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BRASÍLIA
2023
ALINE GUIOTTI GARCIA
BRASÍLIA
2023
Garcia, Aline Guiotti.
A tributação sobre o consumo e sobre a renda na economia digital : um panorama
global e brasileiro do início do século XXI e expectativas / Aline Guiotti Garcia. -
2023.
91 f.
CDU 336.22
Ficha Catalográfica elaborada por: Isabele Oliveira dos Santos Garcia CRB SP-010191/O
Biblioteca Karl A. Boedecker da Fundação Getulio Vargas - SP
ALINE GUIOTTI GARCIA
Banca Examinadora:
____________________________________
Profa. Dra. Liziane Angelotti Meira (orientadora)
FGV EPPG
____________________________________
Profa. Dra. Hadassah Laís S. Santana
FGV EPPG
____________________________________
Profa. Dra. Talita Pimenta Felix
IBET
____________________________________
Profa. Dra. Ana Clarissa Massuko
FGV EPPG
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho aos meus avós que, cada um à sua maneira, me ensinaram a
importância do estudo e a diferença entre conhecimento, sabedoria e experiência. Dedico
especialmente à minha avó, Erotildes dos Santos Garcia, por ter plantado a semente da
curiosidade em mim quando criança e a regado com livros e o hábito da leitura através de
uma pequena adesão a um clube de leitura.
Dedico este trabalho também aos meus pais, Ricardo dos Santos Garcia e Beatriz
Guiotti Garcia, que mesmo sem adentrarem à vida acadêmica, sempre me estimularam ao
estudo e aprendizado, inclusive nos momentos mais difíceis por que passamos. Este
estímulo, iniciado na infância com os livros, a escola e cursos, culminou, hoje, na
realização de um de meus maiores sonhos acadêmicos, a realização do mestrado.
Por fim, dedico este trabalho também ao meu, antes companheiro, e agora esposo,
Thyago Medeiros Moraes, pelo apoio incondicional durante todo o mestrado, com todas
as horas dedicadas aos estudos e as trocas de ideias.
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer, desde logo, à Talita Pimenta Felix, coordenadora do
IBET/GYN, inspiração em forma de ser humano. Agradeço tanto pelo incentivo ao estudo
e à academia, quanto por me avisar da abertura do edital para o mestrado da FGV/EPPG.
Aproveitando o ensejo, agradeço à todos os professores do corpo docente do IBET/GYN,
exímio grupo de pesquisadores que me influencia diariamente com as melhores ideias e,
dentre elas, a realização do mestrado e da pesquisa acadêmica.
Agradeço também à minha orientadora, Profª. Drª. Liziane Angelotti Meira, cujo
primeiro contato, ainda quando aluna na especialização em direito tributário, me mostrou
a vastidão desta matéria, seu alcance mundial e quão interessante ela é. Sorte a minha de
tê-la como orientadora. Agradeço, em sequência, a todos os professores da EPPG/FGV,
por contribuírem de forma inestimável nesta caminhada. Dentre eles, destaco o Prof. Dr.
Marcos Valadão, cujo extenso conhecimento e experiência torna cada encontro do grupo
de pesquisa em Direito Constitucional Tributário uma verdadeira aula.
E, por fim, destaco meu agradecimento à Profª. Drª. Hadassah Laís de Souza
Santana, que conseguiu, ao ministrar a matéria eletiva “O desenho de políticas públicas
ante a tributação na economia digital” em um curso de verão, despertar em mim a
curiosidade pela quarta revolução industrial e ensejou o início da pesquisa da tributação
na economia digital.
“- Porque o nosso mundo não é o mesmo mundo de Otelo. Não
se pode fazer um calhambeque sem aço, e não se pode fazer uma
tragédia sem instabilidade social. O mundo agora é estável. As
pessoas são felizes, têm o que desejam e nunca desejam o que
não podem ter. Sentem-se bem, estão em segurança; nunca
adoecem; não têm medo da morte; vivem na ditosa ignorância
da paixão e da velhice; não se acham sobrecarregadas de pais e
mães; não têm esposas, nem filhos, nem amantes por que possam
sofrer emoções violentas; são condicionadas de tal modo que
praticamente não podem deixar de se portar como devem. E se,
por acaso, alguma coisa andar mal, há o soma. Que o senhor atira
pela janela em nome da liberdade, sr. Selvagem. Da liberdade!
– riu. – Espera que os Deltas saibam o que é liberdade! E agora
quer que eles compreendam Otelo! Meu caro jovem!
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Apresentação gráfica da dissertação................................................................15
Figura 2: Maiores corporações mundiais em 2006 e em 2017........................................21
Figura 3: Taxonomia de moedas virtuais........................................................................68
Figura 4: Espécie de criptoativos.....................................................................................71
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 11
1.1 OBJETIVOS, RESULTADOS ESPERADOS E JUSTIFICATIVA ......................... 13
1.2 METODOLOGIA .......................................................................................................... 14
2. A DIFICULDADE NA TRIBUTAÇÃO INDIRETA DOS NOVOS PRODUTOS
DA ERA DIGITAL....................................................................................................... 15
2.2 Revolução Digital ........................................................................................................... 17
2.3 A Tributação Indireta Internacional ............................................................................ 23
2.3.1 Tributação Internacional e a OCDE (Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico)........................................................................................... 23
2.3.2 O Pioneirismo da União Europeia e o IVA (Imposto Sobre Valor Agregado) ... 26
2.4 A Tributação Indireta no Brasil: ICMS X ISS ............................................................ 30
2.5 Conclusão ........................................................................................................................ 34
3. TRIBUTAÇÃO DA RENDA NA ECONOMIA DIGITAL: AÇÕES MUNDIAIS
E IMPLEMENTAÇÃO NO BRASIL ......................................................................... 37
3.1 Introdução....................................................................................................................... 37
3.2 Tributação da renda internacional pelo Brasil............................................................ 39
3.3 Quarta Revolução Industrial ........................................................................................ 41
3.3.1 A quarta revolução tecnológica e a Tributação 4.0 ............................................... 41
3.3.2 Desafios criados para a tributação e iniciativas .................................................... 42
3.4 OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) ............... 44
3.4.1 BEPS, ACTION 1 ...................................................................................................... 45
3.4.2 BEPS, ACTION 7 ...................................................................................................... 45
3.4.3 Global Tax Pack ........................................................................................................ 46
3.5 Implementação no Brasil ............................................................................................... 48
3.6 Conclusão ........................................................................................................................ 51
4. UM BREVE PANORAMA SOBRE A TRIBUTAÇÃO NA ECONOMIA
DIGITAL NO BRASIL ................................................................................................ 53
4.1 Introdução....................................................................................................................... 54
4.2 O estado da tributação da economia digital no Brasil ................................................ 56
4.2.1 Revolução digital no Brasil e o sistema tributário brasileiro ............................... 56
4.2.2 Tributação de bens digitais (corpóreos ou não) ..................................................... 57
4.2.3 – Tributação da internet das coisas (IoT) .............................................................. 60
4.2.4 Tributação da publicidade....................................................................................... 61
4.2.5 Tributação da impressão 3D ................................................................................... 63
4.2.5 Tributação do streaming .......................................................................................... 64
4.2.6 Tributação de moedas virtuais ................................................................................ 66
4.3 Tributação indireta no Brasil (tributação sobre o consumo) ..................................... 69
4.4 Tributação da renda no Brasil ...................................................................................... 74
4.5 Conclusão ........................................................................................................................ 78
5. CONCLUSÃO........................................................................................................... 80
6. BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................... 82
11
1. INTRODUÇÃO
A história da humanidade é marcada por significativas transformações, que mudaram
substancialmente a maneira de viver dos seres humanos. Dentre essas mudanças, podemos citar
a descoberta do fogo, a invenção da agricultura, a roda e outras mais. Com a evolução e o
sedentarismo, as pessoas passaram a fixar-se em um mesmo lugar, o que possibilitou o surgimento
das cidades. O termo "revolução" indica uma mudança abrupta e radical decorrente de novas
tecnologias e formas de percepção do mundo, alterando as estruturas sociais e econômicas. Por
isso, pode-se afirmar que uma espécie de revolução ocorreu há cerca de 10.000 anos, com a
domesticação de animais e a utilização da agricultura. No entanto, embora tenham ocorrido
diversas revoluções ao longo da história, a primeira grande revolução industrial é considerada a
ocorrida no século XVIII, impulsionada pelas ferrovias e máquinas a vapor, que deu início à
produção em larga escala.
A segunda grande revolução industrial teve início no século XIX, impulsionada pela
introdução da força elétrica e de esteiras de produção, permitindo a produção em massa. A terceira
grande revolução industrial, iniciada na década de 1960, foi caracterizada pelo advento do
computador e da digitalização. Tais eventos inegavelmente ensejaram impacto significativo na
história da humanidade, bem como no cotidiano de muitas pessoas. Por isso, de acordo com a
perspectiva de SCHWAB (2016), a partir da década de 2000, a humanidade está vivenciando
outro desses momentos disruptivos, a chamada "quarta revolução industrial".
Isto porque as tecnologias digitais (computadores, softwares, redes), embora não sejam
novas, têm causado rupturas na maneira de viver do ser humano, tendo atingido a sociedade por
inteiro e a economia global. Em face a tamanhas mudanças surgem diversas dúvidas, algumas
relacionadas à tributação, como: os novos modelos negociais e produtos oriundos da economia
digital devem ser tributados? Se sim, como fazê-lo, considerando que a velocidade, amplitude,
profundidade e impacto sistêmico são as características marcantes desta nova realidade? As regras
existentes são suficientes e aplicáveis? Afinal, é dificílimo – senão, impossível – saber para onde
levarão os avanços.
A adoção das tecnologias digitais, tais como computadores, softwares e redes, embora não
recentes, tem acarretado profundas mudanças na maneira como a sociedade opera e conduz seus
negócios, tendo ocasionado rupturas significativas na maneira de viver do indivíduo, afetando a
sociedade e a economia global como um todo. Diante dessas transformações, surgem diversas
questões, notadamente algumas relacionadas à tributação. É pertinente questionar se os novos
modelos de negócios e produtos oriundos da economia digital devem ser tributados e, em caso
afirmativo, como fazê-lo diante das características marcantes desta nova realidade, como
velocidade, amplitude, profundidade e impacto sistêmico. Além disso, há dúvidas acerca da
incidência das regras tributárias existentes, no que tange à eficiência e aplicabilidade, mormente
quando consideradas dificuldades vindouras.
ou estudo, ou apenas facilitar o cotidiano e melhorar serviços que já existiam. Com a redução de
custos e alta adesão dos consumidores, a maior lucratividade é consequência esperada. Entretanto,
a forma de prestação das atividades mudou, impedindo a aplicação das regras vigentes (relativas
à regulamentação e tributação). Por isso, mostra-se relevante o questionamento sobre a
desigualdade entre as empresas de tecnologia e as empresas tradicionais, estas sujeitas às regras
existentes e aquelas, não. Deve-se questionar, outrossim, a validade de operações que exploram
mercados consumidores em determinado local e exportam os lucros obtidos.
Considerando a relevância do papel da tributação, caso esta não se estenda à nova realidade,
as consequências serão danosas: além da perda de arrecadação para o país, seria criada verdadeira
barreira entre os bens e serviços tangíveis e intangíveis, hipótese em que a tributação de apenas
um deles causaria evidente descompasso concorrencial, interferindo na isonomia esperada entre
situações semelhantes.
Isto porque, a despeito dos amplos objetivos da tributação, rejeita-se a ideia de modelos de
negócios e produtos semelhantes serem regulamentados e tributados de forma diversa apenas em
razão da economia digital, tendo em vista a quebra de isonomia concorrencial amparada pelas
normas jurídicas. Situações semelhantes devem estar sujeitas às mesmas regras.
1.2 METODOLOGIA
Com o intuito de alcançar o objetivo proposto, a metodologia empregada baseia-se na
pesquisa bibliográfica, incluindo a revisão da literatura para avaliar o estado atual da arte no
âmbito nacional e internacional. Dada a importância e alcance da economia digital, foram
considerados aspectos internacionais relevantes para verificar a situação mundial e possíveis
tendências que possam ser aplicáveis ao contexto brasileiro. Ademais, foram examinadas a
legislação, os textos jurídicos e jurisprudenciais relacionados à economia digital, a fim de se obter
uma visão ampla e consistente sobre o tema em questão.
15
RESUMO
ABSTRACT
This article will analyze indirect taxation in the context of the digital economy, considering
the new business models and new products. It will consider the wide variety of products that must
be invented in the coming years, as well as whether current taxation rules are able to catch up
with them. It will be analyzed not only how Brazil, but also other countries and groups, especially
the European Union and the OECD, have acted in the face of the new reality. To carry out the
analysis, the methodology is based on research in the literature, as well as on analyzes and
government expectations regarding indirect taxation through the deductive method. The digital
economy will be presented as a product of the fourth industrial revolution and the difficulty of
applying the current rules of international law to the new reality will be discussed, as well as the
performance of the OECD, the European Union in this matter and the effectiveness of VAT.
Finally, the Brazilian context will be presented, that is, the strategy adopted in the country in the
face of the new reality and also the existing proposals in the literature. Through a literature review
and analysis of actions taken by governments, the aim is to provoke academic reflection on the
reality and initiatives adopted by countries, as well as their results, in order to contribute to facing
the challenges of this new era.
2.1 Introdução
Desde antes do século XVIII, a sociedade humana tem visto as denominadas revoluções
industriais ocorrerem. Dentre as várias conceituações existentes, tais revoluções decorrem de
grandes mudanças ocorridas no cotidiano individual, através das quais os seres humanos
mudaram sua forma de viver. É o que ocorreu no século XVIII com as ferrovias e máquinas a
vapor, com o posterior advento da eletricidade e da computação. Tais eventos alteraram a história
da humanidade, assim como o cotidiano de diversos indivíduos. A partir da década de 2000, a
humanidade tem vivido outro destes momentos disruptivos, a chamada “a quarta revolução
industrial”. As tecnologias digitais (computadores, softwares, redes), embora não sejam novas,
têm causado rupturas à maneira de viver do ser humano, tendo atingido a sociedade por inteiro e
a economia global. Frente às significativas transformações em curso, emergem diversas
indagações, dentre as quais se destacam: seria pertinente a tributação dos novos modelos de
negócios e produtos decorrentes da economia digital? Caso afirmativo, quais seriam as estratégias
adequadas para tal finalidade? Seriam as normas atuais satisfatórias e aplicáveis a tal cenário?
Seria cabível a tributação das impressões 3D? Estas são também conhecidas como
fabricação aditiva, que consistem na produção de um objeto físico por meio de impressão de
camadas sucessivas a partir de um modelo ou desenho digital em 3D. Ou seria o serviço em si
passível de tributação? O regime tributário do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) seria capaz
de abranger essa atividade? No contexto brasileiro, seriam passíveis de incidência os impostos
sobre Produtos Industrializados (IPI), Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e Serviços
(ISS)?
No que concerne aos novos materiais, que há alguns anos pareciam inimagináveis, como
seria possível tributar nanomateriais, tais como o grafeno, que apresenta notável aplicação
tecnológica, é extremamente fino e resistente, além de excelente condutor elétrico e térmico? De
acordo com HELERBROCK (2022), atualmente, o grafeno ainda possui um preço elevado em
razão da complexidade envolvida em sua produção. Em suma, é extremamente difícil prever para
onde os avanços em novos materiais poderão levar-nos.
O presente trabalho visa, portanto, a analisar a tributação indireta (ou seja, a tributação
sobre o consumo) no âmbito da economia digital, considerando os novos modelos negociais e
novos produtos, sem esquecer a miríade de objetos que poderão ser inventados nos próximos
anos. As regras atuais – tanto a tributação internacional, quanto nacional – conseguirão alcançar
tais objetos? Qual a movimentação internacional e brasileira no sentido de tributar tais produtos,
a fim de garantir isonomia legal entre os objetos tangíveis e intangíveis? Considerando o modelo
europeu, o IVA apresenta eficácia diante da nova realidade?
Cabe, então, à academia refletir e analisar a realidade, a fim de contribuir no enfretamento dos
desafios desta nova era.
Sendo assim, para analisar e tentar responder tais questionamentos, o trabalho foi dividido
em três partes: (i) o primeiro capítulo visa apresentar o histórico das revoluções industriais, o
cenário imposto pela economia digital e as disrupções já esperadas; (ii) o segundo capítulo foi
dividido em dois tópicos, em que (ii.a) o primeiro apresenta e discorre sobre o direito tributário
internacional, bem como a atuação da OCDE e (ii.b) o segundo apresenta e discorre sobre o
pioneirismo da União Europeia ao tratar da tributação na economia digital, bem como sobre a
utilização do IVA como tributo eficaz para a efetiva tributação destes bens/serviços; por fim, (iii)
o terceiro capítulo traz a situação da tributação indireta no Brasil e sua incidência sobre os
negócios e produtos já existentes, assim como algumas propostas de alteração no sistema
tributário do país para abarcar a nova realidade.
De acordo com SCHWAB (2016), o primeiro marco de mudança na forma como viviam
os seres humanos ocorreu há cerca de 10 mil anos, quando conseguiram domesticar os animais e
iniciaram a agricultura, garantindo sua subsistência. Diversas revoluções industriais surgiram
após a revolução agrícola, iniciando no século XVIII. Essas revoluções foram marcadas pela
substituição da força física humana pela força mecânica como principal força motriz.
Assim, a primeira revolução industrial, ocorrida entre 1760 e 1840, foi marcada pela
construção das ferrovias e invenção da máquina a vapor, que deu início à produção mecânica. A
segunda revolução industrial, ocorrida entre o final do século XIX e início do século XX, foi
marcada pela eletricidade e execução da linha de montagem, tendo possibilitado a produção em
massa. A partir da década de 1960, teve início a terceira revolução industrial, caracterizada pelo
surgimento da computação. Esta última foi impulsionada pelo desenvolvimento de
18
Mesmo diante das várias definições e argumentos acadêmicos que tratam das revoluções
industriais e suas fases, SCHWAB (2016) defende que, a partir da década de 2000, a humanidade
tem vivido a quarta revolução industrial. As tecnologias digitais (computadores, softwares, redes)
não são novas, mas têm causado rupturas à terceira revolução industrial. Ainda que a tecnologia
tenha sido, de certa forma, a origem da terceira revolução industrial, ao se tornar mais sofisticada
e integrada, tem transformado a sociedade e a economia global. O autor destaca ainda a fusão das
novas tecnologias e a interação entre os domínios físicos, digitais e biológicos.
Deste modo, com base em SCHWAB (2016), as principais razões que sustentam a
existência da quarta revolução industrial (e não apenas uma fase da terceira revolução industrial)
são:
- Impacto sistêmico: a velocidade e a amplitude das mudanças geram impacto não apenas
em alguns. O atual mundo multifacetado e profundamente interconectado permite que as
mudanças, além de serem rapidamente transmitidas a outros, alterem sistemas inteiros (países,
empresas, indústrias).
Além da sistematização apresentada pelo autor, as mudanças são facilmente percebidas por
qualquer indivíduo em seu cotidiano. Confira o gráfico abaixo que, a título exemplificativo,
demonstra e compara as maiores empresas em 2006 e 2017, tendo destacado (negrito) aquelas
que se inserem na economia digital:
Figura 2: Maiores corporações mundiais em 2006 e em 2017.
19
Diante deste novo cenário global, CUPERTINO (2022) subdividiu a economia digital nos
seguintes modelos de negócios, considerando os bens, os serviços, os produtos digitais e a
publicidade:
c) produtos digitais, tais como e-books, músicas, vídeos, banco de dados eletrônico e
software;
Assim, neste novo momento histórico, o SCHWAB (2016. Pg. 13) defende: “A tecnologia
não é uma força externa, sobre a qual não temos nenhum controle.” A razão para isso é que, além
dos aspectos mencionados, a quarta revolução industrial é marcada pelo aumento da interconexão
e integração de descobertas e disciplinas distintas. Temos, então, algumas megatendências – ou
seja, tecnologias que aproveitam a capacidade de disseminação da digitalização e da tecnologia
da informação. Para facilitar a compreensão, o autor as dividiu em três categorias (física, digital
e biológica). Entretanto, considerando o propósito do presente trabalho, não apresentaremos as
semelhanças ou diferenças utilizadas para categorizar cada uma delas porque, considerando que
o Direito, notadamente do Direito Tributário, cria suas próprias realidades, todas podem ser objeto
de tributação desde que reflitam manifestações econômicas1.
E quanto aos novos materiais - também inseridos na categoria física das megatendências
da quarta revolução digital -, aqueles que pareciam inimagináveis há alguns anos. Um exemplo é
o grafeno, um nanomaterial com notável aplicação tecnológica, conhecido como o "material mais
fino do mundo" (HELERBROCK, 2022), que é extremamente resistente e um excelente condutor
elétrico e térmico. No entanto, devido à sua complexidade de obtenção, o grafeno ainda é um
1
Sobre a linguagem e a realidade no Direito, CARVALHO (2009, Pg. 173) ensina que: “Pois então, o
território das condutas intersubjetivas, campo de eleição do direito, sendo, como de fato pensamos ser, a
realidade jurídica por excelência, é constituído pela linguagem do direito positivo, tomado aqui na sua mais
ampla significação, quer dizer, o conjunto de enunciados prescritivos emitidos pelo Poder Legislativo, pelo
Poder Judiciário, pelo Poder Administrativo e também pelo setor privado, [...]. São tais enunciados
articulados na forma implicacional das estruturas normativas e organizados na configuração superior de
sistema; eles, repito, que são, formam, criam e propagam a realidade jurídica.”
20
material de alto custo. É extremamente difícil prever para onde os avanços dos novos materiais
levarão a humanidade. Quanto à tributação desses materiais, a questão permanece em aberto e
desafiadora.
Todavia, tratar da categoria física ainda é mais fácil do que tratar sobre a dificuldade de
tributação da chamada internet das coisas – incluída na categoria digital – que abrange a relação
entre qualquer coisa (como produtos, serviços, lugares, etc.) e pessoas através de plataformas e
tecnologias conectadas. Tais plataformas possibilitaram a economia sob demanda (economia
compartilhada), por meio das quais é possível não possuir um bem e utilizá-lo de forma rentável2.
2Sobre a nova realidade negocial, GOODWIN (2015) escreveu: “O Uber, a maior empresa de táxis do mundo,
não possui sequer um veículo. O Facebook, o proprietário de mídia mais popular do mundo, não cria
nenhum conteúdo. Alibaba, o varejista mais valioso, não possui estoques. E o Airbnb, o maior provedor de
hospedagem do mundo, não possui sequer um imóvel.”
21
Conforme destacou JONAS (2021), a situação atual evidencia que tanto a legislação quanto
as autoridades tributárias não estavam preparadas para lidar com mudanças tão significativas. É
por isso que se fala em "disrupção" no âmbito da tributação, especialmente no que se refere à
tributação indireta. No mesmo sentido, ALMEIDA et al. (2022) aduz que a tributação sobre o
consumo deverá acompanhar a evolução dos negócios.
Nesta mesma linha, LANNES et al. (2022) ressaltam que as normas jurídicas existentes
não são suficientes à regulação na era digital, sendo clara a necessidade de adaptação e
reformulação em sua estrutura. De acordo com os autores (LANNES et al., 2022. Pg. 618), “as
semelhanças entre os elementos constituídos no ambiente digital e eletrônico são de tal forma
complexos que a semelhança entre os espaços físicos e virtuais tornam o juízo analógico
inviável”. Ou, ainda pior, o sistema jurídico poderia se tornar anacrônico, com remendos que se
mostram inviáveis ao alcance da segurança jurídica pretendida.
3
Veja LANNES et al. (2022. Pg. 629): “Percebeu-se que há uma grande dificuldade de se adaptar as normas
jurídicas existentes aos fatos e interações sociais que acontecem no ambiente virtual e, aí não só ao direito
tributário. A transformação digital e a migração das relações a um ambiente virtual se mostram desafiador
para a compreensão humana e todas as dinâmicas que delas decorrem.”
4
A OCDE publicou, em 12 de fevereiro de 2013, o Addressing Base Erosion and Profit Shifting, em que
expôs a preocupação com a erosão das bases tributárias e a necessidade de medidas para harmonização da
legislação tributária internacional.
23
Diante da constatação da não subsunção dos novos fatos jurídicos às normas atuais,
LANNES et al. (2022) afirmam que a alternativa internacional tem sido a criação de tributação
específica para a economia digital. No entanto, os autores destacam que alguns países da América
Latina (como México, Peru, Colômbia, Paraguai e Equador) optaram por ajustar seus sistemas
tributários à nova realidade econômica. Nesses casos, a legislação interna deve garantir que os
tributos existentes sejam aplicados aos novos modelos de negócios em formato digital.
5
Veja a notícia divulgada no sítio eletrônico no Tribunal: “Porém, a maioria dos ministros (Alexandre de
Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Luiz Fux)
acompanhou a conclusão do ministro Dias Toffoli, para quem a elaboração de softwares é um serviço que
resulta do esforço humano. No voto apresentado em novembro de 2020, Toffoli entendeu que tanto no
fornecimento personalizado por meio do comércio eletrônico direto quanto no licenciamento ou na cessão
de direito de uso está clara a obrigação de fazer na confecção do programa de computador, no esforço
intelectual e, ainda, nos demais serviços prestados ao usuário.”
24
Deste modo, mesmo que haja certa diretriz internacional à tributação, CUPERTINO (2022)
afirma também que o modelo atual de repartição da competência tributária em operações
transnacionais é voltado apenas para bens e serviços tangíveis. Assim, sua aplicação para modelos
de bens e serviços intangíveis é inapropriada.
6
Sobre a utilização do conceito de “estabelecimento”, CUPERTINO (2022. Pg. 38) esclarece: “O conceito
de estabelecimento constou da consolidação do primeiro modelo de Convenção Multilateral para evitar a
dupla tributação elaborado pela Liga das Nações e foi adotado pela Convenção Modelo da OCDE. A partir
daí, países membros e não-membros da OCDE incluíram tal conceito em seus tratados bilaterais para evitar
a dupla tributação internacional, e assim deixar clara a aplicação do princípio da fonte quando da existência
de estabelecimento permanente no exterior.”
25
Sendo assim, podemos concluir que a convenção buscou a tributação de diversos fatos
jurídicos (como demonstra o item 2 do artigo 2º), tendo como foco tributar o ganho percebido na
operação. Assim, não há que se falar em uma espécie de tributação indireta7 internacional, posto
que esta já estaria abrangida pela tributação internacional da renda/rendimentos, nos termos da
Convenção Modelo da OCDE.
De acordo com PALMA (2022), o Plano BEPS - aprovado em julho de 2013 pelos
Ministros das Finanças do G20 e em setembro de 2013 pelos líderes do G20 - previa 15 ações a
serem implementadas que giravam em torno de 5 temas-chaves interligados: a coerência, a
substância, a transparência, os desafios da economia digital e o desenvolvimento de um
instrumento multilateral. Em 05 de outubro de 2015, a OCDE apresentou as conclusões e
recomendações de 15 relatórios finais sobre o Plano Anti-BEPS, em que se reconheceu as
dificuldades impostas pela economia digital à tributação. Deste modo, em 2018, foi publicado um
relatório intermediário sobre a tributação na economia digital. Este, conforme afirmou PALMA
(2022), analisou a necessidade de adaptar o sistema fiscal internacional à digitalização da
economia. Destarte, tornou-se evidente a necessidade de reforma das normas fiscais
internacionais aplicáveis à economia digital, especialmente em relação ao conceito de
estabelecimento permanente, preços de transferência e atribuição de lucros para serviços digitais.
7
Tributação indireta nos moldes conhecidos pelo Direito Tributário Brasileiro, ou seja, tributação sobre o
consumo. Sobre o tema, PISCITELLI (2019. Pg. 529) lembra: “Desde logo, porém, recorde-se que o Brasil,
diferente da maioria dos países, não possui um único imposto que contempla a tributação indireta de bens
e serviços. A competência para criar tributos que oneram o consumo está dividida entre os três entes da
Federação: União, estados e municípios.”
26
Deste modo, LANNES et al. (2022) defende a necessidade de reformulação dos conceitos
de “sede” e “estabelecimento”, já que estes se baseiam na presença física no local de
comercialização do produto ou serviço. É necessário que os conceitos sejam atualizados e
padronizados, o que não implica em padronização dos sistemas tributários. Os autores defendem
a coordenação a nível internacional diante da intimidade entre a economia digital e a globalização.
b) Princípio da Eficiência, que dispôs sobre a minimização dos custos de cobrança, assim
como dos riscos de fraudes e evasão fiscal.
8
Sobre a tributação na fonte, que prevalecia até recentemente, CUPERTINO (2022. Pg. 37) justifica: “A
tributação pelo país fonte justifica-se, porque é esse Estado que tem os benefícios relevantes na produção
da renda e, consequentemente, incorreu em custos para que tais benefícios fossem criados. Por essa razão,
a tributação é uma espécie de medida compensatória para o governo que arcou com tais custos.”
27
(iii) taxa sobre as receitas geradas pela prestação de serviços digitais ou atividades
publicitárias.
Deste modo, PALMA (2022) ressalta a conclusão do bloco econômico pela revisão do
conceito de estabelecimento permanente, constante no artigo 5º da Convenção Modelo da OCDE,
assim como das regras relativas à imputação de lucros constante nos artigos 7º e 9º da convenção
e os princípios relacionados a preços de transferência, a fim de se assegurar uma imputação
equitativa dos lucros à presença digital significativa ou com ela relacionados9.
Neste sentido, LANNES et al. (2022) destacaram duas propostas da Diretiva da Comissão
Europeia. A primeira se referia à criação do "imposto sobre serviços digitais" e a segunda
pretendia estabelecer um ponto de conexão alternativo ao estabelecimento permanente,
denominado pela proposta de “presença digital significativa”.
9
De acordo com PALMA (2022. Pg. 582): “Sublinhou-se, assim, a necessidade de adaptar as convenções
em matéria de dupla tributação celebradas entre Estados membros e jurisdições fora da EU no sentido de,
em primeiro lugar, alargar o conceito de estabelecimento estável, de forma a incluir uma presença digital
significativa pela qual a atividade de uma empresa seja total ou parcialmente exercida noutra jurisdição, e,
em segundo lugar, incluir regras de imputação de lucros a uma presença digital significativa ou com ela
relacionados.”
28
com PALMA (2022. Pg. 591), “o conceito de presença digital significativa tem por objectivo
estabelecer um vínculo tributável numa jurisdição e deve ser visto como um complemento do
conceito de estabelecimento estável existente”. Dentre as regras para estabelecimento deste
vínculo encontram-se:
Sendo assim, a Diretiva visou estabelecer tais conceitos, seus parâmetros e tributar os
lucros oriundos da presença digital como se houvesse uma empresa separada e independente.
Quanto à Diretiva que trata do Imposto sobre Serviços Digitais (ISD), este é um imposto
sobre as receitas decorrentes de determinadas prestações de serviços digitais. Entretanto, PALMA
(2022) alerta tratar-se de uma solução temporária indicada pela Comissão, tendo em vista a
necessidade de resposta aos Estados Membros.
De acordo com LANNES et al. (2022), ainda que não aprovadas, ambas as propostas de
Diretivas, representam o interesse sobre o tema pela Comissão e deixaram importante legado, que
possibilitou a alguns Estados Membros criarem impostos unilaterais para a tributação na
economia digital10. Segundo os autores, esses impostos unilaterais podem ter dois efeitos: (i)
funcionar como uma solução temporária para a perda de receita fiscal, bem como (ii) servir como
uma ferramenta de pressão política, tanto para a União Europeia quanto para a OCDE, com o
objetivo de forçar um avanço para a criação de uma solução definitiva, a nível internacional, para
permitir a tributação direta e indireta na economia digital.
Entretanto, como demonstrado no item anterior, a OCDE tem tido importante atuação para
definir e solidificar a tributação na economia digital, razão pela qual diversas propostas em trâmite
na Comissão Europeia não são efetivadas. Aguarda-se a padronização internacional, como
objetiva a OCDE.
Porém, mesmo após as medidas adotadas pelas OCDE, a União Europeia reiterou a
possibilidade da instituição do imposto digital. Em 25 de março de 2021 foi divulgada a
Declaração dos membros do Conselho Europeu, por meio da qual o Conselho alertou e reiterou:
Salientamos a necessidade de dar urgentemente resposta aos desafios fiscais
decorrentes da digitalização da economia, a fim de assegurar que todos os
operadores paguem a sua justa quota-parte de impostos. Reiteramos a nossa
forte preferência e o nosso forte empenho numa solução mundial para a
tributação digital internacional, e esforçar-nos-emos por chegar a uma solução
consensual até meados de 2021 no âmbito da OCDE. Confirmamos que a
União Europeia estará disposta a avançar, caso não haja perspetivas de solução
a nível mundial. Recordamos que a Comissão apresentará, no primeiro
semestre de 2021, como base para um recurso próprio adicional, uma proposta
10
Embora as tentativas unilaterais de tributação na economia digital ocorram em diversos países do mundo,
LANNES et al. (2022. Pg. 622) exemplificam: “Como exemplo de tributo a incidir sobre a economia digital
criado unilateralmente entre os Estados Membros da UE é possível identificar o Imposto sobre
determinados serviços digitais criado pela Espanha através da Lei 4/2020, de 15 de outubro, que incide
sobre os serviços de publicidade online, de intermediação para facilitação de entrega de bens e serviços,
bem como sobre os serviços de transmissão de dados pessoais.”
29
relativa a um imposto digital, tendo em vista a sua introdução o mais tardar até
1 de janeiro de 2023.
Contudo, em 12 de julho de 2021 a União Europeia anunciou a suspensão da proposta do
imposto digital. Portanto, tendo em vista uma espécie de reforma tributária internacional em razão
da dificuldade de tributação dos novos produtos oriundos da economia digital, encontram-se
vigentes atualmente apenas as propostas oriundas do BEPS, cujo enfoque volta-se à tributação da
renda/rendimentos.
(i) Não deveriam ser previstos novos impostos ou impostos suplementares no comércio
eletrônico, cabendo aos países adaptarem os impostos existentes, notadamente o IVA;
(ii) As entregas de produtos por meio eletrônico não deveriam ser consideradas, para efeitos
da tributação sobre o consumo, como bens, mas sim como serviços (no caso do IVA);
Desde então, após várias mudanças no chamado pacote IVA para o comércio eletrônico,
em 15 de março de 2022 foram aprovadas pelo Conselho Europeu as conclusões após as últimas
ações executadas. Sobre tais mudanças, PALMA (2022) destaca os seguintes tópicos:
c) o IVA sobre as vendas transnacionais inferiores a 10.000 euros deve ser tratada a nível
nacional;
d) as pequenas e médias empresas serão beneficiadas por procedimentos mais simples para
as vendas transnacionais até 100.000 euros.
Ao tratar da tributação indireta não seria possível deixar de falar no IVA (Imposto sobre
Valor Agregado), ainda que uma espécie tributária semelhante não exista atualmente no Brasil.
Por esta razão, especula-se que o IVA – que possui diversos nomes e regras variadas conforme o
país –, em razão da suposta amplitude e simplicidade da base tributável, estaria mais adequado à
incidência no ambiente digital.
Neste sentido, LUKIC (2020) afirma que a adoção de um modelo de IVA nos padrões
internacionais solucionaria grande parte das dificuldades da tributação indireta no Brasil,
sobretudo aquelas relativas à tributação da economia digital. Isto porque ele ultrapassa as
fronteiras da dualidade entre produtos e serviços, o que torna obsoleto e inaplicável o sistema
tributário com bases fragmentadas, como é o brasileiro.
Entretanto, CINTRA (2018) discorda desta ideia ao afirmar que este tributo exige o
acompanhamento físico das transações econômicas. Neste sentido, PISCITELLI (2019) afirma
30
que, mesmo no contexto de países que adotam o IVA para a tributação indireta de bens e serviços,
há debates relevantes em razão da classificação de todos os e-services e bens digitais como
serviços, de forma genérica, o que comprova a ausência de subsunção dos novos fatos digitais ao
IVA de forma automática.
De acordo com ALMEIDA et al. (2022), os europeus têm enfrentado grandes problemas
relacionados à evasão tributária do IVA. Esta técnica de tributação – que objetiva onerar o
consumidor final mediante incidência plurifásica na cadeia produtiva, a fim de que o tributo incida
apenas sobre o valor agregado em cada etapa – traz vantagens e desvantagens. Dentre as
vantagens, os autores indicam a neutralidade econômica e a autofiscalização. Entretanto, a
possibilidade de abater o imposto a pagar pelas vendas futuras é também sua principal fonte de
vulnerabilidade e fragilidade, que possibilita o cometimento de fraudes e evasão fiscal.
Sendo assim, considerando que a tributação do consumo deve acompanhar os novos bens
e serviços oriundos da economia digital, ao invés de simplesmente indicarem que a tecnologia
deve ser usada para prevenir tais fraudes, ALMEIDA et al. (2022) propõem um novo tipo de IVA
através da reengenharia de processos11, o qual deverá abranger: (a) redução das obrigações
acessórias; (b) melhor utilização dos recursos públicos destinados às fiscalizações tributárias; (c)
redução da litigiosidade tributária; (d) eliminação gradual da evasão tributária sobre o consumo e
redução da carga tributária; (e) proteção da livre e justa concorrência.
Ao analisar a subsunção dos novos bens e serviços ao IVA Canadense, LUKIC (2020)
defende que a amplitude da base de cálculo do tributo inclui a maioria dos produtos e serviços da
economia digital. Sendo assim, tendo abrangido as operações, a dificuldade residiria na definição
do local em que ocorre o fato gerador.
Não obstante, CINTRA (2018) afirma que, diante da economia digital – caracterizada pelo
autor como a era das transações eletrônicas, do comércio pela internet, da volatilidade e
mobilidade de fatores - os modelos de IVAs possibilitam variadas formas de evasão fiscal, bem
como exigem crescente burocracia e infindáveis controles em sua fiscalização. Para ele, as
características da revolução digital são incompatíveis com os tributos convencionais.
11
De acordo com ALMEIDA et al. (2022. Pg. 544), “a reengenharia de processos é uma estratégia de gestão
que analisa o uso intensivo da tecnologia para desenho dos fluxos de trabalho e processos dentro de uma
organização.”
31
No que se refere aos aplicativos de comida, é demonstrado por MELO (2021) que há uma
relação contratual de agência entre os restaurantes e as empresas de tecnologia responsáveis pelo
desenvolvimento das plataformas, resultando na incidência do ISS. Nesse contexto, a utilização
das plataformas digitais contribui para a expansão da divulgação das atividades dos restaurantes,
trazendo benefícios financeiros para ambas as partes. No entanto, em relação à aplicação das
regras tributárias atuais, é difícil quantificar o serviço prestado para atender aos critérios da regra
matriz de incidência tributária. Além disso, mesmo que haja incidência do ISS, ainda é incerto
quem será o sujeito ativo responsável pela cobrança do tributo. De acordo com MELO (2021), a
competência é do local do estabelecimento prestador do serviço, mas essa conclusão pode permitir
a adoção de medidas de evasão fiscal e prejudicar os municípios menores.
32
Diante do exemplo citado (análise da tributação indireta dos aplicativos de comida), vê-se
a dificuldade na aplicação das regras existentes aos novos modelos negociais e aos novos produtos
oriundos da economia digital, o que demonstra a impossibilidade da realização de tal análise a
cada novo evento possivelmente tributável, haja vista violação à segurança jurídica do
contribuinte. Evidentemente, ante as dúvidas e conflitos, as situações são levadas ao Supremo
Tribunal Federal (STF), que analisa a tributação caso a caso. Destaca-se, então, a atuação do
tribunal no caso da tributação do software.
Após anos de dúvidas, apenas em fevereiro de 2021 o STF finalizou o julgamento das ADIs
5659 e 1945, que tratavam do tema, tendo decidido pela constitucionalidade da incidência do
ISS12. Entretanto, PISCITELLI (2019) ressalta a inexistência de conflito quanto à incidência do
ISS sobre os serviços de streaming e computação em razão da previsão expressa na LC n.
157/2016.
Porém, além do conflito de competência (ICMS x ISS), MARTÍNEZ et al. (2019) destacam
o conflito entre a tributação sobre a venda (origem) e destino (aquisição) e o problema brasileiro
da mobilidade tributária, o que enseja a profundidade da guerra fiscal existente entre os entes
federados. De acordo com os autores, a legislação brasileira tornou-se disfuncional diante das
transações globais próprias da economia digital. Por isso, propõem o deslocamento do fato
jurídico tributável (fato gerador) para o momento da aquisição (destino) ao invés da saída
(origem), o que colocaria o consumidor como contribuinte de fato e de direito, cabendo à
legislação indicar um responsável tributário. O mesmo raciocínio seria seguido no âmbito do ISS.
Assim, seria efetivado o princípio do destino na tributação sobre o consumo, abarcando todas as
operações empresa-consumidor (B2C – Business-to-Consumer) e consumidor-consumidor (C2C
– Consumer-to-Cunsumer).
Por fim, MARTÍNEZ et al. (2019) ressaltam que, de forma ainda mais ousada, a fusão dos
dois impostos (ICMS e ISS), mediante alíquota única com partilha entre os entes federados
(estados e municípios), traria à tributação: neutralidade, eficiência, certeza, simplicidade, eficácia,
equilíbrio, flexibilidade, transparência, praticidade e funcionalidade. Percebe-se a semelhança da
proposta com a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), tributo cuja criação visa à unificação
de tributos nos moldes do IVA13.
12
Confira a tese firmada pelo tribunal: “É constitucional a incidência do ISS no licenciamento ou na cessão
de direito de uso de programas de computação desenvolvidos para clientes de forma personalizada, nos
termos do subitem 1.05 da lista anexa à LC 116/03.”
13
Sobre a proposta de criação da CBS e as propostas de reforma tributária no Brasil, veja o que disse
MELINA et al. (2021): “A CBS foi apresentada como um IVA Federal. A exposição de motivos do PL
33
De fato, o Brasil não possui, atualmente, nenhum tributo que se assemelhe ao IVA. Embora
o ICMS possa se aproximar da ideia de tributo sobre o valor agregado em razão de sua não
cumulatividade, ele não é um tributo de caráter nacional e não assegura efetivamente ausência de
tributação sobre as empresas, ou seja, a despeito da prescrição legal, o imposto nem sempre onera
apenas o valor agregado e representa grande ônus tributário à empresa. O ISS, por sua vez, é
imposto cumulativo.
3) Quanto à atribuição de responsabilidade aos usuários finais, esta não é defendida pela
OCDE. Em geral, os consumidores finais não têm conhecimento da obrigação de pagar impostos,
além de não possuírem estrutura jurídica e contábil para fazê-lo. PISCITELLI (2019) ainda
ressalta que, no Brasil, essa determinação seria claramente inconstitucional por ampliar a sujeição
passiva do ICMS.
4) Em relação aos cadastros estaduais das empresas que fornecem bens digitais, conforme
estipulado pelo Convênio ICMS n. 106/2017, há conformidade com as diretrizes da OCDE que
exigem a criação de registros nacionais ou regionais para a coleta do IVA. Essa exigência permite
a identificação do contribuinte e pode simplificar o recolhimento do imposto devido. No entanto,
o convênio requer um registro estadual e não nacional, o que obriga muitas empresas a fazerem
um registro em cada estado em que operam, sem mencionar as peculiaridades da tributação em
cada um deles. Portanto, embora essa determinação exista, ela não atende aos objetivos propostos
pela OCDE e pode violar o princípio da neutralidade ao impor ônus significativos.
Realizada a análise, PISCITELLI (2019) conclui que, mesmo com os problemas brasileiros
em relação à sua tributação sobre o consumo, há relativa coesão com as diretrizes mais gerais
impostas pela OCDE. O ICMS, a princípio, parece ter a estrutura jurídica próxima às orientações
da OCDE. Entretanto, de acordo com a autora, é questionável a constitucionalidade da incidência
3.887/20 repete em dez ocasiões que a CBS é um tributo sobre o valor adicionado. A apresentação feita
pela equipe do governo federal, no dia em que o projeto foi apresentado, igualmente ressaltou que a CBS é
um tributo sobre o valor adicionado, inclusive mencionando que seria compatível com as PECs 45/19 e
110/19.”
14
De acordo com PISCITELLI (2019, Pg. 528): “Em resumo, com o documento, a OCDE pretende firmar
posição clara quanto à tributação no destino e prever medidas práticas de identificação do local do consumo,
mesmo nas hipóteses de empresas multinacionais, tudo como forma de assegurar a neutralidade na
tributação indireta do comércio internacional.”
34
nos termos do Convênio ICMS n. 106/2017. Por outro lado, ao trazer as materialidades do
imposto, as leis complementares relativas ao ISS (LC n. 116/2003 e LC n. 157/2016) tornam este
o tributo mais adequado no ponto de vista constitucional. Entretanto, os municípios brasileiros
não teriam estrutura para aderir às orientações internacionais.
Parece corroborar com esta conclusão o estudo de LUKIC (2020), que analisou a tributação
indireta, notadamente a efetividade do IVA, em países federativos. Concluiu a autora que “um
IVA com base ampla tende a abranger todos os serviços e produtos fornecidos pela economia
digital.” (LUKIC, 2020, Pg. 301). A dificuldade, para países federativos, se restringiria à
localidade do fato gerador e, consequentemente, à alíquota aplicável. Entretanto, como visto, com
a criação de um imposto federal, com ampla base de incidência, tal dificuldade seria superada,
possibilitando a tributação indireta na economia digital nos moldes internacionais.
2.5 Conclusão
A nova realidade imposta pela economia digital é um fato. Através dela, os seres humanos
mudaram sua forma de viver. Mas, destas inovações, vários foram os produtos e tipos de negócios
criados, para os quais a legislação não estava preparada. Com o intuito de impedir ausência de
isonomia legal entre os produtos tradicionais/tangíveis e os produtos oriundos da economia
digital, o presente artigo analisou a tributação indireta na economia digital, ou seja, como os países
e organismo internacionais, bem como o Brasil, têm lidado com os novos produtos em relação à
sua tributação.
Assim, o primeiro capítulo deste trabalho apresentou a economia digital como produto da
quarta revolução industrial. Ainda que a computação componha a terceira revolução industrial, o
movimento tecnológico percebido pela humanidade após os anos 2000 trouxeram a computação
a um novo patamar e possibilitaram o desenvolvimento de grandes negócios e produtos que são
cada vez mais utilizados por cada indivíduo. Espera-se, inclusive, que tais mudanças continuem
ocorrendo, como aponta o relatório de expectativas (pontos de inflexão), publicado em 2015,
publicado pelo Fórum Econômico Mundial.
15
A criação do tributo busca fundamento no artigo 154 da Constituição Federal, que confere tal
competência à União Federal.
35
Por fim, o terceiro capítulo, com foco na tributação indireta brasileira, apresentou as
dificuldades oriundas das regras nacionais, seja em relação ao conflito de competência (ICMS X
ISS), seja em relação à dificuldade em razão da localidade da ocorrência do fato gerador. Após,
foi estudada a impossibilidade de avaliação de cada novo produto, a fim de enquadrar a sua
tributação, bem como algumas propostas de alteração da legislação ou criação de um tributo –
abrangidas, eventualmente, pelas chamadas Reformas Tributárias em trâmite no Congresso
Nacional – para abarcar os novos produtos da economia digital.
Confirmamos, outrossim, a ideia inicial de que os novos produtos devem ser tributados,
embora as regras atuais – internacionais e nacionais – sejam incapazes de fazê-lo de forma
automática. A revisão de alguns conceitos (como o de “estabelecimento permanente” e a
Convenção Modelo da OCDE) são necessárias. Percebemos que a OCDE e a União Europeia têm
ditado importantes orientações, não apenas sobre a tributação direta, mas também sobre a
tributação do consumo, as quais - considerando a globalização, a dificuldade atinente à definição
do aspecto territorial do fato gerador e o intuito do Brasil em integrar a OCDE – o país faria bem
em adaptar internamente, seja por meio da criação de uma espécie de IVA ou de um “imposto
digital”.
16
De forma eficiente, diversos estudos têm sido publicados em relação à tributação na economia digital.
Embora não possamos apresentar e analisar cada um deles e a incidência tributária sobre todas as espécies
de bens oriundos da economia digitais, os seguintes artigos se mostraram relevantes diante de seu escopo:
- A (não) incidência da CIDE sobre remessas de pagamentos de serviços de computação em nuvem (SAAS)
de Ana Carolina Carpinetti, Renato Henrique Caumo e Victoria Puperi da Rosa;
- Tributação de Novas Tecnologias: o Caso das Criptomoedas de Liziane Angelotti Meira, Filipe Soares
Dall’ora e Hadassah Laís S. Santana;
- Tributação e Inteligência Artificial de Paulo A. Caliendo V. da Silveira.
- Aspectos Tributários nas Operações com Dados de Lisa Worcman e Renata Correia Cubas;
- Tributação da Economia Compartilhada: Caso das Plataformas Digitais de Transporte e Hospedagem sob
a Perspectiva do ISS de Tathiane Piscitelli.
36
RESUMO
ABSTRACT
The purpose of this article is to analyze the income tax initiatives of large technology
companies. For that, a literature search was implemented in order to observe government analyzes
and expectations in relation to taxation. This study addresses the current situation of the Brazilian
Tax System, notably with regard to international income taxation in countries, considering the
guidelines of the OECD. It also presents the brazilian initiatives that aim the taxation of new
technologies, as well as analyzing the difficulties of implementing international guidelines by
Brazil, given its peculiarities. The topic proved to be quite wide and with possibilities for further
research, which could deepen the question of reconciling the international scenario and the digital
tax with brazilian sovereign designs.
KEYWORDS: Digital Economy. Taxation 4.0. Income tax. Big Tech. Technology.
3.1 Introdução
Na era da revolução digital, as empresas Apple, Netflix, Google, Amazon, Facebook
apresentaram exponencial crescimento considerando a adesão de consumidores aos serviços
prestados. De acordo com RIBEIRO (2019), o movimento foi realmente muito expressivo. As
atividades comuns no passado, como locar um filme em uma locadora ou consultar um mapa,
foram totalmente substituídas. Os usuários dos serviços digitais alcançam a cifra dos milhões e o
número cresce diariamente. A tecnologia está cada vez mais presente, seja para lazer, seja como
uma ferramenta de trabalho ou estudo, seja para apenas facilitar o cotidiano e melhorar serviços
que já existiam.
38
Para alcançar o patamar atual, estas empresas foram extremante inovadoras em sua forma
de gerar valor. A Uber, mesmo sendo uma grande empresa de transporte de passageiros, não
possui veículos em sua frota. O grupo Alibaba, conhecido gigante do varejo virtual, não possui
produtos em seu estoque. O Facebook, grande empresa de mídia, não produz nenhum conteúdo.
O Airbnb, empresa ligada à hospedagem, não é proprietária de hotéis. O serviço prestado por eles
assemelha-se a um tipo de gerenciamento de dados.
Com a utilização da internet, os custos foram reduzidos e, por conseguinte, também o preço
para o consumidor final, tornando as novidades ainda mais atrativas. Afinal, taxis, motoristas de
entrega, aluguel de mídia ou de imóvel para temporada já existiam; mas, a maneira inovadora e
barata de fornecimento destacou-se e possibilitou o crescimento do mercado consumidor e o
surgimento e consolidação dessas empresas.
Embora este seja o valor de mercado das empresas, a receita bruta registrada por elas é
ainda mais surpreendente. O sítio da Apple, por exemplo, em setembro/2021 mostrou que “a
empresa registrou a maior receita do trimestre para setembro, no valor de US$ 83,4 bilhões, um
aumento de 29% na comparação ano a ano, e lucro diluído de US$ 1,24 por ação”. No caso da
Meta (antigo Facebook), foram registradas receitas totais de US$ 29 bilhões entre julho e
setembro de 2021 e lucro de US$ 9,19 bilhões. A Uber previu lucro ajustado de US$ 25 a US$ 75
milhões no último trimestre de 2021, embora sua receita tenha sido de US$ 4,8 bilhões. Este
resultado, divulgado em novembro/2021, foi o “primeiro resultado operacional positivo em uma
base ajustada desde que a empresa foi lançada há mais de uma década”.
Diante deste cenário, os governos mundo afora têm questionado a desigualdade – na seara
fiscal – entre as empresas de tecnologia e as empresas tradicionais. Além disso, as empresas de
tecnologia não costumam empregar número considerável de pessoas nos locais em que operam,
embora explorem intensamente o mercado consumidor; isso que significa, em última instância,
retirada de capital dos consumidores para aquisição de serviços no exterior.
No Brasil, com base em dados divulgados pela Secretaria da Receita Federal, o deputado
federal João Maia realizou um levantamento e concluiu que estas empresas pagam 76% menos
impostos sobre lucro no Brasil se comparadas com as empresas tradicionais. De acordo com o
39
estudo, “companhias como Google e Facebook pagam valores de IRPJ (Imposto sobre a Renda
da Pessoa Jurídica) e CSLL (Contribuição sobre o Lucro Líquido) correspondentes a 4,4% do
resultado líquido. Para as demais, o percentual é de 19,1%”.
Sendo assim, considerando também as medidas que têm sido adotadas por outros países e
pela OCDE em relação aos serviços prestados pelas grandes empresas de tecnologia, o Brasil
deverá se debruçar sobre tais iniciativas e analisar se estabelecerá parâmetros diferentes de
tributação para estas empresas ou se se alinhará às diretrizes fixadas pela OCDE, internalizando-
as no país.
Assim, em face da nova realidade imposta pela economia digital, considerando o vultoso
crescimento das empresas de tecnologia e as receitas movimentadas, bem como o intuito dos
países de tributá-las, o presente artigo visa contribuir com a discussão da tributação da renda das
empresas de tecnologia. Busca-se verificar as dificuldades da tributação da renda destas empresas
por meio do exame das ações propostas e adotadas no mundo, especialmente aquelas sugeridas
pela OCDE e o Global Tax Pack. Será examinada também a posição do Brasil e as ações adotadas
internamente, bem como a dificuldade na implementação das sugestões oriundas da Tributação
Internacional.
Para tanto, o artigo divide-se em quatro capítulos, que abordam os principais pontos
relativos à tributação das gigantes da tecnologia, tanto a nível mundial, quanto doméstico. O
primeiro apresenta a posição brasileira no âmbito da tributação internacional da renda e examina
a incorporação nacional de princípios do Direito Tributário Internacional. O segundo traz
anotações sobre a denominada “Quarta Revolução Industrial”17, com ênfase nos desafios criados
para a tributação. O terceiro dedica-se às iniciativas da OCDE, em conjunto com diversos países,
no combate às dificuldades impostas à tributação internacional pela economia digital. No último
capítulo, apresentam-se as iniciativas brasileiras relativas à tributação da renda de tais empresas,
bem como examina-se a aplicação ao Brasil das diretrizes fixadas pela OCDE. São apresentadas,
nas considerações finais, a percepção das autoras em relação às iniciativas brasileiras de
tributação das grandes empresas de tecnologia, bem como algumas conclusões sobre as
dificuldades de adaptação do Brasil às normas fixadas pela OCDE.
17
Termo utilizado por Klaus Schwab em seu livro “A Quarta Revolução Industrial”.
18
A tabela vigente, abaixo colacionada, poderá ser conferida em https://www.gov.br/receitafederal/pt-
br/assuntos/orientacao-tributaria/tributos/irpf-imposto-de-renda-pessoa-fisica (acesso em 24 fev. 2022):
Base de cálculo (R$) Alíquota (%) Parcela a deduzir do IRPF
(R$)
Até 22.847,76 - -
De 22.847,77 até 33.919,80 7,5 1.713,58
De 33.919,81 até 45.012,60 15 4.257,57
40
Todavia, há diversas críticas à sistemática adotada no país, como: (i) a tributação da renda
no Brasil não seria realmente progressiva e não respeitaria a capacidade contributiva do
contribuinte, como determina a Constituição Federal; (ii) a tabela do imposto de renda encontra-
se defasada, porque não tem suas faixas corrigidas desde 2015, de modo que o contribuinte é
sistematicamente cada vez mais tributado em razão da inflação.
A legislação exige que todo valor que entre no país, para pessoa física ou jurídica, seja
declarado por quem o recebeu e, caso se trate de renda, seja devidamente tributado19. O mesmo
ocorre quando valores internos são enviados para o exterior a título de remuneração; o imposto
deve ser retido na fonte20. Uma pessoa estrangeira, residente no país, será tributada pelo imposto
de renda, mesmo em relação a rendimentos oriundos de fontes localizadas no exterior; um
brasileiro residente em outro país deverá recolher imposto de renda quando a fonte pagadora
estiver localizada no Brasil. Nestes casos, há acordos para evitar a bitributação com vários países.
Mas, caso não haja, poderá ocorrer essa dupla tributação.21
No que tange às pessoas jurídicas sediadas no Brasil, estas deverão recolher 15% de
imposto de renda sobre o lucro (seja ele apurado ou presumido), acrescido de 20% a título de
adicional do imposto (IRPJ)22. Sobre base de cálculo semelhante ainda incidirá a CSLL
(Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), cuja alíquota geral é de 9%23.
Atenta à erosão da base tributável oriunda da transferência de receitas entre diversos países,
a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) criou o BEPS (Base
Erosion and Profit Shifting24), uma iniciativa que visa à atuação global com o intuito de evitar
especialmente que as organizações multinacionais, mediante planejamento tributário e
transferências de receitas, não sejam tributadas em nenhum país ou sejam em um quantum
excessivamente baixo.
19
O Decreto nº 9.580, de 22 de novembro de 2018 (Regulamento do Imposto sobre a Renda - RIR), no seu
art. 1º, caput, prevê que: “As pessoas físicas que perceberem renda ou proventos de qualquer natureza,
inclusive rendimentos e ganhos de capital, são contribuintes do imposto sobre a renda, sem distinção de
nacionalidade, sexo, idade, estado civil ou profissão.”
20
O Decreto nº 9.580, de 22 de novembro de 2018 (Regulamento do Imposto sobre a Renda - RIR), no seu
art. 1º, §2º, dispõe: “As pessoas físicas residentes no exterior terão suas rendas e seus proventos de qualquer
natureza, inclusive os ganhos de capital, percebidos no País tributados de acordo com as disposições
contidas nos Capítulos V e VI do Título I do Livro III.”
21
A lista de países com os quais o Brasil celebrou acordo para evitar a bitributação está disponível no sítio:
<https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/acesso-a-informacao/legislacao/acordos-internacionais/acordos-
para-evitar-a-dupla-tributacao/acordos-para-evitar-a-dupla-tributacao>. Acesso em: 26 mai. 2022.
22
Conforme o art. 225 do Decreto nº 9.580, de 22 de novembro de 2018 (Regulamento do Imposto sobre
a Renda – RIR.
23
Conforme o art. 3º da Lei no. 7.689, de 15 de dezembro de 1988.
24
Erosão de base tributária e transferência de lucros.
41
Neste cenário, as mudanças e evoluções têm sido experimentadas de forma mais rápida.
São mudanças que impactam todos de maneira imediata e profunda, ocasionando a transformação
completa do mundo, em todos aspectos, social, econômico, cultural, do trabalho etc.
O principal ativo passa a ser o cérebro; como afirma REZENDE (2016), os bens corpóreos,
como tamanho físico, passam a ser um passivo. Inovação, agilidade e capacidade de organização
são necessários para aprender é o que se destaca. Por isso, o autor cita uma nova estratégia de
negócios denominada “Oceano Azul”:
42
(ii) Múltiplas faces dos modelos de negócios, que podem depender da interação de grupos
distintos por meio de uma plataforma. Se um lado cria externalidade positiva, para o outro, o
preço por ele praticado pode aumentar.
(iii) As inúmeras possibilidades criadas pelo avanço da computação na nuvem nos negócios
digitais, que atualmente se desdobram em três modalidade: Infraestrutura como um Serviço
(IaaS), Plataforma como um Serviço (PaaS) e Software como um Serviço (SaaS).
Neste modelo negocial, a estratégia é o valor gerado pela inovação (value innovation),
buscando-se tornar a competição irrelevante já que o objetivo passou a ser abrir novos e
incontestáveis mercados. Isso não permite que uma empresa se acomode. Afinal, os baixos custos
marginais e a não rivalidade da maioria dos bens digitais permitem que novas empresas surjam a
todo momento, empresas que podem substituir aquelas que já existem (ainda que detenham, de
certa forma, alguma hegemonia no mercado) em um período relativamente curto de tempo.
As mudanças têm concorrido para a erosão da base tributável da renda mediante o acesso
de empresas a mercados em que não estão fisicamente estabelecidas. Isso ocorre pela repartição
43
de atividades entre jurisdições de forma a gerar lucro onde a tributação é mais baixa, bem como
por meio de pagamentos destinados a subsidiárias localizadas em países de tributação favorável.
(i) não deve haver um regime especial de tributação para empresas digitais.
Por isso, o relatório da União Europeia defendeu novo critério baseado na noção de
presença econômica significativa (SEP). Como critério para identificar sua existência, propôs a
adoção do conceito de Presença Digital Efetiva. Por meio de informações sobre a atividade do
utilizador na cadeia de geração de valor, seria definida a existência de um estabelecimento virtual
permanente, cuja caracterização dependeria de critério objetivos, como: (i) gerar mais de 7
milhões de euros em receitas em um país-membro; (ii) ter mais de cem mil usuários no mesmo
estado-membro; (iii) gerar mais de três mil contratos para prestação de serviços digitais entre
provedores e usuários em um ano.
A proposta era de que o tributo, conforme expõe REZENDE (2020), apenas aplicado a
empresas com receitas anuais mundiais de 750 milhões de euros e receitas na UE de 50 milhões
de euros, fosse coletado pelo estado-membro em que o usuário está localizado mediante uma
alíquota de 3%.
provisório, mas ainda assim medidas unilaterais foram realizadas. Por outro lado, o avanço
tecnológico poderá contribuir para a maior eficiência e efetividade das administrações tributárias.
Destaca-se que, desde 1920, a regra da tributação internacional sobre a renda baseava-se
no princípio “origem da riqueza”, que serviu de base à ficção jurídica denominada
“estabelecimento permanente”, cuja definição consta no artigo 5º do Modelo OCDE. Entretanto,
de acordo com os diversos relatórios da organização25, o resultado do não acompanhamento da
legislação diante da evolução tecnologia e dos modelos de negócios dela oriundos ocasionavam
planejamentos tributários arrojados e, por vezes, evasão fiscal a nível internacional.
Sendo assim, as ações 1 e 7 do Projeto BEPS chamaram atenção por objetivarem alterar as
regras sobre a tributação internacional da renda26. Todavia, elas não são direcionadas à economia
digital, razão pela qual, em março de 2018, a organização divulgou um relatório sobre os novos
desafios e criou o Grupo Inclusivo (Inclusive Framework - IF) baseado em dois pilares:
Pillar One will ensure a fairer distribution of profits and taxing rights among
countries with respect to the largest MNEs, including digital companies. It
would re-allocate some taxing rights over MNEs from their home countries to
the markets where they have business activities and earn profits, regardless of
whether firms have a physical presence there.
Pillar Two seeks to put a floor on competition over corporate income tax,
through the introduction of a global minimum corporate tax rate that countries
can use to protect their tax bases.
Como as medidas demandam adoção em nível mundial para que tenham eficácia, a
confiança e cooperação entre os países é imprescindível. Por isso, embora possam ser prejudiciais
25
A título de exemplo, cita-se:
- O relatório de 2015 da OCDE: Addressing the Tax Challenges of the Digital Economy, Action 1 – 2015
Final Report.
- O relatório de 2015 da OCDE: Preventing the Artificial Avoidance of Permanent Establishment Status,
Action 7 - 2015 Final Report.
26
As 15 ações são:
“Action 1 Tax Challenges Arising from Digitalisation
Action 2 Neutralising the effects of hybrid mismatch arrangements
Action 3 Controlled Foreign Company
Action 4 Limitation on Interest Deductions
Action 5 Harmful tax practices
Action 6 Prevention of tax treaty abuse
Action 7 Permanent establishment status
Action 8-10 Transfer Pricing
Action 11 BEPS data analysis
Action 12 Mandatory Disclosure Rules
Action 13 Country-by-Country Reporting
Action 14 Mutual Agreement Procedure
Action 15 Multilateral Instrument”
45
para o consenso comum universal, o relatório da OCDE menciona algumas medidas unilaterais
adotadas por países, supostamente como opções temporárias: (i) modificação dos limites mínimos
para caracterização de um estabelecimento permanente; (ii) a tributação na fonte ou a adoção de
turnover taxes; (iii) a criação de regimes tributários específicos.
Adotamos o pensamento, também trilhado por REZENDE (2020), que a OCDE foi
obrigada a reconhecer a adoção de medidas unilaterais entre os países diante da velocidade das
inovações e ausência de consenso na mesma velocidade.
permanente do artigo 5º do Modelo OCDE com o objetivo de garantir a criação de uma presença
tributável no país no qual o valor é criado.
De acordo com a OCDE27, o imposto digital mínimo, em nível mundial, deverá ser de 15%
sobre os lucros obtidos. Estima-se que tal imposto gere anualmente cerca de US$ 150 bilhões em
receitas fiscais globais adicionais. Entretanto, caberá a cada país implementar tal regra, bem como
regulamentá-la. E, de fato, não poderia ser diferente. Porém, é possível imaginar a dificuldade de
inserir o imposto digital no Brasil, ante o nosso sistema tributário constitucionalmente delineado
e complexo. É também possível imaginar claramente a dificuldade de pequenos países em cobrar
o cumprimento da regra de grandes empresas.28
De maneira paralela, há diversas propostas que tratam do tema. Por exemplo, em abril de
2019, a ONU divulgou o relatório Tax Issues related to the Digitalization of the Economy: Report,
em que estabeleceu o compromisso de analisar questões técnicas, econômicas e outras
relacionadas à economia digital. Da mesma forma, em março de 2019, o Fundo Monetário
Internacional divulgou o Corporate Taxation in the Global Economy.
Não obstante as análises e propostas, diversos países têm sido proativos na introdução de
medidas para incluir as novas atividades e modelos negociais no escopo de seus sistemas
tributários. Ao mencioná-las, ZANETONI (2020. Pg. 460) assim as resumiu:
Taxas de equalização (a fim de restaurar as condições equitativas): Nova
Zelândia, Índia, Itália, México, Chile;
Imposto dobre Serviços Digitais (DST): França (3%), Espanha, Reino Unido,
Áustria (5%), República Tcheca (7%);
Imposto retido na fonte (como aconteceu anteriormente com os dividendos,
juros e royalties): Turquia, Reino Unido, Paquitsão;
Imposto sobre publicidade digital: Comissão Europeia;
Estabelecimento permanente digital (diluindo os requisitos de permanência e
localização física e estabelecendo uma “presença digital”): Nova Zelândia,
Índia, Reino Unido, Coréia do Sul;
Imposto sobre vendas: Canadá.
27
De acordo com a OECD: “Under Pillar One, taxing rights on more than USD 100 billion of profit are
expected to be reallocated to market jurisdictions each year. The global minimum corporate income tax
under Pillar Two - with a minimum rate of at least 15% - is estimated to generate around USD 150 billion
in additional global tax revenues annually. Additional benefits will also arise from the stabilisation of the
international tax system and the increased tax certainty for taxpayers and tax administrations.”
28
Entretanto, a Comissão Europeia apresentou, em dezembro de 2021, proposta para que os 27 países-
membros passem a cobrar de grandes empresas, no mínimo, 15% de impostos sobre os lucros obtidos nas
operações efetivadas no âmbito do bloco.
48
REZENDE (2020. Pg. 152) deixa clara a sua conclusão: “Remendos não vão funcionar”.
A nova realidade exige que conceitos tradicionais sejam postos de lado para que novos sejam
criados, evitando-se os encaixes na legislação já existente. O autor afirma a necessidade de se
considerar a introdução de tributos específicos. Destaca que o Brasil é um bom exemplo de
problemas que serão gerados. Por exemplo, a classificação de algo como mercadoria ou serviço
impactará sobremaneira sua tributação. No âmbito federal, as recorrentes revisões das normas
aplicadas à economia digital, seja por meio do imposto de renda, imposto de importação ou
contribuições destinadas ao PIS e COFINS, contribuem para a insegurança jurídica, o que, por
consequência, torna o ambiente negocial brasileiro hostil ao capital internacional.
Não obstante, ARAÚJO et al. (2019) ressaltam que a política tributária também é
instrumento de fomento da capacidade de incorporar, adaptar e produzir novas tecnologias. O
incentivo, por sua vez, deve visar ganhos de eficiência e crescimento econômico. Nesta
perspectiva, considerando-se tratar de tributo novo, deverá haver cuidado em sua criação. Isso
porque, conforme argumentam as autoras, a desoneração fiscal para alguns sem indicação do
correspondente incremento econômico, anula o potencial de aumento arrecadatório e impede a
compensação da redução inicial de arrecadação.
e grande valor para a sociedade. É justamente este o receio nas empresas, conforme observações
de 2017, disponíveis no Tax Challenges of Digitalisation – Comments Received on the Request
for Input – Part II, especialmente aquelas apresentadas pelo Spotify:
The developments and debates around taxation of ‘highly digitalized business
models’ is of substantial concern to us. Some governments appear to see ‘fair’
taxation as working only one way – the ‘digital’ enterprises that operate in
many markets, should be paying tax without any substantiation in value
creation and realized income. Spotify does not agree that ‘digital’ enterprises
should be subject to special and differential tax rules. Today ‘digital’ is part of
all enterprises big or small. Local or international. ‘Digital’ business cannot be
separated from ‘other’ business as they are one and same – in varying degrees
yes but inseparable. The BEPS actions 2-15 have in our view created a very
solid basis (not perfect but impressively good given the time to development
and the extreme complexity of the matters addressed) which given time to take
effect, will ensure that income generated by international business is taxed
where the value giving rise to the income has been created. Any departure from
the fundamental – and internationally agreed – principle that income should be
taxed where the value giving rise to the income has been created, and from the
arm’s length principle, will create very serious issues for the global economy,
growth, employment and welfare. This is most evident when taxation is based
on anything other than realized profits. Withholding taxes and so-called e
‘qualization’ levies which are based on gross payments disregarding whether
the transactions have given rise to any profit at all will cause serious damage.
Isso porque, a depender da forma como a apuração do resultado será realizada, há sérios
riscos de materialização do cenário apresentado no comentário, o que ensejaria a tributação de
objeto diverso do lucro, o que afetando diretamente o desenvolvimento de atividades inovadoras.
MEIRA et al. (2019) realizaram análise comparativa entre criptomoedas, moedas nacionais
e os ativos financeiros, tendo concluído que o caráter especulativo desta moeda é o que chama
atenção do que se deduz a possibilidade de se tratar de uma grande bolha. Neste contexto das
novas tecnologias, os autores destacaram a necessidade de sua compreensão das novas tecnologias
para que seja possível categorizá-las em uma hipótese tributária adequada. Somente após a
compreensão do objeto da tributação será possível tributá-lo.
Assim, a Receita Federal, a partir da DIRPF 2021, passou a exigir a declaração da posse
das moedas digitais. Esta é a forma com que o órgão arrecadador tem se portado diante da
necessidade iminente e ausência de legislação específica quanto às inovações vistas
cotidianamente.
Em relação aos ativos virtuais, tramita no Senado Federal o Projeto de Lei n. 4207/2020,
cujo escopo visa regulamentar ativos virtuais e sobre as pessoas jurídicas que exerçam as
atividades ligadas a eles, bem como dispõe acerca de crimes relacionados ao uso fraudulento de
ativos virtuais. Embora o projeto não trate especificamente da tributação dos ativos, ele deixa
claro que se trata de ganho de capital e, portanto, esta seria a legislação aplicável.
Deve-se destacar, ainda, que no país tramitam diversos projetos de Reforma Tributária,
inclusive com alterações constitucionais (como a PEC 45/2019 e a PEC 110/2019) e nenhum
deles possui qualquer alteração relativa à economia digital. Além destas, o Governo Federal, por
29
Os arts. 1º e 6º da Instrução Normativa nº 1888/2019 determinam:
“Art. 1º Esta Instrução Normativa institui e disciplina a obrigatoriedade de prestação de informações
relativas às operações realizadas com criptoativos à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB).
Art. 6º Fica obrigada à prestação das informações a que se refere o art. 1º:
I - a exchange de criptoativos domiciliada para fins tributários no Brasil;
II - a pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no Brasil quando:
a) as operações forem realizadas em exchange domiciliada no exterior; ou
b) as operações não forem realizadas em exchange.
§ 1º No caso previsto no inciso II do caput, as informações deverão ser prestadas sempre que o valor mensal
das operações, isolado ou conjuntamente, ultrapassar R$ 30.000,00 (trinta mil reais).
§ 2º A obrigatoriedade de prestar informações aplica-se à pessoa física ou jurídica que realizar quaisquer
das operações com criptoativos relacionadas a seguir:
I - compra e venda;
II - permuta;
III - doação;
IV - transferência de criptoativo para a exchange;
V - retirada de criptoativo da exchange;
VI - cessão temporária (aluguel);
VII - dação em pagamento;
VIII - emissão; e
IX - outras operações que impliquem em transferência de criptoativos.”
51
3.6 Conclusão
O presente artigo examinou as dificuldades da tributação da renda das empresas de
tecnologia. Destacaram-se as medidas nacionais e internacionais existentes e também como estas
não são suficientes diante da economia digital. Foram analisadas iniciativas adotadas
unilateralmente por diversos países, assim como diretrizes fixadas pela OCDE, através do BEPS
ou do Grupo Inclusivo (IF - Inclusive Framework), bem como a posição do Brasil e as ações
adotadas internamente.
Todavia, o presente estudo indica que, para que haja efetiva tributação, considerando a
ausência dos limites físicos e tangibilidade das operações, é imprescindível o consenso,
cooperação e confiança entre os países. Diversas foram as propostas apresentadas e discutidas,
bem como as ações adotadas de maneira unilateral, até que, em 2021, a OCDE, por meio do Grupo
Inclusivo (Inclusive Framework - IF), que contava com a participação de mais de 130 países,
estabeleceu o GLOBAL TAX PACK com a necessidade de tributação da renda das empresas de
tecnologia.
52
Diante deste cenário e do sistema tributário brasileiro, fica a questão: como conciliar o
cenário internacional e o imposto digital com os desígnios soberanos nacionais? O Brasil
conseguirá implantar o imposto global (que poderá ser enquadrado em outra espécie tributária)?
A resposta a estas perguntas podem ser objeto de outras pesquisas. A princípio, diante das
evidencias aqui verificadas, a resposta é que sim. Entretanto, a adequação ao sistema tributário
brasileiro deverá ser muito bem planejada e não por meio de remendos. Afinal, é desejável que a
regulamentação não traga insegurança às empresas, mas, pelo contrário, a regra clara – que deverá
ser semelhante em outros países – poderá realmente aumentar a arrecadação e gerar benefícios
para o mercado consumidor explorado pelas empresas contribuintes. Por isso, o aprofundamento
de estudos sobre a conciliação do cenário internacional e do imposto digital com os desígnios
soberanos brasileiros mostra-se de extrema importância.
53
RESUMO
ABSTRACT
This article will present an overview of the taxation of the digital economy in Brazil, that
is, how the literature has analyzed the taxation of new goods, services and businesses in the digital
economy in the country after the 2000s. The subsumption of new materialities to current norms
will be verified, as well as the role of judicial decisions, studies on the subject and the country's
position in relation to international guidelines. For that, the applied methodology will bring the
bibliographical research, as well as analyze the state of the art, the legislation, legal and
jurisprudential texts on the subject. The work will initially have a chapter aimed at presenting
aspects of the digital revolution in Brazil and the Brazilian tax system and, later, the specific
situation of taxation (direct and indirect) in the country on objects arising from the digital
economy. Afterwards, taxation on consumption will be analyzed, focusing on the effectiveness
of European VAT in the digital economy and the main proposals for tax reform pending in Brazil
(PEC 110/2019 and PEC 45/2019). Finally, income taxation in the country will be analyzed,
dealing with the relevance of capital gains in this new scenario, the standardization of taxation
through infralegal instruments and the adaptation of the country to international guidelines. With
the diagnosis of the current situation, it will be possible to observe where the focus of the country
54
is, so that, later, the necessary measures for taxation (or not) are taken, guaranteeing the necessary
collection of the taxing entity, tax equality between similar objects, maintenance of free
competition and legal security for all.
4.1 Introdução
De acordo com o relatório do Fórum Econômico Mundial, publicado em setembro de 2015,
estão ocorrendo mudanças profundas na sociedade hodierna oriundas da utilização de softwares
e serviços digitais. O relatório identificou 21 pontos de inflexão, que tendem a moldar um novo
tipo de futuro, com maior conexão. Tais mudanças são tidas como disruptivas, ou seja, romperão
a maneira usual, já conhecida, de fazer algo; alterarão o quotidiano das pessoas; assim como
mudarão as cadeias de valor, resultando em novos formatos de negócios e produtos. VEITZMAN
(2022) relata que foi adicionado quase 1 trilhão de dólares ao comércio eletrônico mundial entre
2014 e 2017, o streaming representou aproximadamente 65% da receita do setor de música em
2017 nos Estados Unidos.
O Brasil não tem ignorado a influência e mudanças trazidas pela economia digital no país
e no mundo. Em 2017 foi iniciado o “Estudo Internet das Coisas" (com base no antigo Decreto nº
8.234/2014, revogado pelo Decreto nº 9.854/2019), promovido pelo Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em parceria com o Ministério da Ciência,
Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), para realização de estudo, com diagnóstico e
proposição de ações relativas à chamada Internet das Coisas (Internet-of-Things - IoT). Com o
objetivo de (i) obter uma visão geral do impacto de IoT no Brasil; (ii) entender competências da
Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) no país; e (iii) definir as aspirações iniciais para
IoT no Brasil, em novembro/2017 foi divulgado o produto 8 do estudo, denominado Relatório do
Plano de Ação, que trouxe iniciativas e projetos mobilizadores.
30
O grupo de trabalho foi criado pela Portaria nº 842/2017 e foi integrado por diversas pessoas e ministérios.
55
Busca-se, portanto, verificar se tem sido possível a subsunção das novas materialidades às
normas vigentes, bem como o papel das decisões judiciais, os estudos sobre o tema e a posição
do país diante de diretrizes internacionais fixadas com o objetivo de evitar a evasão fiscal na
economia digital. Sendo assim, a presente pesquisa se justifica como um marco inicial ao
diagnóstico da situação atual, para que posteriormente, se necessário, sejam tomadas as medidas
necessárias à tributação (ou não), garantindo-se segurança jurídica tanto ao ente arrecadador,
quanto aos contribuintes.
Para apresentar tal panorama brasileiro, o trabalho foi dividido em 3 partes, cujo capítulo
1 pode ser subdividido em duas partes. Isto porque o primeiro capítulo apresentará, inicialmente,
os aspectos da revolução digital no Brasil e o sistema tributário brasileiro e, posteriormente, a
situação específica da tributação (direta e indireta) no país sobre objetos oriundos da economia
digital. O segundo capítulo tratará da tributação indireta no Brasil (tributação sobre o consumo),
56
momento em que também será analisada a eficácia do IVA europeu na economia digital e as
principais propostas de reforma tributária em trâmite no Brasil (PEC 110/2019 e PEC 45/2019).
O terceiro capítulo focará na tributação da renda no país, tratando sobre a relevância do ganho de
capital neste novo cenário, a instrumentalização da tributação por meio de normas infralegais e a
adequação do país às diretrizes internacionais.
Uma das principais normas que tratam sobre o regramento tributário brasileiro, o Código
Tributário Nacional (Lei nº 5.172), é datada de 25 de outubro de 1966, quando a ordem econômica
era outra e a economia fechada tinha sua principal atividade na produção e comércio de bens. A
Constituição Federal de 1988 trouxe as balizas para a tributação no país, tendo recepcionado
apenas as normas anteriores compatíveis com o novo texto. Atribuiu-se competência tributária à
União31, aos Estados32 e aos Municípios33. Entretanto, como destaca WORCMAN et al. (2022),
não houve evolução legislativa posterior que solucionasse efetivamente os vícios e falhas na
legislação, sobretudo os conflitos de competência, como distinção efetiva da materialidade do IPI,
ICMS e ISSQN. Assim, diante de um evento ocorrido – antes da revolução tecnológica – o
contribuinte poderia ter dificuldades de categorizar o evento ocorrido na materialidade dos
impostos. Por exemplo, após a ocorrência de um evento, ele poderia ser caracterizado como mero
serviço (estando sujeito ao ISSQN) ou serviço de industrialização (estando sujeito ao IPI).
Tratava-se de prestação de serviço ou comercialização de mercadoria?
31
Dentre os tributos cuja competência é da União estão o Imposto de Renda (IR), o Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI), as contribuições destinadas ao PIS e à COFINS.
32
Dentre os tributos cuja competência é dos Estados está o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias
(ICMS).
33
Dentre os tributos cuja competência é dos Municípios está o Imposto sobre Serviços (ISS).
57
e mesmo após uma suposta resposta, esta ainda pode ser posteriormente alterada, como ocorreu
no caso do software (adiante tratado).
Entretanto, as propostas de profundas reformas no sistema tributário brasileiro não têm tido
sucesso no país. Entre 1995 e 2012 foram apresentadas cinco propostas sem êxito34.
Recentemente, estão em trâmite as Propostas de Emenda à Constituição (PEC) nº 110/2019 e nº
45/2019. Acerca destas, VEITZMAN (2022) destaca os principais pontos: (i) a extinção, por cada
uma delas, de diversos tributos previstos na Constituição Federal; (ii) a criação de uma espécie
de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) não cumulativo ou IVA-Dual; (iii) a criação de um
Imposto Seletivo monofásico. Entretanto, nenhuma destas propostas visa exclusivamente o
âmbito digital. Contudo, o caótico sistema tributário brasileiro já reclama sua urgente realização,
razão pela qual VEITZMAN (2022, Pg. 150) afirma que “a reforma tributária brasileira será
cunhada, a fórceps, em razão do surgimento de tecnologias disruptivas”.
Ainda que estejamos apenas no campo das análises e expectativas, o momento de reforma
tributária mostra-se ideal para inserir na legislação os aspectos tributários necessários à
formatação de um sistema tributário funcional e adaptável às constantes transformações da
economia digital.
34
De acordo com ALMEIDA (2010), as “tentativas de fazer a reforma esbarram em interesses e acabam
tendo como desfecho mudanças pontuais no sistema”.
35
O Simples Nacional é um regime tributário diferenciado e favorecido voltado para as Micros e Empresas
de Pequeno Porte que visa a redução da carga tributária global da empresa e a simplificação de suas
obrigações. Foi instituído e é regulamentado pela Lei Complementar nº 123/2006.
58
possuísse repercussão geral, ela serviu de baliza por muitos anos para definição da incidência
tributária e resolução de conflitos de competência. Os contribuintes interessaram-se pela decisão
mormente em função da definição do sujeito ativo da obrigação, o que implicava diretamente no
montante a ser pago. Em síntese, a definição do software como serviço (e não como mercadoria)
seria menos onerosa.
A base argumentativa da discussão era de que os softwares não eram mercadorias sujeitas
à comercialização por contratos de compra e venda, mas sim bens intelectuais adstritos à licença
ou cessão. Isso se deve ao fato de que: (i) a Lei 7.646/87, posteriormente revogada pela Lei nº
9.609/98, estipulava que a exploração comercial de programas de computador no país deveria ser
regulada por meio de contratos de licença ou cessão, livremente acordados entre as partes; (ii) a
Lei nº 9.279/96, que trata de direitos e obrigações relacionados à propriedade industrial, concedia
aos titulares o poder de conceder licenças para a exploração de seus programas de computador; e
(iii) a legislação não poderia causar confusão entre o suporte físico e o software, destacando-se
que este é o que sobressai e está sujeito à cessão ou licença.
Ocorre que, em 2003, a Lei Complementar (LC) nº 116 determinou a incidência do ISSQN
no licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação, o que ensejou o
ajuizamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) nº 1.945/MT e 5.659/MG,
julgadas pelo STF em fevereiro de 2021, cuja conclusão foi diametralmente oposta ao julgamento
anterior.
Outro relevante produto da economia digital cuja tributação não está prevista no
ordenamento jurídico e a natureza – tangível ou não – é difícil decidir são os dados. Seu valor
pode ser bastante variável e podem ser úteis para diversas finalidades, seja no monitoramento de
cidades inteiras, da saúde, preferências de usuários, nos veículos e casas inteligentes, dentre
59
diversas outras finalidades. Todas estas hipóteses permitem a transmissão de dados (informação),
o que lhes confere valor. Não sem razão, portanto, foi criada a Lei nº 12.527/2011, a Lei de Acesso
à Informação, que define informação como “dados, processados ou não, que podem ser utilizados
para produção e transmissão de conhecimento, contidos em qualquer meio, suporte ou formato”.
Os dados também são objeto da Lei nº 13.709/2018, a Lei Geral de Proteção de Dados, que visa
estabelecer critérios para utilização dos dados lá indicados, como dados pessoais e dados pessoais
sensíveis. Ainda que alguns dados sejam públicos e não possuam conteúdo econômico, outros
possuem relevante valor financeiro.
WORCMAN et al. (2022) defende que cada uma das formas de transmissão de dados
poderá ter impacto econômico diferente, o que ensejaria uma tributação diversa para uma delas.
Afinal, a presença física tornou-se irrelevante (seja na tributação direta ou indireta). Entretanto,
ao analisar a possível tributação dos dados no Brasil atualmente, as autoras defendem a não
incidência do ICMS, seja porque estes não se enquadram no conceito legal de mercadoria (não
são bens móveis, corpóreos e sujeitos à mercancia), seja porque não se enquadram na definição
de ativos digitais, nos termos do Convênio 106/2017 do Conselho Nacional de Política Fazendária
(CONFAZ).
Por outro lado, em relação à incidência do ISS, embora os dados estejam previstos no item
17.0136 da lista constante da LC nº 116/03, WORCMAN et al. (2022) defendem que não se trata
de serviço, razão pela qual os dados também não poderiam ser tributados pelo ISSQN37.
CARPINETTI et al. (2022), por sua vez, analisaram a incidência da Contribuição sobre o
Domínio Econômico (CIDE) sobre contratos de operações de serviços de computação em nuvem
(software as service - Saas). Com a evolução normativa (Constituição Federal, Lei nº
10.168/2000, Lei nº 10.331/01, Decreto nº 4.195/02), os contribuintes questionam judicialmente
diversos pontos da cobrança, tendo sido reconhecida a repercussão geral da matéria no Tema
91438, não julgado até 2022. Entretanto, as Autoridades Fiscais continuaram a expedir
posicionamentos, a exemplo da Solução de Consulta COSIT nº 191, de 23/03/2017, cuja
conclusão tende a ampliar a base de incidência do tributo. Assim, considerando o princípio da
legalidade tributária, bem como a rigidez e segurança jurídica, CARPINETTI et al. (2022)
discordam da posição administrativa e defendem a incidência conforme a literalidade da lei.
36
Lei Complementar nº 116/2003. “Item 17.01 – Assessoria ou consultoria de qualquer natureza, não
contida em outros itens desta lista; análise, exame, pesquisa, coleta, compilação e fornecimento de dados e
informações de qualquer natureza, inclusive cadastro e similares.”
37
A locação estava prevista na lista da Lei Complementar nº 116/03. Entretanto, o STF entendeu não se
tratar de serviço, o que impede a incidência do ISS. Por isso, foi editada a Súmula Vinculante nº 31, que
dispõe: “É inconstitucional a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza - ISS sobre
operações de locação de bens móveis.”
38
Supremo Tribunal Federal, Tema 914: “Constitucionalidade da Contribuição de Intervenção no Domínio
Econômico - CIDE sobre remessas ao exterior, instituída pela Lei 10.168/2000, posteriormente alterada
pela Lei 10.332/2001.”
60
39
Sigla oriunda do inglês, Internet of Things.
40
Superior Tribunal de Justiça, súmula 334: “O ICMS não incide no serviço dos provedores de acesso à
Internet.”
61
seus serviços adicionais. Conclui, então, não se tratar de Serviço de Valor Adicionado (SVA),
mas um sistema integrado por diversas atividades complexas e complementares. Por isso, com o
intuito de aplicar as regras atuais de tributação, a autora sugere a verificação da atividade
preponderante, inserindo-se na seara do ICMS caso a atividade de telecomunicação sobressaia ou
inserindo-se na seara do ISSQN, caso o serviço sobressaia. Outrossim, não se pode deixar de
questionar: esta solução não levaria apenas a outra guerra fiscal entre estados e municípios, a
exemplo do que ocorreu com o software?
LARA (2022) levanta ainda outro ponto controverso em relação à tributação da IoT: a
cobrança de taxa destinada ao Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (FISTEL),
regulamentado pela Lei nº 5.070/1966, que objetiva angariar recursos para cobrir despesas da
fiscalização de serviços de telecomunicações. Questionou-se a manutenção de tal cobrança na
IoT, que traz sistemas de comunicação e conectividade entre máquinas, tendo em vista que
maiores gastos relacionados às novas tecnologias podem inviabilizá-las. Corroborou com a
conclusão da autora a Lei nº 14.108/202041, que isentou a IoT desta cobrança e demonstrou a
necessidade e o intuito de desoneração.
Por fim, OLIVEIRA (2022) sugere que, ao invés de legislações específicas e conceitos
definidos, a liberdade deve pautar a ótica da regulação e tributação da IoT, sob pena de se criar
barreiras à inovação, afastando o país da evolução tecnológica mundial. Deste modo, não há,
atualmente, materialidade constitucional que enseje a tributação indireta da IoT.
Tal análise não compõe o objeto do presente estudo, mas é interessante para compreensão
da relevância da dificuldade de tributação pelos países sobre a publicidade nos meios digitais, o
que permite a exploração massiva de intangíveis, descentralização de atividades e exploração de
mercado consumidor distinto. De forma bastante simplista, a empresa controladora não se localiza
no país cujo mercado é explorado e, portanto, não poderia ser ali tributada (embora cada caso seja
41
Lei nº 14.108/2020. “Art. 2º O caput do art. 38 da Lei nº 12.715, de 17 de setembro de 2012 , passa a
vigorar com a seguinte redação:
‘Art. 38. O valor da Taxa de Fiscalização de Instalação e da Taxa de Fiscalização de Funcionamento,
previstas na Lei nº 5.070, de 7 de julho de 1966, das estações de telecomunicações que integrem sistemas
de comunicação máquina a máquina, definidos nos termos da regulamentação, é igual a zero’.”
62
Por outro lado, a partir de perspectiva distinta e sob o ordenamento jurídico brasileiro,
DIAS et al. (2022) analisou a publicidade divulgada por meio de aplicativos e jogos online,
disponibilizados gratuitamente aos usuários. A dúvida cingia-se na incidência do ISSQN ou
ICMS-Comunicação, cuja materialidade constitucional é distinta, mas utilizada pelas autoridades
arrecadadoras para ampliar a base de incidência dos tributos. De acordo com as autoras, a
publicidade e propaganda deve sofrer a incidência de ISSQN desde o Decreto nº 406/6843 até o
advento da LC nº 116/03, em razão de veto presidencial à sua inclusão nesta última44. Entretanto,
com a alteração promovida pela LC nº 157/16, que incluiu na lista de serviços o item 17.2545, não
haveria mais dúvidas acerca da incidência do ISSQN sobre a publicidade e propaganda
disponibilizadas por tais meios.
Ocorre que, durante o lapso temporal em que tal item não constou da legislação (de forma
geral, entre 2003 e 2016), DIAS et al. (2022) narra que o Município de São Paulo tentou
reconhecer a incidência do imposto no período, assim como o Estado de São Paulo, que entendeu
pela incidência do ICMS-Comunicação em qualquer meio de inserção de publicidade. Entretanto,
as autoras destacam a impossibilidade de se confundir a supressão do exercício da competência
constitucional com a transferência de competência exacional. Não é porque o item não constou
da lista que ele passou a constar na materialidade do ICMS.
42
As decisões do Tribunal Administrativo de Paris podem ser consultadas em: http://paris.tribunal-
administratif.fr/Actualites-du-Tribunal/Espace-presse/La-societe-irlandaise-Google-Ireland-Limited-GIL-
n-est-pas-imposable-en-France-sur-la-periode-de-2005-a-2010.
43
Confira a previsão das materialidades no Decreto-Lei nº 406/1968: “85. Propaganda e publicidade,
inclusive promoção de vendas, planejamento de campanhas ou sistemas de publicidade, elaboração de
desenhos, textos e demais materiais publicitários (exceto sua impressão, reprodução ou fabricação);
86. Veiculação e divulgação de textos, desenhos e outros materiais de publicidade, por qualquer meio
(exceto em jornais, periódicos, rádio, e televisão);”
44
Item vetado: “17.07 – Veiculação e divulgação de textos, desenhos e outros materiais de propaganda e
publicidade, por qualquer meio.” Confira a integralidade do veto, bem como suas razões, em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/Mensagem_Veto/2003/Mv362-03.htm.
45
Lei Complementar nº 116/03: Item 17.25 – “Inserção de textos, desenhos e outros materiais de
propaganda e publicidade, em qualquer meio (exceto em livros, jornais, periódicos e nas modalidades de
serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens de recepção livre e gratuita).”
63
Embora a discussão pareça ter chegado ao fim com o item 17.25 da LC 116/2003, desde
que respeitados os princípios tributários da irretroatividade da lei e da anterioridade, diante do
que dispõe o artigo 110 do Código Tributário Nacional e da materialidade eleita no artigo 156, III
da Constituição Federal, DIAS et al. (2022) lembram que há corrente doutrinária filiada à teoria
civilista que defende que o conceito de serviços importa necessariamente em uma obrigação de
fazer. No caso da publicidade por meio de aplicativos e jogos gratuitos, há apenas obrigação de
dar, o que ensejaria a incidência da Súmula 31 do Supremo Tribunal Federal47 por analogia. Por
esta perspectiva, nem mesmo o ISSQN incidiria sobre tais serviços.
Considerando que mercadoria, para MIGUEL (2022, Pg. 182), é “todo bem móvel
produzido ou recebido pelo empresário para ser fornecido ao mercado de consumo”, o autor
entende que a comercialização do produto após sua impressão não descaracteriza a incidência do
ICMS. Assim, uma empresa que elabora um objeto ou arquivo digital para futura impressão 3D
por ela mesma para venda posterior não dificulta a tributação ante a semelhança com o modelo
46
Lei Complementar nº 116/03: Item 17.06 – “Propaganda e publicidade, inclusive promoção de vendas,
planejamento de campanhas ou sistemas de publicidade, elaboração de desenhos, textos e demais
materiais publicitários.”
47
Súmula Vinculante 31: “É inconstitucional a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza
- ISS sobre operações de locação de bens móveis.”
64
tradicional. Entretanto, se esta empresa vende o arquivo digital para posterior impressão por
outrem, como será tributada? O adquirente é responsável pela industrialização a ponto de pagar o
IPI? O arquivo digital, ainda que intangível, enquadra-se em mercadoria e enseja a tributação do
ICMS? Ou prevalece o serviço prestado, incidindo o ISSQN?
MACEDO (2022) analisou o evento narrado a partir da legislação vigente e concluiu que
(i) a incidência do IPI depende da industrialização e posterior venda pela mesma pessoa; (ii)
consequentemente, se ocorrida a chamada “industrialização por encomenda”, cuja venda posterior
não ocorre, então há incidência penas de ISSQN , com base no item 14 48 da lista anexa à LC nº
116/2003; (iii) por fim, se o arquivo digital vendido não pode ser utilizado sem a impressão
(caracterizando “arquivo digital com vocação para ser impresso”) haverá a incidência do IPI e do
ICMS.
48
Lei Complementar nº 116/2003. Item 14 – “Serviços relativos a bens de terceiros.”
49
Lei Complementar nº 116/2003. Item 1.09 – “Disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdos de
áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet, respeitada a imunidade de livros, jornais e periódicos
(exceto a distribuição de conteúdos pelas prestadoras de Serviço de Acesso Condicionado, de que trata a
Lei no 12.485, de 12 de setembro de 2011, sujeita ao ICMS).”
65
vídeo sem cessão definitiva, ele possui a natureza jurídica de cessão de direito, as quais não se
equiparam às prestações de serviço. Neste sentido, GRUPENMACHER (2022) vai além e
reconhece a inconstitucionalidade de todos os itens da LC nº 116/2003 que tratam da cessão de
direitos50.
BRANDÃO JR. (2022), por outro lado, após longo estudo sobre o item 1.09 da LC nº
116/2003 e a materialidade do ICMS-Comunicação, conclui pela incidência deste sobre o
streaming, tendo a lei complementar citada invadido a competência estadual em relação a tal item,
o que o torna inconstitucional. O autor afirma que cabe ao legislador complementar, em razão da
competência disposta no artigo 156, III da Constituição Federal52, investigar se o serviço não se
encaixa nos serviços de competência estadual.
50
Lei Complementar nº 116/2003:
“1.05 – Licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação.
3.02 – Cessão de direito de uso de marcas e de sinais de propaganda.
15.08 – Emissão, reemissão, alteração, cessão, substituição, cancelamento e registro de contrato de crédito;
estudo, análise e avaliação de operações de crédito; emissão, concessão, alteração ou contratação de aval,
fiança, anuência e congêneres; serviços relativos a abertura de crédito, para quaisquer fins.
15.09 – Arrendamento mercantil (leasing) de quaisquer bens, inclusive cessão de direitos e obrigações,
substituição de garantia, alteração, cancelamento e registro de contrato, e demais serviços relacionados ao
arrendamento mercantil (leasing).”
51
Constituição Federal. “Art. 154. A União poderá instituir:
I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos
e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição;”
52
Constituição Federal. “Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.”
66
Além da subsunção da hipótese fática à norma, BRANDÃO JR. (2022) destaca que o meio
utilizado para a transmissão (seja cabo, satélite, internet) não desqualifica a semelhança entre o
streaming e o serviço prestado pelas TVs por assinatura. Outrossim, o ISSQN incide sobre a
prestação dos serviços, assim considerar o uso do assinante (o meio de transmissão escolhido por
ele) para escolha do imposto não é solução válida, já que este é o tomador do serviço e não o
prestador, em quem recai a tributação. Ante a semelhança, a tributação das TVs por assinatura e
do streaming de forma diversa confere a estes vantagens competitivas, violando-se a isonomia
tributária.
53
Lei Complementar nº 87/96. “Art. 2° O imposto incide sobre:
III - prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a
recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza;”
54
Código Tributário Nacional. “Art. 68. O imposto, de competência da União, sobre serviços de transportes
e comunicações tem como fato gerador:
II - a prestação do serviço de comunicações, assim se entendendo a transmissão e o recebimento, por
qualquer processo, de mensagens escritas, faladas ou visuais, salvo quando os pontos de transmissão e de
recebimento se situem no território de um mesmo Município e a mensagem em curso não possa ser captada
fora desse território.”
67
Atualmente, é possível diferenciar as moedas virtuais em: moeda virtual propriamente dita,
moeda eletrônica e criptomoeda55. É indiscutível, entretanto, que a validação e regulamentação
da moeda pelo Estado já não é relevante. Nos remetemos a tempo antigos, época do escambo, em
que as trocas foram facilitadas pela criação da moeda, cujo valor não é intrínseco, mas atribuído
por seus usuários56.
Por outro lado, FALCÃO (2022) ao ir além das criptomoedas e citar diversos outros
instrumentos, relacionados a elas, como (i) Currency/Value Tokens; (ii) Securities Tokens e
Equity Tokens; (iii) Utility Tokens; (iv) Asset Tokens; (v) Royalty – Sharing Token, ressalta a
importância da compreensão da natureza jurídica do instrumento para definição posterior de sua
regulamentação e tributação. O Brasil classificou as moedas virtuais como ativo financeiro,
sujeito à declaração no imposto de renda da pessoa física e à tributação pelo ganho de capital; os
Estados Unidos as classificaram como “propriedade”; a Alemanha, como “instrumento
financeiro”; os Emirados Árabes, como uma “commodity”; a África do Sul como um “ativo de
natureza intangível” (FALCÃO, 2022. Pg. 218/219). Além da necessária consonância entre a
regulamentação e a tributação deste ativo, a autora ressalta ainda que um dos grandes desafios é
a criação de uma norma para operações completamente novas (ou seja, sem correspondência no
sistema atual) e, ainda, que tal norma seja capaz de captar transações ainda não existentes. Propõe,
portanto, o diálogo com os players deste mercado.
55
Sobre a classificação de moedas virtuais, KADAMANI (2022) explica: “Em meio à evolução da internet,
emanaram outros termos associados à moeda em formato eletrônico ou digital (não físico), como: (i)
‘moeda virtual’, que em geral engloba programas de milhagem, moedas de jogos de videogame e similares;
(ii) ‘moeda eletrônica’, que no Brasil tecnicamente é reconhecido como sendo apenas o Real quando
referido em formato digital; e (iii) em um passo recente, surgiu mais um elemento de provocação da
nomenclatura sobre moedas, que é a ‘criptomoeda’, objeto de análise do próximo tópico.”
56
Mesmo a própria moeda estatal, hoje, já não possui valor intrínseco, tendo em vista o fim do padrão-ouro
com o fim do Acordo de Bretton Woods, anunciado em 1971 pelo presidente dos Estados Unidos, Richard
Nixon.
68
Com foco nas criptomoedas, BARROS (2022) conclui tratarem-se de bem jurídico, a fim
de verificar sua tributação. Assim, afasta a incidência do ISSQN, do ICMS e do IOF57 e conclui
que atualmente inexiste tributo passível de incidência sobre as criptomoedas, podendo a União
criar um imposto específico, conforme autorizado no artigo 154, inciso I da Constituição Federal58
(competência residual). Entretanto, o autor alerta para a desvantagem em sua criação em razão do
engessamento e alta sensibilidade do mercado, isto porque o tributo estaria sujeito às regras da
legalidade e anterioridade (anual e nonagesimal). Além disto, o tributo deveria ser não cumulativo
e distanciar-se da base de cálculo do ganho de capital, que já permite a incidência do imposto de
renda sobre o lucro obtido com a especulação do ativo59.
No que tange ao imposto de renda sobre as moedas digitais, a Receita Federal – sem entrar
em grandes detalhes sobre a natureza jurídica de cada item – já orientou que o ganho de capital
oriundo de criptoativos deve ser tributado (Instrução Normativa nº 1.888/2019). O conceito foi
fixado no artigo 5º, inciso I da Instrução Normativa RFB nº 1888/201960 e, utilizando-nos de
tabela elaborada por GOMES et al. (2022), abrange:
57
BARROS (2022, Pgs. 291/303) afirma que as criptomoedas são “bens incorpóreos, móveis e
inconsumíveis”. Por se tratar de um bem, não há possibilidade de incidência do ISSQN; por se tratar de um
bem incorpóreo, considerando a significação mínimas dos conceitos constitucionais e a legislação da época,
não há possibilidade de incidência do ICMS; por não estarem arrolados na legislação e nem se enquadrarem
em qualquer conceito legal correspondente a “valores mobiliários”, assim como não possuem os requisitos
básicos dos títulos de crédito (cartularidade, literalidade, autonomia e abstração), não pode haver incidência
de IOF.
58
Constituição Federal. “Art. 154. A União poderá instituir:
I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos
e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição;”
59
Em sua “Perguntas e Respostas da Declaração de Imposto de Renda da Pessoa Física 2017”, a Receita
Federal equiparou as criptomoedas (ou moedas virtuais) a ativos financeiros, a fim de que fossem
declaradas. A Instrução Normativa nº 1.888/2019 trouxe a obrigatoriedade da declaração dos criptoativos,
bem como a desnecessidade de declaração de quando o valor mensal das operações não ultrapassarem R$
30.000,00.
60
IN RFB nº 1.888/2019. Art. 5º Para fins do disposto nesta Instrução Normativa, considera-se:
I - criptoativo: a representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço
pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização
de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de
investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços, e que não constitui moeda de
curso legal; e
69
Após analisar como se dá tal aquisição originária com os bitcoins (considerando que cada
criptoativo pode ter um modelo diferente), GOMES et al. (2022) concluíram que se trata de mera
transferência patrimonial e não de forma de remuneração do minerador por serviços prestados ou
produto do capital investido. Assim, não há subsunção à hipótese de incidência do imposto de
renda. Além disso, os autores consideram a tributação do ganho de capital como medida
necessária e adequada, cujo custo de aquisição seja zero.
61
O IVA também é comumente denominado de General Sales Tax (GST) ou Goods and Services Tax
(GST).
70
Ajutée (TVA), o imposto passou a abarcar tanto as operações com bens, bem como as prestações
de serviços.
Atualmente, o IVA, cuja utilização é um requisito na União Europeia, visa a abolição das
fronteiras comunitárias, permitindo a livre circulação de bens no bloco econômico62. CASTELLO
(2021) afirma que a neutralidade concorrencial é o principal princípio estruturante do IVA, sendo
a neutralidade do imposto uma consequência natural de sua sistemática de incidencia. Assim, o
tributo tem assegurado a arrecadação sem onerar demasiadamente o processo produtivo.
De acordo com a autora (CASTELLO, 2021, Pg. 276), considera-se imposto sobre valor
agregado o tributo que incide sobre o consumo e possui as seguintes características:
- a repercussão do encargo econômico, de forma que somente o contribuinte
de fato arque com o montante do imposto, que é repassado no preço;
- a incidência plurifásica, para assegurar que o tributo se dilua ao longo da
cadeia produtiva, evitando sobrecarregar uma etapa da produção, e diminuindo
o risco de inadimplência;
- a não cumulatividade, garantindo-se que o imposto pago em uma etapa da
cadeia produtiva seja integralmente creditado na etapa subsequente; e
- a neutralidade, tomando-se as medidas necessárias para que a incidência do
tributo não represente um fator de estímulo à alteração do processo produtivo
dos contribuintes.
O Brasil não adota o IVA. A tributação sobre o consumo no país segue o modelo de
competência tripartida, ou seja, União, Estados e Municípios possuem suas competências
tributárias bem definidas na Constituição Federal, inclusive no que tange aos tributos sobre o
consumo.
Acerca da tributação sobre o consumo, MACEDO (2022) explica que tal expressão não é
um neologismo jurídico. Ante a semelhança da materialidade entre IPI, ICMS e ISSQN, estes
tributos podem ser inseridos nesta categoria. Isto porque numa realidade em que as transações
eram majoritariamente físicas e tangíveis a definição das materialidades destes impostos era
suficiente para distingui-los. Esta não é, todavia, a realidade imposta pela economia digital. A
nova realidade, com novos produtos e serviços, desafia os sistemas tributários de todo o mundo.
62
CASTELLO (2021, Pg. 276) destaca que a utilidade desta técnica de tributação provou-se eficiente na
maioria dos países: “Hoje, quase todos os países utilizam esta técnica de tributação, com a notável exceção
dos Estados Unidos. Esta ampla adoção da técnica de tributação dos IVAs evidencia sua utilidade: o tributo
assegura a arrecadação para os governos, sem impactar em demasia na lógica do processo produtivo, uma
vez que o imposto tende a neutralidade. ”
71
No Brasil, pode-se dizer que tal desafio foi percebido diante da dúvida acerca da incidência
do ICMS ou ISSQN no software, conforme explanado no item “1.2 – TRIBUTAÇÃO DE BENS
DIGITAIS (CORPÓREOS OU NÃO)”. O item “1.4 – TRIBUTAÇÃO DA PUBLICIDADE” e o
item “1.5 – TRIBUTAÇÃO DO STREAMING” demonstram o conflito existente entre os
tributos, ou melhor, entre estados e municípios. Deste conflito, tanto o contribuinte sai lesado,
quanto o ente arrecadador, ante a insegurança jurídica imposta.
CASTELLO (2021) afirma que o IVA, nos moldes citados, está apto a tributar a economia
digital. Reconhece, portanto, os desafios brasileiros devido ao abismo existente entre o sistema
tributário do país e as tendências globais. Entretanto, de acordo com a autora, a adoção de uma
espécie de IVA no país com base ampla e tributação no destino, considerando as características
citadas, já o aproximaria de tais tendências.
Os produtos da economia digital são intangíveis, não competitivos e não excludentes, o que
dificulta a tributação de um sistema desenvolvido com base na circulação física de bens tangíveis.
É natural que a acentuada desmaterialização dos bens dificulte a diferenciação entre entrega de
bem e prestação de serviço. Entretanto, CASTELLO (2021) ressalta que a fluidez do valor
agregado na economia digital também torna difícil mensurar o valor agregado em cada fase da
cadeia produtiva. Assim, embora estejam aptos à incidência, a formatação atual dos IVAs não
torna sua incidência neutra e eficiente para os novos produtos.
A PEC 110/2019, nascida no Senado Federal, visa a extinção de nove tributos já existentes
(IPI, IOF, PIS, Pasep, Cofins, CIDE-Combustíveis, Salário-Educação, ICMS e ISS) e a criação
do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Em seu texto original, a proposta prescrevia:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir:
IV - por intermédio do Congresso Nacional, imposto sobre operações com bens
e serviços, ainda que se iniciem no exterior.
§ 7° O imposto de que trata o inciso IV do caput deste artigo será instituído por
lei complementar, apresentada nos termos do disposto no art. 61, §§ 3° e
4°, e atenderá ao seguinte:
I - será uniforme em todo o território nacional e terá regulamentação única,
vedada a adoção de norma estadual autônoma, ressalvadas as hipóteses
previstas em lei complementar;
II - será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação
com o montante cobrado nas anteriores, sendo assegurado:
a) o crédito relativo às operações com bens e serviços empregados, usados ou
consumidos na atividade econômica, ressalvadas as exceções relativas a bens
ou serviços caracterizados como de uso ou consumo pessoal;
b) o crédito integral e imediato, quando cabível, na aquisição de bens do ativo
imobilizado;
c) o aproveitamento de saldos credores acumulados;
III - incidirá também:
a) nas importações, a qualquer título;
b) nas locações e cessões de bens e direitos;
c) nas demais operações com bens intangíveis e direitos;
IV - terá uma alíquota padrão, assim entendida a aplicável a todas as
hipóteses não sujeitas a outro enquadramento;
72
A PEC 45/2019, nascida na Câmara dos Deputados, visa a extinção de cinco tributos já
existentes (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) e a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
Em seu texto original, a proposta prescrevia:
Art. 152-A. Lei complementar instituirá imposto sobre bens e serviços, que
será uniforme em todo o território nacional, cabendo à União, aos Estados,
ao Distrito Federal e aos Municípios exercer sua competência
exclusivamente por meio da alteração de suas alíquotas.
§1o. O imposto sobre bens e serviços:
I – incidirá também sobre:
a) os intangíveis;
b) a cessão e o licenciamento de direitos;
c) a locação de bens;
73
CASTELLO (2021) vai além e, ao analisar a possível regra matriz do IVA adaptado à
economia digital, destaca que nas operações B2B (business-to-business, isto é, operações entre
empresas), o adquirente seria responsabilizado pelo pagamento do imposto, e em operações B2C
(business-to-consumer, isto é, operações com o consumidor final), o fornecedor. A autora
recomenda ainda, devido às operações internas entre mercados integrados (operações
interestaduais), a integração das administrações tributárias, a fim de que o fornecedor recolha o
imposto na origem, mas este seja repassado ao estado de destino. Mas alerta que, diante das
distorções possíveis, situações pontuais podem justificar a responsabilização de um intermediário
digital.
Destarte, percebe-se rapidamente a dificuldade imposta pela economia digital aos tributos
brasileiros sobre o consumo (IPI, ICMS, ISSQN), notadamente em função da desmaterialização
do consumo e a facilidade de movimentação. O IVA mostra-se, a princípio, como uma técnica de
tributação eficaz para a arrecadação, tendente à neutralidade e à autorregulação do mercado.
Entretanto, caso adotado no Brasil, as adaptações são imprescindíveis. As propostas de reforma
tributária analisadas mostram-se no caminho correto, já que visam uniformidade nacional e
arrecadação no destino.
63
CASTELLO (2021, Pg. 284) afirma que o critério material do IVA no Brasil poderia ser: “realizar
operações passíveis de valor agregado’ ou ‘realizar operações com bens e serviços”.
75
transnacionalização das empresas têm tornado difícil a tributação sobre a renda e patrimônio.
Assim, o foco da arrecadação estaria se concentrando na tributação indireta.
No mesmo sentido, PALMA (2022) afirma que a tributação atual não está pronta para a
economia digital, sobretudo a tributação dos rendimentos, tendo em vista que esta se fundamenta
em princípios relacionados à presença física e negócios tradicionais. Por isso, de acordo com a
autora, a União Europeia e a OCDE começaram a pensar, por volta do ano 2000, em soluções a
nível de tributação indireta. Dentre elas, as alterações de regras de localização de prestações de
serviços no comércio eletrônico, embora tenham percebido falha de neutralidade do imposto.
Percebe-se, de fato, a dificuldade dos países em tributar a renda, como destacado no item
“1.4 – TRIBUTAÇÃO DA PUBLICIDADE”, em que narrou-se como a evasão fiscal de
multinacionais por meio de planejamentos tributários agressivos e estruturas multijurisdicionais
resultou em projeto de estudo da OCDE. Através do BEPS (Base Erosion and Profit Shifting)
foram apresentadas 15 medidas para combater a evasão fiscal e garantir a tributação do lucro onde
o valor é criado. A Ação 1 – Endereçando Desafios Tributários da Economia Digital trouxe, em
seu Anexo B, um modelo de planejamento tributário abusivo comum ao setor publicitário no
âmbito digital.
GODOI et al. (2022) afirma que a declaração conjunta e o cronograma assinados pelos
países do Marco Inclusivo em outubro/2021 sinalizou de forma palpável, pela primeira vez, um
avanço à efetiva tributação, notadamente com o Pilar 2, que visa garantir que as grandes empresas
submetam seus lucros a 15% (no mínimo) de alíquota efetiva. Entretanto, o autor deixa dúvidas
quanto à eficácia das medidas adotadas anteriormente. De acordo com ele, as medidas
implementadas pelo Projeto BEPS nos últimos 9 anos não parecem ter reduzido as evasões
tributárias. Por isso, não se sabe se as ações oriundas dos Pilares 1 e 2 serão suficientes, mas prevê
que a implementação do BEPS 2.0 ensejará, ao menos, um aumento relevante na arrecadação
tributária.
O Brasil ainda não alterou sua legislação para internalização da diretriz citada. Encontram-
se vigentes, portanto, as regras tradicionais de tributação da renda, tanto da pessoa jurídica, quanto
da pessoa física. Destaca-se, outrossim, a abrangência da tributação da renda sobre o ganho de
capital, tendo em vista que este é definido como “a diferença positiva entre o valor de transmissão
do bem ou direito e o respectivo custo de aquisição corrigido monetariamente” (artigo 3º, §2º da
Lei nº 7.713/88). Para tornar sua base ampla, o artigo 128 do Decreto nº 9.580/18
determina que “fica sujeita ao pagamento do imposto sobre a renda de que trata este Título
64
De iniciativa política do G20 e da OCDE, em 2013 foi iniciado o Projetos BEPS, a fim de identificar e
combater a erosão de base tributável e transferência de lucros causados pelos planejamentos tributários
agressivos de grandes empresas multinacionais. Em 2015 foram publicadas 15 ações com o objetivo de
combate a tais distorções, dentre eles, a Ação 1, que se destaca por se dedicar inteiramente aos desafios
tributários trazidos pela economia digital. Em 2018 foi criado o Marco Inclusivo (Inclusive Framework),
um grupo composto, até agora, por 142 países, inclusive o Brasil, dedicado à reforma do sistema tributário
internacional. Em janeiro/2019, as propostas do grupo foram divididas em dois pilares: o pilar 1 foca nos
desafios amplos da economia digitalizada; o pilar 2, nos problemas tradicionais exacerbados da economia
digital. O pilar 2, especificamente, visa criar uma solução multilateral, garantindo que todas as empresas
paguem um percentual mínimo de imposto sobre sua renda efetiva. A tributação global mínima inédita foi
denominada global anti-base erosion proposal (GloBE).
77
a pessoa física que auferir ganhos de capital na alienação de bens ou direitos de qualquer
natureza”.
Por esta razão, considerando que toda diferença positiva entre o valor da aquisição
e da alienação deverá ser tributada, independente da natureza dos bens ou direitos, não há
qualquer óbice à exigência da tributação sobre o ganho proveniente de operações com
criptoativos, cuja declaração e acompanhamento pela Receita Federal foi previsto na
Instrução Normativa nº 1.888/2019.
Ainda mais instável se mostra a aplicação de normas vigentes que determinam obrigações
acessórias. Mesmo que não haja dúvidas acerca da incidência tributária, FOSSATI et al. (2021)
salienta a dúvida quanto retenção na fonte de imposto de renda. A título de exemplo, os autores
citam a posição da Receita Federal quanto ao serviço de Data Center, que se assemelharia a
serviço profissional de programação, ensejando a retenção. Todavia, os autores narram que, ao
analisar a Plataforma Digital, a Receita Federal entendeu tratar-se de cessão de uso de programas
e, portanto, não haveria obrigatoriedade de retenção do imposto de renda na fonte.
65
Súmula Vinculante 57: “A imunidade tributária constante do art. 150, VI, d, da CF/88 aplica-se à
importação e comercialização, no mercado interno, do livro eletrônico (e-book) e dos suportes
exclusivamente utilizados para fixá-los, como leitores de livros eletrônicos (e-readers), ainda que possuam
funcionalidades acessórias.”
78
4.5 Conclusão
A tributação deve, ao mesmo tempo, dar segurança, garantir isonomia e não impedir a
criação de novas tecnologias ou a evolução daquelas existentes. Por isso, é interessante a sugestão
de que, ao invés de legislações específicas e conceitos definidos, a liberdade oriente a ótica da
regulação e tributação da IoT, sob pena de se criar barreiras à inovação, afastando o país da
evolução tecnológica mundial. Segue neste sentido a proposta de criação de um regime tributário
simplificado para empresas do setor de tecnologia (algo como um “Simples-Tecnologia” em
moldes semelhantes ao Simples Nacional).
O IVA mostra-se, a princípio, como uma técnica de tributação eficaz para a arrecadação,
tendente à neutralidade e à autorregulação do mercado. No Brasil, tramitam diversas propostas de
reforma tributária, dentre elas a PEC 110/2019 e a PEC 45/2019, que visam a extinção de tributos
e a criação do IBS, imposto sobre o consumo que visa assemelhar-se ao IVA europeu. Assim,
considerando a dificuldade de tributação sobre o consumo do país na economia digital, tais
propostas mostram-se no caminho correto, já que visam uma base de cálculo abrangente (em que
não é necessário definir a atividade, por exemplo serviços, mercancia ou industrialização),
uniformidade nacional da tributação sobre o consumo e a arrecadação no destino.
Em suma, o Brasil não ignora os novos produtos e modelos de negócios da economia digital
e tenta tributá-los com as regras existentes, que são ineficazes e geram insegurança. As duas
propostas de reforma tributária mais relevantes (PEC 110/18 e PEC 45/19), embora não tratem
especificamente da economia digital, ao visarem acabar com a guerra fiscal (disputas entre os
entes federativos), unificarem os tributos sobre o consumo e determinarem a incidência sobre
bens intangíveis, contribuirão muito para redução da insegurança que o estado atual da tributação
brasileira tem gerado. Quanto à tributação da renda, além do intuito de maior utilização do
instituto do ganho de capital, resta saber se o país internalizará as diretrizes fixadas pelo BEPS e
pelo Marco Inclusivo.
80
5. CONCLUSÃO
Com a “quarta revolução industrial”, termo utilizado por SCHWAB (2016) para descrever
o momento vivido pela humanidade após os anos 2000 e os avanços tecnológicos, temos
presenciado uma grande dicotomia: de um lado, a evolução tecnológica tem melhorado e
facilitado a vida da grande maioria dos seres humanos, inclusive tornando acessível serviços e
produtos antes disponíveis a apenas parte da população; de outro lado, tais inovações e a nova
realidade não foram acompanhadas por alterações legislativas imediatas, a fim de que as normas
regulassem o novo cenário mundial.
Como se verificou, esta situação enseja grave insegurança jurídica, seja para os governos
(entes arrecadadores), em função da possível perda de arrecadação, seja para os contribuintes, que
não têm certeza de sua tributação. Além disso, verificou-se a quebra de isonomia concorrencial,
já que os negócios tradicionais continuam a ser regulados e tributados, enquanto outro negócio,
do mesmo ramo de atividade, quando prestado de forma diferente, pode não sê-lo.
Dado, portanto, que a evolução tecnológica tem trazido inúmeras vantagens à humanidade,
este trabalho focou na tributação diante desta nova realidade. Buscou-se, em um primeiro
momento, diagnosticar a situação atual, a fim de verificar se o Brasil e outros países têm
conseguido aplicar suas normas vigentes aos novos produtos e bens oriundos da economia digital.
Analisaram-se, concomitantemente, as ações de organizações (como a União Europeia e OCDE)
e governos direcionadas especificamente à tributação na economia digital. Deste modo, foram
produzidos três artigos independentes entre si, mas que se complementam.
Por fim, o artigo intitulado “Um Breve Panorama sobre a Tributação na Economia Digital
no Brasil” ofereceu uma visão abrangente da tributação da economia digital no país, com foco
nas questões relacionadas à tributação do consumo e da renda. Observou-se que o Brasil não está
alheio às transformações trazidas pela economia digital, mas tem buscado tributá-las com as
regras existentes. No entanto, a aplicação das regras de incidência tributária às novas formas de
materialidade tem sido desafiadora, levando à conclusão de que as normas vigentes são ineficazes
e geram incertezas diante da nova realidade. Além disso, verificou-se que as duas principais
propostas de reforma tributária (PEC 110/18 e PEC 45/19), embora não abordem especificamente
a economia digital, poderão contribuir para reduzir a insegurança gerada pelo atual estado da
tributação brasileira. No que diz respeito à tributação da renda, resta saber se o Brasil irá
internalizar as diretrizes estabelecidas pelo BEPS e pelo Grupo Inclusivo do BEPS (OCDE), além
de buscar uma maior utilização do instituto do ganho de capital.
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