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Índice

Santo Afonso de Ligó rio


Prefá cio
1. Fé
2. Esperança
3. Amor de Deus
4. Amor ao pró ximo
5. Pobreza
6. Castidade
7. Obediência
8. Mansidã o e humildade
9. Mortificaçã o
10. Lembrança
11. Oraçã o
12. Abnegaçã o e Amor à Cruz
Permissu Superiorum C.SS.R.
Nihil Obstat: Patrick J. flexível
Censor Livro
Imprimatur: William Cardeal O'Connell
Arcebispo de Boston

Publicado anteriormente sob o título The School of Christian Perfection


pela Mission Church Press, Boston, Mass. Redigitado em 1986 pela TAN
Books and Publishers, Inc.
Cartã o de catá logo da Biblioteca do Congresso nº: 86-50419
ISBN: 978-0-89555-298-3
A tipografia é propriedade da TAN Books e nã o pode ser reproduzida,
no todo ou em parte, sem autorizaçã o por escrito da editora.

Livros TAN
Charlotte, Carolina do Norte
2010
“Amará s o Senhor teu Deus de todo o teu coraçã o, e de toda a tua alma,
e de todo o teu entendimento. Este é o maior e o primeiro mandamento.
E a segunda é assim: Amará s o teu pró ximo como a ti mesmo. Destes
dois mandamentos depende toda a lei e os profetas.”
—Palavras de Nosso Senhor Mateus 22:37-40)
CONTEÚDO

Santo Afonso de Ligó rio


Prefá cio
1. Fé
2. Esperança
3. Amor de Deus
4. Amor ao pró ximo
5. Pobreza
6. Castidade
7. Obediência
8. Mansidã o e humildade
9. Mortificaçã o
10. Lembrança
11. Oraçã o
12. Abnegaçã o e Amor à Cruz
Santo Afonso de Ligó rio
1696-1787
Bispo, Fundador dos Redentoristas,
e Doutor da Igreja

ST. Afonso Liguori


Santo Afonso Maria de Ligó rio nasceu em 1696 perto de Ná poles, Itá lia,
em uma família nobre neopolitana. Ele era filho de um capitã o das galés
reais. Santo Afonso recebeu o doutorado em direito canô nico e civil aos
dezesseis anos e exerceu a advocacia com muito sucesso por oito anos.
Mas abandonou o exercício da advocacia para se tornar sacerdote,
sendo ordenado em 1726.
Em 1732 Santo Afonso fundou a Congregaçã o do Santíssimo Redentor,
os Redentoristas. Esta ordem foi estabelecida face a enormes
dificuldades; foi até dividido por um cisma na época da morte de Santo
Afonso. Os Redentoristas tornaram-se famosos por dar “missõ es” para
acender e rejuvenescer as almas com verdadeiro fervor religioso.
Em 1762 Santo Afonso foi obrigado a tornar-se Bispo de Santa Á gata.
Como bispo, ele reformou sua pequena mas fraca diocese, mas
problemas de saú de crô nicos o forçaram a se aposentar e ele se dedicou
novamente à teologia ascética e moral. Sua experiência na profissã o
leiga, combinada com o bom senso natural e a doçura de disposiçã o,
ajudou muito a torná -lo o mais conhecido de todos os teó logos morais.
Santo Afonso escreveu numerosos livros, incluindo sua Teologia Moral;
de suas muitas excelentes obras devocionais, a obra-prima intitulada As
Glórias de Maria é a mais famosa. Ele também passou muito tempo
combatendo o anticlericalismo e a heresia do jansenismo, e esteve
envolvido em diversas controvérsias a respeito do probabilismo.
Durante os ú ltimos anos de sua vida Santo Afonso sofreu de problemas
de saú de, especialmente de reumatismo que o deixou parcialmente
paralisado. Ele experimentou a noite escura da alma durante vá rios
anos no final da sua vida, mas este período de sofrimento foi seguido
por um período de paz e luz durante o qual ele teve visõ es e êxtases,
realizou milagres e fez profecias que mais tarde se tornaram realidade. .
Santo Afonso morreu em 1787, dois meses apó s seu 91º aniversá rio.
Foi canonizado em 1839 e em 1871 o Papa Pio IX o declarou Doutor da
Igreja. Seu corpo repousa na igreja de seus pais em Pagani di Nocera.
PREFÁCIO
Nos escritos ascéticos do santo Bispo e Doutor da Igreja, Santo Afonso
de Ligouri, há um encanto característico e uma atraçã o irresistível.
Quem os lê com as devidas disposiçõ es descobrirá neles algo indefinível
que apela ao coraçã o e o emociona até à s profundezas. Imaginamos ver
diante de nó s a amorosa personalidade do santo Bispo e ouvir as
palavras de vida eterna dos seus pró prios lá bios. Segundo uma bela
lenda, o visitante do santuá rio de Sã o Joã o em É feso pode ouvir as
pulsaçõ es do coraçã o do Santo encerrado no tú mulo. O coraçã o de
Afonso ainda palpita nos seus escritos ascéticos, onde todo o ser do
Santo parece consagrado. Nã o é de admirar, portanto, que a reverência
e o amor nutridos por ele em vida tenham passado para suas obras
edificantes, o reflexo de seu pró prio eu. Existem poucos escritores
ascéticos mais conhecidos e mais sinceramente amados do que Santo
Afonso.
O presente volume é composto de seleçõ es selecionadas dos vá rios
escritos ascéticos do Santo. A ordem de virtudes considerada é a
seguida pelos filhos espirituais de Santo Afonso na Congregaçã o do
Santíssimo Redentor. Para cada mês do ano é atribuída uma virtude
particular à qual devem dedicar especial atençã o. Esta é uma prá tica
altamente recomendada pelos mestres da vida espiritual e está repleta
de resultados muito felizes. Espera-se que os fiéis obtenham proveito e
prazer espiritual deste curso na “Escola da Perfeiçã o Cristã”.
CJW
"Eu sou a luz do mundo; quem me segue nã o anda nas trevas, mas terá
a luz da vida.” —João 8:12

Capítulo 1

"Eu sou a luz do mundo; quem me segue não anda nas trevas, mas terá a
luz da vida.”
—Joã o 8:12
A fé é uma virtude divinamente infundida pela qual o homem acredita,
sob a autoridade de Deus, naquilo que Deus revelou e ensina através de
Sua Santa Igreja. Sã o Paulo chama a fé de “a substâ ncia das coisas que
se esperam e a evidência das coisas que nã o aparecem”. ( Hebreus 11:1).
A fé é, de facto, “a substâ ncia das coisas que se esperam”, isto é, o
fundamento da nossa esperança, pois sem fé a esperança nã o poderia
existir. A fé é também uma evidência do invisível, “a evidência de coisas
que nã o aparecem”.
É bem verdade que existe um lado claro e um lado negro na prá tica da
santa fé. O seu lado positivo sã o as marcas de credibilidade que nos
asseguram, sem sombra de dú vida, que a nossa fé é a verdadeira e ú nica
fé. Seu lado negro sã o as pró prias verdades que estã o veladas aos
nossos olhos. As provas da verdade da nossa santa fé sã o tã o claras que,
como diz Pico de Mirandola, um homem deve ser totalmente
desprovido de razã o para recusar-lhes crédito. “Os teus testemunhos, ó
Senhor, sã o extremamente credíveis”, diz o salmista. ( Salmo 92:5).
Consequentemente, os incrédulos nã o têm desculpa para recusarem
submeter a sua razã o aos ensinamentos da nossa santa fé. “Quem nã o
crê já está condenado”, diz o nosso Divino Salvador. Por outro lado,
Deus quis que os objetos da nossa crença permanecessem obscuros
para que, pela fé, possamos merecer uma recompensa. Do que foi dito,
segue-se que a fé nos dá um conhecimento que ultrapassa em
dignidade todas as verdades científicas. “Eis”, exclama Jó , “quã o grande
é o nosso Deus; ele excede todo o nosso conhecimento.” ( Jó 36:26).
A nossa santa fé é um tesouro de valor indizível, pois nela possuímos
antes de tudo uma luz divina que serve para nos guiar com segurança
no caminho para o Céu. Aquilo que percebemos com nossos sentidos ou
compreendemos com nossa razã o pode e muitas vezes nos
desencaminha. As verdades da fé, pelo contrá rio, sã o reveladas por
Deus, que nã o pode enganar nem ser enganado. Em segundo lugar, a fé
fornece-nos um excelente meio de mostrar a nossa reverência e
respeito por Deus.
Nã o é mais do que certo que sujeitemos a Deus a nossa vontade pela
observâ ncia da Sua santa lei, e a nossa razã o pela crença na Sua palavra
infalível. Se o homem acreditasse apenas naquilo que vê e compreende,
estaria honrando a Deus com isso? Certamente nã o. Mas sem dú vida
damos honra a Deus quando aceitamos como certo o que Deus revelou,
embora nã o possamos ver nem compreender, e cremos nã o porque
entendemos, mas simplesmente porque Deus o revelou. Em terceiro
lugar, a fé nos fornece uma fonte abundante de mérito. Se as verdades
propostas para a nossa aceitaçã o fossem tã o claras e compreensíveis
que nã o pudéssemos recusar razoavelmente o nosso assentimento, a
sua aceitaçã o nã o seria de modo algum meritó ria, pois o mérito da fé
consiste em que aceitemos e acreditemos nas verdades propostas, livre
e sem restriçã o. Sã o Gregó rio expressa esta verdade com as seguintes
palavras: “A fé perde o seu mérito quando a razã o humana fornece uma
prova”. ( Hom. 26). Nosso Abençoado Salvador elogia aqueles que
aceitam as verdades da fé sem serem capazes de percebê-las ou
compreendê-las: “Bem-aventurados os que nã o viram e creram”. ( João
20:29).

NOSSO ESCUDO E PROTEÇÃ O


A fé é, além disso, um escudo de proteçã o contra os inimigos da nossa
salvaçã o. Sã o Joã o diz: “Esta é a vitó ria que vence o mundo: a nossa fé”. (
1 João 5:4). Deus nos criou simplesmente para trabalharmos pela
salvaçã o de nossas almas e para nos tornarmos santos. “Esta é a
vontade de Deus, a vossa santificaçã o”, diz o Apó stolo. ( 1
Tessalonicenses 4:3). Para este fim devem ser dirigidos todos os nossos
esforços, e a fé põ e-nos em condiçõ es de superar todos os obstá culos
que o mundo opõ e à realizaçã o do nosso objectivo, obstá culos como o
respeito humano, os desejos desordenados da carne, numa palavra,
todas as tentaçõ es do Inferno. O diabo é muito poderoso, sem dú vida, e
as suas tentaçõ es sã o calculadas para nos inspirar medo e pavor. Mas o
homem de fé triunfa sobre todos os seus ataques. “O diabo”, diz Sã o
Pedro ( 1 Pedro 5:8-9), “como um leã o que ruge, anda em busca de
quem possa devorar. A quem resistis, fortes na fé.” Sã o Paulo escreve em
tom semelhante: “Em todas as coisas, tomando o escudo da fé, com o
qual podereis extinguir todos os dardos inflamados do mais maligno”. (
Efésios 6:16). Assim como um escudo protege o corpo das flechas do
inimigo, a fé defende a alma contra os assaltos do Inferno.
“O meu justo vive pela fé”, diz a Sagrada Escritura ( Hb 10:38); isto é,
por meio da fé, ele se sustenta na vida da graça. Quando a fé enfraquece,
a virtude corre perigo; quando a fé é perdida, a virtude vai embora com
ela. Conseqü entemente, quando somos assaltados pela tentaçã o do
orgulho, da sensualidade ou de qualquer outro vício, para autodefesa
devemos instantaneamente nos armar com os princípios da santa fé.
Devemos direcionar o olhar de nossa alma para a presença de Deus ou
refletir sobre as tristes consequências que se seguem ao pecado, ou
ainda sobre a conta que teremos de prestar no dia do julgamento e o
castigo que aguarda o pecador na eternidade. . Acima de tudo, devemos
recordar aquele ensinamento da santa fé que diz que quem recorre a
Deus na tentaçã o será vitorioso. “Invocarei o Senhor”, diz Davi, “e serei
salvo dos meus inimigos”. ( Salmo 17:4).
Em suma, a fé preserva a paz do nosso coraçã o em meio à s provaçõ es e
tribulaçõ es que nos afligem, pois em todas as cruzes da vida, a fé nos dá
a certeza de que a paciência e a resignaçã o merecerã o a alegria eterna.
O Apó stolo Sã o Pedro disse: “Se acreditardes, exultareis com alegria
indescritível e glorificada, recebendo o fim da vossa fé, a salvaçã o das
vossas almas”. ( 1 Pedro 1:8-9).
Portanto, agradeçamos a Deus do fundo do coraçã o por nos ter
concedido o dom inestimável da fé. Sã o Francisco de Sales disse certa
vez: “Ó Deus, grandes e numerosos sã o os benefícios que me deste! Mas
como poderei agradecer-Te por me teres concedido a luz da santa fé?” E
ainda: “A dignidade da nossa santa fé é tã o grande que eu daria
alegremente a minha vida por ela”. Santa Teresa encontrou tal
consolaçã o no pensamento de pertencer à Santa Igreja Cató lica que na
hora da sua morte continuou a exclamar: “Sou filha da Santa Igreja, filha
da Santa Igreja”. Agradeçamos incessantemente a Deus por esta graça
maravilhosa e estejamos sempre atentos à s palavras do salmista: “Ele
nã o fez o mesmo com todas as naçõ es”. ( Salmo 147:20).

UMA OFERTA DO INTELECTO


Deus deseja que usemos nosso intelecto para saber com certeza que foi
Ele quem falou, e nã o para compreender tudo o que Ele nos pede para
acreditar.
A razã o nos pega, por assim dizer, pela mã o e nos conduz ao santuá rio
da fé, mas ela mesma permanece no limiar. Uma vez convencidos de
que as verdades em que somos convidados a acreditar vêm realmente
de Deus, somos obrigados a submeter a nossa razã o e, com a força da
palavra de Deus, a aceitar como certas as verdades propostas, embora
possamos nã o ou nã o possamos compreendê-las. Esta é aquela
simplicidade humilde tã o característica da criança, e da qual fala Sã o
Pedro quando diz: “Como crianças recém-nascidas, desejem o leite
racional sem dolo, para que assim possam crescer para a salvaçã o”. ( 1
Pedro 2:2).

A FÉ NÃ O SE Opõ e À RAZÃ O
Os mistérios da santa fé nã o se opõ em à razã o, mas transcendem o seu
poder de compreensã o; daí a futilidade de tentar compreendê-los. “A
fé”, diz Santo Agostinho, “nã o é característica dos orgulhosos, mas dos
humildes”. Quem é verdadeiramente humilde nunca acha difícil
acreditar. Santa Teresa disse: “O diabo nunca conseguiu me tentar
contra a fé. Parece-me até que quanto menos posso compreender as
verdades da fé, mais prontamente dou-lhes o meu assentimento.”
Se você é tentado pelo espírito maligno contra alguma verdade de
nossa santa fé, nã o pare para considerar as dificuldades sugeridas pelo
diabo, mas faça um ato de fé sem demora e proteste diante de Deus sua
disposiçã o de dar sua pró pria vida pelas verdades. da sua santa fé. Sã o
Luís, Rei da França, relata que um erudito teó logo foi certa vez
assaltado por violentas tentaçõ es a respeito da Presença Real de Jesus
Cristo no Santíssimo Sacramento. Recorreu ao bispo de Paris e revelou-
lhe a sua terrível ansiedade; ao mesmo tempo, implorou-lhe com
lá grimas que o ajudasse. O bispo perguntou-lhe simplesmente se havia
alguma coisa na terra que o pudesse induzir a negar a sua fé. O teó logo
protestou que nada poderia levá -lo a cometer um crime tã o grande; ao
que o bispo o acalmou com a certeza de que um grande bem resultaria
da resistência paciente à s suas tentaçõ es.
Numa ocasiã o, quando Sã o Francisco de Sales estava muito doente, foi
gravemente atormentado por dú vidas a respeito da Santíssima
Eucaristia. Nem por um momento ele parou para discutir com o diabo,
mas lutou e venceu-o com o santo Nome de Jesus. Quando for
igualmente tentado, com toda humildade, entregue sua razã o como
cativa voluntá ria; sujeite-se aos ensinamentos da Santa Igreja e ataque
o tentador com suas pró prias armas, protestando com zelo e fervor que
você está pronto para morrer mil vezes por sua santa fé. Ao agir dessa
maneira, você torna o que Sataná s pretendia para o seu dano uma fonte
abundante de mérito. Muitas vezes voltamo-nos para o nosso Divino
Redentor e dirigimo-nos a Ele com as palavras dos Apó stolos: “Senhor,
aumenta a nossa fé”. ( Lucas 17:5).
Pelo que já vimos, é evidente que, no que diz respeito à s verdades que
ultrapassam o nosso poder de compreensã o, devemos sujeitar a nossa
razã o e, nas palavras de Sã o Paulo, “trazer cativo o nosso entendimento
à obediência de Cristo”. (2 Coríntios 10:5).
É claro que isto nã o nos impede de considerar os motivos que
contribuem para a credibilidade da nossa santa religiã o. Pelo contrá rio,
Deus deseja que usemos os nossos poderes naturais do intelecto para
sermos convencidos da razoabilidade da nossa fé. Com esta convicçã o e
com a ajuda da graça de Deus seremos mais firmes na adesã o a tudo o
que a Santa Igreja propõ e à nossa crença. Como dissemos acima, a
credibilidade da nossa santa religiã o é tã o claramente estabelecida por
evidências só lidas e dignas de confiança que qualquer homem no seu
bom senso deve necessariamente reconhecê-las como dignas de
crédito. Consideraremos brevemente algumas dessas provas.

PROVAS DE FÉ
Em primeiro lugar, a verdade da nossa santa fé é proclamada em voz
alta pelas profecias das Sagradas Escrituras. Essas profecias foram
proferidas há centenas de anos e, nos anos posteriores, cumpriram-se
ao pé da letra. Assim, por exemplo, a morte de nosso Salvador foi
predita por vá rios profetas e o tempo e as circunstâ ncias que a
acompanharam foram descritos minuciosamente. Foi profetizado que
os judeus, em puniçã o pelo deicídio, seriam expulsos do templo e da
terra santa, e os endurecidos e obstinados no pecado seriam dispersos
pelo mundo; esta profecia, sabemos, foi literalmente cumprida. Foi
profetizado que apó s a morte de Cristo a veneraçã o das divindades
pagã s daria lugar à adoraçã o do Deus verdadeiro. O acontecimento
confirmou a prediçã o, pois os Apó stolos de Nosso Senhor, apesar dos
inú meros obstá culos lançados em seu caminho e armados sem
nenhuma arma a nã o ser a cruz de Cristo, conquistaram o mundo e o
trouxeram cativo à fé no Deus vivo .
Em segundo lugar, a verdade da nossa santa fé é evidente nos milagres
que foram realizados por Nosso Senhor, pelos Seus Apó stolos e pelos
Santos da Igreja Cató lica como uma sançã o do seu santo ensinamento.
Os milagres estã o além dos poderes da natureza. Elas só podem
acontecer pelo poder de Deus, a quem toda a criaçã o está sujeita.
Conseqü entemente, se uma religiã o tem milagres reais para mostrar na
confirmaçã o de sua doutrina, essa religiã o deve ser divina, pois é
impossível para Deus sancionar e promover uma religiã o falsa pela
realizaçã o de milagres genuínos.
Podem os judeus, os pagã os, os maometanos ou os hereges apontar
para um ú nico milagre realizado em favor dos seus princípios
religiosos? Sem dú vida que fizeram esforços no passado para enganar o
povo através de artifícios e de coisas aparentemente milagrosas; o
engano foi logo descoberto. Mas os milagres que Deus operou através
dos Seus servos em todas as épocas da Igreja Cató lica sã o simplesmente
inumeráveis. Somente na Igreja Cató lica se cumpriram as palavras de
nosso Santíssimo Senhor: “Em verdade, em verdade vos digo: quem crê
em mim, as obras que eu faço também as fará ; e maior do que estes ele
fará . ( João 14:12).
Sem dú vida, nos primeiros tempos da Igreja os milagres eram mais
numerosos do que hoje, pois eram necessá rios para a difusã o da Fé.
Mas ainda assim eles nunca faltaram em nenhuma época e têm ajudado
constantemente na conversã o de naçõ es pagã s e infiéis. Inú meros
milagres foram realizados, por exemplo, por um Sã o Francisco Xavier,
um Sã o Luís Bertrand e outros santos missioná rios na Índia. Se alguém
questionasse os fatos extraordiná rios registrados nos anais da histó ria
da Igreja e na vida dos Santos, eu simplesmente lhe perguntaria: com
que direito você se recusa a acreditar em homens como Sã o Basílio, Sã o
Jerô nimo, Sã o ... Gregó rio e outros quando você aceita de bom grado o
que um Tá cito, um Suetô nio ou um Plínio disseram?
Além disso, Deus se agradou em permitir que certos milagres
ocorressem ininterruptamente na Igreja, como uma reprovaçã o
contínua à incredulidade dos ímpios. Lembre-se do famoso milagre da
liquefaçã o do sangue de Sã o Januá rio em Ná poles. Esse sangue, que
geralmente se encontra endurecido e coagulado, liquefaz-se vá rias
vezes ao ano quando levado perto da cabeça do Santo. Isto foi atestado
por milhares de testemunhas oculares. Os infiéis tentaram em vã o
encontrar explicaçõ es naturais para o fenô meno; mas o milagre
continua a confundir os seus esforços e a humilhar o seu orgulho.
Uma terceira prova da verdade da nossa santa fé é fornecida pela
coragem e constâ ncia dos má rtires, e esta prova é ainda mais
convincente do que a dos milagres. Quinze imperadores romanos
sucessivamente usaram todos os meios ao seu alcance para destruir a fé
cristã da face da terra. Sob o reinado de Diocleciano, que inaugurou a
nona perseguiçã o, 17 mil cristã os foram executados num ú nico mês,
para nã o falar dos milhares que foram banidos do país.
Segundo o relato de Genebrard, 11 milhõ es de má rtires foram mortos
durante as dez grandes perseguiçõ es. Se estes fossem reunidos no
espaço de um ano, haveria 30.000 má rtires por dia. Ora, apesar de estes
confessores de Cristo terem sido submetidos a todas as torturas
imagináveis, tais como rasgar a carne com ganchos de ferro, assar os
seus corpos numa grelha e queimá -los com tochas acesas, o nú mero
daqueles que se dispuseram a e ansiosos por morrer, pois sua santa fé
nunca diminuiu, mas parecia sempre aumentar.
Tibério, o governador da Palestina, escreveu ao imperador Trajano que
havia tantos cristã os que desejavam morrer como má rtires que era
impossível executar todos eles. Em seguida, Trajano publicou um édito
no qual ordenava que os cristã os fossem deixados em paz para o futuro.
Agora pergunto: Se a Fé destes valentes má rtires, que é a mesma que a
nossa Santa Igreja professa hoje, nã o fosse a Verdadeira Fé de Cristo, e
se Deus nã o os tivesse ajudado a testemunhar essa Fé com o seu
pró prio sangue, será que algum dia eles teriam foram capazes de
suportar esses terríveis tormentos e de se entregarem livre e
alegremente a uma morte cruel? Houve algum má rtir nas seitas que se
afastaram da Igreja Cató lica? Terã o eles talvez um Sã o Lourenço que
ofereceu seus membros assados ao cruel tirano para um banquete?
Teriam eles talvez um Sã o Marcelo ou Marcelino cujos pés foram
perfurados com pregos; quando instados a libertar-se da tortura
renunciando à sua santa fé, responderam: “Você fala de tormentos, mas
nunca experimentamos uma alegria maior do que agora, quando
sofremos por amor de Jesus Cristo”. Terã o eles talvez um Sã o Processus
ou um Sã o Martiniano cujos corpos foram queimados com placas em
brasa e rasgados com ganchos de ferro? Em meio aos seus sofrimentos,
eles cantavam hinos de louvor a Deus e ansiavam por morrer por Cristo.
Acrescente-se a estes má rtires dos primeiros tempos os inú meros
homens e mulheres dos tempos posteriores que sofreram os tormentos
mais excruciantes que a crueldade humana pô de conceber e deram a
vida pela sua santa fé. Quantos morreram durante o século 16 só no
Japã o? Selecionamos os seguintes fatos da lista de crueldades
perpetradas durante a selvagem perseguiçã o que assolou o Japã o. Uma
mulher chamada Mô nica desejava ardentemente morrer como má rtir
por Cristo. Para se tornar à prova de fraqueza ao sofrer com os algozes,
ela praticou de antemã o o que achava que teria de suportar. Um dia ela
pegou um ferro em brasa na mã o. A irmã gritou: “Ó Mô nica, o que você
está fazendo?” “Estou me preparando”, respondeu ela, “para a morte de
um má rtir. Já resisti aos desejos da fome e superei esse perigo. Agora
estou experimentando o fogo para poder suportá -lo quando submetido
à sua tortura.”
Outra mulher disse à s suas companheiras: “Estou firmemente decidida
a dar a minha vida pela minha santa fé. Mas se, ao aproximar-se a
morte, você me vir tremer, peço-lhe que me arraste com toda a força até
os algozes, para que eu possa compartilhar sua coroa.” Um menino
chamado Anthony respondeu aos seus pais, que lhe imploraram com
lá grimas que renunciasse à sua fé: “Parem de me torturar com suas
palavras e reclamaçõ es; Estou decidido de uma vez por todas a morrer
pelo amor de Jesus Cristo.” E quando, como seu Divino Mestre, foi
pendurado na cruz, entoou as palavras do Salmo 112: “Louvai ao
Senhor, filhos”. Ele cantou até o “Gló ria ao Pai”, quando expirou e foi
completar o hino de louvor no Céu. Outro menino disse ao pai: “Prefiro
sofrer a morte à s mã os dos algozes ou à s tuas pró prias mã os do que
recusar a obediência a Deus; Nã o vou me lançar no Inferno para
agradar a qualquer homem.” Um servo falou assim ao seu senhor: “Eu
sei quanto vale o Céu; e como a morte de um má rtir é o caminho mais
curto que me leva até lá , escolho-o com alegria e estimo minha vida
terrena tã o pouco quanto a poeira sob meus pés.”
Uma mulher chamada Ursula viu o marido e os dois filhos serem
condenados à morte por causa da sua fé; com lá grimas nos olhos ela
exclamou: “Agradeço-Te, meu Deus, por me teres considerado digna de
fazer esta oferta; conceda-me também a coroa que agora adorna meus
entes queridos. Tudo o que me resta é a criança que carrego nos braços.
Ofereço-o de bom grado comigo mesmo; aceita graciosamente esta
ú ltima oferta que te faço”. Ela entã o pressionou a criança contra o
coraçã o e um golpe de espada decapitou a mã e e a filha.
Outra mã e gritava continuamente ao filho que, como ela, estava
pregado numa cruz: “Coragem, meu filho, coragem! Estamos a caminho
do Céu. Continue a invocar Jesus e Maria”. Um nobre chamado Simã o
disse: “Que felicidade para mim poder morrer por meu Redentor! Como
é que mereci um favor tã o grande?” Uma menina cega de oito anos
agarrou-se fortemente à mã e para poder morrer com ela na pira
funerá ria. Um menino de cinco anos foi despertado do sono e levado a
uma morte cruel. Sem demonstrar o menor alarme, ele vestiu suas
melhores roupas e foi levado ao local da execuçã o. Ao chegarem, o
pró prio menino ofereceu o pescoço ao carrasco. Este ú ltimo ficou tã o
comovido ao ver esta tenra criança que nã o conseguiu cumprir o seu
dever. Outro teve que ocupar o seu lugar, e só depois de vá rios golpes de
espada é que se pô s fim à vida da criança. Todos estes factos foram
atestados por inimigos declarados da nossa Santa Igreja.
Mais uma vez a prova da nossa santa fé torna-se evidente quando
consideramos que desde o tempo dos Apó stolos até aos nossos dias a
nossa Fé continuou inalterada. Os Apó stolos e seus sucessores tiveram
o cuidado de preservar a doutrina de nosso Divino Redentor em sua
pureza e integridade primitivas. O pró prio Cristo impô s-lhes este dever
sagrado quando disse: “Indo, pois, ensinai todas as naçõ es; ensine-os a
observar todas as coisas que eu lhes ordenei”. ( Mateus 28:19–20). Por
isso Sã o Joã o exorta os fiéis: “Que o que desde o princípio ouvistes
permaneça em vó s”. ( 1 João 2:24).
O Apó stolo Judas escreve: “Rogo-vos, amados, que batalheis
fervorosamente pela fé que uma vez foi entregue aos santos”. ( Judas 3).
Semelhantes sã o as exortaçõ es do Apó stolo Sã o Paulo ao escrever aos
Efésios: “Rogo-vos, irmã os, que tenhais cuidado de guardar a unidade
do Espírito no vínculo da paz” (Ef 4,3), e de os Coríntios: “Nã o haja
cismas entre vó s; mas sejam perfeitos na mesma mente e no mesmo
julgamento”. ( 1 Coríntios 1:10).
Estas admoestaçõ es do Apó stolo sempre foram rigorosamente seguidas
pelos pastores da Igreja, pois, nas palavras de Santo Agostinho, “o que
encontraram na Igreja, eles preservaram, e o que seus pais lhes
transmitiram, eles por sua vez deixaram como um legado precioso para
seus filhos.” Conseqü entemente, a Igreja Cató lica permaneceu a mesma
em todas as épocas e em todos os climas. As doutrinas que ela ensina
hoje sã o as mesmas que foram ensinadas e acreditadas nos primeiros
tempos da Igreja. As seitas, pelo contrá rio, que se separaram da Igreja
Cató lica, nã o permaneceram inalteradas nas doutrinas que propõ em. Se
desejar uma ilustraçã o disso, leia a História das Variações do famoso
Bispo Bossuet. Lá você encontrará um registro autêntico dos princípios
em constante mudança das denominaçõ es protestantes. O orgulho que
fez com que os fundadores destas seitas recusassem a obediência à
verdadeira Igreja de Cristo levou os seus seguidores, por sua vez, a
recusar a obediência a elas, e assim inú meras novas doutrinas e novas
religiõ es surgiram. É de imensa vantagem para nó s, que somos fiéis
adeptos da verdadeira Igreja de Deus, ler e ponderar os relatos
encontrados na histó ria das heresias. Tal reflexã o é calculada para
trazer à luz mais favorável a nossa pró pria Fé Verdadeira que, como o
pró prio nosso Salvador, é “ontem, e hoje, e a mesma para sempre”. (
Hebreus 13:8). Promoverá em nó s um espírito de submissã o leal à
nossa Santa Igreja e um profundo sentimento de gratidã o a Deus pelo
dom inestimável da Verdadeira Fé.

UMA FÉ VIVA
Para ser agradável e aceitável aos olhos de Deus, nã o basta apenas
acreditar em tudo o que a nossa santa fé nos ensina; devemos, além
disso, regular a nossa vida de acordo com a nossa crença. Pico de
Mirandola diz: “É certamente uma grande loucura nã o querer acreditar
no Evangelho de Cristo; mas seria uma tolice ainda maior acreditar
nisso e viver como se você nã o acreditasse.” Os incrédulos agem de
forma muito irracional quando fecham os olhos para nã o verem o
abismo para o qual se precipitam. Mas o que dizer da loucura daqueles
entre os fiéis que vêem o abismo e, com os olhos abertos, realmente se
lançam nele? “Ó meus irmã os”, exclama Sã o Tiago, “que aproveitará se
alguém disser que tem fé, mas nã o tiver obras? A fé poderá salvá -lo?” (
Tiago 2:14).
Muitos cristã os acreditam sem dú vida que existe um Deus justo que os
julgará ; que a felicidade sem fim ou a miséria eterna os aguarda; e ainda
assim eles vivem como se nã o houvesse Deus, nem julgamento, nem
Céu e nem Inferno. Há muitos que acreditam que nosso Divino
Redentor nasceu no está bulo de Belém, viveu 30 anos na humilde
morada de Nazaré, sustentou-se com o trabalho de Suas mã os e,
finalmente, consumido pelo sofrimento e pela tristeza, terminou Sua
vida. em uma forca infame; e ainda assim eles nã o O amam; na verdade,
eles O ofendem com inú meros pecados. É a estes que Sã o Bernardo
dirige as suas palavras de advertência: “Mostre pelas suas açõ es que
você acredita; por meio de uma vida virtuosa, o cristã o deve provar que
tem fé.”
O homem pecador que conhece as verdades da fé e nã o vive de acordo
com elas tem uma fé muito fraca, para dizer o mínimo. Pois é ló gico que
se um homem acredita firmemente que a graça de Deus é o bem mais
elevado e melhor que ele poderia possuir, e que o pecado nos rouba a
graça e é o maior mal neste mundo, ele deve necessariamente mudar a
sua vida. Quando, portanto, o pecador prefere os bens miseráveis deste
mundo ao seu Senhor e Deus, ele dá provas evidentes de que tem uma
fé muito fraca, se é que tem alguma. Sã o Bernardo diz: “Aquele que
reconhece Deus com a língua, mas O nega de fato, dedica a sua língua ao
Senhor e a sua alma ao diabo”. Segundo o Apó stolo Sã o Tiago, aquela fé
que nã o se manifesta pelas obras está morta. ( Tiago 2:17).
Se virmos um homem que nã o dá nenhum sinal de vida, e que nã o se
move, nem fala, nem respira, dizemos que ele nã o está mais vivo, mas
morto. Da mesma forma, aquela fé que nã o dá nenhuma evidência de
vitalidade pela realizaçã o de obras de vida eterna, consideramos
corretamente como morta. Há cristã os que aceitam de bom grado os
ensinamentos da nossa santa fé que estã o confinados à esfera do
intelecto, mas que nã o dã o nenhuma prova de que acreditam nas
verdades que afetam a vontade. E, no entanto, estes ú ltimos sã o tã o
certos e indubitáveis quanto os primeiros, pois todos nos sã o revelados
por um ú nico e mesmo Evangelho de Cristo. Se acreditamos na doutrina
da Santíssima Trindade e da Encarnaçã o do Verbo Divino, devemos
também aceitar os princípios que Cristo nosso Senhor estabeleceu para
a regulaçã o da nossa conduta. Foi com este fim em vista que Sã o Paulo
escreveu assim aos seus discípulos: “Experimentem vocês mesmos se
vocês estã o na fé; provem vocês mesmos.” ( 2 Coríntios 13:5). Nosso
Abençoado Redentor disse: “Bem-aventurados os pobres de espírito,
porque deles é o reino dos céus”. ( Mateus 5:3).
Ora, se um homem se queixa das disposiçõ es da Divina Providência
porque é pobre, tal homem nã o pode ser chamado de verdadeiramente
fiel, pois o homem que acredita de coraçã o nas palavras de nosso
Bendito Senhor, buscará suas riquezas e sua felicidade, nã o nos bens
perecíveis desta terra, mas na graça de Deus e na vida eterna. Quando
ouro, prata e pedras preciosas foram oferecidos a Sã o Clemente com a
condiçã o de que ele renunciasse a Cristo, o Santo soltou um profundo
suspiro e queixou-se amargamente de que com uma troca tã o miserável
e desprezível eles deveriam tentar roubá -lo de seu Deus. Nosso Divino
Redentor disse: “Bem-aventurados os pacificadores! Bem-aventurados
os que choram! Bem-aventurados os que sofrem perseguiçã o por causa
da justiça!” ( Mateus 5:9). Com isso Ele quis dizer: Bem-aventurados os
que sofrem doenças, perdas temporais ou algum outro infortú nio com
paciência e resignaçã o. Bem-aventurados aqueles que sofrem
perseguiçã o porque fogem do pecado ou se esforçam para promover a
gló ria de Deus! Aquele que pensa que se desonra quando perdoa;
aquele cuja ú nica preocupaçã o é viver uma vida fá cil e agradável e
evitar a pró pria sombra da abnegaçã o; aquele que tem pena daqueles
que renunciam à s alegrias e prazeres da terra e crucificam a sua carne;
aquele que, por respeito humano, negligencia as prá ticas de piedade e a
recepçã o dos Sacramentos e está totalmente absorvido pelas atraçõ es
do teatro e do salã o de baile, nã o pode ter direito vá lido ao título de
cató lico fiel.
Este parece ser o lugar para corrigir uma falsa impressã o que prevalece
muito. Há muitos que imaginam que uma vida em harmonia com os
preceitos da nossa santa fé deve ser necessariamente uma vida triste e
sem alegria. O diabo retrata-lhes a nossa santa religiã o como uma
tirana que impõ e apenas fardos e cuidados aos seus filhos, força-os à
constante auto-renú ncia e proíbe a satisfaçã o de todos os desejos. Nã o
há dú vida de que para aqueles cujo ú nico desejo é satisfazer os seus
desejos sensuais, uma vida de acordo com a santa fé tem pouco que seja
atraente. “Aqueles que sã o de Cristo”, diz o Apó stolo, “crucificaram a sua
carne com os vícios e concupiscências”. ( Gál. 5:24).
A lei de Jesus Cristo ordena-nos que lutemos contra as nossas
inclinaçõ es desordenadas, que amemos os nossos inimigos, que
mortifiquemos o nosso corpo, que sejamos pacientes nas adversidades
e que coloquemos toda a nossa esperança na vida futura. Mas tudo isto
nã o torna a vida dos verdadeiramente fiéis triste e dolorosa. A religiã o
de Jesus Cristo nos diz, por assim dizer: Vinde e uni-vos a Mim; Eu os
conduzirei por um caminho que aos olhos físicos parece á spero e difícil
de escalar, mas que aos de boa vontade é fá cil e agradável. Você busca
paz e prazer? Bem e bom! Qual paz deve ser preferida? Aquilo que, mal
provado, desaparece e deixa o coraçã o repleto de amargura, ou aquilo
que o alegrará e saciará por toda a eternidade? Você se esforça por
honras? Muito bem! O que você prefere, aquela honra vazia que
desaparece como uma nuvem de fumaça, ou aquela honra verdadeira e
genuína que um dia o glorificará diante do mundo inteiro? Pergunte a
quem leva uma vida de fé se a renú ncia aos bens deste mundo os
entristece! Visite o santo anacoreta Paulo em sua gruta, Sã o Francisco
de Assis no Monte Alverno, Santa Maria Madalena de Pazzi em seu
convento e pergunte-lhes se sentem falta das alegrias e prazeres desta
terra! Eles responderã o sem hesitaçã o: Nã o, nã o; desejamos apenas
Deus e nada mais.
Se alguém objetar que uma vida de acordo com a fé se opõ e à natureza,
eu respondo: é, sem dú vida, oposta à natureza - mas a uma natureza
depravada e caída. É oneroso, sim, mas apenas para aqueles que
confiam nas suas pró prias forças e recursos. Mas para quem confia em
Deus e implora por Sua ajuda, a observâ ncia da lei de Jesus Cristo é
doce e fá cil. “Provai e vede”, diz o salmista, “quã o doce é o Senhor”. (
Salmo 33:9). “Vinde a mim, todos os que estais cansados e
sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vó s o meu jugo e
aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coraçã o; e
encontrareis descanso para as vossas almas. Pois o meu jugo é suave e o
meu fardo é leve.” ( Mateus 11:28–30).
“Porque ele esperou em mim, eu o livrarei: eu o protegerei.” Salmos
90:14.

Capítulo 2
TER ESPERANÇA
“Em ti, ó Senhor, esperei, nunca me deixes ser confundido.”
—Salmos 30:2
A esperança é uma virtude sobrenatural pela qual esperamos com
confiança, em virtude da promessa de Deus, a felicidade infinita do Céu
e os meios necessá rios para a sua realizaçã o. Para estarmos
convencidos do valor inestimável desta virtude e para termos um
incentivo constante à sua prá tica, será proveitoso considerar os objetos
da nossa esperança, os seus motivos, as suas qualidades e os seus
efeitos.
O primeiro e principal objetivo da nossa esperança, o objetivo por
excelência, é a posse de Deus no Céu. Nã o devemos supor que a
esperança de possuir Deus no Céu interfira de alguma forma na virtude
do amor. Eles nã o se opõ em; de facto, a esperança da felicidade eterna
está inseparavelmente unida ao amor, pois só no Céu se encontrará a
plenitude e a perfeiçã o do amor. Segundo Sã o Tomá s, à ideia de amizade
está intimamente unida a partilha mú tua de bens, pois como a amizade
nada mais é do que uma atraçã o mú tua, segue-se que os amigos devem
fazer tanto bem uns aos outros quanto estiver ao seu alcance. Sem esta
partilha mú tua de bens, diz o Doutor Angélico, nã o pode haver amizade
genuína. (Ia IIae, Q. 65, a. 5). Nosso Senhor chamou Seus discípulos de
amigos porque lhes comunicou Seus mistérios: “Chamei-vos de amigos,
porque tudo o que ouvi de meu Pai, eu vos dei a conhecer”. ( João
15:15). Segundo o ensinamento de Sã o Tomá s, o amor nã o exclui a
esperança da recompensa que Deus nos preparou no Céu; essa mesma
recompensa é o principal objeto do nosso amor, pois nada mais é do
que o pró prio Deus, cuja visã o é a felicidade eterna dos eleitos.
“Amizade”, diz o Doutor Angélico, “requer que um amigo esteja na posse
de seu amigo”. Esta é aquela comunicaçã o ou entrega mú tua de que fala
o cô njuge no Câ ntico quando diz: “O meu amado é meu e eu sou dele”. (
Cant. 2:16). No Céu a alma entrega-se inteiramente a Deus e Deus
entrega-se inteiramente à alma, até onde a sua capacidade e os seus
méritos o permitem.
O amor, diz Dionísio, o Areopagita, busca, de acordo com sua natureza, a
uniã o com o objeto amado; ou melhor, como observa Santo Agostinho, o
amor é uma corrente de ouro que une os coraçõ es do amante e do ser
amado. Mas como esta uniã o nã o pode ser efetuada entre os que estã o
separados, o amante anseia continuamente pela presença do seu
amado. Quando a esposa do Câ ntico se viu separada do seu Amado, foi
consumida pela saudade e implorou à s suas companheiras que lhe
revelassem a sua angú stia, para induzi-lo a dar-lhe alguma consolaçã o
com a sua presença: “Eu vos conjuro, ó filhas de Jerusalém. , se você
encontrar meu amado, diga a ele que eu defino de amor. ( Cant. 5:8).
Uma alma que ama ternamente Jesus Cristo nã o pode viver aqui
embaixo sem o mais ardente desejo de estar unida a Ele no Céu, onde
Ele será a sua recompensa extraordinariamente grande.
Portanto, enquanto a nossa alma nã o estiver perfeitamente unida com
Deus no Céu, ela nunca desfrutará da verdadeira paz. Quem ama Nosso
Senhor sinceramente encontra a paz no coraçã o, é verdade, em
conformidade com a vontade de Deus; mas paz perfeita e descanso
perfeito eles nunca terã o aqui embaixo. Isto só adquiriremos com a
consecuçã o do nosso fim ú ltimo, a visã o de Deus face a face e do Seu
amor inefável. Enquanto a alma estiver separada do seu fim ú ltimo, ela
continuará a suspirar com o profeta: “Eis em paz a minha amargura
mais amarga”. ( Is. 38:17). Sim, meu Deus, vivo em paz neste vale de
lá grimas, pois tal é a Tua santa vontade; mas nã o posso deixar de
lembrar, com dor indescritível, que ainda nã o estou perfeitamente
unido a Ti, a Fonte de toda paz e descanso, a Meta do desejo do meu
coraçã o. Foi por esta razã o que os santos ansiavam pela sua morada
celestial, consumidos como estavam por um amor ardente a Deus. O
Santo David queixou-se do seu longo e cansativo exílio: “Ai de mim,
porque a minha permanência é prolongada.” ( Salmo 119:5). Somente a
esperança da felicidade eterna poderia consolá -lo: “Ficarei satisfeito
quando a tua gló ria aparecer”. ( Salmo 16:15). Sã o Paulo nã o desejava
nada mais ardentemente do que deixar este mundo e estar com Cristo:
“Desejo ser dissolvido e estar com Cristo”. ( Filipenses 1:23).
“O bem que espero”, diz Sã o Francisco de Assis, “é tã o grande que todo
sofrimento se torna para mim um prazer”. Todas essas expressõ es de
desejo ardente sã o atos de amor perfeito. Sã o Tomá s ensina que o mais
alto grau de amor que uma alma na terra pode atingir é um desejo
ardente do Céu, de estar ali unida a Deus e possuí-Lo para sempre. O
maior sofrimento que suportam as almas do Purgató rio provém deste
anseio pela posse de Deus, e esta dor é sentida especialmente por
aqueles que em vida tiveram apenas um fraco desejo pelo Céu. O
Cardeal Belarmino pensa que no Purgató rio existe um lugar onde as
almas nã o suportam dores dos sentidos, mas sã o torturadas apenas
pela perda da presença de Deus. ( De Purg., 1. 2, c. 7) . Sã o Gregó rio, Sã o
Vicente Ferrer, Santa Brígida e Sã o Beda, o Venerável, citam vá rios casos
em que as almas sã o atormentadas nã o por causa dos pecados
cometidos, mas por causa da ausência de desejo pelo Céu. Há almas que
lutam pela perfeiçã o, mas sem nenhum desejo especial de deixar esta
terra e unir-se a Deus. Mas como a vida eterna é um tesouro inestimável
que Jesus Cristo comprou para nó s através da Sua morte, aquelas almas
que têm apenas um fraco desejo de possuí-la terã o que sofrer mais
tarde por causa disso. Há três coisas necessá rias para alcançar a vida
eterna: o perdã o dos nossos pecados, a vitó ria sobre as tentaçõ es e a
coroa de todas as graças, uma morte santa. Estas três coisas sã o,
portanto, os objetos da nossa esperança.

O PERDÃ O DOS NOSSOS PECADOS


“Você pecou, ó cristã o”, diz Sã o Joã o Crisó stomo, “mas deseja o perdã o?
Nã o tema, pois o desejo de Deus de concedê-lo é maior do que o seu
desejo de recebê-lo.” Se Deus vê um infeliz em pecado, Ele espera por
uma oportunidade favorável para lhe mostrar misericó rdia. À s vezes
Ele lhe revela o castigo que mereceu, para instá -lo a entrar em si
mesmo. “Tu deste um aviso aos que te temem: para que fujam de diante
do arco.” ( Salmo 59:6). À s vezes, Ele bate à porta do coraçã o do
pecador, esperando poder abri-la: “Eis que estou diante da porta e
bato”. ( Apoc. 3:20). À s vezes Ele vai atrá s do pecador e o chama como
um pai compassivo: Por que você vai se perder? “Por que vocês
morrerã o, ó casa de Israel?” ( Ezequiel 18:31). Dionísio diz que Deus até
nos implora que nã o nos lancemos na perdiçã o. Isto é confirmado pelo
Apó stolo quando suplica ao pecador, em nome de Jesus Cristo, que se
reconcilie com o seu Deus: “Por Cristo, nó s te suplicamos, reconcilie-se
com Deus”. ( 2 Coríntios 5:20). Sã o Crisó stomo comenta: O pró prio
Cristo te pede, e qual é o Seu pedido? “Reconcilie-se com Deus.” ( 2
Coríntios). Se, apesar de tudo isso, existem coraçõ es duros e obstinados
que se recusam a ceder, o que mais o Senhor pode fazer por eles? No
entanto, mesmo a tais pessoas Ele prometeu nã o repelir se voltassem
verdadeiramente arrependidos: “O que vem a mim, nã o o lançarei fora”.
( João 6:37). Ele declara que está pronto e disposto a receber todos que
vierem a Ele: “Voltai-vos para mim, diz o Senhor dos Exércitos, e eu me
voltarei para vó s”. ( Zac. 1:3).
A todo pecador que deseja se arrepender, Ele promete perdã o: “Mas se
o ímpio fizer penitência por todos os pecados que cometeu, e guardar
todos os meus mandamentos e praticar julgamento e justiça, vivendo
ele viverá e nã o morrerá . Nã o me lembrarei de todas as iniqü idades que
ele cometeu.” ( Ezequiel 18:21–22). Sim, Ele chega ao ponto de dizer:
“Venha e me acuse: se os seus pecados forem como a escarlata, eles se
tornarã o brancos como a neve; e se forem vermelhos como o carmesim,
eles se tornarã o brancos como a lã”. ( Is. 1:18) . O salmista real diz: “Um
coraçã o contrito e humilhado, ó Deus, nã o desprezará s.” ( Salmo 50:19).
No Evangelho de Sã o Lucas temos um belo quadro da alegria com que o
pastor recebe a ovelha perdida e do amor que o pai manifesta no
retorno do filho pró digo. E estas sã o as pró prias palavras de Deus: “Eu
vos digo que assim mesmo haverá alegria no céu sobre um pecador que
faz penitência, mais do que sobre noventa e nove justos que nã o
precisam de penitência”. ( Lucas 15:7). A razã o para isso, segundo Sã o
Gregó rio, é que o pecador arrependido geralmente ama a Deus mais
ardentemente do que o homem justo, que tende a se tornar morno em
Seu serviço.
É sem dú vida verdade que teremos de prestar contas rigorosamente de
todos os pecados que cometemos, mas quem será nosso juiz? Sã o Joã o
nos diz: “Nem o Pai julga ninguém, mas deu todo o julgamento ao Filho”.
( João 5:22). É ao nosso Redentor, entã o, que o julgamento foi confiado,
e Sã o Paulo nos encoraja com as palavras: “Quem é aquele que
condenará ? Cristo Jesus que morreu, sim, que também ressuscitou, o
qual também intercede por nó s.” ( Romanos 8:34). Seremos julgados
por um Redentor amoroso que, para nos salvar da morte eterna,
entregou-se à morte e, nã o contente com isso, agora atua como nosso
advogado junto ao Pai Celestial. “Por que você deveria temer, ó
pecador”, diz Sã o Tomá s de Villanova, “enquanto você detesta seus
pecados? Como Ele poderia condenar quem morreu para que Ele nã o
tivesse que condenar? Como Ele poderia rejeitar o pecador
arrependido, já que Ele desceu do Céu para buscar aquele pecador?”
Sã o Crisó stomo diz que cada ferida de Jesus Cristo é uma boca que
implora eloquentemente a Deus pelo perdã o dos nossos pecados. Nas
revelaçõ es de Santa Maria Madalena de Pazzi lemos que um dia Deus
lhe falou com as seguintes palavras: “Pela vingança que tomei sobre o
corpo de Meu Filho, Minha justiça se transformou em clemência. Seu
sangue nã o clama por vingança, como fez o sangue de Abel; pede
misericó rdia e a Minha justiça nã o pode resistir ao seu pedido. O
sangue de Jesus amarra as mã os da Justiça para que nã o possam ser
levantadas, como antes, para punir”. Os santos Padres ensinam que
quem detesta o mal que cometeu pode ter a certeza do perdã o dos seus
pecados. Agora, de acordo com as palavras de Santa Teresa, todo aquele
que está disposto a morrer em vez de ofender a Deus novamente pode
dizer que realmente odeia os seus pecados. Se você, portanto, querido
cristã o, nutre sentimentos como esses, por que é torturado pelo medo e
pela desconfiança? Reanime a sua coragem ao ver tantos santos que
viveram por muito tempo em inimizade com Deus, mas voltaram para
Ele arrependidos e arrependidos, conscientes de que temiam uma nova
ofensa contra Deus mais do que a pró pria morte, e cheios de esperança
pelo perdã o dos seus pecados.
Santa Afra de Ratisbona era anteriormente uma pagã e tã o imoral que
sua pró pria casa era uma casa de encontro. Depois, com a mã e e toda a
família, ela se converteu ao cristianismo. Nos Atos dos Mártires, de
Ruinart , aprendemos que a abominaçã o de seus pecados estava
continuamente diante de seus olhos e lhe causava intensa dor. Ao se
tornar cristã , ela distribuiu seus ganhos ilícitos aos pobres. Se
acontecesse de haver alguém que se recusasse a aceitar o que ela havia
adquirido por suas ofensas contra Deus, ela implorava com lá grimas
que a recomendassem a Deus para que seus pecados pudessem ser
perdoados. Justamente nessa época a perseguiçã o a Diocleciano estava
em alta. O santo foi levado cativo e levado perante um juiz chamado
Cajus. “Sacrifício aos deuses”, ele disse a ela; “isso será melhor para
você do que ser torturado até a morte.” O santo respondeu: “Para minha
tristeza, pequei antes de conhecer o Deus verdadeiro; portanto, é
impossível para mim fazer o que você exige. Sacrificar aos deuses seria
uma nova ofensa contra meu Divino Mestre, e isso eu nunca cometerei.”
O juiz ordenou que ela fosse levada ao templo para sacrificar; ela
respondeu com grande firmeza: “Meu templo é Jesus Cristo, que está
sempre presente em mim e diante de quem confesso diariamente os
meus pecados. Como nã o posso oferecer-lhe outro sacrifício, anseio
oferecer-lhe o sacrifício de mim mesmo, para que este corpo que O
ofendeu seja purificado pelos sofrimentos que suportarei com alegria”.
“Mas o que você pode esperar do Deus dos cristã os”, disse Cajus,
“depois da vida vergonhosa que você levou? É melhor você sacrificar
aos nossos deuses. O santo respondeu: “Meu Salvador Jesus Cristo
declarou que desceu do Céu para salvar o pecador. No Evangelho lemos
que uma mulher pecadora lavou os pés de Jesus com as suas lá grimas e
obteve o perdã o de todos os seus pecados. Além disso, o Salvador nunca
rejeitou o pecador sem misericó rdia, mas somos informados de que Ele
recebeu pecadores e até comeu com eles”.
Quando descobriu que seus esforços foram inú teis, Cajus disse: “Se você
se recusar a sacrificar, farei com que você seja torturado e queimado
vivo”. O santo respondeu corajosamente: “De bom grado submeterei
meu corpo a qualquer tormento, pois foi instrumento de muitos
pecados, mas nunca contaminarei minha alma sacrificando ao diabo”.
Entã o o juiz pronunciou a sentença de morte. Afra ergueu os olhos para
o Céu e proferiu a seguinte oraçã o: “Meu Senhor Jesus Cristo, Tu que
vieste chamar nã o os justos, mas os pecadores ao arrependimento e
deste ao pecador a garantia do perdã o quando ele retornar a Ti
arrependido, recebe-me, um pobre pecador; Submeto-me de bom grado
a esta tortura por amor a Ti; conceda que este fogo que consome meu
corpo possa preservar minha alma do Inferno.” Quando as chamas
subiram e se fecharam acima de sua cabeça, ela ainda disse: “Agradeço-
Te, meu Senhor, porque Tu, que eras a pró pria Inocência, te ofereceste
pelos pobres pecadores. Ó Bendito do Pai, que morreste pelas nossas
almas miseráveis e manchadas pelo pecado, agradeço-Te mais uma vez
e ofereço-me a Ti que vives e reinas com o Pai e o Espírito Santo para
todo o sempre. Amém." Ao terminar a oraçã o, sua alma voou para Deus.

VITÓ RIA SOBRE A TENTAÇÃ O


Além do perdã o dos nossos pecados, devemos esperar com confiança a
vitó ria sobre as nossas tentaçõ es. Para perseverarmos no bem-estar, a
nossa confiança nã o deve repousar nas nossas boas resoluçõ es. Quando
construímos sobre o alicerce de nossa pró pria força, nosso edifício
certamente cairá . Para nos mantermos na graça de Deus é necessá rio,
portanto, colocar a nossa esperança nos méritos de Jesus Cristo. Com
Sua ajuda perseveraremos até a morte, mesmo que sejamos atacados
por todos os poderes da terra e do Inferno. Pode haver momentos em
que as tentaçõ es sejam tã o violentas que o pecado pareça inevitável.
Devemos estar atentos nesses momentos para nã o perder a coragem e
desistir da luta. Nosso ú nico recurso é nos apressarmos para Jesus
Crucificado. Ele e somente Ele pode nos sustentar. O Senhor permite
que, de tempos em tempos, até mesmo os santos tenham que suportar
essas tempestades. Sã o Paulo diz de si mesmo: “Fomos pressionados
além das nossas forças, de modo que estávamos cansados até da vida”. (
2 Coríntios 1:8).
O apó stolo aqui mostra o que ele era quando abandonado à s suas
pró prias forças; e ele deseja, sem dú vida, ensinar-nos como Deus
permite que à s vezes experimentemos nossa pró pria fraqueza para que
possamos reconhecer nossa miséria e “nã o confiar em nó s mesmos,
mas em Deus que ressuscita os mortos” (2 Coríntios 1: 9 ) . ), pedindo
humildemente Sua ajuda para nã o sucumbirmos. Em outro lugar, o
apó stolo ensina a mesma verdade de forma ainda mais distinta: “Em
todas as coisas sofremos tribulaçõ es, mas nã o somos angustiados;
estamos angustiados, mas nã o desamparados... somos abatidos, mas
nã o perecemos”. ( 2 Coríntios 4:8–9). Estamos abatidos pela tristeza e
assediados pela paixã o, mas ainda assim nã o nos desesperamos. Somos
lançados num mar tempestuoso, mas nã o sofremos naufrá gios, porque
o Senhor, pela Sua graça, nos dá forças para resistir aos nossos
inimigos.
Ao mesmo tempo, o Apó stolo convida-nos a nã o esquecer que somos
criaturas fracas e frá geis que podem facilmente perder o tesouro da
graça divina, e só podemos preservá -lo pelo poder de Deus: “Temos
este tesouro em vasos de barro, que a excelência pode ser do poder de
Deus, e nã o de nó s.” ( 2 Coríntios 4:7).
Embora, como já vimos, o poder para evitar o pecado nã o venha de nó s
mesmos, mas da graça de Deus, devemos ao mesmo tempo ter cuidado
para nã o nos tornarmos mais fracos do que já somos. Existem certas
falhas que consideramos sem importâ ncia, mas podem ser a razã o pela
qual Deus retira Sua luz sobrenatural e, assim, o poder do diabo
aumenta. Tais falhas sã o o desejo de ser considerado erudito e
distinguido pelo mundo; vaidade no vestir; a busca por confortos e
luxos supérfluos; o há bito de se mostrar ofendido por cada palavra
indelicada ou falta de atençã o; o desejo desmedido de agradar aos
outros; a omissã o de exercícios de piedade no respeito humano;
desobediência em pequenas coisas; pequenas aversõ es que sã o
cultivadas no coraçã o; pequenas mentiras e piadas à s custas da
caridade; perda de tempo por meio de conversas fú teis ou ganâ ncia por
notícias; em uma palavra, todo apego à s coisas terrenas e toda
gratificaçã o do amor pró prio podem dar ao inimigo a oportunidade de
realizar nossa destruiçã o. Em todo o caso, faltas deste tipo cometidas
com deliberaçã o privam-nos daquela assistência de Nosso Senhor que
nos protegeria de cair no pecado.

UMA MORTE FELIZ


Esperamos, enfim, a graça de uma morte feliz. A hora da morte é para
nó s o momento de maior ansiedade. Só Jesus Cristo pode dar-nos forças
para suportar, com paciência e proveito, as provaçõ es deste ú ltimo
momento decisivo. À aproximaçã o da morte, temos mais do que nunca
a temer os ataques do Inferno. Quanto mais nos aproximamos do nosso
objetivo, mais o Inferno se esforçará para impedir que o alcancemos.
Santo Eleazar, que viveu uma vida de grande pureza, foi violentamente
tentado na hora da morte, mas nã o perdeu a coragem nem por um
momento. Para aqueles que estavam ao seu redor, ele disse: “Os
esforços do Inferno neste momento sã o muito grandes, mas pelos
méritos de Seu sofrimento, nosso Salvador tira deles todo o seu poder”.
Sã o Francisco desejou que na hora de sua morte lhe fosse lida a Paixã o
de Cristo, e Sã o Carlos Borromeu mandou colocar em sua cama quadros
representando o Salvador sofredor; enquanto contemplava isso, ele
entregou sua alma a Deus. Nosso Senhor Jesus quis sofrer a morte,
como diz Sã o Paulo, “para que pela morte destruísse aquele que tinha o
império da morte, isto é, o diabo; e poderia libertá -los, que por medo da
morte estiveram durante toda a vida sujeitos à servidã o. ( Hebreus
2:14-15).
Portanto, diz o mesmo Apó stolo: “Convinha que ele fosse em todas as
coisas semelhante a seus irmã os, para se tornar misericordioso”. (
Hebreus 2:17). O Senhor quis assumir a natureza humana e suas
misérias, exceto o pecado, a ignorâ ncia e a concupiscência, e por quê?
Para que Ele mesmo possa experimentar a nossa miséria, para melhor
ter compaixã o de nó s, pois a miséria é melhor aprendida sofrendo-a do
que vendo-a nos outros. Desta forma, Nosso Senhor tornou-se mais
inclinado a ajudar-nos em todas as tentaçõ es da vida, e especialmente
na hora da morte. Portanto, se o diabo nos atacar na vida ou na morte,
trazendo-nos os pecados da nossa juventude, devemos dizer-lhe com
Sã o Bernardo: “O que necessito para entrar no Céu, aproprio-me dos
méritos de Jesus Cristo que sofreu e morri para obter para mim aquela
gló ria da qual eu era indigno”. ( No Cant. 61).

MOTIVOS PARA NOSSA ESPERANÇA


Quanto aos motivos nos quais nossa esperança deveria repousar, o
primeiro encontramos nas promessas feitas por Deus. Em quase todas
as pá ginas das Sagradas Escrituras encontramos motivos para esperar
no Senhor. Lemos ali que Deus promete a salvaçã o eterna e os meios
para alcançá -la à queles que crêem e oram: “Todas as coisas que
pedirdes quando orardes, crede que recebereis; e eles virã o até você.” (
Marcos 11:24) . “Todo aquele que pede recebe.” ( Mateus 7:8). “O
Senhor é a proteçã o de todos os que nele confiam.” ( Salmo 17:31).
“Meus filhos contemplam as geraçõ es dos homens; e sabei que ninguém
esperou no Senhor e foi confundido”. ( Eclesiastes 2:11). “Nenhum dos
que esperam em ti será confundido.” ( Salmo 24:3). “Em ti, Senhor,
esperei; Nã o serei confundido para sempre.” ( Salmo 70:1). “Porque ele
confia em mim, eu o livrarei e o glorificarei.” ( Sl. 90:14-15). “Amém,
amém, eu vos digo: se pedirdes alguma coisa ao Pai em meu nome, ele
vo-la concederá”. ( João 16:23).
Estas e inú meras outras promessas sã o feitas a todos os homens, sem
exceçã o. O céu e a terra passarã o, como dizem as Escrituras, mas as
palavras e promessas de Deus nã o passarã o. “Portanto”, nas palavras do
Apó stolo, “mantenhamos firme a confissã o da nossa esperança, sem
vacilar, porque aquele que prometeu é fiel”. ( Hebreus 10:23).
O segundo motivo da nossa esperança é o desejo sincero de Nosso
Senhor de nos fazer felizes. Deus ama todas as Suas criaturas. “Tu amas
todas as coisas que existem e nã o odeias nenhuma das coisas que
fizeste.” ( Sab. 11:25). Mas todo amor, diz Santo Agostinho, possui uma
força ativa e nã o pode permanecer ocioso. Conseqü entemente, o amor
contém em sua pró pria essência a ideia de benevolência, e quem ama
nã o pode deixar de fazer o bem ao objeto de seu amor, se isso lhe for
possível. “O amor”, diz Aristó teles, “se esforça para realizar o que
considera bom para o objeto amado”. Se, portanto, Deus ama todos os
homens, Ele também deve desejar que todos os homens alcancem a
felicidade eterna, pois este é o maior e ú nico bem do homem, uma vez
que é o fim para o qual o homem foi criado. “Você tem o seu fruto para a
santificaçã o e por fim a vida eterna.” ( Romanos 6:22).
Calvino foi culpado de uma blasfêmia horrível quando disse que Deus
criou alguns homens apenas para lançá -los no Inferno. Ele até ousou
afirmar que Deus força os homens a pecar para que sejam condenados.
“Deus deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao
conhecimento da verdade.” ( 1 Timóteo 2:4). Ele declara que deseja a
conversã o e a salvaçã o até mesmo dos ímpios que mereceram a morte
eterna. “Tã o certo como eu vivo, diz o Senhor Deus, nã o desejo a morte
dos ímpios, mas que os ímpios se desviem do seu caminho e vivam.” (
Ezequiel 33:11). Tertuliano chama a atençã o para o fato de que ao usar
as palavras: “Tã o certo como eu vivo”, o Senhor faz um juramento para
que possamos acreditar Nele sem hesitaçã o. É , portanto, uma grande
surpresa para o erudito Petavius que alguém possa questionar esta
verdade. “Se for feita uma tentativa”, diz ele, “de interpretar mal um
texto tã o claro da Sagrada Escritura que Deus até confirma com um
juramento, o que resta em matéria de fé que esteja a salvo dos
falsificadores?” Mas por que Deus deseja tã o ardentemente a salvaçã o
de todos os homens? Simplesmente porque Ele os criou por amor e os
amou desde toda a eternidade.
“Sim, eu te amei com um amor eterno, por isso te atraí, tendo pena de
ti.” ( Jeremias 31:3). Lemos na Epístola de Sã o Pedro que o Senhor,
conhecendo a fraqueza do homem, tem paciência com o pecador e nã o
deseja que ele se perca, mas que faça penitência e seja salvo. “O Senhor
trata com paciência por amor de vó s, nã o querendo que ninguém
pereça, mas que todos voltem à penitência.” ( 2 Pedro 3:9). Em suma,
Deus deseja salvar todos os homens e se há algumas criaturas infelizes
que O forçam, pelos seus pecados, a condená -los, Ele lhes fala, por
assim dizer, em lá grimas de compaixã o, e diz: “Por que vocês vã o
morrer , ó casa de Israel? Converta-se e viva.” ( Ezequiel 18:31-32). Por
que vocês estarã o perdidos, meus filhos, e se condenarã o à perdiçã o
eterna? Se você ficou tã o infeliz a ponto de Me deixar, volte para Mim
agora arrependido e Eu lhe restaurarei a vida que você perdeu.
Julgue por si mesmo, alma cristã , se nã o é verdade que Deus deseja a
sua salvaçã o eterna. Para o futuro, portanto, nunca dê expressã o a
sentimentos como: Quem sabe; talvez Deus nã o queira que eu seja
salvo! Talvez por causa das minhas ofensas Ele queira que eu me perca
para sempre! Você deve banir tais pensamentos de sua mente, pois
agora deve ser evidente para você que Deus o auxilia com Sua graça e o
convida urgentemente ao Seu amor.
Como terceiro e poderoso motivo para esperança em Deus, temos os
méritos de Jesus Cristo. Muito antes de nosso Salvador aparecer na
Terra, o real salmista Davi colocou toda a sua esperança Nele: “Em tuas
mã os entrego o meu espírito: tu me redimiste, ó Senhor, Deus da
verdade.” ( Salmo 30:6). Quanto mais, portanto, devemos colocar a
nossa confiança em Jesus agora que Ele veio e realizou a obra da nossa
redençã o. Cheios de confiança e segurança, devemos repetir com o
salmista real: “Em Tuas mã os, Senhor, entrego o meu espírito: Tu me
redimiste, Senhor, Deus da verdade”. Tu és fiel à s Tuas promessas.
Se por causa dos nossos pecados temos bons motivos para temer a
morte eterna, temos motivos ainda mais fortes para a esperança da vida
eterna nos méritos de Jesus Cristo, que sã o incomparavelmente mais
poderosos para salvar do que os nossos pecados para nos destruir.
Pelos nossos pecados merecemos a morte eterna, mas o nosso
Redentor veio em nosso auxílio, diz o profeta Isaías, e tomou sobre si as
nossas dívidas para satisfazê-las com os seus sofrimentos: “Ele tomou
sobre si as nossas enfermidades e carregou as nossas dores. .” ( Is.
53:4). Naquele momento infeliz em que cometemos pecado, Deus
escreveu a sentença da nossa condenaçã o eterna. Mas o que Jesus
Cristo realizou? Ele tomou esta sentença de condenaçã o, como diz o
Apó stolo, prendeu-a na Cruz e apagou-a com o Seu Precioso Sangue.
Nunca poderemos olhar para essa sentença sem ver a cruz na qual ela
foi destruída, e assim a nossa esperança de perdã o e de salvaçã o eterna
é reavivada: “Apagando a escrita do decreto que estava contra nó s... E
ele tomou o mesmo. fora do caminho, fixando-o na cruz.” ( Colossenses
2:14). “Vamos, portanto, com confiança ao trono da graça; para que
possamos obter misericó rdia e encontrar graça em ajuda oportuna. (
Hebreus 4:16).
O trono da graça é a Cruz sobre a qual Nosso Senhor foi exaltado para
dispensar misericó rdia e graça a todos os que a Ele recorrem. Mas
devemos ir até Ele imediatamente, enquanto temos oportunidade de
encontrar ajuda; caso contrá rio, poderemos chegar tarde demais e
procurar em vã o. Apressemos-nos, portanto, à Cruz de Cristo e
abracemo-la com confiança inabalável. Nã o precisamos ficar assustados
ao ver nossa miséria; em Cristo encontraremos riquezas e tesouros de
graça: “Dou graças ao meu Deus”, diz o Apó stolo, “porque em todas as
coisas fostes enriquecidos nele…. para que nada lhe falte em qualquer
graça. ( 1 Coríntios 1:4, 5, 7). Os méritos de Jesus Cristo abriram-nos o
tesouro de Deus, adquirindo para nó s o direito a todas as graças que
possamos desejar.
Sã o Leã o diz que as vantagens que recebemos através da morte de Jesus
Cristo sã o muito maiores do que as perdas que o diabo nos causou pelo
pecado. Sã o Paulo nos diz o mesmo: “Nã o como a ofensa, assim também
como a dá diva… porque onde abundou o pecado, superabundou a
graça”. ( Romanos 5:15, 20).
Portanto, nosso Salvador nos exorta a esperar todas as graças através
de Seus méritos infinitos. Ele mesmo nos ensina como apresentar
nossas petiçõ es ao Seu Pai celestial: “Em verdade, em verdade vos digo:
se pedirdes alguma coisa ao Pai em meu nome, ele vo-la concederá”. (
João 16:23). “Aquele que nem mesmo a seu pró prio Filho poupou, mas o
entregou por todos nó s, como nã o nos deu também com ele todas as
coisas?” ( Romanos 8:32). De acordo com os Apó stolos, portanto, Deus
nã o excluiu nada, nem o perdã o dos pecados, nem a perseverança final,
nem o amor e a perfeiçã o divinos, nem o pró prio Céu; “com ele ele nos
deu todas as coisas”. A ú nica coisa que devemos fazer é pedir-Lhe Suas
graças, pois “o Senhor é rico para todos os que o invocam”. ( Romanos
10:12).

A INTERCESSÃ O DE CRISTO
Nã o esqueçais, diz o Venerável Joã o de Á vila, que entre o Pai Eterno e
nó s existe um Mediador, Jesus Cristo, a quem estamos unidos por laços
de amor tã o fortes que nada poderá rompê-los, a menos que nó s
mesmos os quebremos por meio mortal. pecado. O sangue de Jesus
Cristo clama por misericó rdia em nosso favor, e esse clamor é tã o alto
que o clamor dos nossos pecados nã o pode ser ouvido. Ninguém está
perdido, portanto, porque a satisfaçã o nã o foi feita para ele, mas
porque, pela negligência dos Sacramentos, ele deixa de participar da
satisfaçã o que Jesus Cristo fez. Cristo Nosso Senhor assumiu a
responsabilidade de remediar nossos males como se fossem Seus.
Aquele que nã o tinha pecado, tomou sobre si os nossos pecados e orou
pedindo perdã o por eles. E Ele orou ao Seu Pai celestial com tanto
fervor como se estivesse orando por Si mesmo. O que Ele desejou, Ele
obteve. Deus quis que estivéssemos tã o inseparavelmente unidos a
Jesus Cristo que Ele nã o pode ser amado, a menos que sejamos amados
com Ele; nem podemos ser odiados, a menos que Ele seja odiado
conosco. Mas agora Jesus nã o pode ser odiado; portanto, seremos
amados enquanto permanecermos unidos a Ele pelo amor.
Jesus é amado por Seu Pai celestial; portanto, somos amados por Ele.
Ele é muito mais poderoso para conquistar o amor de Deus por nó s do
que nó s para atrair Seu ó dio sobre nó s mesmos, pois Deus ama Seu
Divino Filho mais do que odeia o pecador. Nosso Senhor falou assim ao
Seu Pai celestial: “Pai, desejo que onde eu estiver, estejam comigo
também aqueles que me deste”. ( João 17:24). Como o amor é mais forte
que o ó dio, o amor traz a vitó ria. Nossos pecados sã o perdoados e o
amor de Deus nos é concedido e a força do vínculo de amor nos dá a
certeza de que Deus nunca nos abandonará . “Pode uma mulher
esquecer seu filho...?” diz o profeta Isaías; “e se ela esquecer, eu nã o te
esquecerei. Eis que te gravei em minhas mã os.” ( Is. 49:15-16).
O Senhor nos escreveu em Suas mã os com Seu pró prio sangue.
Portanto, nã o devemos permitir que nada nos inquiete, pois Ele
organiza e dispõ e tudo com estas mesmas mã os que foram pregadas na
Cruz como prova do Seu amor por nó s.

A INTERCESSÃ O DA MÃ E SANTA
Um quarto motivo para uma confiança ilimitada é a poderosa
intercessã o de Maria, nossa Mã e. Sã o Bernardo diz que temos acesso ao
Pai Eterno através do Seu Divino Filho, que é mediador da justiça. Mas
temos acesso ao Filho através de Sua Santa Mã e, que é a Medianeira da
graça e que, por sua intercessã o, obteve para nó s o que Jesus Cristo
mereceu com a Sua morte. “Por ti que encontraste a graça, tenhamos
acesso ao Filho, ó Mã e da nossa Salvaçã o, para que por ti nos receba Ele
que por ti nos foi dado.” Todos os bens e graças, portanto, que
recebemos de Deus chegam até nó s pela intercessã o de Maria. E por
que isso acontece? Sã o Bernardo responde: “Porque Deus assim o quis”.
Outra razã o deste privilégio de Maria nos dá Santo Agostinho quando
diz: “Maria pode justamente ser chamada de nossa Mã e porque pelo
seu amor contribuiu para nos dar a vida da graça e nos tornar membros
do corpo místico de Cristo. ” Assim como Maria, portanto, pelo seu
amor contribuiu para a regeneraçã o espiritual dos fiéis, Deus quis que
através da sua intercessã o todos os homens obtivessem a vida de graça
aqui e a vida de gló ria no futuro. Por isso a Igreja deseja que a
invoquemos como “nossa vida, nossa doçura e nossa esperança”. Por
isso, Sã o Bernardo exorta-nos a recorrer constantemente a esta divina
Mã e, porque as suas petiçõ es sã o certamente atendidas. “Apresse-se a
Maria”, escreve ele, “pois digo isso sem hesitaçã o, o Filho certamente
ouvirá a Mã e. Ela é a escada de segurança para os pobres pecadores. Ela
é minha maior garantia; ela é a ú nica base da minha esperança. Ele
chama Maria de escada para pecadores, pois assim como nã o se pode
subir ao terceiro degrau antes de colocar o pé no segundo, nem ao
segundo antes de chegar ao primeiro, assim só se pode chegar a Deus
por meio de Jesus Cristo, e a Jesus Cristo somente por meio de Maria. . O
Santo chama Maria de sua maior segurança e ú nica base de sua
esperança, pois é sua firme convicçã o de que Deus deseja que todas as
graças que Ele nos concede venham pelas mã os de Maria.
Tende bom coraçã o entã o, filhos de Maria! Você sabe que ela considera
como seus filhos todos os que desejam ser assim. Coragem, portanto, e
confiança! Como você pode temer que algum dia pereça quando tal Mã e
o defende e protege? Quem ama esta boa Mã e e se coloca sob a sua
proteçã o pode dizer com Sã o Boaventura: “Alegro-me e alegro-me,
porque a minha sentença no dia do juízo depende de Jesus, meu Irmã o,
e de Maria, minha Mã e”. Este mesmo pensamento encheu Santo
Anselmo de consolaçã o e alegria: “Ó bendita confiança! Ó refú gio
seguro!” ele gritou: “A Mã e de Deus é também minha Mã e; com que
segurança posso esperar a felicidade eterna, pois essa felicidade
depende da decisã o de um bom Irmã o e de uma Mã e compassiva.”

QUALIDADES DE ESPERANÇA
Dedicaremos agora a nossa atençã o à s qualidades que devem
caracterizar a nossa esperança. Em primeiro lugar, a nossa esperança
deve ser firme e inabalável. “A esperança da felicidade eterna”, segundo
Sã o Tomá s, “é a expectativa confiante desta felicidade”. Com esta
doutrina concorda o Concílio de Trento quando diz: “Todos devemos
esperar com confiança a ajuda de Deus; pois assim como Deus começou
a boa obra em nó s, Ele deseja completá -la, desde que façamos uso de
Sua graça; tanto o desejo como a sua realizaçã o vêm Dele.” ( Sess. 6, cap.
18). Isto é o que o Apó stolo Sã o Paulo ensinou em sua carta a Timó teo:
“Sei em quem tenho crido e estou certo de que ele é poderoso para
guardar o que lhe confiei até aquele dia”. ( 2 Timóteo 1:12). Nisto vemos
a distinçã o entre a esperança cristã e aquela que é puramente humana.
À esperança humana está sempre ligado o medo de que quem fez uma
promessa tenha mudado ou mude de ideias. A esperança cristã , pelo
contrá rio, que olha para a salvaçã o eterna, nã o tem qualquer dú vida ou
medo em relaçã o a Deus. O Senhor é capaz e está disposto a conceder-
nos felicidade eterna e, além disso, Ele prometeu isso a todos os que
guardam Seus mandamentos; para esse fim, Ele se compromete a
conceder a todos os que os buscam as graças necessá rias para cumprir
Seus mandamentos. No entanto, é verdade que mesmo a esperança
cristã nã o está totalmente isenta de um certo medo; mas como diz Sã o
Tomá s: “Nã o temos nada a temer da parte de Deus, mas apenas de nó s
mesmos”. É bem possível que deixemos de cooperar com a graça de
Deus e até coloquemos obstá culos no seu caminho.
O Concílio de Trento teve razã o, portanto, ao condenar os inovadores
por dizerem que o homem nã o tem liberdade de vontade e que cada um
deve ter uma certeza infalível no que diz respeito à sua perseverança na
graça e na felicidade eterna. Esta doutrina foi condenada pelo Concílio
porque, como acabá mos de ver, a nossa cooperaçã o é necessá ria para
alcançar a felicidade eterna – e esta cooperaçã o é incerta. Deus deseja,
portanto, que por um lado promovamos uma certa ansiedade para que
nã o possamos, confiando em nossas pró prias forças, ser confundidos;
mas, por outro lado, Ele deseja que tenhamos a certeza absoluta de que
é Sua Vontade nos tornar eternamente felizes e que Ele nos dará todas
as graças de que necessitamos, se apenas Lhe pedirmos. Devemos,
portanto, confiar com inabalável confiança em Sua bondade. Sã o Tomá s
diz: “Devemos esperar com confiança a felicidade eterna do poder e da
misericó rdia de Deus, acreditando firmemente que Deus pode nos fazer
felizes e que Ele deseja fazê-lo”.
Acontece à s vezes que, por causa da aridez espiritual ou da inquietaçã o
resultante de uma falta cometida, sintamos a ausência daquela
confiança sensata na oraçã o que gostaríamos de experimentar. Nã o
devemos, por isso, deixar de orar, porque Deus muito provavelmente
nos ouvirá mais cedo do que em outras ocasiõ es, pois somos propensos
a orar com maior desconfiança em nó s mesmos e com mais esperança
na bondade e na fidelidade de Deus. Oh, quã o agradável e aceitável é
para Deus quando temos medo e pavor e toda tentaçã o que esperamos
contra a esperança; isto é, quando, apesar do sentimento de
desconfiança que surge da nossa pró pria miséria, confiamos Nele, como
fez o Patriarca Abraã o, a quem o Apó stolo elogia porque “contra a
esperança acreditou na esperança”. ( Romanos 4:18).
Em segundo lugar, a nossa esperança deve basear-se unicamente em
Deus. O Senhor proíbe-nos de depositar a nossa confiança nas
criaturas: “Nã o confieis nos príncipes”. ( Salmo 145:2). “Maldito o
homem que confia no homem.” ( Jeremias 17:5). Deus deseja que nã o
construamos sobre criaturas porque Ele nã o quer que nos apeguemos a
elas com amor desordenado. Sã o Vicente de Paulo nos aconselha a nã o
contar muito com a proteçã o dos homens, pois se o fizermos o Senhor
se afastará de nó s; por outro lado, quanto mais crescermos no amor de
Deus, mais confiaremos Nele. “Percorri o caminho dos teus
mandamentos, quando dilataste o meu coraçã o” ( Sl 118:32), pela
confiança.
Mas alguém poderá dizer: Se só Deus é a nossa esperança, como pode a
Igreja dirigir-se a Maria como “Nossa esperança”? Ouçamos o que diz
Sã o Tomá s sobre este ponto. Podemos depositar a nossa esperança em
qualquer pessoa, diz o Santo, de duas maneiras; podemos considerar
uma como a causa principal e ú ltima da nossa esperança, ou como a
causa secundá ria e mediata. Por exemplo, pode-se esperar um favor de
um rei e de seu ministro ou favorito. O rei seria a causa principal ou
ú ltima da qual ele espera, o ministro ou favorito o mediador ou
intercessor . Se este concede o favor, este provém, no entanto, do
primeiro, mas através da intercessã o deste ú ltimo.
Ora, como o Rei do Céu é a pró pria Bondade Infinita, Ele deseja
enriquecer-nos com Suas graças; mas como é necessá ria grande
confiança de nossa parte para obtê-los, Ele, para aumentar nossa
confiança, nos deu Sua pró pria Mã e como nossa Mã e e Medianeira para
nos ajudar. Por isso Ele deseja que coloquemos nela a nossa esperança
de salvaçã o e de todos os bens e graças. Segundo as palavras do profeta,
aqueles que confiam nas criaturas sã o amaldiçoados. Esta passagem
refere-se à queles que desprezam o seu Deus e colocam a sua esperança
na amizade e no favor do homem. Mas aqueles que esperam em Maria,
a Mã e de Deus, que tem o poder de obter-lhes a graça e a vida eterna,
serã o abençoados por Deus. Eles dã o grande alegria ao Seu coraçã o
amoroso, pois Ele deseja ver honrada e amada aquela criatura exaltada
que na terra O amou e honrou mais do que todos os homens e anjos
juntos. Temos razã o, portanto, em chamar a Santíssima Virgem de
nossa esperança, pois por meio de sua intercessã o esperamos obter o
que nunca poderíamos obter apenas com nossas débeis oraçõ es.
Suplicamos-lhe a sua intercessã o, diz Suá rez, para que a dignidade do
intercessor possa suprir o que nos falta. Ao invocar Maria com
confiança, nã o manifestamos desconfiança na misericó rdia de Deus,
mas simplesmente tememos pela nossa pró pria indignidade. A Santa
Igreja tem, portanto, razã o em chamar Maria de “Mã e da santa
esperança”, e com isso deseja dizer que Maria desperta em nó s a
esperança dos bens inestimáveis da eternidade.
Em terceiro lugar, a nossa esperança deve ser uma esperança activa.
Para que a nossa esperança nã o seja vã , ela deve trabalhar; isto é, à
confiança ilimitada em Deus devemos unir o uso dos meios de salvaçã o
e de santificaçã o que a Divina Majestade nos deu; caso contrá rio,
pertenceríamos à quelas almas ociosas que tentam o Senhor. Devemos
agir como se a obtençã o da nossa salvaçã o dependesse inteiramente de
nó s mesmos, e ainda assim devemos colocar toda a nossa confiança em
Deus e estar completamente convencidos de que, por nó s mesmos,
somos totalmente incapazes de alcançar o que desejamos. Deus realiza
tudo por meio de Sua graça, mas mesmo assim deseja nossa
cooperaçã o. Se esta cooperaçã o, por mais insignificante que seja,
estiver em falta, Deus se afasta de nó s e nos trata como servos
indolentes que nada merecem, a nã o ser sermos lançados nas trevas
exteriores. “Portanto, irmã os, trabalhem ainda mais, para que pelas
boas obras vocês possam garantir sua vocaçã o e eleiçã o.” ( 2 Pedro
1:10) .
Mas o que devemos fazer? Acima de tudo devemos orar. E por quanto
tempo devemos orar? Até que, diz Sã o Joã o Crisó stomo, ouçamos a
sentença favorável que nos assegura a salvaçã o eterna. E acrescenta:
Quem diz: “Nã o deixarei de rezar até ser eternamente feliz”, certamente
será eternamente feliz. “Nã o sabeis”, diz o Apó stolo, “que os que correm
no está dio, todos, na verdade, correm, mas um leva o prêmio? Entã o
corra para que você possa obter.” ( 1 Coríntios 9:24). Para ser
eternamente feliz nã o basta, portanto, apenas orar; devemos continuar
a orar até que estejamos de posse da coroa que Deus nos prometeu.
Se quisermos ser felizes por toda a eternidade, devemos imitar o
profeta Davi, que manteve os olhos sempre voltados para o Senhor, para
implorar a sua ajuda e nã o ser vencido pelos seus inimigos: “Os meus
olhos estã o sempre voltados para o Senhor, porque ele tirarei meus pés
da armadilha.” ( Salmo 24:15). O diabo nunca se cansa de armar
armadilhas para a nossa destruiçã o: “O vosso adversá rio, o diabo, como
um leã o que ruge, anda em busca de quem possa devorar”. ( 1 Pedro
5:8). Portanto, devemos manter sempre as nossas armas nas mã os para
nos defendermos contra tal inimigo. Devemos dizer com o salmista
real: “Perseguirei os meus inimigos… até que sejam consumidos”. (
Salmo 17:38). Mas como conseguiremos uma vitó ria tã o importante e
difícil? Somente pela oraçã o, diz Santo Agostinho, e pela oraçã o
perseverante. Mas quanto tempo deve durar? Enquanto a luta
continuar. Assim como a disputa nunca cessa, diz Sã o Boaventura,
também nã o devemos deixar de invocar a Deus a sua ajuda, que nos é
necessá ria para nã o sucumbir. “Ai daqueles que perderam a paciência”,
diz o Sá bio ( Eclesiastes 2:16), e desistiram de orar. Bem-aventurados
seremos “se mantivermos firme a confiança e a gló ria da esperança até
o fim”. ( Hebreus 3:6).
Através da ajuda que recebemos através da oraçã o, devemos esforçar-
nos por guardar os Mandamentos de Deus e praticar violência contra
nó s mesmos, para nã o cedermos à s tentaçõ es do Inferno: “O reino dos
céus sofre violência e os violentos o levam embora”. ( Mateus 11:12).
Devemos violentar-nos nas tentaçõ es, conquistando-nos e mortificando
os nossos sentidos para nã o sermos vencidos pelo inimigo das nossas
almas. E quando formos culpados de uma falta, diz Santo Ambró sio,
façamos violência ao Senhor com oraçõ es e lá grimas para obter o Seu
perdã o. Para nos inspirar coragem, o Santo continua: “Ó bendita
violência que Deus nã o castiga com a sua ira, mas recebe com
misericó rdia e recompensa! Quanto maior for esta violência, mais
agradável será para Jesus Cristo”. Ele conclui com as seguintes palavras:
“Devemos governar sobre nó s mesmos, subjugando nossas má s
paixõ es, a fim de ganhar o Céu que Jesus Cristo mereceu para nó s”.
“Amará s o Senhor teu Deus de todo o teu coraçã o, e de toda a tua alma,
e de todo o teu entendimento.” — Mat. 22:37.

Capítulo 3
O AMOR DE DEUS
“Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e
de todo o teu entendimento.”
—Mat. 22:37
O amor a Deus é uma virtude divinamente infundida que nos leva a
amar o Senhor Nosso Deus como o bem soberano e puramente por Ele
mesmo. O motivo que nos leva a amar a Deus é a Sua pró pria perfeiçã o
ilimitada, por causa da qual Ele merece ser amado, mesmo que nã o
tenhamos nenhuma recompensa a esperar ou nenhum castigo a temer.
Quem ama a Deus porque nele encontra a pró pria felicidade tem um
amor interessado, egoísta, que pertence realmente à virtude da
esperança e nã o ao amor. Mas quem ama a Deus porque por Ele merece
ser amado, tem o amor verdadeiro e genuíno da amizade. Os
companheiros do rei Luís da França encontraram um dia uma mulher
que carregava em uma das mã os uma tocha acesa e na outra um
recipiente com á gua. Ao ser questionada sobre o significado dessas
coisas, ela respondeu: “Com esta tocha eu queimaria de bom grado o
Céu, e com esta á gua extinguiria o fogo do Inferno, para que os homens
pudessem amar a Deus nã o por causa da recompensa do Céu ou do
castigo do Inferno. , mas simplesmente e unicamente porque Ele
merece ser amado”.
O amor perfeito de Deus, porém, nã o exclui a esperança do Céu.
Amamos a Deus porque Ele merece ser amado, e nó s O amaríamos
mesmo que nã o tivéssemos nenhuma recompensa a esperar por isso.
Mas sabendo que Ele nos dará uma recompensa e que Ele até deseja
que tenhamos esperança nela, devemos esperá -la com confiança e nos
esforçar para alcançá -la. Ansiar pelo Céu para possuir a Deus e amá -Lo
mais perfeitamente é um amor verdadeiro e perfeito de Deus, pois a
gló ria eterna é a perfeiçã o deste amor.
Toda perfeiçã o consiste no amor de Deus; pois o amor é a virtude que
nos une mais intimamente a Deus. Todas as outras virtudes nã o têm
importâ ncia se nã o forem acompanhadas de amor. Por outro lado, o
amor tem em seu encalço todas as outras virtudes, segundo o
ensinamento de Sã o Paulo: “A caridade é paciente, é bondosa: a
caridade nã o inveja, nã o age perversamente; nã o está inchado; nã o é
ambicioso, nã o busca o que é seu, nã o se irrita, nã o pensa no mal; nã o
se alegra com a iniqü idade, mas se alegra com a verdade; tudo sofre,
tudo crê, tudo espera, tudo suporta.” ( 1 Coríntios 13: 4-7 ). “O amor”,
conclui o Apó stolo, “é o cumprimento da lei”. ( Romanos 13:10). Isto
induziu Santo Agostinho a dizer: “Ame e depois faça o que quiser”.
Aquele que ama o outro tem muito cuidado para nã o lhe causar ofensa;
pelo contrá rio, ele está ansioso por fazer o que lhe dará prazer. Da
mesma forma, aquele que ama a Deus acima de todas as coisas,
abomina uma ofensa contra Ele mais do que a pró pria morte, e se
esforça tanto quanto lhe cabe para agradar a Deus. O primeiro e maior
mandamento que o Senhor nos deu exige que O amemos de todo o
coraçã o. “Amará s o Senhor teu Deus de todo o teu coraçã o.” (
Deuteronômio 6:5). Como Deus nos amou com um amor infinito, Ele
deseja que O amemos sinceramente e deseja possuir todo o nosso
coraçã o: “Filho, dá -me o teu coraçã o”. ( Pv 23:26). “O que o Senhor, teu
Deus, exige de ti, senã o que tema ao Senhor, teu Deus, e andes nos seus
caminhos, e o ames, e sirvas ao Senhor, teu Deus, de todo o teu coraçã o
e de toda a tua alma. ” ( Deuteronômio 10:12).
Em a Antiga Lei Deus ordenou que o fogo fosse mantido
constantemente aceso no altar. Este altar, diz Sã o Gregó rio, é um tipo do
nosso coraçã o no qual o fogo do amor divino deve arder sempre.
Portanto, ao comando de amá -lo de todo o coraçã o, Deus acrescentou
esta injunçã o: “E estas palavras que hoje te ordeno estarã o em teu
coraçã o; e meditará s neles sentados em tua casa, e caminhando em tua
jornada, dormindo e levantando-te. E tu os amarrará s como um sinal na
tua mã o, e eles estarã o e se moverã o entre os teus olhos. E as
escreverá s na entrada e nas portas da tua casa” ( Dt 6:6-9), a fim de
estar continuamente atento a elas e tornar a sua vida conforme a elas.
Como recompensa por este amor, Deus promete dar-nos a Si mesmo:
“Eu sou o teu protetor e a tua recompensa é grande demais”. ( Gênesis
15:1). Os príncipes deste mundo recompensam os seus sú ditos fiéis
com posses, honras e privilégios. O Senhor Deus dá aos que O amam
nada menos do que Ele mesmo.
Certamente deveríamos ser amplamente recompensados pelo
conhecimento de que Deus ama aqueles que O amam, como Ele diz em
tantas passagens das Sagradas Escrituras: “Eu amo aqueles que me
amam”. ( Pv 8:17). “Aquele que permanece na caridade, permanece em
Deus e Deus nele.” ( 1 João 4:16). “Aquele que me ama será amado por
meu Pai; e eu o amarei.” ( João 14:21). Se soubéssemos que em algum
país distante vivia um príncipe belo, santo, culto e compassivo, nã o
poderíamos deixar de amá -lo, mesmo que ele nã o nos tivesse feito
nenhum bem. Mas quais sã o todas as excelentes qualidades de tal
príncipe em comparaçã o com as do nosso Deus! Deus possui toda
perfeiçã o em um grau infinito. Ele possui tudo o que o torna digno do
nosso amor. Poderia Ele ter oferecido um objeto maior, melhor, mais
nobre, mais rico ou mais amável para o nosso amor do que Ele mesmo?
Quem é de maior nobreza que Deus? As pessoas ilustres orgulham-se
do facto de a sua nobreza remontar a quinhentos ou mil anos; a
nobreza de Deus é desde toda a eternidade. Quem é maior que Deus?
Ele é o Senhor de todos. Os anjos do Céu e os poderosos da Terra sã o
para Ele como uma gota no poderoso oceano ou como um miserável
grã o de poeira. Uma ú nica palavra Dele trouxe o mundo à existência;
uma ú nica palavra poderia levar tudo ao esquecimento. Quem é mais
rico que Deus? Ele possui os tesouros do céu e da terra. Quem é mais
bonito que Deus? A beleza de todas as criaturas desaparece diante da
gló ria de Deus. Quem é mais beneficente do que Deus? Santo Agostinho
diz que os esforços de Deus para nos conceder favores sã o maiores
ainda do que o nosso desejo de recebê-los. Quem é mais misericordioso
do que Deus? Assim que um pecador, embora seja o desgraçado mais
abandonado da terra, se humilha diante de Deus e se arrepende de seus
pecados, Deus o perdoa e o recebe de volta. Quem é mais grato do que
Deus? Ele nunca permite que nada que façamos por amor a Ele fique
sem recompensa. Em suma, quem é mais amável e merecedor de amor
do que Deus? O seu pró prio rosto enche os Santos do Céu com uma
alegria que constitui a sua felicidade perfeita por toda a eternidade.
Pelo contrá rio, o maior sofrimento dos réprobos consiste em conhecer
e ver a natureza amável de Deus sem poder amá -lo.
Devemos, portanto, amar a Deus de coraçã o porque Ele é digno de todo
amor. Pelo amor que Deus nos tem, Ele merece a nossa mais sincera
gratidã o. Se pudéssemos unir o amor de todos os homens, anjos e
santos em um só coraçã o, esse amor unido nã o poderia ser comparado
com o menor grau do amor que Deus tem em cada alma. Sã o Joã o
Crisó stomo diz que Deus nos ama mais do que podemos amar a nó s
mesmos. “Eu te amei com amor eterno” ( Jer. 31:3), diz Deus a cada um
de nó s. Aqueles que nos amaram primeiro na terra foram os nossos
pais; mas eles só começaram a nos amar quando começaram a nos
conhecer; Deus, pelo contrá rio, nos amou antes de existirmos. Mesmo
antes de nossos pais viverem, Deus nos amou; sim, mesmo antes da
criaçã o do mundo. Em uma palavra, Ele nos amou enquanto é Deus, e
isso desde toda a eternidade. Aquela heró ica virgem Santa Inês estava
certa quando disse à queles que procuravam conquistar seu afeto:
“Outro amante chegou antes de você”. Ó mundo e criaturas do mundo,
nã o posso amar vocês; pois como Deus me amou primeiro, nã o é mais
do que certo que eu deva dar e consagrar a Ele meu coraçã o.

A NATUREZA NOS OFERECE AMAR A DEUS


O céu e a terra clamam, diz Santo Agostinho, tudo o que vejo fala
comigo e me impele a amar-Vos, meu Senhor; todas as criaturas me
dizem que você as criou por amor a mim. Quando o Abade de Rance,
fundador dos Trapistas, olhava pela janela de sua cela e via as estrelas e
o céu, os pá ssaros e as flores, e considerava que Deus havia criado tudo
isso para lhe mostrar Seu amor, ele sentiu seu coraçã o inflamado de
amor a Deus. A simples visã o de uma flor despertou o amor no coraçã o
de Santa Maria Madalena; “O Deus amoroso”, ela exclamava, “criou esta
pequena flor para conquistar meu amor”.
Quando Santa Teresa olhava para as á rvores ou flores ou para os prados
e riachos, ela dizia que eles a acusavam de ingratidã o e a repreendiam
com seu pouco amor por um Criador que havia criado todas essas
coisas apenas para ser amado por ela. “Ninguém tem maior amor do
que este, que um homem dá a sua vida pelos seus amigos.” ( João
15:13). Você acredita, ó alma cristã , que Jesus Cristo morreu por amor a
você? E se você acredita nisso, você pode amar qualquer coisa além
dele? Antes da Encarnaçã o do Verbo Eterno, diz um célebre autor, o
homem podia duvidar se Deus o amava ternamente ou nã o; mas agora
que Jesus Cristo se tornou homem e morreu por nó s, tal dú vida é
impossível.

OS SOFRIMENTOS DE CRISTO UMA PROVA DE AMOR


Como poderia Nosso Senhor ter provado melhor o Seu amor por nó s do
que sofrendo tantas dores e tanto desprezo e terminando a Sua vida em
amarga agonia na Cruz? Mas, infelizmente, estamos tã o acostumados a
ouvir falar da Encarnaçã o e da Redençã o, de um Deus nascido num
está bulo, um Deus que foi açoitado, coroado e crucificado, que isso nos
causa pouca impressã o. Ó santa fé, ilumina-nos para que possamos ver
o amor ilimitado que Deus nos mostrou ao se tornar homem e morrer
na cruz. Se Jesus Cristo nã o é amado pela humanidade, é porque poucos
pensam no amor que Ele lhes demonstrou; pois seria possível pensar
nisso e viver sem amá -lo? Sã o Paulo diz: “A caridade de Cristo nos
pressiona” ( 2 Cor. 5:14); isto é, uma alma que considera o amor de
Jesus pela humanidade é forçada, por assim dizer, a amar de volta.
Quando os Santos refletiam sobre a Paixã o do Santíssimo Redentor,
ficavam tã o inflamados de amor que frequentemente davam vazã o ao
seu espanto e devoçã o. Um dia, num êxtase de devoçã o, Santa Maria
Madalena de Pazzi agarrou-se a uma imagem do Crucificado e
exclamou: “Ó Jesus, tornaste-te louco de amor. Digo-o e nã o me cansarei
de repeti-lo, o amor fez de Ti um tolo, meu Jesus.” Se a fé nã o nos tivesse
assegurado a verdade do grande mistério da nossa Redençã o, quem
acreditaria ser possível que o Criador do universo quisesse sofrer e
morrer pelas Suas criaturas. Se Jesus nã o tivesse morrido por nó s,
quem teria ousado pedir a Deus que se tornasse homem, sofresse e
morresse para redimir a humanidade? Quem nã o consideraria tal
pensamento o cú mulo da loucura? Na verdade, quando os pagã os foram
informados da morte de Jesus Cristo, eles consideraram-na uma fá bula
e chamaram-na de uma loucura incrível, como nos diz Sã o Paulo:
“Pregamos a Cristo crucificado, que é, na verdade, uma pedra de
tropeço para os judeus, e para os Tolice dos gentios.” ( 1 Coríntios 1:23).
Sim, diz Sã o Gregó rio, parecia-lhes uma tolice que o Autor da vida
morresse pelos homens. Como podemos acreditar, disseram eles, que
um Deus que nã o depende de ninguém e que em si mesmo é
perfeitamente feliz, desça à terra, assuma a natureza humana e morra
por Suas miseráveis criaturas? Isso seria dizer que por amor ao homem
Deus se tornou um tolo. No entanto, é uma verdade da nossa santa fé
que, por amor a nó s, pobres criaturas ingratas, Jesus Cristo, o
verdadeiro Filho de Deus, se entregou a uma morte ignominiosa: “Ele
nos amou e se entregou por nó s”. E por que Jesus fez tudo isso? Ele fez
isso, diz Santo Agostinho, para que o homem pudesse reconhecer o
amor inexprimível que Deus lhe tem. O pró prio nosso Divino Redentor
expressou a mesma ideia com estas palavras: “Eu vim lançar fogo sobre
a terra e o que farei senã o que ele seja aceso!” ( Lucas 12:49). O fogo do
amor divino acenderei na terra e nã o desejo outra coisa senã o que os
coraçõ es dos homens sejam consumidos por estas chamas sagradas.
Com admiraçã o e espanto Sã o Bernardo contempla Nosso Senhor
amarrado como um criminoso pelos soldados perversos. “Ó meu Jesus”,
exclama ele, “como é que vejo cordas e correntes em Teu corpo sagrado;
Nã o és tu o Rei do Céu e da pró pria Santidade? Somos nó s, servos
ingratos, que merecemos essas cordas e correntes.” O que Te reduziu a
uma condiçã o tã o lamentável, parecendo um criminoso miserável? Ah, é
amor. O amor parece esquecer a sua dignidade quando procura ganhar
amor em troca. Deus, portanto, a quem nenhum homem pode vencer,
foi vencido pelo amor. Seu amor por nó s o induziu a se tornar homem e
a perder a vida num oceano de sofrimento e tristeza.
Ao contemplar nosso Divino Redentor diante de Pilatos, Sã o Bernardo
se dirige a Ele com as seguintes palavras: “Dize-me, meu amado Jesus,
Tu que és a pró pria Inocência, o que fizeste para merecer tã o cruel
sentença de morte? Ah, vejo agora a causa da Tua morte; Eu sei que
crime cometeste, meu Jesus! É o Teu amor por nó s; sim, nã o é Pilatos,
mas o Teu amor que pronuncia a sentença de morte e desfere o golpe
fatal. Ao ver um crucifixo, Sã o Francisco de Paulo exclamou: “Ó amor, ó
amor, ó amor!” E isto é o que todos devemos dizer ao ver o nosso
Senhor crucificado: Ó amor, ó amor, ó amor! Oh, que todos os homens
que olham para a Cruz de Cristo pensem no amor que Deus deu a cada
um de nó s! “Com que amor seríamos inflamados”, diz Sã o Francisco de
Sales, “se víssemos as chamas do amor que ardem no coraçã o de Cristo!
Que felicidade para nó s brilhamos com o fogo que consome nosso
Senhor e Deus! Que alegria estar ligado pelos laços do amor a Deus!”
Como disse Sã o Boaventura, as feridas do nosso Salvador devem
comover os coraçõ es mais insensíveis e aquecer com amor as almas
mais frias.
Quantos sã o os dardos de amor que saem destas feridas sagradas e
perfuram os coraçõ es mais duros! “Que é o homem”, diz Jó , “para que o
engrandeças? ou por que você coloca seu coraçã o nele? ( Jó 7:17). Ó
meu Deus, que miserável é o homem para que o honres tanto? Que bem
Tu já recebeste dele, para que estivesses totalmente empenhado, ao que
parece, em conceder-lhe benefícios e mostrar-lhe Teu amor? Sã o Tomá s
diz que o amor que consome o coraçã o de Deus faz parecer que no
homem Ele viu o Seu Deus, e que Ele nã o poderia ser feliz a menos que
o homem também fosse feliz.
Verdadeiramente, alma cristã , se você fosse Deus, Jesus Cristo poderia
ter feito mais por você do que fez com Sua vida de sofrimento e Sua
morte ignominiosa? E se houvesse a questã o de nosso Redentor salvar a
vida de Seu pró prio Pai Eterno, Ele poderia ter feito mais do que fez por
você? Mas, ó Deus, onde está a nossa gratidã o? Se um servo
insignificante tivesse sofrido por nó s o que o nosso Esposo celestial
suportou, poderíamos algum dia esquecer isso? Poderíamos viver sem
amá -lo? Na verdade, devemos estar bastante fora de nó s mesmos ao
refletir sobre a morte de Jesus Cristo, e dizer com Sã o Pascal: “Meu
amor está pregado na cruz por mim; meu amor morreu por mim.”
Mas o que deixamos de fazer no passado podemos pelo menos tentar
fazer no futuro, pois Deus ainda nos dá tempo. Jesus morreu por nó s,
diz Sã o Paulo, para que o Seu amor pudesse conquistar um domínio
perfeito sobre os nossos coraçõ es: “Pois para este fim Cristo morreu e
ressuscitou; para que ele seja Senhor tanto dos mortos como dos vivos”.
( Romanos 14:9). “E Cristo morreu por todos”, diz o mesmo Apó stolo,
“para que também aqueles que vivem, nã o vivam agora para si mesmos,
mas para Aquele que por eles morreu e ressuscitou”. ( 2 Coríntios 5:15).
A esta intençã o do Divino Redentor os Santos corresponderam
perfeitamente. Ao considerarem o amor que induziu o seu Senhor a
sofrer e morrer por eles, consideraram pouco, por amor a Ele, oferecer-
Lhe tudo o que tinham, sim, até mesmo a pró pria vida.
Quantos potentados, reis, rainhas e imperatrizes renunciaram à s suas
riquezas e parentes e desistiram do seu trono e do seu país para entrar
num claustro e dedicar as suas vidas ao amor de Jesus Cristo! Quantos
má rtires consideraram uma fonte de alegria e felicidade entregar a vida
no meio de tormentos cruéis por amor do seu Senhor e Deus! Quantos
jovens, homens e mulheres, rejeitaram as alianças mais brilhantes e
ofereceram de bom grado a sua vida como prova do seu amor por um
Deus que morreu por amor a eles!
E você, alma cristã , o que fez pelo seu Divino Redentor! Que prova do
seu amor você deu a Ele? É certo que Jesus morreu por você e também
por uma Santa Lú cia, uma Santa Á gata, uma Santa Inês. Pense nas
graças especiais que Ele lhe concedeu e que negou a tantos outros.
Pense em muitos que Ele permitiu nascer em países onde a infidelidade
e a descrença dominam! Quantas destas infelizes criaturas privadas dos
Sacramentos e dos meios de salvaçã o eterna sã o entregues à perdiçã o
eterna! E você recebeu a graça de nascer no seio da Igreja de Deus!
Pense na grande misericó rdia que Deus lhe demonstrou, perdoando as
muitas ofensas que você cometeu contra Ele. Para movê-Lo a perdoar
você, bastava arrepender-se e pedir perdã o; mas, infelizmente, você O
tratou com ingratidã o e O ofendeu novamente. E ainda assim Ele estava
disposto a perdoá -lo novamente e com o mesmo amor. Em vez de puni-
lo como você merecia, Ele derramou sobre você Suas graças e
inspiraçõ es. Neste exato momento, enquanto você lê estas palavras, Ele
continua a convidá -lo ao Seu amor. Bem entã o! O que você propõ e
fazer? É possível que você consiga resistir por mais tempo? Por que
você ainda hesita? Você deseja esperar até que Deus pare de chamar e o
abandone?

MEIOS DE AVANÇAR NO AMOR DE DEUS


Consideraremos agora os meios de avançar no amor de Deus. Santa
Teresa diz que é uma graça extraordiná ria para uma alma ser chamada
ao amor perfeito de Deus. A essas almas felizes você pertence, caro
leitor. Contudo, para dedicar-se inteiramente ao amor do seu Divino
Esposo, como Ele deseja que o faça, deveis utilizar com coragem os
meios que conduzam a esse fim. O primeiro meio é um desejo ardente
deste amor perfeito. Com tal desejo você já deu um passo considerável.
Deus distribui as Suas graças em abundâ ncia apenas à queles que delas
têm fome e sede, como diz a Santíssima Virgem no seu maravilhoso
hino de louvor, o Magnificat: “Ele saciou de bens os famintos”. ( Lucas
1:53). Mas este desejo é absolutamente necessá rio para nó s, caso
contrá rio nunca deveríamos perseverar nos nossos esforços para obter
o tesouro do amor de Deus. Nó s nos esforçamos pouco ou nenhum
esforço para obter aquilo que temos pouco ou nenhum desejo. Por
outro lado, todos os problemas sã o leves e agradáveis quando nossos
esforços sã o motivados por um desejo ardente. Por isso é que Nosso
Senhor chama aqueles bem-aventurados que nã o têm apenas um
desejo, mas uma fome - isto é, um grande desejo - de santidade: “Bem-
aventurados aqueles que têm fome e sede de justiça”. ( Mateus 5:6).
O segundo meio de obter o amor perfeito de Deus consiste em
renunciar a todo amor que nã o se refira a Deus. Deus deseja possuir
somente nossos coraçõ es e nã o tolerará nenhum rival. Santo Agostinho
relata que o Senado Romano reconheceu voluntariamente os 30.000
deuses dos pagã os, enquanto eles se recusaram a adorar o Deus dos
cristã os, porque Ele era um Deus zeloso que desejava ser adorado
sozinho. Nosso Deus estava certo ao reivindicar adoraçã o exclusiva,
porque somente Ele é o ú nico Deus verdadeiro. Conseqü entemente, se
quisermos chegar ao amor perfeito de Deus, devemos banir do nosso
coraçã o todo apego que nã o tenha Deus como objeto. O ardente Sã o
Francisco de Sales disse: “Se eu soubesse que no meu coraçã o há uma
ú nica fibra que nã o é de Deus, em Deus e para Deus, eu a arrancaria
imediatamente”. Enquanto o coraçã o nã o estiver livre das inclinaçõ es
terrenas, o amor de Deus nã o poderá encontrar ali entrada; mas assim
que se separa das criaturas, o fogo do amor divino acende-se e torna-se
continuamente mais forte. Por isso Santa Teresa dizia: “Separe o seu
coraçã o das criaturas e busque a Deus; você certamente O encontrará
entã o.” Padre Segneri, o Jovem, escreveu um dia a um amigo piedoso: “O
amor divino é um ladrã o beneficente que nos tira todas as inclinaçõ es
terrenas, para que a alma possa dizer ao seu amado Esposo: O que
desejo senã o a ti”. De maneira semelhante se expressa Sã o Francisco de
Sales: “O puro amor de Deus consome no coraçã o tudo o que nã o é
Deus, para transformar tudo em amor, pois tudo o que o homem faz por
Deus é amor”.
“Considero todas as coisas como esterco”, diz Sã o Paulo, “para que
possa ganhar a Cristo”. ( Filipenses 3:8). Quando o amor de Deus entra
em nossos coraçõ es, nã o damos mais valor ao que o mundo estima: “Se
alguém der todos os bens da sua casa por amor, desprezá -la-á como
nada”. ( Cant. 8:7). “Se uma casa pega fogo”, diz Sã o Francisco de Sales,
“eles jogam tudo pela janela”. Assim que um coraçã o se inflama pelo
amor de Deus, procura despojar-se de tudo o que é terreno para nã o
amar senã o a Deus. Deus pede demais quando deseja que a alma nã o
ame nada além dele? “Nã o”, diz Sã o Boaventura, “Deus é infinitamente
amável e supremamente bom, merecedor de nosso amor indiviso; Ele
está perfeitamente certo quando deseja que um coraçã o que Ele criou
pertença somente a Ele; e uma vez que Ele se entregou em sacrifício
por nó s, Ele adquiriu um direito ainda maior ao nosso amor indiviso.

ABNEGAÇÃ O
Para alcançar o amor perfeito de Deus é necessá rio, além disso, negar-
se a si mesmo, abraçando com alegria o que se opõ e ao amor-pró prio e
recusando-se o que o amor-pró prio exige. Um dia, quando Santa Teresa
estava doente, trouxeram-lhe um prato muito saboroso; o Santo nã o
tocava nele. A atendente a incentivou a comer, dizendo que o prato
estava bem preparado. “É justamente por isso que me abstenho de
comê-lo”, respondeu o Santo. E o mesmo acontece conosco; o que mais
nos agrada, é que devemos negar a nó s mesmos, e só porque nos
agrada. Por exemplo, devemos desviar os olhos deste ou daquele objeto
porque é bonito; negar-nos este ou aquele prazer porque nos é mais
agradável; prestar um serviço a uma pessoa ingrata só porque ela é
ingrata; tome um remédio amargo só porque é amargo. Segundo Sã o
Francisco de Sales, o nosso amor-pró prio quer participar de tudo, até
das coisas mais sagradas. Por isso mesmo, diz o Santo, devemos amar
até a virtude sem apego. Por exemplo, é necessá rio amar a oraçã o e a
solidã o; mas quando a obediência ou a caridade nos impedem de nos
dedicar à oraçã o e à solidã o, nã o devemos ficar inquietos, mas aceitar
resignadamente tudo o que acontece pela vontade de Deus para
frustrar as nossas inclinaçõ es.

A PAIXÃ O DE CRISTO
O quarto meio de adquirir o amor perfeito de Deus consiste na
meditaçã o frequente sobre os sofrimentos de Jesus Cristo. Santa Maria
Madalena de Pazzi diz que quem se entregou inteiramente ao amor do
seu Senhor Crucificado só precisa olhar para a cruz para ser sepultado
na contemplaçã o do amor sem limites que Jesus Cristo lhe deu.
Pareceria que o nosso Redentor suportou tantos tormentos e insultos
diferentes, tais como a sua traiçã o, a sua agonia, o seu flagelo, a sua
coroaçã o e a sua crucificaçã o, a fim de proporcionar temas de
meditaçã o à s almas que O amam. E, no entanto, nã o devemos refletir
sobre os sofrimentos de Jesus Cristo por causa da consolaçã o e da
doçura que eles proporcionam, mas apenas para inflamar os nossos
coraçõ es com amor pelo nosso sofredor Salvador e aprender com Ele o
que Ele deseja que façamos.
Ao mesmo tempo, devemos declarar-nos prontos a suportar tudo com
paciência, por amor d’Aquele que tanto sofreu por amor de nó s. O
Senhor certa vez revelou a um piedoso eremita que nenhuma devoçã o
era melhor calculada para acender o amor de Deus no coraçã o do que a
meditaçã o nos sofrimentos de Cristo. Sempre foi uma devoçã o favorita
dos santos. Sã o Francisco de Assis tornou-se um serafim de amor ao
meditar na Paixã o de Cristo. Ele foi encontrado um dia banhado em
lá grimas e soltando altos suspiros. Quando questionado sobre a causa
de sua dor, ele respondeu: “Estou chorando pelas dores e insultos do
meu Divino Mestre. Mas o que mais me entristece é que os homens por
quem Ele sofreu tanto nunca pensem nos tormentos que Ele suportou.”
Se o Santo ouvisse o balido de um cordeiro, ou visse algo que o
lembrasse dos sofrimentos de Cristo, era obrigado a derramar lá grimas.
Certa vez, quando estava doente e alguém o aconselhou a ler um livro
edificante, ele respondeu: “Meu livro é Jesus Crucificado”. Exortava
constantemente os seus irmã os a pensar na Paixã o de Cristo.
O quinto meio de adquirir o tesouro do amor de Deus é a oraçã o. A
oraçã o constante de uma alma cristã deve ser: “Jesus, dá -me o Teu
santo amor; Maria, minha Mã e, obtende-me o amor de Deus; meu Anjo
da Guarda e todos os meus santos padroeiros, intercedam por mim
para que eu possa amar o meu Deus com todo o meu coraçã o e alma.” O
Senhor é generoso na concessã o dos Seus dons; mas Ele é
especialmente generoso em dar Seu amor à queles que o buscam.
“Este é o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros como eu vos
amei.” — João 15:12.

Capítulo 4
AMOR PELO NOSSO PRÓXIMO

“Este é o meu mandamento: que vocês se amem como eu os amei.”


—Joã o 15:12
É impossível amar o Senhor nosso Deus sem ao mesmo tempo amar o
pró ximo. O mandamento que nos obriga a amar o nosso Deus, obriga-
nos também a amar o nosso pró ximo. “E temos este mandamento de
Deus: quem ama a Deus, ame também a seu irmã o.” ( 1 João 4:21).
Destas palavras do Apó stolo, Sã o Tomá s de Aquino conclui que a ú nica
virtude do amor abrange o amor de Deus e o amor ao pró ximo. Sã o
Jerô nimo conta-nos que quando os discípulos de Sã o Joã o Evangelista
lhe perguntaram por que falava tantas vezes do amor fraternal, ele
respondeu: “Porque é o mandamento do Senhor, e só o cumprimento
deste é suficiente para a salvaçã o eterna”. .”
Santa Catarina de Gênova disse uma vez a Nosso Senhor: “Ó meu Deus,
Tu me ordenas que ame o meu pró ximo, e nã o posso amar ninguém
além de Ti”. Nosso Salvador respondeu: “Minha filha, quem me ama,
ama tudo o que é amado por mim”. Por que, portanto, devemos amar o
nosso pró ximo? Porque ele é amado por Deus. Sã o Joã o estava,
portanto, certo quando chamou de mentiroso aquele que diz que ama a
Deus, mas odeia o pró ximo. Nosso Senhor prometeu que considerará
feito a Si mesmo o que fazemos pelos menores de nossos irmã os: “Em
verdade, eu vos digo: todas as vezes que fizestes isso a um destes meus
irmã os menores, a mim o fizestes. ” ( Mateus 25:40). Disto Santa
Catarina de Gênova conclui: “Se você deseja saber o quanto uma pessoa
ama o seu Deus, veja o quanto ela ama o seu pró ximo”.
A caridade cristã é um dos principais frutos da Redençã o. O profeta
Isaías predisse esta verdade nas seguintes palavras: “O lobo habitará
com o cordeiro, e o leopardo se deitará com o cabrito; o bezerro, o leã o
e as ovelhas habitarã o juntos, e um menino os guiará”. .” ( Is. 11:6). Com
estas palavras ele desejava dizer que os seguidores de Jesus Cristo,
embora procedentes de naçõ es e climas diferentes, e de cará ter e
inclinaçõ es diferentes, viveriam juntos pacificamente, pois o amor
fraternal os induziria a praticar a tolerâ ncia mú tua. E Sã o Lucas, ao falar
dos primeiros cristã os, diz: “A multidã o dos crentes tinha um só coraçã o
e uma só alma”. ( Atos 4:32).
Este foi o efeito da oraçã o que o nosso Redentor dirigiu ao Seu Pai
celeste na véspera da Sua Sagrada Paixã o: “Santo Pai, guarda em teu
nome os que me deste; para que eles sejam um, como nó s também
somos.” ( João 17:11).

JULGAMENTOS RASH
Caro leitor cristã o, se você deseja praticar a bela virtude da caridade,
esforce-se em primeiro lugar para rejeitar todo julgamento precipitado,
toda desconfiança e suspeita infundada em relaçã o ao pró ximo. É uma
falta grave, sem razã o suficiente, duvidar da inocência de outra pessoa.
É ainda mais grave nutrir uma suspeita real, e ainda mais quando, sem
razã o adequada, temos certeza de que outra pessoa fez algo errado.
Aquele que julga desta maneira será ele pró prio julgado: “Nã o julgueis”,
diz nosso Divino Redentor, “para que nã o sejais julgados; pois com o
julgamento que você julgar, você será julgado; e com a medida que você
medir, ela será medida para você novamente.” ( Malte. 7:1-2). Digo “sem
razã o suficiente”, pois quando há bons motivos para suspeitar ou
mesmo acreditar no mal de outra pessoa, nenhum pecado é cometido
por tais pensamentos. Contudo, segundo o ensinamento do Apó stolo, é
sempre mais seguro e mais em harmonia com a caridade pensar bem
dos outros e abster-se de todos os julgamentos e suspeitas
desfavoráveis: “A caridade nã o pensa mal”. ( 1 Coríntios 13:5).
Este conselho nã o se destina, evidentemente, à queles a quem é
confiada a orientaçã o de terceiros, pois é aconselhável e mesmo por
vezes necessá rio que tais nutrirem uma certa desconfiança; caso
contrá rio, grandes males poderã o surgir como resultado de uma
confiança arrogante. Mas se você nã o tem o dever de zelar pelos outros,
procure sempre pensar bem em seus semelhantes. Santa Joana de
Chantal diz: “No pró ximo devemos dirigir a nossa atençã o para o bem e
nã o para o mal. E se acontecer de nos enganarmos considerando como
bom o que na realidade é mau, nã o devemos ficar perturbados, pois
Santo Agostinho diz que a caridade nã o se entristece quando por
engano atribui algo de bom a alguém que é mau.
Cuidado ao tentar descobrir as falhas do seu vizinho. Nã o imiteis
aqueles que andam por aí perguntando o que se diz deles e enchendo
assim o seu coraçã o de suspeita, amargura e aversã o. Muitas vezes as
coisas sã o representadas como diferentes do que realmente sã o. Se
você ouvir, portanto, que um comentá rio desfavorável lhe foi passado,
nã o dê muita importâ ncia à afirmaçã o e nã o procure saber sua origem
ou origem. Aja de tal maneira que todos falem bem de você e depois
deixe os outros falarem como quiserem. Você poderia dizer a si mesmo
quando se fala de suas falhas: “Isso é o mínimo que podem dizer sobre
mim; e se eles soubessem de tudo!

CALUNIA E CALUNIA
Para praticar a caridade na palavra, é preciso, acima de tudo, evitar a
calú nia e a calú nia. Aquele que contraiu este há bito deplorável
desfigura a sua pró pria alma e é odiado em todos os lugares, como diz o
Espírito Santo: “Ele contaminará a sua pró pria alma e será odiado por
todos”. ( Eclesiastes 21:31). Se houver alguns que à s vezes concordam
com ele e o encorajam a falar mal de seu pró ximo, essas mesmas
pessoas mais tarde o evitarã o e estarã o em guarda contra sua língua
venenosa. Eles raciocinam, e com razã o, que se ele falar mal dos outros
para eles, falará mal deles para os outros. Sã o Jerô nimo observa que
muitos que renunciaram aos outros vícios parecem nã o ser capazes de
evitar conversas pouco caridosas. Mesmo entre aqueles que juraram
lutar pela perfeiçã o, há muitos que nã o conseguem mover a língua sem
ferir alguém. Deus conceda que eles nã o possam acabar com suas vidas
como fez um infeliz caluniador; quando estava em seu leito de morte,
ele mordeu a língua em um ataque de raiva e nessa condiçã o morreu.
Sã o Bernardo fala de outro que estava prestes a falar mal de Sã o
Malaquias quando de repente a sua língua inchou e foi devorada por
vermes; depois de sete dias de terrível agonia, ele teve uma morte
miserável.
Mas, por outro lado, quã o caro a Deus e ao homem é aquele que fala
bem de todos! “Se ao longo de sua vida um homem nunca falasse mal de
seu pró ximo, eu o consideraria um santo”, diz Santa Maria Madalena de
Pazzi. Proteja-se cuidadosamente contra o há bito de falar mal dos
outros, especialmente dos superiores. Tornamo-nos culpados de
difamaçã o nã o apenas quando revelamos as falhas ocultas do nosso
pró ximo, mas também quando interpretamos mal as suas boas obras ou
atribuímos-lhes uma má intençã o. É um erro comum de algumas
pessoas, quando falam do pró ximo, começar com elogios e terminar
com culpa. Por exemplo, “Fulano é muito capaz; nã o é uma pena que ele
esteja tã o orgulhoso? Ou: “Ele é muito generoso, mas estraga tudo
sendo vingativo”.
Caro leitor, procure sempre dizer apenas o que é bom para o pró ximo.
Fale dos outros como gostaria que falassem de você. E em relaçã o aos
ausentes, siga o belo conselho de Santa Maria Madalena de Pazzi: “Nã o
digas nada de um irmã o ausente que nã o gostarias de dizer na sua
presença”. Quando você ouvir outras pessoas falando mal, tome cuidado
para nã o encorajá -las, manifestando interesse ou prazer no que elas
dizem; caso contrá rio, você poderia ser um parceiro na culpa deles.
“Existem seis coisas”, diz o Sá bio, “que o Senhor odeia e a sétima a sua
alma detesta”. ( Pv 6:16). Esta sétima coisa é a pessoa que “semeia
discó rdia entre irmã os”. O fofoqueiro sai por aí contando à s pessoas o
que ouviu outros dizerem delas. Ele espalha as sementes da discó rdia,
da inimizade, das brigas e da vingança. Quã o severo será o relato que
tais línguas terã o de prestar perante o tribunal de Deus. Se no calor da
paixã o uma pessoa fala mal de outra, podemos ter paciência com ela;
muito provavelmente ele se arrependerá do que disse. Mas como pode
o Senhor ser paciente com aqueles que deliberadamente semeiam
discó rdia e conflito e destroem a paz e a felicidade dos seus
semelhantes? “Você ouviu alguma palavra contra o seu pró ximo?” diz o
Espírito Santo; “deixe-o morrer dentro de você, confiando que nã o irá te
estourar.” ( Eclesiastes 19:10). Você nã o deve ficar satisfeito apenas em
guardá -lo em seu coraçã o; você deve deixá -lo morrer lá .
Há pessoas que, ao ouvirem um segredo, parecem sofrer as agonias da
morte até que possam divulgá -lo de alguma forma. O segredo deles é
como um espinho que perfura o coraçã o e deve ser arrancado o mais
rá pido possível. Nã o aja dessa maneira. Se você sabe que seu vizinho
cometeu uma falta, fique calado. Só entã o, quando o bem dos outros ou
do culpado o exigir, você poderá revelar o que sabe.
Na conversa, na medida do possível, evite disputas. Há pessoas que têm
um tal espírito de contradiçã o que parecem ter prazer em questionar
sempre o que os outros dizem, mesmo que seja de pouca ou nenhuma
importâ ncia. Assim, pequenas ninharias à s vezes dã o origem a uma
guerra de palavras; a caridade está ferida e os laços de amizade estã o
irremediavelmente rompidos. “Nã o se esforce em assuntos que nã o lhe
dizem respeito”, diz o Sá bio. ( Eclesiastes 11:9).
Mas você dirá : “Estou certo; Nã o suporto ouvir uma conversa tã o
absurda.” Ouça o que diz o Cardeal Belarmino: “Um grama de caridade é
melhor do que toneladas de direito”. Ceder numa guerra de palavras é
obter uma vitó ria, pois você cresce em virtude e preserva a paz, o que é
muito melhor do que manter obstinadamente o seu direito.
Quando você for ofendido ou falar com você com raiva, tente responder
com mansidã o. Se você estiver muito agitado para fazer isso, é melhor
nã o dizer nada, pois no calor da paixã o você pode pensar que o que diz
é certo e apropriado, mas depois, quando a excitaçã o passar, você se
arrependerá do que fez. disse. Um olho perturbado pela raiva, diz Sã o
Bernardo, nã o consegue ver o que é certo ou errado. A paixã o é como
um véu negro que se estende diante dos olhos; enquanto estiver lá , nã o
podemos ver as coisas sob sua luz adequada. Quando aquele que te
ofende pede perdã o, seja generoso o suficiente para concedê-lo de
maneira graciosa. Se você ofendeu outra pessoa, seja rá pido em reparar
o dano que causou. Sã o Bernardo diz que a melhor maneira de curar a
ferida que você infligiu pela falta de caridade é humilhar-se. Quanto
mais você adiar, mais difícil se tornará e, eventualmente, você poderá
negligenciá -lo completamente. Nosso Abençoado Salvador disse certa
vez: “Se ofereceres a tua dá diva no altar e ali te lembrares que teu
irmã o tem algo contra ti; deixa a tua oferta diante do altar e vai
primeiro reconciliar-te com o teu irmã o; e depois, vindo, oferecerá s a
tua oferta. ( Mateus 5:23). Mas se acontecer de tal auto-humilhaçã o
apenas irritar ainda mais a pessoa ofendida, tente por algum outro
meio acalmá -la.

DOAÇÃ O
Um dever de caridade muito importante para com o pró ximo consiste
em dar-lhe esmola quando ele é pobre e necessitado e nó s mesmos
estamos em condiçõ es de fazê-lo: “Do que resta, dá esmola”, diz o nosso
Santíssimo Redentor. ( Lucas 11:41). Mas devemos distinguir: se o
nosso pró ximo estiver em extrema necessidade, somos obrigados a
ajudá -lo com o que nã o é absolutamente necessá rio para o nosso
pró prio sustento. Se a sua necessidade nã o for extrema, mas muito
grande, devemos ajudá -lo naquilo que nó s mesmos nã o necessitamos.
“A esmola livra da morte”, disse o Arcanjo Rafael a Tobias, “e a mesma é
a que purifica os pecados e faz encontrar misericó rdia e vida eterna”. (
Tb 12:9).
“Aquele que tem misericó rdia dos pobres”, diz o Espírito Santo,
“empresta ao Senhor; e ele lhe retribuirá .” ( Pv 19:17). Se nã o pudermos
fazer mais nada, pelo menos recomendemo-lo a Deus, pois a oraçã o
também é uma esmola. “Aquele que vir seu irmã o necessitado”, diz Sã o
Joã o, “e fechar-lhe o coraçã o, como pode permanecer nele a caridade de
Deus?” ( 1 João 3:17). “Com a medida que você medir, ela será medida
para você novamente”, diz nosso Abençoado Redentor. ( Mateus 7:2).
Santa Maria Madalena de Pazzi disse que se sentiria mais feliz ajudando
o pró ximo do que se fosse elevada à contemplaçã o celestial: “Se estou
em contemplaçã o”, disse ela, “Deus está me ajudando; se eu ajudo meu
pró ximo, estou ajudando a Deus”. Isto é verdade, pois o pró prio Nosso
Senhor disse: “Tudo o que vocês fizerem ao menor dos meus irmã os,
vocês fazem a mim”. ( Mateus 25:40).

AME SEUS INIMIGOS


Acima de tudo, recomendo-te a caridade para com os teus inimigos.
“Amai os vossos inimigos”, diz Nosso Senhor, “fazei o bem aos que vos
odeiam; e orai por aqueles que vos perseguem e caluniam, para que
sejais filhos de vosso Pai que está nos céus”. ( Mateus 5:44). Como é
triste ver cristã os que vã o à igreja e até à Sagrada Comunhã o e ainda
mantêm inimizade no coraçã o! Se alguém o feriu e você deseja se
vingar, tente agir como os Cavaleiros fizeram. Sã o Paulino nos diz que
amar o inimigo é uma vingança celestial. Santa Catarina de Sena
vingou-se de uma mulher que havia atacado a sua honra, e esta foi a sua
vingança: durante uma longa e grave doença que a mulher sofreu, Santa
Catarina serviu-a como serva. Santo Acá cio vendeu seus bens para
ajudar um homem que lhe havia roubado seu bom nome. Santo
Ambró sio apoiou um homem que havia tentado contra sua vida.
Venustiano, Governador da Ú mbria, perseguidor da Igreja, mandou
cortar as mã os de Sã o Sabino, Bispo de Spoleto, porque o Santo, em vez
de adorar um ídolo, quebrou-o em pedaços. Diante disso, o Governador
foi tomado por dores tã o violentas nos olhos que pediu ao Santo que o
ajudasse. Sabino rezou por ele e nã o só curou seu corpo, mas também
sua alma; o Governador abraçou a Verdadeira Fé.
Sã o Crisó stomo relata o seguinte exemplo. Quando Sã o Melécio,
Patriarca de Antioquia, viu o povo prestes a apedrejar o oficial que o
conduzia ao exílio, o Santo estendeu os braços e abraçou-o, salvando-
lhe assim a vida. Mas alguém dirá : “Estes eram santos; Eu nã o tenho
essa força e graça.” Santo Ambró sio responde: “Se falta força, reza a
Deus e Ele te dará”. Se perdoarmos os outros, temos a certeza do
perdã o: “Perdoe e você será perdoado”, diz Nosso Senhor. ( Lucas 6:37).
“Se eu chamasse à vida um morto”, diz Sã o Batista Verani, “teria menos
certeza de ser amado por Deus do que quando estou preparado para
fazer o bem à quele que me fez o mal”. O pró prio Nosso Senhor disse um
dia a Santa  ngela de Foligno: “O sinal mais seguro de amor mú tuo
entre Mim e Meus servos consiste em amarem alguém que os ofendeu”.
Se você nã o puder fazer mais nada, caro leitor, ore por aqueles que o
ofenderam ou feriram. Suas irmã s religiosas costumavam dizer de
Santa Joana da Cruz: “Se você quer que Madre Joana reze por você,
basta ofendê-la”. Um dia, quando Santa Isabel, Rainha da Hungria,
rezava por uma pessoa que a tinha ferido, ouviu Nosso Senhor dizer:
“Nunca proferiste uma oraçã o que Me fosse mais agradável do que esta;
em consequência, eu te perdô o todos os seus pecados.”
O amor que se dirige ao bem-estar espiritual do pró ximo é sem dú vida
o melhor. Aos olhos de Deus, diz Sã o Bernardo, uma alma vale mais que
o mundo inteiro. Poderia haver algo, portanto, mais nobre e sublime do
que trabalhar com Jesus Cristo pela salvaçã o das almas? Mas você pode
dizer: “Nã o fui chamado para o serviço do santuá rio; este é o trabalho
dos sacerdotes”. Santo Agostinho responde: “Se você realmente ama a
Deus, fará tudo o que estiver ao seu alcance para que os outros o
amem”. Da mesma forma, podemos dizer: Se você realmente ama a si
mesmo, fará todos os esforços possíveis para ganhar almas para Deus,
pois quem converte um pecador salva nã o apenas o pecador, mas a si
mesmo. Quando Jô natas, com grande perigo para si mesmo, libertou os
judeus das mã os dos filisteus, foi condenado à morte por seu pai
porque, apesar da proibiçã o, havia comido um pouco de mel. Mas o
povo disse a Saul: “Será que Jô natas, que nos livrou a todos da morte,
deveria morrer?” Desta forma obtiveram o seu perdã o e libertaçã o da
morte.
De maneira semelhante, as almas que ajudamos a salvar suplicarã o
suplicante em nosso favor perante o tribunal de Deus. E Deus
responderá ao seu pedido: “De agora em diante eles poderã o descansar
dos seus trabalhos, porque as suas obras os acompanham”. ( Apoc.
14:13). Sã o Gregó rio diz que ganharemos tantas coroas quantas almas
ganharmos para Deus. “Assim brilhe a vossa luz diante dos homens,
para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está
nos céus.” ( Mateus 5:16). Nosso Senhor disse um dia a Santa Maria
Madalena de Pazzi: “Veja quantos cristã os estã o nas mã os do diabo; se
os Meus eleitos nã o os libertarem pela oraçã o, esses infelizes estarã o
eternamente perdidos.”
Se você tiver a oportunidade de ajudar os moribundos, lembre-se de
que está realizando um ato de caridade muito aceitável a Deus. Sã o
Filipe Néri via muitas vezes os anjos colocando palavras de consolo na
língua daqueles que socorriam os moribundos. Cuide para que o
sacerdote seja chamado a tempo de administrar os ú ltimos
Sacramentos enquanto o paciente ainda estiver consciente. Sugira
pequenos atos de fé, esperança, amor e contriçã o. Ajude o sofredor a
pronunciar os santos Nomes com muita frequência e a fazer atos de
resignaçã o à Vontade de Deus. Quando a alma estiver partindo, faça as
oraçõ es pelos moribundos e recomende a alma que partiu quando ela
comparecer perante o tribunal de Deus. Uma coroa perene de oraçõ es
deve ser colocada sobre o tú mulo e lembranças frequentes devem ser
feitas durante a Santa Missa para uma rá pida entrada da alma que
partiu nas alegrias eternas de nosso lar celestial.
“Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos
céus. — Mat. 5:3.

capítulo 5
POBREZA E DESapego

“Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus.”


—Mat. 5:3
Quando os mestres da vida espiritual falam de pobreza de espírito,
geralmente a compreendem num duplo sentido. No sentido restrito
significa um desapego do coraçã o das posses terrenas. Em sentido
amplo, por pobreza de espírito entende-se o desapego de tudo o que é
terreno, seja o que for. Neste sentido, a pobreza de espírito é necessá ria
para todos os que lutam pela perfeiçã o.
Nosso coraçã o nã o pode existir sem amor; amará a Deus ou à s
criaturas. Se nã o ama as criaturas, certamente amará a Deus. Para nos
tornarmos santos devemos, portanto, banir do nosso coraçã o tudo o
que nã o é para Deus. Quando alguém chegava aos Padres do deserto e
desejava ser recebido por eles, perguntavam-lhe: “Vocês trazem um
coraçã o vazio para que seja cheio do Espírito Santo?” E eles tinham
razã o, pois um coraçã o repleto das coisas da terra nã o tem espaço para
o amor de Deus. Quem traz um vaso cheio de terra para a fonte nunca
poderá enchê-lo de á gua até esvaziá -lo da terra com que está cheio.
Como é que tantas pessoas rezam e vã o frequentemente à Sagrada
Comunhã o, e ainda assim nã o fazem progressos consideráveis no amor
de Deus? A razã o é, sem dú vida, porque o coraçã o está cheio de
autoestima, de vaidade, obstinaçã o e apego à s criaturas. Aquele,
portanto, que deseja chegar ao amor perfeito de Deus deve praticar a
pobreza de espírito. Ele deve estar desapegado das posses mundanas,
das honras temporais, dos seus semelhantes e de si mesmo.
Nosso Divino Redentor disse: “Bem-aventurados os pobres de espírito,
porque deles é o reino dos céus”. ( Mateus 5:3). E novamente: “Ai de
você, rico”. ( Lucas 6:24). O que Ele quer dizer com essas palavras? Ele
quer dizer que todos os pobres sã o felizes e todos os ricos sã o infelizes?
Certamente nã o; Ele deseja antes exortar todos, ricos e pobres, à prá tica
da virtude da pobreza e do desapego. Pois há muitos que sã o pobres
nos bens deste mundo, mas seus coraçõ es se apegam tenazmente à s
coisas da terra; enquanto, por outro lado, existem pessoas ricas cujos
coraçõ es estã o totalmente desapegados de seus bens terrenos.

OS POBRES DE ESPÍRITO
Os pobres deste mundo nã o possuem pobreza de espírito pelo simples
facto de sofrerem a falta dos bens desta vida. A pobreza de espírito
consiste no desejo de nã o possuir nada além de Deus. “Conheço um
homem pobre”, diz Santo Agostinho, “e ainda assim descubro que ele
nã o é pobre”; isto é: muitos sã o pobres na realidade, poucos em espírito
e desejo. Santa Teresa diz que aqueles que parecem pobres
externamente, sem o serem em espírito, enganam o mundo e a si
mesmos. De que lhes servirá a pobreza na posse? Aquele que é
externamente pobre, mas em seu coraçã o tem um desejo insaciável de
riqueza, tem apenas os fardos, mas nã o a virtude da pobreza. Os pobres
verdadeiramente virtuosos nã o desejam nada além de Deus, e por isso
mesmo sã o imensamente ricos. Deles fala Sã o Paulo quando diz: “Nã o
tendo nada, possuem todas as coisas”. ( 2 Coríntios 6:10).
Mas como podem aqueles que sã o ricos nos bens desta terra ainda
possuir pobreza de espírito? Eles podem fazer isso sem ter nenhum
apego excessivo à s suas riquezas. Quais sã o os bens desta terra? Eles
sã o realmente bens apenas na aparência e nunca poderã o satisfazer o
coraçã o do homem. “Você comeu”, diz o profeta Aggeus, “mas nã o
comeu o suficiente”. ( Ag. 1:6). Em vez de saciar a fome, diz Sã o
Bernardo, apenas a aumentam. Se os bens mundanos pudessem
satisfazer o coraçã o do homem, os ricos e os poderosos seriam
perfeitamente felizes; mas a experiência ensina o contrá rio. Via de
regra sã o os mais infelizes dos homens, pois sã o torturados pelos
medos, pelos ciú mes e pela tristeza. “Vaidade das vaidades e tudo é
vaidade.” Eu tive todas essas coisas, disse Salomã o, “e eis que tudo é
vaidade e aborrecimento de espírito”. ( Eclesiastes 1:14).
Acrescente a isso o fato de que aqueles que estã o sempre empenhados
em aumentar suas posses terrenas correm grande perigo de se
perderem eternamente. O Apó stolo nos adverte contra isso em sua
epístola a Timó teo: “Aqueles que querem enriquecer caem em tentaçã o
e na armadilha do diabo, e em muitos desejos inú teis e nocivos que
afogam os homens na destruiçã o e na perdiçã o. Pois o desejo por
dinheiro é a raiz de todos os males; que alguns cobiçosos se desviaram
da fé e se envolveram em muitas tristezas. ( 1 Timóteo 6:9-10).
Se desejamos pertencer a Deus, devemos renunciar a todo apego aos
bens da terra. Aquele que luta pelos bens terrenos, diz Sã o Filipe Néri,
nunca se tornará santo. As riquezas que devemos nos esforçar para
obter, diz Sã o Pró spero, nã o sã o bens temporais, mas virtudes,
humildade, mansidã o, castidade, piedade, pois estas constituirã o a
nossa grandeza e gló ria no Céu. “Nã o ajunteis tesouros na terra: onde a
ferrugem e a traça consomem, e onde os ladrõ es minam e roubam.” (
Mateus 6:19). Os ricos podem praticar a pobreza de espírito dando
esmolas e realizando boas obras. “Ó feliz troca”, diz Sã o Pedro Damiã o,
“damos terra e recebemos ouro”; isto é, damos nossos bens terrenos e
recebemos em troca graças de Deus e uma recompensa eterna no Céu.
Em todas as épocas da era cristã houve pessoas de posiçã o distinta que
viveram com grande simplicidade para serem capazes de realizar boas
obras. Violanta Palombara, senhora da nobreza, vestiu-se de linho
comum. Seu rosá rio era feito de madeira barata. Pouco antes de sua
morte, ela exclamou: “Oh, o que estou vendo! Meu vestido ficou
brilhante e minhas contas brilham como diamantes.”

VERDADEIRO DESapego
Nosso desapego das coisas desta terra é comprovado pela nossa
resignaçã o à Vontade de Deus em desastres temporais, como perdas
financeiras por acidente ou roubo. A fé nos ensina que nada acontece
sem a permissã o de Deus. Se, portanto, sofremos a perda de nosso bom
nome ou de nossas posses temporais, Deus, é claro, nã o deseja o pecado
que é assim cometido, mas Ele deseja ou permite o sofrimento que
recai sobre nossa sorte e Ele o deseja para o nosso bem. Quando um
mensageiro chegou ao piedoso Jó e anunciou que os sabeus haviam
roubado todos os seus pertences e assassinado seus filhos, o homem
santo respondeu: “O Senhor deu, e o Senhor tirou”. Ele nã o disse: “O
Senhor deu e os sabeus tiraram”, mas: “O Senhor deu e o Senhor tirou:
como quis ao Senhor, assim se faz: bendito seja o nome do Senhor. ” ( Jó
1:21). Finalmente, provamos que possuímos o espírito de desapego
quando estamos prontos a sacrificar tudo o que temos – riquezas,
honras, dignidades, posiçã o – em suma, todas as vantagens temporais,
em vez de ofender a Deus.
Tais eram os sentimentos dos santos má rtires. Dacian, Governador da
Província de Tanigma, dirigiu-se ao jovem diá cono Vicente com as
seguintes palavras: “Meu rapaz, você ainda é jovem; os sorrisos e os
favores da fortuna esperam por você. Para possuí-los, basta renunciar à
sua religiã o; obedeça ao Imperador e escape de uma morte
ignominiosa.” Vicente voltou-se para o Bispo Valerius, que com ele
estava diante do Governador, e disse: “Meu Pai, se quiseres, responderei
por ti também”. O santo Bispo, que estava preparado para sofrer tudo
por amor de Jesus Cristo, respondeu: “Sim, meu filho; como já te
comissionei a pregar a palavra de Deus, agora te comissiono a confessar
nossa fé.” Em seguida, Vicente declarou ao governador que tanto Valério
quanto ele pró prio adoravam apenas um Deus e que nã o podiam e nã o
iriam adorar demô nios, pois tais eram os deuses do Império Romano.
“Além disso”, disse ele, “nã o imagine que nos influenciará por meio de
ameaças ou promessas. Nã o há nada neste mundo que se compare à
honra e à felicidade de morrer por Jesus Cristo.” Enfurecido com o
destemor do santo diá cono, o Governador gritou: “Ou o sacrifício aos
deuses ou o seu desprezo lhes custará a vida.” O santo diá cono
respondeu em voz alta: “Já lhe disse que nã o poderia nos fazer maior
favor do que nos matar por Jesus Cristo, e pode ter certeza de que se
cansará de nos torturar antes que nos cansemos de sendo
atormentado.”
Consideremos agora alguns dos meios necessá rios para adquirir esse
desapego das coisas da terra. Em primeiro lugar, para remover do
coraçã o todo apego excessivo, é necessá rio pensar na morte. O dia da
morte é chamado de “dia da perda” porque neste dia as riquezas, as
honras e os prazeres da terra sã o perdidos. Por isso, diz Santo
Ambró sio, nã o devemos realmente chamar essas coisas de nossas,
porque nã o podemos trazê-las conosco para o outro mundo, onde
somente a virtude pode nos acompanhar. Tinha razã o, portanto, aquele
homem que, ao perceber a vaidade do mundo, escreveu numa caveira
as seguintes palavras: “Para quem pensa, tudo aqui embaixo parece
merecedor de desprezo”. Mas por que existem tantos amantes infelizes
nesta terra? Porque sã o tã o poucos os que pensam na morte.
Pobres filhos de Adã o, diz o Espírito Santo, por que nã o banis de vossos
coraçõ es todo apego terreno? “Por que você ama a vaidade e procura
mentir?” ( Salmo 4:3). O que aconteceu com seus antepassados
acontecerá com você. Eles também adoraram a habitaçã o que agora é
sua; agora eles nã o existem mais; eles foram para a eternidade e você os
seguirá .

A POBREZA DE CRISTO
O segundo meio consiste na meditaçã o frequente sobre a pobreza de
Jesus Cristo e a estima que Ele tinha por esta santa virtude. Para o
nosso bem, e para nos dar exemplo, o nosso Divino Redentor quis levar
uma vida tã o pobre na terra que Santa Maria Madalena de Pazzi
chamou a pobreza de esposa de Jesus Cristo. Sã o Bernardo diz: “A
pobreza nã o se encontrava no céu, mas reinava na terra. A humanidade,
porém, nã o reconheceu o seu valor e, por isso, o Filho de Deus desceu
para escolher a pobreza como sua companheira inseparável e para nos
ensinar a estimá -la”.
Este pensamento está em sintonia com o que o Apó stolo escreve aos
seus discípulos: “Pois vó s conheceis a graça de nosso Senhor Jesus
Cristo: que, sendo rico, se fez pobre por causa de vó s; para que através
de sua pobreza você possa ser rico”. ( 2 Coríntios 8:9). Embora o nosso
Divino Redentor fosse o Senhor e Mestre de todas as riquezas do Céu e
da terra, Ele quis, no entanto, tornar-se pobre neste mundo para que
através do Seu exemplo pudéssemos tornar-nos ricos. Ele quis induzir-
nos a amar a pobreza como Ele fez, porque a pobreza, ao separar-nos
das riquezas terrenas, permite-nos participar dos tesouros do Céu. O
terceiro meio consiste em insistir frequentemente no ensinamento de
nosso Abençoado Senhor de que os pobres de espírito terã o uma
grande e certa recompensa. A recompensa deles é certa, pois quando
nosso Salvador enumerou as bem-aventuranças no Evangelho, Ele se
referiu na maioria dos casos ao futuro, como “Bem-aventurados os
mansos porque possuirã o a terra! Bem-aventurados os puros de
coraçã o porque eles verão a Deus!” Mas aos pobres de espírito Ele
promete felicidade mesmo nesta vida: “Bem-aventurados os pobres de
espírito, porque deles é o reino dos céus”. ( Mateus 5:3). Enquanto estã o
aqui na terra, eles recebem graças especiais.
A recompensa dos pobres de espírito é, em segundo lugar, muito
grande. “Quanto menos tivermos aqui”, diz Santa Teresa, “maior será a
nossa alegria no Céu, onde a nossa morada corresponderá ao amor com
que imitá mos a vida de pobreza do nosso Divino Mestre aqui na terra”.
Os verdadeiramente pobres de espírito desfrutam de uma paz celestial
mesmo aqui neste mundo. “Oh, que felicidade a pobreza voluntá ria
proporciona”, diz Sã o Lourenço Justiniano; “o pobre nã o possui nada e
portanto nada tem a temer; ele está sempre alegre, pois sempre tem
abundâ ncia, pois sabe tirar proveito espiritual de tudo o que é pesado”.
Segundo as palavras de Sã o Bernardo, um avarento anseia por riquezas
como um mendigo, porque nunca poderá satisfazer seu desejo
insaciável. Aquele, por outro lado, que é pobre por escolha, despreza os
bens desta terra e é ao mesmo tempo o senhor de tudo.
O quarto meio consiste em amar a Deus sem reservas. Uma alma
profundamente penetrada pelo amor divino inclina-se por si mesma,
certamente nã o sem a ajuda da graça, a despojar-se de todas as coisas
terrenas que possam impedi-la de pertencer inteiramente a Deus. Pelo
amor de Jesus Cristo, certo homem rico renunciou a todos os seus bens.
Quando um de seus amigos lhe perguntou como havia caído em tal
pobreza, ele tirou um exemplar do Evangelho e disse: “Isso é o que me
roubou tudo o que eu possuía”. O Espírito Santo nos diz que todos os
tesouros da Terra sã o como nada aos olhos de quem ama a Deus. Se
uma alma dirige todo o seu amor a Deus, essa alma despreza as
riquezas, os prazeres, as honras, os reinos e tudo o mais que este
mundo possa dar. Ela ama somente a Deus e diz sem interrupçã o: “Ó
meu Deus, somente a Ti desejo!” Quem ama a Deus nã o está ansioso por
ganhar a estima e o amor dos homens; todos os seus esforços sã o
direcionados para um fim, agradar a Deus, ú nico objeto de seu amor.
Santo Hilá rio diz: “Todas as honras terrenas sã o coisas do diabo”. Na
verdade, o diabo está trabalhando no interesse do Inferno quando
inspira uma alma com o desejo da estima do mundo. Pois quando uma
alma perde a humildade corre o risco de ser lançada no abismo. Um
grande servo de Deus disse certa vez: “Quando ouvimos que um
Salomã o, ou um Tertuliano, caíram estes cedros do Líbano, temos uma
prova de que eles nã o se entregaram inteiramente a Deus, mas
alimentaram o orgulho em seus coraçõ es, e em esse relato se desviou
do caminho da justiça. Deveríamos tremer quando experimentamos
dentro de nó s o desejo de brilhar diante dos outros e de sermos
honrados por eles. Esses sussurros podem ser o início de nossa miséria
eterna.” Muitos que têm pretensõ es de piedade sã o adoradores de sua
pró pria honra. Eles têm uma certa aparência de virtude e, ao mesmo
tempo, desejam ser elogiados por tudo o que fazem. Se ninguém os
elogia, eles elogiam a si mesmos. Desejam parecer melhores que os
outros e, se ouvem que o seu bom nome foi atacado, perdem todo o
controlo sobre si mesmos, negligenciam a Sagrada Comunhã o e todos
os seus exercícios de piedade. Eles nã o podem encontrar descanso até
que tenham reparado o suposto dano que lhes foi causado.
Essa nã o é a conduta daqueles que amam a Deus sinceramente. Longe
de se elogiarem ou de terem prazer em ouvirem-se elogiados, ficam
perturbados com o reconhecimento que recebem e alegram-se quando
sã o chamados a sofrer o desprezo. “Sou apenas aquilo que sou diante
de Deus”, disse Sã o Francisco de Assis. De que adianta sermos
estimados pelos homens se somos desprezíveis aos olhos de Deus? E o
que importa se somos desprezados pelo mundo, desde que sejamos
aceitáveis diante de Deus? “Quem nos louva”, diz Santo Agostinho, “nã o
nos liberta do castigo que merecemos pelos nossos pecados, e quem
nos culpa nã o pode roubar-nos o mérito das nossas boas obras”.
“Ó meu Deus”, exclama Santa Teresa, “o que importa se somos amados
ou odiados pelas criaturas, desde que sejamos irrepreensíveis diante de
Ti!” O ú nico desejo dos santos era viver na obscuridade e no desprezo.
“Que mal fazem aqueles que têm uma opiniã o negativa sobre nó s?”
pergunta Sã o Francisco de Sales. “Nã o deveríamos ter essa opiniã o
sobre nó s mesmos? É certo desejar que os outros pensem bem de nó s,
quando sabemos muito bem que somos maus?”

UMA VIDA ESCONDIDA


Uma vida oculta e obscura proporciona grande segurança à queles que
desejam sinceramente amar a Deus. O pró prio nosso Divino Mestre
dignou-se ensinar-nos isso pelo seu pró prio exemplo, pois passou 30
anos na obscuridade de Nazaré e na oficina de um humilde carpinteiro.
Imitando seu Modelo Divino, muitos santos retiraram-se para o deserto
e viveram em cavernas remotas para escapar da estima dos homens. O
desejo de nos apresentarmos e merecermos os aplausos dos homens,
de sermos considerados muito bem sucedidos nos nossos
empreendimentos, é, segundo Sã o Vicente de Paulo, um mal que nos faz
esquecer o nosso Deus; vicia nossas açõ es mais santas e, mais do que
qualquer outra coisa, impede nosso progresso na vida espiritual.
Para sermos agradáveis e aceitáveis aos olhos de Deus, devemos,
portanto, banir dos nossos coraçõ es o desejo de aparecer diante dos
homens para ganhar a sua aprovaçã o e aplausos, e especialmente o
desejo de governar os outros. “A ambiçã o desmedida”, escreve Pedro de
Blois, “imita a caridade, mas de maneira perversa. A caridade suporta
todas as coisas, mas apenas por causa dos bens eternos; a ambiçã o
suporta todas as coisas, mas apenas pelas miseráveis honras deste
mundo. A caridade é cheia de mansidã o, especialmente para com os
pobres e desprezados; a ambiçã o é cheia de gentileza, mas apenas para
com os influentes deste mundo que estã o em posiçã o de satisfazer os
seus desejos. A caridade crê e espera tudo o que pertence à gló ria
eterna; a ambiçã o acredita e espera em tudo o que conduz à vã honra e
gló ria deste mundo.”
E desde que alcancemos a suposta honra pela qual lutamos, o que
ganhamos? O que mais senã o um pouco de fumaça que geralmente, em
vez de nos elevar, nos rebaixa aos olhos dos outros. A honra desaparece,
diz Santa Teresa, em consequência do desejo que tivemos de alcançá -la.
Quanto maior for a honra que recebemos, maior será a desgraça por
termos lutado por isso. Santa Joana Chantal diz: “Quanto mais dignos
nos consideramos de algum cargo ou emprego, menos dignos seremos
de tê-lo, pois mostramos que nos falta humildade, que seria a nossa
melhor qualificaçã o”. Quando Sã o Vicente Carafa, da Companhia de
Jesus, visitou um amigo doente que acabara de ser nomeado para um
cargo muito importante, mas perigoso, o doente implorou-lhe que
rezasse pela sua recuperaçã o. Sã o Vicente respondeu: “Nã o, meu amigo,
nã o serei infiel ao meu amor por você. Agora que você está em estado
de graça, Deus o chama para o outro mundo porque Ele deseja a sua
salvaçã o. Se Ele lhe permitisse viver, nã o sei se você salvaria sua alma
em seu novo cargo.” Diante disso, o doente aceitou silenciosamente a
morte das mã os de Deus e morreu com perfeita resignaçã o.

VERDADEIRO DESapego
O desapego dos seres humanos nã o significa que nã o devemos amar
ninguém nesta terra, mas significa que as nossas inclinaçõ es devem
estar de acordo com a Vontade de Deus e agradá -Lo. Tanto a natureza
como a religiã o impõ em-nos a obrigaçã o de amar os nossos pais,
parentes e benfeitores. Mas este amor torna-se desordenado e mau
quando nos leva a ofender a Deus e impede o nosso progresso numa
vida virtuosa. Muitos cristã os fariam grandes progressos no caminho da
perfeiçã o se fossem libertados de todos os apegos terrenos. Mas porque
cultivam algum apego desordenado em seus coraçõ es e nã o estã o
dispostos a renunciar a ele, continuam em sua condiçã o lamentável,
sem avançar um ú nico passo no caminho da virtude. Sã o Joã o da Cruz
diz: “Uma alma que está apegada a qualquer criatura nunca alcançará a
uniã o perfeita com Deus, mesmo que essa alma possua muitas outras
virtudes”. Pouco importa se um pá ssaro está preso com uma corda forte
ou fraca, pois o pá ssaro permanece cativo e incapaz de voar enquanto a
corda nã o estiver quebrada. É triste ver tantas almas que, de outra
forma, sã o ricas em virtudes e graças, mas que nunca alcançam uma
uniã o perfeita com Deus porque nã o têm coragem de renunciar a
alguns pequenos apegos. Basta um esforço generoso para romper o
cordã o que os une e constitui o ú nico obstá culo à sua felicidade.
Para chegar à uniã o perfeita com Deus é necessá rio, portanto, estar
totalmente desapegado das criaturas. Em particular, devemos renunciar
a qualquer apego excessivo aos nossos familiares. Nosso Senhor e
Salvador Jesus Cristo nos diz que quem é muito apegado aos parentes
nã o pode ser Seu discípulo. E porque? Porque muitas vezes acontece
que nã o temos maiores inimigos em nossa alma do que nossos pró prios
parentes. “Os inimigos do homem sã o os da sua família.” ( Mateus
10:36). Sã o Carlos Borromeu dizia que sempre que visitava seus
parentes, voltava com menos zelo pela gló ria de Deus. Quando
perguntaram ao Padre Antony Mendoza por que nunca visitou a casa de
seus pais, ele respondeu: “Porque estou ciente de que nã o há lugar onde
os religiosos percam tã o facilmente o espírito de piedade como entre
seus parentes”.
Aquele que renunciou verdadeiramente ao apego excessivo aos seus
parentes nã o será imoderadamente abatido quando a morte reclamar
alguém que lhe é pró ximo e querido. Há muitos que ficam inconsoláveis
com a morte de um parente ou amigo. Choram e gemem e entregam-se
a uma tristeza e impaciência tã o desenfreadas que ninguém ousa
aproximar-se deles. Eu me pergunto a quem eles acham que agradam
com tamanha tristeza irracional e tamanha torrente de lá grimas! É
Deus? Certamente nã o; pois Deus deseja que nos resignemos à Sua
santa Vontade. É a alma do falecido? Novamente, nã o; pois se essa alma
está no Inferno, ela rejeita essas lá grimas e aquele que as derrama. Se
está salvo e já está no Céu, entã o seu maior desejo é que parentes e
amigos se unam a ele para agradecer a Deus. Se a alma ainda está no
Purgató rio, ela anseia ardentemente pelas oraçõ es dos seus amigos, e
pela perfeita resignaçã o à Vontade de Deus, para que todos possam se
reunir um dia no Céu. Qual é o propó sito, portanto, de tal choro e
lamentaçã o excessivos? Um dia, quando o Venerável Teatino José
Caracciolo visitava seus parentes que lamentavam constantemente a
morte de seu irmã o, ele lhes disse: “Todos, poupemos nossas lá grimas
por um objeto mais digno; despojemo-nos deles pela morte de Jesus
Cristo, que é nosso Pai, nosso Irmã o e nosso Esposo, e que sofreu a
morte por amor a nó s”. Nessas ocasiõ es deveríamos imitar o piedoso Jó ,
que por ocasiã o da morte dos seus filhos disse com bela resignaçã o: “O
Senhor deu; o Senhor tirou: como quis ao Senhor, assim se fez: bendito
seja o nome do Senhor. ( Jó 1:21).
No ano de 1624, o filho de um piedoso japonês foi condenado à morte.
Quando o jovem se despediu de sua mã e, ele lhe dirigiu as seguintes
palavras: “Querida mã e, finalmente chegou a hora pela qual ansiava
tanto e pela qual tantas vezes rezei a Deus. Agora vou morrer. Perdoe-
me todos os problemas e tristezas que lhe causei e dê-me uma bênçã o
materna. Ele entã o se ajoelhou para receber sua bênçã o. Sua mã e o
abraçou com ternura e disse: “Meu querido menino, que Deus o
abençoe e lhe conceda a graça de ter uma morte santa. Dó i meu coraçã o
perder você; mas estou consolado com o pensamento de que você
morre por Jesus Cristo. Que Ele seja eternamente abençoado por esta
grande graça que Ele concede a você.” Entã o o jovem dirigiu-se ao
carrasco para receber o golpe mortal. Que magnífico exemplo de
desapego dos parentes!

RESIGNAÇÃ O À VONTADE DE DEUS


Além disso, o desapego exige que nos resignemos à Vontade de Deus na
perda daqueles que nos sã o ú teis nas nossas preocupaçõ es temporais
ou espirituais. A este respeito, as almas piedosas cometem muitas vezes
faltas graves por falta de resignaçã o à disposiçã o da Divina Providência
em relaçã o ao seu confessor. Nã o sã o os confessores, mas Deus, que nos
santifica. Quando Ele os dá a nó s, Ele deseja que aproveitemos seu
ministério sagrado nos assuntos de nossa consciência; se Ele os tira de
nó s, Ele deseja que redobremos nossa confiança em Sua bondade e
falemos com Ele desta maneira: “Senhor, Tu me deste esta assistência;
agora Tu o tiras de mim novamente; Seja feita a tua santa vontade!
Venha em meu auxílio e ensine-me o que devo fazer para ser fiel a Ti!”
Jesus Cristo é o nosso verdadeiro Consolador, o nosso verdadeiro Líder,
o nosso verdadeiro Amor, sim, o ú nico Amor da nossa alma. Ele nã o
deseja que busquemos consolo fora Dele. Certamente, Deus deseja que
nã o abandonemos nosso diretor espiritual enquanto pudermos tê-lo;
mas quando Ele mesmo o levar embora, Ele nos dará outro ou fornecerá
sua assistência de alguma outra forma.
Acima de tudo, devemos estar desapegados de nó s mesmos, ou seja, da
nossa pró pria vontade. Quem sabe se superar vencerá facilmente todas
as outras dificuldades. Foi esta autoconquista que Sã o Francisco Xavier
recomendou com tanto fervor a todos os que buscam a perfeiçã o. “Se
alguém quiser vir apó s mim”, diz nosso Abençoado Senhor, “negue-se a
si mesmo”. ( Mateus 16:24). A epítome de tudo o que devemos fazer
para nos tornarmos santos é encontrada numa ú nica palavra:
abnegaçã o. Devemos, portanto, amar a Deus como Deus deseja e nã o
como nó s desejamos. Mas Deus deseja que a nossa alma se esvazie de
tudo o que é terreno para uni-la a Ele e preenchê-la com o Seu amor. Há
muitos que desejam alcançar a uniã o perfeita com Deus; mas nã o estã o
dispostos a suportar as contradiçõ es que Deus lhes envia. Enquanto
nã o estiverem perfeitamente resignados à Vontade de Deus, nã o existe
pensamento de uniã o perfeita. “O caminho para a uniã o com Deus”, diz
Santa Catarina de Sena, “passa pelas afliçõ es e pelas tristezas”. Estes sã o
os meios que Deus usa para nos purificar de todas as má s inclinaçõ es. A
doença, a pobreza, o desprezo, a tentaçã o e a contradiçã o sã o
permitidos por Deus para nos dar a oportunidade de lutar contra as
nossas inclinaçõ es e obter a vitó ria sobre as nossas paixõ es.
Segundo Sã o Joã o da Cruz: “Devemos mortificar os nossos sentidos e
desejos”. No que diz respeito aos sentidos devemos, por amor a Jesus
Cristo, rejeitar toda gratificaçã o que nã o se refira à honra de Deus. Por
exemplo, se surgir dentro de nó s o desejo de ver ou ouvir coisas que
nã o sã o calculadas para nos aproximar de Deus, devemos suprimir tal
desejo. Além disso, a nossa preferência deve ser pelas coisas
incó modas, desagradáveis e amargas que a natureza tanto tenta evitar.
Numa palavra, quem ama sinceramente Jesus Cristo, banirá do seu
coraçã o todo apego aos bens terrenos e despojará -se de tudo para estar
perfeitamente unido ao seu Santíssimo Redentor. Todos os seus desejos
estã o centrados em Jesus Cristo. Ele está sempre pensando Nele,
sempre ansiando por Ele. Em todo lugar e em todas as ocasiõ es ele
deseja agradar somente a Ele. Mas para chegar a este amor sincero é
necessá rio banir do coraçã o todas as inclinaçõ es e apegos que nã o sã o
para Deus.
O que, portanto, uma alma deve fazer para se entregar inteiramente a
Deus? Ela deve evitar tudo o que desagrada a Deus e fazer tudo o que
Lhe agrada. Em segundo lugar, ela deve aceitar tudo o que lhe for
enviado pela mã o de Deus, por mais difícil ou desagradável que seja. E
em terceiro lugar, em todas as coisas ela deve preferir a Vontade de
Deus à sua pró pria. Desta forma fazemos uma oferta completa e digna
do coraçã o a Deus.
“Bem-aventurados os limpos de coraçã o, porque verã o a Deus.” — Mat.
5:8.

Capítulo 6
CASTIDADE
“Bem-aventurados os limpos de coração, porque verão a Deus.”
—Mat. 5:8
Ninguém conhece melhor o valor da castidade do que o pró prio Deus.
Agora Deus diz: “Nenhum preço é digno de uma alma continental”. (
Eclesiastes 26:20). Tudo o que o homem valoriza e estima, riquezas,
prazeres, honras, nã o se compara a uma alma continental. Santo Efrém
chama a castidade de “a vida do espírito”. Sã o Pedro Damiã o a
denomina “a rainha das virtudes”, e Sã o Cipriano diz que por meio da
castidade celebramos os triunfos mais gloriosos. Aquele que vence o
vício oposto a esta virtude triunfará facilmente sobre os demais. Pelo
contrá rio, quem se deixa dominar pela incontinência torna-se presa
fá cil de outros vícios como o ó dio, a injustiça, etc. A castidade, diz Santo
Efrém, torna-nos, em certo sentido, como anjos. Esta comparaçã o é
totalmente justificada, pois a vida dos anjos está longe de ser uma vida
de gratificaçõ es carnais. Os anjos sã o puros por natureza; as almas
castas sã o puras em razã o da virtude. “Por conta do mérito desta
virtude”, diz Cassiano, “os seres humanos sã o colocados no mesmo nível
dos anjos”. “É claro que há uma diferença”, diz Sã o Bernardo, “entre o
homem casto e o anjo, mas nã o é uma diferença de virtude; é apenas
uma felicidade. Se a castidade dos anjos é mais abençoada, a castidade
do homem é mais corajosa.”
Sã o Basílio nos diz que “a castidade torna o homem muito semelhante
ao pró prio Deus, que é um espírito puro”. Por esta razã o Nosso Senhor
escolheu uma virgem para Sua Mã e, uma virgem para Seu pai adotivo,
Sã o José, uma virgem para Seu precursor, Sã o Joã o Batista. Sã o
Jerô nimo diz que Nosso Senhor amou Sã o Joã o Apó stolo mais do que os
demais por causa desta virtude. À discípula virgem Ele confiou a Sua
Mã e Imaculada, tal como agora confia a Sua Santa Igreja e a Sua Sagrada
Presença na Sagrada Eucaristia aos cuidados do sacerdote celibatá rio.
“Ó santa pureza”, diz Santo Ataná sio, “tu és a morada do Espírito Santo,
a vida dos anjos e a coroa dos santos”. Quã o grande é, portanto, o valor
da castidade! Mas quã o terrível é a guerra que a carne trava para nos
roubar esta pérola preciosa!
Nosso corpo é a arma mais poderosa que o diabo possui para nos
tornar seus escravos. Por esse motivo, é raro que um homem saia
vitorioso deste conflito. “A luta pela castidade”, diz Santo Agostinho, “é a
mais violenta de todas; a batalha se renova a cada dia e a vitó ria é rara.”
“Quantos infelizes existem”, diz Sã o Lourenço Justiniano, “que, tendo
passado longos anos na solidã o, entre oraçã o, jejum e mortificaçã o,
cederam finalmente à sensualidade, renunciaram à sua vida santa e,
com a perda da castidade, sofreram o perda de Deus.”

NECESSÁ RIA GRANDE VIGILÂ NCIA


Aquele, portanto, que deseja preservar a virtude da castidade deve
tomar a maior precauçã o. “É impossível para você permanecer casto”,
diz Sã o Carlos Borromeu, “a menos que você cuide constantemente de
si mesmo. A negligência a este respeito leva quase invariavelmente à
perda da virtude.” Com relaçã o aos maus pensamentos, pode haver uma
dupla ilusã o. As almas tementes a Deus, que têm pouco ou nenhum
dom de discernimento e sã o propensas a escrú pulos, pensam que todo
pensamento perverso que lhes entra na mente é um pecado. Isto é um
erro, pois nã o sã o os pensamentos perversos em si que sã o pecados,
mas a submissã o ou o consentimento a eles. A maldade do pecado
mortal consiste na vontade perversa que cede deliberadamente ao
pecado com pleno conhecimento da sua maldade e com pleno
consentimento. E, portanto, Santo Agostinho ensina que quando falta o
consentimento da vontade, nã o há pecado. Por mais que sejamos
atormentados pelas tentaçõ es, pela rebeliã o dos sentidos ou pelos
movimentos desordenados da parte inferior da alma, enquanto nã o
houver consentimento, nã o haverá pecado.
Para o conforto dessas almas ansiosas, deixe-me sugerir uma boa regra
de conduta que é ensinada por todos os mestres na vida espiritual. Se
uma pessoa que teme a Deus e odeia o pecado duvida se consentiu ou
nã o com um pensamento maligno, nã o é obrigada a confessá -lo, porque
é moralmente certo que nã o deu consentimento. Pois se ele realmente
tivesse cometido um pecado mortal, nã o teria dú vidas sobre isso, pois o
pecado mortal é um monstro tã o grande aos olhos de quem teme a
Deus que sua entrada no coraçã o nã o poderia ocorrer sem que fosse
conhecido.
Outros, pelo contrá rio, cuja consciência é frouxa e pouco informada,
pensam que maus pensamentos e desejos, embora consentidos, nã o sã o
pecados, desde que nã o sejam seguidos de açõ es pecaminosas. Este
erro é pior que o mencionado acima. O que nã o podemos fazer,
podemos nã o desejar. Portanto, um mau pensamento ou desejo com o
qual consentimos compreende em si toda a maldade de uma má açã o.
Assim como as açõ es pecaminosas nos separam de Deus, os
pensamentos perversos nos roubam Sua graça. “Pensamentos
perversos nos separam de Deus”, diz o Livro da Sabedoria (1:3).
Do que foi dito, segue-se que nem todos os maus pensamentos sã o
pecaminosos e nem todos os pensamentos pecaminosos sã o iguais em
malícia. Devemos, portanto, distinguir entre um pensamento maligno
que é um pecado mortal, um que é venial e um que nã o é pecado algum.
No que diz respeito aos pecados do pensamento, três coisas devem ser
levadas em consideraçã o: seduçã o, prazer e consentimento. Por
seduçã o ou seduçã o entende-se o primeiro pensamento que nos leva a
cometer o pecado sugerido aos nossos sentidos. Esta tentaçã o ou
sugestã o nã o é pecado; na verdade, se for imediatamente rejeitado pela
vontade, torna-se uma fonte de mérito. “Todas as vezes que você resiste
à tentaçã o”, diz Santo Antonino, “muitas vezes você merece uma coroa”.
Até os santos foram atormentados por tais pensamentos. Para vencer a
tentaçã o da impureza, Sã o Bento enrolou-se num leito de espinhos e
Sã o Pedro de Alcâ ntara mergulhou na á gua gelada de um lago. Sã o
Paulo nos diz que foi tentado contra a santa pureza! “E para que a
grandeza das revelaçõ es nã o me exaltasse, foi-me dado um aguilhã o na
carne, um anjo de Sataná s para me esbofetear. Por isso três vezes
roguei ao Senhor, para que se afastasse de mim. E ele me disse: A minha
graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza.” ( 2 Coríntios
12:7-9).
“Quando um ladrã o tenta arrombar uma porta”, diz Sã o Francisco de
Sales, “é sinal de que ainda nã o está em casa. Assim também, quando o
diabo continua a tentar uma alma, é um sinal de que a alma ainda está
na graça de Deus.” Certa vez, Santa Catarina de Sena foi violentamente
atacada pelo diabo durante três dias com tentaçõ es contra a santa
pureza. Quando Nosso Senhor lhe apareceu para confortá -la, ela gritou:
“Ah meu Salvador, onde estiveste estes três dias?” Jesus respondeu: “Eu
estava no seu coraçã o e fui eu quem lhe deu forças para resistir a essas
tentaçõ es.” Nosso Senhor entã o lhe deu a entender que seu coraçã o
estava mais puro depois do ataque do que antes.
Ao lado da tentaçã o vem o prazer. Se a tentaçã o nã o for imediatamente
rejeitada, experimenta-se um certo prazer, e é isso que nos apressa a
consentir. Enquanto a vontade nã o concordar totalmente, nã o há
pecado mortal; no má ximo é venial. Mas se nã o houver recurso
imediato a Deus e nã o forem feitos todos os esforços para resistir à
tentaçã o, a vontade estará muito apta a dar pleno consentimento e cair
em pecado grave. Uma certa mulher considerada santa foi um dia
tentada por um pensamento maligno. Nã o conseguindo rejeitá -lo
imediatamente, ela tornou-se culpada de um pecado grave. Por falsa
vergonha, ela deixou de confessar o pensamento pecaminoso ao qual
havia cedido e, pouco depois, morreu. Ora, o bispo do lugar a
considerava uma santa e, por isso, mandou sepultá -la em sua pró pria
capela. No dia seguinte a infeliz alma apareceu-lhe e declarou que,
devido a um pensamento pecaminoso em que consentira, estava
eternamente perdida.

MEIOS PARA SUPERAR A TENTAÇÃ O


Quando atacados por tais tentaçõ es, portanto, devemos recorrer
imediatamente aos meios necessá rios para superá -las. O primeiro meio
consiste em humilhar-se continuamente diante de Deus. Davi
reconheceu que havia caído em pecado porque nã o tinha sido humilde
e confiava demais em si mesmo. “Antes de ser humilhado, eu me ofendi.”
( Salmo 118:67). Desconfiados de nó s mesmos, portanto, devemos
colocar toda a nossa confiança em Deus. O segundo meio é recorrer
imediatamente a Deus sem parar para considerar a tentaçã o. O melhor
a fazer é pronunciar os santos nomes de Jesus e Maria e continuar a
pronunciá -los até que a tentaçã o seja vencida. Se for uma tentaçã o
violenta, talvez seja bom repetir a seguinte resoluçã o: “Oh meu Deus,
prefiro morrer a ofender-Te! Ó meu Jesus, ajuda-me! Maria, minha Mã e,
ajuda-me!” Os nomes de Jesus e Maria têm particular eficá cia contra as
tentaçõ es do diabo.
O terceiro meio consiste em receber frequentemente os Sacramentos da
Penitência e da Sagrada Eucaristia. É da maior importâ ncia revelar as
nossas tentaçõ es ao nosso confessor. “Uma tentaçã o revelada”, diz Sã o
Filipe Néri, “está meio superada”. Se alguém tiver a infelicidade de ceder
a tais tentaçõ es, nã o deverá perder tempo em confessá -lo. Quanto à
Sagrada Comunhã o, é bom lembrar que este Alimento celestial nos dá
grande força para resistir à s tentaçõ es. O precioso Sangue de Jesus
Cristo que recebemos na Sagrada Comunhã o é chamado de “vinho
jorrando virgens”. ( Zac. 9:17). O vinho terreno é uma armadilha para a
castidade. Este vinho celestial é o seu conservante.
Um quarto meio é a devoçã o à Imaculada Mã e de Deus, a Virgem das
virgens. Oh, quantos se mantiveram puros como anjos pela devoçã o a
esta Abençoada Rainha dos anjos! Outros meios surgirã o a cada
indivíduo, como evitar a ociosidade, pois “a ociosidade é a oficina do
diabo”; modéstia dos olhos e diligência em evitar ocasiõ es perigosas ou
pró ximas. Quase todas as paixõ es que nos assaltam têm origem na
liberdade desenfreada dos olhos, pois via de regra sã o os nossos
olhares desprotegidos que despertam em nó s inclinaçõ es e paixõ es
desordenadas. “Fiz uma aliança com os meus olhos de que nã o pensaria
sequer numa virgem”, disse Jó (31:1). Por que ele diz: “tanto para
pensar?” Ele nã o deveria ter dito: “Fiz um pacto de nã o olhar”? Nã o, ele
estava certo ao se expressar dessa maneira, pois o pensamento e o
olhar estã o tã o intimamente unidos que sã o inseparáveis. Para,
portanto, nã o ter maus pensamentos, o santo homem resolveu nã o
olhar para uma virgem.
Santo Agostinho diz: “Do olhar procede o pensamento e do pensamento
o desejo”. Se Eva nã o tivesse olhado para o fruto proibido, ela nã o teria
caído em pecado. Mas ela teve prazer em olhar para ela, e a fruta
parecia linda e boa. Ela pegou e comeu e foi culpada de desobediência.
Vemos aqui como o diabo tenta o homem primeiro a olhar, depois a
desejar e, finalmente, a consentir. Portanto, como diz Sã o Jerô nimo, o
diabo precisa de nossa parte apenas de um começo. Basta que lhe
abramos a porta apenas pela metade; ele entã o forçará a abertura total.
Um olhar voluntá rio para uma pessoa do sexo oposto pode ser uma
centelha infernal que causará a ruína da alma. “As primeiras flechas que
atingem as almas castas”, diz Sã o Bernardo, “e muitas vezes causam
feridas mortais, perfuram os olhos”. Foram os olhos que ocasionaram a
queda de Davi, um homem segundo o coraçã o de Deus. E o mesmo
acontece com Salomã o, que antes havia sido o instrumento escolhido
pelo Espírito Santo. E muitos outros foram para a destruiçã o através
dos seus olhos. Sêneca diz que a cegueira é muito ú til para a
preservaçã o da inocência. De acordo com este princípio, como relata
Tertuliano, um filó sofo pagã o privou-se deliberadamente da visã o para
preservar a castidade.
Um cristã o nã o teria permissã o para fazer tal coisa; mas se quisermos
preservar a castidade, devemos ser cegos, na medida em que nã o
olhamos para nada que possa despertar pensamentos impuros dentro
de nó s. Para esse fim, somos exortados pelo Espírito Santo: “Nã o olheis
para a beleza dos outros, pois assim a luxú ria se acende como um fogo”.
( Eclesiastes 9:8-9). O olhar deliberado é seguido por imaginaçõ es
pecaminosas que acendem o fogo profano. Por isso, diz Sã o Francisco
de Sales: “Quem nã o quiser que o inimigo entre à força na fortaleza
deve manter as portas fechadas”.
Por esta mesma razã o, os santos têm sido extremamente cautelosos
com os seus olhos. Com medo de cair acidentalmente sobre algum
objeto perigoso, eles os mantinham quase sempre abatidos e negavam a
si mesmos a satisfaçã o de olhar até mesmo para objetos inocentes.
Depois de um ano inteiro de noviciado, Sã o Bernardo nã o sabia se o
teto de sua cela era plano ou arqueado. Na igreja do mosteiro havia três
janelas; mas Sã o Bernardo nã o sabia quantos eram, pois durante todo
aquele ano nã o levantou os olhos para olhar em volta. O santo bispo
Hugo nunca olhou para o rosto de uma mulher com quem estivesse
conversando. Santa Clara decidiu nunca olhar para o rosto de um
homem. Um dia, quando levantou os olhos para olhar a Hó stia Sagrada,
viu por acaso o rosto do sacerdote e ficou muito perturbada.
Quando consideramos estas grandes precauçõ es dos santos de Deus,
quã o imprudente e precipitada parece a conduta daqueles que, sem a
virtude de um Sã o Bernardo ou de uma Santa Clara, olham
despreocupadamente para pessoas do sexo oposto, e ainda assim
esperam permanecer livre das tentaçõ es e do perigo do pecado. Sã o
Jerô nimo retirou-se para a gruta de Belém, onde orava constantemente
e mortificava seu corpo; e ainda assim ele estava terrivelmente
atormentado pela lembrança daquelas mulheres que ele havia visto
muito antes em Roma. “O que nos é prejudicial”, diz Sã o Francisco de
Sales, “nã o é tanto o olhar casual, mas sim o olhar intencional”. Quando
perguntaram ao irmã o Roger, um franciscano conhecido pela sua
pureza excepcional, por que era tã o cauteloso na sua aparência,
especialmente no que diz respeito à s mulheres, ele respondeu: “Se o
homem evita a ocasiã o, Deus o protege; se ele deliberadamente se
coloca em perigo, o Senhor o abandona e ele facilmente cai em pecado
grave”.
Se nã o sofrermos nenhum outro dano pela liberdade que concedemos
aos nossos olhos, ficaremos pelo menos privados do recolhimento
durante a oraçã o, porque o que vimos se apresentará novamente diante
dos olhos da nossa alma e nos causará distraçõ es sem fim. Ora, é certo
que um cristã o que vive sem recolhimento interior nã o pode praticar de
maneira adequada as virtudes, como a humildade, a paciência e a
mortificaçã o. Devemos ter o cuidado, portanto, de direcionar nosso
olhar para objetos que nos levarã o a Deus e nã o a partir Dele. “Olhos
baixos”, diz Sã o Bernardo, “dirigem o coraçã o para o Céu”. E Sã o
Gregó rio Nazianzeno escreve: “'Onde Cristo habita com o Seu amor, ali
reina o recolhimento'.

UM MEIO DE EDIFICAÇÃ O
É bom lembrar que a custó dia dos olhos é ú til nã o só para a nossa
pró pria santificaçã o, mas também para a edificaçã o dos outros. Só Deus
vê o nosso coraçã o; o homem vê apenas nossas açõ es externas e fica
edificado ou escandalizado por elas. “Um homem é conhecido pela sua
aparência”, diz a Sagrada Escritura ( Eclesiastes 19:26); isto é, a partir
do exterior julgamos o interior. Todo cristã o deveria, portanto, ser o
que nosso Redentor chamou Sã o Joã o Batista: “uma luz que arde e
brilha”. ( João 5:35). Nosso interior deveria brilhar com o amor divino;
nosso exterior deve brilhar pela modéstia cristã . O que Sã o Paulo disse
aos seus discípulos deveria aplicar-se também a nó s: “Fomos feitos
espetá culo ao mundo, aos anjos e aos homens”. ( 1 Coríntios 4:9). “Que a
sua modéstia seja conhecida por todos os homens. ” ( Fp 4:5). É
relatado na vida de Sã o Francisco de Assis que um dia ele convidou um
irmã o religioso para acompanhá -lo em uma caminhada, dizendo que
desejava pregar. Enquanto avançava, ele manteve os olhos
modestamente baixos. Depois de caminhar um pouco, ele voltou para
casa. “Quando você vai pregar seu sermã o?” perguntou seu
companheiro. “Já está pregado”, respondeu o Santo; “nosso sermã o de
hoje consistiu em mortificar nossos olhos, pelo qual edificamos todos
os que encontramos”.
Santo Ambró sio diz que a lembrança das pessoas virtuosas é para os
mundanos uma excelente admoestaçã o. “Que coisa linda”, diz o Santo,
“que a simples aparência deles faça bem aos outros!” A este respeito, é
relatado por Sã o Bernardino de Sena que, embora ainda jovem no
mundo, sua aparência foi suficiente para conter os comentá rios
descuidados de seus jovens companheiros. Assim que o viam chegando,
diziam uns aos outros: “Fiquem quietos; aí vem Bernardina”; e eles
permaneceriam em silêncio ou iniciariam algum outro assunto de
conversa. De acordo com Sã o Gregó rio de Nissa, Santo Efrém estava tã o
recolhido que a simples visã o dele levava alguém à devoçã o, e nã o se
podia entrar em contato com ele sem se sentir melhor por isso.
Mais maravilhoso ainda é o que Surius relata sobre o santo sacerdote e
má rtir Luciano: “Somente por sua modéstia e recolhimento ele
converteu muitos pagã os à Verdadeira Fé. O imperador Maximiano,
ouvindo isso e temendo que ele também pudesse se converter ao
cristianismo, nã o quis olhar para ele. Quando, portanto, foi convocado
perante o tribunal, o Imperador ordenou-lhe que ficasse atrá s de uma
cortina para que pudesse falar com ele sem medo.”
Nosso modelo mais perfeito na prá tica da mortificaçã o dos olhos foi o
pró prio Divino Redentor. Como observa um erudito autor, o evangelista
menciona expressamente que em certas ocasiõ es Jesus ergueu os olhos,
indicando assim que normalmente os mantinha abaixados. Por isso o
Apó stolo, ao escrever aos seus discípulos, elogia a modéstia do seu
Divino Mestre: “Rogo-vos pela mansidã o e modéstia de Cristo”. ( 2
Coríntios 10:1).
Concluamos estas observaçõ es com as palavras de Sã o Basílio aos seus
monges: “Meus queridos filhos, se desejamos que a nossa alma dirija o
olhar para o Céu, devemos manter os olhos fixos na terra. De manhã
cedo, assim que acordarmos, digamos como o salmista real: 'Desvia os
meus olhos para que nã o vejam a vaidade.'” ( Sl. 118:37).

VIRGINDADE
“Sã o a porçã o mais nobre da Igreja de Cristo”, diz Sã o Cipriano, ao falar
das virgens que se consagram ao amor do seu Esposo celestial. Alguns
dos santos Padres, como Santo Efrém, Santo Ambró sio e Sã o
Crisó stomo, escreveram livros inteiros em louvor à virgindade. Nã o é
minha intençã o aqui me alongar neste belo assunto, mas apenas dar
algumas idéias a partir das quais o leitor devoto possa julgar sua
excelência insuperável.
Em primeiro lugar, as almas virginais sã o particularmente queridas aos
olhos de Deus. “Eles serã o como os anjos de Deus no céu”, disse nosso
Abençoado Redentor. ( Mateus 22:30). Baronius relata que, na morte de
uma virgem chamada Geó rgia, pombas foram vistas voando e, quando
seu cadáver foi trazido para a igreja, elas pairaram sobre o local onde
seus restos mortais foram colocados, e nã o saíram até que a virgem
fosse enterrada. Pensava-se que estas pombas eram anjos que
desejavam desta forma prestar uma ú ltima honra ao seu corpo virginal.
As almas virginais que se consagram ao amor de Jesus Cristo tornam-se
Suas esposas escolhidas. Por isso Sã o Paulo, ao escrever aos seus
discípulos, nã o hesita em dizer: “Eu te desposei com Jesus Cristo”. Na
pará bola das virgens, Nosso Senhor aparece como o Noivo. Pelos fiéis
em geral nosso Salvador é chamado de Mestre, Pastor, Pai ou Senhor;
pelas almas virginais Ele deseja ser chamado Esposo. Este
desposamento com o Divino Redentor ocorre através da fé: “Eu te
desposarei comigo na fé”. ( Osé 2:20). A virtude da virgindade é, de
modo especial, fruto dos méritos de Jesus Cristo; portanto, lemos no
Apocalipse que eles “seguem o Cordeiro para onde quer que vá : estes
foram comprados dentre os homens, como primícias para Deus e para o
Cordeiro”. ( Apoc. 14:4).
A Divina Mã e revelou certa vez a uma alma piedosa que os consagrados
a Jesus Cristo devem, acima de todas as virtudes, amar a santa pureza,
pois é esta em particular que os torna semelhantes ao seu Esposo
celestial. As pessoas prudentes do mundo que desejam entrar no estado
de matrimô nio têm o cuidado de perguntar e descobrir quem
provavelmente seria o parceiro mais digno e desejável para a vida.
Aqueles que entram na vida religiosa sã o desposados com Cristo pelos
seus votos sagrados. Voltemo-nos, portanto, para a esposa dos Câ nticos
para ver o que ela tem a dizer do Divino Esposo. “O meu amado é
branco e rosado”, diz ela ( Cant. 5:10), branco por causa de Sua pureza,
e rosado por causa do brilho do amor com que Ele é inflamado por Sua
esposa. Em uma palavra, Ele é tã o belo, tã o perfeito em todas as
virtudes, tã o gentil e amigável que nã o há e nã o pode haver cô njuge
mais nobre ou mais amável do que Ele. Santo Euquério diz: “Nã o há
nada que se compare à Sua majestade, à Sua beleza ou à Sua
generosidade”.

UM TESOURO PRECIOSO
Santa Clara de Montefalco disse que valorizava tanto a sua virgindade
que preferia sofrer os tormentos do Inferno durante toda a sua vida a
perder este precioso tesouro. Jovens virtuosas até recusaram a
proposta de casamento com reis para permanecerem esposas de Jesus
Cristo. A Beata Joana, Infanta de Portugal, rejeitou a mã o de Luís XI, Rei
de França. Santa Inês de Praga renunciou à aliança matrimonial com o
imperador Frederico II; Isabel, filha do rei da Hungria e herdeira do
trono, recusou-se a casar-se com o arquiduque da Á ustria. Quando
Domitila, sobrinha do imperador Domiciano, foi instada a se casar com
o conde Aureliano, ela respondeu: “Se uma pessoa pudesse escolher
entre um grande monarca e um camponês pobre, qual ela escolheria
como noivo? Se eu me casasse com Aureliano, teria que renunciar ao
Rei dos Céus; isso seria a maior loucura, e nunca serei culpado disso.” À
sua coroa da virgindade foi acrescentada a coroa do martírio, pois o seu
amante rejeitado mandou-a queimar até à morte.
Uma virgem que se entrega ao Senhor, diz Teodora, fica livre de
cuidados inú teis. Ela nã o tem mais nada a fazer senã o lidar com
confiança com o Senhor. “Se ela nã o tivesse outra recompensa a
esperar”, diz Santo Ambró sio, “ela seria realmente feliz por se libertar
das preocupaçõ es e ansiedades mundanas e por se ocupar
exclusivamente com Deus”. Mas a paz e a felicidade que ela desfruta
aqui na terra sã o apenas uma amostra da grande felicidade e gló ria que
a aguardam no Céu.

ACEITÁVEL A DEUS
As virgens que consagram a Deus o lírio da sua castidade Lhe agradam
tanto como os santos anjos. Sã o Joã o foi chamado o Apó stolo predileto
de Nosso Senhor, o Apó stolo que Jesus amava, porque conservou intacta
a sua virgindade. Por esta mesma razã o ele foi amado mais do que
todos os outros, e quando nosso Salvador estava morrendo na cruz,
entregou Sua Imaculada Mã e aos cuidados de Seu discípulo virgem, Sã o
Joã o. O grande valor da virgindade é realçado aos nossos olhos pelo
extraordiná rio louvor que o Espírito Santo lhe concede: “Nenhum preço
é digno de uma alma continental”. ( Eclesiastes 26:20). Isto nos ensinou
a Bem-Aventurada Virgem Maria quando o Arcanjo Gabriel lhe trouxe a
mensagem do alto: que Deus queria tornar-se homem e escolhê-la para
Sua Mã e. À s palavras do anjo, Maria respondeu humildemente: “Como
pode ser isso, pois nã o conheço homem?” ( Lucas 1:34). Com estas
palavras Nossa Senhora mostrou que preferia renunciar à dignidade da
Mã e de Deus a perder o tesouro da sua virgindade. Segundo Sã o
Cipriano, a pureza virginal é a rainha de todas as virtudes e a perfeiçã o
de todos os bens. Aqueles que preservam a sua pureza por amor de
Jesus Cristo, diz Santo Efrém, sã o particularmente favorecidos por Ele.
Sã o Bernardino acrescenta que a virgindade dispõ e a alma de maneira
especial para ver Deus pela fé nesta vida e pela luz da gló ria eterna na
pró xima. Um dia Deus mostrou à Sua grande serva, Lucretia Orsini, o
trono de gló ria preparado para aqueles que servem a Jesus Cristo em
pureza virginal. Arrebatado em êxtase, o Santo exclamou: “Oh, quã o
queridas a Deus e à Sua Santa Mã e sã o as almas virginais!”
“Meu filho, quando vier ao serviço do Senhor, prepare sua alma para a
tentaçã o.” ( Eclesiastes 2:1). Esteja preparado, portanto, para sofrer com
humildade e paciência, pois “a prata e o ouro sã o provados pelo fogo”.
Nenhum homem pode servir a dois senhores, Deus e o mundo. Aquele,
portanto, que deseja consagrar-se a Deus, deve renunciar ao mundo e
dizer com toda a sinceridade: só Deus é o meu tesouro e o meu ú nico
bem. Um coraçã o que ama verdadeiramente a Deus despreza o mundo e
tudo o que o mundo pode oferecer; em uma palavra, despreza tudo o
que nã o é Deus.
A venerável Francisca Farnese nã o conheceu meio mais eficaz de
exortar as suas religiosas à prá tica da perfeiçã o do que recordá -las de
que eram esposas de Jesus Cristo. “É certo”, dizia ela, “que cada um de
vocês foi escolhido por Deus para se tornar santo, pois Ele lhe deu a
grande honra de ser Sua esposa”. E na verdade esta é uma graça
inestimável que merece a nossa mais generosa colaboraçã o. Santo
Agostinho, ao escrever a uma virgem consagrada a Deus, fez uso destas
palavras: “Você deve saber que você tem um Esposo que é mais bonito
do que tudo o que a terra ou o Céu contém, e ao escolher você para ser
Sua noiva, Ele deu a você uma promessa mais certa de Seu amor. A
partir disso você reconhecerá sua obrigaçã o de amá -Lo de volta.”
Se o mundo tentar conquistar o seu amor, ó esposa de Jesus Cristo,
responda com as palavras da nobre Santa Inês: “Fora, fora; você busca
meu amor, mas eu nã o posso amar outro senã o meu Deus, que me
amou primeiro”. “Como você é esposa de um Deus”, diz Sã o Jerô nimo,
“você deveria se orgulhar de tal distinçã o”. As pessoas do mundo
sentem-se altamente honradas e fazem muito barulho sobre alianças
matrimoniais com os nobres e ricos. Você tem algo mais do que isso
para se orgulhar, já que está noivo do pró prio Rei dos Céus. Você pode
muito bem dizer com santo orgulho e alegria: “Encontrei Aquele a
quem minha alma ama; Eu O abraçarei com meu amor e nunca O
abandonarei.”
O amor é o vínculo que une a alma a Deus. Diga muitas vezes nas
palavras do Apó stolo Sã o Paulo: “Quem me separará do amor de Cristo?
Será tribulaçã o, ou angú stia, ou fome, ou nudez, ou perigo, ou
perseguiçã o, ou espada? (…) Tenho certeza de que nem a morte, nem a
vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem as
coisas presentes, nem as coisas futuras, nem o poder, nem a altura, nem
a profundidade, nem qualquer outra criatura será capaz de me separar
do amor de Deus. que está em Cristo Jesus Nosso Senhor”. ( Romanos
8:38-39).
“Vocês sã o meus amigos, se fizerem as coisas que eu lhes ordeno.” —
João 15:14.

Capítulo 7
OBEDIÊNCIA

“Vocês são meus amigos, se fizerem as coisas que eu lhes ordeno.”


—Joã o 15:14
A perfeiçã o consiste na conformidade da nossa vontade com a Vontade
de Deus. Agora, qual é o meio mais seguro de conhecer a Vontade de
Deus e de regular nossas vidas de acordo com ela? É obediência aos
nossos superiores legais. “Nunca a Vontade de Deus é mais
perfeitamente cumprida”, diz Sã o Vicente de Paulo, “do que quando
obedecemos aos nossos superiores”.
O maior sacrifício que uma alma pode fazer a Deus consiste na
obediência aos superiores legalmente constituídos; pois como, na
opiniã o de Sã o Tomá s, “nada é mais caro para nó s do que a liberdade da
nossa vontade”, nã o podemos oferecer a Deus nenhum presente mais
aceitável do que esta mesma liberdade. “A obediência é melhor que os
sacrifícios”, diz o Espírito Santo ( 1 Reis 15:22); isto é, Deus prefere a
obediência a todos os outros sacrifícios. Aquele que dá seus bens a
Deus, distribuindo-os entre os pobres; sua honra, suportando
pacientemente o desprezo; seu corpo, por meio de jejuns e obras
penitenciais, dá -lhe uma parte de si mesmo. Mas aquele que oferece a
Deus a sua vontade, submetendo-a à obediência, dá -lhe tudo o que tem,
e pode verdadeiramente dizer: “Meu Senhor, depois de te ter dado a
minha vontade, nã o tenho mais nada para dar”. Como diz Sã o Gregó rio:
“Pelas outras virtudes damos a Deus o que nos pertence; pela
obediência nó s mesmos damos a Ele”. O mesmo Santo ensina que todas
as outras virtudes seguem o caminho da obediência e por sua influência
sã o preservadas na alma.

UMA GRANDE RECOMPENSA


Segundo o Venerável Sertó rio Caputo, a recompensa da obediência é
semelhante à do martírio. No martírio oferecemos a Deus a cabeça do
nosso corpo; pela obediência oferecemos-Lhe a nossa vontade, que é a
cabeça da alma. Portanto, o Sá bio nos assegura que “um homem
obediente falará de vitó ria”. ( Pv 21:28). É fá cil, diz Sã o Gregó rio, para
quem obedece, vencer todos os ataques do Inferno; pois, visto que pela
obediência submetem sua vontade aos homens, eles se elevam acima
dos demô nios que caíram por causa de sua desobediência. Cassiano
acrescenta que se mortificarmos a nossa obstinaçã o, poderemos
facilmente erradicar todos os vícios, porque os ú ltimos surgem dos
primeiros.
Santo Agostinho diz que enquanto Adã o, através da desobediência,
trouxe destruiçã o sobre si mesmo e toda a sua posteridade, o Filho de
Deus tornou-se homem para nos redimir e nos ensinar a verdadeira
sabedoria por meio de Sua vida de obediência. Por isso Ele começou
desde criança a praticar a obediência quando estava sujeito a Maria e
José: “Ele estava sujeito a eles”, diz Sã o Lucas (2,51). O que nosso
Salvador começou quando criança, Ele continuou durante toda a sua
vida, para que Sã o Paulo pudesse dizer: “Ele foi obediente até a morte,
até a morte de cruz”. ( Filipenses 2:8). A Mã e de Deus revelou a uma de
suas servas que Nosso Senhor ao morrer por nó s nutria um amor muito
especial pelas almas obedientes. Para aumentar o nosso mérito, Nosso
Senhor deseja que sejamos guiados pela fé. Portanto, em vez de nos
falar pessoalmente, Ele nos dá a conhecer a Sua Vontade por meio dos
nossos superiores.
Quando Jesus apareceu a Sã o Paulo e o converteu no caminho de
Damasco, o futuro Apó stolo disse: “Senhor, que queres que eu faça?” O
Senhor poderia facilmente tê-lo instruído naquele momento, mas nã o o
fez; Ele simplesmente disse: “Levanta-te e entra na cidade, e lá te será
dito o que deves fazer”. ( Atos 9:7). Conseqü entemente, Sã o Giles afirma
que ganhamos mais mérito obedecendo ao homem pelo amor de Deus
do que obedecendo ao pró prio Deus. Quando obedecemos aos
superiores legítimos, temos mais certeza de fazer a vontade de Deus do
que se o pró prio Jesus Cristo aparecesse e falasse conosco. Tal apariçã o
pode nã o nos dar a certeza de que foi realmente o nosso Salvador quem
apareceu e falou; o espírito maligno pode aparecer como um anjo de luz
para nos enganar. Mas quando recebemos uma ordem de nossos
superiores, temos certeza de que, ao obedecê-los, estamos obedecendo
ao pró prio Jesus Cristo. “Aquele que te ouve, me ouve.” ( Lucas 10:16).

UMA FONTE DE MÉ RITO


É uma ilusã o, portanto, imaginar que podemos fazer algo melhor do
que aquilo que é prescrito pela obediência. Abandonar a ocupaçã o que
temos o dever de exercer, para nos unirmos a Deus na meditaçã o ou na
leitura espiritual, é antes, segundo Sã o Francisco de Sales, abandonar
Deus para seguir mais de perto os ditames da nossa auto-estima. amor.
De uma alma que está decidida a servir a Deus, diz Santa Teresa, Deus
deseja apenas uma coisa, e essa ú nica coisa é a obediência. “O que
fazemos por obediência”, diz Rodriguez, “é mais valioso do que
qualquer outro trabalho que possamos realizar”.
É mais meritó rio apanhar uma palha do chã o, por obediência, do que
por obstinaçã o fazer uma longa meditaçã o ou flagelar-nos até sangrar.
Santa Maria Madalena de Pazzi preferiu um exercício prescrito pela
obediência até à oraçã o. “Quando ajo por obediência”, disse ela, “tenho
certeza de que estou fazendo a vontade de Deus, mas outras vezes nã o é
esse o caso”. Todos os mestres da vida espiritual sã o unâ nimes em
afirmar que é melhor omitir um exercício piedoso da obediência do que
realizá -lo contra a obediência. A Santíssima Virgem revelou a Santa
Brígida que quem por obediência omite um ato de mortificaçã o ganha
um duplo mérito: o da mortificaçã o que gostaria de realizar e o da
obediência pela qual o omite. Santa Teresa tinha, portanto, razã o ao
dizer que a obediência é o caminho mais curto para a perfeiçã o. Alma
cristã , se deseja caminhar com segurança, guie-se em todas as suas
açõ es pela obediência. Comerciantes e empresá rios têm seus bens
segurados para nã o sofrerem prejuízos com sua destruiçã o. Para
garantir sua recompensa eterna, certifique-se de obter a segurança da
obediência para todas as suas açõ es.

QUALIDADES DE OBEDIÊ NCIA


A obediência, porém, para ter esse valor elevado deve ser sobrenatural.
Para obedecermos de forma meritó ria à Igreja, aos nossos pais, ao
nosso confessor, numa palavra, aos nossos superiores espirituais e
temporais, devemos estar persuadidos de que a obediência aos nossos
superiores é a obediência demonstrada a Deus, e o desprezo pelos seus
mandamentos é o desprezo demonstrado aos nossos. O pró prio Divino
Mestre, pois disse aos nossos superiores: “Quem vos ouve, a mim ouve,
e quem vos despreza, a mim despreza”. ( Lucas 10:16). O Apó stolo Sã o
Paulo, escrevendo aos seus discípulos, diz: “Obedecei, nã o servindo aos
olhos, como para agradar aos homens, mas como servos de Cristo,
fazendo de coraçã o a vontade de Deus”. ( Efésios 6:6).
Se, pois, vos for dada uma ordem dos vossos pais, do vosso confessor ou
dos vossos superiores, deveis executá -la nã o apenas para agradá -los,
mas principalmente para agradar a Deus, cuja vontade vos é dada a
conhecer pelos vossos superiores. Ao fazer isso você terá mais certeza
de cumprir a Vontade de Deus do que se um anjo descesse do Céu e a
revelasse a você. Sã o Paulo, ao escrever aos Gá latas, diz: “Se um anjo do
Céu vos pregar um evangelho além daquele que vos pregamos, seja
aná tema”. ( Gál. 1:8). Mantenha esta verdade constantemente diante
dos seus olhos: quando você obedece aos seus superiores você está
obedecendo a Deus. Se Nosso Senhor viesse pessoalmente e lhe
confiasse algum cargo ou algum trabalho específico, você hesitaria um
momento em obedecer? Você começaria a se desculpar e a se opor aos
obstá culos ao cumprimento de Sua ordem? Mas, diz Sã o Bernardo, seja
o pró prio Deus ou alguém que toma o Seu lugar quem dá a ordem, você
deve prestar a mesma obediência pronta e alegre.

OBEDIÊ NCIA AOS PAIS


A respeito da obediência devida aos pais, Sã o Paulo diz: “Filhos,
obedecei aos vossos pais no Senhor, porque isto é justo”. ( Efésios 6:1).
Deve-se observar aqui que o Apó stolo diz: “obedeçam a seus pais no
Senhor”, isto é, naquelas coisas que agradam ao Senhor, mas nã o
naquelas que O desagradam. Se, por exemplo, uma mã e ordenasse a seu
filho que roubasse ou ferisse outro, ele seria obrigado a obedecer?
Certamente nã o; se ele obedecesse em tal caso, seria culpado de
pecado. Mais uma vez, Sã o Tomá s ensina que os filhos nã o sã o
obrigados a obedecer aos pais quando se trata da escolha de um estado
de vida. No que se refere ao estado de casado, Pinamonti com Sanchez,
Konink e outros, sustenta que os jovens sã o obrigados a consultar os
pais, por serem mais experientes, podendo muitas vezes evitar erros
graves. Além disso, ignorá -los num assunto que lhes é tã o importante
certamente os ferirá gravemente. Mas no que diz respeito à vocaçã o à
vida religiosa, um filho nã o tem a menor obrigaçã o de pedir conselhos
aos pais, porque neste assunto eles nã o têm experiência e os seus
preconceitos geralmente os tornam hostis. Os pais que
injustificadamente impedem os seus filhos de seguirem a vocaçã o ao
sacerdó cio ou à vida religiosa sã o culpados de uma crueldade
indescritível para com os seus pró prios filhos. “Os inimigos do homem
serã o os da sua pró pria casa.” ( Mateus 10:36).
A condiçã o dos servos é humilde e desprezível aos olhos do mundo,
mas nã o aos olhos da fé. Isto aprendemos com o exemplo do pró prio
nosso Abençoado Redentor, que, embora Senhor do Céu e da terra,
“esvaziou-se a si mesmo, assumindo a forma de servo, tornando-se
semelhante aos homens, e no há bito encontrado como homem”. (
Filipenses 2:7). Ele obedeceu humildemente à Sua Mã e Santíssima e a
Sã o José, criaturas eminentemente santas, é verdade, mas infinitamente
abaixo Dele em dignidade: “Ele estava sujeito a eles”. ( Lucas 2:51). Ao
instruir Seus apó stolos, Ele disse: “Aquele que quiser ser o primeiro
entre vó s, seja vosso servo. Assim como o Filho do homem nã o veio
para ser servido, mas para servir.” ( Mateus 20:28).
Nã o é necessá rio dizer que os servos nã o sã o obrigados a obedecer
quando sã o ordenados a fazer o que Deus proíbe. Quando o tirano
Antíoco quis forçar o velho Eleazar a desconsiderar a lei que proibia o
uso de carne de porco aos hebreus, os amigos do idoso Eleazar tiveram
pena dele e sugeriram que ele poderia escapar da morte fingindo comer
a comida proibida. . Mas Eleazar respondeu: “Nã o é da nossa época
dissimular: por isso muitos jovens podem pensar que Eleazar, com a
idade de oitenta e dez anos, passou para a vida dos pagã os; e assim eles,
através de minha dissimulaçã o, e por um pouco de tempo de uma vida
corruptível, seriam enganados, e com isso eu traria uma mancha e uma
maldiçã o sobre minha velhice. Pois embora no presente eu deva ser
libertado das puniçõ es dos homens, ainda assim nã o deveria escapar da
mã o do Todo-Poderoso, nem vivo nem morto. Portanto, partindo
corajosamente desta vida, mostrar-me-ei digno da minha velhice e
deixarei um exemplo de coragem aos jovens, se com mente pronta e
constâ ncia eu sofrer uma morte honrosa, pelo mais venerável e
santíssimo leis.” ( 2 Mach. 6:24-28).

OBEDIÊ NCIA AO NOSSO DIRETOR ESPIRITUAL


A obediência ao nosso diretor espiritual é da maior importâ ncia se
desejarmos agradar a Deus e progredir na perfeiçã o. “É verdade”, diz
Sã o Gregó rio, “que alguns santos foram guiados diretamente por Deus”;
“mas”, continua ele, “tais exemplos devem ser mais admirados do que
imitados, pois, pensando que estamos acima da orientaçã o dos homens,
podemos facilmente ser levados ao erro”. A virtude é encontrada no
meio-termo dourado; assim como a ociosidade na vida espiritual é uma
falha, o zelo intemperante também o é. É dever do diretor espiritual
guerrear contra os primeiros e moderar os ú ltimos. Deus Todo-
Poderoso poderia nos dirigir muito bem sem a ajuda de outrem, mas
para nos manter humildes, Ele deseja que nos submetamos à
autoridade e orientaçã o de Seus servos.
Nosso Senhor realmente nos concedeu um grande benefício ao nos dar
guias espirituais para evitar que nos desviá ssemos. Muitas pessoas
pensam que a santidade consiste em realizar obras de penitência. Mas
se uma pessoa de constituiçã o fraca realizasse obras de penitência, e
assim colocasse seriamente a sua vida em perigo, estaria ela a trabalhar
na sua santificaçã o? Certamente nã o; ele preferiria ser culpado de
pecado. Outros imaginam que a santidade consiste em muita oraçã o.
Mas se o pai de família negligenciasse o cuidado dos filhos para ir para
a solidã o e orar, ele seria culpado de pecado. Outros ainda imaginam
que a santidade consiste na recepçã o frequente da Sagrada Comunhã o.
Mas suponhamos que a mã e de uma família negligenciasse os seus
deveres domésticos e incomodasse o seu marido e os seus filhos por
irem à Sagrada Comunhã o todos os dias - ela teria de prestar contas da
sua conduta a Deus.
Em que consiste entã o a santidade? Consiste no perfeito cumprimento
da Vontade de Deus. Mas como saberemos o que Deus deseja de nó s?
Graças a Deus que Ele nos deu um meio de saber. Ele nos diz que ao
obedecermos ao nosso diretor espiritual estamos obedecendo a Ele:
“Quem vos ouve, a mim ouve”. Santa Teresa diz: “Devemos fazer do
nosso confessor o nosso juiz e depois descansar no que diz respeito aos
assuntos da nossa alma, depositando toda a nossa confiança nas
palavras de Nosso Senhor: 'Quem te ouve, a mim ouve. ' ” Esta é a
maneira mais segura, diz ela, de cumprir a Vontade de Deus. A Santa
conta-nos que ela mesma, pela obediência ao seu confessor, aprendeu a
conhecer e amar a Deus.
Falando sobre este assunto, Sã o Francisco de Sales disse: “Encontramos
a mais importante de todas as admoestaçõ es nas palavras do devoto
Á vila: 'Você pode procurar onde quiser, em nenhum lugar você
encontrará tã o certamente a Vontade de Deus como no caminho desta
humilde obediência que todos os Santos recomendaram e praticaram. '

A obediência ao nosso diretor espiritual agrada muito a Deus, quer seja
exercida na oraçã o, na comunhã o, na mortificaçã o ou na omissã o destes
santos exercícios. Estamos sempre ganhando mérito, quer comamos,
bebamos ou nos recriemos; pois enquanto obedecemos ao nosso
confessor, estamos fazendo a vontade de Deus. A Sagrada Escritura diz
que a obediência agrada mais a Deus do que todos os outros sacrifícios
que poderíamos fazer. Obedeça ao seu Pai espiritual, diz Sã o Paulo ( Hb
13:17), e nã o tenha medo do que você faz por obediência, pois nã o é
você, mas ele, que terá que prestar contas de suas açõ es. Sã o Filipe Neri
diz: Aqueles que desejam progredir no caminho da perfeiçã o devem
escolher um confessor bem informado e obedecê-lo como fariam com o
pró prio Deus. Quem faz isso certamente nã o terá contas a prestar
diante de Deus sobre o que fez ou deixou de fazer. Se, portanto, no dia
do julgamento Jesus Cristo lhe perguntasse: Por que você escolheu este
estado de vida? Por que você omitiu este ou aquele ato de mortificaçã o?
Você pode, desde que tenha praticado a obediência, responder com
estas palavras: Senhor, meu confessor me ordenou que o fizesse - e
entã o o Juiz Divino precisará de sançã o pelo que você fez.
Por outro lado, se nos recusarmos a obedecer à voz do nosso diretor
espiritual corremos o risco de nos perdermos eternamente. “Quem vos
ouve, a mim ouve; e quem te despreza, me despreza.” ( Lucas 10:16).
Deus disse a mesma coisa a Samuel quando ele se queixou de que o
povo que o Senhor havia confiado aos seus cuidados o havia
desprezado: “Eles nã o rejeitaram a ti, mas a mim”. ( 1 Reis 8:7). Como
um navio que é abandonado pelo seu piloto, ou um paciente que é
abandonado pelo seu médico, assim é a alma que é privada da
orientaçã o de um diretor espiritual.
Devemos estar convencidos, porém, de que nenhum diretor espiritual
pode levar-nos à santidade, a menos que estejamos decididos a
renunciar à nossa pró pria vontade. E quanto à paz do coraçã o, lembre-
se bem que ela nã o deve ser buscada no confessor, mas no pró prio
Deus.

O VOTO DE OBEDIÊ NCIA


Sã o Tomá s ensina que é o voto de obediência que faz o religioso. Por
esse motivo, Santa Teresa usou dizer que um religioso que nã o é
obediente nã o merece o nome de religioso. Por outro lado, um religioso
que pratica a obediência está no caminho mais curto para a perfeiçã o.
“Ó virtude da obediência”, ela clama, “tu realizas tudo!” Santa Catarina
de Bolonha disse que só a obediência agrada mais a Deus do que todas
as outras boas obras. Quando os seus discípulos pediram ao Venerável
Leonardi, Fundador dos Clérigos Regulares da Mã e de Deus que lhes
desse uma Regra, ele escreveu numa folha de papel apenas esta palavra:
“Obediência”. Com isso ele quis mostrar, como observa Sertó rio Caputo,
que na vida religiosa obediência e santidade sã o a mesma coisa.
Completamente convencido desta verdade, Santo Anselmo, ao tornar-se
Arcebispo de Cantuá ria e nã o encontrar ninguém acima dele, induziu o
Santo Padre a fazer do seu capelã o seu superior, a quem obedecia em
tudo. Segundo a opiniã o de Sã o Boaventura, toda a perfeiçã o da vida
religiosa consiste na renú ncia à obstinaçã o. A obediência à s regras e aos
comandos dos superiores é o maior sacrifício que uma alma pode fazer
a Deus. É certo que um religioso que obedece com exatidã o adquire
ricos tesouros de mérito.
Sã o Luís Gonzaga comparou a vida religiosa a um veleiro no qual se
pode progredir sem o uso de remos. E é bem verdade, pois na vida
religiosa, nã o apenas quando jejuamos, oramos ou meditamos, mas
também quando fazemos nossas refeiçõ es, descansamos ou recreamos,
estamos adquirindo mérito; pois como tudo isso é feito por obediência,
a Vontade de Deus é cumprida e o mérito é assim obtido. Na vida dos
antigos Padres conta-se que um deles viu dois coros de bem-
aventurados no Céu; um dos coros era formado por aqueles que haviam
deixado o mundo e viviam na solidã o, dedicados a uma vida de oraçã o e
penitência; o outro coro era formado por aqueles que se submeteram a
uma vida de obediência por amor de Jesus Cristo e viveram
inteiramente segundo a vontade dos seus superiores. Estes ú ltimos
gozaram de um grau de gló ria maior que os primeiros; pois embora os
eremitas tivessem agradado a Deus com seus exercícios espirituais,
eles, no entanto, fizeram sua pró pria vontade, enquanto os outros, por
meio do voto de obediência, deram sua vontade a Deus, a melhor oferta
que podiam fazer-Lhe.
Sã o Doroteu relata algo semelhante em referência ao seu discípulo Sã o
Dositeu. Este ú ltimo tinha uma saú de muito debilitada e,
consequentemente, nã o conseguia realizar os exercícios habituais com
o resto da comunidade; para nã o perder nenhum mérito com isso,
renunciou perfeitamente à sua vontade e dedicou-se inteiramente à
prá tica da obediência. Depois de cinco anos ele partiu desta vida. Agora,
Deus revelou ao Abade Doroteu que este santo jovem havia obtido no
Céu uma recompensa igual à dos santos eremitas, Sã o Paulo e Santo
Antô nio. Os monges ficaram surpresos que Dositeu tivesse alcançado
tamanha gló ria, já que ele nem sequer havia feito tanto quanto os
outros; mas Deus lhes fez saber que foi devido à sua obediência que
Dositeu foi tã o ricamente recompensado.
Se você me perguntar qual é o melhor e mais eficaz meio de obedecer
de maneira meritó ria, eu responderei: “Esteja completamente
convencido de que quando você obedece ao seu superior, você está
obedecendo a Deus, e quando você despreza a ordem do seu superior,
você está desprezando o pró prio Divino Redentor.” Sã o Joã o Clímaco
relata que o superior de um claustro certa vez chamou de velho monge
e, para dar exemplo aos outros, ordenou-lhe que permanecesse em pé
por muito tempo. Quando mais tarde perguntaram ao velho monge
quais eram os seus sentimentos durante esta mortificaçã o, ele
respondeu: “Imaginei que estava diante de Jesus Cristo, e que Ele
mesmo me havia imposto esta humilhaçã o e, portanto, nã o tive o menor
pensamento contra a obediência. ”

OBSERVÂ NCIA DA REGRA


A Sã o Francisco de Sales sã o atribuídas estas palavras muito
significativas: “A predestinaçã o dos religiosos está ligada à observâ ncia
da sua regra”. Santa Maria Madalena de Pazzi costumava dizer que a
obediência à regra é o caminho mais curto e seguro para a santidade e a
felicidade eterna. Com efeito, para os religiosos, a observâ ncia da regra
é o ú nico meio de se tornarem santos; nenhuma outra maneira leva a
esse objetivo cobiçado. Um religioso que violasse habitualmente as
regras do instituto nã o avançaria um só passo no amor de Jesus Cristo,
embora realizasse obras de penitência e se dedicasse a exercícios
espirituais. Os esforços de tais religiosos sã o todos em vã o e neles se
cumprem as palavras do Espírito Santo: “Aquele que rejeita a sabedoria
e a disciplina é infeliz; e a sua esperança é vã , e os seus trabalhos sã o
infrutíferos e as suas obras sã o inú teis.” ( Sab. 3:11).
As regras de um religioso sã o, sem dú vida, um fardo, mas um fardo
como o das asas, por meio das quais somos elevados a Deus. “O fardo de
Jesus Cristo”, diz Santo Agostinho, “tem asas que nos permitem elevar-
nos acima da terra”. As regras de um religioso sã o vínculos, mas
vínculos de amor que nos unem ao bem maior e maior. Se nos parece
difícil que a regra proíba o que o amor pró prio exige, digamos com
alegria com o Apó stolo: “Sou prisioneiro do Senhor” ( Ef 4,1), mas
regozijo-me nas minhas cadeias porque elas unem me aproxime mais
do meu Deus e garanta para mim uma coroa eterna.
Pode ser que você nã o consiga fazer nada de grande para o Senhor;
você é incapaz de realizar penitências severas ou de passar muito
tempo orando. Você pode pelo menos ser exato na observâ ncia da
regra, e isso por si só é suficiente em pouco tempo para promover seu
progresso na perfeiçã o. Sã o Boaventura diz: “A melhor maneira de
buscar a perfeiçã o é observar tudo o que está prescrito”. A medida da
nossa generosidade a este respeito será a medida da generosidade de
Deus para connosco. Santo Agostinho chamou as regras de espelho dos
religiosos porque pelo nosso zelo em observá -las podemos saber como
somos aos olhos de Deus. “É melhor”, diz um autor erudito, “ser um
dedo unido ao corpo do que um olho separado dele”. Uma obra
aparentemente boa, mas que nã o está de acordo com a regra, nã o é
aceitável a Deus e é apenas um obstá culo à nossa luta pela perfeiçã o.
Aos olhos do mundo, muitas das regras da vida religiosa sã o ninharias
insignificantes, mas nã o o sã o quando consideradas à luz da fé. Quando
perguntaram a Michael Angelo por que ele prestava tanta atençã o à s
ninharias, ele disse: “As ninharias constituem a perfeiçã o, e a perfeiçã o
nã o é uma ninharia”. Santo Giles disse uma vez: “Por uma pequena
negligência podemos perder uma grande graça”.
Para observar perfeitamente as regras, diz Santo Iná cio, o amor deve
ser o nosso motivo, nã o o medo; em outras palavras, devemos observar
nossas regras nã o apenas para evitar as repreensõ es de nossos
superiores ou para sermos elogiados por outros, mas simples e
unicamente pelo amor de Jesus Cristo. Para ser perfeito, diz o Padre
Pavone, da Companhia de Jesus, a obediência deve caminhar sobre os
dois pés. Com isto ele quis dizer que a obediência perfeita inclui tanto a
vontade como o intelecto. Santa Maria Madalena de Pazzi expressou um
sentimento semelhante quando disse: “A obediência perfeita requer
uma alma sem vontade e uma vontade sem julgamento”. Um dia, Santo
Iná cio observou que se o Papa lhe ordenasse que fizesse uma viagem
em alto mar num pequeno barco sem leme nem vela, ele obedeceria
cegamente. Quando alguém objetou que seria muito imprudente
colocar-se em tal perigo de morte, o Santo respondeu: “Exige-se
prudência dos superiores; a prudência dos sú ditos deve consistir em
obedecer sem prudência.”
O grande Sã o Bernardo disse: “Se, em vez de obedecer cegamente,
quisermos saber por que o superior ordenou isto ou aquilo, mostramos
que a nossa obediência é muito imperfeita”. Foi desta forma que o diabo
tentou Eva e provocou a sua queda. “Por que”, disse ele, “Deus proibiu
você de comer de todas as á rvores do jardim?” Eva nã o teria caído em
pecado se tivesse respondido: “Nã o cabe a nó s investigar a razã o desta
proibiçã o; só temos que obedecer.” Mas, infelizmente, ela começou a se
perguntar por que tal ordem havia sido dada e respondeu: “Para que
talvez nã o morramos”. A partir daquela ú nica palavra “talvez” o diabo
percebeu que ela havia começado a vacilar e imediatamente disse: “Nã o
tenha medo; Você nã o vai morrer." E Eva caiu, e o infortú nio caiu sobre
toda a raça humana.
“Aprendam de Mim, porque sou manso e humilde de coraçã o.” —Mat.
11:29.

Capítulo 8
MANSIDÃO E HUMILDADE
“Aprendam de mim, porque sou manso e humilde de coração.”
—Mat. 11:29
A humildade é chamada pelos santos de fundamento e salvaguarda de
todas as virtudes. Se nã o é a mais destacada entre as virtudes, ocupa,
segundo Sã o Tomá s, o primeiro lugar como fundamento das demais. Na
construçã o de um edifício, a cave precede as paredes e os pilares, ainda
que estes ú ltimos sejam de ouro. E assim, na vida espiritual, a
humildade deve preceder tudo o mais, a fim de banir o orgulho, ao qual
Deus se opõ e tanto. Aquele, portanto, que se esforça por adquirir as
outras virtudes sem humildade, diz Sã o Gregó rio, está espalhando
poeira ao vento.
A virtude da humildade era pouco conhecida e menos amada na terra;
na verdade, foi completamente desprezado. O orgulho reinou em toda
parte, pois foi uma herança infeliz da raça humana legada à sua
posteridade por Adã o. O Filho de Deus desceu do Céu para ensinar ao
homem, pela palavra e pelo exemplo, o valor da humildade, e com esse
objetivo chegou a “esvaziar-se, assumindo a forma de servo, tornando-
se semelhante aos homens, e no há bito encontrado como homem. Ele
humilhou-se… até à morte de cruz.” ( Filipenses 2:7). A sua primeira
apariçã o na terra foi no humilde está bulo de Belém; a maior parte de
Sua vida mortal foi passada em humilde retiro em Nazaré. Ele partiu
desta vida, humilhado e desprezado, no cume do Monte Calvá rio; e Ele
chama a cada um de nó s: “Eu lhes dei o exemplo de que, assim como eu
fiz, vocês também o fazem”. ( João 13:15). Com isso Ele quer dizer:
“Meus queridos filhos, suportei toda essa humilhaçã o e desprezo para
que vocês pudessem seguir Meu exemplo”. A respeito da humildade de
Jesus Cristo, diz Santo Agostinho: “Se este remédio nã o nos cura do
orgulho, nã o sei que outro remédio o poderá fazer”.

ORGULHO UMA ABOMINAÇÃ O PARA O SENHOR


“Todo homem orgulhoso é uma abominaçã o para o Senhor”, diz o
Espírito Santo. ( Pv 16:5). O orgulhoso é ladrã o porque se apropria do
que pertence a Deus de quem, como diz Sã o Paulo, recebeu tudo.
Se um cavalo fosse adornado com adornos magníficos, será que ele -
supondo que fosse capaz de fazê-lo - se orgulharia de ter adornos tã o
finos, sabendo que a qualquer momento seu dono poderia tirá -los? O
homem orgulhoso é culpado de falsidade, pois todos os bens que
possui, tanto na ordem da natureza como na da graça, sã o dá divas de
Deus. “Pela graça de Deus, sou o que sou”, diz o Apó stolo ( 1 Coríntios
15:10), pois “nã o somos suficientes para pensar alguma coisa de nó s
mesmos, como de nó s mesmos, mas nossa suficiência vem de Deus”. ( 2
Coríntios 3:5).
“Humilhe-se”, diz Santo Agostinho, “e Deus descerá para se unir a você;
mas se você for orgulhoso, Ele se afastará de você.” O Profeta Real havia
dito a mesma coisa muito antes: Deus olha para os humildes com olhos
amorosos, mas os orgulhosos Ele vê de longe. Quando os anjos rebeldes
ficaram orgulhosos, Deus os afastou de Sua vista e os lançou no abismo,
pois a Palavra de Deus deveria ser cumprida: “Todo aquele que se
exaltar será humilhado”. ( Mateus 23:12). Sã o Pedro Damiã o relata que
um certo homem orgulhoso ouviu uma vez estas palavras de Nosso
Senhor lidas no Evangelho na Santa Missa. “Isso nã o é verdade”, disse
ele, “pois se eu me humilhasse, perderia meus bens e o respeito de
meus semelhantes.” Agora o que aconteceu? Ele travou um duelo em
defesa de sua propriedade, e seu antagonista, golpeando-o na boca com
sua arma, perfurou sua língua blasfema e o estendeu morto no chã o.
O Senhor prometeu ouvir todos os que O invocam: “Todo aquele que
pede, recebe”. ( Mateus 7:8). Mas ao homem orgulhoso, Deus nã o
ouvirá . “Deus resiste aos orgulhosos”, diz Sã o Tiago, “e dá graça aos
humildes”. ( Tia. 4:6). Sim, Deus se apressa em abrir Sua mã o e
conceder aos humildes o que eles desejam. “Senhor, dá -me o tesouro da
humildade”, rezou Santo Agostinho. A humildade é chamada de tesouro
porque o Senhor faz com que os humildes abundem em coisas boas.
Quando o coraçã o do homem está cheio de si mesmo, nã o há espaço
para os dons de Deus. O homem deve, portanto, por assim dizer, ser
esvaziado de si mesmo pelo conhecimento do seu pró prio nada. “Aquele
que é poderoso me fez grandes coisas”, disse a Bem-Aventurada Virgem
Maria, “porque considerou a humildade de sua serva” ( Lucas 1:48); isto
é, Ele considerou o conhecimento que tenho do meu pró prio nada.

UMA FONTE DE BÊ NÇÃ OS


Santa Teresa nos conta que recebeu as maiores graças de Deus quando
se humilhou mais profundamente em Sua presença. “A oraçã o daquele
que se humilha perfurará as nuvens; e ele nã o partirá até que o
Altíssimo o veja.” ( Eclesiastes 35:21). Sã o José Calasanctius dizia: “Se
queres ser santo, sê humilde; se você deseja ser muito santo, seja muito
humilde”. Este conselho foi dado por um homem devoto a Sã o Francisco
Bó rgia antes de ele ingressar na vida religiosa: “Se você quer se tornar
um santo, pense na sua pró pria miséria e miséria”. Seguindo este
conselho, o Santo passava duas horas todos os dias tentando obter
conhecimento e desprezo de si mesmo. “Assim como o orgulho”, diz Sã o
Gregó rio, “é a característica mais evidente dos réprobos, a humildade é
o sinal mais claro dos eleitos”. Quando Santo Antô nio, o eremita, viu o
mundo cheio das armadilhas do diabo, gritou: “Quem poderá escapar
de tantos perigos?” Ele ouviu uma voz dizer: “Antô nio, só a humildade
caminha com segurança; quem anda de cabeça baixa nã o precisa temer
cair nessas armadilhas.” Em uma palavra, se nã o nos tornarmos
crianças – nã o em idade, é claro, mas em humildade – nã o poderemos,
como disse nosso Salvador, entrar no Reino dos Céus. “Aprendei de
mim, porque sou manso e humilde de coraçã o; e encontrareis descanso
para as vossas almas.” ( Mateus 11:29).
O homem orgulhoso nã o tem paz nem descanso, pois raramente, ou
nunca, é tratado de maneira correspondente à opiniã o exaltada que tem
de si mesmo. Se ele é honrado, fica insatisfeito porque outros sã o mais
honrados do que ele. Há sempre um pouco mais de honra que ele
poderia ter tido, cuja ausência o incomoda mais do que aquilo que ele
tem lhe proporciona prazer. Que grande honra, por exemplo, Amã nã o
desfrutou na corte de Assuero? Era seu privilégio comer à mesa do rei,
mas mesmo assim estava infeliz porque Mardochai nã o o saudou. “E
embora eu tenha todas essas coisas, penso que nã o tenho nada,
enquanto vir Mardochai sentado diante do portã o do Rei.” ( Ester 5:13).
Sã o Jerô nimo diz que a verdadeira honra evita quem a busca e busca
quem a evita; é como uma sombra que segue quem dela foge e foge de
quem a segue.
O homem humilde, pelo contrá rio, está sempre contente. Se a honra lhe
é demonstrada, ele a considera acima de seus méritos; se for ofendido,
considera-se merecedor de um tratamento pior do que o que recebeu, e
diz como Jó : “Pequei e realmente ofendi, e nã o recebi o que merecia”. (
Jó 33:27).
Certa vez, quando Sã o Francisco Bó rgia estava viajando, foi
aconselhado a enviar alguém à frente para garantir hospedagem e
evitar os inconvenientes de uma chegada inesperada. O Santo
respondeu: “Quanto a isso, sempre mando um contramestre na frente.
Meu intendente é o pensamento do Inferno que mereci. Como
resultado, cada alojamento é para mim como um palá cio de rei
comparado ao lugar onde mereço estar.”

HUMILDADE DO INTELECTO
A virtude da humildade é dupla, a saber, humildade do intelecto e
humildade da vontade. Segundo Sã o Bernardo, a humildade do
intelecto consiste em ter uma opiniã o humilde de nó s mesmos e em nos
considerarmos merecedores de desprezo. A humildade é verdade,
escreve Santa Teresa, e por isso o Senhor ama tanto os humildes porque
ama a verdade. É certamente verdade que por nó s mesmos nã o somos
nada; somos ignorantes, cegos e incapazes de realizar qualquer bem.
Por um lado, nã o temos nada de nosso além do pecado, o que nos torna
ainda mais desprezíveis. Por outro lado, por nó s mesmos nã o podemos
fazer nada além de cometer pecado. Tudo de bom que podemos ter ou
fazer vem de Deus e pertence a Deus. Ora, o homem humilde tem esta
verdade sempre diante dos olhos e, conseqü entemente, nada atribui a
si mesmo senã o o pecado, o que o torna merecedor de desprezo. Ele
nã o suporta que lhe sejam atribuídos méritos que ele nã o merece, mas
ele se alegra em sua alma quando é chamado a sofrer desprezo.
Devemos, portanto, dizer com o grande Santo Agostinho: “Concede,
Senhor, que eu saiba quem sou e quem és”. Tu és a fonte de todo bem e
eu nã o sou nada além de miséria e miséria. “Somente pelos humildes”,
diz o Sá bio, “Deus é verdadeiramente honrado”. ( Eclesiastes 3:21). Se
você deseja, portanto, honrar a Deus, reconheça humildemente a sua
pró pria miséria e proteste contra a sua disposiçã o de receber qualquer
tratamento que a providência de Deus tenha reservado para você.
Nunca se vanglorie de suas boas obras. Leia a vida dos santos para ver o
que eles fizeram e depois sinta vergonha de ter realizado tã o pouco. O
Venerável Joã o de Á vila relata que um célebre homem que se casou com
uma camponesa insistiu para que ela nã o destruísse as suas pobres
roupas, mas as guardasse para que nã o se orgulhasse ao se ver rodeada
de criados e vestida com trajes caros. Devemos agir de maneira
semelhante. Quando percebemos algo de bom em nó s mesmos,
devemos olhar para as nossas roupas velhas. Em outras palavras,
devemos lembrar o que já fomos e tirar a conclusã o de que tudo de bom
que possuímos é uma esmola concedida por Deus. Sempre que Santa
Teresa realizava uma boa obra ou via alguma realizada, ela se apressava
em agradecer a Deus por isso.
Em seguida, devemos tentar compreender que sem a ajuda de Deus nã o
podemos fazer nada, absolutamente nada. Isso nos levará a desconfiar
de nó s mesmos e a depositar confiança implícita em Deus. Sã o Pedro
confiou em suas pró prias forças quando disse: “Ainda que eu morra
contigo, nã o te negarei”. ( Mateus 26:35). Mas sabemos quanto tempo
depois ele nã o apenas negou, mas protestou sob juramento que nã o
conhecia Nosso Senhor. Deposite a sua confiança em Deus e diga com
Sã o Paulo: “Posso todas as coisas naquele que me fortalece”. ( Filipenses
4:13). Quando Santa Catarina de Sena foi tentada, ela se humilhou e
colocou toda a sua confiança em Deus. Um dia o diabo gritou furioso:
“Maldito sejas tu, e maldito seja aquele que te ensinou este meio de me
vencer”.
HUMILDADE DE VONTADE
A humildade do intelecto, como vimos, consiste em reconhecer que nã o
somos nada e que merecemos apenas o desprezo. A humildade da
vontade consiste no desejo de ser desprezado pelos outros e no prazer
que tal desprezo nos proporciona. Humildade de vontade Nosso Senhor
tinha especialmente em vista quando disse: “Aprendei de mim, porque
sou manso e humilde de coraçã o”. ( Mateus 11:29). Muitos sã o humildes
de lá bios, mas nã o de coraçã o. Eles reconhecem que sã o maus e
merecem puniçã o, mas quando sã o reprovados negam que sejam
culpados. “Humihar-se para ser elogiado”, diz Sã o Bernardo, “nã o é
humildade de forma alguma; na verdade, é destrutivo para a
humildade, pois por tal conduta a pró pria humildade se torna objeto de
orgulho.” “Aquele”, diz Sã o José Calasanctius, “que ama a Deus, nã o
deseja parecer santo, mas deseja sê-lo”. Os santos nã o se tornaram
santos em meio a aprovaçõ es e aplausos; foi em meio a insultos e
desprezo. O santo má rtir Iná cio, quando bispo, gozava de estima e
reverência universal; ele foi posteriormente arrastado para Roma, como
um criminoso, para ser lançado à s feras. Na viagem até lá , os guardas o
carregaram com insultos e ultrajes de todos os tipos. O Santo gritou de
alegria: “Agora começo a ser discípulo de Cristo”.
Quem nã o sabe suportar o insulto mostra claramente que perdeu Jesus
Crucificado de vista. A Venerável Maria da Encarnaçã o disse um dia à s
suas religiosas ao ver o crucifixo: “É possível, queridas Irmã s, que
possamos recusar sofrer o desprezo quando vemos Jesus Cristo tã o
desprezado?” Nosso Salvador certa vez apareceu a Sã o Joã o com uma
cruz em Seu ombro e uma coroa de espinhos em volta de Sua cabeça.
“Joã o”, disse Ele, “pergunte-me o que você deseja”. O Santo respondeu:
“Senhor, desejo sofrer e ser desprezado por Ti”.
Uma pessoa muito devota tinha o belo costume de se apresentar diante
do Santíssimo Sacramento sempre que era insultada ou ofendida.
Ajoelhando-se diante do taberná culo, ela dizia: “Ó meu Deus, sou pobre
demais para Te oferecer algo precioso ou caro; por isso ofereço-Te este
pequeno presente que acabo de receber”. Se, portanto, alma cristã , você
deseja alcançar uma grande santidade, deve estar preparada para
sofrer humilhaçõ es e desprezos. Isso parece difícil para a pobre
natureza humana? Entã o lembre-se da promessa de nosso Salvador
Jesus Cristo: “Bem-aventurados sereis quando vos injuriarem, e
perseguirem, e falarem todo o mal contra vó s, falsamente, por minha
causa: Alegrai-vos e regozijai-vos, porque é muito grande o vosso
galardã o. no paraíso." ( Mateus 5:11).

MANSIDÃ O
A humildade e a mansidã o eram as virtudes favoritas de Jesus Cristo, e
Ele as recomendou de maneira particular aos Seus discípulos quando
disse: “Aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coraçã o”. (
Mateus 11:29). Nosso Divino Redentor foi chamado de “Cordeiro de
Deus”, nã o apenas pelo sacrifício que Ele deveria fazer de Si mesmo na
Cruz em expiaçã o do pecado, mas também pela mansidã o que
caracterizou toda a Sua vida e particularmente durante Sua amarga
Paixã o. Quando foi rudemente esbofeteado pelo servo de Caifá s e
acusado de falta de respeito pelo sumo sacerdote, Ele humildemente
respondeu: “Se falei mal, dá testemunho disso; mas se bem, por que
você me bate? ( João 18:23). Quando Ele foi pendurado na cruz e Seus
inimigos O carregaram de insultos e ignomínia, Ele se voltou para Seu
Pai celestial e disse: “Pai, perdoa-lhes, porque nã o sabem o que fazem”. (
Lucas 23:34).
Quã o queridas a Deus sã o aquelas almas mansas que suportam todo
tipo de ofensas e indignidades sem ceder à raiva! A oraçã o deles é
aceitável a Deus, diz a Sagrada Escritura ( Jd 9:16); isto é, sempre será
ouvido. “O céu”, diz o Padre Alvarez, “é, de uma maneira particular, o lar
e o país daqueles que na terra sã o desprezados e pisoteados”. Na
verdade, é a estes, e nã o aos orgulhosos que sã o honrados e estimados
pelo mundo, que é prometida a posse do Reino dos Céus. O Salmista
Real assegura-nos que os mansos nã o só possuirã o felicidade na vida
futura, mas também nesta vida: “Eles se deleitarã o com abundâ ncia de
paz”. ( Salmo 36:11).
Santa Teresa diz que parecia sentir um amor mais do que comum por
aqueles que falavam mal dela. Nos atos de canonizaçã o lemos que por
injú rias se poderia obter o seu amor em grau especial. Nunca
poderemos alcançar tal mansidã o sem profunda humildade, uma
opiniã o humilde sobre nó s mesmos e um desejo de sermos tratados
com desprezo. O orgulho é raivoso e vingativo por causa da opiniã o
elevada que temos de nó s mesmos e do desejo por honras que achamos
que merecemos.
O espírito de Deus é um espírito de mansidã o. “Meu espírito é doce
como mel.” ( Eclesiastes 24:27). Sã o Francisco de Sales, mestre e modelo
de santa mansidã o, diz: “A mansidã o humilde é a virtude das virtudes,
que o nosso Divino Redentor nos recomendou com maior urgência;
portanto, devemos praticá -lo em todos os lugares e em todos os
momentos”. A mansidã o deve ser exercida especialmente para com os
pobres e os doentes; para com os pobres porque, devido à sua pobreza,
sã o frequentemente tratados com severidade; para com os doentes
porque sofrem muito e muitas vezes ficam sem assistência. Os
superiores devem agir com mansidã o para com os seus sú bditos e, ao
dar uma ordem, devem pedir em vez de ordenar. Sã o Vicente de Paulo
diz que os superiores nã o têm melhor meio de conquistar o afeto e a
obediência de seus sú ditos do que pela mansidã o.
Esta foi também a opiniã o de Santa Joana Chantal. “Já tentei todos os
tipos de tratamento”, diz ela; “o leve e paciente é o melhor.” “Nada é tã o
edificante”, diz Sã o Francisco de Sales, “como a mansidã o amável”. Nos
lá bios deste servo de Deus pairava um sorriso contínuo. Seu semblante,
sua conversa, todo o seu ser respirava mansidã o. Sã o Vicente de Paulo
declarou que nunca conheceu homem mais manso do que o Bispo de
Genebra. Ele viu nele uma có pia viva da bondade e bondade de Jesus
Cristo. Mesmo quando, para nã o sobrecarregar a consciência, teve de
recusar um pedido, ele expressou sua recusa com tanta gentileza e
amor que obteve o alegre consentimento do peticioná rio; e apesar da
recusa, este foi embora satisfeito. Ele era manso para com todos, seus
superiores, seus iguais e seus inferiores; para com os membros da sua
família e para com estranhos. Ele nunca reclamou dos seus servos;
raramente ele os reprovava, e sempre com gentileza. Que contraste
entre este santo e aqueles que, segundo as pró prias palavras de Sã o
Francisco, “parecem anjos no exterior e demô nios em casa”.

CORREÇÃ O MANSA
Se você, leitor cristã o, for chamado a administrar uma repreensã o, faça-
o como fez Sã o Francisco, com mansidã o. Corrigir enfaticamente é uma
coisa; reprovar duramente é outra. À s vezes é necessá rio repreender de
maneira muito positiva, quando a falta cometida é grave ou quando
repetidas advertências foram em vã o. Mas devemos evitar o uso de um
tom irado que trai uma ausência de autocontrole; isso geralmente faz
mais mal do que bem. É esse zelo amargo que Sã o Tiago tanto deprecia.
Muitos imaginam que a melhor e ú nica maneira de tratar os
subordinados é através de uma conduta severa, para enchê-los de
reverência e pavor. Mas Sã o Tiago, o Apó stolo, tem uma opiniã o bem
diferente. Ele diz: “Se você tem zelo amargo, nã o se glorie. Esta nã o é
uma sabedoria que desce do alto, mas uma sabedoria terrena, sensual,
diabó lica. Mas a sabedoria que vem do alto é… pacífica, modesta, cheia
de misericó rdia e de bons frutos”. ( Tiago 3:14, 15, 17). Se você for
obrigado a falar de maneira severa para impressionar o culpado com a
gravidade de sua falta, pelo menos conclua seus comentá rios com
algumas palavras gentis para aliviar a dor da repreensã o. Como o bom
samaritano, você deve curar a ferida com azeite e vinho.
Quando o ó leo é misturado com outros líquidos ele sempre chega ao
topo; entã o você também, diz Sã o Francisco de Sales, em tudo o que
fizer, deixe predominar a mansidã o e a gentileza. Se a pessoa que você
deseja repreender está muito agitada, é melhor esperar até que ela se
acalme; caso contrá rio, você apenas o irritará ainda mais. Se uma casa
está pegando fogo, nã o é apropriado jogar lenha nela.
“Você nã o sabe de que espírito você é.” ( Lucas 9:55). Assim falou o
Santíssimo Redentor a Sã o Joã o e a seu irmã o Sã o Tiago quando eles
desejaram que Ele castigasse os samaritanos. Ah, que tipo de espírito é
esse! Nosso Redentor quis dizer: Nã o é o Meu espírito; Meu espírito é
mansidã o e gentileza. “O Filho do homem nã o veio para destruir as
almas, mas para salvar” ( Lucas 9:56), e você deseja que Eu provoque a
destruiçã o delas.

A MANSIDÃ O DO NOSSO SALVADOR


Com que mansidã o e mansidã o Nosso Senhor nã o falou à mulher
apanhada em pecado! “Mulher”, disse Ele, “ninguém te condenou?
Quem disse: Ninguém, Senhor. E Jesus disse: Nem eu te condenarei. Vá e
agora nã o peque mais.” ( João 8:10-11). Com mansidã o semelhante, Ele
falou e converteu a mulher samaritana junto ao poço de Jacó . A
princípio, Ele apenas pediu um copo de á gua; e entã o Ele disse: “Ah,
você sabia quem é que te diz: 'Dá -me de beber! ' ” ( João 4:10).
Finalmente Ele revelou a ela que Ele era o Messias prometido. Que
comovente ternura nosso Salvador demonstrou para com o traiçoeiro
Apó stolo Judas. Ele permitiu que ele comesse do mesmo prato que Ele;
Ajoelhou-se e lavou os pés; no exato momento em que ele consumava
seu crime, nosso Salvador o advertiu com estas comoventes palavras:
“Judas, com um beijo trais o Filho do homem?” ( Lucas 22:48). Como Ele
reconquistou Sã o Pedro depois que o Apó stolo O negou? Ele nã o o
repreendeu. Ao passar da casa do sumo sacerdote, Ele se voltou e olhou
com ternura para Pedro, e aquele olhar terno operou tal conversã o no
coraçã o do Apó stolo que durante o resto de sua vida ele chorou
amargamente pela ofensa que havia cometido ao seu Divino. Mestre.
A mansidã o realiza muito mais do que raiva e amargura. Sã o Francisco
de Sales diz que nã o há nada tã o amargo como uma noz verde; guarde-o
e ele se tornará doce e agradável. Da mesma forma, as repreensõ es, por
mais desagradáveis que sejam em si mesmas, tornam-se aceitáveis e
produtivas de bons resultados quando administradas com mansidã o e
amor. Por causa de sua maravilhosa mansidã o, Sã o Francisco de Sales
podia fazer o que quisesse; ele até conseguiu levar os pecadores mais
obstinados de volta a Deus. Sã o Vicente de Paulo estava animado com
um espírito semelhante e desejava que essa fosse a característica dos
seus discípulos. “Gentileza, amor e humildade”, ele costumava dizer,
“têm um efeito maravilhoso em conquistar os coraçõ es dos homens e
em levá -los a fazer de boa vontade o que se opõ e à natureza humana”.
Você deve se esforçar para ser gentil e amável com todos, em todas as
circunstâ ncias e em todos os momentos. “Há muitos”, diz Sã o Bernardo,
“que estã o cheios de doçura, desde que as coisas sigam seu caminho;
mas quando se deparam com a contradiçã o, irrompem em fogo e
chamas, e fumegam como um verdadeiro Vesú vio. Sã o como as brasas
que brilham sob as cinzas.” Quem deseja tornar-se santo deve viver
como um lírio entre os espinhos; é sempre um lírio, nã o importa o
quanto os espinhos possam espetá -lo. Em outras palavras, ele deve ser
sempre manso e amável. O exterior de uma alma que ama a Deus
refletirá a paz que reina dentro de si tanto na prosperidade quanto na
adversidade. Se devemos responder a alguém que nos ofende, façamo-
lo com mansidã o. “Uma resposta branda quebranta a ira”, diz a Sagrada
Escritura. ( Pv 15:1). Se estivermos muito entusiasmados, é melhor
ficar em silêncio. No calor da paixã o parece certo dizer tudo o que vem
à língua; mas quando a raiva diminui, descobrimos que cometemos
tantos erros quanto pronunciamos palavras.

MANSIDÃ O PARA COM SI MESMO


Se tivermos a infelicidade de cometer uma falta, devemos exercer
mansidã o até para conosco mesmos. Ficar zangado consigo mesmo
depois de cometer uma falta nã o é sinal de humildade, mas de orgulho
secreto; mostra que nã o nos consideramos as criaturas fracas e
miseráveis que realmente somos. Sã o Luís disse: “O diabo gosta de
pescar em á guas turbulentas, onde nã o podemos distinguir nada”. Se
uma alma está distraída e perturbada, é muito difícil para ela
reconhecer Deus e os seus deveres. Quando, portanto, cometemos uma
falta, devemos dirigir-nos ao Senhor com humildade e confiança, pedir-
lhe perdã o e dizer com Santa Catarina de Génova: “Senhor, eis aqui os
frutos do meu pró prio jardim! Mas perdoe-me, eu te imploro!
Arrependo-me de coraçã o de ter-Te ofendido; Nã o farei mais isso; dá -
me a ajuda de Tua santa graça.” “Nunca”, diz Sã o Francisco de Sales,
“permita que a raiva entre na alma sob qualquer pretexto; pois, uma vez
que a paixã o violenta se aloja no coraçã o, nã o está em nosso poder
bani-la.”
Procure controlar imediatamente as emoçõ es da raiva, permanecendo
em silêncio ou pensando em outra coisa. Fazei como fizeram os
Apó stolos quando foram sacudidos pelo mar tempestuoso; eles
recorreram instantaneamente ao seu Divino Mestre; Só ele pode
acalmar as tempestades do coraçã o humano. Se, em consequência da
fraqueza, a raiva entrar em seu coraçã o, faça tudo ao seu alcance para
recuperar a compostura e aja com humildade e mansidã o para com
aquele que foi a causa de seus sentimentos de raiva. Sã o Francisco nos
diz que lhe custou muito trabalho superar suas duas paixõ es
predominantes, a raiva e o amor. Para vencer sua paixã o furiosa, ele
lutou durante doze longos anos. No que diz respeito ao amor, ele
mudou de objeto, desapegando-se inteiramente das criaturas e
entregando todo o seu amor a Deus.
Era uma prá tica dos santos, durante a oraçã o e a meditaçã o, trazer à
mente todos os aborrecimentos e obstá culos que podiam encontrar no
decorrer do dia, e preparar-se antecipadamente para suportá -los com
mansidã o e humildade. Assim foram capazes de pô r em prá tica o
conselho de seu gentil Salvador: “Aprendei de mim, porque sou manso e
humilde de coraçã o; e encontrareis descanso para a vossa alma”. (
Mateus 11:29).
“Aquele que odeia a sua vida neste mundo, guarda-a para a vida eterna.”
- João 12:25.

Capítulo 9
MORTIFICAÇÃO
“Aquele que neste mundo odeia a sua vida, guarda-a para a vida eterna.”
—Joã o 12:25
A virtude da mortificaçã o é dupla, exterior e interior. A mortificaçã o
exterior consiste em fazer e sofrer o que se opõ e aos sentidos
exteriores e em privar-se daquilo que lhes é agradável. Na medida em
que for necessá rio evitar o pecado, todo cristã o é obrigado a praticar a
mortificaçã o. No que diz respeito à s coisas de que podemos gozar
legalmente, a mortificaçã o nã o é obrigató ria, mas é muito ú til e
meritó ria. Para aqueles, porém, que buscam a perfeiçã o, a mortificaçã o,
mesmo nas coisas que sã o lícitas, é absolutamente necessá ria. Como
pobres filhos de Adã o, devemos lutar até o dia da nossa morte; “Porque
a carne cobiça contra o espírito, e o espírito contra a carne, porque
estes se opõ em um ao outro: para que nã o façais o que quereis.” ( Gál.
5:17).
É pró prio dos animais gratificar os seus sentidos; é característico dos
anjos fazer a vontade de Deus. Disto um autor erudito conclui que nos
tornamos anjos quando nos esforçamos para fazer a vontade de Deus,
mas nos tornamos como animais quando procuramos gratificar os
nossos sentidos. Ou a alma deve submeter o corpo ou o corpo fará da
alma sua escrava. Conseqü entemente, devemos tratar nosso corpo
como um cavaleiro trata um cavalo selvagem; ele puxa as rédeas com
força, para nã o ser jogado fora. À s vezes, um médico prescreve
medicamentos que sã o muito desagradáveis ao paciente, e proíbe
estritamente alimentos e bebidas prejudiciais, embora o paciente possa
desejá -los. Ele seria realmente um médico cruel, que poderia ser
dissuadido de administrar remédios porque seu paciente se opusesse
por serem amargos, e que permitiria ao doente comer e beber o que
quisesse. Quã o maior é a crueldade do homem sensual que se esforça
para evitar tudo o que é desagradável ou doloroso para o seu corpo
nesta vida, e assim coloca tanto o corpo como a alma no maior perigo
de sofrer dores incomparavelmente maiores por toda a eternidade.
“Este falso amor”, diz Sã o Bernardo, “destró i o verdadeiro amor que
deveríamos ter pelo nosso corpo”.
Essa simpatia descabida é, na realidade, apenas crueldade; pois
enquanto poupamos o corpo, matamos a alma. O mesmo Santo,
dirigindo-se à s pessoas mundanas que ridicularizam os servos de Deus
por se mortificarem, faz uso das seguintes palavras: “Sim, somos cruéis,
se quiserem, para com os nossos corpos quando os afligimos com
penitência; mas vocês sã o muito mais cruéis consigo mesmos quando
satisfazem seus desejos sensuais, pois ao fazê-lo vocês condenam tanto
o corpo quanto a alma a uma eternidade de tormentos terríveis.” Nosso
Senhor disse uma vez a Sã o Francisco de Assis: “Se você Me deseja,
considere as coisas amargas da vida como doces e as doces como
amargas”. É inú til afirmar, como fazem alguns, que a perfeiçã o nã o
consiste em castigar o corpo, mas em mortificar a vontade. A isto
Pinamonti responde: “Se a vinha nã o dá fruto porque está rodeada por
uma sebe de espinhos, pelo menos a sebe ajuda a conservar o fruto,
pois a Sagrada Escritura diz: 'Onde nã o há sebe, a posse será estragada'.
. ' ” ( Eclesiastes 36:27).
Sã o Luís Gonzaga tinha uma saú de muito debilitada. No entanto, ele
estava tã o empenhado em crucificar o seu corpo que nã o procurou
nada além de mortificaçã o e obras de penitência. Um dia alguém lhe
disse que a santidade nã o consistia nessas coisas, mas na renú ncia à
vontade pró pria. Ele respondeu humildemente nas palavras do
Evangelho: “Essas coisas você deveria ter feito e nã o deixar outras por
fazer”. ( Mateus 23:23). Com isso ele quis dizer: Embora seja necessá rio
mortificar a vontade, devemos também mortificar o corpo para mantê-
lo sob controle e sujeito à razã o. Por causa disso, o apó stolo disse: “Eu
castigo o meu corpo e o coloco em sujeiçã o”. ( 1 Coríntios 9:27). Se o
corpo nã o estiver mortificado, é muito difícil torná -lo obediente à lei de
Deus.

NÓ S MESMOS, NOSSO PIOR INIMIGO


É certamente verdade que o mundo e o diabo sã o grandes inimigos da
nossa salvaçã o; mas o maior inimigo de todos é o nosso pró prio corpo
porque está sempre conosco. “O inimigo que mora conosco na mesma
casa”, diz Sã o Bernardo, “nos fere mais”. Um forte nã o tem inimigos mais
perigosos do que os de dentro, pois é mais difícil proteger-se deles do
que do inimigo de fora. Enquanto as pessoas de mentalidade mundana
pretendem unicamente gratificar os seus corpos com os prazeres dos
sentidos, as almas que amam a Deus pensam apenas em mortificar-se o
má ximo que puderem. Sã o Pedro de Alcâ ntara dirigiu-se assim ao seu
corpo: “Tende a certeza de que nesta vida nã o te darei descanso; as
afliçõ es sã o o seu destino; quando estivermos no céu, desfrutaremos de
um descanso sem fim.” No mesmo espírito, Santa Maria Madalena de
Pazzi agiu, e pouco antes de sua morte ela poderia dizer que nã o se
lembrava de ter encontrado prazer em nada, exceto em Deus.

ABNEGAÇÃ O
Mas, dirã o vocês, tenho uma constituiçã o fraca e uma saú de debilitada,
e meu confessor me proíbe de praticar obras de penitência. Muito bem,
obedeça-o; mas pelo menos suporte pacientemente os desconfortos e
fadiga resultantes de sua condiçã o corporal; procure nã o reclamar da
inclemência do tempo e do calor e frio excessivos. Se você nã o puder
praticar obras de penitência, pelo menos abstenha-se ocasionalmente
de algum prazer lícito. Quando Sã o Francisco Bó rgia estava caçando, no
momento em que o falcã o agarrava sua presa, ele baixava os olhos, para
se privar do prazer que tal visã o lhe proporcionaria. Se você negar ao
seu corpo prazeres lícitos, ele nã o estará apto a buscar prazeres ilícitos;
mas se você se entregar a todos os prazeres lícitos, logo cruzará a linha
para o territó rio proibido. Um grande servo de Deus, Vincent Carafa, SJ,
diz que o Senhor nos deu as alegrias e prazeres deste mundo nã o
apenas para que possamos desfrutá -los, mas também para que
possamos ter a oportunidade de fazer um sacrifício, privando-nos de
eles por amor a Ele. Venenos adequadamente compostos e ingeridos
em quantidades muito pequenas à s vezes sã o benéficos à saú de do
corpo, mas sã o e sempre serã o venenos. E o mesmo acontece com os
prazeres; devem ser praticados com grande precauçã o e moderaçã o e
unicamente com o objetivo de servir a Deus com mais fidelidade.
Além disso, devemos estar atentos para que a ansiedade e a solicitude
pelo nosso bem-estar corporal nã o ponham em perigo a saú de da alma.
“A doença do corpo”, diz Sã o Bernardo, “desperta a minha compaixã o,
mas a doença da alma causa-me maior afliçã o porque é muito mais
perigosa”. Somos muito propensos a fazer das nossas doenças corporais
um pretexto para nos isentarmos dos nossos deveres espirituais.
“Omitimos a oraçã o hoje”, diz Santa Teresa, “porque temos dor de
cabeça; amanhã porque estávamos com dor de cabeça e no dia seguinte
porque temos medo de ter uma.”

VANTAGENS DA MORTIFICAÇÃ O
Pode ser proveitoso deter-nos por um momento nas vantagens da
mortificaçã o, pois tal consideraçã o é calculada para nos inspirar com
mais coragem e generosidade. Pela mortificaçã o podemos expiar o
castigo temporal devido aos nossos pecados. Estamos cientes do fato de
que embora a culpa do pecado seja remida por uma Confissã o contrita,
ainda resta um castigo temporal a ser suportado. Se na vida presente
deixarmos de fazer expiaçã o, teremos que sofrer no fogo do Purgató rio.
“A menos que façam penitência por seus atos”, diz a Sagrada Escritura,
“estarã o em grande tribulaçã o”. ( Apoc. 2:22). Santo Antonino relata que
a um doente foi oferecida a escolha (por seu anjo da guarda) de sofrer
três dias no Purgató rio ou de permanecer mais dois anos em seu leito
de doente. O paciente escolheu os três dias no Purgató rio. Mal fazia
uma hora que ele estava ali quando reclamou ao anjo que, em vez de
alguns dias, já havia passado vá rios anos em terríveis tormentos. “O que
você diz”, respondeu o anjo; “seu corpo ainda está quente no leito de
morte e você fala de anos?” Se, portanto, alma cristã , você tem alguma
coisa a sofrer, diga a si mesmo: Este deve ser o meu Purgató rio;
Suportarei esse sofrimento pacientemente para expiar meus pecados e
obter mérito para a vida eterna.

ELEVA A ALMA
A mortificaçã o eleva a alma a Deus. Sã o Francisco de Sales diz: “A alma
nunca poderá ascender a Deus a menos que o corpo seja submetido à
sujeiçã o pela penitência”. “As almas que amam verdadeiramente a
Deus”, diz Santa Teresa, “nã o desejam descanso corporal e indulgência”.
Mas pela mortificaçã o podemos alcançar grande gló ria no céu. “Se os
competidores”, diz Sã o Paulo, “se abstêm de tudo que possa
enfraquecer o corpo e impedi-los de ganhar uma coroa perecível, com
que maior zelo nã o deveríamos nos mortificar para obter uma coroa
inestimável e eterna!” Sã o Joã o viu os bem-aventurados no céu com
ramos de palmeira nas mã os. Disto é evidente que para sermos
contados entre os eleitos todos devemos ser má rtires, seja pela espada
do tirano ou pela mortificaçã o. Mas “os sofrimentos deste tempo nã o
podem ser comparados com a gló ria vindoura, que será revelada em
nó s” ( Romanos 8:18), e nossas tribulaçõ es atuais sã o momentâ neas e
leves, mas elas “trabalham para nó s acima”. mede excessivamente um
peso eterno de gló ria.” ( 2 Coríntios 4:17). Reanimemos, portanto, a
nossa fé. Temos pouco tempo para viver nesta terra; nosso verdadeiro
lar e descanso eterno está além do tú mulo. Sã o Pedro diz que bem-
aventuradas sã o as pedras vivas com as quais é construída a Jerusalém
celestial. Mas como canta a Santa Igreja no Ofício Divino, estas pedras
devem ser cortadas e moldadas pelo cinzel da mortificaçã o.

MORTIFICAÇÃ O INTERIOR
A mortificaçã o interior consiste em restringir o nosso amor-pró prio e a
nossa obstinaçã o desmedidos. Existe um duplo amor por si mesmo, um
bom e outro mau. A primeira estimula-nos a lutar pela vida eterna, para
a qual Deus nos criou; este ú ltimo nos leva a buscar as coisas boas desta
terra, em grande detrimento da nossa alma imortal. Cristo Nosso
Senhor disse: “Se alguém quiser vir apó s mim, negue-se a si mesmo”. (
Mateus 16:24). Ora, toda a perfeiçã o de uma alma consiste nesta mesma
abnegaçã o, pois Santo Agostinho diz: “Quanto menos alguém procura
gratificar as paixõ es, mais ama verdadeiramente a Deus, e quando nã o
deseja nada além de Deus, seu amor por Deus é perfeito.” Na atual
condiçã o da nossa natureza pecaminosa, é impossível estar totalmente
livre dos estímulos do amor pró prio. Somente Jesus Cristo entre os
homens e a Bem-Aventurada Virgem Maria entre as mulheres estavam
totalmente isentos. Quanto a todos os outros santos, eles tiveram que
lutar contra as suas inclinaçõ es desordenadas. A mortificaçã o interior
consiste, portanto, principalmente em refrear e controlar essas
inclinaçõ es desordenadas do amor-pró prio. A alma tem outros
inimigos, é verdade, mas o pior inimigo de todos é o amor pró prio.
Segundo Santa Maria Madalena de Pazzi, “o amor pró prio é como o
verme que ró i a raiz e destró i nã o só o fruto, mas até a pró pria vida da
planta”. O mesmo Santo acrescenta: “O traidor que mais devemos temer
é o amor pró prio, pois o amor pró prio nos trai como Judas traiu Nosso
Senhor com um beijo. Quem conquista o amor pró prio conquistou
tudo.” Rogai, pois, sem cessar, ao Senhor: Ó Deus, nã o me deixes cair
vítima das minhas paixõ es, que me roubam o Teu santo temor e a
pró pria razã o. “A vida do homem na terra é uma guerra.” ( Jó 7:1).
Aquele que encontra um inimigo na batalha deve ter as armas em mã os
para se defender; se ele deixar de lutar, estará perdido. Nã o importa
quantas vitó rias tenhamos conquistado, nã o podemos dar-nos ao luxo
de depor as armas; pois as nossas paixõ es, apesar das repetidas
derrotas, nunca sã o totalmente destruídas.
Sã o como ervas daninhas, diz Sã o Bernardo, que voltam a crescer
sempre que sã o cortadas; mesmo quando você pensa que os erradicou
completamente, eles logo aparecem novamente. Na luta contra as
nossas paixõ es, o má ximo que podemos esperar conseguir é que os
seus ataques se tornem menos frequentes e menos violentos, e que nó s
pró prios possamos melhor superá -los. Um dia, um monge queixou-se
ao Abade Teodoro de que havia lutado durante oito longos anos contra
as suas paixõ es e ainda nã o tinha conseguido subjugá -las. O Abade
respondeu: “Meu irmã o, você reclama de uma guerra de oito anos;
Passei sessenta anos na solidã o e nã o houve um ú nico dia desse tempo
sem que eu estivesse inquieto por uma paixã o ou outra.” As paixõ es,
portanto, sempre nos molestarã o; mas, como diz Sã o Gregó rio: “É uma
coisa diferente ver essas feras rondando ao nosso redor e ouvir seu uivo
feroz do que tê-las em nosso coraçã o e permitir que elas nos
estrangulem”.
AUTOCONQUISTA
Nosso coraçã o é um jardim onde continuam a crescer ervas daninhas
selvagens e nocivas. Devemos, portanto, ter sempre à mã o a enxada da
mortificaçã o para remover este crescimento nocivo, caso contrá rio o
jardim logo ficará sufocado com espinhos e cardos. “Supere-se”, era um
ditado favorito de Santo Iná cio de Loyola. Estava sempre em seus
lá bios; repetidas vezes ele voltou a isso ao se dirigir a seus irmã os
religiosos. “Supere o seu amor pró prio; quebre sua obstinaçã o”, ele
dizia. A razã o pela qual tã o poucos daqueles que praticam a oraçã o
mental se tornam santos é porque tã o poucos têm a intençã o de
superar a si mesmos. De cem pessoas que praticam a oraçã o mental,
mais de noventa seguem a sua pró pria cabeça. Por isso, o Santo dava
mais valor a um ú nico ato de abnegaçã o do que a uma hora inteira de
oraçã o repleta de consolaçã o espiritual. “De que adianta para uma
fortaleza”, diz o Abade Gilbert, “que os portõ es sejam fechados se a
fome, o inimigo interno, abate os ocupantes?” Queria dizer: De que
adianta mortificar os sentidos exteriores e realizar muitos exercícios de
piedade se guardamos alguma paixã o no coraçã o e nos recusamos a
renunciar à nossa pró pria vontade?
Sã o Francisco Bó rgia disse que a oraçã o introduz o amor de Deus no
coraçã o, mas a mortificaçã o prepara o caminho, removendo tudo o que
possa ser um obstá culo ou impedimento para isso. Se quiser encher um
vaso com á gua deve primeiro esvaziar a terra que está nele, caso
contrá rio ficará uma mistura desagradável. Sobre a relaçã o da
mortificaçã o interior com a oraçã o, o Padre Balthasar Alvarez diz: “A
oraçã o sem mortificaçã o ou é uma ilusã o, ou logo chegará ao fim”. Santo
Iná cio nos diz que uma alma mortificada está mais intimamente unida a
Deus em um quarto de hora do que uma pessoa nã o mortificada em
muitas horas de oraçã o. E se o Santo ouvisse dizer de alguém que
rezava muito, acrescentava: “Isso é sinal de que está muito mortificado”.
Muitos cristã os praticam atos de devoçã o, vã o frequentemente à
Sagrada Comunhã o, jejuam e passam muito tempo em oraçã o, mas
negligenciam a mortificaçã o das suas paixõ es, abrigam sentimentos de
vingança e aversã o e alimentam apegos perigosos. Eles nã o fazem
nenhum esforço para suportar as contradiçõ es, para abandonar certas
associaçõ es e para se sujeitarem à obediência e à Vontade de Deus. Que
progresso tais pessoas podem esperar fazer no caminho para a
perfeiçã o? Têm sempre os mesmos defeitos e, segundo Santo Agostinho,
estã o fora do caminho certo. “Eles correm bem”, diz o Santo, “mas fora
do caminho”. “Cuida de ti mesmo”, diz Thomas à Kempis, “desperta-te,
admoesta-te; e tudo o que acontecer aos outros, nã o negligencie a si
mesmo. Quanto maior a violência que você oferecer a si mesmo, maior
progresso você fará .” ( Im. Livro 1, 24).
Nã o tenho a menor intençã o de subestimar o valor da oraçã o vocal, das
obras de penitência e de outros exercícios espirituais; mas devem ser
realizadas com esse fim em vista, para obter a vitó ria sobre suas
paixõ es. Todos os exercícios de piedade nada mais sã o do que meios
para chegar à virtude. Conseqü entemente, na Sagrada Comunhã o,
durante a meditaçã o, na visita ao Santíssimo Sacramento e na
realizaçã o de outros atos de devoçã o, devemos sempre pedir a Deus a
graça de sermos humildes, mortificados, obedientes e conformados à
Sua santa vontade. Agir apenas por amor pró prio é uma falha de todo
cristã o; mas é uma falha maior naquele que recebeu uma medida maior
de graça e é, por isso, obrigado a lutar mais seriamente pela perfeiçã o.
“Por meio da abnegaçã o”, diz Lactâ ncio, “Deus chama os homens à vida
eterna; pela gratificaçã o do amor pró prio, Sataná s os chama para a
morte eterna.”
Dizia Sã o José Calasanctius: “O dia passado sem mortificaçã o é um dia
perdido”. Para nos ensinar o valor e a necessidade da mortificaçã o,
nosso Santíssimo Senhor escolheu viver uma vida mortificada, uma
vida sem consolaçã o sensata, uma vida de tristeza e vergonha. “Tendo a
alegria diante de si”, diz o Apó stolo, “suportou a cruz, desprezando a
vergonha”. ( Hebreus 12:2). “Percorra toda a vida de Jesus Cristo”, diz
Sã o Bernardo, “você sempre o encontrará sofrendo na cruz”. Santa
Catarina de Sena comenta: “Assim como uma mã e toma um remédio
amargo para curar seu filho doente, assim durante Sua vida na terra
Nosso Senhor bebeu o cá lice dos sofrimentos para curar nossas pobres
almas enfermas”.

AUTO-VONTADE
Nã o há obstá culo mais prejudicial na busca pela perfeiçã o do que a
gratificaçã o da obstinaçã o. “Se”, diz Sã o Bernardo, “você pode induzir os
homens a desistir de sua obstinaçã o, nã o há inferno para eles temerem”.
Segundo Sã o Pedro Damiã o, a obstinaçã o destró i todas as virtudes.
“Como a vontade de Deus é a fonte de todo bem”, diz Santo Anselmo, “a
vontade do homem é a origem de todo mal”. “Aquele”, diz Sã o Bernardo,
“que se constitui um mestre e segue as sugestõ es da obstinaçã o, sujeita-
se a um verdadeiro tolo”.
O diabo, como observa Santo Agostinho, tornou-se o que é por vontade
pró pria. Portanto, na sua guerra contra as almas piedosas, a sua arma
mais eficaz e mortal é a sua obstinaçã o. Cassiano relata que o Abade
Aquiles, quando questionado por um discípulo sobre quais armas o
diabo empregou para atacar as almas consagradas a Deus, respondeu:
Contra os grandes deste mundo, ele usa o orgulho; contra os homens de
negó cios, a avareza; contra os jovens, a incontinência; mas contra
aqueles que sã o dados à piedade, sua principal arma é a obstinaçã o. O
Abade Pastor expressa a mesma ideia com palavras diferentes: “Quando
seguimos a nossa pró pria vontade, o diabo nã o tem necessidade de nos
atacar, pois a nossa vontade pró pria toma entã o o lugar do diabo e, na
verdade, do pior que existe. ” O Espírito Santo nos admoesta: “Afasta-te
da tua pró pria vontade. Se você conceder à sua alma os desejos dela, ela
fará de você uma alegria para os seus inimigos. ( Eclesiastes 18:30-31).
Uma açã o tem seu maior valor na obediência com que é realizada. A
pior característica de qualquer açã o é quando ela é motivada pela
vontade pró pria.
Conseqü entemente, diz Trithemius, o diabo nada mais odeia do que a
obediência, pois, nas palavras de Santa Teresa, “O diabo sabe bem que
da obediência depende a salvaçã o de nossas almas. É por isso que ele se
esforça tanto para evitá -lo.” Era costume de Sã o Filipe Neri exortar
todos os seus penitentes a praticarem a renú ncia por vontade pró pria,
pois nisso, dizia ele, consiste a verdadeira santidade. “Quanto mais você
tira da sua obstinaçã o, mais você acrescenta à virtude”, diz Sã o
Jerô nimo. “À vista de Deus”, diz Santa Coletta, “a renú ncia à vontade
pró pria é mais meritó ria do que o sacrifício de todas as riquezas do
mundo”.
“Desejo muito pouco”, diz Sã o Francisco de Sales, “e por este pouco
tenho apenas um fraco desejo”. Ele quis dizer que em seus desejos
nunca foi considerada a sua pró pria vontade, mas simplesmente a
Vontade de Deus; de modo que estava preparado para desistir de tudo
assim que visse que nã o estava em conformidade com a Vontade divina.
“Oh, que doçura”, diz Santa Maria Madalena de Pazzi, “há nas palavras 'A
Vontade de Deus'. ' ”
Se você, alma cristã , deseja tornar-se santo e desfrutar de uma paz
ininterrupta, esforce-se sempre que puder para mortificar a sua
vontade. Nã o faça nada para sua pró pria satisfaçã o, mas tudo para
agradar a Deus. Para este fim, renuncie a todos os desejos vã os e
inclinaçõ es desordenadas. As pessoas de mentalidade mundana
pretendem seguir a sua pró pria vontade tanto quanto possível; é o
objectivo constante dos Santos mortificar a sua vontade, e procuram
oportunidades para o fazer. Santo André Avellino fez voto de sempre se
opor à sua pró pria vontade. Faça disso uma prá tica, pelo menos todos
os dias, de realizar alguns atos de abnegaçã o.
Concluamos com as palavras que Padre Torres escreveu a uma pessoa
devota para encorajá -la na prá tica da abnegaçã o: “Como Deus lhe deu a
oportunidade de sofrer e suportar o abandono, esforce-se para
aumentar em seu coraçã o o Seu amor, um amor isso é tã o forte quanto a
morte. Que este amor o separe de todas as criaturas e de si mesmo,
para que nada o impeça de se apegar ao seu Senhor com todos os seus
pensamentos, desejos e inclinaçõ es. Faça tudo por Ele e em uniã o com
Ele. Diante do seu Salvador crucificado, faça uma renú ncia diá ria a
todas as inclinaçõ es e apegos que encontrar dentro de sua alma.
Proteste que você nã o deseja outra honra senã o a vergonha de Jesus
Cristo; nenhum outro tesouro senã o o Seu amor; nenhum outro
conforto além de Sua Cruz; nenhum outro objeto senã o Ele mesmo, seu
Senhor e Deus.
“Tendo despedido a multidã o, ele subiu sozinho a um monte para orar.”
— Mat. 14:23.

Capítulo 10
LEMBRANÇA
“Tendo despedido a multidão, ele subiu sozinho a um monte para orar.”
—Mat. 14:23
Para preservar o recolhimento do espírito ou a uniã o constante da alma
com Deus, sã o necessá rias três coisas: a solidã o, o silêncio e o
recolhimento da presença de Deus. Foram a estas três coisas que o anjo
de Deus se referiu quando, dirigindo-se a Santo Arsênio, disse: “Fuja,
cale-se e descanse”. Em outras palavras: busque a solidã o, pratique o
silêncio e descanse em Deus, mantendo sempre diante de você o
pensamento de Sua presença.
As almas que amam a Deus sentem uma forte atraçã o pela solidã o, pois
sabem que Deus conversa familiarmente com aqueles que evitam o
barulho e as distraçõ es do mundo. “Ó bendita solidã o”, exclama Sã o
Jerô nimo, “na qual Deus com amorosa condescendência trata
familiarmente com as almas escolhidas!” Deus nã o fala naqueles
lugares onde o tempo é desperdiçado em gargalhadas e conversa fiada.
“O Senhor nã o está no terremoto” ( 3 Reis 19:11), mas Ele diz, pelo
contrá rio, nas palavras do profeta Osee: “Eu a levarei ao deserto e
falarei ao seu coraçã o. ” ( Osé 2:14). Deus fala à alma na solidã o, e por
Suas palavras o coraçã o se inflama com o amor divino. “Minha alma se
derreteu quando meu amado falou”, disse a esposa no Câ ntico (5,6).
Conta Santo Euquério que uma pessoa que desejava ser perfeita certa
vez perguntou a um diretor espiritual o que deveria fazer, e esta foi a
resposta que recebeu: “A solidã o é o lugar onde o homem encontra
Deus. Na solidã o, a virtude é facilmente preservada; na relaçã o com o
mundo, ele se perde facilmente.” Sã o Bernardo nos diz que aprendeu
mais sobre Deus e as coisas divinas na solidã o sob os carvalhos e faias
do que nos livros e escolas dos eruditos. Por esta razã o, os Santos
sentiram um desejo irresistível de deixar o barulho e a agitaçã o do
mundo e retirar-se para a solidã o; por esta razã o as montanhas,
florestas e cavernas lhes eram inexprimivelmente queridas. Na profecia
de Isaías lemos: “A terra que estava desolada e intransponível se
alegrará , e o deserto se alegrará e florescerá como o lírio. Ela brotará e
florescerá , e se alegrará com alegria e louvor: a gló ria do Líbano é dada
a ela; a beleza do Carmelo e de Saron, eles verã o a gló ria do Senhor e a
beleza do nosso Deus. ( Is. 35:1). Ou seja, para as almas interiores, a
solidã o é fonte de delícias abundantes, pois é ali que olham e
contemplam a majestade e a beleza de Deus.

O PENSAMENTO DE DEUS
Para permanecermos unidos a Deus, devemos esforçar-nos por manter
viva em nó s uma viva recordaçã o Dele e dos bens incomensuráveis que
Ele concede à queles que O amam. Pela constante relaçã o com o mundo,
essas verdades espirituais tendem a ficar obscurecidas no labirinto de
pensamentos e consideraçõ es terrenas, e a piedade desaparece do
coraçã o. As pessoas de mentalidade mundana evitam a solidã o, e é
bastante natural que o façam; pois é na aposentadoria que eles ficam
preocupados com escrú pulos de consciência. Eles buscam a sociedade e
a excitaçã o do mundo para que a voz da consciência seja afogada no
barulho que ali reina. Aqueles, pelo contrá rio, cuja consciência está
tranquila, amam a solidã o e o retiro; e quando à s vezes sã o obrigados
pelas circunstâ ncias a aparecer no mundo barulhento, ficam pouco à
vontade e sentem-se totalmente fora de seu elemento.
É verdade que o homem ama naturalmente a companhia dos seus
semelhantes; mas o que pode ser considerado mais bonito do que a
sociedade de Deus? “Sua conversa nã o é amarga”, diz a Sagrada
Escritura, “e sua companhia nã o é tediosa, mas alegria e alegria”. ( Sab.
8:16). Uma vida de solidã o nã o é uma vida de tristeza; é antes uma
antecipaçã o do Céu; é o início da vida do bem-aventurado cuja ú nica
felicidade se encontra no amor e no louvor a Deus. Assim disse Sã o
Jerô nimo quando fugiu da sociedade de Roma e se escondeu na gruta
de Belém: “A solidã o é o meu paraíso”, escreveu ele. Na solidã o, os
santos parecem estar inteiramente sozinhos, mas nã o é assim. Sã o
Bernardo disse: “Nunca estou menos só do que quando estou sozinho”;
pois quando estou sozinho, estou com Deus, que me dá uma alegria
maior do que a sociedade de todas as criaturas poderia proporcionar.
Se os Santos parecem tristes, na realidade nã o o sã o. Porque o mundo
os vê privados de todas as alegrias e prazeres terrenos, considera-os os
mais infelizes; e ainda assim acontece exatamente o oposto.
Segundo as palavras do Apó stolo, gozam de uma paz constante e
incomensurável. ( 2 Tessalonicenses 3:16). Ora, para encontrar esta
deliciosa solidã o nã o é necessá rio retirar-se para um deserto e viver
numa caverna; você pode encontrá -lo em sua casa e no meio de sua
família. Ocupe-se com o mundo exterior apenas na medida em que os
deveres de seu estado, obediência ou caridade exigirem, e você viverá
naquela solidã o que melhor se adapta à s suas circunstâ ncias e que
Deus exige de você. Em meio aos assuntos de estado mais importantes,
o Rei Davi soube encontrar a solidã o: “Eis que fugi e morei na solidã o”. (
Salmo 54:8). Sã o Filipe Néri por algum tempo teve o desejo de se retirar
para um deserto, mas o Senhor ordenou-lhe que nã o deixasse a cidade
de Roma e vivesse ali como se estivesse em um eremitério.

SOLIDÃ O DO ESPÍRITO
Até agora falamos da solidã o e do retiro do corpo; há também uma
solidã o da alma, e esta ú ltima é mais necessá ria que a primeira, pois
Sã o Gregó rio diz: “De que serve a solidã o do corpo sem a solidã o do
espírito?” De que adianta, quer dizer o Santo, viver no deserto se a alma
se apega à s coisas desta terra? “Uma alma livre dos apegos terrenos”,
diz Sã o Pedro Crisó logo, “encontra solidã o até nas ruas e em lugares
pú blicos”. De que adianta ficar quieto em casa ou na igreja se o nosso
coraçã o está centrado nas coisas terrenas e o barulho dessas coisas
terrenas nos impede de ouvir a voz de Deus? Um dia o Senhor disse a
Santa Teresa: “Oh, com que prazer falaria a muitas almas! Mas o mundo
faz tanto barulho em seus coraçõ es que eles nã o conseguem ouvir a
Minha voz. Gostaria que eles se retirassem um pouco do mundo!” Em
que consiste a solidã o do coraçã o? Consiste em banir do coraçã o todos
os desejos e inclinaçõ es que nã o sã o para Deus, e em realizar nossas
açõ es simplesmente tendo em vista a boa vontade de Deus. O salmista
expressa esta verdade com as seguintes palavras: “Que tenho eu nos
céus, e além de ti, o que desejo na terra? Tu és o Deus do meu coraçã o e
o Deus que é a minha porçã o para sempre.” ( Salmo 72:25-26). Numa
palavra, a solidã o do coraçã o consiste em poder dizer: “Meu Deus, só a
ti desejo e nada mais”.

COMO ENCONTRAR DEUS


Muitos reclamam que nã o conseguem encontrar Deus, mas a tais Santa
Teresa responde: “Arranque o seu coraçã o de tudo o mais; entã o busque
a Deus e você certamente o encontrará”. Se um vaso de cristal estiver
cheio de terra, os raios do sol nã o poderã o penetrá -lo. A luz de Deus
nã o pode iluminar um coraçã o cheio de apegos à s alegrias, aos prazeres
e à s honras deste mundo. “Quando orares”, diz Nosso Senhor, “entre em
teu quarto e, tendo fechado a porta, reza a teu Pai em segredo”. ( Mateus
6:6). Por outras palavras, para se unir a Deus na oraçã o, o homem deve
entrar no seu pró prio coraçã o – que Santo Agostinho diz ser a câ mara
mencionada por Nosso Senhor – e excluir todos os apegos e inclinaçõ es
terrenas. Nã o se deve supor que solidã o e isolamento sejam sinô nimos
de ociosidade. Muitos vivem na reforma, mas é uma reforma inactiva e
inú til da qual terã o de prestar contas. As almas devotas, ao contrá rio,
sã o como abelhas que nã o se cansam de preparar mel para suas células.
Nenhum tempo deve ser perdido, mas sim cada momento empregado
na oraçã o, na leitura ou no desempenho dos deveres do seu estado de
vida.
“A ociosidade é a mã e do vício”, diz o provérbio, e o fundamento deste
provérbio sã o as palavras da Sagrada Escritura: “A ociosidade ensinou
muitos males”. ( Eclesiastes 33:29). Segundo Sã o Boaventura, o homem
ocioso é torturado por mil tentaçõ es, enquanto o homem que está
ocupado tem comparativamente poucas. Nã o podemos orar o tempo
todo; portanto, devemos nos dedicar ao trabalho. Na vida de Santa
Maria Madalena de Pazzi diz-se que ela trabalhou mais do que quatro
irmã s leigas juntas.
Seria um erro supor que o trabalho é prejudicial à saú de; pelo
contrá rio, é muito propício ao nosso bem-estar corporal. Além disso, o
trabalho é um remédio eficaz contra as tentaçõ es. Um dia Santo
Antô nio, o eremita, foi assaltado por inú meras tentaçõ es e com uma
sú bita aversã o à sua solidã o; ele mal sabia para que lado se virar. Um
anjo apareceu e o conduziu ao jardim; entã o ele pegou uma enxada e
começou a cultivar a terra. Depois ele orou por um tempo e depois
voltou ao trabalho. Com isso o Santo aprendeu como deveria agir, e o
subsequente intercâ mbio de oraçã o e trabalho tornou sua solidã o
muito agradável, ao mesmo tempo que o protegeu de muitas tentaçõ es.
Mas mesmo o trabalho nã o precisa nos impedir de orar. Um dia Sã o
Bernardo viu um monge orando enquanto fazia seu trabalho. “Continue
assim, meu irmã o”, disse ele, “e depois da morte você nã o terá
Purgató rio”. Enquanto nossas mã os estã o ocupadas com ocupaçõ es
externas, nosso coraçã o pode estar fixo em Deus. A boa intençã o que
temos ao realizar nossos trabalhos os santifica aos olhos de Deus e até
faz do trabalho uma oraçã o, pois a oraçã o tem sido chamada de “a
elevaçã o da mente e do coraçã o a Deus”.

SILÊ NCIO
O silêncio é um dos principais meios para atingir o espírito de oraçã o e
preparar-se para uma relaçã o ininterrupta com Deus. É difícil encontrar
uma pessoa verdadeiramente piedosa que fale muito. Mas quem tem o
espírito de oraçã o ama o silêncio, que foi merecidamente chamado de
protector da inocência, de escudo contra as tentaçõ es e de fonte
fecunda de oraçã o. O silêncio promove o recolhimento e desperta bons
pensamentos no coraçã o. Segundo Sã o Bernardo, força a alma, por
assim dizer, a pensar em Deus e nas coisas celestiais. Por isso os Santos
de Deus foram grandes amantes do silêncio.
Na profecia de Isaías lemos: “A obra da justiça será paz, e o serviço da
justiça tranquilidade e segurança para sempre”. ( Is. 32:17). Por um
lado, o silêncio nos preserva de muitos pecados, eliminando a ocasiã o
de conversas pouco caridosas, de rancor e de curiosidade; por outro,
ajuda-nos a alcançar muitas virtudes. Por exemplo: Que excelente
oportunidade temos para praticar a humildade, mantendo
modestamente o silêncio enquanto os outros falam! Quã o bem
podemos praticar a mortificaçã o, abstendo-nos de relatar algo que
desejamos muito contar! Que oportunidade esplêndida de exercer
mansidã o por nã o responder a acusaçõ es e insultos injustos!
A conversa desenfreada e imoderada, por outro lado, tem muitas
consequências desastrosas. Se a devoçã o é preservada pelo silêncio,
certamente se perde com muita conversa. Uma pessoa pode ficar
sempre tã o recolhida durante a meditaçã o; se depois ele nã o refrear a
língua, ficará tã o distraído como se nã o tivesse feito nenhuma
meditaçã o.
Se você abrir as portas de uma fornalha, o calor escapará . “Proteja-se de
muita conversa”, diz Sã o Doroteu, “pois isso põ e em fuga os
pensamentos devotos e o recolhimento em Deus”. É certo que uma
pessoa que fala muito com as criaturas conversará pouco com Deus, e
da sua parte Deus falará pouco com tal pessoa, pois Ele diz: “Eu a
levarei ao deserto e falarei ao seu coraçã o. ” ( Osé 2:14). “Na multidã o
de palavras”, diz o Espírito Santo, “nã o faltará o pecado, mas aquele que
refreia os seus lá bios é muito sá bio”. ( Pv 10:19). Sã o Tiago diz que “a
língua é um mundo de iniqü idade” ( Tiago 3:6), pois, como observa um
autor erudito, muitos pecados sã o ocasionados por falar ou ouvir a
conversa de outros.
Ah, quantas almas se perderã o no dia do julgamento porque nã o
cuidaram da sua língua! “O homem cheio de língua”, diz o salmista,
“vagará sem guia” ( Sl 139), e percorrerá mil e um caminhos sem
esperança de retornar. “Aquele que guarda a sua boca guarda a sua
alma”, diz o Sá bio, “mas aquele que nã o guarda a sua palavra encontrará
males”. ( Pv 13:3). E Sã o Tiago escreve: “Se alguém nã o ofende com
palavras, esse é um homem perfeito”. ( Tiago 3:2). Pois quem, pelo amor
de Deus, guarda o silêncio, será igualmente dedicado à meditaçã o, à
leitura espiritual e à oraçã o diante do Santíssimo Sacramento. É
impossível, diz Santa Maria Madalena de Pazzi, que quem nã o ama o
silêncio tenha prazer nas coisas divinas; em pouco tempo ele se lançará
no meio dos prazeres do mundo.

O VALOR DO SILÊ NCIO


A virtude do silêncio nã o consiste em nunca falar, mas em ficar calado
quando nã o há uma boa razã o para falar. Salomã o diz: “Há tempo para
ficar calado e tempo para falar.” ( Eclesiastes 3:7). Referindo-se a estas
palavras, Sã o Gregó rio de Nissa comenta: “O tempo de guardar silêncio
é mencionado primeiro, porque pelo silêncio aprendemos a arte de
falar bem”. Quando, portanto, um cristã o que deseja tornar-se santo
deve ficar em silêncio e quando deve falar? Deve calar-se quando nã o
for necessá rio falar e deve falar quando a necessidade ou a caridade o
exigirem. Sã o Crisó stomo dá a seguinte regra: “Fale apenas quando for
mais ú til falar do que calar”.
Santo Arsênio reconhece que muitas vezes se arrependeu de ter falado,
mas nunca, de ter guardado silêncio. Santo Efrém diz: “Fale muito com
Deus, mas pouco com os homens”. Se na sua presença for usada
linguagem impró pria e pecaminosa, deixe a empresa se for possível.
Pelo menos baixe os olhos e permaneça em silêncio, ou conduza a
conversa para algum outro assunto, fazendo assim um protesto
silencioso contra tal conversa desagradável. Nã o fique muito ansioso
para ouvir as notícias; a curiosidade leva a muitas falhas. O Abade Joã o
costumava dizer: “Quem quiser controlar a língua, deve fechar os
ouvidos, suprimindo o desejo de ouvir as notícias”. E quando você falar,
avalie bem o que pretende dizer. “Coloque suas palavras na balança”, diz
o Espírito Santo. ( Eclesiastes 28:29). Sã o Francisco de Sales observou
curiosamente: “Para evitar falhas na fala, devemos ter os lá bios
abotoados, para que, ao desabotoá -los, possamos pensar no que vamos
dizer”.

A PRESENÇA DE DEUS
Uma ajuda poderosa para preservar o recolhimento é a lembrança da
presença de Deus. Nã o só conduz ao recolhimento do espírito, mas
também é um dos meios mais eficazes de avançar na vida espiritual;
ajuda-nos a evitar o pecado; estimula-nos na prá tica da virtude e
provoca uma uniã o íntima da alma com Deus.
Nã o há meio mais excelente de aquietar as paixõ es e de resistir à
tentaçã o de pecar do que o pensamento da presença de Deus. Sã o
Tomá s diz: “Se pensá ssemos na presença de Deus em todos os
momentos, nunca, ou muito raramente, faríamos algo que O
desagradasse”. Segundo Sã o Jerô nimo, a lembrança da presença de
Deus fecha a porta para todos os pecados. Pois, se na presença de
nossos governantes, nossos pais ou superiores, nã o nos importamos em
transgredir seus mandamentos, como poderíamos violar os
mandamentos de Deus se lembrá ssemos que Seus olhos estavam sobre
nó s?
Santo Ambró sio nos conta que durante um sacrifício que Alexandre o
Grande oferecia no templo, um certo pajem que segurava uma tocha
acesa permitiu que ela queimasse sua mã o em vez de ser culpado de
irreverência ao deixá -la cair. E o santo Doutor acrescenta: Se o respeito
pela presença do rei pudesse superar o impulso da pró pria natureza
neste menino, quanto mais nã o deveria o pensamento da presença de
Deus prevalecer com uma alma fiel na superaçã o das tentaçõ es e no
sofrimento de cada tortura imaginável, em vez de ofender a Deus diante
de Seus pró prios olhos.
Os homens caem no pecado porque perdem de vista a presença de
Deus. “A causa de todo mal”, diz Santa Teresa, “está no fato de nã o
pensarmos na presença de Deus, mas imaginá -lo longe de nó s”. Um
homem que perde de vista a presença de Deus facilmente se tornará
vítima de desejos pecaminosos e sensuais e nã o terá forças para resistir
a eles.
Por outro lado, pelo pensamento do olhar sempre vigilante de Deus
sobre eles, os santos tiveram forças para resistir e vencer todos os
ataques do maligno. Foi este pensamento que deu à casta Susanna
coragem para rejeitar os avanços perversos dos homens que tentaram
seduzi-la e até a ameaçaram de morte. “É melhor para mim”, disse ela,
“cair em suas mã os sem fazer o mal, do que pecar aos olhos do Senhor”.
( Dan. 13:23). O mesmo pensamento converteu uma mulher perversa
que ousou tentar Santo Efrém ao pecado. O Santo respondeu que se ela
quisesse pecar, teria que ir com ele à praça pú blica. “Mas”, ela
perguntou, “como é possível cometer pecado na presença de tantas
pessoas?” “E como é possível”, continuou o Santo, “cometer pecado na
presença de Deus, que nos vê em todos os lugares?” A estas palavras a
pobre pecadora desatou a chorar, lançou-se aos seus pés e pediu perdã o
à Santa, suplicando-lhe que a conduzisse pelo caminho da salvaçã o. A
Santa garantiu sua admissã o em um convento, onde levou uma vida
edificante e lamentou seus pecados até o dia de sua morte.
Algo semelhante é narrado na vida do Abade Paphnutius. Uma certa
mulher pecadora chamada Thais pensou que poderia induzi-lo a fazer
algo errado, dizendo que ninguém além de Deus seria testemunha do
feito. O Santo respondeu em tom muito sério: “Você acredita, entã o, que
Deus realmente o vê e, mesmo assim, deseja pecar?” Essas palavras
causaram-lhe tal impressã o que ela começou a conceber o horror de
sua vida perversa. Ela trouxe todas as jó ias e roupas que havia
conseguido através de uma vida de pecado, amontoou-as no mercado
pú blico e ateou fogo nelas. Depois entrou para um convento e jejuou
durante três anos a pã o e á gua, repetindo constantemente as seguintes
palavras: “Tu que me criaste, tem piedade de mim”. Ao fim de três anos
ela teve uma morte santa. Pouco depois foi revelado a um discípulo do
Abade Antô nio que o feliz penitente havia merecido uma coroa de
gló ria entre os Santos. Portanto, Sã o Crisó stomo diz: “Se nos
mantivermos na presença de Deus, nã o pensaremos, nem diremos, nem
faremos o que é errado, convencidos como estamos de que Deus é a
testemunha de todos os nossos pensamentos, palavras e açõ es”.

UM GRANDE INCENTIVO
No que diz respeito à prá tica das virtudes cristã s, a recordaçã o da
presença de Deus proporciona-nos um estímulo poderoso. Quã o
bravamente os soldados nã o lutarã o na presença de seu general! O
pensamento de que seus olhos estã o sobre eles, e que ele os
recompensará ou punirá , anima em alto grau sua coragem e força. Se
também nó s tivéssemos presente que em tudo o que fazemos os olhos
de Deus estã o sobre nó s, nã o procuraríamos fazer tudo bem e com a
mais pura das intençõ es? Sã o Basílio disse uma vez: “Se você estivesse
na presença de um príncipe e de um camponês, você nã o tentaria
naturalmente tornar sua conduta agradável ao príncipe,
independentemente do que o camponês gostaria que você fizesse; de
maneira semelhante, quem anda na presença de Deus pouco se
preocupa com o que as criaturas podem pensar ou dizer; toda a sua
preocupaçã o é agradar a Deus, que vê cada açã o sua”.
A uniã o da alma com Deus é o terceiro feliz resultado de caminhar
constantemente em Sua presença. O amor é sempre fortalecido pela
presença do objeto amado. Se este é o caso dos seres humanos, apesar
dos muitos defeitos que a sua presença deve necessariamente revelar,
quanto mais o será entre a alma e Deus. Quanto mais andamos na
presença de Deus, melhor reconhecemos aquelas belas qualidades que
sã o calculadas para aumentar e fortalecer o Seu amor em nossos
coraçõ es.
Mas para permanecermos intimamente unidos a Deus nã o basta fazer
uma meditaçã o matinal e noturna. Sã o Crisó stomo diz: Se você tirar a
á gua fervente do fogã o, ela logo esfriará . O mesmo acontece com a alma
humana; para manter aceso o fogo do amor de Deus, o pensamento de
Sua presença deve estar constantemente diante de nó s. O Beato
Henrique Suso dedicou-se a este santo exercício com o maior zelo e
finalmente alcançou a uniã o mais íntima com Deus. De Santa Gertrudes,
Nosso Senhor disse uma vez a Santa Mechtildis: “Esta alma santa que
tanto amo, caminha continuamente em Minha presença e tem a ú nica
intençã o de fazer a Minha vontade e realizar suas açõ es para Minha
maior gló ria”. Davi ficava cheio de alegria e consolo sempre que pensava
em Deus: “Lembrei-me de Deus e fiquei encantado”. ( Salmo 76:4).

COMO ANDAR NA PRESENÇA DE DEUS


Agora, um bom meio de caminhar na presença de Deus é imaginar
Nosso Senhor presente conosco onde quer que estejamos. À s vezes
podemos pensar Nele como um bebezinho no berço de Belém; como
um pobre exilado a caminho do Egito; como aprendiz na oficina de
Nazaré; um homem de dores que foi condenado como criminoso a
sofrer e morrer; como açoitado, coroado e crucificado. Santa Teresa
elogiou muito esta prá tica. É necessá rio observar, porém, que neste
exercício piedoso devemos evitar todo esforço da imaginaçã o, que pode
ser muito cansativo e possivelmente prejudicial.
Outro e melhor meio de andar na presença de Deus é baseado nas
verdades da santa fé. Consiste em ver Deus com os olhos da fé e estar
plenamente persuadidos de que Ele está presente e é testemunha das
nossas açõ es. Nã o importa que nã o possamos vê-Lo com os olhos do
corpo; nã o podemos ver o ar que nos rodeia e nunca duvidamos nem
por um momento que ele existe e que sem ele nã o poderíamos viver.
Nã o vemos Deus, mas a fé nos diz que Ele está presente em toda parte.
O Apó stolo Sã o Paulo diz: “Nele vivemos, nos movemos e existimos”. (
Atos 17:28). Esta é uma prá tica fá cil e nã o cansativa para a mente. Basta
fazer pequenos atos de fé como estes: Meu Deus, creio firmemente que
Tu está s aqui presente. A isto podem juntar-se atos de amor, de
conformidade e de boa intençã o.
Ainda outra bela prá tica é a de ver Deus em Suas criaturas. As belezas
da natureza como o nascer e o pô r do sol, uma paisagem magnífica, um
rio majestoso, um jardim de lindas flores sã o tantos reflexos da beleza
do Criador. O pensamento de um homem erudito, bonito ou santo pode
nos levar a admirar a sabedoria, a beleza e a santidade de Deus e
retribuir-Lhe graças por permitir que Suas criaturas compartilhem de
Seus atributos sagrados.
O método mais perfeito, porém, de manter vivo o pensamento da
presença de Deus consiste em contemplar Deus dentro de nó s mesmos.
Nã o é necessá rio subir ao Céu para encontrar o Senhor Deus;
precisamos apenas nos recolher e O encontraremos dentro de nó s.
Aquele que, na oraçã o, retrata o Senhor a uma grande distâ ncia dele,
está preparando para si uma fonte de distraçõ es abundantes. Santa
Teresa diz: “Eu nunca soube realmente o que significava rezar bem até
que o pró prio Senhor me ensinou a maneira correta de conversar com
Ele. Entrei dentro de mim mesmo e descobri que essa prá tica era
extremamente benéfica para minha alma.”
Deus está dentro de nó s de uma maneira diferente do que Ele está nas
outras criaturas; em nó s Ele habita como o Senhor em Seu templo e em
Sua casa. “Você nã o sabe”, diz Sã o Paulo, “que você é o templo de Deus e
que o Espírito de Deus habita em você?” ( 1 Coríntios 3:16). E o pró prio
nosso Divino Salvador disse: “Se alguém me ama, guardará a minha
palavra, e meu Pai o amará , e viremos para ele e faremos nele morada”.
( João 14:23). Esforce-se, portanto, por reanimar a sua fé nesta verdade
consoladora. Humilhe-se profundamente diante de tã o exaltada
Majestade que se digna habitar em você. Excitai-vos a freqü entes atos
de confiança, de oblaçã o e de amor à infinita bondade de Deus. Santa
Catarina de Sena conta-nos que construiu uma pequena cela no mais
íntimo da sua alma; lá ela se entreteve em uma conversa amorosa com
seu Deus. Certa vez, ao falar desta presença de Deus no coraçã o, Santa
Teresa disse: “Aqueles que se retiram para o pequeno céu da sua alma,
onde está entronizado Aquele que os criou, podem ter a certeza de que
num breve espaço de tempo irã o avançaram muito no caminho da
perfeiçã o.”
A felicidade dos eleitos no Céu consiste em ver e amar a Deus. A nossa
felicidade aqui na terra deve consistir também em amar e ver Nosso
Senhor, nã o realmente face a face como fazem os santos e os anjos, mas
através da luz da fé. Assim começamos neste vale de lá grimas, neste
exílio terrestre, a vida dos bem-aventurados no Céu, uma vida de
alegria sem fim na fruiçã o da visã o de Deus.
“Devemos sempre orar e nã o desmaiar.” —Lucas 18:1

Capítulo 11
ORAÇÃO
“Devemos sempre orar e não desmaiar.”
—Lucas 18:1
Segundo o ensinamento do angélico Sã o Tomá s, o culto a Deus ocupa o
primeiro lugar na ordem das virtudes morais; está mais ocupado com
Deus e nos leva para mais perto Dele do que os outros. Para todo
cristã o, portanto, que busca a perfeiçã o, deve ser uma questã o de nã o
pouca preocupaçã o tornar esta virtude sua no mais alto grau. Agora, o
meio mais fá cil de fazer isso, um meio que podemos empregar em todos
os momentos e em todos os lugares, é encontrado na oraçã o. Quer seja
uma oraçã o de louvor, de açã o de graças, de impenetraçã o ou de
propiciaçã o, estamos adorando a Deus, pois cada oraçã o é um humilde
reconhecimento da grandeza, da bondade, da fidelidade ou da
misericó rdia de Deus.
A oraçã o vocal, ou oraçã o pronunciada pelos lá bios, é muito agradável a
Deus porque por ela a infinita Majestade de Deus é reconhecida e
glorificada. “O sacrifício de louvor me glorificará”, diz o Senhor pela
boca do profeta Davi, “e aí está o caminho pelo qual lhe mostrarei a
salvaçã o de Deus”. ( Salmo 49:23). Santa Maria Madalena de Pazzi ficou
quase fora de si de alegria quando ouviu o som do sino que chamava a
comunidade para a oraçã o. Ela largou tudo de uma vez para se dedicar
a esse santo exercício, pois sentiu que estava desempenhando a funçã o
de um anjo ao proclamar os louvores de Deus.

QUALIDADES DA ORAÇÃ O VOCAL


Contudo, para que a oraçã o vocal possa tender para a gló ria de Deus e
para a nossa pró pria salvaçã o, ela deve ser acompanhada de atençã o e
devoçã o. Nã o só a pronú ncia das palavras, diz Sã o Gregó rio, mas
também a devoçã o do coraçã o é necessá ria para a verdadeira oraçã o;
pois aos olhos de Deus, nossos sentimentos valem mais do que o som
de nossa voz. Se quisermos, portanto, agradar a Deus, devemos orar
nã o só com os lá bios, mas também com o coraçã o. Como poderia o
Senhor, continua o mesmo Santo, ouvir as oraçõ es daquele que nã o
sabe o que quer e nem sequer deseja ser ouvido? Como você pode
esperar que o Senhor o ouça quando você nã o consegue ouvir a si
mesmo ? diz Sã o Cipriano. A oraçã o feita com atençã o e devoçã o é como
um incenso de cheiro suave que agrada a Deus e ganha para nó s
tesouros de graças. Por outro lado, a oraçã o sem recolhimento é um
insulto e uma ofensa a Deus e invoca a Sua ira sobre o ofensor.
Se um sú dito chegasse à presença de seu soberano e, enquanto
solicitava algum favor, olhasse ao redor e se ocupasse com assuntos
irrelevantes de tal maneira que mal soubesse o que estava dizendo,
esse soberano nã o ficaria justamente ofendido? Por esta razã o, Sã o
Tomá s ensina que aquele que permite que sua mente divague durante a
oraçã o nã o pode ser desculpado do pecado, porque por tal conduta
parece ser culpado de desprezo a Deus. O Senhor poderia muito bem
dizer de muitos cristã os o que disse certa vez sobre os judeus: “Eles me
honram com os lá bios, mas o seu coraçã o está longe de mim”. ( Mateus
15:8).
É fá cil entender por que o diabo está tã o empenhado em direcionar
nossos pensamentos para assuntos mundanos durante a oraçã o. Por
um lado, ele deseja roubar-nos o benefício que obtemos da oraçã o
fervorosa; e por outro lado, ele deseja nos tornar culpados de
desrespeito a Deus e, portanto, merecedores de puniçã o. Mas
justamente por esse motivo devemos nos esforçar mais sinceramente
para orar com a maior atençã o e devoçã o. Antes de entrar na igreja,
sigamos o conselho de Sã o Joã o Crisó stomo e descartemos todos os
pensamentos mundanos. O Espírito Santo nos exorta com as seguintes
palavras: “Antes de orar, prepara tua alma; e nã o sejas como o homem
que tenta a Deus”. ( Eclesiastes 18:23). Tente perceber que você vai
louvar a Deus e implorar por Sua misericó rdia, tanto para você quanto
para os outros. Lembre-se de que os anjos estã o olhando para você e
estã o de pé, como o Beato Herman os viu um dia, com incensá rios de
ouro, preparados para oferecer suas oraçõ es e santos afetos a Deus
como incenso de cheiro doce. Os anjos que Sã o Joã o Evangelista viu
seguravam frascos dourados de incenso e odores que eram as oraçõ es
dos santos. ( Apoc. 5:8). Em uma palavra, pense antes de orar que você
vai conversar com Deus e tratar com Ele sobre alguns assuntos muito
importantes. Entã o o Senhor olhará para você com um olhar gracioso e
prestará atençã o à s suas petiçõ es.
Ofereça-Lhe antecipadamente as oraçõ es que pretende fazer e implore-
Lhe que o preserve de distraçõ es. Durante a oraçã o, evite pressa. Muitas
pessoas, ao rezar, parecem ter a intençã o apenas de chegar ao fim da
oraçã o, como se fosse uma tortura que deve ser suportada, mas no
menor tempo possível. Tal pressa irreverente dificilmente pode ser
agradável a Deus ou proveitosa para nó s mesmos. “O zelo e o fervor”,
diz Santo Agostinho, “esfriam gradualmente e, como um fogo,
extinguem-se a menos que sejam mantidos vivos”. Esforce-se de vez em
quando para renovar sua atençã o durante suas oraçõ es e devoçõ es.
A atençã o durante a oraçã o deve ser tanto interior como exterior. A
atençã o exterior exige que você se abstenha de tudo o que é
incompatível com a lembrança interior. Por exemplo, dificilmente seria
apropriado durante a oraçã o falar com outras pessoas ou ouvir uma
conversa que está acontecendo, ou olhar ao redor para qualquer objeto
que distraia. A atençã o interior é tripla: pode ser dirigida à s palavras
que você pronuncia, ou ao seu sentido, ou, finalmente, a Deus. A
atençã o é direcionada à s palavras quando você tem o cuidado de
pronunciá -las bem; dirige-se ao sentido das palavras quando se tenta
compreender o seu significado para unir os afetos adequados do
coraçã o ao enunciado verbal. Você dirige sua atençã o para Deus, e este
é o melhor tipo de atençã o, quando durante a oraçã o sua mente está
fixada em Deus com o objetivo de adorá -lo, agradecê-lo, amá -lo ou
pedir-lhe suas graças.

DISTRAÇÕ ES
Enquanto você se esforçar para preservar a devida atençã o na oraçã o,
nã o precisará ser perturbado por distraçõ es involuntá rias; desde que
você nã o concorde com eles, eles nã o poderã o lhe causar nenhum dano.
O Senhor tem compaixã o de nossas fraquezas. Pensamentos
perturbadores muitas vezes entram na mente quando nã o lhes damos
qualquer ocasiã o. Tais pensamentos nã o podem estragar os efeitos da
nossa oraçã o. Segundo o ilustre Sã o Tomá s, mesmo as almas
favorecidas nã o podem permanecer sempre nas alturas da
contemplaçã o. O peso das enfermidades humanas os curva e ocasiona
algumas distraçõ es involuntá rias. Por outro lado, diz o mesmo santo
Doutor, nã o pode ser desculpado do pecado nem esperar recompensa
pela sua oraçã o quem alimenta distraçõ es voluntá rias.
Assim como uma boa vontade torna os nossos pensamentos dignos de
frutos espirituais, diz Sã o Bernardo, uma vontade indolente os torna
indignos do Senhor; e portanto, em vez de recompensa, recebem
apenas puniçã o. Os anais de Citeaux contêm a seguinte visã o que Sã o
Bernardo teve um dia quando orava com seus irmã os religiosos. Ao
lado de cada um dos irmã os, ele viu um anjo que estava de pé e
escrevia. Alguns dos anjos escreveram com ouro, outros com prata,
outros ainda com tinta e alguns com á gua – enquanto alguns seguravam
a caneta na mã o sem escrever nada. Ao mesmo tempo, Deus iluminou o
Santo para saber o que isso significava: o ouro denotava que as oraçõ es
destes irmã os em particular eram feitas com o maior fervor; a prata
indicava que a devoçã o dos outros deixava a desejar; a escrita a tinta
significava que as palavras foram pronunciadas com cuidado, mas
nenhuma devoçã o as acompanhava; a intençã o da á gua era mostrar que
as palavras foram pronunciadas de maneira descuidada e que pouca ou
nenhuma atençã o foi dada ao que foi dito; finalmente, os anjos que nã o
escreveram absolutamente nada estavam ao lado dos irmã os que
conscientemente mantinham distraçõ es voluntá rias.
“As palavras devotas que os lá bios pronunciam despertam a devoçã o no
coraçã o”, diz o Doutor Angélico. Por esta mesma razã o o Senhor nos
ensinou a usar a oraçã o vocal para que o coraçã o interior possa desejar
o que os lá bios expressam externamente. A respeito das palavras de
Davi: “Clamei ao Senhor com a minha voz” ( Sl 141,2), Santo Agostinho
escreve: “Muitos invocam o Senhor, mas nã o com a voz; isto é, invocam
o Senhor nã o com a voz da alma, mas com a voz do corpo. Invoque com
seus pensamentos, invoque com seu coraçã o, e entã o o Senhor
certamente o ouvirá”.

EJACULAÇÕ ES
O meio mais fá cil de praticar a oraçã o vocal consiste em proferir
ejaculaçõ es fervorosas. Estas piedosas manifestaçõ es do coraçã o nã o
precisam ficar restritas a nenhum lugar ou tempo específico. Estã o em
ordem em todos os momentos e em todos os lugares, no trabalho, nas
refeiçõ es, no lazer, em casa ou fora de casa. Podem assumir a forma de
atos de desejo, conformidade, amor, oblaçã o ou abnegaçã o; podem ser
atos de petiçã o, açã o de graças, humildade, confiança e assim por
diante. Os santos de Deus davam mais valor a essas pequenas oraçõ es
do que à s longas devoçõ es, porque as primeiras sã o mais calculadas
para nos manter na presença de Deus.
Sã o Joã o Crisó stomo diz que aquele que frequentemente profere
ejaculaçõ es fecha a porta a Sataná s e evita o seu constante
aborrecimento com pensamentos perversos. É pelos atos de amor,
conformidade e autooblaçã o, juntamente com a invocaçã o dos santos
nomes de Jesus e Maria, que damos o maior prazer a Deus. Quem ama
pensa constantemente no objeto de seu amor. Uma alma que ama a
Deus pensará sempre Nele e procurará ocasiõ es, por meio de suspiros e
exclamaçõ es fervorosas, para manifestar o seu amor. Tenha cuidado em
todas as ocasiõ es, tanto sozinho como em companhia, de dizer
frequentemente ao seu Noivo celestial: “Ó meu Deus, desejo apenas a Ti
e nada mais”; ou: “Eu me entrego totalmente a Ti; Eu desejo o que Tu
desejas; faça comigo de acordo com a Tua boa vontade. Bastam estas
poucas palavras: “Meu Deus, eu Te amo”; ou “Meu amor, meu tudo!”
Você também pode, sem dizer uma palavra, levantar os olhos para o
Céu ou lançar um olhar amoroso para o sacrá rio ou o crucifixo. Esses
atos silenciosos sã o especialmente recomendados porque nã o exigem
esforço, podem ser realizados com mais frequência e muitas vezes sã o
acompanhados com maior fervor do que outras ejaculaçõ es. Os
melhores atos de amor, é claro, sã o aqueles que brotam do fundo do
coraçã o, por impulso do Espírito Santo.
A perfeiçã o do amor divino consiste na uniã o da nossa vontade com a
Vontade de Deus. Portanto, nã o podemos desejar nada além daquilo
que Deus deseja. Se fizermos a Sua santa vontade, nã o importa para que
posiçã o na vida o Senhor nos chame, certamente chegaremos à
santidade. Será proveitoso, entã o, selecionar passagens escolhidas da
Sagrada Escritura e repeti-las frequentemente, a fim de promover uma
uniã o da nossa vontade com o Divino. Por exemplo, diga
frequentemente com o Apó stolo: “Senhor, o que queres que eu faça?” (
Atos 9:6). Nas contradiçõ es e afliçõ es do corpo e da alma, dizei com
nosso Santíssimo Redentor: “Meu Deus e meu Pai, faça-se em mim
como queres”. ( Mateus 11:26). “Seja feita a tua vontade, assim na terra
como no céu.” O Senhor recomendou a Santa Catarina de Génova, cada
vez que rezava o Pai Nosso, que prestasse especial atençã o a estas
palavras: “Faça-se a tua vontade” e que implorasse a graça de cumprir a
Vontade de Deus tã o perfeitamente como os Santos. no paraíso.

OS NOMES SANTOS
Entre todas as ejaculaçõ es e oraçõ es, a invocaçã o dos santos nomes de
Jesus, Maria e José deveria ocupar o primeiro lugar. Tudo o que
amamos, desejamos e esperamos possuir está resumido nesses lindos
nomes. O santo nome de Jesus nos enche de consolaçã o, pois quando
invocamos Aquele que o carrega, encontramos conforto em todas as
nossas angú stias. O nome de Jesus é chamado pelo Espírito Santo de
“ó leo derramado”. ( Cant. 1:2). E com razã o; pois assim como o ó leo
serve de luz, de alimento e de remédio, o santo nome, segundo Sã o
Bernardo, é uma luz; por este nome santíssimo somos filhos felizes da
verdadeira luz, ou seja, da fé na verdadeira Igreja de Deus. O santo
nome é alimento para a nutriçã o das nossas almas, pois fortalece os
fiéis e proporciona-lhes paz e consolaçã o no meio da miséria e das
perseguiçõ es deste mundo. Finalmente, o santo nome é remédio para
quem o invoca. “Quando aparece a luz deste nome”, diz Sã o Bernardo,
“as nuvens se dispersam e os céus permanecem serenos. Quando a alma
é sacudida pelas tempestades de angú stia e tristeza, ela só precisa
invocar o nome de Jesus, e a tempestade diminuirá e a calma será
restaurada. Se você tiver a infelicidade de cair no pecado e ficar tímido
em relaçã o ao perdã o, invoque os nomes sagrados, e a esperança do
perdã o reviverá em sua alma.”
Sã o Pedro nos diz que “debaixo do céu nã o há outro nome dado aos
homens, pelo qual devamos ser salvos”. ( Atos 4:12). Jesus Cristo nã o
nos salvou apenas uma vez; Ele está continuamente nos salvando por
Seus méritos, quando, de acordo com Sua promessa, Ele nos liberta do
perigo do pecado sempre que invocamos Seu santo nome. “Tudo o que
pedirdes ao Pai em meu nome, isso eu farei.” ( João 14:13). Por isso Sã o
Paulo exorta-nos a nã o negligenciarmos este grande meio de salvaçã o,
assegurando-nos que “todo aquele que invocar o nome do Senhor será
salvo”. ( Romanos 10:13).
Ao santo nome de Jesus devemos unir o lindo nome de Maria. O nome
de Maria, como o de Jesus, é um nome do Céu, e é tã o poderoso que
todo o Inferno estremece quando é pronunciado. Ao mesmo tempo, é
um nome de extrema doçura porque denota aquela Rainha exaltada que
é ao mesmo tempo Mã e de Deus e nossa mã e, mã e de misericó rdia, mã e
de lindo amor.
Assim como o sopro é sinal de vida, diz Sã o Germano, a invocaçã o
frequente do nome de Maria é sinal de que a graça de Deus está dentro
de nó s ou estará lá muito em breve. O santo nome de Maria tem
particular eficá cia na superaçã o das tentaçõ es contra a santa pureza.
“Feliz aquele”, diz Sã o Boaventura, “que ama o teu santo nome, ó Maria!
Teu nome é um nome glorioso e maravilhoso; aqueles que invocam o
teu nome poderoso na hora da morte nã o têm nada a temer dos ataques
do Inferno.”
Finalmente, sempre foi prá tica louvável dos cristã os devotos unir aos
nomes de Nosso Senhor e de Sua santa Mã e o belo nome de Sã o José. Se
o Rei do Céu e da terra lhe conferiu a honra de ser o pai adotivo do Seu
Filho Amado e o protetor da Santa e Imaculada Mã e, certamente nos
cabe honrá -lo e invocar a sua poderosa intercessã o. Santa Teresa diz
que nunca se lembra de ter procurado sua ajuda em vã o. “Jesus, Maria e
José, entrego-vos o meu coraçã o e a minha alma; Jesus, Maria e José,
assisti-me na minha ú ltima agonia; Jesus, Maria e José, que eu possa
respirar minha alma em paz com vocês.”

ORAÇÃ O MENTAL OU MEDITAÇÃ O


Nosso Divino Redentor nã o precisava, como diz Santo Ambró sio, de
retirar-se para um lugar solitá rio para rezar; pois como Sua alma
abençoada estava constantemente na presença de Seu Pai celestial, em
todo lugar e em todas as circunstâ ncias Ele pensava Nele e
continuamente intercedeu por nó s. No entanto, como relata Sã o
Mateus: “Tendo despedido a multidã o, subiu sozinho a um monte para
orar. E quando chegou a noite ele estava lá sozinho.” ( Mateus 14:23).
Ele fez isso para nos ensinar a necessidade da oraçã o ou meditaçã o
interior.
As verdades eternas sã o coisas espirituais; nã o podem ser vistos com os
olhos do corpo, mas apenas com os olhos da alma, isto é, pela reflexã o e
pela meditaçã o. É por falta de reflexã o que, como diz o Espírito Santo,
“toda a terra ficou desolada porque nã o há quem considere no coraçã o”.
( Jeremias 12:11). Daí a exortaçã o de Nosso Senhor: “Que os vossos
lombos estejam cingidos e que as lâ mpadas ardam nas vossas mã os”. (
Lucas 12:35). Estas lâ mpadas, diz Sã o Boaventura, sã o meditaçõ es
devotas, pois durante a oraçã o interior o Senhor nos fala e nos ilumina.
“Tua palavra é lâ mpada para os meus pés e luz para os meus caminhos.”
( Salmo 118:105).
Sã o Bernardo compara a oraçã o mental a um espelho, e a comparaçã o é
muito apropriada; pois se acontecer de você ter uma partícula de
sujeira no rosto e se deparar com um espelho, você verá a sujeira
imediatamente e a removerá . Se você nã o tivesse se olhado no espelho,
nã o teria pensado na sujeira nem a teria lavado. O mesmo acontece com
a oraçã o mental: durante a meditaçã o estamos, por assim dizer, diante
de um espelho da alma. É entã o que reconhecemos as nossas falhas e o
perigo que corremos e, consequentemente, tomamos medidas para nos
livrarmos das falhas e para escaparmos do perigo que nos ameaça.
Santa Teresa escreveu certa vez ao Bispo de Osma: “Embora pareçamos
nã o ter imperfeiçõ es, descobrimos que temos muitas quando Deus abre
os olhos da alma, como faz na meditaçã o”. “Aquele”, diz Sã o Bernardo,
“quem nã o medita dificilmente perceberá seus defeitos e, como
resultado, nã o terá horror deles”.
Sem meditaçã o ou oraçã o mental faltam-nos forças para resistir aos
assaltos dos inimigos da nossa alma e para praticar as virtudes cristã s.
A meditaçã o afeta a alma como o fogo afeta o ferro. Se o ferro estiver
frio, é muito duro e nã o pode ser trabalhado sem grande dificuldade.
Mas coloque-o no fogo e imediatamente ele amolece e cede facilmente
aos esforços do ferreiro. Para observar os mandamentos e conselhos de
Deus, precisamos de um coraçã o maleável, isto é, dó cil, um coraçã o que
receba facilmente as impressõ es das inspiraçõ es celestiais e responda
com a mesma prontidã o. Foi por esse coraçã o que Salomã o orou: “Dá ao
teu servo, ó Senhor, um coraçã o entendido, para discernir entre o bem e
o mal. E agradou ao Senhor a palavra de que Salomã o tivesse pedido tal
coisa.” ( 3 Reis 3:9-10).
Em consequência do pecado, o nosso coraçã o é por natureza um
coraçã o duro e obstinado, dado aos prazeres dos sentidos e oposto à lei
do espírito. Por isso o Apó stolo reclama: “Vejo outra lei nos meus
membros, lutando contra a lei da minha mente, e me cativando na lei do
pecado, que está nos meus membros”. ( Romanos 7:23). Mas sob a
influência da graça que recebemos na meditaçã o, o coraçã o logo se
torna dó cil; a visã o da bondade e misericó rdia de Deus e as
maravilhosas provas de Seu amor servem para inflamar nossos
coraçõ es, e ouvimos com alegria a voz de nosso Senhor e Mestre. Sã o
Bernardo, ao escrever ao Papa Eugênio III, implora-lhe que nunca omita
a meditaçã o, embora muitos e importantes assuntos possam exigir seu
tempo e atençã o.

NECESSIDADE DE ORAÇÃ O MENTAL


Sem oraçã o mental nunca praticaremos a oraçã o de petiçã o como
deveríamos, e esta oraçã o de petiçã o é absolutamente necessá ria para a
salvaçã o eterna. “Orai sem cessar”, diz o Apó stolo. ( 1 Tessalonicenses
5:17). Somos todos pobres mendigos, como David disse uma vez sobre
si mesmo: “Sou um mendigo e pobre”. ( Salmo 39:18). Agora, a ú nica
esperança dos pobres é pedir esmolas aos ricos. Na nossa pobreza
espiritual, o nosso ú nico recurso é implorar a Deus, através da oraçã o,
pelas graças de que necessitamos. Sã o Joã o Crisó stomo diz: “Sem
oraçã o é absolutamente impossível levar uma vida virtuosa”. De onde
vem a depravaçã o universal da moral, pergunta o erudito Bispo Abelly,
senã o da negligência da oraçã o? Como vimos antes, a ausência de
meditaçã o torna-nos cegos para a nossa pró pria condiçã o e
necessidades; portanto, somos levados a negligenciar a oraçã o de
petiçã o. Um grande servo de Deus disse certa vez: “Meditaçã o e pecado
nã o podem coexistir”; e a experiência ensina que aqueles que sã o
zelosos na prá tica da meditaçã o raramente, ou nunca, caem no
desagrado de Deus. Uma alma que ama a meditaçã o, diz o Salmista Real,
é como uma á rvore plantada junto à s á guas correntes; produz frutos no
devido tempo e todas as suas açõ es sã o meritó rias diante de Deus. (
Salmo 1:2-3).

O MÉ TODO DE ST. Afonso


Para o exercício da oraçã o mental é bom seguir algum método
aprovado. O método de Santo Afonso é muito louvável porque é simples
e prá tico. Ele divide a meditaçã o em três partes: a preparaçã o, a
consideraçã o e a conclusã o. No que diz respeito à preparaçã o, ele diz:
Esforce-se para dispor a alma e o corpo para este importante exercício.
Deixe de lado todos os pensamentos que distraem e diga o que Sã o
Bernardo disse ao entrar na igreja: “Permaneçam aqui, todos vocês,
pensamentos terrenos e perturbadores. Posso ter tempo livre para você
depois da meditaçã o.” Recite brevemente um ato de fé na presença de
Deus, acompanhado de profunda adoraçã o à Sua infinita Majestade.
Peça humildemente perdã o por suas ofensas passadas e implore por luz
e graça para melhorar sua meditaçã o. Recomenda-te à Santíssima
Virgem, a Sã o José, ao teu Anjo da Guarda e aos teus santos padroeiros.
Esses atos devem ser muito fervorosos, mas breves, para proceder
imediatamente à consideraçã o. Para a meditaçã o propriamente dita é
bom usar um livro, pelo menos no início, para manter a atençã o no
assunto a ser considerado. Faça uma pausa de vez em quando quando
estiver particularmente impressionado para que, como a abelha, você
possa extrair o mel da flor, ou como a pomba, tome um gole e depois
olhe para o Céu antes de tomar outro.
A importâ ncia da oraçã o mental, porém, nã o consiste tanto na
consideraçã o, mas nos afetos, petiçõ es e resoluçõ es que devem
acompanhá -la. A consideraçã o pode ser comparada a uma agulha, e os
afetos, petiçõ es e resoluçõ es sã o o fio de ouro que a segue. Os afetos
consistirã o em atos curtos e fervorosos de humildade, confiança e
gratidã o; repetem frequentemente aspiraçõ es de amor e contriçã o, pois
estes sã o os elos da corrente dourada que une a alma a Deus. Um ato de
amor perfeito é suficiente para obter o perdã o de todos os seus
pecados. “A caridade cobre uma multidã o de pecados”, diz Sã o Pedro (
1Pedro 4:8). Sã o Tomá s ensina que todo ato de amor merece um novo
grau de gló ria. Talvez a parte mais importante da meditaçã o sejam as
petiçõ es que você dirige a Deus. O Senhor adora ser importunado; e,
portanto, nunca se canse de pedir-Lhe luz e graça, conformidade com
Sua santa Vontade e perseverança no bem; acima de todas as coisas,
implore-Lhe sinceramente que lhe conceda Seu santo amor. Com amor,
diz Sã o Francisco de Sales, recebemos todas as outras graças.
Antes de estudar teologia, o Venerável Padre Segneri contentava-se
durante a meditaçã o com consideraçõ es e afetos; mas finalmente, diz
ele mesmo, “Deus abriu meus olhos e desde entã o me dediquei à s
petiçõ es, e se há algo de bom em mim agora, devo isso a este belo
costume”. Siga o exemplo deste santo homem e peça em nome de Jesus
Cristo todas as graças de que necessita, pois Deus prometeu ouvir e
responder à s suas oraçõ es: “Amém, amém, eu vos digo: se pedirdes ao
Pai alguma coisa em meu nome ele lhe dará . ( João 16:23). No final da
meditaçã o propriamente dita, é muito ú til tomar uma resoluçã o
especial para evitar alguma falha específica ou ser mais zeloso na
prá tica de uma virtude específica. Esta resoluçã o deve ser repetida até
que o fim desejado seja alcançado. Fora do tempo de meditaçã o,
devemos nos esforçar para aproveitar as oportunidades oferecidas para
cumprir as nossas resoluçõ es.
A conclusã o da meditaçã o consiste nos seguintes atos: Primeiro,
agradeça a Deus pela iluminaçã o que recebeu; em segundo lugar,
expresse a sua determinaçã o em cumprir as resoluçõ es que tomou; em
terceiro lugar, peça ao Pai celeste, pelo amor de Jesus e de Maria, que
lhe conceda a graça de ser fiel aos seus propó sitos.
É um belo costume, ao final da meditaçã o, recomendar a Deus as almas
do Purgató rio e todos os pobres pecadores. “Nada”, diz Sã o Joã o
Crisó stomo, “prova melhor o nosso amor por Jesus Cristo do que o zelo
que temos em orar pelos nossos irmã os”. Sã o Francisco de Sales
aconselha-nos a colher um pouco de ramalhete espiritual da meditaçã o
e a desfrutar do seu perfume ao longo do dia. Ele deseja dizer que
devemos selecionar um ou dois pensamentos que nos impressionaram
na meditaçã o matinal e lembrá -los frequentemente durante o dia para
reanimar nosso fervor e preservar o fruto da meditaçã o matinal.
Se você se incomoda com as distraçõ es durante a oraçã o mental,
lembre-se das palavras de Sã o Francisco de Sales: “Se você estiver
ocupado durante toda a meditaçã o em combater as distraçõ es e as
tentaçõ es, terá feito uma boa meditaçã o. O Senhor olha para a boa
intençã o que temos e para o esforço que fazemos, e estes Ele
recompensa”. Em outro lugar ele diz: “Na oraçã o nã o devemos buscar as
delícias de Deus, mas o Deus das delícias”. “Peça e lhe será dado;
Procura e encontrará s; bata e será aberto para você. ( Mateus 7:7).
“Fala, Senhor, porque o teu servo ouve.” ( 1 Reis 3:9).
“Se alguém quiser vir apó s mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e
siga-me.” — Mat. 16:24.

Capítulo 12
AUTO-NEGAÇÃO E AMOR DA CRUZ
“Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e
siga-me.”
—Mat. 16:24
O amor que nosso Divino Mestre Jesus nutria pela cruz foi tã o grande
que Ele a abraçou desde o primeiro momento de Sua Encarnaçã o. A
vontade de Seu Pai celestial decretou que Sua vida na Terra fosse o
caminho da cruz; portanto, Ele começou Sua dolorosa jornada ao Monte
do Calvá rio no exato momento em que “o Verbo se fez carne e habitou
entre nó s”. Se quisermos ser conformes à imagem do Verbo Encarnado,
devemos amar a vontade de Deus e carregar a nossa cruz com paciência
e resignaçã o. A cruz é o leito nupcial para o qual o nosso Salvador nos
convida. “Aquele que nã o toma a sua cruz e nã o me segue nã o é digno
de mim.” ( Mateus 10:38). De mã os dadas com o amor da cruz está a
virtude da abnegaçã o, pois quem está apegado à s comodidades da vida
ou a si mesmo nã o tem coragem de seguir os passos manchados de
sangue do Salvador sofredor.
“A paciência tem uma obra perfeita”, diz o apó stolo ( Tiago 1:4), pois
pela paciência ao carregar as cruzes da vida fazemos um sacrifício
perfeito a Deus. Com resignaçã o à Sua santa vontade, abraçamos a cruz
que Ele nos envia e a estimamos ainda mais do que uma de nossa
escolha.
A paciência, diz o Sá bio, deve ser preferida à coragem do heró i: “O
homem paciente é melhor do que o valente; e aquele que governa o seu
espírito, do que aquele que conquista cidades”. ( Pv 16:32). Muitos
homens demonstrarã o grande coragem ao empreender e concluir
algum trabalho piedoso; mas ele pode nã o ter paciência suficiente para
suportar os pequenos aborrecimentos e contradiçõ es que encontra.
Para tal seria melhor ser firme no sofrimento paciente do que corajoso
em grandes empreendimentos. Estamos neste mundo para obter
mérito; portanto esta terra nã o é um lugar de descanso, mas de
trabalho e sofrimento. Os méritos nã o sã o obtidos pelo repouso e
descanso, mas pelo trabalho e esforço constante. Todos os homens
devem sofrer, tanto os justos como os pecadores. Um está faltando
nisso, outro está privado daquilo. Este homem é nobre, mas nã o rico;
esse homem é rico, mas nã o tem direito à nobreza, enquanto outro
ainda é nobre e rico, mas perdeu a saú de. Em uma palavra, todos nó s
temos algo a suportar, sejam nó s altos ou baixos, ricos ou pobres, cultos
ou iletrados, pecadores ou santos.

PAZ DE CORAÇÃ O
Assim, só podemos desfrutar da verdadeira paz no coraçã o quando
carregamos a nossa cruz com paciência e resignaçã o. O Espírito Santo
nos alerta para nã o agirmos como animais irracionais que ficam
furiosos quando nã o conseguem satisfazer seus desejos: “Nã o sejais
como o cavalo e a mula que nã o têm entendimento”. ( Salmo 31:9). De
que adianta ser impaciente diante dos problemas e das contradiçõ es?
Nó s apenas aumentamos nosso fardo com isso. Os dois ladrõ es que
foram crucificados com o nosso Santíssimo Redentor sofriam
tormentos semelhantes; mas o bom ladrã o foi salvo porque os suportou
com paciência, enquanto o mau ladrã o ficou eternamente perdido
porque sofreu impacientemente e se rebelou. A mesma provaçã o, diz
Santo Agostinho, leva os bons à gló ria porque sofrem com paciência e
resignaçã o, mas os ímpios à destruiçã o eterna por falta de paciência e
conformidade com a vontade de Deus.
Quando tentamos evitar uma cruz que o Senhor nos enviou, muitas
vezes nos deparamos com outra, e muito mais pesada. “Aqueles que
temem a geada”, diz Jó , “a neve cairá sobre eles”. (6:16). Apenas tire de
mim esta cruz, você diz; qualquer outro que eu esteja disposto a
suportar. Ah, sim, mas essa outra cruz pode ser ainda mais pesada e
você tem pouco ou nenhum mérito por carregá -la. Portanto abrace a
cruz que Deus lhe envia, seja ela qual for; é mais leve e mais meritó rio
do que qualquer outro, pois você está fazendo a vontade de Deus e nã o
a sua.
Santo Agostinho diz que toda a vida de um cristã o deve ser uma cruz
perpétua. Isto é especialmente verdadeiro para aqueles que buscam a
perfeiçã o. Sã o Gregó rio Nazianzeno diz que “nas almas grandes e
generosas a riqueza consiste na pobreza, a honra no desprezo e a
alegria na ausência de todos os prazeres terrenos”. Quando questionado
sobre quem realmente busca a perfeiçã o, Sã o Joã o Clímaco respondeu:
“Aquele que constantemente comete violência contra si mesmo”. E
quando cessará a necessidade de praticar violência contra si mesmo?
Somente quando a vida chegar ao fim, pois diz Sã o Pró spero: “A luta só
terminará quando tivermos certeza da vitó ria, ou seja, quando tivermos
entrado no Reino dos Céus”.

VALOR DO SOFRIMENTO
Se você é forçado a reconhecer, caro leitor cristã o, que ofendeu seu
Deus e deseja ao mesmo tempo santificar sua alma imortal, você
deveria se alegrar quando Deus lhe envia sofrimento. “O pecado”, diz
Sã o Joã o Crisó stomo, “é uma ú lcera da alma; se o sofrimento nã o vier
para remover a matéria corrompida, a alma estará perdida.” Quando
Deus lhe dá algo para sofrer, diz Santo Agostinho, Ele atua como
médico, e o sofrimento que Ele envia nã o é um castigo, mas um
remédio. “A quem o Senhor ama, ele castiga e açoita todo filho que
recebe.” ( Hebreus 12:6). “Se tudo correr bem”, diz Santo Agostinho,
“reconhece o Pai que te acaricia; se você tem que suportar sofrimento,
reconheça o Pai que o castiga.” “Apressa-te, Senhor”, clama Sã o
Boaventura, “apressa-te e fere Teus servos com as feridas do amor e da
salvaçã o, para que nã o sucumbamos à s feridas da raiva e da morte
eterna”. “Deus nunca fica mais zangado”, diz Sã o Bernardo, “do que
quando nã o está zangado com o pecador e deixa de puni-lo”.
Mas o sofrimento nã o é apenas um excelente meio de expiar pecados
passados, é também uma fonte abundante de mérito. “Quando se trata
de ganhar o Céu”, diz Sã o José Calasanctius, “todas as dores devem ser
consideradas insignificantes e insignificantes”. O Apó stolo já havia dito
muito antes: “Porque tenho para mim que os sofrimentos deste tempo
nã o podem ser comparados com a gló ria futura que será revelada em
nó s”. ( Romanos 8:18). Seria pouco se tivéssemos que suportar todos os
sofrimentos deste mundo por um momento das alegrias do Céu. Quanto
mais, portanto, devemos suportar pacientemente cada cruz que Deus
nos envia, quando sabemos que o breve sofrimento desta vida será
seguido pela felicidade eterna da pró xima. “Pois aquilo que é
atualmente momentâ neo e leve de nossa tribulaçã o opera para nó s
acima de qualquer medida um peso eterno de gló ria.” ( 2 Coríntios
4:17). Quanto maiores forem os nossos méritos aqui, maior será a
nossa gló ria no futuro. Por isso Sã o Tiago diz: “Bem-aventurado o
homem que suporta a tentaçã o; pois quando for provado, receberá a
coroa da vida que Deus prometeu aos que o amam”. ( Tiago 1:12).
Animado com este pensamento, Santo Agá pito, um jovem de quinze
anos, demonstrou admirável heroísmo enquanto sofria o martírio.
Quando o tirano mandou colocar brasas sobre sua cabeça, o jovem
má rtir gritou: “Na verdade, pouco importa que esta cabeça seja
queimada com brasas na terra, desde que seja coroada de gló ria no
Céu”. Foi este mesmo pensamento que levou o santo Jó a dizer: “Se
recebemos coisas boas da mã o do Senhor, por que nã o receberíamos o
mal?” ( Jó 2:10). O bem que espero, diz Sã o Francisco de Sales, é tã o
grande que toda dor se torna para mim um prazer: “Em vista de tudo
que espero ganhar, meu trabalho aqui nã o tem dor”.

UMA PROVA DE AMOR


O sofrimento é a pedra de toque do amor. Há muitos, diz o Sá bio, que
sã o amigos em tempos de prosperidade – mas com o advento da
adversidade eles desaparecem. “Pois há um amigo para a sua ocasiã o, e
ele nã o permanecerá no dia da tua angú stia.” ( Eclesiastes 6:8). Mas a
prova mais segura de amor genuíno é dada pelo homem que sofre
voluntariamente por seu amigo. Conseqü entemente, oferecemos um
sacrifício muito agradável a Deus quando abraçamos voluntariamente a
cruz que Ele envia. “O amor é paciente”, diz Sã o Paulo, “tudo suporta”. (
1 Coríntios 13:4, 7). Carrega pacientemente a cruz externa e interna:
por exemplo, a perda da saú de, da fortuna, da honra, de parentes e
amigos; angú stias, tentaçõ es, dores e aridez espiritual. Pela paciência a
virtude é testada. Por esse motivo, tal ênfase é colocada, na vida dos
santos, na sua paciência nas contradiçõ es. O diabo nos tenta a testar a
nossa paciência. “O ouro e a prata sã o provados no fogo, mas os homens
aceitáveis na fornalha da humilhaçã o.” ( Eclesiastes 2:5). “Porque você
era aceitável a Deus, era necessá rio que a tentaçã o te provasse.” ( Tb
12:13). Quando o Senhor dá a alguém uma ocasiã o de muito
sofrimento, diz Sã o Joã o Crisó stomo, Ele mostra um amor maior por tal
pessoa do que se lhe desse o poder de ressuscitar os mortos; pois
quando fazemos milagres somos devedores a Deus, mas quando
sofremos pacientemente, Deus se torna, por assim dizer, um devedor
para nó s.
Como é possível olhar para um crucifixo e ver um Deus que morreu
num oceano de sofrimentos e desprezos, sem suportar pacientemente,
por amor a Ele, todos os sofrimentos que Deus queira nos enviar? Santa
Maria Madalena de Pazzi disse uma vez: “Toda dor, por maior que seja,
torna-se doce quando contemplamos Jesus na Cruz”. Quando o erudito
Justus Lipsius estava enfrentando grande sofrimento, um dos presentes
o encorajou a ser paciente, lembrando-se do exemplo de alguns
filó sofos pagã os. O sofredor ergueu os olhos para o crucifixo e disse:
“Aqui está a verdadeira paciência”. Queria dizer: o exemplo de um Deus
que tanto sofreu por amor a nó s é incentivo suficiente para que
soframos todas as dores por amor a Ele. “Quem ama o Crucificado”, diz
Sã o Bernardo, “ama o sofrimento e o desprezo”. Quando Santo Eleazar
foi questionado por sua santa esposa Delfina como ele conseguia
suportar tantos insultos de homens grosseiros, sem ressentimento, ele
respondeu: “Você nã o deve imaginar que nã o sou sensível a esses
insultos; Eu os sinto profundamente; mas volto-me para Jesus
Crucificado e continuo a contemplá -Lo até que a minha mente se
acalme e um bá lsamo seja colocado sobre os meus sentimentos feridos”.
Quer queiramos ou nã o, todos devemos suportar os sofrimentos que a
Providência de Deus nos concedeu. É vantajoso para nó s, portanto,
sofrer com mérito, e isso significa sofrer com paciência. Ore a Deus
sinceramente por este dom precioso, a graça de sofrer as provaçõ es e
tribulaçõ es da vida com paciência e conformidade com Sua santa
vontade. “Ao que vencer darei o maná escondido.” ( Apoc. 2:17). A
paciência deve ser exercida sobretudo durante a doença. Cará ter e
disposiçã o sã o revelados por esta pedra de toque infalível e mostrados
como ouro genuíno ou farsa.
Muitas pessoas sã o alegres, pacientes e devotas, desde que gozem de
boa saú de; mas assim que sã o atacados pela doença, cometem
inú meras faltas; ficam impacientes com todos ao seu redor e criticam o
cuidado ou a falta de cuidado que lhes é demonstrado; reclamam de
cada pequena dor que sofrem e permitem que sua imaginaçã o aumente
seus problemas. “Se soubéssemos que tesouro possuímos em
sofrimentos ocultos”, disse Sã o Vicente de Paulo, “nó s os aceitaríamos
com tanta alegria quanto os maiores benefícios”. O pró prio Sã o Vicente
sofria sem reclamar as dores mais violentas, que muitas vezes o
deixavam sem descanso dia e noite; e ainda assim ele estava alegre,
como se nã o tivesse nada para suportar. Oh, como é edificante, no
momento do sofrimento, preservar uma paz alegre e uma resignaçã o!
Sempre que Sã o Francisco de Sales estava doente, limitava-se a expor o
assunto ao médico e depois obedecia-lhe à risca, tomando os remédios
prescritos, por mais repugnantes que fossem. Depois disso, ele
permaneceu perfeitamente quieto e nunca reclamou do que sofreu.
“Aprenda a sofrer pelo amor de Deus”, diz Santa Teresa, “e nã o fique
ansioso para que todos descubram”. Por uma graça especial de Deus, foi
permitido ao santo Padre Luís de Ponte, numa Sexta-Feira Santa, sofrer
uma dor especial em todas as partes do corpo. Ele contou isso a um de
seus amigos, mas mal o fez quando se arrependeu a tal ponto que fez
uma promessa de nunca mais contar aos outros o que tinha que sofrer.
Digo que foi “por uma graça especial” que ele sofreu, pois os santos
aceitam os sofrimentos e as tribulaçõ es como manifestaçõ es do favor
de Deus.
Uma mulher muito devota ficou gravemente doente e foi torturada com
dores violentas; colocaram um crucifixo em suas mã os e disseram-lhe
que orasse ao Senhor para que a libertasse do sofrimento. “Como você
pode me aconselhar”, disse ela, “a descer da cruz do sofrimento
enquanto tenho meu Salvador crucificado em minhas mã os? Sofrerei de
bom grado por amor dAquele que suportou maiores tormentos por
amor de mim.”
Foi o que Nosso Senhor disse um dia a Santa Teresa quando ela estava
doente e sofria muitas dores. Ele lhe apareceu coberto de feridas e lhe
falou assim: “Olha essas feridas, minha filha; suas dores nunca serã o tã o
grandes quanto as minhas.” Isto levou o Santo a dizer desde entã o:
“Quando penso em Nosso Senhor, que era tã o inocente e ainda assim
sofreu tanto, nã o consigo ver como posso reclamar das minhas
doenças”. “Muitos”, diz Salvian, “nunca teriam alcançado a santidade se
gozassem de boa saú de”. E parece bem verdade, pois se você ler a vida
dos santos, ficará surpreso com os sofrimentos que tantos deles
tiveram que suportar. Esses sofrimentos foram trampolins para uma
grande santidade e uma uniã o íntima com Deus.
Eu reclamo, nã o porque estou doente, você dirá , mas porque nã o posso
ir à igreja, receber a Sagrada Comunhã o e rezar; além disso, sou um
fardo para os outros. Mas diga-me, por que você deseja ir à igreja e
receber a Sagrada Comunhã o? Nã o é para agradar a Deus? Muito bem,
mas agora, se é mais agradável a Deus que você permaneça afastado da
igreja e da Sagrada Comunhã o, e em vez disso sofra num leito de dor,
que motivo você tem para ficar perturbado? Ouça o que o Venerável
Joã o de Á vila escreveu um dia a um sacerdote que estava muito doente:
“Meu amigo, nã o pense agora no que faria se estivesse bem, mas
contente-se em permanecer doente enquanto isso agrada a Deus. Se
você está buscando a vontade de Deus, o que importa se você está
doente ou bem?” Sã o Francisco de Sales afirmava que podemos servir
melhor a Deus sofrendo do que trabalhando.

SOFRER É ORAR
Você diz que nã o pode orar? Por que nã o? Admito que você nã o pode
meditar por muito tempo, mas o que o impede de voltar o olhar para
Jesus Crucificado e oferecer-Lhe os sofrimentos que deve suportar. A
melhor oraçã o que você pode fazer é resignar-se à vontade de Deus em
meio aos seus sofrimentos, unindo suas dores à s dores de Jesus Cristo e
oferecendo-as como sacrifício a Deus. Foi assim que Sã o Vicente de
Paulo agiu quando estava mortalmente doente. Colocou-se na presença
de Deus e de vez em quando fazia um ato de amor, de confiança, de
gratidã o ou de resignaçã o, especialmente quando as suas dores se
tornavam muito violentas. Sã o Francisco de Sales disse: “Os sofrimentos
em si sã o muito abomináveis para as nossas inclinaçõ es; mas quando
considerados com referência à vontade de Deus, eles nos causam
alegria e prazer.” E finalmente você diz que é um fardo para os outros.
Deve ser evidente para todos que a sua condiçã o de desamparo nã o é
de sua escolha, mas está simplesmente de acordo com a vontade de
Deus. Portanto, as queixas que você faz nã o podem provir do amor de
Deus, mas sã o expressõ es de amor pró prio; gostaríamos de servir ao
Senhor, mas à nossa maneira e nã o como Ele deseja.
Um dia foi permitido ao Padre Balthasar Alvarez ver a gló ria que Deus
havia preparado para uma religiosa como recompensa pela sua
paciente resistência ao sofrimento, e afirmou que esta santa pessoa
ganhou mais mérito em oito meses de sofrimento do que outros
religiosos zelosos ganharam. em vá rios anos. Enquanto Santa Ludwina
sofria grandes dores, ela nutria o desejo de morrer como má rtir. Um
dia, quando sentiu um desejo particular por esta graça, viu uma coroa
brilhante mas inacabada e foi-lhe dado compreender que esta coroa era
destinada a ela. Desejando que a coroa estivesse perfeitamente
acabada, ela orou a Deus para que aumentasse seus sofrimentos. O
Senhor ouviu sua oraçã o. Alguns soldados brutais entraram e, depois de
insultá -la com os mais vis epítetos, espancaram-na cruelmente. Um
anjo apareceu imediatamente com a bela coroa concluída e disse que
seus ú ltimos sofrimentos acrescentaram à coroa as joias que faltavam.
Quando o anjo terminou de falar, a virgem expirou.
Outra oportunidade nos é oferecida para a prá tica da paciência pelas
perseguiçõ es a que à s vezes somos expostos. “Nã o fiz nada para
merecer estes insultos e esta perseguiçã o”, você pode dizer; “por que eu
deveria ter que suportá -los?” Mas você se lembra do que Nosso Senhor
disse a Sã o Pedro Má rtir quando o Santo reclamou que estava preso
injustamente? “Ó Senhor, que mal fiz eu para sofrer esta perseguiçã o?”
Nosso Salvador respondeu: “E que mal fiz eu para ser pregado nesta
cruz?”

UMA FONTE DE MÉ RITO


Nos escritos de Santa Teresa encontramos estas palavras notáveis:
“Aquele que busca a perfeiçã o deve ter o cuidado de nunca dizer:
alguém me fez mal. Se você nã o está disposto a carregar nenhuma outra
cruz além daquela que você merece, você nã o tem direito à perfeiçã o.”
Quando Sã o Filipe Neri morava perto da igreja de Sã o Jerô nimo, em
Roma, ele sofreu continuamente com os insultos e aborrecimentos dos
homens mal-intencionados da vizinhança, e isso por um período de 30
anos. Quando finalmente foi instado pelos seus filhos espirituais a
deixar a sua antiga morada e viver num novo mosteiro recentemente
fundado, ele recusou-se a fazê-lo, e só pô de ser persuadido por uma
ordem expressa do Santo Padre.
Todos os santos sofreram algum tipo de perseguiçã o. Sã o Basílio foi
acusado de heresia perante o Papa Dâ maso. Sã o Cirilo de Alexandria foi
condenado por um concílio de 40 bispos e privado desta sé episcopal.
Santo Ataná sio foi acusado de bruxaria e Sã o Crisó stomo de
imoralidade. Quando tinha mais de 100 anos, Sã o Romualdo foi acusado
de um crime hediondo e disseram que ele merecia ser queimado vivo. E
assim sucessivamente, do primeiro ao ú ltimo do calendá rio dos Santos
de Deus. Na verdade, nã o poderia ser de outra forma, pois como diz o
Apó stolo: “Todos os que querem viver piedosamente em Cristo Jesus
sofrerã o perseguiçõ es”. ( 2 Timóteo 3:12).
Se, portanto, diz Santo Agostinho, você nã o se importa em sofrer
perseguiçõ es, há motivos para temer que você nã o tenha começado a
seguir Jesus Cristo. Quem foi mais santo que Nosso Senhor e Deus? E,
no entanto, Ele foi perseguido a tal ponto que morreu numa cruz cruel,
vítima de calú nia e injustiça. Como podemos reclamar quando vemos
nosso Mestre e Modelo diante de nó s! “Se você nã o acredita em minhas
palavras, acredite em minhas obras.” ( João 10:38). “Eles cavaram
minhas mã os e pés; eles contaram todos os meus ossos.” ( Sl. 21:17-18).
ARIDEZ ESPIRITUAL
Há muita necessidade de paciência para carregar a cruz do abandono
espiritual, pois é uma das provaçõ es mais duras que uma alma que ama
a Deus pode suportar. Quando uma pessoa devota desfruta de
consolaçõ es espirituais, todos os tipos de provaçõ es externas sã o
incapazes de perturbá -la. Pelo contrá rio, parecem apenas aumentar a
alegria do seu coraçã o, na medida em que lhe proporcionam a
oportunidade de oferecer os seus sofrimentos ao Senhor e, assim,
tornar-se mais unido a Ele. Mas nã o experimentar nenhuma devoçã o,
nenhum zelo, nenhum desejo santo, mas, pelo contrá rio, apenas frieza e
secura na oraçã o e na Sagrada Comunhã o é a dor mais amarga que uma
alma que ama a Deus pode suportar. Santa Teresa diz que tal alma dá a
prova mais segura do seu amor quando, sem qualquer incentivo
aparente, e mesmo apesar da repugnâ ncia interior e da agonia da alma,
prossegue pacientemente o seu caminho. “Pela aridez de espírito e
pelas tentaçõ es”, diz o Santo, “o Senhor prova aqueles a quem ama”.
Certa vez, quando Santa  ngela de Foligno sofria desta secura
espiritual, ela queixou-se ao Senhor de que Ele a havia abandonado.
“Nã o, Minha filha”, respondeu o Senhor, “eu te amo agora mais do que
antes, e considero-te mais intimamente unida a Mim do que nunca”.
É uma ilusã o, diz Sã o Francisco de Sales, julgar a piedade segundo a
medida das consolaçõ es que experimentamos no serviço de Deus. A
verdadeira piedade, continua ele, consiste na vontade determinada de
fazer tudo o que agrada a Deus. Por meio da aridez espiritual, Deus une-
se intimamente à s almas que ama de maneira especial. O que nos
impede de estar verdadeiramente unidos a Deus é o apego à s nossas
inclinaçõ es desordenadas. Quando Deus, portanto, deseja conduzir uma
alma ao Seu amor perfeito, Ele se esforça primeiro para libertá -la de
todo apego à s coisas criadas. Para este fim Ele a priva pouco a pouco de
bens terrenos como riquezas, honras, parentes, saú de corporal e assim
por diante. Seguem-se entã o contradiçõ es e humilhaçõ es de todo tipo.
Sã o tantos os meios que o Senhor utiliza para despojar a alma de todos
os apegos à s criaturas e a si mesmo.
No início da conversã o da alma, Deus muitas vezes lhe dá uma
enxurrada de consolaçõ es. Em consequência disso, a alma é
gradualmente libertada do apego à s criaturas e entrega-se a Deus; mas
ainda nã o de maneira perfeita, pois ela age mais pelas consolaçõ es de
Deus do que pelo Deus das consolaçõ es, como tã o belamente diz Sã o
Francisco de Sales. É uma falha comum da nossa natureza decaída que
em tudo o que fazemos procuremos a nossa pró pria gratificaçã o. O
amor de Deus e a perfeiçã o cristã nã o consistem em doces sentimentos
e consolaçõ es sensíveis, mas na superaçã o do amor pró prio e no
cumprimento da Vontade de Deus. Na vida dos maiores servos e santos
de Deus, vemos o leite das consolaçõ es dar lugar ao alimento mais
substancial das afliçõ es; e é isto que lhes permite carregar o fardo da
cruz na sua jornada para o Monte do Calvá rio. A uma pessoa santíssima
que sofria de aridez espiritual, Sã o Joã o da Cruz escreveu o seguinte:
“Nunca estiveste em melhor condiçã o do que agora, porque nunca foste
tã o humilhado e tã o desapegado do mundo, e nunca reconheceste a tua
miséria tã o bem, como neste exato momento. Nunca você foi tã o
indiferente consigo mesmo e nunca se buscou menos.”
Oh, quã o caros ao coraçã o de Deus sã o os atos de confiança e
resignaçã o em meio à s trevas da aridez espiritual. Coloquemos,
portanto, a nossa confiança ilimitada em Deus, que, como diz Santa
Teresa, nos ama mais do que nó s mesmos.

A HORA DA MORTE
Quando se aproxima a hora da morte, é necessá rio sobretudo resignar-
se à Vontade de Deus. Nossa vida na Terra é uma tempestade contínua
na qual corremos constante perigo de perecer. Sã o Luís Gonzaga,
falecido na flor da juventude, aceitou a morte com alegria, dizendo:
“Estou agora, espero, na graça de Deus; Nã o sei o que pode acontecer
comigo mais tarde; portanto, aceito de bom grado a morte neste
momento, se for do agrado de Deus me chamar para fora desta vida”.
Mas entã o você dirá : Luís era um santo e eu sou um pecador. Ouçam o
que diz o Venerável Joã o de Á vila: “Se a nossa alma estiver apenas em
estado moderadamente bom, devemos desejar a morte, para escapar ao
perigo de perder a graça de Deus”. Mas você pode dizer: ainda nã o
ganhei nenhum mérito para minha alma; Eu gostaria de viver um pouco
mais e fazer algo de bom antes de morrer. Quem lhe dá a garantia de
que se a sua vida for prolongada você nã o ficará ainda pior do que
antes, e talvez estará eternamente perdido? “Por que você deseja viver”,
diz Sã o Bernardo, “se quanto mais vivemos, mais pecamos?” Se
realmente amamos a Deus, devemos ter o desejo de vê-Lo face a face no
Céu e amá -Lo com um amor infinito e imutável. Mas a morte deve abrir
as portas para a vida eterna e, portanto, Santo Agostinho, cheio de amor
por seu Deus, clamou: “Ó Senhor, permite-me morrer para que eu possa
ver-te face a face e desfrutar-te para sempre 'onde o olho nã o viu, nem
o ouvido ouviu, e nã o subiu ao coraçã o do homem o que Deus preparou
para aqueles que o amam.'” ( 1 Coríntios 2:9).

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