Você está na página 1de 3

O Rico Sudatta

(Ueno Dono Gohenji, págs. 1574 e 1575)

Recebi o seu oferecimento de um kan de moedas. Por ter demonstrado tal


sinceridade, estou lhe dizendo o seguinte. Não deve pensar que eu seja um
sacerdote ganancioso.

Há um caminho para se tornar um Buda facilmente, e ensinarei ao senhor.


Ensinar algo a uma outra pessoa é como lubrificar as rodas de uma pesada
carroça para que estas girem, ou como colocar um barco na água para
fazê-lo flutuar sem dificuldade. O caminho para se tornar um buda
facilmente não é nada extraordinário. É, por exemplo, dar água a uma
pessoa com sede em tempo de seca ou proporcionar fogo para alguém
congelando no frio. Ou, ainda é, conceder a uma outra pessoa algo
insubstituível: quando a própria vida está para ser extinta por falta de
alguma coisa, a pessoa oferece exatamente esse algo como donativo a um
outro.

Houve certa vez um governante chamado Rei Konjiki. Seu país foi, durante
doze anos, atormentado por uma grande seca, e um número incontável de
pessoas morreram de fome. Nos rios, cadáveres se empilhavam como
pontes, e, na terra, esqueletos se acumulavam como oiteiros de sepulcro.
Naquele tempo, o Rei Konjiki concebeu uma grande aspiração à iluminação
(para salvar o povo) e distribuiu uma grande quantidade de donativos. Ele
cedeu tudo o que podia, até restarem apenas cinco meras medidas de
arroz em sua despensa. Quando seus ministros o informaram de que isto o
iria alimentar durante um único dia, o grande rei pegou as cinco medidas
de arroz e a cada um de seus súditos famintos deu um grão, dois grãos,
três grãos ou quatro grãos, distribuindo-os, dessa maneira, a todos. Então,
ele voltou-se para o céu e bradou que morreria de fome no lugar do povo,
tomando para si a dor da fome e sede deles. O céu escutou-o e
imediatamente enviou-lhe a doce chuva da imortalidade. Quando essa
chuva tocava os corpos ou caía sobre as faces das pessoas, a fome dela era
satisfeita e, no espaço de um momento, todos os habitantes do país foram
revivificados.

Na Índia, houve uma pessoa chamada Sudatta. Sete vezes ele ficou
reduzido à pobreza, e sete vezes ele tornou-se um homem rico. Durante
esse último período de privação, as pessoas (da cidade) haviam todas
fugido ou perecido, até que sobraram apenas ele e sua esposa. Eles tinham
somente cinco medidas de arroz, suficientes para se manterem por cinco
dias. Nessa ocasião, cinco pessoas – Mahakashyapa, Shariputra, Ananda,
Rahula e o Buda Sakyamuni – vieram, revezando-se para pedir donativos e
receberam as cinco medidas de arroz. Daquele dia em diante, Sudatta
tornou-se o homem mais rico em toda a Índia e construiu o Monastério
Jetavana. Deve entender todas as situações similares a partir desses
exemplos.

O senhor já se assemelha ao devoto do Sutra de Lótus, assim como um


macaco se parece com o homem ou um bolinho de arroz lembra a lua. Por
ter protegido tão intensamente as pessoas de Atsuhara, as pessoas deste
país o consideram um traidor, como Masakado da era Shohei (931-938) ou
Sadato da era Tengui (1053-1058). Isto ocorre unicamente porque o
senhor entregou a sua vida ao Sutra de Lótus. O céu, de forma alguma, o
considera um homem que traiu o seu lorde. Além disso, a sua pequena vila
tem sido pesadamente tributada e o povo dela tem sido, repetidamente,
submetido ao trabalho forçado, até o ponto de o senhor próprio não
possuir nenhum cavalo para montar, e sua esposa e filhos carecem de
roupas. Entretanto, apesar de sua própria pobreza, o senhor sentiu
compaixão pelo devoto do Sutra de Lótus, pensando que ele deveria estar
cercado pela neve nas profundezas das montanhas e necessitando de
alimento. Assim, o senhor enviou-me um kan de moedas. O seu
oferecimento é como o da mulher pobre que deu a um pedinte o único
manto, que ela e seu marido dividiam, ou como o de Rida, que cedeu o
painço de seu jarro a um pratyekabuddha. Quão admirável ! Falarei a
respeito em maiores detalhes posteriormente.

Com meu profundo respeito,

Nitiren, Em 27 de dezembro de 1280. (END- Vol.VI, pág.185)

Fundo de Cena

Nitiren Daishonin escreveu este Gosho no Monte Minobu, no inverno de


1280, para Nanjo Tokimitsu, o jovem administrador da Vila Ueno na
província de Suruga que era seu discípulo desde a infância. A partir da
época em que Nitiren Daishonin veio a morar em Minobu, Tokimitsu
tornou-se especialmente próximo de Nikko Shonin e apoiou os seus
esforços de propagação na área Fuji. Durante a perseguição de Atsuhara,
ele usou a sua influência para proteger os outros praticantes, abrigando
alguns em sua própria casa e intervindo a favor da libertação daqueles que
haviam sido presos. Nitiren Daishonin homenageou-o pela sua coragem
denominando-o Ueno, o sábio, apesar de o rapaz mal ter vinte anos na
época.

Este Gosho foi escrito no ano seguinte do clímax da Perseguição de


Atsuhara. Naquela oportunidade as autoridades de Kamakura, em
retaliação ao apoio de Tokimitsu aos seguidores de Nitiren Daishonin,
impôs difíceis taxas punitivas à sua propriedade e exigiu que ele
fornecesse homens para trabalho não pago. Entretanto, a despeito de sua
própria pobreza, a primeira preocupação de Tokimitsu era com relação à
Nitiren Daishonin, e, de alguma maneira, ele conseguiu enviar-lhe um kan
de moedas. Profundamente comovido, Nitiren Daishonin escreveu-lhe esta
carta, em resposta. Na primeira parte, ele louva o espírito de doação como
uma causa que conduz à iluminação e explana dois tipos de oferecimentos.
No primeiro caso, oferece-se a pessoa aquilo de que ela mais necessita. No
segundo, dá-se a outra pessoa algo essencial a ela, embora o doador em si
possa ter somente um item do mesmo, e não possa sustentar a sua vida
sem isso. O espírito subjacente a tal ato é o da disposição de oferecer a
própria vida, uma postura fundamental da fé.

Na parte seguinte, citando os exemplos do Rei Konjiki e do mercador


Sudatta, cujo nome deu título ao Gosho, Nitiren Daishonin reafirma que o
sincero espírito de dedicação expresso nos oferecimentos de Tokimitsu
constitui o caminho direto para o estado de Buda e produzirá benefícios
insondáveis.

Você também pode gostar