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1. CASO CLÍNICO
Sr. Jorge, 58 anos, aposentado, comparece ao atendimento acompanhado da sua neta
para avaliação de rotina. Ele nega queixas importantes e deseja passar por uma
avaliação geral. Nega possuir doenças crônicas e uso de medicações contínuas.
Após questionamentos, informou apresentar episódios frequentes de cefaleia em
situações de estresse, como, quando perde partidas seguidas de baralho para sua
esposa Marizete. Hábito de lazer dos fi nais de semana.
Questionado, então, sobre a alimentação da família, Sr. Jorge informa que sua esposa
e fi lho possuem “pressão alta”, e que por isso tentam regular a ingesta de sal. Porém,
não há outras restrições alimentares e, frequentemente nos fi nais de semana, eles
comem feijoada, lasanha, pizza, cachorro quente e comida japonesa, além de três a
cinco latas de cerveja. Quanto à pratica de exercícios físicos, alegou fazer uma ou duas
caminhadas de aproximadamente 30 minutos durante a semana. Sobre seu histórico
familiar, informou que sua mãe, falecida aos 60 anos, também era hipertensa.
Ao exame físico se obteve uma circunferência abdominal de 108 cm e uma pressão
arterial sistêmica de 138 x 84 mmHg. Sem outras alterações dignas de nota.
Dr. Barros esclarece que tudo indica para a possibilidade de Sr. Jorge ser também
portador de hipertensão arterial sistêmica, explicando que seus hábitos e esta alteração
do exame físico podem estar prejudicando a circulação nas artérias e,
consequentemente, o risco de isso acometimento futuro da sua visão, dos rins, cérebro
e até do coração. Entretanto, alega que precisaria avaliá-lo daqui a um mês para confi
rmar essa hipótese. Enquanto isso, acorda com Sr Jorge que ele e sua família mudariam
imediatamente de hábitos alimentares e que iniciariam uma prática regular de
caminhadas de pelo menos 30 minutos cinco vezes na semana até o novo encontro.
Enzo, o neta do Sr. Jorge, até então calado, inicia uma série de questionamentos
destinados ao Dr. Barros: “O que são artérias?”, “O que elas têm a ver com o coração de
meu avô?”.
Dr. Barros, surpreso com a curiosidade da moça, resolve utilizar isso duplamente ao
seu favor – “As artérias são como tubos por onde o sangue circula pelo corpo de seu
avô. Se você ajudar seu avô a seguir o que acordamos, na próxima consulta, ele(a)
(apontando para você, acadêmico de Medicina que estava sentado no canto do
consultório durante todo esse tempo) irá te explicar como funciona a circulação com
detalhes e te apresentar os tipos de vasos que possuímos em nosso corpo. O que acha?”
– E assim, ele conseguiu uma parceira para cuidar da saúde de seu paciente e ainda deu
ao seu acadêmico aquela motivação para os estudos que andava em falta. O que você
acha que precisa estudar para não decepcionar a Polyanna e o Dr. Barros?
2. Palavras-chaves
“Doenças crônicas”, “dores de cabeça”, “pressão alta”, “hábitos alimentares”,
“exercícios físicos”, “circunferência abdominal”, “pressão arterial sistêmica”,
“hipertensão”, “mãe falecida aos 60 anos”, “circulação”, “artérias”, “vasos”,
“coração”.
3. OBJETIVOS
Descrever o sistema circulatório e suas funções • Caracterizar os
tipos de vasos sanguíneos
Figura 1.3: Figura esquemática mostrando o espaço intersticial rondado por capilares
arteriais, venosos e linfáticos.
Esse trajeto (coração -> leitos capilares sistêmicos -> coração), parte inferior da
Figura 1.1, é denominado Circulação Sistêmica ou Grande Circulação. O sangue que
retorna ao coração será agora enviado aos pulmões pela artéria pulmonar para uma
nova oxigenação, retornando pelas veias pulmonares ao coração, quando se reinicia o
ciclo. Este trajeto (coração -> leitos capilares pulmonares -> coração), parte superior
da Figura 1.1, é denominado Circulação Pulmonar ou Pequena Circulação. Portanto,
se considerarmos a circulação pulmonar, podemos verificar que as definições de
artéria e veia, não guardam relação com os níveis de oxigenação do sangue presente
em um ou outro vaso, e sim, se este vaso está levando sangue do coração para os
demais órgãos (artérias) ou se está trazendo sangue dos órgãos de volta ao coração
(veias). Afinal os vasos que desembocarão o sangue oxigenado ao coração são as
veias pulmonares.
Você prestou atenção que escrevemos no parágrafo anterior? Desliga esse celular,
vamos repetir para você: o que define se um vaso é artéria ou veia não é a oxigenação
do sangue nele presente, muito menos a cor com que desenharam no livro de
anatomia. O dado que realmente importa nessa definição é: a artéria sai do coração
em direção aos órgãos, e a veia volta dos órgãos em direção o coração.
Agora que você entendeu, sem querer dificultar, você precisa saber que existe uma
exceção a essa regra: a circulação “porta”. Neste caso, o sangue flui de uma veia para
outro órgão, antes de retornar ao coração. Um exemplo clássico disso é demonstrado
na circulação do fígado: 75% do sangue que entra neste órgão é proveniente da veia
porta hepática que coletou o sangue do baço, estômago, vesícula, pâncreas e,
principalmente, o intestino (2). Calma, isso não precisa ser decorado. O importante é
entender a razão de existir essa exceção: uma das grandes funções do fígado é
desintoxicar o corpo. Sendo assim, ele atua como um “porteiro” e “lixeiro”, recebendo
o sangue contaminado destas regiões e eliminando as substâncias nocivas, antes que
elas cheguem ao coração e ganhem acesso irrestrito a todos os órgãos do corpo
(imagine a quantidade de lixo que entrou na sua circulação após aquela feijoada pós-
prova no fim do semestre e imagine se não existisse o fígado para te proteger disso).
Agora que os conceitos mais básicos foram apresentados, você é capaz de
entender como dividiremos nosso estudo. Em um primeiro momento, focaremos nas
vias do sistema, os vasos sanguíneos, quando abordaremos a tríade básica: anatomia,
histologia e fisiologia de uma forma integrada. Em um segundo momento,
passaremos para a bomba, o coração, novamente utilizando a tríade na mesma
metodologia. Desta forma, ao final do livro, você terá sido apresentado aos principais
tópicos do sistema de uma forma gradual e associada, facilitando a sua compreensão.
Quanto à túnica média, esta é, geralmente, a camada mais espessa dos vasos. Ela
é composta por camadas concêntricas de células musculares lisas organizadas
helicoidalmente, circundada por uma matriz extracelular composta de fibras elásticas
e reticulares, além de proteoglicanos e glicoproteínas. Limitando a túnica média
podemos encontrar a lâmina elástica externa. Ela é semelhante à lâmina elástica
interna, porém mais delgada e podemos encontra-la apenas nas artérias,
principalmente em um subtipo que são as artérias musculares, como veremos
adiante.
A túnica adventícia é a camada de revestimento dos vasos e torna-se
gradualmente contínua com o tecido conjuntivo pelo qual o vaso está passando. Ela é
composta, principalmente, por fibroblastos, fibras de colágeno tipo I e fibras elásticas
dispostas longitudinalmente. A túnica adventícia possui fenestrações que permitem a
nutrição da porção mais interna da túnica média por difusão dos nutrientes do
sangue circulante. Afinal, as células dos vasos sanguíneos também precisarão receber
os recursos necessários para seu metabolismo e, por isso, em grandes vasos, existe a
presença de vasa vasorum (“vasos dos vasos”). São arteríolas e vênulas muito
pequenas que penetram pela túnica mais externa (adventícia) e nutrem esta camada
e a camada média. Porções em que a difusão dos nutrientes do sangue circulante não
alcança. (Figura 1.5)
Figura 1.5: Vasa Vasorum (retirada de Junqueira).
A maior parte dos vasos sanguíneos é provida por uma rede de fibras não
mielinizadas de inervação simpática, através do neurotransmissor norepinefrina.
Tendo em mente que essas fibras não penetram na túnica média dos vasos, a
norepinefrina precisa se difundir por alguns micrômetros até atingir esta camada, e
faz isto através de junções intercelulares. A inervação parassimpática também existe,
liberando acetilcolina e levando células endoteliais a produzir ON. Em veias, as
terminações nervosas chegam a uma profundidade maior, alcançando a túnica
adventícia, mas com uma densidade menor. A importância do sistema nervoso
autônomo, este que é dividido em simpático e parassimpático e que citamos nesse
parágrafo que você quase pulou, será mais detalhada no capítulo 6.
Resumindo a ópera, nas artérias e nas veias sempre teremos uma fina camada de
revestimento interno, a túnica íntima; seguida de uma camada predominantemente
muscular, a túnica média; terminando em uma cada de tecido conjuntivo, a túnica
adventícia. Portanto, o que vai diferenciar os vasos serão a espessura destas camadas
e os diferenciais da composição, o que refletirá diretamente na função de cada tipo
de vaso como veremos a partir de agora.
Releia este último parágrafo lentamente antes de passar para a próxima sessão.
2. AS ARTÉRIAS
As artérias podem ser dividas nas grandes artérias elásticas, nas artérias
musculares médias e nas arteríolas. Elas irão aparecer na circulação nessa exata
ordem de ramificações e uma vez que você entenda as suas funções, mais facilmente
lembrará das suas características.
As grandes artérias elásticas são as primeiras a receber o sangue impulsionado
pelo coração e são denominadas de artérias condutoras. Para o entendimento
completo da sua função, o conceito de energia potencial elástica da física será
importante.
O ventrículo esquerdo ejeta uma determinada quantidade de sangue de
aproximadamente 95 ml em cada batimento. Essa contração impulsiona o sangue
adiante no circuito através da principal artéria elástica da circulação sistêmica, que é a
artéria aorta. Hipoteticamente, se as artérias fossem um tubo rígido, quando
chegasse o momento do fim da impulsão fornecida pela contração cardíaca, haveria
uma redução brusca no fluxo sanguíneo, inclusive com breves momentos de
estagnação. Porém, o que ocorre é que parte dessa força de impulsão é armazenada
como energia elástica pelo estiramento das paredes artérias elásticas: é o chamado
Efeito Windkessel (8). Sendo assim, quando ocorre a redução da impulsão no período
de relaxamento cardíaco, essa energia latente acumulada novamente se transforma
em uma força de impulsão para o sangue, enquanto as paredes das artérias
retornam para as suas conformações originais. Ou seja, a função das grandes artérias
elásticas é a de estabilizar o fluxo sanguíneo e garantir que o fluxo permaneça
contínuo (Figura 1.6).
Figura 1.6: Efeito Windkessel. A complacência do vaso faz com que, na diástole, a
artéria se contraia, gerando pressão arterial diastólica e fluxo sanguíneo (retirada de
Berne e Levy).
3. OS CAPILARES
Os capilares são vasos extremamente simples se comparados às artérias e veias.
Eles são formados basicamente por um endotélio apoiado e envolto por uma lâmina
basal. Em alguns locais ao longo dos capilares, o endotélio pode ser envolto por
pericitos, células que possuem uma lâmina basal própria que se funde com a lâmina
basal do endotélio.
Essa simplicidade é necessária para que ocorra o extravasamento de substâncias
do leito capilar para o espaço intersticial. Por isso, a parede de um capilar é tão fina
que é formada apenas por uma a três camadas de células, tendo, portanto, uma luz
de apenas 4 a 8mm de diâmetro. O lúmen é tão estreito que geralmente permite
apenas a passagem de células sanguíneas isoladas, por vezes necessitando de
considerável deformação, algo que apenas é possível pela ausência de núcleo das
hemácias.
Quanto aos pericitos, estas são células que envolvem os capilares e também as
vênulas pós-capilares com seus longos prolongamentos, possuem duas funções
aparentes: a recuperação em caso de lesões, pois elas se diferenciam para formar
células endoteliais ou células musculares lisas e talvez função contrátil, sugerida
devido a presença de miosina, actina e tropomiosina em abundância em sua
composição.
Os capilares, por sua vez, são divididos em três tipos com características, funções e
localizações distintas. Vamos falar deles agora. O primeiro tipo são os capilares
contínuos ou somáticos. Eles são caracterizados pela ausência de fenestras, ou seja,
orifícios em sua parede. Eles estão presentes nos tecidos musculares, nos tecidos
conjuntivos, nas glândulas exócrinas e no tecido nervoso. Em alguns lugares desses
tecidos, com exceção do tecido nervoso, eles possuem vesículas pinocíticas que são
responsáveis pelo transporte de macromoléculas pela parede já que não possuem
fenestras.
O segundo tipo são os capilares fenestrados ou viscerais. Estes são
caracterizados por possuírem fenestras nas paredes que podem ou não ser
obstruídas por um diafragma mais fino que uma membrana celular. Quando possuem
diafragma, são característicos de locais onde ocorre um intercâmbio intenso entre o
tecido e o sangue, como é o caso dos rins, intestinos e glândulas endócrinas. Quando
são destituídos de diafragma, o sangue só é separado dos tecidos pela lâmina basal.
Este tipo está presente apenas no glomérulo renal. Algumas referências consideram
este tipo específico (desprovido de diafragma) como um quarto tipo de capilar.
A última categoria são os capilares sinusóides. Esta categoria está presente no
fígado e em órgãos hemocitopoiéticos como a medula óssea e o baço. Eles possuem
um trajeto tortuoso e um diâmetro maior do que os demais tipos de capilares, o que
irá resultar na redução da velocidade do fluxo sanguíneo (esta afirmação pode não
fazer sentido agora, mas fará quando você ler o capítulo 2). Além disso, as células
endoteliais são descontínuas, assim como a lâmina basal. Tais características
permitem o contato direto do sangue com os tecidos. Portanto, o sangue irá
extravasar massivamente ao passar pelos sinusoides, permitindo, por exemplo, o
metabolismo hepático de substâncias presentes no sangue, assim como a
hemocaterese (destruição das hemácias) no baço.
4. AS VEIAS
Focando apenas na circulação sistêmica, o sangue sai do coração rico em oxigênio,
segue pelas artérias até os capilares, onde realiza o primeiro objetivo: a entrega de
recursos para as células. Os próximos passos, então, são a drenagem dos resíduos do
processo metabólico e o seguimento pela circulação venosa, onde grande parte
destes resíduos serão metabolizados no fígado, o CO2 será eliminado na circulação
pulmonar e os demais resíduos eliminados na urina e nas fezes. Este processo de
extravasamento e drenagem no leito capilar será esmiuçado no Capítulo 02.
As veias estão presentes em maior número em nosso corpo, possuem paredes
mais finas e, geralmente, possuem maior diâmetro que as artérias correspondentes,
portanto, possuem a função potencial de reservatório de sangue, chegando a conter
mais de 70% do sangue circulante. Além disso, devido ao fato de as veias possuírem
uma quantidade muito inferior de feixes musculares e pressões menores do que as
artérias, usualmente, elas não possuem pulso. O que justifica a diferença do
comportamento de um sangramento arterial, que ocorre em jatos intermitentes e
concordantes com o pulso, e de uma hemorragia venosa, que ocorre em com um
fluxo contínuo e lento, “babando”, como costumamos falar.
Este fluxo lentificado, quando oriundo de estruturas inferiores ao coração tende a
um refluxo, por ocorrer contra a força da gravidade. Porém, como foi adiantado no
início do capítulo, as válvulas venosas impedem o movimento contrário e garantem,
com o auxílio das bombas venosas (exploradas adiante), um fluxo unidirecional.
As válvulas venosas são dobras da túnica íntima, compostas de tecido conjuntivo
rico em fibras elásticas, revestidas em ambos os lados por endotélio, em forma de
meia lua que se projetam para o interior da veia. Elas estão mais presentes em veias
em que o sangue precisa enfrentar a força da gravidade para retornar ao coração,
como as veias dos membros inferiores. Essas válvulas se abrem apenas para um lado,
portanto, se houver tentativa de refluxo elas se fecham e quando o sangue flui na
direção correta, elas se abrem.
As veias, seguindo o mesmo padrão, também serão divididas em três categoriais
com características e funções próprias. Sendo assim, logo após o leito capilar, teremos
as vênulas que, irão confluir na formação das veias médias que, por fim, irão
convergir até formação das grandes veias, como as veias cava superior e inferior.
As vênulas pós-capilares são também chamadas de vênulas pericíticas. Elas são
formadas apenas por uma camada de células endoteliais, envoltas de pericitos como
já vimos. Porém, diferente dos capilares, existem vênulas um pouco maiores que
possuem algumas células musculares lisas ao invés de pericitos em sua parede para
realizar a função contrátil.
As veias possuem uma íntima bem desenvolvida, porém é a túnica adventícia a
mais espessa e bem desenvolvida. Esta que frequentemente possui feixes
longitudinais de músculo liso.
As veias, em grande parte, acompanham artérias em seu trajeto. Por isso, os
nomes das veias usualmente recebem o mesmo nome da artéria que acompanham
(exemplos: veia femoral, veia subclávia...), porém existem exceções como: as veias
cavas (superior e inferior), a veia cefálica, a veia basílica e as veias safenas magna e
parva.
2. ARTERIOGÊNESE E ANGIOGÊNESE
A arteriogênese é definida como o desenvolvimento de fluxo através de artérias
colaterais derivadas de anastomoses arterio-arteriais pré-existentes. Isto ocorre em
processos de obstrução parcial ou total que resultam no aumento da pressão na
região, forçando a ampliação do diâmetro de vasos pré-existentes, permitindo, desta
forma, a passagem de sangue por uma rota alternativa.
A angiogênese é o processo de formação de pequenos novos vasos como capilares,
resultado de um estímulo isquêmico. Ou seja, o organismo ao passar por momentos
em que os vasos existentes não são suficientes, estimula a criação de uma circulação
colateral. Porém, ambos os processos necessitam de tempo para ocorrer com
eficiência (10).
A diferença entre ambos os mecanismos está disposta na Figura 1.7
Figura 1.7: Arteriogênese (A) é a indução de fluxo através de artérias colaterais
previamente existentes através do gradiente de pressão gerado pela ausência de
fluxo em uma das artérias. Angiogênese (B) é o crescimento de capilares a partir de
vasos existentes, processo geralmente engatilhado por hipóxia (retirada da referência
6).
3. BOMBAS VENOSAS
Existem três bombas que irão auxiliar no retorno venoso: a bomba arteriovenosa, a
bomba musculovenosa e a bomba respiratória.
A bomba arteriovenosa é possível devido a uma bainha vascular relativamente
rígida que circunda as veias acompanhantes de uma determinada artéria. Sendo
assim, quando a artéria se expande com a chegada de um pulso, ela comprime as
veias nessa bainha, ordenhando desta forma o sangue no interior das veias em
direção ao coração devido ao direcionamento das válvulas venosas.
A bomba musculovenosa vai possuir o mesmo objetivo da bomba anterior, porém a
ordenha das veias será realizada a partir da contração muscular das extremidades,
principalmente dos membros inferiores. Por isso, alguns autores se referem as
panturrilhas como corações secundários. Este é o motivo de se colocar um paciente
acamado para caminhar assim que possível. As contrações musculares na caminhada
irão auxiliar o retorno venoso, além de evitar úlceras por pressão.
A bomba respiratória se utiliza da pressão negativa criada durante a expansão
torácica na inspiração. O racional disso é que todo sistema de pressão desloca o
fluído de onde há mais pressão para as regiões com menores pressões, logo a
diminuição da pressão da caixa torácica, auxilia a “sugar” o sangue para a região,
consequentemente, facilitando o deslocamento do sangue em direção ao coração.
5. CONFERÊNCIAS
Confira aqui a aula dinâmica do Medicina Resumida sobre os assuntos abordados nesse capítulo!
CAPÍTULO 1
Introdução ao Sistema Cardiovascular
1. CASO CLÍNICO
Sr. Jorge, 58 anos, aposentado, comparece ao atendimento acompanhado da sua neta
para avaliação de rotina. Ele nega queixas importantes e deseja passar por uma
avaliação geral. Nega possuir doenças crônicas e uso de medicações contínuas.
Após questionamentos, informou apresentar episódios frequentes de cefaleia em
situações de estresse, como, quando perde partidas seguidas de baralho para sua
esposa Marizete. Hábito de lazer dos fi nais de semana.
Questionado, então, sobre a alimentação da família, Sr. Jorge informa que sua esposa
e fi lho possuem “pressão alta”, e que por isso tentam regular a ingesta de sal. Porém,
não há outras restrições alimentares e, frequentemente nos fi nais de semana, eles
comem feijoada, lasanha, pizza, cachorro quente e comida japonesa, além de três a
cinco latas de cerveja. Quanto à pratica de exercícios físicos, alegou fazer uma ou duas
caminhadas de aproximadamente 30 minutos durante a semana. Sobre seu histórico
familiar, informou que sua mãe, falecida aos 60 anos, também era hipertensa.
Ao exame físico se obteve uma circunferência abdominal de 108 cm e uma pressão
arterial sistêmica de 138 x 84 mmHg. Sem outras alterações dignas de nota.
Dr. Barros esclarece que tudo indica para a possibilidade de Sr. Jorge ser também
portador de hipertensão arterial sistêmica, explicando que seus hábitos e esta alteração
do exame físico podem estar prejudicando a circulação nas artérias e,
consequentemente, o risco de isso acometimento futuro da sua visão, dos rins, cérebro
e até do coração. Entretanto, alega que precisaria avaliá-lo daqui a um mês para confi
rmar essa hipótese. Enquanto isso, acorda com Sr Jorge que ele e sua família mudariam
imediatamente de hábitos alimentares e que iniciariam uma prática regular de
caminhadas de pelo menos 30 minutos cinco vezes na semana até o novo encontro.
Enzo, o neta do Sr. Jorge, até então calado, inicia uma série de questionamentos
destinados ao Dr. Barros: “O que são artérias?”, “O que elas têm a ver com o coração de
meu avô?”.
Dr. Barros, surpreso com a curiosidade da moça, resolve utilizar isso duplamente ao
seu favor – “As artérias são como tubos por onde o sangue circula pelo corpo de seu
avô. Se você ajudar seu avô a seguir o que acordamos, na próxima consulta, ele(a)
(apontando para você, acadêmico de Medicina que estava sentado no canto do
consultório durante todo esse tempo) irá te explicar como funciona a circulação com
detalhes e te apresentar os tipos de vasos que possuímos em nosso corpo. O que acha?”
– E assim, ele conseguiu uma parceira para cuidar da saúde de seu paciente e ainda deu
ao seu acadêmico aquela motivação para os estudos que andava em falta. O que você
acha que precisa estudar para não decepcionar a Polyanna e o Dr. Barros?
2. Palavras-chaves
“Doenças crônicas”, “dores de cabeça”, “pressão alta”, “hábitos alimentares”,
“exercícios físicos”, “circunferência abdominal”, “pressão arterial sistêmica”,
“hipertensão”, “mãe falecida aos 60 anos”, “circulação”, “artérias”, “vasos”,
“coração”.
3. OBJETIVOS
Descrever o sistema circulatório e suas funções • Caracterizar os
tipos de vasos sanguíneos
Figura 1.3: Figura esquemática mostrando o espaço intersticial rondado por capilares
arteriais, venosos e linfáticos.
Esse trajeto (coração -> leitos capilares sistêmicos -> coração), parte inferior da
Figura 1.1, é denominado Circulação Sistêmica ou Grande Circulação. O sangue que
retorna ao coração será agora enviado aos pulmões pela artéria pulmonar para uma
nova oxigenação, retornando pelas veias pulmonares ao coração, quando se reinicia o
ciclo. Este trajeto (coração -> leitos capilares pulmonares -> coração), parte superior
da Figura 1.1, é denominado Circulação Pulmonar ou Pequena Circulação. Portanto,
se considerarmos a circulação pulmonar, podemos verificar que as definições de
artéria e veia, não guardam relação com os níveis de oxigenação do sangue presente
em um ou outro vaso, e sim, se este vaso está levando sangue do coração para os
demais órgãos (artérias) ou se está trazendo sangue dos órgãos de volta ao coração
(veias). Afinal os vasos que desembocarão o sangue oxigenado ao coração são as
veias pulmonares.
Você prestou atenção que escrevemos no parágrafo anterior? Desliga esse celular,
vamos repetir para você: o que define se um vaso é artéria ou veia não é a oxigenação
do sangue nele presente, muito menos a cor com que desenharam no livro de
anatomia. O dado que realmente importa nessa definição é: a artéria sai do coração
em direção aos órgãos, e a veia volta dos órgãos em direção o coração.
Agora que você entendeu, sem querer dificultar, você precisa saber que existe uma
exceção a essa regra: a circulação “porta”. Neste caso, o sangue flui de uma veia para
outro órgão, antes de retornar ao coração. Um exemplo clássico disso é demonstrado
na circulação do fígado: 75% do sangue que entra neste órgão é proveniente da veia
porta hepática que coletou o sangue do baço, estômago, vesícula, pâncreas e,
principalmente, o intestino (2). Calma, isso não precisa ser decorado. O importante é
entender a razão de existir essa exceção: uma das grandes funções do fígado é
desintoxicar o corpo. Sendo assim, ele atua como um “porteiro” e “lixeiro”, recebendo
o sangue contaminado destas regiões e eliminando as substâncias nocivas, antes que
elas cheguem ao coração e ganhem acesso irrestrito a todos os órgãos do corpo
(imagine a quantidade de lixo que entrou na sua circulação após aquela feijoada pós-
prova no fim do semestre e imagine se não existisse o fígado para te proteger disso).
Agora que os conceitos mais básicos foram apresentados, você é capaz de
entender como dividiremos nosso estudo. Em um primeiro momento, focaremos nas
vias do sistema, os vasos sanguíneos, quando abordaremos a tríade básica: anatomia,
histologia e fisiologia de uma forma integrada. Em um segundo momento,
passaremos para a bomba, o coração, novamente utilizando a tríade na mesma
metodologia. Desta forma, ao final do livro, você terá sido apresentado aos principais
tópicos do sistema de uma forma gradual e associada, facilitando a sua compreensão.
Quanto à túnica média, esta é, geralmente, a camada mais espessa dos vasos. Ela
é composta por camadas concêntricas de células musculares lisas organizadas
helicoidalmente, circundada por uma matriz extracelular composta de fibras elásticas
e reticulares, além de proteoglicanos e glicoproteínas. Limitando a túnica média
podemos encontrar a lâmina elástica externa. Ela é semelhante à lâmina elástica
interna, porém mais delgada e podemos encontra-la apenas nas artérias,
principalmente em um subtipo que são as artérias musculares, como veremos
adiante.
A túnica adventícia é a camada de revestimento dos vasos e torna-se
gradualmente contínua com o tecido conjuntivo pelo qual o vaso está passando. Ela é
composta, principalmente, por fibroblastos, fibras de colágeno tipo I e fibras elásticas
dispostas longitudinalmente. A túnica adventícia possui fenestrações que permitem a
nutrição da porção mais interna da túnica média por difusão dos nutrientes do
sangue circulante. Afinal, as células dos vasos sanguíneos também precisarão receber
os recursos necessários para seu metabolismo e, por isso, em grandes vasos, existe a
presença de vasa vasorum (“vasos dos vasos”). São arteríolas e vênulas muito
pequenas que penetram pela túnica mais externa (adventícia) e nutrem esta camada
e a camada média. Porções em que a difusão dos nutrientes do sangue circulante não
alcança. (Figura 1.5)
Figura 1.5: Vasa Vasorum (retirada de Junqueira).
A maior parte dos vasos sanguíneos é provida por uma rede de fibras não
mielinizadas de inervação simpática, através do neurotransmissor norepinefrina.
Tendo em mente que essas fibras não penetram na túnica média dos vasos, a
norepinefrina precisa se difundir por alguns micrômetros até atingir esta camada, e
faz isto através de junções intercelulares. A inervação parassimpática também existe,
liberando acetilcolina e levando células endoteliais a produzir ON. Em veias, as
terminações nervosas chegam a uma profundidade maior, alcançando a túnica
adventícia, mas com uma densidade menor. A importância do sistema nervoso
autônomo, este que é dividido em simpático e parassimpático e que citamos nesse
parágrafo que você quase pulou, será mais detalhada no capítulo 6.
Resumindo a ópera, nas artérias e nas veias sempre teremos uma fina camada de
revestimento interno, a túnica íntima; seguida de uma camada predominantemente
muscular, a túnica média; terminando em uma cada de tecido conjuntivo, a túnica
adventícia. Portanto, o que vai diferenciar os vasos serão a espessura destas camadas
e os diferenciais da composição, o que refletirá diretamente na função de cada tipo
de vaso como veremos a partir de agora.
Releia este último parágrafo lentamente antes de passar para a próxima sessão.
2. AS ARTÉRIAS
As artérias podem ser dividas nas grandes artérias elásticas, nas artérias
musculares médias e nas arteríolas. Elas irão aparecer na circulação nessa exata
ordem de ramificações e uma vez que você entenda as suas funções, mais facilmente
lembrará das suas características.
As grandes artérias elásticas são as primeiras a receber o sangue impulsionado
pelo coração e são denominadas de artérias condutoras. Para o entendimento
completo da sua função, o conceito de energia potencial elástica da física será
importante.
O ventrículo esquerdo ejeta uma determinada quantidade de sangue de
aproximadamente 95 ml em cada batimento. Essa contração impulsiona o sangue
adiante no circuito através da principal artéria elástica da circulação sistêmica, que é a
artéria aorta. Hipoteticamente, se as artérias fossem um tubo rígido, quando
chegasse o momento do fim da impulsão fornecida pela contração cardíaca, haveria
uma redução brusca no fluxo sanguíneo, inclusive com breves momentos de
estagnação. Porém, o que ocorre é que parte dessa força de impulsão é armazenada
como energia elástica pelo estiramento das paredes artérias elásticas: é o chamado
Efeito Windkessel (8). Sendo assim, quando ocorre a redução da impulsão no período
de relaxamento cardíaco, essa energia latente acumulada novamente se transforma
em uma força de impulsão para o sangue, enquanto as paredes das artérias
retornam para as suas conformações originais. Ou seja, a função das grandes artérias
elásticas é a de estabilizar o fluxo sanguíneo e garantir que o fluxo permaneça
contínuo (Figura 1.6).
Figura 1.6: Efeito Windkessel. A complacência do vaso faz com que, na diástole, a
artéria se contraia, gerando pressão arterial diastólica e fluxo sanguíneo (retirada de
Berne e Levy).
3. OS CAPILARES
Os capilares são vasos extremamente simples se comparados às artérias e veias.
Eles são formados basicamente por um endotélio apoiado e envolto por uma lâmina
basal. Em alguns locais ao longo dos capilares, o endotélio pode ser envolto por
pericitos, células que possuem uma lâmina basal própria que se funde com a lâmina
basal do endotélio.
Essa simplicidade é necessária para que ocorra o extravasamento de substâncias
do leito capilar para o espaço intersticial. Por isso, a parede de um capilar é tão fina
que é formada apenas por uma a três camadas de células, tendo, portanto, uma luz
de apenas 4 a 8mm de diâmetro. O lúmen é tão estreito que geralmente permite
apenas a passagem de células sanguíneas isoladas, por vezes necessitando de
considerável deformação, algo que apenas é possível pela ausência de núcleo das
hemácias.
Quanto aos pericitos, estas são células que envolvem os capilares e também as
vênulas pós-capilares com seus longos prolongamentos, possuem duas funções
aparentes: a recuperação em caso de lesões, pois elas se diferenciam para formar
células endoteliais ou células musculares lisas e talvez função contrátil, sugerida
devido a presença de miosina, actina e tropomiosina em abundância em sua
composição.
Os capilares, por sua vez, são divididos em três tipos com características, funções e
localizações distintas. Vamos falar deles agora. O primeiro tipo são os capilares
contínuos ou somáticos. Eles são caracterizados pela ausência de fenestras, ou seja,
orifícios em sua parede. Eles estão presentes nos tecidos musculares, nos tecidos
conjuntivos, nas glândulas exócrinas e no tecido nervoso. Em alguns lugares desses
tecidos, com exceção do tecido nervoso, eles possuem vesículas pinocíticas que são
responsáveis pelo transporte de macromoléculas pela parede já que não possuem
fenestras.
O segundo tipo são os capilares fenestrados ou viscerais. Estes são
caracterizados por possuírem fenestras nas paredes que podem ou não ser
obstruídas por um diafragma mais fino que uma membrana celular. Quando possuem
diafragma, são característicos de locais onde ocorre um intercâmbio intenso entre o
tecido e o sangue, como é o caso dos rins, intestinos e glândulas endócrinas. Quando
são destituídos de diafragma, o sangue só é separado dos tecidos pela lâmina basal.
Este tipo está presente apenas no glomérulo renal. Algumas referências consideram
este tipo específico (desprovido de diafragma) como um quarto tipo de capilar.
A última categoria são os capilares sinusóides. Esta categoria está presente no
fígado e em órgãos hemocitopoiéticos como a medula óssea e o baço. Eles possuem
um trajeto tortuoso e um diâmetro maior do que os demais tipos de capilares, o que
irá resultar na redução da velocidade do fluxo sanguíneo (esta afirmação pode não
fazer sentido agora, mas fará quando você ler o capítulo 2). Além disso, as células
endoteliais são descontínuas, assim como a lâmina basal. Tais características
permitem o contato direto do sangue com os tecidos. Portanto, o sangue irá
extravasar massivamente ao passar pelos sinusoides, permitindo, por exemplo, o
metabolismo hepático de substâncias presentes no sangue, assim como a
hemocaterese (destruição das hemácias) no baço.
4. AS VEIAS
Focando apenas na circulação sistêmica, o sangue sai do coração rico em oxigênio,
segue pelas artérias até os capilares, onde realiza o primeiro objetivo: a entrega de
recursos para as células. Os próximos passos, então, são a drenagem dos resíduos do
processo metabólico e o seguimento pela circulação venosa, onde grande parte
destes resíduos serão metabolizados no fígado, o CO2 será eliminado na circulação
pulmonar e os demais resíduos eliminados na urina e nas fezes. Este processo de
extravasamento e drenagem no leito capilar será esmiuçado no Capítulo 02.
As veias estão presentes em maior número em nosso corpo, possuem paredes
mais finas e, geralmente, possuem maior diâmetro que as artérias correspondentes,
portanto, possuem a função potencial de reservatório de sangue, chegando a conter
mais de 70% do sangue circulante. Além disso, devido ao fato de as veias possuírem
uma quantidade muito inferior de feixes musculares e pressões menores do que as
artérias, usualmente, elas não possuem pulso. O que justifica a diferença do
comportamento de um sangramento arterial, que ocorre em jatos intermitentes e
concordantes com o pulso, e de uma hemorragia venosa, que ocorre em com um
fluxo contínuo e lento, “babando”, como costumamos falar.
Este fluxo lentificado, quando oriundo de estruturas inferiores ao coração tende a
um refluxo, por ocorrer contra a força da gravidade. Porém, como foi adiantado no
início do capítulo, as válvulas venosas impedem o movimento contrário e garantem,
com o auxílio das bombas venosas (exploradas adiante), um fluxo unidirecional.
As válvulas venosas são dobras da túnica íntima, compostas de tecido conjuntivo
rico em fibras elásticas, revestidas em ambos os lados por endotélio, em forma de
meia lua que se projetam para o interior da veia. Elas estão mais presentes em veias
em que o sangue precisa enfrentar a força da gravidade para retornar ao coração,
como as veias dos membros inferiores. Essas válvulas se abrem apenas para um lado,
portanto, se houver tentativa de refluxo elas se fecham e quando o sangue flui na
direção correta, elas se abrem.
As veias, seguindo o mesmo padrão, também serão divididas em três categoriais
com características e funções próprias. Sendo assim, logo após o leito capilar, teremos
as vênulas que, irão confluir na formação das veias médias que, por fim, irão
convergir até formação das grandes veias, como as veias cava superior e inferior.
As vênulas pós-capilares são também chamadas de vênulas pericíticas. Elas são
formadas apenas por uma camada de células endoteliais, envoltas de pericitos como
já vimos. Porém, diferente dos capilares, existem vênulas um pouco maiores que
possuem algumas células musculares lisas ao invés de pericitos em sua parede para
realizar a função contrátil.
As veias possuem uma íntima bem desenvolvida, porém é a túnica adventícia a
mais espessa e bem desenvolvida. Esta que frequentemente possui feixes
longitudinais de músculo liso.
As veias, em grande parte, acompanham artérias em seu trajeto. Por isso, os
nomes das veias usualmente recebem o mesmo nome da artéria que acompanham
(exemplos: veia femoral, veia subclávia...), porém existem exceções como: as veias
cavas (superior e inferior), a veia cefálica, a veia basílica e as veias safenas magna e
parva.
2. ARTERIOGÊNESE E ANGIOGÊNESE
A arteriogênese é definida como o desenvolvimento de fluxo através de artérias
colaterais derivadas de anastomoses arterio-arteriais pré-existentes. Isto ocorre em
processos de obstrução parcial ou total que resultam no aumento da pressão na
região, forçando a ampliação do diâmetro de vasos pré-existentes, permitindo, desta
forma, a passagem de sangue por uma rota alternativa.
A angiogênese é o processo de formação de pequenos novos vasos como capilares,
resultado de um estímulo isquêmico. Ou seja, o organismo ao passar por momentos
em que os vasos existentes não são suficientes, estimula a criação de uma circulação
colateral. Porém, ambos os processos necessitam de tempo para ocorrer com
eficiência (10).
A diferença entre ambos os mecanismos está disposta na Figura 1.7
Figura 1.7: Arteriogênese (A) é a indução de fluxo através de artérias colaterais
previamente existentes através do gradiente de pressão gerado pela ausência de
fluxo em uma das artérias. Angiogênese (B) é o crescimento de capilares a partir de
vasos existentes, processo geralmente engatilhado por hipóxia (retirada da referência
6).
3. BOMBAS VENOSAS
Existem três bombas que irão auxiliar no retorno venoso: a bomba arteriovenosa, a
bomba musculovenosa e a bomba respiratória.
A bomba arteriovenosa é possível devido a uma bainha vascular relativamente
rígida que circunda as veias acompanhantes de uma determinada artéria. Sendo
assim, quando a artéria se expande com a chegada de um pulso, ela comprime as
veias nessa bainha, ordenhando desta forma o sangue no interior das veias em
direção ao coração devido ao direcionamento das válvulas venosas.
A bomba musculovenosa vai possuir o mesmo objetivo da bomba anterior, porém a
ordenha das veias será realizada a partir da contração muscular das extremidades,
principalmente dos membros inferiores. Por isso, alguns autores se referem as
panturrilhas como corações secundários. Este é o motivo de se colocar um paciente
acamado para caminhar assim que possível. As contrações musculares na caminhada
irão auxiliar o retorno venoso, além de evitar úlceras por pressão.
A bomba respiratória se utiliza da pressão negativa criada durante a expansão
torácica na inspiração. O racional disso é que todo sistema de pressão desloca o
fluído de onde há mais pressão para as regiões com menores pressões, logo a
diminuição da pressão da caixa torácica, auxilia a “sugar” o sangue para a região,
consequentemente, facilitando o deslocamento do sangue em direção ao coração.
5. CONFERÊNCIAS
Confira aqui a aula dinâmica do Medicina Resumida sobre os assuntos abordados nesse capítulo!
CAPÍTULO 2
Dinâmica dos Fluídos (hemodinâmica)
1. CASO CLÍNICO
Sr. Jorge (vide capítulo anterior), retorna à consulta novamente acompanhado da sua
neta Pollyana após um mês com os resultados dos exames, como combinado. Ele alega
estar seguindo à risca todas recomendações realizadas na última consulta com exceção
dos finais de semana, período em que ainda mantem seus hábitos antigos – “ninguém é
de ferro”. Ele informa que já se sente mais disposto e que acreditava que os valores
elevados da sua pressão sanguínea registrados na última consulta, provavelmente, se
deviam à sua ansiedade.
Dr. Barros esclarece que realmente existe essa possibilidade e explica que existe um
fenômeno conhecido como “hipertensão do avental branco”. Esta é definida pelo
aumento da pressão dentro do consultório médico provocada pela ansiedade do
paciente, porém em outras situações, os valores retornam à normalidade. Sendo assim,
após realizar uma nova aferição e verificar uma pressão arterial de 144 x 92 mmHg, Dr.
Barros dá uma breve explicação sobre o risco cardiovascular do Sr. Jorge, que não é alto,
e que o paciente tem 3 a 6 meses para reduzir a pressão arterial ao valor normal, de
acordo com as últimas diretrizes. Então, durante esse tempo, Sr. Jorge terá que
demonstrar mais esforço no controle não-farmacológico da pressão arterial e também
realizará uma MAPA para excluir a tal “hipertensão do jaleco branco”.
Após esclarecer o procedimento, Pollyana tornou a se mostrar curiosa: “o que é essa
pressão arterial? Todo mundo tem? O que você ouve nesse aparelho para saber qual é a
pressão arterial de meu avô?”. Novamente intrigado com a curiosidade da garota, Dr.
Barros cobra a você, afortunado acadêmico, as explicações que ele havia solicitado na
última consulta, alegando que precisaria destas informações para responder às novas
perguntas.
Como você leu com atenção ao Capítulo 1, voou baixo nas explicações.
Orgulhoso, Dr. Barros acrescentou que os vasos possuem propriedades fisiológicas
elementares, e como seu paciente já tinha uma idade mais avançada, algumas podiam
estar mais prejudicadas, contribuindo para a elevação da pressão arterial. Além disso,
durante as suas explicações, o preceptor informou que comprimir o braço do Sr. Jorge e
depois ir liberando aos poucos, provocava colisões do sangue com as paredes dos vasos
daquele local e que essas colisões poderiam ser auscultadas. Através destes sons e
olhando no relógio (manômetro) era possível determinar indiretamente a pressão
arterial.
2. PALAVRAS-CHAVES
“Pressão arterial”, “mudança de hábitos”, “MAPA”, “aferir a pressão arterial “,
“choques do sangue com as paredes desse vaso que podiam ser auscultados”,
“propriedades dos vasos
3. OBJETIVOS
1. FLUXO SANGUÍNEO
O fluxo sanguíneo é o movimento contínuo do sangue através do sistema
cardiovascular, resultado dos gradientes de pressão criados pela bomba do sistema, o
coração. Ou seja, se forcarmos nossa atenção em uma porção do sangue, esta irá
percorrer de forma contínua o sistema de uma zona de maior pressão para uma zona
de menor pressão.
Preparo do paciente:
Figura 2.3: Para vasos conectados em série (imagem de cima, A), a resistência total é
a soma de todas as resistências do circuito (R1 + R2 + R3). Para vasos conectados em
paralelo (imagem abaixo, B), a resistência de cada vaso é uma parte do total (R vaso =
R total/nº), modificando a fórmula temos: R total = R de cada vaso x número de vasos
(retirado de Faber).
Figura 2.4: Lei de Pouiseille determinando maior fluxo de líquido quando maior o
diâmetro do vaso a uma progressão de quarta potência. 44 = 256 (retirada do
Guyton).
Figura 2.5: No gráfico de cima (A), percebemos que a maior área de secção
transversal da circulação está na soma de todos os capilares do nosso corpo. Sendo
assim, nessa região, a velocidade de fluxo será reduzida. No gráfico de baixo (B),
percebemos que a pressão arterial é maior quanto mais próximo do coração e reduz
à medida que se afasta deste, já a resistência relativa é maior nas arteríolas e
capilares (retirada de Faber).
3. PRESSÃO SANGUÍNEA
A pressão arterial é um dado clínico de suma importância na rotina de consultório.
Por isso, precisamos dedicar uma atenção especial em todos os seus conceitos (todo
médico precisa entender a pressão arterial). A pressão sanguínea é definida como a
força exercida pelo sangue contra qualquer unidade de área da parede vascular e a
unidade utilizada é milímetros de mercúrio (mmHg). Isso significa que, por exemplo,
uma pressão de 100 mmHg realizada pelo sangue contra a parede de um vaso
sanguíneo é suficiente para suspender a coluna de mercúrio de um manômetro em
100 mm.
Parte dessa pressão é fornecida ao sangue através das contrações cardíacas,
alcançando, aproximadamente, 120 mmHg de pressão contra as paredes das artérias
durante a sístole ventricular: esta é a pressão arterial sistólica. Durante o
relaxamento do coração, o sangue nas grandes artérias segue fluindo por conta da
distensibilidade que as artérias elásticas possuem, portanto, ainda exercendo pressão
arterial contra a artéria, só que em níveis menores: a pressão adquire valores em
torno de 80 mmHg, a famosa pressão arterial diastólica. Tais conceitos (sístole e
diástole) são melhor explorados no capítulo 05 no estudo do ciclo cardíaco. Já ouviu
falar nesse valor 120 x 80? 12 por 8? Agora você entende o porquê.
O sangue, à medida que avança na circulação sistêmica e alcança vasos cada vez
menores até a microcirculação, se distanciando da bomba, perde pressão. Nos
capilares obtém valores médios de 17 mmHg, aproximando-se a valores de 0 mmHg
ao atingir a porção mais distal das veias cavas, quando o sangue finalmente
desemboca no átrio direito.
A pressão no átrio direito, cerca de 0 mmHg, é denominada pressão venosa
central (PVC). E ela é regulada por dois fatores: a capacidade de o sangue do lado
direito do coração ser ejetado para circulação pulmonar e o próprio retorno do
sangue sistêmico para o átrio direito. Sendo assim, se o coração tiver alguma
dificuldade nesses dois fatores, a pressão venosa central é alterada. Um exemplo
importante disso é no manejo de pacientes graves que apresentam colapso
hemodinâmico (você ainda vai se deparar com isso um dia): o paciente está com a
pressão arterial baixíssima. Como o médico não possui uma câmera microscópica
para avaliar cada local do sistema circulatório do paciente, uma das medidas que ele
pode utilizar para definir a causa e selecionar um tratamento é através da medida da
PVC: caso ela esteja alta, o paciente já tem muito líquido no corpo ou algo está
obstruindo a passagem desse líquido pelo coração direito até o esquerdo – então
fazer soro fisiológico para aumentar a pressão arterial não é uma saída inteligente. Já
se a PVC desse paciente estiver normal, o paciente ainda pode ser hidratado, afim de
aumentar o retorno venoso e o débito cardíaco (Lei de Frank Starling – capítulo 5.
Quanto à pressão sanguínea na circulação pulmonar, esta possui valores muito
menores. Sendo que a pressão sistólica média na artéria pulmonar é de apenas 25
mmHg, e a diastólica 8 mmHg. Os valores menores justificam-se por um percurso
menor e mais próximo ao coração.
A medida direta da pressão arterial pulmonar também é importante no manejo de
pacientes criticamente enfermos. O cateter de Swan-Ganz traz valiosas informações
sobre esse sistema e pode ajudar (e muito!) o médico a tomar suas decisões.
Já que a VO2 tem um valor constante de acordo com o sexo e a idade do paciente e
o médico pode descobrir a oxigenação do sangue arterial e do sangue venoso através
de acessos vasculares profundos, agora sim, mesmo sem um ecocardiograma,
sabemos o débito cardíaco do paciente.
“Voei”. Ok. É compreensível. Fórmulas não são legais. Mas sugiro que guarde as
fórmulas 2.4 e 2.6 para a vida. Em unidades de terapia intensiva, onde o paciente
sofre rotineiramente com baixo débito cardíaco, essas duas fórmulas salvam vidas.
Um conceito importante que temos que ter antes de seguir adiante é o de pressão
de pulso, que é a subtração entre os valores da pressão arterial sistólica (PAS) e da
pressão arterial diastólica (PAD). Entenda: a pressão arterial sistólica é muito
influenciada pela contração ventricular, e a pressão arterial diastólica sofre forte
influência da complacência e da elasticidade do vaso, além do escoamento do sangue
pela circulação, pois durante essa fase não há força mecânica empurrando o sangue,
então o que se espera dele é que ele se mantenha fazendo força contra o vaso e
criando pressão. Então, se o sangue não permanece nas artérias durante a diástole, a
pressão diastólica reduz e a subtração PAS – PAD aumenta de valor. E por que isso é
importante? Porque isso significa doença! Para se ter ideia, o estudo Framingham
demonstrou que um aumento de 10 mmHg na pressão de pulso é associado a um
risco 23% maior de desenvolvimento de doença arterial coronariana (2). Um outro uso
importante é no doente enfermo calcular a variação da pressão de pulso, visto que os
doentes em colapso hemodinâmico e gravemente enfermos têm pouca variação e
valores absolutos baixos de pressão de pulso.
5. O PULSO
O pulso é o reflexo do estiramento das artérias ao receber a energia propagada
pela contração cardíaca. Podemos senti-lo em algumas artérias superficiais, como a
artéria radial, e por isso, é uma das formas de avaliação indireta do sistema
circulatório no exame clínico.
4. FISIOLOGIA DA MICROCIRCULAÇÃO
Vimos no capítulo anterior que a microcirculação corresponde aos capilares e as
menores vênulas e arteríolas, e é onde ocorre o extravasamento para o espaço
intersticial, onde se darão as trocas necessárias para os tecidos. Se ocorre
extravasamento em excesso, este líquido pode vir a se acumular, resultando em edema
(“inchaço“). Portanto, para que ocorra o processo de forma adequada, se faz necessário
um equilíbrio de fatores, sendo os principais: a pressão hidrostática, a pressão
coloidosmótica e a permeabilidade capilar.
A pressão hidrostática é a pressão sanguínea nos capilares. Essa força aplicada contra
o endotélio dos capilares, que são relativamente permeáveis, irá promover o
extravasamento do líquido para o interstício. Contudo, as paredes dos capilares
funcionam como uma barreira seletiva mecânica em que apenas pequenas estruturas
atravessarão, logo, ocorre uma filtração do conteúdo plasmático em que grandes
moléculas e células não atravessam os poros.
Enquanto a pressão hidrostática auxilia no extravasamento, a pressão
coloidosmótica, também chamada de pressão oncótica, irá promover a reabsorção de
fluídos para os capilares. Esta corresponde a pressão promovida pelas proteínas do
plasma, principalmente, a albumina, seguindo o mesmo conceito do movimento de
solvente na membrana plasmática. O fluído irá sempre se difundir para o local com a
maior concentração de solvente na tentativa de equilibrar os meios. Ou seja, a perda de
fluídos inicial promovida pela pressão hidrostática, resulta no aumento da concentração
de solutos nos capilares que em algum momento irá superar a pressão hidrostática e
promover a reabsorção. Consequentemente, entender a fisiologia na microcirculação é
visualizar um embate de forças contrárias (pressão hidrostática x pressão
coloidosmótica) em que o resultado a cada momento define a direção do movimento
dos fluídos e pequenas moléculas (Figura 2.6).
Portanto, como ocorre passo a passo as trocas nos leitos capilares? Primeiramente o
sangue chega com uma grande pressão hidrostática nos capilares e promove o
extravasamento de líquido e nutrientes pelos poros para o espaço intersticial que irão
nutrir as células. O sangue continua a circular no leito capilar, perdendo pressão
hidrostática e ganhando pressão coloidosmótica, devido ao acumulo de proteínas.
Nesse tempo as células já absorveram os nutrientes e oxigênio extravasados e
liberaram seus resíduos como dióxido de carbono para o espaço intersticial. A pressão
coloidosmótica supera a pressão hidrostática e o que ocorre é a absorção de fluído do
espaço intersticial juntamente com esses resíduos celulares. (Quadro 2.2)
Quadro 2.2 – Resumo das forças que operam na extremidade capilar (retirado do
Guyton).
mmHg
Para fora 41
Para dentro 28
5. CONFERÊNCIAS
Confira aqui a aula dinâmica do Medicina Resumida sobre os assuntos abordados nesse capítulo!
CAPÍTULO 3
Regulação da Circulação e da Pressão Arterial
1. CASO CLÍNICO
Sr. Jorge (vide capítulo anteriores), retorna para mais uma consulta, agora com o
resultado da MAPA, como combinado. Ele reforça que está com hábitos alimentares
mais saudáveis e vem realizando caminhadas pelo menos quatro vezes na semana.
Desta vez, informa que não houve excessos nos finais de semana, porém não pode
garantir que eles não ocorram esporadicamente.
A MAPA demonstrou alguns picos de pressão arterial sistólica e diastólica ao longo do
dia e o Dr. Barros aproveitou para esclarecer o Sr. Jorge quanto aos resultados. Desta
forma, segundo ele, estava excluída a possibilidade de da hipertensão do avental
branco e ele optaria por iniciar com uma dosagem baixa de uma droga anti-
hipertensiva. O médico acrescentou também que não há cura para a hipertensão
arterial e que o principal objetivo do tratamento é evitar eventos adversos no futuro. A
medicação irá auxiliar no processo, mantendo os valores pressóricos dentro dos valores
aceitáveis, e também reduzindo chances do Sr. Jorge sofrer um acidente vascular
cerebral, infarto agudo do miocárdio ou evolução para insuficiência cardíaca.
Após sobre as consequências de não controlar a pressão e como uma doença
silenciosa poderia vir a trazer grandes complicações para a saúde do Sr. Jorge, O Dr.
Barros decidiu lhe passar a primeira função do dia: ensinar ao neto do Sr. Jorge como
aferir pressão arterial. Dr. Barros optou pelo uso de um fármaco específico para o Sr.
Jorge: um inibidor da enzima conversora da angiotensina (iECA) e explicou que a
atuação desse fármaco se dá, predominantemente, nos rins. Ao perceber que não só a
neta do Sr. Jorge, mas também você, jovem aprendiz, estavam agora sem entender nada
– por que um remédio com ação nos rins vai atuar no sistema circulatório? – o seu
preceptor decidiu por explicar um pouco sobre os mecanismos regulatório da pressão
arterial e da circulação sanguínea.
Avô e neta saíram satisfeitos da consulta com a missão de controlar a “tal” pressão
arterial. E você saiu pensando: preciso estudar.
2. PALAVRAS-CHAVES
“Pressão arterial”, “regulação do sistema circulatório”, “regulação local”,
“regulação humoral”, “regulação nervosa”
3. OBJETIVOS
Compreender os mecanismos de regulação do sistema circulatório
1. REGULAÇÃO LOCAL
A demanda tecidual é o principal fator determinante da regulação local. Será em
resposta a essa demanda que ocorrerá um maior ou menor aporte sanguíneo para
uma determinada região. Entende-se como demanda, além da necessidade de
suprimento de oxigênio e outros nutrientes (glicose, aminoácidos e ácidos graxos), as
outras funções do sistema: remoção de dióxido de carbono e íons de hidrogênio do
tecido, manutenção de concentrações apropriadas de outros íons necessários para o
metabolismo e também o transporte de hormônios e outras substâncias para o local.
Existe uma controvérsia sobre esse controle que vamos discutir agora. Os clássicos
livros texto de fisiologia definem como responsabilidade das metarteríolas e
esfíncteres pré-capilares esse controle local da circulação. No entanto, a existência de
estruturas anatômicas do tipo metarteríolas e esfíncteres pré-capilares só está
comprovadamente presente na circulação mesentérica. Deste modo, recomendamos
aqui o termo “resistência pré-capilar”(1,2). Prosseguindo: na circulação, uma maior
demanda irá promover o uma menor resistência pré-capilar, consequentemente, irá
permitir uma maior chegada de sangue ao local. Assim como, uma menor demanda
irá promover uma maior resistência. Desta forma, é permitido o direcionamento do
fluxo para áreas que necessitam de maior demanda. Esse redirecionamento permite
poupar o trabalho cardíaco de manter um fluxo intenso em todos os tecidos (o que
levaria a uma insuficiência cardíaca, como vimos em sua definição nas possíveis
palavras desconhecidas deste capítulo).
O controle local agudo se baseia nessa vasoconstricção e vasodilatação rápida de
arteríolas ou pelo aumento ou diminuição da resistência pré-capilar por alguns
segundos ou minutos. Existem duas teorias que tentam explicar o mecanismo: a
teoria da vasodilatação e a teoria da falta de oxigênio. É importante saber que a
palavra “teorias” vem do fato de que o mecanismo geral ainda não está
completamente elucidado – ainda faltam peças no quebra-cabeças. No entanto, cada
uma dessas teorias que veremos agora já está bem encaixada no quadro geral (Figura
3.1).
Figura 3.1: Controle local agudo do fluxo sanguíneo através de arteríolas e
metarteríolas. Teorias da vasodilatação e da demanda de oxigênio (retirada do
Guyton).
3. DERIVADOS DO ENDOTÉLIO
O endotélio, camada interna de revestimento dos vasos sanguíneos tem a
capacidade de autorregulação através da liberação de fatores vasoativos como o
óxido nítrico e a endotelina.
O óxido nítrico (ON) é um vasodilatador importante que está relacionado à
integridade do endotélio. O atrito do sangue no endotélio vascular causa um estresse
ao tecido, chamado de estresse de cisalhamento, ou shear stress, como alguns livros
podem trazer. Este atrito depende basicamente do fluxo e da viscosidade sanguínea.
Ou seja, quando o estresse cisalhamento aumenta, promove a liberação de ON,
visando evitar danos ao endotélio através da vasodilatação. Por possuir ação
sistêmica, o óxido nítrico é capaz de relaxar artérias proximais ao local de alto fluxo,
possuindo um papel mais amplo nessa regulação que os vistos até então. A via de
sinalização do óxido nítrico é a seguinte (atenção, não se perca agora): óxido nítrico se
liga à guanilato ciclase, ativando-a. A guanilato ciclase ativada retira dois
grupamentos fosfato da molécula do guanosina trifosfato, fazendo ela se transformar
na guanosina monofosfato cíclica (GMPc). Essa molécula vai diminuir a entrada de
cálcio na célula e sua liberação pelo retículo sarcoplasmático. Sem cálcio não há
contração efetiva da musculatura lisa (7). Ufa, acabou. Só comentamos porque é
importante. Não desista. Por que isso é importante? Porque em 1863 um senhor
chamado Sir Thomas Lauder Brunton usou os nitratos pela primeira vez para
promover vasodilatação e melhora da isquemia em pacientes com angina do peito (8).
Tem mais: uma outra via de sinalização do GMPc que você vai conhecer (como médico
ou como usuário, sabe-se lá...) é a fosfodiesterase que degrada a molécula. Os
inibidores da fosfodiesterase, portanto, elevam os níveis de GMPc e causam
vasodilatação. Estamos falando do famoso “Viagra” (9).
A endotelina possui uma ação inversa à do ON. Ele é dos mais poderosos
vasoconstritores e a sua liberação está relacionada ao dano endotelial (ex: trauma).
Sua ação se dá por outra via, a da fosfolipase C, que no fim das contas aumenta o
cálcio intracelular e a capacidade de contração das células musculares lisas
vasculares. A sua liberação da endotelina visa, principalmente, evitar perdas
sanguíneas. Sendo assim, se ocorrer uma ruptura de um vaso sanguíneo, essa
vasoconstrição irá tentar obstruí-lo e conter a hemorragia. Entretanto, elevadas
medidas pressóricas podem lesar o endotélio e promover uma maior elevação da
pressão. Formando assim uma cascata de degradação do endotélio. Fármacos
antagonistas da endotelina têm sido usados no tratamento da hipertensão pulmonar
(10).
6. ANGIOTENSINA II
A angiotensina II é o produto final da cadeia do sistema renina-angiotensina-
aldosterona e é um vasoconstritor potente. Sua ação se dá principalmente em um
receptor conhecido como AT1, bem distribuído por todos os órgãos do corpo. O
receptor AT1 age em proteínas Gs da membrana plasmática que estimularão
fosfolipases C a produzir inositol 3-fosfato que se ligará ao seu receptor no retículo
sarcoplasmático e abrirá um canal para efluxo de cálcio. Mais cálcio na célula: mais
contração. Age também no metabolismo do ácido aracdônico, que através de
prostaglandinas, tromboxano A2 e leucotrienos também irá induzir a vasoconstricção
(11). (Ver “Papel dos rins na regulação ao final do capítulo”)
Como nem tudo é perfeito, essa via de sinalização também pode ser patológica e
tem papel central na patogênese da insuficiência cardíaca congestiva. Ao mediar
estresse oxidativo, níveis altos de angiotensina II levam à inflamação e fibrose. Este
sistema é tão importante que diferentes medicações anti-hipertensivas e para
controle de insuficiência cardíaca agem em diferentes etapas do seu metabolismo:
existem drogas para inibir a liberação de renina, por exemplo, outras para inibir a
conversão de angiotensina I em angiotensina II (inibidores da ECA), e também drogas
inibidoras do receptor AT1 (bloqueadores dos receptores da angiotensina II).
8. BRADICININA
Descoberta por três fisiologistas brasileiros em 1949 no campus de Ribeirão Preto
da USP a partir de testes com veneno de jararaca, a bradicinina provoca tanto a
dilatação arteriolar, quanto o aumento da permeabilidade capilar, ou seja, o aumento
dos poros capilares. O efeito da bradicinina é mais lento que o da substância que, na
verdade, os cientistas estavam estudando na época, a histamina. Por ser mais lento,
foi nomeada bradicinina (13).
9. HISTAMINA
Ação semelhante à bradicinina e é liberada por mastócitos e basófilos (células
sanguíneas) nos processos inflamatórios, principalmente, nas reações alérgicas e tem
ação predominantemente vasodilatadora por ação na proteína G, nesse caso
liberando ON (14). Seus efeitos vasodilatadores são tão potentes que, em reações
alérgicas, levam o indivíduo ao choque distributivo, um tipo específico de colapso
hemodinâmico (15).
10. ADENOSINA
Nucleosídeo simples presente em abundância no corpo, é a molécula básica do ATP
e do AMPc, que tanto comentamos aqui. Quando na forma pura, a adenosina sofre
rápido catabolismo de uma enzima chamada adenosina deaminase, e é transformada
em inosina. Age em quatro canais, o A1, A2A, A2B e A3 com ações variáveis na
proteína Gs, tendo como efeito final a vasodilatação (16,17).
3. REGULAÇÃO NERVOSA
A regulação nervosa é a mais rápida resposta do corpo a situações externas, podendo
duplicar a pressão arterial em questão de segundos. É regulada basicamente pelo
sistema nervoso autônomo (SNA), que pode ser dividido em SNA simpático e no SNA
parassimpático. Quanto a esta divisão, os dois componentes terão focos diferentes na
regulação do sistema circulatório. O SNA simpático irá regular a circulação através de
alterações nos vasos, e é dele que vamos falar a partir de agora. Enquanto que o SNA
parassimpático se utiliza de alterações na função cardíaca, objetivo do capítulo 06.
A maioria dos vasos nos tecidos são inervados por fibras simpáticas, com exceção do
leito capilar. Estas fibras simpáticas estimuladas irão promover aumento da força de
contração cardíaca e vasoconstrição, principalmente, pela liberação de norepinefrina.
Nós já falamos da norepinefrina e da epinefrina neste mesmo capítulo, quando
discutíamos “regulação humoral”. Pois é. Essas são substâncias endócrinas (agem a
distância do órgão em que foram produzidas) com liberação regulada pelo sistema
nervoso.
A redução do diâmetro do vaso provocada pela norepinefrina e pela epinefrina vai
provocar dois principais efeitos, a depender do local de atuação. Em se tratando das
arteríolas, haverá aumento da resistência periférica, o que resultará na redução da
velocidade do fluxo e no aumento da pressão arterial. Em grandes veias, o sangue
acumulado nestes vasos será repelido para frente, levando-o com mais intensidade ao
coração, portanto, aumentando o retorno venoso.
A partir desse aumento do retorno venoso, ocorrerão dois reflexos: Frank-Starling e
Bainbridge, abordados no capítulo 05. Ocorre aumento da frequência cardíaca e força
de contração, consequentemente, aumentando o débito cardíaco e a pressão arterial.
Vamos repetir porque é importante: o aumento do retorno venoso aumenta o débito
cardíaco sistólico e também a pressão arterial. Grife essa parte. “Ah, mas eu já vinha
grifando tudo...”. Grife de outra cor.
Existe uma área no cérebro que controla, a cada momento, o tônus muscular dos
vasos do corpo: é o centro vasomotor. Localizado no bulbo, este possui uma área
sensorial que recebe informações de receptores localizados nos vasos e no coração.
Podendo ser dividido em duas áreas: a área vasoconstritora e a área vasodilatadora. Os
neurônios originários da área vasoconstritora enviam constantemente potenciais
elétricos para os vasos sanguíneos de todo o corpo, mantendo assim o que é
denominado de tônus vasomotor, pois existe uma constrição parcial contínua dos vasos.
Caso ocorra um estímulo nessa área, resultará em uma maior liberação dos potenciais
que promoverá uma resposta mais significativa, ou seja, vasoconstrição. Quanto à área
vasodilatadora, as fibras originárias desta se projetam para a área vasoconstritora,
inibindo a sua atividade, o que vai resultar na vasodilatação dos vasos, através da
redução do tônus vasomotor.
Em situações em que há uma isquemia (redução da irrigação de determinado tecido)
cerebral importante, há uma resposta intensa de vasoconstrição na tentativa de levar
mais sangue ao cérebro. Essa resposta só ocorre com pressões baixo de 60mmHg,
vindo a atingir uma resposta máxima sob pressões de 15 a 20mmHg.
Outra resposta a isquemia cerebral é a Reação de Cushing. Ela é causada pelo
aumento da pressão do líquido cerebrospinal dentro da caixa craniana. Uma vez que a
pressão intracraniana se iguale a pressão arterial, resultará na obstrução dos vasos
cerebrais (lembra do mecanismo de aferição da pressão arterial? O líquor faz uma acção
semelhante ao manguito). Em resposta, o centrovasomotor irá provocar o aumento da
pressão arterial para que novamente supere a do líquido cerebrospinal, aumentando a
pressão de dentro para fora, forçando a reabertura dos vasos e o restabelecimento do
fluxo sanguíneo. Desta forma, protege os centros vitais do encéfalo da perda de
nutrição.
1. BARORRECEPTORES E QUIMIORRECEPTORES
Os barorreceptores são receptores de estiramento presentes na parede das
grandes artérias sistêmicas. Sendo assim, o aumento da pressão arterial estira esses
receptores, resultando na transmissão de sinais para ao centrovasomotor. Ou seja,
funciona como um mecanismo de feedback negativo em que o receptor detecta o
aumento da pressão pelo seu estiramento e envia um sinal através de uma fibra
parassimpática como resposta ao centrovasomotor que, por sua vez, enviará uma
resposta vagal com liberação de acetilcolina, o neurotransmissor parassimpático. A
acetilcolina, em ação nos receptores muscarínicos, irá promover vasodilatação e
redução da frequência cardíaca, diminuindo então a pressão arterial (18). Apesar de
estarem presentes nas grandes artérias sistêmicas, são realmente abundantes em
duas regiões: nos seios carotídeos localizados na parede das carótidas internas e na
parede do seio aórtico (Figura 3.3). É este o racional de uma famosa, mas perigosa,
manobra na cardiologia: a massagem do seio carotídeo consiste em ativar o nervo
vago (parassimpático) a fim de interromper arritmias cardíacas através da inibição
parassimpática (19). Um outro exemplo é o “mata-leão”, golpe amplamente aplicado
em torneios de luta que consiste em estrangular o oponente com um dos braços. Este
além de interromper de forma significante o fluxo sanguíneo cerebral, estimula os
barorreceptores que entendem que a pressão está elevada e promovem
vasodilatação. Consequentemente, reduzindo ainda mais a irrigação cerebral.
Figura 3.3: Os barorreceptores (retirada do Guyton).
Além da capacidade que os rins possuem de regular a pressão arterial por meio do
manejo de volume e urina, eles possuem também papel endócrino. Esse papel se dá
através de um dos sistemas enzimáticos mais bem conhecidos da Fisiologia Médica e,
por conseguinte, mais cobrados em provas de fim de semestre, residência, concursos,
etc.: é o Sistema Renina-Angiotensina-Aldosterona (SRAA).
A liberação de renina é feita pelas células justaglomerulares quando ocorre queda
da pressão arterial. Ela será liberada no sangue e terá o papel de clivar uma proteína
plasmática, o angiotensinogênio. Vale ressaltar que ambas as substâncias, tanto a
renina quanto o angiotensinogênio, não possuem papel vasoativo direto. Porém, essa
clivagem do angiotensinogênio irá resultar na liberação da angiotensina I, que possui
um papel vasoconstritor discreto. O efeito vasoconstritor considerável do sistema
será feito pelo produto final do sistema, quando a angiotensina I é convertida em
angiotensina II pela enzima conversora de angiotensina (ECA), presente
principalmente no endotélio dos vasos pulmonares.
Além de ser um potente vasoconstritor, a angiotensina II (suas propriedades já
foram vistas na seção “controle humoral”) ainda influencia na outra variável: o volume
do fluído. Esta irá agir diretamente pela retenção de sal e água que ela provoca nos
rins, através da constrição das arteríolas renais e indiretamente pelo estímulo de
secreção de aldosterona pelas glândulas adrenais. A aldosterona provoca a
reabsorção de sódio, trocando-o por potássio ou hidrogênio, e agora sabemos que
consequente à reabsorção de sódio, por pressão osmótica, mais água será retida
também (Figura 3.5). Para completar, ainda estimula a sede. Resumidamente, além de
reduzir a excreção de água, a angiotensina II irá estimular a sua ingestão. E devido ao
fato de que o plasma é composto de aproximadamente 90% de água, isso tudo
resultará no aumento da pressão arterial.
Os rins também estimulam a liberação da vasopressina (ADH). Esse hormônio
liberado pela neurohipófise também irá estimular a retenção de água nos rins.
Portanto, promovendo o aumento da pressão arterial. O efeito diurético do álcool é
devido a este suprimir a produção da vasopressina.
Figura 3.5: Sistema renina-angiotensina-aldosterona. A renina produzida pelos rins
em resposta a uma queda da pressão arterial interage com o angiotensinogênio para
formação de angiotensina I. A angiotensina I será transformada em angiotensina II
pela enzima conversora de angiotensina (ECA) em vários tecidos, mas principalmente
nos pulmões. A angiotensina II tem efeitos vasoconstrictores humorais e anti-
natriuréticos. O efeito final dessa cascata é o aumento da pressão arterial (retirada do
Guyton).
Figura 3.6: Gráfico que resume toda a regulação que acontece no nosso corpo
quando algum fator aumenta a pressão arterial. Perceba que a resposta mais aguda é
a dos barorreceptores, seguida dos fatores humorais e, por fim, a resposta mais
dramática e mais sustentada é o controle renal (retirada do Guyton).
4. CONFERÊNCIAS
Confira aqui a aula dinâmica do Medicina Resumida sobre os assuntos abordados nesse capítulo!
CAPÍTULO 4
O Coração
1. CASO CLÍNICO
Terminado o estágio com Dr. Barros, você retorna de férias renovado e pronto para
aprender muita Medicina. A procrastinação ficará de lado esse semestre, você prometeu
a si mesmo.
Logo na primeira aula, uma grata surpresa. O professor, Dr. Benito, 80 anos, jaleco
amassado e encardido, entra na sala com um disquete e pede que os alunos ajudem a
projetar os diapositivos na parede. Ele estava ali para dar uma aula de anatomia do
coração.
Após trinta minutos de aula, no entanto, o imprevisível aconteceu. Dr. Benito
começou a se sentir mal na frente de todos os alunos. Ele sustentou seu corpo na
parede para não cair, enquanto suava frio. As alunas da primeira fila rapidamente
chegaram para socorrê-lo e perguntaram o que acontecia. Dr. Benito não conseguia
falar, apenas balbuciava sons incompreensíveis. As alunas também perceberam que
metade de seu rosto e do seu corpo não se movia.
Os alunos nesse momento ainda não sabiam, mas Dr. Benito possui um defeito
congênito no coração, ou seja, que o acompanha desde o seu nascimento, há 80 anos. E
agora, justo no meio da aula, esse defeito lhe causou um acidente vascular encefálico...
2. PALAVRAS-CHAVES
“anatomia”, “coração”, “valvas cardíacas”
3. OBJETIVOS
Compreender a anatomia do coração e sua relação topográfica com órgãos
circunvizinhos
2. INTRODUÇÃO
Nos capítulos anteriores, abordamos tudo o que você precisa sobre as rotas do
sistema cardiovascular: sua anatomia, histologia, e os detalhes mais importantes da sua
dinâmica e regulação. Agora, iniciaremos o estudo da bomba mantenedora desse
sistema, que é o coração. Este órgão se utiliza de contrações ritmadas que impulsionam
o sangue entre seus compartimentos (as câmaras cardíacas) para as rotas que partem
dele (as grandes artérias) para exercer essa sua função principal, que é manter o fluxo
contínuo e necessário para suprir as demandas dos sistemas.
O que move o médico é a curiosidade, então: “Eu lembro que são quatro
compartimentos os do coração, mas eu sei realmente a anatomia de cada um deles? ”,
“Como que o coração faz para direcionar corretamente o sangue para o local certo? ”, “O
que inicia e o que controla o batimentos cardíacos?”
Antes de iniciarmos, gostaríamos de chamar atenção para um detalhe didaticamente
muito importante sobre este capítulo. Com o advento da tomografia computadorizada e
da ressonância nuclear magnética se tornou possível o estudo da anatomia humana in
vivo. Selecionamos algumas figuras tomográficas que julgamos mais didáticas para seu
entendimento. Veja essas figuras com calma, entenda o plano anatômico que você está
visualizando, ou seja, de onde você está vendo aquele órgão, leia as legendas com
paciência, sem leitura dinâmica! E, ao fim do capítulo, você entenderá bem a anatomia
desse majestoso órgão.
Figura 4.1: Essa imagem esquemática te permite observar em uma visão frontal e,
principalmente, na visão lateral as delimitações do mediastino. Aproveite a imagem
para ter o registro visual de como apenas o mediastino inferior é dividido e a exata
posição do coração: o mediastino médio.
4. ANATOMIA DESCRITIVA
1. CARACTERÍSTICAS GERAIS
O coração é um órgão fibromuscular oco, internamente formado por quatro
câmaras cardíacas: dois átrios e dois ventrículos. Ele se localiza no mediastino médio
e assume uma posição oblíqua no tórax. A sua base está no nível da quinta à oitava
vértebra torácica e sua porção mais inferior repousa sobre o diafragma. Quem
colocou o coração no tórax dos humanos não estava muito preocupado com didática,
mas com funcionalidade. Portanto, é importante saber que o coração está disposto
de forma oblíqua no tórax e com sua ponta direcionada anteriormente, sendo que
suas cavidades direitas são anteriores e suas cavidades esquerdas posteriores, em
uma visão grosseira (e não cavidades direitas são direitas e esquerdas são esquerdas,
como alguém poderia pensar). Como o ventrículo esquerdo é maior que o ventrículo
direito, o ápice cardíaco, apesar de ser uma estrutura anterior no tórax, é proveniente
do coração esquerdo. Veja a Figura 4.3 e leia sua legenda para entender (2).
Figura 4.3: Essa é uma imagem de Ressonância Magnética. Para entender essa figura,
perceba primeiro o ângulo de visão (de baixo para cima). Por isso o que é esquerdo
está à direita na figura. Agora veja que o coração está oblíquo no tórax e com sua
ponta direcionada anteriormente. Perceba também o que eu falei: o ventrículo direito
é anterior ao ventrículo esquerdo, ou seja, está mais próximo da caixa torácica.
Porém, como o ventrículo esquerdo é maior, ele acaba assumindo a posição anterior à
medida que o coração vai se lateralizando. AD = átrio direito; VD = ventrículo direito;
VE = ventrículo esquerdo; AoD = aorta descendente.
Figura 4.4: Agora você está olhando um boneco deitado a partir da sua cabeça e ele
está deitado com o nariz na cama. Perceba que a estrutura mais posterior do coração
é o átrio esquerdo e sua base (oposta ao ápice) é formada pelos átrios direito e
esquerdo. AoA = aorta ascendente; AoD = aorta descendente; AE = átrio esquerdo;
APD = artéria pulmonar direita; APE = artéria pulmonar esquerda; VCS = veia cava
superior; ACD = artéria coronária direita; TP = tronco pulmonar; VD = ventrículo direito
e VE = ventrículo esquerdo.
5. HISTOLOGIA DO CORAÇÃO
O coração é um vaso sanguíneo altamente modificado. Durante o desenvolvimento
embriológico, o coração se desenvolve a partir de um grande vaso, permanecendo
conectado a eles e mantendo algumas características de uma grande artéria em suas
camadas. Sendo assim, como um grande vaso sanguíneo, o coração também possui três
camadas na sua composição: o endocárdio correspondendo a túnica íntima, o miocárdio
que corresponde a túnica média e o epicárdio correspondente à túnica adventícia
A porção mais externa do coração é o epicárdio, que corresponde à camada mais
interna do pericárdio, a estrutura que protege o coração. O epicárdio é uma
continuidade da túnica adventícia dos grandes vasos. É formada por um epitélio
pavimentoso simples, o mesotélio, que se apoia em uma camada de tecido conjuntivo
frouxo, chamada de subepicárdica, que contém acúmulos de gorduras, vasos e nervos.
Entre o folheto epicárdico e o folheto visceral do endocárdio existe uma pequena
quantidade de fluido que facilita o movimento do coração.
O miocárdio é uma camada composta predominantemente de células musculares
cardíacas. Apesar de serem também estriadas, não se pode confundir com as células
musculares esqueléticas, presentes nos demais músculos. Isso porque as musculares
estriadas cardíacas possuem especificidades, a saber: se unem em complexas junções
chamadas discos intercalados, então formam redes de células. Essa característica
confere à célula muscular cardíaca principal diferença sobre as musculares esqueléticas:
essa rede de discos munidos de gap junctions permeáveis a íons dá ao coração a
capacidade de transmissão de impulso nervoso e também de automaticidade, que é a
capacidade que algumas células possuem de iniciar uma despolarização (em outras
palavras, dar partida no motor). A parte elétrica cardíaca será vista com detalhes no
capítulo 6 (3).
A camada mais interna, o endocárdio, se assemelha à camada íntima de um vaso. É
formada por um epitélio pavimentoso simples, um endotélio, que repousa em uma
camada subendotelial de tecido conjuntivo frouxo fibroelátisco e termina em uma
camada chamada de subendocárdica. Essa subcamada também é formada de tecido
conjuntivo e apresenta vasos sanguíneos e células de Purkinje. Estas células fazem parte
do sistema elétrico do coração (capítulo 06). O endocárdio então é formado de um
endotélio, de uma camada subendotelial e de uma cada subendorcárdica. Ou seja, dos
dois lados das paredes do coração começamos, do externo para o interno, com um
epitélio pavimentoso simples, depois temos tecido conjuntivo, cada um com suas
peculiaridades e entre elas temos a terceira camada restante, o miocárdio.
6. ANATOMIA CARDÍACA
1. O ESQUELETO DO CORAÇÃO
Transverso à base do coração, na altura das valvas cardíacas (que logo serão
apresentadas), temos o esqueleto do coração, uma estrutura fibrosa que é composta
por tecido conjuntivo denso. É dividida em septo membranoso, trígono fibroso e o
ânulo fibroso. Esse esqueleto serve de sustentação para as valvas e tem papel de
isolante elétrico entre os átrios e os ventrículos (Imagem 4.6). Já adiantando: os átrios
precisam contrair primeiro para encher os ventrículos de sangue. Não podemos
esperar que os átrios e os ventrículos contraiam juntos em situação normal.
Figura 4.6: O esqueleto cardíaco. Um tecido conjuntivo denso que possui a função de
fixar o miocárdio atrial e ventricular, apoiar e reforça as aberturas das quatro válvulas
do coração e separar eletronicamente o ventrículo dos átrios (retirada do Netter).
2. AS CÂMARAS CARDÍACAS
As câmaras cardíacas funcionam como compartimentos temporários para o fluxo
sanguíneo. O sangue da circulação sistêmica chega pelo átrio direito, segue para o
ventrículo direito, de onde será ejetado para a circulação pulmonar. O sangue então
retorna oxigenado pelo átrio esquerdo, segue para o ventrículo esquerdo e é ejetado
novamente para a circulação sistêmica. Esta comunicação entre as câmaras cardíacas
é regulada por estruturas chamadas de valvas cardíacas. Estas funcionam como
comportas que se abrem a depender do nível de pressão dos compartimentos.
Essa pressão dos compartimentos possui relação direta com a ação da musculatura
de que é composta e pela resistência que o fluxo precisa vencer para seguir. Para
entender isto, basta reconhecer que o coração, por ser um órgão
predominantemente muscular, irá hipertrofiar a depender da pressão (“força”) que
precisará criar para vencer a resistência do próximo seguimento da circulação. Sendo
assim, o lado esquerdo, que precisa de mais pressão para ejetar sangue para todo o
corpo, ou seja, que se esforça mais o tempo inteiro, será hipertrofiado, enquanto as
paredes do ventrículo direito, que apenas precisa enviar o sangue para seus vizinhos,
os pulmões, será mais delgada. Também por isso os átrios possuem paredes bastante
delgadas, pois o próximo seguimento são os ventrículos que são adjacentes e, como
veremos no capítulo 05, apenas o acúmulo de sangue já é suficiente para a abertura
das valvas atrioventriculares, sendo as suas contrações apenas um complemento ao
enchimento ventricular.
Entendidas as diferenças de espessura das paredes das câmaras cardíacas, vamos
abordar as estruturas que compõem cada uma delas.
O ventrículo direito possui duas valvas: a valva tricúspide (você pode encontrar
livros chamando valva atrioventricular direita, mas na prática chamamos tricúspide)
separando-o do átrio direito e a valva pulmonar (semilunar direita) que comunica o
ventrículo direito com a artéria tronco pulmonar. Nos arredores do óstio desta valva
temos uma área de superfície lisa denominada de cone arterial ou infundíbulo, mas
na prática chamada de “via de saída do ventrículo direito”. Na região da via de
entrada, isto é, próximo à valva tricúspide, existe uma abundância de trabéculas
cárneas, presentes em menor quantidade também no ventrículo esquerdo. Essas
trabéculas dão origem a músculos mais proeminentes que são os músculos papilares:
o músculo papilar anterior, que é o maior e se encontra na parede anterolateral do
ventrículo direito; o músculo papilar posterior que frequentemente é formado por
duas ou três proeminências e, por fim, o músculo papilar septal que costuma ser tão
pequeno que pode ser imperceptível. Na parede livre do ventrículo direito está a
banda moderadora, uma ligação entre o septo e a parede livre contendo fibras
componentes do ramo direito, essencial para a contração sincrônica das regiões mais
distantes do ventrículo direito (Figura 4.7).
Figura 4.9: Vide texto. Região demarcada em vermelho: triângulo de Koch. Região
demarcada em azul: istmo cavotricuspídeo (retirada do Netter).
Figura 4.11: Imagem tomográfica da coronária direita (CD) enviando ramos marginais
(RM) e ao fim trifurcando-se em artéria descendente posterior direita (ADPD), ramo
ventricular posterior (RVP) e artéria do nó AV (pequena e não visualizada) (retirada de
Faletra).
2. DRENAGEM
Apesar do suprimento arterial ser mais importante, a drenagem venosa do coração
também necessita de atenção. A estrutura principal da drenagem é o seio coronário.
Este é o maior responsável por receber o sangue de suas tributárias e despejar no
átrio direito pelo óstio do seio coronário citado neste capítulo anterior. O seio
coronário tem de 2 a 3cm de comprimento e se localiza no sulco coronário,
posteriormente, entre as câmeras esquerdas.
São cinco tributárias principais que drenam para o seio coronário (Figura 4.13):
8. CONFERÊNCIAS
Confira aqui a aula dinâmica do Medicina Resumida sobre os assuntos abordados nesse capítulo!
CAPÍTULO 5
O Funcionamento Mecânico do Coração
1. CASO CLÍNICO
Era uma quarta-feira cinzenta no Princeton-Plainsboro Teaching Hospital. Os
residentes, que haviam chegado às 4:30 da manhã para “passar os casos” do Pronto
Socorro, estavam agora tomando café na copinha do hospital enquanto aguardavam
seu temido chefe para uma visita. Os internos, que chegaram às 7:50 permaneciam do
lado de fora, bocejando de sono e comentando a cervejada da noite anterior.
Em meio ao forte cheiro de café, Lisa, uma das residentes mais prodigiosas, parecia
distante. Seu olhar parecia vagar pelo horizonte chuvoso. Estava com um mal
pressentimento sobre a visita de hoje.
Primeiro caso, tudo bem. O residente Alvarez passou todos os detalhes com
excelência e o chefe fez uma revisão didática sobre o manejo atual da Síndrome
Coronariana Aguda sem supradesnivelamento do Segmento ST. Os internos, aqueles
que permaneciam acordados, anotaram em seus cadernos “nunca pedir troponina C”.
Segundo caso, tudo bem também. Desta vez o chefe explicou ao seu residente Tom a
origem das bulhas cardíacas e a razão do seu paciente, em específico, possuir uma
terceira bulha, a B3.
Lisa estava sentindo-se nauseada, sudoreica e pálida quando o chefe apontou: “Lisa,
esse paciente foi visto por você, não é?”. Lisa passou o caso apavorada. Sabia que seu
chefe não pegaria leve com ela.
Este paciente parecia muito com o anterior, do Tom. Tinha até a mesma síndrome e já
apresentava B3 desde a internação. Hoje ele estava completamente edemaciado. A
estratégia que Lisa usara para aumentar o débito cardíaco desse paciente foi falha: ela
decidiu hidrata-lo exageradamente, pois pensou “mais pré-carga, mais pós-carga”.
O chefe realmente não pegou leve com ela. Esse era um erro crasso. Durante a
discussão, por diversas vezes, foram citados dois nomes: “Frank” e “Starling”.
2. PALAVRAS-CHAVES
Síndrome Coronariana Aguda; Bulhas; Pré-carga; Pós-carga
3. OBJETIVOS
Compreender o funcionamento mecânico do coração – o seu papel como
bomba.
Apenas para terminar, vamos passar um dado importante: até 90% da energia que o
coração consome deriva do metabolismo oxidativo dos ácidos graxos, e o restante de
lactato e glicose.
4. O CICLO CARDÍACO
O sangue no sistema circulatório, em condições fisiológicas, segue sempre um
mesmo trajeto. Isto significa que o sangue que chega aos capilares sistêmicos cheio de
nutrientes e oxigênio, obrigatoriamente, passou pelos pulmões previamente e,
portanto, possui uma maior concentração de oxigênio do que nesses tecidos,
permitindo a difusão por gradiente de concentração. Caso essa passagem pela
circulação pulmonar não ocorra, uma porção de sangue pode alcançar os capilares sem
que os gradientes dos gases estivessem suficientemente altos a ponto de favorecer a
troca nos tecidos, o que poderia levar a hipoxemia e até morte tecidual.
Devido às valvas atrioventriculares apresentarem abertura direcionada aos
ventrículos e as ventriculoarteriais (ou semilunares) se abrirem em direção às paredes
da sua respectiva artéria (aorta ou tronco pulmonar), o sangue apenas seguirá, em
condições normais, para o próximo compartimento quando a pressão no atual
compartimento for maior do que no seguinte. Pare para pensar: se os átrios alcançarem
uma pressão maior que a pressão no interior dos ventrículos, as valvas
atrioventriculares se abrem, pois, os ventrículos não conseguem impedir a abertura da
valva. Quando, ao contrário, os ventrículos apresentam maior pressão, é forçado o
fechamento das valvas atrioventriculares. O mesmo raciocínio se aplica na abertura e
fechamento das valvas semilunares. Caso o ventrículo obtenha uma pressão maior que
seu respectivo vaso, as valvas irão se abrir e quando a pressão da artéria novamente
superar o ventrículo, o sangue irá tentar regurgitar e forcará o fechamento das valvas
ventriculoarteriais. Isto tudo é importante porque para o entendimento do ciclo
cardíaco, precisamos fazer uma análise das pressões no interior dos compartimentos
considerando o volume de cada recipiente e a força exercida pelas paredes e, assim,
estimar a consequência que essas variações terão no fluxo sanguíneo.
Antes, faz-se necessária a antecipação de um conteúdo que será explorado no
próximo capítulo. O sistema de condução elétrico é o responsável pelo gatilho das
contrações em cada câmara cardíaca. E ele promove, fisiologicamente, um atraso entre
a contração atrial e a contração ventricular. Sendo assim, primeiro o sangue chega aos
ventrículos através dos átrios, e posteriormente ocorre a contração dos ventrículos,
quando, enfim, o sangue é ejetado pelo ventrículo direito para os pulmões e pelo
ventrículo esquerdo para o restante do corpo humano. Desta forma, quando se estuda
o ciclo cardíaco, divide-se o ciclo cardíaco didaticamente em três eventos principais,
considerando o estado dos ventrículos: a contração ou sístole ventricular, o relaxamento
ventricular e o enchimento ventricular – estas duas últimas ocorrendo durante a
diástole ventricular.
1. A SÍSTOLE VENTRICULAR
A análise do ciclo cardíaco pode se dar a partir de qualquer uma de suas fases,
pois, se trata de um ciclo, assim como, podemos analisar a partir de qualquer um dos
ventrículos, considerando que os mesmos princípios estarão ocorrendo também no
outro. Sendo assim, para nossa explicação, vamos iniciar o ciclo voltando a atenção
para o momento em que o ventrículo esquerdo já está preenchido pelo sangue
originário da circulação pulmonar e o ventrículo direito pelo sangue da circulação
sistêmica. Pensamos que montar o raciocínio dessa maneira fica mais didático para
você nos entender. Acompanhe nosso raciocínio.
Se o ventrículo já estava cheio de sangue, o próximo passo esperado é a contração,
correto? O início da sístole ventricular promove o aumento da pressão da câmara, o
que resulta no fechamento das valvas atrioventriculares, produzindo a primeira
bulha cardíaca (TUM) - a primeira bulha marca, portanto, o início da sístole
ventricular e o fim da diástole e é ocasionada pelo fechamento das valvas mitral e
tricúpide. Esta contração é crescente, portanto, inicialmente, essa contração ainda
não fornece pressão suficiente para vencer a resistência da aorta e abrir a valva
aórtica. Dessa forma, por milésimos de segundos, o processo contrátil ocorre contra
as duas valvas (mitral e aórtica) – lembre-se, estamos falando apenas do ventrículo
esquerdo - fechadas, ou seja, sem alteração do volume. Portanto, esta primeira fase
da sístole ventricular é chamada de contração isovolumétrica.
Eletrocardiograficamente, esta fase se associa ao complexo QRS (assunto para o
próximo capítulo).
Contudo, este processo contrátil vai se intensificando e a pressão continua
crescendo até que essa pressão no interior do ventrículo esquerdo supere a pressão
da aorta e a do ventrículo direito supere a pressão na artéria pulmonar, forçando a
abertura das valvas aórtica e pulmonar, resultando na ejeção brusca de sangue
através destes vasos. O mesmo não ocorre nas valvas atrioventriculares porque elas
são desenhadas anatomicamente para se abrirem apenas quando a pressão dos
átrios vencer a dos ventrículos. Esta segunda fase da sístole ventricular, a que o
sangue finalmente é ejetado pela aorta e artéria pulmonar, é chamada de ejeção
rápida e nela ocorre a ejeção de 70% de todo sangue que será impulsionado pela
circulação.
2. O RELAXAMENTO VENTRICULAR
A contratilidade miocárdica cessa e se inicia o relaxamento ventricular. Porém,
apesar do ventrículo entrar em diástole, dois fatores promovem a continuidade do
fluxo: o gradiente de pressão que ainda é favorável ao ventrículo e há também um
favorecimento inercial (“um corpo que está em movimento, tende a continuar em
movimento”). Consequentemente, algum grau de fluxo sanguíneo permanece
ocorrendo através das artérias ao passo em que, gradativamente, se reduz a sua
intensidade devido à contínua queda da pressão intraventricular e conseguinte
gradiente de pressão ventrículoarterial. Esse movimento inercial no período de ejeção
é chamado de Efeito Windkessel e é nesse período que os 30% restantes do volume
de ejeção são impulsionados. Portanto, devido ao fato desta fase ocorrer uma ejeção
com menor intensidade que ela é denominada como ejeção lenta ou reduzida. É
durante esta fase que o eletrocardiograma irá demonstrar ainda o segmento ST e a
onda T, marcadores da repolarização elétrica ventricular.
Seguindo nosso raciocínio, em algum momento do ciclo cardíaco, a pressão da
aorta se torna novamente maior que a do ventrículo. O movimento inercial é então
interrompido e, como a pressão do vaso está maior do que no interior do ventrículo,
o fluxo tende a ser retrógrado, preenchendo os seios das válvulas da valva aórtica
que, consequentemente, se fecha junto com a artéria pulmonar, produzindo a
segunda bulha cardíaca (TÁ) - a segunda bulha então marca o fim da sístole e o
início da diástole e é ocasionada pelo fechamento das valvas aórtica e pulmonar. Nos
seios de Valsalva da valva aórtica estão contidas as emergências das artérias
coronárias direita e esquerda. Sendo assim, chega-se ao contexto em que o ventrículo
está se relaxando e as valvas atrioventriculares e ventriculoarteriais estão fechadas.
Esta fase é chamada de relaxamento isovolumétrico.
3. O ENCHIMENTO VENTRICULAR
Durante todo o período em que as valvas atrioventriculares estão fechadas, o
sangue oxigenado continua a chegar da circulação pulmonar e sistêmica e se
acumular nos átrios, resultando no aumento de pressão resultante dessa expansão
de volume. Somado a isto, na etapa que estamos descrevendo agora, está ocorrendo
o relaxamento do ventrículo esquerdo. A soma destes fatores resulta na superação da
pressão dos átrios sobre os ventrículos, forçando a reabertura da valva
atrioventricular e, consequentemente, o sangue que estava nos átrios é despejado
rapidamente para adiante. Essa primeira das três fases do enchimento ventricular é
denominada de enchimento rápido e é responsável pela maior parte do sangue que
passará dos átrios para os ventrículos. Se o ventrículo não se contraiu com a eficácia
esperada no batimento anterior, então uma porcentagem menor de sangue seguiu
pela circulação pulmonar e uma porcentagem maior permaneceu no ventrículo,
correto? E quando o enchimento rápido ocorre, se já há muito sangue no ventrículo,
esse sangue que está entrando vai causar vibrações na parede do ventrículo,
causando um som que é audível ao estetoscópio quando o paciente está deitado, a
terceira bulha (B3). É, portanto, um marcador de sobrecarga volumétrica por baixo
débito cardíaco e insuficiência cardíaca congestiva.
Durante esta fase, o eletrocardiograma é silencioso, mostra apenas uma linha
isoelétrica.
O fluxo sanguíneo, como já citado diversas vezes, é contínuo. Sendo assim, mais
sangue continua a chegar ao coração através das veias e, como as valvas
atrioventriculares estão abertas, o sangue enche diretamente os ventrículos, porém,
nesta etapa com uma velocidade menor do que a etapa anterior. Por isso, a segunda
fase é conhecida como enchimento lento ou diástase. As duas primeiras fases do
enchimento ventricular são responsáveis por 75-80% do volume diastólico final.
Na última fase do enchimento ventricular ocorre a contração atrial, que impulsiona
um pouco mais de sangue aos ventrículos, finalizando o enchimento com essa fase
chamada de sístole atrial. Atenção: não confundir! A sístole atrial ocorre durante a
diástole ventricular. Esta fase interfere apenas em 20% no volume diastólico final.
Sendo assim, apesar de possuir em condições fisiológicas uma baixa contribuição,
essa etapa ganha mais relevância em situações patológicas, como uma estenose de
valva atrioventricular, em que o sangue tem dificuldade de passar para o ventrículo.
Também digna de nota é a arritmia mais frequente na prática clínica, a fibrilação
atrial, em que o átrio perde a capacidade de se contrair, reduzindo em 20% o débito
atrial.
Durante a sístole atrial, se o ventrículo não for complacente, ele não tolerará mais
líquido em seu interior, havendo, no momento da passagem forçada de sangue, a
vibração das paredes do ventrículo. Quando ocorre isso, ouve-se a quarta bulha
cardíaca (B4). A quarta bulha é sinal de sobrecarga pressórica do ventrículo.
Voltando, considerando o enchimento completo dos ventrículos, fecha-se o ciclo
cardíaco, pois retorna-se para o estado em que iniciamos o estudo do mesmo:
“ventrículo esquerdo já preenchido com o sangue originário da circulação pulmonar e
o ventrículo direito preenchido com o sangue da circulação sistêmica”.
Uma outra maneira de avaliar esse ciclo cardíaco é através do diagrama de volume-
pressão, que você já é capaz de entender. Veja a Imagem 5.2
Figura 5.2: Entenda esse diagrama. Ele obviamente não tem o tempo em sua abcissa
(pois não existe, até a confecção deste manuscrito, a viagem no tempo). Ao ler este
gráfico, imagine apenas o ventrículo se enchendo, portanto aumentando de volume,
e depois contraindo, portanto aumentando de pressão (retirada do Guyton).
1. VOLUMES CARDÍACOS
Volume Diastólico Final: volume de sangue contido no ventrículo exatamente antes
da sua contração.
Volume de Ejeção: volume ejetado na fase de sístole ventricular.
Volume Sistólico Final: volume restante no ventrículo após a fase de sístole
ventricular. Resultado do volume diastólico final - volume de ejeção.
Fração de Ejeção: é relação entre o volume de ejeção e o volume diastólico final, ou
seja, o percentual do sangue total que foi ejetado. Este é um índice da função
cardíaca que ajuda a avaliar a contratilidade miocárdica na clínica.
Figura 5.3: Atenção a quantas informações interessantes essa imagem nos mostra.
Cada curva representada no gráfico pertence a pacientes diferentes. Perceba que o
paciente com insuficiência cardíaca consegue manejar menos volume que o paciente
sem comorbidades de acordo com o aumento da pré-carga ou volume diastólico final.
Perceba também, que em certo ponto, a curva tem um ponto de deflexão e, caso o
volume diastólico final siga crescendo, o débito sistólico diminuirá ainda mais.
6. CONFERÊNCIAS
Confira aqui a aula dinâmica do Medicina Resumida sobre os assuntos abordados nesse capítulo!
CAPÍTULO 6
O Funcionamento Elétrico do Coração
1. CASO CLÍNICO
Na cantina da Universidade, um dos seus colegas, Walter, se gaba porque
finalmente aprendeu eletrocardiograma. Ele explicava para Patrícia e para
Whindersson os conceitos da onda P, do complexo QRS e seu eixo elétrico e a onda T. O
trio WPW, como era costumeiramente chamado, comia tapioca com ovo e ketchup.
Durante sua apresentação informal, no entanto, Walter é informado pelo seu smart
watch que a sua frequência cardíaca ultrapassou os 180 batimentos por minuto
mesmo estando ele em repouso. Preocupado, ele pediu licença aos colegas e chamou
você para ajudá-lo.
Na palpação de pulso, você percebe que o ritmo está muito rápido, em torno de 180
por minuto, regular. Em uma rápida anamnese, Walter te fala que está se sentindo
perfeito, que sequer percebeu que estava tão taquicárdico.
Em meio aos seus intentos de levá-lo ao hospital, Walter, que permanecia
assintomático, decidiu ingerir mais um pedaço de tapioca. E foi nesse momento que
um milagre aconteceu: apesar de quase morrer engasgado, o pedaço de tapioca
engolido sem boa mastigação conseguiu terminar subitamente com a arritmia.
Os colegas que estavam assistindo a aula de Imunologia perderam a chance de
presenciar um incrível momento de atuação do sistema nervoso autônomo na
regulação dos batimentos cardíacos.
2. PALAVRAS-CHAVES
“Arritmia” “Eletrocardiograma” “sistema nervoso autônomo” “regulação”
3. OBJETIVOS
Compreender os mecanismos de regulação do sistema circulatório
1. INTRODUÇÃO E FUNÇÃO
O ciclo cardíaco, abordado no capítulo anterior é mantido pelo próprio coração,
porém a frequência com que este impulso é gerado é influenciado pelo sistema
nervoso e por outros fatores. Por isso, é possível manter um coração extracorpóreo,
em condições ideais, enquanto receber sangue oxigenado por uma máquina.
Sendo assim, como o coração se “auto-estimula”? O coração possui um grupo
especializado de células cardíacas que forma o sistema de geração e condução
elétrico. O processo de geração do impulso elétrico é realizado, na maior parte das
vezes, pelo nó sinusal (ou sinoatrial). A nível celular ocorrem mudanças nas
concentrações iônicas que resultam na despolarização da membrana celular das
suas células e essa perturbação iônica é propagada para as células adjacentes
musculares, provocando a contração destas, e para o restante do sistema elétrico
que irá transmitir esse estímulo para as demais regiões cardíacas.
Como vimos, o coração funciona eletricamente como um sincício, ou seja, como
uma única célula, uma vez que estimular uma célula muscular cardíaca irá resultar
no estímulo das demais.
Esta característica é fundamental, pois a propagação do estímulo elétrico, não
pode ocorrer de forma aleatória. O coração precisa que as células das câmaras
atuem sinergicamente para que sua função de contração seja executada.
Por outro lado, como já abordado, é necessário que os átrios se contraiam antes
dos ventrículos para que haja uma maior eficiência do ciclo cardíaco, logo a função
isolante do esqueleto fibroso é importante. No entanto, é necessário que haja uma
“brecha” comunicante para que o impulso alcance as câmeras inferiores e isto é
realizado por um segmento específico do sistema elétrico que veremos adiante.
Sendo assim, podemos afirmar que o sistema elétrico do coração é o responsável
por organizar e manter a rotina de batimentos das câmaras cardíacas de maneira
eficaz.
3. O ELETROCARDIOGRAMA (ECG)
A condução do estímulo elétrico pode ser registrada por um exame chamado
eletrocardiograma (ECG). Um exame simples e barato, obrigatório em emergências.
O exame registra traçados que, ao serem analisados, possibilitam identificar e
intervir precocemente em patologias potencialmente fatais como o infarto agudo do
miocárdio e arritmias.
O funcionamento do aparelho é simples, vamos ver. O profissional responsável,
algumas vezes o próprio médico, posiciona eletrodos que irão registrar as alterações
elétricas a partir de um “ponto de vista” específico e tomado como convenção,
portanto, já tenham em mente desde já que é importante posicionar sempre
corretamente os eletrodos. O ECG funciona como se câmeras fossem posicionadas
em volta do coração, como disse, em locais específicos e pré-determinados, e estas
registram o trajeto do impulso elétrico, considerando se vetor desse impulso se
aproximou ou se afastou de cada eletrodo. Neste momento você deve estar
pensando: “ih, ele falou em vetor. Vou pular para a próxima sessão, não fiz Medicina
para isso”. Calma, fica com a gente. Você vai entender.
A atividade elétrica cardíaca gera uma diferença de potencial (voltagem) capaz de
ser capturada pelo aparelho de eletrocardiograma. Para que haja uma diferença de
potencial, é necessário, primeiro, que haja dois pontos. Então, uma derivação é uma
câmera que registra a atividade em dois pontos. Se esse potencial está se
despolarizando no sentido da câmera, então a seta do vetor apontará para ela, se
está despolarizando no sentido contrário da seta, a câmera verá a cauda do vetor.
Simples assim. O que complica um pouco é que você precisa somar os vetores vistos
por todas as derivações e fazer uma média deles, mas somos legais e vamos te
mostrar como fazer isso em instantes.
Estas “câmeras” são denominadas derivações no ECG e são compostas sempre
por dois polos (bipolares, portanto). As derivações dos membros, que chamamos de
periféricas, registram a diferença de potencial dos próprios polos entre si e as
derivações do precórdio, chamadas de derivações horizontais, registram a diferença
de potencial do eletrodo no tórax até um ponto virtual localizado no centro do tórax
criado matematicamente por três dos eletrodos periféricos. Como no caso das
derivações dos membros, um vetor parte de um polo para outro, e no caso das
derivações precordiais, o vetor parte deste polo virtual para o eletrodo no tórax, os
livros didáticos erroneamente chamam os eletrodos periféricos como bipolares, e os
precordiais como unipolares (7). Vamos repetir para que o leitor do Medicina
Resumida nunca erre: todas as derivações do ECG são bipolares, só que as
derivações horizontais usam um ponto virtual no centro do tórax como um dos
polos.
Willem Einthoven, nas duas primeiras décadas do século passado, desenvolveu
um galvanômetro capaz de gravar potenciais elétricos cardíacos – o
eletrocardiografo (isso lhe rendeu um prêmio Nobel em 1924). O triângulo de
Einthoven foi, então, criado a partir dos eletrodos que ele posicionava nos
membros: a derivação DI, por exemplo, grava o potencial de ação entre o braço
direito e o braço esquerdo, DII entre o braço direito e a perna esquerda e DIII entre
o braço esquerdo e a perna esquerda (8). Em 1934, Wilson, em uma genial jogada
matemática, introduziu este tal ponto virtual no centro do tórax do qual já falamos, o
“terminal central de Wilson”, mas ele foi inicialmente criado com o intuito de
calcular a diferença de potencial do braço direito, por exemplo, até o centro do
triângulo de Einthoven, o que foi chamado na época de VR (9). Por fim, em 1942,
Goldberger, introduziu um aumento na sensibilidade destas últimas derivações, que
agora teriam um “a” em frente a seus nomes, surgindo, então, aVR, aVF e aVL (10).
Para entender a razão de eu ter falado isso tudo, introduzo agora o famoso “Círculo
de Cabrera”, na imagem 6.2. Não deixe de ler a legenda.
O ECG padrão conta com 12 derivações, sendo seis periféricas (DI, DII, DIII, aVR,
aVF e AVL) e seis precordiais (V1, V2, V3, V4, V5 e V6). Cada uma delas vê o coração
por um ponto de vista diferente: as derivações periféricas, por exemplo, enxergam
se o estímulo elétrico vai para cima ou para baixo e para a esquerda ou para direita,
mas não se anterior ou posteriormente; já as derivações precordiais enxergam se o
estímulo vai para frente e para trás, para a esquerda e para a direita, mas não se
superior ou inferiormente. Por isso, para avaliar um eletrocardiograma, o
profissional experiente avalia as 12 derivações em conjunto. E em algumas situações
clínicas, usamos até 24 derivações, ou até inventa-se alguma, como as derivações de
Lewis ou Fontaine (11).
Agora você sabe se o eixo elétrico está indo para baixo ou para cima, para direita
ou para esquerda. À título de curiosidade, existe um exame chamado
“vetorcardiograma” em que o médico experiente avalia o eixo elétrico cardíaco
tridimensionalmente. Está em relativo desuso na prática clínica, mas os autores do
capítulo são declarados entusiastas desse método.
Entra sódio lentamente (carga positiva), e o potencial de ação vai subindo até
atingir – 40 mV. Quando o potencial alcança esse valor, os canais de cálcio
dependentes de voltagem (ICaL) se abrem, permitindo assim um grande influxo de
cálcio que eleva o potencial para valores positivos em torno de + 10 mV, ou seja, leva
à despolarização da membrana (se você está atento, perceberá que o potencial de
ação passou de polarizado negativo para polarizado positivo, mas convencionou-se
chamar essa transformação em carga positiva de “despolarização” - não temos nada
a ver com isso). Porém, ao se obter um potencial positivo, abrem-se os canais
rápidos de potássio, que promovem a repolarização da membrana (ou seja,
retornar para negativo).
Por fim, as bombas de Na+/K+ e as bombas de Na+/Ca2+, ativamente, retomam às
concentrações originais, expulsando o sódio e o cálcio, e recaptando o potássio.
Devido à retomada das concentrações iniciais pelas bombas iônicas e pela entrada
constante de sódio, esse será um ciclo que vai se repetir periodicamente.
Aproximadamente, uma vez por segundo. Portanto, como é esse potencial de ação
que irá se propagar e provocar as contrações musculares, o coração bate nessa
frequência: uma vez por segundo, 60 batimentos por minuto.
O potencial de ação em células automáticas é chamado de resposta lenta
(Imagem 6.5-A) e a condução desse potencial nas demais células cardíacas é
denominado de resposta rápida (Imagem 6.5-B). É sobre ela que vamos falar agora.
Figura 6.5: Potenciais de ação em fibras cardíacas de resposta lenta (A) e rápida (B).
PRR = periodo refratário relativo; PRE = período refratário efetivo (retirada do Berne).
1. MECANISMOS INTRÍNSECOS
Existem três mecanismos intrínsecos principais: o próprio sistema de condução do
coração; o mecanismo de Frank-Starling estudado no capítulo 05 (“Dentro de limites
fisiológicos, o coração bombeia todo o sangue que a ele retorna pelas veias”) e o
terceiro mecanismo é o polipeptídeo natriurético atrial (BNP, sua sigla em inglês,
pelo qual é mais conhecido).
O BNP é sintetizado e secretado pelo miocárdio atrial com o estiramento das
paredes atriais decorrente do aumento do retorno venoso. Como resposta a esse
aumento do retorno venoso, o PNA estimula a diurese e a natriurese, ou seja,
estimula a eliminação de água e sódio pela urina, com o intuito de reduzir a pressão
arterial e o retorno venoso.
2. MECANISMOS EXTRÍNSECOS
A regulação extrínseca é feita principalmente pelo sistema nervoso autônomo
(SNA).
O SNA simpático é originado no gânglio estrelado, onde estão localizados seus
corpos celulares, e seus axônios chegam ao coração muito próximo da região onde
correm os vasos epicárdicos (13). Já as fibras parassimpáticas se originam na medula
espinhal em nervo vago direito e esquerdo. Estes se ramificam e se distribuem de
maneira heterogênea, mas com intensa densidade nas regiões do nó sinusal e do nó
atrioventricular, com pouca densidade nos ventrículos (14). É digno de nota que o
feixe de His não recebe inervação autonômica, portanto, um bloqueio nesta região
não será por efeito disautonômico.
O principal neurotransmissor do SNA simpático é a norepinefrina. Essa substância
tem ação nos receptores alfa e beta adrenérgicos, como já foi visto anteriormente. A
norepinefrina e também a epinefrina agem através do agonismo de desses canais,
ativando as proteínas Gs (G estimuladoras), fazendo com que uma molécula
chamada adenil ciclase retire dois grupamentos fosfato da adenosina trifosfato (ATP)
para formação da adenosina monofosfato cíclica (AMPc), o segundo mensageiro do
SNA simpático (o primeiro era norepinefrina ou epinefrina), que por sua vez irá
promover a ação da proteína kinase A (PKA), terceiro mensageiro, que tem como
efeito principal a liberação e sensibilização de moléculas de cálcio. Mais cálcio: maior
contração de musculatura lisa (Imagem 3.2). A saber, moléculas importantes que
atuam nessa sensibilização são 1) fosfolambam, que aumenta a receptação do cálcio
pelo retículo sarcoplasmático e, consequentemente, seu melhor relaxamento e
velocidade de contração; 2) troponina I e canais de cálcio da membrana (15). Parece
um Deja Vu, mas não é. Já falamos dessa cascata no capítulo 3, mas, naquele
momento, falando sobre sua ação nos vasos. A cascata é a mesma. O produto final
também: contração cardíaca e de vasos.
O parágrafo anterior parece despropositado, mas é de suma importância no
entendimento da contração cardíaca. Para se ter ideia, hoje sabemos que existe uma
molécula chamada “beta-arrestina”, que é capaz de inibir a ação da proteína Gs, que
é o primeiro passo da cascata, deixando o indivíduo irresponsivo ao sistema nervoso
autônomo. Esse é um dos mecanismos fisiopatológicos da insuficiência cardíaca
congestiva (16).
O neurotransmissor do SNA parassimpático é a acetilcolina, que ativa receptores
muscarínicos e nicotínicos pré-ganglionares, reduzindo os níveis de AMP cíclico,
mantendo os canais de potássio abertos, deixando a célula hiperpolarizada e,
portanto, de mais difícil despolarização, e resultando em um cronotropismo
negativo, dromotropismo negativo e inotropismo negativo (17). Existem manobras
vagais, ou seja, maneiras de se induzir uma resposta parassimpática em um
indivíduo e, por exemplo, terminar sua arritmia. Uma das manobras vagais mais
difundidas é a manobra de Valsalva, em que a expiração contra a glote fechada ou
contra uma barreira qualquer acaba por causar o reflexo vagal(18). Lembra do caso
do Wilson?
A atuação desses dois sistemas é mútua, uma espécie de Yin-Yang.
Além do sistema nervoso, o coração sofre influência de diversas substâncias,
principalmente hormônios (vide Capítulo 03).
4. CONFERÊNCIAS
Confira aqui a aula dinâmica do Medicina Resumida sobre os assuntos abordados nesse capítulo!
Table of Contents
Capa
1. Introdução ao Sistema Cardiovascular
2. Dinâmica dos Fluídos (hemodinâmica)
3. Regulação da Circulação e da Pressão Arterial
4. O Coração
5. O Funcionamento Mecânico do Coração
6. O Funcionamento Elétrico do Coração