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Terceira Civilização - Edição 462 - 01/02/2007 - pág.

10 - Especial

Terceira Civilização - Especial

A prática do Caminho do Meio

Cada ser humano possui sua pessoas ao estado de Buda. O espírito do


personalidade, sua forma de pensar e de Sutra de Lótus é fazer com que o enorme
agir. O enfoque dado a essas diferenças é potencial de cada ser humano floresça
o que tem gerado problemas de completamente, e é com esse objetivo
relacionamento entre as pessoas e, numa que o Buda usa os meios. Os meios são um
escala mais ampla, aos conflitos entre método para educar as pessoas num
nações. Por isso, saber valorizar aquilo que sentido mais amplo”.3 Para isso, é preciso
todos têm em comum — a humanidade — conhecer as pessoas e colocar-se no lugar
é chegar ao Caminho do Meio. Em delas. Esse é um ponto que o presidente
situações de discórdia ou conflitos, não se Ikeda vem enfatizando nas últimas
deve basear as ações em pontos de vistas propostas de paz. Nesse sentido, para se
pessoais, ou no sentimentalismo. Pode-se chegar ao Caminho do Meio, não se deve
dizer que a sabedoria da prática budista impor culturas pessoais ou desejar que
está, justamente, em agir com base no todos pensem da mesma forma, mas
Caminho do Meio, ou seja, criando a colocar um objetivo maior em evidência,
harmonia entre todas as pessoas. algo que beneficie a todos e, então, cada
um a sua maneira, contribuir para
Seguir o Caminho do Meio não significa concretizá-lo.
“ficar em cima do muro”, “não tomar
partido” a fim de não interferir em alguma “Seu modo de pensar está correto, o meu
situação, mas valer-se, por exemplo, do também está. Então, vamos chegar a um
diálogo, para colocar seus pontos de vista ponto comum para resolvermos as
e ouvir o dos outros e, juntos, chegarem a questões” — ao agirem dessa maneira,
um acordo. embora nem sempre seja fácil, as pessoas
estarão valorizando a si e também
O Buda Sakyamuni também utilizava vários respeitando as outras. Isso equivale
meios para fazer as pessoas de sua época também ao humanismo, tão almejado no
compreenderem seu ensino. No 2º budismo.
capítulo do Sutra de Lótus (Hoben,
“Meios”), Sakyamuni declara que os budas Revolução humana
surgem no mundo unicamente para
despertar em todas as pessoas a sabedoria A essência da filosofia pregada pela SGI é
do Buda, ajudá-las a percebê-la e a revolução humana. Para que ela ocorra, é
capacitá-las a atingir o estado de Buda.2 necessário que cada um avalie suas
Explanando esse capítulo, o presidente atitudes, seu modo de pensar, de agir,
Ikeda comenta: “Os ‘meios’ são um método abandone apegos e deixe de se preocupar
educacional ou técnica para conduzir as demasiadamente em obter status, poder,

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fama, fortuna ou viver em função das grande inovação se faz necessária e, para
pessoas ou presas ao passado. Indivíduos isso, é preciso uma nova perspectiva.
que se baseiam somente em seu modo de Nesse processo, os jovens são
pensar acabam impedindo o processo de fundamentais. Assim, utilizando a
sua própria revolução humana, ou seja, o experiência do veterano com o espírito
objetivo primordial da prática, torna-se inovador dos jovens, é possível se chegar
distante. A proposta do presidente Ikeda ao Caminho do Meio e obter novos e bons
de colocar-se no lugar do outro, resultados.
desenvolvendo a empatia, pode contribuir
muito para que cada pessoa aprenda a ver Alguns receiam quebrar seus próprios
as coisas de um outro ponto de vista, paradigmas por acreditar que, ao fazê-lo,
aprendendo umas com as outras. podem perder a autenticidade, sua
personalidade. Mas, ocorre o contrário, as
Como uma pessoa pode avaliar quando é pessoas acabam desenvolvendo ainda
preciso mudar a si? Teoricamente, é mais suas virtudes e aprendendo coisas
simples: basta que ela analise os novas.
acontecimentos ao seu redor, a situação
que se encontra. Se em sua vida nada lhe é Paradigma significa “modelo ou exemplo”.
satisfatório, é preciso buscar a mudança, Ou seja, são os padrões que cada um
antes de tudo, das próprias atitudes, adota para seguir. Exemplificando, quando
consciente de que se continuar fazendo o uma pessoa se depara com um
que sempre fez, continuará obtendo o que determinado problema, utiliza os recursos
sempre obteve. de outras circunstâncias para superá-lo e,
dificilmente, encontra novos caminhos,
Quebra de paradigmas podendo ficar “sempre batendo na mesma
tecla”. Quebrar paradigmas é, justamente,
Um exemplo de relação construtiva, se buscar novos caminhos, inovar, ouvir os
cultivada com base nos princípios do outros e valorizar tanto a sua visão como a
Caminho do Meio, é o de jovens e de outras pessoas para se chegar a um
veteranos. Com o passar do tempo, as objetivo comum. É um processo que
pessoas tendem a acostumar-se com a requer paciência e humildade, virtudes
situação em que vivem e acabam caindo primordiais de pessoas que desejam criar
na rotina. Buscando proteger tudo aquilo um ambiente de solidariedade e harmonia
que conquistou, como reputação, riqueza e entre todos.
outros, é natural que o veterano repita as
estratégias que deram certo, inovando Mas como quebrar paradigmas?
apenas quando necessário, pensando: “Em
time que está ganhando, não se mexe”. A O primeiro passo é reconhecer que
repetição em si não é um problema, afinal, ninguém pode escapar das mudanças. O
é por meio de várias tentativas que muitos budismo ensina que não existe um “ser
conseguem realizar grandes feitos. imutável”. As características que
Contudo, há momentos em que uma constituem o “ser” atual, na verdade, nada

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mais são que um aspecto temporário que conseguem enxergar esse “eu”
cada um assumiu. As pessoas tendem a claramente, e acabam se sentindo
considerar tanto a si próprias como frustradas.
também as outras de acordo com esses
aspectos estáticos. Ou seja, por mais que Considerando todas as situações sob o
os outros tenham se desenvolvido e ponto de vista budista da origem
mudado, sempre tendem a serem vistas dependente, compreende-se que tudo
como eram no passado. A sabedoria da surge de uma sinergia de causas internas e
não-substancialidade refuta essa visão relações externas e que tudo é
estática e permite a percepção de que não interdependente. Entretanto, os seres
há absolutamente nada imutável no não-iluminados, acreditando que seu “eu”
mundo e que cada um deve se esforçar é imutável, tornam-se apegados a ele.
continuamente para desenvolver-se e Esse é o estado de vida dos seres que
avançar. Por exemplo, um jogador de estão nos seis caminhos.4 Apegados à
futebol que, embora tenha se tornado riqueza, posição social, fama, entre outros,
famoso por lançar a bola com uma eles vivem na ilusão de que tais coisas irão
velocidade incrível quando jovem, perderá pertencer-lhes para sempre e apegam-se
sua força à medida que envelhecer. Apesar a elas.
disso, ele provavelmente continuará
mantendo a imagem de si próprio como A verdadeira iluminação reside na
um jogador incrivelmente veloz. Então, percepção de que não há absolutamente
após alguns anos, ao chutar a bola na nada imutável no mundo, e que, como
tentativa de jogá-la na velocidade que lhe resultado, cada um, seja veterano ou
era habitual quando jovem, percebe que novato, deve se esforçar continuamente
isso não ocorre e seu lance, agora mais para desenvolver-se e avançar, sempre
fraco, leva seu time à derrota. aprendendo um com o outro.

Dessa maneira, é natural que uma pessoa O Caminho do Meio


saudável algum dia adoeça e morra, um
jovem certamente envelhecerá e a pessoa O Caminho do Meio é representado no
que cada um era há dez anos não é mais a budismo por uma roda com oito raios e um
mesma hoje. Contudo, existem pessoas centro vazio. Os oito raios, que se “opõem”
que, mesmo após terem se aposentado, entre si, representam os oito caminhos
não conseguem abandonar o orgulho, e principais que ligam a periferia da roda ao
isso as tornam intoleráveis. Há outras que, seu centro. Por isso, o Caminho do Meio é
por terem se moldado inteiramente à também chamado de O Nobre Caminho
companhia para a qual trabalham, quando Óctuplo.
se aposentam, a única coisa que
permanece é um sentimento de vazio em Assim, o Caminho do Meio é o caminho do
relação à sua própria identidade. Em centro das contradições, que une os
muitos casos, essas pessoas não iniciam extremos. Nele encontram-se todos os
uma nova fase na vida, pois não extremos. Nele todos os extremos se

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apóiam.

Notas

2. Preleção dos Capítulos Hoben e Juryo, Editora Brasil Seikyo, pág. 13.

3. A Sabedoria do Sutra de Lótus, Editora Brasil Seikyo, vol. I, pág. 135.

4. Seis caminhos: Também chamados de seis caminhos da existência. Mundos ou

domínios nos quais os seres não-iluminados transmigram. Eles são o inferno, o mundo

dos espíritos famintos, dos animais, dos asuras, dos seres humanos e dos seres celestiais.

Correspondem, respectivamente, aos estados de Inferno, Fome, Animalidade, Ira,

Tranqüilidade e Alegria.

Fontes

Terceira Civilização, edição nº 402, fevereiro de 2002, pág. 54.

A Dictionary of Buddhist Terms and Concepts (Dicionário de Termos e Conceitos

Budistas), NSIC, 1983, págs. 263-264.

Brasil Seikyo, edição nº 1.501, 27 de março de 1999, pág. 4; e edição nº 1.766, 9 de outubro

de 2004, pág. A5.

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