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© Bruno Silpes

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Bruno Silpes

Todos os direitos reservados ao autor


Bruno Silpes
Vila Velha, ES.
E-mail: brunosilpes@gmail.com
Sumário
NOTA
Nada
Rascunho
I. DUAS ALMAS
Duas Almas
Liberdade
A alma sem sombra
As almas
Terra de gigantes
Outra alma
Jardim
Chuvas
Ritual de acordar
A noite
Boa noite
Mágica
Soneto da alma humana
II. MATURIDADE
Maturidade
Amor de fruta
Amor sagrado
Halloween
Som
Ressaca
Exorcismo
Dose
Cuspe
Desvivido
Sem esmolas
Doía
Vermelho
Métrica
Verso
Imperfeição
Fadas
Madrugada
Gravidade
Réveillon
Meu chorar é humano
Suicídio com os deuses
Sextou
Banho no escuro
A(prendi)
O meu olhar busca pareidolias
Conflito
Falha
Abandono na calçada
Retirada
A derradeira sorte
Metalinguagem
Incompleto
Rastros
III. O DESCREVEDOR
A vida
O amor
Ritual de criançar
A peteca
Carnaval
O quadro
Caixa
Caminhão
O tempo e o vento
Poeira
Sonhar
A lua
O Broto
A Barata
Hegemonia
Lugar desfeito
Desleitores
Tarde-Sem-Sol
O inferno
Choro
Ladainha dos folgados
Introvertido
IV. O APAIXONADO

Silêncio
Lembrança
O não amado
Desapaixonado
Te trouxe flores, amor
Me espere com flores
Andarilho
Regador de olhares
Sorriso
Saudade
Descalculo
Apaixonado
Companhia
Contrafuga
Dor
Geladeira
Instintos
V. POEMA DE MORTE
Poema de morte
NOTA
Desejava que este livro pudesse receber o título de
Maturidade poética, visto que concluí aquele que
chamei de Infância. Mas talvez tenha me enganado um
pouco, e este veio a ser uma Adolescência poética.

Tenho uma mania de desgostar da concluir os projetos,


meu deleite maior se dá enquanto escrevo. Mas, mesmo
assim, é preciso concluir. Isso me fez abrir melhor
os olhos e acreditar que houve, de fato, uma pequena
evolução ao passar, do primeiro, para este.

Enfim, está concluído, apesar de tudo. E eu espero


um dia possa existir, quem sabe, um próximo, chamado
Maturidade poética de verdade e em todos os sentidos
(pequenas grandes ambições). Enquanto eu o escrevia,
trabalhando os versos previamente prontos, pude
sentir, pela primeira vez, a importância de se sair
do rascunho.

Os poemas daquela criança, que compunham o Infância,


já não estão aqui. Mas, de alguma forma, parece ter
sido a mesma criança que os escreveu.
Obrigado por botar lenha na fogueira e fazer a
minha arte realmente acontecer!

*Este é o meu segundo livro. Para mais informações,


acesse o meu instagram @brunosilpes
Bruno Silpes.
Nada
Se o tempo resolve tudo,
e o nada?
Fica sem solução?
Se eu fosse para o dicionário
estaria cheio de nadas na definição.
Rascunho

Sou confuso.
Não sei se escrevo antes de tudo,
ou se escrevo antes de mais nada.

Tenho que contar as histórias


antes que elas terminem.

Eu tenho que terminar as histórias


antes que elas acabem.

Eu preciso termina-las
no mais justo final,
senão, o final
fica incompleto.

Não será um final


se não puder ver os rostos
com sorrisos ou lágrimas,
com raiva ou alegria,
tristeza ou solidão,
medo ou tesão.

Eu preciso terminar as histórias


para que tenham finais infinitos.

Se o que eu escrevo
não sai do rascunho,
significa que eu
também estou no rascunho.
I. DUAS ALMAS
Duas Almas

Esta alma de poeta que possuo


É ainda bem mais nova do que eu,
Por isso escrevo o que me vem à mente,
E quando escrevo sou outra pessoa
(quem dera ser um pouco de Pessoa).

Não o poeta que escreve poemas,


Mas a criança que escreve poemas,
Mas não a criança que faz poemas,
E sim aquela que escreve sentidos,
E mesmo às vezes sem sentir, ensina,
Ensina coisas de outra disciplina.

Mas, de todas essas coisas, a vida


Ninguém nunca soube bem ensinar
Mas todos souberam sim aprender
E aprender não é só corretamente.

Perdi as asas logo na infância.


Não entendo bem o que é a distância
E ainda não gosto muito de altura.
Às vezes insisto em andar em círculos,
É que a linha reta me deixa tonto.
Mas como prova de minha insistência,
Escrevi em linhas as tuas curvas.
Ninguém sabia disso até agora
Mas como essas notícias atravessam
Como se elas tivessem vida própria,
Deixo dito aqui para quem entende.

Minto um pouco porque escrevo muito,


Mas eu gosto de escrever a verdade.

Ingênuo como o poeta sábio,


Que não falou sobre o amor primeiro,
Mas o que falou da primeira amada,
E sabendo ser o mais verdadeiro,
Retomo então a falar sobre ti,
Depois de tantos versos fracassados.
Os versos são o amor que prometi,
Porém agora são mais trabalhados.

Mas eu gosto de escrever a verdade:


Que esse teu corpo é muito mais perfeito
Quando os meus olhos param para vê-lo.

Mas eu gosto de escrever a verdade:


Que essa tristeza que venho sentindo
É que insisto em lembrar mesmo sem ver
E que é lindo esse estrago que me causa.

Esse grande aperto no coração


É você se afastando mais de mim,
Mas eu não quero desatar o nó.

Mas isso para mim não faz sentido


Há em nós um peso enorme ao sentir.
Então fugi de mim por muito tempo,
Mas um dia a saudade me partiu:
Almas conflituosas, violentas.

Acordo no fundo do precipício,


Abismo mais escuro que meu peito.
A minha criança nasce e renasce
De um velório diário obrigatório,
Um velório muito mais que bonito
E que permanece no ocaso inteiro.
Há beleza no ocaso como há
Começos em todos os fins e meios.

Ouço poucas luzes no meu caminho,


Mas ainda tenho uma sombra forte.
Vejo poucas vozes no meu destino,
É um deserto sem água e sem norte.

Esta é a minha fiel armadura:


A criança mais ou menos madura,
Que não castiga o mundo com o olhar.

Sou uma criança no berço,


Que ainda não veio ao mundo,
E espero um dia acordar.

Um fato interessante sobre o tempo


É que ele alimenta a evolução
E também te deixa mais exigente
Mas você passa a usar liberdade
E descobre que sempre foi livre
Ao estar preso a você mesmo,
Morando nas caixas escuras da mente:
Um campo nublado,
Um campo minado,
Turvo e torto,
Que não te deixa andar decentemente,
Mas quando sai da tempestade,
O andar de bêbado já lhe pertence
E você não se desfaz dos seus lares,
Familiares, mas agora abertos,
E continua morando no mundo,
Pensamento incessante no futuro
E sempre a desejar os bares.

Porém o importante é que estou vivo,


Mas o que uma alma fala,
A outra alma não entende,
E como consequência disso
Uma alma minha é só raiva,
E a outra alma é saudade,
A dualidade me confunde
Uma alma minha é estética,
E a outra alma é expressão,
E essa confusão me cega
Uma alma pede que eu fique,
A outra manda que eu fuja,
Me parto cada vez mais,
Uma alma minha me guia,
Enquanto a outra me puxa,
E assim me divido
Em abrigos terrestres
Ou imaginários,
Mas nunca seguros.

Eu moro no canto escuro,


No pulsar que é o último,
Moro em cima do muro,
Dentro e fora do túmulo,
No choro de um recém-nascido,
Moro no silêncio do grito,
No som daquela noite
Sem lobos, sapos e grilos,
Eu moro na beira do abismo
E desço quando me vem o choro,
Eu moro no fundo do poço,
Eu moro na poça de água,
Me banho nas águas do fosso,
Eu moro na poça de barro,
Moro no suspiro do morto
E na solidão do vivo,
Eu tendo a sentir pelos outros,
Mas os outros não sabem que sinto,
Eu morei na taça de vinho tinto,
Fui bebido,
Fui bêbado,
Eu morei na ressaca,
Morei na calçada,
Morei no ralo,
No rodo,
E no pano,
Eu morei num sonho profano,
Morei no banco da praça,
Observando a fumaça
Que deixa cinzas
Onde eu vou morar.

Eu moro em tudo que existe,


Mas as coisas que não existem
São muito mais do que as existentes.

Me olho no espelho manchado


E o reflexo não é o mesmo de ontem.

Eu tenho uma dívida de amor comigo mesmo,


Foi uma promessa de peso
Que agora não me deixa andar,
Mas eu ando todo dia.

Sinto uma dor que me corta ao meio


Por não ser todo inteiro,
Com almas sem sincronia.

Essa é minha agonia:


Sonhar mil vidas e viver uma,
Acumulando almas,
Mas elas não se acumulam.
Esse é meu sofrimento:
Parecer louco aos olhos dos outros.
Eu deito sem sono e esperanças,
Esses olhares alheios
Têm mais brilho do que os meus.

Eu não mereço a poesia,


Sou pequeno demais
E essa minha pequenez
Faz com que eu não caiba em mim mesmo.

Acho bonito esse mundo


Que eu pertenço
Sem fazer parte.

A poesia é líquida
E transborda em mim.
A poesia é solida
E pesa muito em mim.
A poesia me rasga
E escolhe em mim uma parte:
Eu tenho uma alma feia,
Mas a outra alma é arte.

Meu corpo agora é máquina.


Minha presença é companhia.
Minhas almas me compraram,
E eu sou um garoto de programa.

Pra caber em você eu me parto.


Pra partir com você eu me largo.
Pra falar com você eu me abro.
Pra dormir com você eu me acordo.
E pra sorrir com você eu me engraço.

Nós somos dívida,


Geração abóbora.
Sim, nós somos dívida
E ninguém mais nos paga.
Estamos devendo amor
Uns aos outros.

Mas eu gosto de escrever a verdade


E a verdade é que eu sou dúvidas.

Com todo o ódio que eu guardo da vida,


Amor, eu ainda te amo.

Eu sou dúvidas,
Sou dívidas.
Eu, com duas almas na vida,
E você não aceita nenhuma.

Me expresso com palavras,


E assim também eu penso.
Aqui sempre houve uma dúvida
Se as minhas almas não se completam,
Mas na verdade elas se chocam
Onde está realmente o poeta?
Liberdade

Eu tenho duas almas seguras.


Uma alma minha é imunda,
mas a outra alma é pura.

Se há um pouco de alma
no teu coração,
eu poderei sentir e,
quem sabe ainda,
tu possas ser livre.

Caso aconteça,
estarás libertando também
parte de mim.
Eu serei grato
por toda a minha liberdade.
A alma sem sombra

Tanta coisa dita em silêncio.


Houve uma morte no escuro.

Tantos erros cometidos


ao seguir conselhos.

Tanta descoberta
ao acordar de vez
uma alma minha:
A alma surda.

Surdez em público.
Cegueira em público.
Falante,
no mesmo escuro
em que a outra morreu.

Provou aquilo
que não era silêncio,
e naquele mesmo escuro
foi onde tudo
se acendeu.
As almas

Sorrindo contente,
desfrutando liberdade,
voa a alma
presa em mim.

Alma sem corpo,


quase feliz
quase infeliz,
presa em mim.

Tampo sua luz


com tanta tristeza,
que agora a alma
não quer voar.

Sorri contente,
voa em liberdade
quando descobre
que não está sozinha.

Voam as almas,
quase felizes,
quase infelizes,
e eu preso a elas.
Terra de gigantes

Imagina se os corpos
fossem do tamanho das almas.
Outra alma

Há em mim uma criança infinita


e em sua mão um estojo colorido
e por onde quer que eu ande
com esse meu olhar cinza
ela faz a arte
de pintar infância em tudo.
Jardim

As flores no meu coração


morreram quando deixei de chorar.

Mas quando as minhas metáforas


estavam próximas de acabar
o jardim tangeu, levemente
na antítese de minhas almas
e tudo floresceu novamente.
Chuvas

Antes de chorar
eu rogo
para que as nuvens nuas
presas no céu
nunca se cansem
de praguejar amor
e de chover sóis
sobre as almas
de coração solitário.

Antes de sorrir
eu choro
e faço tudo de novo
para que chovam sóis
nas almas.
Ritual de acordar

Acordo.
Não é tão claro como a noite.

Uma alma minha dorme,


talvez por isso não me sinto acordado.

Meus pés estão dormentes,


invejo-os
e fecho os olhos novamente.

Acordo
indisposto.
Ainda é dia.
Mas que dia é este,
tão grande?
É verão,
o primeiro dia do verão,
o solstício me afeta novamente.
Não dá mais para esperar a noite.

Acordo
esfregando os olhos fracos
como quem acaba de nascer,
naquela fraqueza pesada
como quem acaba de morrer.
A noite

A noite
corta
e separa
a alma
do corpo.

Transformando
assim
num ser
bifurcado
em que o sono
vira um sonho
torto.
Boa noite

Digo boa noite


na esperança
de que alguém
me acorde
antes d'eu sonhar.
Mágica

Saber fazer sorrir


é o maior truque do mágico.

Isso, por um lado é poético,


mas por outro lado é trágico.
Soneto da alma humana

A infância morreu no meu peito


Sem nunca antes ter nascido
Foi um sonho não cumprido
Que tão cedo teve o seu leito.

Então em mim só tristeza tinha


Talvez mais viva do que eu
Eu sou um jardim de espinhos
Onde o que é triste não morreu.

Meu pulso é um fraco raciocínio


Que insiste em calçar a vida
Descalço, nu e sem rumo.

Eu morro nas tardes, sozinho


E vislumbro a margem tingida
Dentro de um banho no escuro.
II. MATURIDADE
Maturidade

Me pediram para escrever


um livro erótico.
Devo estar agindo
com safadezas demais.

Mas a minha maturidade


é ser imaturo
até quando não se deve.
Amor de fruta

Amor de fruta:
Descasca e chupa
Descarta e chuta.
Amor sagrado

Te crucifiquei no meu peito


e rezo todos os dias
para que tu possas
me ressuscitar.
Halloween

Choveu doces no halloween.


Os pais gostaram,
as crianças nem tanto.
Som

O pássaro tem voz


ou desenha o som
no vento?
Ressaca

Estou de ressaca.
Não bebi para matar a sede,
bebi para achar a graça.

Mas as graças se espantam


quanto mais eu bebo
e a ressaca
é de solidão.
Exorcismo

Eu vou exorcizar uma alma minha


Um lápis me servirá de arma
Armado, estarei seguro
Com uma alma só.

Vou me cuspir para me encontrar.


Desejo que o sol me queime
E que o vento me sopre em chamas
Como um vampiro, imortal
Querendo provar a morte.
Dose

Só uma dose
daquilo que dói:
Amor.

Ninguém se importa
é só pra mim.

Ninguém precisa saber


do que me alimento.

Ninguém quer saber


o quanto sinto
e que quando passa o vento
choro e grito
oro e xingo.

O que importa
é só meu silêncio.
Cuspe

Cospe no chão
tudo que disse sentir
e costura no meu coração
o ritual que preciso ouvir.

Paciência comigo.
Não sou como você imaginava,
não é?

Você é como eu imaginava


e um pouco mais...
que estranho!
A gente nunca acerta,
sempre se surpreende,
ainda bem...

Posso dizer que te amo,


sei que vai sorrir pra mim,
você é como eu imaginava,
mas talvez amanhã esteja confusa
e eu esteja confuso.

Você é como eu imaginava


e um pouco mais...
que pena.

Erramos.
Mas não erramos feio
Erramos bonito.
Desvivido

Para onde foi toda aquela vontade


com que eu sempre me imaginei
preenchido?

A coragem com a qual eu sonho


me toca os cabelos
e sopra os ouvidos,
(que linguagem é essa?)
mas não me possui por inteiro.

Tenho medo
de que meus sonhos morram
quando notarem
a falta de vida
dentro de mim.

Deve ser feio


ter tantos sonhos
e nenhuma vida.
Sem esmolas

Em volta do homem
havia moedas.

Não era esmola,


eram moedas
que saltavam
dos bolsos das calças.

Ele recolhia moedas do chão,


esmola, nunca recebera.

Uma vez,
soltou a voz para pedir
e disse a si mesmo
que em troca
daria um sorriso
pelas moedas
que matariam sua fome.

Mas sua voz era feia,


sua voz
quase o matou de fome.

Então ensinou moedas


a saltar.
para fora dos bolsos,
que ele estaria ouvindo
quando elas caíssem.
Doía

Doía onde eu cortei


Mas não foi nada
Só a parte que sentia sua falta
Mas já melhorei
Não sangrei
Apesar de ser um corte enorme
Mas chorei
Chorei como quando alguém morre.
Vermelho

Meu coração é espelho:


partes de mim com alguéns.
E cada parte do espelho
me corta pelos amores que não me veem.

Meu coração é jardim


que germina flores a cada olhar.
Toda flor é bela pra mim,
mas nem sempre vale a pena regar.

Então,
curado de parte das dores,
perfumado menos que as flores,
flores que são rosas,
mas que se vê o vermelho,
vermelho
dos meus amores,
das minhas dores,
em que o sangue escorre
nos pedaços do espelho.
Métrica

Vamos andar sobre a métrica


a passos não muito largos,
que toda a graça poética
nos tira o peso do fardo.

Vamos andar de mãos dadas,


tu com o mundo no colo,
seu sorriso ensolarado
ilumina mais que o sol.

Vamos dormir abraçados,


deitar nos sonhos mais altos,
cobrir os corpos suados
com nuvens d’um céu nublado.
Verso

Li o teu verso.
Mas você nem faz poesia.

Desculpa;
li o teu inverso
quando leu o que eu escrevia.
Imperfeição

Ela me disse não


e hoje sou só lamento.
Minha mãe me elogiava tanto
e hoje já não acredito.

Mas eu amo,
amo muito,
essa coisa de imperfeição.

Eu quero melhorar
mas não dou um passo
e não mexo um dedo
na direção certa.
Fadas

Por que tanto pesadelo


em tão pouco tempo de sono?
As fadas sob meu travesseiro
desistiram de mim.
Se puseram a cuspir-me
e a xingar-me.

E todo esse enxágue mágico


escorre em meu rosto
como lágrimas.

Agradeço,
faz tempo que não choro.

Meu sono pequeno


me traz uma sensação
de pertencimento
a essa humanidade
que não sonha.

Mas há muita magia em sonhar.


Madrugada

O que mais existe na madrugada


além de mim e de minhas lágrimas?

Eu choro enquanto a vida passa


diante dos meus olhos, sem pausa.

Mas eu deito, em pausa.


Meus olhos só choram
enquanto eu
rio.

Eu só quero marcas na alma


de um amor, uma história e um sorriso.
Até aqui, meus passos não dão uma palma
eu não sou a vítima, mas insisto nisso.
Gravidade

As coisas caem
todas no chão.

E aqui estamos,
aguardando calados
os sons de queda.

Caem as chaves,
caem os sonhos,
cai a cama,
a graça, a
piada.

E a vida segue
desajeitada.
Réveillon
Beba seu champanhe
como se nele estivessem
todos os medos e problemas.

Beba sua vida


num gole só
para acordar morto
no dia seguinte.

Encha sua taça,


não tenha cuidado com ela.
se encha de rituais.

Beba, é seu direito,


a embriaguez te aguarda.

Eu vou ficar aqui


largado sozinho
por mim mesmo,
com os sentidos intactos.

Mas alguém passou


e bebeu minha vida,
levou a vaidade
e a disposição que eu não tinha.

Há um ano
eram os mesmos rituais
zumbindo esperanças
e erramos.

Agora é momento de recomeçar


de reerrar.

Como gostamos disso.


Ah! Como gostamos disso.

Eu sou um poeta confesso


escrevo sobre a vida
e sobre o resto.
Há esperança em mim,
que alguém me escute.
Mas estão todos surdos
pelos fogos,
cachaça,
e água do mar.

Estão todos cegos


e caminham sem rumo
em direção ao futuro
prestes a chorar
mais uma vez...
Meu chorar é humano

Que mania errada a minha,


botar as dores em versos,
quem lê até se assusta
com a vítima que pareço.

Eu escrevo as dores que sinto,


se eu as contar acabo chorando.
A minha lamúria é poesia
e o meu chorar é humano.
Suicídio com os deuses

O inferno virou cinzas


do próprio fogo
que brilhava
para fora da terra.

No céu,
os deuses choraram.

A chuva foi tão pesada


que jamais tocou o chão.

O primeiro sintoma
foi minha fé.
Fé que quase não tinha.

Depois de um remédio
não havia demônios,
nem anjos,
nem deuses.

Era só eu
com dores
e analgésicos.
Sextou

Quantos porres cabem


em uma sexta-feira?

Às vezes o porre é tão forte


que é preciso mais de uma sexta.

Mas, às vezes,
a sexta é tão pequena
que nem queremos
sair de casa.

Mas quando saímos


descontamos
e adicionamos
um pouco de sábado
nas sextas.

Então, cuidado
pois nos próximos porres
você pode não ter mais
sexta-feira para aguentar.
Banho no escuro

Eu não sei o que fazer


nesta solidão.
Eu mergulhei
porque não sabia
como seria
me afogar.

Minha geladeira
tem problemas de saúde.
Assim como eu
ela suspira
e tenta viver
a cada minuto.

Sinto um gosto azedo na boca,


tento engolir,
mas ele sai de mim,
de dentro de mim.
sou eu.

Devo ser azedo.


Por que ninguém nunca
me disse isso?

Eu não sei o que fazer


na escuridão.
Tentar dormir é inútil,
preciso esperar até,
no mínimo,
três da noite.
Da manhã.
Da madrugada.
Não sei mais.
Não importa.

Sei apenas
que vou acordar morto,
sem vida para nada
até anoitecer.
A(prendi)

Romantizei demais a poesia.


Não foi boa ideia.

Quando se romantiza demais


você se torna dependente
muitas vezes sozinho.

Já fui dependente
de pessoas
por romantizar
as relações.

Aprendi
e não quero depender de coisas.
Não quero depender da poesia.

Quero poesia
Não aprendi.
O meu olhar busca pareidolias

Eu sou como areia


que se move por aí
sem imaginação.

Eu sou um glossário incompleto


onde em cada palavra
não há definição.

O meu olhar busca pareidolias.


Eu vejo o inexistente.

Para mim
uma parede é um mundo
há criaturas deformadas
e outras
tão bonitas quanto as nossas.

Há rostos tão expressivos


nas pareidolias
que quando os encaro
eu não me expresso.

Às vezes
as criaturas se misturam
e formam outras
infinitamente.
Quando o silencio é enorme
elas respiram.
A parede respira,
e eu perco o fôlego.
Conflito

Sob a minha assinatura


mora uma parte de mim
que eu não assino.

As pessoas estão dormindo


como se nunca antes
tivessem
acordado.

Estou tão acordado


que parece
que nunca antes
estive realmente
vivo.
Falha

Se existe um deus,
este mundo é a dor
que ele está sentindo.

Ou a lágrima
que caiu do seu rosto
depois da gargalhada
que ele deu
por ser tão
ganancioso.
Abandono na calçada

Na rua,
pegadas que ninguém quis
marcadas
pelas patas-mãos dos infelizes
abandonados
pelas bestas bípedes
que choravam
e insistiam em deixar seus rastros.
Retirada

Eu me retiro das festas


antes do show começar.

Me retiro de mim
antes de entrar nas festas.

Só vou me encorar novamente


no dia seguinte.

Não há histórias
e nem lembranças
dignas de gaveta.

Não há nada.
Nuca há nada
além de um passado.
A derradeira sorte

A derradeira sorte
nasce no silêncio,
sai pelos olhos,
escorre pelo rosto
e cai no canto
da boca,
no canto
de um sorriso.

O canto afinado
da felicidade.
Metalinguagem

Tenho que lavar as mãos


porque fiz coisas horríveis.

Tenho que me desculpar com as pessoas


porque tenho medo delas.
Mas ainda me espanto com muitas,
Seria injustiça.

Eu tenho metades
de corpo
medo
e ódio.
Mas ainda me falta alguma coisa.

Conservo sorrisos em lembranças,


talvez um dia precise deles,
mas tenho medo de não precisar.

É fácil sentir medo,


a vida é uma imensa armadilha.
Felizes são aqueles
que estão longe de mim.

Cada dia
parece tão pequeno
no meu peito.
E eu me recolho
antes do choro.

Me deem seus corações,


eu quero sorrir.

Tomo um banho no escuro


durante um sonho molhado.
Durmo assistindo a noite clara
que está lá fora.
Eu escrevo poemas.
É entediante
não poder falar
de poesia.
Incompleto

Me sento na cama à noite,


noite quase amanhecida.

Me sinto tão vazio


quanto um corpo humano,
e tão pesado
quanto uma pena
que o vento faz cocegas.
Este sou eu.

Há tanta gente
sorrindo mentiras.
Eu me espanto com isso,
devo ser incompleto.
Não me faltam sorrisos,
me faltam mentiras.
Rastros

Eu nasci humano.
Um anjo
sem direito ao céu
se escondeu em mim.

Eu queria ter sono bom


só para poder sonhar.

Mas
se eu tento dormir
o sono se vai assim.

Preciso ficar acordado


para manter o sono em mim.

Eu tenho o sono tão leve


quanto o meu peso na vida.

Tenho muitos medos


e o que eu faço
é sorrir para mim mesmo.

Eu rastejo no chão
para ser notado.

Tenho medo de atravessar a vida


e não deixar rastros.
III. O DESCREVEDOR
A vida

Bem-vindo à vida,
o parque onde tudo acontece.

Onde amamos,
sentimos dor
e, anda assim,
insistimos no amor.

Do outro lado:
a morte.

Lá, nada acontece.


É só isso.

Mas eu acredito
que lá
os corações são roubados
quando feridos,
e no lugar é deixado o vazio,
assim ninguém ama mais.

Mas a vida...
A vida nos cativa
e nos guia
nas entrelinhas do tempo.

Seguimos na obrigação de vivê-la


e na impossibilidade de mudá-lo,
e a morte aguarda,
dócil,
o momento de atacar
ferozmente.
O amor

O amor me passou mal


e eu adoeci.

O amor:
um veleiro sem vela.

Me levou,
tonto,
até onde não pude
deixar de ir a mar.

Naufrago em águas escuras


com boias "salva-vidas"
que me escamam por fora e por dentro
com cascas de sentimento.

Sempre molhado
de mar,
naufragado na ilha Desejo,
sempre morrendo,
porque o amor me passou mal
e eu me afogo constantemente.
Ritual de criançar

Eu não quero envelhecer,


mas não posso mudar isso.

Eu boto infância nos meus atos,


mimo meus pensamentos
pro tempo não me pegar.

Assim eu me crianço
enquanto puder sonhar.
A peteca

A peteca,
colorida,
apanha,
geme e grita
enquanto as palmas
a acariciam
em um gesto de brincar.

Tapas sem pena


fazem o seu
despenar.
Carnaval

É carnaval.
O que faz o verão ser verão
mesmo não sendo mais verão.

Mesmo sendo outono,


me deixe,
é carnaval.
Preciso curtir.

Não curti o réveillon,


estava trabalhando
para ter férias
no carnaval.

É verão,
e o carnaval se outona.
É carnaval,
mas, antes de tudo,
é outono.
O quadro

Na parede tem um quadro


de uma bailarina
que dança incansavelmente.

Nunca olhou pra mim.

Ela deve estar cansada


de dançar.

Talvez ela se senta,


ou se deita,
quando eu durmo.
Mas eu quase não durmo.

Como ela consegue


não olhar pra mim?

Eu queria dançar,
bailarina.
Eu queria dançar.
Eu te invejo,
seja lá quando for,
você dança
e não olha pra mim.

Eu te invejo
por saber dançar
e eu também queria
não olhar pra mim.
Caixa

A aula,
jaula.
A jaula:
caixa,
para pensar-se fora dela.
Caminhão

Caminhão
de placa MTI.

Caminhão,
de muito vale seu “ão”.

No meio do para-choque diz,


em letras também “ão”:
"Jesus está comigo".

E no seu canto,
já não mais em “ão”:
"Mantenha distância".

Quanto egoísmo, caminhão.


Mas eu não culpo você.
Há muitas pessoas por aí
que de alguma forma acreditam ser
caminhões MTI.
O tempo e o vento

O vento voa,
e no voar do vento
se desloca, também, o tempo
como pulga de ave.

E em cada sopro do acaso


o vento muda.

Vento elástico,
macio,
e doido,
em que o tempo se arrependeu
de morar.

Mas é nesse voo artístico,


mútuo,
que os construtores
empurram a vida
desgovernada.
Poeira

Poeira
amarela,
vermelha.

Poeira
de todas as cores,
que me espirrou para cá,
longe da cidade,
longe da fumaça
cinza
e dos sons poluídos.

Poeira grossa,
que se levantou depressa
após o vento da lembrança,
e que agora,
poeira passada,
poeira pesada,
se adere a mim
formando crosta
de saudade.
Sonhar

Sonhar te faz bem?


Sonhar arte faz bem!
Sonha, arte ajuda a sonhar
Sonhar-te é salutar.
A lua

A lua foi incendiada


e, assim como o fogo
queima as almas,
ela queimou a noite inteira.

Não houve escuridão,


foi um dia eterno e,
quando a lua se apagou,
nunca mais houve noite.
O Broto

O broto
mais solto
da encruzilhada
e de tão solto
não brotou nada.

Não tinha cor


nem mesmo espinhos
morreu sozinho
sem poder brotar.
A Barata

A barata
esquartejada
ainda se movimenta.

Insiste na luta.

Torce para que eu vá


e a deixe só
com suas angustias e cortes.

Barata,
inseto feio,
que muito enoja
e põe aos gritos
às vezes
até a morte.
Hegemonia

Ainda antes do amanhecer


Uma escuridão ofuscava o céu
Rindo de nós, pesados no chão.
Ofuscou, ofuscou, ofuscou
Rastejou-se para o espaço
Ainda antes do amanhecer.

O dia veio, brincou


Como se não houvesse amanhã.
Agora já era tarde,
Soltaram a noite e ela caiu.
Ofuscou, ofuscou, ofuscou...
Lugar desfeito

Há um rio de areia
nessa parte do chão.

Alguém lá em cima
deve estar desfazendo a água.

Ainda vejo um rio,


peixes de pedra pulam
em busca de água.

Quando chove,
as pedras vão nadar
na lama.

Ninguém consegue
desfazer a chuva.

Este espaço
já foi um lugar,
antes dos homens
o desconstruírem.

Eu sou o homem
menos humano,
mas sem querer
ainda desfaço
o pouco de lugar
que há neste espaço.

Há um corvo no chão
aguardando a morte das criaturas.
Morremos para ele
ou comemos sua carne?

Não
Carne de corvo
Deve ter um gosto de corvo.
Só um corvo sabe o que é ser corvo.
Desleitores

Parou de chover e a biblioteca secou.


O mar invadiu as prateleiras.
As ondas brancas e profundas
Nadaram.
Tarde-Sem-Sol

Tarde sem sol.


Há quanto tempo não te vejo,
pôr-do-sol?
Quantas tardes não te vejo,
sol?

Quantos sóis se faz com uma tarde?


Uma tarde que se põe
para chegar a lua.

A lua eu vejo.
Vejo muito.
"Lua intimidade".

Muitas noites bebendo juntos,


dando nome às estrelas,
e dormindo juntos
quando o sol está nascendo.

Uma parte do que era dia


é uma biblioteca ainda vazia
como sempre foi meu coração.

O amor te enganou
e você não percebeu
a mim você não quis
então a vida me matou
e a noite me acolheu.

Quantas luas se faz, assim, bêbado,


pôr-do-sol?
Quantas noites você aguenta,
ó tarde sem sol?

Eu comi um pedaço daquele pão,


o pão que a noite amassou
e ainda costurei meus olhos
antes de morrer,
morrer com medo de acordar.
O inferno

O inferno
tem ruas pavimentadas.

Este lugar em que vivo


é o inferno.

Não há santos no céu.

Pessoas buzinam nas ruas


às três da manhã.
Essas pessoas
são demônios.

Não há santos no inferno


(que é este lugar em que vivo),
os demônios
são burros.

Alguém buzina,
então competem.
Talvez por isso
o inferno
seja tão barulhento.

O inferno é como um pasto,


ou um chiqueiro,
tanto faz,
desde que desconsideremos
os animais.
Choro

Não consigo mais segurar


os choros que escondi de todos.

Não durmo mais


porque minhas almas brigam
quando me deito.

Não choro mais


porque não há ninguém
para me deixar chorar
para me mandar chorar.

Não choro mais


porque vou chorar
só mais uma última vez.

Mas não consigo segurar.


Então eu me sento
e escrevo,
soltando os choros.

Ninguém merece o castigo


de ter que suprimir o choro.
Ladainha dos folgados

Deixo de lado as conquistas,


os sonhos mais altos,
e observo meu medo.

Tenho os bolsos
cheios de pesos
que me impedem de sonhar.

Tenho mania de viver desejando


que os desejos se realizem
sozinhos.

A vida é um pequeno precipício.


Não há uma ponte
para os sorrisos mais duradouros.
E assim a gente continua
reclamando das mesmas coisas.
Introvertido

Meu destino é viver arrependido.

Meu coração gosta de problema.

Meu destino é pagar minhas dívidas.

Meu coração é um inverno de lembranças.

Não divida comigo suas esperanças,


minha mente é um cemitério delas.

Eu ando sempre distraído


sentindo solidão de mim mesmo.

Eu não tenho um coração bom o bastante pra você.


Falta mais amor em mim do que você pode imaginar.
IV. O APAIXONADO

Seus olhos me contam muitas coisas,


as coisas que eu quero ouvir.

Eles contam o que você queria falar


enquanto sua timidez te encolhe o corpo
e você tampa com a boca tantos sorrisos.

Te encaro
para que você veja meus olhos.

Te abraço,
depois de um longo diálogo visual.

Sabemos o nosso amor


porque nossos olhos contaram
e o silêncio
é a nossa testemunha.
Silêncio

No infinito cabem muitas coisas.

Há espaço no infinito.

No infinito
cabe até
o silêncio.

E o nosso abraço é tão apertado


que o infinito vem caber em nós.
Lembrança

Te vi em algum lugar,
não me lembro onde.
Me perdi completamente.

Quando você foi embora,


levou uma parte de mim.
Ficou comigo só a que ama
conversando com a parte
que eu roubei de você:
lembrança.
O não amado

Se eu soubesse por onde você anda


talvez eu não te encontraria tão fácil.

Quero ir
Depressa,
mas não posso.

Há demônios embaixo das estradas.


Sou eu.
Eu não quero ir.
Mas é uma questão de tempo
até que as flores ganhem espinhos,
as pétalas, resto de fogo
e que o aroma nos espante.

Então,
antes que eu me vá
floresça,
pois eu não quero ir
sem você.
Desapaixonado

Descobri
que não sei falar de amor.

As pessoas procuram,
desesperadas,
por amores.

Eu não sinto falta


de quem eu nunca vi.

Eu não sinto saudade


do futuro.
Minha relação é com passado,
mas o que eu sinto
é medo.

Meu presente
é reflexo
das minhas
inseguranças.
Te trouxe flores, amor

Te trouxe flores, amor.


Regue as flores,
deixe que eu pense
que você sente algo
só porque rega as flores.

Só porque fui eu
quem trouxe as flores.
Só porque te chamei de amor.

Te trouxe flores, amor.


Debaixo de chuva.
Regue as flores,
deixe que eu pense
que gosta de flores.

Quem não gosta de flores?


Você é minha flor,
se não me ama,
ame as flores,
porque o céu já me regou.
Me espere com flores

Me espere com flores,


tempere seu perfume,
tenho medo de me acostumar.

Deixe a luz acesa,


não temo o escuro,
só quero te ver quando chegar.
Andarilho

Tirei os pés
para morar no seu coração,
e assim, descalço,
vaguei, sozinho,
nesse amor frio
que você me deixou.
Regador de olhares

Eu posso falar de lágrimas,


eu sou regador de olhares.

Deixei de sentir em tudo,


agora só sinto a tristeza.

Mas ainda há uma saudade.


Eu posso ouvir a saudade,
ela grita
e eu a sinto.

Sinto a tristeza no vento,


que sopra o tempo e o destino.
Sopra o meu destino em meu ouvido,
dizendo que sempre vou me encontrar
entre os dedos da solidão.

Não choro por você,


mas, às vezes, meus olhos
ficam tão alegres
ao lembrar de ti
que resolvem lavar meu rosto.

Não sou o mesmo de antes,


ontem eu queria sair de casa,
hoje eu quero sair de mim,
a tristeza é fascinante.
Sorriso

Você pede que eu sorria,


Obedeço,
seu pedido é uma ordem.

Eu sorrio
para você sorrir de volta.
O seu sorriso é uma desordem.
Saudade

O tempo não existe


quando se está apaixonado.

Amar nos impede


de contar as horas.

Mas a saudade nos toma tempo


e fazemos questão de contar.

Saudade é a parte quase ruim


da paixão.

De vez em quando precisamos dela.


Senti-la é morrer aos poucos.
Morrer sorrindo
e acordar amando
talvez.

A saudade é uma bomba-relógio


que faz cócegas no coração.
Descalculo

Muitos amores vêm,


e mais amores vão.
Muito mais amores em vão.
Apaixonado

O verão teve um filho:


amor.

Com o sol
entrando direto
naqueles olhos castanhos
uma escuridão que não cabia em mim
foi se abrigar em outros infelizes.
Companhia

Sua pele é cobertor


para o frio que sinto
na alma.
Contrafuga

Sofro de amores velhos.


Acho que isso me persegue,
mas eu gosto de correr disso.
Tenho um estranho gosto pela melancolia.
Dor

Feio,
o poeta.

Já recebi elogios,
mas os ouvidos
ficam longe das almas.

Como poeta,
vivo de desamores,
sofro mais dores
que qualquer tipo de amor
pode provar.

Amar sempre dói tanto assim


ou isso que sinto é o peso
por amar alguém
que já se esqueceu de mim?

Não importa,
esta dor é minha,
tire o olho.
Geladeira

Não sei qual o dia da semana...


a geladeira continua vazia.

Me encontro lembrando dos diálogos


que eu sonhava ter com você.

O futuro certamente é imaginação.


O futuro
é a geladeira.
Instintos

Me comportando como um adulto


e sonhando como criança.
Eu cultivo meus instintos
para os primeiros contatos
mas os nossos contatos
sempre foram como primeiros.

Isso que você está fazendo agora


é saudade.

Eu cultivo meus instintos


só para você.

Não queria dormir


sem te beijar,
não quero o tempo
sem te ver.

Me dá um beijo
daqueles de final de filme.
Mas não se esqueça:
é só o começo.
V. POEMA DE MORTE
Poema de morte

O que dizer
num último verso?
O que eu deveria ter dito
quando comecei.

Mãe,
eu vou sentar aqui
para escrever
e se a poesia
não me corroer
por dentro
a ponto de me fazer chorar
lágrimas de verdade,
então me dê uma colher de veneno.

Já sou quase artificial.


Se a dor não me surgir novamente,
eu quero uma dor forçada,
eu quero uma dor que sangre.
Não importa o preço,
eu quero chorar,
eu quero escrever algo tão seco
quanto o choro
que eu repreendi até hoje.

Eu morri, mãe.
Torça por mim,
porque eu estou indo, agora,
renascer
num poema
e você não vai ver isso.

Não reze por minha alma,


eu tenho duas.
e ainda por cima
os deuses
brigaram comigo.

Pai,
eu virei ateu
quando o seu mundo acabou,
e só descobri isso
quando soube
o que realmente era o fim do mundo.
Acabou o seu mundo.
Acabou o mundo dos deuses.
Eu virei ateu
e ainda converso com ele
sem ele saber.
Eu deifico minhas palavras
sem ninguém saber.
Talvez nem eu saiba
o que há de deus em mim,
mas sei
que há deus em tudo.
Eu virei ateu
quando acabou o seu mundo.
Talvez as religiões
me queimem em uma noite escura,
talvez elas queiram mais,
eu virei ateu.
Eu vou me arranhar no vento
e sangrar escondido de mim,
mas vou me salvar
sempre que um novo verso
se sussurrar no meu ouvido
porque eu escrevo poemas.

As religiões vão me castigar.


Nem é tão difícil de ver
que os fiéis andam
com os bolsos cheios de pedras.
Eu quero ouvi-los,
todos,
cada pedra
que eu mereço.
Eu virei ateu.

E deifico minhas palavras


porque meus atos
são o castigo de mim.

Coisas boas
faltam em mim
mais do que o resto.
Sobram em mim,
mais do que o resto,
coisas ruins,
e eu
falto em mim
mais do que o resto.

Eu tenho uma cegueira


que enxerga sentidos,
e uma surdez
que ouve os nadas.
Se eu te ver de longe,
te reconheço
não pela aparência
mas pela alma.

Eu sou quase um mudo


mas eu não mudo
os meus silêncios.

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