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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

ESCOLA DE POLÍTICAS PÚBLICAS E GOVERNO

ALINE GUIOTTI GARCIA

A TRIBUTAÇÃO SOBRE O CONSUMO E SOBRE A RENDA NA ECONOMIA


DIGITAL: UM PANORAMA GLOBAL E BRASILEIRO DO INÍCIO DO
SÉCULO XXI E EXPECTATIVAS

BRASÍLIA
2023
ALINE GUIOTTI GARCIA

A TRIBUTAÇÃO SOBRE O CONSUMO E SOBRE A RENDA NA ECONOMIA


DIGITAL: UM PANORAMA GLOBAL E BRASILEIRO DO INÍCIO DO
SÉCULO XXI E EXPECTATIVAS

Dissertação apresentada à Escola de Políticas Públicas e


Governo da Fundação Getulio Vargas como requisito para
obtenção do título de Mestre em Políticas Públicas e
Governo.

Área de Concentração: Políticas Públicas e Governo

Orientadora: Profa. Dra. Liziane Angelotti Meira

BRASÍLIA
2023
Garcia, Aline Guiotti.
A tributação sobre o consumo e sobre a renda na economia digital : um panorama
global e brasileiro do início do século XXI e expectativas / Aline Guiotti Garcia. -
2023.
91 f.

Orientador: Liziane Angelotti Meira.


Dissertação (mestrado MPPG) – Fundação Getulio Vargas, Escola de Políticas
Públicas e Governo.

1. Imposto sobre circulação de mercadorias. 2. Impostos - Arrecadação. 3.


Inovações tecnológicas - Aspectos econômicos. 4. Tecnologia - Aspectos sociais. I.
Meira, Liziane Angelotti. II. Dissertação (mestrado MPPG) – Escola de Políticas
Públicas e Governo. III. Fundação Getulio Vargas. IV. Título.

CDU 336.22

Ficha Catalográfica elaborada por: Isabele Oliveira dos Santos Garcia CRB SP-010191/O
Biblioteca Karl A. Boedecker da Fundação Getulio Vargas - SP
ALINE GUIOTTI GARCIA

A TRIBUTAÇÃO SOBRE O CONSUMO E SOBRE A RENDA NA ECONOMIA


DIGITAL: UM PANORAMA GLOBAL E BRASILEIRO DO INÍCIO DO
SÉCULO XXI E EXPECTATIVAS

Dissertação apresentada à Escola de Políticas Públicas e


Governo da Fundação Getulio Vargas, como requisito para
obtenção do título de Mestre em Políticas Públicas e
Governo.

Área de Concentração: Políticas Públicas e Governo

Data de aprovação: 01/06/2023

Banca Examinadora:

____________________________________
Profa. Dra. Liziane Angelotti Meira (orientadora)
FGV EPPG

____________________________________
Profa. Dra. Hadassah Laís S. Santana
FGV EPPG

____________________________________
Profa. Dra. Talita Pimenta Felix
IBET

____________________________________
Profa. Dra. Ana Clarissa Massuko
FGV EPPG
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho aos meus avós que, cada um à sua maneira, me ensinaram a
importância do estudo e a diferença entre conhecimento, sabedoria e experiência. Dedico
especialmente à minha avó, Erotildes dos Santos Garcia, por ter plantado a semente da
curiosidade em mim quando criança e a regado com livros e o hábito da leitura através de
uma pequena adesão a um clube de leitura.
Dedico este trabalho também aos meus pais, Ricardo dos Santos Garcia e Beatriz
Guiotti Garcia, que mesmo sem adentrarem à vida acadêmica, sempre me estimularam ao
estudo e aprendizado, inclusive nos momentos mais difíceis por que passamos. Este
estímulo, iniciado na infância com os livros, a escola e cursos, culminou, hoje, na
realização de um de meus maiores sonhos acadêmicos, a realização do mestrado.

Por fim, dedico este trabalho também ao meu, antes companheiro, e agora esposo,
Thyago Medeiros Moraes, pelo apoio incondicional durante todo o mestrado, com todas
as horas dedicadas aos estudos e as trocas de ideias.
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer, desde logo, à Talita Pimenta Felix, coordenadora do
IBET/GYN, inspiração em forma de ser humano. Agradeço tanto pelo incentivo ao estudo
e à academia, quanto por me avisar da abertura do edital para o mestrado da FGV/EPPG.
Aproveitando o ensejo, agradeço à todos os professores do corpo docente do IBET/GYN,
exímio grupo de pesquisadores que me influencia diariamente com as melhores ideias e,
dentre elas, a realização do mestrado e da pesquisa acadêmica.

Agradeço também à minha orientadora, Profª. Drª. Liziane Angelotti Meira, cujo
primeiro contato, ainda quando aluna na especialização em direito tributário, me mostrou
a vastidão desta matéria, seu alcance mundial e quão interessante ela é. Sorte a minha de
tê-la como orientadora. Agradeço, em sequência, a todos os professores da EPPG/FGV,
por contribuírem de forma inestimável nesta caminhada. Dentre eles, destaco o Prof. Dr.
Marcos Valadão, cujo extenso conhecimento e experiência torna cada encontro do grupo
de pesquisa em Direito Constitucional Tributário uma verdadeira aula.
E, por fim, destaco meu agradecimento à Profª. Drª. Hadassah Laís de Souza
Santana, que conseguiu, ao ministrar a matéria eletiva “O desenho de políticas públicas
ante a tributação na economia digital” em um curso de verão, despertar em mim a
curiosidade pela quarta revolução industrial e ensejou o início da pesquisa da tributação
na economia digital.
“- Porque o nosso mundo não é o mesmo mundo de Otelo. Não
se pode fazer um calhambeque sem aço, e não se pode fazer uma
tragédia sem instabilidade social. O mundo agora é estável. As
pessoas são felizes, têm o que desejam e nunca desejam o que
não podem ter. Sentem-se bem, estão em segurança; nunca
adoecem; não têm medo da morte; vivem na ditosa ignorância
da paixão e da velhice; não se acham sobrecarregadas de pais e
mães; não têm esposas, nem filhos, nem amantes por que possam
sofrer emoções violentas; são condicionadas de tal modo que
praticamente não podem deixar de se portar como devem. E se,
por acaso, alguma coisa andar mal, há o soma. Que o senhor atira
pela janela em nome da liberdade, sr. Selvagem. Da liberdade!
– riu. – Espera que os Deltas saibam o que é liberdade! E agora
quer que eles compreendam Otelo! Meu caro jovem!

O Selvagem calou-se por um momento.

- Apesar de tudo – insistiu obstinadamente -, Otelo é bom, Otelo


é melhor do que esses filmes sensíveis.

- Sem dúvida – aquiesceu o Administrador – Mas esse é o preço


que temos de pagar pela estabilidade. É preciso escolher entre a
felicidade e aquilo que antigamente se chamava a grande arte.
Nós sacrificamos a grande arte. Temos, em seu lugar, os filmes
sensíveis e o órgão de perfumes.”

Aldous Huxley em Admirável Mundo Novo


RESUMO
A presente dissertação de mestrado visa investigar como os países e organizações
internacionais, com ênfase nas ações do Brasil, têm se comportado diante dos novos
produtos e serviços oriundos da economia digital, no que tange à tributação do consumo
e da renda. Em razão da abrangência do tema, foram produzidos três artigos
independentes entre si, mas que se complementam ao buscar analisar o cenário da
tributação mundial na quarta revolução industrial, cujas características intrínsecas (como
a velocidade, intangibilidade e mobilidade) têm dificultado a aplicação das regras até
então existentes. Para tanto, a metodologia aplicada apresenta e analisa o estado da arte,
a bibliografia existente, bem como a legislação, textos jurídicos e jurisprudenciais
relacionados à economia digital. O primeiro artigo (“A Dificuldade na Tributação Indireta
dos Novos Produtos da Era Digital”) analisa a tributação sobre o consumo no âmbito da
economia digital, sem esquecer a miríade de objetos que poderão ser inventados nos
próximos anos. O segundo artigo (“Tributação da Renda na Economia Digital: Ações
Mundiais e Implementação no Brasil”) examina as dificuldades da tributação da renda
das empresas de tecnologia por meio do exame das ações propostas e adotadas no mundo,
especialmente aquelas sugeridas pela OCDE em seu Global Tax Pack, assim como
examina a posição do Brasil e as ações adotadas internamente. O terceiro artigo (“Um
Breve Panorama sobre a Tributação na Economia Digital no Brasil”) apresenta uma visão
ampla sobre a tributação da economia digital no país, restringindo-se à análise da
tributação sobre o consumo e sobre a renda dos novos bens, serviços e negócios da
economia digital. Dado que a evolução tecnológica tem trazido inúmeras vantagens à
humanidade, este trabalho focou na análise da tributação diante desta nova realidade, a
fim de inserir a academia na discussão para que possa, a partir da reflexão da situação
atual, considerando os desígnios soberanos e tendências mundiais, contribuir no
enfretamento dos desafios desta nova era.

PALAVRAS-CHAVE: Economia Digital. Revolução 4.0. Tributação. Renda.


Consumo.
ABSTRACT
This master's thesis aims to investigate how countries and international
organizations, with emphasis on actions in Brazil, have behaved in the face of new
products and services arising from the digital economy, with regard to the taxation of
consumption and income. Due to the scope of the theme, three articles were produced that
are independent of each other, but that complement each other in seeking to analyze the
scenario of world taxation in the fourth industrial revolution, whose intrinsic
characteristics (such as speed, intangibility and mobility) have made it difficult to apply
the rules hitherto existing. Therefore, the applied methodology presents and analyzes the
state of the art, the existing bibliography, as well as the legislation, legal and
jurisprudential texts related to the digital economy. The first article (“The Difficulty in
Indirect Taxation of New Products of the Digital Age”) analyzes taxation on consumption
in the context of the digital economy, not forgetting the myriad of objects that could be
invented in the coming years. The second article (“Income Taxation in the Digital
Economy: Global Actions and Implementation in Brazil”) examines the difficulties of
taxing the income of technology companies by examining proposed and adopted actions
around the world, especially those suggested by the OECD in its Global Tax Pack, as well
as examining Brazil's position and actions taken internally. The third article (“A Brief
Overview on Taxation in the Digital Economy in Brazil”) presents a broad view on
taxation of the digital economy in the country, restricting itself to the analysis of taxation
on consumption and on income from new goods, services and business of the digital
economy. Given that technological evolution has brought countless advantages to
humanity and cannot be prevented, this work focused on the analysis of taxation in the
face of this new reality, in order to insert the academy in the discussion so that it can,
from the reflection of the current situation, considering sovereign designs and world
trends, contribute to facing the challenges of this new era.

KEYWORDS: Digital Economy. Revolution 4.0. Taxation. Income. Consumption.


LISTA DE TABELAS
Tabela 1: 21 pontos de inflexão identificados pelo Fórum Econômico Mundial em
2015.................................................................................................................................22

LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Apresentação gráfica da dissertação................................................................15
Figura 2: Maiores corporações mundiais em 2006 e em 2017........................................21
Figura 3: Taxonomia de moedas virtuais........................................................................68
Figura 4: Espécie de criptoativos.....................................................................................71
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 11
1.1 OBJETIVOS, RESULTADOS ESPERADOS E JUSTIFICATIVA ......................... 13
1.2 METODOLOGIA .......................................................................................................... 14
2. A DIFICULDADE NA TRIBUTAÇÃO INDIRETA DOS NOVOS PRODUTOS
DA ERA DIGITAL....................................................................................................... 15
2.2 Revolução Digital ........................................................................................................... 17
2.3 A Tributação Indireta Internacional ............................................................................ 23
2.3.1 Tributação Internacional e a OCDE (Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico)........................................................................................... 23
2.3.2 O Pioneirismo da União Europeia e o IVA (Imposto Sobre Valor Agregado) ... 26
2.4 A Tributação Indireta no Brasil: ICMS X ISS ............................................................ 30
2.5 Conclusão ........................................................................................................................ 34
3. TRIBUTAÇÃO DA RENDA NA ECONOMIA DIGITAL: AÇÕES MUNDIAIS
E IMPLEMENTAÇÃO NO BRASIL ......................................................................... 37
3.1 Introdução....................................................................................................................... 37
3.2 Tributação da renda internacional pelo Brasil............................................................ 39
3.3 Quarta Revolução Industrial ........................................................................................ 41
3.3.1 A quarta revolução tecnológica e a Tributação 4.0 ............................................... 41
3.3.2 Desafios criados para a tributação e iniciativas .................................................... 42
3.4 OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) ............... 44
3.4.1 BEPS, ACTION 1 ...................................................................................................... 45
3.4.2 BEPS, ACTION 7 ...................................................................................................... 45
3.4.3 Global Tax Pack ........................................................................................................ 46
3.5 Implementação no Brasil ............................................................................................... 48
3.6 Conclusão ........................................................................................................................ 51
4. UM BREVE PANORAMA SOBRE A TRIBUTAÇÃO NA ECONOMIA
DIGITAL NO BRASIL ................................................................................................ 53
4.1 Introdução....................................................................................................................... 54
4.2 O estado da tributação da economia digital no Brasil ................................................ 56
4.2.1 Revolução digital no Brasil e o sistema tributário brasileiro ............................... 56
4.2.2 Tributação de bens digitais (corpóreos ou não) ..................................................... 57
4.2.3 – Tributação da internet das coisas (IoT) .............................................................. 60
4.2.4 Tributação da publicidade....................................................................................... 61
4.2.5 Tributação da impressão 3D ................................................................................... 63
4.2.5 Tributação do streaming .......................................................................................... 64
4.2.6 Tributação de moedas virtuais ................................................................................ 66
4.3 Tributação indireta no Brasil (tributação sobre o consumo) ..................................... 69
4.4 Tributação da renda no Brasil ...................................................................................... 74
4.5 Conclusão ........................................................................................................................ 78
5. CONCLUSÃO........................................................................................................... 80
6. BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................... 82
11

1. INTRODUÇÃO
A história da humanidade é marcada por significativas transformações, que mudaram
substancialmente a maneira de viver dos seres humanos. Dentre essas mudanças, podemos citar
a descoberta do fogo, a invenção da agricultura, a roda e outras mais. Com a evolução e o
sedentarismo, as pessoas passaram a fixar-se em um mesmo lugar, o que possibilitou o surgimento
das cidades. O termo "revolução" indica uma mudança abrupta e radical decorrente de novas
tecnologias e formas de percepção do mundo, alterando as estruturas sociais e econômicas. Por
isso, pode-se afirmar que uma espécie de revolução ocorreu há cerca de 10.000 anos, com a
domesticação de animais e a utilização da agricultura. No entanto, embora tenham ocorrido
diversas revoluções ao longo da história, a primeira grande revolução industrial é considerada a
ocorrida no século XVIII, impulsionada pelas ferrovias e máquinas a vapor, que deu início à
produção em larga escala.

A segunda grande revolução industrial teve início no século XIX, impulsionada pela
introdução da força elétrica e de esteiras de produção, permitindo a produção em massa. A terceira
grande revolução industrial, iniciada na década de 1960, foi caracterizada pelo advento do
computador e da digitalização. Tais eventos inegavelmente ensejaram impacto significativo na
história da humanidade, bem como no cotidiano de muitas pessoas. Por isso, de acordo com a
perspectiva de SCHWAB (2016), a partir da década de 2000, a humanidade está vivenciando
outro desses momentos disruptivos, a chamada "quarta revolução industrial".

Isto porque as tecnologias digitais (computadores, softwares, redes), embora não sejam
novas, têm causado rupturas na maneira de viver do ser humano, tendo atingido a sociedade por
inteiro e a economia global. Em face a tamanhas mudanças surgem diversas dúvidas, algumas
relacionadas à tributação, como: os novos modelos negociais e produtos oriundos da economia
digital devem ser tributados? Se sim, como fazê-lo, considerando que a velocidade, amplitude,
profundidade e impacto sistêmico são as características marcantes desta nova realidade? As regras
existentes são suficientes e aplicáveis? Afinal, é dificílimo – senão, impossível – saber para onde
levarão os avanços.

A adoção das tecnologias digitais, tais como computadores, softwares e redes, embora não
recentes, tem acarretado profundas mudanças na maneira como a sociedade opera e conduz seus
negócios, tendo ocasionado rupturas significativas na maneira de viver do indivíduo, afetando a
sociedade e a economia global como um todo. Diante dessas transformações, surgem diversas
questões, notadamente algumas relacionadas à tributação. É pertinente questionar se os novos
modelos de negócios e produtos oriundos da economia digital devem ser tributados e, em caso
afirmativo, como fazê-lo diante das características marcantes desta nova realidade, como
velocidade, amplitude, profundidade e impacto sistêmico. Além disso, há dúvidas acerca da
incidência das regras tributárias existentes, no que tange à eficiência e aplicabilidade, mormente
quando consideradas dificuldades vindouras.

Nesta perspectiva, é inegável o crescimento exponencial de empresas como Apple, Netflix,


Google, Amazon, Facebook, tendo em vista a adesão de milhões de consumidores aos serviços
prestados. A tecnologia tornou-se onipresente, utilizada para o lazer, como ferramenta de trabalho
12

ou estudo, ou apenas facilitar o cotidiano e melhorar serviços que já existiam. Com a redução de
custos e alta adesão dos consumidores, a maior lucratividade é consequência esperada. Entretanto,
a forma de prestação das atividades mudou, impedindo a aplicação das regras vigentes (relativas
à regulamentação e tributação). Por isso, mostra-se relevante o questionamento sobre a
desigualdade entre as empresas de tecnologia e as empresas tradicionais, estas sujeitas às regras
existentes e aquelas, não. Deve-se questionar, outrossim, a validade de operações que exploram
mercados consumidores em determinado local e exportam os lucros obtidos.

Embora a mobilidade e intangibilidade sejam características marcantes da economia


digital, o que justifica a análise da tributação em nível mundial, mostra-se imprescindível analisar
também a realidade brasileira, ou seja, como o país tem lidado com a economia digital no que diz
respeito à tributação do consumo e da renda. Afinal, independente das iniciativas e orientações
externas, o país não tem ignorado a influência e mudanças trazidas pela economia digital. Por
exemplo, em 2017 foi iniciado o “Estudo Internet das Coisas", com diagnóstico e proposição de
plano de ação em relação à chamada Internet das Coisas (Internet-of-Things - IoT). Em 2018, foi
divulgada a Estratégia Brasileira para a Transformação Digital (e-Digital) e, em 2019, foi
publicado o Decreto nº 9.854, que instituiu o Plano Nacional de Internet das Coisas.

Todavia, as normas jurídicas - notadamente, as normas tributárias - não acompanham a


velocidade da revolução tecnológica, o que enseja cenários de grande insegurança jurídica e, por
vezes, a regulamentação por normas infralegais (como soluções de consulta, portarias, instruções
normativas ou pareceres administrativos). Ao levar as discussões ao Judiciário brasileiro,
encontra-se, em grande parte dos casos e considerando a ausência de norma especifica sobre a
tributação de determinado evento, juízes despreparados tecnicamente para a discussão e também
para criar a norma concreta, ainda que por meio de analogia.

Para analisar a situação global e as expectativas da tributação sobre o consumo e sobre a


renda - tanto da academia, quanto de organizações mundiais e governos - foram elaborados três
artigos, os quais compõem este trabalho:

▪ O primeiro artigo, denominado “A Dificuldade na Tributação Indireta dos Novos


Produtos da Era Digital”, analisará a tributação indireta (ou seja, a tributação sobre o consumo)
no âmbito da economia digital, considerando os novos modelos negociais e novos produtos, sem
esquecer a miríade de objetos que poderão ser inventados nos próximos anos. Isto porque, ainda
que os benefícios oriundos das inovações sejam imensuráveis, não pode ser admissível que tais
inovações criem um abismo entre modelos negociais semelhantes, um tributável e outro não.
Espera-se haver isonomia, razão pela qual a tributação na economia digital deve ser avaliada, a
fim de que se defina o melhor caminho a ser seguido em prol da segurança jurídica esperada.

▪ O segundo artigo, denominado “Tributação da Renda na Economia Digital: Ações


Mundiais e Implementação no Brasil”, examinará as dificuldades da tributação da renda das
empresas de tecnologia por meio do exame das ações propostas e adotadas no mundo,
especialmente aquelas sugeridas pela OCDE em seu Global Tax Pack. Examina também a posição
do Brasil e as ações adotadas internamente, bem como a dificuldade na implementação das
sugestões oriundas da tributação internacional.
13

▪ O terceiro artigo, denominado “Um Breve Panorama sobre a Tributação na Economia


Digital no Brasil”, analisará a tributação da economia digital no país, restringindo-se à análise da
tributação sobre o consumo e sobre a renda. Buscará, portanto, investigar como os novos bens,
serviços e negócios da economia digital têm sido tratados no país, notadamente a partir dos anos
2000.

Considerando a relevância do papel da tributação, caso esta não se estenda à nova realidade,
as consequências serão danosas: além da perda de arrecadação para o país, seria criada verdadeira
barreira entre os bens e serviços tangíveis e intangíveis, hipótese em que a tributação de apenas
um deles causaria evidente descompasso concorrencial, interferindo na isonomia esperada entre
situações semelhantes.

Deste modo, o presente trabalho pode ser assim visualizado:


Figura 1: Apresentação gráfica da dissertação.

Fonte: Elaborado pela autora.

1.1 OBJETIVOS, RESULTADOS ESPERADOS E JUSTIFICATIVA


O objetivo do presente trabalho é investigar a posição da tributação na economia digital,
analisando as medidas que têm sido adotadas no mundo, com ênfase naquelas adotadas pelo
Brasil. Deve-se verificar se as regras vigentes, seja com intuito arrecadatório ou para
regulamentação, têm sido capazes de abranger os novos produtos e modelos de negócios da era
digital. Após a realização do diagnóstico, cabe a reflexão com o intuito de contribuir no debate
acerca do enfretamento dos desafios desta nova era.
14

Isto porque, a despeito dos amplos objetivos da tributação, rejeita-se a ideia de modelos de
negócios e produtos semelhantes serem regulamentados e tributados de forma diversa apenas em
razão da economia digital, tendo em vista a quebra de isonomia concorrencial amparada pelas
normas jurídicas. Situações semelhantes devem estar sujeitas às mesmas regras.

Pretende-se, portanto, realizar um diagnóstico da situação atual e aplicação das regras


vigentes, ou seja, se tem sido possível a subsunção das novas materialidades às normas. Para
tanto, deve-se considerar também o papel das decisões administrativas/judiciais, os estudos sobre
a economia digital e a posição do Brasil diante de diretrizes internacionais fixadas com o objetivo
de evitar a evasão fiscal na economia digital.

Sendo assim, a presente pesquisa se justifica como um marco inicial ao diagnóstico da


situação atual, possibilitando o aprofundamento da discussão pela academia, para que
posteriormente, se necessário e com embasamento bibliográfico e metodológico, sejam tomadas
as medidas necessárias à tributação, garantindo-se segurança jurídica tanto ao ente arrecadador,
quanto aos contribuintes.

1.2 METODOLOGIA
Com o intuito de alcançar o objetivo proposto, a metodologia empregada baseia-se na
pesquisa bibliográfica, incluindo a revisão da literatura para avaliar o estado atual da arte no
âmbito nacional e internacional. Dada a importância e alcance da economia digital, foram
considerados aspectos internacionais relevantes para verificar a situação mundial e possíveis
tendências que possam ser aplicáveis ao contexto brasileiro. Ademais, foram examinadas a
legislação, os textos jurídicos e jurisprudenciais relacionados à economia digital, a fim de se obter
uma visão ampla e consistente sobre o tema em questão.
15

2. A DIFICULDADE NA TRIBUTAÇÃO INDIRETA DOS NOVOS PRODUTOS


DA ERA DIGITAL

RESUMO

O presente artigo analisará a tributação indireta no âmbito da economia digital,


considerando os novos modelos negociais e novos produtos. Será considerada a grande variedade
de produtos que devem ser inventados nos próximos anos, bem como se as regras atuais de
tributação estão aptas a alcançá-los. Será analisado não somente de que forma o Brasil, mas
também outros países e grupos, especialmente a União Europeia e a OCDE, têm agido diante da
nova realidade. Para realizar a análise, a metodologia tem fulcro em pesquisa na literatura, bem
como em análises e expectativas governamentais em relação à tributação indireta através do
método dedutivo. Apresentar-se-á a economia digital como produto da quarta revolução industrial
e se discorrerá sobre a dificuldade de aplicação das regras atuais do direito internacional à nova
realidade, e também sobre a atuação da OCDE, da União Europeia nesta matéria e a eficácia do
IVA. Por fim, será apresentado o contexto brasileiro, isto é, a estratégia adotada no país diante da
nova realidade e também as propostas existentes na literatura. Por meio da revisão de literatura e
análise das ações adotadas pelos governos, pretende-se provocar a reflexão acadêmica sobre a
realidade e as iniciativas adotadas pelos países, bem como seus resultados, a fim de contribuir no
enfretamento dos desafios desta nova era.

PALAVRAS-CHAVE: Economia digital. Tributação indireta. Tecnologia. Consumo.


IVA.

ABSTRACT

This article will analyze indirect taxation in the context of the digital economy, considering
the new business models and new products. It will consider the wide variety of products that must
be invented in the coming years, as well as whether current taxation rules are able to catch up
with them. It will be analyzed not only how Brazil, but also other countries and groups, especially
the European Union and the OECD, have acted in the face of the new reality. To carry out the
analysis, the methodology is based on research in the literature, as well as on analyzes and
government expectations regarding indirect taxation through the deductive method. The digital
economy will be presented as a product of the fourth industrial revolution and the difficulty of
applying the current rules of international law to the new reality will be discussed, as well as the
performance of the OECD, the European Union in this matter and the effectiveness of VAT.
Finally, the Brazilian context will be presented, that is, the strategy adopted in the country in the
face of the new reality and also the existing proposals in the literature. Through a literature review
and analysis of actions taken by governments, the aim is to provoke academic reflection on the
reality and initiatives adopted by countries, as well as their results, in order to contribute to facing
the challenges of this new era.

KEYWORDS: Digital Economy. Indirect taxation. Technology. Consumption. VAT.


16

2.1 Introdução
Desde antes do século XVIII, a sociedade humana tem visto as denominadas revoluções
industriais ocorrerem. Dentre as várias conceituações existentes, tais revoluções decorrem de
grandes mudanças ocorridas no cotidiano individual, através das quais os seres humanos
mudaram sua forma de viver. É o que ocorreu no século XVIII com as ferrovias e máquinas a
vapor, com o posterior advento da eletricidade e da computação. Tais eventos alteraram a história
da humanidade, assim como o cotidiano de diversos indivíduos. A partir da década de 2000, a
humanidade tem vivido outro destes momentos disruptivos, a chamada “a quarta revolução
industrial”. As tecnologias digitais (computadores, softwares, redes), embora não sejam novas,
têm causado rupturas à maneira de viver do ser humano, tendo atingido a sociedade por inteiro e
a economia global. Frente às significativas transformações em curso, emergem diversas
indagações, dentre as quais se destacam: seria pertinente a tributação dos novos modelos de
negócios e produtos decorrentes da economia digital? Caso afirmativo, quais seriam as estratégias
adequadas para tal finalidade? Seriam as normas atuais satisfatórias e aplicáveis a tal cenário?

Seria cabível a tributação das impressões 3D? Estas são também conhecidas como
fabricação aditiva, que consistem na produção de um objeto físico por meio de impressão de
camadas sucessivas a partir de um modelo ou desenho digital em 3D. Ou seria o serviço em si
passível de tributação? O regime tributário do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) seria capaz
de abranger essa atividade? No contexto brasileiro, seriam passíveis de incidência os impostos
sobre Produtos Industrializados (IPI), Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e Serviços
(ISS)?

No que concerne aos novos materiais, que há alguns anos pareciam inimagináveis, como
seria possível tributar nanomateriais, tais como o grafeno, que apresenta notável aplicação
tecnológica, é extremamente fino e resistente, além de excelente condutor elétrico e térmico? De
acordo com HELERBROCK (2022), atualmente, o grafeno ainda possui um preço elevado em
razão da complexidade envolvida em sua produção. Em suma, é extremamente difícil prever para
onde os avanços em novos materiais poderão levar-nos.

O presente trabalho visa, portanto, a analisar a tributação indireta (ou seja, a tributação
sobre o consumo) no âmbito da economia digital, considerando os novos modelos negociais e
novos produtos, sem esquecer a miríade de objetos que poderão ser inventados nos próximos
anos. As regras atuais – tanto a tributação internacional, quanto nacional – conseguirão alcançar
tais objetos? Qual a movimentação internacional e brasileira no sentido de tributar tais produtos,
a fim de garantir isonomia legal entre os objetos tangíveis e intangíveis? Considerando o modelo
europeu, o IVA apresenta eficácia diante da nova realidade?

Sendo assim, a pesquisa se justifica pelo momento inovador experimentado atualmente,


que tem alterado o cotidiano do indivíduo e o formato da sociedade. Ainda que os benefícios
sejam imensuráveis, não pode ser admissível que tais inovações criem um abismo entre modelos
negociais semelhantes, um tributável e outro não. Deve haver isonomia, razão pela qual a
tributação na economia digital deve ser avaliada, a fim de que se defina o melhor caminho a ser
seguido. Destaca-se, outrossim, a importância de se observar a realidade internacional, haja vista
que as inovações são produtos da globalização, assim como algumas das dificuldades enfrentadas.
17

Cabe, então, à academia refletir e analisar a realidade, a fim de contribuir no enfretamento dos
desafios desta nova era.

Para tanto, a metodologia aplicada utiliza a pesquisa na literatura (revisão de literatura), a


fim de observar o estado da arte no cenário nacional e internacional. Utilizam-se, outrossim, as
análises e expectativas governamentais em relação à tributação (sobretudo, a indireta), bem como
o método dedutivo, a partir da pesquisa bibliográfica, incluindo textos jurídicos e jurisprudenciais.

Sendo assim, para analisar e tentar responder tais questionamentos, o trabalho foi dividido
em três partes: (i) o primeiro capítulo visa apresentar o histórico das revoluções industriais, o
cenário imposto pela economia digital e as disrupções já esperadas; (ii) o segundo capítulo foi
dividido em dois tópicos, em que (ii.a) o primeiro apresenta e discorre sobre o direito tributário
internacional, bem como a atuação da OCDE e (ii.b) o segundo apresenta e discorre sobre o
pioneirismo da União Europeia ao tratar da tributação na economia digital, bem como sobre a
utilização do IVA como tributo eficaz para a efetiva tributação destes bens/serviços; por fim, (iii)
o terceiro capítulo traz a situação da tributação indireta no Brasil e sua incidência sobre os
negócios e produtos já existentes, assim como algumas propostas de alteração no sistema
tributário do país para abarcar a nova realidade.

2.2 Revolução Digital


Ao longo da história, a humanidade experimentou diversas transformações que,
independentemente de serem benéficas, indubitavelmente foram evolutivas e nos conduziram ao
ponto em que nos encontramos hoje, tais como a invenção e adoção do fogo e da roda. Como
SCHWAB (2016) aponta, os seres humanos são hoje tanto agentes quanto testemunhas das
profundas mudanças que ocorrem em todas as esferas da vida, seja por meio do surgimento de
novos modelos de negócios, seja pela reformulação da produção, consumo e transporte, entre
outros setores. Essas mudanças são perceptíveis a cada indivíduo, manifestando-se na maneira
como se expressam, se informam ou se divertem. Destarte, a tecnologia tem sido responsável por
mudanças comportamentais, observáveis tanto no nível individual quanto nos sistemas de
produção e consumo.

De acordo com SCHWAB (2016), o primeiro marco de mudança na forma como viviam
os seres humanos ocorreu há cerca de 10 mil anos, quando conseguiram domesticar os animais e
iniciaram a agricultura, garantindo sua subsistência. Diversas revoluções industriais surgiram
após a revolução agrícola, iniciando no século XVIII. Essas revoluções foram marcadas pela
substituição da força física humana pela força mecânica como principal força motriz.

Assim, a primeira revolução industrial, ocorrida entre 1760 e 1840, foi marcada pela
construção das ferrovias e invenção da máquina a vapor, que deu início à produção mecânica. A
segunda revolução industrial, ocorrida entre o final do século XIX e início do século XX, foi
marcada pela eletricidade e execução da linha de montagem, tendo possibilitado a produção em
massa. A partir da década de 1960, teve início a terceira revolução industrial, caracterizada pelo
surgimento da computação. Esta última foi impulsionada pelo desenvolvimento de
18

semicondutores, pelo avanço da computação em mainframe, pela popularização da computação


pessoal e, finalmente, pela popularização da internet.

Mesmo diante das várias definições e argumentos acadêmicos que tratam das revoluções
industriais e suas fases, SCHWAB (2016) defende que, a partir da década de 2000, a humanidade
tem vivido a quarta revolução industrial. As tecnologias digitais (computadores, softwares, redes)
não são novas, mas têm causado rupturas à terceira revolução industrial. Ainda que a tecnologia
tenha sido, de certa forma, a origem da terceira revolução industrial, ao se tornar mais sofisticada
e integrada, tem transformado a sociedade e a economia global. O autor destaca ainda a fusão das
novas tecnologias e a interação entre os domínios físicos, digitais e biológicos.

Deste modo, com base em SCHWAB (2016), as principais razões que sustentam a
existência da quarta revolução industrial (e não apenas uma fase da terceira revolução industrial)
são:

- Velocidade: as mudanças têm acontecido em ritmo exponencial. Em um relatório da


Commission Expert Group On Taxation Of The Digital Economy, datado de 28 de maio de 2014,
a União Europeia reconheceu a dificuldade enfrentada pela rápida evolução tecnológica. O
relatório destacou que o surgimento constante e veloz de novas tecnologias torna difícil
acompanhar o amplo campo de atuação que elas criam para si próprias.

- Amplitude e profundidade: as mudanças englobam diversas pessoas e influenciam direta


e profundamente na forma como vivem.

- Impacto sistêmico: a velocidade e a amplitude das mudanças geram impacto não apenas
em alguns. O atual mundo multifacetado e profundamente interconectado permite que as
mudanças, além de serem rapidamente transmitidas a outros, alterem sistemas inteiros (países,
empresas, indústrias).

Além da sistematização apresentada pelo autor, as mudanças são facilmente percebidas por
qualquer indivíduo em seu cotidiano. Confira o gráfico abaixo que, a título exemplificativo,
demonstra e compara as maiores empresas em 2006 e 2017, tendo destacado (negrito) aquelas
que se inserem na economia digital:
Figura 2: Maiores corporações mundiais em 2006 e em 2017.
19

Fonte: CUPERTINO (2022).

Diante deste novo cenário global, CUPERTINO (2022) subdividiu a economia digital nos
seguintes modelos de negócios, considerando os bens, os serviços, os produtos digitais e a
publicidade:

a) venda de propriedade tangível, tais como livros e equipamentos eletrônicos;

b) prestação de serviços direcionados ao consumidor, como os serviços financeiros e


serviços de viagem;

c) produtos digitais, tais como e-books, músicas, vídeos, banco de dados eletrônico e
software;

d) produtos de anúncios e informações de consumo.

Assim, neste novo momento histórico, o SCHWAB (2016. Pg. 13) defende: “A tecnologia
não é uma força externa, sobre a qual não temos nenhum controle.” A razão para isso é que, além
dos aspectos mencionados, a quarta revolução industrial é marcada pelo aumento da interconexão
e integração de descobertas e disciplinas distintas. Temos, então, algumas megatendências – ou
seja, tecnologias que aproveitam a capacidade de disseminação da digitalização e da tecnologia
da informação. Para facilitar a compreensão, o autor as dividiu em três categorias (física, digital
e biológica). Entretanto, considerando o propósito do presente trabalho, não apresentaremos as
semelhanças ou diferenças utilizadas para categorizar cada uma delas porque, considerando que
o Direito, notadamente do Direito Tributário, cria suas próprias realidades, todas podem ser objeto
de tributação desde que reflitam manifestações econômicas1.

No entanto, é importante ressaltar - no contexto da categoria física - as impressões 3D,


também conhecidas como fabricação aditiva, que consistem na produção de um objeto físico por
meio de impressão de camadas sucessivas a partir de um modelo ou desenho digital em 3D. Nesse
sentido, surge a dúvida sobre como se daria a tributação de tal objeto. Seria o próprio objeto
passível de tributação, ou seria o serviço em si tributado? O regime tributário do Imposto sobre
Valor Agregado (IVA) seria capaz de abranger essa atividade? No contexto brasileiro, seriam
passíveis de incidência os impostos sobre Produtos Industrializados (IPI), Circulação de
Mercadorias e Serviços (ICMS) e Serviços (ISS)?

E quanto aos novos materiais - também inseridos na categoria física das megatendências
da quarta revolução digital -, aqueles que pareciam inimagináveis há alguns anos. Um exemplo é
o grafeno, um nanomaterial com notável aplicação tecnológica, conhecido como o "material mais
fino do mundo" (HELERBROCK, 2022), que é extremamente resistente e um excelente condutor
elétrico e térmico. No entanto, devido à sua complexidade de obtenção, o grafeno ainda é um

1
Sobre a linguagem e a realidade no Direito, CARVALHO (2009, Pg. 173) ensina que: “Pois então, o
território das condutas intersubjetivas, campo de eleição do direito, sendo, como de fato pensamos ser, a
realidade jurídica por excelência, é constituído pela linguagem do direito positivo, tomado aqui na sua mais
ampla significação, quer dizer, o conjunto de enunciados prescritivos emitidos pelo Poder Legislativo, pelo
Poder Judiciário, pelo Poder Administrativo e também pelo setor privado, [...]. São tais enunciados
articulados na forma implicacional das estruturas normativas e organizados na configuração superior de
sistema; eles, repito, que são, formam, criam e propagam a realidade jurídica.”
20

material de alto custo. É extremamente difícil prever para onde os avanços dos novos materiais
levarão a humanidade. Quanto à tributação desses materiais, a questão permanece em aberto e
desafiadora.

Todavia, tratar da categoria física ainda é mais fácil do que tratar sobre a dificuldade de
tributação da chamada internet das coisas – incluída na categoria digital – que abrange a relação
entre qualquer coisa (como produtos, serviços, lugares, etc.) e pessoas através de plataformas e
tecnologias conectadas. Tais plataformas possibilitaram a economia sob demanda (economia
compartilhada), por meio das quais é possível não possuir um bem e utilizá-lo de forma rentável2.

Em setembro de 2015, o Fórum Econômico Mundial divulgou um relatório que identificou


21 pontos de inflexão (isto é, pontos de virada), os quais indicam a chegada de mudanças
tecnológicas específicas que irão moldar um futuro hiperconectado e digital. De acordo com o
relatório, são elas:
Tabela 1: 21 pontos de inflexão identificados pelo Fórum Econômico Mundial em 2015.
Data
Mudança Ponto de inflexão Esperada Em 2025:
82% dos entrevistados
O primeiro telefone celular esperam que esta
Tecnologias implantável e disponível mudança já tenha
1 implantáveis comercialmente. 2023 ocorrido.
84% dos entrevistados
esperam que esta
80% das pessoas com presença mudança já tenha
2 Presença digital digital na internet 2023 ocorrido.
86% dos entrevistados
esperam que esta
A visão como uma 10% de óculos de leitura conectados à mudança já tenha
3 nova interface internet. 2023 ocorrido.
91% dos entrevistados
esperam que esta
10% das pessoas com roupas mudança já tenha
4 Tecnologia vestível conectadas à internet. 2022 ocorrido.
79% dos entrevistados
esperam que esta
90% da população com acesso regular mudança já tenha
5 Computação ubíqua à internet. 2024 ocorrido.
81% dos entrevistados
esperam que esta
Um supercomputador mudança já tenha
6 no seu bolso 90% da população com smarphones. 2023 ocorrido.
91% dos entrevistados
90% das pessoas com armazenamento esperam que esta
Armazenamento para ilimitado e gratuito (financiado por mudança já tenha
7 todos propagandas publicitárias). 2018 ocorrido.
89% dos entrevistados
esperam que esta
A internet das coisas e 1 trilhão de sensores conectados à mudança já tenha
8 para as coisas internet. 2022 ocorrido.

2Sobre a nova realidade negocial, GOODWIN (2015) escreveu: “O Uber, a maior empresa de táxis do mundo,
não possui sequer um veículo. O Facebook, o proprietário de mídia mais popular do mundo, não cria
nenhum conteúdo. Alibaba, o varejista mais valioso, não possui estoques. E o Airbnb, o maior provedor de
hospedagem do mundo, não possui sequer um imóvel.”
21

Mais de 50% do tráfico da internet 70% dos entrevistados


consumida nas casas para os aparelhos esperam que esta
e dispositivos (não para mudança já tenha
9 A casa conectada entretenimento ou a comunicação). 2024 ocorrido.
64% dos entrevistados
esperam que esta
A primeira cidade com mais de 50 mil mudança já tenha
10 Cidades Inteligentes pessoas e sem semáforos. 2026 ocorrido.
83% dos entrevistados
esperam que esta
O primeiro governo a substituir o mudança já tenha
11 Big data e as decisões censo por fontes de big data. 2023 ocorrido.
79% dos entrevistados
Carros sem motorista equivalem a esperam que esta
10% de todos os carros nas estradas mudança já tenha
12 Carros sem motorista dos EUA. 2026 ocorrido.
45% dos entrevistados
Inteligência Artificial A primeira máquina de Inteligência esperam que esta
(IA) e a tomada de Artificial (IA) em um conselho de mudança já tenha
13 decisão administração corporativo. 2026 ocorrido.
75% dos entrevistados
A Inteligência Artificial esperam que esta
(IA) e as funções 30% das auditorias corporativas mudança já tenha
14 administrativas realizadas por IA. 2025 ocorrido.
86% dos entrevistados
esperam que esta
O primeiro farmacêutico robótico dos mudança já tenha
15 Robótica e serviços EUA. 2021 ocorrido.
58% dos entrevistados
10% do produto interno bruto mundial esperam que esta
(PIB) armazenado pela tecnologia mudança já tenha
16 Bitcoin e blockchain blockchain. 2027 ocorrido.
67% dos entrevistados
Globalmente, mais viagens/trajetos esperam que esta
A economia por meio de compartilhamento do que mudança já tenha
17 compartilhada em carros particulares. 2025 ocorrido.
73% dos entrevistados
esperam que esta
Os governos e os Primeira arrecadação de impostos mudança já tenha
18 blockchain através de um blockchain. 2023 ocorrido.
84% dos entrevistados
esperam que esta
Impressão em 3D e Produção do primeiro carro impresso mudança já tenha
19 fabricação em 3D. 2022 ocorrido.
76% dos entrevistados
esperam que esta
Impressão em 3D e O primeiro transplante de um fígado mudança já tenha
20 saúde humana impresso em 3D. 2024 ocorrido.
81% dos entrevistados
esperam que esta
Impressão em 3D e 5% dos produtos aos consumidores mudança já tenha
21 produtos de consumo impressos em 3D. 2025 ocorrido.
Fonte: Elaborado pela autora com base no World Economic Forum - Deep Shift Technology Tipping Points
and Societal Impact.
22

Muito embora as megatendências e pontos de inflexão sejam relevantes, em 2022 já temos


grandes dificuldades em lidar com a tributação das tecnologias existentes3. A tributação da
economia digital envolve a imposição de ônus sobre diversas atividades e transações que se
diferem daquelas já existentes (e são tributadas) pelo uso maciço da internet, que expandiu as
possibilidades de realização de operações comerciais. Dessa forma, é importante que a tributação
seja aplicada - com as especificações necessárias - tanto para o comércio de bens físicos (por meio
de plataformas digitais ou sites de comércio eletrônico), quanto para as operações envolvendo
bens e serviços digitais (como programas de computador, conteúdo disponibilizado por meio de
streaming, computação em nuvem, dentre diversos outros).

Com base em tal panorama, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento


Econômico (OCDE) tem promovido debates, desde 20134, para analisar a evolução da economia
digital e propor alternativas à erosão da base tributável. As inovações trazidas conectaram os
agentes econômicos de forma a permitir um fluxo de capital entre países. Assim, a transferência
de divisas para paraísos fiscais tornou-se, de fato, um problema não amparado pela legislação
vigente. Entretanto, o presente artigo não tratará da tributação da renda e escape às divisas
nacionais.

Conforme destacou JONAS (2021), a situação atual evidencia que tanto a legislação quanto
as autoridades tributárias não estavam preparadas para lidar com mudanças tão significativas. É
por isso que se fala em "disrupção" no âmbito da tributação, especialmente no que se refere à
tributação indireta. No mesmo sentido, ALMEIDA et al. (2022) aduz que a tributação sobre o
consumo deverá acompanhar a evolução dos negócios.

Nesta mesma linha, LANNES et al. (2022) ressaltam que as normas jurídicas existentes
não são suficientes à regulação na era digital, sendo clara a necessidade de adaptação e
reformulação em sua estrutura. De acordo com os autores (LANNES et al., 2022. Pg. 618), “as
semelhanças entre os elementos constituídos no ambiente digital e eletrônico são de tal forma
complexos que a semelhança entre os espaços físicos e virtuais tornam o juízo analógico
inviável”. Ou, ainda pior, o sistema jurídico poderia se tornar anacrônico, com remendos que se
mostram inviáveis ao alcance da segurança jurídica pretendida.

Ante a ausência de clareza ou subsunção às normas jurídicas, os tribunais judiciais tendem


a ser chamados a se manifestarem. Entretanto, mesmo tais manifestações, ocorridas após grande
decurso de tempo, não ensejam a segurança jurídica pretendida. Para exemplificar, no que tange
à tributação de softwares no Brasil (se há incidência do imposto estadual ICMS ou do imposto
municipal ISS), apenas em fevereiro de 2021 o Supremo Tribunal Federal finalizou o julgamento
das ADIs 5659 e 1945, que tratavam do tema. Porém, apenas em dezembro, o tribunal firmou a
tese de repercussão geral, tendo decidido pela constitucionalidade da incidência do ISS no

3
Veja LANNES et al. (2022. Pg. 629): “Percebeu-se que há uma grande dificuldade de se adaptar as normas
jurídicas existentes aos fatos e interações sociais que acontecem no ambiente virtual e, aí não só ao direito
tributário. A transformação digital e a migração das relações a um ambiente virtual se mostram desafiador
para a compreensão humana e todas as dinâmicas que delas decorrem.”
4
A OCDE publicou, em 12 de fevereiro de 2013, o Addressing Base Erosion and Profit Shifting, em que
expôs a preocupação com a erosão das bases tributárias e a necessidade de medidas para harmonização da
legislação tributária internacional.
23

licenciamento ou na cessão de direito de uso de programas de computação desenvolvidos para


clientes de forma personalizada.5

Considerando a atual situação em relação à tributação de tecnologias já conhecidas, é


necessário refletir sobre a forma de tributação de produtos da economia digital, como os Non-
Fungible Tokens (NFTs). Para isso, é imprescindível aprofundar o estudo desses produtos, mesmo
que exista o risco de que as análises fiquem rapidamente ultrapassadas. Contudo, é importante
não perder de vista as relações jurídico-tributárias e as bases já definidas pela legislação, evitando-
se extinguir-se a segurança jurídica em prol da tributação. Dada a velocidade das mudanças
decorrentes da quarta revolução industrial e das novas tecnologias, a mudança pontual da
legislação para cada novo objetivo que expressa algum sinal de riqueza deve ser evitada.

2.3 A Tributação Indireta Internacional


Ante a rápida evolução da economia digital a partir dos anos 2000 e a dificuldade dos países
em lidar com o novo cenário no âmbito tributário, a Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) tem promovido diversos debates para analisar o tema e
propor alternativas à erosão da base tributável, como a criação do BEPS (Base Erosion Profit
Shifting) e do Two-Pillar Solution to the Tax Challenges of the Digitalisation of the Economy.
Um dos grandes desafios é o critério espacial das obrigações tributárias, tendo em vista que as
inovações, sobretudo na seara digital, desafiam as regras desenvolvidas para produtos físicos,
vigentes até então.

Diante da constatação da não subsunção dos novos fatos jurídicos às normas atuais,
LANNES et al. (2022) afirmam que a alternativa internacional tem sido a criação de tributação
específica para a economia digital. No entanto, os autores destacam que alguns países da América
Latina (como México, Peru, Colômbia, Paraguai e Equador) optaram por ajustar seus sistemas
tributários à nova realidade econômica. Nesses casos, a legislação interna deve garantir que os
tributos existentes sejam aplicados aos novos modelos de negócios em formato digital.

2.3.1 Tributação Internacional e a OCDE (Organização para a Cooperação e


Desenvolvimento Econômico)
Ainda que não exista um único códex que contenha os parâmetros para a tributação
internacional, a Convenção Modelo da OCDE é amplamente observada pelos países. Em geral, a
competência tributária em operações internacionais é dividida entre o país do qual deriva a renda
(Estado-fonte) e o país no qual o destinatário da renda reside (Estado-residência). Se houver

5
Veja a notícia divulgada no sítio eletrônico no Tribunal: “Porém, a maioria dos ministros (Alexandre de
Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Luiz Fux)
acompanhou a conclusão do ministro Dias Toffoli, para quem a elaboração de softwares é um serviço que
resulta do esforço humano. No voto apresentado em novembro de 2020, Toffoli entendeu que tanto no
fornecimento personalizado por meio do comércio eletrônico direto quanto no licenciamento ou na cessão
de direito de uso está clara a obrigação de fazer na confecção do programa de computador, no esforço
intelectual e, ainda, nos demais serviços prestados ao usuário.”
24

presença física do destinatário da renda no Estado-fonte (estabelecimento permanente6), a renda


é tributada na própria fonte; o Estado-residência, por sua vez, tributa a renda em sua integralidade,
podendo conceder isenção para a renda já tributada na fonte. Entretanto, esta sistemática poderá
depender dos termos de eventual tratado assinado entre os países.

Este é o modelo tradicional de repartição da competência tributária internacional que


embasa a Convenção Modelo da OCDE e que propõe, de acordo com CUPERTINO (2022),
atribuição da competência tributária com base na origem da riqueza ou da renda, na localização
da riqueza ou renda, na maior viabilidade de cobrança dos tributos incidentes sobre a renda e no
local de residência ou domicílio da pessoa que tem o direito de dispor da riqueza ou renda.

Deste modo, mesmo que haja certa diretriz internacional à tributação, CUPERTINO (2022)
afirma também que o modelo atual de repartição da competência tributária em operações
transnacionais é voltado apenas para bens e serviços tangíveis. Assim, sua aplicação para modelos
de bens e serviços intangíveis é inapropriada.

Percebe-se, portanto, que as diretrizes fixadas pelos parâmetros internacionais visam a


tributação da renda/rendimentos, ou seja, a tributação direta. Entretanto, a referida Convenção
Modelo da OCDE visa aplicação mais abrangente, como indica o item 2 do artigo 2º:
Artigo 2.º
Impostos visados
1. A presente Convenção aplica-se aos impostos sobre o rendimento [e sobre
o património] exigidos por cada um dos Estados contratantes, suas subdivisões
políticas e suas autarquias locais, seja qual for o sistema usado para a sua
cobrança.
2. São considerados impostos sobre o rendimento [e sobre o património] todos
os impostos incidentes sobre o total do rendimento, [sobre a totalidade do
património] ou sobre parcelas do rendimento [ou do património], incluindo os
impostos sobre os ganhos derivados da alienação de bens mobiliários ou
imobiliários, os impostos sobre o montante global dos salários pagos pelas
empresas, bem como os impostos sobre as mais-valias.
3. Os impostos atuais a que a Convenção se aplica são, nomeadamente, os
seguintes:
a) (No Estado A):.......
b) (No Estado B):.......
4. A Convenção será também aplicável aos impostos de natureza idêntica ou
similar que entrem em vigor posteriormente à data da assinatura da Convenção
e que venham a acrescer aos atuais ou a substituí-los. As autoridades
competentes dos Estados contratantes comunicarão uma à outra, no fim de
cada ano, as modificações introduzidas nas respetivas legislações tributárias.
Com base neste dispositivo, PIGNATARI (2022) reconhece a existência de uma lacuna no
Direito Tributário Internacional, cujos estados têm tentado suprir por meio da criação dos

6
Sobre a utilização do conceito de “estabelecimento”, CUPERTINO (2022. Pg. 38) esclarece: “O conceito
de estabelecimento constou da consolidação do primeiro modelo de Convenção Multilateral para evitar a
dupla tributação elaborado pela Liga das Nações e foi adotado pela Convenção Modelo da OCDE. A partir
daí, países membros e não-membros da OCDE incluíram tal conceito em seus tratados bilaterais para evitar
a dupla tributação internacional, e assim deixar clara a aplicação do princípio da fonte quando da existência
de estabelecimento permanente no exterior.”
25

chamados “tributos digitais”. Entretanto, considerando também que a convenção consiste em


diretriz para os tratados internacionais, tendo reconhecido a supremacia destes, o autor defende a
cooperação internacional e a evolução do procedimento amigável como solução para a tributação
na economia digital. Rejeita, portanto, as medidas unilaterais e a busca interminável de um
consenso entre os países.

Sendo assim, podemos concluir que a convenção buscou a tributação de diversos fatos
jurídicos (como demonstra o item 2 do artigo 2º), tendo como foco tributar o ganho percebido na
operação. Assim, não há que se falar em uma espécie de tributação indireta7 internacional, posto
que esta já estaria abrangida pela tributação internacional da renda/rendimentos, nos termos da
Convenção Modelo da OCDE.

De acordo com PALMA (2022), o Plano BEPS - aprovado em julho de 2013 pelos
Ministros das Finanças do G20 e em setembro de 2013 pelos líderes do G20 - previa 15 ações a
serem implementadas que giravam em torno de 5 temas-chaves interligados: a coerência, a
substância, a transparência, os desafios da economia digital e o desenvolvimento de um
instrumento multilateral. Em 05 de outubro de 2015, a OCDE apresentou as conclusões e
recomendações de 15 relatórios finais sobre o Plano Anti-BEPS, em que se reconheceu as
dificuldades impostas pela economia digital à tributação. Deste modo, em 2018, foi publicado um
relatório intermediário sobre a tributação na economia digital. Este, conforme afirmou PALMA
(2022), analisou a necessidade de adaptar o sistema fiscal internacional à digitalização da
economia. Destarte, tornou-se evidente a necessidade de reforma das normas fiscais
internacionais aplicáveis à economia digital, especialmente em relação ao conceito de
estabelecimento permanente, preços de transferência e atribuição de lucros para serviços digitais.

Assim, ainda que se admita que a tributação internacional se resuma à tributação da


renda/rendimentos auferidos na operação, ainda há barreiras a serem transpostas. Afinal, se a
internet já havia reduzido as fronteiras entre os países, com os bens e serviços intangíveis (como
a computação em nuvem), o sumiço destas fronteiras é inegável.

Entretanto, como destacou CUPERTINO (2022), dentre os principais desafios mapeados


pela Ação 1 do BEPS encontra-se tanto a tributação direta (sobre a renda), quanto à tributação
indireta (sobre o consumo). Em relação à última, depreende-se: o crescimento das importações de
produtos de baixo valor, adquiridos on-line e isentos de tributação em diversos países; o aumento
da comercialização de serviços intangíveis; o aumento das vendas diretas a consumidores finais
pessoas físicas (B2C – Business to Consumer); a dificuldade em se arrecadar impostos sobre o
consumo no país de destino em operações realizadas com consumidores finais pessoas físicas; a
possibilidade de operação sem uma presença física relevante; e a possibilidade de negócios
utilizarem a contribuição de seus usuários na cadeia de valor para produtos digitais e serviços.

7
Tributação indireta nos moldes conhecidos pelo Direito Tributário Brasileiro, ou seja, tributação sobre o
consumo. Sobre o tema, PISCITELLI (2019. Pg. 529) lembra: “Desde logo, porém, recorde-se que o Brasil,
diferente da maioria dos países, não possui um único imposto que contempla a tributação indireta de bens
e serviços. A competência para criar tributos que oneram o consumo está dividida entre os três entes da
Federação: União, estados e municípios.”
26

Deste modo, LANNES et al. (2022) defende a necessidade de reformulação dos conceitos
de “sede” e “estabelecimento”, já que estes se baseiam na presença física no local de
comercialização do produto ou serviço. É necessário que os conceitos sejam atualizados e
padronizados, o que não implica em padronização dos sistemas tributários. Os autores defendem
a coordenação a nível internacional diante da intimidade entre a economia digital e a globalização.

Diante do antigo conflito existente (tributação na fonte8 X tributação no destino),


CUPERTINO (2022) indica que o mercado consumidor é um novo fator que pode legitimar o
reconhecimento de competência tributária. Aponta ainda que o mercado consumidor, local da
fonte do pagamento, pode se mostrar como um elemento de conexão mais eficiente. Entretanto,
o autor afirma que, o projeto BEPS, visto inicialmente como uma grande revolução do direito
tributário internacional, não se mostrou tão audacioso a ponto de reformular os principais
princípios da tributação internacional. O projeto, aparentemente, apenas objetivou consertar o
sistema existente, haja vista não ter se manifestado quanto aos princípios básicos da fonte e da
residência no cenário imposto pela economia digital.

2.3.2 O Pioneirismo da União Europeia e o IVA (Imposto Sobre Valor Agregado)


Ao analisarmos a tributação na economia digital é imprescindível destacar o pioneirismo
da União Europeia ao estruturar elementos que possibilitaram a alguns Estados Membros atuação
imediata na nova realidade. Desde 19 de outubro de 2017, quando o Conselho Europeu emitiu
conclusões sobre a tributação dos serviços digitais, seu intuito é “garantir que todas as empresas
pagam a sua quota-parte de impostos e assegurar condições de concorrência equitativas a nível
mundial”, a fim de que haja "um sistema de tributação eficaz e justo adequado à era digital".
Entretanto, PALMA (2022) reconhece que a preocupação europeia com a tributação na economia
digital existia já há muitos anos e, recentemente, foi reforçada pelo objetivo de aumento de
arrecadação de receita para o orçamento da União Europeia.

De acordo com PALMA (2022), o início da preocupação da tributação na economia digital


remonta à Conferência Interministerial de Ottawa, de 08 de outubro de 1998, em que foram
firmados os princípios basilares para a tributação internacional, considerando as evoluções
tecnológicas vistas até então. São eles:

a) Princípio da Neutralidade, que dispôs sobre a impossibilidade da tributação induzir os


contribuintes a determinados comportamentos econômicos.

b) Princípio da Eficiência, que dispôs sobre a minimização dos custos de cobrança, assim
como dos riscos de fraudes e evasão fiscal.

c) Princípio da Certeza e Simplicidade, que dispôs sobre a clareza e simplicidade das


normas, permitindo que os contribuintes antecipem as consequências fiscais de uma operação.

8
Sobre a tributação na fonte, que prevalecia até recentemente, CUPERTINO (2022. Pg. 37) justifica: “A
tributação pelo país fonte justifica-se, porque é esse Estado que tem os benefícios relevantes na produção
da renda e, consequentemente, incorreu em custos para que tais benefícios fossem criados. Por essa razão,
a tributação é uma espécie de medida compensatória para o governo que arcou com tais custos.”
27

d) Princípio da Prevalência da Substância sob a Forma, que dispôs sobre a relevância do


conteúdo material de um determinado negócio, independentemente da sua denominação ou
qualificação.

Anos após, considerando a evolução tecnológica ocorrida desde então, o Conselho


Europeu, nas Conclusões apresentadas em junho de 2017, destacou a necessidade de uma
abordagem ampla para enfrentar os desafios e aproveitar as oportunidades, ambas oriundas da
economia digital. Sobre a posição do Conselho, PALMA (2022) destacou a criação de novas
regras internacionais específicas destinadas à tributação na economia digital, a fim de determinar
o local onde é criado o valor das empresas digitais e o modo como este deve ser reconhecido para
efeitos fiscais. Sendo assim, em 21 de setembro de 2017, por meio de Comunicação, com o intuito
de adotar um sistema de tributação eficaz e justo adequado à era digital, a Comissão apontou
algumas opções alternativas para soluções de curto prazo, como:

(i) a criação de um imposto sobre todos os rendimentos não tributados ou insuficientemente


tributados a partir de todas as atividades da empresa relacionadas à internet;

(ii) retenção na fonte sobre as transações digitais;

(iii) taxa sobre as receitas geradas pela prestação de serviços digitais ou atividades
publicitárias.

Deste modo, PALMA (2022) ressalta a conclusão do bloco econômico pela revisão do
conceito de estabelecimento permanente, constante no artigo 5º da Convenção Modelo da OCDE,
assim como das regras relativas à imputação de lucros constante nos artigos 7º e 9º da convenção
e os princípios relacionados a preços de transferência, a fim de se assegurar uma imputação
equitativa dos lucros à presença digital significativa ou com ela relacionados9.

Dentre as medidas relacionadas à economia digital, a Comissão Europeia divulgou um


pacote da economia digital em 2018 que englobou a criação do Mercado Único Digital (MUD),
com o objetivo de propor oportunidades digitais para pessoas e empresas. De acordo com PALMA
(2022), a Comissão tem adotado medidas para garantir que todas as empresas que operam na
União Europeia paguem seus tributos no país onde os lucros e o valor são gerados. As regras
visam, portanto, tributar os lucros, independentemente da presença física das empresas.

Neste sentido, LANNES et al. (2022) destacaram duas propostas da Diretiva da Comissão
Europeia. A primeira se referia à criação do "imposto sobre serviços digitais" e a segunda
pretendia estabelecer um ponto de conexão alternativo ao estabelecimento permanente,
denominado pela proposta de “presença digital significativa”.

A Diretiva relativa ao conceito de estabelecimento permanente o alargou, a fim de incluir


uma presença digital significativa por meio da qual a atividade empresarial é exercida. De acordo

9
De acordo com PALMA (2022. Pg. 582): “Sublinhou-se, assim, a necessidade de adaptar as convenções
em matéria de dupla tributação celebradas entre Estados membros e jurisdições fora da EU no sentido de,
em primeiro lugar, alargar o conceito de estabelecimento estável, de forma a incluir uma presença digital
significativa pela qual a atividade de uma empresa seja total ou parcialmente exercida noutra jurisdição, e,
em segundo lugar, incluir regras de imputação de lucros a uma presença digital significativa ou com ela
relacionados.”
28

com PALMA (2022. Pg. 591), “o conceito de presença digital significativa tem por objectivo
estabelecer um vínculo tributável numa jurisdição e deve ser visto como um complemento do
conceito de estabelecimento estável existente”. Dentre as regras para estabelecimento deste
vínculo encontram-se:

(i) as receitas oriundas da prestação de serviços digitais;

(ii) a quantidade de usuários/contratos.

Sendo assim, a Diretiva visou estabelecer tais conceitos, seus parâmetros e tributar os
lucros oriundos da presença digital como se houvesse uma empresa separada e independente.

Quanto à Diretiva que trata do Imposto sobre Serviços Digitais (ISD), este é um imposto
sobre as receitas decorrentes de determinadas prestações de serviços digitais. Entretanto, PALMA
(2022) alerta tratar-se de uma solução temporária indicada pela Comissão, tendo em vista a
necessidade de resposta aos Estados Membros.

De acordo com LANNES et al. (2022), ainda que não aprovadas, ambas as propostas de
Diretivas, representam o interesse sobre o tema pela Comissão e deixaram importante legado, que
possibilitou a alguns Estados Membros criarem impostos unilaterais para a tributação na
economia digital10. Segundo os autores, esses impostos unilaterais podem ter dois efeitos: (i)
funcionar como uma solução temporária para a perda de receita fiscal, bem como (ii) servir como
uma ferramenta de pressão política, tanto para a União Europeia quanto para a OCDE, com o
objetivo de forçar um avanço para a criação de uma solução definitiva, a nível internacional, para
permitir a tributação direta e indireta na economia digital.

Entretanto, como demonstrado no item anterior, a OCDE tem tido importante atuação para
definir e solidificar a tributação na economia digital, razão pela qual diversas propostas em trâmite
na Comissão Europeia não são efetivadas. Aguarda-se a padronização internacional, como
objetiva a OCDE.

Porém, mesmo após as medidas adotadas pelas OCDE, a União Europeia reiterou a
possibilidade da instituição do imposto digital. Em 25 de março de 2021 foi divulgada a
Declaração dos membros do Conselho Europeu, por meio da qual o Conselho alertou e reiterou:
Salientamos a necessidade de dar urgentemente resposta aos desafios fiscais
decorrentes da digitalização da economia, a fim de assegurar que todos os
operadores paguem a sua justa quota-parte de impostos. Reiteramos a nossa
forte preferência e o nosso forte empenho numa solução mundial para a
tributação digital internacional, e esforçar-nos-emos por chegar a uma solução
consensual até meados de 2021 no âmbito da OCDE. Confirmamos que a
União Europeia estará disposta a avançar, caso não haja perspetivas de solução
a nível mundial. Recordamos que a Comissão apresentará, no primeiro
semestre de 2021, como base para um recurso próprio adicional, uma proposta

10
Embora as tentativas unilaterais de tributação na economia digital ocorram em diversos países do mundo,
LANNES et al. (2022. Pg. 622) exemplificam: “Como exemplo de tributo a incidir sobre a economia digital
criado unilateralmente entre os Estados Membros da UE é possível identificar o Imposto sobre
determinados serviços digitais criado pela Espanha através da Lei 4/2020, de 15 de outubro, que incide
sobre os serviços de publicidade online, de intermediação para facilitação de entrega de bens e serviços,
bem como sobre os serviços de transmissão de dados pessoais.”
29

relativa a um imposto digital, tendo em vista a sua introdução o mais tardar até
1 de janeiro de 2023.
Contudo, em 12 de julho de 2021 a União Europeia anunciou a suspensão da proposta do
imposto digital. Portanto, tendo em vista uma espécie de reforma tributária internacional em razão
da dificuldade de tributação dos novos produtos oriundos da economia digital, encontram-se
vigentes atualmente apenas as propostas oriundas do BEPS, cujo enfoque volta-se à tributação da
renda/rendimentos.

Ainda em relação ao pioneirismo da União Europeia na discussão sobre a tributação na


economia digital, em 06 de julho de 1998, notadamente em relação a adequação do IVA (Imposto
sobre Valor Agregado), no Conselho (Assuntos Económicos e Financeiros – ECOFIN) foram
aprovados três princípios norteadores do imposto no âmbito digital:

(i) Não deveriam ser previstos novos impostos ou impostos suplementares no comércio
eletrônico, cabendo aos países adaptarem os impostos existentes, notadamente o IVA;

(ii) As entregas de produtos por meio eletrônico não deveriam ser consideradas, para efeitos
da tributação sobre o consumo, como bens, mas sim como serviços (no caso do IVA);

(iii) A tributação deveria ocorrer no local onde ocorre o consumo.

Desde então, após várias mudanças no chamado pacote IVA para o comércio eletrônico,
em 15 de março de 2022 foram aprovadas pelo Conselho Europeu as conclusões após as últimas
ações executadas. Sobre tais mudanças, PALMA (2022) destaca os seguintes tópicos:

a) a criação de um portal europeu para os pagamentos do IVA on-line (“balcão único”);

b) a certeza de que as novas normas assegurarão o pagamento do IVA no Estado Membro


do consumidor final;

c) o IVA sobre as vendas transnacionais inferiores a 10.000 euros deve ser tratada a nível
nacional;

d) as pequenas e médias empresas serão beneficiadas por procedimentos mais simples para
as vendas transnacionais até 100.000 euros.

Ao tratar da tributação indireta não seria possível deixar de falar no IVA (Imposto sobre
Valor Agregado), ainda que uma espécie tributária semelhante não exista atualmente no Brasil.
Por esta razão, especula-se que o IVA – que possui diversos nomes e regras variadas conforme o
país –, em razão da suposta amplitude e simplicidade da base tributável, estaria mais adequado à
incidência no ambiente digital.

Neste sentido, LUKIC (2020) afirma que a adoção de um modelo de IVA nos padrões
internacionais solucionaria grande parte das dificuldades da tributação indireta no Brasil,
sobretudo aquelas relativas à tributação da economia digital. Isto porque ele ultrapassa as
fronteiras da dualidade entre produtos e serviços, o que torna obsoleto e inaplicável o sistema
tributário com bases fragmentadas, como é o brasileiro.

Entretanto, CINTRA (2018) discorda desta ideia ao afirmar que este tributo exige o
acompanhamento físico das transações econômicas. Neste sentido, PISCITELLI (2019) afirma
30

que, mesmo no contexto de países que adotam o IVA para a tributação indireta de bens e serviços,
há debates relevantes em razão da classificação de todos os e-services e bens digitais como
serviços, de forma genérica, o que comprova a ausência de subsunção dos novos fatos digitais ao
IVA de forma automática.

De acordo com ALMEIDA et al. (2022), os europeus têm enfrentado grandes problemas
relacionados à evasão tributária do IVA. Esta técnica de tributação – que objetiva onerar o
consumidor final mediante incidência plurifásica na cadeia produtiva, a fim de que o tributo incida
apenas sobre o valor agregado em cada etapa – traz vantagens e desvantagens. Dentre as
vantagens, os autores indicam a neutralidade econômica e a autofiscalização. Entretanto, a
possibilidade de abater o imposto a pagar pelas vendas futuras é também sua principal fonte de
vulnerabilidade e fragilidade, que possibilita o cometimento de fraudes e evasão fiscal.

Sendo assim, considerando que a tributação do consumo deve acompanhar os novos bens
e serviços oriundos da economia digital, ao invés de simplesmente indicarem que a tecnologia
deve ser usada para prevenir tais fraudes, ALMEIDA et al. (2022) propõem um novo tipo de IVA
através da reengenharia de processos11, o qual deverá abranger: (a) redução das obrigações
acessórias; (b) melhor utilização dos recursos públicos destinados às fiscalizações tributárias; (c)
redução da litigiosidade tributária; (d) eliminação gradual da evasão tributária sobre o consumo e
redução da carga tributária; (e) proteção da livre e justa concorrência.

Ao analisar a subsunção dos novos bens e serviços ao IVA Canadense, LUKIC (2020)
defende que a amplitude da base de cálculo do tributo inclui a maioria dos produtos e serviços da
economia digital. Sendo assim, tendo abrangido as operações, a dificuldade residiria na definição
do local em que ocorre o fato gerador.

Não obstante, CINTRA (2018) afirma que, diante da economia digital – caracterizada pelo
autor como a era das transações eletrônicas, do comércio pela internet, da volatilidade e
mobilidade de fatores - os modelos de IVAs possibilitam variadas formas de evasão fiscal, bem
como exigem crescente burocracia e infindáveis controles em sua fiscalização. Para ele, as
características da revolução digital são incompatíveis com os tributos convencionais.

2.4 A Tributação Indireta no Brasil: ICMS X ISS


A tributação indireta no Brasil, aquela que incide sobre bens e serviços mediante inclusão
no preço final o valor do tributo em razão da natureza tributária da operação, difere da maioria
dos países, seja por seu caráter invisível ao consumidor, seja pela repartição de competência entre
os entes federados. A Constituição Federal dividiu os tributos que oneram o consumo no Brasil
entre a União Federal, os estados e os municípios. Assim, de maneira geral, a União poderá
instituir e cobrar o imposto sobre produtos industrializados (IPI), os estados poderão criar o

11
De acordo com ALMEIDA et al. (2022. Pg. 544), “a reengenharia de processos é uma estratégia de gestão
que analisa o uso intensivo da tecnologia para desenho dos fluxos de trabalho e processos dentro de uma
organização.”
31

imposto sobre as operações de circulação de mercadorias (ICMS) e os municípios, o imposto


sobre a prestação de serviços de qualquer natureza (ISS ou ISSQN).

Entretanto, ainda que a definição da competência tributária esteja clara no texto


constitucional, há diversas peculiaridades e fatos jurídicos imprevistos que ensejam conflitos
internos e, por vezes, bitributação. Contudo, PISCITELLI (2019) afirma que tal confusão não é
exclusiva do sistema brasileiro. A autora destaca que, mesmo dentro dos países da União
Europeia, onde a tributação indireta é, em geral, realizada por meio do IVA, há discussões
importantes em torno da classificação de todos os e-serviços e bens digitais como serviços, de
forma genérica.

Em relação ao imposto sobre produtos industrializados (IPI), mesmo considerando as


contribuições sobre a receita e o faturamento das pessoas jurídicas, ambos de competência da
União Federal, não há confusão. Seu aspecto material, ou seja, sua base de incidência, não
costuma ser confundida por outros entes tributantes, razão pela qual não há bitributação.
Entretanto, a dificuldade de classificação de um objeto tributável em bem ou serviço enseja
grandes discussões no país. Afinal, se houver circulação de mercadorias, deve ser cobrado o ICMS
pelos estados. Por outro lado, se houver prestação de serviços, deve ser cobrado o ISS pelo
município competente.

Esta dicotomia, durante o processo de instituição da tributação em um contexto no qual os


itens tributáveis eram principalmente de natureza física, não eram significativas e ensejavam
poucas controvérsias. Porém, no âmbito da economia digital e suas mudanças de paradigmas, com
novos formatos de negócios e novos produtos, a dificuldade de categorização é cada vez mais
difícil. Por isto, diante da realidade brasileira, a tributação indireta na economia digital, pode se
revelar ainda mais tormentosa quando comparada ao resto do mundo.

MELO (2021) analisou a tributação das plataformas de entregas (aplicativos de delivery,


como iFood, Uber Eats, Rappi) e concluiu que, apesar das iniciativas de alguns estados para
incluir transações eletrônicas de dados (como as operações envolvendo softwares) como
atividades sujeitas à incidência do ICMS, tais atividades econômicas destoam da materialidade
do referido imposto. Entretanto, haveria incidência de ISS? O autor destaca a necessidade de se
atentar às peculiaridades contratuais, à subsunção do fato às hipóteses constantes na Lei
Complementar (LC) n. 116/2003 e qual seria o local de prestação do serviço.

No que se refere aos aplicativos de comida, é demonstrado por MELO (2021) que há uma
relação contratual de agência entre os restaurantes e as empresas de tecnologia responsáveis pelo
desenvolvimento das plataformas, resultando na incidência do ISS. Nesse contexto, a utilização
das plataformas digitais contribui para a expansão da divulgação das atividades dos restaurantes,
trazendo benefícios financeiros para ambas as partes. No entanto, em relação à aplicação das
regras tributárias atuais, é difícil quantificar o serviço prestado para atender aos critérios da regra
matriz de incidência tributária. Além disso, mesmo que haja incidência do ISS, ainda é incerto
quem será o sujeito ativo responsável pela cobrança do tributo. De acordo com MELO (2021), a
competência é do local do estabelecimento prestador do serviço, mas essa conclusão pode permitir
a adoção de medidas de evasão fiscal e prejudicar os municípios menores.
32

Diante do exemplo citado (análise da tributação indireta dos aplicativos de comida), vê-se
a dificuldade na aplicação das regras existentes aos novos modelos negociais e aos novos produtos
oriundos da economia digital, o que demonstra a impossibilidade da realização de tal análise a
cada novo evento possivelmente tributável, haja vista violação à segurança jurídica do
contribuinte. Evidentemente, ante as dúvidas e conflitos, as situações são levadas ao Supremo
Tribunal Federal (STF), que analisa a tributação caso a caso. Destaca-se, então, a atuação do
tribunal no caso da tributação do software.

O conflito de competência entre estados e municípios na tributação de softwares foi


iniciado a partir de sua comercialização em mídias físicas (por meio da venda destes programas
através de CDs e DVDs). Em uma mesma operação, portanto, havia duas possibilidades de
incidência: uma, sobre a mídia física comercializada, outra, sobre a licença de uso do software.
Assim, de um lado, a LC n. 116/2003 determinava que as licenças de uso seriam tributadas pelo
ISS e, de outro, o Convênio ICMS n. 106/2017 reforçou a incidência do ICMS. O cenário
instaurado apenas evidenciou a bitributação e a insegurança jurídica do contribuinte.

Após anos de dúvidas, apenas em fevereiro de 2021 o STF finalizou o julgamento das ADIs
5659 e 1945, que tratavam do tema, tendo decidido pela constitucionalidade da incidência do
ISS12. Entretanto, PISCITELLI (2019) ressalta a inexistência de conflito quanto à incidência do
ISS sobre os serviços de streaming e computação em razão da previsão expressa na LC n.
157/2016.

Porém, além do conflito de competência (ICMS x ISS), MARTÍNEZ et al. (2019) destacam
o conflito entre a tributação sobre a venda (origem) e destino (aquisição) e o problema brasileiro
da mobilidade tributária, o que enseja a profundidade da guerra fiscal existente entre os entes
federados. De acordo com os autores, a legislação brasileira tornou-se disfuncional diante das
transações globais próprias da economia digital. Por isso, propõem o deslocamento do fato
jurídico tributável (fato gerador) para o momento da aquisição (destino) ao invés da saída
(origem), o que colocaria o consumidor como contribuinte de fato e de direito, cabendo à
legislação indicar um responsável tributário. O mesmo raciocínio seria seguido no âmbito do ISS.
Assim, seria efetivado o princípio do destino na tributação sobre o consumo, abarcando todas as
operações empresa-consumidor (B2C – Business-to-Consumer) e consumidor-consumidor (C2C
– Consumer-to-Cunsumer).

Por fim, MARTÍNEZ et al. (2019) ressaltam que, de forma ainda mais ousada, a fusão dos
dois impostos (ICMS e ISS), mediante alíquota única com partilha entre os entes federados
(estados e municípios), traria à tributação: neutralidade, eficiência, certeza, simplicidade, eficácia,
equilíbrio, flexibilidade, transparência, praticidade e funcionalidade. Percebe-se a semelhança da
proposta com a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), tributo cuja criação visa à unificação
de tributos nos moldes do IVA13.

12
Confira a tese firmada pelo tribunal: “É constitucional a incidência do ISS no licenciamento ou na cessão
de direito de uso de programas de computação desenvolvidos para clientes de forma personalizada, nos
termos do subitem 1.05 da lista anexa à LC 116/03.”
13
Sobre a proposta de criação da CBS e as propostas de reforma tributária no Brasil, veja o que disse
MELINA et al. (2021): “A CBS foi apresentada como um IVA Federal. A exposição de motivos do PL
33

De fato, o Brasil não possui, atualmente, nenhum tributo que se assemelhe ao IVA. Embora
o ICMS possa se aproximar da ideia de tributo sobre o valor agregado em razão de sua não
cumulatividade, ele não é um tributo de caráter nacional e não assegura efetivamente ausência de
tributação sobre as empresas, ou seja, a despeito da prescrição legal, o imposto nem sempre onera
apenas o valor agregado e representa grande ônus tributário à empresa. O ISS, por sua vez, é
imposto cumulativo.

Assim, considerando o cenário jurídico brasileiro e as orientações da OCDE, PISCITELLI


(2019) analisou a adesão do país às diretrizes internacionais fixadas14, das quais destacamos:

1) Quanto ao princípio do destino, o Convênio ICMS n. 106/2017 determina que o imposto


será devido na unidade federada em que estiver localizado o usuário final do bem digital. Essa
determinação é válida tanto na importação quanto nas operações internas e está em consonância
com a posição da OCDE, que considera a tributação no destino como a forma mais adequada de
tributação em qualquer tipo de transação.

2) Em relação à possível responsabilização da instituição financeira ou do agente de


pagamento que intermedeia a operação, essa regra adere ao princípio da neutralidade, defendido
pela OCDE a fim de evitar que os provedores de bens e serviços sejam diretamente onerados.

3) Quanto à atribuição de responsabilidade aos usuários finais, esta não é defendida pela
OCDE. Em geral, os consumidores finais não têm conhecimento da obrigação de pagar impostos,
além de não possuírem estrutura jurídica e contábil para fazê-lo. PISCITELLI (2019) ainda
ressalta que, no Brasil, essa determinação seria claramente inconstitucional por ampliar a sujeição
passiva do ICMS.

4) Em relação aos cadastros estaduais das empresas que fornecem bens digitais, conforme
estipulado pelo Convênio ICMS n. 106/2017, há conformidade com as diretrizes da OCDE que
exigem a criação de registros nacionais ou regionais para a coleta do IVA. Essa exigência permite
a identificação do contribuinte e pode simplificar o recolhimento do imposto devido. No entanto,
o convênio requer um registro estadual e não nacional, o que obriga muitas empresas a fazerem
um registro em cada estado em que operam, sem mencionar as peculiaridades da tributação em
cada um deles. Portanto, embora essa determinação exista, ela não atende aos objetivos propostos
pela OCDE e pode violar o princípio da neutralidade ao impor ônus significativos.

Realizada a análise, PISCITELLI (2019) conclui que, mesmo com os problemas brasileiros
em relação à sua tributação sobre o consumo, há relativa coesão com as diretrizes mais gerais
impostas pela OCDE. O ICMS, a princípio, parece ter a estrutura jurídica próxima às orientações
da OCDE. Entretanto, de acordo com a autora, é questionável a constitucionalidade da incidência

3.887/20 repete em dez ocasiões que a CBS é um tributo sobre o valor adicionado. A apresentação feita
pela equipe do governo federal, no dia em que o projeto foi apresentado, igualmente ressaltou que a CBS é
um tributo sobre o valor adicionado, inclusive mencionando que seria compatível com as PECs 45/19 e
110/19.”
14
De acordo com PISCITELLI (2019, Pg. 528): “Em resumo, com o documento, a OCDE pretende firmar
posição clara quanto à tributação no destino e prever medidas práticas de identificação do local do consumo,
mesmo nas hipóteses de empresas multinacionais, tudo como forma de assegurar a neutralidade na
tributação indireta do comércio internacional.”
34

nos termos do Convênio ICMS n. 106/2017. Por outro lado, ao trazer as materialidades do
imposto, as leis complementares relativas ao ISS (LC n. 116/2003 e LC n. 157/2016) tornam este
o tributo mais adequado no ponto de vista constitucional. Entretanto, os municípios brasileiros
não teriam estrutura para aderir às orientações internacionais.

Deste modo, PISCITELLI (2019) reforça a necessidade de criação de um tributo específico


para a tributação indireta na economia digital, um tributo federal15 cuja incidência ocorra a cada
operação financeira de pagamento do serviço ou bem digital transacionado, cabendo ao agente
que intermediar a operação a responsabilidade pela retenção na fonte do imposto. Deste modo, o
princípio do destino estaria assegurado, assim como ausência de imposição de ônus nas transações
e simplicidade no recolhimento, garantindo-se a repartição da receita entre estados e municípios.
Neste sentido segue, em princípio, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n. 45/2019, que
visa criar o chamado Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), cuja incidência seria ampla, incluindo
os ativos intangíveis.

Parece corroborar com esta conclusão o estudo de LUKIC (2020), que analisou a tributação
indireta, notadamente a efetividade do IVA, em países federativos. Concluiu a autora que “um
IVA com base ampla tende a abranger todos os serviços e produtos fornecidos pela economia
digital.” (LUKIC, 2020, Pg. 301). A dificuldade, para países federativos, se restringiria à
localidade do fato gerador e, consequentemente, à alíquota aplicável. Entretanto, como visto, com
a criação de um imposto federal, com ampla base de incidência, tal dificuldade seria superada,
possibilitando a tributação indireta na economia digital nos moldes internacionais.

2.5 Conclusão
A nova realidade imposta pela economia digital é um fato. Através dela, os seres humanos
mudaram sua forma de viver. Mas, destas inovações, vários foram os produtos e tipos de negócios
criados, para os quais a legislação não estava preparada. Com o intuito de impedir ausência de
isonomia legal entre os produtos tradicionais/tangíveis e os produtos oriundos da economia
digital, o presente artigo analisou a tributação indireta na economia digital, ou seja, como os países
e organismo internacionais, bem como o Brasil, têm lidado com os novos produtos em relação à
sua tributação.

Assim, o primeiro capítulo deste trabalho apresentou a economia digital como produto da
quarta revolução industrial. Ainda que a computação componha a terceira revolução industrial, o
movimento tecnológico percebido pela humanidade após os anos 2000 trouxeram a computação
a um novo patamar e possibilitaram o desenvolvimento de grandes negócios e produtos que são
cada vez mais utilizados por cada indivíduo. Espera-se, inclusive, que tais mudanças continuem
ocorrendo, como aponta o relatório de expectativas (pontos de inflexão), publicado em 2015,
publicado pelo Fórum Econômico Mundial.

15
A criação do tributo busca fundamento no artigo 154 da Constituição Federal, que confere tal
competência à União Federal.
35

Considerando a amplitude da tributação e a vastidão de objetos tributáveis, optamos por


analisar apenas a tributação indireta, ou seja, a tributação sobre o consumo dos produtos oriundos
da economia digital. O segundo capítulo trouxe, portanto, a situação da tributação indireta
internacional. Em razão da grande relevância de sua atuação diante da tributação na economia
digital, o capítulo foi dividido em dois tópicos. O primeiro apresentou, em linhas gerais, a
tributação internacional, bem como a atuação da OCDE – importante organismo cujas normas,
embora nem sempre cogentes, influenciam sobremaneira os tratados internacionais. O segundo
tópico buscou demonstrar o pioneirismo da União Europeia na discussão, bem como a eficiência
do IVA na tributação indireta na economia digital.

Por fim, o terceiro capítulo, com foco na tributação indireta brasileira, apresentou as
dificuldades oriundas das regras nacionais, seja em relação ao conflito de competência (ICMS X
ISS), seja em relação à dificuldade em razão da localidade da ocorrência do fato gerador. Após,
foi estudada a impossibilidade de avaliação de cada novo produto, a fim de enquadrar a sua
tributação, bem como algumas propostas de alteração da legislação ou criação de um tributo –
abrangidas, eventualmente, pelas chamadas Reformas Tributárias em trâmite no Congresso
Nacional – para abarcar os novos produtos da economia digital.

O presente artigo cumpriu, portanto, o objetivo inicialmente proposto, ou seja, apresentou


e analisou a tributação indireta (isto é, a tributação sobre o consumo) no cenário inaugurado pela
economia digital no século XXI, tendo abordados relevantes tratativas internacionais e a posição
brasileira. Não nos aprofundamos na tributação sobre a renda, assim como não apresentamos as
principais dificuldades na tributação de relevantes produtos digitais, como a criptomoedas,
computação em nuvem, economia compartilhada, dentre diversos outros, por não ser este o
objetivo aqui almejado16.

Confirmamos, outrossim, a ideia inicial de que os novos produtos devem ser tributados,
embora as regras atuais – internacionais e nacionais – sejam incapazes de fazê-lo de forma
automática. A revisão de alguns conceitos (como o de “estabelecimento permanente” e a
Convenção Modelo da OCDE) são necessárias. Percebemos que a OCDE e a União Europeia têm
ditado importantes orientações, não apenas sobre a tributação direta, mas também sobre a
tributação do consumo, as quais - considerando a globalização, a dificuldade atinente à definição
do aspecto territorial do fato gerador e o intuito do Brasil em integrar a OCDE – o país faria bem
em adaptar internamente, seja por meio da criação de uma espécie de IVA ou de um “imposto
digital”.

16
De forma eficiente, diversos estudos têm sido publicados em relação à tributação na economia digital.
Embora não possamos apresentar e analisar cada um deles e a incidência tributária sobre todas as espécies
de bens oriundos da economia digitais, os seguintes artigos se mostraram relevantes diante de seu escopo:
- A (não) incidência da CIDE sobre remessas de pagamentos de serviços de computação em nuvem (SAAS)
de Ana Carolina Carpinetti, Renato Henrique Caumo e Victoria Puperi da Rosa;
- Tributação de Novas Tecnologias: o Caso das Criptomoedas de Liziane Angelotti Meira, Filipe Soares
Dall’ora e Hadassah Laís S. Santana;
- Tributação e Inteligência Artificial de Paulo A. Caliendo V. da Silveira.
- Aspectos Tributários nas Operações com Dados de Lisa Worcman e Renata Correia Cubas;
- Tributação da Economia Compartilhada: Caso das Plataformas Digitais de Transporte e Hospedagem sob
a Perspectiva do ISS de Tathiane Piscitelli.
36

Apesar de se tratar de importante discussão política, considerando os estudos realizados e


as iniciativas internacionais relativas à tributação na economia digital, há amplo espeço para a
academia refletir e analisar a realidade e as iniciativas adotadas pelos países, bem como seus
resultados, a fim de contribuir na discussão acerca do enfretamento dos desafios desta nova era.
37

3. TRIBUTAÇÃO DA RENDA NA ECONOMIA DIGITAL: AÇÕES MUNDIAIS


E IMPLEMENTAÇÃO NO BRASIL

RESUMO

O propósito do presente artigo é analisar as iniciativas de tributação da renda das grandes


empresas de tecnologia. Para tanto, foi implementada pesquisa na literatura a fim de observar
análises e expectativas dos governos em relação à tributação. Este estudo aborda a situação
hodierna do Sistema Tributário Brasileiro, notadamente no que diz respeito à tributação
internacional da renda em comparação com outros países, considerando as diretrizes da OCDE.
Apresentam-se ainda as iniciativas brasileiras que objetivam a tributação das novas tecnologias,
bem como analisam-se as dificuldades de implementação das diretrizes internacionais pelo Brasil,
dadas as suas peculiaridades. O tema mostrou-se bastante amplo e com possibilidades para novas
pesquisas, que poderão se aprofundar na questão da conciliação do cenário internacional e do
imposto digital com os desígnios soberanos brasileiros.

PALAVRAS-CHAVE: Economia Digital. Tributação 4.0. Imposto de Renda. Big


Tech. Tecnologia.

ABSTRACT

The purpose of this article is to analyze the income tax initiatives of large technology
companies. For that, a literature search was implemented in order to observe government analyzes
and expectations in relation to taxation. This study addresses the current situation of the Brazilian
Tax System, notably with regard to international income taxation in countries, considering the
guidelines of the OECD. It also presents the brazilian initiatives that aim the taxation of new
technologies, as well as analyzing the difficulties of implementing international guidelines by
Brazil, given its peculiarities. The topic proved to be quite wide and with possibilities for further
research, which could deepen the question of reconciling the international scenario and the digital
tax with brazilian sovereign designs.

KEYWORDS: Digital Economy. Taxation 4.0. Income tax. Big Tech. Technology.

3.1 Introdução
Na era da revolução digital, as empresas Apple, Netflix, Google, Amazon, Facebook
apresentaram exponencial crescimento considerando a adesão de consumidores aos serviços
prestados. De acordo com RIBEIRO (2019), o movimento foi realmente muito expressivo. As
atividades comuns no passado, como locar um filme em uma locadora ou consultar um mapa,
foram totalmente substituídas. Os usuários dos serviços digitais alcançam a cifra dos milhões e o
número cresce diariamente. A tecnologia está cada vez mais presente, seja para lazer, seja como
uma ferramenta de trabalho ou estudo, seja para apenas facilitar o cotidiano e melhorar serviços
que já existiam.
38

Para alcançar o patamar atual, estas empresas foram extremante inovadoras em sua forma
de gerar valor. A Uber, mesmo sendo uma grande empresa de transporte de passageiros, não
possui veículos em sua frota. O grupo Alibaba, conhecido gigante do varejo virtual, não possui
produtos em seu estoque. O Facebook, grande empresa de mídia, não produz nenhum conteúdo.
O Airbnb, empresa ligada à hospedagem, não é proprietária de hotéis. O serviço prestado por eles
assemelha-se a um tipo de gerenciamento de dados.

Com a utilização da internet, os custos foram reduzidos e, por conseguinte, também o preço
para o consumidor final, tornando as novidades ainda mais atrativas. Afinal, taxis, motoristas de
entrega, aluguel de mídia ou de imóvel para temporada já existiam; mas, a maneira inovadora e
barata de fornecimento destacou-se e possibilitou o crescimento do mercado consumidor e o
surgimento e consolidação dessas empresas.

Foram alcançados valores antes inconcebíveis. De acordo com a PACETE (2022), ao


atingir o valor de mercado de US$ 3 trilhões em janeiro de 2022, a Apple manteve a liderança do
“Clube do Trilhão”, uma lista criada pela Forbes Tech composta por Apple (US$ 3 trilhões),
Microsoft (US$ 2,51 trilhões), Alphabet (US$ 1,92 trilhão), Amazon (US$ 1,73 trilhão), Tesla
(US$1,20 trilhão) e Meta (US$ 941,74 bilhões).

Embora este seja o valor de mercado das empresas, a receita bruta registrada por elas é
ainda mais surpreendente. O sítio da Apple, por exemplo, em setembro/2021 mostrou que “a
empresa registrou a maior receita do trimestre para setembro, no valor de US$ 83,4 bilhões, um
aumento de 29% na comparação ano a ano, e lucro diluído de US$ 1,24 por ação”. No caso da
Meta (antigo Facebook), foram registradas receitas totais de US$ 29 bilhões entre julho e
setembro de 2021 e lucro de US$ 9,19 bilhões. A Uber previu lucro ajustado de US$ 25 a US$ 75
milhões no último trimestre de 2021, embora sua receita tenha sido de US$ 4,8 bilhões. Este
resultado, divulgado em novembro/2021, foi o “primeiro resultado operacional positivo em uma
base ajustada desde que a empresa foi lançada há mais de uma década”.

Diante deste cenário, os governos mundo afora têm questionado a desigualdade – na seara
fiscal – entre as empresas de tecnologia e as empresas tradicionais. Além disso, as empresas de
tecnologia não costumam empregar número considerável de pessoas nos locais em que operam,
embora explorem intensamente o mercado consumidor; isso que significa, em última instância,
retirada de capital dos consumidores para aquisição de serviços no exterior.

Os valores movimentados chamaram a atenção de diversos governos e da OCDE


(Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Apesar de muitos dados das
empresas serem sigilosos, sabe-se que elas recolhem um pequeno percentual a título de tributos,
especialmente quando considerada a vasta gama de países em que operam. De acordo com a
Revista Exame, “análise da Bloomberg Economics no mês passado mostrou que a alíquota média
de impostos das 50 maiores empresas do mundo caiu de 35,5% em 1990 para 17,4% no ano
passado. Facebook (12,2%) e Amazon (11,8%) pagaram abaixo dessa alíquota em 2020”.

No Brasil, com base em dados divulgados pela Secretaria da Receita Federal, o deputado
federal João Maia realizou um levantamento e concluiu que estas empresas pagam 76% menos
impostos sobre lucro no Brasil se comparadas com as empresas tradicionais. De acordo com o
39

estudo, “companhias como Google e Facebook pagam valores de IRPJ (Imposto sobre a Renda
da Pessoa Jurídica) e CSLL (Contribuição sobre o Lucro Líquido) correspondentes a 4,4% do
resultado líquido. Para as demais, o percentual é de 19,1%”.

Sendo assim, considerando também as medidas que têm sido adotadas por outros países e
pela OCDE em relação aos serviços prestados pelas grandes empresas de tecnologia, o Brasil
deverá se debruçar sobre tais iniciativas e analisar se estabelecerá parâmetros diferentes de
tributação para estas empresas ou se se alinhará às diretrizes fixadas pela OCDE, internalizando-
as no país.

Assim, em face da nova realidade imposta pela economia digital, considerando o vultoso
crescimento das empresas de tecnologia e as receitas movimentadas, bem como o intuito dos
países de tributá-las, o presente artigo visa contribuir com a discussão da tributação da renda das
empresas de tecnologia. Busca-se verificar as dificuldades da tributação da renda destas empresas
por meio do exame das ações propostas e adotadas no mundo, especialmente aquelas sugeridas
pela OCDE e o Global Tax Pack. Será examinada também a posição do Brasil e as ações adotadas
internamente, bem como a dificuldade na implementação das sugestões oriundas da Tributação
Internacional.

Para tanto, o artigo divide-se em quatro capítulos, que abordam os principais pontos
relativos à tributação das gigantes da tecnologia, tanto a nível mundial, quanto doméstico. O
primeiro apresenta a posição brasileira no âmbito da tributação internacional da renda e examina
a incorporação nacional de princípios do Direito Tributário Internacional. O segundo traz
anotações sobre a denominada “Quarta Revolução Industrial”17, com ênfase nos desafios criados
para a tributação. O terceiro dedica-se às iniciativas da OCDE, em conjunto com diversos países,
no combate às dificuldades impostas à tributação internacional pela economia digital. No último
capítulo, apresentam-se as iniciativas brasileiras relativas à tributação da renda de tais empresas,
bem como examina-se a aplicação ao Brasil das diretrizes fixadas pela OCDE. São apresentadas,
nas considerações finais, a percepção das autoras em relação às iniciativas brasileiras de
tributação das grandes empresas de tecnologia, bem como algumas conclusões sobre as
dificuldades de adaptação do Brasil às normas fixadas pela OCDE.

3.2 Tributação da renda internacional pelo Brasil


De acordo com a legislação brasileira, quem aufere renda no Brasil é tributado pelo imposto
de renda, cuja incidência sobre as pessoas físicas, de maneira geral, observa a Tabela do Imposto
de Renda, com suas faixas de incidência e alíquotas diferenciadas18.

17
Termo utilizado por Klaus Schwab em seu livro “A Quarta Revolução Industrial”.
18
A tabela vigente, abaixo colacionada, poderá ser conferida em https://www.gov.br/receitafederal/pt-
br/assuntos/orientacao-tributaria/tributos/irpf-imposto-de-renda-pessoa-fisica (acesso em 24 fev. 2022):
Base de cálculo (R$) Alíquota (%) Parcela a deduzir do IRPF
(R$)
Até 22.847,76 - -
De 22.847,77 até 33.919,80 7,5 1.713,58
De 33.919,81 até 45.012,60 15 4.257,57
40

Todavia, há diversas críticas à sistemática adotada no país, como: (i) a tributação da renda
no Brasil não seria realmente progressiva e não respeitaria a capacidade contributiva do
contribuinte, como determina a Constituição Federal; (ii) a tabela do imposto de renda encontra-
se defasada, porque não tem suas faixas corrigidas desde 2015, de modo que o contribuinte é
sistematicamente cada vez mais tributado em razão da inflação.

A legislação exige que todo valor que entre no país, para pessoa física ou jurídica, seja
declarado por quem o recebeu e, caso se trate de renda, seja devidamente tributado19. O mesmo
ocorre quando valores internos são enviados para o exterior a título de remuneração; o imposto
deve ser retido na fonte20. Uma pessoa estrangeira, residente no país, será tributada pelo imposto
de renda, mesmo em relação a rendimentos oriundos de fontes localizadas no exterior; um
brasileiro residente em outro país deverá recolher imposto de renda quando a fonte pagadora
estiver localizada no Brasil. Nestes casos, há acordos para evitar a bitributação com vários países.
Mas, caso não haja, poderá ocorrer essa dupla tributação.21

No que tange às pessoas jurídicas sediadas no Brasil, estas deverão recolher 15% de
imposto de renda sobre o lucro (seja ele apurado ou presumido), acrescido de 20% a título de
adicional do imposto (IRPJ)22. Sobre base de cálculo semelhante ainda incidirá a CSLL
(Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), cuja alíquota geral é de 9%23.

A tributação das multinacionais ocorre mediante critérios de residência (local da


constituição, no Brasil) e da fonte de produção ou de pagamento. Assim, existindo um elemento
de conexão entre o fato tributável e seu território (como residência/sede e local de produção do
rendimento), o nexo fiscal resta demonstrando, possibilitando a tributação.

Atenta à erosão da base tributável oriunda da transferência de receitas entre diversos países,
a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) criou o BEPS (Base
Erosion and Profit Shifting24), uma iniciativa que visa à atuação global com o intuito de evitar
especialmente que as organizações multinacionais, mediante planejamento tributário e
transferências de receitas, não sejam tributadas em nenhum país ou sejam em um quantum
excessivamente baixo.

De 45.012,61 até 55.976,16 22,5 7.633,51


Acima de 55.976,16 27,5 10.432,32

19
O Decreto nº 9.580, de 22 de novembro de 2018 (Regulamento do Imposto sobre a Renda - RIR), no seu
art. 1º, caput, prevê que: “As pessoas físicas que perceberem renda ou proventos de qualquer natureza,
inclusive rendimentos e ganhos de capital, são contribuintes do imposto sobre a renda, sem distinção de
nacionalidade, sexo, idade, estado civil ou profissão.”
20
O Decreto nº 9.580, de 22 de novembro de 2018 (Regulamento do Imposto sobre a Renda - RIR), no seu
art. 1º, §2º, dispõe: “As pessoas físicas residentes no exterior terão suas rendas e seus proventos de qualquer
natureza, inclusive os ganhos de capital, percebidos no País tributados de acordo com as disposições
contidas nos Capítulos V e VI do Título I do Livro III.”
21
A lista de países com os quais o Brasil celebrou acordo para evitar a bitributação está disponível no sítio:
<https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/acesso-a-informacao/legislacao/acordos-internacionais/acordos-
para-evitar-a-dupla-tributacao/acordos-para-evitar-a-dupla-tributacao>. Acesso em: 26 mai. 2022.
22
Conforme o art. 225 do Decreto nº 9.580, de 22 de novembro de 2018 (Regulamento do Imposto sobre
a Renda – RIR.
23
Conforme o art. 3º da Lei no. 7.689, de 15 de dezembro de 1988.
24
Erosão de base tributária e transferência de lucros.
41

Considerando as empresas que prestam serviços e possuem subsidiárias em diversos países


e evitavam a tributação através de transferências, já havia dificuldade de tributação da renda
auferida. Porém, quando se trata da tributação da renda oriunda de operações com bens
intangíveis, quando os consumidores estão em um Estado (fonte de pagamento), mas não há como
estabelecer com precisão a localização da fonte de produção, a tributação torna-se ainda mais
complexa.

Destaca-se o trabalho publicado por BARTKEVICIUS et al. (2020), que analisou o


planejamento tributário internacional da empresa multinacional Apple. De acordo com os autores,
o caso analisado demonstra como os planejamentos tributários internacionais são extremamente
criativos, combinando assimetria de países diferentes para identificar lacunas legislativas que
possibilitem a redução artificial da tributação.

A legislação do imposto de renda brasileiro, na medida em que se adapta à Tributação


Internacional, já está preparada para disciplinar os eventos tributáveis ocorridos em outros países.
No que concerne às grandes multinacionais, a OCDE já estava no caminho para evitar a erosão
da base tributável em nível mundial, permitindo que cada país tributasse your fare share.
Entretanto, a realidade oriunda da Quarta Revolução Industrial não está abarcada pela legislação
e tampouco pode ser resolvida pelos resultados internacionais alcançados até 2018 pela OCDE.

Uma das dificuldades se origina na exigência, pelas regras internacionais, de existência de


estabelecimento permanente em um país para que este possa tributar o lucro relacionados aos
resultados lá gerados. Como menciona REZENDE (2020), a regra internacional para tributação
da renda tem como referência o local em que o lucro é gerado. Para ultrapassar o conceito fechado
passou-se a levar em conta a presença econômica substantiva. Entretanto, ainda assim, como
afirmam ARAÚJO (2020) et al., não houve solução do problema.

3.3 Quarta Revolução Industrial


3.3.1 A quarta revolução tecnológica e a Tributação 4.0
Velocidade, amplitude, profundidade e impacto sistêmico são as principais características
que apontam para a ocorrência hodierna da quarta revolução industrial, como afirma SCHWAB
(2016). Estas mudanças, desde o início do Século XXI, demonstram o seu potencial de alterar a
sociedade como a conhecemos e, consequentemente, inovações sem precedentes ocorrem em
âmbitos econômicos, industriais, governamentais, na sociedade e nos indivíduos.

Neste cenário, as mudanças e evoluções têm sido experimentadas de forma mais rápida.
São mudanças que impactam todos de maneira imediata e profunda, ocasionando a transformação
completa do mundo, em todos aspectos, social, econômico, cultural, do trabalho etc.

O principal ativo passa a ser o cérebro; como afirma REZENDE (2016), os bens corpóreos,
como tamanho físico, passam a ser um passivo. Inovação, agilidade e capacidade de organização
são necessários para aprender é o que se destaca. Por isso, o autor cita uma nova estratégia de
negócios denominada “Oceano Azul”:
42

Na proposta do Oceano azul, não se trata de buscar a melhoria da


competitividade para vencer no mercado em que a empresa atua e sim buscar
novos nichos de mercado, por meio de novas tecnologias, para criar valor pela
inovação e inovar o modelo de negócio.
Os fatos que impulsionam as mudanças na seara negocial e os problemas enfrentados pelas
administrações tributárias, com base nas afirmações de REZENDE (2020. Pg. 135), podem ser
resumidos da seguinte forma:

(i) Mobilidade dos fatores de produção. A vastidão de capital intelectual e localização


diversa dos usuários dos bens e serviços ofertados permite a disseminação das etapas de uma
atividade em nível global. A palavra é interconectividade global.

(ii) Múltiplas faces dos modelos de negócios, que podem depender da interação de grupos
distintos por meio de uma plataforma. Se um lado cria externalidade positiva, para o outro, o
preço por ele praticado pode aumentar.

(iii) As inúmeras possibilidades criadas pelo avanço da computação na nuvem nos negócios
digitais, que atualmente se desdobram em três modalidade: Infraestrutura como um Serviço
(IaaS), Plataforma como um Serviço (PaaS) e Software como um Serviço (SaaS).

(iv) As diferentes modalidades de pagamento e o desenvolvimento de criptomoedas, o que


reflete a diversidade de formas de geração de receitas.

Neste modelo negocial, a estratégia é o valor gerado pela inovação (value innovation),
buscando-se tornar a competição irrelevante já que o objetivo passou a ser abrir novos e
incontestáveis mercados. Isso não permite que uma empresa se acomode. Afinal, os baixos custos
marginais e a não rivalidade da maioria dos bens digitais permitem que novas empresas surjam a
todo momento, empresas que podem substituir aquelas que já existem (ainda que detenham, de
certa forma, alguma hegemonia no mercado) em um período relativamente curto de tempo.

A legislação, entretanto, não estava preparada para as alterações e regulamentações


mostram-se necessárias, assim como a reformulação da tributação dos países. Tudo com vistas a
abarcar a nova realidade. Todavia, diante das mudanças observadas e da velocidade em que
ocorreram, será que as alterações legislativas não seriam logo superadas diante das inovações
rápidas e recorrentes? Esta é também a preocupação de diversos analistas, como ZANETONI
(2020), que ressalta a dificuldade de tributação, não apenas de negócios digitais, mas
especialmente daqueles ainda não imaginados.

3.3.2 Desafios criados para a tributação e iniciativas


Os novos modelos de negócios oriundos da Revolução Tecnológica podem ser estruturados
e implementados em escala global, abrindo oportunidades para o planejamento tributário e para a
evasão fiscal. Afinal, a economia digital alterou o modelo negocial de forma a encorajar a
flexibilidade, a inovação, o empreendedorismo e a entrega de soluções (reponsiveness). Assim,
não há uma cadeia produtiva linear, mas sim uma rede de valor aberta e em constante mudança.

As mudanças têm concorrido para a erosão da base tributável da renda mediante o acesso
de empresas a mercados em que não estão fisicamente estabelecidas. Isso ocorre pela repartição
43

de atividades entre jurisdições de forma a gerar lucro onde a tributação é mais baixa, bem como
por meio de pagamentos destinados a subsidiárias localizadas em países de tributação favorável.

Partindo desses aspectos, a União Europeia destacou as principais características da


economia digital (mobilidade, formação de redes e tratamento de informações) e divulgou
relatório em 2014. Neste, afirma-se que os sistemas tributários devem ser simples, estáveis e
neutros, nos seguintes termos:

(i) não deve haver um regime especial de tributação para empresas digitais.

(ii) a digitalização (reduz custos) favorece o surgimento de novas empresas e a ampla


concorrência. Portanto, barreiras tributárias para pequenas e médias empresas que operam no
mercado comum devem ser removidas.

(iii) avaliação cuidadosa de incentivos fiscais.

De acordo com o relatório mencionado, há consenso na necessidade de equidade na


repartição das receitas tributárias, o que torna imprescindível um bom grau de confiança e
cooperação entre os países. As dificuldades de regulamentação são tanto na tributação direta
(renda), quanto na tributação indireta (consumo).

Em relação à tributação do consumo, os esforços objetivam alcançar meios que


proporcionem condições equivalentes entre fornecedores domésticos e estrangeiros (level playing
field). Por isso, o relatório defende que, em relação ao VAT (Value Added Tax), deve ser aplicado
o princípio do destino. Por outro lado, em relação à tributação da renda, defende a observância do
princípio da fonte, do qual derivou a regra do estabelecimento permanente para tributar as
subsidiárias das empresas multinacionais.

Entretanto, diante da economia digital, a ideia do estabelecimento permanente deve ser


revista, ou melhor, deve ser superada a ideia de a tributação depender da existência de uma
unidade fisicamente instalada.

Por isso, o relatório da União Europeia defendeu novo critério baseado na noção de
presença econômica significativa (SEP). Como critério para identificar sua existência, propôs a
adoção do conceito de Presença Digital Efetiva. Por meio de informações sobre a atividade do
utilizador na cadeia de geração de valor, seria definida a existência de um estabelecimento virtual
permanente, cuja caracterização dependeria de critério objetivos, como: (i) gerar mais de 7
milhões de euros em receitas em um país-membro; (ii) ter mais de cem mil usuários no mesmo
estado-membro; (iii) gerar mais de três mil contratos para prestação de serviços digitais entre
provedores e usuários em um ano.

A proposta era de que o tributo, conforme expõe REZENDE (2020), apenas aplicado a
empresas com receitas anuais mundiais de 750 milhões de euros e receitas na UE de 50 milhões
de euros, fosse coletado pelo estado-membro em que o usuário está localizado mediante uma
alíquota de 3%.

A ideia, em termos gerais, é o reconhecimento da importância do valor gerado pelo


mercado consumidor para o lucro acumulado em outros países. Tentou-se estabelecer um regime
44

provisório, mas ainda assim medidas unilaterais foram realizadas. Por outro lado, o avanço
tecnológico poderá contribuir para a maior eficiência e efetividade das administrações tributárias.

3.4 OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico)


A pedido do G20 e também em razão da reiterada erosão fiscal e desvio de lucros
tributáveis de forma artificial para países com baixa tributação, a OCDE criou o Base Erosion
and Profit Shifting Project (Projeto BEPS), mediante o qual 15 ações foram cristalizadas, algumas
relacionadas à tributação na era digital.

Destaca-se que, desde 1920, a regra da tributação internacional sobre a renda baseava-se
no princípio “origem da riqueza”, que serviu de base à ficção jurídica denominada
“estabelecimento permanente”, cuja definição consta no artigo 5º do Modelo OCDE. Entretanto,
de acordo com os diversos relatórios da organização25, o resultado do não acompanhamento da
legislação diante da evolução tecnologia e dos modelos de negócios dela oriundos ocasionavam
planejamentos tributários arrojados e, por vezes, evasão fiscal a nível internacional.

Sendo assim, as ações 1 e 7 do Projeto BEPS chamaram atenção por objetivarem alterar as
regras sobre a tributação internacional da renda26. Todavia, elas não são direcionadas à economia
digital, razão pela qual, em março de 2018, a organização divulgou um relatório sobre os novos
desafios e criou o Grupo Inclusivo (Inclusive Framework - IF) baseado em dois pilares:
Pillar One will ensure a fairer distribution of profits and taxing rights among
countries with respect to the largest MNEs, including digital companies. It
would re-allocate some taxing rights over MNEs from their home countries to
the markets where they have business activities and earn profits, regardless of
whether firms have a physical presence there.
Pillar Two seeks to put a floor on competition over corporate income tax,
through the introduction of a global minimum corporate tax rate that countries
can use to protect their tax bases.
Como as medidas demandam adoção em nível mundial para que tenham eficácia, a
confiança e cooperação entre os países é imprescindível. Por isso, embora possam ser prejudiciais

25
A título de exemplo, cita-se:
- O relatório de 2015 da OCDE: Addressing the Tax Challenges of the Digital Economy, Action 1 – 2015
Final Report.
- O relatório de 2015 da OCDE: Preventing the Artificial Avoidance of Permanent Establishment Status,
Action 7 - 2015 Final Report.
26
As 15 ações são:
“Action 1 Tax Challenges Arising from Digitalisation
Action 2 Neutralising the effects of hybrid mismatch arrangements
Action 3 Controlled Foreign Company
Action 4 Limitation on Interest Deductions
Action 5 Harmful tax practices
Action 6 Prevention of tax treaty abuse
Action 7 Permanent establishment status
Action 8-10 Transfer Pricing
Action 11 BEPS data analysis
Action 12 Mandatory Disclosure Rules
Action 13 Country-by-Country Reporting
Action 14 Mutual Agreement Procedure
Action 15 Multilateral Instrument”
45

para o consenso comum universal, o relatório da OCDE menciona algumas medidas unilaterais
adotadas por países, supostamente como opções temporárias: (i) modificação dos limites mínimos
para caracterização de um estabelecimento permanente; (ii) a tributação na fonte ou a adoção de
turnover taxes; (iii) a criação de regimes tributários específicos.

Adotamos o pensamento, também trilhado por REZENDE (2020), que a OCDE foi
obrigada a reconhecer a adoção de medidas unilaterais entre os países diante da velocidade das
inovações e ausência de consenso na mesma velocidade.

3.4.1 BEPS, ACTION 1


No âmbito da tributação internacional da renda, rejeita-se a ideia de que empresas não
sejam tributadas em nenhum dos países ou sejam minimamente tributadas. Esta é exatamente a
ideia do BEPS, como já mencionado, uma iniciativa da OCDE que visa à atuação global dos
países diante de grandes multinacionais (como as “gigantes da tecnologia”). Entretanto, conforme
explica DIAS (2020), as soluções inicialmente apresentadas não foram implementadas em nível
internacional, o que resultou na adoção de medidas unilaterais por diversos países, reconhecidas
pela OCDE, tais como: (i) aplicação de limites alternativos para estabelecimento permanente; (ii)
retenções na fonte; (iii) tributos sobre volume de negócio (turnover taxes); e (iv) regimes
tributários especiais para grandes companhias multinacionais.

O relatório final da ação 1 do Projeto BEPS destacou as seguintes alternativas relativas ao


nexo necessário para a tributação: (i) novo conceito de “presença econômica significativa”, ao
invés do estabelecimento permanente; (ii) imposto de renda retido na fonte para alguns tipos de
transações internacionais; (iii) uma taxa de equalização digital. Entretanto, verificou-se a
dificuldade de adaptação das regras existentes aos novos objetivos. Assim, ainda que bem
intencionada, a ação 1 não apresentou qualquer recomendação, deixando a cargo dos países
contratantes a escolha.

É interessante o destaque de ZANETONI (2020. Pg. 453) sobre a preocupação demonstrada


no relatório com a capacidade contributiva das empresas, a fim de que a tributação não seja um
empecilho aos novos negócios: “Concomitantemente, a incapacidade de empresas com margens
baixas de absorver um imposto sobre a receita bruta (por exemplo: empresas jovens e emergentes)
surgiu como outra grande preocupação”.

No entanto, estas soluções já não são capazes de resolver os problemas decorrentes da


economia digital. Manter o direito de tributar os lucros nos países onde as empresas têm sede
física (estabelecimento permanente) não é mais suficiente para a realidade atual. A digitalização
e a globalização da economia, agravadas pela pandemia do coronavírus, intensificaram as
vulnerabilidades presentes no sistema hodierno.

3.4.2 BEPS, ACTION 7


Outra das ações que se destacou em relação à tributação da economia digital foi a ação 7
do Projeto BEPS, cujo relatório final propôs mudanças na definição de estabelecimento
46

permanente do artigo 5º do Modelo OCDE com o objetivo de garantir a criação de uma presença
tributável no país no qual o valor é criado.

De acordo com BEZ-BATTI (2018), a ação 7 do Projeto BEPS revisou a definição de


Estabelecimento Permanente com o objetivo de evitar o uso de estratégias utilizadas pelos
contribuintes para contornar a existência desses estabelecimentos. O autor destacou três frentes:
(a) enfrentar manobras que obstam o reconhecimento de um EP através de
comissários e estratégias similares; (b) enfrentar manobras que obstam o
reconhecimento de um EP através das exceções do art. 5 (4); (c) enfrentar
outras estratégias que obstam o reconhecimento de um EP (por exemplo,
fragmentando duas ou mais atividades entre as diferentes partes relacionadas).
Para tanto, foram alterados os parágrafos 4º (isenções de atividades específicas), 5º
(cláusula de agente dependente) e 6º (cláusula de agente independente) do mencionado artigo,
visando restringir o escopo das isenções de atividades específicas, ampliar a definição de agente
dependente e restringir a definição de agente independente. Ademais, o parágrafo 4.1 (cláusula
antifragmentação) e o parágrafo 8º (empresa intimamente relacionada) foram acrescidos ao
dispositivo.

Todavia, mesmo com as mudanças, a presença física mediante estabelecimento permanente


ainda é apontada como o nexo da tributação pelo Modelo OCDE.

3.4.3 Global Tax Pack


Em 13 de fevereiro de 2019, como parte do Projeto BEPS, a OCDE abriu consulta pública
para comentários sobre questões pontuais e relevantes relacionadas aos desafios tributários da
digitalização da economia e possíveis soluções. De acordo com ZANETONI (2020), daí
originaram três propostas com o fim de revisar as regras existentes para alterar os conceitos de (i)
participação do usuário; (ii) marketing intagibles; e (iii) presença econômica significativa visando
a atribuição de nexo para a tributação.

Em 31 de maio de 2019 foi criado um programa de trabalho destinado à economia digital


e sua tributação, denominado por alguns de BEPS 2.0. O Grupo Inclusivo (Inclusive Framework
- IF), que reunia mais de 130 países, tem por objetivo discutir propostas para um consenso
mundial em torno de uma reforma nas regras tributárias internacionais atuais, visando que grandes
multinacionais paguem sua parte na tributação com certeza e segurança, independe de onde
operem. A partir deste grupo foi criado o GLOBAL TAX PACK, cujas propostas são divididas em
dois pilares:
Pillar One will ensure a fairer distribution of profits and taxing rights among
countries with respect to the largest MNEs, including digital companies. It
would re-allocate some taxing rights over MNEs from their home countries to
the markets where they have business activities and earn profits, regardless of
whether firms have a physical presence there.
Pillar Two seeks to put a floor on competition over corporate income tax,
through the introduction of a global minimum corporate tax rate that countries
can use to protect their tax bases.
47

De acordo com a OCDE27, o imposto digital mínimo, em nível mundial, deverá ser de 15%
sobre os lucros obtidos. Estima-se que tal imposto gere anualmente cerca de US$ 150 bilhões em
receitas fiscais globais adicionais. Entretanto, caberá a cada país implementar tal regra, bem como
regulamentá-la. E, de fato, não poderia ser diferente. Porém, é possível imaginar a dificuldade de
inserir o imposto digital no Brasil, ante o nosso sistema tributário constitucionalmente delineado
e complexo. É também possível imaginar claramente a dificuldade de pequenos países em cobrar
o cumprimento da regra de grandes empresas.28

De maneira paralela, há diversas propostas que tratam do tema. Por exemplo, em abril de
2019, a ONU divulgou o relatório Tax Issues related to the Digitalization of the Economy: Report,
em que estabeleceu o compromisso de analisar questões técnicas, econômicas e outras
relacionadas à economia digital. Da mesma forma, em março de 2019, o Fundo Monetário
Internacional divulgou o Corporate Taxation in the Global Economy.

De acordo com ZANETONI (2020), sugestões também foram apresentadas por


acadêmicos, como Petruzzi e Buriak (Addressing the Tax Challenges of the Digitalization of the
Economy – A Possible Answer in the Proper Application of the Transfer Pricing Rules?); Avi-
Yonah (Virtual PE: International Taxation and the Fairness Act); Maisto e Associati, Kadet;
BMG, Kadet; Tax Justice Network Israel; MEDEF, CBI, IrishTaxInstitute, TEI; Johnson &
Johnson.

Não obstante as análises e propostas, diversos países têm sido proativos na introdução de
medidas para incluir as novas atividades e modelos negociais no escopo de seus sistemas
tributários. Ao mencioná-las, ZANETONI (2020. Pg. 460) assim as resumiu:
Taxas de equalização (a fim de restaurar as condições equitativas): Nova
Zelândia, Índia, Itália, México, Chile;
Imposto dobre Serviços Digitais (DST): França (3%), Espanha, Reino Unido,
Áustria (5%), República Tcheca (7%);
Imposto retido na fonte (como aconteceu anteriormente com os dividendos,
juros e royalties): Turquia, Reino Unido, Paquitsão;
Imposto sobre publicidade digital: Comissão Europeia;
Estabelecimento permanente digital (diluindo os requisitos de permanência e
localização física e estabelecendo uma “presença digital”): Nova Zelândia,
Índia, Reino Unido, Coréia do Sul;
Imposto sobre vendas: Canadá.

27
De acordo com a OECD: “Under Pillar One, taxing rights on more than USD 100 billion of profit are
expected to be reallocated to market jurisdictions each year. The global minimum corporate income tax
under Pillar Two - with a minimum rate of at least 15% - is estimated to generate around USD 150 billion
in additional global tax revenues annually. Additional benefits will also arise from the stabilisation of the
international tax system and the increased tax certainty for taxpayers and tax administrations.”
28
Entretanto, a Comissão Europeia apresentou, em dezembro de 2021, proposta para que os 27 países-
membros passem a cobrar de grandes empresas, no mínimo, 15% de impostos sobre os lucros obtidos nas
operações efetivadas no âmbito do bloco.
48

3.5 Implementação no Brasil


O Sistema Tributário Brasileiro retira seu fundamento de validade da Constituição Federal.
É nela que são definidas, por exemplo, a competência tributária dos entes federativos. Entretanto,
evidentemente, as inovações percebidas são dificilmente encaixadas no texto constitucional. Veja
o comentário de REZENDE (2020. Pg. 149):
Neste novo mundo, não é possível responder de forma direta à questão de como
alocar a competência tributária, pois não há conexão entre o local de residência
da empresa e a jurisdição em que se concentram as atividades que contribuíram
para a geração da renda.
A discussão é complexa. Por exemplo, diante do princípio da capacidade contributiva, há
quem afirme que apenas o país de residência pode verificar as condições do contribuinte, a fim
de apurar a renda universal. Entretanto, este critério é de difícil aplicação na economia digital,
dada a globalização e a natureza virtual das operações. Afinal, o que anteriormente era
caracterizado como atividade preparatória ou auxiliar e não poderia caracterizar a existência de
um estabelecimento permanente que atraísse a tributação, agora passa a ser atividade essencial.

CORREIA NETO et al. (2019), embora reconheçam a necessidade de alterações na


legislação, diante das peculiaridades tipicamente brasileiras de adequação de seu sistema
tributário à economia digital, elencam a rigidez constitucional (definição de competências e
materialidades), os conflitos de competência e a autonomia financeira dos entes subnacionais,
como fatores relevantes da legislação do país, capazes de impedir a adequação. Os autores
ressaltam, entretanto, que os desafios e perplexidades oriundos desta nova era ainda não foram
todos apresentados. Portanto, outros desafios tipicamente brasileiros ainda podem surgir.

REZENDE (2020. Pg. 152) deixa clara a sua conclusão: “Remendos não vão funcionar”.
A nova realidade exige que conceitos tradicionais sejam postos de lado para que novos sejam
criados, evitando-se os encaixes na legislação já existente. O autor afirma a necessidade de se
considerar a introdução de tributos específicos. Destaca que o Brasil é um bom exemplo de
problemas que serão gerados. Por exemplo, a classificação de algo como mercadoria ou serviço
impactará sobremaneira sua tributação. No âmbito federal, as recorrentes revisões das normas
aplicadas à economia digital, seja por meio do imposto de renda, imposto de importação ou
contribuições destinadas ao PIS e COFINS, contribuem para a insegurança jurídica, o que, por
consequência, torna o ambiente negocial brasileiro hostil ao capital internacional.

Não obstante, ARAÚJO et al. (2019) ressaltam que a política tributária também é
instrumento de fomento da capacidade de incorporar, adaptar e produzir novas tecnologias. O
incentivo, por sua vez, deve visar ganhos de eficiência e crescimento econômico. Nesta
perspectiva, considerando-se tratar de tributo novo, deverá haver cuidado em sua criação. Isso
porque, conforme argumentam as autoras, a desoneração fiscal para alguns sem indicação do
correspondente incremento econômico, anula o potencial de aumento arrecadatório e impede a
compensação da redução inicial de arrecadação.

Em relação à tributação sobre a renda, o primeiro passo indicará o objeto tributável, ou


seja, o que o país pretende tributar. Em relação à receita bruta, os empresários afirmam a
necessidade de serem reinvestidas para, além de gerar o crescimento da empresa, trazer benefício
49

e grande valor para a sociedade. É justamente este o receio nas empresas, conforme observações
de 2017, disponíveis no Tax Challenges of Digitalisation – Comments Received on the Request
for Input – Part II, especialmente aquelas apresentadas pelo Spotify:
The developments and debates around taxation of ‘highly digitalized business
models’ is of substantial concern to us. Some governments appear to see ‘fair’
taxation as working only one way – the ‘digital’ enterprises that operate in
many markets, should be paying tax without any substantiation in value
creation and realized income. Spotify does not agree that ‘digital’ enterprises
should be subject to special and differential tax rules. Today ‘digital’ is part of
all enterprises big or small. Local or international. ‘Digital’ business cannot be
separated from ‘other’ business as they are one and same – in varying degrees
yes but inseparable. The BEPS actions 2-15 have in our view created a very
solid basis (not perfect but impressively good given the time to development
and the extreme complexity of the matters addressed) which given time to take
effect, will ensure that income generated by international business is taxed
where the value giving rise to the income has been created. Any departure from
the fundamental – and internationally agreed – principle that income should be
taxed where the value giving rise to the income has been created, and from the
arm’s length principle, will create very serious issues for the global economy,
growth, employment and welfare. This is most evident when taxation is based
on anything other than realized profits. Withholding taxes and so-called e
‘qualization’ levies which are based on gross payments disregarding whether
the transactions have given rise to any profit at all will cause serious damage.
Isso porque, a depender da forma como a apuração do resultado será realizada, há sérios
riscos de materialização do cenário apresentado no comentário, o que ensejaria a tributação de
objeto diverso do lucro, o que afetando diretamente o desenvolvimento de atividades inovadoras.

No Brasil, atualmente, não há novas formas de tributação introduzidas no ordenamento


jurídico para abarcar as receitas oriundas da economia digital. A Receita Federal, muitas vezes
por meio de instruções normativas, estabelece que a tributação já existente recai sobre as novas
fontes. Esta, inclusive, é a tendência mundial, conforme já apontado por ZANETONI (2020).

Dentre as inovações tecnológicas, há dificuldade de enquadramento e tributação das


criptomoedas. A título de exemplo, cita-se o bitcoin, uma moeda que não possui valor intrínseco,
mas cujo valor é determinado pelo livre mercado considerando sua influência na sociedade e o
seu grau de confiabilidade. Por se tratar de algo novo, a legislação não se referia a essa situação
originalmente. Entretanto, a valorização dessa moeda chamou atenção.

MEIRA et al. (2019) realizaram análise comparativa entre criptomoedas, moedas nacionais
e os ativos financeiros, tendo concluído que o caráter especulativo desta moeda é o que chama
atenção do que se deduz a possibilidade de se tratar de uma grande bolha. Neste contexto das
novas tecnologias, os autores destacaram a necessidade de sua compreensão das novas tecnologias
para que seja possível categorizá-las em uma hipótese tributária adequada. Somente após a
compreensão do objeto da tributação será possível tributá-lo.

Embora já existisse o campo “Bens e Direitos” na DIRPF (Declaração do Imposto de Renda


da Pessoa Física) e a possibilidade de aplicação da legislação relativa ao ganho de capital, a
Receita Federal passou a exigir que pessoas físicas ou corretoras de criptomoedas brasileiras a
50

informem das movimentações ocorridas29. Entretanto, a internet possibilita que as operações


ocorram apenas na rede do bitcoin ou em corretoras localizadas em outros países.

Assim, a Receita Federal, a partir da DIRPF 2021, passou a exigir a declaração da posse
das moedas digitais. Esta é a forma com que o órgão arrecadador tem se portado diante da
necessidade iminente e ausência de legislação específica quanto às inovações vistas
cotidianamente.

Em relação aos ativos virtuais, tramita no Senado Federal o Projeto de Lei n. 4207/2020,
cujo escopo visa regulamentar ativos virtuais e sobre as pessoas jurídicas que exerçam as
atividades ligadas a eles, bem como dispõe acerca de crimes relacionados ao uso fraudulento de
ativos virtuais. Embora o projeto não trate especificamente da tributação dos ativos, ele deixa
claro que se trata de ganho de capital e, portanto, esta seria a legislação aplicável.

Ademais, tramita o Projeto de Lei n. 2358/2020, acerca da Contribuição de Intervenção no


Domínio Econômico incidente sobre a receita bruta de serviços digitais prestados pelas grandes
empresas de tecnologia (apelidada de CIDE-Digital). Para ser tributada a empresa, domiciliada
no Brasil ou no exterior, deverá ter ou pertencer a grupo econômico que tenha obtido, no ano-
calendário anterior, receita bruta global superior a R$ 3 bilhões e, ao mesmo tempo, receita bruta
superior a R$ 100 milhões no Brasil. A tributação será progressiva, com percentuais variando
entre 1% a 5% sobre o faturamento bruto. Mas, por se tratar de uma contribuição, o produto da
arrecadação será integralmente destinado ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (FNDCT), instituído pela Lei 11.540/07. Esta destinação é questionável, tendo em
vista o enorme fluxo de financiamento e a possibilidade de reversão de tais valores para outra
destinação.

Deve-se destacar, ainda, que no país tramitam diversos projetos de Reforma Tributária,
inclusive com alterações constitucionais (como a PEC 45/2019 e a PEC 110/2019) e nenhum
deles possui qualquer alteração relativa à economia digital. Além destas, o Governo Federal, por

29
Os arts. 1º e 6º da Instrução Normativa nº 1888/2019 determinam:
“Art. 1º Esta Instrução Normativa institui e disciplina a obrigatoriedade de prestação de informações
relativas às operações realizadas com criptoativos à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB).
Art. 6º Fica obrigada à prestação das informações a que se refere o art. 1º:
I - a exchange de criptoativos domiciliada para fins tributários no Brasil;
II - a pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no Brasil quando:
a) as operações forem realizadas em exchange domiciliada no exterior; ou
b) as operações não forem realizadas em exchange.
§ 1º No caso previsto no inciso II do caput, as informações deverão ser prestadas sempre que o valor mensal
das operações, isolado ou conjuntamente, ultrapassar R$ 30.000,00 (trinta mil reais).
§ 2º A obrigatoriedade de prestar informações aplica-se à pessoa física ou jurídica que realizar quaisquer
das operações com criptoativos relacionadas a seguir:
I - compra e venda;
II - permuta;
III - doação;
IV - transferência de criptoativo para a exchange;
V - retirada de criptoativo da exchange;
VI - cessão temporária (aluguel);
VII - dação em pagamento;
VIII - emissão; e
IX - outras operações que impliquem em transferência de criptoativos.”
51

meio do Ministério da Economia, apresentou proposta dividida em 04 etapas, cujo objetivo é


“simplificar para tornar o sistema tributário mais justo e menos desigual, para estimular a
produtividade e o investimento, aumentando emprego e renda”. Portanto, ainda que o sistema
tributário brasileiro vá ser alterado, as mudanças necessárias para adaptação à economia digital
ainda não estão sendo discutidas.

3.6 Conclusão
O presente artigo examinou as dificuldades da tributação da renda das empresas de
tecnologia. Destacaram-se as medidas nacionais e internacionais existentes e também como estas
não são suficientes diante da economia digital. Foram analisadas iniciativas adotadas
unilateralmente por diversos países, assim como diretrizes fixadas pela OCDE, através do BEPS
ou do Grupo Inclusivo (IF - Inclusive Framework), bem como a posição do Brasil e as ações
adotadas internamente.

As inovações tecnológicas vivenciadas diariamente neste século, notadamente no grande


crescimento das empresas de tecnologia e a receita gerada por elas, são relevantes. Essas fazem
parte da economia digital, em que os modelos de negócios foram alterados, assim como a forma
de impactar e gerar valor aos usuários. As novidades trouxeram bens ou serviços intangíveis,
desafiando os limites físicos. Neste novo modelo negocial, a competitividade é alta dado o baixo
custo inicial. Os desdobramentos advindos deste cenário são muitos, como os valores que giram
em função da contratação de espaços de publicidade.

Diante da ausência de limites físicos, o que se tem percebido é a exploração de um


determinado mercado consumidor por estas empresas e a transferência de seus lucros para outras
regiões. Além da retirada de dinheiro, com este comportamento estas empresas acabam atuando
de forma bastante diferente daquelas já existentes e, por isto, não têm sua renda tributada,
ensejando um ambiente com tributação bastante desequilibrada. Sendo assim, os países, inclusive
por meio de organizações como a União Europeia e a OCDE, tornaram consenso a necessidade
de que estas empresas recolhessem a tributação condizente com a receita que auferem. Percebe-
se, então, a dificuldade de tributação das inovações e a ausência de preparação das legislações,
inclusive de tributação internacional, para tributá-las.

Afinal, se antes multinacionais estabeleciam diversas subsidiárias em vários países e,


assim, conseguiam a tributação mínima de seus lucros, hoje os serviços são prestados de forma
transnacional, assim como não é mais necessário o estabelecimento das subsidiárias.

Todavia, o presente estudo indica que, para que haja efetiva tributação, considerando a
ausência dos limites físicos e tangibilidade das operações, é imprescindível o consenso,
cooperação e confiança entre os países. Diversas foram as propostas apresentadas e discutidas,
bem como as ações adotadas de maneira unilateral, até que, em 2021, a OCDE, por meio do Grupo
Inclusivo (Inclusive Framework - IF), que contava com a participação de mais de 130 países,
estabeleceu o GLOBAL TAX PACK com a necessidade de tributação da renda das empresas de
tecnologia.
52

No Brasil, com a necessidade iminente de tributação da renda deste tipo de serviço e


ausência de legislação específica, a Receita Federal tem tentado incluir as receitas no sistema já
existente, por meio de enquadramento na sistemática do ganho de capital. A título de exemplo,
cita-se a Instrução Normativa nº 1888/2019, que dispôs sobre a necessidade de se informar à
Receita a posse de criptomoedas. Paralelamente, como mencionado, tenta-se alterar a legislação
para que esta abarque a nova realidade (Projeto de Lei n. 4207/2020) e criar um novo tributo
específico (CIDE-Digital - Projeto de Lei n. 2.358/2020).

Diante deste cenário e do sistema tributário brasileiro, fica a questão: como conciliar o
cenário internacional e o imposto digital com os desígnios soberanos nacionais? O Brasil
conseguirá implantar o imposto global (que poderá ser enquadrado em outra espécie tributária)?
A resposta a estas perguntas podem ser objeto de outras pesquisas. A princípio, diante das
evidencias aqui verificadas, a resposta é que sim. Entretanto, a adequação ao sistema tributário
brasileiro deverá ser muito bem planejada e não por meio de remendos. Afinal, é desejável que a
regulamentação não traga insegurança às empresas, mas, pelo contrário, a regra clara – que deverá
ser semelhante em outros países – poderá realmente aumentar a arrecadação e gerar benefícios
para o mercado consumidor explorado pelas empresas contribuintes. Por isso, o aprofundamento
de estudos sobre a conciliação do cenário internacional e do imposto digital com os desígnios
soberanos brasileiros mostra-se de extrema importância.
53

4. UM BREVE PANORAMA SOBRE A TRIBUTAÇÃO NA ECONOMIA


DIGITAL NO BRASIL

RESUMO

O presente artigo apresentará um panorama geral sobre a tributação da economia digital no


Brasil, ou seja, como a literatura tem analisado a tributação no país dos novos bens, serviços e
negócios da economia digital após os anos 2000. Será verificada a subsunção das novas
materialidades às normas vigentes, bem como o papel das decisões judiciais, os estudos sobre o
tema e a posição do país diante de diretrizes internacionais. Para tanto, a metodologia aplicada
trará a pesquisa bibliográfica, bem como analisará o estado da arte, a legislação, textos jurídicos
e jurisprudenciais sobre o tema. O trabalho trará, inicialmente, capítulo voltado à apresentar os
aspectos da revolução digital no Brasil e o sistema tributário brasileiro e, posteriormente, a
situação específica da tributação (direta e indireta) no país sobre objetos oriundos da economia
digital. Após, analisar-se-á a tributação sobre o consumo, com foco na eficácia do IVA europeu
na economia digital e as principais propostas de reforma tributária em trâmite no Brasil (PEC
110/2019 e PEC 45/2019). Por fim, será analisada a tributação da renda no país, tratando sobre a
relevância do ganho de capital neste novo cenário, a normatização da tributação por meio de
instrumentos infralegais e a adequação do país às diretrizes internacionais. Com o diagnóstico da
situação atual será possível observar onde está o foco do país, para que, posteriormente, sejam
tomadas as medidas necessárias à tributação (ou não), garantindo-se a necessária arrecadação do
ente tributante, isonomia tributária entre objetos semelhantes, manutenção da livre concorrência
e segurança jurídica à todos.

PALAVRAS-CHAVE: Economia digital. Tributação. Brasil. Consumo. Renda.

ABSTRACT

This article will present an overview of the taxation of the digital economy in Brazil, that
is, how the literature has analyzed the taxation of new goods, services and businesses in the digital
economy in the country after the 2000s. The subsumption of new materialities to current norms
will be verified, as well as the role of judicial decisions, studies on the subject and the country's
position in relation to international guidelines. For that, the applied methodology will bring the
bibliographical research, as well as analyze the state of the art, the legislation, legal and
jurisprudential texts on the subject. The work will initially have a chapter aimed at presenting
aspects of the digital revolution in Brazil and the Brazilian tax system and, later, the specific
situation of taxation (direct and indirect) in the country on objects arising from the digital
economy. Afterwards, taxation on consumption will be analyzed, focusing on the effectiveness
of European VAT in the digital economy and the main proposals for tax reform pending in Brazil
(PEC 110/2019 and PEC 45/2019). Finally, income taxation in the country will be analyzed,
dealing with the relevance of capital gains in this new scenario, the standardization of taxation
through infralegal instruments and the adaptation of the country to international guidelines. With
the diagnosis of the current situation, it will be possible to observe where the focus of the country
54

is, so that, later, the necessary measures for taxation (or not) are taken, guaranteeing the necessary
collection of the taxing entity, tax equality between similar objects, maintenance of free
competition and legal security for all.

KEYWORDS: Digital economy. Taxation. Brazil. Consumption. Income.

4.1 Introdução
De acordo com o relatório do Fórum Econômico Mundial, publicado em setembro de 2015,
estão ocorrendo mudanças profundas na sociedade hodierna oriundas da utilização de softwares
e serviços digitais. O relatório identificou 21 pontos de inflexão, que tendem a moldar um novo
tipo de futuro, com maior conexão. Tais mudanças são tidas como disruptivas, ou seja, romperão
a maneira usual, já conhecida, de fazer algo; alterarão o quotidiano das pessoas; assim como
mudarão as cadeias de valor, resultando em novos formatos de negócios e produtos. VEITZMAN
(2022) relata que foi adicionado quase 1 trilhão de dólares ao comércio eletrônico mundial entre
2014 e 2017, o streaming representou aproximadamente 65% da receita do setor de música em
2017 nos Estados Unidos.

O Brasil não tem ignorado a influência e mudanças trazidas pela economia digital no país
e no mundo. Em 2017 foi iniciado o “Estudo Internet das Coisas" (com base no antigo Decreto nº
8.234/2014, revogado pelo Decreto nº 9.854/2019), promovido pelo Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em parceria com o Ministério da Ciência,
Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), para realização de estudo, com diagnóstico e
proposição de ações relativas à chamada Internet das Coisas (Internet-of-Things - IoT). Com o
objetivo de (i) obter uma visão geral do impacto de IoT no Brasil; (ii) entender competências da
Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) no país; e (iii) definir as aspirações iniciais para
IoT no Brasil, em novembro/2017 foi divulgado o produto 8 do estudo, denominado Relatório do
Plano de Ação, que trouxe iniciativas e projetos mobilizadores.

Em 2018, foi divulgada a Estratégia Brasileira para a Transformação Digital (e-Digital),


cujo documento foi a conclusão de estudos iniciados anteriormente com o objetivo de definir
estratégias para a atuação governamental diante das transformações na economia e na sociedade
proporcionadas pelo ambiente digital30. Foram diagnosticados os desafios impostos pela nova
realidade, bem como foi apresentada uma visão do futuro com um conjunto de ações estratégicas
para atingir os resultados pretendidos e a definição de indicadores para monitoramento, tendo sido
destacada a oportunidade que a economia digital representa.

Nesta perspectiva, ao reconhecer a influência da economia digital, o documento reconhece


também a relevância da IoT (Internet of Things) como base da 4ª Revolução Industrial e a
conectividade entre os objetos:
A IoT é a base do processo de digitalização da economia, que tem transformado
os métodos tradicionais de produção. Esses métodos passam a ser amplamente
baseados em aplicações digitais, no uso intensivo das tecnologias de
informação e comunicação e na interconexão de dispositivos. Inserida no que

30
O grupo de trabalho foi criado pela Portaria nº 842/2017 e foi integrado por diversas pessoas e ministérios.
55

se convencionou definir como a 4ª Revolução Industrial, a digitalização


transformou os processos de produção, com impactos nos três setores básicos
da economia: agricultura, indústria e serviços. A conexão entre sistemas de TI,
subsistemas, processos, objetos e aplicativos, que se comunicam entre si e com
humanos, é o vetor chave dessa transformação.
Ciente da nova realidade e dos desafios inerentes - sejam regulatórios, sejam tributários –
o governo publicou o Decreto nº 9.854 em 25 de junho de 2019, que instituiu o Plano Nacional
de Internet das Coisas com a “finalidade de implementar e desenvolver a Internet das Coisas no
País e, com base na livre concorrência e na livre circulação de dados, observadas as diretrizes de
segurança da informação e de proteção de dados pessoais” e revogou o Decreto nº 8.234, de 2 de
maio de 2014.

Entretanto, as normas jurídicas – notadamente, as normas tributárias – não acompanharam


a velocidade da revolução tecnológica, o que enseja cenários de grande insegurança jurídica por
parte do contribuinte e a regulamentação por normas infralegais (como soluções de consulta,
portarias, instruções normativas ou pareceres administrativos). Ao levar as discussões ao
Judiciário, encontra-se, em grande parte dos casos e considerando ausência de norma especifica
sobre a tributação de determinado evento, juízes despreparados tecnicamente para a discussão e
incompetentes para criar tal norma concreta, ainda que por meio de analogia.

Deste modo, o presente trabalho apresentará um panorama geral sobre a tributação da


economia digital no Brasil, ou seja, como os novos bens, serviços e negócios da economia digital
têm sido tratados no país, notadamente a partir dos anos 2000. Considerando a relevância do papel
da tributação, caso esta não se estenda à nova realidade, as consequências poderão ser danosas:
além da perda de arrecadação para o país, seria criada verdadeira barreira entre os bens e serviços
tangíveis e intangíveis, hipótese em que a tributação de apenas um deles causaria evidente
descompasso concorrencial, interferindo na isonomia esperada entre partes de um mesmo setor.

Busca-se, portanto, verificar se tem sido possível a subsunção das novas materialidades às
normas vigentes, bem como o papel das decisões judiciais, os estudos sobre o tema e a posição
do país diante de diretrizes internacionais fixadas com o objetivo de evitar a evasão fiscal na
economia digital. Sendo assim, a presente pesquisa se justifica como um marco inicial ao
diagnóstico da situação atual, para que posteriormente, se necessário, sejam tomadas as medidas
necessárias à tributação (ou não), garantindo-se segurança jurídica tanto ao ente arrecadador,
quanto aos contribuintes.

Para tanto, a metodologia aplicada utiliza a pesquisa na literatura (revisão de literatura), a


fim de observar o estado da arte no cenário nacional. Dada a globalização e abrangência da
economia digital, alguns aspectos internacionais foram posteriormente analisados, ainda que não
sejam o foco do trabalho. Além da análise do estado da arte e da pesquisa bibliográfica, foram
analisados a legislação, textos jurídicos e jurisprudenciais sobre o tema.

Para apresentar tal panorama brasileiro, o trabalho foi dividido em 3 partes, cujo capítulo
1 pode ser subdividido em duas partes. Isto porque o primeiro capítulo apresentará, inicialmente,
os aspectos da revolução digital no Brasil e o sistema tributário brasileiro e, posteriormente, a
situação específica da tributação (direta e indireta) no país sobre objetos oriundos da economia
digital. O segundo capítulo tratará da tributação indireta no Brasil (tributação sobre o consumo),
56

momento em que também será analisada a eficácia do IVA europeu na economia digital e as
principais propostas de reforma tributária em trâmite no Brasil (PEC 110/2019 e PEC 45/2019).
O terceiro capítulo focará na tributação da renda no país, tratando sobre a relevância do ganho de
capital neste novo cenário, a instrumentalização da tributação por meio de normas infralegais e a
adequação do país às diretrizes internacionais.

4.2 O estado da tributação da economia digital no Brasil


4.2.1 Revolução digital no Brasil e o sistema tributário brasileiro
O sistema tributário brasileiro possui sua base na Constituição Federal, a qual delineia a
competência tributária entre os entes federativos. As materialidades tributárias também estão
especificadas na Constituição, que prevê tributos específicos sobre atividades industriais,
comerciais e de prestação de serviços, todas muito bem demarcadas no texto exigindo-se o
enquadramento do evento fático na hipótese indicada pela Constituição Federal, embora as
nuances da incidência sejam trazidas pela legislação infraconstitucional (como a materialidade e
os aspectos temporal e espacial). Todavia, de acordo com VEITZMAN (2022), esta
previsibilidade, isto é, a necessidade de previsão legal do evento tributável, é uma das grandes
dificuldades da tributação brasileira na economia digital, cuja rapidez e fluidez é imprevisível.

Uma das principais normas que tratam sobre o regramento tributário brasileiro, o Código
Tributário Nacional (Lei nº 5.172), é datada de 25 de outubro de 1966, quando a ordem econômica
era outra e a economia fechada tinha sua principal atividade na produção e comércio de bens. A
Constituição Federal de 1988 trouxe as balizas para a tributação no país, tendo recepcionado
apenas as normas anteriores compatíveis com o novo texto. Atribuiu-se competência tributária à
União31, aos Estados32 e aos Municípios33. Entretanto, como destaca WORCMAN et al. (2022),
não houve evolução legislativa posterior que solucionasse efetivamente os vícios e falhas na
legislação, sobretudo os conflitos de competência, como distinção efetiva da materialidade do IPI,
ICMS e ISSQN. Assim, diante de um evento ocorrido – antes da revolução tecnológica – o
contribuinte poderia ter dificuldades de categorizar o evento ocorrido na materialidade dos
impostos. Por exemplo, após a ocorrência de um evento, ele poderia ser caracterizado como mero
serviço (estando sujeito ao ISSQN) ou serviço de industrialização (estando sujeito ao IPI).
Tratava-se de prestação de serviço ou comercialização de mercadoria?

Se as dúvidas e a insegurança existiam antes do advento da economia digital, elas apenas


se aprofundaram após os anos 2000. No caso dos cartões de identidade inteligentes, por exemplo,
WORCMAN et al. (2022) salientam a possibilidade de incidência do ICMS. Em função do caso
concreto, os tribunais judiciais são chamados a se manifestarem, a fim de definir em qual
materialidade enquadra-se determinado fato. Ocorre que tais disputas no Brasil levam muito anos;

31
Dentre os tributos cuja competência é da União estão o Imposto de Renda (IR), o Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI), as contribuições destinadas ao PIS e à COFINS.
32
Dentre os tributos cuja competência é dos Estados está o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias
(ICMS).
33
Dentre os tributos cuja competência é dos Municípios está o Imposto sobre Serviços (ISS).
57

e mesmo após uma suposta resposta, esta ainda pode ser posteriormente alterada, como ocorreu
no caso do software (adiante tratado).

Considerando as falhas existentes na legislação brasileira acerca da tributação, as quais não


foram solucionadas após tantos anos de aplicação, bem como o excesso de burocracia e a
dificuldade em compreender e cumprir as regras tributárias, o que enseja grave insegurança tanto
para os contribuintes, quanto para os agentes arrecadadores, o país clama por uma reforma
tributária que possa solucionar os vícios já identificados, bem como adequar-se aos novos
modelos e produtos da economia digital, a fim de que estes – independente do que possa surgir –
tenham seu tratamento tributário claramente delineado e previsível.

Entretanto, as propostas de profundas reformas no sistema tributário brasileiro não têm tido
sucesso no país. Entre 1995 e 2012 foram apresentadas cinco propostas sem êxito34.
Recentemente, estão em trâmite as Propostas de Emenda à Constituição (PEC) nº 110/2019 e nº
45/2019. Acerca destas, VEITZMAN (2022) destaca os principais pontos: (i) a extinção, por cada
uma delas, de diversos tributos previstos na Constituição Federal; (ii) a criação de uma espécie
de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) não cumulativo ou IVA-Dual; (iii) a criação de um
Imposto Seletivo monofásico. Entretanto, nenhuma destas propostas visa exclusivamente o
âmbito digital. Contudo, o caótico sistema tributário brasileiro já reclama sua urgente realização,
razão pela qual VEITZMAN (2022, Pg. 150) afirma que “a reforma tributária brasileira será
cunhada, a fórceps, em razão do surgimento de tecnologias disruptivas”.

Um dos grandes problemas da tributação brasileira perante a economia digital, já


experimentado no país, é o conflito existente entre ICMS x ISS. Este é um exemplo de confusão
que poderia ser solucionada a partir de uma reforma tributária que unificasse tais materialidades,
como a criação do IBS ou IVA. Outrossim, especificamente em razão da economia digital,
VEITZMAN (2022) propõe a criação de um regime tributário simplificado para empresas deste
setor, algo como um “Simples-Tecnologia” em moldes semelhantes ao Simples Nacional35.

Ainda que estejamos apenas no campo das análises e expectativas, o momento de reforma
tributária mostra-se ideal para inserir na legislação os aspectos tributários necessários à
formatação de um sistema tributário funcional e adaptável às constantes transformações da
economia digital.

4.2.2 Tributação de bens digitais (corpóreos ou não)


Em 1998 foi publicado o acórdão do Recurso Extraordinário n. 176.626-3/SP em que a 1ª
Turma do STF, através do voto condutor do Relator Ministro Sepúlveda Pertence, estabeleceu a
distinção entre "softwares de prateleira" e "softwares sob encomenda", tendo reconhecido a
possibilidade de incidência do ICMS no primeiro e do ISS no segundo. Ainda que a decisão não

34
De acordo com ALMEIDA (2010), as “tentativas de fazer a reforma esbarram em interesses e acabam
tendo como desfecho mudanças pontuais no sistema”.
35
O Simples Nacional é um regime tributário diferenciado e favorecido voltado para as Micros e Empresas
de Pequeno Porte que visa a redução da carga tributária global da empresa e a simplificação de suas
obrigações. Foi instituído e é regulamentado pela Lei Complementar nº 123/2006.
58

possuísse repercussão geral, ela serviu de baliza por muitos anos para definição da incidência
tributária e resolução de conflitos de competência. Os contribuintes interessaram-se pela decisão
mormente em função da definição do sujeito ativo da obrigação, o que implicava diretamente no
montante a ser pago. Em síntese, a definição do software como serviço (e não como mercadoria)
seria menos onerosa.

A base argumentativa da discussão era de que os softwares não eram mercadorias sujeitas
à comercialização por contratos de compra e venda, mas sim bens intelectuais adstritos à licença
ou cessão. Isso se deve ao fato de que: (i) a Lei 7.646/87, posteriormente revogada pela Lei nº
9.609/98, estipulava que a exploração comercial de programas de computador no país deveria ser
regulada por meio de contratos de licença ou cessão, livremente acordados entre as partes; (ii) a
Lei nº 9.279/96, que trata de direitos e obrigações relacionados à propriedade industrial, concedia
aos titulares o poder de conceder licenças para a exploração de seus programas de computador; e
(iii) a legislação não poderia causar confusão entre o suporte físico e o software, destacando-se
que este é o que sobressai e está sujeito à cessão ou licença.

A antiga decisão do STF criou a distinção jurisprudencial entre "softwares de prateleira" e


"softwares sob encomenda”. De acordo com o tribunal, a distinção era relevante em razão da
padronização ser característica intrínseca dos bens corpóreos disponibilizados à venda,
vinculando sua distinção à padronização ou personalização do software.

Ocorre que, em 2003, a Lei Complementar (LC) nº 116 determinou a incidência do ISSQN
no licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação, o que ensejou o
ajuizamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) nº 1.945/MT e 5.659/MG,
julgadas pelo STF em fevereiro de 2021, cuja conclusão foi diametralmente oposta ao julgamento
anterior.

De acordo com o Ministro Dias Toffoli, o software é um resultado do esforço humano e


deve ser classificado como serviço, ensejando a incidência do ISSQN e não do ICMS. A sua
tipificação na LC nº 116/03 visou encerrar qualquer discussão. Assim, o tribunal concluiu que,
após o advento da lei, a antiga distinção (software padronizado x software personalizado) não
subsiste.

Ocorre que a conclusão, embora focada no conflito de competência, enseja reflexos em


outras áreas da tributação, como as empresas optantes pelo Lucro Presumido, forma de
recolhimento do imposto de renda em que o lucro é presumido mediante aplicação de percentual
definido pela legislação sobre a receita bruta. Caso a atividade preponderante desenvolvida pela
empresa seja comercial, a presunção do lucro é de 8%. Entretanto, se a atividade for de prestação
de serviços em geral, a presunção será de 32%. Conforme narra BRANDÃO et al. (2022),
percebe-se influência daquelas decisões também nas contribuições destinadas ao PIS/COFINS-
Importação e no IR-Fonte nas remessas e pagamentos ao exterior.

Outro relevante produto da economia digital cuja tributação não está prevista no
ordenamento jurídico e a natureza – tangível ou não – é difícil decidir são os dados. Seu valor
pode ser bastante variável e podem ser úteis para diversas finalidades, seja no monitoramento de
cidades inteiras, da saúde, preferências de usuários, nos veículos e casas inteligentes, dentre
59

diversas outras finalidades. Todas estas hipóteses permitem a transmissão de dados (informação),
o que lhes confere valor. Não sem razão, portanto, foi criada a Lei nº 12.527/2011, a Lei de Acesso
à Informação, que define informação como “dados, processados ou não, que podem ser utilizados
para produção e transmissão de conhecimento, contidos em qualquer meio, suporte ou formato”.
Os dados também são objeto da Lei nº 13.709/2018, a Lei Geral de Proteção de Dados, que visa
estabelecer critérios para utilização dos dados lá indicados, como dados pessoais e dados pessoais
sensíveis. Ainda que alguns dados sejam públicos e não possuam conteúdo econômico, outros
possuem relevante valor financeiro.

WORCMAN et al. (2022) defende que cada uma das formas de transmissão de dados
poderá ter impacto econômico diferente, o que ensejaria uma tributação diversa para uma delas.
Afinal, a presença física tornou-se irrelevante (seja na tributação direta ou indireta). Entretanto,
ao analisar a possível tributação dos dados no Brasil atualmente, as autoras defendem a não
incidência do ICMS, seja porque estes não se enquadram no conceito legal de mercadoria (não
são bens móveis, corpóreos e sujeitos à mercancia), seja porque não se enquadram na definição
de ativos digitais, nos termos do Convênio 106/2017 do Conselho Nacional de Política Fazendária
(CONFAZ).

Por outro lado, em relação à incidência do ISS, embora os dados estejam previstos no item
17.0136 da lista constante da LC nº 116/03, WORCMAN et al. (2022) defendem que não se trata
de serviço, razão pela qual os dados também não poderiam ser tributados pelo ISSQN37.

CARPINETTI et al. (2022), por sua vez, analisaram a incidência da Contribuição sobre o
Domínio Econômico (CIDE) sobre contratos de operações de serviços de computação em nuvem
(software as service - Saas). Com a evolução normativa (Constituição Federal, Lei nº
10.168/2000, Lei nº 10.331/01, Decreto nº 4.195/02), os contribuintes questionam judicialmente
diversos pontos da cobrança, tendo sido reconhecida a repercussão geral da matéria no Tema
91438, não julgado até 2022. Entretanto, as Autoridades Fiscais continuaram a expedir
posicionamentos, a exemplo da Solução de Consulta COSIT nº 191, de 23/03/2017, cuja
conclusão tende a ampliar a base de incidência do tributo. Assim, considerando o princípio da
legalidade tributária, bem como a rigidez e segurança jurídica, CARPINETTI et al. (2022)
discordam da posição administrativa e defendem a incidência conforme a literalidade da lei.

36
Lei Complementar nº 116/2003. “Item 17.01 – Assessoria ou consultoria de qualquer natureza, não
contida em outros itens desta lista; análise, exame, pesquisa, coleta, compilação e fornecimento de dados e
informações de qualquer natureza, inclusive cadastro e similares.”
37
A locação estava prevista na lista da Lei Complementar nº 116/03. Entretanto, o STF entendeu não se
tratar de serviço, o que impede a incidência do ISS. Por isso, foi editada a Súmula Vinculante nº 31, que
dispõe: “É inconstitucional a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza - ISS sobre
operações de locação de bens móveis.”
38
Supremo Tribunal Federal, Tema 914: “Constitucionalidade da Contribuição de Intervenção no Domínio
Econômico - CIDE sobre remessas ao exterior, instituída pela Lei 10.168/2000, posteriormente alterada
pela Lei 10.332/2001.”
60

4.2.3 – Tributação da internet das coisas (IoT39)


Após a divulgação, em 2017, do Relatório do Plano de Ação, e em 2018, da Estratégia
Brasileira para a Transformação Digital (e-Digital), o Decreto nº 9.854 de 25 de junho de 2019,
que instituiu o Plano Nacional de Internet das Coisas, conceituou, em seu artigo 2º, inciso I, a
Internet das Coisas da seguinte forma:
I - Internet das Coisas - IoT - a infraestrutura que integra a prestação de
serviços de valor adicionado com capacidades de conexão física ou virtual de
coisas com dispositivos baseados em tecnologias da informação e
comunicação existentes e nas suas evoluções, com interoperabilidade;
De maneira mais direta, OLIVEIRA (2022, Pg. 59) resumiu a IoT como “comunicação
entre as coisas, em oposição à comunicação entre pessoas”. Trata-se, portanto, da conectividade
entre coisas, a fim de que sejam transmitidas informações úteis de maneira automática, o que pode
impactar qualquer setor da vida humana. Porém, o Decreto 9.854/2019 indicou as áreas que serão
priorizadas, quais sejam, os ambientes de saúde, de cidades, de indústrias e rural, o que não
impede a inclusão de outras. Trata-se, então, de hipótese de incidência do ICMS (serviço de
telecomunicação)?

Ambos os documentos citados, embora não adentrem à análise da tributação da IoT,


destacam que a regulação e tributação excessiva – oriundas da legislação ou decisões judiciais –
não podem se tornar obstáculos para o avanço tecnológico. Entretanto, LARA (2022) ressalta que
é exatamente o impacto da tributação e a infraestrutura necessária que causam insegurança
jurídica aos players deste mercado, o que pode impedir novos investimentos e o crescimento do
setor.

A IoT possui enorme potencial de expansão e aplicabilidade variada, representando com


maestria as possibilidades trazidas na economia digital. Entretanto, seu custo não pode
inviabilizá-la, impedindo o desenvolvimento de serviços relacionados às suas aplicações.
Justamente por isso OLIVEIRA (2022) afirma que o engessamento do conceito da IoT não seria
benéfico, já que este poderia ser rapidamente esvaziado pelas inovações vindouras. Todavia, a
ausência de tal definição impacta a dificuldade de regulação, bem como a tributação da IoT. De
acordo com a autora, com base na Lei nº 9.472/97 (Lei Geral de Telecomunicações), não se trata
de telecomunicação; em razão de sua capacidade de acrescentar facilidades e novas ferramentas
ou utilidades a um serviço de telecomunicação já existente, concluiu tratar-se de Serviço de Valor
Agregado (SVA), nos termos do artigo 61 da citada lei, e que por isso não integra a base de
incidência do ICMS40.

De maneira semelhante, ao analisar a tributação da IoT, LARA (2022) destaca a dificuldade


de subsunção deste novo modelo de negócio e seu produto à qualquer das materialidades
tributárias delineadas na Constituição Federal. De acordo com a autora, depreende-se da definição
de IoT constante Decreto nº 9.854/2019 que trata-se de sistema que integra tanto a infraestrutura
de comunicação e conectividade, quanto os equipamentos e dispositivos de conexão, bem como

39
Sigla oriunda do inglês, Internet of Things.
40
Superior Tribunal de Justiça, súmula 334: “O ICMS não incide no serviço dos provedores de acesso à
Internet.”
61

seus serviços adicionais. Conclui, então, não se tratar de Serviço de Valor Adicionado (SVA),
mas um sistema integrado por diversas atividades complexas e complementares. Por isso, com o
intuito de aplicar as regras atuais de tributação, a autora sugere a verificação da atividade
preponderante, inserindo-se na seara do ICMS caso a atividade de telecomunicação sobressaia ou
inserindo-se na seara do ISSQN, caso o serviço sobressaia. Outrossim, não se pode deixar de
questionar: esta solução não levaria apenas a outra guerra fiscal entre estados e municípios, a
exemplo do que ocorreu com o software?

LARA (2022) levanta ainda outro ponto controverso em relação à tributação da IoT: a
cobrança de taxa destinada ao Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (FISTEL),
regulamentado pela Lei nº 5.070/1966, que objetiva angariar recursos para cobrir despesas da
fiscalização de serviços de telecomunicações. Questionou-se a manutenção de tal cobrança na
IoT, que traz sistemas de comunicação e conectividade entre máquinas, tendo em vista que
maiores gastos relacionados às novas tecnologias podem inviabilizá-las. Corroborou com a
conclusão da autora a Lei nº 14.108/202041, que isentou a IoT desta cobrança e demonstrou a
necessidade e o intuito de desoneração.

Por fim, OLIVEIRA (2022) sugere que, ao invés de legislações específicas e conceitos
definidos, a liberdade deve pautar a ótica da regulação e tributação da IoT, sob pena de se criar
barreiras à inovação, afastando o país da evolução tecnológica mundial. Deste modo, não há,
atualmente, materialidade constitucional que enseje a tributação indireta da IoT.

4.2.4 Tributação da publicidade


Ainda que o presente artigo tenha por foco a tributação brasileira sobre produtos e bens
oriundos da economia digital, é interessante notar, ante o crescimento e influência da publicidade
digital, que a evasão fiscal de multinacionais por meio de planejamentos tributários agressivos e
estruturas multijurisdicionais, foi objeto de estudo da OCDE (Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico), que por meio do BEPS (Base Erosion and Profit Shifting), que
apresentou 15 medidas para combater a evasão fiscal, a fim de garantir que os lucros sejam
tributados onde as atividades econômicas que os geram são realizadas e onde o valor é criado.
Em 2015 foi publicada a Ação 1 – Endereçando Desafios Tributários da Economia Digital, que
trouxe análise específica quanto à tributação de atividades publicitárias digitais. Em seu Anexo B
foi apresentado o modelo comum do setor, bastante similar ao modelo utilizado pelo Google.

Tal análise não compõe o objeto do presente estudo, mas é interessante para compreensão
da relevância da dificuldade de tributação pelos países sobre a publicidade nos meios digitais, o
que permite a exploração massiva de intangíveis, descentralização de atividades e exploração de
mercado consumidor distinto. De forma bastante simplista, a empresa controladora não se localiza
no país cujo mercado é explorado e, portanto, não poderia ser ali tributada (embora cada caso seja

41
Lei nº 14.108/2020. “Art. 2º O caput do art. 38 da Lei nº 12.715, de 17 de setembro de 2012 , passa a
vigorar com a seguinte redação:
‘Art. 38. O valor da Taxa de Fiscalização de Instalação e da Taxa de Fiscalização de Funcionamento,
previstas na Lei nº 5.070, de 7 de julho de 1966, das estações de telecomunicações que integrem sistemas
de comunicação máquina a máquina, definidos nos termos da regulamentação, é igual a zero’.”
62

único). A França tentou tributar o Google através da caracterização de estabelecimento


permanente em seu país, porém seu tribunal administrativo julgou improcedentes os autos de
infração42. Como relatada SILVA et al. (2022), a Itália e o Reino Unido também autuaram a
empresa, mas optaram por questionar os preços de transferência (ao invés do estabelecimento
permanente) e fizeram acordos para pôr fim à disputa e trazer previsibilidade às operações futuras.

Após a análise da estrutura multijurisdicional e dos resultados verificados no caso Google


em diversos países, SILVA et al. (2022) destacam que, assim como as empresas, as autoridades
fiscais estão mais atentas para os resultados da economia digital, mas tentam solucionar a
tributação prospectiva a partir de velhos conceitos do direito tributário. As autoras concluem ser
necessária a revisão de conceitos existentes, como estabelecimento permanente e preços de
transferência, bem como um novo olhar ao local em que se situa o mercado consumidor, a fim de
aplicar a tributação sobre a fonte.

Por outro lado, a partir de perspectiva distinta e sob o ordenamento jurídico brasileiro,
DIAS et al. (2022) analisou a publicidade divulgada por meio de aplicativos e jogos online,
disponibilizados gratuitamente aos usuários. A dúvida cingia-se na incidência do ISSQN ou
ICMS-Comunicação, cuja materialidade constitucional é distinta, mas utilizada pelas autoridades
arrecadadoras para ampliar a base de incidência dos tributos. De acordo com as autoras, a
publicidade e propaganda deve sofrer a incidência de ISSQN desde o Decreto nº 406/6843 até o
advento da LC nº 116/03, em razão de veto presidencial à sua inclusão nesta última44. Entretanto,
com a alteração promovida pela LC nº 157/16, que incluiu na lista de serviços o item 17.2545, não
haveria mais dúvidas acerca da incidência do ISSQN sobre a publicidade e propaganda
disponibilizadas por tais meios.

Ocorre que, durante o lapso temporal em que tal item não constou da legislação (de forma
geral, entre 2003 e 2016), DIAS et al. (2022) narra que o Município de São Paulo tentou
reconhecer a incidência do imposto no período, assim como o Estado de São Paulo, que entendeu
pela incidência do ICMS-Comunicação em qualquer meio de inserção de publicidade. Entretanto,
as autoras destacam a impossibilidade de se confundir a supressão do exercício da competência
constitucional com a transferência de competência exacional. Não é porque o item não constou
da lista que ele passou a constar na materialidade do ICMS.

42
As decisões do Tribunal Administrativo de Paris podem ser consultadas em: http://paris.tribunal-
administratif.fr/Actualites-du-Tribunal/Espace-presse/La-societe-irlandaise-Google-Ireland-Limited-GIL-
n-est-pas-imposable-en-France-sur-la-periode-de-2005-a-2010.
43
Confira a previsão das materialidades no Decreto-Lei nº 406/1968: “85. Propaganda e publicidade,
inclusive promoção de vendas, planejamento de campanhas ou sistemas de publicidade, elaboração de
desenhos, textos e demais materiais publicitários (exceto sua impressão, reprodução ou fabricação);
86. Veiculação e divulgação de textos, desenhos e outros materiais de publicidade, por qualquer meio
(exceto em jornais, periódicos, rádio, e televisão);”
44
Item vetado: “17.07 – Veiculação e divulgação de textos, desenhos e outros materiais de propaganda e
publicidade, por qualquer meio.” Confira a integralidade do veto, bem como suas razões, em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/Mensagem_Veto/2003/Mv362-03.htm.
45
Lei Complementar nº 116/03: Item 17.25 – “Inserção de textos, desenhos e outros materiais de
propaganda e publicidade, em qualquer meio (exceto em livros, jornais, periódicos e nas modalidades de
serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens de recepção livre e gratuita).”
63

É no mesmo sentido o estudo de PEROBA et al. (2022) ao analisar a mesma hipótese de


incidência. Os autores, neste caso, destacam a diferença entre “propaganda e publicidade” e
divulgação do material publicitário pelos meios de comunicação escolhidos. Assim, se o item
7.07, que previa expressamente a incidência do ISSQN sobre a “veiculação e divulgação” do
material, foi vetado, tendo restado vigente apenas o item 17.0646, que previa a incidência sobre
“propaganda e publicidade”, não havia possibilidade normativa que justificasse a incidência do
imposto entre a vigência da LC nº 116/2003 e da LC nº 157/16. Não obstante, tanto o Estado de
São Paulo, quanto o Município de São Paulo, tentaram tributar a divulgação e veiculação de
material publicitário durante aquele período.

Embora a discussão pareça ter chegado ao fim com o item 17.25 da LC 116/2003, desde
que respeitados os princípios tributários da irretroatividade da lei e da anterioridade, diante do
que dispõe o artigo 110 do Código Tributário Nacional e da materialidade eleita no artigo 156, III
da Constituição Federal, DIAS et al. (2022) lembram que há corrente doutrinária filiada à teoria
civilista que defende que o conceito de serviços importa necessariamente em uma obrigação de
fazer. No caso da publicidade por meio de aplicativos e jogos gratuitos, há apenas obrigação de
dar, o que ensejaria a incidência da Súmula 31 do Supremo Tribunal Federal47 por analogia. Por
esta perspectiva, nem mesmo o ISSQN incidiria sobre tais serviços.

4.2.5 Tributação da impressão 3D


VEITZMAN (2022) narra um futuro em que o consumidor poderá realizar o download de
um arquivo, que pode ser um modelo digital de uma roupa de sua marca favorita, e produzir a
peça na impressora 3D que preferir. Neste cenário, como impor tributação sobre um modelo de
negócio que pressupõe uma produção tão descentralizada que possibilita ao adquirente sua própria
produção? Por ser uma realidade possível, mas futura, a tributação atual já deveria abarcá-la?

A impressão 3D nada mais é do que o processo em que se transforma um modelo 3D digital,


contido em um arquivo, num objeto físico. De acordo com o MACEDO (2022. Pg. 163), pode
também ser chamado de “manufatura aditiva”. MIGUEL (2022, Pg. 182) denomina o processo
de impressão de “modelagem por acumulação”. A impressora 3D é a ferramenta utilizada para
tanto, mas para a produção do bem é necessário um protótipo em software de edição 3D.
Independente do nome, o fato do consumidor final imprimir o produto a ser consumido é inovador
e, portanto, distinto das materialidades indicadas atualmente pelo sistema tributário brasileiro.

Considerando que mercadoria, para MIGUEL (2022, Pg. 182), é “todo bem móvel
produzido ou recebido pelo empresário para ser fornecido ao mercado de consumo”, o autor
entende que a comercialização do produto após sua impressão não descaracteriza a incidência do
ICMS. Assim, uma empresa que elabora um objeto ou arquivo digital para futura impressão 3D
por ela mesma para venda posterior não dificulta a tributação ante a semelhança com o modelo

46
Lei Complementar nº 116/03: Item 17.06 – “Propaganda e publicidade, inclusive promoção de vendas,
planejamento de campanhas ou sistemas de publicidade, elaboração de desenhos, textos e demais
materiais publicitários.”
47
Súmula Vinculante 31: “É inconstitucional a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza
- ISS sobre operações de locação de bens móveis.”
64

tradicional. Entretanto, se esta empresa vende o arquivo digital para posterior impressão por
outrem, como será tributada? O adquirente é responsável pela industrialização a ponto de pagar o
IPI? O arquivo digital, ainda que intangível, enquadra-se em mercadoria e enseja a tributação do
ICMS? Ou prevalece o serviço prestado, incidindo o ISSQN?

MACEDO (2022) analisou o evento narrado a partir da legislação vigente e concluiu que
(i) a incidência do IPI depende da industrialização e posterior venda pela mesma pessoa; (ii)
consequentemente, se ocorrida a chamada “industrialização por encomenda”, cuja venda posterior
não ocorre, então há incidência penas de ISSQN , com base no item 14 48 da lista anexa à LC nº
116/2003; (iii) por fim, se o arquivo digital vendido não pode ser utilizado sem a impressão
(caracterizando “arquivo digital com vocação para ser impresso”) haverá a incidência do IPI e do
ICMS.

Verificando-se a adequação do evento fático à hipótese de incidência do tributo, MIGUEL


(2022) defende a inadmissibilidade de transações que deixam de ser tributadas não por uma opção
do legislador e da sociedade, mas por uma falha nas normas tributárias. Neste sentido, o autor
defende a incidência do IVA (Imposto sobre Valor Agregado), a fim de abarcar a atividade de
intermediação de bens e prestação de serviços, em seu entender, a tributação sobre o consumo.

4.2.5 Tributação do streaming


O denominado streaming de áudio e vídeo é uma tecnologia que permite a transmissão de
conteúdo de mídia - como música, filmes e programas de TV - pela internet em tempo real. Isto
é, a disponibilização provisória de conteúdo por meio da internet. A utilização deste modelo de
entretenimento foi tão grande e chamativa que até mesmo as empresas de Tvs por assinatura
criaram um serviço denominado Video on Demand (VOD), por meio do qual o usuário escolhe o
que deseja assistir. GRUPENMACHER (2022) afirma que o streaming é um mecanismo de
distribuição de dados, os quais não são armazenados pelos usuários, funcionando como uma
corrente entre o servidor e o usuário com alta velocidade e baixo custo.

Após as alterações promovidas na LC nº 116/2003 pela LC nº 157/2016, que introduziu o


item 1.0949 na lista de serviços tributáveis, imaginou-se não haver mais dúvidas de que o
streaming seria tributado pelos Municípios através do ISSQN. Entretanto, o Convênio CONFAZ
106/2017 previu a incidência do ICMS sobre a comercialização de transferências de dados da
internet, desde que sejam padronizados.

Não obstante a dupla incidência tributária criada pela legislação, GRUPENMACHER


(2022) defende que o streaming não se subsome à materialidade constitucional do ISSQN ou do
ICMS. De acordo com a autora, a incidência do ISSQN pressupõe uma prestação de serviço e,
portanto, uma obrigação de fazer; como o streaming é a disponibilização de conteúdo de áudio e

48
Lei Complementar nº 116/2003. Item 14 – “Serviços relativos a bens de terceiros.”
49
Lei Complementar nº 116/2003. Item 1.09 – “Disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdos de
áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet, respeitada a imunidade de livros, jornais e periódicos
(exceto a distribuição de conteúdos pelas prestadoras de Serviço de Acesso Condicionado, de que trata a
Lei no 12.485, de 12 de setembro de 2011, sujeita ao ICMS).”
65

vídeo sem cessão definitiva, ele possui a natureza jurídica de cessão de direito, as quais não se
equiparam às prestações de serviço. Neste sentido, GRUPENMACHER (2022) vai além e
reconhece a inconstitucionalidade de todos os itens da LC nº 116/2003 que tratam da cessão de
direitos50.

Por outro lado, GRUPENMACHER (2022) também aponta a impossibilidade de incidência


do ICMS sobre o streaming, seja por não se caracterizar como operação de circulação de
mercadorias ante a inexistência de mudança de titularidade, seja por não se subsumir ao conceito
e à definição de serviço de comunicação, o qual exige cinco elementos (emissor, receptor,
mensagem, código, meio de transmissão).

Por fim, ante a existência de atividade econômica e rentabilidade, GRUPENMACHER


(2022) conclui que o streaming deveria ser tributado em respeito ao princípio da capacidade
contributiva. Entretanto, com as regras vigentes, o streaming não enseja a incidência nem do
ISSQN, nem do ICMS. Assim, caberia à União, ao utilizar sua competência residual, criar um
imposto com tal critério material51.

BRANDÃO JR. (2022), por outro lado, após longo estudo sobre o item 1.09 da LC nº
116/2003 e a materialidade do ICMS-Comunicação, conclui pela incidência deste sobre o
streaming, tendo a lei complementar citada invadido a competência estadual em relação a tal item,
o que o torna inconstitucional. O autor afirma que cabe ao legislador complementar, em razão da
competência disposta no artigo 156, III da Constituição Federal52, investigar se o serviço não se
encaixa nos serviços de competência estadual.

As possibilidades de prestação de serviços de comunicação (que serão tributados pelo


ICMS-Comunicação) são inúmeras, podendo se dar por meios físicos ou digitais, ter resultados
tangíveis ou não, estarem regulamentadas e autorizadas pelo estado ou não. Assim, de acordo
com ele, há demasiada semelhança entre o streaming e o serviço de TV por assinatura (tributável
pelo ICMS-Comunicação), razão pela qual, encaixando-se o streaming no artigo 2º, III da LC nº

50
Lei Complementar nº 116/2003:
“1.05 – Licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação.
3.02 – Cessão de direito de uso de marcas e de sinais de propaganda.
15.08 – Emissão, reemissão, alteração, cessão, substituição, cancelamento e registro de contrato de crédito;
estudo, análise e avaliação de operações de crédito; emissão, concessão, alteração ou contratação de aval,
fiança, anuência e congêneres; serviços relativos a abertura de crédito, para quaisquer fins.
15.09 – Arrendamento mercantil (leasing) de quaisquer bens, inclusive cessão de direitos e obrigações,
substituição de garantia, alteração, cancelamento e registro de contrato, e demais serviços relacionados ao
arrendamento mercantil (leasing).”
51
Constituição Federal. “Art. 154. A União poderá instituir:
I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos
e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição;”
52
Constituição Federal. “Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.”
66

87/199653 e no artigo 68, II do Código Tributário Nacional54, trata-se de serviço de comunicação,


sujeitando-se ao ICMS-Comunicação.

Além da subsunção da hipótese fática à norma, BRANDÃO JR. (2022) destaca que o meio
utilizado para a transmissão (seja cabo, satélite, internet) não desqualifica a semelhança entre o
streaming e o serviço prestado pelas TVs por assinatura. Outrossim, o ISSQN incide sobre a
prestação dos serviços, assim considerar o uso do assinante (o meio de transmissão escolhido por
ele) para escolha do imposto não é solução válida, já que este é o tomador do serviço e não o
prestador, em quem recai a tributação. Ante a semelhança, a tributação das TVs por assinatura e
do streaming de forma diversa confere a estes vantagens competitivas, violando-se a isonomia
tributária.

4.2.6 Tributação de moedas virtuais


Com o avanço tecnológico, além dos produtos e novos tipos de negócios, vieram novos
métodos de pagamento. De acordo com GOMES et al. (2022, Pg. 234), “as moedas virtuais
equivalem a uma representação de valor em formato digital que utiliza unidades de medida
próprias e que são expedidas por entidades privadas”. A fim de facilitar a compreensão por meio
da classificação, os autores dividem as moedas virtuais em (i) moedas conversíveis ou não em
bens, serviços e outras moedas fiduciárias; (ii) centralizadas ou descentralizadas em função do
controle por uma autoridade central. A figura abaixo resume a categorização apresentada pelos
autores:

Figura 3: Taxonomia de moedas virtuais.

Fonte: GOMES et al. (2022. Pg. 237)

53
Lei Complementar nº 87/96. “Art. 2° O imposto incide sobre:
III - prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a
recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza;”
54
Código Tributário Nacional. “Art. 68. O imposto, de competência da União, sobre serviços de transportes
e comunicações tem como fato gerador:
II - a prestação do serviço de comunicações, assim se entendendo a transmissão e o recebimento, por
qualquer processo, de mensagens escritas, faladas ou visuais, salvo quando os pontos de transmissão e de
recebimento se situem no território de um mesmo Município e a mensagem em curso não possa ser captada
fora desse território.”
67

GOMES et al. (2022) analisaram os pontos de programas de fidelidade, com foco no


programa da Multiplus S/A, e concluíram tratar-se de moedas virtuais. Com foco no tratamento
tributário dos valores recebidos pela pessoa jurídica em troca da emissão dos pontos do programa
de fidelidade, os autores evidenciaram o alto grau de insegurança jurídica existente no contexto
das novas tecnologias e a necessidade de que o sistema tributário vise a equidade, a eficiência e a
facilidade de administração.

Portanto, o conceito de moedas virtuais não se restringe às criptomoedas. Inclusive, são


requisitos básicos das moedas: ser instrumento de trocas, unidade de conta e reserva de valor. As
moedas virtuais talvez não preencham todos eles, entretanto as moedas tradicionais também não.
KADAMANI (2022) cita o bolívar venezuelano que, após a crise e inflação na Venezuela, não
pode ser considerado uma reserva de valor. Assim, a economia digital coloca em dúvida os
conceitos e requisitos utilizados tradicionalmente. Não sem razão, portanto, há dificuldade em
sua tributação.

Atualmente, é possível diferenciar as moedas virtuais em: moeda virtual propriamente dita,
moeda eletrônica e criptomoeda55. É indiscutível, entretanto, que a validação e regulamentação
da moeda pelo Estado já não é relevante. Nos remetemos a tempo antigos, época do escambo, em
que as trocas foram facilitadas pela criação da moeda, cujo valor não é intrínseco, mas atribuído
por seus usuários56.

Por outro lado, FALCÃO (2022) ao ir além das criptomoedas e citar diversos outros
instrumentos, relacionados a elas, como (i) Currency/Value Tokens; (ii) Securities Tokens e
Equity Tokens; (iii) Utility Tokens; (iv) Asset Tokens; (v) Royalty – Sharing Token, ressalta a
importância da compreensão da natureza jurídica do instrumento para definição posterior de sua
regulamentação e tributação. O Brasil classificou as moedas virtuais como ativo financeiro,
sujeito à declaração no imposto de renda da pessoa física e à tributação pelo ganho de capital; os
Estados Unidos as classificaram como “propriedade”; a Alemanha, como “instrumento
financeiro”; os Emirados Árabes, como uma “commodity”; a África do Sul como um “ativo de
natureza intangível” (FALCÃO, 2022. Pg. 218/219). Além da necessária consonância entre a
regulamentação e a tributação deste ativo, a autora ressalta ainda que um dos grandes desafios é
a criação de uma norma para operações completamente novas (ou seja, sem correspondência no
sistema atual) e, ainda, que tal norma seja capaz de captar transações ainda não existentes. Propõe,
portanto, o diálogo com os players deste mercado.

55
Sobre a classificação de moedas virtuais, KADAMANI (2022) explica: “Em meio à evolução da internet,
emanaram outros termos associados à moeda em formato eletrônico ou digital (não físico), como: (i)
‘moeda virtual’, que em geral engloba programas de milhagem, moedas de jogos de videogame e similares;
(ii) ‘moeda eletrônica’, que no Brasil tecnicamente é reconhecido como sendo apenas o Real quando
referido em formato digital; e (iii) em um passo recente, surgiu mais um elemento de provocação da
nomenclatura sobre moedas, que é a ‘criptomoeda’, objeto de análise do próximo tópico.”
56
Mesmo a própria moeda estatal, hoje, já não possui valor intrínseco, tendo em vista o fim do padrão-ouro
com o fim do Acordo de Bretton Woods, anunciado em 1971 pelo presidente dos Estados Unidos, Richard
Nixon.
68

Com foco nas criptomoedas, BARROS (2022) conclui tratarem-se de bem jurídico, a fim
de verificar sua tributação. Assim, afasta a incidência do ISSQN, do ICMS e do IOF57 e conclui
que atualmente inexiste tributo passível de incidência sobre as criptomoedas, podendo a União
criar um imposto específico, conforme autorizado no artigo 154, inciso I da Constituição Federal58
(competência residual). Entretanto, o autor alerta para a desvantagem em sua criação em razão do
engessamento e alta sensibilidade do mercado, isto porque o tributo estaria sujeito às regras da
legalidade e anterioridade (anual e nonagesimal). Além disto, o tributo deveria ser não cumulativo
e distanciar-se da base de cálculo do ganho de capital, que já permite a incidência do imposto de
renda sobre o lucro obtido com a especulação do ativo59.

No que tange ao imposto de renda sobre as moedas digitais, a Receita Federal – sem entrar
em grandes detalhes sobre a natureza jurídica de cada item – já orientou que o ganho de capital
oriundo de criptoativos deve ser tributado (Instrução Normativa nº 1.888/2019). O conceito foi
fixado no artigo 5º, inciso I da Instrução Normativa RFB nº 1888/201960 e, utilizando-nos de
tabela elaborada por GOMES et al. (2022), abrange:

Figura 4: Espécie de criptoativos.

57
BARROS (2022, Pgs. 291/303) afirma que as criptomoedas são “bens incorpóreos, móveis e
inconsumíveis”. Por se tratar de um bem, não há possibilidade de incidência do ISSQN; por se tratar de um
bem incorpóreo, considerando a significação mínimas dos conceitos constitucionais e a legislação da época,
não há possibilidade de incidência do ICMS; por não estarem arrolados na legislação e nem se enquadrarem
em qualquer conceito legal correspondente a “valores mobiliários”, assim como não possuem os requisitos
básicos dos títulos de crédito (cartularidade, literalidade, autonomia e abstração), não pode haver incidência
de IOF.
58
Constituição Federal. “Art. 154. A União poderá instituir:
I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos
e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição;”
59
Em sua “Perguntas e Respostas da Declaração de Imposto de Renda da Pessoa Física 2017”, a Receita
Federal equiparou as criptomoedas (ou moedas virtuais) a ativos financeiros, a fim de que fossem
declaradas. A Instrução Normativa nº 1.888/2019 trouxe a obrigatoriedade da declaração dos criptoativos,
bem como a desnecessidade de declaração de quando o valor mensal das operações não ultrapassarem R$
30.000,00.
60
IN RFB nº 1.888/2019. Art. 5º Para fins do disposto nesta Instrução Normativa, considera-se:
I - criptoativo: a representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço
pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização
de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de
investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços, e que não constitui moeda de
curso legal; e
69

Fonte: GOMES et al. (2022. Pg. 321)

E quanto à tributação na aquisição originária de criptomoedas? GOMES et al. (2022)


desenvolveram trabalho específico para verificar a incidência do imposto de renda nesta situação,
se esta deveria ocorrer apenas na hipótese de ganho de capital (ou seja, quando verificado o ganho
após a venda) ou se há incidência quando de seu recebimento pelo minerador (pelo seu valor de
mercado). A dúvida é válida em razão da peculiaridade que envolve o processo de aquisição
originária de criptomoedas que, de acordo com GOMES et al. (2022, Pg. 325), são “uma espécie
de moeda virtual universal, descentralizada, criptografada, de fluxo aberto e conversibilidade
bidirecional.”

Após analisar como se dá tal aquisição originária com os bitcoins (considerando que cada
criptoativo pode ter um modelo diferente), GOMES et al. (2022) concluíram que se trata de mera
transferência patrimonial e não de forma de remuneração do minerador por serviços prestados ou
produto do capital investido. Assim, não há subsunção à hipótese de incidência do imposto de
renda. Além disso, os autores consideram a tributação do ganho de capital como medida
necessária e adequada, cujo custo de aquisição seja zero.

4.3 Tributação indireta no Brasil (tributação sobre o consumo)


Ao tratar sobre a tributação indireta ou tributação sobre o consumo não há como não trazer
breves comentários a respeito do IVA, um imposto sobre o valor agregado já utilizado por mais
de 160 países, como destacou o Fundo Monetário Internacional61. De acordo com CASTELLO
(2021), esta grande inovação tributária do século XX foi concebida em 1920 por von Siemens,
mas sistematizada apenas em 1953 com a publicação de obra de Maurice Lauré. Naquele
momento, na França, o imposto existente já possuía alguns dos elementos caracterizadores do
IVA, como a hipótese de incidência e exigibilidade, base de cálculo, campo de aplicação,
contribuinte e mecanismo próprio de deduções, mas apenas em 1968, com a Taxe sur le Valeur

61
O IVA também é comumente denominado de General Sales Tax (GST) ou Goods and Services Tax
(GST).
70

Ajutée (TVA), o imposto passou a abarcar tanto as operações com bens, bem como as prestações
de serviços.

Atualmente, o IVA, cuja utilização é um requisito na União Europeia, visa a abolição das
fronteiras comunitárias, permitindo a livre circulação de bens no bloco econômico62. CASTELLO
(2021) afirma que a neutralidade concorrencial é o principal princípio estruturante do IVA, sendo
a neutralidade do imposto uma consequência natural de sua sistemática de incidencia. Assim, o
tributo tem assegurado a arrecadação sem onerar demasiadamente o processo produtivo.

De acordo com a autora (CASTELLO, 2021, Pg. 276), considera-se imposto sobre valor
agregado o tributo que incide sobre o consumo e possui as seguintes características:
- a repercussão do encargo econômico, de forma que somente o contribuinte
de fato arque com o montante do imposto, que é repassado no preço;
- a incidência plurifásica, para assegurar que o tributo se dilua ao longo da
cadeia produtiva, evitando sobrecarregar uma etapa da produção, e diminuindo
o risco de inadimplência;
- a não cumulatividade, garantindo-se que o imposto pago em uma etapa da
cadeia produtiva seja integralmente creditado na etapa subsequente; e
- a neutralidade, tomando-se as medidas necessárias para que a incidência do
tributo não represente um fator de estímulo à alteração do processo produtivo
dos contribuintes.
O Brasil não adota o IVA. A tributação sobre o consumo no país segue o modelo de
competência tripartida, ou seja, União, Estados e Municípios possuem suas competências
tributárias bem definidas na Constituição Federal, inclusive no que tange aos tributos sobre o
consumo.

Enquanto nascia o IVA na Europa, o Brasil desenvolvia a ideia da tributação não


cumulativa. O Imposto sobre Vendas e Consignações, presente nas Constituições de 1934, 1937
e 1946, era cumulativo. Por meio da Emenda Constitucional (EC) nº 18/1965, que instituiu o
Imposto Estadual sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias (ICM), o princípio da
não cumulatividade adquiriu status constitucional. A Constituição de 1967 manteve a não
cumulatividade para o ICM (art. 24, §5º) e a atribuiu ao IPI (art. 22, §4º). Em relação ao Imposto
Sobre Serviços (ISSQN), a constituição anterior manteve a competência municipal para sua
arrecadação (art. 25), tratando-o ainda hoje como imposto cumulativo.

Acerca da tributação sobre o consumo, MACEDO (2022) explica que tal expressão não é
um neologismo jurídico. Ante a semelhança da materialidade entre IPI, ICMS e ISSQN, estes
tributos podem ser inseridos nesta categoria. Isto porque numa realidade em que as transações
eram majoritariamente físicas e tangíveis a definição das materialidades destes impostos era
suficiente para distingui-los. Esta não é, todavia, a realidade imposta pela economia digital. A
nova realidade, com novos produtos e serviços, desafia os sistemas tributários de todo o mundo.

62
CASTELLO (2021, Pg. 276) destaca que a utilidade desta técnica de tributação provou-se eficiente na
maioria dos países: “Hoje, quase todos os países utilizam esta técnica de tributação, com a notável exceção
dos Estados Unidos. Esta ampla adoção da técnica de tributação dos IVAs evidencia sua utilidade: o tributo
assegura a arrecadação para os governos, sem impactar em demasia na lógica do processo produtivo, uma
vez que o imposto tende a neutralidade. ”
71

No Brasil, pode-se dizer que tal desafio foi percebido diante da dúvida acerca da incidência
do ICMS ou ISSQN no software, conforme explanado no item “1.2 – TRIBUTAÇÃO DE BENS
DIGITAIS (CORPÓREOS OU NÃO)”. O item “1.4 – TRIBUTAÇÃO DA PUBLICIDADE” e o
item “1.5 – TRIBUTAÇÃO DO STREAMING” demonstram o conflito existente entre os
tributos, ou melhor, entre estados e municípios. Deste conflito, tanto o contribuinte sai lesado,
quanto o ente arrecadador, ante a insegurança jurídica imposta.

CASTELLO (2021) afirma que o IVA, nos moldes citados, está apto a tributar a economia
digital. Reconhece, portanto, os desafios brasileiros devido ao abismo existente entre o sistema
tributário do país e as tendências globais. Entretanto, de acordo com a autora, a adoção de uma
espécie de IVA no país com base ampla e tributação no destino, considerando as características
citadas, já o aproximaria de tais tendências.

Os produtos da economia digital são intangíveis, não competitivos e não excludentes, o que
dificulta a tributação de um sistema desenvolvido com base na circulação física de bens tangíveis.
É natural que a acentuada desmaterialização dos bens dificulte a diferenciação entre entrega de
bem e prestação de serviço. Entretanto, CASTELLO (2021) ressalta que a fluidez do valor
agregado na economia digital também torna difícil mensurar o valor agregado em cada fase da
cadeia produtiva. Assim, embora estejam aptos à incidência, a formatação atual dos IVAs não
torna sua incidência neutra e eficiente para os novos produtos.

Tramitam no Brasil, atualmente, diversas propostas de reformas tributárias. Dentre elas,


destacamos a PEC 110/2019 e a PEC 45/2019, as quais visam – cada uma a sua maneira – a
substituição dos tributos sobre o consumo por uma espécie de IVA.

A PEC 110/2019, nascida no Senado Federal, visa a extinção de nove tributos já existentes
(IPI, IOF, PIS, Pasep, Cofins, CIDE-Combustíveis, Salário-Educação, ICMS e ISS) e a criação
do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Em seu texto original, a proposta prescrevia:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir:
IV - por intermédio do Congresso Nacional, imposto sobre operações com bens
e serviços, ainda que se iniciem no exterior.
§ 7° O imposto de que trata o inciso IV do caput deste artigo será instituído por
lei complementar, apresentada nos termos do disposto no art. 61, §§ 3° e
4°, e atenderá ao seguinte:
I - será uniforme em todo o território nacional e terá regulamentação única,
vedada a adoção de norma estadual autônoma, ressalvadas as hipóteses
previstas em lei complementar;
II - será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação
com o montante cobrado nas anteriores, sendo assegurado:
a) o crédito relativo às operações com bens e serviços empregados, usados ou
consumidos na atividade econômica, ressalvadas as exceções relativas a bens
ou serviços caracterizados como de uso ou consumo pessoal;
b) o crédito integral e imediato, quando cabível, na aquisição de bens do ativo
imobilizado;
c) o aproveitamento de saldos credores acumulados;
III - incidirá também:
a) nas importações, a qualquer título;
b) nas locações e cessões de bens e direitos;
c) nas demais operações com bens intangíveis e direitos;
IV - terá uma alíquota padrão, assim entendida a aplicável a todas as
hipóteses não sujeitas a outro enquadramento;
72

V - a alíquota aplicável às operações sujeitas também ao imposto de que trata


o art. 153, VIII, não poderá ser superior à alíquota padrão;
VI - não incidirá:
a) nas exportações, garantidos a manutenção e o aproveitamento do imposto
cobrado nas operações anteriores;
b) sobre a mera movimentação ou transmissão de valores e de créditos e
direitos de natureza financeira;
c) nas prestações de serviço de comunicação nas modalidades de radiodifusão
sonora e de sons e imagens de recepção livre e gratuita;
VII- sem prejuízo do disposto nos arts.156-A e 158, V, o imposto pertencerá
ao Estado de destino do bem ou serviço, nos termos da lei complementar,
que poderá estabelecer:
a) cobrança em todo território nacional centralizada em um único
estabelecimento;
b) exigência integral do imposto no Estado de origem da operação com o
bem ou serviço e repasse ao Estado de destino;
c) utilização de câmara de compensação, que poderá ser implementada por tipo
de bem ou serviço ou por setor de atividade econômica;
VIII- não poderá ser objeto de isenção, redução de base de cálculo,
concessão de crédito presumido, anistia, remissão ou qualquer outro tipo de
incentivo ou benefício fiscal ou financeiro vinculado ao imposto, exceto, se
estabelecido por lei complementar, em relação a operações com os seguintes
produtos ou serviços:
a) alimentos, inclusive os destinados ao consumo animal;
b) medicamentos;
c) transporte público coletivo de passageiros urbano e de caráter urbano;
d) bens do ativo imobilizado;
e) saneamento básico;
f) educação infantil, ensino fundamental, médio e superior e educação
profissional;
IX - não integrará sua própria base de cálculo ou a do imposto de que trata o
art. 153, VIII;
X- poderá ser cobrado de acordo com a liquidação financeira das operações;
XI - lei complementar estabelecerá as matérias da regulamentação única
prevista no inciso I deste parágrafo que dependerão de aprovação por resolução
do Senado Federal.
Note que o IBS tenta assemelhar-se ao IVA, embora sua materialidade não tenha sido bem
definida, o que caberia à lei complementar nacional. Sobressai a alteração da competência
tributária, pois o novo imposto, ainda que de competência estadual, seria uniforme em todo o país,
com alíquotas e benefícios fiscais gerais (definidas por meio de lei complementar). Além disso, a
arrecadação, independentemente do local de ocorrência do fato gerador, seria remetida ao estado
de destino. Por fim, percebe-se preocupação com a economia digital ante a expressa determinação
de incidência do imposto sobre os “intangíveis”.

A PEC 45/2019, nascida na Câmara dos Deputados, visa a extinção de cinco tributos já
existentes (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) e a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
Em seu texto original, a proposta prescrevia:
Art. 152-A. Lei complementar instituirá imposto sobre bens e serviços, que
será uniforme em todo o território nacional, cabendo à União, aos Estados,
ao Distrito Federal e aos Municípios exercer sua competência
exclusivamente por meio da alteração de suas alíquotas.
§1o. O imposto sobre bens e serviços:
I – incidirá também sobre:
a) os intangíveis;
b) a cessão e o licenciamento de direitos;
c) a locação de bens;
73

d) as importações de bens, tangíveis e intangíveis, serviços e direitos;


II – será regulado exclusivamente pela lei complementar referida no caput
deste artigo;
III – será não-cumulativo, compensando-se o imposto de- vido em cada
operação com aquele incidente nas etapas anteriores;
IV –não será objeto de concessão de isenções, incentivos ou benefícios
tributários ou financeiros, inclusive de redução de base de cálculo ou de crédito
presumido ou outorgado, ou sob qualquer outra forma que resulte, direta ou
indiretamente, em carga tributária menor que a decorrente da aplicação das
alíquotas nominais;
V – não incidirá sobre as exportações, assegurada a manutenção dos créditos;
VI – terá alíquota uniforme para todos os bens, tangíveis e intangíveis,
serviços e direitos, podendo variar entre Estados, Distrito Federal e
Municípios.
§ 2º A alíquota do imposto aplicável a cada operação será formada pela soma
das alíquotas fixadas pela União, pelos Estados ou Distrito Federal e pelos
Municípios, observado o seguinte:
I – a competência para alteração da alíquota pela União, pelos Estados,
pelo Distrito Federal e pelos Municípios será exercida por lei do respectivo
ente;
II – na ausência de disposição específica na lei federal, estadual, distrital ou
municipal, a alíquota do imposto será a alíquota de referência, fixada nos
termos do art. 119 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
§ 3º Nas operações interestaduais e intermunicipais:
I – incidirá a alíquota do Estado ou Distrito Federal e do Município de
destino;
II – o imposto pertencerá ao Estado ou Distrito Federal e ao Município de
destino.
§ 4º Os débitos e créditos serão escriturados por estabelecimento e o imposto
será apurado e pago de forma centralizada.
§ 5º A receita do imposto sobre bens e serviços será distribuída entre a União,
os Estados, o Distrito Federal e os Municípios proporcionalmente ao saldo
líquido entre débitos e créditos do imposto atribuível a cada ente, nos termos
da lei complementar referida no caput.
§ 6º A lei complementar referida no caput criará o comitê gestor nacional do
imposto sobre bens e serviços, integrado por representantes da União, dos
Estados e do Distrito Federal e dos Municípios, a quem caberá:
I – editar o regulamento do imposto, o qual será uniforme em todo o território
nacional;
II – gerir a arrecadação centralizada do imposto;
III – estabelecer os critérios para a atuação coordenada da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios na fiscalização do imposto;
IV – operacionalizar a distribuição da receita do imposto, nos termos
estabelecidos no parágrafo 5º deste artigo;
V – representar, judicial e extrajudicialmente, a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios nas matérias relativas ao imposto sobre bens e
serviços.
§ 7º A representação judicial e extrajudicial do comitê gestor será exercida de
forma coordenada pelos procuradores da Fazenda Nacional, dos Estados e dos
Municípios.
§ 8º Cabe à lei complementar disciplinar o processo administrativo do imposto
sobre bens e serviços, que será uniforme em todo o território nacional.
§ 9º Excetua-se do disposto no inciso IV do § 1º a devolução parcial, através
de mecanismos de transferência de renda, do imposto recolhido pelos
contribuintes de baixa renda, nos termos da lei complementar referida no
caput.”
Nesta proposta também o IBS tenta assemelhar-se ao IVA, embora sua materialidade
também não tenha sido bem definida no texto, cabendo à lei complementar. Mas diferentemente
da PEC 110/2019, o imposto não seria de competência estadual, mas de competência de todos os
74

entes federativos. Prevê-se uniformidade nacional, embora os entes possam, excepcionalmente,


alterar as alíquotas em seu território. Entretanto, há restrições quanto à concessão de benefícios
fiscais. Há também previsão de remessa da arrecadação para o estado e município de destino. Por
fim, há também preocupação com a economia digital ante a expressa determinação de incidência
do imposto sobre os “intangíveis”.

Diante de ambas as propostas, pode-se concluir que há necessidade de reestruturação da


tributação sobre o consumo no Brasil e tem-se ventilado como uma solução a adoção do IBS,
imposto que visa se assemelhar ao IVA. Todavia, PISCITELLI (2019) alerta sobre a dificuldade
de tributação mesmo no contexto de países que adotam o IVA para a tributação indireta de bens
e serviços. De acordo com a autora, há relevantes debates naqueles países em razão da
classificação de todos os e-services e bens digitais como serviços, de forma genérica. Por isso,
não haveria subsunção automática dos novos fatos digitais ao IVA.

São necessárias, portanto, adaptações ao conhecido IVA europeu (como as propostas já


trazem), sobretudo no seu critério material, que deve ser definido de forma bastante abrangente63,
e no seu critério espacial, a fim de assegurar a incidência no destino. Ambas as propostas delegam
à lei complementar a definição da regra matriz de incidência do imposto.

CASTELLO (2021) vai além e, ao analisar a possível regra matriz do IVA adaptado à
economia digital, destaca que nas operações B2B (business-to-business, isto é, operações entre
empresas), o adquirente seria responsabilizado pelo pagamento do imposto, e em operações B2C
(business-to-consumer, isto é, operações com o consumidor final), o fornecedor. A autora
recomenda ainda, devido às operações internas entre mercados integrados (operações
interestaduais), a integração das administrações tributárias, a fim de que o fornecedor recolha o
imposto na origem, mas este seja repassado ao estado de destino. Mas alerta que, diante das
distorções possíveis, situações pontuais podem justificar a responsabilização de um intermediário
digital.

Destarte, percebe-se rapidamente a dificuldade imposta pela economia digital aos tributos
brasileiros sobre o consumo (IPI, ICMS, ISSQN), notadamente em função da desmaterialização
do consumo e a facilidade de movimentação. O IVA mostra-se, a princípio, como uma técnica de
tributação eficaz para a arrecadação, tendente à neutralidade e à autorregulação do mercado.
Entretanto, caso adotado no Brasil, as adaptações são imprescindíveis. As propostas de reforma
tributária analisadas mostram-se no caminho correto, já que visam uniformidade nacional e
arrecadação no destino.

4.4 Tributação da renda no Brasil


Como visto, o IVA é um imposto adotado por diversos países para tributar o consumo.
CASTELLO (2021) afirma que tal expansão pode ser resultado da globalização e do crescimento
da economia digital, haja vista que os fluxos de investimentos internacionais e

63
CASTELLO (2021, Pg. 284) afirma que o critério material do IVA no Brasil poderia ser: “realizar
operações passíveis de valor agregado’ ou ‘realizar operações com bens e serviços”.
75

transnacionalização das empresas têm tornado difícil a tributação sobre a renda e patrimônio.
Assim, o foco da arrecadação estaria se concentrando na tributação indireta.

No mesmo sentido, PALMA (2022) afirma que a tributação atual não está pronta para a
economia digital, sobretudo a tributação dos rendimentos, tendo em vista que esta se fundamenta
em princípios relacionados à presença física e negócios tradicionais. Por isso, de acordo com a
autora, a União Europeia e a OCDE começaram a pensar, por volta do ano 2000, em soluções a
nível de tributação indireta. Dentre elas, as alterações de regras de localização de prestações de
serviços no comércio eletrônico, embora tenham percebido falha de neutralidade do imposto.

Percebe-se, de fato, a dificuldade dos países em tributar a renda, como destacado no item
“1.4 – TRIBUTAÇÃO DA PUBLICIDADE”, em que narrou-se como a evasão fiscal de
multinacionais por meio de planejamentos tributários agressivos e estruturas multijurisdicionais
resultou em projeto de estudo da OCDE. Através do BEPS (Base Erosion and Profit Shifting)
foram apresentadas 15 medidas para combater a evasão fiscal e garantir a tributação do lucro onde
o valor é criado. A Ação 1 – Endereçando Desafios Tributários da Economia Digital trouxe, em
seu Anexo B, um modelo de planejamento tributário abusivo comum ao setor publicitário no
âmbito digital.

Em síntese, a operação é montada de forma que a empresa controladora não se localize no


país cujo mercado é explorado e, portanto, não poderia ser ali tributada (tendo em vista o princípio
do estabelecimento permanente). Foi demonstrada e analisada apenas uma forma de evasão dentre
tantas outras possíveis. Percebeu-se, desde logo, a necessidade de regulamentação dos preços de
transferência para evitar a erosão da base tributável no mercado explorado.

Porém, além da tributação da renda no mercado corporativo, verificou-se também a


dificuldade de tributação da renda da pessoa física oriunda de intangíveis como os criptoativos
no item “1.7 – TRIBUTAÇÃO DE MOEDAS VIRTUAIS”. Afinal, trata-se de um novo produto
da economia digital? As moedas virtuais – sejam de jogos, sejam milhas, por exemplo – por
consistirem em meios de trocas, já existiam e não eram tributadas no Brasil pelo imposto de renda.
Entretanto, o crescimento dos criptoativos chamou atenção, seja pela sua popularização, seja pelos
valores envolvidos.

Diante desta realidade, embora já existisse o campo “Bens e Direitos” na DIRPF


(Declaração de Imposto de Renda da Pessoa Física) e a possibilidade de aplicação da legislação
relativa ao ganho de capital, a Receita Federal passou a exigir que pessoas físicas ou corretoras
de criptomoedas brasileiras informem a posse e movimentações ocorridas por meio da Instrução
Normativa nº 1.888/2019.
Art. 1º Esta Instrução Normativa institui e disciplina a obrigatoriedade de
prestação de informações relativas às operações realizadas com criptoativos à
Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB).
Art. 6º Fica obrigada à prestação das informações a que se refere o art. 1º:
I - a exchange de criptoativos domiciliada para fins tributários no Brasil;
II - a pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no Brasil quando:
a) as operações forem realizadas em exchange domiciliada no exterior; ou
b) as operações não forem realizadas em exchange.
76

§ 1º No caso previsto no inciso II do caput, as informações deverão ser


prestadas sempre que o valor mensal das operações, isolado ou conjuntamente,
ultrapassar R$ 30.000,00 (trinta mil reais).
§ 2º A obrigatoriedade de prestar informações aplica-se à pessoa física ou
jurídica que realizar quaisquer das operações com criptoativos relacionadas a
seguir:
I - compra e venda;
II - permuta;
III - doação;
IV - transferência de criptoativo para a exchange;
V - retirada de criptoativo da exchange;
VI - cessão temporária (aluguel);
VII - dação em pagamento;
VIII - emissão; e
IX - outras operações que impliquem em transferência de criptoativos.
PALMA (2022) afirma a necessidade de se pensar na tributação sobre o rendimento de
forma global, evitando-se medidas unilaterais. Mas, reconhece a dificuldade e necessidade de
tempo e evolução para tanto, embora a celeridade seja imprescindível. Todavia, com os dois
pilares da Ação 1 do BEPS, divulgados em outubro/2021, e a grande composição do Marco
Inclusivo (até agora, 142 países), tal objetivo não parece tão distante64.

GODOI et al. (2022) afirma que a declaração conjunta e o cronograma assinados pelos
países do Marco Inclusivo em outubro/2021 sinalizou de forma palpável, pela primeira vez, um
avanço à efetiva tributação, notadamente com o Pilar 2, que visa garantir que as grandes empresas
submetam seus lucros a 15% (no mínimo) de alíquota efetiva. Entretanto, o autor deixa dúvidas
quanto à eficácia das medidas adotadas anteriormente. De acordo com ele, as medidas
implementadas pelo Projeto BEPS nos últimos 9 anos não parecem ter reduzido as evasões
tributárias. Por isso, não se sabe se as ações oriundas dos Pilares 1 e 2 serão suficientes, mas prevê
que a implementação do BEPS 2.0 ensejará, ao menos, um aumento relevante na arrecadação
tributária.

O Brasil ainda não alterou sua legislação para internalização da diretriz citada. Encontram-
se vigentes, portanto, as regras tradicionais de tributação da renda, tanto da pessoa jurídica, quanto
da pessoa física. Destaca-se, outrossim, a abrangência da tributação da renda sobre o ganho de
capital, tendo em vista que este é definido como “a diferença positiva entre o valor de transmissão
do bem ou direito e o respectivo custo de aquisição corrigido monetariamente” (artigo 3º, §2º da
Lei nº 7.713/88). Para tornar sua base ampla, o artigo 128 do Decreto nº 9.580/18
determina que “fica sujeita ao pagamento do imposto sobre a renda de que trata este Título

64
De iniciativa política do G20 e da OCDE, em 2013 foi iniciado o Projetos BEPS, a fim de identificar e
combater a erosão de base tributável e transferência de lucros causados pelos planejamentos tributários
agressivos de grandes empresas multinacionais. Em 2015 foram publicadas 15 ações com o objetivo de
combate a tais distorções, dentre eles, a Ação 1, que se destaca por se dedicar inteiramente aos desafios
tributários trazidos pela economia digital. Em 2018 foi criado o Marco Inclusivo (Inclusive Framework),
um grupo composto, até agora, por 142 países, inclusive o Brasil, dedicado à reforma do sistema tributário
internacional. Em janeiro/2019, as propostas do grupo foram divididas em dois pilares: o pilar 1 foca nos
desafios amplos da economia digitalizada; o pilar 2, nos problemas tradicionais exacerbados da economia
digital. O pilar 2, especificamente, visa criar uma solução multilateral, garantindo que todas as empresas
paguem um percentual mínimo de imposto sobre sua renda efetiva. A tributação global mínima inédita foi
denominada global anti-base erosion proposal (GloBE).
77

a pessoa física que auferir ganhos de capital na alienação de bens ou direitos de qualquer
natureza”.
Por esta razão, considerando que toda diferença positiva entre o valor da aquisição
e da alienação deverá ser tributada, independente da natureza dos bens ou direitos, não há
qualquer óbice à exigência da tributação sobre o ganho proveniente de operações com
criptoativos, cuja declaração e acompanhamento pela Receita Federal foi previsto na
Instrução Normativa nº 1.888/2019.

A previsão normativa de abrangência ou inclusão dos novos modelos e negócios à


tributação leva à segurança jurídica e econômica. Por isso, embora a legislação já pudesse ser
aplicada, mostra-se interessante a edição de norma específica, como a instrução normativa, que
não deixa dúvidas da necessidade de declaração e, consequentemente, tributação do ganho. Por
isso, caso o Brasil vise seguir as diretrizes internacionais (o que é esperado, já que o país integra
o Marco Inclusivo), é necessário alterar sua legislação interna.

Nesta perspectiva, FOSSATI et al. (2021) analisaram as prescrições da legislação federal


que contemplam a economia digital, tendo localizado 554 normas (dentre leis, decretos, instruções
normativas, portarias, resoluções, soluções de consulta, decisões administrativas, pareceres
normativos e outros) que versaram, de algum modo, sobre a economia digital. Diversos objetos
(como “economia compartilhada”), entretanto, são materialidades de impostos estaduais ou
municipais.

Ainda mais instável se mostra a aplicação de normas vigentes que determinam obrigações
acessórias. Mesmo que não haja dúvidas acerca da incidência tributária, FOSSATI et al. (2021)
salienta a dúvida quanto retenção na fonte de imposto de renda. A título de exemplo, os autores
citam a posição da Receita Federal quanto ao serviço de Data Center, que se assemelharia a
serviço profissional de programação, ensejando a retenção. Todavia, os autores narram que, ao
analisar a Plataforma Digital, a Receita Federal entendeu tratar-se de cessão de uso de programas
e, portanto, não haveria obrigatoriedade de retenção do imposto de renda na fonte.

Embora o ideal seja a prescrição normativa, ocorrerão hipóteses que dependerão de


interpretação da legislação vigente. É o que acontece com os leitores e livros digitais e a
imunidade constante no artigo 150, inciso VI, alínea “d”, da Constituição Federal. O Supremo
Tribunal Federal, ao analisar os Recursos Extraordinários (REs) 330.817 (Tema 593) e 595.676
(Tema 259), em março/2017, realçou o intuito da norma de propiciar a circulação de ideias,
cultura e expansão dos meios de comunicação, sendo irrelevante o corpus mechanicum utilizado.
Assim, em abril/2020, foi publicada a Súmula Vinculante nº 5765 que, com o status de norma
secundária, prescreve a imunidade tributária de livros e leitores digitais. Percebe-se que, mesmo
nestas hipóteses, há prescrição normativa apta a garantir certa segurança aos contribuintes e
estabilizar o sistema tributário nacional.

65
Súmula Vinculante 57: “A imunidade tributária constante do art. 150, VI, d, da CF/88 aplica-se à
importação e comercialização, no mercado interno, do livro eletrônico (e-book) e dos suportes
exclusivamente utilizados para fixá-los, como leitores de livros eletrônicos (e-readers), ainda que possuam
funcionalidades acessórias.”
78

4.5 Conclusão
A tributação deve, ao mesmo tempo, dar segurança, garantir isonomia e não impedir a
criação de novas tecnologias ou a evolução daquelas existentes. Por isso, é interessante a sugestão
de que, ao invés de legislações específicas e conceitos definidos, a liberdade oriente a ótica da
regulação e tributação da IoT, sob pena de se criar barreiras à inovação, afastando o país da
evolução tecnológica mundial. Segue neste sentido a proposta de criação de um regime tributário
simplificado para empresas do setor de tecnologia (algo como um “Simples-Tecnologia” em
moldes semelhantes ao Simples Nacional).

Não se defende a ausência de tributação em função da inovação, mas a inadmissibilidade


de transações e produtos que deixem de ser tributados não por uma opção do legislador e da
sociedade, mas por uma falha nas normas tributárias, as quais ensejam os vícios citados, isto é,
insegurança jurídica e concorrência desleal. Entretanto, é necessário analisar a subsunção das
normas vigentes aos novos eventos. Havendo subsunção, haverá incidência. Caso não haja, cabe
à União a criação do imposto residual, com base no artigo 154, inciso I da Constituição Federal.

O Brasil adota a competência tributária tripartida, ou seja, União, Estados e Municípios


possuem sua competência tributária delineada na Constituição Federal, inclusive nos tributos
sobre o consumo. Ocorre que, com a semelhança da materialidade entre IPI, ICMS e ISSQN, estes
tributos podem ensejar confusão, o que enseja também conflitos entre entes arrecadadores. Numa
realidade em que as transações eram majoritariamente físicas e tangíveis, a definição das
materialidades destes impostos era suficiente para distingui-los. Entretanto, a nova realidade, com
novos produtos e serviços, desafia os sistemas tributários de todo o mundo, mormente do Brasil,
pois intensifica ainda mais a dificuldade de incidência dos tributos existentes.

O IVA mostra-se, a princípio, como uma técnica de tributação eficaz para a arrecadação,
tendente à neutralidade e à autorregulação do mercado. No Brasil, tramitam diversas propostas de
reforma tributária, dentre elas a PEC 110/2019 e a PEC 45/2019, que visam a extinção de tributos
e a criação do IBS, imposto sobre o consumo que visa assemelhar-se ao IVA europeu. Assim,
considerando a dificuldade de tributação sobre o consumo do país na economia digital, tais
propostas mostram-se no caminho correto, já que visam uma base de cálculo abrangente (em que
não é necessário definir a atividade, por exemplo serviços, mercancia ou industrialização),
uniformidade nacional da tributação sobre o consumo e a arrecadação no destino.

Quanto à tributação direta, ou melhor, a tributação da renda na economia digital, é curioso


notar como há grande estímulo à adoção de medidas uniformes internacionalmente, como as
diretrizes da OCDE ou UE, em função da mobilidade possibilitada pela economia digital. Mas,
ainda assim, remanescem diversas dúvidas, como a viabilidade da tributação única, a fim de evitar
medidas unilaterais dos países e abarcar a atividade tecnológica sem fronteiras. Embora o esforço
seja elogiável, considerando a dificuldade de implementação da mesma regra de incidência para
todos e alteração apenas do ente arrecadador, as realidades de países distintos são muito diferentes
e constituem grave óbice à adoção de parâmetros tributários semelhantes a outros países.
79

O presente trabalho buscou apresentar um panorama geral sobre a tributação da economia


digital no Brasil, ou seja, como a literatura tem analisado a tributação no país dos novos bens,
serviços e negócios da economia digital após os anos 2000. Verificou-se a subsunção das novas
materialidades às normas vigentes, bem como o papel das decisões judiciais, os estudos sobre o
tema e a posição do país diante de diretrizes internacionais, a fim de iniciar uma pesquisa ampla
sobre a posição brasileira na nova realidade. Com o diagnóstico da situação atual é possível
observar onde está o foco do país, para que, posteriormente, sejam tomadas as medidas
necessárias à tributação (ou não), garantindo-se: a necessária arrecadação do ente tributante,
isonomia tributária entre objetos semelhantes, manutenção da livre concorrência e segurança
jurídica a todos.

Em suma, o Brasil não ignora os novos produtos e modelos de negócios da economia digital
e tenta tributá-los com as regras existentes, que são ineficazes e geram insegurança. As duas
propostas de reforma tributária mais relevantes (PEC 110/18 e PEC 45/19), embora não tratem
especificamente da economia digital, ao visarem acabar com a guerra fiscal (disputas entre os
entes federativos), unificarem os tributos sobre o consumo e determinarem a incidência sobre
bens intangíveis, contribuirão muito para redução da insegurança que o estado atual da tributação
brasileira tem gerado. Quanto à tributação da renda, além do intuito de maior utilização do
instituto do ganho de capital, resta saber se o país internalizará as diretrizes fixadas pelo BEPS e
pelo Marco Inclusivo.
80

5. CONCLUSÃO
Com a “quarta revolução industrial”, termo utilizado por SCHWAB (2016) para descrever
o momento vivido pela humanidade após os anos 2000 e os avanços tecnológicos, temos
presenciado uma grande dicotomia: de um lado, a evolução tecnológica tem melhorado e
facilitado a vida da grande maioria dos seres humanos, inclusive tornando acessível serviços e
produtos antes disponíveis a apenas parte da população; de outro lado, tais inovações e a nova
realidade não foram acompanhadas por alterações legislativas imediatas, a fim de que as normas
regulassem o novo cenário mundial.

Como se verificou, esta situação enseja grave insegurança jurídica, seja para os governos
(entes arrecadadores), em função da possível perda de arrecadação, seja para os contribuintes, que
não têm certeza de sua tributação. Além disso, verificou-se a quebra de isonomia concorrencial,
já que os negócios tradicionais continuam a ser regulados e tributados, enquanto outro negócio,
do mesmo ramo de atividade, quando prestado de forma diferente, pode não sê-lo.

Dado, portanto, que a evolução tecnológica tem trazido inúmeras vantagens à humanidade,
este trabalho focou na tributação diante desta nova realidade. Buscou-se, em um primeiro
momento, diagnosticar a situação atual, a fim de verificar se o Brasil e outros países têm
conseguido aplicar suas normas vigentes aos novos produtos e bens oriundos da economia digital.
Analisaram-se, concomitantemente, as ações de organizações (como a União Europeia e OCDE)
e governos direcionadas especificamente à tributação na economia digital. Deste modo, foram
produzidos três artigos independentes entre si, mas que se complementam.

O artigo intitulado “A Dificuldade na Tributação Indireta dos Novos Produtos da Era


Digital” teve como objetivo analisar a tributação indireta na economia digital, isto é, como os
países e organizações internacionais, incluindo o Brasil, estão lidando com a tributação dos novos
produtos. A pesquisa confirmou a premissa inicial de que os novos produtos devem ser tributados,
embora as regras atuais - tanto internacionais quanto nacionais - não sejam capazes de fazê-lo de
forma automática. É necessário rever certos conceitos, como o de "estabelecimento permanente",
e considerar a Convenção Modelo da OCDE. Por outro lado, o estudo constatou que a OCDE e a
União Europeia têm oferecido importantes orientações, não apenas sobre a tributação direta, mas
também sobre a tributação do consumo, as quais - dada a globalização, a dificuldade em definir
o aspecto territorial do fato gerador e o interesse do Brasil em integrar a OCDE - seria benéfico
que o país adotasse internamente.

Já o artigo denominado “Tributação da Renda na Economia Digital: Ações Mundiais e


Implementação no Brasil” buscou investigar as dificuldades em tributar a renda das empresas de
tecnologia. Através da análise das medidas propostas e implementadas em todo o mundo,
concluiu-se que a tributação efetiva da renda é dependente do consenso, cooperação e confiança
entre os países, dada a ausência de limites físicos e a intangibilidade das operações. Iniciativas
como o Grupo Inclusivo (Inclusive Framework - IF) do BEPS (OCDE), especialmente os seus
dois pilares direcionados à tributação efetiva da renda das empresas de tecnologia, são essenciais.
O Brasil ainda não incorporou as diretrizes indicadas e tem tributado a renda da economia digital
de acordo com as regras e normas infralegais vigentes, como a Instrução Normativa nº 1888/2019,
indicando a necessidade de atualização da legislação do país.
81

Por fim, o artigo intitulado “Um Breve Panorama sobre a Tributação na Economia Digital
no Brasil” ofereceu uma visão abrangente da tributação da economia digital no país, com foco
nas questões relacionadas à tributação do consumo e da renda. Observou-se que o Brasil não está
alheio às transformações trazidas pela economia digital, mas tem buscado tributá-las com as
regras existentes. No entanto, a aplicação das regras de incidência tributária às novas formas de
materialidade tem sido desafiadora, levando à conclusão de que as normas vigentes são ineficazes
e geram incertezas diante da nova realidade. Além disso, verificou-se que as duas principais
propostas de reforma tributária (PEC 110/18 e PEC 45/19), embora não abordem especificamente
a economia digital, poderão contribuir para reduzir a insegurança gerada pelo atual estado da
tributação brasileira. No que diz respeito à tributação da renda, resta saber se o Brasil irá
internalizar as diretrizes estabelecidas pelo BEPS e pelo Grupo Inclusivo do BEPS (OCDE), além
de buscar uma maior utilização do instituto do ganho de capital.

Apesar de a discussão acerca da tributação da economia digital englobar profundo debate


político, os estudos realizados e as iniciativas internacionais não podem ser desconsiderados. Há
amplo espaço para a academia refletir e analisar a realidade e as iniciativas adotadas pelos países,
bem como seus resultados, a fim de contribuir no enfretamento dos desafios desta nova era.

Afinal, considerando a possível reforma tributária no Brasil, o momento atual mostra-se


propício para, além da adequação e melhoramento do sistema tributário do país, sua atualização
diante das necessidades deste novo momento mundial. É desejável que a regulamentação não
traga insegurança aos contribuintes, mas, pelo contrário, traga regras claras e em consonância
com a tendência mundial, o que poderá melhorar a arrecadação, ensejar a pretendida segurança
ao contribuinte e gerar benefícios para o mercado consumidor explorado, garantindo-se isonomia
tributária entre objetos semelhantes, manutenção da livre concorrência e segurança jurídica a
todos. Por isso, o aprofundamento de estudos sobre a conciliação do cenário internacional com os
desígnios soberanos brasileiros mostra-se de extrema importância.
82

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