência nutricional,
deve-se considerar encefalopatia de Wernicke, resultado da carência de
tiamina, que deve ser reposta. Cerca de 3% a 5% dos pacientes com síndro-
me de abstinência do álcool grave evoluem para delirium tremens, quadro
caracterizado por confusão mental, desorientação temporoespacial, aluci-
nações e alterações de comportamento.

202
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

Os sintomas após a cessação do uso da cocaína incluem fadiga,


anedonia, disforia, insônia e ideação suicida eventual e podem durar até
dez semanas. A abstinência de benzodiazepínicos está relacionada a sua
retirada abrupta, devendo a interrupção ocorrer de maneira progressiva.

INTOXICAÇÃO AGUDA

Ingesta oral elevada e recente (anfetaminas, por exemplo) → Lavagem gástrica é útil quando realizada
em até 2 horas da ingestão (soro e aspiração). Carvão ativado pode ser utilizado em até 4 horas da
ingestão, na dose de 1g/kg de peso (dose máxima de 50g) diluído a 10% em água ou suco.
Benzodiazepínicos → Antagonista específico é o flumazenil, utilizado nos casos de depressão neuroló-
gica ou respiratória, na dose de 0,3 até 2mg EV.
Opioides → Antagonista é a naloxona, na dose de 0,05 a 0,4mg EV se não houver depressão respiratória
e de 2mg até, no máximo, 10mg EV se houver depressão respiratória.
Agitação psicomotora intensa e heteroagressividade → Haloperidol 5mg IM.

SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA

Álcool → Benzodiazepínicos, com preferência pela via oral, sejam eles diazepam 10 a 20mg a cada 2 a 4
horas ou lorazepam 1 a 4mg a cada 2 a 4 horas. Em caso de encefalopatia de Wernicke: tiamina 500mg
diluídos em 100ml de solução salina com infusão por 30 minutos, 3 vezes ao dia, durante 2 a 3 dias. Após,
deve-se reajustar para 250mg ao dia, por mais 3 a 5 dias. O oferecimento de glicose isolada pode agravar
a encefalopatia, logo deve-se utilizar a tiamina antes ou durante a administração de soro glicosado.
Opioides → Pode ser utilizado metadona com um acompanhamento próximo ao paciente, para descontinuação.

Quadro 1 – Condutas no tratamento da intoxicação aguda e da síndrome de abstinência.


Fonte: Elaborado pelos autores (2021).

203
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

Imagem 1 – “Réquiem para um Sonho”/“Requiem for a Dream”.


Fonte: Cartaz do filme “Requiem for a Dream” (2000).

A paciente do caso apresentado é Sara Goldfarb, do drama psico-


lógico norte-americano “Requiem for a Dream”/“Réquiem para um Sonho”.
Sara era uma viúva que passava a vida assistindo a programas televisivos.
Em um dia de verão, ela recebe um telefonema a convidando para participar
do show. Sara passa a dedicar seu tempo a melhorar sua imagem e come-
ça a consumir anfetaminas. Ao mesmo tempo, seu filho Harry e o melhor
amigo dele, Tyrone, conseguem prosperar no comércio de drogas. Harry
e Marion formam um casal apaixonado que sonha em montar a própria
loja comercial. [SPOILER ALERT] Era de se esperar que Harry e Tyrone se
tornassem adictos após aumentar seu contato com diversos tipos de subs-
tâncias. Além disso, Marion vira também dependente de heroína. O filme
levanta a questão sobre até onde podemos ou devemos ir para satisfazer
nossas vontades e sonhos, e se realmente valerá a pena ao final.

Filmes Notas

“Réquiem para um Sonho”/“Requiem for a Dream” 9,5

“Nasce uma Estrela”/“A Star is Born” 9,5

“Trainspotting” 8,5

Quadro 2 – Ranking de veracidade dos filmes que abordam o transtorno por uso de
substâncias e sua repercussão na vida dos pacientes de acordo com a Neuroliga/Unisul-SC.
Fonte: Elaborado pelas autoras (2021).

204
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

“Réquiem para um Sonho”/“Requiem for a Dream” – 9,5

Retrata muito bem os aspectos que permeiam a dependência


química. O uso das drogas se mostra como uma “rota de escape”, uma
alternativa para alcançar os sonhos de cada personagem, mas também
o motivo da deterioração e prejuízo deles. A história dos protagonistas é
embasada: uma mulher solitária que troca a compulsão por café e alimen-
tos pelo consumo de anfetaminas, um jovem sem limites que roubava a
televisão da mãe para obter dinheiro para drogadição, uma mulher carente
do ponto de vista afetivo e familiar que via na heroína seu refúgio e um filho
que queria orgulhar sua mãe e enxergou no tráfico uma possibilidade de
ascensão social, mas que acaba preso. Não demos 10 (perdeu 0,5 – infra-
ção leve) pois o filme adota um ponto de vista totalmente pessimista dos
transtornos por uso de substâncias, abordando-os como doença, mas não
trazendo a possibilidade de recuperação ou de insight da condição.

“Nasce uma Estrela”/“A Star is Born” – 9,5

Um lindo romance que aborda transtornos por uso de substâncias


e suicídio, que é ilustrado de forma sutil e adequada. Jackson Maine tem
uma carreira musical estável e é alcoólatra e usuário de outras drogas. O
contexto familiar de Jack é desfavorável, o pai também era dependente de
álcool e faleceu cedo. O vício do artista acaba por atingir sua vida profis-
sional, familiar e social, além de prejudicar a imagem da esposa Ally. Ele
permanece internado em instituição para tratamento da dependência por
dois meses, mas, ao retornar, comete suicídio. A crítica que fazemos é so-
bre o rápido declínio do personagem, que poderia ter sido melhor detalhado,
já que no início do filme todos os que o rodeavam aceitavam seu hábito
etílico como normal. O problema só ficou realmente claro quando Jack
perde o controle da micção durante a premiação de Ally. Por essa razão,
descontamos 0,5 ponto (infração leve).

205
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

“Trainspotting” – 8,5

O filme conta a trajetória de um grupo de jovens escoceses e usuá-


rios de heroína, que não encontram sentido para a vida e buscavam apenas
o prazer da droga e o preenchimento de seus vazios existenciais. O termo
“trainspotting” significa “ver trens”, o que se tornou uma expressão para
a realização de uma atividade sem sentido. A síndrome de abstinência e
intoxicação aguda são tópicos bem explorados, assim como a transmissão
de doenças por compartilhamento de agulhas, com um dos dependentes
se infectando pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) e vindo a falecer
por neurotoxoplasmose.
No entanto, consideramos que o filme pecou ao desconsiderar a
tolerância que os usuários de heroína facilmente desenvolvem. Além disso,
Mark Renton, que havia passado por um longo processo de desintoxica-
ção, apresentou duas recaídas e se manteve assintomático depois de sua
última injeção, o que seria pouco habitual. Essas duas razões constituíram
infração grave, por isso foi descontado 1,5.

REFERÊNCIAS

BÜCHELE, Fátima; MARCATTI, Michelle; RABELO, Daniela Raquel. Dependência química e


prevenção à recaída. Texto e Contexto Enfermagem, Florianópolis, v. 13, n. 2, p. 233-240, 2004.

DORISON, Charles A. et al. Sadness, but not all negative emotions, heightens addictive
substance use. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of
America, [s. l.], v. 117, n. 2, p. 943-949, 2020.

HESSE, M. et al. Suicide among people treated for drug use disorders: A Danish national
record-linkage study. BMC Public Health, [s. l.], v. 20, n. 1, p. 1-9, 2020.

LARANJEIRA, Ronaldo et al. Segundo Levantamento Nacional de Álcool e Drogas. Instituto


Nacional de Ciência e Tecnologia Para Políticas Públicas de Álcool e Outras Drogas. São
Paulo: Unifesp, 2014. p. 4-78.

NORKO, Michael A.; FITCH, Lawrence. DSM-5 and substance use disorders: Clinicolegal
implications. Journal of the American Academy of Psychiatry and the Law, [s. l.], v. 42, n. 4,
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ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Classificação Estatística Internacional de Doenças e


Problemas Relacionados à Saúde. 10. Ed. São Paulo, 1997.

206
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

PALMIRA, C.; VIVIANE, I. C. C. Intoxicações exógenas na Sala de Urgência. Revista Qualidade


HC, [s. l.], p. 1-4, 2018.

PAN, Zhenyu et al. Trends of the incidence of drug use disorders from 1990 to 2017: an
analysis based on the Global Burden of Disease 2017 data. Epidemiology and Psychiatric
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QUEVEDO, João; CARVALHO, André F. Emergências psiquátricas. 3. ed. Porto Alegre:


Armed, 2014.

WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Atlas on substance use. Genebra: World Health
Organization, 2010.

207
Capítulo 27
TRAUMA RAQUIMEDULAR

Leticia Domingos Ronzani68


Andréia Bittencourt Rodrigues, Esp.69

Paciente masculino, 35 anos, solteiro, empresário, paraplégico


há dois anos devido acidente automobilístico. Sua lesão raquimedular
foi a nível de C4, apresentando ausência de sensibilidade e motricidade
abaixo do nível da lesão, mas preservação da função respiratória, com
limitação da tosse. Após um ano de sessões de fisioterapia recuperou o
movimento de pinça da mão direita, sendo capaz de dirigir sua cadeira
de rodas. Mantém sessões diárias de fisioterapia. Apresentou quatro
internações nos últimos dois anos devido pneumonias e apresenta
disreflexia autonômica frequente, realizando controle ambiental de de-
sencadeantes e uso de nifedipina 10mg sublingual quando necessário.
Relata importante dor muscular devido contrações musculares, e faz
uso diário de analgésicos. Realizou tentativa de suicídio há cerca de 6
meses, cortando o pulso (paciente colidiu seu pulso repetidas vezes a
um objeto pontiagudo com sua cadeira de rodas elétrica). Possui bom
amparo familiar, boa condição socioeconômica, fisioterapeuta particu-
lar e uma cuidadora, no entanto, mantém profundo desejo de realizar
suicídio assistido.

68 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Extremo Sul Catarinense, Unisul – Tubarão/
SC.
69 Liga Acadêmica de Neurologia (Neuroliga), Universidade do Extremo Sul Catarinense, Unisul.
Departamento de Neurologia, Hospital Nossa Senhora da Conceição (HNSC), Tubarão/SC.

208
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

O trauma raquimedular (TRM) se define como lesão externa da


coluna vertebral, acometendo a medula e suas raízes de forma completa
ou incompleta, em diferentes níveis. As lesões podem acometer membros
superiores e inferiores, em tetraplegias ou tetraparesias, ou membros in-
feriores isoladamente, em paraplegias e paraparesias. As lesões também
podem ser ditas completas, com perda de toda sensibilidade e motricidade
abaixo do nível da lesão, ou incompletas, com diferentes perdas de sensibi-
lidade e motricidade, ditas síndromes medulares incompletas.
A lesão ocorre devido a uma combinação de danos primários e
secundários. Os primários são relacionados ao trauma e ocorrem devido
compressão, laceração, distração e cisalhamento da medula. As secundá-
rias, que podem ocorrer após dias a semanas, são devido hipóxia, isquemia,
edema, desregulação iônica. O tratamento, que será abordado posterior-
mente, deve tratar e controlar os danos primários e evitar os secundários.
A incidência do TRM no Brasil é estimada em 16 a 26 casos por
milhão de habitantes ao ano. Os segmentos mais acometidos são os cor-
respondentes as vértebras cervicais (70%) C5, C6, C7, e a T12 na junção
toracolombar (20%). O clássico paciente vítima de TRM é o homem jovem
após acidente de alta energia. A incidência é 3 a 4 vezes maior em homens,
e a idade mais acometida é entre 15 e 29 anos. No entanto, é importante
lembrar que idosos também são frequentemente acometidos por lesões
raquimedulares, representando o segundo pico na distribuição bimodal da
doença. Isso ocorre porque pacientes acima de 65 anos requerem traumas
de baixa energia para gerar lesões vertebrais e têm alta incidência de quedas.
A principal causa de TRM é o acidente automobilístico, mas também
podemos citar as quedas, acidentes relacionados ao esporte, mergulho em
águas rasas e a lesão por arma de fogo.
Em todo politraumatizado devemos considerar a existência de
TRM, e é de suma importância que se siga a sequência ABCDE do Advanced
Trauma Life Support (ATLS) corretamente, para evitar lesões secundárias.
A → A via área deve ser aberta com controle da coluna cervical, por
meio da tração do ângulo mandíbula e colocação de colar cervical.
B → Realizar adequada ventilação para evitar hipóxia e isquemia
da medula, devendo ser realizada intubação orotraqueal em pacientes com

209
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

escala de coma de Glasgow ≤ 8 e na falha de manter e proteger a via aérea.


A saturação deve ser monitorada com oximetria de pulso e mantida igual
ou acima de 94%.
C → Em pacientes hipotensos, devemos manter PAS > 90mmHg,
iniciando reposição volêmica com 30ml/kg de soro fisiológico 0,9% aque-
cido, ou ringer lactato em reposições que ultrapassem 3 litros, para evitar
acidose hiperclorêmica. Nos primeiros 7 dias após o trauma, o alvo da PAM
é entre 85-90mmHg. Se necessário, utilizar drogas vasoativas, como a
noradrenalina (quadro 1). No TRM, a hipotensão pode ser devido choque
neurogênico, principalmente quando associada à bradicardia, mas outras
causas mais frequentes devem ser consideradas e manejadas, tais como
hemorragia, pneumotórax hipertensivo, tamponamento cardíaco e sepse.
No caso do choque neurogênico, é clássico a resposta pobre a expansão
volêmica e mais adequada ao uso de vasoconstritores.
D → Após estabilização hemodinâmica, devemos proceder exame
neurológico direcionado e exames de imagem. A obtenção de exames de
imagem não deve atrasar a transferência do paciente para centro especia-
lizado de trauma com equipe de neurocirurgiões. No exame neurológico
inicial, avaliar responsividade e consciência, resposta fotomotora direta
e consensual, simetria pupilar, força e reflexo dos membros superiores e
inferiores e sensibilidade. Definir o nível medular da lesão é importante para
prognóstico, investigação e tratamento. A seguir, já em centro especializa-
do, realizar protocolo de raio-x padrão no TRM: raio-x transoral para verificar
fraturas em C1-C2, anteroposterior, perfil e oblíqua da coluna vertebral,
necessariamente incluindo todas as vértebras cervicais. A tomografia
computadorizada (TC) é comumente utilizada como exame complementar,
pois é um exame rápido, acurado e que permite a imobilização cervical e os
sistemas de suporte de vida. A ressonância magnética é utilizada junto a
TC para plano de intervenção cirúrgica.
O tratamento cirúrgico visa a descompressão e estabilização da
medula espinal e consiste na remoção de fragmentos ósseos, alinhamento
vertebral e estabilização do segmento acometido, por meio da artrodese.
Cirurgias realizadas idealmente em até 24h se relacionam aos melhores
desfechos a longo prazo.

210
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

Durante a internação, iniciar nutrição enteral precoce (quadro 1),


sendo a via jejunal preferida devido ao risco de aspiração. Também se
deve realizar profilaxia de úlceras de estresse com inibidores de bomba de
prótons e profilaxia de tromboembolismo em 72h (quadro 1), interrompida
na manhã do dia da cirurgia e retomada em 24h de pós-operatório.
O seguimento do paciente com TRM deve incluir fisioterapia para
evitar atrofia muscular e atenuar as dores musculares relacionadas às
contraturas. É possível que se recupere parte dos movimentos a depender
do grau da lesão e dos estímulos da fisioterapia.
Pneumonias, úlceras de pressão, sepse e disreflexia autonômica
são complicações frequentes no decorrer da vida de pacientes convivendo
com tetraplegia e paraplegia, e são causas comuns de óbito.

Noradrenalina → Dose de 0,1 a 3mcg/kg/min em bomba de infusão. Como cada ampola


possui 4ml com 4mg de Noradrenalina, a diluição padrão é de 4 ampolas (16ml/16mg) em
234ml de soro glicosado a 5%, obtendo solução de 64mcg/ml.
Necessidade calórica diária durante internação → 20–22kcal/kg/dia.
Necessidade proteica diária durante internação → 1,2–1,5g/kg/dia.
Omeprazol → Dose de 40mg 1x/dia via endovenosa.
Enoxaparina → Dose de 40mg 1x/dia via subcutânea.

Quadro 1 – Medicações em dose padrão no tratamento agudo do TRM.


Fonte: Elaborado pelas autoras (2021).

211
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

Imagem 1 – “Como Eu Era Antes de Você”/“Me Before You”.


Fonte: Cartaz do filme “Como Eu Era Antes de Você” (2016).

O paciente do caso apresentado é Will Traynor, do filme britânico


“Como Eu Era Antes de Você”/“Me Before You”. Will era um adulto jovem,
bonito, rico, extremamente ativo e feliz, que conciliava uma carreira bem-su-
cedida como empresário a uma vida pessoal repleta de atividades esportivas
radicais, viagens, festas e amigos. Aos 33 anos foi atropelado por uma moto
e desenvolveu lesão medular a nível de C4, tornando-se tetraplégico. Depois
disso, tornou-se um adulto ranzinza e de baixo autocuidado, até conhecer sua
cuidadora Louisa... Sim, os dois se apaixonam, mas o plot do filme vai além
desse relacionamento. Entusiastas do amor romântico clássico encontrarão
profunda frustração ao assisti-lo. Ou, quem sabe, uma profunda revelação
sobre as dimensões do amor ao outro e do amor-próprio.

Filmes Notas

“Como Eu Era Antes de Você”/“Me Before You” 9,5

“Mar Adentro” 9,5

“Os Intocáveis”/“Intouchables” 8,5

“Menina de Ouro”/“Million Dollar Baby” 7,5

Quadro 2 – Ranking de veracidade dos filmes que abordam o TRM e sua repercussão na
vida dos pacientes de acordo com a Neuroliga/Unisul-SC.
Fonte: Elaborado pelas autoras (2021).

212
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

“Como Eu Era Antes de Você”/“Me Before You” – 9,5

O filme retrata bem as nuances do seguimento de um paciente


quadriplégico devido à TRM! A obra comete apenas uma infração leve, rela-
cionada à tentativa de suicídio de Will. Não há explicação alguma no filme
(apenas as cicatrizes nos pulsos do personagem) e fica a grande lacuna
de como um tetraplégico consegue cortar seu pulso sozinho. No entanto,
encontramos a resposta no livro, que deu origem ao filme e que explicamos
no caso clínico.

“Mar Adentro” – 9,5

Baseado em fatos reais, faz boa releitura da realidade do paciente


convivendo com TRM e desejo de eutanásia em países que não aprovam
essa prática. Um ponto interessante do filme é o relato de uma das prin-
cipais causas de lesões cervicais altas: mergulho em águas rasas. A obra
perde 0,5 pontos devido infração leve, pois foca suas lentes no debate
sobre a eutanásia, abordando muito mais detalhes sobre a jurisdição do
suicídio assistido e da eutanásia no governo espanhol do que a patologia
clínica de um paciente com TRM em si. Mas, caso o tema do capítulo fosse
eutanásica, receberia nota 10,0.

“Os Intocáveis”/“Intouchables” – 8,5

Baseado em fatos reais, o filme faz releitura fidedigna de alguns


pontos comuns na vida do paciente vítima de TRM, como necessidade
de uso de meias pneumáticas e desenvolvimento de dor neuropática. No
entanto, a obra comete infração leve, perdendo 0,5 pontos por não apre-
sentar outras complicações também muito comuns, deixando a entender
que fora a paralisia e alguns episódios de dor neuropática, o protagonista
tem saúde impecável, sem outras limitações comuns do paciente vítima de
TRM. Ele fuma, usa drogas, bebe e faz salto de balão sem apresentar uma

213
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

disreflexia autonômica sequer. Além disso, o filme ignora a necessidade de


uso de medicações analgésicas para episódios álgicos importantes de dor
neuropática, bem como de medicação profilática, infração moderada com
perda de 1,0 ponto.

“Menina de Ouro”/“Million Dollar Baby” – 7,5

O filme faz um bom retrato da necessidade de traqueostomia e ven-


tilação permanente em TRM a nível de C1–C2 completo, bem como das úl-
ceras de pressão devido imobilidade no leito e outras complicações comuns.
No entanto, a obra sofre infração gravíssima com perda de 2,5 pontos pela
eutanásia extremamente fantasiosa e mal-encenada. Dunn simplesmente
entra no hospital sem que nenhum funcionário perceba, e sai também sem
ser notado. Além disso, após injeção de cerca de 6–7mg de epinefrina, o mo-
nitor vai quase que instantaneamente para linha reta de assistolia e marca o
achado como AESP (no canal 5 do monitor de eletrocardiograma).

REFERÊNCIAS

CHRISTIE, S.; HALMAN, G. T.; CASHA, S. Acute Pharmacological DVT Prophylaxis after Spinal Cord Injury.
Journal of Neurotrauma, Salt Lake City, v. 28, n. 8, p. 1509-1514, 2011.

ROUANET, C. et al. Traumatic spinal cord injury: current concepts and treatment update. Arquivos de
Neuro-Psiquiatria, São Paulo, v. 75, n. 6, p. 7, 2017.

VÁZQUEZ, R. G. et al. Actualización en lesión medular aguda postraumática. Medicina Intensiva, Madrid, v.
41, n. 4, p. 237-247, 2017.

WITIW, C. D.; FEHLINGS, M. G. Acute Spinal Cord Injury. Journal of Spinal Disorders and Techniques,
Philadelphia, v. 28, n. 6, p. 202-210, 2015.

214
ÍNDICE REMISSIVO

DISTÚRBIOS DO SONO 82, 87, 89, 99, 101, 104, 193


DOENÇAS CEREBROVASCULARES 29
DOENÇAS GENÉTICAS 142, 143
DOENÇAS NEUROLÓGICAS 9, 18, 162

NEUROINTENSIVISMO 29, 217


NEUROLOGIA 3, 9, 16, 22, 29, 42, 51, 52, 60, 69, 75, 76, 85, 86, 92, 93, 94, 97,
98, 99, 102, 103, 110, 111, 117, 126, 135, 139, 150, 156, 159, 160, 167,
171, 172, 179, 190, 199, 208, 216, 217, 218, 219, 220

SÍNDROMES DEMENCIAIS 10, 17, 87

215
SOBRE OS AUTORES

Aline Vieira Scarlatelli-Lima (autora e organizadora)


Médica Graduada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
residência em Neurologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medi-
cina de Ribeirão Preto (FMRP-USP), com formação na área de atuação em
Neurofisiologia Clínica pela FMRP-USP, Mestre em Ciências da Saúde pela
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), professora de Neurologia
do curso de Medicina da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul).

Jaime Lin (autor e organizador)


Médico Neurologista Pediátrico pela Universidade Federal de São Paulo,
professor de Neurologia Pediátrica da Universidade do Sul de Santa Cata-
rina, Mestrado em Neurologia e Neurociências pela Universidade Federal
de São Paulo, Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciências da
Saúde da Universidade do Extremo Sul Catarinense.

Leticia Domingos Ronzani (autora e organizadora)


Presidente da Liga Acadêmica de Neurologia – Neuroliga Unisul gestão
2020, monitora de Sistema Musculoesquelético e Nervoso em 2020/1 e
2020/2, monitora de Sistema Materno e Infantil 2019/1, membro aspirante
da Academia Brasileira de Neurologia e da Academia Brasileira de Neuro-
cirurgia, acadêmica do curso de Medicina da Universidade do Sul de Santa
Catarina (Unisul).
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0443504228727127.

216
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

Ana Caroline Benin (autora)


Médica Graduada pela Universidade Regional de Blumenau (Furb), resi-
dência em Clínica Médica e residência em Neurologia pela Associação
Congregação de Santa Catarina Hospital Santa Isabel e Pós-Graduanda em
Neurointensivismo pelo Hospital Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Eins-
tein (2020). Atuação com foco em Medicina Neuro-Hospitalista e Intensiva.

Ana Paula Goulart (autora)


Médica Graduada pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul),
residência em Psiquiatria pelo Centro de Estudo Abuchaim, Especialista
em Psiquiatria pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e pela Asso-
ciação Médica Brasileira (AMB), Especialista em Psiquiatria da Infância e
Adolescência pela ABP e pela AMB, professora de Psiquiatria Pediátrica na
disciplina Sistema Materno Infantil da Unisul.

Andreia Bittencourt Rodrigues (autora)


Médica Graduada pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), resi-
dência médica em Neurologia pelo Grupo Hospitalar Conceição – Hospital
Nossa Senhora da Conceição (GHC-HNSC).

Daiana Gomes de Sousa (autora)


Presidente da Liamfac – gestão de 2020, membro aspirante da ABN, mo-
nitora de Bioquímica Básica em 2018/1 e acadêmica do curso de Medicina
da Unisul.

Daniel Fontelles (autor)


Médico Graduado na Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), presi-
dente da Liga Acadêmica de Neurocirurgia (2019-2020), diretor científico da
Liga de Epidemiologia (2019-2020).

Gabriela Costa Bernades (autora)


Acadêmica do curso de Medicina da Unisul. Monitora de Imunologia Médi-
ca I em 2017/2 e Semiologia Médica II em 2019/2. Membro pesquisadora
do Laboratório de Neurobiologia de Processos Inflamatórios e Metabólicos

217
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

(Neuroimet) – Núcleo Sepse. Membro ligante da Neuroliga desde 2018,


atuando como vice-presidente na gestão de 2020. Membro discente da
ABN e da ABNc.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7617865202930271.

Hannah Bang (autora)


Presidente da Neuroliga – gestão de 2021, presidente da Liga Acadêmica
de Psicologia Médica (LAPSIM) – gestão de 2019 e 2020, membro ligante
da Liga Acadêmica de Anatomia Humana (LAANA) em 2018, membro
ligante da Neuroliga desde 2018, membro aspirante da ABN, monitora de
Imunologia Médica I em 2018/1, monitora de Suporte e Movimento em
2017/2, monitora de Integração de Coordenação em 2017/1 e acadêmica
do curso de Medicina da Unisul.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6486524759158044.

Isabella Paes Angelino (autora)


Médica Graduada pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul),
turma de 2020/2. Atuou como vice-presidente da Neuroliga na gestão de
2019, ouvinte da Liga de Psiquiatria e Saúde Mental e da Neuroliga em
2020. Atua como médica da Estratégia de Saúde da Família no município
de Tubarão/SC.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1644274625392672.

Laíse Koenig de Lima (autora)


Experiência na área de Medicina, atuando principalmente nos seguintes
temas: sono, distúrbios do início e da manutenção do sono, conscientiza-
ção. Tesoureira da Liga de Acadêmica de Neurogenética – gestão 2019.
Vice-presidente da Liga Acadêmica de Neurologia – gestão 2021, membro
aspirante da Associação Brasileira de Neurologia, acadêmica do curso de
Medicina Unisul.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/3532911676795952.

218
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

Lia Zumblick Machado (autora)


Presidente da Lari, gestão 2021, monitora de Bioquímica aplicada à Fisiolo-
gia Médica 2021. Acadêmica do curso de Medicina Unisul.

Linério Ribeiro de Novais Júnior (autor)


Membro ligante da Neuroliga. Membro do Laboratório de Neurociência
Comportamental PPGCS/Unisul. Membro aspirante da ABN. Acadêmico do
curso de Medicina da Unisul.

Louise Lapagesse De Camargo Pinto (autora)


Médica Geneticista. Mestrado em Genética e Biologia Molecular pela UFR-
GS. Doutorado em Medicina da Criança e do Adolescente pela UFRGS. Pes-
quisadora colaboradora do Serviço de Genética do Hospital de Clínicas de
Porto Alegre. Médica Geneticista do Hospital Infantil Joana de Gusmão de
Florianópolis – Centro de referência em doenças raras. Professora adjunta
de Genética Clínica do curso de Medicina da Unisul.

Ricardo Souza Cabral (autor)


Auxiliar administrativo da Liga Acadêmica de Oftalmologia de Bauru (LAOB)
– gestão de 2019/2 e 2020/1; monitor de Bioestatística em 2019/2; acadê-
mico do curso de Medicina da Unisul.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0490106262086413.

Taís Luise Denicol (autora)


Acadêmica do Curso de Medicina da Universidade do Sul de Santa Catarina,
campus Tubarão. Ligante da Neuroliga desde 2018 e presidente na gestão
2019. Vice-presidente da Liga Acadêmica de Neurogenética em 2019.
Membro pesquisadora do Núcleo de Sepse no Laboratório de Neurobiologia
de Processos Inflamatórios e Metabólicos – Neuroimet e membro discente
da Associação Brasileira de Neurologia (ABN). Bolsista de Apoio Técnico
em Extensão no País do CNPq – Nível B: INQUÉRITO SOBRE PERFIL DE
DOENÇAS RARAS NO BRASIL. Coordenadora local da IFMSA Brazil Unisul.
Monitora responsável pelo Projeto Clube da Juventude Unisul, Tubarão/SC.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8792808339256132.

219
Aprendendo Neurologia Através do Cinema

Thainy Côrrea Beluco (autora)


Presidente da Liga Acadêmica de Neurogenética – gestão de 2019, mem-
bro ligante da Neuroliga em 2019, membro ligante da Liga Acadêmica
de Neurocirurgia em 2019, monitora de Sistema Musculoesquelético em
2019/2 e acadêmica do curso de Medicina da Unisul.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4472627456312948.

Thalita Martinelli (autora)


Médica formada pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel). Residência
em Clínica Médica pelo Hospital Universitário São Francisco de Paula,
em Pelotas/RS. Residência em Neurologia pelo Hospital Santa Isabel, em
Blumenau/SC. É residente em Neurofisiologia pelo Hospital Universitário
Antônio Pedro/Universidade Federal Fluminense (HUAP/UFF).

Tuany Batista Santos (autora)


Monitora de Semiologia Médica em 2018 e 2019. Acadêmica do curso de
Medicina da Unisul.

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