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9 Pedroguimaraes
9 Pedroguimaraes
Rousseau1
On human passions in Thomas Hobbes and Jean-Jacques Rousseau
Resumo: O objetivo deste artigo é analisar e comparar a teoria das paixões humanas em
Thomas Hobbes (1588-1679) e Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Se, por um lado, Rousseau
tece elogios a Hobbes no que concerne à soberania, por outro, ele o confronta diretamente no
que diz respeito às paixões humanas. Em Hobbes os homens naturalmente se encontram
subjugados por um périplo de paixões, e, diante da irregularidade das paixões, a guerra é
inevitável. Daí, Hobbes concebe o Estado com um poder irresistível para que os homens atuem
não seguindo apenas as paixões, mas também a razão. Em Rousseau, as únicas paixões naturais
são o amour de soi-même e a pitié, as paixões que geram a guerra entre os homens só existem
em sociedade. Portanto, Hobbes não poderia ter deduzido a ordem política dessa concepção de
natureza humana. O pormenor é que tanto em Rousseau quanto em Hobbes a vida cívica seria
impossível sem as paixões.
Abstract: The purpose of this article is to analyze and compare the theory of human passions in
Thomas Hobbes (1588-1679) and Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). If on the one hand,
Rousseau weaves praise to Hobbes regarding the sovereignty, on the other hand faces Hobbes
directly with respect to human passions. In Hobbes man are naturally subjugated by a tour of
passions, and, on the irregularity of the passions the war is unavoidable. Hence Hobbes
conceives the State with an irresistible power that man act not only following the passions, but
also the reason. In Rousseau, the only natural passions are the amour de soi-même and pitié, the
passions that cause war between men only exist in society. Therefore, Hobbes couldn’t have
deduced the political order from this conception of human nature. The detail is that both in
Rousseau as in Hobbes the civilian life would be impossible without the passions.
***
Introdução
1
O presente artigo foi apresentado pela primeira vez como uma comunicação proferida durante o I
Congresso Nacional Jean-Jacques Rousseau: Idiossincrasias e Diálogos – realizado entre os dias
08/04/2014 e 11/04/2014 na cidade de São Luís-MA. Posteriormente foi modificado e aperfeiçoado até
encontrar sua forma final de artigo.
2
Graduando em Filosofia pela Universidade Federal de São João Del Rei - UFSJ. Orientador: Prof. Dr.
Fabio de Barros Silva. E-mail: pedrobaependi@hotmail.com
Sobre as paixões humanas em Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rousseau
Vol. 7, nº 1, 2014.
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Sobre as paixões humanas em Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rousseau
O pormenor é que, para os dois autores, a vida cívica seria impossível sem as
paixões.
Thomas Hobbes
Norberto Bobbio (1991), em sua célebre obra intitulada Thomas Hobbes, afirma
que Hobbes concebe o Estado como um remédio para a natureza corrompida do homem,
em que o indivíduo não é caracterizado pelo pecado, mas pelas prepotentes paixões, e
que é tarefa da filosofia descrever e classificar as paixões tal como se descrevem e
classificam as partes do corpo. Bobbio (1991) e, convergentemente, Leo Strauss (2009)
reconheceram o Estado hobbesiano não como um aniquilador das paixões que valoriza
apenas o lado racional do homem, mas sim como um disciplinador das paixões.
As paixões são descobertas pelo método introspectivo “looketh into himself”
(olhando para si mesmo). Como comenta Glen Newey (2014), a maneira de satisfazer as
paixões é pelas leis da razão natural, com a qual deduzimos teoremas (natural laws) que
demonstram o que é mais útil para nossa preservação.
A descrição e a classificação das paixões são feitas por Hobbes principalmente
no sexto capítulo do Leviatã3. Para Hobbes, os objetos não possuem valor intrínseco.
Além disso, o critério que irá determinar as ações como moralmente corretas e
incorretas são as leis positivas. O estado de natureza é, portanto, amoral.
Quando os objetos são percebidos pelos sentidos, provoca um movimento nos
órgãos e partes inferiores do corpo do homem denominado sensação. Diante da
experiência, e da comprovação desse efeito sobre si mesmo e sobre os outros, é
derivado um sentimento de desejo e aversão. Por conseguinte, as ideias de bom e mal
estão intrinsecamente relacionadas a esse sentimento de desejo e aversão: bom é aquilo
que desejo provocando a aproximação, e mal é aquilo pelo que sinto aversão,
provocando o afastamento.
Hobbes define desprezo como imobilidade. Ou seja, diante daquilo que não
desejamos nem odiamos, sentimo-nos indiferentes e nos mantemos imóveis. Nos
Elementos, Hobbes (2005) comenta que o conatus é o começo interno do movimento
animal, identificando o conatus com as paixões: “nossos apetites nos inclinam a agir e
nossos medos nos impedem de prosseguir” (SKINNER, 2010, p. 39).
3
Também em Elementos da lei natural e política capítulo IX e Leviatã capítulo XI.
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Da primeira lei natural, são deduzidas várias outras que são de acordo com
Hobbes deveres ou virtudes morais indispensáveis para o estabelecimento da paz.
Embora a gratidão (quarta lei natural), a piedade (quinta lei natural), o perdão
(sexta lei natural) e a humildade (oitava lei natural) sejam indispensáveis para o
estabelecimento da paz, na ausência de uma autoridade política elas exercem pouca
influência sobre o comportamento dos homens. Essas virtudes que poderiam ser vistas
como “paixões benéficas”, como a piedade e a gratidão, estão longe de ser um
sentimento natural. Elas são um dever que o homem só cumpre quando sente segurança
para fazê-lo, senão, quando coagido. Na ausência do Estado, as paixões que exercem
maior influência sobre os homens continuam sendo a glória, a esperança e o medo.
Temendo a morte violenta, os homens transferem sua liberdade absoluta e
direito a todas as coisas a um terceiro, que é o soberano, instituindo assim o Estado. Em
outras palavras, os homens, movidos pelo medo da morte violenta, e pela esperança de
poder desfrutar com segurança de uma vida mais satisfeita, pactuam estabelecendo a
sociedade política. Como Hobbes afirma em Behemoth: “Todos os reinos do mundo
[...] precedem do consentimento do povo, por medo ou esperança” (HOBBES, 2004, VI,
p. 179).
O homem, sendo o artífice e conteúdo da sociedade política, pode resolver os
conflitos do homem enquanto conteúdo dessa sociedade. Como comenta Strauss (2009,
p. 167), “o homem pode garantir a realização da ordem social justa porque é capaz de
conquistar a natureza humana através da compreensão e manipulação do mecanismo das
paixões”. Rawls (2012a), por sua vez, esclarece que Hobbes não reconhece na grande
maioria das pessoas a capacidade de autocontrole, o que legitima um Estado mais
coercitivo.
A respeito do medo e da glória, Hobbes (2005, III, p. 128) comenta:
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Entretanto, o Estado proposto por Hobbes não pode ser considerado despótico ou
totalitário por valer-se do medo para garantir a observância das leis e os cumprimentos
dos contratos. O medo estimulado pelo Estado não é um medo que não sabemos o
porquê, denominado por Hobbes de panic terror. Esse tipo de medo que Hobbes nos
fala é necessário para o provimento da paz. Ora, se o medo é a paixão que nos impede
de agir, o Estado deve valer-se do medo da punição para impedir que os súditos
cometam infrações.
Além disso, como Hobbes regularmente descreve o Leviatã como um Deus
mortal, o medo que o autor tem em mente é o mesmo que os cristãos sentem diante de
Deus todo-poderoso, e não o medo do Déspota. Nas palavras de Janine Ribeiro (2013,
p. 101):
Não cabe para a filosofia hobbesiana o mito totalitário, que em nosso
tempo funde o indivíduo no Estado. Pode-se aproximá-la do
absolutismo, seu contemporâneo, completado pela economia
mercantilista: procurando conservar a vida do corpo político e a de
cada cidadão quando possível.
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No Ensaio sobre a origem das línguas, iniciado praticamente ao mesmo tempo do Segundo Discurso,
Rousseau afirma que a pitié (piedade) depende da reflexão, o que contradiz o inatismo do Segundo
Discurso. Nicholas Dent (2005) argumenta que como o Ensaio sobre a origem das línguas é inacabado
ele não deve ser tomado como referência. Esse tema é desenvolvido posteriormente no Emílio ou da
Educação, em que o genebrino reafirma o inatismo da piedade.
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A honra ou glória, que Hobbes destaca como a paixão que causa a guerra, não é
um sentimento natural do homem, ao passo que a pitié, negada por ele para legitimar
um Estado mais coercitivo, é.
Rousseau considera que a concepção de natureza humana da qual Hobbes deduz
a ordem política não dizia respeito ao homem no estado de natureza, mas sim ao homem
após a instituição do Estado civil: era o homem civilizado que Hobbes tinha diante de
seus olhos. Portanto, a ordem política estabelecida por Hobbes é, para Rousseau,
equivocada.
É apenas quando os homens estabelecem um liame social mais forte, formando
laços de dependência e dando origem a novas necessidades que as paixões naturais
amour de soi-même e a pitié cedem lugar ao amour propre, paixão artificial.
No Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens
[1755], conhecido como Segundo Discurso, Rousseau comenta o surgimento do amour
propre:
Cada um começou a olhar os outros e a desejar ser ele próprio olhado,
passando assim a estima pública a ter um preço. Aquele que cantava
ou dançava melhor, o mais belo, o mais forte, o mais astuto ou o mais
eloquente, passou a ser o mais considerado, e foi esse o primeiro passo
tanto para a desigualdade quanto para o vício; dessas primeiras
preferências nasceram, de um lado, a vaidade e o desprezo, e, de outro
a vergonha e a inveja (1964a, OC, III, p. 169-170, grifo nosso).
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seria tão indesejável quanto impossível. Conviria com tudo isso, sobretudo porque um
homem que não tivesse nenhuma paixão seria certamente péssimo cidadão” (1964b,
OC, III, p. 259).
Na Carta a D’Alembert [1755] Rousseau aponta que o meio pelo qual o governo
deve agir sobre os costumes é a opinião pública: e aqui, o amour propre manifestado
como honra e infâmia tem sua utilidade. O genebrino tem em mente um tribunal
público, ou uma corte de honra como ele próprio prefere chamar, onde os cidadãos
atuem como censores uns dos outros, agindo sobre duas paixões de seus concidadãos: a
honra e a infâmia. O medo ou reforço negativo são desnecessários. Se quisermos que
determinada pessoa tenha determinado tipo de comportamento devemos honrá-la, se
não, difamá-la.
Outro instrumento que devemos utilizar para manifestar o aspecto positivo do
amour propre é a religião civil, que é abordada no último capítulo Do Contrato Social.
Cada Estado deve ter seu próprio culto em que ocorre a sacralização das leis e dos
deveres, fomentando o amor à pátria e o respeito às leis e às autoridades, ligando
intimamente as leis e os costumes no coração dos cidadãos. Esse elo é impossível sem
as paixões. Esse vínculo entre leis e costumes resultará no direito consuetudinário, “que
não se grava no mármore nem no bronze, mas nos corações dos cidadãos; que faz a
verdadeira constituição de um Estado” (ROUSSEAU, 1964c, OC, III, p. 394).
Considerações finais
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Referências
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