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ISSN 0100-7254

Publicação oficial da Federação Brasileira das


Associações de Ginecologia e Obstetrícia
Volume 50, Número 1, 2022

Uso de
androgênios
nas diferentes
fases da vida:
climatério

Febrasgo POSITION STATEMENT

ENTREVISTA
Androgênio:
vilão ou mocinho?

DEFESA E VALORIZAÇÃO
PROFISSIONAL
Parto seguro e respeitoso:
visão da Febrasgo e do
Ministério da Saúde

CADERNO CIENTÍFICO | Febrasgo Position Statement e artigos aprovados pelas comissões da Febrasgo
As aulas gravadas ficarão disponíveis para todos os inscritos confirmados
no evento por 3 meses a partir de 15/12/2021 no site do evento, e após
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Garibalde Mortoza Junior Mário Dias Corrêa Júnior Walquíria Quida Salles Pereira Primo
Geraldo Duarte Mario Vicente Giordano Zuleide Aparecida Felix Cabral
EDITORIAL

F
emina inicia 2022 com o entusiasmo de recém-nascida!
Abre o ano com tema excitante e controvertido. Uso
de androgênios, basicamente da testosterona, nas mu-
lheres. Quando usar? Como? Qual dose? Como monitorar?
Os textos deste volume trazem clareza para esses e outros
questionamentos. A presidente da Comissão de Ginecologia
Endócrina da Febrasgo, Profª Benetti-Pinto, de Campinas, faz
introdução magistral ao assunto. Segue texto acerca da po-
sição da Febrasgo, elaborada pelos membros da Comissão
presidida pela professora de Campinas. O texto sintetiza cin-
co pontos-chave e faz dez recomendações úteis para nosso
exercício diário. A jornalista Letícia provoca ainda três es-
pecialistas em endocrinologia feminina, perguntando se o
androgênio é vilão ou mocinho. Considerando o espectro de
indicações, fica claro que pode vestir as duas faces. Cabe a
nós costurarmos o melhor para nossas pacientes.
Na seção Opinião do Especialista dois professores pau-
listas examinaram as evidências brasileiras acerca do papel
da vacina de HPV na prevenção ao câncer do colo do útero.
Eles destacam a estratégia de vacinação anual igualitária
nos dois gêneros na idade escolar e o sentimento de missão
cumprida. Passam o bastão aos gestores da saúde no país,
responsáveis pela continuidade do programa. Os residen-
tes–GO são premiados com textos educativos alicerçados em
casos clínicos, elaborados por três professores do Ceará. Re-
plicam aqui a beleza do ensino médico nesse modelo des-
de os primeiros anos de estudos! Novamente a Diretoria de
Defesa e Valorização Profissional da Febrasgo nos enobrece
com texto elegante e claro acerca do parto seguro e respei-
toso. O texto produzido merece ser multiplicado a todos os
rincões de nosso país, ou onde existir Obstetra cuidando de
gestantes!
Nosso Caderno Científico publica um artigo original, duas
revisões narrativas e relato de um caso clínico. O artigo ori-
ginal traça o perfil epidemiológico da mortalidade materna
na região de Carajás, no período de dez anos. Escrito por
professores da Universidade do Estado do Pará, inclui 10,6%
das mortes maternas ocorridas em todo o Estado, sendo as
mulheres caracterizadas por baixa escolaridade, solteiras e
atendidas em ambientes hospitalar. A neoplasia epitelial es-
camosa cervical de alto grau é novamente examinada em
revisão narrativa. O texto redigido por professor de Minas
Gerais é amplo, atualizado e irretocável! Outra revisão explo-
ra a relevância dos diferentes métodos contraceptivos com
o uso de tabela periódica. O texto é ilustrativo e de leitura
prazerosa. Caso clínico de dissecção espontânea da artéria
coronária em gestação gemelar do último trimestre, aten-
dido na Santa Casa de São Paulo, chama a atenção para a
dificuldade diagnóstica e a necessidade de valorizar os sin-
tomas de dor torácica nas gestantes.
Os editores de Femina refazem o agradecimento a todos
que colaboraram com a revista em 2021 e convida os autores
para o trabalho em 2022! Femina é cada vez mais a nossa
revista. Feita por vocês!

Boa leitura!
Sebastião Freitas de Medeiros
EDITOR
SUMÁRIO

8 Capa

Uso de
androgênios
6 Capa/Apresentação

Terapia de testosterona nas diferentes


para mulheres: ainda
há muitas perguntas a
fases da vida:
serem respondidas climatério
14 Entrevista

Androgênio: vilão
ou mocinho?
Publicação oficial da Federação Brasileira
das Associações de Ginecologia e Obstetrícia
Volume 50, Número 1, 2022

17 Opinião do Especialista

Vacinação contra HPV e rastreio


do câncer de colo uterino com
teste de alta sensibilidade:
evidências brasileiras

19 Federada

Sogimig
Nós por elas

20 Residência Médica
26 Caderno Científico

Discussão baseada ARTIGO ORIGINAL

em casos clínicos Perfil epidemiológico da


mortalidade materna na Região
de Carajás entre 2008 e 2018
24 Defesa e Valorização Profissional

Parto seguro
ARTIGOS DE REVISÃO

Neoplasia intraepitelial
e respeitoso:
escamosa cervical de alto grau:
visão da abordagem ambulatorial
Febrasgo e
do Ministério “Tabela Periódica” da
Anticoncepção – uma
da Saúde ferramenta na escolha
contraceptiva

RELATO DE CASO

Dissecção espontânea
da artéria coronária em
gestação gemelar no terceiro
trimestre: relato de caso
Terapia de testosterona para
mulheres: ainda há muitas
perguntas a serem respondidas
Cristina Laguna Benetti-Pinto1

N
os últimos anos, o papel biológico dos andro- 70-80 anos, os níveis séricos de androgênios representa-
gênios no organismo feminino tem despertado rão 10% a 20% dos níveis encontrados aos 30 anos. Nesse
crescente interesse. Mulheres em período repro- processo, a menopausa, por si só, não representa um mo-
dutivo e após a menopausa produzem androgênios que mento de acentuada queda androgênica.(1,2)
contribuem para a função ovariana, a função sexual, o A testosterona é o mais potente androgênio circu-
metabolismo ósseo, a cognição, entre outras ações. Há lante no organismo feminino, geralmente o mais do-
evidências de que seu excesso está implicado em de- sado e, recentemente, são vistas taxas crescentes de
sordens na saúde reprodutiva, porém têm crescido os prescrição com a justificativa de aliviar sintomas ad-
estudos com relação à sua deficiência. vindos de sua falta. A pergunta é: como caracterizar a
Os níveis de androgênios no organismo feminino va- deficiência androgênica nas mulheres? Quais as evi-
riam com a idade. Ovários e adrenais, além de mecanis- dências para seu uso?
mos de conversão periférica, são responsáveis pela pro- Sintomas de deficiência androgênica em diferentes
dução e manutenção dos níveis androgênicos circulantes. fases da vida são inespecíficos, sendo citadas queixas
Após um pico que ocorre entre os 18 e 24 anos de idade, de redução da excitação, das fantasias, do desejo e in-
inicia-se um lento declínio ainda durante o período re- teresse sexual, da sensação de bem-estar e da motiva-
produtivo, por volta dos 30 anos, de forma que, entre os ção. Também se mencionam rarefação e afilamento de
pelos pubianos, perda de massa muscular e óssea, além
de fadiga persistente e inexplicável. A maioria dessas
1. Departamento de Tocoginecologia, Faculdade de Ciências Médicas,
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil.
manifestações pode ser facilmente confundida com si-
nais de envelhecimento ou de sobrecarga com o ritmo
Conflitos de interesse: de vida. Também não se reconhece uma caracterização
Nada a declarar.
bioquímica para o diagnóstico de deficiência androgê-
Autor correspondente: nica. Com frequência, a dosagem de testosterona é feita
Cristina Laguna Benetti-Pinto
laguna@unicamp.br por meio de técnicas de baixa acurácia para os níveis
séricos femininos. Apesar de alguns laboratórios já uti-
*Este artigo é a versão em língua portuguesa do editorial
“Testosterone therapy for women: still many questions to be lizarem tecnologia mais recente e de melhor sensibili-
answered”, publicado na Rev Bras Ginecol Obstet. 2022;44(1):1-2. dade, permitindo novos questionamentos sobre níveis

6 | FEMINA 2022;50(1):6-7
Terapia de testosterona para mulheres: ainda há muitas perguntas a serem respondidas

normais ou reduzidos, a interpretação de tais resultados Dessa forma, embora o interesse pelo uso de andro-
ainda é controversa. Soma-se a isso o fato de que os gênios esteja em ascensão, ressaltamos que as evidên-
efeitos clínicos dos androgênios são tecido-específicos, cias robustas que possam nortear sua indicação não
e não necessariamente relacionados aos níveis séricos. crescem na mesma velocidade. Até que novas evidên-
Dessa forma, importantes sociedades mundiais se po- cias surjam, recomendamos aos médicos que individua-
sicionam contrárias ao uso de dosagens séricas andro- lizem suas escolhas, prescrevam androgênios com par-
gênicas como indicadoras de desordens decorrentes da cimônia, respeitando o conhecimento científico atual,
insuficiência de tais hormônios, em especial como pre- sempre utilizando doses fisiológicas, e orientem e dis-
ditoras de disfunção sexual.(1-3) cutam com suas pacientes quanto ao relativo desconhe-
Para reforçar esse fato, estudos com mulheres sub- cimento de riscos e benefícios do seu uso, em especial
metidas a ooforectomia bilateral e, portanto, com queda na sua segurança em longo prazo.
na produção androgênica não demonstraram correlação Muitas sociedades mundiais têm se manifestado
forte entre os níveis de testosterona pós-operatória e nessa direção. A Comissão Nacional Especializada em
função sexual. Considerando a dificuldade em caracte- Ginecologia Endócrina da Federação Brasileira das As-
rizar a sua deficiência, quando haveria indicação para a sociações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) reali-
prescrição de suplementação androgênica? zou extensa revisão de literatura e pontuou suas posi-
A maioria dos estudos que avaliam o uso da testos- ções sobre esse assunto tão discutível. Essas posições
terona tem sido conduzida em mulheres com queixas estão sendo publicadas em dois artigos, divididos de
sexuais. As evidências de que a função sexual feminina acordo com as recomendações para a fase reprodutiva
está associada à ação androgênica se baseiam, sobretu- da mulher ou para o climatério, com o objetivo de au-
do, em estudos que observaram melhora do transtorno xiliar os profissionais de saúde na tomada de decisão,
do desejo sexual hipoativo (TDSH) em mulheres na pós- seja para avaliação das pacientes, seja para indicação
-menopausa tratadas com testosterona concomitante da terapia androgênica, sua posologia e reavaliação
ou não ao uso de terapia hormonal convencional con- dos resultados.(8,9)
tendo estrogênio.(4)
Deve-se considerar que as disfunções sexuais femi-
ninas sofrem influência de inúmeras condições clíni- REFERÊNCIAS
cas, cirúrgicas, inter-relacionais e sociais. As alterações 1. Bachmann G, Bancroft J, Braunstein G, Burger H, Davis
S, Dennerstein L, et al. Female androgen insufficiency:
hormonais representam mais um desses fatores, de- the Princeton consensus statement on definition, classification,
vendo estar inseridas nesse contexto, e, embora a lite- and assessment. Fertil Steril. 2002;77(4):660-5. doi: 10.1016/s0015-
ratura nos traga evidências de melhora do TDSH com o 0282(02)02969-2
uso da testosterona em mulheres após a menopausa, 2. Vegunta S, Kling JM, Kapoor E. Androgen therapy in women.
J Womens Health (Larchmt). 2020;29(1):57-64. doi: 10.1089/
os níveis séricos androgênicos não têm sido indicados
jwh.2018.7494
como preditores de boa ou má resposta. Dados da li-
3. Davis SR, Baber R, Panay N, Bitzer J, Perez SC, Islam RM, et al. Global
teratura mostraram que mulheres após a menopausa consensus position statement on the use of testosterone therapy
que receberam testosterona melhoraram seu escore de for women. J Clin Endocrinol Metab. 2019;104(10):4660-6. doi:
função sexual, porém com apenas um leve aumento no 10.1210/jc.2019-01603
número de episódios sexuais satisfatórios. Da mesma 4. Parish SJ, Simon JA, Davis SR, Giraldi A, Goldstein I, Goldstein SW,
et al. International Society for the Study of Women’s Sexual Health
forma, a reposição de testosterona mostrou-se efetiva Clinical Practice Guideline for the use of systemic testosterone
em mulheres submetidas a ooforectomia bilateral. As- for hypoactive sexual desire disorder in women. J Sex Med.
sim, mulheres com TDSH, após excluídas outras causas, 2021;18(5):849-67. doi: 10.1016/j.jsxm.2020.10.009
representam a indicação mais aceita para suplementa- 5. Somboonporn W, Davis S, Seif MW, Bell R. Testosterone for
ção de testosterona.(3-6) peri- and postmenopausal women. Cochrane Database Syst Rev.
2005;(4):CD004509. doi: 10.1002/14651858.CD004509.pub2
Outras discutíveis indicações para o uso de testos-
6. Wierman ME, Arlt W, Basson R, Davis SR, Miller KK, Murad MH, et al.
terona são para promoção de bem-estar, humor e cog- Androgen therapy in women: a reappraisal: an Endocrine Society
nição. Para todas, em mulheres na pós-menopausa, as clinical practice guideline. J Clin Endocrinol Metab. 2014;99(10):3489-
evidências são insuficientes para apontar melhora. Nes- 510. doi: 10.1210/jc.2014-2260
se mesmo grupo de mulheres, os estudos também não 7. Islam RM, Bell RJ, Green S, Page MJ, Davis SR. Safety and efficacy
suportam o uso de testosterona em doses fisiológicas of testosterone for women: a systematic review and meta-analysis
of randomized controlled trial data. Lancet Diabetes Endocrinol.
com o objetivo de produzir efeitos benéficos sobre a 2019;7(10):754-66. doi: 10.1016/S2213-8587(19)30189-5
massa óssea, a distribuição de gordura corporal, a força 8. Nácul AP, Rezende GP, Gomes DA, Maranhão T, Costa LO, Reis FM,
muscular ou a composição corporal.(3) et al. FEBRASGO Position Statement, No. 11: Use of androgens
Os benefícios da reposição androgênica em mulhe- at different stages of life: reproductive period. Rev Bras Ginecol
Obstet. 2021;43(12):988-93. doi: 10.1055/s-0041-1740610
res durante o período reprodutivo também não são
9. Nácul AP, Rezende GP, Gomes DA, Maranhão T, Costa LO, Reis FM,
conclusivamente demonstrados, com aceitação diver-
et al. FEBRASGO Position Statement, No. 1: Use of androgens at
gente entre sociedades mundiais em caso de TDSH different stages of life: climacterium. Rev Bras Ginecol Obstet.
bem caracterizado.(4,7) 2022;44(1):83-8. DOI: https://doi.org/10.1055/s-0041-1740936

FEMINA 2022;50(1):6-7 | 7
FEBRASGO POSITION STATEMENT

Uso de androgênios nas diferentes


fases da vida: climatério
Número 1 – Janeiro 2022
A Comissão Nacional Especializada em Ginecologia Endócrina da Federação Brasileira das Associações de
Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) referenda este documento. A produção do conteúdo baseia-se em evidências
científicas sobre a temática proposta, e os resultados apresentados contribuem para a prática clínica.

PONTOS-CHAVE
• A disfunção sexual feminina (DSF) inclui transtornos do desejo sexual hipoativo (TDSH) e excitação
sexual, transtornos do orgasmo e transtorno de dor genitopélvica e desordens na penetração
vaginal.
• A DSF acomete em torno de 45% das mulheres, sendo a maioria delas pós-menopáusicas.
• A síndrome geniturinária da menopausa (SGM) inclui sinais e sintomas relacionados à atrofia do
trato genital e predispõe a infecções vaginais e/ou urinárias, além de interferir no desempenho
sexual da mulher.
• Existe um declínio da função cognitiva na pós-menopausa, e estrogênios e androgênios parecem
influenciar de forma independente a atividade cognitiva.
• A caracterização de deficiência androgênica após a menopausa, bem como a prescrição de terapia
androgênica, é um tema ainda controverso.

RECOMENDAÇÕES
• Não se recomenda estabelecer o diagnóstico de insuficiência androgênica baseado em
concentrações baixas de androgênios séricos.
• Os androgênios são indicados para o tratamento da DSF, porém, até o presente momento, não
há nenhuma terapia androgênica específica aprovada pelo Food and Drug Administration (FDA),
sendo os dados insuficientes para assegurar eficácia e segurança a longo prazo.
• As pacientes devem ser orientadas quanto à escassez de estudos de segurança a longo prazo. A
curto prazo, os eventos adversos mais relatados são aumento de crescimento de pelos no local da
aplicação e acne.
• Doses fisiológicas de testosterona transdérmica, associadas ou não a estrogenioterapia, são
efetivas para o tratamento de TDSH em mulheres após a menopausa, porém não há formulações
disponíveis em nosso país, até o momento.
• Testosterona em gel, formulada em farmácias magistrais, pode ser considerada uma opção
terapêutica para o TDSH, em mulheres na pós-menopausa, por ser a única forma de tratamento
medicamentoso com testosterona natural disponível até o presente momento.
• Recomenda-se dosar testosterona antes de iniciar o tratamento e após três a seis semanas de
uso, para evitar níveis suprafisiológicos, além de monitorar o aparecimento de potenciais efeitos
de excesso de androgênios.
• Se não houver melhora satisfatória do TDSH em até seis meses de uso da testosterona, o tratamento
deve ser suspenso. Não há dados sobre a segurança do tratamento após dois anos de uso.
• A DHEA via vaginal foi aprovada recentemente pelo FDA [prasterone (Intrarosa)] para o tratamento
da síndrome geniturinária da menopausa, embora não esteja disponível no Brasil, até o presente
momento. Tem mostrado efetividade no tratamento da dispareunia por atrofia da mucosa vaginal.
• Não há evidência para recomendação do uso de androgênios para retardar o declínio cognitivo.
• Em vista da escassez de estudos mais consistentes, não se recomenda o tratamento com
androgênios para melhorar a massa óssea na pós-menopausa.

8 | FEMINA 2022;50(1):8-13
Uso de androgênios nas diferentes fases da vida: climatério

CONTEXTO CLÍNICO continuidade do uso de adesivos de testosterona por


A disfunção sexual feminina (DSF) engloba o transtorno falta de evidências de segurança a longo prazo.
do desejo sexual hipoativo (TDSH), definido como au-
sência ou falta recorrente de fantasias e do desejo de Testosterona transdérmica – Gel ou cremes
ter relações sexuais, associada a acentuado sofrimento Não há preparações de testosterona em gel, em doses
ou dificuldades interpessoais, não explicado por outro adequadas para a mulher climatérica, para tratamento da
transtorno mental ou físico, condição médica ou asse- DSF aprovadas pelo FDA ou agências regulatórias de ou-
xualidade, e o transtorno da excitação sexual femini- tros países, exceto a Austrália, que dispõe da testosterona
na, atualmente considerados uma única categoria, de a 1% em creme, em doses que mantêm níveis plasmáti-
acordo com o DSM-5 (5ª edição do Manual Diagnóstico cos de testosterona nos limites fisiológicos da pré-me-
e Estatístico de Transtornos Mentais da American nopausa (Androfeme® 1, 0,5 g/dia), sendo raros os efeitos
Psychiatric Association).(1) Dispareunia e vaginismo, en- de excesso de androgênios. A testosterona em gel a 1%
globados, atualmente, na categoria dor genitopélvica (Libigel®), testada nos EUA, não mostrou melhora da DSF
e desordens na penetração vaginal, também são con- durante a fase 3 de um grande ensaio clínico e foi des-
dições que fazem parte da DSF.(1) Considerando que a continuada pelo FDA.(1) A testosterona aprovada para o
maioria dos estudos que avaliam o uso da testosterona tratamento do hipogonadismo masculino, incluindo inje-
na DSF tem sido conduzida em mulheres com TDSH, as ções, implantes subcutâneos e gel, é fortemente reprova-
novas categorias diagnósticas não têm sido validadas da para uso em mulheres climatéricas. Como os níveis de
em estudos clínicos, assim como não são uniformemen- testosterona na mulher representam, aproximadamente,
te aceitas por experts da área.(1) Dessa forma, as evidên- 10% dos níveis masculinos, há risco significativo de doses
cias de que a função sexual (FS) feminina está associada suprafisiológicas de testosterona, com efeitos adversos,
à ação androgênica se baseiam, sobretudo, em estudos alguns irreversíveis.(6) Como alternativa, tem sido utiliza-
que observaram melhora do TDSH em mulheres na pós- da a testosterona a 1%, preparada em farmácias de ma-
-menopausa tratadas com testosterona.(2-5) nipulação, em creme ou gel de alta absorção, para uso
transdérmico com efeito sistêmico. A dose recomenda-
QUAIS AS EVIDÊNCIAS PARA AS DIFERENTES da é de 0,5 g de gel ou creme por dia, o equivalente a
FORMAS DE TERAPIA ANDROGÊNICA 5 mg por dia de testosterona. Deve ser aplicada na face
NO TRATAMENTO DA DSF? interna da coxa, nádegas ou no baixo ventre, e não nos
Há consenso de que a DSF seja multifatorial com influên- braços ou tronco, evitando o sistema linfático na região
cia de inúmeras condições clínicas, cirúrgicas, inter-rela- das mamas. Recomenda-se a lavagem das mãos após a
cionais e psicossociais, entre elas as alterações hormo- aplicação para prevenir a transferência do produto para
nais decorrentes da insuficiência ovariana no período do outras pessoas. Não há aprovação pelo FDA ou pelos ór-
climatério.(6,7) O declínio da produção androgênica coinci- gãos regulatórios do Brasil, dificultando a avaliação e a
de com a redução das fantasias e motivação sexuais, em comprovação das propriedades farmacocinéticas e far-
mulheres na pós-menopausa, sugerindo uma correlação macodinâmicas das drogas manipuladas. Dessa forma,
com comportamento sexual disfuncional.(7) Apesar de o é possível haver variabilidade nos níveis plasmáticos da
uso da testosterona no tratamento do desejo sexual hi- substância ativa entre os lotes do produto.(11) Além disso,
poativo ter respaldo da Endocrine Society(6) e do American outras variáveis podem interferir na absorção das prepa-
College of Obstetricians and Gynecologists,(8) até o pre- rações manipuladas, que não são seguramente padroni-
sente momento não há nenhuma terapia androgênica zadas, como a utilização de vários veículos de liberação
específica para o tratamento da DSF aprovada pelo Food da substância ativa (cremes, gel, meio alcoólico), o local
and Drug Administration (FDA). do corpo e a área de superfície corporal para a medica-
ção ser aplicada.(11) Assim, a eficácia e os efeitos adversos
Testosterona transdérmica – Adesivos das preparações manipuladas não podem ser completa-
A testosterona transdérmica tem sido a mais estudada. mente antecipadas. Outro aspecto relevante é que a pro-
Evidências com elevado grau de recomendação mostra- dução e o consumo dos hormônios manipulados não são
ram que o uso de 150 a 300 mcg de testosterona trans- submetidos a sistemática farmacovigilância e notificação
dérmica, para tratamento do TDSH, em mulheres com de efeitos adversos, criando a equivocada interpretação
menopausa natural ou cirúrgica, associada ou não a de que os hormônios manipulados são mais seguros.
estrogenioterapia, melhora o desejo sexual, a satisfa- Apesar das restrições quanto à segurança, a testosterona
ção sexual e a frequência de relações e orgasmos.(2-5,9,10) manipulada em gel ou creme pode ser considerada para
Entretanto, as evidências quanto à segurança e à eficá- o tratamento do TDSH, pois é a única forma disponível da
cia a longo prazo são limitadas. Na maioria dos estudos, testosterona natural para uso transdérmico.
o tempo de uso não foi superior a seis meses. O adesivo, Algumas recomendações são sugeridas para prescri-
a forma transdérmica mais estudada na literatura, não ção e acompanhamento do tratamento com testostero-
está disponível no nosso país. Ainda, o FDA reprovou a na manipulada:(1,6,12)

FEMINA 2022;50(1):8-13 | 9
Nácul AP, Rezende GP, Gomes DA, Maranhão T, Costa LO, Reis FM, et al.

• Indicação para mulheres na pós-menopausa com buspirona ou ao sildenafila e a testosterona de aplica-


diagnóstico preciso de TDSH, sem contraindicações ção nasal, mas com poucos resultados promissores.(1)
ao uso de terapia hormonal, associada ou não à
terapia estroprogestativa. DHEA
• Prescrever testosterona a 1%, formulada em gel O uso sistêmico da DHEA para tratamento do desejo se-
de alta absorção (por exemplo, Pentravan), para xual hipoativo na mulher na pós-menopausa não tem
uso transdérmico, na dose de 0,5 g de gel por eficácia comprovada.(15) Além disso, as sociedades de
dia, por três a seis meses. Como sugestão para endocrinologia não recomendam o uso, pela falta de
prescrição, recomenda-se prescrever testosterona evidências em relação à segurança a longo prazo.(16) A
5 mg por mL em frasco dosador contendo 30 mL, reposição com DHEA é recomendada para mulheres com
com liberação de 1 mL por dia. Essa dose pode insuficiência adrenal com DSF e baixos níveis plasmáti-
ser individualizada com variação entre 1 e 5 mg. cos de DHEA, com doses iniciais entre 25 e 50 mg por dia
Se houver melhora, reforçar à paciente que não por um período de três a seis meses e ajustes da dose
de acordo com os níveis circulantes de DHEA e sintomas
há evidências de eficácia e segurança no uso por
clínicos. Na ausência de resultado terapêutico satisfa-
tempo maior que 24 meses.
tório ou presença de efeitos adversos, a terapia deve
• Dosar testosterona antes de iniciar, após três ser suspensa.(6) A DHEA (25 a 50 mg por dia) é comer-
a seis semanas de uso e enquanto durar o cializada nos EUA como suplemento dietético, embora
tratamento, para evitar níveis plasmáticos altas doses possam induzir a efeitos androgênicos como
suprafisiológicos, e monitorar o aparecimento de hirsutismo e acne. Como os suplementos habitualmente
sinais clínicos de hiperandrogenismo, porque a recebem uma vigilância regulatória mínima, as apresen-
resposta clínica nem sempre se correlaciona com tações disponíveis podem variar na qualidade, pureza e
os níveis plasmáticos de testosterona.(1,12) concentrações.(17)
• Na presença de resultado terapêutico satisfatório,
manter a avaliação clínica e laboratorial, descritas QUAIS OS EFEITOS COLATERAIS ASSOCIADOS
acima, a cada três a seis meses. AO USO DE TESTOSTERONA TRANSDÉRMICA
• Suspender o tratamento quando não for observada EM DOSE CONSIDERADA FISIOLÓGICA?
melhora da DSF após seis meses de uso. Os principais efeitos adversos associados ao uso da tes-
tosterona transdérmica na pós-menopausa, em doses
Testosterona em implantes subdérmicos fisiológicas, são acne e hirsutismo leves e, raramente,
A testosterona em implantes subdérmicos deve ser evi- alopecia, engrossamento da voz ou clitoromegalia.(12) Em
tada por causa do potencial de efeitos adversos pela doses fisiológicas, não tem se associado a significativos
prolongada exposição às doses elevadas de testoste- efeitos no perfil lipídico e nos níveis de pressão arterial,
rona, sobretudo nos implantes biodegradáveis que não glicemia e hemoglobina glicada. Tendência ao aumento
podem ser retirados do local de aplicação.(13) Não são do risco de trombose venosa profunda tem sido obser-
disponíveis no Brasil, a não ser em laboratórios de ma- vada, embora o efeito da estrogenioterapia, habitual-
nipulação, não aprovados pelas agências regulatórias.(14) mente associada nos esquemas de terapia hormonal,
não possa ser excluído. Não há dados suficientes para
Testosterona oral avaliar os efeitos da terapia com testosterona no risco
A testosterona via oral (por exemplo, metiltestosterona) não de doenças coronarianas.(18) Anormalidades endome-
é recomendada, por causa da elevada potência biológica, triais não foram encontradas após 12 meses de uso de
potencial risco de efeitos adversos e hepatotoxicidade.(1,8) adesivos de testosterona transdérmica. Nas pacientes
que sangraram durante o tratamento, o histopatológico
Testosterona intramuscular revelou endométrio atrófico.(9) O adesivo de testostero-
A testosterona de administração intramuscular não é re- na transdérmica, em doses fisiológicas, por um tempo
comendada, por causa dos níveis plasmáticos frequen- não superior a seis meses, não se associou ao aumento
temente suprafisiológicos e efeitos colaterais importan- da densidade mamária mamográfica ou risco de câncer
tes, alguns irreversíveis.(8) de mama. Dados atuais são insuficientes para assegurar
a ausência de risco a longo prazo. Não se recomenda o
Testosterona vaginal uso da testosterona em mulheres com câncer de mama
O uso da testosterona via vaginal, avaliado em estudos com receptores hormonais presentes.(18)
com pequena casuística e poucas semanas de acompa-
nhamento, não tem, ainda, eficácia e segurança compro- HÁ INDICAÇÃO PARA O USO DE
vadas.(8) Ensaios clínicos de fase 2 têm avaliado novas ANDROGÊNIOS NA SGM?
apresentações de testosterona isolada ou associada A reposição estrogênica se constituiu no principal meio
a outras drogas, como a testosterona oral associada a de tratamento, sendo considerado o padrão-ouro para

10 | FEMINA 2022;50(1):8-13
Uso de androgênios nas diferentes fases da vida: climatério

tratar a SGM.(19,20) Receptores estrogênicos e androgê- como nos testes de memória.(29) No entanto, outros estu-
nicos e proteínas dependentes de androgênios estão dos com SDHEA não mostraram resultados positivos.(30)
distribuídos no trato geniturinário feminino e exercem Assim, as avaliações da função cognitiva com a terapêu-
efeito trófico.(20) A redução progressiva da produção an- tica androgênica na mulher na pós-menopausa apre-
drogênica constitui um fator adicional ao aparecimento sentam resultados sem consistência, geralmente em
dos sinais e sintomas da SGM.(15,16,20) pequenas amostras populacionais, por curto intervalo
O uso da testosterona intravaginal, na dose de 300 de tempo e com utilização de doses que se expressam
mcg de testosterona, diariamente, durante quatro se- em níveis plasmáticos androgênicos suprafisiológicos.
manas, mostrou-se eficaz na restauração do epitélio Dessa forma, não existem evidências suficientes para
vaginal, na redução dos sintomas de atrofia vaginal e apoiar o emprego de androgênios com a finalidade de
da dispareunia e na melhora da libido, sem elevação retardar o declínio da ação cognitiva da pós-menopausa.
dos níveis séricos, nem sinais clínicos de hiperandroge-
nismo.(21,22) Entretanto, até o presente momento, não há HÁ EVIDÊNCIAS PARA INDICAR
segurança e eficácia comprovadas para a recomendação ANDROGENIOTERAPIA NESSE PERÍODO DA
de testosterona intravaginal na SGM da pós-menopausa. VIDA, CONSIDERANDO SEUS EFEITOS SOBRE
A DHEA (6,5 mg) na forma de óvulos vaginais foi apro-
O SISTEMA MUSCULOESQUELÉTICO?
vada recentemente pelo FDA [prasterona (Intrarosa®)]
A deficiência estrogênica representa um importante fa-
para o tratamento da SGM, embora ainda não esteja
tor de risco para a osteoporose. Estudos prévios mos-
disponível no Brasil.(1) Apesar de um mecanismo de con-
tram que os androgênios desempenham papel de realce
versão, pelas células vaginais, da DHEA em estrogênio e
na formação da massa óssea.(31) No entanto, na pós-me-
testosterona,(17) os níveis plasmáticos de estradiol, DHEA,
nopausa, não é completamente reconhecido o papel da
testosterona ou androstenediona possivelmente não se
testosterona na preservação da massa óssea. Estudo de
alteram após a administração vaginal de DHEA, não sen-
mulheres na pós-menopausa tardia mostrou correlação
do necessária a monitorização laboratorial.(23) Os efeitos
entre os androgênios circulantes e a densidade mineral
da DHEA via vaginal não têm sido estudados em mu-
óssea trabecular e cortical.(32) Investigações sobre o efei-
lheres com história de câncer de mama, nem em outras
to dos androgênios no sistema ósseo, entretanto, não
neoplasias estrógeno-dependentes. Não está indicada
são frequentes e, quando existentes, utilizam pequenas
para tratamento de TDSH nem de outros domínios das
doses hormonais por pouco tempo. Poucos estudos
disfunções sexuais.(24) Concluindo, os androgênios pare-
avaliaram a influência dos androgênios sobre a frequên-
cem contribuir, independentemente, para a manutenção
cia de fraturas na pós-menopausa. Na insuficiência ova-
da estrutura e função do tecido geniturinário. Os efeitos
riana prematura, a inclusão de androgênios na terapia
dos androgênios na proliferação celular, turnover de co-
de reposição estrogênica não mostrou aumento signi-
lágeno, aumento da perfusão e síntese de neurotrans-
ficativo na massa óssea, em comparação com a terapia
missores podem complementar a ação estrogênica.(16)
estrogênica isolada.(33) Na menopausa cirúrgica, o uso de
metiltestosterona 2,5 mg por dia associado aos estrogê-
A ANDROGENIOTERAPIA TEM INDICAÇÃO nios mostrou aumento significativo da massa óssea no
PARA MELHORA DA FUNÇÃO COGNITIVA? quadril e coluna lombar.(34) Os efeitos androgênicos (T
Mulheres na pós-menopausa em uso de testosterona e DHEA) sobre o sistema musculoesquelético são inde-
injetável e estrogênio mostraram melhora na memória finidos, porque os estudos são raros e com limitações
verbal, sugerindo que efeitos independentes do estro- metodológicas. Os estudos disponíveis, portanto, não
gênio e da testosterona seriam neuroprotetores.(25) Além são suficientes para indicar a androgenioterapia nas al-
de ação neuroprotetora, também se demonstrou ação terações musculoesqueléticas da pós-menopausa.
endotelial positiva da testosterona, promovendo vaso-
dilatação arterial.(26) Entretanto, em outro ensaio clíni- CONSIDERAÇÕES FINAIS
co com utilização de undecanoato de testosterona via O uso de androgênios em mulheres na pós-menopau-
oral, obteve-se resposta negativa para a memória verbal sa é limitado e as evidências são favoráveis ao seu uso
imediata.(27) O uso de estrogênio mais metiltestostero- para o tratamento do desejo hipoativo. Faltam evidên-
na resultou em melhor desempenho de construção de cias que embasem outras indicações.
memória, comparado ao uso do estrogênio isolado.(28)
No entanto, os resultados divergentes entre os estu- REFERÊNCIAS
dos não permitem conclusões definitivas. O sulfato de 1. Vegunta S, Kling JM, Kapoor E. Androgen therapy in women.
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FEMINA 2022;50(1):8-13 | 11
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18. Islam RM, Bell RJ, Green S, Page MJ, Davis SR. Safety and efficacy LJ. Comparison of oral estrogens and estrogens plus androgen on
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12 | FEMINA 2022;50(1):8-13
Uso de androgênios nas diferentes fases da vida: climatério

Como citar: Comissão Nacional Especializada em Ginecologia Endócrina


Nácul AP, Rezende GP, Gomes DA, Maranhão T, Costa LO, Reis da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e
FM, et al. Uso de androgênios nas diferentes fases da vida: Obstetrícia (Febrasgo)
climatério. Femina. 2022;50(1):8-13.
Presidente:
*Este artigo é a versão em língua portuguesa do trabalho “Use of Cristina Laguna Benetti Pinto
androgens at different stages of life: climacterium”, publicado na
Rev Bras Ginecol Obstet. 2022;44(1):83-8. Vice-presidente:
Ana Carolina Japur de Sá Rosa e Silva

Andrea Prestes Nácul Secretário:


Unidade de Reprodução Humana, Hospital Fêmina, Grupo José Maria Soares Júnior
Hospitalar Conceição, Porto Alegre, RS, Brasil.
Membros:
Gabriela Pravatta Rezende Andrea Prestes Nácul
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil. Daniela Angerame Yela
Fernando Marcos dos Reis
Daniela Angerame Yela Gomes
Gabriela Pravatta Rezende
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil. Gustavo Arantes Rosa Maciel
Técia Maranhão Gustavo Mafaldo Soares
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil. Laura Olinda Rezende Bregieiro Costa
Lia Cruz Vaz da Costa Damásio
Laura Olinda Bregieiro Fernandes Costa Maria Candida Pinheiro Baracat Rezende
Universidade de Pernambuco, Recife, PE, Brasil. Sebastião Freitas de Medeiros
Fernando Marcos dos Reis Tecia Maria de Oliveira Maranhão
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil. Vinicius Medina Lopes

Gustavo Arantes Rosa Maciel


Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP,
Brasil.
Lia Cruz Vaz da Costa Damásio
Universidade Federal do Piauí, Teresina, PI, Brasil.
Ana Carolina Japur de Sá Rosa e Silva
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Ribeirão Preto, SP, Brasil.
Vinicius Medina Lopes
Universidade de Brasília, Brasília DF, Brasil.
Maria Cândida Baracat
Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP,
Brasil.
Gustavo Mafaldo Soares
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil.
José Maria Soares Junior
Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP,
Brasil.
Cristina Laguna Benetti-Pinto
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil.

Conflito de interesses: nada a declarar.

FEMINA 2022;50(1):8-13 | 13
ENTREVISTA

Androgênio:
vilão ou
mocinho?
CNE de Ginecologia Endócrina
alerta para o uso indiscriminado do
hormônio e aumento de prescrição
sem segurança comprovada em
alguns casos
Por Letícia Martins

N
os últimos anos, o uso de androgênios vem sen- responsável técnica da Unidade de Reprodução Humana do
do amplamente comentado tanto entre o públi- Hospital Fêmina e preceptora da Residência Médica em Gi-
co leigo quanto entre os profissionais de saúde. necologia e Obstetrícia do Hospital Fêmina, ambos do Grupo
O hormônio não só tem sido assunto em pauta, como Hospitalar Conceição (GHC), em Porto Alegre (RS).
também a prescrição está cada vez mais frequente. Mas A presidente da CNE de Ginecologia Endócrina, Dra. Cris-
tina Laguna Benetti, confirma: “É importante esclarecer que
para entendermos os possíveis benefícios e os riscos
não há indicação do uso de androgênios para mulheres
deles para a saúde, especialmente das mulheres, pre- jovens, seja para fins estéticos, de emagrecimento ou para
cisamos perguntar: por que o holofote agora mira esse hipertrofia muscular, porque o uso em doses acima do fi-
grupo de hormônios? siológico trará efeitos indesejáveis”.
Uma das principais explicações está na busca por resul-
tados estéticos no curto prazo. A Dra. Gabriela Pravatta Re-
DISFUNÇÕES SEXUAIS
zende, membro da Comissão Nacional Especializada (CNE)
em Ginecologia Endócrina da Federação Brasileira das As- Outro motivo que explica o interesse pelos androgênios
sociações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), observa está relacionado a disfunções sexuais. De acordo com a
que o culto exagerado ao corpo perfeito tem levado muitas Dra. Gabriela, muitas mulheres apresentam desejo se-
pessoas a abusarem de diversas substâncias que trazem xual hipoativo, déficit de lubrificação e diminuição de
uma promessa de melhora da imagem corporal e do de- estímulo sexual e vinculam o problema a uma possível
sempenho físico, de ganho de massa muscular e redução deficiência hormonal. Ela esclarece que, embora os dé-
de massa gorda. “Os esteroides anabolizantes androgêni- ficits hormonais possam contribuir para uma disfunção
cos (EAAs), como a testosterona e os seus derivados sintéti- sexual, nem de longe são a causa mais prevalente ou a
cos, de fato podem promover aumento da força muscular e
única possível para que a mulher tenha falta ou redução
do tamanho dos músculos, mas, em contrapartida, causam
do desejo sexual. “Já está bem estabelecido na literatura
riscos associados à saúde”, argumenta a médica do Centro
de Atenção Integral à Saúde da Mulher da Universidade Es- médica que o estímulo sexual feminino é complexo e
tadual de Campinas (CAISM-Unicamp). sofre interferências de diversos fatores, como alimen-
Inicialmente, os EAAs eram utilizados por atletas de pis- tação, sono, prática de atividades físicas, saúde mental
ta e fisiculturas, mas atualmente têm sido prescritos tam- e física, uso de medicações, além de fatores culturais,
bém para atletas recreativos e não atletas, principalmente religiosos e dos relacionamentos interpessoais. Ou seja,
frequentadores de academias. “Os efeitos adversos nas nem sempre existe o déficit hormonal”, avalia.
mulheres são muitos e, algumas vezes, irreversíveis, como A Dra. Cristina acrescenta que o Transtorno do Desejo
a irregularidade menstrual, dismenorreia, acne, hirsutis- Sexual Hipoativo pode ocorrer em mulheres mais jovens na
mo, alopecia, hipertrofia de clitóris, atrofia das mamas e do idade reprodutiva, sobretudo em mulheres com insuficiência
útero, crescimento dismórfico nas adolescentes, distúrbios ovariana prematura (antigamente chamada de menopausa
mentais e alterações metabólicas, endócrinas e cardiovas- precoce). Nesses casos específicos, o médico deve avaliar se
culares”, relaciona a Dra. Andrea Prestes Nácul, que também há indicação de reposição de androgênios, uma vez descar-
é membro da CNE de Ginecologia Endócrina da Febrasgo, tadas todas as outras causas. “O uso de androgênios deve ser

14 | FEMINA 2022;50(1):14-6
ENTREVISTA

avaliado com critério em mulheres com insuficiência ovaria-


PARA LEMBRAR:
na prematura, naquelas que tiveram a destruição dos ová-
rios após quimioterapia ou radioterapia, naquelas em que A terapia androgênica pode ser
os ovários foram retirados em cirurgia, por exemplo. Então, indicada para mulheres:
nessas e em outras situações, o médico vai julgar se pode • na pré ou pós-menopausa;
ser indicado o uso de androgênio ou não, pois nem sempre • com insuficiência ovariana prematura
é recomendado”, explicou a professora associada e livre-do- (menopausa antes dos 40 anos);
cente do Departamento de Tocoginecologia da Faculdade de
Ciências Médicas da Universidade de Campinas (Unicamp). • com menopausa cirúrgica
Já na menopausa, o principal papel que a testosterona (retirada dos dois ovários);
pode desempenhar está relacionado à questão sexual, que • que apresentam transtorno do
vamos entender um pouco mais a seguir. desejo sexual hipoativo.
O uso de androgênios não é indicado para:
NÍVEIS DE ANDROGÊNIOS EM
• Fins estéticos;
DIFERENTES FASES DA VIDA
• Emagrecimento;
Na mulher, os androgênios são produzidos pelos ová-
• Hipertrofia muscular.
rios, pelas glândulas adrenais e pelo tecido periférico.
Eles desempenham um papel importante não só para
ela, a apresentação transdérmica de testosterona 1% em
a função sexual feminina, como também para a saúde gel (LibiGel) foi descontinuada pela Food and Drug Admi-
cardiovascular e para a musculatura esquelética, au- nistration (FDA), nos EUA e, atualmente, a única apresenta-
mentando a disposição física, principalmente na fase ção comercial ainda disponível é o Androfeme® 1, comercia-
da puberdade e da adolescência. lizado na Austrália.
Entre os 18 e 24 anos de idade, a mulher atinge um pico Ou seja, não há nenhuma terapia androgênica específica
de produção de androgênios, que começa a cair a partir aprovada pela FDA para uso em mulheres. “Então, a reco-
dos 30 anos. Dos 70 anos em diante, o nível de androgênio mendação é para que seja feita uma fórmula manipulada
circulante no organismo corresponde a cerca de 20% em com uma dose específica por um curto período de tempo
comparação com a terceira década de vida. “Então, a idade e é importante que a paciente saiba que não há essa libe-
é um fator importante nessa lenta redução da produção de ração pela FDA ainda”, destaca a Dra. Gabriela Pravatta. No
androgênios”, ressalta a Dra. Cristina. Brasil, também não temos produtos regulamentados con-
Na jovem, há situações em que a produção androgênica tendo androgênio em dose adequada às mulheres.
é deficiente, porque houve comprometimento do funcio- “Importante ressaltar que a via preferencial de admi-
namento dos ovários ou da glândula adrenal. Um exemplo nistração da testosterona no climatério é a transdérmica.
disso é quando a mulher jovem teve os dois ovários remo- A forma de implantes, intramuscular ou oral não é reco-
vidos em um procedimento cirúrgico ou quando o ovário mendada pela falta de evidências e de segurança”, ressalta
dela não funciona por causa genética. “A produção de an- a médica do CAISM-Unicamp. Recentemente, a FDA apro-
drogênios é alterada também durante um processo de ano- vou o DHEA (prasterona), um derivado da testosterona para
rexia nervosa com uma grande perda de peso ou em alguns uso por via vaginal, para o tratamento especificamente da
casos de doenças em que é preciso remover a adrenal. São Síndrome Genito-urinária da Menopausa (SGUM), portan-
situações menos frequentes, mas sabemos que a produção to com uso e indicação diferente do uso da testosterona
androgênica diminui”, esclarece a Dra. Cristina. transdérmica, mas ele não está disponível no Brasil. Essa
síndrome acontece devido à queda dos estrogênios nesse
TERAPIA ANDROGÊNICA NA MENOPAUSA período da vida da mulher e pode levar à atrofia da vagina,
além de infecções urinárias de repetição e secura na vagi-
Como vimos, quando a mulher entra na menopausa, na, que pode atrapalhar a relação sexual.
a produção ovariana reduz e os níveis de testosterona Mas voltando aos benefícios da terapia androgênica com
tendem a ficar no limite inferior da normalidade. A úni- testosterona em mulheres, o principal deles é a melhora
ca indicação formal de reposição de testosterona é para da Disfunção Sexual Feminina. A Dra. Andrea explica que o
mulheres climatéricas com diagnóstico de Transtorno do diagnóstico de Transtorno do Desejo Sexual Hipoativo foi
Desejo Sexual Hipoativo, bem como para mulheres com reclassificado no DSM-V como Disfunção Sexual Feminina
insuficiência ovariana prematura e menopausa cirúrgica. do climatério, que engloba a Disfunção da Excitação Sexual
Entre 2005 e 2010, houve um boom de estudos avalian- Feminina, a Disfunção do Orgasmo e a Dor Genitopélvica.
do os efeitos da terapia androgênica no tratamento dessas
pacientes. De acordo com a Dra. Andrea Nácul, após esse “Devemos combater tanto
período, os estudos clínicos ficaram mais escassos, porém a prescrição em exagero do
surgiram vários consensos de sociedades médicas, como a androgênio quanto a falta
International Menopause Society e The Endocrine Society, do seu uso em situações em
de indicações para uso de androgênios em mulheres. “Este
que ele realmente poderia
fato deveu-se à dificuldade de prescrição dos androgênios
por não haver apresentações comerciais disponíveis no
beneficiar uma paciente”,
mercado em doses específicas para mulheres, aprovadas declarou a Dra. Cristina Laguna.
pelos órgãos regulatórios”, expõe a Dra. Andrea. Segundo

FEMINA 2022;50(1):14-6 | 15
ENTREVISTA

em situações em que ele realmente poderia beneficiar uma


“Antes de prescrever
paciente que precisa”, declarou a Dra. Cristina.
androgênios para uma mulher E foi justamente por isso que a CNE de Ginecologia En-
com queixa de disfunção dócrina fez uma extensa revisão da literatura para avaliar
sexual, é muito importante a segurança do uso dos androgênios nas mulheres na me-
que o médico avalie todos nacme e naquelas que entraram no período climatérico. O
os fatores que podem trabalho resultou em dois documentos Febrasgo Position
estar associados a esses Statement sobre o assunto.
sintomas e tente tratá-los”, “A nossa recomendação é de que não existe ainda ne-
orienta a Dra. Andrea Nácul. nhuma evidência científica sobre a segurança para uso de
terapia androgênica em mulheres na adolescência, nem em
mulheres com alguns déficits hormonais, como hipogona-
“Dessa forma, os efeitos benéficos da terapia androgênica dismo hipogonadotrófico, em que o ovário não funciona
podem se dar nessas três áreas da função sexual, embora adequadamente por falta de estímulo pela hipófise. Não há
os estudos, em sua grande maioria, tenham sido realizados evidência também em caso de insuficiência adrenal, ano-
considerando a classificação anterior do DSM-4, que englo- rexia nervosa e muito menos para fins estéticos”, afirma a
bava apenas mulheres com Transtorno do Desejo Sexual Dra. Gabriela Pravatta.
Hipoativo. Assim, ainda necessitamos de estudos avaliando De acordo com a médica, também não há nenhuma evi-
especificamente os benefícios da terapia androgênica em dência clara de benefício do uso de androgênio para me-
mulheres que apresentem esses outros sintomas de dis- lhora de déficits cognitivos, como demência, na mulher no
função sexual”, disse. climatério, tampouco para reduzir o risco de osteoporose
A Dra. Cristina reforça que os estudos sobre a melhora no climatério.
de qualidade de vida e de bem-estar geral com o uso de Portanto, “a única evidência forte disponível aponta para
testosterona não mostram, até o momento, que a prescri- a reposição de testosterona para mulheres na menopausa
ção de testosterona possa causar algum benefício. e pós-menopausa com desejo sexual hipoativo”, isso quan-
Questionada sobre os riscos de câncer de mama e de do já foram excluídos todos os outros fatores que podem
útero, a Dra. Andrea esclareceu que ainda não há respos- causar a falta de vontade de fazer sexo.
tas, pois a duração dos estudos disponíveis na literatura “Mas antes de prescrever androgênios para uma mulher
é curta, de 6 a 12 meses. “De qualquer forma, o que mais com queixa de disfunção sexual, é muito importante que o
se observa no endométrio de pacientes tratadas é a atro- médico avalie todos os fatores que podem estar associados
fia endometrial, com possibilidade até de sangramentos. a esses sintomas e tente tratá-los. A queixa é comum e ob-
O adesivo de testosterona transdérmica, em doses fisio- servada em até 45% das mulheres no climatério. Assim, é
lógicas, por um tempo não superior a seis meses, não se importante avaliar causas como condições clínicas, uso de
associou ao aumento da densidade mamária mamográfica medicamentos que podem interferir na libido, cirurgias,
ou risco de câncer de mama. Dados atuais são insuficientes queixas psicossociais, relacionamento afetivo e sexual com
para assegurar a ausência de risco a longo prazo. Também o parceiro, entre outros aspectos”, alertou a Dra. Andrea. “É
não se recomenda o uso da testosterona em mulheres com importante avaliar também queixas associadas à carência
câncer de mama com receptores hormonais presentes.” estrogênica, característica do climatério, por diminuição dos
Ela esclarece ainda que, na maioria dos casos da prescri- hormônios ovarianos e tratar inicialmente esses sintomas,
ção da testosterona nas doses preconizadas pelos consen- que podem levar à melhora das queixas sexuais”, completou.
sos, para que se atinjam níveis fisiológicos de testosterona, Estando indicada a terapia androgênica, que pode ser
os efeitos adversos são raros e incluem piora da oleosida- prescrita de forma isolada ou em associação com a tera-
de da pele, acne e alopecia. “Por isso, recomenda-se que pia estroprogestagênica, deve-se indicar a testosterona
durante o uso seja realizado um controle com dosagens pe- em forma de gel, formulada em farmácias de manipulação
riódicas de testosterona sérica para avaliar se os níveis do confiáveis, na dose que pode variar de 1-5 mg/mL em gel
hormônio não estão acima dos limites e também é muito em frasco dosador com a liberação de 1 mL do gel para
importante a avaliação do aparecimento desses sinais ad- uso transdérmico ao dia. O gel pode ser aplicado nas ná-
versos nas mulheres em tratamento.” degas, face interna das coxas ou abdômen. Deve-se dosar
testosterona antes, no período de três a seis semanas e
O GRANDE PROBLEMA periodicamente (três a seis meses). Deve-se observar sinais
de hiperandrogenismo e suspender o tratamento se não
Mas se existem benefícios para mulheres que estão na houver melhora após seis meses de uso.
menopausa e climatério, por que o uso de androgênios
gera polêmica?
O grande problema apontado pelas entrevistadas é o “Não existe ainda nenhuma
uso indiscriminado de androgênios pelas mulheres e, além evidência científica sobre
disso, o aumento da prescrição sem que haja evidência a segurança para uso de
científica para embasar a maioria dos casos. “Os médicos terapia androgênica em
devem ter conhecimento científico sobre as situações em
mulheres na adolescência”,
que o androgênio pode ajudar no organismo feminino para
afirma a Dra. Gabriela Pravatta.
prescrever quando há indicação, sem os exageros que ob-
servamos hoje em dia. Devemos combater tanto a prescri-
ção em exagero do androgênio quanto a falta do seu uso

16 | FEMINA 2022;50(1):14-6
OPINIÃO DO ESPECIALISTA Vacinação contra HPV
e rastreio do câncer de
colo uterino com teste
de alta sensibilidade:
evidências brasileiras
Julio Cesar Teixeira1, Cecilia Maria Roteli Martins2

O Brasil tem um problema crítico de saúde da mulher para ser resolvido: a


cada 90 minutos, uma mulher com idade média de 45 anos morre em decor-
rência do câncer de colo do útero.(1) Considerado um câncer erradicável, há
duas estratégias estabelecidas para o seu controle: vacinação contra HPV e
rastreamento periódico para detecção de lesões pré-cancerosas. O sistema
público de saúde brasileiro oferece ambos gratuitamente, embora ainda sem
impacto efetivo na mortalidade.

VACINAÇÃO PARA PREVENIR A INFECÇÃO POR HPV E CÂNCER


As vacinas contra o HPV foram licenciadas globalmente entre 2007 e 2008,
e alguns pesquisadores brasileiros contribuíram de forma importante com
essa conquista. Austrália, Reino Unido, Canadá e Suécia logo iniciaram uma
ação de vacinação abrangente, alcançando cobertura ampla e sustentável
em meninas pré-adolescentes e adolescentes. Seus resultados foram apre-
sentados em publicações recentes, demonstrando o impacto sobre as lesões
precursoras de alto grau do colo do útero e sobre a incidência do câncer, o
que possibilitou projetar a esperada “eliminação” desse câncer.(2-5)
1. Universidade Estadual de
Campinas, Campinas, SP, Brasil.
COMO FOI A ESTRATÉGIA VENCEDORA? A RESPOSTA
2. Faculdade de Medicina do ABC,
Santo André, SP, Brasil. É A VACINAÇÃO CONTRA O HPV NAS ESCOLAS
Vários outros países, incluindo alguns considerados de renda média ou baixa,
Conflitos de interesse:
Nada a declarar.
estão seguindo a mesma estratégia para oferecer a vacinação contra o HPV
nas escolas. O Brasil é um país continental com grandes diferenças regionais
Autor correspondente: e duas características principais: a tradição de vacinação com grande aceita-
Julio Cesar Teixeira ção popular e uma rede de escolas de ensino fundamental majoritariamente
Cidade Universitária Zeferino Vaz,
sob administração municipal. Além disso, em 2014, o próprio Programa Na-
Barão Geraldo, 13083-970, Campinas,
SP, Brasil cional de Imunização demonstrou sucesso com o uso da mesma estratégia
juliotex@unicamp.br vencedora na vida real ao alcançar 100% de cobertura para a dose-1.(6)

Como citar:
Teixeira JC, Martins CM. Vacinação POR QUE ESSA ESTRATÉGIA NÃO CONTINUOU?
contra HPV e rastreio do câncer
de colo uterino com teste de alta
Provavelmente faltou uma coordenação central nas várias facetas admi-
sensibilidade: evidências brasileiras. nistrativas envolvidas. Em oposição, qualquer município brasileiro pode
Femina. 2022;50(1):17-8. usar sua autonomia regulamentada para superar vários desses obstácu-
*Este artigo é a versão em língua los. Na edição da RBGO “Vacinação contra o HPV na escola: os desafios de
portuguesa do editorial “HPV uma iniciativa brasileira”, Teixeira et al.(7) relataram os primeiros resultados
Vaccination and Screening with
High-Performance Test: Brazilian
de uma iniciativa de uma cidade brasileira com base em um estudo de-
Evidence”, publicado na Rev Bras monstrativo para testar a hipótese: a vacinação contra HPV na escola pode
Ginecol Obstet. 2021;43(12):885-6. ampliar a cobertura?

FEMINA 2022;50(1):17-8 | 17
Teixeira JC, Martins CM

O programa começou em 2018 e, apesar dos obstá- altamente curável, com procedimentos mais acessíveis.
culos inesperados, a cobertura da dose-1 aumentou O impacto imediato da organização do programa de ras-
três vezes no primeiro ano. Os autores relataram os treamento com um teste de alta sensibilidade resultou
problemas e as estratégias aplicadas para superá-los. na antecipação do diagnóstico de câncer de colo de úte-
Ressalta-se que esses obstáculos não tiveram relação ro em 10 anos e em estágio inicial.
com aspectos de segurança ou aceitação pelos pais Em conclusão, as evidências científicas brasileiras
ou profissionais da educação com relação à vacinação. disponíveis, incluindo dados baseados na vida real, re-
Apesar do grande interesse de gestores locais de saúde presentam uma espécie de “missão cumprida” para os
em alcançar alta cobertura vacinal, o programa ainda pesquisadores da área. Agora, o bastão é passado para
não conseguiu atingir as metas iniciais. Aproveitando o os próximos: as pessoas com poder decisório nas ações
momento para divulgar resultados parciais com dados de saúde. Como associação médica, nossa atividade, em
do período anterior à pandemia, algumas estratégias conjunto com a sociedade organizada, é fazer com que
adotadas no programa merecem destaque e podem ser essas informações cheguem às pessoas com poder de
replicadas: decisão e cobrá-las por ações efetivas.
1. Vacinação escolar igualitária para meninas e me-
ninos entre 9 e 10 anos de idade: é anulada qualquer
REFERÊNCIAS
discussão sobre gênero e acesso imediato a uma alta
1. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer José Alencar
proporção de todas as crianças matriculadas em uma Gomes da Silva. [Estimate 2020: cancer incidence in Brazil]
escola municipal (nível Fundamental 1). Na cidade estu- [Internet]. Rio de Janeiro: Inca; 2019 [cited 2021 Jun 22]. Available
dada, 87% de todas as crianças estavam nessa condição; from: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/
document//estimativa-2020-incidencia-de-cancer-no-brasil.pdf.
2. Esquema posológico anual: a vacinação uma vez Portuguese.
por ano facilita a organização do sistema de saúde para 2. Garland SM, Cornall AM, Brotherton JM, Wark JD, Malloy MJ, Tabrizi
disponibilizar equipes de vacinação a todas as escolas. SN, et al. Final analysis of a study assessing genital human
A dose-2 das vacinas atuais contra o HPV foi indicada papillomavirus genoprevalence in young Australian women,
following eight years of a national vaccination program. Vaccine.
em intervalos de 6 a 12 meses, e o risco de infecção de 2018;36(23):3221-30. doi: 10.1016/j.vaccine.2018.04.080
intervalo nessa idade precoce pode ser considerado in- 3. Falcaro M, Castañon A, Ndlela B, Checchi M, Soldan K, Lopez-Bernal
significante. Além disso, estudos demonstraram que o J, et al. The effects of the national HPV vaccination programme in
esquema de dose-1 já alcança proteção significativa.(8) England, UK, on cervical cancer and grade 3 cervical intraepithelial
Após algumas situações inesperadas que limitaram neoplasia incidence: a register-based observational study. Lancet.
2021 Nov 3. doi: 10.1016/S0140-6736(21)02178-4. [ahead of print].
o programa, a última estratégia para garantir a conti-
4. Drolet M, Bénard E, Pérez N, Brisson M; HPV Vaccination
nuidade da vacinação nas escolas foi a aprovação de Impact Study Group. Population-level impact and herd effects
uma lei municipal determinando a disponibilização de following the introduction of human papillomavirus vaccination
ampla estrutura para vacinação nas escolas, indepen- programmes: updated systematic review and meta-analysis. Lancet.
2019;394(10197):497-509. doi: 10.1016/S0140-6736(19)30298-3
dentemente de outros pedidos concorrentes.
5. Lei J, Ploner A, Elfström KM, Wang J, Roth A, Fang F, et al. HPV
vaccination and the risk of invasive cervical cancer. N Engl J Med.
MUDANÇA PARA UM TESTE DE 2020;383(14):1340-8. doi: 10.1056/NEJMoa1917338

RASTREIO DE ALTA SENSIBILIDADE 6. Ministério da Saúde. SI-PNI – Sistema de Informação do Programa


Nacional de Imunizações. Coberturas vacinais – HPV Quadrivalente
A mesma equipe de pesquisa coordena outro estudo de- – Sexo feminino de 11 a 14 anos por idade e dose – Total Brasil –
2014 [Internet]. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2014 [cited 2020
monstrativo, em andamento na mesma cidade brasileira, Mar 12]. Available from: http://pni.datasus.gov.br/consulta_hpv_14_
para substituir o tradicional rastreamento citológico por C01.php
um teste de DNA-HPV. Recentemente, foi publicada uma 7. Teixeira JC, Vianna MS, Vale DB, Arbore DM, Perini TH, Couto TJ, et
análise rigorosa de custo-efetividade, demonstrando a al. School-based HPV vaccination: the challenges in a Brazilian
viabilidade econômica da implantação do teste de DNA- initiative. Rev Bras Ginecol Obstet. 2021;43(12):926-31. doi: 10.1055/s-
0041-1740279
-HPV, com potencial de economia de recursos do ponto
8. Kreimer AR, Struyf F, Del Rosario-Raymundo MR, Hildesheim A,
de vista da saúde pública.(9) Na sequência, foi publicada Skinner SR, Wacholder S, et al. Efficacy of fewer than three doses
uma análise dos primeiros resultados do programa, ain- of an HPV-16/18 AS04-adjuvanted vaccine: combined analysis of
da sem interferência da pandemia.(10) Os pesquisadores data from the Costa Rica Vaccine and PATRICIA Trials. Lancet Oncol.
2015;16(7):775-86. doi: 10.1016/S1470-2045(15)00047-9
apontaram o grande potencial de economia de recursos
9. Vale DB, Silva MT, Discacciati MG, Polegatto I, Teixeira JC, Zeferino LC.
e de vidas com a aplicação do teste DNA-HPV em um Is the HPV test more cost-effective than cytology in cervical cancer
rastreamento que alcançou ampla cobertura, maior pro- screening? An economic analysis from a middle-income country.
porção de mulheres com exames anormais avaliadas e PLoS One. 2021;16(5):e0251688. doi: 10.1371/journal.pone.0251688
alta adesão às diretrizes do programa. Um número sig- 10. Teixeira JC, Vale DB, Campos CS, Bragança JF, Discacciati MG,
Zeferino LC. Organization of cervical cancer screening with DNA-
nificativo de casos adicionais de câncer de colo foi de-
HPV testing impact on early-stage cancer detection: a population-
tectado, casos já existentes, mas com a incrível propor- based demonstration study in a Brazilian city. Lancet Reg Health
ção de dois terços de câncer em estágio microinvasivo e Am. 2022;5:100084. doi: 10.1016/j.lana.2021.100084

18 | FEMINA 2022;50(1):17-8
FEDERADA

Nós por elas


Sogimig fortalece sua missão de ser referência
em saúde da mulher em Minas Gerais
Por Letícia Martins

H
á dois anos, a explosão de Ginecológicas, Endocrinologia Gi- “Para este ano, temos alguns pro-
COVID-19 distanciou fisica- necológica, Alto Risco Obstétrico, e jetos destinados aos associados
mente familiares, amigos, promoveu um Encontro Mineiro de e mulheres, como a campanha de
colegas de trabalho, profissionais Ginecologistas e Obstetras (EMGO) informação sobre a assistência obs-
de saúde e pacientes. Mas, apesar on-line com dois convidados inter- tétrica com segurança e humaniza-
de toda a insegurança trazida pela nacionais e muitos webinários com ção. Vivemos um momento muito
pandemia, a Associação de Gineco- especialistas de todo o Brasil. “Con- delicado e que expõe o obstetra e
logistas e Obstetras de Minas Gerais sidero essa estratégia bem-sucedi- a mulher gestante a uma fragilida-
(Sogimig) escolheu fortalecer a mis- da, visto que alcançamos mais de de imensa. Com uma mídia sensa-
são da entidade, assumindo o com- 1.000 ouvintes em todos os even- cionalista, a assistência obstétrica e
promisso de estar presente na vida tos. Sendo assim, nós, diretores da os procedimentos necessários têm
de todas as mulheres e médicos do Sogimig, acreditamos que, apesar sido demonizados e muitas inter-
estado mineiro como referência em de tanta adversidade, a Sociedade pretações erradas vêm comprome-
saúde da mulher. pode exercer seu papel de integrar tendo a segurança na gravidez e
O slogan “Nós por elas” sinteti- os especialistas e, sobretudo, ino- no parto. A Sogimig colocou no seu
za esse objetivo, que se reflete na var”, avaliou a Dra. Claudia. planejamento o propósito de gerar
prática com as diversas iniciativas informação e promover o parto ade-
desenvolvidas neste período, como quado e de forma respeitosa. Essa
O FUTURO PEDE URGÊNCIA
explica a Dra. Claudia Laranjeira, ação será realizada por meios de co-
presidente da Sogimig desde maio Se, antes da pandemia, a área da municação para leigos, assim como
de 2021: “Desde o primeiro mês de saúde da mulher já enfrentava di- nos eventos científicos para os as-
gestão, toda a diretoria da Socieda- versos problemas, agora os desafios sociados”, finaliza a Dra. Claudia.
de e eu enfrentamos o desafio de aumentaram. De acordo com a Dra.
retornar às atividades associativas Claudia, Minas Gerais sofre com al-
científicas e sociais. Esta tem sido tas taxas de mortalidade materna e,
uma tarefa desafiadora, visto que o por isso, a Sogimig trabalha em par-
principal objetivo de uma associa- ceria com os Comitês de Óbito Ma-
ção de médicos é o aprimoramento terno e Fetal da Secretaria de Saúde
científico, a troca de experiências e em projetos que visam reduzir essas
a confraternização”. taxas. Outra parceria importante foi
Nesse sentido, a Sogimig remo- firmada com o Conselho Regional
delou os cursos de capacitação e de Medicina de Minas Gerais, para
aperfeiçoamento para o modelo capacitar médicos em Belo Horizon-
híbrido, sendo eles Emergências no te e no interior para o atendimento
Trauma Perineal Obstétrico, Emer- às emergências obstétricas, como a
gências Obstétricas e Emergências hemorragia pós-parto. Claudia Laranjeira

FEMINA 2022;50(1):19 | 19
RESIDÊNCIA MÉDICA

Discussão
baseada
em casos
clínicos
A
formação médica é baseada em experiências
Samily Cordeiro de Oliveira1 práticas, já que a competência clínica, envol-
Elfie Tomaz Figueiredo1 vendo conhecimentos, habilidades e atitudes,
Raquel Autran Coelho Peixoto2 é mais facilmente demonstrada do que descrita.(1,2) Os
programas de residência médica não devem ser vistos
como um processo nem de trabalho, nem de educação,
isoladamente, mas como treinamento em serviço sob
supervisão de educadores capacitados e experientes
em sua área de atuação. O preceptor é, portanto, o pro-
1. Maternidade Escola Assis Chateaubriand, fissional do serviço de saúde que assume as funções
Fortaleza, CE, Brasil. no processo de educação de novos médicos a adquirir
2. Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, prática e segurança em suas atividades diárias.(3)
Brasil.
As atividades da preceptoria devem ser planejadas
Conflitos de interesse: para a adequada capacitação no processo de ensino e
Nada a declarar. aprendizagem dos residentes nos mais diferentes ce-
Autor correspondente: nários de atuação. É necessário definir expectativas,
Raquel Autran Coelho Peixoto acrescentar experiências e melhorar o ambiente de
Avenida da Universidade, 2.853, Benfica, 60020-181, ensino a fim de que os alunos aprendam observando
Fortaleza, CE, Brasil
a conduta profissional dos preceptores no sistema em
raquelautrancp@gmail.com
que estão inseridos. Conhecer o currículo do programa
Como citar:
a que está vinculado é primordial, sendo possível ade-
Oliveira SC, Figueiredo ET, Peixoto RA. Discussão
baseada em casos clínicos. quar marcos curriculares a cada cenário de atuação.
Femina. 2022;50(1):20-3. Para isso, a comunicação entre os preceptores e os su-

20 | FEMINA 2022;50(1):20-3
DISCUSSÃO BASEADA EM CASOS CLÍNICOS

pervisores de programa deve ser adequada, organizan- dizagem baseados em casos são incorporados em
do a experiência de ensino.(4) um contexto com melhor promoção de aprendizagem
O raciocínio clínico (RC) é uma competência médi- do que fornecer fatos de forma abstrata e não con-
ca chave para promover a segurança do paciente e fo- textual.(13)
mentar o uso econômico de recursos. A maioria dos As DbCs são um formato inovador de ensino super-
programas de residência carece de um currículo de visionado por pares, com eficácia para promover o RC
habilidades de RC estruturado longitudinalmente com em estudantes e estagiários de Medicina. Trata-se de
uma mistura de métodos educacionais, deixando o uma forma de WBA que tem o potencial de fornecer
ensino dessa competência para as circunstâncias. Tais feedback aos trainees sobre seu desempenho ou ges-
habilidades são cruciais não apenas para a tomada de tão de um caso específico.(14,15)
decisão médica apropriada, mas também para evitar A origem das DbCs vem de avaliações orais desen-
erros de diagnóstico e os danos associados para os pa- volvidas para verificar a competência em várias áreas
cientes e sistemas de saúde.(5) do atendimento clínico, tendo fornecido a estrutura
RC e ética devem ser avaliados para saber se foram básica para o seu desenvolvimento.(16) Previamente, ha-
adequadamente desenvolvidos e permitir uma análise via ensino em cenários reais de prática sem padroni-
crítica de todo o processo de aprendizagem. A avalia- zação, com variações amplas no uso de DbC. Não havia
ção é parte integrante do processo de ensino-aprendi- currículos formais de DbC para residentes na maioria
zagem e deve auxiliar o estudante a entender suas ne- dos programas.
cessidades nos diferentes momentos do seu estágio de A DbC é um formato de ensino supervisionado por
desenvolvimento, indicando as correções necessárias. pares que compreende quatro etapas:(14,15)
Para isso, é necessário apresentar e discutir, no início 1. Os debatedores são estudantes de
do programa, as competências que o médico-residente Medicina após o terceiro ano do curso;
deve alcançar, e a equipe de preceptores deve pactuar 2. O moderador é um estudante de Medicina
com eles as formas de avaliação.(6) e responsável por moderar a discussão. Os
Tem havido uma forte ênfase na avaliação de resi- moderadores são participantes anteriores do DbC.
dentes no local de trabalho, “fazendo na prática”, devi- São continuamente substituídos por novas gerações
do a preocupações de que eles muitas vezes não eram de moderadores à medida que se formam;
observados no local de trabalho, consequentemente
3. Por uma questão de continuidade, controle de
levando a menos oportunidades de feedback sobre qualidade e supervisão do aluno moderador,
suas atividades. A avaliação baseada no local de traba- o curso também é frequentado por um
lho (Workplace Based Assessment – WBA) foi incorpo- preceptor. O preceptor segue o curso da
rada no treinamento médico de pós-graduação como discussão e às vezes aponta fatos especiais ou
uma ferramenta útil para fornecer feedback sobre o observações clínicas para os estudantes;
desempenho no dia a dia, com o benefício de alta va-
4. Um aluno prepara e apresenta voluntariamente
lidade de conteúdo.(7,8)
o caso. Esse apresentador muda a cada
As WBAs incluem discussão baseada em casos (DbC), sessão. Ensinando sobre o diagnóstico
exercícios de avaliação clínica (Mini-Ex), observação di- final, o apresentador também participa de
reta de habilidades processuais (DOPS) e feedback de uma atividade de ensino entre pares.
múltiplas fontes (MSF) para alcançar habilidades de
Na DbC, os alunos escolhem um caso de sua pró-
“desempenho” em cenários reais de prática.(8-10) A se-
pria prática clínica e o apresentam ao treinador. A dis-
leção das ferramentas de WBA deve ser uma medida
cussão permite que o preceptor avalie a competência
viável, válida e confiável para avaliar o desempenho do
do residente, explorando seu RC e aspectos éticos ou
residente. Diferentes tipos de aprendizagem requerem
profissionais do cuidado do paciente.(17) O aluno deve
diferentes métodos de avaliação, com o objetivo prin-
destacar os aspectos do caso que gostaria de discutir
cipal de integrar avaliação e feedback no dia a dia de
a fim de aprofundar sua compreensão. Dessa forma, a
trabalho.(11)
DbC promove aprendizagem colaborativa, que também
A utilidade dos WBAs depende de como eles são
contribui para o RC.(18)
usados e do envolvimento do residente e do preceptor.
As sessões de DbC são divididas em três partes:(14,15)
Várias barreiras podem ser superadas com melhor pla-
1. A primeira parte imita a situação quando um
nejamento, validação, treinamento de instrutores e uso
médico encontra pela primeira vez um paciente
de lições de outras especialidades.(12)
– a queixa principal e a história da doença
atual, a história médica pregressa, bem como
DISCUSSÕES BASEADAS EM os resultados do exame físico e de exames
CASOS CLÍNICOS (DBCS) complementares. Essa primeira parte termina
com a avaliação do paciente por meio de um
A aprendizagem baseada em casos foi proposta para
breve resumo oral do caso apresentado por dois
promover habilidades de RC. Os formatos de apren- ou mais alunos. O preceptor fornece feedback;

FEMINA 2022;50(1):20-3 | 21
RESIDÊNCIA MÉDICA

2. A segunda parte da sessão de DbC se baseia análise e interpretação ativa por parte dos usuários.(20)
diretamente na avaliação clínica. Orientados pelo Casos particularmente elaborados e autênticos forne-
moderador, os alunos desenvolvem uma lista de cem um desafio diagnóstico maior, compreendendo
problemas priorizados e possíveis diagnósticos valor agregado para o treinamento médico. Relatos de
diferenciais para esses problemas e solicitam os caso de outras revistas médicas podem ser adequados
exames apropriados. Quando os alunos concordam também para DbCs se atenderem aos critérios mencio-
com a lista de problemas, o apresentador divulga nados.(14,15) Casos bem construídos servem para envol-
os resultados dos exames um a um. Resultados ver os alunos efetivamente na discussão e simular as
de testes adicionais também são mostrados aos
complexidades encontradas na prática real.(21)
alunos. Isso fornece feedback direto para os
Aplicando RC em casos complexos, os alunos trei-
alunos sobre o quão apropriada sua abordagem
nam para lidar com a incerteza por meio da estrutu-
diagnóstica para o paciente estava. Os alunos são
convidados a estabelecer um diagnóstico presuntivo ração do caso do paciente, ou seja, ordenando gra-
e a solicitar um último exame confirmatório; dualmente a infinidade de sinais e sintomas de um
paciente em categorias funcionalmente relacionadas
3. Na terceira e última parte da sessão, o apresentador e, posteriormente, ligando diferentes categorias tendo
resume o RC, conforme descrito no registro
por base comum processos patológicos de um deter-
de caso antes da divulgação do último teste
minado caso. A esse respeito, a construção de estrutu-
diagnóstico. Ao fazer isso, os alunos recebem
ras mentais (também chamadas de scripts das doen-
feedback novamente do preceptor especialista
para saber se eles cobriram todos os diferenciais ças) pelo aluno é um objetivo importante.(21,22)
relevantes e chegaram ao diagnóstico final. Os As DbCs foram identificadas como uma boa prá-
resultados do teste de diagnóstico são divulgados tica para o ensino de profissionalismo. Os residen-
e o apresentador termina a sessão com algumas tes podem adquirir conhecimento e experiência em
informações básicas sobre a doença. É importante ambientes hospitalares e ambulatoriais por meio do
entender que a chegada ao diagnóstico final aprendizado autodirigido. Competências importantes
não é o objetivo principal da sessão, mas sim a se estendem além daquelas de atendimento adequa-
demonstração de uma abordagem estruturada para do ao paciente e do conhecimento médico necessário.
o caso e a geração e subsequente desconstrução Trata-se de um método de ensino eficaz para pequenos
de um abrangente diagnóstico diferencial. Portanto, grupos que oferece uma oportunidade para problemas
mesmo um caso de doença rara é aplicável clínicos serem resolvidos, ao mesmo tempo que incen-
caso ofereça amplo diferencial diagnóstico. tiva o debate e a discussão entre os alunos.(10,11)
Uma sessão de DbC é principalmente determina- Os residentes têm a oportunidade de ter uma dis-
da pelas contribuições dos participantes, enquanto o cussão individual sobre um caso. A oportunidade “pro-
moderador e o médico garantem a efetividade, limi- tegida” de ter um preceptor ou mesmo um residente
tando discussões sobre tópicos inúteis ou enganosos.
O moderador também incentiva os participantes com
perguntas norteadoras, quando a conversa não está
fluindo, para que haja discussão interativa do grupo
sobre possíveis diagnósticos e estratégias diagnósti-
cas. Depois que todos os resultados dos testes foram
discutidos, o diagnóstico real é divulgado e as arma-
dilhas e mensagens para levar para casa do caso são
resumidas.
A programação ou o tempo são um tanto arbitrá-
rios e oportunistas durante a realização de DbCs na
prática. Os alunos são estimulados a refletir sobre o
seu desempenho e apontar o que foi bem feito e o
que se revelou um desafio. A discussão permite uma
revisão retrospectiva do desempenho em relação a um
caso particular. A utilidade e a eficácia dessas avalia-
ções formativas podem ser aumentadas em um grau
maior se elas forem bem espaçadas durante o tem-
po de treinamento e realizadas quando houver menos
pressão.(19)
Sugerem-se três elementos essenciais de um caso:
é real (ou seja, tem base em um evento da vida real);
depende de pesquisa e estudo cuidadosos; e busca in-
cluir detalhes e informações suficientes para obter uma

22 | FEMINA 2022;50(1):20-3
DISCUSSÃO BASEADA EM CASOS CLÍNICOS

superior para aconselhá-los e agir como um “mentor” 7. Norcini JJ. ABC of learning and teaching in medicine. Work based
assessment. BMJ. 2003;326(7392):753-5. doi: 10.1136/bmj.326.7392.753
tem sido muito valorizada,(11) promovendo satisfação 8. Norcini J, Burch V. Workplace-based assessment as an educational
profissional e maior confiança entre os alunos.(23) tool: AMEE guide No. 31. Med Teach. 2007;29(9):855-71. doi:
Espera-se que os estagiários descrevam o encontro 10.1080/01421590701775453
9. Van Der Vleuten CP. The assessment of professional competence:
clínico em suas palavras, refletindo sobre seu proces- developments, research and practical implications. Adv Health Sci
so de pensamento e o que consideram desafiador. O Educ Theory Pract. 1996;1(1):41-67. doi: 10.1007/BF00596229
formato DbC é construído com base na autonomia do 10. Liu C. An introduction to workplace-based assessments. Gastroenterol
Hepatol Bed Bench. 2012;5(1):24-8.
aluno, na aprendizagem baseada em competências e
11. Jafri L, Siddiqui I, Khan AH, Tariq M, Effendi MU, Naseem A, et al.
na interação social, todas conhecidas por promoverem Fostering teaching-learning through workplace based assessment
uma aprendizagem bem-sucedida. Os residentes de- in postgraduate chemical pathology residency program using virtual
learning environment. BMC Med Educ. 2020;20(1):383. doi: 10.1186/
vem ser gradativamente conscientizados sobre o seu s12909-020-02299-8
nível de competência e estimulados a buscar seu apri- 12. Aryal KR, Currow C, Downey S, Praseedom R, Seager A. Work-
moramento. Essas informações estimulam mudanças based assessments in higher general surgical training program: a
mixed methods study exploring trainers’ and trainees’ views and
de comportamento e aquisição de novos conhecimen- experiences. Surg J (N Y). 2020;6(1):e49-e61. doi: 10.1055/s-0040-1708062
tos e habilidades.(1,24,25) 13. Kassirer JP. Teaching clinical medicine by iterative hypothesis testing.
Let’s preach what we practice. N Engl J Med. 1983;309(15):921-3. doi:
A falta de treinamento leva a uma má execução des- 10.1056/NEJM198310133091511
sa modalidade de avaliação formativa. O máximo bene- 14. Weidenbusch M, Lenzer B, Sailer M, Strobel C, Kunisch R, Kiesewetter
fício de um WBA é obtido quando ele é acompanhado J, et al. Can clinical case discussions foster clinical reasoning skills in
undergraduate medical education? A randomised controlled trial. BMJ
por comentários qualificados e especializados.(19) Dar Open. 2019;9(9):e025973. doi: 10.1136/bmjopen-2018-025973
feedback exige habilidade, compreensão do processo 15. Koenemann N, Lenzer B, Zottmann JM, Fischer MR, Weidenbusch M.
e criação de um ambiente propício e de uma relação Clinical case discussions – a novel, supervised peer-teaching format
to promote clinical reasoning in medical students. GMS J Med Educ.
de confiança. Os professores e preceptores que sabem 2020;37(5):Doc48. doi: 10.3205/zma001341
fornecer feedback de maneira eficaz têm sido valori- 16. Norcini JJ. Workplace assessment. In: Swanwick T, editors.
zados por residentes e estudantes de Medicina,(11,26) os Understanding medical education: evidence, theory and practice. 2nd
ed. Oxford: Wiley-Blackwell; 2013. p. 279-92.
quais reconhecem que essas avaliações fornecem evi- 17. Emsden S, Thompson A. Getting the best out of case-based
dências para provar as competências alcançadas.(27) discussions (CbDs) – tips for trainers and trainees. Paediatr Child
Health. 2010;20(12):585-8. doi: 10.1016/j.paed.2010.06.002
O valor educacional da avaliação pode ser amplia-
18. Hautz WE, Kammer JE, Schauber SK, Spies CD, Gaissmaier W. Diagnostic
do se o feedback for mais direcionado para EPAs (En- performance by medical students working individually or in teams.
trustable Professional Activities) específicas para resi- JAMA. 2015;313(3):303-4. doi: 10.1001/jama.2014.15770
dentes de ginecologia e obstetrícia.(28,29) Por exemplo, 19. Rauf L. Case-based discussion in United Kingdom general practice
training: a critical analysis. Cureus. 2021;13(2):e13166. doi: 10.7759/
competências com escores sempre baixos ou falhas cureus.13166
repetitivas nas devolutivas ao residente podem evi- 20. Merseth KK. Cases and case methods in teacher education. In: Sikula J,
denciar uma lacuna significativa do programa, e não editor. Handbook of research on teacher education. 2nd ed. New York:
Macmillan; 1996. p. 722-44.
apenas individual. 21. Talwalkar JS, Fenick AM. Evaluation of a case-based primary care
A mensuração detalhada do impacto educacional pediatric conference curriculum. J Grad Med Educ. 2011;3(2):224-31.
doi: 10.4300/JGME-D-10-00118.1
em relação às DbCs depende da coleta de informações
22. Schmidt HG, Rikers RM. How expertise develops in medicine:
sobre vários fatores relacionados, como conteúdo, for- knowledge encapsulation and illness script formation. Med Educ.
mato, programação da avaliação e estrutura regulatória 2007;41(12):1133-9. doi: 10.1111/j.1365-2923.2007.02915.x
do programa de avaliação.(30) A DbC é uma abordagem 23. Liu Y, Huang M, Zhou Y, Cai H. Evaluation of a staged case-based
discussion curriculum in standardized residency training. Biochem Mol
viável para ajudar a iniciar a mudança para um apren- Biol Educ. 2020;48(2):128-33. doi: 10.1002/bmb.21321
dizado mais ativo e estimular o pensamento crítico. 24. Schneider M, Preckel F. Variables associated with achievement in
higher education: a systematic review of meta-analyses. Psychol Bull.
2017;143(6):565-600. doi: 10.1037/bul0000098
REFERÊNCIAS 25. Rocha SR, Coelho RA, Romão GS, Sá MF. Feedback: técnicas e
1. Ende J. Feedback in clinical medical education. JAMA. 1983;250(6):777- importância na residência em GO. Femina. 2020;48(3):160-4.
81. doi: 10.1001/jama.1983.03340060055026 26. Schultz KW, Kirby J, Delva D, Godwin M, Verma S, Birtwhistle R, et al.
2. Borges MC, Miranda CH, Santana RC, Bollela VR. Avaliação formativa Medical students’ and residents’ preferred site characteristics and
e feedback como ferramenta de aprendizado na formação de preceptor behaviours for learning in the ambulatory setting: a cross-
profissionais da saúde. Medicina (Ribeirão Preto). 2014;47(3):324-31. doi: sectional survey. BMC Med Educ. 2004;4:12. doi: 10.1186/1472-6920-4-12
10.11606/issn.2176-7262.v47i3p324-331 27. Mohanaruban A, Flanders L, Rees H. Case-based discussion:
3. Viana AM, Santos AM, Guedes A, Bastos C, Portela DS, Daltro DL, et perceptions of feedback. Clin Teach. 2018;15(2):126-31. doi: 10.1111/
al. Como promover o reconhecimento da função de preceptor da tct.12654
residência médica? Como promover uma boa formação para os nossos 28. Coelho RA, Medeiros FC, Peixoto Junior AA, Diniz R, McKinley D, Bollela
residentes? Estratégias de enfrentamento – Sínteses dos grupos VR. Workplace based assessment in obstetrics and gynecology
aprendendo a ensinar e mosaico. Cad ABEM. 2013;9:24-30. clerkship to detect learning gaps. Rev Bras Educ Méd. 2019;43(1):181-6.
4. Machado MA, Medeiros EL. Training preceptors of obstetrics- doi: 10.1590/1981-52712015v43n1RB20180127ING
gynecology residents through the one-minute preceptor model. Rev 29. Johnson NR, Pelletier A, Berkowitz LR. Mini-clinical evaluation exercise
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5. Donaldson MS, Corrigan JM, Kohn LT. To err is human: building a safer obstetrics and gynaecology: resume or reform? J Obstet Gynaecol Can.
health system. Washington (DC): National Academies Press; 2000. 2020;42(6):718-25. doi: 10.1016/j.jogc.2019.10.002
6. Zeferino AM, Domingues RC, Amaral E. Feedback como estratégia de 30. van der Vleuten CP, Schuwirth LW. Assessing professional competence:
aprendizado no ensino médico. Rev Bras Educ Med. 2007;31(2):176-9. from methods to programmes. Med Educ. 2005;39(3):309-17. doi:
doi: 10.1590/S0100-55022007000200009 10.1111/j.1365-2929.2005.02094.x

FEMINA 2022;50(1):20-3 | 23
DEFESA E VALORIZAÇÃO PROFISSIONAL

Parto seguro N o debate sobre o parto respeitoso, a importância


de acolher a mulher e respeitar sua autonomia,
sem jamais desviar do balizador da segurança

e respeitoso:
materna, fetal e neonatal, tem se intensificado nos últi-
mos anos, com muitos avanços sociais e técnicos inte-
ressantes, mas também com posicionamentos às vezes
extremistas em alguns pontos.

visão da Atenta a esse movimento, a Diretoria de Defesa e Va-


lorização Profissional da Febrasgo traz aos associados a

Febrasgo e
informação e a divulgação de uma recente publicação do
Ministério da Saúde sobre o ambiente seguro para o par-
to, na Nota Técnica nº 2/2021-CGCIVI/DAPES/SAPS/MS.(1)

do Ministério
No documento, o Ministério da Saúde defende que a
escolha do local do parto deve valorizar o protagonis-
mo da mulher, com absoluto respeito aos seus direitos

da Saúde
e escolhas, desde que ela seja devida e corretamente
informada sobre as vantagens, desvantagens, riscos e
dificuldades em cada cenário de parto e nascimento.
Quanto ao parto no ambiente domiciliar, a nota téc-
Comissão Nacional de Defesa e Valorização Profissional. nica destaca como principais vantagens a probabilidade

24 | FEMINA 2022;50(1):24-5
PARTO SEGURO E RESPEITOSO: VISÃO DA FEBRASGO E DO MINISTÉRIO DA SAÚDE

de maior conforto e flexibilidade, a presença de mais do suporte necessário para intervir, de forma adequada,
familiares, o aspecto emocional de pertencimento e a de acordo com a necessidade; gestão aprimorada das
descrição de menor número de intervenções, como indicações das intervenções, tanto visando a reduzir
a indução do trabalho de parto, o parto operatório, a os agravos evitáveis quanto a elevar a satisfação das
ruptura artificial de membranas, o monitoramento fetal usuárias em uma experiência positiva para o parto.
contínuo, a analgesia peridural, os antibióticos profiláti- Por fim, o Ministério da Saúde do Brasil, ancorado no
cos, o parto vaginal instrumentalizado e a conduta ativa princípio da precaução ou prudência e baseando-se no
medicamentosa no secundamento. Mas também enfati- eixo da garantia da segurança no cuidado materno-in-
za que esse menor número de intervenções tem como fantil, desaconselha o parto domiciliar, no contexto bra-
principais vieses a inacessibilidade aos métodos e a se- sileiro. Nesse sentido, fomenta que todas as gestantes
leção de pacientes de menor risco potencial para esse recebam orientações sobre os riscos relacionados ao
cenário, além de que não há grande oferta de estudos parto em ambiente domiciliar. Considera e pactua com
clínicos randomizados, com metodologia rigorosa, que a necessidade de ampliação, organização e qualificação
corrobore uma suposta segurança no nascimento em tanto da estrutura física quanto do processo de trabalho
ambiente domiciliar. E salienta que, para uma parcela da rede de assistência materno-infantil brasileira, a fim
populacional, o nascimento domiciliar não se apresenta de garantir que o parto hospitalar seja seguro e respei-
como preferência, mas torna-se uma opção diante da toso e se torne uma experiência positiva na vida das
falta de acesso ao transporte, em tempo oportuno, para mulheres e de suas famílias.
uma maternidade, sendo, na verdade, não resultado de A nota é condizente com o posicionamento da Fe-
uma escolha, mas uma evidência a mais da deficiência brasgo. A Febrasgo, bem como a Academia Americana de
assistencial no país. Pediatria e o Colégio Americano de Ginecologia e Obste-
Na análise do ambiente hospitalar, o Ministério da trícia, defende que os hospitais e as maternidades são
Saúde apresenta como principal desvantagem o maior os locais mais seguros para o nascimento e que devem
risco de intervenções maternas e perinatais, por motivos possuir, por dignidade e respeito à sociedade e aos pro-
diversos, como mais acesso à tecnologia e aos procedi- fissionais, equipe de saúde completa, com obstetras,
mentos, insuficiência na rede e nas assistências iniciais, neonatologistas/pediatras, anestesistas, enfermeiros,
problemas de comunicação e deficiências no pré-natal técnicos de enfermagem e demais profissionais.(1,2) Além
e na assistência ao parto. Apesar disso, classifica o am- disso, a nota ressalta termos adequados e importan-
biente hospitalar como o local de maior segurança para tes de serem defendidos por todos os obstetras, como
o parto e o nascimento, devido, principalmente, à dispo- parto respeitoso, parto seguro, protagonismo da mulher
nibilidade de equipe assistencial completa, bem como e segurança integral do binômio materno-infantil.(3) A
ao acesso a transfusão sanguínea, antibióticos, anes- defesa desses termos é importante, em oposição a ter-
tesia, medicamentos de uso hospitalar restritos para mos depreciadores da classe médica, dos obstetras e
tratamento de hemorragia pós-parto (como o misopros- de todos os profissionais envolvidos em proporcionar,
tol), entre outros recursos que venham a ser necessários no momento do parto e nascimento, um ambiente res-
para tratar eventos de emergência do binômio materno- peitoso e seguro e uma experiência positiva para a mãe
-infantil, que são muitas vezes imprevisíveis. e o bebê.
Em linguagem clara, técnica e sem polarizações, o do- Convidamos todos os associados a refletir e se ma-
cumento afirma que 98% dos partos no Brasil ocorrem nifestar sobre esse tema. A Comissão de Defesa e Va-
em ambiente hospitalar, o que demonstra que muitas lorização Profissional da Febrasgo mantém-se atenta à
pessoas têm acesso ao serviço hospitalar e têm con- discussão e à divulgação das novidades, normas, reco-
fiança nas instituições e suas equipes, além de destacar mendações e legislações relacionadas.
as evoluções importantes da assistência obstétrica nos
últimos anos, na direção de um resgate das característi- REFERÊNCIAS
cas fisiológicas do parto e nascimento. Também insere o 1. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primária à Saúde.
enema pré-parto, a tricotomia perineal e a episiotomia Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Coordenação-
Geral de Ciclos da Vida. Nota Técnica nº 2/2021-CGCIVI/DAPES/SAPS/
de rotina entre as práticas reconhecidamente ultrapas- MS [Internet]. A presente nota técnica tem como objetivo orientar e
sadas e contraindicadas.(2) fornecer o posicionamento técnico do Ministério da Saúde do Brasil
a respeito de qual ambiente é considerado seguro para a escolha
A Febrasgo manifesta o seu total apoio e reforço ao do cenário de parto e nascimento às gestantes brasileiras. 2021
importante trecho da nota que valoriza a qualificação [cited 2021 Dec 15]. Available from: https://egestorab.saude.gov.br/
image/?file=20211211_N_NTPARTODOMICILIAR_6784229184478666706.pdf
dos cenários de parto e nascimento em todo o país nos 2. American College of Obstetricians and Gynecologists. ACOG Practice
quatro eixos: educação continuada em saúde, conside- Bulletin. Episiotomy. Clinical Management Guidelines for obstetrics-
rada uma das principais estratégias para atualização de gynecologists No. 71. Obstet Gynecol. 2006;107(4):957-62.
3. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 2.284, de 22 de
práticas; ampliação e qualificação do acesso à rede, por outubro de 2020. Dispõe que é ético o médico atender a vontade da
meio do fomento técnico e financeiro, objetivando a in- gestante de realizar parto cesariano, garantidas a autonomia do médico
e da paciente e a segurança do binômio materno-fetal, e revoga a
tegralidade do cuidado; garantia da segurança mater- Resolução CFM nº 2.144/2016, publicada no DOU de 22 de junho de 2016,
no-infantil, caracterizada pela existência fundamental Seção I, p. 138. Diário Oficial da União. 2021 maio 24;Seç. 1:143.

FEMINA 2022;50(1):24-5 | 25
CADERNO
CIENTÍFICO

SUMÁRIO
ARTIGO ORIGINAL
27 Perfil epidemiológico da
mortalidade materna
na Região de Carajás
CORPO EDITORIAL entre 2008 e 2018
Thaísy Andressa Bastos Primo de
EDITORES: Marcos Felipe Silva de Sá e Sebastião Freitas de Medeiros
Sousa Santos, Isabelle Christine
COEDITOR: Gerson Pereira Lopes Castro Franco, Lindely Wane Carvalho
Leite, Katiane da Costa Cunha
EDITOR CIENTÍFICO DE HONRA: Jean Claude Nahoum
CONSELHO EDITORIAL: Agnaldo Lopes da Silva Filho, Alberto Carlos Moreno ARTIGOS DE REVISÃO
Zaconeta, Alex Sandro Rolland de Souza, Almir Antonio Urbanetz, Ana 35 Neoplasia intraepitelial
Carolina Japur de Sá Rosa e Silva, Antonio Rodrigues Braga Neto, Belmiro escamosa cervical de
Gonçalves Pereira, Bruno Ramalho de Carvalho, Camil Castelo Branco, Carlos alto grau: abordagem
Augusto Faria, César Eduardo Fernandes, Claudia Navarro Carvalho Duarte
ambulatorial
Lemos, Cristiane Alves de Oliveira, Cristina Laguna Benetti Pinto, Corintio
Roberto de Oliveira Galvão
Mariani Neto, David Barreira Gomes Sobrinho, Denise Leite Maia Monteiro,
Edmund Chada Baracat, Eduardo Cordioli, Eduardo de Souza, Fernanda 51 “Tabela Periódica” da
Campos da Silva, Fernando Maia Peixoto Filho, Gabriel Ozanan, Garibalde Anticoncepção – uma
Mortoza Junior, Geraldo Duarte, Hélio de Lima Ferreira Fernandes Costa, ferramenta na escolha
Hélio Sebastião Amâncio de Camargo Júnior, Jesus Paula Carvalho, Jorge
contraceptiva
Fonte de Rezende Filho, José Eleutério Junior, José Geraldo Lopes Ramos,
Juliana Moi Silva dos Santos, Victoria
José Mauro Madi, Jose Mendes Aldrighi, Julio Cesar Rosa e Silva, Julio Cesar de Jorge, Giovanna Sandi Maroso,
Teixeira, Lucia Alves da Silva Lara, Luciano Marcondes Machado Nardozza, Ana Paula Junges, Murilo Gandon
Luiz Gustavo Oliveira Brito, Luiz Henrique Gebrim, Marcelo Zugaib, Marco Brandão, Jaqueline Neves Lubianca
Aurélio Albernaz, Marco Aurelio Pinho de Oliveira, Marcos Felipe Silva de
Sá, Maria Celeste Osório Wender, Marilza Vieira Cunha Rudge, Mário Dias RELATO DE CASO
Corrêa Júnior, Mario Vicente Giordano, Marta Francis Benevides Rehme, 61 Dissecção espontânea
Mauri José Piazza, Newton Eduardo Busso, Olímpio Barbosa de Moraes
da artéria coronária
Filho, Paulo Roberto Dutra Leão, Paulo Roberto Nassar de Carvalho, Regina
Amélia Lopes Pessoa de Aguiar, Renato de Souza Bravo, Renato Zocchio
em gestação gemelar
Torresan, Ricardo de Carvalho Cavalli, Rodolfo de Carvalho Pacagnella, no terceiro trimestre:
Rodrigo de Aquino Castro, Rogério Bonassi Machado, Rosa Maria Neme, relato de caso
Roseli Mieko Yamamoto Nomura, Rosires Pereira de Andrade, Sabas Carlos Gabriela Colasuonno Santos, Thaís
Gigliotti Malheiros Luzo, Maria Angélica
Vieira, Samira El Maerrawi Tebecherane Haddad, Sergio Podgaec, Silvana
Vilarinho Rossi, Lucas Eiti Nishizawa,
Maria Quintana, Soubhi Kahhale, Vera Lúcia Mota da Fonseca, Walquíria Andrea Danielle Santanna dos Santos,
Quida Salles Pereira Primo, Zuleide Aparecida Felix Cabral Aline Estefanes Eras Yonamine

26 | FEMINA 2022;50(1)
ARTIGO ORIGINAL Perfil epidemiológico
da mortalidade materna
na Região de Carajás
entre 2008 e 2018
Epidemiological profile of maternal
mortality in the Region of Carajás
between 2008 and 2018
Thaísy Andressa Bastos Primo de Sousa Santos1, Isabelle Christine Castro Franco1,
Lindely Wane Carvalho Leite1, Katiane da Costa Cunha1

Descritores RESUMO
Mortalidade materna; Morte
materna; Epidemiologia; Perfil Objetivo: Conhecer o perfil epidemiológico da mortalidade materna na Região de
de saúde; Saúde materna Saúde de Carajás entre os anos 2008 e 2018, a fim de gerar informações para nor-
tear investimentos e ações futuras. Métodos: Foram utilizados dados secundários
Keywords oriundos do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de
Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), organizados em dois grupos (adoles-
Maternal mortality; Maternal
death; Epidemiology; Health centes e adultas), com posterior tabulação e análise estatística a partir do teste
profile; Maternal health qui-quadrado e do teste G por meio do software BioEstat 5.3. Resultados: Foram
obtidos 894 óbitos no estado do Pará, dos quais 95 ocorreram na Região de Saúde
de Carajás. O perfil epidemiológico é caracterizado pela morte de mulheres adultas
(entre 20 e 59 anos), residentes em Parauapebas, pardas, com escolaridade entre 8
e 11 anos, solteiras e no ambiente hospitalar, predominando o tipo de causa obs-
tétrica direta e o período da morte durante o puerpério. Conclusão: A mortalidade
materna é um importante problema de saúde pública na região estudada, o que
demonstra a necessidade de intervenções na atenção à saúde materna a fim de
Submetido reduzir os óbitos evitáveis e reverter os elevados índices paraenses nessa temática.
28/04/2021
RESUMO
Aceito
Objective: To know the epidemiological profile of maternal mortality in the Carajás
29/11/2021
Health Region between the years 2008 and 2018, in order to generate information to
guide future investments and actions. Methods: Secondary data from the Mortality
1. Universidade do Estado do Pará,
Belém, PA, Brasil. Information System (SIM) and Information System of Live Births (Sinasc) were used,
organized into two groups (adolescents and adults), with subsequent tabulation and
Conflitos de interesse: statistical analysis from the Chi-square Test and G Test using the BioEstat 5.3 softwa-
Nada a declarar. re. Results: There were 894 deaths in the state of Pará, of which 95 occurred in the Ca-
rajás Health Region. The epidemiological profile is characterizes by the death of adult
Autor correspondente:
women (between 20 and 59 years old), living in Parauapebas, brown, with schooling
Thaísy Andressa Bastos Primo de
Sousa Santos between 8 and 11 years, single and in the hospital environment, predominantly the
Av. Hiléia, s/n, Agrópolis do Incra, type of direct obstetric cause and the period of death during the puerperium. Conclu-
Bairro Amapá, 68502-100, Marabá, sion: Maternal mortality is an important public health problem in the region studied,
PA, Brasil which demonstrates the need for interventions in maternal health care in order to
thaisyandressaprimo@gmail.com
reduce preventable deaths and reverse the high rates of Pará in this theme.
Como citar:
Santos TA, Franco IC, Leite LW,
Cunha KC. Perfil epidemiológico da INTRODUÇÃO
mortalidade materna na Região de
Carajás entre 2008 e 2018. Femina. A Organização Mundial de Saúde (OMS) define morte materna como sendo
2022;50(1):27-34. aquela ocorrida durante a gestação ou até 42 dias após o término desta, não

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Santos TA, Franco IC, Leite LW, Cunha KC

importando o seu local ou duração, de modo que tal período entre 2008 e 2018, por meio do Tabnet – Datasus.
desfecho se dê em virtude de qualquer motivo, agravo A sequência seguida foi Estatísticas Vitais; Mortalidade de
ou ação relacionada à gravidez, excetuando-se as cau- 1996 a 2018, pela CID-10; Óbitos de mulheres em idade
sas acidentais ou incidentais.(1) Dessa maneira, uma vez fértil e óbitos maternos; e, no mapa, foi selecionado o es-
que é considerada evitável em 92% dos casos, a morta- tado do Pará. A coleta se deu em duas etapas, conforme
lidade materna apresenta-se como um grave problema segue. Utilizou-se no campo Coluna a opção Faixa Etária;
de saúde pública e reflete a qualidade insuficiente dos em Conteúdo, Óbitos maternos; e em Períodos disponí-
cuidados prestados, fato evidenciado, principalmente, veis, de 2008 até 2018. Em todas as pesquisas foram uti-
nos países em desenvolvimento.(2) lizados os filtros Região de Saúde, sendo marcada a de
Nesse sentido, com o intuito de favorecer o desenvol- Carajás; Faixa Etária entre 10 e 59 anos; e Morte gravidez/
vimento humano em escala global, em 2000, foram for- puerpério, destacando-se as opções: durante gravidez,
mulados os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio parto ou aborto e puerpério, até 42 dias.
(ODM), entre os quais o quinto determinava que até 2015 De maneira específica, a linha foi adaptada de acordo
houvesse a redução de 75% da mortalidade materna em com a variável que se pretendia avaliar, como se segue:
relação aos índices estimados em 1990.(3) Tendo em vista na tabela 1 utilizou-se Região de Saúde (CIR); na tabela 2,
que a meta não foi concretizada, a necessidade de avan- município; na tabela 3, desenvolveram-se quatro pesqui-
ços em sua direção motivou a criação de um novo acordo, sas distintas, nas quais a linha variou entre cor/raça, es-
implementado pela agenda 2030: entre os Objetivos de colaridade, estado civil e local de ocorrência. De forma
Desenvolvimento Sustentável (ODS), o terceiro estabelece similar, a tabela 4 foi construída por duas pesquisas, em
que, até o referido ano, deve haver a redução da taxa de que se selecionaram tipo de causa obstétrica e morte
mortalidade materna global para menos de 70 mortes por gravidez/puerpério no campo da linha. Para desenvolver
100 mil nascidos vivos (NVs). No Brasil, o valor esperado a figura 1, a variável utilizada foi ano de óbito.
para o total de mortes foi ajustado para no máximo 30.(4) O Ministério da Saúde(7) classifica as mortes maternas
No âmbito nacional, ainda que os dados demons- por causas obstétricas de duas formas: direta e indireta.
trem aumentos pontuais em 2016 e 2017, a mortalidade A primeira refere-se às mortes relacionadas às intercor-
materna tem diminuído de forma acentuada nas últi- rências ao longo do ciclo gravídico-puerperal em virtude
mas décadas, sem, contudo, atingir o fim descrito pelos de ações, métodos terapêuticos inadequados, falhas ou
ODM.(4) Ressalta-se que a presença de desigualdades re- quadros que sejam resultantes de alguma dessas ra-
gionais contribui para a manutenção desse quadro, de zões. Já a indireta é definida por ser consequência de
modo que as regiões Nordeste e Norte são as que apre- afecções preexistentes ou que se desenvolveram e se
sentam maiores taxas de mortalidade materna.(4) acentuaram sob influência das mudanças fisiológicas
Nesse ínterim, o governo do estado do Pará, em 2019, oriundas da gestação.
instituiu o Pacto pela Redução da Mortalidade Materna A Razão de Mortalidade Materna (RMM) relaciona as
a partir do cofinanciamento estadual da Atenção Primá- mortes maternas obstétricas diretas e indiretas com o
ria em Saúde.(5) Assim, sob a perspectiva de elucidar as número de NVs, sendo expressa por 100.000 NVs.(7) As-
disparidades do interior paraense, o presente estudo sim, o cálculo foi feito por meio da divisão do número
tem como finalidade conhecer o perfil epidemiológico de óbitos maternos (provenientes do SIM) pelo de NVs
da mortalidade materna na Região de Saúde de Carajás, (provenientes do Sistema de Informações sobre Nasci-
entre 2008 e 2018, para, então, fornecer um diagnóstico dos Vivos – Sinasc) de mães residentes nas 13 regiões de
situacional que norteie investimentos e ações futuras. saúde do estado do Pará, na CIR de Carajás, anualmente,
de 2008 a 2018 e, individualmente, nos seus respectivos
municípios.
MÉTODOS De modo similar aos procedimentos no SIM, para a
Trata-se de um estudo quantitativo analítico, construído obtenção do número de NVs, no Sinasc, procedeu-se ao
mediante dados secundários de estatísticas vitais ex- acesso ao Tabnet – Datasus; Estatísticas Vitais; Nascidos
traídos do Sistema de Informações sobre Mortalidade Vivos de 1994-2018; Nascidos Vivos; e marcou-se o esta-
(SIM) – Datasus. Por se tratar de registro de domínio do do Pará no mapa. A Linha foi fixada segundo a infor-
público disponível na internet, é dispensada a aprova- mação de interesse: Região de Saúde, Ano do nascimen-
ção do Comitê de Ética em Pesquisa, segundo regula- to e Município; na coluna, Idade da mãe; em Conteúdo,
menta a Resolução do Comitê Nacional de Saúde (CNS) Nascimento por residência da mãe; e em Períodos dis-
nº 466/12. Ressalta-se que esse trabalho se fundamen- poníveis, os anos de 2008 a 2018. Foram utilizados os
tou na Declaração GARTHER, a qual delineia os melhores filtros Região de Saúde, nas tabelas 1 e 2 e na figura 1,
procedimentos para conduzir, a partir da reunião de di- marcando-se Carajás; e Idade da mãe, de 10 a 59 anos,
versas fontes, relatos quantitativos acerca da saúde de apenas na figura 1 e tabela 2.
populações e suas variáveis determinantes.(6) A tabulação dos dados foi realizada no programa Mi-
Foram coletados dados referentes aos óbitos mater- crosoft Excel (2016) e a análise foi desenvolvida no BioEs-
nos na Região de Saúde de Carajás contidos no SIM, no tat, versão 5.3, via teste qui-quadrado e teste G. Todas as

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Perfil epidemiológico da mortalidade materna na Região de Carajás entre 2008 e 2018
Epidemiological profile of maternal mortality in the Region of Carajás between 2008 and 2018

análises estatísticas foram feitas por meio da compara- Além disso, a tabela 1 mostrou, a partir da observa-
ção entre dois grupos etários: adolescentes (10 a 19 anos) ção dos valores absolutos, que as regiões de saúde com
e adultas (20 a 59 anos), e considerado p-valor < 0,05. maiores índices são: Metropolitana I (206), Baixo Ama-
zonas (95) e Carajás (95). Contudo, embora essas duas
RESULTADOS últimas tenham apresentado o mesmo número de ca-
sos totais, nota-se que diferem quanto à RMM nas duas
No período de 2008 a 2018, contabilizaram-se 894 óbitos faixas etárias, ambas acima da média estadual: Baixo
maternos no Pará, dos quais 95 se referem a CIR de Cara- Amazonas foi superior entre as adultas (66,2), enquanto,
jás e compõem a amostra do estudo. A organização dos entre adolescentes, Carajás se sobressaiu (48,1).
achados está dividida em parâmetros sociodemográfi- Com base nas informações apresentadas na tabela 1,
cos (Tabelas 1, 2 e 3 e Figura 1) e clínico-epidemiológicos depreende-se que a Região de Saúde Carajás é uma
(Tabela 4), os quais são agrupados em adolescentes (10 das principais detentoras de óbitos no estado do Pará.
a 19 anos) e adultas (20 a 59 anos). Nesse sentido, a figura 1 mostra a evolução temporal da
A tabela 1 mostra a frequência dos óbitos maternos RMM nessa região entre 2008 e 2018.
e a RMM por faixa etária nas 13 Regiões de Saúde do Conforme a tabela 1, observa-se que houve a dimi-
estado do Pará. nuição da RMM de adultas e o aumento dela entre as
Segundo a tabela 1, ao se considerar a distribuição adolescentes, sendo ambas significativas (p < 0,0001),
em cada faixa etária, evidencia-se que houve maior fre- de modo que tais variações foram representadas por
quência de mortes entre adultas (707), quando compa- 21,8 e 70,2 nas respectivas faixas etárias. Ainda sobre a
radas a adolescentes (187), padrão esse verificado em figura 1, com base na análise temporal, infere-se que,
todas as Regiões de Saúde do estado; destaca-se ainda entre 2008 e 2014, as RMMs foram mais elevadas entre
que essa diferença foi estatisticamente significativa (p adultas, com pico em 2014 (81,7); no entanto, a partir
< 0,0001). De maneira análoga, a RMM também obteve de 2015, as adolescentes obtiveram as maiores RMMs,
índices maiores entre adultas em grande parte das Re- com o ápice em 2017 (114,3). Por sua vez, relativamen-
giões de Saúde, com exceção do Xingu e Lago de Tucuruí, te ao comportamento de cada grupo, percebe-se que
nas quais os coeficientes entre as adolescentes foram as RMMs de adolescentes foram a mais oscilantes, com
mais elevados em relação às demais (55,6 e 47,9, res- intervalo de valores de 0 a 114,3, ao passo que as de
pectivamente). Além disso, verificou-se que as regiões adultas foram de 33,8 a 81,7. De maneira específica,
Marajó II (56,7), Xingu (55,6) e Tocantins (53,4) tiveram constata-se que a RMM de adultas apresentou quatro
destaque, com os maiores índices de RMM entre adoles- períodos de queda (2008-2010, 2011-2013, 2014-2016 e
centes. Concomitantemente, ao se analisar a RMM entre 2017-2018) intercalados por três períodos de ascensão
as adultas, vê-se o predomínio nas Regiões de Saúde (2010-2011, 2013-2014 e 2016-2017). Já em relação ao deli-
Marajó II (85,9), Metropolitana II (82,0) e Tocantins (67,5). neamento das RMMs entre as adolescentes, há um pa-

Tabela 1. Óbitos maternos e RMM por Região de Saúde do Estado do Pará e Faixa Etária (n = 894)

Adolescentes (10 a 19 anos) Adultas (20 a 59 anos)


Região de Saúde n (%) RMM* n (%) RMM* Total p-value
Araguaia 7 (15,9) 28 37 (84,1) 62,3 44
Baixo Amazonas 14 (14,7) 31,8 81 (85,3) 66,2 95
Carajás 22 (23,2) 48,1 73 (76,8) 56,2 95
Lago de Tucuruí 12 (32,4) 47,8 25 (67,6) 44,4 37
Metropolitana I 32 (15,5) 43,3 174 (84,5) 60 206
Metropolitana II 7 (15,6) 35,4 38 (84,4) 82 45
Metropolitana III 23 (25) 51,8 69 (75) 60,8 92
<0,0001
Rio Caetés 16 (27,6) 51,9 42 (72,4) 59,5 58
Tapajós 6 (24) 45 19 (76) 62,6 25
Tocantins 20 (23,8) 53,4 64 (76,2) 67,4 84
Xingu 12 (34,3) 55,6 23 (65,7) 46,5 35
Marajó I 3 (15,8) 23,2 16 (84,2) 58,2 19
Marajó II 13 (22) 56,6 46 (78) 85,9 59
Total 187 (20,9) 44,9 707 (79,1) 61,8 894
* Razão de Mortalidade Materna para cada 100.000 nascidos vivos.

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Santos TA, Franco IC, Leite LW, Cunha KC

120 - 114,3 113,8


RMM de adolescentes RMM de adultas
110 -
100 -
90 -
81,7 78
80 -
71
Valor da RMM

69,4 69,9
70 -
61
60 - 53,7 52,9
67,6
50 -
33,8 47,7 47,6
40 -
43,6 47,6 45,5
30 -
33,9
20 -
21,8 23,9
10 -
0 0
0-
2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
Ano correspondente
RMM: Razão de Mortalidade Materna para cada 100.000 nascidos vivos.

Figura 1. Razão de Mortalidade Materna na Região de Saúde de Carajás por ano de óbito e faixa etária (n = 95)

drão característico de consecutivos decréscimos (2008- bre a Escolaridade (Tabela 3), apesar de não significati-
2009, 2010-2011 e 2012-2013) e aumentos (2009-2010 e vos (p = 0,48), os valores absolutos permitem identificar
2011-2012), seguidos por uma tendência de crescimento a maior recorrência de mortes maternas no intervalo de
(2013-2018). Tendo em vista a mutabilidade do quan- 8 a 11 anos de estudo (34). Além disso, ao examinar as
titativo de óbitos ao longo do tempo entre as faixas idades, compreende-se que os óbitos entre as adultas
etárias, a tabela 2 apresenta dados relativos aos óbitos se deram em 23 casos, sendo superiores aos de adoles-
maternos e RMMs por municípios contidos na Região de centes, com 11. Acerca do Estado civil (Tabela 3), embora
Saúde de Carajás. estatisticamente não significativo (p = 0,40), a leitura
Na tabela 2, assim como mostrado na tabela anterior, da tabela 3 demonstra que, em números absolutos, a
observa-se a RMM maior no grupo das adultas (56,3), soma de óbitos foi maior entre as mulheres solteiras
em comparação com as adolescentes (48,2). Nesse con- (49), das quais 36 eram adultas e 13 eram adolescen-
texto, a disposição geográfica dos óbitos nos municí- tes. Entendidos os aspectos anteriores, é válido des-
pios permite verificar que Parauapebas lidera, com 32 tacar que o Local de ocorrência (Tabela 3) com maior
notificações, seguida por Marabá, com 24. Em se tra- frequência absoluta de óbitos foi o ambiente hospitalar
tando dos valores de RMM, ao comparar tais cidades (90), onde morreram 70 adultas e 20 adolescentes. No
entre si, novamente Parauapebas detém os maiores entanto, esse dado não é significativo (p = 0,72). Finali-
índices, tanto entre adolescentes (63,3) quanto entre zada a análise das variáveis sociais elencadas, parte-se
adultas (65,0). Também se observa que as RMMs mais para a avaliação das características clínicas dos óbitos
altas da Região de Saúde, entre adultas e adolescentes, maternos. Para tanto, a tabela 4 apresenta o Tipo de
foram encontradas, respectivamente, em Abel Figuei- causa obstétrica e o período em que ocorreram essas
redo (207,7) e Palestina do Pará (223,2). Não obstante, mortes ao longo do ciclo gravídico-puerperal.
embora numericamente diferente, a distribuição entre Consoante à tabela 4, observa-se o maior índice de
os municípios não possui associação significativa com morte materna na faixa etária adulta (73) em relação às
a mortalidade materna (p = 0,89). Além da distribuição adolescentes (22), fato encontrado nas duas variáveis
espaço-temporal, verificada anteriormente, a tabela 3 mostradas. Conforme o Tipo de causa obstétrica, o qual
agrega informações de cunho social em função das se- está ligado às mortes maternas de maneira significativa
guintes variáveis: Cor/raça, Escolaridade, Estado civil e (p = 0,0001), concebe-se o destaque para as causas dire-
Local de ocorrência. tas como determinantes entre os óbitos (64). Tratando-
De acordo com a tabela 3, em todas as variáveis -se do estudo entre as faixas etárias, em ambas, coinci-
expostas, é possível verificar o predomínio de mortes dentemente, a maior parte dos óbitos se deu em virtude
entre as adultas (73) contrastando com os óbitos entre de causas diretas, as quais ocasionaram a morte de 50
as adolescentes (22). Referente à Cor/raça, tendo em adultas e 14 adolescentes. Ainda referente à tabela 4,
vista que sua associação aos óbitos é significativa (p a avaliação do período da morte durante o ciclo graví-
< 0,0001), é perceptível a predominância de mortes en- dico-puerperal é significativa (p < 0,0001). Dessa forma,
tre as pardas (71) diante das demais classificações, fato constata-se a maior frequência absoluta de óbitos ao
esse também apurado quando se trata da investigação longo do puerpério, até 42 dias (62), cujo estudo especí-
em cada faixa etária, uma vez que tal categoria englo- fico das faixas etárias revela que, entre as puérperas, 46
bou 51 óbitos entre adultas e 20 entre adolescentes. So- eram adultas e 16 eram adolescentes.

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Perfil epidemiológico da mortalidade materna na Região de Carajás entre 2008 e 2018
Epidemiological profile of maternal mortality in the Region of Carajás between 2008 and 2018

Tabela 2. Óbitos maternos e RMMs na Região de Saúde de Carajás por Município e Faixa Etária entre 2008 e 2018 (n = 95)

Adolescentes (10 a 19 anos) Adultas (20 a 59 anos)


Município n (%) RMM* n (%) RMM* Total p-value
Abel Figueiredo 0 (0) 0 2 (100) 208 2
Bom Jesus do Tocantins 0 (0) 0 1 (100) 56 1
Brejo Grande do Araguaia 0 (0) 0 1 (100) 126 1
Canaã dos Carajás 1 (50) 37 1 (50) 12,2 2
Curionópolis 0 (0) 0 5 (100) 183 5
Dom Eliseu 3 (37,5) 125 5 (62,5) 84,5 8
Eldorado do Carajás 0 (0) 0 2 (100) 47,8 2
Itupiranga 2 (33,3) 64,4 4 (66,7) 56,9 6
0,89
Marabá 5 (20,8) 37,1 19 (79,2) 45,7 24
Nova Ipixuna 0 (0) 0 2 (100) 116 2
Palestina do Pará 1 (50) 223 1 (50) 117 2
Parauapebas 7 (21,9) 63,3 25 (78,1) 65 32
Rondon do Pará 1 (50) 40,6 1 (50) 17,1 2
São Domingos do Araguaia 1 (33,3) 68,4 2 (66,7) 66,1 3
São Geraldo do Araguaia 0 (0) 0 1 (100) 25,9 1
São João do Araguaia 1 (50) 145 1 (50) 65,9 2
Total 22 (23,2) 48,2 73 (76,8) 56,3 95
* Razão de Mortalidade Materna para cada 100.000 nascidos vivos.

DISCUSSÃO gião Norte é a quarta em relação à taxa de mortalidade


materna, com 11,57% das ocorrências, estando à frente
Exposto o panorama acerca da mortalidade materna
apenas da região Centro-Oeste.(10) Todavia, esse valor
na CIR de Carajás, é compreendida a necessidade de
não expressa a real situação, tendo em vista a grande
se descrever suas características epidemiológicas, visto
subnotificação característica de regiões menos desen-
que ela ocupa o segundo lugar em número de mortes
volvidas.(8)
do estado do Pará. Nesse ínterim, este trabalho arrema-
Apresenta-se, em relação à faixa etária, que a maior
ta que, avaliado o período entre 2008 e 2018, se pode
quantidade de óbitos ocorreu na faixa etária adulta,
inferir que a RMM, de modo geral, é crescente. Ademais, compreendida entre 20 e 59 anos. Estudos em outros es-
é firmado que o perfil epidemiológico dos óbitos ma- tados brasileiros apresentam resultado semelhante,(11-15)
ternos se constitui por mulheres adultas (entre 20 e 59 embora, dentro dessa mesma faixa etária, os trabalhos
anos), residentes em Parauapebas, pardas, com perío- tragam importantes discrepâncias de conclusões sobre
do de escolaridade entre 8 e 11 anos, solteiras, sendo a o intervalo analisado, expondo a maior mortalidade
maior ocorrência das mortes em ambiente hospitalar. materna dos 30 aos 39 anos(16) e acima dos 40 anos.(17)
O tipo de causa obstétrica mais presente é de origem Desse modo, os estudos trazem como principal fator
direta, além de as mortes ocorrerem majoritariamente que justificaria essa maior proporção em mulheres mais
no puerpério, até 42 dias. maduras o fato de estarem mais suscetíveis a hiperten-
Tomando-se como base a RMM de Carajás, 56,2 óbitos são gestacional e hemorragias pós-parto.(16,17) Já a análise
para cada 100.000 NVs, pode-se tecer uma comparação que remete a maiores mortes entre 20 e 29 anos, um
à RMM do estado do Pará, adquirida em estudo ante- estudo do Pará,(12) explica a maior quantidade pelo fato
rior,(8) a qual chegou ao valor de 59,1 óbitos para cada de essa ser a idade reprodutiva em que mais ocorrem
100.000 NVs, sendo essas consideradas quantias próxi- gestações, uma vez considerada a alta fertilidade.
mas. Ambos os totais são tidos como altos segundo o No entanto, apesar de as mortes entre adultas serem
padrão estabelecido pela OMS,(9) a qual preconiza entre expoentes, a gestação entre adolescentes, e por conse-
10 e 20 óbitos para cada 100.000 NVs, o que evidencia a guinte, os óbitos nessa faixa etária são considerados um
necessidade de políticas públicas e sociais a fim de me- problema de saúde pública no Brasil. Entre adolescen-
lhorar esse quadro. No entanto, de maneira antitética, tes, as complicações durante o período gestacional são
ao serem comparadas as cinco regiões administrativas mais frequentes do que as verificadas entre adultas, tais
do Brasil, em estudo baiano, tem-se que, das cinco, a re- como disfunções uterinas, hemorragias durante o puer-

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Santos TA, Franco IC, Leite LW, Cunha KC

Tabela 3. Óbitos maternos na Região de Saúde de Carajás por Cor/raça, Escolaridade, Estado civil, Local de ocorrência e Faixa
etária (n = 95)

Adolescentes Adultas (20


(10 a 19 anos) a 59 anos)
Variáveis n (%) n (%) Total p-value
Cor/raça Branca 1 (5) 19 (95) 20
Preta 1 (50) 1 (50) 2
Parda 20 (28,2) 51 (71,8) 71
<0,0001
Indígena 0(0) 1(100) 1
Ignorada 0 (0) 1 (100) 1
Total 22 (23,2) 73 (76,8) 95
Escolaridade Nenhuma 0 (0) 4 (100) 4
1 a 3 anos 2 (15,4) 11 (84,6) 13
4 a 7 anos 8 (27,6) 21 (72,4) 29
8 a 11 anos 11 (32,4) 23 (67,6) 34 0,48
12 anos e mais 0 (0) 6 (100) 6
Ignorada 1 (11,1) 8 (88,9) 9
Total 22 (23,2) 73 (76,8) 95
Estado civil Solteiro 13 (26,5) 36 (73,5) 49
Casado 1 (5,3) 18 (94,7) 19
Viúvo 0 (0) 1 (100) 1
0,4
Outro 8 (36,4) 14 (63,6) 22
Ignorado 0 (0) 4 (100) 4
Total 22 (23,2) 73 (76,8) 95
Local de Hospital 20 (22,2) 70 (77,8) 90
ocorrência
Outro estabelecimento de saúde 0 (0) 1 (100) 1
Domicílio 1 (33,3) 2 (66,7) 3 0,72
Outros 1 (100) 0 (0) 1
Total 22 (23,2) 73 (76,8) 95

pério e pré-eclâmpsia. Já em se tratando dos nascidos em outro trabalho, no qual, entre os óbitos maternos em
de mães adolescentes, são verificados problemas como que a escolaridade foi considerada, a maior parte esteve
baixo peso ao nascer e prematuridade.(18) no mesmo intervalo.(11) Não obstante, há estudos que de-
Neste estudo, no que tange à Cor/raça, verificou-se monstram divergência de resultados, apontando maior
a predominância de mortes maternas entre as pardas, mortalidade entre aquelas com ensino fundamental in-
característica também encontrada em outros estu- completo (quatro a sete anos de estudo).(12,14,15,17,19) Nesse
dos.(11-15,19) No entanto, existem outros estudos que de- contexto, a variável escolaridade exige destaque na Saú-
monstram uma maior mortalidade entre a população de Pública do Brasil, uma vez que é um importante fator
negra.(20) Além disso, destaca-se outro estudo realizado de risco associado ao óbito materno.(16,20)
no Pará,(12) o qual está em conformidade com o perfil No que concerne ao Estado civil, as solteiras são as
achado neste e denota 78,59% dos óbitos maternos en- que representam maior quantidade de óbitos mater-
tre as pardas. Vale destacar que a classificação quanto à nos, padrão similar ao constatado em outras referências
Cor/raça deve ser analisada com cuidado, considerando científicas.(12,14,15,20,22) Diante disso, percebe-se que a situa-
a grande miscigenação no país, além de o conceito Raça, ção conjugal é um fator influenciador na saúde materna,
no âmbito da saúde, ser comumente relacionado a um em que a rede de apoio e proteção, especialmente do
indicador subjetivo: cor da pele.(21) parceiro, é fundamental nesse período,(13) além de ou-
Em relação à Escolaridade, a maior recorrência de tras literaturas relacionarem esse indicador com pos-
mortes maternas se apresentou no intervalo de 8 a 11 síveis riscos à saúde da mulher, revelando, em muitos
anos de estudo, resultado semelhante ao identificado casos, desfechos fatais.(12,14,20,22)

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Perfil epidemiológico da mortalidade materna na Região de Carajás entre 2008 e 2018
Epidemiological profile of maternal mortality in the Region of Carajás between 2008 and 2018

Tabela 4. Óbitos maternos na Região de Saúde de Carajás por Tipo de causa obstétrica, Morte da gravidez ao puerpério e Faixa
etária (n = 95)

Adolescentes Adultas (20


(10 a 19 anos) a 59 anos)
Variáveis n (%) n (%) Total p-value
Tipo de causa Morte materna obstétrica direta 14 (21,9) 50 (78,1) 64
obstétrica
Morte materna obstétrica indireta 7 (24,1) 22 (75,9) 29
Morte materna obstétrica 0,0001
1 (50) 1 (50) 2
não especificada
Total 22 (23,2) 73 (76,8) 95
Morte da Durante a gravidez,
6 (18,2) 27 (81,8) 33
gravidez ao parto ou aborto
<0,0001
puerpério
Durante o puerpério, até 42 dias 16 (25,8) 46 (74,2) 62
Total 22 (23,2) 73 (76,8) 95

Observa-se ainda, referente ao Local de ocorrência, Pará obteve os piores índices da região Norte em todos
que a maior frequência de óbitos maternos se mani- os aspectos avaliados e se destacou como o que pos-
festou no ambiente hospitalar, circunstância consoan- suía a menor cobertura populacional em 2014. Soma-se
te com outros estudos acerca da mortalidade mater- a isso o fato de que todos os óbitos ocorridos por com-
na,(14,15,19,20) alguns com porcentagem de óbitos nesse plicações da gravidez, parto e puerpério são considera-
cenário correspondendo a mais de 90% dos casos.(12,22) dos evitáveis a partir da adequada assistência às causas
Fica claro, portanto, que, para atingir um patamar de de morte materna, de acordo com a lista de causas de
qualidade nos serviços de saúde materno-infantil, de- mortes evitáveis por intervenções do Sistema Único de
ve-se reavaliar as condições de assistência às gestantes, Saúde do Brasil.(29)
uma vez consideradas as possíveis condições que levam Outro aspecto pertinente à temática é a dificulda-
à mortalidade materna, como: precariedade na estrutu- de de estabelecer um panorama real da mortalidade
ra dos hospitais e demora no atendimento ou até ine- materna em virtude do grande número de subnotifica-
xistência dele.(12,19) ções dos sistemas de informação, além do inadequa-
Este trabalho demonstrou que, de 2008 a 2018, as do preenchimento das declarações de óbito, os quais
causas diretas foram predominantes entre os óbitos na contribuem para uma subestimação dos valores e repre-
CIR de Carajás, o que também foi evidenciado recente- sentam uma limitação inerente aos estudos com dados
mente no Amazonas,(14) na Bahia(15) e no próprio esta- secundários.(11,30)
do do Pará.(23) No território paraense, segundo estudo Desse modo, infere-se que, apesar dos esforços rea-
realizado entre janeiro de 2006 e dezembro de 2010,(8) lizados para melhorar a atenção à saúde da mulher e a
dentre as causas diretas, destacaram-se a hipertensão despeito da possível subnotificação, o elevado número
e a hemorragia, o que se assemelha ao padrão apre- de óbitos maternos na CIR de Carajás revela que o esta-
sentado pelo Brasil entre 1980 e 2010.(17) Tais conclusões do paraense ainda possui desempenho muito distante
são relevantes não apenas para o estabelecimento de do esperado e reflete a necessidade de maiores investi-
um diagnóstico situacional do componente materno na mentos a fim de reduzir a mortalidade materna.
região, mas também do infantil, haja vista que a doença
hipertensiva pode representar, por exemplo, um fator de
CONCLUSÃO
risco para o baixo peso ao nascer.(24)
Ademais, o período do puerpério também demons- Neste estudo foi possível inferir que a mortalidade ma-
trou destaque no quantitativo de mortes maternas, fato terna é um importante problema de saúde pública na
reiterado em diversos outros trabalhos.(11,12,13,25) Sabe-se região de saúde de Carajás, tendo em vista os índices de
que o pós-parto é marcado por diversas adaptações fí- RMM significativos ao longo da série temporal. Nesse sen-
sicas e emocionais na vida da mulher, de modo que fa- tido, evidenciou-se o caráter ascendente dos óbitos entre
tores de risco e complicações nesse momento são pas- o grupo das adolescentes nos últimos anos, ainda que,
síveis de evoluir para óbito.(26) Dessa forma, entende-se ao logo de todo o intervalo estudado, as mortes tenham
que a atenção qualificada tanto na gestação quanto no sido mais frequentes entre as adultas. Acrescenta-se a
puerpério é primordial no que tange à intervenção pre- isso o fato de que a cor/raça parda, bem como as causas
coce visando à redução dessas mortes.(27) obstétricas diretas e o período do puerpério foram sig-
Segundo uma pesquisa(28) que buscou avaliar a ade- nificativamente associados às mortes maternas, indican-
quação do pré-natal sob a ótica do acesso e da quali- do vulnerabilidades que precisam ser sanadas a partir
dade do cuidado prestado, atrás apenas do Amazonas, o de melhorias na atenção à saúde da mulher paraense.

FEMINA 2022;50(1):27-34 | 33
Santos TA, Franco IC, Leite LW, Cunha KC

No entanto, conforme previsto para trabalhos científicos, 11. Mascarenhas PM, Silva GR, Reis TT, Casotti CA, Nery AA. Análise da
mortalidade materna. Rev Enferm UFPE online. 2017;11 Suppl 11:4653-62.
algumas limitações foram encontradas, como o fato de os doi: 10.5205/1981-8963-v11i11a231206p4653-4662-2017
dados serem de origem secundária, estando sujeitos à 12. Botelho NM, Silva IF, Tavares JR, Lima LO. Morte materna no estado
correta submissão aos Sistemas de Informações em Saú- do Pará: aspectos epidemiológicos. Rev Para Med [Internet]. 2013
[cited 2020 Jan 17];27(1):1-11. Available from: http://files.bvs.br/
de. Ademais, aponta-se a possível subnotificação de ca- upload/S/0101-5907/2013/v27n1/a3503.pdf
sos, em geral, causada por problemas operacionais, como 13. Biano RK, Souza PC, Ferreira MB, Silva SR, Ruiz MT. Mortalidade materna
a precariedade de recursos humanos para desempenhar no Brasil e nos municípios de Belo Horizonte e Uberaba, 1996 a 2012. Rev
essa atividade e a necessidade dos aparatos tecnológicos Enferm Cent-Oeste Min. 2017;7:e1464. doi: 10.19175/recom.v7i0.1464
14. Medeiros LT, Sousa AM, Arinana LO, Inácio AS, Prata ML, Vasconcelos MN.
fundamentais. Nesse viés, esse estudo sugere a impor-
Maternal mortality in the state of Amazonas: an epidemiological study.
tância de novas pesquisas que aprofundem a identifica- Rev Baiana Enferm. 2018;32:e26623. doi: 10.18471/rbe.v32.26623
ção de possíveis causas e efeitos acerca da mortalidade 15. Gomes JO, Vieira MC, Mistura C, Andrade GG, Barbosa KM, Carvalho e Lira
materna, sendo válida a investigação sobre o impacto da MO, et al. Perfil sociodemográfico e clínico de mortalidade materna. Rev
Enferm UFPE online. 2018;12(12):3165-71. doi: 10.5205/1981-8963-v12i12a237
qualificação da formação dos profissionais de saúde na 316p3165-3171-2018
assistência durante o período da gravidez, parto e puer- 16. Riquinho DL, Correia SG. Mortalidade materna: perfil sociodemográfico
pério, além da verificação da efetividade da implemen- e causal. Rev Bras Enferm. 2006;59(3):303-7. doi: 10.1590/S0034-
71672006000300010
tação das políticas e metas dos programas voltados para
17. Morse ML, Fonseca SC, Barbosa MD, Calil MB, Eyer FP. Mortalidade
esse público. Em posse disso, será possível promover materna no Brasil: o que mostra a produção científica nos últimos
medidas de intervenção efetivas, as quais sejam pratica- 30 anos? Cad Saúde Pública. 2011;27(4):623-38. doi: 10.1590/S0102-
das baseadas em evidências e focadas na promoção da 311X2011000400002
18. Costa NL, Silva e Silva WC, Cunha KC. Avaliação dos desfechos obstétricos
saúde da mulher, e, assim, reduzir significativamente a entre grávidas adolescentes e adultas: um estudo transversal em
mortalidade materna no estado do Pará. um município da Amazônia brasileira. Femina [Internet]. 2020 [cited
2021 Jan 17];48(12):739-46. Available from: https://docs.bvsalud.org/
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bahiana/725 acervomais.com.br/index.php/saude/article/view/3018/1459

34 | FEMINA 2022;50(1):27-34
ARTIGO DE REVISÃO Neoplasia intraepitelial
escamosa cervical de
alto grau: abordagem
ambulatorial
High-grade cervical intraepithelial
neoplasia: outpatient approach
Roberto de Oliveira Galvão1

Descritores RESUMO
Neoplasia intraepitelial cervical;
Lesão intraepitelial escamosa As neoplasias intraepiteliais cervicais correspondem a alterações identificadas por
de alto grau; Citologia cervical; rastreamento citológico cervical e estudo histológico, pós-biópsia incisional guiada
Colposcopia cervical; Cirurgia de alta por colposcopia ou procedimento diagnóstico excisional. Podem ser tratadas com
frequência; Conização a bisturi frio abordagens conservadoras e procedimentos excisionais. A vacinação anti-HPV e o
tratamento excisional oportuno constituem, respectivamente, prevenção primária
Keywords e secundária contra o câncer do colo uterino.
Cervical intraepithelial
neoplasia; High-grade squamous RESUMO
intraepithelial lesion; Cervical
citology; Cervical colposcopy; Cervical intraephitelial neoplasms correspond to changes identified by cervical cito-
Loop electrosurgical excision logical screening and histological study, post-incisional biopsy guided by colposcopy
procedure; Cold knife conization or excisional diagnostic procedure. They can be treated with conservative approaches
and excision procedures. Anti-HPV vaccination and timely excional treatment are pri-
mary and secondary prevention against cervical cancer, respectively.

INTRODUÇÃO
A neoplasia intraepitelial cervical escamosa de alto grau é parte integrante
de um grupo de lesões precursoras do carcinoma escamoso invasivo do colo
Submetido
uterino, nas quais o epitélio escamoso estratificado do ectocérvix e início de
23/11/2020 canal é substituído por um epitélio anômalo em toda sua espessura, confi-
gurando, portanto, uma condição intraepitelial com possibilidades indiscu-
Aceito tíveis de invasão, a despeito da não desprezível chance de regressão, que
01/12/2021
deve, sim, ser cogitada, principalmente em pacientes jovens.(1,2)
1. Universidade Federal de
A terminologia desse importante grupo de patologias cervicais intraepite-
Uberlândia, Uberlândia, MG, Brasil. liais vem sendo padronizada por instituições – Sistema Bethesda – e foi, em
vários momentos – 1988, 1991, 2001 e 2014 –, modificada com o objetivo de
Conflitos de interesse: melhor adequação diagnóstica e terapêutica. Assim, para achados citológi-
Nada a declarar.
cos, utiliza-se a expressão “lesão intraepitelial escamosa” e para alterações
Autor correspondente: histológicas, “neoplasia intraepitelial cervical (NIC)”.(2)
Roberto de Oliveira Galvão Para lesões escamosas genitais, em todo mundo e também no Brasil, ado-
Avenida dos Jardins, 250, 38412-639, tou-se o “Lower Anogenital Squamous Terminology Standardization project”
Uberlândia, MG, Brasil
galvao.roberto@yahoo.com.br
– The LAST Project –, que usa a mesma terminologia para achados citológicos
e histológicos (lesão intraepitelial escamosa).(2-4)
Como citar: Alguns autores, em trabalhos atuais, mantêm a terminologia NIC; outros, para
Galvão RO. Neoplasia intraepitelial
laudos histológicos, mantêm a subdivisão das lesões intraepiteliais escamosas
escamosa cervical de alto grau:
abordagem ambulatorial. Femina. de alto grau (HSIL) em NIC 2 e NIC 3, tendo em vista uma tendência mais con-
2022;50(1):35-50. servadora para lesões NIC 2, principalmente em pacientes jovens (Quadro 1).(2-4)

FEMINA 2022;50(1):35-50 | 35
Galvão RO

Quadro 1. Neoplasia intraepitelial escamosa – Nomenclatura Quadro 2. Cofatores na patogênese das neoplasias
intraepiteliais e invasivas cervicais
Neoplasia intraepitelial Lesão intraepitelial escamosa
cervical grau 1 (NIC 1) de baixo grau (LSIL) Imunossupressão – Pacientes HIV-positivas têm maior
incidência de NIC, possivelmente pela maior prevalência
Substituição do terço inferior do epitélio; de HPV nesse grupo. O risco nessas mulheres de
alterações celulares leves; atipia coilocitótica infecções HPV-induzidas e, consequentemente, HSIL/
Neoplasia intraepitelial Lesão intraepitelial escamosa NIC 2/3 aumenta com o grau de imunossupressão, que
cervical grau 2 (NIC 2) de alto grau (HSIL) pode ser conduzido com a contagem de CD4. Câncer de
colo uterino é uma neoplasia definidora de AIDS.
Substituição dos dois terços basais do epitélio; atipias
celulares moderadas, com preservação de maturidade, Terapia imunossupressiva – Pacientes transplantadas e
heterogênea, P 16-positiva e pequena reprodutibilidade, outras com lúpus eritematoso sistêmico em uso de drogas
aspecto que motivou a classificação conjunta NIC 2/3 imunossupressoras têm risco aumentado para NIC.

Neoplasia intraepitelial Lesão intraepitelial escamosa Tabagismo e infecção por HPV têm efeito sinérgico para
cervical grau 3 (NIC 3) de alto grau (HSIL) indução de NIC e neoplasia invasiva. Nicotina, cotinina e
outros produtos de degradação do tabaco concentrados
Substituição de toda a espessura do no muco cervical induzem anormalidades celulares
epitélio; células com atipias severas no epitélio cervical e diminuição local da imunidade,
Fonte: Adaptado de Wright JD. Cervical intraepithelial neoplasia: terminology, diminuindo a quantidade e a função das células de
incidence, pathogenesis, and prevention [Internet]. 2020 [cited 2020 Jul 12]. Langerhans, células apresentadoras de antígenos,
Available from: https://www.uptodate.com/contents/cervical-intraepithelial- responsáveis pela ativação da imunidade celular.
neoplasia-terminology-incidence-pathogenesis-and-prevention(2) Kamilos MF,
Sarmanho FF. Neoplasia intraepitelial escamosa: diagnóstico, tratamento e Outras DSTs (herpes genital, clamídia). A condição social
seguimento. In: Cardial MF, Campaner AB, Santos AL, Speck NM, Barbosa MT,
e o estilo de vida de tais pacientes (maior exposição a
Martins CM, editores. Manual de diagnóstico e condutas em patologia do trato
genital inferior. Rio de Janeiro: Atheneu; 2018. p. 175-84.(3) Crum CP, Huh WK, DSTs) têm um significado mais importante, com vistas
Einstein MH. Cervical cancer screening: the cytology and human papillomavirus às infecções HPV-induzidas e consequentes neoplasias
report [Internet]. 2020 [cited 2020 Jul 18]. Available from: https://www. intraepiteliais, que o efeito específico de cada uma
uptodate.com/contents/cervical-cancer-screening-the-cytology-and-human-
delas, ainda que tais infecções possam ter alguma
papillomavirus-report(4)
influência na resposta imune dessas pacientes.
Contraceptivos orais em uso prolongado podem estar
INFECÇÕES HPV-INDUZIDAS associados com o aumento de risco de câncer de colo
As neoplasias intraepiteliais cervicais de alto grau em mulheres, provavelmente, mais expostas ao HPV.
(HSIL/NIC 2/3) são lesões induzidas por papilomavírus Alta paridade associada a infecção por HPV aumenta
humanos (HPV), no curso de infecções persistentes, pre- o risco de neoplasia escamosa de colo.
dominantemente por subtipos de HPV de alto risco (hr Fonte: Adaptado de Wright JD. Cervical intraepithelial neoplasia: terminology,
incidence, pathogenesis, and prevention [Internet]. 2020 [cited 2020 Jul 12].
HPV) – 16 e 18 (que estão presentes em 50% a 60% das Available from: https://www.uptodate.com/contents/cervical-intraepithelial-
lesões de alto grau e em 70% das lesões invasivas) e 31, neoplasia-terminology-incidence-pathogenesis-and-prevention(2) Pereyra EA,
Parellada CI. Entendendo melhor a infecção pelo papilomavirus humano. Porto
33, 35, 39, 45, 51, 52 e 58 (principais responsáveis pela Alegre: Artmed; 2003.(6)
NIC 2 e suas menores taxas de progressão). Trata-se de
vírus epiteliotrópico que pode permanecer não integra-
do, epissomal, induzindo doença intraepitelial de baixo matismos do hospedeiro e se estabelece na camada ba-
grau, ou integrado ao genoma da célula hospedeira, in- sal do epitélio, local metabolicamente ativo, onde esse
duzindo doença intraepitelial de alto grau ou invasiva. genoma viral, dentro do núcleo, permanece numa forma
A infecção persistente, aquela com resultados positi- epissomal (não integrado ao genoma do hospedeiro).
vos para HPV com intervalo de até 12 meses, e subtipos Nessa camada basal do epitélio, que é má apresentado-
de alto risco são os principais fatores na indução e pro- ra de antígenos e onde há baixa replicação do HPV, não
gressão de lesões, inicialmente intraepiteliais e que po- há expressivo estímulo do sistema imune, aspecto que
dem evoluir para invasão, podendo depender de outros atrasa o reconhecimento da infecção.(2,6) Em seguida a
cofatores (Quadro 2).(2) essa fase inicial aguda, a infecção tende a se manifestar,
A persistência da infecção por hr HPV é mais frequen- a depender, entre outros, de fatores relacionados à pró-
te com o aumento da idade, em comparação com mu- pria hospedeira e ao subtipo do HPV, apresentando as
lheres com menos de 25 anos; são infecções de maior seguintes evoluções:
duração pregressa e que tendem a perdurar mais nos • Infecção latente – Limitada à camada basal do epité-
próximos meses.(2) Ainda quanto às infecções HPV-indu- lio, com número muito baixo de cópias virais; a mais
zidas, principais responsáveis pela indução das HSIL/ frequente manifestação do HPV, ocorrendo em mais
NIC 2/3, elas estão inclusas no mais frequente grupo de de 90% das pacientes infectadas; sem nenhuma ma-
doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), de forma nifestação clínica, citológica e histológica; sem risco
que a maioria das mulheres sexualmente ativas (75% de contágio, podendo ser identificada por meio de
a 80%) terá adquirido uma infecção por HPV até os 50 testes de DNA-HPV; com duração indeterminada e
anos de idade.(2,5) A infecção por HPV ocorre por meio de com possibilidades de ser ativada por mecanismos
relações sexuais, quando o vírus penetra em microtrau- desconhecidos;(2,6,7)

36 | FEMINA 2022;50(1):35-50
Neoplasia intraepitelial escamosa cervical de alto grau: abordagem ambulatorial
High-grade cervical intraepithelial neoplasia: outpatient approach

• Infecção subclínica – Trata-se de infecção ativa, com DIAGNÓSTICO


replicação viral expressiva, epissomal, que resulta em
espessamento epitelial, aumento nuclear, multinu- Rastreamento: Teste de Papanicolaou
cleação, hipercromasia e coilocitose, responsáveis por – Citologia cervical
alterações citológicas, perfeitamente identificadas por A citologia convencional e a citologia em meio líqui-
colpocitologia, com sinais sugestivos na colposcopia do (CML) se apresentam como ferramentas disponíveis
e na inspeção visual (ao exame especular) com ácido para o respectivo rastreamento, não havendo evidências
acético a 5%, e pelos testes de DNA-HPV. As neoplasias de que a CML seja mais precisa na detecção de HSIL/
intraepiteliais cervicais são as lesões mais frequente- NIC 2/3.(13-35) A estratégia deve ser implementada, a cada
mente diagnosticadas neste grupo, geralmente oligos- triênio, após dois ou três exames colpocitológicos anuais
sintomático;(2,6,7) normais. Deve-se observar as normatizações, que vão
• Infecção clínica – Significativamente sintomática, ati- desde a coleta e fixação de material do ectocérvix, endo-
va, identificada facilmente pelo exame físico, podendo cérvix e vagina de forma padronizada, com periodicidade
corresponder a lesões condilomatosas genitais, doen- regular, em grupos populacionais organizados por convo-
ça invasiva e HPV-induzida de colo e doença invasiva cação individualizada, de 25 a 64 anos de idade, passan-
e intraepitelial de vagina, vulva, períneo e região pe- do por avaliação citológica de excelência e chegando, por
rianal. Diagnóstico clínico subsidiado por colposcopia fim, a uma conduta a ser definida pelos resultados citoló-
e biópsia;(2,6,7) gicos, confrontados a aspectos relacionados a colposco-
pia, resultados anatomopatológicos e características par-
• Eliminação do vírus – A maioria das infecções é eli-
ticulares de cada paciente (idade, definição de paridade,
minada naturalmente pelo sistema imunológico em,
hábitos, nível socioeconômico e opção da paciente), além
aproximadamente, nove meses, a partir do contágio,
de rigoroso controle de qualidade em todos passos dessa
chegando a 92% em dois a cinco anos.(2,6) A resolução
cadeia e com a proposição de uma cobertura máxima.
da infecção está relacionada com a regressão das al-
Consideradas todas essas premissas que caracterizam o
terações citológicas e se estabelece pela formação de
rastreamento de base populacional, associadas a uma
anticorpos anti-HPV, recrutamento de macrofágos e
abordagem com evidências clínicas robustas, estarão
ativação de linfócitos T-CD4+. Quando a resposta imu-
sendo implementadas medidas que sabidamente dimi-
ne é significativa, a infecção permanece latente ou é,
nuem as taxas de neoplasias do colo uterino tanto nas
rapidamente, suprimida;(2,6)
formas invasivas iniciais quanto intraepiteliais.(36,37)
• Transformação neoplásica – Situação em que o ge- Os resultados citológicos alterados que prenunciam
noma do HPV se integra ao genoma do hospedeiro, neoplasia intraepitelial escamosa de alto grau (HSIL/
aspecto que requer persistência viral de alto risco NIC 2/3) e doença invasiva do colo foram avaliados pelo
prolongada, algo em torno de 10% a 20% das mulhe- Kaiser Permanente Medical Program (USA), estudo com
res com expressão de doença ativa, ou que recidivam 1.000.000 de espécimes de citologia cervical que avaliou
após intervalo livre de doença, geralmente muitos o risco em cinco anos, em mulheres entre 30 e 64 anos
anos após a infecção inicial; nessas condições, a pos- com citologia HSIL, ASC-H, ASC US e LSIL.(8,9,38-43) Quanto
sibilidade de neoplasia intraepitelial de alto grau e/ às atipias em células glandulares (AGCs) e subcatego-
ou doença invasiva deve ser considerada.(2,6) rias, também podem prenunciar, além de lesões intrae-
A incidência de citologia HSIL situa-se em torno de piteliais e invasivas glandulares, lesões escamosas.(44-46)
0,21% de um total de diagnósticos com 96% de exames Concluindo, vale salientar a importância da colpoci-
citologicamente normais, em um estudo com 965.360 tologia para o diagnóstico oportuno das lesões intraepi-
espécimes de citologia cervical, em mulheres de 30 a teliais escamosas cervicais de alto grau, lembrando que
64 anos;(8,9) 70% a 75% dos diagnósticos citológicos de medidas complementares a esse diagnóstico citológico
HSIL poderão ter essa confirmação histopatológica.(4,10) – tais como colposcopia, tratamento oportuno e resolu-
As lesões NIC 3 regridem espontaneamente em torno de tivo das HSIL/NIC 2/3 na atenção secundária, além do
32% a 47%, enquanto progridem para neoplasia invasiva, indispensável seguimento pós-tratamento – são ações
se não tratadas, próximo de 12% a 40%.(11) Em pacientes que, comprovadamente, diminuem a incidência do cân-
com NIC 2, algo em torno de 50% dessas lesões regre- cer de colo num contexto quase que imediato.
dirão mesmo se não tratadas, conforme metanálise de
36 estudos com 3.160 pacientes com NIC 2, na qual, em
Rastreamento – Teste de DNA-HPV(13-15,36,37,47)
24 meses, 50% das lesões regrediram, 32% persistiram
e 18% evoluíram para NIC 3.(11,12) A faixa etária de maior Os referidos testes têm relevância expressiva na suspei-
acometimento vai de 25 a 35 anos, algo em torno de 10 ção diagnóstica das lesões HSIL/NIC 2/3, em um contex-
anos antes do início de incidência das neoplasias in- to de rastreamento, sendo indicados para pacientes de
vasivas, tempo mais que suficiente para que medidas 30 a 64 anos de idade, obedecendo algumas estratégias:
de prevenção secundária, sabidamente ambulatoriais, • Teste primário de HPV – O rastreamento apenas com
possam ser tomadas.(2,4,10) teste de DNA-HPV (ou genotipagem para HPV) tem

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maior sensibilidade para rastreio de HSIL/NIC 2/3 • Autocoleta de amostras – Trata-se de estratégia para
ou câncer de colo que o rastreamento com citologia mulheres que não têm acesso ao exame especular ou
(96,1% e 53% respectivamente) e elevadíssimo valor têm alguma dificuldade, de foro íntimo, em submeter-
preditivo negativo, de quase 100% (grande intervalo -se a um exame pélvico por um profissional da área
livre de doença, quando comparado com apenas ci- de saúde; pode ser usada para coleta de testes de
tologia negativa), permitindo longo intervalo de ras- DNA-HPV (que requerem pequena quantidade de cé-
treio. Quando negativo, poderá ser repetido em cinco lulas cervicais), amostrando a vagina com escova cer-
anos;(47) vical, swab de algodão, tampão ou lavagem cervicova-
• Coteste – Rastreamento em que colpocitologia e teste ginal, na maioria das vezes em seu domicílio. Desse
de DNA-HPV são realizados no mesmo material amos- material, apenas as cerdas da escova, destacadas do
trado, ao mesmo tempo. Quando ambos são negati- restante da haste, são inseridas em dispositivo com
vos (com resultados anteriores normais), o intervalo meio de transporte; o kit deverá ser devolvido para a
de rastreamento com essa estratégia é de cinco anos unidade de saúde ou remetido, via correio, para outra
e tem uma relação risco/benefício comparável ao ras- unidade receptora, para ser processado;(18,24)
treamento citológico trienal;(13) • Inspeção visual com ácido acético (IVA) – Estratégia de
• Teste de HPV reflexo – Rastreamento no qual a col- rastreamento usual em locais com recursos limitados,
pocitologia ASC-US é seguida de teste de DNA-HPV com custo totalmente acessível, factível com equipa-
no mesmo material. ASC-US são os mais frequentes mentos simples e rotineiros, disponíveis na assistência
entre os resultados citológicos anormais (2,8% de um primária à saúde (foco de luz, espéculo vaginal; 3,0 a 5,0
total de 965.360 exames, com 96% de esfregaços nor- mL de ácido acético 3% ou 5%), com resultado imediato
mais); ainda que a maioria das mulheres com ASC-US e curva de aprendizado muito curta (para enfermeiras,
não tenha lesões graves, o número absoluto de NIC técnicos e médicos da saúde da família, que são indis-
2/3 ou câncer invasor (nesse grupo) é maior que em pensáveis nesse rastreio). O princípio básico da IVA é
qualquer outra categoria de resultados citológicos, daí a precipitação de expressiva quantidade de proteínas
a importância da triagem com teste DNA-HPV para a (citoceratinas), habituais no núcleo e citoplasma do te-
identificação de mulheres com a possibilidade de te- cido afetado (NIC/neoplasia invasiva), provocada pelo
rem lesão de alto grau, que necessitam de tratamento ácido acético, que termina por formar um filtro que,
e seguimento, evitando-se tratamentos desnecessá- praticamente, reveste o córion com seus vasos averme-
rios em pacientes com lesões de menor relevância;(13,47) lhados, tornando a área branca, ou melhor, acetobran-
ca, que será tanto mais visível (a olho nu) quanto mais
• Teste de citologia reflexa – Rastreamento em pacien-
grave for a lesão, não se esquecendo das limitações do
tes com teste hr HPV positivo e citologia reflexa (mu-
teste, possivelmente, associadas à subjetividade pela
lheres com 30 anos ou mais) com o objetivo de iden-
dificuldade de padronização desse acetobranquea-
tificar quando realmente a referência à colposcopia
mento, com 79% e 85% de sensibilidade e especificida-
constitui uma boa indicação (teste DNA-HPV positivo,
de, respectivamente.(18,19)
citologia anormal). A triagem primária no estudo com
mais de 20.000 mulheres (POBASCAM) com testes de
hr HPV e citologia reflexa para mulheres com testes COLPOSCOPIA
positivos para HPV foi conclusiva para uma detecção A colposcopia, um clássico da propedêutica cervical,
mais precoce de NIC 2+ nessas mulheres; portanto, a continua sendo indispensável nas pacientes cuja cito-
identificação de tipos de HPV 16 e 18 em mulheres com logia identifica HSIL/NIC 2/3 em um programa de tria-
testes de DNA-HPV positivos aumenta a probabilida- gem com citologia isolada ou associada a um teste de
de diagnóstica de lesões NIC 2+.(13,16,17,36) A periodicidade DNA-HPV positivo, que, em algumas ocasiões, poderá
do rastreamento depende dos testes indicados e da também estar em um contexto isolado. Por outro lado,
combinação entre eles. A citologia realizada entre 25 e a colposcopia poderá ser relevante até nas circunstân-
64 anos, a cada três anos, após dois exames consecu- cias em que o médico se depara com lesões grosseiras,
tivos negativos, é segura. Mulheres entre 25 e 30 anos suspeitas, ou mesmo quando a inspeção visual cervical,
serão rastreadas apenas com citologia. A associação com ácido acético, sugerir algum grau de risco. Por últi-
de testes DNA-HPV com citologia, em mulheres com mo, a colposcopia faz parte da maioria dos protocolos
mais de 30 anos, a cada cinco anos é tão eficaz quanto de seguimento pós-tratamento das lesões escamosas
a citologia isolada a cada três anos. O valor preditivo e glandulares, tanto associada à citologia quanto, em
negativo dos testes de DNA-HPV é muito alto, aspecto condições excepcionais, aos testes de DNA-HPV, se dis-
que permite um maior intervalo (cinco anos) na perio- poníveis. Apesar da longevidade da colposcopia, pelo
dicidade do rastreamento. Mulheres com 65 anos ou baixo custo e expressiva aceitação em nosso país, ela
mais com teste DNA-HPV negativo (sem antecedentes não é um método de triagem – não sendo indicada em
patológicos cervicais importantes) podem encerrar o todos os exames ginecológicos –, é de fácil execução,
rastreamento;(13,15,36) com curva de aprendizado muito curta, é geralmente as-

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Neoplasia intraepitelial escamosa cervical de alto grau: abordagem ambulatorial
High-grade cervical intraepithelial neoplasia: outpatient approach

sociada com certo grau de subjetividade, que interfere liais e invasivos das neoplasias cervicais, sabidamente,
na sensibilidade, e, quando bem indicada, não deve ser HPV-induzidas. Daí que identificar, localizar (completa
preterida, tendo em vista que tais limitações diminuem ou parcialmente) e descrever os achados colposcópicos
com a experiência do médico. anormais da ZT é o aspecto preponderante para a geo-
A doença escamosa de alto grau (HSIL/NIC 2/3) é uma metria da ressecção em abordagens excisionais, sejam
de suas principais indicações e, possivelmente, a de elas diagnósticas e/ou terapêuticas; com esse objetivo,
maior sensibilidade, tendo em vista o volume assusta- classificou-se essa ZT (Quadro 3).(10,20,23)
dor de tais lesões nas unidades de colposcopia/cirurgia A descrição compreensiva dos achados colposcópi-
de alta frequência (CAF), que ampliam a experiência dos cos anormais enfatizando aspectos de superfície, cor,
médicos. Para padronização de terminologia dos acha- bordas e tipos de vasos permite, na maioria de vezes,
dos colposcópicos e ulterior conduta, faz-se necessária vislumbrar um diagnóstico sugestivo, principalmente
uma avaliação retrospectiva nas conclusões do Congres- em se tratando de doença escamosa.(34) Daí que tais ca-
so Mundial de Colposcopia e Patologia Cervical e Citolo- racterísticas (na terminologia colposcópica – Barcelona,
gia, de 1977 a 2011, no Rio de Janeiro.(20) Em todas essas 2002/terminologia colposcópica – Rio de Janeiro, 2011,
ocasiões, certamente, uma ou mais perspectivas foram com modificações) permitiram a introdução de um Guia
sendo abertas na tentativa de tornar o exame colpos- Referencial com características colposcópicas sugesti-
cópico cada vez mais próximo do resultado anatomo- vas de lesões de alto grau, baixo grau, neoplasia invasiva
patológico; entretanto, o diagnóstico colposcópico é, no e alterações metaplásicas (Quadros 4, 5, 6 e 7).(22,23)
máximo, sugestivo, nunca patognomônico, e tem como
premissa básica, na atualidade, fornecer o local para Quadro 3. Tipos de zona de transformação ao exame
uma biópsia incisional, localizar a JEC (principalmente colposcópico
a nova junção escamocolunar – NJEC), definir a posição
e o tipo de zona de transformação (ZT) e caracterizar ZT totalmente ectocervical,
Tipo 1
completamente visível.
a superfície e as bordas da lesão; enfim, descrever de
forma objetiva os achados colposcópicos anormais.(34) Tipo 2
ZT com componente endocervical,
Com todas essas considerações, é possível até vislum- totalmente visível.
brar a possibilidade de um adequado diagnóstico ex- ZT com componente endocervical,
Tipo 3
cisional, concomitantemente com a colposcopia, sem não totalmente visível.
biópsia prévia, que na maioria das vezes será também Fonte: Adaptado deMinistério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer José
Alencar Gomes da Silva (INCA). Diretrizes brasileiras para o rastreamento do
um procedimento terapêutico, muitas das vezes com câncer do colo do útero. 2ª ed. Rio de Janeiro: INCA; 2016.(10) Melo IM, Ribalta JCL.
margens livres, principalmente, em lesões escamosas. Classificações e terminologia. In: Martins NV, Ribalta JC, editores. Patologia do
Não se deve esquecer de que tais premissas requerem trato genital inferior. São Paulo: Roca; 2005. p. 534-9.(20) Campaner AB, Speck NM.
O exame do colo uterino: anatomia e classificação colposcópica. In: Cardial MF,
experiência, parcimônia e, em um futuro muito próximo, Campaner AB, Santos AL, Speck NM, Barbosa MT, Martins CM, editores. Manual
indicação por estimativa de risco.(48-68) de diagnóstico e condutas em patologia do trato genital inferior. Rio de Janeiro:
Atheneu; 2018. p. 123-31.(23)
Algumas considerações sobre colposcopia insatisfa-
tória, geralmente, em colos atróficos, lesionados, infla-
Quadro 4. Características colposcópicas sugestivas de
matórios ou não vistos: são situações em que não se alterações de alto grau/alterações maiores/grau 2
visualizam, preferencialmente, JEC, ZT, além de carac-
terísticas em superfície, bordas e, no mínimo, limite Superfície lisa; borda externa aguda, bem marcada.
cranial de eventual lesão, devendo-se lembrar de que Alteração acetobranca densa, que aparece
lesões não vistas pelo colposcopista (mas presumíveis precocemente e desaparece lentamente.
pela citologia ou testes de DNA-HPV) deverão ser pro-
Negatividade ao iodo; amarelo-mostarda
curadas (e vistas pelo patologista); esse aspecto muitas em epitélio densamente branco.
vezes permite procedimentos excisionais envolvendo
canal endocervical, a despeito de colposcopia insatisfa- Pontilhado grosseiro e mosaico de campos
irregulares e tamanhos discrepantes.
tória, mas precedida pela realização de nova escovação
de canal, ou curetagem endocervical (CEC), procedimen- Orifícios glandulares espessados.
tos que se equivalem. Sinal da borda interna – “lesão dentro da lesão”.
Não menos importantes são as considerações sobre
Sinal da crista – área digitiforme em relevo na JEC.
a ZT, que corresponde a uma região na transição entre
o epitélio glandular e o epitélio escamoso estratificado; Epitélio acetobranco denso no epitélio
trata-se de uma área com intensa atividade metaplásica, glandular pode sugerir doença glandular.
portanto com núcleos metabolicamente ativos, células Fonte: Adaptado de Melo IM. Colposcopia alterada – índice colposcópico. In:
Carvalho NS, editor. Patologia do trato genital inferior e colposcopia: manual
embrionárias com expressiva vulnerabilidade à agres- prático com casos clínicos e questões comentadas. Rio de Janeiro: Atheneu;
são pelo HPV e transformação oncogênica.(21) A ZT corres- 2010. p. 81-97.(22) Campaner AB, Speck NM. O exame do colo uterino: anatomia
e classificação colposcópica. In: Cardial MF, Campaner AB, Santos AL, Speck
ponde, anatômica e funcionalmente, ao local de início e NM, Barbosa MT, Martins CM, editores. Manual de diagnóstico e condutas em
desenvolvimento dos processos neoplásicos, intraepite- patologia do trato genital inferior. Rio de Janeiro: Atheneu; 2018. p. 123-31.(23)

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Quadro 5. Características colposcópicas sugestivas de câncer cuidadosa hemostasia que, se preterida, o sangramen-
invasivo to é significativo; entretanto, o material é muito bom,
principalmente, em espessura. Desenvolvidas por Car-
Lesão com superfície irregular, exofítica;
erosão, ulceração, sinais de necrose. tier nos anos de 1980 e, posteriormente, por Prendiville,
em 1989, e utilizadas em baixa potência, com formatos e
Áreas com acetobranqueamento denso; mosaico
dimensões adequados ao colo e à lesão a ser biopsiada,
grosseiro e pontilhado irregular extenso.
as alças de CAF melhoraram esse panorama. Suas prin-
Vasos atípicos e com maior fragilidade. cipais indicações são: retirada de fragmentos largos e
Fonte: Adaptado de Melo IM. Colposcopia alterada – índice colposcópico. In: profundos; orifícios glandulares espessados, que reque-
Carvalho NS, editor. Patologia do trato genital inferior e colposcopia: manual
prático com casos clínicos e questões comentadas. Rio de Janeiro: Atheneu;
rem profundidade; suspeita de doença invasiva, mesmo
2010. p. 81-97.(22) Campaner AB, Speck NM. O exame do colo uterino: anatomia em lesões pequenas; lesões papilares espessas; lesões
e classificação colposcópica. In: Cardial MF, Campaner AB, Santos AL, Speck de acesso difícil, desniveladas, fundos de sulcos; colos
NM, Barbosa MT, Martins CM, editores. Manual de diagnóstico e condutas em
patologia do trato genital inferior. Rio de Janeiro: Atheneu; 2018. p. 123-31.(23) esclerosados, onde as pinças deslizam; lesões que não
devem ser esmagadas, aspecto frequente com o uso de
Quadro 6. Características colposcópicas sugestivas de pinças; achados colposcópicos anormais visualizados
alterações de baixo grau/alterações menores/grau 1 no primeiro centímetro de canal, com orifício aber-
to (como biopsiar tais lesões? com pinças?). O uso de
Lesão com superfície lisa; borda externa irregular, geográfica. anestesia (1/2 carpule de prilocaína com felipressina)
Alteração acetobranca tênue, que aparece é indispensável; a hemostasia com eletrodo em esfera
tardiamente e desaparece rapidamente. é perfeitamente resolutiva. Curva de aprendizado curta
Pontilhado fino e mosaico regular.
com custo adequado às nossas condições.(25-29)
Procedimentos excisionais com material de maiores
Iodonegatividade moderada. dimensões e melhor qualidade, sem biópsia prévia, com
Fonte: Adaptado de Melo IM. Colposcopia alterada – índice colposcópico. In: finalidade diagnóstica (mas muitas vezes terapêutica,
Carvalho NS, editor. Patologia do trato genital inferior e colposcopia: manual
prático com casos clínicos e questões comentadas. Rio de Janeiro: Atheneu; quando não houver invasão), oferecem maior praticida-
2010. p. 81-97.(22) Campaner AB, Speck NM. O exame do colo uterino: anatomia de; esses aspectos devem ser considerados, levando-se
e classificação colposcópica. In: Cardial MF, Campaner AB, Santos AL, Speck
NM, Barbosa MT, Martins CM, editores. Manual de diagnóstico e condutas em
em conta a idade, a excelência na avaliação citocolpos-
patologia do trato genital inferior. Rio de Janeiro: Atheneu; 2018. p. 123-31.(23) cópica, a definição de paridade e a adequada estimativa
de risco,(68) nos seguintes cenários (Quadro 8).
Quadro 7. Características colposcópicas sugestivas de
alterações metaplásicas Quadro 8. Indicação de procedimentos excisionais em cenários
específicos
Superfície lisa com vasos de calibre uniforme
Discordância citocolposcópica (sem achados colposcópicos
Alterações acetobrancas moderadas
anormais, JEC/ZT não visíveis), escovação de canal alterada
Iodo negativo ou parcialmente positivo
Citologia HSIL/NIC 2+; achados colposcópicos maiores – ZT 1
Fonte: Adaptado de Melo IM. Colposcopia alterada – índice colposcópico. In:
Carvalho NS, editor. Patologia do trato genital inferior e colposcopia: manual Citologia HSIL/NIC 2+; achados colposcópicos maiores
prático com casos clínicos e questões comentadas. Rio de Janeiro: Atheneu; – ZT 2; escovação de canal alterada/HSIL+
2010. p. 81-97.(22) Campaner AB, Speck NM. O exame do colo uterino: anatomia
e classificação colposcópica. In: Cardial MF, Campaner AB, Santos AL, Speck Citologia HSIL/NIC 2+; achados colposcópicos maiores
NM, Barbosa MT, Martins CM, editores. Manual de diagnóstico e condutas em – ZT 3; escovação de canal alterada/HSIL+
patologia do trato genital inferior. Rio de Janeiro: Atheneu; 2018. p. 123-31.(23)
Citologia ASC-H; achados colposcópicos maiores – ZT 1,
ZT 2, ZT 3; escovação de canal alterada HSIL+
BIÓPSIA DIRIGIDA POR COLPOSCOPIA
Citologia AGC; sem achados colposcópicos
Trata-se de biópsia incisional, preferencialmente, dirigi- anormais; escovação de canal alterada
da por colposcopia após alteração colpocitológica, teste
de DNA-HPV positivo com colpocitologia reflexa alterada
e até em lesões grosseiras, possivelmente invasivas. Exe- AVALIAÇÃO ENDOCERVICAL
quível, na assistência secundária à saúde, com anestesia A avaliação do canal endocervical constitui aspecto im-
local, instrumental adequado, experiência em colposco- prescindível no diagnóstico das neoplasias intraepite-
pia e traquejo cirúrgico, com pinças de biópsia e CAF. O liais, invasivas, escamosas e glandulares do colo uterino,
dispositivo de Gaylor-Medina, disponível na maioria dos tendo em vista que tais neoplasias têm sua iniciação na
serviços, pode fornecer material adequado em mãos ex- JEC/ZT, cuja localização ecto ou endocervical é depen-
perientes; entretanto, em colos atróficos ou início de ca- dente da idade, fatores hormonais, pH vaginal e, possi-
nal, não é raro material esfacelado, em pequena quan- velmente, da própria patologia em curso. A abordagem
tidade e com espessura a desejar. A rotatória de Baliu dessa unidade JEC/ZT assume significativa importância
Monteiro é uma opção fácil para colo hipertrófico e em na discordância citocolposcópica e, obviamente, nas
orifícios glandulares espessados; não se esquecendo de situações em que a referida unidade é inacessível ao

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Neoplasia intraepitelial escamosa cervical de alto grau: abordagem ambulatorial
High-grade cervical intraepithelial neoplasia: outpatient approach

colposcópio. Três estratégias são utilizadas nessa ava- biliza a definição do grau de atipia e que prejudica a
liação, sem que nenhuma delas tenha maior relevância anatomia patológica do canal, se uma conização se fizer
do que as outras em termos de acurácia. necessária a seguir; possivelmente, todas essas consi-
Escovação de canal endocervical – Como método derações podem influenciar a sensibilidade e a acurá-
propedêutico, nas discordâncias citocolposcópicas (ci- cia do método.(30,31) Evidências disponíveis apontam bom
tologia HSIL/NIC 2/3, ASC-H, AGC versus colposcopia sem desempenho da CEC para diagnóstico de lesões precur-
achados anormais/JEC/ZT não visíveis), tem sua prin- soras endocervicais em mulheres com citologia alterada
cipal indicação, antes de um procedimento diagnóstico com material suficiente para análise histológica, com
excisional, ainda que este procedimento se constitua sensibilidade de 86% e especificidade de 97%.
no padrão-ouro de avaliação de canal; entretanto, em Não foram encontradas evidências que comprovas-
pacientes jovens, com paridade não definida, a possibi- sem a superioridade de um dos testes – escovado en-
lidade de morbidade obstétrica com esse procedimento docervical, CEC, microcolpo-histeroscopia – em relação
excisional deve ser considerada.(10,30) Ao contrário, em aos outros no diagnóstico de lesões intraepiteliais de
pacientes mais velhas, ou com paridade definida, uma alto grau ou câncer, localizados no canal endocervi-
conduta excisional sem nova avaliação do canal é acei- cal.(30,31) Concluindo, segundo o Instituto Nacional de
tável. A escovação apenas de canal, depositada em uma Câncer (INCA), a escovação endocervical deve ser o mé-
lâmina, realizada com inserção completa das cerdas da todo escolhido quando houver indicação de avaliação
escova, por meio do orifício externo do colo, seguida de do canal endocervical; a CEC deve ser uma prerrogativa
movimentos de rotação e posterior fixação convencio- dos serviços com boa experiência na obtenção de mate-
nal, é um procedimento rápido, indolor, de baixíssimo rial endocervical com pequena proporção de espécimes
custo e com baixa probabilidade de material inadequa- inadequados.(10)
do para exame (Quadro 9).(10,30) Abordagem – Pacientes com HSIL/NIC 2/3 constituem
grupo heterogêneo de situações:
Quadro 9. Avaliação de sensibilidade, especificidade e Pacientes com diagnóstico citológico – Grupo volu-
material inadequado moso de pacientes, oriundas de rastreamento na aten-
Amostras citológicas – sensibilidade: 44%; ção primária, com diagnóstico transitório, que, muitas
especificidade: 88%; material inadequado: 2% vezes, requer estudo histológico; entretanto, a biópsia
prévia em inúmeras situações pode ser preterida diante
Curetagem endocervical – sensibilidade: 33%;
especificidade: 100%; material inadequado: 22% de colposcopia com achados maiores, JEC visível e ZT
bem identificada (1 e 2); por outro lado, em situações
Estudo observacional com atipias glandulares:
como a discordância citocolposcópica (sem achados
Amostra citológica – sensibilidade: 66%
anormais, maiores), uma nova escovação endocervical
Fonte: Adaptado de Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer José
Alencar Gomes da Silva (INCA). Diretrizes brasileiras para o rastreamento deve ser considerada antes de um procedimento diag-
do câncer do colo do útero. 2ª ed. Rio de Janeiro: INCA; 2016.(10) Barbosa NR. nóstico excisional (EZT), interessando o canal. As pa-
Desempenho de métodos diagnósticos para avaliação do canal endocervical em
pacientes com citologia alterada: uma metanálise [dissertação]. Rio de Janeiro: cientes desse modelo diagnóstico podem se apresentar,
Fundação Oswaldo Cruz; 2016.(30) em especial, com citologia HSIL/NIC 2/3, ASC-H, ASC-US,
LSIL e AGC;
CEC – Disponível na atenção secundária, tem como Pacientes com diagnóstico histológico – Originárias
objetivo principal a identificação de lesões endocervi- da atenção secundária, após biópsia guiada por colpos-
cais pressupostas por citologia anormal, com ausência copia, tais pacientes prescindem de quaisquer outras
de achados colposcópicos anormais no ectocérvix e abordagens anteriores ao tratamento (em particular
com JEC/ZT não completamente visíveis. É usada, em al- testes de DNA-HPV, vez ou outra, solicitados nessa eta-
guns países, em todas as pacientes com citologia anor- pa) e podem se apresentar com histologia compatível
mal, concomitantemente com a colposcopia; entretanto, com HSIL/NIC 2/3, adenocarcinoma in situ e neoplasia
é pouco informativa quando usada, rotineiramente, na invasiva escamosa ou glandular;
prática colposcópica; entretanto, as mulheres mais ve- Características colposcópicas – Disponível na aten-
lhas (com citologia de alto grau) se beneficiam mais com ção secundária, a colposcopia é a abordagem inicial em
essa estratégia.(33) As principais indicações são específi- todas pacientes com diagnóstico citológico de HSIL/NIC
cas para pacientes com citologia HSIL/NIC 2/3, ASC-H, 2/3, ASC-H e AGC, e naquelas com diagnóstico histológico
AGC e adenocarcinoma in situ.(21,30) Trata-se de procedi- (seja como guia na biópsia incisional ou nas abordagens
mento cruento e doloroso que requer, no mínimo, anes- de diagnóstico excisional) compatível com HSIL/NIC 2/3,
tesia local, realizado com cureta de Kevorkian ou outro adenocarcinoma in situ e doença invasiva, escamosa ou
dispositivo escolhido ou idealizado por profissional ex- glandular. Os achados colposcópicos maiores, classica-
periente. O aspecto limitante dessa estratégia é a quali- mente, muito bem normatizados, permitem, nas lesões
dade do material, muitas vezes reduzido e fragmentado, escamosas, um diagnóstico sugestivo, que muitas vezes
contendo apenas epitélio glandular superficial, sem o dispensa uma biópsia prévia, principalmente diante de
correspondente córion, aspecto que muitas vezes invia- JEC visível, ZT 1/2, além de concordância citocolposcópi-

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ca. Outras vezes, nem todas essas premissas precisam hemorragia entre as demais técnicas excisionais,(50) não
estar presentes para uma conduta mais resolutiva, logi- se devendo esquecer de que tais resultados são de-
camente, em mãos experientes; nessa abordagem, ida- pendentes de características colposcópicas, extensão
de, definição de paridade e grau da doença devem ser da lesão em superfície e envolvimento de canal endo-
pesados para uma avaliação do risco/benefício, antes cervical, equipamento disponível e, fundamentalmen-
que uma abordagem excisional, principalmente em pa- te, experiência do médico. De tal forma que Unidades
cientes jovens, seja implementada; de Colposcopia/CAF inseridas na atenção secundária
Grau histológico da lesão – A abordagem será tanto resolvem um número maciço desses casos, muitas ve-
mais resolutiva, intervencionista e cruenta quanto maior zes até pelo Ver e Tratar. Uma consideração sobre o
for o grau da NIC, tendo em vista a expressiva possibili- espécime cirúrgico, apenas fornecido pelas técnicas
dade de evolução para formas invasivas – algo em torno excisionais, que diferencia essas abordagens é o diag-
de 12% a 40% – que essas lesões NIC 3 apresentam.(11) As nóstico histológico, que só será completo com avalia-
NIC 2, que podem regredir espontaneamente em 50% ção criteriosa de margens, em que pesem eventuais
das vezes, apresentam menor reprodutibilidade no dificuldades impostas pelo efeito térmico, ocasional,
diagnóstico histológico, aspecto que requer a realização na CAF. Além de indicações clássicas, deve-se se con-
de imuno-histoquímica para P16, cuja superexpressão é siderar o estudo histológico em material excisional (e
um marcador de NIC 2+;(11,17) ao contrário, quando não não incisional), nas seguintes situações: a) na discor-
há essa superexpressão (P16 negativa), essas lesões são dância citocolposcópica (citologia HSIL/ASC-H com au-
agrupadas como LSIL e assim conduzidas. A positividade sência de achados maiores na colposcopia, JEC/ZT não
da P16/KI-67 apresenta alta sensibilidade e especifici- visíveis), quando a avaliação de canal estiver alterada,
dade para NIC 3, aspecto que pode diminuir o número a abordagem excisional de canal deve ser considerada;
dessas pacientes referenciadas para a colposcopia.(17) b) pacientes com alguma suspeita (carcinoma oculto,
microinvasão), não totalmente conclusiva, colposcópi-
TRATAMENTO ca ou de qualquer outra natureza, sugestiva de doença
invasiva, requerem abordagem excisional; c) pacientes
O tratamento das lesões intraepiteliais escamosas de
com citologia AGC, ou subcategorias, após avaliação de
alto grau (HSIL/NIC 2/3) representa a mais importante
canal, poderão ser submetidas a procedimento excisio-
ação médica no tocante à diminuição expressiva dos
nal, que incluirá abordagem adequada de canal endo-
casos de neoplasia invasiva, escamosa e glandular, em
cervical.(49) Entre as mais utilizadas técnicas excisionais
um contexto quase que imediato; a vacinação anti-HPV,
e até ablativas, existe uma taxa média de NIC 2+ resi-
indispensável, impactará resultados no futuro.
dual ou recorrente de 5% a 17% (Quadros 13 e 14).(10,49,51,52)
Tratamento pós-diagnóstico cito-histológico – A
Por outro lado, quando as margens são negativas,
maioria das pacientes que se apresentam para o tra-
tamento de HSIL/NIC 2/3 são portadoras de um diag- ainda assim existe um risco de doença residual, não
nóstico presumido pela citologia que será confirmado desprezível, em torno de 0,9% a 27%, que implica segui-
pelo estudo histológico, seja na biópsia incisional ou no mento adequado para tais pacientes. Por fim, espécime
procedimento diagnóstico excisional. Todas essas pa- cirúrgico advindo de abordagem excisional, em mulhe-
cientes, agrupadas por idade, serão avaliadas por col- res com citologia HSIL/NIC 2/3, sem lesão significativa
poscopia (Quadros 10 e 11).(3,10,11,48) na histologia, pode significar perda da lesão durante
a propedêutica; tais pacientes deverão ter seguimento
idêntico ao de mulheres com margens comprometidas
FORMAS DE TRATAMENTO (Quadro 15).(26,49,50,53)
Tratamento excisional ambulatorial (EZT) – Normatiza-
do pelo INCA em 2010, realizado no Brasil, na imensa CAF – COMPLICAÇÕES/MORBIDADE
maioria das vezes por CAF, com geometria de ressecção
definida pelo tipo de ZT. Sua classificação é mostrada Sangramento intraoperatório – Em “condições ideais”,
no quadro 12.(10,26) que não devem ser preteridas (equipamento que ofe-
rece potência de corte e coagulação adequadas, alças
de boa qualidade, com pequena taxa de reutilização;
CAF/LEEP (DO INGLÊS LOOP colo sem sinais gestacionais e/ou cervicite aguda de
ELECTROSURGICAL EXCISION PROCEDURE) outra etiologia, anestesia com vasoconstrictor, médi-
Trata-se da principal estratégia excisional, amplamente co com experiência e, excepcionalmente, anestesia de
usada no Brasil e em diversos outros países, em regime condução), a ocorrência de hemorragia preocupante é
“Ambulatório-Hora”, em vez de “Hospital-Dia”. A eficá- em torno de 1%; pode ser facilmente contornada com
cia dessa abordagem excisional oscila entre 90% e 95% medidas ambulatoriais que vão do eletrodo em esfera
das vezes, semelhante a técnicas ablativas (quando com potência adequada à sutura com Vycril 1.0, que,
selecionadas, com muita experiência),(49) com nenhu- em algumas situações, não poderá ser demasiadamen-
ma diferença significativa nas taxas de recorrência e te protelada.

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Neoplasia intraepitelial escamosa cervical de alto grau: abordagem ambulatorial
High-grade cervical intraepithelial neoplasia: outpatient approach

Quadro 10. Tratamento de pacientes com HSIL/NIC 2/3 com 25 anos ou mais de idade

Pacientes com citologia HSIL/NIC 2/3, ASC-H, lesão intraepitelial de alto grau, não podendo excluir microinvasão,
carcinoma escamoso invasor, células atípicas de origem indefinida, células glandulares atípicas (AGC) e
adenocarcinoma in situ e invasor: serão, em primeira abordagem, submetidas à colposcopia.
Colposcopia com achados maiores, sem sinais de invasão e/ou doença glandular, JEC visível, ZT 1/2, em pacientes com
mais de 25 anos, paridade definida e bem orientadas: pacientes serão abordadas pelo “Ver e Tratar”, concomitantemente
com a colposcopia em “ambulatório-hora” (em vez de hospital-dia), sem biópsia prévia. Trata-se de um procedimento
diagnóstico e terapêutico excisional (EZT), idealmente, com 10% a 20%, no máximo, de resultados negativos ou NIC 1.(10)
Sobretratamentos em 13 estudos (n = 4.611) com média de: 11,6%, no caso de alto grau citológico e colposcópico; 29,3%, no
caso de alto grau citológico e baixo grau colposcópico; 46,4%, no caso de baixo grau citológico e alto grau colposcópico;
72,9%, no caso de baixo grau citológico e colposcópico.(48) Sobretratamento foi definido como tratamento em pacientes
com NIC 1 ou sem NIC. “Ver e Tratar” é uma conduta justificada em casos de citologia e colposcopia de alto grau.(48)
Colposcopia com achados maiores, JEC não visível ou parcialmente visível (ZT 3): abordagem com EZT 3 deverá ser considerada.(10)
Colposcopia sem achados anormais, JEC não visível e citologia HSIL/NIC 2/3 em pacientes com mais de 25 anos
significa discordância citocolposcópica que exige avaliação de canal endocervical, na maioria dos serviços, pela
simples escovação.(3) Pacientes com citologia de alto grau (no canal) poderão ser abordadas por exérese da zona de
transformação (EZT 3), cujas geometria e dimensões vão depender de características colposcópicas, definição de paridade
e, principalmente, como já dito, da idade dessas pacientes. Quando a escovação do canal evidenciar citologia normal
ou LSIL, tais pacientes serão acompanhadas com citocolposcopia semestral. Na persistência de HSIL citológica, sem
achados colposcópicos, tratamento com EZT deve ser considerado.(3,10) Deve ser ressaltada a importância da colposcopia
vaginal, facilmente exequível, ao contrário da dificuldade na logística da revisão de lâmina, em muitas situações.
Colposcopia com achados anormais menores, JEC não visível/ZT 3 e citologia HSIL/NIC 2/3 em pacientes com mais de
25 anos: as pacientes poderão ser submetidas a biópsia guiada por colposcopia e/ou escovação de canal endocervical:
no caso de resultado histológico da biópsia e/ou citológico do canal compatíveis com lesão de alto grau, elas serão
abordadas com EZT 3; ao contrário, no caso de resultados negativos ou HSIL/NIC 1, realiza-se seguimento citocolposcópico
em 6 meses.(3,10) Tudo isso, não se esquecendo de que, além da citologia, colposcopia e histologia, a definição de
paridade e idade da paciente é balizadora tanto em condutas mais intervencionistas quanto nas conservadoras.
Colposcopia com achados anormais menores e JEC visível: realizar biópsia; se a histologia for compatível com HSIL/NIC 2/3,
EZT deve ser considerada. No caso de histologia negativa ou NIC l, realizar seguimento citocolposcópico em 6 meses.(10)
Colposcopia seguida de diagnóstico histológico HSIL/NIC 2/3: tratamento com EZT deve ser considerado; seguimento em
pacientes com paridade não definida, com citocolposcopia e teste hr HPV em 6 e 12 meses é uma possibilidade.(11)
Colposcopia seguida de diagnóstico histológico NIC 2: tratamento com EZT deve ser considerado;
entretanto, em pacientes com paridade não definida e colposcopia com JEC/ZT visíveis e
avaliação endocervical normal, uma conduta conservadora pode ser considerada.(11)
Colposcopia seguida de diagnóstico histológico NIC 3 com JEC/ZT não totalmente visíveis e citologia de
canal com NIC 2+: tratamento excisional deve ser considerado, ao contrário de seguimento.(11)
Colposcopia em quaisquer resultados citológicos, com lesões grosseiras e/ou sinais sugestivos de invasão, independentemente
da idade: as pacientes serão submetidas a biópsia incisional; se positiva, serão referenciadas para nível terciário.(10)
Colposcopia em pacientes com citologia AGC (e subcategorias) com achados sugestivos de doença glandular, em
que pesem a inespecificidade e a subjetividade de tais achados, deve ser considerada, tendo em vista que em
50% dos adenocarcinomas in situ existe doença escamosa concomitante. Tais pacientes podem ser conduzidas
com colposcopia e citologia de canal concomitantes; entretanto, em muitas situações, a doença glandular é
identificada após procedimento diagnóstico excisional, quando em abordagem para doença escamosa. Vale ressaltar
a importância, principalmente em pacientes jovens, de um número expressivo de lesões benignas, assintomáticas,
nesse grupo de pacientes com citologia AGC, nas quais abordagens conservadoras devem ser consideradas.
Fonte: Adaptado de Kamilos MF, Sarmanho FF. Neoplasia intraepitelial escamosa: diagnóstico, tratamento e seguimento. In: Cardial MF, Campaner AB, Santos AL, Speck
NM, Barbosa MT, Martins CM, editores. Manual de diagnóstico e condutas em patologia do trato genital inferior. Rio de Janeiro: Atheneu; 2018. p. 175-84.(3) Ministério
da Saúde. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). Diretrizes brasileiras para o rastreamento do câncer do colo do útero. 2ª ed. Rio de
Janeiro: INCA; 2016.(10) Wright JD. Cervical intraepithelial neoplasia: management [Internet]. 2020 [cited 2020 Jun 25]. Available from: https://www.uptodate.com/contents/
cervical-intraepithelial-neoplasia-management.(11) Ebisch RM, Rovers MM, Bosgraaf RP, van der Pluijm-Schouten HW, Melchers WJ, van der Akker PA, et al. Evidence
supporting see-and-treat management of cervical intraepithelial neoplasia: a systematic review and meta-analysis. BJOG. 2016;123(1):59-66.(48)

Sangramento pós-operatório – Sangramento leve, requerendo atuação rápida, normalmente em serviços


sem nenhuma morbidade, na primeira semana é espera- de urgência, que vão do indispensável exame especular
do e resolvido apenas com esclarecimento prático des- (que identifica o local e a intensidade do sangramento),
crito nas orientações pós-CAF. Sangramento expressivo com uma nova hemostasia com eletrodo em esfera ou
em torno de 0 a 8% pós-CAF, muitas vezes com repercus- sutura, a medidas de suporte, que incluem inibidores
são hemodinâmica, por volta do 15º dia pós-operatório, de fibrinólise endovenosos e reposição volêmica, total-
quando a cicatrização pode promover erosão de vasos, mente, resolutivos.

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Quadro 11. Tratamento de pacientes com HSIL/NIC 2/3 com Quadro 13. Fatores de risco para doença residual e/ou recidiva,
menos de 25 anos de idade pós-técnicas excisionais

Faixa etária em que não há indicação de rastreamento, Comprometimento de margens, especialmente endocervical.
com significativo número de infecções HPV-induzidas,
transitórias, sendo as lesões intraepiteliais cervicais, nesse Dimensões da lesão – quando extensas em
grupo, passíveis de expressivas taxas regressão. A abordagem superfície, poderão envolver extensamente o canal
nessa faixa etária é um exercício de bom senso, levando- endocervical. → Extensão glandular endocervical.
se em consideração a idade e suas possíveis taxas de Infecção persistente por hr HPV nos 6 meses ou
regressão, relacionadas com a excisão e suas esperadas mais pós-tratamento. → Tabagismo. → Grau e tipo de
repercussões obstétricas; ainda assim, resultados histológicos doença – HSIL/NIC 2/3 recidivam mais que lesões de
e características colposcópicas devem ser considerados. baixo grau; doença glandular, mais que escamosa. →
Pacientes com citologia HSIL/NIC 2/3 e ASC-H: Idade – mulheres com 50 anos ou mais e margens
todas as pacientes serão submetidas a comprometidas têm um risco de 35% a 50% de doença
colposcopia, como primeira abordagem. residual. → Multiparidade. → Imunossupressão.
Fonte: Adaptado de Arbyn M, Redman CW, Verdoott F, Kyrgiou M, Tzafetas M,
Colposcopia com achados maiores, JEC visível, ZT 1/2: as Ghaem-Maghami S, et al. Incomplete excision of cervical precancer as a predictor
pacientes poderão ser abordadas com biópsia incisional of treatment failure: a systematic review and meta-analysis. Lancet Oncol.
e posterior conduta definida pelo estudo histológico:(3,11) 2017;18(12):1665-79.(51) Kamilos MF, Borreli CL, Beldi MC, Tacla M. Seguimento pós-
tratamento de neoplasias intraepiteliais cervicais. Rev Bras Patol Trato Genit
• Histologia HSIL/NIC 2/3: tratamento com Inferior. 2016;3(5):15-20.(52)
EZT ou observação são aceitáveis;(11)
• Histologia NIC 2: observação com citologia e colposcopia
semestrais por 2 anos ou tratamento excisional em Quadro 14. Excisões incompletas com margens comprometidas
pacientes não adequadas ao seguimento; em NIC 2 e suas consequências prognósticas
persistente por 2 anos, EZT deve ser considerada;(3,10,11)
Pós-CAF – 25,9% com margens comprometidas; pós-
• Histologia NIC 3 com JEC e ZT não totalmente conização/laser – 23,1% com margens comprometidas.
visíveis: tratamento excisional é recomendado;
Status da margem na predição de NIC 2+ →
• Histologia NIC 3 em pacientes com menos de 20 anos: sensibilidade – 55,8%; especificidade – 84,4%.
seguimento com citocolposcopia semestral por 2 anos;(3,6)
Teste hr HPV → predição de NIC 2+ → sensibilidade
• Histologia NIC 3 em pacientes entre 21 e 24 anos: EZT ou – 91,0%; especificidade – 83,8%.
seguimento citocolposcópico semestral até 25 anos.(3,10)
Combinação de margens e teste hr HPV → sensibilidade
Colposcopia com achados menores ou sem achados – 99%; especificidade – 58%. → Teste negativo de HPV
anormais, com adequada colposcopia vaginal: (valor preditivo negativo) → risco de NIC 2+ → 0,8%
as pacientes serão abordadas com seguimento
citológico semestral ou anual por 2 anos.(3,10) Margens livres – risco de NIC 2+ → 3,7%

Fonte: Adaptado de Kamilos MF, Sarmanho FF. Neoplasia intraepitelial escamosa: Testes de hr HPV apresentam maior sensibilidade
diagnóstico, tratamento e seguimento. In: Cardial MF, Campaner AB, Santos AL, para predição de doença residual/recidiva
Speck NM, Barbosa MT, Martins CM, editores. Manual de diagnóstico e condutas que a avaliação histológica de margens.
em patologia do trato genital inferior. Rio de Janeiro: Atheneu; 2018. p. 175-84.(3)
Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva Fonte: Adaptado de Arbyn M, Redman CW, Verdoott F, Kyrgiou M, Tzafetas M,
(INCA). Diretrizes brasileiras para o rastreamento do câncer do colo do útero. Ghaem-Maghami S, et al. Incomplete excision of cervical precancer as a predictor
2ª ed. Rio de Janeiro: INCA; 2016.(10) Wright JD. Cervical intraepithelial neoplasia: of treatment failure: a systematic review and meta-analysis. Lancet Oncol.
management [Internet]. 2020 [cited 2020 Jun 25]. Available from: https://www. 2017;18(12):1665-79.(51) Kamilos MF, Borreli CL, Beldi MC, Tacla M. Seguimento pós-
uptodate.com/contents/cervical-intraepithelial-neoplasia-management (11) tratamento de neoplasias intraepiteliais cervicais. Rev Bras Patol Trato Genit
Ebisch RM, Rovers MM, Bosgraaf RP, van der Pluijm-Schouten HW, Melchers Inferior. 2016;3(5):15-20.(52)
WJ, van der Akker PA, et al. Evidence supporting see-and-treat management of
cervical intraepithelial neoplasia: a systematic review and meta-analysis. BJOG.
2016;123(1):59-66.(48)
Lesão de órgãos pélvicos – Laceração lateral do úte-
ro, que provoca hematoma de ligamento largo, por trau-
Quadro 12. Tipos de ressecção
matismo em ramo da artéria uterina, pode ocorrer em
EZT tipo 1 Ressecção de até Lesões ectocervicais volumosas ressecções e em útero atrófico com doen-
1 cm de canal ou até primeiro ça endocervical.(50) Outras vísceras pélvicas podem ser
centímetro de canal lesadas quando “condições ideais” de aplicabilidade
EZT tipo 2 Ressecção de 1,5 a Lesões com da CAF forem preteridas; tais complicações devem ser
2,0 cm de canal componente abordadas em nível terciário.
endocervical visível Infecção – A taxa de infecção pós-CAF ocorre em tor-
EZT tipo 3 Ressecção de 2,0 a Lesões com no de 0 a 2%, geralmente se apresenta até a terceira se-
2,5 cm de canal componente mana pós-operatória e pode se manifestar sob a forma
endocervical não de cervicite, parametrite, endometrite, abscesso pélvico
totalmente visível e salpingite,(50) cursando com dor, secreção vaginal com
Fonte: Adaptado de Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer José Alencar cheiro anormal, sangramento e até retenção urinária
Gomes da Silva (INCA). Diretrizes brasileiras para o rastreamento do câncer do
colo do útero. 2ª ed. Rio de Janeiro: INCA; 2016.(10) Prendiville W. Large loop excision
aguda. O tratamento com antibióticos específicos é re-
of the transformation zone. Baillières Clin Obstet Gynaecol. 1995;9(1):189-220.(26) solutivo; o uso de anaerobicida profilático (metronida-

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Neoplasia intraepitelial escamosa cervical de alto grau: abordagem ambulatorial
High-grade cervical intraepithelial neoplasia: outpatient approach

Quadro 15. Cirurgia ambulatorial de alta frequência – técnica operatória

Posição ginecológica; assepsia com clorexidina/PVPI degermante; espéculo encapado com dois preservativos.
Nova colposcopia que definirá a geometria da ressecção, mesmo tendo sida realizada recentemente.
Analgesia – prilocaína 3% e felipressina 0,03 UI – 1 a 3 carpules infiltrados, superficial e profundamente (em
partes iguais) às 12, 3, 6, 9 h do ectocérvix, com infiltração complementar no primeiro centímetro de canal.
Revisão de princípios básicos da eletrocirurgia; placa de aterramento sob a nádega; calibragem do aparelho (potência de 65
W para corte/100-130 W para hemostasia/ou 80 W modo coagulação para corte e hemostasia). Simular o procedimento com
aparelho desligado, com a alça escolhida; indispensável enfermeira circulante; aspirador de fumaça poderá ser útil; uso de EPIs.
Escolha adequada das alças, a depender das dimensões da lesão em superfície e altura no canal.
Inserção de bolinha de algodão no local de saída da alça (9 ou 3 h), que protege a parede vaginal lateral.
Acionar o pedal a 5 mm da lesão; introduzir a alça perpendicular à superfície epitelial, até o ponto
de isolamento dela, sob a ZT, em seguida, com movimento delicado, mas decisivo, envolver toda a ZT,
deslizando a alça no sentido laterolateral (3 às 9 h ou 9 às 3 h). Recolher material excisado.
Inserir pinça mixter entre a parede vaginal lateral esquerda e preservativo, fixando-a ao coto cervical
após perfuração do preservativo, às 3 h, que servirá de tração, além de adequada hemostasia em ramo
cervicovaginal esquerdo da artéria uterina. Essa manobra evita o desabamento do coto, aspecto que amplia
o campo e inicia a hemostasia, sem dano térmico ao canal, que ainda não foi totalmente excisado.
Uma nova passagem de alça, agora menor, interessando 1/3 médio e ápice de canal, muitas vezes é necessária,
principalmente em lesões extensas em superfície e altas no canal; essa manobra geralmente é fácil, com
apresentação oferecida pelo mixter, sustentada pelo preservativo ou pela outra mão do cirurgião.
Hemostasia criteriosa, sem significar excessiva, com eletrodo em esfera, modo coagulação, potência de 80
W; evitar, se possível, bordas e interior de canal; escovação de coto de canal endocervical quando houver
indicação, que oferece resultados idênticos aos da curetagem endocervical, sem nenhuma morbidade.
Cobrir a ferida com quantidade moderada de subgalato de bismuto em pó (substância rotineiramente usada
para hemostasia no intraoperatório de amigdalectomia). Rotina em nosso serviço há mais de 10 anos.
Material para anatomia patológica, fixado em quantidade adequada de formol a 10%, identificado em dois
frascos separados (ectocérvix e início de canal; 1/3 médio e ápice de canal); fixação do material excisado,
em suporte apropriado, poderá favorecer o patologista, entretanto não é uma prática obrigatória.
Fonte: Adaptado de Adaptado de Prendiville W. Large loop excision of the transformation zone. Baillières Clin Obstet Gynaecol. 1995;9(1):189-220.(26) Wright JD. Cervical
intraepithelial neoplasia: choosing excision versus ablation, and prognosis and follow up after treatment [Internet]. 2020 [cited 2020 Jul 21]. Available from: https://www.
uptodate.com/contents/cervical-intraepithelial-neoplasia-choosing-excision-versus-ablation-and-prognosis-and-follow-up-after-treatment(49) Hoffman MS, Mann WJ
Jr. Cervical intraepithelial neoplasia: diagnostic excisional procedures [Internet]. 2020 [cited 2020 Jul 20]. Available from: https://www.uptodate.com/contents/cervical-
intraepithelial-neoplasia-diagnostic-excisional-procedures(50) Dôres GB. Cirurgia de alta frequência: indicações e técnica. In: Dôres GB. HPV na genitália feminina:
manual e guia prático de cirurgia de alta frequência. São Paulo: Multigraf; 1994. p. 65-70.(53)

zol), tendo em vista o potencial de anaerobiose da CAF, metanálise de 15 estudos retrospectivos, não houve di-
deve ser avaliado, apesar de ser exaustivamente usado. ferença significativa nas taxas de gravidez entre mulhe-
Estenose cervical – Ocorre em aproximadamente res tratadas e não tratadas.(54-57)
4,3% a 7,7% das pacientes submetidas à CAF (contra 7,1% Complicações obstétricas – Risco de ruptura prematura
e 8% das pacientes submetidas a conização com laser de membranas é expressivo em mulheres submetidas a
e cone frio, respectivamente); trata-se de morbidade CAF; conização a laser e ablação não foram seguidas de
relacionada ao volume de tecido excisado (ressecções significativo aumento.(56) O risco de parto prematuro e mor-
maiores que 1 a 2 cm x menores que 1 cm) e estado talidade perinatal é influenciado pelo tipo de tratamento
perimenopausal.(50) Apresentam-se, na revisão de quatro para NIC e pelo volume de tecido excisado. Em metanálise
a seis meses, com amenorreia e dores cíclicas; o diag- com 19 estudos retrospectivos, em mulheres com antece-
nóstico (hematometra ou piometra) pode ser confirma- dentes de tratamento para NIC, comparadas com mulheres
do com instrumentação de canal (com anestesia local) não submetidas a tratamento, Arbyn et al. encontraram
e drenagem de secreção escura ou purulenta, muitas que:(57) conização a bisturi frio (CKC) foi associada com sig-
vezes volumosa; dilatação com velas de Hegar e estriol nificativo aumento de risco para mortalidade perinatal e
vaginal resolverá a maioria dos casos; antibioticoterapia significativo maior risco para parto prematuro grave/extre-
será necessária em casos de piometra. mo e outros resultados adversos (recém-nascido de baixo
Infertilidade – Abordagens terapêuticas para NIC não peso – <2.000 g); CAF/LEEP, técnicas ablativas com criotera-
interferem na fertilidade (chances de concepção), ape- pia e laser apresentaram resultados que não foram asso-
sar de que a destruição ou exérese de glândulas pode ciados com significativo aumento de risco de sérios efeitos
interferir na qualidade do muco cervical, que é respon- adversos na gestação; CAF/LEEP não pode ser considerada
sável pela viabilidade e migração espermática. Segundo livre de resultados adversos.

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Aspectos inerentes aos respectivos tratamentos que Quadro 16. CAF – Orientações às pacientes
interferem nos resultados obstétricos:
Cirurgia de alta CAF – Tratamento ambulatorial
• Profundidade da excisão/altura do cone no canal – Em frequência – para lesões do colo uterino
estudos de CAF/LEEP e conização a laser, a profundida- Orientações com anestesia local.
de da excisão (ou altura da ressecção no canal endo- pós-CAF à paciente:
Repouso nas primeiras 24 horas. Sem
cervical) é um fator de risco independente para parto atividades esportivas por 20 dias;
prematuro e ruptura prematura de membranas; o risco relações sexuais após um mês.
de parto prematuro aumenta em 6% a cada milíme- Metronidazol 250 mg via oral
tro ressecado, acima de 12 mm, de forma que os riscos (VO) de 8/8 h /7dias.
(risco absoluto 7,5%) em ressecções rasas, <10 mm, são
Analgésicos – dipirona 1,0 g VO de
pouco significativos; entretanto, os riscos são modera- 6/6 h; Tylenol 50 gotas VO de 8/8 h.
dos (risco absoluto de 9,6%) em ressecções de 10 a 14
mm, expressivos (15,3%) em ressecções de 15 a 19 mm Haverá sangramento leve/moderado
e muito expressivos (18%) em excisões > 20 mm;(55,58,59) Se hemorragia – ácido tranexâmico 250
mg/2 comprimidos de 8/8 h/3 dias.
• Número de procedimentos – Com o aumento de nú-
mero de procedimentos excisionais e consequentes Hemorragia intensa/dor
abordagens hemostasiantes, há evidente aumento na significativa/cheiro anormal
quantidade de tecido excisado e destruído, aspectos Retornar à unidade de colposcopia/
que aumentam em duas a cinco vezes o risco de parto CAF ou pronto-socorro.
prematuro;(59) Retorno para resultado
• Intervalo entre tratamento e gestação – Sobre esse in- anatomopatológico e avaliação da
tervalo, existem muitas controvérsias e parece que a cicatriz cirúrgica – 15 a 30 dias.
qualidade da cicatrização pode ter alguma importân- Primeira revisão pós-CAF – 4 a 6
cia, entretanto a maioria das evidências sugere que meses – citologia e colposcopia.
um intervalo curto entre conização e concepção pa-
rece não aumentar o risco de parto prematuro;(55,60,61)
• A importância da cerclagem profilática em grávidas
com antecedentes de CAF/LEEP/CKC ainda não foi nova abordagem, sabidamente de mais fácil execução,
bem definida e não deve ser indicada apenas pelo em regime “ambulatório-hora”, com ótima resolutivida-
antecedente cirúrgico (Quadro 16). de a um custo adequado ao nosso país.
Finalizando, CAF/LEEP não definem o tipo de parto; a
indicação deverá ser obstétrica.(55) Conização a laser
Estratégia disponível na assistência terciária à saúde,
CONIZAÇÃO A BISTURI FRIO – CKC (DO em todas as ocasiões em que métodos excisionais têm
INGLÊS COLD KNIFE CONIZATION) prioridade sobre técnicas ablativas, com custo expressi-
Trata-se de um clássico da cirurgia ginecológica, factí- vo na aquisição e manutenção do equipamento, sendo
vel em nível terciário de assistência à saúde, que requer a curva de aprendizado, significativamente, maior que a
“hospital-dia”, anestesia de condução e, no mínimo, um de outros dispositivos excisionais; ainda assim deve ser
difundida, tendo em vista a importância do método para
auxiliar. Fornece, indiscutivelmente, material de maiores
outras doenças vulvovaginais.
dimensões (em particular, extensão de canal endocer-
vical), em monobloco, com margens de melhor quali-
dade em extensão, sem maiores danos; portanto, mais TRATAMENTO COM TÉCNICAS ABLATIVAS
facilmente interpretáveis. Até há pouco tempo, era a As referidas técnicas promovem, por meio de diversas
única alternativa com objetivos diagnóstico-terapêuti- fontes de energia, a destruição total da ZT, aspecto que
cos. Doença glandular in situ, pacientes pós-menopausa inviabiliza, por completo, o estudo anatomopatológico
com atrofia e rigidez cervical, recidiva em pacientes já da lesão, que inclui a indispensável avaliação de mar-
submetidas à excisão pregressa, suspeita de microinva- gens. Critérios que normatizam as indicações ablativas
são e situações que exigem ressecções maiores que EZT vão do estudo histológico de biópsia prévia ao trata-
3 são oportunidades para CKC, a despeito de maiores mento, às características colposcópicas da ZT (ecto-
repercussões obstétricas.(57,58) Concluindo, vale a pena cervical ou endocervical totalmente visível), passando
ressaltar que a CKC é uma importante abordagem para pela idade da paciente (principalmente pacientes jo-
HSIL/NIC 2/3, com taxas de cura acima de 90%,(63) não se vens), definição de paridade, disponibilidade de equi-
devendo esquecer de que indicações dogmáticas de CKC pamento e experiência do médico. Concluindo, não é a
têm perdido espaço para CAF/LEEP, tendo em vista a sig- principal abordagem terapêutica para HSIL/NIC 2/3 em
nificativa experiência que se tem conseguido com essa nosso país.

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Neoplasia intraepitelial escamosa cervical de alto grau: abordagem ambulatorial
High-grade cervical intraepithelial neoplasia: outpatient approach

TRATAMENTO COM HISTERECTOMIA essa abordagem é preterida e realizada no pós-parto.


Entretanto, nessas poucas situações em que está indi-
Trata-se de abordagem de exceção, tendo em vista a não
cado o procedimento excisional, o segundo trimestre, da
desprezível morbidade, quando comparada com técni-
14ª a 20ª semana, é o período ideal.(64)
cas excisionais da ZT, sabidamente resolutivas na abor-
dagem das HSIL/NIC 2/3. Entretanto, a histerectomia, na Mulheres na pós-menopausa – Tais pacientes serão
abordagem das HSIL/NIC 2/3, pode ser indicada nas se- abordadas da mesma forma que as demais pacientes.
guintes situações: Não se deve esquecer de que condições de hipoestro-
genismo ou atrofia genital significativa não só dificul-
• Comprometimento de margens pós-NIC 2/3, em
tam uma escovação adequada do canal como diminuem
pacientes com paridade definida, quando novo
ainda mais a sensibilidade da colposcopia; estriol vagi-
procedimento excisional é inviável por condições
nal três vezes por semana, durante um mês, resolverá a
anatômicas locais (colo exageradamente curto,
maioria das situações.(10)
cicatrização que distorceu a anatomia local
ou qualquer outro impeditivo que tornaria Mulheres em imunossupressão – Pacientes deste gru-
uma nova excisão de risco para a paciente); po, em especial infectadas por HIV, estão mais sujeitas a
• HSIL/NIC 2/3 recorrentes ou persistentes, infecções HPV-induzidas e, consequentemente, mais pre-
em pacientes com paridade definida, sem dispostas a HSIL/NIC 2/3, e, quando tratadas, a possibi-
condições ideais de nova ressecção; lidade de recorrência deve ser considerada;(10) portanto,
devem ser rastreadas com citologia semestral. Diante de
• Pacientes com HSIL/NIC 2/3 portadoras de outras
citologia HSIL, ASC-H e AGC, serão referenciadas para col-
patologias que por si só indicariam histerectomia poscopia, sendo a conduta a seguir idêntica à das demais
(miomatose, adenomiose, sangramento uterino pacientes; apenas se exigem nesse grupo, sabidamente de
anormal, prolapso uterino), situações previamente risco, técnicas exclusivamente excisionais que possibilitam
identificadas com histologia sem doença invasiva; adequado estudo histológico com avaliação de margens. O
• Pacientes tratadas de HSIL/NIC 2/3 que seguimento nesse grupo, pós-histologia HSIL/NIC 2/3, de-
não se adaptam ou não desejam um verá ser citológico, anual e durante toda a vida.(10)
seguimento prolongado, pós-tratamento.(49)
Mulheres histerectomizadas – Tais pacientes são
Concluindo, vale considerar que, havendo a menor
oriundas das seguintes situações:
suspeita de doença invasiva, procedimentos excisionais
ou incisionais, convencionais ou por congelação devem • Pacientes com HSIL/NIC 2/3, em espécime
ser implementados antes da histerectomia.(65) de histerectomia, sem diagnóstico prévio;
• Pacientes que foram submetidas à histerectomia
TRATAMENTO EM SITUAÇÕES ESPECIAIS para tratamento de HSIL/NIC 2/3.
Em ambas as situações existem riscos de recorrência,
Gestantes – As neoplasias intraepiteliais de alto grau portanto tais pacientes deverão ser seguidas com pro-
(HSIL/NIC 2/3) na gestação não só apresentam risco mí- tocolo definido:
nimo de progressão para invasão, como também apre-
• Segundo o INCA – Mulheres com
sentam potencial para regressão; por outro lado, na gra-
diagnóstico de HSIL/NIC 2/3
videz e pós-parto (até 12 meses), são diagnosticadas 1%
a 3% das neoplasias invasivas do colo uterino, sendo a • Margens livres, serão submetidas à citologia
metade delas no pré-natal e o restante nos 12 meses em 6 e 12 meses pós-histerectomia, ambos
pós-parto.(10,64) Grávidas, independentemente da idade, negativos → rastreamento trienal.(10)
com citologia HSIL, ASC-H e AGC, devem ser referencia- • Margens comprometidas
das para colposcopia, quando poderão ser submetidas • Citocolposcopia semestral por dois anos.
à biópsia incisional, única e exclusivamente, se houver • A seguir, citologia anual por cinco anos.
sinais sugestivos de invasão. Se a colposcopia sugerir
• Após esse período, sem evidências de
lesão de alto grau, a biópsia poderá ser preterida, por-
lesão residual → rastreamento trienal
que a respectiva lesão só será tratada no pós-parto. Ob-
independentemente da idade.(10) A época da
viamente, havendo dúvidas na abordagem colposcópica,
interrupção do rastreamento deverá ser decidida
a biópsia se impõe. Ao contrário, se a colposcopia não
pelo médico da assistência primária à saúde.(10)
sugerir lesão de alto grau e/ou doença invasiva, tais pa-
Em cenários, públicos ou privados, com melhores
cientes terão a continuidade da propedêutica na sexta
recursos econômicos, a possibilidade do uso de
ou oitava semana pós-parto. Na gestação, um proce-
testes de DNA-HPV deve ser considerada, tendo
dimento diagnóstico excisional (CAF/CKC), geralmente
em vista a maior sensibilidade e o expressivo
pós-biópsia incisional com microinvasão ou adenocar-
significado do alto valor preditivo negativo.
cinoma in situ, só terá indicação quando a definição do
diagnóstico impactar o momento, o tipo de parto e a • Teste DNA-HPV anualmente por três anos:
decisão da continuidade da gestação; caso contrário, • Teste positivo → Citologia/Colposcopia.

FEMINA 2022;50(1):35-50 | 47
Galvão RO

→ Teste negativo por três anos Quadro 17. Abordagem inicial pós-tratamento com margens
consecutivos. → Seguimento trienal com comprometidas/HSIL/NIC 2/3
teste de DNA-HPV por 25 anos.(49) → Seguimento → citocolposcópico – semestral/2 anos → Normal
Seguimento pós-tratamento – Abordagem com vistas → Citologia/5 anos → Normal → citologia trienal. → Número
à identificação dos seguintes cenários: pequeno de pacientes → persistência citocolposcópica/HSIL/
• Doença residual – Doença que permaneceu NIC 2/3 → EZT
a despeito do tratamento; identificada até Fonte: Adaptado deMinistério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer José
Alencar Gomes da Silva (INCA). Diretrizes brasileiras para o rastreamento do
o fim do primeiro ano pós-tratamento; câncer do colo do útero. 2ª ed. Rio de Janeiro: INCA; 2016.(10) Zanine RM, Gomes
CM. Margens comprometidas e extensão glandular presentes em peças de
• Doença recorrente/recidiva – Quando a conização como fatores preditores de doença residual. Femina. 2004;32(2):143-
identificação se dá após o primeiro ano 50.(66) Conduta pós-conização em casos de margem comprometida. Femina.
2018;46(1):42-6.(67)
do tratamento ou após dois controles
citológicos negativos; é consensual a
Quadro 18. Seguimento pós-tratamento com testes de DNA-HPV
importância do comprometimento de margens
como principal fator de risco para doença → Teste de DNA-HPV → 6 meses pós-tratamento ou colposcopia
residual e/ou recorrente. Apesar dessas e avalição endocervical → são aceitáveis. → Teste DNA-HPV
considerações, um número expressivo dessas → negativo aos 6 meses → Seguimento anual por 3 anos. →
mulheres não apresentará as esperadas Teste DNA-HPV → positivo → Colposcopia → Biópsia dirigida,
se necessário. → HSIL/NIC 2/3 persistente → Nova ressecção
lesões residuais e recorrências.(10,66,67)
→ Histerectomia em casos excepcionais.
Ainda no seguimento pós-tratamento, de forma bem Fonte: Adaptado de Wright JD. Cervical intraepithelial neoplasia: choosing
consensual, os testes de DNA-HPV, isolados ou associa- excision versus ablation, and prognosis and follow up after treatment [Internet].
2020 [cited 2020 Jul 21]. Available from: https://www.uptodate.com/contents/
dos à citologia, apresentam-se como uma opção inadiá- cervical-intraepithelial-neoplasia-choosing-excision-versus-ablation-and-
vel, prática, com logística bem factível, na abordagem prognosis-and-follow-up-after-treatment(49) Perkins RB, Guido RS, Castle PE,
Chelmow D, Einstein MH, Garcia F, et al. 2019 ASCCP risk-based management
dessas mulheres, tendo em vista a maior sensibilidade consensus guidelines for abnormal cervical cancer screening tests and cancer
dos referidos testes, principalmente associados à ci- precursors. J Low Genit Tract Dis. 2020;24(2):102-31.(68)

tologia, quando a identificação de doença residual ou


recorrência é mais eficaz, se comparada aos métodos
Quadro 19. Cuidados no manejo cirúrgico
morfológicos. Por fim, vale ressaltar o expressivo valor
preditivo negativo (próximo de 100%) dos referidos tes- → Utilizar técnicas não eletrocirúrgicas, sempre que
tes, com qualidades como maior sensibilidade e VPN possível, para dissecção e controle de sangramento.
alto que torna o seguimento dessas pacientes sabi-
→ Ao usar dispositivos eletrocirúrgicos → Configuração
damente mais eficaz, seja porque identifica grupos de de baixa potência; tempo curto; minimizar fumaça.
maior risco mais facilmente, seja porque permite, para
→ Usar evacuadores de fumaça → Aspirador de fumaça
grupos especiais (teste negativo), altas mais precoces,
cirúrgica → Minimizar pulverização de sangue, fluidos.
por volta de seis meses pós-tratamento.(14) Em cenários Cuidados pré-operatórios:(70) Uso indispensável de
com melhores recursos, pacientes pós-tratamento exci- EPIs. Máscaras N95 não podem ser preteridas.
sional de HSIL/NIC 2/3, com comprometimento de mar-
→ Equipe cirúrgica/pacientes deverão ser
gens, ou avaliação endocervical com NIC 2+ poderão ser testados com RT-PCR/COVID-19.
conduzidas com testes de DNA-HPV (Quadro 18).(49,68)
Fonte: Adaptado de Adaptado de Rosa e Silva JC, Ribeiro PA, Brito LG, Gomes MT,
Podgaec S, Ribeiro HS, et al. Cirurgia ginecológica e COVID-19: qual impacto e
como devo conduzir? Femina. 2020;48(7):427-31.(70)
TRATAMENTO DE LESÕES HSIL/NIC
2/3 EM TEMPOS DE COVID-19
A conização cervical ou procedimento de excisão em fatores de risco, podem, muitas vezes, em um período
alça pode ser adiada entre algumas semanas (quando longo, evoluir para invasão. A prevenção primária de tais
se objetiva ao diagnóstico de neoplasia invasiva) a vá- lesões é a vacina anti-HPV em meninas de 9 a 14 anos e
rios meses (quando a proposta for tratamento de HSIL/ 11 meses e meninos de 9 a 10 anos, com normatizações
NIC 2/3).(69) Por outro lado, não se pode esquecer do po- muito bem definidas. O impacto da vacinação ocorrerá
tencial de formação de aerossol com métodos excisio- num período não muito curto, mas sabidamente é a prin-
nais, especificamente a CAF, muito embora dados sobre cipal estratégia, num contexto de futuro, para a preven-
riscos de exposição à fumaça cirúrgica e à transmissão ção de câncer de colo uterino. Por outro lado, as lesões
do SARS-CoV-2 sejam limitados (Quadro 19).(70) intraepiteliais de alto grau com abordagem diagnósti-
ca, tratamento ambulatorial e seguimento muito bem
CONSIDERAÇÕES FINAIS normatizados significam, num contexto atual, imediato
As lesões intraepiteliais cervicais de alto grau (HSIL/NIC e resolutivo, a principal forma de evitar as esperadas
2/3) são marcadores de alterações epiteliais que, quan- invasões, com ações relativamente simples, disponíveis,
do não tratadas, hr HPV-induzidas, em mulheres com na íntegra, no serviço público, de fácil aprendizado, com

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Neoplasia intraepitelial escamosa cervical de alto grau: abordagem ambulatorial
High-grade cervical intraepithelial neoplasia: outpatient approach

morbidade muito bem calculada e a um custo totalmen- 17. Longatto-Filho A. A biologia molecular e seu emprego nas doenças
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50 | FEMINA 2022;50(1):35-50
ARTIGO DE REVISÃO “Tabela Periódica”
da Anticoncepção –
uma ferramenta na
escolha contraceptiva
“Periodic Table” of Contraception – a
tool in the contraceptive choice
Juliana Moi Silva dos Santos1, Victoria de Jorge1, Giovanna Sandi Maroso1, Ana Paula Junges1,
Murilo Gandon Brandão1, Jaqueline Neves Lubianca1

Descritores RESUMO
Índice de Pearl; LARC; SARC;
Critérios de elegibilidade; Estima-se que 40% das gestações no mundo sejam não planejadas. Em países de
Benefícios não contraceptivos baixa renda, complicações no parto são a maior causa de morte entre mulheres
de 15 a 19 anos. A disponibilidade de métodos contraceptivos reversíveis é neces-
Keywords sária para o adequado planejamento reprodutivo. Entre os métodos reversíveis,
os de longa ação (LARCs) são os mais efetivos. Métodos de curta ação (SARCs) são
Pearl index; LARC; SARC; Medical
eligibility criteria for contraceptives; preferenciais para pacientes que desejam gestar a curto prazo e para as quais a
Non-contraceptive benefits gestação não será indesejada. O presente estudo é uma revisão narrativa da litera-
tura, de artigos em inglês e português publicados entre 2009 e 2020, utilizando as
bases de dados SciELO, Medline e Embase. O objetivo desta revisão é apresentar
os LARCs e SARCs em uma tabela com dados comparativos que auxiliem na tomada
de decisão do médico e da paciente e permita estabelecer estratégias para um
planejamento familiar adequado.

RESUMO
It is estimated that 40% of pregnancies in the world are unplanned. In low-income
Submetido countries, complications in childbirth are the major cause of death among women
09/02/2021
aged 15 to 19 years. The availability of reversible contraceptive methods is necessary
Aceito for proper reproductive planning. Among the reversible methods, long-acting reversi-
29/11/2021 ble contraception (LARCs) is the most effective. Short-acting reversible contraception
(SARCs) methods are preferred for patients who wish to become pregnant in the short
1. Faculdade de Medicina da term and for whom pregnancy will not be undesirable. The present study is a narra-
Universidade Federal do Rio Grande tive review of the literature, of articles in English and Portuguese published between
do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil. 2009 and 2020, using the databases SciELO, Medline and Embase. The purpose of this
review is to present the LARCs and SARCs in a table with comparative data that assist
Conflitos de interesse:
Nada a declarar. in the decision making of the doctor and the patient and allow to establish strategies
for adequate family planning.
Autor correspondente:
Jaqueline Neves Lubianca
Rua Ramiro Barcelos, 2.350, Serviço
de Ginecologia e Obstetrícia, 11º
INTRODUÇÃO
andar, 90035-903, Porto Alegre, RS, Estima-se que 40% das gestações no mundo ocorram sem planejamento,
Brasil
podendo alcançar 80% entre adolescentes.(1) Em países de baixa renda, com-
jlubianca@hcpa.edu.br
plicações no parto são a maior causa de morte entre mulheres de 15 a 19
Como citar: anos, e mortes perinatais são 50% mais frequentes em filhos de mães abaixo
Santos JM, Jorge V, Maroso GS, Junges de 20 anos.(2,3) Embora falte educação sobre planejamento familiar para toda
AP, Brandão MG, Lubianca JN. "Tabela
Periódica” da Anticoncepção – uma
a população, mães adolescentes são mais afetadas.
ferramenta na escolha contraceptiva. Essa pouca orientação sobre planejamento sexual e reprodutivo resulta
Femina. 2022;50(1):51-60. em maiores taxas de abandono escolar(4) e menor chance de ingresso no en-

FEMINA 2022;50(1):51-60 | 51
Santos JM, Jorge V, Maroso GS, Junges AP, Brandão MG, Lubianca JN

sino superior.(1) Assim, para reduzir os possíveis prejuí- (ISTs – 89%). Essas proporções caem conforme o avançar
zos biopsicossociais associados a gestações não plane- da idade, mas não diferem quando se considera o estilo
jadas, a Organização Mundial da Saúde (OMS) preconiza de vida, como status marital, paridade ou o fato de o
a difusão de informações e recursos que possibilitem método atual ser anticoncepção oral ou LARC. Para os
melhor planejamento reprodutivo, principalmente para médicos consultados, três atributos-chave são: (1) bai-
jovens. xo risco de trombose (100%); (2) alta eficácia (98%); (3)
Estudos sobre planejamento familiar mostram que o diminuição do sangramento menstrual e cólicas (98%).
uso de métodos contraceptivos de longa duração (long- Para facilitar a escolha, desenvolveu-se uma tabela su-
-acting reversible contraception – LARCs) é a estratégia marizando as principais características de cada método
mais custo-efetiva para reduzir gravidez indesejada en- (Quadro 1). Acredita-se que possa ser uma ferramenta
tre mulheres jovens, entretanto seu uso no Brasil ainda adequada para discutir qual a melhor opção para cada
é bastante restrito e concepções errôneas sobre LARCs paciente.
são uma barreira importante para seu uso.(5,6)
O presente artigo tem como objetivo apresentar dife- Métodos contraceptivos de longa duração (LARCs)
rentes métodos contraceptivos dispostos de maneira a
facilitar a compreensão e a comparação entre eles, bem Apesar do maior receio quanto à inserção e outras in-
como auxiliar na escolha da melhor opção para a pa- formações antigas e enviesadas acerca do uso de LARCs,
ciente. como a possibilidade de causar infertilidade, aumentar
o risco de doença inflamatória pélvica (DIP) ou impos-
sibilidade de ser utilizado por nulíparas, na verdade os
MÉTODOS LARCs são a primeira escolha para diversas situações
Trata-se de revisão narrativa da literatura médica dis- clínicas, principalmente para pacientes para as quais a
ponível sobre os métodos contraceptivos reversíveis gestação não é uma opção aceitável.
de longa e curta ação e os seguintes unitermos: índice
de Pearl, efetividade, duração da ação, indicações, con- Dispositivo intrauterino (DIU) de cobre
traindicações, padrão de sangramento, benefícios não
O DIU de cobre é o método contraceptivo mais utilizado
contraceptivos, retorno à fertilidade e disponibilidade
entre os LARCs, sendo os modelos TCu-380A IUD e Mul-
na rede pública. As bases de pesquisa utilizadas foram
tiload 375 IUD os mais empregados.(2) Os estudos mais
SciELO, Medline e Embase, selecionando-se artigos pu-
importantes sobre o dispositivo utilizaram preferen-
blicados entre 2009 e 2020.
cialmente o DIU TCu-380A, sendo esse o único modelo
disponibilizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O
RESULTADOS DIU TCu 380A está aprovado para uso por até 10 anos,
Foram selecionadas 26 referências bibliográficas, sendo mas há evidências para uso por até 12 anos, quando a
8 nacionais e 18 internacionais, com os seguintes tipos inserção ocorre em mulheres com menos de 25 anos.
de estudo: coorte,(1-26) transversais,(5,6,25,27) revisão de lite- Seu índice de Pearl é de 0,6 gravidez/100 mulheres/ano,
ratura,(2) manuais de entidades,(3,7,13,16,17,20,24) dissertação de e a taxa de falha do método é de 2,1 em 10 anos.(4-8) Foi
mestrado,(4) capítulos de livros,(8,22,23) custo-efetividade,(12) constatado que quanto maior a superfície de cobre pre-
parecer técnico de comitês,(14,21) estudo de fase 2,(19) bula sente, maior seria o número de íons de cobre liberados
de medicamento,(18) revisão de aplicativo para smart- na cavidade uterina, resultando em maior eficácia, uma
phone e tablet.(15) vez que os íons de cobre alteram a mobilidade e a viabi-
lidade dos espermatozoides. A oxidação do DIU também
provoca aumento de citocinas, como prostaglandina, e
DISCUSSÃO
leucócitos na cavidade uterina, diminuindo a chance de
Os fatores de escolha para um método contraceptivo fertilização.(2,4,7) Os DIUs são preferencialmente inseridos
são múltiplos, devendo ser avaliados individualmente. durante o período menstrual, para garantir ausência de
Entretanto, muitas decisões são feitas sem o adequado gravidez, mas em pacientes sob uso regular de método
conhecimento, existindo muitas vezes um descompas- contraceptivo pode ser inserido em qualquer período do
so entre os desejos das pacientes e as concepções dos ciclo.(2) Seu uso está indicado na maioria das situações
médicos. De acordo com um estudo francês de 2013,(5) em que os métodos hormonais estão contraindicados
60% das mulheres teriam LARCs como opção se tives- e são raríssimas suas contraindicações: malformações
sem mais informação acerca do método; entre os gi- uterinas, DIP aguda ou de repetição (mais de três epi-
necologistas, esse número seria de aproximadamente sódios), sangramento genital de etiologia desconhecida,
18%. De acordo com uma pesquisa brasileira publicada infecção pós-parto ou pós-aborto (categoria 4 dos crité-
em 2020,(6) os atributos-chave para as mulheres para a rios de elegibilidade da OMS).(7)
escolha de um método contraceptivo são: (1) baixo ou É importante salientar o baixo risco para ocorrência
nenhum risco de trombose (94%); (2) alta eficácia (93%); de infecção quando da inserção do DIU/sistema intrau-
(3) proteção contra infeções sexualmente transmissíveis terino (SIU). Esse risco relaciona-se fortemente à cer-

52 | FEMINA 2022;50(1):51-60
Quadro 1. Tabela periódica da anticoncepção

Classificação Métodos reversíveis de curta duração


Pílula de progestogênio
Método Minipílula isolado Adesivo (Evra Patch) Pílula combinada Anel vaginal Injetável mensal
Índice de Pearl* 0,5 0,3 0,3 0,3 0,3 0,2

Efetividade** 9 9 9 9 9 6

Duração da ação Diária Diária Semanal Diária Mensal Mensal

Contraindicações Uso de antimicrobianos Amamentação (<6 semanas Puerpério (até 6 meses Todas as contraindicações Todas as contraindicações Todas as contraindicações
(critérios 3 e (rifampicina ou rifabutina) após o parto). Episódio se amamentando, até 21 do adesivo (vide ao lado). da pílula combinada do anel vaginal
4 da OMS) Contraindicações ao atual de tromboembolismo, dias se não, até 42 dias (vide ao lado). (vide ao lado).
progestágeno: história câncer de mama atual se houver fatores de
de TVP e TEP agudos; IAM (categoria 4) ou pregresso risco para TVP); fumantes
agudo e passado; AVC; há mais de cinco anos e com ≥ 35 anos; pacientes
anticorpos antifosfolípides sem recidiva (categoria 3), com múltiplos fatores de
positivos, enxaqueca com tumor hepático benigno risco cardiovasculares;
aura (não continuar em (adenoma) ou maligno HAS, independentemente do
caso de piora); história (hepatoma), hepatite controle pressórico; história
pessoal de câncer de viral ativa ou cirrose pessoal de TVP ou TEP
mama; cirrose severa descompensada, função (prévia ou aguda); cirurgias
descompensada; adenoma hepática comprometida de grande porte com
hepatocelular, neoplasia (progestagênios são imobilização prolongada;
maligna hepática metabolizados pelo fígado); trombofilias; história
utilização de barbitúricos, pessoal de IAM ou AVC;
carbamazepina, doença vascular complicada
oxcarbazepina, fenitoína, (hipertensão pulmonar,
primidona, topiramato risco de fibrilação atrial,
ou rifampicinas. Evitar a história de endocardite
continuidade se surgir bacteriana); anticorpos
doença cardíaca isquêmica, antifosfolipídios positivos;
acidente cerebrovascular enxaqueca com aura;
e enxaquecas com enxaqueca sem aura se ≥ 35
aura (categoria 3). anos; piora de enxaqueca
sem aura em pacientes <
35 anos; câncer de mama
atual ou passado; DM se
nefropatia, neuropatia
ou retinopatia ou outras
complicações vasculares
ou tempo de doença maior
que 20 anos; não iniciar
método durante hepatite
viral aguda; cirrose severa
descompensada; adenoma
hepatocelular; neoplasia
maligna de fígado.
Interação com drogas que
são indutoras de enzimas
hepáticas (rifampicina,
anticonvulsivantes).
“Periodic Table” of Contraception – a tool in the contraceptive choice
“Tabela Periódica” da Anticoncepção – uma ferramenta na escolha contraceptiva

FEMINA 2022;50(1):51-60 | 53
Padrão de Sangramentos de escape Sangramentos de escape Cíclico Cíclico. Cíclico Cíclico
sangramento com amenorreia com amenorreia Pode ocorrer sangramento/
escape inesperado
nos primeiros 3-6
meses, o que costuma
reduzir com o uso.(9)

54 | FEMINA 2022;50(1):51-60
Benefícios não Possível amenorreia ou Possível amenorreia ou Melhora de acne, Melhora de acne, Melhora de acne, Melhora de acne,
contraceptivos redução do sangramento redução do sangramento sangramento cíclico sangramento cíclico sangramento cíclico sangramento cíclico
previsível, redução previsível, redução previsível, redução previsível, redução
de câncer de ovário de câncer de ovário, de câncer de ovário de câncer de ovário
e endométrio endométrio e cólon e endométrio e endométrio

Retorno à fertilidade Imediato após a suspensão Imediato após a suspensão Imediato após a suspensão Imediato após a suspensão Imediato após a suspensão Imediato após a suspensão

Disponibilidade Sim Não Sim, mas modelos Não Sim


na rede pública específicos

Classificação Métodos reversíveis de longa duração


Dispositivo intrauterino
Dispositivo intrauterino Dispositivo intrauterino de de levonorgestrel
Santos JM, Jorge V, Maroso GS, Junges AP, Brandão MG, Lubianca JN

Método Injetável trimestral Implante de etonogestrel de cobre levonorgestrel (52 mg) (19,5 mg)
Índice de Pearl* 1 0,05 0,6 0,2 0,16

Efetividade** 3 0,05 0,8 0,2 0,16


(21)
Duração da ação 14 semanas Até 3 anos; alguns estudos Desde a inserção, podendo Desde a inserção, por até 5 anos Desde a inserção, por até 5 anos
mostram eficácia até 5 anos(20) durar até 10 anos

Indicações Indicado na vigência de doenças Após aborto ou gravidez ectópica, Lúpus eritematoso sistêmico Benefícios além da contracepção: Aguardando-se estudos
cardiovasculares, tabagismo durante amamentação, anemia com antifosfolípide; TVE agudo, em mulheres com sangramento sobre benefícios além da
associado a idade acima dos 35 prévia ou atual, presença de veias IAM, AVC e enxaqueca com uterino anormal, com desejo contracepção. Já definida redução
anos, amamentação exclusiva varicosas, vivendo com HIV(20) aura, câncer de mama atual, de amenorreia, puérperas do sangramento menstrual
e obesidade, condições que adenoma hepatocelular e entre 48 h e 4 semanas após em pacientes com SUA.
contraindicam os injetáveis hepatoma, contracepção de o parto, portadoras de lúpus
mensais combinados(14) emergência (até o 5º dia) eritematoso sistêmico com
antifosfolípide; diagnosticadas
com TVE agudo, IAM, AVC e
enxaqueca com aura, câncer de
mama sem evidência da doença
ativa por 5 anos, adenoma
hepatocelular e hepatoma,
NTG-HCG β estável/diminuído

Contraindicações Mulheres que queiram Contraindicações ao uso Trombocitopenia severa Contraindicações gerais ao uso Mesmas que do SIU-LNG 52 mg.
(critérios 3 e engravidar no próximo ano.(21) de progestágeno (vide (não iniciar). e/ou inserção dos dispositivos A baixa dose de levonorgestrel
4 da OMS) Contraindicações ao uso de minipílula) acrescido de: Contraindicações gerais ao uso intrauterinos (vide ao lado) pode alterar a tolerância à
progestágeno (vide minipílula) SUA antes de avaliação. e/ou inserção dos dispositivos acrescidos de: TEP ou TVP glicose. Em pacientes diabéticas,
acrescido de: primeiras 6 intrauterinos: gestação, puerpério agudo; IAM (não continuar a glicemia deve ser monitorada.
semanas de puerpério; múltiplos (entre 48 h e 4 semanas pós- se em vigência); anticorpos
fatores de risco cardiovasculares; parto ou sepse puerperal); antifosfolipídio positivos; piora
HAS descompensada imediatamente pós-aborto de enxaqueca com aura (não
(PA > 160/100); trombocitopenia séptico; SUA antes de avaliação continuar); câncer de mama;
severa (não iniciar); SUA antes (não iniciar); doença trofoblástica cirrose severa descompensada;
de avaliação; DM se nefropatia, gestacional; câncer de colo, adenoma hepatocelular;
neuropatia ou retinopatia endométrio ou ovário (não neoplasia maligna de fígado.
ou outras complicações iniciar); distorções da cavidade
vasculares ou tempo de uterina; cervicite ou DIP ativas
doença maior que 20 anos. (não iniciar, não tirar); risco
alto de ISTs (individualizar
se iniciar), HIV avançado –
estágios 3 e 4 da OMS (não
iniciar); tuberculose pélvica.

Padrão de 60% de amenorreia Nos primeiros meses a um Cíclico. Podem ocorrer sangramentos Podem ocorrer sangramentos
sangramento após segunda dose. ano: sangramento irregular, Pode haver aumento do fluxo leves/escapes inesperados leves/escapes inesperados nos
Podem ocorrer alterações infrequente, prolongado e duração do sangramento. nos primeiros 3-6 meses, com primeiros meses de uso, com
iniciais, como amenorreia, ou mais leve. Após um ano: Sangramentos de escape tendência a diminuir o padrão tendência de diminuir o padrão
sangramento/escape inesperado mais leve e por menos dias, nos primeiros 6 meses.(21) de sangramento, podendo de sangramento (26,4%), podendo
ou sangramento mais intenso irregular e infrequente.(20) ocorrer amenorreia.(9) ocorrer amenorreia (22,6%) ao
ou prolongado. Essas alterações final dos cinco anos de uso.
tendem a diminuir com o uso.(9)

Benefícios não Possível amenorreia ou Possível amenorreia ou Sem efeitos Possível amenorreia ou redução Possível amenorreia e redução
contraceptivos redução do sangramento redução do sangramento do sangramento. Aumento do sangramento. Aumento
do nível de hemoglobina. do nível da hemoglobina.
Redução de histerectomias
por sangramento anormal.
Redução da prevalência de
doença inflamatória pélvica.
Off-label: redução de
adenomiose e endometriose.

Retorno à fertilidade 14 semanas a 9 meses 3 a 6 semanas após Imediato após a retirada Imediato após a retirada Imediato após a retirada
após a suspensão(21) a suspensão(21)

Disponibilidade Sim Não Sim Não Não


na rede pública
OMS: Organização Mundial de Saúde; ISTs: infecções sexualmente transmissíveis; HIV: vírus da imunodeficiência humana; TVP: trombose venosa profunda; TEP: tromboembolismo pulmonar; IAM: infarto agudo do miocárdio; AVC:
acidente vascular cerebral; HAS: hipertensão arterial sistêmica; DM: diabetes mellitus; PA: pressão arterial; SUA: sangramento uterino anormal; DIP: doença inflamatória pélvica; NTG-HCG β; SIU-LNG: sistema intrauterino liberador
de levonorgestrel. * Número de falhas do método a cada 100 mulheres por um ano de uso ideal. ** Número de falhas do método a cada 100 mulheres por ano de uso típico.
“Periodic Table” of Contraception – a tool in the contraceptive choice
“Tabela Periódica” da Anticoncepção – uma ferramenta na escolha contraceptiva

FEMINA 2022;50(1):51-60 | 55
Santos JM, Jorge V, Maroso GS, Junges AP, Brandão MG, Lubianca JN

vicite preexistente (infecção por clamídia ou gonococo, ras até 48 horas e 4 semanas após o parto e pacien-
por exemplo), frequentemente assintomática, e menos tes com endometriose, adenomiose e miomatose de
à contaminação bacteriana decorrente do processo de pequeno volume (essas três últimas condições off la-
inserção (assepsia). Reforça-se que não há necessidade bel).(13) Além disso, o método apresenta efeito protetor
de pesquisa desses agentes infecciosos antes da inser- para DIP, devido ao aumento da viscosidade do muco
ção dos DIUs (OMS), mas que pacientes até 25 anos com cervical, dificultando a ascensão de bactérias e a re-
vida sexual ativa deveriam realizar rastreamento anual dução da espessura do endométrio.(14) As contraindi-
para Chlamydia trachomatis como forma de evitar os cações aos uso dos SIUs-LNG 20 incluem: enxaqueca
danos a longo prazo, principalmente para fertilidade, ou enxaqueca focal com perda visual assimétrica que
segundo orientação do Centers for Disease Control and sugira isquemia cerebral transitória, cefaleia severa,
Prevention (CDC).(9) Nesses casos, sinais e sintomas de icterícia, elevação da pressão arterial, acidente vas-
infecção pélvica ocorrem nos primeiros 20 dias após a cular cerebral ou infarto do miocárdio. Além disso, in-
inserção. Processos infecciosos após esse período estão cluem-se: sangramento vaginal inexplicado, neoplasia
relacionados ao comportamento sexual da paciente e trofoblástica gestacional – ßHCG elevado/malignidade,
ao não uso de preservativos. A possibilidade de causar imediatamente após aborto séptico, câncer do colo de
infertilidade em nulíparas também foi refutada em vá- útero, câncer de mama atual, câncer endometrial ou
rios estudos.(2,4) ovariano, mioma com distorção cavidade endometrial,
Alguns efeitos associados à inserção e ao uso do DIU anormalidades anatômicas do útero, DIP atual, cervici-
são, muitas vezes, limitadores da sua escolha por médi- te purulenta, síndrome de imunodeficiência adquirida
cos e pacientes. Na inserção, podem ocorrer dor, reação grave ou avançada (categorias 3 e 4 dos critérios de
vasovagal, perfuração uterina, sangramento e laceração elegibilidade da OMS) e tuberculose pélvica.(13) A queixa
da cérvice; tais eventos têm sua ocorrência reduzida por mais comum durante a inserção é a dor, que pode ser
meio da técnica correta de inserção. Já os efeitos obser- manejada com o uso de analgesia periprocedimento. É
vados pelas usuárias de DIU de cobre são dismenorreia importante informar que a retirada do método permite
e alteração do padrão de sangramento uterino (aumen- o retorno imediato à fertilidade.(14) É preciso esclarecer
to de volume, da duração em dias ou alteração de sua às pacientes que podem ocorrer sangramentos leves/
frequência). Essa maior ocorrência de sangramentos escapes inesperados nos primeiros 3-6 meses, com
pode se dar por aumento da vascularização subendo- tendência a diminuir o volume/frequência de sangra-
metrial. É fundamental considerar que uma paciente mento, podendo ocorrer amenorreia. Aumento do san-
que estava sob uso de anticoncepção hormonal (o qual gramento é raro.(15)
sabidamente determina redução de volume menstrual
e dismenorreia) e troca para o DIU volta a ter o seu pa- Sistema intrauterino liberador de
drão de sangramento menstrual. A expulsão espontânea levonorgestrel com 19,5 mg (SIU-LNG 12)
(2%-10% no primeiro ano) e a falha contraceptiva são
eventos muito raros.(2,7,10,11) Trata-se de um dispositivo de 30 mm de comprimen-
Por último, é importante lembrar que o uso do DIU to, produzido em polietileno em forma de T, radiopaco,
não é restrito a mulheres adultas e que já tiveram filhos. contendo um reservatório de 19,5 mg de levonorges-
O American College of Obstetricians and Gynecologists trel. Para diferenciá-lo de outros DIUs, esse dispositivo
(ACOG) e a American Academy of Pediatrics recomendam possui um anel de prata que facilita sua visualização
que os dispositivos intrauterinos façam parte da primei- na ultrassonografia e na radiografia. Uma membrana
ra linha de anticoncepção para adolescentes.(4) de silicone controla sua liberação: testes in vitro após
24 dias liberaram 17,5 μg/24 horas, porém a taxa dimi-
nui ao longo do tempo. Assim, após um ano, a libera-
Sistema intrauterino liberador de ção diária de levonorgestrel é de, aproximadamente,
levonorgestrel com 52 mg (SIU-LNG 20) 12 μg.(16) A dispensação do levonorgestrel intraútero
Trata-se de um polímero em forma de T com 32 mm causa o espessamento do muco cervical, inviabilizando
de comprimento, cujo bastão contém um reservatório o processo de fertilização. A efetividade do SIU-LNG 12
silástico que contém 52 mg de levonorgestrel e libera é elevada, com índice de Pearl de 0,16 gravidez/100 mu-
20 μg por dia por no mínimo cinco anos.(12) A efetivi- lheres/ano.(23) Esse dispositivo é indicado para anticon-
dade do SIU-LNG 20 é elevada (índice de Pearl de 0,2 cepção por até cinco anos.(16-18) As contraindicações ao
gravidez/100 mulheres/ano), inclusive maior que a es- seu uso são as mesmas do SIU-LNG 52 mg: DIP aguda
terilização feminina (0,5 gravidez/100 mulheres/ano). O ou recorrente, vaginite ou cervicite aguda, endometrite
índice de falha também é um dos menores com o uso pós-parto ou aborto séptico nos últimos três meses,
ideal (índice de Pearl de 0,2 gravidez/100 mulheres/ neoplasia intraepitelial cervical não resolvida, malig-
ano).(8) Os SIUs-LNG 20 são amplamente indicados para nidade uterina ou cervical, câncer de mama, sangra-
pacientes que buscam benefícios além da contracep- mento uterino anormal, anormalidades uterinas con-
ção, como, por exemplo, mulheres com sangramento gênitas ou adquiridas que interferem na inserção e/
uterino anormal, com desejo de amenorreia, puérpe- ou retenção do dispositivo, doença hepática aguda ou

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“Tabela Periódica” da Anticoncepção – uma ferramenta na escolha contraceptiva
“Periodic Table” of Contraception – a tool in the contraceptive choice

tumor hepático.(18) O especialista deve estar atento às Quadro 2. Padrão de sangramento com implante subdérmico
seguintes condições existentes ou que surgiram após o
Padrão de sangramento
uso do SIU-LNG 12: enxaqueca ou enxaqueca focal com
perda visual assimétrica que sugira isquemia cerebral Favorável Amenorreia (22%-40%)
transitória, cefaleia severa, icterícia, elevação da pres- Sangramento infrequente (30%-40%)
são arterial, acidente vascular cerebral ou infarto do Sangramento regular (20%)
miocárdio. A baixa dose de levonorgestrel pode alterar Desfavorável Sangramento frequente (6,7%)
a tolerância à glicose. Em pacientes diabéticas, a glice- Sangramento prolongado (17,7%)
mia deve ser monitorada.(18) Apontam-se como eventos
adversos: gravidez ectópica em metade das gravidezes
com uso do dispositivo (se ocorrer falha, o que é muito
raro, na metade dos casos a gestação será ectópica), Métodos contraceptivos de curta duração
DIPs (mais relacionadas a cervicites), perfuração ute- (short-acting reversible contraception – SARCs)
rina (risco semelhante ao do DIU e SIU-LNG 20, sobre-
tudo durante a inserção) e cistos ovarianos benignos, Entre os métodos contraceptivos de curta ação, estão:
maiores que 3 cm, que podem atingir até 8,6% da usuá- a anticoncepção combinada por diferentes vias (oral,
rias, em comparação com 22% daquelas que fazem uso anel vaginal, adesivos e injetáveis); a anticoncepção oral
do SIU-LNG 20.(18,19) A amenorreia tende a tornar-se mais apenas com progestágenos e a medroxiprogesterona
comum com o uso do SIU-LNG 12, atingindo 12% das de depósito (injetável trimestral). Os métodos compor-
mulheres ao final do primeiro ano de uso e 22,6% em tamentais (“tabelinha”) e os métodos de barreira (dia-
cinco anos. Ademais, a porcentagem de mulheres que fragma e preservativos) também são de curta duração.
reportaram dismenorreia como, no mínimo, um dia de O anticoncepcional oral combinado (AOC)(22-24) utiliza eti-
dor moderada ou severa reduziu de 68% nos três pri- nilestradiol, valerato de estradiol ou estradiol (17-β-es-
meiros meses para 38,2% ao final dos seis primeiros tradiol) associados a diversos progestágenos. Os AOCs
meses e, ainda, para 16,9% ao final dos cinco anos de inibem a secreção de gonadotrofinas e impedem a ovu-
uso do dispositivo.(16-18) Atualmente, o SUS não oferece lação. Para o AOC, o índice de Pearl é de 0,3 e sua falha
nenhum tipo de SIU de levonorgestrel. No âmbito de com uso típico é de 9%.(20)
saúde suplementar, poderá haver cobertura ou reem- O anel vaginal (22,24) também é um método hormo-
bolso à paciente. nal combinado e é um produto flexível e transparente
constituído de Evatane, contendo 2,7 mg de etiniles-
tradiol e 11,7 mg de etonogestrel. O anel é introduzi-
Implante subdérmico de etonogestrel do pela própria paciente entre o primeiro e o quinto
Trata-se de um bastão de 40 x 2 mm para implante dia do ciclo menstrual. Nos primeiros sete dias de uso,
subdérmico contendo 68 mg de etonogestrel (um pro- deve-se associar um método de barreira. Cada anel é
gestágeno) coberto por uma membrana de etileno vi- usado por um único ciclo (com duração de 21 dias) e
nil acetato, que permite uma liberação controlada do apresenta liberação diária de 120 mcg de etonogestrel
fármaco. O etonogestrel é um metabólito ativo do de- e 15 mcg de etinilestradiol durante três semanas. Após
sogestrel, progestágeno sintético de terceira geração, uma pausa de sete dias, um novo anel deverá ser no-
utilizado em outros métodos contraceptivos, como no vamente colocado no mesmo horário em que foi colo-
anel vaginal e em alguns contraceptivos orais. Está in- cado o anterior. Os hormônios contidos no anel inibem
dicado para uso contínuo por três anos pelo Food and a ovulação e tornam o muco cervical mais espesso. O
Drug Administration (FDA), entretanto pesquisas mais índice de Pearl é de 0,3 e as falhas com uso típico che-
recentes indicam que pode manter uma alta eficácia gam a 9%.(20)
por até cinco anos.(20) É o método de menor índice de O adesivo transdérmico(22,24) é um produto que libera
falhas existente, superando inclusive a ligadura tubária diariamente 30 μg de etinilestradiol e 150 μg de norel-
(índice de Pearl de 0,05 versus 0,5 da ligadura tubá- gestromina, o que, após metabolismo hepático, resulta
ria).(8) O método age inibindo a ovulação e aumentando em levonorgestrel, altamente ligado à proteína (97%).
a espessura do muco cervical. A reversão à fertilida- Após a colocação, concentrações séricas hormonais são
de ocorre imediatamente após a sua retirada, logo no obtidas rapidamente. É uma alternativa para mulheres
primeiro ciclo, entre três e seis semanas. A inserção e que se esquecem de tomar o AOC diariamente. Um ade-
a remoção do método devem ser realizadas exclusi- sivo é trocado a cada sete dias (total de três) e ao final
vamente por médicos treinados.(21) Os efeitos adversos do período de 21 dias; o terceiro adesivo é retirado e
mais reportados com o uso do implante são: cefaleia aguarda-se o sangramento de privação. Após sete dias,
(15%), ganho de peso (12%), acne (11%), mastalgia (10%), deve ser reiniciado outro ciclo de uso. O adesivo poderá
cistos ovarianos (25%) e mudança no padrão de san- ser aplicado no abdome inferior, na parte externa do
gramento.(2) Um padrão de sangramento favorável (in- braço ou na parte superior das nádegas. Para pacientes
frequente ou amenorreia) é o mais esperado, conforme com mais de 90 kg, pode haver redução de eficácia; logo,
apresentado no quadro 2. essa via não é recomendada. Seu mecanismo de ação

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impede a ovulação, bloqueando o eixo hipotálamo-hi- depósito e é aplicada a cada 90 dias no músculo del-
pófise-ovário. O índice de Pearl é de 0,3 e as falhas com toide ou glúteo. O mecanismo de ação é inibição da
uso típico são de 9%.(20) secreção de hormônio luteinizante, maior viscosidade
A anticoncepção hormonal combinada injetável(22,24) é do muco e atrofia endometrial. A eficácia desse método
recomendada para pacientes com dificuldade de aderir é igual à da ligadura tubária e superior a de todos os
à tomada diária do AOC ou com problemas de absorção outros métodos reversíveis, com exceção do implante
entérica. Há três combinações disponíveis: enantato subdérmico.
de estradiol 10 mg + acetato de diidroxiprogesterona Dentre os métodos comportamentais, destaca-se o
150 mg; valerato de estradiol 5 mg + enantato de nore- método rítmico do calendário(22,24) (tabelinha ou Ogino-
tisterona 50 mg; cipionato de estradiol 5 mg + acetato -Knaus). Antes de utilizar o método, a mulher registra o
de medroxiprogesterona 25 mg. A aplicação ocorre por número de dias de cada ciclo menstrual durante, pelo
via intramuscular profunda (deltoide) a cada 30 dias, menos, seis meses. O ciclo menstrual começa no primei-
com tolerância máxima de três dias para a reaplicação. ro dia da menstruação e termina no último dia antes da
A primeira ampola deve ser aplicada idealmente no menstruação seguinte. A mulher subtrai 18 da duração
primeiro dia do ciclo menstrual (no máximo até o oita- do seu ciclo mais curto, estimando, assim, o primeiro
vo dia do ciclo). Como os demais métodos hormonais, dia de seu período fértil. Em seguida, ela subtrai 11 dias
impede a ovulação. O padrão de sangramento mens- da duração do seu ciclo mais longo, que corresponde
trual com o injetável mensal é previsível, com fluxos ao último dia de seu período fértil. As relações sexuais
ocorrendo por privação hormonal a cada três sema- devem ser evitadas durante esse período.
nas após a injeção (22º dia). Quando comparado com Nos EUA e na Europa, o aplicativo Natural Cycles,(25)
os AOCs, o injetável mensal está relacionado a menor desenvolvido na Suécia, é certificado como um dispo-
sangramento intermenstrual e a maior ocorrência de sitivo médico (classe IIb) para contracepção. Nele, a
amenorreia. O índice de Pearl é de 0,2 e as falhas com mulher insere dados da temperatura basal, ao acordar
uso típico são de 6%.(20) por, no mínimo, cinco dias da semana, e, a partir disso,
Para pacientes com risco de trombose venosa profun- o algoritmo do dispositivo prevê se a mulher está ou
da (sedentarismo, história de trombose venosa profun- não em um dia fértil. Dessa forma, por meio de um
da/embolismo pulmonar, obesidade, mulheres tabagis- sistema de cores, a usuária sabe se está em um dia
tas com idade superior aos 35 anos), a anticoncepção não fértil (verde) ou fértil (vermelho). Se aparecer a cor
hormonal combinada pode impor riscos inaceitáveis.(20) vermelha, deve ter relações sexuais com preservativos
As pílulas só de progestagênios(22,24) são comprimi- ou abstinência para evitar a gestação. Um estudo de
dos com doses baixas de progestagênio, podendo ser 2017(26) com as usuárias do aplicativo permitiu o cálculo
de desogestrel 75 mcg/dia ou minipílulas. As primeiras das taxas de falhas a partir de dados da temperatura
exercem seu efeito por meio da supressão da ovulação, basal e do comportamento sexual (uso de preservati-
e as minipílulas impedem a gestação exclusivamente vos ou abstinência durante os "dias vermelhos”). As-
por meio de efeitos progestacionais (espessamento do sim, o Natural Cycles apresentou índice de Pearl de 6,8
muco cervical dificultando a ascensão dos espermato- ± 0,4 com uso típico e de 1,0 ± 0,5 com uso perfeito. A
zoides, redução da motilidade tubária e atrofia do en- taxa de falha com uso típico por, no mínimo, 13 ciclos
dométrio). São indicadas quando há contraindicação sucessivos é de 8,3% (intervalo de confiança de 95%:
ou efeitos adversos ao uso de estrogênios ou, ainda, 7,8 a 8,9).(25,26) A efetividade do aplicativo é influencia-
durante a amamentação. Devem ser usadas diariamen- da por comportamento, particularmente a habilidade
te e não há intervalo livre da pílula. Esquecimentos de em medir a temperatura basal corporal regularmente
até 12 horas não alteram a sua eficácia. O índice de e abster-se de relação sexual ou utilizar preservativos
Pearl da pílula de desogestrel isolado é semelhante ao nos "dias vermelhos".
dos contraceptivos orais combinados, de 0,4 para o uso Para os métodos de barreira, há os preservativos
perfeito. masculino e feminino.(22,24) O preservativo masculino de
As minipílulas disponíveis no Brasil são: noretistero­ látex é um método acessível e de escolha para preven-
na 0,35 mg/dia, linestrenol 0,5 mg/dia e levonorgestrel ção de ISTs. Sua falha em uso típico é de 15 gestações
0,030 mg/dia. São encontradas em embalagens conten- a cada 100 mulheres por ano. No uso perfeito, ocorrem
do 28 ou 35 pílulas ativas, sendo todos os comprimidos apenas duas gestações a cada 100 mulheres por ano.
com a mesma composição e dose. O intervalo não deve O preservativo feminino pode ser inserido antes da re-
exceder três horas de atraso na tomada diária, pelo ris- lação sexual e não precisa ser retirado imediatamente
co de falha. O índice de Pearl é de 0,3 e as falhas com após a ejaculação. É eficaz na prevenção de ISTs. Entre-
uso típico chegam a 9%.(20) tanto, apresenta baixa adesão, por ser caro e pouco prá-
Existem, ainda, os contraceptivos injetáveis conten- tico. Tem menor eficácia que o preservativo masculino,
do apenas progestagênios,(22,24) que são preparações de com até 21 gravidezes a cada 100 mulheres por ano no
liberação lenta com duração de três meses. A injeção uso típico e 5 gravidezes a cada 100 mulheres por ano
contém 150 mg de acetato de medroxiprogesterona de no uso perfeito.

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“Tabela Periódica” da Anticoncepção – uma ferramenta na escolha contraceptiva
“Periodic Table” of Contraception – a tool in the contraceptive choice

O estudo CHOICE(27) de 2011 demonstrou que 70% das REFERÊNCIAS


mulheres participantes entre 14 e 45 anos escolheram 1. Secura GM, Allsworth JE, Madden T, Mullersman JL, Peipert JF. The
LARCs como métodos contraceptivos reversíveis quan- Contraceptive CHOICE Project: reducing barriers to long-acting
reversible contraception. Am J Obstet Gynecol. 2010;203(2):115.e1-7.
do a barreira do custo foi removida; 47% escolheram
doi: 10.1016/j.ajog.2010.04.017
SIU-L­NG, 11%, DIU de cobre e 12%, implante subdérmico.
2. Machado RB, Monteiro IM, Magalhães J, Guazzelli CA, Brito MB,
Concepções errôneas acerca da indicação e segurança Finotti MF, et al. Long-acting reversible contraception. Rev Bras
dos métodos também são fatores muitas vezes impedi- Ginecol Obstet. 2017;39(6):294-308. doi: 10.1055/s-0037-1603647
tivos. Em um estudo francês com uma amostra de 4.406 3. Chandra-Mouli V, Camacho AV, Michaud PA. WHO guidelines on
mulheres entre 15 e 29 anos, as percepções errôneas preventing early pregnancy and poor reproductive outcomes
among adolescents in developing countries. J Adolesc Health.
acerca de DIU (54% concordaram que eram indicados 2013;52(5):517-22. doi: 10.1016/j.jadohealth.2013.03.002
apenas após alguma gravidez; 57% acreditavam que 4. Cardoso DA. Uso de dispositivo intrauterino em adolescentes
DIUs poderiam causar infertilidade) se correlacionaram – grau de conhecimento e causas para não escolha do método
com menor chance de usar esse método (odds ratio de [dissertação]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do
Sul; 2017.
0,2 em ambos os casos).(5)
5. Moreau C, Bohet A, Hassoun D, Teboul M, Bajos N; FECOND Working
Group. Trends and determinants of use of long-acting reversible
CONCLUSÃO contraception use among young women in France: results from
three national surveys conducted between 2000 and 2010. Fertil
Nos países em desenvolvimento ainda é muito eleva- Steril. 2013;100(2):451-8. doi: 10.1016/j.fertnstert.2013.04.002
da a taxa de gestações não planejadas, especialmente 6. Machado RB, Ushikusa TE, Monteiro IM, Guazzelli CA, Bella ZJ,
em mulheres jovens, o que traz implicações à saúde e à Politano CA, et al. Diferentes percepções entre mulheres e seus
médicos sobre o aconselhamento contraceptivo: resultados da
vida dessas mulheres, além de implicações à saúde e a pesquisa TANCO no Brasil. Rev Bras Ginecol Obstet. 2020;42(5):255-
condição socioeconômica da criança. Os métodos hor- 65. doi: 10.1055/s-0040-1712145
monais de curto prazo têm maior chance de falha, pois 7. Poli ME, Mello CR, Machado RB, Pinho Neto JS, Spinola PG,
o esquecimento de uma ou algumas doses não é infre- Tomas G, et al. Manual de anticoncepção da Febrasgo. Femina.
2009;37(9):459-92.
quente, o uso concomitante com fármacos pode acelerar
8. Trussell J. Contraceptive efficacy. In: Hatcher RA, Trussell J, Nelson
o seu metabolismo e a presença de vômitos interfere AL, Cates W, Kowal D, Policar M, editors. Contraceptive technology.
na sua absorção, prejudicando a segurança do método. 20th ed. New York: Ardent Media; 2011. p. 777-861.
O estudo TANCO, realizado no Brasil, revelou que 90% 9. LeFevre ML; U.S. Preventive Services Task Force. Screening for
dos médicos acreditavam que apenas 41% das pacien- chlamydia and gonorrhea: U.S. Preventive Services Task Force
recommendation statement. Ann Intern Med. 2014;161(12):902-10.
tes procuram aconselhamento quando se esquecem de doi: 10.7326/M14-1981
uma pílula e que 30% das pacientes mudam o método 10. Madden T, McNicholas C, Zhao Q, Secura GM, Eisenberg DL,
anticoncepcional após usarem a contracepção de emer- Peipert JF. Association of age and parity with intrauterine device
gência; entretanto, apenas 8% dessas pacientes procu- expulsion. Obstet Gynecol. 2014;124(4):718-26. doi: 10.1097/
AOG.0000000000000475
ram aconselhamento, 6% buscam informação na inter-
11. Ekiz A, Ozkose B, Yucel B, Avci ME, Adanur A, Yildirim G.
net e 1% consultam a opinião do farmacêutico. Levando
Contraceptive failure with Copper T380A intrauterine device (IUD):
em consideração esses fatores, é importante que sejam a single tertiary center experience. Pak J Med Sci. 2016;32(5):1087-91.
avaliadas as estratégias que permitam um planejamento doi: 10.12669/pjms.325.10392
familiar adequado. Devido à sua alta eficácia contracep- 12. Paredes DE, Rivera RP. Análisis de la costo-efectividad del sistema
tiva (tanto em uso ideal quanto em uso típico) e a uma intrauterino liberador de levonorgestrel, como alternativa a
histerectomías, en dos países latinoamericanos. Acta Méd
boa relação de custo-efetividade, os LARCs são uma op- Costarric. 2019;61(3):94-8.
ção interessante para a redução de gravidez tanto em 13. Contracepção reversível de longa ação. São Paulo: Federação
mulheres adultas quanto em adolescentes. No entanto, Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo);
há ainda alguns entraves à sua adesão mais ampla. Um 2016. (Série Orientações e Recomendações Febrasgo; v. 3, n. 1).
deles é o seu custo inicial. Em um estudo francês, a si- 14. ACOG Committee Opinion No. 735: adolescents and long-acting
reversible contraception: implants and intrauterine devices. Obstet
tuação financeira se correlacionou de forma inversa ao Gynecol. 2018;131(5):130-9. doi: 10.1097/AOG.0000000000002632
uso de LARC: mulheres com renda mais baixa apresen- 15. Centers for Disease Control and Prevention. Contraception [app].
taram maior tendência a usar esses métodos, uma vez 2016 [cited 2021 Jan 25]. Available from: https://apps.apple.com/us/
que havia subsídio governamental. Assim, o papel dos app/contraception/id595752188
profissionais da saúde (médicos ginecologistas, médicos 16. Nelson AL. LNG-IUS 12: a 19.5 levonorgestrel-releasing intrauterine
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da atenção primária à saúde, enfermeiros e alunos de Opin Drug Deliv. 2017;14(9):1131-40. doi: 10.1080/17425247.2017.1353972
graduação de Medicina e Enfermagem) é informar corre- 17. Gemzell-Danielsson K, Apter D, Dermout S, Faustmann T, Rosen K,
tamente as pacientes para as quais a gravidez é contrain- Schmelter T, et al. Evaluation of a new, low-dose levonorgestrel
dicada ou não desejada a curto prazo sobre as vantagens intrauterine contraceptive system over 5 years of use. Eur J Obstet
Gynecol Reprod Biol. 2017;210:22-8. doi: 10.1016/j.ejogrb.2016.11.022
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FEMINA 2022;50(1):51-60 | 59
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Guanabara Koogan; 2017. p. 688-99.

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RELATO DE CASO Dissecção espontânea
da artéria coronária
em gestação gemelar
no terceiro trimestre:
Descritores
relato de caso
Spontaneous coronary artery
Dissecção da artéria coronária;
Síndrome coronariana
aguda; Infarto do miocárdio;
Gravidez; Gravidez múltipla dissection in a twin pregnancy in
Keywords the third trimester: a case report
Coronary artery dissection; Acute
coronary syndrome; Myocardial Gabriela Colasuonno Santos1, Thaís Gigliotti Malheiros Luzo1,
infarction; Acute coronary syndrome; Maria Angélica Vilarinho Rossi1, Lucas Eiti Nishizawa1,
Pregnancy; Pregnancy multiple Andrea Danielle Santanna dos Santos1, Aline Estefanes Eras Yonamine1

RESUMO
O infarto agudo do miocárdio no período gravídico-puerperal é uma condição rara
em que a principal causa é a dissecção espontânea da artéria coronária. É um
evento comumente subdiagnosticado, com pouca literatura disponível e elevado
índice de morbimortalidade. Esse relato descreve o caso de uma gestante de 36
semanas de gravidez gemelar, monocoriônica-diamniótica, com infarto agudo do
miocárdio secundário à dissecção espontânea da artéria coronária. As equipes de
cirurgia cardíaca e obstetrícia optaram pela realização de parto cesariano e histe-
rectomia subtotal, seguido da revascularização da artéria mamária descendente
Submetido anterior. Discutem-se as orientações adotadas na dissecção espontânea da artéria
15/10/2021 coronária, bem como a abordagem terapêutica e a conduta obstétrica, quando
essa condição ocorre durante a gravidez.
Aceito
30/11/2021 RESUMO

1. Departamento de Obstetrícia e Acute myocardial infarction in the pregnancy-puerperal period is a rare condition
Ginecologia, Irmandade da Santa the main cause of which is the spontaneous coronary artery dissection. A commonly
Casa de Misericórdia de São Paulo, underdiagnosed event with little available literature and a high rate of morbidity and
São Paulo, SP, Brasil. mortality. This case reports a 36-week pregnant woman of mono-chorionic-diamnio-
tic pregnancy who had a myocardial infarction secondary to a spontaneous coro-
Conflitos de interesse:
Nada a declarar. nary artery dissection. In a joint discussion between the team of cardiac surgery and
obstetrics, it was decided to perform a cesarean delivery and subtotal hysterectomy
Autor correspondente: followed by revascularization of the mammary anterior descendant. It discusses the
Gabriela Colasuonno Santos conducts to be adopted in a case of spontaneous coronary artery dissection as well
Rua Dr. Cesário Mota Júnior, 112, Vila as therapeutic approaches and obstetric conducts to be taken in a case of dissection
Buarque, 01221-010, São Paulo, SP,
during pregnancy.
Brasil
gabrielacolasuonno@gmail.com

Como citar: INTRODUÇÃO


Santos GC, Luzo TG, Rossi MA,
Nishizawa LE, Santos AD, Yonamine A dissecção espontânea da artéria coronária (DEAC) decorre da formação
AE. Dissecção espontânea da artéria
de um hematoma intramural nesse segmento vascular, sem associação com
coronária em gestação gemelar no
terceiro trimestre: relato de caso. doença aterosclerótica.(1,2) Causa rara da síndrome coronariana aguda (SCA),
Femina. 2022;50(1):61-4. ocorre em 1% a 4% dos casos. Representa a principal causa de infarto agudo

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Santos GC, Luzo TG, Rossi MA, Nishizawa LE, Santos AD, Yonamine Ae

do miocárdio (IAM) relacionado ao ciclo gravídico-puer- no terço proximal (Figura 1). A revascularização percutâ-
peral, ocorrendo em mais de 40% dos casos.(1,3) Apesar nea ficou impossibilitada diante da extensa área de dis-
da elevada porcentagem, apenas 6 a cada 100 mil ges- secção. A angiotomografia afastou a dissecção da aorta
tações cursam com IAM, sendo um evento extremamen- como causa primária do processo (Figura 2).
te raro.(4) Na unidade de terapia intensiva (UTI), a paciente se
A literatura destaca como fatores de risco para o manteve estável hemodinamicamente em uso de Tri-
desenvolvimento da DEAC na gravidez: idade mater- dil, oxigenoterapia, metoprolol e morfina. As equipes
na, principalmente acima de 30 anos; raça caucasiana; de cirurgia cardíaca e obstetrícia indicaram a realiza-
doenças do tecido conectivo; hipertensão arterial sistê- ção de parto cesariano e de histerectomia subtotal, sob
mica preexistente e/ou síndromes hipertensivas gesta- anestesia geral, seguidos da revascularização miocárdi-
cionais; multiparidade. Porém, a maioria das pacientes ca, considerando a evolução cardíaca desfavorável na
não tem comorbidades ou fatores de risco para SCA.( 1,2,5-9) alternativa de manutenção da gravidez. O parto cesa-
Trata-se de doença grave subdiagnosticada, que mui- riano foi realizado pela técnica de Pfannenstiel. A pri-
tas vezes leva à morte súbita.(1) A angiografia coronaria- meira gemelar nasceu por apresentação cefálica (peso
na é o padrão-ouro no método diagnóstico, porém, pelo de 2.660 g, Apgar de 8/9, capurro de 36+3) e a segun-
custo elevado, não está disponível em muitos centros de da, por apresentação pélvica (peso de 2.365 g, Apgar de
emergência.(3,8,9) A DEAC se mantém como uma entidade 7/9, capurro de 36+3), ambas do sexo feminino. Poste-
pouco esclarecida, com poucos registros na literatura, riormente, a gemelar 2 foi diagnosticada com estenose
perfazendo a etiologia, o prognóstico e a abordagem te- valvar importante e forame oval patente. Em seguida,
rapêutica pouco definidos.(3,7,8)
Este relato descreve o caso de uma gestante na 36ª
semana de gravidez gemelar, monocoriônica diamnióti-
ca, sem comorbidades, com DEAC esquerda.

RELATO DE CASO
Gestante, 29 anos de idade, parda, secundigesta, 36
semanas de gestação e gemelaridade monocoriônica-
-diamniótica. Foi atendida em hospital secundário em
Franco da Rocha, por quadro de dor torácica aguda.
Paciente sem comorbidades prévias ou relacionadas à
gestação atual. A paciente apresentava história de dor
torácica, de início súbito, em aperto, com irradiação
para a região dorsal, associada a cefaleia de forte in-
tensidade, parestesia de membro superior esquerdo e Figura 1. Cateterismo de coronária esquerda: dissecção
que se inicia no óstio do tronco da coronária esquerda,
sudorese. No serviço de origem, foi diagnosticado IAM
estendendo-se para descendente anterior e para artéria
por meio do traçado do eletrocardiograma com supra- circunflexa, ocluída em seu terço proximal
desnivelamento do segmento ST, nas derivações D1/
AVL e dosagens alteradas de enzimas cardíacas (CKMB
= 39 U/L e CPK = 323 U/L), sendo medicada com áci-
do acetilsalicílico (AAS) 200 mg, clopidogrel 300 mg e
tramadol, e encaminhada para o hospital terciário de
referência. Após nove horas do início dos sintomas, o
eletrocardiograma demonstrou manutenção do supra-
desnivelamento de ST em AVL e elevação das enzimas
cardíacas (CPK = 1.477 U/L; CKMB = 219 U/L; troponina I =
33,200 ng/mL). A paciente mantinha-se hemodinamica-
mente estável, sem contrações uterinas, com movimen-
tação fetal presente, com bolsa íntegra e sem dilatação
cervical. Ambos os fetos se mostravam ativos à cardio-
tocografia, e o ultrassom obstétrico demonstrou pesos
adequados para a idade gestacional. A angiografia evi-
denciou extensa dissecção coronariana desde o óstio
do tronco da artéria coronária esquerda, estendendo-se
para o segmento descendente anterior e para a artéria
circunflexa. O fluxo na artéria descendente anterior se Figura 2. Tomografia computadorizada em corte coronal: feto 1
apresentava filiforme e ausente na artéria circunflexa em apresentação pélvica e feto 2 em apresentação cefálica

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Dissecção espontânea da artéria coronária em gestação gemelar no terceiro trimestre: relato de caso
Spontaneous coronary artery dissection in a twin pregnancy in the third trimester: a case report

optou-se pela realização de histerectomia subtotal, no desenvolver com insuficiência cardíaca congestiva, SCA,
intuito de minimizar sítios de sangramento uterino, na arritmia ventricular, choque cardiogênico e até mesmo
necessária anticoagulação durante a revascularização morte súbita.(1,2,5) A dor torácica foi o principal sintoma
subsequente. Os procedimentos obstétrico e ginecoló- que conduziu a paciente do caso à procura de atendi-
gico foram realizados em aproximadamente 51 minutos, mento médico.
com sangramento dentro da normalidade e sem inter- A DEAC tem aumento das enzimas cardíacas em
corrências. Em seguida, a equipe cardíaca realizou me- 26%-87% dos casos, e o IAM pode ser revelado por meio
diastinotomia anterior com secção longitudinal do es- do supradesnivelamento do segmento ST no eletrocar-
terno e identificou a dissecção da artéria descendente diograma.(1) Essa ocorrência pode acometer múltiplos
anterior, em terço proximal, junto ao tronco pulmonar, vasos (9%-23%), sendo a artéria descendente anterior
estendendo-se até o final do terço proximal. A artéria esquerda a mais comumente afetada, em 32%-46%.(1,3,5,6)
mamária foi utilizada para concluir a revascularização. O Na suspeita de SCA, a angiografia coronariana é o me-
tempo de pinçamento foi de 78 minutos e o da circula- lhor método para diagnosticar a DEAC.(1,2,5)
ção extracorpórea, de 88 minutos. Ademais, foi efetuada A orientação terapêutica na DEAC deve seguir a con-
drenagem pleural esquerda e mediastinal, e posiciona- formidade clínica e hemodinâmica de cada situação, a
do o fio de marca-passo epimiocárdico. A paciente foi resposta ao tratamento medicamentoso e o comprome-
encaminhada à UTI, onde foi extubada no mesmo dia. timento cardíaco.(5,7) Deve-se também considerar a expe-
No primeiro dia de pós-operatório, apresentou evolução riência dos profissionais e a infraestrutura dos recursos
favorável, sendo iniciado desmame de droga vasoativa, de assistência do serviço, garantindo suporte adequado
com liberação da dieta e introdução de AAS 100 mg/dia, para a mãe e para o recém-nascido. A principal compli-
sinvastatina 40 mg/dia, enoxaparina 40 mg/dia e meto- cação fetal na DEAC é a prematuridade.(3)
prolol 25 mg duas vezes ao dia. No terceiro dia, os dre- O tratamento conservador pode ser considerado em
nos e o fio de marca-passo foram retirados, e a paciente pacientes estáveis, principalmente com acometimento
recebeu alta para leito de enfermaria. No sétimo dia de uniarterial. O uso de nitratos e bloqueadores dos ca-
pós-operatório, a paciente recebeu alta hospitalar junto nais de cálcio reduz o espasmo local e a progressão da
com a gemelar 1 e foi orientada a utilizar, de modo con- dissecção; os antiplaquetários auxiliam na prevenção
tínuo, omeprazol 20 mg, sinvastatina 20 mg, AAS 100 mg de formação de trombos intramurais e os betabloquea-
e metoprolol 50 mg duas vezes ao dia, a manter segui- dores diminuem as forças hemodinâmicas.(4,7) Durante a
mento ambulatorial e a amamentar em livre demanda. A gestação, esses medicamentos têm uso restrito, deven-
gemelar 2 permaneceu na UTI neonatal até a realização do-se ponderar o risco-benefício dessa utilização.(6)
da correção da estenose valvar. O tratamento invasivo é recomendado na instabili-
dade hemodinâmica ou na persistência dos sintomas.
A angioplastia é a alternativa nas situações de acometi-
DISCUSSÃO
mento de um vaso, considerando a significativa taxa de
O caso clínico confirma as referências da literatura so- insucesso, em torno de 50%.(1,3-5) A cirurgia de revascu-
bre os fatores de risco para DEAC, em uma gestante jo- larização deve ser preferida na ocorrência de acome-
vem, sem doenças relacionadas a SCA.(2,3,5-9) No entanto, timento multiarterial, assim como no caso relatado.(4,7)
a maioria dos relatos ocorre no decorrer do puerpério, A decisão da via e do momento do parto deve con-
o que torna ainda mais rara a apresentação do referido siderar o risco da manutenção da gestação e os riscos
caso.(3,5,9) hemodinâmicos implicados na realização do parto. Em
Embora a fisiopatologia não esteja totalmente elu- situações que permitem a via vaginal, deve ocorrer o
cidada, os estudos ressaltam a interação dos fatores parto pelo menos três semanas após o IAM e se assegu-
hemodinâmicos, hormonais e vasculares durante a gra- rar analgesia eficaz.(11-14)
videz.(1,3,6) Na gestação, ocorre aumento do volume san- No caso descrito, optou-se pela resolução da gesta-
guíneo, decorrente do aumento do volume plasmático ção devido ao prognóstico materno desfavorável, com
em 30%-50%, do débito cardíaco em 40%-50% e da di- prováveis chances de instabilidade hemodinâmica sú-
minuição da resistência vascular periférica.(9) bita. A prematuridade tardia dos conceptos contribuiu
O aumento dos níveis de estrogênio e progesterona para o bom prognóstico neonatal. O parto cesariano foi
favorece as alterações histopatológicas na túnica média escolhido para minimizar o esforço cardíaco dispendido
das artérias.(1,4,6,10) Ademais, a compressão da aorta e das em um parto vaginal, além da indisponibilidade de tem-
artérias ilíacas pelo útero gravídico aumenta a resistên- po para indução do trabalho de parto.
cia ao fluxo nas artérias coronárias.(3) A gemelaridade A histerectomia subtotal, subsequente ao parto, ate-
pode ser considerada como agravante, já que todas es- nuou a ocorrência de sangramento do quarto período,
sas alterações fisiológicas são mais expressivas em ges- este potencializado pela heparinização plena, necessá-
tações múltiplas. ria para a circulação extracorpórea no tempo operatório
O quadro clínico representado pela dor torácica, da revascularização cardíaca. A ocitocina, utilizada na
presente em mais de 90% dos casos de DEAC, pode se profilaxia de hemorragia do quarto período, tem efeito

FEMINA 2022;50(1):61-4 | 63
Santos GC, Luzo TG, Rossi MA, Nishizawa LE, Santos AD, Yonamine Ae

vasodilatador e seus mecanismos compensatórios – ta- 3. Havakuk O, Goland S, Mehra A, Elkayam U. Pregnancy and the risk
of spontaneous coronary artery dissection: an analysis of 120
quicardia e aumento do volume sistólico e do débito contemporary cases. Circ Cardiovasc Interv. 2017;10(3):e004941. doi:
cardíaco – levariam ao agravamento do estado hemodi- 10.1161/circinterventions.117.004941
nâmico da paciente.(15,16) 4. Andréa JC, Mendonça PC, Figueira HR, Atié J, Machado LP,
Vale ressaltar que a cateterização seletiva das arté- Camillis L. Spontaneous dissection of the left main coronary
artery in a puerperal woman treated with percutaneous coronary
rias uterinas com balão endovascular é uma alternativa intervention. J Transcatheter Interv. 2017;25(1-4):42-5. doi: 10.31160/
quando houver tempo hábil para a sua realização. Dessa jotci2017;25(1-4)a0010
forma, a realização da histerectomia foi a opção mais 5. Tweet MS, Hayes SN, Pitta SR, Simari RD, Lerman A, Lennon RJ, et
segura para a paciente deste caso. al. Clinical features, management, and prognosis of spontaneous
coronary artery dissection. Circulation. 2012;126(5):579-88. doi:
10.1161/circulationaha.112.105718
CONCLUSÃO 6. Elkayam U, Jalnapurkar S, Barakkat MN, Khatri N, Kealey AJ, Mehra A,
et al. Pregnancy-associated acute myocardial infarction. Circulation.
O pleno conhecimento das alterações hemodinâmicas 2014;129(16):1695-702. doi: 10.1161/circulationaha.113.002054
do período gravídico-puerperal é fundamental para 7. Barbosa RR, Rinaldi FS, Costa JR Jr, Feres F, Abizaid A, Sousa AG,
a adequada assistência pré-natal e para a prontidão et al. Infarto agudo do miocárdio por dissecção espontânea de
no diagnóstico e manejo adequado da DEAC, visto que artérias coronárias: série de cinco casos. Rev Bras Cardiol Invasiva.
2013;21(2):193-8. doi: 10.1590/s2179-83972013000200017
protocolos de rastreamento ou vigilância dessas pa-
8. Albuquerque CE, Nani E, Martins WD, Souza AL. Dissecção
cientes e daquelas com fatores de risco para IAMs e coronariana espontânea. Rev Bras Cardiol. 2014;27(5):370-3.
dissecção coronariana não estejam estabelecidos. O 9. Tweet MS, Hayes SN, Codsi E, Gulati R, Rose CH, Best PJ.
manejo adequado da DEAC é fundamental para a redu- Spontaneous coronary artery dissection associated with pregnancy.
J Am Coll Cardiol. 2017;70(4):426-35. doi: 10.1016/j.jacc.2017.05.055
ção da morbimortalidade materna, sendo a histerec-
10. James AH, Jamison MG, Biswas MS, Brancazio LR, Swamy GK,
tomia subsequente ao parto uma alternativa viável e
Myers ER. Acute myocardial infarction in pregnancy. Circulation.
segura, principalmente em pacientes com prole cons- 2006;113(12):1564-71. doi: 10.1161/circulationaha.105.576751
tituída, para reduzir o risco de sangramento pós-parto, 11. Roth A, Elkayam U. Acute myocardial infarction associated with
uma vez que o uso da ocitocina pode levar à deterio- pregnancy. Ann Intern Med. 1996;125(9):751-62. doi: 10.7326/0003-
4819-125-9-199611010-00009
ração hemodinâmica do quadro clínico. Por fim, con-
12. Foading Deffo B. Myocardial infarction and pregnancy. Acta Cardiol.
clui-se que mais estudos precisam ser realizados para
2007;62(3):307-12.
formulação de protocolos de rastreamento e manejo
13. Cohen WR, Steinman T, Patsner B, Snyder D, Satwicz P, Monroy P.
desses casos, tendo em vista a alta morbimortalidade Acute myocardial infarction in a pregnant woman at term. JAMA.
dessa patologia. 1983;250(16):2179-81. doi: 10.1001/jama.1983.03340160065035
14. Duarte FP, O’Neill P, Centeno MJ, Ribeiro I, Moreira J. Infarto agudo
do miocárdio na 31ª semana de gravidez: relato de caso. Rev Bras
REFERÊNCIAS Anestesiol. 2011;61(2):225-31. doi: 10.1590/s0034-70942011000200012
1. Hayes SN, Kim ES, Saw J, Adlam D, Arslanian-Engoren C, 15. Yamaguchi ET, Siaulys MM, Torres ML. Oxytocin in cesarean-
Economy KE, et al. Spontaneous coronary artery dissection: current sections. What’s new? Braz J Anesthesiol. 2016;66(4):402-7. doi:
state of the science: a scientific statement from the American 10.1016/j.bjane.2014.11.015
Heart Association. Circulation. 2018;137(19):e523-57. doi: 10.1161/ 16. Rabow S, Hjorth U, Schönbeck S, Olofsson P. Effects of oxytocin and
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2. Saw J, Mancini GB, Humphries KH. Contemporary review on double-blind placebo-controlled study using non-invasive pulse
spontaneous coronary artery dissection. J Am Coll Cardiol. wave analysis. BMC Pregnancy Childbirth. 2018;18(1):453. doi:
2016;68(3):297-312. doi: 10.1016/j.jacc.2016.05.034 10.1186/s12884-018-2029-1

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