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Charlotte, Carolina do Norte
2010
“Amará s o Senhor teu Deus de todo o teu coraçã o, e de toda a tua alma,
e de todo o teu entendimento. Este é o maior e o primeiro mandamento.
E a segunda é assim: Amará s o teu pró ximo como a ti mesmo. Destes
dois mandamentos depende toda a lei e os profetas.”
—Palavras de Nosso Senhor Mateus 22:37-40)
CONTEÚDO
Capítulo 1
FÉ
"Eu sou a luz do mundo; quem me segue não anda nas trevas, mas terá a
luz da vida.”
—Joã o 8:12
A fé é uma virtude divinamente infundida pela qual o homem acredita,
sob a autoridade de Deus, naquilo que Deus revelou e ensina através de
Sua Santa Igreja. Sã o Paulo chama a fé de “a substâ ncia das coisas que
se esperam e a evidência das coisas que nã o aparecem”. ( Hebreus 11:1).
A fé é, de facto, “a substâ ncia das coisas que se esperam”, isto é, o
fundamento da nossa esperança, pois sem fé a esperança nã o poderia
existir. A fé é também uma evidência do invisível, “a evidência de coisas
que nã o aparecem”.
É bem verdade que existe um lado claro e um lado negro na prá tica da
santa fé. O seu lado positivo sã o as marcas de credibilidade que nos
asseguram, sem sombra de dú vida, que a nossa fé é a verdadeira e ú nica
fé. Seu lado negro sã o as pró prias verdades que estã o veladas aos
nossos olhos. As provas da verdade da nossa santa fé sã o tã o claras que,
como diz Pico de Mirandola, um homem deve ser totalmente
desprovido de razã o para recusar-lhes crédito. “Os teus testemunhos, ó
Senhor, sã o extremamente credíveis”, diz o salmista. ( Salmo 92:5).
Consequentemente, os incrédulos nã o têm desculpa para recusarem
submeter a sua razã o aos ensinamentos da nossa santa fé. “Quem nã o
crê já está condenado”, diz o nosso Divino Salvador. Por outro lado,
Deus quis que os objetos da nossa crença permanecessem obscuros
para que, pela fé, possamos merecer uma recompensa. Do que foi dito,
segue-se que a fé nos dá um conhecimento que ultrapassa em
dignidade todas as verdades científicas. “Eis”, exclama Jó , “quã o grande
é o nosso Deus; ele excede todo o nosso conhecimento.” ( Jó 36:26).
A nossa santa fé é um tesouro de valor indizível, pois nela possuímos
antes de tudo uma luz divina que serve para nos guiar com segurança
no caminho para o Céu. Aquilo que percebemos com nossos sentidos ou
compreendemos com nossa razã o pode e muitas vezes nos
desencaminha. As verdades da fé, pelo contrá rio, sã o reveladas por
Deus, que nã o pode enganar nem ser enganado. Em segundo lugar, a fé
fornece-nos um excelente meio de mostrar a nossa reverência e
respeito por Deus.
Nã o é mais do que certo que sujeitemos a Deus a nossa vontade pela
observâ ncia da Sua santa lei, e a nossa razã o pela crença na Sua palavra
infalível. Se o homem acreditasse apenas naquilo que vê e compreende,
estaria honrando a Deus com isso? Certamente nã o. Mas sem dú vida
damos honra a Deus quando aceitamos como certo o que Deus revelou,
embora nã o possamos ver nem compreender, e cremos nã o porque
entendemos, mas simplesmente porque Deus o revelou. Em terceiro
lugar, a fé nos fornece uma fonte abundante de mérito. Se as verdades
propostas para a nossa aceitaçã o fossem tã o claras e compreensíveis
que nã o pudéssemos recusar razoavelmente o nosso assentimento, a
sua aceitaçã o nã o seria de modo algum meritó ria, pois o mérito da fé
consiste em que aceitemos e acreditemos nas verdades propostas, livre
e sem restriçã o. Sã o Gregó rio expressa esta verdade com as seguintes
palavras: “A fé perde o seu mérito quando a razã o humana fornece uma
prova”. ( Hom. 26). Nosso Abençoado Salvador elogia aqueles que
aceitam as verdades da fé sem serem capazes de percebê-las ou
compreendê-las: “Bem-aventurados os que nã o viram e creram”. ( João
20:29).
A FÉ NÃ O SE Opõ e À RAZÃ O
Os mistérios da santa fé nã o se opõ em à razã o, mas transcendem o seu
poder de compreensã o; daí a futilidade de tentar compreendê-los. “A
fé”, diz Santo Agostinho, “nã o é característica dos orgulhosos, mas dos
humildes”. Quem é verdadeiramente humilde nunca acha difícil
acreditar. Santa Teresa disse: “O diabo nunca conseguiu me tentar
contra a fé. Parece-me até que quanto menos posso compreender as
verdades da fé, mais prontamente dou-lhes o meu assentimento.”
Se você é tentado pelo espírito maligno contra alguma verdade de
nossa santa fé, nã o pare para considerar as dificuldades sugeridas pelo
diabo, mas faça um ato de fé sem demora e proteste diante de Deus sua
disposiçã o de dar sua pró pria vida pelas verdades. da sua santa fé. Sã o
Luís, Rei da França, relata que um erudito teó logo foi certa vez
assaltado por violentas tentaçõ es a respeito da Presença Real de Jesus
Cristo no Santíssimo Sacramento. Recorreu ao bispo de Paris e revelou-
lhe a sua terrível ansiedade; ao mesmo tempo, implorou-lhe com
lá grimas que o ajudasse. O bispo perguntou-lhe simplesmente se havia
alguma coisa na terra que o pudesse induzir a negar a sua fé. O teó logo
protestou que nada poderia levá -lo a cometer um crime tã o grande; ao
que o bispo o acalmou com a certeza de que um grande bem resultaria
da resistência paciente à s suas tentaçõ es.
Numa ocasiã o, quando Sã o Francisco de Sales estava muito doente, foi
gravemente atormentado por dú vidas a respeito da Santíssima
Eucaristia. Nem por um momento ele parou para discutir com o diabo,
mas lutou e venceu-o com o santo Nome de Jesus. Quando for
igualmente tentado, com toda humildade, entregue sua razã o como
cativa voluntá ria; sujeite-se aos ensinamentos da Santa Igreja e ataque
o tentador com suas pró prias armas, protestando com zelo e fervor que
você está pronto para morrer mil vezes por sua santa fé. Ao agir dessa
maneira, você torna o que Sataná s pretendia para o seu dano uma fonte
abundante de mérito. Muitas vezes voltamo-nos para o nosso Divino
Redentor e dirigimo-nos a Ele com as palavras dos Apó stolos: “Senhor,
aumenta a nossa fé”. ( Lucas 17:5).
Pelo que já vimos, é evidente que, no que diz respeito à s verdades que
ultrapassam o nosso poder de compreensã o, devemos sujeitar a nossa
razã o e, nas palavras de Sã o Paulo, “trazer cativo o nosso entendimento
à obediência de Cristo”. (2 Coríntios 10:5).
É claro que isto nã o nos impede de considerar os motivos que
contribuem para a credibilidade da nossa santa religiã o. Pelo contrá rio,
Deus deseja que usemos os nossos poderes naturais do intelecto para
sermos convencidos da razoabilidade da nossa fé. Com esta convicçã o e
com a ajuda da graça de Deus seremos mais firmes na adesã o a tudo o
que a Santa Igreja propõ e à nossa crença. Como dissemos acima, a
credibilidade da nossa santa religiã o é tã o claramente estabelecida por
evidências só lidas e dignas de confiança que qualquer homem no seu
bom senso deve necessariamente reconhecê-las como dignas de
crédito. Consideraremos brevemente algumas dessas provas.
PROVAS DE FÉ
Em primeiro lugar, a verdade da nossa santa fé é proclamada em voz
alta pelas profecias das Sagradas Escrituras. Essas profecias foram
proferidas há centenas de anos e, nos anos posteriores, cumpriram-se
ao pé da letra. Assim, por exemplo, a morte de nosso Salvador foi
predita por vá rios profetas e o tempo e as circunstâ ncias que a
acompanharam foram descritos minuciosamente. Foi profetizado que
os judeus, em puniçã o pelo deicídio, seriam expulsos do templo e da
terra santa, e os endurecidos e obstinados no pecado seriam dispersos
pelo mundo; esta profecia, sabemos, foi literalmente cumprida. Foi
profetizado que apó s a morte de Cristo a veneraçã o das divindades
pagã s daria lugar à adoraçã o do Deus verdadeiro. O acontecimento
confirmou a prediçã o, pois os Apó stolos de Nosso Senhor, apesar dos
inú meros obstá culos lançados em seu caminho e armados sem
nenhuma arma a nã o ser a cruz de Cristo, conquistaram o mundo e o
trouxeram cativo à fé no Deus vivo .
Em segundo lugar, a verdade da nossa santa fé é evidente nos milagres
que foram realizados por Nosso Senhor, pelos Seus Apó stolos e pelos
Santos da Igreja Cató lica como uma sançã o do seu santo ensinamento.
Os milagres estã o além dos poderes da natureza. Elas só podem
acontecer pelo poder de Deus, a quem toda a criaçã o está sujeita.
Conseqü entemente, se uma religiã o tem milagres reais para mostrar na
confirmaçã o de sua doutrina, essa religiã o deve ser divina, pois é
impossível para Deus sancionar e promover uma religiã o falsa pela
realizaçã o de milagres genuínos.
Podem os judeus, os pagã os, os maometanos ou os hereges apontar
para um ú nico milagre realizado em favor dos seus princípios
religiosos? Sem dú vida que fizeram esforços no passado para enganar o
povo através de artifícios e de coisas aparentemente milagrosas; o
engano foi logo descoberto. Mas os milagres que Deus operou através
dos Seus servos em todas as épocas da Igreja Cató lica sã o simplesmente
inumeráveis. Somente na Igreja Cató lica se cumpriram as palavras de
nosso Santíssimo Senhor: “Em verdade, em verdade vos digo: quem crê
em mim, as obras que eu faço também as fará ; e maior do que estes ele
fará . ( João 14:12).
Sem dú vida, nos primeiros tempos da Igreja os milagres eram mais
numerosos do que hoje, pois eram necessá rios para a difusã o da Fé.
Mas ainda assim eles nunca faltaram em nenhuma época e têm ajudado
constantemente na conversã o de naçõ es pagã s e infiéis. Inú meros
milagres foram realizados, por exemplo, por um Sã o Francisco Xavier,
um Sã o Luís Bertrand e outros santos missioná rios na Índia. Se alguém
questionasse os fatos extraordiná rios registrados nos anais da histó ria
da Igreja e na vida dos Santos, eu simplesmente lhe perguntaria: com
que direito você se recusa a acreditar em homens como Sã o Basílio, Sã o
Jerô nimo, Sã o ... Gregó rio e outros quando você aceita de bom grado o
que um Tá cito, um Suetô nio ou um Plínio disseram?
Além disso, Deus se agradou em permitir que certos milagres
ocorressem ininterruptamente na Igreja, como uma reprovaçã o
contínua à incredulidade dos ímpios. Lembre-se do famoso milagre da
liquefaçã o do sangue de Sã o Januá rio em Ná poles. Esse sangue, que
geralmente se encontra endurecido e coagulado, liquefaz-se vá rias
vezes ao ano quando levado perto da cabeça do Santo. Isto foi atestado
por milhares de testemunhas oculares. Os infiéis tentaram em vã o
encontrar explicaçõ es naturais para o fenô meno; mas o milagre
continua a confundir os seus esforços e a humilhar o seu orgulho.
Uma terceira prova da verdade da nossa santa fé é fornecida pela
coragem e constâ ncia dos má rtires, e esta prova é ainda mais
convincente do que a dos milagres. Quinze imperadores romanos
sucessivamente usaram todos os meios ao seu alcance para destruir a fé
cristã da face da terra. Sob o reinado de Diocleciano, que inaugurou a
nona perseguiçã o, 17 mil cristã os foram executados num ú nico mês,
para nã o falar dos milhares que foram banidos do país.
Segundo o relato de Genebrard, 11 milhõ es de má rtires foram mortos
durante as dez grandes perseguiçõ es. Se estes fossem reunidos no
espaço de um ano, haveria 30.000 má rtires por dia. Ora, apesar de estes
confessores de Cristo terem sido submetidos a todas as torturas
imagináveis, tais como rasgar a carne com ganchos de ferro, assar os
seus corpos numa grelha e queimá -los com tochas acesas, o nú mero
daqueles que se dispuseram a e ansiosos por morrer, pois sua santa fé
nunca diminuiu, mas parecia sempre aumentar.
Tibério, o governador da Palestina, escreveu ao imperador Trajano que
havia tantos cristã os que desejavam morrer como má rtires que era
impossível executar todos eles. Em seguida, Trajano publicou um édito
no qual ordenava que os cristã os fossem deixados em paz para o futuro.
Agora pergunto: Se a Fé destes valentes má rtires, que é a mesma que a
nossa Santa Igreja professa hoje, nã o fosse a Verdadeira Fé de Cristo, e
se Deus nã o os tivesse ajudado a testemunhar essa Fé com o seu
pró prio sangue, será que algum dia eles teriam foram capazes de
suportar esses terríveis tormentos e de se entregarem livre e
alegremente a uma morte cruel? Houve algum má rtir nas seitas que se
afastaram da Igreja Cató lica? Terã o eles talvez um Sã o Lourenço que
ofereceu seus membros assados ao cruel tirano para um banquete?
Teriam eles talvez um Sã o Marcelo ou Marcelino cujos pés foram
perfurados com pregos; quando instados a libertar-se da tortura
renunciando à sua santa fé, responderam: “Você fala de tormentos, mas
nunca experimentamos uma alegria maior do que agora, quando
sofremos por amor de Jesus Cristo”. Terã o eles talvez um Sã o Processus
ou um Sã o Martiniano cujos corpos foram queimados com placas em
brasa e rasgados com ganchos de ferro? Em meio aos seus sofrimentos,
eles cantavam hinos de louvor a Deus e ansiavam por morrer por Cristo.
Acrescente-se a estes má rtires dos primeiros tempos os inú meros
homens e mulheres dos tempos posteriores que sofreram os tormentos
mais excruciantes que a crueldade humana pô de conceber e deram a
vida pela sua santa fé. Quantos morreram durante o século 16 só no
Japã o? Selecionamos os seguintes fatos da lista de crueldades
perpetradas durante a selvagem perseguiçã o que assolou o Japã o. Uma
mulher chamada Mô nica desejava ardentemente morrer como má rtir
por Cristo. Para se tornar à prova de fraqueza ao sofrer com os algozes,
ela praticou de antemã o o que achava que teria de suportar. Um dia ela
pegou um ferro em brasa na mã o. A irmã gritou: “Ó Mô nica, o que você
está fazendo?” “Estou me preparando”, respondeu ela, “para a morte de
um má rtir. Já resisti aos desejos da fome e superei esse perigo. Agora
estou experimentando o fogo para poder suportá -lo quando submetido
à sua tortura.”
Outra mulher disse à s suas companheiras: “Estou firmemente decidida
a dar a minha vida pela minha santa fé. Mas se, ao aproximar-se a
morte, você me vir tremer, peço-lhe que me arraste com toda a força até
os algozes, para que eu possa compartilhar sua coroa.” Um menino
chamado Anthony respondeu aos seus pais, que lhe imploraram com
lá grimas que renunciasse à sua fé: “Parem de me torturar com suas
palavras e reclamaçõ es; Estou decidido de uma vez por todas a morrer
pelo amor de Jesus Cristo.” E quando, como seu Divino Mestre, foi
pendurado na cruz, entoou as palavras do Salmo 112: “Louvai ao
Senhor, filhos”. Ele cantou até o “Gló ria ao Pai”, quando expirou e foi
completar o hino de louvor no Céu. Outro menino disse ao pai: “Prefiro
sofrer a morte à s mã os dos algozes ou à s tuas pró prias mã os do que
recusar a obediência a Deus; Nã o vou me lançar no Inferno para
agradar a qualquer homem.” Um servo falou assim ao seu senhor: “Eu
sei quanto vale o Céu; e como a morte de um má rtir é o caminho mais
curto que me leva até lá , escolho-o com alegria e estimo minha vida
terrena tã o pouco quanto a poeira sob meus pés.”
Uma mulher chamada Ursula viu o marido e os dois filhos serem
condenados à morte por causa da sua fé; com lá grimas nos olhos ela
exclamou: “Agradeço-Te, meu Deus, por me teres considerado digna de
fazer esta oferta; conceda-me também a coroa que agora adorna meus
entes queridos. Tudo o que me resta é a criança que carrego nos braços.
Ofereço-o de bom grado comigo mesmo; aceita graciosamente esta
ú ltima oferta que te faço”. Ela entã o pressionou a criança contra o
coraçã o e um golpe de espada decapitou a mã e e a filha.
Outra mã e gritava continuamente ao filho que, como ela, estava
pregado numa cruz: “Coragem, meu filho, coragem! Estamos a caminho
do Céu. Continue a invocar Jesus e Maria”. Um nobre chamado Simã o
disse: “Que felicidade para mim poder morrer por meu Redentor! Como
é que mereci um favor tã o grande?” Uma menina cega de oito anos
agarrou-se fortemente à mã e para poder morrer com ela na pira
funerá ria. Um menino de cinco anos foi despertado do sono e levado a
uma morte cruel. Sem demonstrar o menor alarme, ele vestiu suas
melhores roupas e foi levado ao local da execuçã o. Ao chegarem, o
pró prio menino ofereceu o pescoço ao carrasco. Este ú ltimo ficou tã o
comovido ao ver esta tenra criança que nã o conseguiu cumprir o seu
dever. Outro teve que ocupar o seu lugar, e só depois de vá rios golpes de
espada é que se pô s fim à vida da criança. Todos estes factos foram
atestados por inimigos declarados da nossa Santa Igreja.
Mais uma vez a prova da nossa santa fé torna-se evidente quando
consideramos que desde o tempo dos Apó stolos até aos nossos dias a
nossa Fé continuou inalterada. Os Apó stolos e seus sucessores tiveram
o cuidado de preservar a doutrina de nosso Divino Redentor em sua
pureza e integridade primitivas. O pró prio Cristo impô s-lhes este dever
sagrado quando disse: “Indo, pois, ensinai todas as naçõ es; ensine-os a
observar todas as coisas que eu lhes ordenei”. ( Mateus 28:19–20). Por
isso Sã o Joã o exorta os fiéis: “Que o que desde o princípio ouvistes
permaneça em vó s”. ( 1 João 2:24).
O Apó stolo Judas escreve: “Rogo-vos, amados, que batalheis
fervorosamente pela fé que uma vez foi entregue aos santos”. ( Judas 3).
Semelhantes sã o as exortaçõ es do Apó stolo Sã o Paulo ao escrever aos
Efésios: “Rogo-vos, irmã os, que tenhais cuidado de guardar a unidade
do Espírito no vínculo da paz” (Ef 4,3), e de os Coríntios: “Nã o haja
cismas entre vó s; mas sejam perfeitos na mesma mente e no mesmo
julgamento”. ( 1 Coríntios 1:10).
Estas admoestaçõ es do Apó stolo sempre foram rigorosamente seguidas
pelos pastores da Igreja, pois, nas palavras de Santo Agostinho, “o que
encontraram na Igreja, eles preservaram, e o que seus pais lhes
transmitiram, eles por sua vez deixaram como um legado precioso para
seus filhos.” Conseqü entemente, a Igreja Cató lica permaneceu a mesma
em todas as épocas e em todos os climas. As doutrinas que ela ensina
hoje sã o as mesmas que foram ensinadas e acreditadas nos primeiros
tempos da Igreja. As seitas, pelo contrá rio, que se separaram da Igreja
Cató lica, nã o permaneceram inalteradas nas doutrinas que propõ em. Se
desejar uma ilustraçã o disso, leia a História das Variações do famoso
Bispo Bossuet. Lá você encontrará um registro autêntico dos princípios
em constante mudança das denominaçõ es protestantes. O orgulho que
fez com que os fundadores destas seitas recusassem a obediência à
verdadeira Igreja de Cristo levou os seus seguidores, por sua vez, a
recusar a obediência a elas, e assim inú meras novas doutrinas e novas
religiõ es surgiram. É de imensa vantagem para nó s, que somos fiéis
adeptos da verdadeira Igreja de Deus, ler e ponderar os relatos
encontrados na histó ria das heresias. Tal reflexã o é calculada para
trazer à luz mais favorável a nossa pró pria Fé Verdadeira que, como o
pró prio nosso Salvador, é “ontem, e hoje, e a mesma para sempre”. (
Hebreus 13:8). Promoverá em nó s um espírito de submissã o leal à
nossa Santa Igreja e um profundo sentimento de gratidã o a Deus pelo
dom inestimável da Verdadeira Fé.
UMA FÉ VIVA
Para ser agradável e aceitável aos olhos de Deus, nã o basta apenas
acreditar em tudo o que a nossa santa fé nos ensina; devemos, além
disso, regular a nossa vida de acordo com a nossa crença. Pico de
Mirandola diz: “É certamente uma grande loucura nã o querer acreditar
no Evangelho de Cristo; mas seria uma tolice ainda maior acreditar
nisso e viver como se você nã o acreditasse.” Os incrédulos agem de
forma muito irracional quando fecham os olhos para nã o verem o
abismo para o qual se precipitam. Mas o que dizer da loucura daqueles
entre os fiéis que vêem o abismo e, com os olhos abertos, realmente se
lançam nele? “Ó meus irmã os”, exclama Sã o Tiago, “que aproveitará se
alguém disser que tem fé, mas nã o tiver obras? A fé poderá salvá -lo?” (
Tiago 2:14).
Muitos cristã os acreditam sem dú vida que existe um Deus justo que os
julgará ; que a felicidade sem fim ou a miséria eterna os aguarda; e ainda
assim eles vivem como se nã o houvesse Deus, nem julgamento, nem
Céu e nem Inferno. Há muitos que acreditam que nosso Divino
Redentor nasceu no está bulo de Belém, viveu 30 anos na humilde
morada de Nazaré, sustentou-se com o trabalho de Suas mã os e,
finalmente, consumido pelo sofrimento e pela tristeza, terminou Sua
vida. em uma forca infame; e ainda assim eles nã o O amam; na verdade,
eles O ofendem com inú meros pecados. É a estes que Sã o Bernardo
dirige as suas palavras de advertência: “Mostre pelas suas açõ es que
você acredita; por meio de uma vida virtuosa, o cristã o deve provar que
tem fé.”
O homem pecador que conhece as verdades da fé e nã o vive de acordo
com elas tem uma fé muito fraca, para dizer o mínimo. Pois é ló gico que
se um homem acredita firmemente que a graça de Deus é o bem mais
elevado e melhor que ele poderia possuir, e que o pecado nos rouba a
graça e é o maior mal neste mundo, ele deve necessariamente mudar a
sua vida. Quando, portanto, o pecador prefere os bens miseráveis deste
mundo ao seu Senhor e Deus, ele dá provas evidentes de que tem uma
fé muito fraca, se é que tem alguma. Sã o Bernardo diz: “Aquele que
reconhece Deus com a língua, mas O nega de fato, dedica a sua língua ao
Senhor e a sua alma ao diabo”. Segundo o Apó stolo Sã o Tiago, aquela fé
que nã o se manifesta pelas obras está morta. ( Tiago 2:17).
Se virmos um homem que nã o dá nenhum sinal de vida, e que nã o se
move, nem fala, nem respira, dizemos que ele nã o está mais vivo, mas
morto. Da mesma forma, aquela fé que nã o dá nenhuma evidência de
vitalidade pela realizaçã o de obras de vida eterna, consideramos
corretamente como morta. Há cristã os que aceitam de bom grado os
ensinamentos da nossa santa fé que estã o confinados à esfera do
intelecto, mas que nã o dã o nenhuma prova de que acreditam nas
verdades que afetam a vontade. E, no entanto, estes ú ltimos sã o tã o
certos e indubitáveis quanto os primeiros, pois todos nos sã o revelados
por um ú nico e mesmo Evangelho de Cristo. Se acreditamos na doutrina
da Santíssima Trindade e da Encarnaçã o do Verbo Divino, devemos
também aceitar os princípios que Cristo nosso Senhor estabeleceu para
a regulaçã o da nossa conduta. Foi com este fim em vista que Sã o Paulo
escreveu assim aos seus discípulos: “Experimentem vocês mesmos se
vocês estã o na fé; provem vocês mesmos.” ( 2 Coríntios 13:5). Nosso
Abençoado Redentor disse: “Bem-aventurados os pobres de espírito,
porque deles é o reino dos céus”. ( Mateus 5:3).
Ora, se um homem se queixa das disposiçõ es da Divina Providência
porque é pobre, tal homem nã o pode ser chamado de verdadeiramente
fiel, pois o homem que acredita de coraçã o nas palavras de nosso
Bendito Senhor, buscará suas riquezas e sua felicidade, nã o nos bens
perecíveis desta terra, mas na graça de Deus e na vida eterna. Quando
ouro, prata e pedras preciosas foram oferecidos a Sã o Clemente com a
condiçã o de que ele renunciasse a Cristo, o Santo soltou um profundo
suspiro e queixou-se amargamente de que com uma troca tã o miserável
e desprezível eles deveriam tentar roubá -lo de seu Deus. Nosso Divino
Redentor disse: “Bem-aventurados os pacificadores! Bem-aventurados
os que choram! Bem-aventurados os que sofrem perseguiçã o por causa
da justiça!” ( Mateus 5:9). Com isso Ele quis dizer: Bem-aventurados os
que sofrem doenças, perdas temporais ou algum outro infortú nio com
paciência e resignaçã o. Bem-aventurados aqueles que sofrem
perseguiçã o porque fogem do pecado ou se esforçam para promover a
gló ria de Deus! Aquele que pensa que se desonra quando perdoa;
aquele cuja ú nica preocupaçã o é viver uma vida fá cil e agradável e
evitar a pró pria sombra da abnegaçã o; aquele que tem pena daqueles
que renunciam à s alegrias e prazeres da terra e crucificam a sua carne;
aquele que, por respeito humano, negligencia as prá ticas de piedade e a
recepçã o dos Sacramentos e está totalmente absorvido pelas atraçõ es
do teatro e do salã o de baile, nã o pode ter direito vá lido ao título de
cató lico fiel.
Este parece ser o lugar para corrigir uma falsa impressã o que prevalece
muito. Há muitos que imaginam que uma vida em harmonia com os
preceitos da nossa santa fé deve ser necessariamente uma vida triste e
sem alegria. O diabo retrata-lhes a nossa santa religiã o como uma
tirana que impõ e apenas fardos e cuidados aos seus filhos, força-os à
constante auto-renú ncia e proíbe a satisfaçã o de todos os desejos. Nã o
há dú vida de que para aqueles cujo ú nico desejo é satisfazer os seus
desejos sensuais, uma vida de acordo com a santa fé tem pouco que seja
atraente. “Aqueles que sã o de Cristo”, diz o Apó stolo, “crucificaram a sua
carne com os vícios e concupiscências”. ( Gál. 5:24).
A lei de Jesus Cristo ordena-nos que lutemos contra as nossas
inclinaçõ es desordenadas, que amemos os nossos inimigos, que
mortifiquemos o nosso corpo, que sejamos pacientes nas adversidades
e que coloquemos toda a nossa esperança na vida futura. Mas tudo isto
nã o torna a vida dos verdadeiramente fiéis triste e dolorosa. A religiã o
de Jesus Cristo nos diz, por assim dizer: Vinde e uni-vos a Mim; Eu os
conduzirei por um caminho que aos olhos físicos parece á spero e difícil
de escalar, mas que aos de boa vontade é fá cil e agradável. Você busca
paz e prazer? Bem e bom! Qual paz deve ser preferida? Aquilo que, mal
provado, desaparece e deixa o coraçã o repleto de amargura, ou aquilo
que o alegrará e saciará por toda a eternidade? Você se esforça por
honras? Muito bem! O que você prefere, aquela honra vazia que
desaparece como uma nuvem de fumaça, ou aquela honra verdadeira e
genuína que um dia o glorificará diante do mundo inteiro? Pergunte a
quem leva uma vida de fé se a renú ncia aos bens deste mundo os
entristece! Visite o santo anacoreta Paulo em sua gruta, Sã o Francisco
de Assis no Monte Alverno, Santa Maria Madalena de Pazzi em seu
convento e pergunte-lhes se sentem falta das alegrias e prazeres desta
terra! Eles responderã o sem hesitaçã o: Nã o, nã o; desejamos apenas
Deus e nada mais.
Se alguém objetar que uma vida de acordo com a fé se opõ e à natureza,
eu respondo: é, sem dú vida, oposta à natureza - mas a uma natureza
depravada e caída. É oneroso, sim, mas apenas para aqueles que
confiam nas suas pró prias forças e recursos. Mas para quem confia em
Deus e implora por Sua ajuda, a observâ ncia da lei de Jesus Cristo é
doce e fá cil. “Provai e vede”, diz o salmista, “quã o doce é o Senhor”. (
Salmo 33:9). “Vinde a mim, todos os que estais cansados e
sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vó s o meu jugo e
aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coraçã o; e
encontrareis descanso para as vossas almas. Pois o meu jugo é suave e o
meu fardo é leve.” ( Mateus 11:28–30).
“Porque ele esperou em mim, eu o livrarei: eu o protegerei.” Salmos
90:14.
Capítulo 2
TER ESPERANÇA
“Em ti, ó Senhor, esperei, nunca me deixes ser confundido.”
—Salmos 30:2
A esperança é uma virtude sobrenatural pela qual esperamos com
confiança, em virtude da promessa de Deus, a felicidade infinita do Céu
e os meios necessá rios para a sua realizaçã o. Para estarmos
convencidos do valor inestimável desta virtude e para termos um
incentivo constante à sua prá tica, será proveitoso considerar os objetos
da nossa esperança, os seus motivos, as suas qualidades e os seus
efeitos.
O primeiro e principal objetivo da nossa esperança, o objetivo por
excelência, é a posse de Deus no Céu. Nã o devemos supor que a
esperança de possuir Deus no Céu interfira de alguma forma na virtude
do amor. Eles nã o se opõ em; de facto, a esperança da felicidade eterna
está inseparavelmente unida ao amor, pois só no Céu se encontrará a
plenitude e a perfeiçã o do amor. Segundo Sã o Tomá s, à ideia de amizade
está intimamente unida a partilha mú tua de bens, pois como a amizade
nada mais é do que uma atraçã o mú tua, segue-se que os amigos devem
fazer tanto bem uns aos outros quanto estiver ao seu alcance. Sem esta
partilha mú tua de bens, diz o Doutor Angélico, nã o pode haver amizade
genuína. (Ia IIae, Q. 65, a. 5). Nosso Senhor chamou Seus discípulos de
amigos porque lhes comunicou Seus mistérios: “Chamei-vos de amigos,
porque tudo o que ouvi de meu Pai, eu vos dei a conhecer”. ( João
15:15). Segundo o ensinamento de Sã o Tomá s, o amor nã o exclui a
esperança da recompensa que Deus nos preparou no Céu; essa mesma
recompensa é o principal objeto do nosso amor, pois nada mais é do
que o pró prio Deus, cuja visã o é a felicidade eterna dos eleitos.
“Amizade”, diz o Doutor Angélico, “requer que um amigo esteja na posse
de seu amigo”. Esta é aquela comunicaçã o ou entrega mú tua de que fala
o cô njuge no Câ ntico quando diz: “O meu amado é meu e eu sou dele”. (
Cant. 2:16). No Céu a alma entrega-se inteiramente a Deus e Deus
entrega-se inteiramente à alma, até onde a sua capacidade e os seus
méritos o permitem.
O amor, diz Dionísio, o Areopagita, busca, de acordo com sua natureza, a
uniã o com o objeto amado; ou melhor, como observa Santo Agostinho, o
amor é uma corrente de ouro que une os coraçõ es do amante e do ser
amado. Mas como esta uniã o nã o pode ser efetuada entre os que estã o
separados, o amante anseia continuamente pela presença do seu
amado. Quando a esposa do Câ ntico se viu separada do seu Amado, foi
consumida pela saudade e implorou à s suas companheiras que lhe
revelassem a sua angú stia, para induzi-lo a dar-lhe alguma consolaçã o
com a sua presença: “Eu vos conjuro, ó filhas de Jerusalém. , se você
encontrar meu amado, diga a ele que eu defino de amor. ( Cant. 5:8).
Uma alma que ama ternamente Jesus Cristo nã o pode viver aqui
embaixo sem o mais ardente desejo de estar unida a Ele no Céu, onde
Ele será a sua recompensa extraordinariamente grande.
Portanto, enquanto a nossa alma nã o estiver perfeitamente unida com
Deus no Céu, ela nunca desfrutará da verdadeira paz. Quem ama Nosso
Senhor sinceramente encontra a paz no coraçã o, é verdade, em
conformidade com a vontade de Deus; mas paz perfeita e descanso
perfeito eles nunca terã o aqui embaixo. Isto só adquiriremos com a
consecuçã o do nosso fim ú ltimo, a visã o de Deus face a face e do Seu
amor inefável. Enquanto a alma estiver separada do seu fim ú ltimo, ela
continuará a suspirar com o profeta: “Eis em paz a minha amargura
mais amarga”. ( Is. 38:17). Sim, meu Deus, vivo em paz neste vale de
lá grimas, pois tal é a Tua santa vontade; mas nã o posso deixar de
lembrar, com dor indescritível, que ainda nã o estou perfeitamente
unido a Ti, a Fonte de toda paz e descanso, a Meta do desejo do meu
coraçã o. Foi por esta razã o que os santos ansiavam pela sua morada
celestial, consumidos como estavam por um amor ardente a Deus. O
Santo David queixou-se do seu longo e cansativo exílio: “Ai de mim,
porque a minha permanência é prolongada.” ( Salmo 119:5). Somente a
esperança da felicidade eterna poderia consolá -lo: “Ficarei satisfeito
quando a tua gló ria aparecer”. ( Salmo 16:15). Sã o Paulo nã o desejava
nada mais ardentemente do que deixar este mundo e estar com Cristo:
“Desejo ser dissolvido e estar com Cristo”. ( Filipenses 1:23).
“O bem que espero”, diz Sã o Francisco de Assis, “é tã o grande que todo
sofrimento se torna para mim um prazer”. Todas essas expressõ es de
desejo ardente sã o atos de amor perfeito. Sã o Tomá s ensina que o mais
alto grau de amor que uma alma na terra pode atingir é um desejo
ardente do Céu, de estar ali unida a Deus e possuí-Lo para sempre. O
maior sofrimento que suportam as almas do Purgató rio provém deste
anseio pela posse de Deus, e esta dor é sentida especialmente por
aqueles que em vida tiveram apenas um fraco desejo pelo Céu. O
Cardeal Belarmino pensa que no Purgató rio existe um lugar onde as
almas nã o suportam dores dos sentidos, mas sã o torturadas apenas
pela perda da presença de Deus. ( De Purg., 1. 2, c. 7) . Sã o Gregó rio, Sã o
Vicente Ferrer, Santa Brígida e Sã o Beda, o Venerável, citam vá rios casos
em que as almas sã o atormentadas nã o por causa dos pecados
cometidos, mas por causa da ausência de desejo pelo Céu. Há almas que
lutam pela perfeiçã o, mas sem nenhum desejo especial de deixar esta
terra e unir-se a Deus. Mas como a vida eterna é um tesouro inestimável
que Jesus Cristo comprou para nó s através da Sua morte, aquelas almas
que têm apenas um fraco desejo de possuí-la terã o que sofrer mais
tarde por causa disso. Há três coisas necessá rias para alcançar a vida
eterna: o perdã o dos nossos pecados, a vitó ria sobre as tentaçõ es e a
coroa de todas as graças, uma morte santa. Estas três coisas sã o,
portanto, os objetos da nossa esperança.
A INTERCESSÃ O DE CRISTO
Nã o esqueçais, diz o Venerável Joã o de Á vila, que entre o Pai Eterno e
nó s existe um Mediador, Jesus Cristo, a quem estamos unidos por laços
de amor tã o fortes que nada poderá rompê-los, a menos que nó s
mesmos os quebremos por meio mortal. pecado. O sangue de Jesus
Cristo clama por misericó rdia em nosso favor, e esse clamor é tã o alto
que o clamor dos nossos pecados nã o pode ser ouvido. Ninguém está
perdido, portanto, porque a satisfaçã o nã o foi feita para ele, mas
porque, pela negligência dos Sacramentos, ele deixa de participar da
satisfaçã o que Jesus Cristo fez. Cristo Nosso Senhor assumiu a
responsabilidade de remediar nossos males como se fossem Seus.
Aquele que nã o tinha pecado, tomou sobre si os nossos pecados e orou
pedindo perdã o por eles. E Ele orou ao Seu Pai celestial com tanto
fervor como se estivesse orando por Si mesmo. O que Ele desejou, Ele
obteve. Deus quis que estivéssemos tã o inseparavelmente unidos a
Jesus Cristo que Ele nã o pode ser amado, a menos que sejamos amados
com Ele; nem podemos ser odiados, a menos que Ele seja odiado
conosco. Mas agora Jesus nã o pode ser odiado; portanto, seremos
amados enquanto permanecermos unidos a Ele pelo amor.
Jesus é amado por Seu Pai celestial; portanto, somos amados por Ele.
Ele é muito mais poderoso para conquistar o amor de Deus por nó s do
que nó s para atrair Seu ó dio sobre nó s mesmos, pois Deus ama Seu
Divino Filho mais do que odeia o pecador. Nosso Senhor falou assim ao
Seu Pai celestial: “Pai, desejo que onde eu estiver, estejam comigo
também aqueles que me deste”. ( João 17:24). Como o amor é mais forte
que o ó dio, o amor traz a vitó ria. Nossos pecados sã o perdoados e o
amor de Deus nos é concedido e a força do vínculo de amor nos dá a
certeza de que Deus nunca nos abandonará . “Pode uma mulher
esquecer seu filho...?” diz o profeta Isaías; “e se ela esquecer, eu nã o te
esquecerei. Eis que te gravei em minhas mã os.” ( Is. 49:15-16).
O Senhor nos escreveu em Suas mã os com Seu pró prio sangue.
Portanto, nã o devemos permitir que nada nos inquiete, pois Ele
organiza e dispõ e tudo com estas mesmas mã os que foram pregadas na
Cruz como prova do Seu amor por nó s.
A INTERCESSÃ O DA MÃ E SANTA
Um quarto motivo para uma confiança ilimitada é a poderosa
intercessã o de Maria, nossa Mã e. Sã o Bernardo diz que temos acesso ao
Pai Eterno através do Seu Divino Filho, que é mediador da justiça. Mas
temos acesso ao Filho através de Sua Santa Mã e, que é a Medianeira da
graça e que, por sua intercessã o, obteve para nó s o que Jesus Cristo
mereceu com a Sua morte. “Por ti que encontraste a graça, tenhamos
acesso ao Filho, ó Mã e da nossa Salvaçã o, para que por ti nos receba Ele
que por ti nos foi dado.” Todos os bens e graças, portanto, que
recebemos de Deus chegam até nó s pela intercessã o de Maria. E por
que isso acontece? Sã o Bernardo responde: “Porque Deus assim o quis”.
Outra razã o deste privilégio de Maria nos dá Santo Agostinho quando
diz: “Maria pode justamente ser chamada de nossa Mã e porque pelo
seu amor contribuiu para nos dar a vida da graça e nos tornar membros
do corpo místico de Cristo. ” Assim como Maria, portanto, pelo seu
amor contribuiu para a regeneraçã o espiritual dos fiéis, Deus quis que
através da sua intercessã o todos os homens obtivessem a vida de graça
aqui e a vida de gló ria no futuro. Por isso a Igreja deseja que a
invoquemos como “nossa vida, nossa doçura e nossa esperança”. Por
isso, Sã o Bernardo exorta-nos a recorrer constantemente a esta divina
Mã e, porque as suas petiçõ es sã o certamente atendidas. “Apresse-se a
Maria”, escreve ele, “pois digo isso sem hesitaçã o, o Filho certamente
ouvirá a Mã e. Ela é a escada de segurança para os pobres pecadores. Ela
é minha maior garantia; ela é a ú nica base da minha esperança. Ele
chama Maria de escada para pecadores, pois assim como nã o se pode
subir ao terceiro degrau antes de colocar o pé no segundo, nem ao
segundo antes de chegar ao primeiro, assim só se pode chegar a Deus
por meio de Jesus Cristo, e a Jesus Cristo somente por meio de Maria. . O
Santo chama Maria de sua maior segurança e ú nica base de sua
esperança, pois é sua firme convicçã o de que Deus deseja que todas as
graças que Ele nos concede venham pelas mã os de Maria.
Tende bom coraçã o entã o, filhos de Maria! Você sabe que ela considera
como seus filhos todos os que desejam ser assim. Coragem, portanto, e
confiança! Como você pode temer que algum dia pereça quando tal Mã e
o defende e protege? Quem ama esta boa Mã e e se coloca sob a sua
proteçã o pode dizer com Sã o Boaventura: “Alegro-me e alegro-me,
porque a minha sentença no dia do juízo depende de Jesus, meu Irmã o,
e de Maria, minha Mã e”. Este mesmo pensamento encheu Santo
Anselmo de consolaçã o e alegria: “Ó bendita confiança! Ó refú gio
seguro!” ele gritou: “A Mã e de Deus é também minha Mã e; com que
segurança posso esperar a felicidade eterna, pois essa felicidade
depende da decisã o de um bom Irmã o e de uma Mã e compassiva.”
QUALIDADES DE ESPERANÇA
Dedicaremos agora a nossa atençã o à s qualidades que devem
caracterizar a nossa esperança. Em primeiro lugar, a nossa esperança
deve ser firme e inabalável. “A esperança da felicidade eterna”, segundo
Sã o Tomá s, “é a expectativa confiante desta felicidade”. Com esta
doutrina concorda o Concílio de Trento quando diz: “Todos devemos
esperar com confiança a ajuda de Deus; pois assim como Deus começou
a boa obra em nó s, Ele deseja completá -la, desde que façamos uso de
Sua graça; tanto o desejo como a sua realizaçã o vêm Dele.” ( Sess. 6, cap.
18). Isto é o que o Apó stolo Sã o Paulo ensinou em sua carta a Timó teo:
“Sei em quem tenho crido e estou certo de que ele é poderoso para
guardar o que lhe confiei até aquele dia”. ( 2 Timóteo 1:12). Nisto vemos
a distinçã o entre a esperança cristã e aquela que é puramente humana.
À esperança humana está sempre ligado o medo de que quem fez uma
promessa tenha mudado ou mude de ideias. A esperança cristã , pelo
contrá rio, que olha para a salvaçã o eterna, nã o tem qualquer dú vida ou
medo em relaçã o a Deus. O Senhor é capaz e está disposto a conceder-
nos felicidade eterna e, além disso, Ele prometeu isso a todos os que
guardam Seus mandamentos; para esse fim, Ele se compromete a
conceder a todos os que os buscam as graças necessá rias para cumprir
Seus mandamentos. No entanto, é verdade que mesmo a esperança
cristã nã o está totalmente isenta de um certo medo; mas como diz Sã o
Tomá s: “Nã o temos nada a temer da parte de Deus, mas apenas de nó s
mesmos”. É bem possível que deixemos de cooperar com a graça de
Deus e até coloquemos obstá culos no seu caminho.
O Concílio de Trento teve razã o, portanto, ao condenar os inovadores
por dizerem que o homem nã o tem liberdade de vontade e que cada um
deve ter uma certeza infalível no que diz respeito à sua perseverança na
graça e na felicidade eterna. Esta doutrina foi condenada pelo Concílio
porque, como acabá mos de ver, a nossa cooperaçã o é necessá ria para
alcançar a felicidade eterna – e esta cooperaçã o é incerta. Deus deseja,
portanto, que por um lado promovamos uma certa ansiedade para que
nã o possamos, confiando em nossas pró prias forças, ser confundidos;
mas, por outro lado, Ele deseja que tenhamos a certeza absoluta de que
é Sua Vontade nos tornar eternamente felizes e que Ele nos dará todas
as graças de que necessitamos, se apenas Lhe pedirmos. Devemos,
portanto, confiar com inabalável confiança em Sua bondade. Sã o Tomá s
diz: “Devemos esperar com confiança a felicidade eterna do poder e da
misericó rdia de Deus, acreditando firmemente que Deus pode nos fazer
felizes e que Ele deseja fazê-lo”.
Acontece à s vezes que, por causa da aridez espiritual ou da inquietaçã o
resultante de uma falta cometida, sintamos a ausência daquela
confiança sensata na oraçã o que gostaríamos de experimentar. Nã o
devemos, por isso, deixar de orar, porque Deus muito provavelmente
nos ouvirá mais cedo do que em outras ocasiõ es, pois somos propensos
a orar com maior desconfiança em nó s mesmos e com mais esperança
na bondade e na fidelidade de Deus. Oh, quã o agradável e aceitável é
para Deus quando temos medo e pavor e toda tentaçã o que esperamos
contra a esperança; isto é, quando, apesar do sentimento de
desconfiança que surge da nossa pró pria miséria, confiamos Nele, como
fez o Patriarca Abraã o, a quem o Apó stolo elogia porque “contra a
esperança acreditou na esperança”. ( Romanos 4:18).
Em segundo lugar, a nossa esperança deve basear-se unicamente em
Deus. O Senhor proíbe-nos de depositar a nossa confiança nas
criaturas: “Nã o confieis nos príncipes”. ( Salmo 145:2). “Maldito o
homem que confia no homem.” ( Jeremias 17:5). Deus deseja que nã o
construamos sobre criaturas porque Ele nã o quer que nos apeguemos a
elas com amor desordenado. Sã o Vicente de Paulo nos aconselha a nã o
contar muito com a proteçã o dos homens, pois se o fizermos o Senhor
se afastará de nó s; por outro lado, quanto mais crescermos no amor de
Deus, mais confiaremos Nele. “Percorri o caminho dos teus
mandamentos, quando dilataste o meu coraçã o” ( Sl 118:32), pela
confiança.
Mas alguém poderá dizer: Se só Deus é a nossa esperança, como pode a
Igreja dirigir-se a Maria como “Nossa esperança”? Ouçamos o que diz
Sã o Tomá s sobre este ponto. Podemos depositar a nossa esperança em
qualquer pessoa, diz o Santo, de duas maneiras; podemos considerar
uma como a causa principal e ú ltima da nossa esperança, ou como a
causa secundá ria e mediata. Por exemplo, pode-se esperar um favor de
um rei e de seu ministro ou favorito. O rei seria a causa principal ou
ú ltima da qual ele espera, o ministro ou favorito o mediador ou
intercessor . Se este concede o favor, este provém, no entanto, do
primeiro, mas através da intercessã o deste ú ltimo.
Ora, como o Rei do Céu é a pró pria Bondade Infinita, Ele deseja
enriquecer-nos com Suas graças; mas como é necessá ria grande
confiança de nossa parte para obtê-los, Ele, para aumentar nossa
confiança, nos deu Sua pró pria Mã e como nossa Mã e e Medianeira para
nos ajudar. Por isso Ele deseja que coloquemos nela a nossa esperança
de salvaçã o e de todos os bens e graças. Segundo as palavras do profeta,
aqueles que confiam nas criaturas sã o amaldiçoados. Esta passagem
refere-se à queles que desprezam o seu Deus e colocam a sua esperança
na amizade e no favor do homem. Mas aqueles que esperam em Maria,
a Mã e de Deus, que tem o poder de obter-lhes a graça e a vida eterna,
serã o abençoados por Deus. Eles dã o grande alegria ao Seu coraçã o
amoroso, pois Ele deseja ver honrada e amada aquela criatura exaltada
que na terra O amou e honrou mais do que todos os homens e anjos
juntos. Temos razã o, portanto, em chamar a Santíssima Virgem de
nossa esperança, pois por meio de sua intercessã o esperamos obter o
que nunca poderíamos obter apenas com nossas débeis oraçõ es.
Suplicamos-lhe a sua intercessã o, diz Suá rez, para que a dignidade do
intercessor possa suprir o que nos falta. Ao invocar Maria com
confiança, nã o manifestamos desconfiança na misericó rdia de Deus,
mas simplesmente tememos pela nossa pró pria indignidade. A Santa
Igreja tem, portanto, razã o em chamar Maria de “Mã e da santa
esperança”, e com isso deseja dizer que Maria desperta em nó s a
esperança dos bens inestimáveis da eternidade.
Em terceiro lugar, a nossa esperança deve ser uma esperança activa.
Para que a nossa esperança nã o seja vã , ela deve trabalhar; isto é, à
confiança ilimitada em Deus devemos unir o uso dos meios de salvaçã o
e de santificaçã o que a Divina Majestade nos deu; caso contrá rio,
pertenceríamos à quelas almas ociosas que tentam o Senhor. Devemos
agir como se a obtençã o da nossa salvaçã o dependesse inteiramente de
nó s mesmos, e ainda assim devemos colocar toda a nossa confiança em
Deus e estar completamente convencidos de que, por nó s mesmos,
somos totalmente incapazes de alcançar o que desejamos. Deus realiza
tudo por meio de Sua graça, mas mesmo assim deseja nossa
cooperaçã o. Se esta cooperaçã o, por mais insignificante que seja,
estiver em falta, Deus se afasta de nó s e nos trata como servos
indolentes que nada merecem, a nã o ser sermos lançados nas trevas
exteriores. “Portanto, irmã os, trabalhem ainda mais, para que pelas
boas obras vocês possam garantir sua vocaçã o e eleiçã o.” ( 2 Pedro
1:10) .
Mas o que devemos fazer? Acima de tudo devemos orar. E por quanto
tempo devemos orar? Até que, diz Sã o Joã o Crisó stomo, ouçamos a
sentença favorável que nos assegura a salvaçã o eterna. E acrescenta:
Quem diz: “Nã o deixarei de rezar até ser eternamente feliz”, certamente
será eternamente feliz. “Nã o sabeis”, diz o Apó stolo, “que os que correm
no está dio, todos, na verdade, correm, mas um leva o prêmio? Entã o
corra para que você possa obter.” ( 1 Coríntios 9:24). Para ser
eternamente feliz nã o basta, portanto, apenas orar; devemos continuar
a orar até que estejamos de posse da coroa que Deus nos prometeu.
Se quisermos ser felizes por toda a eternidade, devemos imitar o
profeta Davi, que manteve os olhos sempre voltados para o Senhor, para
implorar a sua ajuda e nã o ser vencido pelos seus inimigos: “Os meus
olhos estã o sempre voltados para o Senhor, porque ele tirarei meus pés
da armadilha.” ( Salmo 24:15). O diabo nunca se cansa de armar
armadilhas para a nossa destruiçã o: “O vosso adversá rio, o diabo, como
um leã o que ruge, anda em busca de quem possa devorar”. ( 1 Pedro
5:8). Portanto, devemos manter sempre as nossas armas nas mã os para
nos defendermos contra tal inimigo. Devemos dizer com o salmista
real: “Perseguirei os meus inimigos… até que sejam consumidos”. (
Salmo 17:38). Mas como conseguiremos uma vitó ria tã o importante e
difícil? Somente pela oraçã o, diz Santo Agostinho, e pela oraçã o
perseverante. Mas quanto tempo deve durar? Enquanto a luta
continuar. Assim como a disputa nunca cessa, diz Sã o Boaventura,
também nã o devemos deixar de invocar a Deus a sua ajuda, que nos é
necessá ria para nã o sucumbir. “Ai daqueles que perderam a paciência”,
diz o Sá bio ( Eclesiastes 2:16), e desistiram de orar. Bem-aventurados
seremos “se mantivermos firme a confiança e a gló ria da esperança até
o fim”. ( Hebreus 3:6).
Através da ajuda que recebemos através da oraçã o, devemos esforçar-
nos por guardar os Mandamentos de Deus e praticar violência contra
nó s mesmos, para nã o cedermos à s tentaçõ es do Inferno: “O reino dos
céus sofre violência e os violentos o levam embora”. ( Mateus 11:12).
Devemos violentar-nos nas tentaçõ es, conquistando-nos e mortificando
os nossos sentidos para nã o sermos vencidos pelo inimigo das nossas
almas. E quando formos culpados de uma falta, diz Santo Ambró sio,
façamos violência ao Senhor com oraçõ es e lá grimas para obter o Seu
perdã o. Para nos inspirar coragem, o Santo continua: “Ó bendita
violência que Deus nã o castiga com a sua ira, mas recebe com
misericó rdia e recompensa! Quanto maior for esta violência, mais
agradável será para Jesus Cristo”. Ele conclui com as seguintes palavras:
“Devemos governar sobre nó s mesmos, subjugando nossas má s
paixõ es, a fim de ganhar o Céu que Jesus Cristo mereceu para nó s”.
“Amará s o Senhor teu Deus de todo o teu coraçã o, e de toda a tua alma,
e de todo o teu entendimento.” — Mat. 22:37.
Capítulo 3
O AMOR DE DEUS
“Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e
de todo o teu entendimento.”
—Mat. 22:37
O amor a Deus é uma virtude divinamente infundida que nos leva a
amar o Senhor Nosso Deus como o bem soberano e puramente por Ele
mesmo. O motivo que nos leva a amar a Deus é a Sua pró pria perfeiçã o
ilimitada, por causa da qual Ele merece ser amado, mesmo que nã o
tenhamos nenhuma recompensa a esperar ou nenhum castigo a temer.
Quem ama a Deus porque nele encontra a pró pria felicidade tem um
amor interessado, egoísta, que pertence realmente à virtude da
esperança e nã o ao amor. Mas quem ama a Deus porque por Ele merece
ser amado, tem o amor verdadeiro e genuíno da amizade. Os
companheiros do rei Luís da França encontraram um dia uma mulher
que carregava em uma das mã os uma tocha acesa e na outra um
recipiente com á gua. Ao ser questionada sobre o significado dessas
coisas, ela respondeu: “Com esta tocha eu queimaria de bom grado o
Céu, e com esta á gua extinguiria o fogo do Inferno, para que os homens
pudessem amar a Deus nã o por causa da recompensa do Céu ou do
castigo do Inferno. , mas simplesmente e unicamente porque Ele
merece ser amado”.
O amor perfeito de Deus, porém, nã o exclui a esperança do Céu.
Amamos a Deus porque Ele merece ser amado, e nó s O amaríamos
mesmo que nã o tivéssemos nenhuma recompensa a esperar por isso.
Mas sabendo que Ele nos dará uma recompensa e que Ele até deseja
que tenhamos esperança nela, devemos esperá -la com confiança e nos
esforçar para alcançá -la. Ansiar pelo Céu para possuir a Deus e amá -Lo
mais perfeitamente é um amor verdadeiro e perfeito de Deus, pois a
gló ria eterna é a perfeiçã o deste amor.
Toda perfeiçã o consiste no amor de Deus; pois o amor é a virtude que
nos une mais intimamente a Deus. Todas as outras virtudes nã o têm
importâ ncia se nã o forem acompanhadas de amor. Por outro lado, o
amor tem em seu encalço todas as outras virtudes, segundo o
ensinamento de Sã o Paulo: “A caridade é paciente, é bondosa: a
caridade nã o inveja, nã o age perversamente; nã o está inchado; nã o é
ambicioso, nã o busca o que é seu, nã o se irrita, nã o pensa no mal; nã o
se alegra com a iniqü idade, mas se alegra com a verdade; tudo sofre,
tudo crê, tudo espera, tudo suporta.” ( 1 Coríntios 13: 4-7 ). “O amor”,
conclui o Apó stolo, “é o cumprimento da lei”. ( Romanos 13:10). Isto
induziu Santo Agostinho a dizer: “Ame e depois faça o que quiser”.
Aquele que ama o outro tem muito cuidado para nã o lhe causar ofensa;
pelo contrá rio, ele está ansioso por fazer o que lhe dará prazer. Da
mesma forma, aquele que ama a Deus acima de todas as coisas,
abomina uma ofensa contra Ele mais do que a pró pria morte, e se
esforça tanto quanto lhe cabe para agradar a Deus. O primeiro e maior
mandamento que o Senhor nos deu exige que O amemos de todo o
coraçã o. “Amará s o Senhor teu Deus de todo o teu coraçã o.” (
Deuteronômio 6:5). Como Deus nos amou com um amor infinito, Ele
deseja que O amemos sinceramente e deseja possuir todo o nosso
coraçã o: “Filho, dá -me o teu coraçã o”. ( Pv 23:26). “O que o Senhor, teu
Deus, exige de ti, senã o que tema ao Senhor, teu Deus, e andes nos seus
caminhos, e o ames, e sirvas ao Senhor, teu Deus, de todo o teu coraçã o
e de toda a tua alma. ” ( Deuteronômio 10:12).
Em a Antiga Lei Deus ordenou que o fogo fosse mantido
constantemente aceso no altar. Este altar, diz Sã o Gregó rio, é um tipo do
nosso coraçã o no qual o fogo do amor divino deve arder sempre.
Portanto, ao comando de amá -lo de todo o coraçã o, Deus acrescentou
esta injunçã o: “E estas palavras que hoje te ordeno estarã o em teu
coraçã o; e meditará s neles sentados em tua casa, e caminhando em tua
jornada, dormindo e levantando-te. E tu os amarrará s como um sinal na
tua mã o, e eles estarã o e se moverã o entre os teus olhos. E as
escreverá s na entrada e nas portas da tua casa” ( Dt 6:6-9), a fim de
estar continuamente atento a elas e tornar a sua vida conforme a elas.
Como recompensa por este amor, Deus promete dar-nos a Si mesmo:
“Eu sou o teu protetor e a tua recompensa é grande demais”. ( Gênesis
15:1). Os príncipes deste mundo recompensam os seus sú ditos fiéis
com posses, honras e privilégios. O Senhor Deus dá aos que O amam
nada menos do que Ele mesmo.
Certamente deveríamos ser amplamente recompensados pelo
conhecimento de que Deus ama aqueles que O amam, como Ele diz em
tantas passagens das Sagradas Escrituras: “Eu amo aqueles que me
amam”. ( Pv 8:17). “Aquele que permanece na caridade, permanece em
Deus e Deus nele.” ( 1 João 4:16). “Aquele que me ama será amado por
meu Pai; e eu o amarei.” ( João 14:21). Se soubéssemos que em algum
país distante vivia um príncipe belo, santo, culto e compassivo, nã o
poderíamos deixar de amá -lo, mesmo que ele nã o nos tivesse feito
nenhum bem. Mas quais sã o todas as excelentes qualidades de tal
príncipe em comparaçã o com as do nosso Deus! Deus possui toda
perfeiçã o em um grau infinito. Ele possui tudo o que o torna digno do
nosso amor. Poderia Ele ter oferecido um objeto maior, melhor, mais
nobre, mais rico ou mais amável para o nosso amor do que Ele mesmo?
Quem é de maior nobreza que Deus? As pessoas ilustres orgulham-se
do facto de a sua nobreza remontar a quinhentos ou mil anos; a
nobreza de Deus é desde toda a eternidade. Quem é maior que Deus?
Ele é o Senhor de todos. Os anjos do Céu e os poderosos da Terra sã o
para Ele como uma gota no poderoso oceano ou como um miserável
grã o de poeira. Uma ú nica palavra Dele trouxe o mundo à existência;
uma ú nica palavra poderia levar tudo ao esquecimento. Quem é mais
rico que Deus? Ele possui os tesouros do céu e da terra. Quem é mais
bonito que Deus? A beleza de todas as criaturas desaparece diante da
gló ria de Deus. Quem é mais beneficente do que Deus? Santo Agostinho
diz que os esforços de Deus para nos conceder favores sã o maiores
ainda do que o nosso desejo de recebê-los. Quem é mais misericordioso
do que Deus? Assim que um pecador, embora seja o desgraçado mais
abandonado da terra, se humilha diante de Deus e se arrepende de seus
pecados, Deus o perdoa e o recebe de volta. Quem é mais grato do que
Deus? Ele nunca permite que nada que façamos por amor a Ele fique
sem recompensa. Em suma, quem é mais amável e merecedor de amor
do que Deus? O seu pró prio rosto enche os Santos do Céu com uma
alegria que constitui a sua felicidade perfeita por toda a eternidade.
Pelo contrá rio, o maior sofrimento dos réprobos consiste em conhecer
e ver a natureza amável de Deus sem poder amá -lo.
Devemos, portanto, amar a Deus de coraçã o porque Ele é digno de todo
amor. Pelo amor que Deus nos tem, Ele merece a nossa mais sincera
gratidã o. Se pudéssemos unir o amor de todos os homens, anjos e
santos em um só coraçã o, esse amor unido nã o poderia ser comparado
com o menor grau do amor que Deus tem em cada alma. Sã o Joã o
Crisó stomo diz que Deus nos ama mais do que podemos amar a nó s
mesmos. “Eu te amei com amor eterno” ( Jer. 31:3), diz Deus a cada um
de nó s. Aqueles que nos amaram primeiro na terra foram os nossos
pais; mas eles só começaram a nos amar quando começaram a nos
conhecer; Deus, pelo contrá rio, nos amou antes de existirmos. Mesmo
antes de nossos pais viverem, Deus nos amou; sim, mesmo antes da
criaçã o do mundo. Em uma palavra, Ele nos amou enquanto é Deus, e
isso desde toda a eternidade. Aquela heró ica virgem Santa Inês estava
certa quando disse à queles que procuravam conquistar seu afeto:
“Outro amante chegou antes de você”. Ó mundo e criaturas do mundo,
nã o posso amar vocês; pois como Deus me amou primeiro, nã o é mais
do que certo que eu deva dar e consagrar a Ele meu coraçã o.
ABNEGAÇÃ O
Para alcançar o amor perfeito de Deus é necessá rio, além disso, negar-
se a si mesmo, abraçando com alegria o que se opõ e ao amor-pró prio e
recusando-se o que o amor-pró prio exige. Um dia, quando Santa Teresa
estava doente, trouxeram-lhe um prato muito saboroso; o Santo nã o
tocava nele. A atendente a incentivou a comer, dizendo que o prato
estava bem preparado. “É justamente por isso que me abstenho de
comê-lo”, respondeu o Santo. E o mesmo acontece conosco; o que mais
nos agrada, é que devemos negar a nó s mesmos, e só porque nos
agrada. Por exemplo, devemos desviar os olhos deste ou daquele objeto
porque é bonito; negar-nos este ou aquele prazer porque nos é mais
agradável; prestar um serviço a uma pessoa ingrata só porque ela é
ingrata; tome um remédio amargo só porque é amargo. Segundo Sã o
Francisco de Sales, o nosso amor-pró prio quer participar de tudo, até
das coisas mais sagradas. Por isso mesmo, diz o Santo, devemos amar
até a virtude sem apego. Por exemplo, é necessá rio amar a oraçã o e a
solidã o; mas quando a obediência ou a caridade nos impedem de nos
dedicar à oraçã o e à solidã o, nã o devemos ficar inquietos, mas aceitar
resignadamente tudo o que acontece pela vontade de Deus para
frustrar as nossas inclinaçõ es.
A PAIXÃ O DE CRISTO
O quarto meio de adquirir o amor perfeito de Deus consiste na
meditaçã o frequente sobre os sofrimentos de Jesus Cristo. Santa Maria
Madalena de Pazzi diz que quem se entregou inteiramente ao amor do
seu Senhor Crucificado só precisa olhar para a cruz para ser sepultado
na contemplaçã o do amor sem limites que Jesus Cristo lhe deu.
Pareceria que o nosso Redentor suportou tantos tormentos e insultos
diferentes, tais como a sua traiçã o, a sua agonia, o seu flagelo, a sua
coroaçã o e a sua crucificaçã o, a fim de proporcionar temas de
meditaçã o à s almas que O amam. E, no entanto, nã o devemos refletir
sobre os sofrimentos de Jesus Cristo por causa da consolaçã o e da
doçura que eles proporcionam, mas apenas para inflamar os nossos
coraçõ es com amor pelo nosso sofredor Salvador e aprender com Ele o
que Ele deseja que façamos.
Ao mesmo tempo, devemos declarar-nos prontos a suportar tudo com
paciência, por amor d’Aquele que tanto sofreu por amor de nó s. O
Senhor certa vez revelou a um piedoso eremita que nenhuma devoçã o
era melhor calculada para acender o amor de Deus no coraçã o do que a
meditaçã o nos sofrimentos de Cristo. Sempre foi uma devoçã o favorita
dos santos. Sã o Francisco de Assis tornou-se um serafim de amor ao
meditar na Paixã o de Cristo. Ele foi encontrado um dia banhado em
lá grimas e soltando altos suspiros. Quando questionado sobre a causa
de sua dor, ele respondeu: “Estou chorando pelas dores e insultos do
meu Divino Mestre. Mas o que mais me entristece é que os homens por
quem Ele sofreu tanto nunca pensem nos tormentos que Ele suportou.”
Se o Santo ouvisse o balido de um cordeiro, ou visse algo que o
lembrasse dos sofrimentos de Cristo, era obrigado a derramar lá grimas.
Certa vez, quando estava doente e alguém o aconselhou a ler um livro
edificante, ele respondeu: “Meu livro é Jesus Crucificado”. Exortava
constantemente os seus irmã os a pensar na Paixã o de Cristo.
O quinto meio de adquirir o tesouro do amor de Deus é a oraçã o. A
oraçã o constante de uma alma cristã deve ser: “Jesus, dá -me o Teu
santo amor; Maria, minha Mã e, obtende-me o amor de Deus; meu Anjo
da Guarda e todos os meus santos padroeiros, intercedam por mim
para que eu possa amar o meu Deus com todo o meu coraçã o e alma.” O
Senhor é generoso na concessã o dos Seus dons; mas Ele é
especialmente generoso em dar Seu amor à queles que o buscam.
“Este é o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros como eu vos
amei.” — João 15:12.
Capítulo 4
AMOR PELO NOSSO PRÓXIMO
JULGAMENTOS RASH
Caro leitor cristã o, se você deseja praticar a bela virtude da caridade,
esforce-se em primeiro lugar para rejeitar todo julgamento precipitado,
toda desconfiança e suspeita infundada em relaçã o ao pró ximo. É uma
falta grave, sem razã o suficiente, duvidar da inocência de outra pessoa.
É ainda mais grave nutrir uma suspeita real, e ainda mais quando, sem
razã o adequada, temos certeza de que outra pessoa fez algo errado.
Aquele que julga desta maneira será ele pró prio julgado: “Nã o julgueis”,
diz nosso Divino Redentor, “para que nã o sejais julgados; pois com o
julgamento que você julgar, você será julgado; e com a medida que você
medir, ela será medida para você novamente.” ( Malte. 7:1-2). Digo “sem
razã o suficiente”, pois quando há bons motivos para suspeitar ou
mesmo acreditar no mal de outra pessoa, nenhum pecado é cometido
por tais pensamentos. Contudo, segundo o ensinamento do Apó stolo, é
sempre mais seguro e mais em harmonia com a caridade pensar bem
dos outros e abster-se de todos os julgamentos e suspeitas
desfavoráveis: “A caridade nã o pensa mal”. ( 1 Coríntios 13:5).
Este conselho nã o se destina, evidentemente, à queles a quem é
confiada a orientaçã o de terceiros, pois é aconselhável e mesmo por
vezes necessá rio que tais nutrirem uma certa desconfiança; caso
contrá rio, grandes males poderã o surgir como resultado de uma
confiança arrogante. Mas se você nã o tem o dever de zelar pelos outros,
procure sempre pensar bem em seus semelhantes. Santa Joana de
Chantal diz: “No pró ximo devemos dirigir a nossa atençã o para o bem e
nã o para o mal. E se acontecer de nos enganarmos considerando como
bom o que na realidade é mau, nã o devemos ficar perturbados, pois
Santo Agostinho diz que a caridade nã o se entristece quando por
engano atribui algo de bom a alguém que é mau.
Cuidado ao tentar descobrir as falhas do seu vizinho. Nã o imiteis
aqueles que andam por aí perguntando o que se diz deles e enchendo
assim o seu coraçã o de suspeita, amargura e aversã o. Muitas vezes as
coisas sã o representadas como diferentes do que realmente sã o. Se
você ouvir, portanto, que um comentá rio desfavorável lhe foi passado,
nã o dê muita importâ ncia à afirmaçã o e nã o procure saber sua origem
ou origem. Aja de tal maneira que todos falem bem de você e depois
deixe os outros falarem como quiserem. Você poderia dizer a si mesmo
quando se fala de suas falhas: “Isso é o mínimo que podem dizer sobre
mim; e se eles soubessem de tudo!
CALUNIA E CALUNIA
Para praticar a caridade na palavra, é preciso, acima de tudo, evitar a
calú nia e a calú nia. Aquele que contraiu este há bito deplorável
desfigura a sua pró pria alma e é odiado em todos os lugares, como diz o
Espírito Santo: “Ele contaminará a sua pró pria alma e será odiado por
todos”. ( Eclesiastes 21:31). Se houver alguns que à s vezes concordam
com ele e o encorajam a falar mal de seu pró ximo, essas mesmas
pessoas mais tarde o evitarã o e estarã o em guarda contra sua língua
venenosa. Eles raciocinam, e com razã o, que se ele falar mal dos outros
para eles, falará mal deles para os outros. Sã o Jerô nimo observa que
muitos que renunciaram aos outros vícios parecem nã o ser capazes de
evitar conversas pouco caridosas. Mesmo entre aqueles que juraram
lutar pela perfeiçã o, há muitos que nã o conseguem mover a língua sem
ferir alguém. Deus conceda que eles nã o possam acabar com suas vidas
como fez um infeliz caluniador; quando estava em seu leito de morte,
ele mordeu a língua em um ataque de raiva e nessa condiçã o morreu.
Sã o Bernardo fala de outro que estava prestes a falar mal de Sã o
Malaquias quando de repente a sua língua inchou e foi devorada por
vermes; depois de sete dias de terrível agonia, ele teve uma morte
miserável.
Mas, por outro lado, quã o caro a Deus e ao homem é aquele que fala
bem de todos! “Se ao longo de sua vida um homem nunca falasse mal de
seu pró ximo, eu o consideraria um santo”, diz Santa Maria Madalena de
Pazzi. Proteja-se cuidadosamente contra o há bito de falar mal dos
outros, especialmente dos superiores. Tornamo-nos culpados de
difamaçã o nã o apenas quando revelamos as falhas ocultas do nosso
pró ximo, mas também quando interpretamos mal as suas boas obras ou
atribuímos-lhes uma má intençã o. É um erro comum de algumas
pessoas, quando falam do pró ximo, começar com elogios e terminar
com culpa. Por exemplo, “Fulano é muito capaz; nã o é uma pena que ele
esteja tã o orgulhoso? Ou: “Ele é muito generoso, mas estraga tudo
sendo vingativo”.
Caro leitor, procure sempre dizer apenas o que é bom para o pró ximo.
Fale dos outros como gostaria que falassem de você. E em relaçã o aos
ausentes, siga o belo conselho de Santa Maria Madalena de Pazzi: “Nã o
digas nada de um irmã o ausente que nã o gostarias de dizer na sua
presença”. Quando você ouvir outras pessoas falando mal, tome cuidado
para nã o encorajá -las, manifestando interesse ou prazer no que elas
dizem; caso contrá rio, você poderia ser um parceiro na culpa deles.
“Existem seis coisas”, diz o Sá bio, “que o Senhor odeia e a sétima a sua
alma detesta”. ( Pv 6:16). Esta sétima coisa é a pessoa que “semeia
discó rdia entre irmã os”. O fofoqueiro sai por aí contando à s pessoas o
que ouviu outros dizerem delas. Ele espalha as sementes da discó rdia,
da inimizade, das brigas e da vingança. Quã o severo será o relato que
tais línguas terã o de prestar perante o tribunal de Deus. Se no calor da
paixã o uma pessoa fala mal de outra, podemos ter paciência com ela;
muito provavelmente ele se arrependerá do que disse. Mas como pode
o Senhor ser paciente com aqueles que deliberadamente semeiam
discó rdia e conflito e destroem a paz e a felicidade dos seus
semelhantes? “Você ouviu alguma palavra contra o seu pró ximo?” diz o
Espírito Santo; “deixe-o morrer dentro de você, confiando que nã o irá te
estourar.” ( Eclesiastes 19:10). Você nã o deve ficar satisfeito apenas em
guardá -lo em seu coraçã o; você deve deixá -lo morrer lá .
Há pessoas que, ao ouvirem um segredo, parecem sofrer as agonias da
morte até que possam divulgá -lo de alguma forma. O segredo deles é
como um espinho que perfura o coraçã o e deve ser arrancado o mais
rá pido possível. Nã o aja dessa maneira. Se você sabe que seu vizinho
cometeu uma falta, fique calado. Só entã o, quando o bem dos outros ou
do culpado o exigir, você poderá revelar o que sabe.
Na conversa, na medida do possível, evite disputas. Há pessoas que têm
um tal espírito de contradiçã o que parecem ter prazer em questionar
sempre o que os outros dizem, mesmo que seja de pouca ou nenhuma
importâ ncia. Assim, pequenas ninharias à s vezes dã o origem a uma
guerra de palavras; a caridade está ferida e os laços de amizade estã o
irremediavelmente rompidos. “Nã o se esforce em assuntos que nã o lhe
dizem respeito”, diz o Sá bio. ( Eclesiastes 11:9).
Mas você dirá : “Estou certo; Nã o suporto ouvir uma conversa tã o
absurda.” Ouça o que diz o Cardeal Belarmino: “Um grama de caridade é
melhor do que toneladas de direito”. Ceder numa guerra de palavras é
obter uma vitó ria, pois você cresce em virtude e preserva a paz, o que é
muito melhor do que manter obstinadamente o seu direito.
Quando você for ofendido ou falar com você com raiva, tente responder
com mansidã o. Se você estiver muito agitado para fazer isso, é melhor
nã o dizer nada, pois no calor da paixã o você pode pensar que o que diz
é certo e apropriado, mas depois, quando a excitaçã o passar, você se
arrependerá do que fez. disse. Um olho perturbado pela raiva, diz Sã o
Bernardo, nã o consegue ver o que é certo ou errado. A paixã o é como
um véu negro que se estende diante dos olhos; enquanto estiver lá , nã o
podemos ver as coisas sob sua luz adequada. Quando aquele que te
ofende pede perdã o, seja generoso o suficiente para concedê-lo de
maneira graciosa. Se você ofendeu outra pessoa, seja rá pido em reparar
o dano que causou. Sã o Bernardo diz que a melhor maneira de curar a
ferida que você infligiu pela falta de caridade é humilhar-se. Quanto
mais você adiar, mais difícil se tornará e, eventualmente, você poderá
negligenciá -lo completamente. Nosso Abençoado Salvador disse certa
vez: “Se ofereceres a tua dá diva no altar e ali te lembrares que teu
irmã o tem algo contra ti; deixa a tua oferta diante do altar e vai
primeiro reconciliar-te com o teu irmã o; e depois, vindo, oferecerá s a
tua oferta. ( Mateus 5:23). Mas se acontecer de tal auto-humilhaçã o
apenas irritar ainda mais a pessoa ofendida, tente por algum outro
meio acalmá -la.
DOAÇÃ O
Um dever de caridade muito importante para com o pró ximo consiste
em dar-lhe esmola quando ele é pobre e necessitado e nó s mesmos
estamos em condiçõ es de fazê-lo: “Do que resta, dá esmola”, diz o nosso
Santíssimo Redentor. ( Lucas 11:41). Mas devemos distinguir: se o
nosso pró ximo estiver em extrema necessidade, somos obrigados a
ajudá -lo com o que nã o é absolutamente necessá rio para o nosso
pró prio sustento. Se a sua necessidade nã o for extrema, mas muito
grande, devemos ajudá -lo naquilo que nó s mesmos nã o necessitamos.
“A esmola livra da morte”, disse o Arcanjo Rafael a Tobias, “e a mesma é
a que purifica os pecados e faz encontrar misericó rdia e vida eterna”. (
Tb 12:9).
“Aquele que tem misericó rdia dos pobres”, diz o Espírito Santo,
“empresta ao Senhor; e ele lhe retribuirá .” ( Pv 19:17). Se nã o pudermos
fazer mais nada, pelo menos recomendemo-lo a Deus, pois a oraçã o
também é uma esmola. “Aquele que vir seu irmã o necessitado”, diz Sã o
Joã o, “e fechar-lhe o coraçã o, como pode permanecer nele a caridade de
Deus?” ( 1 João 3:17). “Com a medida que você medir, ela será medida
para você novamente”, diz nosso Abençoado Redentor. ( Mateus 7:2).
Santa Maria Madalena de Pazzi disse que se sentiria mais feliz ajudando
o pró ximo do que se fosse elevada à contemplaçã o celestial: “Se estou
em contemplaçã o”, disse ela, “Deus está me ajudando; se eu ajudo meu
pró ximo, estou ajudando a Deus”. Isto é verdade, pois o pró prio Nosso
Senhor disse: “Tudo o que vocês fizerem ao menor dos meus irmã os,
vocês fazem a mim”. ( Mateus 25:40).
capítulo 5
POBREZA E DESapego
OS POBRES DE ESPÍRITO
Os pobres deste mundo nã o possuem pobreza de espírito pelo simples
facto de sofrerem a falta dos bens desta vida. A pobreza de espírito
consiste no desejo de nã o possuir nada além de Deus. “Conheço um
homem pobre”, diz Santo Agostinho, “e ainda assim descubro que ele
nã o é pobre”; isto é: muitos sã o pobres na realidade, poucos em espírito
e desejo. Santa Teresa diz que aqueles que parecem pobres
externamente, sem o serem em espírito, enganam o mundo e a si
mesmos. De que lhes servirá a pobreza na posse? Aquele que é
externamente pobre, mas em seu coraçã o tem um desejo insaciável de
riqueza, tem apenas os fardos, mas nã o a virtude da pobreza. Os pobres
verdadeiramente virtuosos nã o desejam nada além de Deus, e por isso
mesmo sã o imensamente ricos. Deles fala Sã o Paulo quando diz: “Nã o
tendo nada, possuem todas as coisas”. ( 2 Coríntios 6:10).
Mas como podem aqueles que sã o ricos nos bens desta terra ainda
possuir pobreza de espírito? Eles podem fazer isso sem ter nenhum
apego excessivo à s suas riquezas. Quais sã o os bens desta terra? Eles
sã o realmente bens apenas na aparência e nunca poderã o satisfazer o
coraçã o do homem. “Você comeu”, diz o profeta Aggeus, “mas nã o
comeu o suficiente”. ( Ag. 1:6). Em vez de saciar a fome, diz Sã o
Bernardo, apenas a aumentam. Se os bens mundanos pudessem
satisfazer o coraçã o do homem, os ricos e os poderosos seriam
perfeitamente felizes; mas a experiência ensina o contrá rio. Via de
regra sã o os mais infelizes dos homens, pois sã o torturados pelos
medos, pelos ciú mes e pela tristeza. “Vaidade das vaidades e tudo é
vaidade.” Eu tive todas essas coisas, disse Salomã o, “e eis que tudo é
vaidade e aborrecimento de espírito”. ( Eclesiastes 1:14).
Acrescente a isso o fato de que aqueles que estã o sempre empenhados
em aumentar suas posses terrenas correm grande perigo de se
perderem eternamente. O Apó stolo nos adverte contra isso em sua
epístola a Timó teo: “Aqueles que querem enriquecer caem em tentaçã o
e na armadilha do diabo, e em muitos desejos inú teis e nocivos que
afogam os homens na destruiçã o e na perdiçã o. Pois o desejo por
dinheiro é a raiz de todos os males; que alguns cobiçosos se desviaram
da fé e se envolveram em muitas tristezas. ( 1 Timóteo 6:9-10).
Se desejamos pertencer a Deus, devemos renunciar a todo apego aos
bens da terra. Aquele que luta pelos bens terrenos, diz Sã o Filipe Néri,
nunca se tornará santo. As riquezas que devemos nos esforçar para
obter, diz Sã o Pró spero, nã o sã o bens temporais, mas virtudes,
humildade, mansidã o, castidade, piedade, pois estas constituirã o a
nossa grandeza e gló ria no Céu. “Nã o ajunteis tesouros na terra: onde a
ferrugem e a traça consomem, e onde os ladrõ es minam e roubam.” (
Mateus 6:19). Os ricos podem praticar a pobreza de espírito dando
esmolas e realizando boas obras. “Ó feliz troca”, diz Sã o Pedro Damiã o,
“damos terra e recebemos ouro”; isto é, damos nossos bens terrenos e
recebemos em troca graças de Deus e uma recompensa eterna no Céu.
Em todas as épocas da era cristã houve pessoas de posiçã o distinta que
viveram com grande simplicidade para serem capazes de realizar boas
obras. Violanta Palombara, senhora da nobreza, vestiu-se de linho
comum. Seu rosá rio era feito de madeira barata. Pouco antes de sua
morte, ela exclamou: “Oh, o que estou vendo! Meu vestido ficou
brilhante e minhas contas brilham como diamantes.”
VERDADEIRO DESapego
Nosso desapego das coisas desta terra é comprovado pela nossa
resignaçã o à Vontade de Deus em desastres temporais, como perdas
financeiras por acidente ou roubo. A fé nos ensina que nada acontece
sem a permissã o de Deus. Se, portanto, sofremos a perda de nosso bom
nome ou de nossas posses temporais, Deus, é claro, nã o deseja o pecado
que é assim cometido, mas Ele deseja ou permite o sofrimento que
recai sobre nossa sorte e Ele o deseja para o nosso bem. Quando um
mensageiro chegou ao piedoso Jó e anunciou que os sabeus haviam
roubado todos os seus pertences e assassinado seus filhos, o homem
santo respondeu: “O Senhor deu, e o Senhor tirou”. Ele nã o disse: “O
Senhor deu e os sabeus tiraram”, mas: “O Senhor deu e o Senhor tirou:
como quis ao Senhor, assim se faz: bendito seja o nome do Senhor. ” ( Jó
1:21). Finalmente, provamos que possuímos o espírito de desapego
quando estamos prontos a sacrificar tudo o que temos – riquezas,
honras, dignidades, posiçã o – em suma, todas as vantagens temporais,
em vez de ofender a Deus.
Tais eram os sentimentos dos santos má rtires. Dacian, Governador da
Província de Tanigma, dirigiu-se ao jovem diá cono Vicente com as
seguintes palavras: “Meu rapaz, você ainda é jovem; os sorrisos e os
favores da fortuna esperam por você. Para possuí-los, basta renunciar à
sua religiã o; obedeça ao Imperador e escape de uma morte
ignominiosa.” Vicente voltou-se para o Bispo Valerius, que com ele
estava diante do Governador, e disse: “Meu Pai, se quiseres, responderei
por ti também”. O santo Bispo, que estava preparado para sofrer tudo
por amor de Jesus Cristo, respondeu: “Sim, meu filho; como já te
comissionei a pregar a palavra de Deus, agora te comissiono a confessar
nossa fé.” Em seguida, Vicente declarou ao governador que tanto Valério
quanto ele pró prio adoravam apenas um Deus e que nã o podiam e nã o
iriam adorar demô nios, pois tais eram os deuses do Império Romano.
“Além disso”, disse ele, “nã o imagine que nos influenciará por meio de
ameaças ou promessas. Nã o há nada neste mundo que se compare à
honra e à felicidade de morrer por Jesus Cristo.” Enfurecido com o
destemor do santo diá cono, o Governador gritou: “Ou o sacrifício aos
deuses ou o seu desprezo lhes custará a vida.” O santo diá cono
respondeu em voz alta: “Já lhe disse que nã o poderia nos fazer maior
favor do que nos matar por Jesus Cristo, e pode ter certeza de que se
cansará de nos torturar antes que nos cansemos de sendo
atormentado.”
Consideremos agora alguns dos meios necessá rios para adquirir esse
desapego das coisas da terra. Em primeiro lugar, para remover do
coraçã o todo apego excessivo, é necessá rio pensar na morte. O dia da
morte é chamado de “dia da perda” porque neste dia as riquezas, as
honras e os prazeres da terra sã o perdidos. Por isso, diz Santo
Ambró sio, nã o devemos realmente chamar essas coisas de nossas,
porque nã o podemos trazê-las conosco para o outro mundo, onde
somente a virtude pode nos acompanhar. Tinha razã o, portanto, aquele
homem que, ao perceber a vaidade do mundo, escreveu numa caveira
as seguintes palavras: “Para quem pensa, tudo aqui embaixo parece
merecedor de desprezo”. Mas por que existem tantos amantes infelizes
nesta terra? Porque sã o tã o poucos os que pensam na morte.
Pobres filhos de Adã o, diz o Espírito Santo, por que nã o banis de vossos
coraçõ es todo apego terreno? “Por que você ama a vaidade e procura
mentir?” ( Salmo 4:3). O que aconteceu com seus antepassados
acontecerá com você. Eles também adoraram a habitaçã o que agora é
sua; agora eles nã o existem mais; eles foram para a eternidade e você os
seguirá .
A POBREZA DE CRISTO
O segundo meio consiste na meditaçã o frequente sobre a pobreza de
Jesus Cristo e a estima que Ele tinha por esta santa virtude. Para o
nosso bem, e para nos dar exemplo, o nosso Divino Redentor quis levar
uma vida tã o pobre na terra que Santa Maria Madalena de Pazzi
chamou a pobreza de esposa de Jesus Cristo. Sã o Bernardo diz: “A
pobreza nã o se encontrava no céu, mas reinava na terra. A humanidade,
porém, nã o reconheceu o seu valor e, por isso, o Filho de Deus desceu
para escolher a pobreza como sua companheira inseparável e para nos
ensinar a estimá -la”.
Este pensamento está em sintonia com o que o Apó stolo escreve aos
seus discípulos: “Pois vó s conheceis a graça de nosso Senhor Jesus
Cristo: que, sendo rico, se fez pobre por causa de vó s; para que através
de sua pobreza você possa ser rico”. ( 2 Coríntios 8:9). Embora o nosso
Divino Redentor fosse o Senhor e Mestre de todas as riquezas do Céu e
da terra, Ele quis, no entanto, tornar-se pobre neste mundo para que
através do Seu exemplo pudéssemos tornar-nos ricos. Ele quis induzir-
nos a amar a pobreza como Ele fez, porque a pobreza, ao separar-nos
das riquezas terrenas, permite-nos participar dos tesouros do Céu. O
terceiro meio consiste em insistir frequentemente no ensinamento de
nosso Abençoado Senhor de que os pobres de espírito terã o uma
grande e certa recompensa. A recompensa deles é certa, pois quando
nosso Salvador enumerou as bem-aventuranças no Evangelho, Ele se
referiu na maioria dos casos ao futuro, como “Bem-aventurados os
mansos porque possuirã o a terra! Bem-aventurados os puros de
coraçã o porque eles verão a Deus!” Mas aos pobres de espírito Ele
promete felicidade mesmo nesta vida: “Bem-aventurados os pobres de
espírito, porque deles é o reino dos céus”. ( Mateus 5:3). Enquanto estã o
aqui na terra, eles recebem graças especiais.
A recompensa dos pobres de espírito é, em segundo lugar, muito
grande. “Quanto menos tivermos aqui”, diz Santa Teresa, “maior será a
nossa alegria no Céu, onde a nossa morada corresponderá ao amor com
que imitá mos a vida de pobreza do nosso Divino Mestre aqui na terra”.
Os verdadeiramente pobres de espírito desfrutam de uma paz celestial
mesmo aqui neste mundo. “Oh, que felicidade a pobreza voluntá ria
proporciona”, diz Sã o Lourenço Justiniano; “o pobre nã o possui nada e
portanto nada tem a temer; ele está sempre alegre, pois sempre tem
abundâ ncia, pois sabe tirar proveito espiritual de tudo o que é pesado”.
Segundo as palavras de Sã o Bernardo, um avarento anseia por riquezas
como um mendigo, porque nunca poderá satisfazer seu desejo
insaciável. Aquele, por outro lado, que é pobre por escolha, despreza os
bens desta terra e é ao mesmo tempo o senhor de tudo.
O quarto meio consiste em amar a Deus sem reservas. Uma alma
profundamente penetrada pelo amor divino inclina-se por si mesma,
certamente nã o sem a ajuda da graça, a despojar-se de todas as coisas
terrenas que possam impedi-la de pertencer inteiramente a Deus. Pelo
amor de Jesus Cristo, certo homem rico renunciou a todos os seus bens.
Quando um de seus amigos lhe perguntou como havia caído em tal
pobreza, ele tirou um exemplar do Evangelho e disse: “Isso é o que me
roubou tudo o que eu possuía”. O Espírito Santo nos diz que todos os
tesouros da Terra sã o como nada aos olhos de quem ama a Deus. Se
uma alma dirige todo o seu amor a Deus, essa alma despreza as
riquezas, os prazeres, as honras, os reinos e tudo o mais que este
mundo possa dar. Ela ama somente a Deus e diz sem interrupçã o: “Ó
meu Deus, somente a Ti desejo!” Quem ama a Deus nã o está ansioso por
ganhar a estima e o amor dos homens; todos os seus esforços sã o
direcionados para um fim, agradar a Deus, ú nico objeto de seu amor.
Santo Hilá rio diz: “Todas as honras terrenas sã o coisas do diabo”. Na
verdade, o diabo está trabalhando no interesse do Inferno quando
inspira uma alma com o desejo da estima do mundo. Pois quando uma
alma perde a humildade corre o risco de ser lançada no abismo. Um
grande servo de Deus disse certa vez: “Quando ouvimos que um
Salomã o, ou um Tertuliano, caíram estes cedros do Líbano, temos uma
prova de que eles nã o se entregaram inteiramente a Deus, mas
alimentaram o orgulho em seus coraçõ es, e em esse relato se desviou
do caminho da justiça. Deveríamos tremer quando experimentamos
dentro de nó s o desejo de brilhar diante dos outros e de sermos
honrados por eles. Esses sussurros podem ser o início de nossa miséria
eterna.” Muitos que têm pretensõ es de piedade sã o adoradores de sua
pró pria honra. Eles têm uma certa aparência de virtude e, ao mesmo
tempo, desejam ser elogiados por tudo o que fazem. Se ninguém os
elogia, eles elogiam a si mesmos. Desejam parecer melhores que os
outros e, se ouvem que o seu bom nome foi atacado, perdem todo o
controlo sobre si mesmos, negligenciam a Sagrada Comunhã o e todos
os seus exercícios de piedade. Eles nã o podem encontrar descanso até
que tenham reparado o suposto dano que lhes foi causado.
Essa nã o é a conduta daqueles que amam a Deus sinceramente. Longe
de se elogiarem ou de terem prazer em ouvirem-se elogiados, ficam
perturbados com o reconhecimento que recebem e alegram-se quando
sã o chamados a sofrer o desprezo. “Sou apenas aquilo que sou diante
de Deus”, disse Sã o Francisco de Assis. De que adianta sermos
estimados pelos homens se somos desprezíveis aos olhos de Deus? E o
que importa se somos desprezados pelo mundo, desde que sejamos
aceitáveis diante de Deus? “Quem nos louva”, diz Santo Agostinho, “nã o
nos liberta do castigo que merecemos pelos nossos pecados, e quem
nos culpa nã o pode roubar-nos o mérito das nossas boas obras”.
“Ó meu Deus”, exclama Santa Teresa, “o que importa se somos amados
ou odiados pelas criaturas, desde que sejamos irrepreensíveis diante de
Ti!” O ú nico desejo dos santos era viver na obscuridade e no desprezo.
“Que mal fazem aqueles que têm uma opiniã o negativa sobre nó s?”
pergunta Sã o Francisco de Sales. “Nã o deveríamos ter essa opiniã o
sobre nó s mesmos? É certo desejar que os outros pensem bem de nó s,
quando sabemos muito bem que somos maus?”
VERDADEIRO DESapego
O desapego dos seres humanos nã o significa que nã o devemos amar
ninguém nesta terra, mas significa que as nossas inclinaçõ es devem
estar de acordo com a Vontade de Deus e agradá -Lo. Tanto a natureza
como a religiã o impõ em-nos a obrigaçã o de amar os nossos pais,
parentes e benfeitores. Mas este amor torna-se desordenado e mau
quando nos leva a ofender a Deus e impede o nosso progresso numa
vida virtuosa. Muitos cristã os fariam grandes progressos no caminho da
perfeiçã o se fossem libertados de todos os apegos terrenos. Mas porque
cultivam algum apego desordenado em seus coraçõ es e nã o estã o
dispostos a renunciar a ele, continuam em sua condiçã o lamentável,
sem avançar um ú nico passo no caminho da virtude. Sã o Joã o da Cruz
diz: “Uma alma que está apegada a qualquer criatura nunca alcançará a
uniã o perfeita com Deus, mesmo que essa alma possua muitas outras
virtudes”. Pouco importa se um pá ssaro está preso com uma corda forte
ou fraca, pois o pá ssaro permanece cativo e incapaz de voar enquanto a
corda nã o estiver quebrada. É triste ver tantas almas que, de outra
forma, sã o ricas em virtudes e graças, mas que nunca alcançam uma
uniã o perfeita com Deus porque nã o têm coragem de renunciar a
alguns pequenos apegos. Basta um esforço generoso para romper o
cordã o que os une e constitui o ú nico obstá culo à sua felicidade.
Para chegar à uniã o perfeita com Deus é necessá rio, portanto, estar
totalmente desapegado das criaturas. Em particular, devemos renunciar
a qualquer apego excessivo aos nossos familiares. Nosso Senhor e
Salvador Jesus Cristo nos diz que quem é muito apegado aos parentes
nã o pode ser Seu discípulo. E porque? Porque muitas vezes acontece
que nã o temos maiores inimigos em nossa alma do que nossos pró prios
parentes. “Os inimigos do homem sã o os da sua família.” ( Mateus
10:36). Sã o Carlos Borromeu dizia que sempre que visitava seus
parentes, voltava com menos zelo pela gló ria de Deus. Quando
perguntaram ao Padre Antony Mendoza por que nunca visitou a casa de
seus pais, ele respondeu: “Porque estou ciente de que nã o há lugar onde
os religiosos percam tã o facilmente o espírito de piedade como entre
seus parentes”.
Aquele que renunciou verdadeiramente ao apego excessivo aos seus
parentes nã o será imoderadamente abatido quando a morte reclamar
alguém que lhe é pró ximo e querido. Há muitos que ficam inconsoláveis
com a morte de um parente ou amigo. Choram e gemem e entregam-se
a uma tristeza e impaciência tã o desenfreadas que ninguém ousa
aproximar-se deles. Eu me pergunto a quem eles acham que agradam
com tamanha tristeza irracional e tamanha torrente de lá grimas! É
Deus? Certamente nã o; pois Deus deseja que nos resignemos à Sua
santa Vontade. É a alma do falecido? Novamente, nã o; pois se essa alma
está no Inferno, ela rejeita essas lá grimas e aquele que as derrama. Se
está salvo e já está no Céu, entã o seu maior desejo é que parentes e
amigos se unam a ele para agradecer a Deus. Se a alma ainda está no
Purgató rio, ela anseia ardentemente pelas oraçõ es dos seus amigos, e
pela perfeita resignaçã o à Vontade de Deus, para que todos possam se
reunir um dia no Céu. Qual é o propó sito, portanto, de tal choro e
lamentaçã o excessivos? Um dia, quando o Venerável Teatino José
Caracciolo visitava seus parentes que lamentavam constantemente a
morte de seu irmã o, ele lhes disse: “Todos, poupemos nossas lá grimas
por um objeto mais digno; despojemo-nos deles pela morte de Jesus
Cristo, que é nosso Pai, nosso Irmã o e nosso Esposo, e que sofreu a
morte por amor a nó s”. Nessas ocasiõ es deveríamos imitar o piedoso Jó ,
que por ocasiã o da morte dos seus filhos disse com bela resignaçã o: “O
Senhor deu; o Senhor tirou: como quis ao Senhor, assim se fez: bendito
seja o nome do Senhor. ( Jó 1:21).
No ano de 1624, o filho de um piedoso japonês foi condenado à morte.
Quando o jovem se despediu de sua mã e, ele lhe dirigiu as seguintes
palavras: “Querida mã e, finalmente chegou a hora pela qual ansiava
tanto e pela qual tantas vezes rezei a Deus. Agora vou morrer. Perdoe-
me todos os problemas e tristezas que lhe causei e dê-me uma bênçã o
materna. Ele entã o se ajoelhou para receber sua bênçã o. Sua mã e o
abraçou com ternura e disse: “Meu querido menino, que Deus o
abençoe e lhe conceda a graça de ter uma morte santa. Dó i meu coraçã o
perder você; mas estou consolado com o pensamento de que você
morre por Jesus Cristo. Que Ele seja eternamente abençoado por esta
grande graça que Ele concede a você.” Entã o o jovem dirigiu-se ao
carrasco para receber o golpe mortal. Que magnífico exemplo de
desapego dos parentes!
Capítulo 6
CASTIDADE
“Bem-aventurados os limpos de coração, porque verão a Deus.”
—Mat. 5:8
Ninguém conhece melhor o valor da castidade do que o pró prio Deus.
Agora Deus diz: “Nenhum preço é digno de uma alma continental”. (
Eclesiastes 26:20). Tudo o que o homem valoriza e estima, riquezas,
prazeres, honras, nã o se compara a uma alma continental. Santo Efrém
chama a castidade de “a vida do espírito”. Sã o Pedro Damiã o a
denomina “a rainha das virtudes”, e Sã o Cipriano diz que por meio da
castidade celebramos os triunfos mais gloriosos. Aquele que vence o
vício oposto a esta virtude triunfará facilmente sobre os demais. Pelo
contrá rio, quem se deixa dominar pela incontinência torna-se presa
fá cil de outros vícios como o ó dio, a injustiça, etc. A castidade, diz Santo
Efrém, torna-nos, em certo sentido, como anjos. Esta comparaçã o é
totalmente justificada, pois a vida dos anjos está longe de ser uma vida
de gratificaçõ es carnais. Os anjos sã o puros por natureza; as almas
castas sã o puras em razã o da virtude. “Por conta do mérito desta
virtude”, diz Cassiano, “os seres humanos sã o colocados no mesmo nível
dos anjos”. “É claro que há uma diferença”, diz Sã o Bernardo, “entre o
homem casto e o anjo, mas nã o é uma diferença de virtude; é apenas
uma felicidade. Se a castidade dos anjos é mais abençoada, a castidade
do homem é mais corajosa.”
Sã o Basílio nos diz que “a castidade torna o homem muito semelhante
ao pró prio Deus, que é um espírito puro”. Por esta razã o Nosso Senhor
escolheu uma virgem para Sua Mã e, uma virgem para Seu pai adotivo,
Sã o José, uma virgem para Seu precursor, Sã o Joã o Batista. Sã o
Jerô nimo diz que Nosso Senhor amou Sã o Joã o Apó stolo mais do que os
demais por causa desta virtude. À discípula virgem Ele confiou a Sua
Mã e Imaculada, tal como agora confia a Sua Santa Igreja e a Sua Sagrada
Presença na Sagrada Eucaristia aos cuidados do sacerdote celibatá rio.
“Ó santa pureza”, diz Santo Ataná sio, “tu és a morada do Espírito Santo,
a vida dos anjos e a coroa dos santos”. Quã o grande é, portanto, o valor
da castidade! Mas quã o terrível é a guerra que a carne trava para nos
roubar esta pérola preciosa!
Nosso corpo é a arma mais poderosa que o diabo possui para nos
tornar seus escravos. Por esse motivo, é raro que um homem saia
vitorioso deste conflito. “A luta pela castidade”, diz Santo Agostinho, “é a
mais violenta de todas; a batalha se renova a cada dia e a vitó ria é rara.”
“Quantos infelizes existem”, diz Sã o Lourenço Justiniano, “que, tendo
passado longos anos na solidã o, entre oraçã o, jejum e mortificaçã o,
cederam finalmente à sensualidade, renunciaram à sua vida santa e,
com a perda da castidade, sofreram o perda de Deus.”
UM MEIO DE EDIFICAÇÃ O
É bom lembrar que a custó dia dos olhos é ú til nã o só para a nossa
pró pria santificaçã o, mas também para a edificaçã o dos outros. Só Deus
vê o nosso coraçã o; o homem vê apenas nossas açõ es externas e fica
edificado ou escandalizado por elas. “Um homem é conhecido pela sua
aparência”, diz a Sagrada Escritura ( Eclesiastes 19:26); isto é, a partir
do exterior julgamos o interior. Todo cristã o deveria, portanto, ser o
que nosso Redentor chamou Sã o Joã o Batista: “uma luz que arde e
brilha”. ( João 5:35). Nosso interior deveria brilhar com o amor divino;
nosso exterior deve brilhar pela modéstia cristã . O que Sã o Paulo disse
aos seus discípulos deveria aplicar-se também a nó s: “Fomos feitos
espetá culo ao mundo, aos anjos e aos homens”. ( 1 Coríntios 4:9). “Que a
sua modéstia seja conhecida por todos os homens. ” ( Fp 4:5). É
relatado na vida de Sã o Francisco de Assis que um dia ele convidou um
irmã o religioso para acompanhá -lo em uma caminhada, dizendo que
desejava pregar. Enquanto avançava, ele manteve os olhos
modestamente baixos. Depois de caminhar um pouco, ele voltou para
casa. “Quando você vai pregar seu sermã o?” perguntou seu
companheiro. “Já está pregado”, respondeu o Santo; “nosso sermã o de
hoje consistiu em mortificar nossos olhos, pelo qual edificamos todos
os que encontramos”.
Santo Ambró sio diz que a lembrança das pessoas virtuosas é para os
mundanos uma excelente admoestaçã o. “Que coisa linda”, diz o Santo,
“que a simples aparência deles faça bem aos outros!” A este respeito, é
relatado por Sã o Bernardino de Sena que, embora ainda jovem no
mundo, sua aparência foi suficiente para conter os comentá rios
descuidados de seus jovens companheiros. Assim que o viam chegando,
diziam uns aos outros: “Fiquem quietos; aí vem Bernardina”; e eles
permaneceriam em silêncio ou iniciariam algum outro assunto de
conversa. De acordo com Sã o Gregó rio de Nissa, Santo Efrém estava tã o
recolhido que a simples visã o dele levava alguém à devoçã o, e nã o se
podia entrar em contato com ele sem se sentir melhor por isso.
Mais maravilhoso ainda é o que Surius relata sobre o santo sacerdote e
má rtir Luciano: “Somente por sua modéstia e recolhimento ele
converteu muitos pagã os à Verdadeira Fé. O imperador Maximiano,
ouvindo isso e temendo que ele também pudesse se converter ao
cristianismo, nã o quis olhar para ele. Quando, portanto, foi convocado
perante o tribunal, o Imperador ordenou-lhe que ficasse atrá s de uma
cortina para que pudesse falar com ele sem medo.”
Nosso modelo mais perfeito na prá tica da mortificaçã o dos olhos foi o
pró prio Divino Redentor. Como observa um erudito autor, o evangelista
menciona expressamente que em certas ocasiõ es Jesus ergueu os olhos,
indicando assim que normalmente os mantinha abaixados. Por isso o
Apó stolo, ao escrever aos seus discípulos, elogia a modéstia do seu
Divino Mestre: “Rogo-vos pela mansidã o e modéstia de Cristo”. ( 2
Coríntios 10:1).
Concluamos estas observaçõ es com as palavras de Sã o Basílio aos seus
monges: “Meus queridos filhos, se desejamos que a nossa alma dirija o
olhar para o Céu, devemos manter os olhos fixos na terra. De manhã
cedo, assim que acordarmos, digamos como o salmista real: 'Desvia os
meus olhos para que nã o vejam a vaidade.'” ( Sl. 118:37).
VIRGINDADE
“Sã o a porçã o mais nobre da Igreja de Cristo”, diz Sã o Cipriano, ao falar
das virgens que se consagram ao amor do seu Esposo celestial. Alguns
dos santos Padres, como Santo Efrém, Santo Ambró sio e Sã o
Crisó stomo, escreveram livros inteiros em louvor à virgindade. Nã o é
minha intençã o aqui me alongar neste belo assunto, mas apenas dar
algumas idéias a partir das quais o leitor devoto possa julgar sua
excelência insuperável.
Em primeiro lugar, as almas virginais sã o particularmente queridas aos
olhos de Deus. “Eles serã o como os anjos de Deus no céu”, disse nosso
Abençoado Redentor. ( Mateus 22:30). Baronius relata que, na morte de
uma virgem chamada Geó rgia, pombas foram vistas voando e, quando
seu cadáver foi trazido para a igreja, elas pairaram sobre o local onde
seus restos mortais foram colocados, e nã o saíram até que a virgem
fosse enterrada. Pensava-se que estas pombas eram anjos que
desejavam desta forma prestar uma ú ltima honra ao seu corpo virginal.
As almas virginais que se consagram ao amor de Jesus Cristo tornam-se
Suas esposas escolhidas. Por isso Sã o Paulo, ao escrever aos seus
discípulos, nã o hesita em dizer: “Eu te desposei com Jesus Cristo”. Na
pará bola das virgens, Nosso Senhor aparece como o Noivo. Pelos fiéis
em geral nosso Salvador é chamado de Mestre, Pastor, Pai ou Senhor;
pelas almas virginais Ele deseja ser chamado Esposo. Este
desposamento com o Divino Redentor ocorre através da fé: “Eu te
desposarei comigo na fé”. ( Osé 2:20). A virtude da virgindade é, de
modo especial, fruto dos méritos de Jesus Cristo; portanto, lemos no
Apocalipse que eles “seguem o Cordeiro para onde quer que vá : estes
foram comprados dentre os homens, como primícias para Deus e para o
Cordeiro”. ( Apoc. 14:4).
A Divina Mã e revelou certa vez a uma alma piedosa que os consagrados
a Jesus Cristo devem, acima de todas as virtudes, amar a santa pureza,
pois é esta em particular que os torna semelhantes ao seu Esposo
celestial. As pessoas prudentes do mundo que desejam entrar no estado
de matrimô nio têm o cuidado de perguntar e descobrir quem
provavelmente seria o parceiro mais digno e desejável para a vida.
Aqueles que entram na vida religiosa sã o desposados com Cristo pelos
seus votos sagrados. Voltemo-nos, portanto, para a esposa dos Câ nticos
para ver o que ela tem a dizer do Divino Esposo. “O meu amado é
branco e rosado”, diz ela ( Cant. 5:10), branco por causa de Sua pureza,
e rosado por causa do brilho do amor com que Ele é inflamado por Sua
esposa. Em uma palavra, Ele é tã o belo, tã o perfeito em todas as
virtudes, tã o gentil e amigável que nã o há e nã o pode haver cô njuge
mais nobre ou mais amável do que Ele. Santo Euquério diz: “Nã o há
nada que se compare à Sua majestade, à Sua beleza ou à Sua
generosidade”.
UM TESOURO PRECIOSO
Santa Clara de Montefalco disse que valorizava tanto a sua virgindade
que preferia sofrer os tormentos do Inferno durante toda a sua vida a
perder este precioso tesouro. Jovens virtuosas até recusaram a
proposta de casamento com reis para permanecerem esposas de Jesus
Cristo. A Beata Joana, Infanta de Portugal, rejeitou a mã o de Luís XI, Rei
de França. Santa Inês de Praga renunciou à aliança matrimonial com o
imperador Frederico II; Isabel, filha do rei da Hungria e herdeira do
trono, recusou-se a casar-se com o arquiduque da Á ustria. Quando
Domitila, sobrinha do imperador Domiciano, foi instada a se casar com
o conde Aureliano, ela respondeu: “Se uma pessoa pudesse escolher
entre um grande monarca e um camponês pobre, qual ela escolheria
como noivo? Se eu me casasse com Aureliano, teria que renunciar ao
Rei dos Céus; isso seria a maior loucura, e nunca serei culpado disso.” À
sua coroa da virgindade foi acrescentada a coroa do martírio, pois o seu
amante rejeitado mandou-a queimar até à morte.
Uma virgem que se entrega ao Senhor, diz Teodora, fica livre de
cuidados inú teis. Ela nã o tem mais nada a fazer senã o lidar com
confiança com o Senhor. “Se ela nã o tivesse outra recompensa a
esperar”, diz Santo Ambró sio, “ela seria realmente feliz por se libertar
das preocupaçõ es e ansiedades mundanas e por se ocupar
exclusivamente com Deus”. Mas a paz e a felicidade que ela desfruta
aqui na terra sã o apenas uma amostra da grande felicidade e gló ria que
a aguardam no Céu.
ACEITÁVEL A DEUS
As virgens que consagram a Deus o lírio da sua castidade Lhe agradam
tanto como os santos anjos. Sã o Joã o foi chamado o Apó stolo predileto
de Nosso Senhor, o Apó stolo que Jesus amava, porque conservou intacta
a sua virgindade. Por esta mesma razã o ele foi amado mais do que
todos os outros, e quando nosso Salvador estava morrendo na cruz,
entregou Sua Imaculada Mã e aos cuidados de Seu discípulo virgem, Sã o
Joã o. O grande valor da virgindade é realçado aos nossos olhos pelo
extraordiná rio louvor que o Espírito Santo lhe concede: “Nenhum preço
é digno de uma alma continental”. ( Eclesiastes 26:20). Isto nos ensinou
a Bem-Aventurada Virgem Maria quando o Arcanjo Gabriel lhe trouxe a
mensagem do alto: que Deus queria tornar-se homem e escolhê-la para
Sua Mã e. À s palavras do anjo, Maria respondeu humildemente: “Como
pode ser isso, pois nã o conheço homem?” ( Lucas 1:34). Com estas
palavras Nossa Senhora mostrou que preferia renunciar à dignidade da
Mã e de Deus a perder o tesouro da sua virgindade. Segundo Sã o
Cipriano, a pureza virginal é a rainha de todas as virtudes e a perfeiçã o
de todos os bens. Aqueles que preservam a sua pureza por amor de
Jesus Cristo, diz Santo Efrém, sã o particularmente favorecidos por Ele.
Sã o Bernardino acrescenta que a virgindade dispõ e a alma de maneira
especial para ver Deus pela fé nesta vida e pela luz da gló ria eterna na
pró xima. Um dia Deus mostrou à Sua grande serva, Lucretia Orsini, o
trono de gló ria preparado para aqueles que servem a Jesus Cristo em
pureza virginal. Arrebatado em êxtase, o Santo exclamou: “Oh, quã o
queridas a Deus e à Sua Santa Mã e sã o as almas virginais!”
“Meu filho, quando vier ao serviço do Senhor, prepare sua alma para a
tentaçã o.” ( Eclesiastes 2:1). Esteja preparado, portanto, para sofrer com
humildade e paciência, pois “a prata e o ouro sã o provados pelo fogo”.
Nenhum homem pode servir a dois senhores, Deus e o mundo. Aquele,
portanto, que deseja consagrar-se a Deus, deve renunciar ao mundo e
dizer com toda a sinceridade: só Deus é o meu tesouro e o meu ú nico
bem. Um coraçã o que ama verdadeiramente a Deus despreza o mundo e
tudo o que o mundo pode oferecer; em uma palavra, despreza tudo o
que nã o é Deus.
A venerável Francisca Farnese nã o conheceu meio mais eficaz de
exortar as suas religiosas à prá tica da perfeiçã o do que recordá -las de
que eram esposas de Jesus Cristo. “É certo”, dizia ela, “que cada um de
vocês foi escolhido por Deus para se tornar santo, pois Ele lhe deu a
grande honra de ser Sua esposa”. E na verdade esta é uma graça
inestimável que merece a nossa mais generosa colaboraçã o. Santo
Agostinho, ao escrever a uma virgem consagrada a Deus, fez uso destas
palavras: “Você deve saber que você tem um Esposo que é mais bonito
do que tudo o que a terra ou o Céu contém, e ao escolher você para ser
Sua noiva, Ele deu a você uma promessa mais certa de Seu amor. A
partir disso você reconhecerá sua obrigaçã o de amá -Lo de volta.”
Se o mundo tentar conquistar o seu amor, ó esposa de Jesus Cristo,
responda com as palavras da nobre Santa Inês: “Fora, fora; você busca
meu amor, mas eu nã o posso amar outro senã o meu Deus, que me
amou primeiro”. “Como você é esposa de um Deus”, diz Sã o Jerô nimo,
“você deveria se orgulhar de tal distinçã o”. As pessoas do mundo
sentem-se altamente honradas e fazem muito barulho sobre alianças
matrimoniais com os nobres e ricos. Você tem algo mais do que isso
para se orgulhar, já que está noivo do pró prio Rei dos Céus. Você pode
muito bem dizer com santo orgulho e alegria: “Encontrei Aquele a
quem minha alma ama; Eu O abraçarei com meu amor e nunca O
abandonarei.”
O amor é o vínculo que une a alma a Deus. Diga muitas vezes nas
palavras do Apó stolo Sã o Paulo: “Quem me separará do amor de Cristo?
Será tribulaçã o, ou angú stia, ou fome, ou nudez, ou perigo, ou
perseguiçã o, ou espada? (…) Tenho certeza de que nem a morte, nem a
vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem as
coisas presentes, nem as coisas futuras, nem o poder, nem a altura, nem
a profundidade, nem qualquer outra criatura será capaz de me separar
do amor de Deus. que está em Cristo Jesus Nosso Senhor”. ( Romanos
8:38-39).
“Vocês sã o meus amigos, se fizerem as coisas que eu lhes ordeno.” —
João 15:14.
Capítulo 7
OBEDIÊNCIA
Capítulo 8
MANSIDÃO E HUMILDADE
“Aprendam de mim, porque sou manso e humilde de coração.”
—Mat. 11:29
A humildade é chamada pelos santos de fundamento e salvaguarda de
todas as virtudes. Se nã o é a mais destacada entre as virtudes, ocupa,
segundo Sã o Tomá s, o primeiro lugar como fundamento das demais. Na
construçã o de um edifício, a cave precede as paredes e os pilares, ainda
que estes ú ltimos sejam de ouro. E assim, na vida espiritual, a
humildade deve preceder tudo o mais, a fim de banir o orgulho, ao qual
Deus se opõ e tanto. Aquele, portanto, que se esforça por adquirir as
outras virtudes sem humildade, diz Sã o Gregó rio, está espalhando
poeira ao vento.
A virtude da humildade era pouco conhecida e menos amada na terra;
na verdade, foi completamente desprezado. O orgulho reinou em toda
parte, pois foi uma herança infeliz da raça humana legada à sua
posteridade por Adã o. O Filho de Deus desceu do Céu para ensinar ao
homem, pela palavra e pelo exemplo, o valor da humildade, e com esse
objetivo chegou a “esvaziar-se, assumindo a forma de servo, tornando-
se semelhante aos homens, e no há bito encontrado como homem. Ele
humilhou-se… até à morte de cruz.” ( Filipenses 2:7). A sua primeira
apariçã o na terra foi no humilde está bulo de Belém; a maior parte de
Sua vida mortal foi passada em humilde retiro em Nazaré. Ele partiu
desta vida, humilhado e desprezado, no cume do Monte Calvá rio; e Ele
chama a cada um de nó s: “Eu lhes dei o exemplo de que, assim como eu
fiz, vocês também o fazem”. ( João 13:15). Com isso Ele quer dizer:
“Meus queridos filhos, suportei toda essa humilhaçã o e desprezo para
que vocês pudessem seguir Meu exemplo”. A respeito da humildade de
Jesus Cristo, diz Santo Agostinho: “Se este remédio nã o nos cura do
orgulho, nã o sei que outro remédio o poderá fazer”.
HUMILDADE DO INTELECTO
A virtude da humildade é dupla, a saber, humildade do intelecto e
humildade da vontade. Segundo Sã o Bernardo, a humildade do
intelecto consiste em ter uma opiniã o humilde de nó s mesmos e em nos
considerarmos merecedores de desprezo. A humildade é verdade,
escreve Santa Teresa, e por isso o Senhor ama tanto os humildes porque
ama a verdade. É certamente verdade que por nó s mesmos nã o somos
nada; somos ignorantes, cegos e incapazes de realizar qualquer bem.
Por um lado, nã o temos nada de nosso além do pecado, o que nos torna
ainda mais desprezíveis. Por outro lado, por nó s mesmos nã o podemos
fazer nada além de cometer pecado. Tudo de bom que podemos ter ou
fazer vem de Deus e pertence a Deus. Ora, o homem humilde tem esta
verdade sempre diante dos olhos e, conseqü entemente, nada atribui a
si mesmo senã o o pecado, o que o torna merecedor de desprezo. Ele
nã o suporta que lhe sejam atribuídos méritos que ele nã o merece, mas
ele se alegra em sua alma quando é chamado a sofrer desprezo.
Devemos, portanto, dizer com o grande Santo Agostinho: “Concede,
Senhor, que eu saiba quem sou e quem és”. Tu és a fonte de todo bem e
eu nã o sou nada além de miséria e miséria. “Somente pelos humildes”,
diz o Sá bio, “Deus é verdadeiramente honrado”. ( Eclesiastes 3:21). Se
você deseja, portanto, honrar a Deus, reconheça humildemente a sua
pró pria miséria e proteste contra a sua disposiçã o de receber qualquer
tratamento que a providência de Deus tenha reservado para você.
Nunca se vanglorie de suas boas obras. Leia a vida dos santos para ver o
que eles fizeram e depois sinta vergonha de ter realizado tã o pouco. O
Venerável Joã o de Á vila relata que um célebre homem que se casou com
uma camponesa insistiu para que ela nã o destruísse as suas pobres
roupas, mas as guardasse para que nã o se orgulhasse ao se ver rodeada
de criados e vestida com trajes caros. Devemos agir de maneira
semelhante. Quando percebemos algo de bom em nó s mesmos,
devemos olhar para as nossas roupas velhas. Em outras palavras,
devemos lembrar o que já fomos e tirar a conclusã o de que tudo de bom
que possuímos é uma esmola concedida por Deus. Sempre que Santa
Teresa realizava uma boa obra ou via alguma realizada, ela se apressava
em agradecer a Deus por isso.
Em seguida, devemos tentar compreender que sem a ajuda de Deus nã o
podemos fazer nada, absolutamente nada. Isso nos levará a desconfiar
de nó s mesmos e a depositar confiança implícita em Deus. Sã o Pedro
confiou em suas pró prias forças quando disse: “Ainda que eu morra
contigo, nã o te negarei”. ( Mateus 26:35). Mas sabemos quanto tempo
depois ele nã o apenas negou, mas protestou sob juramento que nã o
conhecia Nosso Senhor. Deposite a sua confiança em Deus e diga com
Sã o Paulo: “Posso todas as coisas naquele que me fortalece”. ( Filipenses
4:13). Quando Santa Catarina de Sena foi tentada, ela se humilhou e
colocou toda a sua confiança em Deus. Um dia o diabo gritou furioso:
“Maldito sejas tu, e maldito seja aquele que te ensinou este meio de me
vencer”.
HUMILDADE DE VONTADE
A humildade do intelecto, como vimos, consiste em reconhecer que nã o
somos nada e que merecemos apenas o desprezo. A humildade da
vontade consiste no desejo de ser desprezado pelos outros e no prazer
que tal desprezo nos proporciona. Humildade de vontade Nosso Senhor
tinha especialmente em vista quando disse: “Aprendei de mim, porque
sou manso e humilde de coraçã o”. ( Mateus 11:29). Muitos sã o humildes
de lá bios, mas nã o de coraçã o. Eles reconhecem que sã o maus e
merecem puniçã o, mas quando sã o reprovados negam que sejam
culpados. “Humihar-se para ser elogiado”, diz Sã o Bernardo, “nã o é
humildade de forma alguma; na verdade, é destrutivo para a
humildade, pois por tal conduta a pró pria humildade se torna objeto de
orgulho.” “Aquele”, diz Sã o José Calasanctius, “que ama a Deus, nã o
deseja parecer santo, mas deseja sê-lo”. Os santos nã o se tornaram
santos em meio a aprovaçõ es e aplausos; foi em meio a insultos e
desprezo. O santo má rtir Iná cio, quando bispo, gozava de estima e
reverência universal; ele foi posteriormente arrastado para Roma, como
um criminoso, para ser lançado à s feras. Na viagem até lá , os guardas o
carregaram com insultos e ultrajes de todos os tipos. O Santo gritou de
alegria: “Agora começo a ser discípulo de Cristo”.
Quem nã o sabe suportar o insulto mostra claramente que perdeu Jesus
Crucificado de vista. A Venerável Maria da Encarnaçã o disse um dia à s
suas religiosas ao ver o crucifixo: “É possível, queridas Irmã s, que
possamos recusar sofrer o desprezo quando vemos Jesus Cristo tã o
desprezado?” Nosso Salvador certa vez apareceu a Sã o Joã o com uma
cruz em Seu ombro e uma coroa de espinhos em volta de Sua cabeça.
“Joã o”, disse Ele, “pergunte-me o que você deseja”. O Santo respondeu:
“Senhor, desejo sofrer e ser desprezado por Ti”.
Uma pessoa muito devota tinha o belo costume de se apresentar diante
do Santíssimo Sacramento sempre que era insultada ou ofendida.
Ajoelhando-se diante do taberná culo, ela dizia: “Ó meu Deus, sou pobre
demais para Te oferecer algo precioso ou caro; por isso ofereço-Te este
pequeno presente que acabo de receber”. Se, portanto, alma cristã , você
deseja alcançar uma grande santidade, deve estar preparada para
sofrer humilhaçõ es e desprezos. Isso parece difícil para a pobre
natureza humana? Entã o lembre-se da promessa de nosso Salvador
Jesus Cristo: “Bem-aventurados sereis quando vos injuriarem, e
perseguirem, e falarem todo o mal contra vó s, falsamente, por minha
causa: Alegrai-vos e regozijai-vos, porque é muito grande o vosso
galardã o. no paraíso." ( Mateus 5:11).
MANSIDÃ O
A humildade e a mansidã o eram as virtudes favoritas de Jesus Cristo, e
Ele as recomendou de maneira particular aos Seus discípulos quando
disse: “Aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coraçã o”. (
Mateus 11:29). Nosso Divino Redentor foi chamado de “Cordeiro de
Deus”, nã o apenas pelo sacrifício que Ele deveria fazer de Si mesmo na
Cruz em expiaçã o do pecado, mas também pela mansidã o que
caracterizou toda a Sua vida e particularmente durante Sua amarga
Paixã o. Quando foi rudemente esbofeteado pelo servo de Caifá s e
acusado de falta de respeito pelo sumo sacerdote, Ele humildemente
respondeu: “Se falei mal, dá testemunho disso; mas se bem, por que
você me bate? ( João 18:23). Quando Ele foi pendurado na cruz e Seus
inimigos O carregaram de insultos e ignomínia, Ele se voltou para Seu
Pai celestial e disse: “Pai, perdoa-lhes, porque nã o sabem o que fazem”. (
Lucas 23:34).
Quã o queridas a Deus sã o aquelas almas mansas que suportam todo
tipo de ofensas e indignidades sem ceder à raiva! A oraçã o deles é
aceitável a Deus, diz a Sagrada Escritura ( Jd 9:16); isto é, sempre será
ouvido. “O céu”, diz o Padre Alvarez, “é, de uma maneira particular, o lar
e o país daqueles que na terra sã o desprezados e pisoteados”. Na
verdade, é a estes, e nã o aos orgulhosos que sã o honrados e estimados
pelo mundo, que é prometida a posse do Reino dos Céus. O Salmista
Real assegura-nos que os mansos nã o só possuirã o felicidade na vida
futura, mas também nesta vida: “Eles se deleitarã o com abundâ ncia de
paz”. ( Salmo 36:11).
Santa Teresa diz que parecia sentir um amor mais do que comum por
aqueles que falavam mal dela. Nos atos de canonizaçã o lemos que por
injú rias se poderia obter o seu amor em grau especial. Nunca
poderemos alcançar tal mansidã o sem profunda humildade, uma
opiniã o humilde sobre nó s mesmos e um desejo de sermos tratados
com desprezo. O orgulho é raivoso e vingativo por causa da opiniã o
elevada que temos de nó s mesmos e do desejo por honras que achamos
que merecemos.
O espírito de Deus é um espírito de mansidã o. “Meu espírito é doce
como mel.” ( Eclesiastes 24:27). Sã o Francisco de Sales, mestre e modelo
de santa mansidã o, diz: “A mansidã o humilde é a virtude das virtudes,
que o nosso Divino Redentor nos recomendou com maior urgência;
portanto, devemos praticá -lo em todos os lugares e em todos os
momentos”. A mansidã o deve ser exercida especialmente para com os
pobres e os doentes; para com os pobres porque, devido à sua pobreza,
sã o frequentemente tratados com severidade; para com os doentes
porque sofrem muito e muitas vezes ficam sem assistência. Os
superiores devem agir com mansidã o para com os seus sú bditos e, ao
dar uma ordem, devem pedir em vez de ordenar. Sã o Vicente de Paulo
diz que os superiores nã o têm melhor meio de conquistar o afeto e a
obediência de seus sú ditos do que pela mansidã o.
Esta foi também a opiniã o de Santa Joana Chantal. “Já tentei todos os
tipos de tratamento”, diz ela; “o leve e paciente é o melhor.” “Nada é tã o
edificante”, diz Sã o Francisco de Sales, “como a mansidã o amável”. Nos
lá bios deste servo de Deus pairava um sorriso contínuo. Seu semblante,
sua conversa, todo o seu ser respirava mansidã o. Sã o Vicente de Paulo
declarou que nunca conheceu homem mais manso do que o Bispo de
Genebra. Ele viu nele uma có pia viva da bondade e bondade de Jesus
Cristo. Mesmo quando, para nã o sobrecarregar a consciência, teve de
recusar um pedido, ele expressou sua recusa com tanta gentileza e
amor que obteve o alegre consentimento do peticioná rio; e apesar da
recusa, este foi embora satisfeito. Ele era manso para com todos, seus
superiores, seus iguais e seus inferiores; para com os membros da sua
família e para com estranhos. Ele nunca reclamou dos seus servos;
raramente ele os reprovava, e sempre com gentileza. Que contraste
entre este santo e aqueles que, segundo as pró prias palavras de Sã o
Francisco, “parecem anjos no exterior e demô nios em casa”.
CORREÇÃ O MANSA
Se você, leitor cristã o, for chamado a administrar uma repreensã o, faça-
o como fez Sã o Francisco, com mansidã o. Corrigir enfaticamente é uma
coisa; reprovar duramente é outra. À s vezes é necessá rio repreender de
maneira muito positiva, quando a falta cometida é grave ou quando
repetidas advertências foram em vã o. Mas devemos evitar o uso de um
tom irado que trai uma ausência de autocontrole; isso geralmente faz
mais mal do que bem. É esse zelo amargo que Sã o Tiago tanto deprecia.
Muitos imaginam que a melhor e ú nica maneira de tratar os
subordinados é através de uma conduta severa, para enchê-los de
reverência e pavor. Mas Sã o Tiago, o Apó stolo, tem uma opiniã o bem
diferente. Ele diz: “Se você tem zelo amargo, nã o se glorie. Esta nã o é
uma sabedoria que desce do alto, mas uma sabedoria terrena, sensual,
diabó lica. Mas a sabedoria que vem do alto é… pacífica, modesta, cheia
de misericó rdia e de bons frutos”. ( Tiago 3:14, 15, 17). Se você for
obrigado a falar de maneira severa para impressionar o culpado com a
gravidade de sua falta, pelo menos conclua seus comentá rios com
algumas palavras gentis para aliviar a dor da repreensã o. Como o bom
samaritano, você deve curar a ferida com azeite e vinho.
Quando o ó leo é misturado com outros líquidos ele sempre chega ao
topo; entã o você também, diz Sã o Francisco de Sales, em tudo o que
fizer, deixe predominar a mansidã o e a gentileza. Se a pessoa que você
deseja repreender está muito agitada, é melhor esperar até que ela se
acalme; caso contrá rio, você apenas o irritará ainda mais. Se uma casa
está pegando fogo, nã o é apropriado jogar lenha nela.
“Você nã o sabe de que espírito você é.” ( Lucas 9:55). Assim falou o
Santíssimo Redentor a Sã o Joã o e a seu irmã o Sã o Tiago quando eles
desejaram que Ele castigasse os samaritanos. Ah, que tipo de espírito é
esse! Nosso Redentor quis dizer: Nã o é o Meu espírito; Meu espírito é
mansidã o e gentileza. “O Filho do homem nã o veio para destruir as
almas, mas para salvar” ( Lucas 9:56), e você deseja que Eu provoque a
destruiçã o delas.
Capítulo 9
MORTIFICAÇÃO
“Aquele que neste mundo odeia a sua vida, guarda-a para a vida eterna.”
—Joã o 12:25
A virtude da mortificaçã o é dupla, exterior e interior. A mortificaçã o
exterior consiste em fazer e sofrer o que se opõ e aos sentidos
exteriores e em privar-se daquilo que lhes é agradável. Na medida em
que for necessá rio evitar o pecado, todo cristã o é obrigado a praticar a
mortificaçã o. No que diz respeito à s coisas de que podemos gozar
legalmente, a mortificaçã o nã o é obrigató ria, mas é muito ú til e
meritó ria. Para aqueles, porém, que buscam a perfeiçã o, a mortificaçã o,
mesmo nas coisas que sã o lícitas, é absolutamente necessá ria. Como
pobres filhos de Adã o, devemos lutar até o dia da nossa morte; “Porque
a carne cobiça contra o espírito, e o espírito contra a carne, porque
estes se opõ em um ao outro: para que nã o façais o que quereis.” ( Gál.
5:17).
É pró prio dos animais gratificar os seus sentidos; é característico dos
anjos fazer a vontade de Deus. Disto um autor erudito conclui que nos
tornamos anjos quando nos esforçamos para fazer a vontade de Deus,
mas nos tornamos como animais quando procuramos gratificar os
nossos sentidos. Ou a alma deve submeter o corpo ou o corpo fará da
alma sua escrava. Conseqü entemente, devemos tratar nosso corpo
como um cavaleiro trata um cavalo selvagem; ele puxa as rédeas com
força, para nã o ser jogado fora. À s vezes, um médico prescreve
medicamentos que sã o muito desagradáveis ao paciente, e proíbe
estritamente alimentos e bebidas prejudiciais, embora o paciente possa
desejá -los. Ele seria realmente um médico cruel, que poderia ser
dissuadido de administrar remédios porque seu paciente se opusesse
por serem amargos, e que permitiria ao doente comer e beber o que
quisesse. Quã o maior é a crueldade do homem sensual que se esforça
para evitar tudo o que é desagradável ou doloroso para o seu corpo
nesta vida, e assim coloca tanto o corpo como a alma no maior perigo
de sofrer dores incomparavelmente maiores por toda a eternidade.
“Este falso amor”, diz Sã o Bernardo, “destró i o verdadeiro amor que
deveríamos ter pelo nosso corpo”.
Essa simpatia descabida é, na realidade, apenas crueldade; pois
enquanto poupamos o corpo, matamos a alma. O mesmo Santo,
dirigindo-se à s pessoas mundanas que ridicularizam os servos de Deus
por se mortificarem, faz uso das seguintes palavras: “Sim, somos cruéis,
se quiserem, para com os nossos corpos quando os afligimos com
penitência; mas vocês sã o muito mais cruéis consigo mesmos quando
satisfazem seus desejos sensuais, pois ao fazê-lo vocês condenam tanto
o corpo quanto a alma a uma eternidade de tormentos terríveis.” Nosso
Senhor disse uma vez a Sã o Francisco de Assis: “Se você Me deseja,
considere as coisas amargas da vida como doces e as doces como
amargas”. É inú til afirmar, como fazem alguns, que a perfeiçã o nã o
consiste em castigar o corpo, mas em mortificar a vontade. A isto
Pinamonti responde: “Se a vinha nã o dá fruto porque está rodeada por
uma sebe de espinhos, pelo menos a sebe ajuda a conservar o fruto,
pois a Sagrada Escritura diz: 'Onde nã o há sebe, a posse será estragada'.
. ' ” ( Eclesiastes 36:27).
Sã o Luís Gonzaga tinha uma saú de muito debilitada. No entanto, ele
estava tã o empenhado em crucificar o seu corpo que nã o procurou
nada além de mortificaçã o e obras de penitência. Um dia alguém lhe
disse que a santidade nã o consistia nessas coisas, mas na renú ncia à
vontade pró pria. Ele respondeu humildemente nas palavras do
Evangelho: “Essas coisas você deveria ter feito e nã o deixar outras por
fazer”. ( Mateus 23:23). Com isso ele quis dizer: Embora seja necessá rio
mortificar a vontade, devemos também mortificar o corpo para mantê-
lo sob controle e sujeito à razã o. Por causa disso, o apó stolo disse: “Eu
castigo o meu corpo e o coloco em sujeiçã o”. ( 1 Coríntios 9:27). Se o
corpo nã o estiver mortificado, é muito difícil torná -lo obediente à lei de
Deus.
ABNEGAÇÃ O
Mas, dirã o vocês, tenho uma constituiçã o fraca e uma saú de debilitada,
e meu confessor me proíbe de praticar obras de penitência. Muito bem,
obedeça-o; mas pelo menos suporte pacientemente os desconfortos e
fadiga resultantes de sua condiçã o corporal; procure nã o reclamar da
inclemência do tempo e do calor e frio excessivos. Se você nã o puder
praticar obras de penitência, pelo menos abstenha-se ocasionalmente
de algum prazer lícito. Quando Sã o Francisco Bó rgia estava caçando, no
momento em que o falcã o agarrava sua presa, ele baixava os olhos, para
se privar do prazer que tal visã o lhe proporcionaria. Se você negar ao
seu corpo prazeres lícitos, ele nã o estará apto a buscar prazeres ilícitos;
mas se você se entregar a todos os prazeres lícitos, logo cruzará a linha
para o territó rio proibido. Um grande servo de Deus, Vincent Carafa, SJ,
diz que o Senhor nos deu as alegrias e prazeres deste mundo nã o
apenas para que possamos desfrutá -los, mas também para que
possamos ter a oportunidade de fazer um sacrifício, privando-nos de
eles por amor a Ele. Venenos adequadamente compostos e ingeridos
em quantidades muito pequenas à s vezes sã o benéficos à saú de do
corpo, mas sã o e sempre serã o venenos. E o mesmo acontece com os
prazeres; devem ser praticados com grande precauçã o e moderaçã o e
unicamente com o objetivo de servir a Deus com mais fidelidade.
Além disso, devemos estar atentos para que a ansiedade e a solicitude
pelo nosso bem-estar corporal nã o ponham em perigo a saú de da alma.
“A doença do corpo”, diz Sã o Bernardo, “desperta a minha compaixã o,
mas a doença da alma causa-me maior afliçã o porque é muito mais
perigosa”. Somos muito propensos a fazer das nossas doenças corporais
um pretexto para nos isentarmos dos nossos deveres espirituais.
“Omitimos a oraçã o hoje”, diz Santa Teresa, “porque temos dor de
cabeça; amanhã porque estávamos com dor de cabeça e no dia seguinte
porque temos medo de ter uma.”
VANTAGENS DA MORTIFICAÇÃ O
Pode ser proveitoso deter-nos por um momento nas vantagens da
mortificaçã o, pois tal consideraçã o é calculada para nos inspirar com
mais coragem e generosidade. Pela mortificaçã o podemos expiar o
castigo temporal devido aos nossos pecados. Estamos cientes do fato de
que embora a culpa do pecado seja remida por uma Confissã o contrita,
ainda resta um castigo temporal a ser suportado. Se na vida presente
deixarmos de fazer expiaçã o, teremos que sofrer no fogo do Purgató rio.
“A menos que façam penitência por seus atos”, diz a Sagrada Escritura,
“estarã o em grande tribulaçã o”. ( Apoc. 2:22). Santo Antonino relata que
a um doente foi oferecida a escolha (por seu anjo da guarda) de sofrer
três dias no Purgató rio ou de permanecer mais dois anos em seu leito
de doente. O paciente escolheu os três dias no Purgató rio. Mal fazia
uma hora que ele estava ali quando reclamou ao anjo que, em vez de
alguns dias, já havia passado vá rios anos em terríveis tormentos. “O que
você diz”, respondeu o anjo; “seu corpo ainda está quente no leito de
morte e você fala de anos?” Se, portanto, alma cristã , você tem alguma
coisa a sofrer, diga a si mesmo: Este deve ser o meu Purgató rio;
Suportarei esse sofrimento pacientemente para expiar meus pecados e
obter mérito para a vida eterna.
ELEVA A ALMA
A mortificaçã o eleva a alma a Deus. Sã o Francisco de Sales diz: “A alma
nunca poderá ascender a Deus a menos que o corpo seja submetido à
sujeiçã o pela penitência”. “As almas que amam verdadeiramente a
Deus”, diz Santa Teresa, “nã o desejam descanso corporal e indulgência”.
Mas pela mortificaçã o podemos alcançar grande gló ria no céu. “Se os
competidores”, diz Sã o Paulo, “se abstêm de tudo que possa
enfraquecer o corpo e impedi-los de ganhar uma coroa perecível, com
que maior zelo nã o deveríamos nos mortificar para obter uma coroa
inestimável e eterna!” Sã o Joã o viu os bem-aventurados no céu com
ramos de palmeira nas mã os. Disto é evidente que para sermos
contados entre os eleitos todos devemos ser má rtires, seja pela espada
do tirano ou pela mortificaçã o. Mas “os sofrimentos deste tempo nã o
podem ser comparados com a gló ria vindoura, que será revelada em
nó s” ( Romanos 8:18), e nossas tribulaçõ es atuais sã o momentâ neas e
leves, mas elas “trabalham para nó s acima”. mede excessivamente um
peso eterno de gló ria.” ( 2 Coríntios 4:17). Reanimemos, portanto, a
nossa fé. Temos pouco tempo para viver nesta terra; nosso verdadeiro
lar e descanso eterno está além do tú mulo. Sã o Pedro diz que bem-
aventuradas sã o as pedras vivas com as quais é construída a Jerusalém
celestial. Mas como canta a Santa Igreja no Ofício Divino, estas pedras
devem ser cortadas e moldadas pelo cinzel da mortificaçã o.
MORTIFICAÇÃ O INTERIOR
A mortificaçã o interior consiste em restringir o nosso amor-pró prio e a
nossa obstinaçã o desmedidos. Existe um duplo amor por si mesmo, um
bom e outro mau. A primeira estimula-nos a lutar pela vida eterna, para
a qual Deus nos criou; este ú ltimo nos leva a buscar as coisas boas desta
terra, em grande detrimento da nossa alma imortal. Cristo Nosso
Senhor disse: “Se alguém quiser vir apó s mim, negue-se a si mesmo”. (
Mateus 16:24). Ora, toda a perfeiçã o de uma alma consiste nesta mesma
abnegaçã o, pois Santo Agostinho diz: “Quanto menos alguém procura
gratificar as paixõ es, mais ama verdadeiramente a Deus, e quando nã o
deseja nada além de Deus, seu amor por Deus é perfeito.” Na atual
condiçã o da nossa natureza pecaminosa, é impossível estar totalmente
livre dos estímulos do amor pró prio. Somente Jesus Cristo entre os
homens e a Bem-Aventurada Virgem Maria entre as mulheres estavam
totalmente isentos. Quanto a todos os outros santos, eles tiveram que
lutar contra as suas inclinaçõ es desordenadas. A mortificaçã o interior
consiste, portanto, principalmente em refrear e controlar essas
inclinaçõ es desordenadas do amor-pró prio. A alma tem outros
inimigos, é verdade, mas o pior inimigo de todos é o amor pró prio.
Segundo Santa Maria Madalena de Pazzi, “o amor pró prio é como o
verme que ró i a raiz e destró i nã o só o fruto, mas até a pró pria vida da
planta”. O mesmo Santo acrescenta: “O traidor que mais devemos temer
é o amor pró prio, pois o amor pró prio nos trai como Judas traiu Nosso
Senhor com um beijo. Quem conquista o amor pró prio conquistou
tudo.” Rogai, pois, sem cessar, ao Senhor: Ó Deus, nã o me deixes cair
vítima das minhas paixõ es, que me roubam o Teu santo temor e a
pró pria razã o. “A vida do homem na terra é uma guerra.” ( Jó 7:1).
Aquele que encontra um inimigo na batalha deve ter as armas em mã os
para se defender; se ele deixar de lutar, estará perdido. Nã o importa
quantas vitó rias tenhamos conquistado, nã o podemos dar-nos ao luxo
de depor as armas; pois as nossas paixõ es, apesar das repetidas
derrotas, nunca sã o totalmente destruídas.
Sã o como ervas daninhas, diz Sã o Bernardo, que voltam a crescer
sempre que sã o cortadas; mesmo quando você pensa que os erradicou
completamente, eles logo aparecem novamente. Na luta contra as
nossas paixõ es, o má ximo que podemos esperar conseguir é que os
seus ataques se tornem menos frequentes e menos violentos, e que nó s
pró prios possamos melhor superá -los. Um dia, um monge queixou-se
ao Abade Teodoro de que havia lutado durante oito longos anos contra
as suas paixõ es e ainda nã o tinha conseguido subjugá -las. O Abade
respondeu: “Meu irmã o, você reclama de uma guerra de oito anos;
Passei sessenta anos na solidã o e nã o houve um ú nico dia desse tempo
sem que eu estivesse inquieto por uma paixã o ou outra.” As paixõ es,
portanto, sempre nos molestarã o; mas, como diz Sã o Gregó rio: “É uma
coisa diferente ver essas feras rondando ao nosso redor e ouvir seu uivo
feroz do que tê-las em nosso coraçã o e permitir que elas nos
estrangulem”.
AUTOCONQUISTA
Nosso coraçã o é um jardim onde continuam a crescer ervas daninhas
selvagens e nocivas. Devemos, portanto, ter sempre à mã o a enxada da
mortificaçã o para remover este crescimento nocivo, caso contrá rio o
jardim logo ficará sufocado com espinhos e cardos. “Supere-se”, era um
ditado favorito de Santo Iná cio de Loyola. Estava sempre em seus
lá bios; repetidas vezes ele voltou a isso ao se dirigir a seus irmã os
religiosos. “Supere o seu amor pró prio; quebre sua obstinaçã o”, ele
dizia. A razã o pela qual tã o poucos daqueles que praticam a oraçã o
mental se tornam santos é porque tã o poucos têm a intençã o de
superar a si mesmos. De cem pessoas que praticam a oraçã o mental,
mais de noventa seguem a sua pró pria cabeça. Por isso, o Santo dava
mais valor a um ú nico ato de abnegaçã o do que a uma hora inteira de
oraçã o repleta de consolaçã o espiritual. “De que adianta para uma
fortaleza”, diz o Abade Gilbert, “que os portõ es sejam fechados se a
fome, o inimigo interno, abate os ocupantes?” Queria dizer: De que
adianta mortificar os sentidos exteriores e realizar muitos exercícios de
piedade se guardamos alguma paixã o no coraçã o e nos recusamos a
renunciar à nossa pró pria vontade?
Sã o Francisco Bó rgia disse que a oraçã o introduz o amor de Deus no
coraçã o, mas a mortificaçã o prepara o caminho, removendo tudo o que
possa ser um obstá culo ou impedimento para isso. Se quiser encher um
vaso com á gua deve primeiro esvaziar a terra que está nele, caso
contrá rio ficará uma mistura desagradável. Sobre a relaçã o da
mortificaçã o interior com a oraçã o, o Padre Balthasar Alvarez diz: “A
oraçã o sem mortificaçã o ou é uma ilusã o, ou logo chegará ao fim”. Santo
Iná cio nos diz que uma alma mortificada está mais intimamente unida a
Deus em um quarto de hora do que uma pessoa nã o mortificada em
muitas horas de oraçã o. E se o Santo ouvisse dizer de alguém que
rezava muito, acrescentava: “Isso é sinal de que está muito mortificado”.
Muitos cristã os praticam atos de devoçã o, vã o frequentemente à
Sagrada Comunhã o, jejuam e passam muito tempo em oraçã o, mas
negligenciam a mortificaçã o das suas paixõ es, abrigam sentimentos de
vingança e aversã o e alimentam apegos perigosos. Eles nã o fazem
nenhum esforço para suportar as contradiçõ es, para abandonar certas
associaçõ es e para se sujeitarem à obediência e à Vontade de Deus. Que
progresso tais pessoas podem esperar fazer no caminho para a
perfeiçã o? Têm sempre os mesmos defeitos e, segundo Santo Agostinho,
estã o fora do caminho certo. “Eles correm bem”, diz o Santo, “mas fora
do caminho”. “Cuida de ti mesmo”, diz Thomas à Kempis, “desperta-te,
admoesta-te; e tudo o que acontecer aos outros, nã o negligencie a si
mesmo. Quanto maior a violência que você oferecer a si mesmo, maior
progresso você fará .” ( Im. Livro 1, 24).
Nã o tenho a menor intençã o de subestimar o valor da oraçã o vocal, das
obras de penitência e de outros exercícios espirituais; mas devem ser
realizadas com esse fim em vista, para obter a vitó ria sobre suas
paixõ es. Todos os exercícios de piedade nada mais sã o do que meios
para chegar à virtude. Conseqü entemente, na Sagrada Comunhã o,
durante a meditaçã o, na visita ao Santíssimo Sacramento e na
realizaçã o de outros atos de devoçã o, devemos sempre pedir a Deus a
graça de sermos humildes, mortificados, obedientes e conformados à
Sua santa vontade. Agir apenas por amor pró prio é uma falha de todo
cristã o; mas é uma falha maior naquele que recebeu uma medida maior
de graça e é, por isso, obrigado a lutar mais seriamente pela perfeiçã o.
“Por meio da abnegaçã o”, diz Lactâ ncio, “Deus chama os homens à vida
eterna; pela gratificaçã o do amor pró prio, Sataná s os chama para a
morte eterna.”
Dizia Sã o José Calasanctius: “O dia passado sem mortificaçã o é um dia
perdido”. Para nos ensinar o valor e a necessidade da mortificaçã o,
nosso Santíssimo Senhor escolheu viver uma vida mortificada, uma
vida sem consolaçã o sensata, uma vida de tristeza e vergonha. “Tendo a
alegria diante de si”, diz o Apó stolo, “suportou a cruz, desprezando a
vergonha”. ( Hebreus 12:2). “Percorra toda a vida de Jesus Cristo”, diz
Sã o Bernardo, “você sempre o encontrará sofrendo na cruz”. Santa
Catarina de Sena comenta: “Assim como uma mã e toma um remédio
amargo para curar seu filho doente, assim durante Sua vida na terra
Nosso Senhor bebeu o cá lice dos sofrimentos para curar nossas pobres
almas enfermas”.
AUTO-VONTADE
Nã o há obstá culo mais prejudicial na busca pela perfeiçã o do que a
gratificaçã o da obstinaçã o. “Se”, diz Sã o Bernardo, “você pode induzir os
homens a desistir de sua obstinaçã o, nã o há inferno para eles temerem”.
Segundo Sã o Pedro Damiã o, a obstinaçã o destró i todas as virtudes.
“Como a vontade de Deus é a fonte de todo bem”, diz Santo Anselmo, “a
vontade do homem é a origem de todo mal”. “Aquele”, diz Sã o Bernardo,
“que se constitui um mestre e segue as sugestõ es da obstinaçã o, sujeita-
se a um verdadeiro tolo”.
O diabo, como observa Santo Agostinho, tornou-se o que é por vontade
pró pria. Portanto, na sua guerra contra as almas piedosas, a sua arma
mais eficaz e mortal é a sua obstinaçã o. Cassiano relata que o Abade
Aquiles, quando questionado por um discípulo sobre quais armas o
diabo empregou para atacar as almas consagradas a Deus, respondeu:
Contra os grandes deste mundo, ele usa o orgulho; contra os homens de
negó cios, a avareza; contra os jovens, a incontinência; mas contra
aqueles que sã o dados à piedade, sua principal arma é a obstinaçã o. O
Abade Pastor expressa a mesma ideia com palavras diferentes: “Quando
seguimos a nossa pró pria vontade, o diabo nã o tem necessidade de nos
atacar, pois a nossa vontade pró pria toma entã o o lugar do diabo e, na
verdade, do pior que existe. ” O Espírito Santo nos admoesta: “Afasta-te
da tua pró pria vontade. Se você conceder à sua alma os desejos dela, ela
fará de você uma alegria para os seus inimigos. ( Eclesiastes 18:30-31).
Uma açã o tem seu maior valor na obediência com que é realizada. A
pior característica de qualquer açã o é quando ela é motivada pela
vontade pró pria.
Conseqü entemente, diz Trithemius, o diabo nada mais odeia do que a
obediência, pois, nas palavras de Santa Teresa, “O diabo sabe bem que
da obediência depende a salvaçã o de nossas almas. É por isso que ele se
esforça tanto para evitá -lo.” Era costume de Sã o Filipe Neri exortar
todos os seus penitentes a praticarem a renú ncia por vontade pró pria,
pois nisso, dizia ele, consiste a verdadeira santidade. “Quanto mais você
tira da sua obstinaçã o, mais você acrescenta à virtude”, diz Sã o
Jerô nimo. “À vista de Deus”, diz Santa Coletta, “a renú ncia à vontade
pró pria é mais meritó ria do que o sacrifício de todas as riquezas do
mundo”.
“Desejo muito pouco”, diz Sã o Francisco de Sales, “e por este pouco
tenho apenas um fraco desejo”. Ele quis dizer que em seus desejos
nunca foi considerada a sua pró pria vontade, mas simplesmente a
Vontade de Deus; de modo que estava preparado para desistir de tudo
assim que visse que nã o estava em conformidade com a Vontade divina.
“Oh, que doçura”, diz Santa Maria Madalena de Pazzi, “há nas palavras 'A
Vontade de Deus'. ' ”
Se você, alma cristã , deseja tornar-se santo e desfrutar de uma paz
ininterrupta, esforce-se sempre que puder para mortificar a sua
vontade. Nã o faça nada para sua pró pria satisfaçã o, mas tudo para
agradar a Deus. Para este fim, renuncie a todos os desejos vã os e
inclinaçõ es desordenadas. As pessoas de mentalidade mundana
pretendem seguir a sua pró pria vontade tanto quanto possível; é o
objectivo constante dos Santos mortificar a sua vontade, e procuram
oportunidades para o fazer. Santo André Avellino fez voto de sempre se
opor à sua pró pria vontade. Faça disso uma prá tica, pelo menos todos
os dias, de realizar alguns atos de abnegaçã o.
Concluamos com as palavras que Padre Torres escreveu a uma pessoa
devota para encorajá -la na prá tica da abnegaçã o: “Como Deus lhe deu a
oportunidade de sofrer e suportar o abandono, esforce-se para
aumentar em seu coraçã o o Seu amor, um amor isso é tã o forte quanto a
morte. Que este amor o separe de todas as criaturas e de si mesmo,
para que nada o impeça de se apegar ao seu Senhor com todos os seus
pensamentos, desejos e inclinaçõ es. Faça tudo por Ele e em uniã o com
Ele. Diante do seu Salvador crucificado, faça uma renú ncia diá ria a
todas as inclinaçõ es e apegos que encontrar dentro de sua alma.
Proteste que você nã o deseja outra honra senã o a vergonha de Jesus
Cristo; nenhum outro tesouro senã o o Seu amor; nenhum outro
conforto além de Sua Cruz; nenhum outro objeto senã o Ele mesmo, seu
Senhor e Deus.
“Tendo despedido a multidã o, ele subiu sozinho a um monte para orar.”
— Mat. 14:23.
Capítulo 10
LEMBRANÇA
“Tendo despedido a multidão, ele subiu sozinho a um monte para orar.”
—Mat. 14:23
Para preservar o recolhimento do espírito ou a uniã o constante da alma
com Deus, sã o necessá rias três coisas: a solidã o, o silêncio e o
recolhimento da presença de Deus. Foram a estas três coisas que o anjo
de Deus se referiu quando, dirigindo-se a Santo Arsênio, disse: “Fuja,
cale-se e descanse”. Em outras palavras: busque a solidã o, pratique o
silêncio e descanse em Deus, mantendo sempre diante de você o
pensamento de Sua presença.
As almas que amam a Deus sentem uma forte atraçã o pela solidã o, pois
sabem que Deus conversa familiarmente com aqueles que evitam o
barulho e as distraçõ es do mundo. “Ó bendita solidã o”, exclama Sã o
Jerô nimo, “na qual Deus com amorosa condescendência trata
familiarmente com as almas escolhidas!” Deus nã o fala naqueles
lugares onde o tempo é desperdiçado em gargalhadas e conversa fiada.
“O Senhor nã o está no terremoto” ( 3 Reis 19:11), mas Ele diz, pelo
contrá rio, nas palavras do profeta Osee: “Eu a levarei ao deserto e
falarei ao seu coraçã o. ” ( Osé 2:14). Deus fala à alma na solidã o, e por
Suas palavras o coraçã o se inflama com o amor divino. “Minha alma se
derreteu quando meu amado falou”, disse a esposa no Câ ntico (5,6).
Conta Santo Euquério que uma pessoa que desejava ser perfeita certa
vez perguntou a um diretor espiritual o que deveria fazer, e esta foi a
resposta que recebeu: “A solidã o é o lugar onde o homem encontra
Deus. Na solidã o, a virtude é facilmente preservada; na relaçã o com o
mundo, ele se perde facilmente.” Sã o Bernardo nos diz que aprendeu
mais sobre Deus e as coisas divinas na solidã o sob os carvalhos e faias
do que nos livros e escolas dos eruditos. Por esta razã o, os Santos
sentiram um desejo irresistível de deixar o barulho e a agitaçã o do
mundo e retirar-se para a solidã o; por esta razã o as montanhas,
florestas e cavernas lhes eram inexprimivelmente queridas. Na profecia
de Isaías lemos: “A terra que estava desolada e intransponível se
alegrará , e o deserto se alegrará e florescerá como o lírio. Ela brotará e
florescerá , e se alegrará com alegria e louvor: a gló ria do Líbano é dada
a ela; a beleza do Carmelo e de Saron, eles verã o a gló ria do Senhor e a
beleza do nosso Deus. ( Is. 35:1). Ou seja, para as almas interiores, a
solidã o é fonte de delícias abundantes, pois é ali que olham e
contemplam a majestade e a beleza de Deus.
O PENSAMENTO DE DEUS
Para permanecermos unidos a Deus, devemos esforçar-nos por manter
viva em nó s uma viva recordaçã o Dele e dos bens incomensuráveis que
Ele concede à queles que O amam. Pela constante relaçã o com o mundo,
essas verdades espirituais tendem a ficar obscurecidas no labirinto de
pensamentos e consideraçõ es terrenas, e a piedade desaparece do
coraçã o. As pessoas de mentalidade mundana evitam a solidã o, e é
bastante natural que o façam; pois é na aposentadoria que eles ficam
preocupados com escrú pulos de consciência. Eles buscam a sociedade e
a excitaçã o do mundo para que a voz da consciência seja afogada no
barulho que ali reina. Aqueles, pelo contrá rio, cuja consciência está
tranquila, amam a solidã o e o retiro; e quando à s vezes sã o obrigados
pelas circunstâ ncias a aparecer no mundo barulhento, ficam pouco à
vontade e sentem-se totalmente fora de seu elemento.
É verdade que o homem ama naturalmente a companhia dos seus
semelhantes; mas o que pode ser considerado mais bonito do que a
sociedade de Deus? “Sua conversa nã o é amarga”, diz a Sagrada
Escritura, “e sua companhia nã o é tediosa, mas alegria e alegria”. ( Sab.
8:16). Uma vida de solidã o nã o é uma vida de tristeza; é antes uma
antecipaçã o do Céu; é o início da vida do bem-aventurado cuja ú nica
felicidade se encontra no amor e no louvor a Deus. Assim disse Sã o
Jerô nimo quando fugiu da sociedade de Roma e se escondeu na gruta
de Belém: “A solidã o é o meu paraíso”, escreveu ele. Na solidã o, os
santos parecem estar inteiramente sozinhos, mas nã o é assim. Sã o
Bernardo disse: “Nunca estou menos só do que quando estou sozinho”;
pois quando estou sozinho, estou com Deus, que me dá uma alegria
maior do que a sociedade de todas as criaturas poderia proporcionar.
Se os Santos parecem tristes, na realidade nã o o sã o. Porque o mundo
os vê privados de todas as alegrias e prazeres terrenos, considera-os os
mais infelizes; e ainda assim acontece exatamente o oposto.
Segundo as palavras do Apó stolo, gozam de uma paz constante e
incomensurável. ( 2 Tessalonicenses 3:16). Ora, para encontrar esta
deliciosa solidã o nã o é necessá rio retirar-se para um deserto e viver
numa caverna; você pode encontrá -lo em sua casa e no meio de sua
família. Ocupe-se com o mundo exterior apenas na medida em que os
deveres de seu estado, obediência ou caridade exigirem, e você viverá
naquela solidã o que melhor se adapta à s suas circunstâ ncias e que
Deus exige de você. Em meio aos assuntos de estado mais importantes,
o Rei Davi soube encontrar a solidã o: “Eis que fugi e morei na solidã o”. (
Salmo 54:8). Sã o Filipe Néri por algum tempo teve o desejo de se retirar
para um deserto, mas o Senhor ordenou-lhe que nã o deixasse a cidade
de Roma e vivesse ali como se estivesse em um eremitério.
SOLIDÃ O DO ESPÍRITO
Até agora falamos da solidã o e do retiro do corpo; há também uma
solidã o da alma, e esta ú ltima é mais necessá ria que a primeira, pois
Sã o Gregó rio diz: “De que serve a solidã o do corpo sem a solidã o do
espírito?” De que adianta, quer dizer o Santo, viver no deserto se a alma
se apega à s coisas desta terra? “Uma alma livre dos apegos terrenos”,
diz Sã o Pedro Crisó logo, “encontra solidã o até nas ruas e em lugares
pú blicos”. De que adianta ficar quieto em casa ou na igreja se o nosso
coraçã o está centrado nas coisas terrenas e o barulho dessas coisas
terrenas nos impede de ouvir a voz de Deus? Um dia o Senhor disse a
Santa Teresa: “Oh, com que prazer falaria a muitas almas! Mas o mundo
faz tanto barulho em seus coraçõ es que eles nã o conseguem ouvir a
Minha voz. Gostaria que eles se retirassem um pouco do mundo!” Em
que consiste a solidã o do coraçã o? Consiste em banir do coraçã o todos
os desejos e inclinaçõ es que nã o sã o para Deus, e em realizar nossas
açõ es simplesmente tendo em vista a boa vontade de Deus. O salmista
expressa esta verdade com as seguintes palavras: “Que tenho eu nos
céus, e além de ti, o que desejo na terra? Tu és o Deus do meu coraçã o e
o Deus que é a minha porçã o para sempre.” ( Salmo 72:25-26). Numa
palavra, a solidã o do coraçã o consiste em poder dizer: “Meu Deus, só a
ti desejo e nada mais”.
SILÊ NCIO
O silêncio é um dos principais meios para atingir o espírito de oraçã o e
preparar-se para uma relaçã o ininterrupta com Deus. É difícil encontrar
uma pessoa verdadeiramente piedosa que fale muito. Mas quem tem o
espírito de oraçã o ama o silêncio, que foi merecidamente chamado de
protector da inocência, de escudo contra as tentaçõ es e de fonte
fecunda de oraçã o. O silêncio promove o recolhimento e desperta bons
pensamentos no coraçã o. Segundo Sã o Bernardo, força a alma, por
assim dizer, a pensar em Deus e nas coisas celestiais. Por isso os Santos
de Deus foram grandes amantes do silêncio.
Na profecia de Isaías lemos: “A obra da justiça será paz, e o serviço da
justiça tranquilidade e segurança para sempre”. ( Is. 32:17). Por um
lado, o silêncio nos preserva de muitos pecados, eliminando a ocasiã o
de conversas pouco caridosas, de rancor e de curiosidade; por outro,
ajuda-nos a alcançar muitas virtudes. Por exemplo: Que excelente
oportunidade temos para praticar a humildade, mantendo
modestamente o silêncio enquanto os outros falam! Quã o bem
podemos praticar a mortificaçã o, abstendo-nos de relatar algo que
desejamos muito contar! Que oportunidade esplêndida de exercer
mansidã o por nã o responder a acusaçõ es e insultos injustos!
A conversa desenfreada e imoderada, por outro lado, tem muitas
consequências desastrosas. Se a devoçã o é preservada pelo silêncio,
certamente se perde com muita conversa. Uma pessoa pode ficar
sempre tã o recolhida durante a meditaçã o; se depois ele nã o refrear a
língua, ficará tã o distraído como se nã o tivesse feito nenhuma
meditaçã o.
Se você abrir as portas de uma fornalha, o calor escapará . “Proteja-se de
muita conversa”, diz Sã o Doroteu, “pois isso põ e em fuga os
pensamentos devotos e o recolhimento em Deus”. É certo que uma
pessoa que fala muito com as criaturas conversará pouco com Deus, e
da sua parte Deus falará pouco com tal pessoa, pois Ele diz: “Eu a
levarei ao deserto e falarei ao seu coraçã o. ” ( Osé 2:14). “Na multidã o
de palavras”, diz o Espírito Santo, “nã o faltará o pecado, mas aquele que
refreia os seus lá bios é muito sá bio”. ( Pv 10:19). Sã o Tiago diz que “a
língua é um mundo de iniqü idade” ( Tiago 3:6), pois, como observa um
autor erudito, muitos pecados sã o ocasionados por falar ou ouvir a
conversa de outros.
Ah, quantas almas se perderã o no dia do julgamento porque nã o
cuidaram da sua língua! “O homem cheio de língua”, diz o salmista,
“vagará sem guia” ( Sl 139), e percorrerá mil e um caminhos sem
esperança de retornar. “Aquele que guarda a sua boca guarda a sua
alma”, diz o Sá bio, “mas aquele que nã o guarda a sua palavra encontrará
males”. ( Pv 13:3). E Sã o Tiago escreve: “Se alguém nã o ofende com
palavras, esse é um homem perfeito”. ( Tiago 3:2). Pois quem, pelo amor
de Deus, guarda o silêncio, será igualmente dedicado à meditaçã o, à
leitura espiritual e à oraçã o diante do Santíssimo Sacramento. É
impossível, diz Santa Maria Madalena de Pazzi, que quem nã o ama o
silêncio tenha prazer nas coisas divinas; em pouco tempo ele se lançará
no meio dos prazeres do mundo.
A PRESENÇA DE DEUS
Uma ajuda poderosa para preservar o recolhimento é a lembrança da
presença de Deus. Nã o só conduz ao recolhimento do espírito, mas
também é um dos meios mais eficazes de avançar na vida espiritual;
ajuda-nos a evitar o pecado; estimula-nos na prá tica da virtude e
provoca uma uniã o íntima da alma com Deus.
Nã o há meio mais excelente de aquietar as paixõ es e de resistir à
tentaçã o de pecar do que o pensamento da presença de Deus. Sã o
Tomá s diz: “Se pensá ssemos na presença de Deus em todos os
momentos, nunca, ou muito raramente, faríamos algo que O
desagradasse”. Segundo Sã o Jerô nimo, a lembrança da presença de
Deus fecha a porta para todos os pecados. Pois, se na presença de
nossos governantes, nossos pais ou superiores, nã o nos importamos em
transgredir seus mandamentos, como poderíamos violar os
mandamentos de Deus se lembrá ssemos que Seus olhos estavam sobre
nó s?
Santo Ambró sio nos conta que durante um sacrifício que Alexandre o
Grande oferecia no templo, um certo pajem que segurava uma tocha
acesa permitiu que ela queimasse sua mã o em vez de ser culpado de
irreverência ao deixá -la cair. E o santo Doutor acrescenta: Se o respeito
pela presença do rei pudesse superar o impulso da pró pria natureza
neste menino, quanto mais nã o deveria o pensamento da presença de
Deus prevalecer com uma alma fiel na superaçã o das tentaçõ es e no
sofrimento de cada tortura imaginável, em vez de ofender a Deus diante
de Seus pró prios olhos.
Os homens caem no pecado porque perdem de vista a presença de
Deus. “A causa de todo mal”, diz Santa Teresa, “está no fato de nã o
pensarmos na presença de Deus, mas imaginá -lo longe de nó s”. Um
homem que perde de vista a presença de Deus facilmente se tornará
vítima de desejos pecaminosos e sensuais e nã o terá forças para resistir
a eles.
Por outro lado, pelo pensamento do olhar sempre vigilante de Deus
sobre eles, os santos tiveram forças para resistir e vencer todos os
ataques do maligno. Foi este pensamento que deu à casta Susanna
coragem para rejeitar os avanços perversos dos homens que tentaram
seduzi-la e até a ameaçaram de morte. “É melhor para mim”, disse ela,
“cair em suas mã os sem fazer o mal, do que pecar aos olhos do Senhor”.
( Dan. 13:23). O mesmo pensamento converteu uma mulher perversa
que ousou tentar Santo Efrém ao pecado. O Santo respondeu que se ela
quisesse pecar, teria que ir com ele à praça pú blica. “Mas”, ela
perguntou, “como é possível cometer pecado na presença de tantas
pessoas?” “E como é possível”, continuou o Santo, “cometer pecado na
presença de Deus, que nos vê em todos os lugares?” A estas palavras a
pobre pecadora desatou a chorar, lançou-se aos seus pés e pediu perdã o
à Santa, suplicando-lhe que a conduzisse pelo caminho da salvaçã o. A
Santa garantiu sua admissã o em um convento, onde levou uma vida
edificante e lamentou seus pecados até o dia de sua morte.
Algo semelhante é narrado na vida do Abade Paphnutius. Uma certa
mulher pecadora chamada Thais pensou que poderia induzi-lo a fazer
algo errado, dizendo que ninguém além de Deus seria testemunha do
feito. O Santo respondeu em tom muito sério: “Você acredita, entã o, que
Deus realmente o vê e, mesmo assim, deseja pecar?” Essas palavras
causaram-lhe tal impressã o que ela começou a conceber o horror de
sua vida perversa. Ela trouxe todas as jó ias e roupas que havia
conseguido através de uma vida de pecado, amontoou-as no mercado
pú blico e ateou fogo nelas. Depois entrou para um convento e jejuou
durante três anos a pã o e á gua, repetindo constantemente as seguintes
palavras: “Tu que me criaste, tem piedade de mim”. Ao fim de três anos
ela teve uma morte santa. Pouco depois foi revelado a um discípulo do
Abade Antô nio que o feliz penitente havia merecido uma coroa de
gló ria entre os Santos. Portanto, Sã o Crisó stomo diz: “Se nos
mantivermos na presença de Deus, nã o pensaremos, nem diremos, nem
faremos o que é errado, convencidos como estamos de que Deus é a
testemunha de todos os nossos pensamentos, palavras e açõ es”.
UM GRANDE INCENTIVO
No que diz respeito à prá tica das virtudes cristã s, a recordaçã o da
presença de Deus proporciona-nos um estímulo poderoso. Quã o
bravamente os soldados nã o lutarã o na presença de seu general! O
pensamento de que seus olhos estã o sobre eles, e que ele os
recompensará ou punirá , anima em alto grau sua coragem e força. Se
também nó s tivéssemos presente que em tudo o que fazemos os olhos
de Deus estã o sobre nó s, nã o procuraríamos fazer tudo bem e com a
mais pura das intençõ es? Sã o Basílio disse uma vez: “Se você estivesse
na presença de um príncipe e de um camponês, você nã o tentaria
naturalmente tornar sua conduta agradável ao príncipe,
independentemente do que o camponês gostaria que você fizesse; de
maneira semelhante, quem anda na presença de Deus pouco se
preocupa com o que as criaturas podem pensar ou dizer; toda a sua
preocupaçã o é agradar a Deus, que vê cada açã o sua”.
A uniã o da alma com Deus é o terceiro feliz resultado de caminhar
constantemente em Sua presença. O amor é sempre fortalecido pela
presença do objeto amado. Se este é o caso dos seres humanos, apesar
dos muitos defeitos que a sua presença deve necessariamente revelar,
quanto mais o será entre a alma e Deus. Quanto mais andamos na
presença de Deus, melhor reconhecemos aquelas belas qualidades que
sã o calculadas para aumentar e fortalecer o Seu amor em nossos
coraçõ es.
Mas para permanecermos intimamente unidos a Deus nã o basta fazer
uma meditaçã o matinal e noturna. Sã o Crisó stomo diz: Se você tirar a
á gua fervente do fogã o, ela logo esfriará . O mesmo acontece com a alma
humana; para manter aceso o fogo do amor de Deus, o pensamento de
Sua presença deve estar constantemente diante de nó s. O Beato
Henrique Suso dedicou-se a este santo exercício com o maior zelo e
finalmente alcançou a uniã o mais íntima com Deus. De Santa Gertrudes,
Nosso Senhor disse uma vez a Santa Mechtildis: “Esta alma santa que
tanto amo, caminha continuamente em Minha presença e tem a ú nica
intençã o de fazer a Minha vontade e realizar suas açõ es para Minha
maior gló ria”. Davi ficava cheio de alegria e consolo sempre que pensava
em Deus: “Lembrei-me de Deus e fiquei encantado”. ( Salmo 76:4).
Capítulo 11
ORAÇÃO
“Devemos sempre orar e não desmaiar.”
—Lucas 18:1
Segundo o ensinamento do angélico Sã o Tomá s, o culto a Deus ocupa o
primeiro lugar na ordem das virtudes morais; está mais ocupado com
Deus e nos leva para mais perto Dele do que os outros. Para todo
cristã o, portanto, que busca a perfeiçã o, deve ser uma questã o de nã o
pouca preocupaçã o tornar esta virtude sua no mais alto grau. Agora, o
meio mais fá cil de fazer isso, um meio que podemos empregar em todos
os momentos e em todos os lugares, é encontrado na oraçã o. Quer seja
uma oraçã o de louvor, de açã o de graças, de impenetraçã o ou de
propiciaçã o, estamos adorando a Deus, pois cada oraçã o é um humilde
reconhecimento da grandeza, da bondade, da fidelidade ou da
misericó rdia de Deus.
A oraçã o vocal, ou oraçã o pronunciada pelos lá bios, é muito agradável a
Deus porque por ela a infinita Majestade de Deus é reconhecida e
glorificada. “O sacrifício de louvor me glorificará”, diz o Senhor pela
boca do profeta Davi, “e aí está o caminho pelo qual lhe mostrarei a
salvaçã o de Deus”. ( Salmo 49:23). Santa Maria Madalena de Pazzi ficou
quase fora de si de alegria quando ouviu o som do sino que chamava a
comunidade para a oraçã o. Ela largou tudo de uma vez para se dedicar
a esse santo exercício, pois sentiu que estava desempenhando a funçã o
de um anjo ao proclamar os louvores de Deus.
DISTRAÇÕ ES
Enquanto você se esforçar para preservar a devida atençã o na oraçã o,
nã o precisará ser perturbado por distraçõ es involuntá rias; desde que
você nã o concorde com eles, eles nã o poderã o lhe causar nenhum dano.
O Senhor tem compaixã o de nossas fraquezas. Pensamentos
perturbadores muitas vezes entram na mente quando nã o lhes damos
qualquer ocasiã o. Tais pensamentos nã o podem estragar os efeitos da
nossa oraçã o. Segundo o ilustre Sã o Tomá s, mesmo as almas
favorecidas nã o podem permanecer sempre nas alturas da
contemplaçã o. O peso das enfermidades humanas os curva e ocasiona
algumas distraçõ es involuntá rias. Por outro lado, diz o mesmo santo
Doutor, nã o pode ser desculpado do pecado nem esperar recompensa
pela sua oraçã o quem alimenta distraçõ es voluntá rias.
Assim como uma boa vontade torna os nossos pensamentos dignos de
frutos espirituais, diz Sã o Bernardo, uma vontade indolente os torna
indignos do Senhor; e portanto, em vez de recompensa, recebem
apenas puniçã o. Os anais de Citeaux contêm a seguinte visã o que Sã o
Bernardo teve um dia quando orava com seus irmã os religiosos. Ao
lado de cada um dos irmã os, ele viu um anjo que estava de pé e
escrevia. Alguns dos anjos escreveram com ouro, outros com prata,
outros ainda com tinta e alguns com á gua – enquanto alguns seguravam
a caneta na mã o sem escrever nada. Ao mesmo tempo, Deus iluminou o
Santo para saber o que isso significava: o ouro denotava que as oraçõ es
destes irmã os em particular eram feitas com o maior fervor; a prata
indicava que a devoçã o dos outros deixava a desejar; a escrita a tinta
significava que as palavras foram pronunciadas com cuidado, mas
nenhuma devoçã o as acompanhava; a intençã o da á gua era mostrar que
as palavras foram pronunciadas de maneira descuidada e que pouca ou
nenhuma atençã o foi dada ao que foi dito; finalmente, os anjos que nã o
escreveram absolutamente nada estavam ao lado dos irmã os que
conscientemente mantinham distraçõ es voluntá rias.
“As palavras devotas que os lá bios pronunciam despertam a devoçã o no
coraçã o”, diz o Doutor Angélico. Por esta mesma razã o o Senhor nos
ensinou a usar a oraçã o vocal para que o coraçã o interior possa desejar
o que os lá bios expressam externamente. A respeito das palavras de
Davi: “Clamei ao Senhor com a minha voz” ( Sl 141,2), Santo Agostinho
escreve: “Muitos invocam o Senhor, mas nã o com a voz; isto é, invocam
o Senhor nã o com a voz da alma, mas com a voz do corpo. Invoque com
seus pensamentos, invoque com seu coraçã o, e entã o o Senhor
certamente o ouvirá”.
EJACULAÇÕ ES
O meio mais fá cil de praticar a oraçã o vocal consiste em proferir
ejaculaçõ es fervorosas. Estas piedosas manifestaçõ es do coraçã o nã o
precisam ficar restritas a nenhum lugar ou tempo específico. Estã o em
ordem em todos os momentos e em todos os lugares, no trabalho, nas
refeiçõ es, no lazer, em casa ou fora de casa. Podem assumir a forma de
atos de desejo, conformidade, amor, oblaçã o ou abnegaçã o; podem ser
atos de petiçã o, açã o de graças, humildade, confiança e assim por
diante. Os santos de Deus davam mais valor a essas pequenas oraçõ es
do que à s longas devoçõ es, porque as primeiras sã o mais calculadas
para nos manter na presença de Deus.
Sã o Joã o Crisó stomo diz que aquele que frequentemente profere
ejaculaçõ es fecha a porta a Sataná s e evita o seu constante
aborrecimento com pensamentos perversos. É pelos atos de amor,
conformidade e autooblaçã o, juntamente com a invocaçã o dos santos
nomes de Jesus e Maria, que damos o maior prazer a Deus. Quem ama
pensa constantemente no objeto de seu amor. Uma alma que ama a
Deus pensará sempre Nele e procurará ocasiõ es, por meio de suspiros e
exclamaçõ es fervorosas, para manifestar o seu amor. Tenha cuidado em
todas as ocasiõ es, tanto sozinho como em companhia, de dizer
frequentemente ao seu Noivo celestial: “Ó meu Deus, desejo apenas a Ti
e nada mais”; ou: “Eu me entrego totalmente a Ti; Eu desejo o que Tu
desejas; faça comigo de acordo com a Tua boa vontade. Bastam estas
poucas palavras: “Meu Deus, eu Te amo”; ou “Meu amor, meu tudo!”
Você também pode, sem dizer uma palavra, levantar os olhos para o
Céu ou lançar um olhar amoroso para o sacrá rio ou o crucifixo. Esses
atos silenciosos sã o especialmente recomendados porque nã o exigem
esforço, podem ser realizados com mais frequência e muitas vezes sã o
acompanhados com maior fervor do que outras ejaculaçõ es. Os
melhores atos de amor, é claro, sã o aqueles que brotam do fundo do
coraçã o, por impulso do Espírito Santo.
A perfeiçã o do amor divino consiste na uniã o da nossa vontade com a
Vontade de Deus. Portanto, nã o podemos desejar nada além daquilo
que Deus deseja. Se fizermos a Sua santa vontade, nã o importa para que
posiçã o na vida o Senhor nos chame, certamente chegaremos à
santidade. Será proveitoso, entã o, selecionar passagens escolhidas da
Sagrada Escritura e repeti-las frequentemente, a fim de promover uma
uniã o da nossa vontade com o Divino. Por exemplo, diga
frequentemente com o Apó stolo: “Senhor, o que queres que eu faça?” (
Atos 9:6). Nas contradiçõ es e afliçõ es do corpo e da alma, dizei com
nosso Santíssimo Redentor: “Meu Deus e meu Pai, faça-se em mim
como queres”. ( Mateus 11:26). “Seja feita a tua vontade, assim na terra
como no céu.” O Senhor recomendou a Santa Catarina de Génova, cada
vez que rezava o Pai Nosso, que prestasse especial atençã o a estas
palavras: “Faça-se a tua vontade” e que implorasse a graça de cumprir a
Vontade de Deus tã o perfeitamente como os Santos. no paraíso.
OS NOMES SANTOS
Entre todas as ejaculaçõ es e oraçõ es, a invocaçã o dos santos nomes de
Jesus, Maria e José deveria ocupar o primeiro lugar. Tudo o que
amamos, desejamos e esperamos possuir está resumido nesses lindos
nomes. O santo nome de Jesus nos enche de consolaçã o, pois quando
invocamos Aquele que o carrega, encontramos conforto em todas as
nossas angú stias. O nome de Jesus é chamado pelo Espírito Santo de
“ó leo derramado”. ( Cant. 1:2). E com razã o; pois assim como o ó leo
serve de luz, de alimento e de remédio, o santo nome, segundo Sã o
Bernardo, é uma luz; por este nome santíssimo somos filhos felizes da
verdadeira luz, ou seja, da fé na verdadeira Igreja de Deus. O santo
nome é alimento para a nutriçã o das nossas almas, pois fortalece os
fiéis e proporciona-lhes paz e consolaçã o no meio da miséria e das
perseguiçõ es deste mundo. Finalmente, o santo nome é remédio para
quem o invoca. “Quando aparece a luz deste nome”, diz Sã o Bernardo,
“as nuvens se dispersam e os céus permanecem serenos. Quando a alma
é sacudida pelas tempestades de angú stia e tristeza, ela só precisa
invocar o nome de Jesus, e a tempestade diminuirá e a calma será
restaurada. Se você tiver a infelicidade de cair no pecado e ficar tímido
em relaçã o ao perdã o, invoque os nomes sagrados, e a esperança do
perdã o reviverá em sua alma.”
Sã o Pedro nos diz que “debaixo do céu nã o há outro nome dado aos
homens, pelo qual devamos ser salvos”. ( Atos 4:12). Jesus Cristo nã o
nos salvou apenas uma vez; Ele está continuamente nos salvando por
Seus méritos, quando, de acordo com Sua promessa, Ele nos liberta do
perigo do pecado sempre que invocamos Seu santo nome. “Tudo o que
pedirdes ao Pai em meu nome, isso eu farei.” ( João 14:13). Por isso Sã o
Paulo exorta-nos a nã o negligenciarmos este grande meio de salvaçã o,
assegurando-nos que “todo aquele que invocar o nome do Senhor será
salvo”. ( Romanos 10:13).
Ao santo nome de Jesus devemos unir o lindo nome de Maria. O nome
de Maria, como o de Jesus, é um nome do Céu, e é tã o poderoso que
todo o Inferno estremece quando é pronunciado. Ao mesmo tempo, é
um nome de extrema doçura porque denota aquela Rainha exaltada que
é ao mesmo tempo Mã e de Deus e nossa mã e, mã e de misericó rdia, mã e
de lindo amor.
Assim como o sopro é sinal de vida, diz Sã o Germano, a invocaçã o
frequente do nome de Maria é sinal de que a graça de Deus está dentro
de nó s ou estará lá muito em breve. O santo nome de Maria tem
particular eficá cia na superaçã o das tentaçõ es contra a santa pureza.
“Feliz aquele”, diz Sã o Boaventura, “que ama o teu santo nome, ó Maria!
Teu nome é um nome glorioso e maravilhoso; aqueles que invocam o
teu nome poderoso na hora da morte nã o têm nada a temer dos ataques
do Inferno.”
Finalmente, sempre foi prá tica louvável dos cristã os devotos unir aos
nomes de Nosso Senhor e de Sua santa Mã e o belo nome de Sã o José. Se
o Rei do Céu e da terra lhe conferiu a honra de ser o pai adotivo do Seu
Filho Amado e o protetor da Santa e Imaculada Mã e, certamente nos
cabe honrá -lo e invocar a sua poderosa intercessã o. Santa Teresa diz
que nunca se lembra de ter procurado sua ajuda em vã o. “Jesus, Maria e
José, entrego-vos o meu coraçã o e a minha alma; Jesus, Maria e José,
assisti-me na minha ú ltima agonia; Jesus, Maria e José, que eu possa
respirar minha alma em paz com vocês.”
Capítulo 12
AUTO-NEGAÇÃO E AMOR DA CRUZ
“Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e
siga-me.”
—Mat. 16:24
O amor que nosso Divino Mestre Jesus nutria pela cruz foi tã o grande
que Ele a abraçou desde o primeiro momento de Sua Encarnaçã o. A
vontade de Seu Pai celestial decretou que Sua vida na Terra fosse o
caminho da cruz; portanto, Ele começou Sua dolorosa jornada ao Monte
do Calvá rio no exato momento em que “o Verbo se fez carne e habitou
entre nó s”. Se quisermos ser conformes à imagem do Verbo Encarnado,
devemos amar a vontade de Deus e carregar a nossa cruz com paciência
e resignaçã o. A cruz é o leito nupcial para o qual o nosso Salvador nos
convida. “Aquele que nã o toma a sua cruz e nã o me segue nã o é digno
de mim.” ( Mateus 10:38). De mã os dadas com o amor da cruz está a
virtude da abnegaçã o, pois quem está apegado à s comodidades da vida
ou a si mesmo nã o tem coragem de seguir os passos manchados de
sangue do Salvador sofredor.
“A paciência tem uma obra perfeita”, diz o apó stolo ( Tiago 1:4), pois
pela paciência ao carregar as cruzes da vida fazemos um sacrifício
perfeito a Deus. Com resignaçã o à Sua santa vontade, abraçamos a cruz
que Ele nos envia e a estimamos ainda mais do que uma de nossa
escolha.
A paciência, diz o Sá bio, deve ser preferida à coragem do heró i: “O
homem paciente é melhor do que o valente; e aquele que governa o seu
espírito, do que aquele que conquista cidades”. ( Pv 16:32). Muitos
homens demonstrarã o grande coragem ao empreender e concluir
algum trabalho piedoso; mas ele pode nã o ter paciência suficiente para
suportar os pequenos aborrecimentos e contradiçõ es que encontra.
Para tal seria melhor ser firme no sofrimento paciente do que corajoso
em grandes empreendimentos. Estamos neste mundo para obter
mérito; portanto esta terra nã o é um lugar de descanso, mas de
trabalho e sofrimento. Os méritos nã o sã o obtidos pelo repouso e
descanso, mas pelo trabalho e esforço constante. Todos os homens
devem sofrer, tanto os justos como os pecadores. Um está faltando
nisso, outro está privado daquilo. Este homem é nobre, mas nã o rico;
esse homem é rico, mas nã o tem direito à nobreza, enquanto outro
ainda é nobre e rico, mas perdeu a saú de. Em uma palavra, todos nó s
temos algo a suportar, sejam nó s altos ou baixos, ricos ou pobres, cultos
ou iletrados, pecadores ou santos.
PAZ DE CORAÇÃ O
Assim, só podemos desfrutar da verdadeira paz no coraçã o quando
carregamos a nossa cruz com paciência e resignaçã o. O Espírito Santo
nos alerta para nã o agirmos como animais irracionais que ficam
furiosos quando nã o conseguem satisfazer seus desejos: “Nã o sejais
como o cavalo e a mula que nã o têm entendimento”. ( Salmo 31:9). De
que adianta ser impaciente diante dos problemas e das contradiçõ es?
Nó s apenas aumentamos nosso fardo com isso. Os dois ladrõ es que
foram crucificados com o nosso Santíssimo Redentor sofriam
tormentos semelhantes; mas o bom ladrã o foi salvo porque os suportou
com paciência, enquanto o mau ladrã o ficou eternamente perdido
porque sofreu impacientemente e se rebelou. A mesma provaçã o, diz
Santo Agostinho, leva os bons à gló ria porque sofrem com paciência e
resignaçã o, mas os ímpios à destruiçã o eterna por falta de paciência e
conformidade com a vontade de Deus.
Quando tentamos evitar uma cruz que o Senhor nos enviou, muitas
vezes nos deparamos com outra, e muito mais pesada. “Aqueles que
temem a geada”, diz Jó , “a neve cairá sobre eles”. (6:16). Apenas tire de
mim esta cruz, você diz; qualquer outro que eu esteja disposto a
suportar. Ah, sim, mas essa outra cruz pode ser ainda mais pesada e
você tem pouco ou nenhum mérito por carregá -la. Portanto abrace a
cruz que Deus lhe envia, seja ela qual for; é mais leve e mais meritó rio
do que qualquer outro, pois você está fazendo a vontade de Deus e nã o
a sua.
Santo Agostinho diz que toda a vida de um cristã o deve ser uma cruz
perpétua. Isto é especialmente verdadeiro para aqueles que buscam a
perfeiçã o. Sã o Gregó rio Nazianzeno diz que “nas almas grandes e
generosas a riqueza consiste na pobreza, a honra no desprezo e a
alegria na ausência de todos os prazeres terrenos”. Quando questionado
sobre quem realmente busca a perfeiçã o, Sã o Joã o Clímaco respondeu:
“Aquele que constantemente comete violência contra si mesmo”. E
quando cessará a necessidade de praticar violência contra si mesmo?
Somente quando a vida chegar ao fim, pois diz Sã o Pró spero: “A luta só
terminará quando tivermos certeza da vitó ria, ou seja, quando tivermos
entrado no Reino dos Céus”.
VALOR DO SOFRIMENTO
Se você é forçado a reconhecer, caro leitor cristã o, que ofendeu seu
Deus e deseja ao mesmo tempo santificar sua alma imortal, você
deveria se alegrar quando Deus lhe envia sofrimento. “O pecado”, diz
Sã o Joã o Crisó stomo, “é uma ú lcera da alma; se o sofrimento nã o vier
para remover a matéria corrompida, a alma estará perdida.” Quando
Deus lhe dá algo para sofrer, diz Santo Agostinho, Ele atua como
médico, e o sofrimento que Ele envia nã o é um castigo, mas um
remédio. “A quem o Senhor ama, ele castiga e açoita todo filho que
recebe.” ( Hebreus 12:6). “Se tudo correr bem”, diz Santo Agostinho,
“reconhece o Pai que te acaricia; se você tem que suportar sofrimento,
reconheça o Pai que o castiga.” “Apressa-te, Senhor”, clama Sã o
Boaventura, “apressa-te e fere Teus servos com as feridas do amor e da
salvaçã o, para que nã o sucumbamos à s feridas da raiva e da morte
eterna”. “Deus nunca fica mais zangado”, diz Sã o Bernardo, “do que
quando nã o está zangado com o pecador e deixa de puni-lo”.
Mas o sofrimento nã o é apenas um excelente meio de expiar pecados
passados, é também uma fonte abundante de mérito. “Quando se trata
de ganhar o Céu”, diz Sã o José Calasanctius, “todas as dores devem ser
consideradas insignificantes e insignificantes”. O Apó stolo já havia dito
muito antes: “Porque tenho para mim que os sofrimentos deste tempo
nã o podem ser comparados com a gló ria futura que será revelada em
nó s”. ( Romanos 8:18). Seria pouco se tivéssemos que suportar todos os
sofrimentos deste mundo por um momento das alegrias do Céu. Quanto
mais, portanto, devemos suportar pacientemente cada cruz que Deus
nos envia, quando sabemos que o breve sofrimento desta vida será
seguido pela felicidade eterna da pró xima. “Pois aquilo que é
atualmente momentâ neo e leve de nossa tribulaçã o opera para nó s
acima de qualquer medida um peso eterno de gló ria.” ( 2 Coríntios
4:17). Quanto maiores forem os nossos méritos aqui, maior será a
nossa gló ria no futuro. Por isso Sã o Tiago diz: “Bem-aventurado o
homem que suporta a tentaçã o; pois quando for provado, receberá a
coroa da vida que Deus prometeu aos que o amam”. ( Tiago 1:12).
Animado com este pensamento, Santo Agá pito, um jovem de quinze
anos, demonstrou admirável heroísmo enquanto sofria o martírio.
Quando o tirano mandou colocar brasas sobre sua cabeça, o jovem
má rtir gritou: “Na verdade, pouco importa que esta cabeça seja
queimada com brasas na terra, desde que seja coroada de gló ria no
Céu”. Foi este mesmo pensamento que levou o santo Jó a dizer: “Se
recebemos coisas boas da mã o do Senhor, por que nã o receberíamos o
mal?” ( Jó 2:10). O bem que espero, diz Sã o Francisco de Sales, é tã o
grande que toda dor se torna para mim um prazer: “Em vista de tudo
que espero ganhar, meu trabalho aqui nã o tem dor”.
SOFRER É ORAR
Você diz que nã o pode orar? Por que nã o? Admito que você nã o pode
meditar por muito tempo, mas o que o impede de voltar o olhar para
Jesus Crucificado e oferecer-Lhe os sofrimentos que deve suportar. A
melhor oraçã o que você pode fazer é resignar-se à vontade de Deus em
meio aos seus sofrimentos, unindo suas dores à s dores de Jesus Cristo e
oferecendo-as como sacrifício a Deus. Foi assim que Sã o Vicente de
Paulo agiu quando estava mortalmente doente. Colocou-se na presença
de Deus e de vez em quando fazia um ato de amor, de confiança, de
gratidã o ou de resignaçã o, especialmente quando as suas dores se
tornavam muito violentas. Sã o Francisco de Sales disse: “Os sofrimentos
em si sã o muito abomináveis para as nossas inclinaçõ es; mas quando
considerados com referência à vontade de Deus, eles nos causam
alegria e prazer.” E finalmente você diz que é um fardo para os outros.
Deve ser evidente para todos que a sua condiçã o de desamparo nã o é
de sua escolha, mas está simplesmente de acordo com a vontade de
Deus. Portanto, as queixas que você faz nã o podem provir do amor de
Deus, mas sã o expressõ es de amor pró prio; gostaríamos de servir ao
Senhor, mas à nossa maneira e nã o como Ele deseja.
Um dia foi permitido ao Padre Balthasar Alvarez ver a gló ria que Deus
havia preparado para uma religiosa como recompensa pela sua
paciente resistência ao sofrimento, e afirmou que esta santa pessoa
ganhou mais mérito em oito meses de sofrimento do que outros
religiosos zelosos ganharam. em vá rios anos. Enquanto Santa Ludwina
sofria grandes dores, ela nutria o desejo de morrer como má rtir. Um
dia, quando sentiu um desejo particular por esta graça, viu uma coroa
brilhante mas inacabada e foi-lhe dado compreender que esta coroa era
destinada a ela. Desejando que a coroa estivesse perfeitamente
acabada, ela orou a Deus para que aumentasse seus sofrimentos. O
Senhor ouviu sua oraçã o. Alguns soldados brutais entraram e, depois de
insultá -la com os mais vis epítetos, espancaram-na cruelmente. Um
anjo apareceu imediatamente com a bela coroa concluída e disse que
seus ú ltimos sofrimentos acrescentaram à coroa as joias que faltavam.
Quando o anjo terminou de falar, a virgem expirou.
Outra oportunidade nos é oferecida para a prá tica da paciência pelas
perseguiçõ es a que à s vezes somos expostos. “Nã o fiz nada para
merecer estes insultos e esta perseguiçã o”, você pode dizer; “por que eu
deveria ter que suportá -los?” Mas você se lembra do que Nosso Senhor
disse a Sã o Pedro Má rtir quando o Santo reclamou que estava preso
injustamente? “Ó Senhor, que mal fiz eu para sofrer esta perseguiçã o?”
Nosso Salvador respondeu: “E que mal fiz eu para ser pregado nesta
cruz?”
A HORA DA MORTE
Quando se aproxima a hora da morte, é necessá rio sobretudo resignar-
se à Vontade de Deus. Nossa vida na Terra é uma tempestade contínua
na qual corremos constante perigo de perecer. Sã o Luís Gonzaga,
falecido na flor da juventude, aceitou a morte com alegria, dizendo:
“Estou agora, espero, na graça de Deus; Nã o sei o que pode acontecer
comigo mais tarde; portanto, aceito de bom grado a morte neste
momento, se for do agrado de Deus me chamar para fora desta vida”.
Mas entã o você dirá : Luís era um santo e eu sou um pecador. Ouçam o
que diz o Venerável Joã o de Á vila: “Se a nossa alma estiver apenas em
estado moderadamente bom, devemos desejar a morte, para escapar ao
perigo de perder a graça de Deus”. Mas você pode dizer: ainda nã o
ganhei nenhum mérito para minha alma; Eu gostaria de viver um pouco
mais e fazer algo de bom antes de morrer. Quem lhe dá a garantia de
que se a sua vida for prolongada você nã o ficará ainda pior do que
antes, e talvez estará eternamente perdido? “Por que você deseja viver”,
diz Sã o Bernardo, “se quanto mais vivemos, mais pecamos?” Se
realmente amamos a Deus, devemos ter o desejo de vê-Lo face a face no
Céu e amá -Lo com um amor infinito e imutável. Mas a morte deve abrir
as portas para a vida eterna e, portanto, Santo Agostinho, cheio de amor
por seu Deus, clamou: “Ó Senhor, permite-me morrer para que eu possa
ver-te face a face e desfrutar-te para sempre 'onde o olho nã o viu, nem
o ouvido ouviu, e nã o subiu ao coraçã o do homem o que Deus preparou
para aqueles que o amam.'” ( 1 Coríntios 2:9).