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JUVENTUDES E EDUCAÇÃO:

A ESCOLA COMO TERRITÓRIO JUVENIL


Victor Hugo Nedel Oliveira
Miriam Pires Corrêa de Lacerda
(orgs.)
JUVENTUDES E
EDUCAÇÃO:
A ESCOLA COMO
TERRITÓRIO JUVENIL

Victor Hugo Nedel Oliveira


Miriam Pires Corrêa de Lacerda
(orgs.)

2024
JUVENTUDES E EDUCAÇÃO:
A ESCOLA COMO TERRITÓRIO JUVENIL
Victor Hugo Nedel Oliveira
Miriam Pires Corrêa de Lacerda
(orgs.)

2024

Diagramação e revisão final: Grupo de Estudos e Pesquisas


em Juventudes e Educação – GEPJUVE – UFRGS – CNPq.

Imagem da capa: Free-Photos –


https://pixabay.com/pt/photos/crian%C3%A7as-mundo-
globo-terra-planeta-5606239/

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Commons 4.0. Atribuição-NãoComercial-SemDerivações – CC
BY-NC-ND

O48juven Oliveira, Victor Hugo Nedel (org.)


Lacerda, Miriam Pires Corrêa (org.)

Juventudes e Educação: a escola como território juvenil/ Victor


Hugo Nedel Oliveira; Miriam Pires Corrêa de Lacerda (orgs.). –
Porto Alegre, RS: GEPJUVE, 2024.

277 f.

ISBN – 978-65-00-90300-3

1. Juventudes. 2. Educação. 3. Geografia. 4. Sociologia. 5. Gepjuve


I. Oliveira, Victor Hugo Nedel. II. Lacerda, Miriam Pires Corrêa.
III. Juventudes e Educação.

UFRGS CDU: 911.3


CDD: 900
JUVENTUDES E EDUCAÇÃO:
A ESCOLA COMO TERRITÓRIO JUVENIL
Victor Hugo Nedel Oliveira
Miriam Pires Corrêa de Lacerda
(orgs.)

2024

O padrão ortográfico e sistema de citações e referências


bibliográficas são prerrogativas de cada autor. Da mesma
forma, o conteúdo de cada capítulo é de inteira e
exclusiva responsabilidade de seu respectivo autor.

A versão virtual dessa obra foi desenvolvida com


autofinanciamento do GEPJUVE e de seus autores.

Sua distribuição é gratuita. Não é permitida sua venda ou


comercialização.

Copyright © GEPJUVE/UFRGS. 2024. Todos os direitos


reservados.
EXPEDIENTE – GEPJUVE

GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM


JUVENTUDES E EDUCAÇÃO

- Pesquisadores associados e Conselho Editorial -

Prof. Dr. Victor Hugo Nedel Oliveira (UFRGS) – Líder


Profa. Dra. Andreia Mendes dos Santos (PUCRS)
Profa. Dra. Celecina de Maria Veras Sales (UFC)
Profa. Dra. Cérise Alvarenga (USP)
Profa. Dra. Melissa de Mattos Pimenta (UFRGS)
Profa. Dra. Miriam Pires Corrêa de Lacerda (Unilasalle)
Profa. Dra. Rosane Maria de Castilho (UEG)
Profa. Dra. Shara Jane Holanda Costa Adad (UFPI)
Profa. Dra. Tatiana Prevedello (CMPR)

- Vinculação Institucional -

Departamento de Geografia/UFRGS
Programa de Pós-Graduação em Geografia/UFRGS
Pró-Reitora de Pesquisa/UFRGS
Pró-Reitoria de Extensão/UFRGS
Pró-Reitoria de Pós-Graduação/UFRGS

Acesso DGP/CNPq:
http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/744135

2024
SUMÁRIO

JUVENTUDES E EDUCAÇÃO – APRESENTAÇÃO


Victor Hugo Nedel Oliveira
Miriam Pires Corrêa de Lacerda..........................................09

PREFÁCIO
Luis Antônio Groppo...........................................................28

JUVENTUDE(S) E FEMINISMO(S): O QUE DIZEM AS


PESQUISAS EM EDUCAÇÃO
Ana Daniele Mendes Carrera
Thaiana Machado dos Anjos
Lucélia de Moraes Braga Bassalo
Edla Eggert.........................................................................35

GÊNERO, DIVERSIDADE E A ESCOLA


Blue Mariro........................................................................58

JUVENTUDES, EDUCAÇÃO E TRABALHO: INQUIETAÇÕES


DE/PARA/COM AS NOSSAS PESQUISAS
Cheila Basso
Katiele Hundertmarck
Joilson de Souza Toledo......................................................74

O MOVIMENTO DAS OCUPAÇÕES ESTUDANTIS NO BRASIL


NO PERÍODO DE 2015/2016: UMA REVISÃO TEMÁTICA
INICIAL
Douglas Franco Bortone
Gilberto Miranda da Silva Junior
Maria das Dores de Saraiva Loreto
Lilian Perdigão Caixêta Reis
André Luiz dos Santos Silva................................................91
ESCOLA, JUVENTUDES E SAÚDE MENTAL: REFLEXÕES
EMERGENTES NO CONTEXTO PÓS-PANDÊMICO
Júlia Dall’Agnese
Luiz Carlos Júnior
Marília Bing
Natália Yukari Mano.........................................................109

JUVENTUDES, MERCADO DE TRABALHO E O MITO DO


EMPREENDEDORISMO: UMA REVISÃO SOBRE O PAPEL DO
ESTADO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA AS JUVENTUDES
Leonardo da Silva Greque Junior
Juliana Cristina Franz......................................................123

JUVENTUDES NO TEMPO PRESENTE E AS RELAÇÕES NO


ESPAÇO ESCOLAR: O QUE TEMOS A DIZER?
Lindomar Pereira de Souza
Ricardo Willy Rieth...........................................................140

JUVENTUDES E SAÚDE: ALGUMAS INVESTIGAÇÕES


TEÓRICAS SOBRE SUAS VULNERABILIDADES
Priscila Farfan Barroso
José Ricardo Marques dos Santos.....................................162

JUVENTUDES: DILEMAS E CONTRADIÇÕES NO MUNDO DO


TRABALHO
Izac de Sousa Belchior
Raquel Viana dos Anjos....................................................178

NARRATIVAS JUVENIS E O ENSINO DE GEOGRAFIA NA


PANDEMIA
Bruno Xavier Silveira
Stalin Braga de Lima.........................................................202

ESCOLA X JUVENTUDES: A CULPA É DE QUEM?


Susana Schwartz Basso
Dioneia Maria Samua Vieira
Lucí dos Santos Bernardi..................................................226
ERA UMA VEZ: LITERATURA COM/ENTRE A JUVENTUDE
Claudiney Saraiva Guedes
Wanderson William Fidalgo de Sousa................................245

POSFÁCIO
Antônio Carlos Castrogiovanni..........................................260

SOBRE AS E OS AUTORES...............................................264
JUVENTUDES E EDUCAÇÃO: A ESCOLA COMO
TERRITÓRIO JUVENIL

APRESENTAÇÃO

Victor Hugo Nedel Oliveira


Miriam Pires Corrêa de Lacerda

A produção deste livro sobre juventudes é o resultado de


um esforço coletivo, construído por diversas mãos. Em
comum, todas e todos os colaboradores que dedicaram seu
tempo e esforço para contribuir com um capítulo para esta
obra compartilham um compromisso ético, estético e político
no reconhecimento de um campo de pesquisa multifacetado,
plural e extraordinariamente rico: o campo das pesquisas, do
trabalho e da atuação social com as juventudes
contemporâneas. Falar sobre juventudes implica,
naturalmente, em reconhecer as e os jovens como sujeitos de
direitos, como preconiza o Estatuto da Juventude (Lei
12.852/13), legislação federal promulgada há pouco mais de
10 anos. Nesse contexto, reconhecemos a existência não de
uma, mas de diversas juventudes, caracterizadas por sua
pluralidade e complexidade. No Brasil, país marcado
historicamente por profundas desigualdades sociais, essas
juventudes são ainda mais diversas. Se não existe uma única
maneira de ser e estar jovem no mundo contemporâneo,

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também não há uma única abordagem para escrever sobre e
com as juventudes. Este livro nos convida a refletir sobre
essa multiplicidade por meio de seus diversos escritos sobre,
com, para e a respeito dos jovens.
A sociologia das juventudes, um ramo dedicado à
descoberta e compreensão das múltiplas formas de ser e
estar no mundo enquanto jovens, também desempenha um
papel crucial na análise das relações entre as juventudes e a
educação. Desde os primórdios de seus estudos, este campo
tem ampliado seu escopo e envergadura, atentando para as
transformações e desafios enfrentados pelas gerações mais
jovens. É plausível dizer que, a maioria dos estudiosos que se
voltam para essa temática, revelam preocupação em não
apenas refinar o que já se sabe acerca das juventudes mas
buscam pensar e articular novas propostas conceituais a
partir do que se passa “onde nada parece passar”(PAIS 2012).
. O campo da sociologia das juventudes é dinâmico e exige
dos pesquisadores constante atualização e abordagens
inovadoras, promovendo uma perspectiva interdisciplinar que
explore os vínculos entre as juventudes e a educação de
jovens
No contexto educacional, a pesquisa sobre juventudes
torna-se ainda mais crucial, pois permite uma compreensão
aprofundada das interações entre os jovens e o ambiente
escolar. Ao atravessar os portões que dão acesso à escola seja
ela pública ou privada, o jovem traz consigo uma cultura
social que se constitui a partir de todas as vivências, as

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histórias, os valores, as crenças que ele experimentou
anteriormente. Cultura essa não necessariamente coincidente
com a cultura escolar ou com o currículo que a escola definiu
como válido para lhe oferecer. Os artigos selecionados para
compor esse livro nos dão mostras não apenas deste fato,
mas também revelam a potência juvenil para articular as
significações destes dois mundos que se mostram, por vezes,
dispares! Assim pensando a importância de investigar essa
temática reside na necessidade de desenvolver estratégias
educacionais que considerem a diversidade de experiências e
perspectivas das juventudes contemporâneas
Constatamos, em nossos dias, o reconhecimento de um
novo subcampo de análise na ciência geográfica, a partir da
existência de múltiplas "Geografias das Juventudes".
Considerando que a Geografia é a ciência que investiga o
espaço, é lógico e necessário estudar as juventudes nesses
contextos, uma vez que nossas ações estão intrinsicamente
ligadas aos espaços, deixando uma marca inegável em seus
contextos. Ao abordar as relações entre as juventudes e a
Geografia, é fundamental destacar a importância de examinar
como esses jovens interagem com o ensino de Geografia. No
âmbito do ensino de Geografia, a pesquisa sobre as
juventudes desempenha um papel crucial. Com as categorias
de trabalho como lugar e território, a Geografia oferece
ferramentas valiosas para analisar as complexas relações
entre os jovens e os espaços geográficos. A noção de lugar,
concentrada na identidade e no pertencimento aos espaços, e

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o conceito de território, relacionado aos aspectos de poder,
apropriação e disputas nos espaços, são particularmente
relevantes para compreender as dinâmicas das juventudes. É
digno de nota que alguns pesquisadores na comunidade
geográfica brasileira já se dedicam há alguns anos a
investigar essas relações e discussões. Esta iniciativa, ao
abordar as interações entre as juventudes e a escola como
um território juvenil, busca somar-se a esses esforços,
contribuindo para a expansão do entendimento sobre como
os jovens constroem significados e experiências nos espaços
geográficos e, por conseguinte, enriquecendo a Geografia
como disciplina.
A concepção da disciplina "Juventudes e Educação: a
Escola como Território Juvenil" surgiu a partir da
constatação de que os estudos interdisciplinares sobre
juventudes e territórios ainda são escassos no contexto
brasileiro. No entanto, os conceitos de território e
territorialidades têm se revelado cada vez mais essenciais
para a compreensão das dinâmicas de ocupação e
ressignificação de diversos espaços pelos quais jovens
transitam, destacando-se especialmente a escola. Ao refletir
sobre a relação entre território e juventudes, a disciplina
direciona o olhar para como grupos de jovens ocupam sua
própria escola e seus espaços educativos e/ou de
aprendizagens. A interdisciplinaridade é central nesse
contexto, com a disciplina concebida para promover a
interlocução entre a Geografia e a Educação, com foco

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específico nas juventudes, abordando sua diversidade e
manifestações culturais contemporâneas. O intuito é explorar
de maneira abrangente e aprofundada a complexidade das
interações entre os jovens, a educação e os territórios
escolares que eles ocupam, reconhecendo a importância
desses elementos na compreensão mais ampla das
experiências juvenis.
A disciplina de pós-graduação "Juventudes e Educação:
a instituição como território juvenil" objetivou compreender a
produção de relações entre o campo de pesquisa das
juventudes contemporâneas e a categoria Geográfica de
território, a partir do espaço da escola e da educação e
representou uma iniciativa acadêmica do Programa de Pós-
Graduação em Geografia (POSGEA) da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (UFRGS). A disciplina deteve dois
créditos e contemplou cinco encontros virtuais, realizados ao
longo do primeiro semestre do ano de 2023, nos quais
buscamos articular ensino, extensão e pesquisa. Ao
pensarmos esse formato, também tínhamos o propósito de
alargar o entendimento a respeito do que pode vir a ser uma
aula na graduação, aqui pensada como o espaço no qual
professores e alunos, sujeitos do conhecimento, se encontram
em interlocução com o saber, com o mundo e com o outro.
O fato de a maior parte das sessões ter sido conduzida
de forma remota permitiu a participação de estudantes de
Programas de Pós-Graduação de outras localidades do país e
do exterior, além dos estudantes da própria UFRGS. Essa

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diversidade proporcionou uma profunda riqueza nos diálogos
promovidos em sala de aula.
Para a avaliação da disciplina, propomos aos discentes
que elaborassem um texto dissertativo-argumentativo em
formato de ensaio, abordando a temática das juventudes e
seus territórios, com ênfase na escola e na educação. O texto
demandava a referência a pelo menos parte da bibliografia
indicada, bem como a inclusão de referências adicionais
sobre as quais os estudantes detivessem interesse e
conhecimento. O desenvolvimento do ensaio poderia ser
fundamentado nas discussões das aulas, em experiências
empíricas ou mesmo vivências cotidianas e profissionais
relacionadas aos jovens. Todos os trabalhos foram
criteriosamente avaliados pelos docentes responsáveis pela
disciplina, e os textos mais notáveis foram selecionados para
integrar este livro. Com base nessa escolha, os autores foram
convidados a participar desta publicação.
A obra "Juventudes e Educação" representa aquilo que
pensamos oportunizar aos acadêmicos que partilharam
conosco esse espaço de conhecimento: a união daquilo que
denominamos tríade universitária: ensino, pesquisa e
extensãoo. No âmbito do ensino, ela emerge como um dos
desdobramentos de uma disciplina de pós-graduação, como
mencionado anteriormente. No contexto da pesquisa, a obra
oferece recortes das investigações realizadas pelos estudantes
de pós-graduação que atuam como autores, além de
constituir uma atividade investigativa dos professores

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responsáveis pela organização do livro. Quanto à extensão,
destaca-se que seu lançamento oficial ocorreu em um evento
desse tipo, e a diversidade textual presente na obra
estabelece uma conexão direta com a relação entre
universidade e sociedade. Mais do que uma simples
compilação de capítulos, a obra em questão representa os
esforços contínuos e colaborativos de estudantes e
professores que, em suas práticas acadêmicas, trabalham
incansavelmente na consolidação de um campo ainda jovem,
assim como os sujeitos que o constituem.
A seguir, apresentaremos sucintamente os capítulos que
integram a obra, na expectativa de que este texto os instigue
a explorar a leitura do livro.
No capítulo intitulado "JUVENTUDE(S) E
FEMINISMO(S): O QUE DIZEM AS PESQUISAS EM
EDUCAÇÃO", as autoras Ana Daniele Mendes Carrera,
Thaiana Machado dos Anjos, Lucélia de Moraes Braga
Bassalo e Edla Eggert exploram a interseção entre a
juventude feminina e o feminismo, especialmente no contexto
das pesquisas em educação, enfatizando a importância de
reconhecer as mulheres jovens como sujeitos de direitos,
explorando suas experiências e relações na vida social. Ao
examinar a produção de conhecimento nos cursos de pós-
graduação em educação, as autoras destacam a lacuna
existente em pesquisas que abordem de maneira expressiva
os conceitos de juventude e feminismo de maneira articulada.
Embora essas temáticas possuam questões epistemológicas

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distintas, convergem a partir da perspectiva de gênero em
torno das juventudes e geração, especialmente quando
consideramos a reorganização do feminismo como movimento
político e campo de estudo. Entendem as autoras que a
abordagem que visa articular juventudes e feminismo não
apenas enriquece o conhecimento teórico e prático, mas
também contribui para fundamentar políticas públicas
consistentes destinadas às jovens mulheres.
No capítulo intitulado "GÊNERO, DIVERSIDADE E A
ESCOLA", o autor Blue Mariro destaca a evolução das
discussões sobre inclusão, diversidade e permanência de
corpos LGBTQIAPN+ na escola. Em que pese o fato de
questões que dizem respeito à diversidade terem ganho
centralidade nos debates contemporâneos no que tange à
inclusão, sexualidade e políticas de equidade, a realidade de
corpos LGBTQIAPN+, historicamente oprimidos pela cis-
heteronormatividade e cissexismo, pouco mudou .O autor
ressalta os desafios enfrentados por esses sujeitos, refletidos
em altos índices de evasão escolar devido às violências
estruturais, emocionais e físicas experienciadas no ambiente
escolar. O capítulo propõe um discurso de resistência contra
o fundamentalismo religioso, o bolsonarismo e a extrema
direita como ações essenciais para fortalecer a juventude
LGBTI+, permitindo que ela se desenvolva a partir de suas
próprias demandas e combata as opressões cis-temicas
sofridas. O acesso precoce aos direitos básicos, aos serviços
públicos e a discussões sobre o Estatuto da Juventude e os

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Direitos Humanos são enfatizados como elementos
fundamentais. Além disso, o capítulo destaca a importância
da visibilidade de corpos LGBTI+ exercendo papéis, como o de
professor, opera no sentido de fortalecer essa juventude nos
espaços escolares, majoritariamente utilizados para o
controle social.
No capítulo intitulado "JUVENTUDES, EDUCAÇÃO E
TRABALHO: INQUIETAÇÕES DE/PARA/COM AS NOSSAS
PESQUISAS", os autores Cheila Basso, Katiele Hundertmarck
e Joilson de Souza Toledo partem de suas experiências com
as juventudes, tanto na sala de aula quanto em outros
espaços educativos, para analisar criticamente as políticas
públicas de trabalho voltadas para esse grupo. Eles
argumentam que essas políticas frequentemente se baseiam
em uma visão de sociedade moldada pela cultura e pelo
momento histórico, influenciada pelos posicionamentos
governamentais e pelo papel do Estado. O capítulo propõe
uma reflexão sobre como esses elementos têm sido
considerados (ou não) nas pesquisas realizadas com as
juventudes. Os autores destacam a relevância de questionar
com quais jovens estão sendo conduzidas essas pesquisas,
reconhecendo a importância de levar em conta a diversidade
de experiências e realidades que compõem esse grupo. Além
disso, os autores enfatizam a natureza parcial de suas
pesquisas, que inevitavelmente refletem suas subjetividades e
posicionamentos éticos. Nesse contexto, convidam os leitores
a refletirem sobre a inclusão (ou não) dos jovens

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trabalhadores nas pesquisas sobre mundo/mercado de
trabalho - assim flexionadas pelos autores como provocação
ao leitor para refletir sobre esses dois construtos -
reconhecendo a importância de considerar essa dimensão em
estudos futuros.
No capítulo intitulado "O MOVIMENTO DAS
OCUPAÇÕES ESTUDANTIS NO BRASIL NO PERÍODO DE
2015/2016: UMA REVISÃO TEMÁTICA INICIAL", os autores
Douglas Franco Bortone, Gilberto Miranda da Silva Junior,
Maria das Dores de Saraiva Loreto, Lilian Perdigão Caixêta
Reis e André Luiz dos Santos Silva exploram o impacto
significativo do movimento de ocupação das escolas no Brasil.
Este movimento não apenas marcou o protagonismo político
das juventudes, mas também proporcionou um espaço de
(re)construção da identidade juvenil. O capítulo apresenta
uma revisão temática sobre o movimento das ocupações
secundaristas no Brasil, no período de 2015 a 2016, com
ênfase nos aspectos associados à educação e às relações com
as juventudes. Em um tom ensaístico, os autores destacam a
importância desse ciclo de protestos organizado pelos
estudantes e seus efeitos no campo da educação, além de seu
impacto nas novas políticas públicas voltadas para esse
grupo. O legado mais significativo, segundo os autores, reside
na formação advinda das lutas e do engajamento dos
estudantes. Mesmo que nem todos os objetivos tenham sido
alcançados, como evidenciado pela aplicação arbitrária da
reforma do ensino médio em todo o território nacional, a

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experiência de ocupar proporcionou uma aprendizagem
única. Os estudantes envolvidos compreenderam que a
democracia, se faz no dissenso, e que toda experiência de luta
é válida. Além disso, a diversidade e a representatividade
desse grupo tornaram-se mais evidentes no meio da
juventude por meio de movimentos de resistência, poder e
educação.
No ensaio intitulado "ESCOLA, JUVENTUDES E SAÚDE
MENTAL: REFLEXÕES EMERGENTES NO CONTEXTO PÓS-
PANDÊMICO", os autores Júlia Dall’agnese, Luiz Carlos
Júnior, Marília Bing e Natália Yukari Mano exploram a escola
como um potencial espaço para discutir e cocriar iniciativas
voltadas à promoção da saúde mental dos jovens,
especialmente no contexto pós-pandêmico. O ensaio destaca
que, apenas recentemente, os desafios relacionados à
formação das juventudes começaram a ser objeto de
preocupação e atenção em estudos e políticas públicas. O
texto ressalta que, na contemporaneidade, as questões
envolvendo a saúde mental têm conquistado maior espaço de
debate não apenas nas mídias e nos meios de
entretenimento, mas também no ambiente escolar. Observa-
se um crescente reconhecimento das questões emocionais
que permeiam crianças e adolescentes, permitindo a
desconstrução de "mitos" anteriormente banalizados. Essa
mudança de perspectiva abre espaço para que mais jovens
busquem apoio profissional e reivindiquem políticas públicas
voltadas para a saúde mental. No contexto pós-pandêmico,

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com o aumento da presença de doenças emocionais na vida
dos estudantes, o ensaio defende que a escola deve assumir a
promoção da saúde mental como uma pauta de
conhecimento a ser explorada e praticada por todos, de forma
curricular. O texto sugere a necessidade de uma abordagem
mais aberta e integrada para lidar com as questões
emocionais dos jovens, destacando a importância de tornar a
saúde mental objeto de conhecimento que precisa ser
explorado e praticado curricularmente. por todos, no
ambiente escolar.
No artigo intitulado "JUVENTUDES, MERCADO DE
TRABALHO E O MITO DO EMPREENDEDORISMO: UMA
REVISÃO SOBRE O PAPEL DO ESTADO E AS POLÍTICAS
PÚBLICAS PARA AS JUVENTUDES", os autores Leonardo da
Silva Greque Junior e Juliana Cristina Franz buscam
elucidar o papel desempenhado pelo Estado brasileiro na
mediação entre as populações juvenis e sua inserção no
mercado de trabalho. O interesse pela temática da inserção
dos jovens no mercado de trabalho surge das experiências
pessoais dos autores, que enfrentaram desafios ao procurar
se estabelecer no mercado formal de emprego. O artigo
aborda a dimensão do trabalho na vida dos jovens,
explorando a atuação do Estado por meio das políticas
públicas federais e examinando como o discurso
empreendedor se disseminou nas sociedades capitalistas.
Destaca-se que, com dificuldades, os jovens conquistaram
espaço no cenário político nas duas primeiras décadas do

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século XXI, em parte devido à situação econômica e social
promissora do país. O texto ressalta que, para a população
jovem que trabalha, as atividades profissionais assumem
centralidade no exercício da cidadania e na constituição de
suas identidades, especialmente ao investigar os jovens em
situação econômica menos privilegiada, para os quais o
trabalho adquire ainda mais relevância, tornando-se uma
condição fundamental para a vivência da juventude. O artigo
destaca a importância de o Estado zelar por experiências
profissionais adequadas, conforme orientado por diversas
legislações que regem as políticas públicas para os jovens,
como o Estatuto da Juventude, o Plano Nacional da
Juventude e a Constituição Federal. Essas diretrizes visam
garantir que os jovens tenham acesso a oportunidades
laborais que contribuam não apenas para sua subsistência,
mas também para o pleno exercício de sua cidadania e o
desenvolvimento de suas identidades.
No artigo intitulado "JUVENTUDES NO TEMPO
PRESENTE E AS RELAÇÕES NO ESPAÇO ESCOLAR: O QUE
TEMOS A DIZER?", o autor Lindomar Pereira de Souza
propõe reflexões sobre as juventudes contemporâneas, tendo
como foco o espaço escolar como um ambiente coletivo e as
relações evidenciadas no cotidiano. O objetivo principal é
analisar a forma como as juventudes se manifestam no
presente e como a escola tem lidado com essa realidade,
destacando a necessidade de questionar a construção e
implementação dos discursos nas unidades de ensino

21
brasileiras. O artigo destaca a importância de discutir as
juventudes no contexto atual, destacando como a escola se
insere nesse debate. O autor compartilha pontos
considerados relevantes após o contato com diversos escritos,
provocando a reflexão sobre as diferentes abordagens em
relação às juventudes e ao espaço escolar. Observa-se a
necessidade de elaborar novas estratégias para atrair a
atenção dos jovens, reconhecendo as características distintas
desse grupo e o modo como a escola aborda essas questões.
O texto enfatiza que a escola deve se adaptar e compreender
as particularidades das juventudes, reconhecendo que ser
jovem implica assumir responsabilidades sociais e ingressar
no mercado de trabalho, tornando-se uma fase transitória da
vida marcada por suas próprias dinâmicas e desafios.
No artigo intitulado "JUVENTUDES E SAÚDE:
ALGUMAS INVESTIGAÇÕES TEÓRICAS SOBRE SUAS
VULNERABILIDADES", os autores Priscila Farfan Barroso e
José Ricardo Marques dos Santos propõem uma reflexão
sobre as pesquisas teóricas relacionadas à saúde de jovens,
com foco especial nas vulnerabilidades enfrentadas durante o
período escolar. Este período é considerado uma fase de
transição de papéis sociais, durante a qual os jovens se
expõem a situações concretas de risco, tornando crucial a
problematização dessas situações para pensar em estratégias
de minimização. O estudo destaca atributos da saúde dos
jovens que podem ser alvo de intervenções específicas nas
instituições educacionais, bem como parte integrante de

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ações de políticas públicas. Além disso, enfatiza a
importância da colaboração entre escolas e outras
instituições sociais, ampliando o cuidado em relação aos
jovens para além das questões tradicionais, como sexualidade
e uso de drogas. O artigo sugere que a abordagem das
vulnerabilidades no contexto escolar deve ser abrangente e
integrada, visando ao desenvolvimento holístico e ao bem-
estar dos jovens.
No texto intitulado "JUVENTUDES: DILEMAS E
CONTRADIÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO", os autores
Izac de Sousa Belchior e Raquel Viana dos Anjos propõem
uma reflexão sobre a interação entre Educação e Trabalho,
utilizando as experiências de formação em escolas de
Educação Básica como ponto de partida. Reconhecendo que
muitos jovens brasileiros contribuem diretamente para a
manutenção econômica de suas famílias ou até mesmo são
responsáveis exclusivos por sua própria subsistência, o texto
destaca o papel central da escola como espaço de formação
desses jovens e como um campo de disputa entre diferentes
perspectivas educacionais. A escola é analisada como um
ambiente que desempenha um papel crucial na formação
integral dos jovens, sendo alvo de divergências entre aqueles
que defendem uma educação orientada para o
desenvolvimento completo do indivíduo e aqueles que a veem
exclusivamente como uma preparação para o "mercado de
trabalho", perpetuando desigualdades sociais. O texto
também destaca as mudanças na legislação educacional e

23
trabalhista no Brasil, evidenciando a crescente influência da
lógica do empreendedorismo e das ideias neoliberais. Diante
desse cenário, os autores enfatizam a importância de uma
ação conjunta entre a sociedade civil e representantes
políticos comprometidos com um projeto de país, visando
conter os ataques direcionados à educação brasileira e aos
direitos trabalhistas nos últimos anos. A mensagem central é
a necessidade de resistência contra as tendências que
ameaçam esses pilares fundamentais da sociedade brasileira.
O texto "NARRATIVAS JUVENIS E O ENSINO DE
GEOGRAFIA NA PANDEMIA" elaborado por Bruno Xavier
Silveira e Stalin Braga de Lima apresenta uma reflexão sobre
a prática pedagógica em uma escola pública, destacando a
interseção entre juventudes, ensino de geografia e o contexto
da pandemia. Os autores propõem um diálogo entre as
experiências dos jovens e o currículo de geografia na escola,
analisando um conjunto de aulas ocorridas em 2021 e 2022
na Escola Municipal Nossa Senhora de Fátima, localizada em
Porto Alegre-RS. O plano de ensino da disciplina de Geografia
foi desenvolvido a partir das necessidades apresentadas pelos
estudantes durante o retorno às aulas presenciais,
considerado pelos professores como um "currículo
emergencial" para ensinar geografia. O trabalho descrito
relata a prática docente durante esse período, entre
novembro de 2021 e julho de 2022, explorando a valorização
da palavra e das ciências das juventudes. O foco é repensar
os territórios materiais e simbólicos das juventudes na sala

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de aula, promover práticas de pesquisa alinhadas às
ferramentas de ensino de geografia e reforçar os vínculos
entre os jovens e a escola. O artigo destaca a importância de
geografizar os conhecimentos dos jovens, refletindo sobre as
relações entre os jovens e seu espaço durante a pandemia. A
construção e análise das narrativas têm como intenção
(re)criar pontes entre a escola, o conhecimento e a
comunidade, promovendo uma abordagem mais significativa
e integrada ao contexto vivido pelos estudantes.
O texto "ESCOLA X JUVENTUDES: A CULPA É DE
QUEM?" das autoras Susana Schwartz Basso, Dioneia Maria
Samua Vieira e Lucí dos Santos Bernardi aborda as
indagações em torno da responsabilidade pelo fracasso
escolar, buscando compreender a situação educacional
brasileira. Reconhecendo a complexidade do tema, as autoras
destacam a necessidade de olhar para os alunos, analisando
seus contextos e condições para obter pistas que ajudem a
compreender por que os processos de ensino-aprendizagem
não estão alcançando os resultados esperados. O texto
argumenta que, ao discutir a "culpa" pelos problemas entre a
escola e as juventudes, tanto a escola quanto os jovens
tendem a atribuir responsabilidade um ao outro,
evidenciando diferentes perspectivas sobre a situação.
Contudo, as autoras sugerem que a crise na educação e na
relação entre escola e juventudes está inserida em mudanças
profundas na sociedade como um todo. A reflexão proposta
destaca a complexidade do cenário educacional brasileiro,

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destacando a importância de considerar diversos fatores,
além de apenas apontar culpados, para compreender e
abordar de maneira eficaz os desafios enfrentados na relação
entre escola e juventudes.
O trabalho "ERA UMA VEZ: LITERATURA COM/ENTRE
A JUVENTUDE" de Claudiney Saraiva Guedes e Wanderson
William Fidalgo de Sousa reflete sobre os objetivos
alcançados ao longo do percurso da disciplina. O esforço em
estabelecer rizomas entre os saberes da disciplina sobre os
territórios juvenis e os saberes pesquisados como sujeitos
epistemológicos é evidente. No entrecruzamento de ideias, os
autores relacionam as juventudes como um movimento
plural, destacando a necessidade de evitar perspectivas
singulares e homogêneas. Introduzem o conceito de literatura
menor, explorado ao longo do texto, que se refere a uma
literatura para as juventudes, rica em diversidade,
marcadores de pertencimento racial, de gênero, de
sexualidade, de território e religião. A literatura com/entre
jovens, permeada por interseccionalidades, ganha potência ao
abordar questões de diversidade e representatividade. Os
autores destacam a força da juventude, especialmente
quando engajada na leitura literária sensível, desafiadora e
problematizadora. Acreditam que, ao se envolverem com a
literatura, os jovens são capazes de refletir e repensar os
valores sociais presentes nas tramas da vida.
É com renovada expectativa que disponibilizamos este
livro à ampla comunidade acadêmica e aos demais indivíduos

26
interessados na esfera de estudo das Juventudes. O
compêndio que ora apresentamos proporcionará aos seus
destinatários e destinatárias perspectivas fascinantes acerca
das variadas territorialidades educativas das juventudes em
contextos diversos. Imbuam-se nestas narrativas. Concedam-
se a oportunidade de explorar um pouco mais sobre as
juventudes. Juntem-se a nós nessa jornada de conhecimento,
resistência e otimismo.

Desejamos uma excelente leitura!

Porto Alegre, janeiro de 2024.

Com carinho,

Victor Nedel e Miriam Lacerda


Os organizadores.

27
PREFÁCIO

Luis Antônio Groppo

Na escola foi o lugar onde eu mais senti racismo,


sabe? A escola foi o lugar que eu fui descobrindo
muitas coisas, então eu não me lembro do meu
Fundamental de forma positiva. [...] Um menino
xingou lá ela [sua colega negra] e eu perguntei pra
ele porque ele tinha feito isso e tal. Daí, depois a
gente desceu e foi para a direção e a diretora disse
simplesmente que ela tinha que se acostumar com
essas situações. Ou seja, tu vai ter que te acostumar
com o racismo porque eu, enquanto uma pedagoga,
uma diretora, não posso fazer nada. Foi isso que ela
disse. Então, é uma coisa que eu guardo [...].
(Marielle, quando estudante ocupou sua escola no
Pará em 2016, entrevista concedida em 2019 apud
GROPPO; SILVA, 2022, p. 140-141).

Acho que a relação com a escola muda. É uma


relação muito mais de apreço pela escola, de
cuidado com a escola. [...] em outras escolas, tinham
vários relatos muito fortes dos meninos que falaram
assim: “Ah, eu aprendi que a escola é minha e aqui
eu posso ser aceito”. E pautar as suas pautas
feministas, as pautas dos negros, as pautas LGBT
nas escolas. Então, esse movimento serve de alguma
forma para empoderar esses alunos, que
normalmente foram os alunos que puxaram as
ocupações para suas escolas. Porque é isso, esse
pessoal já mais marginalizado de alguma forma fica
tentando se politizar pela Internet, e aí, de repente,
viu que teve um movimento negro que ocupou uma
escola, e aí está fazendo um negócio lá na escola e
ele viu e achou bonito e, epa! A escola é meu lugar
também, e eu sou negro e eu estou achando que eu

28
converso muito bem, o que ele está falando faz total
sentido pra mim. Então acho que nesse sentido,
para as pautas identitárias ou anti-opressão, como a
gente gosta de chamar, a ocupação foi muito boa pra
se auto-afirmar, pelo menos naquele ambiente.
Porque às vezes você pode não conseguir se afirmar
em casa, ou na rua, porque você tem medo, mas na
escola você meio que usa esse espaço para se auto-
afirmar e nesse sentido acho que foi muito positivo.
(Resistência, quando estudante ocupou sua escola
em Goiás em 2016, entrevista concedida em 2020,
apud GROPPO; SILVA, 2022, p. 143-144).

Quando recebi o convite do organizador e da


organizadora deste livro, Victor Hugo Nedel Oliveira e Miriam
Pires Corrêa de Lacerda, fique bastante tocado pela escolha
de ser o seu prefaciador, pelo respeito e admiração por suas
obras e pesquisas. Logo ao ler a apresentação do livro, em
que Victor e Miriam explicam a origem dele, fiquei ainda mais
tocado pela sua motivação principal: pensar a relação entre
as juventudes e as escolas como disputas pelos sentidos e
usos de um território. Os capítulos do presente livro fazem
deste tema, a escola como território ressignificado pelas
juventudes, como mote para falar não apenas dele
propriamente dito, mas de vários outros temas de grande
relevância. Estes temas, nunca abandonando as juventudes e
o espaço escolar, trazem os próprios interesses e experiências
das autoras e dos autores, além de colocar este livro em
diálogo com a vanguarda do que tem se pesquisado em
juventudes na atualidade.

29
Mas o mote da obra me tocou também por me permitir
enxergar por outro ângulo o que jovens relataram em
entrevistas para pesquisa recente que eu coordenei, a
respeito das ocupações estudantis no Brasil em 2015 e 2016.
Há mesmo um capítulo aqui nesta coletânea que trata
diretamente do tema, que foi também um dos objetivos
específicos da disciplina que levou o mesmo nome deste livro
e que é mesmo a origem dele: as ocupações secundaristas
que lutaram contra regressões nas políticas educacionais e
sociais no Brasil. Daí que eu quis trazer como epígrafe desse
prefácio dois daqueles relatos de estudantes que
entrevistamos, ao que peço licença à organização e autorias
desta coletânea para constarem aqui.
Chamou-se muito a atenção o ensinamento contido na
Apresentação, tão básico para quem é do campo da
Geografia: o lugar é a categoria que se refere à identidade e ao
pertencimento no espaço; o território é a categoria que se
refere ao poder e às disputas no espaço. Daí fui buscar
relatos de jovens sobre as ocupações que continham a
palavra “lugar”. Na fala de Marielle, “lugar” ressoa mais como
“território”, já que a gestão escolar disputa com estudantes
negras e negros a relevância ou não de se punir o racismo no
espaço da escola. Deve-se ressalvar que Marielle fala de um
tempo anterior ao da ocupação, em que a escola aparece a
jovens negras e negros como espaço de discriminação e
preconceito, assim como para estudantes LGBTQIA+ e até
mesmo as meninas. Já na fala de Resistência, a seguir,

30
“lugar” trata propriamente da escola transformada em espaço
de cultivo das identidades, quando aquelas e aqueles
costumeiramente em posição de marginalidade e exclusão
ocupam em condição de igualdade a escola. Durante o tempo
das ocupações, algumas durando vários meses, outras
apenas alguns dias, dos muros para dentro da escola, ela
tendeu a se tornar um lugar apropriado política e
afetivamente por estudantes que a ocuparam, que narraram
para nossa pesquisa a construção de um “lar”, a criação de
uma “família” e um espírito comunitário e colaborativo. Mas
os mesmos depoimentos nos relataram que a escola ocupada
também era, agora em outra modulação e tramas, “território”
de disputas, entre quem era contra e a favor do movimento.
Narram ainda que, aqueles que eram contra, não apenas
governos, polícias e poder judiciário, mas por vezes parte da
própria sociedade civil, muitas vezes agiram com ameaças e
violência simbólica e física contra as e os estudantes
ocupantes.
Fico feliz com a potência destas duas categorias, “lugar”
e “território”, tão básicas para quem é do campo da Geografia,
mas inovadora para quem é da Sociologia, como eu, para
pensar e repensar as relações entre as juventudes e os
espaços sociais, incluindo a própria escola. Parece já um
poderoso argumento a favor do desenvolvimento de uma
Geografia das Juventudes, em diálogo com a mais clássica
Sociologia das Juventudes.

31
Considerando a relevância da Geografia das Juventudes,
mas propondo uma perspectiva interdisciplinar, a
organizadora e o organizador desta obra ofereceram a
disciplina “Juventudes e educação: a escola como território
juvenil” no âmbito do Programa de Pós-Graduação em
Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
como parte das ações do Grupo de Estudos e Pesquisas em
Juventudes e Educação. A disciplina foi realizada em 5
encontros, em 2023, de modo virtual, com a participação de
estudantes de pós-graduação de várias unidades de federação
de nosso país. A partir de seu objetivo geral, analisar a escola
a partir da tese de que ela é um território juvenil, foram
propostos entre os objetivos específicos, temas e questões que
se revelam nos conteúdos dos capítulos deste livro: além de
analisar as ocupações secundaristas como forma de
apropriação da escola pelas juventudes, como já havia sido
apresentado, constava conhecer o campo de pesquisa das
juventudes contemporâneas, interpretar as espacialidades
juvenis nos contextos educativos, reconhecer o trabalho como
agente educativo das juventudes e conhecer os efeitos da
pandemia da Covid-19 entre jovens do Brasil.
Como avaliação da disciplina, discentes deveriam criar
ensaios, ou textos dissertativos ou argumentativos, a partir
da bibliografia da disciplina, mas trazendo outras referências
com base em suas próprias pesquisas de pós-graduação.
Parte destes textos, apresentados originalmente como
trabalhos finais de disciplina, se constituíram nos doze

32
capítulos deste livro, que ora prefacio. Todos os capítulos
recorrem, fundamentalmente, à revisão bibliográfica como
principal método investigativo, mas em alguns capítulos
também são trazidas experiências profissionais, escolares e
pessoais. Em sua maioria, foram trabalhos coletivos, de
duplas a quintetos, em que discentes fizeram dialogar seus
interesses, desejos e investigações para tratar de um dos
objetivos específicos da disciplina.
Como dito também, os capítulos fazem parte de uma
espécie de vanguarda nas pesquisas sobre juventudes, como
bem devem saber fazer jovens que pesquisam jovens em
nosso campo acadêmico: a reflexão sobre os impactos da
pandemia da Covid-19 nas atuais gerações e em suas
relações com a escola; as subjetividades juvenis em meio ao
mito do empreendedorismo e às “reformas” trabalhistas; o
cotidiano escolar e seus dilemas no trato com as culturas
juvenis, a visibilidade trans, a literatura menor e a
abordagem inovadora da geografia; vulnerabilidades juvenis
no que se refere à saúde, incluindo a saúde mental; entre
outros temas.
Esta obra deve ser saudada, lida e apreciada, primeiro e
segundo, pelo que foi dito acima: a potência das categorias
geográficas de espaço, lugar e território, entre outras, nas
pesquisas sobre as juventudes; e o acesso a temáticas de
ponta no que se refere às mesmas pesquisas nos capítulos
aqui expostos. Há ainda outros motivos para conhecer e ler
esta obra, dos quais eu destaco a riqueza da experiência

33
didática propiciada pela disciplina que deu origem ao livro,
incluindo a generosidade e o empenho de levar as criações da
discência (seus trabalhos finais) a um público mais amplo na
forma de livro, assim como à capacidade de juntar a maioria
das e dos discentes em grupos para dialogarem na
construção destes trabalhos finais, cruzando experiências,
saberes e interesses.
Para quem pesquisa juventudes, mas também para
quem é docente que lida com jovens, me parece importante
conhecer esta obra e analisar o que ela bem propõe: entender
os espaços da escola e os tempos dos currículos como
territórios em disputa, como espaços que oscilam entre ser
território (em se digladiam poderes e resistências) e ser lugar
(quando discentes, mas também docentes, alojam suas
identidades e sentem ter suas pertenças). Assim, convido a
todas as pessoas interessadas, que leiam estes capítulos,
reflitam com autoras e autores, anotem as indicações
bibliográficas inovadoras e as questões investigativas de
ponta e, para quem estiver ao alcance, repitam a experiência
didática ímpar proposta por Victor e Miriam.
Alfenas/MG, janeiro de 2024.

Referência

GROPPO, Luís Antonio; SILVA, Gislene da. A participação de jovens


negras e negros nos movimentos secundaristas de 2015 e 2016 no
Brasil. In: GROPPO, Luís Antonio; SALLES, Ana Luísa Fayet; SOFIATI,
Flávio Munhoz. A presença da felicidade: ocupações estudantis no
Brasil em 2015 e 2016.Curitiba: CRV, 2022, p. 123-152.

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CARRERA, DOS ANJOS, BASSALO & EGGERT – Juventude(s) e Feminismo(s)
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

JUVENTUDE(S) E FEMINISMO(S):
O QUE DIZEM AS PESQUISAS EM EDUCAÇÃO

Ana Daniele Mendes Carrera


Thaiana Machado dos Anjos
Lucélia de Moraes Braga Bassalo
Edla Eggert

INTRODUÇÃO
Neste capítulo nos voltamos para a produção do
conhecimento que articula jovens mulheres e o feminismo e,
ao refletirmos a respeito do que tem sido produzido nos
cursos de pós-graduação em educação, ainda não
encontramos, como principais resultados expressivos,
pesquisas que envolvem e articulam os conceitos de
juventude e feminismo. Embora sejam temáticas que
possuem suas próprias questões epistemológicas, se
entrelaçam a partir da perspectiva de gênero em torno das
juventudes e de geração, quando pensamos na reorganização
do feminismo, tanto como movimento político, como um
campo de estudo.
Pensar juventude e feminismo a partir dos programas de
pós-graduação em educação, aponta para uma perspectiva
diferenciada, pois mesmo que na educação as mulheres
sejam maioria, na docência e na pesquisa, ainda não são foco

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CARRERA, DOS ANJOS, BASSALO & EGGERT – Juventude(s) e Feminismo(s)
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

de atenção, assim como a juventude também não é cerne das


preocupações neste âmbito.
Desta forma, apresentamos os resultados obtidos a
partir de um Estado do Conhecimento que teve como objetivo
analisar a produção de teses e dissertações dos programas de
pós-graduação em educação no que diz respeito à temática da
juventude e feminismo, no período de 2012 a 2022, decênio
que marca conquistas importantes para a juventude
brasileira, inclusive com a promulgação do Estatuto da
Juventude - Lei nº 12.852/2013 (Brasil, 2013).
De acordo com o Estatuto da Juventude, são
consideradas jovens as pessoas com idade entre 15 e 29 anos
(Brasil, 2013), compreendendo os/as jovens através do viés
etário. Essa concepção tradicional das juventudes é
permeada por uma visão natural, universal e evidente,
característica do estrutural-funcionalismo, assim como a
conceituação de que a juventude é uma transição para a vida
adulta, ou seja, os/as jovens “não são”, mas “serão” quando
se tornarem adultos, ligados a uma perspectiva de futuro, um
vir a ser, negando o tempo presente (Groppo, 2017).
Definir as juventudes, com base na faixa etária e/ou
fase de vida, nos conduz a um entendimento “superficial e
reducionista que limita à condição psicobiológica, toda a
complexidade que envolve o conceito” (Bassalo, 2012, p. 66).
Para além do recorte etário, a juventude é um grupo
geracional, uma vez que os e as jovens existem
materialmente, produzem significados e interagem com

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CARRERA, DOS ANJOS, BASSALO & EGGERT – Juventude(s) e Feminismo(s)
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

outros, num jogo complexo de interação e relação entre


pessoas de distintas gerações (Bassalo; Weller, 2015).
Portanto, a concepção de juventude enquanto geração, nos
permite compreendê-la como uma construção social e
histórica que permeia o processo de continuidades e
descontinuidades de uma geração a outra, em que as/os
jovens experienciam situações semelhantes da vida social
(Groppo, 2017).
Assim, ao refletirmos sobre jovens feministas1, nos
referimos também a uma nova geração de mulheres que se
reconhece a partir de um contexto social e compartilha
questões semelhantes, envolvendo a perspectiva de gênero.
As jovens feministas que estão nos movimentos/coletivos
feministas sinalizam que são pouco acolhidas nos
movimentos feministas adultos (Carrera; Bassalo, 2022) e,
por isso, passam a atribuir novos significados às pautas e
demandas que estiveram presentes em gerações anteriores, o
que nos permite observar as construções e desconstruções
que vem ocorrendo nos estudos que envolvem o feminismo e
a juventude (Bassalo; Weller, 2015; Mayorga, 2019).
Ao pensarmos sobre feminismos e juventudes,
destacamos que são poucas as pesquisas que se debruçam
sobre esse recorte na área da educação. A interlocução da

1 No Brasil, há diversos movimentos na primeira década dos anos 2000


que promoveram a articulação das jovens feministas, culminando com a
criação da Articulação Brasileira de Jovens Feministas, que
organizaram o histórico I Encontro Nacional de Jovens Feministas,
realizado de 13 a 15 de março de 2008 em Maracanaú - Ceará (Adeve,
2009).

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CARRERA, DOS ANJOS, BASSALO & EGGERT – Juventude(s) e Feminismo(s)
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

juventude e do gênero é identificada principalmente pelo viés


masculino, sem as particularidades das mulheres jovens nas
pesquisas (Weller, 2005), ou seja, no interior do movimento
feminista ainda ocorre a invisibilização das demandas das
jovens, assim como, ainda há uma ausência a respeito da
vida das mulheres nos estudos sobre juventude (Mayorga,
2019).

AS PESQUISAS NOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO


EM EDUCAÇÃO
Nosso estudo trata-se de uma reflexão teórico-
bibliográfica de natureza qualitativa, através da construção
do Estado do Conhecimento, o qual nos proporciona “reflexão
e síntese sobre a produção científica de uma determinada
área, em um determinado espaço de tempo” (Morosini;
Fernandes, 2014, p. 155). Direcionamos nossos olhares para
as produções realizadas no campo da educação, a fim de
compreender o que foi produzido nos programas de pós-
graduação em educação a respeito da articulação entre
juventude(s) e feminismo(s).
Para a constituição do corpus da pesquisa, utilizamos a
metodologia empregada por Morosini; Fernandes (2014), com
a construção do Estado do Conhecimento passando por três
etapas: a consulta bibliográfica, com a seleção de descritores
relacionados ao tema da investigação; a leitura flutuante,
com o objetivo de construir a bibliografia anotada e
sistematizada, e, por fim, a construção de categorias.

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CARRERA, DOS ANJOS, BASSALO & EGGERT – Juventude(s) e Feminismo(s)
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

As pesquisas ocorreram nos principais repositórios de


teses e dissertações do Brasil: Banco de Teses e Dissertações
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES) e Biblioteca Digital Brasileira de Teses e
Dissertações (BDTD). Utilizamos as seguintes palavras
combinadas entre si e separadamente: juventudes, jovens,
mulheres e feministas, tendo como recorte a produção
científica dos programas de pós-graduação em educação,
entre 2012 a 2022.
Durante a realização da primeira etapa do Estado do
Conhecimento, com base nos descritores pesquisados,
observamos que há um volume considerável de estudos que
envolvem as temáticas “juventude(s)” e “feminismo(s)”,
especialmente nos programas de pós-graduação em
Psicologia, Serviço Social e Ciências Sociais, mas, ao
direcionar para os programas de pós-graduação em
Educação, os trabalhos tornam-se escassos.
Foram localizados 38 (trinta e oito) trabalhos, sobre os
quais realizou-se a leitura flutuante dos resumos e, a partir
desse olhar inicial, o corpus definitivo para as análises, que
foi composto por sete trabalhos, sendo quatro teses e três
dissertações, os quais apontamos a seguir.
A pesquisa desenvolvida por Lucélia de Moraes Braga
Bassalo, denominada “Entre sentidos e significados: um
estudo sobre visões de mundo e discussões de gênero de
jovens internautas”, é uma tese apresentada à Universidade
de Brasília. A autora buscou “reconstruir as orientações

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CARRERA, DOS ANJOS, BASSALO & EGGERT – Juventude(s) e Feminismo(s)
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

coletivas de jovens mulheres feministas, seus


posicionamentos e interpretações, sentidos e significados,
sobre gênero, a partir de imagens disponibilizadas no
Dialogoj2, no período de 2007 a 2011” (Bassalo, 2012, p. 28).
O trabalho intitulado “Quem precisa do feminismo?
Pedagogias e narrativas feministas no Tumblr”, realizado por
Quesia Silva do Carmo, é uma dissertação desenvolvida na
Universidade Federal da Bahia. A investigação procurou
“compreender como o feminismo tem sido disseminado em
rede e que tipos de pedagogias ele cria a partir da análise de
narrativas de blogs autodeclarados feministas no Tumblr3”
(Carmo, 2017, p. 10).
Ana Daniele Mendes Carrera, em sua dissertação
nomeada “Futuras Professoras e Feministas: a construção de
uma docência voltada à equidade de gênero”, realizada na
Universidade do Estado do Pará, intencionou “compreender
como o vínculo de jovens estudantes de licenciatura com o
movimento feminista influenciou na percepção do lugar da
docência e das relações de gênero na formação de uma

2 Blog da ABJF - Associação Brasileira de Jovens Feministas


denominado Dialogoj “Diálogo Jovem uma Agência de Notícia Jovem e
Feminista” (Bassalo, 2012).

3 Sobre o Tumblr: é uma plataforma que une características de rede


social e de blog tradicional, criado em 2007 por David Karp. Sua
principal característica de blog é a possibilidade de criação de uma
página pessoal personalizada para cada usuário em que as postagens
aparecem em ordem cronológica da mais recente para a mais antiga. E
o que a diferencia das demais plataformas de blog, é a presença de uma
linha do tempo, similar a de redes sociais como Facebook e Twitter
(Carmo, 2017. p. 10).

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CARRERA, DOS ANJOS, BASSALO & EGGERT – Juventude(s) e Feminismo(s)
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

sociedade pautada no respeito e na equidade de gênero”


(Carrera, 2019, p. 16).
A pesquisa de Patrícia Karla Soares Santos Dorotéio,
denominada “Feminismos, redes sociais e modos de vida: a
experiência militante de jovens professoras”, é uma tese
apresentada à Universidade Federal de Minas Gerais. A
investigação pretendeu “compreender a singular existência da
experiência da docência militante, em seus saberes, em suas
relações de poder, em suas formas de subjetivação” (Dorotéio,
2022, p. 78).
A dissertação “Elas que lutam: diálogos entre
ciberfeminismo e a educação escolar como prática para
liberdade”, da pesquisadora Siliara Borges Ritta, apresentada
à Universidade Federal de Santa Catarina, objetivou
“investigar, no ambiente escolar, a relação entre os discursos
ciberfeministas e as práticas pedagógicas feministas que
fomentam o processo de empoderamento das jovens” (Ritta,
2021, p. 19).
A investigação realizada por Carla de Oliveira Romão,
denominada “Do protagonismo à liderança: trajetórias de
jovens mulheres em tempos de democracia e de golpe”, é uma
tese vinculada à Universidade Federal de Juiz de Fora. Teve
como objetivo “compreender quando e como as jovens
mulheres constituíram-se como sujeitas políticas ativas no
cenário nacional” (Romão, 2021, p. 118).
A tese de Jéssica Kurak Ponciano, com o título
“‘Ninguém mandou você engravidar!’: um estudo de caso sobre

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CARRERA, DOS ANJOS, BASSALO & EGGERT – Juventude(s) e Feminismo(s)
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

a evasão escolar de jovens mulheres”, apresentada à


Universidade Estadual Paulista, teve como objetivo central
“identificar as motivações e as causas da evasão de alunas
jovens de uma escola estadual, localizada no município de
Presidente Prudente – SP” (Ponciano, 2022, p. 19).
Destacamos que todos os trabalhos foram produzidos
por mulheres no âmbito das universidades públicas do nosso
país, sendo cinco pesquisas desenvolvidas em universidades
federais e duas em universidades estaduais. Apesar da
quantidade de trabalhos encontrados não ser tão grande,
fazer esse destaque é, antes de tudo, reafirmar que apesar
dos processos de exclusão e opressão, as mulheres estão nas
universidades, ainda que na maioria sejam brancas,
construindo conhecimentos a partir das suas histórias e
experiências que historicamente não eram validadas e hoje
tem ganhado mais força com os estudos feministas e de
gênero.

JUVENTUDES E FEMINISMOS: ANÁLISE DAS TESES E


DISSERTAÇÕES
Procuramos identificar como as pesquisas conceituam e
abordam a(s) juventude(s); como tratam/definem o
feminismo; os locais que foram privilegiados como lócus das
pesquisas e a interlocução com as jovens feministas; as
abordagens, enfoques e procedimentos metodológicos para a
concretização das investigações.

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CARRERA, DOS ANJOS, BASSALO & EGGERT – Juventude(s) e Feminismo(s)
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

Por meio das pesquisas encontradas, constatamos a


diversidade de olhares construídos a partir dos conceitos de
juventude, como categoria de análise, e do próprio feminismo,
apontado por vezes como construção de uma identidade
política e/ou de um reconhecimento acerca das suas pautas
de luta e posicionamentos sociais. O diálogo desses conceitos
constrói uma outra percepção das juventudes, uma vez que:

a pesquisa voltada para os jovens não se


desliga das interrogações mais amplas sobre
a vida social e qualquer avanço nesse campo
poderá favorecer o desenvolvimento de novos
conhecimentos dos processos sociais que
afetam o conjunto da sociedade (Sposito,
2009, p. 39).

Assim, através do Estado do Conhecimento,


identificamos que a categoria juventude(s) aparece nos
trabalhos de forma central por meio da expressão “jovens” e
está diretamente ligada a identificação das participantes da
pesquisa, sendo jovens mulheres, caracterizadas como:
“feministas”, “estudantes” e “professoras”.
A compreensão das juventudes nas teses e dissertações
se relaciona com o que as jovens são, seus posicionamentos e
suas visões de mundo em uma determinada perspectiva,
como a luta de jovens feministas através das redes, as
percepções de futuras professoras sobre a docência, a
militância de jovens professoras, o empoderamento de jovens
no ambiente escolar e a evasão escolar de jovens mulheres

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CARRERA, DOS ANJOS, BASSALO & EGGERT – Juventude(s) e Feminismo(s)
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

grávidas (Bassalo, 2012; Carmo, 2017; Carrera, 2019; Ritta,


2021; Romão, 2021; Dorotéia, 2022; Ponciano, 2022) .
Entendemos a(s) juventude(s) como uma categoria social
a partir da sua pluralidade, sendo impossível unificar e
homogeneizar o ser jovem, por isso, nomeamos como
“juventudes” por carregarem múltiplos significados quanto a
“ser jovem” na contemporaneidade, considerando o contexto
social em que estão inseridas e suas influências, o que nos
permite também refletir sobre as várias possibilidades para a
análise (Oliveira, 2021). Nesse sentido,

Delimitar a juventude implica em, por um


lado, reconhecer seu caráter relacional, já
que implica em compartilhar com outras
pessoas, sejam outros/as jovens ou não
jovens, a experiência de estar no mundo em
determinado tempo e lugar e, por outro lado,
reconhecer que, em cada sociedade, em cada
momento da história, a juventude assume
distintas características e singularidades
(Bassalo, 2012, p. 95).

Nas pesquisas de Bassalo (2012); Carrera (2019); Carmo


(2017); Dorotéio (2022), identifica-se a juventude por um viés
geracional, sendo que os dois primeiros trabalhos
fundamentam esse conceito a partir da teoria das gerações
mannheiminiana. Os dois últimos não sinalizam o conceito
de forma explícita, mas caracterizam o ser jovem através do
uso das tecnologias digitais, sendo a geração que mais utiliza
as redes sociais como um espaço de manifestação das

44
CARRERA, DOS ANJOS, BASSALO & EGGERT – Juventude(s) e Feminismo(s)
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

juventudes. Já Ritta (2021) e Ponciano (2022) trazem como


marcador inicial a faixa etária, devido a centralidade da
pesquisa ser desenvolvida em torno de estudantes que estão
em fase escolar.
A investigação de Carrera (2019) se fundamenta no
conceito de juventude através da perspectiva geracional da
teoria das gerações de Karl Mannheim, identificando que as
jovens dentro do movimento feminista possuem outras
demandas, de acordo com as suas particularidades e
experiências enquanto sujeitos sociais. Nesse sentido, aponta
as diversidades dos feminismos, trazendo o conceito da
interseccionalidade para caracterizar as participantes da
pesquisa (Carrera, 2019).
Carmo (2017) não utiliza a juventude como uma
categoria de análise, mas faz algumas constatações a partir
de vivências empíricas, especialmente da juventude enquanto
internautas e maior grupo de consumidores de conteúdos
produzidos na rede social. Indica que as jovens mulheres têm
contato cada vez mais cedo com o feminismo e a
pesquisadora atribui, como um dos corresponsáveis, as redes
sociais.
Dorotéio (2022) traz três concepções a respeito das
“jovens professoras”, inicialmente demarca que são
professoras que estão na primeira década de atividade
docente, posteriormente indica o sentido de juventude a
partir da militância, da revolução e transformação social, e

45
CARRERA, DOS ANJOS, BASSALO & EGGERT – Juventude(s) e Feminismo(s)
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

então, demarca como grupo geracional, como uma geração


que está à frente na utilização das redes sociais.
Romão (2021) nos instiga a pensar que a juventude
brasileira é nomeada diferente da forma como grande parte
dos/as jovens vivem, onde ser jovem e ser mulher são duas
marcas sociais que limitam a trajetória social dessas sujeitas.
Por isso, a importância de contribuir na constituição “de um
histórico sobre as jovens mulheres como sujeitas ativas no
cenário nacional, assim como a sua visibilidade na arena
política” (Romão, 2021, p. 9), vislumbrando que as jovens
mulheres sejam consideradas como sujeitas políticas e que os
seus “diversos pertencimentos possam ser considerados na
formação das políticas públicas e na organização escolar”
(Romão, 2021, p. 9). Ponciano (2022) também vai ao encontro
dessa compreensão, assumindo a importância de pensar a
juventude através da perspectiva de gênero para avançar e
legitimar os debates sobre as mulheres.
Sobre o feminismo, observamos que as pesquisas trazem
tanto uma compreensão através do movimento político de
luta dos direitos das mulheres, como desenvolvem seus
estudos em uma concepção mais abrangente, de identidade e
reconhecimento feminista, de posicionamentos sociais e uma
compreensão mais plural e crítica frente ao binarismo e à
heteronormatividade, e as relações de poder construídas
historicamente e mantidas pela sociedade patriarcal.
Apresentam também, na interlocução com o gênero, a
perspectiva interseccional que rompe com a ideia universal do

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CARRERA, DOS ANJOS, BASSALO & EGGERT – Juventude(s) e Feminismo(s)
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

ser mulher e apontam as diversidades em torno da classe,


raça e sexualidade. Ponciano (2022) traz à tona o debate
utilizando a perspectiva feminista para romper com a lógica
patriarcal, problematizando a gravidez de mulheres jovens
que não se sentem acolhidas no processo educacional e que
as exclui devido um sistema que continua reproduzindo que o
lugar da mulher prioritariamente deve ser o da maternidade,
no mundo do privado, trazendo o debate sobre o papel social
que as mulheres ocupam historicamente.
A pesquisadora utiliza as questões de gênero para
compreender a relação entre maternidade, evasão escolar e
juventude, identificando que as jovens evadidas não possuem
rede de apoio, na maioria das vezes, são responsáveis pelo
cuidado e sustento das crianças, o que as leva ao ingresso
informal no mercado de trabalho não qualificado. A
maternidade é um fenômeno que as desloca da vida de
mulheres jovens para a vida adulta, com responsabilidades
no âmbito doméstico, além de acreditarem que são as únicas
responsáveis pelo fracasso escolar (Ponciano, 2022).
Vale ressaltar que os trabalhos também trazem a
denúncia da perspectiva adultocêntrica que o movimento
feminista historicamente apresenta e os tensionamentos
gerados como consequência quando grupos se
autodenominam “jovens mulheres feministas” e reivindicam
pautas específicas que consolidam sua identidade enquanto
grupo (Romão, 2021). Estes movimentos ainda são tímidos,
pois a invisibilização dupla das mulheres jovens é uma

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CARRERA, DOS ANJOS, BASSALO & EGGERT – Juventude(s) e Feminismo(s)
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

realidade, enquanto gênero e geração, uma vez que “as


mulheres jovens possuem especificidades que devem ser
visibilizadas nos movimentos feministas e de juventudes”
(Bassalo, 2012, p. 148).
Sobre o lócus das pesquisas, identificamos que dos sete
trabalhos, duas investigações envolveram a educação formal,
uma teve como foco a escola pública de educação básica e a
outra envolve os cursos de licenciatura da educação superior.
A educação formal, situada através da escola e da
universidade, enquanto instituições, pertencem a uma
estrutura de desigualdades, cujas relações estão pautadas
por diversos sistemas de poder, dentre eles o patriarcado, o
racismo, o colonialismo, bem como o conflito de gerações e a
noção de adultocentrismo, interferindo diretamente na forma
de constituir-se uma mulher jovem ou uma jovem mulher
(Mayorga, 2019), por isso, consideramos que, pontuar essas
duas categorias no espaço institucionalizado de educação é
uma resistência a própria construção social.
Contudo, nos chamou atenção a realização de cinco
trabalhos desenvolvidos em espaços não formais de
educação, sendo que quatro tiveram o ciberespaço como
campo de pesquisa. Em relação ao ciberespaço, indicado nas
pesquisas através das redes sociais, como facebook e blogs,
as autoras fazem a articulação da militância feminista em
rede, como um importante espaço de manifestação, vivências
e aprendizagens que está ligado a uma geração de jovens

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CARRERA, DOS ANJOS, BASSALO & EGGERT – Juventude(s) e Feminismo(s)
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

mulheres que utilizam a internet para alcançar cada vez mais


pessoas, pois:

A internet permite ao indivíduo criar suas


conexões, selecionar os conteúdos aos quais
se engaja, produzir textos e mensagens e
divulgá-las a um grande público. Desse
modo, grupos sociais, ou mesmo indivíduos,
passam a ter condições mais propícias para
construir suas mobilizações e suas redes de
apoio (Dorotéio, 2020, p. 25).

Nos últimos anos, o que estamos acompanhando é uma


juventude muito mais conectada, parte de uma geração
internauta (Bassalo, 2012), que vem experimentando novas
linguagens e formas de ser e de se relacionar, afetando
também as suas subjetividades. Através das tecnologias, as
juventudes constroem novas possibilidades de atuação social,
inclusive de participação coletiva, como a cibermilitância ou
ciberativismo, identificado nos estudos analisados, como o
ciberfeminismo.
O debate em torno do ciberfeminismo (Bassalo, 2012;
Carmo, 2017; Ritta, 2021) engloba tanto a perspectiva da
militância de jovens mulheres que se inserem no contexto
digital, como a de um novo feminismo, que está presente nas
redes e busca a superação das diferenças geracionais que
ocorre dentro do próprio movimento feminista. É apresentado
nas pesquisas como um espaço importante para articular as
ações coletivas e também, como uma ação pensada a partir
da construção de um novo agir de mulheres jovens.

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CARRERA, DOS ANJOS, BASSALO & EGGERT – Juventude(s) e Feminismo(s)
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

Bassalo (2012) dedicou-se a compreensão da geração


internauta ao entrelaçar juventude, geração e
contemporaneidade, indicando as formas contemporâneas de
interação social das/os jovens por meio de acesso à internet.
O ciberfeminismo, uma forma de cibermilitância no campo do
feminismo, também foi um conceito chave da investigação,
apresentando a perspectiva de gênero numa posição crítica
sobre o binarismo e a heteronormatividade. Ao concluir a
pesquisa, Bassalo (2012) constata que o ciberfeminismo é
uma estratégia de integração entre jovens mulheres
brasileiras que se interessam pelo feminismo ao assumirem a
defesa da justiça de gênero.
Para Carmo (2017), no ciberespaço, o feminismo é
definido pelas mulheres que participam da rede social, a
partir das suas constatações, necessidades e experiências,
dentre elas: cultura do estupro, autoimagem, assédio sexual,
desigualdade salarial, homofobia e racismo, cujas pautas
dialogam com o feminismo interseccional. O trabalho indica
que as redes sociais têm sido um espaço de prática de uma
pedagogia crítica feminista, onde seus membros consomem
produtos da indústria cultural de massa, mas ao mesmo
tempo, os criticam, denunciam e reivindicam melhores
representações para as minorias (Carmo, 2017).
O estudo de Ritta (2021) indica que atualmente existe
uma grande presença de meninas jovens nos debates
feministas que ocorrem pela internet, na qual o
ciberfeminismo constitui-se num espaço de empoderamento

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CARRERA, DOS ANJOS, BASSALO & EGGERT – Juventude(s) e Feminismo(s)
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

que contribui na construção da identidade de jovens


mulheres, tornando-se um espaço importante de
aprendizagem em torno do sexismo, machismo e do
preconceito na escola, a partir da relação entre a pedagogia
feminista e a pedagogia do oprimido.
Em relação à metodologia, todas possuem abordagem
qualitativa, dentro de uma perspectiva de ler e pronunciar o
mundo, como nos convocam Danilo Streck (2006) e Edla
Eggert (2015), rompendo com a lógica androcêntrica da
ciência, visibilizando e colocando a escuta das jovens
mulheres e/ou suas formas de produzir conhecimento. Três
estudos, deram enfoque a fenomenologia social através da
abordagem sociológica (Bassalo, 2012; Carrera, 2019) e da
abordagem filosófica (Ponciano, 2022), levando em
consideração a percepção das jovens mulheres sobre o
contexto que estão inseridas.
A pesquisa de Bassalo (2012) traz a análise de imagens
do blog Dialogoj por meio do método documentário e indica
duas orientações coletivas: “a participação como princípio das
relações intergeracionais no movimento feminista e a recusa
das injustiças de gênero da invisibilização ou hierarquização
das mulheres” (Bassalo, 2012, p. 230). Carmo (2017) segue
pelo caminho da coleta de dados através da internet, da
organização das imagens escolhidas através da observação na
rede social Tumblr.
Cinco investigações estiveram em diálogo direto com as
pessoas que compuseram seus corpus de pesquisa, utilizando

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CARRERA, DOS ANJOS, BASSALO & EGGERT – Juventude(s) e Feminismo(s)
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

como técnica: entrevista narrativa (Carrera, 2019), estudo de


caso (Ritta, 2021) e entrevista semiestruturada (Romão,
2021; Ponciano, 2022). Por meio do contato direto com as
jovens, através das entrevistas, tem-se a valorização das
participantes e das suas experiências. Apenas um trabalho
apresenta duas técnicas de coletas de dados na sua
construção metodológica, a entrevista e a netnografia
(Dorotéio, 2020).
Essa análise descritiva metodológica das pesquisas nos
possibilitou compreender de que forma foi pensada a
construção do processo investigativo com as juventudes.
Todas as técnicas utilizadas dão enfoque a uma determinada
forma de analisar e de se aproximar dos sentidos que as
jovens passam a atribuir a determinadas manifestações,
tanto das juventudes, quanto dos feminismos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base nas análises das pesquisas realizadas nos
últimos dez anos, observamos o quanto os estudos sobre
juventudes e feminismos, de forma interseccionada, ainda
são acanhadas na área da Educação, o que replica o cenário
da pós-graduação de forma geral, onde não há uma tradição
da realização de pesquisas e estudos que deem lugar de
destaque para esse grupo geracional e este movimento
social/teórico.
É possível ponderar que o tema dos estudos feministas e
a realização de pesquisas nesta perspectiva teórica é ainda

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CARRERA, DOS ANJOS, BASSALO & EGGERT – Juventude(s) e Feminismo(s)
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

muito recente nas Universidades e, portanto, ainda está em


processo de ser tema investigativo em todas as áreas do
conhecimento. Experiências de ensino que integram a
temática, causam espanto, inclusive na pós-graduação4, ao
mesmo tempo que nos levam a sensibilização de futuras/os
pesquisadoras/es para as temáticas que cercam o campo de
estudos feministas e os estudos de gênero.
Os estudos em torno da articulação das juventudes e
feminismos retomam a discussão acerca do reconhecimento
das mulheres jovens como sujeitos de direitos, das suas
experiências e relações construídas na vida social, por isso,
levar esse debate para os próprios cursos de pós-graduação
em educação, é incluir como importante para a produção do
conhecimento no campo educacional.
É imprescindível a realização de pesquisas que busquem
aproximar os dois campos teóricos, na articulação entre as
categorias e experiências, para que nossos saberes e fazeres
sejam capazes de gerar conhecimentos teóricos e práticos,
além de alicerçar políticas públicas consistentes para as
jovens mulheres.

4 O artigo de Eggert (2019) revela uma experiência produzida em aula


na pós-graduação constatando que a maior parte da turma nunca havia
lido um texto sequer de autoras feministas.

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CARRERA, DOS ANJOS, BASSALO & EGGERT – Juventude(s) e Feminismo(s)
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

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57
MARIRO – Gênero, diversidade e a escola
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

GÊNERO, DIVERSIDADE E A ESCOLA

Blue Mariro

INTRODUÇÃO
De acordo com Abramo (1997) nos últimos anos tem
crescido a atenção sobre a população de jovens, seus
aspectos culturais, vivência, experiência, etc. Mais de duas
décadas depois da publicação da autora, é possível observar
que as discussões sobre inclusão, diversidade e permanência
de corpos LGBTI+ na escola estão se desenvolvendo.
Os corpos LGBTI+ são sujeitos que historicamente são
massacrados pela cis-heteronormatividade e pelo cissexismo,
que devido as violências estruturais, emocionais e físicas
sofridas no espaço escolar apresentam um alto índice de
evasão escolar.
Desvelando outra face da escola e das violências
lgbtransfóbicas, uma parcela da população LGBTI+
significativamente atingida e potencialmente invisibilizada é a
de pessoas transexuais, transgêneros e travestis. Há um
visível fracasso de garantir a segurança, permanência e
existência de corpos trans no ambiente escolar, seja na
condição de alunos (as), professores (as) e ou funcionários
(as). Sendo estes sujeitos parte dessa juventude LGBTI+
(re)existindo no chão da escola.

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MARIRO – Gênero, diversidade e a escola
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

A juventude trans experiencia todos os desafios


possíveis para concluir a sua formação no ensino básico,
entre alguns destes desafios é possível elencar a transfobia
institucional, que não reconhece o corpo trans, a sua
dignidade, e o seu nome social. O cissexismo que impõe e
reforça normas de gênero. De acordo com Jesus (2012, p.28)
“Para as pessoas trans em particular, o cissexismo invisibiliza
e estigmatiza suas práticas sociais”. A insegurança alimentar
advinda da desigualdade social, e ou consequência da
ausência de apoio familiar, que na maioria dos casos é
refletida em expulsão destes alunos e destas alunas de casa e
por fim, a evasão (expulsão) escolar que é potencializada
devido a toda essa estrutura transfobia pela qual pessoas
trans são afetadas. Para a comunidade trans concluir os
estudos é um processo desafiador, mais um de tantos...
A pessoa trans mantém um perfil distante e presente
apenas no imaginário cissexista da sociedade, sendo expulsas
de casa, despedidas dos empregos formais após a transição,
escondidas em subempregos, na situação de rua, ou tendo
como renda na maioria dos casos UNICAMENTE o trabalho
sexual.

A ESCOLA, O ESTATUTO DA JUVENTUDE E O DIREITO A


DIVERSIDADE
O senso comum na sociedade ocidental reforça que a
juventude “é muito nova” para se autodeclarar uma pessoa
trans, e que essa “escolha” só deveria ser realizada após uma

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MARIRO – Gênero, diversidade e a escola
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

determinada idade. Ignorando que a transexualidade é uma


condição biopsicossocial e independentemente da idade é um
direito a ser garantido. Sobre o direito do jovem, a sessão IV
do Estatuto da juventude é referente ao direito a diversidade
e igualdade (2013)

O jovem tem direito à diversidade e à


igualdade de direitos e de oportunidades e
não será discriminado por motivo de:
I - etnia, raça, cor da pele, cultura, origem,
idade e sexo;
II - orientação sexual, idioma ou religião;
III - opinião, deficiência e condição social ou
econômica (BRASIL, 2013, p.5)

Desta forma, no próprio Estatuto da Juventude (2013) o


direito a diversidade é elencado. O florescimento da juventude
trans na escola é visto de forma negativa pela parcela
conservadora da sociedade, o fundamentalismo religioso, e os
conflitos políticos ocorridos nos últimos anos no Brasil
tensionaram mais essa questão. Ainda há no imaginário cis-
heteronormativo que a juventude trans vive “uma fase” e ou
“quer chamar atenção”, sendo definida como uma “modinha
de Twitter”. De acordo com Abramo (1997)

De um modo geral, pode-se dizer que a


“juventude” tem estado presente, tanto na
opinião pública como no pensamento
acadêmico, como uma categoria propícia
para simbolizar os dilemas da
contemporaneidade (ABRAMO, H. W, p.29,
1997).

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MARIRO – Gênero, diversidade e a escola
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

A mídia fundamentalista, alarmista, declaratória,


vinculada a “extrema direita”, ao bolsonarismo e ao
fundamentalismo religioso, trata a escola como um ambiente
pelo qual a juventude é contaminada pelo “vírus do
transexualismo (sic)”, pela “modinha do Todes”, pelo pronome
neutro, neolinguagem, etc. Ao longo dos últimos anos
diversos projetos de lei foram submetidos para aprovação
com o intuído de proibir a discussão de gênero nas escolas, a
utilização de neolinguagem em ambientes públicos, a
diversidade, entre outros temas.
A escola como um reflexo das demandas e vivências da
sociedade recebe cada vez mais alunos e alunas que estão
questionando o seu gênero ou que se autodeclaram trans, e o
com o surgimento desta demanda, as tensões sociais dentro
deste ambiente são cada vez evidentes.

A tematização da juventude pela ótica do


“problema social” é histórica e já foi
assinalada por muitos autores: a juventude
só se torna objeto de atenção enquanto
representa uma ameaça de ruptura com a
continuidade social: ameaça para si própria
ou para a sociedade (ABRAMO, H.W, p.29,
1997)

A juventude trans para esta parcela conservadora da


sociedade é considerada um problema, uma ameaça a
“família tradicional brasileira”, ao “cidadão de bem”, e é um
fruto do “kit gay e mamadeira de piroca”, todos estes termos

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MARIRO – Gênero, diversidade e a escola
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

extremamente populares nos 4chans, chats de ódio, redes


sociais, grupos de Whatsapp e que vão diretamente de
encontro com a própria escola. Cada vez menos valorizada
pela sociedade conservadora, que esbraveja aos quatro cantos
que a escola tem como objetivo doutrinar as crianças.

Não é por acaso que a problematização é


quase sempre então uma problematização
moral: o foco real de preocupação é com a
coesão moral da sociedade e com a
integridade moral do indivíduo (ABRAMO, H.
W, 1997, p.29)

A grande ironia da exigência por um comportamento


moral, e do pensamento moral dessa parcela
fundamentalista, se para o imaginário conservador a escola
doutrina crianças a serem trans. Como seria viável essas
ações, se é nessa mesma escola que essa população sofre
violência? No fim das contas, a juventude trans é
bombardeada de todos os lados pela transfobia. Seja na
escola ou fora dela, toda pessoa trans será considerada um
desvio da integridade moral.

A SALA DE AULA COMO UMA MICRO SOCIEDADE


Na perspectiva da sala de aula como uma micro
sociedade, reflexo de determinados pensamentos, práticas, e
culturas, este ambiente faz com que as próprias tensões
ocorram entre os alunos-alunos e alunos-professores. Na
sociedade contemporânea brasileira é comum que em casa

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MARIRO – Gênero, diversidade e a escola
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

determinado (a) aluno (a) aprende que ser trans é “do diabo”,
ou “contra os costumes”, “uma escolha” ou “uma doença’. O
professor que ao presenciar esse tipo de fala dentro da sala
de aula, não propõe uma discussão, evitando uma
intervenção, acaba impedindo assim a desconstrução destes
estigmas, e em alguns casos este profissional não intervém
justamente por concorda com as falas anti-trans e em
determinados momentos reproduz ou reforça estes
pensamentos.

A sala de aula também torna-se um espaço


onde é visível a tensão entre o ser jovem e o
ser aluno. Nela ocorre uma complexa trama
de relações de alianças e conflitos entre
alunos e entre estes e os professores, com
imposições de normas e estratégias
individuais e coletivas de transgressão
(DAYREL, J. 2007, p. 1121)

Em contra partida outros alunos e também professores


trazem como referência para a sala de aula o respeito as
diferenças, a dignidade humana, o acolhimento, etc. Como
consequência estes alunos entram em conflito e o professor
acaba tendo que desenvolver estratégias para que o conflito
seja resolvido.
A dificuldade de falar sobre o tema gênero e diversidade
no ambiente escolar também é um reflexo da agenda
conservadora, que asfixia a autonomia da escola, dissemina
fake news, nomeia as discussões como “ideologia de gênero” e

63
MARIRO – Gênero, diversidade e a escola
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

estigmatiza os profissionais que decidem discutir tais


temáticas, os perseguindo, denunciando ou assediando.

O PROFESSOR TRANSEXUAL E A JUVENTUDE LGBTI+ NA


ESCOLA
Confesso que por muitos anos achei que nunca mais
conseguiria voltar para a sala de aula de uma escola, foram
mais de 30 negativas em entrevistas, a maioria dos
recrutadores suspendia imediatamente a entrevista quando
se deparava com um professor transexual. Enquanto o
recrutamento era apenas via e-mail a conversa fluía, mas ao
se deparar com a realidade, após a entrevista eu sempre
recebia o fatídico e-mail “não é isso que buscamos”.
Após anos consegui retornar a sala de aula, desta vez na
rede pública, tinha passado por um processo seletivo “às
cegas”, ou seja, fui classificado pelo meu currículo, não tinha
entrevistador, tive receio de como seria esse período, mas fui
positivamente surpreendido por estar em uma escola na qual
ser transexual não era necessariamente uma questão. Isso
não quer dizer que no começo não vivenciei desafios, um
deles, bem no começo foi com uma pessoa que naquele
período fazia parte do corpo docente.
“Se veste como mulher, fala como mulher, então é
professora”. A frase foi revelada em uma de minhas aulas.
Após o meu período de adaptação. Os alunos comentaram
que a frase foi proferida por uma pessoa que fez parte do
corpo docente da instituição. Confesso que fiquei na dúvida

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MARIRO – Gênero, diversidade e a escola
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

se existia mais um professor transexual além de mim, afinal,


nunca usei “roupas femininas”.
Comentei isso com os alunos de forma propositalmente
descontraída, aliviando a tensão experenciada, afinal mesmo
sofrendo a violência, eu necessitava mediar o conflito e
preparar eles para os embates da vida, afinal, são muitos.
Eles que tinham insistido com está pessoa “não é ela, é ele! É
PROFESSOR!!!!!”. Os alunos em questão eram LGBTI+ e
visivelmente demonstraram o incomodo de presenciar a
transfobia contra mim vindo de uma colega de profissão.
Refleti a partir disso como o processo de violência
diariamente atravessa a construção, permanência e defesa da
identidade transdocente. E como receber o apoio de colegas
de profissão, e dos alunos auxilia na defesa desta identidade.
Os alunos e as alunas ao entrarem em debate com a
pessoa docente demonstraram mais uma vez o quanto essa
juventude combativa tem se fortalecido apesar da escola
enquanto instituição ser um espaço majoritariamente
silenciador. Se reconhecer enquanto LGBTI+ neste espaço e
se organizar potencializa as possibilidades de defesa e
permanência destes corpos na escola.
O discurso cissexista presente na frase “se veste como
mulher, fala como mulher” demonstra o descolamento entre
identidade de gênero, orientação afetiva/sexual e
performance de gênero. Afinal o que seria falar como mulher?
Ter a voz aguda? O que é vestir como mulher? Usar vestidos,

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MARIRO – Gênero, diversidade e a escola
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

saias? Reiterando que não era meu caso, mas se fosse, nada
disso desvalidaria a minha identidade de gênero.
Na perspectiva de um discurso cissexista, a pessoa que
comete a transfobia utiliza de qualquer subterfúgio para
desvalidar a identidade de gênero da pessoa trans. Utilizando
de estereótipos que nem mesmo pessoas cis conseguem
contemplar, nem todo homem cis é alto, tem voz grave e um
corpo musculoso. Mas espera-se isso de uma pessoa
Transmasculina. Reflexo da frustração da pessoa cis que
comete transfobia em ter que lidar com corpos dissidentes
como iguais.
A pessoa docente atacou diretamente um colega de
trabalho transexual, mas esse comportamento poderia ser
vivenciado por qualquer um dos alunos ou das alunas
LGBTI+ que não teriam a sua identidade de gênero e ou
orientação afetiva respeitadas por essa profissional.

SÓ POR SER JOANINHA EU TENHO QUE SER MULHER?


EU SOU TRANSEXUAL
Durante o acolhimento na primeira semana de aula, eu
tenho algumas informações a passar aos alunos e as alunas,
e sempre lembro da personagem Francis do filme Vida de
Inseto (1998). Francis ao ser confrontado pelas moscas
declara: “Só por ser joaninha eu tenho que ser mulher?”.
Entre tantas frases proferidas por mim, uma se faz presente
neste primeiro contato: “Bom dia / boa tarde amores, tudo
bem com vocês? Sou o professor Blue Mariro, sou transexual,

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MARIRO – Gênero, diversidade e a escola
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

sendo assim me chamem apenas pelo masculino, alguma


dúvida?”.
Neste momento as reações são diversas, algumas com
curiosidade, outras com a questão de nunca terem tido
contato com uma pessoa transexual “de carne e osso”. Uma
pessoa transexual adulta e ocupando um cargo como o de
professor (a) gera repercussão entre estes alunos e alunas.
Principalmente os alunos e alunas LGBTI+. Sendo assim,
nesta sessão vou compartilhar alguns momentos em que fui
acolhido por meus alunos e alunas.
Após a minha apresentação no início do ano letivo
(2023) sentei e fui realizar a chamada, neste momento uma
aluna se aproximou timidamente com algo entre os dedos e
disse: “Essa é a sua bandeira né prof?”. Pausei a chamada
para observar e percebi que era um adesivo (imagem 1), a
minha primeira reação foi a de surpresa, agradeci e colei no
meu planner.

Imagem 1 - Adesivo de uma televisão com as cores da


bandeira trans e expressões de orgulho e visibilidade.

Autor: Mariro, Blue, 2023.

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MARIRO – Gênero, diversidade e a escola
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

O adesivo ofertado foi um gesto simples, mas a


verdadeira justificativa para a minha surpresa foi devido à
idade da aluna, uma criança de 10 anos com mais alteridade
e conhecimento sobre gênero que a maioria dos adultos que
já tive contato na vida.
Quase todos os bilhetes, desenhos, recados que meus
alunos e alunas fornecem para mim, acabo colando-os no
meu planner, uma forma de ter esse afeto sempre próximo a
mim. Entre um destes afetos, o aluno escreveu uma frase em
meu planner, “Oxalá é o dono do lugar” numa fonte que eles
chamam de “picho”, ele me disse que também era de
“religião”. No Rio Grande do Sul “ser de religião” significa
fazer parte de uma das religiões do complexo afro-gaúcho
(Umbanda, Quimbanda ou Batuque gaúcho).

Imagem 2 – Foto tirada no Estúdio 255 pelo tatuador


Rodrigo DHC – Porto Alegre - RS

Autor: Rodrigo DHC (2023)

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MARIRO – Gênero, diversidade e a escola
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

A categoria Lugar na Geografia corresponde ao


pertencimento. Quando li “Oxalá é o dono do Lugar” a
sensação foi tão forte, tão verdadeira, que senti na hora que
eu iria tatuar. Conversei com um dos tatuadores que eu mais
admiro e agendei a sessão. Quando cheguei com o braço
envolto em plástico alguns alunos ficaram curiosos, mas eu
disse que só poderia revelar a tatuagem após mostrar ao
autor. Escutei “Com licença professor...” e eu disse: “ah deixa
te mostrar a minha nova tatuagem”. Ele ficou muito
emocionado, mas não só ele, todos os alunos que souberam
ficaram. Emocionados, orgulhosos.
Recebi um bilhete (imagem 3) com meu nome em “fonte
Bomber” conforme palavras do próprio aluno. Confesso que
não fazia ideia do que era essa fonte, ou do que o aluno
estava tentando fazer até o resultado final. Mas foi entregue
com afinco e zelo.

Imagem 3 – O nome Blue Mariro escrito em fonte


bomber

Autor: Mariro, Blue, 2023.

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MARIRO – Gênero, diversidade e a escola
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

Alguns meses depois ouvi de um colega de trabalho, “é


incrível como determinadas pessoas com tantos pensamentos
“bolsonaristas”, gostam tanto do Blue”. Comecei a perceber
que ser bem recebido e acolhido por meus alunos e pelas
alunas passou uma questão de debate entre os colegas.
Provavelmente esperavam que eu fosse odiado pela minha
condição, por ser um professor declaradamente transexual. E
com isso é necessário iniciar o debate sobre o “espaço
conquistado” que corpos transexuais vão exercendo ao longo
de sua caminhada e como a aceitação e ou não aceitação vão
ser assunto para debate entre pessoas cis.
O “espaço conquistado” pode ser definido como qualquer
espaço em que uma pessoa transexual ocupa sem ter tido
relação com a sua condição de gênero, ou seja, a pessoa
transexual transgrediu as condições impostas a si pelo
cissexismo e enfrentou a transfobia institucional para esta
ali. Não houve nenhum tipo de apoio, respaldo ou pessoas
aliadas envolvidas neste processo. A pessoa transgrediu
aquele espaço e conseguiu permanecer nele. Na maioria dos
casos é mais desafiador permanecer no local, afinal, as
agressões transfóbicas continuam a acontecer,
independentemente do cargo que a pessoa trans ocupe.
O espaço conquistado vai sendo mesclado diariamente
com todas as situações possíveis de transfobia, foi ocupado
sem políticas públicas, sem ações afirmativas, sem formação
ou preparado e na maioria das vezes as pessoas que vão
conviver diariamente com aquela pessoa trans nunca tiveram

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MARIRO – Gênero, diversidade e a escola
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

nenhum tipo de contato próximo com pessoas trans,


formação continuada, letramento sobre gênero ou ainda
possuem um imaginário completamente pautado no
imaginário cissexista de quem é homem ou de quem é
mulher.
No espaço conquistado de um professor transexual é
possível analisar o comportamento e as expressões de afeto
(imagem 4) que são atribuídas a aquele profissional.

Imagem 4 – Bilhete recebido por uma aluna

Autor: Mariro. Blue, 2023.

Além dos afetos, é necessário pontuar sobre os desafios


de sua permanência na escola e na educação de uma forma
geral. Em que o professor trans a partir da necessidade
formula mecanismos de acolhimento para a comunidade
escolar LGBTI+, com o intuito de combater a transfobia
institucional, realizando formações, desenvolvendo projetos,
debates, discussões entre outros, sobre gênero, diversidade,
direitos humanos, respeito, etc.

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MARIRO – Gênero, diversidade e a escola
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A juventude trans enfrenta inúmeros desafios para
experenciar a sua identidade de gênero, sendo
enfrentamentos semelhantes aos das juventudes LGB+ cis,
neste processo de ocupação do espaço da escola,
permanência na escola e conquista de sua formação no
ensino básico o cissexismo ainda é um agente de controle
destes corpos.
Desenvolver um discurso combatido contra o
fundamentalismo religioso, o bolsonarismo, a extrema direita
são ações necessárias para que a juventude LGBTI+ possa se
fortalecer e desenvolver a partir das suas próprias demandas
ações de combate as opressões cis-temicas sofridas.
Ter acesso desde cedo aos seus direitos básicos, aos
serviços públicos e discussões sobre o Estatuto da
Juventude, Os Direitos Humanos, e principalmente se
“enxergar” a partir do exemplo, a partir da visibilidade de ter
corpos como seu exercendo funções como a de professor
fortalecem essa juventude LGBTI+ nestes espaços que são
utilizados majoritariamente para o controle social.

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MARIRO – Gênero, diversidade e a escola
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

REFERÊNCIAS
ABRAMO. Helena Wendel. Considerações sobre a tematização
social da juventude no Brasil. Revista brasileira de
educação. Mai/Jun/Jul/Ago 1997 N º 5
Set/Out/Nov/Dez 1997 N º 6 p.25-36.

ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE TRAVESTIS E TRANSEXUAIS


(ANTRA). Dossiê dos assassinatos e da violência contra
travestis e transexuais brasileiras em 2020. São Paulo:
Expressão Popular, ANTRA, IBTE, 2021. 136p.

BRASIL. Lei. 12.852. Estatuto da juventude. 2013.


Disponível em: chrome-
extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://moo
dle.ufrgs.br/pluginfile.php/5795502/mod_resource/content/
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BRASIL. Estatuto da Juventude 2013. Estatuto da juventude:


atos internacionais e normas correlatas. – Brasília: senado
Federal, coordenação de Edições técnicas, 2013.

CONSELHO Nacional de Combate à Discriminação. Brasil


Sem Homofobia: Programa de combate à violência e à
discriminação contra GLTB e promoção da cidadania
homossexual. Brasília: Ministério da Saúde, 2004. 32p.

DAYRELL, Juarez. A ESCOLA “FAZ” AS JUVENTUDES?


REFLEXÕES EM TORNO DA SOCIALIZAÇÃO JUVENIL’,
Educ. Soc., Campinas, vol. 28, n. 100 - Especial, p. 1105-
1128, out. 2007 Disponível em http://www.cedes.unicamp.br

JESUS, Jaqueline Gomes de. Orientações sobre identidade de


gênero: conceitos e termos.. Brasília, 2012, p.42.

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BASSO, HUNDERTMARCK & TOLEDO – Juventudes, Educação e Trabalho
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

JUVENTUDES, EDUCAÇÃO E TRABALHO:


INQUIETAÇÕES DE/PARA/COM AS NOSSAS
PESQUISAS

Cheila Basso
Katiele Hundertmarck
Joilson de Souza Toledo

INTRODUZINDO AS INQUIETAÇÕES
A partir de nossas experiências com as juventudes, na
sala de aula e em outros espaços educativos, de modo geral,
consideramos que as políticas públicas voltadas às
juventudes se fundamentam em uma visão de sociedade
determinada pela cultura e pelo momento histórico que
vivemos, acrescida de posicionamentos de governo com base
no papel do Estado.
Em específico, com as juventudes, em nossa percepção,
as políticas públicas desenvolvem-se a partir de certas
demandas identificadas, em relação com mobilizações do
governo, em que pese, dos “problemas” que julga necessários
resolver, ou minimizar agravos em determinados contextos.
Nessa esteira, temos observado que fica a cargo de cada
governo motivar suas linhas de ação para criar programas
capazes de responder a determinadas situações, às quais, em
algumas situações reverberam demandas identificadas junto
às juventudes.

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BASSO, HUNDERTMARCK & TOLEDO – Juventudes, Educação e Trabalho
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

Para as discussões que construímos neste recorte,


estamos a pensar acerca da articulação entre a educação, as
juventudes e as políticas públicas para o trabalho que
incentivam, ou não, jovens a ingressarem e permanecerem,
ou não, em condições decentes de trabalho e de educação
para/com o trabalho.
Com as Políticas Públicas de Juventudes (PPJ) voltadas
à inserção no mercado/mundo1 de trabalho podemos
acrescentar a visão de trabalho, de educação e de juventudes.
De que jovens estamos falando nós e as referidas políticas
públicas? Como entendemos o processo de ensino-
aprendizagem e para que (m) ele destina-se? Que sociedade
se quer (des)construir? O jovem é preparado para o
mercado/mundo de trabalho ou para a vivência de seu
protagonismo? São questões que perpassam este debate e
têm mobilizado e deslocado nossas pesquisas com as
juventudes na educação.
No presente ensaio, a partir de uma visão multi e
interdisciplinar, intentamos apresentar inquietações
acadêmicas e profissionais que estão em nossas pesquisas e
na nossa atuação junto às juventudes no campo da transição
e da permanência para o mundo/mercado do trabalho. Desta
forma, o texto é tecido no diálogo entre percepções que
1 Questionamos se as referidas PPJ estão considerando o mundo ou o
mercado de trabalho para pensarem nas/com as juventudes, por isso, a
fim de provocarmos à reflexão de nossos leitores, escolhemos flexionar
nos dois modos para que possamos problematizar as diferenças
existentes entre o mundo do trabalho e o mercado de trabalho e não
para compreendê-las como semelhantes ou abrangentes as duas
possibilidades.

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BASSO, HUNDERTMARCK & TOLEDO – Juventudes, Educação e Trabalho
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

atravessam não só os textos, mas também nossos corpos e os


corpos das pessoas jovens com as quais trabalhamos. Com
isso, temos a pretensão de apenas elencar elementos que
perpassam as discussões que ora vivenciamos, haja visto
inquietações provocadas por esse campo de estudos.
Neste sentido, implicados pelas discussões dos
seminários da disciplina “Juventudes e Educação: a escola
como território juvenil”, do Programa de Pós-Graduação em
Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS), objetivamos trazer provocações ao campo de
pesquisas das/nas/com as juventudes, do trabalho, da
qualificação e em especial, de certos discursos do
empreendedorismo, para problematizarmos alguns modos
pelos quais temos visto iniciativas que buscam captar jovens
para o mundo/mercado do trabalho de determinados modos.

AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE JUVENTUDES VOLTADAS AO


TRABALHO NOS ÚLTIMOS ANOS: possibilidades para
construírem empreendedores
Quando revisitamos a história de como as políticas
públicas tentam/tentaram inserir as juventudes no
mundo/mercado trabalho, percebemos que “[...] o trabalho
também faz juventude [...]”, como nos disse Sposito (2005,
p.124). Por isso, temos a ciência de que trabalhar faz parte
das juventudes tanto que o trabalho é capaz de produzir
trabalhadores, assim como modos específicos de juventudes
que precisam e podem querer trabalhar. Ou seja, é contextual

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BASSO, HUNDERTMARCK & TOLEDO – Juventudes, Educação e Trabalho
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

a alguns jovens trabalharem de modo que podem ir se


constituindo em certos aspectos justamente porque
trabalham.
Nos últimos anos, acompanhamos algumas políticas
públicas que tentaram contemplar os jovens quanto aos
investimentos na transição da escola para o trabalho, na
conexão entre a educação e a orientação para o trabalho. Por
exemplo, nos anos 1995-2002, houve uma tendência
crescente no incentivo à ampliação de escolaridade com a
promessa de empregabilidade. Posteriormente, visualizamos o
estímulo ao primeiro emprego, programas de qualificação
educacional e profissional, assim como a articulação com
outras áreas na tentativa de reduzir desigualdades (Tommasi;
Corrochano, 2020).
Contudo, entendemos que tais limitados incentivos aos
jovens não foram capazes de construírem oportunos acessos
e permanências no mundo/mercado de trabalho decente
(Tommasi; Corrochano, 2020), o que, em nossa visão, pode
ter contribuído para a aproximação dos jovens ao chamado
empreendedorismo. A propósito, houve incentivo público
para que os jovens se dedicassem ao empreendedorismo,
como observamos com mais intensidade a partir dos anos
2010, em especial, para a população considerada de baixa
renda (Tommasi; Corrochano, 2020).
Também é por isso que não podemos dispensar os
atravessamentos de classe social que balizam tamanhas
desigualdades de acesso e permanência ao trabalho para os

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BASSO, HUNDERTMARCK & TOLEDO – Juventudes, Educação e Trabalho
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

jovens de classes menos favorecidas economicamente. Deste


contexto, ao que nos parece é que, os discursos do
empreendedorismo ganham espaço a partir das
possibilidades de uma fonte de renda sem vínculos
trabalhistas mais justos para as juventudes, em um cenário
de alta taxa de desemprego e/ou ausência de oportunidades
decentes de trabalho (Corrochano; Abramo, 2016).
Nos atrevemos a dizer, inclusive, que ainda hoje
percebemos um incentivo diferente para estudantes
dedicarem-se a profissões de acordo com a classe social a
qual pertencem. Nesta esteira, a construção histórica dos
marcadores sociais da diferença, como classe e etnia, também
deve ser considerada para pensarmos sobre como estamos
produzindo jovens trabalhadores na contemporaneidade.
Além disso, provocamos como tal “produção” de jovens
trabalhadores ocorre para o atendimento de quais demandas?
A que (m) serve os modos contemporâneos de “fabricação” de
tais trabalhadores? De que modo o discurso do
empreendedorismo tem ganhado espaço como uma
alternativa ao desemprego? Existem profissões de jovens
ricos? Há profissões de jovens pobres? Seriam as diferenças
sociais a base para a diversidade nas escolhas profissionais
das pessoas? Nesse cenário, preocupamo-nos mais em fazer
as perguntas do que tentar respondê-las.
À vista disso, percebemos e questionamos sobre alguns
discursos que captam jovens para o mundo/mercado de
trabalho por meio do investimento de si, da ideia de ser “seu

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BASSO, HUNDERTMARCK & TOLEDO – Juventudes, Educação e Trabalho
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

próprio patrão”, pregado pelo empreendedorismo na


conjuntura atual, em sua perspectiva capitalista e neoliberal.
Estamos entendendo, neste contexto, que o
empreendedorismo de si, em que cada jovem é incentivado a
investir em si (e investir muito), responsabilizando-se
individualmente por seus “fracassos” e seus “sucessos”
carregada mais das PPJ atuais do que escolhas pessoais dos
jovens. De que modo tem se produzido PPJ que favoreçam o
empreendedorismo em vez de condições de trabalho decente
com/para as juventudes?
Por isso, viemos tensionando que o modelo de
capitalismo neoliberal está exigindo novas habilidades que
nos desagregam, fazendo com que os investimentos
individuais sejam amplamente requeridos em detrimentos de
questionarmos a participação social na vida profissional
desses jovens. Assim, parece-nos coerente problematizar a
dicotomia entre empreender e sobreviver, quando percebemos
que para determinados jovens, a condição de empreender não
parece ser uma opção e sim uma necessidade para adequar-
se ao modo de sobrevivência na nossa sociedade capitalista,
em especial, para os mais pobres.
Queremos dizer com isso que, para as escritas que
estamos produzindo aqui, questionamos o empreender como
um movimento que surge a partir de um conceito
romantizado pelo capitalismo neoliberal para disfarçar
desigualdades sociais que são praticamente insuperáveis pela
forma de organização social atual. Pois bem, imaginamos que

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BASSO, HUNDERTMARCK & TOLEDO – Juventudes, Educação e Trabalho
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

muitos de nós lembramo-nos de jovens, ou fomos os jovens,


que desde sempre precisamos “dar um jeito” para sobreviver.
À primeira vista, parece-nos que, empreender tem ganhado
novas denominações para velhos problemas sociais da
exclusão de jovens das PPJ capazes, de fato, de produzirem
condições de acesso e permanência ao mercado/mundo do
trabalho decente.
Associado a isso, a conjuntura e suas multiplicidades de
fatores podem contribuir para o avanço dos discursos sobre
empreender como uma possibilidade de criação e inovação ao
trabalho “tradicional”. Como um exemplo, pensamos na
figura 1 para exemplificar o contexto das juventudes em
busca/necessidade de colocação no mercado/mundo do
trabalho.

Figura 1: Eu crio o meu futuro?

Fonte: SEBRAE, 2023.

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BASSO, HUNDERTMARCK & TOLEDO – Juventudes, Educação e Trabalho
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

A imagem de uma jovem, mulher e negra junto às frases


“eu crio o meu futuro” e “a força do sebrae, o poder das
mulheres”, associado ao convite para “ajudar e inspirar as
mulheres empreendedoras do Brasil” pode estar nos
remetendo a ideia de que cabe às jovens brasileiras
aproveitarem a oportunidade de contarem com o apoio para
exercerem seu empreendedorismo. Afinal, cabe a elas criarem
o seu futuro. Não podemos dizer que está errado empreender,
o que questionamos é a substituição de relações trabalhistas
possivelmente decentes pela precarização de um jovem
trabalhador que tem no empreendedorismo a única
possibilidade de se sustentar.
Assim, não há espaço para a discussão de
oportunidades formais de trabalho, dos direitos trabalhistas
dos jovens, que como sabemos, são fragilizados quando se
está empreendedor de si, ainda mais quando se é uma pessoa
pertencente à classe social com recursos financeiros
escassos. Aliás, ao captar os jovens para essa adesão, pode-
se até mesmo, alienar-se no sentido de construírem-se como
trabalhadores empreendedores de si como um desejo de
sucesso profissional. À vista disso, pensamos se há espaço
para o protagonismo juvenil junto às condições de trabalho,
como estão pensando sobre o empreendedorismo para suas
vidas?
Como vimos em Tommasi e Corrochano (2020), esse
empreendedorismo pode ser aquilo que já vínhamos
argumentando como uma alternativa à falta de trabalho para

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BASSO, HUNDERTMARCK & TOLEDO – Juventudes, Educação e Trabalho
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

os jovens. Parece-nos que o discurso do empreendedorismo


tem captado os jovens como sendo uma característica
necessária a todos os trabalhadores (Tommasi; Corrochano,
2020), e tal modo que, mesmo que com a inserção em um
trabalho, é preciso movimentar-se para buscar pensar
diferentes e inovadoras maneiras de criar formas de fazer algo
surpreendente. Ou seja, há de se viver para trabalhar,
ocupando-se com afazeres e com modos de se pensar outros
afazeres possíveis. Sendo assim, qual jovem teria
disponibilidade de problematizar outras questões?
Na pandemia de Covid-19, durante a qual a campanha
da figura 1 foi publicizada, observamos um alargamento nos
incentivos ao empreendedorismo como uma estratégia
neoliberal de se pensar e criar novas oportunidades sem
recursos públicos. O que observamos foram jovens expondo-
se ao contágio pelo coronavírus para sobreviverem, em um
intenso processo que foi chamado de “uberização” para
denominar a precarização do trabalho.
Neste cenário, percebemos os atravessamentos das
vulnerabilidades que aumentaram assim como o reflexo da
reforma trabalhista que na falsa promessa de criação de mais
postos de trabalho, acarretou em condições mais precárias de
trabalho, em que os jovens estão sendo prejudicados.
Compreendemos assim que, as subjetividades e identidades
das juventudes e seus espaços vividos não encontram
aderência e compatibilidade com os valores impostos pelo
modelo neoliberal do empreendedorismo. Ou seja, as

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BASSO, HUNDERTMARCK & TOLEDO – Juventudes, Educação e Trabalho
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

particularidades inscritas nas formas de ser jovem, as


necessidades e aspirações mais singulares desse momento de
vida, os saberes advindos de sua realidade são minimizados
diante de imposições de uma sociedade que sucumbe a um
padrão homogeneizante de formação de trabalhadores
empreendedores.
Em nossa interpretação, há uma débil sensação de
empreendedorismo impregnada nas práticas e vivências
experimentadas pelos jovens na tentativa de sobreviver por
meio de certos trabalhos. Trata-se de uma realidade
demasiadamente violenta por trás de sedutores slogans como
“seja seu próprio chefe”.

POR TRÁS DAS PALAVRAS”: perspectivas para


fundamentar (questionar) as PPJ
Nunca é demais relembrar pontos fundamentais para os
estudos de juventudes no Brasil, como as noções de condição
e situação juvenil, o que nos revela a pluralidade desse
campo. Abramo (2005) nos auxilia nessa compreensão
indicando que a condição juvenil diz respeito a como as
sociedades concebem o que é ser jovem, enquanto a situação
juvenil faz referência às múltiplas formas de como a condição
juvenil é experimentada nas realidades das sociedades.
Cabe ainda nessa contextualização, o diálogo com a
ideia de moratória social de Margulis e Urresti (1996), que
expressa a possibilidade de adiamento de determinados
compromissos e responsabilidades, como o trabalho, por

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BASSO, HUNDERTMARCK & TOLEDO – Juventudes, Educação e Trabalho
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

exemplo. É um intervalo de preparação para a vida adulta e


estruturação de sonhos e projetos. Circunstância essa cada
vez mais distanciada da realidade das juventudes advindas
das camadas populares, que têm seu tempo de ócio
criminalizado, mas, é um período legitimado socialmente para
as classes média e alta (Gamalho, 2020).
Assim, mesmo que as pessoas jovens deste momento da
história possam fazer uma experiência geracional
semelhante, esta tem perspectivas diferentes a partir do lugar
social que se ocupa. Por isso, especificamente em relação às
PPJ do Trabalho, é possível dizer que entrar no
mercado/mundo do trabalho não é a mesma coisa para todos
os jovens. Aliás, poderíamos problematizar, inclusive se
alguns jovens acessam, de fato, o mundo do trabalho, em
alusão ao tensionamento com o mercado de trabalho. As
trajetórias de cada situação juvenil configuram processos,
atravessamentos e dificuldades diversas para acessar o
mundo e o mercado de trabalho. Podemos pensar, por
exemplo, nas informalidades do trabalho, do inacessível
trabalho decente, dos direitos trabalhistas cada vez mais
precarizados e do imperativo do empreendedorismo de si na
atual conjuntura capitalista neoliberal.
Ser jovem branco é diferente de ser jovem negro, ser
jovem mulher é diferente de ser jovem homem, ser jovem
pobre é diferente de ser jovem rico, ser jovem hetero é

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BASSO, HUNDERTMARCK & TOLEDO – Juventudes, Educação e Trabalho
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

diferente de ser um jovem LGBTQIA+2 só para citar alguns


marcadores de diferença das situações juvenis. Esses
marcadores são, ainda, com frequência, combinados, o que
influencia sobremaneira nos percursos vivenciados por esses
sujeitos.
Desse modo, as PPJ do Trabalho que não consideram
esta realidade, não respondem às demandas das pessoas
jovens e podem contribuir para a necessidade de empreender.
Voltamos a questionar: como os jovens estão a protagonizar
tais PPJ relacionadas ao trabalho?
Outro ponto que está presente por trás das palavras
sobre as políticas de acesso ao mercado/mundo de trabalho
é: o que se propõe aos jovens é “Qualificar”? Ou seja,
preparar os jovens para “entrarem” no mercado/mundo de
trabalho? Mas isso não seria insuficiente? Mais do que entrar
numa engrenagem em funcionamento, os jovens são
chamados a se construírem, a serem felizes. Trabalhar
deveria ser para os jovens de periferia e ou em situações de
vulnerabilidade social, um caminho de construção da
autonomia, um caminho de felicidade.
Nessa esteira, o termo “empreender” tem sido usado de
forma indiscriminada sem se perceber que os jovens que são
chamados a ser “empreendedores” partem de realidades
sociais e de situações juvenis distintas. O que significa

2 A sigla LGBTQIA+ refere-se às respectivas identidades: lésbica, gay,


bissexual, transgênero/transexual/travesti, queer, intersexo, assexual e
demais identidades sexuais e de gêneros diferentes da cis-
heterossexualidade.

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BASSO, HUNDERTMARCK & TOLEDO – Juventudes, Educação e Trabalho
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

empreender em cada um destes contextos? Quais recursos e


implicações estes cenários trazem para a resposta a este
convite? Condições precárias de trabalho é empreender? Para
empreender é preciso afastar-se do mercado/mundo do
trabalho com direitos trabalhistas mais justos?
Podemos pensar o quão perversa essa realidade é para
as juventudes das periferias. Essas áreas são caracterizadas
por Serpa (2007, p.11) como “[...] periferia social (com
predominância de população de baixa renda, onde a
produção do espaço se dá em geral sem a atuação - ou com
atuação tardia do Estado)”. São espaços marcados pela
ausência do Estado e do que disso decorre, como os desafios
para a vivência de uma cidadania plena, o que inclui as
condições (ou a falta delas) de trabalho.
Além disso, no Brasil, as relações entre as juventudes,
trabalho e educação têm algumas singularidades importantes
a serem consideradas. O acesso à escola se deu de forma
tardia para uma parcela significativa de crianças e jovens no
país, enquanto o trabalho foi uma constante vivida antes
mesmo da idade legal para seu exercício (Corrochano;
Abramo, 2016). A partir desse cenário, tem-se uma realidade
de conciliação entre estudo e trabalho precarizado para esse
grande grupo. Em 2019, cerca de 44% dos jovens cursavam o
Ensino Superior e estavam ocupados em trabalhos que não
os garantia direitos, dos quais, muitos eram informais
(Tommasi; Corrochano, 2020).

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BASSO, HUNDERTMARCK & TOLEDO – Juventudes, Educação e Trabalho
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

Reconhecer estes cenários de diferenças, diversidades e


desigualdades é importante para pensar os pontos de partida
desta transição escola e trabalho, dos papéis que a educação
desempenha, ou pode vir a desempenhar, para contribuir
com o protagonismo juvenil. Já dialogamos sobre o que
pensamos por trabalho. É preciso também vislumbrar o que
pensamos por escola. Que escola é essa? Quando pensamos
no acesso de um jovem ao mundo/mercado de trabalho
vemos trajetórias diferentes de se partem de uma escola
pública ou de uma escola privada? De uma escola situada
numa periferia ou em bairros com maior condição financeira?
Esta escola é pensada para jovens empobrecidos ou jovens
elite? Ainda, como os jovens têm (ou não) construído a
escola?

CONCLUSÃO OU PARA CONTINUAR O DEBATE


Do qualificar ao empreender, somos convocados para
pensarmos sobre algumas políticas de trabalho para as
juventudes brasileiras e suas conexões, ou possibilidades de
contextos que vivemos e/ou atuamos profissionalmente e
com as nossas pesquisas. À vista disso, imaginamos que
pesquisas com juventudes podem considerar o trabalho como
um elemento que pode caracterizar os jovens e assim, ser
efeito para diversos desfechos dos estudos.
Queremos provocar em nossas escritas que as
juventudes estão submetidas a um discurso sedutor do
empreendedorismo, em especial, para aqueles jovens de

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BASSO, HUNDERTMARCK & TOLEDO – Juventudes, Educação e Trabalho
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

classes sociais mais desfavorecidas, de que o sucesso ou o


fracasso são escolhas pessoais. Assim, criam-se situações de
esvaziamento de reflexões mais críticas acerca das
desigualdades sociais que têm prejudicado os jovens quanto
ao acesso e à permanência tanto na educação quanto no
trabalho, além de, possivelmente promover um silenciamento
de conflitos pessoais internos, envolvendo suas identidades e
subjetividades.
Compreendemos que o espaço escolar pode representar
múltiplas potencialidades para fortalecer a construção das
identidades das juventudes e promover sua participação
política. Entendemos que esse pode ser um dos espaços de
produção de diálogos que permitam fornecer substancial
conteúdo vivido para a promoção de políticas públicas de
trabalho e renda. Certamente é um espaço privilegiado para
pesquisas com as juventudes.
Intencionamos problematizar como temos, desse modo,
considerado (ou não) tais atravessamentos em nossas
pesquisas com as juventudes e para pensarmos em
considerar esse marcador em nossos futuros estudos. Afinal,
com quais jovens estamos pesquisando?
Consideramos pertinente, ainda que sem as pretensões
de fixar novas e estáveis verdades, dizer que as nossas
pesquisas são parciais, dizem sobre quem somos e estamos,
nossas subjetividades e podem refletir também sobre os
nossos posicionamentos éticos com aquilo que escrevemos,
mesmo que os efeitos de nossas escritas sejam imprevisíveis.

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BASSO, HUNDERTMARCK & TOLEDO – Juventudes, Educação e Trabalho
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

Por isso, convidamos nossos leitores a refletirem sobre como


temos incluído (ou não) o mundo/mercado de trabalho dos
jovens trabalhadores com os quais produzimos nossas
pesquisas.

REFERÊNCIAS
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juventude no contexto brasileiro. In M. V. Freitas. (Org.).
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BASSO, HUNDERTMARCK & TOLEDO – Juventudes, Educação e Trabalho
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

https://www.scielo.br/j/ea/a/7gJR8dVYp3WdpCy8hPnNMd
F/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 01 nov. 2022.

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BORTONE et al – O Movimento das Ocupações estudantis no Brasil
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

O MOVIMENTO DAS OCUPAÇÕES ESTUDANTIS NO


BRASIL NO PERÍODO DE 2015/2016: UMA
REVISÃO TEMÁTICA INICIAL

Douglas Franco Bortone


Gilberto Miranda da Silva Junior
Maria das Dores de Saraiva Loreto
Lilian Perdigão Caixêta Reis
André Luiz dos Santos Silva

INTRODUÇÃO
O movimento de ocupação das escolas no Brasil não só
marcou significativamente o protagonismo político das
juventudes, como possibilitou um espaço de (re)construção
da identidade juvenil. Compreendendo a relevância do ciclo
de protestos organizado pelos estudantes e seus efeitos para
o campo da educação e das novas políticas públicas para este
grupo, buscou-se aqui, ainda que em um tom ensaístico,
apresentar uma revisão temática sobre o movimento das
ocupações secundaristas no Brasil, no período de 2015 a
2016, enfatizando aspectos associados à educação e relações
com as juventudes.
A insatisfação com as decisões políticas, principalmente
educacionais, reuniram estudantes em todo território
nacional, evidenciando novas demandas que requerem a
necessidade de trazer luz sobre estes fatos, a partir do olhar

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BORTONE et al – O Movimento das Ocupações estudantis no Brasil
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

do campo da educação. Muito tem sido o esforço, por parte de


pesquisadores, em compreender os efeitos das ocupações na
trajetória de vida dos estudantes. Seja no campo da
educação, ciências sociais, psicologia e outros, o ponto em
comum é que o ciclo de protestos estudantis ressignificou as
percepções sobre as juventudes.

PERCURSO METODOLÓGICO
A abordagem escolhida para realização da revisão
temática é do tipo qualitativa exploratória, cujos dados foram
analisados com o software Iramuteq para análise de
conteúdo. Como estratégia de busca, foi escolhido o
indexador eletrônico ScieElo (Scientific Electronic Library
Online), por sua relevância no mundo acadêmico, para a
revisão temática da bibliografia e levantamento de principais
dados para o embasamento de nossa reflexão. As buscas
foram realizadas nos meses de maio e junho de 2023.
A partir dos descritores utilizados (Ocupações
secundaristas; juventudes; educação), foram considerados
todos os artigos, de produção nacional, localizados na busca.
Assim sendo, dez artigos sobre a temática foram encontrados
no respectivo indexador, compreendendo diversas áreas do
conhecimento, que envolvem políticas, direito à educação,
reorganização escolar, subjetivação e trajetórias.
O percurso metodológico também foi composto por mais
dois momentos. Após escolha da base de dados, a delimitação
do universo de pesquisa e com os artigos já localizados, foi

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BORTONE et al – O Movimento das Ocupações estudantis no Brasil
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

feito a leitura integral dos respectivos textos, extraindo


principais destaques, palavras-chaves e abordagens
metodológicas empregadas na realização das pesquisas.
Em um último momento, buscou-se apresentar os
resultados da varredura bibliográfica, composta de autores e
pesquisadores do campo da juventude e educação;
possibilitando elencar na discussão os principais destaques
teóricos que compuseram o esforço de teorizar as
experiências juvenis frente a ocupação das escolas.

CONTEXTUALIZANDO O MOVIMENTO DAS OCUPAÇÕES


SECUNDARISTAS NO BRASIL
O movimento das ocupações secundaristas nasceu,
como forma de protesto dos secundaristas contra as
propostas do governo Temer (PMDB, 2016 a 2018) para a
Educação e Saúde. A proposta parlamentar propunha um
congelamento de investimentos nas políticas sociais por um
período de vinte anos e também a criação da “Escola Sem
Partido” e a “Reforma do Ensino Médio”1. Mesmo sendo um
evento nacional, era possível perceber as pautas específicas
em cada estado (GROPPO, 2018).
Os secundaristas ocuparam suas respectivas escolas e
outras em vários lugares do Brasil. O movimento que teve
1 Conforme destaca Groppo (2018, p.91-92), “A MP 746 foi sancionada
pelo presidente em 16/fev./2017, tornando-se a Lei 13.415/17. [...] A
aprovação da medida não passou pela consulta ou diálogo com os
maiores interessados, educadores, estudantes e suas entidades
representativas, e talvez pior, ignorou acúmulos de debates em diversas
instâncias do Estado e da sociedade civil, que há anos já vinham
debatendo a necessária reforma dessa modalidade da educação básica”.

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BORTONE et al – O Movimento das Ocupações estudantis no Brasil
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

início no estado de São Paulo, prioritariamente, tornou-se


modelo para um ciclo de manifestações juvenis por todo
Brasil, inaugurando um novo conceito de inserção da
juventude na política.
O primeiro momento das ocupações ocorreu nos estados
de São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás, Rio Grande do Sul e
Ceará, sendo o período mais longo de ocupação. No segundo
momento, alcançou os estados do Paraná, Minas Gerais,
Espírito Santo, Rio Grande do Norte e Distrito Federal. O
movimento das ocupações traz consigo sua dimensão
formativa na vida dos seus atores. Em grande parte, jovens
que não tinham nenhuma experiência com a militância e
participação em movimentos sociais, tiveram suas primeiras
experiências e se tornaram sujeitos políticos durante sua
atuação nas ocupações.

RESULTADOS DA REVISÃO TEMÁTICA


A partir de uma pesquisa no indexador SciElo, foi
possível perceber a publicação de dez artigos com discussões
pertinentes para o presente estudo, nos quais se concentra
toda a discussão proposta neste trabalho. Além disso,
destaca-se que às produções englobam diversas áreas do
conhecimento, na tentativa de compreender o fenômeno de
engajamento político estudantil da juventude que, mesmo
sem uma experiência militante anterior, se envolveu nas lutas
pela educação.

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BORTONE et al – O Movimento das Ocupações estudantis no Brasil
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

O Quadro 1 apresenta, de modo sistemático, os dados


encontrados na pesquisa realizada. Percebe-se o baixo
número de produções que foram publicadas no SciElo, o que
não significa que a temática tenha sido pouco explorada nos
últimos anos.
Quadro 1: Principais publicações sobre o movimento das
ocupações secundaristas
Títulos da Autores Ano da Palavras-chave
produção publicação

01 “Um ato de Luis Antonio 2023 Movimento


liberdade”: Groppo; Kimi estudantil,
movimento de Aparecida estudantes do
estudantes Tomizaki; Ensino Médio,
secundaristas em Maria Carla repertórios de
São Paulo, 2015. Corrochano; contestação.
Lívia Borges;
Flávia Ginzel;
Carusa
Biliatto.

02 Experiências e Rubia de 2022 Movimento


Processos Sociais Araujo Secundarista,
das Ocupações Ramos Ocupações,
Secundaristas de Experiência,
São Paulo. Processo Social.

03 Ocupações Ana Luísa 2022 Movimento


secundaristas no Sallas; Luís estudantil,
Brasil em 2015 e Antonio subjetivação
2016: sujeitos e Groppo. política,
trajetórias. trajetória
educacional.

04 Ocupações Luis Antônio 2021 Ocupações,


Secundaristas em Groppo; Mara Estudantes do
Minas Gerais: Aline Ensino Médio,
subjetivação Oliveira. Subjetivação
política e política.
trajetórias.

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05 Ano 2091- silêncio Davis Moreira 2020 Filosofia da


nas filosofias da Alvim; Izabel educação,
educação: por uma Rizzi Mação; Ocupação,
cartografia das Steferson Autonomia,
resistências Zanoni Poder e
escolares. Roseiro educação,
Resistência
estudantil

06 Direitos Lucia Rabello 2020 Direitos


geracionais e ação de Castro; geracionais,
política: os Renata Ocupações nas
secundaristas Tavares escolas
ocupam as escolas secundárias,
Democracia;
Politização,
Relações
geracionais

07 Juventude negra, Luciano 2020 Estudantes


Ensino Médio e Nascimento secundaristas,
democracia: a luta Corsino; Ensino Médio,
pela escola Dirce Djanira Antirracismo,
Pacheco e Ocupações de
Zan escolas,
Movimento
estudantil

08 Rede Escola Débora 2019 Educação


Pública e Cristina democrática,
Universidade: Goulart; movimentos
produção do Fernando L. sociais, reformas
conhecimento Cássio; educacionais,
para/com as lutas Salomão Universidade
educacionais Barros
Ximenes

09 Escolas de luta, Carolina de 2016 Educação


educação e Roig Catini; formal, Lutas
política. Gustavo sociais,
Moura de Movimento de
Cavalcanti secundaristas,
Mello Ocupações de
escolas

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BORTONE et al – O Movimento das Ocupações estudantis no Brasil
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

10 A dimensão Eduardo 2016 Reorganização


espacial da escola Donizeti escolar,
pública: leituras Girotto Dimensão
sobre espacial, Escola
reorganização da pública,
rede estadual de Desigualdade
São Paulo. socioespacial

Fonte: Dados da Pesquisa, 2023.

Conforme as palavras-chave das publicações


pesquisadas, apresentadas no Quadro 1, destaca-se a palavra
“ocupações”, como centro do movimento secundarista,
voltado para a educação e envolvendo estudantes do ensino
médio. O movimento, visto como uma luta social, foi
caracterizado como uma forma de subjetivação política,
resistência estudantil, busca pela autonomia, poder e direitos
geracionais.
Assim, as pesquisas em destaque apontam para o
jovem, aluno do ensino médio, como principal protagonista do
movimento de ocupação, destacando a escola, como espaço
que vive múltiplas transformações em seu sentido e
significado, como pode ser evidenciado na nuvem de palavras
sobre o conteúdo das pesquisas localizadas, apresentada na
Figura 1, a seguir.

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BORTONE et al – O Movimento das Ocupações estudantis no Brasil
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

Figura 1 - Nuvem de palavras sobre o conteúdo das


pesquisas localizadas

Fonte: Dados da Pesquisa, 2023, analisados pelo software


Iramuteq

Dialogando sobre o tema pesquisado, destaca-se o


trabalho significativo do pesquisador Luis Antonio Groppo
(GROPPO et al, 2023; SALLAS; GROPPO, 2022; GROPPO;
OLIVEIRA, 2021), relativo às pesquisas sobre os movimentos
estudantis, dedicado especialmente as ocupações
secundaristas nos últimos anos. Em uma pesquisa nacional2,
financiada pelo CNPq, foram reunidos dados de todo território
brasileiro, conforme encontra-se disponível em plataforma
digital, que relatam sobre o movimento das ocupações
dividido em dois momentos, assim delimitados:
A rigor, não há uma separação entre as duas
ondas. A divisão, como anunciado, tem um
caráter ilustrativo, ainda que se possa falar
apenas do segundo momento como um

2 Dados e informações sobre a Pesquisa Nacional: “Ocupações


Secundaristas no Brasil em 2015-2016” disponível em:
https://www.unifal-mg.edu.br/ocupacoessecundaristas/fontes/

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BORTONE et al – O Movimento das Ocupações estudantis no Brasil
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

movimento plenamente nacional. Mas o que


talvez seja o aspecto mais marcante desse
movimento – uma metodologia de luta e
organização estudantil inspirada pelos
movimentos secundaristas chileno e
argentino – caracteriza ambas as ondas:
ocupações, comissões, assembleias
estudantis soberanas de caráter horizontal e
participativo. (GROPPO, 2018. p.91.)

Assim, o movimento ganhou força em todo território


nacional em sua segunda onda. Jovens que não tinham
nenhum envolvimento com a militância, passaram a se
denominar como “ocupas”, assumindo funções significativas
durante o ciclo de protestos. Groppo e Oliveira (2021) ao
refletirem sobre subjetivação e trajetória dos estudantes,
abordam um conceito sociológico extremamente importante,
que pode ajudar na teorização de toda experiência vivenciada
no ato de ocupar. Embasados no conceito de subjetivação
política, apontado por Rancière (1996), Groppo e Oliveira
(2021) destacam que:
Para Rancière (2010), a subjetivação política
é, sobretudo, um processo de
desidentificação, o qual rompe ou abala as
funções sociais esperadas de quem, na
normalidade da “ordem policial”, associava
sua função social a um status desigual no
corpo da ordem social. As ocupações
secundaristas, nesse sentido, poderiam ser
interpretadas como possibilidade de ruptura,
deslocamento ou modificação das funções e
do status de adolescente e discente. Ocupas,
ao liderarem ações coletivas e gerenciarem
atividades formativas, contrapuseram-se às
concepções usuais relativas a adolescentes e

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BORTONE et al – O Movimento das Ocupações estudantis no Brasil
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

estudantes, concepções que as consideram


pessoas em “desenvolvimento”, portanto
inferiores às adultas em capacidade de
organização e condução de processos
educacionais e políticos (GROPPO,
OLIVEIRA, 2021, p.4).

Assim, a experiência de ocupar demonstra que


estudantes se formam sujeitos políticos durante seu
envolvimento nas ocupações. No que tange à formação
política dos estudantes do ensino médio, a pesquisa acima
citada, evidenciou o quão determinante o evento foi na
formação desses estudantes. Como dito anteriormente, os
estudos sobre a experiência de ocupar apresentam diversas
variáveis que compõem a formação das juventudes. Há
possibilidades de inúmeras análises transversais, como, por
exemplo: questões de gênero, educação das relações étnico-
raciais, religiosidade e estrutura escolar.
Corsino e Zan (2020) destacaram o protagonismo que
jovens negros e negras tiveram nas ocupações. Com uma
reflexão densa sobre o Ensino Médio e suas nuances, os
referidos autores remetem a uma reflexão muito pertinente,
que se refere às desigualdades existentes entre este mesmo
grupo social. Ao analisar uma escola pública da zona norte do
município de São Paulo (SP), ocupada no final de 2015, os
pesquisadores destacaram a necessidade de aprofundar os
estudos das relações étnico-raciais nos currículos e
dimensões escolares, considerando que as dimensões
representativas e democráticas tensionam as estruturas

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BORTONE et al – O Movimento das Ocupações estudantis no Brasil
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

escolares. Esses e outros aspectos que marcaram o


movimento das ocupações estudantis trouxeram a
necessidade de repensar a reestruturação do espaço e
dinâmica escolar.
Groppo et al (2020) ao discorrerem sobre as práticas
formativas que estavam presentes nas ocupações, destacam a
presença da educação não formal, como fator preponderante
nas ações coletivas dos estudantes. Os autores afirmaram
que “a educação não formal apareceu em oficinas e práticas
assemelhadas, como rodas de conversa, debates e cine-
debates” (GROPPO et al, 2020, p.1041), estreitando as
relações educando-educador.
Assim, o destaque acima e a inserção do aprendizado
não formal possibilitou um maior engajamento da sociedade
com a comunidade escolar. Conforme pesquisa realizada por
Groppo et al (2020), foi possível perceber que, após as
ocupações, escolas passaram a abrir aos finais de semana
para a comunidade e os alunos começaram a assistir aulas
sentados em círculos. A necessidade de uma gestão mais
democrática resultou em uma ação mais dialógica entre os
pares, levando em consideração as necessidades dos
estudantes e suas pautas.
Outrossim, é possível compreender nas pesquisas
selecionadas, que a presença dos processos educativos
informais no interior das ocupações estudantis trouxeram
possibilidades de múltiplos aprendizados pra os estudantes
(CORSINO; ZAN, 2020). A própria dinâmica do movimento de

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BORTONE et al – O Movimento das Ocupações estudantis no Brasil
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

ocupação das escolas trazia consigo ações como aulões,


oficinas, cine-debates, palestras e outras ações que
evidenciaram a capacidade e a força da juventude em propor
políticas e um modelo de educação secundária mais próxima
da realidade juvenil.
Nota-se que a necessidade de repensar a estrutura e a
cultura escolar ganharam evidências durante o ciclo de
protesto estudantil. Girroto (2016), ao pesquisar as
ocupações em São Paulo, destacou que é preciso reavaliar as
desigualdades que existem neste espaço, observando as
especificidades do referido lugar.
Como se percebe, o maior número de produções sobre o
movimento das ocupações corresponde o estado de São Paulo
(GOULART et al, 2019), a primeira unidade federativa a
sediar o ciclo de protestos juvenis. As pesquisas empíricas
também analisaram os protestos nos estados de Minas Gerais
(GROPPO; OLIVEIRA, 2021) e Rio de Janeiro (CASTRO;
TAVARES, 2020). Em relação aos percursos metodológicos
utilizados nas pesquisas em destaque nesta revisão, pode-se
compreender que todas adotam uma abordagem qualitativa e
fazem uso de diversos instrumentos de coletas de dados,
possibilitando que os estudantes fossem ouvidos em suas
demandas e perspectivas para a educação e as políticas
sociais. O Gráfico 1 apresenta os principais instrumentos e
métodos que foram utilizados nas dez pesquisas, destacando
o número de vezes que são empregados, sendo a análise
bibliográfica e entrevistas semiestruturadas mais aplicadas.

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BORTONE et al – O Movimento das Ocupações estudantis no Brasil
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

Gráfico 1 – Instrumentos e métodos de coletas de dados


utilizados

Conversas informais

Observação

Etnografia

Entrevistas semiestruturadas

Análise bibliográfica

0 0,5 1 1,5 2 2,5 3 3,5 4 4,5

Fonte: Dados da Pesquisa, 2023.

Percebe-se neste percurso de revisão, que a experiência


das ocupações tem um lugar central na dinâmica social
destes jovens, à medida que proporciona possibilidade de
emancipação e autonomia, sem dispensar a bagagem de sua
trajetória subjetiva e pessoal. O engajamento estudantil
reforçou o fato de que os jovens que participaram das
ocupações são diversos e trazem consigo marcos pessoais,
que não se restringem a um momento específico de suas
vidas. A experiência de se encontrar e ficar dentro de uma
escola durante um período de protesto é que revela as
diferenças existentes entre um mesmo grupo social.
Reconhece-se que os movimentos sociais trazem consigo
processos educativos que atenuam experiências do cotidiano
e da militância juvenil, como dinâmicas de formação de seus
atores, vistos como sujeitos políticos. Tais experiências

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BORTONE et al – O Movimento das Ocupações estudantis no Brasil
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

precisam ser encaradas pela educação formal como ponte


para a construção de novos conhecimentos e, ainda,
possibilidades de intervenção e inserção social. Ainda, torna-
se necessário destacar que os estudos que entrelaçam
juventude, movimentos sociais e educação exigem um olhar
mais apurado para as trajetórias dos sujeitos, observando um
todo e não apenas momentos da realidade juvenil.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um olhar sobre a bibliografia selecionada nesta revisão
temática envolve retirar o foco de situações temporárias, que
apenas servem como percepções equivocadas sobre as
juventudes. Ou seja, é necessário olhar para além do
temporário, observando o contexto social, político, cultural e
todo seu entorno, pois as trajetórias juvenis dizem mais que
um momento aleatório.
Consideramos, portanto, que o ciclo de protestos juvenis
no Brasil, enquanto movimento social, contribuiu fortemente
para a formação política da juventude envolvida. Não se pode
olhar para os anos de 2015 e 2016 sem dimensionar o
impacto que as ocupações trazem para os estudos das
juventudes. Certamente, os resultados das pesquisas
selecionadas, podem auxiliar no processo de (re)formulação
de políticas educacionais e sociais com os jovens. O
movimento de ocupação das escolas tem muito a nos ensinar
ainda.

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BORTONE et al – O Movimento das Ocupações estudantis no Brasil
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

A dimensão da educação não-formal é o coração do


movimento das ocupações, destacando-se pela experiência de
se constituir como sujeito político, de aprender a conviver
com o outro, do encontro com o diferente que resulta na
prática de democracia.
Talvez o maior legado deixado pela experiência de
ocupar resida no que jamais seja possível teorizar nesta
revisão temática: a formação a partir das lutas e do
engajamento dos estudantes. Certamente, nem todos seus
objetivos foram alcançados; haja vista a reforma do ensino
médio sendo aplicada arbitrariamente em todo território
nacional.
No entanto, aqueles que ocuparam suas escolas
aprenderam o que nenhum livro didático seria capaz de
ensiná-los. Aprenderam que democracia, na perspectiva de
Rancière (1996), se faz no dissenso e que toda experiência de
luta é válida. Além disso, que a diversidade e a
representatividade deste grupo nunca estiveram tão evidentes
no meio da juventude como antes, por meio de movimentos
de resistência, poder e educação.

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ABRAMO, Helena; BRANCO, Pedro (Org.). Retratos da
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DALL’AGNESE et al – Escola, Juventudes e Saúde Mental
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

ESCOLA, JUVENTUDES E SAÚDE MENTAL:


REFLEXÕES EMERGENTES
NO CONTEXTO PÓS-PANDÊMICO

Júlia Dall’Agnese
Luiz Carlos Júnior
Marília Bing
Natália Yukari Mano

INTRODUÇÃO
O presente ensaio tem por objetivo discutir acerca de
como a escola se configura como um potencial espaço de
debate e cocriação de iniciativas voltadas à promoção da
saúde mental dos jovens, considerando, principalmente, o
contexto pós-pandêmico. Destaca-se que apenas
recentemente os desafios que envolvem a constituição das
juventudes passaram a ser pauta de preocupação e atenção
de estudos e políticas públicas. Ademais, na atualidade,
problemáticas que envolvem a saúde mental também ganham
novo espaço de debate nas mídias, nos meios de
entretenimento e também no ambiente escolar.
Nesse sentido, busca-se fazer uma retomada conceitual
sobre a constituição das juventudes e explorar o que significa
articular o debate sobre saúde mental; busca-se sublinhar as
desigualdades que envolvem as vivências desse grupo; e,

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DALL’AGNESE et al – Escola, Juventudes e Saúde Mental
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

ainda, busca-se analisar como a escola pode dar luz às


possibilidades de enfrentamento do cenário que hoje se
estabelece, propiciando discussões sobre essa problemática
entre os próprios jovens e também entre educadores e
gestores de políticas públicas.

O(A) JOVEM NA CONTEMPORANEIDADE


Somente a partir do surgimento da modernidade, a
juventude passa a se constituir como categoria social e
adquire o atual sentido que a representa. Assim, destacamos
que as percepções vigentes sobre ela são, necessariamente,
histórica, social e culturalmente determinadas. Dessa forma,
reconhece-se que, mesmo que nos períodos históricos
anteriores já existissem indivíduos jovens, os sentidos,
significados, características e papéis sociais eram bastante
diferenciados dos que atualmente se atribuem a eles
(Weisheimer, 2014).
Oliveira e Lacerda (2022) apontam que, no Brasil, as
juventudes tornaram-se objeto de intensa preocupação e de
ações públicas há pouco mais de duas décadas, creditando-se
tal transformação ao impacto das mudanças que ocorreram
em âmbito global na sociedade, na cultura e na economia.
Entre os eventos que contribuíram para essa mudança,
podemos destacar os seguintes acontecimentos: I) em 1985, a
Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu o Ano
Internacional da Juventude, chamando atenção para esse
segmento populacional; II) houve extraordinário crescimento

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DALL’AGNESE et al – Escola, Juventudes e Saúde Mental
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

da população jovem na década de 1990, o que forçou a


criação de agendas para discussão da temática “juventudes”.
Com esses marcos, o jovem, que era visto como problema,
passa a ser considerado – ao menos no texto legal – como
sujeito de direitos (Oliveira; Lacerda, 2022).
Margulies e Urresti (1996) afirmam que a juventude é
mais do que uma categoria etária e que não pode ser tomada
como um conceito desconectado dos seus aspectos históricos,
fáticos, sociais e políticos, circunscritos a sua dimensão
simbólica. A juventude se destaca por ser um período de
moratória social, ou seja, é uma etapa que possibilita aos
indivíduos postergar exigências do mundo familiar e do
trabalho, propiciando tempo ao lazer e ao ócio. Para Novaes
(2007), na contemporaneidade, “ser jovem” denota o
vivenciamento de uma convivência antagônica entre a
sujeição familiar e social, ao mesmo tempo que promove
grandes perspectivas de emancipação.
Ainda conforme Abramo (2005), podemos compreender a
condição juvenil como o modo pelo qual as sociedades
atribuem significado ao “ser jovem” e essa etapa é vivida por
todos que o rodeiam. A situação juvenil representa as
múltiplas formas como ela é vivenciada, ou seja, os jovens
experimentam distintos graus de pertencimentos,
possibilidades e dificuldades, dada a sua realidade, na
vivência de sua juventude.
Dessa forma, reconhecer quem e quais são as
juventudes e a formação das culturas juvenis

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DALL’AGNESE et al – Escola, Juventudes e Saúde Mental
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

contemporâneas implica assumir um compromisso ético,


estético e político na defesa da dignidade e da garantia de
ampliação dos direitos desses sujeitos. O entendimento da
condição e das diversas situações juvenis permite o
alargamento dos escopos analíticos para a formação de
elementos que auxiliem a compreensão de quem são os
jovens contemporâneos (Abramo, 1997; Feixa, 1998; Pais,
1993).
Além disso, entender os processos recentes de
reconhecimento e os modos de formação das juventudes e
suas culturas é fundamental para analisarmos seus
contextos e desafios atuais. Principalmente no período pós-
pandêmico, muito educadores e profissionais da área têm
voltado seus estudos e atenção para como os jovens, que há
pouco tempo iniciaram a demarcação de sua condição
juvenil, têm enfrentado desafios no que concerne à saúde
mental e todos os desdobramentos a ela atrelados.

O(A) JOVEM E A SAÚDE MENTAL: DADOS E REFLEXÕES


DOS(AS) JOVENS DIANTE DA PROBLEMÁTICA
Para falarmos de saúde mental de jovens, primeiro
precisamos delimitar o sentido de que estamos nos
apropriando ao abordar o termo nesta discussão. Segundo a
Organização Mundial de Saúde (OMS), podemos compreender
que:
Saúde mental é um estado de bem-estar em
que uma pessoa nota suas habilidades e é
capaz de executá-las frente aos estresses

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DALL’AGNESE et al – Escola, Juventudes e Saúde Mental
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

normais da vida, de trabalhar de forma


produtiva, de contribuir com sua
comunidade. A saúde mental é fundamental
para nossa habilidade coletiva e individual
de pensar, sentir, interagir um com os outros
e aproveitar a vida (OMS, 2022, [n.p]).

A partir deste conceito, entendemos que o termo “saúde


mental” não deve ser reduzido apenas a estudo e tratamento
de doenças mentais, individualizante e no modelo biomédico,
tendo os saberes psis, como a psiquiatria e psicologia, seu
domínio.
Por exemplo, queixa de insônia, falta de ar, aperto no
peito e dificuldade de concentração são sintomas que
compõem um clássico quadro de ansiedade. Entretanto, se
olharmos de maneira mais atenta, podemos descobrir que a
pessoa que o apresenta se mantém em estado constante de
preocupação por estar desempregada há muito tempo,
começar a faltar alimento a seus filhos, não ter uma rede de
apoio que lhe dê suporte, a comunidade onde mora ser palco
de confronto armado entre traficantes e policiais, por
exemplo. Deste modo, mesmo com o diagnóstico realizado,
verifica-se que as razões/fatores que formam o cenário são
mais abrangentes que o indivíduo em si, não sendo simples a
resolução dos problemas que causam as manifestações de
ansiedade.
Assim, falar sobre saúde mental é considerar que ela
envolve uma complexa rede de saberes que se entrecruzam,
possibilitando uma compreensão mais ampla dos fenômenos

113
DALL’AGNESE et al – Escola, Juventudes e Saúde Mental
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

que incidem para a manutenção (ou não) da saúde mental de


uma população ou de uma única pessoa. Os conhecimentos
da filosofia, antropologia, sociologia, história, geografia e
teologia atravessam nossas reflexões sobre os fatores que
afetam a saúde de maneira geral (Amarante, 2007).
Trazendo essa ideia para o debate sobre juventudes, já
partimos do pressuposto de que os contextos em que os
jovens se inserem são diversos e também dão caráter de
multiplicidade para suas formas de existência. Diante do
exposto anteriormente, ao falarmos sobre a saúde mental no
âmbito das juventudes, precisamos falar das desigualdades
que atravessam suas vivências e impactam sua saúde, como
os aspectos relacionados ao trabalho e à violência, por
exemplo. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios Contínua (IBGE, 2023), no primeiro trimestre de
2023, das pessoas sem trabalho no Brasil, 36,4% têm idade
entre 14 e 24 anos. Já no cenário da violência, o Atlas da
Violência (IPEA, 2019) nos mostra que 27% da população
considerada jovem (15 a 29 anos) no Brasil em 2019 sofreu
algum tipo de violência.
A recente pandemia da Covid-19 marcou de maneira
ainda mais profunda a qualidade de vida dos jovens
brasileiros. Segundo a pesquisa do Conselho Nacional de
Juventude (Conjuve, 2021), 61% dos jovens entrevistados
afirmaram sentir ansiedade no ano de 2020; 51% relataram
sentir exaustão e/ou cansaço constante, 15% afirmaram
ganho ou perda exagerada de peso; 17% apresentaram

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DALL’AGNESE et al – Escola, Juventudes e Saúde Mental
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

quadros depressivos; e 9% mencionaram automutilação e/ou


pensamento suicida.
Segundo estudo realizado por Oliveira e Lacerda (2022),
O isolamento social generalizado, a perda de
muitas de suas referências com o
fechamento quer das escolas quer das
universidades, as confusas orientações de
muitas autoridades no que tange a
quarentena, especificamente em relação aos
jovens, (podem aglomerar em transportes
públicos, para ir trabalhar, mas não podem
reunir-se com amigos) o aumento do estresse
com perdas de emprego, morte e sequelas de
Covid-19 em familiares próximos, a demora
da vacinação desta faixa etária e, em
especial, a diminuição das interações com os
colegas, se constituíram em importantes
gatilhos para o desencadeamento do
sofrimento psicológico e dificuldades de
saúde mental na juventude (p.139).

O cenário de incertezas, inseguranças e um apoio


insuficiente às demandas que os jovens apresentam
contribuem para que a saúde mental desta população esteja
fragilizada, sendo necessários cuidados específicos que vão
além do setor da saúde.
Todos esses dados preconizam que se torne urgente a
ampliação de políticas públicas e ações que melhorem a
qualidade de vida dos jovens no nosso país, principalmente
porque ainda enfrentamos os reflexos do período da
pandemia, que agravou ainda mais a condição de vida desse
grupo.

115
DALL’AGNESE et al – Escola, Juventudes e Saúde Mental
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

ALTERNATIVAS PARA SE PENSAR AS JUVENTUDES


No ensaio A Crise na Educação, Arendt (2014)
argumenta que o desequilíbrio que acometeu o mundo
moderno se manifesta diversamente em cada país. No
continente americano, a deficiência periódica na educação
tornou-se um problema político de primeira grandeza.
Conforme a autora, “não é preciso grande imaginação para
detectar os perigos de um declínio sempre crescente nos
padrões elementares na totalidade do sistema escolar”
(Arendt, 2014, p. 222). Nesse sentido, como a crise afeta as
dinâmicas das juventudes? Como pensar novos horizontes
diante de um mundo fragilizado?
Arendt (2014) afirma que “a crise só se torna um
desastre quando respondemos a ela com juízos pré-formados”
(p.223), ou seja, na mesma medida em que nos afastamos de
ouvir as juventudes, na mesma medida em que nos
distanciamos de compreender os sujeitos de dentro de seu
processo, distanciamo-nos de construir novos horizontes,
principalmente no âmbito escolar. Estamos sempre educando
para um mundo que já está fora dos eixos (Arendt, 2014, p.
243) e, justamente por esse motivo, nossas esperanças estão
sempre alocadas nas novas gerações. Entretanto,
erroneamente, com olhos do passado tentamos construir o
futuro e fracassamos. Fracassamos pois é preciso imaginar
novos mundos, construídos a partir da ressignificação do que
temos até aqui, de uma desterritorialização de saberes,
sobretudo quando se tem uma existência em aberto, na qual

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DALL’AGNESE et al – Escola, Juventudes e Saúde Mental
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

se deixa de suportar o mundo e se começa a desejar outro.


Desse modo, paramos de tentar encaixar particularidades
onde essas não se encaixam, pensando juventudes como
faixa etária e não como um grupo populacional.
Percebemos que o espaço escolar desafia fronteiras, até
mesmo culturais. A escola é um espaço de produção de
identidades juvenis, mas não faz juventudes sozinhas; por
isso a importância da fruição dentro do espaço escolar, pois a
escola é um espaço poderoso de fazer transformação, de
poder. A escola precisa de processos transformadores para
dar conta de outras demandas, repensando práticas
pedagógicas. Diante disso, ressaltamos a relevância de ver a
escola para além de uma transposição didática, ou de uma
mera transmissora de saberes, conforme ressalta Chervel
(1990), compreendendo-a como um espaço permeável e
mutante. E é exatamente nisso que acreditamos: que a escola
seja capaz de compreender a mistura intercultural que se dá
dentro dela, composta pelos sujeitos, que são os jovens, e
também de arcar com sua responsabilidade no atravessar
dessas vidas.
Nessa perspectiva, pensar na relação das juventudes e
da saúde mental carece de um olhar individualizado para
cada jovem, com um recorte socioeconômico, essencial, de
classe, raça e gênero. Para que se entenda o jovem, é preciso
compreender que o mesmo se encontra e se auto faz, em uma
formação do sujeito político Não há juventudes homogêneas,
mas há diferentes formas de viver, que são condicionadas por

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DALL’AGNESE et al – Escola, Juventudes e Saúde Mental
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

inúmeros fatores sociais. Deve caber no “ser adulto” a


compreensão de contextos juvenis sem banalização pela
experiência pessoal, sem taxá-los, sem tirar sua voz, não
sucumbindo a falas adultocêntricas.
A pandemia se mostrou um impeditivo para o contato
social, tão importante para a construção de laços e vínculos
para os jovens, principalmente nos espaços escolares. Com o
contato social inibido, foi notória a percepção de que ele
auxilia na construção do senso de coletividade. Porque, de
fato, é importante observar as nuances individuais das
juventudes e valorizar suas narrativas, vivências e
construções do espaço individual. Mas o coletivo é o que
constrói o futuro, é o que nos permite “esperançar” caminhos
para as juventudes no pós-pandemia. A colocação de Hannah
Arendt traduz o sentido do que nos referimos quando diz que
“a educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo
o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e,
com tal gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável não fosse
a renovação e a vinda dos novos e dos jovens” (Arendt, 2011,
p. 247).
Em decorrência da responsabilidade com o futuro, é
preciso compreender o que está acontecendo para construir
novos olhares acerca dos tensionamentos, rupturas e linhas
de fuga (Deleuze; Guattari, 2011), a fim de desenhar novas
práticas e possibilidades dentro do cenário escolar para as
juventudes. Pois, a partir do que desconstruímos, podemos
pensar sob a ótica da multiplicidade, compreendendo que a

118
DALL’AGNESE et al – Escola, Juventudes e Saúde Mental
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

rigidez não se justifica para enquadrar os jovens em caixas.


Por isso a importância de manter uma agenda que venha do
próprio jovem, que se fundamente em uma ideia participativa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebe-se, assim, que a escola é um espaço potente de
acolhimento e discussão dos jovens sobre como os desafios
que envolvem a saúde mental podem ser enfrentados.
Todavia, para que tal espaço ecoe as necessidades juvenis, ele
precisa ser protagonizado por este grupo. É necessário que os
educadores abram espaço para uma construção conjunta de
possíveis soluções: rodas de conversas com especialistas da
área, sejam eles da escola ou de órgãos de apoio à saúde de
cada cidade; análise de filmes e de literatura que aproximem
os estudantes das discussões sobre ansiedade, depressão e
afins; grupos de apoio envolvendo os próprios jovens, entre
outras alternativas.
Nos últimos tempos, temos percebido que as questões
emocionais que permeiam crianças e adolescentes ganham
cada vez mais espaço legitimado na mídia, em meios de
entretenimento e, consequentemente, na escola, o que
permite que os “mitos” que as envolvem também sejam
desconstruídos. Nesse sentido, o que antes era banalizado,
hoje vira pauta e permite, inclusive, que mais jovens passem
a buscar apoio profissional e reivindicar políticas públicas
nesse sentido. No contexto pós-pandêmico, com as doenças
emocionais cada vez mais presentes na vida dos estudantes,

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DALL’AGNESE et al – Escola, Juventudes e Saúde Mental
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

a escola deve assumir tal pauta - da promoção da saúde


mental - como objeto de conhecimento que precisa ser
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GREQUE JUNIOR & FRANZ – Juventudes, mercado de trabalho...
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

JUVENTUDES, MERCADO DE TRABALHO E O


MITO DO EMPREENDEDORISMO: UMA REVISÃO
SOBRE O PAPEL DO ESTADO E AS POLÍTICAS
PÚBLICAS PARA AS JUVENTUDES

Leonardo da Silva Greque Junior


Juliana Cristina Franz

INTRODUÇÃO
Este artigo tem como objetivo apresentar o papel que o
Estado brasileiro desempenha na mediação entre as
populações juvenis e a sua inserção no mercado de trabalho.
A temática da inserção dos jovens no mercado de trabalho
nos é despertada a partir das experiências pessoais dos
autores, nas quais enfrentou-se certa dificuldade em permear
e se estabelecer no mercado formal de emprego. Assim,
abordaremos a dimensão do trabalho na vida dos jovens, a
atuação promovida pelo Estado através das políticas públicas
federais, e como o discurso empreendedor difundiu-se nas
sociedades capitalistas. Destacamos que a duras penas os
jovens conquistaram espaço no cenário político durante as
duas primeiras décadas do século XXI, em parte, devido ao
fato de que o país vivia em uma situação econômica e social
promissora. Havia na população o sentimento de esperança
que a mudança era possível, e as políticas públicas existentes

123
GREQUE JUNIOR & FRANZ – Juventudes, mercado de trabalho...
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

demonstram o momento em que o país viveu nos governos


Lula-Dilma (2003-2016), onde os jovens foram respeitados e
sabiam que estavam sendo incluídos nos planos para o
futuro do Brasil.
Avanços significativos foram alcançados neste período,
como o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (ProJovem),
o Conselho Nacional da Juventude (CNJ), a Secretaria
Nacional de Juventude (SNJ), o Estatuto da Juventude e o
Sistema Nacional de Juventude (SINAJUVE), inclusive foram
pautadas questões de acesso ao trabalho decente, com a
Agenda Nacional de Trabalho Decente para a Juventude
(ANTDJ), mas em um rápido desdobramento político tudo
mudou, um impeachment - hoje compreendido como -
injustificado se estabeleceu e a ANTDJ não foi aprovada no
Congresso Nacional, reformas autocráticas que - sem diálogo
com a população - foram aprovadas pelo mesmo Congresso
“flexibilizaram” e reduziram os direitos dos trabalhadores
como o caso da reforma trabalhista de 2017 e a reforma da
previdência em 2019, tornando-se um claro aceno ao
mercado capitalista.
Autores como Bajoit e Franssen (1967) compreendem
que nas sociedades capitalistas o trabalho assume a
centralidade na vida e na ética dos sujeitos, logo é um
constituinte do exercício cidadão. “Examinando os 'modos de
gestão de si', pudemos constatar que para numerosos jovens,
a experiência ou inexperiência do mercado de trabalho
constitui momento decisivo da sua redefinição identitária” (p.

124
GREQUE JUNIOR & FRANZ – Juventudes, mercado de trabalho...
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

93). Assim, para as populações jovens socioeconomicamente


vulneráveis o trabalho e o acesso a renda colocam-se como
condição para a vivência de suas juventudes (DAYRELL,
2007), indicando a importância da promoção de ações por
parte do Estado que garantam experiências dignas na
realização de tais atividades. Desta forma, nas seções
seguintes traremos concepções e autores que nos permitiram
realizar as discussões propostas neste artigo.

METODOLOGIA
Esta pesquisa apresenta-se em uma perspectiva
qualitativa, onde busca a compreensão com detalhes de
aspectos que envolvem os problemas da vida em sociedade,
permitindo a investigação dos fenômenos em análise (LIMA;
MOREIRA, 2015). O que apresentaremos aqui é uma revisão
bibliográfica, articulando discussões que nos permitam
compreender a inserção dos jovens no mercado de trabalho.
Autores como Gil (2009) destacam que a técnica de revisão
bibliográfica é essencial para o desenvolvimento de pesquisas
científicas, uma vez que partimos da análise de
conhecimentos já produzidos sobre os assuntos investigados,
possibilitando e apresentando subsídios para construção de
novas discussões e conhecimentos. Além das revisões de
literatura realizada, também foram feitas consultas de fontes
secundárias das legislações, disponíveis no portal da Câmara.
Assim, nas seções seguintes buscamos construir
discussões que permitam compreender como os jovens estão

125
GREQUE JUNIOR & FRANZ – Juventudes, mercado de trabalho...
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

inserindo-se no mercado de trabalho e a dimensão que tais


atividades desempenham na vida desta população,
relacionando com o papel que o Estado vem desempenhando
através das políticas públicas federais frente a essas
questões.

RESULTADOS E DISCUSSÕES
O Estado brasileiro, de acordo com o artigo terceiro da
Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), tem como
objetivo fundamental a construção de uma sociedade livre,
justa e solidária, erradicando a pobreza e reduzindo as
desigualdades sociais, assim como, promover o bem estar
social de todos. Garantindo, portanto, a abolição de qualquer
tipo de discriminação, para tal fim, o Estado utiliza as
políticas públicas como ferramentas importantes para
combater a desigualdade social e possibilitar, de forma
democrática, o exercício pleno da cidadania.
Como dito anteriormente, apenas a algumas décadas os
jovens se tornaram tema do debate público, onde segundo
Krauskopf (2003) as políticas ora são voltadas aos jovens
compreendendo-os como estratégicos para desenvolvimento
socioeconômico do país e como sujeitos de direitos, e ora
como categoria que está em uma fase preparatória e que
tenciona a ordem social. Assim, são recentes as importantes
conquistas alcançadas pela categoria juventude na defesa e
garantia dos seus direitos, pois até o ano de 2000 não
existiam políticas públicas específicas para esse grupo, essas

126
GREQUE JUNIOR & FRANZ – Juventudes, mercado de trabalho...
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

foram conquistadas devido a mobilização e o protagonismo


dos jovens em prol das reivindicações dos seus interesses.
Desta forma, nas pesquisas documentais realizadas
sobre as políticas públicas federais voltadas à população
juvenil, encontramos apenas oito leis que intentam
possibilitar uma experiência cidadã e a inclusão dos jovens
às dinâmicas sociais que permeiam a nossa sociedade. As
legislações federais em sua maioria versam sobre educação
em oito políticas, seguidas pelo esporte e lazer com duas,
enquanto a saúde e o trabalho contam com apenas uma
cada. Algumas destas políticas articulam-se com mais de
uma dimensão da vida juvenil como no caso do Programa
Saúde na Escola – PSE, portanto, ao todo foram
contabilizadas um total de 10 políticas públicas federais
direcionadas ao público jovem.
Cabe destacar a importância que o trabalho assume na
vida dos cidadãos nas sociedades capitalistas, sobretudo,
para a população juvenil economicamente vulnerável, uma
vez que, o acesso à renda é condição para que estes sujeitos
experienciem tal fase de suas vidas (DAYRELL, 2007). Assim,
estabelece-se a importância da atenção do Estado ao acesso
dos jovens ao mercado de trabalho, pois a população juvenil
historicamente ocupa os piores postos de trabalho. No
entanto, observou-se a incipiência na proposição e efetivação
de ações com o objetivo de promover a inserção dos jovens no
mercado de trabalho. Logo, para que as políticas públicas
sejam efetivas e atuem onde for mais crítico a determinada

127
GREQUE JUNIOR & FRANZ – Juventudes, mercado de trabalho...
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

carência, é imperativo que aqueles que governam e fazem as


leis compreendam quais as reais necessidades da população.
Nesse sentido, no ano de 2005 o poder executivo através
da Lei nº11.129 institui o Programa Nacional de Inclusão de
Jovens (ProJovem), criando o Conselho Nacional da
Juventude (CNJ) e a Secretária Nacional de Juventude (SNJ).
Já em 2013 o Congresso Nacional decretou a Lei nº 12.852
que institui o Estatuto da Juventude e o Sistema Nacional de
Juventude (SINAJUVE), tornando-se o marco mais
importante para a categoria, o qual estabelece os princípios e
diretrizes para a elaboração das políticas públicas de
juventude. O referido Sistema tem como objetivo a promoção
de políticas públicas de juventude através da organização e
articulação entre a União, Estados, Distrito Federal,
Municípios e sociedade civil. O Sistema Nacional de
Juventude, ainda prevê para a sua implementação o Plano
Nacional da Juventude (PNJ).
O PNJ trata-se de um instrumento de planejamento das
políticas públicas de juventude, elaborado a partir de
orientações emergentes da Conferência Nacional de
Juventude. Para tanto, o PNJ seguirá a seguinte ordenação:
a) cidadania, participação social e política e representação
juvenil; b) educação; c) profissionalização, trabalho e renda;
d) diversidade e igualdade; e) saúde; e) cultura; f)
comunicação e liberdade de expressão; g) desporto e lazer; h)
território e mobilidade; i) sustentabilidade e meio ambiente; e
j) segurança pública e acesso à justiça.

128
GREQUE JUNIOR & FRANZ – Juventudes, mercado de trabalho...
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

Nesse sentido, as políticas públicas voltadas para a


população jovem no Brasil são orientadas pela Lei nº 12.852
de agosto de 2013, que estabelece princípios basilares para a
sua elaboração: I) promoção da autonomia e emancipação
dos jovens; II) valorização e promoção da participação social e
política, de forma direta e por meio de suas representações;
III) promoção da criatividade e da participação no
desenvolvimento do País; IV) reconhecimento do jovem como
sujeito de direitos universais, geracionais e singulares; V)
promoção do bem-estar, da experimentação e do
desenvolvimento integral do jovem; VI) respeito à identidade e
à diversidade individual e coletiva da juventude; VII)
promoção da vida segura, da cultura da paz, da solidariedade
e da não discriminação; e VIII) valorização do diálogo e
convívio do jovem com as demais gerações.
Em vista disso, o Estatuto da Juventude prevê os
direitos dos jovens, os quais totalizam 11 e são: 1) Direito à
Cidadania, à Participação Social e Política e à Representação
Juvenil; 2) Direito à Educação; 3) Direito à Profissionalização,
ao Trabalho e à Renda; 4) Direito à Diversidade e à Igualdade;
5) Direito à Saúde; 6) Direito à Cultura; 7) Direito à
Comunicação e à Liberdade de Expressão; 8) Direito ao
Desporto e ao Lazer; 9) Direito ao Território e à Mobilidade;
10) Direito à Sustentabilidade e ao Meio Ambiente; e 11)
Direito à Segurança Pública e ao Acesso à Justiça (BRASIL,
2013).

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GREQUE JUNIOR & FRANZ – Juventudes, mercado de trabalho...
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

Assim, embora exista toda uma organização legislativa


de orientação à proteção e garantia de direito aos jovens, são
poucas as ações de nível federal para promover a inserção
dos jovens no mercado de trabalho e possibilitar o acesso à
renda. Assim Corrochano e Abramo (2016) apontam a
proposta do desenvolvimento da Agenda Nacional de Trabalho
Decente para a Juventude (ANTDJ) como uma possibilidade
de política pública que ampare a inclusão desta população ao
mercado formal de emprego, sendo como apresentam as
autoras,

Para a Organização Internacional do


Trabalho (OIT), o conceito de trabalho
decente compreende todo trabalho produtivo
adequadamente remunerado em condições
de liberdade, equidade e segurança, capaz de
garantir uma vida digna, apoiando-se em
quatro pilares: 1) respeito as normas
internacional do em especial aos princípios e
direitos fundamentais do trabalho (liberdade
sindical e reconhecimento do direito de
negociação coletiva; eliminação do trabalho
forçado; abolição efetiva do trabalho infantil;
eliminação de todas as formas de
discriminação em matéria de emprego e
ocupação); 2) promoção do emprego de
qualidade; 3) extensão da proteção social; e
4) dialogo social (p.110).

Essa iniciativa não foi aplicada de forma equânime


sobre estes pilares, uma vez que no Brasil, de acordo com
Tommasi e Corrochano (2020) os investimentos em políticas
públicas para a juventude seguem a tendência de países

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GREQUE JUNIOR & FRANZ – Juventudes, mercado de trabalho...
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

desenvolvidos onde são priorizados os investimentos em


educação, como pode-se evidenciar também com o
levantamento das políticas públicas supracitadas. Assim,
esta tendência de favorecimento das questões ligadas à
educação vai ao encontro com o entendimento do David
Harvey (2011, p.60 – grifo nosso) em que o Estado é
responsável por prover ao mercado mão de obra qualificada
“[...] em quantidades e qualidades adequadas (incluindo
formação profissional, treinamento e docilidade
política)[...]”, estando previsto, também, no Estatuto da
Juventude e no PNJ a qualificação e instrução dos jovens
para atuarem em postos de trabalho existentes. Ou seja, o
mercado de trabalho irá orientar quais qualificações são
necessárias à mão de obra, privilegiando seus interesses e
possibilitando a realização de suas atividades produtivas.
Cabe ressaltar aqui que reconhecemos a importância de
quaisquer políticas que coloquem os jovens no centro dos
debates e visem a ampliação da qualidade de vida desta
população, pois estes investimentos beneficiam e possibilitam
a aderência dos jovens aos processos formativos formais,
melhorando as perspectivas de acesso a renda. Porém, as
políticas públicas devem seguir o princípio do diálogo para
suprir as necessidades da população em primeiro lugar, e
não exclusivamente priorizar as demandas do mercado, como
é defendido pelas agendas neoliberais.
Pois uma vez estabelecida a vacância da administração
pública nos anseios sociais, o mercado irá se mobilizar para

131
GREQUE JUNIOR & FRANZ – Juventudes, mercado de trabalho...
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

capitalizar os modos de vida não mercantis (HARVEY, 2011),


suprindo suas próprias necessidades, através de uma “falsa
narrativa” de benevolência e solução mágica, como é o caso
do discurso empreendedor que aparece como recurso para
conformar um mundo do trabalho precário e de poucas
oportunidades.
E retomando a questão da “docilidade política" apontada
por Harvey (2011) como condição necessária da mão de obra,
o qual dialoga com a compreensão de Antunes (2020) que
coloca como uma tendência das precarizações estabelecidas
nas novas relações de trabalho. No entanto, Harvey (2011) vai
além, indicando que esta é na verdade uma ação dos
mercados capitalistas para gerar e explorar uma
fragmentação e desmobilização das lutas de classes, uma vez
que como menciona o autor,

A força de trabalho potencial tem gênero,


raça, etnia e tribo ou se divide pela língua,
política, orientação sexual e crença religiosa,
e tais diferenças emergem como
fundamentais para o funcionamento do
mercado de trabalho. Tornam-se ferramentas
por meio das quais os capitalistas
administram a oferta de trabalho [...]
(HARVEY, 2011, p.57).

Essa situação de exploração da fragmentação da luta de


classes podemos observar como característica do
empreendedorismo, uma vez que nas iniciativas
empreendedoras o foco está na realização pessoal do sucesso

132
GREQUE JUNIOR & FRANZ – Juventudes, mercado de trabalho...
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

profissional, desconsiderando as grandes desigualdades


sociais e de oportunidades presentes na sociedade brasileira.
O Brasil possui grande número de jovens
desempregados, e dada a situação de recessão econômica a
qual o país vem enfrentando, apresenta um aumento
exponencial de jovens em busca de atividades econômicas
alternativas para seu sustento e renda (TOMMASI;
CORROCHANO, 2020). Logo, os problemas relacionados ao
mundo do trabalho e ao acesso à renda são uma realidade
para uma parcela significativa das juventudes brasileiras, só
em 2019 (antes da pandemia de COVID-19 que aprofundou
as mazelas da sociedade brasileira) de todos os
desempregados, 22,2% eram jovens de até 29 anos de idade
(TOMMASI; CORROCHANO, 2020). Tal situação pode estar
relacionada a doenças como depressão, ansiedade, e
frustrações múltiplas na vida dos jovens (CORTESÃO, 2020).
Nesse sentido, o discurso empreendedor coloca-se como
mais uma das tentativas de responsabilizar as juventudes
pelo seu fracasso financeiro, pois a narrativa empreendedora
é vendida como uma solução para dar conta do desemprego
da população na ótica do sistema econômico neoliberal em
que vive o Brasil (TOMMASI; CORROCHANO, 2020). As
autoras apontam que no discurso do Serviço Brasileiro de
Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) "O jovem
brasileiro já entendeu que para ter trabalho a melhor
alternativa é criar o próprio emprego, é empreender, inovar e
gerar novas vagas. E eles não empreendem por necessidade,

133
GREQUE JUNIOR & FRANZ – Juventudes, mercado de trabalho...
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

estão de olho nas oportunidades do mercado, estão


atendendo demandas sociais e movimentando а есоnomia”
(TOMMASI; CORROCHANO, 2020, p.359). Esta visão do
SEBRAE romantiza e homogeneiza os sujeitos jovens, não
incluindo os que estão em busca da renda para sua
sobrevivência e subsistência. As autoras ainda apontam que
no Brasil não existe um “clima favorável" ao desenvolvimento
do empreendedorismo juvenil, uma vez que grande parte da
população jovem se encontra nas camadas mais
desfavorecidas economicamente, onde o acesso aos serviços é
precário, incluindo o ensino básico.
Assim, os jovens destas camadas populares são os que
mais sofrem com o desemprego, estes que arriscam-se a
empreender desenvolvendo atividades apenas com seus
conhecimentos próprios, com conhecimentos que têm acesso
através da internet ou de cursos de empreendedorismo
desenvolvidos por fundações como o SEBRAE (TOMMASI;
CORROCHANO, 2020). E, é aí que mora o maior risco para
essa população pois estas formadoras de empreendedores
colocam os sujeitos como os únicos responsáveis pelos
sucessos ou fracassos de seus empreendimentos,
considerando que todos partem dos meus locais de disputas,
que a permeabilidade aos mercados consumidores é a
mesma, relativizam os longos e infindáveis esforços dos
sujeitos, os quais muitas vezes estão atuando em
subempregos e em trabalhos precarizados, onde trabalham
sem nenhum tipo de proteção ou com direitos sociais

134
GREQUE JUNIOR & FRANZ – Juventudes, mercado de trabalho...
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

reduzidos, em trabalhos com baixa qualidade nos quais o


volume de serviço é grande e o retorno financeiro não é
compensatório.
Ricardo Antunes (2020) apresenta uma concepção que
nos permite entender o fenômeno da precarização dos
empregos,

Em pleno século XXI, mais do que nunca,


bilhões de homens e mulheres dependem de
forma exclusiva do trabalho para sobreviver e
encontram cada vez mais, situações instáveis,
precárias, ou vivenciam diretamente o flagelo
do desemprego. Isto é, ao mesmo tempo que
se amplia o contingente de trabalhadores e
trabalhadoras em escala global, há uma
redução imensa dos empregos: aqueles que se
mantêm empregados presenciam a corrosão
dos seus direitos sociais e a erosão de suas
conquistas históricas, consequência da lógica
destrutiva do capital que, conforme expulsa
centenas de milhões de homens e mulheres
do mundo produtivo (em sentido amplo),
recria, nos mais distantes e longínquos
espaços, novas modalidades de trabalho
informal, intermitente, precarizado, "flexível".
Depauperando ainda mais os níveis de
remuneração daqueles que se mantêm
trabalhando (ANTUNES, 2020, p.25).

Assim, os jovens são vistos pelo mercado de trabalho


como os sujeitos mais inexperientes e possivelmente os
menos qualificados, e aos que estão em busca de suas
primeiras oportunidades provam do amargo sabor da
rejeição, e acabam aceitando os piores empregos com os

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GREQUE JUNIOR & FRANZ – Juventudes, mercado de trabalho...
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

menores rendimentos (DAYRELL, 2007). Na verdade, o


mercado capitalista se “alimenta” desta mão de obra ociosa
pois como aponta Harvey (2011) citando Marx, constituem o
chamado exército de reserva, e esta é uma condição
importante para acumulação perpétua e expansiva do capital.
Pois “Embora restrições locais existam aqui e ali, a
disponibilidade de reservas de trabalho maciças [...] em todo
o mundo é inegável, e pesa sobre os níveis da luta de classes,
com uma vantagem poderosa para o capital" (HARVEY, 2011,
p.59). O autor ainda acrescenta que o Estado nas suas
diferentes esferas precisa assumir o papel de mediador das
disputas entre o mercado e a mão de obra.

CONCLUSÕES
Conforme o que foi exposto neste artigo, para a
população jovem que trabalha, a realização de tais atividades
assume centralidade no exercício de sua cidadania e na
constituição de suas identidades, sobretudo quando
investigamos os jovens em situação econômica menos
privilegiada, pois compreendemos que o trabalho tem ainda
mais relevância, colocando-se como uma condição para a
vivência da juventude. Assim, prezar por experiências
profissionais adequadas é dever do Estado nas diversas
legislações que orientam as políticas públicas para os jovens,
como o Estatuto da Juventude, Plano Nacional da Juventude
e a Constituição Federal.

136
GREQUE JUNIOR & FRANZ – Juventudes, mercado de trabalho...
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

Logo, faz-se necessário que o Estado utilize as


ferramentas necessárias, elaboração de políticas públicas,
para promover uma maior participação e inclusão dos jovens
nas tomadas de decisão sobre os seus futuros, especialmente,
nas questões vinculadas ao mercado de trabalho, já que este
coloca-se com um assunto tão caro para esta população. A
postura de alteridade assumida pelo governo federal torna o
discurso empreendedor como a única opção frente aos altos
níveis de desemprego e empregos precarizados, transferindo
uma responsabilidade que é do Estado para a população
jovem que ainda está constituindo-se e decidindo os rumos
de suas vidas.

AGRADECIMENTO
O presente trabalho foi realizado com apoio da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
– Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001

REFERÊNCIAS
ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão: o novo
proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo,
2018.

BAJOIT, Guy; FRANSSEN, Abraham. O trabalho, busca


sentido. Revista Brasileira de Educação, Brasil, n. 5-6, p. 93-
123, 1967.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República


Federativa do Brasil de 1988.

137
GREQUE JUNIOR & FRANZ – Juventudes, mercado de trabalho...
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

_____. Lei nº 10.097, de 19 de dezembro de 2000. Altera


dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT,
aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943.
Brasília, 19 dez. 2000.

_____. Lei nº 10.260, de 12 de julho de 2001. Dispõe sobre o


Fundo de Financiamento ao estudante do Ensino Superior e
dá outras providências. Brasília, 12 jul. 2001.

_____. Lei nº 10.891, de 9 de julho de 2004. Institui a Bolsa-


Atleta. Brasília, 9 jul. 2004.

_____. Lei nº 10.880, de 9 de julho de 2004. Institui o


Programa Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar -
PNATE e o Programa de Apoio aos Sistemas de Ensino para
Atendimento à Educação de Jovens e Adultos, dispõe sobre o
repasse de recursos financeiros do Programa Brasil
Alfabetizado, altera o art. 4º da Lei nº 9.424, de 24 de
dezembro de 1996, e dá outras providências. Brasília, 9 jul.
2004.

_____. Decreto nº 5.342, de 14 de janeiro de 2005.


Regulamenta a Lei nº 10.891, de 9 de julho de 2004, que
institui a Bolsa-Atleta. Brasília, 14 jan. 2005.

_____. Lei nº 11.128, de 28 de junho de 2005. Dispõe sobre o


Programa Universidade para Todos – PROUNI e altera o inciso
I do art. 2º da Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005.
Brasília, 28 jun. 2005.

_____. Lei nº 11.129, de 30 de junho de 2005. Institui o


Programa Nacional de Inclusão de Jovens – ProJovem; cria o
Conselho Nacional da Juventude – CNJ e a Secretaria
Nacional de Juventude; altera as Leis nº s 10.683, de 28 de
maio de 2003, e 10.429, de 24 de abril de 2002; e dá outras
providências. Brasília, 30 jun. 2005.

_____. Lei nº 12.852, de 5 de agosto de 2013. Institui o


Estatuto da Juventude e dispõe sobre os direitos dos jovens,
os princípios e diretrizes das políticas públicas de juventude e

138
GREQUE JUNIOR & FRANZ – Juventudes, mercado de trabalho...
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

o Sistema Nacional de Juventude - SINAJUVE. Brasília, 5


ago. 2013.

_____. Decreto nº 8.537, de 5 de outubro de 2015. Institui o


Estatuto da Juventude e dispõe sobre os direitos dos jovens,
os princípios e diretrizes das políticas públicas de juventude e
o Sistema Nacional de Juventude - SINAJUVE. Brasília, 5
out. 2015.

CORROCHANO, Maria Carla; ABRAMO, Laís Wendel.


Juventude, educação e trabalho decente: a construção de
uma agenda. Juventude, educação e linhas críticas, Brasília,
v. 22, ed. 47, p. 110-129, 2016.

DAYRELL, Juarez. A ESCOLA "FAZ " AS JUVENTUDES?


REFLEXÕES EM TORNO DA SOCIALIZAÇÃO JUVENIL.
Centro de Estudos Educação e Sociedade, Campinas, v. 28,
ed. 100, p. 1105-1128, 2007.

GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4.


ed. São Paulo: Atlas, 2009. 175 p.

HARVEY, David. O enigma do capital: e as crises do


capitalismo. Trad. João Alexandre Peschanski. São Paulo:
Boitempo, 2011.

LIMA, Maria do Socorro Bezerra; MOREIRA, Érika Vanessa. A


PESQUISA QUALITATIVA EM GEOGRAFIA. CADERNO
PRUDENTINO DE GEOGRAFIA, Presidente Prudente - SP, v.
2, ed. 37, p. 27-55, 2015.

TOMMASI, Livia de; CORROCHANO, Maria CARLA. Do


qualificar ao empreender: políticas de trabalho para jovens no
Brasil. Estudos Avançados, São Paulo, SP, v. 34, n. 99, p.
353-371, 2020.

139
SOUZA & RIETH – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

JUVENTUDES NO TEMPO PRESENTE E AS


RELAÇÕES NO ESPAÇO ESCOLAR: O QUE TEMOS
A DIZER?

Lindomar Pereira de Souza


Ricardo Willy Rieth

INTRODUÇÃO
A escrita que ora segue emergiu a partir da necessidade
de produzir um texto avaliativo da disciplina “Juventudes e
Educação: a escola como território juvenil”, pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, através do Programa de Pós-
Graduação em Geografia (POSGEA) no período de 20 de
março a 17 de abril de 2023, tendo como base as referências
propostas no plano da referida disciplina. O fio condutor das
discussões evidenciadas ao longo do texto está relacionado à
minha pesquisa de doutorado, por termos a intenção de
pesquisar e discutir as vivências no território escolar no
âmbito da educação do campo das juventudes ribeirinhas,
tendo por referência o campo teórico dos Estudos Culturais.
O artigo tem o objetivo de apresentar reflexões sobre as
juventudes no tempo presente considerando o espaço escolar
como espaço coletivo e suas relações evidenciadas no
cotidiano. A importância de discutir sobre as juventudes no
tempo presente e o modo como a escola tem se apresentado

140
SOUZA & RIETH – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

nessa realidade do debate nos chama a atenção pela


necessidade de questionar a maneira como os discursos são
construídos e colocados em prática no cotidiano das
unidades de ensino em nossas escolas brasileiras.
O texto se estrutura em quatro tópicos principais,
incluindo esta introdução. O segundo tópico se constitui de
argumentações fundamentadas pela leitura de autores que
discutem a temática juventude/s e também de nossas
proposições relacionadas ao tema. O terceiro tópico pontua os
conceitos de juventudes em diferentes perspectivas. Por fim,
apresentamos as considerações finais, destacando alguns
achados relevantes no tocante a como os autores têm
enxergado o debate aqui expressado juntamente com nossas
ponderações em relação ao assunto em pauta, buscando
discussões a partir de lentes teóricas propostas pelos Estudos
Culturais.

REFLEXÕES SOBRE AS JUVENTUDES NO TEMPO


PRESENTE E AS RELAÇÕES COTIDIANAS NA REALIDADE
ESCOLAR

As juventudes são apontadas em nossa


sociedade como expressões da inexperiência,
falta de racionalidade pelo excesso de
hormônios e emoções, por isso carecem de
atenção e rigidez, para que o bom andamento
do desenvolvimento da pessoa jovem seja
garantido, de maneira a evitar desvios
ligados a rebeldia, boêmia, transgressão ou

141
SOUZA & RIETH – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

anseio de extravagância (VERNEQUE, 2023,


p. 88).

A compreensão acerca de juventudes fica ainda mais


dificultada se não conseguimos entender que elas são
marcadas por um momento de transição da vida biológica da
pessoa e que a mesma está ligada a um marco temporal, a
uma época específica por caracterizar certos comportamentos
sociais (BRASIL, 2013). “De um modo geral, pode-se dizer que
a ‘juventude’ tem estado presente, tanto na opinião pública
como no pensamento acadêmico, como uma categoria
propícia para simbolizar os dilemas da contemporaneidade”
(ABRAMO, 1997, p. 29).
Conforme Abramo (1997), a juventude é pauta de debate
não só na academia, mas também da opinião pública, de
modo que esse grupo social é marcado especificamente pelas
suas características, que as classificam negativamente na
maioria das vezes, como bem enfatiza Verneque (2023), ao
afirmar que as juventudes são vistas na sociedade como uma
categoria desprovida de experiências. Com tais marcadores
da categoria juvenil, que os classificam como “sem
racionalidades, com rebeldia, transgressão, extravagância
entre outros” é certificado seu passaporte nesse momento da
vida. Em relação aos “adjetivos qualificadores” anteriormente
pontuados, quem de nós nunca ouviu as expressões do tipo
“no meu tempo não era assim”, “no meu tempo era diferente”,
“isso não é coisa do meu tempo”.

142
SOUZA & RIETH – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

Expressões ainda bastante frequentes em alguns


espaços coletivos, como por exemplo as igrejas, as
associações e a destacar a escola. “Entretanto, as escolas
cumprem o papel de espaço de vigilância, sendo um dos
locais marcados pelo poder disciplinar, anseio de controle e
filtro de comportamentos” (VERNEQUE, 2023, p. 93). Este é
um espaço, que por sua vez se constitui em um território
coletivo de possibilidades para diferentes sujeitos, que ali
frequentam, acreditando no trabalho desenvolvido por tal
instituição no sentido de fomentar o ato educativo.
Nessa direção, é condição sine qua non enxergar a
escola como espaço múltiplo com capacidade de reunir
diversos sujeitos em diferentes tempos. A mesma não pode
ficar a olhar para o passado sem se preocupar com o futuro.
A escola deve e necessita viver o presente nas suas mais
complexas facetas. Afinal, “O tempo não para”, como diz a
música do cantor Cazuza, lançada no ano de 1988.
https://www.youtube.com/watch?v=_Jcn10Iiuu4.
Desse modo, é importante olhar para o tempo, e não
ficar preso ao tempo, tempo que não volta mais. Por isso os
Estudos Culturais nos provocam a fazer questionamentos
diante de uma realidade por nós percebida (COSTA,
SILVEIRA E SOMMER, 2003). É fundamental ver na escola
um espaço de possibilidades para com a formação do sujeito
em tempos diferentes. Isso nos faz refletir acerca da escola
como um espaço coletivo, que também não pára e nem pode
parar.

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SOUZA & RIETH – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

Expressões do tipo “No meu tempo, ou na minha época


não era assim”, precisam ser problematizadas nos espaços
escolares e também em outros espaços da sociedade, no
sentido de compreender que as juventudes atravessam
gerações que por sua vez são grifadas em uma determinada
época temporal e que as marcas deixadas, não são fixas e
nem devem servir de baliza do comportamento dos sujeitos
jovens da atualidade, pertencentes a outra geração. Olhando
para a importância dos espaços coletivos é salutar destacar:

Ainda assim, os ambientes institucionais


como escolas e universidades são espaços de
territorialização da juventude, pois
representam refúgio para manifestarem
aquilo que é podado em casa, o que pode ser
lido como ato de resistência e subversão às
opressões impostas (VERNEQUE, 2023, p.
94).

No tocante a essa questão, onde os ambientes


institucionais são importantes para essa fatia da sociedade, a
universidade também é vista como um território importante
para as juventudes (VERNEQUE, 2023). Ainda olhando para
esses espaços possíveis de confiança dos jovens,
lamentavelmente é válido destacar que, “para a escola e seus
profissionais, o problema situa-se na juventude, no seu
pretenso individualismo de caráter hedonista e irresponsável,
dentre outros adjetivos, que estaria gerando um desinteresse
pela educação escolar” (DAYRELL, 2007, p. 1106). Segundo
Dayrell (2007), a escola tem visto as juventudes como um

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SOUZA & RIETH – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

segmento que a frequenta carregada de ausência de


interesse.
As percepções diversas sobre esses jovens se fortificam
ainda mais quando eles fazem parte de uma camada vivente
às margens da sociedade, desprovida de garantias mínimas
de direitos de acesso por exemplo à educação e à saúde, pois
segundo Tavares (2012) a juventude de classe popular é
percebida como desprovida de potencial capaz de lutar no
âmbito político por garantia de seus direitos sociais.
Assim, pensar as juventudes em tempo presente é
enxergar esses jovens com capacidades de atuação política,
vislumbrando seus interesses. Caso isso não seja possível, é
importante considerar as juventudes fora do contexto de
tempos passados que já não estão presentes. Não devemos
associar o comportamento dos jovens que vivem na era da
internet, na contemporaneidade, ao comportamento dos
jovens que viveram nas décadas de 80 e 90. Naquela época,
tínhamos o rádio amador, o orelhão na esquina de casa,
cortes de cabelo em estilo sorvetão, jogar bola na rua e
escutar música na radiola, entre outras vivências que eram
destaque naquele momento. Hoje em dia, as juventudes
estabelecem contato com modos de comunicação diferentes e
suas relações com o mundo são abordadas de outras
maneiras. Esses jovens têm um relacionamento com o
contexto presente, buscando sempre o seu bem-estar,
satisfazendo seus gostos e também suas preferências e
aversões, como algumas pessoas podem classificar.

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SOUZA & RIETH – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

É preciso entender as juventudes como sendo uma


categoria social específica e que vivem em um tempo
presente, que questionam, que se envolvem com questões
políticas, que vão às ruas em manifesto da garantia de
direitos. A escola precisa entender isso e não deve moldar-se
aos gostos de quem pensa de forma contrária a essa parte da
sociedade atual brasileira, ou seja, as juventudes,
independentemente do território em que se encontram. Isso
vale tanto para um território coletivo, como é o caso da
escola, quanto para suas relações individuais, enfrentando os
diversos desafios impostos ao longo da vida no contexto
social. É preciso haver respeito com esses sujeitos e suas
diferenças. Por isso, pensar “multiterritorialmente é a única
perspectiva para construir uma outra sociedade, ao mesmo
tempo mais universalmente igualitária e mais
multiculturalmente reconhecedora das diferenças humanas”
(HAESBAERT, 2004, p. 20).
Falar de juventudes requer também uma revisitação ao
passado, ainda mais quando falamos, por exemplo, de uma
realidade escolar, de uma realidade onde o coletivo deve ser
positivamente respeitador das diferenças, pois “[...] os jovens
revelam uma identificação com a caracterização destes
coletivos, que passam a produzir sentidos para as suas vidas”
(PERONDI, 2023, p. 192). A escola, portanto, tem um sentido
positivo e de esperança na vida desses jovens. Por outro
lado, essa realidade escolar se constitui em um quadro
composto por determinados argumentos, como os acima

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SOUZA & RIETH – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

destacados a partir das expressões “no meu tempo”, ou “na


minha época”. Por esse motivo, as juventudes são
atravessadas por questionamentos presentes nos espaços
escolares de nosso Brasil afora, merecedores de novos olhares
em relação à visão que se sobressai dessa fatia da sociedade
brasileira aqui especificamente em discussão.

Para os jovens, a escola se mostra distante


dos seus interesses, reduzida a um cotidiano
enfadonho, com professores que pouco
acrescentam à sua formação, tornando-se
cada vez mais uma “obrigação” necessária,
tendo em vista a necessidade dos diplomas.
Parece que assistimos a uma crise da escola
na sua relação com a juventude, com
professores e jovens se perguntando a que
ela se propõe (DAYRELL, 2007, p. 1106).

Nessa perspectiva, as juventudes enxergam na escola


um espaço que precisa ser criativo no sentido de chamar a
atenção dos jovens para a aquisição de diferentes saberes,
que servirão positivamente de acesso ao mercado de trabalho,
segundo Dayrell (2007). E a escola, por ser um espaço
coletivo capaz de reunir grande quantitativo de pessoas
diariamente, necessita ser vista como um lugar de superação
de determinados adjetivos que desqualificam uma
significativa quantidade de jovens estudantes, por serem
diferentes e carregarem marcadores que lhes dão voz.
Podemos chamar a atenção no tocante aos marcadores
classificadores, no âmbito social: o modo de se expressar, o
estilo do cabelo, o gosto pela música, o modo de se vestir, o

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Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

modo de falar, o gosto por tatuagem dentre outros traços que


identificam esses sujeitos. Em relação a esse ponto da
discussão, o que temos observado em algumas escolas de
realidades nas quais temos contato, onde é marcante a
presença de jovens do ensino fundamental e/ou ensino
médio, é evidente que “O jovem que chega às escolas
públicas, na sua diversidade, apresenta características,
práticas sociais e um universo simbólico próprio que o
diferenciam e muito das gerações anteriores” (DAYRELL,
2007, p.1107).
E por conta dessa diversidade, os jovens com frequência
são alvo fácil de professores, coordenadores e/ou outros
profissionais que fazem parte da escola, em que esses atores
proferem afirmações estereotipadas do tipo “esses jovens não
têm cultura”, “esses jovens não têm bom gosto”, “não se tem
mais jovens como antigamente”, simplesmente por esses
jovens não apreciarem o mesmo tipo de música que a de sua
preferência, por exemplo. Esse tipo de afirmação tivemos a
insatisfação de, algumas vezes, presenciar em uma das
escolas onde trabalhamos.
Isso certamente tem causado-me desconforto, não
somente como pesquisador, mas como profissional da
educação em escutar de profissionais, “tidos” como pessoas
de referência. Estes lidam na sua prática docente com uma
diversidade de pessoas jovens e, consequentemente, com
gostos e preferências, que não são homogêneos. Desta forma,

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Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

acabam desrespeitando, desqualificando e menosprezando os


gostos desses jovens por serem diferentes dos seus.

O QUE SÃO JUVENTUDES? ALGUMAS PERCEPÇÕES E


TENSÕES

Os Estudos Culturais (EC) vão surgir em


meio às movimentações de certos grupos
sociais que buscam se apropriar de
instrumentais, de ferramentas conceituais,
de saberes que emergem de suas leituras do
mundo (COSTA, SILVEIRA E SOMMER,
2003, p. 37).

Como nós, sujeitos contemporâneos, temos enxergado o


mundo? Tecer algum tipo de fala em relação aos diferentes
campos de saberes presentes na sociedade requer uma
leitura de mundo, conforme Costa, Silveira e Sommer (2003).
Muito se tem falado sobre a escola e essa parte importante
que compõem o tecido social, as juventudes. O campo dos
Estudos Culturais muito nos tem ajudado a tencionar o
debate focando nas juventudes. Ele nos permite traçar
questionamentos e mobilizar novas reflexões, pois os “[...]
estudos culturais podem percorrer toda a paisagem do
mundo contemporâneo, com foco em qualquer questão ou
tópicos específicos que sejam considerados relevantes em um
determinado momento e lugar” (ANG, 2020, p. 3).
Nessa perspectiva, perguntamos: o que é/são
juventude/juventudes? Nessa direção é importante

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SOUZA & RIETH – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

apresentar tal conceito em três dimensões, uma na visão da


sociologia, outra na visão da legislação e outra a partir do
ponto de vista da subjetividade. De acordo com a sociologia,
juventude é vista:

[...] como um momento de transição no ciclo


de vida, da infância para a maturidade, que
corresponde a um momento específico e
dramático de socialização, em que os
indivíduos processam a sua integração e se
tornam membros da sociedade de, através da
aquisição de elementos apropriados da
“cultura” e da assunção de papéis adultos
(ABRAMO, 1997, p. 29).

A partir da visão de Abramo (1997), juventude é uma


fase de transição que as pessoas atravessam, tendo como
ponto de partida a infância. Essa fase da vida é assinalada
por dificuldades dos sujeitos em estabelecerem
relacionamento harmonioso no campo social. Pode ser a
responsabilidade de assumir papéis postos pela cultura
social, devendo estes se colocar como membros de atuação
com função específica na sociedade, deixando de pertencer a
um grupo e passando a fazer parte de outro. Nesse sentido:

[...] é possível afirmar que os primeiros


estudos sobre juventude no Brasil, até
meados dos anos 70, estavam mais voltados
para a análise de como os jovens se
configuravam como geração numa estrutura
social distribuída em termos de classe e
status sociais (TAVARES, 2012, p. 186).

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SOUZA & RIETH – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

Na perspectiva da legislação brasileira, de acordo com a


Lei Nº 12.852 de agosto de 2013, a juventude corresponde ao
grupo das pessoas com idade entre 15 (quinze) e 29 (vinte e
nove) anos de idade (BRASIL, 2013), que também está
associada a um ciclo da vida da pessoa, de um momento
temporal, justificando o pertencimento dessa categoria social.
Pela ótica da legislação o conceito de juventude dialoga
com conceito estabelecido pela sociologia, quando destaca
que a juventude é um momento de transição da vida do
indivíduo. A diferença é que a legislação aponta para o fator
idade fazendo um recorte temporal, entre quinze e vinte e
nove anos de idade (BRASIL, 2013). Posto isso, podemos dizer
que ser jovem é enfrentar uma fase da vida que requer do
sujeito o discernimento, de assumir responsabilidades em
conformidade com os papéis que essa fase da vida delega, de
modo que:

[...] a juventude pode se constituir mais


fortemente como um momento de preparação
para o ingresso no mundo do trabalho, como
um período no qual ocorrem múltiplas – e
não lineares – combinações entre trabalho e
estudo, ou como um período de intensa
presença do trabalho antes mesmo da idade
legal para o seu exercício (CORROCHANO,
ABRAMO, 2016, p. 114).

Sair de uma classificação social e ingressar em outra


significa potencialmente fazer uma travessia no campo não só

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SOUZA & RIETH – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

da idade, mas sobretudo em ter que se posicionar de outra


forma perante o cotidiano social com outras
responsabilidades. Deixar de ser criança ou adolescente e
passar a ser jovem é romper determinados comportamentos e
assumir outras características identitárias. Esta mudança
depende não somente do tempo histórico e social, mas
também das múltiplas desigualdades – de classe, gênero,
cor/raça, entre outras. Nesse contexto, o ser jovem passa a
ocupar de maneira diferente outros espaços na sociedade, a
destacar o mercado de trabalho, o estudo, a responsabilidade
de ser pai, por exemplo (CORROCHANO, ABRAMO, 2016, p.
114).
Ser jovem na realidade brasileira atual não significa
classificar os mesmos direitos às juventudes presentes na
contemporaneidade, fazer parte desse território das
juventudes presentes é etiquetar traços diferentes em espaços
coletivos com intenções específicas no campo social, aqui
para os quais chamamos a atenção especialmente a
instituição escolar. Por que não também a universidade?
Fazer parte de um estrato social de menor renda ou de uma
minoria dificulta o acesso a postos de trabalho. Ou, será que
um jovem negro tem as mesmas oportunidades de emprego
que uma jovem mulher branca? Que dizer de um jovem pobre
residente numa favela?
Questões desse tipo ainda estão firmadas nas estruturas
sociais, mesmo sabendo que existem políticas voltadas à
garantia de direitos das juventudes do Brasil, conforme o

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SOUZA & RIETH – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

Estatuto da Juventude (BRASIL, 2013). Mesmo assim, ainda


vivemos numa realidade social marcada por preconceito em
questões relacionadas a certos grupos de jovens, do tipo:
jovens pais, jovens negros, jovens pobres, jovens residentes
em favela, jovens do campo, jovens indígenas, jovem do hip
hop, jovens lgbtqia+ entre outros.
Olhando com outra lente teórica acerca do conceito de
juventudes, podemos enxergar outras questões deslocadas
tanto do ponto de vista da sociologia quanto da legislação,
questões anteriormente sinalizadas. Isso se firma da feita que
temos a seguinte afirmativa em relação ao entendimento:

O conceito é bastante elástico. É possível


pensar que se pode ser jovem dos 15 aos 40
anos. Para alguns, a juventude é um estado
de espírito, uma disposição física, um perfil
de consumidor, uma fatia do mercado em
que todos querem se incluir e do qual
ninguém quer sair. São muitos os modos de
“estar jovem” na cultura contemporânea.
(SEVERO, 2021, p. 221).

Tendo em vista o argumento de Severo (2021), a


juventude é caracterizada como um estado de bem-estar, de
um estado de espírito, o que podemos concluir nesse caso, de
que para ser jovem o critério exclusivo não é a idade,
tampouco o estabelecido na legislação no meio social. Ser
jovem é algo muito subjetivo e variável, pois o fator
preponderante são questões internas do sujeito e não
questões influenciadas por forças externas. De repente o que

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SOUZA & RIETH – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

é ser jovem para uma pessoa pode não ser para outra, mesmo
estando dentro do mesmo campo etário.
Nessa perspectiva, no contexto da disciplina
“Juventudes e Educação: a escola como território juvenil”
recebeu destaque a discussão relacionada à necessidade de
falar das juventudes no tempo presente, afinal é necessário
romper com o discurso fixado na cultura de que as
juventudes da atualidade precisam ter como referência as
juventudes de tempos passados.
A cultura nesse aspecto considera o tempo e passa ser
um marcador importante quanto à classificação do ser jovem,
pois “o tempo, em nossa cultura, é medido com pontual
exatidão e, além disso, é percebido socialmente como um
fluxo que vai do passado ao presente e do presente ao futuro
(SEVERO, 2021, p. 215). Em outras palavras, o tempo faz
recorte e classifica os jovens não apenas pelos seus
comportamentos, mas sobretudo pela idade cronológica.
Porém, não podemos perder de vista o bem-estar do sujeito,
pois juventude, de acordo Verneque (2023, p. 87) é “ uma
construção social com fins específicos”.
Como instituição social, a escola é fortemente marcada
pela presença dessas juventudes no seu espaço. Cabe a ela
não só lutar pela criação de políticas públicas, mas também
abrir espaços de debate envolvendo essas juventudes com a
intenção de lhes dar voz e vez: “[...] a escola destaca-se como
um espaço juvenil onde circulam diferentes conhecimentos,

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SOUZA & RIETH – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

emoções, conversas, conflitos e aprendizagens onde também


interagem diferentes gerações” (MEDIN, 2022, p. 4).
As juventudes, afinal, representam um número
importante da população brasileira, considerando o recorte
etário de 15 a 29 anos (BRASIL, 2013). Pensar nas
juventudes que frequentam a escola é sobretudo pensar
nesses jovens que precisam de oportunidades não só no
mercado de trabalho, mas nas diversas oportunidades de
uma vida melhor nas suas diferenças, asseguradas no
compasso de políticas públicas mais eficientes e inclusivas.
Por isso, não podemos olhar para a escola deslocada da
realidade em que as juventudes estão inseridas. Estas
carecem de um olhar não só do campo econômico,
educacional e social por exemplo, mas também precisam ser
entendidas nas suas singularidades e não comparadas com
outras gerações, recebendo rótulos estereotipantes, ou sendo
negadas por não gostar disso ou daquilo, sendo
estigmatizadas, para tanto cada geração vive sua juventude
em seu tempo e não no tempo da outra geração. O espaço
escolar de hoje é diferente da escola de ontem, que será
diferente da escola do amanhã. “Assim, as divisões que
ocorrem na escola, a arquitetura das salas, os corredores, os
muros, os lugares permitidos e não permitidos. A mediação e
o controle de tais espaços estão envolvidos em estreitas
relações de poder” (SEVERO, 2021, p. 214).
A respeito dessa questão, (MEDIN, 2022, p. 4)
argumenta, “nesse contexto, diferentes gerações convivem

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SOUZA & RIETH – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

nas escolas e, nesse sentido, o olhar adultocêntrico questiona


os modos de encontrar os jovens, seja por nostalgia ou
incompreensão, estabelecendo juízos de valor”, em razão de
existir uma hierarquia de poder cuja visão ainda está
pautada numa cultura do passado. Para Medin (2022) o
tempo é um fator marcante no ato de viver uma geração
comparando com outro, quando olhando para a escola e
empiricamente falando, ela ainda está muito fortemente
ligada a uma comparação de tempos atrás, pois de quanto em
vez escutamos afirmações pautadas em ações ou
comportamento de jovens estudantes de tempo anterior ao
nosso tempo presente.
A escola em sua coletividade necessita viver o tempo
presente, afinal isso foi provado agora recente no período
pandêmico (2020 e 2021), porque o uso do celular deixou de
ser uma proibição em sala de aula e passou a ser um objeto
de uso obrigatório pelos alunos e professores em suas
residências, que por sua vez passaram a ser as salas de aula,
tanto dos alunos como dos professores. A sala de aula foi
“simplesmente” investida, mudada de endereço de maneira
tão brusca. Antes desse tempo da pandemia, o celular era
tido pela grande maioria dos professores como um causador
de problemas em sala de aula, de violação, de desrespeito por
incomodar os professores e tirar a atenção dos colegas pelo
uso na sala de aula, ou até mesmo em outros espaços da
escola.

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SOUZA & RIETH – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

Como são as coisas? Como o tempo mudou? Quem diria


um dia o celular se tornar um objeto de uso obrigatório capaz
de mediar o fazer pedagógico do professor em sala de aula, de
ser o único meio de acesso às aulas? Quantas indagações.
Nos Estudos Culturais os questionamentos são vitrines onde
a visão atravessa o que parece aparente e toca o mais
distante, aqui as juventudes na sua diversidade. Os Estudos
Culturais (EC) vão surgir em meio às movimentações de
certos grupos sociais que buscam se apropriar de
instrumentais, de ferramentas conceituais, de saberes que
emergem de suas leituras do mundo (COSTA, SILVEIRA E
SOMMER, 2003, p. 37).
Todos esses elementos influenciam diretamente no
tempo de aprendizagem de cada jovem, seja ele pertencente a
qual classe for. O ato de aprender é uma ação específica de
cada sujeito, onde o tempo dita seu ritmo, pois, “Os controles
exercidos através da regulação do tempo e espaço contribuem
para ritualizar e formalizar condutas. Orientam uma visão de
mundo (SEVERO, 2021, p. 215).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Falar da escola e das juventudes no tempo presente é
reconhecer o quanto ainda precisamos avançar no sentido de
enxergar a escola como um espaço vivo que se constitui a
partir de múltiplas presenças, capaz de atravessar gerações
que na sua essência cada geração responderá por si não
servindo de base referencial para outras gerações.

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Portanto, temos a oportunidade de compartilhar alguns


pontos considerados destaques, após o contato com alguns
escritos, ao passo de nos provocar a pensar as juventudes e o
espaço escolar respeitando as diferenças dos jovens e o modo
que a escola tem tratado desse assunto. Constatamos que a
escola deve elaborar novas estratégias possíveis de atrair a
atenção dos jovens, e que as juventudes são marcadas pelas
suas características e seu tempo presente. Juventude é uma
fase transitória da vida no que se refere ao conceito desse
grupo social e que ser jovem requer assumir
responsabilidades no contexto social, não deixando de fora
sua responsabilidade de ingresso no mercado de trabalho.
Pensar de maneira ampliada se faz necessário a partir
das lentes teóricas dos Estudos Culturais, em relação ao
conceito de juventudes, chamando a atenção para a visão das
juventudes na ótica da sociologia (ABRAMO, 1997) e
juventudes de acordo com da legislação em vigor (BRASIL,
2013) e ainda como destaque presente no texto a concepção
de juventudes posto como um estado de bem-estar do sujeito
constituindo assim uma subjetividade, conforme (SEVERO,
2021). Nesse sentido, as questões em destaques circundantes
a temática ora evidenciada na presente escrita, não se
esgotam, apenas servem de provocação e convite para outras
discussões envolvendo as juventudes e o espaço escolar.

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SOUZA & RIETH – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

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BARROSO & DOS SANTOS – Juventudes e saúde
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

JUVENTUDES E SAÚDE:
ALGUMAS INVESTIGAÇÕES TEÓRICAS SOBRE
SUAS VULNERABILIDADES

Priscila Farfan Barroso


José Ricardo Marques dos Santos

INTRODUÇÃO
Este artigo1 visa refletir sobre o que tem sido produzido
na investigação teórica no que se refere a saúde de jovens,
particularmente no contexto da vulnerabilidade vivida no
período escolar. Este período é um momento de transição de
papéis sociais no qual os jovens se expõem a situações
concretas de risco e, por isso, problematizar estas situações
nos levar a pensar em como minimizá-las.
Como aponta Ayres et al. (2003, p. 123), a
vulnerabilidade considera a “exposição das pessoas ao
adoecimento como a resultante de um conjunto de aspectos
não apenas individuais, mas também coletivos, contextuais,
que acarretam maior suscetibilidade aos adoecimentos”.
Entretanto, conforme aponta Silva et al. (2014), entre os

1 Este trabalho foi apresentado no GT “Sociologia, corpos e emoções:


condições de saúde e experiências afetivas juvenis em contextos
escolares do ensino médio”, coordenado por Alexandre Zarias
(FUNDAJ/UFPE), Ana Luisa Fayet Sallas (UFPR) e Chari Meleine
Brevers Gonzalez Nobre (SED-SC) no 8º Encontro Nacional de Ensino
de Sociologia na Educação Básica e tem uma versão escrita nos anais
do evento.

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jovens, essas vivências de riscos, são percebidas como


“problemas” mais individuais do que coletivos, por isso o
estudo mais ampliado é tão importante. Logo, é preciso
considerar os aspectos sociais e institucionais que impactam
a vida dos jovens em relação ao processo saúde/doença.
Para isso, parte-se dos conceitos de “vulnerabilidade
individual, social e programática” (Ayres et al., 2006), levando
em consideração três dimensões interdependentes que afetam
a compreensão dos aspectos das vidas dos jovens. A
dimensão individual busca evidenciar a qualidade de
informações de saúde disponíveis e como essas pessoas as
absorvem para si. A dimensão social abarca fatores
contextuais que afetam os comportamentos e práticas de
saúde, como questões políticas, jurídicas, morais, etc. E a
dimensão programática elucida como as instituições sociais –
como as escolas, família, setores da saúde, políticas públicas
– perpassam os jovens, neste caso, e colaboram para
reproduzir condições de vulnerabilidade.
Alguns trabalhos já realizados (Bellenzani e Malfitano,
2003; Fonseca et al., 2013; Silva et al., 2014) apontam a falta
de conhecimento dos jovens sobre a vida sexual saudável,
responsabilidade, condições materiais de vida, comunidade
seguras, ações governamentais, acesso a serviços de saúde,
educações e outras instituições. Entretanto, este estudo
busca atualizar essas análises para um contexto mais
direcionado ao período escolar, já acrescentando o momento
de Pandemia da Covid-19 (Andrade, 2021; Medin, 2022;

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Oliveira e Lacerda, 2022) que mostram como a saúde mental


dos jovens foi impactada através do isolamento social e do
ensino remoto.
Nesse sentido, o objetivo desse artigo é de levar em
consideração as três dimensões de vulnerabilidade (Ayres et
al., 2006) – individual, social e programática – para discutir
os diferentes aspectos que afetam a saúde dos jovens em
processo de escolarização. E, através do resultado, refletir, de
forma mais aprofundada, sobre medidas a serem trabalhadas
no próprio ambiente escolar, principalmente em articulação
com outras instituições sociais.
Uma das justificativas que sustenta este trabalho
envolve o reconhecimento de diferentes dimensões que
abarcam a saúde dos jovens, bem como a elucidação de
aspectos que podem ser atribuídos à escola. Esta instituição,
além da formação educativa, tem seu papel de propor
medidas para melhorar as condições sociais e de saúde dos
jovens em questão e deve ser acionada por meio da pesquisa
acadêmica.

METODOLOGIA
Este trabalho é um recorte de um projeto de pesquisa
desenvolvido na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
(UESB) que visa analisar os estudos de jovens produzidos em
âmbito nacional buscando identificar as experiências e os
significados sociais atribuídos ao processo saúde/doença. O
projeto está vinculado ao Grupo de Pesquisa “Juventudes,

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Educação e Saúde” (JES) registrado no Conselho Nacional de


Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) no âmbito
da UESB.
No primeiro momento, a metodologia utilizada
envolverá levantamento bibliográfico a partir dos descritores
“jovens”, “saúde” e “escola”, utilizados concomitantemente, no
Scientific Eletronic Library Online (Scielo). Interessa-nos,
publicações de artigos com resumos escritos em português e
que sejam lançadas nos últimos dez anos, ou seja, entre 2012
e 2022. O recorte deste período foi escolhido para
dimensionar a discussão com informações atuais, bem como
incluir o momento de Pandemia da Covid-19, que também
afetou a saúde dos jovens de forma significativa.
Após a seleção dos artigos, coube categorizar seus
resumos através de aspectos relacionados com a saúde dos
jovens a fim de compreender outras questões que abarcam
essa temática de discussão. Na sequência, foram analisadas
as vulnerabilidades que englobam cada categoria tendo como
referência as dimensões expostas por Ayres et al. (2006). Com
isso, é possível compreender a saúde dos jovens como algo
que vai além do indivíduo e abarca o contexto social e
institucional.

DESENVOLVIMENTO
Diante da proposta metodológica, foi realizada pesquisa
na base de dados do Scielo por meio do uso concomitante dos
descritores “jovens”, “saúde” e “escola” publicados de 2012 a

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2022. A busca executada neste portal de periódicos procurou


esses descritores em todos os índices, ou seja, em título,
resumo e periódico. Tendo em vista a obrigatoriedade das três
palavras em conjunto, encontramos o total de 84 artigos. No
entanto, foi preciso descartar aqueles artigos que não se
referiam a realidade do Brasil, não estavam focados em
situações de saúde dos jovens, não falavam de jovens que
estavam período escolar, que não abordavam as escolas
metodologicamente ou analiticamente, que eram resenhas de
livros, chegando a 35 artigos.
Então, após uma leitura dos resumos, cada artigo foi
categorizado – a partir de interpretação das temáticas
buscando trazer diferentes aspectos da saúde dos jovens – e,
em seguida, foram destacados os tipos de vulnerabilidades
(Ayres et al., 2006) que envolvem cada categoria. As
categorias encontradas para dar contar da saúde dos jovens
foram abordadas pelo resumo dos artigos analisados.
Abramo (1997) aponta que os jovens são, muitas vezes,
percebidos como difíceis de lidar e, como seriam
intempestivos, envolvem-se com “problemas sociais”. Nesse
sentido, quando se reflete sobre a saúde dos jovens,
geralmente, focam-se em algumas questões, como gravidez na
adolescência e uso de drogas.

O que me interessou ressaltar nesse breve


elenco de anotações, é o fato de que, ao
privilegiar o foco de nossa atenção sobre os
jovens como emblemas dos problemas

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sociais, muitas vezes não conseguimos


enxergá-los e entendê-los propriamente; e,
como consequência, nos livrar de uma
postura de desqualificação da sua atuação
como sujeitos. […] …. isso se acentua com os
sujeitos juvenis de agora, atuando num
plano comportamental e cultural sempre
vizinho aos planos do hedonismo, por um
lado, e da violência, por outro — e dessa
maneira ajudando a compor a impressão
geral de que a juventude hoje está confinada
a proceder através de comportamentos de
desregramento social. (Abramo, 1997, p. 35)

Entretanto, é preciso alargar essa compreensão para


além das problemáticas destacadas pelo senso comum a fim
de complexificar o que engloba, de fato, a saúde dos jovens
em período escolar. Portanto, esse levantamento bibliográfico
permite realizar essa façanha ao mesmo tempo que destaca
as vulnerabilidades atribuídas aos aspectos que compõe a
saúde dos jovens. Cada um desses aspectos encontrados na
pesquisa será elucidado e discutido na sequência enquanto
categorias que abarcam a compreensão da saúde dos jovens.
A primeira categoria evidenciada é a “aptidão física” dos
jovens que envolve o estímulo das instituições por quais esses
jovens passam, entretanto é possível identificar
vulnerabilidade de dimensão programática quando as escolas
não oferecem ações de promoção de saúde por meio das
atividades de educação física. Mesmo assim, os jovens podem
realizar atividades individuais e coletivas no seu lazer. De
qualquer formar, destaca-se que a realização ou não de

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atividades físicas impacta a saúde mental destes jovens.


Aqueles que não realizam atividades físicas, explicitam
vulnerabilidade da dimensão individual apresentando
maiores possibilidades de transtornos mentais. Ademais, a
dimensão social também pode apresentar vulnerabilidade
quando os pais não têm hábitos de fazer atividades físicas,
não apoiam a realização de atividade físicas ou desconhecem
a prática de atividades físicas.
Em relação a “perda auditiva” dos jovens, destaca-se a
vulnerabilidade de dimensão individual a partir do próprio
comportamento de exposição à música alta. Em um contexto
em que os fones de ouvidos são difundidos como objetos de
consumo, os jovens acessam cada vez mais esse artigo para
ouvir música. Ao mesmo tempo, as festas de jovens contam
com músicas altas que podem afetar a audição deles.
Enquanto dimensão programática, a escola pode dispor de
palestras educativas de forma mais frequente para mudar
hábitos dos jovens na prevenção de perdas auditivas. A
família também pode atuar nesta prevenção com supervisão
dessa exposição dos jovens.
Em relação a categoria “alimentação”, que afeta
diretamente a saúde dos jovens, apontam-se como dimensões
individuais da vulnerabilidade para má alimentação: a
diminuição do consumo de frutas e verduras e alta ingestão
de glúten. Além disso, o sedentarismo, o sobrepeso e a
ingestão de bebida alcoólica podem ampliar os riscos para
doenças cardiovasculares. Já como dimensão social, destaca-

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se que a vulnerabilidade pode estar no modo alimentar da


própria família e demais pessoas com quem os jovens
convivem. Nesse sentido, o comportamento individual
também está relacionado ao comportamento do contexto
social no qual os jovens estão inseridos.
Sobre o “uso de drogas” fica evidente a vulnerabilidade
de dimensão social que se dá pela interação social dos jovens
em contextos em que há acesso e uso de droga com maior
facilidade. Na dimensão individual, apresenta-se como
vulnerabilidade a realização de atividade sexual e a percepção
de solidão, pouco vínculo entre escola e pais e vivências de
agressões no ambiente familiar. Contudo, quando os pais
estão mais próximos das vivências dos filhos, isso pode inibir
o consumo de álcool e outras drogas. Na dimensão individual,
apresenta-se como vulnerabilidade para essa situação a
realização de atividade sexual, percepção de solidão, pouco
vínculo entre escola e pais e vivências de agressões no
ambiente familiar.
Sobre a categoria “saúde mental”, detecta-se
vulnerabilidade na dimensão programática quando não há
articulação entre jovens, comunidade e instituições sociais.
No caso do bullying, esta dimensão se revela na falta de
integração entre setores da saúde e da escola dificultando o
tratamento do sofrimento psíquico do indivíduo. Em relação
aos jovens que se autolesionam, além de eles terem
dificuldades de lidarem com problemas, pouco engajamento
estudantil e avaliação negativa dos pares, a dimensão

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programática de vulnerabilidade dentro da escola soma-se ao


baixo suporte familiar. Sendo assim, infere-se que escola
pode ser um espaço de reprodução da violência que pode
afetar a saúde mental dos jovens.
Estudos durante a Pandemia da Covid-19, o isolamento
social e a modalidade do ensino remoto impactaram
diretamente a saúde mental dos jovens. Em um dos artigos
analisados, a vulnerabilidade individual estava relacionada
ao tempo de exposição a telas, a inversão de sono e as
dificuldades com o ensino remoto. Já a vulnerabilidade da
dimensão social reforça os marcadores sociais da diferença o
que resulta em sintomas de ansiedade e depressão nos
jovens.
O “cuidado com saúde” dos jovens também é uma
categoria que aparece como relevante nos artigos analisados.
De modo geral, os jovens têm uma autopercepção de saúde
positiva, desconhecendo casos de doenças na família,
entendendo que sua saúde é muito boa e tem baixa
probabilidade de serem acometidos por problemas de saúde.
Essa visão pode ser ilusória, sendo necessário aproximar a
sua percepção da real condição de saúde. Ainda assim, há
indicação de que os jovens procuram profissionais de saúde,
de modo menos recorrente, mas por questões relacionadas ao
consumo de álcool, relação sexual sem preservativo, chiado
no peito, dor de dente, hábito de higiene e para mudar
comportamento em relação ao próprio peso.

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Revelou-se também um desconhecimento grande em


relação a campanhas de vacinação direcionadas aos jovens,
como a vacinação contra o HPV (sigla em inglês para
Papilomavírus Humano). Quando passam por uma situação
de violência, poucos procuram ajuda, mas quando o fazem
recorrem a amigos e familiares. Logo, fica evidente que há
uma vulnerabilidade da dimensão programática na busca do
“cuidado de saúde” do jovem, uma vez que as instituições
disponíveis, como as vinculadas à educação, saúde e
assistência social não conseguem acolher os jovens em
muitas destas demandas específicas.
A categoria “questões de sexualidade” teve o maior
número de artigos encontrados, demonstrando que essa
temática ainda é bastante estudada quando se trata de
pensar a saúde dos jovens. Em relação a dimensão
individual, mesmo conhecendo os métodos anticoncepcionais
e de prevenção às infecções sexualmente transmissíveis
(ISTs), os jovens se expõem aos riscos, fazendo uma “gestão
de risco” que transita entre sexualidade e prazer. Também foi
destacado um estranhamento e desconforto no uso de
preservativo feminino pelas mulheres, de modo que elas
preferem outros métodos contraceptivos.
Na dimensão social, as questões de gênero ficam em
evidência. As meninas recebem mais informações sobre
relações sexuais e conversam com parceiros sobre a
prevenção de gravidez, entretanto, a gravidez antes dos 20
anos aparece como relacionada a pobreza e menor

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escolaridade. Nestes casos, sem ter oportunidades em outros


âmbitos da vida, a gravidez se impõe como “projeto de vida”.
Para jovens LGBTQIA+, explicitam-se situações de
discriminação, abandono e negligência a partir do contexto
social que estão inseridos, reforçando estigmas difundidos no
senso comum.
Na dimensão programática, entram em evidência a
importância da família e da escola para a diminuição dessas
vulnerabilidades que se impõem na sexualidade dos jovens. A
conversa com a família ainda é considerada importante para
o acesso a informações sobre sexualidade. Porém, como
muitas famílias explicitam não se sentirem preparadas para a
abordagem desse assunto, há também a evidência de
algumas restrições nestes diálogos e até LGBTfobia.
Mesmo que as escolas informem que ensinam conteúdo
e dispõem de material didático sobre o tema da sexualidade e
ISTs, os estudantes de escolas privadas apresentam mais
conhecimento a respeito do tema que estudantes de escolas
públicas. A principal dificuldade no tema ainda parece ser no
entendimento sobre a transmissão e contaminação de ISTs.
Também aparece a LGBTfobia dentro dos espaços escolares.
Sendo assim, as escolas precisam capacitar seus
profissionais para lidarem com as temáticas de gênero e
sexualidade, além de reforçar suas ações coletivas e sociais
para prática preventiva, principalmente meio de programas
educacionais e abordagem correta.

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Além disso, há falta de articulação entre escolas e


instituições de saúde, o que reforça as vulnerabilidades dos
jovens. Nos serviços da saúde, assim como nas escolas,
parece haver um despreparo dos profissionais de saúde para
abordar as questões de sexualidade entre jovens e apresentar
diversas formas de prevenir ISTs e gravidez, bem como
popularizar o uso dos preservativos femininos. Dessa forma,
cabe as instituições sociais proporem vivências mais
humanas e protetoras sobre as questões que envolvem a
sexualidade dos jovens, acolhendo a diversidade existente.
Esse levantamento bibliográfico se encerra nestas
categorias, mas ajudam a ampliar e complexificar a
compreensão da saúde dos jovens em período escolar para
além da questão de sexualidade e drogas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da pesquisa realizada utilizando os descritores
“jovens”, “saúde” e “escola” no Portal de Periódico Scielo entre
2012 e 2022, encontraram-se artigos que permite ampliar a
compreensão da saúde dos jovens em período escolar. Foram
encontradas categorias como: aptidão física, perda auditiva,
alimentação, uso de drogas, saúde mental, cuidado da saúde
e questões de sexualidade. Cada uma destas categorias
apresenta vulnerabilidades para os jovens que estão
dispostas na dimensão individual, social e programática.
Na dimensão individual, que considera o
comportamento e modo de vida, ainda vemos que os maus

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hábitos de alimentação, exposição a som alto, falta de


atividade física, dificuldade em lidar com problemas, uso de
drogas, pouco cuidado com a saúde, vivência de
discriminação e sofrimento se constituem enquanto
vulnerabilidades que afetam a saúde dos jovens. Entretanto,
a situação de saúde dos jovens não é apenas uma questão do
indivíduo, como se focava anteriormente, e por isso cabe
destacar outras dimensões que atuam de forma concomitante
a dimensão individual.
A dimensão social envolve a situação do sujeito em
relação a itens como: acesso a bens, consumo, direito e a
falta de acesso a boa alimentação; o estímulo para a
realização de atividade físicas; a interação social dos jovens
em contextos onde há acesso e uso de droga com maior
facilidade; o bullying na escola; a difusão parcial de
informação sobre métodos contraceptivos e de prevenção de
ISTs por gênero e escola; e a discriminação, a negligência e
abandono dos jovens LGBTQIA+.
Na dimensão programática, que abarca a mediação que
as instituições exercem na vida das pessoas, evidencia-se
claramente a importância de maior articulação entre família,
escolas e instituições de saúde. Além disso, mostra-se
necessário a capacitação de profissionais da educação e
saúde para lidarem com temas sobre sexualidade, drogas,
saúde mental e cuidados da saúde dos jovens.
Como reforça Ayres et al. (2006) temos de considerar
essas três dimensões para pensar em como diversas

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vulnerabilidades atingem concomitantes um determinado


público. No caso dos jovens, vemos como o contexto no qual
estão inseridos impactam diretamente sua saúde. Ao mesmo
tempo, reconhecer como cada dimensão afeta esses jovens
nos permite chegar em estratégias para modificar as
condições sociais e de saúde desta população.
A escola, que deveria ser um espaço difusão de
informações para cuidado da saúde e local de promoção de
saúde, nem sempre consegue dar conta desse objetivo. Dessa
forma, este é alerta nos permite rever e repensar nas
potencialidades do espaço escolar, pois:

É preciso concorrer para que os sujeitos


sociais sejam alertados sim, mas que, para
além disso, possam responder de forma que
superem os obstáculos materiais, culturais e
políticos que os mantêm vulneráveis, mesmo
quando individualmente alertas, mais que
ser informadas, é preciso que as pessoas
saibam como se proteger e se mobilizem para
que as situações estruturais que as tornam
suscetíveis ao adoecimento sejam de fato
transformadas. (Ayres et al., 2006, p. 384)

Diante disso, esse estudo aponta para atributos da


saúde dos jovens que podem ser trabalhados nas instituições
da educação com iniciativas específicas ou mesmo enquanto
parte de ações de políticas públicas. Além disso, evidencia-se
a importância da articulação das escolas com outras
instituições sociais, reforçando o cuidado dos jovens para
além das questões de sexualidade e uso de drogas.

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BELCHIOR & DOS SANTOS – Juventudes: dilemas e contradições
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JUVENTUDES: DILEMAS E CONTRADIÇÕES NO


MUNDO DO TRABALHO

Izac de Sousa Belchior


Raquel Viana dos Anjos

INTRODUÇÃO
No presente texto buscamos refletir sobre a relação
entre Educação e Trabalho tomando como ponto de partida
as experiências de formação em escolas de Educação Básica,
compreendendo que em muitos lares brasileiros os jovens
contribuem diretamente com a manutenção econômica em
suas famílias, quando não são eles mesmos, exclusivamente,
os responsáveis por sua própria subsistência. A escola aqui
ocupa lugar central, pois atua como espaço de formação para
esses jovens e segue sendo espaço de disputa entre os que
defendem uma educação pautada para a formação integral do
ser e os que a veem como formadora unicamente para o
“mercado de trabalho”, sendo assim mera reprodutora das
desigualdades sociais.
Interessa-nos pensar que a escola é fruto de seu tempo e
funciona na fruição de conceitos aplicados pelos educadores,
ações perpetradas por agentes externos/internos, como o
Estado, as empresas e o mercado, mas também pelas
subjetividades e significados que os jovens dão a ela. Ainda
carece, neste texto, que aprofundemos mais a discussão

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BELCHIOR & DOS SANTOS – Juventudes: dilemas e contradições
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

sobre a categoria trabalho, principalmente em um país que


ainda combate o trabalho infantil, em busca de garantir o
direito à infância e adolescência de milhares de crianças e
adolescentes que trabalham ou são explorados ao pedirem
esmolas nas ruas, mas é o mesmo país onde avança e
existem muitos adeptos à ideia de que quanto mais cedo se
começa a trabalhar melhor será. Pertencente a classes
distintas, esse discurso recai de maneira também distinta
sobre os sujeitos, desta forma, imputamos aos filhos da
classe trabalhadora um trabalho precarizado e péssimas
condições de ruptura do que Pais (2017) intitula de futuros
herdados, caracterizado pela pobreza, vulnerabilidade social e
baixa escolaridade, assim como de seus pais.
Ao passo que se cobra do jovem um projeto de futuro,
verifica-se a incapacidade da Família e do Estado em oferecer
as condições mínimas necessárias, relegando-o a um papel de
inabilidade de pensar e fazer suas próprias escolhas. Desta
forma, as Juventudes (BOURDIEU, 1983; SILVA, 2007), pois
a compreendemos no plural, respeitando a heterogeneidade
dessa categoria, segue numa perspectiva quase sempre
tutelada pelos adultos (Família, Estado, Igreja), o que reforça
a ideia que prepondera sobre essa categoria, construída a
partir da ideia de risco e necessidade de controle (LYRA et al.,
2002).
A educação surge assim como espaço de atuação do
Estado no controle e formação dessas Juventudes. A via pela
qual os riscos são afastados e damos espaço para que os

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BELCHIOR & DOS SANTOS – Juventudes: dilemas e contradições
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

jovens transitem de uma fase (dita) conturbada e cheia de


dúvidas para a transformação em sujeitos aptos ao trabalho e
à vida adulta em sociedade. Dentro desta lógica, a educação
pensada para as classes menos favorecidas seria aquela que
oferecesse a formação direcionada para o trabalho, desta
forma, surge a proposta da educação profissional,
caracterizada pela perspectiva de suprir a necessidade de
mão de obra para o mercado de trabalho. O que em nosso
país resultou em um aprofundamento da divisão social do
trabalho e das desigualdades sociais.
A Educação Profissional é percebida pelos jovens que a
cursam como possibilidade de atalho na formação para o
trabalho (ALVES, 2017), ou uma lógica de economia no tempo
para acesso a um diploma, principalmente para os que
desejam, precisam e dependem do trabalho para suas
próprias subsistências. Esses jovens possuem também um
percurso de formação fortemente marcado pelas incertezas e
vulnerabilidade social. Mais uma vez vemos se confirmarem
as ideias de Pais (2003), que argumenta que jovens que
pertencem a contextos de precariedade estão correntemente
mais expostos às incertezas durante suas trajetórias
formativas e de vida, o que, muitas vezes, resulta na ideia
lúdica da imitação do movimento de “ioiô” ou uma
encruzilhada, na qual esses jovens se veem correntemente na
difícil escolha entre o que podem e o que devem fazer para
sobreviver. O fracasso aqui reverbera sobre o jovem e não
sobre a estrutura (im)posta, retirando do Estado sua

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BELCHIOR & DOS SANTOS – Juventudes: dilemas e contradições
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responsabilidade de gerir políticas públicas voltadas para


essa população.
Explanamos a seguir sobre as contribuições de
autores(as) como Tommasi e Corrochano (2020), Pinheiro
(2019), Haesbaert (2004), dentre outros, não para esgotar o
debate e sim para refletirmos melhor sobre a situação já
apresentada. O contexto econômico, social e histórico recente
do país é analisado no campo da discussão dos projetos de
formação das ocupações para atender aos ditames do
mercado de trabalho, que nem sempre corresponde às
expectativas das Juventudes, especialmente as que desejam
formações mais especializadas com vistas à atuação em
funções com alta formação. Verificamos, ainda, a existência
de condições favoráveis para a disseminação do mito do
empreendedorismo como tática importante e necessária para
o sucesso individual.

JUVENTUDES, ESCOLA E TRABALHO


A escola é um espaço dotado de características
territoriais com funções que direcionam um processo
formativo de sujeitos que atuarão para a continuidade ou
ruptura das forças hegemônicas vigentes. Assim, no primeiro
momento, percebemos a escola como um território apropriado
que, nas palavras de Haesbaert (2004, s.p)1, é como “Um

1O texto do autor utilizado para a criação deste trabalho está disponível


em: https://www.ufrgs.br/petgea/Artigo/rh.pdf . Trata-se de uma
conferência realizada na cidade de Porto Alegre - Rio Grande do Sul e
encontra-se sem paginação no original.

181
BELCHIOR & DOS SANTOS – Juventudes: dilemas e contradições
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

processo muito mais simbólico, carregado das marcas do


‘vivido’, do valor de uso...”. Neste sentido ampliamos a
concepção territorial enquanto “espaço-tempo-vivido”, isto é,
“O território é sempre múltiplo, diverso e complexo...”.
(HAESBAERT, 2004, s.p).
É certo que nos territórios escolares existem múltiplas
percepções dos processos formativos dos sujeitos, que por
intermédio de documentos institucionais, normativas, leis,
decretos, portarias, entre outros, direcionam o modelo
societário a ser mantido ou construído sob uma nova
perspectiva, vide o processo histórico da educação básica
brasileira, mais especificamente a educação profissional. Ao
pensar a escola como território, devemos analisar o poder das
superestruturas2 que serão refletidas em espaço de formação
ou conformação dos sujeitos, de mando e obediência, que
poderá se encaminhar ao “empresariamento” e à formação de
mão de obra orientada para os desígnios do mercado de
trabalho.
Na esteira do território escolar destacamos os sujeitos
que a compõem, os jovens, com suas demandas imersas no
modo de produção capitalista periférico, que se manifesta no
primeiro momento na inserção no mercado de trabalho e no
desejo da superação do trabalho informal que ocupam a
maior parte dos jovens. Desse modo, o cenário de reforma
trabalhista e previdenciária, sucessivos anos de baixo

2As superestruturas, no pensamento de Gramsci, são representadas na


ação do Estado, empresas, igrejas, meios de comunicação e grandes
conglomerados e organizações internacionais.

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BELCHIOR & DOS SANTOS – Juventudes: dilemas e contradições
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

crescimento econômico, uma pandemia marcada pelo


isolamento social e a perda de parentes que respondiam pela
manutenção do sustento domiciliar consubstanciou um
futuro incerto. Assim, os veículos da mídia hegemônica
insistiam no mito do empreendedorismo como uma
alternativa à crise econômica que se apresentava, o que
Tommasi e Corrochano (2020, p. 354) indicam como o
discurso adotado para o fortalecimento “... [d]o
empreendedorismo, como saída para a falta de trabalho”.
Desta forma, os jovens pobres são negligenciados em seus
direitos e mantidos em situações de precarização, exploração
e subordinação em relações de trabalho que cada vez mais os
responsabiliza pelo próprio sucesso ou contínuo fracasso.
É nesse contexto que a educação poderá retroceder aos
anos 90, que consistia na noção de capital humano,
competências e habilidades direcionados ao mercado de
trabalho. Assim, “No contexto da acumulação flexível, onde o
controle seria realizado por objetivos e resultados, para além
dos conhecimentos formais, caberia aos trabalhadores
apresentar habilidades...” (TOMMASI; CORROCHANO, 2020,
p. 356). As habilidades cuja citação se refere estão
relacionadas a uma gama de características ligadas ao capital
humano e à mercantilização da formação dos jovens para o
mercado de trabalho.
Na seara da articulação entre a formação profissional e o
mercado de trabalho, destacamos o Programa Nacional de
Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), que foi

183
BELCHIOR & DOS SANTOS – Juventudes: dilemas e contradições
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

criado em 2011 pelo governo federal em parceria com outras


esferas do setor público e entidades privadas, com ampla
participação do Sistema S. Neste contexto, o programa de
qualificação exemplifica o que representou, na prática, uma
efêmera distribuição de renda, uma baixa qualificação
profissional e uma reduzida inserção no mercado formal de
trabalho pelos jovens, mas um repasse volumoso de recursos
públicos para entidades privadas.
Destacamos um projeto que pensou políticas públicas
mais eficientes voltadas para a população jovem, a Agenda
Nacional de Trabalho Decente para a Juventude (ANTDJ),
formulada entre 2010 e 2015, numa perspectiva em que:

A agenda enfatiza o lugar e a importância da


busca por uma trajetória de desenvolvimento
social e econômico que ofereça condições de
vida digna, mas que evidencia o quanto são
necessárias ações para educação e da
qualificação profissional na esfera laboral
(TOMMASI; CORROCHANO, 2020, p. 359).

Entre os pilares da Agenda defendida pelas autoras


destacamos os seguintes pontos: 1) mais e melhor educação;
2) conciliação entre estudos, trabalho e vida familiar; 3)
inserção digna e ativa no mundo do trabalho, com igualdade
de oportunidades e tratamento; e 4) diálogo social: juventude,
trabalho e educação. Esses conjuntos de ações poderiam
mitigar a situação grave da superação do desemprego formal
e da informalidade, contribuindo para uma melhor qualidade

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BELCHIOR & DOS SANTOS – Juventudes: dilemas e contradições
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

de vida da população jovem, contudo, tais avanços propostos


pela Agenda não se realizaram em razão dos atores
hegemônicos que atuam na superestrutura, sobretudo na
conjuntura política do golpe parlamentar-jurídico-midiático
contra a ex-presidenta Dilma Rousseff.
Uma possibilidade encontrada pelos jovens no contexto
da crise do desemprego foi o sonho do empreendedorismo,
que contém, em si, o mito da meritocracia. Segundo os dados
fornecidos pelo Sebrae (2020) e disponibilizados pelas autoras
mencionadas anteriormente:

O jovem brasileiro já entendeu que para ter


trabalho a melhor alternativa é criar o
próprio emprego, é empreender, inovar e
gerar novas vagas. E eles não empreendem
por necessidade, estão de olho nas
oportunidades do mercado, estão atendendo
as demandas sociais e movimentando a
economia. (SEBRAE, 2020, Apud TOMMASI;
CORROCHANO, 2020, p. 359-360).

Essa afirmação do Sebrae (2020) nos remete à


transferência de responsabilidade do Estado em desenvolver
políticas públicas consistentes e duradouras que possam
garantir aos jovens filhos da classe trabalhadora o direito à
inserção ao trabalho decente e a linhas de financiamentos
específicas garantidoras da permanência e êxito na vida
escolar e no mundo do trabalho, mesmo que seja pelo
empreendedorismo. Deste modo, destacamos que:

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BELCHIOR & DOS SANTOS – Juventudes: dilemas e contradições
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

O diagnóstico proposto no relatório


argumenta que, no país, não há um clima
favorável à difusão do empreendedorismo,
tanto pela formação escolar que privilegia a
perspectiva da inserção laboral em relações
de dependência, em consonância com as
expectativas das famílias, como pela falta de
suporte institucional, especificamente
assessoria, formação e créditos. (TOMMASI;
CORROCHANO, 2020, p. 360).

Como afirmado acima, uma possibilidade do combate ao


desemprego, principalmente entre os jovens, o
empreendedorismo direciona à ausência de políticas públicas
de Estado, entretanto, como forma de reduzir os números
alarmantes de trabalhadores informais, o governo federal
disponibilizou uma abertura de crédito via Micro
Empreendedor Individual (MEI), que, por vezes, aumenta o
endividamento dos jovens. Pontuamos que “O
empreendedorismo se tornou uma matéria de estudo nas
escolas, do ensino fundamental ao ensino médio, nas
universidades, na formação de professores e em cursos
específicos...” (TOMMASI; CORROCHANO, 2020, p. 360).
Assim, nessa passagem, o empreendedorismo é um projeto
que antes da própria reforma do ensino médio já era pensado
nas academias para ser aplicado, de modo precário, nas
escolas públicas brasileiras, que decorre num processo de
formação de um trabalhador de novo tipo, precarizado.

Formar indivíduos, governar suas condutas


é, portanto, mais importante do que,

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BELCHIOR & DOS SANTOS – Juventudes: dilemas e contradições
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

efetivamente, resolver o problema do


desemprego. Problema que, em todo caso,
pode ser gerido convencendo as pessoas de
que elas são as únicas responsáveis por seu
sucesso profissional; e que, para ter sucesso,
é preciso, especialmente, mudar seu
comportamento (TOMMASI; CORROCHANO,
2020, p. 362).

Nessa perspectiva, o sucesso e o fracasso estão sobre a


responsabilidade dos jovens que precisam trabalhar e tentar
prosseguir os estudos. São jovens que têm dificuldades
durante o percurso escolar e que comumente evadem, pois
dificilmente conseguem corresponder à escola e ao trabalho
precarizado. Apontamos, como possibilidade a esses jovens
filhos da classe trabalhadora, um programa de renda mínima
universal que possa garantir suas necessidades básicas e
garantir uma formação mais alargada, omnilateral. Apesar de
verificarmos que houveram melhoras no acesso à escola dos
jovens-adolescentes (Freitas, 2016), por outro lado, é
preocupante quando se analisa o contexto desses jovens no
ensino médio, assim:
[...] sabe-se das elevadas taxas de evasão
escolar ainda presentes, particularmente no
ensino médio. Reconhece-se, igualmente, a
recorrência de trajetórias escolares
atravessadas pela precarização das
condições de vida e por meio e por medidas
de correção de fluxo voltadas à permanência
do aluno (muitas vezes, conduzindo-o para a
Educação de Jovens e Adultos – EJA), ainda
que sob o risco de desalento e estigmação
(JULIÃO; FERREIRA, 2018). Cenário que,

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Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

ademais, constitui-se em instabilidade


agravada pelo atual quadro de retração dos
investimentos governamentais em áreas
sociais (PINHEIRO, 2019, p.107).

Recorrendo às análises de Freitas (2016), que destacam


a ampliação da escolaridade e do tempo de habilitação
escolar, dado reforçado também pela Pesquisa Nacional por
Amostragem de Domicílio (PNAD-2014), conforme aponta
Pinheiro (2019, p.110) “Isso não altera, contudo, a
recorrência de percursos truncados ao longo da
escolarização, com caso de reprovação, desistência e/ou
adesão a políticas de correção de fluxo”. Como efeito,
observamos que o desemprego e a informalidade têm sido
mais severos, o que reflete na evasão escolar. Este último
autor, de igual modo, sublinha que os filhos da classe
trabalhadora percebem a escola como uma promessa de
futuro, mas que, por vezes, é atravessada por dificuldades, o
mesmo afirma que os:

[…] jovens antes sob exclusão escolar e suas


famílias, o investimento nas práticas
escolares é perpassado pelo sentido atribuído
às promessas institucionais. O clássico apelo
moderno que associa a escola ao futuro se
faria atuante, instaurando um jogo de
tensões na relação entre os estudantes,
rotina escolar e condições estruturais de
subsistência. Nos depoimentos que
analisam, os autores destacam quanto as
valorizações positivas em relação à educação
se dirigem ao povir, de forma que o cotidiano

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BELCHIOR & DOS SANTOS – Juventudes: dilemas e contradições
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escolar carece de alusões, quando não é


citado desde a dificuldade de associação dos
conteúdos curriculares com a realidade
extramuros. Então, a evasão chega a ser
justificada mais comumente pela “falta de
interesse” do que pela “necessidade de
trabalhar”. (DAYRELL; JESUS, 2016, apud
PINHEIRO, 2019, p.110).

Entendemos que a realidade escolar foi forjada no mito


do padrão educação-futuro promissor, o que contradiz,
sobretudo, à realidade dos jovens filhos da classe
trabalhadora, imersos nas próprias condições concretas das
escolas públicas, que não correspondem aos anseios desses
sujeitos. O currículo escolar que se apresenta não seduz os
jovens, quer pela ausência de compreensão da realidade de
mundo exterior, pela abstração científica, que é carente de
estrutura laboratorial, financeira e a formação docente
precarizada, isto é, as escolas não dão conta de responder às
expectativas desses jovens. Além do mais, a própria urgência
das condições materiais das famílias desses jovens, que
precisam da sua força de trabalho, traduzida em tempo, para
complementar os seus rendimentos, impede que haja um
investimento de médio e longo prazo em seus projetos
formativos. Deste modo, para os jovens que se encontram em
contextos de vulnerabilidade social, o trabalho surge como
elemento essencial em suas vidas, ou seja, o “imperativo do
labor” (PINHEIRO, 2019) é ação central capaz de orientar
seus percursos de vida e formativos. Na situação dos jovens

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BELCHIOR & DOS SANTOS – Juventudes: dilemas e contradições
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

mais vulneráveis, concordamos com Pinheiro (2019, p. 111)


ao destacar que:

Para as ambiências de periferia que


abordamos, entretanto, a convocação ao
trabalho, a premência de produzi-lo por
necessidade ou para fruição do consumo,
articulava-se, de forma mais ampla, ao
imperativo moral por independência e
responsabilização no enfrentamento das
adversidades aos sujeitos (PINHEIRO, 2019,
p. 111).

Em verdade, a necessidade de trabalhar é fortalecida


por um currículo não atrativo, que precisa ser repensado e
revisado (democraticamente) para atender às novas
demandas. Visto que o alto índice de evasão escolar
permanece e dada as suas causas, seriam medidas
importantes a serem tomadas pelo Estado brasileiro,
visando combater a evasão escolar , a criação de programas
universais de transferência de renda; o aumento do tempo de
permanência desses jovens no território escolar, garantindo-
lhes formações adequadas em ambiente seguro; a revisão dos
currículos adotados pelas escolas e o oferecimento de
programas de desenvolvimento cognitivo e social, observando
a multiplicidade de jovens que compõem esse espaço. Cabe
ressaltar que, embora persista a evasão escolar entre os
jovens de classes menos favorecidas, existe um aumento da
escolaridade por parte destes em comparação com seus pais,
que, dentro de uma rede de solidariedade familiar e outros

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BELCHIOR & DOS SANTOS – Juventudes: dilemas e contradições
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

vínculos de amizades, apoiam os filhos mais velhos na


procura por vagas de empregos (in)formais, deslocando,
muitas vezes, seus esforços para a permanência dos
descendentes mais jovens na escola.
Os programas governamentais que sucederam as
décadas de 1990 e 2000 representaram uma importante
configuração na proteção e promoção dos direitos das
juventudes, mesmo com os repasses financeiros insuficientes,
como nos aponta Pinheiro (2019). Desta feita, observamos
que programas de transferência de renda, a exemplo do bolsa
família, respondem por uma maior permanência e êxito na
educação básica. Desta maneira, reafirmamos que é
perceptível que o avanço nos programas de transferência de
renda do governo federal para as famílias menos abastadas é
um ponto positivo que, no primeiro momento, não resolve o
drama dos jovens à procura do primeiro emprego, mas, por
outro lado, postergará um avanço na educação básica e
realoca suas demandas à vida familiar, como nos afazeres
domésticos e no cuidado dos menores. Concluímos que ainda
não seja o patamar desejável, mas na atual conjuntura
política vivenciada por um Congresso Nacional reacionário,
neoliberal e meritocrata, trata-se de um ganho social aos
filhos da classe trabalhadora empenhado pelo atual
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

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BELCHIOR & DOS SANTOS – Juventudes: dilemas e contradições
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UMA ESCOLHA MUITO DIFÍCIL3


O período entre o final do ano de 2019 e o primeiro
semestre de 2021 ficou marcado na história pelo processo de
gestão e enfrentamento da pandemia de COVID-19 em todo o
mundo. Com a chegada do vírus em território nacional, no
início do ano de 2020, a ingerência, negação e atraso
proposital da adoção de medidas que evitassem a
disseminação do vírus, por parte principalmente do governo
federal, resultou no Brasil em altos índices de contágio e
mortes. Especificamente no campo da educação e trabalho a
pandemia desvelou os contrastes sociais e econômicos, o
abandono do Estado em relação aos mais pobres e
desvalidos, os expondo a situações de descaso, insegurança
alimentar, desemprego e morte, o que afetou boa parte da
população e, em especial, os mais jovens.
O país se encontrava em meio ao caos e subdividido por
grupos políticos que atuavam de acordo com seus interesses
econômicos e ideológicos durante a pandemia, o que trouxe
instabilidade, medo e desinformação à população. No campo
da educação, verificamos a adoção do fechamento temporário
dos estabelecimentos de ensino público e privado, da
educação básica até o ensino superior, e a adoção do ensino

3 O título faz referência direta ao editorial do jornal Estadão do dia 08


de outubro de 2018, no qual os então candidatos à Presidência da
República, Jair Bolsonaro e Fernando Haddad, eram apresentados e
“equiparados”, o que se mostrou (como bem vivenciamos) uma injusta e
desnecessária comparação. O título é utilizado também como metáfora
para a realidade vivenciada por muitos jovens que constantemente se
veem diante da escolha entre seus projetos formativos e à necessidade
de trabalhar para garantir sua própria subsistência.

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BELCHIOR & DOS SANTOS – Juventudes: dilemas e contradições
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

remoto, caracterizado por sua provisoriedade e uso de


tecnologias digitais de informação e comunicação.
Ao focarmos na escola pública e nos jovens que a
frequentam, verificamos que, além de ser um espaço para o
desenvolvimento cognitivo e de sociabilidade para crianças e
adolescentes em geral, é também para muitos a única
garantia de acesso à alimentação, internet e atendimento de
saúde como psicólogos e dentistas. Durante a pandemia,
pudemos acompanhar, por intermédio de reportagens e a
partir de nossa experiência como docentes da rede pública
federal de ensino, os entraves enfrentados por docentes e
estudantes para o cumprimento do oferecimento da educação
como um direito a ser garantido. Podemos citar alguns,
dentre eles, para os docentes: a falta de formação adequada
no manuseio de equipamentos eletrônicos (e mesmo falta
desses equipamentos, como microfones, notebooks, câmeras)
para a gravação de aulas on-line e uso de plataformas de
ensino, além do aumento da carga horária de trabalho. Já
para os estudantes, o atraso no fornecimento de
equipamentos, como computadores, tablets e chips para uso
de internet nos celulares; dificuldade de acesso ou total
ausência de redes de internet aos estudantes de zonas rurais;
inabilidade no uso das plataformas digitais; inadaptação ao
ensino remoto; a conciliação dos estudos com o trabalho
doméstico e, em alguns casos, com formas de trabalho não
formais, visando à remuneração mais do que a experiência
formativa.

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BELCHIOR & DOS SANTOS – Juventudes: dilemas e contradições
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

No campo do trabalho, não somente a pandemia, mas


também decisões anteriores, tais como a reforma trabalhista4
e a reforma da previdência5, ajudaram a minar os direitos e
as conquistas dos trabalhadores, atingindo, também, os
jovens, que viram a possibilidade do primeiro emprego nascer
caracterizado pela precarização e flexibilização das relações
de trabalho, pautadas, agora, pela lógica do
empreendedorismo, ausência de direitos e garantias à saúde
física e mental dos trabalhadores e a “uberização” do trabalho
(FONTES, 2017), e inseridos em um contexto no qual não
apenas as ações físicas, mas as operações mentais de
homens e mulheres são substituídas cada vez mais por
máquinas (PREVITALI; FAGIANI, 2020). Pensando sobre as
recentes reformas, cabe ainda citarmos a reforma do Ensino
Médio6. Esta reduziu a carga horária de disciplinas
importantes da chamada base comum e introjetou a ideia de
itinerários formativos, oferecendo aos jovens uma suposta
liberdade de escolha sobre seus projetos formativos, mas que
contrastou com o pouco que a escola pode oferecer, visto que
sem estruturas adequadas e profissionais habilitados para
atuarem nesse novo formato, acaba por promover um cenário
de formação precária e voltada aos interesses imediatos do
mercado.

4 Lei nº 13.467, assinada no ano de 2017.


5 Essa reforma ocorreu na forma de Emenda Constitucional Nº 103,
promulgada em 12 de novembro de 2019.
6 Previsto na Lei 13.415/17, o novo ensino médio prevê a flexibilização

da grade curricular por meio da oferta de itinerários formativos,


inclusive para o ensino profissional.

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BELCHIOR & DOS SANTOS – Juventudes: dilemas e contradições
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

Feita a descrição do cenário catastrófico em que o país


se encontrava antes mesmo do registro da pandemia em solo
nacional, conseguimos compreender algumas nuances que
explicam o aumento da evasão escolar dos jovens brasileiros
durante esse período:

Se o fenômeno do abandono escolar entre


adolescentes e jovens brasileiros já se fazia
presente antes da pandemia do Covid-19, era
previsível que ele sofreria um aumento ao
longo do período pandêmico. E, certamente,
um dos principais motivos para o não
retorno à escola tem sido a necessidade de os
jovens trabalharem para complementar a
renda familiar, em especial os jovens
pertencentes às famílias em situação
vulnerável (ANDRADE, 2021, p.10).

Aqui reside a difícil escolha enfrentada cotidianamente


por jovens que se veem diante da decisão entre permanecer
frequentando a escola em busca de um projeto formativo
visando à especialização e formação para o trabalho ou
iniciar a atuação no mundo do trabalho em formatos, muitas
vezes, de extrema exploração, informais e ilegais. Durante a
pandemia, pudemos perceber que a execução de funções
remuneradas por esses jovens poderia ser também dividida
por gênero. Os serviços de entregas por aplicativos, auxiliar
em oficinas mecânicas, auxiliar de profissionais autônomos,
garçons e “faz tudo” (pessoa que atende, limpa o local, repõe
produtos) em pequenos comércios ou em atividades
familiares, como criação de animais e produção de alimentos,

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BELCHIOR & DOS SANTOS – Juventudes: dilemas e contradições
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

eram executados pelos jovens do gênero masculino. Já o


cuidado de crianças, reforço escolar, atividades estéticas
ligadas à beleza e feminilidade (unhas, depilação,
sobrancelha, maquiagem), preparação e venda de alimentos
como bolos, marmitas e pães, estavam mais relacionadas aos
jovens do gênero feminino.
Pertinente a essa discussão, é importante também
refletirmos sobre o jovem “Nem-Nem”. Definição que ganhou
notoriedade durante o período eleitoral do ano de 2022, mas
que já era categoria conhecida nos idos de 2013, quando, em
estudo promovido pelo IPEA, a pesquisadora Joana Monteiro
buscou compreender melhor a condição do jovem brasileiro
que não participava do mercado de trabalho e não estudava.
Na época, os apontamentos apresentados pela autora
mostraram que metade da porcentagem geral dos jovens
nem-nem, 1,4 milhões, era composta por mulheres mães, que
poderiam ter optado pelo exercício exclusivo da maternidade.
Já o restante era de jovens que estavam numa situação de
transitoriedade, finalizaram o ensino médio e estavam em
busca do primeiro emprego. Atualizando os dados sobre o
assunto para o presente ano, dentre 37 países analisados, o
Brasil surge como o segundo colocado7 com a maior
proporção de jovens que não trabalham e não estudam.
Segundo a reportagem, a principal parcela jovem da
população que vivencia essa condição pertence às camadas

7 Informação obtida na reportagem:


https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-07/de-37-paises-
brasil-2-com-maior-proporcao-de%20jovens-nem-nem

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BELCHIOR & DOS SANTOS – Juventudes: dilemas e contradições
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

mais pobres, prevalecendo as mulheres como o maior grupo


e, novamente, por motivos ligados à maternidade, e agora
inclusão das tarefas domésticas e cuidado de idosos e
familiares.
O modelo econômico capitalista gera esse contexto ao
contribuir com o aumento das desigualdades, principalmente
em situações de crise sanitária, ambiental e econômica. A
contínua exclusão dos indivíduos para sua permanente
exploração pelo sistema capitalista cria redutos de pessoas
dispostas a executarem qualquer tipo de tarefa para
sobreviverem, servindo ainda como experimentos do
refinamento das estratégias de melhoramento e adaptação do
capitalismo. Previtali e Fagiani (2020) denunciam o quadro
excruciante em que se encontram muitos jovens no contexto
do modelo econômico capitalista:

Numa aparente contradição, ao mesmo


tempo que as relações e condições de
trabalho tornam-se precarizadas, as
exigências de escolaridade e qualificação
tendem a ser maiores, dado o grau de
complexidade em que se encontra hoje a
divisão sociotécnica do trabalho. (PREVITALI;
FAGIANI, 2020, p.221)

Logo, compreendemos que o caminho traçado por esses


jovens desde a educação e formação até a inserção no mundo
do trabalho é um caminho tortuoso, repleto de incertezas, e
que pouco tem contado com o apoio do estado no
desenvolvimento de políticas públicas. Os campos da

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BELCHIOR & DOS SANTOS – Juventudes: dilemas e contradições
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

educação e do trabalho decente e formal estão sob ataque


constante pelos interesses de grupos neoliberais visando ao
máximo da destruição de direitos e garantias dos cidadãos,
para assim garantir o máximo de exploração do trabalhador e
a concentração de riquezas para poucos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Educação constitui-se como um espaço de disputas,
percebido pelos grupos neoliberais não apenas como mercado
a ser explorado, mas também como possibilidade de
disseminação de sua ideologia. No Brasil, a educação e o
trabalho têm sofrido mudanças na legislação, cedendo cada
vez mais espaço para o avanço da lógica do
empreendedorismo e ideias neoliberais. Para o momento,
percebemos que se faz imprescindível que haja uma ação
conjunta entre a sociedade civil e representantes políticos
verdadeiramente comprometidos com um projeto de país, no
sentido de barrarem o avanço dos ataques perpetrados contra
a educação brasileira e os direitos trabalhistas nos últimos
seis anos. Possuímos no momento questões desafiadoras,
ainda resquícios do plano de (des)governo resultante do golpe
de 2016, como a revogação total do Novo Ensino Médio,
reforma que precariza a formação dos estudantes, a retomada
de investimentos na educação com novos concursos e
construção de novas escolas e universidades, além do
combate à violência simbólica e física que o espaço escolar,
estudantes, professores e profissionais da educação têm

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BELCHIOR & DOS SANTOS – Juventudes: dilemas e contradições
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

sofrido nos últimos anos. Reconhecemos sim os primeiros


passos dados ainda nos primeiros meses do presente ano
pelo atual governo, reajustando os valores de bolsas de
pesquisa, reestabelecendo o orçamento para institutos e
universidades, além da retomada de programas e projetos de
formação de professores, monitorias, alfabetização e outros,
mas lembremos que a caminhada é longa e a luta se faz todos
os dias.

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transições, trajetórias e projetos de futuro. Curitiba: CRV,
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ANDRADE, Francisca Rejane Bezerra. Desigualdades e


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LYRA, Jorge et all. ‘A gente não pode fazer nada, só podemos


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201
SILVEIRA & XAVIER – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

NARRATIVAS JUVENIS E O ENSINO DE


GEOGRAFIA NA PANDEMIA

Bruno Xavier Silveira


Stalin Braga de Lima

INTRODUÇÃO
O texto apresentado trata-se de uma reflexão da prática
pedagógica na escola pública, com ênfase a pensar
juventudes, ensino de geografia e pandemia, desse modo,
seus autores sugerem o diálogo entre experiências juvenis e
currículo da geografia escolar. A análise proposta se dá a
partir de um conjunto de aulas ocorridas no ano de 2021 e
2022 dentro do plano de ensino da disciplina de Geografia da
Escola Municipal Nossa Senhora de Fátima, localizada no
bairro Bom Jesus em Porto Alegre-RS. Esse plano se deu a
partir das necessidades trazidas pelos estudantes, no
contexto da pandemia de covid-19, durante o retorno das
aulas presenciais, avaliadas pelo professor como “currículo
emergencial” para ensinar geografia.
Narrativas juvenis e o Ensino de Geografia na pandemia é
uma reflexão da prática, revisitada com saberes críticos
problematizadores do fazer docente construído com e entre
jovens, enquanto protagonistas do seu processo de
aprendizagem, fomentados a partir da experiência dos
estudantes em diálogo com a pesquisa no ensino escolar.

202
SILVEIRA & XAVIER – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

EDUCAÇÃO, PANDEMIA E PERIFERIA


Em 31 de dezembro de 2019 o mundo tomou
conhecimento do novo coronavírus que assolou a região
centro-sul da China, na cidade de Wuhan e em poucos meses
se espalhou por vários países, no entanto, apenas em 11 de
março de 2020 a Organização Mundial de Saúde (OMS)
declarou tratar-se de uma pandemia de covid-19. No Brasil, o
vírus se espalhou rapidamente e a população passou a ser
vacinada apenas em janeiro de 2021. O entendimento da
extensão e progressão da pandemia passa pela questão
socioespacial, uma vez que se expandiu pelas redes que
envolvem as cidades e os fluxos comerciais nos aglomerados
urbanos, seguindo a lógica do modelo econômico vigente,
refletindo nas suas vulnerabilidades preexistentes.
Lembrando Milton Santos que “todos os lugares são
mundiais”, Soares (2020) explica que a pandemia de
coronavírus seguiu uma lógica geográfica, disseminando-se
em diferentes escalas, “do global às micro geografias das
relações interpessoais e familiares”. O autor adverte que no
Brasil a disseminação do vírus ocorreu sobre uma esfera de
desmonte dos serviços e das políticas públicas, com a
consequente precarização do trabalho e desproteção social
promovidos pelo neoliberalismo que atingiu a classe
trabalhadora.
Nesse movimento, a estrutura de rede urbana brasileira
condicionou o fluxo da COVID-19 das capitais para o interior

203
SILVEIRA & XAVIER – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

e dos bairros centrais para as periferias urbanas. Estas


últimas, conforme Santos (2013) estruturadas no modelo
espacial da desigualdade capitalista nas cidades, tornaram-se
espaços vulneráveis, mas também concentraram a luta dos
mais pobres pela sobrevivência, e durante a pandemia estas
palavras de Milton Santos se reafirmam.
Serra e Marques (2022) apontam que a realidade das
periferias Brasileiras estão em processo de desmistificação,
pois a visão hegemônica sobre a periferia, parte de uma
noção incompleta e reducionista, externa ao modo de vida
nas favelas, que desconhece as ações e razões da produção de
condições de sobrevivência e solidariedade em seus
territórios. Os moradores das favelas criam suas próprias
condições de vida, buscando conhecimentos que façam
sentido para a sua realidade e fortalecendo as relações de
pertencimento com os seus espaços, apesar da forma como o
Estado atua desigualmente no espaço urbano. Muitas
pessoas adotaram estratégias de autossuficiência e
solidariedade para enfrentar a crise, e seus moradores, não
raro, se organizaram em redes de apoio, fornecendo
alimentos, itens de higiene e suporte mútuo para os mais
vulneráveis.
Nas periferias das cidades a pandemia realçou as
condições de desigualdade e perda de direitos, sobretudo na
educação, no que se refere ao trabalho e serviço prestado pela

204
SILVEIRA & XAVIER – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

escola pública1. De acordo com Nascimento e Sales (2020), as


escolas se viram obrigadas a aderir ao ensino híbrido, sem
que para isso fossem consideradas a situação daqueles
desprovidos de capitais econômicos, sociais e culturais, uma
vez que a estrutura das periferias brasileiras é marcada pela
carência de serviços públicos, estigmatizando esses espaços
como lugar de exclusão e segregação social. Nelas, os
desafios das escolas públicas foram potencializados pela
pandemia, com ausência de um ensino qualitativo, que
desenvolveu de modo insuficiente as reais necessidades dos
estudantes, interferindo no seu processo ensino-
aprendizagem.
É importante mencionar Dermeval Saviani (1987, p. 103)
quando escreve que “[...] embora se denomine a organização
educacional brasileira de “sistema”, a verdade é que não
existe sistema educacional no Brasil. O que existe é
estrutura”, e é preciso que se tome consciência disso, pois é a
partir das estruturas que se poderá construir o sistema”, e
que este se construa com uma configuração nacional que
discuta sua configuração histórica para que essa viabilize a
organização do ensino na forma de um sistema nacional em
nosso país.
Andrade (2021) discorre que as particularidades socio-
históricas brasileiras influenciam a constituição de um
sistema educacional neoconservador que favorece a

1 http://diariogaucho.clicrbs.com.br/rs/dia-a-
dia/noticia/2022/04/escolas-da-periferia-sentiram-ainda-mais-os-
lapsos-de-aprendizagem-deixados-pela-pandemia-23238913.html

205
SILVEIRA & XAVIER – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

reprodução das desigualdades, mesmo com a implementação


de políticas progressistas como Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional de 1996. Sua tese corrobora com Saviani
(1987), uma vez que é preciso mudar a estrutura (racista,
patriarcal, elitista, colonial) para garantir um sistema de
educação eficiente com qualidade social referenciada.
Enquanto a estrutura não for popular o sistema vigente de
educação continuará expressando a forma social (e
socioespacial) que lhe deu origem, cujas consequências da
pandemia de covid-19 são imediatas, pois apesar dos avanços
nas últimas décadas, o sistema educacional do país continua
sustentando as bases da desigualdade social.
Falar em escola brasileira é discutir políticas públicas
produzidas em níveis municipal, estadual e federal,
chamando a atenção do Ministério da Educação (MEC) que,
conforme escreveu Esteves (2021, p. 45) “durante a pandemia
a não cumpriu seu papel de executor de políticas públicas,
além de promover diversos cortes orçamentários a projetos de
apoio aos sistemas de ensino”. A partir dessa reflexão,
entendemos que nas periferias do Brasil, esses efeitos
ganham proporções maiores e catalisam às vulnerabilidades
preexistentes.
A escola durante a pandemia, para Serra e Marques
(2022, p. 180), está para além de um espaço de atendimento
estrito das demandas pedagógicas, pois também cumpriu
com um papel de socialização e de acesso a
institucionalidade, ou seja, na periferia, a escola é um dos

206
SILVEIRA & XAVIER – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

braços do Estado que mais consegue permear o território das


favelas, desempenhando um papel social que aproxima as
populações que ali habitam com as políticas públicas,
tornando-se “os canais pelos quais os moradores das favelas
acessam a institucionalidade com possibilidade de se
apropriar, e produzir tensões, significações e usos”.
No caso de Porto Alegre-RS, conforme Oliveira e Lacerda
(2022), os desafios enfrentados pelas juventudes durante a
pandemia no ano de 2020, foram as dificuldades com a
modalidade remota de ensino2, imposição de distanciamento
social e prejuízos à sociabilidade juvenil, vide a importância
que a escola possui na vida dos sujeitos. Para esses autores a
mudança na rotina de trabalho e estudo impactou na vida
dos jovens, tornando-os mais ansiosos frente à pandemia.
De acordo com a pesquisa do Atlas das Juventudes e a
pandemia do Coronavírus no Brasil, coordenada pela
CONJUVE e realizada entre 22 de março e 16 de abril do ano
de 2021, importantes indicadores sobre os efeitos da
pandemia na vida escolar e no trabalho dos jovens brasileiros
foram apontados. A pesquisa evidenciou que os jovens
brasileiros com idade entre 15 e 29 anos somam 47,2 milhões
de pessoas (23% da população brasileira), sendo a maior
geração de jovens da história do país e entre os vários
aspectos abordados, a pesquisa evidenciou jovens

2 De acordo com um dos jovens entrevistados, a CUFA (Central Única


das Favelas) a partir do trabalho de um morador do bairro Bom Jesus,
distribuiu, entre os anos de 2020 e 2021, chips de internet para que os
estudantes pudessem acessar aulas remotas durante a pandemia.

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SILVEIRA & XAVIER – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

conscientes da situação do país e preocupados com questões


como o fortalecimento da educação (com demandas para a
necessidade de acompanhamento psicossocial para toda a
comunidade escolar e políticas de bolsas e auxílios
estudantis), ações de combate à fome e defesa da democracia.
Um fato preocupante foi o efeito da pandemia na saúde
desses jovens, que de acordo com a pesquisa, em sua grande
maioria, os jovens manifestaram indícios de pensamento
suicida/auto-mutilação, uso de drogas, uso exagerado de
redes sociais e ansiedade. A própria ONU3 fez um alerta sobre
consequências da pandemia aos grupos jovens, na medida
em que sua saúde física e mental, riscos relacionados à
evasão escolar, perda de trabalho e renda tornaram-se
questões cruciais para esse grupo.
O até aqui exposto nos permite entender que a educação
escolar no Brasil oferta uma estrutura insuficiente para
articular novas relações com as juventudes, sobretudo
durante o pós-pandemia, quando as escolas precisariam
construir com os jovens estratégias que assegurem suas
demandas, a fim de cumprir com os objetivos da
escolarização desse grupo. Refletiremos, a partir de então,
possibilidades apresentadas à docência em Geografia na
escola pública durante a pandemia, articulando estratégias
pedagógicas para que os jovens possam construir
ferramentas próprias de autonomia e emancipação no seu
processo de ensino e aprendizagem.

3 https://news.un.org/pt/story/2021/10/1765432

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SILVEIRA & XAVIER – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

ENSINAR GEOGRAFIA DURANTE A PANDEMIA


Partindo da perspectiva do ensino de Geografia, como
podemos realizar modos de ler o mundo, refletir sobre
conceitos e construir aprendizagens que façam sentido para
os estudantes? Como tornar esse movimento uma prática
propositiva à compreensão crítica pelos jovens, dos desafios
gerados pela pandemia?
Paulo Freire, no livro “Pedagogia dos Oprimidos” (1987),
constrói um novo paradigma da educação quando ele defende
a “Educação Libertadora”. O autor posiciona que a educação
naquele contexto não promovia uma mudança real, pois o
“objeto cognoscível" (1987, p.44) seria o momento final da
relação de ensino e aprendizagem. Freire propõe que a
educação para ser libertadora deve lidar com o objeto do
conhecimento como provocador de reflexões e mediador entre
o problema e solução, não ser posto como a solução.
Nas relações históricas do presente, nos parece basilar e
comum a teoria de ruptura com a educação bancária, porém,
ao conhecer a realidade da escola pública brasileira e os
desafios que ela enfrenta, percebemos, que há diálogos que
precisam ser articulados. Exemplos destes diálogos são: uma
maior interação entre professores e estudantes, o estudante
ser ouvido e a sua fala ser levada em consideração para o
planejamento dos planos de ensino, utilizar de forma crítica
os acontecimentos do cotidiano do aluno e entre outras

209
SILVEIRA & XAVIER – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

questões que somente quem conhece a escola rotineiramente


consegue pensar e articular soluções práticas.
Em diálogo com Paulo Freire no ensino de Geografia,
Callai (2005), aponta um direcionamento para se pensar qual
posicionamento pedagógico o ensino de Geografia pode
ocupar na luta por uma educação libertadora.

O espaço não é neutro, e a noção de espaço


que a criança desenvolve não é um processo
natural e aleatório. A noção de espaço é
construída socialmente e a criança vai
ampliando e complexificando o seu espaço
vivido concretamente. A capacidade de
percepção e a possibilidade de sua
representação é um desafio que motiva a
criança a desencadear a procura, a aprender
a ser curiosa, para entender o que acontece
ao seu redor, e não ser simplesmente
espectadora da vida. (CALLAI, 2005, p.07)

Essa não neutralidade é essencial para ser compreendida


como mudança epistemológica, que atinge fortemente as
práticas dos professores, pois se em Freire (1987) era
importante que a educação fosse problematizadora e que
existisse uma relação dialógica entre professora(o) e
estudante, para Callai (2005) mais que ensinar sobre o objeto
do conhecimento, como mediador, o docente precisa
estimular no estudante a capacidade de percepção,
representação e a pesquisa para compreender o que está no
mundo. Somando-se a este paradigma, Girotto (2015) afirma
que a “Experiência espaço-temporal” é essencial para
entender que não somente o espaço produz mudanças de

210
SILVEIRA & XAVIER – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

percepção nos indivíduos, mas que diferentes indivíduos


constroem diferentes compreensões acerca do espaço. Para o
autor, este processo de reconhecimento da experiência em
diálogo com o ensino de Geografia resulta na habilidade do
estudante de realizar “leitura de mundo” que significa “Ler o
mundo, portanto, ler as condições que os limitam ou
possibilitam se tornarem sujeitos”.
Podemos considerar que desde a “educação libertadora”
até a “leitura de mundo”, houve mudanças importantes
quanto ao sentido e função do ensino de Geografia, trazendo
o estudante para a centralidade do processo de ensino e
aprendizagem. A partir desta construção metodológica e
referencial que propomos utilizar, as narrativas dos
estudantes nos orientam para alcançar uma (auto)formação
acerca do ensino com pesquisa na escola, enfocando o
contexto do bairro e das vivências juvenis durante a
pandemia, diante do modo como transformamos seus relatos
em currículo de geografia.

O POTENCIAL DAS NARRATIVAS NA ELABORAÇÃO DE


PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
O Educador de Geografia tem a possibilidade de construir
inúmeras práticas a partir do que os estudantes conhecem e
expressam em sala de aula. O fato do docente planejar em
suas aulas um espaço de escuta ativa e de acolhimento a
ponto de ouvir as narrativas dos estudantes já é uma
importante mudança nas práticas pedagógicas, e suscita o

211
SILVEIRA & XAVIER – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

questionamento: O que um educador de Geografia faz com as


narrativas que chegam até ele?
Para ajudar a dialogar sobre esse tema, trago Oliveira e
Kaercher (2016) no texto “O jovem contemporâneo e a
Geografia Escolar: tão perto e tão longe” que falam sobre a
importância de entender a potencialidade das narrativas dos
estudantes, cujo conteúdo não pode ficar apenas no registro
da palavra dada que chegou até nós, mas ela deve se
manifestar como prática pedagógica, construção de temas
geradores e reflexões sobre conceitos. Sobre isso, dialogamos
com Costella (2022, p. 74), quando pontua que:

Por meio das narrativas, é possível perceber


a tessitura, os fios, o começo, o meio, e as
pontas. Pelas narrativas, reconhecemos as
misturas de cores, de sabores ou dissabores
desbotados de nossa existência. Por meio da
palavra dada ou ouvida, refletimos sobre nós
mesmos e sobre o que os outros fizeram
conosco. Neste contexto, significo a narrativa
como possibilidade de formação ou
(auto)formação, à vista disso, do ser
professoral (COSTELLA, 2022, p. 74)

O que a autora aponta é que não existe uma fórmula


para o uso das narrativas, mas que ela não pode ser
negligenciada de seu efeito tanto para formação do estudante
quanto para a (auto)formação do docente e reflexão de sua
prática. Isso é professorar! O ato de estar em constante
mudança e aprendizagem, nunca se fechar às práticas
pedagógicas tidas como consolidadas e enrijecidas. Uma vez

212
SILVEIRA & XAVIER – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

que se tem “o mundo do seu aluno em sua mão” é possível


usar este “mundo” como ferramenta de ensino e
aprendizagem de Geografia. Nesse sentido, refletiremos as
narrativas dos jovens escolares, entendendo como suas
experiências com a pandemia sugerem potencialidades e
possibilidades de articular seus saberes com conceitos e
objetos do conhecimento geográfico no currículo escolar.

REFLEXÃO E ANÁLISE DAS NARRATIVAS DE


ESTUDANTES DURANTE A PANDEMIA
Conforme Soares (2020) a disseminação da pandemia
seguiu diferentes escalas em uma lógica geográfica que
atingiu a todos, mas não igualmente. No Brasil foi a classe
trabalhadora o grupo que mais sofreu as mazelas do vírus, à
medida que o desmonte das políticas públicas promovido pelo
neoliberalismo ampliou a desigualdade que tornou a classe
popular mais vulnerável, sobretudo nas periferias urbanas.
Essa vulnerabilidade apareceu para nós no retorno das aulas
presenciais do final do ano de 2021 e início de 2022, a partir
de como os estudantes relataram seus processos, vivências e
experiências com a pandemia de covid-19 em suas
residências, no bairro e na cidade.
Essas narrativas que expressam diferentes compreensões
de uma mesma realidade social vivida durante a pandemia
nos indagam como o currículo de geografia poderia trazer
para o centro do debate a experiência espacial de nossos
estudantes, simultaneamente ao fato de aproximá-los do

213
SILVEIRA & XAVIER – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

processo educativo, que durante 2 anos lhes foi retirado e


violado o direito. Desde aí pensamos em considerar de forma
sistemática quais as emergências que as juventudes escolares
denunciavam sobre este período, e articulá-las com o
currículo a partir de nossas práticas de ensino.
Neste momento do texto, portanto, teceremos reflexões de
uma prática, junto a duas turmas de 9° ano do ensino
fundamental, com jovens de 14 a 17 anos, entre os meses de
novembro de 2021 e julho de 2022 na escola EMEF Nossa
Senhora de Fátima, localizada no bairro Bom Jesus, em Porto
Alegre - RS. Durante o precário e nada acolhedor retorno das
aulas presenciais em novembro de 2021, sob o signo
neoliberal de “a educação não pode parar” iniciamos o projeto
emergencial nas aulas de Geografia, a fim de recriar os
vínculos com os jovens e aproximá-los de uma experiência em
educação transformadora, a partir da questão Como a
pandemia afetou o cotidiano do bairro Bom Jesus em Porto
Alegre-RS e de que modo os jovens escolares a relacionam com
o ensino de geografia?
As práticas pedagógicas aqui descritas foram realizadas
no projeto de ensino com pesquisa, denominado “O bairro, a
escola e a pandemia: olhares de jovens escolares” que foi
construído dentro da disciplina de Geografia. O objetivo do
projeto foi compreender como os jovens de uma periferia
urbana da capital gaúcha viveram, refletiram e expressaram
os efeitos da pandemia no seu território. O projeto baseou-se
na metodologia freireana do diálogo Freire (1981, 2011), que

214
SILVEIRA & XAVIER – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

se utiliza da observação das práticas cotidianas, perguntas


abertas e semi-estruturadas, a partir de hooks (2013) com
interpretação de representações (falas, gestos, (auto)imagens),
problematização do contexto sócio-espacial e cultural. Como
busca identificar significados e sentido dados pelos sujeitos -
André (2001), este projeto foi de cunho qualitativo.
Para tanto, foram operacionalizadas estratégias de ensino
e pesquisa para valorizar e apreender as experiências dos
jovens. Na etapa 01 os estudantes foram apresentados ao
projeto e posteriormente dialogamos e registramos suas
narrativas em forma de textos produzidos por eles. Na etapa
02, os jovens entraram em contato com materiais que
possibilitaram uma leitura crítica sobre o contexto da
pandemia, ocasião em que lhes foram apresentados
diferentes recursos didáticos para fomentar seu senso crítico.
Por fim, na etapa 03, munidos das construções teóricas da
etapa 02, eles elaboraram um texto crítico e reflexivo,
revisitando o trabalho construído na etapa 01. Com este
segundo texto foram articuladas perguntas semi-
estruturadas que serviram de base para entrevistar os
familiares e a vizinhança destes jovens. O conteúdo das
entrevistas balizou a realização de um seminário para toda a
escola no mês de novembro de 2022, finalizando o projeto.
Da etapa 01, citada no parágrafo anterior, construímos
nossas análises das narrativas dos estudantes, a análise de
tessitura, que resulta em uma relação de conceitos,
aprofundamento de reflexões sobre o contexto da pandemia e

215
SILVEIRA & XAVIER – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

uma (auto)formação. O objetivo é refletir sobre as juventudes


escolares e construir uma proposta de currículo de Geografia
a partir da realidade vivida na pandemia, desde os conceitos
geográficos que se operam no ensino fundamental II.
Para construir esta análise de tessitura utilizamos as
narrativas dos jovens escolares que participaram do projeto
da escola e a partir destas, construímos três reflexões, sendo
ela: a) relação com conceitos e objetos do conhecimento
geográfico, consiste na seleção por parte dos pesquisadores
de conceitos que podem ser trabalhados a partir das
narrativas apresentadas pelos estudantes. b) reflexão sobre a
narrativa do estudante, problematizando-o com conceitos
para além da experiência imediata, a fim de estabelecer
relações, em diferentes escalas, dos desafios estruturais da
pandemia, guardadas as singularidades do contexto vivido
pelo estudante e c) construção de (auto)formação a partir da
narrativa, ao analisar as etapas anteriores sugerimos
reflexões e análises à formação/autoformação no campo do
ensino de geografia. Cada narrativa equivale a uma linha que
está posta no quadro 01 - análise de tessitura seguindo a
ordem disposta no texto.
Narrativas que falam sobre a questão econômica nas
periferias:
“Minha mãe é pensionista, não pode receber
auxilio emergencial. Eu acho que tá tudo
normal... Uma ladaia.” Estudante X

216
SILVEIRA & XAVIER – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

“Fechou tudo, fechou creche, escolas, e ai as


mães precisaram trabalhar, mas como, se as
crianças ficavam sozinhas?” Estudante Y

Como (auto)formação, estas narrativas nos levam a


refletir sobre a forma como os estudantes significam o que
lhes é ensinado e as estratégias dos docentes em usar o
conhecimentos dos alunos para construir o processo
educativo pautado no diálogo. A escola é um ambiente
educativo de socialização plural que compartilha
coletivamente das culturas que a constroem e a tornam um
espaço singular. Por isso, no diálogo, os estudantes
“entregam” ao docente a diversidade e as diferenças de suas
vivências, que enriquecem conceitos.
Para Freire o diálogo como uma ferramenta fundamental
para a construção do conhecimento atua na relação entre
professor e aluno como uma parceria colaborativa. Para ele, a
educação é um processo interativo e dialógico, onde o
professor e o aluno são atores ativos, compartilham suas
experiências, conhecimentos e perspectivas. Isso permite que
os alunos se envolvam de maneira mais profunda com o
conteúdo, questionem, reflitam e construam ativamente o
conhecimento.
Narrativas que falam sobre mundo do trabalho durante a
pandemia

“A minha vó também é pensionista, mas


ganha pouco, e na pandemia ela perdeu,

217
SILVEIRA & XAVIER – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

porque não pode mais sair para trabalhar.”


Estudante Z

“Acho que a pandemia deixou todo mundo


apurado nessa coisa de não passar fome.”
Estudante A

Com estas narrativas podemos perceber que temas como


mundo do trabalho e geração de renda já fazem parte do
universo de preocupações das juventudes escolares,
sobretudo, as periféricas. O trabalho e as dificuldades de
renda familiar são um meio fértil para construção de
conhecimento, inclusive aqueles que possam reverberar na
própria comunidade, como economia solidária, gestão
participativa, protagonismo periférico. Serra e Marques (2022)
afirmam, que a favela se protege e cria iniciativas de combate
a crises, desde o uso social, econômico e coletivo das suas
casas, bem como, dos agenciamentos que a partir dali
expandem as possibilidades do indivíduo sobreviver.
Narrativas que trazem a relação de sobrevivência na
periferia:

“Teve distribuição de sacolão para as


crianças da escola e os times de futebol
também arrecadaram.” Estudante B

“O Henrique (cabeleireiro na Pio X) deu chips


com 6 meses de internet pro pessoal ter aula
on-line.” Estudante C

A educação transformadora deve passar pela consciência


que o próprio indivíduo constrói sobre a sua “leitura de

218
SILVEIRA & XAVIER – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

mundo”. Essa leitura de mundo faz com que o estudante


compreenda que viver em comunidade é importante, pois as
sociedades humanas constroem relações de troca e de
autoproteção entre os pares e isso é o que garante a
sobrevivência, sobretudo em momentos mais difíceis.
Entender o lugar onde vive, para nele e a partir dele atuar é
um processo contínuo de formação cidadã, cuja ideia é
expressa a seguir:

Procuramos aqui exercitar um outro olhar


sobre as favelas, construído com base na
perspectiva de quem nelas vive e
cotidianamente as incorpora à cidade não
como territórios apartados, mas como
territórios de sobrevivência, de solidariedade,
de produção cultural e de saberes que
compõem a metrópole (SERRA E MARQUES,
p.183, 2022)

219
SILVEIRA & XAVIER – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

Quadro 1 - Análise da tessitura

Relação com conceitos Reflexão do contexto socioespacial do


geográficos estudante
Estado, Território,Os estudantes apontam reflexões a partir de
Desigualdades sociais. suas vivências sobre como as suas famílias
estavam lidando com a questão financeira na
pandemia. Algo que fica marcado, é que
ambos mostraram percepções diferentes sobre
como os seus familiares receberam auxílios do
Estado e impactaram as suas dinâmicas
familiares.
Podemos inferir das narrativas, que ambas
Mundo do trabalho, percebem os efeitos da pandemia na renda
Vulnerabilidade social e familiar e que poderia inclusive ocasionar no
Capitalismo problema social que é a fome.

Quando o estudante fala “deixou todo mundo


apurado”, ele evidencia, que a segurança
quanto ao trabalho formal e o acesso ao
mercado de trabalho na periferia foi
diretamente atingida, ou seja, só não sentiu
medo de passar fome, aqueles que possuíam
um emprego formal.

Lugar, Rede, Solidariedade, Com a análise das narrativas, podemos


Identidade, Organização entender sobre as relações de lugar que os
comunitária. estudantes nutrem dentro das suas
comunidades, com as quais é possível refletir
e discutir sobre as redes de sociabilidade e as
organizações comunitárias.

Fonte: Elaboração própria

220
SILVEIRA & XAVIER – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

O quadro acima sintetiza a centralidade dos


estudantes a partir da seleção de narrativas que culmina em
uma compreensão pedagógica da geografia escolar. Essa
compreensão evidencia a potência do diálogo para a execução
do processo educativo, bem como, o fortalecimento da relação
professor e estudante. Ainda, constatamos que o quadro de
tessituras é uma ferramenta de compreensão de narrativas
que possui uma funcionalidade individual pensada para estas
narrativas e que os resultados alcançados apontam para uma
prática significativa pensar o currículo e as práticas de
ensino de geografia, elencando conceitos, refletindo sobre os
contextos e induzindo à (auto)formação.
Essa reflexão expressa uma prática que ao dialogar
com os conhecimentos dos estudantes produz com eles
compreensões geográficas das relações em sociedade, bem
como, confere ao processo de formação de professores pistas
metodológicas do fazer docente com e sobre os jovens. Não
temos a pretensão de generalizá-la, porém é indiscutível a
importância das narrativas juvenis para construção de
alternativas pedagógicas dialógicas.

CONSIDERAÇÕES (NEM TÃO) FINAIS


Construir processos pedagógicos na escola com os jovens
é sempre uma condição inacabada e potente do ponto de
vista das experiências compartilhadas, sobretudo quando
essas envolvem processos de pesquisa como ferramenta
educativa e crítica. Neste caso, a prática de ensino criou

221
SILVEIRA & XAVIER – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

possibilidades de fomentar temas geradores com o currículo


de geografia, com os quais os estudantes representaram sua
experiência no território, etapa importante para recriar o
vínculo interrompido com a pandemia.
A partir deste vínculo, tivemos acesso às narrativas dos
estudantes, enquanto saberes dos próprios jovens,
potencializados nas estratégias metodológicas de valorização
de suas identidades, subjetividade e cultura, oportunizando
uma compreensão como sujeitos do seu processo de ensino e
aprendizagem. Essas narrativas são potentes, pois nos
permitem tanto aprender com a escuta ativa dos estudantes
quanto oferecer ao docente possibilidades de transformar
estes relatos em estratégias pedagógicas.
O trabalho aqui descrito, bem como seus processos de
“pensar certo”, relatou o registro da prática docente na escola
pública durante o retorno das aulas presenciais, entre
novembro de 2021 e julho de 2022. Consideramos oportuno
mencionar a importância da valorização da palavra e das
ciências das juventudes, (re)pensar seus territórios materiais
e simbólicos na sala de aula, fomentar práticas de pesquisa
aliadas às ferramentas de ensino de geografia, ou seja,
geografizar os conhecimentos dos jovens e, assim, reforçar os
vínculos das juventudes com a escola. Nesse sentido o artigo
refletiu as relações entre os jovens e seu espaço durante a
pandemia e na construção e análise das narrativas, tivemos a
intenção de (re)criar pontes entre a escola-conhecimento-
comunidade.

222
SILVEIRA & XAVIER – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

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225
BASSO, VIEIRA & BERNARDI – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

ESCOLA X JUVENTUDES: A CULPA É DE QUEM?

Susana Schwartz Basso


Dioneia Maria Samua Vieira
Lucí dos Santos Bernardi

PRIMEIRAS PALAVRAS...
O acesso à educação escolar, de acordo com a
Constituição Federal de 1988, é obrigatório e gratuito, ainda,
consoante a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN), de 1996, instituiu-se a obrigatoriedade do ensino
público à população brasileira. Passados anos, notamos
déficits na qualidade do ensino, evidenciando o quão
necessário se faz discutir sobre a educação pública e políticas
públicas que realmente produzam mecanismo de avanço,
dado que devem/devemos reconhecer a educação como
direito social destinado a todos.
As indagações acerca de quem é a culpa pelo fracasso
escolar nos intrigam e motivam a pesquisar e entender a
situação educacional brasileira, sem embargo, parece não
haver respostas claras. Contudo, compreendemos que é
preciso, inicialmente, olhar para os alunos, analisá-los,
considerando os contextos e condições que os rodeiam, eles
darão, se não respostas completas, pistas que auxiliaram a
depreender o porquê os processos de ensino aprendizagem
não estão dando os resultados esperados.

226
BASSO, VIEIRA & BERNARDI – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

Em se tratando de fracasso escolar, dados são


apontados para diversos lados: alguns determinam a situação
social das famílias e dos alunos como sendo o problema,
outros destacam o contexto sociocultural, alguns enfatizam a
carência cultural como culpada; as desigualdades sociais
também fazem parte desse rol de possíveis origens do
fracasso escolar. A família também é responsabilizada. A
culpabilização, nesses casos, recai nos alunos, suas famílias
e seu contexto social. Há, ainda, quem defenda que a escola,
professores e gestores são os responsáveis pelas dificuldades
encontradas; indicam, também, que as metodologias
defasadas em nada colaboram para o processo de ensino-
aprendizagem, e alguns enfatizam que as políticas públicas
não atuam com eficiência. Nesses casos, o sistema
educacional, como um todo, recebe a culpa pela situação
nada favorável da educação brasileira.
Face a isso, o presente estudo pretende provocar
inquietações referentes ao questionamento: de quem é a
culpa? Partindo dele, tem-se como objetivo refletir acerca do
problema do fracasso escolar, levando em conta duas
dimensões: os jovens/juventudes, afirmam que a escola é o
problema; e a escola, que reitera que as dificuldades advém
da juventude atual.

EXISTEM CULPADOS?
Hodiernamente, podemos constatar que a escola e as
juventudes se encontram em crise, assim como a educação

227
BASSO, VIEIRA & BERNARDI – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

em nosso país, que é abalada por inúmeros desafios,


oriundos de várias dimensões. No entanto, não é nosso
objetivo discorrer sobre essa amplitude de obstáculos, mas
sim trazer para o debate a “culpabilização” entre a escola e as
juventudes, de um lado a escola é enfática em afirmar que a
“culpa”, ou seja, o problema reside nas juventudes e no seu
caráter de individualismo hedonista e irresponsável, na outra
esfera, as juventudes explicitam que o problema é a escola,
ela não se conecta aos seus interesses, tem um cotidiano
enfadonho, frequentá-la não acrescenta muito às suas vidas,
enfim a escola é uma obrigação para se ter um diploma.
De modo geral, precisamos caracterizar as juventudes
atuais e procurar refletirmos sobre as proximidades da
condição juvenil para com a escola brasileira. Para o autor
Dayrell (2007), não se deve pensar a crise da educação,
colocando a “culpa” na escola ou nas juventudes, para ele, as
tensões da relação atual estão imersas nas mudanças
profundas que ocorrem na sociedade. Essas mudanças, que
afetam as instituições escolares e os processos de
socialização das novas gerações, mudam as pessoas. Assim,
os jovens constituem-se nesse contexto de modificações e
tornam-se quem são, trazendo suas identidades pessoais
para um coletivo diverso.
Segundo Dayrell (2007), o primeiro passo a percorrer é
desenhar a condição do jovem no Brasil. Os jovens das
classes populares têm uma vida muito dura e difícil,
precisam buscar a sua sobrevivência material e, muitas

228
BASSO, VIEIRA & BERNARDI – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

vezes, dos seus familiares, desde cedo. Desse modo, é viável


dizermos que o trabalho também constrói as juventudes no
Brasil. Nesse sentido, Corrochano e Abramo (2016, p. 114)
contribuem:

A juventude pode se constituir mais


fortemente como um momento de preparação
para o ingresso no mundo do trabalho, como
um período no qual ocorrem múltiplas – e
não lineares – combinações entre trabalho e
estudo, ou como um período de intensa
presença do trabalho antes mesmo da idade
legal para o seu exercício.

Nesse rumo, considerando o universo do trabalho e as


condições dos jovens, exige-se um olhar específico.
Consoante Dubar (2001), sua transformação em um
problema político, que requer respostas por parte do Estado,
é também uma construção social. Dubar (2001), ao analisar a
temática das expressões “dificuldades de inserção juvenil no
mercado de trabalho” ou “inserção profissional”, no
panorama europeu, discorre sobre dois momentos de uma
conjuntura histórica. Um primeiro, ao final do século XIX, no
qual a expansão do assalariamento e da escolarização
enfatizaram uma dicotomia entre atividade e saber, trabalho
e formação, vida profissional e educação escolar. E, um
segundo momento, a partir da década de 1970, marcado pela
massificação escolar, pela crise do trabalho assalariado e pelo
enfraquecimento dos mecanismos de proteção social nos
países centrais. Com esse ponto de partida, o cenário

229
BASSO, VIEIRA & BERNARDI – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

apresentado até então, de um trabalho ao final da


escolarização obrigatória, deu espaço a um processo de
inserção profissional cada vez mais desafiador e aleatório.
Nesse enquadramento, a preocupação com a inserção de
jovens, ou com a transição escola-trabalho, tornou-se um
problema social e objeto de política pública (DUBAR, 2001)
A preocupação com a inserção dos jovens no mercado
de trabalho e o desenvolvimento de políticas públicas têm
levado o Brasil a novos rumos, a presença de escolaridade
demorou a atingir proporção significativa de crianças e jovens
no nosso país, o trabalho sempre foi mais prevalente. Nesse
viés, Hasenbalg (2003) e Madeira (2004) destacam duas
características que definem a relação entre educação e
trabalho no Brasil: o ingresso precoce no mercado de
trabalho e a conciliação ou sobreposição do binômio estudo-
trabalho, essa questão das trajetórias ocupacionais se
superpõem às descontínuas trajetórias de estudos
(CORROCHANO; ABRAMO, 2016).
No Brasil, os jovens começam a ganhar visibilidade
especialmente com o movimento da criação do Estatuto da
Criança e Adolescente (ECA), que considera criança a pessoa
até 12 (doze) anos de idade incompletos, e adolescente entre
12 (doze) e 18 (dezoito) anos de idade. O documento
assegura, desde 1990, os direitos e deveres de crianças e
adolescentes, reconhecidos como sujeitos de direitos,
estabelecendo-se conforme o seu artigo 4:

230
BASSO, VIEIRA & BERNARDI – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

É dever da família, da comunidade, da


sociedade em geral e do poder público
assegurar, com absoluta prioridade, a
efetivação dos direitos referentes à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao
esporte, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade
e à convivência familiar e comunitária
(Brasil, 1990, Art. 4).

É importante salientarmos que a partir do ECA (BRASIL,


1990), as práticas do Estado e da sociedade civil passaram a
olhar atentamente à erradicação do trabalho infantil e dos
adolescentes como garantia de respeito aos seus direitos e
proteção integral. No entanto, o desemprego juvenil ganhou
visibilidade e passou a ser um problema no Brasil, ao ser
visto como um fator para atrair os jovens a condutas ilícitas
(MADEIRA, 2004; SPOSITO, 2007).
Num quadro temporal mais recente, o arcabouço legal e
os princípios norteadores para a formulação de políticas
públicas voltadas para o atendimento das demandas e
necessidades dessa população têm levado em consideração
essa construção mais recente, na qual se reconhece aos
jovens direitos, necessidades e poder. Apesar do fato, os
atores convergem nesse cenário em torno da criação de um
espaço institucional único, trabalhando juntos para apoiar a
decisão do Governo Federal de estabelecer a Secretaria
Nacional da Juventude e o Conselho Nacional de Juventude
(Conjuve) (SPOSITO, 2007).
No contexto do Conjuve, que é formado por governo e

231
BASSO, VIEIRA & BERNARDI – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

sociedade civil, foi elaborado um documento com questões


pertinentes para a compreensão da juventude e do emprego
juvenil, entendendo que a adolescência é uma fase da vida
em que a formação e a experimentação são dimensões
centrais. O Conselho (CONJUVE, 2006, p. 27) argumenta que
a tarefa primordial do Estado, nas áreas de educação e
emprego, é fornecer “políticas, programas e ações para que o
jovem possa construir sua trajetória educacional, formação
profissional e relação com o mundo do trabalho em condições
apropriadas”.
Cabe frisarmos que, em 2010, com o trabalho da
Secretaria Nacional de Juventude, incluiu-se o termo
“juventude” na Constituição Federal. Em 2013, através da Lei
nº 12.852/2013, foi criado o Estatuto da Juventude, que
implicou em significativos avanços na garantia dos direitos
para o grupo de brasileiros, considerando-se jovens as
pessoas com idade entre 15 (quinze) e 29 (vinte e nove) anos
de idade. Além disso, dispõe no artigo 2º os princípios que
regem o documento e dão base à elaboração de políticas
públicas referentes a esse segmento da população:

I - promoção da autonomia e
emancipação dos jovens;
II - valorização e promoção da
participação social e política, de forma
direta e por meio de suas representações;
III - promoção da criatividade e da
participação no desenvolvimento do País;
IV - reconhecimento do jovem como sujeito
de direitos universais, geracionais e

232
BASSO, VIEIRA & BERNARDI – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

singulares;
V - promoção do bem-estar, da
experimentação e do desenvolvimento
integral do jovem;
VI - respeito à identidade e à diversidade
individual e coletiva da juventude;
VII - promoção da vida segura, da cultura da
paz, da solidariedade e da não
discriminação; e
VIII - valorização do diálogo e convívio do
jovem com as demais gerações (BRASIL,
2013).

É imprescindível, atualmente, compreendermos e


falarmos de condições juvenis em detrimento a uma
“culpalização” que demarca questões que vão além de um
simples debate sobre quem são os jovens e os aspectos
culturais que atravessam esse espaço, evidenciando práticas,
representações, símbolos e rituais em que buscam
representar sua identidade juvenil. Eles não são somente
consumidores de cultura (música, dança, corpo vídeo e
aparência), também produzem a cultura nessas dimensões,
fazendo isso de um grupo ou de diversos grupos culturais.
É necessário atentarmo-nos para uma série de questões,
incluindo o desenvolvimento tecnológico, a mudança de
normas e valores, a globalização, a região geográfica, a classe
social, o gênero e a etnia. Esses e outros aspectos têm
impacto na vida dos jovens de hoje, as experiências deles
podem diferir muito.
As pessoas, em muitas nações ricas, lutam com altos
níveis de dívida, perspectivas econômicas ruins e crescente

233
BASSO, VIEIRA & BERNARDI – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

pressão social e escolar. Os jovens, face a esse cenário,


convivem com estresse, preocupação e saúde mental
debilitada, os avanços da mídia e da tecnologia abriram
novos canais de comunicação e autoexpressão, além de
aumentar o risco de cyberbullying e outros tipos de violência
on-line. Já, nas nações pobres, podem haver uma variedade
de dificuldades, como uma variedade restrita à saúde,
educação e recursos básicos. Ademais, um conjunto reduzido
de outros fatores indispensáveis para se ter uma vida digna.
Eles também podem ser vulneráveis à exploração, incluindo o
trabalho infantil e tráfico humano. Em algumas conjunturas,
os jovens também podem ser recrutados para grupos
armados e organizações extremistas.
Dayrell e Carrano (2014), Margullis (2009) e Martín-
Barrero (2008) concordam que a construção do conceito
“condição juvenil” se liga ao termo coletividade, visto que as
culturas jovens se formam na coletividade, ou seja, em
conjunto com outros indivíduos e em diversos espaços. A
ideia de juventude não deve ser compreendida isoladamente.
Bourdieu (1983, p. 112) esclarece que, ao mencionar
jovens/velhos, toma “a relação em sua forma vazia. Somos
sempre o jovem ou o velho de alguém. É por isso que os
cortes, seja em classes de idade ou em gerações, variam
inteiramente e são objeto de manipulações”. Nesse sentido, é
necessário pensar além dos aspectos temporais e de
desenvolvimento. Uma construção que envolve as interações
com outras gerações e o contexto social.

234
BASSO, VIEIRA & BERNARDI – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

Ainda sobre o jovem, alternam-se acepções, por um


lado, o sentimento de esperança de um futuro melhor, mais
promissor; por outro, figura-se uma visão de um sujeito
rebelde, desordeiro, desvinculado dos valores e da tradição,
sem compromisso e responsabilidade com seu meio. Em
consonância com Dayrell, Nogueira e Miranda (2011), entre
oscilações e ambiguidades, tem-se o desafio em definir a
categoria juventude, pois

[...] a juventude é uma categoria dinâmica


transformando-se na medida das mutações
sociais que vêm ocorrendo ao longo da
história. Na realidade, não há tanto uma
juventude e sim jovens, enquanto sujeitos
que a experimentam e sentem segundo
determinado contexto sociocultural onde se
inserem (DAYRELL; NOGUEIRA; MIRANDA,
2011, p. 16).

Quanto ao conceito de juventude, Dayrell (2016, p. 26)


concorda com Peralva (1997), essa é “uma condição social e
um tipo de representação”, corresponde a uma fase repleta de
mudanças e transformações nos aspectos do desenvolvimento
humano, físico, biológico, cognitivo e afetivo. Tratam-se de
sujeitos com diferentes estilos e modos de ser jovem,
formados por uma multiplicidade de fatores sociais,
históricos e culturais. Ainda, para o autor:

A juventude constitui um momento


determinado, mas que não se reduz a uma
passagem. Ela assume uma importância em

235
BASSO, VIEIRA & BERNARDI – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

si mesma como um momento de exercício de


inserção social, no qual o indivíduo vai se
descobrindo e descortinando as
possibilidades em todas as instâncias de sua
vida, desde a dimensão afetiva até a
profissional. Essa realidade ganha contornos
próprios em contextos históricos, sociais e
culturais distintos. As distintas condições
sociais (origem de classe por exemplo), a
diversidade cultural (a cor da pele, as
identidades culturais e religiosas, os
diferentes valores familiares etc.), a
diversidade de gênero e de orientação afetiva
e até mesmo as diferenças territoriais se
articulam para a constituição das diferentes
modalidades de se vivenciar a juventude
(DAYRELL, 2016, p. 27).

Compreendermos as condições juvenis é uma


necessidade, dado que podem variar muito, dependendo da
sua comunidade de inserção, referindo-se a desafios comuns
e, também, com características distintas. Apesar desses
desafios, inúmeros jovens estão trabalhando ativamente para
criar mudanças positivas em seus espaços. Eles defendem a
justiça social, a sustentabilidade ambiental, os direitos
humanos, usam a tecnologia e outras ferramentas para
ampliar suas vozes e causar impacto.
No geral, as condições enfrentadas pelos jovens
atualmente são complexas, multifacetadas, requerem atenção
e apoio contínuo de formuladores de políticas públicas,
professores competentes, de uma escola que os acolha,
entenda suas características e não os julguem, culpando-os
pelos múltiplos problemas existentes na sociedade como um

236
BASSO, VIEIRA & BERNARDI – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

todo. No mesmo rumo, a escola sozinha não pode ser


culpabilizada e responsabilizada pela óbice da sociedade.
Embora desempenhe papel fundamental para os jovens na
promoção da justiça social, seguramente não dará conta de
mitigar esses obstáculos, que influenciam a qualidade de vida
das juventudes, tais como: a renda, a habitação, a saúde, o
acesso à cultura e ao lazer, entre outros.
Entretanto, acreditamos que a escola tem o “poder” e
possibilidade de contribuir parcialmente, seria utopia dizer
totalmente, para a vida dos jovens, já que muitos empecilhos
são encontrados nas trajetórias escolares, bem como na
sociedade no geral. Podemos mencionar a experiência de uma
Escola Municipal de Ensino Fundamental localizada no
Noroeste do Rio Grande do Sul que, conforme Rosa et al.
(2020), atendeu a demanda da comunidade, reestruturou seu
currículo e implementou, no ano de 2020, o componente
curricular denominado “Desenvolvimento Local”, integrando a
área diversificada, visando pensar a construção de Projetos
de Vida dos jovens, aproximando-se das intenções de
aprendizagens, dos desejos futuros, sem desconsiderar o
território e a diversidade cultural ao qual pertencem.
Nessa escola, no processo formativo, o foco está na
valorização dos sujeitos, considerando as diferentes
realidades existentes nessa comunidade, durante o período
de escolarização, do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental.
Através do componente curricular, objetiva refletir com os
jovens estudantes sobre a sua constituição identitária,

237
BASSO, VIEIRA & BERNARDI – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

envolvendo elementos histórico-culturais, os valores


familiares e sociais, assimilando a organização da
comunidade e a importância de um planejamento pessoal,
observando o contexto atual e as perspectivas futuras
(PLANO DE ESTUDO DO COMPONENTE
DESENVOLVIMENTO LOCAL, 2020) Rosa et al. (2020, p. 28)
apresenta o objetivo do componente Desenvolvimento Local
como sendo o de

qualificar os estudantes para que possam


desenvolver a capacidade de compreensão da
própria vida (identidade), conhecer sua
história, suas origens, características e
potencialidades. Ainda, que consigam fazer o
reconhecimento dos valores familiares,
morais e éticos; refletir sobre os desejos e
objetivos, aprendendo a se organizar,
estabelecer metas, planejar e prosseguir com
determinação, esforço, autoconfiança e
persistência seus propósitos presentes e
futuros.

Samua Vieira, Bernardi e Hillesheim (2022, p. 14)


complementam que o componente trata de aproximar os
estudantes da realidade em sua territorialidade urbano-rural.
Durante o processo de formação do 6º ao 9º ano, dialogam
com os jovens, relativamente ao Projeto de Vida, que, como
um instrumento pedagógico, contribui na mobilização da
dimensão pessoal, familiar e social. Em sua essencialidade,
refere-se ao “[...]conhecimento e consciência de si, suas
origens, influências histórico-culturais, suas relações com os

238
BASSO, VIEIRA & BERNARDI – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

outros e o meio em que está inserido, posto que nele figuram


elementos que constituem o passado, o presente e um
horizonte futuro”.
Em sua organização pedagógica, nessa escola, o referido
componente, de forma progressiva, possibilita o olhar atento
e personalizado para/com cada jovem, em que o ponto de
partida está na prática educativa-dialógica entre educando-
educador, sendo uma construção contínua, propiciando
momentos de orientação de maneira não só coletiva, mas
individualizada, considerando as diferentes realidades e
situações familiares. Além disso, não deixa de promover uma
visão sobre o momento vivido, discutindo as necessidades de
mudanças, melhorias e avanços futuros. Para isso, contam
com a contribuição de outros profissionais que realizam
intervenções externas, abordando temáticas de interesse do
educandário, os quais são intenções de aprendizagem e
podem tornar-se objetos de pesquisa e estudo para o
desenvolvimento dos seus projetos de vida.
Nesse aspecto, evidenciamos um cenário educacional
dinâmico em que são oferecidas à juventude oportunidades
de aprendizagem, socialização, integração de saberes,
mobilização de práticas que dão voz e vez aos estudantes.
Logo, o Projeto de Vida constrói sentido e significado para sua
formação humana e profissional.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Destacamos algumas considerações, pois esse assunto é

239
BASSO, VIEIRA & BERNARDI – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

caro e amplo, e este ensaio não esgota todas as arguições


necessárias. Nesse pequeno recorte, trouxemos algumas
ponderações para o debate: reforçamos a importância de
compreender a condição dos jovens no Brasil, especialmente
aqueles das classes populares, que enfrentam desafios
relacionados à sobrevivência e ao trabalho desde cedo. A
entrada precoce no mercado de trabalho e a sobreposição
entre estudo e trabalho são características que definem a
relação entre educação e trabalho no país.
Sabemos que a preocupação com a inserção dos jovens
no mercado de trabalho e o desenvolvimento de políticas
públicas têm sido discutidas no Brasil, e a criação do
Estatuto da Criança e do Adolescente e do Estatuto da
Juventude garantiu direitos e necessidades específicas para
essa faixa etária. Mesmo assim, andamos a passos lentos,
nosso país precisa avançar, primeiramente, no entendimento
da condição juvenil, levando em conta uma série de questões,
como desenvolvimento tecnológico, normas e valores,
globalização, região geográfica, classe social, gênero, etnia,
entre outros. Esses aspectos têm impacto na vida dos jovens
e suas experiências podem variar muito.
Outrossim, é preciso nos atentarmos ao fato de o
conceito de juventude necessitar ser discutido como uma
construção social que envolve outras gerações e contextos
sociais, já que as juventude são vistas como uma fase de
mudanças e transformações, influenciada por fatores sociais,
históricos e culturais. Em suma, na crise na relação entre

240
BASSO, VIEIRA & BERNARDI – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

escola e juventudes, a “culpa” não pode ser atribuída


exclusivamente a uma das partes. A discussão envolve a
compreensão da condição juvenil, a relação entre educação e
trabalho, a necessidade de políticas públicas voltadas para os
jovens e a diversidade de experiências e desafios enfrentados
por eles, e a escola necessita ser uma possibilidade, é o que
podemos considerar no movimento de organização que
mencionamos no texto, através do componente curricular
“Desenvolvimento Local”.
Por fim, discutindo a questão da “culpa” em relação aos
problemas existentes entre escola e as juventudes, tanto a
escola quanto os jovens trabalham a responsabilidade um no
outro, apontam diferentes pontos de vista sobre a situação.
No entanto, a crise na educação e na relação entre escola e
juventudes está inserida em mudanças profundas na
sociedade como um todo.

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BRASIL. Lei nº 12.852, de 5 de agosto de 2013. Institui o


Estatuto da Juventude e dispõe sobre os direitos dos jovens,
os princípios e diretrizes das políticas públicas de juventude e

241
BASSO, VIEIRA & BERNARDI – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

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244
GUEDES & SOUSA – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

ERA UMA VEZ: LITERATURA COM/ENTRE A


JUVENTUDE

Claudiney Saraiva Guedes


Wanderson William Fidalgo de Sousa

PARA INÍCIO DE CONVERSA…


O presente trabalho é uma produção final da disciplina
“Juventudes e Educação: a escola como território juvenil", do
Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, que foi ministrada
pelo: Prof. Dr. Victor Hugo Nedel Oliveira e Profª. Drª Miriam
Pires Corrêa de Lacerda. A constituição da disciplina deu-se a
partir do seguinte objetivo geral: compreender a produção de
relações entre o campo de pesquisa das juventudes
contemporâneas e a categoria Geográfica de território, a
partir do espaço da escola e da educação e, os seguintes
objetivos específicos: conhecer o campo de pesquisa das
Juventudes contemporâneas e suas interfaces com a
Geografia e a Educação; interpretar as espacialidades juvenis
em múltiplos contextos educativos; reconhecer o trabalho
como agente educativo das juventudes contemporâneas;
compreender os efeitos da pandemia da Covid-19 nas
juventudes contemporâneas e analisar as ocupações

245
GUEDES & SOUSA – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

secundaristas de 2016 como forma de apropriação da escola


pelas juventudes1.
Diante do exposto, observa-se que os objetivos pensados
no percurso da disciplina foram alcançados. E nesse trabalho
empreendemos o esforço de estabelecer rizomas entre os
saberes da disciplina sobre os territórios juvenis e os saberes
por nós pesquisados enquanto sujeitos epistemológicos, no
entrecruzamento de ideias, relacionamos as juventudes como
um movimento plural, que não podemos nos limitar em uma
perspectiva singular e homogênea, a um conceito igualmente
plural e heterogêneo respeito do que chamamos de literatura
para as juventudes, uma literatura menor, conceito que
vamos aprofundando mais no decorrer do texto.
Uma questão que nos interessa bastante nessa relação
com/entre jovens e a literatura, e que pode ser considerada
como aspecto fundante do nosso pensamento, é a forte
ligação que estabelecemos com a palavra, seja ela dita ou
escrita, a forte tradição oral africana nos faz redimensionar
essa ligação, em uma sociedade predominante dominada pela
escrita, e que ao que parece, busca se distanciar do que
escreve, das suas palavras:

Não faz a oralidade nascer a escrita, tanto no


decorrer dos séculos como no próprio
indivíduo? Os primeiros arquivos ou
bibliotecas do mundo foram o cérebro dos
1Objetivo geral e específicos retirados do Plano de Curso da disciplina:
Juventudes e Educação: a escola como território juvenil, do Programa
de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul - UFRGS.

246
GUEDES & SOUSA – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

homens. antes de colocar seus pensamentos


no papel, o escritor ou estudioso mantém um
diálogo secreto consigo mesmo, antes de
escrever um relato, o homem recorda os fatos
tal como lhe foram narrados ou, aso de
experiência própria, tal como ele mesmo os
narra (Hampâté Bâ. p. 168).

A literatura, como uma manifestação artística embalada


pelas palavras, pode ser uma ponte e um meio facilitador
para o acesso de temas considerados difíceis de se abordar
com as juventudes, temas que são necessários, mas que a
escola por inabilidade de diálogo, deixar de abordar de forma
aberta, acessível e sensível.
Entender a literatura como um direito, como defende
Antônio Cândido (2011) e para além disso, reconhecer a
potência que o encontro das juventudes com uma linguagem
literária rica, diversa e transgressora pode ser,
principalmente quando se tensionam os conceitos do que
sejam essas juventudes e essa literatura, no sentido de que
literatura com/entre jovens pode vir a contribuir em sua
feitura de si mesmos, enquanto sujeito político,
territorializado, do seu mundo cultural e do mundo que os
cerca.
Silvio Gallo (2002) nos dirá que uma literatura menor
tem a potencialidade de fazer aflorar e flutuar as raízes, nos
fazendo escapar da territorialidade forçada. Apresenta que
uma literatura menor nos remete a buscas, novos encontros e
fugas, essa literatura menor nos leva ao encontro de novos
agenciamentos. Uma outra característica da literatura menor

247
GUEDES & SOUSA – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

apresentada pelo autor é seu caráter político, a partir de sua


própria existência, como também seu valor coletivo, pois esta
não pertence apenas a uma única pessoa, mas a um grupo,
uma vez que os agenciamentos são sempre coletivos.
Nesse contexto, estamos falando de uma literatura
com/entre jovens e suas interseccionalidades que são
representadas nas obras e problematizadas com/entre eles/a,
pois como destaca Carla Akotirene em seu livro
“Interseccionalidade” (2020), somos constituídos/a por
avenidas identitárias que são nossos marcadores. Carla
Akotirene (2020), nos apresenta a interseccionalidade com
um posicionamento do feminisno negro frente às opressões
da sociedade cisheteropatriarcal branca e de base europeia.
Em sua obra ela busca junto ao feminisno negro desfazer a
ideia de um femininismo global e hegemônico de voz única a
partir da interseccionalidade. Assim, usamos o conceito
trabalhado por Carla Akotirene (2020), para desfazer a visão
hegemônica de juventude e literatura com/entre eles/a.
Assim, devemos compreender a juventude como parte de
um processo amplo na constituição de sujeitos(a) com suas
especificidades, que marcam suas vidas de forma coletiva,
são experiências que os passam, tocam e afetam. A juventude
não deve ser vista apenas como uma etapa para a vida
adulta, mas como um processo que ganha contornos
específicos no conjunto das experiências que são vividas e
vivenciadas (Dayrell, 2003, Bondía, 2002).

248
GUEDES & SOUSA – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

Nesta perspectiva de literatura com/entre jovens e suas


interseccionalidades refletida nas obras, temos em nossa
sociedade uma literatura vasta, ampla, rica e diversa e dentro
dessa literatura temos a Literatura Juvenil. Entre o público
desta literatura percebemos a diversidade com/entre jovens,
das diversas classes sociais, de diferentes etnias e com
subjetividades infinitas, jovens que são feitos em uma
sociedade colonial, que determina padrões e estereótipos de
comportamentos e modos de existir, mas que também são
jovens fazedores de suas próprias existências, são jovens que
(re)existem no meio de tantas imposições e que vivem ao seu
modo, e deixam marcas na sociedade.
A reflexão que propomos levantar aqui diz respeito à
possibilidade de alguma forma, localizar, conceituar,
compreender ou analisar, esse universo da produção literária
juvenil para a diversidade? Como seria possível a
compreensão dos fundamentos e elementos que constituem
uma literatura para as diversidades com/entre jovens e suas
interseccionalidades? Veremos.
Necessitamos partir de algum referencial conceitual,
para então nos localizar a um ponto de partida, para isso,
dialogamos com Fleck (2021, p. 229) quando ele defende e
preconiza que:
A arte literária, assim como seu ensino,
obviamente, devem estar voltados,
essencialmente, para ampliar, no sujeito em
formação, o processo de humanização que,
da mesma forma como a aquisição da
linguagem sistêmica, não é algo automático.

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GUEDES & SOUSA – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

Esse desenvolvimento humanizador busca


despertar a sensibilidade do sujeito na sua
consciência de alteridade.

Nos reportamos neste momento a literatura utilizada na


escola com/entre jovens para fins pedagógicos e destacamos
que a literatura como recurso pedagógico, passa pelo crivo da
censura pedagógica, que sempre precisa ensinar algo
“adequada”, em uma perspectiva limitada sem a oferta de
possibilidades formativas mais profundas, formações
humanas para a alteridade, que se traduz como experiências
com a diversidade, com a pluralidade e as diferenças de
formas de existir, ser e viver o mundo.
São censuras, restrições e apagamentos que vêm de
lugares muito diferentes e com forças igualmente distintas,
vêm da editora, vem da autoria (maioria dos livros publicados
no Brasil são de homens, brancos, héteros e classe alta), da
família, da escola, dos/a mediadores/a. Até que esse material
literário chegue às mãos dos/a jovens ele passa por muitos
filtros disfarçados de cuidado, de curadoria especial, de
apropriado para a idade, entre outros.
Reconhecemos que a censura literária nas escolas se dá
de forma ainda muito velada, ou por inabilidade para tratar
com o texto literário com/entre jovens, ou por receio de
abordar temas que tocam em problemas sociais excludentes e
discriminatórios, como afirma Colomer (2003, p. 163):
O certo é que a literatura infantil manteve-se
sempre entre as duas funções (quais as
funções, não entendi). Sua destinação à

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GUEDES & SOUSA – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

infância, ou seja, a um setor social em fase


de formação e aprendizagem, impõe restrição
de dois tipos a estes textos: em primeiro
lugar, na maneira como a obra apresenta,
caracteriza e julga o mundo, já que se trata
de oferecer aos leitores modelos de conduta e
de interpretação social da realidade; e, em
segundo lugar, na maneira como se
caracteriza a criança-jovem-implícito, já que
se deve atender o nível de
compreensibilidade dos textos, segundo a
competência literária que nela pressupõem.

Não podemos perder de vista que a escola tradicional é o


principal lugar de acesso a literaturas por parte da maioria
dos/a jovens, portanto a necessidade de uma maior
investigação sobre essa literatura a que estão tendo acesso e,
principalmente, como essa literatura está dando a ser
conhecida. O que pode ser lido, o que não pode ser lido e as
formas autorizadas de se fazer a leitura das literaturas devem
ser pensadas para não se cair no automatismo de uma
prática que está a serviço de uma visão única e excludente de
mundo e de sociedade, não devemos cair no perigo de
histórias únicas (Chimamanda Ngozi Adichie, 2009).
Ensinar a ler, não passa somente por ensinar as letras,
para além da decodificação o que chamamos de letramento
compreende que ler um manual de instruções não é o mesmo
que ler um poema, ou uma carta, e que o sentido que você
dar ao lido, diz muito mais do seu lugar no mundo do que o

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GUEDES & SOUSA – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

que o autor do texto “quis” dizer quando escreveu. A poesia


não é para interpretar, é para incorporar (Manoel de Barros)2.
A visão adulta sobre os/as jovens carrega construções
históricas, portanto é um ponto de vista mutável e permeado
de estigmas, pois a juventude é vista como não produtora de
cultura e desinteressada socialmente e politicamente, dessa
perspectiva o/a jovem é visto/a como alheio a todos os
problemas “sérios” que enfrentam a sociedade, esse
idealizado pela maioria dos adultos, só quer se divertir, não
sofre, e não pensa nas injustiças sociais, nas desigualdades,
nas exclusões e nas mazelas que segundo eles/a apenas os
adultos sentem na pele.
Em contrapartida, enxergamos jovens críticos/a que não
só sentem na pele, como refletem e elaboram todo esse caos
em que está completamente inserido/a, esse/a jovem é um
organismo vivo e atuante dessa realidade. Dayrell (2007, p.
1110), nos apresenta como se dá as múltiplas possibilidades
da produção de cultura juvenil, sendo “[...] expressões
simbólicas da sua condição, manifestam-se na diversidade
em que esta se constitui, ganhando visibilidade por meio dos
mais diferentes estilos, que têm no corpo e seu visual uma
das suas marcas distintivas”.
Dar oportunidade de escuta, de ação, liberdade para
criação e validação de suas ideias e elaborações é um
vislumbre do que acreditamos ser a melhor alternativa no

2 Disponível em:
https://literaturaebompravista.wordpress.com/2019/09/29/poesia-
nao-e-para-compreender-mas-para-incorporar-manoel-de-barros/

252
GUEDES & SOUSA – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

sentido de compreensão de uma literatura com/entre jovens,


categoria de nosso interesse de pesquisa. Não subestimar
suas capacidades de analisar, sentir e refletir assuntos que
alguns consideram “difíceis”, não deixar de ofertar leituras
complexas e profundas sobre a vida e sobre a sociedade, não
partir do ponto de vista adultocêntrico do mundo, pode ser
uma alternativa.
Na “falsa” tentativa de antever e oferecer o que se
presume que esse/a jovem queira e busca na vida, nas escola
e nas leituras, tanto a escola como as literaturas apresentam
uma expectativa irreal e fora da realidade da grande maioria
dos/a jovens que não se veem representados/a, nem em seus
comportamentos, nem em suas concepções, muito menos em
seus ideais, isso termina por gerar uma afastamento, e a
busca de rotas de fuga, nas chamadas literaturas marginais,
que igualmente valiosas enquanto qualidade literária, mas
que por não estarem nas editoras, nas escolas, nas livrarias,
não são reconhecidas como tais, não alcançam os de fora do
círculo, não favorece a transculturalidade cultural que a
literatura tem em si.
As subjetividades construídas tanto fora quanto dentro
do sistema educacional, subvertem o sistema que esperam
sujeitos/a homogeneizados/a e que se adequam aos modos
de produção e reprodução capitalista da ordem social vigente.
Falar das juventudes, e da literatura para e com as
juventudes é também falar da educação, essa relação tão
intrínseca e complexa quanto frágil. O quanto ainda é

253
GUEDES & SOUSA – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

predominante o olhar adultocêntrico, que encara a juventude


de relance, de longe e os/a vê como desinteressados/a e
despolitizados/a.
As práticas culturais juvenis não são homogêneas e
isoladas, mas se orientam conforme os objetivos e
subjetividades que as coletividades juvenis são capazes de
processar, em territórios múltiplos com influências externas e
interesses produzidos no interior de cada agrupamento
específico de forma coletiva (Dayrell, 2007).
Nesse contexto, existe uma infinidade de possibilidades
de abordagem do literário com/entre jovens, assim como
podem ser tratadas como textos retilíneos e neutros, como
um enredo do qual será necessário apenas que se desenrole
uma lógica formal de fatos ou acontecimentos
compreensíveis, para um público determinado por algumas
características definidas, há também a possibilidade de se
abrir horizontes para a percepção de detalhes não ditos, de
vazios que podem ser muitas outras coisas, para pontos de
vistas inusitados para alguns é óbvio para outros ao mesmo
tempo.
Visões de mundo, formas de fazer e pensar podem ser
ressignificadas a partir do viés artístico na escola, que é tão
subutilizado, concordamos com Charlot (2014, p. 87) quando
ele questiona:
Por que a Arte fica assim nas margens da
escola? Por que o aluno deve saber que há
peixes ágnatos, gnatostomados,
cartilaginosos, ósseos – o que nem suspeitam

254
GUEDES & SOUSA – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

professores ensinando disciplinas outras que


não a Biologia… – e nunca encontrará,
talvez, Velásquez, Delacroix ou Portinari e,
provavelmente, Ingres ou Chirico? Por que a
Gramática e não a Dança? Por que o homem
é linguagem? Claro, mas ele é também corpo
em movimento no espaço. Por que as escolas
desconhecem a Música, tão importante na
vida dos jovens, em particular no Brasil? Por
que, em muitas escolas, a música só
aparece… nas aulas de Inglês.

Para além de subestimação, ou de concepções rasas e


superficiais do que sejam as juventudes, segundo Marisa
Lajolo e Regina Zilbermam (2022), as perplexidades e
desconfianças ainda são muito raras na literatura, segundo
as autoras quem escreve para jovens parece acreditar na
docilidade e transparência da linguagem enquanto
instrumento. Essa crença determina muito fortemente a
produção literária no cenário brasileiro atual, um país com
marcas de exclusões que tem muita dificuldade de se
reconhecer machista, racista, sexista, misógina, transfóbica,
homofóbica, entre outras categoria de exclusão e
discriminação, e que tem dificuldades tremendas de
problematizar essa temática.
Assim, como as práticas juvenis não apresentam
homogeneidade, também devemos pensar a literatura de
forma não hegemônica. Apresentamos um trecho do livro “O
perigo de uma história única” de Chimamanda (2009, p. 8),
quando ela nos diz que:

255
GUEDES & SOUSA – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

Eu amava aqueles livros americanos e


britânicos que lia. Eles despertaram minha
imaginação. Abriram mundos novos para
mim, mas a consequência não prevista foi
que eu não sabia que pessoas iguais a mim
podiam existir na literatura. O que a
descoberta de escritores africanos fez por
mim foi isto: salvou-me de ter uma história
única sobre o que são os livros.

Dialogamos com Chimamanda, pois devemos ter uma


perspectiva ampla da literatura com/entre jovens e suas
histórias, uma vez que estas não são histórias únicas. A
literatura se torna um dispositivo de compreensão de mundo
em sua pluralidade. O conceito de dispositivo aqui exposto
não é o mesmo trabalhado por Michel Foucault, na qual o
dispositivo apresenta uma relação de poder e saber.
Alinhamos-nos com esses conceitos de literatura
com/entre jovens e suas interseccionalidades, para então
mergulharmos nessa geleia cultural viva que é a literatura
para as juventudes diversas, e tentar perceber como esse
emaranhado de concepções e conceitos reverbera em nossas
leituras e em nossas construções e conceitos de mundo. E
como esse emaranhado se conflui nas práticas educativas
dentro e fora das escolas, como as juventudes lêem, como as
escolas dão a ler, e como os/a sujeitos/a, personagens,
autores/a, enredos e leitores/a se relacionam e coexistem nas
leituras das palavras e dos mundos.
Compreendemos a dificuldade da produção artística no
Brasil, inclusive o forte viés dos interesses econômicos, que

256
GUEDES & SOUSA – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

perpassam desde a produção, edição, escolha e abordagem


das obras, mas o esforço no sentido de não simplificar,
reduzir e censurar obras que são destinadas ao público
infantil-juvenil, deve ser constante.

PARA FIM DE CONVERSA…


Desse modo, a partir das leituras, das trocas, dos
diálogos e compartilhamentos de conhecimentos e saberes no
percurso da disciplina, buscamos neste escrito fazer um
deslocamento dos nossos interesses de pesquisa do Programa
de Pós-Graduação em Educação, na Universidade Federal do
Piauí - UFPI. Desse modo, buscou-se no tecer deste escrito
apresentar a literatura com/entre jovens e suas
interseccionalidades como dispositivo no processo de
subjetivação e pertencimento de seus marcadores
identitários. A literatura com dispositivo está no centro das
possibilidades de analisar, de criticar e de autocriticar (Adad,
2014).
A literatura com/entre jovens e suas
interseccionalidades é potente quando essa literatura traz
seus marcadores de pertencimento racial, de gênero, de
sexualidade, de território, de religião, entre outros, uma
literatura para/com a diversidade com/entre a juventude.
Dessa forma, além do pertencimento apresentado em uma
literatura menor, devemos fazer emergir problemas que sejam
capazes de fazer nosso corpo tremer.

257
GUEDES & SOUSA – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

A juventude tem muita força e estão a todo o momento


nos provando isso por meio de iniciativas de resistência e
organização, acreditamos que essa juventude potente,
quando lê, quando se organizam em torno da leitura literária
sensível desafiadora, e problematizadora, consegue refletir e
repensar os valores sociais que estão em jogo nas tramas da
vida.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ADAD, Shara Jane Holanda Costa. A Sociopoética e os cinco


princípios: a filosofia dos corpos misturados na pesquisa em
educação. In: ADAD, et al. Tudo que não inventamos é
falso: dispositivos artísticos para pesquisar, ensinar e
aprender com a sociopoética. Fortaleza: EdUECE, 2014.

ADICHIE, Chimamanda Ngozi. O perigo de uma história


única. Tradução: Julia Romeu. São Paulo: Companhia das
letras, 2009.

BÂ, Amadou Hampaté. A tradição viva. In: KI-ZERBO,


Joseph. (Org.). História geral da África, I. Metodologia e pré-
história da África. São Paulo: Ática, 1980.

BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber


de experiência. Revista brasileira de educação, p. 20-28,
2002.

CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber às práticas


educativas. 1. ed. -São Paulo: Cortez, 2014.

CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: ___. Vários


Escritos. 5 ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul/ São Paulo:
Duas Cidades, 2011.

258
GUEDES & SOUSA – Juventudes no tempo presente
Juventudes e Educação – OLIVEIRA e LACERDA (orgs.)

CALVINO, Italo. Por que ler os clássicos. Editora Companhia


das Letras, 2007.

COLOMER, Teresa. A formação do leitor literário: narrativa


infantil e juvenil atual; trad. Laura Sandroni.-São Paulo:
Global, 2003.

DAYRELL, Juarez. O jovem como sujeito social. Revista


brasileira de educação, p. 40-52, 2003.

DAYRELL, Juarez. A escola" faz" as juventudes? Reflexões em


torno da socialização juvenil. Educação & Sociedade, v. 28,
p. 1105-1128, 2007.

FLECK, Gilmei Francisco; DIÓGENES, Buenos Aires (org).


Ensino da Literatura no Contexto Contemporâneo. Campinas.
Mercado das Letras, 2021.

GALLO, Silvio. Em Torno de uma Educação Menor. Educação


& Realidade, [S. l.], v. 27, n. 2, 2002. Disponível em:
https://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/
view/25926. Acesso em: 23 ago. 2023.

LAJOLO, Marisa. ZILBERMAN, Regina. Literatura infantil


brasileira: histórias e histórias. - São Paulo: Editora Unesp,
2022.

REYES, Yolanda. Ler e brincar, tecer e cantar - Literatura,e


escrita e educação. Trad. Rodrigo Petrônio; São Paulo: Editora
Pulo do Gato, 2012.

259
POSFÁCIO

Antônio Carlos Castrogiovanni

Quando recebemos um livro para a leitura é como se


estivéssemos embarcando em uma grande viagem. As viagens
são sempre surpreendentes e repletas de emoções. Por mais
que estejamos preparados, toda viagem oferece surpresas e
novas descobertas. Elas são tensas, assim como é a vida. Um
bom viajante deve saber que os imprevistos em uma viagem
precisam ser transformados em emoções e aprendizados para
as novas navegações. Nenhuma viagem é completa. A
curiosidade que nos leva a viajar sobre o território de um livro
inicia pelo título, assim como nas viagens, o roteiro que
elaboramos é sempre o ponto de partida e o provável limite de
chegada.
O livro, por onde viajamos, é um extenso território e por
ele vamos navegando e descobrindo, assim como fazemos em
nossas viagens. Ele é repleto de surpresas e acolhimentos.
Toda viagem tem início, meio e não tem fim. Por que não tem
fim? Por que ela fica em nossa memória e com isto possuímos
a oportunidade de relembrá-la constantemente e reavaliá-la
em diferentes momentos. A história que o tempo nos faz
recriá-la e como as textualidades de um livro. O território da
viagem não é apenas o concreto, aquele que admiramos
visualmente, que se apresenta aos nossos sentidos, ele é

260
amplo e repleto de silêncios. É preciso deixar a imaginação e
a criatividade descobri-lo. É assim com um livro. Um extenso
e ilimitado território que desperta no leitor atento um
conjunto indissociável de sistemas de emoções.
O livro traz verdades, mas para um bom leitor, digo,
viajante, as verdades geografadas no território de um livro, no
qual interagimos, são muitas e, provisórias, por isto se faz
necessário estarmos constantemente atentos e buscando
escutar o silêncio que se esconde nas narrativas. Será que os
autores estão dizendo tudo ou cabe a nós leitores
descobrirmos o quê ainda poderia ser dito? Esta dúvida me
provoca, muitas vezes, a reler um livro, assim como repetir
uma viagem. Reler um livro ou refazer um roteiro sempre é
uma nova oportunidade de descobrir novas emoções, trocar
com os autores novos conhecimentos e provocá-los. Sim, toda
leitura estabelece um diálogo, ou deveria.
Nesta viagem cujo roteiro chama-se Juventudes e
Educação: a escola como território juvenil, organizado pelos
professores Victor Hugo Nedel Oliveira e Miriam Pires Corrêa
de Lacerda traz, sob lentes de renomados pesquisadores que
nos provocam a pensar sobre a importância em escutarmos
os jovens. Entendermos, mesmo que provisoriamente o quê a
juventude, neste país, compreende por território escola na
complexidade que se apresenta o espaço geográfico escola. A
escola é um local, que deveria ser um lugar, no entanto são
muitos desafios que ela oferece, pois representa e faz parte da
sociedade como um todo. Ela é um conjunto indissociável de

261
sistemas de objetos e sistemas de ações. Ela é tensa e
necessita de tensão. Ela se constitui como instituição através
de diálogos, alguns não escutados. As questões de gênero e
as questões relativas à diversidade, muito contemporâneas no
debate social, são trazidas, mas com certeza, pela sua
relevância, merecem a continuidade do debate, pois fazem
parte da instituição escola e são sempre desafiantes para
todos que construímos a escola. Todos vivemos a pandemia e
nem todos sobreviveram a ela. Não dá para negar os
transtornos que ela trouxe à sociedade. A pandemia foi uma
surpresa em nossas viagens pela vida, realmente não sei se a
aprendizagem que tivemos que buscar para enfrentá-la foi
transformada em sabedoria para entender um território tão
desafiante como é o da escola.
Nesta viagem que terminei de realizar aprendi muito
sobre a Geosociologia das relações entre as juventudes e o
território escola numa leitura interdisciplinar. A importância
em examinarmos a relação entre território e juventude é o
direcionamento previsto central desta viagem. Cada momento
da leitura fortalece a necessidade dos professores e todos que
estão envolvidos no processo de ensinar e aprender, buscar a
compreensão de como os jovens interagem ou deixam de
interagir com o espaço geográfico escola. O quanto as suas
dúvidas e angustias influenciam no processo de aprender.
Como já foi dito, a obra representa a união da tríade
universitária: ensino, pesquisa e extensão. O livro nos faz
entender, provisoriamente, os processos de reconhecimento e

262
os modos de formação das juventudes e as suas culturas.
Interrogações como trabalho e futuro profissional são desafios
que a juventude traz no seu cotidiano. Ele nos auxilia a
analisarmos os (con)textos e os desafios que o território
escola nos oferece, principalmente no período póspandêmico,
e o quanto a escuta aos jovens deve ser valorizada. Há muitas
dúvidas e desafios para a juventude e que nem sempre são
ouvidas de forma valorativa.
Caros leitores, convido-os a retomar esta viagem e
repisar caminhos já trilhados, mas com os olhares
contemporanizados. É preciso viajar, viajar é preciso! É
preciso continuar a escutar os jovens e buscar o sentido de
seus processos comunicacionais. É preciso reler esta obra e
sentir o quanto nos oferece de possibilidades de
entendimento do lugar escola. Sigamos descobrindo!
Verão de 2023/2024.

263
SOBRE AS E OS AUTORES

Victor Hugo Nedel Oliveira é Doutor em Educação pela


Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUCRS) e Licenciado e Mestre em Geografia pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Realizou estudos de Pós-Doutorado em Educação pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUCRS) e em Sociologia pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS). Atualmente, é Professor e
Pesquisador no Departamento de Geografia e do Programa de
Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS). É líder do Grupo de Estudos e
Pesquisas em Juventudes e Educação –
GEPJUVE/UFRGS/CNPq.
E-mail: victor.juventudes@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5624-8476
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7489113176882485

Miriam Pires Corrêa de Lacerda é Doutora e Mestre em


Educação e Pedagoga pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS). Realizou estudos de Pós-Doutorado
em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (PUCRS). Atualmente, é professora convidada
dos Programas de Pós-Graduação Lato Sensu da
Universidade LaSalle (UNILASALLE) e pesquisadora associada
ao Grupo de Estudos e Pesquisas em Juventudes e Educação
(GEPJUVE/UFRGS/CNPq).
E-mail: miriam.p.c.lacerda@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0892-1149
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1302256328116417

264
Luis Antônio Groppo é Doutor em Ciências Sociais e Mestre
em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP) e graduado em Ciências Sociais pela Universidade
de São Paulo (USP). É bolsista produtividade do CNPq.
Atualmente, é professor da Universidade Federal de Alfenas
(UNIFAL-MG), atuando na graduação e no Programa de Pós-
Graduação em Educação.
E-mail: luis.groppo@unifal-mg.edu.br
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0143-5167
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4667459802757846

Antonio Carlos Castrogiovanni é Doutor em Comunicação


Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul (PUCRS). Mestre em Educação e Graduado em Geografia
pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Atualmente, é professor titular da Faculdade de Educação e
professor permanente do Programa de Pós-Graduação em
Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS).
E-mail: acastrogiovanni53@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2146-9700
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7721027764504488

265
Ana Daniele Mendes Carrera é Doutoranda em Educação
pela Universidade do Estado do Pará (UEPA), na linha de
Saberes Culturais e Educação na Amazônia. Possui Mestrado
em Educação na linha de Formação de Professores e Práticas
Educativas (PPGED/UEPA). Graduada em Licenciatura Plena
em Pedagogia com pesquisa na área de Gênero, Educação e
Práticas Educativas. Membro editorial da Revista Cocar.
Membro dos Grupos de Pesquisa sobre Juventude, Educação
e Sociabilidades (JEDS/UEPA) e sobre Gênero, Feminismos e
Sexualidades (GEFES/UEPA).
E-mail: a.danielemendes@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1150-3079
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0614261853983996

André Luiz dos Santos Silva é Licenciado e Bacharel em


Educação Física pela Universidade Federal de Viçosa, Mestre
e Doutor em Ciência do Movimento Humano pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) com Pós
Doutorado em Educação, também pela UFRGS. É professor
dos cursos de Licenciatura e Bacharelado em Educação
Física e do Programa de Pós-Graduação em Ciências do
Movimento Humano (PPGCMH) na UFRGS. Líder do Grupo de
Pesquisa CNPq - GRECCO (Grupo de Estudos Sobre Cultura
e Corpo) e do Grupo de Estudos sobre Relações de Gênero
Educação e Violência (GERGEV).
E-mail: andrels@ufrgs.br
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9838-2558
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1108349688580038

Blue Mariro é doutorando em Geografia pela Universidade


Federal do Rio Grande do Sul, Graduado e mestre em
Geografia pela Universidade Federal de Goiás. Desde 2022
atua como professor de Geografia e Ensino Religioso pela rede
pública do Estado do Rio Grande do Sul.
E-mail: bluemariro@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0009-0000-4601-6516
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0310270432793052

266
Bruno Xavier Silveira é professor de Geografia da Rede
Municipal de Ensino de Porto Alegre-RS. Licenciado em
Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG),
especialista em Educação na Diversidade pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Mestre em Geografia
pela mesma instituição.
E-mail: bruno.geo@hotmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7199-5920
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8863258338567321

Cheila Basso é Licenciada em Geografia pela Universidade


Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (2011),
Mestre em Ciências Humanas pela Universidade Federal da
Fronteira Sul (2018) e Doutoranda em Geografia pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
E-mail: cheilabassocb@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6512-8510
Lattes: https://lattes.cnpq.br/9903117656241174

Claudiney Saraiva Guedes é Doutoranda em Educação pela


Universidade Federal do Piauí (UFPI) e Mestre em Gestão e
Tecnologia da Educação pela Universidade Federal Rural do
Pernambuco (UFRP). Atualmente, é Pedagoga do Instituto
Federal de Educação do Piauí (IFPI).
E-mail: claudineyguedes@hotmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0682-8231
Lattes: https://lattes.cnpq.br/7019503401441467

Dioneia Maria Samua Vieira é Mestranda em Educação e


Bolsista PROSUC/CAPES pelo Programa de Pós-graduação
em Educação (PPGEDU) e Graduada em Pedagogia, pela
Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das
Missões (URI/FW) . Professora de Educação Básica.
E-mail: a079706@uri.edu.br
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3238-7572
Lattes: https://lattes.cnpq.br/3151669215221613

267
Douglas Franco Bortone é Doutorando em Economia
Doméstica pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Mestre
em Educação pela Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL -
MG). Licenciando em Ciências Sociais; Graduado em Teologia
pela Universidade Metodista de São Paulo.
E-mail: douglas.bortone@ufv.br
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0290-3601
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9750788125318767

Edla Eggert é Doutora em Teologia pelas Faculdades EST,


Mestra em Educação pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS) e Graduada em Pedagogia pela
Universidade do Planalto Catarinense (UNIPLAC). Professora
nos Programas de Pós-Graduação em Educação e Teologia, da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUCRS).
E-mail: edla.eggert@pucrs.br
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1980-7053
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8360909218928418

Gilberto Miranda da Silva Junior é Bacharel em Educação


Física e Licenciado em Educação Física pelo Centro
Universitário Metodista IPA. Está cursando o Mestrado
Acadêmico na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
(UFRGS) na área da Ciência do Movimento Humano.
Atualmente é professor Educação Física e Fisiologia humana,
no Colégio Tiradentes de Porto Alegre, da Brigada Militar do
estado do Rio Grande do Sul.
E-mail: betomdsj@hotmail.com
ORCID: https://orcid.org/0009-0000-0851-1292
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5346691869696738

268
Izac de Sousa Belchior possui graduação em Licenciatura
Plena em Geografia pela Universidade Federal do Piauí.
Mestre em Educação Profissional e Tecnológica pelo Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina
e doutorando no Programa de Pós-graduação em Educação
da Universidade Federal de Pelotas. Atualmente é docente do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio
Grande do Sul – Campus Ibirubá.
E-mail: belchiorizac@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5968-9998
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3123174475249996

Joilson de Souza Toledo é doutorando em Teologia pela


Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC RIO).
Mestre em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade
Católica de Goiás (PUC GOIÁS). Pós-graduado em Juventude
no Mundo contemporâneo pela Faculdade Jesuíta de Belo
Horizonte (FAJE). Cursou Gestão Pastoral no Instituto Santo
Tomás de Aquino (ISTA) e Teologia no Centro de Estudos
Superiores de Juiz de Fora (CES/JF).
E-mail: mistagogo@yahoo.com.br
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7891-9864
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8314564728126801

José Ricardo Marques dos Santos é doutor em Sociologia


pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Bacharel e
Mestre em Ciências Sociais pela mesma instituição.
Atualmente é professor Adjunto na Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia.
E-mail: jose.santos@uesb.edu.br
Orcid: https://orcid.org/0000-0003-3477-4728
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5294054259834154

269
Júlia Dall’Agnese é mestranda em Geografia pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e
Licenciada em Geografia Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS). É graduanda em Bacharel em Geografia pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Atualmente, trabalha como Designer Educacional na empresa
UOLEdtech.
Email: dallagnesejuliaa@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7412-1070
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5593552370491242

Juliana Cristina Franz é Professora do Programa de Pós-


Graduação em Geografia e dos cursos de Geografia
Licenciatura e Bacharelado na Universidade Federal do Rio
Grande (FURG). É doutora em Geografia pela Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM), Mestre em Geografia,
Licenciada e Bacharela pela Universidade Federal de Pelotas
(UFPel). É vice-líder do Grupo de Pesquisa CNPq Núcleo de
Análises Urbanas (NAU) da Universidade Federal do Rio
Grande (FURG).
E-mail: julianafranz@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3556-452X
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4460920749219678

Katiele Hundertmarck é Doutoranda em Educação na


Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), Mestra em
Saúde Materno Infantil (UFN), Especialista em Educação para
a Sexualidade: dos currículos escolares aos espaços
educativos (FURG) e Enfermagem em Saúde Escolar
(Unyleya). Enfermeira (UFSM). Trabalha no Instituto Federal
de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha - Campus
Júlio de Castilhos (IFFar JC).
E-mail: katielehun@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8497-080X
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4996587375385452

270
Leonardo da Silva Greque Junior é Mestrando em Geografia
pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e Licenciado
Universidade Federal do Rio Grande (FURG).
E-mail: leogreque@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0166-8283
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4961650326858603

Lílian Perdigão Caixêta Reis possui graduação em


Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais, mestrado em Família na Sociedade Contemporânea
pela Universidade Católica do Salvador e doutorado em
Psicologia pela Universidade Federal da Bahia, Pós-
Doutorado pela UFBA, através do Programa Nacional de Pós-
Doutorado. Atualmente é Professora da Universidade Federal
de Viçosa.
E-mail: lilian.perdigao@ufv.br
ORCID: http://orcid.org/0000-0001-6827-871X
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2710436780723053

Lindomar Pereira de Souza é Doutorando em Educação pela


Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), Mestre em Ensino
pela Universidade do Vale do Taquari (UNIVATES), e
licenciado em Pedagogia pela Universidade do Estado do Pará
(UEPA). É servidor efetivo das redes municipal e estadual de
ensino. Atualmente é Secretário Municipal de Educação do
Município de Goianésia do Pará/PA.
E-mail: klindomar@yahoo.com.br
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2469-1788
Lattes: https://lattes.cnpq.br/2796253481971008

271
Lucélia de Moraes Braga Bassalo é Doutora em Educação
pela Universidade de Brasília (UNB). Professora do Programa
de Pós Graduação em Educação da Universidade do Estado
do Pará (PPGED/UEPA), vinculada ao Departamento de
Filosofia e Ciências Sociais - DFCS/UEPA. É coordenadora do
JEDS - Grupo de Pesquisa sobre Juventude, Educação e
Sociabilidades, sediado na UEPA e membro do GERAJU -
Grupo de Pesquisa sobre Gerações e Juventude, sediado na
FE/UnB.
E-mail: lucelia.bassalo@uepa.br
ORCID: http://orcid.org/0000-0002-0412-6052
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6941089571024585

Lucí dos Santos Bernardi é Doutora em Educação Científica


e Tecnológica (PPGECT) e Mestre em Educação pela
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Graduada
em Matemática pela Universidade Federal de Passo Fundo
(UPF). Docente no Programa de Pós-Graduação em Educação
– Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das
Missões (URI) - Campus de Frederico Westphalen/RS. Líder
do Grupo de Pesquisa Processos Educativos: Formação de
Professores, Saberes e Práticas Educativas – GPPE.
E-mail: lucisantosbernardi@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6744-9142
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3534204043658317

Luiz Carlos Gomes de Brito Júnior é mestrando em


Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia
(PPGS) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do
Piauí (UFPI). Atualmente, é Professor no Instituto de
Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IEMA).
E-mail: luiz.cjunior@ufpe.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0620157936879908

272
Maria das Dores Saraiva de Loreto é graduada em
Economia Doméstica e em Ciências Econômicas, Mestrado e
Doutorado em Economia Rural, pela Universidade Federal de
Viçosa, além de Pós-doutorado em Família e Meio Ambiente
pela University of Guelph-Canadá. Professora Titular da
Universidade Federal de Viçosa É Pesquisadora do CNPq. É
Líder do Grupo de Pesquisa "Famílias, Políticas Públicas,
Desenvolvimento Humano e Social".
E-mail: mdora@ufv.br
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7418-2669
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6833406073308098

Marília Dal Moro Bing é graduada no curso de Licenciatura


em Pedagogia pela Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, pós-graduada em Gestão da Educação pela Pontifícia
Universidade Católica/RS e mestra em Educação pela
Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul.
E-mail: dalmoro.marilia@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8092804036994039

Natália Yukari Mano é Mestra em Psicologia Social pela


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC SP) e
graduada em Psicologia pela Universidade Estadual de
Maringá (UEM). Atualmente, é coordenadora do Programa
Grupo nÓs, do Instituto Fazendo História, que atua com
jovens em situação de acolhimento institucional na cidade de
São Paulo.
E-mail: yukari.mano@gmail.com
Lattes http://lattes.cnpq.br/9557492379604990

273
Priscila Farfan Barroso é Doutora e Mestra em Antropologia
Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS), Especialista em Saúde Pública pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Bacharel e Licenciada
em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul (PUCRS). Atualmente é docente da
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). É líder
do Grupo de Estudos e Pesquisas Juventudes, Educação e
Saúde – JES/UESB/CNPq.
E-mail: prifarfan@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4815-4792
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1710237516184338

Raquel Viana dos Anjos graduada em Ciências Sociais -


Licenciatura, pela Universidade Federal do Ceará (UFC),
mestra em Antropologia pelo Programa de Pós Graduação em
Antropologia da Universidade Federal da Paraíba – (UFPB).
Professora no Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí
– IFPI
E-mail: raqueldosanjos@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3233-3160
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5731745344363890

Ricardo Willy Rieth é Doutor em Teologia


(Kirchengeschichte) pela Universität Leipzig (Uni-Leipzig),
Alemanha, Especialista em MBA Executivo: Gestão
Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), Bacharel
em Ciências Sociais pela Universidade do Vale do Rio dos
Sinos (UNISINOS) e Bacharel em Teologia pelo Seminário
Concórdia de Porto Alegre. Realizou estudos de Pós-
Doutorado em Teologia (Kirchengeschichte) pela Universität
Leipzig (Uni-Leipzig), Alemanha. Atualmente é Professor
Adjunto e Pesquisador no Programa de Pós-Graduação em
Educação (PPGEDU) da Universidade Luterana do Brasil
(ULBRA).
E-mail: ricardo.rieth@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8093-3473
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2854589063294139

274
Stalin Braga de Lima é professor de Geografia e pesquisador
bolsista pela CAPES vinculado ao programa de Pós-graduação
em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS). Licenciado em Geografia pela Universidade Federal
do Pará (UFPA), Mestre em Geografia pela UFRGS.
E-mail: stalin.braga@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0009-0004-7217-9107
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8103299564855344

Susana Schwartz Basso é Doutoranda e Mestre em


Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação
(PPGEDU) da Universidade Regional Integrada do Alto
Uruguai e das Missões (URI/FW). Graduada em Pedagogia
pela Universidade do Norte do Paraná (Unopar). Professora de
Educação Básica.
E-mail: a079631@uri.edu.br
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9088-1942
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4496303753569642

Thaiana Machado dos Anjos é Doutoranda em Educação na


Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUCRS). Possui Mestrado em Educação pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e
Graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual do Rio
Grande do Sul (UERGS). Integra o Grupo de Pesquisa
Educação, Gênero e Trabalho Artesanal (PUCRS). É Pedagoga
no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio
Grande do Sul (IFRS), Campus Restinga.
E-mail: thaiana.a@edu.pucrs.br
ORCID: https://orcid.org/0009-0005-5336-2771
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4761804867318818

Wanderson William Fidalgo de Sousa é Mestrando em


Educação pela Universidade Federal do Piauí -
(UFPI/PPGED). Graduado em Licenciatura em Pedagogia pela
Universidade Federal do Piauí (UFPI).
E-mail: wandersonfidalgo33@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2016-0461
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5343511710756769

275
JUVENTUDES E EDUCAÇÃO:
A ESCOLA COMO TERRITÓRIO JUVENIL

Victor Hugo Nedel Oliveira


Miriam Pires Corrêa de Lacerda
(orgs.)

Prefácio: Luis Antônio Joilson de Souza Toledo Maria das Dores de Saraiva
Groppo José Ricardo Marques dos Loreto
Ana Daniele Mendes Carrera Santos Marília Bing
André Luiz dos Santos Silva Júlia Dall’agnese Natália Yukari Mano
Blue Mariro Juliana Cristina Franz Priscila Farfan Barroso
Bruno Xavier Silveira Katiele Hundertmarck Raquel Viana dos Anjos
Cheila Basso Leonardo da Silva Greque Ricardo Willy Rieth
Claudiney Saraiva Guedes Junior Stalin Braga de Lima
Dioneia Maria Samua Vieira Lilian Perdigão Caixêta Reis Susana Schwartz Basso
Douglas Franco Bortone Lindomar Pereira de Souza Thaiana Machado dos Anjos
Edla Eggert Lucélia de Moraes Braga Wanderson William Fidalgo
Gilberto Miranda da Silva Bassalo de Sousa
Junior Lucí dos Santos Bernardi Posfácio: Antônio Carlos
Izac de Sousa Belchior Luiz Carlos Júnior Castrogiovanni

Os capítulos do presente livro fazem deste tema, a


escola como território ressignificado pelas juventudes, como
mote para falar não apenas dele propriamente dito, mas de
vários outros temas de grande relevância. Estes temas,
nunca abandonando as juventudes e o espaço escolar,
trazem os próprios interesses e experiências das autoras e
dos autores, além de colocar este livro em diálogo com a
vanguarda do que tem se pesquisado em juventudes na
atualidade (Luis Antônio Groppo).

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