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Sou confuso.
Não sei se escrevo antes de tudo,
ou se escrevo antes de mais nada.
Eu preciso termina-las
no mais justo final,
senão, o final
fica incompleto.
Se o que eu escrevo
não sai do rascunho,
significa que eu
também estou no rascunho.
I. DUAS ALMAS
Duas Almas
A poesia é líquida
E transborda em mim.
A poesia é solida
E pesa muito em mim.
A poesia me rasga
E escolhe em mim uma parte:
Eu tenho uma alma feia,
Mas a outra alma é arte.
Eu sou dúvidas,
Sou dívidas.
Eu, com duas almas na vida,
E você não aceita nenhuma.
Se há um pouco de alma
no teu coração,
eu poderei sentir e,
quem sabe ainda,
tu possas ser livre.
Caso aconteça,
estarás libertando também
parte de mim.
Eu serei grato
por toda a minha liberdade.
A alma sem sombra
Tanta descoberta
ao acordar de vez
uma alma minha:
A alma surda.
Surdez em público.
Cegueira em público.
Falante,
no mesmo escuro
em que a outra morreu.
Provou aquilo
que não era silêncio,
e naquele mesmo escuro
foi onde tudo
se acendeu.
As almas
Sorrindo contente,
desfrutando liberdade,
voa a alma
presa em mim.
Sorri contente,
voa em liberdade
quando descobre
que não está sozinha.
Voam as almas,
quase felizes,
quase infelizes,
e eu preso a elas.
Terra de gigantes
Imagina se os corpos
fossem do tamanho das almas.
Outra alma
Antes de chorar
eu rogo
para que as nuvens nuas
presas no céu
nunca se cansem
de praguejar amor
e de chover sóis
sobre as almas
de coração solitário.
Antes de sorrir
eu choro
e faço tudo de novo
para que chovam sóis
nas almas.
Ritual de acordar
Acordo.
Não é tão claro como a noite.
Acordo
indisposto.
Ainda é dia.
Mas que dia é este,
tão grande?
É verão,
o primeiro dia do verão,
o solstício me afeta novamente.
Não dá mais para esperar a noite.
Acordo
esfregando os olhos fracos
como quem acaba de nascer,
naquela fraqueza pesada
como quem acaba de morrer.
A noite
A noite
corta
e separa
a alma
do corpo.
Transformando
assim
num ser
bifurcado
em que o sono
vira um sonho
torto.
Boa noite
Amor de fruta:
Descasca e chupa
Descarta e chuta.
Amor sagrado
Estou de ressaca.
Não bebi para matar a sede,
bebi para achar a graça.
Só uma dose
daquilo que dói:
Amor.
Ninguém se importa
é só pra mim.
O que importa
é só meu silêncio.
Cuspe
Cospe no chão
tudo que disse sentir
e costura no meu coração
o ritual que preciso ouvir.
Paciência comigo.
Não sou como você imaginava,
não é?
Erramos.
Mas não erramos feio
Erramos bonito.
Desvivido
Tenho medo
de que meus sonhos morram
quando notarem
a falta de vida
dentro de mim.
Em volta do homem
havia moedas.
Uma vez,
soltou a voz para pedir
e disse a si mesmo
que em troca
daria um sorriso
pelas moedas
que matariam sua fome.
Então,
curado de parte das dores,
perfumado menos que as flores,
flores que são rosas,
mas que se vê o vermelho,
vermelho
dos meus amores,
das minhas dores,
em que o sangue escorre
nos pedaços do espelho.
Métrica
Li o teu verso.
Mas você nem faz poesia.
Desculpa;
li o teu inverso
quando leu o que eu escrevia.
Imperfeição
Mas eu amo,
amo muito,
essa coisa de imperfeição.
Eu quero melhorar
mas não dou um passo
e não mexo um dedo
na direção certa.
Fadas
Agradeço,
faz tempo que não choro.
As coisas caem
todas no chão.
E aqui estamos,
aguardando calados
os sons de queda.
Caem as chaves,
caem os sonhos,
cai a cama,
a graça, a
piada.
E a vida segue
desajeitada.
Réveillon
Beba seu champanhe
como se nele estivessem
todos os medos e problemas.
Há um ano
eram os mesmos rituais
zumbindo esperanças
e erramos.
No céu,
os deuses choraram.
O primeiro sintoma
foi minha fé.
Fé que quase não tinha.
Depois de um remédio
não havia demônios,
nem anjos,
nem deuses.
Era só eu
com dores
e analgésicos.
Sextou
Mas, às vezes,
a sexta é tão pequena
que nem queremos
sair de casa.
Então, cuidado
pois nos próximos porres
você pode não ter mais
sexta-feira para aguentar.
Banho no escuro
Minha geladeira
tem problemas de saúde.
Assim como eu
ela suspira
e tenta viver
a cada minuto.
Sei apenas
que vou acordar morto,
sem vida para nada
até anoitecer.
A(prendi)
Já fui dependente
de pessoas
por romantizar
as relações.
Aprendi
e não quero depender de coisas.
Não quero depender da poesia.
Quero poesia
Não aprendi.
O meu olhar busca pareidolias
Para mim
uma parede é um mundo
há criaturas deformadas
e outras
tão bonitas quanto as nossas.
Às vezes
as criaturas se misturam
e formam outras
infinitamente.
Quando o silencio é enorme
elas respiram.
A parede respira,
e eu perco o fôlego.
Conflito
Se existe um deus,
este mundo é a dor
que ele está sentindo.
Ou a lágrima
que caiu do seu rosto
depois da gargalhada
que ele deu
por ser tão
ganancioso.
Abandono na calçada
Na rua,
pegadas que ninguém quis
marcadas
pelas patas-mãos dos infelizes
abandonados
pelas bestas bípedes
que choravam
e insistiam em deixar seus rastros.
Retirada
Me retiro de mim
antes de entrar nas festas.
Não há histórias
e nem lembranças
dignas de gaveta.
Não há nada.
Nuca há nada
além de um passado.
A derradeira sorte
A derradeira sorte
nasce no silêncio,
sai pelos olhos,
escorre pelo rosto
e cai no canto
da boca,
no canto
de um sorriso.
O canto afinado
da felicidade.
Metalinguagem
Eu tenho metades
de corpo
medo
e ódio.
Mas ainda me falta alguma coisa.
Cada dia
parece tão pequeno
no meu peito.
E eu me recolho
antes do choro.
Há tanta gente
sorrindo mentiras.
Eu me espanto com isso,
devo ser incompleto.
Não me faltam sorrisos,
me faltam mentiras.
Rastros
Eu nasci humano.
Um anjo
sem direito ao céu
se escondeu em mim.
Mas
se eu tento dormir
o sono se vai assim.
Eu rastejo no chão
para ser notado.
Bem-vindo à vida,
o parque onde tudo acontece.
Onde amamos,
sentimos dor
e, anda assim,
insistimos no amor.
Do outro lado:
a morte.
Mas eu acredito
que lá
os corações são roubados
quando feridos,
e no lugar é deixado o vazio,
assim ninguém ama mais.
Mas a vida...
A vida nos cativa
e nos guia
nas entrelinhas do tempo.
O amor:
um veleiro sem vela.
Me levou,
tonto,
até onde não pude
deixar de ir a mar.
Sempre molhado
de mar,
naufragado na ilha Desejo,
sempre morrendo,
porque o amor me passou mal
e eu me afogo constantemente.
Ritual de criançar
Assim eu me crianço
enquanto puder sonhar.
A peteca
A peteca,
colorida,
apanha,
geme e grita
enquanto as palmas
a acariciam
em um gesto de brincar.
É carnaval.
O que faz o verão ser verão
mesmo não sendo mais verão.
É verão,
e o carnaval se outona.
É carnaval,
mas, antes de tudo,
é outono.
O quadro
Eu queria dançar,
bailarina.
Eu queria dançar.
Eu te invejo,
seja lá quando for,
você dança
e não olha pra mim.
Eu te invejo
por saber dançar
e eu também queria
não olhar pra mim.
Caixa
A aula,
jaula.
A jaula:
caixa,
para pensar-se fora dela.
Caminhão
Caminhão
de placa MTI.
Caminhão,
de muito vale seu “ão”.
E no seu canto,
já não mais em “ão”:
"Mantenha distância".
O vento voa,
e no voar do vento
se desloca, também, o tempo
como pulga de ave.
Vento elástico,
macio,
e doido,
em que o tempo se arrependeu
de morar.
Poeira
amarela,
vermelha.
Poeira
de todas as cores,
que me espirrou para cá,
longe da cidade,
longe da fumaça
cinza
e dos sons poluídos.
Poeira grossa,
que se levantou depressa
após o vento da lembrança,
e que agora,
poeira passada,
poeira pesada,
se adere a mim
formando crosta
de saudade.
Sonhar
O broto
mais solto
da encruzilhada
e de tão solto
não brotou nada.
A barata
esquartejada
ainda se movimenta.
Insiste na luta.
Barata,
inseto feio,
que muito enoja
e põe aos gritos
às vezes
até a morte.
Hegemonia
Há um rio de areia
nessa parte do chão.
Alguém lá em cima
deve estar desfazendo a água.
Quando chove,
as pedras vão nadar
na lama.
Ninguém consegue
desfazer a chuva.
Este espaço
já foi um lugar,
antes dos homens
o desconstruírem.
Eu sou o homem
menos humano,
mas sem querer
ainda desfaço
o pouco de lugar
que há neste espaço.
Há um corvo no chão
aguardando a morte das criaturas.
Morremos para ele
ou comemos sua carne?
Não
Carne de corvo
Deve ter um gosto de corvo.
Só um corvo sabe o que é ser corvo.
Desleitores
A lua eu vejo.
Vejo muito.
"Lua intimidade".
O amor te enganou
e você não percebeu
a mim você não quis
então a vida me matou
e a noite me acolheu.
O inferno
tem ruas pavimentadas.
Alguém buzina,
então competem.
Talvez por isso
o inferno
seja tão barulhento.
Tenho os bolsos
cheios de pesos
que me impedem de sonhar.
Te encaro
para que você veja meus olhos.
Te abraço,
depois de um longo diálogo visual.
Há espaço no infinito.
No infinito
cabe até
o silêncio.
Te vi em algum lugar,
não me lembro onde.
Me perdi completamente.
Quero ir
Depressa,
mas não posso.
Então,
antes que eu me vá
floresça,
pois eu não quero ir
sem você.
Desapaixonado
Descobri
que não sei falar de amor.
As pessoas procuram,
desesperadas,
por amores.
Meu presente
é reflexo
das minhas
inseguranças.
Te trouxe flores, amor
Só porque fui eu
quem trouxe as flores.
Só porque te chamei de amor.
Tirei os pés
para morar no seu coração,
e assim, descalço,
vaguei, sozinho,
nesse amor frio
que você me deixou.
Regador de olhares
Eu sorrio
para você sorrir de volta.
O seu sorriso é uma desordem.
Saudade
Com o sol
entrando direto
naqueles olhos castanhos
uma escuridão que não cabia em mim
foi se abrigar em outros infelizes.
Companhia
Feio,
o poeta.
Já recebi elogios,
mas os ouvidos
ficam longe das almas.
Como poeta,
vivo de desamores,
sofro mais dores
que qualquer tipo de amor
pode provar.
Não importa,
esta dor é minha,
tire o olho.
Geladeira
Me dá um beijo
daqueles de final de filme.
Mas não se esqueça:
é só o começo.
V. POEMA DE MORTE
Poema de morte
O que dizer
num último verso?
O que eu deveria ter dito
quando comecei.
Mãe,
eu vou sentar aqui
para escrever
e se a poesia
não me corroer
por dentro
a ponto de me fazer chorar
lágrimas de verdade,
então me dê uma colher de veneno.
Eu morri, mãe.
Torça por mim,
porque eu estou indo, agora,
renascer
num poema
e você não vai ver isso.
Pai,
eu virei ateu
quando o seu mundo acabou,
e só descobri isso
quando soube
o que realmente era o fim do mundo.
Acabou o seu mundo.
Acabou o mundo dos deuses.
Eu virei ateu
e ainda converso com ele
sem ele saber.
Eu deifico minhas palavras
sem ninguém saber.
Talvez nem eu saiba
o que há de deus em mim,
mas sei
que há deus em tudo.
Eu virei ateu
quando acabou o seu mundo.
Talvez as religiões
me queimem em uma noite escura,
talvez elas queiram mais,
eu virei ateu.
Eu vou me arranhar no vento
e sangrar escondido de mim,
mas vou me salvar
sempre que um novo verso
se sussurrar no meu ouvido
porque eu escrevo poemas.
Coisas boas
faltam em mim
mais do que o resto.
Sobram em mim,
mais do que o resto,
coisas ruins,
e eu
falto em mim
mais do que o resto.