Você está na página 1de 68

ISSN 0100-7254

Publicação oficial da Federação Brasileira das


Associações de Ginecologia e Obstetrícia
Volume 50, Número 9, 2022

PESSOAS
TRANS
Como deve ser o
aconselhamento
contraceptivo para o
paciente transgênero
designado mulher
ao nascimento

ENTREVISTA
Homens trans e o
planejamento familiar

RESIDÊNCIA
MÉDICA
O que caracteriza um
profissional exemplar?

CADERNO CIENTÍFICO | Febrasgo Position Statement e artigos aprovados pelas comissões da Febrasgo
Publicação oficial da Federação Brasileira
das Associações de Ginecologia e Obstetrícia

Volume 50, Número 9, 2022

DIRETORIA CORPO EDITORIAL


PRESIDENTE EDITORES
Agnaldo Lopes da Silva Filho (MG) Marcos Felipe Silva de Sá
DIRETOR ADMINISTRATIVO Sebastião Freitas de Medeiros
Sérgio Podgaec (SP)
COEDITOR
DIRETOR CIENTÍFICO
César Eduardo Fernandes (SP) Gerson Pereira Lopes
DIRETOR FINANCEIRO EDITOR CIENTÍFICO DE HONRA
Olímpio B. de Moraes Filho (PE) Jean Claude Nahoum
DIRETORA DE DEFESA E VALORIZAÇÃO PROFISSIONAL
Maria Celeste Osório Wender (RS) EX-EDITORES-CHEFES
Jean Claude Nahoum
VICE-PRESIDENTE REGIÃO CENTRO-OESTE
Marta Franco Finotti (GO) Paulo Roberto de Bastos Canella

VICE-PRESIDENTE REGIÃO NORDESTE


Maria do Carmo Borges de Souza
Carlos Augusto Pires C. Lino (BA) Carlos Antonio Barbosa Montenegro
VICE-PRESIDENTE REGIÃO NORTE Ivan Lemgruber
Ricardo de Almeida Quintairos (PA) Alberto Soares Pereira Filho
VICE-PRESIDENTE REGIÃO SUDESTE Mário Gáspare Giordano
Marcelo Zugaib (SP) Aroldo Fernando Camargos
VICE-PRESIDENTE REGIÃO SUL Renato Augusto Moreira de Sá
Jan Pawel Andrade Pachnicki (PR)

DESEJA FALAR COM A FEBRASGO?


PRESIDÊNCIA
Avenida Brigadeiro Luís Antônio, 3.421,
conj. 903 – CEP 01401-001 – São Paulo, SP
Telefone: (11) 5573-4919
Femina® é uma revista oficial da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações
SECRETARIA EXECUTIVA de Ginecologia e Obstetrícia) e é distribuída gratuitamente aos seus sócios.
Avenida das Américas, 8.445, sala 711 É um periódico editado pela Febrasgo, Open Access, indexado na LILACS (Literatura
CEP: 22793-081 – Rio de Janeiro, RJ Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde).
Telefone: (21) 2487-6336 A Febrasgo, a revista Femina e a Modo Comunicação não são responsáveis
Fax: (21) 2429-5133 pelas informações contidas em artigos assinados, cabendo aos autores total
responsabilidade por elas.
EDITORIAL
A revista Femina é uma publicação de acesso livre CC-BY (Creative
Bruno Henrique Sena Ferreira Commons), a qual permite a citação e a reprodução de seus
editorial.office@Febrasgo.org.br conteúdos, porém protegida por direitos autorais. É permitido citar e
reproduzir seu conteúdo desde que sejam dados os devidos créditos
PUBLICIDADE
ao(s) autor(es), na maneira especificada por ele(s) em seu(s) artigo(s).
Tatiana Mota
gerencia@Febrasgo.org.br Produzida por: Modo Comunicação. Editor: Maurício Domingues; Jornalista: Letícia
Martins (MTB: 52.306); Revisora: Glair Picolo Coimbra. Correspondência: Rua Leite
www.Febrasgo.org.br Ferraz, 75, Vila Mariana, 04117-120. E-mail: contato@modo.art.br
Publicação oficial da Federação Brasileira
das Associações de Ginecologia e Obstetrícia

CONSELHO EDITORIAL

Agnaldo Lopes da Silva Filho Hélio de Lima Ferreira Mauri José Piazza
Alberto Carlos Moreno Zaconeta Fernandes Costa
Newton Eduardo Busso
Alex Sandro Rolland de Souza Hélio Sebastião Amâncio
Olímpio Barbosa de Moraes Filho
de Camargo Júnior
Ana Carolina Japur de Sá Rosa e Silva Paulo Roberto Dutra Leão
Jesus Paula Carvalho
Antonio Rodrigues Braga Neto Paulo Roberto Nassar de Carvalho
Jorge Fonte de Rezende Filho
Belmiro Gonçalves Pereira
José Eleutério Junior Regina Amélia Lopes
Bruno Ramalho de Carvalho Pessoa de Aguiar
José Geraldo Lopes Ramos
Camil Castelo Branco Renato de Souza Bravo
José Mauro Madi
Carlos Augusto Faria Renato Zocchio Torresan
Jose Mendes Aldrighi
César Eduardo Fernandes Ricardo de Carvalho Cavalli
Julio Cesar Rosa e Silva
Claudia Navarro Carvalho Rodolfo de Carvalho Pacagnella
Duarte Lemos Julio Cesar Teixeira
Rodrigo de Aquino Castro
Cristiane Alves de Oliveira Lucia Alves da Silva Lara
Rogério Bonassi Machado
Cristina Laguna Benetti Pinto Luciano Marcondes
Corintio Mariani Neto Machado Nardozza Rosa Maria Neme

David Barreira Gomes Sobrinho Luiz Gustavo Oliveira Brito Roseli Mieko Yamamoto Nomura

Denise Leite Maia Monteiro Luiz Henrique Gebrim Rosires Pereira de Andrade
Edmund Chada Baracat Marcelo Zugaib Sabas Carlos Vieira
Eduardo Cordioli Marco Aurélio Albernaz Samira El Maerrawi
Marco Aurelio Pinho de Oliveira Tebecherane Haddad
Eduardo de Souza
Fernanda Campos da Silva Marcos Felipe Silva de Sá Sergio Podgaec

Fernando Maia Peixoto Filho Maria Celeste Osório Wender Silvana Maria Quintana

Gabriel Ozanan Marilza Vieira Cunha Rudge Soubhi Kahhale


Garibalde Mortoza Junior Mário Dias Corrêa Júnior Vera Lúcia Mota da Fonseca
Geraldo Duarte Mario Vicente Giordano Walquíria Quida Salles Pereira Primo
Gustavo Salata Romão Marta Francis Benevides Rehme Zuleide Aparecida Felix Cabral
EDITORIAL

M
ulher, na definição dela, é sempre mulher. Femina existe por e
para ela. Neste volume, a Femina mostra sua preocupação com
as estratégias contraceptivas para a mulher transgênero. O artigo
de capa, de leitura fácil, elaborado por três dos nossos especialistas da
Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto, traz as orientações do Mi-
nistério da Saúde relativas a esse tema e propõe modelo de atendimento
fundamentado em 11 estudos. Sete desses estudos, usados para construir
essa revisão, trazem detalhes acerca das possibilidades cirúrgicas e dos
protocolos clínicos, e dois fluxogramas facilitam a tomada de decisão. Em
nome dos leitores, os editores são gratos aos autores. Esse tópico é ainda
premiado por uma entrevista da jornalista Letícia com cinco ginecologis-
tas envolvidos no atendimento de mulheres e homens trans. O texto é
elegante, e a jornalista Letícia iça-nos do mundo invisível ao mundo real!
As barreiras para o acesso da população trans ao sistema de saúde pú-
blica são “levantadas” por dois professores da Pontifícia Universidade Ca-
tólica do Paraná, no Caderno Científico. A revisão publicada neste volume
examinou mais de 30 artigos publicados entre 2008 e 2020, e completa o
artigo de capa.
Os implantes de gestrinona e suas controvérsias são tratados em tex-
to de cinco professores da Bahia, berço dos estudos desse esteroide no
país. Esses estudos foram liderados pelo professor Elsimar há mais de 40
anos. No entanto, os estudos translacionais de animais para humanos
com foco no tratamento da endometriose ou como contraceptivo são es-
cassos. Além de a gestrinona causar eventos adversos, levando à alta taxa
de descontinuidade, seu uso em mulheres, mesmo em menores doses e
por via oral, foi suspenso e desaconselhado pela Anvisa em 2008. Mesmo
diante do uso abusivo no Brasil, de não ser ship e nem trazer beleza à
mulher, está proibida pela Anvisa. As sociedades científicas do país tam-
bém não recomendam seu uso. Por ser grande leitor da endocrinologia
metabólica, endosso as recomendações para o não uso. Infelizmente, te-
nho ex-alunos que, mesmo não conhecendo detalhes da endocrinologia,
a estão prescrevendo. A residência médica é tratada por dois professores
da Universidade Federal da Bahia envolvidos na educação médica, que
clamam pelo profissionalismo dos novos egressos e recomendam o uso
dos instrumentos “avaliação 360 graus e exercícios de miniavaliação do
profissionalismo”, disponíveis na literatura. A Comissão Nacional de Va-
lorização Profissional examina a nova lei (nº 14.443/2022) que trata da
vasectomia e laqueadura tubária no país. A contextualização é necessária
e foca a real necessidade de trabalharmos a anticoncepção no país. Por
outro lado, quem se dedica à reprodução humana como subespeciali-
dade percebe com clareza que, pela atual movimentação social, os dois
procedimentos cirúrgicos são pouco recomendáveis.
A Febrasgo coloca com clareza sua posição em relação à vacinação
para a doença meningocócica. O texto, redigido por quatro membros da
Comissão Nacional Especializada em Vacinas da Febrasgo, destaca oito
pontos-chave e nove recomendações, sendo útil tanto para obstetras
como para ginecologistas. Em revisão sistemática, a intervenção fisiotera-
pêutica no vaginismo é resumida com base em quatro publicações, sendo
três estudos clínicos randomizados e um estudo de caso. Cinesioterapia,
dessensibilização, eletroestimulação e terapia manual trazem benefício,
conclui a revisão. O uso de DIUs como contracepção de emergência é
revisto por três professores de Minas Gerais. A revisão é narrativa e mos-
tra o SIU-LNG como método não inferior ao DIU de cobre. Rotura uterina
e alternativas da antibioticoterapia das infecções urinárias recorrentes
constam em revisões narrativas que enriquecem este volume de Femina.
Que rosas de diferentes cores sejam uma só neste outubro brasileiro!
Boa leitura.
Sebastião Freitas de Medeiros
EDITOR
SUMÁRIO

518 Capa

Aconselhamento
contraceptivo
para o paciente
transgênero
designado
mulher ao
nascimento

527 Entrevista

Invisíveis,
porém reais
Publicação oficial da Federação Brasileira
das Associações de Ginecologia e Obstetrícia
Volume 50, Número 9, 2022

532 Opinião dos especialistas

Implantes com gestrinona:


suas controvérsias
543 Caderno Científico
535 Federada
FEBRASGO POSITION STATEMENT
Assogiro
Vacinação para doença
Agregar para fazer meningocócica
a diferença
ARTIGO ORIGINAL

A importância da intervenção
fisioterapêutica no vaginismo:
uma revisão sistemática

ARTIGOS DE REVISÃO
537 Residência Médica
Dispositivos intrauterinos na
O profissionalismo na contracepção de emergência:
residência médica em novas perspectivas para o
ginecologia e obstetrícia uso do sistema intrauterino
liberador de levonorgestrel
Barreiras para o acesso à saúde
pública da população trans no
Brasil: uma revisão narrativa
Rotura uterina: da suspeita
ao tratamento
Alternativas aos antibióticos
541 Defesa e Valorização Profissional
na profilaxia das infecções
Nova lei facilita o acesso a urinárias recorrentes não
laqueadura e vasectomia complicadas na mulher
518 | FEMINA 2022;50(9):518-26
CAPA

Aconselhamento
contraceptivo para o
paciente transgênero
designado mulher
ao nascimento
Sérgio Henrique Pires Okano¹,², Giovanna Giulia Milan Pellicciotta¹,
Giordana Campos Braga¹,²

RESUMO
Apesar de 0,7% da população brasileira se identificar como transgênero,
não existe treinamento para que o profissional de saúde realize um aco-
lhimento de maneira integral a esse paciente, incluindo a discussão do
planejamento reprodutivo. O uso de testosterona promove amenorreia nos
primeiros meses de uso, entretanto esse efeito não garante eficácia con-
traceptiva e, consequentemente, aumenta os riscos de uma gravidez não
planejada. Trata-se de uma revisão integrativa com o objetivo de avaliar e
organizar uma abordagem do aconselhamento contraceptivo na população
Descritores transgênero que foi designada mulher ao nascimento. Realizou-se busca
Transgênero; Contracepção;
estratégica em PubMed e Embase, bem como em guidelines internacionais,
Testosterona
sobre cuidados à população transgênera. De 88 artigos, 11 foram utilizados
1. Universidade de Ribeirão Preto, para desenvolver o modelo de aconselhamento contraceptivo. O modelo
Ribeirão Preto, SP, Brasil. segue as seguintes etapas: (1) Abordagem das informações relacionadas
2. Faculdade de Medicina, à necessidade de contracepção; (2) Avaliação das contraindicações ao uso
Universidade de São Paulo, Ribeirão dos métodos contraceptivos (hormonais e não hormonais); (3) Efeitos co-
Preto, SP, Brasil.
laterais e possíveis desconfortos associados ao uso do contraceptivo. O
Conflitos de interesse: modelo de aconselhamento contraceptivo é composto de 20 questões que
Nada a declarar. abordam as indicações e contraindicações ao uso desses métodos e um
fluxograma que auxilia na escolha entre os métodos permitidos ao pacien-
Autor correspondente: te de acordo com a sua necessidade.
Sérgio Henrique Pires Okano
Av. Costábile Romano, 2.201, 14096-
900, Ribeirão Preto, SP, Brasil INTRODUÇÃO
sergio.okano@usp.br
Transgênero é o indivíduo cuja identidade de gênero difere de seu sexo atri-
Como citar: buído no nascimento, independentemente de realização de procedimentos
Okano SH, Pellicciotta GG, Braga GC. corporais de afirmação de gênero.(1) No Brasil, a prescrição de hormônios para
Aconselhamento contraceptivo para a aquisição de caracteres sexuais do gênero vivenciado (hormonização cruza-
o paciente transgênero designado
mulher ao nascimento. Femina.
da) deve ser realizada segundo as orientações do Processo Transexualizador
2022;50(9):518-26. regulamentado pela Portaria nº 2.803/2013, do Ministério da Saúde, e pela
Resolução nº 2.265/2019, do Conselho Federal de Medicina.(2,3)
*Este artigo é a versão em língua Segundo Spizzirri et al. (2021),(4) 0,69% (intervalo de confiança [IC] de 95%:
portuguesa do artigo “Contraceptive 0,48-0,90) da população brasileira se identifica como trans e 1,19% (IC de 95%:
Counseling for the Transgender
Patient Assigned Female at Birth”,
0,92-1,47), como não binária e estão em idade reprodutiva (32,8 ± 14,2 anos; IC de
publicado na Rev Bras Ginecol 95%: 28,5-37,1). Apesar desses números, a população enfrenta diversas barrei-
Obstet. 2022;44(9):884-90. ras de acesso às redes de saúde devido a sua invisibilidade. O cuidado integral,

FEMINA 2022;50(9):518-26 | 519


Okano SH, Pellicciotta GG, Braga GC

que deve se pautar na promoção de saúde, prevenção de valerato de estradiol) e progestagênios, o que garante
doenças, rastreio de condições clínicas e eventuais tra- maior previsibilidade do sangramento e controle da
tamentos, geralmente, é negado ou negligenciado a essa acne e do hirsutismo.(16) Entretanto, a presença do es-
população, assim como a atenção à saúde reprodutiva e, trogênio, sobretudo o etinilestradiol, aumenta as chan-
consequentemente, a contracepção.(5) ces do desenvolvimento de doenças tromboembólicas,
Pessoas que são designadas como mulheres no nas- o que limita o seu uso a um grupo restrito de pessoas.(17)
cimento podem se identificar como homens ou com Pessoas portadoras ou tratadas de câncer de mama não
qualquer outra expressão do gênero não binária dife- devem utilizar nenhuma contracepção hormonal devido
rente do feminino. Entende-se como transexual mascu- ao aumento de risco de recidiva.(18,19)
lino (TMs) os indivíduos que possuem uma identidade Os dispositivos intrauterinos (DIU) não atuam por
de gênero masculino, mas foram designados como mu- mecanismos baseados na alteração do eixo hipotála-
lheres no nascimento. A orientação sexual das pessoas mo-hipófise-gonadal. Os que possuem cobre liberam
transgênero independe da sua identidade de gênero, íons desse metal, que são espermicidas e impedem a
ou seja, TMs podem se relacionar com pessoas de iden- capacitação espermática,(20,21) enquanto os sistemas
tidade masculina, feminina e/ou não binária, e, dessa intrauterinos liberadores de levonorgestrel (SIU-LNG)
forma, estar sujeitos à gestação quando ainda possuem contemplam os mesmos mecanismos dos métodos
útero e ovários e sua parceria sexual fértil possui pê- combinados, exceto pela inibição do eixo hipotálamo-
nis.(6) Uma coorte identificou que pessoas trans estão -hipófise-ovariano na maioria das usuárias.(22)
em potencial risco de gravidez; nela, apenas 20% dos
homens trans usavam contracepção, e mais da metade Uso da testosterona e contracepção
não eram orientados quanto ao uso de contracepção
após o início do tratamento hormonal.(7) Outro levanta- O uso da testosterona promove a aquisição dos carac-
mento americano demonstrou que 24% das gestações teres sexuais secundários masculinos, como ganho de
em TMs ocorrem sem planejamento, sobretudo devido à massa magra, hipertrofia muscular, engrossamento do
não orientação sobre os métodos contraceptivos e à fal- timbre da voz e aparecimento e crescimento de pelos.(23)
sa concepção de que a testosterona possui esse efeito.(8) Embora não seja um método contraceptivo, o seu uso
está associado à amenorreia em uma parcela significa-
tiva de TMs.(9) E, por esse motivo, erroneamente, 16,4%
Procedimentos cirúrgicos e contracepção a 31% dos homens trans acreditam que a testosterona
A pan-histerectomia e a ooforectomia são procedimen- seja um contraceptivo.(7,10,24)
tos indicados nos pacientes que desejam a afirmação ci- A presença de estrogênio nos métodos contracepti-
rúrgica do gênero. Como ocorre a retirada desses órgãos, vos é um dos fatores que leva os TMs em hormonização
essenciais ao processo reprodutivo, não há necessidade ao uso de métodos não hormonais ou de progestagê-
de discutir contracepção com os TMs que realizaram es- nio isolado.(9,10,25,26) Atualmente, não há estudos que de-
sas cirurgias.(9,10) Entretanto, o planejamento familiar por monstrem um impacto do uso da testosterona sobre a
meio do congelamento de gametas ou embriões é uma contracepção nem que a associação dessa medicação
possibilidade pré-tratamento de fertilidade e deve ser com a contracepção combinada aumente os riscos do
oferecido a todos os TMs previamente ao início da tera- desenvolvimento de tromboembolismo venoso.(9,26) E,
pêutica hormonal e cirúrgica.(5) portanto, recomenda-se cautela na prescrição do estro-
gênio por falta de dados relativos à sua segurança e aos
Métodos contraceptivos efeitos colaterais nessa população.(27) A prescrição de
métodos contraceptivos deve, portanto, seguir as mes-
A contracepção deve ser discutida com todas as pessoas mas diretrizes propostas pelo Center for Disease Control
que apresentam risco de gestações não planejadas.(7,9-11) (CDC) e pela Organização Mundial de Saúde (OMS) rela-
No Brasil, há maior prevalência do uso de pílulas orais cionadas à contracepção em mulheres cis.(13,14,28)
(29,7%) por mulheres cis, seguido pela laqueadura tubá- Sendo assim, o objetivo desta revisão é avaliar e or-
ria (14%) e preservativo externo (10%).(12) ganizar uma abordagem do aconselhamento contracep-
Os métodos hormonais são divididos em dois grupos: tivo na população transgênero que foi designada mu-
contraceptivos combinados e de progestagênio isolado.(13,14) lher ao nascimento.
Métodos hormonais atuam inibindo o pico de hormônio
luteinizante (LH), responsável pela ovulação; alteram o
muco cervical, impedindo a ascensão dos espermatozoi- MÉTODOS
des à cavidade uterina; prejudicam a motilidade tubária Trata-se de uma revisão integrativa da literatura cuja fi-
das trompas de Falópio, impedindo que o óvulo se des- nalidade foi organizar o que existe de evidência sobre os
loque para a cavidade uterina; e altera as características cuidados e as particularidades do aconselhamento con-
endometriais, tornando o útero hostil à implantação.(15,16) traceptivo em TMs e o desenvolvimento de um modelo de
Os contraceptivos combinados são compostos por abordagem para essa discussão. A busca foi estruturada
uma associação de estrogênios (seja etinilestradiol ou em quatro eixos: indicações e contraindicações ao uso de

520 | FEMINA 2022;50(9):518-26


ACONSELHAMENTO CONTRACEPTIVO PARA O PACIENTE TRANSGÊNERO DESIGNADO MULHER AO NASCIMENTO

contraceptivos, uso de tratamento hormonal com testos- Foram encontrados 82


terona e interferências com o uso da contracepção, efeitos estudos nas bases de
7 estudos foram excluídos
colaterais do uso de contracepção em homens trans com dados e 6 guidelines
por duplicidade
uso ou não de tratamento hormonal cruzado e possíveis sobre cuidados com
desconfortos relacionados ao método e exacerbação da transexual masculino
disforia de gênero. Foram utilizadas as bases de dados Foram excluídos artigos
do PubMed e Embase, incluindo também guidelines in- em idioma diferente
56 artigos foram excluídos
ternacionais sobre cuidados à população transgênero da do inglês e português,
após a leitura dos resumos
cujos resumos não
Universidade da Califórnia, da Sociedade Internacional respondiam a pergunta
de Endocrinologia, da World Professional Association
for Transgender Heath (WPATH) e da Sociedade de
Planejamento Familiar.(23,25,27,29,30) As palavras-chave “trans- 20 artigos foram excluídos
31 artigos foram
gender” e “contraceptive” foram utilizadas para busca nas por não conterem as
considerados elegíveis
bases de dados (Apêndice com a estratégia de busca). informações necessárias
para a leitura integral
para a construção do artigo
Foram considerados artigos publicados nos últimos 10
anos que avaliaram a contracepção em TMs, publicados
em língua inglesa e portuguesa, quantitativos e quali- 11 artigos foram
tativos, cujos desenhos eram ensaios clínicos, coortes, incluídos na construção
transversais, revisões sistemáticas e metanálises, que deste modelo de
avaliavam pelo menos um dos desfechos relacionados à aconselhamento
contracepção nessa população. Foram avaliados artigos
Figura 1. Fluxograma
que pertenciam a referências bibliográficas encontradas
nesses artigos, quando pertinentes.

às informações relacionadas à necessidade de contra-


RESULTADOS cepção e benefícios não contraceptivos dos métodos
Foram encontrados 88 artigos, dos quais sete foram hormonais; (2) avaliação das contraindicações ao uso
excluídos por duplicidade. Dos 81 artigos restantes, 56 dos métodos contraceptivos (hormonais e não hormo-
foram excluídos por não conterem informações no re- nais); (3) efeitos colaterais e possíveis desconfortos as-
sumo sobre as perguntas do estudo, ou cujo resumo es- sociados ao uso do método.
tava indisponível no idioma inglês ou português. Vinte
e cinco artigos foram lidos na íntegra e 11 foram incluí- Acessando informações relacionadas à
dos para síntese e elaboração do modelo de abordagem necessidade de contracepção e benefícios não
(Figura 1). Os artigos incluídos encontram-se tabelados contraceptivos dos métodos hormonais
resumidamente no quadro 1.
TM em idade fértil que não realizaram a histerectomia
ou a ooforectomia e que se relacionam com pessoas que
DISCUSSÃO possuem pênis possuem risco de gravidez, inclusive se
A discussão e construção do modelo de acolhimento em amenorreia em uso de testosterona.(8) A escolha do
contraceptivo foi organizada em três etapas: (1) acesso método contraceptivo também deve incluir abordagem

Quadro 1. Artigos usados ​​para a revisão de literatura

Ano de
Autores publicação País Principais resultados
Krempasky et al. (9)
2020 EUA Trans masculinos (TMs) merecem o mesmo acesso abrangente ao
cuidado que seus pares cisgênero. O contraceptivo mais adequado é,
em última análise, o escolhido pelo paciente. Após fornecer informações
introdutórias, o aconselhamento contraceptivo detalhado subsequente
deve ser adaptado às opções de seu interesse. Àqueles que desejam
contracepção, deve ser oferecida uma consulta de planejamento
familiar na qual médicos qualificados possam prestar o serviço.
Montoya et al.(31) 2021 EUA A compreensão da contracepção, da construção familiar e dos
cuidados de afirmação de gênero são importantes preocupações
de saúde reprodutiva para os indivíduos LGBTQI. O aconselhamento
adequado de afirmação de gênero permite que os provedores se
envolvam em decisões compartilhadas e solidárias sobre contracepção
com seus pacientes TMs. A terapia de testosterona não substitui
a contracepção, mesmo quando a amenorreia é alcançada.

FEMINA 2022;50(9):518-26 | 521


Okano SH, Pellicciotta GG, Braga GC

Nisly et al.(32) 2018 EUA Dispositivos intrauterinos (DIUs) não hormonais são frequentemente
usados para evitar o efeito hormonal das contracepções hormonais.
A percepção do efeito hormonal também pode ser assustadora para
um homem transgênero que não gostaria de ter efeito de estrogênio
ou progesterona. Os efeitos associados aos métodos de contracepção
mais temidos pelos contraceptivos hormonais incluem redução do
tamanho clitoriano ou aumento da mama (reversão da masculinização).
Gorton e Erickson-Schroth(33) 2017 EUA A hormonioterapia proporciona benefícios significativos, permitindo
que muitos pacientes vivam como homens na sociedade
após dois anos de tratamento. Nenhum risco aumentado de
malignidade ou desfechos cardiovasculares com terapia hormonal
foi demonstrado na literatura, embora pequenos aumentos
possam não ser detectáveis no nível atual de evidência.
Obedin-Maliver e de Haan(34) 2017 EUA Se não houver contraindicações à contracepção oral combinada (COC),
um regime contínuo de baixa dose pode ser prescrito. O sistema
intrauterino liberador de levonorgestrel (SIU-LNG) também é uma
opção, especialmente para pacientes que têm contraindicação ou
aversão conceitual a compostos contendo estrogênio. O acetato de
medroxiprogesterona injetável ou a progestina oral diária também
podem ser considerados para sangramentos menstruais persistentes.
Mehringer e Dowshen(35) 2019 EUA A COC pode ser usada tanto para contracepção quanto para
supressão menstrual. As COCs são menos eficazes do que os
métodos de longa duração para a contracepção. O estrogênio pode
ser percebido como um hormônio “feminino”. O anel pode ser uma
opção menos desejável para alguns indivíduos transmasculinos,
que podem não se acostumar com a manipulação vaginal durante
a inserção/retirada. O acetato de medroxiprogesterona (DMPA) é
frequentemente uma opção popular para a regulação menstrual
entre os jovens transmasculinos, porque a progestina tem um efeito
mais androgênico, em comparação com outras progestinas. O DIU
não contém hormônios e, como resultado, não fornece supressão
menstrual. Padrões de sangramento com o DIU hormonal são
variáveis. Padrões sanguíneos de implantes de etonogestrel são muito
imprevisíveis e podem incluir sangramento prolongado irregular ou
manchas, amenorreia ou aumento da frequência de sangramento.
Wilczynski e Emanuele(36) 2014 EUA Progestinas orais podem diminuir a secreção andrógena.
Contraceptivos orais podem ser usados para parar a menstruação.

sobre o impacto do ciclo ovulatório na qualidade de vida para guiar as contraindicações desses métodos contra-
do TM. Queixas como sangramento, cólicas, sintomas da ceptivos com base nos guidelines para uso de métodos
síndrome da tensão pré-menstrual (TPM) e dor associada contraceptivos do CDC e OMS para mulheres cis.(13,14)
a ovulação podem resultar em desconforto físico e psico- O modelo de investigação é composto de cinco nú-
lógico.(5) Sintomas relacionados ao período que antecede cleos de perguntas que contêm 20 questões no total,
o sangramento vaginal podem exacerbar características sendo permitida a resposta dicotômica “sim” ou “não”.
disfóricas e devem ser observados e tratados sobretudo O primeiro núcleo busca avaliar a necessidade de con-
em pacientes que não podem ainda fazer uso da testos- tracepção do TM em atendimento, e qualquer resposta
terona, como os pacientes menores de 16 anos. positiva indica a discussão. Os demais núcleos avaliam
as contraindicações absolutas à contracepção, aos mé-
Avaliação das contraindicações ao todos contraceptivos hormonais, aos métodos contra-
uso dos métodos contraceptivos ceptivos hormonais combinados e ao uso de DIU, res-
(hormonais e não hormonais) pectivamente. A resposta positiva contraindica o seu
Todos os contraceptivos hormonais são contraindicados uso de acordo com a condição avaliada.
na presença de história de câncer de mama e hepatocar- Para a confecção do anexo 1, foram consideradas
cinoma; nessas condições, DIU de cobre, métodos com- como possibilidades para a prescrição as condições clí-
portamentais, espermicidas e métodos de barreira são nicas que se apresentaram como categorias 1 e 2 pelo
opções contraceptivas aceitáveis.(18,19) O uso de métodos manual da OMS; enquanto os critérios classificados como
combinados aumenta o risco do desenvolvimento de categorias 3 e 4 foram considerados como contraindica-
doenças cardiovasculares, doença biliar litiásica e hiper- ção ao uso dos métodos. Não foram consideradas condi-
trigliceridemia. O anexo I traz um modelo de anamnese ções como o pós-parto, nem serão discutidos métodos

522 | FEMINA 2022;50(9):518-26


ACONSELHAMENTO CONTRACEPTIVO PARA O PACIENTE TRANSGÊNERO DESIGNADO MULHER AO NASCIMENTO

comportamentais e definitivos (cirúrgicos) neste artigo, enquanto a prescrição da medroxiprogesterona de depó-


embora eles possam ser orientados a essa população. sito pode promover amenorreia em até 80% dos usuá-
rios.(43-45) Por outro lado, o uso de pílulas orais também
Efeitos colaterais e possíveis desconfortos pode remeter ao corpo e ao cuidado feminino e resultar
associados ao uso do contraceptivo em maior dificuldade com o uso, sobretudo das compo-
sições que possuem estrogênio.(27)
A escolha do método contraceptivo também deve le-
O acetato de medroxiprogesterona de depósito afeta o
var em consideração condições associadas a possíveis
metabolismo lipídico, reduzindo todas as suas frações.(14,46)
desconfortos relacionados ao uso ou inserção/retirada
Duas metanálises evidenciaram que o uso de testostero-
do método escolhido.(31-33) A exposição e a manipulação
na por TMs também reduz frações de HDL-colesterol.(47,48)
pélvica podem gerar desconforto físico, psicológico e/
Apesar desse efeito colateral, os dados ainda são insufi-
ou emocional.(6,34)
cientes para avaliar se tal modificação nas lípides desen-
Em alguns protocolos, a associação da testostero-
cadearia mais morte, infarto, acidente vascular cerebral
na a um método de progestagênio isolado no início da
ou trombose venosa em TMs.(47) Por esse motivo, a as-
terapêutica é recomendada, a fim de reduzir possíveis
padrões desfavoráveis de sangramento.(8,35,36) Krempasky sociação da testosterona ao acetato de medroxiproges-
et al. (2020)(9) identificaram que a redução ou cessação terona de depósito deve ser realizada com cautela em
dos sangramentos vaginais ocorre principalmente em pacientes que apresentem redução significativa do HDL.
usuários de progestagênios isolados e em usuários de O anexo 2 contempla um fluxograma para auxiliar na
métodos combinados de forma estendida (sem pausas). escolha dos métodos contraceptivos, com base no dese-
Algumas medicações como a injeção trimestral, im- jo do paciente, em três níveis. Em um primeiro momen-
plante subdérmico liberador de etonogestrel e SIU-LNG to, aborda a necessidade de contracepção: controle de
podem estar associados a maior risco de spotting e san- sintomas da síndrome da TPM, controle de sangramento
gramento.(37,38) O SIU-LNG, apesar de promover alta eficá- vaginal ou prevenção de gravidez. Em um segundo mo-
cia contraceptiva e diminuição de sangramento uterino mento, avalia os riscos e benefícios dessa associação à
a longo prazo,(39,40) não bloqueia a ovulação na maioria testosterona. E, por fim, avalia o desconforto com a ava-
dos ciclos,(22) promovendo, portanto, poucos benefícios liação ou manipulação genitopélvica do paciente.
relacionados à síndrome da TPM. Com relação aos sinto- A escolha de métodos comportamentais, de barrei-
mas relacionados com o sangramento vaginal e cólicas, ra ou cirúrgicos também não deve ser privada a essa
com exceção dos DIUs de cobre, todos os outros méto- população. TMs que não se importam com o padrão de
dos hormonais reduzem a cólica durante o período de sangramentos, queixas relacionadas ao ciclo ovulató-
sangramento vaginal. rio ou que simplesmente não desejam o uso de con-
TMs podem apresentar resistência ao uso do estro- tracepção combinada podem ser candidatos a outros
gênio na contracepção.(26,39) Em mulheres cis, o uso do métodos contraceptivos para prevenir uma gestação
etinilestradiol ou do valerato de estradiol aumenta a não planejada.
produção da proteína carreadora dos hormônios se- Apesar de existirem outros estudos que avaliam a ne-
xuais (SHBG), levando à redução da biodisponibilida- cessidade de contracepção na população de TMs,(28) este
de da testosterona; entretanto, não existem estudos artigo traz como sugestão um modelo de abordagem
que avaliem esse efeito em pessoas trans nem sobre ainda não testado. Uma limitação para o tema é a pe-
outros possíveis efeitos deletérios durante a transição quena quantidade de estudos prospectivos e randomi-
hormonal.(9,32) Alguns levantamentos relatam que o uso zados para avaliar a segurança dessas medicações em
de estrogênio exógeno por essa população pode, oca- TMs. Os estudos sobre o uso de contracepção e as con-
sionalmente, causar aumento e desenvolvimento das traindicações aos métodos para a população cisgênero
glândulas mamárias.(27) podem ter validade para a população trans, incluindo
Como não existem estudos que contraindicam o uso aqueles em uso de hormonização cruzada com testos-
de estrogênios associados a testosterona em TMs e o ris- terona, embora a maioria deles sejam estudos observa-
co de desenvolvimento de trombose é desconhecido nes- cionais, o que limita o grau de evidência dos resultados.
sa situação, é prudente oferecer inicialmente a prescrição
de progestagênios isolados aos usuários de testostero-
CONCLUSÃO
na.(10,26,27) Os contraceptivos combinados podem ser ofere-
cidos quando houver desejo ou benefício da associação Tanto ginecologistas quanto médicos generalistas pos-
desse hormônio para o paciente usuário da testosterona, suem dúvidas sobre as particularidades da prescrição
como, por exemplo, controle de padrão de sangramento, contraceptiva para a população de TMs. A utilização des-
acne ou queda de cabelo.(9,41,42) Em pacientes TMs que não se instrumento objetivo, semiestruturado e de fácil apli-
estão em hormonização cruzada, a prescrição de pílulas cação pode auxiliar na discussão e oferta de métodos
combinadas com 30 mcg de etinilestradiol ou anel vagi- contraceptivos para os pacientes transexuais e, dessa
nal de forma estendida (sem pausas) pode promover um forma, melhorar sintomas associados ao ciclo ovulató-
controle de sangramento não programado de 5% a 25%, rio e atuar na prevenção de gravidez não planejada.

FEMINA 2022;50(9):518-26 | 523


Okano SH, Pellicciotta GG, Braga GC

REFERÊNCIAS 20. Ortiz ME, Croxatto HB. Copper-T intrauterine device and
levonorgestrel intrauterine system: biological bases of their
1. American Psychiatric Association (APA). Diagnostic and Statistical mechanism of action. Contraception. 2007;75(6 Suppl):S16-30. doi:
Manual of Mental Disorders: DSM-V. 5th ed. Washington (DC): APA; 2013. 10.1016/j.contraception.2007.01.020
2. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 2.283/2020. Altera 21. Petta CA, McPheeters M, Chi IC. Intrauterine devices: learning from
a redação do item 2 do inciso II, “Pacientes das técnicas de RA”, da the past and looking to the future. J Biosoc Sci. 1996;28(2):241-52.
Resolução CFM nº 2.168/2017, aprimorando o texto do regulamento doi: 10.1017/s0021932000022276
de forma a tornar a norma mais abrangente e evitar interpretações
22. Yonkers KA, Simoni MK. Premenstrual disorders. Am J Obstet
contrárias ao ordenamento jurídico. Diário Oficial da União. 2020
Gynecol. 2018;218(1):68-74. doi: 10.1016/j.ajog.2017.05.045
Nov 27;Seç. 1:391.
23. Hembree WC, Cohen-Kettenis PT, Gooren L, Hannema SE, Meyer
3. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e
WJ, Murad MH, et al. Endocrine treatment of gender-dysphoric/
Participativa. Departamento de Apoio à Gestão Participativa.
gender-incongruent persons: an Endocrine Society Clinical Practice
Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Guideline. J Clin Endocrinol Metab. 2017;102(11):3869-903. doi:
Travestis e Transexuais. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2013.
10.1210/jc.2017-01658
4. Spizzirri G, Eufrásio R, Lima MC, Nunes HR, Kreukels BP, Steensma
24. Gomez A, Walters PC, Dao LT. “Testosterone in a way is birth
TD, et al. Proportion of people identified as transgender and non-
control”: contraceptive attitudes and experiences among
binary gender in Brazil. Sci Rep. 2021;11(1):2240. doi: 10.1038/s41598-
transmasculine and genderqueer young adults. Contraception.
021-81411-4
2016;94(4):422-3. doi: 10.1016/j.contraception.2016.07.145
5. Okano SH, Braga GC. Quando encaminhar o paciente da 25. American College of Obstetricians and Gynecologists. Health care
diversidade sexual para o serviço especializado? 2021. for transgender and gender diverse individuals: ACOG Committee
(Recomendações Sogesp, não publicada) Opinion, Number 823. Obstet Gynecol. 2021;137(3):e75-88. doi:
6. Boudreau D, Mukerjee R. Contraception care for transmasculine 10.1097/AOG.0000000000004294
individuals on testosterone therapy. J Midwifery Womens Health. 26. Cucka B, Waldman RA. Letter in reply: understanding pregnancy
2019;64(4):395-402. doi: 10.1111/jmwh.12962 risk and contraception options for transmasculine individuals
7. Abern L, Maguire K. Contraception knowledge in transgender on gender-affirming testosterone therapy. J Am Acad Dermatol.
individuals: are we doing enough? [9F]. Obstet Gynecol. 2021;85(3):e175-6. doi: 10.1016/j.jaad.2021.03.113
2018;131:65S. doi: 10.1097/01.AOG.0000533319.47797.7e 27. Bonnington A, Dianat S, Kerns J, Hastings J, Hawkins M, De Haan
8. Light AD, Obedin-Maliver J, Sevelius JM, Kerns JL. Transgender G, et al. Society of Family Planning clinical recommendations:
men who experienced pregnancy after female-to-male gender contraceptive counseling for transgender and gender diverse
transitioning. Obstet Gynecol. 2014;124(6):1120-7. doi: 10.1097/ people who were female sex assigned at birth. Contraception.
AOG.0000000000000540 2020;102(2):70-82. doi: 10.1016/j.contraception.2020.04.001
9. Krempasky C, Harris M, Abern L, Grimstad F. Contraception across 28. Mancini I, Alvisi S, Gava G, Seracchioli R, Meriggiola MC.
the transmasculine spectrum. Am J Obstet Gynecol. 2020;222(2):134- Contraception across transgender. Int J Impot Res. 2020;33(7):710-9.
43. doi: 10.1016/j.ajog.2019.07.043 doi: 10.1038/s41443-021-00412-z

10. Light A, Wang LF, Zeymo A, Gomez-Lobo V. Family planning 29. Deutsch MB. Guidelines for the primary and gender-affirming
and contraception use in transgender men. Contraception. care of transgender and gender nonbinary people. 2nd ed. San
2018;98(4):266-9. doi: 10.1016/j.contraception.2018.06.006 Francisco: Center of Excellence for Transgender Health/Department
of Family & Community Medicine. University of California; 2016.
11. Kanj RV, Conard LA, Corathers SD, Trotman GE. Hormonal
contraceptive choices in a clinic-based series of transgender 30. Coleman E, Bockting W, Botzer M, Cohen-Kettenis P, DeCuypere G,
adolescents and young adults. Int J Transgenderism. 2019;20(4):413- Feldman J, et al. Normas de atenção à saúde das pessoas trans
e com variabilidade de gênero. East Dundee: WPATH; 2012. Saúde
20. doi: 10.1080/15532739.2019.1631929
Mental; p. 24-37.
12. United Nations. Department of Economic and Social Affairs.
31. Montoya MN, Peipert BJ, Whicker D, Gray B. Reproductive
Population Division. Estimates and projections of family planning
considerations for the LGBTQ+ Community. Prim Care.
indicators 2019. New York: United Nations; 2019.
2021;48(2):283-97. doi: 10.1016/j.pop.2021.02.010
13. Curtis KM. U.S. medical eligibility criteria for contraceptive use,
32. Nisly NL, Imborek KL, Miller ML, Kaliszewski SD, Williams RM,
2016. MMWR Recomm Rep. 2016;65(3):1-103. doi: 10.15585/mmwr.
Krasowski MD. Unique primary care needs of transgender and
rr6503a1
gender non-binary people. Clin Obstet Gynecol. 2018;61(4):674-86.
14. World Health Organization (WHO). Medical eligibility criteria for doi: 10.1097/GRF.0000000000000404
contraceptive use. 5th ed. Geneva: WHO; 2015. 33. Gorton RN, Erickson-Schroth L. Hormonal and surgical treatment
15. Grimes DA, Lopez LM, O’Brien PA, Raymond EG. Progestin-only pills options for transgender men (Female-to-male). Psychiatr Clin.
for contraception. Cochrane Database Syst Rev. 2013;(11):CD007541. 2017;40(1):79-97. doi: 10.1016/j.psc.2016.10.005
doi: 10.1002/14651858.CD007541.pub3 34. Obedin-Maliver J, de Haan G. Gynecologic care for transgender
16. Speroff L. The formulation of oral contraceptives: does the amount adults. Curr Obstet Gynecol Rep. 2017;6(2):140-8. doi: 10.1007/s13669-
of estrogen make any clinical difference? Johns Hopkins Med J. 017-0204-4
1982;150(5):170-6. 35. Mehringer J, Dowshen NL. Sexual and reproductive health
17. Lidegaard Ø, Nielsen LH, Skovlund CW, Skjeldestad FE, considerations among transgender and gender-expansive youth.
Løkkegaard E. Risk of venous thromboembolism from use of oral Curr Probl Pediatr Adolesc Health Care. 2019;49(9):100684. doi:
contraceptives containing different progestogens and oestrogen 10.1016/j.cppeds.2019.100684
doses: Danish cohort study, 2001-9. BMJ. 2011;343:d6423. doi: 10.1136/ 36. Wilczynski C, Emanuele MA. Treating a transgender patient:
bmj.d6423 overview of the guidelines. Postgrad Med. 2014;126(7):121-8. doi:
18. Gompel A, Ramirez I, Bitzer J. Contraception in cancer survivors 10.3810/pgm.2014.11.2840
– an expert review Part I. Breast and gynaecological cancers. 37. Fix L, Durden M, Obedin-Maliver J, Moseson H, Hastings J, Stoeffler A,
Eur J Contracept Reprod Health Care. 2019;24(3):167-74. doi: et al. Stakeholder perceptions and experiences regarding access to
10.1080/13625187.2019.1602721 contraception and abortion for transgender, non-binary, and gender-
19. Cagnacci A, Ramirez I, Bitzer J, Gompel A. Contraception in expansive individuals assigned female at birth in the U.S. Arch Sex
cancer survivors – an expert review Part II. Skin, gastrointestinal, Behav. 2020;49(7):2683-702. doi: 10.1007/s10508-020-01707-w
haematological and endocrine cancers. Eur J Contracept Reprod 38. Thornton KG, Mattatall F. Pregnancy in transgender men. CMAJ.
Health Care. 2019;24(4):299-304. doi: 10.1080/13625187.2019.1604947 2021;193(33):E1303. doi: 10.1503/cmaj.210013

524 | FEMINA 2022;50(9):518-26


ACONSELHAMENTO CONTRACEPTIVO PARA O PACIENTE TRANSGÊNERO DESIGNADO MULHER AO NASCIMENTO

39. Murad MH, Elamin MB, Garcia MZ, Mullan RJ, Murad A, Erwin PJ, et al. 44. Lopez LM, Grimes DA, Gallo MF, Schulz KF. Skin patch and vaginal
Hormonal therapy and sex reassignment: a systematic review and ring versus combined oral contraceptives for contraception.
meta-analysis of quality of life and psychosocial outcomes. Clin Cochrane Database Syst Rev. 2010;(3):CD003552. doi:
Endocrinol (Oxf). 2010;72(2):214-31. doi: 10.1111/j.1365-2265.2009.03625.x 10.1002/14651858.CD003552.pub3
40. Mansour D, Korver T, Marintcheva-Petrova M, Fraser IS. The 45. Hubacher D, Lopez L, Steiner MJ, Dorflinger L. Menstrual pattern
effects of Implanon on menstrual bleeding patterns. Eur J changes from levonorgestrel subdermal implants and DMPA:
Contracept Reprod Health Care. 2008;13 Suppl 1:13-28. doi: systematic review and evidence-based comparisons. Contraception.
10.1080/13625180801959931 2009;80(2):113-8. doi: 10.1016/j.contraception.2009.02.008
46. Sacks FM, Gerhard M, Walsh BW. Sex hormones, lipoproteins,
41. Mansour D, Fraser IS, Edelman A, Vieira CS, Kaunitz AM, Korver
and vascular reactivity. Curr Opin Lipidol. 1995;6(3):161-6. doi:
T, et al. Can initial vaginal bleeding patterns in etonogestrel
10.1097/00041433-199506000-00008
implant users predict subsequent bleeding in the first 2
years of use? Contraception. 2019;100(4):264-8. doi: 10.1016/j. 47. Elamin MB, Garcia MZ, Murad MH, Erwin PJ, Montori VM. Effect of
contraception.2019.05.017 sex steroid use on cardiovascular risk in transsexual individuals:
a systematic review and meta-analyses. Clin Endocrinol (Oxf).
42. Trussell J. Contraceptive failure in the United States. Contraception. 2010;72(1):1-10. doi: 10.1111/j.1365-2265.2009.03632.x
2011;83(5):397-404. doi: 10.1016/j.contraception.2011.01.021
48. Maraka S, Singh Ospina N, Rodriguez-Gutierrez R, Davidge-Pitts
43. Gallo MF, Nanda K, Grimes DA, Lopez LM, Schulz KF. 20 µg CJ, Nippoldt TB, Prokop LJ, et al. Sex steroids and cardiovascular
versus >20 µg estrogen combined oral contraceptives for outcomes in transgender individuals: a systematic review and
contraception. Cochrane Database Syst Rev. 2013;(8):CD003989. doi: meta-analysis. J Clin Endocrinol Metab. 2017;102(11):3914-23. doi:
10.1002/14651858.CD003989.pub5 10.1210/jc.2017-01643

ANEXO 1. Abordagem das contraindicações dos métodos contraceptivos


para pessoa que foi designada mulher ao nascimento

Contraindicação
aos estrogênios?
Existe necessidade do Contraindicação absoluta Contraindicação absoluta (IV)
uso de contracepção? à contracepção? aos hormônios?
(I) (II) (III) Contraindicação
ao DIU/SIU?
(V)

I. Caracterização da necessidade de uso de contra- IV. Avaliação das contraindicações relativas: Você
cepção (“sim” indica a discussão de contracepção): possui algumas destas condições (“sim” contraindi-
ca o uso de métodos combinados):
1. Você tem relação sexual penetrativa
vaginal com pessoas que têm pênis? a. Mais de 35 anos e fuma?*
 SIM  NÃO  SIM  NÃO
2. Você tem sintomas de TPM e incomoda-se com o b. Mais de 35 anos e diagnóstico de enxaqueca?
volume ou duração do seu sangramento ou com
 SIM  NÃO
a cólica associada ao sangramento vaginal?
c. Diagnóstico de enxaqueca com aura?
 SIM  NÃO
 SIM  NÃO
3. No momento, você deseja prevenir gravidez?
d. Múltiplos fatores de risco para
 SIM  NÃO doença cardiovascular?
II. Avaliação das contraindicações absolutas à con-  SIM  NÃO
tracepção: e. Diabetes mellitus com lesão de órgão-alvo?
1. Você está gestante ou com suspeita de gravidez?  SIM  NÃO
 SIM  NÃO f. Diabetes mellitus diagnosticada há mais de 20 anos?

III. Avaliação das contraindicações absolutas ao uso  SIM  NÃO


de hormônios: g. Diagnóstico ou suspeita de hipertensão arterial?

2. Você tem ou teve câncer de mama ou  SIM  NÃO


hepatocarcinoma (câncer no fígado)? h. Antecedentes de trombose e trombofilias?
 SIM  NÃO  SIM  NÃO
FEMINA 2022;50(9):518-26 | 525
Okano SH, Pellicciotta GG, Braga GC

i. Diagnóstico de doença valvar complicada? V. Avaliação das contraindicações ao uso de DIU:


Você possui (“sim” contraindica o uso de DIU):
 SIM  NÃO
j. Faz uso de anticonvulsivante que não seja valproato?** l. Diagnóstico de HIV com CD4 < 250?

 SIM  NÃO  SIM  NÃO


k. Adenoma hepático? m. Doença que distorce a anatomia do endométrio?

 SIM  NÃO  SIM  NÃO


* Pacientes com carga tabágica menor do que 15 cigarros/dia podem utilizar n. Alteração anatômica ou infecção uterina?***
injeção mensal.
** Pacientes podem fazer uso da injeção mensal, com exceção dos usuários  SIM  NÃO
de lamotrigina (que não podem utilizar nenhum estrogênio). *** Informação obtida pelo exame físico, em complemento à anamnese.

ANEXO 2. Tomada de decisão com relação aos pontos positivos e negativos de cada método

Qual a finalidade da prescrição para o paciente?

Controle de sintomas relacionados


Controle de sangramentos Prevenção de gravidez
ao ciclo ovulatório

Oferecer métodos hormonais


Oferecer métodos hormonais Oferecer qualquer método (hormonal
que demonstrem maior controle
que atuem sobre o eixo ou não) para o qual não haja
sobre o padrão de sangramento
HHO (pílulas, injetáveis, anel contraindicações, cujo uso seja
– AMP*, SIU-LNG, anel vaginal,
vaginal, implante, adesivo) confortável para o paciente
COC, implante e POP
* Atentar para os efeitos sobre o HDL da associação da testosterona com o AMP.
AMP: acetato de medroxiprogesterona; SIU-LNG: sistema intrauterino liberador de levonorgestrel; COC: contraceptivo oral combinado;
POP: pílula oral de progestagênio.

Paciente está em uso de tratamento hormonal com testosterona?

SIM NÃO

Paciente pode utilizar qualquer


Preferencialmente, oferecer
método desde que não possua
métodos de progestágeno
outra contraindicação

* Atentar para a associação de testosterona com AMP.

Paciente não deseja manipulação pélvica?

SIM NÃO

Paciente pode utilizar qualquer


Evitar indicar DIU, SIU-LNG
método desde que não possua
e anel vaginal
outra contraindicação

526 | FEMINA 2022;50(9):518-26


ENTREVISTA

Invisíveis,
porém reais

Pessoas transgênero designadas mulheres ao nascimento devem


receber aconselhamento contraceptivo e atendimento individualizado
Por Letícia Martins

D
iversidade. Sempre que escuto essa palavra na- masculinos, mas não se identifica como homem. Da
turalmente outras duas me vêm à mente: respei- mesma forma, um homem trans nasceu com vagina e os
to e acolhimento. Escolhi começar esta matéria órgãos reprodutores femininos, mas não se reconhece
destacando esses três termos por entender que eles como mulher. Existem as pessoas trans binárias, que se
precisam fazer parte do atendimento médico a pessoas identificam como homens ou mulheres transgênero, e
transgênero, pois estamos falando sobre uma minoria as trans não binárias, que não se veem como homem
(apenas 0,7% da população brasileira se identifica como ou mulher.
transgênero), mas que merece atendimento de qualida- Portanto, não é uma questão de aparência física nem
de e integral como todas as pessoas. de orientação sexual, mas de identidade de gênero.
Indivíduos transgênero são aqueles que não se iden- Falamos de pessoas que constituem uma população mi-
tificam com o sexo atribuído no nascimento. Assim, uma noritária e invisível, mas que têm necessidades reais e
mulher trans nasceu com órgãos sexuais e reprodutores que, em alguns casos, quando possuem útero e ovários

FEMINA 2022;50(9):527-30 | 527


ENTREVISTA

e se relacionam sexualmente com pessoas com pênis, precisa, muitas vezes, de procedimentos como terapia
podem engravidar. Além dos desafios pessoais, indi- hormonal para afirmação de gênero (THAG) e cirurgias
víduos trans enfrentam várias barreiras na sociedade, para afirmação de gênero (CAG).
entre elas o preconceito e a falta de acesso ao rastrea- Segundo explica a presidente da CNE de Sexologia da
mento e ao tratamento de condições clínicas. Febrasgo, “a implementação desses pilares no cuidado
“Não existe uma porta de entrada muito bem proje- à população trans é heterogênea em todo o mundo” e
tada para essa população. Por exemplo, quando uma depende das características culturais, das crenças e dos
mulher trans ou um homem trans chega ao serviço pú- costumes de cada país, que favorecem ou desfavorecem
blico de atenção primária, com qual profissional deve a acessibilidade dessa população aos recursos farma-
marcar a primeira consulta? Não existe uma linha de cológicos e cirúrgicos na rede pública. “No Brasil, são
cuidado específico para essa população”, argumenta o poucos os centros de saúde que oferecem os quesitos
sexologista, ginecologista e obstetra Dr. Sérgio Henrique necessários para o cuidado à saúde dessa população
Pires Okano, professor na Universidade de Ribeirão e são mais raros ainda os centros de treinamento de
Preto e colaborador do Ambulatório de Incongruência profissionais de saúde para cuidar da saúde dos trans-
de Gênero do Hospital das Clínicas da Universidade de gêneros”, aponta.
Ribeirão Preto.
Independentemente do gênero com o qual se iden- TRATAMENTO MÉDICO A HOMENS TRANS
tificam, todas as pessoas têm direito à saúde, como
previsto na Constituição Federal brasileira. A presidente Outro ponto fundamental para o médico atender bem
da Comissão Nacional Especializada (CNE) de Sexologia pessoas trans é buscar atualização científica. Formado
da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia há cerca de dez anos, o Dr. Sérgio comenta que questões
(Febrasgo), Dra. Lucia Alves da Silva Lara, ressalta que sobre a sexualidade das pessoas trans não fizeram parte
“o direito à saúde sexual e reprodutiva inclui o direito do currículo universitário dele. Ainda hoje, a formação
à utilização de métodos contraceptivos para o planeja- médica no Brasil, seja a graduação ou residência médi-
mento familiar e para a promoção da vivência sexual na ca, também não contempla em suas matrizes de compe-
perspectiva do prazer, sem o risco de uma gravidez não tências a assistência à saúde da população transgênero.
planejada”. “Por isso, uma das maiores dificuldades de atender essa
Mas como atender as pessoas trans quando, muitas população é a falta de informação para o profissional de
vezes, a diversidade sexual e de identidade de gênero saúde”, afirma o Dr. Sérgio.
ainda não é assunto comum nos consultórios médicos e Ele é o autor do artigo de capa desta edição de
nos serviços de saúde? Nessas horas, o ideal é manter o Femina sobre aconselhamento contraceptivo para o pa-
respeito, abrir espaço para o diálogo e neutralizar qual- ciente transgênero designado mulher ao nascimento,
quer julgamento ou preconceito. Uma das orientações publicado originalmente na revista RGBO. O Dr. Sérgio
do Dr. Sérgio para tornar a consulta inclusiva é o mé- contou com a colaboração da aluna Giovanna Giulia
dico começar se apresentando à pessoa que pertence Milan Pellicciotta e da médica Giordana Campos Braga
à diversidade sexual, perguntar o nome dela, como ela para investigar e preparar o conteúdo. “Decidimos or-
ganizar as informações de uma maneira que fique prá-
prefere ser chamada ou, eventualmente, quais prono-
tico para todo profissional que for atender um paciente
mes e artigos pessoais ela gostaria que fossem usados
trans, que pode ser o médico da família, o generalista
ao se referir a ela. “Na primeira consulta, posso começar
e o ginecologista. O objetivo é que ele tenha em mãos
dizendo meu nome, quem eu sou e como me identifico.
perguntas importantes que precisam ser discutidas com
Por exemplo: ‘meu nome é Sérgio, sou médico gineco-
logista e me identifico como homem. E você?’ Validar a
existência da pessoa, sem querer reforçar o sexo bioló-
gico dela, é muito importante”, recomenda o Dr. Sérgio.
O pilar social está entre os quatro aspectos conside-
“Validar a existência
rados fundamentais para o processo de afirmação de da pessoa, sem
gênero da pessoa, como destaca a Dra. Lúcia. Os outros querer reforçar o
três pilares são: o psicológico, que passa pela identifica-
sexo biológico dela,
ção e pelo autorreconhecimento da identidade; o legal,
que diz respeito à mudança de nome e do gênero na é muito importante”,
documentação; e o tratamento médico. Para adequar recomenda o
o corpo ao gênero com o qual se identifica, a pessoa Dr. Sérgio Okano.

528 | FEMINA 2022;50(9):527-30


INVISÍVEIS, PORÉM REAIS

“O direito à Por isso, a Dra. Andréa Rufino, professora de


Ginecologia da Universidade Estadual do Piauí e mem-
saúde sexual e bro da Comissão de Sexologia da Febrasgo, recomenda
reprodutiva inclui o que “o ginecologista deve facilitar o diálogo sobre gê-
direito à utilização nero e orientação sexual, sem aguardar que a pessoa
fale espontaneamente”. “Dessa forma, o ginecologista
de métodos sinaliza a disponibilidade de ouvir e orientar a pessoa
contraceptivos para em suas necessidades de saúde. Em seguida, perguntar
o planejamento sobre desejo reprodutivo e se ela necessita de um mé-
todo contraceptivo”, completa. A Dra. Andréa traz para
familiar”, a discussão mais um ponto importante: “Como essa é
ressalta a Dra. Lucia Alves. uma população muito vulnerável à violência sexual, é
importante orientá-la sobre contracepção de emergên-
cia e o direito à interrupção da gravidez decorrente des-
esse paciente e, assim, chegue à escolha do método sa violência”.
contraceptivo ideal para ele, quando necessário”, disse. É preciso lembrar também que, mesmo que o ho-
Um dos mitos que precisa ser derrubado, por exem- mem trans em uso de testosterona não menstrue, ele
plo, é o de que homens trans não precisam de acon- pode sentir cólica no meio do ciclo menstrual, algo que
selhamento contraceptivo, principalmente se passaram pode ser mitigado com o uso do método contracepti-
por intervenções médicas ou estão em uso de THAG. “A vo adequado para ele. “Diante dessas considerações, é
ideia de que esse paciente está protegido de gravidez fundamental discutir o planejamento reprodutivo com
porque não menstrua é o maior mito que existe, pois a os homens trans antes de iniciar a THAG e retornar ao
testosterona não impede a gravidez”, afirma o Dr. Sérgio. tema durante o período de seguimento desses pacien-
“Alguns estudos relatam casos de gestações entre ho- tes”, salienta a Dra. Lúcia, sendo acompanhada pela
mens transgênero sob terapia masculinizante, portanto Dra. Andréa nessa recomendação: “O cuidado é ofertar
o tratamento T não pode ser considerado uma opção essas informações para aproveitar a janela de oportu-
anticoncepcional”, reforça a ginecologista e sexóloga nidade dentro do processo transexualizador, como, por
Dra. Sandra Cristina Poerner Scalco, vice-presidente da exemplo, antes da hormonioterapia e da cirurgia afir-
CNE de Sexologia da Febrasgo. O tratamento T é o uso mativa de gênero”.
da testosterona, que promove a aquisição de caracterís- A Dra. Sandra cita que os procedimentos cirúrgicos
ticas sexuais masculinas secundárias, como ganho de genitais, incluindo histerectomia e/ou ooforectomia,
massa, hipertrofia muscular, espessamento do timbre causam perda permanente da capacidade de conceber
da voz e aparência. “Ele é o composto mais comumente e que os tratamentos hormonais de afirmação de gê-
usado em homens trans e geralmente leva à amenorreia nero podem induzir um grau variável de perda rever-
dentro de 1 a 12 meses desde a primeira administração, sível da fertilidade. “Por tudo isso, é importante que
no entanto a cessação da menstruação não significa
anovulação”, acrescenta a Dra. Sandra, que também é
professora da Pós-graduação em Sexologia do Centro de “Ao se abordar a
Estudos da Família e do Indivíduo (CEFI) e coordenadora contracepção por
do Serviço de Atenção Integral em Saúde Sexual (SAISS)
do Hospital Materno-Infantil Presidente Vargas (HMIPV)
meio de um discurso
de Porto Alegre (RS). embasado em decisão
“Alguns optam por fazer uma histerectomia associada compartilhada,
ou não à ooforectomia, mas os homens trans que não
invariavelmente
passaram por essas cirurgias podem engravidar, mes-
mo aqueles que estão em amenorreia devido à terapia se abre uma janela
com altas doses de testosterona”, completa a Dra. Lúcia. de oportunidade
Assim, se essa pessoa não recebe a orientação adequa-
para falar sobre
da sobre métodos de contracepção e de proteção contra
infecções sexualmente transmissíveis (IST), corre o risco saúde sexual”,
tanto de ter uma gravidez não planejada quanto de con- destaca a
trair uma IST. Dra. Sandra Scalco.

FEMINA 2022;50(9):527-30 | 529


ENTREVISTA

ginecologistas se apropriem de ferramentas para que “Todos os métodos


não apenas saibam sobre o manejo do uso da testoste-
rona, mas também como esse tratamento pode impac- contraceptivos
tar a concepção.” podem ser usados
Então, qual o método contraceptivo ideal para pes- por pessoas
soas transgênero? A resposta para esta pergunta é a
mesma se estivéssemos falando sobre métodos contra-
trans, desde que
ceptivos para mulheres cisgênero: a indicação é sem- sejam respeitados
pre individualizada. “Não existe um método específico os critérios de
para homens trans. Todos os métodos contraceptivos
podem ser usados por pessoas trans, desde que se-
elegibilidade”,
jam respeitados os critérios de elegibilidade. O médico afirmou o
precisa sempre discutir com a pessoa, pois idade, ante- Dr. Rogério Bonassi.
cedentes de doença cardíaca e histórico de tromboem-
bolismo são alguns dos pontos triviais para a decisão”,
afirma o Dr. Rogério Bonassi, presidente da CNE de
Anticoncepção da Febrasgo.
Vale ressaltar que são poucos os estudos que avaliam
Dentre os métodos não hormonais, destacam-se os
todos os aspectos da contracepção em homens trans,
métodos de barreira, o DIU de cobre, espermicidas e até
e a maioria das recomendações deriva de protocolos
a esterilização definitiva pela laqueadura tubária. Já en-
de pessoas cisgênero. Após ampla informação sobre os
tre os métodos hormonais, estão as pílulas e injetáveis
métodos contraceptivos disponíveis, é fundamental res-
combinados, os progestagênios orais, a medroxiproges-
peitar a escolha do paciente, levando em consideração
terona injetável, o implante de etonorgestrel e o DIU de
os critérios de elegibilidade para o método escolhido”,
levonorgestrel.
finaliza a Dra. Lúcia.
O Dr. Rogério destaca uma questão importante ao
prescrever métodos contraceptivos para homens trans:
considerar aqueles que ajudam a evitar ou mitigar a VIDA SEXUAL
disforia de gênero, como, por exemplo, os métodos que Além de permitir o planejamento familiar, a escolha do
suspendem a menstruação, pois menstruar é algo do método contraceptivo também pode ajudar a melhorar
universo feminino e essa referência mensal pode causar a vida sexual de pessoas trans, afinal “o medo de uma
sofrimento psicológico à pessoa. gravidez indesejada compromete a qualidade da expe-
A Dra. Lúcia acrescenta: “Em nosso serviço, utilizamos riência sexual”, aponta a Dra. Andréa Rufino.
com frequência o acetato de medroxiprogesterona de Por isso, é tão importante que o ginecologista tenha
depósito a cada 90 dias; alguns homens têm preferência “um olhar e uma escuta qualificada pautados no mé-
pelo DIU de levonorgestrel e há uma recusa sistemática todo clínico centrado na pessoa, que possa dar conta
na nossa população trans pelos métodos contracepti- das demandas da pessoa trans no sentido de evitar
vos contendo estrogênios. A justificativa deles é que se agravos, por exemplo, quanto à gestação não planejada
sentem desconfortáveis em utilizar hormônio feminino. ou piora do quadro de disforia de gênero”, observa a
Dra. Sandra. “Ao se abordar a contracepção por meio de
um discurso embasado em decisão compartilhada, in-
variavelmente se abre uma janela de oportunidade para
“O ginecologista falar sobre saúde sexual de forma ampliada e acrescen-
deve facilitar o tando a possibilidade de outros temas relacionados,
tais como orientação e práticas sexuais”.
diálogo sobre
Por isso, abordar esse tema e outros referentes ao
gênero e orientação cuidado integral das pessoas trans é fundamental para
sexual sem aguardar uma medicina cada vez mais inclusiva e moderna. “Vejo
que a pessoa fale esta entrevista como uma oportunidade, pois, além de
esclarecer sobre dados técnicos, destaco a importância
espontaneamente”, de trazer a pauta da saúde sexual de pessoas trans para
orienta a discussão, dando mais visibilidade ao tema, de forma
Dra. Andréa Rufino. ampla e humanizada”, finaliza a Dra. Sandra.

530 | FEMINA 2022;50(9):527-30


OPINIÃO DOS ESPECIALISTAS
Implantes com
gestrinona:
suas controvérsias
Andréa Railla Nogueira Rodrigues1,2, Rhuan Victor Pereira Morais1,2, Lorena Porto
Magalhães1, Renata Lopes Britto2, Milena Bastos Brito2

A
gestrinona é um esteroide sintético do grupo da 19-nortestosterona,
também conhecida por R-2323. Suas propriedades contemplam três
efeitos principais: antiestrogênico, antiprogestagênico e androgênico.(1)
Outra ação foi observada no estudo experimental em ratas com endome-
triose induzida e posteriormente ooforectomizadas, em que a gestrinona
apresentou efeito imunológico paradoxal, na medida em que se comportava
como antagonista ao estrogênio e como agonista parcial na ausência de es-
trogênio endógeno.(2)
A gestrinona foi inicialmente estudada por Roussel-Uclaf em 1970, na
França, e testada como contraceptivo oral semanal. Devido ao alto custo,
bem como a uma potenciação do efeito abortivo quando associada ao supo-
sitório vaginal de éster de PGF2a (prostaglandina F2 alfa), os ensaios clínicos
sobre gestrinona foram interrompidos na fase 2.(1) Em 1975, Coutinho et al.(3)
publicaram, pela primeira vez, trabalho sobre os implantes de gestrinona. O
trabalho envolveu 531 voluntárias em idade reprodutiva, nas quais foram in-
seridos de dois a cinco implantes de gestrinona, com o objetivo de avaliar a
contracepção de longa ação e o padrão de sangramento. Os índices de Pearl
da amostra variavam de 1,7 a 9,8 a cada 100 mulheres, e a contracepção por
nove meses poderia ser considerada a partir da inserção de três implantes
(cada implante continha entre 30 a 40 mg do R-2323). Além disso, a amenor-
reia foi mais frequente nos cinco meses iniciais e poderia alcançar taxas de
50%, e a incidência de sangramento de escape (relatada por menos que 5%
da amostra) reduzia ao longo dos meses. Outros efeitos colaterais relatados
foram alopecia, acne e rouquidão, sem relação direta com o número de im-
Submetido: plantes inseridos.(3)
19/08/2022 Desde então, os trabalhos publicados sobre a via subdérmica de gestri-
Aceito:
nona se fundamentaram em avaliar endometriose e contracepção. Quanto
15/09/2022 à endometriose, a gestrinona por via subcutânea foi avaliada em ensaios
experimentais em coelhas(2,4) e ratas,(5) por meio de endometriose induzida
1. Hospital Universitário Professor cirurgicamente em laboratório, mostrando redução parcial dos implantes en-
Edgard Santos, Salvador, BA, Brasil. dometriais. Em relação à contracepção, Bahgat e Atkinson (1977)(6) realizaram
2. Universidade Federal da Bahia, um estudo envolvendo seis macacas Rhesus e mostraram que as concentra-
Salvador, BA, Brasil.
ções séricas de R-2323 obtidas por administração do esteroide a partir de
Conflitos de interesse: reservatórios subdérmicos de silástico não foram uniformes. Tal constatação
Nada a declarar. poderia ser explicada pelas diferenças nas taxas de difusão do esteroide
pelo grau de reação local que levou à fibrose ao redor da cápsula; isto é,
Autor correspondente: quanto mais fibrose, parece existir menor taxa de absorção do esteroide.
Andréa Nogueira
Alvarez et al. (1978)(7) avaliaram os efeitos contraceptivos de implante de
Rua Dr. Augusto Viana, s/n, Canela,
40110-060, Salvador, BA, Brasil gestrinona em comparação com implantes de levonorgestrel. Das 200 pa-
andrearailla@gmail.com cientes iniciais no estudo, 100 foram excluídas por elevação das transami-
nases no grupo em uso de R2323. Sendo assim, nas 48 pacientes que per-
Como citar: maneceram no estudo e utilizavam seis implantes de gestrinona, não houve
Rodrigues AR, Morais RV, Magalhães
LP, Britto RL, Brito MB. Implantes
gestação em 524 meses e a taxa de continuidade foi de 72,9%. Assim, esse tra-
com gestrinona: suas controvérsias. balho mostrou que, apesar do potencial efeito contraceptivo associado aos
Femina. 2022;50(9):532-4. implantes de gestrinona, a alta incidência de efeitos adversos androgênicos

532 | FEMINA 2022;50(9):532-4


Implantes com gestrinona: suas controvérsias

em mulheres chilenas, como acne e hipertricose, além Diante da escassez de estudos de segurança e da
de prurido e cefaleia, sugere limitações ao seu uso. fragilidade metodológica dos trabalhos sobre implan-
A gestrinona por via oral (em cápsulas gelatinosas tes de gestrinona, associados à crescente procura para
com 2,5 mg), por sua vez, foi registrada por duas empre- fins estéticos e sem validação científica, diversas enti-
sas em 1996 e 2003 na Agência Nacional de Vigilância dades médicas se pronunciaram de forma assertiva. A
Sanitária (Anvisa), com os nº 113000223 e 109740173, com Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia
indicação para o tratamento da endometriose. Em 2008 (SBEM), a Federação Brasileira das Associações de
e 2015, entretanto, a gestrinona teve seu registro venci- Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), a partir das
do/cancelado no Brasil.(8) Comissões Nacionais de Climatério, Planejamento
Em uma busca direcionada na plataforma PubMed, Familiar e Endometriose, a Associação Médica Brasileira
com os termos “gestrinona” ou “R2323”, foram obtidos (AMB) e a Sociedade Brasileira de Endometriose e
241 trabalhos, sendo 128 deles voltados para a endo- Ginecologia Minimamente Invasiva emitiram parecer no
metriose. Se adicionarmos o termo “implantes” e reti- qual não recomendam o uso de implantes de gestrino-
rarmos a palavra “oral”, resultam 19 estudos, e apenas na para o tratamento de endometriose ou outros fins,
nove deles são de fato sobre implante de gestrino- como desempenho físico e estético.(14,15) Por outro lado,
na (via subdérmica). Eles são subdivididos em: quatro a via oral do antiprogestagênio foi incluída no Consenso
estudos experimentais (em coelhas,(2,4) ratas(5) e maca- de Endometriose da Sociedade Europeia de Reprodução
cas(6)), quatro ensaios clínicos(3,7,9,10) e uma revisão.(11) Além Humana e Embriologia(16) como opção terapêutica para
do número escasso de estudos publicados sobre esse tratamento de sintomas dolorosos associados à endo-
tema, eles são antigos (1975-2008) e possuem baixo rigor metriose, porém chama-se a atenção para o uso com
metodológico. cautela pela escassez de dados e falta de estudos con-
É válido ressaltar que os trabalhos publicados sobre trolados com placebo.
gestrinona oral não podem ser extrapolados para via São notórias as controvérsias, assim, sobre o uso de
subcutânea, uma vez que possuem propriedades de far- implantes de gestrinona, bem como sobre suas impli-
macocinética e farmacodinâmica individualizadas. Além cações para a prática médica e segurança das pacien-
disso, não há estudos conclusivos sobre dose de segu- tes. Ansiamos por estudos com rigor metodológico que
rança, dose-resposta e exames certificados sobre taxas possam avaliar a segurança, dose-resposta, benefícios,
de absorção, distribuição ou eliminação que respaldem indicações, contraindicações e efeitos colaterais a longo
o uso seguro dos implantes recentemente comerciali- prazo para o uso da via subdérmica de gestrinona.
zados. Assim, no mundo científico atual, o qual se de-
senvolve atrelado às normas da medicina baseada em REFERÊNCIAS
evidências, estudos sobre validação do índice de Pearl, 1. Gao X, Wu E, Chen G. Mechanism of emergency contraception
fatores de risco, uso a longo prazo e monitorização de with gestrinone: a preliminary investigation. Contraception.
2007;76(3):221-7. doi: 10.1016/j.contraception.2007.05.089
efeitos colaterais são essenciais para proporcionar cla-
2. Lobo VL, Soares JM Jr, Simões MJ, Simões RS, Lima GR, Baracat EC.
reza das informações e, principalmente, segurança do
Does gestrinone antagonize the effects of estrogen on endometrial
seu uso às pacientes. implants upon the peritoneum of rats? Clinics (Sao Paulo).
Em meio a diversas controvérsias em torno dos im- 2008;63(4):525-30. doi: 10.1590/s1807-59322008000400019
plantes de gestrinona, seu uso cresceu exponencial- 3. Coutinho EM, Da Silva AR, Carreira CM, Chaves MC, Adeodato Filho
mente no Brasil e se popularizou como “chip da beleza”. J. Contraceptive effectiveness of Silastic implants containing the
progestin R-2323. Contraception. 1975;11(6):625-35. doi: 10.1016/0010-
Deve-se destacar que, apesar de muitas vezes ser assim 7824(75)90059-1
referido por alguns setores da mídia, bem como por al- 4. Giu Y, Huang S, Wu X. [Effects of gestrinone on experimental
guns profissionais de saúde, esse termo é inadequado endometriosis in rabbits]. Zhonghua Fu Chan Ke Za Zhi.
e equivocado, por alguns motivos. O primeiro deles se 1995;30(12):735-7. Chinese.
dirige ao próprio nome, uma vez que se trata de um 5. Quereda F, Barroso J, Acién P. Individual and combined effects of
triptoreline and gestrinone on experimental endometriosis in rats.
implante, inserido por via subcutânea na região glútea Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 1996;67(1):35-40. doi: 10.1016/0301-
da paciente, não podendo, assim, ser considerado um 2115(96)02435-9
chip. Além disso, os trabalhos direcionados à gestrino- 6. Bahgat MR, Atkinson LE. Contraceptive steroid administration by
na não contemplam desfechos estéticos, como a pa- subdermal implants: serum concentrations of R-2323, estrogen and
progesterone in rhesus monkeys. Contraception. 1977;15(3):335-45.
lavra “beleza” sugere.(12) Por “não haver medicamentos
doi: 10.1016/0010-7824(77)90119-6
contendo o insumo farmacêutico ativo gestrinona com
7. Alvarez F, Robertson DN, Montes de Oca V, Sivin I, Brache V,
registro sanitário válido no Brasil”, a Anvisa, por meio do Faundes A. Comparative clinical trial of the progestins R-2323 and
Diário Oficial da União, publicou a Resolução nº 4.378, levonorgestrel administered by subdermal implants. Contraception.
em 22/12/2021, na qual proibiu a propaganda de todos 1978;18(2):151-62. doi: 10.1016/0010-7824(78)90090-2

os produtos que tenham a gestrinona com princípio ati- 8. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
Consulta por medicamentos [Internet]. 2022 [cited 2022 Jun 22].
vo, independentemente da via, por meio de ações de Available from: https://consultas.anvisa.gov.br/#/medicamentos/
fiscalização.(13) q/?substancia=5097

FEMINA 2022;50(9):532-4 | 533


Rodrigues AR, Morais RV, Magalhães LP, Britto RL, Brito MB

9. Diaz S, Pavez M, Quniteros E, Robertson DN, Croxatto HB. 14. Posição das Comissões Nacionais Especializadas de Climatério
Clinical trial with subdermal implants of the progestin R-2323. e de Anticoncepção da Febrasgo sobre implantes hormonais
Contraception. 1977;16(2):155-65. doi: 10.1016/0010-7824(77)90083-x [Internet]. 2021 [cited 2022 Feb 20]. Available from: https://www.
10. Croxatto HB, Diaz S, Pavez M. Clinical chemistry in women treated febrasgo.org.br/pt/noticias/item/1312-posicao-das-comissoes-
with progestogen implants. Contraception. 1978;18(4):441-50. doi: nacionais-especializadas-deanticoncepcao-e-climaterio-da-
10.1016/0010-7824(78)90028-8 febrasgo-sobre-implantes-hormonais
11. Coutinho E. Clinical experience with implant contraception. 15. Posicionamento sobre gestrinona da Comissão Nacional
Contraception. 1978;18(4):411-27. doi: 10.1016/0010-7824(78)90026-4 Especializada em Endometriose da Febrasgo e Sociedade
12. Manica D, Nucci M. Sob a pele: implantes subcutâneos, hormônios Brasileira de Endometriose e Cirurgia Minimamente Invasiva
e gênero. Horiz Antropol. 2017;23(47):93-129. doi: 10.1590/S0104- [Internet]. 2021 [cited 2022 Feb 18]. Available from: https://
71832017000100004 www.febrasgo.org.br/pt/noticias/item/1362-posicionamento-
sobre-gestrinona-da-comissao-nacional-especializada-
13. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. em-endometriose-da-febrasgo-sociedade-brasileira-de-
Resolução-RE nº 4.768, de 22 de dezembro de 2021. Adotar a(s) endometriose-e-cirurgia-minimamente-invasiva
medida(s) preventiva(s) constante(s) no anexo. Diário Oficial da
União [Internet]. 23 dez 2021 [cited 2022 Feb 20]. Available from: 16. Becker CM, Bokor A, Heikinheimo O, Horne A, Jansen F, Kiesel
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-re-n-4.768-de-22- L, et al. ESHRE guideline: endometriosis. Hum Reprod Open.
de-dezembro-de-2021-369770930 2022;2022(2):hoac009. doi: 10.1093/hropen/hoac009

534 | FEMINA 2022;50(9):532-4


FEDERADA ASSOGIRO

Agregar para fazer a


diferença
Ida Peréa, presidente da Assogiro,
fala sobre a importância de
fazer parte de movimentos
associativos e do papel da
mulher em cargos de liderança
Por Letícia Martins

N
os dicionários, o verbo agregar significa “fazer Ela conversou com Femina sobre a importância de
com que se juntem (pessoas ou coisas)“. Na práti- fazer parte de movimentos associativos e do papel da
ca, ele pode ganhar propósito e transformar rea- mulher em cargos de liderança.
lidades. É o que acontece quando médicos se unem não
só para defender a profissão, mas também para melho-
Femina: Como é ser presidente
rar a qualidade de vida de milhões de mulheres. “Apesar da federada do seu Estado?
de todas as diferenças, acredito que o ser humano está Dra. Ida Peréa: É um privilégio poder conviver com tantos
melhor em grupo do que isolado e, claro, isso é par- colegas, contribuir para o aprimoramento da prática da
ticularmente verdadeiro quando as pessoas estão uni- Ginecologia e Obstetrícia no meu Estado
das por um interesse comum“, afirmou a Dra. Ida Peréa
Monteiro, médica ginecologista, mestre em Ciências da
Saúde pela Universidade Federal de Brasília, professora “Ser presidente
do curso de Medicina do Centro Universitário São Lucas,
em Porto Velho (Rondônia), e graduada em Direito pela de uma federada
Universidade de Fortaleza.
Desde a faculdade, a Dra. Ida sempre gostou de par-
pequena e com
ticipar de atividades associativas e de movimentos sin- indicadores de
dicais. Em 1997, foi eleita presidente da Associação de
Obstetrícia e Ginecologia de Rondônia (Assogiro) para saúde distantes
um mandato bienal. Em 1999, também assumiu a presi-
dência da Unimed Rondônia, onde ficou por seis anos.
do ideal é
Em 2019, tornou-se novamente presidente da Assogiro, bastante
cujo mandato finaliza no próximo ano. “Sou gregária
por excelência“, ela se define. Casada, tem dois filhos,
desafiador,
uma filha, três noras e três netos. “Além de trabalhar, mas não são
estudar e estar com a família, gosto de viajar por qual-
quer meio de transporte, mas se, for possível, vamos de os desafios Dra. Ida Peréa

moto. Também gosto de fazer trilha, bungee jumping,


saltar de paraquedas, e assim vamos inventando a
que impulsionam
#vidadepoisdos60“. o ser humano?”
FEMINA 2022;50(9):535-6 | 535
FEDERADA

e, principalmente, ver o resultado des- “A vida das as dificuldades de cuidar de uma fa-
se trabalho refletido nos indicadores mília numerosa e eu percebia que a
de saúde das mulheres. Ser presidente mulheres está na vida das mães das minhas colegas de
de uma federada pequena (com pou-
cos associados), coração da Amazônia
base da motivação escola, cujas famílias eram menores,
com três ou quatro filhos, era muito
Ocidental, com área geográfica exten- do meu fazer mais fácil. Acho que isso me motivou a

profissional.”
sa como a nossa e com indicadores de ser médica ginecologista e me dedicar
saúde distantes do ideal, é bastante com afinco a ajudar as mulheres a pla-
desafiador. Mas não são os desafios nejarem sua prole.
que impulsionam o ser humano? Femina: Como a senhora vê a participação
Femina: Com quais desafios a senhora das mulheres nos movimentos associativos,
precisa lidar no dia a dia? O fato de ser como Federadas e Febrasgo?
mulher agrega vantagens nessa liderança? Dra. Ida Peréa: De certa forma, as mulheres ginecolo-
Dra. Ida Peréa: Acredito que, numa federada maior, o de- gistas participam da Febrasgo, o que falta é participa-
safio também deve ser maior, há mais disputa, mais pres- ção nos espaços de poder, nas diretorias das federadas
tígio em jogo. Ser presidente da Unimed, uma cooperativa e na Febrasgo. Os princípios da boa gestão devem ser
médica com objetivo econômico, é um desafio maior. Não praticados por homens e mulheres que ocupem cargos,
que nós mulheres tenhamos qualquer dificuldade de li- talvez as mulheres sejam mais cuidadosas, mais zelosas
dar com a legislação, com o mercado ou com os princípios com as relações entre pessoas; para usar um termo co-
da boa administração, nada disso. Acontece que há mais nhecido, as mulheres “humanizam“ a gestão. Não consi-
dero muito adequado generalizar, mas algumas mulhe-
interesses em jogo e, nesses casos, as disputas são mais
res em cargo de gestão acreditam que, para se manter
acirradas e nem sempre transparentes, podendo ocorrer
no poder, precisam agir de forma convencional.
por parte de alguns (homens e mulheres) a tendência de
atuar de forma preconceituosa e desrespeitosa. De minha Femina: Assim como na política e em
parte, talvez devido à experiência adquirida na militância, outras áreas, a presença das mulheres
tenho certa facilidade para identificar quando uma ação nas associações médicas é minoria. A
ou reação tem contação de gênero e, dessa forma, agir senhora acredita que chegaremos a uma
rapidamente para neutralizar as investidas.
equiparação nessa participação?
Femina: A Assogiro conta com a participação Dra. Ida Peréa: Veja, vou falar de modo geral, e não ape-
de outras médicas mulheres na diretoria? nas de associações médicas. O arcabouço legal brasileiro
Dra. Ida Peréa: Sim. Embora eu defenda a paridade em garante a presença das mulheres nos espaços públicos
todos os níveis de gestão, neste caso, apenas reflete a por meio das políticas afirmativas, o exemplo disso é a
proporcionalidade (temos mais ginecologistas mulheres) cota para mulheres nas eleições. Entretanto, os partidos
e o interesse demonstrado em atividades associativas. têm dificuldade para compor as cotas e a quantidade de
mulheres eleitas é ínfima até hoje. Isso demonstra que
Femina: A senhora é muito atuante tanto ter uma norma não basta para garantir a presença das
na Federada quanto em congressos mulheres na vida pública. No caso das eleições, é funda-
médicos e à frente de projetos, como mental que a disputa seja justa e que o financiamento
o De Novo Não! A senhora se inspira das campanhas seja garantido para as mulheres. Além
disso, é necessário que o espaço doméstico também
em alguma liderança feminina?
seja democrático, com assunção de responsabilidades
Dra. Ida Peréa: A vida das mulheres está na base da mo- de forma equânime por homens e mulheres, pois, quan-
tivação do meu fazer profissional. Sou “beradeira“, nasci do isso não acontece, as mulheres ficam sobrecarrega-
às margens do rio Guaporé e me criei às margens do rio das, sem tempo para o espaço público.
Madeira. Cresci vendo mulheres gestarem e parirem um
Femina: Como integrar as mulheres
filho seguido de outro e não via nenhum romantismo ou
poesia nisso. O que eu via era medo. Medo de morrer nos movimentos associativos da área
e deixar os filhos por criar. Vi isso acontecer e, embora de Ginecologia e Obstetrícia?
criança/adolescente, conseguia avaliar a tragédia de uma Dra. Ida Peréa: Acredito nas políticas afirmativas, acre-
família sem mãe. Sou filha do meio de uma família de dito que a paridade deve estar garantida no estatuto da
sete irmãos. Meu pai era servidor público e minha mãe Febrasgo. Se na especialidade as mulheres são maioria,
estava sempre ocupada desde as cinco horas da manhã não é possível que não haja número suficiente de mu-
até a noite, de domingo a domingo, para manter sua ré- lheres competentes e dispostas para compor uma di-
cua de filhos alimentada, asseada e com os deveres da retoria paritária. Estou acreditando muito que teremos
escola sempre prontos. Meus pais conversavam sobre uma mulher na presidência na próxima gestão.

536 | FEMINA 2022;50(9):535-6


RESIDÊNCIA MÉDICA O PROFISSIONALISMO NA RESIDÊNCIA MÉDICA EM GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA

O profissionalismo na residência
médica em ginecologia e obstetrícia
Rhuan Victor Pereira Morais1, Milena Bastos Brito1

INTRODUÇÃO tos que precisam ser corretamente transmitidos e efe-


tivamente aprendidos pelo especialista em formação.(2)
Procurando definir as atitudes e deveres que o médico
deve ter para ser um bom profissional, em 2002, a Ame-
rican Board of Internal Medicine Foundation, a American MATRIZ DE COMPETÊNCIAS DA FEBRASGO
College of Physicians Foundation e a European Federa- Em 2019, a Federação Brasileira das Associações de Gi-
tion of Internal Medicine publicaram a “carta do profis- necologia e Obstetrícia (Febrasgo) publicou a segunda
sionalismo“, que determinou princípios e obrigações edição da matriz de competências de ginecologia e obs-
profissionais com os quais o médico deve se comprome- tetrícia com o objetivo, entre outros, de melhorar a se-
ter para exercer o profissionalismo.(1) Não há consenso gurança para o paciente e uniformizar os programas de
na definição de profissionalismo, mas ela abrange um residência médica (PRMs) em ginecologia e obstetrícia
conjunto de valores que são inatos ao indivíduo e outras no país. A matriz, baseada na formação orientada por
características que podem ser ensinadas para o corre- competências, permite a distribuição de forma hierar-
to desempenho do ofício profissional. Embora de difícil quizada e crescente em complexidade dos subcompo-
definição, o profissionalismo possui três pilares éticos nentes conhecimento (C), atitudes (A) e habilidades (H)
fundamentais: princípio da autonomia, do bem-estar do ao longo dos três anos de residência. Nessa última ver-
paciente e da justiça social. Colocar os interesses dos são, foi incluído o eixo sobre profissionalismo que, as-
pacientes acima dos interesses médicos, fomentar a sim como os demais 15 eixos, contempla os três compo-
autonomia do doente, promover justiça e equidade, ter nentes fundamentais das competências supracitados.(3)
compromisso com a honestidade e confidencialidade, A motivação para a inclusão de um eixo específico do
além de outras responsabilidades, compõe ensinamen- profissionalismo foi a crescente demanda de processos
em relação ao comportamento ético de médicos, aliada
a currículos sobrecarregados de disciplinas e atividades
1. Faculdade de Medicina da Bahia, Universidade Federal da Bahia, práticas meramente tecnicistas observados nas últimas
Salvador, BA, Brasil. décadas. Apesar da importância da formação humanís-
Conflitos de interesse: tica, amplamente reconhecida, sabe-se que tal discus-
Nada a declarar. são ainda é colocada em segundo plano na formação
Autor correspondente:
do médico especialista. Portanto, a inclusão do eixo pro-
Milena Bastos Brito. Largo do Terreiro de Jesus, s/n, Pelourinho, fissionalismo em ginecologia e obstetrícia na matriz de
40026-010, Salvador, BA, Brasil. mbbrito@ufba.br competências da residência médica da Febrasgo chama
Como citar:
a atenção para a necessidade do ensino e avaliação do
Morais RV, Brito MB. O profissionalismo na residência médica em profissionalismo na formação dos residentes. Nele, está
ginecologia e obstetrícia. Femina. 2022;9(50):537-40. sugerido que o médico desenvolva habilidades como co-

FEMINA 2022;50(9):537-40 | 537


RESIDÊNCIA MÉDICA

municação adequada com pacientes, familiares, acom- ções prévias vivenciadas pelo profissional em formação.
panhantes e membros da equipe de trabalho, escuta Um fator essencial na sua implementação é o exemplo
qualificada sem preconceitos, capacidade de liderança dos médicos e preceptores que os estão orientando.
e mediação de conflitos. Ademais, que ele conheça e O profissionalismo médico também é influenciado
respeite a legislação vigente, o Código de Ética Médica, por novos conhecimentos biomédicos e tecnológicos,
as Resoluções dos Conselhos de Medicina e normas ins- pelas necessidades dos doentes e por exigências da so-
titucionais, entre outras regras e regulamentos do siste- ciedade sobre os cuidados de saúde, por alterações nas
ma de saúde no qual está inserido. Além disso, outros políticas de saúde vigentes, pela gestão de cuidados e
comportamentos louváveis são: ser pontual e gerenciar pelos modelos de educação médica no país. No entanto,
apropriadamente o tempo, ter consciência sobre suas pode-se afirmar que o profissionalismo médico sempre
limitações e necessidade de aperfeiçoamento, solicitar objetiva que prevaleça a boa prática médica.(1,2) Assim
e aceitar feedbacks de superiores, pares e pacientes e, sendo, torna-se imperativo refletir sobre o profissiona-
ainda, colaborar, auxiliar e apoiar os residentes menos lismo na residência médica de ginecologia e obstetrí-
experientes em seu processo de aprendizagem e desen- cia, compreendendo as circunstâncias locais para que
volvimento técnico.(3) intervenções e estratégias de ensino sejam desenvol-
vidas sobre o tema para qualificar esses especialistas e
PROFISSIONALISMO NA RESIDÊNCIA MÉDICA favorecer a promoção da saúde.
A mudança histórica da percepção do profissionalis-
Formar especialistas é uma missão desafiadora. O gine- mo, relacionada com o conceito de “bom“ médico, foi
cologista e obstetra é um verdadeiro agente social que alterada de acordo como os modelos de prática médi-
será transformado durante sua especialização e trans- ca (biomédico e biopsicossocial) prevalentes em cada
formará milhares de vidas durante sua carreira, inclu- período ao longo do século passado. Enquanto a per-
sive inicia esse processo antes mesmo de terminar sua cepção antiga, prevalente até a década de 1960, foi bas-
residência médica. Portanto, visando cumprir a matriz tante influenciada pelo modelo biomédico, no qual a
de competências da Febrasgo, as diretrizes curriculares assistência era centrada no médico que exercia seu ofí-
do Ministério da Educação e os projetos pedagógicos cio focado em sinais e sintomas e com distanciamento
dos PRMs, é preciso responder às demandas de qua- emocional, o novo discernimento aponta para a direção
lificação profissional emanadas da sociedade civil que oposta. Atualmente, observa-se maior influência do mo-
integram o território de identidade onde o especialista delo biopsicossocial de atenção à saúde, centrada no
atuará. Assim, por meio desses saberes pontuados em paciente, com comunicação aberta, respeitando a auto-
cada competência citada, é possibilitado ao médico-re- nomia, valorizando a atuação multidisciplinar e o com-
sidente uma atuação profissional mais respeitosa e éti- partilhamento de emoções, promovendo saúde, preve-
ca, com estímulo ao desenvolvimento técnico e pessoal, nindo agravos, além de considerar a realidade social e
além do aumento das perspectivas profissionais. psíquica na qual o paciente está inserido.(6)
Utilizando uma abordagem integral, o médico-resi- Associar raciocínio clínico, julgamento moral e rea-
dente adquire senso crítico para construir sua formação ção emocional adequada para cada situação do dia
como um especialista que se importa com a saúde em a dia é desafiador. A influência dos valores morais
seu conceito mais amplo, levando em consideração não na atuação profissional é surpreendente e impacta a
somente a cura da doença, mas, sobretudo, o pacien- prática clínica, bem como as emoções. Medo, frustra-
te em si e a realidade que o cerca. Trata-se de incluir ção ou ansiedade podem levar a condutas precipita-
o pós-graduando em um sistema de serviços de saúde das, inadequadas ou indevidas. Na maioria das vezes,
democrático – igualitário, integral e universal – cons- situações ou práticas não corrigidas ou direcionadas
tituído de políticas públicas consolidadas mediante a desde a graduação médica, intensificadas durante a
ação de atores sociais voltadas para a saúde, mas tam- pós-graduação, evoluem para infrações éticas, deslizes
bém, e essencialmente, nas suas práticas no cotidiano profissionais ou quebra da relação médico-paciente na
dos serviços.(4) atuação do especialista.(7,8)
É imprescindível tratar, prioritariamente, sobre o As identidades e características preexistentes do in-
significado de profissionalismo, que no dicionário é o divíduo podem ser moldadas durante a formação, pois
conjunto de atitudes e características de bons profis- possuem certa sensibilidade à socialização profissional.
sionais. Porém, na literatura médica seu significado é As experiências clínicas e não clínicas, bem como os
mais amplo. Mais do que competências e/ou habilida- exemplos dos modelos – preceptores, médicos assis-
des técnicas, espera-se de um profissional a empatia na tentes e outros residentes – observados por meio de
relação médico-paciente, que é fundamental. Apesar de reflexão consciente ou a partir de aquisição de compor-
definições teóricas, na prática, há uma dificuldade na tamentos inconscientes, participarão da formação pro-
implementação de ações direcionadas para o desenvol- fissional do futuro ginecologista-obstetra.(7)
vimento dessa habilidade.(5) A construção do profissio- Conforme Blumer, o ser humano age em relação às coi-
nalismo é baseada em aspectos socioculturais e situa- sas, na base dos sentidos que elas têm para ele. O senti-

538 | FEMINA 2022;50(9):537-40


O PROFISSIONALISMO NA RESIDÊNCIA MÉDICA EM GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA

do dessas coisas é derivado, ou surge, da interação social. Porém, a validade da maioria desses instrumentos não
Esses sentidos são manipulados e modificados por meio foi metodologicamente sólida. Os métodos com maior
de um processo interpretativo usado pela pessoa ao tratar validade encontrados, até o momento, são: a avaliação
as coisas que ela encontra nas inter-relações sociais.(5,8) 360 graus e o exercício de miniavaliação do profissiona-
Dessa forma, observa-se que a vida em sociedade, os lismo (do inglês professionalism mini-evaluation exerci-
grupos e as organizações pressupõem interações sociais se – P-Mex).(12)
contínuas cujas ações resultam de respostas de um em O P-Mex é uma ferramenta baseada no formato do
relação ao outro. Por conseguinte, o ambiente de apren- “Mini-Clinical Examination Exercise“ (mini-CEX), que utili-
dizagem influencia o modo de pensar e agir das pessoas. za escala tipo likert de quatro pontos para avaliar 21 com-
Existe um termo que nomeia essa série de influências petências, distribuídas em quatro domínios: habilidades
não planejadas e de outros fatores externos na forma- reflexivas, relação médico-paciente, relação interprofis-
ção da identidade profissional: o “currículo oculto“. Tra- sional e gerenciamento de tempo, durante observações
ta-se do conjunto de tradições, normas e regras que não diretas de atividades clínicas. Sua aplicação demora,
estão escritas e não são ensinadas formalmente, mas em média, 20 minutos, tem papel formativo e permite
são vivenciadas diuturnamente durante a especializa- feedback.(13) Portanto, trata-se de uma ferramenta útil, po-
ção e são transmitidas conscientemente ou adquiridas rém com uma limitação de aplicabilidade em ambientes
de forma inconsciente pelo médico, por meio das rela- superlotados, como emergências obstétricas.
ções entre preceptores e residentes ou entre os próprios Já a avaliação 360 graus, ou avaliação multifonte, con-
residentes. As repetições de comportamentos sem re- siste em uma combinação de instrumentos que avaliam
flexão e análise crítica, os conflitos entre vida pessoal e competências de um indivíduo por meio de diversas
profissional, os impactos emocionais devido à influência visões: familiares, pacientes, supervisores, preceptores,
desses modelos, além de diversas experiências morais seus pares e profissionais de outras categorias. São ne-
vivenciadas durante os três anos de pós-graduação, re- cessários 4 a 12 avaliadores anônimos. Utiliza também
sultarão no perfil profissional do especialista egresso.(9) uma escala, que pode ser likert, e permite o feedback
Em diferentes partes do mundo, existe a preocupação oportuno. Devido à variabilidade entre os instrumentos
em evoluir o ensino desde a graduação até a residên- utilizados nessa avaliação e seu feedback, a avaliação é
cia médica para incluir esse tema e reflexões de condu- bastante individualizada.(14)
ta profissional na formação médica e corrigir as falhas São inúmeras as formas e metodologias possíveis
constatadas.(10) A compreensão das interações entre o para avaliação e mensuração do nível de progressão do
currículo oculto, a socialização e a formação da identida- médico-residente, devendo as coordenações dos PRMs
de profissional parece ser o primeiro passo para delinear adequarem-nas às suas realidades, mas garantindo a
intervenções pedagógicas efetivas. A partir daí, escolher ocorrência delas de forma periódica. Assim, traçar es-
métodos de avaliação que possam servir como ferramen- tratégias eficazes para ensinar e avaliar o profissiona-
tas de ensino-aprendizagem é importante no processo de lismo dos médicos-residentes pode ser considerado um
inserção no currículo formal dessas disciplinas. dos maiores desafios para os educadores da próxima
geração de especialistas. Com o aumento do número
MÉTODOS DE AVALIAÇÃO NO ENSINO de publicações científicas e dos meios de divulgação
DO PROFISSIONALISMO de conhecimento, houve uma compressão absurda de
informações desde a graduação até a residência médi-
Há inúmeros artigos na literatura que discutem qual a ca, ocasionando, muitas vezes, a pulverização do saber.
melhor metodologia para avaliação na formação mé- Ademais, as complexidades envolvidas na formação hu-
dica, especialmente durante a especialização. Nesse manística em um mundo globalizado e cada vez mais di-
contexto, podemos citar os inúmeros benefícios das gital trazem diariamente novos desafios e aprendizados
avaliações formativas, com destaque para a prática de tanto para os docentes quanto para os discentes.
feedbacks e sessões de discussão de casos clínicos,
principalmente os que suscitam discussão ética e pro-
fissional.(11) Independentemente do método de ensino O PROFISSIONALISMO NO MUNDO DIGITAL
e avaliação, cabe à instituição incluir em sua formação Com o acesso instantâneo às mídias sociais possibili-
quesitos não cognitivos, como empatia, sensibilidade, tado pelos dispositivos móveis, o conceito de atenção
compaixão, altruísmo, valores humanísticos, ética, res- exclusiva deixou de existir e o uso das telas invadiu o
ponsabilidade, compromisso, busca por excelência, afo- cotidiano da sociedade de forma concomitante às ativi-
ra reflexões constantes sobre como lidar com incertezas, dades de vida diária. Seja como forma de entretenimen-
inseguranças, entre outras tantas emoções que interfe- to, informação ou consumo, as pessoas estão cada vez
rem na prática médica.(7,8) mais conectadas, e o modo de pesquisar sobre doen-
Ao longo das últimas décadas, instrumentos para ças, escolher o profissional médico ou conhecer o novo
avaliar, especificamente, o profissionalismo médico fo- tratamento para uma condição clínica agora é, muitas
ram desenvolvidos e empregados de forma empírica. vezes, por meio da internet.

FEMINA 2022;50(9):537-40 | 539


RESIDÊNCIA MÉDICA

Adaptar-se à nova realidade é um dos grandes obstá- maleficência e justiça, devem estar presentes em toda a
culos que os médicos enfrentam na era digital: empreen- trajetória do especialista que busca a excelência profis-
dedorismo, marketing, comunicação, venda, infopro- sional. Docentes, estudantes e profissionais devem ter a
dutos, telemedicina, entre tantas outras possibilidades, clareza de que o profissionalismo é a base do contrato
estão a poucos cliques de um caminho que parece sem social que legitima a profissão médica em nossa socie-
volta. O profissionalismo deve ser um dos pilares em toda dade e que eles precisam pelejar diariamente por sua
orientação médica, inclusive nas redes sociais. manutenção, inclusive no meio digital. Assim, a com-
Como a influência do mercantilismo na saúde con- preensão sobre o que é o profissionalismo na medicina
tinuará a crescer, os médicos devem estar atentos para e o que devemos fazer no processo de formação para
manter atitudes profissionais nesses ambientes, visto assegurar que estamos formando futuros profissionais
que a assistência médica é influenciada pelo neolibera- assume papel crucial.
lismo crescente. Essa doutrina socioeconômica, por sua
vez, exige que os indivíduos sejam competitivos e dife- REFERÊNCIAS
renciados por meio do autodesenvolvimento contínuo, 1. ABIM Foundation; ACP-ASIM Foundation; European Federation of
o que representa riscos de conflitos morais causados Internal Medicine. Medical professionalism in the new millennium:
a physician charter. Ann Intern Med. 2002;136(3):243-6. doi:
por um sistema que pode ser antiético ou irracional, por 10.7326/0003-4819-136-3-200202050-00012
isso deve ser aprimorado de forma constante. Uma vez 2. Braga R. A necessidade do ensino do profissionalismo. Rev Port Med
alcançado isso, podemos esperar a manutenção da con- Geral Fam. 2019;35(4):58-60. doi: 10.32385/rpmgf.v35i4.12638
fiança profissional pela sociedade civil.(15) 3. Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia.
É preciso atentar-se às questões éticas envolvidas, ao Matriz de Competências em Ginecologia e Obstetrícia: Versão 2
[Internet]. 2019 [cited 2022 Aug 25]. Available from: https://www.
cumprimento da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) febrasgo.org.br/images/Matriz-de-competencias---2a-edicao---
e ao respeito às normas e recomendações do Conselho web.pdf
Federal de Medicina (CFM). O limite entre a glória e o fra- 4. Pinheiro R, Luz MT. Práticas eficazes x modelos ideais: ação e
pensamento na construção da integralidade. In: Pinheiro R, Mattos
casso nas redes sociais é tênue e pode desencadear im-
RA, organizadores. Construção da integralidade: cotidiano, saberes e
plicações legais, jurídicas e profissionais devido a con- práticas em saúde. Rio de Janeiro: UERJ/IMS/Abrasco; 2003. p. 7-34.
dutas inadequadas. Autopromoção, compartilhamento 5. Feitosa ES, Catrib AM, Brilhante AV, Carneiro MA, Brasil CC, Peixoto
de informações privadas, quebra de sigilo médico e dis- RA. Senses and meanings of medical professionalism for gynecology
and obstetrics residents. Rev Bras Educ Med. 2022;46(1):e046. doi:
curso de ódio e discriminatório devem ser repudiados e 10.1590/1981-5271v46.1-20210286.ING
desestimulados em um ambiente virtual no qual parece 6. Pereira TT, Barros MN, Augusto MC. O cuidado em saúde: o paradigma
não haver regras e onde tudo parece ser permitido para biopsicossocial e a subjetividade em foco. Mental. 2011;9(17):523-36.
aumentar visualizações e curtidas. 7. Silveira GL, Campos LK, Schweller M, Turato ER, Helmich E, Carvalho-
Existem conhecimentos que são essenciais para a Filho MA. “Speed up“! The influences of the hidden curriculum on the
professional identity development of medical students. Health Prof
construção da formação ética e humanística no am- Educ. 2019;5(3):198-209. doi: 10.1016/j.hpe.2018.07.003
biente presencial e no meio digital. Entender o papel 8. Feitosa ES, Catrib AM, Brilhante AV, Moura SB, Cunha SM, Brasil
social que o médico possui e utilizar a internet para rea- CC. Sentidos atribuídos à sobrecarga de trabalho por residentes
de ginecologia e obstetrícia e sua influência no profissionalismo
lizar educação em saúde, conscientização do público e médico. N Trends Qual Res. 2020;3:895-908. doi: 10.36367/
divulgação de serviços requer autoanálise, supervisão ntqr.3.2020.895-908
e orientação dos órgãos regulamentadores, além de 9. Feitosa ES, Brilhante AV, Cunha SM, Sá RB, Nunes RR, Carneiro MA,
conformidade com o Manual de Publicidade Médica pu- et al. Professionalism in the training of medical specialists: an
integrative literature review. Rev Bras Educ Med. 2019;43(1 Suppl
blicado em 2011 pelo CFM.(16) Por isso, a importância de 1):700-7. doi: 10.1590/1981-5271v43suplemento1-20190143.ING
inserir essa discussão na residência médica de forma 10. Rego S. O profissionalismo e a formação médica. Rev Bras Educ Med.
educativa e construtiva. As mídias sociais são como uma 2012;36(4):445-6. doi: 10.1590/S0100-55022012000600001
lupa e expõem publicamente à sociedade os problemas 11. Universidade Estadual de Londrina. Centro de Ciências da Saúde.
e deficiências existentes em todos os setores, inclusive Curso de Medicina. Problem Based Learning [Internet]. 2022 [cited
2022 Jul 21]. Available from: http://www.uel.br/ccs/pbl
os da formação médica.
12. Li H, Ding N, Zhang Y, Liu Y, Wen D. Assessing medical
professionalism: a systematic review of instruments and their
measurement properties. PLoS One. 2017;12(5):e0177321. doi: 10.1371/
CONCLUSÃO journal.pone.0177321
As demandas sociais da atualidade exigem mudan- 13. Cruess R, McIlroy JH, Cruess S, Ginsburg S, Steinert Y. The
professionalism mini-evaluation exercise: a preliminary
ças atitudinais e relacionais dos profissionais médicos
investigation. Acad Med. 2006;81(10 Suppl):S74-8. doi:
desde a formação básica até o aperfeiçoamento do es- 10.1097/00001888-200610001-00019
pecialista. A ginecologia e obstetrícia, em particular, é 14. Norcini JJ, Blank LL, Duffy FD, Fortna GS. The mini-CEX: a method
uma especialidade que enfrenta dilemas éticos na vi- for assessing clinical skills. Ann Intern Med. 2003;138(6):476-81. doi:
10.7326/0003-4819-138-6-200303180-00012
vência da assistência obstétrica ou em outras situações
15. Kim DK. Medical professionalism in neoliberalism. J Korean Med Sci.
de vulnerabilidade da mulher, do nascimento ao enve- 2019;34(18):e125. doi: 10.3346/jkms.2019.34.e125
lhecimento. Por isso, o conhecimento e o respeito aos 16. Conselho Federal de Medicina. Manual de publicidade
princípios bioéticos, como autonomia, beneficência, não médica: Resolução CFM nº 1.974/11. Brasília (DF): CFM; 2011.

540 | FEMINA 2022;50(9):537-40


DEFESA E VALORIZAÇÃO PROFISSIONAL NOVA LEI FACILITA O ACESSO A LAQUEADURA E VASECTOMIA

Nova lei facilita o acesso a


laqueadura e vasectomia
Maria Celeste Osório Wender1, Lia Cruz Vaz da Costa Damásio2

A
pós 26 anos, a esperada atualização da Lei nº de 30 dias. Essa previsão gera grandes expectativas para
9.263, de 12 de janeiro de 1996, conhecida como a prática profissional de ginecologistas e obstetras em
Lei do Planejamento Familiar, finalmente retirou a todo Brasil, pois são conhecidas as dificuldades para
necessidade de autorização do cônjuge para o procedi- oferecer todos os métodos disponíveis para a popula-
mento. Ela também diminuiu a idade mínima de 25 para ção.(3) Muitos casos podem ser beneficiados pelo uso de
21 anos.(1,2) alguns métodos mais modernos e seguros, de acordo
Os avanços são oriundos da Lei nº 14.443/2022, pu- com a indicação médica, e essa previsão com delimi-
blicada no Diário Oficial da União em 5/9/2022.(3) Assim, tação do tempo pode ser capaz de ajudar muitas mu-
a Lei nº 14.443, de 2 de setembro de 2022, altera a Lei lheres em situação de vulnerabilidade e com algumas
nº 9.263, de 12 de janeiro de 1996,(1) para determinar pra- doenças, em todo o Brasil.
zo para oferecimento de métodos e técnicas contracepti- Houve redução na idade mínima para a esterilização
vas e disciplinar condições para esterilização no âmbito voluntária, de 26 para 21 anos, conforme a redação: “I
do planejamento familiar.(3) A Lei do Planejamento Fami- – em homens e mulheres com capacidade civil plena
liar, com todas suas atualizações, regula o parágrafo 7º e maiores de 21 (vinte e um) anos de idade ou, pelo
do artigo 226 da Constituição Federal, segundo o qual menos, com 2 (dois) filhos vivos, desde que observa-
a família, base da sociedade, tem especial proteção do do o prazo mínimo de 60 (sessenta) dias entre a mani-
Estado e, fundado nos princípios da dignidade da pessoa festação da vontade e o ato cirúrgico, período no qual
humana e da paternidade responsável, o planejamento será propiciado à pessoa interessada acesso a serviço
familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado de regulação da fecundidade, inclusive aconselhamento
propiciar recursos educacionais e científicos para o exer- por equipe multidisciplinar, com vistas a desencorajar a
cício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por esterilização precoce”. Essa idade de 21 anos caracteriza
parte das instituições oficiais ou privadas.(1,3) a maioridade para todos os atos civis. Uma observação
De acordo com a nova lei, no âmbito do Sistema Úni- interessante é que finalmente foi retirado do texto o fa-
co de Saúde (SUS), a disponibilização de qualquer méto- moso “e/ou” entre a idade e o número de filhos vivos, o
do e técnica de contracepção dar-se-á no prazo máximo que gerava tantas discussões acadêmicas e filosóficas e
insegurança na prática médica. Agora o texto legal prevê
claramente que as condições são alternativas: 21 anos
OU 2 filhos vivos, o que na prática garante a todas as
1. Diretora de Defesa e Valorização Profissional da Federação Brasileira das
Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). pessoas com capacidade civil plena e acima de 21 anos,
2. Membro da Comissão Nacional de Defesa e Valorização Profissional. desde que observados os prazos e requisitos legais.(3)

FEMINA 2022;50(9):541-2 | 541


DEFESA E VALORIZAÇÃO PROFISSIONAL

Outra novidade no texto da Lei é o artigo 10, parágrafo so dever de todos nós, ginecologistas e obstetras bra-
2º, que garante à mulher o direito e acesso à esteriliza- sileiros. Os avanços, para muito além de banalizar a
ção cirúrgica durante o período de parto, se observados laqueadura, posto que TODOS os métodos devem ser
o prazo mínimo de 60 dias entre a manifestação da von- eticamente e com bastante profissionalismo oferecidos
tade e o parto e as devidas condições médicas.(3) A veda- a cada mulher, com todos os seus riscos, benefícios e
ção que existia na lei anterior, por muitas vezes, limitava observações específicas, têm o condão de permitir aos
e inibia a livre escolha da mulher e a melhor assistência médicos, como instrumento do Estado, a prestação po-
nos cenários de parto e trabalho de parto. A liberação sitiva do exercício dos direitos reprodutivos e sexuais,
oficial é conquista importante na defesa dos direitos se- não apenas no âmbito da dignidade da pessoa humana,
xuais e reprodutivos das mulheres brasileiras e amplia na escolha responsável das consequências de sua plena
as possibilidades de contracepção nesse período. vida sexual, mas também na dimensão social intrínseca
Do ponto de vista dos direitos constitucionais, a ao reflexo do planejamento familiar nas políticas pú-
conquista mais vibrante da nova lei é a revogação do blicas, como brilhantemente argumentado em recente
parágrafo 5º da Lei nº 9.263/1996, que previa a neces- decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.(8)
sidade de autorização do cônjuge para a esterilização A Diretoria de Defesa e Valorização Profissional da
voluntária.(3) Esse tema tem permeado as discussões de Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e
ginecologistas e obstetras há décadas. Destaca-se que Obstetrícia (Febrasgo) comemora alguns avanços na lei
sobre esse tema tramitavam duas Ações Diretas de In- do Planejamento Familiar e reforça a importância da
constitucionalidade (ADIs): a ADI nº 5.097, que contes- oferta de todos os métodos contraceptivos (reversíveis
tava especificamente o consentimento do cônjuge para e irreversíveis) e possíveis impactos na saúde e bem-es-
a esterilização voluntária, e a ADI nº 5.911, que pedia a tar das mulheres e na prática diária do médico gineco-
inconstitucionalidade do inciso I e do parágrafo 5º do logista e obstetra.
artigo 10 da Lei nº 9.263/1996. A ADI nº 5.079, de 2014, foi
ajuizada pela Associação Nacional de Defensores Públi- REFERÊNCIAS
cos (Anadep), e a ADI nº 5.911 foi ajuizada pelo Partido 1. Lei nº 9.263, de 12 de janeiro de 1996. Regula o § 7º do art. 226
Socialista Brasileiro (PSB) em 2018.(4-7) A Procuradoria- da Constituição Federal, que trata do planejamento familiar,
-geral da República opinou pela inconstitucionalidade estabelece penalidades e dá outras providências [Internet]. 1996
[cited 2022 Aug 15]. Available from: http://www.planalto.gov.br/
desse trecho em setembro de 2020. Em síntese, o Pro- ccivil_03/leis/l9263.htm
curador-geral da República defende que a interferên- 2. Christian H. Fique por dentro da lei: sancionada a lei que facilita
cia estatal em decisão de pessoas plenamente capazes acesso a laqueadura e vasectomia [Internet]. 2022 [cited 2022 Sep
afeta a dignidade da pessoa, uma vez que deslegitima 8]. Available from: https://www12.senado.leg.br/radio/1/conexao-
senado/2022/09/06/fique-por-dentro-da-lei-sancionada-a-lei-que-
a escolha de não gerar descendentes. Entendeu ainda facilita-acesso-a-laqueadura-e-vasectomia
que a dignidade está ligada ao poder de se autodeter- 3. Lei nº 14.443, de 2 de setembro de 2022. Altera a Lei nº 9.263, de 12
minar livremente, inclusive em aspectos reprodutivos.(4,8) de janeiro de 1996, para determinar prazo para oferecimento de
A Procuradoria também entendeu que o direito funda- métodos e técnicas contraceptivas e disciplinar condições para
esterilização no âmbito do planejamento familiar. Diário Oficial da
mental ao planejamento familiar só pode ser garantido União [Internet]. 5 set 2022 [cited 2022 Sep 8];Seç. 1:5. Available from:
se respeitada a liberdade individual.(7) Em conclusão, https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.443-de-2-de-setembro-
opinou pela procedência da ADI, para que fosse decla- de-2022-426936016
rada a inconstitucionalidade da expressão “e maiores 4. Souza NE, Moura KG. O consentimento do cônjuge na
esterilização voluntária [Internet]. 2020 [cited 2022 Sep
de vinte e cinco anos de idade ou, pelo menos, com dois 8]. Available from: https://ibdfam.org.br/artigos/1448/
filhos vivos” do inciso I do artigo 10 da Lei nº 9.263/1996, O+consentimento+do+cônjuge+na+esterilização+voluntária
e da integralidade do parágrafo 5º do mesmo artigo: “Na 5. PGR opina pela inconstitucionalidade de trecho da Lei de
vigência de sociedade conjugal, a esterilização depen- Planejamento Familiar [Internet]. 2020 [cited 2022 Aug 14].
Available from: https://ayresbritto.adv.br/pgr-opina-pela-
de do consentimento expresso de ambos os cônjuges”.(3) inconstitucionalidade-de-trecho-da-lei-de-planejamento-familiar/
Outro argumento trazido seria o de que as políticas pú- 6. Supremo Tribunal Federal. ADI 5911: Ação Direta de
blicas de planejamento familiar não poderiam se sobre- Inconstitucionalidade, no Supremo Tribunal Federal (STF), contra
por às garantias constitucionais da dignidade humana e dispositivos da Lei 9.263/1996, conhecida como Lei do Planejamento
Familiar [Internet]. 2018 [cited 2022 Aug 14]. Available from: https://
autonomia individual.(5,6) Com a nova lei, as ADIs perdem portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5368307
o objeto, mas a importância da sua discussão e argu- 7. Supremo Tribunal Federal. ADI 5097: Ação Direta de
mentação merece menção neste momento histórico de Inconstitucionalidade. Questiona trechos da Lei de Planejamento
conquista e respeito à liberdade individual de homens Familiar onde se obriga o consentimento do cônjuge para que o
indivíduo realize um procedimento de esterilização [Internet]. 2014
e mulheres.(3) Assim, sobre esse tema, com a vigência da [cited 2022 Sep 8]. Available from: https://portal.stf.jus.br/processos/
nova lei, não haverá mais a necessidade de autorização detalhe.asp?incidente=4542708
do cônjuge para a realização de esterilização voluntária, 8. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação: APL
seja vasectomia, seja laqueadura tubária.(3) XXXXX35.2020.8.19.0051. Demanda prestacional em face do poder
municipal. Esterilização voluntária [Internet]. 2020 [cited 2022 Aug
A lei entrará em vigor em março de 2023 e conhecer 15]. Available from: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-
as novidades nessa legislação e defendê-las é honro- rj/1332152663

542 | FEMINA 2022;50(9):541-2


CADERNO SUMÁRIO

CIENTÍFICO
FEBRASGO POSITION STATEMENT
544 Vacinação para doença
meningocócica
Cecilia Maria Roteli-Martins,
Nilma Antas Neves, Valentino
Antonio Magno, Renato Kfouri

ARTIGO ORIGINAL
549 A importância
da intervenção
fisioterapêutica no
vaginismo: uma
revisão sistemática
Caroline de Souza Ribeiro,
CORPO EDITORIAL Maria Fernanda Beretta,
Tatiane Regina de Sousa

EDITORES: Marcos Felipe Silva de Sá e Sebastião Freitas de Medeiros


ARTIGOS DE REVISÃO
COEDITOR: Gerson Pereira Lopes
556 Dispositivos intrauterinos
EDITOR CIENTÍFICO DE HONRA: Jean Claude Nahoum na contracepção de
CONSELHO EDITORIAL: Agnaldo Lopes da Silva Filho, Alberto Carlos Moreno emergência: novas
Zaconeta, Alex Sandro Rolland de Souza, Ana Carolina Japur de Sá Rosa perspectivas para o uso
e Silva, Antonio Rodrigues Braga Neto, Belmiro Gonçalves Pereira, Bruno do sistema intrauterino
Ramalho de Carvalho, Camil Castelo Branco, Carlos Augusto Faria, César liberador de levonorgestrel
Eduardo Fernandes, Claudia Navarro Carvalho Duarte Lemos, Cristiane Caio Ribeiro Vieira Leal, Caciane
Alves de Oliveira, Cristina Laguna Benetti Pinto, Corintio Mariani Neto, Sá de Souza Couto, Elaine
David Barreira Gomes Sobrinho, Denise Leite Maia Monteiro, Edmund Cristina Fontes de Oliveira
Chada Baracat, Eduardo Cordioli, Eduardo de Souza, Fernanda Campos
560 Barreiras para o acesso
da Silva, Fernando Maia Peixoto Filho, Gabriel Ozanan, Garibalde Mortoza
Junior, Geraldo Duarte, Hélio de Lima Ferreira Fernandes Costa, Hélio à saúde pública da
Sebastião Amâncio de Camargo Júnior, Jesus Paula Carvalho, Jorge Fonte população trans no Brasil:
de Rezende Filho, José Eleutério Junior, José Geraldo Lopes Ramos, José uma revisão narrativa
Mauro Madi, Jose Mendes Aldrighi, Julio Cesar Rosa e Silva, Julio Cesar Julia Palmieri de Oliveira,
Teixeira, Lucia Alves da Silva Lara, Luciano Marcondes Machado Nardozza, Luiza Sviesk Sprung

Luiz Gustavo Oliveira Brito, Luiz Henrique Gebrim, Marcelo Zugaib, Marco 568 Rotura uterina: da
Aurélio Albernaz, Marco Aurelio Pinho de Oliveira, Marcos Felipe Silva de
suspeita ao tratamento
Sá, Maria Celeste Osório Wender, Marilza Vieira Cunha Rudge, Mário Dias
Francisco Edson de Lucena Feitosa,
Corrêa Júnior, Mario Vicente Giordano, Marta Francis Benevides Rehme, Enzo Studart de Lucena Feitosa
Mauri José Piazza, Newton Eduardo Busso, Olímpio Barbosa de Moraes
Filho, Paulo Roberto Dutra Leão, Paulo Roberto Nassar de Carvalho, Regina 572 Alternativas aos
Amélia Lopes Pessoa de Aguiar, Renato de Souza Bravo, Renato Zocchio antibióticos na profilaxia
Torresan, Ricardo de Carvalho Cavalli, Rodolfo de Carvalho Pacagnella, das infecções urinárias
Rodrigo de Aquino Castro, Rogério Bonassi Machado, Rosa Maria Neme, recorrentes não
Roseli Mieko Yamamoto Nomura, Rosires Pereira de Andrade, Sabas Carlos
complicadas na mulher
Vieira, Samira El Maerrawi Tebecherane Haddad, Sergio Podgaec, Silvana
Raquel Martins Arruda, Matheus
Maria Quintana, Soubhi Kahhale, Vera Lúcia Mota da Fonseca, Walquíria Pinto Catão Machado, Marair
Quida Salles Pereira Primo, Zuleide Aparecida Felix Cabral Gracio Ferreira Sartori

FEMINA 2022;50(9) | 543


FEBRASGO POSITION STATEMENT

Vacinação para doença


meningocócica
Número 9 – Setembro 2022
A Comissão Nacional Especializada em Vacinas da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia
e Obstetrícia (Febrasgo) referenda este documento. A produção do conteúdo baseia-se em evidências
científicas sobre a temática proposta e os resultados apresentados contribuem para a prática clínica.

PONTOS-CHAVE
• Atualizar os ginecologistas e obstetras sobre a importância e a necessidade da vacinação contra a meningite
meningocócica, conscientizando-os sobre o risco da doença meningocócica invasiva em adolescentes
e adultas jovens, com o posicionamento da Comissão Nacional Especializada em Vacinas da Federação
Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) sobre o tema.
• Mostrar que a infecção pelo meningococo pode resultar em doenças graves, como a meningite e a
meningococcemia, e que, no Brasil, pelo menos 2 em cada 10 pessoas com doença meningocócica invasiva
vão a óbito devido à doença. Além disso, cerca de 20% dos sobreviventes têm sequelas permanentes.
• Apresentar as diferentes vacinas disponíveis e suas características, bem como as recomendações oficiais no Brasil.
• Ressaltar que a eficácia protetora das vacinas para os sorogrupos ACWY diminui com o tempo, quando
administradas na infância, e que são importantes as doses de reforço nas adolescentes e adultas jovens.
• Demonstrar que o Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Brasil disponibiliza a vacina meningocócica
conjugada ACWY na rotina para os adolescentes de 11 e 12 anos de idade.
• Informar que as vacinas meningocócicas ACWY e B estão disponíveis para diversas faixas etárias na rede
privada de vacinação, conforme indicação de bula e recomendação das sociedades científicas.
• Apresentar as melhores evidências científicas da vacinação contra a meningite meningocócica em mulheres
e colaborar para uma prática clínica atualizada.
• Ressaltar a importância de os ginecologistas discutirem a vacinação contra a doença meningocócica com as
adolescentes, assim como com os pais e responsáveis.

RECOMENDAÇÕES
• Reforçar a importância da vacinação contra o meningococo nos adolescentes e adultos jovens, pelo elevado
risco de essa população contrair doença meningocócica. A doença meningocócica é muito grave, com os
desfechos mais graves e até o óbito podendo ocorrer em apenas algumas horas. As vacinas conjugadas
licenciadas também são capazes de eliminar o estado de portador assintomático da bactéria, comum nessa
faixa etária.
• Recomendar a vacinação contra o meningococo nas mulheres imunossuprimidas de qualquer idade pelo
maior risco de desenvolverem doença meningocócica, incluindo as formas graves.
• Endossar que, no Brasil, bem como nos demais países onde foram adotadas, as vacinas contra o
meningococo foram capazes de reduzir a prevalência da doença, o que justifica a sua utilização, conforme
recomendação atual apresentada no texto.
• Demonstrar que as vacinas meningocócicas conjugadas ACWY e B são eficazes e diminuíram, de forma
significativa, os casos da doença meningocócica em todos os cenários e locais onde foram introduzidas. Elas
apresentam um ótimo perfil de segurança, sem relatos de eventos adversos graves.
• Ressaltar que as vacinas meningocócicas conjugadas quadrivalentes (tipos A, C, W, Y) e as vacinas proteicas
contra o sorogrupo B, pelo seu maior espectro de proteção, devem ser consideradas como as melhores
opções para imunizar adolescentes e mulheres adultas, quando disponíveis.

FEMINA 2022;50(9):544-8 | 544


Roteli-Martins CM, Neves NA, Magno V, Kfouri R

• Determinar que em todas as faixas etárias, na impossibilidade de usar a vacina ACWY e a B, a vacina
monovalente contra o sorogrupo C pode ser utilizada.
• Determinar que, em situações de surto de meningite bacteriana, a vacinação de bloqueio seja utilizada
após a identificação do sorogrupo responsável e seguindo as normas técnicas preconizadas pelo PNI do
Ministério de Saúde.
• Reforçar que a eficácia protetora das vacinas ACWY diminui com o tempo, em especial quando
administradas em crianças pequenas. Como títulos de anticorpos elevados são fundamentais para
uma adequada proteção, fica evidenciada a necessidade de reforços para manter esses altos níveis nas
adolescentes e adultas jovens.
• Demonstrar que o sorogrupo B foi responsável por 36% dos casos sorogrupados de doença meningocócica
invasiva no Brasil, considerando todas as faixas etárias em 2020, e recomendar a vacinação para esse
sorogrupo nas adolescentes e adultas jovens.

CONTEXTO CLÍNICO te, ou ainda por meio do contato direto com secreções
A doença meningocócica invasiva é causada pela Neisseria respiratórias. A colonização de nasofaringe é condição
meningitidis (meningococo), um diplococo Gram-negativo, necessária para o desenvolvimento da doença. O por-
capsulado, que pode ocasionar infecções graves como a tador, na maioria das vezes, é assintomático, porém, em
meningite e a septicemia. O meningococo é o principal alguns casos, a bactéria pode invadir a corrente san-
agente causador de meningites bacterianas no Brasil. guínea, atingindo sítios previamente estéreis, como o
Apesar de serem 12 sorogrupos identificados, quase todas líquido cefalorraquidiano e o cérebro.(1) Em uma revisão
as doenças meningocócicas invasivas são causadas pelos sistemática sobre estudos em portadores de N. me-
sorogrupos A, B, C, W e Y.(1) ningitidis, foi demonstrado que, entre os portadores
As infecções geralmente têm início abrupto e podem da bactéria, as crianças respondem por 4,5%, e a taxa
evoluir rapidamente, de sintomas inespecíficos como aumenta para 23,7% nos adolescentes em torno de 19
os de uma gripe, progredindo para as formas clássi- anos e diminui para 7,8% nos adultos com idade de 50
cas de meningite e septicemia em até oito horas após anos.(7) O período de incubação, em geral, é muito curto,
o início dos sintomas. Esse quadro pode evoluir para cerca de dois dias, e o período de transmissão persiste
agravamento e até para óbito em 24 horas. As taxas até o desaparecimento do meningococo das secreções
de gravidade e óbito são elevadas, particularmente em nasofaríngeas do doente ou portador. Em geral, o me-
adolescentes e adultos jovens, com uma taxa também ningococo desaparece da nasofaringe 24 horas após o
importante em idosos.(2) início do tratamento específico.(8)
Em até 20% dos sobreviventes da doença invasiva, são
comuns as sequelas como surdez, disfunções do siste- QUAIS SÃO OS GRUPOS DE MAIOR RISCO?
ma cognitivo, dificuldades de aprendizado, amputações Os principais fatores de risco para a transmissão da N.
e outras sequelas neurológicas. A doença também tem meningitidis estão associados com o comportamento
impacto negativo na qualidade de vida dos sobreviventes e os hábitos sociais dos adolescentes e adultos jovens,
e de seus familiares, pois pode causar problemas neuro- como, por exemplo, convivência em espaços e moradia
lógicos que perduram por mais de 21 meses.(3) nas universidades, aglomerações em festas e eventos,
No Brasil, entre os casos da doença no ano de 2019, compartilhamento de objetos de uso pessoal, utensílios,
53,7% não foram laboratorialmente sorogrupados e beijos, entre outros.(1) Em um estudo na Austrália, entre
46,3% foram classificados como sorogrupos B, C, W e alunos de 15 e 18 anos, foram identificados fatores de
Y entre todas as faixas etárias. Entre os quatro soro- risco associados ao estado de portador assintomático.
grupos principais identificados, o maior percentual Foram significativamente relacionados ao uso dos cigar-
correspondeu ao sorogrupo C (48,6%), seguido do so- ros comuns (odds ratio [OR]: 1,91, intervalo de confiança
rogrupo B (40,1%), do sorogrupo W (7,7%) e do sorogru- [IC] de 95%: 1,29-2,83) e dos inalados com água (OR: 1,82,
po Y (3,6%). Em 2020, durante a pandemia da COVID-19, IC de 95%: 1,30-2,54), frequentadores de bares ou clubes
apesar do menor número de isolados de N. meningiti- (OR: 1,54, IC de 95%: 1,28-1,86) e beijos íntimos (OR: 1,65,
dis, a contribuição percentual de casos de doença in- IC de 95%: 1,33-2,05).(7) Em Embu das Artes, São Paulo, um
vasiva devido ao sorogrupo B permaneceu maior nas estudo mostrou que cerca de 12,5% dos adolescentes são
faixas etárias menores de 15 anos.(4-6) portadores da N. meningitidis, sendo as seguintes preva-
lências dos sorogrupos (SG): SGC (18,4%), SGB (12,6%) SGY
COMO OCORRE A TRANSMISSÃO DA DOENÇA? (4,6%), SGW (1,1%) e não sorogrupados (60,9%), mostrando
A transmissão da doença meningocócica ocorre pelo a importância do estado de portador em uma região do
contato com um portador assintomático ou um doen- Brasil.(9) É importante ressaltar o risco aumentado para

545 | FEMINA 2022;50(9):544-8


Vacinação para doença meningocócica

a doença meningocócica invasiva nas adolescentes imu- Vacina meningocócica C conjugada: primeira vacina con-
nocomprometidas e portadoras de doenças crônicas de jugada aprovada contra o meningococo. Sua introdução
base, além daquelas portadoras de hemoglobinúria pa- em programas públicos evidenciou marcada redução do
roxística noturna em uso de eculizumabe.(1) número de casos da doença entre os vacinados. Países
que incluíram os adolescentes em seus programas de
QUAIS SÃO OS SINTOMAS? vacinação obtiveram resultados ainda mais expressivos
Os principais sinais e sintomas da doença são: febre, de proteção indireta, já que é nessa faixa etária que se
cefaleia intensa, vômitos, prostração, convulsões, si- concentra a maior parte dos portadores assintomáticos
nais de irritação meníngea e sufusões hemorrágicas. A da bactéria. Em adolescentes e adultos, o esquema é de
forma clínica mais grave da doença meningocócica é a dose única. É recomendada pelas Sociedades Brasileiras
meningococcemia (septicemia), que pode se apresentar de Imunizações (SBIm) e de Pediatria (SBP), assim como
associada ou não à meningite e tem elevadas taxas de pela Federação Brasileira das Associações de Ginecologia
letalidade.(10) São relatadas taxas elevadas de letalidade, e Obstetrícia (Febrasgo), para todos os indivíduos até
de 10% a 20%, sendo maiores pelo sorogrupo W (>30%). 20 anos de idade de forma rotineira. Acima dessa ida-
Entre os sobreviventes, observam-se sequelas perma- de, a vacina também pode ser utilizada, especialmente
nentes em cerca de 10% a 20% dos casos: amputação em grupos de maior risco para aquisição da doença ou
de membros, surdez, perda de visão, dificuldade de me- ainda em situações de epidemias ou viagens para locais
mória e aprendizado, entre outras.(11) No Brasil, recente- de maior risco. Para adolescentes, adultos ou idosos com
mente, foi observado aumento na incidência da doen- indicação, preconiza-se uma única dose.(16-19) Vacina me-
ça associada ao sorogrupo W, o que foi explicado pelo ningocócica ACWY conjugada: contempla os sorogrupos
maior número de casos em Santa Catarina, nos anos de A, C, W e Y. Amplia o espectro de proteção em relação
2017 e 2018.(12) à vacina monovalente C e tem sido recomendada, pre-
ferencialmente, no calendário da criança e adolescente
pelas sociedades científicas. Em adultos, também é re-
QUAIS SÃO AS VACINAS servada para as mesmas situações já descritas relaciona-
LICENCIADAS NO BRASIL? das à vacina monovalente C.(17,18) Vacina recombinante me-
A vacinação é considerada a forma mais eficaz para a ningocócica B: existem duas vacinas licenciadas no Brasil,
prevenção da doença. Uma variedade de vacinas, polis- e seu uso é recomendado para crianças, adolescentes e
sacarídicas e conjugadas, foi desenvolvida para ajudar a adultos jovens. Em ensaios clínicos, as vacinas menin-
proteger contra os sorogrupos meningocócicos A, C, W e gocócicas B demonstraram uma resposta imune robus-
Y. A resposta imune desencadeada pela infecção ou pelo ta em adolescentes, com persistência por até 7,5 anos e
uso de vacinas é predominantemente sorogrupo-especí- um perfil de segurança aceitável. Evidências recentes do
fica.(13) As limitações das vacinas polissacarídicas incluem uso rotineiro da vacina meningocócica B demonstraram
hiporresponsividade e falta de impacto no estado de redução de casos de doença meningocócica invasiva por
portador, e as vacinas conjugadas ajudam a solucionar esse sorogrupo entre aqueles vacinados com idades en-
algumas limitações das vacinas polissacarídicas, com tre 2 meses e 20 anos, com um perfil de segurança con-
melhor resposta imune em pré-adolescentes, adolescen- sistente com o observado em ensaios clínicos.(7)
tes e adultos. Também as vacinas conjugadas, diferente
das polissacarídicas, induzem à memória imunológica
(efeito booster), contribuindo para a redução de porta-
QUAL A SEGURANÇA E QUAIS
dores e a proteção indireta.(14) Existem hoje, licenciadas OS EFEITOS ADVERSOS?
no Brasil, vacinas conjugadas disponíveis contra quatro Os eventos adversos mais comuns são locais como dor,
sorogrupos – A, C, W e Y –, em formulação monovalen- vermelhidão e inchaço no local. Eventos sistêmicos são,
te (C) ou quadrivalente (ACWY). Sempre que possível, em normalmente, leves e de curta duração, como febre, mal-
qualquer faixa etária, é preferível o uso das vacinas qua- -estar, sonolência, vômitos, cefaleia e dor no corpo.(13) A
drivalentes ACWY, pelo seu maior espectro de proteção. vacina meningocócica B, especialmente em crianças, cos-
Em todas as idades, na impossibilidade de usar a vacina tuma ser mais reatogênica, levando a quadros febris em
ACWY, deve-se utilizar a meningocócica monovalente C até 50% dos casos.(20)
(MenC).(15) Após a introdução da vacina MenC no Programa
Nacional de Imunizações (PNI), o coeficiente de incidên- QUAL A RECOMENDAÇÃO ATUAL?
cia da doença meningocócica pelo sorogrupo C reduziu A vacina meningocócica C foi incluída no PNI em 2010,
significativamente, com aumento proporcional dos casos para crianças de 3 a 24 meses, e os registros, subse-
relacionados ao sorogrupo B. As vacinas meningocóci- quentes, mostram uma queda significativa do número
cas ACWY e B estão disponíveis para diversas faixas etá- de casos e óbitos nas faixas etárias em que a vacina
rias na rede privada de vacinação, conforme indicação foi utilizada. Assim, o PNI, a partir de 2017, passou a
de bula e recomendação das sociedades científicas.(16,17) disponibilizar a vacina meningocócica C conjuga-

FEMINA 2022;50(9):544-8 | 546


Roteli-Martins CM, Neves NA, Magno V, Kfouri R

da também para adolescentes de 11 e 12 anos, para REFERÊNCIAS


controlar possível queda da imunidade observada ao 1. Centers for Disease Control and Prevention. Chapter 14:
longo do tempo. Em 2020, o Ministério da Saúde in- Meningococcal Disease. In: Hamborsky J, et al. (Eds). Epidemiology
and Prevention of Vaccine-Preventable Diseases. 13th ed.
cluiu a vacina meningocócica conjugada ACWY para
Washington, DC: Public Health Foundation; 2015. p. 231-46.
adolescentes, de 11 e 12 anos de idade, como dose de
2. Wang B, Santoreneos R, Giles L, Haji Ali Afzali H, Marshall H. Case
reforço.(21) As sociedades, incluindo a Febrasgo, tam- fatality rates of invasive meningococcal disease by serogroup
bém recomendam, sempre que possível, o uso prefe- and age: a systematic review and meta-analysis. Vaccine.
rencial das vacinas MenACWY para adolescentes, no 2019;37(21):2768-82. doi: 10.1016/j.vaccine.2019.04.020
esquema de duas doses, com intervalo de cinco anos. 3. Olbrich KJ, Müller D, Schumacher S, Beck E, Meszaros K, Koerber
Já para adultos, em situações que justifiquem sua ad- F. Systematic review of invasive meningococcal disease: sequelae
ministração, a recomendação é de dose única.(17,18) Para and quality of life impact on patients and their caregivers. Infect
Dis Ther. 2018;7(4):421-38.
adultos, a vacina contra o sorogrupo C só está dispo-
4. Ministério da Saúde. Datasus. Meningite – casos confirmados
nível nos Centros de Referência para Imunobiológicos
notificados no sistema de informação de agravos de notificação
Especiais (CRIEs) para pacientes imunocomprometi- – Brasil [Internet]. 2022 [cited 2022 Jun 12]. Available from: http://
dos e de risco para aquisição da doença, no esquema tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sinannet/cnv/meninbr.def
de duas doses, com intervalo de cinco anos entre elas. 5. World Health Organization. Meningococcal [Internet]. 2021 [cited
Em casos de epidemia, considerar a vacinação de mu- 2022 May 19]. Available from: https://www.who.int/news-room/
lheres com idade > 60 anos.(22) As vacinas meningocó- fact-sheets/detail/meningitis
cicas B e a conjugada quadrivalente (tipos A, C, W e 6. Secretaria de Estado da Saúde. Coordenadoria de Controle de
Y) devem ser consideradas como as melhores opções Doenças. Instituto Adolfo Lutz. Informação da vigilância das
pneumonias e meningites bacterianas [Internet]. 2017 [cited
para a imunização das adolescentes e mulheres adul- 2022 May 19]. Available from: https://www.saude.pr.gov.br/
tas. Recomenda-se a vacinação com uma única dose sites/default/arquivos_restritos/files/documento/2020-04/
da vacina ACWY e com duas doses da meningocóci- sireva_2017_2.pdf
ca B, com intervalo de um mês entre elas. A vacina- 7. Marshall HS, McMillan M, Koehler AP, Lawrence A, Sullivan TR,
ção de bloqueio está indicada nas situações em que MacLennan JM, et al. Meningococcal B vaccine and meningococcal
carriage in adolescents in Australia. N Engl J Med. 2020;382(4):318-
haja um surto de doença meningocócica, conhecido 27. doi: 10.1056/NEJMoa1900236
o sorogrupo responsável. A estratégia de vacinação
8. Christensen H, May M, Bowen L, Hickman M, Trotter CL.
será definida pelo PNI do Ministério da Saúde.(18,23) A Meningococcal carriage by age: a systematic review and meta-
vacina meningocócica ACWY conjugada está disponí- analysis. Lancet Infect Dis. 2010;10(12):853-61. doi: 10.1016/S1473-
vel nos CRIEs para as portadoras de hemoglobinúria 3099(10)70251-6
paroxística noturna que irão iniciar o tratamento com 9. Weckx LY, Puccini RF, Machado A, Gonçalves MG, Tuboi S, Barros E,
eculizumabe e para portadoras de doenças de base, a et al. A cross-sectional study assessing the pharyngeal carriage
of Neisseria meningitidis in subjects aged 1-24 years in the city of
título de resgate do calendário básico.(24,25)
Embu das Artes, São Paulo, Brazil. Braz J Infect Dis. 2017;21(6):587-
95. doi: 10.1016/j.bjid.2017.06.005
CONSIDERAÇÕES FINAIS 10. American Academy of Pediatrics. Meningococcal infections. In:
A infecção pelo meningococo pode resultar em doen- Pickering LK, Baker CI, Kimberlin DW, Long SS, editors. Red Book:
ças graves como a meningite e a meningococcemia. 2009 report of the Committee on Infectious Diseases. 28th ed. Elk
Grove Village: American Academy of Pediatrics; 2009. p. 455-63.
As infecções geralmente têm início abrupto e podem
evoluir rapidamente, com desfechos graves. Hábitos de 11. Pace D, Pollard AJ. Meningococcal disease: clinical presentation
and sequelae. Vaccine. 2012;30 Suppl 2:B3-9. doi: 10.1016/j.
adolescentes e adultos jovens os tornam os principais vaccine.2011.12.062
portadores e transmissores do meningococo na comu-
12. Estado de Santa Catarina. Diretoria de Vigilância Epidemiológica.
nidade. A Comissão Nacional Especializada em Vacinas Boletim Epidemiológico nº 07/2019 – Vigilância da Doença
da Febrasgo recomenda a vacinação com as vacinas Meningocócica [cited 2022 May 19]. Available from: http://www.
conjugadas ACWY para todas as pré-adolescentes e dive.sc.gov.br/conteudos/boletim2019/Boletim_DM_07_2019/
Boletim%20DM%2007.2019.pdf
adolescentes, no esquema de duas doses com intervalo
de cinco anos. Uma dose de reforço administrada aos 16 13. Dretler AW, Rouphael NG, Stephens DS. Progress toward
the global control of Neisseria meningitidis: 21st century
anos dá às adolescentes proteção contínua durante as vaccines, current guidelines, and challenges for future vaccine
idades em que elas estão sob maior risco. Adolescentes development. Hum Vaccin Immunother. 2018;14(5):1146-60. doi:
e adultos jovens também devem, sempre que possível, 10.1080/21645515.2018.1451810
receber a vacina meningocócica B no esquema de duas 14. Bröker M, Berti F, Costantino P. Factors contributing
doses com intervalo de 1-2 meses entre elas. A Comissão to the immunogenicity of meningococcal conjugate
Nacional Especializada em Vacinas da Febrasgo ressalta vaccines. Hum Vaccin Immunother. 2016;12(7):1808-24. doi:
10.1080/21645515.2016.1153206
que as vacinas multivalentes (ACWY) e contra o menin-
15. Bröker M, Dull PM, Rappuoli R, Costantino P. Chemistry of a new
gococo B estão indicadas para todas as adolescentes de
investigational quadrivalent meningococcal conjugate vaccine
até 20 anos e para mulheres pertencentes ao grupo de that is immunogenic at all ages. Vaccine. 2009;27(41):5574-80. doi:
risco para doença meningocócica. 10.1016/j.vaccine.2009.07.036

547 | FEMINA 2022;50(9):544-8


Vacinação para doença meningocócica

16. Harrison LH. Prospects for Vaccine Prevention of Meningococcal


Infection. Clin Microbiol Rev. 2006;19(1):142-64. doi: 10.1128/ Como citar:
CMR.19.1.142-164.2006 Roteli-Martins CM, Neves NA, Magno V, Kfouri R. Vacinação para
doença meningocócica. Femina. 2022;50(9):544-8.
17. Sáfadi MA, Barros AP. Meningococcal conjugate vaccines: efficacy
and new combinations. J Pediatr (Rio J). 2006;82(3 Suppl):S35-44.
doi: 10.2223/JPED.1495. PMID: 16826310. *Este artigo é a versão em língua portuguesa do trabalho
“Vaccination for meningococcal disease”, publicado na Rev Bras
18. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Ginecol Obstet. 2022;44(9):901-5.
Saúde. Introdução da vacina meningocócica C (conjugada) no
calendário de vacinação da criança. Departamento de Vigilância
Epidemiológica. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2010. p. 1-18. Cecilia Maria Roteli-Martins
19. Sociedade Brasileira de Imunizações. Calendário de Vacinação Centro Universitário Faculdade de Medicina do ABC, Santo
SBIm Adolescente: 2021-2022 [cited 2022 Mar 10]. Available André, SP Brasil.
from: https://sbim.org.br/images/calendarios/calend-sbim-
adolescente.pdf Nilma Antas Neves
Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil.
20. Sociedade Brasileira de Imunizações. Calendários de vacinação
[Internet]. 2022 [cited 2022 Jul 15]. Available from: https://sbim. Valentino Antonio Magno
org.br/calendarios-de-vacinacao Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS,
21. Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia
Brasil.
(Febrasgo). Programa Vacinal para Mulheres. 2ª ed. São Paulo; Renato Kfouri
2021 [cited 2022 May 10]. Available from: https://www.febrasgo.org. Centro de Imunização Santa Joana, São Paulo, SP, Brasil.
br/en/revistas/item/1261-programa-vacinal-das-mulheres. Centro de Imunização ProMatre Paulista, São Paulo, SP, Brasil.
22. Brasil. Ministério da Saúde. Nota Informativa 149 de 2015.
Informa as mudanças no calendário nacional de vacinação de Conflitos de interesse:
2016 [Internet]. Brasília (DF): Programa Nacional de Imunizações; Nada a declarar.
2015 [cited 2017 Jun 10]. Available from: http://www.aids.gov.
br/sites/default/files/anexos/legislacao/2015/58563/nota_
informativa_149_pdf_23535.pdf Comissão Nacional Especializada em Vacinas da Federação
Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia
23. Chang LJ, Hedrick J, Christensen S, Pan J, Jordanov E, Dhingra (Febrasgo)
MS. A Phase II, randomized, immunogenicity and safety study
of a quadrivalent meningococcal conjugate vaccine, MenACYW-
TT, in healthy adolescents in the United States. Vaccine. Presidente:
2020;38(19):3560-9. doi: 10.1016/j.vaccine.2020.03.017. Epub 2020 Cecilia Maria Roteli Martins
Mar 21.
Vice-presidente:
24. Calendário Nacional de Vacinação do PNI/MS. Available from: Nilma Antas Neves
https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z-1/c/
calendario-de-vacinacao Secretária:
25. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Susana Cristina Aidé Viviani Fialho
Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis. Manual dos
Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais [Internet]. Membros:
5ª ed. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2019 [cited 2022 May 19]. André Luís Ferreira Santos
Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_ Angelina Farias Maia
centros_imunobiologicos_especiais_5ed.pdf Fabíola Zoppas Fridman
Giuliane Jesus Lajos
Isabella de Assis Martins Ballalai
Juarez Cunha
Júlio Cesar Teixeira
Manoel Afonso Guimarães Gonçalves
Marcia Marly Winck Yamamoto de Medeiros
Renata Robial
Renato de Ávila Kfouri
Valentino Antonio Magno

Apoio:

NP-BR-MNX-OGM-220013

FEMINA 2022;50(9):544-8 | 548


ARTIGO ORIGINAL
A importância
da intervenção
fisioterapêutica
no vaginismo: uma
revisão sistemática
The importance of physiotherapeutic
intervention in vaginism:
a systematic review
Caroline de Souza Ribeiro1, Maria Fernanda Beretta1, Tatiane Regina de Sousa1

Descritores
Vaginismo; Fisioterapia; RESUMO
Intervenção; Terapia manual;
Exercícios; Eletroterapia; Dor Objetivo: Descrever a importância da intervenção fisioterapêutica para mulheres
com vaginismo. Fonte de dados: Foram utilizadas as bases de dados SciELO, PubMed,
Biblioteca Virtual de Saúde (BVS) e Literatura Cinza, incluindo artigos nacionais e
Keywords internacionais, sem delimitação temporal. Foram propostas para as buscas as se-
Vaginismus; Physiotherapy; guintes palavras-chave e operadores boleanos: [(“vaginismus”) AND (“physiotherapy”
Intervention; Manual therapy; OR “intervention” OR “efficiency”)], sendo esses posteriormente adequados para as
Exercises; Electrotherapy; Pain
demais bases que foram utilizadas nesta revisão sistemática. Seleção dos estudos:
A seleção dos estudos foi realizada por três examinadores independentes. Coleta
de dados: Inicialmente foram excluídos estudos com base no título, em seguida os
resumos foram analisados e, dos 353 artigos encontrados inicialmente, quatro foram
elegíveis para esta revisão. Síntese dos dados: Os artigos incluídos descreveram que
o tratamento fisioterapêutico é de extrema importância para as mulheres com vagi-
Submetido: nismo, pois aumenta a força e o controle sobre a musculatura do assoalho pélvico,
24/01/2022 diminuindo os sintomas do vaginismo e promovendo o incremento da satisfação se-
xual. Conclusão: A intervenção fisioterapêutica é imprescindível para mulheres que
Aceito: apresentam vaginismo, tendo em vista que suas técnicas têm efetividade na preven-
13/07/2022
ção e tratamento do vaginismo, além de promover melhora importante na qualidade
de vida e na satisfação sexual das mulheres.
1. Centro Universitário Estácio de
Santa Catarina, São José, SC, Brasil.
ABSTRACT
Conflitos de interesse:
Nada a declarar. Objective: To describe the importance of physical therapy intervention for women
with vaginismus. Data source: The SciELO, PubMed, Virtual Health Library (BVS) and
Autor correspondente: Gray Literature databases were used, including national and international articles,
Tatiane Regina de Sousa
without temporal delimitation. The following keywords and Boolean operators were
Rua Santo Antônio, s/n, 88117-350,
proposed for the searches: [(“vaginismus”) AND (“physiotherapy” OR “intervention”
São José, SC, Brasil
OR “efficiency”)], which were later suitable for the other bases that were used in this
tatianereginafisio@gmail.com
systematic review. Study selection: Study selection was performed by three indepen-
Como citar: dent examiners. Data collection: Initially, studies were excluded based on the title,
Ribeiro CS, Baretta MF, Sousa TR. then the abstracts were analyzed and of the 353 articles found initially, 4 were eli-
A importância da intervenção gible for this review. Data synthesis: The articles included described that physical
fisioterapêutica no vaginismo: therapy treatment is extremely important for women with vaginismus, as it increases
uma revisão sistemática. Femina.
strength and control over the pelvic floor muscles, decreasing the symptoms of va-
2022;50(9):549-55.

FEMINA 2022;50(9):549-55 | 549


Ribeiro CS, Beretta MF, Sousa TR

ginismus and promoting increased sexual satisfaction. Con- Devido à interferência na vida da mulher e aos malefí-
clusion: Physical therapy intervention is essential for women cios causados pelo vaginismo, notou-se que existem várias
who have vaginismus, considering that its techniques are ef- intervenções fisioterapêuticas disponíveis na literatura,(8)
fective in preventing and treating vaginismus, in addition to assim, houve a necessidade de verificar qual a importância
promoting an important improvement in women’s quality of da intervenção fisioterapêutica, no sentido de possibilitar a
life and sexual satisfaction. penetração, melhorar a autoestima da mulher e promover
a atividade sexual satisfatória.
INTRODUÇÃO Sendo assim, o presente estudo visa responder à se-
guinte questão norteadora: Qual a importância da atuação
Mulheres com disfunção sexual podem apresentar dificul-
fisioterapêutica em mulheres com vaginismo?
dade recorrente ou persistente para chegar a uma deter-
minada fase do ciclo de resposta sexual, seja desejo, exci-
tação e/ou orgasmo. Como consequência, não conseguem MÉTODOS
realizar a atividade sexual com satisfação.(1) Entre as dis- Caracterização da pesquisa e estratégias de busca
funções que afetam a vida das mulheres, cerca de 1% a A presente revisão sistemática foi conduzida conforme
6% representam o vaginismo, porém ainda não é possível as recomendações PRISMA (Preferred Reporting Items for
determinar sua real prevalência.(2) Systematic reviews and Meta-Analyses) para revisões sis-
Entende-se que disfunções sexuais como o vaginismo temáticas. As buscas por artigos científicos foram condu-
vão além do âmbito pessoal, atingindo as mulheres de for- zidas por dois pesquisadores independentes, nas bases
ma estrutural e funcional, limitando as atividades sexuais e
de dados eletrônicas SciELO (Scientific Electronic Library
podendo acarretar frustrações conjugais.(3)
Online), PubMed (National Library of Medicine and National
Desde que o termo foi apresentado pela primeira vez no
Institutes of Health) e BVS (Biblioteca Virtual de Saúde),
século IX, o vaginismo foi conceituado como uma disfunção
sem delimitação temporal. A pesquisa foi estruturada e
sexual feminina relativamente rara, mas bem compreendi-
organizada na forma PICO, que representa um acrônimo
da e facilmente tratável.(4) O vaginismo é caracterizado pelo
para População-alvo, Intervenção, Comparação e Outcomes
espasmo dos músculos localizados ao redor da vagina,
(desfechos). Devido ao objetivo desta pesquisa, o acrômio
que é observado enquanto ocorre o fechamento parcial ou
Controle não foi utilizado, por não ser aplicável. Os des-
completo da vagina durante o ato de qualquer tentativa de
critores foram selecionados a partir do dicionário Medical
penetração, podendo ser essa com tampão, dedo, pênis ou
Subject Heading Terms (MeSH), haja vista a sua grande
espéculo ginecológico.(5)
Foram encontradas divergências de literatura em relação utilização pela comunidade científica para a indexação de
à classificação do vaginismo. A classificação primária rela- artigos na base de dados PubMed. Foram propostas para
ciona-se à presença de dificuldade sexual desde a primei- as buscas as seguintes palavras-chave e operadores bolea-
ra tentativa de penetração; nesse caso não houve qualquer nos: [(“vaginismus”) AND (“physiotherapy” OR “intervention”
tipo de penetração antes e, frequentemente, vem associada OR “efficiency”)], sendo esses posteriormente adequados
a uma educação sexual rígida ou repressiva, que determina para as demais bases que foram utilizadas nesta revisão
desinformação ou informação errônea sobre a anatomia e sistemática. Para complementar, foi realizada uma busca
fisiologia dos órgãos genitais e resposta sexual. Já na classifi- manual nas referências dos artigos incluídos na pesquisa e
cação secundária encontram-se mulheres que previamente busca por literatura cinza no Google Scholar.
tinham uma vida sexual normal, mas que, por algum trauma
físico ou psicológico, desenvolvem vaginismo.(2,5) Critérios de elegibilidade
O vaginismo, em ambos os casos, pode ser parcial ou Critérios de inclusão
total. O espasmo do vaginismo parcial é moderado, e a re-
Os desenhos dos estudos selecionados para compor esta
lação torna-se muito difícil e provoca dispareunia, enquan-
revisão foram: ensaios clínicos controlados e randomiza-
to no vaginismo total a contração muscular é intensa e a
dos, ensaios controlados quasi-randomizados, estudos
vagina se contrai totalmente, de forma a impedir qualquer
comparativos com ou sem controles simultâneos e estu-
tentativa de penetração.(4)
dos de caso. A amostra deveria ser composta por pacientes
A etiologia não está bem esclarecida, mas estima-se que
com vaginismo. Foram incluídos estudos descritos em por-
suas principais causas estão correlacionadas aos fatores
tuguês e inglês.
psicoemocionais e psicossociais, como ansiedade e estres-
se, história de abuso sexual, educação repressora e religião
que considera o sexo como algo pecaminoso.(3) Outro fator Critérios de exclusão
agravante da patologia é a ansiedade fóbica, que ocorre Foram excluídos os arquivos do tipo carta ao editor, dire-
antes da penetração vaginal.(5) trizes, revisões sistemáticas, metanálises e resumos, e es-
Embora o termo “vaginismo” tenha sido reconhecido há tudos que apresentavam indivíduos com comorbidades,
mais de cem anos, ainda é pouco diagnosticado e tratado. como, por exemplo, doença inflamatória pélvica, endome-
A intervenção fisioterapêutica ainda não possui um con- triose e câncer.
senso sobre as técnicas utilizadas, apesar de a literatura
apresentar protocolos baseados em evidência.(6) Um exem-
Seleção dos estudos
plo é que nem todos os profissionais atuam de acordo com A seleção dos estudos foi realizada por três examinadores
o que há de mais atual na literatura.(6,7) independentes. Inicialmente foram excluídos estudos com

550 | FEMINA 2022;50(9):549-55


A importância da intervenção fisioterapêutica no vaginismo: uma revisão sistemática
The importance of physiotherapeutic intervention in vaginism: a systematic review

base no título, em seguida os resumos foram analisados e Estudos identificados por


apenas os que foram potencialmente elegíveis foram sele- meio de busca eletrônica

Identificação
cionados para avaliação na íntegra. As divergências foram na base de dados
PubMed (n = 24)
resolvidas por consenso.
SciELO (n = 10)
Extração de dados BVS (n = 16)
Literatura Cinza (n = 303)
A extração dos dados foi realizada utilizando uma ficha ela- Aplicação dos critérios
borada pelos pesquisadores em Excel®, na qual os resulta- de INCLUSÃO:
dos extraídos foram adicionados inicialmente por um dos PubMed (n = 19) y Nos idiomas

Triagem
pesquisadores e, então, conferidos pelo outro pesquisador. SciELO (n = 4) português e inglês;
Quando necessário, os autores correspondentes dos estu- BVS (n = 14)
Literatura Cinza (n = 279) y Estudos em humanos.
dos foram contatados para sanar dúvidas e\ou fornecer in-
formações não apresentadas no estudo publicado. Aplicação dos critérios
de EXCLUSÃO:

Elegibilidade
Resultados PubMed (n = 7) y Artigos de revisão
SciELO (n = 2) sistemática e literária,
Para responder à questão norteadora “Qual a importância
BVS (n = 4) metanálise, resumos
da intervenção fisioterapêutica em mulheres com vaginis- Literatura Cinza (n = 43) e artigos que contêm
mo?”, os estudos passaram por um minucioso processo que
pacientes com câncer;
envolveu atividades de busca, identificação, mapeamento
y Artigos duplicados.
e análise. Na figura 1, está elucidado o esquema de coleta
dos artigos. Avaliação por
Durante a análise dos estudos selecionados, foram elegibilidade:
extraídos dados pertinentes a esta pesquisa, que estão PubMed (n = 2) y Exclusão de artigos
Inclusos

exemplificados nos quadros 1 e 2. O quadro 1 apresenta os SciELO (n = 0) que não abordam


BVS (n = 1) vaginismo e intervenções
objetivos e os tipos de estudos analisados nesta revisão. Literatura Cinza (n = 1)
O quadro 2 demonstra os resultados obtidos com as in- fisioterapêuticas.
tervenções utilizadas em cada estudo. Avaliação por síntese
Relativamente aos tratamentos adotados, os artigos qualitativa:
Selecionados

utilizados foram: um artigo contendo toxina botulínica y Seleção dos estudos que
Artigos incluídos para
e fisioterapia convencional (exercícios de relaxamento, a revisão sistemática abordam as técnicas
eletroterapia, dessensibilização e foco de sensação); um (n = 4) fisioterapêuticas no
contendo dessensibilização com dilatadores e dedos; um vaginismo e a influência
contendo FES-Biofeedback e SCBT; um contendo técnicas delas na atividade
sexual das mulheres.
de autorrelaxamento, dessensibilização e massagem peri-
neal. Segundo o quadro 2, observa-se que a intervenção Figura 1. Esquema de coleta de dados
fisioterapêutica convencional, por meio de exercícios do AP,
dessensibilização, massagem perineal e relaxamento, pare-
aspectos socioculturais, a fim de atender às necessidades
ce demonstrar melhor efeito terapêutico, em comparação
nos diversos níveis de atenção à saúde. Dessa forma, a fi-
com as outras técnicas apresentadas.
sioterapia atua na prevenção e no tratamento das desor-
dens que comprometem o funcionamento da musculatura
Avaliação da qualidade do estudo
do assoalho pélvico, utilizando desde orientações domici-
Para a avaliação da qualidade metodológica, foi utilizada liares até técnicas de liberação miofascial, alongamento e
a escala PEDro, que se baseia na lista de Delphi, tendo por fortalecimento muscular e eletroterapia, tendo como obje-
objetivo auxiliar na identificação metodológica dos estu- tivo principal melhorar a qualidade de vida.(8)
dos. Ela se divide em 11 itens, em que o item “1” não é pon- No estudo de Yaraghi et al. (2019),(9) um grupo controle
tuado, fazendo com que, ao final, haja escores variando de contendo 28 mulheres recebeu, durante 12 semanas, técni-
0 a 10 pontos (Quadro 3). cas envolvendo exercícios de relaxamento, aplicados por
meio de massagem perineal pelo terapeuta: FES, uma téc-
Discussão nica que utiliza pulsos elétricos de baixa energia para gerar
sinteticamente movimentos corporais em indivíduos com
Com o objetivo de avaliar a eficácia das técnicas fisiote-
problemas de sistema nervoso central; dessensibilização,
rapêuticas no vaginismo, este estudo encontrou quatro
inicialmente utilizando os dedos do terapeuta, progredindo
artigos que abordavam diferentes tratamentos para o
para tampões vaginais, e, se tolerado pela paciente, ele-
vaginismo.
trodos vaginais com ondas tensas e frequências analgé-
sicas eram utilizados, adicionalmente, por 15 minutos em
Fisioterapia convencional cada sessão; e, em casa, a técnica de foco de sensação foi
A fisioterapia voltada à saúde da mulher vai desde a infân- realizada pela paciente e seu cônjuge. Essa técnica incluiu
cia, gravidez, trabalho de parto, puerpério, climatério e ter- massagens em todo o corpo, exceto nas mamas e regiões
ceira idade, envolvendo não só questões meramente repro- genitais, sem entrada vaginal, e fez com que a paciente ob-
dutivas, mas a integralidade da mulher, considerando seus tivesse sensação de proximidade e conforto.(9)

FEMINA 2022;50(9):549-55 | 551


Ribeiro CS, Beretta MF, Sousa TR

Quadro 1. Caracterização dos estudos analisados

Autor/Ano/País Título Objetivo Desenho do Estudo


Seo et al. (2005)(9) Eficácia da estimulação Determinar a eficácia do Estudo de caso
Coreia do Sul elétrica funcional FES-Biofeedback com SCBT
Biofeedback com terapia sexual como uma terapia-padrão
cognitivo-comportamental para o vaginismo
Terapia como tratamento
de vaginismo
Pandochi (2017)(10) Efeito da intervenção Avaliar a eficácia da Ensaio clínico controlado
Brasil fisioterapêutica no intervenção fisioterapêutica na não randomizado
tratamento da dor coital dor coital e verificar o impacto
dessa intervenção na função
sexual de mulheres portadoras
de vaginismo e dispareunia
Yaraghi et al. (2019)(11) Comparação da eficácia Comparar a eficácia Ensaio clínico randomizado
Irã da estimulação elétrica da fisioterapia com
funcional via terapia sexual tratamento-padrão e injeção
cognitivo-comportamental local de toxina botulínica na
dos músculos do assoalho atividade sexual de pacientes
pélvico versus injeção com vaginismo primário
local de toxina botulínica no
funcionamento sexual de
pacientes com vaginismo

Aslan et al. (2020)(12) O “uso do dilatador” é mais Comparar as taxas de sucesso Estudo clínico randomizado
Turquia eficaz do que o “uso do dedo” da terapia do vaginismo
na terapia de exposição no com o uso do dedo ou do
tratamento do vaginismo? dilatador para dilatação
e dessensibilização

SCBT: sexual cognitive behavioral therapy (terapia sexual cognitivo-comportamental).

Quadro 2. Protocolo de intervenção e desfecho dos estudos analisados

Intervenção
Autor Metodologia Tempo de intervenção fisioterapêutica Desfecho/Resultados
Seo et al. (9)
O estudo foi composto por A intervenção com FES-Bio- Foi realizado relaxamento O sucesso do estudo foi me-
12 mulheres com vaginismo. feedback ocorreu uma vez muscular do AP semanal dido por meio da capacidade
As pacientes foram avalia- por semana, durante 12 se- com FES-Biofeedback uma do casal em obter sucesso
das por meio de um exame manas. vez por semana, com dura- na relação sexual. Todos os
ginecológico e passaram por O SCBT foi aplicado por 8 se- ção de 15 minutos por dia. A pacientes obtiveram sucesso
entrevistas relacionadas à manas, 5 vezes na semana, FES teve aplicação de largu- durante e após o tratamento.
função sexual e psicológica. com duração de 10 a 15 mi- ra de pulso de 2 ms, tempo O FES-Biofeedback com SCBT
O tratamento foi composto nutos por dia. on de 2” e off de 4 segundos, é uma terapia eficaz que
por FES-Biofeedback e SCBT. frequência de 50 Hz e potên- pode aumentar a taxa de
cia variável de 10 a 100 mA. sucesso do tratamento do
Além de um eletrodo de su- vaginismo.
perfície aplicado na parede
lateral da vagina, a terapia
teve como acompanhamen-
to sondas que aumentavam
gradualmente de tamanho.
O SCBT foi composto por oito
estágios, em que foi realizada
a dessensibilização gradual
usando autodilatação vaginal
com dedos e sonda vaginal. O
parceiro foi introduzido nes-
se processo.
O casal teve acompanha-
mento com o terapeuta, que
utilizou técnicas de recons-
trução cognitiva para interfe-
rir no funcionamento sexual.

552 | FEMINA 2022;50(9):549-55


A importância da intervenção fisioterapêutica no vaginismo: uma revisão sistemática
The importance of physiotherapeutic intervention in vaginism: a systematic review

Pandochi(10) Participaram do estudo 16 De 4 a 16 sessões de trata- As orientações gerais foram A intervenção fisioterapêuti-
mulheres, sendo 11 com dis- mento com frequência de 1 demonstrar à paciente a ca proposta foi eficaz para a
pareunia e 5 com vaginismo. vez por semana e duração anatofisiologia do AP e a im- dor coital, contribuindo para
O tratamento foi dividido de 40 minutos. portância das preliminares. a melhora da função sexual
em quatro etapas: orien- A técnica de autorrelaxa- e a redução do risco de dis-
tações gerais, autorrelaxa- mento consistiu em contrair funções sexuais, ansiedade e
mento, dessensibilização e e relaxar grupos musculares depressão em mulheres com
alongamento e massagem associados com o controle da vaginismo e dispareunia.
perineal. Para avaliação da respiração para ansiedade.
dor, foram utilizados a EVA A dessensibilização foi fei-
e o Questionário de dor de ta pela mulher por meio do
McGill. Para avaliação da autoconhecimento corporal,
função sexual, foi utilizado realizando o toque e a intro-
o FSFI. A avaliação do esta- dução do dedo no introito
do emocional foi feita por vaginal, progredindo sem
meio da escala HAD. A ava- dor.
liação funcional do AP foi O alongamento dos múscu-
feita por meio da escala de los adutores do quadril foi
Oxford. feito de forma passiva pelo
terapeuta.
A massagem perineal foi
realizada pelo terapeuta, da
origem para a inserção dos
MAPs, no sentido das fibras
musculares, com pressão to-
lerável.

Yaraghi Ensaio clínico randomizado O grupo intervenção recebeu As pacientes do grupo inter- Os resultados apontam que,
et al.(11) de 58 mulheres, divididas em uma sessão de aplicação. venção receberam 500 uni- embora a técnica de toxina
grupo controle e grupo in- O grupo controle recebeu 12 dades de toxina botulínica, botulínica tenha efeito po-
tervenção. O grupo controle semanas de tratamento. que foram injetadas em três sitivo, a intervenção fisiote-
recebeu fisioterapia conven- pontos diferentes dos mús- rapêutica obteve taxa de su-
cional e o grupo intervenção culos levantadores do ânus. cesso superior em todos os
recebeu aplicação de toxina As pacientes do grupo con- domínios do funcionamento
botulínica. As mulheres res- trole receberam fisioterapia sexual, sendo essa diferença
ponderam ao questionário por meio de exercícios de estatisticamente significati-
FSFI para mensurar sua vida relaxamento, FES, dessensi- va.
sexual. bilização e foco de sensação.

Aslan et al.(12) O estudo foi composto por Sessões semanais. O FTG (30 pacientes) foi in- Pode-se observar que o DTG
62 mulheres diagnosticadas centivado a introduzir a obteve mais sucesso do que
com vaginismo após avalia- ponta do dedo mínimo no o FTG na continuidade do
ção abrangente de questões introito vaginal, progredindo tratamento. O uso do dila-
psiquiátricas e exame gine- com o dedo indicador e pos- tador no tratamento de di-
cológico. Foram divididas em teriormente dois dedos (in- latação e dessensibilização
dois grupos: FTG e DTG. Todas dicador e médio). Após o re- do vaginismo é mais eficaz
as pacientes responderam sultado positivo, foi indicado do que o uso dedo. A melho-
ao questionário FSFI e foram utilizar o dedo do marido ra na função sexual (desejo,
educadas sobre anatomia do como dilatador (progredin- orgasmo) foi observada por
AP e fisiologia sexual. do apenas se não houvesse meio da escala FSFI três me-
dor). Após, foi recomendado ses após a intervenção, que
fazer uma tentativa de rela- favoreceu o grupo DTG.
ção sexual.
O DTG (32 pacientes) uti-
lizou dilatadores vaginais
em formas de tubo de vidro
graduados de 2, 4, 5 e 6 cm
de diâmetro e 3, 5, 7 e 10 cm
de comprimento, respecti-
vamente. Foi iniciada a in-
serção gradual do dilatador,
evoluindo conforme a pa-
ciente se sentisse confortá-
vel. Após a inserção do maior
dilatador, foi recomendada a
atividade sexual.

FSFI: índice da função sexual feminina; FES: estimulação elétrica funcional; DTG: grupo de treinamento do dilatador; FTG: grupo de treinamento de dedo; AP:
assoalho pélvico; SCBT: sexual cognitive behavioral therapy (terapia sexual cognitivo-comportamental); EVA: Escala Visual Analógica; HAD: Escala Hospitalar de
Ansiedade e Depressão; MAP: musculatura do assoalho pélvico.

FEMINA 2022;50(9):549-55 | 553


Ribeiro CS, Beretta MF, Sousa TR

Quadro 3. Classificação dos estudos conforme a escala PEDro (pontuação máxima de 10 pontos)

Seo et al. Pandochi Yaraghi et Aslan et al.


Escala PEDro (2005)(9) (2017)(10) al. (2019)(11) (2020)(12)
1 – Os critérios de elegibilidade foram especificados. Sim Sim Sim Sim
2 – Os sujeitos foram aleatoriamente distribuídos por grupos (em
um estudo crossover, os sujeitos foram colocados em grupos Não Não Sim Sim
de forma aleatória de acordo com o tratamento recebido).
3 – A distribuição dos sujeitos foi cega. Não Não Sim Sim
4 – Inicialmente, os grupos eram semelhantes no que diz
Sim Não Sim Sim
respeito aos indicadores de prognóstico mais importantes.
5 – Todos os sujeitos participaram de forma cega no estudo. Não Não Sim Não
6 – Todos os fisioterapeutas que administraram
Não Não Sim Não
a terapia fizeram-no de forma cega.
7 – Todos os avaliadores que mediram pelo menos um
Não Não Sim Não
resultado-chave fizeram-no de forma cega.
8 – Medições de pelo menos um resultado-chave foram obtidas em
Sim Sim Sim Sim
mais de 85% dos sujeitos inicialmente distribuídos pelos grupos.
9 – Todos os sujeitos a partir dos quais se apresentaram medições de
resultados receberam o tratamento ou a condição de controle conforme
Sim Sim Sim Sim
a distribuição ou, quando não foi esse o caso, fez-se a análise dos dados
para pelo menos um dos resultados-chave por “intenção de tratamento”.
10 – Os resultados das comparações estatísticas intergrupos
Sim Sim Sim Sim
foram descritos para pelo menos um resultado-chave.
11 – O estudo apresenta tanto medidas de precisão como medidas
Não Sim Sim Sim
de variabilidade para pelo menos um resultado-chave.
Pontuação Total PEDro 5/11 5/11 11/11 8/11

Pandochi (2017)(10) realizou um estudo que incluiu 16 meio de massagem intravaginal, apresenta dificuldade, de-
mulheres, sendo 11 com dispareunia e 5 com vaginismo, vido a possíveis sentimentos de vergonha e problemas re-
utilizando a intervenção fisioterapêutica baseada em qua- ligiosos. Entretanto, diante dos resultados promissores nos
tro etapas, sendo essas: orientações gerais, que consisti- dois estudos, a utilização desses métodos como forma de
ram em demonstrar à paciente uma figura ilustrativa dos tratamento para o vaginismo deve ser considerada como
músculos do assoalho pélvico (MAPs), a fim de dar a ela primeira linha.(10,11)
uma noção quanto à localização e à propriocepção desses
músculos, além de ela ser orientada quanto à importân- Eletroterapia
cia das preliminares. A próxima etapa foi ensinar para a
A eletroterapia refere-se a um tratamento mais usado como
mulher técnicas de autorrelaxamento e controle da ansie-
complemento aos exercícios cinesiológicos e é recomenda-
dade para melhora da consciência corporal e controle da
da como estímulo para despertar a consciência corporal,
respiração. A dessensibilização, terceira etapa, teve como
auxiliando a contração apropriada dos MAPs.(13) Pode ser
objetivo favorecer o autoconhecimento da mulher em rela-
realizada por meio de eletrodos endovaginais conectados
ção ao seu sistema reprodutor. Para finalizar, utilizou-se a
a um gerador de impulsos elétricos, os quais promovem
técnica de alongamento passivo dos músculos adutores do
a contração do períneo. O biofeedback tem como objetivo
quadril bilateralmente, em conjunto com massagem peri-
ajudar as pacientes a desenvolverem maior percepção e
neal realizada pelo terapeuta, iniciando com alongamento
controle voluntário dos MAPs.(2-5)
muscular da origem para a inserção dos MAPs, no sentido
Na pesquisa realizada por Seo et al. (2005),(9) 12 mulheres
das fibras musculares, com pressão tolerável pela volun-
receberam eletroestimulação conduzida simultaneamente
tária por cinco minutos do lado direito e cinco minutos do
com biofeedback. Um eletrodo de superfície eletromiográfi-
lado esquerdo.(12)
co foi aplicado na parede lateral da vagina e acompanhado
Conforme podemos observar, ambos os estudos uti-
por sondas que aumentavam gradualmente de tamanho, ao
lizaram técnicas de dessensibilização e massagem peri-
longo de 12 semanas, com sessões com 15 minutos de dura-
neal englobadas na fisioterapia convencional. Yaraghi et
ção. Quando as pacientes se tornaram toleráveis à manipula-
al. (2019)(11) apresentaram resultados satisfatórios, obtidos
ção vaginal, os casais receberam quatro tamanhos diferentes
por meio do êxito na relação e funcionalidade sexual. Em
de dilatadores vaginais feitos de silicone para uso em casa.
contrapartida, Pandochi (2017)(10) pontuou que, apesar de se
Durante o tratamento de FES-Biofeedback, as pacientes re-
atingir melhora na dor coital e na disfunção sexual femini-
ceberam a terapia sexual cognitivo-comportamental (SCBT)
na, avaliada por meio da escala McGill e da Escala Visual
para dessensibilização da contração muscular pélvica.(9)
Analógica (EVA), esse tipo de estudo, com intervenção por

554 | FEMINA 2022;50(9):549-55


A importância da intervenção fisioterapêutica no vaginismo: uma revisão sistemática
The importance of physiotherapeutic intervention in vaginism: a systematic review

Como citado anteriormente, no estudo de Yaraghi et al. CONCLUSÃO


(2019),(11) a eletroestimulação foi utilizada como um recurso
Considerando que as disfunções sexuais são um proble-
para o tratamento do vaginismo, em conjunto com a fisio-
ma de saúde pública e afetam a vida sexual e social das
terapia convencional.
mulheres, o vaginismo se apresenta como uma patologia
Ambos os estudos demonstram resultados positivos no
que impede a penetração, impossibilitando a satisfação
quadro de vaginismo usando as técnicas de eletroterapia
sexual. Os resultados deste estudo revelam que a fisio-
citadas em cada estudo. Levando em conta que as técnicas
terapia, com a utilização de recursos de cinesioterapia,
foram aplicadas em conjunto com outros recursos, não po- dessensibilização, eletroestimulação e terapia manual,
demos observar o resultado isolado da eletroterapia como possibilita a penetração vaginal, promovendo melhora
forma de tratamento para o vaginismo. Vale ressaltar que o na satisfação sexual e, consequentemente, na qualida-
FES-Biofeedback associado com SCBT traz maior benefício de de vida de mulheres. É imprescindível ressaltar a im-
para as mulheres sexualmente ativas.(9,11) portância das preliminares, da masturbação e da cons-
ciência corporal feminina, a fim de evitar episódios de
Dilatadores vaginais ansiedade, medo e dor prévios à penetração, tendo em
Os dilatadores vaginais têm como objetivo promover a dila- vista que a patologia não tem uma etiologia definida.
tação vaginal e a conscientização sobre os MAPs; esses dis- Foi possível observar que há um déficit de estudos dis-
positivos variam de tamanho e espessura, sendo utilizados poníveis na literatura para discussão do tema aborda-
de forma progressiva no canal vaginal.(10,12,13) Devido a fatores do, especialmente estudos de ensaio clínico controlado
socioculturais e psicológicos, algumas mulheres apresentam testando e comparando técnicas fisioterapêuticas, sendo
resistência aos atos introdutórios no canal vaginal, medo de necessárias novas investigações sobre o tema.
autotoque, vergonha e repulsa.(13) Aslan et al. (2020)(12) tiveram
como objetivo comparar o uso do dilatador e o uso de dedos REFERÊNCIAS
para o tratamento do vaginismo. No estudo, as pacientes fo- 1. Baracho E. Fisioterapia aplicada à saúde da mulher. 6ª ed. Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan; 2018.
ram divididas em dois grupos: dilatadores e dedos. O grupo
2. Aveiro MC, Garcia AP, Driusso P. Efetividade de intervenções
dilatadores foi composto por 32 mulheres, que utilizaram fisioterapêuticas para o vaginismo: uma revisão da literatura. Fisioter
dilatadores graduados na forma de tubos de vidro de 2, 4, Pesqui. 2009;16(3):279-83. doi: 10.1590/S1809-29502009000300016
5 e 6 cm de diâmetro e 3, 5, 7 e 10 cm de comprimento, res- 3. Lahaie MA, Boyer SC, Amsel R, Khalifé S, Binik YM. Vaginismus: a
pectivamente. A primeira aplicação foi feita por um médico review of the literature on the classification/diagnosis, etiology
and treatment. Womens Health (Lond). 2010;6(5):705-19. doi: 10.2217/
com o menor dilatador e, posteriormente, as pacientes fo- whe.10.46
ram encorajadas a inserir suavemente o mesmo dilatador. O 4. Lima RG, Silva SL, Freire AB, Barbosa LM. Tratamento fisioterapêutico
tamanho do dilatador foi aumentando gradativamente du- nos transtornos sexuais dolorosos femininos: revisão narrativa. Rev
Eletrônica Estácio Recife. 2016;2(1):1-10.
rante as sessões conforme a aceitação da paciente. O grupo
5. Schafaschec E, Roedel AP, Nunes EF, Latorre GF. Fisioterapia no
que utilizou o dedo incluiu 30 mulheres que foram encora- vaginismo: estudo de caso. Rev Inspirar. 2020;20(2):1-10.
jadas a colocar a ponta do dedo mínimo no introito vaginal. 6. Godoy IR, Donahue EM, Torriani M. Botulinum toxin injections in
Conforme a evolução da inserção do dedo mínimo, ocorreu musculoskeletal disorders. Semin Musculoskelet Radiol. 2016;20(5):441-
a substituição pelo dedo indicador, seguida de dois dedos 52. doi: 10.1055/s-0036-1594284.

e, após o sucesso nesse processo, os pacientes usaram os 7. Delgado AM, Ferreira IS, Sousa MA. Recursos fisioterapêuticos utilizados
no tratamento das disfunções sexuais femininas. Rev Cient Esc Saúde.
dedos dos maridos como dilatadores. Foi sugerido para os 2014;4(1):47-56.
dois grupos que, imediatamente após ter sucesso no que foi 8. Carvalho JC, Agualusa LM, Moreira LM, Costa JC. Terapêutica multimodal
solicitado, fosse realizada a relação sexual. Apesar de os dois do vaginismo: abordagem inovadora por meio de infiltração de
pontos gatilho e radiofrequência pulsada do nervo pudendo. Rev Bras
grupos apresentarem melhora gnificativa na função sexual, o Anestesiol. 2017;67(3):632-6. doi: 10.1016/j.bjane.2014.10.011
grupo dilatador apresentou maior eficácia no que diz respei- 9. Seo JT, Choe JH, Lee WS, Kim KH. Efficacy of functional electrical
to a desejo e orgasmo.(12) stimulation-biofeedback with sexual cognitive-behavioral therapy
as treatment of vaginismus. Urology. 2005;66(1):77-81. doi: 10.1016/j.
urology.2005.01.025
Toxina botulínica 10. Pandochi HA. Efeito da intervenção fisioterapêutica no tratamento
A toxina botulínica é utilizada para várias indicações clí- da dor coital [dissertação] [Internet]. Ribeirão Preto: Universidade de
São Paulo; 2017 [cited 2022 Jan 3]. Available from: https://teses.usp.br/
nicas, devido à sua capacidade em induzir paralisia fláci- teses/disponiveis/17/17145/tde-17042018-151801/pt-br.php
da, por causar quimiodenervação temporária, e também 11. Yaraghi M, Ghazizadeh S, Mohammadi F, Ashtiani EM, Bakhtiyari M,
tem efeitos nos neurotransmissores da dor e no sistema Mareshi SM, et al. Comparing the effectiveness of functional electrical
stimulation via sexual cognitive/behavioral therapy of pelvic floor
nervoso autônomo.(3,14) No estudo de Yaraghi et al. (2019),(11) muscles versus local injection of botulinum toxin on the sexual
um grupo intervenção composto por 30 mulheres recebeu functioning of patients with primary vaginismus: a randomized clinical
como forma de tratamento para o vaginismo 500 unidades trial. Int Uroginecol J. 2019;30(11):1821-8. doi: 10.1007/s00192-018-3836-7

de toxina botulínica diluídas em 1,5 cm3 de solução salina 12. Aslan M, Yavuzkir Ş, Baykara S. Is “Dilator Use” more effective than
“Finger Use” in exposure therapy in vaginismus treatment? J Sex Marital
normal, associada a uma dosagem de 150-400 unidades Ther. 2020;46(4):354-60. doi: 10.1080/0092623X.2020.1716907
nos músculos levantadores do ânus (puborretal), que fo- 13. Tomen A, Fracaro G, Nunes EF, Latorre GF. A fisioterapia pélvica no
ram injetadas em três pontos em ambos os lados. A apli- tratamento de mulheres portadoras de vaginismo. Rev Ciênc Méd.
2015;24(3):121-30.
cação foi realizada apenas uma vez em uma única sessão.
14. Wells C, Farrah K. Injectable botulinum toxin for pelvic pain: a review
Houve melhora na funcionalidade sexual, porém não se of clinical effectiveness, cost-effectiveness, and guidelines. Ottawa:
verificou melhora da lubrificação e do desejo sexual.(11) Canadian Agency for Drugs and Technologies in Health; 2019.

FEMINA 2022;50(9):549-55 | 555


ARTIGO DE REVISÃO
Dispositivos intrauterinos
na contracepção de
emergência: novas
perspectivas para
o uso do sistema
intrauterino liberador
de levonorgestrel
Descritores
Dispositivo intrauterino; Intrauterine devices in emergency
contraception: new perspectives
Contracepção; Contracepção
hormonal; DIU; Anticoncepção
pós-coito
for the use of the levonorgestrel-
Keywords
Intrauterine devices; Contraception;
releasing intrauterine system
Hormonal contraception; IUD;
Postcoital contraception Caio Ribeiro Vieira Leal1, Caciane Sá de Souza Couto1, Elaine Cristina Fontes de Oliveira1

RESUMO
Pouco sabe-se a respeito do sistema intrauterino liberador de levonorgestrel
(SIU-LNG) 52 mg em contracepção de emergência (CE). Foi realizada uma busca não
Submetido: sistemática em bases eletrônicas para avaliar o papel do SIU-LNG na CE e, até o
01/04/2022 momento, apenas um único trabalho que avaliou o uso isolado do SIU-LNG para
uso em CE foi encontrado. Esse estudo demonstrou a não inferioridade do SIU-LNG
Aceito:
31/08/2022 em relação ao dispositivo intrauterino de cobre em CE. Análises secundárias desse
trabalho evidenciaram baixas chances de gestação em pacientes que fizeram uso
1. Universidade Federal de Minas de SIU-LNG como CE, independentemente da frequência das relações sexuais des-
Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil. protegidas ou do tempo em que ocorreram (até 14 dias prévios à inserção ou 7 dias
após). Torna-se evidente que o SIU-LNG poderá ser uma opção viável para uso em
Conflitos de interesse:
contracepção emergencial, porém mais estudos devem ser realizados, possibilitan-
Nada a declarar.
do a validação desse método.
Autor correspondente:
Caio Ribeiro Vieira Leal
ABSTRACT
Avenida Professor Alfredo Balena,
110, 30130-100, Belo Horizonte, MG, Little is known about the 52-mg levonorgestrel-releasing intrauterine system (LNG-
Brasil -IUS) in emergency contraception (EC). A non-systematic search was carried out in
lealcaiorv@gmail.com electronic databases to assess the role of the LNG-IUS in EC and, to date, only a single
study that evaluated the isolated use of the LNG-IUS for EC use was found. This study
Como citar:
Leal CR, Couto CS, Oliveira EC. demonstrated the non-inferiority of the LNG-IUS in relation to the copper intrauterine
Dispositivos intrauterinos na device in EC. Secondary analyzes of this study showed low chances of pregnancy in
contracepção de emergência: patients who used LNG-IUS as EC, regardless of the frequency of unprotected sexual
novas perspectivas para o uso intercourse or the time it took place (up to 14 days prior to insertion or 7 days after). It
do sistema intrauterino liberador is evident that the LNG-IUS may be a viable option for use in emergency contraception,
de levonorgestrel. Femina.
however, more studies must be carried out, enabling the validation of this method.
2022;50(9):556-9.

556 | FEMINA 2022;50(9):556-9


Dispositivos intrauterinos na contracepção de emergência: novas perspectivas para o uso do sistema intrauterino liberador de levonorgestrel
Intrauterine devices in emergency contraception: new perspectives for the use of the levonorgestrel-releasing intrauterine system

INTRODUÇÃO (PubMed, Scopus, Google Scholar, SciELO), utilizando os


termos “hormonal intrauterine device”, “levonorgestrel
A contracepção de emergência (CE) refere-se às opções
intrauterine device” e “emergency contraception” como
contraceptivas que podem diminuir o risco de uma gra-
palavras-chave. Aproximadamente 80 artigos tiveram o
videz após o intercurso sexual, mas antes do estabe-
título e o resumo lidos pelos autores. Os critérios de
lecimento da gravidez. Ela é comumente utilizada após
seleção foram definidos como: estudos com rigor meto-
uma relação sexual desprotegida ou inadequadamente
dológico adequado, estudos cujo assunto envolvesse os
protegida para evitar gravidez indesejada.(1) É definida
aspectos abordados nesta revisão e artigos publicados
como o uso de droga ou dispositivo para previnir a ges-
nos últimos cinco anos. Os autores fizeram a seleção
tação após relação sexual desprotegida (incluídos casos
dos artigos de forma independente.
de violência sexual) ou após falha contraceptiva reco-
nhecida.(2) A CE é indicada para uso em até cinco dias
após a relação sexual, antes do estabelecimento de uma O SISTEMA INTRAUTERINO
gravidez. Ela não interrompe uma gestação já estabele- LIBERADOR DE LEVONORGESTREL NA
cida, desse modo, não causa aborto.(1,3) CONTRACEPÇÃO DE EMERGÊNCIA
As opções para CE podem ser orais ou intrauterinas.
Entre os métodos utilizados na CE, o DIU-Cu é o méto-
As opções orais incluem: acetato de ulipristal (UPA), le-
do mais eficaz, com taxa de falha menor que 0,1% dos
vonorgestrel (LNG), mifepristona e pílulas anticoncep-
casos.(14) Em relação à eficácia contraceptiva clássica, o
cionais orais combinadas de estrogênio e levonorgestrel
SIU-LNG é mais eficaz que o dispositivo de cobre.(15,16) A
(método Yuzpe). A única opção intrauterina proposta e
taxa de falência no primeiro ano (conhecida como índi-
validada para CE é o dispositivo intrauterino de cobre
ce de Pearl) foi de 0,14 gravidez para cada 100 mulheres
(DIU-Cu).(3) Entretanto, estudos recentes demonstraram
usuárias do SIU-LNG.(17,18)
que o dispositivo intrauterino hormonal – o sistema in-
Ao contrário dos métodos contraceptivos orais, não
trauterino liberador de levonorgestrel (SIU-LNG) 52 mg
existe nenhuma descrição clara que explique o uso dos
– provavelmente poderá ser utilizado para essa finali-
dispositivos intrauterinos como CE. Dados demonstram
dade.(4-6) É importante ressaltar que outros SIU-LNG com
que a inibição da fertilização é o mecanismo primário
dosagem total menor que 52 mg não foram estudados,
de ação tanto para o DIU-Cu quanto para o SIU-LNG.
não devendo ser indicados para CE.(1)
Não existem evidências que suportem um efeito pós-
Embora os DIU-Cu sejam mais eficazes que os mé-
-implantação com o uso deles. Portanto, esses agentes
todos orais,(7) eles permanecem ainda pouco utilizados
não atuam como abortivos.(1)
como contraceptivos emergenciais. A taxa geral de gravi-
Apesar de seu mecanismo de ação na CE não ser
dez do DIU-Cu na CE é inferior a 0,1%. Já as taxas gerais de
completamente entendido, sabe-se que os íons cobre
gravidezes do UPA e do LNG oral são em torno de 1%-2%
reduzem a motilidade espermática e criam um ambiente
e 0,6%-2,6%, respectivamente.(1,8,9) A mifepristona, embora
hostil aos espermatozoides, tanto na cavidade endome-
eficaz, é registrada como opção de CE em apenas alguns
trial quanto nas tubas uterinas, por meio da liberação
países. O método hormonal combinado Yuzpe não é reco-
de mediadores e de células inflamatórias.(8) É possível
mendado em alguns locais, devido a sua menor eficácia
que ele aja impedindo tanto a implantação quanto a
em relação ao LNG oral, sendo prescrito apenas quando
fertilização.(1)
outros métodos não estão disponíveis.(8,10,11)
O SIU-LNG age no endométrio por meio da liberação
Além da maior eficácia, o DIU-Cu representa a opção
local do levonorgestrel, um progestogênio derivado da
mais econômica em CE no período de um ano, conforme
19-nortestosterona, com alta potência progestacional. A
demonstrado em cálculos de modelos probabilísticos,(12)
ação local no endométrio leva a uma supressão eficaz
uma vez que esse é um método anticoncepcional re-
versível de longa duração (long acting reversible con- da proliferação endometrial: um endométrio histologi-
traceptive – LARC). Seu efeito contraceptivo pode durar camente inativo com um epitélio delgado e um estroma
até 12 anos. Porém, quando ele é utilizado como método decidualizado. Essas ações criam um ambiente inóspito
emergencial por pelo menos quatro meses após sua in- para o espermatozoide, inadequado para a sua sobre-
serção, já existe uma ótima relação custo-benefício.(13) vivência e, portanto, inadequado para a fertilização. A
O uso do DIU-Cu como método de CE vem ganhando atrofia endometrial parece ser o principal mecanismo
destaque nos últimos anos. No entanto, existem poucos da ação contraceptiva do SIU-LNG.(17) Apesar de produzir
estudos sobre o uso do SIU-LNG na CE. O objetivo desta atrofia da glândula endometrial e de circulação do es-
atualização é, portanto, investigar o uso do SIU hormo- troma, a glicodelina A permanece presente em mulheres
nal como uma opção viável para CE. que usam o SIU-LNG. A glicodelina A inibe a interação
entre espermatozoides e óvulos e, portanto, bloqueia
a fertilização, agindo como uma barreira contraceptiva
MÉTODOS adicional para prevenir a fertilização de oócitos madu-
Uma busca abrangente e não sistemática sobre o uso do ros. Além das ações sobre o endométrio, o SIU-LNG age
SIU-LNG em CE foi realizada em bases de dados on-line no colo uterino criando um muco cervical espesso que

FEMINA 2022;50(9):556-9 | 557


Leal CR, Couto CS, Oliveira EC

previne o transporte de espermatozoides e a fertilização após episódios únicos ou múltiplos de relações sexuais
subsequente. Finalmente, a haste de polidimetilsiloxano desprotegidas e quando elas ocorreram (cinco dias ou
induz a uma reação inflamatória local que também pode menos antes da inserção do DIU-Cu ou SIU-LNG ou 6 a
ser espermatotóxica. A ovulação é suprimida em apenas 14 dias antes). Entre 655 participantes avaliadas, houve
25% a 50% das usuárias do SIU-LNG.(17) Estudos com mo- apenas uma gravidez em uma paciente com uma relação
delos animais in vivo demonstraram que o levonogestrel sexual 48 horas antes da inserção dos dispositivos in-
também reduz o batimento ciliar da tuba uterina, poden- trauterinos. Quarenta e três por cento das pacientes re-
do esse ser um mecanismo que contribui para seu efeito lataram múltiplos episódios de relação sexual desprote-
contraceptivo.(18) Dados laboratoriais suportam a ação di- gida, de 6 a 14 dias antes da inserção do DIU. Não houve
reta do LNG no transporte espermático, capacitação es- diferença de risco de gravidez em episódios únicos com-
permática, reação acrossômica e transporte no oviduto.(1) parados a episódios de múltiplas relações desprotegidas
Uma vez que o SIU-LNG apresenta maior taxa de efi- (diferença do risco de 0,3%, IC de 95%: 0,3% a 0,8%) nem
cácia contraceptiva que o DIU-Cu,(19) seria razoável ima- se elas ocorreram cinco ou menos dias antes da inserção
ginar que o SIU-LNG também pudesse ser uma opção ou seis ou mais dias antes (diferença do risco de 0,2%, IC
viável de CE. No entanto, até o momento, existe apenas de 95%: 0,2% a 0,5%). Os autores discutem a baixa proba-
um único trabalho publicado na literatura que compa- bilidade de gravidez independentemente da frequência
rou o uso do SIU-LNG com o DIU-Cu na CE.(4) de relações sexuais e tempo de ocorrência nos 14 dias
O ensaio clínico randomizado multicêntrico de Turok prévios à inserção dos dispositivos intrauterinos.(6)
et al.(4) avaliou o uso do SIU-LNG 52 mg na CE, comparan- Estudo prévio de Sanders et al.(20) comparou as taxas
do-o ao DIU de cobre 380A. Setecentas e uma mulheres de manutenção em um ano dos SIU-LNG e DIU-Cu ini-
que procuraram os serviços de planejamento familiar ciados após CE. Cento e sessenta e seis mulheres rece-
em seis clínicas de Utah para contracepção emergencial beram DIU-Cu (37%) ou SIU-LNG 52 mg (63%) associado
(após relação sexual desprotegida dentro de cinco dias a 1,5 mg de LNG oral no momento da inserção. As taxas
do intercurso) foram randomizadas para receber DIU-Cu de manutenção em um ano não diferiram em relação ao
(n = 355) ou SIU-LNG (n = 356). As pacientes foram ava- tipo de dispositivo escolhido, sendo de 60% para o DIU
liadas com testes urinários de gravidez domiciliares um T de cobre 380A e de 70% para o SIU-LNG. O início do
mês após a inserção dos dispositivos. As taxas de gra- DIU no tempo da CE representa uma oportunidade para
videz foram de 0,3% (intervalo de confiança [IC] de 95%, transição de nenhum método ou método menos efetivo
0,01 a 1,7) no grupo SIU-LNG e de 0% (IC de 95%: 0,0 a 1,1) para métodos altamente efetivos de contracepção.(20)
no grupo DIU-Cu, com uma taxa de diferença absoluta
entre os grupos de 0,3 ponto percentual (IC de 95%: -0,9 CONCLUSÃO
a 1,8). A única gravidez ocorreu em uma paciente com re-
O SIU-LNG 52 mg pode ser uma opção viável para con-
lação sexual desprotegida 48 horas antes da inserção do
tracepção emergencial, uma vez que foi considerado
dispositivo. Os autores concluíram que o SIU-LNG não
não inferior ao dispositivo de cobre em um grande estu-
foi inferior ao DIU-Cu para CE.(4)
do randomizado. Apresenta, além disso, elevadas taxas
O uso de contracepção de backup nesse grupo de
de manutenção no primeiro ano de uso, tornando-se
mulheres associado ao uso do SIU-LNG ou DIU-Cu na CE
ferramenta importante na redução de gestações não
e as taxas de gravidez foram avaliados no estudo de Fay
planejadas. Porém, mais estudos são necessários para
et al.(5) O rápido retorno à atividade sexual foi comum
reforçar sua eficácia, segurança e viabilidade, permitin-
entre os grupos (83,5% no grupo SIU-LNG versus 88,1%
do seu uso mais amplo.
no grupo DIU de cobre 380A) e o uso de contracepção
de backup foi raro. Sessenta e quatro por cento das pa-
cientes (286/446) relataram relação sexual dentro dos REFERÊNCIAS
primeiros sete dias após a inserção dos dispositivos. 1. Turok D. Emergency contraception [Internet]. 2022 [cited 2022
Mar 29]. Available from: https://www.uptodate.com/contents/
Apenas 16,4% delas usaram preservativo ou coito inter- emergency-contraception
rompido. Nenhuma gravidez ocorreu entre as pacientes 2. Allen RH, Goldberg AB. Emergency contraception: a clinical review
dos grupos SIU-LNG (0/138; 0,0%, IC de 95%: 0,0% a 2,5%) clinical. Clin Obstet Gynnecol. 2007;50(4):927-36. doi: 10.1097/
e DIU de cobre 380A (0/148; 0%, IC de 95%: 0,0% a 2,5%). GRF.0b013e318159c4fc
Os autores discutem considerar a remoção da recomen- 3. Practice Bulletin No. 152: emergency contraception. Obstet Gynecol.
2015;126(3):e1-11. doi: 10.1097/AOG.0000000000001047
dação da contracepção de backup ou abstinência nos
4. Turok DK, Gero A, Simmons RG, Kaiser JE, Stoddard GJ, Sexsmith CD,
primeiros sete dias após a inserção do SIU-LNG, uma vez
et al. Levonorgestrel vs. copper intrauterine devices for emergency
que não ocorreram gravidezes após a inserção do SIU, contraception. N Engl J Med. 2021;384(4):335-44. doi: 10.1056/
mesmo sem o uso de contracepção adicional.(5) NEJMoa2022141
Em outra análise secundária realizada por BakenRa 5. Fay KE, Clement AC, Gero A, Kaiser JE, Sanders JN, BakenRa AA, et al.
et al.,(6) foi avaliada a frequência das relações sexuais Rates of pregnancy among levonorgestrel and copper intrauterine
emergency contraception initiators: implications for backup
desprotegidas nos 14 dias prévios à realização do tes- contraception recommendations. Contraception. 2021;104(5):561-6.
te urinário de gravidez e comparado o risco de gravidez doi: 10.1016/j.contraception.2021.06.011

558 | FEMINA 2022;50(9):556-9


Dispositivos intrauterinos na contracepção de emergência: novas perspectivas para o uso do sistema intrauterino liberador de levonorgestrel
Intrauterine devices in emergency contraception: new perspectives for the use of the levonorgestrel-releasing intrauterine system

6. BakenRa A, Gero A, Sanders J, Simmons R, Fay K, Turok DK. 14. Cleland K, Zhu H, Goldstuck N, Chen L, Trussel J. The efficacy of
Pregnancy risk by frequency and timing of unprotected intrauterine devices for emergency contraception: a systematic
intercourse before intrauterine device placement for emergency review of 35 years of experience. Hum Reprod. 2012;27(7):1994-2000.
contraception. Obstet Gynecol. 2021;138(1):79-84. doi: 10.1097/ doi: 10.1093/humrep/des140
AOG.0000000000004433 15. Rowe P, Farley T, Peregoudov A, Piaggio G, Boccard S, Landoulsi
7. Cheung TS, Goldstuck ND, Gebhardt GS. The intrauterine device S, et al. Corrigendum to “Rowe P et al. safety and efficacy in
versus oral hormonal methods as emergency contraceptives: parous women of a 52-mg levonorgestrel-medicated intrauterine
a systematic review of recent comparative studies. Sex Reprod device: a 7-year randomized comparative study with the TCu380A”
Healthc. 2021;28:100615. doi: 10.1016/j.srhc.2021.100615 [Contraception 2016;93:498-506]. Contraception. 2016;94(3):288. doi:
10.1016/j.contraception.2016.06.001
8. Haeger KO, Lamme J, Cleland K. State of emergency contraception
in the U.S., 2018. Contracept Reprod Med. 2018;3:20. doi: 10.1186/ 16. Mansour D, Inki P, Gemzell-Danielsson K. Efficacy of contraceptive
s40834-018-0067-8 methods: a review of the literature. Eur J Contracept Reprod Health
Care. 2010;15 Suppl 2:S19-31. doi: 10.3109/13625187.2010.532999
9. Cleland K, Zhu H, Goldstuck N, Cheng L, Trussell J. The efficacy of
intrauterine devices for emergency contraception: a systematic 17. Rose S, Chaudhari A, Peterson CM. Mirena (Levonorgestrel
review of 35 years of experience. Hum Reprod. 2012;27(7):1994-2000. intrauterine system): a succesful novel drug delivery option in
doi: 10.1093/humrep/des140 contraception. Adv Drug Deliv Rev. 2009;61(10):808-12. doi: 10.1016/j.
addr.2009.04.022
10. Mittal S. Emergency contraception: which is the best? Minerva
18. Li C, Zhang HY, Liang Y, Xia W, Zhu Q, Zhang D, et al. Effects of
Ginecol. 2016;68(6):687-99.
Levonorgestrel and progesterone on Oviductal physiology in mammals.
11. Faculty of Sexual & Reproductive Healthcare. FSRH guideline Reprod Biol Endocrinol. 2018;16(1):59. doi: 10.1186/s12958-018-0377-3
emergency contraception. London: FSRH; 2020.
19. Imai A, Matsunami K, Takagi H, Ichigo S. Levonorgestrel-releasing
12. Bellows BK, Tak CR, Sanders JN, Turok DK, Schwarz EB. Cost- intrauterine device used for dysmenorrhea: five-year literature
effectiveness of emergency contraception options over 1 review. Clin Exp Obstet Gynecol. 2014;41(5):495-8.
year. Am J Obstet Gynecol. 2018;218(5):508.e1-9. doi: 10.1016/j. 20. Sanders JN, Turok DK, Royer PA, Thompson IS, Gawron LM,
ajog.2018.01.025 Storck KE. One-year continuation of copper or levonorgestrel
13. Fok WK, Blumenthal PD. Update on emergency contraception. intrauterine devices initiated at the time of emergency
Curr Opin Obstet Gynecol. 2016;28(6):522-9. doi: 10.1097/ contraception. Contraception. 2017;96(2):99-105. doi: 10.1016/j.
GCO.0000000000000320 contraception.2017.05.012

FEMINA 2022;50(9):556-9 | 559


ARTIGO DE REVISÃO
Barreiras para o acesso
à saúde pública da
população trans no Brasil:
uma revisão narrativa
Barriers to public health access
for the trans population of
Brazil: a narrative review
Julia Palmieri de Oliveira1, Luiza Sviesk Sprung1

Descritores RESUMO
Serviços de saúde para pessoas
transgênero; Travestilidade O objetivo foi avaliar as barreiras de acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS) pela
na saúde; Procedimentos população trans em comparação aos demais usuários. Foi realizada uma revisão
de readequação sexual; Minorias narrativa até 20 de janeiro de 2022, nas bases de dados PubMed e SciELO, usando
sexuais e de gênero; Saúde coletiva as palavras-chave: “transexual”, “transgênero”, “transexualismo”, “transexualidade”
e “travesti” e as palavras “saúde” e “Brasil” ou “SUS”. Selecionaram-se 34 artigos,
Keywords em português, inglês ou espanhol, de 2008 a 2021. Os principais pontos levantados
Health services for transgender foram a incompreensão e preconceito dos profissionais de saúde; a patologização
persons; Health’s travestism; da transexualidade; a vulnerabilidade da população à automedicação; a resistên-
Sex reassignment procedures;
cia ao uso do nome social e ao pronome correto pelos profissionais de saúde; a
Sexual and gender minorities;
Collective health centralização regional do processo transexualizador e sua duração. Portanto, con-
clui-se que existem diversas dificuldades para o acesso da população trans ao SUS,
o que, além de implicar um aumento da vulnerabilidade e exclusão social, revela
uma falha no sistema de saúde.

Submetido: ABSTRACT
14/04/2022
The objective was to assess the hurdles the trans population had to face when accessing
Aceito: Brazil’s Unified Health System (SUS), in comparison to the rest of the users. A narrative
6/09/2022 review was made up to January 20th, 2022, in PubMed and SciELO database, by using
the keywords: “transexual”, “transgender”, “transsexualism”, “transsexuality”, “cross-
1. Pontifícia Universidade Católica -dresser”, and the words: “health” and “Brazil” or “SUS”, individually. In total, 34 articles
do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.
in Portuguese, English and Spanish were chosen, from 2008 to 2021. The main remarks
Conflitos de interesse: were misunderstanding and prejudice coming from health professionals; transsexua-
Nada a declarar. lity pathologizing; population vulnerability of self-medication; reluctance to use the
chosen name or proper pronoun by health professionals; regional centralization and
Autor correspondente: duration of the transitioning process. Therefore, it may be concluded that there are
Julia Palmieri de Oliveira several hardships that the trans population face when accessing SUS, which, besides
Rua Imaculada Conceição, 1.155, the increase of vulnerability and social exclusion, reveals a flaw in the health system.
Prado Velho, 80215-901, Curitiba, PR,
Brasil
juliapalmierideoliveira@gmail.com INTRODUÇÃO
Como citar: A cirurgia de afirmação de gênero foi autorizada no Brasil, com caráter ex-
Oliveira JP, Sprung LS. Barreiras perimental, em 1997.(1) A partir desse momento, houve maior abertura para
para o acesso à saúde pública discussão entre a sociedade civil, coletivos LGBTQIA+ e o poder público sobre
da população trans no Brasil:
uma revisão narrativa. Femina. os direitos dessa população, principalmente no que tange à saúde. Como
2022;50(9):560-7. reflexo desse diálogo, em 2008 foi lançado o Processo Transexualizador no

560 | FEMINA 2022;50(9):560-7


Barreiras para o acesso à saúde pública da população trans no Brasil: uma revisão narrativa
Barriers to public health access for the trans population of Brazil: a narrative review

Sistema Único de Saúde (SUS), para mulheres transgê- transgênero fora do Brasil. Revisões sistemáticas, com
nero, e foi reelaborado em 2013, quando passou a englo- dados já manipulados, e editoriais também foram
bar homens transgênero e mulheres travestis,(2-4) aten- excluídos.
dendo aos princípios de universalidade, integralidade e
equidade da atenção que regem a instituição.(5,6) COLETA DE DADOS
O Processo Transexualizador definiu as diretrizes téc-
nicas e éticas para o atendimento da população trans Um total de 766 artigos foi identificado nas bases de da-
pelo SUS. A discussão norteadora era de que nem to- dos e, após serem eliminados os artigos duplicados, 306
das as pessoas transgênero gostariam necessariamen- artigos foram selecionados para análise dos seus títu-
te de se submeter à cirurgia de afirmação de gênero, o los. Desses, 249 foram excluídos por se tratar de revisões
que não impediria o fato de almejarem por outras in- sistemáticas, editoriais e informações de outros países
tervenções.(1,3,6-10) Por ser pautado enquanto um proces- e por não serem uma análise específica da população
so, levou-se em consideração a autonomia da pessoa transgênero. Assim, 57 artigos foram selecionados para
transfeminina e transmasculina em decidir quais proce- análise completa, sendo 23 excluídos por não preenche-
dimentos desejaria realizar para sua adequação corpo- rem os critérios de inclusão e 34 foram selecionados
ral.(11) Assim, foram englobados procedimentos cirúrgicos para análise qualitativa desta revisão (Figura 1). As in-
e não cirúrgicos, como prótese de silicone nos seios, formações dos artigos foram compiladas em uma plani-
eletrólise, redução da cartilagem tireoide, mastectomia lha de Excel, contendo as seguintes informações: título,
e histerectomia, bem como fármacos e hormoniotera- autores, ano de publicação, tipo de estudo e resultado.
pias específicas, e assistência psicológica, psiquiátrica
e social.(12) SÍNTESE DOS DADOS
Este trabalho tem como objetivo, portanto, entender
Os artigos selecionados foram publicados entre 2008 e
quais são as barreiras de acesso à saúde pública pela
2021. Nos seis primeiros anos, 13 artigos foram encon-
população transgênero, dessa forma, decidimos realizar
trados – 13 (38). Por outro lado, houve um aumento de
uma revisão narrativa de modo a explorar as vulnerabi-
2015 a 2021, totalizando 21 artigos – 21 (61). Dessa forma,
lidades que envolvem essa população, quando compa-
é possível indagar que nos últimos anos houve maior
rada aos demais usuários do SUS.
abertura científica no que tange ao tema (Quadro 1).

FONTE DOS DADOS


A busca foi feita de 20 de março de 2021 até 20 de janeiro
de 2022, nas bases de dados do PubMed e SciELO, nos n = 766
Artigos identificados no
idiomas português, inglês e espanhol. Tanto no PubMed banco de dados de buscas
quanto no SciELO, usaram-se filtros delimitando artigos
publicados de 2008 até 2021. No PubMed, buscaram-
-se as palavras-chave, no idioma inglês: “transgender”
n = 306
ou “transsexualism” ou “transvestism” e as palavras
Artigos após a eliminação
“health” e “Brazil” ou “Unified Health System”, listadas n = 249
dos duplicados
nos Descritores em Ciências da Saúde, da Biblioteca Artigos excluídos:
• revisões sistêmicas
Virtual em Saúde. Destarte, na plataforma SciELO, as
n = 306 • editoriais
palavras-chave foram: “transgênero” ou “transexual” ou
Artigos rastreados • resultados em
“travesti” e as palavras “saúde” e “Brasil” ou “Sistema outros países
após leitura de título
Único de Saúde”. Nessa plataforma, utilizaram-se como e/ou resumo • outros grupos LGBTQI+
filtro somente as coleções do Brasil e, no “tipo de litera-
tura”, selecionou-se “artigo”.
n = 57
n = 23
Artigos em texto
SELEÇÃO DOS ESTUDOS completo avaliados
Artigos em texto
completo excluídos
Os artigos foram selecionados por duas pesquisadoras para elegibilidade
(JPO e LSS) de forma independente, tendo como crité-
rio de inclusão artigos que avaliaram as dificuldades de n = 34
acesso à saúde pública da população transgênero no Artigos incluídos em
Brasil. Artigos que não especificaram a identidade de síntese qualitativa
gênero dos(as) participantes foram excluídos. Quando
Fonte: Page MJ, McKenzie JE, Bossuyt PM, Boutron I, Hoffmann TC, Mulrow
houve desacordo entre os artigos selecionados, cada CD, et al. The PRISMA 2020 statement: an updated guideline for reporting
um foi debatido levando em conta os critérios de in- systematic reviews. BMJ. 2021;372:n71.(13)

clusão e de exclusão. Ademais, não foram selecionados Figura 1. Fluxograma PRISMA (2020) com informações das fases
artigos que tratavam do contexto de saúde de pessoas de um artigo de revisão

FEMINA 2022;50(9):560-7 | 561


Oliveira JP, Sprung LS

Quadro 1. Resultados da pesquisa

Autor e data Método Resultado


Rocon et al. (2018)(3) Estudo Patologização da transexualidade; a incompreensão e o preconceito dos
qualitativo profissionais de saúde; a resistência dos profissionais em usar o nome social
e o pronome; automedicação da população transgênero; falta de acolhimento;
concentração regional no Sul e no Sudeste do processo transexualizador
Bento e Pelúcio (2012)(14) Artigo original Patologização da transexualidade
Sampaio e Coelho Estudo Patologização da transexualidade; automedicação da população transgênero;
(2012)(15) qualitativo verticalização do atendimento médico; tempo excessivo do processo transexualizador;
concentração regional no Sul e no Sudeste do processo transexualizador
Rocon et al. (2019)(4) Estudo Patologização da transexualidade; a incompreensão e o preconceito dos
qualitativo profissionais de saúde; a resistência dos profissionais em usar o nome social e
o pronome; automedicação da população transgênero; a falta de acolhimento;
concentração regional no Sul e no Sudeste do processo transexualizador
Hanauer e Hemmi Estudo Patologização da transexualidade; automedicação da população transgênero;
(2019)(16) qualitativo a falta de acolhimento; tempo excessivo do processo transexualizador
Vieira e Porto (2019)(9) Estudo Patologização da transexualidade; automedicação da população transgênero
etnográfico
Ventura e Schramm Revisão Patologização da transexualidade; automedicação da população transgênero
(2009)(17) bibliográfica
Borba (2016)(18) Estudo Patologização da transexualidade
etnográfico
Gomes et al. (2018)(19) Estudo Patologização da transexualidade; a incompreensão e o preconceito
qualitativo dos profissionais de saúde; a resistência dos profissionais em usar o
nome social e o pronome; a verticalização do atendimento médico
Almeida e Murta (2013)(1) Revisão Patologização da transexualidade; a verticalização do atendimento médico
bibliográfica
Braz (2019)(2) Estudo Patologização da transexualidade; a resistência dos profissionais
etnográfico em usar o nome social e o pronome; automedicação da população
transgênero; a falta de acolhimento; tempo excessivo do processo
transexualizador; a verticalização do atendimento médico
Santos et al. (2014)(5) Estudo A incompreensão e o preconceito dos profissionais de saúde
qualitativo
Arán e Murta (2009)(6) Revisão Patologização da transexualidade; a incompreensão e o preconceito dos
bibliográfica profissionais de saúde; automedicação da população transgênero
Arán et al. (2009)(7) Revisão Patologização da transexualidade
bibliográfica
Sousa e Iriart (2018)(8) Estudo Patologização da transexualidade; a resistência dos profissionais em usar o
qualitativo nome social e o pronome; tempo excessivo do processo transexualizador
Costa et al. (2016)(10) Estudo A incompreensão e o preconceito dos profissionais de saúde; a falta de acolhimento
qualitativo
Lionço (2009)(11) Revisão Patologização da transexualidade; a incompreensão e o preconceito dos profissionais
bibliográfica de saúde; concentração regional no Sul e no Sudeste do processo transexualizador
Diehl et al. (2017)(12) Revisão narrativa A incompreensão e o preconceito dos profissionais de
de literatura saúde; automedicação da população transgênero
Monteiro e Brigeiro Estudo Patologização da transexualidade; a incompreensão e o preconceito dos
(2019)(20) qualitativo profissionais de saúde enquanto uma barreira; a resistência dos profissionais em
usar o nome social e o pronome; automedicação da população transgênero

Romano (2008)(21) Relato de A incompreensão e o preconceito dos profissionais de


experiência saúde; automedicação da população transgênero; a falta de
acolhimento; a verticalização do atendimento médico
Souza e Pereira (2015)(22) Estudo A resistência dos profissionais em usar o nome social e o
qualitativo pronome; automedicação da população transgênero

562 | FEMINA 2022;50(9):560-7


Barreiras para o acesso à saúde pública da população trans no Brasil: uma revisão narrativa
Barriers to public health access for the trans population of Brazil: a narrative review

Oliveira e Romanini Estudo Patologização da transexualidade; a incompreensão e o preconceito


(2020)(23) qualitativo dos profissionais de saúde; automedicação da população transgênero;
a falta de acolhimento; a verticalização do atendimento médico
Rocon et al. (2016)(24) Estudo A resistência dos profissionais em usar o nome social
qualitativo e o pronome; a falta de acolhimento
Lionço (2008)(25) Revisão A incompreensão e o preconceito dos profissionais de saúde
bibliográfica
Mello et al. (2011)(26) Estudo A incompreensão e o preconceito dos profissionais de saúde; concentração
qualitativo regional no Sul e no Sudeste do processo transexualizador
Dourado et al. (2016)(27) Estudo A incompreensão e o preconceito dos profissionais de saúde
quantitativo e
qualitativo
Costa et al. (2018)(28) Artigo original A incompreensão e o preconceito dos profissionais de saúde;
a resistência dos profissionais em usar o nome social e o
pronome; automedicação da população transgênero
Freire et al. (2013)(29) Artigo original Patologização da transexualidade; a incompreensão e
o preconceito dos profissionais de saúde

Ferreira et al. (2017)(30) Estudo A incompreensão e o preconceito dos profissionais de saúde;


qualitativo automedicação da população transgênero; a falta de acolhimento
Moscheta et al. (2016)(31) Estudo A incompreensão e o preconceito dos profissionais de saúde;
qualitativo a resistência dos profissionais em usar o nome social e o
pronome; a verticalização do atendimento médico
Popadiuk et al. (2017)(32) Estudo A resistência dos profissionais em usar o nome social e o pronome;
qualitativo e automedicação da população transgênero; concentração regional
quantitativo no Sul e no Sudeste do processo transexualizador
Borba (2014)(33) Estudo Patologização da transexualidade; a verticalização do atendimento médico
etnográfico
Florêncio et al. (2020)(34) Estudo A falta de acolhimento
qualitativo
Rigolon et al. (2020)(35) Estudo Patologização da transexualidade; a falta de acolhimento
qualitativo

Os principais temas debatidos foram patologiza- Ainda assim, não é possível verificar o cumprimento
ção da transexualidade – 20 (59); a incompreensão e efetivo dessa normatização,(1,20-22) seja pelo “subfinan-
o preconceito dos profissionais de saúde – 18 (52); a ciamento do SUS, que impede a sua efetivação como
automedicação da população transgênero – 16 (47); a política nacional de saúde” ou pela “resistência de seto-
resistência dos profissionais em usar o nome social e res sociais conservadores e suas cruzadas morais contra
o pronome – 11 (32); a falta de acolhimento – 11 (32); a os direitos sexuais e reprodutivos”.(13) Diante disso, en-
verticalização do atendimento médico – 8 (23); a con- tre a comunidade LGBTQIA+, a população trans/travesti
centração regional no Sul e no Sudeste do processo é uma das mais negligenciadas nos serviços de saúde
transexualizador – 6 (17); o tempo excessivo do proces- pública.(4,14,23-25)
so transexualizador – 4 (11). Nesse contexto, a não compreensão e o preconceito
dos profissionais de saúde foram relatados em alguns
DISCUSSÃO artigos(3-6,10-14,20,22,24,19,26-30) e, de acordo com Dourado et al.,(27)
Há o reconhecimento de que a legislação e avanços dizem respeito à dificuldade em entender a narrativa e
constitucionais contribuíram para que as pessoas trans- o modo de vida desses indivíduos, tornando-se uma
gênero e mulheres travestis tivessem seus direitos reco- barreira para os paradigmas de saúde-doença-cuidado.
nhecidos depois dessa institucionalização pelo SUS, de Médicos e médicas podem não ser conscientes de ati-
acordo com Monteiro e Brigeiro:(20) “comparando com as tudes preconceituosas, possivelmente devido à falta de
situações de ofensas, humilhações e agressões experi- conhecimento e de treinamento relativamente às neces-
mentadas anos atrás no espaço público, suas narrati- sidades da transgeneridade, perpetuando a transfobia
vas tenderam a privilegiar as conquistas do movimen- estrutural em um ambiente que deveria ser destinado
to LGBT brasileiro e seus efeitos no sistema de saúde”. ao acolhimento desses(as) pacientes.(10,22)

FEMINA 2022;50(9):560-7 | 563


Oliveira JP, Sprung LS

Como exemplo desse estigma, tem-se a resistência relação do tempo institucional de atenção à saúde e o
dos profissionais de saúde em usar o nome social e o tempo subjetivo de quem cria expectativas em relação a
não uso do pronome correto ao se dirigir à pessoa.(2- esse momento. Para iniciar o processo pelo SUS, é pre-
4,8,13,19,21,23,27,30,31)
Isso é relatado como de grande constran- ciso ter 18 anos para iniciar a hormonização e 21 anos
gimento, sendo o nome social, juntamente com seu para procedimentos cirúrgicos, além de no mínimo um
pronome, extremamente importantes para o reconhe- ano de acompanhamento de uma equipe multidisci-
cimento da transgeneridade.(13) Nesse ponto, é impor- plinar, para que então seja emitido um laudo que per-
tante frisar que o uso do nome social foi estabelecido mita que se inicie o processo.(1,2,6,8,31) Somada ao tempo,
enquanto um direito na Carta dos Direitos dos Usuários tem-se também a dificuldade de acesso referente aos
da Saúde, em 2006,(31) e reafirmado na Política Nacional locais em que se efetua o Processo Transexualizador,
de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis já que este não foi dissipado para todos os estados e
e Transexuais, por meio da Portaria nº 2.836, em 2011.(23) regiões do país.(11,14) Assim, há desigualdade de acesso
Ainda, em 2018, o Superior Tribunal Federal (STF) decla- em relação às regiões brasileiras, visto que há uma con-
rou que o nome e o gênero poderiam ser alterados no centração de procedimentos cirúrgicos nas regiões Sul
registro civil mesmo sem a cirurgia de afirmação de gê- e Sudeste.(3,4,11,14,16,31) Isso, além de aumentar o tempo de
nero.(2) espera para conseguir atendimento, afeta a quantidade
Para além do nome social, profissionais de saúde não de indivíduos que se beneficiam com o processo.(1)
recebem treinamento para prestar o cuidado adequa- Ainda nesse contexto, a saúde pública falha em aten-
do à população LGBTQIA+, o que faz com que não de- der às necessidades das travestis, que muitas vezes não
sempenhem um atendimento integral e satisfatório.(5,14,19) buscam uma transição de gênero completa e, por isso,
Consequentemente, algumas pessoas transfemininas precisam de um protocolo diferente do imposto nesse
citaram a ausência do exame físico em suas consultas,(2) processo.(7,12) Desse modo, “diferentemente das transe-
e transmasculinos afirmaram que o(a) médico(a) não xuais, no entanto, as travestis não afirmam uma identi-
soube guiar o atendimento depois de informado o gê- dade feminina estrita”,(11) o que faz com que se pautem
nero.(8) Dessa forma, poderia se solucionar essa questão em maior fluidez de gênero. Foi justamente devido a
perguntando-se ao(à) paciente se ele(a) se sente con- esse cenário que o Processo Transexualizador foi alte-
fortável com a avaliação e quais suas necessidades no rado em 2013, passando a incluir mulheres travestis, e
atendimento, partindo de uma perspectiva horizontal não somente transfemininas, ainda que isso não tenha
na relação médico-paciente e no cuidado à saúde.(19) resolvido essa questão, como afirma Monteiro e Brigeiro
Uma das consequências mais imediatas da inacessi- (2019).(20)
bilidade do atendimento é que essa população esteja Cabe salientar que a regulamentação do Processo
desamparada e se coloque em situações de risco, como Transexualizador no SUS, além de atender aos inte-
o uso de silicone industrial ou de hormônios em exces- resses das pessoas trans, abriu a possibilidade de que
so sem prescrição médica.(2-4,6,9,12,13,16,17,20-22,27,29,31,32) No caso pessoas com trajetória de travestilidade acedessem a
de homens trans, podem-se citar binders, para compri- tecnologias de gênero medicalizadas. Isso tem implica-
mir as mamas; Minoxidil®, medicamento que auxilia o do um conflito entre o sistema de classificação mane-
crescimento de barba; e próteses, que permitem urinar jado pessoalmente e aquele assumido por profissionais
em posição ortostática e criar volume na região púbi- na rotina dos serviços especializados. Os profissionais
ca.(2,8) Desse modo, na ânsia de obter medicamentos e empregam a concepção de “disforia de gênero” e a ca-
assistência quando há uma dificuldade de acesso pelo tegoria transexual para se referir a todos e todas que
SUS, muitas vezes eles(as) recorrem a práticas clandes- buscam os serviços. Essa perspectiva, por um lado, é
tinas para modificação corporal, o que reforça a falha incorporada por algumas entrevistadas às formas de
de acesso ao sistema público.(21,27,29) Entre essas práticas, entendimento de sua condição e sua identidade. No
transfemininas recorrem a outras mais experientes que entanto, outras questionam e resistem a essas classifi-
realizam modificações corporais, como a aplicação de cações e afirmam que o desejo de cirurgia e hormoni-
silicone industrial.(27,29) Sem a devida crítica, poderia se zação não altera sua condição de travesti, reafirmada ao
afirmar que as complicações desses procedimentos re- longo da vida. A análise da relação da medicalização da
caem naquelas que os realizam, desconsiderando a falta transição de gênero nos processos classificatórios é um
de acessibilidade pelo SUS como o foco central para que caminho para a compreensão do dinamismo dos usos
esse contexto se perpetue. Nesse sentido, alguns fatores das categorias identitárias.
permeiam esses riscos acatados visando à remodela- Portanto, esse fenômeno demonstra que é preciso
gem corporal, mesclando sentimentos de desejo, neces- reaprender a cuidar da saúde de pessoas transexuais
sidade, sonho e sobrevivência.(3) e travestis para além de protocolos universalizantes e
Ademais, há uma discrepância em relação à perspec- de desidentificação.(9,15,23,26,33) Nesse contexto, é pertinen-
tiva de quem busca o cuidado e o longo tempo na fila te entender como a patologização da transexualidade
de espera para que a pessoa consiga realizar a cirurgia afeta o acesso à saúde.(1-4,6-9,11,13,15-18,22,25,28,30,32-34) Em 1994, o
desejada.(2,8,16,17) Nesse ponto, é possível indagar sobre a termo “transexualismo” foi substituído por “transtorno

564 | FEMINA 2022;50(9):560-7


Barreiras para o acesso à saúde pública da população trans no Brasil: uma revisão narrativa
Barriers to public health access for the trans population of Brazil: a narrative review

de identidade de gênero” no Manual Diagnóstico e É entendível que foi justamente essa patologização que
Estatístico das Desordens Mentais (DSM IV).(5-7) Então, permitiu que essa população fosse atendida pelo SUS e
em 2019, retirou-se da Classificação Internacional se tornasse mais protegida em relação à automedicação.
de Doenças – 11ª revisão (CID-11), elaborada pela No entanto, é preciso pensar em estratégias que não tra-
Organização Mundial da Saúde (OMS), a vivência trans gam em si estigmas inerentes ao processo, já que a falta
enquanto um transtorno mental, passando a ser ca- de acolhimento tem como uma das consequências a de-
tegorizada como uma “condição relativa à saúde se- sistência do indivíduo de buscar atendimento médico.(2-
xual”.(2,18,34) Ainda assim, o Processo Transexualizador do 4,10,17,18,20,22,23,29,34)
Uma das formas de confrontar essa barreira
SUS é pautado por um enquadramento da pessoa tran- ao acesso à saúde é guiar-se pelo cuidado e atenção pri-
sexual, transgênero e travesti dentro uma patologia, já mária centrados no paciente.(1,15) Dessa forma, o indivíduo
que é justamente esse diagnóstico que permite que o passa a ser o ator principal de sua própria história, tendo
paciente possa entrar no Processo Transexualizador.(1,6) suporte para revelá-la ao profissional de saúde de forma
Sendo assim, “todas as dimensões de cuidado que lhes autônoma e sem estereótipos.(1,15) Essa dinâmica permite
são ofertadas, sejam os casos de hormonização, cirurgia que se faça uma decisão compartilhada entre o médico
ou as avaliações clínico-laboratoriais, perpassam a pa- e o paciente,(2,30) na qual o indivíduo trans adquire aber-
tologização”.(8) No CID-11,(36) a incongruência de gênero na tura narrativa e centralidade na decisão.(1,2,16,15,19,20,22,30) Há
adolescência ou vida adulta tem como definição: respeito, também, pela Política Nacional de Humanização
do SUS, que tem como valor central a integralidade do
Incongruência marcante e persistente entre o gênero indivíduo, tratando-o como um todo, e não como uma
vivenciado de um indivíduo e o sexo atribuído, o patologia.(1) De acordo com Romano,(21) “somente por meio
que muitas vezes leva a um desejo de “transição”, a do diálogo, estabelecido entre profissionais de saúde e
fim de viver e ser aceito enquanto uma pessoa do usuários, poderemos produzir transformações nas práti-
gênero vivido, por meio de tratamento hormonal, cas de saúde”.
cirurgia ou outros serviços de saúde para alinhar A importância dessa mudança de perspectiva trans-
o corpo do indivíduo, tanto quanto desejado e na passa o acesso à saúde em si, pois, como afirma Arán
medida do possível, com o gênero vivenciado. O et al.,(7) “a importância do acesso aos serviços de saúde
diagnóstico não pode ser atribuído antes do início consiste não apenas no cuidado do processo de saú-
da puberdade. O comportamento e as preferências de-doença, mas fundamentalmente numa estratégia de
de variante de gênero por si só não são uma base construção de si”. Portanto, entende-se que legitimar
para atribuir o diagnóstico. um discurso é permitir que uma história possa ser con-
Uma das consequências dessa questão é fazer com tada e construída de forma plena e subjetiva, sem amar-
que a história de cada pessoa transgênero precise se ras sociais, permitindo que a pessoa tenha, inclusive,
enquadrar em determinados quesitos, como o ano que sua existência legitimada.
se descobriu trans, interesses por questões estereoti- Nesse sentido, a promoção da saúde e seu caráter
picamente “de menina” ou “de menino” e formas de se preventivo tem um papel fundamental como “estraté-
vestir.(6,7,25,34) Esses atributos retiram da pessoa aquilo gia de captação e acolhimento, em consonância com a
que a individualiza, já que partem do pressuposto de proposta de um trabalho voltado para as necessidades
que todas as histórias precisam passar necessariamen- de saúde das pessoas, promovendo, assim, o estabele-
te pelo mesmo processo, visando a uma “produção de cimento e manutenção do vínculo entre os profissionais
da equipe e as travestis”,(20) o que também vale para mu-
discursos com validade universal, guiada por uma visão
lheres e homens trans. Dessa forma, o acolhimento e
mecanicista da dinâmica saúde-doença”(33) a fim de se
o cuidado desempenhados por esses profissionais têm
encontrar um diagnóstico. Assim, “ao exigir um diagnós-
uma importante função na impressão que deixam em
tico no manuseio clínico de pessoas transexuais, esse
relação ao SUS, sendo, portanto, fundamentais para o
documento perpetua a crença de que se pode homoge-
estabelecimento do acesso à saúde.
neizar essa experiência”.(33) Isso faz com que os profissio-
nais de saúde sejam treinados e guiados para entender
e interpretar uma história única, em vez de analisar a CONCLUSÃO
pluralidade em que se dá essa questão.(1,6,15,18,34) Ou, ain- O Processo Transexualizador notavelmente demons-
da, faz com que os médicos e as médicas escutem os tra avanços nacionais perante os direitos das pessoas
discursos padronizados, já que a pessoa transgênero trans e travestis. Poder fazer o processo de transição de
“aprende” o que precisa dizer, passando a buscar por forma gratuita e tendo um acompanhamento multidis-
incoerências nas experiências relatadas.(15) Desse modo, ciplinar corresponde a uma diminuição na vulnerabili-
causa-se uma desconfiança mútua entre as partes en- dade e exclusão social que envolvem essa população.
volvidas, visto que “profissionais de saúde são vistos No entanto, alguns anos após a implementação desse
como empecilhos para que pessoas transexuais consi- programa, é possível identificar pontos a serem apri-
gam o que querem dos serviços”.(15) morados, a fim de atender melhor o grupo em questão

FEMINA 2022;50(9):560-7 | 565


Oliveira JP, Sprung LS

e cumprir com os princípios de integridade, inclusão 6. Arán M, Murta D. Do diagnóstico de transtorno de identidade de
gênero às redescrições da experiência da transexualidade: uma
social, sensibilidade à diversidade e comprometimen- reflexão sobre gênero, tecnologia e saúde. Physis. 2009;19(1):15-41.
to com desigualdades sociais do SUS. Esse aprimora- doi: 10.1590/S0103-73312009000100003
mento é fundamental para que se quebrem barreiras 7. Arán M, Murta D, Lionço T. Transexualidade e saúde pública no
em relação ao acesso à saúde dessa comunidade. Entre Brasil. Ciênc Saúde Coletiva. 2009;14(4):1141-9. doi: 10.1590/S1413-
81232009000400020
esses pontos de melhora, pode-se ressaltar a falta de
8. Sousa D, Iriart J. “Viver dignamente”: necessidades e demandas
experiência dos(as) profissionais de saúde e seus pre-
de saúde de homens trans em Salvador, Bahia, Brasil. Cad Saúde
conceitos, os quais impedem que pessoas trans e tra- Pública. 2018;34(10):1-11. doi: 10.1590/0102-311X00036318
vestis se sintam à vontade para buscar auxílio na saúde 9. Vieira C, Porto RM. “Fazer emergir o masculino”: noções de “terapia”
pública e sintam segurança de que serão tratados(as) e patologização na hormonização de homens trans. Cad Pagu.
2019;(55):e195516. doi: 10.1590/18094449201900550016
com respeito e dignidade. Ademais, também é possível
10. Costa AB, Pase PF, Camargo ES, Guaranha C, Caetano AH, Kveller D,
citar o tempo até que o processo se efetue na prática,
et al. Effectiveness of a multidimensional web-based intervention
tanto pela demora pelo diagnóstico quanto pela fila de program to change Brazilian health practitioners’ attitudes toward
espera depois que esse é dado. É possível citar, inclu- the lesbian, gay, bisexual and transgender population. J Health
sive, como uma visão heterocisnormativa dos profis- Psychol. 2016;21(3):356-68. doi: 10.1177/1359105316628748

sionais de saúde espera que exista uma pessoa verda- 11. Lionço T. Atenção integral à saúde e diversidade sexual no
Processo Transexualizador do SUS: avanços, impasses, desafios.
deiramente trans, silenciando as narrativas individuais Rev Saúde Coletiva. 2009;19(1):43-63. doi: 10.1590/S0103-
e a subjetividade do processo de cada pessoa. Ainda 73312009000100004
nessa perspectiva, foi possível verificar que a patolo- 12. Diehl A, Vieira DL, Zaneti MM, Fanganiello A, Sharan P, Robles R,
gização da transexualidade culmina em uma visão fixa et al. Social stigma, legal and public health barriers faced by the
third gender phenomena in Brazil, India and Mexico: travestis,
de saúde-doença, impedindo que se dê voz à pessoa hijras and muxes. Int J Soc Psychol. 2017;63(5):389-99. doi:
trans e travesti no sentido de narrar de forma plural 10.1177/0020764017706989
sua história, visto que a necessidade de um diagnóstico 13. Page MJ, McKenzie JE, Bossuyt PM, Boutron I, Hoffmann TC, Mulrow
para participar do processo faz com que precise citar CD, et al. The PRISMA 2020 statement: an updated guideline for
reporting systematic reviews. BMJ. 2021;372:n71. doi: 10.1136/bmj.n71
determinados quesitos a fim de ser aceita. Conclui-se,
14. Bento B, Pelúcio L. Despatologização do gênero: a politização
portanto, que o Processo Transexualizador do SUS de- das identidades abjetas. Rev Estud Femin. 2012;20(2):569-81. doi:
ve-se pautar pelo cuidado em saúde centrado no pa- 10.1590/S0104-026X2012000200017
ciente, para que a decisão de participar do processo e 15. Sampaio LL, Coelho MT. Transexualidade: aspectos psicológicos
os procedimentos escolhidos pelo paciente sejam fei- e novas demandas ao setor saúde. Interface (Botucatu).
2012;16(42):637-49. doi: 10.1590/S1414-32832012000300005
tos de forma compartilhada entre o profissional de saú-
16. Hanauer OF, Hemmi AP. Caminhos percorridos por transexuais: em
de e a pessoa trans. Isso permite que a pluralidade da busca pela transição de gênero. Saúde Debate. 2019;43(Spe 8):91-
transgeneridade seja levada em consideração, além de 106. doi: 10.1590/0103-11042019S807
aumentar a autonomia do indivíduo, indo ao encontro, 17. Ventura M, Schramm FR. Limites e possibilidades: do exercício
dessa forma, com a filosofia e os princípios defendidos da autonomia nas práticas terapêuticas de modificação corporal
e alteração da identidade sexual. Physis. 2009;19(1):65-93. doi:
pelo SUS. Por fim, essa mudança de perspectiva não só 10.1590/S0103-73312009000100005
melhora o acesso ao sistema de saúde, como permite 18. Borba R. Receita para se tornar um “transexual verdadeiro”:
que a narrativa de cada pessoa trans seja respeitada, discurso, interação e (des)identificação no processo
passando a ter uma legitimação de sua existência, mais transexualizador. Trab Ling Aplic. 2016;44(1):33-75.
digna e inclusiva. 19. Gomes SM, Sousa LM, Vasconcelos TM, Nagashima AM. O SUS fora
do armário: concepções de gestores municipais de saúde sobre a
população LGBT. Saúde Soc. 2018;27(4):1120-33. doi: 10.1590/S0104-
REFERÊNCIAS 12902018180393
1. Almeida G, Murta D. Reflexões sobre a possibilidade da 20. Monteiro S, Brigeiro M. Experiências de acesso de mulheres trans/
despatologização da transexualidade e a necessidade da travestis aos serviços de saúde: avanços, limites e tensões. Cad
assistência integral à saúde de transexuais no Brasil. Sex Salud Soc Saúde Pública. 2019;35(4):e00111318. doi: 10.1590/0102-311X00111318
(Rio J). 2013;(14):380-407. doi: 10.1590/S1984-64872013000200017 21. Romano VF. As travestis no Programa Saúde da Família da Lapa.
2. Braz C. Vidas que esperam? Itinerários do acesso a serviços de Saúde Soc. 2008;17(2):211-9. doi: 10.1590/S0104-12902008000200019
saúde para homens trans no Brasil e na Argentina. Cad Saúde 22. Souza MH, Pereira PP. Cuidado com saúde: as travestis de Santa
Pública. 2019;35(4):e00110518. doi: 10.1590/0102-311X00110518 Maria, Rio Grande do Sul. Texto Contexto Enferm. 2015;24(1):146-53.
3. Rocon PC, Sodré F, Rodrigues A, Roseiro MC. O que esperam doi: 10.1590/0104-07072015001920013
pessoas trans do Sistema Único de Saúde? Interface. 2018;22(64):43- 23. Oliveira I, Romanini M. (Re)escrevendo roteiros (in)visíveis: a
53. doi: 10.1590/1807-57622016.0712 trajetória de mulheres transgênero nas políticas públicas de saúde.
4. Rocon PC, Sodré F, Rodrigues A, Barros ME, Wandekoken Saúde Soc. 2020;29(1):e170961. doi: 10.1590/S0104-12902020170961
KD. Desafios enfrentados por pessoas trans para acessar o 24. Rocon PC, Rodrigues A, Zamboni J, Pedrini MD. Dificuldades
processo transexualizador do Sistema Único de Saúde. Interface. vividas por pessoas trans no acesso ao Sistema Único de
2019;23:e180633. doi:10.1590/Interface.180633 Saúde. Ciênc Saúde Coletiva. 2016;21(8):2517-25. doi: 10.1590/1413-
5. Santos AB, Shimizu HE, Merchan-Hamann E. Processo de formação 81232015218.14362015
das representações sociais sobre transexualidade dos profissionais 25. Lionço T. Que direito à saúde para a população GLBT?
de saúde: possíveis caminhos para superação do preconceito. Considerando direitos humanos, sexuais e reprodutivos em busca
Ciênc Saúde Coletiva. 2014;19(11):4545-54. doi: 10.1590/1413- da integralidade e da equidade. Saúde Soc. 2008;17(2):11-21. doi:
812320141911.15702013 10.1590/S0104-12902008000200003

566 | FEMINA 2022;50(9):560-7


Barreiras para o acesso à saúde pública da população trans no Brasil: uma revisão narrativa
Barriers to public health access for the trans population of Brazil: a narrative review

26. Mello L, Perilo M, Braz CA, Pedrosa C. Políticas de saúde para 32. Popadiuk GS, Oliveira DC, Signorelli MC. A Política Nacional de
lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais no Brasil: em Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros
busca de universalidade, integralidade e equidade. Sex Salud Soc (LGBT) e o acesso ao Processo Transexualizador no Sistema
(Rio J). 2011;(9):7-28. doi: 10.1590/S1984-64872011000400002 Único de Saúde (SUS): avanços e desafios. Ciênc Saúde Coletiva.
27. Dourado I, Silva LA, Magno L, Lopes M, Cerqueira C, Prates A, et al. 2017;22(5):1509-20. doi: 10.1590/1413-81232017225.32782016
Construindo pontes: a prática da interdisciplinaridade. Estudo 33. Borba R. Sobre os obstáculos discursivos para a atenção integral e
PopTrans: um estudo com travestis e mulheres transexuais em humanizada à saúde de pessoas transexuais. Sex Salud Soc (Rio J).
Salvador, Bahia, Brasil. Cad Saúde Pública. 2016;32(9):e00180415. doi: 2014;19(1):66-97.
10.1590/0102-311X00181415 34. Florêncio LL, Souza KR, Oliveira EC, Cabral J, Silva FP, Silva RA, et
28. Costa AB, Rosa Filho HT, Pase PF, Fontanari AM, Catelan RF, Mueller al. Therapeutic itinerary of transsexual people in light of human
A, et al. Healthcare needs of and access Barriers for Brazilian rights. Nurs Ethics. 2020;28(5):704-13. doi: 10.1177/0969733020968864
transgender and gender diverse people. J Immigr Minor Health. 35. Rigolon M, Carlos DM, Oliveira WA, Salim NR. “Health does
2018;20(1):115-23. doi: 10.1007/s10903-016-0527-7 not discuss trans bodies”: oral history of transsexuals and
29. Freire EC, Araujo FC, Souza AC, Marques D. A clínica em transvestites. Rev Bras Enferm. 2020;73 Suppl 6:e20190228. doi:
movimento na saúde de TTTS: caminho para materialização do 10.1590/0034-7167-2019-0228
SUS entre travestis, transsexuais e transgêneros. Saúde Debate. 36. World Health Organization (WHO). ICD-11 for mortality and
2013;37(98):477-84. morbidity statistics. Version: 2019 April. Geneva: WHO; 2019.
30. Ferreira BO, Nascimento EF, Pedrosa JI, Monte LM. Vivências de
travestis: no acesso ao SUS. Rev Saúde Coletiva. 2017;27(4):1023-38.
doi: 10.1590/S0103-73312017000400009
31. Moscheta MS, Souza LV, Santos MA. Health care provision in Brazil:
a dialogue between health professionals and lesbian, gay, bisexual
and transgender service users. J Health Psychol. 2016;21(3):369-78.
doi: 10.1177/1359105316628749

FEMINA 2022;50(9):560-7 | 567


ARTIGO DE REVISÃO
Rotura uterina: da
suspeita ao tratamento
Uterine rupture: from
suspicion to treatment
Francisco Edson de Lucena Feitosa1, Enzo Studart de Lucena Feitosa2

Descritores RESUMO
Ruptura uterina; Hemorragia
uterina; Hemorragia pós-parto; A rotura uterina durante a gravidez ou trabalho de parto é uma grave complicação
Complicações na gravidez obstétrica ainda responsável por elevada morbimortalidade materna e perinatal.
É importante o diagnóstico diferencial de outras hemorragias da segunda metade
Keywords da gravidez, como o descolamento prematuro da placenta e a placenta prévia. O
diagnóstico é feito baseado em uma associação de sinais bem comuns da rotura
Uterine rupture; Uterine bleeding;
Postpartum hemorrhage; uterina. O tratamento sempre é cirúrgico, mas varia de acordo com a classificação
Pregnancy complications da emergência. A prevenção é realizada por meio da atenção obstétrica cuidadosa
e com implementação das boas práticas de assistência ao parto.

ABSTRACT
Uterine rupture during pregnancy or labor is a serious obstetric complication still res-
ponsible for high maternal and perinatal morbidity and mortality. Differential diag-
nosis of other hemorrhages in the second half of pregnancy, such as placental abrup-
tion and placenta previa, is important. The diagnosis is made based on an association
of very common signs of uterine rupture. Treatment is always surgical but varies
according to the classification of the emergency. Prevention is carried out through
careful obstetric care and the implementation of good childbirth care practices.

Submetido:
INCIDÊNCIA
24/03/2021 A ruptura ou rotura uterina, rompimento da camada miometrial uterina, du-
rante a gravidez ou trabalho de parto é uma grave complicação obstétrica
Aceito:
15/07/2022 ainda responsável por elevada morbimortalidade materna e perinatal. A in-
cidência, apesar de rara atualmente, varia de 1/585 a 1/6.673, congregando
1. Departamento de Saúde o evento durante a gravidez e o parto, sendo o evento durante a parturição
da Mulher, da Criança e do a forma mais comum. Além disso, sua frequência é maior em países consi-
Adolescente, Faculdade de Medicina, derados em desenvolvimento, onde a rotura normalmente é por obstrução
Universidade Federal do Ceará,
da via de parto, enquanto nos países desenvolvidos é pós-cesárea. Ademais,
Fortaleza, CE, Brasil.
2. Universidade de Fortaleza,
a rotura é um importante diagnóstico diferencial de outras hemorragias da
Fortaleza, CE, Brasil. segunda metade da gravidez, como o descolamento prematuro da placenta
e a placenta prévia.(1-4)
Conflitos de interesse:
Nada a declarar.
ETIOLOGIA
Autor correspondente:
Pode ter duas etiologias distintas: provocada e espontânea. As roturas provo-
Francisco Edson de Lucena Feitosa
Rua Prof. Costa Mendes, 1.608, 2º
cadas, também chamadas de traumáticas, são decorrentes de ações obsté-
andar, 60416-200, Fortaleza, CE, tricas, como as manobras obstétricas (versão podálica interna, delivramento
Brasil artificial, manobra de Kristeller e fórcipe) e o aumento demasiado das con-
edson.lucena@hotmail.com trações uterinas em decorrência da utilização intempestiva de medicamen-
tos como a ocitocina, o misoprostol e as prostaglandinas. Já a rotura espon-
Como citar:
Feitosa FE, Feitosa ES. Rotura
tânea é caracterizada pela não interferência obstétrica, tendo maior relação
uterina: da suspeita ao tratamento. com os fatores de risco dessa emergência. Os fatores de risco podem ser
Femina. 2022;50(9):568-71. divididos nos que alteram a rigidez da parede uterina e nos que obstruem o

568 | FEMINA 2022;50(9):568-71


Rotura uterina: da suspeita ao tratamento
Uterine rupture: from suspicion to treatment

canal do parto. Entre os fatores enfraquecedores, há ci- maciço de uma alça, e ascensão da apresentação uterina,
rurgias uterinas prévias (miomectomia e metroplastia), sem a percepção do colo uterino ao toque vaginal (sinal
mas principalmente a cesárea e a ocorrência prévia de de Recasens), patognomônico da rotura uterina.(1,2)
uma rotura uterina. A multiparidade, os processos in-
fecciosos, a adenomiose e a penetração excessiva tro- PROGNÓSTICO
foblástica (acretismo placentário e neoplasia trofoblás-
tica) são outros fatores que não devem ser esquecidos. A mortalidade materna depende, principalmente, do
(1,2)
Já entre os fatores que bloqueiam o canal de parto, momento do diagnóstico e das condições locais de as-
aumentando as contrações de forma demasiada, propi- sistência e gira em torno de 4% a 5%. Enquanto o prog-
ciando a rotura uterina, há a desproporção cefalopélvica nóstico fetal é sombrio, com mortalidade variando entre
(vícios pélvicos e macrossomia), as apresentações anô- 45% e 70%.(2,5-7)
malas, as malformações uterinas e os tumores prévios.
A violência contra a mulher e o trauma automobilístico TRATAMENTO
são causas bem menos frequentes.(4)
O tratamento sempre é cirúrgico, mas varia de acordo
com a classificação da emergência e tem dois objetivos
CLASSIFICAÇÃO principais: estabilização materna e correção cirúrgica
Há algumas classificações descritas. A mais utilizada é da lesão que levou à instabilidade cardiocirculatória.(2)
dividida em: rotura completa, em que todas as camadas Tratando-se de emergência com potencial letalidade, é
do útero são rompidas e, em geral, é sintomática; e a essencial equipe de assistência adequadamente trei-
rotura incompleta ou parcial, quando a camada serosa nada para os procedimentos necessários para a pronta
se mantém íntegra. A rotura incompleta, por sua vez, é resolução do quadro. Apesar dos avanços no controle
mais comum em casos de deiscência de suturas e geral- da hemorragia obstétrica, ela ainda representa uma das
mente é assintomática, podendo se tornar uma ruptura principais causas de morte materna. Ao analisar esses
completa. Essa diferenciação só é possível de ser reali- casos, frequentemente observamos “atrasos” na assis-
zada por meio da laparotomia ou diagnosticada durante tência obstétrica que contribuíram para o desfecho ne-
a cesariana.(1) As roturas podem, ainda, ser classifica- gativo. Portanto, o conceito de “hora de ouro” está sendo
das como complicadas, quando, após o mecanismo de utilizado em obstetrícia, e os casos de hemorragia ante-
rompimento, há acometimento de algum órgão vizinho, parto ou pós-parto devem ser identificados e resolvidos
como bexiga, reto, vagina e ureter.(1) idealmente dentro da primeira hora. A perda sanguínea
deve ser estimada, o que pode ser um desafio, princi-
DIAGNÓSTICO palmente quando usamos apenas os parâmetros clíni-
cos (Quadro 1), tendo em vista que é necessária uma
O diagnóstico é feito baseado em uma associação de si- perda importante para alterá-los (diagnóstico tardio).(8,9)
nais bem comuns da rotura uterina. Pode ainda ser divi- Outro parâmetro clínico atualmente utilizado para
dida na iminência de rotura e na rotura consumada. Na avaliar o grau de instabilidade materna e prever a ne-
iminência de rotura, a paciente encontra-se agitada e an- cessidade de transfusão maciça é o Índice de Choque
siosa, e as contrações são intensas e excessivamente do- (Quadro 2). É calculado pela divisão da frequência cardía-
lorosas, podendo ser acompanhadas por diminuição dos ca pela pressão arterial sistólica. Valores ≥ 0,9 em puérpe-
batimentos cardíacos fetais e pela síndrome de distensão ras com hemorragia pós-parto sugerem perda sanguínea
segmentar. Ademais, outro achado comum nessa síndro-
significativa, e valores ≥ 1, ou seja, frequência cardíaca
me são os sinais de Bandl, que é uma depressão no anel
superior à pressão arterial sistólica, indicam necessidade
infraumbilical, e de Frommel, que é um desvio uterino
de abordagem agressiva do quadro hemorrágico.(8,9)
pelo retesamento dos ligamentos redondos, caracterizan-
Medidas iniciais:
do o útero em “ampulheta”. Nas pacientes com cicatriz
uterina prévia, o relato de dor entre as contrações uteri- • Pedir ajuda;
nas deve nos fazer suspeitar de rotura uterina.(1,2,5,6) Caso o • Manter a permeabilidade das vias
quadro evolua, a rotura é consumada, e a paciente refere aéreas (Airway), respiração (Breathing)
dor súbita, lancinante, e de intensidade superior à das e circulação (Circulation) (ABC);
anteriores e há interrupção do trabalho de parto, devido • Obter dois acessos venosos de grande
à retração uterina associada à diminuição (rotura incom- calibre (para infusão de cristaloides)
pleta) ou à parada (rotura completa) das contrações, de
• Oxigênio (inicialmente cateter nasal 3 L/min);
onde advém o aforismo: útero roto não se contrai. Além
disso, pode haver hemorragias discretas ou profusas, as- • Monitorar rigorosamente a pressão arterial e a
sociadas a hematúria, caso acometa a bexiga, diminuição frequência cardíaca (taquicardia e pulso fino
ou interrupção da ausculta dos batimentos cardíacos fe- constituem sinais de hemorragia importante);
tais, crepitação abdominal na palpação (sinal de Clark), • Solicitação de transfusão de dois concentrados
devido ao pneumoperitônio induzido pelo rompimento de hemácias de urgência ou extrema urgência;

FEMINA 2022;50(9):568-71 | 569


Feitosa FE, Feitosa ES

Quadro 1. Graus de choque

Grau de choque Volume/% de perda Nível de conciência Pressão sistólica Pulso


Compensado 500 a 1.000 mL/10%-15% Normal > 90 mmHg 60-90
Leve 1.000 a 1.500 mL/16%-25% Normal ou agitado 80 a 90 mmHg 91-100
Moderado 1.500 a 2.000 mL/26%-35% Agitado 70 a 79 mmHg 101-120
Grave 2.000 a 3.000 mL/> 35% Letárgico < 70 mmHg > 120

Quadro 2. Índice de Choque

Índice de choque = Frequência cardíaca ÷ Pressão arterial sistólica


Valor Interpretação Conduta
≥ 0,9 Risco de transfusão Abordagem agressiva/transferência hemotransfusão
Abordagem agressiva e imediata
≥ 1,4 Necessidade de terapêutica agressiva com urgência
Abrir protocolo de transfusão maciça
Abordagem agressiva e imediata
≥ 1,7 Alto risco de resultado materno adverso
Abrir protocolo de transfusão maciça

• Obtenção de amostras para exames laboratoriais assistência ao parto como utilização do partograma,
(contagem global [CGLOB], TAP, TTPa e condução das distocias adequadamente, abolição do
fibrinogênio) e para testes pré-transfusionais; uso da manobra de Kristeller e utilização de forma ju-
• Ácido tranexâmico: 1 g endovenoso lento (10 diciosa dos medicamentos estimuladores da contratili-
minutos). Iniciar assim que se identificar a dade uterina, com destaque especial para a prescrição
hemorragia. Repetir no caso de persistência cuidadosa e vigilante dos ocitócitos e a obediência ao
do sangramento 30 minutos após a primeira uso cuidadoso das prostaglandinas e seus derivados,
dose ou de reinício do sangramento em em epígrafe o misoprostol.(5,6)
até 24 horas após a primeira dose.
No que diz respeito à correção cirúrgica, a equipe de ROTURA UTERINA PÓS-CESÁREA
anestesia deve ser notificada para o adequado manejo A rotura uterina em mulheres que têm cesárea prévia
e suporte anestésico, com a escolha de bloqueio regio- ocorre em aproximadamente 0,3% (3 roturas para 1.000
nal ou anestesia geral baseando-se na estabilidade clí-
partos) e merece considerações específicas. É mais co-
nica da paciente e na urgência na resolução do caso. É
mum em mulheres submetidas a prova de trabalho de
necessária a cesárea de urgência para a extração fetal,
parto do que nas mulheres que são submetidas a nova
além da realização de minuciosa inspeção e lavagem
cesárea programada.(10)
com soro aquecido dos órgãos vizinhos, da parede pos-
terior e do fundo de saco. Posteriormente, é necessário
decidir se está indicada apenas a histerorrafia ou a his- FATORES DE RISCO
terectomia. Leva-se em consideração para essa decisão Há estudos que relacionam o risco de rotura com o tipo
as condições das paredes uterinas lesadas, a sede da e o número de cicatrizes uterinas, a forma de desenca-
rotura, o estado de choque da paciente, bem como a deamento do trabalho de parto, o uso de medicamentos
idade e a paridade.(1,2) e o intervalo interpartal (Tabela 1).(10,11)
O objetivo da cirurgia conservadora é reparar a lesão Além desses fatores, há outros descritos na literatura,
uterina, controlar a hemorragia, identificar danos a ou- como rotura uterina prévia, histerotomia anterior fúndi-
tros órgãos, minimizar a morbidade pós-cirúrgica precoce ca ou vertical, prova de trabalho de parto, idade mater-
e reduzir o risco de complicações em futuras gestações.(1,2) na avançada, idade gestacional maior que 40 semanas,
A histerectomia está indicada quando a lesão uteri- peso fetal estimado acima de 4.000 g, intervalo interpar-
na é irreparável ou na condição de hemorragia materna tal menor de 18 meses, sutura uterina em camada única,
incontrolável. Habitualmente a opção é pela histerecto- mais de uma cesárea prévia e cesárea anterior realizada
mia subtotal, em que o tempo cirúrgico e a instabilidade no segundo trimestre.(12,13)
hemodinâmica são menores.(1,2,6)
PREDIÇÃO
PREVENÇÃO Infelizmente não há nenhum método confiável e eficaz
A prevenção é realizada por meio da atenção obsté- de predição de rotura uterina em mulheres com cesárea
trica cuidadosa, implementação das boas práticas de anterior. Um número considerável de modelos preditivos

570 | FEMINA 2022;50(9):568-71


Rotura uterina: da suspeita ao tratamento
Uterine rupture: from suspicion to treatment

Tabela 1. Fatores de risco de rotura uterina em pacientes com podem ser usados para avaliar a integridade da parede
cicatriz uterina anterior uterina e, assim, diagnosticar a istmocele. Entretanto, a ul-
Frequência Risco trassonografia transvaginal e a sono-histerografia com in-
Fator de risco (%) (IC 95%) fusão salina surgem como métodos específicos, sensíveis
e custo-efetivos para o diagnóstico. O tratamento inclui
Trabalho de parto espontâneo 0,52 3,3 (1,8-6)
manejo clínico ou cirúrgico, dependendo do tamanho do
Indução sem prostaglandinas 0,77 4,9 (2,4-9,7) defeito, da presença de sintomas, da presença de infertili-
Indução com prostaglandinas 2,4 15,6 (-8,1-30) dade secundária e de planos de gravidez. O manejo cirúr-
Incisão em T ou clássica 4a9
gico inclui abordagens minimamente invasivas como his-
teroscopia, laparoscopia ou transvaginal, de acordo com o
Duas ou mais cicatrizes uterinas 1,7 3,06 (1,9-4,8) tamanho do defeito.(10,13-16)
Intervalo interpartal 4,8 3 (1,3-7,2)
inferior a 18 meses
REFERÊNCIAS
1. Montenegro CA, Soares CM, Rezende Filho J. Ruptura uterina e laceração
do trajeto. In: Montenegro CA, Rezende Filho J, editores. Rezende
que levam em consideração uma combinação de fatores Obstetrícia. 13ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2017. p. 833-41.
de risco foi descrito, mas nenhum demonstrou eficácia 2. Polido CB, Magalhães CG. Rotura uterina. In: Fernandes CE, Sá MF, editores.
comprovada nem utilidade clínica universal.(7,10,14) Tratado de obstetrícia Febrasgo. São Paulo: Elsevier; 2019. p. 936-43.
Entendendo que a espessura do segmento inferior 3. Osanan GC, Rodrigues DM, Brandão AH. Atonia, inversão e ruptura
uterina. In: Urbanetz AA. Urgências e emergências em ginecologia e
uterino tem relação inversa com o risco de deiscência obstetrícia. São Paulo: Manole; 2019. p. 487-505.
da cicatriz ou rotura durante o trabalho de parto, tem se 4. Tanos V, Toney ZA. Uterine scar rupture – Prediction, prevention,
proposto a medida ultrassonográfica da espessura da diagnosis, and management. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol.
2019;59:115-31. doi: 10.1016/j.bpobgyn.2019.01.009
parede miometrial do segmento uterino inferior como
5. Cunninghan FG, Leveno KJ, Bloom SL, Dashe JS, Hoffman BL, Casey
preditor do risco de rotura uterina. A técnica recomen- BM, et al. Obstetrical hemorrhage. In: Cunninghan FG, Leveno KJ,
dada é a obtenção de três medidas do segmento uterino Bloom SL, Dashe JS, Hoffman BL, Casey BM, et al. editors. Williams
inferior, com o caliper colocado da interface da parede obstetrics. 25th ed. New York: McGraw Hill; 2018. p. 1668-779.
da bexiga e urina e a interface do líquido amniótico e a 6. Togioka BM, Tonismae T. Uterine rupture. In: StatPearls [Internet].
Treasure Island: StatPearls Publishing; 2021 [cited 2021 Mar 8].
decídua, realizadas pela via abdominal ou vaginal. Essas Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK559209/
medidas devem ser obtidas próximo do termo, e o me- 7. Smith JF, Wax JR. Uterine rupture: unscarred uterus [Internet]. 2021
nor valor encontrado deve ser reportado. Alguns autores [cited 2021 Mar 8]. Available from: https://www.uptodate.com/
descrevem que segmento uterino inferior menor que 2 contents/uterine-rupture-unscarred-uterus?search=uterine%20
rupture&source=search_result&selectedTitle=2~123&usage_
mm teria valor preditivo para aumento do risco de ro- type=default&display_rank=2
tura ou deiscência, apesar de existirem publicações que 8. Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). Recomendações
contestam essa recomendação, afirmando que a espes- assistenciais para prevenção, diagnóstico e tratamento da
sura do segmento uterino inferior tem baixo valor predi- hemorragia obstétrica [Internet]. Brasília (DF): Opas; 2018 [cited 2021
Jan 28]. Available from: https://iris.paho.org/handle/10665.2/34879
tivo positivo para rotura e que mulheres com segmento 9. Alves AL, Francisco AA, Osanan GC, Vieira LB. Hemorragia pós-
uterino inferior com espessura normal podem ter rotura parto: prevenção, diagnóstico e manejo não cirúrgico. Femina.
uterina durante o trabalho de parto.(10,12,14,15) 2020;48(11):671-9.
Outro aspecto da predição é a observação da cica- 10. Landon MB, Frey H. Uterine rupture: after previous cesarean
delivery [Internet]. 2021 [cited 2021 Mar 8]. Available from: https://
triz uterina no período interpartal ou pré-gestacional. O www.uptodate.com/contents/uterine-rupture-after-previous-
achado ultrassonográfico de imagem em forma de “U” ou cesarean-delivery?search=rotura%20uterina&source=search_
“V”, hipo ou anecoicas, chamadas de “nicho” ou istmoce- result&selectedTitle=1~135&usage_type=default&display_rank=1
le, pode ser classificado como pequeno ou grande, de- 11. Larrea NA, Metz TD. Pregnancy after uterine rupture. Obstet
Gynecol. 2018;131(1):135-7. doi: 10.1097/AOG.0000000000002373
pendendo da espessura da parede miometrial deficiente.
12. Jastrow N, Vikhareva O, Gauthier RJ, Irion O, Boulvain M, Bujold
Embora geralmente assintomático, seu principal sintoma E. Can third-trimester assessment of uterine scar in women with
é o sangramento uterino anormal ou pós-menstrual; a dor prior Cesarean section predict uterine rupture? Ultrasound Obstet
pélvica crônica também pode ocorrer. Infertilidade, pla- Gynecol. 2016;47(4):410-4. doi: 10.1002/uog.15786
13. Moramarco V, Korale Liyanage S, Ninan K, Mukerji A, McDonald SD.
centa acreta ou prévia, deiscência de cicatriz, ruptura ute- Classical cesarean: what are the maternal and infant risks compared
rina e gravidez ectópica em cicatriz de cesárea prévia tam- with low transverse cesarean in preterm birth, and subsequent
bém podem aparecer como complicações dessa condição. uterine rupture? A systematic review and meta-analysis. J Obstet
Os fatores de risco para o desenvolvimento da istmocele Gynaecol Canada. 2020;42(2):179-97.e3. doi: 10.1016/j.jogc.2019.02.015
14. Frank ZC, Caughey AB. Pregnancy in women with a history of
comprovados até o momento incluem útero retroverso e uterine rupture. Obstet Gynecol Surv. 2018;73(12):703-8. doi: 10.1097/
múltiplas cesarianas. No entanto, fatores como localiza- OGX.0000000000000624
ção mais inferior de uma cesárea prévia, fechamento in- 15. Trojano G, Damiani GR, Olivieri C, Villa M, Malvasi A, Alfonso R, et al.
completo da histerotomia, aderências precoces na parede VBAC: antenatal predictors of success. Acta Biomed. 2019;90(3):300-
9. doi: 10.23750/abm.v90i3.7623
uterina e predisposição genética também podem contri-
16. Kremer TG, Ghiorzi IB, Dibi RP. Isthmocele: an overview of diagnosis
buir para o desenvolvimento. Como não existem critérios and treatment. Rev Assoc Med Bras (1992). 2019;65(5):714-21. doi:
definitivos para o diagnóstico, vários métodos de imagem 10.1590/1806-9282.65.5.714

FEMINA 2022;50(9):568-71 | 571


ARTIGO DE REVISÃO
Alternativas aos
antibióticos na profilaxia
das infecções urinárias
recorrentes não
Descritores complicadas na mulher
Infecção recorrente do trato
urinário; Antimicrobiano; Infecção
do trato urinário; Cistite; Tratamento
Alternatives to antibiotics in
the prophylaxis of recurrent
Keywords
Recurrent urinary tract infections;
uncomplicated infections in women
Antimicrobials; Urinary tract
infection; Cystitis; Treatment Raquel Martins Arruda1, Matheus Pinto Catão Machado2, Marair Gracio Ferreira Sartori3

RESUMO
A infecção do trato urinário (ITU) é a doença bacteriana mais comum no sexo
feminino, e cerca de 25% a 30% das mulheres apresentam ITUs recorrentes ao
longo da vida. Os antibióticos são muito utilizados para o tratamento e prevenção
dessas infecções. Entretanto, o uso excessivo e indevido desses medicamentos,
além dos efeitos adversos, está relacionado ao surgimento de uropatógenos mul-
tirresistentes. Há um interesse crescente na comunidade científica para encontrar
alternativas ao uso de antibióticos para tratamento e/ou prevenção das infecções
Submetido: bacterianas. Esta revisão tem por objetivo discutir algumas dessas alternativas.
24/07/2022

Aceito: ABSTRACT
31/08/2022
Urinary tract infection (UTI) is the most common bacterial disease in fema-
les, and about 25% to 30% of women experience recurrent UTIs throughout
1. Instituto de Assistência Médica
their lives. Antibiotics are widely used standard for treating and preventing the-
ao Servidor Público Estadual de São
Paulo, São Paulo, SP, Brasil. se infections. However, the excessive and improper use of these drugs, in ad-
2. Hospital Estadual Vila Alpina, São dition to the adverse effects, is related to the emergence of multidrug-resis-
Paulo, SP, Brasil. tant uropathogens. There is a growing interest in the scientific community to
3. Escola Paulista de Medicina, find alternatives to the use of antibiotics for the treatment and/or prevention
Universidade Federal de São Paulo, of bacterial infections. This review aims to discuss some of these alternatives.
São Paulo, SP, Brasil.

Conflitos de interesse: INTRODUÇÃO


Nada a declarar. A infecção do trato urinário (ITU) é a doença bacteriana mais comum no sexo
feminino. Estima-se que quase metade de todas as mulheres apresentem pelo
Autor correspondente:
Raquel Martins Arruda
menos um episódio de ITU ao longo de sua vida reprodutiva, e esse número au-
Alameda dos Anapurus, 1.790/31,
menta para 60% na pós-menopausa.(1) Os custos anuais diretos e indiretos com
Indianópolis, 04087-007, São Paulo, a afecção, nos Estados Unidos, são de cerca de 2,4 a 3,5 bilhões de dólares.(2)
SP, Brasil A Associação Americana de Urologia (AUA), em seu guideline publicado em
raquel.arruda@yahoo.com.br 2019, define ITU recorrente como a ocorrência de pelo menos dois episódios
(sintomáticos e comprovados com urocultura) em um período de seis meses
Como citar: ou pelo menos três episódios em um ano, com resolução dos sintomas entre
Arruda RM, Machado MP, Sartori
tais eventos.(3) Estima-se que 25% a 30% das mulheres que apresentaram um
MG. Alternativas aos antibióticos na
profilaxia das infecções urinárias episódio de cistite ao longo da vida vão ter ITUs recorrentes.(4)
recorrentes não complicadas na Uma das estratégias para prevenção das ITUs recorrentes é a antibioticopro-
mulher. Femina. 2022;50(9):572-6. filaxia, que diminui de forma significativa o número de episódios em mulheres

572 | FEMINA 2022;50(9):572-6


Alternativas aos antibióticos na profilaxia das infecções urinárias recorrentes não complicadas na mulher
Alternatives to antibiotics in the prophylaxis of recurrent uncomplicated infections in women

na pré e na pós-menopausa, na comparação com place- comercializadas pertencem aos gêneros Lactobacillus e
bo.(3) Entretanto, o uso de antibióticos, além dos possí- Bifidobacterium.(12)
veis efeitos adversos, está relacionado ao surgimento de Os probióticos estão disponíveis comercialmente na
uropatógenos multirresistentes.(5) O surgimento de cepas forma de cápsulas, comprimidos, sachês, líquidos e em
multirresistentes se traduz, na prática clínica, na preocu- alimentos específicos, como iogurtes e barras nutritivas.
pação de que tais infecções possam ser intratáveis com os Tais produtos podem conter uma ou mais espécies e/ou
antibióticos atualmente disponíveis.(3,5) cepas.(12) Nos Estados Unidos, podem ser regulamenta-
A Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou, em dos como suplemento alimentar, ingrediente alimentar
2015, que o surgimento de bactérias resistentes aos an- ou medicamento. No Brasil, são considerados alimentos
tibióticos é um problema de saúde mundial que requer funcionais e, de acordo com a legislação vigente, devem
ações imediatas e publicou o Plano de Ação Global para ser registrados e aprovados pela Agência Nacional de
combater a resistência antimicrobiana.(6) Dessa forma, há Vigilância Sanitária (Anvisa).(13)
um interesse crescente na comunidade científica para en- Os benefícios atribuídos aos probióticos incluem a ma-
contrar alternativas ao uso de antibióticos para tratamen- nutenção da barreira mucosa e da homeostase da micro-
to e/ou prevenção das infecções bacterianas. Esta revisão biota, produção de metabólitos e moléculas que atuam
tem por objetivo discutir algumas dessas alternativas. como neurotransmissores, modulação da resposta imune
(sistêmica e local) e antagonismo da adesão de patógenos
INGESTA HÍDRICA aos tecidos do hospedeiro.(11,14)
Outro mecanismo proposto é a produção de ácidos or-
Acredita-se que o aumento da ingesta hídrica possa con- gânicos, biosurfactantes e de antibacterianos denomina-
tribuir para a prevenção das ITUs, principalmente por di- dos bacteriocinas. Ácidos orgânicos, em particular o ácido
minuir a concentração dos patógenos e de seus nutrientes acético e o ácido lático, penetram nas células, reduzindo
no trato urinário. Outro mecanismo proposto é a remoção o pH intracelular, o que pode levar à morte do patógeno.
mecânica das bactérias pela micção.(7) Entretanto, o papel Além disso, criam um microambiente que inibe a forma-
da hidratação na prevenção das ITUs recorrentes não está ção do biofilme bacteriano e diminui a liberação de cito-
bem estabelecido, e os resultados na literatura são con- cinas pró-inflamatórias.(11,15)
troversos.(8,9) Em estudo in vitro, 11 espécies de Lactobacillus foram
Adatto et al.(8) não observaram diferença na ingesta isoladas e testadas contra uropatógenos multirresistentes
hídrica em 84 mulheres na pré-menopausa com ITUs de a antibióticos (C. albicans, K. pneumoniae, P. aeroginosa,
repetição, na comparação com o grupo controle. Por sua E. coli e E. faecalis) e todas apresentaram zona de inibição
vez, em estudo que incluiu 791 mulheres com idades entre de crescimento superior a 10 mm contra os patógenos.
23 e 73 anos, os autores reportaram que aquelas com res- Os maiores efeitos foram observados com L. plantarum e
trição hídrica tiveram risco 2,21 maior de apresentar ITU, L. fermentum, com zona de inibição de crescimento maior
na comparação com as mulheres que não restringiram a que 28 mm.(16)
ingesta hídrica.(9) Outro estudo in vitro avaliou e comparou a atividade
Hooton et al.(10) publicaram o primeiro estudo randomi- antibacteriana de seis cepas de lactobacilos com a de an-
zado e controlado avaliando o aumento da ingesta hídrica tibióticos contra quatro espécies de bactérias isoladas da
na prevenção de episódios de ITU. Foram randomizadas urina de crianças com ITU. Os lactobacilos apresentaram
em dois grupos, 140 mulheres na pré-menopausa, com atividade antibacteriana moderada (e semelhante entre
história de ITUs recorrentes, e que ingeriam menos que si) contra os uropatógenos. A zona de inibição de cresci-
1,5 litro de água por dia: grupo “água” (deveriam aumentar mento aos patógenos induzida pelos lactobacilos foi me-
em 1,5 litro a ingesta de água) ou grupo controle (perma- nor que a dos antibióticos sensíveis, porém mais potente
neceriam com a ingesta hídrica habitual).(10) que a dos antibióticos resistentes (p < 0,05).(17)
Os autores observaram média de episódios de ITU em Os resultados na literatura são controversos. Em estu-
12 meses no grupo “água” de 1,7 versus 3,2 no grupo con- do prospectivo, randomizado, duplo-cego, placebo-con-
trole (p < 0,001). A média do intervalo entre os episódios trolado, que incluiu 100 mulheres na pré-menopausa, os
foi de 142,8 dias no grupo “água” e de 84,4 dias no grupo autores observaram diminuição significativa do risco de
controle (p < 0,001).(10) ITU no grupo tratado com óvulos vaginais contendo L. cris-
patus, na comparação com o grupo controle.(18) Por sua vez,
PROBIÓTICOS revisão sistemática seguida de metanálise não encontrou
diferença entre o grupo tratado com probióticos e o grupo
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e
placebo na diminuição dos episódios de ITU em mulheres
Agricultura (FAO) e a OMS definem probióticos como “mi-
na pré-menopausa.(19)
crorganismos vivos que, quando administrados em quan-
tidades adequadas, conferem um benefício à saúde do
hospedeiro”.(11) CRANBERRY
Atualmente existem quatro classes de probióticos: O cranberry, também conhecido como mirtilo vermelho,
bactérias produtoras de ácido lático (exemplo: lactoba- é uma fruta originária da América do Norte. Seu prin-
cillus e lactococcus), bifidobactérias, bactérias formado- cipal componente é a água (88%), além de ser rica em
ras de esporos (exemplo: bacillus) e leveduras (exemplo: vários grupos de flavonoides (antocianidinas e proanto-
Saccharomyces boulardii). As cepas mais comumente cianidinas), ácidos fenólicos, frutose, ácido ascórbico e

FEMINA 2022;50(9):572-6 | 573


Arruda RM, Machado MP, Sartori MG

benzoatos. É considerado um alimento funcional e pode Adicionalmente, pesquisadores reportaram que o es-
ser ingerido na forma de fruta (in natura ou desidratada), trogênio induz a expressão gênica de peptídeos antimi-
sucos, barras, geleias, extrato, cápsulas ou sachês.(20,21) crobianos e de proteínas das junções intercelulares. Esses
O consumo de cranberry tem sido associado à dimi- dois efeitos podem ajudar a impedir que bactérias alcan-
nuição da adesão de bactérias patogênicas ao trato uri- cem as camadas mais profundas do urotélio e desenvol-
nário. Acredita-se que a ligação das antocianidinas e das vam reservatórios que podem servir como um nicho para
proantocianidinas às fímbrias bacterianas do tipo P seja infecções recorrentes.(30)
o principal fator responsável por esse efeito inibitório.(20,21) Em estudo prospectivo, randomizado, placebo-contro-
Entretanto, tal mecanismo é questionado devido às evi- lado, os autores observaram que o estrogênio tópico foi
dências da pequena absorção desses flavonoides e ao superior ao placebo na prevenção de episódios de ITUs
extenso metabolismo deles pela microbiota intestinal.(21,22) em mulheres na pós-menopausa, com ITUs recorrentes.(31)
Por sua vez, Vasileiou et al.(23) relataram que os ácidos fe- Resultado semelhante já havia sido reportado na revisão
nólicos presentes no cranberry promovem a expressão Cochrane a respeito do tema, quando os autores concluí-
de genes na E. coli que diminui a formação de biofilmes ram que os estrogênios administrados por via oral não
bacterianos. reduziram a frequência de ITUs em mulheres na pós-me-
Outro mecanismo de ação proposto é a capacidade de nopausa, ao contrário dos estrogênios por via vaginal.(32)
certos componentes presentes no cranberry de reduzir o Os resultados na comparação com os antibióticos são
comprimento e a densidade das fímbrias da E. coli, mudar controversos. Em estudo duplo-cego, randomizado, que
a morfologia das bactérias e/ou estimular a produção das incluiu 171 mulheres na pós-menopausa, os autores com-
proteínas de Tamm-Horsfall pelo trato urinário, diminuin- pararam estriol via vaginal com nitrofurantoína 100 mg
do, assim, a capacidade de adesão ao urotélio.(21,24) ao dia na prevenção de episódios de ITU. Foi observado
Os resultados dos estudos clínicos são controversos.(25- número significativamente menor de episódios de ITU no
27)
Em revisão sistemática seguida de metanálise publicada grupo que recebeu antibiótico, em relação às pacientes
recentemente e que incluiu 23 estudos clínicos randomi- do grupo estrogênio.(33) Ao contrário, Xu et al.(34) relataram
zados e controlados, os pesquisadores reportaram que os incidência de ITU significativamente menor no grupo de
produtos derivados do cranberry reduziram em 32% o ris- mulheres que fez uso de estrogênios conjugados tópicos,
co relativo de ITUs em mulheres com ITUs recorrentes.(25) na comparação com as pacientes que receberam compri-
Tais resultados são semelhantes aos da revisão siste- midos via oral de ofloxacina 600 mg por dia (p < 0,001).
mática publicada pela Cochrane em 2008, que concluiu
que os produtos derivados do cranberry reduziram de IMUNOESTIMULANTES
forma significativa a ocorrência de ITUs em 12 meses, na
Acredita-se que os imunoestimulantes exerçam seus efei-
comparação com o grupo controle/placebo, em mulheres
tos por meio da ativação tanto do sistema imunológico
com ITUs recorrentes.(26) Entretanto, essa diferença não foi
inato quanto do adaptativo. Após sua administração, há
observada na versão dessa metanálise publicada em 2012,
ativação de células dendríticas, de neutrófilos e da ativi-
após a inclusão de dois ensaios clínicos adicionais.(27)
dade fagocitária dos macrófagos. Ocorre também estimu-
Os resultados na comparação com os antibióticos tam-
lação da atividade de linfócitos T e B, com consequente
bém são conflitantes. Em estudo prospectivo, duplo-cego
liberação de imunoglobulinas (especialmente IgA e IgG) e
e randomizado, que incluiu 137 mulheres na pós-meno-
produção de interferon e de interleucinas.(20)
pausa com ITUs recorrentes, os autores compararam a efi-
Um dos imunoestimulantes mais estudados é o OM-89.
cácia de cápsulas de cranberry (500 mg/dia) com cápsulas
Trata-se de lisado liofilizado de proteínas da membra-
de trimetoprima (100 mg/dia) na prevenção de ITUs, du-
na celular proveniente de 18 cepas diferentes de E. coli
rante seis meses de tratamento. Não houve diferença sig-
uropatogênicas, mortas pelo calor.(3,20) É provável que a
nificativa entre os grupos.(28) Por sua vez, também em es-
estimulação do sistema imunológico seja mediada por re-
tudo prospectivo, randomizado e duplo-cego, que incluiu
ceptores encontrados na membrana da maioria das bac-
221 mulheres na pré-menopausa com ITUs recorrentes, os
térias Gram-negativas, portanto o OM-89 pode ser eficaz
autores reportaram que a associação sulfametoxazol-tri-
contra várias espécies uropatogênicas, além da E. coli.(35)
metoprima foi significativamente mais eficaz que cápsu-
No Brasil, foi registrado na Anvisa em 2007 como imuno-
las de cranberry (1 g/dia) na prevenção das ITUs.(29)
modulador e está disponível na forma de cápsulas gelati-
nosas de 6 mg, administradas por via oral.(36)
ESTROGÊNIOS Em revisão sistemática publicada em 2018, os resulta-
O hipoestrogenismo tem sido associado à patogênese dos sugeriram que o OM-89 reduziu de forma significativa
das ITUs recorrentes em mulheres na pós-menopausa. os episódios de ITUs em pacientes com ITUs recorrentes,
A redução dos níveis de estrogênio promove mudanças na comparação com o placebo. As maiores taxas de redu-
na microbiota vaginal, especialmente com diminuição ção foram observadas no terceiro mês após o tratamento.
dos lactobacilos e aumento do pH, fatores que facilitam Não houve diferença em relação aos efeitos adversos.(37)
a colonização da vagina por enterobactérias uropatogê- Resultados semelhantes haviam sido reportados ante-
nicas, principais causadoras das ITUs em mulheres.(3,20) riormente. Em revisão sistemática e metanálise publicada
Além disso, o hipoestrogenismo contribui para alterações em 2013, que incluiu 891 participantes, os autores obser-
funcionais no trato urinário, como o aumento do volume varam redução média de 50% no número de episódios de
residual e a diminuição do fluxo urinário.(20,30) ITUs nos pacientes que tomaram OM-89, na comparação

574 | FEMINA 2022;50(9):572-6


Alternativas aos antibióticos na profilaxia das infecções urinárias recorrentes não complicadas na mulher
Alternatives to antibiotics in the prophylaxis of recurrent uncomplicated infections in women

com o grupo placebo, sem diferença dos efeitos adversos recorrentes (recomendação moderada, com nível de evi-
entre os grupos.(35) dência B), apesar de não haver aprovação da Anvisa para
essa indicação (são aprovados para tratamento da atrofia
DISCUSSÃO vaginal).(3,36,42)
As opções disponíveis no Brasil são estriol (1 mg/g cre-
As ITUs respondem por cerca de 10% a 25% do total de
me vaginal), promestrieno (10 mg/g creme vaginal ou 10
antibióticos prescritos.(38,39) Tais medicamentos continuam
mg cápsulas vaginais) e estradiol (10 mcg comprimidos
sendo importantes para o tratamento e prevenção dessas
infecções. Entretanto, seu uso excessivo e indevido contri- vaginais). Não há evidências que indiquem a superiori-
bui para os índices crescentes e preocupantes de uropa- dade de um tipo de estrogênio em relação ao outro.(3) Vale
tógenos multirresistentes.(6,40) ressaltar que mais estudos são necessários para avaliar
a eficácia e a segurança dos estrogênios vaginais a longo
O Centro Europeu para Controle e Prevenção de Doenças prazo, bem como para determinar qual a menor dosagem
estima um custo anual de 1,5 bilhão de dólares com a eficaz para a profilaxia das ITUs recorrentes.
saúde e perda de produtividade consequentes à resistên- A profilaxia com imunoestimulantes não é consenso na
cia bacteriana aos antibióticos, com hospitalizações mais literatura, uma vez que os estudos são heterogêneos e os
longas e aumento da mortalidade.(41) dados de acompanhamento a longo prazo são escassos.
Há, portanto, um interesse crescente na comunida- O OM-89 é recomendado na profilaxia das ITUs recorren-
de científica para encontrar alternativas ao uso de anti- tes pela Associação Europeia de Urologia (EAU) e pela
bióticos para tratamento e/ou prevenção das infecções Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e
bacterianas. Entretanto, atualmente, não há evidências Obstetrícia (Febrasgo)/Sociedade Brasileira de Urologia/
suficientes na literatura para se indicar a maioria des-
Sociedade Brasileira de Infectologia.(40,42) Não é recomen-
sas alternativas na prática clínica. Faltam estudos com-
dado pela AUA.(3)
parando tais tratamentos entre si e com a profilaxia com
antibióticos.
Diferentes medidas comportamentais costumam ser
CONCLUSÃO
recomendadas a para prevenção das ITUs: evitar roupas Os índices crescentes de uropatógenos multirresistentes
íntimas apertadas, urinar logo após a relação sexual, rea- são preocupantes, aumentando-se o interesse na pesqui-
lizar higiene no sentido anteroposterior, não postergar a sa por alternativas para tratamento e profilaxia das in-
micção e evitar duchas e tampões vaginais. Apesar de não fecções bacterianas. Entretanto, atualmente, não há evi-
haver evidências, é razoável sugerir tais estratégias, já que dências suficientes na literatura para se indicar a maioria
são seguras, não representam custo adicional e podem dessas alternativas na prática clínica.
ser eficazes em alguns casos.(3,20)
Também não há conclusões definitivas em relação ao REFERÊNCIAS
papel da ingesta hídrica na prevenção das ITUs. A maio- 1. Eriksson I, Gustafson Y, Fagersrtöm L, Olofsson B. Prevalence and
ria dos estudos é observacional e foi publicada há cerca factors associated with urinary tract infections (UTIs) in very
de 30 anos. A AUA ressalta que não há dados suficientes old women. Arch Gerontol Geriatr. 2010;50(2):132-5. doi: 10.1016/j.
para afirmar que o aumento da ingesta hídrica beneficie archger.2009.02.013

pacientes que já têm ingesta hídrica adequada ou baixo 2. American College of Obstetricians and Gynecologists. ACOG
Practice Bulletin No. 91: treatment of urinary tract infections in
risco para ITUs recorrentes.(3) nonpregnant women. Obstet Gynecol. 2008;111(3):785-94. doi:
Não há evidências até o momento para indicar os pro- 10.1097/AOG.0b013e318169f6ef
bióticos na profilaxia das ITUs recorrentes.(3,42) Apesar dos 3. Anger J, Lee U, Ackerman AL, Chou R, Chughtai B, Clemens JQ, et
benefícios teóricos em restaurar a microbiota vaginal, os al. Recurrent uncomplicated urinary tract infections in women:
resultados dos estudos permanecem controversos.(16-19) AUA/CUA/SUFU Guideline. J Urol. 2019;202(2):282-9. doi: 10.1097/
Uma questão central é a grande variedade de cepas uti- JU.0000000000000296
lizadas, uma vez que são diferentes genética e funcional- 4. Geerlings SE. Clinical presentations and epidemiology of urinary
tract infections. Microbiol Spectr. 2016;4(5):UTI-0002-2012. doi:
mente. Portanto, não se sabe qual é a cepa mais eficaz e
10.1128/microbiolspec.UTI-0002-2012
se a associação entre cepas diferentes aumenta ou dimi-
5. Costelloe C, Metcalfe C, Lovering A, Mant D, Hay AD. Effect of
nui a eficácia de cada uma delas isoladamente. As doses, antibiotic prescribing in primary care on antimicrobial resistance
vias de administração e tempo de tratamento também in individual patients: systematic review and meta-analysis.
não estão estabelecidos.(16-19) BMJ. 2010;340:c2096. doi: 10.1136/bmj.c2096
O cranberry, por sua vez, pode ser oferecido para pro- 6. World Health Organization. Antimicrobial resistance [Internet]. 2018
filaxia das ITUs recorrentes, como recomendação condi- [cited 2022 Jan 20]. Available from: https://www.who.int/health-
cional, com nível de evidência C, segundo o guideline da topics/antimicrobial-resistance
AUA.(3) Vale ressaltar, entretanto, que a concentração ideal 7. Tian Y, Cai X, Wazir R, Wang K, Li H. Water consumption and urinary
tract infections: an in vitro study. Int Urol Nephrol. 2016;48(6):949-
de proantocianidinas não está determinada, bem como a
54. doi: 10.1007/s11255-016-1262-7
dosagem, o tempo de tratamento e a biodisponibilidade
8. Adatto K, Doebele KG, Galland L, Granowetter L. Behavioral factors
das diferentes formas de apresentação (suco, comprimido and urinary tract infection. JAMA. 1979;241:2525-6. doi: 10.1001/
ou cápsula). jama.1979.03290490031020
Os estrogênios via vaginal devem ser indicados para 9. Nygaard I, Linder M. Thirst at work – an occupational hazard? Int
todas as mulheres na peri e na pós-menopausa com ITUs Urogynecol J. 1997;8(6):340-3. doi: 10.1007/BF02765593

FEMINA 2022;50(9):572-6 | 575


Arruda RM, Machado MP, Sartori MG

10. Hooton TM, Vecchio M, Iroz A, Tack I, Dornic Q, Seksek I, et al. Effect 27. Jepson RG, Williams G, Craig JC. Cranberries for preventing urinary
of increased daily water intake in premenopausal women with tract infections. Cochrane Database Syst Rev. 2012;(10):CD001321.
recurrent urinary tract infections. A randomized clinical trial. JAMA. doi: 10.1002/14651858.CD001321.pub5
2018;178(11):1509-15. doi: 10.1001/jamainternmed.2018.4204
28. McMurdo ME, Argo I, Phillips G, Daly F, Davey P. Cranberry or
11. Hill C, Guarner F, Reid G, Gibson GR, Merenstein DJ, Pot B, et trimethoprim for the prevention of recurrent urinary tract
al. Expert consensus document. The international scientific infections? A randomized controlled trial in older women. J
Association for Probiotics and Prebiotics consensus statement Antimicrob Chemother. 2009;63(2):389-95. doi: 10.1093/jac/dkn489
on the scope and appropriate use of the term probiotic. Nat
29. Beerepoot MA, ter Riet G, Nys S, van der Wal WM, de Borgie CA,
Rev Gastroenterol Hepatol. 2014;11(8):506-14. doi: 10.1038/
nrgastro.2014.66 de Reijke TM, et al. Cranberries vs. antibiotics to prevent urinary
tract infections: a randomized double-blind noninferiority trial in
12. Pyne DB, West NP, Cox AJ, Cripps AW. Probiotics supplementation premenopausal women. Arch Intern Med. 2011;171(14):1270-8. doi:
for athletes – clinical and physiological effects. Eur J Sport Sci. 10.1001/archinternmed.2011.306
2015;15(1):63-72. doi: 10.1080/17461391.2014.971879
30. Luthje P, Hirschberg AL, Brauner A. Estrogenic action on innate
13. Arora M, Baldi A. Regulatory categories of probiotics across
defense mechanisms in the urinary tract. Maturitas. 2014;77(1):32-6.
the globe: a review representing existing and recommended
doi: 10.1016/j.maturitas.2013.10.018
categorization. Indian J Med Microbiol. 2015;33 Suppl:2-10. doi:
10.4103/0255-0857.150868 31. Ferrante KL, Wasenda EJ, Jung CE, Adams-Piper ER, Lukacz ES.
Vaginal estrogen for the prevention of recurrent urinary tract
14. Duranti S, Ferrario C, van Sinderen D, Ventura M, Turroni F. Obesity
and microbiota: an example of an intricate relatioship. Genes Nutr. infection in postmenopausal women: a randomized clinical trial.
2017;12:18. doi: 10.1186/s12263-017-0566-2 Female Pelvic Med Reconstr Surg. 2021;27(2):112-7. doi: 10.1097/
SPV.0000000000000749
15. Barrons R, Tassone D. Use of Lactobacillus probiotics for
bacterial genitourinary infections in women: a review. Clin Ther. 32. Perrotta C, Aznar M, Mejia R, Albert X, Ng CW. Oestrogens for
2008;30(3):453-68. doi: 10.1016/j.clinthera.2008.03.013 preventing recurrent urinary tract infection in postmenopausal
women. Cochrane Database Syst Rev. 2008;(2):CD005131. doi:
16. Manzoor A, Ul-Haq I, Baig S, Qazi JI, Seratlic S. Efficacy of
10.1002/14651858.CD005131.pub2
locally isolated lactic acid bacteria against antibiotic-resistant
uropathogens. Jundishapur J Microbiol. 2016;9(1):e18952. doi: 33. Raz R, Colodner R, Rohana Y, Battino S, Rottensterich E, Wasser
10.5812/jjm.18952 I, et al. Effectiveness of estriol-containing vaginal pessaries and
17. Shim YH, Lee SJ, Lee JW. Antimicrobial activity of lactobacillus nitrofurantoin macrocrystal therapy in the prevention of recurrent
strains against uropathogen. Pediatr Int. 2016;58:1009-13. doi: urinary tract infection in postmenopausal women. Clin Infect Dis.
10.1111/ped.12949 2003;36(11):1362-8. doi: 10.1086/374341
18. Stapleton AE, Au-Yeung M, Hooton TM, Fredricks DN, Roberts PL, 34. Xu R, Wu Y, Hu Y. Prevention and treatment of recurrent urinary
Czaja CA, et al. Randomized, placebo-controlled phase 2 trial of a system infection with estrogen cream in postmenopausal women.
lactobacillus crispatus probiotic given intravaginally for prevention Zhonghua Fu Chan Ke Za Zhi. 2001;36(9):531-3.
of recurrent urinary tract infection. Clin Infect Dis. 2011;52(10):1212-7. 35. Beerepoot MA, Geerlings SE, van Haarst EP, van Charante NM,
doi: 10.1093/cid/cir183 ter Riet G. Nonantibiotic prophylaxis for recurrent urinary tract
19. Abdullatif VA, Sur RL, Eshaghian E, Gaura KA, Goldman B, infections: a systematic review and meta-analysis of randomized
Panchatsharam PK, et al. Efficacy of probiotics as prophylaxis for controlled trials. J Urol. 2013;190(6):1981-9. doi: 10.1016/j.
urinary tract infections in premenopausal women: a systematic juro.2013.04.142
review and meta-analysis. Cureus. 2021;13(10):e18843. doi: 10.7759/ 36. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
cureus.18843 Consulta a registro de medicamentos [Internet]. 2021 [cited 2022
20. Sihra N, Goodman A, Zakri R, Sahai A, Malde S. Nonantibiotic Feb 23]. Available from: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/sistemas/
prevention and management of recurrent urinary tract infection. consulta-a-registro-de-medicamentos
Nat Rev Urol. 2018;15(12):750-76. doi: 10.1038/s41585-018-0106-x
37. Aziminia N, Hadjipavlou M, Philippou Y, Pandian SS, Malde S,
21. González de Llano D, Moreno-Arribas MV, Bartolomé B. Cranberry Hammadeh MY. Vaccines for the prevention of recurrent urinary
polyphenols and prevention against urinary tract infections: tract infections: a systematic review. BJU Int. 2019;123(5):753-68. doi:
relevant considerations. Molecules. 2020;25(15):3523. doi: 10.3390/ 10.1111/bju.14606
molecules25153523
38. Petersen I, Hayward AC; SACAR Surveillance Subgroup. Antibacterial
22. Feliciano RP, Mills CE, Istas G, Heiss C, Rodriguez-Mateos A. prescribing in primary care. J Antimicrob Chemother. 2007;60 Suppl
Absorption, metabolism and excretion of cranberry (poly) 1:i43-7. doi: 10.1093/jac/dkm156
phenols in humans: a dose response study and assessment of
inter-individual variability. Nutrients. 2017;9(3):268. doi: 10.3390/ 39. Akkerman AE, Kuyvenhoven MM, Verheij TJ, van Dijk L. Antibiotics
nu9030268 in Dutch general practice: nationwide electronic GP database
and national reimbursement rates. Pharmacoepidemiol Drug Saf.
23. Vasileiou I, Katsargyris A, Theocharis S, Giaginis C. Current clinical
2008;17(4):378-83. doi: 10.1002/pds.1501
status on the preventive effects of cranberry consumption against
urinary tract infections. Nutr Res. 2013;33(8):595-607. doi: 10.1016/j. 40. Bonkat G, Bertoletti R, Bruyere F, Cai T, Geerlings SE, Köves B, et
nutres.2013.05.018 al. EAU guidelines on urological infections. Arnhem: European
24. Liu Y, Black MA, Caron L, Camesano TA. Role of cranberry juice on Association of Urology; 2022.
molecular-scale surface characteristics and adhesion behavior of 41. European Centre for Disease Prevention and Control. The bacterial
Escherichia coli. Biotechnol Bioeng. 2006;93(2):297-305. doi: 10.1002/ challenge: time to react. Stockholm: ECDC; 2009. (ECDC/EMEA Joint
bit.20675 Technical Report).
25. Xia JY, Yang C, Xu DF, Xia H, Yang LG, Sun GJ. Consumption of 42. de Rossi P, Cimerman S, Truzzi JC, Cunha CA, Mattar R, Martino MD,
cranberry as adjuvant therapy for urinary tract infections in et al. Joint report of SBI (Brazilian Society of Infectious Diseases),
susceptible populations: a systematic review and meta-analysis Febrasgo (Brazilian Federation of Gynecology and Obstetrics
with trial sequential analysis. PLoS One. 2021;16(9):e0256992. doi: Associations), SBU (Brazilian Society of Urology) and SBPC/ML
10.1371/journal.pone.0256992 (Brazilian Society of Clinical Pathology/Laboratory Medicine):
26. Jepson RG, Craig JC. Cranberries for preventing urinary tract recommendations for the clinical management of lower urinary
infections. Cochrane Database Syst Rev. 2008;(1):CD001321. doi: tract infections in pregnant and non-pregnant women. Braz J Infect
10.1002/14651858CD001321.pub4 Dis. 2020;24(2):110-9. doi: 10.1016/j.bjid.2020.04.002

576 | FEMINA 2022;50(9):572-6


CONGRESSO BRASILEIRO DE GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA

O congresso de todos os brasileiros


16–19/Nov, 2022 • Rio de Janeiro, RJ

INSCRIÇÕES ABERTAS
para o reencontro mais aguardado do ano!
Realização

Acesse o site e confira todas as


informações do evento Gerenciamento

www.cbgo2022.com.br

Você também pode gostar