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A iniciação Maçónica: uma análise da sua

mitologia por meio da jornada do herói


28/02/2020 iniciação, Maçonaria, mitologia

Introdução
Este estudo tem por objectivo analisar as influências arquetípicas e, consequentemente,
mitológicas sobre a iniciação maçónica no Rito Escocês Antigo e Aceito, por
intermédio da teoria conhecida por Jornada do Herói.

Muitos talvez possam julgar os rituais maçónicos como obsoletos, sem sentido ou
mesmo inúteis. Serão apontadas as evidências de que os rituais maçónicos e a mitologia
que os estruturam têm forte efeito sobre o inconsciente dos seus praticantes (JUNG,
2005).
Há, sem dúvida, inúmeras diferenças entre as religiões e mitologias da humanidade, e
todas essas, de uma forma ou de outra, podem ser encontradas em alguma medida,
representadas nas alegorias maçónicas (MAXENCE, 2010).
Ao contrário da escola freudiana, que afirma que os mitos estão profundamente
enraizados dentro de um complexo do inconsciente, para Jung, a origem atemporal dos
mitos reside dentro de uma estrutura formal do inconsciente colectivo. Torna-se assim
uma diferença considerável para Freud, que nunca reconheceu a autonomia congénita da
mente e do inconsciente, enquanto que, para Jung havia uma dimensão colectiva inata e
com autonomia energética.

As ideias apresentadas por Jung foram a base científica que o estudioso das Religiões e
Mitologias Comparadas, Joseph Campbell, adoptou para sustentar as similaridades
existentes entre todas as religiões e mitologias da história. Tal conceito chamado
anteriormente de “Monomito” [1] por Jaymes Joyce, foi esmiuçado por Campbell, que
mostrou todo o roteiro da manifestação arquetípica do herói, que se encontra presente na
sociedade como um arquétipo do Inconsciente Colectivo (JUNG, 2005; JUNG, 2011a).
Desta forma, o presente estudo basear-se-á nos trabalhos de Campbell e Jung,
analisando e comparando a iniciação maçónica sob a luz da jornada do herói.
Compreende-se a validade e relevância de tal abordagem pelo facto da literatura
maçónica publicada no Brasil privilegiar as interpretações ritualísticas que seguem um
raciocínio estrito ao entendimento consciente dos seus ensinamentos morais (ISMAIL,
2012), desconsiderando os efeitos psicológicos produzidos pela prática ritualística
(JUNG, 2005).

Depois do trabalho de psicanalistas que tanto utilizaram da mitologia para embasar os


seus argumentos, como Sigmund Freud, Carl G. Jung, Wilhelm Stekel, Otto Rank, e
muitos outros, os quais desenvolveram teorias substancialmente fundamentadas de
interpretações de mitos, faz-se necessário explorar tais conhecimentos, empregando-os
numa melhor compreensão dos rituais e, finalmente, da Maçonaria em si.

Há, sem dúvida, inúmeras diferenças entre as religiões e mitologias da humanidade, e


muitas destas estão de alguma forma presentes nas alegorias maçónicas (MAXENCE,
2010), seja de forma directa ou indirecta. Conquanto, neste estudo em particular, serão
discutidas as semelhanças que há nos rituais maçónicos, em especial no de Iniciação do
Rito Escocês Antigo e Aceito, as demais mitologias do mundo. Nas palavras ad-
referendum do erudito norte americano, Joseph Campbell (2007):
A esperança que acalento é a de que um esclarecimento realizado em termos de
comparação possa contribuir para a causa, talvez não tão perdida, das forças que actuam
no mundo de hoje, em favor da unificação, não em nome de algum império político ou
eclesiástico, mas com o objectivo de promover a mútua compreensão entre os seres
humanos. Como nos dizem os Vedas: “A verdade é uma só, mas os sábios falam dela
sob muitos nomes” (CAMPBELL, Herói de mil faces).
A Jornada Arquetípica do Herói na Mitologia
Maçónica
Jornada do herói X Iniciação Maçónica
O intitulado “Herói” na análise psicológica da sua manifestação, pode ser compreendido
como um arquétipo dentro da psique colectiva (JUNG, 1978). Para reforçar tal teoria,
Campbell indica a sua representação nas mais conhecidas culturas e religiões ao redor
da terra (CAMPBELL, 2007). Também poderemos encontrá-lo em ordens iniciáticas
como a Maçonaria.

Conforme o autor, o herói é encontrado essencialmente nas histórias de Atum, do


Antigo Egipto; de Marduk, dos Mistérios Sumerianos; de Apolo, Febo, Héracles,
Dionísio e Orfeu, da Mitologia Greco-Romana; de Krishna, da Religião Hinduísta; de
Baldur, dos Mistérios Nórdicos; de Amaterasu, na religião Xintoísta; de Oxalá, Oxalufã,
e Oxaguiã, das Religiões Afro-brasileiras; de Rei Arthur, Galahad e Persival, na história
mitológica do Santo Graal; na verídica história de Jacques DeMolay, nos Cavaleiros
Templários; em Christian Rosenkreuz, nas Núpcias Alquímicas da Tradição Rosa Cruz;
em vários heróis cinematográficos, como Luke Skywalker, Indiana Jones, James Bond,
Superman, Harry Potter, Frodo Bolseiro e Aragorn; além de Jesus o Cristo, da Religião
Cristã (DEL DEBBIO, 2008). Em todas estas histórias, encontram-se similaridades que
podem ser compreendidas pelo conceito de Inconsciente Colectivo. Por fim, na
Mitologia Maçónica tem-se a lenda de Hiram Abiff, mito este exclusivo da Maçonaria
(STAVISH, 2011).

Embora a Mitologia Maçónica utilize do contexto contido no Antigo Testamento, pouco


se tem no mito de conteúdo especificamente bíblico, haja visto que o enredo principal é
composto por mitos elaborados. Mal grado, muitos são os maçons que insistem em
fundamentar a maçonaria na bíblia, ou, pior ainda, fundamentar a história pela
Maçonaria (ISMAIL, 2012). O maior exemplo de elaboração mítica na Maçonaria é a
de Hiram Abiff, o protagonista da lenda do grau de Mestre Maçom. Não há,
logicamente, registos históricos de tais eventos, e interpretá-los no sentido literal é um
erro crasso, pois mitos devem ser interpretados, como já dito, de forma simbólica e não
literal (CAMPBELL, 2002; CAMPBELL, 2008).

Conforme descreve Arthur E. Waite, em “A New Encyclopedia of Freemasonry”:


“A lenda do mestre construtor é a grande alegoria maçónica. Sucede que esta história
figurativa se baseia num personagem mencionado nas sagradas escrituras, mas o pano de
fundo histórico é acidental e não essencial, assim o importante é a alegoria e não um ponto
histórico qualquer que esteja por trás dela” (1921, p.366-267)

O Monomito
Assim como a psique humana é dividida em três partes pela Psicologia Analítica, a
Jornada do Herói também o é, podendo ser classificada como: a) separação ou partida;
b) iniciação ou provas e vitórias; e c) o retorno (CAMPBELL, 2007). Este ternário
constitui a base essencial do mito, bem como dos Rituais de Passagem (VAN
GUENNEP, 2011). No que concerne a Iniciação Maçónica, essa pode perfeitamente ser
enquadrada neste postulado, como o estudo demonstrará abaixo.

A teoria da Jornada do Herói teve por base a ideia do Monomito difundida por James
Joyce, vindo a ser aperfeiçoada por Campbell pela associação com o conceito freudiano
de forças do Inconsciente, alcançando a sua base científica com a psicologia analítica ou
arquetípica de Jung, que propõe o conceito psicológico de Arquétipos e Inconsciente
Colectivo. A estruturação dos Ritos de Passagem pelo antropólogo Arnold Van
Guennep possibilitou a análise das diferentes fases da aventura do herói, bem como as
diversas manifestações do mesmo, nas sociedades tribais (VAN GUENNEP, 2011).

Para tanto, será apresentada a constituição básica da Jornada do Herói, os seus


significados psicológicos e antropológicos, que estão presentes em formas disfarçadas
nos contos e mitos, além é claro, de exemplificar o contexto maçónico da mitologia,
ideia central deste artigo.

Partida ou Separação: O chamado da aventura


Eu o proponho, na devida forma, como um candidato apropriado para os mistérios da
Maçonaria. Eu o recomendo, como digno de compartilhar privilégios da Fraternidade, e,
em consequência de uma declaração das suas intenções, feita de forma voluntária e
devidamente atestada, eu acredito que ele seguirá estritamente em conformidade com as
regras da Ordem (Illustrations of Masonry, PRESTON, 1867, p.26)
A primeira tarefa do herói, no caso maçónico, o candidato à iniciação, consiste em se
retirar da cena mundana, do mundo comum, e iniciar uma jornada pelas regiões causais
da psique (templo maçónico), onde residem efectivamente as dificuldades, para torná-
las claras, conscientes e erradicá-las em favor de si mesmo (CAMPBELL, 2008).
Normalmente apresenta-se um problema diante do herói a fim de convocá-lo a cumprir
a sua missão, mas também poderá ocorrer um factor incisivo para o crescimento do
herói, como curiosidade, sonhos ou desejos. Deste modo, conforme o procedimento
maçónico padrão (PRESTON, 1867), o candidato é geralmente convidado a iniciar na
Sublime Ordem. O convite parte do chamado no meio maçónico de padrinho, o qual
figura a função de arauto. E na aceitação do convite reside o “chamado da aventura”
(CAMPBELL, 2007), que, por outras palavras, é um sinal enviado pelo inconsciente.

A recusa do chamado
Tem-se sempre, tanto na vida real como nos contos mitológicos, o triste caso do
chamado que não obtém resposta, havendo, pois, o desvio da atenção para outros
interesses. A recusa à convocação acaba por aprisionar o herói mitológico, seja pelo
tédio, pelo trabalho duro ou pela ignorância. A recusa é uma negação à atitude de
renunciar àquilo que a pessoa considera interesse próprio, e tal recusa caracteriza-se,
essencialmente, pela identificação da persona [2] com o seu ego [3] o que acarretaria no
conceito psicológico de Inflação (HALL; NORDBY, 2010).
Como exemplo, pode-se citar o caso da esposa de Ló, que se tornou uma estátua de sal
por ter olhado para trás, desobedecendo assim a instrução recebida. A forte emoção que
dominou Ló tornar-se-ia uma “recusa do chamado”, pois poderia efectivamente ter
rompido com a jornada [4].
A recusa do chamado na maioria das vezes é representada pelo medo nas suas várias
manifestações. É desta forma que, muitas vezes, ocorre a “recusa do chamado” na
jornada maçónica. Se por algumas vezes o medo do desconhecido ou oculto impede
candidatos de iniciar, outras vezes a própria cultura de certas sociedades trata de
cumprir esta função.

O auxílio sobrenatural
Para aqueles que não recusam o chamado, o primeiro encontro da jornada do herói dá-se
com uma figura protectora, que fornece ao candidato ajuda para o proteger na jornada
que estará prestes a deparar-se.

As mitologias mais elevadas desenvolvem o papel na figura de uma espécie de guia ou


de mestre. No mito grego esse guia é Hermes-Mercúrio, e no mito egípcio, a sua
contraparte é Thoth. Nas tradições judaicas, Noé contou com uma pomba. Na mitologia
cristã encontramos como guia o Espírito Santo (CAMPBELL, 2007).

Na iniciação pelo Rito Escocês Antigo e Aceito da Maçonaria, fica evidente a figura de
auxílio na jornada na função do oficial chamado de Experto, que conduz o iniciando por
caminhos escabrosos, porém, oferecendo-lhe a devida protecção: “Eu serei o vosso
guia, tendes confiança em mim, e nada receeis”. A função do Experto durante a
iniciação é conduzir o candidato, que estando privado de certas faculdades, necessita
inexoravelmente do amparo do guia.
A passagem pelo primeiro limiar
Tendo resistido ao medo, muitas das vezes personificado como medo de morte,
simbolizado no Rito Escocês pela passagem pela câmara de reflexões, o herói segue na
sua aventura até chegar ao conhecido na Jornada do Herói por “guardião do limiar”
(CAMPBELL, 2008). Entende-se psicologicamente pelo limiar como a passagem do
consciente para o inconsciente, onde se entra num mundo de fantasias e imagens,
semelhantes aos sonhos. Ou seja, um mundo mítico.

No âmbito mitológico, este primeiro limiar é representado pela presença de um guardião


e o mesmo está associado, variavelmente, a um posto que pode ser uma porta, ponte ou
lago, simbolizando o limiar. Isto posto, na Iniciação pelo Rito Escocês a passagem pelo
primeiro limiar ocorre no momento em que o candidato é levado à porta do templo e
recebido pelo Guarda do Templo, também chamado em algumas versões de rituais de
Cobridor Externo. Após a sua passagem, ou seja, após ser franqueado o seu ingresso, o
candidato passa a vivenciar uma nova e única experiência, simbolicamente sobrenatural.

Provações e testes: O ventre da baleia


A ideia de que a passagem pelo limiar é uma passagem para uma esfera de renascimento
é simbolizada na imagem mundial do útero ou ventre da baleia. O herói é comumente
jogado no desconhecido, dando a impressão de que morreu, ou, em alguns casos, é
submetido a testes e provações, de forma que aprenda as regras deste novo mundo
(CAMPBELL, 2007).

Como exemplo podem-se citar alguns contos, como do Chapeuzinho Vermelho, no qual
ela é engolida pelo lobo. Da mesma forma, todo o panteão grego, excepto Zeus, foi
engolido pelo pai Cronos. Já na Bíblia e no Alcorão encontramos Jonas, que é engolido
por um peixe e passa três dias e três noites nas suas entranhas, e acaba por sair de lá
vivo [5]. Arnold Van Guennep (2011), salienta que a morte momentânea ou aparente é
tema principal das iniciações tribais.
Na jornada maçónica o iniciando é colocado à prova por testes simbólicos, para que
coloque a mostra a sua coragem de forma a persistir na senda da virtude. Curioso que o
ritual maçónico trata tais testes de forma a simbolicamente tentar afastar o candidato do
seu caminho, como, por exemplo, fazendo-o seguir por “caminhos escabrosos”.

Provas e Vitórias: A Descida


Tendo sido vitorioso nos primeiros testes e provas, ao cruzar por completo o limiar, o
herói caminha por uma paisagem onírica povoada por formas curiosamente fluidas e
ambíguas, na qual deve sobreviver a uma sucessão de novas provas. O herói continua a
ser auxiliado, de forma indirecta, por Guias e Mestres. Porém, aos poucos ele percebe
que existe um poder benigno, presente em toda a parte, que o sustenta na sua passagem
sobre-humana (CAMPBELL, 2008).

Um mito interessante sobre este caminho de provas, e um dos mais antigos da história, é
o registo sumeriano da descida ao mundo inferior pelos portais da metamorfose, pela
deusa Inana. Tal mito era ritualisticamente praticado na antiguidade pelas Prostitutas
Sagradas [6] (VAN GUENNEP, 2011), que foi profanado e hoje é categorizado
como striptease e conhecido como a “Dança dos Sete Véus”. Muitas mitologias
retratam neste momento uma descida ao submundo, quando na verdade, tal descida
retrata a descida aos domínios da psique (CAMPBELL, 2002).
Estas novas provas, cada vez maiores em níveis, representam no processo iniciático
maçónico a passagem pelos quatro elementos, onde o iniciando vivencia e supera,
simbolicamente, os elementos. No passado, relatos indicam que os iniciandos de facto
se colocavam à prova, seja de um incêndio, a nado, ou tempestade (LEVI, 2012).
Provação difícil ou traumática: O encontro
com a Deusa
A aventura última, quando todas as barreiras foram vencidas, aparecerá como a
experiência mais profunda e traumática do enredo mitológico. Normalmente é
representado por uma morte efectiva e momentânea, ou mesmo por um renascimento
miraculoso (CAMPBELL, 2007). Em diversos ritos maçónicos e em diferentes graus
encontramos encenações de todo o tipo para representar esta etapa, seja por mais provas
iniciáticas ou por demonstrações fúnebres, funestas e sombrias, de forma que, pela
última vez, é dada a chance ao iniciando de desistir da senda da virtude, rendendo-se ao
medo. .

Sendo persistente, o iniciando compreende depois o sentido simbólico ou mesmo


psicológico das suas provações e testes, e, no ápice da aventura, é apresentado diante da
Deusa. Tal passagem costuma ser representada por um “Casamento Místico”, conhecido
nos mitos por hierosgamos [7].
Em termos psicológicos tal casamento representa a união-conhecimento com a Anima
ou Animus, contidos em contos da heroína. Esta união representa o chamado
“Casamento Alquímico” dos Alquimistas, e retrata uma união indissolúvel entre o ouro
e a prata, e, por outras palavras, o encontro do Cavaleiro com a Princesa, ou a
descoberta do elixir da longa vida dos alquimistas (JUNG, 2012).

A mulher representa, na linguagem pictórica da mitologia, a totalidade do que pode ser


conhecido, e o herói é aquele que a compreende. Segundo Jung, havendo o equilíbrio
total na psique, atinge-se o si mesmo, ou seja, a totalidade do ser, torna-se consciente de
todo o inconsciente (HALL; NORDBY, 2010). Na mitologia maçónica o iniciando,
torna-se iniciado, havendo completado o processo que Jung chamou de processo de
individuação (JUNG, 2012).

Sobre o encontro com a Deusa – fim do


primeiro ciclo da Jornada Maçónica
O casamento, união – o supracitado conhecimento da Anima -, representa o domínio
total da vida pelo herói. Na Mitologia Maçónica a mulher é o símbolo da Vida e o herói
o seu conhecedor e mestre, ou, por outras palavras, a mulher é o templo e o herói o seu
sacerdote. Daí que muitas representações de templo em culturas antigas são em forma
de uma mulher grávida dando a luz (MURPHY, 2007), bem como de sempre se ter
sacerdotes, e nunca sacerdotisas.

Assumindo o Templo Maçónico as características e conceitos de Anima, conforme


esclarecido, o iniciando, após ter superado todos os testes e provações do processo
iniciático da Maçonaria, recebe como prémio da jornada o encontro com a Anima, que
nada mais é do que, a “Luz da Maçonaria”, passando este a enxergar e conhecer o
Templo Maçónico e comungar da sua Egrégora. Ele ganha também a sua completa
liberdade, ficando livre da corda e aprendendo a sair e entrar na Loja na devida forma
maçónica.

O encontro ou união com a Anima também pode ser chamado de “Encontro com a
Verdade”, pois a totalidade do ser e o completo conhecimento do inconsciente, além de
libertar, proporciona ao herói um conhecimento novo e inexplicável.
Os testes que o herói passou, preliminares das suas experiências e façanhas últimas,
simbolizaram as crises de percepção por meio das quais a sua consciência foi
amplificada e capacitada a enfrentar. Com isto, ele aprendeu que ele e a sua Deusa, ou
ainda, Anima, são um só, pois se casaram-uniram. Por derradeiro, o seu destino é
tornar-se o Mestre, que, variando de uma cultura para outra, pode ser um filósofo,
ancião, líder político ou religioso, entre outros tipos. Já no caso maçónico, um Mestre
Maçom, representante de Hiram Abiff.

Desmistificando a mitologia, percebemos que o mistério do universo é retratado como


Deus. Se para o religioso o infinito é o Deus, para o ateu ou agnóstico, o infinito é o
Universo e as suas infinitas manifestações. O ego torna-se a figura do herói, por isso
quando se encontra com Deus-Deusa, ou seja, o seu próprio inconsciente, toma-se
conhecimento de todo o universo ou infinito. O Eu Inconsciente em algumas passagens
torna-se o velho sábio, que tudo sabe, e conhece as fraquezas e desejos reprimidos pelo
o herói (JUNG, 2011).

Depois deste primeiro ciclo da Aventura do Herói – ou Jornada Maçónica – o herói


ainda é levado a cumprir outros deveres no universo. Da mesma forma, o Maçom é
instruído da existência de outros graus a serem galgados, onde se encontra a
continuidade da Jornada Maçónica. Entretanto, dificilmente se tem um final para a
mitologia como um todo, pois, conforme a própria dialéctica aristotélica, em todo fim
acha-se um novo início (CAMPBELL, 2007). Tendo o final de cada grau maçónico
como um novo começo, pode-se compreender que, por outras palavras, tornar feliz a
humanidade é um processo relativamente infinito.

Conclusões a respeito de Mitologia e as razões


deste estudo
Em síntese, a mitologia pode ser entendida, sob a óptica da Psicologia Junguiana, como
um sonho grupal, sintomático dos impulsos arquetípicos existentes no interior das
camadas profundas da psique humana (JUNG, 1978). Já numa visão religiosa, a
mitologia pode ser tida como a revelação de Deus aos seus filhos.

Tanto a mitologia, como os seus símbolos, são metáforas reveladoras do destino do


homem, e, nas diversas culturas são retratadas de diferentes formas (CAMPBELL,
2007). A ideia central da mitologia é de que a mesma funciona como uma ferramenta
para promover e entender a evolução psicológica do individuo, sendo essa a função
principal do mito (CAMPBELL, 2008).

Em termos de interpretação psicológica da mitologia, sempre vamos encontrar como


chave essencial a questão “Inconsciente = Reino metafísico”. Por outras
palavras, “Porque eis que o reino de Deus está dentro de vós” [8]. Assim, a análise
para toda questão mitológica, é o estudo da psique humana.
Em várias sociedades e cultos primitivos, a prática religiosa consistia em vivenciar a
Mitologia de forma directa, pois o mito o estaria influenciando de forma indirecta no
decorrer das cerimónias, por intermédio do inconsciente. Assim, o crescimento e
finalidade da Mitologia acontece de forma particular em cada um, como uma semente
que aos poucos iria germinando (JUNG, 2005). A tradição maçónica conserva estes
costumes como forma de instrução aos seus membros, sendo, portanto, herdeira
pedagógica destas antigas culturas (BLAVATSKY, 2009). E ao estudarmos a
Maçonaria, o seu ritual e simbologia, não podemos desconsiderar ou descartar este viés,
sob o risco de abrirmos mão do real objectivo dos nossos rituais.

Rafhael Guimarães
Publicado originalmente na Revista Fraternitas in Praxis
Notas
[1] O termo “Monomito” é de autoria de James Joyce, da obra “Finnegans Wake”.
[2] Em grego significa “máscara”.
[3] Na visão de Jung, Ego é o nome dado à organização da mente consciente,
constituindo-se de percepções conscientes, de recordações, pensamentos e sentimentos.
A menos que o Ego reconheça tais percepções elas não chegariam à nossa consciência.
Tais reconhecimentos do Ego são estabelecidos pela função dominante de cada pessoa
(sensibilidade, objectividade, etc.). Uma forte experiência pode forçar entrada pelo ego
ocasionando graves consequências (traumas). O Ego passa a falsa ideia de que ele é,
essencialmente, a nossa inteira consciência, ou melhor, a nossa Psique como um todo.
(HALL; NORDBY, 2010)
[4] Génesis 19:26: “E a mulher de Ló olhou para trás e ficou convertida numa estátua de
sal.”
[5] Jonas 1:17: “O Senhor fez que ali se encontrasse um grande peixe para engolir
Jonas, e este esteve três dias e três noites no ventre do peixe.”
[6] O termo Prostituta possuía outro significado diferente do que hoje é associado.
Significava “aquelas que se prostram”, em referência à Deusa ao qual elas eram
oferecidas e se tornavam sacerdotisas.
[7] Significa “Casamento Sagrado” e se refere à cópula de um deus ou homem com uma
deusa ou mulher.
[8] Lucas 17:21.
Bibliografia
 BLAVATSKY, HELENA P. O ocultismo prático e as origens do ritual na Igreja e na
Maçonaria. São Paulo: Pensamento, 2009.
 CAMPBELL, Joseph. Herói de mil faces. São Paulo: Editora Pensamento, 2007.
 CAMPBELL, Joseph. Isto és Tu. São Paulo: Landy Editora, 2002.
 CAMPBELL, Joseph. Mito e Transformação. São Paulo: Ed. Ágora,
 DEL DEBBIO, Marcelo. Enciclopédia de Mitologia. São Paulo: Daemon Editora, 2008.
 HALL, Calvin S.; NORDBY, Vernon J. Introdução à Psicologia Junguiana. São Paulo:
Cultrix, 2010.
 ISMAIL, Kennyo. Desmistificando a Maçonaria. São Paulo: Universo dos Livros, 2012.
 JUNG, Carl Gustav. Interpretação psicológica do Dogma da Trindade. Rio de Janeiro:
Vozes, 2011 a.
 JUNG, Carl Gustav. O Homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira,
2005.
 JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente colectivo. Rio de Janeiro: Vozes,
2011b.
 JUNG, Carl Gustav. Psicologia do Inconsciente. Rio de Janeiro: Vozes, 1978.
 JUNG, Carl Gustav. Psicologia e alquimia. Rio de Janeiro: Vozes, 2012.
 JUNG, Carl Gustav. Psicologia e religião. Rio de Janeiro: Vozes, 2011c.
 JUNG, Carl Gustav. Símbolos e interpretação dos sonhos. Rio de Janeiro: Vozes, 2011d.
 LEVI, Eliphas. Dogma e Ritual da Alta Magia. 20ª Edição. São Paulo: Pensamento-Cultrix,
2012.
 MAXENCE, Jean-Luc. Jung é a aurora da Maçonaria. São Paulo: Madras, 2010.
 MURPHY, Tim Wallace. O código secreto das catedrais. São Paulo: Pensamento, 2007.
 PRESTON, William. Illustrations of Masonry. New York: Masonic Publishing and
Manufacturing Co., 1867.
 STAVISH, Mark. As origens ocultas da Maçonaria. São Paulo: Pensamento, 2011.
 VAN GUENNEP, Arnold. Os Ritos de Passagem. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2011.
 WAITE, A. E., A New Encyclopaedia of Freemasonry, 2 vols. Londres: William Rider and
Son Limited, 1921.

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