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Planejamento
urbano sustentável

Introdução

As ideias acerca do desenvolvimento sustentável na atualidade têm sido utilizadas


amplamente, mesmo que ainda sejam imprecisas e não tão claras para o público em
geral. Com evidentes problemas socioambientais nas cidades, a apropriação do termo
sustentabilidade na busca de melhorias para os espaços urbanos tem se tornado comum.

Desta forma, é importante que os gestores ambientais se aprofundem nas dis-


cussões e reflexões sobre o planejamento urbano sustentável e, para tanto, nesta aula
apresentaremos alguns conceitos gerais, princípios e práticas que se aplicam no desen-
volvimento urbano.

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8.1 Conceitos gerais acerca do


planejamento urbano sustentável

Um marco importante para os processos de urbanização em praticamente todas as par-


tes do mundo foi a retomada do crescimento econômico do pós Segunda Guerra Mundial,
quando um intenso crescimento das zonas urbanas advindo do êxodo rural foi evidente.
Com as industrializações de processos produtivos, o setor industrial demandou mão
de obra vinda do campo e rapidamente as cidades sem estruturas e planejamento apresen-
taram sérios problemas de ordem ambiental, saúde pública, mobilidade, habitação como,
por exemplo, sistemas de saneamento básico precários, ocupações de áreas com fragilidade
ambiental, poluição atmosférica, adensamento populacional, aumento da violência, trânsi-
to, epidemias etc.
Assim, a necessidade da elaboração de planejamentos urbanos logo começou a fazer
parte das principais grandes cidades mundiais e logo com os primeiros diagnósticos, co-
meçam a surgir as primeiras soluções, ainda que paliativas e imediatas. A ideia de cida-
des sustentáveis começa a ser debatida no começo da década de 1970 e após a Conferência
Internacional da ONU para o Desenvolvimento e Meio Ambiente, realizada em 1992 no Rio
de Janeiro, começa a se falar em planejamento sustentável para cidades sustentáveis.
A importância do planejamento sustentável está pautada na possibilidade da otimiza-
ção de recursos financeiros e energéticos, reduzindo ou eliminando problemas sociais e am-
bientais crônicos presentes no meio urbano, deixando as cidades mais agradáveis de viver e
com maior e melhor qualidade de vida.
O meio urbano tem que ser pensado e planejado de maneira complexa e profunda e com
embasamento técnico, pois nele são acolhidas culturas e situações e relações sociais diversas,
em que a concentração de pessoas se dá por compartilharem espaço coletivos públicos e
de interesses difusos com atividades individuais e privadas diversas como, por exemplo, a
administração, o comércio, transporte, serviços em geral e produção industrial.
De acordo com Acselrad (1999), quando há concentração e densidade de pessoas em
um mesmo espaço urbano ocorre uma grande demanda de energia para fazer funcionar os
processos, e para um planejamento sustentável, há de se considerar as cidades como um
ecossistema onde ocorrem fluxos de energias e que o manejo desta energia dentro do siste-
ma irá conduzir para a sustentabilidade ou não. Caso contrário, o meio urbano irá subtrair
essa energia de outro ecossistema, aumentando consideravelmente a pressão pelos recursos
naturais.
Neste sentido, segundo Odum (2007), vale observar que ocorrem quatro diferentes mo-
delos de ecossistemas, descritos no quadro 1.

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Quadro 1 – Modelos de ecossistemas.

1) Ecossistemas naturais que são aqueles que depen-


dem da energia solar para produção de sua energia e pos-
suem funções primordiais para a manutenção da vida;
2) Ecossistemas com subsídios naturais que são aqueles que também depen-
dem de energia solar, porém recebem também outras fontes de energias;
3) Ecossistemas com subsídios antropogênios que são aqueles que re-
cebem energia solar e entradas de energias de origem fóssil;
4) Ecossistemas urbano-industriais são aqueles ecossiste-
mas dependentes dos outros três ecossistemas anteriores e que
são movidos principalmente por combustíveis fósseis.
Fonte: Elaborado pelo autor.

Com esse conceito, as características e formas de desenvolvimento atuais do ecossiste-


ma urbano necessitam de outras fontes de entrada de energia para a sua manutenção, ge-
rando consumo energético advindo de recursos naturais presentes em outros ecossistemas
como florestas, solos, rios e oceanos, pois este ambiente não está sendo capaz de produzir
sua própria energia.
A forma como o meio urbano está organizado é totalmente insustentável, pois está ge-
rando um consumo acelerado dos recursos não renováveis como petróleo e carvão mineral
e uso irracional de recursos renováveis, levando ao seu esgotamento. Isto tem ocorrido por-
que as formas de consumo não respeitam a capacidade de suporte e os processos biogeo-
químicos de ciclagem energética dos recursos naturais que são limitados dentro de seus
ecossistemas.
O uso inadequado e sem planejamentos dos fluxos energéticos que abastecem as cida-
des geram quantidades enormes de resíduos, pois a quantidade captada nos ecossistemas é
muito maior que a demanda, gerando perda e descarte energético. Eles são levados princi-
palmente pela água e ar, ocasionando processos de poluição de ambos como, por exemplo,
os altos índices de enxofre na atmosfera e rios altamente poluídos por elementos químicos
em alta concentração.
A forma como as cidades estão organizadas também afetam seriamente a qualidade de
vida das pessoas, pois as utilizações dos espaços são de adensamentos e aglomerados com
alta impermeabilização do solo e com poucas áreas verdes. Como resultado, os problemas
sociais e ambientais ficam evidentes como, por exemplo, a ocorrência frequente de enchen-
tes e inundações, acúmulo de resíduos sólidos, conflitos sociais, desenraizamento cultural,
ocupação irregular de áreas de proteção ambiental como os mananciais de água etc.
Diante disso, para manter o estilo e modo de vida atual nos centros urbanos, sejam
eles grandes ou pequenos, inevitavelmente haverá uma demanda energética de outros

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ambientes especialmente dos naturais, pressionando cada vez mais os recursos naturais pre-
sentes nos ecossistemas. Também por falta de planejamentos inclusivos, que levam em conta
os interesses difusos da coletividade, os problemas gerados pela urbanização desordenada
terão como consequências altas densidades populacionais, escassez de habitação, redução
da biodiversidade, poluição das águas e do ar, formação de ilhas de calor, etc.
O que percebemos é que o meio urbano é insustentável e há a necessidade urgente da
busca por soluções de eliminação e/ou redução dos impactos nos ecossistemas e na própria
estrutura urbana. Não há dúvidas que este processo tem início na tomada de consciência da
importância de se fazer planejamentos urbanos que vão de encontro com a sustentabilida-
de. Assim, a partir do comprometimento com políticas públicas planejadas das instituições
legisladoras e gestoras públicas, e também da sociedade civil, as soluções e resoluções co-
meçam a aparecer.
A ideia do planejamento urbano sustentável deve ter como base incorporar os princí-
pios da ecologia como, por exemplo, fluxo energético e ciclagem de nutrientes nos espaços
urbanos. A vida nas cidades trouxe de certo modo um conforto para as pessoas com relação
aos acessos aos serviços de saúde, alimentação entre tantos, no entanto o planejamento é
algo fundamental para a manutenção desse conforto na busca da redução dos impactos
ambientais negativos nos recursos naturais que a sustentam como água, solo, florestas etc.
Para o planejamento urbano que visa à sustentabilidade, de acordo com Hussain (2015),
é importante levar em consideração quatro funções estruturais, apresentadas no quadro 2.

Quadro 2 – Funções estruturais presente no planejamento para a sustentabilidade.

1) Proteger a biodiversidade: projetar o espaço ur-


bano integrado com a flora e fauna nativa;
2) Proteger os processos hidrológicos: projetar ações de saneamento
visando à eliminação da poluição dos recursos hídricos, projetar ações
de macrodrenagem e recuperação/naturalização dos corpos d’água;
3) Promover a estabilidade climática: projetar ações sustentáveis, como
o aumento da mobilidade com ciclovias e transporte público, políti-
cas públicas de incentivo à redução de emissões de poluentes etc.;
4) Verificar a utilidade correta dos mecanismos e mate-
riais destinados para aquele fim: projetar ações mais efi-
cazes para os aparelhos de serviços públicos.

Fonte: Elaborado pelo autor.

A mesma autora enfatiza que para o planejamento sustentável deve-se priorizar a pro-
jeção de espaços livres urbanos, os quais possuem funções essenciais para o equilíbrio am-
biental como o acolhimento à biodiversidade, permeabilidade adequada de água de chuva,
regulação do microclima etc. Esses espaços livres urbanos devem ser ricos em bosques e
praças, canteiros centrais e ruas arborizadas, possuir amplos espaços de lazer e prioridades
na mobilidade sustentável como ciclofaixas e múltiplos transportes coletivos públicos.

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Para implantar os espaços livres urbanos é necessário um amplo processo de educação
ambiental junto à comunidade impactada/beneficiada, pois as heranças culturais das formas
como as cidades foram concebidas e vividas pelas pessoas são bem diferentes da proposta
do planejamento urbano sustentável. Esta prerrogativa remete a processos de legitimação/
deslegitimação de práticas cotidianas das pessoas, portanto para se chegar a um consenso
em como realizar a sensibilização ambiental por meio de processos educativos, torna-se
fundamental o reconhecimento da relevância da sustentabilidade.
Para o cumprimento de tal desafio, os processos de educação ambiental devem ser
intensos e contínuos, sendo monitorados a fim de verificar os avanços na tomada de
consciência das pessoas envolvidas e na eficiência da aplicabilidade do planejamento
urbano sustentável.
A relação e inserção de práticas de sustentabilidade ao meio urbano tem origem em
debates políticos e técnicos especialmente na Conferência da ONU para o Desenvolvimento
e Meio Ambiente no Rio de Janeiro em 1992, que estabeleceu os princípios da Agenda 21.
Evidencia-se a necessidade da compatibilidade do bem viver das pessoas com a durabi-
lidade do desenvolvimento ao longo do tempo, fechando um ciclo equilibrado de fluxos
energéticos que se interagem com ecossistemas fora das áreas urbanas, fornecendo de forma
sustentável as matérias-primas necessárias para a sobrevivência humana.
No entanto, como estamos em uma fase de transição de um modelo antigo de desen-
volvimento urbano que gera grande pressão aos recursos naturais para um novo, que tem a
sustentabilidade como base, verifica-se constantemente grande resistência no debate sobre
políticas urbanas, com contínuos movimentos de sentido oposto ao planejamento urbano
sustentável. Tal fato é bem compreendido quando se verifica que os interesses individuais
ou de grandes e fortes grupos econômicos e políticos são ameaçados pelas ideias de inte-
resse difuso e bem da coletividade com menos concentração de renda e maior equidade
socioambiental.
Na sustentabilidade urbana, além das práticas inclusivas de todas as classes sociais para
receberem bons serviços públicos, salientam-se as estratégias de implementação do conceito
de cidades como fomentadoras de negócios, também denominadas de “cidades-empresa”.
Como a sustentabilidade é uma discussão mundial e em muitos países tem sido um desa-
fio buscar tal forma de desenvolvimento, as cidades que estão promovendo planejamentos
que focam a sustentabilidade têm atraído investimentos, tornando-se referências regionais
e nacionais, como é o caso de Curitiba/PR e recentemente Belo Horizonte/MG, melhorando
significativamente a vida de milhares de pessoas quanto à mobilidade, geração de trabalho
e renda, saneamento etc.
Guiar as cidades para a sustentabilidade significa maior interação e melhor produtivi-
dade no uso dos recursos ambientais, fortalecendo as vantagens competitivas de maneira
justa e com interação e elaboração conjunta dos planejamentos econômicos, emergindo as-
sim uma nova cultura de cidades sustentáveis.

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8.2 Etapas para o planejamento


urbano sustentável

Para o planejamento urbano sustentável há a necessidade da definição de quais serão


os temas específicos de cada localidade, que serão incorporados nas correlações do planeja-
mento para a implementação do processo.
São três etapas estruturantes que servirão como base para a implementação de projetos
e ações de sustentabilidade no meio urbano (quadro 3).

Quadro 3 – Etapas estruturantes para o planejamento urbano sustentável.

1) Descrição.
2) Proposição.
3) Prescrição.
Fonte: Elaborado pelo autor.

8.2.3 Descrição
A etapa da descrição é a primeira a ser desenvolvida, pois ela faz o delineamento de
uma base descritiva composta por diagnósticos, levantamentos e inventários de dados pri-
mários e secundários que irão compor o banco de dados.
Uma vez sistematizado o banco de dados, tem início o momento analítico das informa-
ções visando à compreensão e a correlações interdisciplinares dos setores, como a mobilida-
de, lazer, arborização urbana, saneamento, saúde etc.
Com o auxílio de diversas metodologias e instrumentos analíticos é gerado o planeja-
mento urbano voltado para a sustentabilidade, devendo ficar claro, tanto para os gestores
como para a população, as inter-relações das áreas, bem como as propostas de ações.
Nesta etapa, o envolvimento e participação da comunidade é muito importante e pode
ocorrer de várias maneiras como conferências municipais, audiências públicas ou ­workshops.
A participação proporciona legitimidade e identidade com as propostas, facilitando bastan-
te o sucesso da implementação. Quando ocorre a participação em processos de tomadas de
decisões de interesses da coletividade, ocorre o exercício da cidadania por parte dos indiví-
duos e o fortalecimento democrático das instituições.
Quando o processo de planejamento é feito com a participação da sociedade e se tor-
na transparente, também ocorre a qualificação das questões diagnosticadas e planejadas,
levando ao maior esclarecimento da efetividade da resolução dos problemas levantados,
apontando as principais condicionantes, deficiências, potencialidades e as ações necessárias
de enfretamento das fragilidades.

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8.2.4 Proposição
Nesta segunda etapa, chamada de propositiva, organiza-se e propõem-se inúmeras e
complexas propostas de resolução dos problemas diagnosticados.
Neste momento, as propostas e busca de alternativas para o modelo de desenvolvimen-
to urbano em curso deve valorizar os casos de sucesso diagnosticados e toda sua potenciali-
dade e somar com novas ações, considerando os fatores como recursos humanos, materiais,
financeiros, técnicos, tecnológicos, temporais, políticos etc., presentes na localidade.
O conceito de desenvolvimento sustentável, que considera a capacidade de uso e re-
siliência dos ambientes envolvidos e a manutenção do equilíbrio energético dos sistemas,
deve estar presente em todas as propostas sugeridas, sendo materializado em metas claras e
objetivas para o cumprimento de tal finalidade.

8.2.5 Prescrição
Esta terceira etapa é o momento da consolidação do planejamento urbano sustentável.
Tendo as informações estudadas e analisadas – que são a base para as proposições que acon-
tecem em momentos de ampla discussão pública e que são apontadas situações para cada
setor envolvido das potencialidades e identificação das fragilidades, chega a hora definitiva
da aprovação das propostas.
Nesta etapa são descritas todas as ações definitivas a serem implantadas com um crono-
grama físico e se possível financeiro bem claro. Uma vez definidas as ações, vinculam-se as
condicionantes de aplicabilidade, que têm como os principais indicadores:
• os conflitos e aspectos políticos da localidade;
• aspectos financeiros e técnicos;
• aspectos estruturais;
• outros (identificados nas etapas anteriores).
Desta forma, é possível definir as situações reais de implantação do planejamento urba-
no sustentável, definindo as metas alcançáveis e as desejáveis.

8.2.6 Implementação
A implementação é a realização do planejamento executado tendo as 3 etapas descritas
acima como estruturantes. São ações e projetos que viabilizam as propostas consolidadas.
Para a implementação é necessário que se organize uma estrutura de comando e contro-
le, a fim de monitorar e avaliar a sua efetividade e real aplicabilidade.
Os indicadores que compõem a estrutura de implementação estão detalhados no quadro 4.

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Quadro 4 – Indicadores da estrutura de implementação.

Indicadores Descrição
Resolutiva Verifica a viabilidade executiva através das ações
físico-territoriais, sociais, econômicas e/ou insti-
tucionais e também os conteúdos das propostas
condicionadas ao grau de governabilidade dos
grupos políticos vigentes, condições sociopo-
líticas e nível de participação comunitária;
Monitoramento Verifica a manutenção e/ou manejo das áreas de
intervenção com coleta, tratamento, arquivamento,
manutenção e operação de indicadores de quali-
dade, que podem servir para a revisão de ações;
Controle Desenvolve a fiscalização das ações propostas,
promove ações educativas visando à conscienti-
zação para melhor viabilização do planejamen-
to e avaliação global do processo de gestão;
Revisão Com base nas informações geradas pelos in-
dicadores descritos acima, envolve a adoção
das medidas necessárias à atualização constan-
te, total ou parcial, das diretrizes adotadas.
Fonte: Elaborado pelo autor.

A constante revisão do processo é fundamental para a manutenção do processo e sua


legitimidade, fomentando o alcance real das metas estabelecidas. Uma vez que qualquer
processo de gestão deve ser dinâmico, é importante a constante retroalimentação de in-
formações com tratamento e análise sistêmica, a fim de elaborar os ajustes que se fazem
necessário.
A gestão deve ter como base o planejamento e atuar em vários setores do meio urbano
como, por exemplo, o setor ambiental, territorial, social, econômico, institucional. Além dis-
so, a gestão também deverá atuar de forma dimensional, que pode ser:
• Unidimensional: busca especificar as dependências das diversas etapas do proces-
so entre si e com os objetivos e metas pretendidas, estabelecendo correlações com
o processo global do planejamento.
• Multidimensional: o planejamento e gestão devem ter caráter multi, inter e trans-
disciplinar dos procedimentos, uma vez que todas as áreas do conhecimento exer-
cem influência e atuam nos territórios.
Por fim, ressalta-se que a sustentabilidade urbana não está circunscrita no seu próprio
espaço e como mencionado anteriormente ela está vinculada a uma noção de sistema e é
dependente dos recursos naturais dos ecossistemas que estão presentes nos espaços rurais.
Dessa forma, o desenvolvimento urbano sustentável deve estar diretamente relaciona-
do com o desenvolvimento rural sustentável, uma vez que as cidades são consumidoras de
recursos naturais e de espaço para a deposição de rejeitos.

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Assim, qualquer planejamento que vise à sustentabilidade deve ter bem claro em suas
propostas a integração do meio urbano e rural em uma visão sistêmica e de fluxo de energia.
Havendo esta visão geral, as inúmeras práticas de ações de desenvolvimento sustentável
vão ficar mais facilitadas para sua criação, desenvolvimento e consequente sucesso.

8.3 Práticas de planejamento urbano sustentável


O espaço a ser considerado, numa classificação em relação a seus recursos, é constituído
por um capital ambiental, que inclui os elementos a seguir (quadro 5).

Quadro 5 – Elementos constituintes do capital ambiental.

• Naturais: representados pelos recursos naturais;


• Humano: representado pelo conhecimento elaborado por pessoas;
• Tecnológico: representado pela infraestrutura artificial;
• Moral: representado pela cultura e relações éticas.
Fonte: Elaborado pelo autor.

Para alcançar a sustentabilidade, a manutenção e equilíbrio de todos os elementos do


capital ambiental devem ser preconizados e mantidos ao longo do tempo. Deve-se também,
proporcionar múltiplas trocas entre eles, sabendo que um planejamento urbano sustentável
é inter, multi e pluridisciplinar.
A noção de desenvolvimento urbano sustentável traz consigo conflitos teóricos de
questionamento da efetividade das ações, uma vez que o sistema capitalista hegemônico
tem muitas dificuldades de dialogar com os princípios da sustentabilidade. No entanto, por
todos os cantos do mundo existem inúmeras correntes compostas por grupos de profissio-
nais heterogêneos e interdisciplinares que estão mobilizando e fomentando grande esforço
no sentido de implementar projetos de desenvolvimento urbano sustentável.
Para identificarmos se uma cidade está no caminho da sustentabilidade, é necessário
observar se o espaço urbano está integrado de forma equilibrada com o meio rural, no senti-
do do consumo de recursos naturais, e se estão desenvolvendo, em suas múltiplas áreas de
gestão, práticas voltadas para a melhoria da qualidade de vida da população, desenvolvi-
mento econômico e preservação/conservação/recuperação do meio ambiente.
Para quem visita uma cidade com este perfil de planejamento, é facilmente observável,
quando se desloca por ela, sentir seus resultados pelas inúmeras opções de mobilidade, espaços
públicos oferecendo serviços de qualidade e inclusivos, limpeza, boa arborização urbana etc.
Ainda não é possível verificar uma cidade que seja totalmente sustentável, mas sim que pratica
ações de sustentabilidade e que essas são transitórias e potencializadoras no desenvolvimento
de novas tecnologias e grande sensibilizadora da população, que, uma vez habituada a viver
com este tipo de cidade, torna-se crítica e corresponsável em suas ações individuais.
As práticas mais comuns e que já estão bem estabelecidas em diversas cidades tanto no
Brasil como no mundo estão organizadas no quadro 6.

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Quadro 6 – Principais ações de sustentabilidade urbana praticadas atualmente.

Descrição Ações Resultados


Combate às - incentivo ao consumo e - contribuição para a mitiga-
mudanças desenvolvimento limpo. ção das mudanças climáticas.
climáticas
- aumento e conservação - contribuição para o aumento
de áreas verdes para es- de outras fontes de energia.
tocagem de carbono.
- redução da poluição ao nível local.
- incentivo a fontes de
- contribuição para o equilí-
energia renováveis e
brio dos ecossistemas natu-
limpas como, por exem-
rais e sua biodiversidade.
plo, a energia solar.

Conservação dos - incentivo à proteção e - conservação e equilíbrio dos


recursos naturais usos racionais dos recursos ecossistemas naturais.
naturais como, por exemplo,
- conservação da biodiversidade.
compra de madeira de ori-
gem legal e manejo susten- - conservação e respei-
tável, consumo de produtos to de povos tradicionais.
de origem agroecológica. - redução da poluição dos recursos
hídricos, solo e ar por agroquímicos.
- manutenção da ofer-
ta de recursos naturais .
Planejamento - melhoria e amplia- - redução de veículos nas ruas.
do transpor- ção da mobilidade.
- melhoria para a saúde pública.
te público
- incentivo ao uso de trans-
- melhoria nas relações humanas.
portes alternativos, como bi-
cicleta, caronas solidárias etc. - redução da poluição atmosférica.

Promoção - respeito às comunidades - conservação da biodiversidade.


da justiça tradicionais e grupos étnicos.
- conservação de saberes tradicionais.
socioambiental
- redução da pobre-
za e injustiça social.

Destinação - implantação de aterros - redução de doenças


adequada para sanitários com uso múltiplo
- redução da contaminação do
o resíduo sólido energético como, por exem-
solo e recursos hídricos.
plo, o metano como fonte na
produção de energia elétrica. - melhoria no sistema energético.

- cumprimento da legisla- - redução da pressão nos


ção vigente sobre o tema. recursos naturais.

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Planejamento urbano sustentável 8
Descrição Ações Resultados
Destinação - implantação de sistema de - redução de doenças.
adequada para coleta e tratamento do esgo-
- redução da contaminação do
o esgotamen- to doméstico e industrial.
solo e recursos hídricos.
to sanitário
- aumento do espaço de lazer.
- aumento de fontes de alimentação.
- aumento de fonte de gera-
ção de trabalho e renda.
Execução de - elaboração de programas - aumento da sensibili-
ações de educa- para o ensino formal e não zação ambiental.
ção ambiental formal de educação ambien-
- aumento da criticidade das pes-
tal para cidades sustentáveis.
soas acerca de assuntos coletivos.
- aumento da participação na
resolução de problemas.
Fortalecimento - destinação adequada de - aumento da criticidade das pes-
do sistema recursos financeiros e estí- soas acerca de assuntos coletivos.
educacional mulo a uma escola forma-
- aumento da participação na
dora de alunos críticos.
resolução de problemas.
Incentivo à - organização de fei- - melhoria das condições de
economia local ras de trocas. vida de pessoas economica-
mente menos favorecidas e
- organização de feiras de
com menos oportunidades.
artesanatos, produtos agroe-
cológicos, arte e cultura. - valorização de conhecimentos.
Incentivo - sensibilização sobre o - redução da pressão e impactos
ao consumo consumo de produtos negativos aos recursos naturais.
responsável socioambientais justos.
Conservação dos - recuperação de ma- - incremento na biodiversidade.
recursos hídricos tas ciliares.
- equilíbrio dos ecossistemas.
- elaboração de planos de
- segurança hídrica para o abasteci-
recuperação e usos das
mento público, produção industrial.
microbacias hidrográficas.
- segurança energética.
- cumprimento da le-
gislação ambiental e
de saúde vigente.
Criação e va- - implementação de no- - equilíbrio para o microclima.
lorização dos vos espaços como bos-
- aumento de inter-relações sociais.
espaços verdes ques, praças e parques.
- incremento na biodiversidade.
- manutenção adequada.
- aumento dos espa-
- inclusão social em
ços de cultura e lazer.
espaços verdes.

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8 Planejamento urbano sustentável

Descrição Ações Resultados


Implantação de - elaboração de planejamen- - redução da poluição atmosférica.
programa de ar- to através de inventários.
- proteção dos recursos hídricos.
borização urbana
- elaboração de legis-
- melhoria do microclima.
lação para o tema.
- melhoria da qualida-
de de vida das pessoas.
- abrigo para a fauna.
Fonte: Elaborado pelo autor.

Ampliando seus conhecimentos

Cinco princípios de planejamento urbano


para tornar as cidades sustentáveis.
(GAETE, 2015)
A urbanização na América Latina e China é um processo que tem se
desenvolvido de forma muito similar, em decorrência do êxodo rural, mas
que apresenta uma radical diferença: a velocidade.

Este fator se reflete, por exemplo, no fato de que nos últimos 35 anos
as cidades chinesas receberam mais de 560 milhões de habitantes pro-
venientes das áreas rurais, quantidade equivalente a população total
da América Latina, segundo o informativo “Urbanización Rápida y
Desarrollo: Cumbre de América Latina y China”, elaborado pelo Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Utilizando os dados deste documento como referência, a arquiteta Nora


Libertun – PhD em Desenvolvimento Urbano no MIT e mestre em urba-
nismo na Universidade de Harvard – acaba de elaborar cinco princípios
para que a urbanização e os desafios colocados por ela possam ser abor-
dados através de um enfoque sustentável, evitando, assim, a exagerada
expansão urbana e o desequilíbrio do meio ambiente.

Veja, a seguir, os cinco princípios colocados por Nora Libertun:

1. Entender os serviços urbanos como partes de um circuito


integrado.

Os serviços urbanos, como a água potável, luz elétrica e transporte público,


entre outros, devem ser concebidos como um circuito único e não como a
soma das suas partes através da infraestrutura de cada um.

126 Sistema de Gestão e Planejamento Ambiental


Planejamento urbano sustentável 8
Desta forma, a arquiteta Libertun considera que o circuito composto pelos
serviços urbanos que deve ser otimizado na sua totalidade. Também apre-
senta um exemplo a respeito do zoneamento urbano quando se amplia a
rede de transporte, entendendo que “uma melhor comunicação aumenta
a demanda de espaço comercial e residencial”.

2. Alinhar os incentivos econômicos com os benefícios


ambientais.

Nas cidades, é bastante comum encontrar locais urbanizados, mas em


desuso. Por este motivo, a arquiteta considera que se são desenhados pro-
jetos que tornam possível reutilizar estes espaços, esta prática deve ser
recompensada e não proibida.

Para isso, propõe que os incentivos possam ser documentados em políti-


cas que promovam a ocupação em áreas urbanas, o que evitaria a constru-
ção de novos lugares nos subúrbios.

3. Compreender que a sustentabilidade é inclusiva

A chegada de novos habitantes nas cidades traz consigo uma maior demanda
de serviços urbanos. Contudo, se os governos não os proporcionam, abrem-
-se caminhos para a criação de serviços que abastecem os bairros informais,
que na América Latina acolhem um terço da sua população urbana, ou seja,
160 milhões de pessoas segundo o informativo do BID. Na China, a porcenta-
gem é a mesma, representando 234 milhões de habitantes.

Diante disso, Libertun apresenta a ideia que é necessário ampliar a cober-


tura dos serviços urbanos, considerando o fato de que a sustentabilidade não
pode ser alcançada se parte da população continua excluída destes serviços.

4. Incluir a sociedade civil na proteção do meio ambiente.

Casos como a recuperação e conservação do rio Erren (Taiwan) por parte dos
seus habitantes e a revitalização de um espaço subutilizado na área de jogos
sustentável para as crianças de Uraycamuy (Bolívia), são alguns dos exem-
plos do que pode acontecer quando diversas organizações trabalham junto
com os habitantes, fazendo com eles valorizem e reconheçam seu entorno.

Por este motivo, a arquiteta acredita que é importante favorecer a partici-


pação das comunidades, já que é assim que “os residentes valorizam seu
entorno, utilizando e cuidando”.

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8 Planejamento urbano sustentável

5. Fomentar o intercâmbio de conhecimento entre as cidades.

A medida em que as cidades se desenvolvem, surgem novos desafios que


podem ser ambientais, culturais, de desenho, gestão, etc. Por este motivo,
Nora Libertun vê como uma oportunidade que as cidades compartilhem
suas experiências e aprendizagens, para superar os desafios que podem
ter pontos em comum.

Neste sentido, há alguns meses, Santiago integra uma rede que procura
cumprir com o intercambio de conhecimento, focada em desenvolver
estratégias para que as cidades saibam como se recuperar de uma crise
que pode ser econômica, física e social.

Trata-se da organização 100 Cidades Resilentes, dependente da Fundação


Rockefeller, que em 2014 avaliou as propostas das cidades interessadas
em fazer parte desta rede e que finalmente lhe permitiu eleger 35 cida-
des, sendo uma delas Santiago, que foi representada pela proposta da
Organização Resiliência Sul.

Atividades
1. Relacione possíveis ações de um planejamento ambiental relativos a:
• Proteção da biodiversidade.
• Proteção dos processos hidrológicos.
• Promoção da estabilidade climática.

2. Verifique, em uma cidade de sua escolha, se existem ações de planejamento ambien-


tal e se elas estão organizadas a partir da etapa da prescrição.

3. Liste ações de sustentabilidade em espaços urbanos promovidos pelo poder público


e privado.

Referências
ACSELRAD, Henri. Discursos da sustentabilidade urbana. Revista Brasileira de Estudos Urbanos
e Regionais. Disponível em: <http://unuhospedagem.com.br/revista/rbeur/index.php/rbeur/article/
view/27>. Acesso em: 29 nov. 2016.
BRASIL. Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal,
estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10257.htm>. Acesso em: 13 nov. 2016.

128 Sistema de Gestão e Planejamento Ambiental

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