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Coordenador do Conselho Editorial de Educação

Marcos Cezar de Freitas

Conselho Editorial de Educação


José Cerchi Fusari
Marcos Antonio Lorieri
Marli André
Pedro Goergen
Terezinha Azerêdo Rios
Valdemar Sguissardi
Vitor Henrique Paro

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Cury, Carlos Roberto Jamil
Base Nacional Comum Curricular [livro eletrônico] : dilemas e
perspectivas / Carlos Roberto Jamil Cury, Magali Reis, Teodoro
Adriano Costa Zanardi. -- 1. ed. -- São Paulo : Cortez, 2021.

Bibliografia.
ISBN 978-65-5555-138-9

1. BNCC - Base Nacional Comum Curricular 2. Currículos 3.


Educação - Brasil 4. Pedagogia 5. Política educacional 6.
Professores - Formação I. Reis, Magali. II. Zanardi, Teodoro
Adriano Costa. III. Título.

21-78346 CDD-375.0981

Índices para catálogo sistemático:


1. Brasil : Base Nacional Comum Curricular : Educação básica 375.0981

Cibele Maria Dias - Bibliotecária - CRB-8/9427


BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR: DILEMAS E PERSPECTIVAS
Carlos Roberto Jamil Cury, Magali Reis, Teodoro Adriano Costa Zanardi

Capa: de Sign Arte Visual


Preparação de originais: Jaci Dantas
Revisão: Maria de Lourdes de Almeida
Projeto gráfico e diagramação: Linea Editora
Coordenação editorial: Danilo A. Q. Morales

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Publicado no Brasil — 2021


SUMÁRIO

Anterrosto
Página de direitos autorais
Folha de rosto
Sumário

Apresentação — Debates em torno da Base Nacional Comum Curricular

1 Por uma BNCC democrática, federativa e diferenciada

2 BNCC e a universalização do conhecimento

3 Base Nacional Comum Curricular é Currículo?

4 BNCC e Educação das novas gerações: limites conceituais

5 Habemus Base, mas Habemus Freire

Referências

Referências sobre a BNCC


Apresentação
Debates em torno da Base
Nacional Comum Curricular

Nas últimas três décadas, o Brasil tem experimentado um acelerado


processo de mudança, tanto no que diz respeito às formas pelas quais a
política se apresenta, quanto também pelo maior engajamento e
expressividade das lutas sociais em defesa da democracia, da ética na
política, e na defesa da escola e da educação como bem mais significativo
da sociedade, capaz de conduzir a emancipação dos sujeitos sociais.
Compartilhamos, contudo, com a ideia de Paulo Freire ao afirmar que a
educação por si só não transforma a sociedade, tampouco a sociedade pode
modificar-se sem ela. O que nos moveu a empreender este livro foi a ideia
de refletir conjuntamente sobre as bases da Base Nacional Comum
Curricular (BNCC), levando ao público de interesse — professores,
estudantes, pesquisadores e demais interessados na temática — não apenas
os debates em torno dela como também algumas questões e críticas que
consideramos imprescindíveis para prosseguir com esta discussão,
acalorada e interminável, como é a própria experiência do currículo, um
campo de tensões e disputas contínuas.
No dia 15 de dezembro de 2017, a BNCC foi aprovada pelo Conselho
Nacional de Educação, constituindo, a partir de sua terceira versão, um
documento normativo que deverá servir como diretriz para a construção dos
currículos das redes públicas e particulares de ensino nas instâncias
municipais, estaduais e federais, para a Educação Infantil e Anos Iniciais do
Ensino Fundamental. Para abrirmos os trabalhos, consideramos pertinente
reunir nesta apresentação alguns dos mais profícuos escritos sobre a
temática, de modo que o leitor tenha de início uma visão geral sobre as
publicações que suscitaram os debates em torno da BNCC.
As discussões, relativas à construção de uma Base Nacional Comum
Curricular, tiveram início no ano de 2012, quando as primeiras críticas em
relação aos procedimentos de construção de um documento tão significativo
para a educação começaram a ganhar visibilidade por meio de publicações
acadêmicas.
Destacamos o papel fundamental das revistas científicas na difusão das
ideias e concepções de currículo que vêm sendo discutidas e amplamente
debatidas no meio universitário, em diálogo com a sociedade, com a
produção de significativo substrato teórico, que possibilitou o início da
crítica ao modo impositivo de pensar o currículo e a necessidade de adoção
de uma perspectiva interativa, participativa, democrática e dialogada.
O ano de 2012 também marcou a criação da Associação Brasileira de
Currículo (ABdC), e com ela houve também o incremento na produção e
difusão acadêmica sobre currículo. A associação surge em um período de
efervescência das discussões em torno da BNCC, mas não se restringe a ela;
ao contrário, busca uma perspectiva crítica sobre a temática. Sob demanda
da ABdC em parceria com as revistas Teias (UERJ), e-Curriculum (PUC-
SP) e Currículo sem fronteiras, revista lusófona sediada no Rio Grande do
Sul.
Para iniciar os trabalhos demandados pela ABdC, Ferraço e Carvalho
organizam um dossiê temático para a revista Teias, vinculada à
Universidade Estadual do Rio de Janeiro, sendo este o primeiro de uma
série de dossiês temáticos, da mesma revista, que colocam em debate as
questões curriculares suscitadas pela Base Nacional Comum Curricular. Os
autores intitulam o dossiê de Currículo: Problematização entre Práticas e
Políticas, cujo objetivo foi enfocar a relação entre práticas e políticas, tendo
como princípio a necessidade de se considerar, nas pesquisas com os
currículos, a compreensão de que as políticas são práticas, isto é,
constituem ações de grupos políticos sobre questões específicas com a
finalidade explicitada de mudar algo existente em algum campo de
expressão humana. O que se traduz pela ideia de que as políticas são,
necessariamente, práticas pessoais e coletivas dentro de um campo qualquer
no qual há, sempre, lutas de posições diferentes e mesmo contrárias. Os
autores afirmam que a proposta do Dossiê em questão é carregar o conceito
de práticas-políticas, visto que, segundo eles, as práticas são políticas
negociadas nas complexas redes cotidianas de saberes, fazeres e poderes
das escolas e dos sistemas educacionais, constituindo-se como políticas de
currículo.
No âmbito da revista Currículo sem fronteiras, houve o lançamento do
dossiê Contribuições aos sentidos sem fronteiras do currículo, cujos
organizadores foram Chizzotti e Amorim, em uma parceria
interuniversidades. Nele, os autores analisam o currículo como parte
nuclear dos debates sobre o conhecimento humano e afirmam que os
currículos escolares devem estruturar propostas pedagógicas que deem
acesso ao conhecimento a todos os cidadãos.
Já a revista e-Curriculum apresentou, em 2012, o dossiê Currículo:
políticas e cotidianos, no qual as organizadoras Lopes e Oliveira afirmam
que a recém-criada Associação Brasileira de Currículo (ABdC) assume,
dentre outros, os objetivos de “realizar e fomentar estudos no campo do
currículo” e “estimular a implantação de diferentes formas de difusão e
divulgação de produções no campo do Currículo”. Nesse dossiê temático,
Lopes e Oliveira reúnem um conjunto de textos derivados de pesquisas e
reflexões de autores com compreensões e atuação distintas em relação ao
campo. Para as organizadoras, em comum, além da pesquisa em Currículo,
as produções publicadas nessa proposta, compartilham a ideia de que é
preciso considerar, de diferentes modos e a partir de diferentes enfoques
teóricos, as influências mútuas entre as políticas curriculares e os cotidianos
escolares quando se pretende estudar uns e outros.
Os Cadernos de Pesquisa, da Fundação Carlos Chagas, divulgaram em
seção Temas em Destaque, um conjunto de artigos relativos às questões
curriculares, organizado por Lopes, Macedo e Sousa. As organizadoras
afirmam que o campo da política educacional é um dos mais desenvolvidos
tanto no Brasil como no exterior. À medida que o controle estatal sobre a
educação se amplia, crescem também as múltiplas análises produzidas no
âmbito da pesquisa. De acordo com Lopes, Macedo e Sousa, o dossiê foi
pensado em torno de textos de natureza mais teórica, que discutem o
sentido de política educacional com o qual se opera na sua composição,
seguido de um conjunto de estudos de políticas educacionais
contemporâneas no que tange à educação básica.
No âmbito da revista Teias, houve a publicação, em 2013, do Dossiê
Currículo, Conhecimento e Experiências. De acordo com Saul e Amorim,
esse dossiê responde ao acordo firmado entre Revistas Científicas, proposto
pela Associação Brasileira de Currículo (ABdC), com o objetivo de
preparar e socializar números temáticos que visem à publicação de artigos
que aprofundem a pesquisa e divulguem a produção sobre Currículo, no
cenário nacional e internacional. Os autores ressaltam que o Currículo, por
incluir a política, a teoria e a prática de toda a ação educativa, tem tido
grande centralidade nas decisões educacionais. Tal afirmação indica que o
currículo é o cerne da educação e por meio dele outras ações educativas,
políticas, teórico-práticas são tomadas, criadas, recriadas, incrementadas,
extintas ou modificadas. Para os autores, o currículo implica
intencionalidades e uma construção epistemológica social que se fazem
presentes na práxis político-pedagógica que atinge os sistemas educativos e
são neles gestadas.
No ano de 2014, Teias apresenta o dossiê Currículo, Políticas e
Trabalho Docente, que, conforme afirmam os organizadores Vieira e
Garcia, essa foi uma incumbência, em nome da ABdC, para a reunião de
novos estudos sobre a temática, elegendo, dessa vez, como tema central de
problematização, a questão do trabalho docente, cujo objetivo é o de
discutir as conexões e interfaces entre as reformas e as políticas curriculares
contemporâneas e suas relações com o trabalho, problematizando as
dimensões que envolvem conhecimento, formação e profissionalização do
professorado. Lembramos que a formação docente é um ponto ainda em
aberto na BNCC, o que dificulta não apenas a consolidação de uma Base
Nacional Comum Curricular democrática, federativa e diferenciada,
conforme propomos nesta obra.
No ano de 2014, Macedo e Süssekind apresentam, no âmbito da revista
e-Curriculum, o dossiê Debates em torno da ideia de Bases Curriculares
Nacionais. Nele, as autoras lembram que, em meados do mesmo ano, foi
promulgado, depois de ampla discussão com a sociedade brasileira, o Plano
Nacional de Educação (PNE) com vistas a pensar e projetar a educação
Brasileira por dez anos. Para as autoras, trata-se de um documento
constituído por 20 metas, que o próprio Plano divide em diferentes blocos:
universalização da alfabetização, ampliação da escolaridade e das
oportunidades, valorização da diversidade, valorização dos profissionais da
educação, considerada estratégica, entre outras questões prementes da
Educação Brasileira como um todo. Conforme afirmam Macedo e
Süssekind, assim que foi divulgado o PNE, com a justificativa de que o
plano faz menção a uma Base Nacional Comum Curricular, o Ministério da
Educação intensificou e deu maior publicidade a um debate que já vinha
travando em diferentes esferas e que já havia produzido um documento base
assinado pela Secretaria de Educação Básica. Foram organizados
Seminários, Consultas Públicas, consultas a municípios sobre suas
propostas curriculares, as quais já vinham sendo patrocinadas pelo
Ministério da Educação, Conselho Nacional de Educação, Conselho
Nacional de Secretários de Educação, União dos Dirigentes Municipais de
Educação, Senado Federal, para discutir a referida BNCC. Para as autoras,
debate até então em curso reproduzia alguns dos argumentos utilizados, ao
longo de mais de três décadas, na defesa e no ataque às tentativas de
controle do currículo, mas não se restringiram a eles. Desde os anos 1990,
as propostas de currículos nacionais, núcleos centrais (common core), bases
curriculares surgiram em várias partes do mundo. E em vista disso, ambas
resolveram dedicar um especial da e-Curriculum, a cargo da Associação
Brasileira de Currículo, como mais uma contribuição para as discussões a
que pesquisadores e sociedade vinham sendo convocados pelo MEC a
participar, lembrando que a complexidade da temática merece um
cuidadoso e amplo debate.
Em 2015, a revista Teias retorna com o dossiê organizado por Macedo e
Ferreira, no âmbito das demandas suscitadas pela ABdC, com a proposta de
discutir A produção biopolítica das definições curriculares no Brasil
contemporâneo. Esse volume da revista conta, segundo os organizadores,
com produções voltadas para a análise das relações entre os currículos e os
modos de regulação social, operando com uma noção de poder produtivo e
microfísico. O objetivo foi disseminar as produções sobre o tema, o que,
como vimos até aqui, tem sido elaborado no campo e, simultaneamente,
participar das políticas educacionais no país, uma vez que estava em curso a
segunda versão da BNCC. Os autores alertam para o fato de estarmos
vivenciando, desde então, momentos nos quais é notório o fechamento e a
privatização de escolas públicas em várias partes do país, como parte de
iniciativas oficiais mais amplas que expressam uma vontade de
estandardização curricular, portanto, e de acordo com Macedo e Ferreira,
cresce a importância da participação de coletivos organizados, nas lutas por
significar os debates sobre aquilo que conta (e o que não conta) como
conhecimento válido nos currículos e nas avaliações da educação básica.
O dossiê temático da Revista Teias em parceria com a Associação
Brasileira de Currículo (ABdC), no ano de 2016, apresentou como tema
central O Avanço do Conservadorismo nas Políticas Curriculares, e foi
organizado por Thiessen e Gomes. O propósito que mobilizou os
organizadores foi o de reunir e integrar em um dossiê pesquisas atuais do e
no campo do currículo que evidenciassem como diferentes discursos sociais
estavam se articulando e ganhando força para interferir nas relações da
escola, do conhecimento, do trabalho e da formação docente, inclusive
formulando prescrições curriculares e/ou de outras iniciativas
completamente dissonantes com o que tem constituído o debate público e
democrático sobre educação. Esse dossiê, segundo os autores, visou
contribuir de forma efetiva, visando a mobilização de esforços de
resistência e articulação no que se refere à luta contra os discursos
conservadores que ganham mais espaço na sociedade e nas políticas
curriculares.
Ainda em 2016, a Revista EccoS publica o dossiê Políticas
curriculares: Das discussões sobre a construção da Base Nacional Comum
Curricular da Educação Básica (BNCC), organizado por Carlos Bauer e
Antônio Joaquim Severino. Para os organizadores, o dossiê reafirma o valor
e o papel imprescindível da BNCC e se propõe a fornecer subsídios
analíticos e reflexivos para a sua construção coletiva e democrática, cuja
continuidade também exige incisivo compromisso das autoridades
responsáveis pela organização e efetivação da Base.
O ano de 2018 marca a retomada das discussões sobre a BNCC, com o
lançamento do livro eletrônico, em versão preliminar, organizado por Luiz
Fernandes Dourado e Márcia Angela Aguiar, intitulado A BNCC na
contramão do PNE 2014-2024: avaliação e perspectivas. Nele, os
organizadores reúnem diferentes autores, que, segundo eles, visam
problematizar a concepção e os desdobramentos da implantação da BNCC
no campo educacional e na relação com as demais políticas setoriais,
remetendo as contribuições ao debate no contexto da Conferência Nacional
Popular de Educação.
Mapeamos até aqui as principais publicações que abordam o tema em
destaque neste livro. Nosso objetivo foi apresentar ao leitor os profícuos
debates, ou boa parte deles, suscitados pela constituição de uma Base
Nacional Comum Curricular.
Entendemos que a aprovação da BNCC não esgotou os debates como
também não resolveu os problemas e lacunas nela observados durante sua
elaboração e apresentação da versão final ao público.
Observamos como principais limites as evasivas quanto à formação de
professores, a pouca clareza quanto aos recursos para o financiamento e
efetivação de uma base nacional democrática, federativa e diferenciada.
Observamos ainda a pouca participação de crianças e jovens nas definições
da BNCC, a dissimulação de um processo de elaboração da BNCC
falsamente democrático quando, na realidade, foi parcial, não acolhendo as
críticas e os debates que ocorreram em paralelo a sua elaboração.
Com este livro, esperamos contribuir para este debate e aprofundar as
questões aqui tratadas.
1
Por uma BNCC democrática,
federativa e diferenciada

Está na agenda do país a elaboração de uma Base Nacional Comum


Curricular (BNCC) a reger a estrutura dos componentes curriculares da
educação básica da educação nacional em suas diferentes etapas. A etapa da
educação infantil e do ensino fundamental já tiveram a aprovação do
Conselho Nacional de Educação (CNE) e a homologação pelo Ministério da
Educação. No momento, a etapa do ensino médio encontra-se em discussão
no CNE.
O texto aqui trazido visa identificar como o ordenamento educacional
formulou a constituição de currículos escolares por meio dos principais
documentos normativos ao longo da nossa história até o atual Plano
Nacional de Educação da Lei n. 13.005/2014. E busca, também, apontar
quão complexa é essa formulação em sua relação com a cidadania e o
federalismo.
A proposta de um currículo escolar de dimensão nacional se cruza com
a evolução e a importância da educação escolar, sobretudo a chamada
primária, elementar, primeiro grau ou fundamental, mas não só, entendida
como direito do cidadão e dever do Estado. Uma primeira relação pode ser
estabelecida entre um currículo nacional e o conceito de cidadania.
Mas não se pode olvidar que a questão curricular, em uma sociedade
plural e complexa, envolve também interesses nem sempre convergentes.
Daí que o currículo seja um espaço de conflito e de disputa, mas pelo
processo democrático talvez se possa chegar a pontos comuns.
Do ponto de vista histórico, a cidadania remonta às revoluções próprias
da Modernidade, envolvendo a Revolução Inglesa, a Americana e a
Francesa. Elas tratavam de buscar um princípio que desconstruísse
hierarquias sociais calcadas, seja no sangue, na religião ou mesmo na
escravidão em confronto com uma aristocracia usufrutuária de privilégios.
De certo modo, todas elas tinham como finalidade última o que afirma
Schnapper (2000):

O novo princípio de legitimidade afirmava a igualdade civil, jurídica e política dos


indivíduos diversos e desiguais. O indivíduo-cidadão tinha a capacidade de arrancar,
ao menos parcialmente, seus enraizamentos particulares e de entrar, de direito, em
comunicação com todos os outros. Ele podia cessar de ser determinado por seu
pertencimento a um grupo real. Ele era definido precisamente por sua capacidade de
romper com as determinações que o fechavam em uma cultura e em um destino
impostos por seu nascimento e de se libertar dos papéis prescritos. (p. 26)
(...)
Pela proclamação desta nova legitimidade, se encontrava posto um princípio de
transcendência dos particularismos. Constituídos em “nação”, para retomar a fórmula
da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, os cidadãos cessavam de ser
indivíduos concretos, caracterizados por suas origens históricas, suas crenças e suas
práticas religiosas, seus pertencimentos sociais. (p. 26)

Por outro lado, a cidadania passa a ser prerrogativa política na medida


em que deslocou o sistema de poder ex parte principis — isto é, da parte do
príncipe, do governante — para o ex parte populi, isto é, da parte do povo.
Deslocou-se o poder da autoridade dos céus ou do sangue para a soberania
popular. E os tempos vindouros, da Modernidade para os nossos dias,
atribuíram à soberania popular a capacidade de eleger seus representantes,
delegando a eles, de tempos em tempos, a soberania de que ele é titular.
A cidadania é, pois, a capacidade de participar autonomamente dos
destinos de uma comunidade, alargando o raio dessa participação, podendo
um governado postular também o de ser governante.
Muitas foram, contudo, as lutas para que essa definição simples e
inteligível, desde Aristóteles, fosse se fazendo presente na consciência e na
prática das nações.
O currículo escolar, junto com outros dispositivos, se enquadra na
constituição de uma nação a qual tem a ver diretamente com a constituição
dos Estados Nacionais. Desse modo, o currículo escolar se compõe com a
busca de uma igualdade entre os cidadãos iguais na lei, perante a lei na
declaração de direitos. Desse modo, a educação para todos torna-se uma
função social do Estado de sorte a atender a um direito do cidadão que
busca na educação escolar uma via de cidadania compartilhada com seus
concidadãos e um acesso digno na partilha dos bens produzidos.
Thomas Marshall (1967), citando e comentando o pensamento do
economista liberal neoclássico Alfred Marshall, assevera:

(...) o Estado teria de fazer algum uso de sua força de coerção, caso seus ideais
devessem ser realizados. Deve obrigar as crianças a frequentarem a escola porque o
ignorante não pode apreciar e, portanto, escolher livremente as boas coisas que
diferenciam a vida de cavalheiros daquela das classes operárias. (…)
Ele reconheceu somente um direito incontestável, o direito das crianças serem
educadas, e neste único caso ele aprovou o uso de poderes coercivos pelo Estado… (p.
60 e 63)

Já o próprio Thomas H. Marshall (1967) afirma:

A educação das crianças está diretamente relacionada com a cidadania, e, quando o


Estado garante que todas as crianças serão educadas, este tem em mente, sem sombra
de dúvida, as exigências e a natureza da cidadania. Está tentando estimular o
desenvolvimento de cidadãos em formação. O direito à educação é um direito social
de cidadania genuíno porque o objetivo da educação durante a infância é moldar o
adulto em perspectiva. Basicamente, deveria ser considerado não como o direito da
criança frequentar a escola, mas como o direito do cidadão adulto ter sido educado. (p.
73)

Embora vários cruzamentos outros possam ser estabelecidos, pode-se


dizer que um currículo nacional se cruza com uma função social do Estado
que é o de atender a um direito do cidadão que busca na educação escolar
uma via de cidadania compartilhada com seus concidadãos e um acesso
digno na partilha dos bens produzidos.

O Currículo Oficial no ordenamento jurídico


e normativo

Os estudos de história da educação no Brasil confirmam que essa dupla


referência, a do direito à educação e a do dever do Estado, é tão tardia quão
eivada de uma desigualdade social. Esta desigualdade, somada à
discriminação, impactou o acesso a esta educação inicial.1
A Constituinte de 1823, logo após a Independência, antes de sua
dissolução forçada, já se debatia com esta questão e não conseguiu efetivar
a proposta de um “tractatus” de educação válido para toda a juventude
brasileira, sob a forma de um compêndio a ser levado a todos os rincões do
país. (Chizzotti, 1996)
A Constituição Imperial de 1824, conquanto outorgada pelo Imperador,
assinalava, no Título reservado aos direitos da cidadania e pelo art. 179, n.
32, a instrução primária gratuita aos cidadãos. Sabe-se que aos escravos,
considerados propriedade de outrem, um ser semovente, não cabia serem
tidos como cidadãos, com isso casando desigualdade com discriminação.
Este dispositivo constitucional ganhou uma lei regulamentadora em
vista de sua aplicação. Assim, a primeira lei geral de ensino do Brasil,
assinada por D. Pedro I e publicada a 15/10/1827, prescrevia um currículo
mínimo para todo o país no seu art. 6°:

Os professores ensinarão a ler, escrever; as quatro operações de arithmética, prática de


quebrados, decimaes e proporções, as noções mais geraes de geometria prática, a
gramática da língua nacional, e os princípios de moral christã e da doutrina da religião
cathólica e apostólica romana, proporcionados à compreensão dos meninos; preferindo
para as leituras a Constituição do Império e da História do Brazil.
Entretanto, nada havia de imperativo em relação ao detalhamento desta
lista como ementas, guias ou programas previamente definidos. Mais do
que isso, estabelecia, como método de ensino, o ensino mútuo de corte
lancasteriano.
Até 1834, o Império, enquanto detentor dos poderes gerais, teve a
responsabilidade de manter tais escolas com oferta gratuita aos que
viessem procurá-las.
O Ato Adicional de 1834 introduziu a divisão de competências entre os
poderes gerais e as atribuições das Províncias relativas ao ensino.
Entretanto, pelo art. 10, §1° e §2°, ficou-se na ambiguidade se tal
responsabilidade deveria ser concorrente com os poderes gerais ou se
privativa das províncias. Esta ambiguidade permeou as discussões sobre a
dinâmica centralização x descentralização, mesmo antes de nossa República
proclamada se dizer “Federativa”. Daí o jogo de empurra entre os poderes
gerais e os provinciais, evidenciando a não prioridade do ensino primário
para nenhum dos níveis de governo.
De acordo com Sucupira (1996, citando Pimenta Bueno), após a crítica
do Visconde à abstenção dos poderes gerais no que concerne à instrução
primária, lê-se o seguinte:

Entendemos, porém, que os poderes gerais não devem de modo algum abdicar a
atribuição que esse mesmo parágrafo lhes confere de concorrer de sua parte para tão
útil fim, e mui principalmente no intuito de criar uma educação nacional homogênea e
uniforme, que gere e generalize o caráter brasileiro em todas as províncias... (p. 62)

Grosso modo, pode-se dizer que, pela descentralização havida, coube


sempre às províncias, e depois aos estados, a competência em prover o
ensino fundamental e sempre coube aos “poderes gerais” (depois União) o
controle do ensino superior e em boa parte do ensino secundário (em
especial na Capital do Império/República).
A partir de 1837, com a criação do Colégio Pedro II, as disciplinas do
ensino secundário passaram a contar com um centro de referência. As
instituições de ensino das Províncias, oficiais ou não, conquanto não
imperativamente, miravam-se no espelho dos currículos e até mesmo dos
livros didáticos adotados pelo Colégio Pedro II. E se quisessem o
reconhecimento de seus certificados, deveriam adotar o currículo do Pedro
II.
Aqui importa referir-se às duas Reformas aprovadas ao longo do
Império: a Couto Ferraz, do Decreto n. 1331-A, de 1854, e a Leôncio
Ferraz, do Decreto n. 7247, de 1879. A primeira determinava o currículo do
ensino primário no art. 47 e o do ensino secundário nos arts. 77 a 80. A
segunda dispunha sobre o ensino nas escolas primárias e secundárias no art.
4°.
A existência de exames de admissão para o ingresso no primeiro ciclo
do ensino secundário (Ginásio) criava uma situação em que aqueles exames
condicionavam os conteúdos dos estudos anteriores ainda que pautados pela
lei geral de 1827 nas Províncias.
Quanto à organicidade institucional da instrução primária, aí
compreendido o currículo, durante o Império, deve ser buscada na
legislação específica das Províncias. Contudo, não se pode abstrair que
parte dessa instrução possuía uma dimensão doméstica, nem sempre se
realizando em instituições escolares.2
A proclamação da República não altera significativamente esse quadro.
Aliás, no que se refere à dinâmica direito x dever, a República não
inscreveu em sua Constituição de 1891 sequer a afirmação da gratuidade do
ensino primário. Tal possibilidade poderia vir a ser inscrita nas
Constituições Estaduais.3 Mas, por outro lado, a Lei Maior determinou a
laicidade nos estabelecimentos oficiais de qualquer nível, inclusive os sob
responsabilidade dos Estados e Municípios. (cf. CF/1891 art. 72, § 6°) Uma
disciplina até então vigente no currículo geral das escolas do Império — a
de doutrina religiosa católica — foi cortada dos currículos dos
estabelecimentos oficiais da República.
Excetuada, porém, a presença paradigmática do Colégio Pedro II face
ao ensino secundário, as competências face ao ensino primário e, em certa
medida, face ao secundário, ficaram com os Estados ou Municípios os quais
poderiam exercitar sua autonomia no âmbito dos currículos e na formação
de docentes para esse nível de ensino. Também aqui, relativamente ao
ensino secundário, continuava a operar a equiparação das instituições
escolares com o Ginásio Nacional (depois Colégio Pedro II).
E não deixa de ser notável uma certa oscilação entre centralização e
descentralização no âmbito das reformas educacionais na assim
denominada Velha República. (cf. Marques Jr., 1967, e Tanuri, 1981).
Entretanto, a temática do nacionalismo se implantando de modo bastante
enfático fez com que, no terreno educacional, o governo federal
nacionalizasse e financiasse as escolas primárias e normais, no Sul do país,
estabelecidas em núcleos de população imigrada.4
E a já conhecida dispersividade regional em relação a um currículo
básico não passou desapercebida dos movimentos sustentadores de uma
democratização da rede pública escolar brasileira. (cf. Nagle, 1974) E tal foi
o vigor desses movimentos, que a Revisão Constitucional de 1925-26 tratou
do tema com bastante abundância, em especial através do ângulo da
formação de um “caráter nacional”. (cf. Cury, 2003) A educação escolar
mediaria vínculos nacionais através dos quais garantir-se-ia uma dimensão
da coesão nacional. Tal mediação ganharia ímpeto pelo abalo trazido pelos
movimentos sociais proletários e pelos movimentos políticos internos, com
destaque para a Coluna Prestes. Contudo, não houve grandes mudanças face
ao estabelecido em 1834, ressalvada a laicidade.
O que não quer dizer que só essa revisão houvesse buscado o princípio
de uma diretriz geral e nacional para a educação. Sucessivos projetos de
reforma do ensino público encaminhados por parlamentares, durante a
chamada Velha República, não lograram êxito em seus propósitos. (Cf.
Moacyr, 1944)
No que tange ao ensino superior e secundário, a definição minuciosa
dos currículos pode ser verificada nas sucessivas reformas desses níveis
levadas adiante pelos governos nacionais da Velha República. Tal é o caso
da Reforma Benjamin Constant, pelo Decreto n. 981 de 8/11/1890. Modelar
para o país, seu plano curricular seria o critério para qualquer tipo de
equiparação, face aos seus similares estaduais ou livres. Esse Ministro
promoveu a criação de um Conselho de Instrução Superior e aprovou o
Regulamento das Instituições de Ensino Superior dependentes do
Ministério da Instrução Pública por meio do Decreto n. 12.326, de
2/1/1891.
A segunda reforma é dada pelo Decreto n. 1.159, de 3.12.1892,
assinado pelo Mal. Floriano e pelo Ministro Fernando Lobo, aprovando
“para as instituições de ensino superior dependentes do Ministério da
Justiça e Negócios Interiores” um código que mantém o ensino oficial
superior da União como parâmetro de qualquer instituição congênere.
Contém 317 artigos no corpo permanente do Código e mais 3 nas
disposições transitórias. Minucioso no que se refere aos currículos do
ensino secundário e superior.
A terceira reforma sob a República foi a do Decreto n. 3.890, de 1° de
janeiro de 1901, assinado pelo Presidente Campos Salles e por Epitácio
Pessoa, Ministro da Justiça e Negócios Interiores. Ele estabelece um outro
Código dos Institutos Oficiais do Ensino Superior e Secundário. Com 384
artigos e mais três nas disposições provisórias.
A quarta reforma é sancionada pelo presidente Hermes da Fonseca e o
Ministro Rivadávia Correia, por meio do Decreto n. 8.659, de 5 de abril de
1911. Inspirado na doutrina positivista, a Lei Orgânica do Ensino Superior e
do Fundamental na República, com 140 artigos, será o primeiro documento
em que a desoficialização do ensino secundário e superior no âmbito federal
é explicitamente assumida.
Com 201 artigos, dos quais 144 no corpo permanente, o Decreto n.
11.530, de 18 de março de 1915, assinado pelo presidente Wenceslau Braz e
por Carlos Maximiliano, ministro da Justiça e Negócios Interiores,
“reorganiza o ensino secundário e o superior na República” pela quinta vez.
A sexta e última reforma da Velha República é a denominada reforma
João Alves, Ministro da Justiça e Negócios Interiores, também conhecida
como reforma Rocha Vaz, assinada pelo presidente Artur Bernardes, data de
13 de janeiro de 1925, é também referida pelo Decreto n. 16.782-A, que a
estabeleceu. O decreto contém 310 artigos.
A Revolução de 30 haveria de trazer algumas alterações significativas
no quadro até então existente.
O ano de 1931 traz, pelo menos, três importantes mudanças: a
(re)introdução do ensino religioso nas escolas oficiais em nível nacional
pelo Decreto n. 19.941, de 1931, a oficialização dos estabelecimentos do
ensino secundário, via aceitação do regimento e currículos do Pedro II, e a
criação do Conselho Nacional de Educação pelo Decreto n. 19.850, de
1931, órgão consultivo e opinativo do Ministério da Educação e Saúde
Pública, de cujas atribuições fazia parte firmar as diretrizes gerais do
ensino primário, secundário e superior, de tal modo que nelas os interesses
do país se sobrepujassem a qualquer outro.
Nesse sentido, há que se referir à Reforma do Ensino Secundário
promovida por Francisco Campos própria do Decreto n. 19.890, de 1931.
Dividido em ciclo fundamental de 5 anos e complementar de 2 anos, assim
se distribuíam as matérias:

Art. 3°. Constituirão o curso fundamental as matérias abaixo indicadas, distribuídas


em cinco anos, de acôrdo com a seguinte seriação:
1a, serie: Português — Francês — História da Civilização — Geografia —
Matemática — Ciências Físicas e naturais — Desenho — Música (canto orfeônico).
2a serie: Português — Francês — Inglês — História da Civilização — Geografia —
Matemática — Ciências físicas e naturais — Desenho — Música (canto orfeônico).
3a serie: Português — Francês — Inglês — História da civilização — Geografia —
Matemática — Física — Química — História natural — Desenho — Música (canto
orfeônico).
4a serie: Português — Francês — Latim — Alemão (facultativo) — História da
civilização — Geografia — Matemática — Física — Química — História natural —
Desenho.
5a serie: Português — Latim — Alemão (facultativo) — História da civilização —
Geografia — Matemática — Física — Química — História natural — Desenho.

O ciclo complementar assim se distribuía:

Art. 4°. O curso complementar, obrigatório para os candidatos á matricula em


determinados institutos de ensino superior, será feito em dois anos de estudo intensivo,
com exercícios e trabalhos práticos individuais, e compreender as seguintes matérias:
práticos individuais, e compreenderá as seguintes matérias: Alemão ou Inglês, Latim,
Literatura, Geografia, Geofísica e Cosmografia, História da Civilização, Matemática,
Física, Química, História Natural, Biologia Geral, Higiene, Psicologia e Lógica,
Sociologia, Noções de Economia e Estatística, História da Filosofia e Desenho.

Note-se o caráter minucioso e obrigatório para o conjunto desses


ensinos e que para os estabelecimentos estaduais continuava a vigorar o
princípio da equiparação.
O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, no interior de
movimentos civis em prol da valorização da educação, além da defesa da
gratuidade, obrigatoriedade e laicidade da escola pública como dever do
Estado, afirmará a importância de um processo de homogeneização básica,
a partir da escola primária, visando a identidade da consciência nacional
sem prejuízo do princípio federativo. Homogeneização básica defendida
como alternativa criadora à uniformidade rejeitada, esta aliás bastante
distante dos métodos ativos defendidos pelo escolanovismo.
A Constituição de 1934, ao inscrever a educação como direito do
cidadão e obrigação dos poderes públicos, a tornou gratuita e obrigatória no
primário, responsabilizou os Estados em termos de sua efetivação, impôs
percentuais vinculados para o bom êxito desta efetivação (cf. CF/34
capítulo sobre Educação) e firmou a existência de Conselhos Estaduais ao
lado do Conselho Nacional de Educação a quem competiria elaborar o
Plano Nacional de Educação (cf. art. 152). Ela introduziu também a
competência privativa da União no estabelecimento de diretrizes da
educação nacional e na fixação do Plano Nacional de Educação (cf. art. 5,
XIV), sem deixar de reconhecer a competência concorrente da União e
Estados quanto ao objetivo de difundir em todos os graus a instrução
pública (cf. art. 10, VI). Mais especificamente face à questão curricular, a
Constituição de 1934 impôs como constante dos currículos oficiais o ensino
religioso como disciplina de oferta obrigatória e matrícula facultativa. Tal
dispositivo atravessará todas as Constituições Federais após 1934. (cf. Cury,
1993; Horta, 1993)
Dentro desse espírito que congregava a tarefa de fazer cumprir a
Constituição, o então o governo eleito de Vargas em 1934 reorganiza o
Conselho Nacional de Educação pela Lei n. 174, de 6 de janeiro de 1936,
com a função precípua de elaborar o Plano Nacional de Educação. Para a
elaboração desse Plano, mais uma lei de diretrizes e bases do que um plano,
havia comissões específicas para todos os níveis e graus do ensino.
Já no discurso de instalação das reuniões especiais para a elaboração do
Plano, Gustavo Capanema, Ministro de Estado da Educação e Saúde, assim
se expressou a respeito do ensino primário:

Quanto ao ensino primário, que cumpre incentivar intensamente em todo País, pois,
cerca de 60% de nossa população infantil em idade escolar não dispõem de escola,
bem é que se padronizem, ainda que com o mínimo de característicos, diferentes tipos
de cursos, que possam ser adequadamente, e com facilidade, adotados nos vários
pontos do território nacional, nas zonas urbanas e rurais, afim de que, fazendo-se
rápida difusão da educação primária, se facilite a formação de fundo comum uma
enorme e rica variedade de psique brasileira.

Em uma das respostas de retorno ao Conselho, a partir do questionário


enviado pelo colegiado, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro assim
respondeu quanto à escola primária:

O padrão da escola primária deve ser um só em todo o país, convindo apenas, quanto
aos horários e divisão dos dois períodos letivos anuais, que haja um tipo especial para
as escolas rurais, porquanto as condições de vida doméstica no campo divergem
bastante das da cidade... (p. 11)
O projeto enviado para a Câmara dos Deputados assim dispunha sobre o
ensino primário e currículo:

Art. 45 — A instrução ministrada nas escolas primárias deverá abranger, no mínimo, o


ensino das seguintes disciplinas: leitura, escrita e linguagem; aritmética prática;
noções de geometria e desenho, geografia do Brasil e noções de geografia geral;
História do Brasil; noções de ciências físicas e naturais e de higiene; cantos corais e
ginástica.
§ único: A União promoverá acordo com os Estados e o Distrito Federal para o fim de
estabelecer os diferentes padrões de duração do curso primário e os programas
mínimos correspondentes.

Já o ensino secundário era objeto dos art. 51 a 64. Os art. 53 e 54


dispunham, respectivamente:

As matérias do ciclo fundamental são as seguintes: Português, Francês, Latim, Inglês


ou Alemão, Grego (facultativo), Matemática, Geografia, História, História do Brasil,
Desenho, Física, Química e História Natural.
As matérias do ciclo complementar são as seguintes: Português, Latim, Inglês ou
Alemão, Italiano, Castelhano, Grego, Matemática (abrangendo Cosmografia),
História, História do Brasil, Geografia, Física, Química, História Natural e Filosofia.

O art. 57 distribuía essas matérias em horário semanal em número de


horas, respectivamente, por 5 e 2 séries anuais.
Os arts. de 23 a 25 regulavam o ensino religioso de oferta obrigatória e
de matrícula facultativa, abrangendo o ensino primário, secundário,
profissional e normal.
Esse caráter minucioso abrangia também os currículos de todas as áreas
do ensino superior, ensino profissional e curso normal.
Em sua tramitação pela Câmara, Raul Bittencourt, relator, pasmo com
os 504 artigos e sua minudência, afirmou que a organização da educação
nacional sob a Constituição de 1891 não teria sido efetivada no seu todo.
Ela acabou sendo uma organização dual na qual a União açambarcava a
competência relativa a ensino secundário e superior e sobre eles legislava
com exclusividade, para todo o país. Aos Estados só restou legislarem
sobre o ensino primário.
Em um outro momento de grande agudeza de visão, ele escreve:

A par da democracia, a Carta de 1891 consagrava a Federação, os Estados autônomos,


com liberdade relativa, sujeitos a princípios gerais, e só a União soberana. Quando se
tratava da educação primária, entretanto, os Estados se comportavam como nações
livres e quando consideravam os problemas do ensino secundário e superior os
Estados eram reduzidos a departamentos de um governo central, como se fôramos uma
República Unitária. (Diário do Poder Legislativo, de 24/8/1937, p. 39.889)
Com 504 artigos, estende-se por todos os setores da educação, não apenas para lhes
ditar princípios normativos gerais, porém, descendo a minúcias só cabíveis na
organização dos sistemas educativos, ou até em regulamentos e instruções, e, destarte,
sufoca as iniciativas da legislação estadual complementar anquilosando o instrumento
flexível com que a Constituição dotou o país para congregar as atividades
educacionais de todos os poderes públicos. (idem, p. 39.894)

Esse Plano foi abortado pelo golpe de 1937.


De todo o modo, se para o ensino secundário vai havendo, cada vez
mais, a presença paradigmática do currículo do Colégio Pedro II, a
instrução primária, vista deste ângulo, confirma-se como competência dos
Estados.5
Esta orientação federalista, tanto descentralizadora quanto garantidora
de aspectos nacionais firmada no princípio da educação como direito do
indivíduo, impressa pela Constituição de 1934, foi rompida pela outorga da
Constituição de 1937. Esta voltava a centralizar quase tudo no âmbito do
executivo federal. Não reconhecendo a educação como direito de todos,
mas como dever das famílias, cortando a vinculação obrigatória, previa
como competência privativa da União a fixação das “diretrizes da educação
nacional”. Mesmo quando o Estado Novo procurou discriminar atribuições
de Estados e Municípios pelo Decreto-lei de 8 de abril de 1939, impunha
claros limites à atuação dos mesmos.
No âmbito da educação, os decretos-lei estaduais só teriam vigência
após aprovação do chefe de Estado aí compreendida a regulamentação do
ensino primário. E o Estado Novo traria outros dispositivos.
A criação do Instituto Nacional do Livro (INL), pelo Decreto-lei n. 93,
de 21 de dezembro de 1937, sob a direção de Gustavo Capanema, imprimiu
nos currículos uma espécie de ideologia oficial nos textos, já que os livros,
para efeito de publicação e de divulgação, deveriam ter a autorização do
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP).
O DIP censurava os livros em geral, embora o livro didático ficasse a
cargo do Ministro da Educação. Já o Decreto-lei n. 1.006/38 estabelece que
“sem autorização do Ministério”, os livros didáticos “não poderão ser
adotados no ensino das escolas pré-primárias, primárias, normais,
profissionais e secundárias em toda a República”. (Pereira, 1995, p. 148)
Esse último decreto-lei cria também a Comissão Nacional do Livro
Didático, à qual competiria autorizar ou não uma determinada obra.
A Lei Orgânica do Ensino Primário do Decreto-lei n. 8.529/46, assinada
por José Linhares após a deposição de Vargas, impunha disciplinas válidas e
obrigatórias para todo o território nacional no ensino primário elementar, no
primário complementar e no supletivo:

Art. 7° O curso primário elementar, com quatro anos de estudos, compreenderá:


I. Leitura e linguagem oral e escrita.
II. Iniciação matemática.
III. Geografia e história do Brasil.
IV. Conhecimentos gerais aplicados à vida social, à educação para a saúde e ao
trabalho.
V. Desenho e trabalhos manuais.
VI. Canto orfeônico.
VII. Educação física.
Art. 8° O curso primário complementar, de um ano, terá os seguintes grupos de
disciplinas e atividades educativas:
I. Leitura e linguagem oral e escrita.
II. Aritmética e geometria.
III. Geografia e história do Brasil, e noções de geografia geral e história da América.
IV. Ciências naturais e higiene.
V. Conhecimentos das atividades econômicas da região.
VI. Desenho.
VII. Trabalhos manuais e práticas educativas referentes às atividades econômicas da
região.
VIII. Canto orfeônico.
IX. Educação física.
Parágrafo único. Os alunos do sexo feminino, aprenderão, ainda, noções de economia
doméstica e de puericultura.
Art. 9° O curso supletivo, para adolescentes e adultos, terá dois anos de estudos, com
as seguintes disciplinas:
I. Leitura e linguagem oral e escrita.
II. Aritmética e geometria.
III. Geografia e história do Brasil.
IV. Ciências naturais e higiene.
V. Noções de direito usual (legislação do trabalho, obrigações da vida civil e militar).
VI. Desenho.
Parágrafo único. Os alunos do sexo feminino aprenderão, ainda, economia doméstica e
puericultura.
(...)
Art. 12. O ensino primário obedecerá a programas mínimos e a diretrizes essenciais,
fundamentados em estudos de caráter objetivo, que realizem os órgãos técnicos do
Ministério da Educação e Saúde, com a cooperação dos Estados.
Parágrafo único. A adoção de programas mínimos não prejudicará a de programas de
adaptação regional, desde que respeitados os princípios gerais do presente decreto-lei.
Art. 13. E lícito aos estabelecimentos de ensino religioso. Não poderá, porém esse
ensino constituir objeto de obrigação de mestres ou professores, nem de freqüência
obrigatória para os alunos.

Programas regionais teriam o caráter de complementar a programação


geral fixada pelo Ministério para todo o país.
O decreto-lei ainda regula minuciosamente os sistemas de ensino
primário e os enquadra em uma espécie de estrutura e funcionamento dos
mesmos.
Embora não viessem à luz durante a ditadura, as Leis Orgânicas
relativas ao ensino primário, normal e agrícola, preparadas durante o regime
varguista através de comissões nacionais, tiveram continuidade sob o
Estado de Direito da Constituição de 1946.
Tal fenômeno se deu devido ao longo processo de tramitação da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, aprovada em 1961. Com isso,
houve um relativo choque entre a orientação estadonovista, centralizadora e
autoritária, e aquela promanada da Constituição liberal e descentralizadora
de 1946.
Com efeito, a Constituição de 1946, ao repor o Estado de Direito, traz
consigo também a dimensão liberal-descentralizadora e reinsere a educação
como direito do indivíduo e obrigação do poder público. Também são
repostos os preceitos de 1934 que a ditadura havia cortado. A definição da
lei de diretrizes e bases permanece como competência privativa da União. E
o choque entre ambas as orientações supramencionadas será eliminado
pelos termos de compromisso trazidos com a promulgação das Diretrizes e
Bases da Educação Nacional da Lei n. 4.024, de 1961.
Esta, excetuadas as disciplinas obrigatórias impostas a todos os sistemas
de ensino, como educação física e ensino religioso facultativo, deixava aos
Estados ampla liberdade na construção de conteúdos curriculares. Isto quer
dizer que determinadas disciplinas constavam nacionalmente dos
currículos, mas seus conteúdos não tinham definições específicas por parte
da União.6
A Lei n. 4.024/61 não fixa um currículo mínimo obrigatório para o
ensino primário. Mas o art. 25 assinala que o fim deste nível de ensino é o
desenvolvimento do raciocínio e das atividades de expressão da criança e a
sua integração no meio físico e social.7
Essa lei, criando o Conselho Federal de Educação, extinto o Conselho
Nacional de Educação, dava a este várias atribuições como as que seguem:

Art. 9° Ao Conselho Federal de Educação, além de outras atribuições conferidas por


lei, compete:
(...)
e) indicar disciplinas obrigatórias para os sistemas de ensino médio (artigo 35,
parágrafo 1°) e estabelecer a duração e o currículo mínimo dos cursos de ensino
superior, conforme o disposto no artigo 70;
Art. 20. Na organização do ensino primário e médio, a lei federal ou estadual
atenderá:
a) à variedade de métodos de ensino e formas de atividade escolar, tendo-se em vista
as peculiaridades da região e de grupos sociais;
b) ao estímulo de experiências pedagógicas com o fim de aperfeiçoar os processos
educativos.
(...)
Art. 35. Em cada ciclo haverá disciplinas e práticas educativas, obrigatórias e
optativas.
§ 1° Ao Conselho Federal de Educação compete indicar, para todos os sistemas de
ensino médio, até cinco disciplinas obrigatórias, cabendo aos conselhos estaduais de
educação completar o seu número e relacionar as de caráter optativo que podem ser
adotadas pelos estabelecimentos de ensino.
§ 2° O Conselho Federal e os conselhos estaduais, ao relacionarem as disciplinas
obrigatórias, na forma do parágrafo anterior, definirão a amplitude e o
desenvolvimento dos seus programas em cada ciclo.
§ 3° O currículo das duas primeiras séries do 1° ciclo será comum a todos os cursos de
ensino médio no que se refere às matérias obrigatórias.
Art. 36. O ingresso na primeira série do 1° ciclo dos cursos de ensino médio depende
de aprovação em exame de admissão, em que fique demonstrada satisfatória educação
primária, desde que o educando tenha onze anos completos ou venha a alcançar essa
idade no correr do ano letivo.
(...)
Art. 70. O currículo mínimo e a duração dos cursos que habilitem à obtenção de
diploma capaz de assegurar privilégios para o exercício da profissão liberal... vetado...
serão fixados pelo Conselho Federal de Educação.

O CFE, instalado em 12 de fevereiro de 1962, prevê uma comissão de


ensino primário e médio e, quanto ao primário, a Portaria n. 60, de 21 de
fevereiro de 1962, prevê a competência do Conselho na análise dos efeitos
da ação supletiva da União face a esta modalidade de ensino.
Ora, o Conselho Federal de Educação, no interior do Parecer n. 121/63,
ao discutir os exames de admissão disposto no art. 36 da LDB, reconhece 4
grandes departamentos do ensino primário: língua pátria, aritmética,
ciências naturais e ciências sociais. E o mesmo parecer se socorre do
PABAEE/MG para um detalhamento da consistência conteudística dessas
quatro áreas. E reconhece não só a autonomia dos Estados a este respeito,
como também a existência de escolas com atividades “assistemáticas” de
ação educativa e de instrução no lar.
O que é novo na Lei n. 4.024/61 é a permissão dada pelo art. 104 de se
constituírem escolas experimentais com currículos próprios, o que faz jus
ao art. 12 da mesma em que se reconhece a correlação “sistemas de ensino”
e “flexibilidade dos currículos”.
O regime autoritário-militar de 1964 manteve pro forma o
funcionamento precário das Constituições e do Congresso. Ele procurou
também deixar sua marca na educação escolar. Contudo, no que se refere ao
regimento do CFE, trazido pelo Decreto n. 64.902, de 29 de julho de 1969,
o art. 3°, inciso 2, ao expressar a competência do Plenário em interpretar a
LDB, ressalvava a “competência dos sistemas estaduais do ensino, definida
na Lei n. 4.024, de 20 de dezembro de 1961”.
Grande mudança, entretanto, será trazida pela Lei n. 4.024/61, com a
redação dada pela Lei n. 5.692/71, no que se refere ao ensino primário.
Ampliado para oito anos pela Constituição de 1967, agora sob a nova
denominação de “ensino de 1°. grau”, ele compreenderá tanto o que antes
era o ensino primário (4 anos) quanto o que era o 1°. ciclo do ensino médio
(ginásio/4 anos).
O ensino de primeiro grau passou, então, a ter 8 anos obrigatórios. De
acordo com esta lei:

Art. 4° Os currículos do ensino de 1° e 2° graus terão um núcleo comum, obrigatório


em âmbito nacional, e uma parte diversificada para atender, conforme as necessidades
e possibilidades concretas, às peculiaridades locais, aos planos dos estabelecimentos e
às diferenças individuais dos alunos.
§ 1° Observar-se-ão as seguintes prescrições na definição dos conteúdos curriculares:
I — O Conselho Federal de Educação fixará para cada grau as matérias relativas ao
núcleo comum, definindo-lhes os objetivos e a amplitude.
II — Os Conselhos de Educação relacionarão, para os respectivos sistemas de ensino,
as matérias dentre as quais poderá cada estabelecimento escolher as que devam
constituir a parte diversificada.
III — Com aprovação do competente Conselho de Educação, o estabelecimento
poderá incluir estudos não decorrentes de materiais relacionadas de acôrdo com o
inciso anterior.
§ 2° No ensino de 1° e 2° graus dar-se-á especial relêvo ao estudo da língua nacional,
como instrumento de comunicação e como expressão da cultura brasileira.
§ 3° Para o ensino de 2° grau, o Conselho Federal de Educação fixará, além do núcleo
comum, o mínimo a ser exigido em cada habilitação profissional ou conjunto de
habilitações afins.
§ 4° Mediante aprovação do Conselho Federal de Educação, os estabelecimentos de
ensino poderão oferecer outras habilitações profissionais para as quais não haja
mínimos de currículo prèviamente estabelecidos por aquêle órgão, assegurada a
validade nacional dos respectivos estudos.
Art. 5° As disciplinas, áreas de estudo e atividades que resultem das matérias fixadas
na forma do artigo anterior, com as disposições necessárias ao seu relacionamento,
ordenação e seqüência, constituirão para cada grau o currículo pleno do
estabelecimento.
§ 1° Observadas as normas de cada sistema de ensino, o currículo pleno terá uma parte
de educação geral e outra de formação especial, sendo organizado de modo que:
a) no ensino de primeiro grau, a parte de educação geral seja exclusiva nas séries
iniciais e predominantes nas finais;
b) no ensino de segundo grau, predomine a parte de formação especial. (...)
Art. 7° Será obrigatória a inclusão de Educação Moral e Cívica, Educação Física,
Educação Artística e Programas de Saúde nos currículos plenos dos estabelecimentos
de l° e 2° graus, observado quanto à primeira o disposto no Decreto-Lei n. 369, de 12
de setembro de 1969. Parágrafo único. O ensino religioso, de matrícula facultativa,
constituirá disciplina dos horários normais dos estabelecimentos oficiais de 1° e 2°
graus.
Art. 8° A ordenação do currículo será feita por séries anuais de disciplinas ou áreas de
estudo organizadas de forma a permitir, conforme o plano e as possibilidades do
estabelecimento, a inclusão de opções que atendam às diferenças individuais dos
alunos e, no ensino de 2° grau, ensejem variedade de habilitações.

Extenso e detalhado comentário sobre o núcleo comum dos currículos


nacionais será trazido pelo Parecer CFE n. 853/71 e Resolução CFE n. 8/71,
logo após a publicação da Lei n. 5.692/71. E num momento do parecer, lê-
se claramente:

Por já virem tais atividades prescritas no art. 7° da lei, só as consideraremos aqui na


medida em que tenhamos de relacioná-las com os demais componentes do currículo.
Associado a elas, o núcleo comum configura o conteúdo mínimo abaixo do qual se
terá por incompleta qualquer formação de 1° e de 2° graus, assim quanto aos
conhecimentos em si mesmos como, sobretudo, do ponto de vista da unidade nacional
de que a escola há de ser causa e efeito a um tempo. Daí a sua obrigatoriedade.

Já se vê que o Conselho Federal foi, como dantes o fora o Conselho


Nacional, o órgão responsável pela tradução desses conteúdos mínimos para
todo o conjunto do sistema escolar brasileiro. Assim, o regimento do CFE,
de acordo com a Portaria Ministerial n. 691/81, define, no seu art. 2°,
XVIII, como sua competência

fixar as matérias do núcleo comum dos cursos de 1° e 2° graus, definindo-lhes os


objetivos e amplitude, bem como o mínimo a ser exigido em cada habilitação
profissional ou conjunto de habilitações afins.

E na organização do CFE como colegiado se prevê uma Câmara de


Ensino de 1° e 2° graus e uma Comissão Central de Currículos.8
Com isso, foram se consubstanciando duas orientações relativamente
recorrentes: a primeira, de certo modo já posta pelo Ato Adicional de 1834,
a de que o ensino fundamental é competência dos Estados e Municípios e a
de que o ensino superior tenha um maior controle por parte da União,
ficando o ensino de segundo grau como espaço das competências
concorrentes e/ou comuns. A segunda é a de que o estabelecimento de
diretrizes e bases para educação nacional continua sendo competência
privativa da União e sua tradução específica, no que se refere aos mínimos
programáticos, seja elaborada através de um Conselho Nacional (1931-
1961) ou Federal de Educação (1961-1994).
Com a redemocratização e a elaboração da Constituição de 1988,
muitas alterações aconteceram e que abrangeram toda a organização da
educação nacional. Contudo, as orientações suprarreferidas, ainda que
recepcionadas por novos dispositivos colocados pela Constituição Federal
de 1988 quanto à gratuidade, gestão democrática, direito público subjetivo,
municipalização e outros, foram nela reafirmadas, sem, contudo, se fazer
referência à existência de um Conselho Nacional ou Federal (que só
aparecerá nas propostas de LDB).
Esses dispositivos representaram um avanço pelo intenso processo de
participação que norteou os educadores no afã de garantir na própria
Constituição uma resposta, em termos de princípios, aos problemas sentidos
na área.
A longevidade da tramitação do projeto de LDB, a mudança das
condições internacionais no que se refere à correlação trabalho/emprego, a
vontade da União em diminuir seus gastos, a necessidade de especificar a
vinculação orçamentária e sobretudo a consciência da importância do
ensino fundamental, — de cuja situação lamentável o país mais uma vez
reconhece —, obrigaram a que tanto parlamentares quanto o executivo
tomassem iniciativas mais rápidas no enfrentamento da questão.
Por outro lado, a educação escolar foi definida (ainda que de modo
especificado em alguns aspectos e nem tanto em outros) competência
privativa da União, competência concorrente entre União e Estados e
competência comum entre União, Estados e Municípios, segundo os arts.
22, XXIV; 24, IX e 23, V, respectivamente. Sob a égide do “regime de
colaboração”, de acordo com o art. 211, o art. 24, parágrafo 1°, diz que “no
âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a
estabelecer normas gerais”. Finalmente, o art. 30 supõe a ação supletiva da
União e dos Estados em relação à obrigação dos municípios em manter uma
rede de ensino voltada para o pré-escolar e o fundamental.
Urgia, pois, o enfrentamento da questão curricular por meio da lei de
diretrizes e bases, até porque o texto constitucional, em seu art. 210, reza
que “serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de
maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais
e artísticos, nacionais e regionais”.
O tom imperativo não deixa dúvida. Não menos claro é o adjetivo
“mínimo”. E se “serão fixados”, alguém deve ser o responsável. A tradição
dessa matéria constata iniciativa do Executivo através do Conselho
Nacional (Federal) de Educação.9 Mas o Congresso seria um sujeito
legítimo tanto quanto a sociedade por meio de um projeto de lei, fazendo
uso do mecanismo da iniciativa popular (cf. art. 14 e art. 61, parágrafo 2°).
Nesse sentido, torna-se ilustrativo citar o projeto de Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional em tramitação em 1994 no Congresso que
dizia, em seu art. 10, inciso IV, que a União deve “estabelecer, em
colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,
competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o
ensino médio, que nortearão os currículos e os seus conteúdos mínimos, de
modo a assegurar formação básica comum”.
Outro documento importante sobre o assunto é Plano Decenal de
Educação para Todos (1993). Esse documento, de cuja declaração o Brasil é
signatário, expressa uma agenda de compromissos assumidos na
Conferência de Jomtien. Contando com a sociedade civil e com a presença
significativa do governo federal, esse documento deu uma redação
equilibrada aos atores políticos de tal modo que o MEC, ouvida a sociedade
civil, torna-se proponente das diretrizes curriculares em atenção ao
dispositivo da “fixação dos conteúdos mínimos determinados pela
Constituição” como uma de suas linhas de ação estratégica:

O MEC, com o concurso das representações educacionais e da sociedade, deverá


propor e especificar os conteúdos nacionais capazes de pautar a quantidade de
educação socialmente útil e de caráter universal a ser oferecida a todas as crianças,
consideradas suas diferenças. Complementações curriculares serão propostas em cada
sistema de ensino e escolas, respeitando a pluralidade cultural e as diversidades locais.
Igualmente pesquisas serão desenvolvidas para fundamentar avanços no âmbito das
competências sociais, visando enriquecer o processo curricular da escola. (p. 45)

Este mesmo documento não se priva de reconhecer:

As reformas educacionais das últimas décadas não levaram em conta a diversidade


cultural e econômica, a dimensão federalista do País nem as iniciativas locais e
regionais de solução dos problemas. A experiência centralizadora tem distanciado a
escola da comunidade, uma vez que os mecanismos de controle se situam em uma
instância distante, incapaz de operá-los com consequência. O sistema educacional tem-
se caracterizado por elevado coeficiente de inércia que constrange a disposição para
melhorar, agir cooperativamente, adotar inovações e incorporar avanços cognitivos e
tecnológicos nos processos de ensino e de gestão escolar. (p. 27)

Em certa medida, esse texto do Plano Decenal fez eco à proposta de


LDB, Projeto de Lei Complementar n. 101/93, do senador Cid Saboia de
Carvalho, ao dizer, em seu art. 23, VI, que cabe ao Conselho Nacional de
Educação:

fixar, após ouvir educadores e comunidades científicas das áreas envolvidas, diretrizes
curriculares gerais, definindo uma base nacional de estudos para o ensino
fundamental, médio e superior de educação.

Essa formulação resume o conteúdo mais explícito e detalhado sobre o


assunto tal como já estava expresso no mesmo artigo 23, VI, do projeto pelo
qual caberia ao Conselho Nacional de Educação “fixar as diretrizes
curriculares gerais, definindo uma base nacional de estudos para cada nível
de ensino”. Já o art. 34, além de reconhecer a competência dos Estados e/ou
Municípios na plenificação do currículo, além de estimular a vida concreta
dos estudantes como ponto de partida, diz, no seu caput, que “os currículos
do ensino fundamental e médio abrangerão, obrigatoriamente, o estudo de
língua portuguesa e da matemática, o conhecimento do mundo físico e
natural e da realidade social e política, especialmente do Brasil”.
Finalmente, deve-se registrar a (re)criação do Conselho Nacional de
Educação através da Lei n. 9.131/95. A lei de criação do Conselho busca
conciliar a ponderabilidade entre sociedade política e sociedade civil, com
inclinação para o executivo. Veja-se, a esse respeito, o art. 6° da Lei n.
9.131/95, e seu parágrafo único:

O Ministério da Educação e do Desporto exerce as atribuições do poder público


federal em matéria de educação, cabendo-lhe formular e avaliar a política nacional de
educação, zelar pela qualidade do ensino e velar pelo cumprimento das leis que o
regem.
§ 1°. No desempenho de suas funções, o Ministério da Educação e do Desporto
contará com a colaboração do Conselho Nacional de Educação e das Câmaras que o
compõem.

Por outro lado, cabe a esse Conselho, segundo o art. 7° da lei, o dever
de “assegurar a participação da sociedade no aperfeiçoamento da educação
nacional”.
Órgão de articulação entre a sociedade política e a sociedade civil, esse
órgão colegiado responde, por meio de suas Câmaras de Educação (Básica e
Superior) à atribuição, posta no art. 9° da Lei n. 4.024/61, com a redação
dada pela Lei n. 9.131/95, respectivamente: “deliberar sobre as diretrizes
curriculares propostas pelo Ministério da Educação e do Desporto; deliberar
sobre as diretrizes curriculares propostas pelo Ministério da Educação e do
Desporto, para os cursos de graduação”.
Veja-se o que dispõe o artigo 22 das Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, Lei n. 9.394/96: “a educação básica tem por finalidades
desenvolver o educando, assegurando-lhe a formação comum indispensável
para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no
trabalho e em estudos posteriores”. (art. 22)
De modo constante, o termo educação básica, na LDB, se vê
acompanhado, no conjunto dos artigos, do adjetivo comum. Tal é o caso,
por exemplo, da formação básica comum dos conteúdos mínimos das três
etapas (inciso IV do art. 9°), da formação comum no art. 22, da base
nacional comum dos artigos 26, 38 e 64 e a diretriz do respeito ao bem
comum do art. 27.
Leia-se o que está posto no artigo 26 da LDB:

Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem


ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada
estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características
regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos.
Assim, a educação básica tem por finalidade precípua e fundamental a
formação de uma pessoa para múltiplos aspectos da vida social como a
consciência de si como sujeito, a consciência do outro como igual e
diferente tanto por meio do domínio de conhecimentos, com rigor
científico, e o desenvolvimento de competências que incorporem um
método permanente de aprendizagem e abertura para novas possibilidades.
Os princípios constitucionais de “diretrizes e bases da educação
nacional” e de “coesão nacional” associados ao dispositivo de “conteúdos
mínimos” nacionais determinaram, de um lado, diretrizes curriculares
nacionais emanadas pelo Conselho Nacional de Educação e, de outro,
Parâmetros Curriculares Nacionais propostos pelo MEC.10 Ambas
iniciativas buscaram respaldo quer na Lei n. 9.131/95, quer nas diretrizes e
bases da educação da Lei n. 9.394/96.
Entretanto, a questão federativa continua presente e ela continua mesmo
após tentativas de clareamento na Constituição de 1988. Aliás, tendo a
educação se tornado ao mesmo tempo (mas não sob o mesmo ponto de
vista) competência privativa da União, concorrente entre a União, os
Estados, Distrito Federal e Municípios e competência comum entre os
quatro entes federativos, é que a questão retorna com mais urgência.
Sem o deslindamento desta questão fulcral de pouca valia será a
determinação constitucional do fixar conteúdos mínimos para a educação
obrigatória.
Por outro lado, o próprio Conselho Nacional de Educação, à luz da
flexibilidade trazida pela LDB de 1996, enfatizou que as diretrizes tinham
dimensões gerais, tendo estas muito mais a prevalência de um rumo, de
uma direção, de um caminho tendente a um fim do que de fixação de
conteúdos mínimos.
Neste diálogo, tão importante quanto ele, importa conhecer a
“radiografia” das escolas realmente existentes, suas peculiaridades, seus
“ethos”. As escolas brasileiras não são iguais. Suas condições de
funcionamento são extremamente diversificadas por regiões, por classes,
por turnos, não sendo desprezível a presença de uma pluralidade étnica e
cultural.
É preciso partir desta “radiografia” para imaginar um método criativo
de tal modo que a unidade nacional pretendida seja unidade, não
uniformidade, seja igualdade complementada pelo enfrentamento da
diversidade.
Por outro lado, algo semelhante se passa com os métodos. Estes variam
muito no âmbito das ciências naturais e sociais fazendo com que emerja
esta outra diferença. De novo, o diálogo é o caminho para se evitar tanto
uma homogeneidade metodológica como uma sincrese distante da análise
científica.
Mercê da Emenda Constitucional n. 59/09 e da Lei n. 13.005/14,
especificamente meta 2, estratégia 2.2, e meta 3, estratégia 3.3 o Plano
Nacional de Educação preveem a configuração, respectivamente, da base
nacional comum curricular do ensino fundamental e do ensino médio,
mediante instância permanente de negociação e de cooperação entre a
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Esta base, conforme
as estratégias 2.1 e 3.2, deverá ser articulada pelo MEC em conjunto com os
entes federativos, sob a forma de direitos e objetivos de aprendizagem em
consonância com participação dos profissionais da educação, estudiosos e
pesquisadores.

Para prosseguir com o debate

A elaboração de uma base nacional comum curricular tem a ver com a


constituição de uma cidadania portadora de representatividade e de
participação. E a educação escolar é uma forma de viabilizar esta vida
cidadã nos espaços de uma coesão nacional que garanta os princípios da
igualdade e da liberdade.
Por sua vez, o Brasil, Estado Republicano desde 1889, optou pela forma
federativa de distribuição de poderes e de competências entre o Estado
Nacional e os entes federados subnacionais.
Esta complexidade se traduziu e se traduz na dificuldade de se montar
uma estrutura curricular para as instituições escolares, constituintes que são
desta cidadania republicana, democrática e federativa.
Certamente que, à oscilação autoritarismo x Estado de Direito, não
correspondeu linearmente dirigismo curricular x liberdade de criação. Mas
é notório que o “vigiar” de modo mais direto a estruturação de currículos,
programas e a produção de livros didáticos se aproxima mais dos regimes
fechados. Sabe-se que nestes o detalhamento é mais uma forma de
verticalismo homogeneizador do que um respeito às diferenças. E nos
regimes politicamente mais abertos, o programa dos currículos nacionais
unificados é mais flexível e propositivo. Espera-se, pois, destes últimos,
maior sensibilidade, respeito à diferença sem deixar de contemplar aquilo
que deve ser comum em um Estado Nacional.
Esta característica de regimes abertos, própria da Constituição de 1988,
contudo, se defronta com 2 eixos fundamentais: a questão federativa e a
questão da participação dos sujeitos interessados na formulação dos
conteúdos face às diferentes concepções que os inspiram e mesmo em face
às metodologias existentes em relação às ciências naturais e sociais.
A questão federativa sempre deve merecer um enfrentamento
cuidadoso. Como vimos, a tradição descentralizada criou culturas
institucionais na escola pública que variam de unidade federada para
unidade federada. Dentro delas, as regiões e as disparidades oferecem
outras heterogeneidades, isto sem falar nos “capitais culturais” distintivos
de classes sociais.
Vê-se que o problema não é novo e sempre esteve, de algum modo, nas
preocupações do Governo Federal e nas preocupações dos Governos
Estaduais, Municipais e Distrital.
Entretanto, no caso do Brasil, em matéria de legislação, abundam
dispositivos referentes à criação de uma cultura curricular, ora tendendo a
uma minuciosidade que foge ao princípio federativo e respeitador das
diferenças regionais e locais, ora tendente a estabelecer grandes orientações
gerais. Tudo indica que esta última orientação está presente na lei de
diretrizes e bases, sem secundarizar as bases nacionais comuns.
No momento em que a avaliação passou e passa a fazer parte de
políticas nacionais bafejadas por orientações internacionais, o currículo
passa a ganhar mais importância. Boa parte dessa avaliação já é legalmente
determinada em nosso país. Cumpre refletir por que tem sido tão difícil
chegar a um acordo do como efetivá-la de modo que ela pondere e abranja
tanto o processo da constituição curricular quanto seus resultados. Reflexão
penosa e difícil para gestores e docentes, pois, abandonando qualquer
posição maniqueísta, a avaliação pode promover um diálogo dentro de um
encontro profissional em vista de garantir uma melhoria na prática a qual,
no fundo, não é mais do que efetivar o direito à educação que não se aninha
apenas no direito de aprender dos estudantes com a devida qualidade.
Logo, uma discussão sobre os conteúdos comuns mínimos dos
currículos em sua dimensão de base nacional comum deve desaguar no
caminho próprio defendido pelos grandes nomes da educação: o diálogo
que a Constituição denomina de regime de colaboração sob a égide da
gestão democrática. E aqui se insere a participação dos interessados no
assunto, de modo a abrir um diálogo consistente e sólido entre a
administração da educação, os profissionais no exercício da docência e os
estudiosos da matéria.
A Pós-Graduação nacional está conseguindo formar pesquisadores e
estudiosos que, institucionalmente, vêm investigando áreas de
conhecimento e fazendo intercâmbio internacional. E uma das áreas de
atuação é justamente o estudo de currículos, de história de disciplinas
escolares e da avaliação. As associações científicas, por seu lado, criam,
dentro de seus grupos de trabalho, a alimentação contínua desse e de outros
temas.
A bibliografia não é pequena. Surgem livros, publicam-se pesquisas,
dissertações e teses. As revistas se multiplicam. O mercado editorial
apresenta, não sem uma variedade qualitativa, um espectro enorme de
publicações.
Também os docentes se organizaram em associações profissionais, seja
em frentes salariais, seja em frentes voltadas para a questão pedagógica.
É momento, pois, de reunir esforços, com clareza de posições, com
estudos sólidos, a fim de que este passo constitutivo da cidadania alcance os
objetivos e as finalidades maiores postos no capítulo da educação da
Constituição, na lei de diretrizes e bases e no plano nacional de educação.

1. Este tópico teve como base, ora ampliada e revista, capítulo de livro do autor: Os
Parâmetros Curriculares Nacionais e o Ensino Fundamental. In: BARRETTO, Elba
Siqueira de Sá (Org.). Os Currículos do Ensino Fundamental para as Escolas Brasileiras.
Campinas: Autores Associados; São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 1998, p. 233-259.
2. Cf. Cury, 2013 e Vasconcelos, 2004.
3. A associação entre gratuidade e obrigatoriedade só foi inscrita nas Constituições
Estaduais de Minas Gerais, Mato Grosso, Santa Catarina e São Paulo.
4. Esta é a primeira intervenção direta e financiada da União no ensino primário, por
meio do Ministério da Justiça, nos Estados do Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina,
respectivamente, mediante os Decretos: n. 13.175 de 6/9/1918, n. 13.390 de 8/1/1919 e n.
13.460 de 5/2/1919.
5. Nunca é demais insistir na necessidade de maiores investigações quanto aos
currículos e programas nas unidades federadas.
6. No projeto de LDB proposto por Clemente Mariani em 1946 pode-se ler no art. 66
que seria competência do Estado aperfeiçoar e baratear o livro didático. Além do que os
livros didáticos para serem divulgados nas escolas deveriam ser registrados no Ministério e
quando “impróprios aos fins educativos” seriam proibidos, ouvido o Conselho Nacional de
Educação.
7. No mesmo projeto, Mariani defendia a “unicidade do sistema educacional cujas
variedades estaduais obedecerão ao princípio de equivalência pedagógica em substituição
ao falso princípio da uniformidade pedagógica”. (p. 328)
8. Eis aqui um campo pouco explorado nas pesquisas da Pós-Graduação em Educação.
9. A CF/88 traz em seu conjunto várias entradas no currículo. Há o ensino religioso
(art. 210, parágrafo 1°), há a indicação de educação e etnia (art. 210, parágrafo 2°), há a
correlação educação e herança cultural (art. 242, parágrafo 4°), além de várias sugestões
transversais como meio ambiente (art. 225, VI) e desporto (art. 217, II).
10. Cf. a este respeito, tanto tais Diretrizes na página do Conselho Nacional de
Educação, inclusive o Parecer CNE/CEB n. 03/1997, quanto no Portal do MEC os
Parâmetros Nacionais de Educação.
2
BNCC e a Universalização do
Conhecimento

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) carrega, em si, o sonho


iluminista de universalização de direitos no tocante ao acesso ao
conhecimento acumulado e à qualidade da educação que se realizaria pela
distribuição igualitária e isonômica desses conhecimentos. Sonho esse que
foi apropriado pela burguesia para legitimação de seus interesses com o
estabelecimento de crenças e padrões adequados em uma sociedade
marcada pela desigualdade. Ocorre que, mesmo com a desigualdade como
questão estruturante, a educação escolarizada pretende promover a equidade
de conhecimentos compreendidos como essenciais para proporcionar uma
maior igualdade de oportunidades nas disputas por um lugar no mercado de
trabalho e no exercício da cidadania.
Para compreender a proposta de orientação curricular nacional, faz-se
necessário pontuar tanto o caminho que nos trouxe a escolha de uma Base
Nacional Comum Curricular, seja no plano normativo, seja no plano
conceitual, bem como investigar as questões problemáticas que essa
proposta encontra no cenário da Educação Básica brasileira contemporânea
e, principalmente, no campo do currículo.
A tradição de reformas educacionais tem se esmerado em atribuir ao
currículo os problemas de qualidade da educação e, da mesma forma, seria
ele o responsável pela superação das mazelas e desigualdades educacionais.
Por isso, é importante não perdermos de vista a causa das desigualdades
e o papel que a educação pode desempenhar na sua redução. Pensar o papel
do currículo na correção das desigualdades é uma tentativa ingênua de
deslocar os processos de escolarização do contexto de uma sociedade
profundamente desigual. Diante dessa questão, é fundamental,
preliminarmente, estabelecermos qual é o potencial da educação
escolarizada e seus limites na transformação da sociedade sob pena de soar
ingênua a análise de uma política educacional de tal envergadura.
Como Freire já acentuava em uma de suas obras iniciais, Educação
como Prática de Liberdade (1967),

(...) estamos advertidos do fato milagroso, que por si fizesse as alterações necessárias à
passagem da sociedade brasileira de uma para outra forma. Porém, o que não se pode
negar à educação, é a sua força instrumental, que inexistirá se superposta às condições
do contexto a que se aplica. Vale dizer, por isso mesmo que, sozinha, nada fará,
porque, pelo fato de “estar sozinha”, já não pode ser instrumental. Por isso, se insiste
em não corresponder à dinâmica destas outras forças de transformação do contexto
estrutural, se torna puramente ornamental (...) (Freire, 1967/2005, p. 96).

Necessário distinguir as políticas que pretendem transformar as


estruturas das propostas que se limitam a ornamentar o que está posto. É
preciso se aprofundar nos estudos curriculares como forma de entender
como funcionam os interesses sociais que se misturam ao conhecimento
escolar na busca de uma visão homogênea de mundo. No caso do Brasil
contemporâneo, seria a unificação curricular um ornamento para se
acentuar a chamada crise da educação ou estaríamos diante de uma proposta
transformadora?
Com Apple (2017) e sua resposta à pergunta à Educação pode mudar a
sociedade?, há uma perspectiva menos estruturalista e mecânica da questão,
pois ele apresenta uma resposta que demanda a reação contra um sistema
econômico e seu sistema cultural e ideológico, mas que não despreza as
relações de dominação e subordinação que se constituem dentro e fora da
educação. Estudar, analisar e se envolver com a educação escolarizada por
esse caminho é reagir contra essas relações, portanto, no interior da escola.
Fica claro que se concentrar unicamente nas relações econômicas pode
ser enganoso, pois estas não são as únicas a possibilitar o desvelamento da
realidade. É necessário investir, portanto, nas várias dimensões da formação
humana e a construção de uma BNCC nos provoca a compreender qual é o
papel da educação nas transformações, bem como de seus limites.
Neste ensaio, a pretensão é, iniciando pelo contexto normativo e as
bases conceituais, problematizar, criticamente, a proposta de Base Nacional
Comum Curricular. Expor sua legitimidade e possibilidades no campo de
estudos curriculares, bem como uma concepção comprometida com a teoria
freiriana como forma de promover uma educação para emancipação.

A Base Nacional Comum Curricular e sua


construção normativa

Para se fazer uma análise do escopo normativo da BNCC, não é


possível isolar sua previsão normativa dos fundamentos jurídicos que
fundam a educação brasileira. A interpretação sistemática nos proporciona,
portanto, lançar um olhar sobre a constitucionalidade/legalidade da BNCC
dentro de sua coerência com o conjunto normativo para que se evite a
construção de visões fragmentadas e parciais sobre a sua materialidade.
Falar da legitimidade instituída legalmente para a construção de uma
BNCC é analisar quais são os valores e princípios que a Constituição
Federal e os ordenamentos infraconstitucionais estabelecem para a sua
materialidade. Não podemos, portanto, satisfazer-nos com a formalidade de
sua previsão (e pronto!).
A previsão de uma BNCC não é, obviamente, o centro do projeto
educacional brasileiro em torno da qual orbitam os princípios educacionais,
inclusive constitucionalizados. Não é nem mesmo o centro de valores e
princípios que a escola deve abraçar, sendo a consequência de projetos que
se colocam em disputa em uma sociedade que se enxerga e se deseja plural,
como veremos a seguir.
Diante dessa premissa, é possível afirmar que o processo normativo que
nos impulsiona para a construção de uma Base Nacional Comum Curricular
é fruto de um processo que se arrasta por quase trinta anos, haja vista que
sua previsão se encontra na Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988.
A Assembleia Nacional Constituinte houve por bem estabelecer na
Constituição da República Federativa do Brasil que:

Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a
assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos,
nacionais e regionais (Brasil, 1988) (grifos nossos).

Assim, o projeto de uma formação básica comum tem um papel na


valorização do que é comum, do nacional e, também, do regional. A
definição do que é comum, bem como de um projeto de nação, na quadra
em que vivemos, tornaram-se cada vez mais complexos diante de uma
sociedade que se enxerga cada vez mais plural. O que é básico e o que é
comum, além de não ser neutro, trazem uma consequência de difícil
equação que é dizer qual é a formação desejada. Diante disso, recorro à
própria Constituição Federal de 1988 como forma de ter mais luzes para
desvelar a questão e, então, esclarecer como esses conceitos devem emergir
nas disputas ideológicas que se inserem no campo da educação
escolarizada.
Não é demais enfatizar sob quais compromissos constitucionais estamos
fundados:

Art. 1° A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados
e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e
tem como fundamentos:
I — a soberania;
II — a cidadania;
III — a dignidade da pessoa humana;
IV — os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V — o pluralismo político. (Brasil, 1988).
Ao pensar a educação escolarizada diante dos princípios da dignidade
da pessoa humana, da cidadania, dos valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa, já se percebe quão difícil é uma formação comum no plural. No
entanto, podemos afirmar que o básico é o respeito ao ser humano, à sua
capacidade criadora e transformadora (valores sociais do trabalho), à
liberdade e à perspectiva de pluralidade de ideais.
Da mesma forma, trazer os princípios da República Federativa do Brasil
nos dá a ideia de igualdade na diferença, bem como da superação das
desigualdades sem anular as diversidades, como disposto no art. 3° de nossa
Constituição:

Art. 3° Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:


I — construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II — garantir o desenvolvimento nacional;
III — erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais;
IV — promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação. (Brasil, 1988)

Exaurindo uma perspectiva do projeto de nação e de valores básicos, o


que o texto constitucional nos aponta é para a construção de uma sociedade
justa, livre e solidária, que busca a erradicação da pobreza e a redução das
desigualdades e que rejeita todas as formas de discriminação. E, é sobre
esses princípios e objetivos que a formação, especialmente a educação
escolarizada, deve se desenvolver.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 (LDB)
trouxe novamente a previsão de uma formação básica, agora chamada de
Base Nacional Comum, com ampliação para toda a Educação Básica.

Art. 26. Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio


devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e
em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas
características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos
educandos (Brasil, 1996) (grifos nossos).
Novamente, há a preocupação com o regional, o local e a diversificação
da proposta do que seja básico. Diante de todos os outros princípios
estabelecidos na LDB, não teria como ignorar a diversidade e se
comprometer com uma unidade que inviabiliza o pluralismo e o
reconhecimento da diversidade em nossa sociedade, uma vez que a LDB
traduziu como os princípios e objetivos da República se realizariam através
da educação, corroborando o que já estava previsto na Constituição:

Art. 2° A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade


e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do
educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 3° O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I — igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II — liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a
arte e o saber;
III — pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas;
IV — respeito à liberdade e apreço à tolerância;
V — coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
VI — gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
VII — valorização do profissional da educação escolar;
VIII — gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos
sistemas de ensino;
IX — garantia de padrão de qualidade;
X — valorização da experiência extra-escolar;
XI — vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.
XII — consideração com a diversidade étnico-racial. (Incluído pela Lei n. 12.796, de
2013)
XIII — garantia do direito à educação e à aprendizagem ao longo da vida. (Incluído
pela Lei n. 13.632, de 2018). (Brasil, 1996)

A ideia de base contida na LDB e que pode se extrair da CF é pela


definição de referências curriculares comprometida com a pluralidade,
diversidade e não discriminação. Abraçar uma compreensão de prescrições
fixistas e descritores de conteúdos, competências e habilidade é assumir
uma contradição entre o pluralismo de ideias e um projeto universalizante
de conhecimentos comprometidos com a homogeneização.
Em 2014, a promulgação do Plano Nacional de Educação (Brasil, 2014)
e a busca de um Sistema Nacional de Educação deram novo impulso ao
projeto de uma base. Naquele momento, ficou clara a concepção de que o
que se pretende é uma proposta curricular que se torne comum
nacionalmente. O projeto é tornar um conjunto de conhecimentos,
habilidades e competências, que não é, ainda, nem comum, nem nacional,
comum e nacional através da obrigatoriedade de seu ensino. Emerge a
orientação do estabelecimento de um projeto nacional que se torne comum
e, portanto, consensual nacionalmente através do projeto curricular.
Em 2017, temos, após idas e vindas, a publicação da BNCC da
Educação Infantil e do Ensino Fundamental (MEC, 2018)11. Já a BNCC do
Ensino Médio, até os meados de 2018, não foi aprovada12.
Para concluir a análise do percurso normativo, é necessário acentuar
que, ao abordar como se constituiu normativamente a direção para a
construção da Base Nacional Comum Curricular, a perspectiva não é a de se
conformar com a previsão silogística que imobiliza a sociedade ao
naturalizar o comando do legal. Em outras palavras, é necessário
compreender que a norma é um campo de disputa tanto no que toca a sua
forma quanto a sua materialidade. Assim, ao expor que um projeto está
previsto em lei, precisamos, criticamente, desvelar os seus interesses, a
quem favorece e a quem não favorece.

Base Nacional Comum Curricular para quê?

A BNCC seria o instrumento para qualificar a educação através de uma


identidade de conhecimentos que seja proporcionada a todos os estudantes
da Educação Básica brasileira. Ela serviria para superar as desigualdades
evidentes em nosso sistema educacional. Ela se envolve em uma visão de
escolarização que, para termos uma educação de qualidade seria necessário
proporcionar conteúdos idênticos para possibilitar uma igualdade de
oportunidades entre os educandos.
Dessa forma, os defensores da BNCC entendem que uma das mazelas
da Educação brasileira a ser superada é a ausência de um conteúdo básico e
comum em todo o país. Já com a uma BNCC, teríamos a possibilidade de
superar as desigualdades e a qualidade deficiente da Educação.
Em maio de 2015, foi publicada pela Fundação Lemann13, notória
entusiasta da BNCC, em colaboração com o Instituto de pesquisas IBOPE,
um levantamento em que os professores da Rede Pública no Brasil se
posicionam majoritariamente favorável ao estabelecimento de uma Base
Comum Nacional. Na pesquisa divulgada, 82% dos professores
entrevistados concordam totalmente ou em parte que os “currículos de todas
as escolas do Brasil devem ter uma base comum” e que 93% concordam
totalmente ou em parte que “saber o que é esperado que os alunos aprendam
a cada ano escolar facilita o trabalho do professor” (Fundação Lemann,
2015).
Ora, como pode ser percebido, soa até desesperadora a afirmação de
que há a necessidade de definição de um currículo básico para os
professores saberem o que é esperado que os alunos aprendam em cada
ciclo de aprendizagem. Seria muito preocupante viver em um país onde os
professores não sabem o que ensinar na sala de aula amanhã às 07h30 da
manhã em uma turma do 1° ano do Ensino Fundamental.
Nessa linha, seria necessária a indagação do que fazem esses
professores em sala de aula, ou melhor, o que se passa nos cursos de
licenciaturas, bem como que orientações e planos de ensino são formulados
pelos especialistas das redes de ensino e pelos professores.
A solução seria, também, impor uma base nos cursos de licenciaturas
para que esses sujeitos fossem orientados em sua formação a saberem o que
devem esperar que os alunos aprendam. Ainda nessa esteira, como pensar
que os sistemas e as redes escolares, bem como os cursos de formação de
professores, não contam para os professores o que devem ensinar e o que
podem esperar de seus alunos (!)?
A BNCC é para oportunizar aos alunos “conhecimentos essenciais” ou
aos professores?
Dessa forma, tendo em vista a emergência de um discurso acentuado de
que não há compreensão pelos professores do que fazer em sala de aula
com as suas turmas, ou seja, de qual conhecimento deve se desenvolver em
cada período letivo, semestre, bimestre ou dia de aula, temos uma BNCC
que discrimina os descritores de competências e habilidades de todas as
áreas do conhecimento escolarizado detalhadamente.
Esse detalhamento subestima as orientações curriculares desenvolvidas
pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, pelas
Avaliações Externas, pelas Redes de Ensino e pelas Escolas e pelos
Educadores. Despreza o desenvolvimento de um projeto educativo nacional
fundado em uma concepção dinâmica e democrática de currículo que busca
articular as experiências dos vários atores envolvidos na educação
escolarizada com os conhecimentos científico, tecnológico, artístico,
estético e cultural produzidos.
A LDB, nesse contexto, como uma “Constituição da Educação”, tem
sido interpretada e reinterpretada pela diversidade de atores que se
envolvem com a educação escolarizada, sendo a própria criação de
Diretrizes Curriculares Nacionais importante instrumento para uma
educação de qualidade na diversidade, uma vez que estabelece orientações
sem listar conteúdos.
Através das Diretrizes Curriculares, é possível vislumbrar uma
percepção que valoriza o papel docente no enfrentamento da realidade
educacional posta, sendo que fica visível uma rejeição ao receituário de
conhecimentos preestabelecidos.
Já a tentativa das avaliações externas de impor um currículo básico se
vê frustrada diante da realidade escolar complexa e se relaciona com
dificuldades à efetivação verticalizada de currículo. A relação das escolas
com a Prova Brasil e o ENEM, por exemplo, constitui-se dialeticamente em
um movimento de conformação-rejeição de uma qualidade de educação que
não se realiza para todos. É uma relação que, mesmo pretendendo esgotar o
que-fazer curricular14, não dá conta desse objetivo.
É ingênuo desconhecer o papel fundamental que a práxis docente e as
realidades onde ela desenvolve têm na elaboração do que-fazer escolares
com suas competências e habilidades, bem como da dinâmica que
envolvem as propostas oficiais e o cotidiano da sala de aula.
A segunda questão que desejo ainda enfrentar e que não pode ser
ignorada é o interesse da Fundação do homem reconhecido como o mais
rico do Brasil, o empresário Jorge Paulo Lemann, em questões escolares,
particularmente, na eleição de um currículo nacional. A Fundação Lemann,
desde o seu surgimento, tem promovido formação de professores e debates
sobre a Educação nacional, dos quais sobressaem seu evidente interesse:
uma educação de qualidade. Mas devemos indagar qual é o conhecimento
que se traduz em educação de qualidade para um grupo econômico tão
poderoso e com os interesses pautados na expansão do (seu) capital?
Ora, é possível articular facilmente a constante busca de reestruturação
da escola com os interesses daqueles que controlam o mercado de trabalho,
sendo a instituição escolar de vital importância para a construção de
subjetividades individualistas e meritocráticas, bem como de
desenvolvimento de habilidades técnicas.

11. As idas e vindas da BNCC com suas disputas, avanços e retrocessos, serão
analisadas pontualmente neste ensaio mesmo não sendo seu objeto.
12. Fato é que nenhuma das propostas entrou em vigor em 2018 e, concretamente,
somente as pesquisas futuras poderão analisar como o comando legal curricular se
desenvolverá no “chão da escola”.
13. A Fundação Lemann é uma organização sem fins lucrativos brasileira criada em
2002 pelo empresário Jorge Paulo Lemann, conhecido por ser o brasileiro mais rico. Sua
fundação faz parte de um grupo de reformadores empresariais que se voltaram para a
Educação Básica nos últimos anos. É representativo da força desse grupo o Movimentos
Todos pela Educação, que é apoiado pela Fundação Roberto Marinho, Fundação Itaú
Social, Fundação Victor Civita, entre outros. Voltaremos a abordagem do movimento a
seguir.
14. “Currículo é, na acepção freireana, a política, a teoria e a prática do que-fazer na
educação, no espaço escolar, e nas ações que acontecem fora desse espaço, numa
perspectiva crítico-transformadora”. (Saul, 2008, p. 120).
3
Base Nacional Comum
Curricular é Currículo?

A BNCC se constitui em um projeto normativo que estabelece um


documento prescritivo de competências, habilidades, conteúdos, ou, como
preferem denominar, direitos de aprendizagem (MEC, 2018).
Uma das questões que é necessário se afirmar e ser enfrentada é a
natureza curricular da BNCC, pois o MEC insiste em proclamar que:

BNCC serve como referência para a construção e adaptação dos currículos de todas as
redes de ensino do país. As redes e escolas seguem com autonomia para elaborar, por
meio do currículo, metodologias de ensino, abordagens pedagógicas e avaliações,
incluindo elementos da diversidade local e apontando como os temas e disciplinas se
relacionam. BNCC e currículos têm, portanto, papéis complementares: a Base dá o
rumo da educação, mostrando aonde se quer chegar, enquanto os currículos traçam os
caminhos. (MEC, 2018a).

A BNCC traz uma concepção de currículo travestida de direitos de


aprendizagens que, sob a ótica tecnicista e meritocrática, constituem-se em
deveres de aprendizagens. Obviamente não é possível reduzir toda a
complexidade do currículo às prescrições contidas no documento
homologado pelo (ocupante do cargo de)15 Presidente da República em
2017.
Em que pese a polissemia do termo currículo, na orientação do MEC, o
mesmo é estranhamente reduzido ao caminho (!?) e o que se deseja ensinar
(“aonde quer se chegar”) é a Base Nacional Comum Curricular.
Diante dessa confusão conceitual, forçoso trazer alguns conceitos de
currículo para desvelar como uma orientação curricular centralizadora e
antidemocrática deseja se fazer presente (no duplo sentido) nas e para as
escolas. Passo a algumas concepções de currículo, das mais tradicionais e
tecnicistas às mais progressistas e comprometidas com a emancipação e
pluralidade.
Sacristán não se furta a conceituar currículo mesmo explicando sobre
sua complexidade. Para o autor espanhol (2013, p. 16), currículo “é aquilo
que um aluno estuda“.
Já Roberto Macedo distingue duas concepções de currículo. A primeira
se apresenta como um documento onde se expressa e se organiza a
formação. A segunda nos ensina que o “currículo se dinamiza na prática
educativa como um todo e nela assume feições que o conhecimento e a
compreensão do documento por si só não permite elucidar” (2013, p.
25/26).
Por fim, vale repetir nossa nota para traduzir uma perspectiva freiriana
de currículo. Este se constitui como “a política, a teoria e a prática do que-
fazer na educação, no espaço escolar, e nas ações que acontecem fora desse
espaço, numa perspectiva crítico-transformadora”. (Saul, 2008, p. 120).
Diante destas colaborações, já desvelamos como a concepção de Base
Nacional Comum Curricular se aproxima das concepções de Sacristán e da
apresentada como uma das possibilidades por Roberto Macedo, mas se
encontra muito aquém de uma acepção freiriana. Entretanto, não é possível
negar a natureza curricular da BNCC simplesmente porque ela a rejeita. Os
enunciados expostos desafiam a concepção de BNCC que se furta a assumir
que deseja estabelecer o que um aluno deve estudar.
Claro que a segunda concepção apresentada por Roberto Macedo e a de
Ana Saul nos proporcionam refletir sobre os limites que a BNCC traz para a
proposta de currículo escolar, uma vez que ela pretende imobilizar em um
documento a dinâmica da prática educativa — o que-fazer na educação.
Sendo qual for a concepção de currículo, é interessante trazer seu
aparente ponto de convergência. Para Pacheco (2005), há um consenso
quanto ao objeto de estudo de currículo que lança o olhar para o
conhecimento e para as aprendizagens que são construídas no contexto de
uma organização e uma formação.
A BNCC, indubitavelmente, é uma criação unificadora que organiza os
direitos de aprendizagens, conhecimentos e habilidades com foco na
competência compreendida “como a mobilização de conhecimentos
(conceitos e procedimentos) (MEC, 2018, p. 8). A própria BNCC assume
que a função das competências é orientar os currículos, ou seja, é a fonte de
todos os currículos que não se orientariam mais por objetivos, como
defendia Ralph Tyler (1983). Apesar de abraçar os objetos de
conhecimentos que devem ser distribuídos aos alunos, como podemos ver
nesse recorte.

Figura 1. Ciências — 1° ano


Unidades Objetos de
Habilidades
temáticas conhecimento

(EF01CI01) Comparar características


de diferentes materiais presentes em
Características objetos de uso cotidiano, discutindo sua
Matéria e energia
dos materiais origem, os modos como são
descartados e como podem ser usados
de forma mais consciente.
Vida e evolução Corpo humano (EF01CI02) Localizar, nomear e
Respeito à representar graficamente (por meio de
diversidade desenhos) partes do corpo humano e
explicar suas funções.
(EF01CI03) Discutir as razões pelas
quais os hábitos de higiene do corpo
(lavar as mãos antes de comer, escovar
os dentes, limpar os olhos, o nariz e as
orelhas etc.) são necessários para a
manutenção da saúde.
(EF01CI04) Comparar características
físicas entre os colegas, reconhecendo
a diversidade e a importância da
valorização, do acolhimento e do
respeito às diferenças.
(EF01CI05) Identificar e nomear
diferentes escalas de tempo: os
períodos diários (manhã, tarde, noite) e
a sucessão de dias, semanas, meses e
Terra e Universo Escalas de tempo anos.
(EF01CI06) Selecionar exemplos de
como a sucessão de dias e noites
orienta o ritmo de atividades diárias dos
seres humanos e de outros seres vivos.
Fonte: BNCC (2018, p. 331).

A insistência em negar a natureza curricular é desvelada pela forma e o


conteúdo apresentados pela BNCC com um nível de detalhamento que
visibiliza o compromisso com o estabelecimento de um currículo nacional.
Como apresentado na página inicial da BNCC,

A Base estabelece conhecimentos, competências e habilidades que se espera que


todos os estudantes desenvolvam ao longo da escolaridade básica. Orientada pelos
princípios éticos, políticos e estéticos traçados pelas Diretrizes Curriculares Nacionais
da Educação Básica, a Base soma-se aos propósitos que direcionam a educação
brasileira para a formação humana integral e para a construção de uma sociedade
justa, democrática e inclusiva. (MEC, 2018)

O negrito nos “conhecimentos, competências e habilidades” é obra do


próprio MEC que se nega a reconhecer na BNCC uma proposta de
currículo, mas sim norteadora dos currículos.
Ainda de acordo com o MEC, em sua proposta inicial,

A Base Nacional Comum Curricular (BNC) vai deixar claro os conhecimentos


essenciais aos quais todos os estudantes brasileiros têm o direito de ter acesso e se
apropriar durante sua trajetória na Educação Básica, ano a ano, desde o ingresso na
Creche até o final do Ensino Médio. Com ela os sistemas educacionais, as escolas e os
professores terão um importante instrumento de gestão pedagógica e as famílias
poderão participar e acompanhar mais de perto a vida escolar de seus filhos.
A Base será mais uma ferramenta que vai ajudar a orientar a construção do currículo
das mais de 190 mil escolas de Educação Básica do país, espalhadas de Norte a Sul,
públicas ou particulares. (MEC, 2016).

O que se pretende expor é que por mais fuja ao papel de seleção,


organização e sequenciamento de conteúdos, a BNCC tem esse papel e se
ela não é o currículo, ela não pode deixar de ser considerada um currículo
(prescrito e unificador).
De acordo com Elizabeth Macedo,

Ao longo das páginas iniciais da Base, suas palavras são reiteradas na ideia de que os
currículos serão elaborados ou construídos [pelos municípios, pelas escolas ou pelos
professores] tendo a Base como base. Em uma formulação mais direta dessa relação,
diz-se que “BNCC e currículos têm papéis complementares para assegurar as
aprendizagens essenciais definidas para cada etapa da Educação Básica, uma vez que
tais aprendizagens só se materializam mediante o conjunto de decisões que
caracterizam o currículo em ação” (MEC, 2017, p. 16). Surge, assim, um termo já
clássico no campo do currículo que pretende dar conta de que os currículos formais
não esgotam as possibilidades do que ocorre nas escolas. Currículo em ação, portanto,
é um conceito que só faz sentido com o seu duplo, o currículo escrito ou formal, neste
caso, a BNCC. A BNCC seria, assim, currículo, mas não esgotaria as possibilidades de
ser do currículo. (2018, p. 29).

O caráter normativo da BNCC prescreve aos estudantes os


conhecimentos, habilidades e competências que os estudantes da Educação
Básica brasileira devem mobilizar e estudar. É um currículo formal, não há
dúvida. E como todo currículo, deseja prescrever e direcionar o que será
ensinado. Mas não consegue aprisionar tudo o que se ensina e se aprende na
escola, obviamente.
Essa prescrição pretende ordenar e unificar o currículo brasileiro,
ignorando a visão dinâmica exposta por Roberto Macedo (2015) e se
negando a assumir sua politicidade sob uma perspectiva freiriana. Essa
negação se dá em prol de uma crença positivista de neutralidade do
conhecimento científico que deveria ser distribuído pela escola. A BNCC
pretende se constituir, portanto, em contraponto ao movimento dialético que
a escola deveria promover com a transformação que se faz
permanentemente. Fica escancarada com a proposta de currículo nacional
que há um projeto que se deseja nacional e comum, devendo ser posto
como neutro e natural no interior da escola.
O currículo é, assim, desideologizado e descontextualizado em nome de
um conhecimento teórico/científico/neutro que uma comunidade de
especialistas é capaz de estabelecer para todas as escolas brasileiras.
A centralização de um projeto educativo, em escala nacional, se revela
de forma cristalina e amplia uma visão de desconfiança dos sujeitos
envolvidos no processo educacional nas bases e os faz buscar suas soluções
dialética e dialogicamente. Por isso, a concepção de centralismo de Freire
em 1959 ainda se faz atual:

É a êle (o centralismo) que se deve, em grande parte, a inorganicidade de nossa


educação. E isto porque é do centro que se ditam as normas, distanciadas assim das
realidades locais e regionais a que se deve aplicar. (Freire, 1959, p. 91).

A BNCC é uma proposta curricular obrigatória e imobilizadora que


parte do centro do poder para todas as escolas, centralizada na confiança na
capacidade de especialistas tomarem as decisões sobre os conhecimentos,
competências e habilidades que nossos estudantes podem acessar. Decisões
que deveriam se fundar nos pilares constitucionais de uma sociedade plural
e comprometida com a não discriminação e com os valores sociais do
trabalho.

Base Nacional Comum Curricular como


campo de disputa
Como a análise já realizada nos leva a afirmar que a BNCC é uma
proposta de currículo nacional, as compreensões trazidas por Apple (1997;
2006) continuam a serem atuais e referências para o aprofundamento do que
permeia este projeto.
Criticamente, não há como negar que o currículo é campo de disputa
entre os projetos que se colocam em conflito na sociedade. Retirar da
BNCC a característica explícita de currículo é aceitar a naturalização do
conhecimento válido a ser distribuído. Ou melhor, é conformar-se com um
empreendimento curricular que se faz neutro e, consequentemente, acima
das ideologias.
Ora, as concepções de tradição seletiva e de hegemonia trazidas por
Apple (1997; 2006), ao lado de sua visão sobre conhecimento oficial
(1997), são fundamentais para compreensão dessas disputas e de como
visões simplistas de igualdade e equidade passam a ser ingenuamente
defendidas.
O conhecimento oficial é centrado nos cânones de verdade
universalizante feita por alguém (um grupo) para que uma visão particular
de cultura se torne legitimada e validada para ser distribuída na escola
(Apple, 1997). No caso de nosso currículo nacional (BNCC), esse alguém é
a comunidade de especialistas selecionados pelo MEC para a validação da
cultura a ser imposta à escola. Uma comunidade que, em 2015, por ocasião
da apresentação da primeira versão da BNCC, era composta de 116
profissionais das mais diversas áreas, divididos em 29 comissões.
A primeira versão, ainda, foi submetida à consulta pública tendo
aproximadamente doze milhões de contribuições no período de setembro de
2015 a março de 2016, sendo que a segunda versão ficou pronta três meses
depois.
Essa a aparência de consenso de que o MEC fez a escolha de
especialistas que supostamente seriam desinteressados em projetos
ideológicos, bem como na síntese das milhões de contribuições, pode ser
enganosa,
Porque não é a “sociedade” que criou tais textos mas um grupo específicos de pessoas.
“Nós” não construímos tais artefatos curriculares, no sentido de que existe um acordo
universal entre todos nós e isto é que passa a ser o conhecimento oficial. (Apple, 1997,
p. 77).

Por isso, afirmo que, além da BNCC ser uma prescrição de currículo
nacional, ela é uma forma de tornar consensual o que pretende ser o
conhecimento oficial.
O consenso enganoso quando olhamos para a trajetória que esse
currículo percorreu de sua primeira versão até a última aprovada em 2017.
Já na primeira versão da BNCC, posições ideológicas e considerações sobre
o que fica como conhecimento a ser escolarizado e o que sai foram
explicitadas. Para ficar só em um exemplo, o ex-Ministro da Educação
Renato Janine Ribeiro recorreu à rede social para expressar sua perspectiva
ideológica em relação à primeira versão da BNCC, apresentada quando ele
era o Ministro, como noticiado pelo site do jornal Estadão:

O ex-ministro de Educação e filósofo Renato Janine Ribeiro afirmou em sua página no


Facebook que o conteúdo de História da Base Nacional Comum (BNC) deve conter
“ensinamento crítico, mas sem descambar para a ideologia”.
(...)
“O fato é que o documento de História tem falhas. Tanto assim que retardei sua
publicação e solicitei ao grupo que o elaborou que o refizesse. Mas eles mudaram
pouca coisa”, disse o ex-ministro na rede social.
Os textos da BNC de todas as disciplinas passam agora por consulta pública para
receber críticas e sugestões de especialistas e da sociedade para que uma proposta final
seja apresentada ao Conselho Nacional de Educação (CNE) ainda nos primeiros meses
de 2016.
Janine reclamou que a primeira versão do texto de História “ignorava quase por
completo o que não fosse Brasil e África”. “Não havia, na proposta, uma história do
mundo. Quando muito, no ensino médio, uma visão brasilcêntrico das relações com
outros continentes”, disse ele. (ESTADÃO, 2015/2018).

A afirmação do ex-ministro se encontra dentro do que Raymond


Williams chamou de tradição seletiva, de acordo com Apple (1997). Há
uma visão que nega a possibilidade “brasilcêntrica” e naturaliza o consenso
eurocêntrico, ignorando que essa seleção privilegia um capital cultural de
um grupo em detrimento do de outro.

A questão é sempre a seletividade; a maneira pela qual, de toda uma área é possível do
passado e do presente, somente determinados significados e práticas são escolhidos
para ênfase, enquanto outros significados e práticas são negados e excluídos. Mais
crucialmente ainda: alguns desses significados são reinterpretados, diluídos, ou postos
sob formas que sustentam ou pelo menos não contradizem outros elementos da cultura
efetivamente dominante. (Williams apud Apple, 2006, p. 39/40).

Articula-se um consenso verticalizado através da neutralidade que a


comunidade de especialistas representa. No entanto, no interior desse
processo, escancara-se a luta de projetos ideológicos. Apesar do Professor
Janine Ribeiro afirmar que o processo estava “descambando” para o
ideológico, a ideologia é, repita-se, parte fundamental desse projeto, mas
não me refiro a sua acepção pejorativa. Pelo contrário, ideologia aqui é um
conceito central para se desvelar as questões que toca a tradição seletiva do
currículo, quais sejam, “Quem o selecionou? Por que é organizado e
ensinado dessa forma? E a este grupo em particular?” (Apple, 2006, p.
40).
Nesse sentido, tanto a seleção feita pela comunidade de especialistas
como a que Janine Ribeiro reputa adequada, se situa em um sistema de
ideias, crenças e compromissos ou valores sociais. É um projeto
cristalinamente ideológico, sendo o currículo um campo privilegiado para
sua legitimação.
Ignorar o currículo sendo uma seleção de cultura que se pretende
socializar é investir em uma neutralidade que rejeita a contradição e a
pluralidade de projetos políticos que se colocam em disputa e em conflito
em sociedade. É uma postura centralizadora e ditatorial que almeja
submeter a diferença.
Lado outro, a ideologia pode operar no sistema educacional para poder
se legitimar e criar uma visão parcializada dos problemas brasileiros. Aí
sim temos um problema que dificulta a visão das questões sociais que a
escola deveria trazer para seu interior. Não é possível aceitar a naturalização
e neutralidade dos conhecimentos, uma vez que podemos contribuir para a
compreensão parcializada e fragmentada dos fenômenos sociais e sobre as
causas das desigualdades.
Inclusive é essa perspectiva ideológica que afirma que a educação
escolarizada foi, é e será um dos fatores que obstaculizam nosso
desenvolvimento, sendo o currículo um instrumento para superarmos as
mazelas educacionais. Não é a ideologia “brasilcêntrica” que faz isso, mas a
ideologia eurocêntrica de cunho burguês que salienta que a qualidade da
educação é a capacidade de inserção no mercado de trabalho através de uma
simples equação:

Educação de boa qualidade = Trabalho de prestígio social e


econômico;
Educação de má qualidade = Trabalho precário

No entanto, o sistema econômico nunca providenciou vagas com esse


prestígio para todos. Nem tem a pretensão de fornecer tais vagas. Vivemos
em uma crise estrutural e essa ideologia vem colocar a culpa na escola e no
currículo escolar?
Daí a necessidade de se contextualizar o campo do currículo dentro de
uma crise que a escola vive e que essa crise não tem a escola como causa: a
crise da escola é consequência da crise permanente do capitalismo
brasileiro.

A crise educacional é parte da crise socioeconômica

Há aproximadamente 50 anos, repete-se um mantra no campo do


currículo: “O currículo é um campo moribundo” (Schwab, 1969 apud
Pacheco, 2001). Ora, moribundo está o projeto de sociedade excludente e
meritocrático. Fragmentar e responsabilizar o currículo pelas mazelas da
educação, buscando mostrar suas insuficiências, é interditar o próprio
debate sobre os limites da escola em uma sociedade marcada pela
desigualdade.
Por isso, não podemos deixar de lado o conselho de Hegel (2005) e
incorrermos no risco de tomarmos a floresta pela árvore. Não podemos
olhar para as disputas em torno do currículo escolar e deixarmos de lado a
chamada crise da educação. E, por consequência, não devemos aderir
acriticamente ao discurso da crise educacional sem trazer a percepção de
que há uma crise econômica permanente.
Sem não percebermos como a crise permanente chega à educação e ao
currículo, podemos tomar a árvore pela floresta. A dita crise da educação é
uma crise que se desenvolve no interior de um sistema seletivo e
meritocrático que não consegue contemplar todas as pessoas em uma
sociedade capitalista. A desigualdade é inerente ao sistema e não um efeito
indesejado. Quando são colocados projetos curriculares como forma de
proporcionar a igualdade de oportunidades em busca da redução das
desigualdades, somos colocados diante de uma proposta ilusória que não
consegue se aprofundar no cerne do problema, qual seja, a incapacidade de
nosso sistema socioeconômico proporcionar a igualdade.
É inegável que tivemos tempos de redução da pobreza e de construção
de direitos em um curto período de avanço (2003-2014). São apenas
“soluços” de um sistema desigual que não conseguem se prolongar por
muito tempo, pois, novamente, houve uma (violenta) interrupção com
retrocesso em mais uma crise do capitalismo brasileiro.
As crises são, portanto, cíclicas e estruturais, como acentua David
Harvey,

Crises são essenciais para a reprodução do capitalismo. É no desenrolar das crises que
as instabilidades capitalistas são confrontadas, remodeladas e reformuladas para criar
uma nova versão daquilo em que consiste o capitalismo. Muita coisa é derrubada e
destruída para dar lugar ao novo. (2016, p. 9)
Crises são oportunidades para reformas que aprofundam as
desigualdades, proporcionando medidas que restringem os direitos em prol
dos privilégios. Verbas para programas sociais são cortadas, há o aumento
vertiginoso do desemprego e medidas que poderiam equalizar o acesso à
educação são inibidas em prol da maximização dos lucros de poucos e
manutenção das desigualdades, ou melhor, aprofundamento das
desigualdades.
Nesse sentido, a ruptura institucional e democrática, ocorrida em 2016,
deixa marcas indeléveis nas políticas públicas brasileiras16. Nesse contexto,
o governo pós-golpe tem na educação políticas públicas alinhadas com os
interesses do capital frente ao sistema educacional público brasileiro. A
Reforma do Ensino Médio, o desinvestimento nas Universidades Públicas, a
redução de programas de financiamentos como o FIES e PROUNI, a
redução do financiamento para Escola em Tempo Integral, a extinção do
PIBID, com a criação do Programa de Residência Pedagógica e, o nosso
foco, a homologação de uma Base Nacional Comum Curricular, se colocam
como obstáculos aos direitos das classes menos favorecidas no que toca a
educação escolarizada. Da mesma forma, dificulta à construção de uma
sociedade plural e democrática que potencializa através da educação
escolarizada a transformação social.
Nesse curto espaço, não posso deixar de se registrar como a crise do
capitalismo acaba por atingir radicalmente as parcas conquistas das classes
trabalhadoras e traz medidas aparentemente técnicas e soluções falsamente
neutras que produzem efeitos nocivos à maioria da população. A BNCC se
situa nesse contexto de medidas e soluções para superação da crise.
Impossível compreender a Base sem investigar o cenário desenhado
pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)
que reconhecidamente influencia políticas públicas educacionais brasileiras,
como atesta a própria BNCC em seu texto (MEC, 2018).
David Chaves (Escola Politécnica..., 2017) explica que a BNCC é
(...) produção de organismos como a Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE). Segundo ele, a entidade é relevante porque
indica ao mundo empresarial quais países estão cumprindo orientações em áreas como
educação e economia, sinalizando os locais mais atrativos para investimentos
privados. Uma dessas variáveis é a existência de mão de obra qualificada. Qualificada,
claro, segundo os padrões estabelecidos pelo organismo.

A partir do PISA (Programme for International Student Assessment) e


de pesquisas comparativas, as políticas educacionais foram se globalizando
com base em diretrizes da OCDE que, tendo uma avaliação internacional,
passou a pressionar por um currículo que permitisse a legitimação dessa
avaliação. Seguir as determinações da OCDE se constitui em referência
para qualidade da educação mundial, trazendo um fenômeno de
“ranqueamento” de países que acabou por estabelecer os padrões
curriculares necessários para o alcance de um desempenho
comparativamente satisfatório sob essa perspectiva globalizante e
mensurável da educação. A OCDE, assim, passa a ocupar, para muitos
países seguidores desse receituário, o lugar de “Ministro da Educação
Mundial”.
A OCDE tem importante papel na “elaboração de discursos que estejam
de acordo com os seus interesses privatistas” (Santomé, 2003, p. 19) que
corroboram a perspectiva exclusivamente meritocrática de educação e
deixam de lado as questões de fundo sobre as desigualdades
socioeconômicas.
Da mesma forma que a OCDE traz uma pressão externa e internacional
para políticas unificadoras do currículo escolar, internamente emergiram na
última década movimentos empresariais capitaneados por fundações
privadas dedicadas ao desenvolvimento de uma educação de qualidade.
Esses personagens foram nomeados por Diane Ravitch de corporate
reformers, que Luiz Carlos Freitas (2012) nos brindou com a tradução para
reformadores empresariais.
No Brasil, movimento semelhante tem coordenado a ação dos empresários no campo
da educação e é conhecido como Todos pela Educação. O presidente do Conselho de
Governança deste movimento é o megaempresário Jorge Gerdau Johannpeter, do
Grupo Gerdau, que também é assessor da presidenta Dilma como coordenador da
Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade de seu governo.
(Freitas, 2012, p. 381)

Fundado em 2006, o já citado Movimento Todos pela Educação tem


como apoiadores, parceiros e mantenedores, por exemplo, a Fundação
Bradesco, Itaú Social, Fundação Lemann, Instituto Unibanco, Instituto
Natura, Rede Globo, Fundação Roberto Marinho, BID (Banco
Interamericano de Desenvolvimento), Fundação Santillana, Fundação
Victor Civita, dentre outros. (Todos pela Educação, 2018).
A Base Nacional Comum Curricular, fortalecida pelo governo
democrático (2003-2015), encontrou eco nos fundamentos tecnicista,
meritocrático e gerencial defendidos pela lógica do capital para o
desenvolvimento da qualidade da educação. No Plano Nacional de
Educação, Lei n. 13.005, de 2014 (Brasil, 2014), a proposta de Base
Nacional Comum Curricular se apresenta como estratégia para o alcance da
qualidade da educação, devendo ser homologada em um prazo de 2 (dois)
anos a partir da publicação do PNE. Seu prazo legal se expirou em junho de
2016, sendo que, de tudo que foi aprazado, a BNCC foi a única política que,
efetivamente, teve andamento.
A adesão às concepções da OCDE e dos reformadores educacionais não
é um privilégio do momento pós-golpe. Já se fazia presente nas políticas
públicas educacionais desenvolvidas no período entendido como
democrático, ou seja, no período que o Ministério da Educação aceitava as
contradições que se colocam na conquista de direitos para as populações
mais pobres e o fortalecimento da elite capitalista brasileira. Naquela época,
faziam-se presentes representantes de movimentos sociais progressistas em
vários fóruns, conselhos e instâncias de poder juntamente com os
reformadores empresariais. Em que pese essa representatividade, posições
contrárias ao estabelecimento de uma Base Nacional Comum Curricular,
como expostas pela ANPED (Associação Nacional de Pós-graduação e
Pesquisa em Educação) e pela ABdC (Associação Brasileira de Currículo)
(ABdC, 2017) (ANPED; ABdC, 2015)17, foram sumariamente ignoradas.
Mas é no contexto pós-golpe que as políticas públicas educacionais
abandonaram suas contradições explícitas e se apresentam pautadas, de
forma cristalina, no tecnicismo e gerencialismo de caráter meritocrático e
excludente, tendo os discursos de liberdade de escolha e de igualdade de
oportunidades ocupado a propaganda das apressadas reformas, que no caso
do Ensino Médio se iniciou através de Medida Provisória (Brasil, 2016),
tendo esta sido aprovada e incorporada à Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional18 com um visível e explícito retorno ao dualismo19 na
terminalidade da Educação Básica, uma vez que as escolas podem optar
pela oferta de um de cinco itinerários ou manter a oferta integrada de quatro
itinerários.
Utilizando-se do discurso da crise, sem revelar suas causas estruturais, o
governo golpista trouxe medidas para melhorar a qualidade da educação
dentro da pauta estabelecida por reformadores educacionais, OCDE e
conservadores que formam sua base de apoio. Movimentos sociais e
entidades acadêmicas foram desprezados no debate que concluiu os últimos
contornos da BNCC.
O mantra da equidade e igualdade de oportunidades através do currículo
nacional se manteve. A escola seria o único caminho para realizar o escopo
da redução das desigualdades e erradicação da pobreza, pois viabilizaria os
conhecimentos essenciais a que todos têm direito.
Só que essa perspectiva de igualdade e equidade também traz sérios
problemas ideológicos e pretendo colaborar com esse debate com a seguinte
ilustração:

Figura 2. Igualdade e equidade


Fonte: GOOGLE, 2018.

A ilustração nos revela que devemos promover compensações aos


inferiorizados por um sistema estruturalmente desigual. Entretanto, há
algumas perguntas que devem ser feitas sobre a figura: Que jogo que é
esse?; Quem o escolheu?; Todos querem assistir? Por que assistir a esse
jogo?
Essas perguntas se relacionam diretamente com a escola e o
conhecimento escolar com sua tradição seletiva. O ponto é o seguinte: para
promover a igualdade compensando as desigualdades não estamos
problematizando o que as crianças podem, querem e devem
assistir/aprender e as razões dessas escolhas. Dessa forma, o consenso
deseja se estabelecer tanto no que toca à promoção da equidade como no
que se refere ao lugar onde devemos chegar com essa promoção.
Essa questão precisa ser analisada criticamente, pois, ao se colocar
sobre as ideologias em disputa, a BNCC pretende ser “o jogo” que todo
mundo quer e deve assistir. Ela pretende ser o consenso puro e simples do
que se deve ensinar e se deve aprender nas escolas de todo o país.
No entanto, o Conselho Nacional de Educação, com três votos
contrários20, entendeu que esse é o jogo a ser assistido e ignorou as
questões ideológicas que tocam, especialmente, às nossas matrizes afro-
brasileiras e indígenas, ao gênero e ao processo de alfabetização.
O Ministério da Educação, através de seu Ministro, assim se posicionou
após a aprovação:

“Com a BNCC, o Brasil se alinha aos melhores e mais qualificados sistemas


educacionais do mundo, que já se organizam em torno de uma base comum”, destacou
o ministro Mendonça Filho, ao explicar que o texto aprovado no CNE passará por
revisão técnica e análise jurídica no MEC antes da homologação. “Vamos entregar aos
brasileiros um texto plural e contemporâneo, que terá papel crucial na melhoria da
qualidade e da equidade da educação no Brasil”, garantiu o ministro. (MEC, 2017).

Comemorou o alinhamento com sistemas educacionais do mundo e


expôs sua visão estreita de pluralidade dentro do comum e centralizador.
A versão da BNCC aprovada traz uma seleção comprometida com o
eurocentrismo como direitos de aprendizagens na disciplina de História,
antecipação do processo de Alfabetização para o Ensino Infantil como
forma de responsabilização e pressão sobre professores e escolas públicas;
abandona questões de gênero e étnico-raciais em prol de multiculturalismo
liberal, sendo que as Histórias e Culturas Afro-brasileira e Indígenas
ocupam mais notas de rodapé do que o próprio corpo da BNCC (MEC,
2018); e insere o Ensino Religioso no Ensino Fundamental como forma de
atender a interesses de grupos fundamentalistas religiosos que desejam ver
na escola pública espaço para expansão de suas crenças.
Tudo isso evidencia que a Base Nacional Comum Curricular se
constituiu em campo de intensas disputas ideológicas na sua construção e
aprovação, mas que uma visão hegemônica burguesa acabou por aprisionar
o debate com a atenção voltada para um tecnicismo excludente. Como
proposta curricular que é, a BNCC deveria ter considerado que vivemos em
uma sociedade que é e se deseja plural e democrática.
Como nesse tópico nos dedicamos a apresentar e afirmar que a BNCC é
currículo, vale trazer perspectivas que fundamentam a necessidade de um
currículo nacional como forma de correção dos problemas educacionais.
São teóricos que se dedicam ao estudo da educação como objeto de estudo e
não como negócio que é regido pela lógica de mercado.

A legitimidade de uma Base Nacional


Comum: um diálogo com Young e Saviani21

No debate educacional, a busca de interlocutores que se preocupam com


a qualidade da educação para além da lógica que o mercado deseja, é
fundamental para uma compreensão adequada dos problemas que a escola e
o currículo enfrentam. Nesse sentido, há estudos sobre o currículo nacional
que se desejam hegemônicos e neutros quando visivelmente se situam no
seio da defesa de uma sociedade desigual. Estudos e seminários promovidos
por reformadores empresariais estão imbuídos dessa lógica e são,
parafraseando Marx (2008), vulgares. Deveriam fazer claramente a defesa
de uma sociedade que é para ser desigual, pois não desejam qualquer tipo
de igualdade, nem de oportunidades. Lado outro, há educadores,
continuando a paráfrase, clássicos que não negam o caráter ideológico da
educação, mas entendem mesmo assim a necessidade de um currículo
nacional. É como esses que pretendemos dialogar.

É a Base o conhecimento poderoso de Young?


Uma importante referência para compreensão da defesa de um currículo
nacional é o educador inglês Michael Young. Para ele, a escola tem o papel
primordial de distribuir o que chamou de Conhecimento Poderoso, que se
refere a um currículo que brota de conhecimentos propostos por
especialistas.
Nas palavras do educador inglês,

(...) o conhecimento independente de contexto ou conhecimento teórico. Ele fornece


generalizações e busca universalidade. Ele fornece uma base para se fazer julgamentos
e é geralmente, mas não unicamente, relacionado às ciências. É esse conhecimento
independente de contexto que é, pelo menos potencialmente, adquirido na escola e é a
ele que me refiro como conhecimento poderoso (2007, p. 1.296).

Young faz uma defesa enfática da função escolar de transmissão do


conhecimento. Acaba por determinar que o conhecimento poderoso —
verdadeiramente útil — é o conhecimento especializado. (2007, p. 1.295).
Ao defender o direito à educação, ele a partir da seguinte questão:
“Qual é o conhecimento a que os alunos têm direito?” (2013). Ora, sob
qualquer perspectiva, essa é uma questão fundamental para o currículo. E é
daí que Young avança na ideia do conhecimento poderoso que é compatível
com a Base Nacional Comum Curricular de 2017.
Vejamos as características-chave do conhecimento poderoso:

Ele é especializado, tanto na maneira como é produzido (em cursos, seminários e


laboratórios) quanto na maneira como é transmitido (em escolas, faculdades e
universidades), e essa especialização se expressa na fronteira entre áreas de
conhecimento e disciplinas escolares que definem seu foco e seus objetos de
estudo. Em outras palavras, não me refiro ao conhecimento geral. Isso não
significa que os limites sejam fixos e imutáveis. No entanto, significa que o
aprendizado e a pesquisa interdisciplinar dependem do conhecimento baseado nas
áreas disciplinares.
Ele é diferente das experiências que os alunos levam para a escola ou que os
estudantes mais velhos levam para a faculdade ou a universidade. Essa diferença
expressa-se nos limites conceituais entre o conhecimento cotidiano e o escolar
(Young, 2013, p. 235).
Essa confiança de Young na comunidade de especialistas é tributária de
um currículo que desconfia do potencial transformador que o contexto
vivido, do diálogo e da problematização como princípios orientadores da
construção curricular.
Para Young (2007; 2010; 2011; 2013; 2016), o papel do currículo é a
transmissão do conhecimento especializado, que é universal e objetivo,
patrimônio da humanidade, a todos os alunos, especialmente de camadas
populares. Ele defende que não cabe à escola, e, portanto, ao currículo, o
trabalho com os saberes da experiência dos alunos. Em passagem
elucidativa, Young coloca, em termos mais precisos, que “o conhecimento a
que os alunos têm direito” é um “conhecimento melhor e útil” (2013, p.
234), sendo este o conhecimento, por ele, adjetivado como poderoso.
A utilidade deste conhecimento residiria na sua validade para qualquer
contexto, ou seja, se constituiria em um conhecimento “independente de
contexto ou conhecimento teórico” (2007, p. 1296).

É desenvolvido para fornecer generalizações e busca a universalidade. Ele fornece


uma base para se fazer julgamentos e é geralmente, mas não unicamente, relacionado
às ciências. É esse conhecimento independente de contexto que é, pelo menos
potencialmente, adquirido na escola e é a ele que me refiro como conhecimento
poderoso. (Young, 2007, p. 1296).

Há a nítida a ênfase na transmissão do conhecimento poderoso e certo


desprezo pelos saberes da experiência.
Para esta elaboração, Young recorre a outro conhecido curriculista
inglês, Basil Bernstein, que traz os conceitos classificação e
enquadramento para o campo do conhecimento escolar.

Bernstein começa conceituando as fronteiras em termos de duas dimensões.


Primeiramente, ele faz uma distinção entre a classificação do conhecimento — ou o
grau de isolamento entre domínios de conhecimento — e o enquadramento do
conhecimento — o grau de isolamento entre o conhecimento escolar ou o currículo e o
conhecimento cotidiano que os alunos trazem para a escola. Em segundo lugar, ele
sugere que a classificação do conhecimento pode ser forte — quando os domínios são
altamente isolados um do outro (como no caso de física e história) — ou fraca —
quando há baixos níveis de isolamento entre domínios (como nos currículos de
humanidades ou ciências). Da mesma forma, o enquadramento pode ser forte —
quando o conhecimento escolar e o não-escolar são isolados um do outro, ou fraco,
quando as fronteiras entre o conhecimento escolar e o não-escolar são diluídas (como
no caso de muitos programas de educação adulta e alguns currículos planejados para
alunos menos capazes). (Young, 2007, p. 1297).

Young deseja assim um conhecimento especializado em que haja o


isolamento dos domínios das áreas (classificação forte), bem como uma
rígida fronteira entre o conhecimento considerado escolar e o considerado
não escolar (enquadramento forte).
Nos últimos artigos de Young (2007; 2011; 2013; 2016), amplamente
divulgados nas revistas científicas brasileiras (na esteira de uma Base
Nacional Comum Curricular), o que se revela é uma fé na comunidade de
especialista como a protagonista na seleção dos conhecimentos a serem
escolarizados.
Young defende, também, que a superação da desigualdade na entrega
dos conhecimentos seria um importante instrumento para superação das
desigualdades sofridas pelos alunos de origem mais pobre. No entanto,
Young não revela, pelo menos nesses últimos trabalhos, qualquer
preocupação com a análise do ambiente que produz estas desigualdades que
as crianças trazem para as escolas. Centra-se na necessidade de uma rigidez
na transmissão de conhecimentos teóricos e conceituais sem qualquer
vínculo com o contexto vivido. Nem poderia haver essa preocupação, pois,
como a concepção de currículo foi fortemente demarcada, a compreensão
de como a desigualdade e a diferença passarão por essa demarcação está
sob a responsabilidade dos especialistas. É o a priori do conhecimento
poderoso a capacidade de seleção dos especialistas.
É um pressuposto para o conhecimento poderoso que questões de poder
e de divisão do trabalho se resolverão através da classificação e do
enquadramento realizados pelos especialistas independentemente do
contexto e da realidade vivida pelos sujeitos a serem educados.
O curriculista inglês renova, através de seu conceito de conhecimento
poderoso, o gerenciamento científico característico das teorias tradicionais
do currículo e fortalece a manipulação da educação escolarizada com a
consagração e mitificação da transmissão do conhecimento especializado
que pretende ser universalizado. Evidencia-se, na teoria de Young, a busca
de certezas a serem transmitidas pela escola que desconsidera o papel de
professores e alunos como sujeitos produtores de conhecimento valiosos
para o currículo.
Para o curriculista inglês, “onde o mundo é tratado como um ‘objeto de
pensamento’ e não como um ‘lugar de experiência’” (Young, 2011, p. 616).
O currículo do conhecimento poderoso de Young deixa o mundo vivido
na porta da escola como se esse não tivesse relação indissociável com os
conhecimentos especializados, seja por questioná-los, seja para que esse
forneça as explicações necessárias para a compreensão deste mundo.

O conhecimento objetivo de Demerval Saviani


proporcionaria um currículo nacional?

Não cometeria a “heresia” de situar a pedagogia Histórico-crítica na


perspectiva que emana de um currículo nacional (BNCC) altamente
comprometida com a lógica do capital. Essa advertência serve para
estabelecer aqui um diálogo que se vincula às considerações sobre a
necessidade de um currículo nacional e quais seriam suas fontes
legitimadoras.
Para pensar o conhecimento nessa perspectiva, é necessário
compreender que, para Saviani (2003; 2016), o saber objetivo convertido
em saber escolar é um dos elementos centrais da Pedagogia Histórico-
crítica.
Para Saviani (2003, p. 7), “dizer que determinado conhecimento é
universal significa dizer que ele é objetivo”, ou seja, ele expressa leis que
regem a existência dos fenômenos, então, trata-se de algo cuja validade é
universal. Ele observa que isso se aplica tanto aos fenômenos naturais como
sociais, e completa: “Assim, o conhecimento das leis que regem a natureza
tem caráter universal, portanto, sua validade ultrapassa os interesses
particulares de pessoas, classes, épocas e lugar” (Saviani, 2003, p. 7).
O saber que interessa especificamente à educação é aquele que “emerge
como resultado do processo de aprendizagem, como resultado do trabalho
educativo” (Saviani, 2003, p. 7). Mas para chegar nesse resultado é preciso
tomar como matéria-prima o saber objetivo produzido historicamente.
Com essa explicação, é reiterada a importância da historicização como
elemento central para se compreender a questão da objetividade e da
universalidade, sem relacioná-las, portanto, com a neutralidade pressuposta
pelos positivistas. Com isso, Saviani (2003; 2003b) deixa claro qual saber
deve ser transmitido na escola, conforme os fundamentos histórico-críticos:
o saber objetivo.
Segundo Duarte (2016), quando Dermeval Saviani define o saber
objetivo como elemento central da Pedagogia Histórico-crítica,
delimitando-o como saber que deve compor necessariamente o currículo
escolar, isso não significa defender um tipo de saber asséptico ou
pretensamente neutro, pautado no raciocínio positivista. Ao contrário,
Saviani (2003b) argumenta que é possível negar a neutralidade e afirmar a
objetividade. Isso é possível, pois não existe saber desinteressado, porém
não é todo interesse que impede a objetividade (Duarte, 2016). Objetividade
não é sinônimo de neutralidade. Saviani esclarece essa questão:

Importa, pois, compreender que a questão da neutralidade (ou não-neutralidade) é uma


questão ideológica, isto é, diz respeito ao caráter interessado ou não do conhecimento,
enquanto objetividade (ou não objetividade) é uma questão gnosiológica, isto é, diz
respeito à correspondência ou não do conhecimento com a realidade à qual se refere.
Por aí se pode perceber que não existe nenhum conhecimento desinteressado; portanto,
a neutralidade é impossível. Entretanto, o caráter sempre interessado do conhecimento
não significa a impossibilidade da objetividade. (2003, p. 57).
Podemos perceber que Saviani se distancia bem do conhecimento
poderoso de Young no tocante à neutralidade de sua escolha. Para a
Pedagogia Histórico-crítica, o conhecimento é interessado, sendo que o que
importa é sua relação com a materialidade das relações humanas.

[...] sabemos que as concepções que os homens elaboram não têm apenas um caráter
gnosiológico, isto é, relativo ao conhecimento da realidade, mas também ideológico,
isto é, relativo aos interesses e necessidades humanas. Em suma, o conhecimento
nunca é neutro, ou seja, desinteressado e imparcial (...) Mas esses dois aspectos não se
confundem, não se excluem mutuamente e também não se negam reciprocamente. Ou
seja: não se trata de considerar que os interesses impedem o conhecimento objetivo
nem que este exclui os interesses. Os interesses impelem os conhecimentos e, ao
mesmo tempo, os circunscrevem dentro de determinados limites. (Saviani, 2012, p.
66).

No entanto, assim como Young se inclina para conhecimentos


entendidos como universais, Saviani segue nesse caminho ao deslindar a
característica do saber objetivo.

O saber escolar pressupõe a existência do saber objetivo (e universal). Aliás, o que se


convencionou chamar de saber escolar não é outra coisa senão a organização
sequencial e gradativa do saber objetivo, disponível numa etapa histórica determinada
para efeito de sua transmissão-assimilação ao longo do processo de escolarização.
(Saviani, 2012, p. 62).

O currículo seria, então, o saber objetivo organizado e sequenciado de


maneira a possibilitar seu ensino e sua aprendizagem ao longo do processo
de escolarização.
Assim, a Pedagogia Histórico-crítica considera como prioritário que na
escola sejam trabalhados os conteúdos num processo educativo intencional,
e isso representa um trabalho com o conhecimento objetivo e universal,
portanto, compreende que o conhecimento tem um caráter histórico. Desse
modo, é o conhecimento científico, bem como o artístico e o filosófico, que
devem ser considerados na organização do currículo juntamente com sua
vinculação às exigências teóricas e práticas da formação dos homens.
A BNCC, nesse contexto, faria todo o sentido desde que revolucionária
e materialista. A questão do currículo nacional adequada para a Pedagogia
Histórico-crítica tem suas bases materialistas e no saber objetivo. Ocorre,
no entanto, que Saviani (1996; 2003; 2003b; 2012; 2016) sabe que o saber
escolar é dominado pela elite burguesa e luta pela socialização e
apropriação pela classe trabalhadora desses conhecimentos. Ele explica:
“Daí a conclusão: esse saber, que, de si, não é burguês, serve, no entanto,
aos interesses burgueses, uma vez que a burguesia dele se apropria,
colocando-o a seu serviço e o sonega das classes trabalhadoras” (Saviani,
2003, p. 55). Ou seja, não é pelo fato de ser dominado pela burguesia que
esse saber deva ser intrinsecamente burguês.
Um currículo nacional, para Saviani, teria o condão de permitir essa
socialização e apropriação, para a classe trabalhadora, de conhecimentos
que, tradicionalmente, são acessíveis tão somente à burguesia.
Como se percebe, Saviani deposita uma confiança nos saberes
universais e não se preocupa com a tradição seletiva que estabelece quais
são os conhecimentos que devem ser distribuídos. Há um desprezo pelos
horizontes que a própria burguesia deseja construir para ela e para as classes
trabalhadoras.
A confiança no “universal” por Saviani (2003a, p. 13) ainda é detalhada
da seguinte forma: “Trata-se de distinguir entre o essencial e o acidental, o
principal e o secundário, o fundamental e o acessório” na ação de selecionar
conteúdos. Distinguir entre o principal, fundamental, e o secundário, em
outras palavras, significa dizer que o autor defende a socialização dos
clássicos, entendido por ele como esse elemento essencial é fundamental:
“Clássico, em verdade, é o que resistiu ao tempo. É neste sentido que se fala
na cultura greco-romana como clássica, que Kant e Hegel são clássicos da
filosofia, Victor Hugo é um clássico da literatura universal, Guimarães”
(Saviani, 2003a, p. 18).
Tanto Saviani (2003) quanto Duarte (2016) concebem o clássico como
aquele conhecimento que extrapola o tempo, isto é, o momento em que foi
produzido. Relaciona-se, portanto, a sua capacidade de permanência
histórica e ao mesmo tempo se torna referência.
No campo do currículo e de proposta de um currículo nacional, é
possível afirmar que o saber objetivo e o conhecimento poderoso
apresentam semelhanças quando pensamos que a comunidade de
especialistas assume uma perspectiva materialista-histórica. Young não
adentra nessa questão, nem Saviani assinala quem faria a escolha por esses
saberes objetivos, mas, indubitavelmente, um currículo nacional com essa
roupagem não é o mesmo que o Movimento Todos pela Educação sonhou.
Fica evidente que, para Saviani (2003; 2003a; 2012), a função da
escola, tal qual para Michael Young, é a transmissão-assimilação do saber
sistematizado, e é partindo dessa premissa que o autor compreende
currículo como: “(...) a organização do conjunto das atividades nucleares
distribuídas no espaço e tempo escolares. Um currículo é, pois, uma escola
funcionando, quer dizer uma escola desempenhando a função que lhe é
própria.” (Saviani, 2003a, p.18). O autor pondera ainda que para existir a
escola não basta a existência do saber sistematizado. É necessário viabilizar
as condições de sua transmissão e assimilação. “Isso implica dosá-lo e
sequenciá-lo de modo que a criança passe gradativamente do seu não
domínio ao seu domínio” (Saviani, 2003a, p. 18). E conclui: “Ora, o saber
dosado e sequenciado para efeitos de sua transmissão e assimilação no
espaço escolar, ao longo de um tempo determinado, é o que nós
convencionamos chamar de saber escolar”. (Saviani, 2003a, p. 18)

As críticas das associações de pesquisa

O caso da BNCC e as associações de pesquisas acadêmicas é um


capítulo à parte no seu desenrolar. As associações, especialmente, da
Associação Nacional de Pesquisa em Educação (ANPEd), sempre
canalizaram críticas não só ao conteúdo da BNCC, mas à metodologia e à
própria concepção de currículo nacional que a BNCC incorpora.
Em outubro de 2015, foi aprovada na 37a Assembleia Geral da Reunião
Nacional da ANPEd uma moção contrária à BNCC em que se explicita a
oposição a um currículo nacional:

BNCC não contempla as dimensões de diversidade na educação brasileira, o que


coloca em risco de retrocesso toda política educacional e ambiental no país, expressa
hoje na Resolução n. 2/2012 do CNE que estabelece as Diretrizes Curriculares para a
Educação Ambiental. Os associados reafirmam seu posicionamento contrário à Base
Nacional Comum Curricular tanto pela sua metodologia de elaboração quanto às
evidentes implicações nos processos de avaliação de ensino e aprendizagem, na
homogeneização das matrizes curriculares, na formação de professores e na
autonomia. (ANPEd, 2015)

Assim, desde a primeira versão da BNCC, a ANPEd foi uma das


maiores protagonistas na oposição ao processo de construção de uma
proposta de currículo nacional. Foram várias notas, que juntamente com a
Associação Brasileira de Currículo (ABdC), buscaram desvelar
criticamente os limites da BNCC com sua proposta centralizadora de
currículo.
Em evento promovido pela ANPEd em 2016, houve o posicionamento
de 13 entidades22 que foi assim sintetizado:

Cada uma delas contou com pouco mais de 10 minutos para expor posicionamentos e
histórico de ações em torno do tema. Apesar da diversidade de opiniões, algumas
críticas com relação à BNCC foram praticamente unânimes, como a problemática
centralização no desempenho e avaliação, a visão tecnicista e unificadora, a
desconsideração da construção dos saberes cotidianos, do histórico de conquistas e das
Diretrizes Curriculares, o não reconhecimento das condições de trabalho dos
professores, a eleição de conceitos e conteúdos controversos, que não garantem a
diversidade, além do próprio atropelo de prazos da construção da Base. (ANPEd,
2016)23.
Além da Moção, a ANPEd já havia remetido ao Ministério da Educação
um documento com o detalhamento de seus apontamentos em que
discriminava os limites da versão apresentada no tocante aos processos
desenvolvidos e ao seu conteúdo.
Ainda em 2015, a ANPEd apresentou um documento mais sintético
sobre a BNCC que contempla os seguintes pontos (críticos):

1. Diversidade versus uniformização.


2. Nacional como homogêneo: um perigo para a democracia.
3. Os entendimentos do Direito à Aprendizagem.
4. Conteúdo não é Base.
5. O que não se diz sobre as experiências internacionais.
6. Gestão democrática versus responsabilização.
7. A Base e a avaliação.
8. Desqualificação do trabalho docente: unificação curricular e avaliação externa.
9. Metodologia da construção da Base: pressa, indicação e indefinição. (ANPEd,
2015b)

Impossível deixar de reiterar que essas críticas foram feitas à primeira


versão da BNCC que se desenvolvia com uma suposta participação popular
e que era construída com especialistas de todas as áreas. Havia uma
proposta participativa, em que pese a centralização ser da natureza do
processo de um currículo nacional.
O que se deseja explicitar é que a ANPEd e ABdC são contrárias a uma
ideia de currículo nacional. Para tanto, basta retomar os primeiros itens
acima indicados para que não haja dúvidas. Nas questões da Diversidade
versus uniformização e Nacional como homogêneo: um perigo para
democracia, a diversidade expõe a incompatibilidade da unidade na
diversidade. Já a proposta de homogeneização do currículo nacionalmente
coloca em perigo a pluralidade necessária para a democracia. No item “Os
entendimentos do Direito à Aprendizagem”, desvelam-se as possibilidades
que a LDB ofereceria para uma proposta de formação, mas que, na BNCC,
acaba por se limitar a listagens de objetos de conhecimento, competências e
habilidades.
No quarto item, “Conteúdo não é Base”, a questão da problematização
do que poderia ser uma base emerge contundente e com um teor profético.

Nesse sentido, discordamos veementemente da possibilidade de construir qualquer


“Base” cujo limite seja tênue entre o que se entende por “orientações estruturadoras”
para “redes e escolas” e o estabelecimento detalhado de relações teóricas, de valores,
de conhecimentos, ou seja, de um “currículo mínimo”, único. Os processos locais e
autônomos que, reiteramos, devem ser parte dos debates e formulações curriculares
não podem nem devem ser percebidos como “parte diversificada”, na medida em que
não são separáveis, epistemológica nem politicamente, dos contextos em que são
produzidos, nem do conjunto de conteúdos selecionados para integrar toda e qualquer
proposta curricular. Nesse sentido, e indo além, é importante assinalar que, em tempos
de ruptura e questionamento dos campos disciplinares em todo o mundo, a construção
de uma Base Nacional Comum Curricular a partir, e somente orientada por conteúdos
definidos por especialistas em diferentes áreas do conhecimento, é uma proposta
natimorta. (ANPEd, 2015, grifos nossos).

Na 38a Reunião da ANPEd, a BNCC também foi tematizada e,


coerentemente, hostilizada pela associação, em razão do Golpe de 2016 ter
trazido seu autoritarismo, conservadorismo e claro compromisso com a
lógica do capital para dentro do processo de elaboração da terceira versão
da BNCC. Houve o claro o abandono das 12 milhões de contribuições e os
esvaziamentos do Fórum Nacional de Educação e do Conselho Nacional de
Educação24. (ANPEd, 2017)
Como afirma Elizabeth Macedo (2018), “habemus base” e a profecia de
uma BNCC natimorta, pelo menos, no aspecto formal do currículo não se
realizou. A questão, que se coloca para aqueles que não estão de acordo
com a ideia de currículo nacional, é enfrentar essa questão, pois a escola
não pode ser aprisionada pela lógica do mercado e do apostilamento25
através de um projeto que busca homogeneizar a diferença, interromper o
movimento dialético das relações humanas na construção do conhecimento
desumanizando cada vez mais o processo educacional escolarizado.
15. Acentuamos o não reconhecimento da legitimidade da presidência de Michel
Temer em razão do Golpe perpetrado em 2016. Vide JINKINGS; DORIA; CLETO (Orgs.).
Por que gritamos Golpe? São Paulo: Boitempo, 2016.
16. A Emenda Constitucional que congela os gastos públicos, a reforma trabalhista
com a perda de direitos para os empregados/as, a redução drástica do financiamento para
aquisição de casas populares (Minha casa, Minha vida), a redução do Bolsa Família, o
estancamento da Reforma Agrária, a Intervenção Militar no Rio de Janeiro, a proposta de
Reforma Previdenciária, a insegurança energética, aumento da mortalidade infantil, dentre
outras aspectos, fazem parte de um pacote de políticas comprometidas com a concentração
de renda e aumento da pobreza com a retirada de direitos dos trabalhadores.
17 Como será abordado no tópico 7.
18. A reforma do Ensino Médio, sob o pretexto de escolha, põe termo à concepção de
Educação Básica, estabelecendo itinerários que os estudantes poderiam construir. No
entanto, a escola pública não terá o investimento necessário para essas escolhas se
realizarem e, consequentemente, teremos uma escola mais precarizada para as camadas
populares e com escolhas muito limitadas.
19. “Art. 36. O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum
Curricular e por itinerários formativos, que deverão ser organizados por meio da oferta de
diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a
possibilidade dos sistemas de ensino, a saber: — linguagens e suas tecnologias; II —
matemática e suas tecnologias; III — ciências da natureza e suas tecnologias; IV —
ciências humanas e sociais aplicadas; V — formação técnica e profissional. (...) § 3° A
critério dos sistemas de ensino, poderá ser composto itinerário formativo integrado, que se
traduz na composição de componentes curriculares da Base Nacional Comum Curricular
— BNCC e dos itinerários formativos, considerando os incisos I a V do caput.” (Brasil,
1996).
20. Em votação histórica, mesmo após a alteração da composição do Conselho
Nacional de Educação pelo Governo fruto do golpe, as Conselheiras Aurina Oliveira
Santana, Malvina Tania Tuttman e Márcia Angela da Silva Aguiar apresentaram pedido de
vista e voto em contrário à homologação da BNCC. (Aguiar; Dourado, 2018).
21. Essa análise tem como ponto de partida os estudos apresentados na comunicação
oral, na 37a Reunião da ANPEd, “Conhecimento poderoso e conhecimento
contextualizado: o currículo entre Young e Freire”, de Zanardi (2013) e o artigo “As
concepções marxistas da pedagogia histórico-crítica de Dermeval Saviani em relação à
temática do conhecimento: contribuições ao currículo”, de Ribeiro e Zanardi (2018) (no
prelo).
22. Estiveram presentes entidades ligadas a áreas diversas como Educação, Biologia,
História, Educação Física, Sociologia e Psicologia, dentre outras. (ANPEd, 2018).
23. Como se percebe, essa não era ainda a versão definitiva que foi aprovada em 2017.
24. O CNE aprovou a BNCC do Ensino Infantil e do Ensino Fundamental em
dezembro de 2017. Apenas dois meses após a realização daquela reunião da ANPEd.
25. O mercado de livros didáticos sempre foi um alvo das grandes editoras em razão
dos recursos (116 milhões de reais em 2016) que o Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD) recebe anualmente. Diante de um currículo nacional, a lógica do apostilamento se
tornará cada vez mais intensa. Não foi por outro motivo que o megagrupo empresarial
Kroton adquiriu, de uma só vez, em 2018, as editoras Scipione, Ática e Saraiva.
4
BNCC e Educação das
Novas Gerações:
Limites Conceituais

O objetivo deste capítulo é problematizar a correlação entre a BNCC e a


Educação das novas gerações. Partimos do entendimento de que a primeira
etapa da educação básica é um campo de contínuas disputas teórico-
metodológicas e políticas, cujas tensões se expressaram nas diferentes
versões do documento referente à Base Nacional Comum Curricular.
Observamos que há uma contínua luta pela imposição de um modelo
curricular, para a educação da infância e essa luta fica ainda mais evidente
na pesquisa e no debate contemporâneo tanto em nível nacional quanto
internacional.
No Brasil, no entanto, tais disputas refletem a influência dominante de
modelos assistencialistas, de um lado, e escolarizantes, de outro, presentes
ainda nos discursos e nas estruturas de políticas que determinam
abordagens de currículo, pedagogia e avaliação para a educação de crianças
e jovens. (Rizzini; Gondra, 2014) Concentrando-nos na educação infantil,
argumentamos que essa luta gera questões críticas sobre três temas
significativos no âmbito da teoria do currículo: conteúdo, coerência e
acompanhamento tanto dos adultos quanto das crianças.
Analisamos algumas posições a partir das quais esses temas podem ser
compreendidos: a partir de teorias do desenvolvimento, das pesquisas
educacionais, das teorias sociais, antropológicas, históricas, culturais,
geográficas e as estruturas políticas contemporâneas. Argumentamos que
dentro e entre essas posições, o conteúdo, a coerência e o controle do
currículo são vistos de maneiras diferentes e às vezes opostas.
Consideramos que algumas dessas lutas contínuas são fundamentais
para explorar as diferentes implicações sobre como o conteúdo, a coerência
e o controle sobre o currículo podem ser compreendidos.
Neste sentido, fazer perguntas críticas à BNCC para a Educação Infantil
e Anos Iniciais do Ensino Fundamental é um esforço necessário para
desenvolver quadros teóricos alternativos para o entendimento das maneiras
pelas quais o currículo pode ser considerado juntamente com a pedagogia, a
avaliação, o ato de brincar, a aprendizagem, e os cuidados para com as
crianças pequenas e muito pequenininhas, com as formas de ensinar e
aprender no ensino fundamental, com as possibilidades amplas de
alfabetização e letramento das crianças a partir dos 6 anos de idade.
Embora estas lutas pelo controle de decisões políticas sobre a educação
de infância tenham historicamente focalizado diferentes ideologias, teorias
e abordagens, as influências mais recentes emanaram de discursos políticos
que operam a nível nacional e supranacional, como, por exemplo, as
discussões sobre os programas Brasil Carinhoso, Família Brasileira
Fortalecida e Bolsa Família, como também os documentos construídos com
o apoio da Unesco, como é o caso da publicação Educação Infantil em
países do Mercosul, elaborado em parceria com o Ministério da Educação
do Brasil. (Campos; Campos, 2009; Dias; Campos, 2015). Tanto os projetos
Brasil Carinhoso, Família Brasileira Fortalecida e Bolsa Família como as
ações supranacionais sobre educação e cuidados na primeira infância visam
fornecer subsídios para que, no caso do nosso país, o poder público possa
proporcionar a todas as crianças o melhor começo para o mundo de
amanhã, ou seja, são ações políticas que inscrevem as crianças na lógica do
vir-a-ser, concebendo-as como futuros adultos, porém, centrando pouco nas
especificidades das crianças no presente.
A opção por enfocar o futuro das crianças em detrimento de seu
presente coloca em destaque questões críticas sobre conteúdo, coerência e
controle do currículo por organismos governamentais. A teoria do currículo
na Educação da infância continua, de certo modo, “subdesenvolvida”, em
parte devido à influência teórica dominante da Psicologia do
Desenvolvimento de base biologista e de vertentes conservadoras da
Educação, que veem a criança como um corpo em desenvolvimento, a-
histórico, sem vínculo sociocultural, e as suas subsequentes interpretações
da teoria do desenvolvimento infantil, características também presentes na
ordem argumentativa da BNCC.
As ênfases nos processos de aprendizagem através da descoberta,
exploração e brincadeira foram associadas a abordagens de laissez-faire,
com menos atenção às experiências e os conhecimentos delas decorrentes,
em torno das quais os currículos para a crianças deveriam ser tipicamente
construídos e os resultados articulados.
A natureza e o lugar do conteúdo curricular na Educação da Infância
permaneceram contenciosos inclusive no documento final da BNCC,
especificamente na medida em que as crianças pequenas podem e devem se
envolver com assuntos, conceitos e decisões sobre o currículo conforme
demonstra o estudo de Malleta (2017), ainda que haja significativas
mudanças entre a primeira e a terceira versão da base. Além disso, os
processos de aprendizagem são vistos como mais importantes do que
conteúdo ou resultados numa faixa etária em que a base para a construção
dos conhecimentos é a experiência.
Nesse sentido, a teoria do currículo tem sido, de certo modo, “fraca” em
relação ao desenvolvimento infantil e às teorias pedagógicas, o que se
expressa de forma mais clara no texto final da BNCC. Em contraste, dentro
dos quadros de políticas contemporâneas, a terceira versão da base,
enquanto documento de controle dos conteúdos e das práticas pedagógicas
para a infância, tornou-se o local através do qual conteúdo, coerência e
controle estão sendo articulados, como um meio de alinhar a política de
educação obrigatória, isto é, a partir dos 4 anos de idade, e assegurar que as
crianças atinjam metas educacionais e de prontidão escolar, que, por sua
vez, contribuem para objetivos econômicos e sociopolíticos de longo prazo.
Na educação e cuidado da primeira infância, por exemplo, a palavra
currículo significa coisas diferentes para pessoas diferentes. Pode significar
uma filosofia, um programa, uma abordagem ou um conjunto de materiais e
atividades específicos que são comprados como um currículo “em caixa”,
ou seja, algo que prefeituras tendem a adquirir e implantar em suas redes de
ensino de modo impositivo, ou ainda há a imposição de um padrão
normativo baseado nos parâmetros curriculares, e, atualmente, a imposição
da BNCC de forma descontextualizada e acrítica. Lopes (2018) atenta para
o fato de que entes federados demandam do Ministério da Educação
orientações curriculares mais detalhadas, com o argumento de que se
sentem incapazes de elaborar suas próprias propostas curriculares. Para a
autora, estados e municípios se desobrigam de debater e produzir suas
próprias proposições curriculares.
Embora existam muitas definições para o currículo para a infância,
todas elas incluem o conceito de metas e planos para as crianças adquirirem
habilidades, competência e conhecimentos através de atividades,
experiências e oportunidades, ao modo neoliberal26. Nesse aspecto, a
BNCC não é diferente, apesar dos intensos debates e pressões da sociedade
civil organizada para a constituição de uma base democrática e histórica,
social e culturalmente referenciada.
Na vertente neoliberal, um dos pesquisadores mais requisitados na
atualidade, sobre tais investimentos na primeira infância, é o professor da
Universidade de Chicago, James Heckman. Ao ser perguntado por que os
estímulos nos primeiros anos de vida são tão decisivos para o sucesso na
idade adulta, ele respondeu: “É uma fase em que o cérebro se desenvolve
em velocidade frenética e tem um enorme poder de absorção, como uma
esponja maleável”. As primeiras impressões e experiências na vida
preparam o terreno sobre o qual o conhecimento e as emoções vão se
desenvolver mais tarde. Se essa base for frágil, as chances de sucesso
cairão; se ela for sólida, vão disparar na mesma proporção. Em vista de suas
afirmações, Heckman defende a ideia de oferecer estímulos às crianças
desde muito cedo.
Heckman realizou estudos longitudinais a partir da primeira infância até
a vida adulta, especialmente no que se refere à qualidade da educação
oferecida já na primeira infância. Nesse caso, em particular, ele procurou
compreender a diferença na vida futura de crianças que tiveram a
oportunidade ou não de ter acesso à educação integral, na qual as
habilidades socioemocionais, como colaboração e abertura ao novo fazem
parte do cotidiano escolar. Ele chegou a várias conclusões, entre elas, que
crianças que tiveram as habilidades socioemocionais trabalhadas na
primeira infância têm 35% menos chances de ter problemas prisionais na
vida adulta. Ele também verificou que essas crianças têm ainda 44%
maiores chances de concluir a educação básica. Porém, seus estudos não
oferecem pistas sobre a superação das desigualdades sociais, nem sobre
subordinações sociais de classe, gênero, etnia, geração, entre outras, o que
conduz a um modelo de educação que protege o rico e disciplina o pobre
para a submissão.

A Educação da Infância e a BNCC: uma


correlação “simplesmente complexa”

As crianças em condições adequadas de saúde, alimentação e proteção


estão frequentemente ansiosas para aprender e experimentar coisas novas.
Suas atividades cotidianas consistem em brincar, experimentar e aprender.
Profissionais de educação básica sabem que as crianças aprendem quando
todos os domínios de desenvolvimento físico, psicológico, social e cultural
são apoiados. Esses profissionais que fornecem atividades e experiências
que integram todos os domínios estão lidando com as necessidades da
“criança inteira”. O trabalho de professores (homens e mulheres) desde a
Educação Infantil, que consiste em pensar o espaço adequado às crianças,
às suas brincadeiras, é planejar e reconhecer o aprendizado que está
ocorrendo nas atividades lúdicas, no faz de conta, nas interações sociais, e
nos conhecimentos sistematizados a elas oferecido a partir dos seis anos de
idade, no que se refere a conceitos matemáticos mais elaborados e aos
processos de letramento. Proporcionar uma variedade de experiências e
oportunidades, que são acessadas por meio de diferentes sistemas de
distribuição, como livre escolha, atividades para pequenos grupos e grupos
grandes, buscando satisfazer as diferentes necessidades das crianças. Sobre
esses aspectos do cotidiano, a BNCC é lacunar, incluindo afirmações
genéricas e pretensamente autoexplicativas, como por exemplo a ideia de
cuidar e educar, ou ainda, a ideia de campos de experiência, ambas
conceitualmente não desenvolvidas, além de uma sensível ruptura entre os
cânones da Educação Infantil e do ensino fundamental, operando por uma
ruptura no modo de educar as crianças.
Destacamos que tanto o currículo quanto a programação pedagógica
para a Educação Infantil e os cuidados começam no momento em que a
criança entra pela porta da creche ou pré-escola, trazendo consigo uma
bagagem sociocultural e histórica, que precisa ser considerada. Ter rotinas
diárias, fornecer condições adequadas para seu pleno desenvolvimento
como sujeitos de direitos, constituídos por seus grupos sociais de pertença,
com emoções e necessidades básicas por suprir, requer atividades
estruturadas e não estruturadas, prevista e imprevistas, as quais fazem parte
do dia a dia de uma criança.
Ao compreendermos essa especificidade, entendemos que a educação
de infância não se concretiza com a imposição de um currículo mínimo
padronizado, mas na indissociabilidade da tríade pedagógica educar-formar-
ensinar.

Ensinar-Formar e educar as novas gerações

O legado do pensamento crítico possibilitou refletir sobre a educação de


infância na sociedade capitalista do pós-guerra, cujas bases de teorização
auxiliam a compreensão de fenômenos educacionais contemporâneos,
apresentando um importante potencial pedagógico, por meio de conceitos
fundamentais, dentre eles o conceito de esclarecimento, desenvolvido por
Immanuel Kant (2011), o conceito de formação, conforme definido por
Theodor Adorno e Max Horkheimer, o conceito de experiência conforme
desenvolvido por Walter Benjamin, entre outros.
No pensamento de Adorno e Horkheimer (1985) o esclarecimento
(Aufklarung) somente é possível a partir da Formação, entendida como
Bildung, constituindo ambos (Aufklärung e Bildung) os conceitos
fundamentais da Teoria Crítica, cujo registro encontra-se na Dialética do
Esclarecimento (Dialektik der Aufklärung). De acordo com Reis (2015, p.
72):

O conceito de Bildung (formação) teve origem no século XVIII, na língua alemã. A


palavra Bildung não possui equivalente em outras línguas, e esse fato torna mais
complexa a compreensão desse conceito. Essa particularidade do conceito pode ser
percebida quando buscamos palavras semelhantes em outras línguas: em francês, a
palavra mais próxima seria formation; em inglês, seria formation. Porém, de acordo
com Adorno e Horkheimer (1985), esses termos são incapazes de expressar a
complexidade do conceito de Bildung, são, no máximo, reproduções mecânicas dele.
Para as Ciências da Educação, é constitutivo o princípio que afirma que a educação e a
Bildung têm como objetivo a autonomia do sujeito, o que equivale a afirmar que a
motivação que orienta o conhecimento nas Ciências da Educação é a emancipação.

O entendimento de emancipação foi formulado anteriormente por


Wolfgang Klafki (1976, apud Gur-Ze’ev, 2005) e difere da ideia básica da
geisteswissenschaftliche Pädagogik, também conhecida como uma
defensora da autonomia individual. Seguindo essa orientação de
pensamento, o conceito de autonomia está relacionado unicamente ao
sujeito singular capaz de pensar por si mesmo sem a condução de outrem,
enquanto que, no âmbito da Ciência Crítica da Educação, a Bildung dirige-
se à sociedade como um todo.
Para a Teoria Crítica, as atitudes dos indivíduos e suas relações são
limitadas por regulamentos, normas e monopólios, sejam eles corporativos
ou estatais, desenvolvendo nos indivíduos a Halbbildung, isto é, a
semiformação socializada.
Tal análise possibilita esclarecer a crítica entre a Halbbildung presente
na educação de infância na BNCC, e os conceitos de Erleben (vivência no
sentido freudiano), Erlebnis (vivência) e Erfarung (designa experiência, em
oposição a Erlebnis), desenvolvidos por Walter Benjamim, importantes para
a compreensão da experiência contemporânea de educação de infância.
Tal reflexão se faz urgente quando consideramos que essa relação
atualmente é condicionada pelos imperativos decorrentes de um projeto
político social ainda bastante importante no campo da educação e que diz
respeito à formação do homem neoliberal, como vimos anteriormente neste
texto.
Tomemos de início o conceito de Pedagogia Negativa, conforme
formulado por Gruschka (2004). O adjetivo “negativa” que segue o
substantivo Pedagogia indica uma negação às pedagogias vigentes,
normativas, de caráter prescritivo, isto é, configura-se como um conceito
capaz de colocar em questão toda o pensamento pedagógico hegemônico,
oferecendo uma crítica a ele. O autor analisa a Pedagogia Negativa como
aquela capaz de analisar, a partir da Teoria Social Crítica e seus métodos, a
teoria e a prática da educação. O termo educação aqui define a estrutura e o
campo de pesquisa, baseada na reconstrução teórico-prática; a pedagogia
negativa se aterá à crítica da ideologia presente na relação ensino-
aprendizagem, e nos interessa, sobretudo, a denominada antipedagogia, isto
é, a renúncia de toda a pedagogização, explicitada no conjunto de
normativos regulatórios da BNCC.
Alguns exemplos de Pedagogia da Negação percorrem a história do
pensamento pedagógico ocidental. O autor cita, por exemplo, Sócrates e sua
recusa em ensinar algo dado de antemão.
Rousseau (1996) com o Emílio propõe uma nova pedagogia, portanto
uma pedagogia da negação: “A primeira educação deve ser, portanto,
puramente negativa, ela não deve ensinar à criança a virtude e a sabedoria,
senão proteger seu coração do vício e sua mente (razão) do erro” (p. 40).
Gruschka (2004; 2009) reforça a ideia da atualidade da teoria da
semiformação, conceito que nos auxiliará na análise da pedagogia implícita
na BNCC.
Vislumbramos, portanto, as profundas transformações sociais, políticas,
econômicas e culturais que marcaram a segunda metade do século XX,
período em que se desenvolve um modelo específico de escola da infância e
sua pedagogia, os quais persistem até o início do século XXI. Os
procedimentos teórico-metodológicos adotados permitem apontar os
requisitos da teoria crítica adequada à análise da educação de crianças no
âmbito do capitalismo contemporâneo.
Para tanto, a noção de experiência, presente na BNCC, é de suma
importância para a compreensão do desenvolvimento de uma pedagogia que
pretende formar um tipo específico de homem dinâmico, criativo e
autorrealizado, enfatizando em sua formação a experiência. O tratamento
teórico possibilitado pela teoria da semiformação, e pela teoria social
crítica, nos remete a importantes reflexões sobre os conceitos de vivência e
experiência, não como sinônimos, mas como conceitos ora
complementares, ora divergentes.
Analisar o conceito benjaminiano de experiência (Erfahrung) pressupõe
fazê-lo em oposição ao conceito de vivência (Erlebnis). O termo vivência
(Erlebnis), na acepção benjaminiana, origina-se do verbo alemão Erleben,
que significa estar vivo quando um fato acontece (Benjamin, 1991; 2016).
Requer a presença viva e o testemunho ocular a um evento. A Erlebnis
contém, por um lado, a provisoriedade do Erleben, do viver, do estar
presente e, por outro, o devir que se produz. (Konder, 1998) Reúne a
fugacidade do evento e a duração do testemunho, a singularidade do ato de
vida e a memória que o conserva e transmite. (Meinez, 2008) Erlebnis é a
vivência do indivíduo isolado em sua história pessoal, apegado unicamente
às exigências de sua existência prática, à sua cotidianidade, é a impressão
forte que precisa ser assimilada às pressas, que produz efeitos imediatos.
O homem moderno vive o presente sem laços com o passado, subjugado
pelo excesso de apelos que a sociedade de consumo oferece. Tais
características estão essencialmente presentes na atual sociedade da
informação, na qual a velocidade induz ao esquecimento, não havendo
espaço para a memória (Reis e Borges, 2016).
Já a Erfahrung é o conhecimento obtido através de uma experiência que
se acumula, que se prolonga, que se desdobra, “como numa viagem”.
Observamos que o sufixo fahren em alemão designa a ação de viajar.
Assim, o sujeito integrado numa comunidade dispõe de critérios que lhe
permitem ir sedimentando as coisas com o tempo. Significa o modo de vida
que pressupõe o mesmo universo de linguagem e de prática, associando a
vida particular à vida coletiva e estabelecendo um fluxo de
correspondências alimentado pela memória.
Na modernidade, no entanto, com o advento da técnica científica,
experiência significa prova, demonstração, tentativa ou ensaio (Konder, op.
cit.). O que equivale ao processo de experimentação enquanto método
científico que consiste em observar um fenômeno natural, sob condições
determinadas, usando aparatos ou instrumentos que permitam aumentar o
conhecimento que se tenha das manifestações ou leis que regem um
fenômeno, o que nos remete à dimensão tecnicista similar ao
funcionamento mecânico do relógio; no entanto, para Benjamin, a
experiência não se esgota na apreensão cognoscível do pensamento
racional. Matos (1989, p. 53) reafirma essa noção ao defender que a
tradição em Benjamin corresponde à “unidade de um agora que contém o
‘absolutamente presente’ — como sendo unidade do presente, do futuro e
do passado”.
Tomada de forma apressada pela BNCC, experiência é tratada como
episódica, e se assemelha a uma escada em que cada sujeito avança na
aquisição de conhecimento, num processo crescente de acúmulo de
conteúdos formais. Nessa perspectiva, a ideia de progressão e sedimentação
está colocada às crianças desde a tenra idade até o quinto ano do ensino
fundamental, quando as exigências quanto à alfabetização se contrapõem,
ou, em certa medida, anulam o letramento, constituindo assim sujeitos
semiformados desde a infância. Analisamos que os modos pelos quais a
BNCC foi construída apenas reforça esta ideia de semiformação
socializada.

Semiformação e Educação

O estudo empírico relativo ao fenômeno educativo, fundamentado na


teoria crítica, apresenta possibilidades analíticas capazes de colocar em
destaque que, subjacente a um modelo que se pretende democrático,
inclusivo e abrangente, está, na verdade, um modelo de formação herdado
do neoliberalismo27, que apenas reforça o status vigente e produz a
semiformação de crianças de 0 a 10 anos de idade. Para Adorno e
Horkheimer (1991, 2010) a ideia de semiformação é parte constitutiva da
reprodução da vida sob o monopólio da denominada cultura de massa, e
apresenta-se como a objetificação coisificada, isto é, a reificação do sujeito.
Desse modo, os dois filósofos alemães compreendem que as “massas” são
semiformadas de maneira a confirmar a reprodução continuada do vigente
como cópia pela indústria cultural. Leo Maar (2003) afirma que:

Para Adorno não basta examinar formação, semiformação ou cultura, tais como se
verificam na sociedade vigente. É preciso investigá-las tendo como referência o
contexto de produção da sociedade, como formação social autogerada pelos homens e
aprendida em sua dialética histórica. Cultura e formação precisam ser examinadas fora
do âmbito estritamente cultural ou pedagógico definidos na sociedade, para serem
investigadas no plano da própria produção social da sociedade em sua forma
determinada. A via régia de acesso ao essencial é o processo de sua reprodução
vigente em seu aparecer real, presente. (p. 471)

O autor prossegue afirmando que a semiformação vai muito além de


uma “perturbação pedagógica” no interior de uma determinada situação
social educacional. Refere-se a uma forma ordenada da sociedade
contemporânea determinada conforme certo modo de produção social dos
homens, e somente nesse âmbito pode ser adequadamente apreendida. A
partir da teoria da semiformação podemos refletir de forma crítica sobre os
problemas da educação contemporânea de modo geral e de modo particular
a educação mineira, por meio de categorias desenvolvidas por Adorno que
têm como eixo central de discussão o processo de decadência cultural, e
suas consequências para as novas gerações.
A importância deste estudo, portanto, situa-se na possibilidade de
aprofundar conhecimentos sobre proposições curriculares dirigidas à
formação de crianças, a decadência da formação e consequentemente a
primazia da semiformação. Para tanto, uma pesquisa desta natureza requer
antes a compreensão do conceito de formação, subsídio fundamental para a
reflexão sobre a semiformação.

A problemática dos campos de experiência


na BNCC: algumas pistas

Tomamos nestas reflexões os destacados estudos do filósofo alemão


Walter Benjamin, e suas contribuições para se pensar os conceitos de
experiência e os fundamentos da educação de crianças pequenas. Sua
importância como filósofo e teórico crítico pode ser aferida pela
diversidade de sua influência intelectual e a produtividade contínua de seu
pensamento. Principalmente considerado como pensador crítico e ensaísta,
o conteúdo filosófico de seus escritos é cada vez mais reconhecido,
consistindo numa influência decisiva sobre a concepção da realidade da
filosofia e sua adequação ao presente, conforme destacou Adorno (1983a).
Na década de 1930, os esforços de Benjamin para o desenvolvimento de
uma teoria materialista dialética, orientada politicamente, demonstrou ser
um estímulo importante para a chamada “Escola de Frankfurt”. Benjamin
influenciou sobremaneira as orientações teóricas da Teoria Crítica, como
inspirou a arte e mobilizou intelectuais, artistas, ensaístas e teatrólogos.
De acordo com Reis e Borges (2016) originalmente recebidas no
contexto da teoria literária e estética, a profundidade filosófica e amplitude
cultural do pensamento de Benjamin só recentemente começaram a ser
totalmente apreciadas em diferentes campos do conhecimento, dentre eles a
sociologia e em especial nos estudos a respeito da infância. Decorrente da
envergadura de sua obra, seu trabalho continua a ser uma fonte permanente
de produção intelectual e base para a elaboração de novos conhecimentos.
As autoras destacam as teorizações de Benjamin concernentes à infância,
aos materiais e aos métodos de investigação por ele suscitados, bem como
as pistas que fornece para que pensemos as práticas pedagógicas
desenvolvidas no âmbito da educação de infância — tomando dela um
aspecto — a brincadeira como experiência e como prática cultural.
A compreensão do contexto intelectual da obra de Benjamin tem
contribuído para o reconhecimento filosófico de suas contribuições no
campo da educação de modo geral, e em particular para pensarmos os
caminhos sociais e filosóficos que a consolidação dos estudos no campo da
educação das crianças tem possibilitado. Seus ensaios e aforismos sobre a
criança, a educação, a brincadeira e os brinquedos continuam sendo um
significativo conjunto teórico cuja importância para a teoria educacional é
inquestionável. Do mesmo modo, suas reflexões apresentadas na obra Rua
de Mão Única fornecem um estímulo teórico para a teoria cultural e os
conceitos filosóficos da modernidade e da percepção que construímos sobre
as novas gerações (Benjamin, 1979). A compreensão de Benjamin sobre a
educação tem sido uma fonte duradoura de reflexões teórico-metodológicas
para uma variada gama de pensadores filosóficos recentes; no entanto,
Jessop (2013) analisa que apesar do legado de Benjamin para a
compreensão do universo infantil, ele tem recebido pouca atenção em
trabalhos sobre a infância e, em estudos mais amplos de Benjamin, a
infância recebe apenas um olhar difuso.
Repensando o conceito de experiência na
BNCC

Por meio dos estudos de Reis e Borges (2016) e Reis e Gomes (2015)
reconhecemos a preocupação de Benjamin com o delineamento de uma
experiência imediata, uma vez que ela é valiosa por fornecer uma descrição
temática e uma oposição conceitual aos modelos centrados no idealismo
racionalista, cujas bases conceituais são trabalhadas ao longo de toda a sua
produção intelectual. Como vimos anteriormente, Benjamin explora os
conceitos de experiência e vivência, os quais podem ser complementares ou
não. Consideramos que suas contribuições são fundamentais para a
compreensão da educação de infância, contemporânea; sobretudo
vislumbramos sua relevância para compreender o esvaziamento do conceito
de experiência constante na BNCC.
Revisitando as elaborações teóricas de Benjamin, observamos que elas
contrastam com os vazios, sem espírito, isto é, Geistlosen, das
“experiências” apenas acumuladas ao longo de uma vida, Erlebt, e o tipo
privilegiado da experiência que é preenchido com conteúdo significativo
por meio do contato permanente com a imaginação pueril. Ao analisarmos a
BNCC no que diz respeito às experiências educativas na infância, entendida
como a faixa etária de 0 a 10 anos de idade, nos deparamos com ideias de
habilidades e competências as quais contrastam com a noção de experiência
que vimos defendendo.
Assim encontramos um campo consideravelmente fértil de teorizações
capazes de fornecer pistas à compreensão do conceito de experiência e suas
implicações para a educação das novas gerações.
Em Experiência e pobreza (1996), Benjamin disserta sobre a perda da
capacidade de contar histórias — e de, com elas, dar ensinamentos morais
através do intercâmbio de experiências —, que segundo ele se deu pela
dissolução dos vínculos familiares e pelo empobrecimento de experiências
comunicáveis da população.
O filósofo alemão prossegue afirmando que após a Primeira Guerra
Mundial, com a exacerbação da mecanização e da racionalidade com fins
bélicos, os combatentes voltaram taciturnos, sendo incapazes de relatar suas
experiências com a guerra; pois, os indivíduos, de acordo com Benjamin, se
tornaram mais empobrecidos em suas experiências de comunicação dados
os horrores e a barbárie a que foram submetidos:

Porque nunca houve experiências mais radicalmente desmoralizadas que a experiência


estratégica pela guerra de trincheiras, a experiência econômica pela inflação, a
experiência do corpo pela fome, a experiência moral pelos governantes (Benjamin,
1996, p. 115).

Neste sentido, Benjamin atenta para o fato de que em face da


desmoralização das experiências coletivas dos indivíduos, e à consequente
perda da capacidade de comunicá-las, os homens se tornaram incapazes de
transmitir ensinamentos através da tradição oral de contar narrativas. Além
disso, o processo de reificação dos sujeitos e de suas relações interpessoais
também contribuiu para a dissolução dos vínculos familiares. O autor
questiona que com a perda do vínculo entre os indivíduos e o patrimônio
cultural a partir das experiências, a humanidade como um todo ficou mais
pobre não só de experiências transmissíveis, mas também culturalmente.
Esse contexto leva a um novo conceito de barbárie — o da pobreza de
experiências transmissíveis.
No ensaio A linguagem geral e a linguagem do homem, Benjamin
oferece, ainda, uma concepção que define a experiência de modo amplo,
incluindo a percepção, que segundo ele é essencialmente linguística, e que
toda a linguagem humana, incluindo a escrita que geralmente está associada
a mera convenção é em verdade essencialmente expressiva e criativa.
Em seus primeiros ensaios, a linguagem é privilegiada como um
modelo de experiência justamente porque mina e transgride as divisões e
limitações que o modelo positivista impôs à mentalidade ocidental,
incluindo aquele fundamental que distingue o sujeito do objeto de
sensações. Se ambos são constitutivamente linguístico e linguagem, serve
como um meio de experiência que liga o “sujeito” e “objeto” em uma
relação mais profunda. Em certa medida, Benjamin rejeita o sentido
“hipócrita” da separação kantiana entre compreensão e sensibilidade com
base em uma noção vazia e puramente formal da razão pura, o que pode
apenas ser postulado de acordo com o concreto, isto é, com o conteúdo
estético da linguagem.
Ao cotejarmos as reflexões de Benjamin com as disposições da BNCC,
concluímos que a linguagem escrita se sobrepõe às diferentes formas de
expressão das crianças e jovens, gerando não apenas o empobrecimento da
experiência dos mais jovens como também dos próprios profissionais da
educação.

26. De acordo com Hartwitch (2009) Neoliberalismo é um conceito que designa a


adaptação dos princípios do liberalismo clássico às exigências de um modelo de Estado.
Este termo foi utilizado em duas épocas diferentes com dois significados semelhantes,
porém distintos: a) na primeira metade do século XX, significou a doutrina proposta por
economistas franceses, alemães e norte-americanos voltada para a adaptação dos princípios
do liberalismo clássico às exigências de um Estado regulador e assistencialista; b) a partir
da década de 1960, passou a significar a doutrina econômica que defende a absoluta
liberdade de mercado e uma restrição à intervenção estatal sobre a economia, só devendo
esta ocorrer em setores imprescindíveis e ainda assim num grau mínimo (minarquia). É
nesse segundo sentido que o termo é mais usado hoje em dia. É sobre esse último
significado que nos referimos neste estudo.
27. Sobre o Neoliberalismo vide nota 3.
5
Habemus Base, mas
Habemus Freire

Considerando que a BNCC se situa na lógica do capital e traz uma


determinação curricular tecnicista, individualista e meritocrática que
responsabiliza os sujeitos da escola pública pela qualidade da educação.
Considerando que sua última versão, mais do que as anteriores,
estabelece uma visão mais conservadora do conhecimento a ser
escolarizado e emana de um governo golpista sem nenhum compromisso
com movimentos sociais.
Considerando que a BNCC é normativa, centralizadora e prescritiva das
competências, conhecimentos e supostos direitos de aprendizagens e trará
consequências para professores/as que atuam nas redes de ensino público de
Educação Básica.
Considerando que é necessário buscar alternativas que proporcionem
articular essa proposta curricular com vivências, experiências e
problematizações necessárias à transformação social e ao desvelamento das
causas da desigualdade.
Considerando que a emancipação não se efetiva com a confiança em
mitos salvadores e que é o diálogo horizontalizado entre oprimidos/as
mediados pelo mundo que possibilita a superação da opressão, passamos
aos seguintes fundamentos freirianos na tentativa de contribuir para o
debate curricular em um momento que habemus currículo nacional, a
BNCC.
Temos no horizonte que Paulo Freire não se debruçou diretamente sobre
uma teoria curricular, mas é inegável sua contribuição a partir de suas
problematizações em relação aos saberes e conhecimentos. Desde a
Pedagogia do Oprimido (1968/2005a), publicada em 1968, temas
geradores, conteúdos programáticos e ação dialógica passam a influenciar
teorias curriculares, especialmente as críticas. A concepção de Freire (1996;
2005a; 2005b), em relação ao conhecimento, valoriza a realidade concreta
dos sujeitos, como ponto de partida para uma construção dialógica com os
conhecimentos científicos tratados por ele como conhecimentos-padrão. Em
obra escrita com Ira Shor, Paulo Freire sintetiza com precisão sua
concepção:

O chamado “padrão” é um conceito profundamente ideológico, mas é necessário


ensinar a sua utilização enquanto se criticam, também, suas implicações políticas.
Agora, a questão é a seguinte: sabendo de tudo isso, terá o professor libertador o
direito de não ensinar as formas padronizadas? Terá o direito de dizer: “Sou um
revolucionário, portanto, eu não ensino o ‘bom’ inglês?” Não. Do meu ponto de vista,
o educador deverá tornar possível o domínio, pelos estudantes, do inglês padrão, mas
— e aqui está a grande diferença entre ele e outro professor reacionário — enquanto o
professor tradicional ensina as regras do inglês de primeira (risadas), ele acentua a
dominação dos estudantes pela ideologia elitista, que está inserida nessas regras. O
professor libertador lhes ensina a forma padronizada, para que possam sobreviver,
discutindo com eles todos os ingredientes ideológicos dessa ingrata tarefa. Você está
vendo? Acho que é dessa forma que os professores podem refletir sobre o medo que
eles têm da rejeição dos estudantes e também sobre o medo que têm das formas
padronizadas (Freire; Shor, 1986, p. 49).

Para Freire, o educador progressista não pode sonegar esse


conhecimento-padrão aos alunos. Na Pedagogia da Esperança
(1992/2005b), Freire faz uma defesa da transição da curiosidade ingênua
para a criticidade como fator fundamental para a emancipação dos
educandos.
Sob uma perspectiva freiriana, não há o desprezo ao conhecimento
acumulado historicamente, mas um cuidado democrático e dialógico na
construção da proposta curricular. A problematização e a horizontalização
das relações são fundamentos de um diálogo que se pretende emancipatório
em uma proposta curricular.
Compreender a BNCC e sua proposta de currículo nacional a partir de
Freire é, primeiramente, rejeitar que a escola, os educadores e os educandos
são tábulas rasas e serão reprodutores de conhecimentos, habilidades e
competências selecionados a priori.

A concepção e a prática “bancárias”, imobilistas, “fixistas”, terminam por desconhecer


os homens como seres históricos, enquanto a problematizadora parte exatamente do
caráter histórico e da historicidade dos homens. Por isto mesmo é que os reconhece
como seres que estão sendo, como seres inacabamentos, inconclusos, em e com uma
realidade que, sendo histórica também, é igualmente inacabada. (2005a, p. 83).

É necessário rejeitar uma relação em que o Eu conhece e Tu não


conhece. A lógica bancária se enquadra em um trabalho com a BNCC em
que o professor deve conhecer esta e transmiti-la aos alunos em uma
relação que o mundo é de conhecimento do professor, transmitido pelos
especialistas, e é, através dele — professor — que o aluno conhecerá o
mundo.
Uma percepção libertadora de currículo se desenvolve na relação Eu-Tu
mediada pelo mundo (Freire, 2005a), ou seja, Educando-Educador
(professor-aluno) são mediados pelo mundo vivido com suas experiências e
saberes. Um mundo onde o conhecimento/competências contidos na BNCC
não se constituem em um a priori. São hipóteses de trabalho que serão
ratificadas/retificadas através do diálogo. A participação dos conhecimentos
acumulados selecionados pelos especialistas (BNCC) deve se fazer presente
nessa relação quando e somente quando oferece explicações para a
problematização que se estabelece nesse diálogo.
Não há a rejeição à BNCC, mas é lançado um olhar crítico para suas
possibilidades de explicações do mundo problematizado em sala de aula. A
BNCC não é o mundo desvelado que faz a mediação na relação Eu-Tu, mas
tão somente mais uma seleção interessada de explicações.
O currículo nacional se insere na tradição seletiva do conhecimento
escolhido para ser transmitido às gerações futuras. O conhecimento
selecionado é revelador do que os alunos podem se apoderar e do destaque
que sua cultura ou seu modo de vida possui na sociedade ou na escola.
Michael Apple (1997) explica que o conhecimento se encontra inserido em
lutas extremamente complexas que envolvem a definição de quem tem o
direito de “nomear o mundo”. Visível, por esse caminho, que a valorização
da Palavra dos alunos e da comunidade é um componente indispensável do
currículo escolar.
O empoderamento pelo conhecimento nem é dizer o conhecimento aos
outros, como ato de prescrição que subtrai a palavra dos demais (Freire,
2005a). Daí a necessidade de compreensão de que o conhecimento deve ir
para além do prescrito por especialistas, pois essas prescrições se impõem
pelo monólogo e a existência humana e sua proposta transformadora se
realiza pela possibilidade de se dizer a Palavra.

A existência, porque humana, não pode ser muda, silenciosa, nem tampouco pode
nutrir-se de falsas palavras, mas de palavras verdadeiras, com que os homens
transformam o mundo. Existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O
mundo pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos pronunciantes,
a exigir deles novo pronunciar. (Freire, 2005a, p. 90).

É pela pronúncia da Palavra que se efetiva o empoderamento que se


constitui na conquista que ocorre a partir do educando e não como algo que
lhe é doado.
A Pronúncia e a Leitura da Palavra não se dicotomizam da Leitura do
Mundo, como explica Freire:

O que é que eu quero dizer com dicotomia entre ler as palavras e ler o mundo? Minha
impressão é que a escola está aumentando a distância entre as palavras que lemos e o
mundo em que vivemos. Nessa dicotomia, o mundo da leitura é só o mundo do
processo de escolarização, um mundo fechado, isolado do mundo onde vivemos
experiências sobre as quais não lemos. Ao ler palavras, a escola se torna um lugar
especial que nos ensina a ler apenas as “palavras da escola”, e não as “palavras da
realidade”. O outro mundo, o mundo dos fatos, o mundo da vida, o mundo no qual os
eventos estão muito vivos, o mundo das lutas, o mundo da discriminação e da crise
econômica (todas essas coisas estão aí), não tem contato algum com os alunos na
escola através das palavras que a escola exige que eles leiam. Você pode pensar nessa
dicotomia como uma espécie de “cultura do silêncio” imposta aos estudantes. A leitura
da escola mantém silêncio a respeito do mundo da experiência, e o mundo da
experiência é silenciado sem seus textos críticos próprios (Freire; Shor, 1986, p.164).

Numa acepção freiriana, o empoderamento não se relaciona com a ideia


de aquisição individual de competências e habilidades como Young traz em
sua concepção de Conhecimento Poderoso. Em Freire (2005a), empoderar-
se é tomar posse do real, tomar posse de suas vidas e consciências num
processo de libertação que desenvolve em uma relação dialética homem-
mundo. A construção do conhecimento tem por base, nessa acepção, o
diálogo entre sujeitos mediados pelo mundo vivido. Educadores e
educandos colocam-se como sujeitos cognoscentes em razão de seu
inacabamento e de um mundo que está em processo. A seleção de
conteúdos por especialistas distantes dessa realidade revela-se alienadora
dos sujeitos em processo de conhecimento e despreza o mundo vivido e sua
possibilidade de transformação. Não há desprezo pelo legado cultural já
construído, como explica Freire ao abordar papel dos saberes populares na
educação escolarizada:

Respeitar esses, de que falo tanto, para ir mais além deles, jamais poderia significar —
numa leitura séria, radical, por isso crítica, sectária nunca, rigorosa, bem-feita,
competente, de meus textos — dever ficar o educador ou a educadora aderida a eles,
os saberes de experiências feitos. O respeito a esses saberes se insere no horizonte
maior em que eles se geram — o horizonte do contexto cultural, que não pode ser
entendido fora de seu corte de classe, até mesmo em sociedades de tal forma
complexas em que a caracterização daquele corte é menos facilmente apreensível. O
respeito, então, ao saber popular implica necessariamente o respeito ao contexto
cultural. A localidade do educando é o ponto de partida para o conhecimento que eles
vão criando do mundo. “Seu” mundo em última análise é a primeira e inevitável face
do mundo mesmo (2005b, p. 86-87).

Como se depreende, não há mistificação da experiência, nem do senso


comum no pensamento freiriano. Para Freire (2005b), tanto o basismo
quanto o elitismo são sectários, pois presos à e em sua verdade, tornam-se
incapazes de ir além de si mesmos. E é nessa obra, a Pedagogia da
Esperança, que Freire (2005b) rejeita a mistificação do saber popular e
atribui a acusação às leituras malfeitas feitas de seu trabalho por quem o leu
mal, incompetentemente, ou não o leu.
O que deve se indagar a partir das concepções de currículo nacional:
não seria no mundo vivido que o currículo escolar encontraria o seu sentido
e possibilitaria o empoderamento dos sujeitos cognoscentes? Não seria o
conhecimento contextualizado efetivamente potencializador para tomada de
posse do real? E, por fim, não deveria os conhecimentos derivados da
curiosidade dos educandos e educadores fazerem parte do currículo escolar?
Para responder a essas questões, necessário, primeiramente, distinguir que
ao carrear para o currículo escolar apenas conhecimentos ditados por
“especialistas” acabamos promovendo o aprisionamento do conhecimento a
ser escolarizado, a castração da curiosidade e o apoderamento do educando
e não o seu empoderamento.
Para Freire,

A curiosidade do estudante às vezes pode abalar a certeza do professor. Por isso é que,
ao limitar a curiosidade do aluno, a sua expressividade, o professor autoritário limita a
sua também. Muitas vezes, por outro lado, a pergunta que o aluno, livre para fazê-la,
faz sobre um tema, pode colocar ao professor um ângulo diferente, do qual lhe será
possível aprofundar mais tarde uma reflexão mais crítica. (Freire; Faundez, 1985, p.
44).

O currículo único se encontra limitado também pela castração da


curiosidade e a inviabilização da pergunta. A pergunta, quando é
chancelada, é instrumentalizada pela participação manipulada. Ela se faz
em nome de questões preestabelecidas pelo currículo, levando todos a
“desaprenderem” a perguntar.
Conforme Faundez,

(...) o professor deveria ensinar — porque ele próprio deveria sabê-lo — seria, antes de
tudo, ensinar a perguntar. Porque o início do conhecimento, repito, é perguntar. E
somente a partir de perguntas é que se deve sair em busca de respostas, e não o
contrário: estabelecer as respostas, com o que todo o saber fica justamente nisso, já
está dado, é um absoluto, não cede lugar à curiosidade nem a elementos por descobrir.
O saber já está feito, este é o ensino. Agora eu diria: “a única maneira de ensinar é
aprendendo”, e essa afirmação valeria tanto para o aluno como para o professor. Não
concebo que um professor possa ensinar sem que ele também esteja aprendendo; para
que ele possa ensinar, é preciso que ele tenha de aprender. (Freire; Faundez, 1985, p.
46).

A curiosidade e a pergunta guardam, em uma perspectiva freiriana,


estreitos laços com o diálogo e a problematização do conhecimento. É no
encontro entre os sujeitos em processo de humanização que a educação se
realiza.
Ao desprezar o currículo como produto acabado, é rejeitada a ideia de
um processo educativo percebido como doação ou imposição. O diálogo
freiriano implica um pensar crítico que desafia a pronúncia do mundo e
uma educação mediatizada por este mundo.

A educação autêntica, repitamos, não se faz de A para B ou de A sobre B, mas de A


com B, mediatizados pelo mundo. Mundo que impressiona e desafia a uns e a outros,
originando visões ou pontos de vista sobre ele. (Freire, 2005a, p. 97).

Devemos sim construir uma concepção de currículo comprometida com


a realidade vivida e, portanto, faz-se indispensável apresentar como, numa
acepção freiriana, o currículo não se limita aos conteúdos eleitos por
“especialistas” e, também, como a experiência está além da motivação na
busca pelo saber. A dicotomia e o sectarismo estabelecidos na concepção
curricular unificada dificultam perceber o papel do contexto na construção
do currículo. O conhecimento escolar, sob pena de ser alienante e estático,
não pode desprezar o contexto vivido. Sua função é estabelecer o diálogo
entre os saberes científicos e o mundo vivido, pois será na comunidade,
onde a escola está inserida, que o conhecimento fará sentido. Apesar da
complexidade do diálogo entre os saberes, a leitura do mundo e a leitura da
palavra não podem ser dissociadas no projeto curricular da escola, sendo a
categoria tema gerador de Paulo Freire uma ferramenta para a construção
de um currículo que possibilite um Conhecimento Contextualizado e o
empoderamento dos sujeitos cognoscentes.
O tema gerador (Freire, 2005a) demanda a investigação sobre a atuação
de homens e mulheres sobre a realidade. No entanto, homens e mulheres no
mundo não são objetos da investigação, mas sujeitos ativos na busca pelo
conhecimento que toma posse do real na construção de temáticas
significativas. A busca de uma metodologia que tenha a investigação
temática viabiliza aos sujeitos cognoscentes o reconhecimento das
dimensões significativas de sua realidade e a interação de suas partes, além
de também a efetivação de uma educação problematizadora, como assevera
Freire (2005a).
As questões factuais e não estabelecidas a priori poderão ser superadas
com a contribuição da escola somente se os sujeitos cognoscentes
perceberem o sentido do conhecimento que se contextualiza
permanentemente. Nesse caso, como explica Freire (2005a), a captação e a
compreensão da realidade se refazem e ganham um novo nível que até
então não tinham. Educadores e educandos passam a perceber que sua
compreensão e que a “razão” da realidade não está fora dela e não se
encontram dicotomizadas, como se fosse um mundo misterioso e estranho.
O Conhecimento Contextualizado é possível, assim, por meio da
investigação temática. Este se codifica em temas geradores, construídos
através do diálogo, e decodifica-se também por meio do diálogo. O
currículo, portanto, deve perceber que para a Leitura da Palavra é
indispensável a Leitura do Mundo e constituir-se a partir das teorias e das
experiências.
A compreensão de um conhecimento que empodera os sujeitos para a
transformação individual e a social deve caminhar para o fortalecimento da
capacidade docente em articular os conhecimentos, tendo o texto valor
dentro de seu contexto. Os educadores, educandos e contexto são elementos
de um sistema dinâmico que o currículo não pode negligenciar.
A práxis, nos termos de Paulo Freire (2005a), envolve a ação e reflexão
que são indissociáveis, mas que não se confundem. É a práxis que
potencializa a transformação, não o verbalismo sem ação ou ainda o
ativismo sem reflexão. A práxis educativa empodera os sujeitos em
processo de educação como fazedores e pensadores que conhecem e
produzem conhecimento.
A educação escolarizada se insere no contexto do encontro entre
sujeitos — educadores(as) e educandos(as) — mediatizados pelo mundo. A
práxis educativa se realiza na pronúncia desse mundo problematizado e
contextualizado.
Como explica Rossato:

A educação deve partir da realidade para compreender o homem e ser posta a seu
serviço. Não pode ser reduzida a um conjunto de técnicas. O objetivo principal é a
compreensão e a interpretação do papel de cada educando no mundo. Sua ação se
torna um ato político porque ela mostra ou ela oculta a realidade. (2008, p. 332)

Por isso, o currículo não pode ser considerado um produto acabado e é


necessário que a ação docente se funde na ação-reflexão-ação como forma
de se confrontar com as situações e condições desiguais que caracterizam a
nossa sociedade. A atuação docente se caracteriza por um fazer-pensar que
não pode ser desprezado. A ação transformadora da educação só se
viabiliza com o desvelamento da pretensa neutralidade do conhecimento e
um enquadramento que valorize a teoria enquanto potencializadora da
superação do contexto social injusto e desigual.

À guisa de conclusão

Em síntese, temos o conhecimento-padrão, ou conhecimento científico,


ou conhecimento historicamente acumulado, ou a Base Nacional Comum
Curricular como prescrição curricular que pode servir de subsídio para
educadores comprometidos com o desvelamento do mundo. Se a escola
abraçar a BNCC como prescrição a ser detalhadamente cumprida,
colocamos em sério risco os princípios estabelecidos pela Constituição de
1988 no que diz respeito à pluralidade, diversidade e não discriminação.
Princípios que se constituem em essência de nossa (frágil) democracia.
Ter a BNCC como prescrição ignora o potencial curricular do cotidiano,
das experiências vividas, das problematizações não respondidas, das
violências sofridas, das desigualdades naturalizadas, que necessitam ser
incorporadas ao conhecimento a ser escolarizado.
Este novo desafio proporciona a necessidade de se renovar a proposta
emancipatória de Freire para valorizar os sujeitos como senhores da história
e não como meros espectadores. O currículo deve contemplar a
multiplicidade de relações dos sujeitos da escola com o mundo. Paulo
Freire já indicava a importância dessas relações na efetividade de uma
educação humanizadora.

Há uma pluralidade nas relações do homem com o mundo. O homem e somente o


homem é capaz de transcender, de distinguir “ser” do “não ser” e de travar relações
incorpóreas. Na sua capacidade de discernir estará a raiz da consciência de sua
temporalidade, obtida precisamente quando, atravessando o tempo, alcança o ontem,
reconhece o hoje e descobre o amanhã. Homem — um ser de relações, temporalizado
e situado, ontologicamente inacabado — sujeito por vocação, objeto por distorção.
(Freire, 1996, p. 13)

A dúvida, a incerteza e a pergunta não têm encontrado no ambiente


escolar o espaço e o tempo para o seu desenvolvimento. A compreensão de
que o currículo é um produto que possibilita resultados quantificáveis e
padronizados implica em um reducionismo do processo educativo enquanto
humanizador.
A lógica do capital é a lógica da certeza da meritocracia. Por isso, a
escola precisa inverter essa lógica para que sejam demonstradas suas
consequências e suas promessas que nunca se realizam. Desvelar a BNCC
se constitui em obrigação dos educadores para compreensão dos projetos
que se colocam em disputa na sociedade e no interior da escola. O currículo
nacional, apesar não ser natimorto, é moribundo, pois se insere na
escolarização a partir da visão excludente e desigual e não tem a vocação
transformadora que somente o diálogo problematizador na relação entre
sujeitos poderia proporcionar.
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