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CHEGOU A HORA

(Ônibus de Salvador-Belém via Natal. Cadeiras enfileiradas, uma atrás da outra. A primeira para o motorista,
a segunda e a terceira no limite escrito PRIMEIRA CLASSE; a 3ª e 4ª como segunda classe e a 5ª e 6ª se
houver sem classe. Um pastor da Igreja-Universal-Pictures-do-14º-dia-para-os-144mil-eleitos é o primeiro a
entrar. Acalma do motorista limpando o pára-brisa contrasta com a fanática expressão do pastor.)

PASTOR (P)
- BOM DIA; IRMÃO! LOUVADO SEJA O CRIADOR!
MOTORISTA (M)
- BOM DIA; SEU PASTOR! VAI PASSAR O NATAL EM BELÉM?
(P)
- Vou sim. Vamos nos reunir num grande estádio para ler a Biblia! A propósito o senhor já leu a Bíblia hoje?
(M)
- Li não, seu pastor, tive tempo nada. Essa vida de motorista o sr. Pensa que é mole? Pego cedinho na estrada,
largo tarde...
(P)
- A vida é difícil para todos meu caro! Não encontre desculpas para Deus! Cadê a sua fé na Palavra de Deus?
Quem não lê a Biblia será lançado nas trevas exteriores...
(M)
- Acho que a coisa ta preta é a vida que a gente vive....
(O Pastor vai para seu lugar-2ª classe-e entra uma empregada doméstica.) –OLHA O PONTO!!!
(DOMESTICA:D).
- Alô compadre! Viva o Natal!
(M)
- Viva o Natal cumadre! Vai voltando para Belém para ver a família?
(D) – È SIM, vê os velhos lá, os irmãos, o bando de cigarros que eu larguei pra ser graxeira... A vida não tava
dando virei empregada...
(M) – Tu já foi cigana, Marinalva, olhe que eu morria e não sabia...
(Um grito e um espanto. O Pastor se horroriza)
(P) – O que? Uma cigana neste ônibus? Horror, Deus do Céu, uma mistura desatanás!
(D) – Dê as ordens seu Pastor. Atualmente não sou mais que uma empregada domestica mas posso ler a sua
sorte.
(E VAI PEGANDO NA MÃO DO PASTOR)
(P) – Afastai-vos de mim, Bruxa maldita!
(D) – Que nada, fui cigana e agora virei empregada, servindo na casa de um pessoal que acha que não faço
nada.
OLHA O PONTO!!
(O motorista anuncia a próxima parada. Entrar um distinto cavalheiro engravatado. Político interiorano,
vereador bastante demagógico...)
(VEREADOR – V) – Bom dia motorista, senhores passageiros que tenhamos uma boa viagem...
(TODOS RESPODEM BOM DIA)
D – Seu Doutor, será que não dá pra conseguir um emprego pra mim lá em Belém? Preciso mudar de vida
também...
V – Sô se prometer votar em mim nas próximas eleições!
D – mas eu não sei escrever, doutor...
V – Faz mal não, você copia este papelzinho aqui como está...
M – OLHA O PONTO!!!
(ENTRA UMA MADAME SOCIETY; SUPER CAFONA; COM PITEURA; VISON; ETC...)
MD – Sr. Motorista esta condução pode me levar até Belém. Meu Monza novíssimo quebrou no caminho. Eu
quero ir na 1ª classe...
M – Pois não madame, este ônibus vai para Belém, vai, sim... (O MOTORISTA SE LAVANTA E CONDUZ
A MADAME ATÉ O 1º LUGAR DO ÔNIBUS)
(Os tipos presentes conservam-se com os seus “refrões”: o pastor com sua Bíblia eproselitismo; a doméstica
com suas manias de cigana; o vereador fazendo a sua propaganda do PRN de si; todos circundam a madame
que passar a sofrer a insistência dos três vendendo seus peixes.)
MD – NÃO!NÃO!NÃO! Eu não vou ler a Bíblia, seu pastor, nem quero entrar na sua igreja! Não quero que
você leia a minha mão, sua graxeira metida a cigana... Sou uma mulher muito fina para me misturar com esta
gente... E quanto ao sr., vereador, não vou voltar no sr.; nem nos seus candidatos pôquer meu marido também
vai se eleger no próximo pleito... Saiam daqui, voltem aos seus lugares... Saiam daqui da 1ª classe...
M – Olha ai a próxima parada!...
(ENTRAR UM MIGRANTE E SEGUE PARA O ÚLTIMO LUGAR DO ÔNIBUS)
-- Só a domestica procurar bater papo.
MG – Bom dia irmão, este carro tá seguindo para Belém do Pará? Estou viajando a vários dias. To é louco pra
voltar pra casa... (e vai entrando no ônibus e tomando seu lugar-o ultimo)
M – Bom dia companheiro, vamos pra Belém,...todo mundo tá querendo passar o Natal em família...
MD – (resmungando) Meu Deus, onde é que eu vim parar!... Eu, uma mulher da mais alta sociedade metida
com esta laia de gente. Que horror!!
D – Cumpadre (dando um tapa nas costas do MG) eu não ia ler sua sorte porque ia parecer piada, não é,
velho...
MG – È dona, comigo a sra. tem mesmo que ler o azar...
(Neste ínterim o motorista faz mil gestos exagerados com o volante, pisa fundo e começa a se
assustar. Fica em pé na cadeira, aperta aqui e ali no teto. Toca um fundo musical próprio de cinema mudo tipo
Carlitos. Por fim avisa ao povo que o ônibus perdeu o freio, que estão sobrevoando um monte altíssimo.)
M – ATENÇÃO PESSOAL O ÔNIBUS PERDEU O FREIO! ESTAMOS SOBREVOANDO UM MONTE...
(Todos neste momento olham pela janela, em direção a platéia.)
MG – Meu Padim Padre Ciço, quem foi que disse que pobre não viaja de avião?
(Todos fazem cara de espanto olhando para baixo, mas se encantam com o vôo repentino, mais
divertidos que assustados...)
D – Pessoal, olhe lá embaixo aquele mundaréu de gente, parece formiga...
V – Parece, não, é formiga mesmo. É um formigueiro de verdade na janela do ônibus.
MD – Estou adorando esta viagem. Entrei num ônibus e o ônibus está voando... Lembro-me das minhas
milhares de viagens á Europa, a América do Norte, da ultima vez que fui á França comprei cem litros do
melhor perfume francês.
D – Nossa, como a sr. fede, heim? Quanta CATINGA!
P – Irmãos, estar na hora de vocês se converterem... Convertei-vos! Estamos nas nuvens, próximos dos
anjos...
V – vamos lá pessoal vamos aproveitar as alturas pra espalhar daqui de cima que o PRN vai ganhar...vou
aproveitar para difundir a minha chapa...ei, pessoal la embaixo voltei em mim, serei um excelente candidato,
prometo que farei...TODOS - Cala a boca, demagogo!
(O motorista interrompe os concertos, pois não adianta mais nada, ajoelha-se e abrir os braços...o povo
começar a nota e a se desesperar. A cena passar como em cinema mudo, gestos “carlísticos”, tudo
apressadíssimo, ao som de Saúde de Rita Lee, olham pela janela, desmaiam, se encantam, dão adeuses,
brincam de roda, carnaval geral, entram um diabinho e um anjinho de cada lado do palco, com um grande
lençol, ao ritmo da música, todos caem no chão. O anjo e o diabo continuam dançantes envolvendo as vitimas
num lençol. Depois se entreolham: é a hora da disputa. A cena continua muda ou semi-muda com gestos de
briga (sem se atacarem), cada um querendo levar a trouxa para o seu lugar, respectivamente, o céu e o
inferno)
ANJO – eles me pertencem...vão pro céu, meu caro!
DIABO – Nada disso pertencem a mim... Lúcifer vai adorá-los!
ANJO – Deixe de ser besta, trata-se de gente santa, vão todos pro Paraíso...
DIABO – Você está muito enganado com suas idéias angelicais...Passe eles pra cá...
ANJO – A solução é levar pra S. Pedro resolver o páreo.
DIABO – Se é assim, vamos lá...
(uma folha de papel dizendo “FIM DO 1ºATO” aparece sobre o lençol enquanto a trouxa vai se
arrastando até fora do palco. Anjo e diabo vão empurrando.)

CAIAM AS CORTINAS!!!!
CORTINAS, CAIAM:

II ATO

(Cenário: Sala de espera no céu. Placas indicando “inferno”, “purgatório”, “porta do céu”; sanitários
para anjos e anjas; nuvens de cartolina pendentes no teto, uma arcada enfeitada de flores é a
entrado do céu; uma mesa tipo escritório, com telefone, onde S. Pedro despacha. As vitimas
aparecem no cenário após umas introduções fazendo muita confusão – S. Pedro ao telefone
conversando com alguns santos como Teresinha e Francisco, dentre outros.)

SP – Alô, é Francisco? Venha cá, meu santo? Faz favor de vir tirar seus bichos daqui que estão
sujando o chão... parece até a calçada de Copaca (S. Pedro continua o telefonema, despede-se e
pede outra ligação á telefonista. Manda contatar Sta. / Teresinha do Menino Jesus e fala com ela.
Nesta hora pode haver boas improvisações.)
ANJO – (entrando abruptamente, segurando na túnica de SP enquanto este ainda esta ao
telefone...) venerável pai, por favor por favor...dê-me um pouco de sua sagrada atenção...
(SP, não liga muito para o Anjo e continua falando, embora a conversa esteja acabando. Desliga o
telefone e atende com cara de mar vontade aos anseios do anjo. Quando entrar, então alucinado o
diabo)
DIABO – Pode ficar sossegado, S. Pedro ... este anjo basta não sabe que esta turma é minha. São
todos ótimos para o inferno, estão no ponto. É gente NOSSA!
ANJO – Nada disso, S. Pedro, é gente boa e esforçada, merecem vir pro Céu!
S. Pedro (SP) – Mas o que é que vocês estão falando? Que turma é esta?
ANJO – É turma de viajantes que vinham de Salvador e iam para Belém do Pará...
DIABO – E no caminho, como acontece raramente, o ônibus quebrou e eles morreram...
SP – Vocês não achar que é uma hora imprópria para se morrer? Logo agora, em cima das buchos
de Natal, o Senhor não estar aqui pois vai renascer lá na Terra... Onde estar o pessoal?
ANJO – Na ALFÂNDEGA do Céu, para ver se não estão trazendo muitos pecados de contrabando.
SP – Mande eles para cá! Como é que estão na Alfândega do Juízo Final (Neste ínterim, entram
todos os acidentados, gritando “QUEREMOS IR PRO CÉU! “Chegam portando tabuletas com os
dizeres “Justiça para todos”, “PARAISO E DEMOCRACIA”, “SOCIALISTA NO ÉDEN”, etc. Uma
música agitada pode surgir de fundo. SP. Reclama da baderna aos berros, todos percebem que
estão diante do Apóstolo e prestam-se de emoção. Beijam a ponta da túnica e apresentam cara de
piedade, dizendo um para o outro “é S.Pedro... É S. Pedro...”)
SP – Bem vindos ao juízo final, meus caros, chegaram a muito tempo?
M – Chegamos indagorinha, meu santo! A gente tava na alfândega praver os pecados... Meu
santo, a gente viu um deposito de contrabando... Quanta muamba heim?
SP – O pior não é esta muamba...o pior são aqueles sacos vazios, caixas vazias... São as
omissões, os piores contrabandos. Com elas ninguém entrar fácil por aquela porta...
D – Pois é, são Pedro, agente ia passar o Natal em casa, com a família...e olhe a vida dando um
de seus sustos... quem diria, heim?
SP – Pois é, minha cara, a gente sempre tem que estar preparado pra a hora final...qualquer hora
é hora...
D – E, verdade, nem mesmo uma cigana pode adivinhar...
SP – Bem, vocês disseram que iam passar o NATAL com as Famílias, não é mesmo? Vamos fazer
uma sabatina... Quem me souber me traduzir o sentido exato do Natal vai entrar por aquela porta
ali... Quem é o primeiro?
P – S. Pedro, Natal é ler a biblia diariamente e pregar Jesus em praça pública, declarando que só
Jesus Cristo salva...
M – Natal é tratar bem os passageiros do ônibus, dirigir com toda a responsabilidade possível...
MD – Natal é dar pão aos pobres e esmolas aos mendigos nas portas das igrejas... e freqüentar
chá beneficentes, desfiles de moda e tardes de jogo cuja renda vá para irmã Dulce...
MG – Natal é sofrer como Jesus e seus Pais... não encontrando nenhum lugar nas hospedarias da
cidade...
V – Natal é cumprir com as promessas de antes das eleições... e fazer que a justiça seja cumprida
realmente...
D – Natal é ler Jesus (olha as mãos) no coração dos homens (olha o coração)...
SP – Bem, as respostas não estão traduzindo exatamente o sentido do Natal. Algumas estão
razoáveis...outras, não parecem bastante distantes da verdade... melosas demais...

TODOS – QUEREMOS IR PRO CÉU! QUEREMOS IR PRO CÉU!

DA – S. Pedro... (chama com o dedo indicador) acho que o sr. precisa de alguns esclarecimentos...
Essa turma não é tão santinha assim.
Por exemplo... essa madame aí só dava esmola para sair de boazinha na frente dos outros...
(A MD sai atrás do DA, arrumando-lhe a bolsa, gritaria, forma-se um tumulto, DA sob na mesa de
SP e sobre ela Prossegue...)
DA – É isso mesmo... Esse vereador, S. Pedro, um demagogo, um puxa saco nunca lutou por
justiça nenhuma não ser a do bolso dele... ainda mais no PRN... Este pastor da prece-poderosa aí
vive de ler a Bíblia e nunca moveu uma palha a não ser assinar cheque do dinheiro que recebe do
povão... essa empregada aí, SP, não vale um tostão, ainda por cima foi cigana e todo cigano tem
fama de ladrão... este cachaceiro nordestino nunca gostou de trabalhar fica pra cima e pra baixo
culpando a seca... E este motorista barbeiro... SP... um a-gi-ta-dor... vive metido em sindicato,
fazendo greve, procurando presepada, subvertendo a paz social, ora, SP, essa turma é minha, é
uma raça grã-fina pro inferno...vão causar a maior sensação por lá...
(arma-se a maior confusão. Todos cercam a mesa querendo linchar o DA! O Anjinho bate palmas,
toca lira, irradiando felicidades. São Pedro, irritando, defende o DA. Até que SP grita:)
SP – CHEGA:

TODOS – QUEREMOS IR PRO CÉU! QUEREMOS IR PRO CÉU!

SP – Eu bem sei disto... Mas não adianta nada armar esta confusão. Nada se resolve e eu perco
tempo. Vamos resolver o problema um de cada vez. Fiquei todos acomodados ali na sala de
espera... (todos, murmurantes, sentam-se na bancada da sala de espera. O pastor arruma a
gravata quando S. Pedro ordena ao Anjinho:)
SP – Que entre o Pastor da Prece Milagrosa...
(o pastor entra. Ficam os dois em cena principais, bem próximos do público.)
SP – Como era sua vida na terra, meu irmão!
P – Bom, SP, como sr. sabe, eu não sou católico, trabalhei como pastor numa igreja de crentes,
sempre difundi a Biblia, lutei para levar a Palavra de Deus aos confins da terra, fui um missionário
da Escritura Sagrada... acho, porém, que o sr. não vai me aceitar no céu só porque eu não era
católico...
SP – Não tem nada a ver... o céu não é dos católicos. Isso ali não é estádio onde você compra
cadeira cativa... Alem do mais eu não tenho autoridade para fazê-lo entrar ou sair dali. Em certos
casos posso fazer entrar alguém pois sei que o Chefe vai aceitar. Os casos mais difíceis eu deixo o
abacaxi para ele descascar...
P – Mas o Sr. não vai me dizer que não dá preferência para aos católicos...
SP – Aqui no céu não fazemos diferenças de religião. Religião de nada serve se você viveu numa
vida de animal. A religião de Jesus é ser um irmão do outro, filho do mesmo Deus Pai. Bem,...
neste relatório que tenho aqui em mãos constar que o sr. sempre leu a Biblia, difundiu-a, foi
missionário da Palavra pra cima e pra baixo, mas estou querendo saber quais as suas ações?
P – Ações? No Banco do Brasil ou da General Motora?
SP – Não é nada disso. A Biblia é palavra... cadê o gesto que realizou com esta palavra?
P – O Sr. esta insinuando que de nada adiantou difundir a Palavra de Deus?
SP – É claro que sim... Mas seria bem melhor que se em vez de falar da Bíblia você a tivesse
vivido. Sem vida não há cristianismo...
P – O Sr. esta revoltado é porque eu não comprei ações no Banco do Vaticano...
SP – Não é nada disso! Olhe, seu caso é muito delicado... É bom você ficar ali na sala esperando
Jesus voltar para resolver seu caso... Ele está na terra preparando o Natal no coração dos
homens... Breve ele volta, outra vitima. E arquive a pasta do pastor, o caso dele só o Todo
Poderoso poderá resolver...
(Entrar em cena a MD.)
MD – Pois, não, Santo Pai S. Pedro, já descolou ai meu camarote celestial? Já assumiu que eu fui
uma mulher-maravilha para os proletários e pões do nosso imundo terceiro mundo?
SP – Ah! É a sra. A madame das esmolas...não é?
MD – Por que? O Sr. que uns trocados? Com prazer...
SP – Não. O território do consumo já acabou. Agora a sra. esta num terreno onde tudo é gratuito.
(O Diabo se intromete)
DA – Por isso não. Inferno churrasco é grátis,,, serviço de sauna é obrigatório e gratuito para toda
a população.
SP – Ninguém pediu seus serviços, DA! Volte pra seu lugar... Se inferno fosse bom você não
estaria aqui enchendo nossa paciência...
MD – Sabe, SP, eu sempre fui devota de Santa Rita dos Impossíveis. Desde menina que ela me
resolve os galhos... me arranjou até um marido rico... Sempre fiz processa e sempre paguei ... Sta.
Rita nunca me desprezou...
SP – Ah é, é? Então pêra aí...
Pega no telefone e disca para santa Rita.
Alô, é Ritinha? Minha santa irmã, fez favor, dê um pulinho aqui na portaria do céu... Preciso de sua
ajuda para descascar um abacaxi impossível...
(um foco de luz ilumina a santa que surge toda dura, como uma estatua andando, com sua cruz na
mão, sua chaga na testa e o que for próprio de sua caricatura. A madame desmaia nos braços de
AA ao ver a santa, o ALLELUIA de MAENDEL saúda a santa que entra no palco, todos os
personagens se ajoelham na sala de espera e caminham de joelhos tentando pegar no rabo da
saia da santa. S. Pedro a recebe, manda todos voltarem aos lugares e pede a MD que tome jeitos:)
SP – Cale a sua boca! (olhando para STA Rita diz;) minha querida, desculpe esta recepção mal
educada... é que esta turma de baianos tem me tirado o sossego. Preciso ir no sanitário, queria
que a sra. converse-se com a MD aqui para ver quais as suas chances... disse que foi sua
derrota...
SP – sai da cena e ficam as duas
SR – conte-me, filha, como foi sua vida na terra...
MD – A sra. bem sabe, é minha padroeira, eu sempre fui uma mulher muito rica, muito fina, mas
nunca desprezei os menos favorecidos. Sempre fui boazinha... Mesmo com meus inúmeros
compromissos sociais eu arranjava um tempinho e ia dar esmolas na Capelinha de Sta. Rita...
SR – A Sra. dava sobejo do que sobrava em seu prato chama isto de caridade, madame?...
MD – Sta. Rita
SR – não, queridinha, esta caridade de fachada não convence a ninguém. A Sra. está esquecida
daquele trecho do Evangelho em que Jesus lembra que quem fizer caridade com a mão direita que
a mão esquerda não veja,...
MD – Por que não mostrar uma mão á outra? Ainda com as unhas bem tratadas como as minhas,
esmalte importado... Além domais não tinha tempo de ler evangelho... tinha meus vários
compromissos sociais,..
SR – Bem, filha, agora é tarde a sra. devia ter aproveitado sua vida na terra, para amar os irmãos
de verdade, sem interesse vaidoso, sem fazer tanto alarido pra chamar a atenção...
MD – Quer dizer que eu não tenho esperança, S. Rita? A sra. está é zangada comigo, eu bem que
sei! Porque naquela vez eu botei sua imagem de cabeça pra baixo... Também a senhora não
queria fazer aquele milagre...
SR. – Também pudera, a madame aí pedia inteligência e fineza... não há IMPOSSÍVEL que possa!
Agora fique sabendo de uma coisa: eu pouco ligo para estas besteiras de imagem pra cima ou
para baixo. E pronto: eu não posso ajudar a você nesta questão, é bom esperar Jesus voltar da
Terra, ele é cheio de misericórdia, quem sabe vai aceitá-la ainda assim...
(SR retira-se jogando benções, todos aplaudem de joelho. Madame retorna resmungando e SP
reaparece pedindo que entre o próximo:)
SP – AA faz favor de mandar entrar o seguinte... / Entra o motorista
M – Olá, revendo pai S. Pedro. Sou o motorista, mas fique sabendo que eu não tive culpa nenhum
no acidente...
SP – Ah, sim, já espiei o relatório... o culpado é aquele seu colega de garagem que bebeu, encheu
a cara de cachaça e não fez a revisão dos freios... já sei da história, não se preocupe, nisso você
não tem culpa nenhuma. Mas me conta aí como é que foi sua vida na terra...
M – Ah, SP, minha vida era vida de trabalhador, eu sempre liguei muito pra família, nunca fui de
beber muita cachaça, é bem verdade que de vez em quando umas caninha! Faz mal a ninguém
não, né, S. Pedro?
SP – Claro que não... o problema está no exagero... Você sabe, quem bebe muito quer fugir dos
problemas e os problemas a gente tem que enfrentar. Depois vale uma dose para celebrar a nossa
vitória sobre os problemas...
M – pois é, eu sempre enfrentei meus problemas de frente
(este momento entrar DA fazendo pirraça)
DA – SP. Este sonso está escondendo que ele pertencia ao sindicato, fazia greve de ônibus,
estava sempre procurando confusão...
M – Cala a boca, diabo besta!
DA – É verdade, SP. ele tinha mania de se fazer de defensor dos direitos dos trabalhadores e o
senhor bem sabe que isto é cantiga de subversivo...
SP – Aquete-se, Maçarico!!! Deixe- me trabalhar em paz! Alias, venha aqui é verdade o que você
está dizendo?
DA- É sim, SP, ele participava de comunidade de base, daquela parte da Igreja cheia de gente
comunista...
M- Seu diabo de uma figa, cala a boca!
SP- É verdade o que ele está dizendo, meu filho?
M- ...é sim, SP... é claro que é...tinha que defender meus direitos e os de meus colegas, afinal de
contas a situação está muito preta, o SR. bem sabe...se a gente não lutar quem é que vai nos tirar
o sufoco?
SP- Mas você queria sair sozinho, não era? Queria melhor de vida, você e sua familiazinha?
M- NUNCA! Eu sempre lutei juntos com os meus companheiros, SP!
(Nesse instante SP. coça a barba, chama AA, SR dirigi-se ao céu e aprontam uma confabulação.
No fim sai o veredicto. Anjo Alvinho sobe na mesa e lê o pergaminho:)
AA- A SUPREMA CORTE CELESTIAL DECLARA PARA TODO O PARAÍSO E REGIOES
LIMITROFES DO PURGATÓRIO QUE O SR. JOÃO PASSOS DIAS AGUIAR FOI ADMITIDO NO
CÉU!!!
(O Aleluia de Haendel explode no ar, todos pulam de alegria, a porta do céu é aberta, AA e SR
ficam de recepcionistas, SP conduz o novo habitante, todos brincam de roda dentro do céu o som
do Aleluia vai sendo diminuído. SP retira-se do céu e volta ao exercício;que entre o próximo. E
entra o vereador.)
SP – Faça entrar o próximo, AA!
V – Sua benção, Sr. SP...
SP – Deus o abençoe, meu irmão. Muito esperançoso em conseguir uma vaguinha no céu?
V – Tranqüilo, tranqüilo... conseguir me eleger no interior da Bahia... o Sr. pode ver nos arquivos aí,
SP, eu sempre fui um político honesto, sempre procurei primeiro os interesses do meu povo, nunca
roubei dinheiro do povo para construir coisas minhas, sempre lutei para defender os interesses
reais do povo...nas lutas de minha terra...
SP – Venha cá, e aquela piscina imensa que você construiu no meio da seca nordestina? Como é
que conseguiu aquilo?
V – Bem...é que havia uns invasores no local, uns posseiros, aí eu botei a polícia em cima pra tira-
los de lá... o Sr. sabe, a justiça manda cada um lutar por seu direitos os ricos lutam pelos seus... os
pobres que se virem pelos seus também. No caso, eu lutei pelos direitos dos ricos e eles me
agradeceram... (faz sinal de grana com a mão) e aí eu pude fazer uma casa daquelas lá no
sertão...
SP – (empurrando de leve o outro) era ESTA a justiça com a qual o sr. se comprometia, então, Sr.
vereador?
V – Sempre filiei em partidos que lutam por ESTA justiça...
SP – A propósito, qual o seu partido ultimamente Sr. vereador?
V- Ora. S. Pedro, não podia deixar de ser o _____, o partido de __________!
SP – (Faz cara de horror:) ... do ___...___...___...___ o Sr. ainda quer entrar... pro céu? Faz
favor...retire-se daqui, vá prá sala de espera e ESPERE que por ESTA porta vai ser difícil o Sr.
entrar...Quem sabe o faça entrar o próximo, AA. Entrar em cena a Domestica.)
SP – Como vai, Filha? Conta aí como é que foi sua vida lá na Terra...
D - Minha vida, meu santo, era uma vida pra cima e pra baixo, arribando com as trouxas’ nas
costas’ de um lado pro outro, até que larguei de ser cigana e me empreguei numa casa de patroa
branca, madame cheia de frescura e grito, uma vida de escrava, pagam pouco, tratam mal...
SP – Quando eu perguntei a você sobre o Natal é ler Jesus no coração dos homens... Traduza isto
pra mim, minha irmã...
D – Pois é fácil: como toda cigana que se preza, eu leio as mãos das pessoas. Quando leio as
mãos prevejo o destino, vejo sorte e as coisas boas que vão acontecer. Assim também no Natal
todo mundo deveria ler o coração do outro irmão, um companheiro, um destino comum de muita
sorte!
SP – Ah, mas assim é fácil prever o futuro, dona cigana, se você só enxerga maravilhas todo
mundo gosta... tem um pouco de mentira nesta conversa fiada, não tem?
D – Mas é claro, ou então como é que vamos ganhar dinheiro? A gente tem que inventar umas
estorinha’ para agradar o pessoal... afinal como é que o medico’, os advogado’, os professor’, os
padre’, faz? Todo mundo vive de caso... a cigana aqui tem que entrar no samba...
DA – Psiu, SP, venha ca um instantinho... (cochicha no ouvido)
SP – Minha filha, certa vez você afanou (faz sinal com as mãos) umas coisinhas de sua patroa, é
verdade?
D – (enquanto o Da morre de gargalhadas)... Bom, SP, foi mesmo, faz um tempinho isto já... mas
eu tive um motivo sério...
SP – Nenhum motivo pode levar você a se apossar do que é dos outros...
D – Mas SP, acontecer que eu tenho que sustentar seis meninos que minha prima deixou no
mundo e ainda mais os dois velhos, meus tios... A madame joga fora a comida, eu peguei porque
senão ia apodrecer... Depois eu tenho umas parenta que trabalham na vida, de noite... E quando
não conseguem freguês eu é que dou o de comer...
DA – ROUBANDO, sua ladra. Adivinhe agora para onde você vai? Já acertou: é pro inferno!
Madame Mim adivinhona!
SP – Você dá de comer a tanta gente? Por que? Como? Se você não tem nem prá si mesma como
arranja pros outros?
D – SP, Cigano é diferente. Estes meninos são filhos de meu sangue... estas minhas prima que se
jogaram na vida também largaram o bando e agora estão passando... eu tenho que me arranjar..
(SP convoca todos os anjos e santos inclusive o motorista já aureolado. Reúnem-se confabulam e
enfim chegam a um veredicto que será proclamado pelo AA).
AA – ANUNCIAMOS A TODOS QUE POR DECISÃO DA CORTE CELESTE DONA MARINALVA
ZÍNGARA DA BAHIA FOI ACEITA NO CÉU POR TER SIDO MULHER DEDICADA AO BANDO E
COMPROMETIDA ATÉ O FIM COM A SORTE DOS SEUS PRÓXIMOS...
(gritos, pulos, abraços, euforia, ALELUIA DE HAENDEL e é introduzida no recinto celestial com o
mesmo esquema de recepção.)
(SP, após o barulho se acalmar, pede ordem no recinto e que AA chame o próximo candidato.
Enquanto espera a entrada do MIG. Atende o telefone e improvisa um papo com algum santo do
céu, quiçá Santo Antonio...)
SP – Vamos terminar logo com este serviço, afinal de contas é Natal. Que entre o próximo AA.
MG – Ah, SP, fui um sujeito de estrela apagada..nunca dei sorte, nasci na catinga e não posso
responder nem se vivi se aquele diacho de vida era vida... enxotado pela seca, caveira de gado,
minha terrinha roubada pelos cartório, chegava a política,os políticos dizendo que era terra de S.
Paulo ou Rio... o que é que estes desgraçados rico que mais, nem moram lá, nunca foram, mas
têm o papel, menxotam a mim e aos meus meninos, a velha morreu no desespero, seca de febre...
isso é vida? Peguei o Pau da Arara e vim prá Salvador, ver se arranjava trabaío Cadê até hoje...?
SP – E aí, como é que o sr. se virou? Como é que deu de comer aos filho?
MG – Fui vender bobagem na rua, feito camelô, vender porcaria para conseguir trocado... até que
o fio da minha irmã ficaram tudo órfão, sem nem pai mãe e eu to indo buscar, os meninos não tem
culpa da desgraça da vida, são uns seis pirralho, não tem jeito, vou me virar...
DA – Psiu.. S. Pedro (o diabo está afastado, chama SP de longe) Psiu... venha cá...
SP – Sim, Maçarico, que é que você quer..?
DA – Este desgraçado é danado na bírita... bebe mais que esponja...
MG – Que é que este desgraçado quer, heim, meu santo?
SP – Meu filho, é verdade que você era danado na caninha...?
MG – Era sim, SP, mas o sr. também seria se estivesse em meu couro...
SP – (sem responder... pensativo... coça a barba e chama a corte celestial que cochicha e depois
lá vem o anjo Alvinho com seu pergaminho...)
AA – ANUNCIAMOS QUE SEBASTIÃO DO CAMINHO ACABA DE SER ADMITIDO NO CÉU POR
TER DADO PROVA DE SOLIDARIEDADE AOS MAIS CARENTES...
(todos fazem a maior festa, vibram bastante em torno do MG que permanece estático... pouco a
pouco todos notam que ela não está ligando, param a barbúrdia e a doméstica lhe pergunta:)
D – Ô xente, compadre, tu não ta feliz?
MG – Eu não sei o que é “solidariedade”...
SP – Não importa saber... importa viver, parabéns, você entrou no céu!
(o MG então vibra e recomeça a festa geral. Depois que as emoções vão se abrandando, o grupo
não elétrico começa a choramingar e a exigir em coro “QUEREMOS IR PRO CÈU” – 3 vezes)
(os três não eleitos se movem tipo “quem fala avança” e reclamam mais ou menos ao mesmo
tempo:)
(gritando) UM DE CADA VEZ!
P – Mas SP, por que temos que esperar? Não concordo com este julgamento.
MD – Eu até agora não me conformo porque não fui aceito...
V – Tenho certeza que quando o Todo – poderoso chegar ele será mais compreensivo...
SP – Eu já disse que não posso fazer nada por vocês. Vocês desprezaram o Senhor lá na terra.
DESPREZARAM! Ainda acham que ele vai aceitar vocês?... É possível que ela venha a ter
misericórdia,.. mas não seria injustiça se ele desprezasse vocês aqui no céu...
V – Mas quando foi que desprezamos o senhor lá na terra?
SP – Ora, vocês não sabem que quem despreza os irmãos despreza Jesus?
P – Mas por que eles entraram, como, como é que o senhor sabe que eles não desprezaram
Jesus?
SP- (revoltadissimo, dando carão) Logo o Sr. seu pastor, tão amigo da Bíblia, o Sr. parece que
engoliu o boi e engasgou no mosquito, estará por acaso esquecido daquele trecho da Bíblia que
diz que Jesus está no homem abandonado, na criança, no pobre, no forasteiro, no prisioneiro,; o
senhor que tanto leu a Bíblia esqueceu-se que no Evangelho Jesus se identifica com os pobres?
Esqueceu-se de que Deus reclama por quem teve fome e não lhe deram o que comer, quem teve
sede e não lhe deram de beber, por quem estava nu e não recebeu veste alguma, por quem era
migrante e não recebeu acolhimento, por quem estava doente e não recebeu visita, por quem
estava preso e não foi consolado. Esqueceu-se? ESQUECIDINHOS! Isto é o que vocês são!
V- Mas SP, quando é que nos vimos Jesus com fome ou com sede, migrante, doente, preso, nu?
Como é que Deus fica nu? Isto é ridículo.
SP- É ridículo, é? Mas todas as vezes que vocês deixaram de enxergar Deus no homem ridículo,
pobre, faminto, sedento, migrante, preso, nu...
SP- Vocês o desprezaram...
MD- e aí SP, ainda existe alguma chancezinha para a gente? Eu não quero ir para o inferno...
SP- Isso quem vai resolver é o próprio Pai do céu. Mas ele está muito ocupado, administrando as
conversões neste Natal. Querem ver, olhem lá em baixo, a terra, sua antiga morada ( apontam
para a platéia) olhem como eles planejam celebrar o Natal de Jesus. Que pena que eles não
sabem que fazer Natal é fazer como seus companheiros lá dentro fizeram: amar ao próximo.
Olhem só pensam que é gastar dinheiro. Olhem aquele otário, pensa que Natal é ir torrar o 13º no
Shopping...
MD- Ah, em compensação tem uma turma ali ajudando uma velha a construir seu barraco...
V- Essa turma, sim, vive o Natal... Mas olhe aquele besta torrando dinheiro com bobagem... Eu
bem que conheço ele, está comprando um presente na certa para puxar o saco do Governador...
( Falando alto, em direção da platéia): Deixe de puxar o saco, meu!
P- Hiti, olhem aquele lá, estão agindo... estão trabalhando...
(forma-se um pequeno tumulto, todos apontando para a platéia, indicam uma ao outro
Que Natal é isso, não é aquilo, Natal não é jogar na loteria esportiva mas guardar a esportiva no
humor durante o ano inteiro. Natal não é enfeitar a casa com bolas ocas, mas enviar cartões de
luta, etc, etc...
A musica vai tomando vulto, todos gritam “ VIVA JESUS QUE VAI NASCER” 2 vezes, de mãos
dadas, e por fim gritam “ VIVA JESUS QUE NOS FAZ IRMÃOS”. E a musica bem alegre,
dançante e alta invade. Os atores saem do palco em direção ao Público, desejando “ FELIZ
NATAL” a cada um da platéia... ( deverá emocionar, provavelmente..).

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