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CAPÍTULO 1

Introdução ao Sistema Cardiovascular

1. CASO CLÍNICO
Sr. Jorge, 58 anos, aposentado, comparece ao atendimento acompanhado da sua neta
para avaliação de rotina. Ele nega queixas importantes e deseja passar por uma
avaliação geral. Nega possuir doenças crônicas e uso de medicações contínuas.
Após questionamentos, informou apresentar episódios frequentes de cefaleia em
situações de estresse, como, quando perde partidas seguidas de baralho para sua
esposa Marizete. Hábito de lazer dos fi nais de semana.
Questionado, então, sobre a alimentação da família, Sr. Jorge informa que sua esposa
e fi lho possuem “pressão alta”, e que por isso tentam regular a ingesta de sal. Porém,
não há outras restrições alimentares e, frequentemente nos fi nais de semana, eles
comem feijoada, lasanha, pizza, cachorro quente e comida japonesa, além de três a
cinco latas de cerveja. Quanto à pratica de exercícios físicos, alegou fazer uma ou duas
caminhadas de aproximadamente 30 minutos durante a semana. Sobre seu histórico
familiar, informou que sua mãe, falecida aos 60 anos, também era hipertensa.
Ao exame físico se obteve uma circunferência abdominal de 108 cm e uma pressão
arterial sistêmica de 138 x 84 mmHg. Sem outras alterações dignas de nota.
Dr. Barros esclarece que tudo indica para a possibilidade de Sr. Jorge ser também
portador de hipertensão arterial sistêmica, explicando que seus hábitos e esta alteração
do exame físico podem estar prejudicando a circulação nas artérias e,
consequentemente, o risco de isso acometimento futuro da sua visão, dos rins, cérebro
e até do coração. Entretanto, alega que precisaria avaliá-lo daqui a um mês para confi
rmar essa hipótese. Enquanto isso, acorda com Sr Jorge que ele e sua família mudariam
imediatamente de hábitos alimentares e que iniciariam uma prática regular de
caminhadas de pelo menos 30 minutos cinco vezes na semana até o novo encontro.
Enzo, o neta do Sr. Jorge, até então calado, inicia uma série de questionamentos
destinados ao Dr. Barros: “O que são artérias?”, “O que elas têm a ver com o coração de
meu avô?”.
Dr. Barros, surpreso com a curiosidade da moça, resolve utilizar isso duplamente ao
seu favor – “As artérias são como tubos por onde o sangue circula pelo corpo de seu
avô. Se você ajudar seu avô a seguir o que acordamos, na próxima consulta, ele(a)
(apontando para você, acadêmico de Medicina que estava sentado no canto do
consultório durante todo esse tempo) irá te explicar como funciona a circulação com
detalhes e te apresentar os tipos de vasos que possuímos em nosso corpo. O que acha?”
– E assim, ele conseguiu uma parceira para cuidar da saúde de seu paciente e ainda deu
ao seu acadêmico aquela motivação para os estudos que andava em falta. O que você
acha que precisa estudar para não decepcionar a Polyanna e o Dr. Barros?

1. Possíveis palavras desconhecidas


“doença crônica”: Uma doença crônica, geralmente, se difere de uma doença aguda
pelo tempo de instalação, sendo a crônica caracterizada por uma doença já
estabelecida e a aguda por um acometimento recente. O tempo que delimita a
classificação depende da doença.
“hipertensão arterial sistêmica”: Hipertensão, popularmente chamada de “pressão
alta”, é ter medidas de pressão arterial, sistematicamente, igual ou maior que 130 por
80 mmHg (1), de acordo com a última diretriz americana sobre o assunto.

2. Palavras-chaves
“Doenças crônicas”, “dores de cabeça”, “pressão alta”, “hábitos alimentares”,
“exercícios físicos”, “circunferência abdominal”, “pressão arterial sistêmica”,
“hipertensão”, “mãe falecida aos 60 anos”, “circulação”, “artérias”, “vasos”,
“coração”.
3. OBJETIVOS
Descrever o sistema circulatório e suas funções • Caracterizar os
tipos de vasos sanguíneos

Caracterizar os tipos de vasos sanguíneos

2. INTRODUÇÃO AO SISTEMA CIRCULATÓRIO

1. DEFINIÇÕES, COMPOSIÇÃO E FUNÇÕES


Desde o início dos estudos na biologia, aprende-se que o corpo humano é
composto por unidades denominadas de células. Mais adiante, ao decorrer dos anos
colegiais, aprofundam-se os conhecimentos a respeito dos processos metabólicos
que ocorrem nestas unidades, desde a produção de energia (ATP) até a sua utilização
nos mais diversos mecanismos celulares. Sendo assim, passamos a visualizar as
células como “microfábricas” que necessitam de recursos para seu funcionamento: o
oxigênio que inspiramos em nossos pulmões e os nutrientes extraídos da nossa
alimentação através do sistema digestório. Além disso, as células precisam expulsar
os resíduos dos processos metabólicos, como o dióxido de carbono (CO2). Em
resumo, assim como uma fábrica, para as células se faz necessária uma extensa rede
de transporte para fornecer recursos e extrair resíduos. Em outras palavras, existem
estruturas que carregam até as células o que lhes é necessário e trazem delas o que
se tornou inútil para a eliminação. Apresento-lhe o sistema circulatório.
O sistema circulatório é uma grande rede de tubos (os vasos) em que uma bomba
(o coração) faz com que o fluído do sistema (o sangue) circule por todo o corpo.
Entretanto, o sistema não se limita apenas à função de transporte. Ele também tem a
função de redistribuir e dispersar o calor pelo corpo, algo que não é difícil de
compreender se você lembrar um pouco da física. O sangue circulante absorve o
calor produzido nos processos metabólicos e durante o seu trajeto, redistribui este
calor que foi armazenado para as zonas mais frias. Já a dissipação fica por conta dos
vasos periféricos que trocam calor com o ambiente. E é por isso que algumas pessoas
de pele muito clara ficam mais vermelhas em locais quentes, pois o corpo está
direcionando o sangue para a superfície, objetivando dissipar o excesso de calor. Por
outro lado, pensando em um ambiente frio, são suas extremidades que ficam mais
frias e perdem mais a cor, pois o corpo está direcionando o sangue para o interior do
corpo. Estratégia para preservar o calor que está produzindo no metabolismo.
Para realizar tais funções, o sistema circulatório engloba dois sistemas: o sistema
cardiovascular e o sistema linfático. O primeiro tem o papel principal na circulação, ao
passo que o sistema linfático possui uma participação mais coadjuvante, como
veremos nos dois próximos parágrafos.
O sistema cardiovascular é composto pelo coração e pelos vasos sanguíneos: as
artérias, as veias e os capilares. O coração, através de suas contrações, irá
proporcionar o movimento do sangue através das artérias, que são vasos eferentes
ou vasos de saída – isto é, as artérias têm, na sua ponta proximal o coração ou outra
artéria que saiu do coração e seguem em direção a um leito capilar que já
abordaremos adiante.
O sangue apresentará fluxo unidirecional neste circuito devido a basicamente dois
mecanismos: o fechamento das válvulas cardíacas (Capítulo 04) e o funcionamento
das válvulas venosas, que ainda abordaremos neste capítulo. Por conseguinte, a
partir do coração, o sangue, ejetado pela artéria aorta, alcançará, através de seus
ramos, todo o corpo. Como um tronco de uma árvore, a artéria aorta se ramifica e
essas ramificações vão aumentando em quantidade e diminuindo em diâmetro até
chegar aos leitos capilares, tão difundidos pelo corpo que pode chegar a uma
extensão de 96000 km. Esses capilares possuem fenestrações (aberturas ou buracos)
que servirão para transbordar parte do seu conteúdo no espaço intersticial (espaço
entre células) onde ocorrerá troca direta de oxigênio, nutrientes e excretas. Ainda nos
leitos capilares, a maior parte do conteúdo, agora pobre em oxigênio e nutrientes, é
reabsorvido e segue pelas veias, ao mesmo tempo que o conteúdo restante é
absorvido pelos vasos linfáticos que desembocam posteriormente em veias de maior
calibre. O sangue então seguirá pelas veias, vasos aferentes ou de chegada - isto é, as
veias sempre possuem na sua ponta distal uma outra veia ou o coração e surgiram de
um leito capilar. E inversamente às artérias, as veias se convergem até se tornarem
cada vez maiores e, finalmente, retornar ao coração, fechando o circuito (Figura 1.1).
E quanto ao sistema linfático? Seus vasos, estruturalmente muito simples,
compostos apenas por uma camada de endotélio e por uma lâmina basal incompleta,
formam uma rede de drenagem alternativa ao líquido intersticial para que retorne ao
sistema venoso (Figura 1.2). Cerca de 10% do líquido intersticial segue esta rota, em
detrimento da rota venosa clássica – ainda bem, porque esta rota constitui a única
possível para trazer de volta as proteínas que foram lançadas ao interstício e, se não
fosse por esse mecanismo, as proteínas se acumulariam, trariam consigo água
(pressão oncótica que veremos no próximo capítulo) e todos viveríamos com edema
periférico (inchaço por líquido). Neste caminho, a linfa (nome que se dá ao líquido
presente no sistema linfático), irá banhar linfonodos, tonsilas, baço e convergir até
dois grandes troncos: o ducto torácico (à esquerda) e o ducto linfático direito, que
desembocarão na junção das veias jugular interna esquerda com subclávia esquerda
e na confluência das veias jugular interna direita com veia subclávia direita,
respectivamente (Figura 1.3).

Figura 1.1: Visão geral do sistema circulatório. Do coração, no centro da imagem,


saem as artérias que se dividem em artérias menores, arteríolas e capilares, onde há
extravasamento de sangue para o espaço intersticial e troca nutrientes e excretas,
retornando para a circulação venosa (azul) em vênulas, depois veias menores que
convergem até formar as grandes veias que retornam ao coração. Uma via alternativa
pode ser tomada: a circulação linfática (verde) coleta linfa do interstício, passa por
nodos linfáticos e retorna para a circulação venosa em grandes veias próximas ao
coração.
Figura 1.2: Circulação linfática torácica (retirada do Netter).

Figura 1.3: Figura esquemática mostrando o espaço intersticial rondado por capilares
arteriais, venosos e linfáticos.

Esse trajeto (coração -> leitos capilares sistêmicos -> coração), parte inferior da
Figura 1.1, é denominado Circulação Sistêmica ou Grande Circulação. O sangue que
retorna ao coração será agora enviado aos pulmões pela artéria pulmonar para uma
nova oxigenação, retornando pelas veias pulmonares ao coração, quando se reinicia o
ciclo. Este trajeto (coração -> leitos capilares pulmonares -> coração), parte superior
da Figura 1.1, é denominado Circulação Pulmonar ou Pequena Circulação. Portanto,
se considerarmos a circulação pulmonar, podemos verificar que as definições de
artéria e veia, não guardam relação com os níveis de oxigenação do sangue presente
em um ou outro vaso, e sim, se este vaso está levando sangue do coração para os
demais órgãos (artérias) ou se está trazendo sangue dos órgãos de volta ao coração
(veias). Afinal os vasos que desembocarão o sangue oxigenado ao coração são as
veias pulmonares.
Você prestou atenção que escrevemos no parágrafo anterior? Desliga esse celular,
vamos repetir para você: o que define se um vaso é artéria ou veia não é a oxigenação
do sangue nele presente, muito menos a cor com que desenharam no livro de
anatomia. O dado que realmente importa nessa definição é: a artéria sai do coração
em direção aos órgãos, e a veia volta dos órgãos em direção o coração.
Agora que você entendeu, sem querer dificultar, você precisa saber que existe uma
exceção a essa regra: a circulação “porta”. Neste caso, o sangue flui de uma veia para
outro órgão, antes de retornar ao coração. Um exemplo clássico disso é demonstrado
na circulação do fígado: 75% do sangue que entra neste órgão é proveniente da veia
porta hepática que coletou o sangue do baço, estômago, vesícula, pâncreas e,
principalmente, o intestino (2). Calma, isso não precisa ser decorado. O importante é
entender a razão de existir essa exceção: uma das grandes funções do fígado é
desintoxicar o corpo. Sendo assim, ele atua como um “porteiro” e “lixeiro”, recebendo
o sangue contaminado destas regiões e eliminando as substâncias nocivas, antes que
elas cheguem ao coração e ganhem acesso irrestrito a todos os órgãos do corpo
(imagine a quantidade de lixo que entrou na sua circulação após aquela feijoada pós-
prova no fim do semestre e imagine se não existisse o fígado para te proteger disso).
Agora que os conceitos mais básicos foram apresentados, você é capaz de
entender como dividiremos nosso estudo. Em um primeiro momento, focaremos nas
vias do sistema, os vasos sanguíneos, quando abordaremos a tríade básica: anatomia,
histologia e fisiologia de uma forma integrada. Em um segundo momento,
passaremos para a bomba, o coração, novamente utilizando a tríade na mesma
metodologia. Desta forma, ao final do livro, você terá sido apresentado aos principais
tópicos do sistema de uma forma gradual e associada, facilitando a sua compreensão.

3. ARTÉRIAS, VEIAS E CAPILARES


Se a gente pudesse ligar todos os vasos sanguíneos de nosso corpo em uma única
linha, o comprimento desta linha seria duas vezes a circunferência do nosso planeta
terra. E por que isso é importante? Essa informação, além de te fazer perder a dimensão
restrita que pode ter sido criada de alguns poucos tubos ligando o coração aos demais
órgãos, instiga a curiosidade de saber como algo tão extenso ocupa o interior de nosso
corpo.
A resposta para esse possível enigma são as variadas dimensões dos vasos. Assim
como dividimos os vasos sanguíneos a depender da direção de seu fluxo, podemos
dividi-los em subtipos a depender de suas dimensões e características histológicas.
Quanto às dimensões, os diâmetros dos vasos variam desde aproximadamente 40
mm (3 cm2 de área transversa) de uma artéria aorta a capilares invisíveis a olho nu. Por
isso, outra forma de divisão possível do sistema cardiovascular é em macrocirculação,
que engloba os vasos que possuem mais de 0,1mm em diâmetro, e microcirculação
que abrange os vasos menores que 0,1mm em diâmetro.
Em relação às características histológicas, sabemos que os capilares são formados
por uma única camada endotelial, enquanto as artérias e veias possuem três camadas
principais, como podemos ver na Figura 1.4. Estas camadas possuem características
gerais e alguns detalhes específicos que diferenciam cada subtipo. Estas camadas
histológicas nos vasos sanguíneos são chamadas de túnicas: a túnica íntima, a túnica
média e a túnica adventícia.

Figura 1.4: Corte demonstrando camadas das artérias e veias.

1. AS CARACTERÍSTICAS GERAIS DAS TÚNICAS


Dentre as três camadas dos vasos, a mais interna é denominada túnica íntima.
Esta reveste o interior do vaso sanguíneo e é constituída por uma única camada de
células endoteliais pavimentosas, o que chamamos nos vasos sanguíneos de
endotélio. Essas células se ancoram em uma fina lâmina de transição para o tecido
conjuntivo que denominamos de lâmina basal. Posteriormente, temos um tecido
conjuntivo frouxo, que chamamos de camada subendotelial, onde podem estar
presentes também células musculares lisas dispostas longitudinalmente. Por fim,
temos uma fina camada limitante que chamamos de lâmina elástica interna que
separa a túnica íntima da túnica média.
O que a túnica íntima possui de simplicidade estrutural, possui de complexidade
funcional, e todas essas fascinantes funções que você lerá nos tópicos abaixo só
foram descritas a partir do ano de 1980(3). As células endoteliais, as grandes
estrelas da histologia circulatória e mais fascinantes também, desenvolvem papel
crucial na troca de substâncias

Secreção de colágeno dos tipos II, IV e V;


Secreção de substâncias pró-coagulantes, como Fator de von
Willebrand, PAI-1, fator V ativado e também de substâncias anti-
coagulantes como prostaciclinas, tPA e heparinas. Isso tem
importância crucial na manutenção da sua vida: quando a secreção
de substâncias pró-coagulantes é mais ativada, corrige pequenos
danos à sua circulação. Ao passo que quando um homem sofre um
infarto agudo do miocárdio (oclusão total de uma artéria que irriga
o coração), as substâncias anti-coagulantes teoricamente devem
estar mais ativadas, para reduzir o dano causado e tentar “abrir”
essa artéria(4);
Secreção de fatores vasoativos, ou seja, têm a capacidade de
diminuir ou aumentar o diâmetro do vaso, aumentando a pressão
em seu interior e redirecionando seu fluxo. Essas substâncias são
responsáveis pelo controle da pressão arterial e a disfunção delas
está quase invariavelmente presente nos choques hemodinâmicos.
São elas: (1) o óxido nítrico (ON ou NO), com suas propriedades
endoteliais descobertas em 1980 e cuja pesquisa rendeu ao seu
autor o prêmio Nobel da Fisiologia e Medicina em 1988. O ON
possui propriedades vasodilatadoras, anti-inflamatórias e anti-
coagulantes (5,6); (2) a endotelina, descoberta em 1988(7), uma
substância vasoconstrictora potente, ou seja, capaz de reduzir o
diâmetro do vaso;
Possuem enzimas ligadas à membrana, como a enzima conversora
de angiotensina, que converte angiotensina I em angiotensina II
(também um vasoconstrictor), que também terá papel fundamental
na regulação da pressão arterial.;
Conversão de bradicinina, serotonina, prostaglandinas,
norepinefrina e trombina. Todas essas substâncias com capacidade
de regular o fluxo sanguíneo por causar vasoconstricção ou
vasodilatação serão melhor detalhadas no capítulo 3.
Realizam lipólise de lipoproteínas para transformá-las em
triglicerídios e colesterol.

Quanto à túnica média, esta é, geralmente, a camada mais espessa dos vasos. Ela
é composta por camadas concêntricas de células musculares lisas organizadas
helicoidalmente, circundada por uma matriz extracelular composta de fibras elásticas
e reticulares, além de proteoglicanos e glicoproteínas. Limitando a túnica média
podemos encontrar a lâmina elástica externa. Ela é semelhante à lâmina elástica
interna, porém mais delgada e podemos encontra-la apenas nas artérias,
principalmente em um subtipo que são as artérias musculares, como veremos
adiante.
A túnica adventícia é a camada de revestimento dos vasos e torna-se
gradualmente contínua com o tecido conjuntivo pelo qual o vaso está passando. Ela é
composta, principalmente, por fibroblastos, fibras de colágeno tipo I e fibras elásticas
dispostas longitudinalmente. A túnica adventícia possui fenestrações que permitem a
nutrição da porção mais interna da túnica média por difusão dos nutrientes do
sangue circulante. Afinal, as células dos vasos sanguíneos também precisarão receber
os recursos necessários para seu metabolismo e, por isso, em grandes vasos, existe a
presença de vasa vasorum (“vasos dos vasos”). São arteríolas e vênulas muito
pequenas que penetram pela túnica mais externa (adventícia) e nutrem esta camada
e a camada média. Porções em que a difusão dos nutrientes do sangue circulante não
alcança. (Figura 1.5)
Figura 1.5: Vasa Vasorum (retirada de Junqueira).

A maior parte dos vasos sanguíneos é provida por uma rede de fibras não
mielinizadas de inervação simpática, através do neurotransmissor norepinefrina.
Tendo em mente que essas fibras não penetram na túnica média dos vasos, a
norepinefrina precisa se difundir por alguns micrômetros até atingir esta camada, e
faz isto através de junções intercelulares. A inervação parassimpática também existe,
liberando acetilcolina e levando células endoteliais a produzir ON. Em veias, as
terminações nervosas chegam a uma profundidade maior, alcançando a túnica
adventícia, mas com uma densidade menor. A importância do sistema nervoso
autônomo, este que é dividido em simpático e parassimpático e que citamos nesse
parágrafo que você quase pulou, será mais detalhada no capítulo 6.
Resumindo a ópera, nas artérias e nas veias sempre teremos uma fina camada de
revestimento interno, a túnica íntima; seguida de uma camada predominantemente
muscular, a túnica média; terminando em uma cada de tecido conjuntivo, a túnica
adventícia. Portanto, o que vai diferenciar os vasos serão a espessura destas camadas
e os diferenciais da composição, o que refletirá diretamente na função de cada tipo
de vaso como veremos a partir de agora.
Releia este último parágrafo lentamente antes de passar para a próxima sessão.

2. AS ARTÉRIAS
As artérias podem ser dividas nas grandes artérias elásticas, nas artérias
musculares médias e nas arteríolas. Elas irão aparecer na circulação nessa exata
ordem de ramificações e uma vez que você entenda as suas funções, mais facilmente
lembrará das suas características.
As grandes artérias elásticas são as primeiras a receber o sangue impulsionado
pelo coração e são denominadas de artérias condutoras. Para o entendimento
completo da sua função, o conceito de energia potencial elástica da física será
importante.
O ventrículo esquerdo ejeta uma determinada quantidade de sangue de
aproximadamente 95 ml em cada batimento. Essa contração impulsiona o sangue
adiante no circuito através da principal artéria elástica da circulação sistêmica, que é a
artéria aorta. Hipoteticamente, se as artérias fossem um tubo rígido, quando
chegasse o momento do fim da impulsão fornecida pela contração cardíaca, haveria
uma redução brusca no fluxo sanguíneo, inclusive com breves momentos de
estagnação. Porém, o que ocorre é que parte dessa força de impulsão é armazenada
como energia elástica pelo estiramento das paredes artérias elásticas: é o chamado
Efeito Windkessel (8). Sendo assim, quando ocorre a redução da impulsão no período
de relaxamento cardíaco, essa energia latente acumulada novamente se transforma
em uma força de impulsão para o sangue, enquanto as paredes das artérias
retornam para as suas conformações originais. Ou seja, a função das grandes artérias
elásticas é a de estabilizar o fluxo sanguíneo e garantir que o fluxo permaneça
contínuo (Figura 1.6).

Figura 1.6: Efeito Windkessel. A complacência do vaso faz com que, na diástole, a
artéria se contraia, gerando pressão arterial diastólica e fluxo sanguíneo (retirada de
Berne e Levy).

São artérias elásticas a artéria aorta e seus principais ramos: o tronco


braquiocefálico, as carótidas comuns, as subclávias e as ilíacas comuns. Também são
elásticas a artéria pulmonar e as artérias pulmonares.
São as grandes quantidades de fibras elásticas e elastina em suas camadas que
possibilitam essa maior complacência desta categoria. A túnica média das artérias
elásticas possui por volta de 40 membranas elásticas no recém-nascido e continua
aumento ao longo da vida, chegando a mais de 70 membranas em um indivíduo
adulto.
Em seguida, temos as artérias musculares ou médias. Devido à sua função de
regular o direcionamento do fluxo sanguíneo, determinando onde chegará mais ou
menos sangue através da vasodilatação e da vasoconstrição, respectivamente,
possuem função de artérias distribuidoras. Esta função é possível devido a possuírem
até 40 camadas de feixes musculares lisos que permitem a redução do lúmen do vaso
através da sua contração. Desta forma, o nosso organismo realiza vasoconstrição nas
regiões onde não há necessidade de um maior aporte sanguíneo, direcionando o
sangue para as demais regiões. O que é fundamental, por exemplo, para situações de
emergências, como uma hemorragia de grande volume. Pois, o corpo consegue
direcionar o sangue restante para os órgãos mais importantes, como o coração e o
cérebro.
Uma característica que auxilia na diferenciação nos cortes histológicos das artérias
musculares das grandes artérias elásticas, além da cada média espessa, é a lâmina
elástica interna proeminente como poderá ver em seu atlas histológico. Além disso, a
sua túnica intima é mais delgada do que nas artérias elásticas, porém não é uma
característica que ressalta facilmente aos olhos.
Desta classificação fazem parte as demais artérias nominadas que não fizeram
parte da categoria das artérias elásticas. Ou seja, com exceção das artérias citadas
anteriormente (os grandes ramos da artéria aorta, artéria tronco pulmonar e as
artérias pulmonares) que são artérias elásticas, qualquer outra artéria que é
identificada por um nome, por ter calibre e/ou função de extrema relevância, você
pode ter certeza que é uma artéria muscular: artérias braquiais, artérias renais,
artérias femorais, etc.
Por fim, temos a última categoria: as arteríolas. Como estamos seguindo o
caminho lógico da ramificação, é dedutível que estas são as menores artérias. Por
isso, só podem ser vistas quando ampliadas. Elas possuem a função de resistência e,
consequentemente, reduzem a velocidade do fluxo para que sejam possíveis as trocas
nos leitos capilares com maior eficiência através de uma ou duas camadas de feixes
musculares lisos. Inclusive, os livros tradicionais de fisiologia trazem o conceito de
meta-arteríolas. Estas nada mais são que arteríolas pré-capilares que, através da
contração de sua musculatura lisa, determinam uma resistância ao fluxo sanguíneo
de maneira semelhante às artérias musculares, auxiliando no controle do fluxo para o
leito capilar e determinando quando chegará mais ou menos aporte sanguíneo na
microcirculação. Apesar de não estar citado nos livros de fisiologia da graduação, hoje
sabemos que este mecanismo parece estar presente apenas na circulação
mesentérica (9) – vide detalhes no capítulo 3.

3. OS CAPILARES
Os capilares são vasos extremamente simples se comparados às artérias e veias.
Eles são formados basicamente por um endotélio apoiado e envolto por uma lâmina
basal. Em alguns locais ao longo dos capilares, o endotélio pode ser envolto por
pericitos, células que possuem uma lâmina basal própria que se funde com a lâmina
basal do endotélio.
Essa simplicidade é necessária para que ocorra o extravasamento de substâncias
do leito capilar para o espaço intersticial. Por isso, a parede de um capilar é tão fina
que é formada apenas por uma a três camadas de células, tendo, portanto, uma luz
de apenas 4 a 8mm de diâmetro. O lúmen é tão estreito que geralmente permite
apenas a passagem de células sanguíneas isoladas, por vezes necessitando de
considerável deformação, algo que apenas é possível pela ausência de núcleo das
hemácias.
Quanto aos pericitos, estas são células que envolvem os capilares e também as
vênulas pós-capilares com seus longos prolongamentos, possuem duas funções
aparentes: a recuperação em caso de lesões, pois elas se diferenciam para formar
células endoteliais ou células musculares lisas e talvez função contrátil, sugerida
devido a presença de miosina, actina e tropomiosina em abundância em sua
composição.
Os capilares, por sua vez, são divididos em três tipos com características, funções e
localizações distintas. Vamos falar deles agora. O primeiro tipo são os capilares
contínuos ou somáticos. Eles são caracterizados pela ausência de fenestras, ou seja,
orifícios em sua parede. Eles estão presentes nos tecidos musculares, nos tecidos
conjuntivos, nas glândulas exócrinas e no tecido nervoso. Em alguns lugares desses
tecidos, com exceção do tecido nervoso, eles possuem vesículas pinocíticas que são
responsáveis pelo transporte de macromoléculas pela parede já que não possuem
fenestras.
O segundo tipo são os capilares fenestrados ou viscerais. Estes são
caracterizados por possuírem fenestras nas paredes que podem ou não ser
obstruídas por um diafragma mais fino que uma membrana celular. Quando possuem
diafragma, são característicos de locais onde ocorre um intercâmbio intenso entre o
tecido e o sangue, como é o caso dos rins, intestinos e glândulas endócrinas. Quando
são destituídos de diafragma, o sangue só é separado dos tecidos pela lâmina basal.
Este tipo está presente apenas no glomérulo renal. Algumas referências consideram
este tipo específico (desprovido de diafragma) como um quarto tipo de capilar.
A última categoria são os capilares sinusóides. Esta categoria está presente no
fígado e em órgãos hemocitopoiéticos como a medula óssea e o baço. Eles possuem
um trajeto tortuoso e um diâmetro maior do que os demais tipos de capilares, o que
irá resultar na redução da velocidade do fluxo sanguíneo (esta afirmação pode não
fazer sentido agora, mas fará quando você ler o capítulo 2). Além disso, as células
endoteliais são descontínuas, assim como a lâmina basal. Tais características
permitem o contato direto do sangue com os tecidos. Portanto, o sangue irá
extravasar massivamente ao passar pelos sinusoides, permitindo, por exemplo, o
metabolismo hepático de substâncias presentes no sangue, assim como a
hemocaterese (destruição das hemácias) no baço.

4. AS VEIAS
Focando apenas na circulação sistêmica, o sangue sai do coração rico em oxigênio,
segue pelas artérias até os capilares, onde realiza o primeiro objetivo: a entrega de
recursos para as células. Os próximos passos, então, são a drenagem dos resíduos do
processo metabólico e o seguimento pela circulação venosa, onde grande parte
destes resíduos serão metabolizados no fígado, o CO2 será eliminado na circulação
pulmonar e os demais resíduos eliminados na urina e nas fezes. Este processo de
extravasamento e drenagem no leito capilar será esmiuçado no Capítulo 02.
As veias estão presentes em maior número em nosso corpo, possuem paredes
mais finas e, geralmente, possuem maior diâmetro que as artérias correspondentes,
portanto, possuem a função potencial de reservatório de sangue, chegando a conter
mais de 70% do sangue circulante. Além disso, devido ao fato de as veias possuírem
uma quantidade muito inferior de feixes musculares e pressões menores do que as
artérias, usualmente, elas não possuem pulso. O que justifica a diferença do
comportamento de um sangramento arterial, que ocorre em jatos intermitentes e
concordantes com o pulso, e de uma hemorragia venosa, que ocorre em com um
fluxo contínuo e lento, “babando”, como costumamos falar.
Este fluxo lentificado, quando oriundo de estruturas inferiores ao coração tende a
um refluxo, por ocorrer contra a força da gravidade. Porém, como foi adiantado no
início do capítulo, as válvulas venosas impedem o movimento contrário e garantem,
com o auxílio das bombas venosas (exploradas adiante), um fluxo unidirecional.
As válvulas venosas são dobras da túnica íntima, compostas de tecido conjuntivo
rico em fibras elásticas, revestidas em ambos os lados por endotélio, em forma de
meia lua que se projetam para o interior da veia. Elas estão mais presentes em veias
em que o sangue precisa enfrentar a força da gravidade para retornar ao coração,
como as veias dos membros inferiores. Essas válvulas se abrem apenas para um lado,
portanto, se houver tentativa de refluxo elas se fecham e quando o sangue flui na
direção correta, elas se abrem.
As veias, seguindo o mesmo padrão, também serão divididas em três categoriais
com características e funções próprias. Sendo assim, logo após o leito capilar, teremos
as vênulas que, irão confluir na formação das veias médias que, por fim, irão
convergir até formação das grandes veias, como as veias cava superior e inferior.
As vênulas pós-capilares são também chamadas de vênulas pericíticas. Elas são
formadas apenas por uma camada de células endoteliais, envoltas de pericitos como
já vimos. Porém, diferente dos capilares, existem vênulas um pouco maiores que
possuem algumas células musculares lisas ao invés de pericitos em sua parede para
realizar a função contrátil.
As veias possuem uma íntima bem desenvolvida, porém é a túnica adventícia a
mais espessa e bem desenvolvida. Esta que frequentemente possui feixes
longitudinais de músculo liso.
As veias, em grande parte, acompanham artérias em seu trajeto. Por isso, os
nomes das veias usualmente recebem o mesmo nome da artéria que acompanham
(exemplos: veia femoral, veia subclávia...), porém existem exceções como: as veias
cavas (superior e inferior), a veia cefálica, a veia basílica e as veias safenas magna e
parva.

4. OUTROS CONCEITOS IMPORTANTES

1. ANASTOMOSES E CIRCULAÇÃO COLATERAL


Uma anastomose é uma comunicação entre os vasos sanguíneos que pode criar
uma circulação colateral ou uma rota alternativa para a circulação do sangue. Estas
podem ser classificadas em quatro tipos:

Anastomose término-terminal: quando duas artérias se comunicam


diretamente.
Anastomose por convergência: quando duas artérias convergem e
se fundem.
Anastomose transversa: quando um pequeno vaso arterial liga duas
artérias transversalmente.
Anastomose arteriovenosa: quando há uma conexão direta entre as
menores artérias e veias. Estas são importantes para conservação
do calor corporal.

2. ARTERIOGÊNESE E ANGIOGÊNESE
A arteriogênese é definida como o desenvolvimento de fluxo através de artérias
colaterais derivadas de anastomoses arterio-arteriais pré-existentes. Isto ocorre em
processos de obstrução parcial ou total que resultam no aumento da pressão na
região, forçando a ampliação do diâmetro de vasos pré-existentes, permitindo, desta
forma, a passagem de sangue por uma rota alternativa.
A angiogênese é o processo de formação de pequenos novos vasos como capilares,
resultado de um estímulo isquêmico. Ou seja, o organismo ao passar por momentos
em que os vasos existentes não são suficientes, estimula a criação de uma circulação
colateral. Porém, ambos os processos necessitam de tempo para ocorrer com
eficiência (10).
A diferença entre ambos os mecanismos está disposta na Figura 1.7
Figura 1.7: Arteriogênese (A) é a indução de fluxo através de artérias colaterais
previamente existentes através do gradiente de pressão gerado pela ausência de
fluxo em uma das artérias. Angiogênese (B) é o crescimento de capilares a partir de
vasos existentes, processo geralmente engatilhado por hipóxia (retirada da referência
6).

3. BOMBAS VENOSAS
Existem três bombas que irão auxiliar no retorno venoso: a bomba arteriovenosa, a
bomba musculovenosa e a bomba respiratória.
A bomba arteriovenosa é possível devido a uma bainha vascular relativamente
rígida que circunda as veias acompanhantes de uma determinada artéria. Sendo
assim, quando a artéria se expande com a chegada de um pulso, ela comprime as
veias nessa bainha, ordenhando desta forma o sangue no interior das veias em
direção ao coração devido ao direcionamento das válvulas venosas.
A bomba musculovenosa vai possuir o mesmo objetivo da bomba anterior, porém a
ordenha das veias será realizada a partir da contração muscular das extremidades,
principalmente dos membros inferiores. Por isso, alguns autores se referem as
panturrilhas como corações secundários. Este é o motivo de se colocar um paciente
acamado para caminhar assim que possível. As contrações musculares na caminhada
irão auxiliar o retorno venoso, além de evitar úlceras por pressão.
A bomba respiratória se utiliza da pressão negativa criada durante a expansão
torácica na inspiração. O racional disso é que todo sistema de pressão desloca o
fluído de onde há mais pressão para as regiões com menores pressões, logo a
diminuição da pressão da caixa torácica, auxilia a “sugar” o sangue para a região,
consequentemente, facilitando o deslocamento do sangue em direção ao coração.

Quadro 1.1: Arteriosclerose e aterosclerose

A arteriosclerose é o processo de enrijecimento das artérias resultado da perda


de elastina com o envelhecimento do indivíduo. Sendo assim, ocorre uma
progressiva perda da capacidade de se acumular energia nas grandes artérias
elásticas (perda do Efeito Windkessel), assim como influencia diretamente no
aumento da pressão arterial sistólica e sua pressão de pulso.

A aterosclerose é um processo complexo de formação de um trombo, resultado


de um processo inflamatório iniciado pelo acúmulo de colesterol com posterior
agregação de componentes sanguíneos nas artérias. Este processo pode vir a
gerar uma obstrução parcial ou total no vaso, suspendendo o suprimento de
recursos para os tecidos da região. Caso este processo permaneça, o tecido
pode vir a necrosar, ou seja, morte tecidual.

5. CONFERÊNCIAS

Confira aqui a aula dinâmica do Medicina Resumida sobre os assuntos abordados nesse capítulo!
CAPÍTULO 1
Introdução ao Sistema Cardiovascular

1. CASO CLÍNICO
Sr. Jorge, 58 anos, aposentado, comparece ao atendimento acompanhado da sua neta
para avaliação de rotina. Ele nega queixas importantes e deseja passar por uma
avaliação geral. Nega possuir doenças crônicas e uso de medicações contínuas.
Após questionamentos, informou apresentar episódios frequentes de cefaleia em
situações de estresse, como, quando perde partidas seguidas de baralho para sua
esposa Marizete. Hábito de lazer dos fi nais de semana.
Questionado, então, sobre a alimentação da família, Sr. Jorge informa que sua esposa
e fi lho possuem “pressão alta”, e que por isso tentam regular a ingesta de sal. Porém,
não há outras restrições alimentares e, frequentemente nos fi nais de semana, eles
comem feijoada, lasanha, pizza, cachorro quente e comida japonesa, além de três a
cinco latas de cerveja. Quanto à pratica de exercícios físicos, alegou fazer uma ou duas
caminhadas de aproximadamente 30 minutos durante a semana. Sobre seu histórico
familiar, informou que sua mãe, falecida aos 60 anos, também era hipertensa.
Ao exame físico se obteve uma circunferência abdominal de 108 cm e uma pressão
arterial sistêmica de 138 x 84 mmHg. Sem outras alterações dignas de nota.
Dr. Barros esclarece que tudo indica para a possibilidade de Sr. Jorge ser também
portador de hipertensão arterial sistêmica, explicando que seus hábitos e esta alteração
do exame físico podem estar prejudicando a circulação nas artérias e,
consequentemente, o risco de isso acometimento futuro da sua visão, dos rins, cérebro
e até do coração. Entretanto, alega que precisaria avaliá-lo daqui a um mês para confi
rmar essa hipótese. Enquanto isso, acorda com Sr Jorge que ele e sua família mudariam
imediatamente de hábitos alimentares e que iniciariam uma prática regular de
caminhadas de pelo menos 30 minutos cinco vezes na semana até o novo encontro.
Enzo, o neta do Sr. Jorge, até então calado, inicia uma série de questionamentos
destinados ao Dr. Barros: “O que são artérias?”, “O que elas têm a ver com o coração de
meu avô?”.
Dr. Barros, surpreso com a curiosidade da moça, resolve utilizar isso duplamente ao
seu favor – “As artérias são como tubos por onde o sangue circula pelo corpo de seu
avô. Se você ajudar seu avô a seguir o que acordamos, na próxima consulta, ele(a)
(apontando para você, acadêmico de Medicina que estava sentado no canto do
consultório durante todo esse tempo) irá te explicar como funciona a circulação com
detalhes e te apresentar os tipos de vasos que possuímos em nosso corpo. O que acha?”
– E assim, ele conseguiu uma parceira para cuidar da saúde de seu paciente e ainda deu
ao seu acadêmico aquela motivação para os estudos que andava em falta. O que você
acha que precisa estudar para não decepcionar a Polyanna e o Dr. Barros?

1. Possíveis palavras desconhecidas


“doença crônica”: Uma doença crônica, geralmente, se difere de uma doença aguda
pelo tempo de instalação, sendo a crônica caracterizada por uma doença já
estabelecida e a aguda por um acometimento recente. O tempo que delimita a
classificação depende da doença.
“hipertensão arterial sistêmica”: Hipertensão, popularmente chamada de “pressão
alta”, é ter medidas de pressão arterial, sistematicamente, igual ou maior que 130 por
80 mmHg (1), de acordo com a última diretriz americana sobre o assunto.

2. Palavras-chaves
“Doenças crônicas”, “dores de cabeça”, “pressão alta”, “hábitos alimentares”,
“exercícios físicos”, “circunferência abdominal”, “pressão arterial sistêmica”,
“hipertensão”, “mãe falecida aos 60 anos”, “circulação”, “artérias”, “vasos”,
“coração”.
3. OBJETIVOS
Descrever o sistema circulatório e suas funções • Caracterizar os
tipos de vasos sanguíneos

Caracterizar os tipos de vasos sanguíneos

2. INTRODUÇÃO AO SISTEMA CIRCULATÓRIO

1. DEFINIÇÕES, COMPOSIÇÃO E FUNÇÕES


Desde o início dos estudos na biologia, aprende-se que o corpo humano é
composto por unidades denominadas de células. Mais adiante, ao decorrer dos anos
colegiais, aprofundam-se os conhecimentos a respeito dos processos metabólicos
que ocorrem nestas unidades, desde a produção de energia (ATP) até a sua utilização
nos mais diversos mecanismos celulares. Sendo assim, passamos a visualizar as
células como “microfábricas” que necessitam de recursos para seu funcionamento: o
oxigênio que inspiramos em nossos pulmões e os nutrientes extraídos da nossa
alimentação através do sistema digestório. Além disso, as células precisam expulsar
os resíduos dos processos metabólicos, como o dióxido de carbono (CO2). Em
resumo, assim como uma fábrica, para as células se faz necessária uma extensa rede
de transporte para fornecer recursos e extrair resíduos. Em outras palavras, existem
estruturas que carregam até as células o que lhes é necessário e trazem delas o que
se tornou inútil para a eliminação. Apresento-lhe o sistema circulatório.
O sistema circulatório é uma grande rede de tubos (os vasos) em que uma bomba
(o coração) faz com que o fluído do sistema (o sangue) circule por todo o corpo.
Entretanto, o sistema não se limita apenas à função de transporte. Ele também tem a
função de redistribuir e dispersar o calor pelo corpo, algo que não é difícil de
compreender se você lembrar um pouco da física. O sangue circulante absorve o
calor produzido nos processos metabólicos e durante o seu trajeto, redistribui este
calor que foi armazenado para as zonas mais frias. Já a dissipação fica por conta dos
vasos periféricos que trocam calor com o ambiente. E é por isso que algumas pessoas
de pele muito clara ficam mais vermelhas em locais quentes, pois o corpo está
direcionando o sangue para a superfície, objetivando dissipar o excesso de calor. Por
outro lado, pensando em um ambiente frio, são suas extremidades que ficam mais
frias e perdem mais a cor, pois o corpo está direcionando o sangue para o interior do
corpo. Estratégia para preservar o calor que está produzindo no metabolismo.
Para realizar tais funções, o sistema circulatório engloba dois sistemas: o sistema
cardiovascular e o sistema linfático. O primeiro tem o papel principal na circulação, ao
passo que o sistema linfático possui uma participação mais coadjuvante, como
veremos nos dois próximos parágrafos.
O sistema cardiovascular é composto pelo coração e pelos vasos sanguíneos: as
artérias, as veias e os capilares. O coração, através de suas contrações, irá
proporcionar o movimento do sangue através das artérias, que são vasos eferentes
ou vasos de saída – isto é, as artérias têm, na sua ponta proximal o coração ou outra
artéria que saiu do coração e seguem em direção a um leito capilar que já
abordaremos adiante.
O sangue apresentará fluxo unidirecional neste circuito devido a basicamente dois
mecanismos: o fechamento das válvulas cardíacas (Capítulo 04) e o funcionamento
das válvulas venosas, que ainda abordaremos neste capítulo. Por conseguinte, a
partir do coração, o sangue, ejetado pela artéria aorta, alcançará, através de seus
ramos, todo o corpo. Como um tronco de uma árvore, a artéria aorta se ramifica e
essas ramificações vão aumentando em quantidade e diminuindo em diâmetro até
chegar aos leitos capilares, tão difundidos pelo corpo que pode chegar a uma
extensão de 96000 km. Esses capilares possuem fenestrações (aberturas ou buracos)
que servirão para transbordar parte do seu conteúdo no espaço intersticial (espaço
entre células) onde ocorrerá troca direta de oxigênio, nutrientes e excretas. Ainda nos
leitos capilares, a maior parte do conteúdo, agora pobre em oxigênio e nutrientes, é
reabsorvido e segue pelas veias, ao mesmo tempo que o conteúdo restante é
absorvido pelos vasos linfáticos que desembocam posteriormente em veias de maior
calibre. O sangue então seguirá pelas veias, vasos aferentes ou de chegada - isto é, as
veias sempre possuem na sua ponta distal uma outra veia ou o coração e surgiram de
um leito capilar. E inversamente às artérias, as veias se convergem até se tornarem
cada vez maiores e, finalmente, retornar ao coração, fechando o circuito (Figura 1.1).
E quanto ao sistema linfático? Seus vasos, estruturalmente muito simples,
compostos apenas por uma camada de endotélio e por uma lâmina basal incompleta,
formam uma rede de drenagem alternativa ao líquido intersticial para que retorne ao
sistema venoso (Figura 1.2). Cerca de 10% do líquido intersticial segue esta rota, em
detrimento da rota venosa clássica – ainda bem, porque esta rota constitui a única
possível para trazer de volta as proteínas que foram lançadas ao interstício e, se não
fosse por esse mecanismo, as proteínas se acumulariam, trariam consigo água
(pressão oncótica que veremos no próximo capítulo) e todos viveríamos com edema
periférico (inchaço por líquido). Neste caminho, a linfa (nome que se dá ao líquido
presente no sistema linfático), irá banhar linfonodos, tonsilas, baço e convergir até
dois grandes troncos: o ducto torácico (à esquerda) e o ducto linfático direito, que
desembocarão na junção das veias jugular interna esquerda com subclávia esquerda
e na confluência das veias jugular interna direita com veia subclávia direita,
respectivamente (Figura 1.3).

Figura 1.1: Visão geral do sistema circulatório. Do coração, no centro da imagem,


saem as artérias que se dividem em artérias menores, arteríolas e capilares, onde há
extravasamento de sangue para o espaço intersticial e troca nutrientes e excretas,
retornando para a circulação venosa (azul) em vênulas, depois veias menores que
convergem até formar as grandes veias que retornam ao coração. Uma via alternativa
pode ser tomada: a circulação linfática (verde) coleta linfa do interstício, passa por
nodos linfáticos e retorna para a circulação venosa em grandes veias próximas ao
coração.
Figura 1.2: Circulação linfática torácica (retirada do Netter).

Figura 1.3: Figura esquemática mostrando o espaço intersticial rondado por capilares
arteriais, venosos e linfáticos.

Esse trajeto (coração -> leitos capilares sistêmicos -> coração), parte inferior da
Figura 1.1, é denominado Circulação Sistêmica ou Grande Circulação. O sangue que
retorna ao coração será agora enviado aos pulmões pela artéria pulmonar para uma
nova oxigenação, retornando pelas veias pulmonares ao coração, quando se reinicia o
ciclo. Este trajeto (coração -> leitos capilares pulmonares -> coração), parte superior
da Figura 1.1, é denominado Circulação Pulmonar ou Pequena Circulação. Portanto,
se considerarmos a circulação pulmonar, podemos verificar que as definições de
artéria e veia, não guardam relação com os níveis de oxigenação do sangue presente
em um ou outro vaso, e sim, se este vaso está levando sangue do coração para os
demais órgãos (artérias) ou se está trazendo sangue dos órgãos de volta ao coração
(veias). Afinal os vasos que desembocarão o sangue oxigenado ao coração são as
veias pulmonares.
Você prestou atenção que escrevemos no parágrafo anterior? Desliga esse celular,
vamos repetir para você: o que define se um vaso é artéria ou veia não é a oxigenação
do sangue nele presente, muito menos a cor com que desenharam no livro de
anatomia. O dado que realmente importa nessa definição é: a artéria sai do coração
em direção aos órgãos, e a veia volta dos órgãos em direção o coração.
Agora que você entendeu, sem querer dificultar, você precisa saber que existe uma
exceção a essa regra: a circulação “porta”. Neste caso, o sangue flui de uma veia para
outro órgão, antes de retornar ao coração. Um exemplo clássico disso é demonstrado
na circulação do fígado: 75% do sangue que entra neste órgão é proveniente da veia
porta hepática que coletou o sangue do baço, estômago, vesícula, pâncreas e,
principalmente, o intestino (2). Calma, isso não precisa ser decorado. O importante é
entender a razão de existir essa exceção: uma das grandes funções do fígado é
desintoxicar o corpo. Sendo assim, ele atua como um “porteiro” e “lixeiro”, recebendo
o sangue contaminado destas regiões e eliminando as substâncias nocivas, antes que
elas cheguem ao coração e ganhem acesso irrestrito a todos os órgãos do corpo
(imagine a quantidade de lixo que entrou na sua circulação após aquela feijoada pós-
prova no fim do semestre e imagine se não existisse o fígado para te proteger disso).
Agora que os conceitos mais básicos foram apresentados, você é capaz de
entender como dividiremos nosso estudo. Em um primeiro momento, focaremos nas
vias do sistema, os vasos sanguíneos, quando abordaremos a tríade básica: anatomia,
histologia e fisiologia de uma forma integrada. Em um segundo momento,
passaremos para a bomba, o coração, novamente utilizando a tríade na mesma
metodologia. Desta forma, ao final do livro, você terá sido apresentado aos principais
tópicos do sistema de uma forma gradual e associada, facilitando a sua compreensão.

3. ARTÉRIAS, VEIAS E CAPILARES


Se a gente pudesse ligar todos os vasos sanguíneos de nosso corpo em uma única
linha, o comprimento desta linha seria duas vezes a circunferência do nosso planeta
terra. E por que isso é importante? Essa informação, além de te fazer perder a dimensão
restrita que pode ter sido criada de alguns poucos tubos ligando o coração aos demais
órgãos, instiga a curiosidade de saber como algo tão extenso ocupa o interior de nosso
corpo.
A resposta para esse possível enigma são as variadas dimensões dos vasos. Assim
como dividimos os vasos sanguíneos a depender da direção de seu fluxo, podemos
dividi-los em subtipos a depender de suas dimensões e características histológicas.
Quanto às dimensões, os diâmetros dos vasos variam desde aproximadamente 40
mm (3 cm2 de área transversa) de uma artéria aorta a capilares invisíveis a olho nu. Por
isso, outra forma de divisão possível do sistema cardiovascular é em macrocirculação,
que engloba os vasos que possuem mais de 0,1mm em diâmetro, e microcirculação
que abrange os vasos menores que 0,1mm em diâmetro.
Em relação às características histológicas, sabemos que os capilares são formados
por uma única camada endotelial, enquanto as artérias e veias possuem três camadas
principais, como podemos ver na Figura 1.4. Estas camadas possuem características
gerais e alguns detalhes específicos que diferenciam cada subtipo. Estas camadas
histológicas nos vasos sanguíneos são chamadas de túnicas: a túnica íntima, a túnica
média e a túnica adventícia.

Figura 1.4: Corte demonstrando camadas das artérias e veias.

1. AS CARACTERÍSTICAS GERAIS DAS TÚNICAS


Dentre as três camadas dos vasos, a mais interna é denominada túnica íntima.
Esta reveste o interior do vaso sanguíneo e é constituída por uma única camada de
células endoteliais pavimentosas, o que chamamos nos vasos sanguíneos de
endotélio. Essas células se ancoram em uma fina lâmina de transição para o tecido
conjuntivo que denominamos de lâmina basal. Posteriormente, temos um tecido
conjuntivo frouxo, que chamamos de camada subendotelial, onde podem estar
presentes também células musculares lisas dispostas longitudinalmente. Por fim,
temos uma fina camada limitante que chamamos de lâmina elástica interna que
separa a túnica íntima da túnica média.
O que a túnica íntima possui de simplicidade estrutural, possui de complexidade
funcional, e todas essas fascinantes funções que você lerá nos tópicos abaixo só
foram descritas a partir do ano de 1980(3). As células endoteliais, as grandes
estrelas da histologia circulatória e mais fascinantes também, desenvolvem papel
crucial na troca de substâncias

Secreção de colágeno dos tipos II, IV e V;


Secreção de substâncias pró-coagulantes, como Fator de von
Willebrand, PAI-1, fator V ativado e também de substâncias anti-
coagulantes como prostaciclinas, tPA e heparinas. Isso tem
importância crucial na manutenção da sua vida: quando a secreção
de substâncias pró-coagulantes é mais ativada, corrige pequenos
danos à sua circulação. Ao passo que quando um homem sofre um
infarto agudo do miocárdio (oclusão total de uma artéria que irriga
o coração), as substâncias anti-coagulantes teoricamente devem
estar mais ativadas, para reduzir o dano causado e tentar “abrir”
essa artéria(4);
Secreção de fatores vasoativos, ou seja, têm a capacidade de
diminuir ou aumentar o diâmetro do vaso, aumentando a pressão
em seu interior e redirecionando seu fluxo. Essas substâncias são
responsáveis pelo controle da pressão arterial e a disfunção delas
está quase invariavelmente presente nos choques hemodinâmicos.
São elas: (1) o óxido nítrico (ON ou NO), com suas propriedades
endoteliais descobertas em 1980 e cuja pesquisa rendeu ao seu
autor o prêmio Nobel da Fisiologia e Medicina em 1988. O ON
possui propriedades vasodilatadoras, anti-inflamatórias e anti-
coagulantes (5,6); (2) a endotelina, descoberta em 1988(7), uma
substância vasoconstrictora potente, ou seja, capaz de reduzir o
diâmetro do vaso;
Possuem enzimas ligadas à membrana, como a enzima conversora
de angiotensina, que converte angiotensina I em angiotensina II
(também um vasoconstrictor), que também terá papel fundamental
na regulação da pressão arterial.;
Conversão de bradicinina, serotonina, prostaglandinas,
norepinefrina e trombina. Todas essas substâncias com capacidade
de regular o fluxo sanguíneo por causar vasoconstricção ou
vasodilatação serão melhor detalhadas no capítulo 3.
Realizam lipólise de lipoproteínas para transformá-las em
triglicerídios e colesterol.

Quanto à túnica média, esta é, geralmente, a camada mais espessa dos vasos. Ela
é composta por camadas concêntricas de células musculares lisas organizadas
helicoidalmente, circundada por uma matriz extracelular composta de fibras elásticas
e reticulares, além de proteoglicanos e glicoproteínas. Limitando a túnica média
podemos encontrar a lâmina elástica externa. Ela é semelhante à lâmina elástica
interna, porém mais delgada e podemos encontra-la apenas nas artérias,
principalmente em um subtipo que são as artérias musculares, como veremos
adiante.
A túnica adventícia é a camada de revestimento dos vasos e torna-se
gradualmente contínua com o tecido conjuntivo pelo qual o vaso está passando. Ela é
composta, principalmente, por fibroblastos, fibras de colágeno tipo I e fibras elásticas
dispostas longitudinalmente. A túnica adventícia possui fenestrações que permitem a
nutrição da porção mais interna da túnica média por difusão dos nutrientes do
sangue circulante. Afinal, as células dos vasos sanguíneos também precisarão receber
os recursos necessários para seu metabolismo e, por isso, em grandes vasos, existe a
presença de vasa vasorum (“vasos dos vasos”). São arteríolas e vênulas muito
pequenas que penetram pela túnica mais externa (adventícia) e nutrem esta camada
e a camada média. Porções em que a difusão dos nutrientes do sangue circulante não
alcança. (Figura 1.5)
Figura 1.5: Vasa Vasorum (retirada de Junqueira).

A maior parte dos vasos sanguíneos é provida por uma rede de fibras não
mielinizadas de inervação simpática, através do neurotransmissor norepinefrina.
Tendo em mente que essas fibras não penetram na túnica média dos vasos, a
norepinefrina precisa se difundir por alguns micrômetros até atingir esta camada, e
faz isto através de junções intercelulares. A inervação parassimpática também existe,
liberando acetilcolina e levando células endoteliais a produzir ON. Em veias, as
terminações nervosas chegam a uma profundidade maior, alcançando a túnica
adventícia, mas com uma densidade menor. A importância do sistema nervoso
autônomo, este que é dividido em simpático e parassimpático e que citamos nesse
parágrafo que você quase pulou, será mais detalhada no capítulo 6.
Resumindo a ópera, nas artérias e nas veias sempre teremos uma fina camada de
revestimento interno, a túnica íntima; seguida de uma camada predominantemente
muscular, a túnica média; terminando em uma cada de tecido conjuntivo, a túnica
adventícia. Portanto, o que vai diferenciar os vasos serão a espessura destas camadas
e os diferenciais da composição, o que refletirá diretamente na função de cada tipo
de vaso como veremos a partir de agora.
Releia este último parágrafo lentamente antes de passar para a próxima sessão.

2. AS ARTÉRIAS
As artérias podem ser dividas nas grandes artérias elásticas, nas artérias
musculares médias e nas arteríolas. Elas irão aparecer na circulação nessa exata
ordem de ramificações e uma vez que você entenda as suas funções, mais facilmente
lembrará das suas características.
As grandes artérias elásticas são as primeiras a receber o sangue impulsionado
pelo coração e são denominadas de artérias condutoras. Para o entendimento
completo da sua função, o conceito de energia potencial elástica da física será
importante.
O ventrículo esquerdo ejeta uma determinada quantidade de sangue de
aproximadamente 95 ml em cada batimento. Essa contração impulsiona o sangue
adiante no circuito através da principal artéria elástica da circulação sistêmica, que é a
artéria aorta. Hipoteticamente, se as artérias fossem um tubo rígido, quando
chegasse o momento do fim da impulsão fornecida pela contração cardíaca, haveria
uma redução brusca no fluxo sanguíneo, inclusive com breves momentos de
estagnação. Porém, o que ocorre é que parte dessa força de impulsão é armazenada
como energia elástica pelo estiramento das paredes artérias elásticas: é o chamado
Efeito Windkessel (8). Sendo assim, quando ocorre a redução da impulsão no período
de relaxamento cardíaco, essa energia latente acumulada novamente se transforma
em uma força de impulsão para o sangue, enquanto as paredes das artérias
retornam para as suas conformações originais. Ou seja, a função das grandes artérias
elásticas é a de estabilizar o fluxo sanguíneo e garantir que o fluxo permaneça
contínuo (Figura 1.6).

Figura 1.6: Efeito Windkessel. A complacência do vaso faz com que, na diástole, a
artéria se contraia, gerando pressão arterial diastólica e fluxo sanguíneo (retirada de
Berne e Levy).

São artérias elásticas a artéria aorta e seus principais ramos: o tronco


braquiocefálico, as carótidas comuns, as subclávias e as ilíacas comuns. Também são
elásticas a artéria pulmonar e as artérias pulmonares.
São as grandes quantidades de fibras elásticas e elastina em suas camadas que
possibilitam essa maior complacência desta categoria. A túnica média das artérias
elásticas possui por volta de 40 membranas elásticas no recém-nascido e continua
aumento ao longo da vida, chegando a mais de 70 membranas em um indivíduo
adulto.
Em seguida, temos as artérias musculares ou médias. Devido à sua função de
regular o direcionamento do fluxo sanguíneo, determinando onde chegará mais ou
menos sangue através da vasodilatação e da vasoconstrição, respectivamente,
possuem função de artérias distribuidoras. Esta função é possível devido a possuírem
até 40 camadas de feixes musculares lisos que permitem a redução do lúmen do vaso
através da sua contração. Desta forma, o nosso organismo realiza vasoconstrição nas
regiões onde não há necessidade de um maior aporte sanguíneo, direcionando o
sangue para as demais regiões. O que é fundamental, por exemplo, para situações de
emergências, como uma hemorragia de grande volume. Pois, o corpo consegue
direcionar o sangue restante para os órgãos mais importantes, como o coração e o
cérebro.
Uma característica que auxilia na diferenciação nos cortes histológicos das artérias
musculares das grandes artérias elásticas, além da cada média espessa, é a lâmina
elástica interna proeminente como poderá ver em seu atlas histológico. Além disso, a
sua túnica intima é mais delgada do que nas artérias elásticas, porém não é uma
característica que ressalta facilmente aos olhos.
Desta classificação fazem parte as demais artérias nominadas que não fizeram
parte da categoria das artérias elásticas. Ou seja, com exceção das artérias citadas
anteriormente (os grandes ramos da artéria aorta, artéria tronco pulmonar e as
artérias pulmonares) que são artérias elásticas, qualquer outra artéria que é
identificada por um nome, por ter calibre e/ou função de extrema relevância, você
pode ter certeza que é uma artéria muscular: artérias braquiais, artérias renais,
artérias femorais, etc.
Por fim, temos a última categoria: as arteríolas. Como estamos seguindo o
caminho lógico da ramificação, é dedutível que estas são as menores artérias. Por
isso, só podem ser vistas quando ampliadas. Elas possuem a função de resistência e,
consequentemente, reduzem a velocidade do fluxo para que sejam possíveis as trocas
nos leitos capilares com maior eficiência através de uma ou duas camadas de feixes
musculares lisos. Inclusive, os livros tradicionais de fisiologia trazem o conceito de
meta-arteríolas. Estas nada mais são que arteríolas pré-capilares que, através da
contração de sua musculatura lisa, determinam uma resistância ao fluxo sanguíneo
de maneira semelhante às artérias musculares, auxiliando no controle do fluxo para o
leito capilar e determinando quando chegará mais ou menos aporte sanguíneo na
microcirculação. Apesar de não estar citado nos livros de fisiologia da graduação, hoje
sabemos que este mecanismo parece estar presente apenas na circulação
mesentérica (9) – vide detalhes no capítulo 3.

3. OS CAPILARES
Os capilares são vasos extremamente simples se comparados às artérias e veias.
Eles são formados basicamente por um endotélio apoiado e envolto por uma lâmina
basal. Em alguns locais ao longo dos capilares, o endotélio pode ser envolto por
pericitos, células que possuem uma lâmina basal própria que se funde com a lâmina
basal do endotélio.
Essa simplicidade é necessária para que ocorra o extravasamento de substâncias
do leito capilar para o espaço intersticial. Por isso, a parede de um capilar é tão fina
que é formada apenas por uma a três camadas de células, tendo, portanto, uma luz
de apenas 4 a 8mm de diâmetro. O lúmen é tão estreito que geralmente permite
apenas a passagem de células sanguíneas isoladas, por vezes necessitando de
considerável deformação, algo que apenas é possível pela ausência de núcleo das
hemácias.
Quanto aos pericitos, estas são células que envolvem os capilares e também as
vênulas pós-capilares com seus longos prolongamentos, possuem duas funções
aparentes: a recuperação em caso de lesões, pois elas se diferenciam para formar
células endoteliais ou células musculares lisas e talvez função contrátil, sugerida
devido a presença de miosina, actina e tropomiosina em abundância em sua
composição.
Os capilares, por sua vez, são divididos em três tipos com características, funções e
localizações distintas. Vamos falar deles agora. O primeiro tipo são os capilares
contínuos ou somáticos. Eles são caracterizados pela ausência de fenestras, ou seja,
orifícios em sua parede. Eles estão presentes nos tecidos musculares, nos tecidos
conjuntivos, nas glândulas exócrinas e no tecido nervoso. Em alguns lugares desses
tecidos, com exceção do tecido nervoso, eles possuem vesículas pinocíticas que são
responsáveis pelo transporte de macromoléculas pela parede já que não possuem
fenestras.
O segundo tipo são os capilares fenestrados ou viscerais. Estes são
caracterizados por possuírem fenestras nas paredes que podem ou não ser
obstruídas por um diafragma mais fino que uma membrana celular. Quando possuem
diafragma, são característicos de locais onde ocorre um intercâmbio intenso entre o
tecido e o sangue, como é o caso dos rins, intestinos e glândulas endócrinas. Quando
são destituídos de diafragma, o sangue só é separado dos tecidos pela lâmina basal.
Este tipo está presente apenas no glomérulo renal. Algumas referências consideram
este tipo específico (desprovido de diafragma) como um quarto tipo de capilar.
A última categoria são os capilares sinusóides. Esta categoria está presente no
fígado e em órgãos hemocitopoiéticos como a medula óssea e o baço. Eles possuem
um trajeto tortuoso e um diâmetro maior do que os demais tipos de capilares, o que
irá resultar na redução da velocidade do fluxo sanguíneo (esta afirmação pode não
fazer sentido agora, mas fará quando você ler o capítulo 2). Além disso, as células
endoteliais são descontínuas, assim como a lâmina basal. Tais características
permitem o contato direto do sangue com os tecidos. Portanto, o sangue irá
extravasar massivamente ao passar pelos sinusoides, permitindo, por exemplo, o
metabolismo hepático de substâncias presentes no sangue, assim como a
hemocaterese (destruição das hemácias) no baço.

4. AS VEIAS
Focando apenas na circulação sistêmica, o sangue sai do coração rico em oxigênio,
segue pelas artérias até os capilares, onde realiza o primeiro objetivo: a entrega de
recursos para as células. Os próximos passos, então, são a drenagem dos resíduos do
processo metabólico e o seguimento pela circulação venosa, onde grande parte
destes resíduos serão metabolizados no fígado, o CO2 será eliminado na circulação
pulmonar e os demais resíduos eliminados na urina e nas fezes. Este processo de
extravasamento e drenagem no leito capilar será esmiuçado no Capítulo 02.
As veias estão presentes em maior número em nosso corpo, possuem paredes
mais finas e, geralmente, possuem maior diâmetro que as artérias correspondentes,
portanto, possuem a função potencial de reservatório de sangue, chegando a conter
mais de 70% do sangue circulante. Além disso, devido ao fato de as veias possuírem
uma quantidade muito inferior de feixes musculares e pressões menores do que as
artérias, usualmente, elas não possuem pulso. O que justifica a diferença do
comportamento de um sangramento arterial, que ocorre em jatos intermitentes e
concordantes com o pulso, e de uma hemorragia venosa, que ocorre em com um
fluxo contínuo e lento, “babando”, como costumamos falar.
Este fluxo lentificado, quando oriundo de estruturas inferiores ao coração tende a
um refluxo, por ocorrer contra a força da gravidade. Porém, como foi adiantado no
início do capítulo, as válvulas venosas impedem o movimento contrário e garantem,
com o auxílio das bombas venosas (exploradas adiante), um fluxo unidirecional.
As válvulas venosas são dobras da túnica íntima, compostas de tecido conjuntivo
rico em fibras elásticas, revestidas em ambos os lados por endotélio, em forma de
meia lua que se projetam para o interior da veia. Elas estão mais presentes em veias
em que o sangue precisa enfrentar a força da gravidade para retornar ao coração,
como as veias dos membros inferiores. Essas válvulas se abrem apenas para um lado,
portanto, se houver tentativa de refluxo elas se fecham e quando o sangue flui na
direção correta, elas se abrem.
As veias, seguindo o mesmo padrão, também serão divididas em três categoriais
com características e funções próprias. Sendo assim, logo após o leito capilar, teremos
as vênulas que, irão confluir na formação das veias médias que, por fim, irão
convergir até formação das grandes veias, como as veias cava superior e inferior.
As vênulas pós-capilares são também chamadas de vênulas pericíticas. Elas são
formadas apenas por uma camada de células endoteliais, envoltas de pericitos como
já vimos. Porém, diferente dos capilares, existem vênulas um pouco maiores que
possuem algumas células musculares lisas ao invés de pericitos em sua parede para
realizar a função contrátil.
As veias possuem uma íntima bem desenvolvida, porém é a túnica adventícia a
mais espessa e bem desenvolvida. Esta que frequentemente possui feixes
longitudinais de músculo liso.
As veias, em grande parte, acompanham artérias em seu trajeto. Por isso, os
nomes das veias usualmente recebem o mesmo nome da artéria que acompanham
(exemplos: veia femoral, veia subclávia...), porém existem exceções como: as veias
cavas (superior e inferior), a veia cefálica, a veia basílica e as veias safenas magna e
parva.

4. OUTROS CONCEITOS IMPORTANTES

1. ANASTOMOSES E CIRCULAÇÃO COLATERAL


Uma anastomose é uma comunicação entre os vasos sanguíneos que pode criar
uma circulação colateral ou uma rota alternativa para a circulação do sangue. Estas
podem ser classificadas em quatro tipos:

Anastomose término-terminal: quando duas artérias se comunicam


diretamente.
Anastomose por convergência: quando duas artérias convergem e
se fundem.
Anastomose transversa: quando um pequeno vaso arterial liga duas
artérias transversalmente.
Anastomose arteriovenosa: quando há uma conexão direta entre as
menores artérias e veias. Estas são importantes para conservação
do calor corporal.

2. ARTERIOGÊNESE E ANGIOGÊNESE
A arteriogênese é definida como o desenvolvimento de fluxo através de artérias
colaterais derivadas de anastomoses arterio-arteriais pré-existentes. Isto ocorre em
processos de obstrução parcial ou total que resultam no aumento da pressão na
região, forçando a ampliação do diâmetro de vasos pré-existentes, permitindo, desta
forma, a passagem de sangue por uma rota alternativa.
A angiogênese é o processo de formação de pequenos novos vasos como capilares,
resultado de um estímulo isquêmico. Ou seja, o organismo ao passar por momentos
em que os vasos existentes não são suficientes, estimula a criação de uma circulação
colateral. Porém, ambos os processos necessitam de tempo para ocorrer com
eficiência (10).
A diferença entre ambos os mecanismos está disposta na Figura 1.7
Figura 1.7: Arteriogênese (A) é a indução de fluxo através de artérias colaterais
previamente existentes através do gradiente de pressão gerado pela ausência de
fluxo em uma das artérias. Angiogênese (B) é o crescimento de capilares a partir de
vasos existentes, processo geralmente engatilhado por hipóxia (retirada da referência
6).

3. BOMBAS VENOSAS
Existem três bombas que irão auxiliar no retorno venoso: a bomba arteriovenosa, a
bomba musculovenosa e a bomba respiratória.
A bomba arteriovenosa é possível devido a uma bainha vascular relativamente
rígida que circunda as veias acompanhantes de uma determinada artéria. Sendo
assim, quando a artéria se expande com a chegada de um pulso, ela comprime as
veias nessa bainha, ordenhando desta forma o sangue no interior das veias em
direção ao coração devido ao direcionamento das válvulas venosas.
A bomba musculovenosa vai possuir o mesmo objetivo da bomba anterior, porém a
ordenha das veias será realizada a partir da contração muscular das extremidades,
principalmente dos membros inferiores. Por isso, alguns autores se referem as
panturrilhas como corações secundários. Este é o motivo de se colocar um paciente
acamado para caminhar assim que possível. As contrações musculares na caminhada
irão auxiliar o retorno venoso, além de evitar úlceras por pressão.
A bomba respiratória se utiliza da pressão negativa criada durante a expansão
torácica na inspiração. O racional disso é que todo sistema de pressão desloca o
fluído de onde há mais pressão para as regiões com menores pressões, logo a
diminuição da pressão da caixa torácica, auxilia a “sugar” o sangue para a região,
consequentemente, facilitando o deslocamento do sangue em direção ao coração.

Quadro 1.1: Arteriosclerose e aterosclerose

A arteriosclerose é o processo de enrijecimento das artérias resultado da perda


de elastina com o envelhecimento do indivíduo. Sendo assim, ocorre uma
progressiva perda da capacidade de se acumular energia nas grandes artérias
elásticas (perda do Efeito Windkessel), assim como influencia diretamente no
aumento da pressão arterial sistólica e sua pressão de pulso.

A aterosclerose é um processo complexo de formação de um trombo, resultado


de um processo inflamatório iniciado pelo acúmulo de colesterol com posterior
agregação de componentes sanguíneos nas artérias. Este processo pode vir a
gerar uma obstrução parcial ou total no vaso, suspendendo o suprimento de
recursos para os tecidos da região. Caso este processo permaneça, o tecido
pode vir a necrosar, ou seja, morte tecidual.

5. CONFERÊNCIAS

Confira aqui a aula dinâmica do Medicina Resumida sobre os assuntos abordados nesse capítulo!
CAPÍTULO 2
Dinâmica dos Fluídos (hemodinâmica)

1. CASO CLÍNICO
Sr. Jorge (vide capítulo anterior), retorna à consulta novamente acompanhado da sua
neta Pollyana após um mês com os resultados dos exames, como combinado. Ele alega
estar seguindo à risca todas recomendações realizadas na última consulta com exceção
dos finais de semana, período em que ainda mantem seus hábitos antigos – “ninguém é
de ferro”. Ele informa que já se sente mais disposto e que acreditava que os valores
elevados da sua pressão sanguínea registrados na última consulta, provavelmente, se
deviam à sua ansiedade.
Dr. Barros esclarece que realmente existe essa possibilidade e explica que existe um
fenômeno conhecido como “hipertensão do avental branco”. Esta é definida pelo
aumento da pressão dentro do consultório médico provocada pela ansiedade do
paciente, porém em outras situações, os valores retornam à normalidade. Sendo assim,
após realizar uma nova aferição e verificar uma pressão arterial de 144 x 92 mmHg, Dr.
Barros dá uma breve explicação sobre o risco cardiovascular do Sr. Jorge, que não é alto,
e que o paciente tem 3 a 6 meses para reduzir a pressão arterial ao valor normal, de
acordo com as últimas diretrizes. Então, durante esse tempo, Sr. Jorge terá que
demonstrar mais esforço no controle não-farmacológico da pressão arterial e também
realizará uma MAPA para excluir a tal “hipertensão do jaleco branco”.
Após esclarecer o procedimento, Pollyana tornou a se mostrar curiosa: “o que é essa
pressão arterial? Todo mundo tem? O que você ouve nesse aparelho para saber qual é a
pressão arterial de meu avô?”. Novamente intrigado com a curiosidade da garota, Dr.
Barros cobra a você, afortunado acadêmico, as explicações que ele havia solicitado na
última consulta, alegando que precisaria destas informações para responder às novas
perguntas.
Como você leu com atenção ao Capítulo 1, voou baixo nas explicações.
Orgulhoso, Dr. Barros acrescentou que os vasos possuem propriedades fisiológicas
elementares, e como seu paciente já tinha uma idade mais avançada, algumas podiam
estar mais prejudicadas, contribuindo para a elevação da pressão arterial. Além disso,
durante as suas explicações, o preceptor informou que comprimir o braço do Sr. Jorge e
depois ir liberando aos poucos, provocava colisões do sangue com as paredes dos vasos
daquele local e que essas colisões poderiam ser auscultadas. Através destes sons e
olhando no relógio (manômetro) era possível determinar indiretamente a pressão
arterial.

1. POSSÍVEIS PALAVRAS DESCONHECIDAS


“Pressão arterial”: Vide capítulo
“MAPA”: Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial. Esta é realizada através de
um aparelho que o paciente carrega consigo por 24hs e de tempos em tempos,
registra a pressão arterial do paciente. Dessa forma é possível avaliá-la em diversos
cenários da rotina.

2. PALAVRAS-CHAVES
“Pressão arterial”, “mudança de hábitos”, “MAPA”, “aferir a pressão arterial “,
“choques do sangue com as paredes desse vaso que podiam ser auscultados”,
“propriedades dos vasos

3. OBJETIVOS

Compreender as propriedades dos vasos sanguíneos

Compreender a pressão arterial e a técnica de aferição indireta


2. DISTRIBUIÇÃO DO VOLUME SANGUÍNEO
O volume de sangue que circula em um indivíduo é de aproximadamente 7% de seu
peso corpóreo. Este volume em um estado fisiológico é constante. Ou seja, se houver
aumento do volume em uma região é porque houve a redução em outra. Portanto, há
um gerenciamento baseado nas necessidades dos sistemas. Se o indivíduo realiza uma
alimentação volumosa, por exemplo, haverá uma maior demanda do sistema digestório
e mais sangue será direcionado a este trato. Consequentemente, considerando o
volume absoluto constante, ocorrerá uma pequena redução da quantidade de sangue
em outros sistemas. Esta redução quando ocorre no cérebro proporciona o estado de
sonolência pós-prandial.
Outro exemplo que aprofundaremos adiante é o estado de luta ou fuga. Uma
situação em que o indivíduo seja exposto a um estressor (situação de risco de vida, falar
em público, etc.) e o corpo responde preparando o mesmo para reagir a situação. Ou
seja, prepara o indivíduo para o enfrentamento ou para a fuga. Desta forma, os
sistemas nervoso, cardiovascular, respiratório e muscular são priorizados. E dentre
diversas respostas que a situação promove está o aumento do fluxo sanguíneo para
estes sistemas.
Estes dois exemplos servem para ilustrar que há esse gerenciamento por demanda
que é resultado da regulação neuroendócrina. E como vimos no capítulo anterior, essa
função de regular o fluxo sanguíneo na macrocirculação é artérias musculares e na
microcirculação das arteríolas. Sendo estas as principais atuantes nesse gerenciamento.
Entretanto, apesar de estarmos analisando uma situação estável, constantemente o
nosso corpo precisa alterar esse volume. Seja reduzindo-o através da urina e do suor,
assim como também o aumentando, pelo estímulo da sede e da fome.
A distribuição do volume no sistema cardiovascular é de aproximadamente 84% na
circulação sistêmica, 9% na circulação pulmonar e 7% no coração. Sendo que desses
84% presentes na sistêmica, 64% se encontra nas veias, 13% nas artérias e 7% nas
arteríolas e capilares sistêmicos.

3. PROPRIEDADES DOS VASOS SANGUÍNEOS


Imagine um aparato de bombeamento de algum líquido que consegue, de acordo
com as próprias necessidades, através de um software avançado, reduzir ou aumentar o
seu diâmetro, suas pressões internas, modificar o fluxo em seu interior, deixar mais
líquido no reservatório e menos líquido corrente ou vice-versa, aumentar a força da
bomba – tudo sem a necessidade de um operador manual. Pois bem, esta máquina
perfeita existe e está dentro de cada um de nós. Os vasos sanguíneos são mais do que
apenas tubos em um sistema de hidráulico de pressão. Como vimos, são estruturas de
lúmen adaptável, e quem controla isso não é um software.

1. FLUXO SANGUÍNEO
O fluxo sanguíneo é o movimento contínuo do sangue através do sistema
cardiovascular, resultado dos gradientes de pressão criados pela bomba do sistema, o
coração. Ou seja, se forcarmos nossa atenção em uma porção do sangue, esta irá
percorrer de forma contínua o sistema de uma zona de maior pressão para uma zona
de menor pressão.

As paredes dos vasos promovem, contra o líquido circulante, uma resistência na


forma de atrito. Em situações de normalidade, esta resistência será maior na periferia
do vaso, onde há contato direto com as paredes, do que no centro, onde o sangue
terá mais liberdade de fluir. Ok até aqui? Este dado leva a duas conclusões
importantes no entendimento na dinâmica dos fluidos: o primeiro é que quanto
menor for o calibre do vaso, maior será a proporção de sangue em contato com sua
parede e maior será a resistência à passagem do fluxo sanguíneo; o segundo é que
esta disposição da passagem do sangue mais lento pela periferia resulta na formação
de lâminas, camadas concêntricas de sangue, em que a velocidade do fluxo aumenta
quanto mais se aproxima do centro. Este é o conceito de fluxo laminar, como
podemos ver na Figura 2.1, painel B.
Figura 2.1: Fluxo laminar x Fluxo turbulento (retirada do Guyton).

Entretanto, caso haja algum tipo de obstrução por placas ateroscleróticas, se o


sangue possuir uma densidade elevada, ou ainda se as propriedades elásticas das
artérias forem perdidas, o fluxo perde essa característica laminar, como podemos ver
na Figura 2.1, painel C e se torna turbulento, chocando-se contra as paredes do vaso e
contra o próprio sangue.
Apesar do fluxo turbulento geralmente estar associado a situações patológicas,
podemos utilizá-lo a nosso favor para aferir indiretamente a pressão arterial de um
indivíduo, e isto se dá porque estes choques desorganizados contra a parede do vaso
são audíveis ao estetoscópio. Sendo assim, o método de aferição da pressão arterial
se baseia, primeiramente, na obstrução total do vaso que ocorre ao se insuflar o
manguito do esfigmomanômetro a uma pressão maior que a que é realizada pelo
sangue de dentro do vaso. Ao desinsuflar lentamente o manguito, o examinador
perceberá o momento em que a pressão sanguínea é suficiente para vencer a
obstrução mecânica, iniciando um fluxo turbulento audível através da obstrução
parcial e pode-se verificar no manômetro a pressão que foi necessária para vencer a
resistência (Figura 2.2). Essa será considerada a pressão arterial sistólica. Você pode
conferir a descrição completa do método no quadro 2.1.

Quadro 2.1: A aferição da pressão arterial

Passos para obtenção da pressão arterial pelo método indireto segundo a


VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão:

Preparo do paciente:

1. Explicar o procedimento ao paciente e deixá-lo em repouso de 3


a 5 minutos em ambiente calmo. Deve ser instruído a não
conversar durante a medição. Possíveis dúvidas devem ser
esclarecidas antes ou depois do procedimento.

2. Certificar-se de que o paciente NÃO: - Está com a bexiga cheia; -


Praticou exercícios físicos há pelo menos 60 minutos; - Ingeriu
bebidas alcoólicas, café ou alimentos; - Fumou nos 30 minutos
anteriores.

3. Posicionamento: - O paciente deve estar sentado, com pernas


descruzadas, pés apoiados no chão, dorso recostado na cadeira
e relaxado; - O braço deve estar na altura do coração, apoiado,
com a palma da mão voltada para cima e as roupas não devem
garrotear o membro.

4. Medir a PA na posição de pé, após 3 minutos, nos diabéticos,


idosos e em outras situações em que a hipotensão ortostática
possa ser frequente ou suspeitada.

Etapas para a realização da medição

1. Determinar a circunferência do braço no ponto médio entre


acrômio e olécrano;

2. Selecionar o manguito de tamanho adequado ao braço (ver


Quadro 3);
3. Colocar o manguito, sem deixar folgas, 2 a 3 cm acima da fossa
cubital;

4. Centralizar o meio da parte compressiva do manguito sobre a


artéria braquial;

5. Estimar o nível da PAS pela palpação do pulso radial*;

6. Palpar a artéria braquial na fossa cubital e colocar a campânula


ou o diafragma do estetoscópio sem compressão excessiva*;

7. Inflar rapidamente até ultrapassar 20 a 30 mmHg o nível


estimado da PAS obtido pela palpação*;

8. Proceder à deflação lentamente (velocidade de 2 mmHg por


segundo) *;

9. Determinar a PAS pela ausculta do primeiro som (fase I de


Korotkoff) e, após aumentar ligeiramente a velocidade de
deflação*;

10. Determinar a PAD no desaparecimento dos sons (fase V de


Korotkoff) *;

11. Auscultar cerca de 20 a 30 mmHg abaixo do último som para


confirmar seu desaparecimento e depois proceder à deflação
rápida e completa*;

12. Se os batimentos persistirem até o nível zero, determinar a PAD


no abafamento dos sons (fase IV de Korotkoff) e anotar valores
da PAS/PAD/zero*;

13. Realizar pelo menos duas medições, com intervalo em torno de


um minuto. Medições adicionais deverão ser realizadas se as
duas primeiras forem muito diferentes. Caso julgue adequado,
considere a média das medidas;

14. Medir a pressão em ambos os braços na primeira consulta e


usar o valor do braço onde foi obtida a maior pressão como
referência;

15. Informar o valor de PA obtido para o paciente; e

16. Anotar os valores exatos sem “arredondamentos” e o braço em


que a PA foi medida.

* Itens realizados exclusivamente na técnica auscultatória.

Reforça-se a necessidade do uso de equipamento validado e periodicamente


calibrado.
Figura 2.2: Aferição da pressão arterial (retirada do Berne e Levy).

A resistência vascular periférica, como vimos, é o nome dado ao atrito entre o


sangue e a parede dos vasos. Essa resistência depende de três fatores: o diâmetro do
lúmen, o comprimento do vaso e a viscosidade sanguínea. A viscosidade sanguínea é
proporcional ao hematócrito que vemos no hemograma de um indivíduo (percentual
de glóbulos vermelhos presentes no sangue). Ou seja, se uma pessoa possui
hematócrito de 40%, isto significa que 40% do seu volume sanguíneo é constituído de
hemácias e o restante de consiste em plasma. A saber, 42% é o valor médio de um
homem adulto, enquanto que nas mulheres a média é 38%. Portanto, quanto maior o
hematócrito, maior a viscosidade do sangue.
Outro conceito hemodinâmico que você precisa ter em mente é o de “resistência
em série” ou “resistência em paralelo” (1). É importante porque é mais condizente
com o modelo de “canos” do nosso corpo. E como acontece? Perceba: o fluxo
sanguíneo vai da aorta para artérias menores, arteríolas, capilares e depois retorna
ao sistema venoso e coração, não é? Esse caminho em sequência (ou série) deve ser
percorrido pelo sangue e para isso é preciso vencer a resistência de cada um desses
locais (R total = R1 + R2 + R3...). Mas as pequenas artérias e arteríolas representam um
modelo em que o sangue entra em uma OU em outra delas, consistindo, então, em
circulações paralelas. No caso de resistências em paralelo, a pressão de fluxo de
entrada e de saída é a mesma para todas elas, então, em um exemplo hipotético de
vasos de mesmo diâmetro e comprimento, o fluxo será o mesmo e a resistência
também (R total = R de cada vaso x número de vasos). Parece complicado, mas a
Figura 2.3 pode te ajudar (não deixe de ver!).

Figura 2.3: Para vasos conectados em série (imagem de cima, A), a resistência total é
a soma de todas as resistências do circuito (R1 + R2 + R3). Para vasos conectados em
paralelo (imagem abaixo, B), a resistência de cada vaso é uma parte do total (R vaso =
R total/nº), modificando a fórmula temos: R total = R de cada vaso x número de vasos
(retirado de Faber).
Figura 2.4: Lei de Pouiseille determinando maior fluxo de líquido quando maior o
diâmetro do vaso a uma progressão de quarta potência. 44 = 256 (retirada do
Guyton).

A condutância é o oposto da resistência, de modo que a mensuração de um


parâmetro, te dá também o outro. Ou seja, é a medida do fluxo sanguíneo sob
determinada pressão. Como podemos ver na fórmula 2.3, ocorre uma relação direta
da condutância e o raio do vaso quando o fluxo é laminar. A condutância de um vaso
aumenta em proporção direta à quarta potência do raio deste vaso. O que significa
que se aumentarmos o raio de 1 para 4, o fluxo aumentará 256 vezes. Esta é a famosa
lei de Poiseuille (lê-se pua-zôi) – você ainda ouvirá sobre essa lei muitas vezes na vida
acadêmica e prática da Medicina (Figura 2.4).
Q = πΔPr4
8μl
Q: velocidade do fluxo sanguíneo
ΔP: diferença de pressão entre as extremidades do vaso
r: é o raio do vaso
L: comprimento do vaso
μ: viscosidade do sangue
Quanto à velocidade do fluxo nos diferentes tipos de vasos sanguíneos,
intuitivamente costuma-se pensar que assim como uma mangueira pressionada,
quanto menor o diâmetro de determinado tipo de vaso, maior será a velocidade de
fluxo por ali. Porém, a velocidade, além de ser influenciada pela resistência vascular
periférica, é inversamente proporcional a um conceito denominado secção
transversal. Simplificando, a secção transversal é a soma dos diâmetros de todos os
vasos de um mesmo tipo. Sendo assim, por mais que as artérias elásticas possuam
grandes lúmens, seu diâmetro absoluto (a soma dos diâmetros de todas as artérias
elásticas) é inexpressivo se comparado ao diâmetro de todos os capilares presentes
no corpo. Como era de se esperar, a física nunca erra! Então, da mesma forma da
mangueira, no nosso corpo, o fluxo é mais rápido por locais mais apertados: se o
fluxo tem que se manter constante independente do diâmetro transversal do vaso, e
se o espaço é diminuto, o jeito é aumentar a velocidade. Como já explicitamos, a
soma do diâmetro de todos os capilares do corpo é muito maior que o diâmetro da
aorta por exemplo. Consequentemente a velocidade do fluxo na aorta é muito maior,
já que o diâmetro deste vaso é menor que de todos os capilares juntos. Para se ter
uma ideia, enquanto o sangue percorre a artéria aorta com aproximadamente 33
cm/s, essa velocidade nos capilares é de apenas 0,3 mm/s. Posteriormente, obtém
novamente velocidade nas veias até alcançar novamente o coração. Não deixe de ver
a Figura 2.5.

Figura 2.5: No gráfico de cima (A), percebemos que a maior área de secção
transversal da circulação está na soma de todos os capilares do nosso corpo. Sendo
assim, nessa região, a velocidade de fluxo será reduzida. No gráfico de baixo (B),
percebemos que a pressão arterial é maior quanto mais próximo do coração e reduz
à medida que se afasta deste, já a resistência relativa é maior nas arteríolas e
capilares (retirada de Faber).

2. DISTENSIBILIDADE X COMPLACÊNCIA (CAPACITÂNCIA)


A distensibilidade vascular e a complacência vascular são conceitos interligados. A
distensibilidade é o percentual do aumento do volume a partir de aplicada uma
determinada pressão. Enquanto que a complacência ou capacitância é o aumento
absoluto do volume a partir de aplicada uma determinada pressão. Ou seja, quanto
um vaso pode acomodar de volume a depender do aumento da pressão.
Tais conceitos podem ser melhor compreendidos com um exemplo: se aplicarmos 1
mmHg em dois vasos (A e B), em que A possui diâmetro maior do que B, ambos
podem aumentar em 10% o seu volume. Sendo assim, eles possuem a mesma
distensibilidade. Porém, devido a possuírem diâmetros distintos, depois de aplicada
essa pressão, a quantidade absoluta que foi acomodada em A foi maior do que de B.
Logo, A é mais complacente do que B.
As veias são cerca de 8 vezes mais distensíveis que as artérias correspondentes por
possuírem paredes mais delgadas e menores quantidade de fibras musculares.
Somando-se o fato dos diâmetros das veias também serem até três vezes maiores se
comparadas às artérias correspondentes, logo as veias possuem em média uma
complacência 24 vezes maior do que as artérias. Isso é de suma importância na
prática médica. Perceba: para que haja um aumento de 3-5 mmHg na pressão venosa
de um indivíduo, são necessários litros de solução. Essa é a razão pela qual podemos
transfundir sangue em um paciente sem deixa-lo edemaciado.
As veias são cerca de 8 vezes mais distensíveis que as artérias correspondentes por
possuírem paredes mais delgadas e menores quantidade de fibras musculares.
Somando-se o fato dos diâmetros das veias também serem até três vezes maiores se
comparadas às artérias correspondentes, logo as veias possuem em média uma
complacência 24 vezes maior do que as artérias. Justificando a função das veias de
reservatório de sangue.

3. PRESSÃO SANGUÍNEA
A pressão arterial é um dado clínico de suma importância na rotina de consultório.
Por isso, precisamos dedicar uma atenção especial em todos os seus conceitos (todo
médico precisa entender a pressão arterial). A pressão sanguínea é definida como a
força exercida pelo sangue contra qualquer unidade de área da parede vascular e a
unidade utilizada é milímetros de mercúrio (mmHg). Isso significa que, por exemplo,
uma pressão de 100 mmHg realizada pelo sangue contra a parede de um vaso
sanguíneo é suficiente para suspender a coluna de mercúrio de um manômetro em
100 mm.
Parte dessa pressão é fornecida ao sangue através das contrações cardíacas,
alcançando, aproximadamente, 120 mmHg de pressão contra as paredes das artérias
durante a sístole ventricular: esta é a pressão arterial sistólica. Durante o
relaxamento do coração, o sangue nas grandes artérias segue fluindo por conta da
distensibilidade que as artérias elásticas possuem, portanto, ainda exercendo pressão
arterial contra a artéria, só que em níveis menores: a pressão adquire valores em
torno de 80 mmHg, a famosa pressão arterial diastólica. Tais conceitos (sístole e
diástole) são melhor explorados no capítulo 05 no estudo do ciclo cardíaco. Já ouviu
falar nesse valor 120 x 80? 12 por 8? Agora você entende o porquê.
O sangue, à medida que avança na circulação sistêmica e alcança vasos cada vez
menores até a microcirculação, se distanciando da bomba, perde pressão. Nos
capilares obtém valores médios de 17 mmHg, aproximando-se a valores de 0 mmHg
ao atingir a porção mais distal das veias cavas, quando o sangue finalmente
desemboca no átrio direito.
A pressão no átrio direito, cerca de 0 mmHg, é denominada pressão venosa
central (PVC). E ela é regulada por dois fatores: a capacidade de o sangue do lado
direito do coração ser ejetado para circulação pulmonar e o próprio retorno do
sangue sistêmico para o átrio direito. Sendo assim, se o coração tiver alguma
dificuldade nesses dois fatores, a pressão venosa central é alterada. Um exemplo
importante disso é no manejo de pacientes graves que apresentam colapso
hemodinâmico (você ainda vai se deparar com isso um dia): o paciente está com a
pressão arterial baixíssima. Como o médico não possui uma câmera microscópica
para avaliar cada local do sistema circulatório do paciente, uma das medidas que ele
pode utilizar para definir a causa e selecionar um tratamento é através da medida da
PVC: caso ela esteja alta, o paciente já tem muito líquido no corpo ou algo está
obstruindo a passagem desse líquido pelo coração direito até o esquerdo – então
fazer soro fisiológico para aumentar a pressão arterial não é uma saída inteligente. Já
se a PVC desse paciente estiver normal, o paciente ainda pode ser hidratado, afim de
aumentar o retorno venoso e o débito cardíaco (Lei de Frank Starling – capítulo 5.
Quanto à pressão sanguínea na circulação pulmonar, esta possui valores muito
menores. Sendo que a pressão sistólica média na artéria pulmonar é de apenas 25
mmHg, e a diastólica 8 mmHg. Os valores menores justificam-se por um percurso
menor e mais próximo ao coração.
A medida direta da pressão arterial pulmonar também é importante no manejo de
pacientes criticamente enfermos. O cateter de Swan-Ganz traz valiosas informações
sobre esse sistema e pode ajudar (e muito!) o médico a tomar suas decisões.

4. FATORES DETERMINANTES DA PRESSÃO SANGUÍNEA


Os fatores reguladores mais importantes da pressão arterial são a resistência
periférica e o débito cardíaco.
A resistência vascular periférica (RVP) depende, como visto anteriormente, do
diâmetro do lúmen do vaso, do comprimento total desse vaso e da viscosidade
sanguínea. Sendo assim, se ocorrer alguma alteração destes fatores, como por
exemplo uma vasoconstricção, maior será o atrito, maior será a resistência ao fluxo, e
consequentemente, maior será a pressão.
O débito cardíaco (DC) (Capítulo 05) é a quantidade de sangue que o coração irá
ejetar na sístole, ou seja, volume sistólico (VS) após um número de batimentos que o
coração teve em um determinado período de tempo. Logo, quanto mais sangue é
ejetado, também maior será a pressão.
Já que os dois fatores citados possuem relação direta com a pressão arterial, é
possível criar uma fórmula, na qual a PA pode ser calculada através da multiplicação
dos seus fatores fisiológicos, com a clássica fórmula 2.4
PA = DC x RVP
Como vimos, o débito cardíaco = frequência cardíaca (FC) x volume sistólico (VS).
Trocando em miúdos, se um coração bate 70 vezes por minuto e ejeta 70 ml de
sangue por batimento, o débito cardíaco é 4900 ml/min. Jogando os valores na
fórmula 2.4, criamos a fórmula 2.5, que é mais completa:
PA = FC x VS x RVP
Legal. Mas para saber a pressão arterial de um indivíduo, basta eu ir lá e medir com
meu esfigmomanômetro. Não preciso de fórmula para isso. Sim, está certo. As
fórmulas 2.4 e 2.5 são didáticas. Importante mesmo, na prática clínica, é saber como
está o débito cardíaco do seu paciente. E isso pode se dar de duas maneiras: (1)
multiplicar FC x VS, tendo o volume sistólico avaliado através de um ecocardiograma;
ou (2) através do princípio de Fick, uma das fórmulas mais elegantes da Medicina.
Antes de mostrar a fórmula, entenda: o débito cardíaco pode ser estimado através de
um raciocínio simples. Se eu consumo determinada quantidade de oxigênio por
minuto (ml/min), significa que meu coração foi capaz de mandar aquele oxigênio
através de uma artéria para meus órgãos e recebê-lo pela veia. Se meu coração tem
menor capacidade de bombeamento, portanto, menor débito cardíaco, meu
consumo será menor porque eu não posso tirar O2 do nada. Ok até aqui? Então, o
VO2 (consumo de O2 em um minuto) é igual ao produto do débito cardíaco vezes o
gradiente de oxigenação entre o sangue arterial, mais oxigenado, e venoso, menos
oxigenado. Passando um dado da fórmula pra lá e um pra cá, temos que:

Já que a VO2 tem um valor constante de acordo com o sexo e a idade do paciente e
o médico pode descobrir a oxigenação do sangue arterial e do sangue venoso através
de acessos vasculares profundos, agora sim, mesmo sem um ecocardiograma,
sabemos o débito cardíaco do paciente.
“Voei”. Ok. É compreensível. Fórmulas não são legais. Mas sugiro que guarde as
fórmulas 2.4 e 2.6 para a vida. Em unidades de terapia intensiva, onde o paciente
sofre rotineiramente com baixo débito cardíaco, essas duas fórmulas salvam vidas.
Um conceito importante que temos que ter antes de seguir adiante é o de pressão
de pulso, que é a subtração entre os valores da pressão arterial sistólica (PAS) e da
pressão arterial diastólica (PAD). Entenda: a pressão arterial sistólica é muito
influenciada pela contração ventricular, e a pressão arterial diastólica sofre forte
influência da complacência e da elasticidade do vaso, além do escoamento do sangue
pela circulação, pois durante essa fase não há força mecânica empurrando o sangue,
então o que se espera dele é que ele se mantenha fazendo força contra o vaso e
criando pressão. Então, se o sangue não permanece nas artérias durante a diástole, a
pressão diastólica reduz e a subtração PAS – PAD aumenta de valor. E por que isso é
importante? Porque isso significa doença! Para se ter ideia, o estudo Framingham
demonstrou que um aumento de 10 mmHg na pressão de pulso é associado a um
risco 23% maior de desenvolvimento de doença arterial coronariana (2). Um outro uso
importante é no doente enfermo calcular a variação da pressão de pulso, visto que os
doentes em colapso hemodinâmico e gravemente enfermos têm pouca variação e
valores absolutos baixos de pressão de pulso.

5. O PULSO
O pulso é o reflexo do estiramento das artérias ao receber a energia propagada
pela contração cardíaca. Podemos senti-lo em algumas artérias superficiais, como a
artéria radial, e por isso, é uma das formas de avaliação indireta do sistema
circulatório no exame clínico.

4. FISIOLOGIA DA MICROCIRCULAÇÃO
Vimos no capítulo anterior que a microcirculação corresponde aos capilares e as
menores vênulas e arteríolas, e é onde ocorre o extravasamento para o espaço
intersticial, onde se darão as trocas necessárias para os tecidos. Se ocorre
extravasamento em excesso, este líquido pode vir a se acumular, resultando em edema
(“inchaço“). Portanto, para que ocorra o processo de forma adequada, se faz necessário
um equilíbrio de fatores, sendo os principais: a pressão hidrostática, a pressão
coloidosmótica e a permeabilidade capilar.
A pressão hidrostática é a pressão sanguínea nos capilares. Essa força aplicada contra
o endotélio dos capilares, que são relativamente permeáveis, irá promover o
extravasamento do líquido para o interstício. Contudo, as paredes dos capilares
funcionam como uma barreira seletiva mecânica em que apenas pequenas estruturas
atravessarão, logo, ocorre uma filtração do conteúdo plasmático em que grandes
moléculas e células não atravessam os poros.
Enquanto a pressão hidrostática auxilia no extravasamento, a pressão
coloidosmótica, também chamada de pressão oncótica, irá promover a reabsorção de
fluídos para os capilares. Esta corresponde a pressão promovida pelas proteínas do
plasma, principalmente, a albumina, seguindo o mesmo conceito do movimento de
solvente na membrana plasmática. O fluído irá sempre se difundir para o local com a
maior concentração de solvente na tentativa de equilibrar os meios. Ou seja, a perda de
fluídos inicial promovida pela pressão hidrostática, resulta no aumento da concentração
de solutos nos capilares que em algum momento irá superar a pressão hidrostática e
promover a reabsorção. Consequentemente, entender a fisiologia na microcirculação é
visualizar um embate de forças contrárias (pressão hidrostática x pressão
coloidosmótica) em que o resultado a cada momento define a direção do movimento
dos fluídos e pequenas moléculas (Figura 2.6).
Portanto, como ocorre passo a passo as trocas nos leitos capilares? Primeiramente o
sangue chega com uma grande pressão hidrostática nos capilares e promove o
extravasamento de líquido e nutrientes pelos poros para o espaço intersticial que irão
nutrir as células. O sangue continua a circular no leito capilar, perdendo pressão
hidrostática e ganhando pressão coloidosmótica, devido ao acumulo de proteínas.
Nesse tempo as células já absorveram os nutrientes e oxigênio extravasados e
liberaram seus resíduos como dióxido de carbono para o espaço intersticial. A pressão
coloidosmótica supera a pressão hidrostática e o que ocorre é a absorção de fluído do
espaço intersticial juntamente com esses resíduos celulares. (Quadro 2.2)

Figura 2.6: R As forças da pressão do líquido e pressão coloidosmótica atuam sobre a


membrana capilar e tendem a mover o líquido para fora ou para dentro dos poros da
membrana (retirada do Guyton).

Quadro 2.2 – Resumo das forças que operam na extremidade capilar (retirado do
Guyton).
mmHg

Forças que tendem a mover o líquido para fora:

Pressão capilar (extremidade arterial do capilar) 30

Pressão negativa do líquido livre intersticial 3

Pressão coloidosmótica do líquido intersticial 8

FORÇA TOTAL PARA FORA 41

Forças que tendem a mover o líquido para dentro:

Pressão coloidosmótica do plasma 28

FORÇA TOTAL PARA DENTRO 28

Resultante das forças:

Para fora 41

Para dentro 28

FORÇA EFETIVA PARA FORA (NA EXTREMIDADE ARTERIAL) 13

Todavia, a reabsorção promovida pela pressão coloidosmótica não é suficiente. Ou


seja, se apenas houvesse esse mecanismo de reabsorção, ocorreria um acúmulo de
líquido no espaço intersticial. Desta forma, retomando as funções básicas do sistema
circulatório, o sistema linfático, através de vasos de fundo cego, irá drenar os excessos
do extravasamento e despejar posteriormente no sistema venoso. Mantendo assim a
volemia do sistema e evitando perdas. Entretanto, até o sistema linfático possui um
limite. Sendo assim, em situações patológicas em que algum dos fatores se altere, como
por exemplos, aumento demasiado da volemia, congestão no sistema circulatório,
queda na produção de albumina e/ou aumento da permeabilidade capilar (ex: processo
inflamatório), resultará em um extravasamento que pode vir a superar o limite de
absorção do sistema linfático.
Além deste processo específico de troca no leito capilar, há a participação dos outros
vasos da microcirculação. As pequenas arteríolas irão controlar o fluxo para cada tecido
a depender da demanda do mesmo. Esse controle será ainda mais refinado pelas
metarteríolas, que podem abrir ou fechar a entrada dos capilares, gerando um fluxo
intermitente. Sendo que a esse fenômeno chamamos de vasomotilidade.

5. CONFERÊNCIAS

Confira aqui a aula dinâmica do Medicina Resumida sobre os assuntos abordados nesse capítulo!
CAPÍTULO 3
Regulação da Circulação e da Pressão Arterial

1. CASO CLÍNICO
Sr. Jorge (vide capítulo anteriores), retorna para mais uma consulta, agora com o
resultado da MAPA, como combinado. Ele reforça que está com hábitos alimentares
mais saudáveis e vem realizando caminhadas pelo menos quatro vezes na semana.
Desta vez, informa que não houve excessos nos finais de semana, porém não pode
garantir que eles não ocorram esporadicamente.
A MAPA demonstrou alguns picos de pressão arterial sistólica e diastólica ao longo do
dia e o Dr. Barros aproveitou para esclarecer o Sr. Jorge quanto aos resultados. Desta
forma, segundo ele, estava excluída a possibilidade de da hipertensão do avental
branco e ele optaria por iniciar com uma dosagem baixa de uma droga anti-
hipertensiva. O médico acrescentou também que não há cura para a hipertensão
arterial e que o principal objetivo do tratamento é evitar eventos adversos no futuro. A
medicação irá auxiliar no processo, mantendo os valores pressóricos dentro dos valores
aceitáveis, e também reduzindo chances do Sr. Jorge sofrer um acidente vascular
cerebral, infarto agudo do miocárdio ou evolução para insuficiência cardíaca.
Após sobre as consequências de não controlar a pressão e como uma doença
silenciosa poderia vir a trazer grandes complicações para a saúde do Sr. Jorge, O Dr.
Barros decidiu lhe passar a primeira função do dia: ensinar ao neto do Sr. Jorge como
aferir pressão arterial. Dr. Barros optou pelo uso de um fármaco específico para o Sr.
Jorge: um inibidor da enzima conversora da angiotensina (iECA) e explicou que a
atuação desse fármaco se dá, predominantemente, nos rins. Ao perceber que não só a
neta do Sr. Jorge, mas também você, jovem aprendiz, estavam agora sem entender nada
– por que um remédio com ação nos rins vai atuar no sistema circulatório? – o seu
preceptor decidiu por explicar um pouco sobre os mecanismos regulatório da pressão
arterial e da circulação sanguínea.
Avô e neta saíram satisfeitos da consulta com a missão de controlar a “tal” pressão
arterial. E você saiu pensando: preciso estudar.

1. POSSÍVEIS PALAVRAS DESCONHECIDAS


- acidente vascular encefálico (AVE): também conhecido como acidente vascular
cerebral (AVC) ou popularmente como derrame cerebral, é caracterizado pela
interrupção súbita da irrigação sanguínea em um determinado território cerebral.
Seja devido a oclusão arterial, denominando-se de AVE isquêmico ou ruptura de
alguma artéria, o AVE hemorrágico. As manifestações dependem do território
acometido, porém o quadro típico acompanha uma hemiparesia corpórea
contralateral ao território.
- infarto agudo do miocárdio (IAM): possui uma fisiopatologia semelhante ao AVE:
interrupção do fluxo sanguíneo a uma determinada região, neste caso, uma região
cardíaca. A principal causa é a oclusão parcial ou total das artérias coronárias que
estudaremos no próximo capítulo, devido a formação de placas ateroscleróticas (já
abordadas no capítulo 1 – vale a pena reler o quadro).
- insuficiência cardíaca (IC): esta se caracteriza pela incapacidade do coração de
realizar a sua principal função: bombear sangue suficiente para suprir às demandas
do corpo. Sendo assim, podemos ter o aumento excessivo de demanda ou, a
etiopatogenia mais predominante: a falência do coração em seu papel de bomba, seja
por sobrecarga volêmica (insuficiência cardíaca congestiva) e/ou por morte de tecido
cardíaco após um IAM. Você entenderá muito melhor após estudar os capítulos
seguintes, mas desde já entenda que coração é um órgão muscular e assim como
você fadiga se exagerar nos exercícios, nosso coração também. Entretanto, diferente
dos músculos esqueléticos, ele não tem a possibilidade de dar uma pausa para se
recompor.

2. PALAVRAS-CHAVES
“Pressão arterial”, “regulação do sistema circulatório”, “regulação local”,
“regulação humoral”, “regulação nervosa”

3. OBJETIVOS
Compreender os mecanismos de regulação do sistema circulatório

2. REGULAÇÃO DO SISTEMA CIRCULATÓRIO (VASOS SANGUÍNEOS)


O nosso corpo possui dois grandes sistemas de regulação: o sistema endócrino e o
sistema nervoso. Ambos interagem visando manter todo o funcionamento equilibrado e
dentro dos padrões, o que chamamos de homeostase.
Quando nos referimos ao sistema circulatório, não é diferente. Por isso, podemos
dividir didaticamente regulação em três categorias: a regulação local (orquestrada pelo
próprio órgão), regulação humoral (endócrina) e a regulação nervosa. Estes sistemas
irão interagir entre si promovendo respostas a curto e a longo prazo. O legal é que as
respostas a curto prazo possuem uma ação rápida e de breve duração (segundos a
minutos), para situações de emergência, enquanto que as respostas a longo prazo
possuem uma ação mais lenta, porém com efeito mais duradouro (horas a dias).
Vamos conhecer esses mecanismos! Vai ser importante para a sua vida de médico.

1. REGULAÇÃO LOCAL
A demanda tecidual é o principal fator determinante da regulação local. Será em
resposta a essa demanda que ocorrerá um maior ou menor aporte sanguíneo para
uma determinada região. Entende-se como demanda, além da necessidade de
suprimento de oxigênio e outros nutrientes (glicose, aminoácidos e ácidos graxos), as
outras funções do sistema: remoção de dióxido de carbono e íons de hidrogênio do
tecido, manutenção de concentrações apropriadas de outros íons necessários para o
metabolismo e também o transporte de hormônios e outras substâncias para o local.
Existe uma controvérsia sobre esse controle que vamos discutir agora. Os clássicos
livros texto de fisiologia definem como responsabilidade das metarteríolas e
esfíncteres pré-capilares esse controle local da circulação. No entanto, a existência de
estruturas anatômicas do tipo metarteríolas e esfíncteres pré-capilares só está
comprovadamente presente na circulação mesentérica. Deste modo, recomendamos
aqui o termo “resistência pré-capilar”(1,2). Prosseguindo: na circulação, uma maior
demanda irá promover o uma menor resistência pré-capilar, consequentemente, irá
permitir uma maior chegada de sangue ao local. Assim como, uma menor demanda
irá promover uma maior resistência. Desta forma, é permitido o direcionamento do
fluxo para áreas que necessitam de maior demanda. Esse redirecionamento permite
poupar o trabalho cardíaco de manter um fluxo intenso em todos os tecidos (o que
levaria a uma insuficiência cardíaca, como vimos em sua definição nas possíveis
palavras desconhecidas deste capítulo).
O controle local agudo se baseia nessa vasoconstricção e vasodilatação rápida de
arteríolas ou pelo aumento ou diminuição da resistência pré-capilar por alguns
segundos ou minutos. Existem duas teorias que tentam explicar o mecanismo: a
teoria da vasodilatação e a teoria da falta de oxigênio. É importante saber que a
palavra “teorias” vem do fato de que o mecanismo geral ainda não está
completamente elucidado – ainda faltam peças no quebra-cabeças. No entanto, cada
uma dessas teorias que veremos agora já está bem encaixada no quadro geral (Figura
3.1).
Figura 3.1: Controle local agudo do fluxo sanguíneo através de arteríolas e
metarteríolas. Teorias da vasodilatação e da demanda de oxigênio (retirada do
Guyton).

A teoria da vasodilatação defende que quando há uma deficiência de oxigênio ou


de nutrientes, as células teciduais produzem substâncias vasodilatadoras como a
adenosina (principalmente), histamina, íons de potássio que se difundem até as
arteríolas e meta-arteríolas mesentéricas, causando a vasodilatação e,
consequentemente, aumentando o fluxo no local.
A teoria da falta de oxigênio, também chamada de teoria da falta de nutrientes,
defende que a deficiência de nutrientes e oxigênio seria percebida no sangue do
lúmen pelas próprias arteríolas, promovendo a vasodilatação, assim como, em teoria,
a abertura dos esfíncteres pré-capilares. E o racional disso é mais simples do que você
imagina: simplesmente não haveria oxigênio para nutrir a arteríola e ela não seria
capaz de se contrair. Caso ocorra o inverso a resposta é contrária, ou seja, o excesso
de recursos provoca vasoconstricção, desviando de lá o fluxo. Isso é tão importante
na prática clínica que você nem imagina! Já vai aprendendo desde agora: se um
paciente grave, como um que sofre um infarto agudo do miocárdio, chegar ao seu
pronto socorro com boa oxigenação sanguínea, você não irá suplementar oxigênio
para ele – isso causaria vasoconstricção dos tecidos que é tudo que ele não precisa
agora – ele está se recuperando de um infarto!(3,4)
Outro fator que regula o fluxo para determinadas regiões é a pressão arterial, pois
seu aumento também irá implicar no aumento do fluxo sanguíneo. Porém esse efeito
será breve, pois o fluxo tende a se normalizar. O modo como a pressão arterial age no
controle do fluxo é explicado por duas outras teorias que vamos conhecer agora: a
teoria metabólica e a teoria miogênica.
A teoria metabólica do controle de fluxo pela pressão arterial segue a linha dos
nutrientes, ou seja, o aumento da pressão sanguínea e, consequentemente, o
aumento do fluxo sanguíneo, promove uma maior disponibilidade de oxigênio e
nutrientes, levando a uma vasoconstricção. O resultado é a normalização do fluxo
mesmo com a pressão elevada. Que bom que isso existe – se não qualquer pico
hipertensivo seria passível de nos levar ao AVC agudo ou a hipertensão intracraniana.
A teoria miogênica do controle de fluxo pela pressão arterial realiza uma defesa
baseada na contração muscular e o papel do cálcio no mecanismo. Segundo esta
teoria, o estiramento dos vasos, promove a abertura dos canais de cálcio que irá
resultar na vasoconstricção que regulariza o fluxo.
Ok, aprendi que existem várias maneiras de o corpo se autorregular para aumentar
o fluxo em uma determinada região. Mas quais as consequências disso? À situação de
maior recepção de fluxo damos o nome de “hiperemia” e ela pode ser ativa ou reativa,
como veremos nos dois próximos parágrafos.
A hiperemia ativa é o aumento do fluxo sanguíneo, em até vinte vezes, resultado
do aumento da demanda tecidual como vimos até aqui. Por exemplo, durante a
atividade física em que os músculos demandam mais recursos, consequentemente
aumentando o fluxo sanguíneo para eles.
A hiperemia reativa é uma resposta à falta temporária de fluxo no local, ou seja, é
uma reação. Em um local que, por acaso, fique desprovido de recursos por um tempo,
quando o fluxo for restituído, este será amplificado em quatro a sete vezes acima do
normal para compensar a sua ausência temporária. Este efeito pode ser demonstrado
ocluindo-se temporariamente as artérias radial e ulnar, liberando-as posteriormente.
A palma da mão irá apresentar uma vermelhidão brevemente que é resultado do
aumento do fluxo sanguíneo.

2. CONTROLE A LONGO PRAZO


O oxigênio tem papel no controle do fluxo sanguíneo também a longo prazo. A
neovascularização a partir da angiogênese, que é a formação de novos vasos a partir
de um pré-existente para suprir a baixa oferta de O2 e o estresse oxidativo de uma
determinada região, nada mais é do que um mecanismo de longo prazo de regular
um fluxo para uma região, concorda? Vimos isso no Capítulo 1. O que não vimos no
Capítulo 1 e deixamos para falar agora é que a angiogênese pode, também, ser
patológica: por exemplo, promover o crescimento de um tumor que já ficou muito
grande para receber apenas demanda local por difusão (5).
Um exemplo digno de nota do papel do oxigênio na angiogênese é a curiosa e
triste epidemia de cegueira em neonatos prematuros que houve na década de 40, no
período pós-guerra. O excesso de oxigênio ofertado a esses bebês causava uma
vasoconstricção local com hipóxia tecidual retiniana, sendo esse o primeiro estágio da
doença. Depois, a hipóxia iria levar a níveis altos de fator de crescimento derivado do
endotélio e fator de crescimento insulina-like, duas substâncias que promovem uma
violenta angiogênese, fazendo com que a retina do bebê ficasse super-vascularizada,
predispondo a hemorragias e cicatrizações que finalmente levariam o bebê à
cegueira. A epidemia da década de 40 passou, mas os avanços da Medicina
permitiram com que bebê cada vez mais prematuros fossem viáveis, dando início a
uma nova onda de retinopatia da prematuridade (6).

3. DERIVADOS DO ENDOTÉLIO
O endotélio, camada interna de revestimento dos vasos sanguíneos tem a
capacidade de autorregulação através da liberação de fatores vasoativos como o
óxido nítrico e a endotelina.
O óxido nítrico (ON) é um vasodilatador importante que está relacionado à
integridade do endotélio. O atrito do sangue no endotélio vascular causa um estresse
ao tecido, chamado de estresse de cisalhamento, ou shear stress, como alguns livros
podem trazer. Este atrito depende basicamente do fluxo e da viscosidade sanguínea.
Ou seja, quando o estresse cisalhamento aumenta, promove a liberação de ON,
visando evitar danos ao endotélio através da vasodilatação. Por possuir ação
sistêmica, o óxido nítrico é capaz de relaxar artérias proximais ao local de alto fluxo,
possuindo um papel mais amplo nessa regulação que os vistos até então. A via de
sinalização do óxido nítrico é a seguinte (atenção, não se perca agora): óxido nítrico se
liga à guanilato ciclase, ativando-a. A guanilato ciclase ativada retira dois
grupamentos fosfato da molécula do guanosina trifosfato, fazendo ela se transformar
na guanosina monofosfato cíclica (GMPc). Essa molécula vai diminuir a entrada de
cálcio na célula e sua liberação pelo retículo sarcoplasmático. Sem cálcio não há
contração efetiva da musculatura lisa (7). Ufa, acabou. Só comentamos porque é
importante. Não desista. Por que isso é importante? Porque em 1863 um senhor
chamado Sir Thomas Lauder Brunton usou os nitratos pela primeira vez para
promover vasodilatação e melhora da isquemia em pacientes com angina do peito (8).
Tem mais: uma outra via de sinalização do GMPc que você vai conhecer (como médico
ou como usuário, sabe-se lá...) é a fosfodiesterase que degrada a molécula. Os
inibidores da fosfodiesterase, portanto, elevam os níveis de GMPc e causam
vasodilatação. Estamos falando do famoso “Viagra” (9).
A endotelina possui uma ação inversa à do ON. Ele é dos mais poderosos
vasoconstritores e a sua liberação está relacionada ao dano endotelial (ex: trauma).
Sua ação se dá por outra via, a da fosfolipase C, que no fim das contas aumenta o
cálcio intracelular e a capacidade de contração das células musculares lisas
vasculares. A sua liberação da endotelina visa, principalmente, evitar perdas
sanguíneas. Sendo assim, se ocorrer uma ruptura de um vaso sanguíneo, essa
vasoconstrição irá tentar obstruí-lo e conter a hemorragia. Entretanto, elevadas
medidas pressóricas podem lesar o endotélio e promover uma maior elevação da
pressão. Formando assim uma cascata de degradação do endotélio. Fármacos
antagonistas da endotelina têm sido usados no tratamento da hipertensão pulmonar
(10).

4. REGULAÇÃO HUMORAL OU ENDÓCRINA


A regulação humoral é o controle da circulação feito por substâncias que atuam
basicamente no diâmetro dos vasos. Logo, podemos dividir essas substâncias em
agentes vasoconstritores e agentes vasodilatadores.

5. EPINEFRINA (ADRENALINA) X NOREPINEFRINA


(NORADRENALINA)
Em situações de exercício e de estresse (luta ou fuga) o sistema nervoso autônomo
simpático responde com liberação de norepinefrina. Além de ter sua própria ação
vasoconstritora potente, a norepinefrina aumenta a frequência e a força dos
batimentos cardíacos e estimula a medula das glândulas suprarrenais a produzir e
liberar ainda mais norepinefrina e epinefrina. A ação destas suas substâncias se dá
através do agonismo de canais alfa e beta adrenérgicos, ativando, através das
proteínas Gs, a adenil ciclase que irá retirar dois grupamentos fosfato da adenosina
trifosfato (ATP) para formação da adenosina monofosfato cíclica (AMPc) que por sua
vez irá promover a ação da proteína kinase A (PKA) que tem como efeito principal a
liberação e sensibilização de moléculas de cálcio. Mais cálcio: maior contração de
musculatura lisa (Figura 3.2). Ufa, terminamos a parte chata. Pode acordar agora.
Consequentemente a tudo isso que você não leu, ocorre vasoconstrição periférica
(direciona mais sangue para as vísceras e músculos estratégicos), quebra de reservas
de glicose no fígado, disponibilizando mais energia, ou seja, fornece ao corpo todos
os instrumentos necessários.

Figura 3.2: Óxido nítrico x adrenalina ou noradrenalina (imagem original).

Esta ação vasoconstritora da epinefrina ocorre de forma sistemática com exceção


das artérias que irrigam o coração, as artérias coronárias. Nelas a epinefrina provoca
a vasodilatação. Fato importante, pois o coração está sendo altamente exigido, logo
há demanda aumenta.
A importância prática disso é que tanto a norepinefrina como a epinefrina são
drogas usadas em pacientes gravemente enfermos, na tentativa de aumentar sua
pressão arterial e manter fluxo sanguíneo adequado para os órgãos nobres.

6. ANGIOTENSINA II
A angiotensina II é o produto final da cadeia do sistema renina-angiotensina-
aldosterona e é um vasoconstritor potente. Sua ação se dá principalmente em um
receptor conhecido como AT1, bem distribuído por todos os órgãos do corpo. O
receptor AT1 age em proteínas Gs da membrana plasmática que estimularão
fosfolipases C a produzir inositol 3-fosfato que se ligará ao seu receptor no retículo
sarcoplasmático e abrirá um canal para efluxo de cálcio. Mais cálcio na célula: mais
contração. Age também no metabolismo do ácido aracdônico, que através de
prostaglandinas, tromboxano A2 e leucotrienos também irá induzir a vasoconstricção
(11). (Ver “Papel dos rins na regulação ao final do capítulo”)
Como nem tudo é perfeito, essa via de sinalização também pode ser patológica e
tem papel central na patogênese da insuficiência cardíaca congestiva. Ao mediar
estresse oxidativo, níveis altos de angiotensina II levam à inflamação e fibrose. Este
sistema é tão importante que diferentes medicações anti-hipertensivas e para
controle de insuficiência cardíaca agem em diferentes etapas do seu metabolismo:
existem drogas para inibir a liberação de renina, por exemplo, outras para inibir a
conversão de angiotensina I em angiotensina II (inibidores da ECA), e também drogas
inibidoras do receptor AT1 (bloqueadores dos receptores da angiotensina II).

7. VASOPRESSINA (ADH – HORMÔNIO ANTI-DIURÉTICO)


A vasopressina é um peptídeo sintetizado pelo hipotálamo em resposta a situações
de hipovolemia ou hipotenso. Além de promover a retenção de líquido, aumentando
o volume sanguíneo, a vasopressina também tem efeito vasoconstritor. Seu efeito se
dá por ação nos receptores V1 que ativam a via do fosfotidilinositol, inibição de vias
colinérgicas e do óxido nítrico e potencialização de outros agentes vasoconstrictores.
Seu efeito é mais duradouro que o da norepinefrina (12). (Ver “Papel dos rins na
regulação ao final do capítulo”)

8. BRADICININA
Descoberta por três fisiologistas brasileiros em 1949 no campus de Ribeirão Preto
da USP a partir de testes com veneno de jararaca, a bradicinina provoca tanto a
dilatação arteriolar, quanto o aumento da permeabilidade capilar, ou seja, o aumento
dos poros capilares. O efeito da bradicinina é mais lento que o da substância que, na
verdade, os cientistas estavam estudando na época, a histamina. Por ser mais lento,
foi nomeada bradicinina (13).

9. HISTAMINA
Ação semelhante à bradicinina e é liberada por mastócitos e basófilos (células
sanguíneas) nos processos inflamatórios, principalmente, nas reações alérgicas e tem
ação predominantemente vasodilatadora por ação na proteína G, nesse caso
liberando ON (14). Seus efeitos vasodilatadores são tão potentes que, em reações
alérgicas, levam o indivíduo ao choque distributivo, um tipo específico de colapso
hemodinâmico (15).

10. ADENOSINA
Nucleosídeo simples presente em abundância no corpo, é a molécula básica do ATP
e do AMPc, que tanto comentamos aqui. Quando na forma pura, a adenosina sofre
rápido catabolismo de uma enzima chamada adenosina deaminase, e é transformada
em inosina. Age em quatro canais, o A1, A2A, A2B e A3 com ações variáveis na
proteína Gs, tendo como efeito final a vasodilatação (16,17).

11. ÍONS CÁLCIO, POTÁSSIO E MAGNÉSIO


Os íons cálcio que provocam vasoconstrição, enquanto que os íons potássio e
magnésio promovem a vasodilatação.

3. REGULAÇÃO NERVOSA
A regulação nervosa é a mais rápida resposta do corpo a situações externas, podendo
duplicar a pressão arterial em questão de segundos. É regulada basicamente pelo
sistema nervoso autônomo (SNA), que pode ser dividido em SNA simpático e no SNA
parassimpático. Quanto a esta divisão, os dois componentes terão focos diferentes na
regulação do sistema circulatório. O SNA simpático irá regular a circulação através de
alterações nos vasos, e é dele que vamos falar a partir de agora. Enquanto que o SNA
parassimpático se utiliza de alterações na função cardíaca, objetivo do capítulo 06.
A maioria dos vasos nos tecidos são inervados por fibras simpáticas, com exceção do
leito capilar. Estas fibras simpáticas estimuladas irão promover aumento da força de
contração cardíaca e vasoconstrição, principalmente, pela liberação de norepinefrina.
Nós já falamos da norepinefrina e da epinefrina neste mesmo capítulo, quando
discutíamos “regulação humoral”. Pois é. Essas são substâncias endócrinas (agem a
distância do órgão em que foram produzidas) com liberação regulada pelo sistema
nervoso.
A redução do diâmetro do vaso provocada pela norepinefrina e pela epinefrina vai
provocar dois principais efeitos, a depender do local de atuação. Em se tratando das
arteríolas, haverá aumento da resistência periférica, o que resultará na redução da
velocidade do fluxo e no aumento da pressão arterial. Em grandes veias, o sangue
acumulado nestes vasos será repelido para frente, levando-o com mais intensidade ao
coração, portanto, aumentando o retorno venoso.
A partir desse aumento do retorno venoso, ocorrerão dois reflexos: Frank-Starling e
Bainbridge, abordados no capítulo 05. Ocorre aumento da frequência cardíaca e força
de contração, consequentemente, aumentando o débito cardíaco e a pressão arterial.
Vamos repetir porque é importante: o aumento do retorno venoso aumenta o débito
cardíaco sistólico e também a pressão arterial. Grife essa parte. “Ah, mas eu já vinha
grifando tudo...”. Grife de outra cor.
Existe uma área no cérebro que controla, a cada momento, o tônus muscular dos
vasos do corpo: é o centro vasomotor. Localizado no bulbo, este possui uma área
sensorial que recebe informações de receptores localizados nos vasos e no coração.
Podendo ser dividido em duas áreas: a área vasoconstritora e a área vasodilatadora. Os
neurônios originários da área vasoconstritora enviam constantemente potenciais
elétricos para os vasos sanguíneos de todo o corpo, mantendo assim o que é
denominado de tônus vasomotor, pois existe uma constrição parcial contínua dos vasos.
Caso ocorra um estímulo nessa área, resultará em uma maior liberação dos potenciais
que promoverá uma resposta mais significativa, ou seja, vasoconstrição. Quanto à área
vasodilatadora, as fibras originárias desta se projetam para a área vasoconstritora,
inibindo a sua atividade, o que vai resultar na vasodilatação dos vasos, através da
redução do tônus vasomotor.
Em situações em que há uma isquemia (redução da irrigação de determinado tecido)
cerebral importante, há uma resposta intensa de vasoconstrição na tentativa de levar
mais sangue ao cérebro. Essa resposta só ocorre com pressões baixo de 60mmHg,
vindo a atingir uma resposta máxima sob pressões de 15 a 20mmHg.
Outra resposta a isquemia cerebral é a Reação de Cushing. Ela é causada pelo
aumento da pressão do líquido cerebrospinal dentro da caixa craniana. Uma vez que a
pressão intracraniana se iguale a pressão arterial, resultará na obstrução dos vasos
cerebrais (lembra do mecanismo de aferição da pressão arterial? O líquor faz uma acção
semelhante ao manguito). Em resposta, o centrovasomotor irá provocar o aumento da
pressão arterial para que novamente supere a do líquido cerebrospinal, aumentando a
pressão de dentro para fora, forçando a reabertura dos vasos e o restabelecimento do
fluxo sanguíneo. Desta forma, protege os centros vitais do encéfalo da perda de
nutrição.

1. BARORRECEPTORES E QUIMIORRECEPTORES
Os barorreceptores são receptores de estiramento presentes na parede das
grandes artérias sistêmicas. Sendo assim, o aumento da pressão arterial estira esses
receptores, resultando na transmissão de sinais para ao centrovasomotor. Ou seja,
funciona como um mecanismo de feedback negativo em que o receptor detecta o
aumento da pressão pelo seu estiramento e envia um sinal através de uma fibra
parassimpática como resposta ao centrovasomotor que, por sua vez, enviará uma
resposta vagal com liberação de acetilcolina, o neurotransmissor parassimpático. A
acetilcolina, em ação nos receptores muscarínicos, irá promover vasodilatação e
redução da frequência cardíaca, diminuindo então a pressão arterial (18). Apesar de
estarem presentes nas grandes artérias sistêmicas, são realmente abundantes em
duas regiões: nos seios carotídeos localizados na parede das carótidas internas e na
parede do seio aórtico (Figura 3.3). É este o racional de uma famosa, mas perigosa,
manobra na cardiologia: a massagem do seio carotídeo consiste em ativar o nervo
vago (parassimpático) a fim de interromper arritmias cardíacas através da inibição
parassimpática (19). Um outro exemplo é o “mata-leão”, golpe amplamente aplicado
em torneios de luta que consiste em estrangular o oponente com um dos braços. Este
além de interromper de forma significante o fluxo sanguíneo cerebral, estimula os
barorreceptores que entendem que a pressão está elevada e promovem
vasodilatação. Consequentemente, reduzindo ainda mais a irrigação cerebral.
Figura 3.3: Os barorreceptores (retirada do Guyton).

Os quimiorreceptores também representam um mecanismo de feedback


negativo. Eles reagem às concentrações de oxigênio, dióxido de carbono e
hidrogênio. Se houver queda na pressão, ocorrerá a redução do fluxo sanguíneo,
resultando na redução dos níveis de oxigênio e no aumento do dióxido de carbono e
íons de hidrogênio. Desta forma, os quimiorreceptores, através da inibição
parassimpática, irão estimular o centrovasomotor objetivando o aumento da pressão
arterial. Entretanto a pressão precisa estar abaixo de 80mmHg para eles detectarem
alguma variação. Os quimiorreceptores são muito mais importantes na fisiologia da
respiração que na circulação.
O efeito a longo prazo da regulação por barorreceptores é questionável. Parece
que ocorre uma redefinição dos níveis considerados “normais” destes sensores – em
outras palavras, os receptores se acostumam com aqueles níveis pressóricos. Se
pressão arterial subir e se mantiver em um nível mais alto que o normal, inicialmente
ocorrerá o envio de múltiplos estímulos a fim de reduzir os níveis pressóricos, porém
no decorrer de um a dois dias, os centros passam a adaptar-se a essa nova pressão,
se reajustam a esse novo nível, e param de enviar estímulos para reduzir a pressão.
Ou seja: não confie nos barorreceptores a médio e longo prazo.

2. PAPEL DOS RINS NA REGULAÇÃO


Entendemos por que a curto prazo o sistema nervoso autônomo é tão importante
no controle da pressão arterial. A longo prazo quem comanda são os rins. Vamos
entender como.
O ser humano recebeu de presente da Evolução o controle de pressão arterial de
acordo com o manejo das quantidades de água e sal no corpo. É fácil entender: se
houver um aumento da pressão arterial, o ser humano irá urinar água e sal,
propriedades que chamamos de diurese e natriurese de pressão, respectivamente,
trazendo de volta a pressão arterial a níveis normais ou equilibrados.
Quer saber como isso pode ser importante? Na fórmula que aprendemos no
capítulo 2 (PA = DC x RVP), se eu aumentar o débito cardíaco (e, por conseguinte a PA),
eu vou aumentar o débito renal, urinar mais e reduzir o débito cardíaco. Simples
assim.
Aliás, você já se perguntou como o sal eleva a pressão arterial? É fácil. Sal é uma
substância osmolar e puxa água para si. Se não houver água para puxar, essa
osmolalidade aumentada vai estimular o centro da sede para que o indivíduo beba
mais água. Além disso, a maior osmolalidade vai estimular a secreção do hormônio
antidiurético, que vai fazer com que o indivíduo urine menos e permaneça com a
maior quantidade de água possível no corpo. Agora sim. Aumento de sal e água =
aumento da PA. Quando a PA aumentar, o hormônio antidiurético cessará sua
secreção, o débito renal aumentará, e o indivíduo voltará a urinar, reduzindo a PA.
Lindo. Mas não permanece assim pela vida toda(20). Os hipertensos são hipertensos
justamente porque perderam essa capacidade de autorregulação (Figura 3.4).
Figura 3.4: Curvas de resposta natriurética de uma pessoa normal e um hipertenso
em resposta à ingestão de água e sal. Perceba que o indivíduo normotenso consegue
urinar quantidades enormes de sal e água sem que haja grandes diferenças em sua
pressão arterial (curva íngreme). Já o hipertenso até consegue urinar, mas o faz
aumentando a sua pressão arterial na curva da abscissa (curva menos angulada)
(retirada do Guyton).

Além da capacidade que os rins possuem de regular a pressão arterial por meio do
manejo de volume e urina, eles possuem também papel endócrino. Esse papel se dá
através de um dos sistemas enzimáticos mais bem conhecidos da Fisiologia Médica e,
por conseguinte, mais cobrados em provas de fim de semestre, residência, concursos,
etc.: é o Sistema Renina-Angiotensina-Aldosterona (SRAA).
A liberação de renina é feita pelas células justaglomerulares quando ocorre queda
da pressão arterial. Ela será liberada no sangue e terá o papel de clivar uma proteína
plasmática, o angiotensinogênio. Vale ressaltar que ambas as substâncias, tanto a
renina quanto o angiotensinogênio, não possuem papel vasoativo direto. Porém, essa
clivagem do angiotensinogênio irá resultar na liberação da angiotensina I, que possui
um papel vasoconstritor discreto. O efeito vasoconstritor considerável do sistema
será feito pelo produto final do sistema, quando a angiotensina I é convertida em
angiotensina II pela enzima conversora de angiotensina (ECA), presente
principalmente no endotélio dos vasos pulmonares.
Além de ser um potente vasoconstritor, a angiotensina II (suas propriedades já
foram vistas na seção “controle humoral”) ainda influencia na outra variável: o volume
do fluído. Esta irá agir diretamente pela retenção de sal e água que ela provoca nos
rins, através da constrição das arteríolas renais e indiretamente pelo estímulo de
secreção de aldosterona pelas glândulas adrenais. A aldosterona provoca a
reabsorção de sódio, trocando-o por potássio ou hidrogênio, e agora sabemos que
consequente à reabsorção de sódio, por pressão osmótica, mais água será retida
também (Figura 3.5). Para completar, ainda estimula a sede. Resumidamente, além de
reduzir a excreção de água, a angiotensina II irá estimular a sua ingestão. E devido ao
fato de que o plasma é composto de aproximadamente 90% de água, isso tudo
resultará no aumento da pressão arterial.
Os rins também estimulam a liberação da vasopressina (ADH). Esse hormônio
liberado pela neurohipófise também irá estimular a retenção de água nos rins.
Portanto, promovendo o aumento da pressão arterial. O efeito diurético do álcool é
devido a este suprimir a produção da vasopressina.
Figura 3.5: Sistema renina-angiotensina-aldosterona. A renina produzida pelos rins
em resposta a uma queda da pressão arterial interage com o angiotensinogênio para
formação de angiotensina I. A angiotensina I será transformada em angiotensina II
pela enzima conversora de angiotensina (ECA) em vários tecidos, mas principalmente
nos pulmões. A angiotensina II tem efeitos vasoconstrictores humorais e anti-
natriuréticos. O efeito final dessa cascata é o aumento da pressão arterial (retirada do
Guyton).

O QUE ACONTECE SE COLOCARMOS TODOS OS FATORES REGULATÓRIOS QUE


APRENDEMOS EM UM GRÁFICO SÓ?
Como vimos, a regulação mais aguda é a dos barorreceptores e quimiorreceptores.
As respostas locais e humorais tendem a ocorrer mais a médio prazo e a resposta
renal ocorre depois de horas, sustentando-se infinitamente – ou até que esse sistema
também acostume-se com os novos níveis pressóricos, coisa que leva semanas a
meses (Figura 3.6).

Figura 3.6: Gráfico que resume toda a regulação que acontece no nosso corpo
quando algum fator aumenta a pressão arterial. Perceba que a resposta mais aguda é
a dos barorreceptores, seguida dos fatores humorais e, por fim, a resposta mais
dramática e mais sustentada é o controle renal (retirada do Guyton).

4. CONFERÊNCIAS

Confira aqui a aula dinâmica do Medicina Resumida sobre os assuntos abordados nesse capítulo!
CAPÍTULO 4
O Coração

1. CASO CLÍNICO
Terminado o estágio com Dr. Barros, você retorna de férias renovado e pronto para
aprender muita Medicina. A procrastinação ficará de lado esse semestre, você prometeu
a si mesmo.
Logo na primeira aula, uma grata surpresa. O professor, Dr. Benito, 80 anos, jaleco
amassado e encardido, entra na sala com um disquete e pede que os alunos ajudem a
projetar os diapositivos na parede. Ele estava ali para dar uma aula de anatomia do
coração.
Após trinta minutos de aula, no entanto, o imprevisível aconteceu. Dr. Benito
começou a se sentir mal na frente de todos os alunos. Ele sustentou seu corpo na
parede para não cair, enquanto suava frio. As alunas da primeira fila rapidamente
chegaram para socorrê-lo e perguntaram o que acontecia. Dr. Benito não conseguia
falar, apenas balbuciava sons incompreensíveis. As alunas também perceberam que
metade de seu rosto e do seu corpo não se movia.
Os alunos nesse momento ainda não sabiam, mas Dr. Benito possui um defeito
congênito no coração, ou seja, que o acompanha desde o seu nascimento, há 80 anos. E
agora, justo no meio da aula, esse defeito lhe causou um acidente vascular encefálico...

1. POSSÍVEIS PALAVRAS DESCONHECIDAS


Disquete: dispositivo removível usado como meio de
armazenamento em computadores da idade média
Diapositivo: modo como as pessoas chamavam “slide” na idade da
pedra

2. PALAVRAS-CHAVES
“anatomia”, “coração”, “valvas cardíacas”

3. OBJETIVOS
Compreender a anatomia do coração e sua relação topográfica com órgãos
circunvizinhos

2. INTRODUÇÃO
Nos capítulos anteriores, abordamos tudo o que você precisa sobre as rotas do
sistema cardiovascular: sua anatomia, histologia, e os detalhes mais importantes da sua
dinâmica e regulação. Agora, iniciaremos o estudo da bomba mantenedora desse
sistema, que é o coração. Este órgão se utiliza de contrações ritmadas que impulsionam
o sangue entre seus compartimentos (as câmaras cardíacas) para as rotas que partem
dele (as grandes artérias) para exercer essa sua função principal, que é manter o fluxo
contínuo e necessário para suprir as demandas dos sistemas.
O que move o médico é a curiosidade, então: “Eu lembro que são quatro
compartimentos os do coração, mas eu sei realmente a anatomia de cada um deles? ”,
“Como que o coração faz para direcionar corretamente o sangue para o local certo? ”, “O
que inicia e o que controla o batimentos cardíacos?”
Antes de iniciarmos, gostaríamos de chamar atenção para um detalhe didaticamente
muito importante sobre este capítulo. Com o advento da tomografia computadorizada e
da ressonância nuclear magnética se tornou possível o estudo da anatomia humana in
vivo. Selecionamos algumas figuras tomográficas que julgamos mais didáticas para seu
entendimento. Veja essas figuras com calma, entenda o plano anatômico que você está
visualizando, ou seja, de onde você está vendo aquele órgão, leia as legendas com
paciência, sem leitura dinâmica! E, ao fim do capítulo, você entenderá bem a anatomia
desse majestoso órgão.

3. ANATOMIA TOPOGRÁFICA – O MEDIASTINO E PERICÁRDIO


O coração é localizado aproximadamente na região medial do seu tórax, com cerca
de 1/3 no lado direito e os outros 2/3 do lado esquerdo, levemente inclinado para
esquerda, em uma região denominada de mediastino.
Como pode conferir na Figura 4.1, o mediastino é o compartimento da caixa torácica
cercado pelas regiões ocupadas pelos pulmões. Essa região é dividida de forma
arbitrária em superior e inferior, considerando uma linha do ângulo do esterno até a
borda inferior da vértebra T4 como nível de transição crânio-caudal para essas regiões.
Sendo assim, o mediastino superior é a região que se encontra entre o manúbrio do
esterno e as quatro vértebras torácicas superiores, enquanto que o mediastino inferior
se inicia do nível do ângulo, ou seja, do corpo do esterno e é delimitado inferiormente
pelo diafragma. E se você perceber na imagem, o mediastino inferior ainda é dividido
em anterior, em médio e em posterior – sendo que o médio é composto pelo pericárdio
e seu conteúdo. Ou seja, o mediastino superior é uma região única, enquanto que o
mediastino inferior é subdividido.

Figura 4.1: Essa imagem esquemática te permite observar em uma visão frontal e,
principalmente, na visão lateral as delimitações do mediastino. Aproveite a imagem
para ter o registro visual de como apenas o mediastino inferior é dividido e a exata
posição do coração: o mediastino médio.

E o que é pericárdio? Um saco fibroseroso, composto de camadas, que reveste o


coração e as raízes dos grandes vasos, fornecendo além de uma maior proteção e
sustentação, uma maior mobilidade ao órgão em seus batimentos. Isto devido ao
pericárdio possuir ligamentos que se fixam a estruturas vizinhas, porém há um espaço
na sua estrutura de camadas preenchidas por 50 ml de um líquido lubrificante (líquido
pericárdico) que permite as mudanças de formato no ciclo cardíaco. O pericárdio é
formado por duas camadas principais, sendo que a mais interna ainda é subdividida em
duas lâminas ou folhetos (vide Figura 4.2). A camada mais externa denominamos de
pericárdio fibroso. Uma camada de tecido conjuntivo denso modelado e rica em
colágeno que se adere tanto ao centro tendíneo do diafragma quanto ao esterno
através dos ligamentos esternopericárdicos. São essas fixações que ajudam a manter o
coração em seu local na parede torácica, oferecendo inclusive por isso, uma maior
proteção. O pericárdio seroso é a camada mais interna e é composto da lâmina parietal
e da lâmina visceral. A lâmina parietal, do latim “relativo a parede”, está mais próxima à
parede torácica e por isso reveste internamente o pericárdio fibroso que é a camada
mais externa. Já a lâmina visceral, relativo a víscera, se relaciona diretamente com o
coração, sendo inclusive a sua camada mais externa, consequentemente, podendo ser
chamada de epicárdio. Esta camada é contínua com a camada mais externa dos grandes
vasos, a túnica adventícia.
Figura 4.2: A estrutura de camadas do pericárdio e do coração. Se ainda restava dúvida
para você na visualização das camadas, esta imagem esquemática deixa claro a
sequência que descrevemos (retirada de
http://www.attivazionibiologiche.info/PasadoFuturo/mesoderma-antico.html.).

O pericárdio não é uma estrutura anatômica fixa, como parece ao estudar um


cadáver. Na verdade, como é formado por estruturas ocas com passagem de sangue
(coração e vasos da base) e alimentos (esôfago), o mediastino precisa apenas de uma
camada de tecido conectivo frouxo para manter todos os órgãos fixados no interior do
seu tórax.
As artérias que irrigam o pericárdio são derivadas das artérias torácica interna e
musculofrênica, e da porção torácica descendente da aorta. Suas veias são tributárias
do sistema ázigo. Ou seja, seu suprimento vascular não é composto das artérias
coronárias que são as responsáveis pela irrigação do coração e serão abordadas adiante
neste capítulo.
O pericárdio é local de duas doenças bastante conhecidas na prática clínica: a
pericardite, inflamação do saco pericárdico, que cursa com um quadro clínico e
eletrocardiográfico semelhante ao do infarto agudo do miocárdio; e o tamponamento
cardíaco, que ocorre quando algum líquido se acumula nesse saco, não permitindo o
relaxamento e consequentemente o enchimento do coração, que passa a “bater vazio”
(1).

4. ANATOMIA DESCRITIVA

1. CARACTERÍSTICAS GERAIS
O coração é um órgão fibromuscular oco, internamente formado por quatro
câmaras cardíacas: dois átrios e dois ventrículos. Ele se localiza no mediastino médio
e assume uma posição oblíqua no tórax. A sua base está no nível da quinta à oitava
vértebra torácica e sua porção mais inferior repousa sobre o diafragma. Quem
colocou o coração no tórax dos humanos não estava muito preocupado com didática,
mas com funcionalidade. Portanto, é importante saber que o coração está disposto
de forma oblíqua no tórax e com sua ponta direcionada anteriormente, sendo que
suas cavidades direitas são anteriores e suas cavidades esquerdas posteriores, em
uma visão grosseira (e não cavidades direitas são direitas e esquerdas são esquerdas,
como alguém poderia pensar). Como o ventrículo esquerdo é maior que o ventrículo
direito, o ápice cardíaco, apesar de ser uma estrutura anterior no tórax, é proveniente
do coração esquerdo. Veja a Figura 4.3 e leia sua legenda para entender (2).
Figura 4.3: Essa é uma imagem de Ressonância Magnética. Para entender essa figura,
perceba primeiro o ângulo de visão (de baixo para cima). Por isso o que é esquerdo
está à direita na figura. Agora veja que o coração está oblíquo no tórax e com sua
ponta direcionada anteriormente. Perceba também o que eu falei: o ventrículo direito
é anterior ao ventrículo esquerdo, ou seja, está mais próximo da caixa torácica.
Porém, como o ventrículo esquerdo é maior, ele acaba assumindo a posição anterior à
medida que o coração vai se lateralizando. AD = átrio direito; VD = ventrículo direito;
VE = ventrículo esquerdo; AoD = aorta descendente.

O ápice, geralmente, é encontrado na altura do quinto espaço intercostal esquerdo


na linha hemiclavicular. Nesta região pode ser possível visualizar, em semiologia, o
que chamamos de ictus cordis, que significa “choque da ponta”. É o local onde pode
se visualizar e palpar os batimentos cardíacos devido à proximidade do órgão com a
parede torácica.
A base é relativamente quadrilátera e, também devido à inclinação do coração, está
localizada posteriormente e à direita. Devido à rotação do coração, talvez seja difícil
entender, mas as estruturas que a formam são o átrio direito e o átrio esquerdo. É
nessa região por onde chegam as veias (Figura 4.4).

Figura 4.4: Agora você está olhando um boneco deitado a partir da sua cabeça e ele
está deitado com o nariz na cama. Perceba que a estrutura mais posterior do coração
é o átrio esquerdo e sua base (oposta ao ápice) é formada pelos átrios direito e
esquerdo. AoA = aorta ascendente; AoD = aorta descendente; AE = átrio esquerdo;
APD = artéria pulmonar direita; APE = artéria pulmonar esquerda; VCS = veia cava
superior; ACD = artéria coronária direita; TP = tronco pulmonar; VD = ventrículo direito
e VE = ventrículo esquerdo.

O peso médio do órgão em um adulto é de aproximadamente a 300 g nos homens


e 250 g nas mulheres. Quanto às dimensões, o coração possui 12 cm aproximados da
base até o ápice, 8-9 cm no seu diâmetro mais largo e por volta de 6 cm de medida
anteroposterior. Costuma-se ilustrar o tamanho do coração pela vista anterior como,
aproximadamente, o tamanho do seu punho fechado, devido à sua inclinação.
Externamente, podemos visualizar os sulcos que são resultados da divisão das
câmeras cardíacas. Sendo assim, o sulco interatrial é o sulco que separa os átrios. O
sulco coronário separa os átrios dos ventrículos, e é por onde passa o seio coronário.
E por fim os sulcos interventriculares anterior e posterior que separam os ventrículos.
Nestes sulcos estão presentes duas artérias coronárias: a artéria descendente
anterior e a artéria descendente posterior.
Internamente, como já citado, temos as câmaras cardíacas, ou seja, os átrios
direito e esquerdo e os ventrículos direito e esquerdo, como podemos ver na Figura
4.5

Figura 4.5: As câmaras cardíacas visualizadas após um corte longitudinal (retirada do


Netter).

5. HISTOLOGIA DO CORAÇÃO
O coração é um vaso sanguíneo altamente modificado. Durante o desenvolvimento
embriológico, o coração se desenvolve a partir de um grande vaso, permanecendo
conectado a eles e mantendo algumas características de uma grande artéria em suas
camadas. Sendo assim, como um grande vaso sanguíneo, o coração também possui três
camadas na sua composição: o endocárdio correspondendo a túnica íntima, o miocárdio
que corresponde a túnica média e o epicárdio correspondente à túnica adventícia
A porção mais externa do coração é o epicárdio, que corresponde à camada mais
interna do pericárdio, a estrutura que protege o coração. O epicárdio é uma
continuidade da túnica adventícia dos grandes vasos. É formada por um epitélio
pavimentoso simples, o mesotélio, que se apoia em uma camada de tecido conjuntivo
frouxo, chamada de subepicárdica, que contém acúmulos de gorduras, vasos e nervos.
Entre o folheto epicárdico e o folheto visceral do endocárdio existe uma pequena
quantidade de fluido que facilita o movimento do coração.
O miocárdio é uma camada composta predominantemente de células musculares
cardíacas. Apesar de serem também estriadas, não se pode confundir com as células
musculares esqueléticas, presentes nos demais músculos. Isso porque as musculares
estriadas cardíacas possuem especificidades, a saber: se unem em complexas junções
chamadas discos intercalados, então formam redes de células. Essa característica
confere à célula muscular cardíaca principal diferença sobre as musculares esqueléticas:
essa rede de discos munidos de gap junctions permeáveis a íons dá ao coração a
capacidade de transmissão de impulso nervoso e também de automaticidade, que é a
capacidade que algumas células possuem de iniciar uma despolarização (em outras
palavras, dar partida no motor). A parte elétrica cardíaca será vista com detalhes no
capítulo 6 (3).
A camada mais interna, o endocárdio, se assemelha à camada íntima de um vaso. É
formada por um epitélio pavimentoso simples, um endotélio, que repousa em uma
camada subendotelial de tecido conjuntivo frouxo fibroelátisco e termina em uma
camada chamada de subendocárdica. Essa subcamada também é formada de tecido
conjuntivo e apresenta vasos sanguíneos e células de Purkinje. Estas células fazem parte
do sistema elétrico do coração (capítulo 06). O endocárdio então é formado de um
endotélio, de uma camada subendotelial e de uma cada subendorcárdica. Ou seja, dos
dois lados das paredes do coração começamos, do externo para o interno, com um
epitélio pavimentoso simples, depois temos tecido conjuntivo, cada um com suas
peculiaridades e entre elas temos a terceira camada restante, o miocárdio.

6. ANATOMIA CARDÍACA

1. O ESQUELETO DO CORAÇÃO
Transverso à base do coração, na altura das valvas cardíacas (que logo serão
apresentadas), temos o esqueleto do coração, uma estrutura fibrosa que é composta
por tecido conjuntivo denso. É dividida em septo membranoso, trígono fibroso e o
ânulo fibroso. Esse esqueleto serve de sustentação para as valvas e tem papel de
isolante elétrico entre os átrios e os ventrículos (Imagem 4.6). Já adiantando: os átrios
precisam contrair primeiro para encher os ventrículos de sangue. Não podemos
esperar que os átrios e os ventrículos contraiam juntos em situação normal.

Figura 4.6: O esqueleto cardíaco. Um tecido conjuntivo denso que possui a função de
fixar o miocárdio atrial e ventricular, apoiar e reforça as aberturas das quatro válvulas
do coração e separar eletronicamente o ventrículo dos átrios (retirada do Netter).

2. AS CÂMARAS CARDÍACAS
As câmaras cardíacas funcionam como compartimentos temporários para o fluxo
sanguíneo. O sangue da circulação sistêmica chega pelo átrio direito, segue para o
ventrículo direito, de onde será ejetado para a circulação pulmonar. O sangue então
retorna oxigenado pelo átrio esquerdo, segue para o ventrículo esquerdo e é ejetado
novamente para a circulação sistêmica. Esta comunicação entre as câmaras cardíacas
é regulada por estruturas chamadas de valvas cardíacas. Estas funcionam como
comportas que se abrem a depender do nível de pressão dos compartimentos.
Essa pressão dos compartimentos possui relação direta com a ação da musculatura
de que é composta e pela resistência que o fluxo precisa vencer para seguir. Para
entender isto, basta reconhecer que o coração, por ser um órgão
predominantemente muscular, irá hipertrofiar a depender da pressão (“força”) que
precisará criar para vencer a resistência do próximo seguimento da circulação. Sendo
assim, o lado esquerdo, que precisa de mais pressão para ejetar sangue para todo o
corpo, ou seja, que se esforça mais o tempo inteiro, será hipertrofiado, enquanto as
paredes do ventrículo direito, que apenas precisa enviar o sangue para seus vizinhos,
os pulmões, será mais delgada. Também por isso os átrios possuem paredes bastante
delgadas, pois o próximo seguimento são os ventrículos que são adjacentes e, como
veremos no capítulo 05, apenas o acúmulo de sangue já é suficiente para a abertura
das valvas atrioventriculares, sendo as suas contrações apenas um complemento ao
enchimento ventricular.
Entendidas as diferenças de espessura das paredes das câmaras cardíacas, vamos
abordar as estruturas que compõem cada uma delas.
O ventrículo direito possui duas valvas: a valva tricúspide (você pode encontrar
livros chamando valva atrioventricular direita, mas na prática chamamos tricúspide)
separando-o do átrio direito e a valva pulmonar (semilunar direita) que comunica o
ventrículo direito com a artéria tronco pulmonar. Nos arredores do óstio desta valva
temos uma área de superfície lisa denominada de cone arterial ou infundíbulo, mas
na prática chamada de “via de saída do ventrículo direito”. Na região da via de
entrada, isto é, próximo à valva tricúspide, existe uma abundância de trabéculas
cárneas, presentes em menor quantidade também no ventrículo esquerdo. Essas
trabéculas dão origem a músculos mais proeminentes que são os músculos papilares:
o músculo papilar anterior, que é o maior e se encontra na parede anterolateral do
ventrículo direito; o músculo papilar posterior que frequentemente é formado por
duas ou três proeminências e, por fim, o músculo papilar septal que costuma ser tão
pequeno que pode ser imperceptível. Na parede livre do ventrículo direito está a
banda moderadora, uma ligação entre o septo e a parede livre contendo fibras
componentes do ramo direito, essencial para a contração sincrônica das regiões mais
distantes do ventrículo direito (Figura 4.7).

Figura 4.7: Ventrículo direito. Vide texto (retirada do Netter).

O ventrículo esquerdo também possui duas valvas: a valva mitral (bicúspide ou


atrioventricular esquerda) que o separa do átrio esquerdo e a valva aórtica
(semilunar esquerda) que comunica o ventrículo à artéria aorta. Assim como o
ventrículo direito, o ventrículo esquerdo também possui as trabéculas cárneas, só que
em menor proporção, e os músculos papilares, que aqui dão sustentação às cordas
tendíneas. Esse aparato dá sustentação à valva e ainda evita seu prolapso. Os dois
músculos papilares precisam ser citados com mais atenção: o anterior, um pouco
mais largo, é onde se inserem as fibras distais da divisão ântero-superior do ramo
esquerdo; e o posterior é onde se inserem as fibras mais distais da divisão póstero-
inferior do ramo esquerdo (Imagem 4.8).

Figura 4.8: Ventrículo direito. Vide texto (retirada do Netter).

Os átrios possuem uma estrutura visível tanto internamente quanto externamente


que são os apêndices atriais (ou aurículas, ou ainda auriculetas). Estas são bolsas
musculares de formato triangular que se continuam com os átrios propriamente
ditos. Enquanto que nos ventrículos existem as trabéculas cárneas, nos átrios temos
os músculos pectíneos que são cristas musculares paralelas que adentram as
aurículas.
O átrio direito, possui na sua porção posterior, uma parede lisa. Separando essa
parede lisa de uma região mais anterior contendo músculos pectinados (o apêndice
atrial direito) está a crista terminal. A crista terminal é uma estrutura muscular que
se inicia na junção da auriculeta direita com o átrio (próximo às células de Bachmann),
corre pelo teto do átrio direito, depois pela parede livre descendo em direção à veia
cava inferior, quando encontra novamente musculatura pectínea. O átrio direito
possui quatro óstios: o óstio da veia cava superior, que não possui valva e é por onde
retorna o sangue da cabeça, do pescoço, dos membros superiores e do tórax; o óstio
da veia cava inferior por onde retorna o sangue de todas a estruturas abaixo do
diafragma e inclusive dele, circundada por uma estrutura chamada valva de
Eustáquio, que se continua até o corpo fibroso central através do tendão de Todaro; o
óstio do seio coronário por onde retorna o sangue que circulou nas coronárias,
também circundada por uma valva chamada valva de Tebésio; e o óstio da valva
tricúspide (Imagem 4.9).

Figura 4.9: Vide texto. Região demarcada em vermelho: triângulo de Koch. Região
demarcada em azul: istmo cavotricuspídeo (retirada do Netter).

O átrio direito possui ainda diversas estruturas de forte interesse eletrofisiológico


(4): 1) nó sinusal anterior à veia cava superior e posterior à auriculeta direita – é o
marca-passo dominante do coração, como veremos no capítulo 6; 2) região de
Bachmann (muitas literaturas ainda chamam de “feixe de Bachmann”, mas não
concordamos com essa nomenclatura), já citadas anteriormente e melhor definidas
no capítulo 6; 3) nó atrioventricular (nó AV), presente no assoalho do átrio direito
numa região chamada triângulo de Koch (triângulo vermelho na Figura 4.9)
delimitado pelo tendão de Todaro posteriormente, óstio do seio coronário
inferiormente e folheto septal da valva tricúspide anteriormente – é nessa região que
o impulso elétrico apresenta uma pausa de condução antes de ativar os ventrículos,
4) o istmo cavotricuspídeo, uma região de condução elétrica lenta entre a veia cava
inferior e a valva tricúspide – é lá que se perpetua uma arritmia chamada flutter atrial
(5) (retângulo azul na Figura 4.9).
Durante a circulação fetal há a presença de outro óstio que comunica os átrios: o
forame oval. Porém, com o nascimento do indivíduo e consequentemente liberação
da circulação pulmonar, a pressão do lado direito fica muito inferior ao lado esquerdo
e esse forame se fecha naturalmente. Entretanto, no local, ainda permanece visível
uma depressão oval denominada de fossa oval. Em até 27% dos indivíduos, no
entanto, esse forame não se fecha por completo, uma situação chamada “forame oval
patente”(6). Esse defeito congênito pode levar ao acidente vascular encefálico por
“embolia paradoxal”. Lembra o que ocorreu com Dr. Benito?
Quanto ao átrio esquerdo vale ressaltar os diferentes óstios: as veias pulmonares
(quatro) chegam ao átrio esquerdo posteriormente: são duas esquerdas e duas
direitas. Anteriormente, e lateralmente, se encontra a auriculeta esquerda, de parede
pectinada. Conectando o átrio esquerdo com o ventrículo esquerdo, temos a já citada
valva mitral. Sobre eletrofisiologia, é importante citar que a embriologia do átrio é
compartilhada com a embriologia das veias pulmonares, de modo que gatilhos
venosos elétricos são, atualmente, uma das etiologias de uma importante arritmia na
prática clínica: a fibrilação atrial(7).

3. AS VALVAS E VÁLVULAS CARDÍACAS


Já falamos das valvas, mas vamos repetir com outro enfoque, tamanha é a
importância do tema na prática clínica. As valvas cardíacas são compostas por duas
ou três válvulas (ou cúspides) e podem ser divididas em dois tipos: as valvas
semilunares que comunicam os ventrículos com suas respectivas artérias de ejeção e
as valvas atrioventriculares que permitem a comunicação entre os átrios e ventrículos
de mesmo lado.
Quanto às valvas atrioventriculares, no lado direito, regulando a comunicação entre
o átrio direito e o ventrículo direito, temos a valva tricúspide (atrioventricular direita)
que é formada por três válvulas (a válvula anterior, a válvula posterior e a válvula
septal). Quanto ao lado esquerdo, temos a valva que regula a comunicação entre o
átrio esquerdo e o ventrículo esquerdo que é a valva mitral (atrioventricular
esquerda ou bicúspide). A origem de “mitral” se deve a mitra, um tipo de chapéu
utilizado por determinados cargos da igreja que se assemelha com o formato desta
valva.
Ambas as valvas atrioventriculares possuem projeções que se ligam às paredes
ventriculares. Essas projeções são chamadas de cordas tendíneas e se ligam
especificamente aos músculos papilares dos ventrículos. A função dessas estruturas
é impedir que as valvas se abram na direção inversa, o que acarretaria em um refluxo
sanguíneo. A abertura para o lado indevido denomina-se prolapso. Algo semelhante
ao que acontece com o guarda-chuva quando há ventos muito fortes. Portanto, os
músculos papilares tracionam as cordas tendíneas para manter as valvas
atrioventriculares fechadas enquanto a pressão está elevada, permitindo que o
sangue siga pelo caminho desejado.
Quanto as valvas que regulam a comunicação dos ventrículos com seus respectivos
vasos de ejeção, estas recebem seu respectivo nome. Ou seja, no lado direito temos a
valva do tronco pulmonar ou também chamada de valva pulmonar (semilunar
direita) na interface do tronco pulmonar com o ventrículo direito e do lado esquerdo
temos a valva aórtica (valva semilunar esquerda) na interface da artéria aorta com o
ventrículo esquerdo.
As valvas ventrículoarteriais são formadas por três válvulas cada em formato de um
bolso como pode ver na Figura 4.10. Este formato é outro mecanismo antirrefluxo,
pois possibilita que as valvas se fechem quando o sangue tenta retornar ao coração.
Pois, quando o sangue está indo dos ventrículos para os vasos, estas válvulas estão
sendo empurradas em direção a parede do vaso, fechando esses bolsos. Porém, com
a queda da pressão de ejeção e com a consequente tentativa de retorno de uma
parcela do sangue para o coração, isso faz com que esses bolsos se encham de
sangue, ocupando o lúmen do vaso, ou seja, fecha-se a valva.

Figura 4.10: Estrutura das valvas cardíacas (retirada do Moore).

A valva do tronco pulmonar é formada pelas válvulas semilunar anterior, semilunar


direita e semilunar esquerda. Enquanto que a valva da aorta é formada pelas válvulas
semilunar posterior, semilunar direita e semilunar esquerda. Ou seja, ambas possuem
as suas respectivas válvulas direita e esquerda, mas diferem na terceira. Isto deve-se
ao fato da valva do tronco pulmonar possuir uma válvula que realmente é mais
anterior ao coração, enquanto que a valva da aorta possui uma mais posterior ao
órgão.
Cada válvula semilunar é formada por uma borda dividida em uma região média
espaçada denominada de nódulo e o restante da borda que é mais fina e se chama
lúnula. Enquanto que os “bolsos” propriamente ditos formam os seios que é onde o
sangue acumula na tentativa de retorno sanguíneo. Dentro destes seios sempre
permanece uma pequena porção de sangue que é o que impede a aderência da
válvula a parede do seu respectivo vaso quando ela é empurrada na ejeção.
Uma característica peculiar da valva da aorta é que em suas válvulas direita e
esquerda, há a presença dos óstios das artérias coronárias, as artérias que irrigam o
coração. Sendo assim, na válvula semilunar esquerda existe o óstio do tronco da
artéria coronária esquerda e na válvula semilunar direita, o óstio da artéria coronária
direita. Desta forma, quando ocorre a tentativa de refluxo sanguíneo e
consequentemente o enchimento dos seios das válvulas semilunares, esse sangue é
direcionado para irrigar o próprio coração. Ou seja, o sangue oxigenado tanto é
ejetado para o restante do corpo, assim como primariamente para o próprio coração.
Resumindo brevemente o funcionamento das valvas agora que foram
apresentadas, quando o sangue precisa ir para os ventrículos, as valvas
atrioventriculares estão abertas e as semilunares estão fechadas. Inversamente,
quando o ventrículo direito precisa ejetar o sangue para os pulmões e o esquerdo
para o restante do corpo, as valvas atrioventriculares estão fechadas para evitar a
regurgitação do sangue para os átrios e as valvas semilunares estão abertas para
permitir o fluxo para os vasos, como desejado.

7. SUPRIMENTO E DRENAGEM DO CORAÇÃO


O coração é um órgão nobre do corpo humano e quando acometido por alguma
injúria pode vir a resultar consequências severas aos demais órgãos ou até a morte. Por
isso, manter o suprimento adequado para as células cardíacas é vital. Uma máxima do
intensivismo é que “músculo é vida” (referindo-se ao músculo cardíaco). Esta expressão
é utilizada no manejo do infarto agudo do miocárdio (IAM), uma condição em que
ocorre a suspensão do suprimento sanguíneo a uma determinada porção do miocárdio
resultado da oclusão de uma artéria coronária ou um de seus ramos. A morte de
músculo cardíaco prejudica o bombeamento de sangue e consequentemente o
fornecimento dos demais órgãos. Portanto, o fato de o óstio das artérias coronárias
estar localizado na imediata saída da artéria aorta permite que o coração seja o
primeiro órgão a ser irrigado com o sangue oxigenado que retorna dos pulmões. Um
provável mecanismo protetor. É importante também frisarmos que o fluxo coronariano
se dá na diástole cardíaca.

1. IRRIGAÇÃO – AS ARTÉRIAS CORONÁRIAS


As artérias coronárias são inicialmente duas, a artérias coronárias direita e o tronco
da artéria coronária esquerda que possuem seus óstios presentes no seio de Valsalva,
próximo às válvulas da valva aórtica.
A artéria coronária direita e seus ramos serão responsáveis por levar sangue para
nutrir as câmeras direita, o septo interatrial e também os nós do sistema de condução
elétrico. Eventualmente, alguns ramos irrigam um pouco das câmeras esquerdas
também, principalmente a região basal do ventrículo esquerdo e um pouco do septo
interventricular. Já a coronária esquerda é responsável pelas câmeras esquerdas,
parte do septo interventricular e de uma grande parte do sistema de condução distal.
O trajeto da artéria coronária direita se inicia no seu respectivo óstio, atravessa
entre o tronco pulmonar e a aurícula direita, percorre através do sulco coronariano
direito, seguindo pela margem pulmonar direita do coração e contorna para face
diafragmática. Nesta face ela segue até um pouco depois do cruzamento dos sulcos
interatrial e interventricular (cruz do coração). Durante este trajeto, a artéria coronária
direita emite diversos ramos, sendo os principais (Imagem 4.11):

Ramos atriais da coronária direita: suprem os átrios direito e


esquerdo;
Ramo do nó sinusal: ramo direto do ramo atrial da coronária direita,
supre o nó sinoatrial do sistema elétrico. Para chegar ao nó, esse
ramo se direciona posteriormente contornando a veia cava superior.
Ramo da coronária direita em 60% dos casos e da artéria circunflexa
em 40%.
Ramo do cone arterial: supre a região do cone arterial.
Ramo marginal direito: um ramo mais extenso que se direciona para
o ápice do coração.
Distalmente a artéria coronária direita trifurca-se em:
Artéria descendente posterior: irriga as porções basais do ventrículo
esquerdo – é ramo da coronária direita em 85% dos casos e da
circunflexa em 15%. É ela que define a dominância da circulação: se
direita (coronária direita) ou esquerda (circunflexa). Irriga a divisão
póstero-inferior do ramo esquerdo.
Ramo ventricular posterior
Ramo do nó atrioventricular: supre o nó atrioventricular e o feixe de
His proximal do sistema elétrico cardíaco. Ramo da coronária direita
em 80% dos casos e da circunflexa em 20%.

Figura 4.11: Imagem tomográfica da coronária direita (CD) enviando ramos marginais
(RM) e ao fim trifurcando-se em artéria descendente posterior direita (ADPD), ramo
ventricular posterior (RVP) e artéria do nó AV (pequena e não visualizada) (retirada de
Faletra).

Figura 4.12: Anatomia da circulação esquerda. TCE = tronco coronariano esquerdo,


DA = descendente anterior, Cx = circunflexa. O asterisco aponta para um pequeno
ramo intermédio (retirada de Faletra).

O tronco da artéria coronária esquerda, ou apenas tronco da coronária esquerda,


se origina no seio de Valsalva esquerdo, corre posteriormente a artéria tronco
pulmonar, atravessa entre a tronco pulmonar e a aurícula esquerda, chegando ao
sulco coronário esquerdo, onde já se ramifica, após apenas 5 mm nas suas duas
artérias principais: a artéria descendente anterior (ou interventricular anterior) que
desce em direção ao ápice e a artéria circunflexa que segue pelo sulco até a face
diafragmática espelhando o trajeto da artéria coronária direita. Em 30% dos corações,
o tronco da coronária esquerda ainda emite um terceiro ramo, o ramo intermédio
(Imagem 4.12).

Figura 4.13: Sistema venoso de drenagem cardíaca (retirada do Moore).

Os ramos da artéria descendente anterior são:

Diagonalis: cursa para a esquerda para suprir a parede antero-


lateral do ventrículo esquerdo
Septais: mergulham no septo para irriga-lo e também à porção mais
distal do feixe de His, e ao ramo direito do feixe de His e à divisão
ântero-superior do ramo esquerdo

Da artéria circunflexa origina-se o ramo marginal esquerdo em direção ao ápice.


Porém, diferente da artéria coronária direita, comumente a artéria circunflexa não
chega à cruz do coração.

2. DRENAGEM
Apesar do suprimento arterial ser mais importante, a drenagem venosa do coração
também necessita de atenção. A estrutura principal da drenagem é o seio coronário.
Este é o maior responsável por receber o sangue de suas tributárias e despejar no
átrio direito pelo óstio do seio coronário citado neste capítulo anterior. O seio
coronário tem de 2 a 3cm de comprimento e se localiza no sulco coronário,
posteriormente, entre as câmeras esquerdas.
São cinco tributárias principais que drenam para o seio coronário (Figura 4.13):

Veia cardíaca magna: origina-se no ápice do coração e percorre o


sulco interventricular anterior até o sulco coronário, onde corre
junto com a artéria circunflexa. Aqui ocorre uma situação incomum:
o sangue arterial e venoso corre na mesma direção lado-a-lado.
Responsável por ambos os ventrículos e pelo átrio esquerdo através
de suas tributárias. Desemboca no lado esquerdo no seio coronário.
Veia cardíaca parva: responsável também pelo ventrículo direito,
assim como do átrio direito.
Veia oblíqua do átrio esquerdo (ou veia de Marshall): resquício
embrionário da veia cava superior esquerda, presente na vida intra-
uterina. Tem importância na vida adulta principalmente em
eletrofisiologia.
Veia cardíaca posterior ou veia posterior do ventrículo esquerdo:
responsável pela porção posterior do ventrículo esquerdo.
Veia cardíaca média ou interventricular posterior: origina-se no
ápice, como a veia cardíaca magna, porém ascende pelo sulco
interventricular posterior (8).

8. CONFERÊNCIAS

Confira aqui a aula dinâmica do Medicina Resumida sobre os assuntos abordados nesse capítulo!
CAPÍTULO 5
O Funcionamento Mecânico do Coração

1. CASO CLÍNICO
Era uma quarta-feira cinzenta no Princeton-Plainsboro Teaching Hospital. Os
residentes, que haviam chegado às 4:30 da manhã para “passar os casos” do Pronto
Socorro, estavam agora tomando café na copinha do hospital enquanto aguardavam
seu temido chefe para uma visita. Os internos, que chegaram às 7:50 permaneciam do
lado de fora, bocejando de sono e comentando a cervejada da noite anterior.
Em meio ao forte cheiro de café, Lisa, uma das residentes mais prodigiosas, parecia
distante. Seu olhar parecia vagar pelo horizonte chuvoso. Estava com um mal
pressentimento sobre a visita de hoje.
Primeiro caso, tudo bem. O residente Alvarez passou todos os detalhes com
excelência e o chefe fez uma revisão didática sobre o manejo atual da Síndrome
Coronariana Aguda sem supradesnivelamento do Segmento ST. Os internos, aqueles
que permaneciam acordados, anotaram em seus cadernos “nunca pedir troponina C”.
Segundo caso, tudo bem também. Desta vez o chefe explicou ao seu residente Tom a
origem das bulhas cardíacas e a razão do seu paciente, em específico, possuir uma
terceira bulha, a B3.
Lisa estava sentindo-se nauseada, sudoreica e pálida quando o chefe apontou: “Lisa,
esse paciente foi visto por você, não é?”. Lisa passou o caso apavorada. Sabia que seu
chefe não pegaria leve com ela.
Este paciente parecia muito com o anterior, do Tom. Tinha até a mesma síndrome e já
apresentava B3 desde a internação. Hoje ele estava completamente edemaciado. A
estratégia que Lisa usara para aumentar o débito cardíaco desse paciente foi falha: ela
decidiu hidrata-lo exageradamente, pois pensou “mais pré-carga, mais pós-carga”.
O chefe realmente não pegou leve com ela. Esse era um erro crasso. Durante a
discussão, por diversas vezes, foram citados dois nomes: “Frank” e “Starling”.

1. POSSÍVEIS PALAVRAS DESCONHECIDAS


Síndrome Coronariana Aguda sem supradesnivelamento do
Segmento ST: A síndrome coronária aguda (SCA) é resultado de
isquemia do músculo cardíaco e pode ser dividida após avaliação
clínica e de um eletrocardiograma (ECG) em: angina instável (AI),
infarto agudo do miocárdio sem supradesnivelamento de ST (IAMSS-
ST) e o infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento de ST
(IAMCS-ST). Iremos abordar o ECG no próximo capítulo, mas para
simplificar a classificação, estas apresentações irão surgir a
depender da severidade da isquemia e, consequentemente, do dano
miocárdico.
B3 / Pré-carga / Pós-carga: conceitos a serem abordados neste
capítulo

2. PALAVRAS-CHAVES
Síndrome Coronariana Aguda; Bulhas; Pré-carga; Pós-carga

3. OBJETIVOS
Compreender o funcionamento mecânico do coração – o seu papel como
bomba.

2. O PAPEL DO CORAÇÃO COMO BOMBA


Como vimos no capítulo 1 deste livro, o sistema circulatório é nada menos que uma
grande rede de comunicação e transporte de fluxo unidirecional contínuo por todo o
corpo, tendo o coração, este órgão que agora você conhece tão bem, como órgão
central e mantenedor deste fluxo. Basicamente, o sistema circulatório funciona como
qualquer sistema de fluídos pressurizados, sendo que o sangue é o fluído, os vasos são
os tubos e o coração é a bomba.
Análogo a uma bomba hidráulica, o coração trabalha para criar diferenças de pressão
no sistema. Dessa forma, o fluído se desloca de uma zona de maior pressão para uma
zona de menor pressão e, por estar em um sistema fechado um sistema fechado, o
fluido acaba sempre por retornar ao coração.
O coração precisa, a cada batimento, criar uma força de impulsão para que o sangue
possa seguir no sistema circulatório e chegar às diversas regiões do nosso corpo,
vencendo a resistência existente contra esse movimento. O que acontece é um pouco
semelhante a apertar uma garrafa cheia de água sem tampa. Você força o líquido a
seguir pela boca da garrafa. Porém, se a mesma garrafa estiver com uma tampa, essa
mesma ejeção só ocorrerá se a resistência da tampa for superada, fazendo com que ela
se abra. O diferencial do coração em relação a esse exemplo, é que este incrível órgão
“consegue se apertar sozinho” e a resistência do sistema se deve principalmente a três
fatores estudados no capítulo 02: o diâmetro dos vasos, o comprimento dos vasos e a
viscosidade sanguínea.
Como estudado também no capítulo 01, didaticamente dividimos o sistema em dois
territórios de circulação: 1) a circulação pulmonar, na qual o coração recebe o sangue
pobre em oxigênio e rico em CO2 e o envia para os pulmões, onde ocorrerá trocas,
captando oxigênio e eliminando CO2; 2) e a circulação sistêmica, em que o coração
recebe esse sangue mais oxigenado e envia para todo o restante do corpo, onde o
oxigênio será consumido e o CO2 produzido pelas células captado pelo sangue para sua
posterior eliminação. Devido a essa divisão didática da circulação, podemos também
dividir o coração como se fosse formado por duas bombas: uma bomba direita
responsável pela circulação pulmonar e uma bomba esquerda, responsável pela
circulação sistêmica.
Portanto, o papel do coração como bomba é possível devido à sua capacidade de
redução de volume através da contração, gerando diferenças de pressões que
impulsionam o sangue adiante pelo sistema. Entretanto, para que isso ocorra de forma
eficiente, o coração se utiliza tanto de mecanismos que garantem o fluxo unidirecional
(valvas cardíacas), assim como de um ciclo contrações (sístoles) e relaxamentos
(diástoles) bem definido que possibilita o enchimento adequado das câmaras cardíacas
antes da ejeção.

3. O MECANISMO DE CONTRAÇÃO E RELAXAMENTO


A propriedade contrátil do coração provém, antes de tudo, da sua capacidade de se
contrair como um todo: a ativação de uma única célula miocárdica resulta na contração
de todo o miocárdio ventricular. E isso é possível porque existe, no miocárdio atrial e
ventricular, uma complexa rede de junções comunicantes constituídas por proteínas
chamadas conexinas – mais especificamente três delas, a conexina 43, conexina 40 e
conexina 45 (1). Essa incrível interligação e permissibilidade à passagem de íons e
corrente elétrica é o que dá ao coração a propriedade de sincício (em outras palavras –
funcionam como uma única estrutura, uma vez que uma célula miocárdica é
estimulada, todas as demais serão “ativadas”).
Nos próximos parágrafos aprenderemos como, após um estímulo elétrico de
despolarização do potencial de membrana da célula miocárdica, esta célula irá manejar
seus íons, proteínas e estruturas intracelulares para resultar na contração cardíaca. O
estímulo elétrico que precede estes acontecimentos será visto no próximo capítulo,
quando abordaremos a eletrofisiologia com mais detalhes. Atenção, os próximos
parágrafos se referem ao que ocorre na célula miocárdica e o que faz ela se contrair.
Não confunda! Recomendamos inclusive que após o estudo do próximo capítulo, revise
este. Pois, a maior bagagem de conceitos irá expandir o seu entendimento.
Após a geração do estímulo elétrico, geralmente pelo nó sinusal, a onda de excitação
se espalha célula-a-célula através das conexinas. O cálcio entra na célula através da
corrente através dos canais lentos de cálcio (ICaL), que agirá como gatilho para trazer
ainda mais cálcio para o meio intracelular oriundo do depósito de cálcio que estava
contido no retículo sarcoplasmático. Essa liberação se dá pela ação dos receptores de
rianodine, canais de cálcio do retículo sarcoplasmático cuja abertura é cálcio-
dependente: quanto mais cálcio, mais cálcio.
Após a abrupta elevação na concentração de cálcio intracelular, este se ligará à
troponina C. Este complexo cálcio-troponina interage com a molécula de tropomiosina
para desbloquear sítios ativos entre os filamentos de actina e miosina. Esta interação
inicia a ciclagem de pontes cruzadas e a consequente contração da célula. Como,
através das conexinas, o estímulo elétrico está realizando estas mesmas mudanças em
todas as outras células cardíacas, o músculo inteiro irá se contrair (propriedade de
sincício).
Há outros dois tipos de troponina: a troponina T, que se liga à tropomiosina para
auxiliar no acoplamento da actina com miosina; e a tropinina I é o componente
inibitório desse sistema proteico. A importância da troponina na prática clínica é ímpar.
Atualmente, elas são as proteínas procuradas pelos kits de laboratório para detectar
infartos agudos do miocárdio que foram incapazes de alterar o eletrocardiograma de
um indivíduo (mas que, nem por isso são menos perigosos). Para este intuito, o médico
que suspeita do infarto agudo sem supradesnivelamento do segmento ST (IAMSSST)
deve solicitar amostra de sangue com medida de troponina I ou T. A isoforma C da
troponina C é idêntica à da troponina do músculo liso, não sendo, portanto, útil sua
solicitação para este fim (2).
Durante a diástole, o influxo de cálcio cessa e o retículo sarcoplasmático passa a
reabsorver o cálcio do intracelular através de uma importante enzima chamada SERCA,
regulada positivamente pela fosfolambam, já citada no capítulo 2. O cálcio também
retornará ao extracelular através da ação da bomba trocadora sódio-cálcio (Na-Ca) e da
bomba de cálcio dependente do ATP. Dessa forma, retornamos ao ponto inicial e o
músculo miocárdico fica pronto para um próximo estímulo para a contração. Portanto,
devido a esses passos ocorrerem continuamente e à estrutura de condução/isolamento
elétrico do coração, em uma visão macro, teremos um ciclo de acontecimentos que
estudaremos a seguir.
Ficou difícil? Reveja a imagem 5.1 para entender tudo que falamos. Não pule! É
importante!

Figura 5.1: Diagrama esquemático do movimento do cálcio no acomplamento


excitação-contração no músculo cardíaco. O influxo de Ca2+ do flúido intesticial, durante
a excitação, dispara a liberação de Ca++ pelo retículo sarcoplasmático (RS). O Ca2+
citosólico livre ativa a contração dos miofilamentos (sístole). O relaxamento (diástole)
ocorre como resultado da captação de Ca2+ pelo RS pela extrusão do Ca2+ intracelular via
trocador 3 Na+/1Ca2+. O + e, em escala mais limitada, pela bomba Ca2+-ATPase. BetaR,
receptor Beta-adrenérgico; AMPc-PK, proteinocinase dependente de AMPc (retirada de
Berne e Levy).

Apenas para terminar, vamos passar um dado importante: até 90% da energia que o
coração consome deriva do metabolismo oxidativo dos ácidos graxos, e o restante de
lactato e glicose.

4. O CICLO CARDÍACO
O sangue no sistema circulatório, em condições fisiológicas, segue sempre um
mesmo trajeto. Isto significa que o sangue que chega aos capilares sistêmicos cheio de
nutrientes e oxigênio, obrigatoriamente, passou pelos pulmões previamente e,
portanto, possui uma maior concentração de oxigênio do que nesses tecidos,
permitindo a difusão por gradiente de concentração. Caso essa passagem pela
circulação pulmonar não ocorra, uma porção de sangue pode alcançar os capilares sem
que os gradientes dos gases estivessem suficientemente altos a ponto de favorecer a
troca nos tecidos, o que poderia levar a hipoxemia e até morte tecidual.
Devido às valvas atrioventriculares apresentarem abertura direcionada aos
ventrículos e as ventriculoarteriais (ou semilunares) se abrirem em direção às paredes
da sua respectiva artéria (aorta ou tronco pulmonar), o sangue apenas seguirá, em
condições normais, para o próximo compartimento quando a pressão no atual
compartimento for maior do que no seguinte. Pare para pensar: se os átrios alcançarem
uma pressão maior que a pressão no interior dos ventrículos, as valvas
atrioventriculares se abrem, pois, os ventrículos não conseguem impedir a abertura da
valva. Quando, ao contrário, os ventrículos apresentam maior pressão, é forçado o
fechamento das valvas atrioventriculares. O mesmo raciocínio se aplica na abertura e
fechamento das valvas semilunares. Caso o ventrículo obtenha uma pressão maior que
seu respectivo vaso, as valvas irão se abrir e quando a pressão da artéria novamente
superar o ventrículo, o sangue irá tentar regurgitar e forcará o fechamento das valvas
ventriculoarteriais. Isto tudo é importante porque para o entendimento do ciclo
cardíaco, precisamos fazer uma análise das pressões no interior dos compartimentos
considerando o volume de cada recipiente e a força exercida pelas paredes e, assim,
estimar a consequência que essas variações terão no fluxo sanguíneo.
Antes, faz-se necessária a antecipação de um conteúdo que será explorado no
próximo capítulo. O sistema de condução elétrico é o responsável pelo gatilho das
contrações em cada câmara cardíaca. E ele promove, fisiologicamente, um atraso entre
a contração atrial e a contração ventricular. Sendo assim, primeiro o sangue chega aos
ventrículos através dos átrios, e posteriormente ocorre a contração dos ventrículos,
quando, enfim, o sangue é ejetado pelo ventrículo direito para os pulmões e pelo
ventrículo esquerdo para o restante do corpo humano. Desta forma, quando se estuda
o ciclo cardíaco, divide-se o ciclo cardíaco didaticamente em três eventos principais,
considerando o estado dos ventrículos: a contração ou sístole ventricular, o relaxamento
ventricular e o enchimento ventricular – estas duas últimas ocorrendo durante a
diástole ventricular.

1. A SÍSTOLE VENTRICULAR
A análise do ciclo cardíaco pode se dar a partir de qualquer uma de suas fases,
pois, se trata de um ciclo, assim como, podemos analisar a partir de qualquer um dos
ventrículos, considerando que os mesmos princípios estarão ocorrendo também no
outro. Sendo assim, para nossa explicação, vamos iniciar o ciclo voltando a atenção
para o momento em que o ventrículo esquerdo já está preenchido pelo sangue
originário da circulação pulmonar e o ventrículo direito pelo sangue da circulação
sistêmica. Pensamos que montar o raciocínio dessa maneira fica mais didático para
você nos entender. Acompanhe nosso raciocínio.
Se o ventrículo já estava cheio de sangue, o próximo passo esperado é a contração,
correto? O início da sístole ventricular promove o aumento da pressão da câmara, o
que resulta no fechamento das valvas atrioventriculares, produzindo a primeira
bulha cardíaca (TUM) - a primeira bulha marca, portanto, o início da sístole
ventricular e o fim da diástole e é ocasionada pelo fechamento das valvas mitral e
tricúpide. Esta contração é crescente, portanto, inicialmente, essa contração ainda
não fornece pressão suficiente para vencer a resistência da aorta e abrir a valva
aórtica. Dessa forma, por milésimos de segundos, o processo contrátil ocorre contra
as duas valvas (mitral e aórtica) – lembre-se, estamos falando apenas do ventrículo
esquerdo - fechadas, ou seja, sem alteração do volume. Portanto, esta primeira fase
da sístole ventricular é chamada de contração isovolumétrica.
Eletrocardiograficamente, esta fase se associa ao complexo QRS (assunto para o
próximo capítulo).
Contudo, este processo contrátil vai se intensificando e a pressão continua
crescendo até que essa pressão no interior do ventrículo esquerdo supere a pressão
da aorta e a do ventrículo direito supere a pressão na artéria pulmonar, forçando a
abertura das valvas aórtica e pulmonar, resultando na ejeção brusca de sangue
através destes vasos. O mesmo não ocorre nas valvas atrioventriculares porque elas
são desenhadas anatomicamente para se abrirem apenas quando a pressão dos
átrios vencer a dos ventrículos. Esta segunda fase da sístole ventricular, a que o
sangue finalmente é ejetado pela aorta e artéria pulmonar, é chamada de ejeção
rápida e nela ocorre a ejeção de 70% de todo sangue que será impulsionado pela
circulação.

2. O RELAXAMENTO VENTRICULAR
A contratilidade miocárdica cessa e se inicia o relaxamento ventricular. Porém,
apesar do ventrículo entrar em diástole, dois fatores promovem a continuidade do
fluxo: o gradiente de pressão que ainda é favorável ao ventrículo e há também um
favorecimento inercial (“um corpo que está em movimento, tende a continuar em
movimento”). Consequentemente, algum grau de fluxo sanguíneo permanece
ocorrendo através das artérias ao passo em que, gradativamente, se reduz a sua
intensidade devido à contínua queda da pressão intraventricular e conseguinte
gradiente de pressão ventrículoarterial. Esse movimento inercial no período de ejeção
é chamado de Efeito Windkessel e é nesse período que os 30% restantes do volume
de ejeção são impulsionados. Portanto, devido ao fato desta fase ocorrer uma ejeção
com menor intensidade que ela é denominada como ejeção lenta ou reduzida. É
durante esta fase que o eletrocardiograma irá demonstrar ainda o segmento ST e a
onda T, marcadores da repolarização elétrica ventricular.
Seguindo nosso raciocínio, em algum momento do ciclo cardíaco, a pressão da
aorta se torna novamente maior que a do ventrículo. O movimento inercial é então
interrompido e, como a pressão do vaso está maior do que no interior do ventrículo,
o fluxo tende a ser retrógrado, preenchendo os seios das válvulas da valva aórtica
que, consequentemente, se fecha junto com a artéria pulmonar, produzindo a
segunda bulha cardíaca (TÁ) - a segunda bulha então marca o fim da sístole e o
início da diástole e é ocasionada pelo fechamento das valvas aórtica e pulmonar. Nos
seios de Valsalva da valva aórtica estão contidas as emergências das artérias
coronárias direita e esquerda. Sendo assim, chega-se ao contexto em que o ventrículo
está se relaxando e as valvas atrioventriculares e ventriculoarteriais estão fechadas.
Esta fase é chamada de relaxamento isovolumétrico.

3. O ENCHIMENTO VENTRICULAR
Durante todo o período em que as valvas atrioventriculares estão fechadas, o
sangue oxigenado continua a chegar da circulação pulmonar e sistêmica e se
acumular nos átrios, resultando no aumento de pressão resultante dessa expansão
de volume. Somado a isto, na etapa que estamos descrevendo agora, está ocorrendo
o relaxamento do ventrículo esquerdo. A soma destes fatores resulta na superação da
pressão dos átrios sobre os ventrículos, forçando a reabertura da valva
atrioventricular e, consequentemente, o sangue que estava nos átrios é despejado
rapidamente para adiante. Essa primeira das três fases do enchimento ventricular é
denominada de enchimento rápido e é responsável pela maior parte do sangue que
passará dos átrios para os ventrículos. Se o ventrículo não se contraiu com a eficácia
esperada no batimento anterior, então uma porcentagem menor de sangue seguiu
pela circulação pulmonar e uma porcentagem maior permaneceu no ventrículo,
correto? E quando o enchimento rápido ocorre, se já há muito sangue no ventrículo,
esse sangue que está entrando vai causar vibrações na parede do ventrículo,
causando um som que é audível ao estetoscópio quando o paciente está deitado, a
terceira bulha (B3). É, portanto, um marcador de sobrecarga volumétrica por baixo
débito cardíaco e insuficiência cardíaca congestiva.
Durante esta fase, o eletrocardiograma é silencioso, mostra apenas uma linha
isoelétrica.
O fluxo sanguíneo, como já citado diversas vezes, é contínuo. Sendo assim, mais
sangue continua a chegar ao coração através das veias e, como as valvas
atrioventriculares estão abertas, o sangue enche diretamente os ventrículos, porém,
nesta etapa com uma velocidade menor do que a etapa anterior. Por isso, a segunda
fase é conhecida como enchimento lento ou diástase. As duas primeiras fases do
enchimento ventricular são responsáveis por 75-80% do volume diastólico final.
Na última fase do enchimento ventricular ocorre a contração atrial, que impulsiona
um pouco mais de sangue aos ventrículos, finalizando o enchimento com essa fase
chamada de sístole atrial. Atenção: não confundir! A sístole atrial ocorre durante a
diástole ventricular. Esta fase interfere apenas em 20% no volume diastólico final.
Sendo assim, apesar de possuir em condições fisiológicas uma baixa contribuição,
essa etapa ganha mais relevância em situações patológicas, como uma estenose de
valva atrioventricular, em que o sangue tem dificuldade de passar para o ventrículo.
Também digna de nota é a arritmia mais frequente na prática clínica, a fibrilação
atrial, em que o átrio perde a capacidade de se contrair, reduzindo em 20% o débito
atrial.
Durante a sístole atrial, se o ventrículo não for complacente, ele não tolerará mais
líquido em seu interior, havendo, no momento da passagem forçada de sangue, a
vibração das paredes do ventrículo. Quando ocorre isso, ouve-se a quarta bulha
cardíaca (B4). A quarta bulha é sinal de sobrecarga pressórica do ventrículo.
Voltando, considerando o enchimento completo dos ventrículos, fecha-se o ciclo
cardíaco, pois retorna-se para o estado em que iniciamos o estudo do mesmo:
“ventrículo esquerdo já preenchido com o sangue originário da circulação pulmonar e
o ventrículo direito preenchido com o sangue da circulação sistêmica”.
Uma outra maneira de avaliar esse ciclo cardíaco é através do diagrama de volume-
pressão, que você já é capaz de entender. Veja a Imagem 5.2

Figura 5.2: Entenda esse diagrama. Ele obviamente não tem o tempo em sua abcissa
(pois não existe, até a confecção deste manuscrito, a viagem no tempo). Ao ler este
gráfico, imagine apenas o ventrículo se enchendo, portanto aumentando de volume,
e depois contraindo, portanto aumentando de pressão (retirada do Guyton).

5. OUTROS CONCEITOS IMPORTANTES

1. VOLUMES CARDÍACOS
Volume Diastólico Final: volume de sangue contido no ventrículo exatamente antes
da sua contração.
Volume de Ejeção: volume ejetado na fase de sístole ventricular.
Volume Sistólico Final: volume restante no ventrículo após a fase de sístole
ventricular. Resultado do volume diastólico final - volume de ejeção.
Fração de Ejeção: é relação entre o volume de ejeção e o volume diastólico final, ou
seja, o percentual do sangue total que foi ejetado. Este é um índice da função
cardíaca que ajuda a avaliar a contratilidade miocárdica na clínica.

2. MECANISMO DE FRANK-STARLING OU LEI DO CORAÇÃO DE


STARLING
O retorno venoso, volume de sangue que retorna ao coração a cada batimento, é
variável e o coração possui a capacidade se adaptar a esse volume que chega. Ou
seja, quanto mais sangue retornar, mais as fibras musculares irão se distender. Além
disso, a resposta será proporcional. Quanto maior o retorno venoso, então, maior o
débito cardíaco. O que o “mecanismo de Frank-Starling” define é: “Dentro de limites
fisiológicos, o coração bombeia todo o sangue que a ele retorna pelas veias.”.
O mecanismo se assemelha ao funcionamento de uma mola. Um pequeno
estiramento, seguido da liberação, faz com que a mola volte a sua conformação
original. Isso pode ser feito até um limite e o retorno será mais rápido quanto maior
for o estiramento. Porém, se o limite de estiramento for ultrapassado, a mola se
deforma e não retorna a sua conformação original. Na física, isso tem o nome de
“resiliência”, enquanto que o nome dado a essa força que no exemplo estira a mola e
acumula uma energia potencial na mesma até que se solte, se chama quando
referimos ao estiramento do músculo cardíaco de pré-carga, que, em termos de
volume sangue, é nada menos que o volume diastólico final, já citado. A pré-carga
refere-se à força que estira as fibras musculares ainda relaxadas. Já a pós-carga se
refere à pressão da aorta e da artéria pulmonar que os ventrículos precisam superar
para iniciar a ejeção de sangue.
O mecanismo de Frank Starling não é perfeito justamente pela mesma razão de
que quando a mola se estira demais, acaba deformando. O coração não consegue
responder com aumento de débito cardíaco caso os limites de volume tenham sido
ultrapassados. Um exemplo clássico disso está presente no tratamento empírico de
situações de colapso hemodinâmico ou choque. Se o médico lança mão de uma
substância isosmolar para tentar dar mais pressão ao sistema e assim consegue
aumentar o retorno venoso, ocorrerá um aumento do débito cardíaco, melhora das
pressões de enchimento, aumento da pressão arterial e, consequentemente, o
médico irá se sentir estimulado a fazer outro soro fisiológico. Aí é que está: chega um
momento em que o coração não consegue mais aumentar o seu débito cardíaco e, ao
contrário, até o diminui, pela congestão sistêmica e aumento da pós-carga. Lembra-
se do que ocorreu com o paciente da residente Lisa? Para ficar fácil entender, veja a
imagem 5.3.
Um outro mecanismo intrínseco do coração que altera a função cardíaca em
resposta a alterações fisiológicas é o reflexo de Bainbridge, que aumenta a frequência
cardíaca em resposta ao aumento do retorno venoso, a partir de sinais recebidos por
baroceptores presentes nos átrios (3).

Figura 5.3: Atenção a quantas informações interessantes essa imagem nos mostra.
Cada curva representada no gráfico pertence a pacientes diferentes. Perceba que o
paciente com insuficiência cardíaca consegue manejar menos volume que o paciente
sem comorbidades de acordo com o aumento da pré-carga ou volume diastólico final.
Perceba também, que em certo ponto, a curva tem um ponto de deflexão e, caso o
volume diastólico final siga crescendo, o débito sistólico diminuirá ainda mais.

6. CONFERÊNCIAS

Confira aqui a aula dinâmica do Medicina Resumida sobre os assuntos abordados nesse capítulo!
CAPÍTULO 6
O Funcionamento Elétrico do Coração

1. CASO CLÍNICO
Na cantina da Universidade, um dos seus colegas, Walter, se gaba porque
finalmente aprendeu eletrocardiograma. Ele explicava para Patrícia e para
Whindersson os conceitos da onda P, do complexo QRS e seu eixo elétrico e a onda T. O
trio WPW, como era costumeiramente chamado, comia tapioca com ovo e ketchup.
Durante sua apresentação informal, no entanto, Walter é informado pelo seu smart
watch que a sua frequência cardíaca ultrapassou os 180 batimentos por minuto
mesmo estando ele em repouso. Preocupado, ele pediu licença aos colegas e chamou
você para ajudá-lo.
Na palpação de pulso, você percebe que o ritmo está muito rápido, em torno de 180
por minuto, regular. Em uma rápida anamnese, Walter te fala que está se sentindo
perfeito, que sequer percebeu que estava tão taquicárdico.
Em meio aos seus intentos de levá-lo ao hospital, Walter, que permanecia
assintomático, decidiu ingerir mais um pedaço de tapioca. E foi nesse momento que
um milagre aconteceu: apesar de quase morrer engasgado, o pedaço de tapioca
engolido sem boa mastigação conseguiu terminar subitamente com a arritmia.
Os colegas que estavam assistindo a aula de Imunologia perderam a chance de
presenciar um incrível momento de atuação do sistema nervoso autônomo na
regulação dos batimentos cardíacos.

1. POSSÍVEIS PALAVRAS DESCONHECIDAS


Imunologia: cadeira da faculdade onde se aprende que existem
interleucinas.
Arritmia: é o nome dado as alterações da frequência e/ou o ritmo
dos batimentos cardíacos. Sendo assim, Esta pode ser
caracterizada por ritmos acelerados (taquicardia), lentos
(bradicardia) ou irregulares.

2. PALAVRAS-CHAVES
“Arritmia” “Eletrocardiograma” “sistema nervoso autônomo” “regulação”

3. OBJETIVOS
Compreender os mecanismos de regulação do sistema circulatório

2. O SISTEMA ELÉTRICO DO CORAÇÃO

1. INTRODUÇÃO E FUNÇÃO
O ciclo cardíaco, abordado no capítulo anterior é mantido pelo próprio coração,
porém a frequência com que este impulso é gerado é influenciado pelo sistema
nervoso e por outros fatores. Por isso, é possível manter um coração extracorpóreo,
em condições ideais, enquanto receber sangue oxigenado por uma máquina.
Sendo assim, como o coração se “auto-estimula”? O coração possui um grupo
especializado de células cardíacas que forma o sistema de geração e condução
elétrico. O processo de geração do impulso elétrico é realizado, na maior parte das
vezes, pelo nó sinusal (ou sinoatrial). A nível celular ocorrem mudanças nas
concentrações iônicas que resultam na despolarização da membrana celular das
suas células e essa perturbação iônica é propagada para as células adjacentes
musculares, provocando a contração destas, e para o restante do sistema elétrico
que irá transmitir esse estímulo para as demais regiões cardíacas.
Como vimos, o coração funciona eletricamente como um sincício, ou seja, como
uma única célula, uma vez que estimular uma célula muscular cardíaca irá resultar
no estímulo das demais.
Esta característica é fundamental, pois a propagação do estímulo elétrico, não
pode ocorrer de forma aleatória. O coração precisa que as células das câmaras
atuem sinergicamente para que sua função de contração seja executada.
Por outro lado, como já abordado, é necessário que os átrios se contraiam antes
dos ventrículos para que haja uma maior eficiência do ciclo cardíaco, logo a função
isolante do esqueleto fibroso é importante. No entanto, é necessário que haja uma
“brecha” comunicante para que o impulso alcance as câmeras inferiores e isto é
realizado por um segmento específico do sistema elétrico que veremos adiante.
Sendo assim, podemos afirmar que o sistema elétrico do coração é o responsável
por organizar e manter a rotina de batimentos das câmaras cardíacas de maneira
eficaz.

2. AS ESTRUTURAS E O TRAJETO DO IMPULSO ELÉTRICO


O sistema elétrico é composto de células musculares cardíacas especializadas que
formam nós (ou nodos) e feixes que possuem a capacidade de gerar o impulso
(potencial de ação) e de conduzir o mesmo com uma maior velocidade. (vide Figura
6.1)

Figura 6.1: Sistema de condução cardíaca (retirada do Berne).

Todo o sistema elétrico cardíaco possui a capacidade de geração do impulso,


porém cada estrutura imprime velocidades diferentes para executar o processo de
geração de despolarização de membrana que detalharemos mais à frente. Deste
modo, a estrutura que mais rápido conseguir executar todo o passo-a-passo
necessário para que sua membrana tenha um salto em voltagem interrompe o
mesmo processo que vinha ocorrendo nas demais células elétricas que estavam
ainda tentando despolarizar-se, e estas passarão apenas a conduzir o impulso
gerado. Por este motivo, em condições fisiológicas, o nó sinusal, que é localizado no
teto do átrio direito, em sua parede posterolateral, é considerado o maestro do
coração.
Uma vez que o potencial de ação é gerado, este é transmitido pelo átrio direito
por células miocárdicas atriais dispostas paralelamente e erroneamente chamadas
de feixes internodais (espere até o fim deste parágrafo para compreender a razão
do erro) em direção a outro nó na fronteira entre os átrios e os ventrículos que é o
nó atrioventricular (carinhosamente chamado de nó AV). Concomitantemente a
isso, o estímulo elétrico também atravessa o septo direito a partir do seu teto até o
átrio esquerdo. Isso também se dá através de células miocárdicas atriais não
especializadas e não insuladas, portanto, erroneamente chamadas de feixe de
Bachmann - o melhor seria chamar esse local de “região” de Bachmann, por
exemplo (1,2). Apesar de termos apontado o erro histórico, esse termo (“feixes”) é
usado em qualquer livro texto de fisiologia e cardiologia e, por isso, trazemos para
vocês. Porém, tenham em mente que não há diferenciação nestes trechos e por isso
abordar como “região” seria mais apropriado.
Nesta fase do ciclo cardíaco, a despolarização ocorre apenas nas células atriais.
Como vimos no Capítulo 04, o esqueleto fibroso cardíaco é o responsável por isolar
eletricamente as câmeras superiores das inferiores. Desta forma, a propagação do
impulso atinge células transicionais (células que não possuem características
histológicas de condução nem de contração), onde há reduzidas junções
comunicantes, havendo, então, fisiologicamente, um atraso na condução do impulso
nervoso, até chegar ao nó atrioventricular compacto, uma incrível estrutura
localizada no triângulo de Koch (3), como vimos no capítulo 4. O nó AV compacto
mergulha no esqueleto fibroso do coração e, na região do corpo fibroso central, as
fibras do feixe de His nascem (esse sim um “feixe” de fato). Este feixe é importante
na prática clínica porque, marca o início do território elétrico ventricular. Em um
bloqueio de condução atrioventricular que não chegou a despolarizar o feixe de His,
por exemplo, sabemos que o defeito está no tecido atrial ou no nó atrioventricular.
Quando o bloqueio ocorreu depois do feixe de His, denominado “bloqueio infra-
hissiano”, o problema não é mais o nó AV, e sim o tecido de condução ventricular,
denotando maior gravidade. Além disso, neste ponto do sistema condutor, não há
mais inervação autonômica, como veremos na última sessão deste capítulo.
Ao adentrar no esqueleto fibroso rumo ao septo interventricular, o feixe de His se
bifurca em sua porção bifurcante em ramo direito, mais fino e frágil, e ramo
esquerdo, que chega a possuir 5-7 mm de diâmetro, pelo ventrículo direito e
ventrículo esquerdo, respectivamente. O ramo esquerdo ainda se bifurca uma vez
mais em fascículo ântero-superior, que terá suas fibras mais distais localizadas no
músculo papilar anterior e o fascículo póstero-inferior, que terá suas fibras distais
localizadas no músculo papilar posterior (4). Por fim, o impulso irá prosseguir pelas
fibras de Purkinje, continuações desse sistema elétrico, até atingir as células que
irão contrair os ventrículos. (Imagem 6.1)
Na maioria das pessoas, o nó AV somente possui capacidade de condução
anterógrada e retrógrada, seguindo do átrio para o ventrículo ou, se por desventura
o ventrículo despolarizar-se primeiro, do ventrículo para o átrio – é o que chamamos
de condução retrógrada. Em até 35% das pessoas, existe ainda o que chamamos de
“dupla fisiologia nodal”, onde ocorre uma espécie de bifurcação do tecido nodal a
nível de nó AV compacto, e estes dois circuitos convivendo lado-a-lado durante toda
a vida podem levar a arritmias reentrantes: o estímulo elétrico sobe para o átrio por
uma via, desce para o ventrículo pela outra. É a chamada taquicardia por reentrada
pelo nó atrioventricular (5).
Outra situação digna de nota é a presença de “atalhos” através do esqueleto
fibroso, contendo fibras capazes de condução elétrica, “pulando” o atraso de
condução fisiológico pelo nó AV. Se o impulso elétrico chega aos ventrículos antes do
habitual atraso no nó AV, irá haver o que chamamos de pré-excitação ventricular, e o
que três cardiologistas, Wolff, Parkinson e White descreveram em 1930 como a
síndrome que leva seus nomes (6): a síndrome arritmogênica de Wolff-Parkinson-
White, ou WPW.
O trajeto nos ventrículos aumenta a eficiência da sístole ventricular. Isso porque, o
estímulo contrátil chega primeiro às células do ápice cardíaco e, posteriormente,
ascende pelas paredes. Desta forma, o ápice se contrai em direção a base do
coração, onde se encontram as artérias que são os destinos do sangue acumulado
nas câmaras inferiores.

3. O ELETROCARDIOGRAMA (ECG)
A condução do estímulo elétrico pode ser registrada por um exame chamado
eletrocardiograma (ECG). Um exame simples e barato, obrigatório em emergências.
O exame registra traçados que, ao serem analisados, possibilitam identificar e
intervir precocemente em patologias potencialmente fatais como o infarto agudo do
miocárdio e arritmias.
O funcionamento do aparelho é simples, vamos ver. O profissional responsável,
algumas vezes o próprio médico, posiciona eletrodos que irão registrar as alterações
elétricas a partir de um “ponto de vista” específico e tomado como convenção,
portanto, já tenham em mente desde já que é importante posicionar sempre
corretamente os eletrodos. O ECG funciona como se câmeras fossem posicionadas
em volta do coração, como disse, em locais específicos e pré-determinados, e estas
registram o trajeto do impulso elétrico, considerando se vetor desse impulso se
aproximou ou se afastou de cada eletrodo. Neste momento você deve estar
pensando: “ih, ele falou em vetor. Vou pular para a próxima sessão, não fiz Medicina
para isso”. Calma, fica com a gente. Você vai entender.
A atividade elétrica cardíaca gera uma diferença de potencial (voltagem) capaz de
ser capturada pelo aparelho de eletrocardiograma. Para que haja uma diferença de
potencial, é necessário, primeiro, que haja dois pontos. Então, uma derivação é uma
câmera que registra a atividade em dois pontos. Se esse potencial está se
despolarizando no sentido da câmera, então a seta do vetor apontará para ela, se
está despolarizando no sentido contrário da seta, a câmera verá a cauda do vetor.
Simples assim. O que complica um pouco é que você precisa somar os vetores vistos
por todas as derivações e fazer uma média deles, mas somos legais e vamos te
mostrar como fazer isso em instantes.
Estas “câmeras” são denominadas derivações no ECG e são compostas sempre
por dois polos (bipolares, portanto). As derivações dos membros, que chamamos de
periféricas, registram a diferença de potencial dos próprios polos entre si e as
derivações do precórdio, chamadas de derivações horizontais, registram a diferença
de potencial do eletrodo no tórax até um ponto virtual localizado no centro do tórax
criado matematicamente por três dos eletrodos periféricos. Como no caso das
derivações dos membros, um vetor parte de um polo para outro, e no caso das
derivações precordiais, o vetor parte deste polo virtual para o eletrodo no tórax, os
livros didáticos erroneamente chamam os eletrodos periféricos como bipolares, e os
precordiais como unipolares (7). Vamos repetir para que o leitor do Medicina
Resumida nunca erre: todas as derivações do ECG são bipolares, só que as
derivações horizontais usam um ponto virtual no centro do tórax como um dos
polos.
Willem Einthoven, nas duas primeiras décadas do século passado, desenvolveu
um galvanômetro capaz de gravar potenciais elétricos cardíacos – o
eletrocardiografo (isso lhe rendeu um prêmio Nobel em 1924). O triângulo de
Einthoven foi, então, criado a partir dos eletrodos que ele posicionava nos
membros: a derivação DI, por exemplo, grava o potencial de ação entre o braço
direito e o braço esquerdo, DII entre o braço direito e a perna esquerda e DIII entre
o braço esquerdo e a perna esquerda (8). Em 1934, Wilson, em uma genial jogada
matemática, introduziu este tal ponto virtual no centro do tórax do qual já falamos, o
“terminal central de Wilson”, mas ele foi inicialmente criado com o intuito de
calcular a diferença de potencial do braço direito, por exemplo, até o centro do
triângulo de Einthoven, o que foi chamado na época de VR (9). Por fim, em 1942,
Goldberger, introduziu um aumento na sensibilidade destas últimas derivações, que
agora teriam um “a” em frente a seus nomes, surgindo, então, aVR, aVF e aVL (10).
Para entender a razão de eu ter falado isso tudo, introduzo agora o famoso “Círculo
de Cabrera”, na imagem 6.2. Não deixe de ler a legenda.

Figura 6.2: Em A, visualizamos o triângulo de Einthoven formado pela diferença de


potencial entre braço direito e braço esquerdo (I), do braço direito até a perna
esquerda (II) e do braço esquerdo até a perna esquerda (III). Em B, visualizamos a
modificação realizada por Wilson a fim de criar mais três derivações: do braço direito
até o terminal central (VR), do braço esquerdo até o terminal central (VL) e da perna
esquerda até o terminal central (VF). Em C, o Círculo de Cabrera, em que estão
contidas seis derivações juntas em suas porções positivas e negativas (adaptada de
MacFarlane e José de Alencar).

O ECG padrão conta com 12 derivações, sendo seis periféricas (DI, DII, DIII, aVR,
aVF e AVL) e seis precordiais (V1, V2, V3, V4, V5 e V6). Cada uma delas vê o coração
por um ponto de vista diferente: as derivações periféricas, por exemplo, enxergam
se o estímulo elétrico vai para cima ou para baixo e para a esquerda ou para direita,
mas não se anterior ou posteriormente; já as derivações precordiais enxergam se o
estímulo vai para frente e para trás, para a esquerda e para a direita, mas não se
superior ou inferiormente. Por isso, para avaliar um eletrocardiograma, o
profissional experiente avalia as 12 derivações em conjunto. E em algumas situações
clínicas, usamos até 24 derivações, ou até inventa-se alguma, como as derivações de
Lewis ou Fontaine (11).

4. O REGISTRO ELÉTRICO DOS POTENCIAIS CARDÍACOS


Se você revisar o círculo de Cabrera (Imagem 6.2, painel C) e visualizar o vetor
cardíaco nesse círculo, observará que DII é uma derivação muito próxima ao eixo
elétrico cardíaco normal. Por conta disto, esta é uma derivação de muita didática e
será utilizada nos próximos parágrafos.
As diferenças de potencial decorrentes da despolarização do átrio, do ventrículo e
também pela repolarização ventricular serão capturadas pelas derivações que vimos
anteriormente e formarão “ondas” no traçado do eletrocardiograma. Tenha em
mente que tudo que se afasta da câmera será gravado como negativo, e tudo que
vai de encontro à câmera será positivo no ECG. Vamos avaliar onda por onda.
O impulso gerado pelo nó sinusal segue em direção ao nó AV despolarizando os
átrios, ou seja, se aproximando da câmera de DII. Sendo assim, esta registra uma
onda positiva (porque se aproxima de DII) e de pequena amplitude e duração
(porque o átrio tem pouca força e massa, comparada ao ventrículo), que é a onda P.
O nó AV atrasa o impulso e, como não há maiores áreas sendo despolarizadas,
registra-se apenas uma linha reta que denominado de segmento PR.
Após isto, o ventrículo iniciará sua despolarização. O que você vai ver nos
próximos parágrafos também pode ser traduzido em vetores.
A despolarização inicial do septo promove a despolarização em diversos sentidos,
entretanto a resultante de todas as direções se afasta da filmadora em DII e este é o
motivo da formação de uma onda negativa, chamada onda Q. Por definição: onda Q
é uma onda negativa que se inscreve antes da onda R. Se a onda é negativa, então, o
vetor se afasta de DII.
As mudanças iônicas geradas pelo potencial de ação seguem, então, em direção
ao ápice cardíaco pelos ramos direito e esquerdo, se aproximando intensamente da
nossa câmera DII. O resultado é a grande onda R, por definição a onda positiva. Se é
assim, esse vetor, o maior de todos, vai em direção a DII.
Posteriormente, a ascensão pelas paredes livres dos ventrículos, se afastando
novamente da câmera, forma a onda S, por definição, a onda negativa que vem
depois da onda R, afastando-se de DII. Acabando assim de despolarizar os
ventrículos. A soma dos vetores de Q + R + S é o vetor elétrico cardíaco, e deverá ser
posicionado no Círculo de Cabrera para análise. Veremos no próximo bloco.
Por fim, após a despolarização, as células retornam ao seu estado original, ou
seja, se repolarizam. O resultado é o registro da onda T.
Em resumo, a onda P é a despolarização dos átrios, ou seja, é quando eles
recebem o estímulo da contração; o complexo QRS é a despolarização dos
ventrículos e a onda T a repolarização dos ventrículos. A repolarização dos átrios
ocorre concomitante à despolarização ventricular, que é um fenômeno mais intenso
e, por isso, não é possível de identificar no ECG. É importante ter em mente que
essas ondas possuem essa conformação descrita em DII e algumas outras
derivações, mas não todas. Por exemplo, em aVR, que é praticamente oposta a DII
(vide Círculo de Cabrera), o normal é termos uma P negativa, uma onda Q apenas
(não sucedida de R ou S) e uma T negativa.

5. CÁLCULO DO EIXO ELÉTRICO CARDÍACO


Agora que entendemos que o septo interventricular gera um vetor, as paredes
livres outro vetor, e as porções basais dos ventrículos geram um terceiro vetor, e que
o vetor final é a soma ou subtração deles, já conseguimos calcular o eixo elétrico
cardíaco.
O eixo elétrico cardíaco normal vai de -30º a + 90º (ou seja, de aVL a aVF). Se
houver desvio desse eixo para um espaço entre - 30º e - 90º, chamamos de desvio
superior do eixo. Se houver um desvio entre + 90º e + 180º, chamamos de desvio
para a direita. Se o eixo for oposto ao normal, ou seja, entre - 90º e + 180º, então
esse é um desvio do eixo para o quarto quadrante, ou “terra de ninguém”, como
alguns livros trazem – por denotar graves cardiopatias. Veja o círculo de Cabrera
adaptado na Imagem 6.3.
Figura 6.3: Círculo de Cabrera mais uma vez representado, desta vez demonstrando
os desvios de eixo e a ângulação normal do eixo elétrico cardíaco (adaptada de José
Alencar).

Para o cálculo do eixo cardíaco, um passo-a-passo será proposto:

1. Procure a derivação do plano horizontal em que a aparência global


do complexo QRS esteja isodifásica (ou seja, os potenciais positivos
são iguais aos negativos) – se encontrar algum, o QRS estará
perpendicular a esta derivação. Ótimo, mas por se tratar de um
círculo, perpendicular ainda pode significar dois ângulos
diferentes. Por exemplo: perpendicular a 0º pode ser + 90º ou - 90º.
Como vencer esse obstáculo. Vamos ao passo 2.
2. Veja qual derivação possui QRS de maior amplitude global. O vetor
estará em cima desta derivação se o QRS for positivo ou a 180
graus dela (ou seja, oposta), caso o QRS seja negativo.
3. Se houver duas derivações empatando em primeiro lugar de
amplitude, o eixo elétrico estará entre elas duas.

Agora você sabe se o eixo elétrico está indo para baixo ou para cima, para direita
ou para esquerda. À título de curiosidade, existe um exame chamado
“vetorcardiograma” em que o médico experiente avalia o eixo elétrico cardíaco
tridimensionalmente. Está em relativo desuso na prática clínica, mas os autores do
capítulo são declarados entusiastas desse método.

6. GERAÇÃO DO POTENCIAL DE AÇÃO


Uma célula se encontra polarizada quando a carga iônica do meio intracelular
difere da carga do meio extracelular (a essa diferença se dá o nome de potencial
transmembrana). Essa diferença de cargas é mantida fisiologicamente por bombas e
canais iônicos. As bombas iônicas, no contexto das células musculares cardíacas, são
responsáveis por manter as concentrações de alguns íons mesmo contra o
gradiente de concentração.
Os canais iônicos presentes nas membranas das células cardíacas, em grande
parte, são voltagem dependentes, ou seja, permanecem fechados até que seu
potencial elétrico de abertura seja alcançado.
A despolarização, que se inicia no nó sinoatrial e viaja pelo sincício das células
elétricas até cada célula miocárdica, ocorre devido a mudanças nas concentrações
iônicas a favor do gradiente de concentração que resulta na perda dessa diferença
de potencial.
A membrana de uma célula do nó sinusal possui canais de sódio, potássio e cálcio.
Inicialmente, estas células se encontram com uma carga negativa em relação a
concentração extracelular, ou seja, polarizada, com uma maior concentração de
potássio no seu interior e uma maior concentração de sódio e cálcio externamente.
Esta diferença de concentração se mantém pela impermeabilidade da membrana
e pelo trabalho da bomba de Na+/K+ dependente de ATP. Entretanto, a
automaticidade das células do nó sinusal se deve aos canais lentos de sódio que
permitem uma entrada constante de sódio independente do potencial. A corrente
gerada por esse canal é denominada IF, porque os cientistas que a descobriram
acharam “funny” que um canal de sódio pudesse ser lento (12). Nerds.
Pronto. Agora você já pode responder para o seu primo curioso por quê o coração
tem o potencial de “bater” sozinho. Os canais funny são os responsáveis pela
automaticidade do nó sinusal. Como veremos a seguir, o potencial de ação da célula
muscular cardíaca não apresenta essa peculiaridade.
Uma célula do nó sinusal em repouso possui um potencial de membrana de - 60
mV (por isso diz-se polarizada), devido a uma maior concentração de potássio no
meio intracelular e uma maior concentração de sódio e de cálcio no meio
extracelular (Imagem 6.4).

Figura 6.4: O papel de correntes locais na propagação de onda de excitação ao


longo da fibra cardíaca.

Entra sódio lentamente (carga positiva), e o potencial de ação vai subindo até
atingir – 40 mV. Quando o potencial alcança esse valor, os canais de cálcio
dependentes de voltagem (ICaL) se abrem, permitindo assim um grande influxo de
cálcio que eleva o potencial para valores positivos em torno de + 10 mV, ou seja, leva
à despolarização da membrana (se você está atento, perceberá que o potencial de
ação passou de polarizado negativo para polarizado positivo, mas convencionou-se
chamar essa transformação em carga positiva de “despolarização” - não temos nada
a ver com isso). Porém, ao se obter um potencial positivo, abrem-se os canais
rápidos de potássio, que promovem a repolarização da membrana (ou seja,
retornar para negativo).
Por fim, as bombas de Na+/K+ e as bombas de Na+/Ca2+, ativamente, retomam às
concentrações originais, expulsando o sódio e o cálcio, e recaptando o potássio.
Devido à retomada das concentrações iniciais pelas bombas iônicas e pela entrada
constante de sódio, esse será um ciclo que vai se repetir periodicamente.
Aproximadamente, uma vez por segundo. Portanto, como é esse potencial de ação
que irá se propagar e provocar as contrações musculares, o coração bate nessa
frequência: uma vez por segundo, 60 batimentos por minuto.
O potencial de ação em células automáticas é chamado de resposta lenta
(Imagem 6.5-A) e a condução desse potencial nas demais células cardíacas é
denominado de resposta rápida (Imagem 6.5-B). É sobre ela que vamos falar agora.
Figura 6.5: Potenciais de ação em fibras cardíacas de resposta lenta (A) e rápida (B).
PRR = periodo refratário relativo; PRE = período refratário efetivo (retirada do Berne).

7. CONDUÇÃO DO POTENCIAL DE AÇÃO


O estudo do mecanismo de condução das células musculares cardíacas utiliza dos
mesmos íons da geração do impulso elétrico, porém, com diferentes ações e
concentrações de canais iônicos.
Além disso, a presença de estruturas que permitem a comunicação entre as
células musculares cardíacas é fundamental: as junções comunicantes ou gap
junctions formadas pelas conexinas. São elas as responsáveis pelas células
musculares cardíacas agirem como um sincício.
Outra estrutura que desempenha um papel importante no processo é o retículo
sarcoplasmático. Nele existe canais de cálcio dependentes de voltagem que se
abrem ao se alcançar determinada voltagem, liberando o cálcio armazenado em seu
interior. Íon fundamental para o processo de contração muscular. Já falamos dele,
lembra? Canais rianodine.
A condução célula-a-célula do potencial de ação se inicia desde a mudança de
potencial transmembrana. Uma parte dos íons de sódio e cálcio que entram na
célula na fase de despolarização vão para as células adjacentes através das junções
comunicantes e desencadeiam um novo processo. Lindo, não?
O potencial de membrana das células musculares cardíacas é aproximadamente –
90 mV (mais negativo que das células automáticas). Ao ocorrer este influxo de íons
pelas junções comunicantes, este potencial irá ser levemente positivado, o suficiente
para abrir os canais de sódio rápido e desencadear um grande influxo de sódio.
Consequentemente, a membrana irá se despolarizar bruscamente.
Essa despolarização irá resultar na abertura dos outros dois canais (K+ e Ca2+).
Porém, os canais de cálcio se abrem mais lentamente, resultando em uma ação mais
gradual. Logo, a saída de potássio inicia a repolarização da célula, contudo, devido a
entrada lenta de cálcio, irá se formar um breve equilíbrio na movimentação das
cargas. Algo que é representado como um platô no gráfico 6.2.
Essa entrada de cálcio também dispara a liberação do cálcio armazenado no
retículo sarcoplasmático. Dessa forma, uma grande quantidade de cálcio se
concentra no meio intracelular e irá participar do processo de contração muscular.
Entretanto, não demora para os canais de cálcio se fecharem novamente, pois,
com a leve queda do potencial durante o platô, a voltagem deixa de ser suficiente
para mantê-los abertos. Consequentemente, a repolarização ocorre, pois apenas o
potássio está saindo da célula.
E aí, com todo esse cálcio no interior da célula, o que acontece? Ele se liga à
troponina C, que por sua vez irá se ligar à tropomiosina e facilitar o acoplamento das
moléculas de actina e miosina, levando à contração da célula. Concomitantemente a
isso, uma parte dos íons sódio e cálcio já foram para as células adjacentes através
das conexinas e estarão se contraindo logo em seguida. Deste modo, as milhões de
células miocárdicas ventriculares despolarizam-se quase que instantaneamente.
Nomeie um órgão mais bonito que esse e falhe miseravelmente.
Por fim, as bombas dependentes de ATP irão restabelecer ativamente as
concentrações basais, inclusive dentro do retículo sarcoplasmático (através da
SERCA, lembra?).
Cada fase da resposta rápida é nomeada:
Fase 0: despolarização pelo sódio
Fase 1: repolarização inicial causada pela saída exclusiva de
potássio;
Fase 2: o platô resultado do equilíbrio da movimentação do
potássio e do cálcio;
Fase 3: repolarização final pela saída majoritária de potássio;
Fase 4: restauração das concentrações iônicas.

8. PERÍODO REFRATÁRIO (EFETIVO X RELATIVO)


O período refratário é o período em que a célula ou está inviabilizada de sofrer
nova despolarização ou necessita de um estímulo mais intenso para que esta ocorra.
Considerando essas duas fases, o período refratário é dividido em período
refratário efetivo (independente do potencial de membrana que seja estabelecido,
os canais de sódio que já foram ativados não serão novamente disparados) e em
período refratário relativo (os canais iônicos apenas serão reativados se ocorrer um
potencial maior do que o exigido inicialmente).
Estes períodos protegem a célula miocárdica de entrar em tetania, ou seja, que se
mantenha contraída por mais tempo que o desejado, prejudicando a sua função.
Então apenas ao alcançar a fase 4, os canais de sódio poderão ser novamente
reativados pelos valores padrões.

3. REGULAÇÃO DA FORÇA E DA VELOCIDADE DE CONTRAÇÃO DO


CORAÇÃO
Além da automaticidade, como exposto anteriormente, o coração possui
mecanismos de regulação. Estes podem ser classificados em intrínsecos e extrínsecos.

1. MECANISMOS INTRÍNSECOS
Existem três mecanismos intrínsecos principais: o próprio sistema de condução do
coração; o mecanismo de Frank-Starling estudado no capítulo 05 (“Dentro de limites
fisiológicos, o coração bombeia todo o sangue que a ele retorna pelas veias”) e o
terceiro mecanismo é o polipeptídeo natriurético atrial (BNP, sua sigla em inglês,
pelo qual é mais conhecido).
O BNP é sintetizado e secretado pelo miocárdio atrial com o estiramento das
paredes atriais decorrente do aumento do retorno venoso. Como resposta a esse
aumento do retorno venoso, o PNA estimula a diurese e a natriurese, ou seja,
estimula a eliminação de água e sódio pela urina, com o intuito de reduzir a pressão
arterial e o retorno venoso.

2. MECANISMOS EXTRÍNSECOS
A regulação extrínseca é feita principalmente pelo sistema nervoso autônomo
(SNA).
O SNA simpático é originado no gânglio estrelado, onde estão localizados seus
corpos celulares, e seus axônios chegam ao coração muito próximo da região onde
correm os vasos epicárdicos (13). Já as fibras parassimpáticas se originam na medula
espinhal em nervo vago direito e esquerdo. Estes se ramificam e se distribuem de
maneira heterogênea, mas com intensa densidade nas regiões do nó sinusal e do nó
atrioventricular, com pouca densidade nos ventrículos (14). É digno de nota que o
feixe de His não recebe inervação autonômica, portanto, um bloqueio nesta região
não será por efeito disautonômico.
O principal neurotransmissor do SNA simpático é a norepinefrina. Essa substância
tem ação nos receptores alfa e beta adrenérgicos, como já foi visto anteriormente. A
norepinefrina e também a epinefrina agem através do agonismo de desses canais,
ativando as proteínas Gs (G estimuladoras), fazendo com que uma molécula
chamada adenil ciclase retire dois grupamentos fosfato da adenosina trifosfato (ATP)
para formação da adenosina monofosfato cíclica (AMPc), o segundo mensageiro do
SNA simpático (o primeiro era norepinefrina ou epinefrina), que por sua vez irá
promover a ação da proteína kinase A (PKA), terceiro mensageiro, que tem como
efeito principal a liberação e sensibilização de moléculas de cálcio. Mais cálcio: maior
contração de musculatura lisa (Imagem 3.2). A saber, moléculas importantes que
atuam nessa sensibilização são 1) fosfolambam, que aumenta a receptação do cálcio
pelo retículo sarcoplasmático e, consequentemente, seu melhor relaxamento e
velocidade de contração; 2) troponina I e canais de cálcio da membrana (15). Parece
um Deja Vu, mas não é. Já falamos dessa cascata no capítulo 3, mas, naquele
momento, falando sobre sua ação nos vasos. A cascata é a mesma. O produto final
também: contração cardíaca e de vasos.
O parágrafo anterior parece despropositado, mas é de suma importância no
entendimento da contração cardíaca. Para se ter ideia, hoje sabemos que existe uma
molécula chamada “beta-arrestina”, que é capaz de inibir a ação da proteína Gs, que
é o primeiro passo da cascata, deixando o indivíduo irresponsivo ao sistema nervoso
autônomo. Esse é um dos mecanismos fisiopatológicos da insuficiência cardíaca
congestiva (16).
O neurotransmissor do SNA parassimpático é a acetilcolina, que ativa receptores
muscarínicos e nicotínicos pré-ganglionares, reduzindo os níveis de AMP cíclico,
mantendo os canais de potássio abertos, deixando a célula hiperpolarizada e,
portanto, de mais difícil despolarização, e resultando em um cronotropismo
negativo, dromotropismo negativo e inotropismo negativo (17). Existem manobras
vagais, ou seja, maneiras de se induzir uma resposta parassimpática em um
indivíduo e, por exemplo, terminar sua arritmia. Uma das manobras vagais mais
difundidas é a manobra de Valsalva, em que a expiração contra a glote fechada ou
contra uma barreira qualquer acaba por causar o reflexo vagal(18). Lembra do caso
do Wilson?
A atuação desses dois sistemas é mútua, uma espécie de Yin-Yang.
Além do sistema nervoso, o coração sofre influência de diversas substâncias,
principalmente hormônios (vide Capítulo 03).

4. CONFERÊNCIAS

Confira aqui a aula dinâmica do Medicina Resumida sobre os assuntos abordados nesse capítulo!
Table of Contents
Capa
1. Introdução ao Sistema Cardiovascular
2. Dinâmica dos Fluídos (hemodinâmica)
3. Regulação da Circulação e da Pressão Arterial
4. O Coração
5. O Funcionamento Mecânico do Coração
6. O Funcionamento Elétrico do Coração

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