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História das Ferramentas para Madeira:

Roteiro da Exposição

Claudio de Moura Castro

Podemos classificar as ferramentas de trabalhar a madeira em três grandes


categorias. Na primeira estã o as ferramentas que descendem do encontro de um
pau com uma pedra. Sã o os martelos, machados, formõ es serras e outras. Na
segunda categoria estã o as ferramentas e má quinas que utilizam o movimento
girató rio. Na terceira estã o as ferramentas para comparar e medir. Esta
taxonomia organiza e dá uma ordem ló gica a um conjunto aparentemente díspar.
Mas ao mesmo tempo, a exposiçã o se organiza ao longo de linhas do tempo,
dentro de cada categoria.

Ao longo da linha do tempo, serão incluídas fotos de móveis correspondentes a


cada momento do desenvolvimento das ferramentas. A partir da Revolução
Industrial, aparecem móveis produzidos em larga escala, bem como peças
artísticas, construídas artesanalmente. A mensagem, no caso, é que as duas
alternativas convivem em uma sociedade relativamente rica.

A exposiçã o começa com uma mensagem poderosa: um primata mais avançado


se converte em homo sapiens por aprender a construir e usar ferramentas para
trabalhar a madeira. Essa é uma noçã o que sugerem pesquisas recentes em
diversas á reas. A complexidade crescente no uso das mã os e das ferramentas
provoca o crescimento do cérebro, avançando o hominídeo em direçã o ao
homem moderno. Isso nã o aconteceu com os outros primatas. Ou seja, o homem
é homem porque surgiu a carpintaria! Nada mau como marketing de uma
profissã o.

O homem evoluiu, ao lidar com o antecessor do plebeu martelo que compramos


na mais plebeia lojinha de materiais de construçã o.

A união do pau com a pedra

Aprofundemos. Os primatas usam paus e pedras para quebrar, raspar e


defender-se. Mas quando o pau se junta com a pedra, nascem o primeiro
machado e o primeiro martelo. Aos poucos, vã o sendo identificadas pedras, como
sílex, capazes de serem partidas por percussã o, criando uma lâ mina
suficientemente afiada para realizar mil tarefas diferentes. Igualmente,
escoaram-se milênios, no desenvolvimento das técnicas de fixar a pedra no cabo.

Vídeos de fabricação da facas e machados de sílex, mediante uma batida de


martelo na sua lateral.
Martelos

Golpear um coco com uma pedra, para quebra-lo, é proeza que os homens
compartilham com os primatas. Contudo prender a pedra em um bastã o, criando
o primeiro martelo, é um dos pontos em que os hominídeos se separam dos
outros primatas. O impacto da mesma pedra, agora amarrada em um pau, é
incomparavelmente maior do que a pedra na mã o.

Devemos criar uma simulação ou um experimento real para demonstrar esse


princípio.
Há que detalhar mais as cronologias desses avanços tecnológicos, já que são
minimamente conhecidas. Mas estamos falando de muitos milhares de anos.

Ao longo do tempo, há uma progressiva evoluçã o destas primeiras ferramentas,


até chegar à s que conhecemos de primeira mã o.

Cria-se aqui uma conexã o com a Exposiçã o dos Materiais. É a reduçã o do bronze
e do ferro que geram a possibilidade de uma variaçã o ilimitada de manifestaçõ es
do martelo (o mesmo vai se dar com outras ferramentas). Portanto, o domínio do
ferro, há menos de cinco mil anos AC, traz um aumento exponencial na
especializaçã o das ferramentas. Evoluem as formas dos martelos, com a
crescente especializaçã o das suas funçõ es. Há dezenas de tipos diferentes.

Podemos pensar em uma montagem da grande variedade existente, seja de


martelos reais, seja de fotos ou ilustrações. A lógica seria mais estética do que
outra qualquer.
Como dito, nã o menos importante é a evoluçã o dos materiais usados na sua
confecçã o. Da pedra, passa-se aos metais, com o bronze e o ferro predominando.
Mas apesar do aparecimento de cabos de fibra ou metal, permanece a madeira
como o material quase universal para eles.

Machados

Desenvolvimento paralelo têm os machados. Do sílex, passam a ser construídos


em bronze e depois ferro. Mais adiante, as técnicas para aumentar o teor de
carbono do ferro levam à manufatura do aço.

As formas de juntar a lâ mina ao cabo têm uma evoluçã o paralela à do martelo. É


interessante notar que apenas muito depois do aparecimento dos metais aparece
o clá ssico furo, para encaixar o machado no seu cabo. Por muitos séculos, as
lâ minas metá licas eram amarradas no cabo, como era necessá rio fazer com os de
pedra, dada a sua fragilidade e a dificuldade de furá -la. É um exemplo
interessante de permanência de uma soluçã o técnica obsoleta, quando o material
utilizado já permitia outra muito melhor.

Como com o martelo, o uso do ferro aumenta a qualidade e versatilidade dos


machados, levando a uma enorme variedade de desenhos e usos.

Aliá s, um dos traços marcantes do avanço tecnoló gico é a especializaçã o das


ferramentas. Como regra geral, quanto mais avançada a tecnologia em uma dada
sociedade, maior a variedade das ferramentas utilizadas. Esse ponto pode ser
tocado na exposiçã o. Por exemplo, Portugal, um país atrasado, para os padrõ es
europeus, tinha apenas um tipo de machado. A Inglaterra e os países germâ nicos
tinham vá rias dú zias, um para cada tarefa específica.

Mostrar contraste entre a variedade de machados na Península Iberica e na Nova


Inglaterra
Classicamente, o corte na lâ mina do machado é paralelo à linha do seu cabo. Mas
para certos usos, sobretudo na construçã o de canoas, evoluiu-se para uma
lâ mina atravessada. Essa soluçã o é o enxó . Curioso notar que na França e em
Portugal (e portanto, no Brasil), o enxó tem um cabo curto, como o de um
serrote. Já nos países anglo-germâ nicos, tem um cabo semelhante ao de um
machado.

Vídeos com o uso do machado e do enxó em situações típicas

Facas
Golpeia-se, tanto com o machado quanto com o martelo. Por isso, tendem a ter
um cabo relativamente longo, para aumentar a impulsã o. Em paralelo, aparece
nas mesmas épocas pré-histó ricas uma terceira ferramenta que nã o é golpeada: a
faca, com todas as suas variedades. Tradicionalmente é uma ferramenta que era
usada para cortar madeira. Contudo, na marcenaria, seu uso é substituído tende
a ser substituído por ferramentas especializadas.

Mais do que martelos e machados, a variedade das facas é quase ilimitada.

Formão

Normalmente, as facas tem sua superfície cortante paralela à sua dimensã o mais
longa. Mas aparecem também outras ferramentas cujo corte está na extremidade
e tem um cabo reto que é a continuaçã o das lâ minas. Sã o os formõ es, em toda a
sua variedade.

Montagem real ou fotográfica de dezenas de formões diferentes

Plaina

O formã o é uma ferramenta de versatilidade ilimitada. Contudo, como o corte


depende do â ngulo de incidência da lâ mina sobre a madeira, é difícil preparar
com ele uma superfície plana. Daí a ideia de prendê-lo a um bloco de madeira,
para que o â ngulo de corte seja fixo. Nasce entã o a plaina.

É interessante notar aqui uma diferença cultural na adoçã o das ferramentas.


Pioneira no desenvolvimento da metalurgia, na Revoluçã o Industrial, a Inglaterra
começou a fazer plainas inteiramente de ferro fundido. A Alemanha, retardatá ria
na industrializaçã o, acostumou-se com plainas feitas com blocos de madeira. Até
hoje, sã o raríssimas as plainas em madeira na Inglaterra e Estados Unidos. Em
contraste, ainda sã o vendidas e usadas nos países germâ nicos.
A característica mais marcante das plainas é a sua capacidade para produzir
superfícies planas. No entanto, nem tudo que se faz em madeira é plano. Daí a
evoluçã o dos raspilhos que sã o plainas com uma soleira estreita, permitindo
seguir o contorno da peça que está sendo trabalhada.

Serras

Todas as ferramentas até aqui descritas tem uma lâ mina cortante lisa. Mas bem
cedo aparece uma alternativa: as lâ minas serrilhadas. Em vez de cortar, raspam a
madeira. Em outras palavras, serram, uma operaçã o tecnicamente distinta.
Quando feitas de pedaços de rocha ou metal, seu uso é muito restrito. Mas com o
aparecimento do metal e, em particular, o aço, as serras tornam-se mais eficazes.
O uso do movimento giratório

Furar

Fazer furos nos materiais e objetos é de grande conveniência, para pendurar,


atar ou prender os artefatos do cotidiano. Mas, simplesmente, martelando uma
ferramenta pontiaguda nã o se consegue muito, além do risco de rachar o objeto
Desde 35 mil anos AC, os homens descobriram que o movimento girató rio pode
ser usado para furar. Inicialmente, as palmas das mã os giravam uma haste, de
madeira ou outro material. Mesmo uma ferramenta primitiva pode ser girada, de
forma a desbastar o material. Naturalmente, esse processo tornou-se muito mais
generalizado para acender fogo. Mas é a mesma ideia.

Há cerca de 10 mil anos AC aparecem as furadeiras de arco. Sã o baseadas no uso


de uma corda com algumas laçadas no eixo de uma broca. Cada extremidade está
presa em uma das extremidades de um arco. Esta ferramenta, residualmente,
ainda é usada por relojoeiros que fazem furos pequenos em metais macios.

Em outra versã o, há um volante pesado e a corda vai atada aos extremos de uma
peça furada no meio e enfiada no eixo. Funciona no mesmo princípio do ioiô . O
operador empurra a peça para baixo, desenrolando o cabo. Ao chegar ao fim do
curso, o volante propele o eixo, enrolando no sentido oposto. Assim, o operador
empurra e espera a corda se enrolar de novo, sucessivamente.

Em ambos os casos, a broca é uma haste de metal, com uma superfície cortante;
A tecnologia vai evoluindo, com cortes mais eficazes. Mas para que fure, sempre
se requer o peso da mã o do operador, ou o peso do volante.
O trado é mecanicamente mais simples, nã o passa de uma haste com uma trave
no extremo superior. Já na Idade Média, aparecem os trados em forma de colher.
Mas, na verdade, nã o furam, apenas alargam um furo pré-existente .

É curioso notar que as primeiras ferramentas para furar sã o mecanicamente


mais complicadas do que o trado – que nã o passa de uma haste de ferro com um
pau atravessado no topo.

Historicamente, o trado para furar veio bem depois, pois requer um cone
rosqueado na sua extremidade. Isto resulta das dificuldades de produzir esse
cone rosqueado, que requer um domínio bem mais avançado do trabalho em
metal. Tecnicamente, é um Parafuso de Arquimedes, semelhante aos parafusos
para madeira, até hoje usados. Este parafuso penetra na peça, forçando a
superfície cortante a desbastar a madeira, como se fosse um formã o. O parafuso
dispensa a pressã o externa para furar.

É somente no século XIX que se populariza o trado. Desde entã o, todos os furos
para os parafusos de fixaçã o dos trilhos nos dormente foram feitos com trados.
Só muito recentemente aparecem alternativas motorizadas. Apesar da sua
singeleza, ainda é usado, por exemplo, na construçã o de jangadas.
Um variante do trado usa o arco de pua, cujo desenvolvimento se dá no século
XV. Trata-se de uma manivela com um mandril na extremidade. Até hoje existe,
sendo mesmo usado por marceneiros sofisticados que preferem o maior controle
oferecido por ele, comparado com a eficiência das alternativas mais modernas.

Apó s o trado, com o avanço na usinagem de metais, aparecem vá rias


ferramentas, destinadas a furar madeira. As que mais sucesso fizeram foram as
furadeiras de manivela. Existem desde o século XIX. Mas há versõ es
contemporâ neas, incorporando plá sticos e um desenho moderno.

O passo seguinte é o aparecimento de furadeiras fixadas na mesa de trabalho.


Isso libera uma das mã os do operador e permite um uso mais eficiente da força
humana, através da alavanca que pressiona o eixo do mandril/broca. Há uma
grande variedade de soluçõ es mecâ nicas na sua construçã o, mas os princípios
sã o sempre os mesmos.
No bojo da Revoluçã o Industrial, com a disseminaçã o das má quinas a vapor,
aparece a furadeira de coluna. Esta é impulsionada por uma correia de couro
plano, acoplando uma polia na furadeira à outra em um eixo, cujo movimento
vem das má quinas a vapor ou motores elétricos, quando estes aparecem.

Mais adiante, com a eletrificaçã o das oficinas, o motores elétricos substituem as


má quinas à vapor. Mas isso, em si, pouco muda na configuraçã o destas
furadeiras, cujo avanço é contínuo, mas mantendo os mesmos princípios. A
furadeira de coluna, de baixo preço, tornou-se uma das má quinas mais ubíquas
em pequenas oficinas.
Com a possibilidade de controlar má quinas operatrizes por computador (CNC),
algumas furadeiras incorporam esses dispositivos. Com isso, rotinas repetitivas
nã o requerem as operaçõ es manuais tradicionais.

A reduçã o no tamanho dos motores elétricos permitiu uma pequena revoluçã o:


as furadeiras elétricas manuais. Inicialmente tinham carcaças de alumínio. Nos
ú ltimos anos, passam ser de plá stico. Além de reduzir o perigo de choques, sã o
mais leves e mais baratas. Tornam-se a ferramenta elétrica que povoa todas as
oficinas e uma grande proporçã o de lares.
Outro avanço recente, e cada vez mais populares, sã o as furadeiras a bateria. Na
verdade, sã o as mesmas furadeiras. Os avanços estã o na tecnologia das baterias,
sempre problemá ticas, mas que seguem melhorando.

Furadeiras elétricas devem estar disponíveis para permitir aos visitantes fazer
furos em tábuas, sobre as bancadas.

Tornear

Como mencionado, furar com uma haste girada pelas palmas das mã os é algo que
o homem faz há quase vinte mil anos. Mas há um segundo uso do movimento
girató rio que também vem de longa data: tornear.

Por volta de mil anos AC, foram encontrados na ilha de Miscenas, fragmentos de
objetos torneados. Mais adiante, há também evidência de objetos torneados
etruscos, de resto, com ó timo nível de sofisticaçã o.
Progressivamente, o torno é aperfeiçoado. O primeiro avanço é a maneira de
transmitir movimento ao eixo. Antes, como nas furadeiras, isso se fazia através
de uma correia de couro, com duas voltas em torno dele. Um assistente retesa
um lado e puxa a cinta, iniciando o movimento. Solta entã o, e sem pressã o sobre
o eixo, retorna a cinta para a posiçã o inicial, repetindo entã o o movimento.

Um avanço subsequente é o arco, como nas furadeiras. A vantagem é que uma


ú nica pessoa pode operar o torno, ainda que com pouca eficiência.

Devem ser construídas duas furadeiras, copiando algum modelo antigo, de tal
forma a permitir aos visitantes impulsionar o eixo, pelos dois sistemas.

O avanço seguinte, datado do século XIII DC, é o uso de um pedal e de uma mola
de madeira. O pedal puxa a corda que impele o eixo. A mola retorna o conjunto à
posiçã o inicial. Essa mudança também permitiu ao torneiro trabalhar de pé, e
nã o sentado no chã o.

Deve ser construído um modelo funcional do torno ilustrado na foto abaixo. Um


marceneiro deve aprender a manejá-lo e demonstrar o seu funcionamento. Em
paralelo, um torno contemporâneo estará também sendo usado. Dado o reduzido
risco de acidentes, os visitantes poderão experimentar os dois.

Na tradiçã o ocidental, isso é um grande avanço, em direçã o a uma ergonomia já


consagrada. Em contraste, nos países á rabes e na Índia, persiste a tradiçã o de
trabalhar sentado no solo.

Também foi inventado um sistema com uma haste atada ao pedal. É um


mecanismo semelhante ao de uma má quina de costura de mesa. O primeiro
desenho foi feito por Leonardo da Vinci, mas nã o se sabe de seu uso, até muito
recentemente.

Outro avanço substancial é o uso de um grande volante, tocado a manivela por


um assistente. Uma polia comunicava o movimento ao eixo do torno.
Aparentemente, os romanos usavam esse sistema.

Com o aparecimento da força motriz, o torno passa a ser atrelado ao sistema de


transmissã o da fá brica. Esta soluçã o sobrevive, até o aparecimento de motores
elétricos menos dispendiosos. Desta forma, cada má quina passa a ter o seu
pró prio motor, dando a ela autonomia e podendo ser instalada onde for mais
conveniente. Dispensa-se assim o complexo sistema de polias, eixos e correias,
interligando tudo. Esta soluçã o, típica do século XIX, subsistiu no Brasil, até
poucas décadas atrá s.

Igualmente marcada pela Revoluçã o Industrial é a construçã o do torno em ferro


fundido, em vez de madeira.
Nos tornos para madeira aconteceram alguns dos avanços significativos. Por
exemplo, formas mais eficientes de variar a velocidade. Mas no todo,
permanecem incrivelmente semelhante aos tornos de dois séculos atrá s.

Em contraste, no início do século XIX, nos tornos de metal, a ferramenta passou a


ser fixada em um carrinho mó vel, dando a esta má quina um impulso gigantesco.
De fato, segurar com as mã os uma ferramenta de torno para metais é uma
façanha hercú lea. Somente na relojoaria ainda pode ser praticada.

A despeito das poucas mudanças nos tornos de madeira convencionais, existem


hoje tornos controlados por computadores (CNC), cuja produtividade é muito
maior. Apareceram também tornos desenhados para produzir peças que nã o sã o
simétricas, como coronhas de rifles militares. E também, tornos capazes de
reproduzir desenhos intrincados.
Deve estar em demonstração um torno CNC pequeno, como aqueles produzidos
pela empresa EMCO.

A serra circular

Milênios atrá s, aparecem serras feitas com diferentes materiais. Com os avanços
da metalurgia, surgem o serrote e suas variantes. Até hoje, ainda sã o usados. Em
contraste, o uso do movimento circular para serrar madeira teve que esperar
pelo domínio de formas de energia mais poderosas do que os mú sculos humanos.
É somente no final do século XVIII que aparecem as primeiras serras circulares.
Em suas formas mais incipientes, sã o movidas pelos moinhos de vento. Com a
evoluçã o da roda d’á gua, tornam-se mais comuns e eficientes. Naturalmente, com
as má quinas a vapor e, depois, com os motores elétricos, passam a dominar todas
as operaçõ es brutas de abrir troncos e cortá -los em pedaços.

O princípio da serra circular fixa é muito simples. A lâ mina é estacionaria e


pivota em um eixo horizontal. Em um rasgo da mesa, regula-se a altura da
lâ mina. A peça é entã o empurrada em direçã o à serra, acompanhando uma régua
que mantem fixa a sua direçã o.

A serra circular de mesa tornou-se a má quina mais ubíqua nas carpintarias e


marcenarias. Praticamente tudo que é fabricado começa com o corte das peças
nas medidas certas.
Nã o obstante a sua alta produtividade, tem um forte ó bice: é a má quina campeã
de acidentes. Estimam-se 150 acidentes por dia nos Estados Unidos.

Há duas causas principais para os acidentes. A primeira, mais ó bvia, é que a mã o


do operador escapa e é cortada pela serra. A segunda é menos previsível. Se a
peça atravessa um pouco na mesa, os dentes da lâ mina que estã o do outro lado
da á rea de corte estã o andando em direçã o ao operador. Se a peça toca nesses
dentes, será arremessada para frente. Pode ser um pequeno deslocamento ou
virar um projetil mortífero. Todo cuidado é pouco.

Mostrar filminhos do YouTube com pedaços de madeira sendo projetados a


grande distâ ncia.

Evitam-se esses acidentes mediante regras simples a serem seguidas por todo e
qualquer operador. Cada vez mais, exigem-se cursos de certificaçã o para operar
uma serra circular.

Um inventor criativo inventou uma serra que utiliza a tecnologia do airbag e


circuitos eletrô nicos. A lâ mina nã o tem contato elétrico com a mesa. Ao serrar
uma peça, está lidando com um material isolante. Mas a carne humana nã o é
isolante, se o dedo tocar na serra, ativa um circuito elétrico que faz explodir um
cartucho de airbag, travando a serra em milissegundos.
Conseguir uma SawStop ou Bosch, para demonstração, o teste da salsicha

Como aconteceu com muitas outras má quinas, motores menores e mais leves
permitiram a criaçã o de serras portá teis. Igualmente, a evoluçã o das baterias
elimina o fio elétrico.

Uma característica inerente à serra circular é que somente serra em linha reta.
Daí o aparecimento de uma outra serra que faz curvas, a serra de fita.

A ideia de usar uma banda metá lica circular e flexível nã o ocorreu muito depois
do aparecimento das serras circulares. Ou seja, vem do início do século XIX.
No entanto, o aço existente nã o resistia à s exigências do trabalho e as soldas,
ainda menos. Assim sendo, somente em meados do século XIX torna-se possível
produzir uma serra de fita eficiente e confiá vel.

Plaina e desengrosso

Assim como o serrote encontrou sua versã o motorizada na serra circular, as


funçõ es da plaina manual também foram reproduzidas em má quinas.

A plaina consiste em um cilindro de ferro, com duas ou três navalhas cortantes


nela aparafusadas. Esta peça gira em alta velocidade, embutida em uma mesa
metá lica e apenas alguns milímetros acima da sua superfície. As peças sã o
deslizadas sobre a mesa e aparadas pelas navalhas.

Outra alternativa é o mesmo cilindro dentro de uma má quina fechada e cujos


roletes na parte superior, pressionam a peça sobre a mesa inferior.

Mais recentemente, em paralelo com furadeiras e serras portá teis, a plaina tem a
sua versã o manual. É a tupia.
Conceber e projetar

Normalmente, a ferramenta só toca na peça quando sabemos exatamente onde


queremos o corte. Ao contrá rio da massa de modelagem, nã o há como voltar
atrá s, diante de uma intervençã o errada. Portanto, antes de meter mã os à obra, é
preciso conceber a peça, determinar suas medidas e transferi-las para a peça.

Portanto, ao trabalharmos a madeira, já chegamos em uma fase em que a


competência na execuçã o é tudo. Antes vem a concepçã o e a transferência das
medidas para a peça. A medida em que avançamos no eixo do tempo, o grau de
abstraçã o envolvido nessa fase inicial vai aumentando.

Para fazer o cabo de um machado de pedra, nossos antepassados pré-histó ricos


examinavam muitas á rvores e muitos galhos, até encontrar o que correspondia à
imagem mental do que haviam concebido em suas cabeças. Note-se que já se
distanciaram muito dos outros primatas, incapazes de imaginar um machado e
seu cabo.

Mas nesta fase, a concepçã o ia diretamente para a açã o, sem etapas


intermediá rias. Quero o cabo assim ou assado, aquela forquilha corresponde ao
que preciso, portanto, vamos cortá -la.

A partir de certo momento, o homem começa a utilizar representaçõ es pictó ricas


do mundo que o cercava. Entre quinze e vinte mil anos AC domina as técnicas da
pintura rupestre, como as descobertas em Altamira e Lascaux (aqui, imagens de
objetos destas grutas). Os pró prios índios brasileiros deixaram ampla iconografia
rupestre (mostrar).
Acontece depois um grande salto da imaginaçã o. Antes de construir algum mó vel
ou objeto um pouco mais complexo, passa a representa-lo em algum meio, como
papiro ou pergaminho. Esse desenho permite resolver por antecipaçã o um
grande nú mero de problemas prá ticos que afetam a pró pria viabilidade do
projeto. Este apoio aguenta? E o encaixe? Qual peça encaixa em qual? Vai ficar
feio? Sim, a estética aparece muito cedo, seja nas edificaçõ es, seja no mobiliá rio.

Nasce neste momento, o desenho técnico, a planta. É a vida da peça, antes de ter
vida real.

Até os dias de hoje, carpinteiros e marceneiros costumam desenhar o que vã o


fazer. Podem ser desenhos a lá pis.
Os avanços nas ferramentas de trabalhar a madeira encontram avanços paralelos
naquelas utilizadas para desenhar o objeto a ser construído. No século XIX já
estavam presentes todos os que conhecemos hoje (e outros que foram
abandonados, pelo aparecimento de alternativas melhores, como o tira-linhas).

Nã o tarda que o desenvolvimento da perspectiva, ocorrido no Renascimento, seja


aplicado nos desenhos técnicos de marcenaria, facilitando a sua compreensã o.
Um salto definitivo é dado nas ú ltimas décadas, com a disseminaçã o dos
computadores e dos programas de CAD, como o SketchUp.

Se antes, a habilidade com o lá pis ou o tiralinhas era uma competência


fundamental no desenho técnico, hoje, com o mouse e o teclado, mudam a
natureza do que precisamos dominar para produzir uma imagem 3D.

Portanto, se ferramentas parecidas com as usadas por Sã o José ainda sã o usadas


hoje, elas coexistem com formas muito mais competentes, abstratas e completas
de projetar e representar o que queremos realizar com a madeira. Com serrote,
formã o, plaina e martelo damos materialidade a um projeto apresentado em
CAD.

Comparar, medir e marcar

Se queremos fazer uma cadeira ou uma mesa, é preciso que os quatro pés
tenham a mesma dimensã o. Se a porta vai entrar justa no marco, é preciso que
tenha as medidas corretas. Assim sendo, medir e marcar sã o tarefas essenciais e
diuturnas da construçã o em madeira.

Eis o paradoxo, as á rvores sã o curvas, sã o sinuosas. Contudo, ao serem


trabalhadas, a ló gica das ferramentas e má quinas exigem os planos e linhas retas.

Sendo assim, trabalha-se, quase sempre, com superfícies planas e arestas retas. A
curva pode ser necessá ria por razõ es prá ticas ou estéticas, mas é um estorvo na
oficina.

Por esta razã o, um dos instrumentos mais necessá rios é uma régua, para
assegurar que a peça é reta. As primeiras réguas nã o passavam de um sarrafo,
tã o reto quanto se conseguisse produzir. Mais adiante, para facilitar o transporte,
passa a ser dobrá veis. O avanço dos metais leva ao uso deste material, muitas
vezes em lâ minas flexíveis.
Na mesma ló gica inexorá vel da linha reta das construçõ es em madeira vem o
â ngulo reto. É indisputá vel a facilidade de construçã o, com madeiras retas,
cortadas e encaixadas em â ngulo reto. Pensemos em um simples caixote, cujos
â ngulos nã o sã o retos. Com as ferramentas que temos, será muito mais difícil
construí-lo.

Sendo assim, impõ e-se um instrumento para marcar e verificar â ngulos retos.
Trata-se do esquadro. Pela sua simplicidade e singeleza, oferece pouco espaço
para aperfeiçoamento. Apenas os materiais podem variar.
O compasso é uma ferramenta ambidestra. Tanto serve para traçar círculos como
para comparar distâ ncias. Seu desenho, de tã o simples, nã o admite muitas
variaçõ es.

Com pouca frequência usamos â ngulos que nã o sejam 90º ou 45º. Mas quando
necessá rio, as sutas podem medi-los ou reproduzi-los.

Quando necessitamos mais precisã o nas medidas, podemos tomar emprestado


uma ferramenta dos mecâ nicos, o calibre, também chamado de paquímetro.
Sistemas de medida

Se preciso de duas peças do mesmo tamanho, posso cortar a primeira e usá -la
para marcar o tamanho da segunda. Essa é a manifestaçã o mais simples das
medidas. A pró pria peça de referência serve como medida. O salto da imaginaçã o
existe, mas é ínfimo.

Se isto nã o é possível, posso marcar o seu tamanho dela uma em uma ripa de
madeira e usar o intervalo definido para dimensionar a segunda.

Mas há outras alternativas, requerendo um salto muito maior na abstraçã o.


Posso definir uma unidade de medidas qualquer, digamos, o polegar ou o pé do
rei. Diante da peça a ser medida, pergunto entã o a quantas unidades
corresponde. Em vez de ter apenas uma marcaçã o em uma régua, agora posso
substitui-la por um nú mero, digamos, cinco pés do rei. Esta operaçã o
corresponde a um grande salto na abstraçã o, embora nã o nos demos conta.

Passa a ser possível construir um pé em Lion, outro em Paris, em Marselha e em


Lille, sem levar a régua a cada um destes lugares. Basta um nú mero rabiscado em
um papel e enviado pelo correio. E todos terã o exatamente o mesmo tamanho.

Mas nã o era bem assim, pois no século XVIII, cada cidade europeia tinha o seu rei
e a medida do seu pé. Dentro da cidade, nã o havia dificuldades para medir e
expressar as medidas por nú meros correspondendo ao pé do rei. Mas quando se
tratavam de especificar objetos, em cidades diferentes, nã o era fá cil comparar,
pois os pés dos reis tinham tamanhos diferentes.

Daí a tentativa francesa de criar um sistema universal, o Sistema Métrico


Decimal, já no século XVIII. Mas mesmo na França, consomem-se cem anos até
universalizar o novo padrã o, devido à inércia e resistência do povo e do governo.

Para obter um padrã o universal, foi escolhido um submú ltiplo da distâ ncia entre
meridianos. Mas acabou sendo uma ideia infeliz, pois com o aperfeiçoamento das
medidas terrestres, descobriu-se que o metro era uma aproximaçã o grosseira. A
soluçã o foi definir o metro, simplesmente, como a distâ ncia entre duas marcas
em uma barra de platina iridiada, mantida em temperatura constante em um
edifício pú blico em Paris.

Fotos da barra etc

Inglaterra e Estados Unidos mantiveram, por longos anos, o chamado sistema


Imperial, com seus pés, polegadas e jardas. Pior, as medidas intermediá rias sã o
definidas em fraçõ es de polegadas, até hoje, um pesadelo. Legalmente, a
Inglaterra adotou o Sistema Métrico. Na prá tica, só pela metade.

Nos Estados Unidos, a ciência usa o Sistema Métrico, mas o povo continua no
Imperial. Ilustrativo das dificuldades de conviver com dois sistemas foi o
acidente com uma nave espacial, cuja gaxeta de vedaçã o tinha o diâ metro errado,
por uma confusã o entre os dois sistemas.

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