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PLANEJAMENTO URBANO-PAISAGÍSTICO: AÇÕES SOCIOAMBIENTAIS

E RELAÇÕES INTRA-ESCALARES

O POTENCIAL DAS SOLUÇÕES BASEADAS NA NATUREZA


Bianca Mota Chagas

Introdução às SBN: Soluções Baseadas na Natureza


Esse resumo expõe as características das Soluções Baseadas na Natureza, explorando, dentro de um
caráter de exemplificação, as diferentes escalas desse conceito e seu papel de mitigação dos impactos
ambientais recorrentes nas cidades. Para mostrar e exemplificar o que são SBN é essencial levantar
alguns dos conceitos ligados à sustentabilidade, governabilidade, qualidade de vida e direito à
paisagem. A partir dessas conexões pode-se entender as SBN como um modelo de soluções em que
diversas camadas da urbanidade e do meio ambiente estão conectadas em vistas a um novo modelo de
equilíbrio urbano-paisagístico.

Ação e consequência nas cidades: um prejuízo compartilhado


Primeiramente, a compreensão do que é “mitigar os impactos” ambientais nas cidades é
imprescindível. Alguns exemplos de impactos urbano-ambientais seriam as enchentes, ilhas de calor,
pragas urbanas, deslizamentos de terra, entre outros, que interferem no equilíbrio ambiental em escala
local e geram reverberações sobre o tecido urbano. Atualmente, as intervenções na paisagem urbana
de maior representatividade são chamadas de infraestruturas cinzas: rodovias, prédios, barragens e
superfícies impermeáveis, usualmente monofuncionais, que fazem o uso dos sistemas convencionais
de engenharia.
Em contrapartida à Infraestrutura cinza, as infraestruturas verdes agrupam soluções de menor impacto
e em diferentes escalas. Segundo MASCARÓ (2013), citado pela autora Eloisa Araújo (2015, p.6), a
infraestrutura verde é “como um conjunto de redes multifuncionais de fragmentos permeáveis e
vegetados, utilizando arborização viária, distribuição equilibrada de áreas verdes, controle da
impermeabilização do solo e drenagem pluvial”. Esse modelo de infraestrutura representa uma fração
generosa e indispensável dentro do modelo das SBN por conter a preocupação de associar espaços
verdes ao urbano com vistas ao amortecimento dos impactos urbano-ambientais descritos

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anteriormente. A mitigação desses impactos envolve, portanto, uma série de mudanças de hábitos
construtivos e de dinâmicas de ocupação. São alterações que envolvem não só as soluções de
infraestrutura, mas também vários outros setores e camadas da sociedade.
Um exemplo de uso de infra-verde, com vistas à redução de impacto ecológico e social, é o caso do
Lago Wolong, na China. Este lago prestava serviços ecossistêmicos para a região, responsável por
regular clima, vegetação, além de servir como parada estratégica para pássaros migratórios que estão
em risco de extinção. Devido à urbanização, a agricultura e piscicultura, passou por uma gradual seca
que culminou em perda significativa do volume d'água entre 2002 e 2004, alterando o equilíbrio
ecossistêmico e a economia local. O projeto baseado em soluções da natureza, realizado em 2018,
restaurou ecologicamente o lago de modo a melhorar a capacidade de armazenamento de água, reduzir
a poluição dos afluentes, reconstituir o ecossistema local através da introdução de fauna e flora, além
de fomentar o turismo. Logo, um caso que perpassa aspectos do planejamento urbano e do direito à
paisagem.
No Brasil, alguns instrumentos de planejamento urbano têm dado maior enfoque ao monitoramento,
prevenção e redução de riscos, mas se observa pouca efetividade na prática. Segundo dados do IBGE
(2013), entre os anos de 2008 e 2012, “foram 895 municípios atingidos por escorregamentos ou
deslizamentos, tendo como causa principal a infiltração de água das chuvas combinada com mudanças
nas condições naturais do relevo, como cortes para construção de moradias, rodovias, aterros e outras
obras” mostrando que a prática da engenharia convencional e a pouca consideração dada à geografia
natural dos centros urbanos gera alarmantes perdas sociais e econômicas. Um exemplo disso é a
severa crise hídrica que assola a região metropolitana do Rio de Janeiro.
No início do ano de 2020, foi detectado pela população alteração no gosto, cheiro e coloração na água
encanada, conhecida como “crise da geosmina”. Segundo Isaac Volschan Júnior, professor da POLI-
UFRJ, a crise atual “é decorrente da inaceitável e absurda inexistência de esgotamento sanitário das
áreas urbanas drenadas pelos Rios dos Poços, Queimados e Ipiranga, todos afluentes ao Rio Guandu”.
A ‘crise da geosmina’ é o perfeito exemplo de como uma desatenção local pode reverberar sobre toda
uma região metropolitana.
Os desafios do pleno funcionamento das políticas de contenção de riscos são inerentes às dinâmicas de
ocupação urbana e representam o topo de uma hierarquia que combate, de forma limitada, variadas
escalas de más escolhas intervencionistas na paisagem urbana, vindo a culminar em desastrosos

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impactos ambientais. Entretanto, as intervenções nas cidades não são exclusivas dos instrumentos
institucionais, mas também do mercado imobiliário, do sistema viário, da desigualdade social, entre
muitos outros atores e coadjuvantes, cada um representando sua escala específica na cidade. Essa
dinâmica de intervenção gera soluções limitadas somente às urgências particulares, sem a preocupação
em conectar demandas e sem considerar os potenciais legados.
As SBN, além de explorar aspectos da infraestrutura verde, também se preocupam com a durabilidade
das intervenções e os ganhos sociais que podem gerar. O autor EGGERMONT (2015) define SBN
como “além dos princípios tradicionais de conservação e gestão da biodiversidade, ‘reorientando’ o
debate sobre os humanos e integrando especificamente fatores sociais, como bem-estar humano e
redução da pobreza, desenvolvimento socioeconômico e princípios de governança”. A associação
entre infraestrutura verde e a qualidade de vida dos cidadãos é um dos desafios que as Soluções
Baseadas na Natureza pretendem reparar ao longo do tempo. Segundo HERZOG (2020) “A
sensibilização conseguida através de atividades coletivas práticas estimula as pessoas a estabelecerem
uma ligação com a ecologia urbana e reforça o espírito de comunidade “. Logo, o fator
sócio-ambiental é imprescindível para o pleno sucesso das SBN, visto que essas, se baseiam em,
servem a, e dependem da sociedade para medir o sucesso e a aplicabilidade da solução.
Dentro do paradigma sócio-ambiental, um exemplo de SBN que partiu da sociedade civil, agregando
outros interessados como o poder público e gerando grandes ganhos ambientais, é a Praça das
Nascentes (Praça Homero Silva), localizada no bairro de Sumaré na cidade de São Paulo. Inserida
numa malha urbana consolidada, predominantemente residencial, repleta de lixo, com focos de
mosquito, capim alto, e sem exercer sua função social, tornou-se um caso inspirador de mobilização
sócio-ambiental pois iniciou outra história em 2013, quando um coletivo de moradores passou a fazer,
por conta própria, a manutenção da praça, gerando curiosidade e envolvimento de outros vizinhos. A
partir dessa ação socioambiental, foram introduzidas centenas de espécies nativas da fauna e flora,
além da descoberta de 13 nascentes do Córrego da Água Preta, evento que rebatizou a praça e reforçou
a importância de manter o local ambientalmente equilibrado. O local hoje reúne festivais, atividades
do município, ensina educação ambiental para as escolas e vizinhos da região e mostra como uma ação
sócio-ambiental pode ser uma valiosa aliada do equilíbrio urbano-paisagístico.
O Projeto Orla de Piratininga, em Niterói, é um exemplo de projeto institucional que contou, e ainda
conta, com forte auxílio da comunidade envolvida. Localizada no Bairro de Piratininga, a laguna, que

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um dia foi fonte de renda para a população pesqueira de suas margens, hoje acumula o esgoto não
tratado de toda a microbacia a qual pertence, tem sua margem de proteção ocupada e está sob uma
forte pressão do mercado imobiliário. O entorno é predominantemente residencial, e varia entre
aglomeração de edificações subnormais e lotes de valores milionários. O projeto traz a SBN como
ponto de partida e contempla, ao mesmo tempo, soluções de infraestrutura verde, acesso e direito à
paisagem, gestão das águas e de espaços verdes, saúde pública, novos potenciais econômicos, além da
forte participação das comunidades envolvidas.
A partir de um projeto inclusivo desde a concepção, as possibilidades de sucesso na implantação
aumentam consideravelmente. O modelo de projeto participativo das SBN tem a capacidade de
empoderar a população para reivindicar suas carências e urgências, que são incorporadas no desenho
do projeto. Quando há comunicação entre as partes envolvidas, e benefícios claros para cada uma
delas, a manutenção da intervenção é facilitada e mais sustentável, ao passo que pode gerar novas
oportunidades de lazer, educação e renda local.

Considerações finais
Logo, o conceito de SBN funciona, em sua plenitude, quando ao mesmo tempo reúne demandas
primárias da sociedade civil envolvida, condição ambientalmente equilibrada entre natureza e cidade,
novas relações de uso e mitigação dos impactos urbano-ambientais, ainda que em pequena escala.
Nota-se, portanto, que as SBN são abrangentes e formam um conceito que transpassa por assuntos
delicados relacionados ao direito à vida, à sociedade, às questões urbanas, entre outras pautas.

Referências
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Científico. ANAP. v.03, n.05, 2015. Disponível em:
<http://www.amigosdanatureza.org.br/publicacoes/index.php/cidades_verdes/article/view/958>.
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Prefeitura Municipal de Niterói, Secretaria de Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Sustentabilidade.
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