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Disciplina: Lógica

Curso: Filosofia

PAPER 3
Falácias e Argumentação (I)

Conhecimento a priori, a posteriori e a fortiori

Filósofos tradicionais distinguem dois tipos de conhecimentos. Conhecimento a posteriori


(empírico) é conhecimento baseado em experiência sensorial. Conhecimento a priori (racional) é
conhecimento não baseado em experiência sensorial. A seguir, um exemplo de cada tipo de
conhecimento:

A posteriori: "Alguns solteiros são felizes".


A priori: "Todo solteiro é não casado".

Enquanto sabemos que ambos são verdadeiros, como sabemos difere nos dois casos.
Conhecemos o primeiro enunciado a partir de nossa experiência de solteiro, nós nos lembramos de
diversos solteiros e recordamos que alguns deles foram felizes.
Se tivéssemos que justificar a veracidade deste enunciado a outros, apelaríamos a dados experimentais
sobre solteiros. Em contraste sabemos que o segundo enunciado é verdadeiro apreendendo o que ele
significa e verificando que ele há de ser verdadeiro. Se tivéssemos que justificar a veracidade desses
enunciados, não teríamos que recolher dados experimentais sobre solteiros. Grande parte de nosso
conhecimento é a posteriori - baseado em experiência sensorial. Aqui
"experiência sensorial” cobre os cinco "sentidos externos" (visão, audição, olfato, paladar e tato).
Também cobre "sentidos internos" (a consciência de nossos próprios pensamentos e
sentimentos) e qualquer outro acesso experiencial à verdade que podemos ter (talvez experiência
mística ou percepção extrasensorial).
Conhecimento lógico e matemático é geralmente a priori. Para testar a validade de um
argumento, nós não temos que sair e experimentar.
Ao invés disso, apenas pensamos e raciocinamos; às vezes escrevemos algumas coisas para
ajudar nosso pensamento. Os testes de validade neste livro são métodos racionais (a priori).
"Raciocinar" em um sentido restrito (no qual contrasta com "experiência") lida com o que podemos
conhecer a priori.
Conhecimento a priori requer alguma experiência. Não podemos saber que todo solteiro é não
casado a não ser que tenhamos aprendido o conceito envolvido; isso requer experiência de linguagem
e de humanos (casados e não casados). E saber que solteiro é não casado requer a experiência de
pensar. Portanto, conhecimento a priori depende de alguma forma de experiência (então não é
simplesmente algo com o qual nascemos). Mas ainda faz sentido chamar tal conhecimento de a priori.
Suponha que apreendemos o conceito utilizando experiência. Então, para justificar a declaração de que
todo solteiro é não casado, não temos que apelar a qualquer outra experiência, a não ser pensar. Em
particular, não temos que investigar solteiros para ver se eles são todos não casados.

Aqui, outros exemplos de enunciados conhecidos como a priori

«2=2"
"1 > 0"
"Todo sapo é sapo.
"Se tudo é verde, então isso é verde."
"Se há chuva, há precipitação."
"Se isto é verde, então é colorido."

David Hume, que pensou que todos os conceitos eram provenientes da experiência, também
defendeu conhecimento a priori. Comparando dois conceitos empíricos, podemos às vezes reconhecer
que as condições empíricas que verificariam um ("solteiro") também verificaria o outro ("não casado");
portanto, ao refletir em nossos conceitos, podemos ver que todo solteiro há de ser não casado.

Exercícios

1. Todo triângulo possui três lados. (pr)


2. 2 + 2 = 4 (pr)
3. Água ferve a 90° C nesta montanha de 10.000 pés (po).
4. Água ferve a 100° C no nível do mar (po).
5. Todo cisne é branco (po).

Um termo muito menos usado, a fortiori, descreve algo relacionado ao conhecimento a priori,
mas não exatamente o mesmo. O termo a fortiori significa “do mais forte” e se refere a argumentos
que buscam provar um ponto “menor” apelando para um ponto “maior” já comprovado. Por exemplo,
se um homem diz que pode gastar R$ 100, presumimos que possa gastar R$ 10. Se beber um gole de
um líquido é fatal, presumimos que beber um copo inteiro também seja fatal. Se um homem consegue
prender a respiração debaixo d'água por três minutos, presumimos que seja capaz de prender a
respiração por um minuto. Se for considerado pecado socar alguém, presumimos que esfaqueá-lo
também seria pecado.

Quando discutimos um ponto específico com base em alguma maior ou mais ampla ideia
estabelecida, estamos usando argumentos a fortiori. No diálogo comum, costumamos usar frases como
"ainda mais" ou "quanto mais". Em termos gerais, isso é um apelo a uma lógica a fortiori, e os
exemplos dados podem ser todos formulados usando esse tipo de linguagem.

Tecnicamente falando, os argumentos a fortiori não são tão rígidos quanto as afirmações
verdadeiramente a priori. Nos exemplos anteriores, se o homem em questão tivesse recebido um
cheque assinado de R$ 100 de um amigo, talvez ele só possa gastar exatamente R$ 100. Em outras
palavras, é logicamente possível que ele "tenha condições" de gastar R$ 100, mas não R$ 10, uma vez
que não tem outro dinheiro. Portanto, embora os argumentos a fortiori sejam razoáveis, eles não são
logicamente absolutos, então não são verdadeiramente a priori.

Falácias e Argumentação

Bons argumentos

Um bom argumento, para ser logicamente correto e satisfazer o propósito para o qual utilizamos
o argumento, deve:

• ser dedutivamente válido (ou indutivamente forte) e possuir todas as premissas verdadeiras;
• que sua validade e a veracidade de suas premissas sejam o mais evidente possível para as
partes envolvidas;
• ser enunciado de maneira clara (utilizando linguagem compreensível e deixando claro o que
é premissa e o que é conclusão);
• evitar circularidade, ambiguidade e linguagem emocional; e
• ser relevante para a questão tratada.
Primeiro, um bom argumento deve ser dedutivamente válido (ou indutivamente forte) e possuir
todas as premissas verdadeiras. Com frequência criticamos um argumento por tentar mostrar que a
conclusão não segue das premissas ou que uma ou mais premissas são falsas.
Segundo, a validade e a veracidade das premissas em um bom argumento devem ser as mais
evidentes possíveis para as partes envolvidas.
Argumentos são menos efetivos se eles pressupõem ideias que outros vejam como falsas ou
controversas. De modo ideal, gostaríamos de utilizar apenas premissas que todos aceitarão como
óbvias imediatamente, mas na prática, este é um ideal muito alto. Com frequência apelamos a
premissas que serão aceitas somente por aqueles com mesma visão política, religiosa, ou filosófica. E,
às vezes, apelamos a palpites, como "eu posso alcançar a arma antes que o ladrão o faça"; mesmo que
não ideal, esse pode ser o melhor que podemos fazer em um dado momento.
Terceiro, um bom argumento deve ser enunciado de maneira clara; utilizar linguagem
compreensível e deixar claro o que é premissa e o que é conclusão. Linguagem obscura ou
excessivamente complexa faz com que raciocínio seja mais difícil de apreender.
Quando desenvolvemos um argumento, uma boa estratégia é colocá-lo no papel em uma
maneira preliminar e depois relê-lo diversas vezes tentando fazer melhorias. Tente expressar as ideias
o mais simples e claramente possível, e pense como outros vão objetar ou compreender de maneira
errônea. Com frequência, ideias emergem de uma maneira confusa; a claridade vem depois, depois de
muito trabalho pesado. Enquanto o pensamento desordenado é com frequência inevitável no início do
desenvolvimento de uma ideia, ele não é aceitável no produto final.
As pessoas com frequência argumentam sem tornar claro o que é premissa, o que é conclusão;
às vezes temos fluxos de consciência incoerentes polvilhados com um «"portanto" ocasional. Enquanto
isso é inaceitável, um bom argumento não precisa enunciar claramente tudo; com frequência não há
problema em omitir premissas que são óbvias às partes envolvidas. Se eu estou caminhando no
Appalachian Trail, posso dizer isto a meu parceiro de caminhada: "Não é possível que ainda estejamos
na trilha certa, já que não vemos reflexo branco nas árvores. Isso está bom se meu parceiro sabe que
veríamos reflexos brancos se estivéssemos na trilha certa; então o argumento completo seria pedante:

Não vemos reflexos brancos nas árvores.


Se ainda estivéssemos na trilha certa, então veríamos reflexos brancos nas árvores.
Ainda não estamos na trilha certa.

Em filosofia, é sábio enunciar claramente todas as nossas premissas, já que ideias implícitas
são frequentemente cruciais, mas não examinadas. Suponha que alguém argumente: "Não podemos
ser livres, já que todas as nossas ações são determinadas". Isso assume a premissa em itálico:

Toda ação humana é determinada.


Nenhuma ação determinada é livre.
.. Nenhuma ação humana é livre.

Devemos estar conscientes de que estamos assumindo essa premissa controversa.


Então, um bom argumento deve ser válido (ou indutivamente forte) e ter todas as premissas
verdadeiras; essa verdade e validade devem ser evidentes, e o argumento deve ser claramente
enunciado.
Nossas condições finais dizem que um bom argumento deve (4) evitar circularidade,
ambiguidade, e linguagem emocional; e (5) ser relevante à questão tratada. Cinco falácias comuns
unem essas condições finais.

Nossa primeira falácia é circularidade:

Um argumento é circular se presume a verdade do que há de ser provado.

Uma série de argumentos é circular se ela utiliza uma premissa para provar uma conclusão - e
então utiliza essa conclusão para provar a premissa.

"A alma é imortal porque ela não pode morrer" é circular; a premissa aqui somente repete a
conclusão em diferentes palavras - então o argumento toma como certo o que se supõe que ele deveria
provar.
Uma série circular de argumentos pode dizer: " A é verdadeiro porque B é verdadeiro, e B é verdadeiro
porque A é verdadeiro". Um argumento circular é dito também ser petição de princípio.

Aqui uma segunda falácia, e um argumento cru que exemplifica a falácia:


Um argumento é ambíguo se ele muda o significado de um termo ou frase dentro do argumento.

Amor é uma emoção.


Deus é amor.
.. Deus é emoção.

Premissa 1 requer que tomemos "amor" como significando "sentimento de amar" - que faz com
que a premissa 2 seja falsa ou duvidosa. Premissa 2 requer que nós tomemos "amor" como significando
"uma pessoa extremamente amorosa" ou "a fonte de amor» - que faz com que a premissa 2 seja falsa
ou duvidosa. Então podemos ter as duas premissas como claramente verdadeiras somente mudando o
significado de "amor". Ambiguidade é também chamada equívoco.
É importante evitar termos emocionalmente tendenciosos quando raciocinamos:

Apelar à emoção é incitar sentimentos, ao invés de argumentar de uma maneira lógica.


Quando se pede a um estudante para argumentar contra uma teoria, com frequência ele somente
a descreve em linguagem depreciativa; então um estudante pode enganar-se quanto a Descartes,
chamando sua visão de "superficial" ou "dualística em demasia". Mas tal abuso verbal não dá razão
para tomar uma visão como verdadeira. Com frequência, a melhor maneira de argumentar contra uma
teoria é encontrar alguma implicação falsa e então raciocinar como segue:

Se uma teoria é verdadeira, então esta outra coisa também deve ser
Esta outra coisa não é verdadeira.
.. A teoria não é verdadeira.

Lembre-se que um argumento consiste de premissas e uma conclusão.


Nossa última condição diz que um bom argumento deve ser relevante à questão tratada. Um
argumento enunciado de maneira clara pode provar algo e ainda ser defectivo, já que ele pode estar
além do ponto no contexto corrente:
Um argumento está além do ponto se ele argumenta para uma conclusão irrelevante à questão
tratada.
Hitler, quando confrontado por um grupo que se opunha a imposição forçada de ditaduras,
desviou sua atenção atacando pacifismo; seus argumentos, mesmo se corretos, estavam além do ponto.
Tais argumentos são chamados pista falsa, segundo uma prática utilizada em treinar cães de caça: um
arenque vermelho é arrastado através da trilha para distrair o cão de rastrear um animal. Ao argumentar,
devemos manter o ponto da questão claro na mente e não ser erroneamente conduzidos por peixes de
mau odor.
Algumas vezes estudantes utilizam esse rótulo "além do ponto" muito amplamente, eles o
aplicam a quase toda falácia. Mantenha em mente que essa falácia não é sobre as premissas serem
irrelevantes à conclusão. Ao invés, é sobre a conclusão (independentemente se ela é provada) ser
irrelevante à questão tratada. Para tomar outro exemplo, suponha um político que seja confrontado
com a questão "Qual sua posição quanto aos cortes de impostos propostos?", mas se evade em
responder e, ao invés, ele muda sabiamente a questão para a necessidade de uma forte força militar.
Esses enunciados estão além do ponto, já que eles não respondem à pergunta.
Uma forma comum desta falácia possui seu próprio nome:

Um argumento homem de palha distorce a visão de um oponente.

Isso é comum em política. Candidato A para prefeito sugere cortar algumas estações raramente
utilizadas no sistema rápido de trânsito. Então o anúncio da campanha do candidato B expressa choque
que A quer desmantelar todo o sistema de trânsito, do qual muitos cidadãos dependem; o anúncio ataca
não o que A realmente sustenta, mas somente um "homem de palha" - um espantalho inventado por B.
Anúncios de campanhas que distorcem uma visão do oponente se tornaram recentemente tão nocivos
que "verificadores de fatos" e "esquadrões da verdade surgiram para apontar linguagens enganosas e
falsidades absolutas - independentemente do lado que esteja engajado em tais questões, Retornemos a
nossa discussão de bons argumentos. De maneira breve, um bom argumento é válido (ou
indutivamente forte) e possui todas as premissas verdadeiras; a validade e veracidade de suas premissas
são as mais evidentes possíveis às partes envolvidas; é claramente enunciado; evita circularidade,
ambiguidade e linguagem emocional; e é relevante à questão.
Um bom argumento normalmente convence os outros, mas ele não precisa disso
necessariamente. Algumas pessoas não estão abertas a argumentos racionais em diversos assuntos.
Alguns acreditam que a Terra é plana, apesar de bons argumentos sustentando o contrário. Por outro
lado, argumentos ruins às vezes convencem as pessoas. A falácia além do ponto de Hitler e a falácia
do homem de palha do candidato pode enganar e convencer. O estudo da lógica pode nos ajudar a
defendermo-nos de argumentos ruins. Quanto mais pessoas puderem distinguir bom raciocínio de
raciocínio ruim, menos os políticos e outros serão capazes de promover causas por raciocínio ruim.

"Prova é, grosso modo, "bom argumento". Mas podemos provar algo mesmo que nosso
argumento não seja claro, contenha linguagem emocional ou seja irrelevante à questão tratada. E uma
prova deve ser muito forte em suas premissas e em como ela conecta as premissas à conclusão; devido
à última razão, parece errado chamar argumentos indutivos de "provas". Então podemos definir uma
prova como um argumento que seja dedutivamente válido, não circular, não ambíguo, com premissas
claramente verdadeiras. Uma refutação de um enunciado é uma prova da negação do enunciado.
"Prova" pode ter outros significados. Se você prova algo, é verdade - você mostrou que é
verdadeiro. Se você refuta algo, é falso - e você provou que é falso.

Compare estes dois:

X "Hume provou isto, Kant o refutou.


"Hume argumentou em favor disso, mas Kant criticou seu raciocínio.
A primeira é contraditória, já que ela implica que a declaração de Hume é verdadeira e falsa -
e que Hume mostrou que ela é verdadeira e Kant mostrou que ela é falsa.

Falácias informais

Uma falácia é um erro de pensamento que possui um caráter enganador; uma falácia informal
é uma falácia que não é coberta por algum sistema de lógica dedutiva ou indutiva. Ao trabalhar as
condições para um bom argumento, introduzimos cinco falácias informais: circular, ambiguidade,
apelo à emoção, além do ponto e homem de palha. Adicionamos agora treze outras, divididas em três
grupos. Mantenha em mente que existem outras falácias informais adicionais que não estão listadas
aqui. Esta seção foca em somente algumas falácias informais comuns.
Nosso primeiro grupo inclui seis falácias que estão claramente em um formato premissa-
conclusão. A falácia que segue, com um exemplo, apela a nosso instinto de rebanho:

Apelo a multidão
A maioria das pessoas acredita que A.
. A é verdadeiro.

A maioria das pessoas acredita que Sucrilhos é bastante nutritivo.


Sucrilhos é bastante nutritivo.

Apesar da opinião popular, talvez orientada por propaganda direcionada à saúde, cereal pode
possuir baixo valor nutritivo.
Descobrir seu valor nutritivo requer checar seu conteúdo de nutrientes; opiniões de grupos não
provam nada. Quando pensamos sobre isso, todos reconheceremos a falácia aqui; todavia, opinião de
grupo pode ainda nos influenciar. O raciocínio que sabemos ser falho pode continuar a nos influenciar.
Nós, humanos, somos parcialmente racionais.

A falácia da oposição surge da divisão de pessoas em "nosso grupo" (o qual detém a verdade)
e "nosso oponente" (que está completamente errado):

Oposição
Estes liberais inflamados dizem que devemos aumentar os impostos.
.. Não devemos aumentar os impostos.

Nosso oponente acredita em A.


.. A é falso.

O problema nesse caso é que nossos oponentes estão frequentemente certos.

A falácia genética destitui uma crença com base em sua origem:

Genético
Podemos explicar por que você acredita em A.
. A é falso.

Qualquer psicólogo veria que você acredita em A por causa de tal e tal.
.. A é falso.

Alguém que tenha estudado superficialmente um pouco de psicologia pode destituir as visões
de outro nessa maneira. Uma resposta apropriada (mas desagradável) é "E qual é a explicação
psicológica do por que você confunde explicações psicológicas com refutações lógicas?"
Para mostrar que uma crença é falsa, devemos argumentar contra o conteúdo da crença; não é
suficiente explicar como a crença veio a ser formada. Esta próxima falácia tem duas formas
relacionadas:

Apelo à ignorância
Ninguém provou A.
.. A é falso.

Ninguém refutou A.
.. A é verdadeiro.

Ninguém provou que existe Deus.


. Deus não existe.

Ninguém provou que Deus não existe.


.. Deus existe.

Algo que não é provado pode ainda ser verdadeiro, assim como algo que não é refutado pode
ainda ser falso. Um "apelo à ignorância" deve ter uma dessas formas; não é qualquer caso em que
alguém fala por ignorância. Esta próxima utiliza nomes em latim que significam " depois disto,
portanto por causa disto.».

Post boc ergo propter boc


A aconteceu depois de B.
.. A foi causado por B.

Paul tomou uma cerveja e então obteve 104% em seu teste de lógica.
.. Ele obteve 104% porque tomou uma cerveja.

A premissa é verdadeira (havia pontos de bônus). Alguns estudantes concluíram: "Então, se eu


tomar uma cerveja antes do teste, eu vou obter 104%" e "Se eu tomar seis cervejas, eu vou obter 624%".
Provar conexões causais requer mais do que simplesmente a sequência de dois fatores; pode ser que
os fatores simplesmente tenham ocorrido simultaneamente. Não é nem mesmo suficiente que os fatores
sempre ocorram simultaneamente; dia sempre segue a noite, e noite sempre segue o dia, mas nenhum
causa o outro. Provar conexões causais é difícil.

Esta próxima falácia é também chamada divisão-composição:

Parte-todo
Isto é F.
.. Toda parte disto é F.
Toda parte disto é F.
.. Isto é F.

Meu ensaio é bom.


. Toda sentença de meu ensaio é boa.
Toda sentença de meu ensaio é boa.
.. Meu ensaio é bom.

O primeiro argumento não é correto, pois um ensaio pode ser bom apesar de possuir algumas
sentenças pobres. O segundo não é correto, pois cada sentença do ensaio pode ser boa sem que o ensaio
como um todo seja bom; as sentenças individuais bem escritas podem não fazer sentido juntas. Então
algo pode ser verdadeiro sobre o todo sem ser verdadeiro sobre as partes; e algo pode ser verdadeiro
sobre as partes sem ser verdadeiro sobre o todo. Uma propriedade que caracteriza um todo, mas
nenhuma de suas partes, é às vezes chamada uma propriedade de emergência; por exemplo, estar vivo
é uma propriedade que uma célula possui mas que nenhuma das moléculas que a compõem possui - e
água pode ser clara e molhada sem que móleculas individuais de H2O sejam claras e molhadas. De
modo mais controverso, alguns dizem que pensar é uma propriedade de emergência que o cérebro
possui, mas que nenhuma de suas células possui.
Em casos raros, essas formas de falácias podem ser abreviações de bons raciocínios. Suponha
que você saiba que pessoas em sua sociedade quase nunca possuem crenças falsas; então este " apelo
à multidão" pode ser um raciocínio indutivo correto:

Quase sempre, o que a maioria das pessoas em minha sociedade acredita é verdadeiro.
A maioria das pessoas em minha sociedade acredita que A.
Isso é tudo que sabemos sobre a questão.
.. Provavelmente A é verdadeiro.

Ou suponha que você saiba que seu oponente Jones está sempre
errado. Então isto pode ser raciocínio correto:

Tudo que Jones diz é falso


Jones diz A
.. então A é falso.

Mas formas corretas dessas seis falácias não são usuais na vida real. Nosso próximo grupo
contém três tipos de raciocínio que possuem tanto formas corretas como formas falaciosas. Este
primeiro tipo de argumento apela à opinião especializada:

Apelo à autoridade - forma correta:


X sustenta que A é verdadeiro.
X é uma autoridade no assunto.
O consenso de autoridades concorda com X.
.. Existe uma presunção de que A seja verdadeiro.

Formas incorretas omitem premissas 2 e 3, ou concluem que A deve ser verdadeiro.


Seu médico disse A.
Ele é uma autoridade no assunto.
As outras autoridades concordam com ele.
.. Existe uma presunção de que A seja verdadeiro.

Esta conclusão significa que devemos acreditar em X, a não ser que tenhamos evidências
especiais do contrário. Se nosso médico é uma grande autoridade e o consenso das autoridades é amplo,
então o argumento se torna mais forte; mas nunca é conclusivo. Todas as autoridades no mundo podem
concordar sobre algo que posteriormente se verifica como errado; então não devemos pensar que algo
deve ser porque as autoridades disseram isso. Também é errado apelar a uma pessoa que não é uma
autoridade no campo (um herói do esporte patrocinando produtores de café, por exemplo). E, por fim,
é fraco apelar a uma autoridade (com respeito à segurança de uma usina nuclear, por exemplo) quando
as autoridades discordam amplamente. O apelo à autoridade pode dar errado de diferentes maneiras.
Todavia, muitas de nossas crenças confiáveis (que Washington foi o primeiro presidente dos
EUA, por exemplo, ou que existe um tal país como o Japão) repousam sobre os dizeres de outros. Uma
"autoridade" deve ser uma calculadora ou um computador ao invés de um humano. Minha calculadora
se mostrou confiável, e ela dá o mesmo resultado que outras calculadores confiáveis. Então eu acredito
quando ela me diz que 679 x 177 = 120.183.
Esta próxima utiliza um nome em latim que significa "contra a pessoa" (oposto ‘a ad rem,'
"sobre a questão"):

Ad hominem - forma correta:


X sustenta que A é verdadeiro.
Ao sustentar isso, X viola padrões racionais legitimados (por exemplo, X é inconsistente, enviesado,
ou erroneamente informado).
:. X não é inteiramente racional ao sustentar A.

Formas incorretas utilizam fatores irrelevantes com relação à competência racional


(por exemplo, X é um membro de um grupo odiado ou bate em sua mulher) ou concluem que A é
falso.

Exercício:
Identifique as falácias nos exemplos seguintes. Nem todas são claras; alguns exemplos são
controversos e alguns cometem mais que uma falácia. Todos os exemplos aqui são falaciosos. Utilize
estes rótulos para identificar as falácias:

aa = apelo à autoridade am = apelo à multidão ae = apelo à emoção


ah = ad hominem ai = apelo à ignorância
ab = ambíguo ap = além do ponto
ci = circular ge = genético op = oposição
ph = post-boc pt = parte-todo hp = homem de palha

1. Este herói do esporte faz propaganda de uma pipoqueira na TV. Ele diz que é a melhor pipoqueira,
então isso deve ser verdadeiro.
Este é um incorreto apelo à autoridade.
Não existe nenhuma razão para pensar que um herói do esporte é uma autoridade em pipoqueira.

1. Ninguém mais aceita esta teoria, então ela deve estar errada. (am)
2. Os republicanos dizem que eles são contra “governo grande”. Mas o que eles realmente querem
é eliminar todo serviço social para aqueles sem necessidade, para que os ricos se tornem mais ricos
ainda. (hp)
3. O veto do presidente foi a ação correta. Nestes tempos conturbados precisamos de liderança
decisiva, mesmo em face da oposição. Deveríamos todos agradecer o presidente por sua ação
corajosa. (ci, ae, op)
4. Cada membro deste time é invencível, então este time deve ser invencível. (pt)
5. Meu médico me disse para perder peso e parar de fumar. Mas ele está acima do peso e fuma,
então posso seguramente ignorar seu conselho. (ah)
6. Crença em Deus é explicada em termos da necessidade de uma figura paterna; então ela é
falsa. (ge)
7. Existem leis científicas. Onde há lei deve haver um legislador. Portanto, alguém deve ter
determinado as leis científicas para governar nosso universo, e esse alguém só poderia ser Deus. (ph?)
8. O advogado de defesa alega que há dúvida de que Smith cometeu o crime. Mas, eu pergunto,
você deixará este crime terrível sair sem punição por causa disso? Veja o crime; veja quão horrível
foi! Então você vê claramente que o crime foi horrível e que Smith deve ser condenado. (ae)
9. Este é um propósito estúpido e chocante. Seu autor deve ser ou um vagabundo desonesto ou
um completo idiota. (ae, ah)
10. Aristóteles disse que objetos pesados caem mais rápido que objetos leves, então isso deve
ser verdade. (aa)
11. Cada uma destas dúzias de biscoito (ou bebidas) por si mesma não é nociva; apenas um não
machucará! Portanto, comer estas dúzias de biscoitos (ou bebidas) não é nocivo. (pt)
12. Antes que Barack Obama se tornasse o candidato democrata para a presidência dos EUA,
ele concorreu em uma série de eleições prévias. Ele notou que ele jogou basquete antes das prévias
em Iowa, e então ganhou o voto, enquanto ele negligenciou jogar antes das prévias de New Hampshire,
e então ele perdeu. Ele concluiu (de brincadeira): "Neste ponto eu estava certo que eu deveria jogar
em toda prévia. (ph)
13. Somente homens são animais racionais. Nenhuma mulher é um homem. Portanto, nenhuma
mulher é um animal racional. (ab)

Bibliografia:

GENSLER, Harry J. Introdução à lógica. Trad. de Christian Marcel de Amorim. São Paulo: Paulus, 2016, p.7-44.

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