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LÍNGUA PORTUGUESA:

REVISÃO DE TEXTO I

Prof. Thiago Mio Salla


Tema 1 – A Revisão e suas Marcas
Parte 3
Epígrafes
Os revisores são seres obedientes: cumprem e fazem cumprir
as leis ditadas pelos gramáticos. Saramago descreve a sua condição
como seres “atados de pés e mãos por um conjunto de proibições
mais severas que um código penal”. Olhos de falcão, têm de estar
atentos aos mínimos detalhes. Sua concentração nos detalhes é de
tal ordem que, por vezes, o sentido do texto, aquilo que o escritor
está dizendo, lhes escapa.
Aconteceu comigo. Escrevi um livro O Poeta, o Guerreiro, o
Profeta. O argumento se construía precisamente sobre a diferença
entre “estória” e “história”. Num capítulo era “estória”. No outro, era
“história”. Se ele, o revisor, tivesse prestado atenção naquilo que eu
estava dizendo, ele teria notado que o aparecimento alternativo de
“estória” e “história” não podia ser acidental. Mas ele, obediente às
leis dos gramáticos, transformou todos os “estórias” em “história”,
tornando o meu livro gramaticalmente correto e literariamente
nonsense. (ALVES, Rubem. “Sobre gramáticos e revisores”. Portal aprendiz. Disponível
em: <http://aprendiz.uol.com.br> . Acesso em: 15 maio 2011.)
Modalidades de revisão de provas

❖Revisão acompanhada – feita por uma dupla de revisores e


recomendada, em geral, para a primeira prova.

❖Revisão silenciosa – a cargo de um único revisor.

❖Revisão batida ou decalque – superposição da primeira à


segunda prova.
Balizas gerais do trabalho de revisão

❖Autor vivo ou Autor morto;

❖Autoria individual ou Autoria coletiva;

❖Texto literário (multivocidade) ou Texto não literário


(univocidade);

❖A dimensão da interferência demandada pelo editor ou


produtor editorial.
“Eu vi o que foi a proeza de editar Guimarães Rosa:
desde Sagarana, e daí para diante cada vez mais
obsessivamente, os textos eram respeitados passivamente pelo
impressor tal como estavam. O revisor timidamente perguntava
a ele, às vezes, se esse Z era assim mesmo (porque ele trocava S
por Z) ou se esse J por G deveria permanecer. Geralmente, ele
dava um sorrisinho e dizia: "Pode corrigir".
No plano estritamente ortográfico dessas celebérrimas
heterografias homofônicas – isto é, o mesmo som escrito com
letras diferentes – em geral Guimarães Rosa concordava com as
correções, porque não era bom ortógrafo. Mas, de repente,
arrepiava-se com uma palavra que, pela norma, não devia ter
acento nenhum, mas a ele parecia que sim. Achava que aquele
acento estava com função não apenas indicativa do timbre que
a vogal devia ter. Achava até que o circunflexo, o acento agudo,
ou o acento grave entravam no ritmo visual da linha do
próprio texto. Para ele foi uma grande revelação o dia em
que lhe disse: você está com muitas preocupações grafemá-
ticas. Gostou da palavra, sentiu que era exatamente isso:
tinha uma vivência grafemática das palavras”. (HOUAISS,
1981, pp. 53-54)
Reproduzido de Primeiras Histórias (Rio de Janeiro: José Olympio, 1969)
Tipologia dos erros

Salto – omissão de letras, palavras, frases ou períodos


completos.

Repetição – duplicação de letras, sílabas, palavras e até


mesmo períodos inteiros.

Erro também chamado de “piolho” (que, por sua vez,


ainda pode se referir a qualquer pequeno erro
tipográfico que escape à revisão).

Exemplo: subssídio por subsídio;


século XIII por século XII
Tipologia dos erros
Inversão – troca ou mudança de letras, sílabas, palavras ou
períodos

• Gato – troca de uma palavra por outra.

Exemplo: Quando Ramalho Ortigão esteve no Rio de Janeiro,


a direção da Gazeta de Notícias, que era então o matutino
mais lido pela população carioca, solicitou do escritor
português um artigo de colaboração destinado a uma edição
especial. O artigo foi escrito e apareceu com o título “O
pássaro e as penas”, título que a muitos leitores causou
estranheza, pois no artigo não se fazia a mínima alusão nem
a pássaros nem a penas. No dia seguinte, o jornal explicava o
fato, retificando: “Por um engano de revisão”, dizia a
corrigenda, “saiu deturpado o título do artigo do nosso
Tipologia dos erros (continuação slide anteiror)

ilustre colaborador senhor Ramalho Ortigão, que


publicamos ontem. Onde se lê O pássaro e as penas devia-
se ler O pássaro e o presunto”. Foi pior a emenda que o
soneto. O título não era ainda esse, mas simplesmente O
passado e o presente (ARAÚJO, 2008, p. 367).
Tipologia dos erros

Inversão

Gralha – presença de tipos virados, fora do lugar ou trocados:

Exemplo: “Reinava em Portugal a rainha D. Maria II, e, num


boletim do Diário do Governo, falando-se da mesma augusta
senhora, se disse tainha em vez de rainha. O ministério em
peso reclama da redação uma errata estrondosa. No dia
seguinte, lia-se em letras grandes a seguinte corrigenda: Errata
– no boletim publicado ontem, em vez de tainha, lê-se bainha”
(AREZIO, 1925, p. 28).
Tipologia dos erros

Inversão

Pastel – inversão de letras, sílabas, palavras, linhas e de


parágrafos inteiros:

Exemplo: “No Matadouro Municipal, abateram-se ontem


32 reses, 12 porcos, oito carneiros e o deputado Fulano de
Tal” (FRIEIRO, 1980, p. 149).
Tipologia dos erros
Problemas relacionados à diagramação

Caminhos de rato – linhas brancas, oblíquas ou verticais, em


forma de ziguezague, que se formam aleatoriamente na
composição.
Viúva ou Forca – linha final de um parágrafo colocada no início
de uma página ou coluna
Órfã – linha que, no final de uma página inicia um novo
parágrafo
Hifenização – evitar: hifens consecutivos, quebra de vogais,
quebra da última palavra de um parágrafo; formação de
cacófatos; separar primeira sílaba no caso de vogal ou
ditongo; palavras dissílabas.
Falta de uniformidade das linhas e dos tipos – indicar linhas
frouxas, apertadas e curtas; tipos desajustados.
Exemplo de correção de primeira prova (MARTINS, no prelo, p. 243)
WLASEK FILHO, Francisco. “Um Péssimo Original”. In: Técnica de Preparação de Originais e
Revisão de Provas Tipográficas. Rio de Janeiro: Agir, 1966, p. 12.
“A sua maneira de proceder” – depõe Gautier – “era esta:
quando tinha longamente trazido consigo e vivido um assunto, numa
escrita rápida, trôpega, contundida, quase hieroglífica, traçava uma
espécie de cenário nalgumas páginas que mandava à tipografia, de
onde voltavam tiras, isto é, colunas isoladas no meio de folhas largas.
Lia atentamente essas tiras, que já davam a seu embrião de obra esse
caráter impessoal que o manuscrito não tem, e aplicava àquele
esboço a alta faculdade crítica que possuía, com se se tratasse da
obra de outro. Assim operava sobre alguma coisa; aprovando ou
desaprovando a si mesmo, mantinha ou corrigia, mas principalmente
acrescentava. Linhas que partiam do começo, do meio ou do fim das
frases dirigiam-se às margens, à direita, à esquerda, no alto, embaixo,
conduzindo a desenvolvimentos, a intercalações, a incisos, a epítetos,
a advérbios. Ao cabo de algumas horas de trabalho dir-se-ia um ramo
de um fogo de artifício desenhado por uma criança.”
René Benjamim, por seu lado, compara a prova corrigida
por Balzac a uma “teia de aranha humana, irregular, tecendo em
todas as direções, segundo os golpes do gênio, que formava uma
rede inextricável em que a mosca-tipógrafo devia morrer de
esgotamento”.
[...] Também, Balzac era o terror dos tipógrafos e dos
editores; dos primeiros, por estarem as suas inúmeras correções
escritas em letra miúda e confusa, quase ilegíveis; dos segundos,
porque as recomposições contínuas aumentavam extremamente
o custo dos livros. Nessas condições , cada obra impressa de
Balzac representa verdadeiro milagre, soma dos esforços sobre-
humanos do escritor e do operário.

RÓNAI, Paulo. Balzac e a Comédia Humana. São Paulo: Globo, 2012, pp. 112-113.
Página de romance de
Balzac, emendada pelo
autor. Anuário Brasileiro
de Literatura, Rio de
Janeiro, 1941
Marcas de revisão
Cada marca de revisão é “uma parelha de duas unidades”
(Antônio Houaiss).

Duas marcações:
Remissiva – marca feita no texto mesmo da prova/original
Comissiva – marca feita nas margens (direita ou esquerda)
da prova/original

(PINTO, 1993, p. 129)


Marcas de revisão

❖ Sinais codificados (baseados na tradição tipográfica)

❖ Sinais explicados ou explicativos (fazem-se


acompanhar de explicação verbal por extenso ou
abreviada)
Detalhamento dos sinais

Divisões na tabela de sinais:


❖ Erros de composição
❖ Indicações tipológicas
❖ Apresentação do texto

Analisar a tabela de sinais distribuída em sala


A Universalidade dos sinais

Salvadore Landi.
Tipografia II:
Lezioni di
Composizione.
Milano, Editore
Libraio Della Real
Casa, 1898
(Manuali Hoepli).
In: MARTINS
FILHO, 2017, p.
165.
A Universalidade dos sinais

Lexique des
règles
typographique
s de
l'Imprimerie
nationale.
Disponível em:
http://www.s
ans-les-
fautes.com/re
ssources/Sign
es%20de%20c
orrection.pdf
A Universalidade dos sinais

LEE, Arshall. Bookmaking. New York : W. W. Norton, 2004, p. 107.


Diferentes modos de se intervir numa prova

Exemplo 1: A revisão é um trabalho penoso

Exemplo 2: compreendo que essa finalidade ética


Orientações no uso dos sinais de revisão
❖A correção não deve apagar, encobrir ou prejudicar a
legibilidade do texto;
❖Deve-se utilizar uma cor diferente daquela utilizada no texto
(de preferência usar caneta esferográfica vermelha; as
marcações a lápis devem aparecer apenas para indicar
dúvidas e sugestões);
❖As intervenções devem primar pela exata correspondência
entre remissivas e comissivas;
❖Elaboração de um relatório de dúvidas que deve ser entregue,
à parte, ao autor;
❖As correções (remissivas) até a metade direita ou esquerda do
papel são repetidas (comissivas) nas margens direita e
esquerda, respectivamente.
❖Se houver muitos sinais na mesma linha, as barras devem
apresentar pequenas diferenças (um tracinho em cima ou em
abaixo, para esquerda ou para direita);
Bibliografia

ARAÚJO, Emanuel. A construção do livro. Rio de Janeiro,


Brasília: Nova Fronteira, INL, 1986.
AREZIO, Arthur. Revisão de provas tipográficas. Bahia: Imprensa
Oficial, 1925, p. 28. In: COELHO NETO, Aristides. Além
da revisão: critérios para a revisão textual. Brasília:
Editora Senac-DF, 2008.
FRIEIRO, Eduardo. Os livros nossos amigos. Belo Horizonte:
Coordenadoria de Cultura de Minas Gerais, 1980.
HOUAISS, Antônio. Elementos de bibliologia. 2 vols. Rio de
Janeiro: Instituto Nacional do Livro; Ministério da
Educação e Cultura, 1967.
______. “Preparação de originais I e II”. In: MAGALHÃES, Aluisio
et al. Editoração Hoje. Rio de Janeiro, 1981, pp. 49-73.
Bibliografia (continuação)

LEE, Arshall. Bookmaking: editing, design, production. New


York : W. W. Norton, 2004.
MARTINS FILHO, Plínio. Manual de editoração e estilo. São
Paulo: Edusp; Campinas, SP: Editora da Unicamp; Belo
Horizonte: Editora da UFMG, 2013 [no prelo].
PINTO, Ildete Oliveira. O livro: manual de preparação e revisão.
São Paulo: Ática, 1993.

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