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vivendo entre perdas

[inclusive a de mim mesma


esse livro é uma amostra
do que será lançado em 2024
portanto não está completo

mas olha pra mim

tá o suficiente pra você


conseguir respirar
não espere escritas
inteiramente felizes
nem que eu diga palavras bonitas
o tempo inteiro
comecei o primeiro num dia esquisito
a caminho do trabalho
um dia infernal do luto
terminei ele no chuveiro
chorei muito
e renasci depois

não é uma escrita


totalmente feliz
é sobre se despedaçar
por horas dias semanas meses anos
e talvez hoje ter encontrado
o meu lugar no mundo
se a tristeza te engatilha
quem sabe você possa deixar
esse livro de lado por ora, não?

volta quando estiver mais leve.


ou continua lendo
caso você sinta que precisa ler
sobre uma história difícil
uma mulher adulta
problemas com a mãe
abandonos
traumas sexuais
traumas irreversíveis
coração partido pelas perdas
e por ter me escolhido
em primeiro lugar

mas que atualmente se encontrou


e tenta conviver em paz
com tudo isso
é um livro simples,
texto branco em fundo vermelho
capa simples
sem ilustração

montei tudo em cima da cama


sol nas costas, vento na cortina
em versos quebradinhos
assim
espaçamento aleatório
porque sei lá

mas daqui vai sair um físico


que prometo:
vai ser incrível.

boa leitura,
bom início de ano.
com amor,
230894
01_________ verão

vivendo guerras com o verão


eu mantenho memórias conturbadas
do que já foi

beijo molhado,
sacolé aguado

um dava
o outro tirava
[o calor
01___________ pescaria

pescar aos sábados


lembro de quando meu pai chorou
escondido
tinha sido demitido
e escondida eu aprendi com ele
a ser dura

aprendi muito bem


e anos depois
obedecendo o grito estridente
da vulnerabilidade
despimos nosso rosto
colocamos nossas máscaras
no banco gelado e duro
[assim como o luto

em sincronia em cima do caixão


01___________ pescaria

a falsa sensação
de felicidade
[no meu pequeno corpo roxo
me causava choques elétricos

curvando minhocas moles no anzol


sorrindo pro sol
vestindo o chapéu do meu pai

minha cabeça bóia como a bóia


que no rio sujo
espera a primeira fisgada
tão pequena
e não aguenta mais

a fisgada da dor de viver


é cruel pra uma criança
01___________ pescaria

pegamos um lambari
n’outro dia deixei escapar
um peixe bonito
e ele machucou a minha mão

eu ainda tinha o meu irmão


que também era bonito
dentes acavalados acordes de violão
tin tin tin tin tin tin

assim como o peixe


ele também queria escapar
sair correndo

nem fodendo
que eu deixaria ele ir
01___________ pescaria

mas foi
01___________ tchau

e mesmo se eu continuasse segurando


[por favor não vai
ele machucaria a minha mão
e escaparia

eu não segurei o peixe


seria egoísmo segurar o meu irmão

é egoísmo fazer alguém ficar


[na minha vida

mas é o chamado
desespero do amor
cruel desespero
pra uma [ainda] criança

que não sabia o que era viver


eu cresci só sobrevivendo
01___________ tchau

às vezes ir é um ato de amor


um ato impulsivo de preservar
a última casca de tinta bonita
que fica na parede

desgastada e feia
01___________ perdida

vivendo guerras com o único homem


que amei
[além do meu irmão

eu amaldiçoei um eu te amo
paguei uma passagem de avião
silenciosamente planejei
no masp, na casa das rosas
eu te amo
te mostrar como vejo o mundo
a benção
a maldição
de ver tudo de modo poético
[e sofrer com isso
01___________ perdida

mas você foi patético o bastante


pra deixar escorrer nas mãos
a sorte que era eu me dividir

contigo
01___________ perdida

nunca aconteceu
e eu encarava perseu
sussurrando maldições
nos corredores do margs
enquanto tocava o soprano
da abramovic morrendo

não disse eu te amo


não em voz alta
mas quem viu o meu coração gotejar
ouviu muito bem

nunca aconteceu
o mundo desabou nas minhas costas

antes
01___________ perdida

escalei tantos muros


tentando te alcançar
que acabei queimando no caminho
todas as pontes que podiam
me trazer de volta para mim

tijolo por tijolo


tijolo por tijolo

e eu sempre deixava meu coração


de carro de corrida
bater neles

tudo de novo
tudo de novo
01___________ perdida

eu fazia de tudo pra me acidentar


e não precisar respirar por aparelhos
porque o primeiro impacto já seria
o suficiente
01_________ nem tudo pode se ajeitar

vivendo guerras com minha mãe


eu tranco a sete chaves o único afeto
que me recordo

ser tratada feito gente


ser ensinada a botar o absorvente
enquanto o sangue escorria
e eu sentia culpa
encaixando legos
[na calcinha

não me sinto pertencente


a essa lembrança curta
no dia seguinte eu era chamada de puta
01_________ nem tudo pode se ajeitar

sangrei aos treze


sangro em alguns dias
um me inseria culpa
o outro me insere a saudade
de um carinho nunca recebido
de uma lembrança rara

mergulho em um rio de lama escura


caio de cabeça na constelação de órion
enquanto sou dedada
no meio da rua
tentando me encontrar
01_________ queria que fosse diferente

vivendo guerras com o que restou


da minha primeira paixão
boba inocente aprendiz
esperto monstro manipulador
disfarçado de carinho

tento incinerar mas nunca consigo


apesar de nunca usar o fogo brando
o alto ainda não é o suficiente
que inferno
hoje sei que não foi culpa minha
em nenhuma das vezes
01_________ queria que fosse diferente

cuidado, garcia
não se vanglorie
você nunca vai levar o troféu
de ter roubado pela primeira vez
a minha inocência

já fizeram isso antes


01_______ estou aqui e agora

vivendo guerras com a solidão


que me resta
às vezes é mergulhar a mão
no café queimando
às vezes é dançar balé
às vezes é atirar no meu pé
balé lembra o sobrenome francês
da minha mãe e seu glamour

esperar por um curativo


que não tem que partir de ninguém
só de mim mesma
mas aos vinte e nove anos
eu tenho a coragem de dizer
é um prazer estar viva
botar as cerejas da vida nos dedos
e prestigiar cada pedaço
01_______ estou aqui e agora

vivendo entre perdas,


inclusive a de mim mesma

e me perco
e me acho
e parto
e reconstruo
e morro
e revivo
de novo
e de novo
e de novo.
01_______ estou aqui e agora

vou quebrar ossos


vou colar eles
com o sal da lágrima
com a densidade da saliva
com o tremor do grito

eu renasço quantas vezes


forem necessárias
porque só eu sei
quantas vezes viajei
pro inferno

eu também sou, sylvia.


eu também sou.
02

vivo em paz
mas não acredito no choro
pelo leite derramado
de quem eternamente vai vestir
os suéteres vermelhos
tecidos com as linhas
do meu sangue
03

soluçando em copos quentes


eu pensei em você
o dia inteiro

com as mãos queimadas


caminhando pela casa eu acendi
pequenos restos de velas vermelhas
e com as mesmas mãos
que um dia te glorificaram
enquanto de joelhos eu ficava
no carpete xadrez da sala

as mesmas mãos que depois


tentaram te expulsar de mim
como uma doença maldita
03
eu acendi pequenos restos
de velas vermelhas
cheirei os buquês que mudaram
pra cor da morte aos poucos

não é lindo como após o fim


de algo tem coisa que volta
a ter cor?
como tem faísca que ainda fica
acesa após a chuvarada repentina?

mas sobre as cores,


não é a cor que vemos
com os olhos
é a cor que sentimos com a alma
com esse fogo estranho dentro de nós
ou pelo menos dentro de mim
esse fogo chamado - acreditar
04

eu sou um grande cetim verde musgo


eu danço ao vento das quatro
eu posso balançar às duas da manhã
embaixo da constelação de órion
mas sou volátil o bastante pra rasgar
no primeiro toque brusco
obrigada pelo apoio imenso
dado ao meu trabalho nesse ano.

espero que de alguma forma esse


pequeno amontoado de escritas
tenha feito eu conseguir chegar
ao nível de apoio de vocês.

que o novo ano seja bom pra mim


seja igualmente bom pra vocês
porque a gente merece
:)
e se você espera um sinal
pra entrar nessa nova fase:

não adianta pedir algo novo


se você ainda se prende
em tranqueiras que não
te servem mais.

com carinho,
carolzão
230894 ____ jan. 2024

não reproduza nenhum conteúdo


deste arquivo e se postar em algum
lugar, por favor, não seja babaca.
me credite.

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